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I Série - Número 114 Quarta-feira, 7 de Julho de 1982
Diário da Assembleia da República
II LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1981-1982)
SESSÃO SUPLEMENTAR
REUNIÃO PLENÁRIA DE 6 DE JULHO DE 1982
Presidente: Exmo. Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás António Mendes de Carvalho
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr Presidente declarou aberta a sessão as 10 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos.
Em declaração política o Sr. Fernando Cardote (PSD) referiu-se aos variados problemas da Casa Pia de Lisboa, que se têm vindo a agravar, apelando ao Governo que tome em conta a sua recuperação Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Vidigal Amaro, Zita Seabra (PCP) e José Niza (PS).
O Sr. Deputado Carreira Marques (PCP) criticou a política seguida pelo Governo no sector da habitação.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP) referiu-se aos graves problemas dos desalojados das freguesias da Sé e de Miragaia, na sequência dos temporais que se fizeram sentir na cidade do Porto nos finais do ano de 1981 Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs Deputados Manuel Moreira (PSD) e Eduardo Pereira (PS).
Ordem do dia. - Foi lido e aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de deputados do CDS.
Os Srs. Deputados Rogério Leão (CDS), Jorge Lemos (PCP) e Magalhães Mota (ASDI) produziram declarações de voto relativas à votação do projecto de lei n.º 108/II, que dá nova redacção ao artigo 1.º da Lei n º 75/79, de 29 de Novembro (Lei da Radiotelevisão).
Foi discutida e aprovada a proposta de lei n.º 104/II - Adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento Intervieram, a diverso título, além do Sr Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira) os Srs Deputados Magalhães Mota (ASDI), Octávio Teixeira (PCP), João Cravinho (PS), Fernando Cardote (PSD), Carlos Robalo, José Alberto Xerez (CDS) e Lopes Cardoso (UEDS).
Iniciou-se a discussão da proposta de lei n.º 100/II, que autoriza o Governo a legislar em matéria de definição de crimes, penas e medidas de segurança com vista à aprovação de um novo código penal e à revogação do vigente e em matéria de contravenções e sobre o regime penal especial aplicável a jovens delinquentes dos 16 anos aos 25 anos.
Usou da palavra, para proceder à sua apresentação o Sr. Ministro da Justiça (Meneres Pimentel).
Prosseguiu a discussão e votação dos projectos de alteração à Constituição - artigos 109.º a 113.º (inclusive) -, tendo ainda sido votadas propostas pendentes em relação aos artigos 92.º e 94.º
Usaram da palavra, a diverso título (incluindo declarações de voto) os Srs. Deputados Vital Moreira (PCP), Herberto Goulart (MDP/CDE), Luis Beiroco (CDS), Cabrita Neto (PSD), Sousa Tavares (PSD), Ilda Figueiredo, Joaquim Miranda, Veiga de Oliveira (PCP), Sousa Lara (PPM), Vilhena de Carvalho (ASDI), Mário Tomé (UDP), Carlos Brito (PCP), Lopes Cardoso (UEDS), Borges de Carvalho e António Moniz (PPM), Jaime Gama (PS), António Vitorino (UEDS) e Almeida Santos (PS).
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Alberto Rosário Pereira.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Anacleto Silva Baptista.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
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Arménio dos Santos.
Artur Morais Araújo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Dinah Serrão Alhandra.
Eduardo Manuel Lourenço Sousa.
Fernando Alfredo Moutinho Garcês.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes Costa.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Aurélio Dias Mendes.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José de Vargas Bulcão.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria de Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuela Dias Moreira.
Mário Dias Lopes.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS)
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
António de Almeida Santos.
António Coutinho Fonseca.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
José Joaquim Pita Guerreiro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Maria Emília Moreira da Silva.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Ribeiro Constâncio.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano Vasco da Fonseca Rodrigues.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
António Mendes Carvalho.
António Oliveira Santos.
António Pedro Silva Lourenço.
António Paulo Rolo.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Camilo Guerreiro Ferreira.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
João António de Morais Leitão.
João José M. Pulido de Almeida.
José Amândio Carvalho Monteiro.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Manuel Lemos Couto Azevedo.
Maria José Paulo Sampaio.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José de Almeida Silva Graça.
António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Sérgio Ferreira Pinto.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Alberto de Faria Xerez.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria d'Aires Sande Silva.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Vital Martins Moreira.
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Partido Popular Monárquico (PPM)
António José Borges G. de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
António Monteiro Taborda.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário Reinaldo Gomes, para proceder à leitura do expediente, e dar conta dos requerimentos apresentados na Mesa.
Foi lido. É o seguinte:
Expediente
Ofícios
Do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas de Viseu sobre as condições de vida dos assalariados agrícolas do Distrito.
Do MDM - Movimento Democrático das Mulheres Portuguesas enviando brochura sobre os direitos fundamentais da mulher portuguesa consignados na Constituição Portuguesa.
Enviando Moção do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis dos Distritos do Porto e Aveiro, solidarizando-se com as conclusões da 6.º Conferência da Reforma Agrária.
Enviando Moção da Assembleia de Freguesia de Vila do Conde e da Assembleia de Freguesia de Cedofeita, sobre o «pacote» legislativo das autarquias locais.
Do Governo Civil do Distrito de Braga, enviando proposta da Câmara Municipal de Guimarães, sobre os acontecimentos ocorridos na Vila de Vizela.
Remetendo Moção da União de Resistentes Antifascistas Portugueses, sobre a situação política e as graves ameaças ao regime democrático.
Da Assembleia de Freguesia de Castelões - Vale de Cambra, com parecer sobre o projecto de lei n.º 344/II (lugar de Baralhas).
Da Assembleia Municipal de Alenquer, sobre regionalização.
Da Associação Livre dos Objectores e Objectoras de Consciência, sobre os objectores de consciência presos.
Enviando Moção do MDM - Movimento Democrático das Mulheres Portuguesas, sobre a proposta de lei n.º 90/II, a chamada Lei de Bases da Família.
Remetendo Moção do Sindicato dos Trabalhadores Têxteis dos Distritos do Porto e Aveiro, sobre a situação social na Francor - Estamparia e Acabamentos Têxteis, Lda.
Do Corpo de Bombeiros Municipais de Viseu, pedindo a aprovação do diploma legal sobre a cessação das discriminações fiscais que atingem os Bombeiros Municipais.
Do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, sobre os diplomas que constituem o «pacote laboral».
Enviando Moção do Sindicato dos Professores da Europa, sobre o ensino de português em França.
Da União dos Sindicatos do Distrito de Beja, sobre Revisão Constitucional.
Da CGTP-IN da Madeira, sobre a greve geral de 11 de Maio.
Remetendo circular do Sindicato Livre dos Trabalhadores da Indústria de Bordados, Tapeçarias e Têxteis da Madeira, sobre a repressão nas fábricas de bordados.
Enviando Moção do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura, Pecuária e Silvicultura do Distrito de Lisboa (CGTP-IN), sobre a situação dos trabalhadores agrícolas e o Governo AD.
Resolução
Da União dos Sindicatos do Porto, sobre «situação político-sindical».
Telegramas
De escritores e artistas portugueses editados pela Inova e pela Oiro do Dia, protestando contra a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros pelo facto de serem proibidos de se apresentarem na Feira do Livro.
O Sr. Secretário Reinaldo Gomes: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram apresentados na Mesa, nas últimas reuniões plenárias os seguintes requerimentos: na reunião do dia l de Julho de 1982, aos Ministérios das Finanças e do Plano, do Trabalho e da Indústria, Energia e Exportação, formulado pelo Sr. Deputado Mário Tomé; aos Ministérios da Educação e Universidades e da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pelos Srs. Deputados Octávio Teixeira e Manuel da Silva; ao Governo, pelos Srs. Deputados Ilda Figueiredo e Gaspar Martins; ao Governo Regional da Madeira, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Correia e outros; ao Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Fadigas; aos Ministérios da Indústria, Energia e Exportação e das Finanças e do Plano, formulado pelo Sr. Deputado Adelino Teixeira de Carvalho; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pelos Srs. Deputados Silva Graça e José Mendes; aos Ministérios da Indústria, Energia e Exportação e das Finanças e do Plano, formulados pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Georgete Ferreira; ao Governo, formulados pelo Sr. Deputado Herberto Goulart; aos Ministérios dos Assuntos Sociais e dos Negócios Estrangeiros, formulados pelo Sr. Deputado Fernando Dias de Carvalho; ao Governo, e ao Ministério da Cultura e Coordenação Científica no total de 6, formulados pelo Sr. Deputado Guilherme de Oliveira Martins.
Na reunião do dia 2 de Julho de 1982, ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado António Taborda; ao Ministério da Indústria, Energia e Exportação, formulado pelo Sr. Deputado Luís Ottolini Coimbra; aos Ministérios da Administração Interna, das Finanças e do Plano e da Indústria, Energia e Exportação, formulados pelo Sr. Deputado Mário Tomé; a diversos Ministérios, Secretarias de Estado e à Televisão Portuguesa, no total
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de seis (6), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados: Como é do conhecimento da Câmara, a noite passada verificou-se um acidente ferroviário na Setil, com subsequente descarrilamento do comboio que vinha do Porto para Lisboa.
Há a lamentar a perda, pelo menos, de duas vidas - do maquinista e do seu ajudante- e fomos informados de que entre os passageiros feridos havia alguns dos nossos colegas. Entre eles, os Srs. Deputados Beatriz e Mário Cal Brandão que neste momento tenho a alegria de ver já na Sala e que, segundo soubemos, foram atendidos no hospital do Cartaxo por ferimentos ligeiros.
Queria congratular-me pela sua presença entre nós e saudar a sua dedicação exemplar, que os faz estar já hoje nesta Câmara.
Para além destes Srs. Deputados, estou informado de que também ficaram feridos os Srs. Deputados Cipriano Martins, Portugal da Fonseca e Costa Andrade.
As informações de que dispomos, até este momento, quanto a estes Srs. Deputados - embora com lesões um pouco mais graves que os Srs. Deputados Beatriz e Mário Cal Brandão - são bastante tranquilizadoras.
Segundo notícias não confirmadas, entre os feridos que ficaram internados, por se tratarem de situações relativamente graves, haveria um deputado de quem não sabemos ainda o nome. Neste momento, estamos a promover todas as diligências possíveis junto dos hospitais de Lisboa, através do Ministério dos Assuntos Sociais e da Administração da CP, para verificarmos se se confirma ou se - como esperamos - se poderá desmentir que haja um colega nosso em situação que inspire cuidados.
Queria dar conhecimento à Câmara desta situação, saudar os nossos colegas que, embora feridos nesse acidente, já se encontram entre nós e esperar que os outros Srs. Deputados possam igualmente regressar, em breve, ao nosso convívio.
E porque não podemos confinar-nos às preocupações que se circunscrevem ao âmbito dos nossos colegas, naturalmente pretendemos exprimir, em nome de toda a Assembleia da República, as preocupações e os sentimentos resultantes da perda de algumas vidas e a preocupação com que acompanhamos a situação dos feridos em estado de maior gravidade, formulando aqui os nossos votos para que se possam em breve recompor.
Pausa.
Para uma declaração política, está inscrito o Sr. Deputado Fernando Cardote. Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No sábado passado, dia 3 de Julho, completou duzentos e dois anos uma instituição de assistência social portuguesa. Não serão muitas, em Portugal, as instituições, mesmo de índole diferente, que terão resistido às profundas alterações políticas, económicas e sociais que nos últimos dois séculos ocorreram no nosso País. A Casa Pia de Lisboa -pois a ela me refiro - resistiu a essas alterações é certo, mas tem de dizer-se, com amargura, que neste meio século o poder político pareceu mais apostado em enfraquecê-la, do que em a amparar e robustecer.
Ao atingir a década de quarenta, a Casa Pia estaria talvez no apogeu da sua trajectória histórica tendo então uma população de alunos estabilizada abaixo dos mil rapazes; poderá apontar numerosos filhos seus ocupando situações de destaque nos mais diversos sectores da actividade e -o que é mais importante podia gabar-se de que cada rapaz que saía os seus portões vinha apetrechado profissional e moralmente, para ser um cidadão digno e útil, que à sociedade devolvia, com juros, o que a sociedade nele investira.
Fosse ele engenheiro, jurista, economista ou artista, fosse ele mecânico, carpinteiro ou alfaiate, a sua condição de casa piano era como que um «selo de garantia» de que se estava perante um cidadão honrado, competente na sua profissão, disciplinado e disciplinador, de carácter independente e mau sofredor de injustiças.
A década de quarenta foi, contudo, fatal para a Instituição. Foi esbulhada da sua vasta cerca em Belém, que albergava também o campo de jogos do Casa Pia Atlético Clube, com vista à exposição do Mundo Português, a qual não mais lhe foi restituída e hoje é ocupada pelo bairro de vivendas do Restelo e campo de futebol do Belenenses. Foi amputada considerável área de que usufruía há um século no Mosteiro dos Jerónimos, medida que, apesar dos transtornos causados, teve um objectivo defensável de preservar aquele monumento nacional.
Mas o golpe fatal foi-lhe desferido em 1942, ao ser integrada na então direcção geral da assistência, e alargado o seu âmbito a vários estabelecimentos assistenciais, tudo sobre o comando de um único provedor. A Casa Pia de Lisboa transformou-se então em simples secção -a Secção Pina Manique - de uma Casa Pia gigantesca, heterogénea, dispersa, burocratizada, com direcção centralista e distante.
Veio depois o aproveitamento e sujeição das capacidades da Instituição, à então omnipresente e protegida Mocidade Portuguesa. Veio a implantação de forte componente religiosa no regime de internato, até então rigorosamente (e talvez excessivamente) neutral neste aspecto. Dois casos ficaram, tristemente, a exemplificar o novo clima instalado. Um foi a destruição de um magnífico ginásio para nele erguer uma capela, quando ali, paredes meias existia a Igreja dos Jerónimos. Outro foi a inutilização do tanque de natação, a pretexto de falsos pudores.
E isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, numa Instituição cujos educandos vinham marcando, há décadas, lugar ímpar no desporto em Portugal, designadamente no futebol, de que foram pioneiros no nosso país.
A degradação do internato tocou as raias da desumanidade, com alunos mal vestidos, mal alimentados, mal alojados, mal instruídos e impiedosamente atirados para a rua quando atingiam a idade regulamentar, qualquer que fosse o seu grau de preparação.
Veio também a experiência precipitada dos chamados lares, sobre pretexto de dar aos alunos um lar, de os subtrair ao regime de internato, como se o lar familiar, o autêntico, o único, fosse substituível por um sucedâneo. Foi assim que os alunos em regime de semi-internato passaram a constituir mais do dobro dos internados e que as instalações em Belém, que chegaram a albergar 1000 alunos hoje só contam meia dúzia de internos. E mais, no regime de semi-internato foram admitidos - imagine-se crianças com pais com lar próprio, mediante pagamento, como se de vulgar colégio se tratasse. Isto numa Casa Pia criada para instruir, educar e amparar órfãos e desprotegidos.
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E se o 25 de Abril abriu portas até então fechadas aos casapianos - malquistos no regime salazarista - como a desta Assembleia, onde entraram João Soares Louro, Maldonado Gonelha e eu próprio, a Instituição não viu, com a mudança de regime, melhorar as suas condições.
A pretexto de liberdade e igualdade, instalou-se a licenciosidade, a irresponsabilidade, a indisciplina consentida, a ponto tal que os jornais aí encontraram matéria para reportagens, que encheram de vergonha e de dor os casapianos de outros tempos.
Os quadros de funcionários incharam e a Casa Pia nunca teve tanto pedagogo, psicólogo, assistente social, etc. Os provedores sucederam-se, sem «aquecerem» o lugar. A Casa Pia foi visitada pelo Presidente da República, Primeiro-Ministro, Ministros, Secretários de Estado houve a inevitável comissão de reestruturação. Mas até agora nada de fundamental foi empreendido para recuperar a Instituição. E hoje, para citar palavras do mais recente provedor, creio que também ele demissionário.
A Casa Pia de Lisboa é um corpo sem vida e sem alma. É escusado incomodar o sono tranquilo de Diogo Inácio de Pina Manique para ele nos testemunhar como está irreconhecível a obra que ele criou. A Casa Pia é só edifício; tem de facto compartimentos, cubículos, corredores pelo meio e saídas para a rua mas não há na realidade Casa, não há espírito. A Casa Pia não é coisa nenhuma.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fui aluno da Casa Pia entre 1933 e 1943. Vivi aí, pois, no «antes» e assisti ao começo do «depois». Poderia testemunhar das linhas mestras da Instituição, qual árvore secular que todos o1 anos generosamente entregava os seus apreciados frutos O tempo não mo permite. Mas, quero dar testemunho de uma orientação que reputo das mais importantes e que era o aproveitamento integral das capacidades dos educandos. Esta linha orientadora fez da Casa Pia uma Instituição verdadeiramente democrática. Órfão ou desprotegido que lá entrasse poderia ascender aos mais elevados graus de ensino, porque a Instituição, se ele demonstrasse capacidades, o mandava frequentar a Universidade, especializar no estrangeiro, etc. Os preceitos igualitários no campo do ensino, que a Constituição de 1976 inovou, já a Casa Pia de Lisboa praticava há muito tempo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha voz não é a primeira, nem será a última que nesta Assembleia se levanta para lembrar ao Governo a urgência de deitar uma mão à Casa Pia de Lisboa, de não deixar perder uma Instituição bicentenária.
Nesta tribuna ou em requerimentos ao Governo, outros deputados de diversos partidos, por ela tem pugnado e ainda recentemente a Comissão de Segurança Social, Saúde e Família, visitou a Casa Pia.
À Assembleia da República não tem sido alheia a sorte da Instituição e a mim, deputado e casapiano, por maioria de razão não poderia ser-me indiferente. É em nome de muitos milhares de homens e mulheres que passaram pela Instituição e a ela tudo -ou quase tudo- devem, é em nome dos milhares de crianças que esperamos que ainda por lá passarão que apelo para o Governo: salvem aquela que Latino Coelho apelidou de «Universidade do Povo», e a que os casapianos, com simplicidade, chamam a maior «mãe» de Portugal.
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para fazerem pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Vidigal Amaro e Zita Seabra.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Ouvi com bastante atenção a intervenção do Sr. Deputado Fernando Cardote e, como fiz parte da delegação da Assembleia da República integrada na Comissão de Segurança Social, Saúde e Família que visitou a Casa Pia, congratulo-me, realmente, com a sua intervenção.
É um problema que aflige a direcção da Casa Pia, que nos tem afligido a todos nós, e que me levou a dirigir alguns requerimentos ao Governo, sem ter obtido ainda resposta para as preocupações, quer da direcção da Casa Pia, quer dos casapianos duma maneira geral.
Há dois problemas preocupantes que gostava que o Sr. Deputado, se soubesse, me esclarecesse: um deles é o problema da extinção da ex-Fundação Salazar. Como sabe, quando foi extinta a Fundação Salazar cujos bens imobiliários passaram para as autarquias, e os bens mobiliários para a Casa Pia de Lisboa. Já lá vão bastantes anos, essa comissão liquidatária não tem feito a liquidação, pelo contrário, tem gerido os bens dessa Fundação, e a Casa Pia vê-se expropriada dos bens mobiliários que são bastantes, e as autarquias dos bens imobiliários.
Outro problema que nos aflige é saber qual é, realmente, hoje a função da Casa Pia. Ela deixou de ser uma casa de assistência para órfãos, para passar a ser um colégio semi-interno, ou mesmo externo - nesta altura quase não tem crianças internadas. E nós, que também visitámos o albergue distrital de Lisboa, mais conhecido por Mitra, vimos na Mitra dezenas de crianças órfãs a viverem em condições que não se podem descrever, juntamente com velhos, com homens e mulheres adultos numa promiscuidade inadmissível. Era no albergue da Casa Pia que essas crianças deviam estar. Deviam realmente ser transferidas para a Casa Pia pois é a essa Instituição que cabe cuidar dessas crianças.
A pergunta concreta que lhe deixo é a seguinte: sabe se o Governo tenciona, realmente, acabar com esta situação da comissão liquidatária da ex-Fundação Salazar e transferir os bens dessa fundação para as instituições para que foram criadas; e se estas crianças que se encontram no albergue distrital de Lisboa, na Mitra, poderão ou não ser transferidas -e quando- para a Casa Pia de Lisboa.
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado Fernando Cardote: O meu camarada Vidigal Amaro já referiu o fundamental do que eu queria dizer.
Em todo o caso, gostaria de acrescentar só duas pequenas coisas: em primeiro lugar, lamentar que entre os deputados casapianos que o Sr. Deputado citou, não se tenha citado os deputados comunistas que já passaram pela Assembleia da República e que também foram casapianos. Assinalamos a exclusão que não nos parece justa, Sr. Deputado.
Em segundo lugar, e apesar de tudo, gostaria de poder associar-me à intervenção que o Sr. Deputado fez, já que
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tive a oportunidade de, não só visitar a Casa Pia antes da própria Comissão de Segurança Social, Saúde e Família o ter feito, como de ter posto aqui alguns dos problemas que afligem a Casa Pia de Lisboa. Porém, o Sr. Deputado tem uma visão em que não procura salvaguardar o esforço e a dedicação de muitos dos trabalhadores daquela Casa Pia, que dando o seu melhor - e em condições, às vezes, bem difíceis- mantêm de pé aquela instituição.
Lembro-lhe, Sr. Deputado que a Casa Pia contém muitos tipos de instituições. E aconselho-o a visitar - embora eu tenha as maiores divergências do ponto de vista pedagógico, o que é natural, - as instalações de S. Marçal, onde se encontram as crianças surdas, e a verificar o esforço, o trabalho e a dedicação daqueles que aí trabalham com crianças deficientes, em condições verdadeiramente dramáticas. Só uma grande dedicação a essas crianças permite que aquela obra continue de pé, E é aqui bem perto, é aqui ao lado.
Creio que não é justo, nem meter tudo no mesmo saco, nem dar essa visão tão derrotista.
Creio - e aí sim associo-me à sua intervenção - que é preciso dizer que o Governo e a Câmara Municipal de Lisboa, têm obrigações também neste campo. E sobretudo a Câmara, que fez promessas à própria Casa Pia de criação de residências na zona de Cheias que permitia - e de um ponto de vista, quanto a mim, extremamente positivo- que as crianças ficassem numa residência, num lar, com um ambiente familiar.
Aí associo-me, inteiramente, às palavras do Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Também para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.
O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Fernando Cardote: Infelizmente não tive oportunidade de ouvir a sua intervenção, porque na altura estava ocupado com outro assunto, mas irei lê-la com toda a atenção e prazer.
No entanto, há um problema que já aqui foi suscitado e, ao qual, gostaria de acrescentar uma informação adicional.
É relacionado com a extinção da Fundação Salazar.
Depois da visita, já aqui referida, da Comissão de Segurança Social, Saúde e Família à Casa Pia, há três ou quatro meses, essa Comissão entendeu levantar esta questão junto do Sr. Ministro dos Assuntos Sociais.
Nesse sentido, foi-lhe dirigido um ofício a convidá-la para uma reunião com a Comissão de Segurança Social, Saúde e Família, da qual constaria esse ponto na agenda de trabalhos. Três anos depois desta Assembleia ter aprovado a extinção da Fundação Salazar e, consequentemente, a passagem de uma parte do seu património para a própria Casa Pia pretende-se saber em que «pé» estão as coisas (e infelizmente sabemos que está exactamente na mesma situação) e quais as soluções que, neste momento, o Ministério dos Assuntos Sociais preconiza para a passagem desse património para a Casa Pia. É, ao mesmo tempo, uma informação que eu dou à Câmara.
Aguardamos que o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais tenha a oportunidade e nós também, já que neste momento os trabalhos estão um pouco mais intensamente dedicados à Revisão Constitucional de ter uma reunião connosco, para sabermos qual a solução que o Ministério tem em vista para essa matéria.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardote, se o desejar.
O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço aos três colegas as suas intervenções sobre a Casa Pia de Lisboa que vêm, de certo modo, em reforço da minha.
Particularmente em relação ao Sr. Deputado Vidigal Amaro, quero dizer-lhe que estou exactamente «no mesmo pé» do Sr. Deputado. Também a mim me aflige a indefinição da Casa Pia, e a situação do património da Fundação Salazar que lhe foi afecto.
Não estou em condições de o poder elucidar. Eu próprio, também gostaria de ser elucidado com suficiência sobre estes dois aspectos.
À Sr.» Deputada Zita Seabra quero dizer, com toda a sinceridade e honestidade, que fiz diligências nos meios casapianos para saber quem tinham sido os casapianos que passaram por esta Casa. Apenas me foram apontados aqueles dois - e eu próprio, evidentemente - além de um casapiano dos mais ilustres que foi deputado nesta Casa, mas quando ainda nenhum de nós, certamente, seria nascido: foi Luxuriano, que foi casapiano e deputado por Angola.
Se V. Ex.ª, Sr.» Deputada, me quiser dizer quem são os deputados casapianos dessa bancada, terei muito gosto em acrescentá-los à minha relação.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Com certeza!
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Queria referir-lhe o nome do deputado António Pedrosa que veio desde a Assembleia Constituinte até esta sessão legislativa, e que posteriormente veio a pedir a suspensão do seu mandato porque é vereador, a tempo inteiro, na Câmara Municipal da Amadora.
É igualmente um casapiano que fez toda a sua infância e juventude na Casa Pia, da Casa Pia passou directamente para a empresa onde trabalhava e desta para deputado.
O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Muito obrigado pelo seu esclarecimento. Gostosamente tomo conhecimento, e dou a «mão à palmatória».
No referente às observações que a Sr.» Deputada fez pois é evidente que não quero menosprezar o esforço de algum punhado de funcionários da Casa Pia que, digamos, heroicamente tenham lutado nos seus redutos contra a degradação da instituição.
Fiz um juízo global. Esse juízo global, creio que está certo, não pode ser impugnado. Porque, Sr.» Deputada, é pelos frutos que se conhecem as árvores. E esta «árvore» da Casa Pia que tão belos «frutos» deu, infelizmente cada vez dá menos «frutos», e cada vez de menor qualidade.
Era no retorno a uma situação de consolidação, de pujança, e de fertilidade que eu gostaria de ver a Casa Pia.
É por isso que, com a minha modesta voz e com a de outros deputados e de outras forças, espero que isso venha a suceder. E que não suceda demasiado tarde, evitando que o estado de degradação seja de tal fornia, que ela esteja então irremediavelmente condenada ao desaparecimento.
Ao Sr. Deputado José Niza, agradeço as informações
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que me deu, e também espero com alguma ansiedade que o Sr. Ministro dos Assuntos Sociais se digne a esclarecer-nos sobre os vários aspectos que acabou de focar.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns Srs. Deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carreira Marques, para uma intervenção.
O Sr. Carreira Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de várias iniciativas parlamentares como foram a interpelação ao Governo sobre política de habitação, a apresentação de vários projectos de lei e a subscrição de numerosos requerimentos sobre a mesma matéria; depois de ter ficado demonstrada a necessidade de medidas urgentes que visassem minorar o grave problema habitacional; depois da mais que justificável movimentação das cooperativas de habitação e das suas estruturas de grau superior sobre o gravíssimo problema dos financiamentos; depois de várias promessas do Governo de que iria ser posto em execução um plano de emergência para infra-estruturar os bairros prontos a habitar e de que rapidamente iriam ser desbloqueados os financiamentos às cooperativas, a ofensiva governamental contra o Sector Cooperativo prossegue, agora com novas medidas de asfixia financeira e estrangulamento das possibilidades de desenvolvimento desse sector fundamental para a resolução dos problemas da habitação no nosso país. É um escândalo a somar a tantos outros, desde o aumento das rendas habitacionais à ofensiva contra o direito dos inquilinos à estabilidade e transmissão do arrendamento, à actualização periódica das rendas comerciais, às medidas de ofertas de solos aos especuladores, à ofensiva contra a autonomia municipal no campo da habitação.
Neste domínio este Governo é particularmente cego e surdo. Não digo mudo porque alguns dos seus responsáveis não se coíbem, de vez em quando, de ir divulgando umas quantas promessas mesmo que delas não estejam seguros ou não façam intenção de as pôr em prática.
Mas cego e surdo porque politicamente incapaz de «ver» a dramática situação de muitos milhares de portugueses e o estado caótico do nosso parque habitacional, e «ouvir» as justas reclamações, sugestões e até propostas que lhe têm sido dirigidas dos mais diversos sectores.
Cego e surdo também às recomendações de organismos internacionais e às próprias disposições da Constituição da República (aqui a justificação só se poderá encontrar no carácter herético que a Lei Fundamental tem para a AD). Esta política de asfixia financeira afecta todos os sectores, incluindo o privado, mas tem consequências particularmente graves para as Cooperativas.
De facto, só a política marcadamente identificada com os interesses económicos de meia dúzia de poderosos senhores da indústria da construção civil e da especulação imobiliária, não permite à AD perceber que foram as enormes carências de alojamento e a confiança no processo cooperativo como uma das soluções para obviar a tais carências, que levaram os constituintes de 1976 a particularizar no artigo 65.º a incumbência do Estado em fomentar as cooperativas de habitação. Como não permite a AD perceber o conteúdo da resolução aprovada por unanimidade no 26.º Congresso da Aliança Cooperativa Internacional, realizada em Paris, nesse mesmo ano de 1976, que incita os Governos a colocarem fundos à disposição dos programas habitacionais cooperativos.
Com a AD no Governo tudo isto é letra morta, como letra morta é a existência do Decreto-Lei n.º 268/78, que não está suspenso e não foi revogado. Esse Decreto-Lei, a quem são reconhecidos defeitos, tem constituído, apesar do Governo continuar a não o querer regulamentar, a base legal para os financiamentos dos programas habitacionais lançados pelas cooperativas. Estranhamente, ou talvez não, o Governo passou a ignorá-lo e na prática a não permitir a sua aplicação, deixando assim a maioria das cooperativas com milhares de fogos por iniciar ou por concluir, muitas delas com pedidos feitos há cerca de dois anos.
Este Governo encontra-se num beco sem saída e tenta remediar com erros outros erros por ele cometidos. A situação hoje vivida é em grande parte fruto da extinção do FFH sem a criação das correspondentes estruturas alternativas. Mas afinal o que se passa com o Fundo? Está em fase de extinção? Está extinto ou o Governo arrependeu-se? Uma sonora gargalhada foi o comentário que alguém da maioria fez ao tomar conhecimento da recente solução do Conselho de Ministros de que o FFH ia participar num programa de habitação de cerca de 56 000 fogos.
O afogadilho desajeitado em tentar mostrar que tudo vai bem, esconde uma outra realidade: tudo vai mal, e a demonstrá-lo estão os vários telegramas, cartas e audiências de várias cooperativas a exporem-nos - e a outros Grupos Parlamentares também- não só a sua situação presente como as perspectivas futuras se o Governo persistir, no já anunciado e tão contestado, Fundo de Apoio ao Investimento para a Habitação.
Com efeito, em Janeiro deste ano, o Governo prometeu pela voz do Ministro Viana Batista, que em Março estaria em condições de financiar 3000 novos alojamentos. Muitas cooperativas lançaram os concursos e agora, passados 6 meses, nem esses 3000 nem os cerca de 7000 que aguardam financiamento há perto de 2 anos. Os 3000 fogos vão ser rateados? Se vão, que critérios vão ser utilizados? Em ano de eleições autárquicas, e segundo declarações recentes de responsáveis máximos da AD, este pode bem ser o «rebuçado» que o Governo tem preparado para tentar iludir alguns milhares de famílias que aguardam a resolução do seu problema de alojamento condigno. Mas se é, é à partida um rebuçado envenenado. Porque o que se conhece é que esses 3000 fogos serão financiados pelo tal Fundo de Apoio que funcionará junto do Crédito Predial Português, ao qual os associados das cooperativas deverão acorrer obedecendo ao famigerado sistema de poupança-habitação, criado pelo iluminado Ministro Luís Barbosa, e que tem a «particularidade» de ser inexequível para a esmagadora maioria daqueles a quem o Governo disse destinar-se. Acresce que o sistema inventado pelo actual responsável da pasta da Saúde não pode ser aplicado às cooperativas mas aos associados, individualmente, o que não deve deixar de ser comprometedor para aqueles governantes e apoiantes que, quase diariamente, afirmam desejar o fortalecimento do sector cooperativo.
Com esta lógica de financiamento às cooperativas, em que estas quase não são vistas nem achadas, é óbvio que o Governo nos quer dizer que as cooperativas como «folclore» são óptimas, mas pouca falta fazem.
Fazer depender os esquemas de financiamento às cooperativas de uma entidade bancária que obviamente não tem preocupações de carácter social é, como dizia
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um ex-Secretário de Estado no jornal do PSD, em artigo publicado em 16 do mês passado, «um aliado que contraria a necessidade de intervenção do Estado no domínio da promoção habitacional para as famílias de fracos recursos...».
O Governo tem vindo a anunciar para breve a publicação de legislação sobre financiamentos às cooperativas de habitação. Em várias reuniões e encontros realizados em diversas regiões do País a esmagadora maioria das cooperativas tem rejeitado completamente tal legislação e, ainda recentemente, dirigentes da FENACHE nos transmitiram as suas preocupações pelo teor que conhecem dos referidos diplomas. Interrogam-se sobre a alternativa que restará às cooperativas que não possuam bens que garantam à Banca o reembolso dos empréstimos; interrogam-se sobre as taxas de juro que irão ser aplicadas, já que não se prevêm bonificações; inquietam-se com o futuro das cooperativas e de milhares de portugueses que vêem de novo frustrada a possibilidade de habitar um alojamento dimensionado para as suas famílias; receiam não ser possível pôr em execução, em tempo útil, diplomas que irão necessitar de regulamentação vária e provavelmente demorada.
Ao longo de todo este tempo milhares de fogos estão parados, em diversas fases de construção. Quanto custa tal demora, em termos económicos e particularmente em custos sociais?
Porque se recusa o Governo a dar cumprimento ao Decreto-Lei n.º 268/78, como o exigem as cooperativas?
Porque promete o Governo um plano de emergência para as infra-estruturas dos bairros com casas prontas ou quase concluídas, e já lá vão 6 meses e há milhares de habitações a aguardar a sua execução para poderem ser habitadas.
Que governo é este que não só não resolve os problemas como os dilata e os agrava e já nem sequer cumpre garantias formais do próprio responsável do Ministério da Habitação?
Os inúmeros telegramas que nos últimos dias temos vindo a receber das cooperativas de habitação, dando--nos conta de situações, algumas delas dramáticas, dão bem a dimensão da falência da política deste Governo e de uma AD que se mostra impotente, inapta e muito mais vocacionada para se servir e para servir clientelas.
Aplausos do PCP, UEDS e alguns deputados do PS. Vozes do PSD: - Não apoiado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se me permitem, esclareço a Câmara, ainda acerca do acidente ferroviário, de que informações coincidentes, da CP e dos Hospitais Civis de Lisboa, dão como estando em estado francamente grave e preocupante três pessoas, uma das quais é Deputado. Renovo, assim, os votos de que estes feridos possam recuperar-se nas melhores condições.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria hoje falar aqui de um dos graves problemas que persistem na cidade do Porto e que continua por resolver, passados que são mais de seis meses. Trata-se do problema dos desalojados das freguesias da Sé e de Miragaia, na cidade do Porto, que se
vêem nesta situação na sequência dos temporais que se fizeram sentir naquela cidade nos finais do ano de 1981, e que obrigaram a que cerca de 640 pessoas, pertencentes a 170 famílias, tivessem que ser retiradas dos seus tugúrios, tendo sido alojadas em pensões da cidade.
Este problema foi, na altura, aqui discutido, tendo sido feitas várias promessas e apresentadas muitas propostas. Até agora, no entanto, os problemas continuam por resolver.
Há meses que a Câmara Municipal do Porto não paga às pensões onde se encontram os desalojados. Na maioria dos casos apenas pagou 15 dias, tendo as pensões vindo a criar problemas aos desalojados que aí estão hospedados. Enquanto a Câmara tenta obrigar as pessoas a voltar para os tugúrios em que viviam e que foram danificados pelos temporais sendo hoje impossível a vida nesses mesmos tugúrios-, algumas pensões ameaçam desalojar as pessoas e, nalguns casos, tem mesmo vindo a ser cortada a água e a luz e a ser recusada a prestação de refeições, nomeadamente às crianças.
A situação é, pois, especialmente grave para as crianças que continuam sem ter onde brincar, onde passar o seu tempo durante o dia e, inclusivamente, sem ter, muitas vezes, onde comer.
Entretanto, o subsídio de alimentação aos desalojados deixou também de ser concedido há cerca de 2 meses, o que tem causado graves problemas a algumas famílias de menores rendimentos, havendo mesmo sérios casos de graves carências alimentares, conduzindo a situações de mendicidade, sobretudo entre as crianças.
Por outro lado, quanto às promessas feitas de construção de casas pré-fabricadas cerca de 160 casas tinham sido anunciadas como indo ser montadas no Porto para o alojamento destas pessoas -, o que se conhece é que 47 estão a ser montadas no Freixo há já bastante tempo, com toda a lentidão possível -inclusivamente com diminuição de pessoal nos últimos tempos o que leva a que estas 47 casas que deviam estar prontas há bastante tempo, continuem ainda por concluir. Entretanto, das 120 que estavam previstas para Aldoar nada se sabe. Ou por outra, o que se sabe é que os terrenos ainda nem sequer estão preparados para a colocação das casas pré-frabricadas! E no entanto, já lá vão mais de 6 meses sobre a data em que as pessoas foram desalojadas pelos temporais!
Outro dos graves problemas que nesta zona se vive é o relacionado com o infantário de Miragaia que ocupa cerca de 200 crianças e que neste momento o MAS está a exigir que passe a instituto privado de solidariedade social. Isto significa que os pais de cerca de 200 crianças de uma das zonas mais degradadas da cidade do Porto terão que passar a pagar a frequência das crianças neste estabelecimento, sendo certo que a maioria não tem condições para o fazer. Exactamente as crianças que mais necessidade têm de frequentar um estabelecimento deste tipo terão que sair, voltando para a rua para passar os seus dias, muitas vezes em péssimas condições de alimentação.
Por outro lado, a Câmara Municipal - e em relação ainda à questão dos desalojados tem vindo a enviar mandatos no sentido de que alguns dos agregados familiares abandonem as pensões onde estão alojados e regressem rapidamente a suas casas. - Tenho até aqui fotocópias de alguns desses mandatos. Esquece-se a Câmara Municipal que as casas não existem - algumas nem telhados têm -, sendo apenas autênticos tugúrios onde as pessoas não têm possibilidade de sobreviver, pelo
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que tem havido uma recusa dos desalojados em voltar aos tugúrios onde viveram.
Entretanto, num destes últimos dias, um dos jornais da cidade dizia que os donos das pensões tinham feito um ultimato, no sentido de que ou as pessoas abandonavam imediatamente as pensões, ou então chamavam a polícia para as pôr na rua.
E perguntamos: afinal, o que pensa a Câmara Municipal do Porto fazer para resolver esta grave situação? Quando vão ser amortizadas as dívidas às pensões onde se encontram os desalojados? Quando vão ser distribuídas casas que garantam um mínimo de condições de habitação às pessoas desalojadas pelos temporais? Está ou não prevista a continuação do pagamento do subsídio de alimentação aos desalojados de menores rendimentos? E quando será efectuado o pagamento de tais subsídios? Que medidas estão previstas para a rápida reconstrução das habitações afectadas pelos temporais? E que garantias existem de que estas e outras recuperações de habitações das freguesias da Sé e de Miragaia sirvam as populações locais e não se façam em prejuízo dos moradores, facto de que, aliás, já começa a haver alguns sintomas?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação dos desalojados das freguesias da Sé e de Miragaia é, de facto, muito séria e muito grave. Assim, pergunto: de que estão à espera a Câmara Municipal do Porto e o Governo, de que está à espera a AD para resolver este problema? Da véspera das eleições para as autarquias, para então aparecerem como os salvadores, os interessados na resolução destes graves problemas?
Desde já, Srs. Deputados, denuncio daqui esta situação.
Refiro ainda que entreguei há dias na Mesa desta Assembleia um requerimento, colocando exactamente estas questões e exigindo a rápida resolução dos problemas dos moradores das freguesias da Sé e de Miragaia, em especial dos que foram desalojados pelos temporais dos finais do ano passado.
Aplausos do PCP, do PS, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Utilizo a figura regimental do pedido de esclarecimento, não porque queira pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada, mas para eu próprio lhos poder fornecer e, através dela, à Câmara, repondo, assim, a verdade dos factos em relação a algumas das passagens da sua intervenção.
Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, V. Ex.ª faltou à verdade quando disse que nada foi feito em relação aos desalojados da cidade do Porto que o são em consequência dos temporais de Dezembro do ano passado.
Como sabe, não só este assunto já aqui foi amplamente debatido, como o Governo teve oportunidade de começar já a implementar as promessas que aqui foram feitas: os 200000 contos foram já atribuídos por despacho publicado no Diário da República - que, com certeza, já teve oportunidade de consultar -, pelo que a principal promessa está já plenamente cumprida.
Agora compete à Câmara Municipal administrar bem esses 200000 contos e elaborar um plano de recuperação das casas atingidas, com a colaboração directa do CROARB.
Em relação à questão dos pré-fabricados, é verdade que desde alguns meses a esta parte 47 pré-fabricados estão a ser montados no Freixo e, se a sua montagem não está ainda concluída, a culpa não cabe ao Governo, naturalmente, mas sim à Câmara Municipal. Em minha opinião, acho que o tempo já é bastante para que eles estivessem já prontos e até ocupados pelas pessoas que se encontram ainda em pensões.
Por outro lado, o Governo prometeu - e está disposto a cumprir a promessa - mais 120 pré-fabricados. Acontece é que a Câmara Municipal ainda não indicou os terrenos disponíveis para o efeito, sendo só por essa razão que esses 120 pré-fabricados não estão ainda, na cidade do Porto, a ser montados. Esperemos -e faço aqui um apelo à Câmara Municipal do Porto- que o Governo seja rapidamente informado de quais os terrenos em que esses pré-fabricados vão ser montados, para que eles possam ser enviados para a cidade do Porto.
Quanto ao problema do pagamento às pensões, sei, de facto, que estas o não têm recebido. Espero que essa questão venha a ser resolvida a curto prazo, pois as pensões têm direito a receber o pagamento pelo alojamento das pessoas que lá estão hospedadas.
Relativamente à questão que colocou no final da sua intervenção, dizendo que o Governo estaria certamente à espera das eleições autárquicas para então apresentar algumas medidas ou dar algumas benesses no sentido de resolver os problemas dos desalojados do Porto, devo dizer-lhe que isso é falso, Sr.ª Deputada. E a comprová-lo está aquilo que eu acabei de dizer: os 200000 contos já foram atribuídos, pelo que não estivemos à espera das eleições; os 47 pré-fabricados estão a ser montados - e esperamos que a curto prazo o mesmo aconteça em relação aos outros 120, mal a Câmara Municipal do Porto indique os terrenos; e esperemos que também as pensões recebam a curto prazo os pagamentos a que têm direito. Não estamos à espera nem precisamos disso para ganhar as próximas eleições autárquicas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que o advirta de que as figuras regimentais devem ser utilizadas com precisão e que, pelo facto de o Sr. Deputado pôr alguma reserva inicial, dizendo mesmo que não ia utilizar a figura do pedido de esclarecimento para o fim a que ela se destina, a verdade é que o Sr. Deputado não utilizou nada! A figura de dar esclarecimentos não está no Regimento, pelo que peço a todos os Srs. Deputados que me não forcem a, eventualmente, ter que lhes cortar a palavra em situações em que, invocando uma figura regimental, estejam, de facto, a utilizá-la para outro efeito.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pereira.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, pela sua intervenção, fiquei com uma ideia que me parece correcta - e que é, aliás, a ideia que o meu Partido tem desta situação; contudo, ao ouvir agora este esclarecimento do Sr. Deputado do PSD fiquei um pouco preocupado e baralhado.
Fico com a ideia de que não há vontade política para resolver o problema dos desalojados do Porto e que o Grupo Parlamentar do PSD o que pretende é tentar
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meter na cabeça da população do Porto que existe um actual Presidente da Câmara que não serve, tentando, assim, encobrir a falha do Governo autárquico da AD, do seu grupo parlamentar e do seu Governo.
Queria, assim, perguntar à Sr.ª Deputada qual é a ideia que faz sobre esta situação, sobretudo porque nunca ninguém fez casas ou construiu novos alojamentos com despachos; eles costumam fazer-se com dinheiro! E na sexta-feira à noite ainda não tinha chegado nem um escudo daquele dinheiro que a AD diz que enviou para a Câmara do Porto!
Agradecia-lhe, Sr.ª Deputada que me informasse sobre isto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começava por responder ao Sr. Deputado Manuel Moreira do PSD, embora seja certo não ter ele feito pedidos de esclarecimento, tendo-se apenas limitado a dar informações. Só que começo por lhe devolver a afirmação de que eu tinha faltado à verdade, porque, de facto, quem o fez foi o Sr. Deputado. E vou demonstrar como.
Em primeiro lugar, referi que, aquando dos temporais na cidade do Porto, esse assunto foi aqui bastante debatido. Foram feitas aqui - e não só - várias promessas e apresentadas várias propostas. Referi, portanto, que bastantes coisas - no sentido de palavras - tinham sido feitas.
Simplesmente, das palavras aos actos vai uma grande diferença... E se algo foi feito pelos desalojados dos temporais do final do ano de 1981, isso deve-se, não só a esses próprios desalojados, mas às populações das zonas da Sé e de Miragaia, sobretudo aos seus órgãos autárquicos -junta e assembleia de freguesia que tudo fizeram no sentido de resolver esse problema, tentando pelo menos minorar as condições graves em que se encontravam aquelas famílias de desalojados.
Em relação à questão dos 200 000 contos, é certo que eles foram logo aqui prometidos. Mas também não é menos certo - como já aqui foi dito pelo Sr. Deputado Eduardo Pereira - que na semana passada ainda nem um tostão tinha chegado ao Porto. (E desconheço se entretanto a situação se modificou, pois não faço parte do Governo, Sr. Deputado, nem tão pouco da Câmara do Porto).
E isto, Srs. Deputados, quando já lá vão mais de 6 meses! Ou seja, os 200 000 contos vão chegar tarde e a más horas, sendo esta mais uma das questões a pôr na Mesa, no sentido de provar que eu tenho razão, que a AD está à espera das eleições para as autarquias para então, nas vésperas, se apressar a resolver este problema.
Mal, mas enfim, a tentar resolvê-lo!
De qualquer modo, Sr. Deputado, embora os 200 000 contos estejam previstos para a recuperação das casas atingidas pelos temporais, já lá vão mais de 6 meses sem que o dinheiro tenha ainda chegado -e certamente poderá ainda demorar mais 6 meses, pois com a lentidão da AD é provável que demore até muito mais a recuperar as casas atingidas pelos temporais.
E até lá onde vão viver as pessoas, Sr. Deputado? Até agora têm estado em pensões que a Câmara do Porto se tem recusado a pagar; a partir de agora, os donos das pensões ameaçam chamar a polícia para desalojar as pessoas. O próprio Presidente da Câmara do Porto está a emitir ordens de desalojamento para cada um dos diferentes agregados familiares que estão nas pensões. Pergunto-lhe, Sr. Deputado: até ao final da recuperação das casas atingidas, para onde vão 600 e tal pessoas? Será que o Sr. Deputado tem uma casa tão grande que se disponha a alojá-los a todos? Risos do PCP.
Quanto às casas pré-fabricadas desde logo prometidas, 47 estão a ser montadas no Freixo há vários meses, com toda a lentidão que caracteriza a AD na resolução de qualquer problema. E não só: sei que nas últimas semanas foram retirados trabalhadores dessas obras, diminuindo, assim o número dos que estavam a proceder ao trabalho de montagem dessas 47 casas. E cá está mais uma segunda prova de que a AD está à espera das vésperas das eleições para as autarquias para então voltar a chamar mais trabalhadores e apressar assim a conclusão das obras dessas casas pré-fabricadas na zona de Freixo, entregando-as então na véspera dessas eleições.
Quanto às outras, às 120, desconhece-se ainda o que pensa a Câmara Municipal do Porto fazer. Diz o Sr. Deputado que a Câmara deve dar indicação ao Governo dos terrenos, para depois o Governo mandar proceder à montagem das casas. Pergunto-lhe, em primeiro lugar, se o Sr. Deputado é representante do Governo; em segundo lugar, se está contra a Câmara Municipal do Porto, nomeadamente contra o seu Presidente.
Creio que estas duas perguntas têm muita razão de ser, e se ligam bastante às questões que o Sr. Deputado Eduardo Pereira levantou. Ou seja o que fica claro, é que existe uma manifesta falta de vontade política deste Governo e da Câmara Municipal do Porto para resolver o problema dos desalojados da Sé e de Miragaia.
Mas também aqui ficou claro, através da intervenção do Sr. Deputado Manuel Moreira, que a AD está disposta a deixar cair o seu Presidente da Câmara do Porto, pois sabe que o descrédito no Porto é de tal ordem, em relação a este Presidente, que a própria AD está disposta a vender a sua cabeça, se for necessário, para tentar lavar a cara!
Mas, Sr. Deputado, os moradores da Sé e de Miragaia conhecem esta estratégia e, sabem bem o que a AD pretende - mais uma vez enganá-los! É que o problema não é apenas do Presidente da Câmara do Porto; é. sim, o problema da gestão da AD na Câmara do Porto, como, aliás, em outras Câmaras o nosso país. Os desalojados da Sé e de Miragaia são apenas algumas das muitas vítimas dessa gestão; e certamente vos irão dar resposta nas próximas eleições para as autarquias. Mas até lá, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é urgente que se resolva este problema; é urgente que se acabe com as promessas constantes e que se passe às obras, porque os desalojados da Sé e de Miragaia merecem melhor sorte do que a que têm tido até agora.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos no fim do período de antes da ordem do dia.
O Sr. Deputado Manuel Moreira fica inscrito, para um protesto, para a próxima sessão.
ORDEM DO DIA - Entretanto, tomaram lugar na bancada do Governo o
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Sr. Ministro da Justiça e da Reforma Administrativa (Meneres Pimentel) e o Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na primeira parte deste período da ordem do dia temos um relatório da Comissão de Regimentos e Mandatos e respectivo parecer, para cuja leitura tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos
Em reunião realizada no dia 6 de Julho de 1982, pelas 10H00, foram apreciadas as seguintes substituições de Deputados:
1) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
José Manuel Rodrigues Casqueiro (Círculo eleitoral de Portalegre), por Hélio Castro Pereira. Esta substituição é pedida para os dias 6 a 9 de Julho corrente, inclusive.
Fernando Augusto Desterro Larcher Nunes (Círculo eleitoral de Lisboa), substituto do Senhor Deputado Paulo de Oleveira Ascensão, por impedimento, solicita a sua substituição para os dias 6 a 13 de Julho corrente, inclusive, por Pedro Eduardo Freitas de Sampaio, passando este Sr. Deputado, assim, a partir desta data a substituir o Sr. Deputado Paulo de Oliveira Ascensão.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelo aludido Partido nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos Deputados presentes que formaram maioria.
A Comissão, Vice-Presidente: António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário: Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - Secretário: José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Mário Marques Ferreira Maduro (PSD) - Nicolau Gregório de Freitas (PSD) - Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Manuel de A. de Almeida e Vasconcelos (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o relatório e parecer acabado de ler.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da UDP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à segunda parte da ordem do dia, cujo primeiro ponto é integrado pelas declarações de voto relativas à votação da proposta de lei n.º 108/II.
Tinham ficado inscritos da última sessão os Srs. Deputados Rogério Leão, Jorge Lemos e Magalhães Mota.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Leão.
O Sr. Rogério Leão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS votou favoravelmente a presente proposta de lei, por duas razões principais.
Primeiro, o reconhecimento que nela, afinal, se faz da especificidade característica do território de Macau. Especificidade relevante em tantos domínios e que, na verdade, explica, também aqui, quer a lei da Televisão, em concreto existente, não seja extensível a Macau - a cuja realidade manifestamente se não ajusta -, quer que, em geral e em abstracto, uma mesma lei dificilmente pudesse regular a actividade da televisão em Portugal e em Macau.
Em segundo lugar, vale também o conhecimento do intenso desenvolvimento do território e da importância que o início eventual da televisão em Macau, com períodos de emissão em português, poderá ter seja para o melhor conhecimento de Portugal, seja para a defesa e difusão da cultura e da língua portuguesas em Macau que tão relevante reputamos. E não seria, aqui, compreensível, nem justificável, que a única dificuldade para esse avanço pudesse consistir em qualquer embaraço resultante da legislação portuguesa inadequada à matéria. Este, em suma, o sentido do nosso voto que não significa, todavia, qualquer tomada de posição do CDS quanto ao conteúdo da lei específica que vier a ser elaborada, nem quanto à questão da entidade competente para a aprovar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 108/II visa eliminar a disposição legal que determina a aplicabilidade directa ao território de Macau das regras gerais constantes da Lei da Radiotelevisão.
Por outro lado, a referida proposta de lei deixa em aberto o específico regime ao abrigo do qual a actividade radiotelevisiva se deve exercer naquele território. Acresce que a exposição de motivos é totalmente omissa quanto aos traços característicos desse regime. Limita-se a considerar que os dispositivos legais em vigor são «inadequados» e a sublinhar a necessidade de se criarem dispositivos «adequados».
São conhecidas, no entanto, certas operações em curso no tocante à implementação de emissões televisivas no território de Macau. Não se dispõe, contudo, de informa-
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cão governamental bastante sobre esta matéria e a que aqui foi produzida pelo Sr. Secretário de Estado não passou de mera declaração de intenções, em nada vinculativo dos actos futuros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: a definição material do regime jurídico da actividade televisiva no território de Macau é da competência exclusiva da Assembleia da República. Neste quadro, a aprovação da presente proposta não representa a definição concreta desse regime e logicamente não pode dispensar o Governo de apresentar sobre a matéria uma nova proposta de lei.
É, pois, estranha a presente iniciativa governamental. Se se trata de dar cobertura ao processo em curso, a proposta revela-se insuficiente e inepta; se se trata de encerrar, por este modo, a participação da Assembleia da República na resolução da questão do regime jurídico da TV em Macau, então a proposta é o anúncio público de um propósito inconstitucional.
São conhecidas as especificidades do estatuto do território de Macau. Mas nem tal afasta a aplicabilidade a esse território dos princípios fundamentais do direito constitucional português, nem é tolerável que qualquer regime de competência exclusiva da Assembleia da República seja definido e aplicado sem que seja a própria Assembleia da República a legislar sobre a matéria, ressalvando-se sempre a intervenção no processo dos órgãos próprios do território de Macau.
Nestes termos, o nosso voto em relação à proposta de lei n.º 108/II não poderia deixar de ser a abstenção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Macau vai ter uma televisão e o estatuto daquele território levou a que, pelo menos nesta fase, o papel da Assembleia da República se resumisse a excluir Macau do âmbito da Lei da Televisão.
Parece, assim, que é possível neste momento, não só justificar o nosso voto favorável - que decorre com toda a naturalidade de aceitarmos o estatuto de Macau - como, sem nenhum fácil ou errónio paternalismo mas apenas com uma experiência que temos, sublinhar algumas lições da nossa própria e medíocre experiência.
A nossa televisão tem 25 anos que há pouco comemorou num espectáculo que valeu como auto-retrato; há pouco recordou alguns passos desses 25 anos no espírito de quem se sentisse reconfortado e contente por reencontrar velhos caminhos e assumir vocações de sempre.
Não é a televisão que temos modelo para ninguém. Não a desejamos para Macau.
O que podemos dizer a Macau é que, ao contrário do que pratica a RTP, é necessário saber que nenhum porta-voz pode ser jornalista. E porque são diferentes as funções, importa não as confundir.
O que podemos dizer a Macau é que, ao contrário do que pratica a RTP, será necessário tomar consciência de que a democracia não é igualdade na servidão, mas a liberdade pelas diferenças.
Ao contrário do que pratica a RTP, podemos dizer a Macau que é preciso ter a consciência de que não existe apenas o que se transmite, ou de que é possível fazer-se tudo, desde que a ocultas.
Àqueles que dantes queimavam os livros, é insuportável não controlarem a televisão. E, no entanto, como lembrou um grande especialista destas questões, a informação - e antes de mais a informação televisiva - fala do que aos outros acontece. Nada do que contém vem de si própria. O que pertence aos homens a eles pertence e deve voltar. O público tem direito à informação total porque ela é a sua carne e o seu sangue, palavras e actos da sua vida. Tirar-lha é isso: é tirar-lhe a vida!
É isso que podemos dizer a Macau: que possa ter uma televisão diferente daquela que somos obrigados a quotidianamente suportar.
Aplausos da ASDI, do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, pelo que passamos ao segundo ponto da nossa ordem do dia de que consta a proposta de lei n. º 104711 sobre a adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.
O Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com particular satisfação que venho hoje apresentar a esta Assembleia as razões de fundo que justificam o interesse transcendente para o nosso país da entrada de Portugal no fundo Africano de Desenvolvimento.
Na realidade, a entrada de Portugal nessa organização que visa apoiar o desenvolvimento económico e social dos países de África, em particular daqueles com menores níveis de rendimento por habitante, não pode deixar de traduzir uma expressão de solidariedade, por parte de Portugal, com o desenvolvimento económico e social desses países. Países, aliás, de um continente onde a presença portuguesa tem e continua a ter raízes históricas extremamente profundas.
Essa entrada de Portugal no Fundo Africano de Desenvolvimento facilita e promove o estreitamento de relações com a generalidade dos países e instituições africanas ligadas ao desenvolvimento, constituindo, portanto, um insubstituível instrumento de aproximação das realidades e dos problemas de África.
Essa entrada dá-nos, por outro lado, condições de ajudar eficazmente - inclusivamente no plano técnico e da experiência - países e regiões africanas que de outro modo, contando apenas com os nossos recursos, dificilmente poderíamos apoiar. E essa será, naturalmente, uma via pacífica de assegurar e reforçar a presença portuguesa em África.
Finalmente -e nada despiciendo - , esta entrada vai permitir assegurar às nossas empresas exportadoras de bens e de equipamento, de serviços de consultoria, aos empreiteiros de obras públicas e de construção de projectos habitacionais, idênticas condições de candidatura à adjudicação da realização de projectos financeiros pelo Fundo Africano de Desenvolvimento, evitando a situação discriminatória em que anteriormente se encontravam. Imaginem-se os sucessos que as nossas empresas - boas conhecedoras da realidade económica e social de África- podem obter na participação em concursos internacionais para a realização de grandes projectos de desenvolvimento económico e social.
A decisão da Assembleia dos Governadores do Fundo Africano de Desenvolvimento foi, como não podia deixar de ser, tomada por unanimidade e quando a Assembleia de Governadores do FAD votou a admissão de Portugal nessa organização, todos os membros tiveram oportunidade de exprimir, em relação ao nosso país, testemunhos particularmente significativos da satisfação que para eles
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representava a presença de Portugal - a insusbstituível presença de Portugal- nessa instituição de tão alto interesse para a África. Será apenas justo reconhecer que os países africanos de língua portuguesa acolheram a nossa presença com particular carinho e apoiaram firmemente, junto do Fundo Africano de Desenvolvimento, a nossa intenção de adesão.
Resta dizer que um passo importante foi dado, mas que vai ser necessário continuar na via de negociações no futuro próximo. Com efeito, um pouco depois de ter sido votada por unanimidade em Lusaca a admissão de Portugal no Fundo Africano de Desenvolvimento, a Nigéria levantou as reservas que tinha mantido durante um período relativamente longo à entrada de membros não regionais no Banco Africano de Desenvolvimento, instituição mãe - digamos assim -, do Fundo Africano de Desenvolvimento. Quer dizer: houve todo um conjunto de países não regionais - países europeus, países do continente americano e asiático - que tinham já o seu processo de negociação com o Fundo e o Banco Africano de Desenvolvimento praticamente concluído, mas que não tinham tido possibilidade de aceder ao Banco Africano por haver uma obstrução por parte de alguns membros regionais.
Neste momento a obstrução foi levantada e ir-se-á proceder, quase de imediato, a uma entrada desses países no Banco.
Ora bem, uma vez que o Banco Africano de Desenvolvimento é uma instituição-mãe, e até mais poderosa em meios financeiros -meios financeiros que são grandes, que tendem a crescer rapidamente e que são bastante superiores aos do Fundo Africano de Desenvolvimento -, não convém, de maneira alguma, que as nossas empresas voltem a ficar numa situação de discriminação relativamente às outras empresas desses países que são, em matéria de fornecimento de bens de equipamento e de serviços diversos, nossos concorrentes.
É por esse motivo que penso que a entrada de Portugal no Fundo Africano de Desenvolvimento se processou num momento virtualmente importante, imediatamente antes de se levantarem às objecções que se punham à entrada de membros não regionais no Banco. E, imediatamente a seguir, será do maior interesse para Portugal desenvolver um esforço para a negociação da nossa entrada no Banco a qual me parece desde já bastante facilitada porque numa reunião havida em Berlim na passada semana perspectivou-se um processo de Portugal, a índia e a Arábia Saudita, que não tinha ainda quota prevista para entrada no Banco, virem a beneficiar de uma redução da quota que estava prevista para os membros não regionais, embora mantendo, naturalmente, a sua intenção de a ceder ao Banco.
Em suma, julgo que é extremamente importante este passo, o qual vai reforçar, a todos os níveis, a cooperação de Portugal com todos os países africanos, sem excepção. E, nessas condições, é com o maior prazer que vos trago hoje à Assembleia esta proposta de disposições que permitirá, efectivamente, formalizar corripletamente a nossa entrada no Fundo Africano de Desenvolvimento.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, um curto pedido de esclarecimento.
Creio que seria importante, dado o interesse da adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento, que a Assembleia fosse esclarecida -e o Sr. Secretário de Estado não o fez - sobre a data do pedido de adesão de Portugal ao Fundo e a data da resolução em que a admissão de Portugal foi aceite, já que a data de apresentação desta proposta conhecemo-la nós.
O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado, ficando igualmente a aguardar a resposta aos pedidos de esclarecimento feitos pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, aditar-lhe-ia, contudo, mais dois: Qual é o valor da subscrição de Portugal no Fundo Africano de Desenvolvimento, aquela que é prevista pelo Governo? A segunda questão que gostaria de colocar era a de se, por acaso, o Governo, ao enviar a proposta de resolução para a Assembleia, não teria na altura, ou não tem agora, o texto em português do Tratado do Fundo Africano de Desenvolvimento, já que julgo não ser obrigatório, nem pela Constituição nem pelo Regimento, que os deputados saibam francês ou inglês.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado, tem a palavra para responder, se assim o desejar.
O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Em relação ao pedido de apresentação de negociação, julgo que é relativamente difícil e sobretudo pouco significativo estar a indicar uma data precisa, na medida em que foram vários os momentos, os quais, aliás, tenho todo o gosto em invocar aqui para esclarecer o Sr. Deputado Magalhães Mota.
A negociação foi, naturalmente, feita no âmbito de conversações, de reuniões, de discussões, primeiro num plano de delegados da Administração Pública portuguesa e depois, mais formalmente, no passado mês de Setembro e princípio do mês de Outubro do ano passado, em Washington, por ocasião da Assembleia Geral do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, onde eu próprio, acompanhado do Sr. Vice-Governador do Banco de Portugal, tive ocasião de trocar impressões com o presidente do Banco Africano de Desenvolvimento que, por inerência, é também o presidente do Fundo Africano de Desenvolvimento.
Na altura, foram trocadas impressões sobre o interesse mútuo que havia, quer na perspectiva do Fundo, quer na perspectiva portuguesa, numa entrada de Portugal nessa Organização. E foi decidido prosseguir oportunamente o diálogo sobre os modos de realizar essa admissão, tendo sido nomeadas, pelas partes, comissões de negociação. No mês de Abril passado deslocou-se a Portugal uma comissão presidida pelo Secretário Geral do Banco e do Fundo Africano de Desenvolvimento, acompanhado por outros funcionários, tendo sido constituída uma comissão de funcionários que procedeu à negociação respectiva. E as propostas subiram naturalmente ao Governo de Portugal e ao Governo do Banco, uma vez que se atingiu um consenso total.
Salvo erro, no dia 6 de Maio, em Lusaca, a Assembleia de Governadores do Fundo Africano de Desenvol-
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vimento, que é a mesma do Banco Africano de Desenvolvimento, aceitou, por aclamação, a entrada de Portugal no Fundo Africano de Desenvolvimento.
Julgo que em relação aos esclarecimentos que tinham sido solicitados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota será tudo.
Em relação aqueles que o Sr. Deputado Octávio Teixeira pediu, eu gostaria de lhe dizer que Portugal tem que pagar uma subscrição inicial, que representa, digamos, o seu apport inicial para a entrada no Fundo, de cerca de 8 milhões de unidades de conta do Fundo. Como cada milhão de unidades de conta do Fundo equivale a 1,00... (uma série de decimais) milhão de dólares, poder-se-á dizer que a nossa subscrição inicial atinge 8,7 milhões de dólares.
Mas a subscrição inicial é como que uma quota de entrada, é a nossa participação. Portugal irá pagar depois, nos dois próximos anos, mais 10 milhões de dólares que será contabilizado como sendo a nossa contribuição para a terceira reconstituição de recursos do Fundo Africano de Desenvolvimento. Como facilmente pode supor as contribuições iniciais vão servir para realizar empréstimos, sendo esse dinheiro aplicado a prazos bastante longos, pelo que se não houvesse periodicamente reconstituições de fundos a actividade creditícia do Fundo, digamos assim, teria que parar. Ora, já houve anteriormente duas reconstituições de fundos. Está-se no processo de reconstituição da terceira e, por consequência, esta contribuição de Portugal será já contabilizada no quadro desta terceira reconstituição de fundos.
Finalmente, gostaria de dizer que já providenciámos no sentido de ser feita a tradução do texto para português, mas ainda não está pronta neste momento. Trata-se de uma tradução que não é vulgar visto não ser uma tradução qualquer; precisa de ser uma tradução autêntica, por assim dizer.
Mas, dado o grande interesse que tem esta questão para o País, pensa o Governo que isso não deverá impedir uma tomada de posição da Assembleia da República sobre a matéria de fundo.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns Srs. Deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O Partido Socialista votará favoravelmente a proposta de lei n.º 104/II.
Numa breve intervenção, quereria apenas dizer as razões porque o faz.
Consideramos que a adesão ao Fundo é um passo certo. Está inscrito na linha de política externa que o Partido Socialista preconiza.
O Sr. Secretário de Estado invocou duas razões para tal adesão: no fundo, trata-se de, por um lado, uma razão de solidariedade, de participação na cooperação de que os Estados africanos tão necessitados estão e, por outro, de uma razão até do nosso interesse directo, na medida em que esta adesão abre possibilidades de exportação e de trabalho das nossas empresas em África.
As duas razões são válidas e nós apoiamos as considerações que o Sr. Secretário de Estado acaba de fazer.
Simplesmente, não quereríamos deixar de dizer que, para alguns espíritos, estas razões são contraditórias, pelo que gostaríamos de ter a certeza de que o Governo da República, num campo de tal grande importância para o futuro da nossa política externa e da nossa política económica, não se deixasse levar pela preocupação de seguidismo, mas antes pela preocupação de participar neste esforço de cooperação, pautando sempre o seu comportamento pelo comportamento dominante nessas instituições.
Estas instituições que deveriam ser também e fundamentalmente instituições de cooperação, são, muitas vezes, instituições de exploração e de domínio de países que pretensamente se pretende auxiliar.
Sucede que Portugal tem uma posição ímpar. Sucede que Portugal e as empresas portuguesas, pela sua experiência concreta e histórica das realidades africanas, pela sua própria natureza no que diz respeito ao grau de desenvolvimento económico que já alcançou, estão em condições de trabalhar em África em verdadeiro espírito de cooperação.
Esperemos que, do ponto de vista político não lhes falte o apoio certo no sentido de dar à cooperação portuguesa uma dimensão de cooperação real, de participação, de fraternidade.
Ê aí que está o nosso futuro e não no seguidismo em relação a países bastante mais poderosos que apenas vêem nesta participação um instrumento de domínio e de exploração.
Gostaria que o Sr. Secretário de Estado tivesse isto em consideração e que este Governo pautasse o seu comportamento pelas realidades portuguesas, pelos interesses nacionais.
E é na esperança de que assim venha a suceder que damos o nosso voto. É uma esperança algo reticente, embora também deva dizer que não temos, até agora, razão, no caso africano, para estarmos totalmente cépticos.
Em todo o caso, os passos que já foram dados, nomeadamente os que acabam de ser dados em Moçambique - e que nós saudamos -, devem ter agora uma concretização no plano mais geral do continente africano.
Trata-se de uma política que é verdadeiramente de interesse nacional e é neste sentido e por essa razão que o Partido Socialista vota favoravelmente a proposta que temos perante nós.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardote.
O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social Democrata dá também o seu apoio a esta iniciativa do Governo e dá o seu apoio caloroso e empenhado.
Na verdade, dois espaços geográficos estão na mira e para eles Portugal está particularmente vocacionado no ponto de vista económico: a Europa, a que nos liga a proximidade geográfica e os laços culturais, e a África, onde estivemos tantos séculos. Em relação a ambos Portugal tem até uma função de intermediação.
Mas é particularmente tendo em mente as nações africanas de expressão portuguesa que o nosso Partido toma esta posição de vivo empenhamento e de apoio caloroso relativamente ao Tratado de Adesão ao Fundo de Desenvolvimento Africano.
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Quem trabalhou em territórios africanos de expressão portuguesa, depois da colonização - como aconteceu comigo que trabalhei em Moçambique nos anos de 1977, 1978 e 1979 -, aperceber-se-á, com certeza, das dificuldades com que essas jovens nações vêm deparando para fazer o seu relançamento económico e social. Continuamos a assistir, ano após ano, à propositura de metas económicas que continuam a ser idênticas aos níveis atingidos antes da descolonização.
Creio que com este instrumento, com o apoio que Portugal, as empresas e os portugueses possam vir a dar a estas nações, o seu desenvolvimento económico e social poderá encontrar a solução para a situação em que continuam mergulhados.
Hoje, e graças à abertura política feita pelo Governo da Aliança Democrática, as perspectivas desse desenvolvimento e dessa cooperação, - que, tal como o Sr. Deputado João Cravinho, espero se façam em espírito de fraternidade e em espírito de verdadeira ajuda, - têm novos horizontes.
A época que vivi em Moçambique foi uma época em que ainda eram conturbadas essas relações. Posso dizer que nessa altura quase havia três categorias de cidadãos a viver em Moçambique: os moçambicanos, os estrangeiros e os portugueses.
As feridas abertas pelo processo de descolonização ainda estavam por fechar. Hoje, creio que estão num processo acelerado de cicatrização. E novas perspectivas, novas vias, novas formas se abrem e são essas que nós vamos ter que impulsionar, são essas que nós vamos ter que ajudar através deste Fundo de Desenvolvimento Africano, ao qual pretendemos aderir.
O Sr. Presidente, Srs. Deputados, é por estas razões que vamos dar o voto favorável à proposta de lei do Governo.
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Comunista Português não vai dar o seu voto favorável à aprovação desta resolução.
Muito sucintamente explicitaremos as razões de tal facto.
Julgamos que a questão de Portugal no Fundo Africano de Desenvolvimento não pode ser confundida com qualquer espécie de tentativa de solidariedade, de cooperação com os países africanos. Não é isso que, de facto, está em causa.
Estamos totalmente de acordo e defendemos a cooperação com todos os países, no caso concreto com os países africanos e, designadamente, com os de expressão oficial portuguesa. No entanto, não é isso que se processa através do Fundo Africano de Desenvolvimento.
Como o Sr. Secretário de Estado teve oportunidade de referir na sua intervenção inicial, e como decorre das razões que estão por detrás da criação do Fundo Africano de Desenvolvimento, tal como de outros Fundos idênticos existentes no mundo, é essencialmente um problema de tentar fazer negócios, é um problema de discriminação que existe nesses fundos contra os países que não são aderentes, contra os países que não participam nesses Fundos.
Por conseguinte, não há aqui um problema de benemerência, não há um problema de cooperação pura ou platónica. Há, sim, um problema de tentar obter negócios e de afastar desses negócios países que não façam parte desse Fundo.
Essa, aliás, a razão que nos leva também a não votar contra.
O nosso voto será de abstenção porque, de facto, estamos conscientes de que a adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento poderá criar possibilidades a empresas portuguesas, pertencentes a diversos sectores de actividade, de aumentarem as suas exportações para os países africanos e de, digamos, entrarem nos países africanos em termos de comércio, em termos de relações económicas. Mas não é um problema de cooperação, não é um problema de solidariedade porque não é isso que está em causa.
Estas as razões que nos levam a abstermo-nos perante o texto.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Daremos o nosso voto favorável a esta proposta de lei por motivos que nos parecem relevantes e, como tal, não desejamos abster-nos de os tornar públicos.
Cremos que, com a adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento, bem poderia dizer-se - e é importante que estas coisas sejam referidas - que um novo passo e uma nova página é dado, escrita e voltada nas nossas relações com os países africanos.
Não se trata de nos situarmos na relação simplesmente bilateral, a qual continua a permanecer, a afirmar-se com toda a força duma solidariedade que é uma solidariedade que vem da História e que vem da língua. Mas, apesar dessas relações bilaterais, também nós nos passamos a inserir agora numa solidariedade que é a da comunidade internacional, que é a dos países que se dispõem a ajudar o desenvolvimento de outros países.
Isso é importante e importante é que fique dito. Porque, muito embora os Fundos de desenvolvimento e cooperação sejam acusados de serem uma forma de ocultar a realização de empreendimentos e de negócios, não é menos importante salientar que na vida internacional não há benemerências e que aquelas que se chamam de benemerência são, normalmente, formas novas, essas sim, de colonialismo.
Vale também a pena salientar, neste momento e neste lugar, que para nós não é indiferente que a aprovação desta proposta (que neste momento parece clara) surja num momento especial das nossas relações com os países africanos e que vêm na sequência da viagem que acaba de ser realizada pelo Primeiro-Ministro a Moçambique.
Não temos dúvidas, oposição que somos, em daqui saudar essa viagem. E estranhamos, aliás, que ela não tenha sido saudada como deveria ser pelas bancadas da maioria.
Cremos que a viagem a Moçambique do Primeiro-Ministro marcou, também ela, uma nova fase das nossas relações com os novos países de expressão portuguesa. E marcou-a porque o Primeiro-Ministro e a sua comitiva souberam ultrapassar um espírito que caracterizou como sendo o do saudosimo que tencionava voltar a invadir a África em botes de borracha. Soube ultrapassar esse espírito, compreender novas realidades, soube não se isolar de uma solidariedade institucional, reconhecendo o mérito de outras viagens e, por tudo isso, pode ser real-
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mente uma viagem cujo êxito nos apraz salientar e reforçar.
Creio ser neste contexto que importa salientar que estas negociações e daí a pergunta que comecei por fazer ao Sr. Secretário de Estado - puderam ser negociações que formalmente foram concluídas com rapidez. E suponho que não errarei (o Sr. Secretário de Estado não quis propositadamente ser preciso nesse ponto) se disser que pontualmente as negociações se podem considerar iniciadas em Abril deste ano, ainda que os contactos sejam realmente bastante anteriores e já com alguma relevância, que no princípio de Maio a adesão de Portugal era já aceite pelo Fundo Africano de Desenvolvimento e que a proposta foi elaborada com rapidez. Também isto é um facto novo, também isto pode ser um marco importante e também isto eu gostaria de salientar.
São estas razões, muito sumariamente enunciadas, que nos levam a votar favoravelmente esta proposta de lei. Eu melhor diria esta proposta de resolução porque é por resolução que a Assembleia da República deverá pronunciar-se em relação à adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento.
De salientar, por fim, que, como consta do próprio Tratado, as finalidades desta adesão, que resultam com bastante clareza do n.º 2 do artigo 14.º dos estatutos do Fundo, implicam objectivos que são de cooperação e de desenvolvimento.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e de alguns Srs. Deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Durante a intervenção do Sr. Deputado Magalhães Mota, pediram a palavra os Srs. Deputados Carlos Robalo e Lopes Cardoso, certamente para pedir esclarecimentos.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Magalhães Mota: Há que registar, e registar com agrado, a capacidade que V. Ex.ª tem de, em nome do seu Partido, ultrapassar, de facto, a dimensão de um partido para se regozijar com um acontecimento a nível nacional. Naturalmente que a visita do Primeiro-Ministro é uma visita que importa enquadrar num âmbito nacional e analisá-la nesse contexto.
De facto, V. Ex.ª teve essa grandeza, mas há um esclarecimento que lhe gostaria de pedir. A maioria entende que a visita do Sr. Primeiro-Ministro é mais uma missão do Governo, missão...
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - ... de sacrifício!
O Orador: - ... que naturalmente me regozija por ter sido bem cumprida. Poder-lhe-ia dizer inclusivamente que, embora não sendo muito pródigos em grandes louvores, não deixou de ser assinalada, nesta Câmara, por um partido da maioria, em declaração política do Sr. Deputado Silva Marques, a visita do Sr. Primeiro-Ministro a Moçambique, o significado da mesma e o seu interesse para Portugal.
E daí eu estranhar que V. Ex.» tenha referido que a maioria não festejou suficientemente esta viagem. Quero dizer-lhe que nós não festejamos muito aquilo a que nós costumamos chamar obrigações ou missões cumpridas.
E é neste contexto que gostaria de perguntar a V. Ex.ª se nós devíamos ter festejado a visita do Sr. Primeiro-Ministro e o sucesso que a mesma teve com foguetes e bombos, ou se a devemos aceitar como uma missão de Estado que, para nós, é normal que seja bem cumprida e que tenha resultados positivos?
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para responder, se assim o entender.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Eu diria, com todo o gosto ao Sr. Deputado Carlos Robalo que não pretendo meter-me em problemas de organização. Mas suponho que têm lá uns foguetes comprados que tinham guardado para o dia 7 de Dezembro. Poderiam usá-los em boas ocasiões!
Risos e aplausos do PS, do PCP, da UEDS, da ASDI e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados Carlos Robalo, pede a palavra para que efeito?
Contudo, é nas medidas não detentivas que se fundam as grandes esperanças.
Desde logo, na multa que, ao lado da prisão o Código ^consagra como outra das penas principais. Utilizou-se o sistema dos «dias de multa», o que permite adoptá-la melhor quer à culpa quer às condições económicas e financeiras do agente.
Sublinhe-se ainda o regime proposto para o caso de não pagamento da multa. Desde o pagamento diferido ou em prestações, passando pelo recurso à execução dos bens do condenado e pela substituição, total ou parcial, da multa por prestação de trabalho, para finalmente aplicar a prisão pronunciada em alternativa na sentença, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, podendo aquela ser atenuada ou decretar-se mesmo a isenção da pena sempre que o agente prove que lhe não pode ser imputada a razão do não pagamento.
Outras medidas não detentivas são a suspensão da execução da pena (artigos 48.º e seguintes) e o regime de prova (artigos 53.º e seguintes). Assim se prevêm estas medidas, como possíveis sempre que pena de prisão não seja superior a três anos. Como reacções penais do conteúdo pedagógico e reeducativo só devem ser decretadas quando o Tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida e outras circunstâncias indicadas no artigo 48.º, n.º 2, serem essas medidas adequadas a afastar o delinquente da criminalidade.
Sublinhe-se, no entanto, o regime de prova, pois é uma das graves novidades do Código. O sistema proposto consiste na suspensão da própria pronúncia da pena, ficando o agente submetido a um período de prova em meio livre. Mas o que realmente caracteriza este instituto é a existência de um plano de readaptação social e a submissão do delinquente à especial vigilância e controle de assistência social especializada.
Retomando a ideia, atrás aflorada, de combater o efeito desmoralizante da pena de prisão, importa realçar o campo da execução desta espécie de penas. Este domínio sempre mereceu a mais viva atenção em Portugal, não só de práticos como de teóricos. Entre nós, já está em vigor, desde l de Janeiro de 1980, a respectiva reforma que, aliás, tem merecido os maiores elogios da doutrina estrangeira. Pretendeu-se seguir o caminho que
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progressivamente trouxesse a execução para o domínio jurídico com exclusão do arbítrio de uma administração toda poderosa.
Mas existe um outro aspecto que importa assinalar e que diz respeito às dificuldades inerentes à falta de estruturas para conduzir a bom termo um tratamento minimamente eficaz.
A esta ordem de preocupações corresponde a elaboração de um projecto de diploma que cria os serviços de auxílio à reinserção social dos delinquentes. Este diploma que deverá ser aprovado numa das próximas reuniões do Conselho de Ministros procura criar a estrutura básica onde se espera venham a surgir respostas de acordo com a necessidade de actualizar o âmbito do serviço social específico.
Actualmente o serviço social prisional pode caracterizar-se, de um ponto de vista orgânico, como um dos serviços centrais da Direcção Geral dos Serviços Prisionais. Certo é, porém, que este serviço social tem presentemente uma reduzida capacidade de actuação, pois não possui funcionários em número suficiente e nem dispõe de meios de actuação susceptíveis de garantir uma correcta actuação.
Assim, tem-lhe sido impossível cobrir correctamente áreas de actuação fundamentais, como sejam o acompanhamentos dos libertados condicionalmente, o estudo e acompanhamento dos reclusos, quer individualmente quer a nível sócio familiar.
Por outro lado e apesar do Decreto-Lei n.º 268/81, de 16 de Setembro - a nova lei orgânica dos serviços prisionais -, exigir para os futuros técnicos de serviços social o curso superior de assistência social, a grande maioria dos actuais funcionários não têm ainda essa qualificação.
Dentro do enquadramento já descrito, do projecto de um novo Código Penal, importa atingir metas e concepções novas no campo da acção social prisional, pós prisional e no das medidas não institucionais - há pouco referidas -, tudo na perspectiva de uma correcta política de prevenção criminal que, para ser eficaz, deverá considerar a problemática da reinserção social do delinquente.
É no contexto de uma desejável mudança do sistema em vigor, tornada imperativa pelos caminhos abertos pelo projecto do novo Código Penal, que se situa a criação do Instituto de Reinserção Social.
Uma política criminal racional e actualizada importa, para além de uma acção humanizante e libertadora do mundo penitenciário, a adopção clara de todos os caminhos que nos afastem do encarceramento, solução esta mais lesiva da personalidade do cidadão delinquente e que amanhã talvez seja olhada pelos vindouros da mesma forma que hoje consideramos a tortura de outros tempos.
O projecto do novo código penal consagra a ilicitude como elemento essencial da acção típica, importando realçar a abertura do sistema, pois não enuncia de forma taxativa as diferentes causas de exclusão. Nesta medida, o julgador pode procurar, sem demasiados espartilhos, a mais justa solução para o caso concreto.
Um outro ponto fundamental do projecto é o modo como se consagra a teoria do erro. O agente só pode merecer um juízo de censura ética se tiver actuado com consciência da ilicitude do facto. Já se tiver actuado sem a referida consciência mas o erro lhe for censurável deverá ser punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, que pode ser especialmente atenuada.
O Código exige, para o agente ser considerado imputável, que consiga determinar-se. Isto demonstra não só a criteriosa integração do elemento de valoração ética, mas também o afloramento da tradição correccionalista portuguesa, manifestando-se, assim, a inconsequência daqueles que julgam o Código desinserido das raízes culturais portuguesas.
Ao admitir-se um vasto domínio para a ininputabilidade, devido à definição de critérios que se afastam do mais rígido pensamento da culpa, permitir-se-á a construção de um modelo baseado numa ideia que desliza para a responsabilidade social mitigada.
Um outro diploma, para o qual se pediu igualmente autorização legislativa, refere-se ao regime especial para jovens adultos.
Este diploma visa regular uma matéria de largo interesse e importância, correspondendo aliás ao imperativo que decorre do artigo 9.º do projecto.
Tal interesse e importância não resultam só da ideia de que o jovem imputável é merecedor de um tratamento especializado, mas vai também ao encontro das mais recentes pesquisas no domínio das ciências humanas e da política criminal, como finalmente entronca num pensamento vasto e profundo, no qual a capacidade de ressocialização do homem é um pressuposto necessário, sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade.
O direito penal dos jovens imputáveis deve, tanto quanto possível, aproximar-se dos princípios e regras do direito reeducador de menores. Nesse sentido se consagra, em determinado dispositivo do projecto do decreto a utilizar se for votada favoravelmente esta autorização legislativa, um princípio que não sendo inovador, face ao nosso sistema penal, colhe, no entanto, o mais largo consenso doutrinal, assim como se coloca nas zonas mais avançadas do tratamento penal de jovens imputáveis.
O princípio geral, imanente em todo esse texto, é o de maior flexibilidade na aplicação das medidas de correcção, que vem permitir que a um jovem imputável até aos 21 anos possa ser aplicada tão só uma medida correctiva.
A inconveniência dos efeitos estigmatizantes das penas aconselha a que se pense na adopção preferencial de medidas correctivas para os delinquentes, a que este projecto de decreto-lei se destina.
Tais medidas comportam uma grande amplitude, já que nelas se consagra a possibilidade de o juiz, segundo o seu prudente arbítrio, ordenar o cumprimento de uma obrigação de facere ou de omitere ao jovem imputável.
Pode ainda, nesta mesma linha, o juiz, quando assim o julgar conveniente, decidir-se pelo internamento em centros de detenção, internamento que também ele pode ser extremamente variável, conforme mostra o projecto.
Pretende-se com tudo isto consagrar um tratamento diferenciado que permita uma adequada individualização das reacções penais.
Diga-se ainda, dentro deste projecto, que a consagração de toda esta orientação legal, para além de ir na estreia de uma nobre tradição do nosso ordenamento criminal, não deixa de ser iluminada pelos trabalhos e obras mais recentes desta problemática, que encontram importantes apoios nas publicações do Conselho da Europa.
As medidas propostas não afastam a aplicação, como uma ratio, da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos quando isso se torna necessário, para uma ade-
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quada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade. Esse será o caso da pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos.
Para além desta, deve, todavia, o juiz dispor de um outro arsenal de medidas de correcção, tratamento e prevenção, que tornem possível uma luta eficaz contra a marginalidade criminosa juvenil.
Este diploma a que me estou a referir adopta uma terminologia já legitimamente consagrada, assim correndo para uma desejável harmonização entre diplomas, que, as diferentes perspectivas visam, em última análise, objectivos comuns.
Não me refiro, por ora, à Parte Especial do Código Penal e apresentarei antes, as medidas essenciais de adaptação do processo penal ao novo projecto penal, no caso de este vir a ser aprovado.
Na verdade, a próxima ou possível entrada em vigor do novo código penal supõe uma profunda reestruturação do Código de Processo Penal - particularmente do título VII, do livro II, sobre as execuções das penas - que importa, portanto, efectuar antes mesmo da elaboração de um novo código, a que seguidamente e de imediato se procederá.
Sabe-se que o Código de Processo Penal é um diploma adjectivo destinado a viabilizar e a dar execução prática às normas penais substantivas, sistematizadas no Código Penal.
É este último diploma basilar, onde o pensamento legislativo toma posição sobre as grandes opções do Direito Criminal, nomeadamente sobre os fins das penas e sobre as vias de reinserção na sociedade daqueles que um dia sucumbiram perante a rede de tipicidade das normas incriminadoras e constantes da Parte Especial do Código Penal.
Daí que toda a reestruturação ou alteração do Código de Processo Penal, para que se integre no pensamento legislativo da lei-base e na hermenêutica do sistema, deva sempre arrancar das normas penais substantivas que no Código penal se contém.
Esta linha de pensamento conduz-nos, porém, um pouco mais adiante. É que todos os diplomas legais, portanto também o Código de Processo Penal, devem, eles próprios, reflectir as linhas de orientação do diploma fundamental, que é a Constituição da República.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - É só para um breve protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Naturalmente que a graça do Sr. Deputado Magalhães Mota é sempre algo que nos encanta.
Mas a grande pena que eu tenho é a de não poder festejar a eleição de possíveis deputados da ASDI sem ser por borla ou por tabela seca de outros partidos.
Se o conseguir de outra forma, nós lhe ofereceremos foguetes!
Aplausos do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Alberto Xerez.
O Sr. José Alberto Xerez (CDS): - Já praticamente tudo foi dito. De qualquer modo o CDS vai votar favoravelmente este diploma que irá permitir materializar a adesão de Portugal ao Fundo Africano de Desenvolvimento, dentro de uma estratégia que tem Vindo a ser tenazmente perseguida, e que consta do programa da Aliança Democrática, de intensificação das nossas relações com os países africanos. E esperamos bem que os resultados da consecução desta adesão, até pelos esforços que Portugal vai desenvolver em conjunto com os países africanos, sejam efectivamente propiciadores de ritmos de desenvolvimento económico cada vez mais elevados.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nosso entender a adesão de Portugal ao Fundo de Desenvolvimento constitui a aquisição de um instrumento que indiscutivelmente favorecerá o desenvolvimento da cooperação e das relações económicas com os estados africanos e, em particular, com os estados africanos de expressão portuguesa.
Bastaria isto para justificar o nosso voto favorável. Que essa cooperação económica se faça em benefício da economia e em benefício das empresas portuguesas parece-me natural. No entanto, creio que o desenvolvimento da cooperação económica terá que ser visto sempre na perspectiva do mútuo interesse e não numa perspectiva paternalista ou caritativa.
Reconhecê-lo é também reconhecer a independência dos estados africanos e o seu direito a um estatuto que não pode continuar a ser entendido por nós como um estatuto de menoridade.
Daí o nosso voto a favor e a nossa congratulação antecipada pelo resultado desta votação que, tudo parece indicar, será favorável à proposta de resolução que nos foi submetida.
Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições vamos votar na generalidade, o presente projecto de resolução.
Submetido à votação, foi aprovado, com os votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e do MDP/CDE e a abstenção do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação na especialidade.
Não havendo inconveniente, podemos votar os dois números do projecto de resolução em conjunto.
Submetidos à votação, foram aprovados, com os votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE e a abstenção do PCP.
São os seguintes:
I - A Assembleia da República delibera a adesão de Portugal ao tratado internacional de constituição do Fundo Africano de Desenvolvimento, anexo a esta Resolução e que dela faz parte integrante.
II - São aprovados os actos praticados pelo Governo com vista à adesão de Portugal aquela organização internacional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há inscrições, vamos passar ao ponto seguinte da nossa ordem de trabalhos.
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A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, faltam cerca de 25 minutos para a hora regimental. Vamos entrar num novo ponto da ordem do dia que, creio, vá levar bastante tempo.
Não sei, evidentemente, de quanto tempo é a intervenção do Sr. Ministro, mas parece-me que em 25 minutos, dificilmente poderemos entrar neste novo ponto da ordem do dia. Penso até que dificilmente poderá ser feita a intervenção do Sr. Ministro e formulados os pedidos de esclarecimento que os partidos certamente não deixarão de colocar sobre um assunto tão importante.
Julgo que talvez pudéssemos trocar impressões sobre isso. A nossa sugestão seria no sentido de que iniciássemos a discussão desta matéria na sexta-feira com a intervenção do Sr. Ministro e com os vários pedidos de esclarecimentos dos partidos da oposição. Ou, pelo menos, perguntava se caberá dentro do tempo regimental a intervenção e os vários pedidos de esclarecimento que gostaríamos de formular ao Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Neste momento, suponho que o que devemos é perguntar se a intervenção do Sr. Ministro é compatível ou não com o tempo de que dispomos até às 13 horas. Naturalmente que quanto ao desenvolvimento de todo o debate podemos dar por aceite que ele não é compatível.
Neste sentido, perguntaria ao Sr. Ministro se a intervenção inicial que provavelmente desejará fazer é compatível com o tempo de que dispomos até às 13 horas.
O Sr. Ministro da Justiça (Meneres Pimentel): - Sr. Presidente, julgo que, para uma apresentação genérica, poderia encurtar a minha intervenção para caber dentro desta meia-hora.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, daria a palavra a V. Ex.ª, pedindo-lhe naturalmente para ter em conta o nosso limite de tempo.
A discussão do diploma em apreço, como aliás estava previsto, continuará na próxima sexta-feira.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O progresso no seio das instituições penais e penitenciários que o Governo tem procurado impulsionar, poderá ter finalmente, como ponto culminante, a publicação de um novo Código Penal.
O projecto, como é sabido, baseia-se fundamentalmente nos articulados elaborados em 1963 (Parte Geral) e em 1966 (Parte Especial), da autoria do Professor Eduardo Garcia. Assim, se existe alguém que possa legitimamente arrogar-se desta obra legislativa será o referido Professor e todos os seus colaboradores, dos quais destaco, sem menosprezo para os restantes, o Professor Figueiredo Dias e os Doutores Costa Andrade e Faria e Costa.
Apesar de todo o esforço desenvolvido, o projecto inicial passou por várias vicissitudes, nunca tendo encontrado espaço político adequado antes do 25 de Abril. A este facto não é estranho o fim e a textura do próprio sistema punitivo do projecto que mal caberia nos quadros de um regime ditatorial.
Competiu ao último Governo Provisório o primeiro impulso, após o 25 de Abril, para que o projecto se convertesse em lei. Os sucessivos governos constitucionais procuraram prosseguir, mas sem êxito, o mesmo objectivo, sendo de salientar a actuação do Ministro Eduardo Correia quando, durante a vigência do IV Governo Constitucional dirigiu o Ministério da Justiça.
Mercê da estabilidade governamental conseguida a partir de 1980, tornou-se possível recomeçar, a partir de 1981, a revisão do projecto, bem como a reformulação de outros projectos de lei complementares, assim como a formulação de novos diplomas. Refiro-me à lei sobre o direito de mera ordenação social, à lei sobre o regime penal dos jovens adultos, às adaptações da legislação processual penal, aos diplomas sobre registo criminal e criação de um Instituto de Reinserção Social e à lei preambular do novo Código Penal.
Um dos princípios basilares do diploma reside na compreensão de que toda a pena deve ter como suporte uma culpa concreta. Este fundamento filosófico-jurídico, após alguma controvérsia, vem ganhando a adesão das diversas forças políticas, mesmo para aquelas que põem o acento tónico na prevenção geral. Aliás, o princípio em referência insere-se numa larga tradição cultural portuguesa e europeia.
É que não existe grande antinomia entre a prevenção geral e a culpa, uma vez que aparece, em qualquer sistema, a barreira inibidora da pena. Mas nada se conseguirá de relevante se não se der verdadeira autonomia ao agente que sabe ser a definição da pena fruto da participação de toda a comunidade. Por outro lado, mas à referida luz, vê-se que a tónica da prevenção especial só pode ganhar sentido e eficácia se existir uma participação real do delinquente. Donde resulta a importância ou o papel de relevo que neste domínio ganham as instâncias auxiliares da execução das penas privativas de liberdade. Todavia, o mais difícil de conseguir será o bom relacionamento entre as instituições penitenciárias e o delinquente. Se se juntar a esta dificuldade a rigidez das penas institucionais, logo se verá a necessidade de, pelo menos por este último lado, se romper decisivamente com o sistema punitivo actual.
Face ao exposto, o novo Código consagra um conjunto que se supõe articulado e coerente de medidas não institucionais que vem facilitar o referido bom relacionamento com o delinquente.
Assim, o novo sistema punitivo arranca do pensamento fundamental de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador.
Nestes termos, a importância conferida a medidas que, embora não determinem a perda da liberdade física, acarretam uma intromissão na conduta da vida dos delinquentes, mas que não devem ser vistos como formas de clemência legislativa.
O combate que assim se faz às penas institucionais correrá o risco de insucesso se o novo código se limitasse à enumeração das medidas substitutivas sem fornecer o critério geral orientador da escolha das penas. Por isso é que o art.º 71.º impõe ao Tribunal que dê preferência fundamentada à pena não privativa de liberdade «sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do delinquente e satisfaça as exigências da reprovação e da prevenção do crime». O que significa, a meu ver, a aceitação da pena de prisão como pena principal para os casos mais graves, sem que se deixe de afirmar que o recurso às penas privativas de
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liberdade só será legítimo quando, face às circunstâncias de cada caso, se não mostrarem adequadas as reacções penais não detentivas.
Mas não se esgotam no art.º 71.º os poderes concedidos ao juiz para que sejam alcançada ajusta punição e o objectivo geral da prevenção do crime pelo tratamento do condenado.
E assim que se prevê uma atenuação especial da pena nos casos em que «circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime (ou contemporâneas dele) diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente» (art.º 73.º) ou quando aquela atenuação conduzir à substituição da prisão por «prisão por dias livres» ou pela pena de multa (art.º 74.º).
Mas vai-se mais longe, e, assim, o Código consagra duas importantes inovações nesta matéria. Desta maneira, o Tribunal« pode não aplicar qualquer pena se a culpa do agente for diminuta, o dano tiver sido reparado e a tal não se opuseram as exigências da recuperação do delinquente e da presunção geral (art.º 75.º, n.» 1).
Além disso, permite-se que nos casos em que não estejam ainda cabalmente realizados aqueles pressupostos, o juiz possa não proferir a sentença, adiando-a para um momento posterior, na esperança de que o comportamento do delinquente, a reparação próxima do dano ou a confirmação da falta de especiais exigências de prevenção venham a justificar a dispensa da pena (art.º 75.º, n.º 2).
Espera-se, assim, dotar a administração da justiça penal de um meio idóneo de substituição de curtas penas de prisão ou mesmo da pronúncia de outras, que nem a protecção da sociedade nem a recuperação do delinquente parecem seriamente exigir.
O projecto não abandona, como é óbvio, a pena de prisão, mas ao proceder assim fá-lo com a consciência de que ela constitui um mal que, como assim, deve ser reduzido ao mínimo necessário, para o que se deve harmonizar a sua estrutura e regime, tanto quanto possível, com a recuperação dos delinquentes a que venha a ser aplicada.
Desta maneira, aboliu-se a diferenciação entre prisão maior e prisão correccional, pois a execução das penas privativas de liberdade só pode divergir em função da sua maior ou menor duração.
Também no art.º 65.º se proclama que «nenhuma pena envolve, com efeito necessário, a perda de direitos civis, profissionais ou políticos».
Acresce que, para além de um regime muito aberto de substituição da prisão por multa (art.º 43.º), há que referir que a prisão não superior a três meses poderá ser cumprida por dias livres (fins de semana e feriados) e o regime de semi-detenção previsto no art.º 45.º...
Realce-se, dentro do mesmo quadro, o afastar do carácter criminógeno das penas detentivas, o regime previsto nos art.ºs 61.º e seguintes para a liberdade condicional. Esta, na política do novo Código, serve o objectivo de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade definitiva, durante a qual o delinquente pode recobrar o sentido de orientação social afectado pela reclusão.
No preciso momento em que se procede à reestruturação do Código de Processo Penal, em vista da execução do novo código penal, ultimam-se também os trabalhos, nesta Assembleia, da revisão da Constituição.
Não faria por isso sentido, implicando mesmo o preço de uma outra e próxima do Código de Processo Penal, não serem, desde já, levadas em conta as alterações que a revisão da Constituição implica, tanto mais que elas, na sua generalidade, quanto aos pontos em que agora se pretende legislar, não são contra a Constituição de 1976, antes reforçam as garantias nesta consignadas.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, dê-me licença que o interrompa por uns momentos.
Estamos no limite do tempo previsto para a parte da manhã. Em relação ao tempo regimental normal, o Sr. Ministro dispõe de 4 minutos para a apresentação da proposta.
Penso que a Câmara poderá prolongar os seus trabalhos por 4 minutos, se o Sr. Ministro desejar utilizá-los.
O Sr. Ministro da Justiça: - Direi, em resumo, que as normas de processo penal se confinam dentro das seguintes coordenadas: reestruturação das normas do Código de Processo Penal sobre direitos e garantias fundamentais, como já disse; reformulação de todo o título VIII do livro II, sobre execução das penas; e reestruturação de todas as demais normas do Código de Processo Penal e da legislação complementar, na medida impostas pelos artigos 164.º, n.º 4 e 170.º do projecto do novo código penal.
Aqui se incluem todas as normas não referidas atrás. Trata-se, em regra, de normas decorrentes da eliminação da categoria de prisão maior, eliminação que provocou nova delimitação entre o processo correccional e o processo de querela e entre os casos de inquérito preliminar e de instrução preparatória obrigatória. Para além desses, merecem ainda relevo as normas directamente impostas pelos artigos 164.º, n.º 4 e 170.º do projecto do novo código penal.
Saliente-se, por fim, que o presente projecto de decreto-lei visa estabelecer um conjunto mínimo de normas que se reputam indispensáveis para viabilizarem a entrada em vigor do novo código penal. Isso não dispensa nem prejudica a próxima elaboração de um novo código de processo penal, a que, de imediato e logo que iniciada a vigência da lei da revisão constitucional, se procederá.
Tem mesmo, além disso, a vantagem de, aquando da entrada em vigor desse novo código, poder já ser levada em conta a experiência entretanto recolhida, pois que as normas agora formuladas representam uma antecipação em aspectos restritos mas fulcrais.
É este, em traços muito essenciais, o conjunto de princípios que preside à elaboração dos principais projectos do diploma que se pretende publicar, no uso da autorização legislativa que vier a ser concedida por esta Assembleia e que, em resumo e porque já estou no limite dos limites do tempo, poderei dizer que, uma vez concretizados, poderão fazer com que uma nova página da história do Direitos Penal e da administração penitenciária em Portugal seja voltada.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro os Srs. Deputados Lino Lima, Armando Lopes, Zita Seabra, Américo de Sá, António Taborda, António Vitorino e Vilhena de Carvalho.
Ficam anotadas as inscrições dos Srs. Deputados. Continuaremos com a discussão desta proposta na próxima sexta-feira, como estava previsto.
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Retomamos os nossos trabalhos às 15 horas para debate dos projectos de revisão constitucional. Srs. Deputados, está suspensa a sessão.
Eram 13 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É para, ao abrigo das disposições regimentais e em nome da minha bancada, pedir a suspensão da sessão por 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Retomaremos os nossos trabalhos às 16 horas.
Eram 15 horas e 31 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 16 horas.
O Sr. Presidente: - Vamos continuar a discutir os projectos de revisão constitucional, nomeadamente vamos entrar no título vi, em relação ao qual existe uma proposta de substituição da epígrafe apresentada pela Comissão, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Título VI Comércio e Protecção do Consumidor
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos votá-la.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade (164 votos) (não se encontrando presente a UDP).
O Sr. Presidente: - Passamos agora ao artigo 109.º em relação ao qual existem três propostas da Comissão: uma de substituição da epígrafe, outra de substituição do n.º 1 e outra de eliminação do actual n.º 2, que vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
ARTIGO 109.º
(Comércio)
1 - O Estado intervém na racionalização dos circuitos de distribuição e na formação e no controlo dos preços, a fim de combater actividades especulativas, evitar práticas comerciais restritivas e os seus reflexos sobre os preços, a adequar a evolução dos preços de bens essenciais aos objectivos da política económica e social.
2 - Para desenvolver e diversificar as relações económicas externas, e salvaguardar a independência nacional, incumbe ao Estado regular as operações de comércio externo, nomeadamente através de empresas públicas ou outros tipos de empresas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, uso da palavra apenas para dizer que há também uma proposta de substituição do n.º 2, subscrita por deputados do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, existe também uma proposta de aditamento ao n.º 2 proposto pela Comissão, que é curial que seja lida e posta à discussão conjuntamente com as outras.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, se a Câmara não se opuser, punha à votação as propostas da Comissão relativas à epígrafe e ao n.º 1 do artigo 109.º
Pausa.
Vamos pois votar a proposta de substituição da epígrafe.
Submetida à votação, foi aprovada com 172 votos a favor (do PSD, do PS, do PCP, do PPM, da ASDI e da UEDS) e 2 abstenções (do MDP/CDE) (não se encontrando presente a UDP).
O Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta da Comissão relativa ao n.º 1.
Submetida à votação, foi aprovada com 143 votos a favor (do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE) e 33 abstenções (do PCP e da UDP).
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para declarações de voto, os Srs. Deputados Herberto Goulart, Luis Beiroco e Cabrita Neto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao abstermo-nos em relação à proposta de substituição da epígrafe do artigo 109.º não quisemos mais do que expressar a nossa não ausência à junção num só dos actuais artigos 109.º e 110.º da Constituição.
Naturalmente que se trata de uma alteração de natureza sistemática, fundamentalmente com um sentido formal, mas é evidente que este sentido formal está sempre associado a uma alteração de conteúdo. Neste caso, acaba por significar uma desvalorização dos actuais dois artigos autónomos, com particular incidência sobre a matéria dedicada ao comércio externo.
Relativamente ao n.º 1 deste artigo votámos a favor por entendermos que, no essencial, mantém a formulação do texto constitucional de 1976.
Os objectivos agora explicitados no texto proposto pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional para a intervenção do Estado não podem ser tidos senão como tendo um carácter exemplificativo, visto que o artigo
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continua integrado nos objectivos gerais desta parte II da Constituição -Organização Económica- muito especialmente continuando articulado com as incumbências prioritárias do Estado fixadas pelo artigo 81.º
As alterações propostas não suscitavam, pois, a nossa oposição. Daí, termos votado a favor.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS votou favoravelmente a nova redacção do n.º 1 do artigo 109.º por considerar que ela constitui um extraordinário progresso em relação ao texto anterior da Constituição.
Com efeito, anteriormente a redacção desse artigo inculcava para o Estado a obrigação de intervir na formação e no controlo de todos os preços. A partir deste momento ficou claro que essa intervenção e esse controle terão apenas em vista, por um lado, o aperfeiçoamento dos mecanismos de mercado nos casos em que eles não funcionam e, por outro lado, a adequação da política económica a determinados objectivos sociais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cabrita Neto.
O Sr. Cabrita Neto (PSD): - O Partido Social Democrata congratula-se com a aprovação deste artigo, que vem clarificar, extraordinariamente, a posição do Estado em relação aos produtos chamados essenciais.
Pensa também que cada vez mais se torna necessário melhorar e racionalizar os circuitos de comercialização, tendo o Estado um papel fundamental ao intervir, quando necessário, para regularizar mercados no sentido de facilitar o abastecimento público, principalmente os serviços considerados essenciais à maioria da população portuguesa, controlando os preços e combatendo as actividades especulativas.
O Sr. Presidente: - Passamos agora ao n.º 2 do artigo 109.º em relação ao qual existem três propostas: uma de substituição proposta pela Comissão, que já foi lida, uma de aditamento ao texto da Comissão, apresentada pelo PCP, e outra de substituição da AD, que vão ser lidas.
Foram lidas. São as seguintes:
Proposta de aditamento ao n.º 2 do artigo 109.º do PCP
2 - Para desenvolver e diversificar as relações económicas externas e salvaguardar a independência nacional, incumbe ao Estado regular as operações de comércio externo, nomeadamente através de empresas públicas ou outros tipos de empresas, bem como disciplinar e vigiar a qualidade e os preços das mercadorias importadas e exportadas.
Proposta de substituição do n.º 2 do artigo 109.º do PSD, do CDS e do PPM
2 - Para desenvolver e diversificar as relações económicas externas, e salvaguardar a independência nacional, incumbe ao Estado regular as operações de comércio externo.
O Sr. Presidente: - Perguntava, entretanto, ao PCP se a proposta de aditamento que apresentou se reporta ao texto actual da Constituição.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não, Sr. Presidente. A nossa proposta é de aditamento ao n.º 2 proposto pela Comissão, no caso de este vir a ser aprovado, pelo que deverá ser votada depois da votação deste n.º 2.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, é só para dizer que, por uma questão de regulamentação, me dá a impressão de que deve ser votada em primeiro lugar a proposta de substituição apresentada por deputados do PSD, do CDS e do PPM porque esta envolve a supressão duma frase do texto proposto pela Comissão.
Relativamente a este n.º 2 existem, pois, três propostas: a proposta da Comissão que é a proposta central -, a proposta de substituição apresentada pelo PSD, pelo CDS e pelo PPM, que propõe a supressão da sua frase final a partir de «nomeadamente», e a proposta do PCP de acrescentamento de uma outra frase.
Ora, a primeira que deve ser votada deverá ser a que prevê a supressão da frase porque se primeiro for votada a da Comissão depois já não se poderá suprimir a frase.
O Sr. Presidente: - Há ainda uma outra questão: é que há uma proposta da Comissão no sentido de o artigo 110.º passar a n.º 2 do artigo 109.º
Diria, pois, que a sequência lógica da votação talvez fosse a seguinte: proposta de eliminação do actual n.º 2, proposta de substituição do PSD, CDS e PPM, proposta da Comissão e finalmente a proposta do PCP.
Estão em discussão.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Duas palavras muito breves apenas para justificar a iniciativa de alguns deputados da maioria, de que sou o primeiro subscritor.
É evidente que se trata, no fundo, de eliminar do texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional o inciso final «nomeadamente através de empresas públicas ou outros tipos de empresas», inciso que já constava do anterior texto da Constituição.
Isto pela razão muito simples de que todos sabemos - as formas que os Estados utilizam para regular as operações de comércio externo podem ser muito variadas, e são-no com certeza, mas normalmente não passam - e só excepcionalmente poderão passar - pela criação de empresas, sejam elas públicas ou particulares.
Normalmente os Estados usam, para regular as operações de comércio externo, processos de licenciamento de registo prévio de contingentamento ou outros semelhantes.
A questão das trading, que no fundo é o que aqui está em causa, poderão, nalguns casos, ser formas de promover exportações, principalmente de mercadorias produzidas em unidades de produção que, de per si, não tem capacidade para as promover externamente. Não são propriamente utilizadas como forma de regulação do
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comércio externo, excepto em economias de direcção central.
É isso, no fundo, que está em questão, ou seja, saber que queremos que um mecanismo que é típico de economias de direcção central permaneça no nosso texto constitucional.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Contrariamente ao n.º 1, que votámos favoravelmente, este n.º 2 proposto pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, não merece o nosso acordo.
Desde o 25 de Abril, especialmente nos períodos de maior crise económica e social, se tem Verificado que as operações económicas externas têm representado uma área privilegiada de actuação de interesses particulares contra os interesses económicos nacionais, em estrangulamento, mesmo, das condições de independência nacional.
A intervenção do Estado democrático no sentido do controlo efectivo de tais operações e não no da mera regulamentação é, quanto a nós, uma necessidade justificada em termos de passado recente e em termos de perspectivas futuras.
O MDP/CDE já defendia tal posição em 1976 quando da elaboração da Constituição e temo-la ainda por mais firme neste momento.
A descapitalização do País, usando a expressão no sentido de transferência ou manutenção ilegítima de divisas no estrangeiro, continuará a ser uma constante da actividade de certos sectores financeiros, comerciais e industriais, enquanto mecanismos dissuasores não forem tornados efectivos.
A actual governação AD, profundamente desacreditada na sua política económica, alimenta continuamente um clima de desconfiança, propiciador da fuga de capitais para o estrangeiro.
Uma alternativa democrática à governação da AD, se quiser mobilizar as reais forças produtivas nacionais, como única forma realista de inverter a desgovernação actual, suscitará inevitavelmente desconfianças nos grandes detentores de meios financeiros, especialmente dada a gravidade da crise económica e será confrontada com a obstaculização dos que à resolução dos problemas nacionais sobrepõem o máximo interesse imediato para os seus negócios privados.
O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Muito bem!
O Orador: - O actual artigo 110.º constitucionaliza a linha geral de acção que, em nosso entender, é indispensável o Estado prosseguir no combate à fuga de capitais para o estrangeiro.
Por isso, consideramos inoportuna a sua alteração e, em particular, estamos frontalmente contra a proposta da eliminação da incumbência do Estado quanto a «disciplinar e vigiar a qualidade e os preços das mercadorias importadas e exportadas».
A luta contra as práticas de sub e de sobrefacturação nas operações de comércio externo tem de ser uma incumbência prioritária do Estado, que deve estar consignada na Constituição.
No momento actual, entre a certeza da necessidade nacional desta intervenção e a incerteza da adesão à CEE, do tempo e das condições desta, entendemos que há que não antecipar problemas ainda inexistentes e garantir que a Constituição Económica continue a conter preceitos que se colocam no plano da salvaguarda dos interesses económicos nacionais.
Nesta perspectiva, naturalmente que não receberá o nosso apoio o texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e, por maioria de razão, não merecerá o nosso apoio a proposta apresentada pelos grupos parlamentares que integram a AD, na medida em que consideramos que o que está em causa não é simplesmente uma perspectiva de economia centralizada - como foi colocada pelo Sr. Deputado Luís Beiroco - mas sim a convicção ou a compreensão de que, numa economia que se assume num projecto de abertura para a construção de uma futura sociedade socialista, ao sector público compete o papel determinante em todas as áreas de actividade económica, isto, evidentemente, sem prejuízo do sector privado.
Naturalmente que a proposta que o PCP apresentou merecerá o nosso acolhimento visto que não é mais do que a reprodução do que já consta do texto constitucional de 1976.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD concorda com a proposta vinda da Comissão, em todo o caso considera que a proposta apresentada pelos Srs. Deputados Luís Beiroco, Fernando Condesso, José Alberto Xerez e António Moniz se traduzirá numa melhoria do texto.
Portanto, votaremos a favor da proposta apresentada por aqueles Srs. Deputados e do texto vindo da Comissão e contra a proposta de aditamento subscrita pelo PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei uma breve intervenção para justificar a nossa proposta de aditamento ao artigo 109.º, n.º 2, vindo da CERC.
A razão que determinou esta proposta de aditamento é tão só a de fazer manter no texto constitucional uma incumbência do Estado que está consignada na alínea b) do actual artigo 110.º, e que é a incumbência de o Estado promover o controle das operações de comércio externo e que agora, de acordo com a proposta que nos vem da CERC, é transformada numa outra incumbência do Estado bem mais restritiva, que é a de o Estado regular as referidas operações de comércio externo. Esta modificação não nos parece justificável e por isso optámos por apresentar a nossa proposta de aditamento.
Pensamos, aliás, que esta substituição vinda da CERC não é justificável, já que ela pode determinar que venham a ocorrer pressões no sentido da diminuição do papel do Estado no controle do comércio externo, como forma de, também através deste, se avançar para o controle do poder político pelo poder económico.
Por outro lado e como já aqui foi referido, sendo conhecida, como é particularmente no nosso país, uma situação de forte dependência da nossa economia relati-
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vamente às multinacionais bem como as práticas correntes de subfacturação e de sobrefacturação, tanto mais natural é que, da nossa parte, exista a intenção de reforçar este papel disciplinador, vigilante da parte do Estado, no sentido de controlar, de vigiar estas situações nefastas para a economia nacional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, uma vez que não há mais inscrições, vamos, passo por passo, votar, em primeiro lugar, a proposta de eliminação do actual n.º 2 do artigo 109.º, apresentada pela Comissão.
Submetida à votação, foi aprovada, com 154 votos a favor (do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE) e 34 votos contra (do PCP e da UDP).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segue-se agora a proposta vinda da Comissão no sentido de que o actual artigo 110.º seja eliminado enquanto artigo autónomo, passando a n.º 2 do artigo 109.º com as alterações que eventualmente lhe venham a ser introduzidas.
Embora se trate de matéria de sistematização, é uma proposta que ponho à discussão.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço à Mesa que leia o texto da proposta que iremos votar porque já anteriormente houve aqui uma confusão.
Obviamente, aquilo que se votou não foi a eliminação do n.º 2 do artigo 109.º, da Constituição.
Vozes do PSD e do CDS: - Foi sim!
O Orador: - Não, Srs. Deputados, Não foi, porque isso não contém o aditamento apresentado por nós no sentido de o Estado vigiar os preços internos e externos.
O que se votou foi o n.º 2 do artigo 109.º proposto pela CERC...
Vozes do PSD e do CDS: - Não é nada disso, Sr. Deputado.
O Orador: - Então, Sr. Presidente, peço que a Mesa proceda à leitura do texto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nós já lemos os textos quase todos e vamos ler todos.
Portanto, o que neste momento vamos votar é simplesmente uma proposta de sistematização, que não tem conteúdo próprio e que é apenas no sentido de que o actual artigo 110.º da Constituição deixe de ser artigo autónomo e passe a ser o n.º 2 do artigo 109.º
Sobre este texto há depois 3 propostas, assim sistematizadas: uma da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição, outra da AD e outra do PCP. Portanto o que vou pôr à votação é esta proposta de sistematização.
Submetida à votação, foi aprovada, com 180 votos a favor (do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS e da UDP) e 2 abstenções (do MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Passamos agora à votação das propostas relativas a este n.º 2 do artigo 109.º Como já referi, há uma proposta subscrita pela AD, outra pela Comissão e outra, de aditamento, do PCP.
Como qualquer uma delas já foi lida, julgo não haver necessidade de o fazer outra vez. Desse modo, vamos votar a primeira dessas propostas, que é de eliminação, subscrita pelos Srs. Deputados Luís Beiroco, Fernando Condesso, José Alberto Xerez e António Moniz.
Submetida à votação, registaram-se 105 votos a favor (do PSD, do CDS e do PPM), 85 votos contra (do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP), não tendo sido considerada aprovada por não atingir os dois terços exigidos.
O Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta vinda da Comissão relativa à substituição do corpo do actual artigo 110.º
Submetida à votação, foi aprovada, com 150 votos a favor (do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS) e 34 votos contra (do PCP, do MDP/CDE e da UDP).
O Sr. Presidente: - Passamos agora à votação da proposta de aditamento apresentada pelo PCP.
Submetida à votação, foi rejeitada, com 154 votos contra (do PSD, do PS, do CDS, do PPM e da ASDI) e 37 votos a favor (do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP).
O Sr. Presidente: - Para produzirem declarações de voto, estão inscritos os Srs. Deputados Luís Beiroco, Herberto Goulart e Veiga de Oliveira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos, como é natural, favoravelmente quer a proposta oriunda da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional quer a proposta que tivemos ocasião de formular e que pensávamos melhorar um pouco aquela outra, lamentando que esta melhoria não tenha sido aceite.
Obviamente, votamos contra a proposta de aditamento subscrita pelo Partido Comunista Português que não consistia em mais do que em inviabilizar tudo aquilo que de melhoria se tinha conseguido na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional quanto a esta disposição, pretendendo manter um mecanismo que permitisse amanhã ao legislador ordinário intervir abusivamente na vida das empresas em nome da defesa da independência nacional ou outra qualquer, mecanismo que, aliás, nem nos períodos de maior instabilidade o legislador ordinário se atreveu a utilizar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votamos contra o n.º 2 do artigo 109.º pelas razões já expostas durante o debate.
Mais uma vez, em matéria de Constituição Económica, estivemos em divergência com as soluções preconizadas pela Comissão Eventual.
Ao longo desta parte II - Organização Económica, muitas foram as alterações aprovadas por maioria que não mereceram o acordo do MDP/CDE. Quase sempre
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por razões de princípios. Quase sempre em modificações que consideramos não ter grande significado prático, mas que, sob o pretexto de retirar carga ideológica à Constituição, evidenciaram a introdução de factores ideológicos de natureza contrária, em sucessivas cedências à direita, que em nossa opinião não têm contrapartidas úteis.
Na votação acabada de realizar, a nossa divergência quanto ao voto maioritário radica em razões diferentes, diferentes.
Aqui recusamos, o que configura uma afirmação de vontade de desguarnecer a economia nacional de mecanismos de intervenção estatal, que temos por absolutamente indispensáveis à defesa da nossa economia e da nossa independência nacional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sei como exprimir o nosso espanto perante o que acaba de se passar, pois é verdade que até o chefe de fila dos países capitalistas controla e vigia a qualidade e os preços das mercadorias importadas e exportadas -e tem, aliás, um controlo extremamente apertado, todos o sabem; pois é verdade que países como a Inglaterra e a França- e eu já falei nos Estados Unidos, que é o tal chefe de fila - fazem aquilo que nós pretendíamos que se mantivesse na Constituição, e fazem-no com uma grande seriedade, diga-se de passagem, e uma grande acuidade.
E se não nos admira muito que o CDS também chefe de fila de outra coisa!... recuse que o aditamento do PCP se mantenha, o que para nós é espantoso e inexplicável é que o PS tenha votado com o CDS nesta votação. Podem-se fazer acordos, mas não tantos, Srs. Deputados!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dentro da orientação que adoptamos, designadamente nas últimas conferência de líderes parlamentares, proponho que passemos à votação dos artigos em números que foram adiados para hoje nos termos das regras em vigor.
Assim, em primeiro lugar, iremos votar uma proposta de substituição do n.º 2 do artigo 92.º da Constituição vinda da Comissão e que, para nos situarmos, vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
ARTIGO 92.º
(Força jurídica)
1 -
2 - O Plano tem carácter indicativo para os sectores público não estatal, privado e cooperativo, definindo o enquadramento a que hão-de submeter-se as empresas desses sectores.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a discussão desta proposta de substituição está feita e, portanto, vamos votá-la.
Submetida à votação, foi aprovada, com 160 votos a favor (do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE), 1 voto contra (da UDP) e 29 abstenções (do PCP).
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abstivemo-nos porque, incluindo a alteração, modificação de monta quanto ao sentido normativo do texto, não vimos razão para votar contra, mas, não havendo qualquer necessidade ou vantagem nela, também não vimos justificação para votar a favor.
Ocorre, aliás, dizer que nesta matéria não vemos qualquer vantagem para pôr uma etiqueta e para chamar os bois pelo nome, sobretudo quando, não sendo o nome dos animais particularmente propício, mais vale manter o eufemismo do que pôr-lhe uma tabuleta feita.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Muito mal!
O Sr. Presidente: - Ainda dentro do conjunto de votações que foram adiadas para hoje há o artigo 94.º.
Foram adiadas as propostas relativas ao actual n.º 3 (antigo n.º 2) apresentado pela Comissão, sobre o qual incide uma proposta de aditamento do PCP ao mesmo número e o aditamento de um número novo, que seria o n.º 4 apresentado também pela Comissão.
Vai ser lida a proposta da Comissão relativa ao n.º 3.
Foi lida. É a seguinte:
3 - Na elaboração do Plano participam as populações, através das autarquias locais, as organizações representativas dos trabalhadores e as organizações representativas das actividades económicas.
O Sr. Presidente: - Vamos votar.
Submetida à votação, foi aprovada, com 159 votos a favor (do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS), 33 votos contra (do PCP e da UDP) e 2 abstenções (do MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Passamos agora à proposta de aditamento ao número que acaba de ser aprovado, subscrita pelos Srs. Deputados do Grupo Parlamentar do PCP e que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
Aditar a expressão «e comunidades», entre «através das autarquias» e «locais».
O Sr. Presidente: - Vamos votar a proposta de aditamento do PCP.
Tem, entretanto, a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Não sei se, como a discussão já foi feita na última sexta-feira, estão todos recordados que tinha havido consenso em que isto era inevitavelmente de acrescentar.
Vozes do CDS: - Esteja descansado!
O Sr. Presidente: - De qualquer maneira, o Srs. Deputados têm isso presente, pois a discussão já foi feita.
Vamos votar.
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Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade (194 votos).
O Sr. Presidente: - Há depois um número novo, n.º 4, que é uma proposta de aditamento da Comissão e que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
4 - A participação na elaboração do Plano faz-se, nomeadamente, por intermédio do Conselho Nacional do Plano, sendo a organização e funcionamento deste definidos por lei.
Submetida à votação, foi aprovada, com 156 votos a favor (do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE), e 31 votos contra (do PCP e da UDP).
O Sr. Presidente: - Não há mais votações adiadas para hoje.
Há, no entanto, artigos que baixaram à Comissão, mas dos quais não temos ainda relatório neste momento.
Vamos, por isso, continuar a sequência que interrompemos para estas votações e passaríamos à discussão da proposta da Comissão para o artigo 110.º, que vai ser lida, assim como uma proposta de alteração ao n.º 2 deste artigo, do PCP.
Foram lidas. São as seguintes:
Texto do artigo 110.º da Comissão.
ARTIGO 110.º
(Protecção do consumidor)
1 - Os consumidores têm direito à formação e à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos, e à reparação de danos.
2 - A lei disciplina as formas de publicidade, sendo proibida a publicidade dolosa.
3 - As associações de consumidores e as cooperativas de consumo têm direito, nos termos da lei, ao apoio do Estado e a ser ouvidas sobre as questões que digam respeito à defesa dos consumidores.
Proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 110.º, do PCP.
2 - A lei disciplina a actividade publicitária, sendo proibidas todas as formas de publicidade oculta, indirecta ou dolosa.
O Sr. Presidente: - Estão em discussão as propostas relativas ao artigo 110.º Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PPM congratula-se pelo acolhimento constitucional de um preceito sobre a defesa do consumidor.
Cumpre-nos tomar irreversivelmente o partido da população consumidora, sobretudo quando seja necessária a denúncia e o prejuízo daqueles que sem respeito pela dignidade e pelos direitos da pessoa humana se atrevem a abusar da boa-fé do cidadão anónimo, para obter proventos ilegítimos e indignos.
Urge formar/informar o consumidor e dar protecção aos seus interesses morais e materiais no domínio do consumo. É imperioso disciplinar a publicidade proibindo, para já, na Constituição, as suas formas dolosas, esperando a severidade da lei para outras formas de publicidade de efeitos nocivos.
Cumpre dar força às associações de consumidores e cooperativas de consumo que, apoiadas pelo Estado, poderão ser seus insubstituíveis auxiliares na prossecução dos deveres que aquele incumbem no domínio que ora tratamos.
Não queria encerrar estas breves palavras sem dirigir ao Sr. Deputado Jorge Miranda a minha saudação pela oportunidade da apresentação das propostas acolhidas pela CERC, que constituirão, estamos certos, dentro de momentos um dos mais significativos artigos da parte económica da Constituição.
Aplausos do PPM, do PSD, do PS, do CDS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresentamos uma proposta relativa ao n.º 2 do texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, no que respeita à proibição de certas formas de publicidade.
Na verdade, o texto proposto pela Comissão, vindo aliás da proposta da FRS, refere apenas a publicidade dolosa, no seguimento do actual texto da Constituição. Ora, nós propomos que à publicidade dolosa sejam acrescentadas como formas de publicidade proibida, de todo em todo, as formas de publicidade indirecta e de publicidade oculta.
Aproveito e peço a atenção da Mesa para isto - para corrigir a nossa proposta. Onde ela diz «A lei disciplinar a actividade publicitária», deve dizer-se «A lei disciplina as formas de publicidade». Isto para pôr de acordo, com o texto que vem da Comissão, que desnecessariamente tínhamos alterado. Portanto, o nosso propósito é apenas acrescentar as outras formas de publicidade. Assim deve ser corrigida e assim deve ser discutida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos de acordo e parece-nos extremamente positivo que haja uma norma expressa e que haja um reforço do texto constitucional relativamente à disciplina da publicidade.
A verdade é que neste domínio o Código da Publicidade que entrou em vigor - pasme-se - em 1 de Janeiro de 1981 está por executar; as estruturas de fiscalização nele previstas estão por constituir, designadamente o Conselho de Publicidade, que era uma espécie de «pedra de toque» da efectivação da fiscalização da publicidade dolosa. O próprio decreto-lei está, aliás, pendente na Assembleia da República para ratificação, o que não é, só por si, justificação para ele não ser executado. O facto de ele ter alguns aspectos, de todo em todo, errados, a verdade é que nada justifica que ele continue por executar.
Entretanto, continua a selva no domínio da publicidade, como toda a gente sabe.
Propomo-nos, pois, contribuir pela nossa parte com a proposta que, a nosso ver, enriquece o texto constitucional nesta matéria. E se e justo que se proíba, de todo em todo, a publicidade dolosa, ou seja, a que deliberadamente pretende induzir a opinião pública em erro sobre o objecto publicitado dos seus concorrentes, razões idênticas aconselham e exigem a proibição também da
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publicidade oculta e da publicidade indirecta, que são do mesmo modo conceitos perfeitamente estabelecidos, previstos e definidos pela lei, designadamente no Código da Publicidade na Lei de Televisão. E ainda que sejam conceitos relativamente indeterminados e careçam de preenchimento legal, como aliás já têm, sempre têm um cerne mínimo que lhe dá justificação para terem assento constitucional, designadamente a publicidade oculta - aquela que se faz a coberto de formas não identificadas com publicidade, principalmente através de expedientes técnicos ou por meio de imagens de curta duração, desde logo as subliminares, ou que de outro modo explorem a possibilidade de transmitir uma mensagem publicitária ou de influenciar o público sem que ele dele se aperceba ou tenha consciência -, e a publicidade indirecta, ou seja, a que visa favorecer na opinião pública um determinado bem ou serviço ou pessoa, sem apologia directa dos mesmos, mas mediante desvalorização dos seus concorrentes, por exemplo.
São formas que nada justifica que se mantenham fora da Constituição, cuja gravidade importa proibir, desde já, dando-lhes assento constitucional, de modo a que ao menos a perfeita anomia jurídica que persiste neste campo seja, de algum modo, diminuída. Quando continuamos a assistir a formas ocultas não identificadas de publicidade, a formas subliminares de publicidade na Radiotelevisão, a formas indirectas perfeitamente escandalosas e a formas dolosas, como acontece na televisão todos os dias, bastando citar o caso dos refrigerantes sintéticos, temos razões mais do que suficientes para, a nosso ver, se justificar a proibição, ao lado das formas de publicidade dolosa, das formas de publicidade oculta ou indirecta.
Temos, para nós, que é uma proposta que deve merecer o apoio da Assembleia e que reforça esta proposta justa vinda do texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e originariamente do projecto da FRS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luis Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, apenas para muito brevemente, por um lado, me congratular com a adopção do texto deste artigo e para me associar à homenagem já prestada pelo Sr. Deputado Sousa Lara ao Sr. Deputado Jorge Miranda, que foi na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional o artífice deste artigo e cujo labor constituinte, que é por todos reconhecido, se enriqueceu mais um pouco nesta matéria.
Por outro lado, para dizer também que concordamos perfeitamente com a proposta do Partido Comunista Português. Constitui, nesta matéria, uma melhoria da redacção do texto que provém da Comissão Eventual e, por isso, lhe daremos o nosso voto favorável.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - O Partido Social-Democrata também concorda com o texto provindo da Comissão e com as alterações apresentadas pelo PSD. A publicidade oculta e a publicidade indirecta são, de facto, duas formas ilegítimas de publicidade e, portanto, não podemos deixar de estar de acordo com a sua introdução no texto constitucional, muito embora pudesse levantar dúvidas a dignidade constitucional de preceitos sobre publicidade.
Mas uma vez que há, realmente, um artigo que trata de publicidade dolosa, admitimos perfeitamente que tenha cabimento nele a publicidade oculta e indirecta.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado.
O Orador: - Faz favor!
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Deputado Sousa Tavares, congratulamo-nos com a adopção da nossa proposta. Em todo o caso, ainda não estamos dispostos a enjeitar a paternidade nem a mudar de nome.
O Orador: - Como?!
Risos.
O Orador: - Ter-me-ei enganado?!
Uma voz do PSD: - Disse PSD em vez de PCP.
O Orador: - Então peço desculpa.
O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições vamos votar número por número.
Vamos votar, em primeiro lugar, a epígrafe e o n.º 1 da proposta da Comissão.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade (186 votos).
O Sr. Presidente: - Vamos votar a proposta do PCP em relação ao n.º 2.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade (186 votos).
O Sr. Presidente: - Como me parece que a proposta da Comissão referente a este n.º 2 está subsidia ou prejudicada pela proposta do PCP agora aprovada, passamos à proposta da Comissão referente ao n.º 3.
Vamos votar esta proposta.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade (186 votos).
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A aprovação, por unanimidade, do artigo 110.º representa, quanto a nós, um momento importante no quadro da revisão da Constituição a que se procede na Assembleia da República.
A problemática da defesa do consumidor, constituindo uma cada vez mais forte preocupação das sociedades modernas e em especial daquelas, como a nossa, em que se multiplicam à saciedade as vítimas das fraudes cometidas em matéria de qualidade dos produtos e serviços consumidos, não tem conhecido, na maioria dos países, senão um tratamento parcial, por via de legislação ordinária.
Portugal e Espanha podem apontar-se como salientes excepções, na medida em que se preocuparam, a nível constitucional, com a protecção dos direitos que em geral se vêm reconhecendo aos consumidores. É que as Constituições não deverão abstrair, no essencial, das preocupa-
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coes dominantes ao tempo em que surgem ou são revistas.
Os constituintes de 1976 já haviam considerado, na alínea m) do artigo 81.º, como uma das incumbências prioritárias do Estado, a protecção do consumidor, designadamente através do apoio à criação de cooperativas e de associações de consumidores, assim como se proibia a publicidade dolosa, no art.º 2 do artigo 109.º
A solução e sistematização agora adoptada releva, porém, de uma diferente filosofia política, que cumpre destacar.
De facto, a formulação agora adoptada sobre a protecção do consumidor, no artigo 110.º, é feita por forma autónoma e não apenas em termos de mera garantia institucional ou de incumbência do Estado, mas em termos do reconhecimento dos direitos do consumidor (à formação, à informação, à protecção da saúde, da segurança e dos seus interesses económicos e à reparação dos danos), numa linha claramente personalista, segundo a qual se deverá dar a primazia ao reconhecimento de direitos e só depois prover quanto às incumbências do Estado.
O consumidor passa, assim, a ser olhado e tratado como autêntico sujeito de direitos, como pessoa e não apenas como objecto de uma actividade de um Estado interventor e supostamente considerado providencial.
A Carta Social Europeia, o Conselho da Europa e o Conselho de Ministros da CEE, através de várias resoluções, se têm servido de inspiração a muita legislação ordinária produzida sobre a matéria nos mais diversos países, foram claramente ultrapassados pela Assembleia da República ao acabar de constitucionalizar, pela forma por que o fez, os direitos do consumidor.
Também entre nós se tem vindo a legislar, por via ordinária, em defesa do consumidor, sendo esta uma área em que os projectos de lei da ASDI se têm multiplicado e alguns distinguido, como aquele em que praticamente se consubstancia a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto, e que constitui uma autêntica lei-quadro sobre os direitos do consumidor.
Na mesma linha de preocupação do nosso grupo parlamentar se enquadra a iniciativa da proposta que serviu de base ao texto da CERC que veio a constituir com aditamento aprovado e proposto pelo PCP o novo artigo 110.º da Constituição acabado de aprovar.
E esta é uma razão acrescida para que nos regozijemos com essa aprovação.
Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS e do Deputado Luís Beiroco (CDS).
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda, também para uma declaração de voto.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente apoiamos a introdução no texto constitucional de um artigo autónomo sobre a protecção do consumidor, em que se explicitam os princípios fundamentais por que deve passar tal defesa.
Tal adopção no texto constitucional culmina, bem se pode dizer, pela forma mais digna, um processo iniciado nesta Assembleia que determinou a aprovação da Lei de Bases de Defesa do Consumidor, para a qual contribuímos, dando um primeiro passo para a apresentação dum projecto de lei sobre associações de defesa do consumidor.
Esta pequena melhoria do texto constitucional é tanto mais importante quanto é sabido confrontarem-se hoje os consumidores com toda a espécie de situações lesivas dos seus interesses: são os aumentos brutais de preços não compensados em termos de aumentos equiparáveis dos rendimentos familiares; é a especulação desenfreada e não combatida eficazmente; é a proliferação dos mixordeiros; é a publicidade oculta, indirecta ou dolosa, intoleravelmente veiculada mesmo através dos órgãos de comunicação social do Estado.
Importa, pois, pôr termo a esta situação degradante.
Estamos certos que não será apenas pela aprovação deste artigo, que como de varinha mágica se tratasse, que aquela situação será ultrapassada.
Para tal há que ir mais longe.
É necessária uma política económica, uma política de preços, uma forma de encarar o económico e o social, que não aquelas que decorrem de Governos como o da AD.
É necessário, enfim, uma política global e um entendimento da sociedade virados para a satisfação dos interesses e reivindicações dos trabalhadores, o que evidentemente não é concebível com governos de direita.
Mas se tal é para nós inquestionável, no entanto, e como já referi, isso não nos impede de considerar positivamente a melhoria indiscutível introduzida no texto constitucional.
Com ela, os consumidores, e particularmente os de mais fracos recursos, passam a dispor de um instrumento de grande importância para a prossecução dos objectivos por que justamente lutam.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cabrita Neto.
O Sr. Cabrita Neto (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a aprovação, por unanimidade, do artigo 110.º da Constituição, os consumidores portugueses ficam muito melhor protegidos, pois este novo artigo aprofunda a sua protecção nos aspectos sanitários de segurança e prevê a reparação de eventuais danos, assim como o direito à formação e informação.
É importante que as associações e as cooperativas de consumidores sejam apoiadas pelo Estado e o PSD congratula-se com esta melhoria e dignidade constitucional.
Assim como apoiámos a lei disciplinadora da publicidade, proibindo a publicidade dolosa, oculta e indirecta, que por vezes, quando não quase sempre, é muito nefasta para os consumidores portugueses.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito rapidamente, dado que o tempo se escoa e eu estar quase sem tempo.
Consideramos este artigo uma melhoria do texto constitucional, mas ao mesmo tempo queria sublinhar que todos aqueles que aqui se congratulam pela aprovação do artigo 110.º, uma parte deles, desde a AD ao PS, não tiveram qualquer pejo em eliminar do texto constitucional um dever positivo do Estado e muito concreto, que foi aquele que há bocado foi eliminado da alínea d) do artigo 110.º Dizia-se aí que «O Estado é
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obrigado a disciplinar e a vigiar a qualidade e os preços das mercadorias importadas e exportadas», o que me parece que era uma forma bastante importante do próprio Estado assumir a defesa do consumidor de uma forma activa e positiva.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, concluímos a votação relativa a este título.
Passamos agora à parte III, Organização do Poder Político, título I, Princípios Gerais.
Está na Mesa um requerimento, subscrito por Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, que vai ser lido.
Foi lido. É o seguinte:
Ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis propomos o adiamento da votação do artigo 113.º. n.º 1/CERC/proposta de emenda; título III da parte III (artigos 142.º a 149.º)/CERC/proposta de eliminação; propostas de sistematização:
(a) aditamento de um capítulo III, ao título II (Presidente da República), com epígrafe e conteúdo que venham a ser aprovados;
(b) alteração da ordenação dos títulos IV, V, VI, VII, viu, IX e X, que passam a ser respectivamente os títulos III, IV, V, VI, VII, VIII e IX, até que sejam votadas as propostas respeitantes ao Tribunal Constitucional, ao Conselho da República e ao Conselho Superior de Defesa Nacional.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como verificam não se trata do simples adiamento da votação para o dia seguinte, que tem sido considerado direito potestativo de acordo com as regras desta discussão. Trata-se, ao fim e ao resto, de um requerimento no sentido de uma alteração mais importante no ordenamento da votação.
O Sr. Deputado Carlos Brito está a pedir a palavra. Faz favor.
Não sei se quer apresentar o requerimento, embora os requerimentos devam ser votados...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pela nossa parte era para intervirmos no debate.
O Sr. Presidente: - Penso que, em princípio, os requerimentos devem ser, nos termos regimentais, votados.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Suponho que o Sr. Presidente está a falar de uma proposta nossa.
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, a nossa proposta tem que ver com uma fase mais adiantada do debate e não implica de nossa parte o aditamento do debate a partir do dia de hoje.
O Sr. Presidente: - Mas implicaria, sim, Sr. Deputado, se bem entendo, o aditamento das votações.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Pode implicar o aditamento das votações. Nós, aliás, fazemos uma proposta de votação.
Portanto, peço a palavra para intervir no debate, onde entre outras coisas também falarei dessa nossa proposta, que não é, de maneira nenhuma, um requerimento.
O Sr. Presidente: - É uma proposta de aditamento...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É uma proposta que tem a ver com alegações políticas de ordem geral.
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Começam as manifestações primárias!
O Sr. Presidente: - Mas tem, a meu ver, que ser votada.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, só por uma questão de bom andamento dos trabalhos é que fizemos chegar essa proposta à Mesa.
A proposta não é feita nos termos do artigo 6.º, suponho eu, no sentido do aditamento. Não é um requerimento desse tipo.
O Sr. Presidente: - De qualquer maneira, passemos ao debate relativo ao artigo 113.º, sendo certo que da Comissão vêm também propostas de sistematização que terão que ser votadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, tanto quanto é do meu conhecimento, porque me foi distribuída, há uma outra proposta subscrita pelo Partido Comunista Português, que penso que seria útil que a Mesa desse conhecimento dela.
O Sr. Presidente: - Sim há uma outra proposta, que é uma proposta de disposição transitória, que se pede que seja discutida e votada juntamente com as propostas relativas ao artigo 113.º, mas a meu ver posteriormente.
Se o Sr. Deputado quiser pode ler-se já.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, só por uma questão de facilitarmos os trabalhos é que fizemos chegar à Mesa com tanta antecedência essas propostas, para que pudessem ser distribuídas aos grupos parlamentares e aos Srs. Deputados, de forma a terem delas conhecimento no momento em que as referirmos nas nossas intervenções.
Nós propomo-nos fundamentar essas propostas durante o debate e elas não se colocam ainda neste momento da discussão.
O Sr. Presidente: - De qualquer maneira, darei a palavra ao Sr. Deputado Carlos Brito sobre esta matéria.
No entanto, e antes disso, vamos ler as propostas da Comissão que dizem respeito ao artigo 13.º, título III (Conselho da Revolução) e sistematização da parte m.
Foram lidas. São as seguintes:
l - Artigo 113.º, n.º 1/CERC/proposta de emenda;
ARTIGO 113.º
(Órgãos de soberania)
1 - São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.
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2 - Título III da parte III (artigos 142.º a 149.º)/CERC/proposta de eliminação;
3 - Propostas de sistematização:
(a) aditamento de um capítulo III, ao título II (Presidente da República), com epígrafe e conteúdo que venham a ser aprovados;
(b) alteração da ordenação dos títulos IV, V, VI, VII, VIII, IX e x, que passam a ser respectivamente os títulos III, IV, V, VI, VII, VIII e IX.
O Sr. Presidente: - É esta matéria que está em debate. O Sr. Deputado Vital Moreira pediu a palavra?
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, apresentámos para debate conjunto a proposta que está na Mesa e que aproveito para corrigir. Peço, por isso, vénia à Mesa para fazer a respectiva correcção.
A proposta que apresentámos para ser discutida é a seguinte: «O Conselho da Revolução manter-se-á em funções, salvo no que concerne à competência legislativa, até à entrada em funcionamento do Conselho da República, do Conselho Superior de Defesa Nacional e do Tribunal Constitucional».
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado autoriza, portanto, que a Mesa introduza esse inciso «... salvo no que concerne à competência legislativa...».
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Queria pedir a requalificação da proposta da Comissão sobre o artigo 113.º, n.º 1, que é uma proposta de eliminação e não uma proposta de emenda. É uma proposta de eliminação do inciso «Conselho da Revolução» e não uma proposta de emenda do preceito.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - É isso mesmo que se chama uma proposta de emenda!
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Isso é um problema de dicionário e não de direito.
O Sr. Presidente: - Vamos então ler a proposta apresentada pelo PCP, com o inciso que foi ditado para a Mesa pelo Sr. Deputado Vital Moreira.
Foi lida. É a seguinte
O Conselho da Revolução manter-se-á em funções, salvo no que concerne à competência legislativa, até à entrada em funcionamento do Conselho da República, do Conselho Superior de Defesa Nacional e do Tribunal Constítucional.
O Sr. Presidente: - Estamos a chegar à hora do habitual intervalo e penso que deveríamos fazê-lo agora.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, está aberto o debate ou vai suspender a sessão?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estava para abrir o debate, simplesmente chegámos às 17 horas e 30 minutos. Por mim não tenho pressa nenhuma, mas estava a consultar a Câmara no sentido de fazermos agora o intervalo.
O Sr. Sousa Tavares (PSD) - Então inscreva-me para o debate, Sr. Presidente.
Risos.
O Sr. Presidente: - Está já inscrito o Sr Deputado Carlos Brito e ficam agora inscritos os Srs. Deputados Sousa Tavares e Luís Beiroco.
Está, pois, suspensa a sessão para o intervalo.
Eram 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas e 20 minutos.
O Sr. João Cravinho (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Cravinho (PS) - Sr. Presidente, nos termos regimentais, o meu grupo parlamentar pede um adiamento de 20 minutos.
O Sr. Presidente: - É regimental, está concedido. Está suspensa a sessão.
Eram 18 horas e 21 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão Eram 18 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados. Ao iniciarmos a discussão da alteração ao artigo 113.º e a eliminação do título III, da parte III, visando a extinção do Conselho da Revolução, entramos na parte essencial do texto proposto pela CERC, que tem por base os acordos da AD com o PS.
Contrariamente ao que aconteceu até agora quando discutimos as alterações às partes I e II da Constituição, o texto proveniente da Comissão não se limita a introduzir pequenas obras, em alguns casos mesmo meras obras de fachada, como aconteceu com grande parte do articulado já percorrido.
A partir de agora o texto da Comissão comporta obras de fundo, representa uma profunda modificação no sistema de poder político, no equilíbrio e interdependência dos órgãos de soberania e no controle da constitucionalidade.
Importa dizer frontalmente que essas modificações, baseadas nos acordos AD-PS, representam a nosso ver um grave enfraquecimento das linhas de defesa do regime democrático e, mais do que isso, constituem a entrega aos inimigos da democracia de meio poderosos para atentarem contra ela.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O alcance político das votações relativas à extinção do Conselho da Revolução pode ser avaliado
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pela euforia que percorre os arraiais da reacção e pela histeria que prepara para as próximas horas a comunicação social afecta ou controlada pela direita.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - As forças reaccionárias vêem-se em vésperas de obter não só um dos seus grandes objectivos propagandeados nos últimos anos - a extinção do Conselho da Revolução- como de obter mais do que alguma vez pensaram, desde que Soares Carneiro foi clamorosamente derrotado em 7 de Dezembro de 1980, no que toca à distribuição das actuais competências e funções do Conselho da Revolução. Já voltaremos à questão, mas anote-se, por agora, que o acordo PS-AD é, nestes pontos, muito mais favorável à AD do que era a proposta de revisão da FRS. Nalguns pontos, como por exemplo no Tribunal Constitucional, o recuo foi escandaloso.
Vamos por partes, no entanto.
O PCP não propôs a extinção do Conselho da Revolução porque entende que não se alteraram substancialmente as razões que justificaram a sua institucionalização em 1976, sendo por demais evidente que a instabilidade e os perigos, particularmente desde que a AD é governo, continuam a pesar sobre a democracia portuguesa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PSD: - Muito mal!
O Orador: - É importante acrescentar, no entanto, que o PCP reconheceu a realidade decorrente do facto de praticamente todos os partidos representados na Assembleia da República, com excepção do PCP, defenderem a extinção do Conselho da Revolução e de se manifestarem nesse sentido os próprios membros desse órgão de soberania.
O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Estão isolados!
O Orador: - Por isso mesmo, sempre nos manifestamos abertos a discutir essa eventualidade e a contribuir para encontrar as melhores soluções alternativas para as actuais funções do Conselho da Revolução.
Uma voz do CDS: - Apanhar o comboio...
O Orador: - Nesta altura, não podemos deixar de sublinhar da nossa parte que os democratas e os antifascistas portugueses, independentemente das reservas que possam ter em relação a certos aspectos da actuação concreta do Conselho da Revolução, não podem permitir que os militares de Abril e o Conselho da Revolução que subsiste como sua representação sejam transformados pelas forças reaccionárias em bode expiatório dos desastres para que essas forças reaccionárias estão a arrastar o país.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Da nossa parte desmascaramos também a hipocrisia daqueles que levantam agora a voz para homenagear o Conselho da Revolução como quem lança grandes pazadas de terra sobre a sua sepultura.
A nossa homenagem ao Conselho da Revolução e aos seus membros traduz-se em poucas palavras: «Permaneçam! O Conselho da Revolução é ainda necessário.»
Aplausos do PCP.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Vital não bate palmas.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Já vais ouvir!
O Orador: - Com efeito, o PCP admitiu no seu projecto a continuação do Conselho da Revolução porque entende que, nas circunstâncias presentes, não é possível encontrar soluções alternativas que permitam redistribuir sem perigo para o regime democrático as atribuições e competências de que o Conselho da Revolução é actualmente titular.
Na verdade, não é possível discutir a questão da extinção do Conselho da Revolução sem discutir os destinos das importantíssimas tarefas que presentemente estão a seu cargo, de maneira especial, as que desempenha como órgão de direcção e administração das Forças Armadas, como orgão de conselho e consulta do Presidente da República e como tribunal constitucional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Deliberar a extinção do Conselho da Revolução sem resolver da melhor maneira possível a distribuição das suas actuais competências e atribuições é uma atitude que só pode ser assumida por aqueles que querem liquidar o regime democrático ou a quem não importa nada ou importa muito pouco o destino da democracia em Portugal.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Mas tal atitude não pode ser assumida por democratas.
Aplausos do PCP.
A Assembleia da República não pode votar às cegas. A discussão da matéria relativa ao Conselho da Revolução está colocada de pernas para o ar.
Recordamo-nos que na Comissão, quando esta questão foi debatida, o Sr. Deputado Nunes de Almeida do PS observava justamente: «Não se trata apenas de extinguir o Conselho da Revolução e depois encontrar umas quaisquer soluções.», Enquanto, no mesmo sentido, foi afirmado pelo Sr. Deputado Jorge Miranda da ASDI: «Tudo consiste, agora, em sermos capazes de estabelecer órgãos, meios, competências e poderes que vão ao encontro das preocupações que estiveram presentes em 1976 e que igualmente, neste momento estão presentes no nosso espírito.»
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ou ainda o Sr. Deputado An Vitorino da UEDS, que insistia na altura na necessidade de tudo se fazer «para garantir uma definição afirmativa de soluções substitutivas do Conselho da Revolução que gozem do mais alargado consenso possível na portuguesa».
Se tudo isto valia na altura do debate da tem que valer agora muito mais porque assembleia é chamada ao gesto definitivo de voto do Conselho da Revolução.
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Dir-se-á que as soluções alternativas para as actuais tarefas do Conselho da Revolução foram ponderadas e resolvidas por "pessoas competentes" como o Dr. Mário Soares e os lideres máximos da AD, na famigerada cimeira de S. Bento realizada em 29 de Abril.
Mas, perguntamos nós, não são estas soluções objecto de generalizada contestação, mesmo nos partidos dos tais dirigentes e das tais pessoas competentes? Como então deixar de discuti-las aqui no Plenário da Assembleia da República?
A Assembleia da República vai deliberar extinguir o Conselho da Revolução sem sequer debater as soluções substitutivas?
No preâmbulo do nosso projecto de revisão constitucional adiantámos os princípios que nos guiam na apreciação das soluções substitutivas do Conselho da Revolução.
Deixámos aí claro que o PCP se oporá firmemente: a uma solução que conduza à governamentalização e partidarização das Forças Armadas; a uma solução que em vez de criar um órgão de conselho e consulta do Presidente da República crie um órgão de fiscalização, hostilização e afrontamento de órgãos de soberania; a uma solução que se traduza no enfraquecimento ou até na perversão do controle da constitucionalidade em consequência, especialmente, da composição do Tribunal Constitucional.
No nosso projecto procurámos prefigurar as piores soluções e preveni-las. Mas são precisamente essas piores soluções as mais perigosas para a democracia, que foram adoptadas no acordo do PS com a AD que serve de base ao texto da Comissão que estamos a discutir.
Por isso mesmo, é cada vez maior o número daqueles que na opinião pública, nas forças políticas e nas instituições perfilham das nossas preocupações quanto à extinção do Conselho da Revolução, nestas condições.
Vozes do PSD: - Olhe que não!
O Orador: - Pela nossa parte insistimos que, ao menos, essa deliberação não pode ser adoptada pela Assembleia da República antes de serem discutidas
todas as matérias conexas da organização do poder político e do controle da constitucionalidade.
Nesse sentido apresentámos um requerimento na do PSD: - Afinal foi um requerimento.
Tendo em vista prevenir as graves um acto precipitado, apresentámos nesta para que o Conselho da e em funções até à entrada em no da República, do Conselho
e do Tribunal Constitucional.
Aplausos do PCP e do Sr. Deputado António Arnaut do PS.
Protestos do CD S.
O Orador: - Os Srs. Deputados do CDS parecem não querer deixar falar aqui na Assembleia da República. É assim que mostram o vosso apego à democracia e aos ideais da liberdade?!
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - À sua democracia, não!
O Orador: - Ao votar sobre a existência ou extinção do Conselho da Revolução, a Assembleia da República assume uma imensa responsabilidade perante o futuro do país e perante o futuro do regime.
Que cada qual, partidos e deputados, tome as suas responsabilidades.
Assim procede o PCP, rejeitando, nas circunstâncias propostas, a extinção do Conselho da Revolução.
Aplausos do PCP.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, queria inscrever-me para uma intervenção, mas de momento pretendia interpelar a Mesa.
Acontece que perante algumas manifestações, legítimas, das bancadas da maioria, um Sr. Deputado do PCP teve os seguintes apartes: Chuta cão e parvalhão. Assim, agradecia à Mesa que chamasse à atenção do Sr. Deputado do Partido Comunista.
O Sr. Presidente: - A Mesa não tinha ouvido. Deploramos que se usem termos desse género, mas não vamos...
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Fui eu, e para você ainda era pouco.
O Sr. Presidente: - Vamos ver se sossegam os ânimos para se poder continuar o debate...
Para urna intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para clarificar a posição do meu grupo parlamentar em relação às propostas feitas pelo Partido Comunista Português, as quais já foram distribuídas.
Em primeiro lugar, e quanto à proposta - não consigo qualificar se se trata ou não de um requerimento - de adiar a votação de determinadas matérias, fazendo-a depender da discussão e votação de outras matérias, contempladas também no processo de revisão constitucional, não creio que haja nenhuma figura no Regimento que o permita. Por um lado, o Partido Comunista Português pode, como é seu direito, adiar qualquer votação por um ou dois dias, e pode, por outro lado, apresentar um requerimento no sentido de quaisquer matérias baixarem à Comissão Eventual de Revisão Constitucional.
Quanto à primeira hipótese não temos, efectivamente,
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que nos pronunciar, visto que é um direito protestativo do Partido Comunista.
Quanto à segunda, digo desde já que a posição do meu grupo parlamentar será contra a baixa à comissão de quaisquer destas matérias.
Quanto à outra proposta, que apresenta uma disposição transitória, a formulação em que é feita também me suscita as maiores dúvidas. Não excluo a hipótese de o Partido Comunista pretender querer introduzir uma disposição transitória no próprio artigo 113.º Se é isso que pretende, deverá apresentar uma proposta de aditamento ao artigo 113.º a qual será, com certeza, votada pela Assembleia.
No entanto, se o que pretende é fazer defender a aprovação - ou a não aprovação - da disposição que consta do artigo 113.º, de uma disposição transitória a discutir e a votar, posteriormente, na altura em que este Plenário se ocupar das disposições transitórias, a nossa posição é também claramente negativa.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz.
O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A extinção do Conselho da Revolução seria, normalmente, motivo para o PPM fazer um historial do que foram os primeiros passos da democracia em Portugal após o fim da 2.» República, e a sua difícil institucionalização na pele curtida por tantos anos da falta da prática dos mandamentos fundamentais que compõem a Liberdade e (porque não dizê-lo?) da luta sem quartel que uma geração impreparada mas convicta nas virtudes da democracia travou pelo reforço da sociedade civil e pela clarificação e afirmação da vontade popular na vida política, económica e social. No entanto, no limiar da extinção de tão controverso órgão de soberania, apenas nos limitaremos, de olhos postos no futuro, a fazer um pequeno comentário à inserção do Conselho da Revolução na vida portuguesa, numa perspectiva constitucional, esquecendo as amarguras e os entraves que todos sentimos nos últimos anos, quando, interpretando a satisfação do interesse nacional, revelado por repetidos sufrágios, tropeçávamos nos que procuravam cercear o normal desenvolvimento da vida política portuguesa, tentando vestir esta por figurinos que poucos desejavam e que a maioria da Nação rejeitava firmemente.
Aplausos do PPM e do PSD. Vozes do PCP: - Não apoiado!
O Orador: - Por força da competência que até agora lhe era atribuída, a chefia do Estado pertencia verdadeiramente ao Conselho da Revolução, controlador de regular funcionamento das instituições democráticas, e interprete sugerem do espírito da revolução.
Aliás, a sua constituição é significativa. Nesse órgão político e legislativo, o Primeiro-Ministro apenas poderia ser tolerado se fosse militar, e mesmo, se acaso estivesse cumprido esse degrau de iniciação, apenas nele ocuparia o sétimo lugar. Quanto ao Ministro da Defesa, nenhuma possibilidade tinha de ser aceite nesta modalidade de patriciado, sendo deste modo afastada a hipótese de, nas decisões de tal Órgão de Soberania, se vislumbrar o reflexo da vontade política exteriorizada pelo voto do povo português.
A existência do Conselho da Revolução era, de facto, um afloramento do cariz autocrático que tinha presidido à sua nascença - o Pacto MFA/Partidos, que nós nunca aceitámos.
Vozes do PSD: - Muito bem! Vozes do PCP: - Não era, é!
O Orador: - É salutar recordar que o exercício de todas as atribuições do Presidente da República era vasculhado e passado a pente fino pelo Conselho da Revolução. Lá aparecia o seu pesado dedo em actos como a declaração de guerra, a declaração de estado de sítio, a ausência do território nacional do Chefe de Estado, a verificação da sua impossibilidade física permanente, sendo necessário o respectivo parecer favorável para a nomeação e exoneração do Primeiro-Ministro, para o exercício do direito de veto suspensivo em relação aos diplomas aprovados pelo Parlamento e para a suspensão e dissolução dos órgãos das Regiões Autónomas.
E, para que nada pudesse escapar ao seu controle, esse enxerto militarizante duma Constituição democrática, possuía poderes para se pronunciar sobre a constitucionalidade de qualquer diploma antes de serem promulgados e assinados pelo Presidente da República.
Para cúmulo, a Hidra de Lerna da Revolução Portuguesa tinha reforçada a capacidade de vigilância sobre os restantes Órgãos de Soberania - que o povo democraticamente escolheu -, com a atribuição exclusiva de Órgão político e legislativo em matéria militar, onde o seu diktat autoritário não resolvia os problemas em aberto nessa matéria, criando um terreno propício ao não apaziguamento social que todos os democratas sentiam ser necessário para a sã e harmónica convivência benevolente e humanista que o 25 de Abril permitiu.
Bastaria, não já a prática do Conselho da Revolução durante todo o tempo da sua vigência, mas as próprias disposições constitucionais que regulamentam a sua vida, para o PPM se congratular com o virar da última página do processo da sua extinção.
É uso e costume neste país de bom coração, quando alguém deixa o número dos vivos, os que cá ficam, piedosamente, olharem apenas para as virtudes do falecido e passarem uma circunstancial esponja sobre os seus defeitos. Não tomaremos essa atitude nem mais adiantaremos, pois ainda não existem condições mínimas para se poder fazer um juízo de valor histórico sobre a actuação do Conselho da Revolução.
Contudo, não deixaremos, como as vestais dos circos romanos, de pôr, implacável e impiedosamente, o dedo polegar em direcção ao solo e votar a eliminação do Conselho da Revolução, do texto constitucional que agora revemos.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado António Moniz, disse V. Ex.ª que o Pacto MFA/Partidos foi um afloramento autocrático de todo o processo político português. O PPM não assinou esse Pacto. O
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PSD e o CDS assinaram-no. Considera V. Ex.ª que está metido em alianças com partidos que podem ter afloramentos autocráticos?
Vozes do PS: - Não!!!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz.
O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado César de Oliveira naturalmente já se esqueceu das condições em que os partidos assinaram o Pacto.
Vozes do PS: - Ah...
Devo dizer-lhe que o PPM apenas tem de prestar contas pelos seus actos..
Vozes do PPM: - Muito bem!
Nós não assinámos o Pacto mas sabemos perfeitamente que os outros partidos talvez não estivessem nas mesmas condições em que nós nos encontrávamos.
Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Tavares.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao abordar a problemática estabelecida pelo artigo 113.º, respeitante à definição dos órgãos de soberania, atingimos um dos pontos, sem dúvida, mais importantes desta revisão constitucional.
As revoluções mobilizam-se pela forma como sabem continuar a história e não apenas suspendê-la.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E é por isso que ao terminar o Conselho da Revolução nós, nem fazemos o seu elogio, nem fazemos a sua crítica acerba, fazemos unicamente o reconhecimento, que pode ter sido uma necessidade nacional, que chegou o fim natural do seu termo. Como tal o encaramos!
Vozes do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Pensamos que o Conselho da Revolução terá sido inicialmente uma necessidade para que a Revolução cumprisse a sua promessa de dotar este país de uma democracia. Não podemos, no entanto, esquecer que ao longo do curso dos acontecimentos alguns dos seus Membros se desviaram da sua função de imparcialidade democrática tentando influenciar o rumo dos acontecimentos democráticos.
O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Isso já não era da sua competência! Mas isso não nos impede de, serenamente, criticamente, com os olhos postos na história, sabermos reconhecer que a Revolução de 1974 soube cumprir a sua promessa fundamental de restituir ao povo português um regimen de instituições democráticas e que soube demitir das suas instituições a supremacia militar sobre o poder civil. É isso que nós esperamos, esse derradeiro serviço, do Conselho da Revolução; que se saiba apagar com a mesma nobreza com que se soube criar e com que se soube revoltar para restituir a democracia a Portugal.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns Deputados do CDS.
Por isso não queremos que seja esta a hora de avivar ódios é, pelo contrário, a hora de uma grande harmonia nacional.
A Sr.«Natália Correia (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Atingimos uma maioridade democrática, reconheceu-se que o país não precisa de tutelas, que nos sabemos governar a nós próprios e que as Forças Armadas se integram no todo nacional com o mesmo pensamento de construir um Portugal democrático, um Portugal maior, um Portugal de futuro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Foi esse o pensamento da Revolução de 1974, é esse o pensamento do PSD e, tenho a certeza, é esse o pensamento das Forças Armadas e da maior parte dos Membros do Conselho da Revolução.
Aplausos do PSD, do PPM e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE aceitou considerar a substituição do Conselho da Revolução e consignou-a no seu projecto de revisão constitucional e fê-lo porque teve em conta a realidade política com realismo, com os dados e com a objectividade que eles implicavam.
Em primeiro lugar, considerou que era uma determinação da maioria das forças políticas portuguesas conseguiu alterar a Constituição de 1976 estabelecendo uma nova estrutura do poder política que possibilitasse a dissolução do Conselho da Revolução.
Em segundo lugar, consideramos que, de algum modo, o desaparecimento do Conselho da Revolução e a sua substituição era uma decorrência lógica do II Pacto MFA/Partidos que trazia implícito a cessação das suas funções no final do período transitório. Naturalmente que há aqui que colocar algumas reservas - que agora não desenvolverei - ou seja, por um lado considerar o que afirmei como implícito no Pacto não significa a obrigatoriedade de dissolução, por outro lado, há que ter em conta que a concepção do período transitório, estabelecido no ano de 1976, sofreu alterações em relação à evolução política que ocorreu em Portugal.
Em terceiro lugar, tivemos em conta a atitude do próprio Conselho da Revolução, nomeadamente através das frequentes afirmações públicas da maioria dos Conselheiros, da maioria dos componentes desse orgão de soberania, afirmando a sua disposição para abandonar as funções através do processo de dissolução com a consequente distribuição dos seus poderes por outros órgãos de soberania neste primeiro processo de revisão constitucional.
Ao incluirmos no nosso projecto de revisão constitucional a possibilidade, apresentando propostas nesse
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sentido, de dissolução do Conselho da Revolução, fazíamo-lo com o pressuposto que, da revisão constitucional, devia surgir um arranjo institucional que garantisse o normal funcionamento do regime democrático, o prosseguimento, com as necessárias adaptações, do projecto constitucional e a estabilidade das instituições democráticas.
O nosso projecto de revisão constitucional foi concebido na base destes pressupostos, não seria, nem é, uma solução perfeita, teria mesmo nas propostas apresentadas formulações nalguns pontos inadequadas, não pretendíamos ser mais lúcidos ou mais engenhosos que os autores de outros projectos de revisão constitucional, no entanto, o nosso projecto de revisão constitucional, no que à nova organização do poder político se referia, tendo em conta a necessidade de distribuir pelos outros órgãos de soberania as atribuições que actualmente ao Conselho da Revolução competem, foi apenas um esforço feito com sinceridade e com seriedade para colocar algumas pistas possíveis que, em nosso entender, permitiriam avançar para a dissolução do Conselho da Revolução, sem riscos de grandes sobressaltos para o regime democrático e para a estabilidade das suas instituições.
Estamos, porém, neste momento confrontados, a partir das propostas que vêm da CERC - que formalmente vêm da Comissão Eventual - com um quadro previsível de eliminação do Conselho da Revolução como órgão de soberania que não casa com os pressupostos que tínhamos como possíveis e desejáveis. É afinal um quadro que, em nosso entender fazemos esta afirmação com muita convicção -, poderá não assegurar a estabilidade das instituições democráticas, que poderá conduzir à subversão dos valores da actual ordem democrática constitucional e que poderá, até, abrir caminhos para que a curto prazo os portugueses se vejam confrontados com uma situação dentro da qual o 25 de Abril mais não seria do que uma nostálgica recordação. Isto é, com uma situação em que os ideais progressistas, que animaram o complexo processo político de liquidação do regime fascista e moldaram caminhos de esperança para uma nova sociedade mais justa e mais próspera, poderão ser tão só letra impressa no texto constitucional e aí congelados por um poder político com o cariz do actual.
Não temos da revisão constitucional uma perspectiva conjuntural (afirmação que todas as forças políticas fazem... resta saber se o fazem com igual sinceridade), mas, obviamente, não desligamos a revisão constitucional do momento político em que ela é feita, da correlação de forças, da composição em concreto dos actuais órgãos do poder, não desligamos a revisão constitucional dos órgãos que imediatamente após a promulgação a aplicarão ou dela beneficiarão.
As situações que vêm propostas pela CERC, sem dar agora atenção a questões mais de índole teórica de estrutura constitucional, que procuraremos apreciar nos capítulos próprios, levantam-nos todas as apreensões que anunciámos, como quadro de partida.
Feita a revisão constitucional por esta Assembleia de maioria AD sem dúvida desacreditada aos olhos da opinião pública e em nossa opinião desajustada da realidade política do país -, que é a que existe, que é a que poderá continuar a existir no final do processo de revisão constitucional, que é uma Assembleia que dá suporte a um Governo que tem dado provas de uma fidelidade bem precária aos valores e às regras democráticas, a situação política vai gerar um quadro imediato de partido em que a substituição do Conselho da Revolução, que a CERC a partir do acordo entre a direcção do PS e as direcções do PSD, do CDS e do PPM aprovou através das novas atribuições dos novos órgãos, suscita apreensões perfeitamente realistas.
Temos para nós que o actual sistema de repartição equilibrada de poderes entre todos os órgãos de soberania tem sido essencial para que a nossa democracia tenha conseguido suportar, sem desmuronamento das instituições e sem que cada órgão de soberania abdique do seu papel, as diversas convulsões e crises em que o processo político tem sido fértil. O desaparecimento do Conselho da Revolução vem associado a um desequilíbrio do actual status que tem para nós principal exponente na clara diminuição dos poderes do Presidente da República.
O Presidente da República é, por outro lado, um órgão unipessoal. Tem responsabilidade elevada perante o seu eleitorado, perante os portugueses, visto que é sufragado por eleição directa. Daí a unanimidade de entendimento entre todas as forças políticas representadas nesta Assembleia - que devia ter a seu lado um órgão de consulta com dignidade constitucional, mas, no entanto, consulta é, por definição, igual a apoio (opinativo, crítico) para a tomada de algumas das mais importantes decisões que o Presidente da República tenha que tomar no âmbito das suas atribuições. É por isso que a composição do órgão que nos vai ser proposto pela CERC - venha a designar-se Conselho da República ou Conselho de Estado dá-lhe, nas actuais circunstâncias políticas, a configuração, mais de órgão de cerco, de órgão de pressão, de órgão de condicionamento da acção presidencial, do que a do papel de consulta que seria a sua atribuição natural.
O Conselho de Revolução tem tido papel criticável provavelmente em muitos aspectos, mas tem saldo positivo no que se refere ao assegurar pelas Forças Armadas do seu compromisso de fidelidade com o regime democrático e de não intervenção na vida política, essencialmente procurando assegurar o carácter apartidário de qualquer acção cívica dos seus elementos.
A transferência do papel militar do Conselho da Revolução para outros órgãos, admitindo que o previsto Conselho Superior de Defesa Nacional venha a limitar-se a um papel consultivo, radica numa colocação de poderes decisórios no Governo. Com este Governo AD, através das suas acções desesperadas para a sua manutenção no poder que lhe vai fugindo pelo desapoio popular, esta situação, em nossa opinião, configura motivos de muito sérias apreensões. É neste quadro, que a situação preconizada para a nomeação das chefias militares (CEMFGA ou CEM's dos três Ramos), com o poder de escolha o determinante - a cargo do Governo, é um dos aspectos que não é de menos importância.
A solução também é preconizada pela CERC para a criação de um novo órgão de fiscalização da constitucionalidade, em substituição do Conselho da Revolução é, para já, um quarto e último aspecto a considerar que diz respeito à não abordando, por agora, o aspecto conceptual da solução, mas detendo-me apenas nas suas consequências práticas imediatas composição do futuro Tribunal Constitucional e à possibilidade de uma maioria simples da Assembleia da República criar reais possibilidades de se autofiscalizar no cumprimento da
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constitucionalidade das leis. Uma maioria que neste momento é da AD, cujo desrespeito pela Constituição tem sido uma constante da sua actuação desde o seu primeiro Governo.
Radica aqui, quanto a nós, uma das mais preocupantes situações da substituição do Conselho da Revolução que nos irão ser propostas para debate pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Será estabilizado este previsível quadro de referência, pela nossa parte apreciado apenas nalgumas das suas incidências imediatas? Será que o debate vai ser o simples sancionamento das propostas apresentadas pela CERC resultantes do acordo verificado entre as direcções da AD e do Partido Socialista? Ou o debate neste Plenário, que, por natureza, devia ser a busca de novos consensos, de soluções de compromisso tanto mais válidas quanto maior base de apoio - político e social - obtiverem, poderá ainda introduzir novos dados e correcções de algumas situações, no nosso entender, inadequadas?
Votar agora imediatamente a dissolução do Conselho da Revolução, em alternativas totalmente adequadas - não considerarmos como tal as propostas da CERC - seria para o MDP/CDE assumir uma atitude que considera irresponsável perante o seu eleitorado e em geral perante o povo português, seria, afinal, uma atitude que iria contra o seu próprio projecto de revisão constitucional. Adiar a votação do artigo 113.º para posterior momento, em que as condições de distribuição das actuais competências do Conselho da Revolução estivessem completamente decididas pela Assembleia da República neste processo de revisão constitucional, seria uma solução que colheria o nosso apoio, devido à razão simples de que não nos assumimos numa atitude apriorística de dissolver o Conselho de Revolução. Aceitamos a sua dissolução mas apenas no quadro de uma nova repartição de poderes e atribuições que seja de por si garantia da estabilidade democrática e do prosseguimento da Revolução do 25 de Abril.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, não há mais inscrições?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos a seguir a ordem das inscrições. Para além do Sr. Deputado, inscreveram-se mais cinco oradores.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: apresentámos duas propostas, sendo uma delas de aditamento de uma disposição transitória que visa fazer com que a concretização da extinção do Conselho da Revolução só se efectue quando estejam em condições de entrar em funcionamento os órgãos que hajam de o substituir no exercício das suas funções actuais.
É uma proposta para ser discutida e votada em conjunto com as propostas de extinção do Conselho da Revolução que foram postas à discussão hoje. E importa sublinhar, para que não restem dúvidas, é para ser votada em conjunto e não em separado pois não permitiremos tal!
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - Isto é o máximo!
O Orador: - A outra proposta visa o adiamento da votação desta matéria para momento ulterior, designadamente para quando estiverem votadas as matérias respeitantes aos órgãos que hajam de substituir o Conselho da Revolução.
Esta proposta nada tem de anómalo nem sequer de inédito, pois até agora a votação de algumas outras propostas foi já adiada e condicionada à votação de outras. Não preciso de citar exemplos e, Sr. Deputado Luís Beiroco, basta pensar 10 segundos para verificar que assim é. Não vemos que possam ser levantadas dúvidas a este respeito.
Mas a que vêm estas duas propostas que fizemos? São claros os seus propósitos. Primeiro, evitar uma votação prematura sobre a extinção do Conselho da Revolução quando ainda não estão consideradas sequer as soluções implicadas pela sua extinção; segundo, e sobretudo, impedir que a extinção do Conselho da Revolução se traduza numa solução de continuidade em que, desaparecido este e não instituídos ainda os órgãos que hajam de o substituir, se criem condições para a instabilidade política e para ataques perigosíssimos ao regime democrático, que seria apanhado em situação de particular fraqueza.
Não temos dúvidas que é esta mesma a situação por que a AD anseia e que procura. Mas, até prova concludente em contrário, recusamos a admitir que quaisquer outras forças políticas compartilhem deste propósito.
Nada de surpreendente, pois, nestas nossas duas propostas. Ou melhor, a única coisa surpreendente é termos sido nós a ter que fazê-las. Sempre aguardámos que o PS, designadamente, não deixasse que a votação de extinção do Conselho da Revolução fosse consumada sem que estivessem sequer consideradas - para não dizer votadas - as implicações da tal extinção.
Não aconteceu assim e nós tomámos a responsabilidade e a iniciativa que nos cumpria.
São pertinentes estas propostas? Mais. do que isso! Temos por indiscutível a sua justeza, o que passo a tentar provar.
Em primeiro lugar, a proposta de nova ordenação da ordem de votação é, a nosso ver, a única lógica e congruente. Visa evitar soluções de continuidade e visa evitar que o Conselho da Revolução seja não apenas extinto como sejam extintas também as suas funções sem que neste momento se haja decidido quem está em condições de passar a exercê-las.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O Conselho da Revolução não é apenas um órgão, exerce determinadas funções - a função de fiscalização da constitucionalidade, a função de consulta e condicionamento dos actos do Presidente da República, a função de órgão de administração e direcção militar.
Extinto o Conselho da Revolução, quem vai pegar nas suas funções? Ficam no ar até ser decidido quem as vai tomar ou são elas extintas também? Que insegurança se cria com esta situação, no ínterim, depois de votada a extinção do Conselho da Revolução e enquanto não tiverem sido votados os orgão que hão-de herdar as competências e atribuições do Conselho da Revolução?
Mas, em segundo lugar e sobretudo, esta proposta de adiamento, condicionada à votação dos órgãos que hajam de substituir o Conselho da Revolução, visa evitar
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a exploração que a direita não deixará de fazer da votação da extinção do Conselho da Revolução, através de uma campanha que será tendente a inibi-lo, a paralisá-lo, a pôr em causa a sua legitimidade, a dizer que ele já não existe, que 2/3 dos Deputados já votaram a sua extinção, que ele já não tem legitimidade democrática nem capacidade e que, discretamente, deve arrumar as botas e ir para casa enquanto não sejam criados os órgãos que o hão-de de substituir.
E esta a campanha política, cuja existência mais previsível não pode ser negada, e é esta responsabilidade que aqueles que hoje admitirem votar a extinção do Conselho da Revolução sem que previamente estejam garantidas as soluções alternativas implicadas pela sua extinção, não podem ignorar, como não podem deixar de assumir a sua responsabilidade perante elas.
Amanhã, quando toda a imprensa de direita e não apenas, vier a exigir que o Conselho da Revolução pura e simplesmente se demita de exercer as suas funções - deixe de exercer o controle de constitucionalidade, deixe de coadjuvar o Presidente da República no exercício das suas funções, deixe de exercer a função de direcção e administração das Forças Armadas - com que legitimidade podem aqueles que coonestem este projecto vir obstacular ou resistir aos efeitos que uma tal campanha não poderá deixar de ter sobretudo sobre um órgão que até agora tem provado ser particularmente sensível a este tipo de campanhas?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A verdade é que nem foi preciso que se tivesse votado a extinção pois já nesta discussão o Conselho da Revolução foi tratado pelas bancadas da direita como passado -o Sr. Deputado António Moniz disse que o Conselho da Revolução «era» e o Sr. Deputado Sousa Tavares também o tratou em pretérito perfeito. E se isso acontece quando a votação ainda não está consumada, o que acontecerá nas declarações de voto, mesmo por parte daqueles que, como o CDS, tiverem a inteligência e a descrição para se poupar para as declarações de voto, para guardar para os seus jornais e para a sua imprensa aquilo que têm a dizer sobre o seu regozijo com essa extinção.
Se é esta a campanha, se é este o ataque de denegrimento do Conselho da Revolução - que, aliás, se pode prolongar no tempo -, que garantias temos nós de que o processo de substituição do Conselho da Revolução, mesmo em termos de votação, vai durar apenas uma semana, quinze dias ou mês? Quem nos garante que os Srs. Deputados, chegados a 15 de Agosto, cansados, não adiam a continuação do debate para depois das férias?
E, aliás, a AD - obtida a consumação do facto político da extinção do Conselho da Revolução- até concordará que afinal haja férias porque, entretanto, o principal está feito e o que interessa é manter essa situação equívoca, essa situação podre, essa situação em que o Conselho da Revolução ainda existe mas já não existe, essa situação em que o Conselho da Revolução já não existe mas em que ninguém existe para o substituir. Esta situação de equívoco, intranquilidade e insegurança é aquela que propícia à AD a realização dos seus interesses e dos seus propósitos neste momento histórico.
E é por isso mesmo que não está excluído que, uma vez feita essa votação, os grandes propósitos de ir para a frente com a revisão constitucional até ao fim, caiam subitamente como se nunca tivessem sido referidos!
É que o facto político fundamental que interessa obter antes de férias, esse, ficará consumado se esta votação for para a frente sem que seja aprovada a norma transitória que garanta que a extinção do Conselho da Revolução não implica necessariamente o fim das suas funções, enquanto não estiver garantido que a transição não se traduza em perigos sérios para o regime democrático.
Mas, estas propostas arrancam de uma outra justificação. É propícia a discussão em melhores condições, em condições mais favoráveis para as forças democráticas, claro, e mesmo favoráveis para as forças de direita, exactamente no que respeita às soluções que hão-de regular a sucessão do Conselho da Revolução.
A não consumação da extinção do Conselho da Revolução é uma arma importante para as forças democráticas, para propiciar uma discussão em termos favoráveis sobre as matérias respeitantes aos órgãos que o hajam de substituir.
Desarmar nesta altura, lançar fora, aventar, pôr ostensivamente de lado essa arma que ainda resta às forças democráticas, é dizer claramente à direita: vejam como somos generosos, temos esta arma, ainda a temos, mas atiramo-la fora, não a queremos, queremos lutar de mãos nuas contra os vossos obuses e canhões.
Meritório propósito este! Vimos que factos como estes estão na história de toda a luta democrática e a isto chama-se síndroma de Zapata! Também ele foi inerme para os braços do adversário!
Só que a isso nós chamamos ingenuidade histórica e ingenuidade heróica, mas aqui e hoje, aqueles que se desarmem clara e ostensivamente não são nem heróicos nem ingénuos, não ficarão na história nem terão poetas ou cineastas para os celebrar!
Aplausos do PCP.
A não ser que se queira abandonar as armas ostensivamente para depois se ter um único argumento para justificar um negócio meu e perdulário.
Esta é, na verdade, uma situação que é difícil de compreender.
E que vários anos de situação revolucionária ensinaram a toda a gente, como por exemplo aos candidatos a desalojados, que só se devem deixar desalojar das casas que têm para deixar construir arranha-céus e shopping-centers depois de terem garantidas novas casas porque senão já sabem que, uma vez desalojados e destruídas as suas casas, lhe dão uma tenda de campanha ou um casebre, não tendo já qualquer argumento porque, entretanto, a sua casa desapareceu,
Aplausos do PCP.
É exactamente o que vai acontecer nesta matéria. Também aqui se deita fora a casa que se tem - que é o Conselho da Revolução- para depois se ter o argumento de que, na verdade, não há alternativa, que o Conselho da Revolução já não existe e, portanto, que temos que aceitar as soluções que aí estão porque deixámos de ter qualquer arma para obstacular, deixamos de ter qualquer alternativa para defender.
Não queremos ser os desalojados da revisão constitucional e sinceramente não vemos quem é que pode querer ser candidato a desalojado, ficando na rua, sujeito a aceitar todo o casebre ou tenda que venha, só com a miragem da promessa, não cumprida ainda, de que novas casas, porventura melhores, estão no horizonte do PS e da FRS.
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É esta a questão fundamental que tem que ser colocada e que cada deputado que hoje permita que se consuma a votação da extinção do Conselho da Revolução tem que resolver consigo mesmo, a não ser que queira efectivamente isso, a não ser que queira abandonar as armas para justificar depois os maus negócios que se fizerem e, quiçá, para fazer outros que ainda estejam a ser agendados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nosso ver, seria gravíssimo deixar consumar, através da votação, a extinção do Conselho da Revolução sem garantir previamente que as soluções alternativas estejam decididas e sem assegurar que o Conselho da Revolução só termine as suas funções quando sejam efectivamente postos a funcionar os órgãos que o hão-de de substituir.
Esta não é uma pretensão estulta. Está nas mãos das forças democráticas nesta Assembleia impedir que tal aconteça, designadamente -e para dizer tudo- está nas mãos do PS evitar que isso aconteça. E quando digo que isto está nas mãos do PS, digo que não basta ao PS votar a favor destas propostas, porventura lavando deste modo as mãos e julgando que com isso lava também a consciência e a responsabilidade política.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Está nas mãos do PS mais do que isso. Está nas mãos do PS impedir que estas propostas sejam derrotadas, está nas mãos do PS impedir que a AD possa, com êxito, opor-se a elas. Porque toda a gente sabe e é inegável, que basta o PS querer para que a AD não se lhe possa opor, sob pena de males bastantes maiores. E para bom entendedor meia palavra basta!
Vozes do PCP: - Muito bem!
Nem se diga que não se ganha com isto agora, que isto não será irremediável e que esta sangria pode ser atada.
Só uma incomensurável candura política poderia levar a acreditar nessa ideia. E em matéria de candura, estamos conversados!...
Uma coisa ficará desde logo consumada e isto é inegável: a votação da eliminação do Conselho da .Revolução e com ela o desencadeamento de uma campanha - cuja duração não é previsível, que permitiria inibir, desprestigiar, pôr em causa a legitimidade, enconchar, enfim, levar o Conselho da Revolução a abdicar do exercício das suas funções- perdê-lo-ia irremediavelmente.
Mas outra pretensão nossa é a de que haja uma solução transitória, desde já garantida, entre a extinção legislativa jurídica do Conselho da Revolução e a entrada em funcionamento dos órgãos que o hajam de substituir. Porém, a nosso ver, também esta pretensão ficaria, deste modo, praticamente afastada.
Se agora não se conseguir impor esta norma transitória quando é que se pensa fazê-la vingar? Quando se discutirem as disposições transitórias, lá para o fim da revisão? Vai a AD depois dá-las gratuitamente se hoje, sob a ameaça forte, as não der? Quem pode acreditar honesta e sinceramente nisto, Sr. Presidente do PS?
É esta a questão que não pode deixar de ser respondida.
Mas, para dar alguma credibilidade a uma tal eventualidade, seria ao menos necessário ter garantias de que elas viessem a ter pés para andar.
Por exemplo, seria necessário que houvesse uma promessa, ao menos pública, solene e formal da AD de que na altura própria votaria esta proposta transitória. Existe essa promessa? Não existe! Dá-a a AD? Não, não dá! E se a desse acreditavam os Srs. Deputados do PS que ela seria cumprida, acreditavam que ela teria valor de compromisso? Certamente que não acreditavam!
Então, como se pode admitir que se deixe de ter irremediavelmente, que se perca esta norma transitória se ela não for aprovada hoje, ou não for aprovada, como propomos, simultaneamente com a extinção do Conselho da Revolução?
Mas, poder-se-ia ainda dizer que resta o decreto final da revisão. O PS pode dizer: só votamos o decreto final da revisão se a AD nos admitir tal proposta.
Srs. Deputados, como é possível acreditar que este seja um argumento razoável? Pois não é verdade que até agora, quando se tinha tudo - isto é, a Constituição, o Conselho da Revolução e o resto - o PS não foi capaz de obter esta norma transitória, não foi capaz de a obter na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional nem no acordo de S. Bento? Quem acredita que a venha a obter depois, quando a revisão estiver consumada?
Aplausos do PCP.
O Orador: - Se o PS até agora invocou a necessidade de não dar armas à AD, não dando a ideia de que não quer a revisão, para ir ao encontro de alguns dos propósitos mais importantes da AD, como poderia resistir depois se consumada a revisão, artiguinhos todos feitos- estivesse sujeito à acusação de que a revisão, toda feitinha, não entrava em vigor por causa de uma simples norma transitória? Quem acreditaria que o PS estaria nessa altura em condições de resistir a esta pressão e de exigir uma norma desta natureza?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há outro momento, não se trata de uma questão de oportunidade. Este é o único momento, é o momento exacto, é o momento azado, é o momento que resta às forças democráticas para fazerem com que a extinção do Conselho da Revolução não se traduza em insegurança política, em instabilidade democrática, num período transitório em que, pela brecha das soluções de continuidade, os propósitos da AD fizessem o seu caminho e corressem as suas intenções.
Não podemos sair daqui com ilusões e este propósito. Ou se evita neste momento a votação gratuita de per si, sozinho, da extinção do Conselho da Revolução, ou se faz com que ela esteja condicionada à votação dos órgãos que a hajam de substituir e à votação de uma norma transitória que garanta que ele só termine as suas funções quando houver Tribunal Constitucional, quando houver Conselho Superior de Defesa Nacional, quando houver Conselho da República. Se se optar pela primeira hipótese, todos aqueles que coonestem esta proposta estão a abrir caminho a um perigo extremamente grave para o regime democrático-constitucional.
Desta responsabilidade quisemos não apenas eximir-nos, quisemos não apenas sacudir a água do capote. Ao apresentar as propostas, defendendo-as e provado que elas são justas, pertinentes e razoáveis, quisemos dizer, para que não restem dúvidas, que é enquanto é tempo que o PS tem que assumir as suas responsabilidades. E esse «enquanto é tempo» é muito pequeno porque depois
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de consumada a votação já nada a haverá a fazer. Esse pouco tempo é agora e aguardarmos a decisão do PS.
Aplausos do PS.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há dúvida que sou obrigado a admirar o brilho e o esforço com que o Sr. Deputado Vital Moreira defende o indefensável.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E isto porque pelos seus raciocínios jamais se poderia fazer uma revisão constitucional porque uma vez que todos os artigos se implicam uns nos outros e todos têm uma ordem, nunca nada poderia ser votado sem que fosse votado tudo ao mesmo tempo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Parece que o Sr. Deputado Vital Moreira se esquece da discussão que houve há pouco tempo aqui nesta mesma Sala e em que o Sr. Deputado se opôs vigorosamente, com a mesma violência e com a mesma virulência com que neste momento o faz, a uma votação global final da Constituição.
Ora, essa votação final global faz cair por terra todos os argumentos. E palha tudo quanto disse porque, de facto, nenhuma norma tem valor, nenhuma votação adquire realmente a sua eficácia e eficiência enquanto não for votada e promulgada a Lei da Revisão Constitucional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Além disso, o Sr. Deputado Vital Moreira, ilustre jurista, transformou-se agora em duvidoso profecia porque, de facto, as suas profecias são por demais tenebrosas para que a gente as leve a sério.
Nós - e faço esse elogio também extensivo ao Partido Socialista temos tratado desta revisão constitucional como homens de bem; temos tratado dela com uma lealdade de olhos nos olhos e de mãos nas mãos e não temos falhado nessa lealdade de parte a parte. Pode o Sr. Deputado Vital Moreira - e talvez isso fique bem ao seu partido, não sei! - ter essas desconfianças permanentes, mas elas entre nós não têm cabimento porque cumprimos aquilo que prometemos; temos respeitado as garantias dadas de um lado e de outro e, inclusivamente, as próprias garantias dadas ao PCP em votações e em intenções legislativas manifestadas por ele. Talvez nós não possamos dizer o mesmo, mas não admito que o Sr. Deputado Vital Moreira ponha permanentemente em dúvida a boa vontade e a boa fé com que se tem procedido a esta revisão constitucional.
Não vai haver período intermediário tenebroso, não vai haver nenhum hiato legislativo ditatorial, tal como o Sr. Deputado Vital Moreira pretende fazer crer. Tudo se vai passar em perfeita normalidade legislativa; tudo se vai passar em perfeita normalidade democrática, como não poderia deixar de ser com partidos democráticos. Duvido que se o Partido Comunista estivesse no poder isso se passasse da mesma maneira.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - Todos nós temos essa dúvida, mas com certeza que estando no poder partidos democráticos, o Partido Comunista não tem o direito de duvidar de que não vão haver hiatos ditatoriais e de que a constitucionalidade das leis será fiscalizada quando deve ser pelo órgão competente até que outro orgão o substitua devidamente.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem me ater ao tom nem ao teor essencial das palavras do Sr. Deputado Vital Moreira, ressaltei da sua intervenção uma perplexidade que gostaria de ver esclarecida.
Com a sua intervenção o Sr. Deputado Vital Moreira quis ir no sentido de, através da contestação à revisão do artigo 113.º e através de contestação à extinção do Conselho da Revolução, sublinhar em definitivo a oposição do seu partido à extinção do Conselho da Revolução e ao próprio processo de revisão constitucional em si, ou, por outro lado, através de uma intervenção que eu diria quase produzida na qualidade de deputado da bancada do Grupo Parlamentar Socialista, quis orientar, iluminar estratégica e tácticamente o Partido Socialista na forma de conduzir o processo de negociação acerca da revisão constitucional com a Aliança Democrática? Isto é, o Sr. Deputado Vital Moreira, na sua intervenção colou-se exorbitando ao teor daquilo que lhe pareceu ser o núcleo central de ideias do seu Secretário-Geral na intervenção que fez no encerramento da festa do Avante e que eu qualificaria como uma intervenção fundamentalmente anti-revisionista, ou, por outro lado, quis - aliás, de forma estranha- associar-se àquilo que o seu partido qualifica de enormíssimo cambalacho entre o PS e a Aliança Democrática a propósito da revisão constitucional e quis, no fundo, dar ao Partido Socialista a melhor forma de concretizar a extinção do Conselho da Revolução, salvaguardando alguns aspectos técnicos dessa extinção?
Gostaria, pois, de ver esclarecido o ponto de vista de V. Ex.ª.
Vozes do PS e de alguns deputados do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira, se assim o desejar.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Deputado Sousa Tavares, lamento não poder retribuir-lhe com um piropo, mas, de facto, brilho foi coisa que não existiu na sua intervenção. Em todo o caso, devo dizer-lhe que não ouviu, «tresouviu» a minha intervenção. Não propus que as coisas fossem votadas umas depois das outras; só que a ordem de umas antes das outras é inversa no que corresponde aos propósitos do Sr. Deputado Sousa Tavares.
Quanto às profecias tenebrosas, devo dizer que não fiz profecias nenhumas; basta ler o vosso projecto de revisão constítucional em matéria de solução transitória para a fiscalização da inconstitucionalidade para ver que não
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atribui nenhuma coisa que fosse inconfessável; os senhores confessaram tudo no projecto de revisão constitucional. Depois de extinto o Conselho da Revolução, os senhores propõem que enquanto não existir o Tribunal Constitucional sirva de Tribunal Constitucional a actual Comissão Constitucional sem os membros designados pelo Conselho da Revolução. Quer melhor exemplo da perfídia das vossas propostas, das intenções tenebrosas que as animam, ou quer que diga também quais as propostas feitas numa comissão - não escritas, é certo, mas lidas - por um deputado de uma das bancadas da AD sobre a solução transitória em matéria de administração militar. Não precisa que lhas recorde pois não, Sr. Deputado Sousa Tavares?
Portanto, não estamos a curar de intenções, mas sim de coisas ditas, documentadas, que não iludem ninguém e cujos propósitos políticos estão à vista de todos.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É óbvio que temos uma concepção bastante diferente daquela que pretendeu dar-nos aqui. Sabe perfeitamente que essa visão edénica da política pode ser objecto de cartas de amor, mas não propriamente de uma assembleia parlamentar da composição desta. Se os senhores estão de olhos nos olhos com o Partido Socialista e de mãos nas mãos é lá convosco, mas então substituam o Diário da Assembleia da República por uma colectânea de cartas de amor.
Aplausos do PCP.
O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Jaime Gama não posso dizer-lhe que «tresouviu», pois efectivamente ouviu a minha intervenção e sabe que a dicotomia não tem pés para andar. De facto, eu disse o que disse, isto é, defendi o adiamento, que considero pertinente, justo e indiscutivelmente correspondente aos interesses do regime democrático-constitucional neste momento, da consumação da extinção do Conselho da Revolução, para depois da votação sobre os órgãos que o hajam de substituir.
Quanto ao facto de dizer que eu me assumi quase na figura de deputado do Partido Socialista, devo dizer-lhe o seguinte, Sr. Deputado: se me encontrasse na situação de deputado do Partido Socialista, certamente defenderia esta posição. Creio que aqueles que concordam com os propósitos que indiciei não podem deixar de concordar com os métodos que propus.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em relação a cambalachos, devo dizer que em matéria de revisão constitucional e política sempre afirmei que os cambalachos eram maus e sempre me admirei com a capacidade de alguns deputados - como o líder do partido do Sr. Deputado Jaime Gama - dizerem que a Assembleia da República é que faz a revisão, e que revisão fora da Assembleia nunca. Depois têm a notável versatilidade para irem ao palácio do Sr. Primeiro-Ministro e, juntamente com ele e com os restantes dirigentes da AD fora da Assembleia, fora da Comissão, à margem dos próprios deputados da Comissão, celebrarem um acordo que decidiu o principal da revisão constitucional e depois impô-lo aos deputados do próprio partido sob pena de ou votas ou renuncias. A isto eu chamo coacção.
Aplausos do PCP.
O Orador: - Há bocado ouvi o Sr. Deputado António Moniz referir circunstâncias que no seu entender teria havido de menos liberdade na celebração do pacto MFA/Partidos e estive mesmo para perguntar ao Sr. Deputado -não o fiz só porque certamente ele não teria resposta o que é que ele pensa de uma revisão votada por uma parte dos deputados sob coacção, ameaça de ou votas ou renuncias.
O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Moniz (PPM): - O Sr. Deputado nessas circunstâncias não é sensível porque na altura era o Sr. Deputado que tinha as baionetas na mão!
O Orador: - Sr. Deputado, infelizmente nunca fiz a tropa e a única baioneta que tinha - e que, aliás, alguns dos deputados que hoje se sentam nessas bancadas não quiseram deixar de manifestar algum apreço por ela - era a minha voz, que é a mesma que tenho hoje.
Como estava a dizer, sou contra cambalachos. No entanto, quando se fazem cambalachos deve-se exigir que ao menos sejam bons negócios e não maus. Já que os senhores entraram em negócios, peço-vos que ao menos façam um bom negócio e se ainda estão a tempo corrijam uma das cláusulas e acrescentem uma outra que faça com que o negócio seja menos mau, menos censurável, enfim, menos prejudicial e menos nocivo ao regime constitucional do que este que estamos a apreciar.
Aplausos do PCP.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na minha intenção inicial gostaria apenas de sublinhar o facto de que por intermédio do Sr. Deputado Vital Moreira o PCP declarou nesta Assembleia que para si a questão da extinção do Conselho da Revolução não era essencial, mas apenas uma questão de tempo e que o que colocava esse partido em divergência com o Partido Socialista e com outros partidos desta Assembleia em relação ao problema da extinção do Conselho da Revolução não era a natureza jurídica e constitucional dessa extinção em si, mas sim uma questão de calendário, de oportunidade e de tempo.
Penso que não é aqui o momento apropriado para avaliar em termos políticos a densidade e a relevância dessa posição de um partido responsável sobre uma questão tão importante da nossa reforma constitucional e que este foi apenas o momento de tirar a conclusão de que para o PCP a extinção do Conselho da Revolução é uma questão de tempo, conforme disse o Sr. Deputado Vital Moreira.
No entanto, as palavras do Sr. Deputado Vital Moreira em relação ao meu partido, à direcção do meu partido e ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista nesta Assembleia, levam-me a produzir um protesto muito firme: não é da parte do partido em que o Sr. Deputado Vital Moreira está inscrito e é deputado que o PS aceita qualquer lição em matéria de democra-
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ticidade e de transparência de funcionamento interno...
Aplausos de alguns deputados do PS.
O Orador: - ... e não foi, não é nem será nenhum deputado do Partido Socialista que em matéria de revisão constitucional toma publicamente, há um ou dois anos atrás, posições totalmente distintas, diferentes, diferenciadas e até antagónicas daquelas que o Sr. Deputado Vital Moreira tem aqui vindo a assumir nestes últimos meses na Assembleia da República.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Que deselegante!
O Orador: - Não me cabe dissertar sobre qualquer espécie de coação ou de violência interna dentro dos partidos políticos, mas o que lhe garanto é que nenhum deputado desta bancada alguma vez ameaçou que ia voltar a Coimbra para discutir a revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Vital Moreira, se assim o desejar.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso o meu erro ao dizer há um bocado que o Sr. Deputado Jaime Gama não «tresouviu». Na verdade, é sempre lícito esperar tudo do Sr. Deputado Jaime Gama, mesmo as atitudes de imputar a outrém afirmações que nunca produziu, atitudes que nunca tomou e propósitos que nunca assumiu. Aquilo que o Sr. Deputado Jaime Gama acaba de me imputar não é, pura e simplesmente, verdade.
Resta-me lamentar que, como é do combate político, para desviar as atenções daquilo que está justamente em causa se não hesitem em incorrer na elegância, para não dizer alguma coisa mais forte.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à questão sobre o Conselho da Revolução, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que não fez descoberta nenhuma. É óbvio que para nós o Conselho da Revolução não é um orgão definitivo, ad eternum da arquitectura constitucional democrática, não é uma questão de princípio, o Conselho da Revolução não foi posto na Constituição da República Portuguesa porque se tenha entendido - e muito menos nós entendemos que ele é em Portugal condição para haver regime democrático-constitucional. Foi feito para corresponder a determinados propósitos políticos, a colegializar, por assim dizer, o Presidente da República a subministrar uma certa auto administração das Forças Armadas, a consubstanciar uma forma de independente e isenta da fiscalização da constitucionalidade e são essas as circunstâncias que é importante saber se continuam ou não a existir. Nós entendemos que ainda não desapareceram ou que não desapareceram totalmente, os senhores entendem que sim, portanto nunca esteve em causa uma questão de princípio. Os senhores é que sempre fizeram com que isso fosse assim para vos facilitar a contestação das nossas posições. Essa é que é a verdade. Sempre precisaram de o fazer, sempre precisaram de as distorcer, de as subverter, para as apresentarem como elas não são, obviamente sabendo que as possibilidades que temos de contraditar a interpretação que fazem das nossas posições, nunca é a mesma que aqueles que os senhores têm.
Devo dizer, e em contraprotesto, que é lamentável que a questão fundamental que aqui foi posta em causa que é a de saber se sim ou não a consumação da extinção do Conselho da Revolução em termos jurídicos deve ser feita antes e separadamente da votação dos órgãos que o hajam de substituir e se uma vez aprovada a revisão constitucional e enquanto não estiverem erigidos em funcionamento esses órgãos, o Conselho da Revolução se mantém ou não para as principais tarefas que não podem ser assumidas desde já por outros órgãos, como o caso das funções legislativas, sendo portanto esta a questão fundamental lamentamos, repito, que não encontremos da parte do PS a mínima resposta a esta questão. Continuamos a aguardá-la e somos, pelo menos, pacientes!
E já agora, Sr. Deputado Jaime Gama, não desdenhe as lições, venham donde vierem, não desdenhe sobretudo a capacidade de escolher a possibilidade de fonte dessas lições. Suponho que hoje, sobretudo depois desta discussão, não fica bem enjeitar ao menos a lição, não que tenhamos pretendido dar alguma lição, mas a prova que fizemos de que sabemos assumir as nossas responsabilidades.
Não hesitamos perante as contrariedades e sabemos assumi-las contra ventos e marés, mesmo contra o Sr. Deputado Jaime Gama.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime Gama pede novamente a palavra, para que efeito?
O Sr. Jaime Gama (PS): - Para contraprotestar, Sr. Presidente, ou para exercer o direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado considera que foi ofendido na sua dignidade exercerá o direito de defesa da sua dignidade e honra pessoal, se não sugeria-lhe que se inscrevesse para uma nova intervenção a produzir oportunamente. Penso que contraprotestar não é nenhuma figura regimental.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, para uma intervenção.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão do Conselho da Revolução, da sua permanência ou não como orgão de soberania no quadro das instituições do regime permite-nos, mais uma vez, pôr em equação os factores fundamentais que influenciarem todo o processo saído do 25 de Abril, quer na sua fase revolucionária, quer ainda na sua fase contra-revolucionária.
Como constante essencial nas duas fases temos de considerar a permanência até agora da Constituição de 1976, do actual texto dessa Constituição determinada pela fase revolucionária e que como tal integra e expressa a nível jurídico e político a memória colectiva do povo português e do seu apego às transformações democráticas revolucionárias.
Podemos pois dizer que só agora quando se consumar a revisão da Constituição, a contra-revolução é assumida em termos jurídico-institucionais.
O fim do «período de transição» constitucionalmente previsto é, tão só, o sinal não da consolidação de um regime caracterizado pelo exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras com o objectivo de
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assegurar a transição para o socialismo, como manda a Constituição, mas sim o seu contrário, ou seja, a consolidação do poder do grande capital monopolista que começou a ser reposto com o golpe de 25 de Novembro.
A situação que hoje vivemos mostra de forma clara e iniludível que nem o Conselho da Revolução nem os militares foram um garante das transformações democráticas nem sequer do cumprimento da tal mal tratada Constituição.
O Conselho da Revolução tem duas histórias: Uma entre o 11 de Março e o 25 de Novembro em que actuou sobre pressão do movimento popular e foi formalizando algumas das suas conquistas embora sempre de uma forma geral em compromisso com interesses que lhes eram estranhos; uma outra fase numa outra história, o Conselho da Revolução emergente do golpe reaccionário de 25 de Novembro, em que se subordinam inequivocamente aos interesses da burguesia, movendo-se entre uma tendência liberal, social-democrata e uma outra abertamente reaccionária.
Ao ter permitido e colaborado no 25 de Novembro, e com ele no afrontamento ao movimento popular, o Conselho da Revolução extinguiu-se como órgão da Revolução de Abril.
Hoje, as forças maioritárias aqui presentes apenas se limitam a varrê-lo como desnecessário, já para a consolidação do regime reaccionário novembrista.
O Conselho da Revolução nunca foi o representante das Forças Armadas mas sim de determinados sectores dessas Forças Armadas.
Na fase revolucionária a sua constituição era determinada pelo peso dos oficiais mais directamente influenciados pelo movimento popular em ascenso e reflectia também as contradições que se cristalizavam no seio desses mesmos oficiais quanto ao modo de responder às pressões populares por forma a não pôr em causa o controle dos acontecimentos, ou seja, tentarem satisfazer os anseios democráticos das massas populares sem no entanto permitir a tempestade revolucionária que era de facto a única resposta para resolver os enormes problemas do povo. Saído do 11 de Março, período mais alto das conquistas populares, constituído por militares de Abril, o Conselho da Revolução possuía todas as características para servir por um lado de tampão à energia revolucionária das massas e por outro lado de guarda-chuva protector amortecendo os embates entre os trabalhadores e os seus inimigos, forjando assim uma consciência reformista e contemporizadora que iria desarmar o movimento popular e tomá-lo mais fácil da demagogia reformista e da contra-revolução.
Depois do 25 de Novembro, no qual se empenham a fundo, o Conselho da Revolução tem correspondido à missão de permitir a reconstituição do poder da burguesia e, explorando as ilusões reformistas, de permanecer como elemento desmobilizador da resposta revolucionária dos trabalhadores ao avanço da contra-revolução.
O seu papel de uma certa ambiguidade reforça-se na medida em que evoca simbolicamente a revolução e tem permitido afinal o desenvolvimento da contra-revolução.
A vocação por si própria assumida de moderador da vida política nacional, tem resultado afinal no reforço da direita embora o tenha contestado:
- No período revolucionário dificultando e impedindo a exploração do sucesso e desviando o movimento popular dos seus objectivos fundamentais;
- No período contra-revolucionário dificultando e impedindo a exploração do sucesso e desviando o movimento popular e após o 25 de Novembro garantindo a consolidação do regime através do suporte ao maior dos mitos da estabilidade burguesa, ou seja a unidade e independência das Forças Armadas.
Para isso eliminou a democracia dos quartéis, saneou a perseguiu os oficiais democratas e promoveu e colocou nos altos postos da hierarquia os oficiais reaccionários: unidade imposta pela hierarquia e dependência política da direita, esta a situação em que se encontram hoje as Forças Armadas apesar de o Conselho da Revolução numa última fase ter recuado e readmitido embora para a prateleiras muitos desses oficiais democratas.
No entanto, o Conselho da Revolução ultimamente tem tido algumas acções positivas, como sejam as várias declarações de inconstitucionalidade nomeadamente a da proposta da lei governamental sobre a delimitação dos sectores público e privado o que tem provocado o desespero dos sectores fascizantes. Inseriu-se também o Conselho da Revolução, de certa forma na estratégia de apoio ao Presidente da República no que confronta com a política revanchista da AD para ver quem comanda a consolidação do regime novembrista, quem comanda a integração na CEE, quem comanda a maior subordinação à NATO, quem comanda a recuperação capitalista e a influência neo-colonial em África.
À brutalidade da direita revanchista e restauracionsita o Conselho da Revolução com o Presidente da República contrapõem a possibilidade dos trabalhadores pagarem a crise voluntariamente, engodados pela oposição que ofereceram nas presidenciais ao fascista Soares Carneiro e pela nova imagem populista de Eanes.
De facto, para o imperialismo americano o que é necessário é garantir a subordinação à sua política imperialista, quer seja pelo genocídio como em Timor-Leste, ou no Líbano, quer, se possível, e quando possível, com um carregamento de cenouras que façam esquecer o chicote.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não são natural e essencialmente estas as razões por que a AD e o PS querem eliminar o Conselho da Revolução.
Para eles de facto chegou-se ao fim de um período de transição mas não é o período de transição que devia levar, nos termos constitucionais à consolidação do poder democrático nas classes trabalhadoras e ao socialismo mas sim um período em que o próprio Conselho da Revolução esgotou o seu papel nesta fase adiantada de recuperação capitalista e na altura em que ela vai ficar consagrada constitucionalmente.
A AD quer eliminar o último obstáculo ao seu controle sobre as Forças Armadas e eliminar um factor de contradição no poder da classe dominante ao passo que o PS considera chegado o momento, com a AD cheia de contradições internas e o Governo totalmente isolado, de ser ele, o PS a assumir integralmente o papel fundamental na defesa dos interesses do capital e do imperialismo americano numa perspectiva de passificação da sociedade, ou seja, tentar levar os trabalhadores através de centrais sindicais amarelas e fantoches, e das ilusões da democracia institucional acima de luta de classes, a aceitarem pagar a crise na parte que lhes é atribuída, ou seja, pagarem-na integralmente! Esta política leva, como já levou ao retorno triunfal da direita e dos fascistas.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UDP vai votar contra a eliminação do Conselho da Revolução.
Vozes do PSD: - Uma grande novidade!
O Orador: - Porque o Conselho da Revolução é um orgão revolucionário emergente do 25 de Abril? Porque o Conselho da Revolução impede o avanço da direita? Porque o Conselho da Revolução é uma forma de as Forças Armadas participarem de maneira límpida e transparente da vida política nacional? Porque o Conselho da Revolução é um factor decisivo para a estabilidade democrática? Evidentemente que não.
Já vimos que o Conselho da Revolução actual emerge de 25 de Novembro e não do 25 de Abril. Já vimos que o Conselho da Revolução possibilitou o avanço da direita.
Não é através também do Conselho da Revolução que os militares participam da vida política nacional. Para além do Conselho da Revolução apenas representar alguns sectores da hierarquia militar, a participação dos militares na vida política obtém-se pela efectiva democratização da vida nos quartéis desde os soldados aos oficiais, passando pelos sargentos.
Quem aqui nesta Assembleia defende a aplicação integral das normas constitucionais aos militares e dentro dos quartéis.
A UDP vota contra a eliminação do Conselho da Revolução porque exactamente a sua existência é um factor que não permite hoje o reforço do poder da direita reaccionária, não porque em si mesmo o Conselho da Revolução provoque ou queira provocar a instabilidade, ele próprio se tem por um factor de estabilidade, mas porque hoje o Conselho da Revolução retira à AD a tutela sobre as Forças Armadas, e retira-lhe também a fiscalização da constitucionalidade das leis, porque no Conselho da Revolução os chefes militares são subalternizados, são mais um voto entre outros, não conseguem assumir plenamente o papel que a direita lhes quer atribuir de subordinação directa e execução activa da política da AD como acontecia no tempo do fascismo.
Na actual situação, de crise generalizada, a estabilidade só se obtém ou pela fascização do regime sob o comando da AD e será a estabilidade do fascismo, a paz dos cemitérios, ou pela vitória da luta popular sob uma direcção revolucionária.
Na conjuntura actual a crise impõe políticas conjunturais permanentes embora integradas numa estratégia global de transformação radical da situação política, o movimento popular deve optar pela permanência do Conselho da Revolução pelas contradições que ele introduz na consecução da política ultra-reaccionária da AD. Mas deve fazê-lo na compreensão das lições da crise revolucionária e do processo contra-revolucionário de 25 de Novembro, ou seja que o factor determinante para destroçar a AD e repor os caminhos de Abril é a unidade do movimento popular dos trabalhadores e a sua luta é a imposição de uma política independente de tutelas quer sejam de militares, quer da burguesia liberal e reformista que tem sempre como sector preferencial para as alianças, a direita, quando não a direita mais reaccionária e fascista como mostrou o 25 de Novembro.
As instituições actuais do regime novembrista já não correspondem de forma alguma aos anseios de bem estar, liberdade e independência nacional do povo português. O caso exemplar dos presos do PRP demonstrou claramente: nem os tribunais, nem o Governo...
... nem a Assembleia da República, nem o Presidente da República, nem o Conselho da Revolução - os órgãos de soberania defenderam as liberdades contra a barbárie fascista. E só recuaram uns e se interessam outros em face da luta radical dos presos e do crescimento do movimento de solidariedade em volta da sua luta.
Todos os órgãos de soberania, no entanto, permitiram a bem-aventurança para os Pides, para os bombistas e para os fascistas.
O 25 de Abril e as suas conquistas continuam a ser a grande linha de demarcação entre o futuro e o passado e só a força do movimento popular pode fazer recuar a direita e impor-lhe derrotas e avançar para novas vitórias.
Não há socialismo alcançado através das instituições nem sob a tutela dos militares; ele tem que ser alcançado e conquistado pela luta firme dos trabalhadores.
Somos contra a revisão da Constituição porque, de uma forma geral e neste caso particular, a eliminação do Conselho da Revolução destina-se a reforçar ainda mais os poderes da direita e do grande capital.
O PCP defende o Conselho da Revolução na perspectiva geral de contribuir para a defesa das instituições, de ser um bravo batalhador pela estabilidade do regime novembrista, dando um contributo positivo para a gestão da crise e mantendo assim os trabalhadores atrelados às soluções burguesas na ilusão de que estão a lutar pelo 25 de Abril.
O Partido Socialista quer eliminar o Conselho da Revolução para dar mostras de boa vontade nas suas alianças com a direita e porque quer ser ele, o PS, o elemento fundamental da dita «estabilidade democrática».
Estabilidade impossível como já vimos e a experiência nos mostrou, enquanto não for vencida a grande batalha das forças populares com a classe operária à cabeça, as forças do futuro contra as forças do capital e do imperialismo, as forças da reacção e do passado.
Uma última palavra aos Conselheiros da Revolução democratas:
As vossas ilusões no Partido Socialista levou-vos a ser meros instrumentos de uma política que se revelou antipopular e de subordinação ao imperialismo americano e agora, por imposição da doutrina Gama para as Forças Armadas, ides acabar sem ao menos poderdes dizer que se cumpriram os sonhos do 25 de Abril.
A lição é dura mas tem a vantagem de vos dar elementos de reflexão e de acção futura, se a quiserdes aproveitar.
Colocai-vos ao serviço do ideal democrático e patriótico que vos levou ao 25 de Abril e que só a luta do nosso povo consubstancia, único motor de todas as transformações do progresso, da liberdade, do bem-estar e da paz que um dia jurastes servir.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos a discutir a proposta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional atinente ao artigo 113.º da Constituição.
O Grupo Parlamentar da UEDS apoia a extinção do Conselho da Revolução tal como constava do acordo constitutivo da Frente Republicana e Socialista, assinado em 3 de Julho de 1980, entre os líderes do PS, da ASDI e da UEDS; tal como consta do projecto da Frente Republicana e Socialista, entregue na Mesa da Assembleia da
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República em Maio de 1981 tal como consta do texto da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional que ora apreciamos; tal como preconiza, desde 1978, o actual Presidente da República, General Ramalho Eanes, numa atitude que aliás ele próprio reafirmou na campanha eleitoral de 1980, onde foi reconduzido nas altas funções que exerce, tal como o reafirmou perante esta Assembleia da República no discurso presidencial do passado dia 25 de Abril.
Apoiamos a extinção do Conselho da Revolução como defendem os próprios Conselheiros da Revolução na mensagem que dirigiram ao povo português no último dia 25 de Abril.
Aqui cabe uma palavra de homenagem e de exemplo democrático aos Conselheiros da Revolução, os quais, em nosso entender, merecem esta palavra neste momento, porque nós não somos daqueles que nos acobertámos à guarda-chuva do Conselho da Revolução no 25 de Novembro e que hoje os exorcizamos nem somos daqueles que hoje tecem loas ao Conselho da Revolução, mas que só o fizeram depois da intervenção do Conselho da Revolução em 25 de Novembro de 1975.
Aplausos da UEDS, do PS, da ASDI e da Sr.ª Deputada Natália Correia (PSD).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apoiamos a extinção do Conselho da Revolução e pensamos estar de acordo com o pensamento maioritário do povo português, porque as forças políticas que o preconizam foram sufragadas por mais de 80% dos votos portugueses em 5 de Outubro de 1980.
Damos o nosso voto favorável, em sentido genérico, ao modelo substitutivo definido na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional e, como é sabido, fazemo-lo, embora votemos contra a obrigatoriedade de publicação prévia dos pareceres do Conselho da República quanto à demissão do Governo e à dissolução da Assembleia da República e votemos contra a composição do Tribunal Constitucional.
Fazemo-lo sobretudo por uma questão de preito ao nosso ideário socialista democrático, à concepção que temos de uma democracia pluralista e pluripartidária que deve existir no nosso país, em termos plenos, após a revisão constitucional.
E isto por uma razão extremamente simples: é porque o Grupo Parlamentar da UEDS considera que o modelo substitutivo a que chegámos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional corresponde ao duplo compromisso que assumimos no quadro da Frente Republicana e Socialista, que era o compromisso de «extinguir o Conselho da Revolução, mantendo a natureza semi-presidencial do sistema de Governo, com o reforço da componente parlamentar do regime político» e corresponde ao compromisso que temos para com os eleitores das listas FRS em que nós fomos eleitos.
A solução encontrada, Sr. Presidente e Srs. Deputados, embora não possa merecer a nossa adesão integral como já sublinhei, corresponde a uma distribuição equilibrada dos poderes do Conselho da Revolução e satisfaz o essencial dos acordos da FRS.
Outra questão, contudo, é a das disposições transitórias da lei de revisão, tendo em vista a entrada em vigor do esquema dos órgãos políticos substitutivos do Conselho da Revolução.
Sobre esta questão que, entendemos deixar muito claro, é uma questão autonomizável e autónoma da problemática da extinção do Conselho da Revolução, ela deve-se a uma das propostas do PCP e sobre ela adiante nos pronunciaremos.
O que aliás não impede que, se existe uma certa pertinência nas considerações feitas pelo Sr. Deputado Vital Moreira em relação à estratégia negocial destas matérias, elas não podem esquecer, nem esconder, a questão fundamental que ora está em discussão, que é a questão da opção política quanto à extinção do Conselho da Revolução.
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o apoio que o Grupo Parlamentar da UEDS dá à extinção do Conselho da Revolução é um apoio sereno, firme e tranquilo. E fazemo-lo também, sem hipocrisia, como homenagem ao próprio 25 de Abril e como homenagem aos militares de Abril que assumiram o compromisso de reconduzir o país à plena normalidade democrática como consta do texto histórico, que era o Programa do Movimento das Forças Armadas e que nós, legisladores constituintes, hoje damos cabal e pleno cumprimento.
Aos Conselheiros da Revolução, o nosso muito obrigado.
Aplausos da UEDS, do PS, da ASDI e de alguns deputados do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado Almeida Santos. Faltam apenas 5 minutos para terminarmos a sessão. O Sr. Deputado verá se deseja ou não fazer a intervenção.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Utilizarei o tempo que puder e, se necessário, farei amanhã uma segunda intervenção. No entanto, não quero que termine o dia parlamentar sem mais uma palavra da parte da bancada do meu partido.
Aparentemente assistimos aqui ao que podia chamar-se a transformação de um acto simples e normal, previsto e querido por representantes de 85 % dos portugueses, transformação, essa, desse acto normal previsível e previsto numa malfeitoria.
O Partido Comunista, com algum talento, com alguma capacidade steriónica e com alguma aparente convicção veio aqui dizer-nos que, afinal de contas, estamos a cometer uma vilania, quando sabe muito bem que o Conselho da Revolução, desempenhando um papel que considero positivo e até patriótico...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ..., chegou ao tempo de acabar. Toda a gente, menos o PCP, está de acordo, incluindo os próprios Conselheiros da Revolução, em que o Conselho da Revolução acabe. Por isso são perfeitamente descabidas e deslocadas as acusações dos oradores do Partido Comunista à maioria que neste momento está disposta a votar a extinção do Conselho da Revolução.
Vozes do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Está disposta a votar a extinção do Conselho da Revolução hoje, amanhã ou quando for o
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momento, mas não está disposta a extingui-lo já neste momento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É que há dois momentos que temos de distinguir. O Conselho da Revolução, como tudo o que foi votado até hoje, acabará no dia em que entrar em vigor a Constituição da República. É isso que é normal, é isso que está previsto, é isso que queremos. Toda a deturpação do que não seja isto, é na verdade tentar tirar efeitos daquilo que os não comporta; é tentar fazer acusações a quem as não merece; é querer deturpar esta realidade simples de estarmos aqui a consumar aquilo que foi querido, historicamente querido, aquilo que foi previsto e que tem o apoio dos representantes - repito - de 85 % dos eleitores portugueses.
Vozes do PS, do PSD, do CDS e do PPM: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, foi mau o dia para, uma vez mais, se vir aqui falar nos pactos entre o PS e a AD. Foi um dia mau pela simples razão de que, se alguma coisa teve na origem o «pecado original» de um pacto - aliás, de um pacto que teve de ser substituído por outro- foi a criação do próprio Conselho da Revolução.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito bem!
O Orador: - Hoje não temos que nos arrepender de o ter criado; antes pelo contrário, temos que reconhecer que havia alguns riscos na sua criação, tal como foi criado. Mas tudo se passou - felizmente! - por forma a anular ou, no mínimo, a minimizar o mais possível esses riscos.
O Conselho da Revolução, a quem foram reconhecidos importantes poderes constitucionais, exerceu esses poderes e as suas vastas competências por forma serena, adequada, equilibrada, patriótica, quase modesta e discreta e é hoje digno e merecedor do nosso reconhecimento.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e da Sr.ª Deputada Natália Correia (PSD).
O Orador: - O mínimo, mas talvez o melhor, que pode dizer-se é que o Conselho da Revolução ajudou a criar as condições para a sua própria extinção. E esse o seu maior mérito e o seu maior triunfo. Acho que o Partido Comunista presta um mau serviço aos actuais Conselheiros da Revolução quando lhes diz «permaneçam». Como se eles fossem capazes de se sobrepor a esta Assembleia da República, permanecendo contra a sua vontade, quando são eles próprios os primeiros a saber, a reconhecer e a querer que a extinção do Conselho da Revolução seja o resultado de uma votação por maioria de dois terços desta Assembleia.
Vozes do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Termina hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um período histórico. Por vezes quando estamos em cima dos acontecimentos, não temos perfeita consciência deles. Mas termina hoje um período que poderíamos designar -literariamente, bem sei como «um caminho para a total democracia», como «o purgatório democrático a caminho do céu da democracia plena».
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Estou convencido de que nesta minha observação comungam, sem excepção, todos os Conselheiros da Revolução e todos os que com eles se identificam em estado de espírito e em espírito, porque todos nós temos perfeita consciência de que o Conselho da Revolução foi, em certo momento, um mal necessário, foi produto de uma conjuntura que o impôs e nos faz querê-lo. Contudo, todos nós soubemos sempre, como sabemos hoje, que quando chegasse o momento próprio, que está a aproximar-se, ele devia ir com as nossas homenagens -se fosse, como é, caso disso- e com o nosso agradecimento -se fosse, como é, caso disso. A verdade é que hoje sabemos como foi com o Conselho da Revolução; nunca poderemos saber como teria sido sem ele. Só isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, torna os Conselheiros da Revolução, que aqui vejo representados na figura de um deles, dignos da nossa homenagem e não seremos nós, Partido Socialista, que, sem deixarmos de reconhecer as suas limitações e os seus erros, porque também os tiveram e também os cometeram, deixaremos de reconhecer tudo quanto lhes devemos, e prestar-lhes a homenagem que lhes deve ser prestada no momento em que, conscientemente, assumindo-nos como deputados que sabem o que convém ao país, à República e à democracia, nos prestamos para votar a sua extinção.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Se a hipocrisia pagasse imposto!...
O Orador: - Sr.ª Deputada, nunca a insultei e agradecia que mo não fizesse, sobretudo porque é uma senhora. Nunca fui hipócrita, não sou hipócrita, não serei hipócrita, o meu partido não é hipócrita. O meu Partido é livre de emitir as opiniões que quer. Quando o seu partido fala aqui em coacção dos deputados do Partido Socialista, isso lembra-nos apenas esta resposta que, apesar de tudo, é correcta: entre as muitas razões por que estamos nesta bancada, e não nessa, é precisamente para não sermos coactos.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS, da ASDI e da UEDS e risos do PCP.
O Orador: - Apesar de tudo, o Sr. Deputado Carlos Brito não foi tão longe como o seu Secretário-Geral, não foi ao ponto de dizer quê estamos aqui a consumar um golpe de Estado. Mas também não disse muito menos. Depois de o seu partido ter desafiado os deputados do Partido Socialista a votar contra o seu próprio projecto, depois de o seu Secretário-Geral ter há dias convidado o Sr. Presidente da República a impedir a revisão da Constituição, depois de hoje ter aqui desafiado os membros do Conselho da Revolução para que permaneçam nos seus lugares, sabendo que o não podem fazer contra a vontade do país e desta Câmara, vir dizer o que disse, vir querer dar-nos lições de democracia, vir dizer que, aqueles que querem a extinção do Conselho da Revolução, querem liquidar o regime democrático, é na verdade não ter o sentido das realidades é não ter o sentido das oportunidades, é não ter o sentido das
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proporções e também esquecer por momentos aqueles a quem dirige as suas próprias palavras.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Vital Moreira fez-nos algumas perguntas que têm uma resposta muito simples: eu não recuso nenhuma lição nem nenhuma ajuda, venha ela de onde vier, só que neste caso nós não estamos necessitados de um professor de cautelas.
Risos do CDS.
Sabemos o que queremos, sabemos perfeitamente os riscos que corremos, sabemos perfeitamente aquilo que nos espera daqui até ao fim da revisão constitucional que para nós é um todo, é uma solução global.
Talvez hoje, pela primeira vez, o Sr. Deputado Vital Moreira tenha compreendido a razão por que nos empenhámos tanto na defesa de uma votação final global. Foi exactamente para que, tendo que se votar parcialmente algumas soluções, esse voto não viesse amanhã a entrar em contradição com outro voto que estivesse fora do todo, que é coerente e equilibrado, da proposta da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Não admitimos que aqueles votos que foram emitidos na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional não venham aqui a ser respeitados.
Mas se porventura o fossem, então, sim, lançaríamos mão da votação final global para defendermos a globalidade que este projecto é...
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - ..., para defendermos o equilíbrio que este projecto tem, a fim de não ficarmos à mercê dos conselhos, das lições e da tutela que o Partido Comunista hoje quis exercer sobre nós.
Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Sabemos defender-nos, sabemos defender a democracia, temos a nossa concepção de democracia, não discutimos as concepções dos outros, mas neste momento estamos perfeitamente tranquilos acerca daquilo que vamos votar e da maneira como vamos votar. Para além da garantia dada pela existência dessa votação final global, existe sempre a garantia de que nós nunca aceitaríamos soluções que fossem vexatórias para um órgão que acabámos de homenagear, nunca aceitaríamos que ele fosse marginado ao ponto de haver regras de ódio e de excepções para a sua substituição, para a sua extinção ou para o fim das suas funções no início das funções dos órgãos que hão-de substitui-lo.
Estamos atentos e conscientes, sabemos o que fazemos, estejam o Sr. Deputado Vital Moreira e o seu partido tranquilos...
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Não estou não!
O Orador: - Se não está, dou-lhe a garantia de que pode estar. De qualquer modo, a verdade é que, se a revisão da Constituição tivesse que justificar os receios que o Partido Comunista vem denunciando desde a primeira hora em que a revisão começou a fazer-se, as coisas não se teriam passado como se passaram, provavelmente não estaríamos aqui neste momento a discutir em paz e sossego e dentro da liberdade de que disfrutamos a revisão da Constituição.
Não concebo que possam adiar-se todas as soluções que são preliminares em relação às outras, sob pena de passarmos a adiar tudo. Adiávamos hoje ou quando tiver que ser a extinção do Conselho da Revolução; teríamos que adiar, em consequência, a criação do Conselho da República...
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Ora, ora!
O Orador: - ..., a criação do Conselho Superior de Defesa, os poderes que se transferem do poder do Conselho da República para a Assembleia da República...
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - É evidente!
O Orador: - ..., teríamos que adiar a criação, a constituição e as funções do próprio Tribunal Constitucional.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Nem parece seu!
O Orador: - Daqui para diante, toda a revisão constitucional acabaria por tropeçar em sucessivos adiamentos. Por isso mesmo é que entendemos que deve votar-se segundo a sequência lógica do projecto e que no fim, se por algum partido for violado, contra o que foi acordado na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, o seu equilíbrio global, a sua coerência, aí estará a votação final global para que cada um obrigue os outros a reconduzir-se aquilo que prometeram votar, de acordo com o que foi deliberado. Não sofremos do síndroma de Zapata, sofremos do síndroma da democraticidade. Orgulhamo-nos de padecer desse síndroma, têmo-lo dentro de nós, continuaremos a sofrer por mais que o Partido Comunista nos queira dar lições do que é a democracia.
Pergunta-me o Sr. Deputado Vital Moreira, se a AD vai dar garantias, se as não dá agora. Deixe isso connosco, Sr. Deputado!
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Se isso é um negócio privado entre vocês, deixo!...
O Orador: - Se até hoje se limitou a criticar os nossos acordos com a AD, não queira ensinar-nos agora como é que vamos forjar novos acordos com a AD ou confirmar os acordos que já fizemos! Não queira tutelar-nos e também não ponha em causa que, quando a Comissão Eventual para a Revisão Constitucional se pronunciou sobre um projecto a introduzir neste Plenário, foi a Assembleia da República que nesse momento fez a revisão. Foram deputados que a fizeram na sequência e no uso de poderes conferidos por este Plenário. Não nos venham dizer que a Assembleia da República não interveio na primeira fase dos trabalhos, porque os deputados que intervieram nessa fase também são deputados e tinham o mandato expresso do qual não exorbitaram.
Não tenham também receio de que façamos maus negócios. Para mim a garantia de que o Partido Comunista os ache maus, sabendo eu as posições que ele defendeu em matéria de revisão da Constituição, é talvez a melhor garantia de que os «negócios» foram mesmo bons.
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Vozes do CDS: - Muito bem!
Vamos levar por diante a revisão da Constituição, serenamente, com as garantias que entendermos necessárias e com a segurança que formos e somos capazes de produzir.
Uma vez mais. quero terminar com uma palavra de apreço, que é uma palavra de alegria e também de tristeza, porque, se hoje começa uma nova era, ou seja, o da plena democraticidade das instituições, também é verdade que hoje se põe termo a um período que foi revolucionário, um período que cede lugar à rotina, um período que teve com os seus erros e que foram muitos, o seu encanto e que foi capaz de produzir alguns rasgos que porventura não teriam existido sem os seus erros, a sua coragem e até um pouco sem a sua loucura.
É verdade que a rotina não tem a beleza da aventura. Prepara-se, de certo modo. hoje para acabar uma fase de aventura, bela em certos termos, para passarmos a uma fase de rotina. Apesar de tudo, a uma bela rotina, porque se chama democracia plena.
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e de alguns deputados do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Durante a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, inscreveram-se os Srs. Deputados Vital Moreira e Carlos Brito. Devo informar que ultrapassámos já o limite do nosso tempo.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, queria fazer um protesto. Se a Mesa não me der a palavra, constatarei que. apesar de tudo, a Mesa foi capaz de deixar passar 10 minutos para o encerramento dos trabalhos para o Sr. Deputado Almeida Santos terminar a sua intervenção, mas não me dá 2 minutos para eu fazer um protesto.
O Sr. Presidente: - Isso não depende da Mesa. Simplesmente a Mesa não tinha até este momento um requerimento para prolongar os trabalhos.
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Mas prolongou!
O Orador: - A Mesa prolongou-os e está disposta a prolongá-los para dar oportunidade ao Sr. Deputado Vital Moreira ou ao Sr. Deputado Carlos Brito de intervirem, se essa proposta merecer a concordância da Câmara.
Vozes do CDS: - Não, não!
O Sr. Presidente: - Não havendo consenso nesse sentido, o Sr. Deputado terá oportunidade...
O Sr. Vital Moreira (PCP): - Sr. Presidente, lamento que esse consenso só exista para alguns deputados.
O Sr. Presidente: - De qualquer maneira, os Srs. Deputados Vital Moreira e Carlos Brito ficam inscritos para formularem pedidos de esclarecimento ou protestos ao Sr. Deputado Almeida Santos, assim como ficam inscritos, para fazerem intervenções, os Srs. Deputados Borges de Carvalho e Jorge Miranda.
Cumpre-me informar a Câmara de que deu entrada na Mesa um relatório da Comissão Eventual para a Revisão Constitucional sobre propostas de alteração a vários artigos, o qual já foi distribuído.
Deu também entrada na mesa um recurso relativo à admissão da proposta de lei n.º 120/II, que concede autorização ao Governo para legislar sobre a delimitação das actuações das Administrações Central, Regional e Local em matéria de investimentos, recurso que foi apresentado em tempo oportuno e foi admitido. Nos termos regimentais e de acordo com os subscritores do recurso, a discussão e votação do mesmo é agendada para a primeira parte da ordem do dia da sessão da próxima sexta-feira.
Deu ainda entrada na Mesa, e foi admitido, o projecto de lei n.º 353/11 - Critério de escolha dos governadores civis -, subscrito pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e outros, do Grupo Parlamentar da ASDI, o qual baixa à 16.º Comissão.
Como os Srs. Deputados sabem, por acordo estabelecido na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, amanhã, assim como quinta-feira, a sessão começará às 10 horas, tendo os intervalos para almoço e jantar, recomeçando, respectivamente, às 15 horas e às 20 horas, terminando às 24 horas. A ordem do dia constará da continuação da discussão dos projectos de revisão constitucional.
Eram 20 horas e 45 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adriano Silva Pinto.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Damásio Capoulas.
Carlos Manuel Pereira de Pinho.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco de Sousa Tavares.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Mário de Lemos Damião.
Manuel António Araújo dos Santos.
Maria Margarida do R. da C. S. M. Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Mário Martins Adegas.
Natália de Oliveira Correia.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António Chaves Medeiros.
António Emílio Teixeira Lopes.
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António Magalhães da Silva.
Aquilino Ribeiro Machado.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
José Gomes Fernandes.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Manuel António dos Santos.
Maria Emília Moreira da Silva.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Centro Democrático Social (CDS)
Alberto Henriques Coimbra.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Duarte Nuno Correia Vasconcelos.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Hélio Castro Pereira.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
João Lopes Porto.
Jorge Moura Neves Fernandes.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro Eduardo Freitas Sampaio.
Rui António Pacheco Mendes.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP)
Custódio Silva Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Francisco Miguel Duarte.
João Carlos Abrantes.
Josefina Maria Andrade.
Manuel Correia Lopes.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Osvaldo Sarmento de Castro.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Fernando Dias de Carvalho.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Herberto de Castro Goulart da Silva.
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Partido Socialista (PS)
António José Vieira de Freitas.
Carlos Cardoso Lage.
Etelvina Lopes Almeida.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Centro Democrático Social (CDS)
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
José Maria Abrunhosa de Sousa.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Declaração de voto enviada para a Mesa e relativa ao artigo 110.º
O Grupo Parlamentar da UEDS votou favoravelmente o artigo 110.º do texto da CERC sobre a protecção do consumidor, por considerar que a dignificação constitucional deste domínio de questões num artigo autónomo corresponde, por um lado, à crescente relevância quotidiana dos direitos dos consumidores e, por outro, à actividade legislativa que tem vindo a ser desenvolvida nestes últimos anos, com especial ênfase para a Lei n.º 29/81, de 22 de Agosto.
Não podemos deixar de chamar a atenção, no momento em que votamos um artigo sobre a protecção do consumidor, para as consequências que haverá que extrair deste artigo no domínio da legislação ordinária tarefa cuja concretização progressiva pressupõe a transformação de alguns dos institutos jurídicos tradicionais. nomeadamente no domínio das condições gerais de contratação, da responsabilidade contratual e extra-contratual, da representação em juízo dos consumidores (colocando assim em causa as noções tradicionais de legitimidade processual e de capacidade processual).
Sendo o Grupo Parlamentar da UEDS particularmente sensível a esta temática, entendemos dever sublinhar a necessidade de extrair as consequências fundamentais, no plano da legislação ordinária, deste novo artigo da Constituição, que, aliás, recupera o essencial das referências à protecção do consumidor que já constam do actual texto da Constituição.
Pela relevância correlativa de que se reveste a regulamentação das formas de publicidade, votámos igualmente a proposta de aditamento ao n.º 2 apresentada pelo PCP, que coloca neste domínio de questões o nosso texto constitucional na vanguarda dos seus congéneres.
O Deputado do Grupo Parlamentar da UEDS, António Vitorino.
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Declaração de voto enviada para a Mesa e relativa a matéria votada na sessão n.º 113, realizada em 2/7/82
(Avocação da votação da proposta de lei n.º 81/II)
Sr. Presidente, Srs. Deputados,
A votação contra o requerimento apresentado pelo PCP impediu que aqui, com transparência, se discutissem alguns dos marcos fundamentais da burla eleitoral da AD.
A maioria parlamentar da AD melhor dizendo a representação ministerial que aqui se senta- não poderia esconder através de uma discussão na especialidade em plenário, os seus verdadeiros objectivos: o voto pela arreata tendo como componentes as limitações à liberdade de propaganda, a partidarização da vida local, as normas com destinatário certo - a APU.
Recusou-se aqui a possibilidade de aperfeiçoar um diploma, de o atacar nos seus aspectos mais graves, reduzindo a inércia à vontade conspirativa da AD, desnudando-a perante o país.
Ficou bem claro que a AD pretende a continuação da chapelada agora a coberto de uma pretensa legalidade.
A solução saída do Ministério Ângelo Correia quanto ao voto por correspondência era de tal modo uma intentona grosseira contra a honestidade reclamada por qualquer acto eleitoral, que nem os próprios deputados da representação ministerial puderam persistir na proposta inicial.
Os votos deixaram agora de viajar pelo correio.
Mas continua a não se garantir o sigilo e a personalidade do voto quando se permite que uma mesa de recolha de votos vá a enfermarias de hospitais, asilos e outros estabelecimentos de assistência, e assista ao voto ombro a ombro.
A AD quer permitir o voto de doentes internados, mesmo no próprio local do internamento, porque espera jogar com a extrema situação de dependência em que o doente se encontra.
A AD quer o voto dos presos do próprio local de reclusão por que quer jogar com a pressão que o ambiente prisional sempre exerce. Acena-se-lhes com as saídas precárias, o parecer favorável para uma liberdade condicional.
O texto aprovado na Comissão não garante, na verdade o segredo e a pessoalidade do voto.
É certo que a AD cedeu na procura de um consenso maioritário, mas nunca renunciou a uma margem confortável de lucro.
E tudo é lucro quando se consegue a proibição de propaganda gráfica ou sonora porque se cala a voz e a palavra e sobretudo porque também se cala a Constituição da República - tudo é ganho quando a escassos meses das eleições com listas para os órgãos autárquicos em adiantada fase de preparação, se exige a indicação expressa dos partidos que propõem cada candidato mesmo que se trate de candidato independente.
Assim se procura obstruir aquela coligação que maior número de candidatos independentes apresenta nas suas listas.
A proposta de lei é de facto um diploma declaradamente anti-APU. Como bem o revela o n.º 2 do artigo 47.º.
Ao inviabilizar-se a discussão transparente e clara que queríamos trazer a este plenário ficou bem evidente que se procura calar o povo, desvirtuando o sentido do seu voto.
Não admira. O Governo não reconhece o povo. E porque o não reconhece recusa-lhe a liberdade de um poder local forte.
O Governo não reconhece o povo, logo deve e tem de cair.
A Deputada do PCP, Maria Odete dos Santos.
Os REDACTORES DE 1.ª CLASSE: Cacilda Nordeste - Noémia Malheiro.
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