O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 3931

I Série - Número 96 3931

Quarta-feira, 2 de Junho de 1982

Diário da Assembleia da República

II LEGISLATURA 2ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 1 DE JUNHO DE 1982

Presidente: Ex.mo Sr. José Rodrigues Vitoriano

Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Guilherme dos Santos Gomes
Maria José Paulo Sampaio
António José M. Vidigal Amaro

SUMÁRIO. - O Sr Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 50 minutos

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da resposta a requerimentos.
Em declaração política, o Sr Deputado Lemos Damião (PSD) referiu-se aos problemas das crianças a propósito do Dia Internacional da Criança. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento e a um protesto do Sr Deputado Silva Graça (PCP).
Em declaração política, o Sr Deputado Rogério de Brito (PCP) transmitiu à Assembleia os resultados e conclusões da 6.° Conferência da Reforma Agrária Respondeu no final a pedidos de esclarecimento e a um protesto do Sr Deputado Duarte Chagas (PSD)
Foi, depois, saudada uma delegação de deputados gregos que se encontrava de visita à Assembleia da República.
Também em declaração política, o Sr Deputado Avelino Zenha (PS) abordou alguns problemas com que se debate neste momento a cidade de Espinho, no que foi apoiado pelo Sr Deputado Vital Moreira (PCP).
Ainda em declaração política, o Sr Deputado Luís Coimbra (PPM) criticou a situação que se vive em Sines, devido ao elevado índice de poluição aí existente.
O Sr. Deputado Raúl Rego comunicou à Câmara o falecimento do deputado à Assembleia Constituinte Adelino Miranda de Andrade, tendo sido guardado 1 minuto de silêncio.

Ordem do dia. - Prosseguiu e concluiu-se a discussão, na generalidade, da proposta de lei n.º 82/II - Atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos-, que foi aprovada.
Intervieram, a diverso título (incluindo declarações de voto), além do Sr. Secretario de Estado da Administração Regional e Local (Roberto Carneiro), os Srs Deputados Joaquim Miranda (PCP), Sacramento Marques (PS), Mário Tomé (UDP), António Taborda (MDP/CDE), Mendes de Carvalho (CDS), Anselmo Aníbal (PCP), Silva Marques (PSD), Magalhães Mota (ASDI), Lopes Cardoso (UEDS), Abreu Lima (CDS), Miranda Calha (PS) e Luiz Sampaio (CDS).
Entretanto, foi lido e aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados e saudada uma delegação de deputados canadianos em visita à Assembleia da República
Procedeu-se à votação final global do projecto de lei n.º 165/II, do PPM, sobre a autoprodução e distribuição independente de energia eléctrica, que foi aprovado, tendo usado a palavra em declaração de voto, os Srs Deputados Sousa Marques (PCP), Luís Coimbra (PPM) e Vítor Brás (PS)
Ainda em votação final global, foi aprovada a proposta de lei n.º 95/II, que amnistia várias infracções e concede o perdão a várias penas por ocasião da visita a Portugal do Sumo Pontífice, sobre o que usaram da palavra, em declaração de voto, os Srs Deputados Armando Lopes (PS), Maria Odete Santos (PCP), Montalvão Machado (PSD) e Mário Tomé (UDP).
Após leitura do respectivo relatório e parecer, foi aprovada, na generalidade e na especialidade, a proposta de lei n.º 33/II, da Assembleia Regional dos Açores - Regime fiscal especial da SATA, E P. - tendo usado da palavra, a diverso título, incluindo declaração de voto, os Srs Deputados Magalhães Mota (ASDI), Ilda Figueiredo (PCP), Sá Fernandes (PSD) e Álvaro Estevão (CDS)
Após ter anunciado a entrada na Mesa de vários diplomas, o Sr Presidente encerrou a sessão às 19 horas e 45 minutos

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 50 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD)

Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amândio Anes de Azevedo.

Página 3932

3932 I SÉRIE - NÚMERO 96

Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Manuel Pereira de Pinho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Cunha Dias.
Fernando Alfredo Moutinho Garcez.
Fernando Baptista Nogueira.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho Sá Fernandes.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Helena do Rego Salema Roseta.
Maria Manuela Dias Moreira.
Maria Margarida da R. da C. S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Mário Martins Adegas.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo Pinto da Silva
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Fernandes da Fonseca.
António Magalhães da Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Reis Luís.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl D'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
António Pedro Silva Lourenço.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Duarte Nuno Correia Vasconcelos.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascenção.
Pedro Eduardo Freitas de Sampaio.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Joaquim António Miranda da Silva.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.

Página 3933

2 DE JUNHO DE 1982 3933

Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
Augusto Ferreira Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social Democrata Independente (ASDI)

Fernando Dias de Carvalho.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

António Monteiro Taborda.
Herberto de Castro Goulart da Silva.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Para a leitura do expediente, tem a palavra o Sr. Secretário Reinaldo Gomes.

Deu-se conta do seguinte.

Expediente

Cartas

De Vasco Marques, residente no Bombarral, lamentando que Mafra não pudesse ter sido incluída no programa de visitas de Sua Santidade o Papa João Paulo II e exaltando o património arquitectónico, artístico e religioso do monumento de Mafra.
De António Paulo Rodrigues, residente em Cascais, protestando contra a intervenção feita nesta Assembleia, no dia 25 de Abril, pelo Sr. Deputado Tomé, que, no seu dizer, ofendeu o Santo Padre e a Igreja Católica.
Do Grupo Musical e Recreativo Murtalense, com sede em Murtal, S. Pedro do Estoril, transcrevendo uma moção aprovada pela direcção no dia 24 de Abril findo, relativamente à situação na unidade hoteleira denominada "Hotel Baía".

Ofícios

Da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, em cumprimento de deliberação tomada no dia 14 de Abril, capeando fotocópia de um ofício remetido a S. Ex." o Primeiro-Ministro.
Da Assembleia Municipal de Castelo Branco, remetendo texto da moção aprovada naquela autarquia, relativamente ao problema da Lei das Finanças Locais.
Da Assembleia de Freguesia de Vieira de Leiria, capeando textos de moções aprovadas na sessão ordinária realizada no dia 25 de Março findo, com referência ao pacote legislativo sobre o poder local, política do governo e dia 25 de Abril.
Da Junta de Freguesia de Marvila, remetendo os textos de 3 moções aprovadas na sessão plenária do dia 16 de Abril transacto, sobre despedimento na Sociedade Nacional de Sabões e comemorações dos dias 25 de Abril e 1.° de Maio.
Da Assembleia Municipal de Campo Maior, Câmara Municipal de Arraiolos, Junta de Freguesia de Campo, concelho de Valongo, Junta de Freguesia de Santa Engrácia, de Lisboa, e Núcleo de Defesa do Meio Ambiente de Lordelo do Ouro, do Porto, remetendo moções, todas elas referentes ao pacote legislativo sobre o poder local.

Petições

N.° 50/II - De Augusto Soares de Oliveira e Outros, de Vale de Cambra, solicitando rectificação à divisão administrativa entre os concelhos de Vale de Cambra e Oliveira de Azeméis.
N.° 51/II - De Matilde da Conceição Cerqueira Mendes, de Ponte da Barca, requerendo a reposição da legalidade para admissão num lugar no Hospital de Ponte da Barca.
N.° 52/II - Do Movimento de Agricultores por Uma Melhor Previdência Rural, com sede em Coimbra, solicitando a anulação das taxas das receitas, do pagamento de internamento hospitalar e do aumento do preço das consultas.
N.° 53/II - Da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Indústrias Química e Farmacêutica de Portugal, solicitando a reposição da legalidade na Petrogal e a defesa do direito à greve.
N.° 54/II - De Jerónimo Martins e Outros, de Lisboa, de apoio à iniciativa do grupo de deputados que apresentaram o projecto de lei n.° 319/II, sobre a amnistia.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias, vários requerimentos.
Na reunião do dia 27 de Maio de 1982: ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Salgado Zenha, Dinah Alhandra, Mário Tomé e Reis Luís; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelos Srs. Deputados Silva Graça e Jorge Lemos; ao Ministério da Justiça, formulado pelos Srs. Deputados Manuel Alegre, Magalhães Mota, Lopes Cardoso, Mário Tomé, Marcelo Curto e António Taborda.
Na reunião do dia 28 de Maio de 1982: ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Ilda Figueiredo, Carlos Espadinha e Manuel Alegre.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Jorge Miranda, na sessão de 27 de Outubro; Magalhães Mota, nas sessões de 29 de Outubro e 12 de Novembro, 16 de Fevereiro e 19 de Março, 13 e 22 de Abril; Leonel Fadigas, na sessão de 3 de Novembro; Custódio Gingão,- Rogério Brito e

Página 3934

3934 I SÉRIE-NÚMERO 96

Josefina Andrade, na sessão de 5 de Novembro; Guerreiro Norte, na sessão de 17 de Novembro; Miranda Calha e Vítor Brás, na sessão de 2 de Dezembro; Vilhena de Carvalho na sessão de 10 de Dezembro; Jorge Lemos, nas sessões de 12 de Janeiro e 13 de Abril; Ilda Figueiredo, nas sessões de 14 de Janeiro e 22 de Abril; Pinto da Silva na sessão de 14 de Janeiro; Manuel da Costa, na sessão de 15 de Janeiro; Zita Seabra, na sessão de 20 de Janeiro; Coutinho de Andrade, na sessão de 3 de Março; Adelino de Carvalho, na sessão de 19 de Março; Herberto Goulart e Mário Tomé, na sessão de 23 de Março; Amadeu dos Santos e Vital Moreira, na sessão de 24 de Março.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foram anunciadas à Mesa 4 declarações políticas: pelo PSD, pelo PCP, pelo PS e pelo PPM.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião, para uma declaração política.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Expressar em cada momento os estados da alma nem sempre é possível. Porém, expressar aqui e agora o motivo que me levou a esta tribuna é fácil, dada a alegria enorme que sinto em pronunciar a palavra criança.
Crianças que hoje vêem num aceno de simpatia e de justiça, consubstanciado num dia que internacionalmente lhe dedicam, o reavivar da sua existência e o contabilizar dos seus direitos e necessidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diz o povo na sua multisecular sabedoria que "as crianças, para uma nação, são como as flores para um jardim".
Uma nação sem crianças seria como um jardim sem flores - seria um cemitério.
Porém, quando há flores, tratam-se com carinho.
Que fazer, então, com as crianças?
Sim. Fazer esta pergunta é obter com facilidade uma resposta: por uma criança, homens e mulheres, velhos e novos, fariam qualquer coisa.
Então não compreendemos muito bem porque não se passa do artifício das palavras bonitas, românticas e sentimentais, ao palpável, ao concreto, ao objectivo.
Proclamado em 1978 o Ano Internacional da Criança, foi-nos fácil ver concretizado em queixas, em sugestões e em petições, vindas dos mais diversos quadrantes, um corolário infindável de questões, dirigidas aos poderes públicos que têm responsabilidades neste campo.
E o resultado, Sr. Presidente e Srs. Deputados?
Dirão os mais optimistas e conformistas que algo de benéfico se fez.
Dirão os mais exigentes que pouco ou nada se conseguiu.
E as crianças, que dirão?
Mas, porventura, será necessário aos adultos perguntar-lhes?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos sabemos que o porvir de uma nação, de uma cidade ou de uma aldeia está logicamente nas suas crianças, nos seus jovens.
Se eles forem cuidados, formados, educados e preparados para a vida e para a sociedade, o progresso e a evolução positiva far-se-ão sentir nessas localidades.
Então, se concluirmos, que se essa nação, cidade ou aldeia necessita dos seus jovens e crianças, não podemos esquecer que essas crianças necessitam dessa nação e do esforço do seu povo.
Mas, se na verdade todos o compreendemos, a realidade é bem diferente.
Muitos, não por maldade, mas por ignorância, vivem indiferentes aos olhares atónitos das crianças, porque imaginam que por serem crianças os não entendem, os não recriminam.
Vítor Hugo afirmava que "quando uma criança nos olha é como se Deus nos examinasse".
Quando uma criança nos olha é de ficar a tremer, porque não nos acusa, mas marca; não reclama, mas recorda; não mente, mas sonha.
E não nos podemos esquecer que a criança consome toda a sua caminhada inicial no lar, na povoação e na escola, pelo que, graças à sua terrível observação, tudo vê, tudo capta e tudo conserva.
É tudo isto que os adultos não entendem, ou, ainda pior, não procuram analisar.
É que a confissão ou a denúncia infantil, sempre objectiva, é a derrocada da tranquilidade mental do adulto.
O mundo das crianças e o seu conceito de vida é tão rico que se alimenta somente de imaginação; ao contrário, o que o homem tem é tão pobre que necessita de apoiar-se na riqueza.
A vida para o homem não passa da rotina quotidiana, para a criança é a aventura constante, fabulosamente arrebatadora, com todas as suas falhas e com todos os seus prodígios.
Aqui, começa a grande diferença entre os dois mundos e a distância que reina entre os homens e as crianças.
Para que os adultos pudessem compreender e penetrar no mundo das crianças teriam que roer as unhas da experiência ou os vícios da vida e baixar-se ao nível da simplicidade, para poder encarar sem melindres e sem precauções toda a problemática que as crianças patenteiam, o que não nos parece fácil.
Porém, se não meditarmos, se não mudarmos os nossos comportamentos, senão nos dispusermos a corrigir a nossa vida de adultos, não encontraremos meios de alimentar desejos de justiça e sede de paz nas novas gerações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A educação deveria procurar criar homens não violentos, conscenciosos e abertos ao diálogo.
Uma educação que levasse as crianças a compreender que somente num mundo onde os homens odeiam a guerra poderá haver paz.
Uma educação que desenvolvesse a rejeição dos poderosos da terra que utilizam esse poder fomentando as guerras a que obedecem formidáveis forças ocultas.
Uma educação que desenvolvesse e cultivasse a solidariedade entre os homens como sendo a maior força que evita a guerra e cimenta a paz.
Uma educação que desenvolva homens íntegros, solidários universalistas e fraternos.
Uma educação aberta aos problemas dos nossos dias, que contribua para a criação de riqueza, para o desenvolvimento e distribuição, para o bem de todos.
Uma educação que represente uma garantia para o futuro: garantia de solidariedade, co-responsabilidade e de paz.
Uma educação que apresente um leque variado de ideias que façam superar o seu individualismo e a vão abrindo aos grandes problemas do nosso tempo.
Precisamos de espíritos abertos e desenvolvidos: sensíveis, receptivos e preparados para optarem em cada momento pela solução ideal.
Em suma, precisamos de gente nova à conquista do futuro.

Página 3935

2 DE JUNHO DE 1982 3935

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Findo um ano internacional de actividades múltiplas, não se fez, assim o cremos, um mero levantamento para que se pudessem analisar as conclusões finais.
Podemos, pois, concluir que de um ano de actividades ficou a perdurar um dia que se chama da criança.
Um dia para que em cada ano se possam repetir queixumes, fazer eco da ressonância de um ano inteiro, inventariação de novas carências palavras e mais palavras e pouco mais.
Se não vejamos: as crianças, ontem como hoje, denunciam, antes de mais nada, a falta de compreensão dos adultos.
E que motiva esta falta de compreensão?
O facto de os seus comportamentos serem diferentes dos que regulavam as regras noutros tempos?
Criticar comportamentos, não porque são maus ou injustos, mas porque são diferentes, deverão ser passíveis de repúdio?
Cremos que não, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Mas então qual a terapêutica?
Longe de ridicularizar novos comportamentos e novos hábitos nas crianças por mais estranhos que nos pareçam, deveria a educação procurar despertar a compreensão dos comportamentos alheios.
A diversidade cultural deveria ser valorizada como uma riqueza. A variedade como uma entrega de muitos ao complexo humano. Se desejarmos evitar que as crianças de hoje, adultos de amanhã, se mostrem contrários a uma maleabilidade de espírito temos que levá-las a uma flexibilidade de espírito ante hábitos diferentes.
As crianças acusam os adultos de falta de flexibilidade.

mentira, os arrebatamentos de ira, as manifestações de egoísmo e comodidade.
O horror à guerra que os homens fomentam.
Hoje, como ontem, as crianças são violentadas com tudo isto e o que è mais penoso é que entre os adultos, em vez de se atenuarem ou procurarem corrigir, vemos que a mentira, a inveja, a rixa, o egoísmo, a injustiça, a falta de solidariedade, transformam cada vez mais, o dia-a-dia em casos mais violentos e injustos.
Tudo isto está mal, marca um futuro de mais faltas e levar-nos-á ao ridículo de um dia as crianças nos dizerem que "o mal que fazem o aprenderam com os adultos".
Por isso, este Dia Mundial da Criança deveria ser um repensar das nossas atitudes, de modo a que tudo o que mereça a censura das nossas crianças deveria dar início a uma educação ética, apoiada na ponderação, no respeito e no amor pelas verdadeiras maravilhas do mundo - as crianças.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O futuro que se apresenta às nossas crianças de hoje não nos parece risonho.
Primeiro, porque a criança não parando de crescer, brevemente será um jovem e facilmente verificará que quanto mais cresce mais dificuldades se lhe deparam.
E estarão esses jovens preparados para compreenderem, ultrapassarem ou vencerem tanta barreira?
Julgamos muito sinceramente que não, pois não podemos exigir-lhes compreensão quando os adultos se demitem das suas responsabilidades, não criando as condições necessárias e suficientes, conducentes à solução dos seus problemas.
Só o poderão compreender se neste país se criar o pensamento e a prática educativas que procurem fazer da educação um instrumento de desalienação individual e de libertação social.
Porém, elas vêem-se confrontadas com a indiferença* manifestada pelos sucessivos sistemas educativos, ou melhor, pela ausência de um sistema educativo racional que lhes abra caminho e perspectivas para combaterem a injustiça económica e social da sociedade em que estão inseridas.
É imperioso dar-lhes a certeza de que o futuro será risonho se se souber reunir, na educação, as forças da crítica, da participação democrática e de imaginação aos poderes da organização operacional, científica e racional, tendo em vista valorizar os recursos latentes e as energias potenciais que residem nas camadas profundas da população juvenil.
Precisamos de aproveitar com urgência a irreverência, o inconformismo, a actividade e o dinamismo dos jovens, para lhes evitarmos frustrações e aproveitarmos todas as suas múltiplas capacidades.
Mas como, Sr. Presidente e Srs. Deputados?
Um país que tem neste momento 386000 desempregados, dos quais duzentos e trinta e dois mil são jovens com idade inferior a 25 anos, caminhará nesse sentido?
Um país que tem 199000 jovens à procura do primeiro emprego e 187000 à procura de outro emprego, permitirá que os adultos, e nomeadamente os responsáveis, possam dormir descansados?
Um país em que os jardins-de-infância existentes só cobrem 12% das suas reais necessidades poderá estar tranquilo?
Um país em que cerca de 90% dos alunos que iniciam a escolaridade não chegam às Universidades poderá considerar-se satisfeito?
Um país que licencia jovens que não passam de peritos especializados em generalidade estará a caminhar bem?
Um país que em 1982 ainda apresente uma taxa de absentismo à escola da ordem dos 20% não estará distraído?
Um país que tem nos anos terminais do ensino secundário cerca de 45% de reprovações não estará a reprovar-se a si próprio?
E, finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um país em que as suas crianças ainda não têm boas escolas, bons professores, casas, caminhos, cuidados médico--sanitários, etc., etc., poderá viver o seu dia mundial com alegria igual aos dos seus companheiros de outros países?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o Dia Mundial da Criança deve ser de reflexão para todos nós, permita-se-me que desta tribuna seja o porta-voz das crianças portuguesas e me dirija a todos os senhores deputados e às suas bancadas, perguntando:
Quando pensam cumprir as promessas feitas às crianças portuguesas?
Quando pensam deixar as palavras bonitas e resolver os seus problemas?
Quando pensam cumprir, efectivamente, o seu estatuto e reconhecer os seus direitos?
Perdoem-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estas perguntas, às quais também tenho que responder. Fi-las, apenas, porque as crianças, não tendo poder reivindicativo, são as eternas vítimas de um país que,

Página 3936

3936 I SÉRIE - NÚMERO 96

caminhando para a Europa, não copia o que nela se faz em prol das crianças.
Porém, condói-me reconhecer que, apesar de tanta e tanta carência, ainda há no mundo crianças que não são tratadas como tal.
Para essas e para as nossas crianças vai o nosso respeito, a nossa amizade, o nosso amor, subscrevendo António Lopes Vieira, quando dizia "Também de asas precisa a criancinha e quem dar-lhas souber, bendito seja."

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Graça, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Deputado, a rádio, hoje, nos seus primeiros noticiários, disse que no Dia Mundial da Criança não faltariam, com certeza, discursos e intervenções evocativas desta importante data e o Sr. Deputado foi a confirmação disto, aqui nesta Assembleia, ao proferir uma intervenção sobre o assunto, que é, de facto, um assunto extremamente importante. Portanto, registamos a sua intervenção evocativa da data.
O Sr. Deputado, contudo, em nome da sua bancada, penso eu, fez algumas declarações em relação às quais gostaria de lhe pedir esclarecimentos muito concretos.
Já no fim da sua intervenção, o Sr. Deputado falou de promessas que não foram cumpridas. Perguntava ao Sr. Deputado se, naturalmente como a totalidade dos deputados pensaram nesta Câmara, estava a referir-se às promessas que a AD fez e que não cumpriu. Esta era a primeira questão.
A outra, não menos importante, refere-se a exemplos concretos, porque não chegam discursos, longe disso, Sr. Deputado, para nós podermos ajudar as crianças deste país. É preciso actos muito concretos; é preciso uma política que promova a construção de creches, infantários, que dê garantias às nossas crianças de poderem estar durante o dia bem acompanhadas enquanto os pais estão a trabalhar. Ora acontece que, só para lhe dar exemplos, na cidade de Lisboa, aqui bem perto, em duas freguesias diferentes, existem dois infantários que estão ameaçados de despejo neste momento, Sr. Deputado.
Um é na Ajuda, é a Associação Protectora da Infância da Ajuda, que tem uma obra de grande valor, albergando cerca de 100 crianças, 70 no jardim infantil e 30 na pré-primária, que é elogiada pela Direcção-Geral do Ensino Básico, pela Direcção-Geral do Ensino Superior, pela Santa Casa, que até dá subsídios, que goza de apoio dos órgãos municipais, da Junta de Freguesia e da Assembleia de Freguesia, e que, contudo, está ameaçada de despejo, o que vai colocar essas crianças e as respectivas famílias numa situação dramática.
A outra, tão grave ou mais, diz respeito ao infantário Popular da Penha de França. No pólo oposto da cidade, um infantário que adveio de uma obra muito importante e que resultou da ocupação de uma vivenda devoluta, que há mais de 20 anos pertence a uma agrária do Alentejo (é uma senhora grande proprietária do Alentejo), depois de um processo de luta apoiado pela comissão de moradores, pela Junta de Freguesia, pela Câmara Municipal e pela Assembleia Municipal, curiosamente ardeu, houve um incêndio no infantário, Sr. Deputado. Neste momento ninguém sabe o que se há-de fazer às 80 crianças que de há longa data gozavam de apoio da Junta de Freguesia, dos órgãos municipais e que neste momento estão numa situação dramática.
Sr. Deputado, gostaríamos de saber se está de acordo connosco em como estas operações não podem ir para a frente, que terá que se pôr cobro a esta situação, que esta situação é intolerável e que é preciso erguer um dique, não por palavras, mas por actos, a esta política antipopular que, no fundo, ameaça as crianças e não as protege.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lemos Damião, tem a palavra para responder.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Silva Graça, é com todo o prazer que lhe vou responder e, inclusivamente, fico-lhe muito grato por me ter posto estas questões. No entanto, como V. Ex.ª deve ter analisado e compreendido da minha intervenção, não tive outro objectivo que não fosse, ao fim e ao cabo, denunciar e assumir uma responsabilidade que entendo que terá que ser colectiva.
Creio que neste caso, e sinceramente fi-lo com esse espírito desapaixonado, coloquei-me totalmente à margem de todos os partidos. Estou absolutamente equidistante de todos os partidos quando se trata de falar das crianças. Creio que as crianças não têm dono, as crianças não têm partido, as crianças são vítimas das boas e das más políticas. Aí concordo consigo. Não quero dizer se as políticas, e eu parece que denunciei isso, são boas ou mais. Neste momento, aquilo que apenas me vai na alma é que as crianças têm direito a uma política educativa que nunca tiveram. Nunca!
Para consubstanciar isso, Sr. Deputado, sabe muito bem que até hoje, neste país, ainda não houve sequer uma lei de bases do sistema educativo. E basta isso, nem sendo preciso mais nada. O que é certo é que nós, e eu também o denunciei, continuamos a dizer palavras e mais palavras. E se hoje, no noticiário, da rádio, disseram que certamente iriam aqui aparecer os tais discursos bonitos, pois eu também sou contra eles. Apenas falei, não procurando fazer discurso bonito, para denunciar uma situação.
Mas pôs-me algumas questões concretas. Claro que promessas fê-las a AD, promessas fê-las o PS, o PC, todos os partidos fizeram promessas. Não houve ninguém, Sr. Deputado, que em 1975, quando veio aquele raiar de esperança para todos os portugueses, que também foi um raiar de esperança para todas as crianças portuguesas, as não tenha feito. Nessa altura não houve ninguém que as não fizesse e V. Ex.ª, certamente, também disse às crianças deste país que elas precisavam disto, daquilo e daqueloutro. E precisam, efectivamente. Precisam e precisarão. Agora, vamos accionar os mecanismos, com a vossa quota-parte, com as vossas próprias responsabilidades, com as nossas responsabilidades.
Quando me põe o problema dos infantários que são despejados, dizemos frontalmente: não! Nós não podemos consentir que sejam despejados infantários. Nós temos é que exigir que para as crianças portuguesas sejam abertos infantários. Também denunciei que apenas 12% das crianças é que são acolhidas -e as crianças na primeira infância nem essas mesmo são acolhidas-, que ainda há 1 ano preliminar de educação e que o próprio Ministério dos Assuntos Sociais, nessa matéria, também pouco ou nada tem feito, o Ministério da Educação, idem, idem. O que é certo é que continua-

Página 3937

2 DE JUNHO DE 1982 3937

mos com palavras e, tal como eu disse, estes dias internacionais só servem, ao fim e ao cabo, para nós contabilizarmos, a juntar ao colorário das dificuldades e das carências dos anos anteriores, mais carências que se acumulam ao longo do ano. Estamos de acordo; somos contra tudo aquilo que seja de encerrar, somos pela abertura de tudo, principalmente pela solução dos problemas das crianças, que são, ao fim e ao cabo, os problemas de um povo.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Graça.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Deputado, registamos as suas palavras relativas aos infantários, mas há outros exemplos; referi estes dois porque são os que conheço mais em pormenor.
Fundamentalmente, gostaria de lhe dizer que no tocante às promessas, quando tivemos responsabilidades governativas -e mesmo hoje, com a responsabilidade que temos como forte grupo parlamentar que somos-, foi com actos muito concretos que avançámos sempre no apoio às crianças.
Gostaria de lhe recordar a este respeito que eu próprio, quando fui membro do Governo em 1975, em representação do Partido Comunista Português, fui responsável durante 1 ano por uma Secretaria de Estado, tendo-se então avançado com planos muito concretos de apoio à criança neste país. A nível do desporto, recordo-lhe o Movimento de Desporto Infantil e o Movimento Nacional de Futebol Juvenil, entre outras acções de que não nos orgulhamos só por as termos realizado, mas por termos acompanhado a vontade enorme do povo português e das crianças em particular.
Foi também nessa altura que se avançou com o suplemento alimentar nas escolas, com o "copo de leite", sucedendo em certas zonas onde imperava a cacicagem chegar a dizer-se que não bebessem, porque é obra dos comunistas!
Foi todo um conjunto de medidas que foram então avançadas e que estão, hoje, algumas delas, a ser destruídas pelo Governo AD.
No sector da ocupação dos tempos livres, a nível do FAOJ e da Direcção-Geral dos Desportos, é o descalabro total. Não há uma política de apoio ao desporto infantil nem juvenil; o desporto escolar não existe.
A nível da acção social escolar, a nível de transportes, a nível de suplemento alimentar, sabemos as medidas que foram tomadas por parte do Governo da AD e a resposta que o Partido Comunista Português deu, apresentando nesta Assembleia um projecto de lei referente ao suplemento alimentar de que muito nos orgulhamos, Sr. Deputado.
Portanto, quando falar de promessas, olhe para a sua bancada e para os partidos da AD. Não lance pedras aos outros; pense primeiro nos seus telhados de vidro e naquilo que os senhores de facto prometeram e não fizeram!
Nós não prometemos, Sr. Deputado; quando tivemos responsabilidades, realizámos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado, é apanágio dessa bancada procurar recolher dividendos" sempre que utiliza o microfone desta Casa. Da nossa parte, tal não acontece, pois seria uma violentação estarmos aqui a explorar uma coisa que, ao fim e ao cabo, nos é tão querida, e que é a criança.
No entanto, sempre lhe quero dizer que não é bem verdade aquilo que afirmou. VV. Ex.as fizeram talvez aquilo que na altura puderam; nós estamos a fazer aquilo que talvez seja possível. E não sei até se não superamos as possibilidades conjunturais actuais.
Porém, Sr. Deputado, sempre lhe digo que em 1980 o Governo da AD -e eu nem queria falar disto - duplicou os jardins-de-infância existentes; em 1981, duplicámo-los novamente, em relação ao ano anterior.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Não foram os infantários que foram duplicados, Sr. Deputado, foram as camas!

O Orador: - Isto é verdade, Sr. Deputado!
V. Ex.ª disse, e muito bem, que iniciaram a atribuição de um suplementar alimentar. Nós, pelo nosso lado, não só não acabámos com ele, como procuramos até desenvolvê-lo, ao ponto de poder dizer que quando o suplemento alimentar arrancou tinha uma verba de cento e vinte e oito mil contos, contando hoje com uma verba envolvente de 3 milhões de contos. Sempre é um bocado diferente, Sr. Deputado!
Contudo, como entendo que o lançamento do suplemento alimentar foi uma medida positiva, ao PC ou a V. Ex.ª, como seus autores, aproveito até a oportunidade para os felicitar por tal, Sr. Deputado.
De facto, em relação às crianças portuguesas, verifica-se que a sua estatura ponderai - é uma realidade - se está a desenvolver: as crianças hoje são mais fortes e têm condições de que antigamente não fruíam. É uma verdade, Sr. Deputado.
Antigamente, no seu antigo regime, procurava-se que as crianças tivessem braços fortes e cabeças ocas; hoje, pelo contrário, queremos que as crianças tenham cabeças recheadas, além dos braços fortes. Queremos uma estatura ponderada bastante desenvolvida, queremos, em sumo, que a formação integral do indivíduo seja, de facto, melhor.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante 2 dias, mais de 2500 delegados e 700 convidados nacionais e estrangeiros participaram na 6.° Conferência da Reforma Agrária.
Tendo por base 347 inquéritos relativos a outras tantas UCP's/cooperativas que ocupam uma área de 485500 ha, a amostragem de 92% em termos de área, rigorosa e exaustivamente trabalhada, atesta os dados inventariados, analisados e discutidos ao longo da preparação e no decurso da Conferência.
O balanço efectuado constitui um verdadeiro libelo acusatório contra a política anticonstitucional desencadeada contra a reforma agrária a partir de 1977, sendo os governos da AD responsáveis por mais de 50% da ofensiva desenvolvida contra as UCP's/cooperativas, de que resultaram já: a usurpação ilegal de 600000 ha das melhores terras; a destruição de 135 UCP's/cooperativas; o roubo de mais de 230000 cabeças de gado,

Página 3938

3938 I SÉRIE-NÚMERO 96

cerca de 12000 máquinas e alfaias agrícolas e mais de 6800000 contos relativos a investimentos realizados em melhoramentos fundiários e benfeitorias (só nos últimos 3 anos as UCP's/cooperativas foram espoliadas de 180 barragens e outras obras de captação de água para rega, 65 celeiros, 74 instalações para máquinas, 202 instalações pecuárias, 101 habitações, 11 obras sociais e mais de 30000 ha beneficiados com terraplanagens e obras de enxugo).
No que respeita às dívidas do estado às UCP's/cooperativas relativas a produtos entregues, frutos pendentes e culturas em curso, elas ultrapassam os 7 milhões de contos.
Terminada a ofensiva em força na base das reservas ilegais, sob o risco de se tornar excessivamente evidente a inversão total e absoluta dos preceitos constitucionais, o Governo AD adoptou uma via menos espectacular, mas não menos eficiente, a asfixia económico-financeira das UCP's/cooperativas. Por esta forma procura inviabilizar as explorações colectivas da Reforma Agrária, levando-as a uma situação de ruptura e falência, para depois as acusar de má gestão e inviabilidade.
O Estado não paga as suas dívidas e retém as receitas das UCP's; centenas de milhares de contos de cortiça pertencentes às UCP's e que a própria lei lhes confere são desviados por via directa ou indirecta para os bolsos dos agrários. Ô MAP rouba as terras, os gados, as culturas, as máquinas, as benfeitorias, e depois coloca a questão da viabilidade.
Neste contexto se inserem as propagandeadas distribuições de terra a pequenos agricultores, agora tendo por pano de fundo os "inquéritos" e "leilões de terras". E se toda esta acção é profundamente hipócrita, a hipocrisia vai ao cúmulo quando o MAP lança os tais inquéritos sem definir critérios de avaliação, nem quem os vai analisar e como. Para o MAP, os únicos critérios são o arbítrio e a ilegalidade.
Toda esta política de destruição da Reforma Agrária tem conduzido à quebra das produções, à descapitalização das UCP's/cooperativas e à retracção do investimento.
As terras devolvidas aos agrários voltam na sua quase totalidade ao abandono e subaproveitamento.
O desemprego alastra e degradam-se as condições sociais e económicas dos trabalhadores.
Uma ofensiva desta dimensão só tem sido possível com uma prática permanentemente ilegal, que não acata sequer os acórdãos definitivos e transitados em julgado do Supremo Tribunal Administrativo.
A propósito da distribuição de terras a pequenos agricultores, importa salientar que os trabalhadores não estão contra a entrega de terras aos mesmos, mas não podem aceitar que a mesma seja feita à custa da destruição das UCP's/cooperativas quando existem centenas de milhares de hectares de terras abandonadas e subaproveitadas na posse dos agrários, grande parte delas expropriadas ou nacionalizadas.
Aliás, a realidade demonstra a farsa da AD quando fala em distribuição de terras a pequenos agricultores. Dos 600000 ha de terras roubadas às UCP's apenas 38600 ha foram entregues, até hoje, a pequenos agricultores.
Ao fim e ao cabo, os pequenos agricultores não passam do pretexto para a continuação da entrega de terras aos agrários. Sob a sua capa se acolhem filhos de agrários, marginais, negociantes e outros indivíduos que nada têm de agricultores. Em seu nome se cometem toda a sorte de arbitrariedades e ilegalidades e se pretende esconder uma realidade social e económica que diferencia a região do latifúndio das restantes regiões agrícolas do País. É que no Alentejo, 60% a 90% da população activa é constituída por trabalhadores assalariados, sem terra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o latifúndio é a expressão mais primitiva da concentração da terra e dos seus recursos, como meio de concentração de poder, alicerçado sobre a miséria e a ruína.
Entre 1952 e 1968 foram destruídas pela ruína mais de 100000 explorações agrícolas com áreas inferiores a 4 ha. Em contrapartida, e em igual período, formaram--se cerca de 300 novas explorações com áreas superiores a 500 ha.
Em 25 de Abril de 1974, os 500 maiores latifundiários tinham mais terra que os 500000 agricultores mais pequenos deste país.
Protegidos por leis iníquas e pelo aparelho repressivo do Estado fascista, associado ao grande capital financeiro, o latifúndio constituiu um permanente factor de estrangulamento, caracterizado por níveis extremamente reduzidos de investimento técnico e económico, associado a baixíssimas remunerações e ao desemprego e subemprego em massa, a par de uma brutal descapitalização do sector, com profundos reflexos em todo o tecido socioeconómico regional condicionado por um extremamente baixo índice de intensidade da actividade económica.
A transformação da estrutura da propriedade e das relações de produção dela decorrentes constituía de há muito um imperativo social, económico e humano na zona do latifúndio.
A realidade histórica demonstra que a Reforma Agrária resultou de uma situação concreta que nada teve a ver com o início de uma colectivização geral, como as forças reaccionárias se empenharam e empenham em fazer crer, tentando isolar a luta dos trabalhadores agrícolas e agricultores pobres do Alentejo e Ribatejo.
A Reforma Agrária foi e continua a ser a única via para cortar com o brutal subdesenvolvimento socioeconómico a que o latifúndio conduziu.
O montante dos investimentos realizados pelas UCP's/cooperativas nos 3 primeiros anos da Reforma Agrária em melhoramentos fundiários e em benfeitorias ultrapassou os 2250000 contos. Um tal nível de investimento não só inverteu por completo a situação de permanente descapitalização criada pelos latifundiários, como representou um empenhamento notável dos trabalhadores no desenvolvimento técnico e económico da agricultura, aumentando consideravelmente a produtividade da terra e do trabalho. E isto, mesmo sem contar com o indispensável apoio técnico por parte do Estado.
Entre 1976-1977 e 1980-1981 foram desbravados e despedregados 232 800 ha. A área de regadio mais que duplicou e foram realizadas mais de 1100 obras de captação de água.
A evolução das áreas totais semeadas traduziu-se numa taxa de crescimento superior a 30% ao ano.
O crescimento das áreas semeadas com culturas de regadio foi superior a 23% ao ano.
Os efectivos pecuários, expressos em cabeças normais, cresceram 2,4 vezes.
O número de postos de trabalho aumentou em mais de 40000, a par de uma significativa melhoria social e económica das condições de vida dos trabalhadores.

Página 3939

2 DE JUNHO DE 1982 3939

Revitalizaram-se as acções culturais e iniciou-se um combate profícuo contra o analfabetismo.
Os trabalhadores conquistaram o reconhecimento da sua verdadeira dimensão e dignidade de homens.
A esta realidade, apostada no desenvolvimento social, económico e cultural, opôs-se a mais bestial ofensiva destruidora.
E porquê? Por questões de produção e gestão?
Aliás, como se poderiam defender tais argumentos, tendo em conta o passado e quando, a partir do nada, se ergueram 500 UCP's/cooperativas? Quando 400 delas continuam ainda hoje a produzir mais e a manter mais postos de trabalho em 528 000 ha do que os agrários em milhão e meio de hectares? Quando se atingiu uma produtividade média do trabalho superior a 240 contos por trabalhador, obtendo-se, assim, os mais altos níveis de rendibilidade do trabalho no país? Quando, apesar de roubadas em 16500000 contos, as UCP's/Cooperativas continuam a dispor de elevada capacidade de solvência dos seus débitos, isto é, quando o conjunto dos seus bens vale duas vezes mais que os encargos assumidos? Quando as UCP's/cooperativas investem, em condições de permanente instabilidade e quase na base do autofinanciamento, mais de 3 200000 contos?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Reforma Agrária tem vindo a processar-se em Portugal com o empenho e a participação profunda dos trabalhadores, através da constituição das UCP's/cooperativas, regidas pelos princípios democráticos de direcção, gestão e administração.
A intensa vida interna dessas estruturas, a eleição periódica dos dirigentes, o empenhamento profundo dos trabalhadores pelas suas UCPs, a defesa e o combate pela Reforma Agrária, é tudo isso que fez os trabalhadores resistirem, mesmo aos olhos mais incrédulos!
Enganam-se, assim, aqueles que querem destruir a Reforma Agrária, com a alegação de que não se trataria de verdadeiras cooperativas, insinuando que não estariam a ser respeitados os princípios democráticos da vida interna.
Esses princípios são respeitados, e é por isso mesmo que os trabalhadores rurais do Ribatejo e Alentejo têm a Reforma Agrária como obra sua.
É a própria Constituição da República que reconhece a existência e o direito à terra de explorações por colectivos de trabalhadores, sem limitar o seu estatuto.
Reflectindo uma realidade própria, as UCP's constituem, pela sua originalidade, a primeira experiência séria em Portugal do cooperativismo de produção agrícola.
Será então uma questão de princípio da propriedade privada que leva à tentativa de destruição da Reforma Agrária?
Ninguém negará que o latifúndio tem implicações sociais, económicas e humanas, que têm de ser remetidas para a questão social da propriedade fundiária e que o isolam do princípio da propriedade privada. Esta é uma questão de há muito colocada em termos de direito e de moral.
A Constituição consagra a eliminação do latifúndio e determina a realização da Reforma Agrária. Os seus objectivos fundamentam-se na transferência da posse útil da terra dos latifúndios das grandes explorações capitalistas para aqueles que a trabalham, trabalhadores agrícolas e pequenos agricultores. É uma realidade que faz e há-de continuar a fazer parte do novo quadro institucional criado pelo regime democrático.
As terras devolvidas aos agrários consubstanciam um processo de inversão total dos objectivos constitucionais da Reforma Agrária.
No Alentejo e Ribatejo volta-se a impor a "terra de exploração".
Nos nossos tempos, nos mais diversos quadrantes se erguem vozes contra este sistema que esmaga o homem e gera a injustiça social. E poucos ousam defendê-lo na sua crueza e monstruosas implicações.
"A terra de exploração" - disseram, com razão, homens que vivem e sentem agudamente este problema - "é a terra de que o capital se apropria para crescer continuamente, para gerar sempre novos e crescentes lucros. Lucro que pode vir tanto da exploração do trabalho daqueles que perderam a terra e os meios de produção, como dos que nunca a tiveram, e que permite o enriquecimento de alguns à custa de toda a sociedade."
É isto que não podemos deixar reinstaurar em Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As UCP's/cooperativas enfrentam hoje uma real ameaça de destruição. Expressão legítima da Reforma Agrária, com a sua destruição é a própria Reforma Agrária que será destruída.
Esta questão não deixa de provocar rupturas no interior da própria AD.
Confrontam-se o monopolismo conservador e reaccionário com os que, igualmente conservadores, têm a visão de que deve ser outra a ideologia conservadora de um mundo em revolução.
Tudo para os grandes agrários, algumas migalhas para os agricultores e trabalhadores agrícolas, são divergências que traduzem o conflito. Ambas são posições de uma profunda pobreza de conceitos sociais, económicos e morais. Mas são um claro indício de que as contradições se agudizam face à nova realidade imposta pelo Portugal democrático e pela firmeza e justeza da luta dos trabalhadores.
Ainda são muitos os Diogo Relvas, para quem os interesses de classe se sintetizam num desejo de paz verdadeira, em que os homens aceitam hierarquias entre si, uns com albarda, outros com a espora, cada qual alegre na sua tarefa, sem que aos cavalgados pudesse alguma vez apetecer a inversão das posições.
Porventura, será este o conceito de paz social que os governos da AD advogam para a zona da Reforma Agrária.
Enganam-se profundamente os que ambicionam um tal futuro.
Num futuro bem mais próximo do que esperam, o latifúndio será definitivamente um pesadelo do passado.
As espigas douradas e os cravos vermelhos de Abril brotarão como símbolos de uma nova sociedade democrática e livre.
Hoje, os trabalhadores comem o pão que o diabo amassou, paga injusta por teimarem em produzir o pão da liberdade. Mas é com eles que está a razão.
Esta a certeza que nos deixam as 415 UCP's/cooperativas, que ocupam hoje ainda uma área de quinhentos e vinte e oito mil ha e onde trabalham vinte e cinco mil trabalhadores.
É uma realidade nova que resiste, luta e trabalha. E é nela que estão e crescem as sementes do futuro.
Viva a Reforma Agrária!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Chagas.

Página 3940

3940 I SÉRIE - NÚMERO 96

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria que me informasse, Sr. Deputado Rogério de .Brito, em função da afirmação que aqui proferiu, de que a atribuição de terras feita pelos governos da Aliança Democrática tinha sido feita a marginais, quais foram esses marginais e onde foram essas terras distribuídas.
Também gostaria que o Sr. Deputado me informasse, já que contínua a falar em latifúndio, a que latifúndio se refere, se ao das unidades colectivas ou ao latifúndio privado.
Uma vez que foram já aplicadas as leis da Reforma Agrária, pergunto: onde é que existem neste momento os latifúndios, na sua cabeça ou na realidade fáctica?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Na sua cabeça não é, com certeza, que a não tem!

O Orador: - Também gostaria que explicasse a esta Câmara a questão referente ao aumento de produção, como consequência da Reforma Agrária.
Pergunto: essa afirmação, Sr. Deputado, tem em linha de conta o afolhamento, mais que necessário, para que haja uma exploração rentável? Ou seja, esse afolhamento foi cumprido ou, pelo contrário, fez-se uma cultura intensiva, à semelhança dos anos 30, no tempo de Salazar?
É a estas questões que gostaria que o Sr. Deputado respondesse.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Que pobreza!...

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - É mesmo um mau advogado dos agrários!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação á distribuição de terras a marginais pelos governos da AD, quais e onde? Começaria por referir as ilegalidades da distribuição de terras cometidas pelos governos da AD e gostaria que o Sr. Deputado negasse que no MAP de Cardoso e Cunha e de Goulão foram entregues terras a indivíduos que nada têm a ver com agricultores. Mas mesmo remetendo agora para as actuais situações, indicar-lhe-ei alguns casos como, por exemplo, os que ocorreram há pouco em Portalegre. Poderei referir que aí beneficiaram da distribuição de terras filhos de agrários e marginais, alguns deles até com processos-crime por roubo de gado a UCP's/cooperativas. Mas posso ir mais longe: a pretexto da destruição da UCP Esperança do Sado, em Alcácer do Sal, chegaram mesmo a ser entregues terras a empregados de comércio!

Uma voz do PCP: - Não sabia isto, Sr. Deputado?!

O Orador: - Se o Sr. Deputado pretende os nomes, terei muito gosto em daqui a pouco lhos dar, até mesmo com as moradas, se assim o entender. Nós somos, por natureza, bem informados!
Quanto à questão dos latifúndios serem das UCP's ou privados, teria, no pouco espaço de tempo de que disponho, que dar uma aula sobre os problemas da economia agrária e das questões sociais da propriedade fundiária para que o Sr. Deputado entendesse o que era o latifúndio.
Na questão que coloca -que latifúndios, UCP's ou privados- eu diria assim: essa questão é colocada com uma tal inteligência que teremos que chegar à conclusão que argumentos desse tipo nem chegariam para dar ao badalo.

Risos do PCP.

É que se a inteligência fosse música, isso não daria sequer para badalar!

Risos do PCP.

Quanto ao aumento da produção, é verdade, Sr. Deputado, que ela foi aumentada pela Reforma Agrária.
Quanto aos afolhamentos, já é bom que o Sr. Deputado tenha reconhecido que houve um aumento da produção em relação, como é lógico, à área ocupada e ao tempo em que ela era utilizada pelos agrários.
A sua pergunta relativa a se foram respeitados os afolhamentos, quase que levaria a perguntar quais são os conceitos que o Sr. Deputado tem de afolhamentos racionais.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Seriam, por exemplo, em terras de barro? Fazer-se num ano o trigo, num segundo um cereal secundário, mantendo-se depois essas terras com alta capacidade de produtividade durante 3, 4, ou 5 anos em pousio?
Isto faz-me lembrar o indivíduo que está cheio de fome, que deixa de trabalhar e que acaba por morrer à fome também!
Como o Sr. Deputado sabe, até existem as culturas melhoradoras para introduzir nos afolhamentos. Isso, aliás, possibilitou que a produção de culturas forrageiras e leguminosas tivesse aumentado extraordinariamente com a Reforma Agrária. A intensificação não tem a ver com a racionalidade ou irracionalidade da exploração da aptidão dos solos. A intensificação deve-se fazer sempre, unicamente deve ser feita de acordo com a capacidade de uso dos solos.
Foi esta a política que foi desenvolvida.
Mas dir-lhe-ei mais, Sr. Deputado: é evidente que os trabalhadores podiam ter ido muito mais longe nas novas tecnologias e nas novas formas de exploração da terra. Só que os trabalhadores apreenderam empiricamente como conhecimentos - em resultado de dezenas de anos ao serviço dos latifundiários-, exactamente toda a prática mais inadequada à exploração da terra.
É evidente que com a Reforma Agrária estes conceitos não se modificam de um dia para o outro. Eles careciam de um fundamento que fosse uma base de apoio técnico real por parte do Estado.

Vozes do PCP e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Exactamente o empenhamento do Estado em destruir a Reforma Agrária e em a inviabilizar, não criando uma nova dinâmica no Alentejo, impossibilitou que se pudesse ter percorrido um caminho bem mais profícuo e bem mais racional.
Esta responsabilidade cabe aos governos reaccioná-

Página 3941

2 DE JUNHO DE 1982 3941

rios, que não souberam adoptar uma política em defesa da nossa economia e dos interesses nacionais.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Chagas.

O Sr. Duarte Chagas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado fez uma clara confusão, pois apesar dos profundos conhecimentos que tem sobre a matéria está a confundir nitidamente o aumento da extensão com o aumento da produção.
Ora, são coisas completamente diferentes! Pode-se fazer uma grande sementeira e essa mesma sementeira, em termos económicos, não ser rentável.
Foi essa a confusão que o Sr. Deputado aqui trouxe. O que ele não foi capaz foi de especificar os casos concretos, dizendo quais os marginais que receberam terras. Ora, o Sr. Deputado está a confundir, pois há trabalhadores a quem a terra foi entregue, como na Herdade dos Machados e em Figueira dos Cavaleiros, que estão a fazer explorações com cabeça, tronco e membros. Se chama a esses homens marginais, então podemos felicitar-nos pelo novo conceito de marginalização que existe em relação ao trabalhador agrícola.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Deputado, eu seria extremamente demagógico se fosse aqui dar os nomes dos marginais que, segundo afirma, afinal não existem. Indiquei-lhe casos de UCP's/cooperativas cujas terras foram distribuídas a indivíduos desses.
Se eu dissesse- que tinha sido ao Sr. António, ao Sr. Miguel e ao Sr. Joaquim, provavelmente o Sr. Deputado engolia, porque nem sequer tinha contraprova!

Risos do PCP.

Fui honesto e disse-lhe que não tinha aqui os nomes e que lhos dava daqui a bocado.
Vamos ver se nos entendemos, Sr. Deputado: se eu lhe tivesse falado no Edgar ou no Vilarinho, o senhor mamava-os, porque nem sequer tinha contraprova disso!
Segunda questão: eu não disse que não houve pequenos agricultores que não receberam terra. O que eu disse foi que de 600000 ha. de terra tirados às UCP's/cooperativas, a pequenos agricultores apenas foram distribuídos 38600 ha. Isto quer dizer que em 38600 ha. poderá realmente haver pequenos agricultores; mas os restantes, Sr. Deputado? E aí que se coloca a questão.
Quanto ao problema do aumento da extensão e da produção, é evidente que para aumentar a produção são necessários dois factores: um deles é o aumento da extensão da área semeada e o outro é o aumento dos rendimentos físicos. São dois factores indissociáveis.
É evidente que se aumentou a extensão, pois havia terras abandonadas que não estavam a ser cultivadas. Aumentaram-se, porém, os rendimentos físicos, se bem que não tanto quanto se desejaria. E a prova disso está na própria produtividade do trabalho, que é um índice esclarecedor. De facto, na Reforma Agrária atingiu-se uma produtividade do trabalho que é a maior deste país: 240 contos por unidade de trabalho!

Risos do Deputado Duarte Chagas (PSD).

O Sr. Deputado ri-se e dirá: São vocês que me estão a dar esses números, Sr. Deputado, dir-lhe-ei uma coisa: nós fazemos uma conferência da Reforma Agrária com base numa amostragem de 92% das UCP's/cooperativas; o Instituto Nacional de Estatística faz uma inventariação das explorações agrícolas deste país com base numa amostragem de 10% a 12% e os senhores não têm sequer 1% de amostragem, têm ignorância absoluta!

Risos do PCP.

Portanto, rirem-se é o testemunho maior da ignorância, pois não têm qualquer fundamento para contradizer sequer os dados que apresentamos e que resultam de um trabalho honesto e extremamente intenso de inventariação de toda a realidade objectiva que se vive nas UCP's/cooperativas.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontra-se na Tribuna do Corpo Diplomático uma delegação de deputados gregos que se encontra de visita a esta Assembleia da República.
A Assembleia aplaudiu de pé a delegação parlamentar grega.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Avelino Zenha.

O Sr. Avelino Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez ergo a minha voz nesta Assembleia da República chamando a atenção para alguns problemas que afectam uma das mais jovens e promissoras cidades do nosso País. Trata-se da cidade de Espinho, que atravessa neste momento uma fase difícil da sua história, que estou certo há-de ser superada pela sua população e responsáveis políticos, porque a razão lhes assiste.
Sem dúvida que foi depois do 25 de Abril que se iniciaram empreendimentos que eram reivindicados e necessários há longos anos. Destaco, entre muitos, as obras de defesa da praia, para as quais os socialistas, quer a nível central, quer local, contribuíram decisivamente; a abertura de algumas vias de comunicação essenciais para o desenvolvimento do concelho; a construção de centenas de casas de renda económica e social; o início da construção do ciclo preparatório, diversas escolas primárias, etc., etc. Outros projectos, no entanto, tinham começado a merecer o devido tratamento e consideração e a seguir o seu curso normal.
Porém, a partir das últimas eleições, a AD formou Governo, e a nível local fez eleger um elemento seu como presidente da Câmara. São conhecidas as promessas feitas na altura, tendo inclusivamente a propaganda eleitoral da AD no concelho tido como suporte fundamental o slogan "AD no Governo, AD em Espinho", tentando incutir deste modo aos cidadãos a ideia de que se ganhassem as eleições não lhes faltaria apoio do Governo para a materialização das promessas entretanto feitas.
Praticamente a poucos meses do final do mandato autárquico, o balanço que é possível fazer neste momento pode-se considerar de, no essencial, se saldar por um manifesto incumprimento desses compromissos. Senão vejamos: o prometido Palácio de Justiça não se vislumbra sequer quando será iniciado; a conclusão de um bairro de casas sociais da Marinha encontra-se irres-

Página 3942

3942 I SÉRIE - NÚMERO 96

ponsavelmente parado e em degradação permanente; a terceira fase da Ponte de Anta está congelada; a conclusão de um bairro e o inicio de outro em Parames vêm-se arrastando incompreensivelmente; a variante à estrada nacional n." 109, projecto que custou milhares de contos e demorou anos, foi abandonado, sem que a alternativa tivesse surgido, e o ciclo preparatório, que já devia estar concluído, encontra-se suspenso.
Acrescendo ainda a esta incapacidade para resolver estes problemas, como prometera, também se permitiu este Governo, através do Dr. Nandim de Carvalho, prejudicar o concelho em cerca de 300000 contos, aquando da actualização do contrato da zona de jogo, em consequência de o casino local ter passado de zona temporária a permanente.
No entanto, o objectivo fundamental desta minha intervenção reside na denúncia do comportamento de membros do Governo que, injustificavelmente, põem em causa a realização de dois empreendimentos importantes no concelho, um parque de campismo e o complexo desportivo, em manifesto desrespeito pelo Poder Local e pelas suas próprias deliberações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 1937 foi aprovado um plano de urbanização, do qual constava uma vasta área, como zona verde, estando aí prevista a construção de um parque de campismo. Os órgãos locais após o 25 de Abril deliberaram concretizar essa obra.
O projecto foi superiormente aprovado com parecer favorável de todas as entidades obrigatoriamente consultadas para o efeito, e foram 17.
A Câmara comprou grande parte dos terrenos por acordo amigável com os proprietários. Despendeu 10000 contos em infra-estruturas.
Há um recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do Sr. Manuel Oliveira Violas, mulher e outra, proprietários de terrenos.
O Supremo Tribunal Administrativo declara a existência de um vicio de forma no despacho ministerial.
O Sr. Secretário de Estado de turismo, Nandim de Carvalho, em vez de corrigir o vício de forma e exarar novo despacho, dá por encerrado o processo, dizendo acatar a decisão do STA, manifestando, no entanto, disponibilidade para, em colaboração com a Câmara, encontrar novo local que, curiosamente, diz qual é, e que anteriormente tinha sido recusado, não só por técnicos como pelos responsáveis locais. Desdobra-se, no entanto, em declarações públicas, tentando incutir a ideia de que as deliberações do Supremo Tribunal Administrativo, num Estado de Direito, são para se cumprir, convidando a Câmara a abandonar o seu desiderato. Nada mais falso! A deliberação do Supremo Tribunal Administrativo não punha em causa nem a localização nem o projecto, e o que se esperava que o Dr. Nandim de Carvalho fizesse era que corrigisse o vício de fornia e fizesse novo despacho. Recusou-se, no entanto, a fazê-lo.
Em face da situação criada, os órgãos autárquicos repudiaram a atitude do Sr. Secretário de Estado e reiteraram as deliberações anteriormente tomadas por unanimidade no executivo municipal, de presidência PSD, e por grande maioria na Assembleia Municipal, de presidência do CDS, com o apoio público do Governador Civil de Aveiro, do PSD. Era óbvio, para todos, que o Dr. Nandim de Carvalho aproveitou uma mera questão de forma para pôr em causa a questão de fundo, isto é, impedir naquele local e naqueles terrenos a construção do parque de campismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pouco tempo decorrido sobre este acontecimento, um outro não menos grave ocorreu.
Na mesma zona verde deliberaram também os órgãos municipais construir um parque da cidade, que compreenderia um estádio municipal, um pavilhão gimnodesportivo com marcações para andebol, basquetebol, voleibol, ténis, pistas de manutenção, etc. A justificação que subjaz a esta deliberação era aproveitar aquele pulmão da cidade e criar infra-estruturas que, uma vez enquadradas no conjunto, permitiriam à população a ocupação dos tempos livres de maneira saudável e equilibrada.
A localização e delimitação do parque são aprovados por despacho ministerial de 12-1-1978.
Em 6-11-1981, o actual Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes, Viana Batista, aprova o esquema preliminar das obras de construção do parque da cidade, do qual resultou a declaração de utilidade pública e expropriação urgente dos terrenos necessários.
A Câmara adquiriu 230000 m2 dos 400000 m2 que seriam nesta fase objecto de expropriação.
Verifica-se um recurso de 3 proprietários, por sinal os mesmos, Sr. Manuel de Oliveira Violas, mulher e outra, para o STA, que contém uma série de afirmações inverdadeiras, tais como a inexistência de verba no orçamento da Câmara para iniciar a construção do estádio municipal, quando, na realidade, está lá prevista no plano de actividades. Afirmam também ser objecto de expropriação uma área substancialmente superior àquela que o é de facto. O Sr. Ministro é informado por memorando, elaborado pela auditoria jurídica do seu Ministério, no qual se diz não haver razão para alterar o seu anterior despacho.
Espante-se! O Sr. Ministro, em face destes factos, inexplicavelmente revogou-o, retirando-lhe o carácter de urgência e autorização da posse administrativa dos terrenos, justificando -pasme-se!- a sua atitude na prudência face à pendência do recurso existente no Supremo Tribunal Administrativo, quando nenhuma entidade ou parecer indicavam sequer que o despacho estava formal ou substancialmente incorrecto. Com esta deliberação pôs em causa, no curto prazo, a construção do estádio municipal, criando graves dificuldades ao Sporting Clube de Espinho, que permanece na 1.ª divisão e é obrigado a jogar em campo relvado na próxima época, tendo residido até então a sua esperança na rápida construção do estádio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estes casos têm como interveniente principal a mesma pessoa, o Sr. Manuel de Oliveira Violas. Recorreu, quer no tocante ao parque de campismo, quer ao parque da cidade. Sem razão para tal, o Governo cedeu. Ele é também o accionista maioritário da Solverde, empresa concessionária do casino, cuja actualização do contrato prejudicou o concelho em cerca de 300000 contos. Um semanário já noticiou que se prepara a prorrogação do contrato de concessão do casino, no segredo dos gabinetes, sem consultar ninguém. Possivelmente será um chorudo negócio que envolverá centenas de milhares de contos. A sua influência e acções têm impedido investimentos aprovados por todas as forças políticas representadas no concelho e pelo próprio Governo, que acabou por pôr em causa deliberações anteriores da sua própria responsabilidade.
Convém não ver só a árvore e esquecer a floresta.

Página 3943

2 DE JUNHO DE 1982 3943

Esta situação é grave, preocupante e merecedora de alguma reflexão e denúncia. Demonstra qual a concepção de poder local que o Governo tem e ao serviço de quem se encontra.
No plano dos princípios, representa uma cedência do poder político ao grande poder económico local. Consubstancia a satisfação na área do poder de interesses que a população já recusou diversas vezes nas ruas. É pensar-se e agir como se o poder local não fosse uma entidade com autonomia e responsabilidade, cuja legitimidade lhe advém do sufrágio popular. O Governo desdobra-se em afirmações de princípio sobre a autonomia, robustez e consolidação do poder local como um dos pilares fundamentais da construção da democracia, mas falar em prestígio do poder local e coarctá-lo na sua acção essencial é pura hipocrisia. Falar em retomar a velha tradição municipalista, mas inviabilizá-la na prática, è demagogia. Em vez de o apoiar e prestigiar, marginalizou-o e desautorizou-o. Em vez de ir de encontro aos legítimos anseios da população, manifestados pelos seus órgãos políticos, inviabilizou a materialização de projectos essenciais. Em vez de não defraudar as esperanças das populações nas promessas feitas, obsta-culizou a sua concretização. Em vez de postular uma conduta isenta de subserviência e prepotência, cedeu ao poder económico.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estes exemplos demonstram qual a distância entre o discurso político e a prática quotidiana, a diferença entre as intenções e as realidades, entre a propaganda e o concreto. São paradigmáticos, no que concerne aos conceitos tão repetidamente afirmados, de que o poder político deve controlar o poder económico.
É legítimo a qualquer cidadão discordar das opções dos responsáveis; mas não é legítimo que a discordância de um cidadão, por mais poderoso que seja, ponha em causa as opções da população e as resoluções dos seus representantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode, porventura, parecer que as afirmações por mim proferidas são conclusões subjectivas e, como tal, passíveis de desmentido. Tal, porém, não acontece, e para o provar vou reproduzir excertos de entrevistas de responsáveis políticos, locais e distritais, da AD, que mostram à saciedade quão pouco dignificante é para o Governo esta situação, que atinge as raias do ridículo e do caricato.
Comentário do governador civil de Aveiro (PSD), ao Comércio do Porto: "o poder económico domina o poder político, amesquinhando até o poder local".
Disse o presidente da Assembleia Municipal de Espinho (CDS) a um jornal local: "lamentável intromissão do poder económico, cedência do Governo".
Afirmou a um jornal local o presidente da Câmara (PSD), relativamente ao processo do parque de campismo, referindo-se ao Dr. Nandim de Carvalho: "a situação que se vive é, pelo menos, a negação do mínimo decoro político que qualquer cidadão deve ter [...] esta situação atinge foros de corrupção".
Comunicado publicado em 8-4-1982 no Jornal de Notícias, da Comissão Permanente da Comissão Política Distrital de Aveiro (do PSD): "depois de apreciar o que denomina dossier Espinho, no qual avultam os processos relativos à construção do parque de campismo e do estádio municipal, exprimiu o seu mais veemente protesto de solidariedade para com o presidente da

âmara de Espinho e solicitou aos membros do Governo intervenientes no processo a sua melhor atenção e disponibilidade, com vista à obtenção da melhor decisão sobre o assunto, tendo em atenção a autonomia que aos órgãos autárquicos é devida".
Os factos falam por si. Como diz o preceito bíblico, "não é suficiente que a mulher de César seja séria, é preciso parecê-lo".
Disse recentemente o Deputado centrista Rui Pena, numa entrevista, que a corrupção se passa um pouco por toda a parte e que existe uma crise de moralidade no nosso país. Mas que pensar, quando são responsáveis políticos e autarcas apoiantes do Governo que as denunciam, acusando governantes! Mas não contribui o Governo para ela ao desautorizar quem assumiu clara e transparentemente compromissos com o eleitorado, contribuindo para o descrédito, desmobilização, desinteresse e desilusão de muitos que, com o esforço, abnegação, espírito de servir e não servir-se, têm posto ao serviço das populações a sua capacidade?! Mas não contribui o Governo para ela, ao pôr em causa deliberações anteriores da sua própria responsabilidade, sem razão justificativa?!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino com uma citação de Alexandre Herculano: "O municipalismo não pretende substituir ou anular o poder do Estado, mas tão-somente fazer que ele não obstrua a individualidade de cada região, nem inutilize as suas potencialidades, esterilizando as iniciativas locais."

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vital Moreira, fica inscrito para a próxima sessão, visto que já ultrapassámos o período de antes da ordem do dia. Tenha paciência, Sr. Deputado, mas não lhe posso dar a palavra. Agora só se poderão fazer declarações políticas e as inscrições, eventualmente feitas, serão para interpelar a Mesa.

O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, não vou contestar a decisão da Mesa, conformo-me com ela.
Em todo o caso, embora guarde para a próxima sessão aquilo que tenho a dizer, mais do que um pedido de esclarecimento, era para manifestar o mais vivo apoio a esta intervenção do Sr. Deputado Avelino Zenha.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado. Sr. Deputado. Tem agora a palavra Sr. Deputado Luís Coimbra, para uma declaração política.

O Sr. Luis Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O "milagre" de certo progresso industrial está mais uma vez à vista.
Prometido em 1970, iniciado em 1973, consolidado em 1975, pelo IV Governo Provisório, reafirmado e enaltecido até 1979 por todos os governos provisoriamente constitucionais, o complexo de Sines acaba de produzir um novo "milagre": o milagre da "gaseificação" e de "petrolificação" dos peixes!
Num folheto publicado pela Companhia Nacional de Petroquímica em 1978, podia-se ler - e passo a citar:

Página 3944

3944 I SÉRIE - NÚMERO 96

A CNP desde o início da sua actividade tem tido a preocupação de preservação ecológica da área onde virá a ser implantado o complexo petroquímico.
[...] A indústria petroquímica pode considerar-se, no entanto, menos poluente que a maioria das indústrias com dimensão compatível [...]
[...] Houve um cuidado especial no lay-out do complexo [...], os efluentes líquidos [...(serão conduzidos para uma instalação de tratamento centralizado havendo, no entanto, sempre que o carácter particular de um efluente assim o justifique, um pré-tratamento junto da instalação. [...] Ó tratamento centralizado constará essencialmente na remoção do teor de sólidos suspensos e será levado a um nível tal que permita a sua descarga no colector das águas residuais do GÁS [...), este tratamento levou a Companhia Nacional de Petroquímica a despensar já uma verba de 120 000 contos.
Ora estas preocupações "ecológicas", estes "cuidados especiais", estes "pré-tratamentos junto da instalação", conduzem na prática ao lançamento, "puro e simples", para um ribeira - via esgotos fluviais - dos produtos e matérias-primas da refinaria de petroquímica.
Não nos surpreende nem este "milagre ecológico", nem o da "petrolificação dos peixes". Por maioria de razão, e porque também na altura o denunciámos, muito menos nos surpreende o "milagre das divisas". Passo a constatar: estava previsto o permanente fluxo ou saldo positivo de divisas estrangeiras. Quanto ao complexo petroquímico, não só durante a construção da medidas industriais (devido aos empréstimos), como depois do arranque em virtude das exportações.
No primeiro ano de funcionamento do complexo petroquímico, esse saldo positivo, segundo previsões de 1977, deveria cifrar-se em 9 milhões de contos. "Milagre"! Só nos primeiros 8 meses de funcionamento o complexo deu cerca de 1 250000 contos de prejuízo...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo não ser novidade, para ninguém que, desde 1975, o PPM tem vindo sistematicamente a denunciar e a alertar a opinião pública para as erradas concepções, quer do modelo desenvolvimento, quer de gestão industrial, prosseguidas em Portugal desde os anos 60, muito em particular no Complexo de Sines.
Muito claramente quero aqui declarar, em nome de meu Partido, que estamos totalmente solidários com a luta da população de Sines, em especial, dos seus pescadores. Trata-se, de facto, de uma greve que faz sentido.
Estamos dispostos a apoiar a população de Sines e os seus pescadores, em todas as circunstâncias.
E fazemo-lo dentro de uma linha de coerência que há longos anos temos seguido.
Neste momento, o "relatório de progresso" em Sines pode rapidamente ser resumido nos seguintes termos: o complexo integrado de Sines está desintegrado. E está desintegrado porque a estação de tratamento de águas residuais não pode funcionar sem os efluentes dos esgotos urbanos, não tendo ainda sido realizada esta ligação. Para além disso, o steam cracker da CNP, considerando o último grito da tecnologia estrangeira, já se avariou 25 vezes em 8 meses. Em cada funcionamento deficiente desta refinaria, uma paragem custa 50000 contos. Despejar, directamente, para uma ribeira um produto inutilizado sai 10 vezes mais barato.
A Companhia Nacional de Petroquímica tem-se recusado a criar bacias de recepção para estas situações anómalas, como se tem recusado, por exemplo, a instalar o que prometeu fazer ao menos, controlar as emissões poluentes para a atmosfera. Como pode o GÁS autorizar que a CNP funcione nestas condições, quando é sabido que os investimentos no controle da poluição são uma "gota de água", comparadas com os cerca de 20 milhões de contos já investidos na petroquímica? E porque não está ainda terminada a rede de esgotos urbanos?
E, como é possível, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a administração do Porto de Sines, com o dinheiro de todos os portugueses, publique um anúncio de meia página no jornal diário do passado domingo, conhecidos já que eram os protestos da população e as próprias amostras dos peixes poluídos, afirmando, passo a citar esse anúncio: "defendemos a Natureza - naturalmente"! "Preservamos o ambiente, impondo normas e controlando eficazmente a sua aplicação. Possuímos os mais avançados meios de prevenção de acidentes."
Não tem, aquela administração do Porto de Sines, o mínimo de sentido do ridículo?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Hoje mesmo o Sr. Ministro da Qualidade de vida encontra-se de visita a Sines...

O Sr. Sousa Marques(PCP): - Então estamos descansados!

O Orador: - O Ministro da Indústria e Tecnologia e o próprio Conselho de Ministros irão actuar, estamos certos, com as medidas drásticas que a presente situação impõe.
Estamos conscientes que não é da responsabilidade da Aliança Democrática a criação do complexo de Sines. Estamos conscientes que não é de um dia para o outro que se resolvem os problemas de um complexo de Sines que nasceu desintegrado. Mas não nos eximiremos a, atentamente, criticar, se necessário, o Governo, senão actuar drasticamente, como aqui propomos quanto à questão desta poluição infernal que assola toda a população de Sines.

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Vocês já lá estão há 2 anos no Governo e ainda não fizeram nada!

O Sr. António Moniz (PPM): - Vocês também são responsáveis!

Vozes do PCP: - Cale-se que não percebe nada disto!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Espadinha fica inscrito para a próxima sessão, assim como os Srs. Deputados Mário Tomé e Sousa Marques.
Srs. Deputados: Chegámos ao fim, e ultrapassámos mesmo, o período de antes da ordem do dia. Entretanto, há pouco tinha prometido dar 1 minuto ao Sr. Deputado Raul Rêgo que desejava proferir duas palavras evocando o falecimento de um senhor deputado Constituinte.
Se a Câmara se não opõe, apesar de termos ultrapassado o período de antes da ordem do dia, eu mantinha essa possibilidade e dava a palavra ao Sr. Deputado Raul Rego.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

Página 3945

2 DE JUNHO DE 1982 3945

O Sr. Raul Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria comunicar à Câmara que faleceu o Dr. Adelino Miranda de Andrade, deputado à Assembleia Constituinte, democrata de sempre, resistente desde os bancos de Coimbra, que manteve sempre a democracia como ideal.
Por isso, propunha à Câmara um voto de pesar pela morte desse constituinte.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado entendo a sua proposta no sentido de respeitarmos uns momentos de silêncio.

O Sr. Raúl Rego (PS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, senhores deputados, se tiverem de acordo, fazemos um momento de silêncio.

A Câmara, de pé, guardou um minuto de silêncio.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos, então ao período da ordem do dia, com a continuação da discussão da proposta de lei n.° 82/II.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A história, por vezes, repete-se de uma forma singular.
Quando da discussão nesta Assembleia do que viria a ser a Lei n.° 79/77, de 25 de Outubro, o PSD e o CDS fizeram então aparecer, quase no final da maratona que levaria à aprovação do diploma referido, uma proposta pela qual se atribuía uma nova competência às autarquias locais e a qual, após a sua aprovação, passou a constituir o artigo 109.° daquela lei.
Tratava-se de um artigo idêntico ao que hoje tem o número 96.° na proposta de lei em discussão.
Consistia aquele e consiste este agora, na retirada da gestão nos baldios às comunidades locais e, assim, no regresso, no essencial, ao regime preconizado pelo Código Administrativo sobre a matéria, que foi revogado pela Lei dos Baldios (Decreto Lei n.º 39/76).
Logo que conhecida tal disposição legislativa, assistiu-se de imediato à maior contestação por parte das populações dos baldios.
E foi no seguimento de tal movimento de contestação que o meu grupo parlamentar apresentaria e fez votar o projecto de lei n.° 79/I que, discutido e aprovado em 29 de Novembro de 1977, revogou o referido artigo 109.° da Lei n.° 79/77, recolocou de novo na mão dos compartes e administração dos baldios e manteve em vigor a lei dos baldios, com a qual as comunidades locais sempre se identificaram e querem ver preservada.
Os partidos de direita não se conformaram, porém, com tal situação.
E daí que, à revelia do quadro legislativo vigente e mesmo em confronto com as constantes referências ao Estado de direito, o PSD e o CDS desenvolvessem toda uma campanha e uma acção com o evidente objectivo de impedir o cumprimento da Lei dos Baldios, para impor, na prática, o que na lei n.° 79/77 havia deixado de constar e, enfim, para criar as condições subjectivas julgadas necessárias ao aparecimento de novas iniciativas legislativas que consagrassem, finalmente, tal acção.
As provas do que se refere são inúmeras e vêm sendo denunciadas, constante e veementemente, pelos, conselhos directivos dos baldios.
São as ilegalidades e os abusos de poder cometidos pelo MAP e pelos serviços que dele dependem.
São os congelamentos arbitrários de contas; é a prática permanente do não reconhecimento dos conselhos directivos; é a falta de apoio a todos os níveis; são as exigências arbitrárias de aprovação de planos de aplicação de receitas; etc.
E são, também, os consentimentos na anexação de baldios por grandes proprietários particulares e ainda, e também aqui, o não acatamento de decisões dos tribunais favoráveis aos conselhos directivos.
Mas e como se tal não bastasse e numa manobra cujos objectivos claramente se vislumbram, em que se assumem como pontas-de-lança alguns gestores autárquicos da AD, tenta-se criar e generalizar a ideia da existência de confrontos latentes e incompatibilidade inultrapassáveis entre as autarquias locais, por um lado, e as assembleias de compartes e os conselhos directivos, por outro.
Na base de tal situação estaria, segundo a AD, a lei dos baldios.
É torpe tal manobra! Ela é facilmente localizável, por um lado, e evidencia, por outro, os propósitos da AD.
É neste contexto, de resto, e a culminar o que se referiu, que se compreende o aparecimento de 3 projectos de lei (tantos quantos os partidos da AD...), visando todos eles, no fundamental, a revogação da lei dos baldios e a retirada da administração destes às comunidades locais.
Chegados aqui é, porém, curioso verificar que tais projectos, pese embora os sucessivos agendamentos, não foram até ao momento apreciados nesta Câmara e que, agora, de forma enviezada, o Governo AD pretenda com o único artigo, em sede de legislação sobre atribuições e competências das autarquias locais e dos seus órgãos, vibrar um golpe profundo e abrir as portas à futura substituição integral do actual sistema de administração dos baldios.
A mão deligente de um grupo de deputados da AD, revelou, de resto, em toda a sua crueza, a dimensão real da operação projectada.
Uma proposta de aditamento clarificou, sem qualquer pudor que, não ousando fazer discutir, com o relevo, a extensão, e a participação necessárias, os 3 projectos de lei de esbulho dos baldios apresentados pelos partidos da AD, estes pretendem sintetizar em 3 números de um único artigo o conteúdo fundamental desses projectos, contrabandeando, assim, a sua discussão e votação.
É uma proposta vergonhosa que traduz o medo que a AD tem discutir, abertamente, o problema dos baldios e da sua administração.
E, por isso, reedita o artifício anteriormente usado.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: É igualmente evidente que os objectivos da AD vão mais longe.
Não se trata somente de recuperar, no essencial, em regime democrático, a situação sustentada pelo regime fascista.
A AD pretende também, por esta forma e em certa medida, minimizar, ao menos em certas zonas do País, precisamente naquelas em que predomina a situação decorrente do não cumprimento e aplicação integrais da Lei das Finanças Locais.
Mas à custa das populações!

Página 3946

3946 I SÉRIE - NÚMERO 96

Trata-se de um ardil destinado a iludir, a aliciar, a desviar atenções.
Retirando a administração dos baldios às comunidades locais e passando a usufruir as suas autarquias, em larga medida, das receitas dos baldios, a AD vem de uma maneira capciosa tentar matar dois coelhos, encobrindo ainda a asfixia financeira de que é culpada, com a miragem dos frutos do esbulho que propõe.
É contra estas manobras que as populações claramente se têm manifestado e continuam a reclamar.
E não há argumentos que possam sustentar a posição da AD. A gestão económica dos baldios pode e deve fazer-se com vantagem, através de estruturas próprias mais aptas para tal efeito, do que os órgãos de gestão corrente das autarquias locais.
Mas, independentemente destes argumentos, é dum direito histórico que se trata. Um direito defendido ao longo de séculos, em conflito permanente com os interesses privados, a intervenção estatal e a própria ingerência de estruturas autárquicas.
Não é por acaso que o Código Administrativo de Marcelo Caetano não reconhecia as comunidades locais como realidades distintas das autarquias locais, atribuindo a estas poderes que só às primeiras devem caber.
E não é por acaso que a democracia portuguesa restituiu aos povos direitos que não lhe podem ser retirados.
A Constituição da República distingue claramente e vai certamente continuar a distinguir, após a revisão constitucional, no seu artigo 89.°, situações distintas, quando se refere explicitamente aos "bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais".
Daí decorre, sem equívocos que a gestão dos baldios deve ser feita, directamente, pelas comunidades locais, pelos compartes e não por pessoas colectivas de direito público, como o são as autarquias locais.
De resto, também um entendimento diverso só poderia ser interpretado como uma redução da propriedade social, para cujo desenvolvimento a constituição aponta.
A proposta do Governo é, pois, claramente inconstitucional.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Para além de imoral e escandalosa, por visar dar cobertura e fomentar sórdidas negociatas de alienação de terrenos dos povos como as que vêm sendo praticadas por certos gestores da AD, a retirada da gestão dos baldios às comunidades locais constituiria uma profunda injustiça; representaria um atentado à vontade dos povos e, neste ano de comemoração e homenagem ao autor de Quando os Lobos Uivam, Aquilino Ribeiro, ela constitui uma verdadeira afronta à luta tenaz das populações que ele tão bem nos soube transmitir e conseguiu perpetuar.
Também por isso, a presente proposta de lei, reveladora do espírito tacanho e reaccionário que anima a AD, é por nós rejeitada.

Aplausos do PCP, alguns deputados do PS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sacramento Marques.

O Sr. Sacramento Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A posição do Partido Socialista quanto à proposta de lei n.° 82/II, que estamos discutindo, respeitante às atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos, foi já, em parte, definida nesta Assembleia por camaradas meus.
Esta minha intervenção, preparada de acordo com as conclusões a que o PS chegara sobre aquela proposta de lei, em resultado de análise crítica previamente levada a efeito, poderá trazer, segundo espero, mais algumas achegas para acrescentar às que aqui foram submetidas ao Plenário por camaradas meus, na última sessão desta Assembleia, em defesa dos pontos de vista do Partido Socialista. Por outro lado, esta intervenção é produzida na sequência lógica da proposta de eliminação do art.° 86.° referente a baldios e outras coisas comuns, que subscrevi em conjunto com o Sr. Deputado Lopes Cardoso, da UEDS, e, simultaneamente, justificará a eliminação do citado artigo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A agricultura nómada, por imposição da sua itinerância, permitiu ao homem percorrer vastos espaços, melhor se apercebendo, assim, da diversidade de variantes ambientais e dos meios de sobrevivência. Seleccionando, naturalmente, os extractos territoriais que lhe proporcionavam condições mais favoráveis, e eram susceptíveis de lhe prodigalizar os recursos alimentares e outros indispensáveis ao seu dia-a-dia, o homem, após o decurso de muitos séculos, acabou por se fixar nessas zonas promissoras, entrando-se, então, na agricultura sedentária.
As terras situadas em zonas de clima agreste, bem como as situadas a elevada altitude e nas vertentes abruptas de difícil acesso, foram ficando abandonadas, incultas e sem dono. Na mesma situação foram ficando todas as que por excesso de pedregosidade, ou por outras específicas características se consideravam insusceptíveis de cultivo, de que constituíram exemplos: terras pantanosas, terras fortemente salgadas, dunas e outras incultiváveis.
Com esta selecção natural se foram definindo e demarcando os baldios, cuja origem se perde na noite dos tempos.
Na Península Ibérica, onde a definição de baldios se processou dentro de esquema semelhante, as invasões de vários povos, incluindo os romanos, as medidas seguidas em Portugal pelos primeiros reis, visando o povoamento, os privilégios concedidos quer à Igreja quer às classes nobres, como ainda as indevidas apropriações que em todas as épocas se foram praticando, alteraram profundamente a geografia dos baldios.
Em resultado da conjugação de todas essas acções produziu-se uma significativa redução num património que durante séculos, até 1940, foi utilizado em comum pelos povos residentes nas vizinhanças dos baldios.
Nessa data, a área dos baldios do continente, segundo reconhecimento efectuado pela então Junta de Colonização Interna, pouco excedia o meio milhão de hectares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Reconhecimento dos Baldios do Continente reparte-se por 3 grossos volumes, tendo-se iniciado em 1936 e publicado em 1940. Trata-se de um exaustivo trabalho, que para além dos números relativos propriamente ao cadastro e classificação administrativa dos baldios, fornece uma descrição muito pormenorizada, de acordo com as seguintes alíneas:
Nome e localização (distrito, concelho e freguesia); Natureza geológica;

Página 3947

2 DE JUNHO DE 1982 3947

Orografia, hidrografia e hidrologia;
Aproveitamento de então;
Características económicas;
Características sociais;
Aproveitamento e possibilidades futuras;
Impressões pessoais do técnico responsável.
No que respeita à classificação, número de baldios e áreas, os resultados apurados são os seguintes:

Número total de baldios - 7638.
Área global - 407 544 ha.
Baldios com aptidão agrícola, colonizável - 37153 ha.
Baldios com aptidão agrícola, mas não colonizáveis-37 383 ha.
Baldios com aptidão florestal - 332 370 ha. Área social - 638 ha.
A área global deve ser acrescida de 99 826 ha correspondente a baldios à data submetidos ao regime florestal, subindo assim, aquela cifra para 507 470 ha.
Os números citados confirmam o que atrás se referiu e que também consta dos relatórios, ou seja, que na sua esmagadora maioria os baldios são constituídos por solos pobres, pedregosos, delgados ou esqueléticos, sem aptidão agrícola, cuja utilização se limita fundamentalmente ao povoamento florestal, à pastorícia e silvo-pastorícia.
Com o reconhecimento esperava-se encontrar vastas manchas colonizáveis para a instalação de casais agrícolas, e outras de aptidão agrícola para a divisão em glebas, visando, num e noutro caso, a fixação de populações rurais sem terra. Pretendia-se assim abafar os clamores que já então surgiam, ainda que em surdina, para evitar as prisões e as perseguições da PIDE, dos que denunciavam as terras dos grandes senhores que, mantendo-as incultas, não produziam nem davam trabalho.
Apesar de denodados esforços e de muitos estudos, não teve qualquer significado nem a instalação de casais agrícolas nem a distribuição de glebas. No aproveitamento dos baldios, apenas o povoamento florestal, imposto aos povos que se viam esbulhados dos seus direitos consuetudinários, avançava à força, com o Ministério do Interior no comando das operações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A questão dos baldios, com a entrada em vigor da Lei n.° 1971, tornou-se numa guerra aberta entre as populações serranas e os Serviços Florestais, logo que estes começaram a ocupar os baldios, balizando os terrenos destinados ao povoamento florestal. Como afirma um conceituado e insuspeito jurista, José Veloso,
... Deu-se então aquilo a que se pode chamar uma autêntica ocupação colonialista: os povos não foram ouvidos, as suas justas reclamações foram ignoradas, armas foram utilizadas contra o fogo, a floresta fez-se sem atender legítimos interesses locais, a sua economia de montanha foi pura e simplesmente destruída sem se tratar de a substituir por outra qualquer.
Lendo os jornais da época pode dar-se conta dos confrontos, das prisões, das perseguições, dos fogos, da justa luta dos povos que fruindo os baldios se viram sem contemplação escorraçados dos seus lugares, desapossados dos seus meios de vida, impedidos de livremente utilizarem o que sempre haviam conhecido como sua base de sustentação, a abençoada mas dura terra baldia, que já sustentara os seus antepassados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os baldios são constituídos por terras pobres, safaras, pedregosas e, assim, de baixa rentabilidade unitária. Por isso mesmo só aproveitadas como sempre se fez, em comum, podem tornar-se úteis às populações.
A pastorícia e a silvo-pastorícia intercaladas com a floresta, para além de defenderem os solos da erosão e evitarem assim assoreamentos dos rios, vivificando a natureza e embelezando o ambiente, serão de longe, o principal e mais adequado aproveitamento de que podem usufruir alguns milhares de agricultores, que vivem na vizinhança dos baldios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dos baldios reconhecidos, que somam, como disse, 7638, apenas os de alguns distritos a norte do Tejo merecem destaque especial.
Na verdade, são os distritos de Vila Real, Viseu, Viana do Castelo, Coimbra, Guarda e Bragança os que têm maior área de baldios e com representação significativa em muitas das suas freguesias. Em Viana do Castelo, Viseu e Vila Real os baldios somam área superior a 56 000 ha, atingindo 107 000 ha em Vila Real, traduzindo-se tais áreas respectivamente em 27%, 15% e 25% da superfície dos correspondentes distritos.
Em Coimbra, Guarda e Bragança as áreas são, pela mesma ordem, de 34000 ha, 29000ha e 25000ha, traduzindo-se em 9%, 5% e 4% da superfície dos respectivos distritos.
Nos restantes distritos a norte do Tejo, ou seja, por ordem decrescente de áreas baldias, em Leiria, Santarém, Castelo Branco, Aveiro, Braga, Porto e Lisboa, são restritas às freguesias cuja área baldia atinja de 1000 ha a 3500 ha. Em Leiria são 5 as freguesias, em Santarém 7, em Castelo Branco 5, em Aveiro 2 e em Braga somente uma.
Nos 5 distritos a sul do Tejo, apenas há 5 freguesias nas quais as áreas de baldios se compreendem entre 1000 ha e 3000 ha: 2 nos distritos de Beja e Faro e 1 no de Portalegre.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O artigo 109.º da Lei n.° 79/77, de 25 de Outubro, cuja revisão se pretende efectuar, era do seguinte teor:
A definição das coisas comuns, designadamente baldios e outros bens do logradouro comum, pertence à assembleia municipal ou à assembleia de freguesia, consoante se trate, respectivamente, de coisas municipais ou de coisas da freguesia, competindo a sua administração aos respectivos órgãos executivos autárquicos.
Acertadamente, porém, alguns meses depois, quando era Governo o Partido Socialista, este artigo foi revogado pela Lei n.° 91/79, de 31 de Dezembro, já que a posse útil, administração e gestão dos baldios especificamente estava e se mantém consagrada nos Decretos-Lei n.º 39/76 e 40/76, de 19 de Janeiro.
Decorridos que são cerca de quatro anos e meio, com assembleias e conselhos directivos de compartes em funcionamento, vem agora o Governo, mediante a proposta de lei em apreciação, ressuscitar na íntegra o "defundo" artigo.
Que propósitos movem o Governo e que obscuros objectivos se pretendem alcançar?
Temos de concordar que esta insólita atitude vem confirmar a doentia intolerância que o Governo revela contra tudo o que seja colectivismo, mesmo quando se trate do comunitarismo rural, modalidade de associa-

Página 3948

3948 I SÉRIE - NÚMERO 96

tivismo que muito generalizado esteve no Norte do País e que a tantos êxitos conduziu, com provas dadas na dura e espinhosa exploração das safaras terras que, para infelicidade nossa, mas sobretudo dos compartes, esmagadoramente predominam nas manchas baldias.
Tal actuação do Governo dá mostra, também, da sua incapacidade, da sua incoerência programática e da sua falta de unidade de acção. Não se vê trabalho de equipa nem complementaridade na gestão governativa.
Se não, vejamos: É por demais conhecido, à custa das afirmações de economistas nacionais e estrangeiros, da FAO, OCDE, CEE e de instituições bancárias da Europa e da América, que uma das principais causas da estagnação em que vem arrastando a nossa agricultura, de há dezenas de anos para cá, reside na acentuada assimetria das estruturas fundiárias, principalmente no que às explorações minifundiárias respeita. Segundo o Anuário Estatístico, de 1977, as explorações com áreas inferiores a 4 ha rondam as 629000, o que corresponde a 77,7 % das que ao todo possuímos. Acrescente-se que em cerca de metade dessas pequenas explorações minifundiárias, se pratica uma artesanal agricultura de subsistência, dramaticamente retratada no baixo nível socioeconómico das gentes a ela escravizadas, traduzido este por carências alimentares, desconforto habitacional, falta de assistência médica, mortalidade e analfabetismo que se pautam por taxas que há dezenas de anos desapareceram das estatísticas relativas aos principais países da CEE com os quais desejamos emparceirar.
O Governo tão pressuroso se mostra em acelerar a nossa entrada na Comunidade Europeia, mas, nessa conformidade, que programação, estudos, acções e prazos já definiu para que gradualmente sejam equacionados os problemas das explorações minifundiárias de cujas soluções resultarão a tranquilidade e o bem-estar de mais de 2 milhões de pessoas?
Desconhece o Governo que na periferia das principais manchas baldias dos distritos de Vila Real, Viseu, Viana do Castelo, Coimbra, Guarda, Bragança, Leiria, Santarém, Castelo Branco, Aveiro e Braga se situam largos milhares de explorações minifundiárias, cuja inviabilidade económica pode ser suprida ou equilibrada por rendimentos fruídos na exploração comunitária dos baldios vizinhos?
Será que o Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas não teve argumentação suficiente para impedir a inclusão de artigo sobre a definição e administração dos baldios em diploma legal sobre as competências que às autarquias respeitam?
Ou não foi ouvido?
De qualquer forma ter-lhe-á passado despercebido que os baldios, como bens comuns e inalienáveis que são, podem, decisiva e significativamente, contribuir para complementar as insuficientes receitas que milhares de compartes retiram das explorações minifundiárias de que são proprietários?
Ou será que o Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas foi "baldiado"?
Desconhece o Governo, e em especial o Sr, Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas, o parecer emitido em 1978 pela Procuradoria-Geral da República sobre baldios.
E, se conhece, quais as razões que o levaram a não observar as conclusões que passo a citar?

a) Os baldios constituem propriedade comunal dos moradores de determinada freguesia ou freguesias ou parte delas que exerçam a sua actividade no local, só por eles podendo ser usados e fruídos;
b) Os baldios estão fora do comércio jurídico, são inalienáveis e imprescritíveis;
c) Os baldios são administrados exclusivamente pelos compartes ou em regime de associação entre os compartes e o Estado, através do Ministério da Agricultura e Pescas, nos termos indicados respectivamente pelas alíneas a) e b) do artigo 9.º do Decreto-Lei n.° 39/76, de 19 de Janeiro;
d) Mesmo quando os baldios sejam administrados exclusivamente pelos compartes, os serviços competentes do Ministério da Agricultura e Pescas assegurarão o apoio técnico necessário, proporão e zelarão pelo cumprimento do plano de utilização dos recursos e verificarão a aplicação das técnicas convenientes de instalação e condução de povoamentos;
e) Ao Ministério da Agricultura e Pescas, através da sua Direcção-Geral de Fomento Florestal, incumbe ainda apoiar ou promover a actividade de esclarecimento dos empresários florestais e dos compartes nos baldios sobre a política florestal e estimular a sua adesão às acções a empreender por esse Ministério.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Quando em Janeiro de 1976, com a publicação dos Decretos-Lei n.os 39/76 e 40/76, se restituíram os baldios às comunidades que deles haviam sido desapossadas, pelos governantes fascistas, praticou-se um acto de justiça que as populações abrangidas jamais poderão esquecer.
A 6 anos de distância de trabalho nos baldios, análise honesta e construtiva dará certamente conta de falhas, de abusos de injustiças e até de pequenas irregularidades cujas responsabilidades caberão fundamentalmente aos serviços oficiais que, em muitos lados, não acompanharam devidamente os processos nem fizeram cumprir a legislação em vigor.

saldo das realizações afirma-se, entretanto, positivo, pelo que importa intensificar as acções de esclarecimento e de apoio técnico junto das populações, para que o recenseamento dos compartes se complete ou corrija e sejam livres democraticamente eleitas as respectivas assembleias e conselhos directivos.
Ao Governo compete, no cumprimento dos diplomas citados, intensificar todas essas acções para que, de meio milhão de hectares de baldios, apesar da sua restrita capacidade produtiva, poderem ser retirados os adequados proveitos.
O que não se pode é pensar em voltar atrás, esbulhando aos compartes, como se fez no tempo do fascismo, os direitos consuetudinários que têm sobre os baldios, onde nasceram, se fizeram homens e aprenderam a ser livres.
Não admite o Governo que a doutrina expressa no artigo 86.° da proposta de lei em apreciação vai trazer à memória das populações compartes os anos quentes de 40?
Esta Assembleia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não pode votar o artigo 86.°, que retira aos compartes os direitos sobre os baldios que o Portugal de Abril lhes restituiu.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

Página 3949

2 DE JUNHO DE 1982 3949

O Orador: - Retirar-lhes esses direitos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, seria fazer ressuscitar a luta iniciada em 1940; seria criar um sem fim de conflitos nas freguesias onde a área de baldios tenha relevo; seria atirar autarcas contra compartes e estes contra aqueles; seria dividir as populações; seria prejudicar o desenvolvimento da autarquia que a todos interessa e em que todos desejam participar; seria afastá-los da vivência democrática em que todos estamos empenhados e torná-los descrentes do espírito de justiça e descrentes do futuro que Abril lhes apontou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Partido Socialista não pode aceitar que se pense converter as autarquias nas entidades absentistas que se limitariam a administrar os baldios mediante arrendamentos de glebas, povoamentos florestais e pastagens ou venda de produtos vários, como madeiras, lenhas e matos, criados naturalmente.
Encarar os baldios apenas pelas receitas a arrecadar, provenientes do arrendamento a terceiros, sem naqueles investir capital e trabalho e sem correr riscos é atitude anti- social e deseducativa.
A sadia administração e gestão dos baldios deverá, pelo contrário, ser exercida através da participação directa dos utentes e não mediante o condenável e parasitário absentismo. Será entre os compartes que se escolherão os gestores.
Já se pensou que o poder dos grandes proprietários rurais e das grandes sociedades poderia deixar sem terra muitos trabalhadores e agricultores locais?
Já se pensou nas vastas áreas que poderiam vir a ser arrendadas a longo prazo para a instalação de povoamentos florestais até ao último corte?
Já se pensou que as empresas de celulose passariam a ver nos baldios o filão para as suas extensas plantações de eucaliptos?
As consequências deste tipo de exploração contribuiria não só para a degradação do ambiente e depauperamento do solo, como para o abandono de muitas explorações minifundiárias, devido ao êxodo dos respectivos empresários para os meios urbanos, em procura de emprego ou, quando possível para o estrangeiro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: As autarquias, através da Lei das Finanças Locais, têm asseguradas as receitas que lhes garantem a execução dos seus planos de actividade. O que, portanto, se impõe é o rigoroso cumprimento da lei e não o recurso ao expediente de entregar às autarquias a definição e administração dos baldios, esbulhando os direitos dos compartes.
Pretender retirar os baldios aos compartes, cujos direitos consuetudinários não podem ser esquecidos, é cometer uma tremenda injustiça que conduzirá sem dúvida a graves conflitos de ordem social.
O que importa é promover saudável vivência entre os órgãos autárquicos e assembleias e conselhos directivos de compartes, para que, entre si, se estreitem relações de boa cooperação, não se criem poderes paralelos, mas antes se multipliquem as acções de entreajuda.
Tudo o que possa contribuir para opor os autarcas aos compartes conduzirá a divisões altamente prejudiciais para o desenvolvimento e engrandecimento das autarquias.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Partido Socialista é pelo integral e rigoroso cumprimento dos Decretos-Leis n.os 39/76 e 40/76, de 19 de Janeiro.
O Partido Socialista entende que, no respeitante à definição e administração dos baldios, se deve proceder em conformidade com o parecer da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 10 de Novembro de 1978.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, terminou o seu tempo. Peco-lhe o favor de concluir.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente. O Partido Socialista entende que se cometerá um gravíssimo erro se for escamoteada a possibilidade de os compartes conseguirem suprir os insuficientes rendimentos das suas explorações minifundiárias através dos proventos que possam arrecadar pela fruição dos baldios, nos termos dos Decretos-Leis n.° 39/76 e 40/76, fácil e adequada forma de complementar economicamente as receitas das suas empresas minifundiárias.
A concluir, o Partido Socialista, pelo que se expôs e se deixa resumido, espera que esta Assembleia, respeitando os sagrados direitos dos compartes, vote favoravelmente a proposta de eliminação do artigo 86.° da proposta de lei relativo aos baldios e outras coisas comuns.
O artigo 86.°, Sr. Presidente e Srs. Deputados, tem de ser eliminado.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI. do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª disse há pouco que o Sr. Deputado Sacramento Marques tinha esgotado o tempo. Nesse sentido, gostaria de saber se se referiu ao tempo de intervenção ou ao tempo do seu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Referi-me ao tempo do seu grupo parlamentar, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - É que eu queria pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Sacramento Marques. Como o Sr. Deputado não dispõe de tempo, não sei até que ponto é que será possível formular-lhe o pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa pode, quando muito, dar ao Sr. Deputado Sacramento Marques, assim como a outros senhores deputados que o solicitarem, uma tolerância de l minuto para poderem intervir.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, a UDP cede algum do tempo de que dispõe para o Sr. Deputado Sacramento Marques poder responder. Gostaria também de dizer que queria pedir um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado Mário Tomé.
Nesse caso, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

Página 3950

3950 I SÉRIE -NÚMERO 96

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Deputado Sacramento Marques, penso que ficou claro, até pela sua exposição, as razões que assistem à necessidade de não dar aprovação ao artigo 86.° da proposta de lei em discussão.
Gostaria de lhe colocar uma única pergunta relativa à questão de hoje em apreço, isto é, à questão das atribuições das autarquias e competências dos respectivos órgãos.
Alguns gestores autárquicos da AD tentaram criar uma certa ideia de que existem conflitos entre os compartes, os conselhos directivos, as populações dos baldios e as autarquias locais.
Parece-me que o que é mais evidente é que, com a nova proposta que o Governo introduz e que os partidos da AD aumentam, os conflitos aparecerão, agora sim, mas de uma forma bastante radicalizada face à criação de uma situação em muito igual àquela que existia antes da Lei dos Baldios. Ou seja, viremos a ter uma situação em que as populações locais se levantarão contra as autarquias locais.
Daqui a pergunta que gostaria de lhe formular: com esta proposta da AD, não temos perante nós a possibilidade de nos encontrarmos na situação de fomentar, criar e incentivar conflitos entre as populações e as autarquias locais, denegrindo as próprias autarquias locais em prejuízo, naturalmente, de uma descentralização, de um reforço do poder das autarquias locais por que todos nos batemos?

O Sr. Presidente: - Também, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Sacramento Marques, a minha pergunta é um pouco no âmbito da que acabou de ser feita pelo Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Governo AD vê-se confrontado com o repúdio generalizado das populações, a sua política é cada vez mais uma política geralmente considerada como antipopular. Ora, sobre aquilo que o Sr. Deputado disse em relação ao que poderia acontecer entre os compartes dos baldios e as autarquias, ocorreu-me fazer-lhe a seguinte pergunta: para desviar, de uma forma geral, as atenções das populações, que estão concentradas no ataque sistemático ao Governo - e que ele muito bem merece - e no ódio e revolta que se começam a levantar quanto às medidas do Governo, não pertencerá à táctica do Governo pôr populações contra populações, para fazer esquecer o conflito fundamental com a sua própria política, pôr aqueles que têm os mesmos interesses a guerrearem-se uns contra os outros?
Isto não só me faz lembrar aquilo que foi aqui citado por um deputado do Partido Comunista Português, ou seja, de as populações se porem contra as autarquias, justificando a marginalização do próprio funcionamento das autarquias, mas também aquilo que está a acontecer entre as populações de Guimarães e de Vizela, em que defendendo interesses que lhes são estranhos se põem as populações umas contra as outras, e entre as populações de Nelas e Canas de Senhorim. Não fará isto tudo parte de uma táctica articulada no sentido que apontei?

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Sacramento Marques.

O Sr. Sacramento Marques (PS): - Relativamente às observações feitas pelo Sr. Deputado Joaquim Miranda, devo dizer que estou de acordo com aquilo que disse. É um facto que se fossem eliminados os Decretos-Leis n.os 39/76 e 40/76 e se fosse aprovado o artigo 86.° da proposta de lei iríamos ter conflitos seguidos nas autarquias, isto até com prejuízo para as próprias autarquias.
Todos nós sabemos que os solos que constituem os baldios são pobres e têm pouca rentabilidade. No entanto, meio milhão de solos pobres dão em conjunto uma rentabilidade suficientemente capaz de ajudar - e isto é que é importante e por isso o friso- todos os compartes que, na vizinhança dos seus baldios, dispõem de pequenas explorações minifundiárias.
Nós sabemos pelas estatísticas que é nas vizinhanças dos distritos onde há mais baldios, que há maior número de explorações minifundiárias. As estatísticas dão-nos um valor de exploração inferiores a 4 ha, muitas delas têm 2 ha, 1,5 ha e até menos. Por consequência, não há qualquer possibilidade de aquelas populações viverem apenas com as receitas das suas explorações. Essas populações não podem aguentar o embate que vamos ter quando entrarmos na CEE.
É evidente que essas populações, se as suas reivindicações não forem satisfeitas, e desde que lhes sejam esbulhados os direitos que as assistem, não têm outro caminho senão o de emigrarem, abandonarem o país e as suas explorações.
É um facto que vai haver muitos conflitos e esses conflitos vêm reflectir-se também gravemente nas autarquias. É evidente que muitos dos compartes também poderão ser autarcas, muitos deles estão em condições de dar o seu contributo para as freguesias. É evidente que a hostilidade vai dar-se e, por consequência, o prejuízo será para os compartes e para as autarquias. Deste modo, dar-se-á o enfraquecimento do poder local, o descrédito do regime e far-se-á atrasar o País e não avançá-lo no caminho do progresso.
A pergunta formulada pelo Sr. Deputado Mário Tomé - e aproveito para agradecer a sua amabilidade pelo facto de me ter cedido algum tempo do seu partido - está mais ou menos incluída no mesmo tema que o Sr. Deputado Joaquim Miranda apresentou. O Governo, através do artigo 86.°, pode desviar as suas questões fundamentais para as lutas entre os compartes e as autarquias.
No entanto, custa-me a crer que isso possa ser aceite. A aceitar-se, colocar-se-ia todo o país em guerra. Através da aprovação deste insólito artigo 86.° da proposta de lei, iria retirar-se aos compartes direitos que eles tinham, desde há muito tempo, direitos esses que lhes foram retirados pelo fascismo. É estranho que, depois de esses poderes serem restituídos aos compartes pelo movimento libertador do 25 de Abril, viesse um Governo, que governa porque se fez o 25 de Abril, retirar esses direitos aos compartes.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A proposta de lei n.° 82/II insere-se na ampla estratégia do Governo e da AD de tentar manter-se, a todo o custo, na área do poder, contra o próprio interesse das populações

Página 3951

2 DE JUNHO DE 1982 3951

que sabe não poder servir, pois que o seu projecto visa a manutenção e criação dos interesses de grandes e médios privilegiados que têm permissão própria e global conter e reprimir os verdadeiros interesses das populações.
É que, se a AD alguma vez quisesse promover os interesses gerais das populações, estaria a suicidar-se politicamente já que perderia a sua própria base de apoio social, a qual assim veria desaparecer os seus privilégios económicos, sociais e políticos.
Daí que seja imprescindível à sua política a desconcentração - a nível local- do poder central e, consequentemente, o necessário esvaziamento do poder local enquanto emanação autêntica dos verdadeiros interesses das populações.
A presente proposta de lei, ora em discussão, insere-se, assim, na estratégia global do pacote do poder local que vai no sentido do esforço do poder central e consequente esvaziamento do poder local.
Este esvaziamento faz-se tanto pelo substancial reforço dos órgãos executivos e dos seus titulares, em especial os presidentes, como pela diminuição dos membros dos órgãos deliberativos, das suas competências de deliberar e da quase ausência das de fiscalizar.
Na verdade, o reforço do presidencialismo faz-se quer pelo alargamento dos poderes próprios dos presidentes das câmaras, em prejuízo destas, quer pelo alargamento dos poderes delegados. E, quanto a estes, deixa de ser a Câmara a fazer a delegação de poderes quer no presidente, quer em qualquer vereador - como acontece no artigo 63.°, n.° 3, da actual Lei n.° 79/77- para ser o presidente, e só ele, que tem competência, segundo a proposta de lei, de subdelegar em qualquer vereador.
Para além disso, há hoje competências que não podem ser delegadas e que pela proposta passam a poder sê-los, designadamente as referidas no n.° 2, alínea n), n.° 3, alínea h), e n.° 5, alínea c), todos do artigo 26.° da proposta de lei.
Quer dizer, o presidente passa a ser um pequeno reizinho, pondo e dispondo a seu belo prazer dos interesses locais, escolhendo ele, e só ele, os seus afilhados entre os seus vereadores, venerandos e obrigados.
A transparência e controle democrático desaparecem, erigindo-se, de novo, os caciques ao estilo dos Santos da Cunha e quejando, em regra de ouro.
Mas é isso que o Governo e a AD querem! Os seus homens fortes nos concelhos que sejam, ao mesmo tempo, a correia transmissora das ordens do poder central e, simultaneamente, o tampão às legítimas aspirações das populações.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, reforça-se o poder deliberativo e executivo das câmaras municipais em detrimento das assembleias municipais e de freguesia.
Estas, as assembleias municipais, deixam de ter competência para fiscalizar a actividade das câmaras, como resulta da comparação entre o artigo 14.°, n.° 1, alínea c), da proposta e o artigo 48.°, n.° 1, alínea c), da Lei n.° 79/77; deixam de poder fixar os impostos, como resultado do artigo 14.°, n.° l, alínea a), da proposta e do artigo 48.°, n.° 1, alínea p), da Lei n.º 79/77; deixam de poder determinar o número de vereadores em regime de permanência, como resulta do artigo 14.°, n.° 1, alínea e), da proposta e do artigo 48.°, n.° 1, alínea e), da Lei, etc. etc.
E nem se diga que apenas "desapareceu" a palavra fiscalizar, pois que há a actividade das assembleias se inseria nessa fiscalização.
É que, por um lado, tem um significado sempre importante o desaparecimento de uma palavra e, convenhamos, em direito a supressão do verbo fiscalizar só pode interpretar-se no sentido de que o legislador quis, deliberadamente, afastar das assembleias a faculdade de estas fiscalizarem os executivos.
Por outro lado, é óbvio que as funções que as várias alíneas quer do artigo 14.°, quer no artigo 50.° da proposta de lei, ao falar em "aprovar, fixar, estabelecer, solicitar, determinar", vêm confirmar o papel subordinado das assembleias em relação aos executivos, ou melhor, definem o papel daquelas na cobertura das decisões assumidas pelos executivos, pois a iniciativa é sempre, ou quase sempre, destes.
Para além das referidas restrições ao poder deliberativo e fiscalizador das assembleia municipais e de freguesia, impõe-se ainda uma redução dos membros destas, com o consequente afastamento desses órgãos das forças minoritárias.
É clara a intenção da proposta de lei: impedir que as minorias exerçam o seu poder de controle e fiscalização nas autarquias, isto é -e concretizando-, no Norte e Centro do País, quer afastar-se a possibilidade de a APU poder fiscalizar, controlar e denunciar os negócios menos límpidos e os atentados ao interesse colectivo que as maiorias se têm proposto fazer em muitas autarquias destas regiões.
Veio agora a AD, durante este debate, defender esta redução de membros eleitos com o argumento da eficiência ou eficácia e da impossibilidade de quórum em algumas assembleias.
Antes do mais, entendemos que eficiência ou eficácia não é, nem nunca foi, antinómio de participação efectiva e interessada das populações na resolução dos seus interesses colectivos.
Depois, é preciso que se diga claramente que a experiência nos tem ensinado que quem paralisa as autarquias por falta de quórum, não tem sido a oposição, mas sempre a AD. É ela que põe os interesses próprios ou dos seus apaniguados acima e à frente dos interesses colectivos, não tendo agora legitimidade para vir invocar o argumento da falta de eficiência para suprimir e silenciar as minorais, quando é ela que recusa a eficiência e a participação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O MDP/CDE sempre entendeu que o poder local é o espaço privilegiado para a aprendizagem da democracia e foi o meu partido que, historicamente, tomou em mãos varrer os fascistas dos órgãos autárquicos logo após a Revolução de Abril.
Era um acto de higiene política que se impunha eticamente a todos os democratas e que se não poderia compadecer com a espera de uma alteração legal.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - De resto, o Direito, como organização de regras, é sempre um depois em relação à actividade da vida dos homens em comunidade, em muitas vezes uma simples ratificação legal dos factos.
Mas para que a aprendizagem da democracia se faça a nível local, necessário se torna que todos nela possam colaborar, tenham partido ou não.

Página 3952

3952 I SÉRIE - NÚMERO 96

Por isso, a nível do poder local, têm especial relevo e indesmentível importância as pessoas verdadeiramente independentes e que, apesar disso (e por vezes por causa disso) gozam de grande prestígio a nível local, porque conhecedores dos interesses específicos das colectividades.
Ora, o MDP/CDE é o único partido que, no seu projecto de revisão constitucional, defende o princípio do alargamento da possibilidade das candidaturas de independentes em todos os órgãos do poder local. Princípio esse recentemente tomado por várias personalidades, desde o Presidente da República até altos dirigentes dos grupos parlamentares do PSD e do PS nesta Câmara.
Por isso, não podemos deixar de aqui expressar a nossa profunda oposição a uma norma como a do artigo 71.° in fine desta proposta de lei que, ao contrário da nossa perspectiva, inviabiliza, na prática, a possibilidade de existirem independentes integrados em coligações, mesmo só ao nível de freguesia.
Norma essa, aliás, que vem na sequência lógica de outra da proposta de lei eleitoral para as autarquias no mesmo sentido e que revela por parte do Governo e da AD o propósito de forte partidarização do poder local - espaço, a nosso ver privilegiado para o aparecimento da coesão de interesses não partidários, mas exclusivamente colectivos e regionais - e ainda o afrontamento directo à coligação que sempre tem privilegiado, a nível local, a inserção de independentes nas suas listas, isto é, a Aliança Povo Unido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas a fobia do Governo e da AD aos verdadeiros interesses locais e à real e autêntica participação directa das populações na gestão e resolução dos seus interesses, revela-se ainda nesta proposta quer no desaparecimento das organizações populares de base, quer no retirar a gestão dos baldios aos compartes, quer no esvaziamento do conselho municipal, quer ainda no alargamento do tempo dos mandatos de 3 para 4 anos.
E se as matérias da proposta de lei n.° 82/II referentes aos baldios e a omissão deliberada às organizações populares de base são clara e inequivocamente inconstitucionais, e por isso não poderão passar, já o disposto no artigo 94.º desta proposta é bem revelador do controlo a todo o transe que o Governo pretende fazer do poder local.
Na verdade, este artigo permite que o Governo celebre protocolos privilegiados com os municípios que lhe são particularmente afectos, marginalizando todos os restantes e é um convite expresso à manipulação e à governamentalização tout court do poder local.
E neste contexto é inadmissível que esta proposta de lei mantenha expressamente os regimes excepcionais quanto às Câmaras de Lisboa e Porto, os quais permitem uma intromissão directa de poder central no poder local e nunca foram objecto, mesmo como regimes especiais, da sua conformidade com a Constituição da República.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o poder local é já hoje -e apesar da AD- um poder vivo e actuante, que saberá resistir a todos os que pretendem restringir-lhe os seus legítimos interesses e poderes.
Por isso, estamos confiantes de que todos os democratas saberão distinguir, quer estejam na maioria quer na oposição, entre o interesse meramente circunstancial de controlar as autarquias e o interesse geral e profundo da democracia em que estas se desenvolvem e progridam autonomamente, defendendo exclusivamente os seus interesses locais.
Por nós, MDP/CDE, assumiremos o compromisso há muito firmado com as populações deste país e, consequente e coerentemente, iremos votar contra esta proposta de lei, na generalidade.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PCP, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fazemos agora o intervalo para o almoço. Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Para protestar em relação à intervenção do Sr. Deputado António Taborda, ficou com a palavra reservada o Sr. Deputado Mendes de Carvalho que, para esse efeito, tem a palavra.

O Sr. Mendes de Carvalho (CDS): - Sr. Deputado António Taborda, eu não posso passar sem fazer um ligeiro protesto à sua intervenção, pelo tom depreciativo e palavras menos elogiosas com que, a determinada altura da sua intervenção, se referiu a Santos Cunha.
Se obviamente não discuto a ideologia dele, já não posso deixar de referir a luta constante que ele travou com o poder central, no sentido de conseguir melhorias para o seu concelho, o de Braga.
Se todos os autarcas deste país lutassem pela sua terra como ele lutou pelo concelho de Braga, talvez as carências da localidade se resolvessem bem mais depressa e melhor.
E quanto a "reizinhos", Sr. .Presidente e Srs. Deputados, penso que, mesmo sem sermos uma monarquia, já os há por este país fora e penso que em todas as forças, até com a lei actual!...
E é tudo, Sr. Presidente.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Quando eu referi Santos da Cunha como um exemplo do caciquismo local, fi-lo no sentido exacto do termo.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Isto para significar que, efectivamente, no tempo em que Santos da Cunha foi presidente da Câmara de Braga, o que imperava neste país era o caciquismo, puro e simples, sem qualquer controle democrático nem expressão da vontade das populações. E disse isso, sem embargo de reconhecer que, apesar de essa não ser efectivamente a via por que se devem fazer as coisas, enquanto presidente da Câmara, mas por via desse caciquismo e por via de relações privilegiadas com o poder central, ele conseguiu grandes melhoramentos para a cidade e para o concelho de Braga.

Página 3953

3 DE JUNHO DE 1982 3953

Mas, de facto, temos que distinguir as duas coisas. O que eu assinalava na minha intervenção era o modo como ele tinha ascendido e a maneira como ele desempenhava o seu cargo, não a obra que fazia, porque essa é de certo modo indiscutível.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Local: Já se ouviu aqui, nas horas de debate, um variado conjunto de razões que têm que ser apontadas como fortemente negativas perante esta proposta de lei deste ainda Governo e deste ainda Ministério da Administração Interna.
Sobre todas as razões há uma que desde logo nos obriga a uma denúncia prévia que não apenas de forma cautelar. Ao fim de anos de criação e consolidação de um poder local, no nosso país, é esta proposta de lei n.° 82/II do Governo digna do trabalho de milhares de autarcas, digna da sua capacidade de conjunta, digna da alteração substancial na estrutura do poder local que se tem vindo a viver? A resposta é negativa, a nosso ver.
O Sr. Secretário de Estado diz que a experiência da aplicação da legislação ordinária, ao longo dos anos, em confronto com a realidade das situações, vem aconselhar a sua revisão complemento e aperfeiçoamento e essa será a justificação que foi adiantada. Como a AD sabe, a nossa presença nas autarquias, o facto de, em termos de vida autárquica, dirigirmos 50 municípios e de a acção neles ser extremamente positiva a favor das populações, faz com que pensemos que exactamente, a revisão da legislação ordinária poderia e deveria ter um sentido diverso daquela que os senhores apresentam na proposta de lei n.° 82/II.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Conhecendo a vida autárquica e variados municípios e freguesias temos variadas provas indicatórias de que a realidade aconselha que, por exemplo, o número de eleitos é um factor decisivo para a participação popular, para a educação e formação democrática de vastas camadas de população no domínio da gestão e responsabilidade das coisas públicas, para a transparência da gestão dos recursos humanos, materiais e técnicos. Temos variadas provas de que o aumento de eleitos generaliza mais o número de pessoas e de camadas da população atingidas pela vida autárquica, aumentando o número daqueles que são capazes de entender, intervir e cooperar activamente na gestão pública.
Nós repetimos a questão que já pusemos, Sr. Secretário de Estado, o facto de haver casos de dificuldades naturais, no funcionamento das assembleias municipais e de freguesias, é o motivo real pelo qual os senhores apresentam esta proposta?
O que o governo faz é diminuir o número de eleitos nas assembleias de freguesia e municipais. Mas é isso que a experiência aconselha? Ou quem aconselha isso são aqueles que têm dificuldades em constituir listas, em assegurar presenças, em dar continuidade ao trabalho de todos os dias, em dar resposta às populações, que, votem em quem votem, querem melhor qualidade de vida, mais equipamento escolar e habitacional, mais e melhor abastecimento, coisas que manifestamente esta AD não promove porque tem outros interesses, porque serve outras clientelas?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Os senhores insistem que diminuir o número de eleitos é aumentar a operacionalidade dos órgãos. Dão sempre o mesmo exemplo: Barcelos tem 89 freguesias e a sua assembleia municipal tem quase 2 centenas de membros. Mas o que o Governo visa é, dando e esquecendo, o exemplo, atacar directamente as freguesias. Quando o número de eleitores é superior a 20000, a assembleia de freguesia terá 19 membros, deixando de ter os 27 que hoje tem. Quando urna assembleia de freguesia, entre 5000 e 20000 eleitores, tem hoje 19 membros, passa a ter 13 membros; quando tem 13 membros passa a ter 9 membros; e as que têm 9 membros passam a ter 7. São reduções percentuais da ordem dos 30%, a 40% para menos, sublinhe-se - parece que a AD é boa, pelo menos, a subtrair. Porquê isto? Pelo menos, oficialmente, o Governo não quererá, como o Código fascista o dizia, reduzir o âmbito das atribuições das freguesias a obras menores e à passagem de atestado.
Nas assembleias municipais, sempre à custa de exemplos que decorrem da actual divisão administrativa que tem muito a ver com antigas administrações paroquiais, também se diminui o número de eleitos.
Um exemplo: Lisboa, na sua assembleia municipal, tem actualmente 53 membros, por inerência de serem presidentes das freguesias em que a cidade está dividida, e 85 membros que são o quíntuplo do número de vereadores que tem - 17 vezes 5 dá 85. Actualmente, tem, portanto, 137 membros, e passará a ter 107 membros, ou seja 53 membros das freguesias, mais 104, isto é, o número das freguesias mais 1. Com isto procura-se claramente diminuir o número de eleitos e a razão não é a de operacionalidade. É, sim, a razão de que muita gente a ver e a participar nas assembleias de freguesia e nas municipais incomodam o cacique, incomoda os caciques.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta forma de diminuir o número de eleitos é uma forma de eliminar as testemunhas incómodas.

Aplausos do PCP e da UDP.

Mesmo quando os senhores dizem que combatem os caciques por estas formas, estas medidas estão é a apostar na cacicagem.
O Governo pode ter a certeza de que não ganha qualquer combate contras as populações e contra o facto de cada vez mais as pessoas quererem saber como é assegurada a gestão da localidade onde vivem.
A visão AD é também uma visão concretamente das estruturas decisórias, é uma visão de aposta no presidencialismo, uma visão de aposta no poder pessoal. Essa concentração de poderes no presidente é má conselheira e já a própria Lei n.° 79/77 padecia deste mal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a vossa atenção para o orador que está no uso da palavra.

O Orador: - Srs. Deputados da AD, eu compreendo que os senhores querem ver-se livres da decisão da propôs ta de lei n.° 82/II, ...

Protestos do PSD e do CDS.

Página 3954

3954 I SÉRIE - NÚMERO 96

... mas o que è certo é que nós temos de inventariar as razões...

Protestos do PSD e do CDS.

Continuando, devo dizer que em desfavor de um funcionamento colegial, abrem-se processos e metodologias através deste diploma que não asseguram a decisão colectiva e os actos administrativos aparecem desprotegidos da observação colegial; as regras do trabalho colectivo que, cada vez mais, se vão impondo a todos os níveis de gestão, ensinam que o poder pessoal é mau conselheiro e que as colectividades e organismos têm que adoptar regras seguras que impeçam os favores e desfavores a titulo individual. Nesta proposta de lei, o Governo reedita esquemas de presidencialite aguda, com a assembleia municipal a deixar de poder fiscalizar a acção da câmara, desejando, no fundo da sua proposta, que as assembleias sejam apenas moldura para solenemente pronunciar algumas decisões que os executivos já tomaram. As propostas dos partidos da AD são nesse sentido. Sempre solícitos ao Governo e aos seus desejos são mais governamentóides de que o Governo e onde o Governo diz "5 reuniões ordinárias para a Assembleia", os deputados da AD esfolam e dizem "4 reuniões". Em vez de S, 4 reuniões bastam!... Tudo o que seja diminuir a presença das populações, tudo o que seja fazer negócios a coberto do silêncio, tudo o que seja silenciar a actividade que deve ser pública e transparente, tem o vosso voto - o silêncio é a alma do negócio.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É uma atitude que nós não podemos aceitar e que tem a nossa firme oposição.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que novidade! Risos do CDS.

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado tem vindo a justificar algum articulado que subscreve, designadamente as omissões que faz em relação aos artigos 19.° e 14.°, n.° 1, da Lei n.° 79/77, com o argumento de que, sendo esta proposta relativa a órgãos autárquicos, não se compreender que na sua sede se refira o problema das comissões de moradores.
Já aqui sublinhamos, em anteriores intervenções, que este argumento não colhe e que a participação dessas comissões não exige, nesta sede, a sua regulamentação, que pode ser feita noutra oportunidade e que já tem, aliás, a legitimá-la uma importante experiência popular, diversificada, em variados municípios. Mas o Governo, que adoptou este critério para legitimar a omissão de determinadas disposições na sua proposta de lei n.° 82/11, em relação à Lei n.° 79/77, votada em 25 de Outubro e que entrou em vigor em 25 de Novembro do mesmo ano. Legitima, com critério totalmente semelhante, todo o procedimento em relação ao artigo 86.°, relativo aos baldios, que nesta sede são tratados como se fosse matéria respeitante a ela, e legitima ou tenta legitimar por este processo algo que contradita na sua própria proposta em relação às comissões de moradores, em relação às comissões de base territorial.

Vozes do PCP - Exacto!

O Orado?: - O artigo 86.°, a nível autárquico, tem a mesma dignidade e a mesma sede que terão as comissões de moradores. O que os senhores pretendem, no vosso entendimento enviesado, é a tentativa de recuperar e de voltar ao passado, a tempos que Aquilino Ribeiro descreveu da forma que se conhece, nos anos 50, transmitindo o sentido das populações contra as intervenções arbitrárias e policiais das forças ao serviço do fascismo.
O Sr. Secretário de Estado pretendeu também que o texto apresentado é o resultado da vossa experiência. Permita-me que lhe diga, Sr. Secretário de Estado, Sr. Eng.º Roberto Carneiro, que reuniu más experiências e que tem da vida autárquica um conhecimento que peca por numerosas omissões e por indevidas e apressadas generalizações. O defeito será, certamente, não de si, mas das vias que ouviu, das influências que se movem.
As autarquias -muitas das autarquias- são hoje uma estrutura nova, uma face nova do Portugal de Abril. Têm-se criado quadros conscientes e responsabilizados. São uma escola de responsabilidade, de troca de experiências e de formação de opinião pública. A gestão que era aí realizada e que muitas vezes era apenas uma gestão caciqueira tem dado origem a uma gestão diversa e os senhores sabem, algumas vezes tão bem quanto nós, como isso se tem mudado no nosso país. O seu discurso, por isso mesmo, percorre caminhos que não são aceitáveis face ao poder local, mas nós todos sabemos que o ministro que tutela ainda o poder local tem o tempo que tem e o gasta da forma como se sabe, misturando problemas das polícias com as invencionices de uma qualquer insurreição de Fevereiro, e que as questões do poder local não lhe são particularmente agradáveis de ouvir. Nós sabemos que o próprio Governo, gasto pelas suas dilacerações endógenas, faz o que faz e não faz o que deveria fazer um governo em funções após o 25 de Abril. Naturalmente o^ diploma em apreço resulta de tudo isto, do Ministro Ângelo Correia e do Governo que o subscreve, e nós sabemos que estas sombras que se prefilam por certo sobre este diploma são as sombras que se prefilam sobre o poder local existente em Portugal.
O Grupo Parlamentar do PCP irá votar contra. Não por votar contra, mas porque perante esta proposta não pode ter outra atitude em defesa do Portugal de Abril, em defesa do poder local democrático.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de conceder a palavra ao próximo orador inscrito, peço a vossa atenção para a leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de alguns Srs. Deputados.

Foi lido. É o seguinte:

Comissão de Regimento e Mandatos

Relatório e Parecer

Em reunião realizada no dia 1 de Junho de 1982, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:

Joaquim Manuel Cabrita Neto (círculo eleitoral de Faro) por Horácio Manuel Tavares de Carvalho (esta substituição é pedida para os dias 1 a 3 de Junho corrente, inclusive);

Página 3955

3 DE JUNHO DE 1982 3955

Bernardino da Costa Pereira (círculo eleitoral do Porto) por Carlos Morais Alão (esta substituição é pedida por um período não superior a 15 dias, a partir do dia l de Junho corrente, inclusive).

2) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático-Social:

Adalberto Manuel da Fonseca Neiva de Oliveira (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Eugénio Pimentel Cavaleiro Brandão (esta substituição é pedida para os próximos dias 2 e 3 de Junho corrente, inclusive). Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes, que formaram maioria.

A Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva (PSD) - Mário Marques Ferreira Maduro (PSD) - Nicolau Gregório de Freitas (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Manuel de A. de Almeida e Vasconcelos (CDS) - Luís Carlos C. Veloso de Sampaio (CDS) - Armando de Oliveira (CDS) - Victor Afonso Pinto da Cruz (CDS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o relatório e parecer cuja leitura acabamos de ouvir.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS. do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE e a abstenção da UDP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: o Grupo Parlamentar do PSD vai votar a favor da proposta de lei em apreço, porque ela corresponde, nos seus princípios fundamentais, nas suas linhas de força, no seu conteúdo, a afirmações do poder local e, por consequência, à afirmação da democracia.
De qualquer modo, em sede de discussão na especialidade, haverá ocasião de lhe introduzir alterações. Aliás, as bancadas da maioria são signatárias da quase totalidade das propostas de alteração até este momento apresentadas.
Esta é ocasião para referir que, afinal de contas, a oposição não tem razão. A maioria não sustenta passivamente o seu Governo nem este decerto desejaria uma maioria pacífica, nem a maioria pacífica e sobretudo passiva iria contrariar o Governo só por complexo de vergonha ou mimetismo face à oposição.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Risos do PCP.

O Orador: - Estejam, portanto, tranquilos. Cada um assume o seu papel com convicção e sem complexos.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Mas é oportuna uma outra apreciação. Numa altura em que tanta gente desanca os membros do Governo - às vezes com razão, mas demasiadas sem fundamento nem rigor e, portanto, por mero impulso de oportunismo político ou até tão somente pessoal-, é dever político e moral aproveitar a ocasião para declarar ao Governo a satisfação pelo valor político desta proposta de lei. Ela assume com clareza e rigor as ideias, princípios e objectivos do reforço do poder local, trave mestra do programa da maioria e da consolidação da democracia no nosso país.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas convirá, antes de entrarmos na apreciação da especialidade, ou quando chegar esse momento, discutir algumas questões gerais e as principais críticas da oposição, porque nesta questão se reflectem as filosofias e objectivos políticos de cada formação partidária e porque não se deve subverter, na especialidade, a coerência e linhas de força de diploma, sob pena de anular a sua capacidade de incutir coesão, dinâmica e eficácia ao poder local.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A posição do PCP face às leis do poder local, a esta e a todas as outras, é uma atitude que visa desagregar o Estado democrático, através da reivindicação maximalista de tudo o que acentue a discussão e a propaganda, em detrimento dos imperativos do funcionamento e da eficácia.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Atitude coerente de um partido que se pretende revolucionário, isto é, acumular forças que lhe permitam abater o Estado democrático e passar à democracia popular, que só por excesso de despudor assim é tratada e que sendo designada segundo o seu conteúdo real melhor seria chamada ditadura do Partido Comunista.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Mais uma diatribe!

O Orador: - Na Nicarágua implantou-se, nestes 3 anos, um regime totalitário, um regime de terror, um

Página 3956

3956 I SÉRIE - NÚMERO 96

regime estalinista de modelo soviético, mas -estejam tranquilos! - estas peremptórias afirmações e denúncias não são da minha autoria.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Os Americanos não deixam!

O Orador: - Trata-se de pessoa insuspeita, evidentemente tornada suspeita face aos novos senhores. Refiro-me a Éden Pastora, o célebre Comandante Zero.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas cito-o não porque ele nos traga seja o que for de novo, visto que também tivemos a nossa própria experiência, mas para deixar vivo que nenhum democrata se pode deixar iludir pela táctica democraticeira e populista do PCP. Ele há-de reivindicar sempre apenas a parte da democracia que lhe convém e enquanto lhe convier.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não a democracia na sua globalidade, nas suas facetas complementares e inseparáveis, sem as quais, sem cuja coerência, a democracia não será um Estado que mereça esse nome, capaz de funcionar e de se defender, mas sobretudo capaz de responder às aspirações do progresso e justiça das populações.

O Sr. Manuel Almeida (PCP): - Essa cabeça só tem farelos!

Uma voz do PSD: - Cala a boca palerma!

O Orador: - Igualmente perigosa para a democracia è a corrente "corporativista-populista" que ainda existe na sociedade portuguesa - estranho seria que assim não fosse!...
O PCP é um aliado táctico dessa corrente e aproveitá-la-á até às últimas possibilidades e consequências.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O General Eanes, neste contexto, uma vez mais e recentemente agiu como um banal propagandista do partido dos "sem-partido", do "nacional-inde-pendentismo", ...

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM. Protestos do PS.

... usando abusivamente as suas funções para vir proclamar a conveniência das candidaturas independentes para os municípios. Não o fez nas condições de uma reflexão legítima, séria e necessária sobre a problemática da política portuguesa e as questões do Estado democrático, reflexão que tem sido feita pelos políticos dos partidos da maioria e até - sem que pretenda ser representante de entidades alheias - do campo democrático de uma forma geral. Essa reflexão tem sido feita, repito, mas a maioria preferiu e continua a preferir o actual sistema. De resto, há-de reconhecer-se-lhe alguma razão: num país com meio século de ditadura e tantas forças hostis aos partidos e à democracia bons motivos existem para que se tomem algumas precauções.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quando faço estas apreciações ao General Eanes não está em causa a legalidade e a legitimidade do mandato que lhe pertence. Muito menos o imperativo da colaboração entre órgãos de soberania. Está em causa o uso abusivo de uma função. E está em causa, no plano do debate das ideias, a crítica a uma visão populista, caudilhista, nacional-independentista que sempre foi o princípio do fim das democracias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - No plano da polémica pública o campo democrático deu a resposta desassombrada em tempo imediato ao General Eanes e aos seus adeptos.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas no campo da produção legislativa é bom e é necessário que os democratas não abandonem os mesmos princípios e a mesma firmeza que devem revelar no apego às ideias que estruturam e que definem uma verdadeira democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Dispensamos as lições.

O Orador: - Aqui mesmo a presente proposta vem dar um contributo positivo à coerência do sistema adoptado. Uma vez assente o princípio, para os municípios, das candidaturas partidárias, lógico é que as coligações quando existirem não levem à desagregação ou à confusão dos partidos.
É significativo que a crítica a esta disposição tenha desde logo vindo do MDP/CDE: um partido que sempre desempenhou a função de facilitar ao PC a obtenção de uma imagem transpartidária, albergando independentes verdadeiros, individualmente considerados, mas, sobretudo, albergando os falsos independentes do PC.

Aplausos do PSD.

O PC, esse, mostrou-se sobretudo alarmado com a redução quantitativa dos órgãos deliberativos. É natural, dada a sua táctica de agitação de massas não se podia esperar outra coisa. Exulta com o facto de a lei vigente conduzir aos órgãos colegiais mais numerosos da Europa Ocidental. E logo a classifica por isso de a melhor. Mas nada nos diz das de certo multidões que compõem os órgãos colegiais do nível local da Europa de Leste.
Na ausência de melhor informação seria, no entanto, de pegar noutros aspectos e proceder a uma observação comparativa. Se VV. Ex.as são tão intrépidos cultores dos aspectos quantitativos dos órgãos colegiais, pergunto-vos: porque não há-de ter o Soviete Supremo mais membros do que aqueles que tem actualmente, que são 1517. Se numa população de 260 milhões, com um eleitorado de 160 milhões, se utilizassem as mesmas proporções relativamente aos partidos da Europa capitalista - como VV. Ex.as chamam - deveriam ter pelo menos à volta de 6500 membros.
Por que não aplicam com essa intrepidez, quando estão no poder, esses princípios que enaltecem ilimitadamente os aspectos quantitativos do funcionamento dos órgãos colegiais?

Página 3957

2 DE JUNHO DE 1982 3957

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, agradecia-lhe que interrompesse por uns breves momentos a sua intervenção.
Srs. Deputados, quero informar a Câmara de que se encontra na tribuna do corpo diplomático uma delegação parlamentar canadiana, que saúdo em nome da Assembleia da República.
A Assembleia aplaudiu, de pé, a delegação parlamentar canadiana.

O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar, Sr. Deputado Silva Marques.

O Orado?: - Quanto aos baldios e quanto à acusação de usurpação que a bancada do Partido Comunista nos dirige estamos falados. De usurpações já tive oportunidade, a propósito de intervenções anteriores, de lembrar quem usurpou neste país as autarquias e, por extensão, tudo aquilo que dizia respeito ao poder local.
Mas no que diz respeito à presente proposta de lei é preciso reconhecer que as disposições nela contida, relativamente aos baldios, é curial. A entrega da sua administração às autarquias, representantes seguros e legítimas das populações, é uma medida perfeitamente aceitável e benéfica no que diz respeito à clarificação da disposição e da tutela relativamente às coisas comuns.

O Sr. Aquilino Ribeiro (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Trata-se de uma medida que, tendo em vista não denegar -como VV. Ex.as acusam- direitos autênticos e legítimos adquiridos, terá, entre outros, o efeito saneador de evitar muitos oportunismos.
Não tem razão de ser também a crítica à retirada da palavra fiscalização nas competências da assembleia municipal e aqui estou a pensar e a responder sobretudo à bancada do Partido Socialista. A proposta reforça os poderes da assembleia de intervenção na gestão municipal.
Portanto, não se pode dizer que a intenção da proposta é a de diminuir o papel da assembleia municipal.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A nossa tese é a de que o termo fiscalização não é rigoroso no contexto da lei, mas se o problema é apenas o da terminologia pois não seremos nós que vamos provocar uma ruptura de relações políticas por uma questão estritamente nominalista.

Vozes do PS: - Não é bem assim!

O Orador: - Da bancada socialista veio -entre outras, como, por exemplo, a atrás referida, a fiscalização, mas que eu considero de somenos porque estamos no puro domínio da disputa linguística - apenas uma objecção que decorre duma diferente filosofia e postura - e refiro-me ao ponto de vista defendido pelo Sr. Deputado Almeida Carrapato- face ao Estado democrático: a que se escandaliza com a eliminação da proposta das disposições relativas às organizações populares de base. A meu ver, esta é a única objecção de fundo levantada pela bancada socialista.
Não quero com isto dizer que as outras objecções não sejam discutíveis, por exemplo, saber se o mandato deve ser de 3 ou de 4 anos, saber se o número de membros do colégio deliberativo deve ser maior ou menor. Sem dúvida que estamos num domínio onde as questões não podem ser abordadas com rigor matemático, estamos no domínio social em que não há possibilidade de medir quantitativamente as soluções e daí que seja sempre defensável defender diferentes teses, seja por esse motivo ou até por diferentes abordagens filosóficas dos assuntos.
Nós protegemos as nossas propostas não só na base da experiência própria, como na experiência de outros países democráticos e na base dos princípios gerais políticos e de filosofia política que defendemos. E por isso que a questão levantada pelo Sr. Deputado Almeida Carrapato é a única divergência de fundo. Porque quando se escandaliza com a eliminação da proposta das disposições relativas às organizações populares de base, o Sr. Deputado está a escandalizar-se com a nossa atitude de, do ponto de vista dos princípios do Estado democrático, dar coerência a este diploma.
Efectivamente, a democracia é participativa, mas não é populista, e o problema da participação da democracia resolve-se na sua sede própria, que é a do associativismo, que não só deve ser permitido como intensificado. Os partidos e os órgãos colegiais não esgotam a expressão dos interesses e da vontade dos cidadãos, mas não é pela introdução do ingrediente populista na natureza e na estrutura das instituições do Estado democrático que vamos afirmar a democracia, bem pelo contrário, e, menos ainda, que vamos consolidar e intensificar a participação dos cidadãos na vida pública, quer local, quer nacional.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Nas questões de princípio que presidem à estrutura do Estado democrático, a confusão só aproveita aos seus adversários, daí que os democratas devem ser nesse domínio mais claros e firmes.
O mesmo se diga quanto ao concelho municipal. Trata-se de uma figura carregada de tradição e influência corporativista. Além disso, na maior parte dos municípios não têm existência prática. Daí que não possa ser considerado escandaloso, primeiro, que no futuro se venha a constituir pura e simplesmente um órgão facultativo no contexto da organização municipal e, no presente, bem natural é que se privilegie os órgãos municipais que são efectivamente de natureza inequivocamente democrática, a saber, a assembleia e a câmara municipais.
Diz-se que a presente proposta de lei aponta para o presidencialismo municipal, mas é falso, isso não foi demonstrado.
Será que se reforça a posição política do presidente da câmara em detrimento da colegialidade do órgão? Não! Reforçam-se os aspectos que facilitam a actuação, em termos de expediente, do presidente da câmara, em termos de gestão, mas não em termos de deliberação política. Isto é que é exacto, é o que defendemos. Facilitar a gestão, facilitar o funcionamento, não prejudicar as garantias da colegialidade e da formação colectiva da vontade dos órgãos municipais.
E isto é tão verdadeiro que temos no nosso dossier a opinião de um presidente de câmara - por acaso até é uma câmara de expressão socialista, mas reconheço também que essa opinião é bastante influenciada pela sua situação de presidente da câmara e, portanto, pode

Página 3958

3958 I SÉRIE - NÚMERO 96

vir de qualquer outro sector político-, que diz que a aprovação da disposição que garante aos vereadores a reunião da câmara, mesmo no caso de uma má vontade do seu presidente, é inaceitável porque põe em causa a confiança sobre o presidente da câmara.
Ora, isto, em certa medida, é verdade, mas, como é evidente, entre o presidente da câmara e a câmara, mas não podemos deixar de optar pela câmara. Mas isto só para nos demonstrar com factos que é falsa a nossa tese de que a proposta aponta para um presidencialismo da câmara municipal. E que fique também claro que a presente proposta reforça a colegiabilidade dos órgãos, reforça a sua competência na gestão municipal e que isso, sim, e simultaneamente, facilita o seu funcionamento e cria novas garantias de eficácia da gestão corrente dos órgãos municipais.
Concluindo, a presente proposta de lei integra-se num esforço de conjunto por parte do Governo e da maioria, que visa afirmar e consolidar o poder local, introduzindo alterações ao regime jurídico vigente ditadas pela existência, com a finalidade de, sem prejudicar a participação, fiscalização e intervenção dos cidadãos, melhorar o funcionamento e a eficácia dos órgãos do poder local e, portanto, da democracia.
É neste domínio que se afirma, de facto, o poder local e a democracia e não no domínio dos excessos verbais e ainda menos no da transigência face aos princípios que enformam e estruturam o Estado democrático.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Moto (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou referir-me a uma boa parte do discurso do Sr. Deputado Silva Marques, na medida em que me parece que esse debate é um pouco uma questão que o Sr. Deputado Silva Marques tem consigo próprio.

Risos do PCP.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Que engraçado!

O Orador: - Mas há aspectos dessa questão que importam a toda a Assembleia e, como tal, sobre eles me deterei.
V. Ex.ª criticou a presença de independentes e a possibilidade da presença de independentes nas listas autárquicas. Lembro-me, porém, que o Sr. Deputado Silva Marques foi, ele próprio, candidato independente a uma autarquia.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Direi: repensou a questão. Funcionava ao lado dos que alguns classificam como caciques ou ao lado de posições antidemocráticas. Qual era a sua posição e qual a posição dos seus eleitores?
Perguntar-lhe-ia -é isso que, pela minha parte, penso- se o Sr. Deputado não pensa também que, porque a democracia é de todos e não de alguns, é precisamente no poder local que a extensão do poder democrático deve ser alargada à participação do maior número de cidadãos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Perguntava-lhe ainda - e saliento este aspecto - se não entende também que corremos o risco, através de uma excessiva partidarização da nossa vida toda, de transformamos a partidarização em alguma coisa que começa a afastar-se da democracia, porque tem pouco a ver com os interesses reais dos cidadãos, para se transformar num confisco da democracia e até num poder pessoal por partido interposto.
Dir-lhe-ia por último que neste debate há uma coisa extremamente importante que importaria esclarecer. Se eu perguntasse ao Sr. Deputado Silva Marques se para constituir uma equipa desportiva V. Ex.ª preferia 2 ou 10 pessoas creio que a sua inteligência, que reconheço, o levaria naturalmente a perguntar-me para que desporto queria eu formar a equipa. Ora, a grande questão que está presente neste debate e que não está esclarecida é a de que, estando pendente um processo de regionalização, estando presente um processo que altera totalmente as estruturas do País, é perfeitamente absurdo - permita-se-me a expressão - discutir se o número de vereadores deve ser x ou y, como se estivéssemos a discutir números mágicos, sem saber para quê, sem saber que competências reais desempenha essa autarquia.
E era esta a última questão que lhe pretendia colocar, já que apareceu o sinal vermelho e não disponho de mais tempo.

Aplausos de alguns deputados do PS e do Sr. Deputado António Vitorino, da UEDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, há mais oradores inscritos para pedir esclarecimentos. Prefere responder imediatamente ao Sr. Deputado Magalhães Mota ou no final dos pedidos de esclarecimento?

O Sr. Silva Marques (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Silva Marques, de facto, as organizações populares de base sempre fizeram grande engulho à AD, precisamente porque é nelas que se manifesta, da forma mais genuína e independente, os interesses das populações. Não colhe opor a presença das organizações populares de base à democracia representativa, exactamente porque a democracia representativa que o senhor defende tem dificuldade em expressar de forma consequente e total os interesses das populações. Ora, a sua presença nesses órgãos representativos -como nas autarquias a dos órgãos populares de base - é efectivamente uma achega importantíssima, quer no funcionamento das autarquias, quer no sentido de proporcionar decisões mais consentâneas com os interesses das populações.
Mas nós não nos admiramos que a AD se atire desta forma às organizações populares de base e as queira retirar, totalmente, da participação nas autarquias, até porque sabemos -e convém aqui dizê-lo, embora os senhores deputados tenham há já bastante tempo disso conhecimento, até por iniciativa do MDP/CDE - qual é o conceito que a AD tem das organizações populares de base e como as quer tratar.
Só para lembrança, porque penso que é muito importante, vou trazer à recordação aquele ofício - que há

Página 3959

8 DE JUNHO DE 1982 3959

tempos aqui foi trazido pelo MDP/CDE - do Governo Civil do Distrito de Aveiro à Direcção-Geral de Educação Básica de Adultos, que caracterizava organizações e associações populares dizendo o seguinte:
Associação de Moradores de São Pedro não tem representatividade; o Centro Recreativo e de Acção Cultural de Parada de Cima, Vagos, foi considerado sem validade e com conotação política com o PCP; Grupo de Dinamização e Cultura de Pedorido, Castelo de Paiva, a não considerar por ligações com a UDP; Grupo Autónomo de Animação Social, considerado apenas na base de tendo prestado alguns serviços, a não considerar por conotação nítida com partidos de esquerda, etc.
Isto demonstra claramente o que é que a AD pensa das organizações populares de base, como pretende vigiá-las, fiscalizá-las e controlá-las, como pretende afastá-las da prática democrática do nosso país para pôr as populações ainda mais afastadas das decisões que lhes dizem respeito.
É essa questão genérica que coloco ao Sr. Deputado Silva Marques, porque me parece que estes factos são exemplares no sentido de demonstrar por que razão a AD quer afastar das autarquias os organismos populares de base.

Aplausos do Sr. Deputado António Taborda, do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, para responder, se assim o entender.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder, em primeiro lugar, às questões apresentadas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
V. Ex.ª não se refere aquelas questões que designou que tenho comigo próprio. É uma postura, é uma interpretação, mas lembre-se - até para despessoalizar um pouco- que, neste caso e hoje, não se tratava de questões minhas, mas de Éden Pastora. É, no entanto, pena que V. Ex.ª tome essa atitude, embora ela não me afecte absolutamente nada, pois não vai levar-me a preocupar com outras questões, só porque V. Ex.ª assim o designa. Essas são questões que dizem respeito ao Estado democrático, são questões que todos os democratas, quer queiram quer não, têm de enfrentar sob pena de serem os próprios democratas -e ninguém mais - a pôr em causa a própria democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não critiquei a possibilidade nem sequer defendi a impossibilidade de haver independentes nas candidaturas para os órgãos autárquicos. Defendi, pura e simplesmente, este ponto de vista: sendo este o sistema actual, ou seja, o das candidaturas para os órgãos municipais serem necessariamente através de partidos, é natural dar toda a consequência lógica a este princípio. E não disse mais nada.
Porque quanto à questão de fundo, quanto à reflexão sobre essa problemática, devo dizer que até nesta bancada, aqui mesmo em Plenário, nesta sessão legislativa, já alguns colegas meus, sobretudo o Sr. Deputado Sousa Tavares, têm dito que o seu ponto de vista é diferente e que desejariam candidaturas independentes para os órgãos municipais.
Devo dizer-lhe que esse é também o meu ponto de vista a título pessoal. Mais, defendo a mesma tese em relação à Assembleia da República. Eu, a título individual, sou um partidário de círculos uninominais com um círculo nacional que introduza uma correcção proporcional à tendência maioritária do círculo uninominal. Eu sou pela independentização dos deputados, mas enquanto sistema.
Agora, o que eu não sou é pelos raids e pelas arremetidas de pequena guerrilha política no domínio da discussão política, seja da parte de quem for e, sobretudo, quando vem de um homem com a maior responsabilidade no nosso país, no exercício de uma alta função, que é o General Eanes.

Aplausos do PSD e do PPM.

Quando ele em visitas a órgãos locais produz afirmações, no desempenho das suas funções oficiais, ele não está a participar seriamente numa reflexão nacional sobre o nosso sistema político-partidário e sobre o Estado. Ele está a comportar-se como um banal propagandista do partido nacional independentista. Essa é, para mim, uma evidência.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

E o mesmo principio que me leva, sem inibição, a fazer estas apreciações em relação ao General Eanes leva-me também a dizer que, na medida da função que ele desempenha e até da sua pessoa, toda a colaboração institucional, quer dos órgãos de soberania, quer dos cidadãos, lhe deve ser prestada e lhe é devida, como a inversa é verdadeira e deve ser pedida e exigida.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Repare, Sr. Deputado, quem confisca a democracia não são os partidos. É verdade que a redução da expressão da vontade popular e dos interesses populares confisca o verdadeiro sentido, o verdadeiro tecido da sociedade, mas não é essa a nossa posição. Nós não somos democratas radicais do século passado, nós não somos racha-grevistas, somos sociais-democratas, sabemos que os partidos não esgotam a expressão dos problemas e dos interesses sociais. Somos adeptos da liberdade de greve, da liberdade sindical, do associativismo, do cooperativismo, somos adeptos das associações de moradores e de movimentos que visem o respeito e que tratem de problemas graves e candentes da sociedade, tais como as prisões, a relação hierárquica na sociedade, os problemas do ambiente, a ecologia, o respeito pelo cidadão, a burocracia. Nós não somos radicalistas do século passado!

Aplausos do PSD.

Vozes de protesto do PCP.

Vozes do PS: - Chega!

O Orador: - Nós somos democratas de hoje, na sociedade de hoje, sem inibições, com clareza daquilo que queremos, com o sentido reformista da evolução da sociedade e da sua transformação - pode estar descansado!
Sr. Deputado Mário Tomé, nós não queremos afastar os cidadãos da intervenção nos assuntos que lhes dizem respeito, a eles parcelarmente considerados, ou mesmo

Página 3960

3960 I SÉRIE - NÚMERO 96

nos assuntos que dizem respeito, em geral, à sua comunidade. O que não queremos é, através do populismo e da demagogia que isso comporta, ferir de equívocos, de ineficácias e de desorganizações a estrutura e o funcionamento das instituições verdadeiramente democráticas.
V. Ex.ª diz que não queremos nada com as organizações populares de base. Isso é falso. Mas, se assim fosse, eu responder-lhe-ia que VV. Ex.as, em contrapartida, não querem nada quanto aos partidos. Eu pergunto-lhe em quantos países da Europa de Leste existem partidos, sobretudo da oposição? E, no entanto, V. Ex.ª sabe que tudo são organizações populares de base, lá desse lado!

Vozes de protesto do PCP.

Portanto, estamos esclarecidos, Srs. Deputados. Nós defendemos firmemente os princípios democráticos da estrutura e do funcionamento do Estado aos seus diferentes níveis e não ficamos paralisados só porque VV. Ex.as, de forma puramente demagógica, com um sentido diferente do da abordagem dos assuntos, fazem críticas às medidas que nós com convicção e com coerência preconizamos.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quase a terminar este debate, creio que algumas conclusões são susceptíveis de serem tiradas. E creio que são importantes, pelo menos do meu ponto de vista, na medida em que revelam um processo que vai tendo a sua sequência, através do tempo.
Creio que de há muito se fala em regionalização, que esse tema se transformou agora em tema de moda, que ele se transforma também em alguma coisa que vai sendo feita um tanto ou quanto apressadamente, um tanto ou quanto sigilosamente, um tanto ou quanto por uma via que me parece a via sinuosa, que é a de ter a proposta legislativa na gaveta e depois poder apresentá-la com o argumento fácil de que até foram ouvidas as populações.
A verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que desse mirífico ou mítico processo de regionalização - de que conhecemos, aliás, um livro branco, publicado antes das eleições intercalares de 1980, a esse propósito- temos aqui mais um exemplo de como esse processo pouco ou nada tem a ver com uma realidade vivida e assumida.
Na verdade, se existisse um projecto coerente de regionalização, esse projecto coerente, participado, democraticamente discutido, a discussão que hoje travamos estaria desprovida de sentido.
Na realidade, se existisse um projecto sério de regionalização, era nos termos e no enquadramento desse projecto que a discussão das competências das autarquias e da sua composição teria o seu lugar.
Ora, este processo enviesado corresponde afinal à questão que eu há pouco punha ao Sr. Deputado Silva Marques e a que ele me não pôde responder, certamente por falta de tempo.
Quer pensar-se numa equipa de número indefinido de pessoas, sem saber para quê, sem saber, afinal, que jogo vão jogar.
O processo de regionalização está por definir, as atribuições das autarquias locais estão também por definir, porque decorrem naturalmente desse projecto de regionalização, e o processo de regionalização não pode ser indiferente à definição das atribuições e competências das autarquias, quer seja feito de cima para baixo ou de baixo para cima. Quer dizer que estamos, de algum modo, todos a mitificar-nos. Mas talvez haja algo mais a ver acerca desta questão.
Durante a última campanha eleitoral falou-se muito do dirigível que dependia do estado do tempo. Creio que é altura de devolver a graça e pensar que a regionalização é um processo que não sobe porque o Estado recusa devolver lastro, não quer perder peso e como tal o balão é insusceptível de subir. Dir-lhe-ei que, para além disto, há que fazer uma devolução de competências, mas que há toda uma lógica interna, dentro do processo de actuação da actual coligação no poder, que me parece também ele revelador de como a regionalização não é um processo desejado e de como a proposta de lei, actualmente em discussão, entronca nesta lógica, que é uma lógica própria, que é a lógica de quem transformou a Lei das Finanças Locais em alguma coisa que ela não era, e retirou às autarquias a possibilidade de desenvolverem os seus próprios esforços, de não se endividarem e de conseguirem responder às carências das populações. É a lógica própria, portanto, de quem não regionalizando, não concedendo meios financeiros para que essa regionalização se efective, não concedendo meios humanos para que essa regionalização tenha expressão, consagra, agora, essa ausência de meios e de situações, transformando essa diminuição de participação, porque disso se trata, na diminuição de vereadores, na diminuição de poderes das Assembleias, na diminuição de órgãos consultivos. Afinal, ao fim e ao cabo, na diminuição geral da participação dos cidadãos.
É isso, ao fim e ao cabo, que é a lógica interna desta proposta de lei, é isto, ao fim e ao cabo, que é a lógica interna de um conjunto de actuações que têm, elas próprias, a sua lógica coerente, que é a menor participação. A menor participação, a menor actividade democrática dos cidadãos, a menor fiscalização que exercem, é, só por si, sinal de que um poder se pode exercer mais livremente, com menores peias, mas menos democraticamente, com certeza.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Esta é a primeira das razões porque votaremos contra esta proposta de lei.
A segunda, foi salientada pelo meu colega de bancada, Vilhena de Carvalho, e resulta, pura e simplesmente, de que no fim desta discussão, na generalidade, que estamos a encerrar, ainda não dispomos do parecer das regiões autónomas, por via das respectivas assembleias regionais, sobre esta proposta de lei.
E encerrar uma discussão, na generalidade, sem que esse parecer seja conhecido corresponde, afinal, a consagrar uma inconstitucionalidade flagrante. Por essas duas razões, votaremos contra a proposta de lei governamental.

Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Silva Marques. Dispõe de l minuto, para o efeito.

Página 3961

2 DE JUNHO DE 1982 3961

O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu solicitava aos meus parceiros...

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Se eu dispuser de mais tempo, ceder-lhe-ei Sr. Deputado.

O Orado?: - Agradeço.

Ora aqui está um caso de escassez, transformado, rapidamente, em abundância!

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado Magalhães Mota também já não dispõe de muito tempo!

O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota, por onde começar? Pelo ovo ou pela galinha?
Evidentemente que se eu disser que é pelo ovo, V. Ex.ª ripostará, dizendo que é pela galinha, e vice-versa. É claro que estamos no domínio das coisas abstractas e, digamos, de uma dialéctica vazia de sentido real. Vejamos o seguinte: temos ou não contribuído -nós, maioria, nós, Governo- para o processo de afirmação de poder local, no nosso país, independentemente das vossas concordâncias quanto às soluções quantitativas que nós preconizamos e às quais VV. Ex.as se opõem. Temos ou não? Penso que a resposta rigorosa a esta questão é: temos. Aqui tem havido um esforço conjunto, embora com características diferentes, de todo o campo democrático.
A única corrente política que depois do 25 de Abril - V. Ex.ª irá dizer que continuo a tratar de questões próprias, mas não são questões próprias, são questões do Estado português - não deu um passo concreto, quer no domínio da produção legislativa, quer no domínio das iniciativas administrativas, com vista a institucionalizar verdadeiros órgãos locais de administração, pluralistas, representativos, enfim, democráticos, foi a corrente comunista, no conjunto das forças políticas portuguesas.
À parte disso, todas as forças democráticas deram o seu contributo nesse sentido. Aí, não podemos deixar de prestar essa justiça ou de reconhecer esse facto ao campo democrático que não se integra na maioria governamental.
V. Ex.ª fez-nos, por isso, um ataque fácil, verbalista, mas a democracia não se melhora com verbalismos, e muitos menos se consolida. A democracia melhora-se e consolida-se com o afirmamento dos princípios que conduzem à garantia da participação dos cidadãos, mas também à eficácia dos órgãos de administração.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - V. Ex.ª diz que não pode tratar-se seriamente este diploma sem definir, de forma acabada, o processo de regionalização. Não é exacto. V. Ex.ª diz que o projecto de regionalização não está minimamente definido, então mais uma razão para se tratar desta lei Ou V. Ex.ª é daqueles que têm uma visão reformista da política, que consiste num, ou zero ou tudo? Enquanto não têm tudo perfeitamente preparado remetem-se à estagnação?
Sem dúvida, conhecemos esse radicalismo político, que é o mais estagnante e o mais paralisante, mas que não é o nosso.
Somos reformistas, pragmáticos, evolucionistas, não temos essa visão do tudo ou nada, relativamente à reforma e à evolução da sociedade! V. Ex.ª, com a sua intervenção, só nos deu argumentos à nossa tese e não à vossa.
E repare se nos outros países assim não tem sido feito, se o processo de regionalização não tem sido feito de baixo para cima, e do particular para o geral, que é precisamente a nossa visão!
Relativamente à inconstitucionalidade que levanta, aí, V. Ex.ª atinge o extremo do verbalismo e do formalismo. Os governos foram auscultados relativamente à preparação deste diploma. É verdade que não satisfaz inteiramente os requisitos formais, mas, relativamente a estes, V. Ex.ª sabe que os pareceres foram pedidos. E dou-lhe a novidade - que, aliás, se V. Ex.ª se informasse de uma forma mais diligente, respectivamente às actividades burocráticas do Parlamento, já estaria a par - de que, neste momento, já se encontra na Assembleia da República o parecer da Região Autónoma da Madeira.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Já o temos!

O Orador: - Então, tanto melhor! O vosso formalismo fica ainda mais uma vez acentuado!
Já o tinham, já estavam satisfeitos, mas mesmo assim têm necessidade de levantar a questão. Mas aguarde que a vindima acabe, pois ainda não votámos definitivamente a lei, ainda não a votámos na especialidade. Havemos de chegar à sua votação final e global e então depois, se for caso disso, levante todos os impedimentos formais, ao processo de institucionalização do poder local.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito? O Sr. Deputado não dispõe de tempo.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, era para um protesto, em relação a afirmações feitas pelo Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado Silva Marques fez um pedido de esclarecimento. Em relação a que afirmações o Sr. Deputado deseja protestar?

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, durante o tempo que o Sr. Deputado utilizou para pedido de esclarecimento fez afirmações que consideramos inverdades e que consideramos incorrectas, e queremos protestar contra elas. Podemos utilizar, para o efeito -segundo me dizem-, o tempo da UEDS e do MDP/CDE, a quem agradecemos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dou primeiro a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota, para responder ao pedido de esclarecimento.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, apenas algumas questões rápidas.
É evidente que não sou pelo tudo ou nada! Uma vez que está em curso um projecto de regionalização, contentava-me, e creio bem, com a legislação vigente. Tem servido até à data, não seria necessário alterá-la, e podíamos esperar à vontade pelo projecto de regionalização.
A segunda questão diz respeito ao ovo...

Página 3962

3962 I SÉRIE - NÚMERO 96

O Sr. Silva Marques (PSD): - Quer dizer que V. Ex.ª entende que já que esperámos tanto poderiamos esperar ainda mais um bocado?!

O Orador: - Eu diria que, já que o PSD tanto esperou -visto que até à data não apresentou nenhum projecto de lei-, bem poderia esperar, de facto, mais algum tempo.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas lembro-lhe que foi da sua bancada que veio uma critica, precisamente no momento tardio da apresentação da proposta de lei. Concretamente, o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, que criticou o facto de termos levado 2 anos a preparar a proposta de lei.
Em relação à segunda questão que o Sr. Deputado colocou, a questão do ovo ou da galinha, devo dizer que a minha questão ia um pouco mais fundo do que essa, era a ausência de galinheiro, Sr. Deputado!

Risos.

Quanto à terceira questão, é que faltava o enquadramento indispensável para que esta questão possa ser posta.
Quanto à terceira questão que o Sr. Deputado colocou, se há ou não um projecto de regionalização em curso, eu não gostaria de invocar-lhe as dificuldades que tiveram com a criação do concelho de Vizela, mas creio que essa é uma discussão típica para mostrar como, neste momento, a maioria não tem ideias claras em relação a um projecto de regionalização. E dir-lhe-ei ainda que, quanto às afirmações do poder local, para além daquilo que já disse e que tende a demonstrar que è um poder local diminuído, o que no fundo se tem pretendido, dir-lhe-ia que foi com a actual maioria que foram revigorados os poderes dos governadores civis, que foram diminuídas as possibilidades conferidas pelas legislações das finanças locais, que foi retomada uma política de subsídios e de subvenções, seguida quer pelo Ministério da Administração Interna, com os subsídios para a criação de juntas de freguesia, de instalação de sedes, quer pelo Ministério da Qualidade de Vida, em relação aos subsídios para entidades desportivas, quer em relação a actividades do Ministério da Habitação Obras Públicas e Transportes.
Dir-lhe-ei, por último, que reuniu, salvo erro esta manhã, uma comissão especial da Assembleia Regional da Madeira, para emitir parecer sobre a proposta de lei, mas não consta aqui o parecer da Assembleia Regional dos Açores e que, como é evidente, esta discussão de sentido na medida em que esse telex é sucinto, que a Assembleia Regional da Madeira preparou com alguma pressão, mas que não substitui o parecer da Assembleia Regional dos Açores. E, neste momento, não sei ainda se a Assembleia Regional da Madeira decidiu delegar os seus poderes, de Plenário, na comissão.
Gostaria ainda de dizer-lhe que é evidente que o processo não fica ratificado, pelo facto de, neste momento da discussão, não conhecermos os pareceres.
É evidente que se conhecêssemos os pareceres, eles poderiam introduzir alterações na generalidade e introduziriam, certamente, especialidades na nossa própria opção, e que tudo isso não são simples matérias de especialidade que possam ser ratificadas pela discussão na especialidade.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Anselmo Aníbal, concedo-lhe a palavra, ao abrigo do direito de defesa, visto que o Sr. Deputado Silva Marques se referiu aos comunistas ou à corrente comunista.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, no decurso da sua questão, fez afirmações 'menos correctas. Já estamos habituados a um tipo de discurso que o Sr. Deputado tem, que sobre ter uma falta de rigor terminológico e conceptual, gravoso, consegue assumir muitas vezes o grau de diatribe e de confusionismo conceptual. Desta vez, o Sr. Deputado - para além disso que marca um pouco as suas intervenções - referiu-se, com uma imprecisão de inverdade, à falta de iniciativas do Grupo Parlamentar do PCP sobre o poder local. Queria apenas lembrar-lhe que em 1977 apresentámos projectos de lei sobre as finanças locais, regionalização e atribuições e competências do poder local, e que este conjunto representava um conjunto integrado, exactamente de diplomas sobre o poder local. Se o Sr. Deputado fica com a indicação de que este conjunto de projectos de lei não tem significado, fique com essa indicação para consigo. Agora, transmiti-la como omissão, por parte da bancada comunista, da não cooperação na feitura de um novo poder local democrático, é uma inverdade para todo o rigor terminológico, é uma omissão descarada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, para contraprotestar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Anselmo Aníbal, acredito que VV. Ex.as já estejam habituados ao meu discurso. Por meu lado, dir-lhe-ei que estou habituadíssimo ao vosso, portanto não há nada de anormal na situação.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Boa!

O Orador: - Relativamente à falta de rigor, o que eu disse - e se isso não foi entendido, clarifico aquilo que pretendia exprimir - foi que a única força, das correntes políticas no contexto português depois do 25 de Abril que não deu um passo, relativamente à afirmação do poder local -enquanto institucionalização democrática da administração local - foi a corrente comunista, quando tinha a hegemonia no domínio e no terreno do poder. Todas as outras correntes do campo democrático deram o seu contributo neste domínio e com este objectivo, a corrente comunista não deu. Que VV. Ex.as tenham tomado iniciativas quando oposição, pois Sr. Deputado eu sei, é a vossa posição clássica, foi por isso que eu procurei caracterizar na minha intervenção há pouco. A vossa bancada é extremamente democrática quando está na oposição e é extremamente antidemocrática quando está no poder.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Local (Roberto Carneiro) - Sr. Presidente e Srs. Deputados: seja-me permitido - concluído praticamente o debate, na generalidade, sobre a proposta de lei n.° 82/II- retirar também algumas ilações, a exemplo do que fez o Sr. Deputado Magalhães Mota.

Página 3963

2 DE JUNHO DE 1982 3963

Na verdade, e dando cumprimento a um imperativo de revisão da Lei n.° 79/77, de 25 de Outubro, imperativo de revisão que esta própria continha explicitamente no seu articulado, a proposta de lei em apreciação - mantendo e aperfeiçoando os fundamentos democráticos daquela lei, e melhorando sensivelmente o enquadramento jurídico em que o poder local, legítimo e representativo, se desenvolve-, globalmente considerada, contém um largo conjunto de inovações que poderão contribuir decisivamente para o prestígio e para a afirmação crescente da administração autárquica.
Na verdade, a esmagadora maioria das inovações introduzidas pela presente proposta de lei foram inequivocamente apoiadas pelos senhores deputados da maioria e não foram contestados, objectivamente, pelos senhores deputados das bancadas da oposição.
E registamos este facto, não porque o Governo esteja dominado pelo sentido dogmático, absolutista, das suas propostas, ou quanto às soluções nelas preconizadas, mas porque, acreditando sinceramente na bondade e no sentido global positivo dessas soluções, move o propósito de obter o mais largo consenso democrático possível quanto às soluções finais a acolher na lei. De resto, o projecto de lei n.° 345/II, que o Partido Socialista entregou na Mesa desta Assembleia, na passada sexta-feira, acaba por acolher, no essencial, a estrutura e, em vasta medida, as inovações da proposta de lei n.º 82/II.
Senão vejamos: entre as inúmeras inovações que não sofreram qualquer contestação, citarei, ao acaso, a inclusão nas atribuições de novas áreas, como a protecção ao meio ambiente e a protecção à qualidade de vida das populações, a afirmação expressa do princípio da unidade do Estado, um novo esquema de instalação das assembleias de freguesia e das câmaras municipais, a inclusão de normas para obviar à falta de convocação das primeiras reuniões dos órgãos representativos pelo cidadão, cabeça de lista, os novos regimes de justificação de faltas, a inclusão de normas para obviar à falta de convocação - pelo presidente da assembleia municipal ou da assembleia de freguesia - das sessões deste orgão, o alargamento efectivo e real das competências dos órgãos autárquicos, incluindo normas actualmente em vigor e constantes do Código Administrativo. As assembleias municipais vêem, assim, alargado o seu leque de competências em 9 novas competências, para além de 3 que são recolhidas do Código Administrativo.
As câmaras municipais, do mesmo modo, vêem as suas competência alargadas em 9 novas alíneas, além de 14 competências que se vão buscar ao Código Administrativo. O alargamento do recurso à figura dos vereadores permanentes nas câmaras municipais, o novo regime de instalação das assembleias de freguesia, a regulamentação, em novos moldes, das incompatibilidades, o indeferimento por omissão, das decisões e deliberações sobre requerimentos apresentados aos órgãos autárquicos, a norma de publicidade e de obrigatoriedade de publicidade das deliberações e decisões destinadas a ter eficácia externa e na esfera de direitos de terceiros - e que, aliás, acolhe e dá pleno desenvolvimento a um preceito constitucional, como os senhores deputados sabem-, o novo normativo relativo a deliberações nulas e anuláveis e sobre a suspensão da executoriedade das deliberações, as normas sobre responsabilidade funcional dos órgãos e sobre a responsabilidade pessoal dos titulares dos órgãos autárquicos, o apoio aos órgãos deliberativos, por parte dos executivos e dos serviços dependentes deste último, etc., etc.
Na realidade, algumas inovações sofreram, pontualmente, contestação. Referirei, brevemente, a meu ver as principais.
A redução do número de eleitos, nomeadamente no número de membros dos órgãos deliberativos. Impõe o respeito pela verdade e o respeito pela experiência acumulada ao longo de anos de funcionamento do poder local democrático, que tenhamos em consideração os vários diplomas que nesta matéria foram estabelecendo a composição dos órgãos autárquicos. Em primeiro lugar, o Decreto-Lei n.° 701-A/76, aprovado na vigência do governo socialista, o primeiro Governo socialista dispunha para as assembleia de freguesia uma composição que tinha com limites máximo e mínimo 19 e 7 membros.
E para as assembleias municipais, limites mínimos entre 36 e 8 membros, e para o caso concreto de Lisboa e Porto, respectivamente 60 e 40 membros para as assembleias municipais. Mais tarde, a Lei n.° 79/77, de 25 de Outubro, que a presente proposta de lei visa aperfeiçoar, veio a aprovar, para assembleias de freguesia, um máximo de 27 membros e um mínimo de 9, consoante o número de eleitores na circunscrição respectiva.
Para as assembleias municipais, considerou-se a regra do quíntuplo do número de membros das câmaras municipais. Mais tarde, e ainda em 1980, o Partido Socialista, apresentou um projecto de lei, um projecto de revisão da Lei n.° 79/77, que foi o projecto de lei n.° 457/1, em que acolhe, como soluções, os mesmos números que a proposta de lei n.° 82/II, apresentada pelo Governo, acaba por acolher.
Para assembleias de freguesia, um máximo de 19 membros e um mínimo de 7, que, no entanto, entre estes dois intervalos vem a acolher um número e uma composição, dos órgãos deliberativos de freguesia, que é francamente superior àquele que constava do Decreto-Lei n.° 701-A/76, aprovado, repito, pelo primeiro Governo socialista.
Por outro lado, para assembleias municipais, quer o projecto de lei do Partido Socialista, de 1980, quer a proposta de lei do Governo, em apreciação, consagra a regra do triplo do número de vereadores da câmara municipal, como limite ao número de membros das assembleias municipais.
Se tomarmos como ponto de referência para além da experiência prática portuguesa, a experiência europeia nesta matéria -como, aliás, foi aqui referido globalmente -, teremos vários exemplos que poderíamos citar. E cito, ao acaso, alguns: o caso de Itália, em que o número de membros do deliberativo municipal varia entre um mínimo de 15 e um máximo de 80, o número de membros do conselho provincial varia entre 25 e 45 elementos e o número de membros do conselho regional, que é o deliberativo regional, varia entre o mínimo de 30 e o máximo de 80. Tomando um exemplo completamente diferente, de um país nórdico, a Suécia, o número de membros do órgão deliberativo do município, ou da comuna, varia entre um mínimo de 31, no caso de 12000 eleitores, ou menos e 61, no caso de 36000 eleitores. Tomando ainda um outro exemplo de um país federado, o caso da República Federal da Alemanha, teremos para os 9 estados principais da República Federal Alemã valores que variam entre 8 e 60 membros no caso de Baden Württenberg, no caso da Baviera, entre 8 e 80 membros, 48 membros no caso de Bremerhaven, 5

Página 3964

3964 I SÉRIE - NÚMERO 96

a 81 membros no caso de Hessen, 5 a 69 no de Niedersachsen, 7 a 55 em Westfaleu, 5 a 59 em Rheinland-Pfalz, 27 a 63 em Saarland e 7 a 45 em Schleswig-Holstein.
Todos estes exemplos, e muitos outros poderia dar, apontam claramente, no contexto da Europa Ocidental em que nos queremos integrar, para valores de membros de órgãos deliberativos, que não ultrapassam os 80 membros e que partem de um mínimo de 5, 6 ou 7 membros.
O Governo acolheu na sua proposta de lei esses valores relativos aos membros dos órgãos legislativos, baseados quer na experiência concreta de funcionamento do poder local democrático em Portugal, quer na experiência concreta do funcionamento do poder local democrático, desde há muitos anos, desde há dezenas de anos, em vários países da Europa Ocidental, quer ainda nos valores apresentados pelo Partido Socialista no seu projecto de lei de 1980, que venho citando.
Um segundo ponto, e para encurtar razões, diz respeito ao afastamento da regulamentação das organizações populares de base territorial.
Já tive ocasião de afirmar aqui, na minha intervenção inicial e nas respostas que dei às várias perguntas que foram feitas em sequência, que o Governo entende que não é esta a sede própria para a regulamentação da figura constitucional das organizações populares de base territorial, que não são nem autarquias locais, nem órgãos das autarquias locais, nem sequer pessoas colectivas de direito público.
Também não tenho qualquer dúvida em afirmar e em assumir o compromisso formal de que, na ausência de outra iniciativa legislativa sobre esta matéria, o Governo não terá qualquer dificuldade em, oportunamente, assumir a responsabilidade de apresentar nesta Câmara uma iniciativa legislativa sobre esta matéria.
Agora, na nossa opinião, o que fica claro é que não é esta a sede para o fazer e, de resto, não eram os parcos preceitos que constavam da Lei n.° 79/77 que davam o necessário desenvolvimento aos princípios constitucionais sobre esta matéria, que, como os senhores deputados sabem, estão claramente consagrados na lei fundamental.
De resto, também não colhe o argumento do Sr. Deputado Anselmo Aníbal de que orientação diversa teria sido adoptada em relação aos baldios, nomeadamente naquilo que se encontra contido no artigo 86.° da proposta de lei do Governo.
O paralelo estabelecido pelo Sr. Deputado Anselmo Aníbal não colhe porque a inclusão dos baldios respeita directamente aos órgãos autárquicos. Aliás, diz-se concretamente que a administração dos baldios compete aos órgãos executivos das autarquias, de forma que tem plena pertinência o seu acolhimento na proposta de lei em apreço sobre as atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos.
De resto, no nosso entender, dá-se pleno cumprimento do disposto na própria lei fundamental, ao artigo 89.°, n.° 2, alínea c), da Constituição da República, onde se remete a gestão desses interesses para as comunidades locais, e nós entendemos que a forma mais legitíma, mais autêntica, mais transparente de gerir os interesses locais é através dos órgãos autárquicos, eleitos por sufrágio directo e universal.
Não tememos as autarquias locais, pelo contrário, e entendemos que a forma mais legítima de administrar é fazendo participar os cidadãos na administração dos interesses locais.

Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Desde que os cidadãos não participem!

O Orador: - De outro modo, esta forma de administração dos baldios, que por esta legislação se comete aos órgãos autárquicos, não vem retirar aos compartes o legítimo direito de fruição desses baldios, coloca, tão-só e apenas, a administração geral desses bens na esfera dos órgãos autárquicos.
Aliás, eu entendo que as propostas que alguns deputados da maioria apresentaram, no sentido de clarificar este conteúdo, vêm justamente apontar nesta mesma direcção.
Em terceiro lugar, relativamente à referência repetida por parte de vários senhores deputados da oposição quanto ao eventual ou alegado excesso de presidencialismo, nomeadamente quanto aos órgãos municipais contidos nesta proposta de lei encontra o justo equilíbrio entre aquilo que são as competências do presidente da câmara como coordenador do órgão executivo e a colegialidade desse órgão, que se encontra constitucionalmente consagrada e que, naturalmente, a lei ordinária não pode ferir.
De resto, esta solução não se afasta muito da solução que foi adoptada na própria Lei n.° 79/77 e acaba por aumentar as competências próprias do presidente da câmara em duas novas competências de mera gestão corrente. Por um lado, trata-se da submissão de contas, por parte do executivo, à assembleia municipal e, por outro, da publicação das deliberações do órgão executivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se efectivamente de duas competências que são meramente processuais e de gestão corrente, e certamente não é por aqui que se vão reforçar excessivamente as competências do presidente da câmara, o que, de resto, permitam-me que o diga, aliás, não tenho qualquer rebuço em dizê-lo, representa uma realidade cultural inequívoca em Portugal, por muito que a lei ordinária possa estatuir em contrário ou que a lei fundamental possa consagrar a sua colegialidade manifesta.
Por outro lado, as competências delegadas no presidente da câmara apenas como coordenador do órgão - repito, apenas como coordenador do órgão- são também, em grande medida, competências de natureza de gestão corrente ou de natureza processual.
Senão, vejamos: a actualização do cadastro de bens, o proceder a registos, promover a publicação de documentos, anais ou boletins, o estabelecer a numeração dos edifícios, etc., não são competências que possam sustentar a tese do excessivo presidencialismo ou a tese de que esta proposta vai muito além da defesa de um alegado órgão unipessoal, que efectivamente não existe nem pode existir à luz dos actuais preceitos constitucionais.
Em terceiro lugar, e ainda no que respeita ao presidente da câmara, a proposta de lei acolhe, tal como a Lei n.° 79/77, algumas competências que podem ser expressamente delegadas no presidente da câmara por parte do próprio orgão, mas estas carecem de delegação expressa.
No entanto, e chamo a vossa atenção para isso, a proposta vai bastante mais além na elencagem das competências indelegáveis no sentido de estas serem de impor-

Página 3965

2 DE JUNHO DE 1982 3965

tância manifestamente superior às competências que passam a ser delegáveis e que eram indelegáveis por virtude da Lei n.° 79/77.
É este o caso flagrante de 3 competências, que passarão a ser indelegáveis no caso de esta proposta vir a merecer a vossa aprovação, que são as seguintes: a nomeação dos conselhos de administração dos serviços municipalizados, que era uma competência delegável na Lei n.° 79/77 e que deixa de o ser pela actual proposta; as formas de apoio às freguesias, que, tornando-se uma competência indelegável, exclusiva do orgão colegial, pretende reduzir alguma margem de discricionaridade que o presidente da câmara podia ter, dando apoio às freguesias; finalmente, a competência que respeita às propostas a apresentar pelo executivo à assembleia municipal e que, pela própria natureza das coisas e pela importância de que elas se revestem, se consideram matéria indelegável por parte do orgão executivo no presidente da câmara.
Em quarto lugar, e em favor da bondade das propostas acolhidas na proposta de lei em apreço, o Governo considerou aquilo que conta da lei geral, e que è a possibilidade de revogação, pelo delegante, da competência delegada no presidente da câmara.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Julgo que aquilo que venho dizendo é suficiente para esclarecer muitas das dúvidas, das objecções e reservas que foram referidas por vários senhores deputados.
Em todo o caso, se tal colaboração lhes for solicitada em sede de comissão parlamentar especializada, a maioria desta Câmara e o Governo estarão dispostos a discutir e aperfeiçoar esta proposta na especialidade embora, e naturalmente, sem a descaracterizar.
De resto, quer a maioria, quer o Governo, nesta área de legislação sobre o poder local, têm dado exemplo de grande abertura ao diálogo democrático e ao aperfeiçoamento das suas próprias propostas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo tem a consciência de buscar, em todas as circunstâncias, as melhores soluções para o desenvolvimento pleno e democrático do poder local.
Esta Câmara, no exercício de uma competência reservada constitucionalmente, irá deliberar sobre a proposta de lei n.° 82/II, relativa às atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos, e estou certo e convicto de que a nova legislação há-de provar que muito contribuirá para o reforço da democracia local e, em última análise, para a consolidação do regime, o que, não tenho dúvidas, é o objectivo claro desta Assembleia, que mantém o seu apoio maioritário e a sua confiança ao Governo.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Durante a intervenção, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Américo de Sá.

O Sr. Presidente: - Para pedirem esclarecimentos, pediram a palavra os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Anselmo Aníbal e António Taborda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Secretário de Estado disse que esta não seria a sede própria para se regulamentarem as competências das organizações populares de base. Admitimo-lo. Mas a verdade é que isso não impede que, através deste diploma, o Governo tenha retirado aquilo que poderiam ser eventuais competências de organizações populares de base, esvaziando de sentido o próprio funcionamento dessas organizações, nomeadamente no que diz respeito aos baldios.
Acrescentou o Sr. Secretário de Estado que aquilo que é aqui proposto vai ao encontro de projectos que tinham sido entregues nesta Assembleia pelos partidos da maioria, o que é natural, porque se o Governo e a maioria se identificam é natural que os objectivos sejam os mesmos. Aliás, esta proposta de lei também explica que, tendo estes projectos estado agendados pela maioria, tenham sido retirados porque, de facto, a introdução deste artigo permite resolver o problema de forma bastante mais discreta, mais capciosa, sem que, eventualmente, as pessoas se apercebam tão claramente daquilo que está em jogo e que seria colocado claramente pela discussão dos projectos que aqui foram apresentados, agendados e retirados por essa mesma maioria.
Com certeza que os órgãos mais legítimos para gerir os problemas locais são as autarquias. Só que, em meu entender, os baldios não se integram nas autarquias, quer pelas suas limitações de ordem territorial, quer pelos seus próprios objectivos.
Aliás, o Sr. Secretário de Estado acabou por reconhecer isto quando falou em compartes, distinguindo os compartes fruidores dos baldios dos cidadãos que se integram nas diferentes autarquias.
No fundo, o que se pretende é regressar ao sistema seguido antes do 25 de Abril. E não se venha com o argumento de que há uma diferença, que eu não nego e que é substancial, que é o facto de as autarquias agora serem eleitas quando o não eram antes do 25 de Abril.
Não está em causa a legitimidade do poder autárquico através do sufrágio. Por esse raciocínio, nós diríamos que a câmara municipal poderia gerir as questões da junta de freguesia porque ela está legitimada pelo sufrágio dos que nela estão integrados. E se continuássemos neste raciocínio íamos cair na necessidade de termos apenas uma Assembleia da República!...
O que está aqui em causa é, de facto, uma efectiva descentralização, uma efectiva participação directa das populações na gestão dos interesses que lhes dizem respeito, o que está aqui em causa é quem vai gerir os baldios. Aqueles que deles fruem, aqueles que deles comparticipem ou as autarquias?

O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª pretende responder já ou no fim?

O Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Locai: - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Secretário de Estado, o primeiro ponto referido por V. Ex.ª foi a redução do número de eleitos e V. Ex.ª sublinhou que o Decreto-Lei n.° 701-A/76 postulava entre 7 a 19 membros nas assembleias de freguesia e que, 1 ano depois, uma lei da Assembleia da República o indicava entre 9 e 27. Naturalmente, se o fez, a Assembleia fê-lo na base de uma experiência que entretanto se adquirira!
O Sr. Secretário de Estado inverteu um pouco esta situação e disse que, com esta proposta de lei, voltávamos ao regime anterior, à Lei n.° 79/77, por duas razões de fundo: por um lado, devido a exemplos de

Página 3966

3966 I SÉRIE - NÚMERO 96

países da CEE -e referiu a República Federal da Alemanha, a Suécia e a Itália -e, por outro, devido ao projecto de lei n.° 457/I, do PS.
V. Ex.ª não invocou o projecto de lei n.° 345/II, invocou o projecto de lei, n.° 457/I, e pôr entre parêntesis umas coisas e não pôr outras é difícil. Aliás, quanto aos casos dos países da CEE que citou, designadamente quanto à Itália, V. Ex.ª não referiu que as câmaras italianas têm a possibilidade de contratar todos os eleitos, todos os vereadores, a tempo inteiro, e daí que Roma tenha neste momento 19 vereadores a tempo inteiro, exactamente porque se os municípios têm a possibilidade de contratar um técnico não eleito para o seu serviço, naturalmente que, com muito mais legitimidade, terá direito a contratar um eleito para o seu serviço.
Em Portugal a lei ainda determina quais os números máximos de vereadores a tempo inteiro e, se bem que ela seja melhor do que a Lei n.° 79/77, não põe isso nas mãos dos municípios. Assim, quero perguntar-lhe se são só os exemplos da CEE que valem e destes quais os que valem.
Em segundo lugar, e na continuidade do que disse o Sr. Deputado Lopes Cardoso, queremos sublinhar que, em relação aos baldios, a Constituição refere também os bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais.
Quando foi feita a Constituição já se sabia da existência das autarquias locais, e se a Constituição referiu claramente comunidades locais foi porque não quis dizer autarquias locais e consagrou comunidades locais como outra figura que não a de autarquia local.

O Sr. Abreu Orna (CDS): - Ó, Anselmo!...

O Orador: - Esta argumentação, a menos que o Sr. Secretário de Estado diga que me estou a referir ao artigo 89.° e que os artigos sobre as autarquias locais são os artigos 237.° a 266.°, cai pela base. Essa falsa justificação terminológica, mas não tem sentido.
Por último, Sr. Secretário de Estado, apenas uma indicação sobre a fragilidade em que, a nosso ver, assenta a base com que V. Ex.ª fala das omissões dos artigos 19.° e 14.°, n.° 1, da Lei n.° 79/77, ainda em vigor, sobre as organizações populares de base territorial.
O Sr. Secretário de Estado defende o estafado justificativo de que essas determinações não podem fazer parte de uma proposta de lei sobre poderes autárquicos.
Se a questão fosse apenas a da regulamentação, em princípio poderíamos concordar consigo. Simplesmente, não se trata de uma regulamentação, mas apenas da indicação de que elas fazem parte das assembleias de freguesia, participam nelas e têm aí uma palavra a dizer. Concordamos que a sua regulamentação fique para a lei ordinária, mas que a sua indicação nesta proposta de lei não prejudicava em nada as assembleias de freguesia em relação às organizações populares de base territorial é um facto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado, quanto à redução do número de membros das autarquias, V. Ex.ª deu alguns exemplos de leis anteriores e, fundamentalmente, alguns exemplos de países da CEE.
Parece, assim, que a justificação do Governo não é tanto a da eficácia ou da eficiência do funcionamento dos órgãos autárquicos, mas a da conformidade com a CEE.
Mas, Sr. Secretário de Estado, a verdade é que nós temos que partir de uma realidade que é a nossa e não vi que o argumento que eu avancei na minha intervenção tivesse sido contestado por V. Ex.ª. Por isso, pergunto se, tendo em atenção a lei que actualmente nos regula nas autarquias e tendo em atenção o número de membros dos órgãos autárquicos e o seu funcionamento, a redução que se pretende nessa proposta de lei do Governo vem ou não atentar contra o direito das minorias. Isto é, se se reduzir, como se pretende nesta proposta de lei, o número de membros, há ou não forças políticas minoritárias que deixam de fazer parte dos órgãos autárquicos e que, portanto, não podem fiscalizar, como parece que é seu direito, essas mesmas autarquias?
Disse também que o Sr. Secretário de Estado que, quanto às organizações populares de base, não seria este o lugar próprio para legislar sobre elas. Mas voltamos ao mesmo. Se a lei que se pretende aperfeiçoar trata das organizações populares de base, o retirar essa questão dessa lei tem efectivamente algum significado político e jurídico.
Por último, quanto à questão do presidencialismo, V. Ex.ª disse que as delegações feitas nos presidentes das câmaras seriam delegações quase só de mera gestão. Pergunto, muito concretamente, no caso previsto na lei de ser o presidente da câmara o único juiz e o único detentor do poder de nomear os vereadores a tempo inteiro, se isto é mera gestão, se isto não traz à figura do presidente da câmara um poder excepcional em relação aos próprios vereadores e se isto não provoca uma relação de superioridade e de dependência entre os vereadores, que o querem ser a tempo inteiro, e o presidente da câmara.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Administração Regional e Local: - Srs. Deputados, muito rapidamente, porque não vale a pena "chover no molhado", nem vale a pena repetir argumentos estafados, o que, aliás, a bancada do Sr. Deputado Anselmo Aníbal faz de forma exímia.
Quanto à questão relativa às organizações populares e aos baldios que o Sr. Deputado Lopes Cardoso levantou, devo dizer que a norma que nesta proposta de lei é repescada do artigo 109.° da Lei n.° 79/77, como o Sr. Deputado sabe, foi uma norma...

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Secretário de Estado, como sabe, essa norma veio a ser posteriormente revogada.

O Orador: - Certo, Sr. Deputado. Em todo o caso, lembrar-lhe-ia que em 1977 essa norma foi aprovada sem qualquer voto contra e sem qualquer declaração de voto significativa.

Página 3967

2 DE JUNHO DE 1982 3967

Portanto, aquilo que fizemos foi repescar essa norma, o artigo 109.° da Lei n.° 79/77, e não me consta que, na altura, ela tenha sido considerada antidemocrática ou como manifestamente reducionista em relação a quaisquer direitos legítimos das populações.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Secretário de Estado, dá-me licença que o interrompa de novo?

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Secretário de Estado, é só para recordar que eu próprio, na altura como deputado independente, me manifestei nesta Assembleia contra essa disposição.
Não me recordo se houve outros deputados que tomaram a mesma posição, mas pelo menos não houve a unanimidade que o Sr. Secretário de Estado refere. Basta que tenha havido alguém que se tenha manifestado contra para não se poder falar em unanimidade.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - A UDP também se manifestou contra!

O Orador: - Sr. Deputado, isso não consta das actas.
Quanto à observação do Sr. Deputado Mário Tomé, lembro que não só a UDP não se manifestou contra esta norma, como ainda o Sr. Deputado Acácio Barreiros, que na altura tinha assento nesta Assembleia em representação da UDP, fez uma proposta no sentido de que a administração dos baldios pertencesse aos órgãos autárquicos.
Peco-lhe o favor de ler as actas da discussão da Lei n.° 79/77 e verá que isto é um facto.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Tenho que as ler!

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Orador: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - É apenas para um pequeno esclarecimento. Aliás, penso que há deputados nesta Câmara que poderão estar em melhores condições do que eu para lembrar essa situação que V. Ex.ª acaba de referir.
Mas, de qualquer maneira e tendo em conta a discussão havida aquando da revogação desse artigo da Lei n.° 79/77, a questão é simples. Penso que todos os que estavam nesta Câmara na altura da discussão da Lei n.° 79/77 se devem recordar que essa discussão foi uma autêntica maratona e que a proposta que aqui foi apresentada, no sentido da introdução desse artigo, foi entregue já quase no final da discussão e, na verdade, ninguém discordou dela.
Posteriormente, o Grupo Parlamentar do PCP, alertado para a situação que tinha sido criada com a introdução desse artigo, apresentou um projecto de lei no sentido de esse artigo ser revogado, o que veio a acontecer.
Portanto, a realidade é esta e penso que não vale a pena estarmos a escamoteá-la porque a vontade da câmara foi claramente a de rejeitar esse artigo.

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado. Mas isso não invalida de maneira nenhuma...

O Sr. Abreu Lima (CDS): - Sr. Secretário de Estado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Abreu Lima (CDS): - Queria apenas dar um esclarecimento.
Tenho a impressão de que quando a proposta foi apresentada ela não foi aprovada por unanimidade, houve um voto contra do PS e o PCP podia ter tomado atenção ao teor e conteúdo da proposta e tê-la reprovado tal como fez o PS.
O facto é que só passado 3 ou 4 meses ...

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Menos!

O Sr. Abreu Lima (CDS): - ... é que o PCP veio apresentar uma proposta para revogar este artigo, o que se verificou.
A actuação demonstrada pelo PS é tão exigível ao PCP como o foi ao PS.
Para esclarecimento desta situação, pareceu-me que tinha a obrigação de dar este "aconchego" à informação que V. Ex.ª, Sr. Secretário de Estado, acabou de dar.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Secretário de Estado, dá-me licença?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado!

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Secretário de Estado: quero apenas dar uma informação, muito breve.
O PS, nessa altura, não votou contra este texto, absteve-se em relação a esta matéria.
Na altura, nós tínhamos já sérias dúvidas em relação ao articulado proposto e por isso abstivemo-nos. A posterior revogação deste artigo foi uma sequência lógica da nossa posição inicial.

O Sr. Abreu Lima (CDS): - É igual!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Vocês foram sempre muito duvidosos nesta matéria!...

O Orador: - Isso é inteiramente exacto, Sr. Deputado Miranda Calha. Aliás, isso vai ao encontro daquilo que eu estava a dizer. Não o invalida de maneira nenhuma, apenas o confirma.
O artigo 109.° foi votado nessa altura sem qualquer voto contra e era isto que eu estava a dizer.
Quanto às questões que foram levantadas pelo Sr. Deputado Anselmo Aníbal, devo dizer que o Governo não tem da lei uma ideia de cristalização ou um sentido de absoluto e de eterno.
Recordo-lhe que a própria Lei n.° 79/77, que o Sr. Deputado entende que não deve ser revista, prevê no seu articulado a sua própria revisão até 31 de Dezembro de 1978, acolhendo, como tive ocasião de dizer na minha intervenção inicial, o sábio princípio de que a evolução do funcionamento democrático dos órgãos do Poder Local levará inevitavelmente ao aperfeiçoamento do normativo jurídico.

Página 3968

3968 I SÉRIE- NÚMERO 96

Ora, o normativo jurídico e as leis fazem-se para servir o efectivo, o eficaz e o democrático funcionamento do poder local, e não para condicionar e repelir esse funcionamento efectivo.
Quanto aos exemplos que referi de países da CEE, aliás, como já tive ocasião de esclarecer na minha intervenção inicial, é evidente que são exemplos disponíveis e nos quais se pode beber em termos de direito comparado.
Não é possível encontrar exemplos de direito comparado noutros países, nomeadamente da Europa Ocidental, porque aí não existe efectivamente uma tradição de poder local nem de direito administrativo que se conheça e que seja significativo.
Quanto à questão relativa da eficácia dos órgãos autárquicos que foi levantada pelo Sr. Deputado António Taborda, devo dizer que é evidente que a redução do número de membros dos órgãos deliberativos, como também tive ocasião de referir na minha intervenção inicial, vai contribuir seriamente para um funcionamento mais efectivo desses órgãos e, portanto, a meu ver, vai contribuir para o aumento da eficiência e da eficácia desses órgãos.
De resto, entendo que nós, em termos de legislação sobre poder local, temos exemplos mais avançados na Europa, temos mesmo alguns exemplos de vanguarda. Aliás, a própria legislação que o Governo tem preparada e que já apresentou a esta Câmara e vai ainda apresentar completando as 4 propostas de lei de que a Câmara já tem conhecimento, além da Lei Eleitoral e da Lei do Recenseamento, foi apresentada a algumas organizações internacionais europeias, nomeadamente à OCDE e ao Conselho da Europa, que se dispuseram a vir muito proximamente a Portugal para as discutir connosco e aproveitar algumas soluções que nós estamos a advogar.
Portanto, esta legislação que o Governo teve ocasião de apresentar, quanto a nós, acolhe aquilo que de positivo encontramos no direito comparado, nomeadamente no direito administrativo comparado, mas não quer, de maneira nenhuma, inviabilizar o atendimento à realidade concreta do país que o Governo retira fundamentalmente da experiência concreta do funcionamento democrático do poder local desde 1974, e, sobretudo, desde 1976 com o novo enquadramento no plano constitucional e o novo enquadramento no plano da lei ordinária. Aliás, o Governo visa retirar dessa experiência os principais ensinamentos e as principais propostas.
Efectivamente, é o funcionamento regular destes órgãos, quer deliberativos quer executivos, mas sobretudo dos órgãos deliberativos que é o que está em causa, que é a condição primeira do seu prestígio e a condição principal da consolidação do poder local democrático em Portugal.
Finalmente, Sr. Deputado António Taborda, quanto aos vereadores a tempo inteiro, devo dizer que na Lei n.° 79/77 eram os presidentes das câmaras que os escolhiam e aquilo que de novo se faz com esta proposta de lei é apenas colocar na responsabilidade do executivo o direito de afixar o número máximo de vereadores, nos termos da lei, não indo esta decisão ao órgão deliberativo, à assembleia municipal, o quê me parece correcto, uma vez que se trata de matéria interna e de gestão do próprio órgão executivo.

Aplausos, do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, está encerrada a discussão. Vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.° 82/II - Atribuições das autarquias locais e competência dos respectivos órgãos.

Submetida à votação, foi aprovada com votos a favor do PSD, do CDS e do PPM e votos contra do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento para que o diploma baixe à Comissão de Administração Interna e Poder Local, para discussão e votação na especialidade. Vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Miranda Calha.

O Sr. Miranda Calha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Socialista votou contra esta proposta de lei do Governo por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque, como foi dito aqui pelo Membro do Governo que esteve presente - não obstante o Sr. Ministro da Administração Interna não ter participado no debate-, esta proposta de lei insere-se num conjunto de diplomas de sistematização em relação à orgânica do poder local. Ora aquilo que temos conhecimento em relação a diversa legislação - que começou ainda há bem pouco tempo pela discussão da Lei Eleitoral e que vai ser continuada pela Lei da Tutela Administrativa e Lei das Finanças Locais entre outras - é que há uma grande ligação entre este e esses diplomas no sentido da diminuição do poder local e do reforço da centralização. Medidas que nós, obviamente, não advogamos.
Por este conjunto de razões não podíamos ser favoráveis em relação a este texto, não obstante também admitirmos a disponibilidade para, em sede de Comissão de Administração Interna e Poder Local, colaborar - apresentámos, inclusivamente, um projecto de lei relativo a esta área de legislação autárquica - no sentido de, através da reformulação do texto agora votado, encontrar um diploma que provoque, por um lado, um largo consenso da Assembleia e, por outro, que prestigie e reforce o poder local.
Em segundo lugar, não podíamos votar favoravelmente este texto porque encerra claros princípios de centralização. De facto, retirar influência a certas componentes da estrutura e do edifício democrático das autarquias locais (como são as assembleias municipais e de freguesia), diminuir, a participação dos cidadãos em termos da gestão da coisa pública, retirar matérias referentes às organizações populares de base e retornar à legislação específica sobre a administração dos baldios são medidas fundamentais que não podiam merecer a nossa concordância, visto que se inserem na perspectiva global que encerra esta proposta, ou seja, não é positiva na afirmação do poder local.
Por este conjunto de ordem de razões o Partido Socialista teve de votar contra esta proposta de lei do governo.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sampaio.

Página 3969

2 DE JUNHO DE 1982 3969

O Sr. Luís Sampaio (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Uma brevíssima declaração de voto.
Não obstante o debate ter deixado amplamente esclarecidas as múltiplas razões que justificaram o voto favorável do Grupo Parlamentar do CDS à proposta de lei das autarquias e estarem exaustivamente rebatidas as críticas da oposição democrática e da oposição primária anti-AD, julgamos útil deixar resumidas, no final do debate, de forma resumida e sintética, as grandes linhas da posição assumida pela minha bancada.
Cremos que são efectivamente de sublinhar três aspectos nesta proposta de lei das autarquias:
O cumprimento pontual do programa do VIII Governo em matéria do poder local, num claro desmentido à propaganda anti-AD;
A inserção desta proposta numa perspectiva de Estado, prosseguida pela actual maioria e seu Governo, que de uma forma sistemática e integrada se vai desdobrando num amplo leque de diplomas que dão um rosto novo, mais autêntico e mais português, ao nosso municipalismo e às nossas autarquias;
A própria filosofia política está subjacente ao conjunto de diplomas referido, consagradora do reforço de autonomia regional e de dignidade do poder local, colocadas ao serviço das comunidades locais no quadro mais amplo da grande comunidade nacional.
Por outro lado, repisou a oposição uma mão cheia de críticas, quase todas de pormenor, facto que é bem significativo da falta de criatividade da ex-maioria de esquerda e de um projecto válido de alternativa política à Aliança Democrática. Concretamente foram referidas a antidemocraticidade do alargamento do período de mandatos dos titulares dos órgãos autárquicos, da redução do número de eleitos nos órgãos deliberativos, do reforço do poder da câmara frente à assembleia municipal e do presidente face à câmara, da redução do papel dos conselhos municipais, da não abertura do sistema à possibilidade de candidaturas independentes às eleições para os órgãos municipais.
A resposta às duas últimas críticas encontram-se na Constituição de 1976 e nos próprios parâmetros que ela consagra. Quanto às outras, nos casos em que correspondem a realidades e não a fantasmas, regozijamo-nos por assim irmos ao encontro da vontade dos povos de quem somos legítimos representantes, dos autarcas democraticamente eleitos e, ainda, do que a experiência agora aconselha. E se as razões de ordem técnica e jurídica, abundantemente explanadas nas intervenções da bancada da maioria, não justificassem as alterações introduzidas, bastaria o peso decisivo desta opção política para fundamentar validamente a nossa posição.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao votarmos positivamente, na generalidade, a presente proposta de lei, o Partido do Centro Democrático Social regozija-se por ter avançado, agora que somos Governo, no caminho da dignificação e da autonomia crescente do poder local, coerentemente com o nosso projecto e as posições que defendemos quando fomos oposição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, uma vez que já esgotámos o nosso tempo, informo a Câmara que enviaremos oportunamente para a Mesa uma declaração de voto por escrito.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: A UDP votou contra esta proposta de lei por considerar que aponta no sentido de um Estado centralizador e autoritário; que não recolhe a experiência da gestão autárquica visto que impede o verdadeiro funcionamento democrático das autarquias limitando o número de autarcas e tentando alargar o tempo de mandato (para melhor fazer as negociatas e para os negócios darem resultado), evitando assim uma maior participação das populações nas decisões relativas aos seus interesses; que não permite a gestão dos baldios pelos órgãos autárquicos, medida que está em contradição com os interesses dos povos a quem os baldios devem pertencer, e que não permite, junto das assembleias de freguesia, a presença e participação dos órgãos populares de base territorial.
A UDP considera que as justificações apresentadas, quer pela maioria, quer pelo Governo, em relação a esta proposta de Lei são totalmente descabidas visto não terem qualquer fundamento jurídico e político. Dizer, por exemplo, que não se contemplam os órgãos populares de base nesta proposta de lei porque este diploma não tem que legislar acerca desses órgãos, é, efectivamente, um sofisma, visto que não se pretendia que esta proposta legislasse acerca dessa matéria, mas sim que a considerasse. Isto não nos admira: a AD pretende afastar as populações das decisões relativas aos seus interesses; a AD pretende diminuir a democracia no seio das autarquias; a AD pretende consolidar o Estado autoritário, o Estado centralizar, no caminho que prossegue de fascização do regime.

Vozes do CDS: - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, como não há mais inscrições; está esgotado este ponto da nossa ordem de trabalhos.
Vamos proceder de imediato ao intervalo regimental, que vai durar até às 18 horas e 5 minutos. Está suspensa a sessão.
Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar agora ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos, que diz respeito à votação final global do projecto de lei n.° 165/II, apresentado pelo PPM, relacionado com a autoprodução e distribuição independente da energia eléctrica.
Para proceder à leitura do relatório da Comissão de Indústria, Energia e Transportes, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, a Comissão de Indústria, Energia e Transportes enviou atempadamente para a Mesa o relatório relativo ao texto que vai ser posto à votação. Parece-me que é possível, devido haver entendimento entre todos os grupos par-

Página 3970

3970 I SÉRiE - NÚMERO 96

lamentares, dispensar a sua leitura e passar de imediato à votação.

O Sr. Presidente: - Como não há objecção à dispensa da leitura do relatório da Comissão de Indústria, Energia e Transportes, vamos passar à votação final global do projecto de lei n.° 165/II.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS e votos contra do PCP, registando-se a ausência do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP votou contra o texto final do projecto de lei n.° 165/II, apresentado pelo PPM, sobre autoprodução e distribuição independente de energia eléctrica, pelas seguintes razões fundamentais:
O presente documento não contém qualquer benfeitoria significativa relativamente ao Decreto-Lei 20/81, de 28 de Janeiro. Pelo contrário, pode ser considerado, em sede de votação final global, como uma malfeitoria relativamente ao referido decreto-lei. Ao mesmo tempo que sublinhamos esta questão, reafirmamos a nossa posição de apoio ao princípio da autoprodução e distribuição da energia eléctrica sempre que essa solução se apresente como possível e a melhor;
O presente documento coloca em posição subalterna a EDP, ao afirmar que esta "deverá ser informada pela Direcção-Geral de Energia", enquanto o decreto-lei referido sublinhava que o "reconhecimento da qualidade de autoprodutor compete à Direcção-Geral de Energia, sob parecer da Electricidade de Portugal";
O presente documento representa ainda um passo atrás relativamente às "condições técnicas de interligação", referidas no capítulo III do decreto-lei citado e que, por iniciativa do PPM, deixam de ser claramente tipificadas;
Em matéria de "condições de venda de energia" (capítulo vi do decreto-lei e capítulo III do documento votado), o texto final é impreciso, permitindo arbitrariedades que o decreto-lei impedia, nomeadamente no que diz respeito ao preço de venda da energia autoproduzida e distribuída;
O presente documento deve ser ainda analisado, enquadrando-o com o conjunto de diplomas que a AD tem vindo a produzir.
Quando a proposta de lei n.° 84/II, relativa à delimitação de competências e investimentos, esquece deliberadamente, no seu artigo 3.°, n.° 2, alínea b), o sector de distribuição de energia eléctrica, isto é, quando o Governo, intencionalmente, aliena a distribuição da energia eléctrica na competência da administração central, estamos ou não perante a atitude política de quem quer liberalizar o sector, de quem quer permitir promover a entrega do sector à iniciativa privada ou, para sermos mais claros, ao grande capital privado?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No dia 19 de Março de 1981, o Sr. Deputado Luís Coimbra afirmou, aquando da apresentação do seu projecto de lei, que, com tal iniciativa, o PPM pretendia "dar mais um contributo à resolução das questões de fundo que prejudicam ou impedem o progresso real e autêntico do país" (Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.° 42, de 20 de Março de 1981). Belas palavras, mas de conteúdo falso!
Umas linhas adiante afirmava ainda o deputado do PPM: "pretendemos, de facto e deste modo, dar cumprimento ao programa eleitoral da AD". Rato escondido com rabo de fora!
A AD não desiste de atacar o sector nacionalizado da economia. A AD não esquece a sua dívida para com certa clientela eleitoral que exige, em cada dia que passa, a factura a que se sente com direito. Só que nada disto tem a ver com o progresso real e autêntico do País ou com os interesses do povo português.
O nosso voto contra o presente documento não se limita, pois, à afirmação de negação de qualquer coisa que enfraquece a própria legislação já existente. É também a reafirmação do nosso repúdio por um Governo e uma política que defendem certos e muito restritivos interesses privados, com o prejuízo dos muitos e muitos vastos interesses públicos.
Estamos certos que, mais tarde ou mais cedo, muitos daqueles que ainda não acreditam em nós, compreenderão a justeza das posições que agora assumimos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Ainda, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PPM regozija-se com o apoio largamente maioritário desta Câmara a este projecto de lei, projecto que foi reformulado na subcomissão criada para o efeito no âmbito da Comissão de Indústria, Energia e Transportes e onde grande parte das críticas tecidas, nomeadamente pelo Partido Socialista, foram incluídas no texto final.
Devemos dizer que é altamente vantajoso para o País - talvez seja uma das leis mais modernas e mais avançadas da Europa em termos de tentativa de descentralizar o sistema eléctrico- o projecto de lei que acaba de ser votado pelo Plenário. Existem muitos países da Europa onde, apesar de grandes tentativas levadas a cabo por sectores ecológicos, os parlamentos não aprovaram sistemas de descentralização de energia, colocamo-nos, assim ao lado daqueles países europeus que têm por tónica fundamental a descentralização de todos os sistemas de produção e distribuição, incluindo, logicamente, o da electricidade.
Pensamos que não existe nem pode existir, qualquer confusão entre o projecto de lei que acaba de ser votado e o Decreto-Lei 20/81 sobre autoprodução de electricidade. De facto, enquanto no decreto-lei o conceito de autoprodução e de ligação à rede significa uma autoprodução feita de forma acessória por empresas que produzem electricidade, neste projecto de lei a produção de electricidade deixa de ser apenas uma actividade meramente acessória de qualquer empresa e pode passar a ser uma actividade essencial, se não exclusiva, de novas empresas a constituir, quer no âmbito municipal, quer no âmbito da iniciativa privada, pública, cooperativa ou mista. O conceito de "distribuição independente" não prejudica de modo algum o Decreto-Lei 20/81, já que pode ser feita, pela própria aplicação do decreto-lei, à rede nacional ou regional da responsabilidade ou não da EDP.

Página 3971

2 DE JUNHO DE 1982 3971

Pensamos que estamos todos a dar um grande contributo a uma certa clientela, como foi frisado pelo Sr. Deputado Sousa Marques, só que essa clientela a satisfazer diz respeito a l milhão de portugueses que ainda não têm electricidade em casa...

Vozes do PPM: - Muito bem!

O Orador: - ... e que, devido à distância a que se encontram das redes de distribuição hoje existentes, nunca mais teriam possibilidade nos próximos anos de a ter. E esse ë um direito de qualquer cidadão em qualquer sociedade ou comunidade moderna!

Vozes do PPM: - Muito bem!

O Orador: - Daí o regozijo pelo largo apoio maioritário a esta iniciativa, que, estou certo, terá profundos reflexos a nível das câmaras municipais que ainda hoje se debatem com grandes problemas relacionados com o facto de terem freguesias sem existência de energia eléctrica. Faço aqui lembrar que as próprias estatísticas estão erradas, porque consideram que uma freguesia está electrificada desde que exista uma simples instalação eléctrica ligada à rede regional ou nacional. Isto é um absurdo! Não existem só 30 ou 40 freguesias em Portugal que não estão electrificadas... há, sim, 1 milhão de portugueses que não têm electricidade em casa. É em relação a esses portugueses que se abre uma larga perspectiva de poderem vir rapidamente a ter electricidade produzida a baixos custos de uma forma descentralizada e com redes de distribuição bastante curtas, e lembro que uma rede de distribuição de electricidade custa, por quilómetro, entre 1500 e 2000 contos. Daí o impacto que este projecto vai ter nos meios rurais e nas zonas do País onde o mínimo dos progressos exigíveis ainda não chegou.

Aplausos do PPM e do PSD.

O Sr. Presidente: - Igualmente, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Brás.

O Sr. Vítor Brás (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente este projecto de lei com uma enorme dose de boa-vontade.
Boa-vontade que está subjacente ao facto de considerarmos que todos os passos que sejam dados no sentido de reduzir a nossa dependência energética são positivos e têm, portanto, a nossa adesão. Mesmo que esses passos sejam de anão e não de gigante, como se desejaria e precisaria! É por isso que votámos a favor, como já o tínhamos feito na generalidade, apesar de considerarmos o diploma redundante, pois a matéria em causa fora já contemplada, em parte, pelo Decreto n.° 26852, de 1936, e pelo Decreto-Lei n.° 20/81.
Apesar das boas-vontades expressas aquando da discussão na generalidade, no sentido da introdução de melhorias no texto, ele vem da Comissão praticamente na mesma, sem que se introduzisse algo significativo e substancial. Apesar de quase toda a argumentação aduzida pelos proponentes, quando da apresentação e discussão na generalidade, vá no sentido do aproveitamento de energias alternativas, o certo é que, no texto que acabamos de votar, lá volta a aparecer o carvão e o petróleo como possível de ser utilizado pelos produtores/distribuidores, a quem o diploma se dirige.
Esta possibilidade de utilização do carvão e petróleo não era contemplada no texto inicial, contraria até as razões fundamentais que motivam a apresentação do projecto de lei, e faz-nos crer que o próprio PPM tem dificuldade em acreditar no que inicialmente disse e naquilo que vai continuamente apregoando, ou seja, que estas fontes tradicionais de energia são substituíveis com a facilidade que então deram a entender.
É apesar de tudo isto, e com toda esta carga de cepticismo em relação a esta lei, que votámos a favor, sem que, contudo, acreditemos que ela tenha na prática algum resultado significativo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa boa vontade é tão grande nesta matéria que termino desejando sinceramente que este diploma não acabe por se traduzir apenas, e tão-só, numa perda de energia, não renovável, dos deputados desta Assembleia.

Vozes do PS: - muito bem!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, à cerca de uma semana, um grupo de deputados, entre os quais me incluía, apresentou um requerimento à Mesa, dirigido ao Ministério da Justiça, no sentido de serem esclarecidos acerca das condições prisionais em que se encontram os antifascistas do caso PRP.
Dado que é um problema urgente, dado que acabei de receber a confirmação de que a situação dos presos não só é grave como se agrava devido a medidas totalmente ilegais relativamente à própria reforma prisional (não podem telefonar aos familiares; não podem receber familiares directos - primos, sobrinhos, etc.; não podem receber aqueles que os apoiam da CSPA; o preso Amílcar Romano, que está em greve de fome, tem os vidros da cela pintados de modo a tomá-los opacos, evitando que ele veja o Sol ou o que se passa para lá dos vidros, as suas janelas foram pregadas, etc.) e dado que a situação é gravosa e cada vez pior, pergunto à Mesa se já houve resposta do Ministério da Justiça em relação ao requerimento referido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou informar-me do que se passa.

Pausa.

Sr. Deputado, neste momento a Mesa não tem informação de que já haja resposta por parte do Ministério da Justiça.
Srs. Deputados, passamos agora ao ponto seguinte da ordem de trabalhos, relativo à votação final global da proposta de lei n.° 95/II - Amnistia várias infracções e concede o perdão a várias penas por ocasião da visita a Portugal do Sumo Pontífice.
Como todos os grupos parlamentares conhecem o relatório da Comissão onde foi discutida e votada, na especialidade, esta proposta de lei, pergunto à Câmara se dispensa a leitura do relatório.

Pausa.

Como ninguém se opõe, vamos proceder à votação final global da proposta de lei n.° 95/II, incluindo o novo

Página 3972

3972 I SÉRIE - NUMERO 96

artigo 13.°, que foi aditado por acordo de todos os partidos.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como afirmámos durante a discussão, na generalidade, da proposta n.° 95/II, em principio não aceitamos que se vulgarizem as amnistias, a ponto de serem tão frequentes ou tão periódicas que sempre se espere por uma, garantindo aos presumíveis delinquentes praticamente a impunidade. Entendemos que a concessão da amnistia deve ser numa medida de clemência excepcional, e não esperada, e que só circunstâncias excepcionais a justificarão. Aceitamos que a visita do Papa a Portugal constituiu efectivamente um acontecimento excepcional e que por isso mesmo se compreendia a concessão de uma amnistia. A mensagem que o Papa nos trouxe foi, como se calculava, uma mensagem de paz e tolerância. De resto, a mensagem Papal tem de ser em qualquer circunstância naturalmente uma mensagem de concórdia entre os homens e a concórdia só pode existir na base do perdão, da caridade, da clemência. E a justiça é tudo isto.
Uma sentença implacável não é justiça; o juiz duro pode formalmente cumprir o rito legal e aplicar a sua estatuição formal. Nunca será humanamente um homem justo. Em todo o caso, nisto como em tudo, est modus in rebus.
A amnistia ora discutida é ampla, a mais ampla de todas que recordamos. Em todo o caso, discordamos que ela se estendesse aos crimes de homicídio involuntário e aos do exercício de profissão que exija título por quem o não possuía. Em qualquer destes crimes os actos praticados implicam ou podem implicar graves consequências que se não deveriam esquecer, exactamente porque, para além do agente do crime e do seu interesse em ser amnistiado, outros interesses existem que podem ser profundamente atingidos no contexto dos valores sociais dignos de protecção. Num caso, o interesse dos familiares daqueles que faleceram vítimas de um homicídio que alguém cometeu, não voluntariamente, é certo, mas por sua imperícia, ou por sua inconsideração, ou por sua negligência ou por falta de destreza própria ou por desobediência a regulamentos que devia respeitar. Noutro caso, o interesse de quem pode ser gravemente atingido por quem age e se arroja abusivamente uma qualificação que não tem.
Por outro lado, entendemos que outros delinquentes ou infractores mereceriam igual tratamento de generosidade e perdão. Estavam nesta situação, a nosso ver, as infracções disciplinares praticadas por jornalistas - e já nem dizíamos, muito mais amplamente, como seria igualmente justo, as infracções praticadas por todos os trabalhadores da comunicação social. Só que a AD manteve a sua intransigência total e os jornalistas foram excluídos da amnistia.
Mereceriam igual tratamento de generosidade, a nosso ver, os funcionários públicos por suas infracções, mais ou menos leves, o que seria uma questão de medida a acertar. A AD também não quis. Para todos eles a presença do Papa em Portugal não se traduziu no esquecimento das suas pequenas faltas. A maioria entendeu que eram réprobos e que deviam ser queimados nas chamas do Inferno. Os jornalistas e os funcionários públicos passaram a ser qualificados como agentes mais perigosos ou menos perdoáveis que os ladrões até 6 contos ou que os açambarcadores até 15 contos, ou que os falsificadores de géneros alimentícios impróprios para o consumo por acaso não nocivos à saúde.
Foi pena que a maioria usasse deste critério, a nosso ver perfeitamente injustificável. Sem embargo desta reticência, votámos, na especialidade, o presente diploma, que além da amnistia, contém perdões concedidos com larga tolerância.

Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e da Sr.ª Deputada Odete Santos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar das reservas que colocámos, em sede de especialidade, quanto à amnistia de determinados crimes, as razões que nos levaram a aprovar o diploma na generalidade mantiveram-se e por isso votámos a favor.
De facto, embora sendo preocupante o carácter repetitivo desta medida legislativa, consideramos justificada uma medida de clemência. Medida essa que irá beneficiar também os que sofrem a dureza do nosso sistema prisional, e que na expiação da pena encontram, as mais das vezes, razões de revolta e marginalidade.
Mas não é esta, de facto, a medida ideal para obviar a tais situações. E por isso o PCP não pode deixar de lamentar que se continue a ver na amnistia uma forma de minorar os efeitos das penas, que é urgente repensar globalmente.
De igual modo, e sempre que se anuncia uma amnistia, se sente pela avidez dos tribunais, que aquela é vista como um remédio para a máquina burocrática da justiça, para uma legislação penal totalmente ultrapassada que obriga os julgadores, quantas vezes, a complicados esquemas na aplicação das leis para as adequar à realidade.
Estes objectivos, que aparecem sempre subjacentes à amnistia, descaracterizam-se, em grande parte, e obscurecem o grande objectivo e a razão de ser de uma amnistia.
A que aprovámos hoje não foge à regra. Sentimo-lo quando desde julgadores a funcionários judiciais, perpassa a impaciência de a ver publicada. Quando nas salas de espera dos estabelecimentos prisionais, o preso, sujeito aos mais variados vexames por um sistema prisional que não nos dignifica, se interroga sobre a amplitude de um perdão.
Gostaríamos, pois, de sublinhar bem o carácter excepcional e bem delimitado da amnistia.
Mas por isso mesmo, esta amnistia que se pretendeu ampla, não devia estender-se a certas situações nela previstas, que não se casam com a razão de ser da medida legislativa. E por outro lado, situações há que caberiam perfeitamente nela e que os deputados da maioria rejeitaram.
Como poder justificar-se que a presente amnistia vá beneficiar todos os que exploraram máquinas eléctricas do tipo Flippers sem autorização, mesmo os reincidentes que estavam sujeitos à apreensão das máquinas?!
No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 293/81, de 16 de Outubro, que legislou sobre a exploração deste tipo de máquinas, realça-se a necessidade de cautelas quanto a

Página 3973

2 DE JUNHO DE 1982 3973

tal exploração, dados os custos sociais que a prática destes jogos origina junto das camadas mais jovens.
Como pode amnistiar-se quem desrespeitou determinadas regras destinadas à protecção desses jovens, menosprezando assim a protecção que estes devem merecer?
Como podem amnistiar-se crimes de açambarcamento e especulação e outras infracções antieconómicas, que têm por base a avidez do lucro, e revelam, portanto, o maior desrespeito para com o próximo?
Como podem amnistiar-se homicídios involuntários - medida sem tradição na história das nossas amnistias -, provocando um coro de protestos por parte dos que foram afectadas pela perda de vidas?
Como pode amnistiar-se quem tenha prestado falsas declarações quanto à nacionalidade, mesmo aqueles que assim tenham pretendido viciar o processo eleitoral de um regime democrático?
Pela nossa parte recusamo-nos a dar cobertura a esse escândalo que motivou já um inquérito ao competente serviço do MAI, que deveria ser objecto de uma punição exemplar (nunca de uma amnistia que incentiva novas prevaricações).
E por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, como pode ter-se recusado uma proposta do PCP no sentido de serem amnistiadas ocupações de casas ocorridas depois de 13 de Março de 1981, sendo certo que na sua base esteve a necessidade de uma habitação condigna e a imobilidade de um governo que não cumpre o que a Constituição prevê, preferindo que as classes desfavorecidas vegetem em casas degradadas ao lado de habitações há muito acabadas, mas vazias, do ex-Fundo de Fomento de Habitação?
Perante o texto final da lei da amnistia, apostaríamos que há disposições feitas para destinatário certo e determinado. O que deve ser afastado de toda e qualquer amnistia.
Apesar de tudo isto, as razões já indicadas no início , desta declaração de voto, prevalecem ainda contra estas reservas.
Foi nestes precisos termos que nos associámos a esta medida de clemência.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Montalvão Machado.

O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendo apenas fazer uma curtíssima declaração de voto, no sentido de que também nós, sociais-democratas, votámos favoravelmente, na especialidade, esta proposta de lei sobre amnistia.
As razões que basearam o nosso voto são por demais conhecidas. A visita de Sua Santidade o Papa a Portugal é, efectivamente, significado de clemência para com todos aqueles que receberam ou estão para receber punições.
Quero congratular-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pelo clima de correcção, lealdade, franqueza e de estudo dos problemas que na respectiva Comissão levaram à redacção desta proposta, o qual foi, aliás, muito mais aberto e muito menos contundente do que as declarações de voto que acabo de ouvir hoje, principalmente por banda do Partido Comunista.
Efectivamente, ninguém procurou, nem a maioria nem sequer a oposição, que se fizesse qualquer espécie de amnistia com destinatário certo.
Houve a preocupação de estudar os problemas e soluções, tendo nós entendido que devíamos alargar, efectivamente, a amnistia aqueles casos que nos pareceram que eram justos e razoáveis, e que devíamos afastá-la daqueles outros que não mereciam qualquer clemência, nem qualquer juízo de diminuir as punições.
Não vou assim entrar, como é evidente, na discussão de saber se uma amnistia é ou não é uma injustiça, ainda que meramente relativa, como também não vou aqui entrar na questão de saber se um perdão deve ser mais ou menos generoso.
Vou dizer que me parece, tal e qual como aqui já se disse hoje, que as amnistias não devem ser periódicas nem muito numerosas, mas que os perdões, esses sim, já tem um significado que melhor se compreende.
É uma amnistia larga. É uma amnistia que é, na parte dos perdões, bastante generosa. É uma amnistia que apresenta casos inovadores e que, pela primeira vez em Portugal, vem abranger hipóteses que nunca tinham sido abrangidas por amnistias.
Foi esta a nossa posição e por isso votámos favoravelmente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, ainda para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta amnistia - que a UDP votou favoravelmente porque considera que a situação no nosso país justifica as amnistias, na medida em que aqueles que prevaricam e que são apanhados pelo "braço pesado" da lei são, na sua maioria, vítimas da própria sociedade, que os rejeita e marginaliza - não pode deixar de ser por nós caracterizada como uma amnistia com grande sentido de classe.
Isto é, trata-se de uma amnistia que tem por detrás dela, na sua generalidade, a vontade de amnistiar (e perdoar, nos casos de perdão), como já aqui foi dito, o açambarcamento, a especulação, as infracções à legislação acerca das máquinas de jogo (e nós sabemos),o que estas significam hoje em relação à nossa juventude), os falsos testemunhos, enfim, toda uma série de faltas que estão directamente ligadas àqueles que se aproveitam do próximo e utilizam os esquemas e caminhos, mais ou menos ínvios, que lhes é permitido pela estrutura social, para "subirem" e terem lucros à custa do mal do próximo.
No entanto, naqueles casos em que a UDP apresentou propostas de amnistia, como por exemplo, nos que respeitam às injúrias às autoridades, à resistência à autoridade policial - os quais, como eu disse quando se discutiu, na generalidade, esta proposta de lei, são amplamente justificados, dado o carácter arbitrário das intervenções das autoridades e o carácter expontâneo e massivo dessa resistência e dessas injúrias e dada a necessidade do próprio cidadão de reagir, quando confrontado com o espancamento e a agressão brutal-, assim como no que respeita às infracções disciplinares que não correspondem a uma pena superior à repreensão, tais propostas foram rejeitadas.
De facto, trata-se de uma amnistia de classe, da preservação do Estado, da defesa deste a todo o custo contra o cidadão. Por isso também o não ter aceite as propostas de amnistia em relação aos profissionais da

Página 3974

3974 I SÉRIE - NÚMERO 98

comunicação social. Também esta deve estar submissa, bem "travada" para que o Governo e o Estado possam, efectivamente, desenvolver a sua actividade de fascização do País.
Não deixa de ser oportuno referir aqui, também, a falta de clemência - assim diz a AD e o seu Governo - em relação ao caso gritante dos presos do PRP, o que mais uma vez sublinha o carácter de classe destas amnistias.
O projecto de lei de amnistia que aqui foi posto, contemplando os presos do PRP, foi rejeitado. Como resposta tiveram aqueles o agravamento das suas condições de prisão, como há bocado tive aqui oportunidade de referir ao interpelar a Mesa.
Tal situação pode ser sintetizada como o faz o preso, em greve de fome, Amílcar Romano, o qual diz não se encontrar numa cela, mas num curro, totalmente isolado, e verificar que as medidas ilegais da tortura fascista têm continuação em Caxias, como já existiam em Custóias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais pedidos de palavra para declaração de voto, considero encerrado este ponto da nossa ordem do dia.
Entramos agora na discussão e votação, na generalidade, da proposta de lei n.° 33/II, da autoria da Assembleia Regional dos Açores, acerca do regime fiscal da SATA-E.P.
Tem a palavra, para ler o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Plano, o Sr. Secretário.

O Sr. Secretário (Valdemar Alves): - É do seguinte teor o relatório e parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano acerca da proposta de lei n.° 33/II:

1 - Aos 22 de Abril de 1982 reuniu a Subcomissão de Economia, Finanças e Plano, composta pelos Srs. Deputados João Sá Fernandes (relator), António Guterres, Ilda de Figueiredo e Álvaro Estêvão, a fim de apreciar a proposta de lei em epígrafe.
2 - Por unanimidade, foi decidido que a proposta em causa está em condições de ser discutida e votada em Plenário.
3 - Sobre o respectivo conteúdo foram emitidas as seguintes declarações:

Os representantes do PSD e CDS declararam-se favoráveis à aprovação da proposta. Os representantes do PS e do PCP reservaram o sentido de voto para o Plenário.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Moía (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei que vamos debater oferece variados motivos de interesse, sendo o primeiro deles o tratar-se, salvo erro pela primeira vez nesta Legislatura, de uma proposta oriunda de uma Região Autónoma. A proposta de lei vem da Região Autónoma dos Açores e foi a respectiva Assembleia Regional que a formulou.
Creio que este facto merece ser destacado, na medida em que a Assembleia da República, não tendo embora correspondido ao pedido de urgência formulado na proposta inicial da Assembleia Regional, pôde, no entanto, agendar com alguma celeridade esta discussão.
O segundo aspecto que tem relevância é no sentido de esta proposta de lei corresponder, no seu fundo e na sua essência, à correcção de um diploma governamental.
De facto, o que aconteceu foi que a SATÃ - Serviço Açoriano de Transportes Aéreos, E.P. -antiga Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos, dispunha, pelo Decreto-Lei n.º 74/72, de 4 de Março, de um regime fiscal favorável, o que era, na sua essência, correspondente aquele de que no território continental beneficiava a TAP.
Esse regime estabelecido na base 10.º das bases a que se refere o artigo 1.° do decreto-lei que citei - bases essas anexas ao Decreto-Lei n.° 74/72, que dele fazem parte integrante e que condicionavam a autorização de concessão de serviço público de transporte aéreo de passageiros, carga e correio-, estabelecia que a concessionária beneficiaria de isenção completa de impostos e contribuições do Estado ou das autarquias locais, de isenção de direitos de importação e de outras imposições aduaneiras, do regime de reexportação relativamente aos combustíveis e aos óleos lubrificantes destinados às aeronaves empregadas na exploração dos serviços internacionais e de isenção de taxas aeroportuárias de tráfego pelo prazo de 6 anos, contados desde o início de vigência do contrato de concessão.
Ora bem, creio que é importante reter este aspecto, visto que aquilo que a Assembleia Regional dos Açores propõe é precisamente (e até, nalguns casos, nos seus exactos termos) a reconstituição do processo que constava do Decreto-Lei n.° 74/72, ou, melhor dizendo, das bases anexas a esse decreto-lei.
Vem fazê-lo por uma circunstância que não pode deixar de ser passada sem reparo por parte desta Assembleia, isto é, quando o Ministério dos Transportes e Comunicações fez publicar o Decreto-Lei n.° 490/80, de 17 de Outubro, esse decreto-lei, oriundo do primeiro governo da AD, retirou à Sociedade de Transportes Açorianos todos os benefícios fiscais - ainda que neste momento se tratasse de uma empresa pública - de que antes uma sociedade comercial privada dispunha, nos termos de um decreto-lei de 1972.
8 anos depois, portanto, o Governo atribuía à Região Autónoma dos Açores e à sua transportadora menores benefícios do que antes tinham sido concedidos, em 1972, agravando assim as condições de rentabilidade da empresa e agravando também as condições em que beneficiam de transporte, em particular interilhas, os açorianos.
A situação era, de facto, extremamente grave. É a reparação desta injustiça, que o primeiro governo AD provocou, que a Assembleia Regional dos Açores pede à Assembleia da República.
A proposta de lei corresponde, de facto, à reposição textual do regime de 1972, pretendendo-se, no artigo 3.° - porque de correcção de injustiça se trata-, que o disposto no diploma produza efeitos a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n. ° 490/80, de 17 de Outubro.
Não se poderia ser mais claro na reparação que se pretende e nós com ela estamos de acordo.
Votaremos pois a proposta de lei da Assembleia Regional dos Açores e apenas sugerimos que em relação ao seu artigo 1.°, n.° 1, seja introduzida uma modificação de pormenor mas que revela como, exactamente, a proposta de lei seguiu, a par e passo, o Decreto-Lei n." 74/72.
Falava-se no diploma de 1972 (e fala-se na proposta de lei que temos presente), na "Isenção completa de

Página 3975

2 DE JUNHO DE 1982 3975

impostos e contribuições do Estado ou das autarquias locais, gerais ou especiais,...".
A figura das autarquias especiais é duvidosa doutrinariamente, mas, neste momento, creio que, nos termos constitucionais, não há dúvidas que essa figura não existe, devendo, como tal ser eliminada, do texto da proposta de lei.
Com esta pequena ressalva, a proposta merece a nossa concordância. Votá-la-emos, portanto, favoravelmente. É uma reparação de uma injustiça que o Governo AD criou aos açorianos.

Aplausos da ASDI e do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em 17 de Outubro de 1980 o Governo decidiu, através do Decreto-Lei n.° 490/80, extinguir a Sociedade de Transportes Aéreos Açorianos, S.A.R.L., cujos únicos detentores de capital social eram a TAP, e a Região Autónoma, tendo criado uma empresa pública, de âmbito regional, de transportes aéreos que se propunha ser, como é, aliás, referido no preâmbulo do citado decreto-lei, económica e financeiramente equilibrada, susceptível de cumprir, cabalmente, os seus objectivos fundamentais, isto é, servir a população e contribuir para o desenvolvimento do arquipélago.
Só que no Decreto-Lei n.° 490/80, de 17 de Outubro, há uma estranha omissão, aliás já aqui referida pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, quanto ao regime fiscal.
Desta omissão decorre a aplicabilidade à SATÃ do disposto no artigo 34.° do Estatuto das empresas públicas, uma vez que o Governo não apresentou posteriormente qualquer proposta de lei à Assembleia da República prevendo um regime tributário especial.
E não só o não apresentou em Outubro de 1980, como o não fez desde então até agora.
É a Região Autónoma dos Açores que surge a apresentar esta proposta de lei que está, aliás, já há vários meses pendente nesta Assembleia.
Por outro lado, o Governo também não informou à Assembleia da República dos pressupostos da opção fiscal decorrente do Decreto-Lei n.° 490/80. nem sobre as implicações da sua aplicação ou não ao longo destes meses.
Era interessante sabermos o que, entretanto, se passou, isto é, se foi ou não aplicado o Decreto-Lei n.° 490/80 e quais as implicações que daí decorreram, ou seja, se a SATÃ pagou ou não impostos desde 17 de Outubro de 1980 até este momento. É uma pergunta que aqui deixo e a que gostaria de ver respondida.
Estamos, pois, perante um processo legislativo que chega a esta Assembleia sem estar suficientemente instruído, e carente de informação, a menos que os senhores deputados da AD conheçam a resposta a esta informação. De qualquer modo, consideramos que as regiões autónomas merecem bem mais.
A questão de fundo, no entanto, é esta Srs. Deputados: qual deve ser o regime fiscal aplicado à SATÃ? Pela nossa parte, cremos que se verificam quanto à SATÃ os pressupostos a que se refere o artigo 43.°, do Decreto-Lei n.°270/76, ou seja, a empresa exerce um serviço público e o regime fiscal deve ter em conta esse facto. E esse, na nossa opinião, o princípio geral aplicável ao caso concreto. Mas a questão não pode ser examinada sem ter em conta o regime fiscal aplicável à TAP - trata-se, na nossa opinião, de um ponto de referência fundamental.
Posta a questão nestes termos, é de equiparação que há que falar. A equiparação é possível no quadro actual e em função deste. Mas, nesse caso, o instrumento jurídico mais idóneo é o da remissão e não a delimitação material que nos surge proposta em notório decalque da base 10.ª do Decreto-Lei n.° 74/72, de 4 de Março.
Ora, é exactamente no sentido de garantir essa identidade de regime que apresentamos uma proposta de substituição do artigo 1.°, do seguinte teor:
A empresa pública Serviço Açoriano de Transportes Aéreos - SATÃ-, beneficia de isenções fiscais equiparadas às legalmente atribuídas à TAP, E.P.
No entanto, concordamos, na generalidade, com a presente proposta de lei e iremos votá-la favoravelmente.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes.

O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria só fazer uma breve referência em relação aquilo que foi aqui dito pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
Realmente, pela parte das regiões autónomas, nós dizemos que estas coisas são feitas em devido tempo e foi exactamente agora que a Assembleia Regional dos Açores tomou a iniciativa de vir pedir que certas e determinadas situações fossem normalizadas neste ponto. Isto já está a ser feito agora, mas também poderia ter sido feito há mais tempo.
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo referiu-se ao que se passou até agora quanto a todos os impostos e taxas que deveriam ter sido pagos. Segundo as informações que temos, até ao dia 31 de Maio -portanto, até ontem - terminava o prazo, mas está-se a tentar prorrogá-lo para que possam ser pagas as taxas que se impõem.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Que prazo, Sr. Deputado? Não sei onde é que estava previsto esse prazo a que V. Ex.ª se refere.

O Orador: - Refiro-me ao prazo que existe nas alfândegas para pagamento das taxas em curso.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas aqui não se refere apenas ao problema das taxas nas alfândegas.

O Orador: - e há também outros impostos que não estão em suspenso, mas estão em dívida.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Portanto, não foram pagos...

O Orador: - Exactamente, não f oram pagos.
Ora, uma vez que esta proposta de lei seja aprovada eles serão devidamente contabilizados e, portanto, deixa de haver lugar ao pagamento dos mesmos.
Quanto à proposta de alteração que o PCP apresenta em relação ao artigo 1.°, acho que o alcance prático que daqui advém é relativamente diferente daquele que se compreende na proposta da Assembleia Regional.

Página 3976

3976 I SÉRIE - NÚMERO 96

Com efeito, a proposta da Assembleia Regional, no seu artigo 1.° e em todo o articulado, preconiza um âmbito de isenção mais largo, ao passo que esta vossa proposta vem cercear e equipará-lo ao sistema que existe para a TAP.
Tanto na Região Autónoma dos Açores como na Região Autónoma da Madeira todas estas taxas e impostos são receitas das próprias regiões e também das próprias autarquias naquilo que se refere às derramas e, portanto, às taxas que incidem sobre os impostos aduaneiros, que é onde as câmaras cobrem os seus impostos. Ora, como a própria SATÃ pertence, na sua totalidade, à Região Autónoma dos Açores, seria a Região Autónoma a subsidiar a SATÃ nos seus défices porque estavam incluídos no pagamento dos impostos que criavam e por sua vez arrecadavam-se as mesmas receitas.
Ora, como é tirar de um bolso e meter no outro, creio que neste caso isso não se justifica. Se realmente queremos estabelecer uma comparação ou uma forma de reivindicar isenções, seria também natural -e nós não nos opomos nas regiões - que a TAP reivindique para si essas mesmas isenções. Portanto, ou será a SATÃ a seguir o regime que existe para a TAP ou, futuramente, será a TAP a pedir para si o regime que funciona para a SATÃ. Sendo assim, não vejo o alcance prático disso.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado Sá Fernandes, gostaria de lhe perguntar o seguinte: A SATÃ é uma empresa pública e a TAP também é uma empresa pública. Como o Sr. Deputado sabe, o regime especial que está previsto no Decreto-Lei n.°260/76, no seu artigo 34.°, prevê, por exemplo, a criação de regimes especiais para as empresas de serviços públicos.
Na minha opinião, este é o caso, tanto da SATÃ como da TAP. Ambas são empresas públicas, ambas têm um regime idêntico, ambas prestam serviços públicos e, portanto, julgo que não há razão para que os seus regimes fiscais sejam diferentes.
Por isso, pergunto ao Sr. Deputado se não considera que os argumentos que apresentou para que a SATÃ tenha um benefício superior ao da TAP, empresa pública, não se aplicam igualmente à TAP, empresa pública também.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes.

O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, na verdade isso é assim, mas também é preciso ter em conta a dimensão das duas companhias. É natural que a extinção de uma isenção deste tipo à TAP, que é uma companhia muitíssimo maior, talvez crie outros problemas até na parte de isenções de direitos de importação, etc.
Atendendo a que a SATÃ é uma companhia bastante mais pequena, não vejo que essa diferenciação venha criar grandes problemas e talvez até constitua uma maneira de um dia se rever esse assunto em relação à TAP, que, como se sabe, é deficitária.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, deveríamos passar à votação. No entanto, como neste momento não há quórum suficiente para se proceder à votação, peço às direcções dos diversos grupos parlamentares o favor de chamarem os deputados à Sala. Trata-se de um documento importante, que não pode ser votado com poucos deputados presentes.
Sendo assim, vamos aguardar uns minutos para que os senhores deputados possam estar presentes.

Pausa.

Srs. Deputados, enquanto não passamos à votação desta proposta de lei, o Sr. Secretário vai anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Valdemar Alves): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projectos de lei n.os 344/II, do Partido Social-Democrata, que diz respeito à alteração da actual divisão administrativa entre os concelhos de Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra, no lugar das Baralhas; 345/11, do Partido Socialista, que diz respeito às atribuições das autarquias locais e competências dos respectivos órgãos, e 346/II, que diz respeito à simbologia das autarquias locais - que baixam à 10.ª Comissão-, c as propostas de lei n.os 101/II, que autoriza o Governo a legislar sobre a competência processual da Polícia Judiciária e sobre a destruição antecipada de drogas apreendidas -esta proposta de lei tem um pedido de prioridade e urgência e baixa à 2.* Comissão-, e 102/II, sobre Lei de Minas, que baixa à 10.ª Comissão.
Apresentadas pelo Partido Comunista Português, deram entrada na Mesa as ratificações n.os 160/II, ao Decreto-Lei n.° 172/82, que estabelece um sistema de incentivos e novos investimentos de relevância turística: 161/II, ao Decreto-Lei n.° 214/82, de 29 de Maio, que extingue o Fundo de Fomento da Habitação e o Instituto de Apoio à Construção Civil e cria, na Secretária-Geral do Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, um quadro de efectivos interdepartamental, e 162/II, ao Decreto-Lei n.° 217/82, de 31 de Maio, que cria o Fundo de Apoio ao Investimento para a Habitação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.° 33/II.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à votação desta mesma proposta de lei na especialidade.
Há uma proposta de substituição do artigo 1.° apresentada pelo Partido Comunista Português, que é do seguinte teor:
A empresa pública Serviço Açoriano de Transportes Aéreos - SATÃ, E. P., beneficia de isenções fiscais equiparadas às legalmente atribuídas à TAP, E. P.
Visto não haver inscrições, passamos à votação desta proposta de substituição.

Submetida â votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM, com votos a favor do PCP e

Página 3977

2 DE JUNHO DE 1982 3977

com abstenções do PS, da ASDI e da UEDS, registando-se a ausência do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Vamos agora passar à votação do artigo 1.°

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, solicitava que o artigo 1.° fosse votado ponto por ponto e que no ponto n.° 1 os senhores deputados tivessem em conta a explicação há pouco dada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, retirando a palavra "especiais", pois não tem razão de ser neste momento.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, sobre esse aspecto não se encontra nenhuma proposta na Mesa. Foi uma sugestão do Sr. Deputado Magalhães Mota e, por conseguinte, não pode ser apreciada.
Vamos assim votar o artigo 1.°, ponto por ponto.
Vai votar-se o n.° 1.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência do MDP/CDE e da UDP.
É o seguinte:

ARTIGO 1.°

São concedidas à SATÃ - Serviço Açoriano de Transportes Aéreos, E. P., as seguintes facilidades fiscais:

1) Isenção completa de impostos e contribuições do Estado ou das autarquias locais, gerais ou especiais, com excepção do imposto de transacções;

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o n.° 2.

Submetido à votação foi aprovado, com os votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS e com a abstenção do PCP, registando-se a ausência do MDP/CDE e da UDP.

É o seguinte:

2) Isenção de direitos de importação, de outras imposições aduaneiras, designadamente de emolumentos gerais aduaneiros e selo de despacho, e de emolumentos consulares, em relação às aeronaves, motores, maquinismos, ferramentas, utensílios, peças de reserva e quaisquer outros materiais destinados à manutenção das aeronaves e das oficinas afectas aos serviços concedidos;

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o n.° 3.

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS e com a abstenção do PCP, registando-se a ausência do MDP/CDE e da UDP.

É o seguinte:

3) Isenção de direitos de importação, de outras imposições aduaneiras, designadamente de emolumentos gerais aduaneiros e selo de despacho e de quaisquer outras taxas, incluindo a taxa de salvação nacional, relativamente aos combustíveis e óleos lubrificantes utilizados na exploração dos serviços internos, ou em voos experimentais ou de treino;

O Sr. Presidente: - Vai votar-se o n.° 4.

Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS, e com a abstenção do PCP, registando-se a ausência do MDP/CDE e da UDP.

É o seguinte:

4) Regime de reexportação relativamente aos combustíveis e óleos lubrificantes destinados às aeronaves empregadas na exploração dos serviços internacionais;

O Sr. Presidente: - Como não há propostas de alteração, em relação aos artigos 3.° e 4.°, passamos à sua votação conjunta.

Submetidos à votação, foram aprovados por unanimidade.

São os seguintes:

ARTIGO 2.º

O disposto na parte final do n.° 1 do artigo 1.° não prejudica as isenções do imposto de transacções estabelecidas no respectivo Código e legislação complementar.

ARTIGO 3.º

O disposto no presente diploma produz efeitos a partir da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 490/80, de 17 de Outubro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Estevão, para uma declaração de voto.

O Sr. Álvaro Estevão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS votou a favor desta proposta de lei porque a entende como reparadora de flagrante injustiça com que se discriminava nesta matéria a Região Autónoma dos Açores.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais declarações de voto, vou comunicar à Assembleia a ordem dos trabalhos para amanhã.
A Assembleia volta a reunir amanhã às 10 horas e depois às 15 horas, sem período de antes da ordem do dia e com a seguinte ordem de trabalhos: proposta de resolução sobre o processo especial da revisão constitucional; projectos de lei n.os 2/II, do PSD, do CDS e do PPM, n.º 3, do PCP, n.º 4, do PS, da ASDI e da UEDS, e n.° 5, do MDP/CDE, todos sobre a revisão constitucional.
Foi distribuído aos grupos parlamentares o texto da proposta de resolução sobre o processo especial da revisão constitucional que amanhã será discutido nesta Assembleia.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Página 3978

3978 I SÉRIE - NUMERO 96

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD)

Américo Abreu Dias.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
Armando Lopes Correia Costa.
Carlos Morais Alão.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando Baptista Nogueira.
Francisco de Sousa Tavares.
João Afonso Gonçalves.
João Aurélio Dias Mendes.
Joaquim Pinto.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)

António Chaves Medeiros.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernando Marques R. Reis.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António José Vieira de Freitas.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
Leonel Sousa Fadigas.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel da Mata de Cáceres.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Lopes Soares.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.

União da Esquerda P/Democracia Socialista (UEDS)

Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD)

António Vilar Ribeiro.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Sequeira Roriz.
Horácio Manuel F. Carvalho.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
José de Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro Almeida.

Partido Socialista (PS)

Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Duarte Arnaut.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos da Gama.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.

Centro Democrático Social (CDS)

Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
José Alberto de Faria Xerez.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Mário Gaioso Henriques.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui António Pacheco Mendes.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
Lino Carvalho de Lima.
Vital Martins Moreira.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano José Alves Moreira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Henrique José C. M.
Pereira de Moraes.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Barreirinhas Cunhal.
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António de Sousa Lara.

OS REDACTORES DE 1.ª CLASSE: José Diogo - Ana Maria Marques da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO 96$OO

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×