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I Série-Número 76 3177

Quarta-feira, 21 de Abril de 1982

DIÁRIO Da Assembleia da República

II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)

Presidente: Exmo. Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 66, 67, 68, 69, 70, 71 e 72 do Diário.
Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Fernando Condesso (PSD) acusou o PCP e o jornal O Diário de caluniarem e difamarem o antigo dirigente do seu partido, Sá Carneiro, por noticias acerca de uma alegada divida deste à banca e recentemente declarada como não existente, por sentença dos tribunais. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento e a um protesto do Sr. Deputado Veiga de Oliveira (PCP) - cujas afirmações mereceram, por seu lado, um protesto do Sr. Deputado Nuno Rodrigues dos Santos (PSD).
A propósito de uma intervenção produzida na sessão anterior, sobre a política prosseguida pelo governo AD no sector empresarial do Estado, e em particular na empresa pública dos CTT e TLP, o Sr. Deputado João Cravinho (PS) respondeu a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs. Deputados Arménio Matias e Portugal da Fonseca (PSD) e Carlos Robalo (CDS).
O Sr. Deputado Herberto Goulart (MDP/CDE) criticou a actuação do Governo em relação aos conflitos e problemas existentes na Fábrica de Loiça de Sacavém.
O Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP) referiu-se à falta de apoio do Governo, relativamente à situação em que se encontram alguns grupos independentes de teatro, contrapondo-a aos gastos de dinheiro com o recente espectáculo comemorativo dos 25 anos da RTP.
O Sr. Deputado António Moniz (PPM) descreveu a situação de abandono em que se encontra o Convento de S. Cristóvão de Lafões, apelando aos poderes públicos para a restauração daquela obra monumental.
O Sr. Deputado José Niza (PS), apoiando a intervenção do deputado comunista José Manuel Mendes, produziu mais algumas afirmações acerca do teatro que a RTP produz.
O Sr. Deputado Magalhães Mota (ASDI) criticou as medidas económicas anunciadas pelo Governo e o facto de elas não terem sido previamente comunicadas à Assembleia e por ela discutidas.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Alexandre Reigoto (CDS) procedeu à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, sobre a substituição de 2 deputados do CDS, que foi aprovado.
A Sr.ª Deputada Odete Santos (PCP) procedeu â apresentação do projecto de lei n. º 325/II, do seu partido, que garante a todas as crianças do ensino obrigatório o direito a um suplemento alimentar completo. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Lemos Damião (PSD) - que também fez um protesto a que a deputada apresentante respondeu -, Teresa Ambrósio (PS) e Daniel de Bastos (PSD).
O Sr. Deputado Sousa Tavares (PSD) usou do direito de defesa em relação a palavras proferidas pelo Sr. Deputado António Arnaut (PS), na sessão anterior, aquando da discussão do projecto de lei sobre taxas moderadoras.
Continuou a discussão, conjunta, dos projectos de lei n. os 306/II e 312/II, que foram rejeitados, tendo usado da palavra os Srs. Deputados Henrique de Moraes (CDS), Zita Seabra (PCP), Gomes Carneiro (PS) e Mário Tomé UDP).
Proferiram declarações de voto os Srs. Deputados António Arnaut (PS) - tendo-se referido ainda à intervenção do Sr. Deputado Sousa Tavares (PSD) quando usou do direito de defesa -, Josefina Andrade (PCP), Herberto Goulart (MDP/CDE) e Lopes Cardoso (UEDS).
Procedeu-se à discussão, conjunta, dos projectos de lei n.º 311/II e 278/II, relativos à lei quadro do ambiente e qualidade de vida, apresentados, respectivamente, pelo PPM e pelo PS. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Borges de Carvalho (PPM), Leonel Fadigas (PS), Herberto Goulart (MDP/CDE), Lopes Cardoso (UEDS), Oliveira e Sousa (CDS), Anselmo Aníbal (PCP), Vilhena de Carvalho (ASDI), Rogério de Brito, José Manuel Mendes e Zita Seabra (PCP), Magalhães Mota (ASDI), Carlos Robalo (CDS), Carlos Lage (PS) e Jorge Lemos (PCP).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

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Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Adérito Manuel Soares Campos.
Adriano Silva Pinto.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Américo Abreu Dias.
Anacleto Silva Baptista.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José B. Cardoso e Cunha.
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando José da Costa.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.

anuel Ribeiro Arruda.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Helena do Rego Salema Roseta.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Martins Adegas.
Natália de Oliveira Correia.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António José Vieira de Freitas.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Mendes Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.

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Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João José M. Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto de Faria Xerez.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rui António Pacheco Mendes.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI)

Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena Carvalho.
Manuel Tílman.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

António Monteiro Taborda.
Herberto de Castro Goulart da Silva.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 66, 67, 68, 69, 70, 71 e 72 do Diário. Há alguma objecção?

Pausa.

Não havendo, consideram-se aprovados. O Sr. Secretário Reinaldo Gomes vai proceder, agora, à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

De Daniel Alves da Cunha, residente em Gondomar, expondo a situação de ex-emigrante e investidor na Torralta.
De Vítor Manuel de Sousa Ilharco e Outros, recluso do Estabelecimento Prisional do Porto, em Custóias, remetendo fotocópia de carta enviada a SS. o Papa João Paulo II.
Do Corpo de Bombeiros Municipais de Viseu referindo as discriminações fiscais que vêm atingindo as corporações de bombeiros municipais e dando conta da sua concordância ao projecto de lei do PCP, que se encontra pendente de apreciação em Comissão, sobre tal matéria.
Da firma M. Faustino & Roque, Lda., com sede na Amadora, invocando o art. 107.º da Constituição da República, para salientar a forma incorrecta como a administração fiscal continua a colectar as empresas.
De Rogério José da Silva Martins, internado na Casa de Saúde do Telhai, remetendo fotocópia de exposição dirigida a S. Ex.ª o Presidente da República.
Da Comissão de Moradores do Murtal, no Estoril, transcrevendo uma moção acerca do problema existente com os trabalhadores do Hotel Baía.
Da Comissão Unitária de Mulheres do Montijo remetendo 8 moções de apoio aos projectos de lei do PCP sobre a protecção e defesa da maternidade, garantia do direito ao planeamento familiar e educação sexual e interrupção voluntária da gravidez.
Em número de 10, chegadas de Gouveia, Algés, Lisboa, Belmonte, Pinhel, Freixianda, Minzela e Setúbal, 13 abaixo-assinados de Alverca da Beira, Rio Torto (Gouveia), Reboleira (Trancoso), Tortozendo, Seia, Lagarinhas (Gouveia), Vila Nova de Tazem, Ribeira de Pena, Vila Nova de Foz Côa, Vila da Ponte (Montalegre), freguesia de Melo (Gouveia), Sebadelhe da Serra (Trancoso) e Alpedrinha, e 41 telegramas de várias loca-

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lidades do País, todos repudiando o projecto de lei sobre o aborto.

Ofícios

Da Assembleia Municipal de Azambuja capeando duas moções aprovadas por maioria na reunião que teve lugar no passado dia 5 de Março, uma sobre a greve geral de 12 de Fevereiro e a outra sobre a situação em El Salvador.
Da Assembleia Municipal de Lagos enviando fotocópia da moção ali aprovada na reunião do dia 26 de Fevereiro de apoio aos projectos de lei apresentados pelo PCP nesta Assembleia em 20 de Janeiro passado.
Da Assembleia de Freguesia de São Simão, de Azeitão, remetendo cópias de duas moções aprovadas naquela autarquia, uma sobre a fábrica Refrige (Coca--Cola), instalada na freguesia, e outra solicitando a construção de uma escola primária.
Da Assembleia Municipal de Matosinhos transcrevendo o texto da moção aprovada naquela Assembleia, em sessão realizada no passado dia 26 de Março, sobre política do Governo.
Da Câmara Municipal de Miranda do Corvo enviando fotocópia de uma proposta aprovada por unanimidade pela Assembleia Municipal, em reunião de 27 de Fevereiro, sobre a deficiente exploração da linha da Lousã.
Da Junta de Freguesia de Santa Maria de Belém remetendo o texto da saudação aprovado pela Assembleia daquela autarquia acerca do aniversário da Constituição da República.
Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Químicas do Centro e Ilhas, com sede em Lisboa, remetendo fotocópia de um memorando e de uma moção, datada de S do corrente, sobre a situação na Empresa Luso-Belga Vítor C. Cordier.
Da Câmara Municipal de Évora referindo-se ao projecto de lei n.º 283/1, sobre a criação da freguesia de Guadalupe, manifestando o interesse daquela autarquia na concretização favorável do citado diploma.
Do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins, com sede em Lisboa, enviando depoimento do seu secretário-geral, José Simões, sobre a situação na Polónia.

Telegramas

Em número de 37, e l telex de diversos cidadãos e várias entidades públicas e privadas, apoiando a criação do concelho de Canas de Senhorim.
Em número de 9, e l telex de trabalhadores de diversas empresas, comissões e direcções sindicais, repudiando a actuação de forças policiais na Fábrica de Loiça de Sacavém.
l telegrama e l telex, acerca da situação dos «estivadores conferentes» nos portos de Leixões e Lisboa, respectivamente da comissão directiva do Sindicato dos Estivadores do Porto e direcção da Associação dos Agentes de Navegação do Centro de Portugal.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, na última reunião foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Joaquim Miranda e Alda Nogueira; ao Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pelo Sr. Deputado João Carlos Abrantes; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelos
Srs. Deputados João Carlos Abrantes, Vidigal Amaro e Zita Seabra; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; aos Ministérios do Trabalho e dos Assuntos Sociais e à Secretaria de Estado da Administração Interna, formulado pelos Srs. Deputados Odete Santos e Jorge Patrício; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Martins Moreira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para uma declaração política está inscrito o Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Sousa Manques (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - A minha interpelação à Mesa é no seguinte sentido, Sr. Presidente: na última sessão, depois da declaração política produzida pelo Sr. Deputado João Cravinho, houve deputados que lhe colocaram perguntas, a que ele respondeu, tendo ficado ainda inscritos alguns outros deputados. Eu gostava de saber qual o procedimento que a Mesa entende dever levar a cabo sobre esta questão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, relativamente a essa questão, a Mesa pensou utilizar o procedimento habituai, a que só uma vez foi feita excepção por razões então invocadas. Assim, daremos prioridade à declaração política que está inscrita para hoje, passando-se a seguir à formulação dos pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado João Cravinho.
Há algum inconveniente a que assim se proceda?

Pausa.

Não havendo, concedo a palavra ao Sr. Deputado Fernando Condesso para que produza, em nome do PSD, a declaração política já anunciada.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para nós, sociais-democratas, os fins não justificam os meios, pelo que rejeitamos completamento que, vez alguma, um meio objectivamente reprovável possa ser colocado como instrumento de obtenção de algo que se encontre na meta dos nossos horizontes políticos.
Por isso, somos contra o terrorismo e, em geral, contra as acções violentas com fins políticos.
Por isso, somos contra a difamação e a injúria, formas bem mais perigosas, desgastantes e difíceis de combater de terrorismo verbal, como meios de aniquilar adversários políticos e, indirectamente, neutralizar as forças que os apoiam.
A luta política, em democracia, deve fazer-se com argumentos políticos, sendo a vida pessoal de cada um do seu foro íntimo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos deixar de considerar abominável que, por ambições políticas pessoais ou pela conquista partidária do poder, se misture a vida pública e a vida privada dos cidadãos e se use esta, camuflada-

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mente politizada, como meio de luta, como arma desesperada quando a capacidade política não pode ser questionada.

Vosso do PSD: - Muito bem!

O Orador - O centro da política para nós é o homem e não o partido. É para o bem do homem, qualquer que seja a sua cor política, que lutamos e não para a vitória, a todo o custo, do partido a que pertencemos, mesmo à custa da dignidade do homem.

Aplausos do PSD.

Para nós, sociais-democratas, o respeito pela pessoa humana é algo de fundamental, mas a pessoa humana considerada em todas as suas dimensões, a pessoa humana como valor supremo a defender em si e como cidadão com um caminho a trilhar, caminho que pretendemos, como políticos e solidariamente com os outros homens, ajudar a procurar, para encontrarmos soluções de maior felicidade, pela implementação da melhoria das condições de vida na comunidade nacional.
Por isso, enquanto políticos, pensamos a comunidade, mas sempre em aceitar espezinhar o indivíduo.
A política, por isso, inserindo-se em plano distinto do da ética não pode, no entanto, em democracia, deixar de ser feita com respeito por certos princípios balizadores da sua acção.
Na luta pelo poder democrático, os homens inserem-se em partidos que produzem programas: em causa está a bondade ou não desses programas para resolver os problemas nacionais; em causa está a capacidade dos homens para realizar os programas oferecidos ao eleitorado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sá Carneiro, fundador do que è hoje o maior partido português, o PSD, lutador contra a ditadura do antes 25 de Abril e lutador contra a irresponsabilidade e a tentativa de imposição de outra ditadura no período de 1975, denunciador dos abusos do Partido Comunista que, sem o aval popular, com pequena representatividade e à margem dos órgãos do poder e, assim, sem respeito pelas leis, pessoas e instituições e pelo próprio programa libertador do povo português, apresentado pelo Movimento das Forças Armadas, vinha procurando aplicar o seu programa marxista à sociedade portuguesa, a quem sistematicamente fez frente pelos meios ao seu dispor, de modo coerente, persistente e sem medos, estava, por isso e perante a incapacidade de outros políticos, predestinado a assumir funções importantes na cena política portuguesa, como veio a acontecer devido às eleições legislativas intercalares de 1979, a partir de quando assumiu o cargo de Primeiro-Ministro.
O PCP não podia deixar de o visionar e por isso, desde princípios de 76, de modo maquiavélico, nos seus comícios como nos seus jornais, designadamente no Diário, começou a montar uma cabala capaz de o desmoralizar e de confundir o povo português.
Fala-se então em dívida, dívida à banca, à banca nacionalizada, referindo-se ao Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa, apesar de este, por carta, ter declarado que nenhuma dívida existia. Fala-se em fraudes e delitos, aumentando-se sempre sistematicamente os ataques quando se aproximam as campanhas eleitorais e o prestígio de Sá Carneiro e do PSD parecia impor-se.
A partir de Julho de 80, impotente para atacar no campo de luta próprio, o campo da acção política, a oposição, o PCP e seu Diário e mesmo em certa fase final da campanha eleitoral, por arrastamento precipitado de que verdadeiramente não poderá deixar de se ter arrependido, o próprio PS atacou a honra do Primeiro-Ministro.
Fala-se no Watergate português. Diz-se que a imagem do homem que ocupa o cargo de Primeiro-Ministro sairá destruído do julgamento, que ficará para a história.
Fala-se em escândalo do ano, tantas são as provas apresentadas, diz-se que o acontecimento permite desmascarar um aventureiro que conseguiu escalar os degraus do poder, acontecimento que seria o seu túmulo político, pretendendo-se com tudo isto confundir e criar na opinião pública interna e internacional uma imagem de um Primeiro-Ministro devedor, relapso e defraudador da banca do Estado, em ordem a levá-lo a demitir-se do cargo.
O grupo parlamentar do meu partido traz hoje à memória do Parlamento e do povo português estes factos, porque foi proferida recentemente sentença judicial em que o tribunal conclui que pelo Dr. Sá Carneiro, agora substituído pelos seus sucessores na demanda, nada é devido à banca nacionalizada.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Aqui temos a verdade dos factos declarada pelo órgão judicial competente.
Aqui vemos quanta mentira e falta de ética animou sempre a oposição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje, não nos move o desejo de vindicta, de clamar em termos primários contra quem usa métodos indignos, alheios ao espírito democrático, para atingir os seus fins políticos. Move-nos somente o desejo de vir a esta Câmara lembrar o ocorrido numa tripla perspectiva: a perspectiva de afirmação de princípios que são ínsitos à nossa concepção social democrata, e portanto à nossa maneira de estar em democracia, e que tem merecido a adesão do povo português, que nos tem apoiado; ...

Vozes do PSDs - Muito bem!

O Orador: - ... a perspectiva pedagógica de reflexão para todas as forças democráticas, na procura de caminhos que têm de ser de todos os democratas, que não se podem deixar influenciar por quem à democracia não tem amor e apenas dela se pretende aproveitar para levar avante os seus desígnios;...

Aplausos do PSD.

... e a perspectiva de homenagem â integridade pessoal e à coragem política do homem que fundou o PSD e a AD, homenageando igualmente todos aqueles que sempre confiaram nele, votando na AD.
Sá Carneiro, perante as acusações, desprezou os ataques, confiando na justiça. Não iríamos ser nós, agora, feita justiça, a valorizar esses ataques numa óptica de aniquilamento moral de um partido parlamentar perante a opinião pública, até porque esta deu aos caluniadores a resposta merecida, uma vez que a AD reforçou substancialmente o seu eleitorado em 1980.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, sem embargo, será bom recordar

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que a luta de Sá Carneiro contra o Partido Comunista se mantém e se manterá sempre.
Nós, sociais-democratas, não somos anticomunistas primários. Sabemos porque o somos e, por isso, não temos medo do PCP.
Não são tanto os seus programas de acção, mas os métodos e a sua filosofia de vida que nos separam.
Podemos divergir de outros partidos como o CDS, porque serão mais ou menos conservadores, ou como o PS, porque vêem o progresso social apenas numa perspectiva de socialização dos meios de produção e nem sequer sabe ter sentido nacional, aceitando despartidarizar a Constituição que foi feita para todo o povo. E podemos divergir porque temos concepções programáticas diferentes, mas poderemos convergir com qualquer deles, em qualquer momento, como agora acontece com o CDS e já antes também acontecera entre o PS e o CDS, quando o interesse nacional impuser esclarecidamente uma convergência pragmática dos diferentes programas para uma acção política comum.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com o PCP é diferente. Nunca poderíamos estar do mesmo lado, nem em questões de governo, nem em questões de regime, nem sequer parecê-lo, porque conscientemente nos mantemos portugueses e europeus, fiéis aos valores de civilização e cultura ocidentais, sensíveis à psicologia e respeitadores do pensamento ético do povo, como da sua vontade, pois é esta a fonte primeira do poder e não apenas o destinatário final do exercício do mesmo.
Separam-nos civilizações e métodos, separam-nos concepções do papel do homem no Mundo, pois este nunca é para nós um instrumento mas sempre um fim de acção política.
Relembrar o que nos separa do Partido Comunista será supérfluo mas pode ser pedagógico para todos os democratas, sobretudo em momentos importantes da vida nacional.
Fazemo-lo hoje, aqui e agora, em memória de um grande português, democrata, que dele sofreu uma campanha permanente e sistemática de ataques à honra, à dignidade e ao bom nome, por motivos eleitorais e que, homem honesto e vertical de que o PSD se orgulha, não teve um fim político, pois que o seu túmulo foi outro, afastando-o da direcção dos destinos nacionais que, por certo, por vontade do povo teria por muitos anos nas suas mãos.
E dirigimo-nos a todos os partidos, a todos os democratas, para que agora e sempre, conscientemente, compreendamos que há métodos que indignificam o homem e o político, atingindo os regimes, enfraquecendo a própria democracia, que desacreditam, e revoltando o povo, que é o seu único sustentáculo.
Este apelo é o pior ataque àqueles que insistiram em não o compreender por se excluírem das concepções fundamentais propiciadoras do exercício de uma verdadeira democracia e nenhum valor dão ao respeito pelos valores fundamentais do povo português, e é simultaneamente a melhor maneira de, perante os democratas, desagravar a memória de Sá Carneiro.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Nem parece advogado, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Pediu a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Veiga de Oliveira. Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga da Oliveira (PCP): - Sr. Deputado Fernando Condesso, antes de tudo quero dizer-lhe que nós gostamos pouco de mexer em certas questões que, por dizerem respeito a mortos, já não têm interesse ...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Depende da ocasião!...

O Orador: - ... e não podem contribuir, de facto, nem para a resolução dos problemas de hoje nem dos de amanhã.
Em todo o caso, sempre lhe digo, Sr. Deputado, que tudo o que disse a respeito da acção declarativa, em que a decisão dos tribunais foi a de que não havia dívida, tem o valor que tem. Isto é, não tem valor nenhum.
Como o Sr. Deputado, sabe, pois até é advogado, essa acção não tem instrução contraditória e não faz parar o procedimento que existe e em que haverá instrução contraditória com apresentação de provas de "por" e "contra".

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - Essa é, de facto, uma declaração que não só não tem valor, como, eu direi até, não tem interesse nenhum para esta Câmara.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas quero dizer-lhe algo mais. O Sr. Deputado disse, e insistiu, que para vós o homem vale tudo e os partidos valem nada. Esse é um assunto que eu não quero discutir - poderia ser que a discussão nos levasse a pontos em que aparecessem coincidências não esperadas.
Porém, dir-lhe-ei que da vossa parte há, pelo menos, alguma hipocrisia quando, por um lado, dizem isso e, por outro lado, fazem substituir deputados para votar diplomas que o partido decide votar de uma maneira, fazendo-o contra a vontade e até a expressa opinião - expressa pela assinatura como proponentes do diploma- de deputados do vosso partido. Isso é pelo menos hipocrisia, Sr. Deputado, tanto mais quanto são muito recentes as substituições que fizeram para poderem forçar os vossos deputados ao vosso partido.
Eu gostaria, Sr. Deputado, que da próxima vez me esclarecesse melhor do que é que para vós vale mais. Diga-me, Sr. Deputado: se realmente o homem vale tudo, por que é que forçaram a substituição dos vossos deputados, por que é que os obrigaram a pedir a substituição para terem os votos que não teriam, se os homens valessem tudo e o partido valesse nada?

Aplausos do PCP.

Vozes do PSD: - Foi fraquíssimo, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, pôs-me V. Ex.ª quatro questões, sobre as quais, muito rapidamente, direi que em relação ao

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«mexer» nos mortos, Sá Carneiro é, efectivamente, alguém que já não pertence ao número dos vivos. Mas ao ofender-se a memória daquele que era o líder do meu partido, daquele que foi um dos principais fundadores da Aliança Democrática, ofendeu-se a memória daqueles que nele confiaram, ofendeu-se a memória de muitos e muitos portugueses que, de facto, não podiam aceitar todo esse tipo de ataques e de calúnias que o Partido Comunista vinha fazendo.

Vozes ao PSD: - Muito bem!

O Orado?: - A nossa intervenção feita hoje e aqui foi para lembrar estes factos, foi para mostrar, com a sentença que aqui trouxe a público, que no fundo os Portugueses bem fizeram quando confiaram que a Aliança Democrática e o seu líder máximo se tinham pautado por critérios de honestidade e integridade.
O Sr. Deputado falou na acção do tribunal e eu dir-lhe-ei que, em termos técnicos, se trata de uma acção ordinária, em que todas as possíveis partes credoras foram citadas, em que o Banco Espírito Santo, por vós citado, contestou. As situações são, pois, regulares e eu nada mais tenho a acrescentar.
Quanto ao problema do valor do homem e do partido, Sr. Deputado, eu não disse que desvalorizava o partido. Em democracia os partidos têm valor e devem ser valorizados - não é na área do Ocidente, não é na área das democracias na qual nos situamos, que eles são desvalorizados. Mas valorizar não é apenas valorizar em termos tais que mais nenhum possa existir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Oraste: - Valorizar o partido é valorizar o seu enquadramento democrático ...

Aplausos do PSD.

... e nós valorizamo-lo como instrumento da conquista do poder. O que pretendi dizer, Sr. Deputado, foi que entendemos que nunca, por fins que apenas visem a conquista partidária do poder, se devem pôr em causa valores fundamentais ligados à pessoa humana.
Quanto ao problema das substituições de deputados operadas na semana anterior, por causa da votação do projecto de lei sobre a amnistia, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que nós não pressionamos nenhum colega da bancada a pedir a sua substituição.
É sabido que dois colegas nossos subscreveram esse projecto de diploma e é sabido que apenas um desses colegas foi substituído, mas isso aconteceu a pedido seu, sem qualquer pressão da direcção do grupo parlamentar.
Quanto a outras e muitas substituições pontuais, de um ou dois dias, que nessa semana como em outras anteriores se têm feito, e a que não só V. Ex.ª como a própria imprensa se tem referido, o meu grupo parlamentar fez já um comunicado que tornou público. Ainda assim dir-lhe-ei que essas são substituições perfeitamente regimentais, normais, que todas as bancadas desta Câmara têm usado sempre que as entendem necessárias. O que está em causa nesta Câmara é o deputado, evidentemente, mas são também as forças políticas que representam o povo português e é preciso é que essas forças políticas aqui dentro, no Parlamento, correspondam a essa maioria do povo português. Conjugando os dois critérios, as substituições não podem deixar de ser perfeitamente regulares.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente! - Ao que julgo, para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Exacto, Sr. Presidente.
Pretendo protestar por que o Sr. Deputado Fernando Condesso não respondeu à questão que lhe coloquei, sobre o valor da acção ou da decisão do tribunal a que se referiu.
O Sr. Deputado sabe muito bem que nessa acção não houve instrução contraditória e, mais, sabe que prossegue uma acção em tribunal - essa sim com instrução contraditória - que não está ainda decidida e que é dela que, finalmente, se decidirá sobre se havia ou não havia divida.
Posto isto, Sr. Deputado, dir-lhe-ei que não há que, desde já, atribuir sentido calunioso a nenhuma acusação, porque está por demonstrar se é caluniosa ou não.
O Sr. Deputado, para já, não tem nenhum direito para dizer que são calúnias as acusações feitas. Depois de os tribunais se pronunciarem, então, sim, ver-se-á se são ou não calúnias.
Finalmente, Sr. Deputado, nesta última intervenção V. Ex.ª tentou cobrir-se com Sá Carneiro -cuja memória, em meu entender, talvez fosse melhor respeitada se V. Ex.ª não se cobrisse com ele dessa maneira- para dizer que prosseguia a sua luta anticomunista contra o Partido Comunista. Ora, em minha opinião, o Sr. Deputado e o PSD deverão poder prosseguir a luta que entenderem sem terem de se cobrir com a memória de ninguém e muito menos com a memória de Sá Carneiro.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidentes - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condenso (PSD): - Sr. Deputado Veiga de Oliveira, o meu contraprotesto, no que se refere à sentença, é feito nestes termos: será que o Partido Comunista não reconhece valor a uma sentença de um tribunal que declara que o Dr. Sá Carneiro nada deve à banca?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ó Sr. Deputado, V. Ex.ª sabe que não é isso! ...

O Orador: - Sobre isso mais nenhuma consideração tenho a fazer, pois VV. Ex.as sabem que os tribunais são os órgãos máximos que podem efectivamente decidir sobre estas questões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao problema da luta anticomunista, o Sr. Deputado ou ouviu mal o meu discurso ou interpretou-o mal. Eu não falei em luta anticomunista nem em luta contra o Partido Comunista. O que eu fiz foi, situando a luta que então a minha bancada levou a cabo contra as tentativas de instauração de um poder antidemocrático pelas vossas bancadas, referir aquilo que separa a minha bancada da vossa bancada em termos de

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fundo, que são termos de princípios, e nada mais do que isso, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Rodrigues dos Santos.

O Sr. Nuno Rodrigues dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou efectivamente proceder a dedução de um breve protesto que será também um indispensável esclarecimento.
Fui o deputado a que se fez referência há momentos, quando se falou da substituição de deputados. Efectivamente fui substituído, mas fui-o por iniciativa própria.

Aplausos do PSD, do CDS e ao PPM.

E quero explicar porquê.
Ao contrário do que vejo muita gente pensar, inclusivamente correligionários que me merecem a maior consideração, eu entendo que o voto de que faço uso aqui não è minha propriedade pessoal. Esse voto terá de preservar o compromisso que existe entre mim e o partido que me fez eleger, o que de resto sempre tenho mantido.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Não tenho o direito, seja em que circunstâncias for, de sujeitar o meu partido a um voto que traduza apenas uma manifestação de vaidade pessoal.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Eu sei que a oposição teria natural empenho em que eu procedesse dessa maneira. Mas se eu estou aqui para alguma coisa, não é decerto para prestar determinados serviços à oposição.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Finalmente, quero acentuar o meu esclarecimento declarando que o meu partido, por intermédio fosse de quem fosse, não me fez qualquer exigência nesse sentido. Fui eu que entendi, nos termos que acabo de expor, que devia tomar a atitude que tomei. Mais: por dever de justiça devo afirmar que não acredito que ninguém do meu partido se tenha atrevido a fazer exigências dessa natureza a qualquer deputado.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora aos pedidos de esclarecimento pendentes, relativos à declaração política feita pelo Sr. Deputado João Cravinho.
Estão inscritos para o efeito os Srs. Deputados Arménio Matias, Borges de Carvalho, Portugal da Fonseca e Sousa Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Arménio Matias.

O Sr. Arménio Matias (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fugindo ao equilíbrio e bom senso a que nos havia habituado, o Sr. Deputado João Cravinho trouxe a esta Assembleia, em termos apaixonados e inexactos, a situação dos CTT/TLP.
Até há poucos meses, o domínio social-marxista sobre essas empresas era absoluto. O 25 de Novembro não tinha aí tido qualquer repercussão.
O novo conselho de administração, cujo presidente é um dos mais competentes e prestigiados gestores de todo o sector público dos transportes e comunicações, encetou com determinação o processo de normalização da vida dos CTT/TLP, que tudo indica prosseguirá com sucesso.
Pergunto ao Sr. Deputado João Cravinho, cuja intervenção cairia muito melhor a uma certa esquerda do que ao próprio PS, se tem medo da democratização empreendida nos CTT/TLP? Ou se receia o êxito seguro da nova gestão dessas empresas?
Aproveito a oportunidade para esclarecer o seguinte:
Que a nova administração não demitiu os directores-gerais, porque estes lugares estavam a ser ocupados em acumulação por membros da administração cessante. Procedeu-se, isso sim, ao seu preenchimento por gestores de carreira das próprias empresas com sobejas provas dadas;
Que, com objectivos de eficácia, se simplificou uma bizarra situação nas direcções-gerais, que incluía directores-gerais-adjuntos, adjuntos dos directo-res-gerais e adjuntos dos directores-gerais-adjuntos, cujo total foi reduzido para cerca de um terço;
Que a substituição dos quadros dirigentes e o preenchimento de lugares vagos ou criados têm sido feitos gradualmente e em número reduzido, seguindo sempre critérios estritamente empresariais;
Que a descentralização e a regionalização não foram quebradas. Bem ao contrário, estão a ser proporcionados às regiões meios para uma actuação eficaz, que permita corrigir situações anómalas fruto de uma descentralização precipitada. E que descentralização era essa que mantinha mais de 20% dos efectivos nos órgãos centrais de telecomunicações?
Que, ao contrário do que se afirma na intervenção, o ritmo de colocação de novos postos telefónicos tem sido intenso, tendo os TLP em Fevereiro e os CTT em Março do corrente ano atingido os seus recordes absolutos;
Que o prazo médio de montagem de novos postos telefónicos não é de 27 meses (valor válido para os CTT) porque para dois terços do parque telefónico - o dos TLP- esse prazo é de 12,8 meses. Mesmo assim, o exagero destes valores resulta de uma procura intensa que ultrapassou as previsões que haviam sido feitas;
Que o plano que estava em vigor, não estando avaliadas as consequências financeiras da sua aplicação, punha em causa a solidez económico-financeira dos CTT no futuro;
Que o plano em preparação tem como objectivo principal aumentar as taxas de crescimento da produtividade dos recursos humanos, materiais e financeiros;
Que o plano de recuperação telefónico, em fase avançada de apreciação, permitirá ao governo da Aliança Democrática assegurar ao País um serviço telefónico adequado;
Que as modificações estruturais imprimidas à informática e aos aprovisionamentos vão conferir-lhes maior eficácia;
Que a evolução tecnológica do nosso sistema telefónico é normal. Não é verdade que esteja a ser aplicada, de forma sistemática, no mundo a tecnolo-

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gia electrónica. Mesmo na Suécia, que é o país mais avançado nesse campo, continuam a ser aplicados equipamentos de comutação de tipo tradicional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Cravinho, prefere responder já ou aguardar os outros pedidos de esclarecimento?

O Sr. José Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com atenção a declaração política preparada com 4 dias de antecedência...

Risos de alguns deputados do PS.

... e reservo-me para responder no final, em conjunto, porque me parece que um certo tipo de debate nesta Assembleia não poder ser, de modo algum, baseado em incidentes ou acidentes que não permitam tirar conclusões a nível político que dignifiquem a própria Assembleia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só lhe pedia que não respondesse consecutivamente no final de cada intervenção e depois ainda no fim de todas elas. Não estaria de acordo com o nosso Regimento.
Como o Sr. Deputado Borges de Carvalho não está na sala, tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Fonseca para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Portugal de Forneça (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado João Cravinho: Sem preparação de 4 dias, unicamente pelos poucos apontamentos que tirei na altura da sua intervenção, queria, em primeiro lugar, congratular-me com a declaração de V. Ex.ª no sentido de considerar o sector público e o sector privado como complementares na economia portuguesa. É um passo grande dado pelo Partido Socialista. E que eu considero que complementaridade não é subordinação e, segundo declarações aqui muitas vezes feitas, para o Partido Socialista o motor da economia portuguesa é o. sector público; o privado será como que um adjuvante. Congratulo-me, de facto, com esse reconhecimento de complementaridade, da interpenetração dos sectores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Também me parece, Sr. Deputado, que foi aqui declarado por V. Ex.ª que o governo da Aliança Democrática estaria na intenção de desmantelar o sector público português, ou seja, o sector empresarial do Estado.
Não sei se esta afirmação foi ou não feita com plena consciência. O Sr. Deputado sabe perfeitamente que dentro do sector empresarial do Estado há empresas que prestam serviços fundamentais à economia portuguesa, e qualquer governo, seja ele da Aliança Democrática ou do Partido Socialista, não o quer desmantelar, porque é o seu instrumento fundamental de intervenção na economia portuguesa.
Mas também há nesse sector empresarial do Estado empresas que não prestam serviços fundamentais, que produzem bens inseridos numa concorrência perfeita no mercado português.
A pergunta que lhe queria fazer, Sr. Deputado, é se entende que estas empresas, principalmente as indirectamente nacionalizadas, devam pertencer ao enorme sector público empresarial do Estado que o Governo Português actualmente tem.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, acontece que o meu grupo parlamentar tem interesse em ainda hoje, antes de terminado o período de antes da ordem do dia, produzir uma intervenção, para o que está inscrito o meu camarada Lino Lima.
Neste sentido, prescindo da palavra, dando apenas esta justificação, para que o Sr. Deputado João Cravinho não pense que tenho uma atitude diferente da que tomei no último dia quando aplaudi a sua intervenção: estou de facto de acordo com o essencial do que o Sr. Deputado afirmou. Tinha, contudo, algumas questões a colocar que, para já, ficam prejudicadas.
Teremos mais oportunidades de discutir o assunto nesta Assembleia.

O Sr. Presidentes - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Suponho que as questões levantadas dizem respeito a três grandes temas.
Um primeiro tema é o do saneamento, questão essencialmente política da motivação das substituições operadas. Um segundo tema é a questão da eficácia e o que daí resulta como consequência. Um último tema é referente às questões de fundo que este caso particular nos põe no que toca às relações do Parlamento como órgão encarregado de fiscalizar o Governo e que lições se podem tirar desse plano.
Quereria dizer que a importância destes temas me leva a pôr de início o seguinte ponto: não tenho uma visão maniqueísta, não considero que haja bons de um lado e maus do outro, seja ao nível das empresas, seja ao nível do Parlamento. E, se trago aqui esta questão, é desde logo com a plena confiança na inteligência, capacidade e responsabilidade política de todos os parlamentares, sejam quais forem as bancadas em que se sentem. Por isso, nessa plena confiança, venho aqui pôr problemas para os quais peço a atenção dos Srs. Deputados; venho aqui levantar factos que merecem ser verberados nesta Assembleia e para os quais peço muito especialmente a atenção dos deputados da maioria.
Quanto à questão do saneamento, tenho aqui um dossier, que vou entregar às direcções dos grupos parlamentares para que eles investiguem os factos aqui mencionados. Esse dossier contém, em primeiro lugar, um extracto de um discurso do Sr. Presidente do Conselho de Administração dos CTT/TLP quando foi empossado. Dizia, nessa ocasião, o Sr. Presidente - no caso, engenheiro Oliveira Martins - o seguinte:
... não esperem VV. Ex.as ouvir de mim, nesta ocasião, o enunciado de um programa de actividades para os CTT e TLP. Por muitas e boas ideias que se tenham, seria leviano fazê-lo sem um conhecimento suficiente das realidades empresariais, que só um estudo cuidadoso e o tempo permitem.
Mas daí não vem mal nenhum ao mundo. Sucede simplesmente que, depois disto, no mesmo dia em que to-

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mou posse, e em que proferiu estas palavras, o Sr. Eng. Oliveira Martins, presidente do conselho de administração dos CTT/TLP, manda um telex, com o n.º 74, que reitera esta afirmação, ampliando-a, para logo a seguir mandar o telex n.º 75, em que se afirma que «o conselho de administração, em reunião efectuada ontem, logo após a tomada de posse, tomou as seguintes decisões: criar a Direcção-Geral TLP; extinguir a Direcção-Geral das Telecomunicações Externas; nomear os seguintes directores-gerais [3 nomeações]; nomear os coadjutores de cada director-geral; dar por findas as comissões de serviço de todos os anteriores directores-gerais-adjuntos e adjuntos de directores-gerais [tudo num total de 16 pessoas]». Depois de se confessar que não se têm ideias, que não se tem um plano, que não se vem inovar, que se espere pelo tempo!...
Se isto não é um saneamento, de que é que se trata?
Por outro lado, vem aqui um Sr. Deputado do PSD, agora mesmo, dizer-nos que,. na realidade, tudo isto foi feito - palavras de hoje - porque nos CTT/TLP estava em vigor o regime! social-marxista e que o 25 de Novembro não tinha ainda lá chegado!
Será que isto não é um saneamento político, agora confessado pelo Sr. Deputado?
Por outro lado, ainda, sabemos que O Tempo publicava, em 25 de Maio, uma reportagem sobre uma reunião dos socioprofissionais do PSD, em que directamente se dizia que dessa reunião resultaria a queda imediata da administração dos CTT/TLP.
Simplesmente, tal não sucedeu, porque entretanto caiu o próprio Governo, como bem se lembram os Srs. Deputados do PSD.
Se tudo isto não significasse a presunção de que há elementos extremamente gravosos e estranhos que, de facto, vinculam a ideia do saneamento político, bastava a intervenção de hoje do Sr. Deputado do PSD para não restarem dúvidas.
É para isso que eu chamo a atenção, dizendo uma coisa apenas: se não enveredamos por um caminho que se afaste radicalmente deste padrão, então nunca mais haverá sector público empresarial a funcionar, porque às vagas de saneamento suceder-se-ão as vagas de contra-saneamento e aos afastamentos políticos suceder-se-ão novos afastamentos políticos, em represália. Isso é, de facto, contrário a toda e qualquer ética, num período em que o País se democratiza, em que se deve estabilizar e funcionar.
O segundo ponto respeita às questões de eficácia. Quanto a estas, diz-se que tudo corre no melhor dos mundos. Talvez não seja assim, Srs. Deputados, e deixo-vos aqui alguns apontamentos para que possam pessoalmente verificar se isso se verifica ou não.
Assim, o que sucede é o seguinte: os trabalhos de infra-estruturas estão atrasados entre 25 % e 50 % relativamente ao planeado; o saldo qualitativo previsto para 1982 e 1983 não se está a verificar; o número de clientes à espera de telefones, que era, em Março, de 126000, aumentou, em Março de 1982, de 15000, dos quais 11000 desde a tomada de posse da nova gerência. Os atrasos eram de 26 meses em Fevereiro -comunicação oficial dos próprios CTT/TLP, que eu posso reproduzir, se assim o entenderem - e, embora actualmente sejam menores, continuam a existir. Tenho números sobre isso, e os Srs. Deputados deviam procurar saber por que é que nos vossos distritos se verificam esses atrasos em crescendo, em vez de estarem aqui a procurar cobri-los com a capa do proteccionismo político.
Como o tempo é escasso, gostaria apenas de dizer que as questões de fundo - essas sim é que são fundamentais- nos levam a pensar o seguinte: em primeiro lugar, é preciso entendermo-nos de vez sobre a necessidade absoluta do estatuto do gestor público.

Uma Vaz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não é possível continuarmos neste estado de coisas, com gestores e comissários políticos disfarçados de técnicos. Eu admito a intervenção política - eu pratiquei-a em tempos com responsabilidade - e todos os governos a devem praticar. O que não podem é disfarçar a intervenção política, o assalto político, com a capa da competência e da gestão meramente técnica. Os gestores públicos precisam de ser dignificados, precisam de ter as suas carreiras defendidas. Por sua vez, o Estado precisa de ter, do ponto de vista político, a capacidade e legitimidade para intervir na esfera própria.
Este é o primeiro problema.
Segundo problema: as bases gerais das empresas públicas necessitam de ser revistas. Não podemos ter, Srs. Deputados, uma constitucionalização do controle da comunicação social, do ponto de vista da sua equidade e bondade, e desprezarmos o aspecto fundamental do poder económico. Na situação portuguesa, tal é impossível. Temos, portanto, de nos dotar de instrumentos, ao nível da legislação ordinária e do próprio funcionamento do Parlamento, para garantir a todos - à oposição e à maioria, ao Governo e, digamos assim, à vida económica em geral- que existe, de facto, um mínimo de seriedade nestas coisas.
Por isso entendo que o próprio Parlamento tem de encarar uma reforma do seu modo de funcionamento neste particular. É necessário criar uma comissão parlamentar que siga os problemas do sector empresarial do Estado, mas é necessário que essa comissão funcione de um modo radicalmente diferente das nossas comissões parlamentares. É preciso que ela tenha os meios para fazer investigações, tenha capacidade de ouvir em audiência os gestores, os técnicos, o Governo, realizar inquéritos. É preciso que haja auditorias técnicas, económicas e financeiras, que sejam do conhecimento público -se bem que dirigidas ao Parlamento-, de fornia a evitar os desmandos que actualmente se verificam em muitos sectores - e não vou imputá-los agora a este ou àquele governo J O sistema induz e premeia o prevaricador, se ele tiver a vontade de prevaricar. É preciso que isso não suceda.
Há uma reforma parlamentar urgente a fazer, e nós devíamos ter a coragem de reflectir nesta Casa sobre a forma de impedir que o ambiente seja de tal modo que facilite e prenuncie o abuso do poder político através do controle dos meios económicos.

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.

Neste momento foram lançados panfletos de uma galeria destinada ao público para o hemiciclo.

O Sr. Presidente: - Chamava a atenção dos Srs. Guardas que estão a ser lançados panfletos para a Sala de uma galeria, o que não é permitido. Agradecia que tomassem as medidas necessárias, de maneira a que a legislação seja cumprida.
Tem a palavra, para formular um protesto, o Sr., Deputado Arménio Matias.

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O Sr. Arménio Matias (PSD): - Sr. Presidente, tanto no último dia como hoje, o Sr. Deputado João Cravinho insinuou repetidamente a ideia do assalto político-partidário que estaria em curso nos CTT/TLP.
Essa ideia é completamente falsa. Está a ser dado ao Parlamento e à opinião pública uma visão completamente distorcida da situação. Se houve assalto político-partidário no CTT/TLP, esse assalto foi empreendido durante os governos anteriores aos governos da AD.
Bastarão alguns exemplos para ilustrar a situação. Na verdade, foram afastados das suas funções os mais experimentados e competentes quadros de carreira durante os anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, particularmente a partir de 11 de Março, tendo sido recrutados vários quadros do exterior e colocados em destacados lugares no seio das empresas CTT/TLP.
Por exemplo, um economista que vendia cervejas em Angola vem a ocupar o lugar de director-geral das Telecomunicações; um economista que negociava em electrodomésticos é feito mentor da administração; um engenheiro de minas vindo de Angola ocupa um lugar de relevo nos correios, com especial interferência no sector de construção de edifícios; um especialista em finanças é responsável pelo sector de telecomunicações, interferindo na gestão económica e afectando os aprovisionamentos e os edifícios.

Uma voz do PSD: - Grande «mina»!...

O Orador: - Simultaneamente, alguns órgãos chave como a Direcção do Pessoal e a Informática são colocados sob rigoroso controle.
A Informática passa a exercer um politicamente apertado, e tecnicamente exagerado, controle sobre os CTT/TLP. As suas portas abrem-se frequentemente durante a noite para que elementos afectos ao PCP e a outros partidos de esquerda e extrema-esquerda possam recolher os dados que entenderem.
O que o novo conselho de administração está a fazer é a pôr termo a esta ocupação político-partidária, a fazer justiça aos trabalhadores dos CTT/TLP, a preparar essas empresas para o futuro.
O que os trabalhadores sociais-democratas, reunidos o ano passado em Tróia, fizeram foi deplorar a situação que existia nos CTT/TLP. Foi pedir a sua democratização, a sua recuperação para o serviço eficaz do País. As conclusões desse encontro são públicas. Ninguém gizou nenhum assalto como aqui foi dito. E se alguém do Gabinete do Sr. Primeiro-Ministro eventualmente se empenhou 'nessa normalização só temos que nos congratular por isso.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formular um contraprotesto, o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PSD): - O Sr. Deputado Arménio Matias, pelas palavras no início da sua intervenção de hoje, fez a confissão da motivação das modificações operadas nos CTT/TLP. Confessou-o perante toda a Câmara. Não vou recordar, de maneira alguma, o que disse. Foi pela sua própria boca que se exprimiu. Em todo o caso, tenho de fazer um contraprotesto, pois disse que fiz insinuações.
Não fiz insinuações, Sr. Deputado. Fiz afirmações, tendo entregue à sua bancada um dossier com todos os documentos, que são mais do que suficientes para que a sua bancada se inquiete e lhe responda a si.
Como o Sr. Deputado ainda não teve oportunidade de conferenciar com a sua bancada vou-lhe ler, para seu esclarecimento, um trecho de uma intervenção do Sr. Ministro Viana Baptista, que o deve inquietar e dar resposta.
Diz a imprensa, que eu não estava lá, nomeadamente o Diário de Notícias, de 28 de Março de 1982, as seguintes palavras referidas ao Sr. Ministro Viana Baptista e proferidas na reunião de quadros da AD da mesma data. Assim: «Viana Baptista salientou a falta de gestores qualificados nas empresas do sector público. Para o titular da pasta da Habitação, Obras Públicas e Transportes a escolha daqueles tem obedecido a critérios de índole partidária, tornando-se necessário que esse processo seja rejeitado, adoptando-se um sistema assente em princípios de qualificação.» Isto confirma, exactamente, o que o Sr. Deputado disse.
Como a referência a este assalto político-partidário foi feita em Tróia, como os critérios são de índole partidária, já que a reunião de Tróia é de índole partidária, como o Sr. Ministro vem aqui confessar que, actualmente, os critérios adoptados na escolha dos gestores públicos são excessivamente políticos, pergunte o Sr. Deputado ao Sr. Ministro se tal se aplica aqui.
No entanto, se tiver dúvidas quanto a isto, veja não «as insinuações», mas sim o curriculum que entreguei aqui dos 15 gestores afastados e veja, por outro lado, o daqueles que os substituíram. Há, com certeza, casos de competência numa empresa de 40000 pessoas. No entanto, não venha o Sr. Deputado pretender ignorar factos evidentes, dizendo que se trata de insinuações.

O Sr. Presidente: - Há ainda dois Srs. Deputados inscritos para protestar. Em todo o caso, o período de antes da ordem do dia acaba às 16 horas e 20 minutos.
Entretanto, está na Mesa um requerimento, do Grupo Parlamentar do PCP, a pedir o prolongamento do período de antes da ordem do dia, nos termos regimentais.
Srs. Deputados, vamos votar de imediato este requerimento.

Submetido a votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE e votos contra do PPM e de dois deputados do PSD (registando-se a ausência da UDP).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para protestar, o Sr. Deputado Carlos Robalo.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que vou usar a figura do protesto, embora não fosse isso que queria fazer. Pedi uma interrupção ao Sr. Deputado João Cravinho, que ele não me quis conceder, apesar de ter utilizado mais tempo. No entanto, o problema é do Sr. Deputado João Cravinho.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que entendo que tem toda a razão quando refere a menoridade do estatuto do gestor público. De facto, em Portugal, o gestor público tem um estatuto que de forma nenhuma se pode coadunar com as responsabilidades que o mesmo tem. Talvez essa seja uma das razões que leve à muita dificuldade que existe, por vezes, no recrutamento desses mesmos gestores.

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Não vou discutir, de forma nenhuma, se as nomeações dos gestores públicos têm ou não obedecido a critérios políticos. Não me atreverei a isso. Dir-lhe-ia, apenas, que isso tem sido uma constante, em meu entender, ao longo de todo o processo das empresas públicas. Talvez essa seja uma das razões importantes por que as empresas públicas atravessam determinado tipo de dificuldades.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silve Marques (PSD): - Gostaria só de lembrar que o primeiro governo que abordou esta questão, de forma parcelar, relativamente ao caso dos gestores das caixas de previdência, onde estão ainda hoje muitos membros do Partido Socialista, foi o primeiro governo da Aliança Democrática.

O Sr. Caídos Robalo (CDS): - Agradeço-lhe, Sr. Deputado, essa sua informação.
No entanto, mesmo agradecendo, quero dizer-lhe que, efectivamente, não a vejo enquadrada naquilo que estou a dizer. Aliás, poderia falar-lhe com a autoridade de ter, também, o estatuto de gestor público. De qualquer maneira, agradeço-lhe porque tudo o que vem complementar, bom ou mau, é sempre agradável.
Sr. Deputado João Cravinho, pode haver dossiers, todos nós temos dossiers. Há, no entanto, uma afirmação, feita por V. Ex.ª, que não é verdadeira. De facto, este novo conselho de gerência dos CTT/TLP não demitiu os directores-gerais existentes. Isto por uma razão simples, Sr. Deputado: é que não havia directores-gerais.
O cargo de director-geral era desempenhado, em acumulação, pelos membros do conselho de gerência. E é isso que está errado, porque dessa forma os lugares de director-geral não são necessários.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que este conselho de gerência nomeou, de facto, três directores-gerais de entre quadros qualificados dos CTT/TLP. Nomeou-os, fazendo o que devia fazer. Esta experiência podia ser extensiva, porque dentro de uma empresa, que conheço razoavelmente, também praticamente todos os lugares de chefe de divisão estão a ser desempenhados por membros do conselho de gerência.
A razão é simples: não existe, de facto, um estatuto autêntico do gestor público, o que os leva a desempenhar lugares em acumulação, para defenderem o seu lugar quando saem dos conselhos de gerência. Isto é que está errado.
O meu pedido de interrupção era no sentido de chamar a atenção para a falta de verdade sobre a demissão dos três directores-gerais. Eles não foram demitidos. Tais cargos estavam, por vontade do conselho de gerência, a ser desempenhados em acumulação. Ora, isto é, em meu entender, uma medida de gestão profundamente errada, Sr. Deputado João Cravinho.

Aplausos do CDS.

sobre palavras. Gostaria, antes, que nos ativéssemos à substância das coisas.
O que sucede aqui é que havia nos CTT/TLP um tipo de organigrama divisional, isto é, adoptou-se um padrão de gestão divisional. Segundo esse padrão, os administradores tinham pelouros bem determinados, sendo que tais pelouros correspondiam a grandes linhas, digamos assim, de execução.
Assim, o administrador do pelouro dos CTT era, também, o primeiro executivo, aliás de acordo com o que está estipulado em certas disposições, que o Sr. Deputado certamente não conhecerá, como também eu não conhecia antes de ser esclarecido sobre o assunto. Não vem daí mal ao mundo.
Seja como for, a razão da acumulação do cargo de director-geral com o lugar do conselho de administração, resultava de uma concepção divisional, que é a que se adapta aos correios.
Simplesmente, sucede que a nova administração, declarando-se profundamente desconhecedora da situação dos CTT/TLP, por duas vezes e por escrito, declarando que não tem planos novos, passa, apesar de tudo, para uma organização de tipo funcional.
Assim, deixa de haver uma estrutura divisional e passa a haver uma estrutura funcional. Os diferentes directores despacham com um administrador dos abastecimentos, despacham com um administrador dos investimentos, despacham com um administrador do pessoal, o que é uma organização que só serve para concentrar o poder pessoal, para desorganizar as coisas, para irresponsabilizar toda a gente, como o Sr. Deputado sabe.
Não conheço empresas desta dimensão que persistam nisso. Está mais que provado que a estrutura divisional é aquela que convém. Aqui é que reside a questão.
Acontece é que ao serem afastadas, digamos assim, tais pessoas do conselho de administração, fica de pé, legitimamente, a tese de que não teriam sido afastados dos seus lugares executivos, visto que há uma nova direcção para um conselho funcional.
Permita-me que conclua, apenas para lhe dizer que isso não é o relevante. Está-se aqui a procurar esconder factos atrás de meras palavras. O relevante é que foram substituídas 19 pessoas, houve a decapitação integral de todas as chefias, como está documentado aqui no telex, ao mesmo tempo que se confessa que se vão continuar a manter os planos anteriores porque não se têm ideias novas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para contraprotestar, o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado Carlos Robalo, não gostaria de entrar em polémica com V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos no limite do tempo regimental do período de antes da ordem do dia e vamos, por isso, passar agora ao prolongamento deste período, tal como há pouco votamos.
De qualquer forma, o pedido de palavra do Sr. Deputado Magalhães Mota fica reservado para a próxima sessão.
Pedindo desculpa de não o ter feito no início desta sessão, desejaria informar a Câmara de que recebi hoje, nos termos do artigo 7.º do Regimento, uma declaração de renúncia ao seu mandato por parte do Sr. Deputado Sousa Franco, do Grupo Parlamentar da ASDI. Nos termos regimentais, não é dado o andamento ao pedido de renúncia sem comunicação ao presidente do respectivo grupo parlamentar. Está feita essa diligência, sendo aceite, portanto, o pedido e enviado para publicação.
A Mesa receberia inscrições, para intervenções de 5 minutos por parte de cada partido, para o prolongamento do período de antes da ordem do dia.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tinha ficado inscrito numa sessão anterior para pedir esclarecimentos, na sequência de uma intervenção do Sr. Deputado do PCP Jerónimo de Sousa.
Dada a sobrecarga de trabalhos que tem havido nos períodos de antes da ordem do dia, informo a Mesa que prescindo desse pedido de esclarecimentos, incluindo nesta intervenção de 5 minutos que agora vou fazer algumas das ideias que tinha para pôr ao Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa trouxe à Assembleia da República dois casos importantes de lutas significativas dos trabalhadores, isto é, os casos do Hotel Baía e da Fábrica de Loiça de Sacavém.
Já tive oportunidade de, em momento anterior, manifestar a solidariedade do meu partido ajusta luta dos trabalhadores do Hotel Baia. Não vou abordar agora essa questão, reiterando, no entanto, a nossa solidariedade à luta de tais trabalhadores, nomeadamente pelo facto de ela ter pela frente uma sistemática violação dos direitos das empresas em autogestão e, naturalmente, dos direitos dos trabalhadores, por parte do Governo.
Queria cingir-me ao que penso ser a grave questão da Fábrica de Loiça de Sacavém, abordando aqui alguns aspectos complementares daqueles que o Sr. Jerónimo de Sousa considerou aqui, há alguns dias atrás, na sua intervenção.
Gostaria de chamar a atenção, em primeiro lugar, para um aspecto importante que penso que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa não destacou suficientemente na sua intervenção, isto é, para o facto de a administração da Fábrica de Loiça de Sacavém vir praticando, em relação aos cerca de 1200 trabalhadores, uma autêntica repressão selectiva, visando precisamente aqueles trabalhadores que são os mais empenhados na defesa dos direitos das suas estruturas representativas, dos direitos dos trabalhadores e, inclusive, na defesa do próprio interesse da empresa.
No passado dia 7 deste mês a administração da Fábrica de Loiça de Sacavém apresentou notas de culpa a 13 trabalhadores da empresa que eram, curiosamente, todos membros da comissão de trabalhadores ou delegados sindicais. De entre esses 13 trabalhadores -não tive acesso a todas as notas de culpa, mas apenas a 9 -, verifica-se existirem 2 trabalhadores com 17 anos de actividade na empresa, um com 27 anos, um com 30 anos, um com 36 anos e um com 39 anos.
Pergunto, Srs. Deputados, se é sequer admissível que um homem que dá 39 anos da sua vida a uma empresa possa ser, apenas por ter defendido os seus direitos como trabalhador, os direitos dos seus colegas de trabalho, possa ser, repito, por motivos perfeitamente falseados, submetido a um processo de suspensão, a um processo que aponta, na intenção da administração da empresa, pura e simplesmente, para o seu despedimento.

Uma vos do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Outro aspecto que julgo que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa não teve oportunidade de informar a Câmara e que, naturalmente, não consta da volumosa documentação que todos os grupos parlamentares já receberam, é o que respeita ao que se passou no passado dia 7, quando a empresa foi invadida, com todo o à vontade, por 200 elementos da GNR, parte deles membros da Brigada de Intervenção, armados, portanto, de bastões, com capacetes e viseiras, procurando proteger a entrada na empresa ao administrador contestado pelos trabalhadores, Dr. Monteiro Pereira.
Nesse mesmo dia, a reacção dos trabalhadores, que estavam nos seus postos de trabalho e eram na ordem dos 800/900, foi perfeitamente unânime, evidenciando a sua unidade. Isto é, pouco depois da entrada do administrador, pouco tempo depois da presença deste aparato policial inaceitável da GNR dentro da empresa, a Fábrica de Loiça de Sacavém encontrava-se completamente paralisada, evidenciando esta paralisação uma atitude de solidariedade para com aqueles que a administração pretendia despedir, uma atitude de recusa a que continue na empresa este administrador, o qual procura levá-la à falência, uma atitude ainda de repúdio contra esta forma ilegal de o Governo intervir para solucionar os conflitos laborais existentes na empresa.
Foram aqui referidas as fraudes fiscais e as anormalidades da gestão da administração, nomeadamente a constituição de uma nova empresa, a SANICER, no Carregado, que é uma porta aberta para inviabilizar, no futuro, a Fábrica de Loiça de Sacavém.
Foram referidas as violações sistemáticas da legislação do trabalho, com o atropelo dos direitos dos trabalhadores. Por outro lado, o sistema de cartões de identificação, posto ontem a funcionar, não imaginaria, talvez, ao elemento mais imaginoso da ex-PIDE.
Foram ainda referidas as ameaças, evidentes, contra o futuro da empresa, colocando em perigo os seus 1200 postos de trabalho.
Coloco aqui à Câmara a questão de se saber, perante a grave situação que se passa na Fábrica de Loiça de Sacavém, se é admissível que o Ministério do Trabalho não intervenha, que o Ministério das Finanças e do Plano se limite a fazer a fiscalização, a constatar as fraudes fiscais e a desencadear, portanto, os processos respectivos, que a acção governamental, neste grave conflito, seja apenas feita, no plano no Ministério da Administração Interna, através da repressão policial dos trabalhadores, de manobras de intimidação, de um apoio «cego» aos desejos não da entidade patronal mas aos desejos privados, particulares, de alguns administradores, sem que o Ministério se informe devidamente do que se passa na Fábrica de Loiça de Sacavém, actuando, como lhe competia, para manter a ordem, se a ordem estivesse em causa, o que nunca se verificou dentro da Fábrica de Loiça de Sacavém.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Américo de Sá.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A defesa da cultura portuguesa não pode, de modo nenhum, remeter-se apenas, nem sobretudo, ao acto mais ou menos protocolar de pronunciar discursos de bela factura.
Não se promove nem defende a cultura viva e transfiguradora no nosso pais através de um fraseado belfo, de um verbo que, ainda que muito rico, apenas visa encobrir a incapacidade de dar resposta aos problemas graves que vão surgindo.

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Defende-se a cultura em Portugal, não apenas nos domínios da sua qualidade, mas também nos da subsistência do que já existe, lançando mão de medidas concretas que obstem à destruição daqueles grupos de agentes culturais que vêm, pela sua actividade quotidiana, transformando numa realidade indiscutível aquilo que, ao cabo e ao resto, é o desejo de muitos de nós.
Vem isto a propósito da situação precária em que se encontram vários agrupamentos teatrais - os casos de A Barraca, do Teatro Ádóque e do Teatro da Casa da Comédia-, desde há meses arrastando dificuldades sobre dificuldades, sem encontrarem por parte do aparelho de Estado a resposta adequada.
A verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que o meu grupo parlamentar, através de sucessivos requerimentos ao Governo, através da apresentação na Mesa de um voto que ainda não viu a oportunidade de ser discutido, se tem sintonizado inteiramente com as preocupações, os problemas, as necessidades destes agrupamentos, produtores de uma cultura viva, produtores de uma cultura não alienante, voltada para o futuro e não tresandando a bafio.
Enquanto a nossa preocupação é esta e não obtém qualquer resposta formal e concreta por parte do Ministério da Cultura e do governo da AD, verificamos que este mesmo governo está presente, apoia, coonesta espectáculos deprimentes, de degradante qualidade, de manifesta demonstração anticultural, como foi o tristemente célebre espectáculo dos 25 anos da vida da RTP.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS e do MDP/CDE.

Um espectáculo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, onde nem uma vez se chamou a atenção para a circunstância de essa mesma RTP ter estado longo tempo sob o fascismo, intoxicando o povo português, através de uma clara afirmação de anticultura.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS e do MDP/CDE.

Um espectáculo onde se veio ressuscitar personalidades, vozes, factos, condutas do passado, que não podem entender-se de outro modo que não seja o de uma clara afronta ao espírito de renovação e de abertura do 25 de Abril.

Vozes do PCP, do PS, da ASDI e da UEDS; - Muito bem!

O Orador: - Para este espectáculo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há dinheiro; para este espectáculo há o apoio do Governo, há a presença dos seus mais directos luminares, mas para o apoio lis realidades vivas, a agrupamentos como A Barraca, o Ádóque, como o Teatro da Casa da Comédia, não se vislumbra, para além do belfo discurso, para além das grandes proclamações demagógicas, qualquer acto concreto capaz de revolucionar os problemas que enfrentam.

Aplausos do PCP.

A minha intervenção, em nome do PCP, é neste momento um alerta à consciência desta Câmara, um alerta indignado, porque não me restam grandes dúvidas quanto à circunstância de que, confrontados com iniciativas que a seu tempo traremos ao Plenário, a grande parte dos deputados da maioria terá a oportunidade de, mais uma vez, revelar que não está sintonizada com o país real e com as necessidades dos agrupamentos teatrais e de todos os agrupamentos onde a cultura autêntica se faz.
Para além do mais, quero deixar expresso um protesto pela manifesta realização anticultural que foi o espectáculo da RTP, que não pode, de modo nenhum, passar em claro, protesto que aqui deve ser feito de modo vibrante e veemente, para que, de uma vez por todas, o País tenha consciência de que este governo não só não defende os verdadeiros valores do futuro, que são aqueles que se apoiam na imaginação, na criatividade livre, no espírito lúcido, na critica, como, pior, prospecta, defende e visa repristinar o que há de mais decadente e de mais visivelmente bafiento na nossa sociedade.
Este protesto e esta voz de alerta são, por outro lado, e para finalizar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o testemunho de um grupo parlamentar que, em unidade com todos os outros, manifesta, uma vez mais, a sua disposição para estudar os mecanismos idóneos e capazes de impedir o despejo de A Barraca e a situação em que se encontram o Ádóque e o Teatro da Casa da Comédia, que são aviltantes para a nossa qualidade de cidadãos portugueses e de homens de cultura.

Aplausos do PCP, do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A estrada de Arouca a São Pedro do Sul é uma antiga aspiração das populações da zona da Beira Alta que ladeia a serra da Gralheira; elaborado um projecto em 1976, foi o mesmo modificado por diversas vezes, desesperando-se os beneficiários com essa nova via rodoviária, pois nunca mais vêem chegar o dia da aprovação desse projecto e do início da concretização dessa justa aspiração.
As gentes da Portela de Moldes, de Bustelo, de Adaúfe, de Cabreiros, de Bordonhos e de Manhouce, perdidas no interior beirão, sentem as maiores dificuldades quando se deslocam para os grandes centros e quase se vêem impossibilitadas de escoarem os produtos agrícolas para os mercados desejáveis e de educarem os seus filhos nas escolas existentes nas principais localidades vizinhas.
A concretização do projecto da estrada Arouca São Pedro do Sul permitirá que os cerca de quatro dezenas de quilómetros que distam entre essas duas localidades sejam o veículo indispensável ao progresso da população rural, que todos pretendemos, e contribuirá, significativamente, para o esbater da desigualdade injusta que onera o interior português em relação ao litoral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aproveito o facto de estar a levantar neste parlamento um problema relativo à região de Lafões para lamentar a situação vergonhosa em que se encontra o Convento de São Cristóvão, existente no concelho de São Pedro do Sul.
Qualquer iniciativa local de aproveitamento dessa vetusta construção esbarra impiedosamente com a falta de recursos financeiros das autarquias locais. Assim vem acontecendo desde há anos, perante a impotência de sucessivos responsáveis municipais, cansados de lutar pela defesa do seu património.
O Convento de São Cristóvão de Lafões, pertencente à Ordem de Cister, jaz há muito abandonado e, se não se

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tentar a breve trecho a sua recuperação, perder-se-á irremediavelmente, desfalcando-se o património nacional de uma insubstituível jóia arquitectónica de alto valor histórico-cultural.
Foi fundado no primeiro quartel do século XII, tendo sofrido ao longo do tempo diversas reformas. A partir da extinção do Mosteiro pela revolução liberal, a voragem do tempo e o desmazelo e abandono a que foi votado transformaram aquele majestoso edifício num gigante inerte, à espera que lhe arranquem mais um azulejo e lhe roubem mais uma peça da sua cantaria.
A igreja, construída em estilo românico, conserva, além de l imponente altar-mor, mais 4 colaterais, decorados com pintura e imaginária da mesma época. Nos lindíssimos passais do Mosteiro, o aqueduto de granito que atravessa o velho caminho medieval recorda épocas de riqueza material e espiritual, construída lentamente pelo trabalho perseverante dos monges e pela força telúrica que animou as comunidades que habitaram os contrafortes da serra da Freita. O pórtico, de cantaria almofadada, rematado por uma carteia, com as armas reais entre 2 elegantes fogaréus de estilo rococó, é o dedo acusador de um património nacional posto ao abandono pela ignorância e desmazelo de sucessivos responsáveis pela gestão do património nacional de há mais de um século para cá.
Se um incêndio destruiu tudo o que restava da alma desse Mosteiro, constituída pelo seu cartório, consumando o autêntico exílio em que se traduziu a sua transferência para a cidade de Viseu, a continuação do estado de degradação que se verifica certamente acabará por apagar o testemunho físico de uma comunidade inteira que animou a região de Lafões durante centenas de anos e que é parte essencial da herança histórica da Beira-Vouga.
João Cinta, o fundador do Convento, foi um esforçado cavaleiro do conde D. Henrique que, após longos anos de soldado do mundo, se converteu à milícia de Cristo, seguindo o áspero caminho da penitência. Alexandre Herculano refere-se a esse santo abade, ligando o Convento de São Cristóvão de Lafões ao cerne de toda a sua vida. «Limpa a região do jugo inimigo e pacificada a cristandade, deparou Cirita, com agradável surpresa, que alguns velhos e venerandos eremitas junto de uma pobre ermida rezavam e trabalhavam os campos de um planalto junto do rio Vouga.» Cirita juntou-se a eles e reedificou aquele austero cenóbio de frades crúzios prestes a extinguir-se, vivificando aquela comunidade com a sua acção e experiência de antigo chefe castrense, construindo e sedimentando, desse modo, o substrato cultural e religioso do Mosteiro.
Várias vezes o seu companheiro de armas, o conde D. Henrique, o visitou naquele lugar e, posteriormente, D. Afonso Henriques lá esteve por duas vezes, na ida e no regresso da reconquista de Trancoso.
A pedido do velho cabo de guerra, e enquanto o arquitecto Froilano esboçava o projecto do que viria a ser o mais antigo convento de Cister, por ordem do primeiro monarca português foram abertos os alicerces da igreja do Mosteiro e atribuídas as rendas necessárias ao prosseguimento das obras de São Cristóvão de Lafões. Seria esta a primeira fase da concretização do sonho de João Cirita. Mais tarde o rei fundador concedeu a respectiva carta de couto e D. João Peculiar ordenou a sua sagração em 1138.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É esta obra monumental que hoje se vai perdendo perante a indiferença de uma sociedade que se diz defensora do património cultural. As populações da terra natal de António Correia de Oliveira esperam que as velhas ruínas, onde apenas cantam os rouxinóis, sejam objecto da atenção dos responsáveis e que o velho Mosteiro seja, depois de restaurado, integrado na vida cultural daquela região, impedindo-se desse modo a lamentável destruição do Mosteiro de São Cristóvão de Lafões.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidentes - Tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, há pouco inscrevi-me para interpelar o Sr. Deputado José Manuel Mendes no sentido de me congratular com a intervenção que produziu, subscrevendo-a totalmente e em toda a linha. Dado que não o posso fazer no prolongamento do período de antes da ordem do dia, farei uma breve intervenção.
Efectivamente, o Sr. Deputado José Manuel Mendes chamou a atenção do parlamento para uma questão importante da vida cultural portuguesa, que até ao momento não teve qualquer resolução por parte do Ministério da Cultura.
O Sr. Deputado sublinhou -e concordo totalmente- que depois de termos aqui ouvido no parlamento belos discursos e apreciado um extenso programa cultural do Dr. Lucas Pires, na realidade, toda a prática que se tem seguido não tem confirmado a expectativa inicial, sabendo nós que, inclusivamente, o orçamento do Ministério da Cultura foi reforçado em relação a orçamentos anteriores.
A questão do teatro é uma questão aguda da cultura portuguesa do momento e, mais do que aguda, diria mesmo que é dramática. Os grupos de teatro que melhor teatro produzem em Portugal estão neste momento a ser ameaçados na sua estabilidade, enquanto organismos de teatro, e quanto à sua futura sobrevivência, a propósito de expedientes de estilo logístico, como sejam, no caso de A Barraca, a ocupação do espaço que utiliza por parte do Banco Nacional Ultramarino, a questão que se põe em relação à Casa da Comédia e em relação à companhia do Teatro do S. Luis, para a qual não se encontra nenhuma solução, ...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... que foi destruída sem que se saiba porquê, colocando dezenas de alguns dos nossos melhores actores e actrizes de teatro, praticamente, numa situação de hibernação cultural. Tudo isto é preocupante para os Portugueses, e não só para a oposição, mas para as pessoas que têm um mínimo de preocupações culturais.
Em contraponto com tudo isto, a Televisão entendeu fazer uma festa - diria que foi a festa da administração da Televisão -, mas que não foi a festa da RTP.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Nem sequer foi a festa dos seus 25 anos, foi a festa dos primeiros 17 anos de televisão em Portugal, porque os últimos 8 anos não foram por ela cobertos. Espero que haja ainda condições neste país para que estes últimos 8 anos possam ser comemorados de outra maneira em momento oportuno.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

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Hoje mesmo, numa reunião do Conselho de Informação para a RTP, em que esteve presente o Secretário de Estado da Comunicação Social, José Alfaia, tive oportunidade de lhe colocar algumas questões em relação a essa festa, uma festa para a qual o Dr. Proença de Carvalho convidou as pessoas que lhe interessava que nesse momento estivessem a dar-lhe cobertura. Digamos que foi uma festa de aniversário comemorativo de uma administração, e não, propriamente, de uma festa da RTP. Eu também trabalhei na RTP, não me sinto festejado por isso e nem sequer fui convidado.
Como referi, já fiz um requerimento no sentido de saber quanto custou essa festa. Os cálculos, um pouco a olho, apontam para 40000 contos de despesa. E eu pergunto o que se faria neste país, ou o que faria a Televisão, em matéria de cultura com 40000 contos.
Aliás, insolitamente, ontem à noite a Televisão demonstrou que è possível fazer-se do melhor teatro, seja em que televisão for, ao apresentar a peça de Miguel Torga Terra Firme, com uma encenação do melhor que eu tenho visto fazer em televisão. Aproveito esta oportunidade para elogiar o realizador que promoveu essa encenação, Oliveira e Costa, um homem de esquerda, que tem sido perseguido na Televisão e a quem, talvez por acaso, deram oportunidade de encenar Miguel Torga e de fazer o melhor espectáculo de teatro que se fez neste país de há muitos anos para cá na Televisão.
Prova-se, portanto, que há autores portugueses que podem ser adaptados à televisão, que há encenadores competentes para o fazerem e que, se a Televisão não faz mais, é porque não quer. Ao contrário, tem feito encenações de autores como Henrique Santana e outros do Parque Mayer, da revista mais reaccionária, como é o caso da peça O Gato.
São todas estas questões que aproveito para referir nesta minha curta intervenção, para as quais o Governo não dá resposta e que deviam merecer da parte desta Assembleia uma análise mais aprofundada daquilo que neste momento se passa em matéria de cultura, quer a cultura tutelada pelo Estado e pelo Governo, quer a que a Televisão devia fazer e não faz.
Há dados para isso, simplesmente o que não existe é tempo suficiente, porque a luz vermelha mo impede.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda que no curto espaço de 5 minutos, creio que não ficaria bem à Assembleia da República deixar passar em claro os graves factos hoje ocorridos e que demonstram a situação económica do País.
Á primeira palavra terá de ser, necessariamente, de protesto. Vai sendo tempo de o Governo, que, constitucionalmente, depende da Assembleia da República, se preocupar em informar a Assembleia das medidas que tenciona tomar, por mais gravosas que elas sejam, em sujeitar-se ao debate e à controvérsia, em vez de organizar conferências de imprensa para as divulgar.

Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

A Assembleia da República, que, nas palavras felizes, se diz querer prestigiar, já não vê só a ausência do Primeiro-Ministro quando é censurado, mas vê também e habitualmente a ausência dos ministros que aqui deveriam estar para justificarem não só as medidas gravosas que são obrigados a tomar, como especialmente as causas que determinaram que essas medidas tivessem de ser tomadas.
Nestes 5 minutos cumpre salientar que daquilo que tivemos conhecimento verificamos que, apesar de há pouco tempo numa entrevista o Sr. Ministro das Finanças e do Plano ter traçado um quadro relativamente optimista da situação do País, determinadas medidas -e medidas importantes - tiveram de ser tomadas. Parece que éramos nós que tínhamos razão, e não o optimismo do Sr. Ministro!
Mas essas medidas, sem discussão, sem qualquer explicação prévia, traduzem-se, fundamentalmente, em dificuldades acrescidas para o povo português.
Em primeiro lugar, dificuldades acrescidas pelos rigores introduzidos na disciplina do crédito. Já havia justificados protestos quanto ao processo seguido em relação à concessão de crédito. Agora ficamos a saber que no sector agrícola, por exemplo, o crédito vai ser conseguido, sobretudo a médio e a longo prazo, que num curto prazo haverá grandes restrições, em particular nos créditos de campanha, e que as linhas de crédito serão reduzidas das actuais 99 para cerca de três dezenas.
Creio que todos nós, que conhecemos a importância da agricultura na vida portuguesa, que sabemos os sacrifícios suportados pela gente dos nossos campos, que vemos, como eles vêem, constantemente a subir os preços dos produtos que compram e manterem-se na mesma os preços dos produtos que o seu trabalho, o seu esforço e o da terra produzem, nós, que sabemos isso, encaramos com alguma apreensão este tipo de medidas.
Por outro lado, são ao mesmo tempo anunciadas elevações de preços de produtos que demonstram as dificuldades existentes, que de há muito vimos assinalando, com o Fundo de Abastecimento. Os dados não são clarificados, esta Assembleia da República continua a ser mantida na ignorância de problemas importantes, como a situação do Fundo de Abastecimento, e, muito em particular, isso é devido às intervenções que o Fundo teve de fazer no ano de 1980 numa política eleitoralista. Todos sabemos isso!
Pois bem, sabemos que o Fundo de Abastecimento já está quase numa situação de ruptura e, como tal, não pode mais continuar a suportar subsídios a produtos básicos; são produtos que este mesmo governo considerou essenciais que vão sentir aumentos de preços.
Por outro lado, sabemos que alguns preços vão ser controlados, mas não sabemos se esse controle significa também o controle num limiar mais alto. E desconhecemos inteiramente quais as consequências do aumento do preço do gasóleo -para isso seria necessário saber os números desse aumento e só na sexta-feira eles serão tornados públicos-, mas sabemos das consequências que essa situação terá em termos de todo o sistema de custos nacionais, visto que sabemos como o gasóleo é essencial, quer ao nosso sistema de transportes, quer também - e esse ponto não foi clarificado - à própria produção de energia.
Creio que tudo isto representa, portanto, um conjunto de medidas de uma gravidade tal que não só se justificaria, como imporia, que o Governo sobre elas apresentasse explicações. E a esse propósito queria recordar uma antiga iniciativa do Grupo Parlamentar do CDS, que, salvo erro, em 1979 propôs nesta mesma Assembleia que

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nenhuma medida de aumento de preços fosse tomada sem uma prévia justificação pública e sem uma previa justificação aqui.
Nós retomaremos essa medida!

Aplausos da ASDI, do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidentes - Os Srs. Deputados Sousa Marques e Ilda Figueiredo, que pediram a palavra, ficarão inscritos para a próxima sessão.
Não havendo mais inscrições, entramos no período da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidentes - Para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Reigoto.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 20 de Abril de 1982, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados, solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:

Emídio Ferrão da Costa Pinheiro (circulo eleitoral de Lisboa) por Pedro Eduardo Freitas de Sampaio (esta substituição é pedida para os dias 20 a 22 de Abril corrente, inclusive);
João António de Morais Leitão (círculo eleitoral de Lisboa) por António Pedro da Silva Lourenço (esta substituição é pedida para os dias 20 a 22 de Abril corrente, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes, que formaram maioria.

A Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Jorge Fernando Branco de Sampaio (PS) - Manuel de A. de Almeida e Vasconcelos (CDS) - Luis Carlos C. Veloso de Sampaio (CDS) - Armando de Oliveira (CDS) - Victor Afonso Pinto da Cruz (CDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

O Sr. Presidentes - Vamos votar o relatório e parecer.

Submetido à votação, foi aprovado com votos a favor do PSD. do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE e a abstenção da UDP.

O Sr. Presidente: - Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 325/II, apresentado pelo PCP, que garante a todas as crianças do ensino obrigatório o direito a um suplemento alimentar completo, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Beber leite é ter mais saúde, maiores energias» pode ler-se um atraente desdobrável distribuído pelo IASE.
E utilizando a ilustração, por debaixo do slogan, três rechonchudas caras de crianças sorridentes bebem leite através de uma palhinha acopulada na embalagem.
Voltando as costas ao postal ilustrado, deixando na rua a imagem mistificadora, o IASE verbera professores, encolhendo os ombros perante crianças mal alimentadas, e proclama de sobrolho carregado:
[...] se o Sr. Professor tem pena das crianças e não pode vê-las mal alimentadas, deverá, de sua conta e risco, dar-lhes comida e conforto.
Estupefactos, mal podemos acreditar que em Portugal se possa, em ofício dimanado do IASE para as direcções escolares, escrever um tal ataque aos direitos da criança.
A tal ofício só faltará, por certo, para se situar na época exacta, e por cima da assinatura: «A bem da
Mas não se ficou por aqui o famigerado ofício. E porque ainda há escolas que distribuem aos alunos uma quantidade de leite escolar além da estabelecida superiormente», apesar das recomendações para serem fornecidos 2 dl por dia e por aluno, e só 2 dl, seja qual for a condição socioeconómica do mesmo aluno (e estamos a citar o ofício-circular n.º 3, de 8 de Janeiro de 1982, da Direcção Escolar de Lisboa), o IASE ameaça os professores «insurrectos» de processo disciplinar e de penas pecuniárias!
Que de distância, também, com o que consta no Boletim Informativo, n.º 18, «Gestão em educação de Novembro de 1981», a p. 22:
Simultaneamente acção de saúde e de educação e, por isso, integrado no conjunto das actividades pedagógicas a desenvolver nas horas lectivas, o suplemento alimentar actua directamente sobre o estado de saúde da criança em idade escolar, fornecendo-lhe um mínimo proteico necessário ao seu harmonioso desenvolvimento físico e mental.
Isto, que é exacto, foi copiado das orientações sobre acção social escolar para os ensinos preparatório e secundário, dimanadas do IASE em Junho de 1976, das instruções sobre suplemento alimentar (também da IASE), de Outubro de 1976, das instruções para o ensino básico e secundário, de Agosto de 1978 (do IASE), e novas instruções, ainda do IASE, de Outubro de 1980.

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Para a AD é indispensável afirmar em letra de forma o apoio necessário à melhoria da frequência e do rendimento escolar.
Mas tudo isto se esquece de portas para dentro, quando a vergonha cai e, sem pudor, se defende a manutenção das diferenças de classe, e quando às crianças das classes mais desfavorecidas se lhes não dá os meios para minorar sequer os obstáculos que se opõem ao desenvolvimento das suas aptidões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Á actuação do IASE foi até defendida, em termos ainda mais incorrectos, pelo Ministro da Educação em colóquio realizado recentemente na cidade do Porto. Foi mesmo muito mais longe, querendo voltar contra os professores, acusados, sem provas, de se apropriarem do leite escolar, o odioso das citadas determinações da inteira responsabilidade do MEU ou seja, da governação AD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Esta política relativa ao suplemento alimentar das crianças, insere-se na degradação progressiva do mesmo, iniciada quando aos revivalistas se lhes afigurou a possibilidade do retorno.
O ano lectivo de 1975-1976 assistiu ao lançamento de uma autêntica política de suplemento alimentar. O suplemento alimentar tinha nessa altura duas modalidades: o completo, composto por Al de leite e uma saúde com elementos proteicos e, se possível, uma peça de fruta, e o simples, constituído por leite simples ou reforçado com produtos proteicos, minerais ou vitamínicos.
Em 1976-1977 continuou-se a política do ano lectivo anterior, concedendo o IASE às escolas o subsídio de ISSO para o suplemento alimentar tipo A por dia e por aluno, ou 2850 também por dia e por aluno para o suplemento alimentar tipo B (o suplemento alimentar completo).
Pela circular n.º 65/77, de 14 de Outubro, foi mantido para o ano lectivo que se iniciara o apoio financeiro do ano anterior, anunciando-se mesmo um aumento de comparticipação para o suplemento alimentar tipo B. Porém, através da circular n.º 13/78, o IASE anunciava que o suplemento alimentar tipo B só seria mantido através da cooperação da comunidade.
Através da circular n.º 27/78, o IASE anunciou entretanto a distribuição de leite recombinado e embalado por unidades industriais. A quantidade de leite a distribuir por dia e por aluno foi reduzida para 2 dl.
No ano lectivo de 1978-1979, continuou a não ser garantido pelo Estado o suplemento alimentar completo e a cada escola continuaram a ser distribuídos por dia e por aluno 2 dl de leite, ou 2,00 também por dia e por aluno.
A circular do IASE n.º 39/79, de 2 de Novembro, não alterou o esquema restritivo anterior continuado para o ano lectivo de 1980-1981.
Em Janeiro de 1981, começa a distribuição de leite com aditivos e, apesar do aumento brutal do custo de vida, o subsídio pecuniário concedido às escolas que recorressem ao leite de consumo público é apenas aumentado em $20 por dia e por aluno.
Por último, em 1981-1982 deixa de ser distribuído o leite de consumo público, e a sofisticada embalagem individual de 2 dl, com palhinha acopulada, bem mais fotogénica para o bilhete postal, é objectivo máximo da governação a nível de suplemento alimentar.
Toda esta história mostra bem como se retrocedeu também neste campo.
Retrocesso doloroso por atingir nas crianças as suas mais primordiais necessidades e direitos: o direito a uma alimentação completa, condição sine quo non para o desenvolvimento das suas aptidões. O direito a não sofrerem de fome, entendendo-se por fome também a deficiência alimentar, cujas consequências são de uma gravidade excepcional, sobretudo nas crianças em estado de crescimento: o atraso deste, a debilidade muscular, a diminuição de resistência às doenças, sobretudo às de origem infecciosa, a diminuição intelectual e física que pode atingir o marasmo, a pobreza de vida de relação, os períodos de euforia e excitação violenta e a tendência para o abuso de álcool e de estupefacientes.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Nessa deficiência alimentar, nessa fome, se encontra a razão de falta de produtividade do trabalho, a «preguiça» que muitos sociólogos racistas atribuem a seres subalimentados, o insucesso escolar de crianças das classes mais pobres, a pequena diferenciação profissional, a curta duração de vida.
É afinal aqui que também vamos buscar a razão que impele as classes dominantes a manter a pobreza alimentar dos trabalhadores e seus filhos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - A política de suplemento alimentar lançada no ano lectivo de 1975-1976 pretendia ajudar a colmatar a reconhecida deficiência alimentar existente entre as crianças portuguesas. Dizia-se nas orientações do IASE para o ensino preparatório e secundário de Junho de 1976:
De facto, a alimentação tradicional das nossas populações é qualitativamente deficiente naqueles elementos essenciais à construção do organismo em fase de desenvolvimento e cuja falta deixará marcas para toda a vida. Acresce que a absorção destes elementos se faz sempre em pequenas quantidades, mas deve ser regular e continuada. Assim, é fundamental que as crianças possam dispor de refeições deste tipo, diariamente.
De resto, comparando os pesos e alturas de rapazes e raparigas em idade escolar, em Portugal, segundo a informação do IASE referente a 1970-1971, com os pesos e alturas médios usados como referência pela Organização Mundial de Saúde, verificamos como as crianças e os jovens portugueses são afectados fisicamente pela carência alimentar.
O suplemento alimentar inseria-se, assim, em 1975-1976, na acção educativa da escola e representava, na verdade, uma obrigação do Estado.
O suplemento alimentar visava corrigir as carências de proteínas, as carências de aminoácidos pelo fornecimento de leite e carne. Destinava-se, assim, a melhorar a frequência e o rendimento escolar e tinha também por fim possibilitar às crianças mais desfavorecidas uma alimentação mais equilibrada, tendendo a igualá-las às crianças felizes nas possibilidades de desenvolvimento das suas aptidões.

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J& no opúsculo da OCDE «Aptidão e possibilidades de educação» se diz, a p. 17:
A igualdade dos direitos à instrução deve ser redefinida como qualquer coisa que abrange igualmente a oportunidade de vencer os obstáculos quê se opõem ao desenvolvimento das aptidões.
Mas a política da AD é decididamente em sentido contrário, como se viu.
O suplemento alimentar completo desapareceu. Â AD prefere deixá-lo a cargo da comunidade, eufemismo que encobre & demissão da função do Estado em relação às suas responsabilidades e o apelo a terceiros numa óptica caritativa ainda por cima!

O Sr. Jorge lemos(PCP): - Muito bem!

- Em vez de se caminhar para o progressivo e decidido aumento de alunos abrangidos pelo suplemento alimentar, os números indicam uma regressão.
Quando em 1978 se autorizava expressamente a redistribuição do leite excedente pelos alunos (veja-se a circular do I ASE n. º 27/78), agora proíbe-se que a cada aluno sejam distribuídos mais de 2 dl de leite por dia, impedindo-se que os professores (que conhecem as verdadeiras causas do insucesso escolar) tentem combatê-lo mediante a distribuição às crianças mais pobres de maior quantidade de proteínas, mesmo que estas estejam disponíveis e se estraguem se não forem utilizadas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora - Medidas deste tipo não se podem desenquadrar da política geral imposta pelo Ministro Crespo para o Instituto de Acção Social Escolar, de contenção de despesas, de redução real dos subsídios atribuídos para alimentação e material escolar, numa clara tentativa de degradar ainda mais as já difíceis condições em que as crianças e os jovens portugueses, particularmente os mais desfavorecidos, frequentam as escolas.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Por outro lado, esta política de restrições a nível do IASE é apenas uma pequena imagem da situação desastrosa a que a AD tem vindo a conduzir o ensino no nosso país.
Quando seria necessário reforçar e consolidar o sistema público de ensino para o qual se fazem cortes de verbas no Orçamento, assiste-se ao escandaloso e indiscriminado favor ao ensino particular, único sector que viu os seus subsídios escandalosamente aumentados no OGE.
Incapazes de dar expressão aos princípios constitucionais de democratização do acesso ao ensino, os Ministérios da Educação AD tem tomado medidas que conduzem à progressiva degradação do sistema de ensino público. A falta de instalações escolares, o aumento de alunos por turma, os regimes duplos, triplos e quádruplos no ensino primário, o lançamento da aberração denominada «12.º ano», a manutenção e agravamento da política do numeras clausus no acesso ao ensino superior, o desajustamento dos conteúdos dos programas de ensino face às necessidades nacionais e às legitimas aspirações da juventude, estes são alguns dos muitos traços da desastrosa política educativa da AD.

Vesga aos PCP: - Muito bem!

A Oradoras - Jean Jacques Rousseau tem uma imagem feliz no seu Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens, que assenta nesta situação que nem uma luva e bem define os desígnios da AD:
Se um gigante e um anão caminham pela mesma estrada, cada passo de um e de outro dará nova vantagem ao gigante.
Caberá perguntar se a AD conhece o artigo 25.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem que garante a toda a pessoa o direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, etc.
Caberá perguntar se é assim que a AD promove a aplicação do artigo 69.º da Constituição que estabelece para as crianças o direito à protecção da sociedade e do Estado.
Caberá perguntar também se é assim, mantendo as desigualdades alimentares na população portuguesa, que condicionam gravemente o desenvolvimento físico e intelectual, que a AD garante o direito ao desporto (artigo 70.º da Constituição) e à igualdade de oportunidades na formação escolar, e o estímulo à entrada dos trabalhadores e seus filhos na Universidade.
É óbvio que não. Para a AD o anão deve continuar a ser anão para que o gigante seja mais gigante.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As razões da apresentação do nosso projecto de lei estão, pois, bem explicitadas e sintetizam-se afinal na necessidade de retomar o caminho iniciado em Abril e que é o da supressão de desigualdades.
Nele se consagra o direito ao suplemento aumentar completo de todos os alunos do ensino primário, ciclo preparatório, centro de educação pré-escolar e ensino especial cooperativo, e se assegura o seu fornecimento a título gratuito durante o período escolar.
Não havia, na verdade, qualquer razão para que só os estudantes do ensino preparatório TV, com exclusão dos restantes alunos do ciclo, estivessem por ele abrangidos. O ensino preparatório tem o carácter de obrigatoriedade. A distribuição das escolas origina a deslocação de muitos jovens, em idade crucial para o seu desenvolvimento, de longas distâncias.
E tudo isto são importantes razões para a distribuição do suplemento alimentar.
Aponta-se no projecto de lei para um suplemento aumentar completo, com base naqueles padrões dietéticos julgados mais aconselháveis. Garante-se, no entanto, a sua revisão e actualização periódicas após parecer do Conselho de Alimentação e Nutrição.
Adopta-se, por uma questão de economia, o fornecimento às escolas de leite em embalagens de l litro. Na verdade, a vantagem de embalagem individual é largamente superada pela sua onerosidade.
Tal como se diz no preâmbulo do projecto de lei, em 1980, 200 cm3 em embalagem de litro custavam 869 e em embalagem individual 1826. O mesmo se dirá quanto aos aditivos que deverão apenas ser utilizados quando for necessário estimular o consumo de leite.
Também no artigo 2.º, n.º 2, do projecto de lei se prevê que o leite seja distribuído a temperatura compatível com o clima, estação do ano e tendo em conta as preferências dos alunos. Ê uma questão que tem provocado

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metros e metros de circulares do IASE, culminando numa proibição de aquecimento de leite absurda pelo seu carácter geral e cego, usando de falsos argumentos de que perdia qualidades!
Finalmente, é de destacar o artigo 3.º Aí se personaliza, por assim dizer, o suplemento alimentar.
Ao professor, conhecedor do nível de carências alimentares dos seus alunos, incumbirá o dever de distribuir um reforço do suplemento alimentar àquelas crianças que revelem maiores carências na alimentação. E incumbe-lhe também o dever de requisitar os meios alimentares necessários para o reforço do suplemento alimentar quando as carências alimentares sejam de carácter generalizado, após parecer do centro de saúde. Com este artigo pretende-se, pois, como é óbvio, e de acordo com as considerações já atrás formuladas, contribuir para ultrapassar as desigualdades existentes na sociedade portuguesa.
Pretende-se, afinal, contribuir para a verdadeira igualdade no direito ao ensino, concedendo-se alguns dos meios necessários para o desenvolvimento das aptidões das crianças.
Assim, nas suas linhas gerais, o projecto de lei, quanto à sua filosofia, retoma, no plano legislativo, as Unhas mestras de actuação iniciadas em 1975-1976.
Mas o que se pretende com o projecto de lei é impedir que o Estado se demita das suas obrigações quanto à educação, ensino, claramente consagradas na Constituição da República. O que se pretende è impedir que o Estado acabe por matar o suplemento alimentar através de circulares, ofícios, orientações, instruções e mesmo ameaças aos professores. O que se pretende é vincar a responsabilidade do Estado na prossecução dos objectivos do suplemento alimentar claramente definidos em 1975-1976 e que, como vimos logo no início, ainda hoje o IASE não conseguiu apagar nos seus boletins.

O Sr. Jorge Lamas (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O que se pretende é que o Estado actue directamente sobre o estado de saúde da criança em idade escolar. E pretende-se também que o Estado, através da acção educativa da escola, contribua afinal para melhorar os hábitos alimentares da população. Através das crianças, muitas noções são veiculadas para os adultos, e assim, através da escola, pode conseguir-se a generalização do hábito de dietas alimentares equilibradas e de refeições mais frequentes durante o dia, em vez das duas refeições espaçadas erradamente, radicadas nos costumes socialmente generalizados.
Ao retomar estes objectivos, o projecto de lei pretende afinal contribuir para o desaparecimento das consequências desastrosas de uma deficiente alimentação. É de actuação do Estado a este nível que ficará dependente, em grande parte, a saúde dos homens e mulheres de amanhã, uma maior diversificação profissional, uma maior produtividade, uma menor taxa de absentismo.
Duas observações finais.
Em primeiro lugar, não há que ver neste instrumento de política social o alfa e o ómega da correcção das desigualdades e da redistribuição da riqueza... Esta só pode resultar da resolução política de questões bem mais fundas (e em particular não pode neste campo ser descurada a utilização dos instrumentos de política fiscal - a começar pelo imposto único sobre o rendimento, a cuja criação o Governo foge como o diabo da cruz).
Em segunda lugar, não se diga que o Estado não tem actualmente recursos financeiros para cumprir tais obrigações. É das crianças que se trata, Srs. Deputados! E se nenhuma justificação em geral pode ser invocada para impor tais sacrifícios (e sacrifícios tão injustos e acentuadores de desigualdades) às crianças portuguesas, nenhuma legitimidade tem este governo para as invocar. Não há desculpa para um governo que anunciou hoje mesmo um pacote de medidas que agravam as taxas de juros, os preços de produtos essenciais, as condições de vida dos Portugueses, ao mesmo tempo que dá milhões aos ex-monopolistas e esbanja e delapida os recursos nacionais.

Vosso do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - A política de retrocesso no suplemento aumentar levada a cabo pelo Governa é uma vergonha e um escândalo. Alertamos para ele esta Assembleia, mas importa sobretudo que nenhum pretexto sirva para que o escândalo prossiga e a vergonha envolva e atinja a própria Assembleia da República.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da UDP

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos estão inscritos os Srs. Deputados Lemos Damião, Teresa Ambrósio e Daniel Bastos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr.ª Odete Santos, o projecto de lei n.º 325/II, apresentado pelo PCP, procura definir com precisão a composição do suplemento alimentar para cujo fornecimento são responsáveis as entidades escolares.
No entanto, parece-nos que não se atenderam a condições prévias que nos parecem elementares. Por isso, pergunta-se: atendeu o PCP às restrições orçamentais com que nos vemos confrontados por motivos que também todos conhecemos? Não será demasiado violento exigir-se a obrigatoriedade de dar um suplemento alimentar completo, quando assistimos a excessos de suplementos alimentares por parte de alguns alunos que cometem o exagero de lançar fora parte dos alimentos que trazem de casa? Em termos educacionais isto também nos preocupa.
Não acham que os alunos deviam ter uma assistência médica preventiva no início de cada ano? Não acham que deviam ser acompanhados, no seu ambiente familiar, por assistentes sociais?
Deste modo, poder-se-iam detectar anomalias em termos de saúde e de educação que permitissem corrigir todas as assimetrias, corrigindo e compensando situações que, à partida, não colocam todos os alunos em pleno pé de igualdade, tendo em vista o desenvolvimento harmónico que proporcione uma verdadeira formação integral.
Não acha a Sr.ª Deputada que, desde 1975, o suplemento tem evoluído, levando os alunos a compreenderem os benefícios de uma prática aumentar racional, na qual se inclui o leite como alimento rico, que substitui e elimina o uso e abuso do vinho que se bebia em sua substituição?
Tem havido um crescendo de crianças que tomam leite. Até mesmo os encarregados de educação, que antes se opunham, o compreenderam e agora e desejam.

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Infelizmente ainda há casos em que, em vez do suplemento, se necessita não o suplemento, mas a refeição. Também nestes casos começa o Instituto de Acção Social Escolar a criar refeitórios para uma alimentação de base.
Para isso exige-se que as escolas primárias funcionem em regime normal e que as distâncias a percorrer sejam superiores a 4 km. Temos que atender, além da distância, à impossibilidade de horários criança-família.
Porém, somos de opinião que não o devemos desenvolver ao ponto de generalizar, obrigatoriamente, esta prática, pois nós defendemos que a família deve desenvolver um fraterno e salutar convívio nas horas das refeições.

Risos do PCP.

Convém não esquecer que, em primeiro lugar, cabe à família a responsabilidade de educar e definir a educação que deseja para os seus filhos.
Devemos empenhar-nos na divulgação da acção social escolar, do que se pretende com ela, e não transformar a acção social escolar em algo que se pareça com uma esmola que cheire à, felizmente afastada, sopa dos pobres.
Sei que não se pretende nada disto, mas não podemos cair em exageros que transformem o Instituto de Acção Social Escolar em assistência social.
Compreendemos e louvamos a vossa iniciativa. Porém, temos que reconhecer que muito de positivo se fez em termos de acção social escolar.
Vejamos: em 1973 despendia-se com a alimentação no ensino primário 30000 contos/ano para abranger 145000 alunos em refeitórios escolares que forneciam sopa de feijão; em 1980-1981 a verba envolvida rondou os 400000 contos para abranger cerca de 700000 alunos; actualmente, mais de 75% são abrangidos pelo suplemento alimentar e, se ainda se não atingiram os 100%, é1 mais a culpa da falta de dinâmica e de capacidade das pessoas do que da falta de verba.
Para nós, sociais-democratas, é muito positivo vermos distribuir leite aditívado em doses individuais, quer pelo seu fácil manuseamento, quer por corresponder, com rigor, ao estabelecido cientificamente no campo internacional.

inalmente, os benefícios da acção social escolar estão bem patentes quando se verifica que a nossa estatura ponderai está a aumentar.
Porém, ficaremos felizes se no futuro se conseguir fazer melhor.
Estamos receptivos e abertos, na Comissão de Educação, a uma análise séria desta problemática que é importante e à qual somos particularmente sensíveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu grupo parlamentar não pode deixar de considerar extremamente útil, oportuna e louvável a apresentação deste projecto de lei por parte do PCP. Trata-se de uma lei que pretende colmatar uma parte da desastrosa e escandalosa política de educação' deste governo, bem como da falta de coordenação de outras políticas ministeriais, nomeadamente de saúde.
É de todos nós sabido -e isso foi aqui bastante bem, sublinhado - as incríveis medidas que tem sido determinadas para as escolas primárias, e que dizem respeito à distribuição do suplemento alimentar, nomeadamente o leite. É tanto mais incrível que essas medidas tenham sido determinadas, quanto está cada vez a ser mais conhecido do público e de todos os professores o aumento do insucesso escolar nas camadas sociais e nas zonas geográficas que são mais carecidas sob o ponto de vista económico.
Quando o Sr. Ministro da Educação e das Universidades não reconhece que mais de 60% das crianças que entram no ensino primário não podem passar para a 2.º fase dadas as suas incapacidades de acompanhar o ritmo escolar e que isso se deve fundamentalmente às incapacidades físicas e psicológicas derivadas da sua nutrição, é realmente algo que nos deixa profundamente perplexos perante o fechar de olhos da AD às injustiças sociais.
Quando o governo AD coloca como prioridade das prioridades, por exemplo, a entrada na CEE ou, como ainda há bem pouco tempo foi dito ao Fundo Monetário Internacional, a mudança do pacote laboral, pergunto: que governo é este, que se diz humanista, personalista e até cristão, quando não coloca como prioridade das prioridades o combate às desigualdades, o combate às desigualdades entre as crianças, que, no fundo, são a base e a potência da democracia em Portugal?

Vasos do PS? - Muito bem!

- Se esta lei, que parece extremamente limitada, não vier a ser inserida num programa mais vasto da acção social escolar - programa que já foi delineado pelo V Governo e que foi imediatamente retirado e anulado pelo governo AD de Sá Carneiro - que integre, além dos suplementos alimentares, também e simultaneamente transportes, tempos livres, material escolar, que permita uma escolarização completa, democrática e com sucesso de todos os portugueses, penso que estamos apenas a colmatar um ponto e a tentar lançar um pouco areia nos olhos, mesmo daqueles que dizem que estão de acordo com estas medidas.
Por outro lado, quando nada se fala e nada se diz sobre saúde escolar, quando os professores ficam completamente sozinhos sem terem o apoio de uma equipa de médicos e de pedagogos que determinem quais são as razões do não crescimento equilibrado dos alunos, nomeadamente anorexias mentais que existem nas escolas primárias, pergunto: que política de saúde na generalidade? Que política de saúde escolar? Que interesse tem este governo pelas crianças deste país e pela justiça social?
No momento em que o governo AD divulga por todo este país o seu programa de regionalização, de que nem sequer sabemos quais são os objectivos - se são verdadeiramente democráticos e verdadeiramente de apoio ao poder/local- e o que se pretende alcançar com eles, o que é que o governo AD diz sobre este assunto, no que diz respeito à participação das comunidades na regionalização dos programas de educação, nomeadamente da acção social escolar e de saúde escolar, que necessariamente, se não forem regionalizados, se não forem entregues às comunidades, jamais terão sucesso?
Lançaria estas perguntas ao Partido Comunista Português, em termos de dizer se está ou não de acordo connosco.

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.

O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr.ª Deputada Odete Santos, concordo plenamente com a acção do IASE, que desde 1975 vem desenvolvendo uma acção muito valida no fornecimento do suplemento alimentar, especialmente às crianças mais carenciadas.
Gostaria de salientar a acção do então presidente do IASE, engenheiro Garcia, um dos principais responsáveis pela explosão escolar a partir do 25 de Abril de 1974. Trabalhei com ele, e dessa actividade muito beneficiaram as crianças, sobretudo as da região de Trás-os-Montes, onde se iniciou uma experiência muito válida no que respeita à escolaridade obrigatória.
A acção do IASE tem, no entanto, aumentado de ano para ano. Devo dizer que no ano lectivo anterior - e a Sr.ª Deputada sabe com certeza disso- cerca de 75% das crianças que frequentaram a escolaridade obrigatória foram abrangidas pelo fornecimento de leite. A melhoria nestes serviços tem sido sensível e está a ser fornecido leite achocolatado em embalagens individuais, o que facilita a sua distribuição em melhores condições higiénicas.
Quanto à circular a que V. Ex.ª se referiu, tenho a impressão que foi redigida por um funcionário do IASE e enviada para o delegado ou director escolar de Lisboa e por este transcrita para todos os professores da área da capital.
O diploma apresentado pelo Partido Comunista Português estabelece a gratuitidade no fornecimento do suplemento alimentar a todas as crianças. No entanto, a escolaridade obrigatória não se esgota só no fornecimento do suplemento alimentar. É evidente que tem de haver uma acção completada com transportes escolares, material escolar, residências escolares; enfim, tem que ser uma acção muito mais vasta.
Dadas as carências económicas do País, não entende a Sr.ª Deputada que as crianças que têm possibilidades económicas poderiam pagar a sua alimentação, o que contribuiria para que as crianças mais carenciadas pudessem, essas sim, beneficiar gratuitamente desse suplemento?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra a Sr." Deputada Odete Santos.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Oliveira Dias.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por concordar com a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio. Penso que tem razão em relação a tudo o que enunciou. A Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio referiu-se a objectivos muito concretos que deviam estar neste momento - e não estão - inscritos nos objectivos deste governo.
Aliás, em letra de imprensa, embora o Governo não reconhecesse no seu Programa a educação como uma das prioridades, o governo AD inscreveu no seu Programa uma série de medidas que depois se verificaram ser apenas promessas, pois o Governo não estava disposto a cumpri-las. O Governo prometeu a manutenção do ritmo de crescimento da educação pré-escolar, a criação das condições para o efectivo e total cumprimento da escolaridade obrigatória, a melhoria das taxas de escolarização para o ensino secundário, o alargamento da rede das instalações, a melhoria do equipamento escolar, etc., etc.
Estamos de acordo que é preciso fazer muito a nível da acção social escolar. Contudo, também sabemos -e os números estão à vista e indicam - que o governo AD não pretende desenvolver qualquer acção, nem a nível de transportes, nem a nível de refeitórios, nem a nível de um suplemento alimentar. Olhando os números, verificamos que em 1981 as despesas com a educação eram de 4,1 % do produto interno bruto e em 1982, de 3,8%. Segundo as taxas publicadas pela OIT, os países em desenvolvimento têm uma percentagem superior à nossa, de 4,3 %. Isto é uma vergonha, isto prova que este Governo não pretende desenvolver qualquer acção a nível da escolaridade e pretende fazer retornar o País aos níveis dos anos cinquenta e sessenta.

O Sr. Jorge lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - É isso o que os números indicam. Todas as perguntas que me fizeram em relação a esse problema, numa pretensa crítica e para esconder os objectivos que o nosso projecto de lei tem, servem só para lançar a poeira nos olhos, servem para quererem convencer lá fora de que pretendem isso, quando tal não acontece.

A Sr. Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Queria dizer ao Sr. Deputado Lemos Damião que me chocou bastante uma afirmação que o Sr. Deputado fez. Com ela parece querer lançar a culpa para os encarregados de educação, para o povo português, de usar e abusar do vinho. O Sr. Deputado sabe tão bem como eu o que originam, em certas regiões, esses métodos errados de alimentação. Sabe muito bem qual era, sobre isso, a política do regime fascista.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Por isso, quaisquer frases como essa têm que ser bem medidas para não deixar equívocos e para não dar a impressão que não se deve dar leite às crianças, porque elas têm o hábito de beber vinho.
Queria ainda dizer-lhe que, de facto, o Sr. Deputado aflorou uma tese curiosa em relação à família. Parece que, com tal tese, o Estado não tem nenhuma obrigação em relação às pessoas que integram a família. Há hoje obrigações - dantes, quando a família era uma unidade económica, tais obrigações incumbiam à família, mas hoje já assim não é, porque ela é apenas uma unidade de consumo - que estão sob a responsabilidade do Estado, e muito mais face à nossa Constituição. Uma delas é a de corrigir os efeitos do passado e criar hábitos alimentares correctos.
O Sr. Deputado também sabe que as famílias não podem ir a meio da manhã e a meio da tarde comer com os filhos que estão na escola porque os seus horários de trabalho não o permitem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para terminar, queria só responder a duas observações do Sr. Deputado Daniel Damião. Na última pergunta desenvolveu uma teoria que não seria afinal a sopa dos pobres, mas eram outros benefícios só para os mais pobres.
Mas, entretanto, volto ainda ao Sr. Deputado Lemos Damião. Realmente, a maneira como é distribuído o suplemento alimentar nas escolas a todas as crianças é dife-

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rente da maneira como se fazia antigamente -e é do meu tempo-, já que não havia cantinas e as crianças mais pobres formavam bicha e iam, então sim, como pobres, comer a sopa.
Também lhe quero dizer que não há nenhum excesso de suplemento alimentar. O que aconteceu - e eu sei o porque sou mãe e tenho filhos na escola- è que as embalagens de leite que sobram ficam armazenadas e acabam por perder a validade sem serem distribuídas às crianças.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Por fim, queria dizer ao Sr. Deputado Daniel Bastos que não tente desculpar o IASE, porque é gato escondido com o rabo de fora. Se foi um funcionário que redigiu esse texto, fê-lo com pleno agreement do Ministro, que no Porto, em colóquio e publicamente, confirmou tudo isso e justificou, dizendo que os professores se «abotoavam» com o leite e o levavam para casa. Essa era uma das razões porque estas medidas iam ser tomadas.

O Sr. Presidente: - Para protestar tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Lamento que a Sr.ª Deputada Odete Santos tenha interpretado mal as minhas palavras quando me referi ao vinho.
Eu disse o seguinte: não acha, Sr. º Deputada, que desde 1975 o suplemento tem evoluído, levando os alunos a compreender os benefícios de uma política alimentar racional, na qual se inclui o leite como alimento rico que substitui e elimina o uso e o abuso do vinho que se bebia em sua substituição? Foi o que eu disse. Portanto, peço desculpa, mas V. Ex.ª interpretou mal.
Por outro lado, o ÏASE não está assim tão mal. E quando estou aqui a defender o ÏASE, estou simplesmente com o rigor dos números a chamar a atenção de V. Ex.ª para aquilo que efectivamente se tem passado.
Apraz-me aqui registar - e queria deixar-lhe uma palavra de muita simpatia e de aceno - que quem está à frente do ÏASE, como director-geral, é uma pessoa que não é de nenhum partido da maioria, é, sim, do Partido Socialista, e tem tido uma acção absolutamente preponderante.
No fundo, o ÏASE começou em 1971 com verbas que rondavam os 128 OCO contos, e hoje já estamos nos 3 milhões de contos. Sei que é muito pouco, mas o certo é que em 1971 eram 128000 contos, em 1973, 282000 contos, em 1975, 627000 contos, em 1977, 1236000 contos, em 1981, 2400000 contos, e em 1982 o ÏASE vai gastar 3 milhões de contos em suplemento alimentar, transportes, alojamento, etc. E tão positiva tem sido a acção do ÏASE que podemos já constatar que hoje a estatura ponderai está a aumentar. Vê-se isso a olho nu, Sr.ª Deputada. Nós hoje já temos distritos onde damos cobertura plena a 100% no pré-primário existente, e quero lembrar-lhe que em 1980 se duplicaram os pré-primários e em 1981 se duplicaram os de 1980. E isto é muito importante. Já também damos cobertura ao primário em 100% em alguns distritos e refiro-me, por exemplo, ao distrito de Braga. Há ainda o preparatório TV, o especial, e não ficamos só pelo ensino especial e cooperativo. Em Braga estamos a cobrir o APCDN, que é a Associação de Pais e dos Professores Amigos das Crianças Diminuídas Mentais -e isto através do ÏASE-, e também instituições de solidariedade social, Sr.ª Deputada. Estamos a cobrir, em termos de ÏASE, o Lar de Nossa Senhora do Sameiro, etc. Estamos a dar cobertura a jovens dos 12 aos 18 anos que são retiradas de ambientes sociais degradados, em vias de se prostituírem, taradas sexuais, etc. Estamos a dar cobertura a toda esta gente. Portanto, estamos já em termos de IASE a ampliar aquilo que V. Ex.ª pretende, nomeadamente no ensino especial e cooperativo.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidentes - Para contraprotestar tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Quero, apenas, lembrar ao Sr. Deputado uma entrevista dada pelo director do ÏASE no Tal e Qual -e se não a leu devia-a ler-, em que se lamenta de não poder fazer mais por não ter verbas.
Também lhe queria dizer que nesses números que apresentou não entrou em Unha de conta com as taxas de inflacção, nem tão-pouco com o aumento da população escolar. Apresentou isso para enganar e deitar poeira nos olhos. Mas o que não é engano nenhum são estes números retirados do Orçamento, o que mostra que as despesas da educação vão diminuindo. Em 1980 eram de 12,9%; em 1981,12%; em 1982,11,3%. Quero, ainda, lembrar-lhe que o nível de 1982 é até mais baixo do que o nível atingido em 1970, que era de 12 %.
Na verdade, os números têm que ser interpretados correctamente, e não deve mascarar-se uma realidade, que não é a que o Sr. Deputado apresentou. Isto porque, ao ouvi-lo dizer que cobrem os centros de educação pré-escolar, até dá a ideia que há para aí centros de educação pré-escolar oficial «a dar com um pau». E nós sabemos muito bem como as mães trabalhadoras têm dificuldade em encontrar estabelecimentos onde deixar os seus filhos.

Aplausos do PCP.

Portanto, aquilo que o Sr. Deputado disse não corresponde à realidade do nosso país. Ela é, de facto, muito má, e a verdade sobre o suplemento alimentar não é que ele tenha vindo a progredir de 1975 para cá. Na intervenção que fiz apontei números, desde 19,75 até agora, que mostram, pelo contrário, ter havido um nítido retrocesso. Além disso, quando o Sr. Deputado diz que estão cobertos, nalguns distritos, todos os alunos do ensino obrigatório, mais uma vez o Sr. Deputado está a errar, porque não é do ensino obrigatório. Poderá ser, nalguns distritos, do ensino primário, mas não é só o ensino primário que é obrigatório.

Aplausos do PCP.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente? Quero interpelar a Mesa.

O Sr. Presidentes - Faça favor.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, como todos sabem, o período da ordem do dia de hoje é preenchido com uma marcação do meu partido. O PCP tinha também uma marcação para o período da ordem do dia, que foi cumprida. Apenas queria chamar a aten-

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cão de V. Ex.ª e da Câmara que, se no período da ordem do dia vamos ainda continuar a discussão do problema das taxas moderadoras e fazer a sua votação, ficará completamento prejudicado o direito regimental de marcação do meu partido.
Faço, por isso, um apelo ao Sr. Presidente e à Câmara, no sentido de considerarem que, de facto, os nossos direitos regimentais devem ser minimamente respeitados.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, respondendo à sua interpelação, pela minha parte sublinharia os direitos regimentais do PPM e o facto de essa marcação ter sido feita há já bastante tempo. Mas permitir-me-ia chamar a sua atenção para o facto de que o artigo 71.º dispõe que não é possível interromper a discussão e votação de qualquer projecto de lei.
Assim, penso haver um condicionalismo regimental grave. Certamente, o problema da discussão dependerá da medida em que a Câmara considere os textos em apreço para que possam ser votados rapidamente.

O Sr. Borges de carvalho (PPM): - Sr. Presidente, não estou a fazer nenhuma exigência nem a V. Ex.ª nem à Câmara. Estou simplesmente a chamar a atenção para um facto que é real e, portanto, a pedir a compreensão de V. Ex.ª e da Câmara para esse facto e agradecê-la, no caso de ela me ser dada. E mais nada, Sr. Presidente.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? Queria interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Cactos Lage (PS): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar Socialista compreende inteiramente as preocupações do PPM e a nossa sugestão consiste em que se faça uma contracção do debate que falta concluir sobre os projectos de lei que estão em discussão, até porque já em duas sessões se discutiu essa matéria. Em seguida entra-se no projecto do PPM e no do PS sobre a mesma matéria, e para se poder votar hoje prolonga-se a sessão até às 20 horas e 30 minutos, ou, em último caso, até às 21 horas.
Acho que devemos concluir a ordem de trabalhos, porque senão vamos prejudicar a ordem de trabalhos de quinta-feira e assim sucessivamente. Assim, estamos de acordo com o PPM e damos esta sugestão prática para se poder, ainda hoje, discutir e votar o projecto de lei do PPM e o nosso sobre a lei quadro do ambiente.

O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados sabem, não acompanhei em pormenor a discussão destes projectos de lei, mas tenho a noção de que eles já foram discutidos durante bastante tempo. Em apoio da boa ordem da continuação dos nossos trabalhos, e sem prejuízo dos direitos de ninguém, pediria aos Srs. Deputados que durante o intervalo considerassem a possibilidade de restringir as suas intervenções ao que, efectivamente, for considerado essencial, para que possamos cumprir a ordem do dia estabelecida para hoje, sem exagerarmos o tempo da sessão.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, para darmos um exemplo de autocontenção, nós utilizaremos só 5 minutos na discussão.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, é só para anunciar que vou fazer chegar à Mesa um requerimento para o prolongamento da sessão até às 21 horas.

O Sr. Presidente: - Vamos agora suspender os nossos trabalhos por 30 minutos, que com a preocupação que existe eu pediria que fosse mesmo de 30 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Passamos à segunda parte da ordem do dia, ou seja a continuação da discussão conjunta dos projectos de lei n.ºs 306/II e 312/II.
Dos apontamentos que há na Mesa, está inscrito o Sr. Deputado Henrique de Moraes para responder a um pedido de esclarecimento e o Sr. Deputado Sousa Tavares para exercer o direito de defesa.
Era intenção da Mesa dar primeiro a palavra para respostas a pedidos de esclarecimento. O Sr. Deputado Sousa Tavares quer usar já do direito de defesa?

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Quero sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente. - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na última sessão do Plenário desta Assembleia e a propósito da discussão do projecto de lei sobre taxas moderadoras, proposto pela UEDS, o Sr. Deputado António Arnaut, depois de ter increpado os partidos da maioria pela sua falta de interesse pela discussão, motivou da parte da minha bancada protestos ruidosos, atendendo a que quando ele formulou esta observação se encontravam na Sala 14 deputados do Partido Socialista e 58 do Partido Social-Democrata, o que já na véspera, de certa maneira, se tinha repetido. Portanto, parecia que a observação era, além do mais, objectivamente injusta. Isso provocou um incidente entre o Sr. Deputado António Arnaut e o Sr. Deputado Jaime Ramos, que entendeu dever dar-lhe uma resposta.
A esse propósito, o Sr. Deputado António Arnaut produziu as seguintes e textuais afirmações: «as palavras desbragadas e inqualificáveis do Sr. Deputado Jaime Ramos não merecem resposta. A democracia tem os seus custos, já que tem que admitir no seu seio os maus democratas, aqueles que não sabem da democracia a lição, porque nunca a aprenderam. Não a aprenderam com o povo nem a aprenderam com as lutas pela democracia. A democracia tem de admitir no seu seio aqueles que vieram à democracia e aqui estão, apenas porque houve uma revolução democrática mas que nada fizeram por essa revolução democrática. Como democrata, aceito este custo da democracia, porque penso e admito ainda que os maus democratas de hoje possam ser razoáveis democratas de amanhã».
O Sr. Deputado António Arnaut pronunciou estas palavras nitidamente dirigidas à bancada a que pertenço e englobando, sem excepções, praticamente todos os deputados do Partido Social-Democrata.

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Tendo apenas justificado o meu pedido de direito de voto, tive ocasião de pronunciar na Assembleia as seguintes palavras: «Sr. Presidente, interpus recurso da decisão de V. Ex.ª porque entendi que devia defender-me quando o Sr. Deputado António Arnaut disse, entre outras coisas, que tínhamos aprendido a democracia com o 25 de Abril e que não tínhamos feito sacrifícios pela resistência. O Sr. Deputado António Arnaut não tem o direito de dizer isso. Eu nunca o encontrei nas lutas antifascistas e a mim toda a gente me encontrou durante 30 anos.»
A propósito destas palavras, o Sr. Deputado António Arnaut rematou no fim, dizendo o seguinte: «A ofensa é tão profunda, pelas palavras do Sr. Deputado Sousa Tavares, que só voltarei a reatar relações com ele se me pedir publicamente desculpa.»
Gostaria, unicamente, de usar do meu direito de defesa no seguinte sentido: se alguém é ofendido aqui, sou eu, nitidamente. E esperaria, da ombridade e da honestidade do Sr. Deputado António Arnaut, que muito prezo, que depois das desculpas formais que lhe foram apresentadas pelo Sr. Deputado Jaime Ramos o imitasse e me pedisse desculpa, como o devia pedir a muitos democratas sinceros que há nesta bancada, que sofreram ao longo de muitos anos, desde prisões, revoltas armadas, todas as formas de protesto - e o Sr. Deputado António Arnaut sabe que è verdade - e inclusivamente ao sacrifício da própria família, das relações sociológicas, todo o isolamento total a que muitas vezes estive condenado na vida, ao longo de 30 anos. Por isso, devia pedir-me desculpa e retirar as expressões que usou, que não são justas.

Vozes do PSDs - Muito bem!

O Sr. Presidentes - Está inscrito ainda o Sr. Deputado Henrique de Moraes, para responder a pedidos de esclarecimento feitos pelo Sr. Deputado António Arnaut, e o Sr. Deputado Gomes Carneiro, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Henrique de Moraes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Moraes.

O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - É só uma ligeira resposta.
Já muitos dias se passaram desde os pedidos de esclarecimento feitos pelo Sr. Deputado António Arnaut, aquando da minha intervenção, mas não quero deixar de fazer uma pequena comparação, sem qualquer espirito de crítica.
O Sr. Deputado António Arnaut pretendeu -aliás como eu também o fiz, porque está no nosso direito - dirigir-se ao povo português, estimulando que se não pagassem as taxas.
A propósito disto queria relatar um acontecimento passado já há alguns anos, ou seja em 1975.
Nessa altura, durante um período caracterizado em Portugal pelo gonçalvismo, de que muitos deputados desta Câmara se lembram, no Norte de Portugal corria o dito genérico de que era à custa dos impostos pagos pela população em geral que as populações do Sul viviam, através do que se estava a passar politicamente. Por isso mesmo, foi passando de boca em boca que as pessoas também não deveriam pagar os seus impostos, já que o Sul estava a viver à custa do Norte. Isto foi dito em muitos sítios, e lembro-me perfeitamente que o nosso inesquecível e querido amigo Adelino Amaro da Costa foi ao Norte especialmente recomendar que se tentasse, com todos os esforços, acabar com esse vozear, já que não seria uma atitude democrática da parte da população do Norte do País eximir-se ao pagamento dos seus impostos, ainda que não concordasse com o tipo de gastos que estava a ser feito, e que não seria uma atitude patriótica, já que Portugal não poderia ser, de maneira nenhuma, dividido em dois (Norte e Sul). Portugal era um só país e, por isso mesmo, o nosso esforço devia ser total.
O povo português do Norte compreendeu perfeitamente os conselhos dados por nós e comportou-se com uma dignidade democrática, patriótica e nacional muito elevada, e nós, por isso, nos contentámos.
Só queria focar este assunto, a propósito das palavras do Sr. Deputado António Arnaut. E esta era, por assim dizer, a resposta que eu tinha a dar ao Sr. Deputado.

O Sr. António Arnaut(PS): - Não respondeu à pergunta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É uma brevíssima intervenção, para fazer voltar à discussão a questão que está na ordem do dia, ou seja as chamadas taxas moderadoras, e muito particularmente sobre o projecto de lei apresentado pela UEDS, uma vez que o nosso próprio projecto de lei foi já apresentado pelo meu camarada Vidigal Amaro em sessão anterior.
Antes de explicar, com pormenor, quais as alternativas que, quanto a nós, deviam ser executadas numa política de saúde para diminuir o consumo de medicamentos em Portugal - ao contrário do caminho que este governo seguiu, o das taxas moderadoras-, gostaria de tecer uma consideração que se aplica aos dois projectos de lei.
Consideramos que este debate tem sido extremamente útil, apesar dos desvios da ordem do dia que teve, porque permite trazer ao Parlamento, através dos partidos da oposição, uma questão extremamente importante que são as tais taxas que o Governo pôs em prática, por via de portaria e de despacho simples, fugindo assim ao controle do Parlamento.
No entender do PCP, pensamos que se hoje estes projectos de lei forem derrotados...

O Sr. Presidente: - Pedia aos Srs. Deputados o silêncio necessário para que a Sr.ª Deputada se possa exprimir.

A Oradora: - É que os Srs. Deputados estão isentos das taxas e por isso não estão atentos.

Protestos do PSD.

Os Srs. Deputados estão isentos das taxas por uma razão muito simples: & ADSE está isenta da taxa e só os desgraçados do regime geral da Previdência é que não estão isentos da taxa.
Como é sabido, Srs. Deputados, qualquer deputado desta Casa pode optar pelo regime da ADSE ou pelo regime geral, e neste caso os Srs. Deputados estão isentos da taxa. Quem paga é o cidadão que pertence ao regime geral da Previdência.
Regresso, então, à questão concreta das taxas. Pensamos que esta medida é ilegal e inconstitucional e não foi

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apresentado neste debate qualquer argumento sério no sentido de demonstrar a legalidade e a constitucionalidade da decisão governamental de pôr os Portugueses a pagar estas taxas.
Por isso, consideramos legítimo, como já foi dito aqui, nomeadamente pelo Sr. Deputado António Arnaut, que seja na verdade duvidoso que os cidadãos estejam obrigados a pagar uma taxa que é flagrantemente ilegal e inconstitucional.
Quanto ao projecto de lei apresentado pela UEDS, que diz respeito à questão das taxas sobre os medicamentos, gostaria de dizer o seguinte: quando em Portugal se diz - e o Sr. Secretário de Estado, que hoje não está cá, já aqui o disse e repetiu várias vezes- que há um excesso do consumo de medicamentos no País, isso é verdade. Simplesmente, é uma verdade distorcida, porque o que se verifica é que a grande região de Lisboa consome mais de 37 % dos medicamentos, e toda a faixa interior do País, nomeadamente Trás-os-Montes e Beira Interior, consomem apenas 9,7 % dos medicamentos.
Por outro lado, o meu partido em numerosas intervenções trouxe aqui quais as medidas que preconizamos para diminuir o consumo, eventualmente excessivo, de medicamentos e a distorção que se verifica. Quanto a nós, nunca isso seria através de uma taxa e muito menos de uma taxa fixa de 258 por cada papel de embalagem. Isso seria feito através das medidas que sinteticamente passarei a enunciar: Em primeiro lugar a prevenção da infecção hospitalar. Existe um estudo feito nos Hospitais Civis de Lisboa sobre a infecção hospitalar, e existem hospitais centrais em Lisboa que de há anos se debatem com problemas de infecção hospitalar, nomeadamente as Maternidades de Magalhães Coutinho e de Alfredo da Costa, sem que qualquer medida séria e profunda seja feita neste campo.
Pensamos que a segunda medida a tomar é a formação de equipas multidisciplinares que nos hospitais estudem a aplicação dos antibióticos adequados às várias situações. Em terceiro lugar, preconizamos como medida urgente o estabelecimento de protocolos para a prescrição de medicamentos e a avaliação sistemática dos processos clínicos.
Em quarto lugar, a distribuição nos hospitais de medicamentos através do sistema da unidose. O Sr. Secretário de Estado, mais uma vez, referiu que esta é uma medida que está a ser prevista pelo Governo. Andamos a ouvir dizer isso há anos e desde há anos que esta medida não é tomada nem incrementada. Isto traduz-se num desperdício de milhares de contos em divisas para o País, gastos em antibióticos e outros, mas particularmente em antibióticos, muitos dos quais acabam por perder o prazo de validade nas próprias enfermarias, ou não são plenamente consumidos pelos utentes, que entretanto têm alta do hospital. São, por essa razão, desperdiçados.
Outra coisa a que nos parece urgente pôr travão é a situação que hoje se vive também nos hospitais, em que os laboratórios colocam medicamentos à experiência sem qualquer autorização. Isto verifica-se em milhares de casos. Qualquer utente que vá a um hospital público pode verificar que em cada enfermaria existe sempre um delegado de propaganda médica, ao lado de qualquer médico que precisa de passar uma receita de um medicamento, exactamente incentivando o consumismo.
A sexta medida que preconizamos, e que já referi também noutra intervenção em pergunta ao Sr. Ministro, é a disciplina de propaganda dos medicamentos. Na verdade, aqui em Portugal, e ao contrário do que sucede em todos os outros países da Europa, a propaganda de medicamentos é livre e assume aspectos, em muitos casos verdadeiramente escandalosos.
Isso acontece não só porque essa propaganda não corresponde sequer à realidade do medicamento que procura propagandear mas também porque é feita em moldes que procuram levar ao consumismo.
Outra das acções que preconiza uma acção junto dos médicos - e que foi aqui referida por muitos deputados mas julgo que não é demais relembrá-lo - é que são os médicos que fazem a prescrição do medicamento.
Ora, a única acção que existe, hoje, junto dos médicos, é feita exactamente pelas multinacionais que têm a seu cargo a propaganda e que a fazem junto doo médicos.
Creio que se, por exemplo, no ensino é mais do que legítimo - e isso levou a uma melhoria do próprio nível de ensino- que os professores vão passando ao longo da sua vida por uma profissionalização em exercício, o mesmo deveria ser feito pelos médicos que trabalham nos serviços públicos, não deixando, como hoje se passa, indiscriminadamente ao critério das multinacionais o fazerem a propaganda e até a única actualização que, em muitos casos, do ponto de vista científico, os médicos que estão fora dos grandes centros têm.
É de referir que um dos casos graves que chegaram à própria Comissão de Saúde e que ilustra isto que acabo de dizer é, por exemplo, o que se passa com os hospitais centrais e, particularmente, com os hospitais pediátricos, em que normalmente quando uma criança chega a uma urgência de um desses hospitais, já vem medicada por serviços de saúde ou por médicos que estão nos hospitais centrais ou nos centros de saúde, o que distorce completamente o próprio quadro clinico dessa criança. É, pois, ai que é preciso actuar e não ao nível das taxas moderadoras.
Mas podem ainda ser referidas outras medidas. Noutra intervenção, já referi a necessidade de racionalização das embalagens e neste campo as multinacionais são extremamente hábeis, fazendo sempre um tamanho de embalagem tal que o utente ou tem que comprar duas embalagens ou compra uma embalagem contendo um número excessivo de medicamento em relação àquele de que necessita. Creio que com esta medida se poupariam milhares de contos que hoje são gastos pelos serviços públicos em medicamentos e pelo Estado em divisas.
É também necessária uma informação, junto dos utentes, em relação ao excessivo consumo de medicamentos.
Mas a medida de fundo, que o meu partido preconizou e que se traduziu na apresentação de um projecto de lei nesta Assembleia é a criação de uma rede de cuidados primários de saúde, que leva exactamente à educação dos cidadãos para a saúde e não à sua penalização, nomeadamente através dos tais 25$ por medicamento, como hoje é feito pelo governo da AD.
Para além do formulário nacional de medicamentos, que tem sido tão falado, estas são algumas das medidas que no imediato deveriam ser postas em prática para reduzir o consumo de medicamentos em Portugal, melhorando e beneficiando a saúde dos utentes, e não a política que é feita por este governo que é a de, pura e simplesmente, lançar uma taxa sobre os utentes quando estes estão doentes e necessitam de um medicamento,

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taxa esta de que, Srs. Deputados, ninguém está isento. E é de referir que, neste caso, até os reformados têm que tirar da sua pensão de reforma os 25$ por cada medicamento, até as grávidas, abrangidas pela assistência materno-infantil que está enquadrada nos cuidados primários de saúde, têm que pagar a taxa dos 25$ por medicamento.
São, pois, estes os motivos que nos levam a votar a favor do projecto de lei apresentado pela UEDS e a considerar que há outras alternativas para se chegar a um fim - a que, quanto a nós, esta medida e esta política não vai conduzir- que é a redução do consumo de medicamentos. Com esta política a única coisa que se consegue é penalizar aqueles que mais precisam de ter acesso aos serviços de saúde e nomeadamente aos medicamentos.
Há alternativas, há outras políticas, só que este governo, com este Ministro, com este Secretário de Estado e com esta maioria, será incapaz de beneficiar a saúde pública, está sempre a prejudicar os cidadãos e neste caso os que mais necessitam de protecção e de apoio.
É por isso, Srs. Deputados, que nós votaremos a favor do projecto de lei da UEDS e que insistiremos sempre na política alternativa que, quanto a nós, neste caso até é simples e clara e até tem obtido desde sempre uma grande unanimidade e um grande consenso nesta Assembleia.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Carneiro.

O Sr. Gomes Carneiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora este assunto merecesse da nossa parte uma análise bastante longa, conforme prometemos, procuraremos ser o mais sucintos possível dando por produzidas muitas das afirmações que gostaríamos de fazer, depois de ouvir a intervenção da Sr.ª Deputada Zita Seabra, com a qual, no essencial, estamos perfeitamente de acordo.
Efectivamente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as taxas moderadoras não vêm facilitar a vida ao cidadão normal e, cada vez mais, geram assimetrias entre os diferentes cidadãos.
Como se não bastassem as assimetrias existentes no poder de compra de cada cidadão, vamos onerar os cidadãos portugueses com uma taxa moderadora que efectivamente perturba o parco orçamento familiar das classes mais desfavorecidas, das pessoas com famílias numerosas e dos próprios reformados, conforme aqui já foi referido pelo meu grupo parlamentar e também pelos outros grupos parlamentares da oposição.
E este problema é tanto mais grave quanto ele é reconhecido pelo próprio Ministério dos Assuntos Sociais ao fazer diversas afirmações.
Parece, no entanto, que a filosofia com que o Ministério dos Assuntos Sociais lançou esta taxa moderadora foi a de precaver a classe média de um aumento de consumismo, pois o Sr. Secretário de Estado afirma, por exemplo, que a introdução de taxas moderadoras constitui apenas uma medida destinada a corrigir um pouco a distorção orçamental, dizendo, mais adiante, que ela é uma medida que torna o medicamento menos facilitado, que torna o médico mais livre das pressões hiperconsumistas do cidadão, que repõe ou tenta repor o fármaco no seu estrito uso essencial. Como se a culpa do hiper-consumismo fosse dos cidadãos, Sr. Presidente!
Efectivamente, parece-me que isto não corresponde à verdade. Ninguém pode, de boa mente, dizer que a culpa do hiper-consumismo de medicamentos em Portugal é do cidadão. Aliás, se olharmos para o mapa de Portugal, vemos que há zonas onde se poderia dizer que há um hipoconsumo de medicamentos e há zonas onde há um hiperconsumo e é preciso analisar as raízes disso, fazer-se uma análise profunda dessa matéria.
O Sr. Presidente, como médico, sabe que assim é e sabe a que são devidas estas diferenças. Aliás, julgo que, em consciência, toda a gente desta Casa o sabe.
E isto é tanto mais grave, quanto é certo que é o próprio Secretário de Estado que, em nome do Ministério dos Assuntos Sociais, anuncia uma série de medidas com as quais nós estamos, no essencial, de acordo, medidas essas que a serem efectivamente implantadas, seja por que governo for, resolvem realmente o problema do consumo excessivo de medicamentos.
No entanto, resta-nos a dúvida de se efectivamente se pretende levar a efeito essas medidas.
É o próprio Secretário de Estado que diz que o formulário nacional dos medicamentos existe e que a lista complementar de medicamentos está a ser feita; é o próprio Secretário de Estado que diz que vai aumentar a fiscalização das farmácias, que vai interferir na formação dos preços. Concordo perfeitamente com isto, visto que nas multinacionais deste país há uma maneira de fabricar preços que ninguém percebe muito bem, como, aliás, não se percebe por que é que o Ministério dos Assuntos Sociais não tem interferência nesta matéria.
Todas as medidas aqui anunciadas pelo Sr. Secretário de Estado e algumas até anunciadas pelo Sr Ministro são medidas que, se implementadas, são positivas e resolvem perfeitamente o problema. E o que nos preocupa é a injustiça social da taxa ter solução possível e não acabar!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lembro que cerca de 80 % dos medicamentos provêm das multinacionais e só cerca de 20 % provêm da indústria nacional, o que implica que, da parte do Ministério dos Assuntos Sociais, haja uma pressão para um redimensionamento e uma ajuda à indústria nacional deste domínio para que possa haver uma efectiva contrapartida às importações de medicamentos. Estamos perfeitamente de acordo com isto.
É preciso que haja efectivamente um incentivo, capaz, à indústria nacional, para a tornar competitiva com as multinacionais e todos sabemos o poder que elas têm.
É preciso acabar com as amostras clínicas, que são lugares comuns! Aliás, é preciso ter consciência que é a própria indústria nacional que, na sua convenção, nos diz que apenas 300 medicamentos são responsáveis por 70 % do total de medicamentos vendidos neste país .
Se olharmos para todas estas contradições, para todas estas assimetrias - quer de consumo em termos de país, quer de consumo em termos de matéria-prima, quer ainda de consumo em termos de medicamentos-, verificamos que está tudo errado e que é realmente preciso uma reformulação.
A oposição está naturalmente à espera que o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais venha conversar com ela, conforme prometeu no debate do Orçamento Geral do Estado. Estamos abertos a soluções de fundo para este problema mas, evidentemente, não o estamos relativamente à taxa sobre os medicamentos prescritos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas para que fi-

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que registado em acta e para alertar o Governo em relação a esta matéria, quero referir que vai ser publicada brevemente uma lista dos chamados OTCs, isto é, os medicamentos de venda livre a que preferia chamar medicamentos de família ou medicamentos familiares, visto que .medicamentos de venda livre poderá dar ideia que podem ser vendidos em qualquer lado. Aliás, nós precisamos de uma curta definição desta matéria e de uma discussão sobre isto.
Mas, como medicamentos de venda livre que são, parece-me que a filosofia do Governo - e chamo a atenção da maioria para isto - vai ser a de libertar os preços desses medicamentos, o que vai conduzir a mais uma assimetria no País, já que a libertação dos preços destes medicamentos, a não serem tabelados na origem com* preços igualitários em todo o país, vai conduzir necessariamente a que eles sejam mais baratos em Lisboa do que, por exemplo, em Bragança, vai conduzir inclusivamente a que as multinacionais, com o seu poder de propaganda, consigam impor os preços que querem e que cada vez se deforme e se diminua mais a competitividade das empresas de medicamentos nacionais.
É para isto que quero .chamar a atenção, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pois parece-me substancial. Não faz sentido que um ácido acetílsalicílico de uma marca registada custe, por exemplo, 203 em Lisboa e em Bragança seja onerado, porque existem as despesas de transporte, e possa custar 23S ou 24S.
Tudo isto são coisas que nos preocupam e necessariamente iremos votar a favor dos dois projectos de lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou convencido de que a maioria dos deputados concordarão connosco. Outros, por razões de natureza partidária, não concordam. No entanto, temos esperança que rapidamente as medidas que a oposição aqui preconizou e que, curiosamente, são defendidas pelo próprio Ministério, sejam rapidamente implementadas para bem de todos nós, para bem de todos os portugueses.

Aplausos do PS, do PCP e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a política do governo AD para a saúde assenta em quatro pressupostos devidamente articulados.
O primeiro é que não há dinheiro para pagar a saúde; o segundo é que a utilização dos serviços de saúde, meios auxiliares de diagnóstico e o consumo de medicamentos são exagerados quando não anárquicos; o terceiro è que quem tem dinheiro deve pagar os cuidados de saúde para permitir que aqueles que de facto não podem pagar possam ter acesso gratuito aos cuidados médicos, aos meios de diagnóstico e aos medicamentos; o quarto é que a saúde deve ter um grau de qualidade, salvaguardando em especial a possibilidade de escolha de médico por parte do doente.
De acordo com esta política, o governo AD decidiu criar uma taxa sobre o consumo de medicamentos e fazer pagar a prestação dos cuidados médico-sociais de forma escalonada, penalizando os utentes de maiores recursos e aliviando até à gratuitidade os mais carenciados de sorte na vida.
Com a sua política para a saúde o governo AD demonstra - e vamos mostrá-lo- a sua coerência com a política geral que vem praticando, ou seja, que o povo existe para engordar as multinacionais, os capitalistas, o patronato !

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não apoiado!

O Oradora: - As carências, a doença, a infelicidade das pessoas são vistas apenas como fonte de lucro e como objecto de caridade individual ou institucional.
A caridade torna-se,, pois, o contraponto compensatório destinado a aliviar a convivência dos ricos e do seu Estado, permitindo-lhes assim continuarem a ser os sacerdotes lacaios da doutrina religiosa, oficial ou oficiosa, e demonstrarem que afinal é mais fácil um rico entrar no reino dos céus do que um camelo no buraco de uma agulha.
Cristo que se lixe, desde que sirva para adormecer as pessoas ...
Portanto, o Governo AD garante os lucros fabulosos que geram a miséria e dela se alimentam.
É com esta finalidade essencial que criou os seus pressupostos. Não há dinheiro para a saúde? É óbvio que a culpa não é do povo, nem dos trabalhadores e muito menos dos doentes.
As verbas orçamentais são definidas pela política global do Governo a partir das receitas do Estado, cru seja dos impostos e descontos lançados sobre a população e que ele arrecada.
E o Governo considera que a saúde não é - ao contrário do que prescreve a Constituição - , de facto, um serviço social mas uma mercadoria como outra qualquer, em economia capitalista, destinada a promover a acumulação dos lucros e não a satisfação das necessidades da população.
Por isso desvia as verbas do Orçamento para sectores que favoreçam a actividade dos capitalistas, das multinacionais, e o reforço do aparelho do Estado destinado a conter as manifestações populares de contestação e revolta provocadas pela própria política do Governo.
Por isso a política de saúde do Governo se destina não a garantir a saúde mas a explorar a doença!

O Sr. Lacerda de Queirós(PSD): - Não apoiado!

- O carácter anti-social e antidemocrático do governo AD revela-se quando, ao impor a sua política nomeadamente no campo da saúde, não tem sequer em conta a opinião dos próprios técnicos do sector - médicos, enfermeiros, assistentes sociais, etc.
Este governo inverte a lógica da problemática da saúde. Atribui ao factor curativo prevalência sobre o preventivo, confiado que assim poupará largos milhões de contos ao erário público que possam vir a ser apropriados pelos negociantes da medicina e pelos grandes laboratórios.
O Governo encarece o pão e outros géneros essenciais, fomenta o desemprego e as carências de toda a ordem, como, por exemplo, no campo habitacional, não investe na medicina preventiva nem na implementação de um Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito e depois vem dizer piedosamente que fez tratar gratuitamente tuberculosos que não tinham meios de subsistência!
Financia as misericórdias com milhões de contos de indemnização para garantir a preservação da pobreza, da indigência e da caridade salvadora! Entretanto, lança

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taxas sobre os medicamentos impedindo assim que as largas camadas da população tenham acesso aos mesmos, obrigando-as a privarem-se dos meios necessários ao tratamento.
Os milhões de contos gastos pelos grandes laboratórios em publicidade, os milhões de contos de dívidas do patronato à Previdência e os largos milhões de contos esbanjados pelo Governo a explicar a sua política contra a saúde, constituem uma soma fabulosa que, quase só por si, bastaria para garantir o Serviço Nacional de Saúde operativo e gratuito que assegurasse o direito à saúde e não apenas à hipótese, cada vez mais longínqua para a maioria dos portugueses, de tentar tratar a doença.
O que resulta é a inexistência ou a ineficácia dos serviços de saúde e serem os doentes que pagam todo aquele dinheiro desviado do seu fim prioritário, para garantirem o direito de arrastarem a sua miséria, a sua doença e a sua angústia quotidiana, enquanto este governo não for derrubado e esta afrontosa política não for banida de vez.
Entretanto os ricos e bem nascidos, usufruindo das benesses desta mesma política, nadando na corrupção e no lucro fácil, podem utilizar os resultados da exploração directa dos trabalhadores, os dinheiros das dívidas que lhes não são cobradas e os incentivos ao investimento, para escolher o médico, a luxuosa casa de saúde e comprar todos os medicamentos necessários, pagando a peso de ouro a qualidade dos serviços que a AD lhes garante!
Vemos assim que, contrariamente às afirmações demagógicas do governo AD, os ricos não pagam para os pobres terem saúde mas, antes pelo contrário, são os pobres quem paga a saúde impacte dos ricos com a perpetuação da sua própria miséria e doença.
A crise económica não pode servir para justificar as taxas sobre os medicamentos e o encarecimento da prestação dos serviços de saudei É a própria política da AD que agudiza a crise e a lança sobre os trabalhadores!
Por que não implementa o Serviço Nacional de Saúde universal, geral e gratuito, por que não promove a descentralização, a participação e o controle de técnicos e utentes, por que não racionaliza a utilização dos meios existentes, por que não cria um formulário nacional?
Por que, finalmente, quer preservar a doença como meio de enriquecimento das multinacionais dos produtos químico-farmacêuticos e dos barões de medicina!
Este é um problema estrutural e não apenas uma questão de política social!
Os trabalhadores e o povo, se algum dia querem ter saúde, têm de unir-se e lutar para derrubar este governo, impondo uma política de unidade popular que reponha os caminhos de Abril.
Entretanto, a UDP votará a favor de dois projectos de lei em discussão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, está encerrado o debate, conjunto, dos projectos de lei n.ºs 306/II e 312/II.

Vamos votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 306/II, apresentado pela UEDS, sobre a proibição de taxas moderadoras na aquisição de medicamentos.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar, na generalidade, o projecto de lei n.º 312/II, apresentado pelo PCP, sobre a garantia da gratuitidade dos cuidados de saúde prestados em serviços públicos.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, suponho que para proferirem declarações de voto, o Srs. Deputados António Arnaut, Zita Seabra, Lopes Cardoso e Herberto Goulart.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borgas d

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados considerarão. A declaração de voto por escrito é possível, e é um facto que o PPM já pediu a nossa atenção para as limitações que têm os projectos de lei agendados por sua iniciativa. Em todo o caso, é evidente que, se algum dos grupos parlamentares insistir em fazer a sua declaração de voto oralmente, terei de lhe dar a palavra.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, pretendo fazer a minha declaração de voto oralmente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut.

O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muito breve.
Votámos a favor dos projectos de lei em discussão porque consideramos que as taxas de saúde são, como sempre o afirmámos, manifestamente ilegais, injustas e inconstitucionais.
Aliás, informo V. Ex.ª de que oportunamente lhe requereremos que, junto do Conselho da Revolução e nos termos do artigo 281.º da Constituição, solicite a declaração de inconstitucionalidade dos diplomas que criaram estas taxas.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador» - A AD votou, como se esperava, pela sua manutenção. Cada um dos partidos assume a sua responsabilidade, o povo português nos julgará a todos.
Pela nossa parte, Srs. Presidente e Srs. Deputados, continuaremos, consequentemente, a nossa luta até que as taxas sejam abolidas.
Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e sobre o incidente da última reunião, desejo declarar que não retiro uma única palavra. Não me referia a ninguém em particular. Fiz apenas um juízo político legítimo sobre o comportamento de alguns deputados do PSD que, na altura em que eu falava sobre um problema que afecta gravemente o povo português...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Arnaut, penso que está a fazer uma declaração de voto, e

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compreenderá, certamente, o sentido com que peço a sua atenção para esse facto.

O Orador: - E V. Ex.ª, Sr. Presidente, dado o melindre da situação, também compreenderá que eu lhe peça apenas mais 30 segundos e terminarei.
Dizia eu que, na altura em que eu falava sobre um problema que afecta gravemente o povo português, alguns deputados do PSD manifestavam ruidosamente um completo desprezo pelo debate e até pelo respeito devido a esta Assembleia. Esses, de facto, não sabem ou não querem ouvir as razões dos outros.
É por isso óbvio que não me referia à generalidade dos deputados da maioria. O Sr. Deputado Sousa Tavares quis deturpar o sentido da minha intervenção. É useiro e vezeiro em criar incidentes desta maneira. Como me ofendeu e não me pediu desculpa, as nossas relações ficam suspensas. Lamento-o porque sempre procurei manter com todos os colegas as melhores relações.
Talvez o Sr. Deputado venha um dia a reconhecer o desconcerto da sua linguagem. Se o Sr. Deputado Sousa Tavares nunca me encontrou na luta antifascista, é porque ele andava por outros caminhos, os caminhos que, afinal, agora também nos desencontram.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Josefina Andrade.

A Sr.ª Josefina Andrade (PCP): - Os projectos de lei n.ºs 306/II e 312/II, respectivamente sobre a proibição de taxas moderadoras na aquisição de medicamentos e sobre a garantia da gratuitidade de cuidados de saúde prestados em estabelecimentos públicos, acabam de ser rejeitados nesta Assembleia pelos deputados que compõem a maioria, os deputados da AD.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É uma vergonha!

A Oradora: - Assim, graças ao governo de Pinto Balsemão e agora à conivência dos deputados do PSD, CDS e PPM, os Portugueses, quando estão doentes, têm de pagar não só os cuidados de saúde de que necessitam, como o imposto de 25S por cada embalagem de medicamento. Isto é uma injustiça, tanto maior quanto desde há anos que os serviços de saúde eram gratuitos, que os cidadãos, particularmente os de menores posses económicas, tinham desde o 25 de Abril a garantia de que, se adoecessem, eram tratados gratuitamente nos hospitais. Mas, além dê uma injustiça, é também uma flagrante inconstitucionalidade e ilegalidade, conforme ficou demonstrado durante o debate, pois estas taxas não se ajustam ao preceituado na Constituição nem com o próprio artigo l.º da Lei do Serviço Nacional de Saúde.
Durante a discussão destes projectos de lei ficou também demonstrada a incapacidade e a incompetência deste governo em solucionar os problemas da saúde e que a única medida concreta que toma - a AD já está no Governo há mais de 2 anos- é pôr os Portugueses a pagar mais pelos cuidados de saúde. Pagar os cuidados de saúde nos mesmos serviços que cada vez se encontram mais desumanizados e desorganizados.
Com tal pagamento são principalmente atingidas as classes mais desfavorecidas, nomeadamente os desempregados e os reformados. Ao pagamento da taxa sobre os medicamentos não escapa ninguém, estando a ela sujeitas, inclusivamente, as grávidas e as crianças. Do debate sobressaiu também que não é por falta de dinheiro que tais medidas foram tomadas. Elas são consequência de uma visão retrógrada e mercantilista do problema da saúde e de uma política contrária aos interesses do povo e servindo outros interesses daqueles que fazem da doença um negócio.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Com a apresentação deste projecto e durante a sua discussão procurámos que o Governo e esta maioria reconsiderassem na sua posição sobre tais medidas, que, como foi bem demonstrado, são ilegais e inconstitucionais. Votando a favor da ilegalidade, os deputados da maioria revelam bem a submissão ao seu Governo. E não será justo que o povo português reponha a legalidade e o cumprimento da lei do Serviço Nacional de Saúde através do não pagamento das taxas para os cuidados médicos prestados nos serviços públicos de saúde?

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Este debate que travámos mostra a necessidade urgente de mandar este governo e esta maioria embora. É preciso revogar estas taxas e assegurar o direito à saúde a todos os portugueses, e ficou mais uma vez provado que isto não é possível com a AD.

Aplausos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos a favor dos 2 projectos de lei que estavam em discussão pelas razões que tivemos oportunidade de expor durante o debate.
Reafirmamos a nossa posição de considerar inconstitucionais as taxas moderadoras, que impedem a gratuitidade dos cuidados de saúde prestados em serviços públicos. Reafirmamos que, tecnicamente, as medidas que os 2 diplomas, que foram recusados, visavam revogar em nada contribuirão para melhorar a gestão da saúde pública nem a saúde dos Portugueses.
O governo da AD, em dois anos e meio, tem-se demonstrado incapaz de tomar medidas de fundo em relação à resolução dos principais problemas da saúde e, com a rejeição dos 2 diplomas em discussão, a maioria demonstrou que também dá o seu acordo no sentido de que os custos da inoperância governamental sejam atirados para cima dos portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Governo, nas medidas que tinha decretado, que aqui se pretendia revogar, assumira-se no desprezo pelos direitos dos Portugueses, em especial das camadas mais carenciadas, camadas que encontrarão fortes dificuldades económicas para verem resolvidos capazmente os seus problemas da doença e da saúde. A maioria parlamentar, ao aprovar (passe os problemas de consciência de muitos dos Srs. Deputados dessa mesma maioria) as directrizes do Governo, isto é, ao recusar estes 2 diplomas, manifestou a opinião de que comunga

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dos mesmos sentimentos do seu governo e de que não passa de hipocrisia quando aqui repetidamente fala em direitos humanos e em direitos dos cidadãos.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP e da UEDS.

O Sr. Presidentes - Igualmente para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar da UEDS votou a favor dos 2 projectos de lei porque considera -tal como disse o Sr. Deputado António Arnaut- que as taxas moderadoras são ilegais e inconstitucionais, mais, são iníquas e são injustas.
Na verdade, Sr. Presidente, Srs. Deputados, não passam, na prática, de meros impostos que visam aumentar as receitas do Estado. Não somos nós que o dizemos, é o próprio Sr. Secretário de Estado que vem aqui confessá-lo, quando diz, sem equívocos, o seguinte em relação à taxa moderadora aplicada aos medicamentos: «A taxa moderadora apenas reduz, e temporariamente - temos consciência disso-, a distorção orçamental existente.» Mais claro é difícil ser-se. Trata-se apenas de um imposto, neste caso indirecto e com toda a carga de iniquidade que este tipo de impostos contêm, aplicado ao consumo de medicamentos, visando reduzir as dificuldades orçamentais com que eventualmente o Governo se venha a debater.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não está em causa nem a qualidade da assistência medica nem a redução do consumo de medicamentos, e aqui não se pode deixar em claro esta coisa espantosa, dita pelo Sr. Secretário de Estado em relação ao consumo de medicamentos (creio que seria difícil lançar algo de mais ofensivo em relação à classe médica no seu conjunto): «A taxa moderadora tem, entre outros objectivos, o de pôr o médico a coberto das pressões hiper-consumistas do cidadão.» É espantoso, o médico é que é a vítima neste caso concreto e tem das suas obrigações deontológicas uma tal consciência que acaba de ser vítima dos desejos dos seus clientes. Isto é comparar os médicos -já aqui o disse- àquele comerciante que considera que o cliente tem sempre razão e, portanto, se o cliente quer remédios, dá-se-lhe remédios!
A AD votou contra este projecto de lei. Não nos espanta. A subserviência manifestada por esta maioria em relação ao Governo tem sido de tal maneira clara que seria perfeitamente utópico pensar que, neste caso concreto, viria a ter um outro comportamento.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Sabíamo-lo à partida, mas nem por isso pensamos que .tenham sido inúteis as iniciativas do Grupo Parlamentar da UEDS e do PCP. Tiveram, por um lado, a vantagem de permitir trazer à discussão desta Assembleia estas matérias, discussão a que o Governo se pretendia subtrair ao utilizar as fórmulas que utilizou para legislar (julgando-se a coberto da actuação desta Assembleia), e, por outro lado, tiveram a vantagem de deixar bem claro -se é necessário que isso ainda fique claro- aos olhos do povo português que significado tem na boca da maioria e deste governo a defesa dos interesses das classes mais desfavorecidas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O comportamento da AD, o que ele representa em respostas às carências, necessidades e reivindicações deste povo, veio demonstrar que se torna cada vez mais urgente acabar com este equívoco de uma maioria que já não pode ser maioria porque, claramente, não representa os anseios mais profundos do povo português.

Vozes da UEDS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Veio demonstrar que cada vez se torna mais urgente deixar ao povo português julgar do comportamento deste governo e desta maioria.

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa não tem mais inscrições para declarações de voto, admito que outras possam ser produzidas por escrito. Passamos ao segundo ponto da nossa ordem do dia: discussão conjunta dos projectos de lei n.ºs 311/II e 278/II, apresentados, respectivamente, pelo PPM e pelo PS, relativos à lei quadro do ambiente e qualidade de vida.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A problemática de ambiente, se de alguma forma esteve presente, ao longo da história, em todas as ordens jurídicas, assume nos nossos dias a importância fundamental que lhe é dada pela percepção clara de que se trata, para a humanidade, de uma questão de vida ou de morte.
A intervenção humana na natureza, determinada pelo crescimento económico e pelo aumento demográfico, reveste-se de proporções que põem em risco a manutenção dos recursos de que dependem as gerações vindouras e a funcionalidade e aptidão dos que estão à disposição da nossa.
Com a consciência dos problemas surgiram as primeiras abordagens críticas do crescimento, de forma científica, ao mesmo tempo que se criavam grupos de opinião pública que, de forma mais ou menos onírica ou servindo-se do tema para fins revolucionários, agitavam a problemática ecológica em seu próprio favor ou no de ideais retrógrados. Da exigência da chamada protecção da natureza, conceito estático que corresponde, afinal, a tentar salvaguardar os recursos através da sua não utilização, até às parangonas pseudo-revolucionárias que levaram à criação de expressões caricatas, tais como ecofascismo, ecocomunismo, etc., e ainda à defesa, por vezes aliciante, de determinados tipos de regresso a um passado alegadamente paradisíaco, quantos erros se cometeram e cometem, quanto descrédito sofreu o tratamento sereno de problemas autênticos, quanto atraso, quanto adiamento da sua resolução.
Do lado dos defensores, mais na prática que em teoria, do crescimento pelo crescimento, do lucro sem balizas, da especulação como base do progresso, gerou-se, por outro lado, uma resistência poderosa à intervenção da óptica ambiental no planeamento aos mais diversos níveis. Nas estruturas governamentais, autárquicas e empresariais não se incluíam, tradicionalmente, órgãos ou serviços vocacionados para o ambiente. A adaptação ao

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tratamento dos seus problemas tem sido lenta e tem conhecido as mais diversas soluções ou tentativas de solução pelo mundo fora. Desacreditado por intervenções nefelibatas, prejudicado pela resistência de estruturas económicas, afastado pela inércia das administrações, peado pela difícil estratificação dos seus próprios conceitos de base, o tratamento dos problemas de ambiente tem, apesar de tudo, avançado em Portugal e no mundo, na medida em que a sua necessidade vai sendo interiorizada por intelectuais e políticos, partidos e organizações populares, governos e opinião pública em geral.
Mas, se hoje já ninguém se pode considerar, ou confessar, alheio a qualquer preocupação de carácter ambiental ou ecológico, não se deve daí inferir que o tratamento destas matérias assuma um carácter sempre consensual ou que lhe seja indiferente o contexto político em que se integra ou a ideologia de quem as interpreta ou prossegue:

Vozes do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Desde logo, consideramos que, para a prossecução acertada de uma política de ambiente digna desse nome, é necessário que o regime político e as estruturas do Estado se enquadrem em parâmetros democráticos sem os quais não é possível a adequação dos princípios à realidade e à realização plena das pessoas e das comunidades, nem a sua aplicação descentralizada e livremente assumida. Nos regimes totalitários a política de ambiente transforma-se inevitavelmente em mais uma bandeira ao serviço da propaganda do regime, e não ao serviço dos cidadãos.

A Sr. Alda Nogueira (PCP): - Essa é boa!

O Orador: - Mas, dentro de um leque de opções democráticas, dentro do fluir alternante dessas opções, é possível encontrar uma unidade de finalidades, objectivos e instrumentos que, objecto embora de tratamento diversificado e sujeito à crítica popular e política, à rejeição ou ao apoio eleitoral, são passíveis de se conduzir para o tronco comum da defesa de interesses e direitos legítimos da geração actual e das que se lhe seguirão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei que ora apresentamos e defendemos foi concebido e escrito com base nestas considerações; pretendemos que possa, por um lado, ser o desenvolvimento coerente dos preceitos constitucionais que o precedem e, por outro, que possa, não menos coerentemente, servir de base à política do governo da Aliança Democrática como à de outros governos que o princípio da alternância do poder e o voto popular venham a determinar. Desde a primeira hora tem o meu partido feito da temática ambiental um dos principais motivos da sua intervenção política. Não é por acaso que um partido que preconiza, para a chefia do Estado, uma instituição que é, para além do mais, uma representação da vida, tenha coerente e logicamente, subjacente aos motivos que o unificam, a defesa da continuidade e perenidade dessa mesma vida.

Vozes do PPM: - Muito bem!

O Orador: - E porque assumiu tal temática, e não a defende por oportunismo ou por procura de espaço político, teve por bem que uma lei como a presente fosse
fruto de um longo amadurecimento e aprofundamento de ideias, e não de uma qualquer corrida legislativa quiçá portadora de mais fáceis louros mas não tão importante quanto esta. Perdoar-me-ão VV. Ex.as a aparente imodéstia.
Cumpre-nos propor, experimentar, mesmo arriscar. E isso é criar. Propomos a discussão, aqui, dos princípios, dos objectivos, dos instrumentos. Os recursos naturais do País -realidade física- e a vontade de uma vida melhor - realidade cultural e social - são as componentes necessárias. A filosofia, a informação ética. As ciências e as técnicas o «modo como». Um desenvolvimento sem roturas, que tenha o homem como centro, é o objectivo. O homem intervém, e deve continuar a intervir, na natureza. Se a utilização imoderada e imponderada dos recursos é crime contra o País e o seu futuro, a inacção, é um processo vegetativo e retrogradante.
Recusamos, pois, liminarmente, uma concepção proteccionista do ambiente. Política de ambiente é a política do desenvolvimento compatível com a capacidade e a qualidade dos recursos. Não pode haver, hoje em dia, desenvolvimento sem política de ambiente.

Vozes do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Ainda há, porém, quem julgue que, nas condições actuais do nosso país há que pensar o fomento, o aumento da produção agrícola e que os problemas de ambiente são como que um luxo das sociedades desenvolvidas. Naturalmente, para quem assim pensa, tais questões só assumirão carácter de importância prioritária quando e se Portugal atingir níveis de produção e consumo muito mais próximos dos seus parceiros europeus. Nada mais falaz, porém. Talvez a única vantagem do nosso relativo atraso em relação a essas sociedades seja o de haver experiência alheia que viabilize entre nós a prevenção de erros por outros cometidos.
Não carece, além disso, de demonstração que já há em Portugal casos graves de disfunções ambientais, de erros ecológicos, irreparáveis, de desorganização territorial preocupante. E não é demais dizer-se que a experiência e o know-how estrangeiros são suficientemente ricos para nos poderem proporcionar um manancial de informação científica e tecnicamente viabilizador da execução correcta de uma política de ambiente. Esta não é, porém, tarefa de um governo, mas de uma geração.
O edifício jurídico-administrativo necessário à prossecução de tal política não está ainda construído. Dispomos de experiência, no segundo aspecto, que permite a organização correcta, lenta mas firme, dos órgãos e serviços adequados. Estes não podem servir o País, porém, sem quadro legal que informe, enquadre e especifique as diversas tarefas que integram o cumprimento da sua missão. O mesmo sucede com departamentos com outras vocações, mas com intervenção no meio.
Por isso que a presente lei quadro seja uma necessidade prioritária da política de ambiente em Portugal. A sua elaboração teve em conta vários trabalhos anteriores sobre o mesmo assunto, bem como a informação internacional que foi possível compulsar. Não se seguiram, porém, os critérios de fundo de qualquer desses trabalhos. O critério que presidiu à construção do esqueleto deste projecto não foi o de reunir, de forma mais ou menos lógica, preceitos gerais sobre a matéria. Foi, sim, o de tentar sistematizar, do geral para o particular, os princípios decorrentes da filosofia de base - a do desen-

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volvimento sem roturas através de critérios de utilização dos recursos - que o informa.
Assim, ancorado constitucionalmente através do seu primeiro artigo, o presente projecto começa por definir algumas noções, de tal carentes, a seguir refere os factores do ambiente, na base dos quais o diploma se vai organizar, referindo depois a finalidade, os princípios, os objectivos e os instrumentos de uma política de ambiente.
Permita-se-me uma referência especial aos princípios da política de ambiente enumerados e explicitados no artigo 5.º do projecto de lei. Eles enformam as grandes linhas de orientação da política de ambiente e representam uma abordagem de tal política que rompe definitivamente com determinadas ideias feitas que vêm anquilosando as reais possibilidades de avançar decididamente nesta matéria. Não é por acaso que o princípio dito da prevenção é o primeiro dos que o projecto enumera. De facto, ele representa um salto qualitativo importante em relação a todas as formulações legais até hoje tentadas. Passa-se a adoptar a prioridade de uma política antecipativa a uma política de carácter terapêutico. Passa-se da «luta contra a poluição -que muita gente pensa ainda ser política do ambiente - para uma perspectiva de salvaguarda da qualidade dos recursos, qualidade entendida, não como mirífico estado «natural» ou «puro» de um recurso, mas como aptidão desse recurso para o fim a que se destina, ou seja, para o seu uso racional, durável ou perene, satisfazendo determinadas necessidades. A política que referi de «luta contra a poluição» será o resultado de uma gestão quantitativa dos recursos enquanto a política que propomos é de cariz qualitativo.
O princípio da procura do nível de actuação mais adequado implica e consagra, como linha mestra de uma política de ambiente, as políticas de descentralização e regionalização que, no plano dos princípios, são constitucionalizadas e consensuais em Portugal.
Consagra igualmente a democratização do tratamento dos problemas através de uma política de ambiente aberta e participada.
O princípio da responsabilidade causal que, numa fórmula talvez um pouco rebuscada -reconheçamo-lo-, implica a interiorização das deseconomias externas, é assim formulado para significar claramente a ultrapassagem de algo que tem sido moda em muitas estruturas europeias, embora não esteja presente noutras propostas de lei, deste tipo em Portugal: o princípio do poluidor-pagador. De facto, o princípio da responsabilidade causal está muito para além do princípio do poluidor-pagador. Este destinava-se a gerar capital financiador de estações de tratamento e de incentivos à não poluição: mostrou-se a sua aplicação, aliás, pouco eficiente neste segundo aspecto, nos países em que foi e é praticado. O princípio da responsabilidade causal é mais vasto, destina-se a responsabilizar qualquer agente, desde o início de um projecto até ao destino final do produto, bem ou serviço que vende ou presta. Não se trata de comprar o direito de poluir, mas sim de ser responsabilizado por todo um ciclo de produção e consumo: as disfunções provocadas podem não ser só poluição, mas quaisquer outras, provenientes do ciclo de vida do bem ou serviço. A responsabilização, concebida nestes termos é, afinal, também, um travão ao consumismo por não situar a responsabilidade apenas num determinado ponto de um determinado ciclo.
No artigo 5.º do projecto aparece a seguir o princípio da participação dos cidadãos e das suas organizações, públicas e privadas, na formulação e execução da política de ambiente. Optou-se por uma formulação exacta, concisa, no plano dos princípios de uma política, e não no dos deveres dos cidadãos. De facto, se pode ser obrigação do Estado, como principal responsável por tal política, procurar e aceitar a participação, já não parece minimamente legítimo obrigar os cidadãos a participar nela, pelo menos por acção.
O princípio da unidade de gestão, que preconiza a existência de um órgão nacional que normalize e informe a actividade dos interventores no ambiente enquanto tal e seja responsável pela política de ambiente, corresponde ao reconhecimento desta realidade simples que é a inextricável interdependência dos recursos naturais e a multiplicidade dos efeitos das intervenções. As abordagens sectoriais não resolvem os problemas, antes os transferem, de sede em sede, de recurso em recurso, de departamento em departamento. A abordagem global e integrada optimiza soluções, minimizando ao mesmo tempo os custos imediatos que a colectividade terá de pagar pela prevenção das disfunções previstas.
Para tal abordagem necessário é haver uma estrutura através da qual todas as interdependências sejam consideradas. O que não significa um departamento de ambiente que imponha todos os condicionamentos, sobre todas as actividades. Bem pelo contrário o que se pretende é que as intervenções do órgão encarregado da política de ambiente, quer normalizadoras, quer informadoras, quer de controle, sejam integradas e não sectoriais. A política de ambiente não é o somatório de mini políticas de ambiente dos diversos sectores da administração pública. É sim política a executar por um órgão normalizador e informador que dê conteúdo de ambiente às políticas sectoriais.
Finalmente, no plano dos princípios o projecto formula o da cooperação internacional.
Se é óbvio que, em todos os campos, a cooperação internacional é um dado necessário para a troca de informações e a interajuda no que ao ambiente se refere, tal cooperação tem uma importância acrescida já que se trata de uma temática relativamente recente, já que o seu balanço é, fora de dúvida, altamente favorável ao nosso país. E se pensarmos que, por exemplo, 40% das nossas disponibilidades em água provêm de bacias hidrográficas internacionais, bem poderemos avaliar da importância da cooperação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os princípios de que falei, bem como os objectivos e instrumentos contidos no capítulo li do projecto de lei em discussão são aplicáveis a todos os factores do ambiente a que os capítulos seguintes se referem, salvaguardadas algumas especificidades próprias. Isto reflecte, sem margem para dúvidas, a unidade lógica e a coerência do projecto, bem como a interiorização, nele, do princípio da unidade de gestão.
O presente projecto trata, a seguir, dos vários factores do ambiente, enumerados no artigo 3.º, referindo os vectores fundamentais de cada uma das políticas sectoriais que a cada um deles dizem respeito. No sentido de encurtar esta já longa intervenção, cumpre-me apenas referir, neste capítulo, adiantando talvez explicações que, naturalmente, me seriam pedidas durante o debate, que o tratamento, assaz sucinto, dado ao factor «ar» se deve, por um lado, ao facto de a política de gestão do ar se encontrar já definida e, por outro, a que tal gestão é apenas qualitativa o que facilita a definição da estratégia.

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Uma palavra ainda no que se refere ao capítulo consagrado ao licenciamento de actividades. É característica importante deste projecto de lei, pelo que tem de inova* dor, a consagração do licenciamento de actividades, que não de mero licenciamento industrial, visto de uma óptica de ambiente. Foi-se, dir-se-á, longe de mais na pormenorização desta matéria. Não é, porém, assim, se pensarmos que a legislação existente se refere apenas a determinadas actividades e não passa, quase sempre, de estatuição de meras normas de higiene industrial, de segurança no trabalho e de segurança das instalações. O licenciamento, numa perspectiva de ambiente, é coisa quase inteiramente nova e merece, por isso, um tratamento que o balize e informe com algum pormenor à partida. O licenciamento é um instrumento susceptível de viabilizar de forma pragmática e eficaz a execução da política de ambiente. Mais do que consagrar princípios irrealistas e utópicos como o que diz «é proibido poluir, salvo nas condições permitidas pela lei», o que, em verdade, interessa é integrar o princípio de sujeitar as actividades potencial ou efectivamente poluidoras a uma prévia autorização que fixe os condicionamentos a respeitar, estabelecidos no pressuposto básico da viabilidade técnico-económica dos empreendimentos compatível com adequados índices de qualidade do ambiente; K possibilitar uma autêntica fiscalização e controle desses condicionamentos; é responsabilizar as empresas pelo controle dos seus processos e emissões; é, finalmente, clarificar as regras do jogo introduzindo a necessária transparência nos processos de tomada de decisão, responsabilizando aos vários níveis todos os agentes interventores, públicos ou privados, no quadro de uma participação e cooperação actuantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há problemas que, devendo ser objecto da política de ambiente, não são enquadráveis, pela sua interdisciplinaridade e pela sua importância própria, nos capítulos que aos factores do ambiente dizem respeito. Estão neste caso, as questões relativas ao ruído, aos compostos químicos, aos resíduos sólidos e às substâncias radioactivas, que têm no capítulo v do projecto tratamento específico. Da mesma forma, e lidando simultaneamente com todos os factores do ambiente, se encontra devidamente individualizada a política de áreas protegidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei dar uma ideia, necessariamente incompleta, das grandes linhas de pensamento que levaram à elaboração deste projecto, bem como dos aspectos que, nele, mais importantes julgo haver. Seria falsa modéstia dizer que o texto que ora propomos à vossa aprovação pretende ser um mero contributo para a feitura de uma lei quadro do ambiente. Não. Ele é, de facto, uma proposta global para tal lei e os votos que em seu favor, na generalidade, se exprimirem significarão, como decorre das normas regimentais, a aceitação da sua filosofia e da sua estrutura. Aceitaremos de bom grado todas as alterações que melhorem o seu articulado. Mas não apoiaremos nenhuma que possa subverter a sua intenção.

Aplausos do PPM. do PSD e do CDS.

que, em grandes linhas, se aproxima daquilo que nós pensamos dever ser uma política de ambiente.
A pergunta que quero fazer-lhe, Sr. Deputado, é resultante de um elemento que o projecto de lei que o PPM aqui apresentou comporta e diz respeito ao seguinte: como é que entende a necessidade de uma política ambiental globalizante e como é que a compatibiliza com a pulverização de centros de decisão no que toca às intervenções no território, nomeadamente quanto às grandes infra-estruturas produtivas?
Faço-lhe esta pergunta porque me parece que a aplicação imediata e integral do projecto de lei, tal qual o PPM o defende, implicaria automaticamente, penso eu, uma autêntica reforma administrativa. Por isso, como é que o Sr. Deputado vê a possibilidade de aplicação do projecto de lei, mantendo-se a actual pulverização de centros de decisão, nomeadamente com o peso que ainda hoje tem o Ministério das Obras Públicas, como grande interventor no território.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Para solicitar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Deputado Borges de Carvalho: Ouvi com atenção a sua intervenção e segui com algum cuidado a filosofia que lhe está subjacente,

O Sr. Borges nus Carvalho (PPM): - Sr. Deputado Leonel Fadigas, congratulo-me pela afirmação feita por V. Ex.ª, quanto à aproximação das nossas ideias daquelas que o Partido Socialista também defende.
No entanto, V. Ex.ª coloca uma dúvida que se refere à possibilidade de compatibilização de uma política de ambiente globalizante com a diversidade das políticas sectoriais e com um poder que na máquina do Estado tem determinados sectores da administração. Ora, estamos conscientes desses problemas. Ao defendermos uma política globalizante é precisamente porque entendemos que as políticas sectoriais se fazem em função de interesses quantitativos e da defesa de projectos que são necessariamente sectoriais. Portanto, não havendo por parte de um órgão central uma possibilidade de normalização e de compatibilização dos interesses desse departamento com aqueles que ao ambiente dizem respeito, não poderá haver política de ambiente.
Se V. Ex.ª me pergunta como é que se faz face à enorme superestrutura que é o Ministério das Obras Públicas, eu endossaria essa pergunta também ao seu partido, que solucionou o problema integrando a Secretaria de Estado do Ambiente no Ministério das Obras Públicas. Em Inglaterra, por exemplo, transformou-se o Secretário de Estado do Ambiente num superministro e integrou-se na Secretaria de Estado do Ambiente o Ministério das Obras Públicas. Não defendemos essa experiência e os próprios ingleses, hoje, estão a recuar uma vez que o ambiente terá, de alguma forma, perdido a sua independência de juízo uma vez integrado nas políticas sectoriais.
Portanto, ao procurarmos uma nova abordagem, julgamos que, embora tenhamos ideias concretas quanto à forma como deve ser feita, além de tudo deverá ser a experiência que irá indicando aos poucos o caminho a seguir. Além disso, tal como está presente em todo o nosso projecto, há da nossa parte uma grande preocupação, não com a pulverização - porque no nosso espírito não está esse factor na política de ambiente, antes pelo contrário-, mas sim em que a política de ambiente atenda aos problemas autárquicos e à futura regionalização que todos os partidos desta Casa defendem.
Portanto, pretendemos uma política de ambiente global, integrada, una, é certo, mas regionalizada e também participada.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento subscrito pelos Srs. Deputados Borges de Carvalho, Manuel Pereira e Rui Pena, para que, nos termos regimentais, se prolongue a sessão até as 21 horas. Este pedido de prolongamento tinha ficado admitido na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares. Em todo o caso, pergunto à Câmara se há ou não consenso neste sentido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, gostaria de colocar uma questão não só à Câmara como à Mesa como até ao próprio PPM, que ë a seguinte: penso que a matéria que estava agendada para a sessão da próxima quinta-feira teria sido retirada da agenda (isto foi uma informação que me veio da respectiva comissão), mas, se não é já ponto assente, a sugestão que eu ia fazer fica sem efeito.
No entanto, não sei se os restantes grupos parlamentares têm a mesma informação que eu, porque, se assim fosse, não me parece que se justificasse estarmos a prolongar a sessão de hoje, visto estarmos aqui a discutir à pressão dois diplomas importantes, pois poderíamos prosseguir esta discussão na próxima sessão. Tenho esta informação a titulo meramente particular de um deputado da respectiva comissão, mas pode não ser verídica. Portanto, gostaria de saber se os outros grupos parlamentares têm alguma coisa a dizer em relação a este aspecto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela nossa parte, não fazemos obstrução nenhuma a que se prolongue a sessão até às 21 horas, tanto mais que esse prolongamento é solicitado por um dos proponentes de um dos projectos de lei em discussão.
Em todo o caso, queremos exprimir o nosso desagrado por dois projectos de lei que se revestem de uma importância muito grande serem discutidos a correr e votados no espaço de uma hora. Parece-me que isto é matéria que deveria merecer por parte da Assembleia uma maior atenção e que nos deveríamos debruçar mais longamente sobre ela.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado Lopes Cardoso, pois, de facto, é pena que só haja l hora para discutir estes problemas. No entanto, a amarga experiência dos últimos dias em relação ao cumprimento das ordens do dia pré-estabelecidas e inclusivamente a amarga experiência da sessão de hoje, em que, nos termos mais cordatos, fiz uma petição aos grupos parlamentares no sentido de haver tempo, uma vez que, apesar das declarações feitas na altura, esse apelo não foi atendido, mantemos o pedido de prolongamento da sessão até às 21 horas e requeremos a votação dos diplomas antes do encerramento da sessão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segundo a Mesa entendeu há consenso por parte da Câmara no sentido de que a sessão se prolongue até às 21 horas.
Para apresentação do projecto de lei do Partido Socialista, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão que hoje se faz sobre os projectos de lei apresentados pelo Partido Socialista e pelo PPM, e destinados a dotar o País de uma lei quadro do ambiente, presta-se à abordagem de um conjunto de questões essenciais para a construção do nosso futuro colectivo.
Na verdade, a política ambiental, tal como nós a entendemos, não é uma política defensiva, de valores e situações, antes é, na sua essência, uma política voltada para as propostas concretas de alteração do nosso quotidiano, numa perspectiva aberta de um futuro melhor para nós e para os nossos filhos.

Vozeado PS: - Muito bem!

O Orador: - Tal significa, pois, ser preocupação nossa que a discussão não abranja apenas os aspectos marginais do problema, mas assuma, na globalidade, o conjunto de questões que, à sua volta, tornam ou não possível a existência do ambiente equilibrado e sadio por que nos batemos.
É que se assim não for perde sentido a discussão e perde o País a oportunidade de debater, como as circunstâncias o exigem, as questões de fundo indispensáveis à perfeita aplicabilidade da Lei.
O Partido Socialista tem dedicado às questões ambientais um interesse que advém do seu próprio projecto político. E não esquecemos, por isso o reafirmamos, que o modelo de sociedade que preconizamos encontra nos aspectos qualitativos do quadro de vida humano os verdadeiros indicadores do progresso e do desenvolvimento económico, social, moral e cultural.
Esta opção qualitativa do desenvolvimento é, pois, algo que consideramos determinante da política ambiental que urge pôr de pé, numa perspectiva ampla e aberta e sem visão de clube ou seita.
Sempre assim o entendemos e sempre assim nos comportámos!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 278/II que o PS apresentou nesta Assembleia, em Novembro do ano passado, funda as suas raízes num outro que na anterior legislatura foi maioritariamente derrotado.

ntão, perguntar-se-á porque retomamos a ideia.
Pela razão simples, Sr. Presidente e Srs. Deputados, de que sentimos ter o projecto então apresentado alguma qualidade e poder servir, ainda hoje, como ponto de partida para um debate sobre esta matéria. Por isso o reformulámos, no que entendemos dever ser melhorado, lhe acrescentámos algumas coisas e voltamos a defender.
E, além do mais, porque só é vencido quem desiste de lutar. E nós não desistimos de lutar por aquilo que entendemos ser justo!
Retomámos assim a proposta.
Com a mesma abertura.
Com a mesma esperança.
Com o mesmo desejo, não de impor mas de participar, dando a um debate, que sempre defendemos alargado, a nossa colaboração, as nossas ideias, as nossas propostas. Desejosos, naturalmente, como é legítimo, de marcar, pela nossa iniciativa, uma proposta política que é determinante da qualidade de vida dos Portugueses, hoje e amanhã.

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Aliás, estranho ë que só agora, 8 anos após o 25 de Abril, se criem condições para a existência de uma lei-quadro ambiente. Mas se ela não existe ainda a culpa não é nossa, como é sabido.
Nestes termos, o Partido Socialista renova aqui o que afirmou em 1980, através do meu camarada deputado Gomes Fernandes, primeiro subscritor do projecto de lei em apreciação, e só ausente desta discussão por se encontrar fora do País, por motivo de compromissos inadiáveis, que não pôde alterar, assumidos antes da marcação desta ordem do dia.
«Estes objectivos constitucionais de desenvolvimento» - cito da intervenção por ele aqui produzida - «na base da democratização das instituições, da participação activa dos cidadãos nos diferentes escalões do poder, da melhoria do nível e das condições de vida de toda a população, norteiam a política do Partido Socialista, que entende, assim, ser a problemática do ambiente entre nós uma questão essencialmente cultural, mas por isso mesmo profundamente ligada a um modelo de sociedade democrática, participada e de independência nacional, que se concretize em alternativas reais ao modelo capitalista de expansão urbano-industrial, nos domínios do ensino, da saúde, da habitação, das infra-estruturas e dos equipamentos, do crescimento económico subordinado a uma mais justa e regionalizada distribuição do produto.
A política do ambiente e qualidade de vida é para os socialistas ponto de partida para a construção de uma sociedade melhor, mais justa e equilibrada, que afronte e vença as actuais distorções do desenvolvimento regional, através de um aproveitamento dos recursos existentes, da manutenção do equilíbrio dos ecossistemas de produção e protecção e que promova o pleno desenvolvimento económico, social e cultural das populações».

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aponta o projecto de lei n.º 278/II, no seu preâmbulo, uma preocupação já aqui referida e que reputamos essencial para o estabelecimento das bases de uma política de ambiente: essa preocupação é a de que os aspectos de conservação e melhoria do ambiente e da qualidade de vida devem ser componentes fundamentais do modelo de desenvolvimento aprovado para o nosso país.
Esta é a questão central.
A de saber qual o modelo de desenvolvimento para Portugal.
Colocar a economia e o desenvolvimento tecnológico ao serviço do homem corresponde, no mundo moderno, como já aqui o afirmámos, a uma revolução cultural, ainda que pacífica, assente num aprofundamento dos conhecimentos científicos da ecologia, como ciência do relacionamento dos seres vivos com o meio onde vivem.
Por isso, uma sociedade nova - nunca é demais afirmá-lo- coloca as questões ecológicas e ambientais em primeiro plano das suas preocupações, através de uma política ambiental e de qualidade de vida onde o homem assume papel central.
Nesta linha de preocupações se coloca o projecto de lei n.º 278/II, aqui em apreciação.
Mas deixamos claro, porém, que a qualidade de vida dos cidadãos é uma resultante de situações e condições diversas de natureza física, psíquica e social, onde os aspectos ambientais, naturalmente, representam importante papel. E que não esquecemos que tudo quanto se refere e afecta o nível e condições de vida do homem e dos agregados familiares, bem como o seu conforto moral e físico, a envolvente do seu quadro de vida, ao nível da habitação, do local de trabalho, dos transportes, dos espaços habitáveis e urbanos, do recreio e tempos livres, da educação e saúde, da infância e da velhice, interferem na qualidade de vida dos cidadãos e não podem ser ignorados quando se propõe e defende um projecto de lei visando uma melhor qualidade de vida para todos os portugueses.
Ao mesmo tempo os aspectos culturais, tal como o exprimimos no preâmbulo do nosso projecto de lei, não podem ficar de fora; como não pode ficar tudo quanto à participação democrática dos cidadãos, de forma directa e indirecta, diz respeito, quer através de uma correcta política de ordenamento do território, e dos espaços e aglomerados urbanos, quer do reforço indispensável do poder autárquico.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: À defesa que aqui fazemos do projecto de lei n.º 278/II assenta na consciência que temos de que ele, não sendo um documento perfeito nem avesso a melhorias que nele poderão ser introduzidas, constitui um ponto de partida para a fixação das normas fundamentais para o estabelecimento de uma política ambiental e de qualidade de vida voltada para o progresso e para o futuro e para a defesa, valorização e desenvolvimento dos valores e recursos naturais e culturais que são património colectivo de todos nós.
Para a defesa, em suma, dos valores que entendemos deverão ser o guia da edificação de um futuro melhor para todos os portugueses, com a sua efectiva e real participação.
Mas estando também em apreciação o projecto de lei n.º 311/II, do PPM, gostaríamos de frisar que ele retoma algumas preocupações expressas por nós nesta Assembleia, através das nossas próprias iniciativas legislativas.
Assumindo uma estrutura ligeiramente diferente da do nosso, o projecto de lei do PPM aponta, mesmo assim, para objectivos coincidentes dos nossos. O que registamos com agrado.

Vozes do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Do facto retiramos, com gosto, a ideia de ser possível, pela aprovação de ambos, criar o ordenamento jurídico de referência para as matérias em causa, ou seja para a defesa e desenvolvimento de um ambiente equilibrado e sadio, que desejamos, e a que constitucionalmente temos direito.
O Partido Socialista declara-se aberto para discutir, em Comissão, tudo quanto conduza à aprovação, de uma lei-quadro capaz de servir os interesses que nos propomos defender.
Dos outros partidos, e em especial do PPM, esperamos a mesma abertura. Abertura que não se pode limitar a esta legislação de base, antes terá de, a partir daqui, se alargar à revisão urgente da legislação avulsa existente sobre a matéria, nomeadamente os Decretos-Leis n.ºs 613/76 e 4/78, sob pena de deixar de ter sentido o que aqui vier a aprovar.
De tudo isto dependem opções decisivas para o nosso futuro e para o modelo de sociedade que queremos para Portugal.
A nossa proposta está feita.
Entendemos que serve para o País, que se lhe ajusta e que é exequível.
À Assembleia da República cabe agora a última palavra.

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Aplausos do PS, do PPM, da ASDI, da UEDS e de alguns deputados do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente? - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Oliveira e Sousa, Borges de Carvalho e Anselmo Aníbal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Sousa.

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sr. Deputado Leonel Fadigas: Ao ouvir a sua exposição de apresentação da Lei Quadro do Ambiente e da Qualidade de Vida, tal como os subscritores a quiseram designar, gostaria de referir o agrado da menção que o Sr. Deputado fez à necessidade de uma procura do consenso e da participação de todas as forças políticas e sociais na definição de uma política de ambiente.
Queria frisar que o CDS, sem prejuízo de neste momento não ser subscritor de nenhum projecto de lei, considera e tem afirmado repetidas vezes -a última das quais numa declaração de voto aqui proferida em 27 de Novembro passado - o interesse que, para além de ser um imperativo constitucional, considera que tem para o País a definição de uma política de ambiente que permita evitar a continuada degradação dos recursos naturais e que permita uma melhoria da qualidade de vida dos Portugueses.
No entanto, aqui surge-me um problema: é que o vosso projecto de lei è designado como Lei Quadro do Ambiente e da Qualidade de Vida - dá a ideia de que irá tratar da qualidade de vida em geral. Não duvidamos que para a qualidade de vida é necessária uma política ambiental que evite a degradação de elementos físicos, mas foi o próprio Sr. Deputado que na sua exposição referiu que qualidade de vida é muito mais do que isso. Á qualidade de vida pressupõe-me aspectos físicos não naturais, sociais e económicos. Ora, não lhe parece que será, digamos, abusiva essa rotulagem de qualidade de vida que aparece ao longo do texto quase como sinónimo de ambiente e que faz depreender que o âmbito da lei é muito mais vasto do que aquele que na verdade é?
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Américo de Sá.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Deputado Leonel Fadigas, ficar-me-ia mal se não registasse publicamente o meu agrado pela forma como V. Ex.ª quis ter a amabilidade de se referir ao nosso projecto de lei hoje aqui discutido e pela abertura manifestada por parte do seu partido em relação ao encontro de fórmulas que venham a consagrar uma verdadeira lei quadro do ambiente.
Em relação a uma proposta apresentada por V. Ex.ª, infelizmente não lhe posso corresponder na medida em que fala na revisão dos Decretos-Leis n.ºs 613/76 e 4/78, necessidade essa que reconheço plenamente, mas que não competirá a nós, parlamentares, discutir essa matéria. Portanto, julgo que V. Ex.ª terá toda a abertura do Governo para trocar impressões a esse respeito.
Finalmente, V. Ex.ª fez uma intervenção em que terá talvez falado mais de princípios do que propriamente do projecto de lei apresentado. Assim, para utilizar a figura do pedido de esclarecimento, gostaria de lhe perguntar como é que face à filosofia e aos princípios que exprimiu.
V. Ex.ª justifica tout court a estrutura do projecto de lei apresentado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Deputado Leonel Fadigas, a intervenção de V. Ex.ª teve um peso conceptual talvez menos prolixo do que a do Sr. Deputado Borges de Carvalho, mas no rigor da terminologia utilizada notou-se aquilo que nos parece ser uma das menores defesas dos projectos de lei presentes, que é a indefinição de competências entre os diversos níveis de administração em relação a estes problemas tanto aos factores ambientais naturais como aos factores ambientais humanos, para utilizar a terminologia do artigo 6.º do projecto de lei apresentado pelo PS. Daí eu perguntar-lhe se esta indefinição de competências entre os vários escalões de administração corresponde a um esvaziamento ou a uma omissão, ou a um pôr entre parênteses as competências de órgãos de administração local e regional, valorizando e enchendo os órgãos de administração central.
Em continuidade à primeira questão, gostaria de fazer-lhe uma pergunta mais de pormenor sobre o artigo 4.º do mesmo projecto de lei. O título desse artigo 4.º é «Competência do Governo» e a certa altura esclarece-se no n.º 2 «[...] Governo e autarquias locais». Assim, gostaria de saber qual é o verdadeiro sentido da expressão terminológica que aparece apensa ao artigo 4.º
No artigo 9.º são indicados também a nível conceptual e de desejo - tal como é próprio de uma lei deste teor - a defesa e valorização do solo, condicionando a utilização de solos agrícolas de elevada fertilidade para fins não agrícolas. Gostaríamos, pois, de saber se dentro do normativo global que é este n.º 2 do artigo 9.º há algum pensamento que o Grupo Parlamentar do Partido Socialista tem sobre a forma como condicionar esta utilização dos solos agrícolas de elevada fertilidade para fins não agrícolas - isto, ligando e fazendo conexão com a Lei de Solos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Fadigas, para responder, se assim o desejar.

O Sr. Leonel Fadigas (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, gostaria de esclarecer - e isto é um esclarecimento relativo às três questões que foram colocadas- que a intervenção que foi feita em nome do meu partido prendia-se mais com a filosofia subjacente ao próprio projecto de lei do que a uma explicitação, que entendi ser desnecessária, artigo por artigo, uma vez que entendo existirem aspectos de detalhe que deverão efectivamente ser analisados e discutidos a um nível de comissão. Para além disso, pensamos ainda que seria despiciendo estar a ocupar o tempo de Plenário para questões de detalhe, algumas das quais poderão ser ajustadas, se tal for julgado conveniente, ou esclarecidas na sua formulação e na forma como estão redigidas.
Mas, respondendo agora ao simpático pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Oliveira e Sousa, quero dizer-lhe muito resumidamente o seguinte: aceito e acredito na sinceridade das suas palavras quando diz que o CDS sempre se tem preocupado com a existência de uma política ambiental para o nosso país.
Registo o facto, que é importante, mas, se me permite, quero só chamar-lhe a atenção para o seguinte: é que a

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diferença entre nós é a diferença que vai entre uma declaração de voto e a propositura de uma iniciativa legislativa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão que põe da utilização da expressão «qualidade de vida» que, se bem entendi as suas palavras, lhe parece abusiva e que aparece ao longo da minha intervenção e ate do próprio articulado do projecto de lei, devo dizer-lhe que penso que ela não é abusiva se entendermos que o conceito de ambiente é um conceito global e se pensarmos que não tinha sentido procurar ter um diploma integrador de uma verdadeira política de ambiente, se ele não fosse permanentemente pautado pela exigência e pela necessidade de isso se traduzir na melhoria da qualidade de vida dos cidadãos que, esse sim, é o objectivo último essencial desta iniciativa legislativa.
Poderemos mesmo dizer que as preocupações ambientais serão um pretexto, se assim lhe quisermos chamar, para melhorarmos a qualidade de vida dos Portugueses.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado Borges de Carvalho - e, enfim, não quereria estar aqui a trocar galhardetes-, quero dizer-lhe que ela não foi tão violenta quanto eu esperava em função das atitudes que tem tomado e pela forma como defende a sua dama aqui nesta Assembleia - quando disse dama, naturalmente, que me referia à questão ambiental.
Dir-lhe-ei, Sr. Deputado Borges de Carvalho, que a abertura que aqui manifestamos não é de agora. Temos desde sempre dito que a discussão de uma política ambiental tem de ser feita na base de um amplo consenso e que não poderemos ter uma visão restrita e reservada sobre estas matérias. Nós próprios, ao fazer o nosso projecto de lei, entendemos que ele não era a última palavra, que ele era susceptível de melhoramento e de uma ampla discussão; atiramo-lo apenas como um ponto de partida e até na ausência de qualquer outro diploma sobre esta matéria.
Reafirmo novamente tudo aquilo que eu disse, pois é perfeitamente compatível com o articulado e a estrutura do projecto de lei que aqui apresentamos.
Procurámos fazer um projecto de lei simples, que se centrasse em algumas questões fundamentais, tendo perfeita consciência de que seria sempre possível alterar-lhe a estrutura, acrescentar-lhe o número de artigos e alargá-lo a matérias colaterais com ele perfeitamente relacionadas.
Entendemos também que isso seria prejudicar a própria economia do projecto de lei bem como a sua própria aprovação. Nós avançamo-lo como uma primeira lei, e quando manifestámos aqui o desejo e a intenção de ser revista a legislação avulsa existente era neste sentido. Quer dizer, este projecto de lei, de acordo com a nossa perspectiva, será um projecto de lei de arranque para uma revisão e para o aparecimento de legislação complementar.
Pensamos que a problemática do ambiente não se fixa nem termina com a aprovação desta legislação; entendemos, sim, que se inicia aqui simplesmente um processo de alteração da situação urgente no que diz respeito à legislação avulsa e nomeadamente aos Decretos-Leis n.ºs 613/76 e 4/78, que cumpriram a sua missão, é preciso dizê-lo, e que hoje, até por alteração da situação, necessitam de ser alterados e corrigidos. Nuns casos talvez a alteração não venha a ser profunda mas, de qualquer forma, penso que deverão ser ajustadas à realidade dos dias de hoje, que já não é a realidade da altura em que foram elaborados.
Respondendo ao Sr. Deputado Anselmo Aníbal, dir-lhe-ei que, como se deduz no nosso projecto de lei, há uma preocupação de devolver - se poderei dizer mesmo «devolver» - ao poder local algumas das competências que hoje pertencem ao poder central. Segundo entendi, do seu ponto de vista não o expressamos nem o fazemos de forma clara, mas ele está lá expresso. Quando referimos competência do Governo naturalmente que está subjacente no próprio articulado «competência do Governo e do poder local», uma vez que algumas das actuais competências do Governo, numa fase subsequente, deverão naturalmente passar para a competência do poder regional e do poder local. É óbvio que isso está no espírito do presente projecto de lei e está expresso no próprio articulado.
Quanto ao artigo 9.º, sobre o condicionamento dos solos e portanto da defesa dos solos agrícolas, pensamos que essa defesa não pode ser pautada nem pontualizada por uma legislação que se centre apenas na defesa exclusiva dos solos agrícolas, mas que tem, sim, de ser enquadrada numa política de solos mais vasta, na qual é fundamental a existência de planos de ordenamento do território que definam claramente opções estratégicas até de ocupação de certas áreas. Só assim tem sentido a efectiva defesa dos solos.
Se pensarmos em estabelecer acções pontuais de defesa, quer dos solos agrícolas quer de qualquer outro elemento desligado de um conceito global mais amplo, julgamos que acabamos por ter apenas uma intenção piedosa que na prática não funciona como se verifica actualmente com a legislação em vigor.

Vozes do PS e da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No decorrer do debate do projecto de lei n.º 487/I, do Partido Socialista, em Junho de 1980, e também aquando da discussão do projecto de lei n.º 230/II, da ASDI, em Novembro de 1981, um e outro sobre a problemática do ambiente, foi afirmado nesta Assembleia, por parte de deputados da AD, que o Governo tinha em preparação uma proposta de lei sobre a matéria, um «código do ambiente», no dizer do Sr. Deputado Luís Coimbra.
Em 7 de Fevereiro passado, a Secretária de Estado do Ambiente, segundo relato dos jornais, anunciou, no encerramento de um seminário, que, durante essa semana, seria entregue na Assembleia da República uma «lei quadro sobre ambiente», que classificou como «elemento fundamental de trabalho, assim como de implementação da lei orgânica daquele departamento estatal».
Nenhum dos propósitos assinalados se viu, porém, concretizado por parte do Governo, sendo um projecto do PS e outro do PPM este apresentado três dias depois daquele anúncio da Secretária de Estado, que a Assembleia da República é hoje chamada a debater, com um alheamento do Governo que não prescindimos de assinalar.
Lê-se, é certo, no preâmbulo do projecto de lei do PPM que «tal iniciativa aparece a partir de parlamentares e não do Governo, apenas porque se julga que deve

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ser a iniciativa parlamentar a origem de uma lei tão geral quanto a presente».
Mas quem julga que assim deve ser? O Governo? O PPM?
Se é o Governo que também assim pensa, porque foi anunciada, publicamente, a apresentação de um? proposta de lei na Assembleia da República?
Ou será que o Governo escolheu o PPM para porta-voz da sua política de ambiente? Ou será, antes, que o PPM pretende impor a sua política de ambiente ao Governo?
São perguntas cujas respostas gostaríamos de confrontar: as respostas do Governo e as respostas do PPM.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente, reunida em Estocolmo de 5 a 15 de Junho de 1972 e na qual participou uma delegação portuguesa, adoptou uma concepção e princípios comuns para servirem de inspiração e guia aos esforços dos povos do Mundo com vista à preservação e melhoria do ambiente.
Lembramos a realização dessa Conferência, porque ela se desenrolou no âmbito do organismo de mais alto nível internacional e porque nela foram tratadas as questões de ambiente não só com uma visão planetária e englobante, mas ainda tendo em conta os aspectos comuns que sem grande esforço se reconhece COTIO existentes na generalidade das regiões do Globo.
Claro que a apreciação de todas essas questões se situou naquele organismo muito para além dos horizontes estreitos de certos ecologistas de via reduzida que se vão agrupando e polvilhando em países e regiões, a sonhar com jardins suspensos nos terraços das casas, com moinhos de vento ou com cabrovias substitutivas das auto-estradas, por onde se transite em burros ajaezados è andaluza,...

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - ... ou, então, se vão entretendo em exercícios de escola, quiçá aceitáveis para classificação curricular, mas muito pouco práticos para realmente resolverem os problemas do ambiente.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Voltando àquela Conferência e às preocupações gerais dos seus participantes, incluindo os da nossa delegação, julgamos dever reter-se o reconhecimento de que se multiplicam indícios crescentes dos malefícios causados pelo homem em muitas regiões do Globo: «Níveis perigosos de poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos; perturbações profundas e indesejáveis do equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e diminuição dos recursos insubstituíveis; graves deficiências no ambiente que o próprio homem criou, em particular naquele em que vive e trabalha, prejudiciais à sua saúde física, mental e social.»
Sem a gravidade que noutros países apresentam situações como as descritas, a verdade é que entre nós existem situações semelhantes, que tendem a avolumar-se e F. agravar-se, que carecem de ser combatidas ou evitadas, em suma.
Á consciência disso levou os constituintes z dar s. estas questões do ambiente dignidade constitucional, Levou todos os governos, desde o 25 de Abril, a arrolar nos seus programas acções e medidas dirigidas à preservação do ambiente, com a certeza adquirida de que dele depende a qualidade de vida dos Portugueses, embora, até hoje, o pouco que se tem realizado se não inscreva numa visão de conjunto da problemática do ambiente.
As associações, as ligas, os amigos deste parque ou daquela albufeira, do lince da serra da Malcata ou das ostras do estuário do Tejo multiplicam-se. Os seminários, as conferências, as revistas voltadas, no todo ou em parte, para os problemas ecológicos são uma saudável realidade, um despertar promissor, no nosso país.
As populações, sempre receptivas às boas causas, vão-se dando conta do movimento. E algumas autarquias também. Â batalha do ambiente vai tendo cada vez mais combatentes. E ainda bem.
Temo-nos faltado, porém, um quadro legal que abarque o mais latamente possível os problemas de conjunto com que o ambiente desafia a vontade política e a capacidade do legislador.
Neste, matéria e a este nível, o Governo tem sido um órgão inerte.
Apesar das promessas, apesar da sua auto-apregoada competência, apesar, ainda de não se tratar de matéria da competência exclusiva da Assembleia da República.
Têm sido, afinal, os partidos da oposição os mais atentos a este problema, os mais receptivos à necessidade da formulação de uma lei quadro do ambiente, os mais atentos às realidades e às aspirações legítimas de todos aqueles que, isoladamente ou em conjunto, têm pugnado pela criação de condições de que resulte uma vida de melhor qualidade para todos.
E é assim que, no próprio Dia Internacional do Ambiente, em 1980, foi discutido nesta Assembleia um projecto de lei do PS. É assim que, há escassos meses, se discutiu idêntico projecto de lei da ASDI. E é assim, ainda, que nos encontramos a discutir um novo projecto de lei do PS, que, diga-se o que se disser, foi o partido pioneiro na preocupação de traçar, a nível legislativo, as grandes linhas orientadoras e as soluções de âmbito geral em questões de ambiente.
O seu projecto de lei agora em debate contém princípios e adopta medidas também por nós preconizadas e, não obstante ser preocupação nossa conceber a qualidade de vida dos cidadãos como um projecto sobre o homem que tem em conta as relações do homem com o universo e dos homens entre si, como uma exigência de promoção humana, e que gostaríamos de ver explicitada idêntica preocupação até às últimas consequências, sendo ainda certo que algumas adendas e modificações na especialidade o poderão enriquecer, irá merecer, na generalidade, o nosso voto de conformidade.
Quanto ao projecto do PPM, teremos de o apreciar num pouco mais de espaço.
Não iremos, contudo, cair na tentação de proceder a uma apreciação na generalidade, já que é disso que agora se treta, pelo método que o PPM usou aquando da discussão do nosso projecto, artigo por artigo, numa atitude em tudo semelhante ao do conhecido sapateiro de Veneza, que negou o seu apreço por um célebre quadro de Ticiano, só porque o salto do sapato de uma das personagens estava mal pintado.
A apreciação do pormenor ficará para depois, já que a regra que se contém no artigo 151.º do Regimento aponta para que & discussão na generalidade se faça sobre os princípios e o sistema de cada projecto ou proposta cie lei.
Assim, e numa visão de conjunto, começaríamos por dizer que gramática e vocabularmente o projecto está à altura de ser compreendido por cidadãos com um mi-

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nimo de formação ecológica, parecendo-nos, contudo, que a generalidade dos cidadãos a quem se destina poderão vir a sofrer as consequências daquele preceito geral que diz não aproveitar a ninguém a ignorância da lei... De facto, o novo-riquismo da sua linguagem não será talvez, e apesar de alguma dificuldade existente na transposição de certos conceitos para uma forma de dizer e de entender comum, a mais indicada para verter em comandos legislativos.
A ausência de uma autêntica normatividade que acompanha uma boa parte dos preceitos faz deste projecto mais uma carta de intenções e de princípios do que um articulado legal.
No campo dos princípios, afeiçoa-se, deve dizer-se, em boa medida, aos recomendados pela invocada Declaração do Ambiente, de Estocolmo e mesmo aos contidos, no programa de acção das comunidades europeias em matéria de ambiente para o período 1982-1986, cujo projecto foi aprovado em 4 de Novembro de 1981, e mesmo o Sr. Deputado Borges de Carvalho nos deu a informação de que, na verdade, o seu projecto continha, naturalmente, informação de boas fontes, nomeadamente do estrangeiro. Mas as omissões de uns ou a insuficiência de tratamento de outros são faltas que, embora supríveis, não poderão deixar de apontar-se.
Destacaríamos, entre outros princípios omitidos ou insuficientemente tratados:

O que manda ter em conta as políticas demográficas que respeitem os direitos fundamentais da pessoa humana e que reclama soluções diversificadas nas regiões ou lugares de excessiva concentração e nas regiões em que a baixa densidade de população possa impedir a melhoria do ambiente e dificultar o desenvolvimento;
O conveniente tratamento do princípio que considera essencial a administração do ensino, em matérias de ambiente, aos jovens e adultos, sem esquecer os menos favorecidos, com o fim de criar as bases que permitam esclarecer a opinião pública e dar às pessoas e às colectividades o sentido da responsabilidade que lhes cabe quanto à protecção e melhoria do ambiente, já que estes problemas têm a ver não só com o Estado, mas com todos e cada um de nós, quer agrupados, quer isoladamente considerados.
Ainda neste domínio, deveria considerar-se essencial que os meios de massa evitem contribuir para a deterioração do ambiente e que, antes, «disseminem a informação de natureza educativa sobre a necessidade de proteger e melhorar o ambiente, a fim de permitir que a pessoa humana se desenvolva em toda a sua plenitude».
Essencial nos parece ainda que tivesse sido tomada uma posição clara sobre o problema da responsabilidade pelos danos causados pela poluição, que é, sem dúvida, um dos factores mais contribuintes para a degradação do ambiente - o ópio mesmo da ecologia.

O Sr. Gomes Carneiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Aceita-se a poluição, desde que pagas as indemnizações devidas, ou é-se mesmo contra a poluição, levando o princípio até às últimas consequências?
Em qualquer caso, e no mínimo, não poderá deixar de considerar-se a reparação como um complemento indispensável às medidas de prevenção. E é assim que, em França, o respeito, pelo poluidor, dos regulamentos anti-poluição não é exoneratório de responsabilidade; as autorizações administrativas são concedidas «sob reserva dos direitos de terceiros», quer dizer, toda a pessoa na posição de vítima de danos por parte de uma instalação poluente pode pedir a reparação desses danos, mesmo quando as emissões dessa instalação são conformes às autorizações administrativas.
Também não vemos tratada no projecto de lei do PPM a problemática dos custos da despoluição ou dos custos acrescidos das instalações preparadas à partida para evitar emissões poluentes.
Quem suporta os custos? Á colectividade, pelo acréscimo dos preços dos produtos, ou o produtor, na forma de redução de lucros?
Ás nossas preocupações são avolumadas quando vemos no projecto do PPM, por forma explícita, no artigo 9.º, a afirmação de que «a estratégia de gestão da qualidade do ar consiste na aplicação do método da melhor tecnologia disponível e economicamente suportável». Economicamente suportável por quem, perguntamos nós?
Também seria altura de ponderar o problema - aliás já aflorado em tempos neste Plenário pelo Sr. Deputado Costa Andrade- da extensão da responsabilidade criminal às pessoas colectivas, sem o que a protecção que a todos é devida quando vítimas de acções poluentes permaneça, em boa parte, no reino das contingências.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queríamos terminar estas nossas breves reflexões sobre o projecto do PPM sem lhe assinalarmos, ainda, certo aspecto centralizador.
Não é que discordemos da constituição de um órgão superior do ambiente ou da atribuição a algum já existente das tarefas que em vários pontos do projecto lhe são cometidas.
É, antes, por uma total ausência de delimitação das competências, que, nesta matéria, deverão, a nosso ver, ser repartidas entre o poder central, regional e local; é, ainda, porque foram de todo esquecidas as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, cujos Governos Regionais deverão exercer em cada uma delas as competências que, segundo esta lei, caberiam ao Governo, adaptando as suas disposições, tendo em consideração o específico interesse regional, e, designadamente, a sua inserção nas realidades humanas e económicas que lhes são próprias.
Nas propostas que apresentaremos na especialidade se conterão, contudo, os contributos da ASDI, que radicam numa profunda e séria preocupação de fazer do nosso ambiente um factor de melhoria da qualidade de vida de todos os portugueses.

Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, vou colocar algumas questões que nos parecem ser importantes.
Podíamos dizer que desde que se iniciou a divisão do trabalho e da sociedade em classes, começaram os problemas em relação ao ambiente. Também não é novidade para ninguém, que a revolução industrial veio contribuir decisivamente para este agravamento e que o desenvolvimento do capitalismo industrial ainda mais.

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Poderiamos mesmo dizer que nas sociedades mais avançadas do capitalismo industrial são inevitáveis, são progressivas e são constantes as contradições sociais. Isto coloca questões de confrontação entre os interesses do capital e os interesses e os direitos dos cidadãos. É um pouco como que o combate entre os poluidores e os poluídos. Diríamos, pois, que a defesa do ambiente e da qualidade de vida tem de colocar-se também em termos de estruturas económicas, políticas e sociais.
Posta esta questão, chamaria a atenção para alguns aspectos que me parecem ser importantes. Com a discussão dos presentes diplomas abordámos toda uma série de medidas que convém trazer à presença, particularmente por algumas das suas facetas.
Temos assim, por exemplo, o problema do uso dos pesticidas. Todos nós sabemos que através deles, derivados do arsénico, do flúor, da nicotina, das piretrinas, do líndamo, etc., se provocam problemas gravíssimos não só no meio ambiente, como na própria qualidade de vida dos cidadãos. E são de tal forma importantes que eu citaria apenas como exemplo a catástrofe ecológica ocorrida no couto de Dofiana, em Huelva, onde no Verão de 1973 foram envenenadas para cima de 40000 aves, em consequência da utilização anárquica e arbitrária dos pesticidas.
Ora nós, em Portugal, temos esta situação: temos uma série de produtos que estão condenados pela Organização Mundial de Saúde e, contudo, continuamos a permitir a sua comercialização e mantêmo-los até nos cadernos fitofármacos.
Um outro aspecto tem a ver com as indústrias alimentícias ou agro-alimentares. Sabemos que os gostos alimentares e a qualidade das dietas são decisivamente influenciados pela publicidade. Ora, no nosso país permite-se toda uma série de publicidade que engana os consumidores, que os defrauda e que, inclusivamente, pretende fornecer gato por lebre. Teoricamente há legislação para impedir estas situações, mas elas repetem-se no dia-a-dia.
Temos problemas relativos à florestação. Curiosamente, pretende-se definir numa lei quadro do ambiente a florestação adequada. Tenho aqui comigo um panfleto da responsabilidade do Ministério da Agricultura e Pescas, que, por exemplo, tem a ver com a aplicação do plano de florestação do Banco Mundial, e verificamos aqui que nos próximos S anos é proposta uma florestação de 150000 ha nesta base: 90000 ha a cargo do Estado e 60000 ha a cargo da PORTUCEL.
Mesmo admitindo que os 90000 ha a serem florestados pelo Estado não se destinem a eucaliptização, teríamos de convir que estamos muito longe de respeitar qualquer programa mínimo de florestação que tenha em conta o equilíbrio biofísico e a realidade do tecido social e humano deste país dos meios rurais.
Isto é indiscutível e poderíamos dar como exemplo o seguinte: a florestação industrial de várias áreas, em que a mesma vai colidir com a realidade económica e social, e, em contrapartida, por exemplo, a realidade da serra algarvia, que, porque não há interesses económicos, continua perfeitamente esquecida, promovendo-se a desertificação, quer do meio físico, quer humano, de uma vasta área que poderia ser profundamente enriquecida.
Poderia continuar, mas o tempo não o permite, pelo que deixarei para uma outra oportunidade outros aspectos que aqui ficaram por contemplar.

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho: Lê coeur a dês raisons que la raison ne connais pás. E é, de facto para manifestar a minha estranheza, por esta animada versão, que a razão não explica, dos Srs. Deputados da ASDI em relação ao meu partido, que fez da sua intervenção um requisitório contra o projecto de lei apresentado pelo PPM. Aliás, está no seu direito, mas talvez a explicação esteja nas profundas preocupações de ambiente de acção social-democrata independente há bem pouco tempo tão lapidarmente expressas no requerimento em que o Sr. Deputado Magalhães Mota pedia ao Ministério da Qualidade de Vida explicações sobre a devolução à água de peixes pescados na pesca desportiva.
No entanto, algo merece uma explicação, e falo da aparente cunha metida entre o Governo e a maioria, referida numa longa parte do discurso que o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho dedicou a este a modos que estranho facto de um membro do Governo ter anunciado uma lei quadro do ambiente, de um deputado ter feito o mesmo e de, afinal, essa iniciativa aparecer aqui nesta Câmara através de um partido.
Mais ninguém levanta uma dúvida desta ordem, toda a gente compreende que a maioria apoia o Governo, naturalmente tem relações com ele, e se este projecto de lei aparece aqui pela iniciativa de um partido e não do Governo, é natural que isso se tenha verificado porque o Governo e a maioria chegaram a acordo a tal respeito. Portanto, não vejo que a dúvida aqui posta possa ter um interesse político tão grande para a Câmara.
De qualquer maneira e em relação ao Governo, devo sugerir ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho que, se tem algumas dúvidas a esse respeito, faça uma interpelação ao Governo sobre problemas de ambiente, porque com certeza que o Governo não se importará nada e julgo que até gostará de vir cá dar as explicações que o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho tenha por bem suscitar.
Como o tempo é curto e só posso usar da figura do pedido de esclarecimento, diria apenas, ainda a título de esclarecimento, que não é facto que tivéssemos chumbado o quadro por causa do salto do sapato. Nós chumbámos o salto do sapato, o sapato e a pintura toda, e, aliás, isto está perfeitamente expresso na apresentação deste projecto de lei. Basta ver as diferenças de concepção e de estrutura do nosso projecto de lei em relação aos outros que chumbámos para ver por que é que chumbámos os outros, e, repito, não foi de facto, por causa do salto do sapato.
Em relação a algumas críticas que o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho fez ao nosso projecto de lei, dir-lhe-ia que num apontamento muito rápido que aqui fiz em relação à educação, ao ensino e à participação das populações, V. Ex.ª encontrará referências no artigo 5.º, alínea d), no artigo 23.º, alínea 0. no artigo 26.º, alínea f), no artigo 6.º, alíneas n), j) e m), no artigo 42.º, alínea d), no artigo 44.º, etc., porque estive a ver isto muito rapidamente.
Mas ainda se encontra claramente expressa na alínea m) do artigo 6.º a integração da óptica de ambiente na política de educação e ensino e a sensibilização dos cida-

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dãos e das organizações para a problemática do ambiente.
No aspecto da centralização, talvez não fosse mau V. Ex.ª consultar o artigo 5.º, alínea d), o artigo 11.º, alínea c), e os artigos 13.º, 48.º e o 51.º, se é que não há ainda outros.
V. Ex.ª falou ainda da responsabilidade dos danos. Dediquei uma grande parte da minha intervenção precisamente a esse aspecto, e, pelos vistos, ou V. Ex.ª não a ouviu, ou não leu as disposições do diploma que a isso dizem respeito, e à consagração em princípios do princípio da responsabilidade causal. Portanto, quanto a esses projectos, serei mais eu quem terei de esclarecer V. Ex.ª. O Sr. Deputado Vilhena de Carvalho terá de me esclarecer - e é isso que lhe peço - como é que conseguiu chegar a estas conclusões. É que, ou não leu o texto, ou então fê-lo de trás para diante.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho: Talvez pareça espúria, em relação a este debate, a questão que quero colocar-lhe. De todo o modo, à medida que tem estado a decorrer a discussão nesta Assembleia, vem-se configurando no meu espírito a ideia de que dispomos de um tempo escassíssimo para a percepção, estudo, crítica e contraproposta relativos a estes projectos de lei submetidos à nossa opinião.
Recordo que o projecto de lei n.º 230/II, da autoria dos Srs. Deputados da Acção Social-Democrata Independente, foi aqui discutido em Novembro de 1981, salvo erro no decurso de 2 dias de debate, e já então todos foram unânimes em considerar que o tempo tinha sido insuficiente para aprofundar uma problemática e uma temática de tão grande riqueza e sobre a qual muito está por dizer, não só a nível do País, como neste sede.
Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho se pensa que é possível neste momento procedermos à aprovação ou não aprovação de 2 diplomas com a ligeireza e brevidade que o escasso tempo de debate - lembro que não serão mais de 2 horas - impõe.
Gostaria ainda de saber como é que isto se compagina com o comportamento que assumimos em Novembro, comportamento esse correcto e indiscutível.
Por outro lado, uma segunda questão que gostaria de lhe colocar é a seguinte: Sr. Deputado fez a afirmação de que o projecto de lei do PPM padece de uma indiscutível vocação centralizadora. Estou inteiramente de acordo consigo. De qualquer modo, pedia-lhe que tornasse mais explícitos os mecanismos dessa centralização, pois penso que é esse, de facto, o pecado que fere desnorte este projecto de lei e que, de certa maneira, o incompatibiliza com a filosofia do ambiente mais correcta, mais aberta e mais progressista.

O Sr. Luis Coimbra (PPM): - Não disseste nada!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr. Deputado, ouvi com atenção a sua intervenção, até por que se trata de um debate que, em qualquer Parlamento de qualquer país minimamente preocupado com assunto tão importante, seria um debate de fundo em torno de questões que são tão graves para os cidadãos e para a sua qualidade de vida.
Na verdade, a sua intervenção e a profundidade com que apresentou os vários problemas contrastam claramente com o pouco tempo e a forma apressada, ligeira e pouco explícita - desinteressada até - com que a Câmara está a acompanhar um debate destes.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Vê-se mesmo que o PCP não preparou o debate!

A Oradora: - Ora, no meu caso concreto, sou deputada pelo círculo de Lisboa, onde alguns destes problemas são particularmente acutilantes. Lembro, por exemplo, uma caso que já aqui foi trazido por mim por mais de uma vez e que se refere à situação do estuário do rio Trancão e da mais que conhecida ribeira de Odivelas, esse esgoto ao ar livre que prejudica dezenas de milhares de cidadãos, provocando problemas gravíssimos de saúde pública e de qualidade de vida, sem se ver, a curto prazo, uma solução. A ribeira continua a correr livremente num esgoto ao ar livre, desembocando no rio Trancão, que, por seu lado, vai ter ao Tejo.
O estuário do Tejo é outro dos gravíssimos problemas que nós, deputados do PCP pelo círculo de Lisboa, temos trazido a esta Câmara - realizámos até já um encontro sobre tal assunto - e que sobremaneira nos preocupa.
Esta questão da defesa das águas de superfície, que quanto a nós, é fundamental, atinge no nosso distrito aspectos verdadeiramente gravíssimos, pondo em causa a saúde pública.
De que maneira acha o Sr. Deputado que, numa lei que tem de ser enquadrante, podem estas realidades ficar explicitadas de forma a defender os cidadãos e a acabarmos com esta situação, em que, apesar do alarme que tem havido sobre a gravidade do problema, ele continua, sem que sejam tomadas medidas, sem que qualquer coisa de concreto seja feita, sem que, enfim, se vejam, da parte das entidades responsáveis, nomeadamente o Governo, medidas para pôr cobro a uma situação que, no fundo, põe em causa a saúde de todos nós - e nós estamos num dos maiores distritos do País, talvez o maior em termos populacionais -, vivendo este problema que, cada dia, cada mês, cada ano, se tem vindo a agravar de uma forma verdadeiramente dramática.
Creio que em sede de especialidade este problema tem de ser visto, sem prejuízo de no próprio debate na generalidade de ser clarificado, tomando conhecimento da opinião que os vários partidos têm sobre esta questão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para dar um esclarecimento à Câmara, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, este esclarecimento à Câmara, creio que é esta a forma adequada, é a propósito de um requerimento, já que o Sr. Deputado Borges de Carvalho teve a bondade de me referir.
Queria apenas esclarecer o Sr. Deputado Borges de Carvalho, aumentando-lhe com isso os seus esclarecimentos, o que certamente necessitará, no sentido de o elucidar de que a legislação que citei, sobre pesca desportiva, é utilizada em vários países do Mundo. Ainda hoje tive a satisfação de receber uma carta do presidente da Federação Portuguesa de Pesca Desportiva, a apoiar a minha iniciativa, na qual ele se manifesta precisamente

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contra os falsos defensores do ambiente, pouco preocupados com a defesa do povoamento dos nossos rios, deixando que os pescadores desportivos, que noutros países devolvem, de facto, os peixes pescados à água, procedam, por exemplo, no fim de um concurso, como ainda aconteceu este ano, à abertura de uma vala, para que aí se deixem apodrecer os peixes pescados, pesando algumas centenas de quilos.

O Sr. Borges de Carocho (PPM): - Sr. Presidente, dá-me licença que interpele a Mesa?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, não quero deixar de dizer ao Sr. Deputado Magalhães ( Mota que o que referiu não tem nada a ver com a política de ambiente.
A minha interpelação à Mesa é, Sr. Presidente, no sentido de que foi posta por alguns Srs. Deputados - não deixo de ser sensível à argumentação aduzida - a questão de saber se passaríamos ou não à votação às 21 horas.
Reconheço a razão dos argumentos invocados. Não quero deixar de manifestar a minha sensibilidade a eles. No entanto, só não apresentarei o requerimento para passagem à votação caso, expressamente, todos os grupos parlamentares aqui representados se comprometam a reservar tempo, na sessão de segunda-feira dia 26, para se acabar este debate e para se votarem os 2 projectos de lei.
Nestas condições, não apresentarei o requerimento de passagem à votação. Noutras condições, isto é, se não houver um comprometimento expresso dos partidos neste sentido, apresentarei imediatamente o requerimento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a proposta do Sr. Deputado Borges de Carvalho vem de encontro ao que já foi manifestado por vários senhores deputados aqui na Câmara.
Penso que inclusivamente, não está ainda marcada a ordem do dia de segunda-feira. E, como está marcada a ordem do dia de quinta-feira, quero dizer que damos o nosso acordo a esta proposta, até porque entendemos que outras bancadas se quererão pronunciar.
A nossa bancada está interessada em pronunciar-se sobre estes projectos, e entendemos que a ordem do dia de segunda-feira poderia ser preenchida com este assunto, tendo em conta a sua importância.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é para me congratular, por um lado, pelo facto de finalmente se ter reconhecido a necessidade de se alargar o debate, mas lamentar, simultaneamente, que se tenha levado tanto tempo a perceber dessas vantagens.
De qualquer modo, não posso assumir o compromisso de que na segunda-feira isto seja agendado, na medida em que há um outro compromisso para essa sessão: a discussão do projecto de lei sobre as sociedades em autogestão, de iniciativa do PS.
Portanto, pela minha parte, não teria qualquer objecção, mas creio que quem terá de pronunciar-se, antes de mais ninguém, é o Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - É verdade que está prevista uma sessão para a próxima segunda-feira e é também verdade que, oportunamente, foi marcada para essa sessão, na conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares, por iniciativa do Partido Socialista, a discussão do projecto de lei n.º 276/II - lei das sociedades em autogestão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente põe-se aqui um problema de conflito dos direitos dos grupos parlamentares.
O sistema de fixação de uma ordem de trabalhos com um determinado projecto de lei é um sistema simplificado de discussão naturalmente breve, permitindo aos grupos parlamentares tomarem posição sobre a proposta e votar-se em seguida. E há a garantia de que se vota no dia em que se fixou a ordem de trabalhos como defesa do próprio partido que a fixa.
E esta a nossa interpretação, e não pode, de forma nenhuma, alargar-se esta discussão para outros dias, prejudicando fixações de ordens de trabalhos já previamente anunciadas e marcadas. E nós não podemos, de forma nenhuma, aceitar que, na segunda-feira, a nossa ordem de trabalhos seja prejudicada sem termos qualquer garantia de que ela seja transferida para outro dia, e, por conseguinte, não podemos concordar que esta discussão passe para segunda-feira.
Podemos apenas concordar que esta discussão passe para quinta-feira -e depois ver-se-á!-, e não que se prejudique uma ordem de trabalhos que já marcámos há muito tempo.
E insisto em dizer que é preciso que a Câmara e os seus deputados entendam que a fixação de uma ordem de trabalhos para um determinado dia implica uma autolimi-tação de tempo, implica uma discussão mais sintética e abreviada. É o processo mais expedito de discussão e votação que temos no parlamento. O Grupo Parlamentar Socialista sempre deu esta interpretação e não aceitará, a não ser por um consenso total, que a fixação por um dia se transforme em 2, 3 ou 4, ficando até um pouco à arbitrariedade das maiorias o decidir quando se vota.

O Sr. Presidente: - Essa é, de facto, a interpretação que a Mesa faz do Regimento. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, nós pensamos que a teoria defendida pelo Sr. Deputado Carlos Lage em relação às fixações das ordens de trabalho è exacta. Só que, para sermos também exactos, temos de reconhecer que a fixação foi prejudicada por ter havido um debate que se continuou hoje.
A nossa ideia é a de que é possível resolver esta questão na conferência de amanhã dos líderes parlamentares interrompendo-se agora o debate.
No entanto, pensamos que deveria passar para o dia de quinta-feira que é o dia da sessão seguinte, continuar-se o processo que tem sido seguido, de forma a não intercalar debates noutros debates para não violarmos o Regimento.

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O Sr. Presidente: - Está inscrito o Sr. Deputado Herberto Goulart. Entretanto, devo informar que entrou na Mesa um requerimento, subscrito pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho e outros, do PPM, requerendo, nos termos regimentais, a passagem do projecto de lei à votação. O requerimento é regimental e corresponde a um direito do grupo parlamentar que o apresenta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, uma vez que V. Ex.ª se referiu à entrada de um requerimento, uso da figura regimental de interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - É que penso, Sr. Presidente, que a admissão do requerimento não é regimental.
Se é verdade que o artigo 71.º do Regimento refere que cada grupo parlamentar, quando fixa a ordem do dia, tem o direito de requerer a votação do projecto de lei, também é bem verdade que o artigo 149.º - e este artigo não pode ser prejudicado pelo artigo 71.º- diz que não será admitido o requerimento previsto no artigo anterior - isto é, o do termo do debate - enquanto não tiverem usado da palavra, pelo menos, no debate da generalidade 3 e no debate na especialidade 2 dos oradores dos partidos com deputados inscritos ou que queiram pronunciar-se.
Antes que se proceda à discussão do requerimento, gostaria de dizer que, pela nossa parte, estamos abertos a qualquer das soluções: ou a de prosseguir o debate na próxima quinta-feira ou na sessão seguinte. Pensamos que a Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares pode encontrar solução para esta questão.
Contudo, insistimos: pensamos que a admissão do requerimento não é regimental, e, sendo assim, o requerimento não pode ser admitido, uma vez que há deputados que ainda não usaram da palavra neste debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herberto Goulart, em resposta à sua interpelação, devo dizer que, no meu entendimento e no da Mesa, o disposto no artigo 71.º do Regimento é uma situação excepcional em relação às disposições gerais dos artigos 148.º e 149.º, que V. Ex.ª citou. Esta é a interpretação na Mesa; o Sr. Deputado poderá recorrer dela. Em todo o caso, devo dizer-lhe que, pela minha parte, a decisão mantém-se.

O Sr. Magalhães mota (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Moía (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, gostaria de assinalar o interesse que à Radiotelevisão Portuguesa mereceu este debate: esteve ausente. Penso que o facto tem alguma coisa a ver com o PPM.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, sob que figura regimental está a intervir? Suponho que não é uma interpelação à Mesa?!

O Orados?: - Sr. Presidente, penso que é uma figura repetida, que são as figuras tristes da nossa televisão.

Aplausos da ASDI, do PS, do PCP e da UEDS.

O Orador: - Em relação propriamente ao ponto que está em discussão, gostaria de dizer que, mau-grado pensemos que uma discussão destas deva ser valorizada e aprofundada tanto quanto possível, estamos de acordo com a interpretação da Mesa. A disposição do artigo 71." é de facto excepcional, e o partido que marca uma ordem do dia tem direito a que a votação se efective no final da sessão à qual requereu a sua fixação.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr." Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, o nosso grupo parlamentar não prescinde de usar da palavra pelo menos uma vez no debate deste projecto de lei. É um direito regimental que temos. Ainda na última sessão esse direito foi-nos reconhecido - e muito bem - através de uma intervenção do Sr. Deputado Carlos Robalo. Uma vez que estávamos numa situação idêntica à de hoje, o Sr. Deputado Carlos Robalo, pelo menos neste ponto, deu-nos razão.
Não prescindimos, pois, de fazer uma intervenção.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Lopes Cardoso: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta, cuja resposta talvez acabe com todo este problema.
Haverá quórum para podermos votar, Sr. Presidente? É que, se não há, talvez não valha a pena estarmos a perder tempo. A mim parece-me que não há; no entanto, não me cabe a mim fazer a contagem.

O Sr. Presidente: - Vamos procurar verificar, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para prestar um esclarecimento à Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr.ª Deputada, penso que estamos em processos diferentes e naturalmente que eu defendi o direito que o PCP tinha, aliás como a UDP, de intervir no último debate, da mesma maneira que defendo que a interpretação do n.º 4 do artigo 71.º, se não me falha a memória, é um processo especial.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Dá-me licença, que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado, da outra vez também era uma marcação exactamente igual.
Na altura, era uma marcação do PCP e da UEDS, e neste momento trata-se de uma marcação do PS e do PPM. Diga-me qual é a diferença!

O Orador: - Eu digo-lhe. Primeiro, a Sr.ª Deputada diz que não prescinde e está contra a vontade de quem

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21 DE ABRIL De 1982 3221

marcou a ordem do dia porque requereu a votação. E repare que aqui a vontade é, de facto, de quem requereu, que é o direito especial que tem da marcação.
Se de facto a Sr.ª Deputada me tem argumentado, que é a primeira vez ou das primeiras vezes que estamos a seguir um processo destes, dava-lhe o meu acordo. Mas todos nós sabemos - e em especial aqueles que vão à reunião dos líderes - quantas vezes as marcações da ordem do dia têm continuado noutros dias, têm sido adiadas.
Porém, neste momento, estamos numa situação que não é prática corrente e que em tese regimental está correcta.
A posição do Sr. Deputado Carlos Lage é intocável, simplesmente não é prática normal deste Parlamento.
E se por vezes o uso faz o direito, eu direi que o uso leva a que este debate continue na segunda-feira e que o debate sobre a autogestão se inicie na segunda-feira e continue na quinta-feira.
É isto que tem acontecido, que sempre aconteceu, com o acordo de todos os partidos.
Mas hoje foi levantado o rigorismo do Regimento e nós, naturalmente, não o vamos contrariar. Aceitamos a decisão que a Câmara tomar.

O Sr. Presidente: - Devo informar a Câmara de que não temos quórum para dar seguimento ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho, pois não temos quórum, neste momento, para votar.
Nestas circunstâncias, devemos examinar o problema...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, talvez eu não tenha sido entendido na totalidade da minha intervenção.
Eu afirmei que nós não prescindíamos da fixação da ordem de trabalhos na segunda-feira porque não temos quaisquer garantias de que a nossa fixação não será prejudicada, na medida em que já há uma agenda de trabalhos para a próxima semana.
Se o Sr. Deputado Carlos Robalo nos dá a garantia de que, iniciando-se na segunda-feira, a nossa ordem de trabalhos pode ser concluída na terça, na quarta ou na quinta-feira, nós não temos nenhuma objecção a que a nossa ordem de trabalhos marcada para segunda-feira comece mais tarde e se prolongue para outro dia.
Agora, o que nós não podemos, de forma nenhuma, aceitar é que na segunda-feira não esgotemos a nossa ordem de trabalhos e depois se diga que ela não pode continuar na terça, na quarta ou na quinta-feira porque já estão agendados outros projectos de lei. É só isto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, salvo o devido respeito, penso que não vale a pena eternizar esta discussão em Plenário e nestas condições.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, chamo a atenção da Câmara para o facto de a Comissão Eventual de Revisão Constitucional ter acabado neste momento os seus trabalhos e os Srs. Deputados estarem a entrar na Sala. Em segundo lugar, peço a contagem por partidos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, já ultrapassámos em cerca de 10 minutos o prazo...

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Mas eu até estava inscrito!

O Orador: - Sr. Deputado Carlos Robalo, quando falou eu não o interrompi.
Como estava a dizer, já ultrapassámos a hora e com a contagem já se verificou que não há quórum.
Em nosso entendimento, a reunião deve encerrar e pensamos que havendo uma reunião plenária na quinta-feira é nessa reunião plenária que se deve continuar a ordem de trabalhos de hoje.
É o que se costuma fazer, e visto que amanhã há reuniões de comissões e há também a reunião dos líderes parlamentares, poderemos então assentar as coisas.

O Sr. Carlos Robalo Sr. (CDS): - Peço a palavra, Presidente.

O Sr. Presidente. - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só posso garantir, em nome do meu grupo parlamentar, o comportamento que tem sido seguido. Em termos de Grupo Parlamentar do CDS, Sr. Deputado Carlos Lage, essa prática continuará a ser seguida. Isto quer dizer que, se não for esgotado o tema agendado pelo Partido Socialista para segunda-feira, nós daremos o apoio aqui e na reunião de líderes dos grupos parlamentares para que o mesmo se conclua na terça--feira. Disso me responsabilizo mas não lhe posso dar outras garantias. Estas tem-nas na totalidade!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuamos sensivelmente na mesma situação. Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, eu requeri a V. Ex.ª a contagem dos deputados por partidos e agradecia que fosse feita.

O Sr. António Arnaut (PS): - A maioria tem de ser garantida pela maioria!

O Sr. Presidente: - Está a ser feita, Sr. Deputado, os Srs. Secretários estão a fazer a contagem e anunciarei a seu tempo o resultado da mesma.
Entretanto aproveito esta ocasião para confirmar que está marcada a Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares para amanhã às 15 horas e 30 minutos e para informar a Câmara que, com o fim da sessão de hoje, considero encerrado o prazo para a entrega de perguntas ao Governo com vista à sessão do próximo

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dia 27. Pelo número de perguntas entradas teremos de analisar, também amanhã, o problema da agenda para o dia 27 deste mês.

Pausa.

Estou agora em condições de responder ao Sr. Deputado Borges de Carvalho: estão presentes 42 deputados do PSD, 18 do PS, 22 do CDS, 13 do PCP, 6 do PPM, 3 da ASDI, 3 da UEDS e l do MDP/CDE.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Leiamos (PCP): - Sr. Presidente, era só para informar a Mesa que a contagem relativa ao Grupo Parlamentar do PCP se refere a uma fase posterior a ter sido anunciado que já não havia quórum.

Risos.

O Sr. Cantos Robalo (CDS): - Foi inteligente!

O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado.
Neste momento o total de deputados presentes na Sala é de 109. No momento em que foi anunciado que não havia quórum havia 105 presenças.
Á nossa próxima reunião plenária é na quinta-feira, tem início às 10 horas e encerra, sem intervalo da parte da tarde, às 19 horas. Está entendido que não haverá período de antes da ordem do dia, excepto para o direito de fazer declarações políticas por motivo relevante.
Deu entrada na Mesa o projecto de lei n.º 331/II, apresentado pelo PCP, relativo à extinção do regime de colónia. Foi admitido e baixou à 11.ª Comissão.
Salvo decisão em contrário da Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares o período da ordem do dia da sessão de quinta-feira será preenchida na sua primeira parte com o debate e votação da resolução dá Assembleia da República acerca do assentimento para ausência do Presidente da República do território nacional e a segunda parte pela proposta de lei n.º 88/II acerca do protocolo da adesão da Espanha à NATO. Há um acordo acerca de tempos que é do conhecimento de todos os grupos parlamentares.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, não sei se entendi a ordem dos trabalhos para quinta-feira.
O Sr. Presidente anunciou que a segunda parte da ordem do dia para quinta-feira seria preenchida com a proposta de lei relativa à adesão da Espanha à NATO.

O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas se eu bem compreendi da reunião de líderes de hoje não se concluiu que a sessão de quinta-feira seja exclusivamente preenchida com essa matéria.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa, Sr. Deputado, eu disse e repito-o que, salvo resolução em contrário a tomar na Conferência dos Presidentes dos Grupos Parlamentares de amanhã, a ordem do dia é a prevista.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É que, Sr. Presidente, normalmente não se interrompem os debates continuando a discussão das matérias pendentes.

O Sr. Presidente: - Amanhã veremos, mas aliás, o Sr. Deputado sabe que é obrigação do Presidente anunciar a ordem do dia no final da reunião.
Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 15 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Cecília Pita Catarino.
José de Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Dias Lopes.
Nicolau Gregório de Freitas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido Socialista (PS)

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
João António Vilela Cabeço.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Centro Democrático Social (CDS)

Alberto Henriques Coimbra.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Pedro Silva Lourenço.
Carlos Alberto Rosa.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
João Gomes de Abreu de Lima.
José Augusto Gama.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro Eduardo Freitas Sampaio.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui António Pacheco Mendes.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Favas Brasileiro.
Joaquim António Miranda da Silva.
Manuel Correia Lopes.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Carlos Mattos Chaves de Macedo.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria Manuela Dias Moreira.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Rui Alberto Barradas do Amaral.

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28 DE ABRIL DE 1982 3223

Partido Socialista (PS)

Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Cândido Miranda Macedo.
António Emílio Teixeira Lopes.
José Luís Amaral Nunes.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Alberto Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
José Gomes Fernandes.

Centro Democrático Social (CDS)

Emílio Leitão Paulo.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

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