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l Série-Número 78

Segunda-feira, 26 de Abril do 1982

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)

REUNIÃO SOLENE COMEMORATIVA DO 25 DE ABRIL DE 1982

Presidente: Exmo. Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias

Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
António Mendes de Carvalho
José Manuel Maia Nunes de Almeida

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António José B. Cardoso e Cunha.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Pinto.
José Assunção Marques.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Helena do Rego Salema Roseta.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Mário Dias Lopes.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Martins Adegas.
Natália de Oliveira Correia.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.

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Partido Socialista (PS)

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António de Almeida Santos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
Aquilino Ribeiro Machado.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Tavares.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Lopes Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
José Alberto de Faria Xerez.
José Eduardo F. de Sanches Osório.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascensão.
Rui António Pacheco Mendes.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.
Ruy Garcia de Oliveira.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António José Borges G. de Carvalho.
Augusto Ferreira Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

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Acção Social-Democrata independente (ASDI)

Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tílman.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

António Monteiro Taborda.
Herberto de Castro Goulart da Silva.

União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a sessão solene comemorativa do 8.º aniversário do 25 de Abril.
Convido, além da Mesa, os Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares a estarem comigo, às 15 horas e 15 minutos, à entrada da Assembleia, para recebermos S. Ex.ª o Sr. Presidente da República. Dou imediatamente por suspensa a sessão, que será reaberta às 15 horas e 25 minutos.
Está suspensa a sessão.

Pausa.

Pelas 15 horas e 25 minutos, deu entrada na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Sr. Presidente da República, o Sr. Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, os Secretários da Mesa, a comitiva do Presidente da República, o secretário-geral da Assembleia da República e o chefe e os secretários do Protocolo.
No hemiciclo encontravam-se já os conselheiros da Revolução, os ministros, o Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira, o Provedor de Justiça, os Presidentes das Assembleias Regionais dos Açores e da Madeira, o Presidente do Governo Regional da Madeira, o procurador-geral da República, os Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo, do Supremo Tribunal Militar, do Supremo Tribunal de Contas e do Tribunal da Relação de Lisboa, os membros da Comissão Constitucional e es deputados.
Encontravam-se ainda presentes nas tribunas e galerias os secretários e subsecretários de Estado, o corpo diplomático, o vigário-geral da Diocese de Lisboa, em representação do Cardeal-Patriarca. altas autoridades civis e militares e numerosos outros convidados.
Constituída a Mesa, na qual o Sr. Presidente da República ocupou o lugar à direita do Sr. Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada na Sala dos Passos Perdidos, executou o Hino Nacional.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 75 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o representante da UDP, Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Hoje, em mais um aniversário do 25 de Abril, estamos todos satisfeitos, mas também preocupados.
Creio mesmo ser este estado de espírito a única coisa que a todos nos une.
Os capitalistas estão satisfeitos porque têm obtido, em nome da democracia, condições de exploração' cada vez mais acentuadas; os fascistas porque, em nome da democracia, têm podido conspirar e atacar à vontade o 25 de Abril. Preocupados porque ainda resistem conquistas de Abril e ainda não puderam abocanhar todos os sectores da actividade nacional. Preocupados ainda com a governação, que tarda em escolher de vez: ou consegue, através da demagogia, da 'manipulação da comunicação social e da ajuda da hierarquia da igreja, que es trabalhadores respeitem as regras do jogo, ou então que leve até às últimas consequências a actuação dos mecanismos de Estado para impor a política de salvação nacional: a PSP, a GNR, a Judiciária, os tribunais, os bandos de jagunços, os pides desempregados e os reintegrados...

Risos do PSD e do PPM.

...todos exemplarmente dirigidos e coordenados pelo Sr. Ministro Ângelo Correia, podendo mesmo aceitar-se a ajuda de especialistas espanhóis, certamente melhorada com a entrada da Espanha na NATO.
O povo, esse, está satisfeito porque celebra o fim do fascismo e da guerra' colonial e está também muito preocupado porque, concretamente, cada vez tem menos com que se alegrar. Ou seja, a situação em que se encontra vai-se assemelhando inquietantemente àquela cujo fim comemora.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há uma coisa que os trabalhadores vão percebendo: foi no período de maior actividade política e de maior agitação, de maior iniciativa e criatividade, no período em que ocupavam as terras e as casas vazias, controlavam a gestão e a produção, expulsavam e perseguiam os pides, bufos e fascistas, mantinham amedrontados e em respeito os polícias, guardas e generais, foi nesse período a que os fascistas e capitalistas chamam de desordem, porque era a ordem do povo que se ia impondo, que melhor viveram, de mais liberdade desfrutaram e um novo sentido para o mundo começaram a descobrir.
Os operários apontavam o caminho a seguir e, se os camponeses não se libertaram das seculares grilhetas e a miséria continuou a bater-lhes à porta, foi porque os operários não dirigiram a vida nacional, embora a determinassem. E porque aqueles que então governaram não tiveram a coragem de ir contra as sanguessugas insaciáveis que são os intermediários, deixando-os, portanto, actuar à rédea solta e reforçarem-se.
Os campos do nosso país, principalmente no Norte, foram a arena onde campeavam os facínoras recrutados pelos Abílio Torres e Agelos de Trancoso, adulados pelos bispos e padrecas, numa santa aliança de obscurantismo, corrupção e crime.

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No entanto, uma luz brilhou nessas terras e entre essas gentes sofridas: o padre Max que lutou ao lado dos pobres e oprimidos, numa afirmação consequente dos ideais que devem guiar o povo. Como Cristo, Max via nos ricos e poderosos os inimigos da Humanidade.
Por isso teve de arrostar com a hostilidade dos bispos e da hierarquia e com o ódio dos fascistas. Por isso foi assassinado.
Silenciosa e cúmplice a Igreja, ergue-se hoje a voz dos democratas e antifascistas, do povo simples e pobre que ele amava e que o amou, exigindo justiça, enfrentando a teia de ameaças e comprometimentos, tecida pelos facínoras, pelos poderosos e corruptos.
Resta saber que vem cá fazer o Papa.
Virá exigir que se faça justiça sobre aqueles que mandaram assassinar e assassinaram um ministro da sua igreja, ou virá antes receber a homenagem sebenta e podre, mas opulenta, dos criminosos, que contam com ele para garantirem a submissão do povo à sua insaciável voracidade?
Vem dizer ao povo que se levante contra a miséria e a opressão, contra os governantes corruptos, contra a gula dos capitalistas, ou vem, pelo contrário, recompensar com a sua benção 03 ricos e poderosos, que sempre financiaram os cofres do Vaticano?

Protestos do PSD, do CDS e do PPM.

Infelizmente, podemos adivinhar: virá dizer-nos que os ricos devem ser bonzinhos, que os trabalhadores devem trabalhar diligentemente, que o capitalismo deve moderar-se e acabar com as injustiças, suas filhas dilectas, e que as greves não devem pôr em causa o devoto governo AD. Neste país, a luta e a revolta são pecaminosas. O respeito pela lei e pela ordem ajudam à salvação. Em conclusão, Sua Santidade vem ajudar a preservar o governo AD, que, entretanto, trata de conceder um canal de TV à igreja católica para esta melhor o poder salvar.

Uma voz do PSD:- Não apoiado!

O Orador:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhadores, ao comemorarem este 25 de Abril, estão dispostos a utilizar a experiência de luta dos últimos anos e a confiar apenas nas suas próprias forças, fartos de esperar credulamente que seria fácil pôr fim ao poder da AD através do funcionamento das instituições e sem ser necessário recorrer a uma luta popular mais intensa. É essa expectativa que enfraquece a unidade popular e dá alento ao governo reaccionário.
A experiência ensina-nos que só actuando unidos e' de forma radical se fará recuar a reacção e se poderão obter vitórias pelo bem-estar, a liberdade e a independência.
O povo também já não tem dúvidas de que a este governo falta em legitimidade o que lhe sobra em desvergonha.

Uma voz do PSD: - É falso!

O Orador: - A AD fez-se eleger para melhorar a vida dos Portugueses. Desde que está no Poder, não só não melhorou nada, como piorou tudo. E fá-lo

com um descaramento afrontoso. Deixa os capitalistas despedir à vontade, dizendo, por eles, que é para diminuir o desemprego.

Vozes do PSD: -É falso!

O Orador: - Aumenta constantemente os preços dos bens essenciais, dizendo que é para melhorar as condições de vida. Agora diminuiu o peso do pão e aumentou-lhe o preço, sob a alegação de querer praticar uma política de verdade, sem subsídios.
O povo sente é que a verdade do Sr. Ministro lhe entra nos bolsos já vazios.
Lança uma taxa intolerável sobre os medicamentos, dizendo que é para diminuir o consumo excessivo. Como se o problema do povo fosse o excesso de medicamentos, e não a falta de dinheiro para os comprar.
Lança desumanas taxas moderadoras sobre os cuidador médicos e meios auxiliares de diagnóstico e internamentos nos hospitais, dizendo que é para os ricos pagarem a saúde dos pobres. O povo sente, no entanto, que vai ser ele a pagar a cura dos ricos em clínicas de luxo e cem médicos privativos, enquanto ele, sempre ele, continua a não ter direito à saúde.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aumenta o preço do gasóleo, fingindo ignorar as repercussões que isso vai ter nos cultos de produção e nos preços de todos os serviços e artigos de consumo. Importa batata estrangeira, deixando apodrecer a produção nacional e os camponeses na miséria. Faz acordos de pesca com os espanhóis, ruinosos para os nossos pescadores, mas, decerto, muito rendosos para quem aceita alienar, de forma tão descarada e indigna, os interesses nacionais. Rouba as terras às cooperativas e UCPs da zona da Reforma Agrária e depois obriga-as a pagar dívidas de financiamento a empreendimentos e melhoramentos que já estão nas mãos dos agrários. Fala na qualidade do ambiente e, além de permitir o envenenamento do ar e dos rio: com os dejectos das grandes fábricas, financia com milhões de contos a central de Sayago, em Espanha, que vai lançar o lixo nuclear no Douro, junto à nossa fronteira, e ameaçar com um possível desastre ecológico toda a região de Miranda do Douro e do vinho do Porto.
Quem, depois de todas estas acções contra o povo, entre tantas outras, ainda não estiver disposto a derrubar tal governo, das duas uma: ou não está bom da cabeça, ou então enriquece à custa dos males do povo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta situação, apesar de o recrudescimento da luta dos trabalhadores de há um ano a esta parte, e que culminou com a greve geral de 12 de Fevereiro, ter retirado algum poder de pressão e negociação à AD, o simples facto de se estar a fazer a revisão constitucional é já uma vitória para a direita.
E isto porque, se mais não obtivesse (e vai obter), a AD, assim, conseguiu desviar o centro, o fulcro da actividade política para a revisão da Constituição, enquanto a sua defesa - que nenhum partido da oposição renega em palavras - só se pode fazer derrubando este governo e destroçando esta maioria, im-

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pondo uma nova política, diferente de todas aquelas que foram permitindo a revisão, na prática, da lei fundamental.
Isto é, os trabalhadores, em vez de estarem a preparar conscienciosa e activamente o derrube do Governo, quer-se que estejam suspensos pelo beicinho das peripécias desta Assembleia na expectativa de verem sair uma Constituição melhorada com o voto da AD, e dispostos a confiarem a sua defesa àquelas mesmas instituições que a deixaram esvaziar de conteúdo prático.
Olhando talvez para Eanes, pois sempre poderá acontecer que a CEE, a NATO e a recuperação capitalista e latifundista seja, com ele, mais suave e que as ingerências estrangeiras, as bastonadas, as prisões, as balas de G-3, as falências, os despedimentos e a miséria sejam mais suportáveis.
É chegada a altura de perguntar ao Sr. Presidente da República -que ontem, no almoço dos oficiais do quadro permanente comemorativo do 25 de Abril, disse estarmos a chegar ao fim do «período de transição»- de que transição se trata afinal. Transição para onde? Já chegámos ao socialismo, como manda a Constituição? Já estão criadas as condições para o exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras, como manda a Constituição? Estaremos a chegar à sociedade sem classes, como manda a Constituição?
Basta olhar para o ar esplendoroso dos deputados sentados neste hemiciclo e depois irmos dar uma espreitadela aqui perto, ao Bairro da Liberdade ou à Musgueira.
Boa transição esta a que assistimos desde o 25 de Novembro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A crise de que todos se queixam apenas é suportada pelo povo. Os ricos não sentem crise nenhuma, pois estão cada vez mais ricos e luzidios.
O Programa do Governo é o programa da CIP e da CAP.

Uma voz do PSD: -Não apoiado!

O Orador. -Para debelar a crise e encontrar uma alternativa de acordo com os interesses populares é necessário, em primeiro lugar, derrubar este governo. É essa a tarefa prioritária e essencial para os operários e camponeses, para o povo em geral.
Para derrubar o Governo há que enfraquecê-lo ainda mais e não lhe abrir caminho para guinar mais à direita, acossado como está pela crise e pela luta dos trabalhadores.
Para isso temos de impedi-lo de levar por diante o seu programa antipopular e antinacional. Não aceitar cumprir a legislação reaccionária, resistir, acumular forças, lutar com firmeza e unidade.
Não há que esperar pela revisão da Constituição, há que impedi-la na prática. Não há que esperar pelas eleições autárquicas, há que não permitir que o Governo chegue às autárquicas. Não há que esperar pela entrada na CEE, há que impedi-la. Não há que aguardar que Eanes ou os partidos democráticos arranjem alternativa, com medo que o Poder caia na rua. Há que dizer que na rua estão os trabalhadores, que já mostraram em 1974-1975 que são mais capazes de cuidar dos seus interesses do que os banqueiros, os doutores, os tecnocratas ou os generais.
E essas alternativas já as conhecemos a todas.
Precisamos é de pôr em prática a nossa, a do povo.
E essa começa, na situação actual, por tomar em mãos a continuação da luta. Fazer ouvir a voz dos trabalhadores e não esperar que outros falem por eles. Construir a unidade na base e nas organizações operárias e populares, não ficando dependentes de negociações partidárias nem da acção parlamentar.
O Governo dirá que isso não é democrático, pela simples razão de que dentro do Parlamento faz o que lhe apetece e fora do Parlamento perde a maioria e perde o pé. Mais uma razão para lhe não darmos ouvidos.
À fome e à repressão os trabalhadores responderão com greves e manifestações, com uma nova greve geral. Exigindo melhores salários, o fim dos contratos a prazo e dos despedimentos, o congelamento dos preços e o fim do pacote laboral e da repressão nas empresas.
Mas a exploração da classe operária acentuar-se-á e o seu nível de vida degradar-se-á sempre, enquanto a política for determinada pelos interesses do capital. Per isso, a sua luta deve ser sempre perspectivada no sentido de impor a sua política própria.
Os camponeses devem pôr em acção a sua enorme força revolucionária e lutar, lado a lado, com os operários pelo pão, pela educação e pela saúde, e não confiar mais nos caciques, nem nos senhores, antes devem levantar-se contra eles e contra o seu governo, impondo condições justas que acabem com a miséria e a submissão de quem trabalha a terra.
Assim, todos os trabalhadores, as mulheres, os jovens e os reformados, encontrar-se-ão numa unidade de ferro, porque alicerçada na defesa de interesses comuns, e saberão impor, pela sua luta dura e firme, um governo de unidade popular, esse sim reatando os caminhos do 25 de Abril.
Então o bem-estar será possível porque a terra será de quem a trabalha, a produção planificada, controlada e dirigida pelas organizações dos trabalhadores, com os técnicos e intelectuais progressistas dando o seu valioso contributo. Produzir-se-á para satisfazer as necessidades do povo e não a sede de lucro dos capitalistas.
O povo controlará a economia e pô-la-á ao seu serviço por forma a garantir a alimentação, a saúde, a educação, a habitação e o emprego para todos, pois só aos exploradores interessa fazer lucros à custa das necessidades do povo.
A liberdade para o povo será garantida pela sua própria organização e pela repressão dos fascistas.
Hoje assistimos exactamente ao contrário: reprime-se o povo, prendem-se os antifascistas, como Isabel do Carmo e Carlos Antunes, enquanto os pides e os bombistas andam à solta e os fascistas se organizam impunemente.
A independência nacional será garantida pondo fim à nossa dependência dos estrangeiros; democratizando as forças armadas e pondo-as sob controle do' povo; saindo da NATO e acabando com a ocupação das nossas bases pelas tropas americanas e alemãs; impedindo a instalação ou a permanência das armas nucleares no nosso território, a fim de contribuirmos para garantir a paz; explorando racionalmente as nossas riquezas naturais; não entrando para a CEE, onde o desemprego alastra de forma devastadora, o que apenas favoreceria as multinacionais

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europeias e os grandes capitalistas nacionais, nem aceitando negociar com o FMI, que apenas pretende pôr a nossa economia e a nossa política ao serviço dos grandes interesses financeiros dos Estados Unidos da América.
Teremos as melhores relações com os povos do Mundo, económicas e culturais, dentro do maior respeito mútuo e da reciprocidade de interesses.
Daqui saudamos as heróicas lutas dos povos oprimidos .pelo racismo, pelo imperialismo, pelo colonialismo e pelo fascismo. Muito especialmente saudamos o povo irmão de Timor Leste, vítima de um brutal genocídio perpetrado pelo fascismo indonésio, perante a criminosa indiferença, até agora, do Estado Português.
Enquanto o povo Mautoere não alcançar a sua liberdade, o 25 de Abril estará manchado.
Impondo um governo de unidade popular, a cultura do nosso povo, sintoma vigoroso da sua vitalidade, reflexo da sua história, da sua vida e da sua luta secular contra a opressão e a exploração, pela liberdade e pela felicidade, desenvolver-se-á sem entraves rumo ao futuro. São estas as promessas de Abril. São estes os caminhos de Abril. É este o sentido de comemorar Abril.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do MDP/CDE, Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Conselheiros da Revolução, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Deputados, Senhoras e Senhores: Comemora-se hoje mais uni aniversário da festa, da esperança e da libertação.
A festa acabou há muito.
A esperança, essa, renova-se cada dia e, apesar dos acidentes de percurso, vai dando vida aos cravos, que dentro de nós teimam em não murchar.
E neste tempo de Abril renovado convém reflectir sobre o seu mais essencial e mais dinâmico valor - a libertação: algo mais que a vaga liberdade, vector entre a luz, que contém, e as trevas, que se opõem e nos tentam impor, ela só capaz de fazer mover as nossas azenhas.
Com o desaparecimento da opressão fascista, o 25 de Abril trouxe-nos novas formas de relacionamento entre as pessoas, agora libertas dos esbirros e das censuras várias, pensando e agindo apenas e só em conformidade com a sua consciência, construindo com mãos limpas de medo o futuro próprio e colectivo.
Porque a todos passou a ser reconhecido o direito de dizer a sua palavra, as populações começaram a participar na resolução concreta dos problemas colectivos, em todas as estruturas do poder autárquico, nos sindicatos, nas colectividades e nas mais diversas formas de organização, enfim dando vida e pulsação ao corpo da comunidade.
A imaginação, liberta, enfim, das peias que a espartilhavam, explodiu numa criatividade fecunda no campo social, político e cultural, o que constituiu o verdadeiro cerne da Revolução de Abril.
O direito à alegria instalou-se simultaneamente com o dever da vigilância democrática.
Foi então possível iniciar o longo caminho da libertação do povo português, as transformações económicas e sociais necessárias, a justiça social, a democracia, o exercício efectivo das liberdades, e, com a participação popular, abrir o caminho da construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
E hoje, passados que são 8 anos, podemos aperceber-nos do que seria e:te país se o 25 de Abril não tivesse ocorrido, como e quando ocorreu: os milhares de mortos que se teriam somado aos que houve nas guerras coloniais, as centenas de democratas que teriam entrado nas prisões políticas, a miséria e a fome que afligiriam o povo português, o caudal da emigração, a paz podre di> cemitério vivencial que éramos.
Daí que nenhum democrata consinta que os velhos abutres regressem para implantar o seu reino.

Aplausos do MDP/CDE, do PCP, da UEDS e de alguns deputados do PS.

No entanto, a situação actual é deveras preocupante.
A suspeição instalou-se nos próprios lugares de trabalho, levando à desconfiança diária; a intriga política avoluma-se e sai dos corredores do Poder para u praça pública; deteriora-se o convívio entre as pessoas e degrada-se, dia a dia, a vivência democrática, aqui mesmo nesta Câmara; nalgumas camadas da população começa a insinuar-se certo desencanto por algumas instituições democráticas, mercê do comportamento das forças actualmente no Poder.

Vozes do 'PS: - Muito bem!

O Orador: - O custo de vida começa a tornar-se insuportável mesmo para as camadas médias da população, para as quais o crédito é impraticável, a inflação sobe em flecha e a dívida externa tomou uma tal dimensão que é já uma grave hipoteca sobre o futuro do nosso país.
O direito ao serviço nacional de saúde geral e gratuito não passa de um conceito constitucional sem qualquer conteúdo, ou melhor, com conteúdo contrário, através das taxas ditas «moderadoras», do incentivo à medicina privada, do duplo agravamento dos medicamentos.
O direito à habitação foi sendo, sucessivamente, contrariado pela legislação avulsa antiarrendatário, o desapoio e subalternização das cooperativas de habitação, as subidas incomportáveis das taxas de juro e a inexistência de política de solos.
O desemprego atinge níveis nunca alcançados e o primeiro emprego é hoje uma miragem, lançando a juventude numa inactividade forçada, geradora de todas as possíveis degradações. Os contratos a prazo, que de excepção passaram a regra no mundo laboral, lançam os trabalhadores na incerteza do emprego e do pão, que mingua e custa cada vez mais caro.
A corrupção, o nepotismo e o compadrio estão hoje erigidos em sistema e corroem o aparelho de Estado, com especial incidência nas suas cúpulas.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - Os contravalores culturais e morais são acolhidos como dogmas, numa clara inversão, que

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apenas acentua a intolerância e o obscurantismo crescentes que tentam voltar a impor-se neste país de Abril, num nítido retorno ao passado de tradição ultramontana.
Na verdade, quando uma vereadora do pelouro da cultura de uma câmara de uma cidade nortenha se recusa a promover nas escolas do concelho espectáculos de Gil Vicente, por entender que este autor é comunista, ou quando um secretário de Estado da Cultura se recusa a comemorar oficialmente o 4.º Centenário de Camões - porventura pelas mesmas razões -, isto é obscurantismo e sectarismo primário.

Aplausos do M DP/C DE. do PCP e da UEDS.

Mas a intolerância revela-se ainda no dia a dia democrático, na incapacidade de diálogo do Poder entre os seus órgãos e deste com os cidadãos, designadamente os trabalhadores.
Daí as greves justas de quase 60 % dos trabalhadores por conta de outrem, reveladoras da intransigência do Poder e da sua incapacidade em concertar os parceiros sociais.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - Na área da educação, desde as associações de .pais até aos vários sindicatos de professores, todos se sentem submersos e Em suma, os contravalores de Abril tentam instalar-se.
E é neste contexto preocupante que se procede a um acontecimento político central para o nosso viver em sociedade: a revisão constitucional.
A Constituição de 1976 foi a tábua em que se planearam os direitos, liberdades e garantias individuais, sociais e económicos conquistados por um povo na sua revolução.
Por isso, pouco depois da sua promulgação, aqueles que lutaram e lutam contra ela começaram a exigir a sua revisão. Tornada impossível a via referendária - pela vitória da liberdade e da tolerância -, é tentada a negociação despudorada e desesperada para repor o falso neutralismo económico e a assépcia social no nosso texto fundamental.
Há um ano que se desenrola nesta Câmara o processo da revisão, que, como se- sabe, começou com a apresentação dos quatro projectos da AD, FRS, PCP e MDP/CDE, depois remetidos a uma comissão eventual, cujos arrastados trabalhos, numa caminhada oscilante, estão hoje em fase final.
É sabido que o projecto do MDP/CDE parte do princípio de que a Constituição continua ainda hoje a corresponder, quer quanto à estrutura, quer quanto ao conteúdo, aos interesses do povo português.
Admitiu o MDP/CDE que no seu projecto se substituísse o Conselho da Revolução. Ponto é que tal substituição não vá mexer no actual sistema do equilíbrio de poderes entre os vários órgãos de soberania, isto é, que a distribuição dos poderes que hoje detém o Conselho da Revolução se faça equitativamente entre os restantes órgãos de soberania directamente eleitos pelo povo, de molde a que a estrutura do poder político se mantenha equilibrada.
Ora para além de outras questões de menor relevância, não nos parece que o consenso maioritário a que se veio chegando em sede da Comissão mantenha o referido equilíbrio, para além das três questões essenciais ainda em aberto: u da dupla responsabilidade do Governo, a do enquadramento institucional das forças armadas e a da composição do Tribunal Constitucional.
Quanto à primeira, é óbvio que a sua manutenção é pressuposto sine qua nos do próprio regime semi-presidencialista, indubitavelmente consagrado na nossa Constituição. Derrogá-lo seria derrogar o próprio tipo de regime em que temos vivido e regressar ao puro parlamentarismo da monarquia constitucional e da l República, cujos malefícios foram escalpelizadas sempre pela nossa melhor inteligência, desde Herculano e Antero a Ramalho e Eça de Queiroz até Teixeira Gomes e António Sérgio.
Quanto ao enquadramento institucional das forças armadas, entendidas na especialidade do contexto histórico e no compromisso com o regime democrático que assumiram em 25 de Abril de 1974, continuamos a considerar que soluções que apontem no sentido da sua dependência predominante do Governo levariam, inevitavelmente, à sua participação, o que, no quadro da actual estrutura do poder político, e altamente preocupante para o futuro do regime democrático.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - A composição do Tribunal Constitucional dependerá, em última instância, o respeito ou o esvaziamento da Constituição. Por isso, e porque esta é a Constituição de Abril, ele deve ser composto por cidadãos que tenham dado inequívocas garantias de identificação com o regime democrático.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - E porque falo deste tema, e porque se vier a concretizar-se a revisão constitucional brevemente, será esta, porventura, a última vez que teremos aqui, enquanto tais, os Srs. Conselheiros da Revolução, não queria o MDP/CDE deixar de assinalar o quanto foi decisivo para o País e para a manutenção da democracia e do espírito do 25 de Abril o papel do Conselho da Revolução, enquanto garante da constitucionalidade das leis.

Aplausos do MDP/C DE, do PS, do PCP, da ASDI e da UEDS.

E, se VV. Ex.as, Srs. Conselheiros, tiveram, por vezes, actuações que não mereceram o nosso acordo, o saldo da vossa acção é altamente positivo, mormente nas questões fundamentais.
Por isso, e pela dignidade que tem imprimido as vossas decisões, merecem o nosso respeito, a nossa consideração e a nossa solidariedade política.

Aplausos do M DP/C DE, do PS, do PCP, da ASDI e da UEDS.

Sr. Presidente, dei conta até agora de algumas preocupações que ao MDP/CDE merece a actual situação política, social, económica e cultural do País.

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Sabemos, porém, que neste campo não estamos sós e que por vezes falsas cargas ideológicas, antepondo-se a uma visão concreta dos problemas, ou impossibilitam mesmo o encontrar das soluções mais eficazes.
Porém, em vários sectores desta Câmara há democratas que se encontram apreensivos com a marcha da democracia e que reconhecem a existência de perigos que ameaçam as instituições democráticas.
Não é fácil, porém, encontrar no plano político soluções que concretizem os desejos maioritários dos democratas desta Câmara e de fora dela.
No entanto, a própria agudização das condições vai propiciando a convergência.
Verifica-se, por isso, abrirem cada vez mais perspectivas favoráveis a que democratas com diversos posicionamentos políticos e ideológicos consigam encontrar os planos de consenso indispensáveis para enfrentar os graves problemas do País e alcançar o imprescindível empenhamento dos Portugueses no esforço de recuperação económica que se impõe, fortalecendo as instituições democráticas, num espírito de tolerância e clareza de propósitos.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - Comemorar Abril é manter intacta a capacidade de sonhar, mas é também perguntarmo-nos com o poeta:
Quem construiu a Tebas das sete portas?
Nos livros estão os nomes de reis.
Foram os reis que arrastaram os blocos de pedra?

Nas praças, ruas e aldeias deste país o povo saúda Abril, porque Abril é o povo.
A convergência de quantos comungam no espírito de Abril será possível e autêntica se tiver o povo como sustentáculo e os seus interesses como objectivo.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PCP e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante da UEDS, Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Conselheiros da Revolução, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: 25 de Abril de 1974.
Oito anos volvidos, quantas vezes não teremos colocado a nós próprios a mesma pergunta: que é feito das esperanças de Abril? Qual é afinal a realidade que Abril nos trouxe?
Perante uma situação de crise: crise política, crise económica e crise social, não são infelizmente poucos os que, ou porque nunca acreditaram em Abril, ou porque dele esperaram milagres que a transformação social não comporta, esquecidos ou ignorantes de que essa transformação é um longo processo de empenhamento colectivo, feito de avanços e recuos, confundem o seu cepticismo e a sua vontade de deserção com a vontade colectiva, como ontem confundiram a impaciência do seu vanguardismo com essa mesma vontade colectiva.
Para uns, para aqueles que nunca o quiseram, há na invocação repetida dos insucessos de Abril o desejo de ver desfeito um pesadelo incómodo; para outros, a procura de álibis que justifiquem um retorno, mais ou menos tranquilo, ao tempo de ontem, à vida vivida para dentro de círculos estreitos, à teia dos conformismos cúmplices, entretecida pela teorização dos seus próprios desencantos.
Houve erros? Multiplicam-se as dificuldades?
A democracia não é o «abre-te, Sésamo» de uma vida instantaneamente transformada.
Oito anos depois da revolução perfilavam-se por detrás do Poder os que foram poder antes da revolução?
É uma verdade de sabor amargo. Só que o Poder já não é o mesmo, o País é outro, nada é igual ao que foi.
Há conquistas que o 25 de Abril nos trouxe e que, integradas no quotidiano de um povo, só quando pela força se espezinhe a vontade desse povo podem ser, e mesmo assim passageiramente, destruídas.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Muito bem!

O Orador: - Olhemos este país que é o nosso, estes homens e estas mulheres que lutam por uma vida melhor e mais digna e esqueçamos, por momentos, o muro das lamentações político-intelectuais em que tantas vezes deixamos que esbarre a nossa atenção.
Que fazem eles quando voltam para casa após um dia de trabalho? O que discutem? O que pensam? O que sonham?
Ficam todos a rever-se com delícia ou indiferença na televisão do Sr. Proença de Carvalho. Encasulam-se na discussão dos seus próprios problemas pessoais? intoxicam-se com os sedativos das receitas médicas seladas a 25$ a peça?
Talvez alguns, aqueles excessivamente acabrunhados pelas dificuldades do dia-a-dia, mas nem todos.
Senão, como teriam florescido e como poderiam viver tantos e tantos milhares de actividades colectivas que se multiplicam por esse país fora?
Senão, como haveria escolas de música que surgiram do nada para as crianças das aldeias, criadas e animadas, quantas vezes, por homens que de música nem uma nota sabiam?
Senão, de que vontade seriam feitos os grupos de animação cultural que vão nascendo e renascendo, sem outro apoio que não seja o entusiasmo dos que neles se empenham? Como seria possível a redes-coberta de um património cultural enterrado ao longo de decénios no conformismo do folclore asséptico para consumo da Emissora Nacional e manipulado com um provincianismo tolo na exaltação das «virtudes da raça».
Como se constituiriam, quase sem incentivos, com meios limitadíssimos, os grupos desportivos que enquadram os- atletas de domingo?
Como seria possível a persistência teimosa, contra ventos e marés, das experiências autogestionárias e cooperativas?
Como seria possível a resistência dos trabalhadores rurais do Alentejo e do Ribatejo, o empenhamento de tantos milhares de militantes políticos e sindicais?
Para além dos erros, dos insucessos, do que se quis e não se alcançou, é esse também o país real; são

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essas, muitas vezes, as formas de expressão de um povo que traduzem afinal a liberdade reencontrada, a dignidade que quotidianamente se assume e concretiza na procura colectiva e participada de um futuro comum; são essas, muitas vezes, as expressões mais autênticas e indeléveis da presença de Abril e do que Abril significou.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Orador - Mas, Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, se procuramos não esquecer o país real, se procuramos olhar para além das paredes deste hemiciclo e das frustrações de uma classe política - tantas vezes divorciada desse mesmo país real -, se não ignoramos o que são as afirmações quotidianas da presença e da vitalidade do 25 de Abril, e por isso mesmo recusamos o coro dos que, com persistência e aplicação, todos os dias tentam entoar o seu de profundis, não levamos o nosso voluntarismo ou a nossa ingenuidade ao ponto de esquecermos as ameaças que sobre ele pesam, nem julgamos útil esconder, numa idílica homenagem ao 25 de Abril, como essas ameaças se amontoam por detrás da degradação a que um governo incompetente e divorciado dos interesses da grande maioria tem conduzido as condições de vida do povo português.
Degradação bem patente no agravamento da situação económica que, muito para além da linguagem Iria das estatísticas, que apenas perturba os iniciados, se faz duramente sentir no dia-a-dia de centenas de milhares de assalariados que a inflação não poupa, na crise sem precedentes da nossa agricultura e no abandono a que são votados os que nela trabalham, nos riscos permanentes de falência que espreitam os pequenos e médios comerciantes e industriais.
Degradação bem patente também num quadro social em que todos os dias aumenta o número de desempregados, em que cresce o exército dos que procuram um primeiro trabalho ou buscam sem sucesso uma habitação, em que a assistência média se vai tornando cada vez mais, de novo um privilégio, em que a desorganização e o improviso campeiam na educação e no ensino, em que -e a lista podia, lamentavelmente, alongar-se - a comunicação social estatizada se transforma não apenas em instrumento de manipulação política imediata, mas, bem mais perigosamente, no suporte de um processo de embrutecimento colectivo.
Degradação que atinge directamente as próprias instituições pela imagem que delas vai dando um Governo sem direcção, sem vontade e sem rumo e uma maioria parlamentar que por ele deixou de terçar armas e o vai apenas suportando sem entusiasmo nem convicção ...

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: -... um governo que, pelo seu comportamento, se tornou cúmplice da propaganda que insidiosamente se desenvolve contra a instituição parlamentar e que será -extinto o Conselho da Revolução- o alvo preferencial das forcas reaccionárias e antidemocráticas; uma maioria que aceitou desde início, tentar transformar esta Câmara numa simples câmara de registo das decisões governamentais.

Vozes: do PSD e do PPM:- É falso!

O Orador: - Degradação económica, degradação política, degradação social que são o esteio de uma campanha de descrédito das instituições, que, cedo ou tarde, talvez mais cedo do que tarde, quando não se arrepie caminho, encontrará porventura terreno fértil no descontentamento legítimo dos que não encontram resposta para os problemas com que se debatem.
Campanha que pretende transformar, em balanço do 25 de Abril, o balanço de três anos de governação AD; campanha que a direita compreensivelmente estimula e orquestra e de que, já menos compreensivelmente, certos sectores da esquerda se fazem eco.
Mas o balanço do 25 de Abril não pode confundir--se com o balanço de três anos de governação AD e se a presença da AD no Poder, porque resultado de uma maioria parlamentar que o voto legitimou, é o preço da democracia, essa presença não se confunde com a democracia, porque esta é também, é sobretudo o direito de colectiva e livremente dizermos basta!
As nuvens avolumam-se no horizonte político e económico do País, mercê não apenas da ineficácia e da incapacidade da maioria parlamentar e do Governo, que são reais, mas, mais do que isso, das próprias opções políticas de fundo dessa maioria e desse governo.
Não se pode consentir que o aviltamento acelerado da situação, o fechar de perspectivas, o desespero dos amanhãs cinzentos sirvam de pretexto às soluções autoritárias ou nos arrastem para a procura das soluções providenciais.
A distância imensa que separa a realidade que hoje nos cerca das promessas que o voto sufragou não é apenas bastante para legitimar o recurso ao veredicto popular, faz dele o único juiz perante uma crise em que é o próprio futuro da democracia que está em jogo.
E que se não diga que não há alternativa!
Afirmá-lo seria afinal negar o próprio 25 de Abril.
A sua construção é difícil?
Admiti-lo é uma simples questão de bom senso. Mas, dificuldade e impossibilidade não são sinónimos. Aceitar que o fossem seria demitirmo-nos das nossas próprias responsabilidades.
Os que se reconhecem nos valores que hoje são postos em causa por um governo que, quando os não nega, os compromete saberão entender-se na defesa desses valores e na construção de uma alternativa que seja a expressão verdadeira do que a identificação popular com o 25 de Abril significou: o desejo de um povo de mudar de política para por suas próprias mãos mudar de vida.
O nosso empenhamento na construção dessa alternativa será afinal a medida da nossa fidelidade ao 25 de Abril e a única homenagem autêntica aos que o fizeram, e a todos quantos, porque nunca desertaram o combate pela liberdade, o tornaram possível.

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (ASDI):- Sr. Presidente e Srs. Deputados, Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Membros do Governo, Srs. Juízes, Srs. Presidentes das Assembleias e dos Governos Regionais, Srs. Titulares de outros Órgãos Constitucionais, Senhoras e Senhores: Reunimo-nos, de novo, para festejar o 25 de Abril. E para recordar a alegria e as emoções das ruas e das almas: a libertação dos presos políticos e o regresso dos exilados; a extinção da censura e da polícia política; a livre formação de partidos e sindicatos; a restituição das demais liberdades cívicas e laborais; o fim das guerras.
Celebramos o 25 de Abril de 1974 e celebramos, ao mesmo tempo, o 25 de Abril de 1975 e o 25 de Abril de 1976 - porque não podemos separar nenhuma destas datas. Celebramos a Revolução e celebramos a eleição da Assembleia Constituinte e a entrada em vigor da Constituição - porque a Revolução só adquiriu legitimidade quando devolveu a soberania ao povo pelo voto e quando se acolheu à expressão da vontade do povo na Constituição.

Vozes da ASDI, do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Homenageamos o Movimento das Forças Armadas e homenageamos todos os homens e mulheres que, ao longo de décadas, não cederam à ditadura, soberam resistir, souberam trazer a esperança- tantos e tantos, entre os quais quereríamos hoje salientar as duas figuras ímpares do general Sarmento Pimentel e do Bispo D. António Ferreira Gomes.

Aplausos da ASDI, do PS, do PSD, do Sr. Deputado Sanches Osório (CDS), da UEDS e do PPM.

Daqui saudamos os militares de 25 de Abril de 1974, sem excepção.

Aplausos da ASDI, PS e UEDS.

Fixamo-nos, fixamo-los nesse dia e, independentemente de tudo quanto foram e fizeram antes ou depois, lhes manifestamos o nosso reconhecimento e a nossa solidariedade.
Saudamos, porém, em especial os militares de Abril que cumpriram o Programa do MFA, os militares de Abril que asseguraram que as instituições se tornassem - como se dizia no Programa - «pela via democrática indiscutidas representantes do Povo Português», os militares de Abril que em 25 de Novembro foram fiéis à democracia pluralista ...

Aplausos da ASDI, do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e do PPM.

... os militares de Abril que, tendo tido todo o poder, o não quiseram para si e o entregaram aos cidadãos e aos eleitos dos cidadãos.
Uma palavra de justiça é devida aos conselheiros da Revolução, os quais, decerto pela última vez, nessa qualidade comparecem nesta Assembleia, agora que se aproxima o termo das suas funções.
Par nós, que sempre sublinhámos o carácter excepcional e transitório do órgão e que sempre adaptámos uma postura independente a seu respeito, sentimo-nos à vontade para afirmar que o Conselho da Revolução esteve à altura da sua missão. Se divergimos de intervenções públicas de conselheiros, não esquecemos as provocações, as calúnias e os ataques de que foram alvo.

Aplausos da ASDI, do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.

Se divergimos de algumas das suas deliberações, não deixamos: de considerar prudente, discreta, globalmente positiva a maneira como velaram pela garantia da Constituição e pela inserção das forças armadas no Estado democrático.

Vozes da ASDI: -Muito bem!

O Orador: - Os conselheiros da Revolução podem e devem sair de cabeça erguida, com honra e com mérito.

Aplausos da ASDI, do PS, do MDP/CDE e da UEDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Programa do MFA foi um compromisso que se consubstanciou noutro compromisso, a Constituição da República.
A Constituição foi e é um compromisso, num duplo sentido: no de consagração de ideias e propostas vindas de vários quadrantes, correspondentes aos partidos representados na Assembleia Constituinte e a diferentes correntes de- opinião e forças sociais; e no sentido de vinculação recíproca desses partidos a acatarem as normas constitucionais, designadamente as que regem a sua própria revisão.
Foi e é um compromisso político e jurídico e um compromisso ético, base de uma convivência pacífica e ordenada. Além disso, eleita a Assembleia Constituinte por mais de 90 % dos eleitores inscritos e aprovada a Constituição por mais de 90 % dos deputados, foi e é um compromisso eminentemente democrático - na origem e no modelo de organização do poder político, com respeito dos direitos, liberdades e garantias, pluralismo, sufrágio universal, separação e interdependência de órgãos de soberania, descentralização.
Por coerência - para nós o maior valor em política - não poderíamos, por conseguinte, abdicar de lutar pela Constituição e, mais do que pela Constituição, pela constitucionalidade; de recusar pretensas revisões antecipadas ou plebiscitarias (que seriam rupturas institucionais e aventuras de consequências imprevisíveis)...

Vozes da ASDI, do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - ... e de reivindicar para o Parlamento, na observância dos princípios constitucionais fundamentais, o exclusivo das decisões de revisão.
Por coerência e porque nunca advogámos uma democracia absoluta, um poder do povo sem limites ou um poder sem limites de quem falasse em nome do povo. Quisemos e queremos, sim, implantar um Estado de direito democrático, assente em regras precisas e estáveis e em valores de segurança e liberdade a que fica sujeito o próprio povo.

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De resto, a revisão em curso aí está a demonstrar como o realizar-se nos exactos termos de Constituição não só era e é necessário enquanto elemento de institucionalização da vida pública no nosso país como ainda possível enquanto processo de discussão democrática. A revisão em curso aí está a demonstrar como era e é possível fazer participar todos os partidos parlamentares numa obra comum, como era e é possível os deputados reunirem-se durante meses e meses em espírito de diálogo, como era e é possível confrontarem esquemas não raro antagónicos e chegarem a soluções de consenso.
Nós, sociais-democratas independentes, congratulamo-nos com este facto. E tanto mais quanto fomos nós que, em 23 de Abril do ano passado, desencadeámos o processo de revisão, apresentando o primeiro projecto. Congratulamo-nos ainda porque, na medida das nossas possibilidades, nos temos empenhado ria revisão e concordamos, no essencial, com os resultados que se tem obtido quanto a aperfeiçoamento e actualização de preceitos, desconfessionalizacão ideológica, direitos fundamentais dos cidadãos e dos trabalhadores, clarificação do sistema de economia mista e concorrencial de sectores público, privado e cooperativo, substituição do Conselho da Revolução por novos órgãos e com redistribuição equilibrada de competências.
Nem tudo está feito, restam alguns problemas por resolver. De qualquer sorte, muito em breve abrir-se-ão no Plenário os debates. E desejamos que sejam debates de nível elevado, com transparência e lealdade. Assim como esperamos que, depois, a revisão seja assumida responsavelmente pelos partidos, pelas instituições constitucionais, pelos cidadãos.
A revisão constitucional de 1982 tem de ser um novo compromisso jurídico, político e ético para consolidação da democracia portuguesa e canalização das energias nacionais para os grandes desafios da nossa época.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É num ambiente misto e talvez contraditório de preocupação e de confiança que comemoramos o 25 de Abril.
Preocupação diante dos problemas de ensino, de saúde, de habitação e de transportes; diante do desemprego e da inflação; diante dos bloqueios à juventude e à criação cultural; diante das múltiplas formas de corrupção e de economia paralela. Preocupação e frustração em face das deficiências dos mecanismos parlamentares e partidários; em face do anquilosamento e a hipertrofia da Administração Pública; em face dos erros da regionalização; em face da não reconversão do sistema produtivo; em face das dificuldades da adesão à CEE; em face da passividade perante a ocupação de Timor. Principalmente, inquietação, em face da crise económica, à qual, por certo, não vão dar resposta adequada as recentes medidas do Governo.
Com estas medidas (tomadas, infelizmente, à margem do Parlamento), sacrifícios mais duros vão acrescer àqueles que os Portugueses já têm de suportar. E tudo indica que são puras medidas conjunturais, que nada irão resolver a curto prazo e que não travarão o constante empobrecimento de vastas camadas sociais.
Falta-lhes um claro objectivo mobilizador e convenientemente articulado dos interesses diversificados de trabalhadores, investidores e empresários; falta-lhes autenticidade e perspectiva de justiça social.
Não seremos nós, todavia, a criticar sem preconizar a formulação de alternativas concretas e rigorosas. Pois não hasta apontar as incapacidades de sucessivos governos; é necessário ter a coragem de dizer a verdade ao País e do País; e é necessário cada vez mais chamar os Portugueses ao trabalho, ao trabalho competente e organizado, afastando do nosso horizonte o recurso aos mitos sebastianistas ou ao providencialismo de Estado.

Aplausos da ASDI, do PS, do PSD, do CDS, da UEDS e do PPM.

Ao mesmo tempo. Senhoras e Senhores, há fortes motivos de confiança, mais fortes do que os problemas, as angústias e os riscos que lemos de enfrentar.
Provámos, nas mais complexas vicissitudes, que éramos capazes de viver em regime democrático -e não apenas democracia política mas também económica, social e cultural, e não apenas a nível de Estado mas também a nível local. Os Açores e a Madeira tornaram-se regiões autónomas e começaram a corrigir-se as distorções da insularidade (malgrado os lamentáveis egoísmos neocentralistas que subsistem). As forças armadas estão disciplinadas. Integraram-se centenas de milhares de refugiados. Estabeleceu-se um novo relacionamento, como povos soberanos, com os povos africanos de expressão portuguesa (bem evidenciado nas viagens do Presidente Ramalho Eanes). Temos liberdade e tranquilidade pública, reduziram-se as intolerâncias, atenuaram-se desigualdades, repararam-se injustiças pré e pós-revolucionárias.
Antes do 25 de Abril éramos um país com três guerras, agora estamos em paz. Estávamos isolados, agora estamos presentes em toda a parte. Éramos um país amordaçado e parecíamos um povo apático, agora somos conviventes e participativos.
Sr. Presidente da República, Srs. Deputados, Senhoras, Senhores: O 25 de Abril não foi o início da história de Portugal. Foi um recomeço de dignidade cívica e de transformação colectiva.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Orador: -À medida que os anos correm, vamos tomando consciência das suas glórias e das suas limitações, dos traumas que se superaram e dos que se criaram, dos desvios que não puderam ser evitados e dos que foram vencidos, das oportunidades ganhas e das perdidas, das ameaças que se perfilam e das mudanças que são irreversíveis.
Tirando as lições de tudo isso e com o espírito sereno que o tempo propicia, com o exemplo da nossa reconciliação com os povos africanos, com a firme generosidade das convicções democráticas, procuremos sobretudo avançar no caminho da reconciliação entre os Portugueses.
O 25 de Abril é o 'dia da liberdade. Façamos dele também o dia da fraternidade, façamos de toda a nossa terra a terra da fraternidade.
Somente a fraternidade garante a liberdade. E é na liberdade que havemos de prosseguir Portugal.

Aplausos da ASDI, do PS, do PSD, do CDS da UEDS e do PPM.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira do Amaral.

O Sr. Ferreira do Amaral (PPM): - Sr. Presidente da República, Srs. Membros dos Órgãos de Soberania, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Manhas Senhoras e Meus Senhores: A data de 25 de 1974, que hoje comemoramos aduzindo alguma reflexão à cerimónia que, sem ela, tenderia a resvalar para mero ritual propiciatório, tem sido, apesar de tudo, sinal de contradição.
Entre os que aderem, do coração - e são francamente maioritários -, e os que desejariam não aderir mas acham prudente fazê-lo, ou que, rabujemos, discordam e suspiram pelo passado, ou tendem para a indiferença, atitudes divergentes se pressentem ainda entre os Portugueses.

as importa começar por afirmar, contra todos os que não festejam sinceramente o 25 de Abril, três asserções.
Primeiro, que ele permitiu pôr termo a uma situação aberrante, injusta e insustentável.
Depois, que não há regime possível para um povo, como o nosso, que já conhece o que é ser livre, senão a democracia.

Vozes do PPM, do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, que o 25 de Abril conteve e mantém em si todas as virtualidades para permitir a realização do bem comum dos Portugueses.

Vozes do PPM, , do PSD, do CDS e da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - Acerca da primeira daquelas afirmações vale a pena sublinhar que p primeiro e mais significativo sucesso do 25 de Abril foi o de derrubar uma ditadura. O salazarismo, em qualquer das suas edições, deve dizer-se com toda a frieza e sem desperdício de oratórias acaloradas, terminou e - esperemos- para nunca mais!

Aplausos do PPM, do PSD, do PS, de deputados do CDS, da UEDS e do PPM.

Era uma situação deliberadamente abnorme.
Não apenas em função dos princípios éticos ou da coerência lógica. Era uma anomalia encravada na nossa história.
Ao contrário do que pretendia inculcar-nos a pseudo-cultura oficial, a tradição portuguesa tendia para o desenvolvimento da liberdade e das instituições democráticas. A ditadura, sim, é que era espúria.
Portugal tinha um passado já longo na demanda e na prática da liberdade, tal como ela é entendida na idade contemporânea.
Raízes mais remotas o prenunciavam. Indícios antigos e curiosos o atestam, como os que ocorriam durante a I Dinastia, quando os forais avançavam e quando a liberdade era termo conotado com a afirmação de Pátria independente («Nós somos livres e o nosso Rei é livre»); ou como no início da II Dinastia, quando a força dos mesteres organizados e a própria arraia miúda participavam decisivamente de um poder então fechado em quase todo o mundo; ou como na Restauração, em 1640, em que os teóricos da coisa pública alicerçavam na soberania popular o fundamento da legitimidade; ou mesmo na própria forma moderada como as modas absolutistas nos atingiram, salvo a excepção pombalina.
Há que lembrar, porém, que depois de 1820, gerações sucessivas dos nossos maiores fizeram dos direitos do homem uma fronteira intransponível a inserir na estruturação e no funcionamento da comunidade política. Com mais ou menos êxitos, através de vicissitudes difíceis, progredindo ou regredindo por vezes, neste caminho árduo e semeado de escolhos. Portugal aderiu à liberdade em consonância com a vanguarda do mundo e antes de muitas democracias hoje consideradas exemplares.
E, quando o fez, marcou indelevelmente o seu devir histórico.
Não mais poderá dizer-se, depois da estabilização do constitucionalismo monárquico em meados do século passado, e depois do funcionamento, por muitas décadas, das instituições representativas, que a história de Portugal não incorporou, como autêntica componente essencial, o regime democrático e livre. O que foi feito para o contrariar é que significou algo de estranho, de anacrónico e de inautêntico.

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O salazarismo, nas suas 1.ª e 2.ª edições, foi, não apenas uma opressão para os portugueses que tiveram de sofrê-lo. Foi também um violento atentado contra a nossa própria história!

Vozes do PPM, do PSD, do PS e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sofremos, directa e indirectamente, as deletérias consequências deste quisto, que diminuiu os nossos direitos e impediu o desenvolvimento das nossas virtualidades. Nós, monárquicos, soubemo-lo, por dolorosa experiência. Quando a intolerância era a lei, e quando usar a liberdade se tornava sinónimo de subversão e crime, nada podíamos esperar da defesa dos nossos ideais. O 25 de Abril foi também para nós, como para todas as correntes doutrinais aqui representadas, a insubstituível abertura para submetermos à apreciação dos nossos compatriotas, à luz do dia, no confronto com outras, as ideias que nos são caras.
Só isso, qualquer que seja o passivo que deformadoramente queiram assacar à restituição da liberdade aos Portugueses, vale, na nossa óptica, mais do que tudo o resto.
Sem democracia, sem respeito pelos direitos dos cidadãos, sem a entrega séria ao povo da possibilidade de decidir pelo voto livre das opções que lhe dizem respeito, não há verdadeiramente 'regime, nem pode falar-se em política a sério. Haverá, sim, arbitrariedade, oligarquia, trapaça e, afinal, estabilidade impossível.

Aplausos do PPM, do PSD, do PS, do CDS, da UEDS e da ASDI.

É que as ditaduras são provisórias por natureza. O seu horizonte máximo cinge-se à duração da vida do ditador, ou à simples inércia das consciências por

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despertar. As ditaduras são precárias, ainda que fujam para a frente, para o belicismo - como aliás está na sua lógica. O definitivo está na normalidade democrática.
E esta foi a principal e mais notável mensagem do 25 de Abril.
Será, contudo, que nós temos usado ou podido usar essa mensagem em toda a extensão que ela comporta?
É evidente que não. Façamos, aliás, uma ligeira rememoração de diversos factos que marcaram ou influenciaram bastante os últimos 8 anos.
Como muito 'bem recordamos, desde cedo se desenhou, dentro do vastíssimo leque de entusiastas do 25 de Abril e da autêntica liberdade, a movimentação daqueles que, resvalando ,para a tentação totalitária, de sinal inverso, mas de idêntico conteúdo, manobravam tenebrosamente para negar o estatuto de emancipados que os Portugueses haviam recuperado.

Vozes do PPM, do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E, para o efeito, esses burlões arregimentados não mostravam pudor em usar de todos os meios. Estruturas aproveitadas da ditadura, oportunistas com o mesmo fato, apressadamente virado ao contrário, métodos iguais, coacção, censura, arbitrariedades, pseudovanguardas oligárquicas, foram mobilizados para conduzir Portugal, de novo, para a servidão.

Vozes do PPM, do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O povo, porém, resistiu com firmeza. Militantes anónimos e dirigentes políticos e militares empenharam toda a força moral das suas convicções para fazerem cumprir os indeclináveis ditames da liberdade. E foi possível travar a tracção para o abismo, para a qual os novos ditadores pretendiam conduzir-nos.
Uma travagem que espantou o mundo livre e que poucos paralelos encontra noutros países. Uma travagem que mostrou a personalidade, a serenidade e o senso de um povo que, antigamente, afirmavam impreparado para a democracia, e que os novos candidatos a ditadores julgavam fácil presa das suas ideias cediças, estioladas e anti-humanas.

Aplausos do PPM, do PSD, do PS, do CDS da UEDS e da ASDI.

Uma travagem que evidenciou como os Portugueses, desde os mais letrados aos menos favorecidos pela sorte e pela erudição, sabem bem, no essencial, descortinar onde estão os lobos disfarçados de cordeiros. E que nenhuma vontade item de abdicar do que faz já parte do seu património histórico - as instituições livres, na única forma em que são livres, isto é, à maneira do Ocidente.

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas dessa tentação negadora da plena liberdade ficaram sequelas.
Ficou um pacto MFA-partidos, que manteve sob tutela os canais mais autênticos de expressão das vontades divergentes e pluralistas, verdadeiro pecado original da nossa actual democracia, que o meu partido se orgulha de ter recusado assinar.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito bem!

O Orador: - Ficou uma Constituição eivada de dirigismo ideológico, positiva, sem dúvida, em muitos aspectos, mas híbrida no compromisso com a intolerância. Uma Constituição que nos afirma, por um lado, e bem, garantir o critério democrático do Poder e a sua alternância, e, pelo outro, impõe à força o socialismo, mesmo quando os socialistas estão na oposição.

Vezes do PPM e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma constituição que faz da regra da maioria o fundamento da opção, mas que por outro lado entrega à minoria a faculdade de discricionariamente decidir do modelo básico que enformará a nossa ordem jurídica.
Ficaram os escombros de um carnaval de esquerdismo comunista, feito de facilidades e de endividamento, que minou hábitos e estruturas económicas e deixou enfraquecidas as possibilidades de recuperarmos de desequilíbrios que a conjuntura externa agrava, e de atrasos que as novas gerações nos imputarão também.

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Todavia, nada indica que, apesar destas restrições e sacudidelas, o País e o regime se tenham tornado inviáveis. Muitos portugueses, aparentemente cépticos e impacientes, tendem às vezes a increpar os governantes em cada novo sintoma de crise, a generalizar depois a todos os políticos a imputação dos males que afligem a Nação, e a pôr em causa, até, a validade das instituições.
Não creio que estejam disso profundamente convictos, quando o fazem. Os Portugueses têm um senso criterioso, nada superficial nem simplista, que os tornam certeiros quando toca a apurar responsabilidades. Sabem, lá do fundo, que quando os hábitos de trabalho de todos e cada um dos governados se relaxam generalizadamente, não é do Estado que pode esperar-se salvação; sabem, quando pensam melhor, que quando se não produz riqueza não pode esperar-se que ela seja distribuída indefinidamente; não ignoram que uma economia como a nossa, atrasada e débil desde há muito, não é susceptível de milagres salvadores, quando as poderosas economias das nações mais desenvolvidas atravessam idênticos problemas e deparam com os mesmos bloqueios.
O que também sabem, porém -e isso deve motivar-nos especial meditação -, é pedir contas por aquilo que está ao nosso alcance fazer, e não fazemos. Se o sentido do voto que nos deram for por nós incumprido, seja por negligência, seja por qualquer outra razão sem fundamento, seremos então responsabilizados no íntimo dos Portugueses.
Ora a primeira exigência política que pressupusemos satisfazer, foi o funcionamento das instituições. Não devemos, pois, perder de vista que, .para além dos interesses contraditórios e divergentes que nos separam na vida política, estará a necessidade de evitar o desgaste das instituições, o desprestígio dos mecanismos de definição do Poder.

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E como julgar a pretensão daqueles que apelam para a dissolução da Assembleia e para eleições intercalares, antes do meio da legislatura e quando nesta existe aquilo que ó condição necessária e suficiente para que se não abra crise governamental - uma maioria estável e coerente, como tal definida pelo, e perante o, eleitorado?

Vozes do PPM, do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E como julgar aqueles que apostam na intriga ou na manobra baixa, para minarem a objectividade de uma situação cristalinamente resultante das regras constitucionais, para imprimirem ao devir político dinâmicas estranhas, subterrâneas e alheias à transparência exposta aos cidadãos?
E que pensar daqueles que enjeitam na prática o programa de actuação submetido ao veredicto das eleições e nelas afirmado e confirmado?
Como exigir dos eleitores que acreditem nos que elegem, se eles, consciente e voluntariamente, procurarem afastar-se desse verdadeiro pacto com a Nação que é o programa eleitoral?
Se há muito, portanto, que não cabe rias nossas possibilidades de políticos solucionar, há igualmente algo que poderemos fazer para aperfeiçoarmos a nossa actuação, seja em que partido multemos, no lado da maioria ou na oposição, qualquer que seja o órgão de soberania em cujas responsabilidades estejamos envolvidos.
E já agora, porque nos toca directamente à porta, permitam-me que me refira especificamente a esta Caia, eu, que estarei decerto entre os mais parlamentaristas de VV. Ex.as
Notemos bem que, quando importa incentivar a produtividade e intensificar os esforços por um labor profícuo, não podemos, nós, deputados, perder boa parte do precioso tempo que urge para a feitura de leis em querelas meramente processuais, às vezes emergentes de meras reacções emotivas ou de orgulhos pessoais malferidos...,

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - .. enrodilhadas em simples verbalismo, sem eficácia nem carga doutrinária. O que a sabedoria do eleitorado não deixará passar sem registo depreciativo será a esterilidade de um Parlamento que, discutindo, embora e necessariamente, com calor, não discuta ideias mas episódios, não produza leis e resoluções mas sim interrupções e adiamentos. Temos imperiosamente de garantir um maior padrão de eficiência aos nossos trabalhos, evitando que nos percamos em questões laterais, sem qualquer significado objectivo.
Esse é, para nós, um imperativo do momento. E o propósito de segui-lo será o mais válido contributo com que, na área das funções que nos cabem, celebraremos o 25 de Abril.
Porque isso nos exige a responsabilidade histórica de sermos membros de um Parlamento votado pelos Portugueses no uso da liberdade que recuperaram naquela madrugada esperançosa!

Aplausos do PPM, do PSD, do PS, do CDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Pelo Grupo Parlamentar do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Primeiro-Ministro e Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Deputados, Senhoras e Senhores: Em 25 de Abril de 1974. faz hoje precisamente 8 anos, o movimento dos capitães desencadeou um levantamento militar que havia de culminar, triunfante, com o derrubamento da ditadura, a instauração da democracia e, em convergência, historicamente i ara, com os movimentos de, libertação dos povos das colónias, levaria à liquidação do domínio colonial português, ao restabelecimento da paz e à independência nacional.
O levantamento popular que imediatamente se seguiu e se fundiu com o militar, o apoio, a solidariedade e a participação fone e entusiástica manifestados em lodo o País, desde a primeira hora, pelos trabalhadores, pelas camadas laboriosas da população, por todos os democratas, homens e mulheres, velhos e jovens, garantiram não só o triunfo e a rápida liquidação da resistência fascista como permitiram evitar e derramamento de sangue transformar o movimento revolucionário de Abril na revolução dos Cravos, imprimindo ao regime democrático as suas marcantes originalidades, o seu carácter de profunda justiça social, popular e patriótico.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Oito anos vão passados sobre o esplendoroso amanhecer do 25 de Abril.
Nessa jornada memorável, maior entre as maiores da nossa história pátria, ombro com ombro com os militares, o povo subiu nas ruas, o povo encheu as praças, manifestando, de forma nunca antes alcançada, a sua unidade, o s eu querer colectivo, a sua vontade de triunfar da opressão, de vencer para sempre a ditadura e o obscurantismo, de instaurar definitivamente a democracia em Portugal.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - Hoje, 8 anos passados, importa reconsiderarmos os caminhos desde então percorridos, importa discernir entre vitórias e derrotas, entre acertos e desacertos, entre progresso e regresso. Reconsiderar, não com olhar crítico e frio do historiador, que o distanciamento é demasiado curto, menos ainda, a título de balanço ou inventário para liquidação por saldo, mas antes para darmos redobrado vigor e capacidade à nossa luta, cujo objectivo central continua a ser a defesa e a consolidação da democracia portuguesa, nascida há precisamente 8 anos.

Aplausos do PCP, do MDP/C DE e de alguns Srs. Deputados do PS.

As forças da direita, do regresso, da recuperação e da restauração prosseguem, desde há 8 anos, a sua ofensiva generalizada contra as grandes transformações económicas, sociais e políticas alcançadas pelo povo português com o 25 de Abril.

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Durante os últimos anos assistimos à intensificação da exploração dos trabalhadores e, em geral, à degradação das condições de vida 'das classes e camadas laboriosas, com o aumento do desemprego, a diminuição dos salários reais, o aumento do custo de vida e dos produtos essenciais, dos quais o recente aumento do pão é exemplo marcante, o agravamento dramático das carências habitacionais a 'insuficiência e o encarecimento dos serviços de saúde, com o estabelecimento de taxas imorais e incomportáveis, a elitização e o rebaixamento do ensino, a manipulação da cultura e da informação. Repetiram-se e acentuaram-se as tentativas de destruição do sector público e das nacionalizações, visando reconstituir os monopólios. De-<_.envolveu-se com='com' de='de' aos='aos' do='do' cortejo='cortejo' emprego='emprego' das='das' controle='controle' suas='suas' geral='geral' reconstitui='reconstitui' em='em' acentuaram-se='acentuaram-se' ao='ao' as='as' exercício='exercício' estabilidade='estabilidade' trabalho='trabalho' destruição='destruição' ofensiva='ofensiva' agrária='agrária' direito='direito' latifúndio='latifúndio' organizações='organizações' que='que' sindicais='sindicais' vida='vida' uma='uma' dos='dos' consequências='consequências' atropelos='atropelos' nacional.='nacional.' para='para' ataques='ataques' contra='contra' à='à' desastrosas='desastrosas' a='a' trabalhadores='trabalhadores' seu='seu' gestão='gestão' os='os' e='e' direitos='direitos' o='o' representativas='representativas' greve.br='greve.br' economia='economia' produção='produção' reforma='reforma' condições='condições' dia='dia' da='da' multiplicaram-se='multiplicaram-se'> Nos dois últimos anos, a acção governativa dos sucessivos governos contra o 25 de Abril, contra os interesses do povo português, empurra o País para o desastre económico, ameaça de total destruição as grandes, conquistas democráticas do povo, apela crescentemente para a repressão e desrespeito dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, consagrados na Constituição e na lei, põe em risco a democracia portuguesa e subordina a dignidade e a independência nacionais às imposições e aos desígnios agressivos do imperialismo.
À medida que foram passando os anos, os ataques das forças da direita reaccionária às conquistas do 25 de Abril generalizaram-se e aprofundaram-se, mas enfrentam a resistência crescente, corajosa, cada vez mais unida e combativa, dos trabalhadores e dos democratas portugueses.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não fora a extensão, a combatividade e a tenacidade da luta das massas populares em defesa do seu 25 de Abril, das suas conquistas e da democracia portuguesa, há muito tudo teria sido submerso pela vaga reaccionária da direita restauracionista que tem, na permanência do actual governo, o seu grande baluarte.
A continuação da democracia e o prosseguimento de Abril, ao contrário da política de desastre económico e financeiro que vem sendo seguida, exige que, com os trabalhadores e o povo, e não contra eles, se tomem medidas que abram caminho ao desenvolvimento e à recuperação económica, planeando a melhor utilização dos recursos nacionais adequando a política bancária e de crédito aos investimentos prioritários, promovendo o saneamento financeiro da economia, potenciando os recursos dos sectores público e privado com o investimento tecnológico e diversificação da produção, defendendo a Reforma Agrária e promovendo uma política agrícola que apoie os pequenos e médios agricultores, criando condições para rapidamente eliminar a necessidade de importarmos produtos alimentares, favorecendo o desenvolvimento das pescas portuguesas, nacionalizadas e privadas, saneando os circuitos comerciais especialmente o comércio grossista e o de importação e exportação, minimizando as práticas especulativas, melhorando o nível de vida e promovendo o alargamento do mercado interno, combatendo o desemprego e sub-utilização das capacidades produtivas, contrariando e eliminando progressivamente o desequilíbrio catastrófico das nossas trocas com o exterior, defendendo com tenacidade e segurança os nossos interesses nacionais contra as manobras monopolistas e dos especuladores internacionais e nacionais. Para alcançar tudo isto 6 imprescindível o empenhamento de todas as camadas laboriosas, através da justiça social e do melhoramento das condições de vida, especialmente das classes mais desfavorecidas. E é indispensável respeitar e consolidar a legalidade democrática, respeitar e consolidar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

Hoje é o dia 1.º do ano IX de Abril.

O povo e os democratas, em unidade que penosamente mas seguramente se reconstrói, comemoram nas ruas, por todo o País, o seu júbilo.
Festejam a sua luta e recobram forças para continuar a defender Abril com firmeza, decisão e coragem. Recolhem das derrotas a experiência. Sabem, hoje melhor do que nunca, que só na sua unidade, na unidade das forças políticas democráticas e no prosseguimento, sem desfalecimentos, da sua luta, encontram a salvação da democracia e o caminho da independência nacional e do progresso para um futuro melhor ô mais feliz para a Pátria portuguesa.
Conhecem-se os perigos que se agravam e se avolumam, cada dia que passa, com a permanência deste governo, governo da direita abertamente disposta a destruir Abril e- a regressar ao seu paraíso, ao império dos monopólios e do latifúndio, ao império da exploração desenfreada, da opressão e da repressão dos trabalhadores e das classes não monopolistas.
Para além das lateralizantes investidas e dos ataques frontais contra a legalidade e o regime democráticos; para além dos sucessivos «pacotes» que degradam mais e mais as condições de vida das classes e camadas laboriosas; para além do vezo classista que coloca os interesses de um punhado de exploradores acima dos interesses nacionais, ameaçando levar o País à catástrofe económica e financeira - a permanência do presente governo e da sua maioria nesta Assembleia criam graves prejuízos para o processo da revisão constitucional, ameaçando convertê-lo em perigosa subversão do equilíbrio e da interdependência dos órgãos de soberania, em gravosa degradação do sentido popular, democrático e patriótico da Constituição, em regressiva alienação de algumas das mais importantes transformações democráticas nela consagradas e em perigosa desestabilização e tentativa de partidarização das forças armadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador:- Hoje, dia 1.º do ano IX de Abril, a ninguém é permitido diminuir a importância decisiva que pode ter para o regime democrático o resultado da revisão da Constituição. E se os perigos da permanência do governo da AD são evidentes, não menos

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perigoso seria o pensar-se ser possível aplacar as investidas da direita com cedências, mormente nesta questão essencial para o Estado democrático-consti-titucional.

Vezes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário, como a experiência mostra, cada cedência transforma-se imediatamente em ponto de apoio para novas e mais gravosas exigências.
O processo é inexorável - quanto mais for cedido à AD, mais ela se fortalece e mais se enfraquecem as forças democráticas e de esquerda e. em consequência, mais enfraquecida será a democracia portuguesa, nascida com o 25 de Abril.
Vivemos uma situação de dificuldades acrescidas para o País, de mais e mais sacrifícios para o povo, de perigos agravados para o funcionamento das instituições democráticas.
Como recentemente foi reafirmado pela Comissão Política do Comité Central, o PCP considera, cada dia mais justificadas e inadiáveis, quatro medidas essenciais à defesa do 25 de Abril e do regime democrático: demissão do governo da AD, dissolução da Assembleia da República, formação de um governo de gestão e convocação antecipada de eleições legislativas nos termos e nos prazos constitucionais.
Só por imfundamentados temores, ou incorrecta avaliação dos perigos da situação que vivemos, haverá democratas que temam estas medidas. O funcionamento das instituições democráticas e o exercício pelos órgãos de soberania do seu papel constitucional são, como a experiência tem demonstrado, condições essenciais ao prosseguimento de Abril e à defesa do regime democrático.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador:- Pelo nosso lado, tudo faremos para que não sejam iludidas as promessas e não feneçam as esperanças há 8 anos renovadas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Hoje é o dia 1.º do ano IX de Abril.
Para milhões de portugueses, grande foi a ventura - viver a Revolução de Abril, viver a revolução dos Cravos.
Especialmente para aqueles que nunca haviam abandonado as primeiras Unhas do combate e, por isso, haviam sentido mais directa e dramaticamente a repressão e a opressão da ditadura fascista, a madrugada libertadora do 25 de Abril foi e permanecerá a madrugada do renascimento.
As aspirações e os anseios mais profundos de todo um povo, longamente lutados e reprimidos, transformaram-se, como por encanto, pelo toque mágico da Revolução, numa torrente única e impetuosa, plena de energia criadora, capaz de remover montanhas e de recriar um país novo, liberto e pacífico, onde o povo se sinta como é, construtor do seu próprio destino e juiz supremo dos seus actos.
Saudamos Q 25 de Abril e com ele saudamos os melhores filhos da terra portuguesa. Saudamos todos aqueles que, na longa noite fascista, souberam sempre que nem a esperança, nem as 'ilusões, são perdidas, souberam sempre não renunciar, souberam conservar a dignidade humana, mesmo em meio aos mais cruéis sofrimentos, quando nos momentos derradeiros da vida, dada em resgate, para a morte, foram empurrados.

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns Srs. Deputados do PS.

E também aqueles que, com os pés bem fincados na terra-mãe portuguesa, não regatearam sacrifícios e resistiram e lutaram e ficaram. E mais aqueles que, homens e mulheres, já depois de 1974, demonstrando coragem e tenacidade sem limites, trabalharam e lutaram para manter abertos os caminhos de Abril e cortar o passo à reacção, ao regresso e à restauração.

Vezes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Saudamos as lutas de todo um povo, saudamos a classe operária e as massas laboriosas, obreiros da vitória. Saudamos os capitães de Abril pela sua acção heróica, em 1974, e pelo que continuam a significar na nossa vida nacional.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS e ao MDP/CDE.

Saudamos o 25 de Abril e com ele saudamos todos aqueles que, vivos ou já mortos, contribuíram para que fosse fria mas leda madrugada e fosse manhã esplendorosa e dia cálido deste povo que fez Abril, feito das suas esperanças, das suas dores, dos seus temores, das suas lutas, da sua coragem, da sua invencível vontade de ser livre entre os livres, de ser nobre e grande como é qualquer povo libertado.
Saudamos todos aqueles que souberam pôr mais um esforço, mais um alento, mais um pedaço da própria vida, e por vezes a vida toda, pedra após pedra, dia após dia, para que Abril fosse, para que o povo se redimisse e se libertasse e fosse de novo senhor incontestado do seu presente e do seu futuro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Saudamos o povo que explorado nada exigiu em pagamento, que oprimido se libertou e deixou em liberdade os opressores, que reprimido e tripudiado acabou com prisões e torturas e não per» seguiu os algozes.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS e ao MDP/CDE.

Saudamos Abril, com um sentido único, sem ambiguidade e com uma confiança ilimitada no povo-sempre quisemos Abril, queremos que seja perene, queremos que seja presente e tudo faremos para que seja futuro.

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns Srs. Deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Pelo Grupo Parlamentar do CDS, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Pena.

O Sr. Rui Perna (CDS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém duvida

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hoje de que nós centristas sempre estivemos e estamos com a democracia, que defendemos a democracia e que pretendemos realizá-la na sua máxima plenitude. Afirmamo-lo com a consciência tranquila de quem não mudou de rumo ao sabor dos ventos de ocasião.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Afirmamo-lo, com a responsabilidade de um compromisso, afirmamo-lo, com a legitimidade, e também com a emoção, de quem contribuiu com coragem, e não sem risco e sofrimento, para preservar do 25 de Abril a sua feição democrática e, por esse título, a sua essência popular e patriótica.

Aplausos do CDS.

Legitimidade provada e reconhecida ao longo de 8 anos, tantos quantos os da revolução, durante os quais, com escândalo de muitos, soubemos definir, manter e executar um projecto político diferente. Legitimidade provada e reconhecida enquanto governo, hoje com a AD, como ontem, em 1978, com o Partido Socialista. Em qualquer dos casos, eco mais importante, legitimidade garantida e sufragada quatro vezes pelo voto popular.
Porque assim é, porque mantemos uma solidariedade essencial .indiscutível e indesmentível com a democracia e com os ideais de liberdade e de justiça social que protagoniza, saudamos o autêntico 25 de Abril - não o daquela revolução que foi traída de maneira concertada por uns, e irresponsável por outros, nas aventuras totalitárias que precederam e se seguiram ao 11 de Março, mas o da revolução que acabou por triunfar com o 25 de Novembro e que criou condições para que sejamos um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, no respeito e na garantia dos direitos fundamentais e no pluralismo de expressão e organização políticas.
Estamos por isso com esta revolução democrática que foi possível reconduzir aos limites de uma rotura de há muito necessária para devolver aos Portugueses a sua liberdade e dignidade de cidadãos, e para substituir, relativamente a povos africanos tão caros ao coração português, os laços da dominação política por outros mais perduráveis, porque justos e que felizmente tendem a concretizar-se, da fraternidade, na igualdade e no respeito recíprocos pelas respectivas soberanias.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Estamos com esta revolução democrática que preservou a identidade nacional e a arquitectura espiritual do nosso povo e garantiu a constelação de valores que serve de suporte à nossa cultura centenária.
Estamos com esta revolução democrática que nos facilitou o diálogo com o mundo e derrotou de vez o isolamento orgulhoso, injusto e violentador a que nos obrigaram por décadas.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: 8 anos depois do 25 de Abril, é talvez o momento de fazermos o balanço e passarmos em revista as principais questões da nossa vida e organização políticas, em redor das quais o nosso esforço colectivo e o nosso debate democrático se tem centrado primordialmente.
Num plano formal diria que foram, e são-no ainda, sobretudo três questões: primeiro, a da liberdade; segundo, a da maioria; terceiro, a da solidariedade institucional.
A primeira de todas elas foi sem dúvida a da liberdade, valor essencial do 25 de Abril e pilar do regime democrático.
Vivemo-la sobretudo nos anos agudos de 1974. e 1975, quer assistindo com alegria e o entusiasmo à queda da ditadura, quer participando nos momentos intensos e dolorosos de luta para que de uma não se passasse a outra, sob o consulado gonçalvista.
Ganhámos. Foi a primeira conquista do 25 de Abril. Uma conquista tão poderosa e tão enraizada no nosso povo que derrotou de um passo a ditadura passada e os que tentaram uma nova usurpação.
Depois, adquirida e conquistada a liberdade a questão principal passou a ser a da maioria. Foi o tempo e o momento em que todos nos demos conta de que não bastava a liberdade, era essencial uma maioria democrática.
Isto é, de que não bastava para a democracia apenas dizer alguma coisa em liberdade, era sobretudo preciso fazer alguma coisa por maioria. O momento em suma em que o País se deu conta de que se a liberdade é o pressuposto fundamental da democracia, a maioria, essa, é a sua regra.
Foram então os anos em que não tendo os Portugueses escolhido um poder político maioritário claro, nos coube a nós, deputados eleitos, procurar construí-lo. Foram os anos do governo minoritário PS, do governo PS/CDS, dos governos presidenciais, os anos da busca de «uma maioria estável e coerente» como então se dizia. Fosse primeiro no plano dos entendimentos parlamentares que foram falhando, fosse depois através do recurso a uma maioria presidencial que tão pouco conseguiu corpo, a verdade é que nada se conseguiu.
E esse foi o tempo fundamental, importa recordá-lo, do desencontro dos Portugueses com os partidos políticos. No fundo porque não havia maioria e porque sendo a maioria a chave do sistema democrático nenhum partido a detinha, até aí por vontade dos Portugueses.
O paradoxo era o de que todos tendo sido eleitos, ninguém tinha sido escolhido. E basta recordar como das eleições de 1976 resultara a possibilidade de funcionamento de maiorias tão diferentes como as PS/PCP, PS/PSD, PS/CDS, PS/PSD/CDS ou PCP/PSD/CDS e o facto sobretudo de todas algumas vezes haverem funcionado politicamente, para se compreender a ambiguidade que se apossara do sistema e a importância que assumia a questão da maioria.
Uma maioria que fosse estável para que o País encontrasse um rumo e uma maioria que fosse coerente para que o rumo democrático fosse um e não dois, três ou quatro simultâneos e porventura contraditórios.
Aí nós construímos a Aliança Democrática. E ela foi nesta expectativa a segunda conquista do 25 de Abril. Não no plano de que ganhámos apenas os que somos da AD. Mas no plano de que alguém finalmente acabara por ganhar e de que finalmente algo fora escolhido pelo voto popular directo para se fazer

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o não apenas para se discutir. Foi na verdade uni momento fundamental que iniciou a maturidade democrática do Pais. O primeiro momento em que, pela maneira como nos organizámos, o povo elegeu directamente uma maioria, o seu rumo e o seu governo, em lugar de, como anteriormente sucedia, delegar essa decisão fundamental na classe política e em meros entendimentos de ocasião.
Isto mesmo explica a massiva concorrência às umas em 1979 e 1980. Fosse para apoiar a maioria candidata, fosse para combater, todos acorremos às umas com a sensação, a consciência de que tínhamos o poder efectivo de escolher e decidir. Assim chegámos á maioria. Uma conquista fundamental do sistema democrático, uma regra essencial do seu funcionamento e da sua eficácia.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -Mas desta se passou rapidamente para a terceira questão: a da solidariedade institucional. Uma questão que aflorou em 1977 e 1978 mas que se tornou mais aguda em 1980 e de então para cá.
É que na verdade se nos havíamos dado conta que não bastava a liberdade mas que era indispensável uma maioria, foi fácil constatar que esta não bastava se a solidariedade institucional não existisse, ou seja, noutras palavras, que a maioria não era suficiente se órgãos de soberania com fontes de legitimidade diversas ou fruto de maiorias distintas não funcionassem estavelmente com coerência inequívoca.
E tão profundo, tão vasto era o sentimento de que era esta uma questão essencial que as duas principais forças candidatas às eleições de 1980 a elegeram precisamente como questão principal. Tanto a AD como a FRS centraram as atenções no objectivo «unia maioria, um governo, um presidente». Ainda que obviamente com protagonistas diferentes para esses diversos planos.
Os resultados são conhecidos. Ganhámos Outubro. Perdemos Dezembro. Ou na perspectiva de outros, perderam Outubro e ganharam Dezembro. Mas de uma maneira ou de outra assim ficámos e assim estamos - esclarecida a questão da liberdade, esclarecida também a da maioria continua nebulosa ainda não por responsabilidade nossa a questão da solidariedade institucional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O 25 de Abril não levanta apenas questões formais, mas encerra ele próprio valores de substância. E destes, distinguimos também para além da liberdade que e para nós o mais substancial de iodos os valores, em primeiro lugar o da justiça social e em segundo lugar o do desenvolvimento.
Justiça social que uns exprimem na palavra «socialismo» e nós sabemos identificar na riqueza do pensamento personalista e nos valores do centrismo e, da democracia cristã. Desenvolvimento, questão fundamental do nosso país e que nós insistimos em afirmar que se encontrará mais depressa e mais autêntico se formos ousados no plano da liberdade, na economia, na cultura e na vida social do que se formos aí tímidos e desconfiados, pela sujeição ao espartilho do Estado ou ao colete de forças colectivistas.
Mas nesta altura não é tanto isso que nos importa - terçar armas aqui uma vez mais por diferenças que entre nós existem no entendimento desses valores. Antes nos importa chamar a atenção para que poucos ou nenhuns anseios essenciais do nosso povo se concretizarão sem que aquelas outras questões que comecei por apelidar de formais se encontrem clarificadas e resolvidas.
Na verdade, não é apenas necessário saber livremente o que queremos. Mas é essencial que possamos livremente fazer o que o povo escolheu para nós fazermos. A questão está justamente em saber a resposta a esta pergunta: é certo que queremos aquilo que o povo quer. Mas podemos fazer aquilo que o povo quer?
Ninguém pede à oposição de uma maioria que concorde com os conceitos ou objectivos que ela anima, define e pretenda concretizar. O que se exige é que a maioria possa ser lei. O que se exige é que sem embargo do direito de a oposição se opor se respeite precisamente a vontade popular e não se impeça por bloqueios artificiais ou por dogmas espartilhantes, o exercício pleno da vontade activa dos Portugueses, assim maioritariamente definida.
Por isso não é de estranhar o facto de, na nossa não muito linear e por vezes confusa evolução institucional, se ter vindo a revelar progressivamente um inquietante fenómeno de perda de fé na democracia no sistema de partidos e na própria política.
Ele revela acima de tudo a imperfeição do sistema e a contradição essencial que. o mesmo encerra no, nosso pais por Torça da própria Constituição.
A democracia é etimológica e filosoficamente o governo do povo mas entre nós o governo do povo não tem o poder. A Constituição de 1976 instituiu mecanismos que decisivamente privam a maioria do exercício dos seus direitos.
O povo português votou maioritariamente Aliança Democrática, quis o seu programa de mudança, deu luz verde a uma política bem definida que pretende ver executada.
Mas a confiança da maioria saiu gorada porque não tem sido possível ao Governo cumprir integralmente o seu programa e executar o que a maioria do povo português votou para que fosse executado.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Desculpas!

Risos do PCP e aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Orador: - É que contra a vontade do povo o Governo que foi eleito no pressuposto da falência da via socializante tem de governar no quadro dessa mesma via de transição para o socialismo. A maioria quer uma coisa mas a Constituição impõe outra - Constituição que dita democrática não pode ser alterada na exacta medida e de conformidade com a vontade da maioria.
Em democracia a vontade colectiva é interpretada através dos mecanismos do sufrágio. E como o sufrágio exige o pronunciamento entre diversas possibilidades alternativas, pressupõe a organização de partidos políticos que apresentem ao povo programas distintos e candidatos diversos. Votar num partido ou numa coligação de partidos é em democracia plena escolher um programa bem como os homens capazes de o executar. Porém, os Portugueses apenas podem escolher homens que vão executar um programa pré-

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determinado, cristalizado numa Constituição que não corresponde à vontade da maioria. E o que é pior, ao ter escolhido os seus deputados constituintes, a maioria viu-se confrontada e, ao mesmo tempo frustrada, com o facto dos seus representantes, sozinhos, não poderem alterar a Constituição. Como podemos nós evitar, por isto tudo, com todos estes mecanismos esdrúxulos, que as, maiorias populares percam a fé nas instituições democráticas, se a nossa democracia as subalterniza enquanto maiorias lhes retira o direito fundamental de decidirem ...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador. - Temos Sr. Presidente e Srs. Deputados, de refazer a ideia de democracia. Democracia não pode ser a mera síntese entre um idealismo vago de justiça e liberdade e interesses ideológicos bem precisos de conservação do poder, apesar da maioria e centra essa maioria.
Nós acreditamos na democracia. Não como um simples mecanismo, não como uma questão simplesmente numérica e puramente formal. Não se trata de somar a metade mais um, para conseguir uma maioria e pô-la a decidir de tudo relativamente ao corpo social e privar de todos os direitos a outra metade me-nos um. Mas não pede mês admitir que a minoria se sobreponha à maioria por força de direitos adquiridos quando foi maioria.
Acreditamos na alternância no poder e que maioria e oposição desempenham papéis idênticos em dignidade, mas não podemos conceber que a maioria seja forçada em democracia a cumprir o (programa político da oposição.
Acreditamos no pluralismo democrático, quer no sentido ideológico, quer no sentido social, enquanto significa o reconhecimento da existência de diversos projectos de sociedade, que não dimanam da aceitação graciosa do Estado mas que têm a sua própria essência e individualidade. Mas não podemos consentir que sob a capa do pluralismo se instale a unicidade quer no campo ideológico quer na consideração do Estado como princípio e fim em si mesmo da sociedade política.

Vozes do CDS:- Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o mesmo devemos dizer quanto à questão da solidariedade institucional. Não é de admitir nem o conflito nem a pacificação pura e simples, o primeiro porque é contrário ao próprio sistema democrático, a segunda porque seria farisaica. Qualquer das soluções acabaria por defraudar a vontade colectiva dos Portugueses.
Defendemos antes uma paz institucional activa, assente nos objectivos comuns a todos os órgãos de soberania de defesa do Estado e do bem-estar do povo, respeitando reciprocamente as competências, exercendo-as sem ambiguidade ou contradição, reconhecendo-se ao Governo e à maioria o direito de legislar e de cumprir o seu programa e ao Pressente da República o de ser o supremo fiscal e garante da nossa .soberania. O Presidente da República não deve actuar contra a maioria e os partidos que a compõem. Por seu lado, a maioria deve colaborar institucionalmente com o Presidente da República.
Julgamos ser possível esta plataforma. Sc o não conseguirmos isso significará o prolongamento de uma situação de indefinição, o retorno aos anos de ambiguidade e mais um atraso na construção do nosso Estado democrático.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queremos hoje e sempre continuar a saudar o 25 de Abril não como efeméride de uma qualquer restauração democrática mas como um objectivo, na linha daquela democracia pluralista plena que defendemos e que lutamos por instituir.
Os Portugueses merecem e querem a democracia.
Portugal necessita da democracia para na sua máxima plenitude, de uma forma participada e harmónica, promover o nosso desenvolvimento em liberdade, e de acordo com os princípios da justiça social que defendemos.
Queremos continuar a saudar o 25 de Abril projectado nas gerações vindouras, dos filhos dos nossos filhos.
Está nas nossas mãos não impedir hoje o que queremos para amanhã.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Do Grupo Parlamentar do PS, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Cama (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Presidentes dos Governos Regionais, Srs. Deputados: 8 anos volvidos sobre a data libertadora do 25 de Abril, quando é já possível efectuar um balanço da obra realizada e perspectivar em moldes renovadores o nosso futuro, os órgãos de soberania emergentes do regime democrático reúnem-se nesta sessão solene da Assembleia da República com os olhos, postos, não em si próprios, nem nos titulares que transitoriamente os protagonizam, mas no povo, na história e na consciência viva que somos e que nos cumpre representar e defender.
8 anos não são uma eternidade, mas são já suficientes para testemunharem a validade de um regime que permite a tolerância e u solidariedade, a alternância e a alternativa, as escolhas livres e as reivindicações justas, os direitos e os deveres, a autonomia e a unidade, a criação e a responsabilidade, a apologia dos adeptos e, naturalmente, a catilinária dos adversários.
Afastado da sua verdadeira tradição de humanismo universalista, Portugal reencontrou a consciência de si com a democracia pluralista instaurada por uma das mais generosas revoluções da história contemporânea.

ada é definitivamente completo. E, como não podia deixar de ser, a democracia é, por excelência, o regime das soluções abertas, das aproximações ponderadas, das reformas justas e graduais, dos aperfeiçoamentos sucessivos e da prática saudável do diálogo entre cidadãos, e não do monólogo entre súbditos.
Tendo ocorrido com anos e atraso, a democratização do País veio encontrar pela frente os duros desafios do fim definitivo dos sistemas coloniais, da retracção das economias desenvolvidas, do estrangulamento das economias subdesenvolvidas e da eclosão dos mo-

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vimentos sociais na sua dupla dinâmica de contestação e de participação.
Esperanças desmesuradas quanto à pronta solução dos problemas, acrescidas pela dificuldade patenteada face às carências reais e ainda por erros de desvios e insuficiências que seria pouco lícito esconder ou camuflar, foram originando fenómenos de desencanto em vastos sectores da opinião, os quais tendem, por vezes, a centrar sobre a própria democracia e o 25 de Abril a sua insatisfação ou até a sua cólera, sem distinguir sequer o sentido dos diferentes projectos que ela mesma comporta e a inserção da trajectória recente do País num contexto global.
Seguramente, grandes preocupações, angústias e insuficiências continuam a afligir os Portugueses. A inflação e o desemprego, a falta de desenvolvimento agrícola e industrial, a artesania das pescas, a inacessibilidade da habitação, a incapacidade de resposta no sector da segurança social e da saúde, a dívida externa, a falta de qualidade e de isenção do mais poderoso meio de comunicação social do Estado, que é a televisão.
Como força de oposição, temos insistido no que entendemos serem as consequências fortemente negativas da gestão do actual governo nestas áreas tão importantes para o bem-estar do povo português. Mas o dia de hoje tem a ver com a solidariedade essencial do sistema político democrático e, mais do que um momento para sublinhar os caminhos que separam as opções dos Portugueses, é uma ocasião para realçar o que une todos aqueles para quem a democracia, apesar das suas imperfeições, que, obviamente, devem ser corrigidas, continua a ser o mais adequado dos regimes políticos.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador - O 25 de Abril não foi, não é, nem deve ser uma data sectária.

Vozes de PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador - Na tríplice qualidade de quem o desejou e por ele se bateu, de quem nele participou ao seu modesto escalão e de quem sempre o proeurou manter nos padrões inequívocos da democracia genuína, julgo saber que o espírito do 25 de Abril é suficientemente englobador para não se "ostentar com proprietários exclusivos nem para, em seu nome, legitimar excomunhões sectárias dos que nele se desejem ver incluídos.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.

Símbolo de uma profunda fraternidade nacional - a que se viveu nas ruas e nos corações em Abril de 1974-, o dia de hoje deve procurar conciliar o verdadeiro campo da liberdade do espírito, estabelecendo um traço de união entre os que> sonharam o regime democrático na prolongada e dura privação dos direitos, os que com esse combate deram a tranquilidade, as carreiras ou a própria vida, os que abnegadamente o implantaram, os que o receberam com alegria ou mesmo com expectativa benevolente e os que nele, em posições diversas e até antagónicas, se têm empenhado com convicção e com firmeza.
Os erros cometidos -c não os podemos omitir - não nos fazem retirar a conclusão de que o prolongamento da ditadura ou o advento de outra seriam susceptíveis de melhores e mais ajustadas soluções.
A panaceia dos esquemas de força, que quantas vezes explora a desilusão das políticas sem consistência no terreno económico e social, acaba por nada resolver e tudo complicar, e as maiores «virtudes» das ditaduras são sempre inferiores aos piores «defeitos» das democracias.

Aplausos do PS, do PSD do CDS, do PPM, ida ASDI e da UEDS.

Quanta ditadura erigida sobre as ruínas da inflação galopante e do desemprego maciço, na miragem de lhes pôr fim através da «ordem» nos locais de trabalho, nas instituições e nas consciências, não acaba por lançar a economia e os trabalhadores para situações de penúria bem piores, sem dar a estes o menor direito de reclamação e asfixiando por completo o movimento sindical, a liberdade de imprensa e a vida cultural e política das nações?

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Na cerimónia alusiva ao 25 de Abril e que é certamente a última que conta com a sua presença institucionalizada e constitucional a Assembleia da República ficaria de mal consigo própria se não rendesse uma homenagem aos capitães de Abril, que souberam corporizar a esperança democrática do povo português e que os conselheiros, da Revolução aqui representam.

Aplausos do PS (de pé), do PSD, do PPM, da ASDI (de pé), da UEDS (de pé) e do Sr. Deputado Sanches Osório.

Face a alguns dos que hoje farisaicamente os escolhem como bodes expiatórios do próprio derrube do regime anterior e da instauração da democracia, quase como se isso tivesse sido um crime, há que dar uma resposta sem ambiguidade e sem cobardia, e essa resposta é simples e directa: a democracia portuguesa não pode tolerar a permanente marginalização e mesmo sistemática erosão dos seus fundadores.
Por maiores que possam ser as diferenças de julgamento e a apreciação de actos concretos, os homens da madrugada do 25 de Abril estão claramente do lado da liberdade e da procura de melhores condições de vida para o povo português, inclusivamente em alguns erros que possam ter praticado e logo corrigidos a 25 de Novembro, e o seu compromisso com os valores democráticos permanece para além das formulas institucionalmente previstas pela actual Constituição.
Na verdade, a revisão constitucional é um imperativo da própria consolidação do regime, que o parlamento frustraria se não concluísse em tempo útil. Aprofundar os direitos políticos, económicos, sociais e culturais, clarificar o sistema, mantendo o equilíbrio de poderes e a natureza semipresidencial do regime, conferir a um órgão jurisdicional a fiscalização da constitucionalidade das leis, integrar as forças armadas no Estado democrático e conferir-lhes uma missão em consonância com a política de defesa do

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País na Europa democrática, que outros grandes objectivos se poderiam encontrar para fazer da revisão constitucional um marco 'decisivo da nossa história política e institucional?
A responsabilização plena dos parlamentares e dos governantes perante a opinião pública e o eleitorado, através de uma transparência de funcionamento do sistema institucional, tornará mais rigoroso o confronto dos projectos, mais sólida a escolha das alternativas e mais fecundo o enraizamento dos valores. Os actos eleitorais ganharão, por isso, um sentido mais integral e mais responsável.
A revisão constitucional dará início a uma nova fase, mais sedimentada, das instituições representativas, fazendo recair fortes responsabilidade* sobre o Presidente da República e esta Assembleia, sobre o Governo e os tribunais e ainda sobre os participantes directos na acção política.
Na base de um desejável consenso, estou certo de que esta sessão legislativa não se saldará por um adiamento da revisão e antes levará a bom termo um trabalho tão auspiciosamente empreendido pela respectiva comissão.
A revisão constitucional de pouco valerá, porém, se ao mesmo tempo não se realizar um esforço de responsabilização política por parte das forças partidárias e das correntes de opinião.
Mais do que uma palavra, a democracia deve significar uma obra. Só assim a entenderão os que trabalham e que desejam ver na realidade final do funcionamento livre do sistema político uma realização concreta, e não uma promessa adiada. Só assim nela confiarão as jovens gerações.
A dispersão finalizada das polémicas e a paixão pela retórica têm que dar lugar a uma análise rigorosa dos problemas nacionais e ao encontrar das metodologias mais eficazes para vencer os obstáculos e. as dificuldades.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Todos desejamos mais desenvolvimento, mais participação, mais justiça social, mais liberdade correctamente entendida e por isto mesmo estamos plenamente conscientes de que é necessário obter mais operacionalidade, isto é, mais racionalidade legislativa e mais capacidade de resposta executiva e administrativa.
Em outros países, ou em comparação com povos distintos, os Portugueses pensam e trabalham por forma a merecerem a consideração geral. Em Portugal, porém, continua a faltar-nos a iniciativa, a organização, o 'método, a perseverança para uma obra continuada. E este mal não atinge apenas os políticos, que não são melhores nem piores, são iguais aos outros \portugueses, este mal contamina os grandes corpos do Estado e alastra dos trabalhadores aos empresários, numa feudalização ou num individualismo que bloqueiam a renovação e a modernização do País.
Ora, a democracia tem de ser também um sistema de organização da sociedade e do Estado, um ordenamento mais exigente, uma responsabilidade acrescida, uma eficácia maior na solução dos problemas concretos. A democracia tem que demonstrar na prática, e não só na teoria, a sua superioridade real como sistema político.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Se nestes 8 anos a ditadura tivesse prosseguido, ainda hoje as famílias portuguesas, os jovens e os elementos das forças armadas viveriam o drama de uma guerra que se prolongava fora do tampo, fora da razão e fora do sentido.

Vozes ao PS: - Muito bem!

O Orador: - A variação dos governantes não existiria, as correntes de opinião mão teriam consistência, os sindicatos e as comissões de trabalhadores não exerceriam qualquer acção fiscalizadora.
A comunicação social e a criação literária e artística continuariam ameaçadas pela censura.
Os opositores e dissidentes seriam perseguidos, encarcerados ou exilados. A autonomia regional dos Açores e da Madeira e o poder local democrático não estariam consolidados nem através deles se teria realizado o caudal de melhoramentos regionais e locais no que respeita à água, à luz, aos esgotos, às estradas e caminhos, à habitação ou ao desporto.
A segurança social persistiria em ignorar enormes estratos da população trabalhadora. A maior parte do País ver-se-ia ainda excluída da rede de saúde pública e dos cuidados médicos. Os transportes públicos mão praticariam tarifas de alcance social.
Quantas pessoas estariam ainda privadas de férias ou dos meios mínimos de subsistência, ou do direito à obtenção de um simples passaporte, ou do acesso às mais elementares necessidades do consumo, ou da simples faculdade de darem a sua opinião sem o receio de por tal facto serem incomodados, vexados, marginalizados ou perseguidos?
Quantos trabalhadores se veriam impedidos de ascenderem a graus mais elevados de formação académica ou até universitária, em virtude da falta de condições nas empresas e nas escolas para a efectivação de tal desejo?
Como não seria mais severa a subida dos preços, sem sequer a possibilidade da pressão sindical!
Como persistida o clima autoritário e de medo dentro das empresas e da Administração Pública e o obscurantismo que nos impedia de ver cinema, observar os acontecimentos, escolher sem constrangimento a literatura, os jornais ou as revistas!
Como não seriam menos autónomas instituições como a Igreja as forças armadas ou as forças de segurança, a magistratura ou a diplomacia, os quadros técnicos do Estado ou os próprios jornalistas.

Vozes do PS -Muito bem!

O Orador: - Em que situação de maior controle ou de dependência perante o arbítrio dos poderes públicos e das decisões do crédito não estariam a grande maioria dos industriais, dos comerciantes e dos agricultores?
E quantos presos políticos ou exilados continuariam a ser controlados por um aparelho repressivo e ignóbil e bem mais dispendioso no seu aparato do

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que qualquer instituição livre da democracia representativa?

Vozes do PS e da UEDS:- Muito bem!

O Orador: - Um regime desses não daria a menor perspectiva de realização pessoal ou de esperança colectiva ao povo português, e os saudosistas do seu regresso não têm qualquer autoridade política ou moral para dar lições à democracia portuguesa.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.

Muito há ainda por fazer, e a atitude própria do pluralismo é a constante insatisfação com a obra realizada, a crítica exaustiva aos erros cometidos, a melhoria constante das metas e dos métodos.
Projectado para democratizar, descolonizar e desenvolver, o 25 cie Abril consumou o essencial de um programa democratizador e descolonizador, mas ainda se não saldou por resolver a questão de desenvolvimento. Os índices preocupantes da estagnação agrícola e industrial, o aumento das importações e a quebra das exportações, o agravamento do défice das contas públicas e o elevadíssimo saldo negativo da balança de transacções correntes, a falta de uma política de estimulo ao investimento e o peso da>> taxas de juro, a constante desvalorização do escudo e o plafond da dívida externa, a subida continuada dos preços e os níveis alarmantes do desemprego, todos estes factores de forte incidência económica e social representam anomalias na concretização de um projecto de reforma e de progresso.
O que tem vindo a ocorrer no campo do ensino, dos transportes, da saúde e segurança social, do trabalho, do ambiente e qualidade de vida, do urbanismo e da habitação ou das comunicações não abona, por outro lado, em favor de um programa de desenvolvimento destinado à satisfação das necessidades básicas do povo português. Se se quer dar ao regime democrático uma dimensão concreta e positiva, torna-se imperioso não deixar degradar por mais tempo uma situação que já atingiu em alguns pontos limites verdadeiramente escandalosos de incapacidade e desleixo.
Piores que os ataques ao 25 de Abril feitos pelos seus adversários, que, aliás, a democracia tolera e não persegue, são a incúria dos seus responsáveis, a ligeireza dos seus hábitos parlamentares, a superficialidade de alguns dos seus governantes ou o negocismo instalado na sua Administração.
A democracia deve ser exigente com os seus agentes políticos, técnicos, militares e administrativos. Se a vida política se transforma numa vertiginosa sucessão de intrigas ou numa actividade meramente formal para deleite da casta que são os respectivos protagonistas, então o sistema democrático, cortado da vida e das aspirações populares, isola-se a si próprio, é incapaz de entender os problemas reais da sociedade, definha e acaba por criar as condições adequadas à aparição de soluções autoritárias ou carismáticas, sejam elas quais forem.
A pujança e a vitalidade da democracia reclamam que os seus dirigentes - no Governo ou na oposição - pautem a sua conduta por um escrupuloso sentido do dever, pela noção do primado do bem comum, e não do interesse individual ou de grupo, por uma ética de serviço à comunidade e por uma inflexibilidade constante na procura da justiça. A renovação dos hábitos e da mentalidade política nacional exige, naturalmente, a subordinação da política à moral, mas reclama também a colocação dos mais preparados nos lugares próprios, sem discriminações de qualquer espécie.
A qualidade, a eticidade e o grau de formação política dos responsáveis são o fundamento da ordem democrática, e não a impreparação, a improvisação, o proveito próprio, o compadrio ou a incoerência das opiniões, das ideias, dos programas dos projectos, das atitudes ou das acções.
O País, embora o devore, reclama, não tanto o rodopiar sensacionalista das peripécias politiqueiras, mas uma política com objectivos de longo alcance, em que o momento presente seja valorizado na perspectiva de uma programação a prazo, com contornos definidos, com metas claras, com um ela centrado numa finalidade precisa. A fixação de um objectivo nacional para o sistema democrático e o seu enraizamento na consciência" do povo português são a tarefa prioritária dos democratas de todos os quadrantes 8 anos volvidos sobre o 25 de Abril de 1974.
Ao espectáculo, por vezes penoso e confrangedor, dos protestos e contraprotestos, que se arrastam indefinidamente, o sistema político representativo tem que contrapor os resultados efectivos e materizáveis do debate livre, mas nunca da discussão estéril.
A credibilidade geral das instituições democráticas não se compadece com o dilaceramento dos seus titulares em polémicas face às quais a opinião pública não entende o nexo nem o alcance real e, sobretudo, não vislumbra a menor consequência útil.
O espírito do 25 de Abril e a fidelidade aos seus ideais mais generosos e autênticos militam a favor de uma urgente renovação das práticas políticas, sem a qual, de resto, se não corrigirá o desprestígio das formações partidárias, a erosão dos titulares do poder político e a falta de confiança na arquitectura institucional do regime.
Convicto de que a força da democracia é superior ao balanço negativo das suas insuficiências e de que é por via do seu aprofundamento, e não da sua negação, que se emendam os seus defeitos, julgo ser de sublinhar neste dia e nesta sessão a importância de um consenso nacional em torno do regime e das instituições democráticas e pluralistas. Cada vez mais a democracia renovada tem que ser o quadro do nosso debate responsável, da afirmação das alternativas válidas e da resolução efectiva dos problemas portugueses. Assentemos de uma vez por todas na irreversibilidade do sistema democrático, na necessidade do seu aperfeiçoamento progressivo na saída dialogada, negocial ou consensual para os conflitos, na escolha livre e electiva dos dirigentes, na participação consciente dos cidadãos, no papel fiscalizador de uma opinião pública correctamente formada e não distorcida, e veremos como a democracia é o regime mais adequado para exprimir e consubstanciar a riqueza da nossa tradição humanista e profundamente liberal e a experiência solidária e socializante do nosso comunitarismo e do nosso municipalismo, a vocação europeia e universalista de toda a nossa história de povo autónomo e independente ao longo de 8 séculos.

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Recusemos os traumatismos e os restauracionismos, não pactuemos com a esterilidade política, olhemo-nos tal como somos e cientes do que queremos ser.
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Portugal democrático do 25 de Abril não deve estar a saldo de qualquer abdicação, cepticismo ou comodismo, no plano interno, nem de qualquer hegemonia descaracterizadora, no plano externo.
Saibamos responder com coerência e com vontade aos desafios que a nossa geração enfrenta, modernizemos a sociedade que nos foi legada e Portugal será a grande nação que >pode e deve ser, a democracia sólida e adulta em que os Portugueses se querem reconhecer, o regime que não oprime nem estupidifica, mas antes liberta e responsabiliza, em suma, as instituições que, solidariamente, por actos, e não por palavras, ajudam a construir um país diferente, uma sociedade mais próspera e mais justa, sem miséria, sem medo, sem vingança e sem ódio, um Portugal melhor para as mulheres e os homens de hoje e para os que vierem depois de nós.
É por aquilo que fomos capazes de realizar, e não por aquilo que formos capazes de prometer ou de lastimar, que os nossos filhos e a nossa história avaliarão as nossas ideias e a nossa generosidade e decidirão o juízo do futuro sobre as nossas acções. Demos então o nosso esforço nesta hora para que eles digam por nós que o 25 de Abril valeu a pena.

Aplausos do PS (de pé), do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI (de pé) e da UEDS (de pé).

O Sr. Presidente: - Do Grupo Parlamentar de PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Peço licença ao Sr. Presidente da República e ao Sr. Presidente da Assembleia da República para, antes de iniciar o meu discurso, frisar duas notas.
A primeira ó que sendo Portugal um país empenhado na realização mundial da paz, na solução de todos os conflitos internacionais pela negociação e pela arbitragem, é com tristeza e preocupação que acabamos de tomar conhecimento do início de actos de beligerância no conflito das Malvinas ou Falklands, o que particularmente nos atinge, na medida em que esse conflito se trava entre duas nações a que nos unem relações de amizade, sendo uma delas, a Inglaterra, nossa aliada desde a nossa crise de independência no final do século, XIV.
A segunda nota é a seguinte: foi com indignação e desgosto que ouvimos aqui palavras: de insulto dirigidas ao Vaticano, filhas de uma ignorância de origem não democrática e que se encontram certamente deslocadas numa comemoração do 25 de Abril.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Membros do Governo, Srs. Presidentes dos Governos e das Assembleias Regionais das Regiões Autónomas, Srs. Deputados, minhas Senhoras e meus Senhores: «Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar.» Este canto da resistência, que numa vigília célebre da noite de passagem do ano de 1970 foi o grito comum de todos os que em nome da mensagem cristã protestavam contra a indiferença colectiva perante a guerra de África, ressoa-nos hoje como uma mensagem de saudade.
Porque o sentimento que sempre nos domina cada vez que o calendário inexorável do tempo marca o fim de mais um ano sobre o 25 de Abril, é uma saudade cada vez maior, cada vez mais intensa do tempo em que a esperança se tornou verdade.
Vivemos a esperança todo o espaço de uma vida. Em cada dia repetimos a frase angustiada de Sena: «Não hei-de morrer sem conhecer a liberdade.» Tal como uma gestação dolorosa, a liberdade crescia em nós como um fruto.
Era uma promessa, uma exigência, uma fidelidade mantida com sofrimento e renúncia. Era uma vida substituída, mas era uma vida em plenitude.
A plenitude do protesto, a plenitude da revolta, dos gestos dolorosos que pareciam inúteis, mas que deixavam, ao longo dos dias, um sulco profundo da consciência intelectual da verdade e da consciência moral do dever difícil.
Porque era difícil assumir a revolta como forma de vida. Era difícil, entre o «negro da terra e o branco do muro», seguir a vereda estreita da fidelidade a um ideal proibido.
Mas nós «vimos, ouvimos e lemos», não pudemos ignorar. E todo o gesto, toda a tentativa frustrada, todo o protesto sufocado, toda a palavra silenciada foi uma longa, exaltante dolorosa e viva exigência de dar testemunho dessa verdade, que não podíamos ignorar.
É mais difícil às vezes ser herói uma vida do que um dia.
Nunca mais pudemos ignorar «essa gente, cujo rosto, por vezes luminoso e outras vezes tosco, ora nos lembra escravos, ora nos lembra reis».
Nunca mais pudemos ignorar a tocaia sombria dos homens que iam de madrugada à caça de outros homens. Nunca mais pudemos ignorar a sede de justiça dos homens que contra nós se revoltaram em África, para poderem assumir a sua própria e essencial dignidade.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O fruto da liberdade cresceu em nós como um filho no seio da sua mãe. E quando o 25 de Abril o deu à luz, sentimos que a essa liberdade que nascia estava ligada a uma responsabilidade que era nossa, que ali se realizava a promessa da vida, ou o manto da morte estendia para sempre a sua sombra sobre a seara da esperança.
Saudámos o 25 de Abril com a exaltação das manhãs de Primavera, com a alegria de tocar o1 sonho, com a sensação nova de acordar sem medo. Era como a criação de um mundo novo, outras praças, outras ruas, outra face humana do poder, outro canto, já não de resistência escondida, mas um canto de realidade e de triunfo.
Nunca mais o poderemos esquecer ...

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.

... e nunca mais poderemos esquecer a gratidão pelos homens que o fizeram.

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Oito anos passados, morto o romantismo da revolta, a lei da realidade da vida impôs a dura necessidade de construir a Pátria.
Terminado o ciclo da expansão ultramarina, o homem português, regressado à sua dimensão europeia, tem perante ele um país empobrecido, em que as fontes primordiais da riquexa foram tradicionalmente substituídas pelo produto da aventura. Terra dura, em que não mana nem leite nem mel, em que só um longo e paciente trabalho a pode transformar no lar de um povo. De um povo que traz consigo uma cultura, uma consciência de unidade nacional, possivelmente a mais antiga da Europa, uma poesia ímpar, uma criação teórica de liberdade afirmada nos momentos decisivos da sua história colectiva.
Em face da terra, o homem. Diminuído intelectualmente pela limitação da escola, inapto para o trabalho pela inexistência de preparação técnica, fisicamente ferido pelas condições generalizadas de miséria e de subalimentação na idade infantil. Uma trágica percentagem de deficientes físicos, a maior proporção de analfabetismo da Europa, uma generalização do trabalhador indiferenciado.
E em face da terra e do homem, o Estado. Um Estado burocratizado, providência sempre e inimigo sempre, constituído numa máquina pesada, com uma inveterada tendência para a inércia, uma separação doentia da colectividade, uma indiferença perante os interesses e os direitos individuais dos cidadãos.
É com estas três realidades, a terra que temos, o povo que somos e o Estado que herdámos, que a Revolução de 25 de Abril, pondo fim à aventura ultramarina, absurdamente prolongada para além do tempo histórico, nos colocou perante a necessidade de reconstruir Portugal.
Com a liberdade, a Revolução trouxe, como era inevitável, as ideologias divergentes. E deixou atrás de si o próprio mito, ou seja, o sonho da solução revolucionária permanente.
A redenção totalitária unida à demagogia pôs em sério risco a liberdade democrática. A perversão que Hegel introduziu na palavra «democracia» e que o marxismo recolheu, retirou-lhe o conteúdo de governo do povo para o transmutar em governo autocrático, apoiado na força, utilizado por um grupo organizado de dirigentes usurpando a totalidade do poder político e do poder económico.

Vozes do PSD:- Muito bem!

O Orador - À essa tentação salvífica e messiânica, em cuja fogueira tem ardido a liberdade de inúmeras nações, soube resistir o povo português. E não devemos esquecer que, fosse qual fosse o desvio ideológico do 25 de Abril, as forças armadas souberam respeitar na sua essência a promessa fundamental de garantir ao povo português o direito de votar livremente, e de, através do seu voto, escolher o seu destino político.

Aplausos do PSD, do PPM, da ASDI e de alguns deputados do PS e do CDS.

Atingimos ao fim de anos uma maturidade democrática e uma solidez institucional que não parece termos atingido na I República. E o esforço colectivo em que nos encontramos empenhados de revisão constitucional tem sido uma busca árdua e honesta para aperfeiçoamento do sistema de poder e simultaneamente de invenção de soluções inteiramente nossas, sejam quais forem as pressões que sobre o processo se hajam exercido.
É evidentemente difícil a construção harmoniosa de um edifício político que, assente no princípio basilar da representação parlamentar e do Governo legitimado por essa representação, de simultaneamente exacta expressão não conflituante à chefia do Estado, eleito também por sufrágio universal. A divergência é possível e talvez seja, por vezes, inevitável, uma vez que o sistema eleitoral adoptado desenhou um quadro partidário que não proporciona a formação fácil de uma maioria que, por hipótese, coincida com o eleitorado presidencial.
E por isso é necessário que a figura constitucional do Chefe de Estado, transcendendo os partidos e situando-se num plano de arbitragem institucional, em face da qual seja efectivamente possível a alternância do poder político, não invada o terreno em que a instituição partidária deve ser privilegiada. Só assim será possível uma construção harmoniosa do futuro e a preservação da autoridade e da majestade institucional da chefia do Estado.
Temos nós, sociais-democratas, procurado com empenho contribuir para a equação perfeita do poder. Da mesma forma como, dominados por uma preocupação de genuinidade democrática e aceitando plenamente a exigência do conteúdo social e económico ao lado do valor político no conceito actual de Democracia, procurarmos que essa socialização real da sociedade e da vida, penetrada por um profundo sentido de justiça e por uma responsabilidade colectiva da Nação, pelo destino' e realização de cada homem, não se traduza num preconceito de colectivização forçada das forças produtivas.
Perante a situação grave em que sabemos mergulhada a Nação portuguesa, não procuramos demagogicamente esconder que é a insuficiência da produção em face das exigências do consumo colectivo que constitui a base fundamental do desequilíbrio nacional. Sabemos que o desenvolvimento acelerado da produção requer uma formação maciça de capital fixo, não coadunável com a possibilidade nacional de poupança nem com a degradação financeira do Estado.
E por isso impõe-se, para nós, uma escolha segura e firme das opções de desenvolvimento e dos sistemas necessários ao seu financiamento. Recusamos e temos recusado obter esse financiamento através de uma absorção pelo Estado de parte do já reduzido poder de compra da colectividade.
Impõe-se, para isso, que as opções de desenvolvimento incidam, de acordo, aliás, com as necessidades primordiais do consumo, em formas de actividade produtiva em que seja menor a incidência de capital investido, maior o recurso à mão-de-obra e mais rápida a possibilidade de obtenção de resultados produtivos a curto prazo.

Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.

Como sociais-democratas, os deputados do PSD não querem nem aceitam que a salvação do Estado resida no aumento do sofrimento do povo.

Vozes do PSD: -Muito bem!

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O Orador: - E se a reivindicação imponderada e inconsciente, muitas vezes utilizada, aliás, como forma de combate político, tem de ser denunciada como processo de desagregação nacional, não devemos nunca esquecer que o 25 de Abril que aqui comemoramos foi e tem de ser para o nosso povo uma promessa de liberdade e uma esperança de dignificação em toda a extensão do humano, que não pode de forma nenhuma ficar frustrada.

Aplausos do PSD e do PPM.

Ligados a um conceito dinâmico de evolução social e amarrados a uma exigência de liberdade que se traduz na permanente construção do Estado de direito, nós, sociais-democratas, verdadeira charneira da nação, quer sob o aspecto ideológico, quer em termos de composição social, recebemos a hei anca democrática do 25 de Abril e queremos que ela se transmita às gerações futuras, íntegra na sua pureza e fecunda nas suas virtualidades, como a fonte inspiradora em que se saciem todos aqueles que tem fome e sede de justiça e que, como alicerce de uma democracia sólida, a mensagem revolucionária & libertadora do 25 de Abril não se perca no atoleiro das paixões políticas, das ambições pessoais ou das miragens messiânicas das massas.

Aplausos do PSD (de pé), do CDS (de pé), do PPM (de pé), da ASDI e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: - Sr. Presidente da República, Exmos Convidados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Deputados: Desde há 8 anos que o 25 de Abril e dia grande em Portugal. É o Dia da Liberdade; é o dia da alegria da libertação que se exprimiu e se exprime por toda a parte e que, nesta Câmara, se assume e manifesta também, até porque vai mal um povo em que a alegria se afaste do pensamento, do sentir e do falar dos políticos e das assembleias políticas. Na verdade, é essa alegria de ser livre e de viver em liberdade que, em primeiro lugar, nos reúne aqui. E com ela são também motivos directos desta sessão festiva sentimentos de homenagem e de agradecimento.
Agradecimento e homenagem que englobam naturalmente tudo e todos quantos contribuíram para essa libertação que vivemos há oito anos. Agradecimento e homenagem que se dirigem, em primeiro lugar, àqueles que, de alma limpa, nesse dia ousaram jogar o seu destino pela liberdade da Pátria e de todos os Portugueses - e que souberam vencer.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e da ASDI.

Mas homenagem e agradecimento também a todos quantos, ao longo destes oito anos e sobretudo nos meses e nos dias decisivos de 1975, pelo meio dos enganos, das dificuldades e das ameaças, foi na liberdade de todo o povo que apostaram, que se empenharam e que, também eles, souberam vencer.

Aplausos do PSD e do Sr. Deputado Jorge Miranda, da ASDI.

De facto, a seguir ao primeiro triunfo dos militares, foram civis e militares que fizeram vencer a liberdade, correspondendo, cada qual à sua maneira própria, à afirmação mais profundamente significativa do programa do movimento - aquela em que os militares se recusaram a tornar-se donos ou tutores do Poder que pelas armas assumiam, para se limitarem, nobremente, a tomá-lo aos que de facto o detinham, para o devolverem ao povo, a fim de que o povo pudesse passar a escolher livremente, como sempre foi e é seu direito, os seus caminhos e os seus objectivos, segundo a vontade da maioria, no respeito por todos, na pluralidade natural, legítima e desejável das propostas, segundo os métodos correctos da sua afirmação e apuramento num regime democrático, e aceitando com naturalidade e sem rancores o resultado de sucessivas eleições. Com a liberdade, foi a revolução de Abril de 1974 que tornou possível a democracia representativa em Portugal e foi em 25 de Abril de 1975 que se realizaram as primeiras eleições livres em Portugal, depois de 50 anos em que elas estiveram suprimidas. Estamos aqui porque 'houve muitos que, antes do dia 25 de Abril de 1974, nesse dia, e desde então para cá, pela liberdade e peia democracia se bateram, como militares quando foi preciso, como civis e como cidadãos, no dia-a-dia de uma esperança que não morreu, mesmo perante fracturas muito fundas entre portugueses e ameaças à sua própria identidade colectiva. Estamos aqui porque houve muitos que por amor à liberdade -à liberdade dos outros que a sua própria, pessoal, bem entendida, começa por reclamar- se dispuseram a lutar, a sofrer e a morrer. Porque houve muitos que sofreram; porque houve bastantes que morreram.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.

Na alegria de nos afirmarmos cidadãos livres de uma pátria livre, homenagem, pois, a todos, militares e civis, que tornaram possível a liberdade em Portugal. Honra e glória aos que sofreram e aos que morreram.
Aos que estamos livres, a todos os portugueses que somos livres, para além da alegria e da esperança, a responsabilidade de termos nas nossas mãos o destino da Pátria e do povo, uma parcela importante do destino da Europa e do Mundo - multiplicando pelos milhões que somos, toda a imensa responsabilidade que a vida de um só homem representa. A responsabilidade de confirmar a liberdade como expressão maior do sistema democrático, através do qual, além da sua permanente garantia para todos, se assegura a justiça e não a discriminação, o progresso e não a estagnação ou os complexos de inferioridade, a paz e não a conflitualidade e os antagonismos, como sistema, ou como objectivo.
É que não basta florir as ruas, as salas, ou mesmo os sentimentos, não basta agradecer a quem é devida gratidão, para corresponder à data que hoje celebramos. Sobretudo quando a comemoramos aqui, nesta Assembleia, com a honrosa presença do Sr. Presidente da República, ele e também nós, deputados, eleitos para as responsabilidades específicas de um e de outro dos órgãos de soberania, e tendo presente o Governo, não basta festejar a liberdade, não basta homenagear quantos contribuíram para a libertação, não basta a esperança vaga dos idealistas ou dos sonhadores.

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O 25 de Abril tem de ser um dia em que se sentem e se afirmam responsabilidades muito profundas, e em que sobre elas é obrigatório reflectir.
Ao contrário do que parece nos dias mais decisivos ou quando cies se evocam, a liberdade e o regime democrático não se acabam de fazer, não se fazem num dia. Fazem-se ou desfazem-se para os homens ao longo de uma vida inteira, para as instituições e para os povos ao longo dos dias, das vidas, das gerações e dos séculos. Perante a liberdade e as suas exigências, perante o compromisso que nos vincula ao sistema democrático, todos somos - e os eleitos pelo povo de uma maneira muito especial - sempre responsáveis.
O povo português- quer ser livre, é capaz de ser livre e é naturalmente responsável ao assumir a soberania que lhe pertence e, espero, em breve acabará de lhe ser plenamente devolvida, quando a estrutura dos poderes do Estado passe a ser única e puramente definida por mecanismos democráticos, sem sombras, sem tutelas, nem mais situações excepcionais ou especiais.
Mas importa, repito, reflectir acerca do que é isso de ser livre, em- termos pessoais e colectivos. O que é que a liberdade significa e requer, que é que nos exige a cada um de nós, em si e na vida de sociedade e da nação, designadamente àqueles que fomos eleitos e que aqui estamos; no Parlamento; que é que nos reclama o presente e o futuro livre do povo português; que relação é que há entre a liberdade e um sistema político que a assegure mas que, com ela e por ela mesma, garanta aos povos, aos homens, às mulheres, às crianças e aos velhos, aos fracos e aos fortes, a justiça concreta, o progresso global e pessoal, a paz activa e positiva que está inscrita, no íntimo das pessoas normais, como causa e consequência permanente e indissociável da verdadeira liberdade. Como vamos assegurar liberdade, justiça, progresso e paz, vividas e verificadas no perfil concreto das situações individuais, porque são estas que exprimem a profundidade dos resultados e são elas que não perdoam, nem à abstracção dos matemáticos, nem u técnica dos propagandistas, nem à demagogia dos políticos menores.
Tudo isto são temas, de reflexão que julgo obrigatórios, hoje, 25 de Abril de 1982, perante o povo português e na presença de VV. Ex.as Porque, de facto, no Dia da Liberdade, nesta Câmara que é a expressão mais típica do regime de democracia representativa, ou aceitamos os reptos da liberdade que se mantêm abertos, ou não seremos dignos de estarmos colocados na primeira linha dos que são responsáveis em absoluto pela sua garantia e por todas as suas consequências. Mesmo em termos relativos, as nossas responsabilidades tornam-se mais exigentes de dia para dia, até porque a liberdade deixou de ser predominantemente um objectivo, para passar, feliz e auspiciosamente, a ser cada vez mais um pressuposto.
A revolução já tem oito anos. Entre muitas outras coisas, isto significa que este ano atingem a maioridade civil e política, são eleitores e elegíveis portugueses que eram crianças de 10 anos quando ela se deu. Para muitos, mas para estes em particular, os termos de comparação não podem reportar-se pessoalmente aos tempos do regime deposto, da censura e da polícia política, das guerras de África. Os próprios pontos de partida dos seus raciocínios, a sua experiência e as suas exigências são muito diversas das dos homens que despontaram para a consciência durante ou mesmo antes desse tempo em que não havia liberdade em Portugal. Talvez pensando nesses que chegam à plena capacidade civil e política com a liberdade como pressuposto adquirido, nós possamos entender melhor que não basta já falar dela e senti-la por toda a parte para se ficar deslumbrado. É preciso responder às suas exigências e demonstrar positiva e activamente para que e que ela serve; para que queremos nós a liberdade; porque é que é tão grande o dia 25 de Abril.
Esta reflexão, especialmente oportuna nesta data, não se esgota hoje. Tem de estar para sempre no espírito dos Portugueses, tem de estar sempre nesta Assembleia, e tem -seja-me permitido sublinhá-lo, com energia--, tem de estar presente quanto a esta Assembleia. A Assembleia da República Portuguesa é, de certo, um dos parlamentos mais livres do Mundo e -por definição e por convicção- está aberta a todas as críticas, como está consciente de todas as dificuldades do seu funcionamento que outros porventura ignoram ou minimizam. A Assembleia da República assume integralmente a sua responsabilidade, mas também a sua dignidade, de instituição chave na defesa e manutenção da liberdade, do regime democrático e, portanto, da prossecução de todas as suas virtualidades, em Portugal e para os Portugueses.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A sua composição diversificada e pluralista, de acordo com a vontade do eleitorado, expressa em votações livres, assegura a abertura do poder legislativa e do executivo que nele 'se apoia, à regra da alternância. A dignidade e a importância do Parlamento, eleito Livremente, não devem ser contestadas - e aqueles que o atacam ou pretendem comprometer tem de saber que é contra o próprio âmago do regime que atentam. De facto e no âmbito das instituições, é esta Assembleia que mais profunda e directamente significa o triunfo dos ideais democráticos do 25 de Abril que hoje celebramos.
A revolução foi, reafirmou-se que era e é o retomar da tradição interrompida de um regime de democracia representativa parlamentar em Portugal Por isso na história desta Assembleia, como na história do povo português aqui representado, essa data ficou assinalada de uma maneira tão peculiar. Por isso é que nas próprias paredes desta casa deve ficar assinalada a Revolução de Abril, o triunfo da liberdade e a nova era do regime parlamentar em Portugal.

O Sr. Rui Pena (CDS): - Muito bem!

O Orador: - E é depois de ter ouvido todos os grupos parlamentares e partidos representados nesta Casa que hoje daqui lanço, nesta data, simultaneamente um apelo e um desafio aos artistas portugueses. A Assembleia da República vai abrir concurso público para que os 5 arcos da parede' do átrio do Palácio de São Bento sejam preenchidos por um conjunto de pintura mural em que tique assinalada, para nós e para os que hão-de vir, a memória do 25 de Abril.

Aplausos gerais.

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Estou certo de que os pintores portugueses saberão corresponder a este desejo nosso e a este repto e que, assim, quem entrar nesta Casa veja sempre o que para o Parlamento Português foi, é e será esse marco da história portuguesa.
Para que o regime funcione e a Assembleia se prestigie, como é indispensável, importa conseguir melhorar as condições do seu funcionamento. Para isso estão em curso trabalhos de adaptação deste Palácio que, respeitando o monumento, o tornem mais adequado às necessidades de hoje. Penso estarem reunidas as condições necessárias para a elaboração do programa e para a planificação de um edifício suplementar, em terrenos cuja cedência à Assembleia está já prevista, muito próximo deste Palácio, edifício que se afigura indispensável para, neste conjunto formarmos a velha Câmara num parlamento moderno. Assinalo e agradeço a compreensão e o empenho expressos na viabilização e concretização destes projectos por parte do Governo - designadamente do Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes e do Ministério dos Assuntos Sociais- e por parte da Câmara Municipal de Lisboa.
Com o mesmo objectivo estão .em curso também estudos que hão-de contribuir para a revisão da orgânica dos serviços desta Assembleia e que, além dos contributos de vários partidos, contam com a cooperação dos serviços técnicos da OCDE, bem como do Ministério da Reforma Administrativa. Também a este respeito se assinala a boa receptividade do Governo em relação aos pedidos que lhe foram apresentados e que acolheu ou transmitiu.
São trabalhos que terão de se fasear e concretizar numa interligação de esforços assegurando a necessária conjugação dos vários planos de trabalho com o empenhamento e o interesse de todos os grupos parlamentares, que, aliás, têm acompanhado, participado e colaborado nestas iniciativas.
Não é possível modificar estruturas nem métodos e sistemas de trabalho em prazos curtos. Estou certo, porém, de que o processo está em curso e de que prosseguirá, de modo a assegurar melhorias muito significativas da capacidade de correspondência desta Câmara às suas grandes responsabilidades e a tornar possível a todos os que aqui trabalham, desde os deputados aos funcionários, até aos órgãos de comunicação que diariamente nos acompanham, melhores resultados, sem dispêndio inútil de energia e capacidades que podem ser melhor aproveitadas.
Sr. Presidente da República, Exmos. Convidados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Deputados: Na alegria, no agradecimento e na homenagem, em liberdade, na reflexão, a trabalhar, com o sentido da sua responsabilidade; a Assembleia da República vive as comemorações desta data.
Com os mesmos sentimentos, com o mesmo espírito, com a composição que o povo lhe dá e lhe der em eleições livres, a Assembleia da República significará sempre que a liberdade se vive e que o regime democrático funciona.
No Portugal livre, a Assembleia da República procura superar as suas dificuldades, assumir cada vez melhor e mais profundamente as peculiares e paradigmáticas responsabilidades que o regime de democracia representativa lhe atribui e lhe confia.
Este é o nosso compromisso. Esta é também a nossa maneira de celebrar o 25 de Abril e de dizer ao povo que nos elegeu que, na liberdade que então se abriu, aqui estamos para assegurar a sua defesa, para aprofundar as suas consequências e para definir, segundo a vontade do eleitorado, os quadros legais em que as perspectivas e os anseios se transformem em realidades, no presente e no futuro de Portugal.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS. do PPM. da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra S. Ex.ª o Presidente da República.

O Sr. Presidente da República (Ramalho Eanes): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Srs. Conselheiros da Revolução, Srs. Deputados, Portugueses: Estamos a viver tempos difíceis. Para muitos, tempos de desilusão e de frustração, porque não encontram o resultado das promessas em que acreditaram e que a liberdade e a democracia justificam.
De nada servirá pretender ocultar o desânimo e as críticas que, por todas as formas, nos são transmitidas.
Aqueles que, na vontade do povo, encontram e assumem a sua legitimidade têm a obrigação indiscutível de reconhecer os factos tal como eles são.
Esta é uma condição elementar de realismo.
Mas é também essencial que todos responsáveis democráticos assumam a verdade e as dificuldades, sem o disfarce da propaganda nem o da manipulação ideológica.
Só assim o apoio que recebem numa eleição é, como todo o poder em democracia, uma realidade contingente, dependente da capacidade que mostrarem ter para além desse momento eleitoral.
É também obrigação de todos os democratas não perder o sentido das perspectivas política e histórica em que se perfilam as reais dificuldades que se vivem no presente.
Ao contrário dos candidatos a ditadores, os democratas recusam a promessa de absolutos, as críticas demagógicas, a viciação deliberada das realidades históricas.
Em democracia somos todos responsáveis.
Por isso, são indicadores claros de que é preciso rever atitudes e decisões, os tempos difíceis que vivemos, os sinais de indefinição que se acumulam no nosso futuro, o desencanto e a perda de esperança que já se verificam em diversos comportamentos sociais. Estes indicadores dizem-nos que é preciso afirmar o sentido da negociação e do entendimento, mostram-nos que é urgente refazer a esperança, enfrentando os desafios sem fraquezas, com competência e com honestidade.
São estes os objectivos essenciais do 25 de Abril, são estes os valores constantes do 25 de Abril, é esta a mensagem orientadora do 25 de Abril para o nosso futuro.
Não se justificaria continuar a comemorar esta data se o seu significado ficasse confinado ao acto, localizado no tempo, do derrube de um regime autoritário, moralmente indefensável, socialmente injusto.

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O que hoje comemoramos não é o fim da ditadura, mas sim a afirmação da liberdade, da responsabilidade democrática, da solidariedade social. O que 'hoje comemoramos é a afirmação de uma moral política onde a justiça, em todos os seus domínios, não seja um mero artifício de linguagem que encobre a vontade de opressão e de exploração.
O 25 de Abril prometeu e realizou, pela obra colectiva de todos os portugueses, a institucionalização da democracia política, devolvendo a cada cidadão a liberdade na acção política e a legitimação do poder de cada um, através do seu voto, em sufrágios livres e respeitados.
É essa a conquista real que continuamos a comemorar, homenageando os homens e as mulheres que a realizaram e que a prolongam no futuro.
A democracia que hoje vivemos, fundada em 25 de Abril e legitimada pela vontade dos Portugueses, reflecte-nos a imagem exacta do que somos, com as nossas virtudes e os nossos defeitos, com as nossas limitações e as nossas potencialidades.
Não há sedução política em democracia que recuse a legitimação do Poder pelo sufrágio livre e universal, que não entenda o exercício do Poder no respeito pela regra da alternância. Nesta mesma perspectiva, não há solução política que não aceite a responsabilidade nacional que os, detentores temporários do Poder assumem, ao se comprometerem em não criar situações artificiais ou irreversíveis, com o objectivo de viciarem as condições e os pressupostos da expressão da vontade eleitoral.
Na consciência da importância destas regras do comportamento político está o resultado principal da fase de transição, prevista na Constituição, e que termina agora, depois, de cumprido o seu objectivo.
Como foi constitucionalmente consignado, a fase de transição permitiu normalizar as relações democráticas, criando todas as condições para que se possa proceder a uma revisão constitucional esclarecida, politicamente informada, que seja um factor real de estabilidade.
Realizaram-se as condições necessárias à normal integração das forças armadas nas instituições democráticas.
Contra o que muitos receavam ou previam, as forças armadas souberam cumprir o seu compromisso com o 25 de Abril, contribuindo de modo significativo para a realização dos seus objectivos essenciais e obedecendo, com rigor e com dignidade, aos valores da ética que responsabilizam os militares nas suas funções nacionais.
O Conselho da Revolução, instituição transitória do nosso sistema de órgãos de soberania, soube cumprir a sua missão constitucional sem nunca criar qualquer condicionalismo que ultrapasse o período de vigência da sua responsabilidade.
Recordando o poder efectivo de que dispôs, com uma legitimidade constitucional indiscutível, deve-se sublinhar a moderação que sempre soube ter nas suas decisões e o modo como soube respeitar as indicações da vontade eleitoral.
A contribuição do Conselho da Revolução para a normalização da instituição militar e para a estabilização das 'relações democráticas ainda poderá ser um tema polémico, sujeito como está aos efeitos das diversas tentativas de utilização que foi objecto este órgão de soberania político-militar.
Uma maior distanciação histórica e uma maior serenidade na apreciação dos seus actos virão provar que a sua difícil e complexa missão foi cumprida no quadro que a Constituição lhe atribuiu.
Durante este período de transição também foi possível reduzir às suas exactas dimensões as propostas políticas radicais, demonstrando-se, pela força dos factos, que nem tinham acolhimento eleitoral suficiente, nem eram susceptíveis de realização.
A função dos partidos, como organizações indispensáveis na actividade política em pluralismo, é reconhecida pelos Portugueses, que sabem hoje quais são ai suas potencialidades e as suas condições de funcionamento.
Competindo-lhes a concepção de programas políticos, a apresentação e defesa de alternativas nos confrontos eleitorais, competindo-1hes o exercício do poder e afirmação da oposição em respeito pela legitimidade do voto, são os partidos responsáveis pela criação de condições de expressão política dos cidadãos.
Do rigor com que cumprirem essa sua obrigação depende, em medida essencial, a vitalidade da nossa democracia, porque esta só existe quando os cidadãos se reconhecem na acção e nas decisões dos partidos em que votaram.
Os equilíbrios institucionais estabelecidos entre 01 órgãos de soberania, assentes no princípio da solidariedade institucional, garantem que o Poder só se exercerá com respeito pela expressão da vontade eleitoral em todas as suas manifestações e com todas as consequências que delas decorrem.
As organizações representativas de interesses sociais puderam exercer a sua actividade no quadro das condições legais previstas, o que certamente lhes deu á oportunidade de aferirem o realismo das suas propostas, o grau de adesão que souberam motivar e a adequação existente entre os seus princípios orientadores e as vontades, que afirmam representar.
Neste novo espaço de acção política integram-se como fundamentos estruturais do nosso Estado democrático a afirmação do valor constitucional das autonomias regionais e o reforço das condições políticas da sua plena realização no quadro dos interesses nacionais e em defesa das legítimas aspirações das populações insulares, bem como o processo de descentralização efectiva e participada do Poder.
Em suma, a normalização da vida política, conseguida durante a fase de transição, assegura que estão reunidos, no plano formal, todos os valores definidores da democracia e garante que eles serão confirmados e reforçados com a revisão constitucional que se encontra em fase de conclusão.
A revisão constitucional, logo que concluída com respeito pelas suas normas legais, será a tradução formal do fim do período de transição.
Não representa, em si mesma, uma alteração política essencial, pois nunca esteve na Constituição a razão real dos nossos problemas concretos.

Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PCP.

Mas é o sinal simbólico situado, repito, no plano formal da maturidade da nossa vida política.
Por isso mesmo se espera encontrar aí a tradução política do caminho consensual, a manifestação de

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uma vontade política que está consciente das suas possibilidades e a ponderação dos limites que a todas as concepções são impostos pelo facto de sermos uma democracia.
A revisão constitucional tem, portanto, os seus parâmetros essenciais perfeitamente balizados, tanto no quadro legal como no quadro político.
Não há, assim, motivo para que se duvide da capacidade da Assembleia da República para cumprir, com rigor e com rapidez, este seu mandato expresso e imperativo de rever a Constituição, para que nenhum obstáculo exista, no plano formal, à afirmação da nossa maturidade política e à evolução natural das suas soluções.
Nem sempre, no entanto, os progressos realizados nas dimensões formais da política encontram uma imediata correspondência nas realidades concretas, na vivência quotidiana, na resolução eficaz das dificuldades.
Mas são, sempre, uma condição necessária para que a evolução política se possa processar em perfeita conformidade com o que é normal e límpido em democracia.
O que é normal em democracia é que exista da parte de quem exerce o Poder um esforço determinado para superar diferenças, quando se verifica a continuidade e o agravamento das dificuldades, porque é necessário que não se desperdicem os meios de acção conjunta e a participação interessada dos cidadãos.
Compete, em primeira linha, aos responsáveis partidários apreciar a situação que vivemos e, respeitando os interesses sociais que representam, propor as soluções políticas que consideram adequadas.
É desejável que da apreciação das soluções políticas que se apresentam, ou que se admitam como possíveis venham a resultar condições de maior eficácia na nossa acção política.
Tudo se deve fazer nesse sentido, porque é essencial evitar mais perdas de tempo, de meios e de confiança dos Portugueses:.
Mas se esse resultado desejável não se confirmar, o que é límpido em democracia é que a clareza das alternativas se apresente quando o agravamento das situações indiscutivelmente o exige. Teremos então de confiar que essa clareza e o rigor das alternativas políticas permitam aos Portugueses, pelos modos constitucionais adequados, expressar a sua vontade.
Este quadro de possibilidades que se abre no plano político não pode ser separado da preocupante evolução económica e dos seus efeitos na vida dos Portugueses.
Seria ilusório e injusto esperar dos responsáveis políticos a solução instantânea de todos os nossos problemas, sobretudo quando, como acontece no domínio económico, as dificuldades internacionais exercem uma significativa influência.
Contudo, é legítimo e é necessário exigir desses responsáveis a explicação regular do caminho que estamos a seguir, do sentido exacto das medidas propostas e dos esforços que desenvolvem para criar uma base de entendimento alargada sobre essas questões vitais.
As nossas deficiências estruturais não encontraram ainda a resposta determinada, de conjugação de esforços privados e públicos, sem saudosismos nem complexos, que a democracia exige.
A orientação da política económica tem estado, por vezes, condicionada por argumentos de ordem eleitoral, tornando insegura a linha de rumo e subordinando as decisões económicas às particularidades da evolução política geral.
Os comportamentos de muitos agentes económicos afastam-se de considerações de longo prazo, optando pela exploração de oportunidades momentâneas ou circunstanciais, invocando a inexistência de um horizonte estável e a falta de apoios indispensáveis.
Neste quadro de carência de motivações, de crise de confiança nas nossas próprias capacidades e de insegurança, perdem-se oportunidades reais, esgotam-se esforços vocacionados para o desenvolvimento, generaliza-se uma atitude de impotência perante as dificuldades e o risco.
Esta é, em si mesma, uma atitude preocupante que os indicadores estatísticos confirmam.
Mas é uma situação tanto mais grave quanto se verifica no contexto da negociação da nossa adesão à Comunidade Económica Europeia, objectivo nacional que mereceu um largo consenso político e que tem de ser sustentado por uma vida económica dinâmica e afirmativa.
De facto, o que deveria ser um desafio estimulante para as nossas capacidades e um quadro racionalizador de atitudes e de decisões pode transformar-se num novo motivo de divisão e de dificuldade.
A evolução verificada no plano da política social geral não é menos preocupante.
As limitações materiais que neste domínio se colocam são condicionantes indesmentíveis.
Mas não se pode esquecer que a justiça social e o sentido da solidariedade, valores indiscutíveis em qualquer sociedade moderna, são valores orientadores que se devem respeitar, quaisquer que sejam as limitações que os meios determinem.
Não se exigem soluções perfeitas, mas espera-se uma atitude política comprovadamente orientada pela justiça e pela solidariedade social, uma atitude que não confunda a limitação dos meios com a criação de novas desigualdades sociais.
Essa atitude de procura da justiça e de respeito pela solidariedade é ainda mais necessária quando se pede aos cidadãos o esforço, o sacrifício e a criatividade que são o capital humano da transformação económica.
É nos períodos de dificuldades que os responsáveis políticos melhor revelam as suas verdadeiras capacidades e intenções.
Também por isso é nesses momentos que maior atenção devem prestar à dimensão social da sua política, para que não se perca, no desinteresse e na desmobilização, mais do que se poderia vir a ganhar na eventual contenção dos custos.
Em qualquer caso, o êxito destas políticas não se pode separar do sentido mais geral do consenso político, da atitude de diálogo e de entendimento que se souber imprimir ao exercício do Poder.
Essa é a indicação da história política da Europa, que não podemos deixar de considerar como indicador precioso dos caminhos que queremos percorrer.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados, Portugueses: Vivemos, de facto, tempos difíceis.

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3314 I SÉRIE -NÚMERO 78

São tempos que não permitem continuar a repetir muitas das promessas eleitorais, que a realidade se encarrega de reduzir à sua verdadeira dimensão.
São tempos onde o valor e o rigor das atitudes se devem sobrepor à facilidade das palavras.
São tempos que devem exigir uma meditação serena quanto à validade dos processos e das políticas gerais adoptadas.
Em democracia não é aceitável a passividade e o imobilismo, como não pode haver hesitação na exigência de honestidade, de rigor, de competência, de integral dedicação ao respeito da liberdade e do direito de expressão.

Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS, de alguns deputados do PSD. do PCP e do Sr. Deputado Luís Coimbra, do PPM.

Hoje, quando vivemos tempos difíceis, poderíamos recordar os êxitos importantes que também obtivemos, prestando a nessa homenagem merecida a ledos o;, que para eles contribuíram.
Desses êxitos fica a certeza de que eles foram conseguidos sempre que houve uma vontade determinada de consenso, de confiança na qualidade dos homens e na sua capacidade de entendimento, de respeito pelos portugueses, aceitando todas as implicações das suas opções políticas.
Por isso, devemos 'recordar que em democracia o caminho da negociação, do entendimento e do debate responsável está sempre aberto.
A democracia portuguesa será' continuada e a resposta eficaz às nossas dificuldades será encontrada por todos aqueles que souberem percorrer esse caminho, confiantes que é o único que merecerá o apoio dos Portugueses.
Este é o desafio maior que o presente a todos coloca.
Também para ele temos resposta, na mesma atitude e na defesa dos mesmos valores que nos permitiram vencer outros desafios.
Estamos certos de que saberemos superar as dificuldades para, no essencial, se responder àquilo que, no seu conjunto, os Portugueses exigem e merecem, ver concretizado.

Aplausos do PSD, do PS (de pé), do CDS, do PCP (de pé), do PPM, da ASDI (de pé), da UEDS (de pé) e do MDP/CDE (de pé).

O Sr. Presidente: - Está encerrada a sessão.

A banda da Guarda Nacional Republicana executou de novo o Hino Nacional.

Realizou-se então o cortejo de saída, composto pelas mesmas individualidades da entrada, tendo o Sr. Presidente da República saudado o corpo diplomático com uma vénia ao passar diante da respectiva tribuna.

Eram 19 horas.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Américo Abreu Dias.
Armando Lopes Correia Costa
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Manuel Pereira Pinho
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Luís Figueiredo Lopes.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria Manuela Dias Moreira.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Marques Ferreira Maduro.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
António Emílio Teixeira Lopes.
António José Vieira de Freitas.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Carlos Alberto Rosa.
Eugénio Maria Anacoreta Correia,
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
João António de Morais Leitão,
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Rogério Ferreira Monção Leão.

Partido Comunista Português (PCP)

Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Josefina Maria Andrade.
Vital Martins Moreira.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.
António de Sousa Lara.

OS REDACTORES DE 1.ª CLASSE - José Diogo- Anita Paramés Pinto da Cruz.

PREÇO DESTE NUMERO 60$OO

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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