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I Série - Número 87
Terça-feira, 11 de Maio da 1982
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE MAIO DE 1982
Presidente: Exmo. Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Remos Gomes
Vítor Manuel Brás
António Mendes de Carvalho
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO.- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e de respostas a requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho (ASDI) saudou Sua Santidade o Papa João Paulo II, a 3 dias da sua chegada a Portugal, realçando o profundo significado desta visita para todos os portugueses. Manifestaram concordância com as suas palavras os Srs. Deputados Portugal da Fonseca (PSD), Carlos Lage (PS) e Carlos Robalo (CDS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Rui Amaral (PSD) referiu-se à greve geral convocada pela CGTP para o dia 11 de Maio e às suas implicações na actual e na futura situação política portuguesa. Respondeu, no fim, a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mário Tomé (UDP).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP) defendeu os objectivos da greve geral convocada pela CGTP para o dia11 de Maio e a sua integração na luta dos trabalhadores portugueses.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Luis Marinho (PS) analisou alguns aspectos relativos às consequências de uma possível liberalização do comércio de cereais e ao que actualmente se passa no sector das moagens.
O Sr. Presidente deu a conhecer à Câmara uma mensagem do Sr. Presidente da República.
O Sr. Deputado Carlos Lage (PS), ainda a propósito dos incidentes verificados no n.º 1 de Maio no Porto, apresentou um projecto de resolução no sentido de o Governo suspender preventivamente os comandos da Polícia de Segurança e da Polícia de Intervenção.
O Sr. Deputado Sousa Tavares (PSD) manifestou-se contra a ideia contida no projecto de resolução apresentado pelo Partido Socialista. Respondeu no fim a uma. interpelação do Sr. Deputado Carlos Lage (PS).
O Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) criticou o Governo no que concerne à fala de apoio e estimulo ao desenvolvimento da educação física e do desporto escolar.
O Sr. Deputado Mário Tomé (UDP) referiu-se ao facto de o cidadão Luís Ganhão continuar suspenso das suas funções profissionais, após ter sido por duas vezes absolvido em tribunal da acusação de que era alvo.
Ordem do dia. - Na primeira parte, a Assembleia decidiu prorrogar por mais 90 dias o prazo que foi fixado para o funcionamento das comissões eventuais relativas aos inquéritos parlamentares n.º 8/II, que diz respeito ao processo de liberalização do comércio de cereais, ramas de açúcar e oleaginosas, e n.º 11/II, que diz respeito aos actos do Governo e da Administração que permitiram a um assessor do Governo o acesso a 18 reservas.
Ainda nesta parte do período da ordem do dia, o Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP) fez a apresentação do projecto de lei n.º 335/II, que estabelece garantias de inamovibilidade dos magistrados. Respondeu, depois, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Sousa Tavares (PSD) e António Arnaut (PS).
Na segunda parte do período da ordem do dia concluiu-se a discussão, na generalidade, do projecto de lei n.º 276/II - Lei das Sociedades em Autogestão- apresentado pelo PS, tendo intervindo no debate os Srs. Deputados Mário Tomé (UDP), Narana Coissoró (CDS), Marcelo Curto (PS), Rui Amaral (PSD), António Vitorino (UEDS), Magalhães Mota (ASDI), Herberto Goulart (MDP/CDE), Adelino Carvalho (PS) e Manuel Almeida (PCP).
Rejeitado na generalidade produziram declarações de voto os Srs. Deputados António Vitorino (UEDS) e Marcelo Curto (PS).
Seguidamente procedeu-se à apreciação, também na generalidade, da proposta de lei n.º 95/II (amnistia várias infracções e concede o perdão a várias penas por ocasião da visita a Portugal do Sumo Pontífice), que foi aprovada por unanimidade. Intervieram no debate, além do Sr. Ministro da Justiça e Reforma Administrativa (Meneres Pimentel) -que procedeu à apresentação do diploma-, os Srs. Deputados Armando Lopes (PS), Lino Lima (PCP), Vilhena de Carvalho (ASDI), Sousa Tavares (PSD), Martins Canaverde (CDS), Fernando Condesso (PSD), João Mateus (PPM) e Mário Tomé (UDP).
A requerimento do PSD e do CDS, o diploma baixou à 2.ª Comissão, por um período de 15 dias, para discussão na especialidade.
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Após ter anunciado a entrada na Mesa de diversos diplomas e a ordem do dia da próxima reunião plenária, o Sr. Presidente encerrou a sessão ás 21 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. de Andrade Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Cunha Dias.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
José de Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuela Dias Moreira.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Natália de Oliveira Correia.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas o Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Chaves Medeiros.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Bento Elísio de Azevedo.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Rosa Maria Albernaz.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
António Paulo Rolo.
António Mendes Carvalho.
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António Pedro Silva Lourenço.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Martins Robalo.
Duarte Nuno Correia Vasconcelos.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
José Alberto de Faria Xerez.
José Augusto Gama.
Luís Aníbal Azevedo Coutinho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Paulo Oliveira Ascenção.
Pedro Eduardo Freitas Sampaio.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui António Pacheco Mendes.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Vital Martins Moreira.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
António de Sousa Lara.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
João Mateus.
Acção Social-Democrata independente (ASDI)
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente. Deu-se conta do seguinte
Ofícios
Da UNICOOPCERCI, com sede no Barreiro, remetendo moções aprovadas no Encontro Nacional de CERCIS, realizado em Tróia nos passados dias 17 e 18 de Abril, relativamente a Educação e Reabilitação de Crianças Deficientes Mentais e Situação da Educação e Ensino Especial.
Da Assembleia de Freguesia de Queluz, remetendo os textos de propostas aprovadas em reuniões realizadas nos dias 24 e 30 de Março sobre armas nucleares e política do Governo.
Da Assembleia Municipal de Lagos, enviando fotocópias das moções aprovadas na reunião efectuada no dia 26 de Março findo, sobre os seguintes assuntos: comportamento do presidente da Câmara Municipal de Vila do Bispo; presos do PRP, e situação em El Salvador.
Da Assembleia Municipal de Portel, capeando os textos de 4 moções aprovadas na reunião realizada no dia 31 de Março passado, sobre aniversário da Constituição, Comemorações do 25 de Abril, situação de terras da Reforma Agrária e pacote legislativo sobre o Poder Local.
Da Assembleia Municipal de Sintra, enviando moção aprovada na sua reunião realizada no dia 14 de Abril passado, sobre a revisão constitucional.
Da Assembleia Municipal do Concelho de Valongo, remetendo fotocópia de moção aprovada na reunião do passado dia 24 de Abril, relativamente ao pacote legislativo sobre o Poder Local.
Da Assembleia de Freguesia das Caldas de Vizela (S. João), remetendo o extracto da acta da 3.ª reunião extraordinária, realizada no dia 24 de Abril findo, relativamente à discussão e votação do projecto de lei n.º 209/II, sobre a criação do concelho de Vizela.
Da Junta de Freguesia das Caldas de Vizela (S. Miguel), comunicando a moção aprovada no dia 17 de Abril findo, igualmente sobre o citado projecto de lei n.º 209/II.
Da Junta de Freguesia de Moreira de Cónegos, do concelho de Guimarães, dando conta que não apenas a Junta, mas também a Assembleia de Freguesia, estão contra a integração no futuro concelho de Vizela.
Da Junta de Freguesia de Venade, concelho de Caminha, remetendo um relatório das suas actuações, no actual mandato, e dando conta das carências para resolução urgente.
Do Sindicato doe Trabalhadores do Comércio e Escritórios do Distrito de Leiria, expondo a situação na Euro Audio, Material para Gravações, L.da, ex-Audio-Magnética, nas Caldas da Rainha.
Da Confederação Geral dos Trabalhadores, Intersindical Nacional, enviando a documentação referente às deliberações tomadas no plenário que se realizou em Lisboa, no passado dia 17 de Abril.
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Da Federação dos Sindicatos do Sector das Pescas, com sede em Lisboa, remetendo o texto das conclusões aprovadas no debate público promovido no dia 4 de Abril, sobre o Anteprojecto do Plano Nacional das Pescas.
Cartas
De João Vilaverde Carneiro, recluso no Estabelecimento Prisional de Custóias, remetendo fotocópias das petições que o signatário e restantes reclusos e familiares dos mesmos endereçaram a Sua Santidade João Paulo II, com pedido de amnistia.
De Augusto Nunes, residente em França, congratulando-se pela passagem de mais um aniversário do 25 de Abril.
Dos representantes do Stand Queirós, na Amadora, remetendo fotocópia da exposição enviada à Câmara Municipal da Amadora, relativamente à morosidade na reconstrução do pavimento na estrada do Alto Maduro.
Do MDM - Movimento Democrático de Mulheres Portuguesas, Direcção Distrital de Lisboa, informando que em sua reunião de 17 de Abril transacto teceu várias considerações acerca da proposta de lei n.º 90/II -Lei de Bases da Família-, tendo concluído pela sua inconstitucionalidade.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Nas últimas sessões foram apresentados vários requerimentos. Na reunião do dia 6 de Maio de 1982: ao Ministério da Educação e Universidades, formulado pelo Sr. Deputado Raúl 'Rêgo e ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Mata de Cáceres. Na reunião do dia 7 de Maio de 1982: a diversos Ministérios (5), formulados pelo Sr. Deputado Guilherme de Oliveira Martins; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Arons de Carvalho; ao Ministério da Educação e Universidades (2), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; aos Ministérios da Habitação, Obras Públicas e Transportes e das Finanças e do Plano (3), formulados pelo Sr. Deputado Herberto Goulart; e ao Governo (2), formulados pelos Srs. Deputados Jorge Miranda, Guilherme de Oliveira Martins e Vilhena de Carvalho.
Foram ainda recebidas respostas a requerimentos dos seguintes Srs. Deputados: Magalhães Mota, nas sessões de 12 de Março de 1981, 28 de Janeiro, 10, 16 e 17 de Fevereiro; António Vilar, na sessão de 16 de Setembro; Manuel Lopes e Zita Seabra, na sessão de 18 de Setembro; Anselmo Aníbal e Zita Seabra, na sessão de 12 de Outubro; José Niza, nas sessões de 12 de Outubro e l de Março; Carlos Lage, na sessão de 16 de Outubro; Álvaro Brasileiro, na sessão de 5 de Novembro; Octávio Teixeira, na sessão de 27 de Novembro; António Lopes Cardoso, na sessão de 2 de Dezembro; Bento Elísio de Azevedo e outros, na sessão de 3 de Dezembro; Jorge Lemos, nas sessões de 3 de Dezembro e 25 de Fevereiro; Vítor Brás, na sessão de 18 de Dezembro; João Abrantes, nas sessões de 18 de Dezembro, 4 e 10 de Março; Arons de Carvalho, na sessão de 12 de Janeiro; Leonel Fadigas, nas sessões de 5 de Fevereiro e 3 de Março; Ilda Figueiredo, na sessão de 16 de Fevereiro; Paulo Ascenção, na sessão de 3 de Março, e Guerreiro Norte, na sessão de 18 de Março.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na reunião plenária desta Assembleia da República, de 17 de Outubro de 1978, foi apresentado na Mesa, presidida então pelo Dr. Vasco da Gama Fernandes, pelo Partido Social-Democrata, um voto de congratulação e de saudação, que peço a vénia para transcrever:
Considerando que a eleição do novo Papa, João Paulo II, é, um facto de grande significado para todo o mundo e, em especial, para os povos de cultura católica, como é o caso do povo português;
Considerando as tradicionais relações entre a Igreja Católica e o Estado Português;
Considerando os naturais sentimentos de júbilo e de esperança dos católicos portugueses nesta hora;
Considerando a esperança em prol da Justiça, da Paz e da Fraternidade, que também neste momento anima todos os portugueses de boa vontade;
Considerando que a Assembleia da República é a Assembleia representativa de todo o povo de Portugal:
1.º A Assembleia da República congratula-se pela eleição de Sua Santidade o Papa João Paulo II, associando-se ao ecuménico acontecimento;
2.º A Assembleia da República saúda o novo Sumo Pontífice da Igreja Católica, exprimindo-lhe sentimentos do maior respeito.
Foi este voto discutido e votado, tendo merecido inteira conformidade por parte de todos os partidos representados nesta Assembleia, através de declarações dos deputados João Gomes, do PS, Vital Moreira, do PCP, Nuno Abecassis, do CDS, Acácio Barreiros, da UDP, e por mim próprio, ao tempo em representação do PSD, nos termos seguintes:
Porque os católicos de todo o mundo, os cristãos e todos os homens de boa vontade exultam com a eleição do Papa João Paulo II; porque o povo de Portugal é constituído por grande maioria de católicos, por cristãos e homens de boa vontade; porque a Assembleia da República é verdadeiramente representativo do povo de Portugal, que é seguidor ou, ao menos, respeitador dos princípios de que o Papa é guardião e farol, como sejam a Paz, a Liberdade, a Justiça Social, o Amor e a Solidariedade entre os homens; porque tais princípios e valores fazem parte da ideologia política que professamos e da prática política em que nos achamos empenhados; porque o Papa João Paulo II representa, neste momento, a esperança viva da defesa desses mesmos princípios e valores, contribuímos -o Partido Social-Democrata - com público, para a aprovação deste voto de saudação a Sua Santidade o Papa João Paulo II.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um dia depois da eleição do Papa João Paulo II, foi assim que a Assembleia da República o saudou e lhe exprimiu os sentimentos dos representantes do povo .português.
A 2 dias da sua visita a Portugal, achamos que a Assembleia da República .não «poderá ficar silenciosa nem indiferente a acontecimento de tão alto relevo e importância. Por isso subimos a esta tribuna. Por isso declaramos em nome pessoal, em nome da bancada dos deputados Sociais-Democratas Independentes e em nome de todo o nosso partido, em consonância com a deliberação do seu Conselho Nacional de 8 do corrente, que é geral a nossa alegria pela visita de João Paulo II ao nosso país; que o saudamos, não só como o Chefe visível da Igreja Católica a que pertence a maioria de nós, mas ainda como ver o símbolo da Paz, do entendimento fraterno entre os homens e a justiça possível neste mundo.
Estamos em crer que com os nossos sentimentos comungam não só os cerca de 90 % dos portugueses que se reclamam do catolicismo, como os demais portugueses que professam outras religiões ou que, no seu agnosticismo, não deixam, todavia, de considerar o Homem como pessoa, carecida de ser libertada de toda a espécie de alienação ou exploração, no que todos os homens de boa vontade podem e devem coincidir.
Por tradição, somos um povo de raiz e cultura católica. Desde a fundação da nacionalidade que, com episódicos eclipses, têm sido estreitas, amistosas e frutíferas as nossas relações, como Estado, com a Igreja Católica, havendo Portugal merecido, mesmo, o epíteto de Nação Fidelíssima.
Hospitaleiros também, como somos, como não haveríamos de esperar de todos os nossos concidadãos o máximo de simpatia e de respeito pela honrosa visita que nos vem fazer o Papa João Paulo II?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda não decorreram 4 anos de pontificado de João Paulo II e já dele sobejam, para a história da Igreja e do Mundo, factos que, mesmo de passagem, temos de sublinhar como reveladores de um estilo muito pessoal e inovatório, numa tentativa constante de aproximação dos homens entre si e de reconciliação ou encontro destes com Deus, através da sua Igreja.
Como se sabe, o apostolado de João Paulo II tem sido rico de exemplos no que respeita à inserção do próprio Papa no mundo dos homens e dos seus problemas.
Nessa sua preocupação se inserem as múltiplas viagens feitas através de todos os continentes a países os mais diversos, das mais diversas religiões, cultura, organização política e social ou estádio de desenvolvimento.
Se o cunho religioso e evangélico caracteriza, predominantemente, essas visitas, a verdade é que delas sempre fica aos visitados a mensagem de Paz, de solidariedade entre os homens, e uma palavra de estímulo para constante aprofundamento e prática da justiça social.
A este Papa peregrino, que vem fazendo seus os males do mundo, não escapa a percepção de que é preciso que os homens sejam ou se tornem bons para que os tempos conturbados em que vivemos deixem de ser maus.
E assim colocado bem perto dos homens, não só pela palavra e pelo seu magistério, mas ainda pela comunhão de presença no mesmo sofrimento e nas angústias de cada um e de todos, o Papa torna-se esperança -uma rara e senão única esperança - do concerto deste mundo angustiado.
Mas esse desejado concerto só poderá ter lugar, como condição primeira, se formos capazes, universalmente, de preservar a Paz.
João Paulo II não se tem poupado a esforços para que no mundo seja lançado esse inestimável dom da Paz.
É com esse espírito de missão que se desloca à sede da Organização das Nações Unidas e é ainda disso simbólica expressão a sua visita ao Japão, em cujas ruínas de Hiroshima formulou o seu veemente apelo à Paz, no dia 25 de Fevereiro de 1981, de que transcrevemos esta passagem:
Embora só uma parte das armas disponíveis fosse usada, temos de nos perguntar se estamos deveras conscientes da espiral que isso poderia provocar e se não é uma possibilidade real a destruição pura e simples da humanidade...
Face à calamidade para o Homem, que é toda a guerra, há o dever de afirmar e reafirmar, uma e outra vez, que a guerra não é coisa (impossível de evitar ou modificar. A humanidade não está destinada à autodestruição.
Arauto da Paz, pregador contra todas as formas de violência, tem sido afinal, o próprio Papa, vítima de violências.
As suas visitas ao México e aos Estados Unidos da América, em 1979, foram ensombradas com prisões de confessos terroristas, que declararam, desejar matá-lo.
Em 1981, no Paquistão, uma explosão violenta deflagrou junto do altar em que momentos depois iria celebrar Missa.
E em 13 de Maio do mesmo ano, em Roma, no momento em que acabara de entregar aos pais uma criança de 2 anos, depois de a acariciar, cai baleado por mãos assassinas.
Como é cruenta, afinal, a condição humana!
E como interpelou sabiamente os sentimentos de toda a gente de bem aquela criança que perguntava ao pai, pouco depois do atentado: «Se o Papa é tão bom, porque é que o querem matar?»
Mas a lição magnífica de bondade e de perdão é dada pelo Papa, quando, apenas 4 dias depois, ainda em estado grave, diz na sua mensagem transmitida pela rádio aos peregrinos na Praça de S. Pedro:
Rezo pelo irmão que me atingiu, a quem já perdoei sinceramente.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: -De onde o Papa deseja sempre encontrar-se perto é dos seus irmãos mais carecidos, dos pobres, dos humildes, de todos os oprimidos.
Vai ao seu encontro na favela do Vidigal, no Rio de Janeiro, cuja pobreza o emociona e onde tirou do dedo o seu anel de Bispo de Roma para ser vendido a favor daquela gente humilde, num gesto carregado de amor e de simbolismo; vai ao Sul de Itália, sacudido
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pelo trágico terramoto de 1980, visitando os sinistrados, distribuindo esmolas e consolando a todos na sua situação de desgraça e de tristeza; fala com operários e homens de modesta condição, tanto quanto com intelectuais, ou com políticos e homens de Estado.
O seu magistério não se confina, assim, ao papel de primeiro doutor da Igreja, citando urbi et orbi, a palavra da fé ou do pensamento social segundo a visão e os ditames da Igreja.
Neste aspecto, porém, é o seu pontificado igualmente profíquo.
Além dos inúmeros discursos, mensagens, alocuções sobre os temas mais diversos, sobressaem do seu discurso humano a preocupação pela dignidade e direitos do Homem, na sua carta programática Redemptor Hominis; a sua atenção à Família, bloqueada por ideologias e por situações sociais gravíssimas, que lhe roubam boa parte da esperança e do futuro, na Exortação Pastoral Familiaris Consortio. e, principalmente, a defesa intransigente do trabalhador, vítima tantas vezes de instrumentalização ou mesmo de exploração, na Encíclica Laborem Excercens.
É nesta encíclica que o Papa João Paulo II tem a ousadia de afirmar que:
O trabalho é para homem e não o homem para o trabalho;
A propriedade privada é um direito, mas um direito relativo, porque está sujeita, ao bem comum;
A solidariedade dos trabalhadores e com os trabalhadores é indissociável, na construção de qualquer sociedade livre.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É incontestável o amor de João Paulo II à Humanidade.
A visita que nos faz é uma prova de amor a Portugal.
Aplausos do PSD, CDS, PPM, ASDI e do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria chamar a atenção dos Srs. Deputados para o facto de que há 5 declarações políticas previstas para hoje. Como o tempo é escasso, pedia a concisão possível em intervenções subsequentes às declarações políticas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Portugal da Fonseca.
O Sr. Portugal da Fonseca (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, precisamente porque o tempo é escasso.
Para dizer que o PSD também se congratula enormemente com a vinda do Papa a Portugal, precisamente por ele nos trazer a sua mensagem de Paz, de Humildade e de Justiça.
O Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, da ASDI, levantou o problema que ele é o mais humilde entre os humildes, o mais humano entre os humanos. Estamos absolutamente de acordo com essa humanidade, com esse vigor de justiça, com essa caridade, com essa lição formidável de espiritualismo e humanismo que o representante da Igreja Católica vem trazer a Portugal.
Se o Mundo contemporâneo vive em convulsão, nós, que queremos a paz .e estamos com o Papa, estamos com os portugueses que nesta hora caminham a pé, com sacrifício e amor, juntando-se à prece a Deus para que o Mundo tenha paz, para que Portugal viva em paz, para que todos os homens, sejam mais homens, para que a justiça reine no Mundo.
Também nesse sentido proporemos amanhã a esta Câmara um voto de congratulação pela vinda do Santo Padre a Portugal. Nesse voto exprimiremos sinceramente os sentimentos da bancada do PSD.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): -Sr. Presidente Srs. Deputados: A declaração do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, pelo seu teor e pela sua natureza, não podia deixar de motivar também algumas palavras do Grupo Parlamentar Socialista.
Nós, socialistas, respeitamos todas as convicções religiosas e todas as crenças religiosas, sobretudo quando, como a Cristã, se inspiram nos mais altos valores da fraternidade, do amor ao próximo e da paz. Consideramo-nos honrados pela visita a Portugal de sua Santidade o Papa João Paulo II, o mais alto representante da Igreja Católica e, por conseguinte, encarnando os valores cristãos que muitos de nós, socialistas, perfilham e outros que, não os perfilhando nem os partilhando, os respeitam profundamente. Consideramo-nos honrados, assim, com a visita de Sua Santidade e com a sua presença, tendo a certeza de que a sua viagem a este velho país, renovado pela revolução democrática do 25 de Abril, tem agora mais condições para; o êxito e para uma plenitude do que aquelas que existiam antes do 25 de Abril.
Num mundo onde os conflitos proliferam, num mundo em que recrudescem as ameaças à paz, não podemos também deixar de sublinhar em Sua Santidade o Papa um autêntico embaixador e um paladino da paz.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Saudamos também em João Paulo II o aumento de interesse pelas lutas das classes trabalhadoras e pela libertação do homem trabalhador, pela dignificação do seu trabalho e por uma maior justiça social. Esperamos, assim, que a visita de Sua Santidade seja para todos os portugueses um momento de meditação, um momento de espiritualidade, um momento de solidariedade, e que constitua, por conseguinte, um estímulo para a elevação dos valores morais, espirituais e religiosos.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Muito brevemente, ainda que o Grupo Parlamentar do CDS vá fazer uma declaração política sobre o mesmo tema, não podemos deixar passar a declaração do representante da ASDI, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, sem o apoio, sem uma felicitação, referindo bem claro o quanto o pontificado de João Paulo II merece já.
Daí a nossa adesão e a nossa felicitação pela intervenção política com o apoio total da mesma, indepen-
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dentemente do Grupo Parlamentar do CDS fazer também uma declaração política sobre o mesmo tema. Inesperadamente o deputado encarregado de a fazer ainda não chegou. Mas ainda hoje ou amanhã faremos também uma declaração política sobre o assunto.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral, também para uma declaração política.
O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai ter lugar amanhã uma nova tentativa de greve geral convocada pela Intersindical, bem como por alguns sindicatos mais, com idêntico ideário político.
O manifesto insucesso da última tentativa realizada há apenas 3 meses, insucesso incontestável sobre diferentes pontos de vista, não justificaria que o meu partido sob este tema gastasse o tempo da declaração política da semana. A visita do Papa ou o termo dos trabalhos da Comissão de Revisão Constitucional seriam, à primeira vista, outros factos de impacte político mais saliente, mais agradável e seguramente mais mobilizadores ou esperançosos. Acontece, porém, que é manifesto, ao referimo-nos à tentativa da greve geral, estarmos inevitavelmente caídos em considerações intimamente relacionadas, como sejam, e acima de tudo, a revisão da Constituição, e acessória, mas significantemente, a visita de Sua Santidade João Paulo II.
Outros aspectos vão, porém, ser chamados à colação nesta breve intervenção, aos quais não poderemos deixar de referir-nos.
Antes, porém, seja-me permitido tecer considerações de fundo, intemporais na conjuntura, a respeito da greve geral.
No domínio dos conceitos que em matéria desta natureza não é dissociável no domínio da política tout court, a greve geral é, na concepção leninista da Intersindical -diga-se, em abono da verdade, nunca por ela renegada -, a forma mais clara da acção política, ou se quisermos, da acção sindical - no caso tanto vale - em termos de uma estratégia de actuação consertada e coerente. Para os leninistas, a democracia representativa que estamos finalmente em vias de começar a viver corresponde a uma forma evoluída de domínio da burguesia, domínio esse que se exerce com a repressão política e económica do proletariado. Por isso, a democracia representativa ou pluripartidária, em que o poder político é exercido pelos representantes eleitos temporariamente e em liberdade de sufrágio pelo povo, tem uma incompatibilidade radical e insanável com o objectivo da ditadura do proletariado, do governo exercido pela vanguarda esclarecida, ou iluminada, desse mesmo proletariado, que é o Partido Comunista.
Nesta conformidade, a prossecução consequente do ideário leninista supõe intrínseca e indissoluvelmente que por todas as vias ou meios -e estes, recorde-se, estão sempre justificados pelos fins, como o trágico 1.º de Maio no Porto é bem o exemplo de quão longe se pode ir nesta tese - se impeça, não necessariamente, a instauração, mas seguramente a consolidação do regime democrático pluripartidário. E dizemos que não necessariamente a
instauração, porquanto em ditadura não comunista os meios de actuação são mais limitados e é possível manter a confusão na opinião pública entre actuações revolucionários e atitudes libertadoras. Por isso o PCP foi aliado, e importante, por vezes, de outras forças libertadoras até ao 25 de Abril, por isso tão bem se apressou a liderá-las num processo que levaria um golpe decisivo em 25 de Novembro. Entre estas duas datas, a análise objectiva dos factos denota claramente uma estratégia conhecida, executada com frieza e coerência, com assinalável sucesso e, portanto, com significativos custos económicos e sociais para todos os portugueses, sobretudo os trabalhadores e, de um modo geral, todos os mais desfavorecidos.
O PCP foi assim violentamente contra a Constituição por métodos bem sentidos pelos próprios parlamentares constituintes, do mesmo modo que seria, está a ser e será inevitavelmente contra a eliminação dos seus aliados objectivos, cuja existência defende da não consecução da revisão da Constituição.
Se é verdade que para nós sociais-democratas, para nós democratas, a revisão da Constituição é um imperativo da própria democracia, mas um imperativo do 25 de Abril como movimento liberta, dor, não do proletariado e muito menos da sua vanguarda iluminada, mas de todo um povo, não é menos verdade que a revisão da Constituição corresponde, para o PCP, de uma forma que todos nós democratas havemos de crer que seja irreversível, a um gravíssimo desaire ,em termos estratégicos globais. Sem o Conselho da Revolução, a democracia afasta-nos mais de quaisquer vanguardismos, também aí pretensamente e paralelamente iluminados. Com a revisão da Constituição, apesar das severas limitações de todos conhecidas, resta ao PCP uma margem de manobra muito reduzida. Dos mecanismos encapotados, sem ou com fardas, tem de se passar exclusivamente para a acção de rua, aberta, sujeita ao controle e à crítica mais fácil de todo um povo e, sobretudo, de todos os trabalhadores, facilmente arrebanháveis sob a demagogia revolucionária em clima de recessão económica. Não seria, pois, de estranhar, quanto a nós, que o PCP desencadeasse neste período que se aproxima do seu termo todas as acções que estão ao alcance do seu espantoso arsenal de guerra política e social. Trata-se não de uma luta de vida ou de morte, mas trata-se de procurar evitar, por «todos os meios, que caia uma vez mais depois de 1975, a capa da democracia e das amplas liberdades. Somos daqueles que apesar de tudo sempre defendemos que o PCP é um partido que não pode ser excluído da democracia, não porque jogue nesta democracia o jogo da democracia, não porque seja o adversário leal que reconhece a derrota ou exerce os direitos correspondentes à vitória das umas em respeito pelo sistema pelo qual eventualmente ganhou, mas porque sempre aspirámos à chegada do momento que se aproxima, ou seja, sempre esperámos sinceramente ver o PCP forcado a jogar abertamente a batota da democracia, porque a democracia não é o seu jogo nem a libertação do homem da exploração, o seu objectivo. A batota está em vias de desaparecer ou, digamos melhor, uma das melhores formas de batota porque
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é jogada com cartas iguais - o voto popular e a presença em seu resultado no poder democrático.
Agora, ou dentro de algumas semanas em diante, continuarão a existir também tentativas de jogar viciado, mas convenhamos que será extremamente mais difícil porque haverá que utilizar mecanismos de actuação mais claros e abertos.
Tudo isto é suficiente a nosso ver para justificar ou, melhor, para entender a dificuldade do momento que o PCP atravessa e para todos compreendermos melhor que o desencadear de acções de tão ampla envergadura, como a que conduziram às trágicas mortes do 1.º de Maio ou às tentativas de greve geral de 12 de Fevereiro e de amanhã, ao atentado contra o secretário-geral da UGT, à violência física na Marinha Grande e a outras de diferente- impacte público, mas da que não excluiremos uma tentativa insurreccional global oportunamente denunciada pelo insuspeito secretário-geral do Partido Socialista - um adversário político, mas um democrata e um patriota indiscutível -, tudo isto, dizíamos, é infelizmente para todos nós e para todos os portugueses amantes da liberdade, somente uma parte do que por certo irá acontecer. Até ao dia da entrada em vigor da lei da revisão constitucional outras acções se seguirão. Que ninguém se iluda, porque, como atrás se afirmou, este é a mais grave batalha que o PCP trava depois do 25 de Novembro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é, porém, legítimo fazer uma extrapolação PCP/CGTP de forma ligeira. Em primeiro lugar, porque o respeito que nos mereceram as organizações de trabalhadores e, sobretudo, pelo respeito que nos merecem os trabalhadores, mesmo os que militam nas organizações sindicais afectas ou filiadas na CGTP, impõe que não identifiquemos a priori o PCP com as acções tantas vezes legítimas e justificadas de sindicatos, mesmo afectos à Intersindical e mesmo que essas acções possam ser de Luta sindical aberta, como a greve, ou possam eventualmente concertar-se ou concentrar-se em determinado momento em paralisações simultâneas. Se para uns pode ser difícil e para outros menos claro, pela nossa parte recusamo-nos a qualificar de greve geral o que seja um conjunto de greves concertadas, mesmo que visem objectivos normais de acção sindical E a conjuntura que vivemos, aliada a outros factores pelos quais os trabalhadores não podem ser responsabilizados, justifica só por si um certo agravamento de tensões sociais, fenómeno que é típico, aliás, destas conjunturas em qualquer democracia em que os direitos sindicais sejam inteiramente reconhecidos.
Daqui, porém, para uma greve geral vai um salto qualitativo tremendo, que importa clarificar.
Porque a greve geral já não é, pela sua natureza e pela sua filosofia, uma actuação sindical inserida na observância das regras democráticas. Lesa-as, serve-se delas e dos direitos que dela emergem, mas visa obter finalidades políticas que só o povo, no seu conjunto ou os seus representantes para tanto expressamente qualificados e mandatados, tem legitimidade para exercitar - nunca uma minoria iluminada ou corporativizada, mesmo que essa minoria o não fosse, o que não é o caso, felizmente, em termos relativos, em relação ao total do eleitorado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A greve geral é, portanto, não o problema de sabermos se todos os sindicatos a convocam ou não, não o problema de sabermos se o direito à greve pode ou não ser exercido, e isso, apesar de tudo, é para nós inequívoco, mesmo que constitua um atentado grave contra a democracia. A greve geral é, fundamentalmente, uma intenção revolucionária ou, se quiserem, porque não temos medo das palavras, que, aliás, nem são nossas, um acto de pretendida insurreição social generalizada. É um atentado contra a democracia, é, em suma, uma tentativa importante de pôr em causa essa mesma democracia. Também, por esse motivo, a responsabilidade dos trabalhadores e dos sindicatos é acrescida, porque a nenhum sindicato e muito menos a nenhum sindicalista é aceitável que não se demarque totalmente pelo menos da contabilização, que não é menos importante do total de paralisação em que participam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resta-me, em nome do meu partido, fazer uma última breve reflexão.
Rejeitando qualquer aproveitamento político da visita do Papa, no que, aliás, não seríamos nem primeiros nem mesmo os segundos, não podemos deixar de registar que a greve geral é marcada para a véspera da vinda do mesmo Papa a Portugal. Se não bastasse de desaforo e de tentativa ignóbil de aproveitamento político de um acto de amizade e de elevada consideração universalista por todos os portugueses, haveria que acrescentar que se trata de um Papa polaco cujo sangue é o mesmo sangue dos trabalhadores polacos do Solidariedade, encarcerados em prisões às ordens dos aliados do PCP e também da Intersindical Nacional por terem pretendido exercer direitos sindicais fundamentais, entre os quais também o direito de greve.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Que mal feito!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o número das declarações políticas que ainda estão previstas, que é de 3, para além da mensagem que tenho para ler à Câmara do Sr. Presidente da República, não é já compatível com a utilização, a meu ver, dos pedidos de esclarecimento e protesto, uma vez que o período de antes da ordem do dia termina às 16 horas e 25 minutos.
Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Mário Tomé, que fica inscrito para a próxima sessão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brita (PCP):- Sr. Presidente, temos todo o interesse, naturalmente, em tomar conhecimento da mensagem do Sr. Presidente da República.
No entanto, não entendi bem qual a interpretação do Regimento que o Sr. Presidente acaba de fazer, no sentido de não dar a palavra para pedidos de esclarecimento. Não compreendi de maneira nenhuma.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que disse foi o seguinte: como tenho aqui inscrições para três
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declarações políticas, como tenho de ler a mensagem do Sr. Presidente da República, como o período de antes da ordem do dia termina às 16 horas e 25 minutos, o tempo não é compatível com a utilização destas várias figuras.
Dessa forma, como temos feito noutras ocasiões, proporia inscrever os pedidos de esclarecimento ou os protestos, em relação às intervenções produzidas hoje, para a próxima sessão.
O Sr. Carlos Brito (PCP):- Sr. Presidente, isso tem-se feito apenas e só depois de terminado o período normal de antes da ordem do dia.
O Sr. Presidente sabe tão bem como eu que as declarações políticas são sempre produzidas, ainda que esgotado o período de antes da ordem do dia. é a partir do esgotamento do período de antes da ordem do dia que deixa de haver lugar para pedidos de esclarecimento, ficando os Srs. Deputados que os fazem inscritos para a sessão seguinte.
Quanto à questão da mensagem do Sr. Presidente da República, o Sr. Presidente tinha duas opções: ou iniciava a sessão pela sua leitura -compreendo que o não tenha feito, talvez porque estavam ainda poucos Srs. Deputados na Sala -, ou lia a mensagem logo que terminado o período de antes da ordem do dia. O Sr. Presidente tem sempre oportunidade de ler essa mensagem, já que não está subordinado a nenhum condicionamento regimental.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vale a pena estar a utilizar muito tempo.
Podemos fazer como o Sr. Deputado sugere, sendo certo que me parece que já se tem feito, também, de outra maneira, havendo consenso para isso. Uma vez que não há, dou a palavra ao Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Carlos Brito (PCP):- Só mais 1 minuto, Sr. Presidente, para dizer que nem sequer estou a ter em conta a situação concreta.
O que me pareceu é que poderia ficar um precedente de interpretação regimental que, de maneira nenhuma, pode ser adiantado - e penso que com vantagem para os diferentes partidos - sem uma melhor consideração, pelo menos em conferência dos grupos parlamentares.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, gostaria, antes de formular o pedido de esclarecimento, de interpelar a Mesa no sentido de que, efectivamente, demonstrei pouca vigilância nesta situação, na medida em que o Sr. Presidente colocou as questões da forma que colocou, tendo-as eu aceite à partida.
Não o devia ter feito, já que é norma que 20 minutos antes de terminar o período de antes da ordem do dia se coarcte a possibilidade de se fazerem pedidos de esclarecimento, protestos e respectivas respostas. Nunca se fez isso.
O que se tem feito, efectivamente, após o período de antes da ordem do dia se ter esgotado, é continuar-se a fazer declarações políticas, sendo que é em relação a estas que os respectivos pedidos de esclarecimento e protestos ficam inscritos para a sessão seguinte. Esta é que tem sido a prática tradicional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a verdade é que já se tem feito.
No entanto, uma vez que a questão é posta, não tenho dúvidas nenhumas em dar a palavra ao Sr. Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Rui Amaral: Não tive ocasião de ouvir toda a sua declaração política. No entanto, a parte final, que ouvi, chega perfeitamente para justificar o meu pedido de esclarecimento.
Queria perguntar ao Sr. Deputado se, na sua opinião, os trabalhadores portugueses devem aceitar ser governados da forma truculenta como o têm sido - os atentados sistemáticos aos seus direitos, quer políticos, quer sociais, quer culturais, são a norma -, sé devem aceitar ser abatidos na rua pelas forças policiais às ordens do Governo da forma intolerável como o foram na madrugada do dia 1.º de Maio, a centenas de metros do local onde havia concentrações populares e onde, teoricamente, a polícia deveria manter aquilo a que ela (ou o Governo) chama a ordem.
Entende o Sr. Deputado que os; trabalhadores devem aceitar tudo isto e devem ficar, depois, paulativamente à espera que a Assembleia da República, ou seja a maioria AD, lhes vá dar razão e vá exigir aquilo que eles exigem através da greve geral, isto é, a queda, a saída, a demissão do Governo?
Os trabalhadores, efectivamente, não podem esperar isso. Têm de usar as suas armas, que se traduzem hoje na greve - neste caso muito concreto a greve geral-, como forma mais elevada da luta, de concentração de esforços, de unidade contra um inimigo comum que é o governo AD.
Só a atitude colaboracionista da central sindical do patronato, como é a UGT, não permite que os trabalhadores da UGT adiram formalmente à greve, embora eu esteja certo de que eles vão aderir de uma forma bastante maior do que no dia 12 de Fevereiro à greve geral proclamada pela CGTP.
A classe operária imporá, de facto, com os seus piquetes, a greve nas grandes empresas, nos locais onde ela se vai realizar.
A minha pergunta é no sentido de saber se o Sr. Deputado acha que isto é insurreição, se acha que o povo não tem o direito a revoltar-se contra a arbitrariedade, permanente e sistemática, deste governo, se não tem o direito de exigir a queda do governo AD, quando dele apenas tem recebido mal-estar, assassinatos, repressão e limitação dos seus direitos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Rui Amaral.
O Sr. Ruí Amaral (PSD):- Sr. Presidente, é um bocado difícil responder ao Sr. Deputado Mário Tomé, já que utilizamos uma linguagem completamente incompatível.
O Sr. Deputado não utiliza, aqui, no Parlamento, a linguagem da democracia, que é aquela que uso e que ele deveria respeitar, uma vez que é um deputado eleito. O Sr. Deputado usa a linguagem da revolução
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e da insurreição. É, portanto, um bocado difícil responder face a esta situação.
De qualquer modo, gostaria de dizer ao Sr. Deputado que sou dirigente sindical, que já fiz greves contra, digamos, objectivos da Aliança Democrática e que o meu sindicato também já as fez. Não é isso que está em causa.
A democracia entendida sob o meu ponto de vista não corresponde, evidentemente, ao seu conceito de democracia. É mau que o Sr. Deputado esteja aí sentado, porque é ao abrigo do meu conceito de democracia que isso acontece.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Estou aqui por direito próprio!
O Orador: - É mau que se sirva abusivamente desse direito para vir para aqui defender coisas que não têm nada a ver com isto.
O Sr. Deputado deveria renunciar ao seu mandato e ir para a rua. Era lá que gostava de o ver, não era aqui. O seu mandato não lhe permite isso.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - É a luta do povo que leva a que eu esteja aqui!
O Orador: - O Sr. Deputado também faz a batota que faz o PCP, embora de uma forma eventualmente mais aberta. É essa, aliás, a única diferença. Menos consequente, é certo, mas mais aberta, diga-se em abono da verdade.
Gostaria de lhe dizer, portanto, que os seus pedidos de esclarecimento não podem ter resposta. Responder-lhe-ei só -se é que isso é resposta- que ...
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Já respondeu!
O Orador: - ... em democracia o poder se disputa, Sr. Deputado, através de eleições livres, através do voto popular, expresso periodicamente, nos termos de normas previamente estabelecidas.
Este governo é perfeitamente legítimo e só pode ser afastado, naturalmente, nos termos do estabelecido na Constituição da República, a qual o senhor e alguns dos seus companheiros tanto apreciam em certo sentido.
Está lá estabelecido como é que este governo pode ser afastado. Não é, naturalmente, por manifestações de rua. Seguramente, porque nós não o consentiremos, o Governo não cairá por manifestações de rua.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Mário Tomé (UDP):- Respondeu muito bem. Estamos esclarecidos!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de, começar a minha declaração política, gostaria de, em nome do meu partido, fazer um protesto relativamente à intervenção aqui proferida pelo Sr. Deputado do PSD, Rui Amaral. De facto, não é só um protesto. Será também um voto de pesar.
O Sr. Deputado veio aqui atacar os trabalhadores e tomar as posições que, com muito gosto, a bancada do CDS tomaria. É pena, mas ao mesmo tempo será, com certeza, bom para si, porque da próxima vez não será eleito para o Conselho da Europa à quarta vez, mas terá, desde o início, o apoio do CDS, e será eleito logo à primeira.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um comentador político, a propósito da declaração da greve geral para o dia 11 de Maio, afirmava neste fim de semana que para o movimento operário e sindical «parar era morrer».
Será uma expressão exagerada, mas em cada dia que passa, analisando a situação económica e social, analisando e julgando a acção política do Governo e da AD, os trabalhadores ganham cada vez mais consciência de que se parassem com a sua luta ou abdicassem do uso dos seus direitos constitucionais a democracia correria perigo de morte.
Não é o movimento pelo movimento, não é a luta pela luta.
Carecerá de justificação lutar contra a ofensiva inconstitucional, ilegal, arbitrária e violenta que o governo AD desencadeia contra a Reforma Agrária e as nacionalizações?
Não será razão suficientemente forte o lutar contra a política económica desastrosa do Governo, que leva à estagnação e à crise da indústria e da agricultura, aos défices monstruosos da balança comercial e de pagamentos, ao dramático endividamento externo que levaram já Balsemão publicamente a pedir esmola ao estrangeiro numa demonstração de incapacidade e falta de dignidade nacional?
Uma voz do CDS: - E quem é que contribuiu para isso? Quem foi?
O Orador: - Respondo no fim.
Poderá alguém, que esteja no campo democrático, não compreender que os trabalhadores lutam contra o agravamento brutal das suas condições de vida, contra os despedimentos, a liquidação de benefícios sociais, a repressão patronal e estatal?
Carecerá de fundamentação a luta dos trabalhadores contra a monopolização, governamentalização e partidarização ilegal da RTP e de outros órgãos de comunicação social onde o governo AD calunia, desinforma, censura e tenta perverter a opinião pública, virando o seu ódio contra o exercício dos direitos e das liberdades dos trabalhadores, que atingiu o auge na «inssureição dos pregos»?
A perda progressiva da independência nacional, a guerrilha constante com outros órgãos de soberania, o próprio funcionamento desta Assembleia onde a AD muitas vezes usa a chicana e a violação do Regimento, são também razões para que os trabalhadores lutem em defesa das instituições democráticas. Estas eram, Sr. Presidente e Srs. Deputados, razões já bastantes para justificar plenamente a declaração da greve geral para amanhã.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Mas o governo AD, numa nova manifestação de ódio classista, foi responsável pelos mais graves acontecimentos até hoje verificados desde o 1.º de Maio de 1974. Promovendo e instigando a actuação da polícia de intervenção, mandou agredir selvaticamente os trabalhadores e a população na Baixa portuense, traduzida em mais de uma centena de feridos, numa dezena de baleados e em 2 mortos, Pedro Manuel Vieira, operário têxtil, de 24 anos, e Mário Emílio Gonçalves, de 17 anos.
A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Assassinos!
O Orador: - Quando o meu camarada Carlos Brito aqui produziu uma declaração política sobre os acontecimentos, descrevendo a violência da polícia, houve um aparte de um ferrenho deputado governamentalista que expressou bem os conceitos do seu governo. Dizia ele então, irónico, que estava quase a chorar. Não é apenas a frieza de sentimentos e indiferença de alguns pelos mais elementares dos direitos humanos.
O cerne da questão é o facto de o governo da AD não suportar o exercício, no quadro do regime democrático-constitucional, dos direitos e das liberdades usados pelos trabalhadores. No Porto usou a violência brutal, a intimidação e o terror, numa grande operação previamente montada para tentar institucionalizar as proibições nos sítios mais apropriados e mais tradicionais das grandes; iniciativas do movimento sindical unitário.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Esta grande operação não resultou. Apesar dos meios usados nesta acção terrorista, cerca de 100 000 trabalhadores do Porto comemoraram o 1.º de Maio no local onde sempre o fizeram, consagrando uma grande derrota política da AD e uma grande vitória política dos trabalhadores, da sua central sindical e do regime democrático português.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Mas o que é espantoso é a atitude do Governo e dos seus apoiantes. Mal saíram de uma histeria e já estão a entrar noutra. Perante a declaração da greve geral para amanhã, o Governo, alguns jornais reaccionários e a bancada do CDS (e parece que também, agora, o Sr. Deputado Rui Amaral) montaram a cabala de que esta acção dos trabalhadores visa prejudicar a visita do Papa a Portugal.
É uma caluniosa invenção lançada para confundir a opinião pública e particularmente os trabalhadores católicos.
A marcação da data, tal como já foi explicado pelo movimento sindical, resultou da irreprimível onda de indignação e revolta provocada pelos graves acontecimentos no Porto. Após os plenários deliberativos havia que respeitar os imperativos legais do pré-aviso de greve, que nalguns casos exigem a antecedência de cinco dias. Mas aquilo que melhor serve para desmascarar a cabala da AD é o facto de a CGTP, através dos seus sindicatos, ter garantido o transporte para os peregrinos, assim como os sindicatos de hotelaria de garantirem as refeições aos que estejam em trânsito para Fátima.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Esta prova de respeito pela crença e pela prática do culto demonstram um sentido de tolerância e de convivência social que na opinião do PCP se devem manter, consolidar e desenvolver. A entrevista concedida pelo Sr. Cardeal António Ribeiro à CGTP, a pedido da central sindical, tem neste quadro um relevante significado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quem se recordar destes anos de governação AD e estudar atentamente as suas posições e atitudes em todas as lutas que os trabalhadores portugueses têm travado chegaria a esta conclusão preocupante: nenhuma manifestação, nenhuma greve, nenhuma forma de luta legal que tenha sido desencadeada pelos trabalhadores mereceu outra resposta da AD que não fosse a repressão, a calúnia e o invencionismo. Estejam em causa objectivos concretos, lute-se pela defesa da democracia, a palavra da ordem da AD é sempre a mesma: o confronto e a violência. Não o faz por ignorância. Fá-lo porque não suporta a democracia. Fá-lo porque reconhece no movimento dos trabalhadores o obstáculo mais forte que a impede de destruir as transformações sociais, económicas, políticas e culturais que o nosso povo conquistou e materializou depois do 25 de Abril de 1974.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Desde a intenção dei promulgar leis antioperárias para o mundo laboral até à aplicação, hoje mesmo verificada, do pacote para a função pública; desde os despedimentos na Standard Eléctrica à repressão na fábrica da loiça; desde a destruição da? UCP e cooperativas à destruição na SNAPA nacionalizada; desde a histeria de violência na greve geral do dia 12 de Fevereiro à histeria sanguinária e terrorista da noite de 30 de Abril e madrugada do l.º de Maio, no Porto, existe um fio condutor que põe a nu a filosofia política e social da AD: não sabe, não quer, não pode viver em democracia, porque a sua missão é restaurar os privilégios dos monopolistas e dos latifundiários, esvaziando de sentido a Constituição e as realidades de Abril.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Perante as suas derrotas consecutivas quando enfrenta a luta popular, deita mão de todos os esquemas e métodos para se aguentar no poder na mira de conseguir concretizar os ganhos que está a ter no processo da revisão constitucional.
Nas vésperas de uma nova greve geral é importante reafirmar que se os trabalhadores lutam contra alguém e por alguma coisa: é contra a política antioperária, antipopular, e antinacional do governo AD; é pela resolução dos grandes problemas nacionais, pela defesa dos seus direitos e dos seus interesses na procura constante de reconduzir Portugal aos caminhos de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora sem grande campo de manobra, a campanha da AD contra a greve geral de amanhã já começou. O Ministro da Administração Interna, Ângelo Correia, é um caso típico da pessoa que, apesar das suas limitações, em matéria de provocação, pode ser tão perigoso como qualquer reaccionário inteligente. Se ele não
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percebeu a figura ridícula que aqui fez no Parlamento aquando da interpelação sobre os acontecimentos da greve geral do dia 12 de Fevereiro nunca perceberá nada. Mas o que está em jogo não é que ele perceba ou não perceba. Por isso, porque é um Ministro indigno do Portugal democrático, deve ser demitido, como dissolvida deve ser a Polícia de Intervenção, que sob a sua responsabilidade praticou os negros actos da madrugada do 1.º de Maio no Porto.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da UDP.
Mas responsável com o Ministro Ângelo Correia é todo o governo da AD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Comunista Português, com a sua profunda confiança nas forças imensas da democracia, na unidade e na luta dos trabalhadores portugueses, saúda a decisão do movimento sindical unitário em usar mais uma vez um direito que eles conquistaram e que os constituintes lhes reconheceram.
A AD cairá. Não conseguirá impor o regresso. Amanhã, centenas de milhar de homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, estarão a defender o Portugal da liberdade, o Portugal de Abril, o Portugal tolerante, da paz, do progresso e determinado, que não voltará para trás porque a democracia tem mais força.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos no limite do período de antes da ordem do dia.
O Sr. Deputado Sousa Tavares, logo no início da declaração do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, tinha feito sinal de que pretendia interpelar a Mesa.
Se ainda o deseja fazer, tem a .palavra para esse efeito.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, esse desejo está ultrapassado. De facto, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não pode protestar!
O Orador: -... fez um protesto numa altura em que o não o devia ter feito.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Essa é boa! Porquê?
O Orador: - O Sr. Deputado devia ter pedido a palavra para o protesto quando o Sr. Deputado Rui Amaral estava a intervir ou quando ele acabou.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Deve ser por que é depois do almoço!
O Orador: - Não era depois, na altura em que vai fazer uma declaração política, que o devia ter feito.
Acho, portanto, que a Mesa deveria ter reparado nisso.
O Sr. Presidente:- Sr. Deputado, respondendo à sua interpelação, diria que uma declaração política pode ser, naturalmente, proferida de improviso ou a partir de um texto escrito.
Cabe ao deputado que o faz escolher os termos em que deseja afirmar-se. Se um deputado pretende iniciar uma declaração política por palavras de protesto, mesmo em relação a qualquer coisa de recente, penso que não está nos poderes da Mesa limitar-lhe essa pretensão, muito embora o Sr. Deputado pudesse, eventualmente, ter feito o seu protesto, do seu lugar, antes de começar a declaração política.
Ficam inscritos para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Leonel Rita e Rui Amaral.
Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Luís Marinho.
O Sr. Luís Marinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se para nós a questão dos cereais tem a ver com a subsistência dos portugueses, para outros ela tem a ver com a abastança de alguns, portugueses ou não. É que, pela própria lógica das coisas, o negócio dos cereais é um negócio sofisticado nos seus meandros, volumoso em termos financeiros e chorudo em termos de lucro. Basta lembrar que só no primeiro semestre de 1981 a produção industrial de alimentos à base de cereais, quer para o consumo humano quer para o consumo animal, ultrapassou os dois milhões de toneladas, com um valor da ordem dos 24,5 milhões de contos, o que dará, em estimativa, um volume de 50 milhões de contos a preços de 1981.
Ora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a importância dos negócios, mede-se pelo seu volume e não é novidade para ninguém que por detrás deste «balúrdio» de dinheiro se vem movendo, desde há muitos anos a esta parte, interesses comerciais, industriais e financeiros poderosos, como, aliás, já ficou bem patente aquando da questão da liberalização do comércio de cereais e eliminação do monopólio da EPAC por proposta do anterior Governo, que desembocou numa comissão parlamentar de inquérito, como estamos lembrados.
Mas se muitos sonhos ficaram adiados e mesmo se alguns projectos se suspenderam à luz das dificuldades colocadas então pelas pressões da opinião pública e pela consequente atitude desta Assembleia, isto é, se o funcionamento transparente da democracia e a acção fiscalizadora desta Câmara impediram, pelo menos momentaneamente, que o processo de liberalização do comércio e importação de cereais, e consequente destruição da EPAC, se materializasse, nem por isso a questão global se encontra encerrada, sendo já claro que agora, por outra via, se vão preparando as coisas para que o resultado sonhado seja possível.
Não diminui, de facto, a gula dos que teimam em fazer da alimentação dos portugueses o pasto preferido da sua fome de dinheiro!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A agitação que se pressente no sector das moagens, as preocupações expressas por alguns industriais a membros do Governo, notícias vindas a público nos órgãos de comunicação social, a recente substituição do conselho de administração da empresa Portugal e Colónias, a sucessão cronológica e causal de certos factos relevantes, tudo isso analisado à luz do princípio elementar de que estão em jogo negócios muito rendosos e ambições de industriais e homens de influência com passado conhecido no sector da grande moagem não são elementos desprezíveis para que não se possa concluir que algo mexe e se encontra em andamento neste campo de actividade económica.
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É que o que aqui se discutiu a propósito do chamado «caso EPAC» e tudo o que veio à tona do conhecimento da opinião pública é simplesmente uma faceta de um projecto bem mais complexo e profundo.
De facto, a problemática do negócio dos cereais e da sua dominação e controle por grupos privados nacionais, ou em associação com multinacionais estrangeiras, não se resume à questão de saber se a importação e comercialização dos mesmos haverá de ser concebida através de monopólio legal do Estado - como é o caso da nossa situação actual - ou, liberalizando, através de oligopólio, com forte preponderância de grupos privados.
A disputa política não reside só, na alternativa, mercado fechado, com EPAC, monopólio estatal, ou mercado aberto, com Lusograin ou Intergrain a concorrer.
A questão é bem mais ampla e tem a ver, isso sim, com o controle de todo o sector produtivo dos cereais, desde a compra ao produtor no mercado interno, ou importação nas bolsas internacionais, até à moagem e desta à colocação da farinha à porta do padeiro.
É pois a jusante da comercialização que se colocam os problemas que hoje nos preocupam. De facto, por intervenção desta Câmara não foi para a frente o projecto de liberalização do comércio de cereais. A EPAC é pública, continua a sê-lo e não há, neste momento, força política capaz de modificar a situação. A pressa dos interesses perdeu o negócio e o negócio acabou em escândalo.
Há, pois, para os que querem prosseguir, que começar por outro sítio, exactamente pela moagem. E o que se trata é simples: constituir um poderoso cartel moageiro privado que apareça como o grande cliente dos grupos que controlarão o comércio e a importação. Enquanto esta segunda possibilidade está congelada vai-se trabalhando na primeira.
Constituído o cartel será «ouro sobre azul». A força deste impor-se-á naturalmente. E quando for tempo de liberalizar o comércio é só ocupar o espaço que está lá para isso mesmo. Então aí, as multinacionais do trigo já têm parceiros fortes no mercado interno para negociar. E não se vão embora como foram no caso da Intergrain, quando a confusão ainda era muita e o barulho maior ainda.
Do mesmo modo que o obstáculo à dominação privada do comércio e importação é a existência no sector de uma empresa pública como a EPAC, assim também, para a dominação privada das moagens, é a existência de uma empresa maioritariamente do Estado, como a Portugal e Colónias.
Ora, numa altura em que o Governo anuncia, pela boca do responsável pela Pasta das Finanças e Plano, a possibilidade de mobilização dos títulos de indemnização para aquisição das partes estatizadas de empresas pertencentes ao foro do Instituto de Participações do Estado, é claro, até para um cego, que se torna hoje possível a aquisição da parte estatal da CIPC, para que depois, e como algo de muito natural, venha a constituir-se um grande grupo privado nos cereais, sem que o Governo tenha tido interferência (aparente) na sua constituição.
Se tal vier a suceder, ficar-se-á a um curto passo do domínio por um grupo económico privado da quase totalidade do sector moageiro.
Com efeito, que outro recurso restará às unidades de pequena e média dimensão senão aceitar passivamente as regras do jogo comercial impostas pelo novo parceiro, todo poderoso, e aguardar que o futuro traga a falência e a absorção?
E à lavoura cerealífera, que lhe acontecerá? Ficará igualmente na dependência desse grupo, que, monopolizando para já a transformação e mais tarde a comercialização, ditará todas as regras ao sector, imporá os preços, definirá padrões de qualidade, sem que o Estado alguma coisa possa fazer.
Não é muito o que o Estado detém como poder de intervenção nas moagens nacionais, mas é suficiente para impedir cartéis e oligopólios ou monopólios.
É ironia histórica lembrar que Salazar nunca permitiu que tal pudesse acontecer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Anunciámos, há alguns dias, uma intervenção nesta Câmara sobre os problemas relacionados com a empresa industrial Portugal e Colónias.
É esta a maior empresa do sector moageiro, abrangendo cerca de 20 % deste mercado, seguida, a distância sensível, pelos grupos Tomaz Rocha e Triunfo, que, em conjunto, abarcam 15 % da moenda nacional, o que, sendo bastante, não é, apesar disso, suficiente para que obtenham um controle decisivo sobre o sector.
O que se sabe é que estes grupos moageiros privados, concorrentes da Portugal e Colónias, na lógica natural da sua vocação concentracionista, desejam tornar-se titulares da importante posição que aquela empresa detém no sector, aproveitando, assim, não só da eliminação da concorrência, como também do benefício que os recentes investimentos e os modernos equipamentos da mesma proporcionam.
Por isso se aspira à fusão da Aliança com a Portugal e Colónias e se deseja que o Estado aliene a sua participação nesta empresa - 62 % do seu capital-, de maneira que uma nova empresa possa surgir, agora maioritariamente dominada pelo sector privado.
Só que este golpe de mágica, invertendo toda a actual estrutura do mercado moageiro, exige uma operação que não é fácil de realizar sem escândalo público: a pulverização das participações do Estado na Portugal e Colónias que haveriam de ser pagas com a mobilização dos títulos de indemnização. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que este propósito encontra fundamento na lógica natural de grupos privados ligados às moagens, não temos dúvida!
Que este projecto encontra viabilidade no desprezo e má vontade com que este Governo encara o sector público, também a não temos!
Que é integrante e corolário natural de uma política de liberalização do comércio e importação de cereais, já tentada por um dos governos AD, é a evidência das coisas que o demonstra!
Que é possível perante o desconhecimento da qual a política que o Governo tem para intervir neste sector, também o é!
Pode ser, isso sim, difícil de concretizar: ou por que as circunstâncias políticas o prejudicam ou porque a sua denúncia a tempo o impede.
É isso que estamos a fazer: alertar e prevenir o Governo, para que se possa vir a dizer que nada se sabia. De acordo com este objectivo, esta inter-
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venção é suficiente. Se a situação evoluir, muito mais teremos a acrescentar a este dossier. Iremos, naturalmente, até onde for preciso!
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Moniz ficará inscrito para a próxima sessão, para pedir escurecimentos.
Srs. Deputados, recebi na sexta-feira, à tarde, uma mensagem do Sr. Presidente da República, mas não dei conhecimento dela à Câmara logo no início da sessão de hoje porque, apesar de haver quórum suficiente para iniciarmos os nossos trabalhos, pareceu-me que haveria vantagem em que estivessem presentes mais Srs. Deputados.
Portanto, vou passar a lê-la agora:
Sr. Presidente da Assembleia da República:
Excelência:
No cumprimento da minha obrigação institucional e política de esclarecer a Assembleia da República sempre que algum facto ou declaração pública possa alimentar dúvidas quanto às posições ou decisões do Presidente da República, transmito a V. Ex.ª as razões e os documentos suficientes para corrigir afirmações feitas pela Sr.ª Deputada Helena Roseta, em entrevista radiodifundida, sobre o tema da posição de Portugal quanto à integração da Espanha na NATO.
No essencial, afirmou a Sr.ª Deputada que não há coincidência entre uma proposta apoiada pela maioria parlamentar e as declarações do Presidente da República na NATO e em conferência de imprensa na Bélgica, encontrando nesse exemplo demonstração suficiente da falta de coordenação entre órgãos de soberania.
Acontece, no entanto, que esse exemplo não tem razão de ser nem pode, por isso, ser invocado para exemplificar essa tese interpretativa pois:
1) Em nenhuma ocasião foi expressa pelo Presidente da República (posição diferente da do Governo Português no que se refere à entrada da Espanha na NATO;
2) Não havendo intenção de vetar a decisão aprovada na Assembleia da República sobre esta matéria, conclui-se que o Presidente da República concorda com o seu sentido e o respeita;
3) A eventualidade do uso do veto de Portugal nesta questão foi expressamente circunscrito, como sempre o fizeram as autoridades portuguesas, no contexto da inserção da Espanha no sistema militar integrado da NATO e, neste, a hipótese de comando' conjuntos luso-espanhóis para a Península Ibérica, que viria a contrariar frontalmente os interesses nacionais, o que nenhum governo .poderia aceitar e, obviamente, nada tem a ver com a decisão aprovada pela Assembleia da República;
4) No desenvolvimento da posição que agora serve de pretexto à Sr.ª Deputada para exemplificar a tese da falta de coordenação entre o Presidente da República e o Governo, que emana da maioria parlamentar, houve sempre uma estreita cooperação.
Admitindo que as declarações da Sr.ª Deputada Helena Roseta se devam a uma compreensível deficiência de informação sobre estas matérias e sobre as suas particularidades técnicas, espero que este esclarecimento e os documentos em anexo permitam que a Assembleia da República fique de posse de todos os elementos relevantes.
Apresento a V. Ex.ª os meus melhores cumprimentos.
Lisboa, 7 de Maio de 1982. - A. Ramalho Eanes.
O Sr. Presidente: - Na própria sexta-feira à tarde fiz um despacho no sentido de que fossem distribuídas fotocópias aos grupos parlamentares e à Sr.ª Deputada Helena Roseta.
Entretanto, deu entrada na Mesa um requerimento do Grupo Parlamentar do Partido Socialista pedindo e prolongamento do período de antes da ordem do dia.
Vamos passar à votação deste requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista pediu o prolongamento do período de antes da ordem do dia, a fim de utilizar os 5 minutos a que tem direito para intervirmos na sequência da declaração política que aqui fizemos a propósito dos acontecimentos do l.º de Maio e da repressão sangrenta que a Polícia de Segurança e a Polícia de Intervenção desencadearam no Porto, bem como de um comunicado da Comissão Permanente do meu partido.
Ora, na sequência dessas intervenções, em que declaramos que considerávamos imperioso que o Ministro da Administração Interna fosse demitido e que a Polícia de Intervenção fosse suspensa ou, pelo menos, os comandos desta polícia e da Polícia de Segurança Pública, até à data nada se passou.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista usa alguns mecanismos constitucionais que pode utilizar legitimamente para concretizar algumas destas suas propostas e iniciativas, que considera indispensáveis ver executadas num Estado democrático.
Desta forma, apresentamos uma proposta de resolução do seguinte teor:
Os acontecimentos trágicos ocorridos na noite de 30 de Abril na cidade do Porto resultantes do comportamento das forças de segurança, designa-
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damente da Polícia de Intervenção, que provocaram dois mortos e uma centena de feridos, causaram profunda indignação em todo o País e já mereceram a condenação desta Assembleia.
A gravidade dos factos levou o Governo a ordenar a imediata instauração de um inquérito.
É de elementar exigência num Estado democrático que as investigações se processem com a maior imparcialidade e livres de qualquer suspeita de eventuais intervenções prejudiciais ao apuramento da verdade. Esse objectivo só poderá ser alcançado se os presumíveis responsáveis pela actuação das forças de segurança, situados no topo hierárquico da cadeia de comando, forem preventivamente suspensos das suas funções até à conclusão do inquérito.
Nestes termos, e nos do artigo 169.º, n.º 4, da Constituição, os deputados do Partido Socialista abaixo assinados, requerem a V. Ex.ª se digne submeter à apreciação desta Assembleia a seguinte proposta de resolução:
Resolução
Tendo em conta a pendência de um inquérito, ordenado pelo Governo, sobre a actuação da Polícia de Segurança Pública e da Polícia de Intervenção na noite de 30 de Abril, na cidade do Porto, da qual resultaram 2 mortos e uma centena de feridos, a Assembleia da República recomenda instantemente ao Governo que, a fim de assegurar a fiabilidade das investigações, suspenda preventivamente os comandos daquelas polícias directamente ligadas aos sangrentos acontecimentos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Requeremos que esta nossa proposta de resolução seja agendada e discutida simultaneamente com o pedido de constituição de uma comissão parlamentar de inquérito já formulado pela UEDS.
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - Apresentamos também um requerimento assinado por vários deputados que é do seguinte teor:
A estupefacção da opinião pública não poderia ser maior perante a gravidade dos factos que vêm sendo revelados relativamente aos sangrentos acontecimentos ocorridos no 1.º de Maio, no Porto, designadamente quanto ao comportamento insólito de agentes públicos envolvidos em actos de puro terrorismo, organizados de modo que indicia premeditação e vontade de subverter os mais elementares princípios de manutenção da paz civil.
A excepcional gravidade do comportamento de agentes policiais seria, só por si, motivo superabundante para se entender estar em causa o firme respeito e acatamento de princípios fundamentais que legitimam a acção de forças policiais no âmbito de um Estado de direito.
Como já está a terminar o tempo de que disponho, vou passar de imediato a ler alguns dos pontos concretos do requerimento. Assim, vimos requerer ao Sr. Ministro da Administração Interna:
a) Cópia dos relatórios elaborados pela PSP do Porto, pelo Corpo de Intervenção e pelo Comando-Geral da PSP sobre os acontecimentos ocorridos no 1.º de Maio no Porto;
b) Cópia do relatório elaborado pelo governador civil do Porto sobre os mesmos acontecimentos;
c) Cópia dos despachos proferidos sobre os relatórios citados em a) e b), bem como quaisquer documentos comprovativos da execução de eventuais determinações previstas nos despachos referidos.
Pedimos também ao Sr. Primeiro-Ministro o fornecimento dos seguintes elementos:
a) Cópia das normas que pautam a intervenção do Governo na orientação e direcção efectivas dos diversos corpos policiais em situações de preocupação pela manutenção da paz civil;
b) Especificação do modo preciso como foram aplicadas as referidas normas na situação em causa, designadamente no que toca à orientação e instruções determinadas pelo Governo ao Comando-Geral da PSP, ao Corpo de Intervenção, à PSP do Porto e ao governador civil do Porto, no sentido de assegurar a manutenção da paz civil no Porto por ocasião do 1.º de Maio;
c) Cópia das disposições legais que possam fundamentar a intervenção responsável na orientação e direcção efectiva das polícias em caso de ordem pública por parte de outros membros do Governo que não o da Administração Interna, dado que este último confessou não apenas que só a posteriori toma conhecimento do empenhamento do Corpo de Intervenção, como também não entende ser da sua responsabilidade dar instruções, à PSP em casos como o do Porto;
d) Cópia dos relatórios oficiais dirigidos ao Sr. Primeiro-Ministro ou a outros membros do Governo que não o Sr. Ministro da Administração Interna, bem como dos despachos que sobre eles incidiram e dos documentos comprovativos da execução de eventuais determinações contidas nesses mesmos despachos.
Como é evidente, todos estes elementos são indispensáveis para avaliar afirmações do Sr. Ministro da Administração Interna de que ignorava as instruções da Polícia de Segurança Publica. Não podemos aceitar que num Estado democrático um Ministro confesse que não tem autoridade sobre as polícias. Isto significaria que estávamos a caminho de um Estado em que eram as próprias polícias que se constituem como elementos decisivos e autónomos na salvaguarda da ordem pública. Também não admitimos que o Sr. Ministro da Administração Interna diga que não dá directrizes de natureza operacional à polícia.
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Assim, estes elementos que pedimos são todos eles pertinentes para avaliar da oportunidade ou da total vacuidade e da responsabilidade do Sr. Ministro da Administração Interna.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PSD já aqui fez uma declaração política sobre os acontecimentos no Porto e tomou frontalmente posição contra a actuação da Polícia de Intervenção. O próprio deputado que pronunciou essa declaração política teve ocasião de, em público, sugerir a substituição eventual de comandos. Simplesmente, o Grupo Parlamentar do PSD não gosta de concluir antes de conhecer e não pode aceitar uma condenação a priori, ainda por cima com limites que não se conhecem, portanto, praticamente ilimitada, na medida em que o Sr. Deputado Carlos Lage põe em causa toda a cadeia de comando.
Por isso, antes da conclusão do inquérito que a Procuradoria-Geral da República está efectuando e com a garantia pública dada pelo Sr. Presidente da República de que esse inquérito será concluído até ao fim e será diferente de muitos outros inquéritos que nunca se concluem, creio que não devemos criar réus nem pronunciar condenações prematuras.
Além disso, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Carlos Lage que muitas vezes as pessoas podem ser ultrapassadas por quem executa as suas ordens. Ora, ele próprio reconhecerá isso, porque ele próprio pode amanhã estar a desempenhar funções em que os seus subordinados não cumpram as suas ordens ou as ultrapassem. Por isso, não podemos estar aqui a emitir condenações sobre eventuais atitudes futuras que as pessoas nessa altura perderão a liberdade de tomar.
Creio que para esclarecimento de todo este problema político, que é grave, se deve deixar os responsáveis actuarem perante as conclusões do inquérito para podermos medir a sua capacidade política de tomarem as resoluções que todos exigimos que sejam tomadas. Tenho a impressão que pôr desde já o problema seria impossibilitar esses efeitos políticos, que possivelmente todos nós queremos que sejam tirados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra por meio minuto.
O Sr. Presidente: - A que título, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Lage (PS): - A título de contraprotesto ao Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sousa Tavares fez uma pequena intervenção. No entanto, visto V. Ex.ª dizer que vai ser muito breve, faça favor.
O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Deputado Sousa Tavares, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista acaba de pedir dementas objectivos para avaliação do comportamento do Sr. Ministro da Administração Interna e dos comandos da Polícia de Segurança Pública e da Polícia de Intervenção.
Quanto ao projecto de resolução, este destina-se a que se faça preventivamente a suspensão dos comandos dessas polícias, para que não possa haver embargo de justiça e para que o inquérito decorra com toda a imparcialidade. Se essa suspensão já tivesse sido feita não era necessário que neste momento o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentasse esta proposta de resolução, que é apenas uma medida preventiva e impõe-se em casos como este. Julgo que em qualquer país seria feita semelhante suspensão da actividade dos comandos da polícia para que o inquérito decorresse normalmente.
O Sr. Presidente:- Oportunamente a proposta de resolução será discutida depois de vista na conferência dos grupos parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares para responder.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Deputado Carlos Lage, é exactamente a indefinição desse termo «comandos da polícia» que não podemos aceitar. O Sr. (Deputado Carlos Lage nem sequer sabe se as ordens que foram dadas no Porto são da responsabilidade exclusiva do comando da Polícia de Intervenção ou se são do' Comando-Geral da PSP - eu não sei e suponho que o Sr. Deputado Carlos Lage também não sabe.
Além disso, não podemos compreender por que é que a manutenção das pessoas nos seus lugares impossibilita o inquérito. Pelo contrário, penso que até é uma vantagem para o inquérito, porque, de qualquer maneira, a suspensão envolve uma ideia de condenação prévia. Assim, automaticamente, está-se desde logo a inquinar a pureza e a genuinidade do inquérito que deve ser conduzido com o máximo de objectividade possível e de rigor e não obedecer a nenhum passionalismo político, quer de um lado, quer de outro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com os nossos aplausos já demos a nota do nosso apoio de princípio às iniciativas do Partido Socialista, hoje aqui trazidas pelo Sr. Deputado Carlos Lage. Isto é o que por a gora pretenderíamos dizer sobre esta matéria.
Entretanto, tínhamos previsto trazer a esta Assembleia outro tema que tem de ver com as condições em que não está a ser desenvolvida a educação física e o desporto escolar nas escolas portuguesas.
Não estarei a dar nenhuma novidade aos Srs. Deputados, pois muitos deles saberão a dificuldade que hoje em dia existe para as crianças portuguesas poderem ter educação física e desporto escolar nas suas actividades lectivas. De facto, as condições de prática da educação física e do desporto escolar estão-se a degradar de dia para dia, sem que para isso o
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Governo tome qualquer iniciativa no sentido de obviar a uma situação que está a ameaçar o desenvolvimento futuro de todos os jovens portugueses.
Como se não bastasse o corte de verbas nos orçamentei gerais do Estado, como se não bastasse a falta de perspectivas do Governo sobre esta matéria, saiu recentemente um despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas que diz o seguinte:
Dada a grave situação de disponibilidade de verbas para a construção de escolas e com vista a se poder dispor do máximo de salas de aulas, determino que a Direcção-Geral de Construções Escolares actue no sentido de que:
1) Sejam adiados, para uma segunda fase, os pavilhões polivalentes ou ginásios, de que ainda não se tenham iniciado a sua construção.
2) Seja reanalizada a necessidade de execução de eventuais muros de suporte. Soluções alternativas deverão ser procuradas de imediato. A construção de muros suporte, a partir desta data, deve ser comunicada, com a devida justificação e quantificação de encargos, a esta Secretaria de Estado.
Ou seja, Sr. Presidente e Srs. Deputados, este despacho do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas vem pôr em causa o princípio constitucional de que a educação física faz parte integrante da formação dos jovens portugueses. Hoje em dia, nas nossas escolas - sobretudo depois do governo AD - as actividades ligadas à educação física praticamente não existem. Hoje em dia as escolas são feitas sem sequer se pensar em instalações desportivas. Depois admiramo-nos que alguns dos nossos jovens sintam atracção por determinado tipo de actividades, sejam elas a fuga às suas responsabilidades, a droga, etc., quando de facto, na prática, não lhes estão a ser dadas as condições mínimas para que eles possam libertar as energias criadoras que têm dentro de si e que com a educação física e o desporto escolar poderiam certamente libertar.
Srs. Deputados, não é só a redução das verbas; vai muito mais longe! Hoje, esta política em relação à educação física e ao desporto escolar está a passar mesmo pela formação de professores. Hoje, Srs. Deputados, o inúmero de docentes que estão a ser formados pelos institutos superiores de educação física é bastante reduzido, quando por outro lado se sabe que as necessidades em termos de escolas portuguesas de professores de educação física é gritante. Srs. Deputados, este problema não pode ser ignorado.
Por outro lado, verificasse que a nível dos programas há uma lacuna na apresentação de opções para a educação física e para o desporto escolar, inclusivamente deixou de ser considerado em termos de aproveitamento ou de currículo em termos de exames, a necessária formação dos nossos jovens em termos de educação física. Estamos a chegar a uma situação em que poderemos dizer: «fechem-se os ginásios; os jovens terão nos livros e a sua formação estará completamente feita».
Criaram-se uma série de órgãos, sejam eles o Conselho Superior de Educação Física, o Conselho Coordenador Desportivo, o Instituto Nacional dos Desportos, que «chupam» verbas do Orçamento Geral do Estado, mas em termos reais, em termos de desporto e de educação física nada produzem para a juventude portuguesa.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Orador: - São estas questões que por várias vezes já aqui trouxemos a que este governo continua sem responder.
É lógico que, neste momento, entre os professores haja um sentimento de repulsa e ao mesmo tempo um sentimento de interrogação. Ora, se há falta de professares de educação física, como se pode explicar que neste momento já haja dificuldades de emprego para alguns deles? Se há falta de professores de educação física, como se pode explicar que de vez em quando se façam uns «fogachos» - a que o Governo chamou desporto para todos -, em que se mobilizam 2 ou 3 patrocinantes a nível de anúncios, mas que em termos de apoio e de actividades físicas as crianças portuguesas são nitidamente prejudicadas.
Este é também um aspecto a que este Governo tem que responder, porque está a tornar-se o culpado pejo desenvolvimento desigual da juventude portuguesa, porque nem todos têm dinheiro para frequentar os ginásios particulares.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora não considere suficiente exigirmos a dissolução da polícia de choque, queria dar o nosso apoio às medidas propostas pelo Partido Socialista. Achamos que elas são importantes para que o esclarecimento da verdade seja mais possível do que aquilo a que, infelizmente, somos obrigados a esperar, isto é, pelo desenvolvimento natural dos inquéritos que se têm levantado mo nosso país.
Não deixa de ser exemplar a posição aqui assumida pelo Sr. Deputado Sousa Tavares em nome da AD: demonstra um conceito de Estado democrático totalmente de cabeça para baixo, em que a administração, os senhores que detêm as rédeas do poder, estão à margem daquilo que é imposto ao cidadão comum, que é imposto na generalidade aos trabalhadores; demonstra um total desprezo pela ética que seria exigível ao poder, pela ética que é exigível o comando, nomeadamente das forças chamadas da ordem.
Depois da gravidade dos casos que se passaram no dia 1 de Maio, os responsáveis, quer o Ministro, quer o Comando-Geral da Polícia, quer os comandos da polícia de choque, quer o governador civil, etc., só tinham uma posição respeitável e responsável que era a de eles próprios pedirem a demissão. Ora, como eles não a pedem, ela tem que ser exigida pelos trabalhadores, pelo povo e pelos partidos democráticos.
Para exemplificar os dois pesos e as duas medidas que existem neste governo basta lembrar um caso relacionado com o julgamento dos 14 de Beja, em
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que um trabalhador da Delegação das Contribuições e Impostos de Beja, Luís Ganhão, que por lhe ter sido imputada responsabilidade aquando de um comício do CDS e do PSD numa campanha eleitoral, antes do julgamento foi suspenso, fez-se o julgamento e foi absolvido, mas com um novo recurso continuou suspenso; fez-se um novo julgamento e voltou a ser absolvido, mas continua suspenso porque houve outro recurso. Ora, já lá vão 5 ou 6 anos, mas esse trabalhador continua suspenso, apesar de já ter havido duas sentenças, de ter havido trânsito em julgado por duas vezes que o dão como inocente de todas as acusações. Ele continua suspenso pelo Secretário de Estado do Orçamento, com todos os prejuízos que daí advém para a sua vida profissional, para a sua vida de cidadão, de trabalhador, nomeadamente para aquilo que devia auferir em termos de salário que lhe é devido.
São estes dois pesos e estas duas medidas que caracterizam este governo. Isto é, aqueles que o servem, os senhores da administração que estão sempre fora de qualquer suspeita, mantêm-se nas suas funções, apesar de demonstrarem incompetência e arbitrariedade e de as desempenharem de forma antidemocrática e de serem, em última instância, responsáveis pelo bem e pelo mal que fazem os seus subordinados. Estes dois pesos e duas medidas são a caracterização de que este Governo não é democrático; é um Governo que existe contra as normas mais elementares da democracia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, não havendo mais inscrições entramos no período da ordem do dia.
Da sua primeira parte consta, em primeiro lugar, a apresentação do projecto de lei n.º 355/II, do PCP, que estabelece garantias de inamovibilidade dos magistrados.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, solicitava a V. Ex.ª que aguardasse 1 minuto, dado que o deputado encarregado de apresentar o projecto de lei não se encontra presente.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, se a Câmara estivesse de acordo, passaríamos, entretanto, ao segundo ponto da primeira parte da ordem do dia, que diz respeito aos pedidos de prorrogação de prazos apresentados por comissões eventuais de inquérito.
Pausa.
Não havendo objecção a que assim se proceda, devo dizer, Srs. Deputados, que a situação relativa aos Inquéritos n.º 8/II, que diz respeito ao processo de liberalização do comércio de cereais, ramas de açúcar e oleaginosas, e n.º 11/II, que diz respeito aos actos do Governo e da Administração, que permitiram a um, assessor do Governo o acesso a 18 reservas, resume-se nos seguintes termos: como sabem, as comissões eventuais de inquérito desta Assembleia, mercê do disposto da Lei n.º 43/77, têm um regime de certo modo diferente do das comissões eventuais habituais. Dispõe o artigo 3.º dessa lei que as comissões eventuais de Inquérito podem pedir à Assembleia prorrogação do prazo que por ela lhes foi fixado para o seu funcionamento.
Ora, ambas as comissões pediram 90 dias de prorrogação de prazo ao Presidente que, perante este dispositivo legal, não se considera com qualidade para atribuir essa prorrogação a uma e a outra comissão e não o desejaria - porque pensa que não pode - fazer sem submeter o assunto à apreciação da Câmara.
Nessas circunstâncias, começando pelo Inquérito n.º 8/II, perguntava à Câmara se há alguma objecção quanto à prorrogação por 90 dias do prazo que lhe foi fixado pela Assembleia, tal como é requerido pelo seu Presidente.
Pausa.
Não havendo objecções, considero concedida a prorrogação.
Da mesma maneira, a comissão relativa ao Inquérito n.º 11/II apresenta requerimento subscrito pelo seu presidente no sentido de que seja prorrogado o prazo por mais 90 dias.
Pausa.
Não havendo qualquer objecção, considero igualmente concedida a prorrogação.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes, para proceder à apresentação do projecto de lei n.º 335/II, do PCP, que estabelece garantias de inamovibilidade dos magistrados.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O princípio da inamovibilidade dos juízes, que decorre de preceitos constitucionais, é uma garantia da independência dos tribunais, de uma magistratura responsável e digna, de uma justiça que se não contenha apenas em metafísicas volições ou, pior ainda, na prática do laxismo, do não empenhamento, da própria desequanimidade.
Entendida em toda a sua extensão, imporia que os magistrados não pudessem ser afastados dos tribunais onde foram colocados sem a sua livre anuência, nem mesmo, como já se proclamou, por motivo de idade. Se, porém, a lei prevê constrições à regra da vitalicidade, nenhuma razão pode validamente coonestar limitações de outra natureza. O sistema do sexénio, por exemplo, estabelecendo que um juiz estará impossibilitado de permanecer, por mais de 6 anos, no mesmo juízo, não apenas fere a pureza do princípio, como, assentando numa atitude de desconfiança relativamente à isenção dos visados, acaba, de certa maneira, constituindo uma afronta, bastante sentida, de resto, à sua honorabilidade.
Não se pretende com isto impedir o exercício da salutar apreciação dos actos dos magistrados, de forma a robustecer e apurar a imagem dos tribunais, nem a adopção de mecanismos administrativos que se dirijam ao apetrechamento e à desburocratização da máquina da justiça. Só que tais expedientes devem ser viabilizados no quadro da legalidade democrá-
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liça, de acordo com a Constituição; não à sua revelia, prejudicando a magistratura ou afectando direitos inarredáveis dos seus membros.
O Decreto-Lei n.º 264-C/81, de 3 de Setembro, rematando um processo legiferante que começou com a proposta de lei n.º 43/II, do Governo, que continha um pedido de autorização legislativa, discutida nesta Câmara com algum detalhe, veio a consagrar normas intoleráveis, desde cedo contestadas pelas organizações representativas dos magistrados.
Com efeito, não obstante o sublinhado enfático da exposição de motivos da proposta de lei, segundo o qual não se pretendia, ao prescrever a possibilidade de transferência, por conveniência de serviço, dos juízes classificados com a nota de Suficiente outra faculdade que não fosse a de reforçar os meios de gestão de quadros atribuídos ao Conselho Superior da Magistratura, a prática veio a confirmar o que, de origem, se denunciava: tal medida funciona como um instrumento sancionador de excessos, ambiguidades, injustiças, é um veículo de intencionalidades persecutórias, uma fonte de arbítrio de que se conhecem já casos bem expressivos. O carácter penalizatório de uma solução deite tipo, que o Sr. Ministro da Justiça, conforme consta do Diário da Assembleia da República, de 27 de Junho de 1981, a p. 3550, quis arredar, indo ao ponto de prever publicamente modificações que o erradicassem, manteve-se no diploma final, ora em vigor, e constitui, por si só, uma clara violação de princípios fundamentais do Estado de direito democrático.
Perante uma classificação de Medíocre, sempre será de questionar a idoneidade de dispositivos, que promovam a transferência, a aposentação compulsiva ou a demissão do agente, desde que apurada a sua responsabilidade por meios sérios, com garantias cabais de defesa, em processo de inatacável rigor jurídico-técnico. Mas, em tais casos, prevalecerão os valores da justiça, que são um bem colectivo a acautelar e vitalizar, um direito dos povos que não pode estar à mercê da desqualificação e do erro sistemático. Com que legítimos argumentos, porém, se proporá a penalização de magistrados a quem foi outorgada uma informação positiva na apreciação do seu trabalho, ainda quando, o que é uma agravante, se invoquem explicações tão inconcrescíveis e permissivas como as da «conveniência de serviço»? Será tão-só por «conveniência de serviço» que um juiz, avaliado com Suficiente, conquanto se tenha concluído pelo «bom senso, equilíbrio, estudo e razoável cultura, jurídico-laboral» do seu trabalho, foi remetido, ao cabo de 28 anos e 11 meses de profissão, para a comarca de ingresso de Celorico da Beira, contra a sua expressa vontade?
O problema está, Sr. Presidente, Srs. Deputados, no facto de o Decreto-Lei n.º 264-C/81 conter comandos insustentáveis, que chegam a ser tidos por mais gravosos do que a norma do artigo 534.º do Estatuto Judiciário de 1962, que, no contexto de uma ordem político-constitucional bem diversa, autocrática e iníqua, apenas previa transferências, propostas pelo então Conselho Superior Judiciário, de juízes sobre quem houvesse recaído nota inferior à de Regular. Com disposições deste jaez, abertamente ao arrepio dos n.ºs 1.º dos artigos 221.º e 225.º da Constituição da República, mais e mais se favorecem os actos de injustiça, se vai depredando a necessária estabilidade sócio-psíquico-laboral dos magistrados portugueses, se contribui para a anemização da aplicação do direito e para a identificação da justiça com os contornos valetudinários de uma engrenagem em que o povo não acredita e na qual os próprios juízes, de ambas as magistraturas, começam a ter razões para descrer.
Na verdade, se é certo que, em boa doutrina, os preceitos constitucionais se definem sobretudo como «garantia de legalidade, de reserva de lei, no que respeita às excepções constitucionalmente autorizadas, ao princípio da inamovibilidade», não é menos incontroverso que não cabe ao legislador ordinário, através de expedientes inidóneos, subverter o sinal da norma. O que flui do decreto governamental em apreço é inequívoco: o esvaziamento do ditame da lei fundamental, a colocação nas mãos de instâncias decisórias da discricionaridade bastante para excepcionar o princípio e converter em regra o seu oposto. Pergunta-se: como pode um magistrado fruir da garantia da inamovibilidade se, a pretexto de uma qualquer e vaga «conveniência de serviço», não obstante o seu labor apreciável, a vê arredada pelo braço de uma lei que esquece não lhe estar cometida a faculdade de criar restrições que violem materialmente injunções constitucionais às quais terá de subordinar-se?
Lê-se, no preâmbulo do projecto de lei n.º 335/II, do Partido Comunista Português:
A experiência está a revelar claramente que eram bem fundadas as preocupações expressas sobre a possibilidade de transformação do alegado «mecanismo de gestão» proposto em puro instrumento penal, propiciador de abusos, injustiças ou equívocos. Importa, pois, suprimir a possibilidade de repetição de actos desse tipo, ainda antes de virem a ser declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, os preceitos ao abrigo dos quais vêm sendo praticados.
Eis o objectivo nuclear da iniciativa legislativa que hoje apresentamos a esta Assembleia.
Vamos, contudo, mais longe.
A chamada regra do sexénio, geradora de larga repulsa e objectivamente injustificável, promana de uma postura de desconfiança face aos magistrados, havendo quem advogue a tese de que a longa permanência de um juiz num mesmo meio o torna vulnerável a pressões, humanas fraquezas contra as quais se impõe o zelo da lei. Conhecem-se, por outro lado, os argumentos, a nosso ver mais pertinentes, que militam em favor de uma visão diversa: quanto maior for a ligação do magistrado aos hábitos, costumes, características e vivências das populações da comarca em que exerce as suas funções, tanto mais correctamente habilitado está a uma praxis judicativa sintonizada com o real.
Longe vão os tempos em que se admitia como paradigma de isenção a aposta numa opção monástica de existência, que acabava divorciada da realidade social e de toda a sua insuprível riqueza de conflitos e concertações. O juíz não veste hoje - ou, pelo menos, não deverá vestir - a toga do isolamento livresco, de um poder de classe acima das confrontações ou nelas investindo em privilégio da sua conformação conser-
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vadora com o estabelecido. Cada vez mais terá de estar no espaço das pugnas, lá onde o saber académico se manifesta inepto se não for caldeado com a mobilidade político-institucional e mental que es tempos vão reclamando, no teatro do quotidiano, como elemento de mediação, de correcção, de aplicação do justo. O juiz é tanto mais isento quanto melhor conhecer a vida, em toda a sua dimensão multiforme e metamórfica. Isto não é incompatível com o exercício da profissão com estabilidade, e, sobretudo, não o é com o princípio de que não deve haver transferências impostas por lei e que sejam uma atitude tomada à revelia de qualquer esteio objectivamente comprovado.
Daí que os conceitos que enformaram, no passado, emolduram, no presente, soluções como a do sexénio, se nos afigurem envelhecidos e incapazes de dar resposta aos desafios que diante de nós se perfilam. Tal funda convicção leva-nos, assim, a propor, em consonância com as posições que foram divulgadas pelas Associações dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público, a eliminação daquela regra. Deste modo se conformará mais lidimamente a prática com a principiologia constitucional, o que vale por dizer: com os preceitos que garantem a inamovibilidade dos magistrados, que o nosso projecto de lei visa acautelar e reforçar.
Acresce, ademais, que sempre será possível lançar mão de instrumentos legais vocacionados à solução dos problemas que venham a surgir de comportamentos repreensíveis. Não faltam mecanismos adequados a sancionar os autores de infracções ao dever de isenção, como a outras obrigações deontológicas dos que ministram a justiça, pelo que, consideradas as evidentes desvantagens do sexénio, nada impede que se ponha termo ao seu tempo de vigência, todo atravessado de contingências e controvérsias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas, em traços gerais, as razões que determinaram a elaboração do presente projecto de lei, da autoria de deputados do Partido Comunista Português.
Urge, com efeito, que sejam eliminados aqueles artigos no corpo do decreto-lei governamental, que abrem caminho à realização do arbítrio, à discricionaridade e a soluções manifestamente iníquas.
Urge que se ponha termo à possibilidade da transferência, por conveniência de serviços, de magistrados que foram classificados com Suficiente, nota que é positiva, pelo trabalho que desenvolveram, como, do mesmo modo, importa seja posto fim à regra do sexénio, por tudo quanto ela revela de inadequado a uma nova mentalidade democrática, jurídico-constitucionalmente adquirida no Portugal de Abril.
Por todos estes motivos, assim sumariamente apontados, ao submetermos à apreciação desta Câmara o projecto de lei n.º 335/II, estamos certos de que ele poderá acolher, da parte dos deputados aqui presentes, o sentido da compreensão dos seus objectivos, da coonestação da boa doutrina em que se plasma e também, naturalmente, o da participação que vierem a dar no sentido do seu eventual enriquecimento.
É desse diálogo, desse debate, em que todos estamos interessados e que nós aqui vimos propor, que poderá sair um texto que dignifique a magistratura e que seja capaz de vitalizar e prestigiar a imagem da justiça no nosso país, no novo Portugal democrático saído da revolução há 8 anos.
Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS
Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Sousa Tavares e António Arnaut.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Ouvi, com o maior interesse, as considerações tecidas pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes sobre o problema da inamovibilidade dos juízes, problema esse que, de certa maneira, até profissionalmente me toca e a que sou sensível.
Digamos que o problema é complexo, as regras que apontam para a contra-regra do sexénio são ambivalentes e o próprio Sr. Deputado reconheceu que se podem dar razões de que a integração no meio conduz a uma independência do juiz, como se pode dizer que uma demasiada integração no meio destrói, progressivamente, essa independência.
Em todo o caso é um elemento a ponderar com profundidade.
Quanto à regra da Suficiência sou mais aberto a esse ponto, porque penso que, de, facto, a nota de Suficiência não pode, de maneira nenhuma, ser considerada como motivo de sanção. Tem de se separar a ideia da Suficiência da ideia de sanção.
É natural que, por vezes, o Estado tenha necessidade de criar uma maior mobilidade nos seus quadros, inclusivamente no quadro da magistratura. Mas não podemos -e talvez haja alguma correcção a fazer- admitir que a simples nota Suficiência crie, de imediato para um juiz uma espécie de sanção automática, que será a sua transferência de posto. Penso, pois, que este é um elemento de ponderação profundo.
Penso, portanto, que iremos ponderar, com a maior consciência e com a maior atenção, este duplo problema do sexénio e da Suficiência, para, tanto quanto possível, atingirmos uma maior dignidade da magistratura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut.
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aplaudimos a intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes por estarmos de acordo, na sua essência, com as considerações que proferiu.
De facto, o problema que aqui se discute - o principio da inamovibilidade dos juízes- merece inteiramente a nossa aprovação, porque tem a ver com a dignidade, com a eficácia e com o prestígio da função.
Estamos, portanto, de acordo que devem ser revogadas as alterações introduzidas no Estatuto dos Magistrados Judiciais e na Lei Orgânica do Ministério Público, segundo as quais o magistrado pode ser transferido com base numa classificação de suficiente.
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A experiência recente demonstrou que esse subterfúgio pode significar -e tem significado- uma espécie de punição. E até se verifica que magistrados que foram classificados de suficiente anteriormente ao Decreto-Lei n.º 264-C, publicado em 13 de Setembro de 1981, estão agora a ser vítimas dessa medida, o que é tremendamente injusto, porque na altura em que essa classificação se verificou os magistrados não estavam, naturalmente, ao abrigo desse risco e até, porventura, não reclamaram dessa classificação porque pressupunham que ela não lhes acarretaria ou lhes poderia acarretar qualquer sanção.
Damos, pois, o nosso inteiro acordo à revogação dessa disposição, que permite a transferência dos magistrados baseada na classificação de suficiente.
Quanto à regra do sexénio, temos também algumas dúvidas.
É um princípio muito antigo e tradicional do nosso Direito. Creio eu que vem do princípio dos juízes de fora, introduzido há séculos pelo rei que ficou conhecido por O Justiceiro, não por esta razão, mas pela forma pessoal e crua como administrava a justiça.
Há, de facto, vantagens em que o juiz permaneça na comarca sem limite de tempo, mas pode também haver alguns inconvenientes. Todavia, esta reserva não nos impedirá de, quando o projecto de lei for discutido na generalidade e na especialidade, discutirmos estas questões, e, em princípio, quero aqui manifestar o nosso acordo ao projecto de lei agora apresentado pelo Partido Comunista Português.
O Sr. Presidente:- Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Começo, naturalmente, por agradecer as intervenções dos Srs. Deputados Sousa Tavares e António Arnaut, que vieram convalidar muito daquilo que eu disse a propósito das razões que levaram à elaboração deste projecto de lei por parte do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.
Na realidade, ele visa, no imediato, pôr cobro, por um lado, à prática da sanção automática que constitui a possibilidade de transferir os juízes classificados com suficiente por mera conveniência de serviço, e, por outro lado, à prática do sexénio que, a nosso ver, merece ser considerada com uma visão profunda e inovadora neste momento da vida democrática portuguesa.
Quanto à primeira questão, os Srs. Deputados foram unânimes em considerar que a cláusula aberta pelo Decreto-Lei n.º 264-C/81 propicia abusos, iniquidades, favorece práticas persecutórias, não se compagina com a legalidade democrática, e, por isso mesmo, deve ser eliminada.
Creio que esta é, desde logo, uma razão bastante para poder rotular de extremamente positiva a iniciativa legislativa que trouxemos a esta Câmara.
A questão do sexénio é naturalmente mais delicada e as razões expendidas, em particular pelo Sr. Deputado Sousa Tavares, conquanto não mereçam o meu acolhimento, são razões ponderáveis e que, em sede de um debate mais detido, na especialidade, poderão merecer toda a nossa atenção e contribuir para o
repensar de um problema que, a nosso ver, deve ser olhado de um modo rasgado, de um modo aberto.
Com efeito, após todos estes longos anos da prática desta regra, nada, ao que julgo, justifica que ela se mantenha de pedra e cal, e creio estarem criadas as condições para se proceder a uma nova experiência que, assentando na ideia de que quanto mais o juiz conhecer o meio e com ele se ligar tanto mais ele poderá estar habilitado a unia correcta actuação adentro do seu múnus profissional, pode contribuir para que se dignifique a magistratura no nosso país.
Gostaria apenas, para concluir, chamar a atenção para um facto muito importante. É que, com a abolição da regra do sexénio, não fica criado o espaço para actividade pura e simplesmente descontrolada de qualquer magistrado.
Disse, na minha intervenção, e insisto, que é sempre possível lançar mão de mecanismos legais, perfeitamente adequados e idóneos, para sancionar comportamentos iníquos, comportamentos que se manifestem totalmente contrários àquilo que todos entendemos dever ser a imagem da justiça, a preservação do prestígio da magistratura, ao cabo e ao resto a defesa de um funcionamento correcto do aparelho judicial no nosso país.
Era isto que, para já, gostaria de dizer, salientando que continuaremos abertos a todo o debate aquando da apreciação, na especialidade, desta e de outras questões.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, convoco os presidentes dos grupos parlamentares para uma breve reunião no Gabinete do Sr. Presidente e suspendo os trabalhos por 30 minutos, para o habitual intervalo.
Eram 17 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Alberto Antunes (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alberto Antunes (PS): - Sr. Presidente, o Partido Socialista está reunido e, ao abrigo das disposições regimentais, peide a suspensão da sessão por 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Está concedida, Sr. Deputado.
Suspendo a sessão por 15 minutos.
Eram 18 horas e 21 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, vamos prosseguir a discussão do projecto de lei n.º 276/II, apresentado pelo PS, sobre as sociedades em autogestão.
Está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado Narana Coissoró, mas como de momento não se
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encontra presente na Sala concedo a palavra para o mesmo efeito ao Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora levantando reservas, quer ao dispositivo geral deste projecto de lei, quer à sua filosofia de base, a UDP vai votar a favor deste projecto de lei, tendo em coma a existência dos casos concretos de sociedades em autogestão, em que os trabalhadores, com um enorme esforço, conseguiram salvar tantas e tantas empresas da sabotagem e do abandono do patronato. É exemplo disto, nomeadamente, o caso evidente e gritante do hotel Baía, que está hoje sob o fogo directo deste Governo, que tenta destruir todo o labor, esforço, generosidade e capacidade de trabalho dos trabalhadores de tal hotel.
Consideramos que este projecto de lei regulamenta excessivamente todas as sociedades em autogestão e que a substituição do Ministério da Tutela ao Instituto Nacional de Empresas em Autogestão, enquanto este não estiver em efectivo funcionamento, não dá quaisquer garantias a essas sociedades. Como temos visto, o Ministério da tutela não tem mostrado qualquer caminho pelo processo autogestionário, qualquer capacidade de compreendê-lo e de apoiar as empresas em autogestão, É antes, pelo contrário, um adversário das sociedades em autogestão, e o facto de as colocar sob dependência do Ministério da Tutela não lhes dá grandes garantias no sentido de poderem prosseguir no seu trabalho, de poderem persistir e singrar.
A filosofia deste projecto de lei -dando às sociedades em autogestão e à autogestão, de uma forma geral, um estatuto de transformação global da sociedade -, parece-nos abusiva e não pode ser entendida dessa forma.
Na apresentação do projecto de lei foi apontado - de uma forma até bastante poética- que a utopia era, no fundo, como projecto de futuro, um elemento dinamizador da transformação da sociedade capitalista, poderia garantir aos trabalhadores ura mundo novo, o homem não subordinado, esmagado pela máquina, o homem trabalhando para si, com os seus companheiros de trabalho, não subordinado à exploração directa do capitalista. De facto, as utopias foram um factor de transformação da sociedade quando elas próprias correspondiam a um sentido do futuro. Eram como que uma emanação, ião nível das ideias, de coisas que se iriam passam no futuro. Mas hoje, uma utopia deste tipo, a utopia da autogestão, está em contradição com as conquistas do próprio pensamento humano, de acordo com o desenvolvimento da sociedade.
Deixaram de ser uma utopia, no sentido que elas tinham no tempo de Owen e Fourier, e passam a ser um olhar romântico para o passado. De facto, está provado que a autogestão, dentro da sociedade capitalista não tem a capacidade de a transformar.
A sociedade autogestionária é submersa, esmagada, pela lógica do modo de produção capitalista. Cada sociedade, por si, cada empresa autogestionária, por si, entra na concorrência generalizada, umas sociedades contra as outras, porque é essa a lógica do sistema.
Nós queremos preservar os direitos dos trabalhadores e garantir a transformação da sociedade, e este facto não nos autoriza a dar o realce que as coisas não têm.
A sociedade autogestionária, hoje, por exemplo, na Jugoslávia -que é um país que se reclama de socialismo autogestionário -, não tem, de facto, características socialistas; é uma sociedade capitalista, subordinada ao imperialismo americano, em que' as empresas em autogestão concorrem: umas com as outras, dentro da lógica capitalista. É, de facto, a anarquia, em termos de organização social.
Risos do PS.
O PS está a achar graça, mas sabem que tenho razão.
Risos do PS.
O que sei passa na Jugoslávia com as centenas de milhares, ou até mais, de desempregados, de emigrantes económicos, demonstram que esse sistema não garante aos povos da Jugoslávia as condições necessárias à sua autodeterminação económica, social e política. Aliás, é fácil de entender!
O sistema socialista impõe e exige o controle dos trabalhadores e dos operários sobre um Estado, um Estado que represente a sua própria organização, que represente a sua vontade, que represente a sua necessidade de transformação da sociedade.
O Estado operário, o Estado que represente os interesses avançados da classe operária à frente de todos os trabalhadores, é a única forma que permitirá liquidar as estruturas da exploração capitalista, transformar a sociedade capitalista na sociedade socialista. Portanto, como projecto de futuro, como filosofia, estamos totalmente em desacordo com aquela que está subjacente e emanente neste projecto de lei.
Para nós, a transformação da nossa sociedade, aqui, em Portugal, passa pela luta de todos os trabalhadores, para conquistarem o aparelho de Estado, para destruírem este aparelho de Estado, ao serviço de uma classe, da classe dos exploradores, e imporem um novo aparelho de Estado que garanta os interesses dos explorados e acabe, efectivamente, com a exploração.
Só dessa forma se poderá avançar e falar em socialismo. Só dessa forma se poderá, efectivamente, dizer que o homem é o capital mais precioso, que o homem não será uma peça da engrenagem. Só dessa forma se poderá dizer que o homem, que os trabalhadores, que os produtores, serão donos do seu' próprio destino e determinarão o caminho da sociedade para o futuro.
Tudo isto, voltando agora ao princípio da minha intervenção, não nos impede de apoiar -embora as reservas que já apontámos e outras que se apontarão depois, na discussão na especialidade - este projecto de lei, na medida em que ele vai contemplar e garantir o funcionamento das sociedades em autogestão, que são o esforço de muitos ei muitos trabalhadores que, no fundo, lutam contra este Governo, contra a exploração capitalista e, portanto, isso terá de merecer o nosso apoio.
As sociedades em autogestão são hoje - em nosso entender, no nosso país e na situação concreta em que vivemos- focos de luta popular contra a exploração e contra a repressão. São formas de iniciativa e de criatividade dos trabalhadores e devem, portanto,
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merecer o nosso incentivo, mas apenas enquanto tais, e não na outra perspectiva que aqui já critiquei. Por isso, vamos votar favoravelmente este projecto de lei, sem deixar de sublinhar, mais uma vez, que consideramos que o futuro dos trabalhadores, a transformação da sociedade, o futuro socialista, não está no desenvolvimento cia autogestão, mas sim na tomada do poder pelos trabalhadores, na conquista do aparelho de Estado, na sua destruição e na criação de outro aparelho de Estado, de acordo com os interesses da classe operária e de todos os trabalhadores, na luta contra os seus inimigos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é pela primeira vez que esta Câmara debate a questão do enquadramento legal das empresas autogeridas pelos trabalhadores, como recordou aqui o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa. Em Dezembro de 1976, no desenvolvimento da ratificação do Decreto-Lei n.º 821/76, de 12 de Novembro, requerida pelo meu partido, os grupos parlamentares que então constituíam o hemiciclo definiram as suas posições sobre este tipo de empresas. Em Março de 1978, a propósito dos projectos socialistas que vieram a ser as Leis n.ºs 66/78, de 14 de Outubro, e 68/78, de 16 de Outubro, os mesmos grupos parlamentares repetiram até à exaustão, pois o debate ocupou quatro sessões plenárias, todos os aspectos relacionados com esta forma de propriedade social: tratava-se, nessa altura, de prender nas malhas de uma lei democraticamente elaborada e votada as situações criadas pela ocupação de algumas centenas de pequenas empresas pelos trabalhadores logo após o 11 de Março, com a consequente expulsão ou saneamento dos seus proprietários ou gestores e, em muitos casos, também como resposta ao abandono ou fuga dos patrões para se furtarem às suas responsabilidades sócio-laborais para com os trabalhadores.
Nas intervenções que então o nosso grupo parlamentar produziu afirmámos claramente que o CDS não é contrário à existência, no nosso país, de unidades de produção autogeridas pelos trabalhadores associados, quando estes põem em comum os seus esforços para prosseguirem qualquer actividade empresarial. Nada no nosso programa partidário, ou na declaração de princípios, se opõe à constituição «pró ovo» de empresas desta natureza. O que sempre frontalmente condenámos e combatemos foi uma particular noção de «empresa em autogestão» que foi tomando corpo e forma em Portugal no verão quente de 1975 e que se traduziu na tomada de uma empresa capitalista por uma minoria vanguardista e voluntarista de trabalhadores, quase sempre filiados em certos e determinados partidos políticos, e a sua posterior gestão nos mesmíssimos moldes da gestão patronal, mas agora com o patrão individual substituído por uma reduzida comissão.
Na verdade, como então dissemos, a substituição das pessoas na cúpula em nada alterava nem altera o estatuto da empresa, como este não fica alterado se apenas a sua gestão se transfere de um patrão individual para o colectivo dos trabalhadores. Com esta «transferência dos poderes -passe a expressão -
apenas se levanta uma cortina de fumo para ocultar o cerne do problema. A mudança do proprietário (ou do gestor) não altera a conveniência da lógica empresarial baseada no princípio do lucro, não altera a desvantagem da empresa isolada e cercada pelas empresas capitalistas, não altera a preocupação com o comportamento dos agentes económicos. Tudo isto porque o direito de propriedade e de gestão sobre a empresa não se identifica com a própria empresa e muito menos com aquilo que se convencionou chamar «vocação da empresa».
A empresa gerida pela comissão de trabalhadores nos moldes capitalistas não deixa de ser capitalista só por este facto, só porque uma vanguarda de trabalhadores expulsou o patrão para agir em lugar dele, pois continua com a ideia de acumular lucros, sendo esta a meta desejada pelo colectivo dos trabalhadores.
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto significa que aquilo que em Portugal erradamente se denominou de «autogestão», e de que o Partido Socialista parece não se ter libertado totalmente, não passa de uma caricatura da revolução de 11 de Março, que muito tem contribuído para uma certa resistência e relutância com que a opinião pública encara esta forma de organização empresarial.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS, desde a sua fundação, tem vindo a bater-se por uma efectiva reforma da empresa, rejeitando do mesmo passo todas as fórmulas daqueles que pretendem a autodestruição das empresas pela hipervalorização das tensões de classe no seu âmbito, ou a redução humilhante dos trabalhadores à condição proletária de vendedores simples do seu próprio trabalho.
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Muito bem!
O Orador - Lê-se na sábia Encíclica Laborem Exercens: «Se a posição do capitalismo «rígido» tem de ser continuamente submetida a uma revisão, no intuito de uma reforma sob o aspecto dos direitos do homem, entendida no seu sentido mais amplo e nas suas relações com o trabalho, então, sob o mesmo ponto de vista, deve afirmar-se que estas reformas múltiplas e tão desejadas não podem ser realizadas com a eliminação apriorística da propriedade privada dos meios de produção.» -E continua- «Convém efectivamente observar que o simples facto de subtrair estes meios de produção (o capital) das mãos dos seus proprietários privados não basta para socializar de maneira satisfatória. Assim, eles deixam de ser propriedade de um determinado grupo social, os proprietários privados, para se tornarem propriedade de sociedade organizada, passando a estar sob a administração e a fiscalização directa de um outro grupo de pessoas que, embora não tendo a propriedade, em virtude do poder que exercem na sociedade dispõem deles a nível de inteira economia nacional, ou então a nível da economia local... Temos, pois, que o simples facto de os meios de produção passarem para a propriedade do Estado, no sistema colectivista, não significa, só por si, certamente a «socialização» desta propriedade. Poder-se-á falar da socialização somente quando for assegurada a subjectividade da sociedade,
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quer dizer, quando cada um dos que a compõem com base no próprio trabalho tiver garantido o pleno direito a considerar-se comproprietário do grande «banco» de trabalho em que se empenha juntamente com os demais. E uma das vias para alcançar tal objectivo poderia ser a de associar o trabalho, na medida do possível, à propriedade do capital e dar possibilidade de vida a uma série de cargos intermediários com finalidades económicas, sociais e culturais. Corpos estes que hão-de usufruir de uma efectiva autonomia em relação aos poderes públicos e que hão-de procurar conseguir os seus objectivos específicos mantendo entre si relações de leal colaboração recíproca e subordinadamente às exigências do bem comum.»
Como partido democrata-cristão, para nós a participação do conjunto do pessoal nos resultados da produção, a concepção de que a empresa é uma comunidade de homens livres e iguais e a colaboração recíproca de proprietários, gestores e trabalhadores na condução da unidade produtiva constituem os três pilares sobre que deve assentar a democracia industrial. Por isso, quando ouvimos certos arautos socialistas apresentar a apropriação colectiva dos meios de produção como o estádio final da democracia económica e social, o meio de emancipação dos trabalhadores e panaceia para todos os males do nosso país acodem-me ao pensamento estas palavras de Diderot: «Ter escravos nada representa, o que torna intolerável é ter escravos e chamar-lhes cidadãos...». Para nós, centristas, a democracia social ou industrial é uma forma de organizar e racionalizar a partilha de decisão, por isso é que ela é um regime da razão e não uma prova de força.
O projecto de lei n.º 276/II, que pretende instituir entre nós o quadro legislativo para constituição e funcionamento das sociedades em autogestão, merece-nos sérias reservas quanto à sua oportunidade política nas vésperas da revisão constitucional, bem como quanto às soluções técnicas que adopta.
Em primeiro lugar, não existe no projecto socialista uma clara definição do que seja uma sociedade em autogestão, designadamente quando confrontada com a sociedade por quotas, e uma sociedade cooperativa ou uma empresa capitalista ocupada pelos trabalhadores. O simples facto de dizer-se que elas se constituem sem capital próprio não basta para lhes imprimir um cunho próprio. Na verdade, o projecto acolhe a ideia simplista, que atrás criticámos, de caracterizar uma sociedade em autogestão como aquela onde o poder de decisão pertence ao colectivo dos trabalhadores, ao contrário da sociedade capitalista, em que tal poderá pertencer aos proprietários do capital, empresa estatizada dominada pelos órgãos do Estado e a sociedade cooperativa que é, em regra, plena proprietária dos meios de produção.
Ora, não é por uma mera consideração de lógica formal de chamar «capitalistas» aos sócios fundadores das sociedades por quotas em que, como é usual, todos são gerentes e «trabalhadores» aos sócios das empresas em autogestão que ficará marcada a distinção que é necessário estabelecer. É evidente que num caso e noutro temos uma empresa em que «todos os sócios contribuem, com o seu trabalho, para o exercício em comum, e em moldes empresariais, de uma certa actividade económica, com iguais direitos de gestão e repartição igualitária dos benefícios resultantes». Isto para não falar de cooperativas, onde a definição do artigo 1.º do diploma assentar-lhes-ia como uma luva.
Repare-se, por outro lado, que os sócios fundadores podem admitir ao seu serviço trabalhadores subordinados por contratos a prazo de 6 meses (artigo 18.º). Quer isto dizer que temos, assim, implantada no seio da empresa aquela «odiosa distinção» entre os empregados e os empregadores, para não lhes aplicar outros qualificativos tão do gosto marxista.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Acresce, ainda, o facto de a comissão de gestão em nada se diferenciar de uma vulgar «gerência» das sociedades capitalistas;, sendo até suplectivamente aplicáveis as normas reguladoras destas para preenchimento de inúmeras lacunas propositadamente deixadas em aberto, pelos autores do projecto.
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS):- É verdade!
O Orador: - Quanto à constituição patrimonial da sociedade em autogestão, o projecto é simplista, mais uma vez, e contraditório. No artigo 1.º afirma-se que tais sociedades se constituem sem capital próprio, mas de seguida diz-se que os sócios podem afectar ao fundo social quantias próprias, reputadas necessárias ao arranque da empresa. Em que ficamos?
Quanto à responsabilidade dos sócios perante os credores, o diploma não diz como ela se efectiva no caso de a sociedade se constituir sem capital próprio, aplicando o regime tout court das sociedades anónimas para a hipótese de haver sócios com participação no fundo social. Fala-se, neste domínio, de os credores poderem executar os bens da sociedade. Mas como é que isso será possível se o direito de propriedade sobre os meios de produção não pertence ao colectivo dos trabalhadores, porquanto eles têm apenas o direito de uso de bens alheios?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não deixa de ser curiosa também uma particular forma de despedimento por justa causa, prevista no artigo 48.º, quando permite às empresas privadas ou cooperativas rescindir o contrato de trabalho de 25 % dos trabalhadores que não quiseram transformar-se em sócios da sociedade em autogestão, o que é .manifestamente inconstitucional, como também não pode deixar de sublinhar-se, com espanto, como o diploma introduz sub-repticiamente a criação em Portugal, à revelia da legislação existente e das conhecidas posições anteriormente defendidas pelo PS, a constituição de sociedades para-bancárias!
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS):- É verdade!
O Orador: - Muito mais se poderia dizer para demonstrar que o diploma do partido socialista falha no seu alvo, seja quanto aos princípios, que concordamos sejam generosos, seja quanto à disciplina jurídica das empresas em autogestão. É natural que assim aconteça. Não existe qualquer experiência an-
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terior de empresas deste género nos países com que mantemos uma proximidade de cultura jurídica e sabe-se que é extremamente difícil a sua implantação como ilhotas cercadas pelo mar da economia capitalista ou de mercado e, por outro lado, extremamente negativo o saldo das empresas ocupadas, às quais se outorgou o estatuto de autogestão. Não é por um acto de puro voluntarismo, totalmente divorciado da nossa realidade económica e social, que poderiam nascer como cogumelos, a partir do subsídio de desemprego como quer o Dr. Marcelo Curto, por obra e graça da facção da esquerda laboral do PS as tão desejadas empresas geridas pelos próprios trabalhadores.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador. - Com a elevada percentagem de analfabetismo, sem qualificações necessárias, sem património necessário nem garantias aos credores e fornecedores, a experiência, mesmo quando juridicamente viável, seria fadada ao insucesso se fosse tentada nos tempos mais próximos num país como o nosso, que atravessa uma gravíssima crise económica e financeira e que, por isso mesmo, nunca poderia dispor de fundos públicos para experiências desta natureza.
A inviabilidade da criação de sociedades de autogestão em Portugal deixa em aberto o grave problema, que ainda se mantém, das empresas, ocupadas, face à inoperacionalidade das Leis n.ºs 66/78 e 68/78. Decorridos 4 anos, verifica-se que os instrumentos legais devisados não funcionaram, nem funcionam, nem poderão funcionar, e que continua por regularizai a situação de alguns milhares de trabalhadores e algumas centenas de patrões. Urge, por isso, rever aquelas duas leis, adoptando medidas concretas e servindo-se, para o efeito, do valioso relatório apresentado pela Comissão Interministerial para a Análise das Empresas em Autogestão (CIAPEA) e as críticas feitas, não menos importantes, na publicação A Realidade da Auto-Gestão em Portugal. A prudência manda que convém aguardar o termo da revisão constitucional para preparar um diploma legal, disciplinador das novas empresas em autogestão condicente com a nova redacção que vão receber alguns princípios atinentes, relativamente a este sector da propriedade social.
Pelos motivos que ficam, assim, expostos e outros que avançaremos durante este debate, não poderemos dar o nosso voto favorável à iniciativa socialista.
Aplausos do CDS e do PPM.
O Sr. Marcelo Curto (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marcelo Curto, o seu partido já não tem tempo.
O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para um protesto e lembro que, quando foi suspensa a sessão em que estávamos a discutir este assunto, houve uma proposta do Sr. Deputado Rui Amaral, do PSD, no sentido de se alargar o debate e de se conceder mais tempo a todos os partidos desta Câmara.
Depois das graves acusações que foram lançadas pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, se eu não puder protestar não estamos em face de um debate plenamente democrático.
O Sr. Rui Amaral (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, eu corroboro parcialmente as palavras do Sr. Deputado Marcelo Curto.
Na verdade, a proposta que foi formulada por meu intermédio no termo da reunião em que nos debruçámos sobre este tenra foi no sentido de que esta Câmara pudesse dedicar a este assunto a atenção que, do nosso ponto de vista, ele justifica. Mas isto em fase posterior à semana que passou e também em fase posterior a esta semana que hoje começa.
A circunstância de termos sido confrontados com o facto de a conclusão desta discussão ser restrita a um período de tempo extremamente limitado vai condicionar, de forma mais uma vez negativa, decisivamente negativa, as intervenções do PSD e, eventualmente, as intervenções de outros partidos.
Portanto, presumo que se mantém de pé - aliás, presumia que era esse o consenso, que não foi entendido em toda a sua extensão - a ideia de que a índole deste problema justificaria algum tempo mais de discussão e que, tendo em conta marcações urgentes, ele fosse agendado com tempo e sem limitações para q.ue fosse abordado com toda a profundidade.
Com uma ordem do dia como a que temos hoje e como a que vamos ter amanhã e ainda com a programação que temos para os próximos dias - com ausência de trabalhos parlamentares-, não vejo como é que vai ser possível conciliar estas duas coisas. Mas nós, PSD, não gostaríamos de prescindir de uma abordagem mais profunda, a menos que a isso sejamos forçados, o que faríamos com pena, mas faríamos.
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Está em causa emitir uma opinião em nome do meu partido a respeito desta hipótese.
Assim, fundamentalmente quero dizer o seguinte: uma coisa é a discussão mais profunda do tema da autogestão -e penso que era esta a intenção do Sr. Deputado Rui Amaral -, que poderá ter lugar em qualquer oportunidade, e outra coisa é perdermos mais tempo com a discussão deste projecto de lei. E quanto ao projecto -perdoe-me o Sr. Deputado Marcelo Curto-, entendemos que não se justifica que gastemos mais tempo com ele.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - É que, efectivamente, sempre que nos tivemos de debruçar sobre um projecto que é
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manco, sobre um projecto que é insuficiente ou sobre um projecto que não pode merecer a nossa concordância, é evidente que teremos que nos. perder com comentários que são necessariamente negativos, teremos que versar posições e argumentações que não agradarão, nem hoje nem amanhã, ao Sr. Deputado Marcelo Curto.
Se, porventura, pudéssemos alargar e abstrair o sentido da discussão, talvez ela pudesse ganhar em profundidade e talvez fosse mais fácil alcançarmos um consenso. Mas quando se trata de um projecto como este é difícil convergirmos num resultado comum.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marcelo Curto, se V. Ex.ª pretendesse responder a um protesto contra uma sua intervenção, mesmo que o Sr. Deputado não tivesse tempo, era evidente que eu lhe concederia a palavra. (Mas neste caso é o Sr. Deputado que pretende protestar quando não tem tempo. E se eu abrir esta excepção cria-se um precedente que depois todos os partidos têm direito de utilizar.
Talvez algum grupo parlamentar, pudesse; ceder tempo ao Sr. Deputado...
O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, embora eu não goste dei o fazer, tenho de invocar o direito de defesa, porque o Sr. Deputado Narana Coissoró não se coibiu dei provocar a bancada do PS mencionando...
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado, para não perdermos mais tempo, tem V. Ex.ª a palavra para exercer o direito de defesa. Dispõe de 2 minutos.
O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, efectivamente, o Sr. Deputado Narana Coissoró provocou gravemente a bancada do PS ao falar numa das moções que foram apresentadas ao congresso do meu partido. Nem o Sr. Deputado Narana Coissoró tem legitimidade para o fazer, nem eu lhe concedo o direito dei o fazer em termos provocatórios, como o fez.
É claro que não esperamos que o Sr. Deputado Narana Coissoró e o CDS morram de amores ou tenham qualquer espécie de amizade por projectos autogestionários.
Na verdade, o Sr. Deputado Narana Coissoró, em 1978, disse que o CDS até apoiava o projecto de, lei que deu origem à lei n.º 68/78 para que os trabalhadores saboreassem as virtudes de serem proprietários, e é, isto que o CDS pretende.
Agora, referir abusivamente e de forma provocatória - e eu não julgava que o Sr. Deputado Narana Coissoró fosse, capaz de o fazer - uma das tendências reveladas numa moção apresentada ao nosso congresso, é uma ingerência nos assuntos internos do PS, que. nós não lhe admitimos e contra a qual, pela minha voz, protestamos veementemente. \
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, não pretendo contraprotestar, mas apenas- dar um esclarecimento.
Não tive qualquer intenção de provocar quem quer que fosse, pois a única coisa que disse -aliás, em tom laudatório, porque o Sr. Deputado Marcelo Curto é um dos líderes de uma facção muito prezada do PS, que se> chama a «esquerda laborista» - foi que este projecto vem desta facção, foi que eu até o achava generoso e que esta projecto está ligado a outros 3 ou 4 projectos anteriores. Não tive qualquer outra intenção senão a de lhe prestar homenagem.
Mas se prestar homenagem à «esquerda laborista» é provocar o PS, isso é com ele, não é comigo!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral.
O Sr. Rui Amarai (PSD):- Sr. Presidente, antes de iniciar a minha intervenção eu desejava que V. Ex.ª me informasse sobre qual é o tempo de que disponho.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª dispõe de 5 minutos.
O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, então, tenho que regressar à questão que foi levantada no princípio.
Na verdade, pela minha voz, nós demos o nosso consenso a que o problema ...
O Sr. Presidente: - Desculpe-me, Sr. Deputado, mas não há qualquer consenso nesse sentido.
O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, lamento muito, mas o consenso que do meu ponto de vista se estabeleceu - fui eu que intervim em nome da minha bancada - foi no sentido de que, de facto, nós não nos dispensaríamos de fazer uma intervenção de resposta minimamente adequada à intervenção introdutória do PS, e eu referi isto expressamente.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que esta situação não é propriamente a de um Sr. Deputado que levanta um problema.
Penso que estamos perante um acordo entre os grupos parlamentares, acordo esse que se estabeleceu numa reunião de líderes. É, naturalmente, nós estamos habituados a que esses acordos se cumpram.
Se há efectivamente uma vontade de alterar esses acordos, penso que essa iniciativa deve partir das direcções dos grupos parlamentares, propondo novos tempos e não reiniciando a discussão ou aplicando o Regimento.
Penso que estamos a entrar numa posição que não é correcta!
Nós até estamos dispostos a rediscutir o assunto, deve ser discutido na sede própria e aí é que haverá,
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ou não, consenso para alterar o acordo estabelecido. Penso que a situação é esta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral. Dispõe de 5 minutos, que é o tempo que o seu partido ainda tem.
O Sr. Rui Amaral (PSD):- Sr. Presidente, presumo que terei que conferenciar com os membros da direcção do meu grupo parlamentar, porque a intervenção que eu tenho preparada não cabe em 5 minutos nem em perto de 5 minutos.
Nesses termos - e eu não estive na reunião dos líderes parlamentares-, penso que, de facto, ...
O Sr. Presidente: -Sr. Deputado, de quanto tempo necessita para produzir a sua intervenção?
O Sr. Rui Amara] (PSD): -Não muito mais do que aquele de que disponho, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O CDS, que dispõe de tempo, cede-lhe 5 minutos. Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta intervenção que vou fazer é, em qualquer caso, condicionada pela limitação que decorre, no meu ponto de vista, do facto de esta matéria ter sido agendada para hoje, para um dia tão sobrecarregado como este.
O PS apresenta-nos agora, cerca de l ano depois da apresentação para discussão, por marcação regimental, de um outro projecto de lei a que atribuiu alguma importância política - o projecto de lei dos contratos a prazo -, um projecto de lei que pretende regulamentar e, mais do que isso, que pretende promover, de alguma maneira e no essencial, a autogestão em Portugal.
O PS apresenta-nos, 'portanto, num projecto de lei que, na sequência do projecto de lei dos contratos a prazo -insisto, aqui discutido na generalidade há mais de l ano -, tem como objectivo essencial (cito palavras que então aqui foram proferidas) «concorrer para a redução do desemprego em Portugal».
Embora esta consideração seja contraditória como o sonho ou a utopia de que nos falou o Sr. Deputado Almeida Santos no seu brilhante discurso de introdução do projecto, retivemos, para além do texto do projecto e ainda da expressividade do seu preâmbulo, dois objectivos fundamentais: em primeiro lugar, que ele visava o combate ao desemprego e, em segundo lugar, que ele era a expressão de um ideal, utópico embora, mas que importava ir construindo a pouco e pouco.
Não nos surpreende, pois, que uma iniciativa deste tipo seja apresentada pelo PS, de cujos objectivos programáticos nunca duvidámos, mas que têm sido demasiadamente esquecidos pelo próprio PS, quer quando foi Governo, quer igualmente na qualidade de partido da oposição. Recorde-se, a este propósito, que o PS já é oposição há cerca de 2 anos...
Vozes do IPS: -Há mais de 2 anos!
O Orador: - ...há mais de 2 anos, e só agora aparece a marcar este projecto de lei.
Que o PS só se lembre de vez em quando dos seus objectivos programáticos é uma questão, que não é connosco.
O Sr. António Arnaut (PS): - Não apoiado!
O Orador: - Os objectivos programáticos do PS são diferentes dos do PSD e com isso nos congratulamos. Por isso somos diferentes e é desejável que assim nos mantenhamos. Nós somos sociais-democratas, os nossos colegas do PS são socialistas.
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - E se o socialismo pode ser entendido, como a democracia o é, como algo que programaticamente nos pode unir, importa distinguir claramente que, não rejeitando, embora, uma sociedade ideal socialista e autogestionária, para nós esse objectivo ideal, insisto ideal -o que, fundamentalmente, é quase sinónimo de utopia neste Portugal pós-revolucionário e em crise, em 1982-, atinge-se por um caminho essencialmente diferente daquele que o PS se propõe seguir.
A via de construção da sociedade ideal, com que sonhamos também - insisto, com que sonhamos também -, é a via livre, democrática, participativa e interclassista da co-gestão. Para o PS, salvo erro, é a via estatizante, colectivizadora, de raiz essencialmente marxista, de progressiva estatização de todos os meios de produção.
Não é isso exactamente o que está em causa neste projecto, mas convenhamos que o essencial dele é um processo de promoção e dinamização de criação de empresas, com suporte e apoio público, para serem autogeridas.
Por outras palavras, o que de essencial contém este projecto é um objectivo de disseminação das experiências autogestionárias.
Não teve o PS a coragem de avançar para o projecto globalizante de autogestão, à jugoslava, ficou-se pelo caminho, mas ficou nesse caminho.
É evidente, em termos ideológicos, que aqui reside algo do mais importante que agora nos divide e separa e, portanto, desde logo não poderia o PS esperar o nosso aval.
Com efeito, o PSD não tenciona promover adrede a multiplicação de empresas com autogestão porque entende - e isto que fique claro - que essa não é uma via social-democrata. Mas o PSD não rejeita o apoio que seja legítimo e razoável às empresas em autogestão que sejam igualmente legítimas e viáveis ou seja, se o projecto do PS fosse exclusivamente a definição de um estatuto legal e definitivo para as centenas de casos de autogestão em Portugal, a nossa posição seria certamente bem outra.
Estamos de acordo que é urgente que se legalizem essas situações em moldes que, respeitando direitos legítimos de proprietários e gestores, respeitem também os méritos e os resultados da actividade autogestionária realizada.
Nestes termos, o PSD teria todo o gosto em poder, a breve trecho, obter o consenso do PS para a análise e discussão de um projecto de lei cujo objectivo seja esse. E mais do que esse, porque não nos repugna a
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autogestão directa, estamos ainda abertos à consideração de novas experiências de autogestão desde que baseadas em circunstâncias em que o proprietário haja abandonado ilegitimamente as empresas.
Isto é prática em países democráticos, é às vezes uma solução viável, e não vemos nenhuma razão para deixar de acarinhar as experiências viáveis, insistimos.
Mas não confundimos experiências viáveis com todas as experiências. A realidade em Portugal, como noutros países, não é generalizadamente bem sucedida neste domínio, e a nós nos preocupa que à ideia elevada de autogestão a opinião pública e os próprios trabalhadores venham a associar a ideia de algo de negativo que importa repudiar, porque não é eficaz.
E não se diga que isto não é importante, porque todos sabemos que. ideais tão' importantes e caros para nós, sociais-democratas, como as comissões de trabalhadores, a participação na gestão ou as cooperativas, disseminadas indiscriminada, incompetente e irresponsavelmente, subvertem, em boa parte da opinião pública, esses próprios ideais.
Para nós é claro que o cooperativismo, a participação na gestão, as comissões de trabalhadores, bem como as experiências justificadas de autogestão, estão irremediavelmente adiadas na nossa sociedade pela subversão que delas se fez e pela utilização abusiva, imponderada e destruidora de que muitas delas foram vítimas, consciente ou inconscientemente.
Seja-nos permitido a nós, que somos maioria, a nós por quem passa a aprovação ou a não aprovação das leis deste país, que assumamos a maior responsabilidade nesta matéria.
Peles motivos expostos - e não desejávamos, sequer, entrar no campo da análise a partir dos efeitos deste projecto sobre o emprego, porque o desemprego é questão demasiadamente séria para ser tratado de forma tão superficial (desculpem-nos os autores este remoque) -, o PSD votará contra este projecto. Não desejamos que, a exemplo do que aconteceu há l ano atrás com o projecto dos. contratos a prazo, fiquem dúvidas a ninguém sobre o juízo que sobre ele fizemos, de que não resolve nenhum problema e que, portanto, é desadequada e inútil relativamente aos objectivos enumerados. Sem falsos complexos nem ilusões irrealistas, o PSD vota contra, reafirmando, porém, a sua disponibilidade para, em conjunto com os demais partidos democráticos, analisar a breve trecho, de forma construtiva e definitiva, a realidade da autogestão em Portugal, que, afinal, ninguém conhece suficientemente e cujos méritos e defeitos são indispensáveis aprofundar e analisar como base, sem a qual não se poderá legislar de forma sustentada sobre as empresas em autogestão em Portugal.
Uma última consideração: a revisão da Constituição da República pode introduzir na matéria modificações que impliquem uma mudança de atitude relativamente ao actual texto constitucional. Em vésperas da subida a Plenário da lei da revisão, parece-nos completamente imperativo e destituído de sentido útil abordar o problema antes da revisão da Constituição. Aliás, na sua vigência se analisará também - para isso estamos disponíveis- o problema em simultâneo com o modo de gestão das empresas públicas.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas uma primeira observação previa, para me congratular com o facto de o Sr. Deputado Rui Amaral ter mostrado! a abertura do seu grupo parlamentar para a regulamentação e o estatuto das empresas actualmente, em autogestão.
Tanto mais que, por ironia do destino, essa parte do discurso do Sr. Deputado Rui» Amaral foi feita à custa do tempo do CDS, o que poderá também pressupor uma certa conivência do CDS quanto a essa abertura manifestada pelo Partido Social-Democrata.
Mas, na realidade, a minha intervenção tem, sobretudo, dois objectivos: o primeiro é o de saber se, de facto - e nesse ponto estamos de acordo, pois o Sr. Deputado Rui Amaral defende um projecto social-democrata-, o projecto social-democrata, e nomeadamente o programa do seu partido, não definem a co-gestão como uma via evolutiva para a definição de uma sociedade onde a autogestão tem o foro de cidadania, e ainda se a social-democracia não tem como pressuposto fundamental a existência ou a coexistência de diversos sectores de propriedade e das diversas iniciativas económicas nessa sociedade.
Um esclarecimento adicional que lhe peço, Sr. Deputado: para quando, então, pensa o PSD apresentar nesta Câmara, assumindo as suas responsabilidades, um projecto sobre co-gestão?
Estamos à espera! já é tempo de os senhores assumirem essa mesma responsabilidade.
Segundo esclarecimento: como é que o Sr. Deputado Rui Amaral, à face da actual Constituição da República, pode defender que a questão da regulamentação do estatuto das empresas em autogestão só se deve referir às empresas actualmente em autogestão, quando, na realidade, a Constituição da República consagra no artigo 89.º, n.º 1, alínea a), a existência de um subsector de propriedade dentro do sector público, e que é o subsector autogestionário, e que, naturalmente, não pode ser nunca encarado sob a perspectiva restritiva de que só as empresas que actualmente já acederam a esse estatuto autogestionário é que devem ser regulamentadas, quando, na realidade, se trata de um subsector com dignidade constitucional e, portanto, com autonomia própria?
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Amaral.
O Sr. Mui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, penso que o Sr. Deputado António Vitorino não terá ouvido rigorosamente toda a minha, intervenção.
Vou começar pior responder, porém, à última pergunta que me fez.
De facto eu disse, salvo erro, que estávamos dispostos a analisar simultaneamente o problema da gestão das próprias empresas públicas - problema que está em suspenso -, e não só das empresas públicas tout court. mas das próprias empresas públicas relativamente às quais a Constituição estabelece que os
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trabalhadores podem optar por experiências autogestionárias, como é o caso de empresas indirectamente nacionalizadas.
Referi expressamente que estaríamos disponíveis para analisar o problema em conjunto.
Quanto ao problema de saber se a social-democracia admite ou não as empresas em autogestão, devo dizer-lhe que sim, que certamente as admite. Nas considerações preliminares que fiz, penso que fui claro quanto a isso - aliás, o texto está escrito. Eu citaria até uma frase que penso que é de Sá Carneiro, mas que creio que também está no programa do meu partido: «A social-democracia está para o socialismo como a co-gestão está para a autogestão.»
Quanto a isto, nós estamos de facto de acordo. Com o que não estamos de acordo, Sr. Deputado - e isso ficou claro na minha intervenção que foi bastante clara -, é em misturar a utopia com o realismo. Sobretudo, temos um grande sentido de preocupação quanto à perversão e subversão de certo tipo de conceitos que consideramos extremamente importantes e positivos e que estão a ser vítimas, através de um processo de subversão que se instalou neste país com a culpa e a responsabilidade de alguns - nós próprios teremos, eventualmente, alguma - a partir de 1975.
Ideias como a participação na gestão, como a co-gestão, como as comissões de trabalhadores, são ideias que hoje em dia, não só no seio de empresários mas até junto dos trabalhadores, encontram elevadíssimas resistências que resultaram, sobretudo, da ineficácia e do inêxito de muitas experiências.
Nós não pretendemos promover o inêxito das experiências. Pretendemos, sim, salvaguardar, ajudar, acarinhar experiências de autogestão que se tenham mostrado viáveis, e estamos dispostos, como também disse, a acarinhar novas experiências de autogestão que se mostrem viáveis, desde que isso seja, naturalmente, comportado 'pelo erário público, inserido numa perspectiva de conjunto, de apoio do Estado a toda a iniciativa privada, publica, cooperativa e autogestionária.
Penso que respondi inteiramente às suas questões, Sr. Deputado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Moía (ASDI):- Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate deste projecto de lei deveria, em princípio, porquanto de fixação de ordem do dia se tratava, terminar no mesmo dia em que se iniciou. A intervenção no debate do Grupo Parlamentar do Partido da Acção Social Democrata Independente foi, por isso, preparada pelo deputado Manuel Tílman, nesse dia inscrito para intervir.
A intervenção que vou ler, é, portanto, aquela que o deputado Manuel Tílman se preparara para efectivar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tão pouco conhecida e divulgada que foi em Portugal, não se estranhará que comecemos, no momento em que a visita do Papa João Paulo II se torna centro de todas as atenções, por citar a Carta Encíclica Laborem Exercens.
Começa primeiramente a Encíclica por referir que «o trabalho é uma das características que distinguem o Homem do resto das criaturas, cuja actividade, relacionada com a manutenção da própria vida, não se pode chamar trabalho; somente o Homem tem capacidade para o trabalho e somente o Homem o realiza preenchendo com ele a sua existência sobre a terra. Assim, o trabalho comporta em si uma marca particular do homem e da humanidade, a marca de uma pessoa que opera numa comunidade de pessoas; e uma tal marca determina a qualificação interior do mesmo trabalho e, em certo sentido, constitui a sua própria natureza».
Também nós, sociais-democratas que somos, entendemos o trabalho não só como forma de realização pessoal, mas como contributo de cada um para a sociedade em que se insere.
É para que ao trabalho possa ser conferido o seu verdadeiro significado e função que propomos uma profunda transformação da empresa.
E é porque nos não ficamos por palavras, nem por enunciados de boas intenções, que apresentámos na Mesa e pretendemos ver submetido a discussão pública o projecto de lei n.º 334/II, alargando a representação dos trabalhadores na administração das empresas, hoje reduzida teoricamente às empresas públicas, e na prática por cumprir pelo Governo e pela maioria que o apoia, com o silêncio pactuante da sua componente social-democrata.
É, ainda como se refere na Laborem Exercens, que entendemos que «o fundamento para determinar o valor do trabalho humano não é, em primeiro lugar, o género de trabalho que se realiza, mas o facto de aquele que o executa ser uma pessoa.
Partindo deste modo de entender as coisas e supondo que diversos trabalhos realizados pelos homens podem ter um maior ou menor valor objectivo, procuramos, todavia, pôr em evidência que cada um deles se mede sobretudo pelo padrão de dignidade do mesmo sujeito de trabalho, isto é, da pessoa, do homem que o executa. Por outro lado, independentemente do trabalho que faz cada um dos homens e supondo que ele constitui uma finalidade - por vezes muito absorvente - do seu agir, tal finalidade não possui por si mesma um significado definitivo. De facto, em última análise, a finalidade do trabalho, de todo e qualquer trabalho realizado pelo homem - ainda que seja o trabalho mais humilde de um serviço e o mais monótono na escala de modo comum de apreciação e até o mais marginalizador, permanece sempre o mesmo Homem».
É nesta mesma perspectiva humanista que vamos, interessadamente, participar deste debate.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se a intervenção de apresentação do projecto, por parte do Sr. Deputado Almeida Santos, terá permitido para alguns demonstrar a evolução verificada no âmbito do Partido Socialista relativamente à concepção de autogestão que ao tempo da Assembleia Constituinte aqui defendera, parece importante que a nós próprios não nos iludemos, adoçando demasiado as arestas, dos problemas e minimizando, porventura também excessivamente, as dificuldades.
Na verdade, e ao menos pela nossa parte, não gostaríamos de ver a Assembleia da República, fugir à problemática da autogestão.
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Enquanto dissermos da autogestão que ela é aplicável a meia dúzia ou algumas dezenas de empresas em dificuldades, quando se estabelece o dilema «autogestão ou desemprego», quando se argumenta com a reduzida dimensão e peso económico das empresas a que a solução autogestionária se aplicaria, importa estabelecer se se considera, ou não, a autogestão algo de residual no modelo económico e social que nos propomos.
Em 1978, quando dos debates parlamentares que culminaram pela votação e aprovação das leis de criação do Instituto Nacional das Empresas em Autogestão e a que estabeleceu as normas relativas ao funcionamento das empresas em autogestão, os deputados não se debruçaram, a não ser marginalmente, sobre a autogestão, ao menos como figura jurídico--económica, limitando-se a aprovar legislação que pretendia resolver situações de facto nas empresas geridas por trabalhadores.
Inserimo-nos neste debate, e por isso invocámos os de 1978, de acordo com as considerações que então alguns de nós formularam.
Na verdade, a auto-limitação com que a discussão se iniciou, oscilando entre a modéstia com que foi encarado o projecto e o seu dispositivo e o atribuir-lhe, por outro lado, um certo carácter romântico de utopia, não terá permitido que & autogestão se transforme numa «questão ao PS» .... talvez porque essas questões só possam ser postas em círculos limitados ou reservados.
Uma vez que o debate ainda desta vez não se aprofundará, limitamo-nos a enunciar, por nossa parte, e ainda um pouco a título introdutório, alguns conceitos, sublinhando a recusa da tentação de fugir à questão, própria de quem considere a autogestão um conceito maldito.
Na verdade, há quem prefira o controle operário à participação na gestão, o que parece traduzir-se, paradoxalmente, na preferência pela manutenção do capitalismo, ainda que sob observação.
Em termos políticos, é como quem rejeitasse a hipótese de a monarquia constitucional sei preferível à monarquia absoluta, por se contentar com que o monarca disponha de uma cone com poderes ampliados.
E há, do lado aposto, quem, dizendo-se adepto da iniciativa privada, a reconduza a um período histórico, ou a uma coutada de quem, por herança, dispõe dos capitais necessários ao investimento. Já não se trata da liberdade de iniciativa que para os trabalhadores que cuidaram de uma empresa abandonada ou falida seria tabu. É a liberdade encolhida, à medida dos interesses que serve, a habitual confusão entre mercado e iniciativa com a conservação de uma ordem em que é proibido tocar.
Por nós, sociais-democratas, vemos a autogestão não como consequência directa e necessária de abolição da propriedade privada dos meios de produção, mas como projecto desde já realizável, ainda que como sub-sector não susceptível de generalização apressada, ,mas como forma democrática e válida de permitir aos trabalhadores, com liberdade, organizarem-se em comunidades produtivas e, inclusivamente, se assim o desejarem, ascenderem è propriedade.
A autogestão não implica, portanto, do nosso ponto de vista, nem a abolição do sector privado, nem a do sector público. Com eles coexiste
É evidente que falamos de autogestão significando uma forma precisa e concreta de gestão de empresas: a que é realizada pelo colectivo dos seus trabalhadores ou delegação electiva destes e não, no sentido global de autogestão, por oposição à divisão do homem.
É na perspectiva reformista em que nos, colocamos que pensamos que, em vez que ignorar ou desprezar experiência autogestionária, catalogando-a por forma redutora -e sempre o conforto de alguns rótulos serviu para esconder a cabeça na areia -, 6, pelo menos, exigível a todos encarar, com a seriedade que merece, o projecto ora sobretudo a esta Câmara.
Pela nossa parte, é o que procuraremos fazer, preocupando-nos em saber se o projecto se enquadra no regime constitucional; se resolve problemas pendentes, enquadrando-se legalmente; se é, suficientemente generoso para permitir um quadro motivador e desafiante àqueles para quem a autodeterminação não se confina a alguns aspectos da vida política.
Após a revolução de 25 de Abril de 1974 surgiram em Portugal algumas centenas de pequenas empresas industriais e comerciais geridas pelos trabalhadores, provenientes em grande parte de empresas privadas já existentes e que, por variadas causas, os primitivos empresários (proprietários ou gestores) abandonaram.
Os resultados obtidos são, evidentemente, desiguais. Não poderão ser encarados com o apriorismo evidente com que os tratou no .seu relatório a Comissão Interministria para a Análise das Empresas em Autogestão, CIAPEA, e que, de modo óbvio, desvirtuam a qualidade técnica e a objectividade que seriam exigíveis a tal «relatório») destinado a fundamentar medidas governamentais. Nem os colectivos de trabalhadores foram sempre, e por definição «associação de malfeitores», agentes de «roubo» e de «esbulho», autores de «sequestros, violações de correspondência, ofensas corporais, etc.», como se refere a p. 81 do «Relatório da Comissão», nem os empresários, estão, por definição, isentos de qualquer culpa.
Uma análise serena e objectiva que ao nível de Estado está por fazer, impõe que se não escamoteiem os casos em que foram dominantes razões de salvaguarda dos postos de trabalho e de manutenção da produção, quer que, para além dos conflitos e dai situações de ruptura cujas causas importa verificar em toda a sua complexidade, também houve acordos com as entidades patronais - quo, nalguns casos., permaneceram na empresa como trabalhadores e que, nem por terem cessado com a venda, arrendamento ou cedência do património aos trabalhadores organizados em cooperativas, deverão, por tal facto, ser excluídas da análise que, inclusivamente, também não deveria esquecer os casos em que os trabalhadores adquiriram a Titularidade do património, nomeadamente através de processos de falência.
Mas, se uma visão de conjunto, repetimos, serena e objectiva, não está ao nosso alcance pelo deficiente «relatório» que acabou por ser elaborado, sabemos que, face à Lei n.º 68/78, empregas houve que não foram reivindicadas pelos anteriores proprietários ou
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não lhe foram devolvidas por decisão judicial e que, também, não transitaram para o sector cooperativo.
Valerá a pena recordar, na própria Assembleia que a votou, que a Lei n.º 68/78 considerou justificada a autogestão (n.ºs 3 e 4 do art. 2.º) quando, no momento da sua constituição, se verificavam os pressupostos da falência fraudulenta, quando, por culpa do proprietário, ficou comprometida gravemente a viabilidade económica da empresa ou do estabelecimento, quando o proprietário revelou manifesto desinteresse equivalente ao abandono.
É neste enquadramento, de direito e de facto, que o projecto de iniciativa de deputados do Partido Socialista, se tem de situar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O âmbito quê o projecto de diploma pretende no essência regular é constituído per várias centenas de empresas, empregando algumas dezenas de milhar de trabalhadores.
Dois terços dessas empresas localizam-se nos distritos de Lisboa, Porto e Setúbal, percorrendo vários ramos industriais, nomeadamente têxteis, vestuário, metalomecânica ligeira, artes gráficas, mobiliário.
No sector terciário vale a pena destacar a hotelaria e o turismo.
São empresas que, fruto do abandono voluntário eu coercivo das entidades patronais nos anos de 1974 e 1975, não .foram reivindicadas pelos empregadores, sendo geridas actualmente pelos trabalhadores.
Empresas estas, cuja média de trabalhadores se situa à roda dos 50/100 postos de trabalho, cuja viabilização tem sido construída no dia-a-dia. Foi a comunidade de trabalho que foi vencendo a plêiade de dificuldades, desde problemas vários de financiamento, de abastecimento, comercialização, aprovisionamento e tecnologia, passando por horários de trabalho prolongados, 13.º mês e subsídio de férias atrasados ou não pagos, até salários praticados inferiores aos níveis de contratação colectiva.
Foi o colectivo de trabalhadores que face a estas dificuldades as venceram, tornando as empresas em organizações produtivas e viáveis.
Em relação às questões que a nós próprios nos propusemos, do que fica dito se conclui pela afirmativa, relativamente à segunda das questões.
O projecto em análise permite resolver problemas pendentes, enquadrando-os legalmente.
Também de quanto ficou dito, terá transparecido, pelo menos, que, em nossa opinião, não constitui um quadro suficientemente generoso e desafiante para aqueles para quem a autodeterminação se não confina a alguns aspectos da vida política.
Na verdade, quem ousará sustentar que uma política que apostasse na autogestão não implicaria, para além da definição do estatuto dos sócios e da possibilidade de doação ou empréstimo inicial pelo Estado do capital necessário à constituição do fundo social, também o apoio estadual no financiamento, na comercialização, no abastecimento, nas instalações, no equipamento, na tecnologia, etc., etc.?
Outras soluções do projecto são já não apenas «acanhadas», mas de discutível bondade.
É o caso do artigo 18.º, fechando a possibilidade de admissão de novos sócios e admitindo trabalhadores eventuais. Também, aqui, contratos a prazo?
Ou a hipótese de a empresa evoluir para uma sociedade não autogestionária com capital do Estado?
Parece-nos preferível resolver o problema de admissão de novos sócios, atribuindo aos mais antigos votos suplementares proporcionais à antiguidade, como em relação às cooperativas operárias sustenta o Dr. Sérvulo Correia. Mas, também, ao longo do que ficou dito, terá ficado clara a ideia nuclear do nosso pensamento.
Nós, sociais-democratas, pensamos que a autogestão é um projecto político realizável a prazo. A autogestão não se- cria por decreto.
É preciso viabilizá-la através da co-gestão, da socialização dos meios de produção, da democratização das estruturas laborais e empresariais, pondo fim à alienação através da formação e informação permanentes, sem excluir a possibilidade de em certos sectores da actividade económica se poder avançar mais rapidamente, através, nomeadamente, do desenvolvimento de cooperativas;.
Ou, dito de outra forma, para a social-democracia a transformação progressiva numa comunidade de direito pessoal tem de ser procurada na co-propriedade dos meios de produção e na co-gestão, postas ao serviço de uma vontade política apostada na criação de formas autogestionárias a realizar plenamente na sociedade socialista.
Por isso se pode afirmar que a co-gestão está para a autogestão, como a social-democracia está para a sociedade socialista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Restará que nos interroguemos sobre o enquadramento constitucional do projecto.
Sabe-se como o n.º 2 do artigo 61.º da Constituição da República refere que «serão apoiadas pelo Estado as experiências de autogestão». E sabe-se também que o n.º 2 do artigo 83.º aponta a autogestão como um dos caminhos possíveis para as pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas.
Não se duvida, assim, que o projecto corresponde ao citado n.º 2 do artigo 61.º e que a algumas das empresas actuais a que se refere terão sido indirectamente nacionalizadas.
Até aqui nenhum problema.
Só que o projecto não resolve, um problema essencial.
Relativamente às empresas actualmente em autogestão e que não foram objecto de nacionalização nem surgiram de novo, não parece possível, a não ser por prescrição, sustentar a aquisição da propriedade pelos trabalhadores.
Esta mesma dificuldade terá estado presente, aliás, na Lei n.º 68/78, que se limitou a conferir a «posse útil e gestão dos bens», direito real não regulado em qualquer outro diploma, e a fazer a remissão para os preceitos reguladores do usufruto.
Parece, assim, poder concluir-se que a nua Titularidade caberá ao Estado, no caso de nacionalização, e, por identidade de razões, aos anteriores proprietários, caso não tenha existido nacionalização.
É certo que e isso resolveria alguns, mas não todos os casos na doutrina jurídica portuguesa há
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quem sustente que o direito de propriedade pode extinguir-se por renúncia, por tal direito estar contido no direito de disposição. Mas tal doutrina esbarra designadamente com o disposto na alínea a) no artigo 89.º do Código do Notariado, que exige escritura pública para os actos que importem a extinção do direito de propriedade.
O manter-se sem resolução ou debate o problema, é, quanto a nós, a mais grave lacuna do projecto se, como foi afirmado, ele pretende fundamentalmente resolver as situações existentes.
E pensamos que esta questão bem justificaria algum debate, mesmo em sede de generalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como se diz no preâmbulo justificativo do projecto, estas sociedades de auxílio mútuo podem ser factor de progresso e emprego, construindo um novo tipo de relações de trabalho, baseados no princípio de «a trabalho igual remuneração igual».
Sociedades que apresentem uma inovação substancial que se baseia na aplicação do regime fiscal às sociedades cooperativas e a possibilidade de, em certos casos, recorrer a subscrição pública de capital de empréstimo.
Por tudo quanto vimos afirmando, o Grupo Parlamentar da ASDI vai votar favoravelmente, o projecto em debate. Nós, os sociais-democratas, não consideramos a autogestão como um luxo doutrinário que importa pagar para ter, mas sim como projecto viável a realizar a prazo, sem sacrificar os legítimos direitos dos empresários.
Para nós, a autogestão, configura-se como a construção de um novo tipo de sociedade, baseada na solidariedade social, no desenvolvimento da propriedade social e na procura de espaços de liberdade para o Homem.
Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS e do MDP/CDE.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Oliveira Dias.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o1 Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE):- Sr. Presidente, Srs, Deputados: A minha curta intervenção pretenderá, fundamentalmente, mostrar o nosso apoio na generalidade, ao projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista.
Da dimensão do fenómeno da autogestão em Portugal como fenómeno real, fala-nos o facto de ter atingido cerca de 1000 empresas, envolvendo uma força de trabalho total da ordem dos 30000 trabalhadores.
É um fenómeno que tem paternidade: é a do 25 de Abril. Não nasceu de análise teórica ou de trabalho de gabinete, nem de iniciativas legislativas do poder político.
A autogestão em Portugal nasceu, como tentos outros aspectos empolgantes no caminho da libertação social, de nova vida que o 25 de Abril fez surgir em Portugal.
Foi a iniciativa criadora e imaginosa dos trabalhadores, durante dezenas de anos bloqueada pêlo anterior regime, que desabrochou e criou novas realidades no tecido social e económico.
Foi a Revolução de Abril e as condições que rodearam e moldaram que permitiu que trabalhadores de muitas empresas tomassem nas suas mãos a gestão dessas mesmas empresas, criando, na prática, essa nova realidade, que é a de autogestão em Portugal.
É importante recordar que esta intervenção dos trabalhadores na criação de empresas em autogestão teve, na maioria dos casos, origem na necessidade de fazer face ao abandono de empresas ou ao simples desinteresse por parte dos seus proprietários.
Foi, afinal, uma intervenção resultante de condições objectivas, expressando-se na defesa de postos de trabalho e na garantia da continuidade da produção.
A realidade social antepôs-se à consagração jurídica.
Da experiência vivida na recolha de ensinamentos de experiências alheias de trabalhadores de outros países, a autogestão configura-se como uma nova forma de organização empresarial, onde não se procura o lucro nem preços especulativos, mas sim condições de rentabilidade e viabilidade que permitam o desenvolvimento da unidade produtiva com a criação de novos postos de trabalho e o alargamento da sua produção.
E, como traço característico saliente, a ausência de trabalho subordinado, substituído por relações de entreajuda entre os trabalhadores da unidade, no desenvolvimento da sua responsabilidade colectiva e individual.
A Constituição da República acolheu esta nova realidade, que é a autogestão, tratando-a mesmo nalguns dos seus preceitos numa perspectiva dinâmica.
Os dispositivos jurídicos constitucionais são, porém, insuficientes para garantir um quadro estabilizado de funcionamento das empresas em autogestão.
A Lei n.º 68/78, de 16 de Outubro, procurando desde logo ser uma regulamentação da situação da autogestão, de facto, em regime provisório, acabou por ser confrontada com governos de prática hostil ao sector autogestionário, verificando-se que ainda hoje a nenhuma empresa foi reconhecido o estatuto de autogestão. Isto representa, para os trabalhadores envolvidos em experiências autogestionárias, para a sua iniciativa e capacidade de realização e inovação, uma grave situação de permanente insegurança, com todos os aspectos negativos e debilitadores da própria capacidade de gestão das unidades produtivas.
Repare-se que nem sequer 4 anos após foi implementado o Instituto Nacional das Empresas em Autogestão naquele diploma 'referido e com o seu estatuto definido na Lei n.º 66/78, de 14 de Outubro.
Já referimos ver com simpatia o projecto de lei n.º 276/II, proposto pelo PS, e por isso o vamos apoiar também com o nosso voto.
Desde logo o teríamos de ver com simpatia, em face do projecto programático do MDP/CDE.
Mas não é neste aspecto da questão que queremos envolver-nos.
Colocando-nos num plano mais programático, afirmamos a necessidade, e urgência da definição do estatuto legal definitivo das unidades produtivas que iniciaram depois do 25 de Abril experiências autoges-
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tionárias, assim como, por imperativo constitucional, da possibilidade de formação de novas empresas autogestionárias.
O projecto de lei n.º 276/II tem a imediata vantagem de ser um passo em frente, precisando uma nova figura de sociedade comercial assente numa realidade que lhe é prévia. Permitiria enquadrar, com a necessária legislação complementar, em termos definitivos as actuais situações de facto, abrindo perspectivas na dramática situação de desemprego vivida em Portugal, para o aparecimento de novas empresas autogestionárias e, consequentemente, de expansão deste novo sector económico do Portugal de Abril.
Colocámos algumas dúvidas, em anterior sessão desta Assembleia, quanto a alguns aspectos que são determinantes da concepção da figura jurídica «sociedade «m autogestão» que se pretende inovar. São dúvidas que permanecem e que em sede de posterior dimensão não deixaríamos de colocar, dentro, aliás, do desafio feito pelo PS, ao reconhecer, aquando da apresentação do projecto do diploma, ter produzido algo de embrionário e inacabado, portanto aberto ao enriquecimento experimental.
O presente projecto de lei, trazido ao terreno do concreto fora de cargas programáticas, poderia constituir, em nosso entender, larga base de entendimento, com adequados ajustamentos a receber em sede de especialidade.
É também neste entendimento, visivelmente diferente do que têm os partidos que constituem a actual maioria da Assembleia da República, que o MDP/CDE vai votar a favor do projecto de lei n.º 276/II.
Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PCP e da UEDS.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): -Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu partido já não dispõe de tempo para intervir.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra para interpelar a Mesa no sentido de requerer o prolongamento da sessão. Os vários grupos parlamentares, que já foram contactados por nós, estão de acordo em que a sessão continue até se esgotar a ordem de trabalhos.
Assim, vou entregar na Mesa o requerimento para que se possa discutir e votar hoje, na generalidade, a proposta de lei n. º 95/II.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o prolongamento pretendido é até à votação na generalidade do último ponto de ordem do dia ...
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Exacto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Há alguma objecção ao requerimento agora anunciado?
Pausa.
Considero que há consenso. Em todo o caso, Sr. Deputado, é preferível formalizar por escrito o requerimento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adelino de Carvalho.
O Sr. Adelino de Carvalho (PS): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: No mundo onde a crise económica dia-a-dia se vai agravando cada vez mais. Com os vários modelos existentes desajustados à satisfação das necessidades mais elementares dos povos. Quando as economias dos diferentes países ficam cada vez mais sujeitas às estratégias das grandes potências económicas e políticas mundiais. Quando assistimos ao cada vez maior crescimento e domínio dos já grandes grupos económicos internacionais cujas regras são a obtenção do lucro, mesmo que isso possa levar à falência de muitas centenas, diria mesmo milhares de pequenas e médias empresas, e levar ao desemprego muitos milhões de trabalhadores. Quando assistimos ao esbanjamento de bens, por parte de uns, tão necessários à satisfação das necessidades básicas de outros. Quando assistimos ao agudizar de tensões entre blocos económicos e sociais de interesses contraditórios, como são, por um lado, o capital, e, por outro lado, o trabalho. Impõe-se-nos, aqui e agora, reflectir não só sobre as contradições cada vez mais evidentes, provocadas pelos desajustamentos dos modelos, mas fundamentalmente sobre novas formas de organização da economia e simultaneamente um novo tipo de relações, organização e democratização da empresa.
É partindo das realidades apontadas e do desejo de encontrar caminhos novos que conduzam a novos modelos de organizações da produção e superação da crise e permitam, por outro lado, a libertação e realização dos homens e mulheres trabalhadores que produzindo a riqueza a vêem concentrar-se nas mãos de poucos, que continuam a vê-los como meros instrumentos de produção. É com o intuito de mudar - ou, pelo menos, começar a mudar- este estado de coisas que o Partido Socialista apresenta o projecto de lei n.º 276/II sobre as sociedades em autogestão. É um projecto de lei susceptível de gerar controvérsia, como o são todos os que propõem indícios de mudança para situações criadas, que sempre levam à aceitação da ideia: sempre foi assim e assim terá ide continuar. Aliás, vimo-nos já habituando a ouvir, quer de forças políticas, quer económicas, dominantes e conservadoras, sempre que se fala em mudança reagir: «Mas onde é que existe esse modelo? Mas onde é que podemos confirmar como boa a experiência do que se propõe?»
Da parte do Partido Socialista até consideramos naturais tais reacções. Não é verdade que a educação que nos deram foi a de que deve ser respeitada a ordem estabelecida?
Pois é!... E se é assim... se isto foi a educação que nos deram difícil será libertar-nos de tais concepções que nos amarram ao passado, nos impedem de fazer a nossa própria história, de ajustar os modelos sociais e económicos à satisfação das necessidades básicas dos cidadãos e rejeitar o lucro como objectivo face ao modelo económico existente.
Se fizéssemos a história -e talvez valha a pena debruçar-nos um dia sobre ela -do que foi, através dos tempos, a evolução social dos povos, reconhe-
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cemos que sempre houve dominantes e dominados: era o senhor e o escravo; o soberano e o vassalo; o capitalista e o proletário.
Mas é ou não verdade que hoje se reconhece a injustiça de tais diferenças? É ou não verdade que o direito de igualdade de oportunidades é um princípio universalmente reconhecido, embora, em abono da verdade, se deva dizer que ainda não praticado.
O projecto de lei das sociedades em autogestão que o Partido Socialista apresentou e cuja discussão, na generalidade, nos ocupa é, se>m margem para dúvida, um contributo importante na busca de soluções que apontam para a eliminação das desigualdades, permitindo que, pela via da organização do trabalho associado, se possam encontrar formas de libertação dos trabalhadores e a sua realização através do trabalho, permitindo-lhes, assim, demonstrar em plenitude a sua capacidade criativa e contribuir para novos modelos económico, social e cultural.
Ao serem apresentadas tais propostas de modelos não faltará quem venha dizer que até estão de acordo com as intenções, mas logo adiantarão que tais modelos são utópicos na situação de crise que atravessamos. Por nós diremos que tais argumentos não tem qualquer consistência e julgamos mesmo que essa é a atitude daqueles que, querendo manter tudo tal como se encontra, usam a hipocrisia para não dizerem aquilo que sentem. É, por outras palavras, a atitude daqueles que falando de valores como justiça social, direitos do homem, personalismo e libertação, pela sua prática e métodos, negam por obras* o que afirmam defender em palavras!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador:- E o que dizer da perseguição desencadeada pelo Governo às experiências autogestionárias experimentadas em muitos casos com êxito, quer do ponto de vista da gestão, quer do relacionamento pessoal, de cujo o caso mais flagrante é do Hotel Baía.
Já não temos dúvidas de qual irá ser a atitude da maioria desta Câmara face ao projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista, que visa permitir a livre criação em Portugal de empresas em autogestão. Seja qual for a posição de cada força política representada nesta Câmara, a nós, socialistas, fica-nos a consciência de termos cumprido uma obrigação. Assumimos as responsabilidades que nos compete assumir. Sc por culpa da maioria desta Câmara o projecto de lei for reprovado, os portugueses, em geral, e os trabalhadores, em particular, se encarregarão do seu julgamento.
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado utilizou, para além do tempo do seu partido, 6 minutos cedidos; pela UDP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Almeida.
O Sr. Manuel Almeida (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP já proferiu nesta Câmara, por intermédio do meu camarada Jerónimo de Sousa, uma intervenção sobre a matéria agora em discussão. Fizemos uma análise muito clara sobre a situação em que se encontra o sector autogestionário e, ao mesmo tempo, denunciámos categoricamente quais os seus inimigos, mencionando, para o efeito, exemplos concretos, tais como: a recusa por parte dos governos da AD à criação do Instituto Nacional das Empresas em Autogestão, INEA, não obstante a eleição dos representantes por parte dos trabalhadores; o não reconhecimento, pela mesma AD, a nenhuma empresa o estatuto de autogestão, com as consequências daí provenientes - encerramento de muitas empresas, instabilidade e insegurança nas restantes e o aumento desenfreado do desemprego.
A este propósito, citámos casos de empresas que vivem hoje uma situação particularmente difícil, como é exemplo gritante o presente processo do Hotel Baía.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por seu turno, os representantes da maioria, ao longo do debate, confirmaram as nossas acusações, não deixaram quaisquer dúvidas de que estiveram, estão e estarão sempre contra a intervenção criadora dos trabalhadores na actividade económica. Por isso, toda a actuação da direita tem sido orientada no sentido de proteger os interesses do patronato mais reaccionário, tentando inviabilizar e boicotar o funcionamento das empresas em autogestão, caluniando os trabalhadores que nelas participam.
Mas é evidente, Srs. Deputados, que os interesses que os deputados da maioria e o seu governo aqui defendem não poderiam ser outros que não a defesa intransigente do patrão todo poderoso, já que têm medo de perder o seu espaço de exploradores da força e suor de quem trabalha. Só assim se justifica que a AD, ao mesmo tempo que tenta boicotar de forma inequívoca o funcionamento das empresas em autogestão, pretende eliminar todos os princípios constitucionais que se refiram à posse e gestão pelos trabalhadores. Também a este facto fizemos referência na primeira intervenção que aqui produzimos, apresentando alguns casos concretos de artigos da Constituição que a AD, conforme consta do seu projecto de revisão constitucional, pretenderia ver alterados ou pura e simplesmente eliminados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumpre finalmente dizer que, no que respeita à apresentação deste projecto de lei, já aqui foram tecidas bastas considerações pelo meu camarada Jerónimo de Sousa, reconhecendo-lhe, por um lado, o carácter oportuno da sua apresentação, já que veio permitir a discussão nesta Câmara da situação actual das empresas em autogestão, mas apresentando, por outro, algumas críticas e sugestões, visando a resolução dos problemas mais sentidos das empresas hoje em autogestão e de acordo com o desejo e as reclamações dos trabalhadores que nelas labutam. As reservas por nós suscitadas não retiram a oportunidade de votarmos favoravelmente, na generalidade, o projecto de lei n.º 276/II, já que posteriormente, e no caso de ser aprovado, poderemos no debate na especialidade, contribuir com as nossas propostas para o seu enriquecimento. Estamos certos que deste modo estamos a contribuir mais uma vez para a defesa dos interesses
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dos trabalhadores, para a sua emancipação, correspondendo desta forma aos verdadeiros ideais e objectivos a que se propôs a revolução de Abril.
Aplausos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais oradores inscritos está encerrado o debate.
Vamos passar à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 276/II, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM, e votos a favor do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP, registando-se a ausência da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A rejeição deste projecto de lei, em nosso entender, lança gravosamente o vazio sobre o estatuto legal de um conjunto de empresas e de um sector da propriedade com dignidade constitucional.
Proeurou-se, com a iniciativa do Partido Socialista, resolver uma lacuna do nosso sistema jurídico. A maioria recusou-se a assentir no suprimento de uma tal lacuna e entendeu dever bloquear a aprovação deste projecto de lei, aproveitando algumas das suas soluções menos felizes, algumas lacunas ou até insuficiências para esconder inegáveis preconceitos ideológicos (nem sempre bem disfarçados) e um receio, que nos parece bem suspeito, da possibilidade de, uma vez dotado de estatuto legal e dos apoios indispensáveis, experiências de autogestão virem a proliferar e a justificar novos incentivos e novos apoios. A rejeição desse projecto não é, contudo, o fim da autogestão em Portugal. Impõe-se que voltemos ao assunto, aliás, bem proximamente ...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: -.... corrigindo erros e lacunas apontados no decurso do debate com legitimidade, mas garantindo, acima de tudo, que mais uma vez o silêncio do legislador não seja o instrumento de estrangulamento deste subsector de (propriedade pública e da correspondente iniciativa económica autogestionária.
Lembraremos àqueles que hoje mostraram disponibilidade e abertura como «álibi» para reprovarem este projecto as promessas solenes que hoje fizeram e de que saberemos cobrar os dividendos!
Assumiremos, pela nossa parte, UEDS, enquanto organização socialista e autogestionária, a responsabilidade de reeditar o debate e suscitar um trabalho mais aprofundado e mais participado, com vista à definição do estatuto legal das sociedades autogestionárias, objectivo que o projecto do Partido Socialista pretendia alcançar e que assim ficou inviabilizado por responsabilidade única e exclusiva da maioria da Aliança Democrática.
Aplausos da UEDS, do PS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Igualmente para uma declaração de voto, utilizando tempo do MDP/CDE, tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.
O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS votou favoravelmente este projecto por coerência com os seus princípios programáticos e anota o receio e a hostilidade manifestados pelo CDS e pelo PSD contra o nosso projecto autogestionário, mas não só: contra a democracia económica, contra uma tentativa séria de minimizar e resolver, em parte, o gravíssimo problema do desemprego neste país!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O povo português anotará esta atitude dos que apoiam um governo que se diz democrático e ainda mamem o objectivo de criar emprego, mas agora, sabemo-lo, como mero folclore eleitoralista que já não engana ninguém: o que a AD quer é permitir o banquete capitalista e o dos sugadores da Administração Pública que mantém. Assim o disse o CDS claramente: autogestão sim, mas «para os trabalhadores saborearem (que termos reveladores!) as virtudes de serem proprietários!». A sociedade de trabalho associado nada resolve, mas, contudo, é uma forma de inverter a lógica capitalista, pois os lucros vão para os trabalhadores em vez de serem um elemento do custo de produção cujo lucro vai para o bolso dos detentores do capital.
Isto não pode ser escamoteado e o CDS sabe-o bem! Mas recusam essa forma porque as suas cabeças conservadoras não concebem que os sócios de uma sociedade não sejam detentores de capital! Como chamam por sacrilégio quando se prevê que a criação de sociedades parabancárias para apoiar as sociedades em autogestão... Não! As sociedades parabancárias são boas se apoiarem empresas capitalistas, são más se apoiarem sociedades em autogestão!...
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Aqui o CDS deixa cair a mascara e revela o seu conservadorismo, o seu ódio ao socialismo, a uma sociedade livre e igualitária e mesmo à democracia. Foi Marc Sanquier, um democrata-cristão francês, que disse: «Só haverá República na sociedade quando deixar de haver monarquia nas empresas.» Por outras palavras: sem democracia económica não há democracia política e o CDS e também o PSD não querem nem uma nem outra!
Por último, o PS não aceita que a co-gestão possa ser um caminho para a autogestão. As experiências conhecidas, ao contrário, criam impasses intransponíveis porque os capitalistas cedem tudo menos o poder: este terá de lhes ser conquistado e a autogestão é uma boa demonstração de que isso é possível. O PS não alinhará em hipóteses que já demonstraram que a co-gestão perpetua o sistema capitalista em vez de o transformar. O que demonstra que o PSD não tem projecto libertador dos trabalhadores nem sequer se preocupa em combater o desemprego. Os trabalhadores o julgarão, como já o estão a fazer!
Aplausos do PS e da UEDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Rui Amaral está inscrito para fazer uma declaração de voto, mas não lhe posso conceder a palavra visto que o seu partido já não dispõe de tempo.
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O Sr. Rui Amaral (PSD): - Sr. Presidente, era para fazer muito rapidamente uma brevíssima declaração de voto.
O Sr. Presidente: - Não tem tempo, Sr. Deputado. Se assim o entender, é preferível fazê-la por escrito e enviá-la à Mesa.
Vamos passar agora à discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 95/II, respeitante à amnistia de várias infracções e concessão do perdão a várias penas por ocasião da visita a Portugal do Sumo Pontífice.
Entretanto tomaram assento na bancada do Governo os Srs. Ministros da Justiça e da Reforma Administrativa (Meneres Pimentel) e Secretário de Estado da Justiça (Azevedo Soares).
O Sr. Presidente: - Há um parecer da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias que os Srs. Deputados já conhecem. Pergunto à Câmara se dispensa a sua leitura.
Pausa.
Como ninguém a requereu, está dispensada a leitura do parecer. Para apresentar a proposta de lei &m debate tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça da Retoma Administrativa (Meneres Pimentel): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qualquer providência sobre amnistia ou perdão é essencialmente política. Daí que o processo legislativo deva ser transparente para que se afira da genuinidade do seu conteúdo geral e abstracto. Mas se se trata de uma providência política, como realmente acontece, daqui não decorre o seu aproveitamento político seja por quem for. Assim o Governo, ao propor a amnistia ao único órgão de soberania com competência para legislar sobre esta matéria, desde já declara enjeitar e mesmo repudiar qualquer atitude de aproveitamento político.
O Governo entendeu tão-somente que, para além de Chefe da Igreja Católica, o Papa João Paulo II pelo exemplo que tem dado de desejar a concórdia e a pacificação entre os homens justificava exclusivamente esta medida.
O Direito Criminal, ao exigir certos comportamentos como representativos das chamadas fracturas sociais, isto é, ao qualificar como criminosos determinadas condutas, não pressupõe a irrecuperabilidade dos respectivos agentes. Ao contrário: admite e exige a ressocialização. Certo é que não é através de medidas deste tipo que se conseguirá esse {«entendimento entre o condenado e a sociedade de que, apesar de recluso, continua a fazer parte. Mas também não será ousado afirmar-se que em sistemas punitivos exageradamente intimidativos ou em sistemas de sobrecriminalização, como ainda o nosso, em certos aspectos, estas medidas de clemência poderão actuar com finalidades essencialmente ressocializadoras.
Por outro lado, o Governo vem de aprovar uma proposta ide lei sobre o novo Código Penal, que conforme já se tem referido, diminuirá os escalões punitivos. Ora, como não se vê qualquer hipótese em aplicar retroactivamente o novo Código Penal, o conjunto de medidas ora em discussão é susceptível, pelo menos em parte, de atenuar uma certa injustiça relativa entre os já condenados e os delinquentes que vierem a ser julgados com essa futura legislação.
Proeurou-se, através desta proposta de lei, restringir o mais possível o âmbito da amnistia nos seus aspectos, digamos, mais administrativos ou contravencionais e alargar também o mais possível as medidas do perdão. Assim, este é aplicável aos reincidentes, pois só serão excluídos -se a Assembleia assim o vier a entender - os chamados delinquentes habituais e por tendência.
O esquema de perdão está proposto no artigo 5.º da proposta de lei e poderá eventualmente ser susceptível das correcções que a Assembleia vier a entender no sentido do seu alargamento.
Por outro lado, a pena aplicada em medida não superior a 2 anos a delinquentes menores de 18 anos à data da prática do crime e quando cometido até ao dia referido na proposta poderá ser sempre substituída por multa.
Acresce que todo o perdão é concedido sob a condição de o beneficiário não praticar infracção dolosa nos 3 anos subsequentes à data da entrada em vigor da lei, ou à data em que vier a terminar o cumprimento da pena, ou durante o cumprimento desta. Aqui está como pode funcionar, embora de forma tecnicamente menos correcta, uma espécie de medida de recuperação social.
Finalmente a proposta abrange igualmente aqueles a quem tiver sido aplicado o Código de Justiça Militar e o Penal e Disciplinar dai Marinha Mercante.
Pelo que respeita aos seus efeitos, a amnistia, como acto político extraordinário que é, regula-se por si mesma, independentemente das leis ordinárias, não está sujeita a preceitos legislativos, nem o pode ser, porque o seu alcance, maior ou menor, depende das circunstâncias. No entanto, normalmente, os homicídios, os incêndios voluntários, os roubos, os crimes contra as instituições de um Estado de direito democrático, etc., não entram nas previsões legais. Só excepcionalmente isso acontece quando se deseja, por exemplo, prestar auxílio a uma insurreição que se considere legítima. Foi o caso, por exemplo, da amnistia concedida logo a seguir ao 25 de Abril e o da referente à insurreição algeriana com vista a obtenção da independência deste Estado. Casos que, sem dúvida, ninguém ousará contestar.
Julgo que o perdão parcial de penas, com a generalidade já exposta, é o adequado à motivação humanitária subjacente à presente proposta de lei sem pôr em risco a convivência democrática e a segurança das pessoas.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.
O Sr. Armindo Lopes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: A aprovação de sucessivas amnistias em períodos de uma certa regularidade ou, pelo menos, em períodos de muita frequência não nos parece que possa ser exigível como actividade normal de uma 'assembleia legislativa.
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
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O Orador.. - E isto porque os possíveis infractores estariam sempre à espera da aproxima amnistia», facto que seria mais um convite à prática de actos delituosos do que outra coisa. De qualquer forma entendemos que o exercício do direito da prática de decretar amnistias é um direito constitucional que deve ser exercido com moderação por esta Assembleia e sempre em circunstâncias e momentos excepcionais.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nós reconhecemos que neste momento há uma justificação excepcional para a promulgação de uma amnistia em Portugal, refiro-me à visita do Papa. Todos sabemos que a maioria esmagadora da população é católica e que isso se traduz na existência de um momento excepcional para que a Assembleia use excepcionalmente o poder que a Constituição lhe confere de aprovar amnistias. Nós não esquecemos que o Papa defende a paz e a concórdia entre os homens, não esquecemos que o Papa defende o perdão, a caridade e a clemência e isso justifica plenamente que um acto de clemência, como é o da amnistia, seja aprovado por esta Assembleia num momento como este.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nós, em princípio, aceitamos que esta proposta de lei do Governo seja aprovada por esta Assembleia e aceitamo-lo, tanto mais que sabemos quanto é dura de mais a penalidade existente no actual Código Penal e que essas penas, que aí estão afixadas, serão atenuadas quando o Código do Prof. Eduardo Correia -que o Governo irá apresentar a esta Assembleia com as alterações que entendeu fazer-lhe - foi alterado. Nessa altura diminuirá a população das cadeias e será abrandada a penalidade aplicada aos criminosos.
Por estes motivos o Partido Socialista irá aprovar, na generalidade, esta proposta de lei do Governo, embora reconheça que na especialidade algumas alterações lhe deverão ser feitas. Gostaria, no entanto, de fazer algumas observações.
Num momento excepcional de perdão e de clemência como é este, paira o qual o Governo, aliás, chama a atenção no relatório anexo à sua proposta de lei, impunha-se que este acto fosse alargado sem limites e sem nenhuma espécie de discriminação. Ora, encontrando-se pendente nesta Assembleia uma amnistia, vulgarmente conhecida pela «amnistia do PRP», naturalmente se admitiria que a amnistia agora apresentada abrangesse os casos que afectam os interesses dos portugueses em geral. Nesses estão os previstos pela chamada «amnistia do PRP».
O Sr. António Arnaut (PS):- Muito bem!
O Orador: - Também admitiria que neste momento aquela amnistia que há pouco tempo os partidos da maioria rejeitaram em relação aos órgãos de comunicação social estatizados fosse incluída nesta amnistia geral que o Governo propõe à Assembleia.
Aplausos do PS, da UEDS e de alguns deputados do PCP.
São estas as duas reservas que pomos quanto à proposta de lei, embora não percebamos porque é que o Governo o não fez. Com certeza que o Sr. Ministro explicará a esta Câmara quais as razões porque o não fez, para que a Câmara fique elucidada da razão deste esquecimento ou desta falha.
Entendemos também que a proposta de lei apresentada merece algumas críticas que serão aceites naturalmente pelo Governo. Algumas dessas críticas são no sentido de ampliar o objecto da amnistia, outras, talvez, no sentido de abrir um pouco essa amnistia, outras, ainda, no sentido de corrigir os preceitos constantes do próprio diploma. Contudo, em discussão na especialidade esses pontos serão melhor esclarecidos, não valendo a pena agora entrarmos em .pormenores porque tal nos levaria bastante longe.
Fica, no entanto, feita a afirmação de que, em princípio e na generalidade, o Partido Socialista irá dar a sua aprovação a esta proposta de lei do' Governo.
Aplausos do PS e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
Os Srs. Deputados Sousa Tavares e Vilhena de Carvalho fazem-me sinal. Desejam pedir esclarecimentos ou fazer uma intervenção?
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Inscrevo-me para fazer uma intervenção, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente - E o Sr. Deputado Sousa Tavares também é para fazer uma intervenção?
O Sr. Sousa Tavares (PSD):- Exacto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Ficam inscritos. Tem então a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Discutimos hoje a concessão de mais uma amnistia, salvo erro a décima após o 25 de Abril. O Grupo Parlamentar do PCP deu o seu voto favorável a todas elas e vai usar o mesmo critério relativamente a esta. A visita, do Papa João Paulo II a Portugal, representante da Igreja Católica que congrega grande número de portugueses e à qual está intimamente ligada a história do nosso povo, justifica, desde logo, por razões de oportunidade, que aprovemos a medida constante da proposta de lei n.º 95/II.
Por outro lado, é um facto que, desde o decretamento da anterior, será rara a semana em que nos órgãos de comunicação social não aparecem notícias acerca de movimentos de presos e suas famílias reclamando uma nova amnistia, reclamações que são trazidas aqui, aos diferentes grupos parlamentares, pelas mais diversas formas.
Ora, devemos interrogar-nos sobre se estas reclamações traduzem simplesmente os sentimentos naturais, a normal ânsia de liberdade daqueles que estão presos, ou se, a acrescer a isto, se juntam as condições das nossas prisões e do nosso sistema prisional,
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que tornam degradante e excessivamente penosa a permanência nas cadeias do nosso país.
Vozes do PCP:- Muito bem!
O Orador: - Aqueles de nós que as têm visitado não poderão deixar de pôr esta questão.
Edifícios penitenciários concebidos para um regime prisional condenado pela moderna ciência penal, uns; outros construídos para finalidades muito diversas e adaptados a prisões. Estabelecimentos prisionais onde se não trabalha ou poucos trabalham e estes recebendo remuneração ridícula por aquilo que fazem. Orçamentos de fome, onde as verbas destinadas à alimentação e vestuário dos reclusos chegam mal para uma só refeição diária. Guardas prisionais imprepa-rados e quadros de assistentes sociais desfalcados. Assistência médica deficiente. Não organização dos tempos de lazer. Homossexualidade e droga. Este é, a traços largos - que nem queremos carregar -, o panorama das nossas cadeias, onde cerca de metade dos reclusos são pessoas jovens.
Por tudo isto dissemos, aquando da discussão da anterior amnistia, e queremos repeti-lo hoje, que «dadas as condições actuais do nosso sistema penitenciário, a sociedade portuguesa está a responder com outro crime àqueles que no seio dela cometeram crimes».
Não admira, por isso, que as reclamações de amnistia e perdão sejam impulsionadas também, e, talvez, sobretudo pela circunstância de que a vida nas cadeias se tornou insuportável mesmo para aqueles que nelas entraram com a consciência de que foram justamente punidos e, por isso, estavam predispostos a cumprir as penas que lhes aplicaram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A amnistia e o perdão, porém, não podem servir para debelar uma tal situação. Como não podem servir para resolver os problemas da acumulação de processos nos tribunais. Como ainda não podem servir para dar, de quando em vez, uma imagem simpática do poder. Torna-se necessário resolver os problemas de fundo, nomeadamente executar a reforma prisional de 1979, publicar o novo Código Penal e encarar com decisão muitas das situações - que são desde já resolúveis- a nível interno das nossas cadeias. A este nível há questões só ou quase só, dependentes das verbas orçamentais dos estabelecimentos. Dir-se-á que não há dinheiro, mas será bom perguntarmo-nos se esse dinheiro que aí se não despende, sob & pretexto de que falta, não estará a ser gasto, muitas vezes multiplicado, nas medidas repressivas que o Estado se vê obrigado a tomar depois por não o ter aplicado antes dentro das cadeias em acções destinadas à reinserção social dos reclusos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador - Isto está dito e redito. Isto e muitas coisas mais sobre esta matéria candente. Mas tem faltado a vontade política de as encarar e resolver, de minorar pelo menos a degradante situação da generalidade dos nossos estabelecimentos prisionais, onde os direitos do homem, com que tantos enchem a boca, não encontram expressão.
Sr. Presidente Srs. Deputados: A Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias manifestou-se no sentido de que este plenário decida que nela se vote, na especialidade, esta proposta de lei que, como 6 de prever, aqui aprovaremos hoje na generalidade. Pensamos que isso seria uma decisão prudente, pois são facilmente detectáveis no texto ora em discussão algumas normas que, em nosso entender, necessitam de melhorias e precisões várias, nomeadamente tendo em vista a lição colhida com a aplicação da anterior amnistia. É preciso que uma medida desta natureza não se transforme, para aqueles a quem é dirigida, em nova fonte de ansiedades e incertezas por meras razões técnicas que dificultem a sua aplicação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esperamos que esta lei de amnistia e perdão minore algumas dores. Nós, comunistas, votamo-la com essa esperança, mas sem nenhum alívio de consciência. Isso porque temos a certeza de que é preciso muito mais para se entre no caminho da resolução dos problemas penitenciários e criminais com que se enfrenta o nosso país.
Aplausos do PCP e do MDP/CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD):- Sr. Presidente, há pouco tinha pedido a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Armando Lopes e não para fazer uma intervenção.
O Sr. Presidente:- Peço desculpa, Sr. Deputado, mas quando perguntei a V. Ex.ª para que efeito estava a pedir a palavra, da sua resposta pareceu-me entender que se tratava de uma intervenção.
Em todo o caso, se tem necessidade de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Armando Lopes, faça favor.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, prescindo. Peço desculpa de não, ter ouvido. Por vezes sou um bocadinho surdo - não tenho culpa disso - mas o facto é que não ouvi a sua pergunta. Há pouco queria pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Armando Lopes.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Sousa Tavares prescinde, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A presente amnistia surge, como se sabe, com o propósito, aliás evidenciado pelo Governo no preâmbulo da respectiva proposta de lei e novamente salientado agora pelo Sr. Ministro da Justiça, que infelizmente não tive o prazer de ouvir por me encontrar a trabalhar noutro local, de assinalar a visita que Sua Santidade o Papa João Paulo II fará ao nosso país, dentro de 2 dias.
É este um propósito tão louvável quanto é certo que não deixará de calar fundo no coração do insigne visitante o espírito de clemência por parte dos órgãos de soberania intervenientes neste processo e que ficará reduzido na presente amnistia.
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É uma homenagem inteiramente merecida, na medida em que é sabido contarem-se os criminosos, os simples contraventores ou remissos no cumprimento das regras jurídicas estabelecidas em qualquer sociedade, embora por culpa ou negligência própria, e algumas vezes por erro de apreciação alheia, entre aqueles sofredores a quem nunca o Papa deixa de olhar com espírito de caridade, ou mesmo de perdão.
Nenhuma sociedade democraticamente constituída, como a nossa, deverá temer os actos de clemência.
Prova da sua vitalidade e do enraizamento da democracia será mesmo a prática desses actos de clemência, já que a justiça não é indissociável da misericórdia, nem as sociedades se constróem na base da neutralidade de sentimentos dos juízes, ainda que estes actuem em nome da lei, cujo rigor na sua aplicação deverá poder ser corrigido pela magnanimidade dos seus autores.
Não sendo postos em causa, como não são, os valores fundamentais da ordem jurídica portuguesa, e porque nesses valores cabem a prática generosa das amnistias e dada a ocasião e o propósito da mesma, que já assinalámos, vamos dar-lhe, na generalidade, o nosso apoio. Naturalmente que, a propósito desta como de qualquer outra amnistia, sempre poderá colocar-se o problema do seu âmbito.
Uns desejariam que ela fosse muito mais alargada e outros lhe assacarão defeitos, por excessiva.
Por nós, retemos e aplaudimos a intenção do Governo, nesta matéria, ao exprimir, no preâmbulo da proposta, o parecer de que, na presente conjuntura, deverão as medidas de amnistia e perdão ser «tão amplas quanto possível», de molde a representarem mesmo melhorias sensíveis em relação a medidas semelhantes, decretadas em anteriores diplomas.
Nessa linha de orientação, e perfilhando o parecer da Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias no sentido de repensar das soluções em sede de especialidade, enviámos para a Mesa 5 propostas de aditamento a que sucintamente aludiremos.
Em primeiro lugar, não vemos razões para excluir desta amnistia o preceituado na alínea o) do artigo 1.º da Lei de Amnistia anterior, que se refere às transgressões do Código da Estrada e seu Regulamento e ao Regulamento dos Transportes Automóveis.
Se se quer uma amnistia mais ampla, não se conseguirá esse desiderato amputando preceitos da anterior. Por outro lado, prevendo-se na proposta a amnistia das trangressões causais que hajam dado lugar a acidentes de viação, mal se perceberia uma maior indulgência nestes casos que naqueles outros em que apenas se violou o Código da Estrada sem danos ou ofensas para as pessoas e seus bens.
Também merecem a nossa atenção como passivos de serem amnistiados os crimes previstos no artigo l.º do Decreto n.º 15 355, que se reportam à prática da morte de touros em touradas públicas. Por uma consideração que julgamos importante: se se amnistiam crimes que consubstanciam manifestações de violência contra as pessoas, por que não estender a medida aos actos de violência contra animais?
Ainda com a preocupação de alargar não apenas o leque de crimes e infracções em geral, mas também o leque dos beneficiários, preconizamos a abolição das multas aos infractores às leis da Televisão e da Rádio, pelo incumprimento do pagamento das respectivas taxas, desde que este pagamento venha a efectuar-se no prazo de 3 meses, assim como igualmente propomos a amnistia das infracções à lei e regulamentos em matéria desportiva, cometidas por desportistas e punidas com penas de suspensão até 3 meses, com o pensamento de que o mundo do desporto se deve abrir à nossa compreensão e benevolência de legisladores.
Finalmente, entendemos dever retomar a temática do projecto de lei n.º 294/II, há poucos dias rejeitado neste plenário colhendo, naturalmente, a lição do debate travado e circunscrevendo, assim, o âmbito de aplicação do seu único artigo às infracções disciplinares que tenham tido por origem manifestações de opinião.
Assim ficam dados os termos do nosso apoio à proposta do Governo e aqueles para que solicitamos o apoio da Câmara.
O Sr. Presidente: -Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer um leve protesto e um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O leve protesto é o seguinte: é talvez hilariante - mas eu penso assim - considerar uma violência contra os animais a matança dos touros nas praças. Aliás, acho que as touradas em si são uma violência. Acho mais benévolo que se mate o touro na praça do que o mesmo seja levado para o curro com as feridas carregadas de sal. Isto é, no entanto, uma opinião pessoal.
O pedido de esclarecimento é o seguinte: parece que pretendemos renovar, a propósito da proposta de lei em discussão, a discussão travada há cerca de um mês sobre a amnistia às infracções disciplinares cometidas nos órgãos de comunicação social estatizados. Tenho a impressão de que essa renovação da discussão seria anti-regimental, isto é, penso que um projecto de lei rejeitado não pode ser renovado na mesma sessão legislativa e portanto neste momento seria completamente descabida a renovação desse diploma.
Aliás, essa questão já foi levantada pelo Sr. Deputado Armando Lopes e por isso há pouco lhe pedi a palavra para lhe fazer essa observação.
Penso que, na sua redacção, a proposta da ASDI está quase perfeita. A posição que tomámos aquando do debate do projecto de lei sobre a amnistia às infracções dos órgãos de comunicação social estatizados, e que não quis ser ouvida pelos partidos da oposição, era a de que estaríamos de acordo em conceder a amnistia às infracções disciplinares cometidas nos órgãos de comunicação social estatizados desde que elas tivessem por origem manifestações de opinião política. Faltou mais uma vez o adjectivo, o que é uma pena. Se assim não fosse, a redacção estaria perfeita.
Relativamente ao Sr. Deputado Armando Lopes, não posso, de maneira nenhuma, estar de acordo com ele, pois vem novamente com a formulação genérica de uma amnistia por infracções disciplinares. Já foi aqui esclarecido por a mais b de que não pode haver uma amnistia genérica por infracções
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disciplinares. Pode haver uma amnistia por infracções de carácter político; não pode de maneira nenhuma, haver uma benção para toda a espécie de infracções disciplinares cometidas em vários órgãos de comunicação social estatizados ou quaisquer outros serviços do Estado.
Era isto que queria dizer como protesto em relação á intervenção do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, que não é bem um protesto mas apenas uma simples tomada de posição.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, começo por registar que o Sr. Deputado Sousa Tavares chama protestos, às tomadas de posição. É um novo vocabulário.
Sr. Deputado Sousa Tavares, registei a sua tomada de posição; contudo, devo dizer, não fiquei a saber muito bem qual ela era.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Eu expliquei. Aliás, no outro debate também lhe expliquei!
O Orador: - Sr. Deputado Sousa Tavares, os problemas que se levantaram no outro debate são diferentes daqueles que a proposta apresentada pela minha bancada podem suscitar. O Sr. Deputado não chegou a dizer se relativamente à proposta agora apresentada, que é totalmente diversa do projecto de decreto-lei...
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Eu disse que bastaria acrescentar um adjectivo.
O Orador: - E qual é o adjectivo, Sr. Deputado? O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Política!
O Orador: - Nesse caso, pergunto-lhe se V. Ex.ª considera que é emissão de uma opinião política alguém dizer que outrem é, por exemplo, um «maquiavél à moda da Beira».
Risos.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, se, por exemplo, eu manifestar num serviço onde estou integrado a opinião de que o meu superior é ... -sei lá! não quero dizer agora um palavrão porque ficaria registado no Diário...
Risos.
O Orador: - Diga, diga, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Peço para não dizer, Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Eu não digo, Sr. Presidente.
... - isso seria uma manifestação de opinião que daria motivo a uma infracção disciplinar do tipo daquelas que não considero que possam ser amnistiadas. É esse o problema.
O Orador: - V. Ex.ª considera então que as infracções disciplinares não podem ser objecto de amnistias?
O Sr. Sousa Tavares (PSD): -Claro que podem!
O Orador: - Nesse caso, registamos que: as infracções disciplinares podem ser objecto de amnistias.
Gostaria ainda de registar que o Sr. Deputado Sousa Tavares não chegou a dizer se é pró ou contra os touros de morte. Na discussão que estamos a travar os touros não são aqui vindos nem achados; os toureiros, esses sim, esses é que têm processos nos tribunais por terem morto touros em praças públicas.
Risos.
O Sr. Sousa Tavares (PSD):- Por amor de Deus, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, esses toureiros estão processados porque mataram indevidamente os touros e, como sabe, isso é proibido em Portugal. O Sr. Deputado disse que isso era uma violência contra o animal; eu disse que violência é a tourada em si. O matar o touro na praça é a menor violência que se comete numa tourada. Foi isso que eu disse.
Se quiser pode admitir que sou defensor dos touros de morte. Apenas tenho a dizer-lhe que não sou defensor de touros nenhuns.
Risos.
O que eu digo -e digo-o sinceramente- é que considero que a menor violência que se faz ao touro numa tourada é matá-lo na praça.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Martins Canaverde.
O Sr. Martins Canaverde (CDS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para todos os portugueses cristãos ou não cristãos, religiosos ou não religiosos, a visita do Papa João Paulo II a Portugal é, como se acentua na Carta Pastoral da Conferência Episcopal Portuguesa, um sinal-estímulo da união entre todos os homens para além das diferenças de cultura ou política.
O povo português, para além de ir, decerto, revelar efusivamente os seus sentimentos de júbilo, de afecto e respeito perante o Bispo de Roma, o Peregrino e crente de Fátima, espera certamente que o Parlamento Português, atento ao alto significado da visita, tome, em seu nome e por si, as medidas de clemência que o histórico acontecimento justifica.
Com efeito, por entre dificuldades, angústias, incerteza e ameaças, no meio de injustiças, tensões e lutas que nem sempre têm alguma coisa a ver com a justiça, o bem-estar, a segurança e a paz, todos os homens, mesmo os que não sabem sê-lo, pois ainda há, infelizmente, muitos homens que não são homens -para usar a expressão feliz de Paulo VI - e necessitam de pausas e intervalos para consultar e ouvir a sua própria consciência, para se interrogarem a si próprios mais do que para acusar os outros, para, enfim, esco-
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lherem os caminhos da fraternidade e da solidariedade activos.
As prisões são lugares de amargura, de silêncio, de solidão e de esquecimento, algumas vezes de derrota, onde, em regra, os discursos políticos sobre a solidariedade humana soam a vazio e significam coisa nenhuma.
Os muros que os circundam não raro escondem aos olhos do mundo, para além da parte do mundo que elas próprias são, a vergonha de se ter falhado, de se ter sido arrastado na enxurrada como se os criminosos, ou todos os delinquentes, fossem os únicos culpados.
O «recluso médio» português nunca andou no liceu, ou numa escola secundária, é solteiro e tem cerca de 25 anos.
Estamos convictos de que alguns deles nunca foram meninos.
Abrir de quando em vez, excepcionalmente, e sem carácter de periodicidade as portas das cadeias a reclusos primários, ou seja, aos que tiveram apenas um único contacto com a organização policial, com o processo, com os tribunais, com a prisão, enfim, com Kajka, por faltas pouco graves, não é, a nosso ver, contribuir para fomentar o aumento da criminalidade, mas lembrar que justiça sem misericórdia é crueldade, sem esquecer que misericórdia sem justiça é fonte de dissolução.
A criminalidade, velha como o mundo, que ninguém até hoje conseguiu irradicar, exige para a sua minimização esforços concertados, simultâneos e permanentes nos domínios familiar, educacional, social e cultural, para além da modernização de Direito Criminal e da humanização do sistema penitenciário, prevenindo mais do que reprimindo, através de uma justiça eficiente e pronta, armada de todas as inovações da técnica e da ciência, ao serviço do homem e dos seus direitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A amnistia e perdão de penas contidas na proposta de lei n.º 95/II, como medidas de carácter geral e abstracto, não se destinam, obviamente, a este ou àquele agente, mas a tipos de delito ou infracção e as penas perdoadas não individualizam os condenados.
São, salvo erro, após o 25 de Abril, pela primeira vez contemplados civis e militares por delitos ou transgressões de pequena monta, deixando-se de fora a criminalidade vidente.
A amnistia para primários é o apagar da folha manchada, é esquecer uma falta na crença da sua não repartição.
Perdoar penas é antecipar a abertura da porta da cadeia ou aproximar da saída aqueles que ainda têm noites e noites de atordoamento e espera: é robustecer a esperança na liberdade.
Por mais compreensão e tolerância que o legislador possa revelar pelas faltas alheias, fica-se sempre aquém face aos que esperam mais e corre-se, por outro lado, o risco de se ir mais longe do que manda a prudência.
No caso da proposta em debate, estamos de acordo, na generalidade, com o seu conteúdo, atento o seu espírito, a sua oportunidade e a sua conveniência e dado que acautela; a nosso ver bem, os direitos dós ofendidos. Numa semana em que milhares de romeiros calcorreiam os caminhos que levam a Fátima e em que os valores do espírito e da Fé estão mais levantados é adequado que esta Câmara reflicta sobre os reclusos, lhes alimente a esperança na sua eminente dignidade e na sua reinserção na vida social, com espírito de humana compreensão.
Dos cerca de 6000 reclusos que povoam as nossas 35 cadeias, algumas centenas vão beneficiar da amnistia e muitos outros de perdão.
Oxalá que todos saibam aproveitar a oportunidade para voltarem as costas ao mundo do crime e para que no trabalho e no respeito por si próprios e pelos outros reencontrem a dignidade e a paz na sã alegria de viver.
Aplausos do CDS, do PSD, do PPM e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem. a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: é a segunda vez que a nossa Câmara Legislativa, após o 25 de Abril, se vai debruçar sobre a matéria de perdão genérico de penas e também de amnistia com a extensão abarcante de um amplo conjunto de crimes.
E isto num espaço de pouco mais de l ano, pois, com efeito, ò anterior diploma foi a Lei n.º 3/81, de 13 de Março.
Será caso para agora, como há l ano o fizeram as várias bancadas, nos perguntarmos se o legislador poderá permitir-se, em domínio tão sensível como o do ordenamento penal, colocar-se periodicamente e, sobretudo, com uma prioridade tão curta numa perspectiva de clemência que pode acarretar, em termos de certo modo chocantes para a população, uma diminuição de punições e um apagar repetido das infracções, com influência eventualmente perniciosa para o futuro, na medida em que se poderia criar um convencimento, em certas camadas da população e em referência a certas infracções que, na tradição do legislador, costumavam ser consideradas, que levaria muitas pessoas a não se preocuparem tanto em conformar o seu comportamento no que respeita por valores que sendo da comunidade, o Estado atribuiu, e bem, dignidade jurídico-penal.
Independentemente de tal preocupação não poder ser aceite na sua linearidade aparente, a verdade é que a amnistia é uma medida política que, efectivamente, não pode ser semeada, sob pena de desvalorizar certos normativos legais, de desprestigiar a vontade de órgãos concedentes e de lhe retirar o sentido que intrinsecamente desse possuir.
Diremos, no entanto, que estas considerações hoje não colhem. Eram pertinentes em relação ao projecto que no ano passado apreciámos e que se fundamentava, essencialmente, no facto da realização de 2 recentes actos eleitorais que em democracia serão normais e relativamente frequentes e que em muito visou satisfazer uma certa necessidade de regularização da administração da justiça, a braços em muitos tribunais com acumulações de trabalho praticamente irrecuperáveis, sem efectivação de alterações de fundo da ordem organizacional, sempre morosas e exigentes de ponderação séria para poderem ser verdadeiramente eficazes, mas estas considerações negativas não têm justificação agora. Mantenho a afirmação feita, há um ano, em nome da minha bancada, de que estes actos de clemência tem de
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assumir sempre um carácter excepcional. Simplesmente, se há algo que, indubitavelmente, é oportuno é a proposta hoje apresentada, pois n acontecimento que a motiva não pode deixar de ser considerado
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Papa João Paulo II vai chegar e estar entre nós nos próximos dias. Peregrino à Cova da Iria, em Fátima, visitará também outros pontos do nosso pais.
Outras figuras provenientes da Igreja Católica haviam estado já em Fátima, desde que esta assumiu uma dimensão internacional e eclesial, depois da intervenção apoiante de Pio XII no 25.º Aniversário das Aparições, em 1942. Figuras como o cardeal Roncalli e Luciani, patriarcas de. Veneza, que foram posteriormente Papas com os nomes de João XXIII e João Paulo I e o próprio chefe máximo da Igreja em 1967, Paulo VI, estiveram em Portugal.
Mas na vigência do actual regime democrático é a primeira vez que um Papa vem a Portugal.
Um Papa que, conforme diz o preâmbulo da proposta de lei apresentada agora pelo Sr. Ministro da Justiça, é o símbolo vivo e universal da Paz, da concórdia entre os homens e os povos e dos mais elevados sentimentos de Caridade e Fraternidade Cristãs.
Acontecimento histórico que não pode deixar de motivar esta medida de demência, que especialmente será grata ao visitante, porque, inspirada nos princípios humanitários que norteiam a sua vida, concorrerá também para pacificar a sociedade, servindo simultaneamente para atenuar as punições, dado que o actual sistema penal no que respeita às diferentes molduras é reconhecidamente mais pesado do que o projecto do Código Penal já preparado pelo Governo por certo consagrará, dentro dos moldes das modernas ideias em sede de política criminal, e daí a especial relevância que, pela primeira vez, é dada ao perdão de penas, no que aplaudimos inteiramente o Governo.
No seu articulado, a proposta segue a Lei n.º 3/81 em muitos aspectos, abrangendo os crimes de desobediência, ou desobediência qualificada, embora agora, e bem, não apenas os previstos nos artigos 188.º e 189.º do Código Penal, mas também em outra legislação penal secundária e, em geral, todos os que sejam punidos com penas correspondentes a estes crimes.
Acolhe também os crimes de ofensas voluntárias simples previstos no artigo 259.º, e, em relação às ofensas qualificadas pelo resultado, abrange: os casos em que a doença ou impossibilidade de trabalho não ultrapasse mais de 10 dias, ou se houver perdão do ofendido, mesmo nos casos do n.º 2 do artigo 360.º, em que a doença vai até 20 dias, independentemente deste prazo, o ofendido fique com deformidade pouco notável, dada a especial gravidade que exista nestas situações. Por isso compreendemos que se exija o perdão do> ofendido..
Na perspectiva de favorecer a conciliação entre familiares, dá-se-lhe a oportunidade de, em certas situações factícias previstas nos artigos 365.º, n.º l e 2, e 360.º, n.ºs 3 e 4, os parentes ofendidos aí referidos, pelo perdão, permitirem a aplicação desta amnistia. Igualmente ficam abrangidas a$ situações previstas nos artigos 369.º, essencialmente referenciáveis a acidentes de viação, 410.º a 415.º e 417.º, que se reportam a várias situações de injúria e difamação, desde que não sejam subsumíveis aos normativos reguladores do abuso da liberdade de imprensa, dada a amplitude praticamente irreparável que tais crimes, quando perpretados pelos meios de comunicação social assumem, os crimes contra a propriedade também aparecem previstos nos mesmos termos do anterior diploma.
Em relação aos crimes de açambarcamento e especulação, aumentou-se o valor da mercadorias ou produto e o lucro ilícito também vê o seu montante aumentado.
Quanto às infracções fiscais, estão, pois, amnistiados, quando puníveis, apenas com multa, propondo o Governo, como montante máximo desta a considerar, a verba de 500 000$, a qual hoje nos parecerá diminuta, fazendo ficar praticamente fora deste diploma todo um conjunto de situações que, liquidados os montantes da obrigação fiscal, não se enxerga razões para afastar. Creio, aliás, que o Governo compreende perfeitamente esta situação e está aberto a alterações que, sei, a oposição também irá propor.
Contemplam-se: infracções ao Decreto-Lei n.º 48 912, que trata dos Jogos da Fortuna e Azar, parecendo-nos que seria também de prever as situações referidas no artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 293/81, de 16 de Outubro, que trata da exploração das máquinas Flipper, dado que muitos proprietários tem sido punidos por, na prática e sem culpa, não terem conseguido efectuar os registos nos governos civis, condição prévia para a autorização das referidas explorações, o que iremos propor.
Em ordem a colmatar uma lacuna da anterior lei, contemplam-se agora certas situações factícias ou de volume punitivo, em termos semelhantes às previstas na legislação geral, mas que estão sujeitas a legislação especial, designadamente Código de Justiça Militar e Lei do Serviço Militar, Código Penal e Disciplina da Marinha Mercante.
No domínio do perdão, aumentam-se em geral os limites das pessoas, privilegia-se muito os delinquentes primários, aperfeiçoando-se o regime da Lei n.º 3/81, ao estabelecer um esquema escalonado e coerente para estes muito mais benéfico, partindo da ideia correcta, em termos de política criminal, por certo a consagrar no futuro Código Penal, que sendo estes delinquentes pessoas que pela primeira vez vão ter uma experiência com a administração penitenciária, há que eliminar a existência de pequenas penas ou diminuir as condenações, para evitar um contacto, tantas vezes pernicioso, com os homens do mundo do crime, permitindo-se, mesmo, que a pena aplicada, se não for superior a 2 anos e os delinquentes tivessem 18 anos à data da prática de crimes, tal pena possa ser substituída por multa.
O perdão continua a ser só concedido em termos de sujeição a condição resolutiva de o beneficiário não vir a praticar outra infracção dolosa durante certo lapso de tempo, não beneficiando, por. igual razão, os que perderam o benefício, que em princípio teriam em face da Lei n.º 3/81.
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Em geral, inova-se não afastando os reincidentes dos benefícios atribuídos, e o estado de embriaguez, aquando da prática dos crimes, passa a ser valorizado, em relação a todas as infracções, em termos que impedirão a aplicação da amnistia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em sede de especialidade, os diferentes artigos da proposta de lei serão apreciados mais em pormenor, declarando a maioria, e neste momento designadamente o PSD, que estará aberta a ponderar novas propostas de alteração subscritas pela oposição, sendo certo que também a própria maioria, conforme já foi dito, pretende fazer algumas, e até já apresentou na Mesa algumas que nos parecem mais pertinentes.
Em face do espírito que preside à emissão desta proposta, de lei, ela terá de ser fruto do esforço do entendimento construtivo de todos aqueles que neste momento histórico e importante tenham responsabilidade de legislar.
Por isso, o meu grupo parlamentar irá hoje votar favoravelmente esta proposta de lei e seguidamente requerer a sua baixa à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias para apreciação e votação na especialidade.
Aplausos do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Mateus.
O Sr. João Mateus (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: São as amnistias, intrinsecamente, injustas, na medida em que não só vão deixar de fora todos aqueles infractores que não tiveram a sorte de cometer as respectivas infracções no período abrangido pela amnistia, como injustas são, também, porque vão apagar a sanção àqueles que, eventualmente, nos ofenderam.
No entanto, há ocasiões excepcionais em que uma amnistia realmente se impõe. E a visita de Sua Santidade o Papa João Paulo II é realmente uma dessas ocasiões. E, é uma dessas ocasiões porque nesta altura uma amnistia, mais do que uma medida de clemência, é uma manifestação de amor.
Quando a Igreja tem como seu mandamento primeiro o Amor e quando o representante máximo da Igreja Católica e do Cristianismo nos visita, uma amnistia, como manifestação de amor, não só se compreende, como se impõe.
Manifestação de amor dos que têm por função punir para com aqueles que prevaricaram. E só se deseja que os destinatários dessa mesma amnistia venham a compreender essa manifestação de amor e que por ela se possam realmente converter.
Por isso mesmo, iremos votar favoravelmente, na generalidade esta proposta de lei sobre a amnistia.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé,
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Sr. Membro do Governo, Srs. Deputados: Não embarcando no tom de pacificação geral que poderá aparentar esta amnistia -e basta não nos esquecermos do que se passou no Porto no dia l de Maio - e independentemente das razões que levam à apresentação desta proposta de lei, a UDP, naturalmente, votara a favor, na medida em que estará sempre de acordo com tudo o que seja minorar as consequências dos actos punitivos da Administração e do Estado para com as verdadeiras vítimas da sociedade, que são aqueles que se encontram presos e aqueles que são forçados, exactamente pela organização social, a cometerem crimes.
Portanto, a UDP estará de acordo com a amnistia, mas apresentou, entretanto, algumas propostas de alteração que visam torná-la mais ampla, nomeadamente no que se refere aos crimes dos artigos 181.º e 182.º do Código Penal sobre injúrias à autoridade. Infelizmente elas são cada vez mais frequentes, na medida em que a autoridade se comporta de forma a merecer uma reacção da parte das camadas populares como resposta às suas actuações, muitas vezes arbitrárias e pouco consentâneas, nomeadamente com a Constituição.
Também o artigo 186.º do Código Penal diz respeito à resistência à autoridade, que muitas vezes é provocada pela própria falta de consciência da autoridade na sua actuação e arbitrariedade.
Para além disso, as nossas propostas de alteração contemplam amnistias, como o caso das transgressões ao Código da Estrada, ao Regulamento de Transportes Automóveis, as transgressões aos regulamentos administrativos emanados dos governos civis, transgressões previstas em regulamentos, posturas e editais camarários, infracções às leis, estatutos e regulamentos desportivos, assim como as transgressões ao regime de caça e pesca que sejam puníveis com multa.
Também propomos a amnistia de infracções disciplinares, cuja pena não exceda a suspensão. Para além de estarmos de acordo com a questão relativa à comunicação social, não deixamos também de referir que a amnistia seria efectivamente digna daquilo que o Governo pretende que ela seja - ela resulta da visita do Papa- se contemplasse, e deveria contemplar, a amnistia dos presos do PRP.
Finalmente, em relação ao perdão e de acordo com a filosofia que está subjacente à revisão do Código Penal, da diminuição da punição das infracções, nós avançamos com um perdão mais alargado, especialmente para os delinquentes primários, indo até à metade da pena. Nós pensamos que é de ter em consideração que deve ser considerada a possibilidade de o delinquente primário poder refazer a sua vida rapidamente e não estar submetido aos verdadeiros «tratos de polé», que são as nossas prisões actualmente.
Portanto, seria importante que o delinquente primário fosse retirado o mais depressa possível da situação de preso. Daí, as nossas propostas para um perdão mais alargado em relação aos delinquentes primários.
Finalmente, propomos que seja eliminado o artigo 8.º da proposta de lei, na medida em que aqueles que não seriam abrangidos por via desse artigo -e isto fazendo referência às causas da amnistia - seriam aqueles a quem Cristo mais atenção prestaria e ao lado dos quais estaria. Portanto, para ir ao encontro das causas fundamentais desta amnistia, na perspectiva do Governo, nós propomos e eliminação do artigo 8.º da proposta de lei.
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O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, não há mais inscrições. Está encerrado o debate. Passamos à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 95/II.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está na Mesa um requerimento pedindo a baixa deste diploma à 2.ª Comissão para discussão, na especialidade, por um prazo de 15 dias. O requerimento subscrito por deputados do PSD e do CDS, é regimental e vai ser votado.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de anunciar a entrada na Mesa de vários diplomas, quero anunciar que a próxima sessão se realiza amanhã às 10 'horas, e não às 9 horas, como por lapso, foi mencionado na agenda hoje distribuída. Interromper-se-á às 13 horas e continuará, depois, às 15 horas.
Haverá período de antes da ordem do dia, mas tinha ficado acordado na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares de há uma semana, ou mais, que esse período seria destinado apenas a declarações políticas.
No período da ordem do dia haverá, na primeira parte, a apresentação do projecto de lei n.º 334/II, da iniciativa da ASDI, sobre representação dos trabalhadores nos órgãos colegiais de administração das sociedades anónimas. Na segunda parte da ordem do dia proceder-se-á à continuação da discussão do projecto de lei n. º 209/II, apresentado pelo PPM, sobre a criação do concelho de Vizela; a discussão da proposta de lei n.º 82/II, acerca das atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos.
Cumpre-me informar ainda que deu entrada na Mesa um voto de congratulação, subscrito por deputados do PSD, sobre a presença em Portugal de Sua Santidade o Papa João Paulo II, que foi admitido, que vai ser distribuído e submetido à conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, e o projecto de lei n.º 339/II, subscrito pelo Grupo Parlamentar do PCP, sobre garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos que prestam serviço nas forças policiais, que foi admitido e baixa à 2.ª Comissão.
Deram igualmente entrada na Mesa as seguintes ratificações: n.ºs 139/II -Decreto-Lei n.º 163/82, de 10 de Maio, sobre sistemas de informação para gestão de pessoal na função pública -, apresentada pelo PCP; n.º 140/II -Decreto-Lei n.º 164/82, de 10 de Maio, acerca de incentivos para a fixação ou deslocação dos funcionários para a periferia -, apresentada pelo PCP; n.º 141/II -Decreto-Lei n.º 165/82, de 10 de Maio, que implementa um sistema de gestão provisional conducente à criação e reorganização dos serviços, quadros e carreiras de pessoal e introduz novas concepções de modalidade interdepartamental e interprofissional -, apresentada pelo PCP; n.º 142/II - Decreto-Lei n.º 166/82, de 10 de Maio, que restringe a admissão de pessoal na função pública e estabelece medidas atinentes ao seu descongestionamento-, apresentada pelo PCP; n.º 143/II -Decreto-Lei n.º 167/82, de 10 de Maio, que define os condicionalismo que podem dar origem à Constituição e gestão de efectivos exce-dentários da função pública e outros critérios a que deve obedecer a sua gestão e recolocação -, apresentada pelo PCP; n.º 144/II -Decreto-Lei n.º 168/82, de 10 de Maio, que institucionaliza uma via de formação profissionalizante, que faculte o acesso aos funcionários e agentes que optem por ela a categoria para que não possuam as habilitações literárias estabelecidas legalmente-, apresentada pelo PCP; n.º 145/II - Decreto-Lei n.º 171/82, de 10 de Maio, que estabelece os princípios gerais enformadores do recrutamento e selecção de pessoal dos quadros, serviços e organismos da Administração Central -, apresentada pelo PCP; n.º 146/II -Decreto-Lei n.º 161/82, de 7 de Maio, que extingue a Sociedade Nacional de Armadores de Pesca de Arrasto, S. A. R. L. -, apresentada pelo PS, e n.º 147/II Decreto-Lei n.º 170/82, que introduz alterações na estrutura orgânica do Ministério da Reforma Administrativa-, apresentada pelo PCP.
Todas estas ratificações foram admitidas.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 15 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Américo Abreu Dias.
António José B. Cardoso e Cunha.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Mendes da Costa.
Henrique Alberto Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Helena do Rego Salema Roseta.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Mário Martins Adegas.
Nicolau Gregório de Freitas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Partido Socialista (PS)
António Fernandes da Fonseca.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fernando Verdasca Vieira.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
António Jacinto Martins Canaverde.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
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Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes
Henrique Manuel Soares Cruz.
João José M. Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Partido Comunista Português (PCP)
Carlos Alfredo de Brito.
José Manuel da C. Carreira Marques.
Manuel Correia Lopes.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Octávio Augusto Teixeira.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
António Monteiro Taborda.
Herberto de Castro Goulart da Silva.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Anacleto Silva Baptista.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Vilar Ribeiro.
Bernardino da Costa Pereira.
Fernando José da Costa.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Partido Socialista (PS)
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Vieira de Freitas.
Beatriz Cal Brandão.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Manuel António dos Santos.
Mário Alberto Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.
Centro Democrático Social (CDS)
Alberto Henriques Coimbra.
Daniel Fernandes Domingues.
João Gomes de Abreu de Lima.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Maria José Paulo Sampaio.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.
Ruy Garcia de Oliveira.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Barreirinhas Cunhal.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Partido Popular Monárquico (PPM)
Augusto Ferreira Amaral.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Manuel Tílman.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
OS REDACTORES DE 1.ª CLASSE. José Nogueira Diogo - Maria Leonor Caxaria Ferreira.
Rectificação
No n.º 77, de 23 de Abril de 1982, no sumário, col. 2.ª, 1.7, onde se lê «Alfredo Barroso (PSD)» deve ler-se «Alfredo Barroso (PS)».
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PREÇO DESTE NUMERO 92$OO
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA