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I Série-Número 1 Quarta-feira, 20 de Outubro de 1982

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE OUTUBRO DE 1982

Presidente: Exmo. Sr. Francisco Manuel Lopes Vieira de Oliveira Dias

Secretários: Exmos. Srs.

Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
Maria José Paulo Sampaio
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 20 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Mário Tomé (UDP) teceu várias críticas ao Governo, tendo ainda contestado a recente vinda a Portugal do antigo embaixador americano Frank Carlucci.
Também em declaração política, a Sr.ª Deputada Zita Seabra (PCP) referiu-se à discussão, que brevemente irá ter lugar na Assembleia da República, dos projectos de lei do PCP relativamente à defesa da maternidade, ao planeamento familiar e educação sexual e à legalização da interrupção voluntária da gravidez.
Os Srs. Deputados Manuel Alegre (PS), Natália Correia (PSD) e José Manuel Mendes (PCP) manifestaram o seu pesar pelo falecimento do cantor de intervenção Adriano Correia de Oliveira, no que foram acompanhados pelos Srs Deputados Guerreiro Norte (PSD), António Moniz (PPM), Mário Tomé (UDP), António Taborda (MDP/CDE), Vilhena de Carvalho (ASDI) e Lopes Cardoso (UEDS).
Em declaração política, o Sr. Deputado Lemos Damião (PSD), a propósito da recente passagem do Dia Mundial da Alimentação, referiu-se a diversos aspectos da actual situação de Timor-Leste.

Ordem do dia. - Foi lido e aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados.
Foi igualmente lido e aprovado um pedido de prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito - «Reservas».
O Sr. Deputado Manuel Tílman (ASDI) procedeu à leitura de um comunicado da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor-Leste.
Depois de lida pela Mesa, foi discutida e aprovada uma proposta de resolução, subscrita por vários senhores deputados, sobre a questão de Timor-Leste, sobre o que intervieram os Srs. Deputados Manuel Tílman (ASDI), Arons de Carvalho (PS), Lemos Damião (PSD), Mário Tomé (UDP), Azevedo Coutinho (CDS), Sousa Marques (PCP) e Barrilaro Ruas (PPM).
O Sr. Deputado Amândio de Azevedo (PSD) fez a apresentação de um comunicado da Delegação Parlamentar ao Conselho da Europa.
Na segunda parte da ordem do dia iniciou-se a discussão na generalidade das ratificações n.ºs 164/II (PS) e 165/II (PSD, CDS, PPM e ASDI) - Decreto-Lei n.º 224/82, de 8 de Junho, que dá nova redacção a alguns artigos do Código de Processo Civil e do Código das Custas Judiciais.
Intervieram no debate os Srs. Deputados Armando Lopes (PS), Vilhena de Carvalho (ASDI), Carlos Candal (PS), Odete Santos (PCP), Jorge Sampaio (PS) e Castro Caldas (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Encontravam-se presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD)

Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho. António Vilar Ribeiro.
Armando Lopes Correia Costa.

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Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Octávio Machado.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Cunha Dias.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcês.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes Costa.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Manuel Cabrito Neto,
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuela Aguiar Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires D. Raimundo.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vítor Pereira Crespo.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Natália de Oliveira Correia.

Partido Socialista (PS)

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Joaquim Gomes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Francisco dos Santos.
Manuel da Mala de Cáceres.
Mário Alberto Lopes Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul D'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS)

Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
António Pedro Silva Lourenço.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
João Abrunhosa de Sousa.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José C. M. Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
José Alberto de Faria Xerez.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luisa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascensão.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Rui António Pacheco Mendes.
Vítor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP)

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.

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António José M. Vidigal Amaro.
Carlos Alberto do Carmo C. Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM)

António Cardoso Moniz.
António José Borges G. de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira Amaral.

Acção Social Democrata Independente (ASDI)

Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho. Manuel Tílman.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

António Monteiro Taborda.
Herberto de Castro Goulart.

União Democrática Popular (UDP)

Mário Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Abaixo-assinados

Contendo 915 assinaturas, em que os cristãos pertencentes ao Movimento Arautos de Cristo pedem que o nome de Deus seja incluído na Constituição Portuguesa.

Cartas

Da Associação de Defesa do Património de Sintra, remetendo quatro cartas em forma de abaixo-assinados, com vista a recolher assinaturas dos senhores deputados que aos propósitos contidos nas mesmas se queiram associar.
Do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa, com sede em Lisboa, remetendo cópia de carta enviada aos Srs. Primeiro-Ministro e Ministro da Educação, focando, entre outros aspectos, a diminuição dos salários reais dos professores.
Da União dos Agricultores do Concelho de Penacova, remetendo documento aprovado numa reunião que foi efectuada no dia 9 do passado mês de Setembro, tecendo várias considerações sobre os prejuízos causados pelos fogos.

Ofícios

Do Sindicato dos Trabalhadores do Vestuário, com sede em Braga, remetendo fotocópia de uma exposição que apresentam com referência à firma Peixoto & C.ª, Lda., sita em Vila Nova de Famalicão.
Da Câmara Municipal de Almada, remetendo fotocópia de moção aprovada em sessão pública realizada no passado dia l do corrente.

Telegramas

Do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, exigindo que o Governo divulgue o relatório do 1.º de Maio, no Porto.
Em número de 15, da direcção do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Centro, outros sindicatos, uniões de sindicatos e direcção de Trabalhadores Metalúrgicos do Porto, protestando pela recusa da RDP em atribuir tempo de antena à CGTP/IN.

«Telexes»

De Silva Flores, em nome da empresa Simões & C.ª, Lda., com sede em Lisboa, transcrevendo um outro enviado ao Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas, em que solicitam a tomada de providências que, de harmonia com anteriores compromissos, viabilizem a empresa e não sejam postos em causa os 600 postos de trabalho existentes na mesma.
Do Secretariado da União dos Sindicatos de Faro/CGTP/IN. protestando pelo facto da RDP ter negado o tempo de antena ao movimento sindical.
Do SUS de Setúbal/CGTP-IN, exigindo a demissão do Governo, a dissolução da Assembleia da República, a formação de um governo de gestão e eleições legislativas antecipadas.

Petições

N.º 62/II, da Junta de Freguesia de Trancoselos e outras, do concelho de Penalva do Castelo, solicitando que sejam tomadas providências para uma correcta atribuição da compensação que lhes é devida, por força do disposto na Lei n.º 9/81, de 26 de Junho.

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O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos: ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado Duarte Chagas; ao Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pelo Sr. Deputado Guerreiro Norte; a diversos ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho e ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Magalhães Mota, nas sessões de 12 de Outubro de 1981, 28 de Abril, 4, 11 e 25 de Maio, 7, 14 e 29 de Junho e 6 de Julho; Rogério de Brito e outros, na sessão de 12 de Outubro de 1981 e 23 de Junho; Cunha Dias, na sessão de 8 de Janeiro; Amadeu Santos, na sessão de 26 de Janeiro; Álvaro Figueiredo, na sessão de 7 de Maio; Armando de Oliveira, na sessão de 11 de Maio; Carlos Abrantes, na sessão de 21 de Maio; Ilda Figueiredo, Carlos Espadinha e Maia Nunes de Almeida, na sessão de 28 de Maio; Reis Luis, na sessão de 1 de Junho; Dias de Carvalho, na sessão de 2 de Junho; Ercília Talhadas e Marcelo Curto, na sessão de 7 de Junho; Maia Nunes de Almeida, na sessão de 15 de Junho; Roleira Marinho, na sessão de 22 de Junho; Ilda Figueiredo, Osvaldo de Castro e Jerónimo de Sousa, na sessão de 23 de Junho; Oliveira Martins, na sessão de 1 de Julho; António Taborda, na sessão de 2 de Julho; Lourenço de Sousa, na sessão de 8 de Julho; António Arnaut, nas sessões de 8 e 9 de Julho e Leonel Fadigas, nas sessões de 29 de Junho e 28 de Julho.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A visita a Portugal de uma das mais sinistras figuras do imperialismo americano, agente directo da CIA e seu ex-director, agora com funções no governo belicista de Reagan, não pode deixar de preocupar os trabalhadores, os democratas e os antifascistas.
Escamoteando as verdadeiras intenções dos contactos' que travou com as cabeças do regime novembrista, Eanes e Freitas do Amaral, figuras privilegiadas para o negócio político desde as acções conspirativas que dirigiu contra o 25 de Abril a partir do quartel-general da CIA em Lisboa, a Embaixada dos Estados Unidos da América, Carlucci acenou, para calar os basbaques, pensava ele, com a ajuda militar de 83 milhões de dólares.
Se veio impor ao Governo Português uma maior participação nas despesas da NATO, pois é isso que significa o aumento de «ajuda» militar, o representante do gansterismo internacional americano veio também tratar do papel a desempenhar pelo Governo Português e pelas tropas portuguesas na criação de condições para o aumento de influência americana na África Austral, em contraponto com a influência de que actualmente disfruta o imperialismo soviético.
Actualmente as potências imperialistas, quando não inviabilizam com o seu veto as resoluções da ONU, utilizam essas mesmas resoluções para levarem por diante os seus planos hegemónicos e agressivos.
Sempre em nome da paz e da defesa dos direitos do homem, o imperialismo americano mantém acesos vários conflitos a nível mundial, alimentando com a sua florescente indústria de armamento os governos fascistas e reaccionários para esmagarem a luta de libertação dos povos e impedirem a revolução.
Com o apoio de um fantástico potencial nuclear que vai renovando de cada vez que fala em desarmamento (para o programa dos próximos 5 anos prevê a verba de 180 biliões de dólares) ao mesmo tempo que desenvolve a produção de armas químicas para «obter um acordo que as interdite»...! - para o exercício de 1982-1983 será afectados 705 milhões de dólares, 3 vezes mais do que há 2 anos - o Governo dos Estados Unidos da América faz gato sapato do direito internacional e dos interesses dos povos.
Assim, um tratado internacional datando de 1925 que interdita a utilização de armas químicas na guerra, não impediu a sua utilização contra o povo do Vietname nem o crescimento da sua produção.
Autênticos fabricantes da morte, os Estados Unidos da América utilizam as armas de extermínio massivo como uma chantagem permanente sobre os povos enquanto preparam activamente os arsenais para o desencadear de uma guerra inter-imperialista que permita decidir a correlação de forças a nível mundial.
Naturalmente que a força bruta é acompanhada pela propaganda, pela opressão ideológica, pela espionagem, pelos programas de destabilização, etc.
Neste âmbito desempenha um papel preponderante a CIA, enquanto os serviços de informação do Exército norte-americano definem como campo mais importante da actividade de recrutamento... o corpo de oficiais do Exército do pais amigo, aproveitando em especial os oficiais que vão treinar-se aos Estados Unidos da América, cuja informação final contém uma apreciação secreta das suas potencialidades como agentes permanentes do serviço de informações do Exército dos Estados Unidos da América.
Esses oficiais são caracterizados do «ponto de vista da sua lealdade política, da sua imunidade à ideologia comunista e da sua dedicação aos ideais pseudodemocráticos dos Estados Unidos da América»!
Os mesmos critérios, aliás, que têm servido à hierarquia militar das nossas Forças Armadas para seleccionar os oficiais a subirem na carreira, a poderem obter credencial NATO e a virem a ser promovidos aos mais altos postos.
Temos, pois, que nem só os oficiais que frequentam os cursos de treino dos Americanos são potenciais agentes, influenciando posteriormente as decisões militares e político-militares, mas, no nosso país, é a própria hierarquia que funciona naturalmente nesse sentido, coadjuvando um governo e um poder político totalmente vendidos aos interesses políticos, económicos e estratégicos dos Estados Unidos da América.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um regime que é um pântano, de onde só se pode sair com medidas radicais: ou se seca e teremos salubridade e terra fértil ou continuaremos a envenenarmo-nos com os seus miasmas e a perecer sugados pelo lodo sem regresso; um governo em adiantado estado de decomposição: putrefacto e letal. Ambos jogando a sua sobrevivência, dispostos a tudo: à demagogia descabelada, à propaganda mais reles e abjecta, ao terrorismo, às obediências mais servil a amos e senhores.
Numa situação económica próxima da ruptura, em que a bancarrota deixou de ser uma figura de retórica, as chamadas medidas de austeridade em que a TV devia fechar às 11 horas transformaram-se de súbito no alar-

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gamento das emissões para o dia inteiro com início às 8 horas da manhã!
Parecendo apenas mais um escândalo de incoerência e irresponsabilidade, muito, pelo contrário, esta medida tem a ver directamente com os propósitos terroristas do Governo: lançar uma campanha concertada que influencie decisivamente as eleições autárquicas, que serão uma burla se não derrubarmos antes este bando de salteadores, e sirva de cobertura ideológica à ofensiva terrorista cujos sinais evidentes foram dados há 2 dias por Freitas do Amaral e Angelo Correia, depois, certamente, de se aconselharem com o seu patrão Carlucci.
As ameaças proferidas por aqueles 2 espantalhos são intoleráveis e têm como alvo principal a luta do movimento sindical unitário e a luta dos trabalhadores em defesa dos seus direitos. Os democratas e antifascistas têm de manifestar a sua total indisponibilidade para continuarem a aturar toda a espécie de dislates e aleivosias com que os governantes deste país nos brindam à falta de capacidade governativa.
Os trabalhadores, a classe operária à frente, terão que demonstrar a estes senhores que não toleram as suas provocações, que não temem as forças repressivas com que a AD conta para fascizar o regime e que também dispõem de «grandes remédios para grandes males» - não é só o Sr. Ângelo Correia. Derrubar, à cacetada se for preciso, o Governo que pretende preparar o terreno para impor o pacote laborai contra os trabalhadores, a liquidação das nacionalizações a fascização do regime com a violência terrorista.
É em todo este contexto que o general Eanes, depois de ter anunciado a sua disponibilidade para enviar tropas portuguesas para a Namíbia e/ou Angola, recebe Frank Carlucci.
A burguesia portuguesa anseia por voltar a pôr os pés em África e anima-se com esta perspectiva de enviar tropas, pelas vantagens políticas que daí tirará.
Vantagens a vários níveis - aprofundar as possibilidades de explorar os mercados africanos das ex-colónias pelo caminho aberto por Eanes e Balsemão e criar um pólo de diversão que lhe permita aliviar um pouco a pressão com que a luta dos trabalhadores no interior do País começa a sufocá-la.
Ao mesmo tempo criará uma dinâmica de preparação militar, aliada à mitologia do apoio da retaguarda, que lhe permita reforçar a cobertura às medidas terroristas de Angelo Correia e Freitas do Amaral contra a classe operária e os trabalhadores que «sabotariam» o esforço nacional!
As justificações adiantadas de que se tratará de cumprir resoluções da ONU para garantir a paz e a independência da Namíbia não podem servir para iludir o povo português.
As forças de interposição da ONU não têm servido para garantir a paz nas várias zonas do globo onde têm sido usadas e são normalmente submersas pelos interesses das grandes potências em confronto.
Desde há muito que a independência da Namíbia está estabelecida por resolução da ONU, sempre violada pela África do Sul, e sem que os Estados Unidos da América e outras potências ocidentais as tenham feito cumprir pelos meios pacíficos aconselhados - as sanções económicas, boicote total e mesmo o corte de relações diplomáticas, etc.
Pelo contrário, da mesma forma que Israel, o Governo terrorista e racista da África do Sul tem disposto de toda a liberdade de acção para atacar e invadir a República Popular de Angola, sob os protestos platónicos de alguns governos que para compensar lhes fornecem armamento e tecnologia avançada, apoiam os fantoches de Savimbi e tentam liquidar forças patrióticas da SWAPO.
A dependência da burguesia portuguesa dos jogos de interesses do imperialismo onde busca lamber as migalhas não pode comprometer os trabalhadores nem o povo português. A ligação entre as acções do Governo AD e do general Eanes em África e as actuais disputas imperialistas é por demais evidente.
Além disso, o interesse da burguesia portuguesa em estreitar relações com os novos países africanos não obedece a nenhuns propósitos humanitários e muito menos visa reparar os crimes cometidos pelo colonialismo - o seu objectivo é recuperar vantagens políticas e económicas perdidas com a independência daqueles países.
Por isso a UDP apela aos trabalhadores, ao povo português, para recusarem peremptoriamente que os seus filhos sejam envolvidos em aventuras imperialistas e neocolonialistas e sirvam de carne para canhão, como já serviram durante a guerra colonial. A UDP opor-se-á por todas as formas a que 95 filhos do povo português sejam de novo enviados para África.
Aos portugueses interessa também saber qual é a posição dos outros partidos.
Carlucci, o Governo AD e Eanes formam uma aliança sinistra que nada de bom pode trazer para o nosso povo e que nada tem a ver com os anseios de paz e liberdade dos povos do mundo, nomeadamente os povos de Azânia, Namíbia e Angola.
Antes, pelo contrário, os seus negócios significam ameaça para a paz e a liberdade.
É a luta revolucionária e anti-imperialista que trará a paz, a liberdade e a felicidade aos povos.
Para o nosso povo. na nossa terra, essa luta passa pelo derrube dos salteadores que estão no Governo e pela mudança do regime.

Uma voz do PSD: - Ainda vais lá parar!

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Também, para uma declaração política, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sou eu o primeiro deputado a usar hoje da palavra, após a trágica morte de Adriano Correia de Oliveira. Não queria deixar de prestar, desde já, uma comovida homenagem de dolorosa saudade ao combatente antifascista, companheiro de luta, cantor, camarada e amigo que o Adriano foi sempre.
Dedico-lhe estas breves palavras, pois o meu camarada José Manuel Mendes fará uma intervenção, especialmente em nome da minha bancada, para homenagear Adriano Correia de Oliveira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iniciam-se hoje os trabalhos parlamentares da III Sessão Legislativa. Em nome do Grupo Parlamentar do PCP abriremos os trabalhos desta sessão, reservando as reuniões plenárias dos próximos dias 9, 10 e 11 de Novembro para o debate e votação dos projectos lei n.ºs 307/II, 308/II e 309/II, relativos à defesa da maternidade, ao planeamento familiar e educação sexual e à legalização da interrupção voluntária da gravidez.

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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Cumpriremos, pois, muito em breve o que anunciámos no preciso momento em que procedemos à entrega dos 3 projectos na Mesa da Assembleia da República. No próprio dia 4 de Fevereiro declarámos que com a apresentação dos projectos assumíamos 2 claros compromissos perante o País: em primeiro lugar, desencadear um amplo debate nacional em torno de questões e direitos fundamentais para a mulher portuguesa, designadamente sobre as condições necessárias a uma maternidade livre, consciente e responsável e estilhaçar o silêncio malsão que vinha pesando sobre este flagelo social, que é o aborto clandestino; em segundo lugar colocar a Assembleia da República - órgão de soberania com competência legislativa plena - perante a possibilidade - direi mais, a obrigação - de aprovar um quadro legal capaz de alterar profundamente a dramática situação vivida por milhares e milhares de mulheres; de casais, em Portugal.
E tão (e tão sentida!) a importância das questões que os projectos equacionaram, é de tal forma urgente dar passos efectivos para os resolver, joga-se aí tanto daquilo que mais profundamente condiciona e marca a vida e o viver das pessoas, que - sempre o dissemos - seria inconcebível que as propostas ficassem durante meses, durante anos, porventura, fechadas nos arquivos desta Assembleia, como se esquecidas estivessem.
E se no dia em que apresentámos estes 3 projectos pudemos afirmar com verdade que esperar mais tempo seria pactuar, dizemos hoje que é preciso submetê-lo a debate e votação. Não o fazer seria igualmente pactuar com os que apostam na fuga às responsabilidades, no silenciamento dos problemas, na traição aos compromissos de aqueles que pelo seu voto os sentaram nesta Assembleia.

Aplausos do PCP.

Chegou, pois, o momento de a Assembleia da República, tal como tem sucedido no Pais, discutir as questões suscitadas pelos projectos de lei do PCP e responder positiva ou negativamente ao desafio de que o PCP é porta-voz.
Nesta Assembleia as Comissões competentes nada fizeram no sentido de estudar aprofundadamente os gravíssimos problemas em causa (ao contrário do que sucedeu na generalidade dos parlamentos que se debruçaram sobre a matéria).
Mas no País, aí, sim fez-se uma discussão de amplitude sem precedentes quebraram-se tabus, debates houve nos sítios mais recônditos, a comunicação social dedicou ao problema largo destaque, entrou no quotidiano, no espaço das conversas de café, das pausas de trabalho, a discussão sobre temas durante tantos anos silenciados. Milhares de cidadãos, homens e mulheres, dos mais diversos quadrantes, enriqueceram a discussão com o seu testemunho, trazendo ao conhecimento comum experiências dramáticas, assumindo corajosamente aquilo que pensam. Vieram a público dramas sem fim, chegaram-nos cartas, testemunhos e depoimentos* que mostram bem como é difícil ser mãe no nosso pais, ou como se morre de aborto, ou se fica marcado nos meandros desse sórdido negócio clandestino.
Para todos aqueles, e muito especialmente para todas as mulheres que de há anos vinham lutando pela consagração legal de direitos fundamentais, nomeadamente o direito a uma maternidade feliz e ao fim do aborto clandestino, este debate não pode deixar de assumir particular significado, dele se depreende a conclusão fundamental de que existem no Pais um larguíssimo consenso, uma firme (e para alguns inesperada) vontade de que a Assembleia da República assuma as suas responsabilidades e discuta ela também, e aprove um novo quadro legal com base nas propostas que o PCP corajosamente aqui trouxe.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Vozes discordantes? Algumas houve. Mas primaram pelo isolamento, pelo primitivismo das teses que expenderam, pela postura violenta, agressiva, intolerante, pela recusa de discutir abertamente.

Uma voz do PCP: Muito bem!

A Oradora: - Os ultramontanos remeteram-se a uma campanha surda, em folhas anónimas metidas nas caixas do correio, ou em artigos virulentos subscritos com pseudónimos.
Mas houve também aqueles que tendo conhecidas responsabilidades no foro espiritual discordaram da iniciativa legislativa do PCP, mas não deixaram de partilhar a preocupação e a vontade de resolver os graves problemas sociais que estão subjacentes à nossa iniciativa e não confundiram a sua esfera de acção própria, com o campo que só ao legislador cabe.
A marcação que agora anunciámos representa o respeito por um compromisso assumido. Mas cumpri-lo agora, tem também outro importante significado: pela primeira vez a Assembleia da República vai dedicar uma semana parlamentar à discussão de direitos fundamentais da mulher portuguesa. Vão chocar-se mentalidades, conceitos de vida. Vão novamente alarmar-se aqueles que concebem a mulher como um ser inferior, subserviente, sem vontade própria, sem anseios e aspirações. Vão mostrar novamente ao País as suas mentalidades ultramontanas aqueles que pretenderiam eternizar conceitos de vida assentes na inferiorização da mulher e nunca aceitarão a consagração legal da plena igualdade da mulher e do homem, na família, na vida profissional, política e social.
Mas é importante, Srs. Deputados, que nos dia 9,10 e 11 de Novembro, quando votarem, tomem exacta consciência do que vão votar. Votarão a favor ou contra a defesa da maternidade - e particularmente dos direitos da mãe trabalhadora. Tal significa que com as soluções que preconizamos ou com o seu eventual enriquecimento, esta Assembleia da República aprovará ou rejeitará medidas tendentes a melhorar a condição da mulher trabalhadora que é fortemente penalizada por ser mãe, que é a última a conseguir emprego, que é a primeira a ser posta no desemprego, que é a primeira vitima dos contratos a prazo, que é acusada de absentismo ou de faltar muito porque os filhos estão doentes, que tem sempre os postos mais baixos na hierarquia profissional, que trabalha 8 ou 9 nove horas no emprego e outras tantas em casa no serviço doméstico, que quantas vezes assume completamente sozinha.
Votarão, Srs. Deputados, a consagração de medidas que obriguem o Estado a assumir as suas responsabilidades em matéria de planeamento familiar e de educação sexual.
Porque desde que o PCP apresentou os seus projectos ninguém mais neste país se atreveu a ser publicamente

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contrário ao planeamento familiar (depois das declarações desastrosas do deputado Morgado não era de admirar). Mas o que 6 certo é que o Governo tem vindo a deixar degradar os serviços existentes, como iremos mostrar longamente durante o debate.
Mas votarão, sobretudo, Srs. Deputados, serão chamados a fazer a opção - se o negocio sórdido do aborto clandestino, se esse flagelo social sinistro, vai ou não continuar em Portugal.
No passado dia 8 de Setembro os jornais noticiavam outra vez: «Jovem morre de aborto sob falsa identidade.» Foi no Hospital de Vila Nova de Gaia. Chamava-se, afinal, Maria da Conceição e tinha 18 anos. Pagara 10000$!
Consentirá a Assembleia da República que esta situação continue? Virara costas aos problemas fingindo que não existem? Vencerá aqui a hipocrisia sobre a verdade?
A resposta a estas questões tê-la-emos em breve quando confrontados com a responsabilidade da decisão e perante a obrigação de cada um assumir o seu voto.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O apelo que vos fazemos, Srs. Deputados, é que saibam ouvir os casais, as mulheres muito particularmente que têm vivido e sofrido esses dramas a que as leis do PCP pretendem pôr cobro. Que ouçam essas mulheres que os têm vivido e sofrido no mais doloroso dos silêncios e que esperam que os deputados em quem votaram, em quem confiaram, as não traiam. Esperamos, Srs. Deputados, que saibam ouvir a voz dessas mulheres, a voz da sua vontade, para que a justiça prevaleça sobre a hipocrisia, para que a verdade seja assumida como é obrigação dos democratas.
Nos, comunistas, assumimo-la e continuaremos fiéis aos nossos compromissos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não vou fazer uma declaração política. Se tomo hoje aqui a palavra é porque seria culturalmente e civicamente grave que a Assembleia da República deixasse passar em silêncio a morte de alguém que foi, sem dúvida, uma das grandes vozes da sua geração, uma das grandes vozes da resistência, uma das grandes vozes de Portugal de Abril: Adriano Correia de Oliveira.
A França e a Bélgica prestaram recentemente homenagens nacionais a Jacques Brel e Georges Brassens, dois trovadores modernos que souberam cantar o nosso tempo e exprimir o sentir colectivo dos seus povos. Também Portugal se honraria se abandonasse de vez uma concepção por demais académica, corporativista e bota-de-elástico da cultura e fosse capaz de reconhecer os que verdadeiramente criam a cultura viva do nosso povo e da nossa Pátria. Adriano Correia de Oliveira foi um deles. E também ele teve de cumprir uma velha maldição portuguesa: a de morrer para ser reconhecido. E contudo, Adriano Correia de Oliveira não foi só o criador e intérprete de uma canção nova; ele foi, também, um dos principais criadores e agentes de uma nova maneira de pensar, de ser e de agir. Partindo do fado tradicional de Coimbra e da genuína música popular portuguesa, seguindo simultaneamente a lição de um Garrett («vamos à raiz, vamos a ser nós mesmos») e a de um Rimbaud («revolucionar as formas para mudar a vida»), Adriano Correia de Oliveira foi, de certo modo, um provençal moderno, um trovador do tempo antigo e um trovador do tempo novo, na medida em que soube ligar a poesia e a música e criar uma trova que, entroncando na tradição, foi verdadeiramente uma trova nova, uma canção do nosso tempo, da nossa luta e da nossa esperança. E mais: com José Afonso, José Niza e muitos outros, ele deu a Coimbra uma dimensão nacional e popular e transformou-a numa arma que abalou as estruturas culturais do fascismo e ajudou a abrir o caminho que conduziu ao 25 de Abril. A voz de Adriano, essa voz carregada de ternura e de mágoa, vocacionada para cantar amor e a fraternidade, foi uma voz de combate e de mobilização, uma voz que despertou consciências, levou mais longe a poesia, chamou à resistência e à luta milhares e milhares de jovens da nossa geração. Ele foi a voz que na hora do medo institucionalizado veio dizer-nos que não tinha medo. A voz de alerta que veio lembrar que Lisboa tinha barcas novas, as barcas que partiram carregadas de soldados para uma guerra injusta.
Ele foi a voz que nos momentos mais difíceis ou nas horas de cansaço e de desânimo soube dizer que há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. Sem a voz do Adriano muitos dos poemas que os poetas portugueses escreveram não teriam chegado onde chegaram. Foi pela sua voz que eles chegaram ao povo e ao País inteiro, a tal ponto que alguns desses poemas deixaram de ter autor para passarem a fazer parte da nossa memória comum e do nosso canto colectivo. Eu já não sinto como meus dos poemas que o Adriano cantou. Penso que o mesmo acontecerá com Manuel da Fonseca e outros poetas. São poemas que o Adriano semeou no vento e nas pessoas e agora pertencem a uma história, a um combate e a um sentir colectivos. A poesia, disse um poeta, deve ser feita por todos e para todos. Mas isso só acontece quando surgem os trovadores que, como Adriano Correia de Oliveira, fazem do poema que cantam uma canção de toda a gente para toda a gente. E por isso é que muitos de nós sentimos que uma parte de nós se foi com ele e ao mesmo tempo sabemos que ele está presente e continua. Dentro de nós e nos que vierem depois de nós ficará sempre a sua voz a perguntar e a dar notícias ao vento que passa.
Adriano Correia de Oliveira foi e é um dos grandes símbolos de uma luta e de uma geração. Uma geração marcada, que ao longo deste ano viu partir alguns dos seus. A geração que disse não ao fascismo e à guerra colonial e ajudou a fazer e a construir Abril. Porque, é preciso não esquecer, depois do 25 de Abril Adriano Correia de Oliveira, de viola ao ombro, percorreu o País de lés-a-lés a cantar os novos ideais e a nova esperança.
Ele foi o mais corajoso dos trovadores do seu tempo, o mais generoso, o que mais se deu e o que menos quis para si. Talvez por isso ele represente tanto para tantos de nós. Talvez por isso a sua morte tenha vindo mostrar de maneira brutal o símbolo e o elo de ligação que ele era. Talvez por isso, também, quando a sua. voz se calou e a uma descia à terra no cemitério de Avintes, a sua trova tenha sido retomada por milhares de vozes que são uma e só voz: a voz de um povo e de uma esperança. Porque, se Adriano Correia de Oliveira (não há que ocultá-lo nem esquecê-lo, porque era o seu direito e o seu orgulho) foi um militante dedicado do Partido Comu-

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nista Português, não me levem a mal que diga que ele pertence a todos nós e que a sua voz e a sua obra são já parte integrante do património cultural do povo português. E todos compreenderão, por certo, que eu termine dizendo que é imperioso que, pelo menos em Coimbra e em Lisboa, haja, muito em breve, uma rua com o nome daquele que amou e cantou essas cidades.
Como do mesmo modo todos compreenderão também que eu faça daqui um apelo para que a voz de Adriano Correia de Oliveira deixe de ser definitivamente discriminada e para que a rádio e sobretudo na Televisão, a horas a que todos vejam e não de maneira envergonhada, se possa ver e ouvir cada vez mais aquele que foi, sem dúvida, um grande trovador da liberdade, um grande trovador de Portugal.

Aplausos do PS, do PSD. do PCP, da ASDI, da UEDS, da UDP e de alguns senhores deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, eu também desejava intervir.

O Sr. Presidente: - Está inscrita, Sr.ª Deputada?

A Sr.» Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, sem querer, evidentemente, tirar a palavra ao meu colega de bancada - que a usará de uma forma muito ilustre - recordo que me inscrevi logo a seguir ao Sr. Deputado Manuel Alegre. Deve, portanto, haver um erro por parte da Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, a Mesa tem a indicação de que V. Ex.ª se inscreveu para fazer uma intervenção e não uma declaração política.
Como estamos ainda no período das declarações políticas, esse é o motivo por que dei a palavra ao Sr. Deputado Lemos Damião.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, inscrevi-me para intervir sob qualquer forma regimental. Se quiserem, chamem-lhe declaração política. É que, penso, se estabeleceu um clima que não deve ser quebrado.

O Sr. Presidente: - Sem dúvida, Sr.ª Deputada.
Se o Sr. Deputado Lemos Damião e a bancada do PSD não vêem inconveniente, dou agora a palavra à Sr.ª Deputada Natália Correia para fazer a intervenção, dando-a a seguir ao Sr. Deputado.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comovidamente manifestamos o nosso grande pesar pelo desaparecimento de Adriano Correia de Oliveira. Adriano, assim o tutelo, pois que o seu canto era universalmente português, fosse qual fosse o quadrante político em que se situava, foi a última voz emocionada que, perpetuando a tradição do fado de Coimbra - sabem os amigos que a sua apurada aspiração era dar uma oitava acima de Edmundo de Bettencourt -, renovou a canção coimbrã, numa mensagem de resistência que mitigou os desesperos dos que em prisões, exílios e perseguições padeceram os rigores da ditadura. O seu cantar vibrante deu asas à palavra daqueles que possuem a liberdade e, por isso, são poetas. Desses que, em tempos sombrios, nos acenaram com uma esperança, clamando como Manuel Alegre na sua «Trova do vento que passa», tão sentidamente interpretada pelo falecido cantor:

Há sempre alguém que resiste.
Há sempre alguém que diz não.

Disse Alfred de Musset (e considero apropriado associar um poeta romântico à emoção que em Adriano Correia de Oliveira se exprimiu num canto de alma enternecida pelos que são privados da luz da liberdade) que aqueles que sabem cantar sabem chorar. E assim foi. O trovador agora desaparecido pranteou, nos estremecimentos da sua voz comovida, a dor dos que engoliam as lágrimas no silêncio e nas sombras em que leis liberticidas enclausuravam os seus anseios de liberdade e, quer queiram quer não, os que, rendendo culto a um utilitarismo imbecilizante, desdenham do que no ser humano ainda è capaz de chorar em canto, em poema ou seja no que for que do coração brote, é o sentimento que ainda nos dá notícias seguras de sermos Portugueses.
Por isso magoadamente sentimos o silêncio com que a morte calou a voz de Adriano Correia de Oliveira, que, sendo um cantor dos sentimentos que dão calor à nossa cultura, foi, a cantar, uma alma portuguesa de grande alcance.

Aplausos do PSD, do PS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns senhores deputados do CDS.

(Durante esta intervenção, tomou lugar na bancada do Governo o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares Marcelo Rebelo de Sousa.)

O Sr. Presidente: - Creio que os Srs. Deputados estarão de acordo que, para terminar a homenagem que está a ser prestada a Adriano Correia de Oliveira, dê agora a palavra ao Sr. Deputado José Manuel Mendes.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Um homem nunca devia mandar noutro homem, todos juntos é que vamos mandar na terra». Estas palavras pertencem a uma das últimas canções que o Adriano Correia de Oliveira gravou em disco e são bem uma síntese clarividente dos seus 2 percursos associados: o percurso afectivo e o percurso militante.
Percursos que, de alguma maneira, passam também por dentro da nossa própria experiência de vida, por dentro do nosso próprio coração.
Na realidade, desde muito jovem ligado a formas de renovação da canção popular portuguesa, dando voz aos grandes poetas da resistência e aos poetas portugueses que mais fundamente cantaram a liberdade, Adriano guindou-se a um lugar altíssimo no panorama musical português.
Cantor da esperança, mensageiro do amor e da fraternidade, foi ele um aedo dos tempos novos umbilicalmente ligado às aspirações do seu povo, militante e

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fraternalmente assumindo as responsabilidades de estar na vida, sendo comunista.
Com uma voz belíssima, alta, de belo timbre, bem colocada, era a um tempo o lirismo e a dramaticidade da nossa própria circunstância que vinha bater-nos à porta e que andava connosco, de rua em rua, a fazer Abril antes de Abril o ser,
íntimo, lhano, profundamente aberto, capaz das amizades mais sólidas, capaz, do mesmo modo, de assumir perante os outros o cunho indelével da compreensão, era, no entanto, o homem que estava sempre no lugar certo quando era preciso que estivesse no lugar certo.
Não queria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que esta minha intervenção, em nome de bancada do Partido Comunista Português, que é uma intervenção de saudade, de profunda mágoa, fosse tida como uma última canção com lágrimas daqui a depor-se na tumba do Adriano.
Gostaria que, antes de mais, ela fosse, através da minha voz embargada, um pouco o que foram as cordas da chuva, as flores e as trovas que estiveram em Avintes na hora do seu funeral. Ou seja, um sinal vivo de presença, um sinal de quem assume o testemunho daqui deste lado da luta, um sinal de quem vai percorrer o mesmo transcurso para a senda de melhores dias que foi, ao cabo e ao resto, um elemento vitalizante da existência do Adriano Correia de Oliveira.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Por isso esta bancada, profundamente atingida com a morte inesperada e trágica que ocorreu a um querido amigo, a um fraterno companheiro, não pode neste momento deixar de entender que as palavras que produz sejam as de uma página sentida, mas também confiante no novo canto, aquele que Adriano, um pouco por toda a parte, produzia e que se destinava a abrir o sol claro das férteis cidades do amanhã.
Nestes baços dias, Sr. Presidente e Srs. Deputados, assumimos como nossa responsabilidade não apenas a dor que nos é legítima, mas a circunstância de termos que levar o facho da esperança e da espantosa dignidade do Adriano onde ele tem que ser levado: à meta definitiva para que apontam os cravos de uma madrugada de Abril que ele ajudou a fazer, ou seja, os da mais alta dignidade humana, os da mais alta e profunda inteligência do canto, os da mais completa e aberta renovação das coisas para melhor transformar o mundo.

Aplausos do PCP, do PSD, do PS, do PPM, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns senhores deputados do CDS.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, se me é permitido, gostaria de me associar pessoalmente à homenagem que está a ser prestada a Adriano Correia de Oliveira.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podia deixar passar este triste momento sem recordar o antigo colega de casa e de quarto, que foi o Adriano Maria Correia Gomes de Oliveira.
Embora a minha bancada e algumas outras já dissessem tudo - o que subscrevo totalmente - sobre o Adriano, queria invocar o meu testemunho pessoal em relação ao que foi dito e dizer que Adriano Maria Correia Gomes de Oliveira era um homem bom e de bom intimo.

Aplausos do PSD, do PS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, peço também a palavra para me associar às palavras ditas por outros senhores deputados.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fui colega ao Adriano Correia de Oliveira e foi com ele que comecei a tocar guitarra. Acompanhei-o muitas vezes em serenatas e devo dizer que foi na modéstia dos quartos de estudantes que começou a ser feita a renovação da música de Coimbra.
Embora muitas vezes tivéssemos opiniões diferentes, o Adriano era um personalista, era um homem que amava o outro homem e que punha os valores fundamentais, a fraternidade e a amizade acima de tudo.
A esse homem, que além de grande artista e que desapareceu, o PPM deixa aqui a sua homenagem.

Aplausos do PPM, do PSD, do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Creio responder ao sentimento da Assembleia, concedendo a palavra aos Srs. Deputados que a pediram para homenagear o nosso correligionário que faleceu recentemente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da UDP e em meu próprio nome, desejo também associar-me à homenagem que aqui está a ser prestada a Adriano Correia de Oliveira e dizer muito singelamente - até porque aquilo que já foi dito pelos Srs. Deputados Manual Alegre, Natália Correia e José Manuel Mendes é dificilmente ultrapassável - que o Adriano foi de facto uma voz que se levantou contra o fascismo e o colonialismo e teve uma importância decisiva na criação da força do espírito, da vontade que enformou muitos daqueles que nas longínquas paragens das colónias se levantaram contra o regime fascista.
Daí a minha homenagem muito sentida.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, MDP/CDE e de alguns senhores deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queria deixar de, em meu nome próximo e no da minha bancada, me associar também a esta homenagem dedicada ao grande amigo que foi e que é Adriano Correia de Oliveira.
O Adriano - e, já melhor do que eu, outros senhores deputados aqui o disseram - soube acima de tudo pôr nas suas relações com os outros homens e as outras mulheres o valor da amizade que para ele era um valor intocável.
Ele foi da geração de 62 aquele que, talvez, criou mais amigos e mais amigos sinceros, porque ele era um

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homem generoso que sabia dar a entregar-se aos outros amigos.
Além disso, ele foi um homem extremamente importante na geração de Coimbra de 62, não só porque teve a coragem de lançar através da sua belíssima voz os poemas da resistência de então, como também teve a coragem nesse tempo de gravar em disco poemas de Manuel Alegre, o que era um acto de extrema coragem naquela altura, e de pôr a efígie do poeta na própria capa do disco.
Foi ele que deu e construiu a primeira canção da resistência em 62 com a «Trova do vento que passa». Foi ele que deu esperança com o seu o canto a milhares de portugueses e fez despertar para a liberdade muitos e muitos daqueles que só através do seu canto tiveram acesso.
Adriano foi, além disso, um renovador extraordinário do próprio fado de Coimbra; renovou-o por dentro, não artificialmente. Embora com a forma tradicional do fado, ele foi o primeiro a inserir-lhe poemas de liberdade, poemas progressistas.
Eu não estava preparado para intervir, no entanto não queria deixar de aqui dizer estas singelas palavras de homenagem a um grande amigo, a um grande português, a um grande homem, que foi Adriano Correia de Oliveira.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PCP. da ASDI. da UEDS, da UDP e de alguns senhores deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, e está na Mesa um requerimento, assinado por diversos senhores deputados do Partido Comunista Português, solicitando o prolongamento do período de antes da ordem do dia.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para dizer que retiramos o requerimento. Na altura apresentámo-lo na convicção de que, havendo um grande número de declaração políticas, não tínhamos oportunidade no período normal de antes da ordem do dia prestar homenagem à memória de Adriano Correia de Oliveira, homenagem que acabou de ser feita pelo meu camarada José Manuel Mendes.
Como já não temos razão para pedir o prolongamento do período de antes da ordem do dia, retiramos o requerimento.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, também peço a palavra para me associar à homenagem que vem sendo prestada a Adriano Correia de Oliveira.

O Sr. Presidente: - Faça favor. Agradecia-lhe que fosse breve.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria apenas, muito singela e brevemente, tanto mais que comungo inteiramente das palavras sobretudo proferidas pelos Srs. Deputados Natália Correia e José Manuel Mendes, deixar bem expresso o meu sentimento pessoal e da minha bancada e associar-me a essas palavras da saudade proferidas em honra e elogio do malogrado Adriano Correia de Oliveira.
O seu canto, a sua mensagem, a sua luta, foi voz de poetas, mensagem de esperança, luta por um tempo e um pais diferente.
Por tudo isto, a sua partida é já saudade. Por tudo isso, merece a nossa dor.

Aplausos da ASDI, do PSD, do PS, do PCP, do PPM, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peco a palavra para me associar igualmente à homenagem que está a ser prestada a Adriano Correia de Oliveira.

O Sr. Presidente: - Agradecia que também fosse breve, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não pensava intervir por uma razão simples: é que me reconheço, assim como o meu partido, integralmente, nas intervenções aqui proferidas, designadamente pelos Srs. Deputados Manuel Alegre, Natália Correia e José Manuel Mendes.
Não queria, no entanto, que alguém, injustamente, pudesse interpretar o nosso silêncio de outra fornia que não fosse realmente a nossa total identificação com as palavras que aqui foram expressas.
A minha bancada associa-se, portanto, à homenagem que aqui foi prestada. Pessoalmente associo-me a essa homenagem e faço-o com a convicção de que todos os democratas portugueses saberão receber nas suas mãos o testemunho que Adriano Correia de Oliveira nos deixou e saberemos continuar o combate, que foi o seu e ao qual dedicou toda a sua vida.

Aplausos da UEDS, do PSD, do PS, do PCP, do PPM, da ASDI, do MDP/CDE, e da UDP.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Lemos Damião, a quem agradeço a gentileza de ter esperado tanto tempo.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por iniciativa da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura) celebrou-se, no passado dia 16, o Dia Mundial da Alimentação.
Na realidade, tal dia não teve outra finalidade que não fosse chamar à atenção dos homens de todo o mundo para aquilo que os cientistas consideram ser, provavelmente, a aproximação de um verdadeiro cataclismo.
Muito embora cientistas e técnicos internacionais afirmem que, neste momento, o globo produz os bens essenciais necessários para alimentar a humanidade, não deixam, porém, de fazer uma chamada de atenção para a distribuição desornada e desequilibrada a que se assiste.
Acentua-se cada vez mais o fosso existente entre países ricos e pobres.
Enquanto os primeiros aliam à sua alta potencialidade económica técnicas altamente sofisticadas, os segundos não conseguem superar uma agricultura tradicional que lhes come a carne e pouco ou nada lhe dá como recompensa.
Enquanto uns são excedentários de bens essenciais que lhes permite desbaratar alimentos e sofrer doenças

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por excesso da ingestão de lípidos, outros sofrem mazelas terríveis devido a carências alimentares.
Enquanto uns se dão ao luxo de fazer planeamento familiar, baseando a demografia em termos científicos, outros têm um descontrole de natalidade que os torna cada vez mais carecidos.
Porém, num mundo em que todos os dias se avança no campo tecnológico, um dos principais problemas continua a existir perante a indiferença e a passividade de todos.
É triste verificar-se que, muito embora se saiba que o desequilíbrio se acentua, a Humanidade não desperta para a fome que avassala o mundo em todos os continentes.
Como se justifica que, morrendo diariamente à fome muitos milhares de pessoas, a Humanidade não sinta vergonha de continuar indiferente ao desrespeito de um dos seus mais elementares direitos - a alimentação?
Como se justifica que os países ricos continuem obcecados com a produção e aquisição de armas gastando verbas astronómicas - 90 milhões de contos por minuto - em vez de utilizarem essas verbas em bens reprodutivos que fariam a felicidade de tantos?
Permita-se-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazer aqui um apelo aos poderosos para que em vez de utilizarem a sua força e ciência na produção de meios de destruição as utilizem na realização equilibrada e racional dos recursos da natureza e que deles façam uma distribuição mais equitativa e justa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sabendo das dificuldades sentidas nos nossos dias, é bem sombrio o futuro se algo não se modificar, pois se em 1982 já estamos a pisar terrenos de equilíbrio crítico, como será a vida no ano 2000, prevendo-se, como se prevê, um aumento de 40% em termos demográficos?
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Não é, porém, só a fome que leva ao sofrimento e que aniquila o ser humano, muito embora se saiba que ela tem matado mais gente que a própria guerra. Mas o número dos que assim morrem ainda é pequeno em comparação com os que vivem num regime alimentar inadequado para manter a saúde, sofrendo em maior ou menor grau de doenças de nutrição.
Sendo a luta contra a fome o mais antigo combate da Humanidade, a esse se vieram juntar tantos outros que se, não se completassem, não sei se não seriam dramáticos e mais complexos.
Abstraindo-me da fome física que o mundo desenvolvido relega para plano secundário, se nos quedarmos no mundo fisiológico, verificamos que o drama aumenta e de que maneira.
Sem termos necessidade de nos determos em qualquer análise, basta-nos referir a fome de toda a ordem dos nossos irmãos de Timor-Leste e quase que palavras não são necessárias para que a realidade fale por si.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Um povo que nunca conheceu no seu vocabulário as palavras fartura, alimentação racional, etc., etc.
Agora, porém, desde Dezembro de 1975, não só continua a não as conhecer, como sente, o morticínio, a destruição dos seus parcos recursos naturais, etc., etc.
Em suma, sente a verdadeira fome. Fome de alimentos, de tranquilidade, de liberdade, de justiça e de paz. Se à fome física juntarmos tudo isto, não será fome, mas sim miséria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permita-se-me remexer as águas, perturbar o clima de laxismo que tem sido criado sobre o quadro mais negro da história de um povo que se orgulha de ter dado ao mundo lições de honra e dignidade.
Creio, porém, não ser justo vir aqui falar no povo que, desta como de outras matérias, sabe só o que lhe dizem.
É certo que até há pouco tempo pouco ou nada se dizia sobre o genocídio timorense. Em boa hora este hemiciclo aprovou, por unanimidade, em Março passado, a criação de uma Comissão Eventual para Acompanhamento do Problema de Timor, composta por representantes de todas as forças políticas.
Creio que foi o momento decisivo para que, de uma forma ordenada, os diversos Órgãos de Soberania assumissem nesta matéria as suas responsabilidade.
Finalmente, parece que se desenterrou a cabeça que tínhamos metida na areia e se começaram a encentar diligências para que, de uma vez por todas, o problema de Timor seja falado, os invasores sejam denunciados e o povo português tome consciência, reassumindo com a honra e a nobreza que lhe é peculiar as suas responsabilidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sequência do que foi decidido por esta Assembleia, foram à Austrália e aos Estados Unidos 3 deputados, que puderam recolher elementos que lhes permitem com propriedade dizer que Timor é um verdadeiro holocausto.
Tendo sido invadido um território que estava e continua sobre administração portuguesa, não podemos deixar de censurar tão hedionda posição por parte de um sanguinário invasor, como pela passividade de um mundo que tanto proclama a paz e a liberdade e tão pouco faz por elas.
Hoje, em Portugal, sobre esta matéria, já se fala, já se ouvem notícias, já se começa a sentir a consciência de um povo que se orgulha de ter feito das suas colónias povos livres e independentes. Liberdade e independência que não chegaram ao infeliz e martirizado Timor.
Não havendo regra sem excepção, não a aceitamos por imperativos de dignidade nacional. Timor tem direito a escolher o seu destino em paz e liberdade.
Paz e liberdade que a maioria dos países que formam as Nações Unidas tiveram para se autodeterminarem, o que lhes permitiu ocupar naquele areópago mundial um lugar de pleno direito como países livres que são.
Muito embora saibamos que hoje, como ontem, a palavra liberdade significa sacrifícios, assim não entendem os tiranos de hoje, ainda mais refinados e déspotas que os de ontem.
Lamentavelmente, os opressores de hoje depressa se esqueceram que já foram oprimidos e quanto lutaram para se libertarem.
Enfim, como estão pervertidas as palavras, santo Deus!
Dizendo-se um país livre, a Indonésia invade um território que não lhe pertence, viola todas as normas internacionais, massacra homens, mulheres e crianças, faz torturas, prisões, praticam-se crimes sexuais, fazem-se julgamentos arbitrários, execuções sumárias, destrõem-se culturas, fomenta-se a fome, etc., etc. Em

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nome de uma liberdade que os povos livres desconhecem e em especial a humanidade dos Portugueses.
Porém, como se isto não chegasse, afirma-se despudoradamente que Timor-Leste se autodeterminou. Mas como e quando?
Mas onde e quando é que a invasão foi uma forma de autodeterminação?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O povo de Timor-Leste continua sem escolher livremente o seu destino.
Queremos ardentemente que os povos livres do mundo e em especial os que passaram por essas metamorfoses exijam que se lhes proporcionem condições para que, em paz e liberdade, possam decidir se querem independência, absorção pela Indonésia ou ser território sob administração portuguesa, com estatuto idêntico ao de Macau.
Congratulamo-nos com as iniciativas da Assembleia da República, da Presidência da República e do Governo de Portugal, ao darem as mãos para que se faça justiça a quem tanto luta por ela.
Sim, mas não nos podemos esquecer que ainda hoje há timorenses que lutam na cordilheira de Ramelau, resistindo e morrendo heroicamente, sob o augusto testemunho de uma bandeira que simboliza quase S séculos de história e de cultura que as armas dos tiranos opressores não conseguem destruir.
Pelo respeito que nos merecem e pelo perpetuar dos exemplos de bravura que continuam a dar, apesar dos seus 300.000 mortos, façamos nós, Srs. Deputados, o que estiver ao nosso alcance para que jamais se extermine a nossa língua e o testemunho de um povo que insiste em não consentir ser amarfanhado e dominado pela força.
Permita-se-me lembrar os meus tempos de menino, em que na minha aldeia beira se apelava ao Criador para nos livrar da fome, da peste e da guerra. Hoje, apelamos para que Timor e todos os povos oprimidos sejam libertados dos invasores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos nossos dias, a atenção dos homens, mesmo a dos mais interessados pelo que se passa no mundo, está controlada e condicionada pelos grandes órgãos de informação. A nossa preocupação e sofrimento estão directamente ligados com aquilo que esses órgãos publicam e eles só dão relevo àquilo que desta ou daquela maneira preocupa as grandes potências.
Porém, esquecem ou subestimam, naturalmente, o que não as preocupa.
Só assim se compreende que todos os dias sejamos confrontados com imagens e notícias dramáticas que nos chegam, pondo-nos ao corrente das calamitosas guerras dos nossos dias - Beirute, Afeganistão, etc., etc., em detrimento de outras que para nós representam mais por nos dizerem directamente respeito.
E tal a força e o vício das grandes agências noticiosas internacionais que, se dúvidas tivéssemos, com o drama de Timor ficaríamos esclarecidos.
É bem verdade que não assumiu a imprensa escrita e falada a sua verdadeira dimensão, pois não chamou a atenção para o genocídio quase esquecido, sendo ele uma das grandes vergonhas da história contemporânea tão rica, de resto, em grandes vergonhas, deliberadamente escondidas.
Já que assim é, permita-se-me incentivar os órgãos de comunicação social portuguesa para ao menos eles não sejam cúmplices pelo silêncio e não deixem de denunciar, regularmente e com força, tão escandalosos e dramáticos acontecimentos.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lage, poderá informar a Mesa das razões por que pediu a palavra?

O Sr. Carlos Lage (PS): - É para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que esgotámos o tempo destinado ao período de antes da ordem do dia, V. Ex.ª fica inscrito para a próxima sessão plenária.
O Sr. Deputado Mário Tomé também solicitou a palavra para esse efeito?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Não, Sr. Presidente, foi para formular um protesto em relação à intervenção que acabou de ser produzida.

O Sr. Presidente: - Formulá-lo-á. Sr. Deputado, mas, pela mesma razão, só na próxima sessão. Fica inscrito.
E o Sr. Deputado Jorge Lemos, para que efeito se inscreveu?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Foi para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, eu pergunto à Mesa se já tinha sido iniciada a primeira parte da ordem do dia de hoje.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado.
Tratou-se de uma declaração política em que o orador se referiu a matéria do primeiro ponto da nossa ordem do dia, mas ele tem o direito de falar daquilo que quiser.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, de qualquer modo a minha bancada quer que fique registado que considera que a abordagem deste tema em declaração política numa reunião plenária em que o mesmo tema está agendado num ponto especifico da ordem do dia tem de ser, pelo menos, considerado como uma deslealdade em relação ao presidente da comissão eventual que irá apresentar o relatório sobre o problema.

Aplausos do PCP.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Havia um acordo que não foi cumprido, Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos agora abrir aqui um debate sobre essa questão.
De resto, qualquer deputado pode, no período de antes da ordem do dia, abordar o problema que quiser, esteja ou não relacionado com matéria agendada para o período da ordem do dia. Por isso mesmo o Sr. Deputado Lemos Damião abordou o problema que entendeu.

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O juízo que cada deputado, ou a sua bancada, faz, é seu.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, eu gostaria de usar da palavra ao abrigo do direito de defesa, já que me foi dirigida a expressão «deslealdade».

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho pelo Sr. Deputado Jorge Lemos uma admiração especial e uma estima muito grande, no entanto não lhe posso permitir, nem a ele nem a ninguém deste hemiciclo, que possa usar para comigo a palavra deslealdade. E digo-lhe porquê: é que esta intervenção fi-la com autorização do Sr. Presidente da Comissão. Em Braga, acordei com ele fazê-la, referindo-me primeiro à problemática do Dia Mundial da Alimentação e depois ao problema da fome. Aliás eu também tive o cuidado de, antes de produzir a declaração política, ir ter com os meus 2 colegas, a quem me passaram a ligar laços de amizade profunda, porque fizemos uma equipa de verdadeiros irmãos, e de lhes dizer -aos Srs. Deputados Manuel Tílman e Arons de Carvalho- que ia fazer esta declaração política. Por isso entendo que não fui desleal para ninguém, o que de resto nunca fui.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que tenho o direito de responder.
Eu falei aqui em deslealdade em relação a uma Comissão Eventual desta Assembleia da República. Tendo sido definido, em conferência de lideres de grupos parlamentares e, portanto, estando acordado que os partidos iriam falar todos sobre este problema na primeira parte da ordem do dia, consideramos ter sido desleal em relação à própria Comissão ter-se proferido uma intervenção do teor da que foi aqui proferida. Mas, enfim, a deslealdade fica ao rigor de quem a produziu e não fica ao nosso.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Informo que ficaram também inscritos para na próxima sessão pedirem esclarecimentos ao Sr. Deputado Lemos Damião os Srs. Deputados Custódio Gingão e Manuel Matos.
Entretanto, peço ao Sr. Deputado Octávio Teixeira que me informe para que efeito pede a palavra.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, eu gostaria de interpelar a Mesa no sentido de saber se já deram entrada na Assembleia da República as propostas de lei do Orçamento Geral do Estado e das grandes opções do Plano para 1983.

O Sr. Presidentes - Sr. Deputado, a Mesa não tem conhecimento disso, mas vai informar-se para lhe dar uma resposta. É, todavia, possível que elas se encontrem já no gabinete do Sr. Presidente.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de darmos início ao que está. agendado para hoje neste período da ordem do dia, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de alguns deputados.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e Parecer da Conluio de Regimento e Mandato»

Em reunião realizada no dia 19 de Outubro de 1982, pelas 14 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo partido Social-Democrata:

Carlos Manuel Pereira Pinho (círculo eleitoral de Braga) por Octávio Pereira Machado (esta substituição é pedida para os dias 19 e 20 de Outubro corrente, inclusive);

2) Solicitada pelo Partido Socialista:

António Manuel Maldonado Gonelha (circulo eleitoral de Leiria) por Leonel de Sousa Fadigas (esta substituição é feita devido ao pedido de renúncia ao mandato de deputado);

3) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:

José Eduardo Fernandes de Sanches Osório (circulo eleitoral de Santarém) por Duarte Nuno da Silva e Correia de Vasconcelos (esta substituição é pedida por um período não superior a 40 dias, a partir do passado dia 18 de Outubro corrente, inclusive);
José Miguel Nunes Anacoreta Correia (circulo eleitoral de Faro) por João Machado Cantinho Figueiras de Andrade (esta substituição é pedida para os dias 19 a 21 de Outubro corrente, inclusive);
Carlos Eduardo Oliveira e Sousa (círculo eleitoral de Aveiro) por António Paulo Rolo (esta substituição é pedida para os dias 19 e 20 de Outubro corrente, inclusive);
Francisco Gonçalves Cavaleiro Ferreira (círculo eleitoral de Lisboa) por João Maria Abrunhosa de Sousa (esta substituição ê pedida para os dia 18 a 24 de Outubro corrente, inclusive);

3) Solicitada pelo Partido Comunista Português:

Álvaro Barreirinhas Cunhal (circulo eleitoral de Lisboa) por Artur Mendonça Rodrigues (esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções,

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considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.

A Comissão; Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva (PSD) - Nicolau Gregário de Freitas (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - Luís Carlos C. Veloso de Sampaio (CDS) - Armando de Oliveira (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Mário António Baptista Tomé (UDP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto que ninguém pede a palavra, vamos votar este relatório e parecer.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI e da UEDS, e a abstenção da UDP (registando-se a ausência do MDP/CDE).

O Sr. Presidente: - Encontra-se também na Mesa um pedido de prorrogação do prazo de funcionamento da Comissão Eventual de Inquérito - «Reservas», que vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Comissão Eventual de Inquérito - «Reservas».

Ex. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Devido à complexidade da matéria a inquirir, não foi possível a esta Comissão Eventual de Inquérito concluir os seus trabalhos até 10 de Agosto de 1982, data em que expirou o prazo que lhe havia sido prorrogada pela Assembleia, pelo que, ao abrigo do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 43/77, de 18 de Julho, solicito a V. Ex.ª a sua prorrogação por mais 90 dias.
Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 13 Outubro 1982. - O Presidente da Comissão Eventual de Inquérito, Júlio Lemos de Castro Caldas.

O Sr. Presidente: - Algum Sr. Deputado deseja opor-se à concessão da prorrogação?

Pausa.

Como ninguém se opõe, considera-se concedida.
Entramos, assim, na matéria constante da primeira parte da ordem do dia, que é a comunicação da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor-Leste, que será feita pelo Sr. Deputado Manuel Tílman, a quem dou a palavra.

O Sr. Manuel Tílman (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comissão Parlamentar

a) Para acompanhamento da situação em Timor-Leste;
b) Para o cumprimento do artigo 297.º da Constituição;
c) Para a implementação da última resolução da Assembleia Geral da ONU.

I

Prossegue 2 grupos de objectivos fundamentais, sempre que possível em consonância e em consertação com os Órgãos de Soberania constitucional responsáveis:

A - De âmbito humano. - Encontrar meios eficazes para solucionar os problemas humanos, resultantes da fome, da doença, da miséria e da guerra de resistência em Timor-Leste:

a) Reunião familiar:

Crianças sós e abandonadas; Deficientes, doentes e velhos sem ninguém;

b) Buscas de pessoas desaparecidas ou presas;

c) Garantia de comunicação: emissão e recebimento de mensagens.

Observações - Evitar a tentativa de emigração indirecta, alguns casos já consumados, de chineses não timorenses para Portugal ou para Austrália, essencialmente, a atribuição de cidadania portuguesa a estrangeiros, defraudando a aplicação correcta da lei portuguesa da nacionalidade.

B - De âmbito político. - Encontrar uma solução política para a «questão Timor-Leste». Qualquer solução para o caso tem que garantir:

a) Vidas humanas e interesses do povo de Timor-Leste;
b) Integridade territorial de Timor-Leste;
c) Prestígio e interesses do povo e da história de Portugal;
d) E que essa solução não seja causa de desestabilização política e económica da zona, tendo em conta os interesses dos vizinhos de Timor-Leste.

II

Para a Comissão Eventual Parlamentar:

1) A «questão Timor-Leste» é uma questão nacional;

2) A «questão Timor-Leste» é uma questão da política externa;

3) Para a solução do problema compete ao Presidente da República, dentro das suas competências, e ao Governo, essencialmente, como executivo da política externa, praticar todos os actos necessários, (artigo 297.º da Constituição);

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4) Compete, exclusivamente, e, em última instância, à Assembleia da República, com poderes de constituinte, modificar ou eliminar o artigo da Constituição referente a Timor-Leste.

III

No prosseguimento dos seus objectivos, a Comissão deliberou, entre outros assuntos:

a) Diligenciar que uma Comissão sua visite a Austrália, tendo em conta que é o país onde residem 4000 timorenses e é o país mais próximo de Timor-Leste e da Indonésia;
b) Diligenciar que uma delegação sua visite a sede das Nações Unidas, o Comité dos Vinte e Quatro, o Comité da Descolonização, as diversas delegações de países amigos de Portugal e da Indonésia, membros da ONU e o Senado Americano;
c) Diligenciar que uma delegação sua participe como observadora na reunião da 4.ª Comissão, comissão especializada de descolonização, sobre Timor-Leste.

Nota. - Tendo em conta a revisão constitucional, as digressões realizar-se-ão durante as férias parlamentares ou no período pós-revisão constitucional.

IV

Objectivos da visita:

a) Por falta de verba e por sugestão do Sr. Presidente da Assembleia da República:

1) Englobou-se na viagem à Austrália, a primeira viagem às Nações Unidas;
2) Modificou-se o plano inicial de movimentar 14 deputados, 6 à Austrália e 8 às Nações Unidas, reduzindo-se para 3 os membros da delegação, que seria composta pelos deputados componentes da Subcomissão Executiva da Mesa, respectivamente o presidente - que sou eu - e os secretários, José Lemos Damião(PSD) e Joaquim Gomes Carneiro (PS), que, por impedimento, foi substituído pelo deputado do mesmo partido Alberto Arons de Carvalho.

a) Objectivos definidos para as visitas:

A - Na Austrália:

1) Contactar as comunidades timorenses sobre:

Posição das comunidades sobre a questão Timor-Leste;
Que pensam sobre a posição do Estado Português;
Que sugestão para o prosseguimento da manutenção e discussão da questão pelo Estado Português;
Informações concretas internas em Timor-Leste: luta armada, fome, violação dos direitos humanos, reunificação familiar e saída dos timorenses de Jacarta para Portugal e para a Austrália;

2) Contactar o Governo, o Senado e o Parlamento Australianos e as principais forças políticas e sindicais;
3) Contactar os inúmeros organismos de diversa índole que neste país se preocupam com a situação em Timor-Leste;
4) Contactar a emigração portuguesa.

B - Nos Estados Unidos:

1) Contactar a Organização das Nações Unidas e os seus principais dirigentes e comissões;
2) Contactar o maior número de missões diplomáticas junto da ONU;
3) Contactar o Governo e o Congresso Norte-Americanos.

V

Visita à Austrália e às Nações Unidas - A delegação chegou à Austrália no dia 24 de Agosto e regressou a Lisboa no dia 12 de Setembro.

A - Na Austrália. - A delegação esteve sucessivamente em Perth, Camberra, Sidney, Melbourne, Darwin e Brisbane (8 dias).
Toda a programação da visita esteve a cargo da Embaixada de Portugal naquele país. (Para o Sr. Embaixador Rebello de Andrade e para a nossa representação diplomática na Austrália, pela dedicação e êxito do serviço prestado, aproveito para solicitar à Câmara uma homenagem e um sincero agradecimento).
O Parlamento Federal pôs à disposição da delegação parlamentar 2 viaturas com chauffeur, tendo os deputados portugueses sido acompanhados pelo Sr. Rosser das relações internacionais, e por 2 elementos da segurança (já solicitámos ao Sr. Presidente da Assembleia da República que agradeça ao Parlamento Federal Australiano toda a atenção que nos foi dispensada e sugerimos que a Assembleia da República convidasse uma delegação do Parlamento Federal Australiano a visitar Portugal).

1 - Reuniões com as comunidades timorenses: principais conclusões:

a) É unânime o desejo expresso de que «Portugal regresse para fazer a descolonização bem feita». Esta posição, sintetizada desta forma, por diversas vezes foi sempre muito apoiada e aplaudida;
b) Há uma enorme hostilidade em relação à Indonésia e à ocupação tendo diversos oradores nas sessões dado informações sobre a sua experiência pessoal da opressão indonésia ou relatado factos conhecidos através de contactos, cartas de familiares, etc;
c) As informações recolhidas apontam, com enorme segurança, para que se possa dizer que a situação em Timor-Leste está longe de estar normalizada, continuando a repressão sobre os residentes, a proliferar a fome e a doença, sobretudo malária, um apertado controle policial sobre as populações, enorme dificuldade na emigração ou nos meros

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contactos com familiares fora de Timor-Leste, a corrupção, a violação de mulheres, torturas, prisões arbitrárias...;
d) É geral o descontentamento face às autoridades portuguesas acusadas «de nada terem feito até agora para ajudarem os Timorenses, quer os que estão em Timor-Leste quer os que estão na Austrália, de considerarem os Timorenses apenas como números que figuram em estatísticas, de terem um desinteresse que não podia ser maior pelos Timorenses, de não conduzirem nenhuma acção diplomática de denúncia da Indonésia, de não terem defendido Timor-Leste como a Inglaterra defendeu as Falklands, de não terem nunca consultado ou ouvido os Timorenses, etc.»;
e) Foram também referidos nas reuniões acontecimentos verificados em 1975, tendo alguns oradores criticado duramente o general Lemos Pires e os políticos portugueses envolvidos no processo de descolonização de Timor, designadamente Mário Soares, Almeida Santos, Melo Antunes e Victor Alves, facto que originou alguma polémica, designadamente com o membro da delegação deputado Arons de Carvalho;
f) No entanto, o clima geral com que decorrem as reuniões e a forma como todos os membros da delegação parlamentar foram recebidos extremamente cordiais. Muitos oradores manifestaram a esperança de que nova fase tenha começado na forma como os Timorenses são encarados, enquanto outros atribuíram a vinda da delegação a uma mudança na atitude do Estado Português. Outros, elogiando a presença dos deputados da Comissão Parlamentar, entenderam melhor «esperar para ver»;
g) Foram feitas inúmeras perguntas sobre o processo de reunificação das famílias;
h) Foram levantados alguns obstáculos ao facto de ser a Embaixada Holandesa em Djakarta a representar os interesses portugueses junto das autoridades indonésias. Alguns timorenses sugeriram que essa função passasse a ser desempenhada pela Embaixada Brasileira, enquanto que outros sugeriram que se tentasse que um português pudesse trabalhar na Embaixada Holandesa, obviando deste modo os problemas relativos à diferença de idiomas;
i) Foi lamentada a impossibilidade de intervenção da Cruz Vermelha Internacional em Timor-Leste, sugerindo-lhe que o Governo Português pressione quem de direito para que os obstáculos existentes sejam removidos;
j) Vários oradores referiram o facto de antes da invasão indonésia não haver praticamente timorenses fora de Timor, apesar de haver liberdade de saída, enquanto que agora os que há, nomeadamente na Austrália (cerca de 4000), embora em boa situação por força das condições que este país oferece;
l) Foram feitas perguntas sobre o «Relatório de Timor», tendo alguns oradores manifestado o desejo de que cópias desses relatórios fossem divulgadas entre os timorenses a viver na Austrália;
m) Foi sugerido que fossem dados maiores poderes e condições à Embaixada e aos consulados portugueses de forma a que estes pudessem de forma mais pronta resolver as questões para que são solicitados;
n) Foi levantado o problema dos funcionários públicos que vieram de Timor, assim como dos reformados residentes em Timor-Leste que recebiam uma pensão de reforma do Estado Português, agora tornada impossível pela ocupação da Indonésia;
o) Foi sugerido que timorense pudessem integrar a delegação portuguesa da ONU, quando do debate a realizar no próximo Outono;
p) Foi sublinhado que a maior parte dos timorenses a residir na Austrália não era nem da Fretilin nem da UDT e que essas forças políticas não esgotaram a representatividade dos Timorense;
q) Foram feitas queixas sobre o abandono a que a Secretaria de Estado da Emigração tem votado os portugueses na Austrália e referido também que se ouve muito mal a programação da RDP em onda curta dirigida para a Austrália, sendo por vezes mais fácil ouvir o programa para a Europa;
r) Foi referida a imperiosa necessidade de um maior apoio aos emigrantes portugueses e uma maior pronta resposta às suas solicitações.

2 - Encontros Governo-Parlamentos, senadores, australianos:

A delegação encontrou-se com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Sr. Anthony Street, com os Senadores Douglas Scott, presidente da Comissão do Senado para a Defesa e Negócios Estrangeiros e também presidente da Comissão de Inquérito do Senado à Situação no Timor-Leste, com o deputado trabalhista Ken Fry, com os Senadores Edward Robertson e Mackintosh e como o antigo cônsul australiano em Timor, Sr. Jim Dumm. Principais conclusões destes encontros:

I - Governo:

a) A Austrália reconhece, desde 1978, Timor-Leste como parte integrante da Indonésia, embora não tenha aprovado a invasão indonésia;
b) O Governo Australiano continua a conceder ajuda humanitária e permitir a imigração dos Timorenses, quer aos residentes em Lisboa, quer aos residentes em Jacarta;
c) O Governo Australiano continua interessado em manter boas relações com Portugal;
d) O Governo Australiano apoia qualquer proposta que vise o envio de uma delegação da ONU aquele território;
e) O Governo Australiano atribui muita importância ao factor «estabilidade daquela região do globo» na definição da sua posição sobre o tema;

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f) O Ministro Street considerou haver diferenças entre a situação de Timor e as das Malvinas ou Namíbia.

II - Parlamento e senadores:

Os aspectos mais importantes destes encontros: trocas de informações sobre a situação actual em Timor-Leste, possibilidade de os Timorenses emigrarem, sobre os direitos humanos, sobre a situação da fome... Um ponto a realçar é o de que a Comissão de Inquérito do Senado, que iniciou os seus trabalhos em Março de 1982, iria no dia l de Setembro ouvir membros da comunidade timorense em Darwin e estava na fase inicial dos trabalhos preparatórios do relatório que iria ser entregue no Senado, abrindo-se então o prazo para que o Governo emitisse a sua opinião sobre as conclusões, após o que aquele órgão deliberaria sobre os textos existentes.

III - Labor Party e dirigentes da Central Sindical Australiana:

Conclusões principais:

a) Partido Trabalhista:

1) Discorda da posição do Governo australiano sobre a questão de Timor-Leste;
2) Tem uma moção aprovada no seu Congresso em Julho de 1982 onde «reconhece o inalienável direito dos Timorenses à sua autodeterminação e independência, condena e rejeita o reconhecimento do Governo Australiano de anexação pela Indonésia de Timor-Leste»;
3) Uma vitória dos trabalhistas nas próximas eleições gerais, que se realizarão até Novembro do próximo ano, significará sempre uma profunda alteração na posição australiana nesta questão;
4) Reconhece existir vontade dos Timorenses em se autodeterminarem.

b) Central Sindical Australiana:

1) Apoia a causa timorense contra a Indonésia e julga ser essa a posição largamente maioritária na opinião pública do país;
2) Como apoio activo já boicotaram carga e descarga de barcos indonésios ou para a Indonésia nos portos australianos;
3) Não exclui a possibilidade de empreender acções a nível internacional e admite mesmo vir a propor aos sindicatos portugueses que force na discussão sobre Timor-Leste na próxima conferência da OIT.

c) Encontros com diversas associações e grupos de australianos envolvidos no apoio aos Timorenses. No decorrer da sua digressão pela Austrália, a delegação parlamentar teve a oportunidade de se avistar com inúmeros representantes de associações e grupos solidários com os timorenses, tendo ficado com a impressão de que é grande o número de pessoas, entre as quais muitas católicas, que se dedicam a uma actividade relacionada com o auxílio aos timorenses.
Um desses encontros foi com um padre católico em Camberra que leu passagens de um relatório alegadamente enviado por outros padres vivendo em Timor--Leste. Nele se fazia referência a:

Perseguição a alguns padres;
Construção de aldeamentos, obrigando-se timorenses a viver fora dos locais onde habitavam;
Ataques da Fretilin em Maio deste ano;
Existência de aldeias com muitos velhos e órfãos;
Existência de 3000 a 4000 presos na Ilha de Ataúro;
Tentativas do Governo Indonésio através do início das transmissões de televisão e da construção de estradas - onde timorenses são obrigados a trabalhar- para conquistar as populações.

A delegação realizou em 27 de Agosto uma conferência de imprensa no edifício do Parlamento Federal que contou com a presença de 2 canais de televisão, da rádio e de jornalistas dos principais jornais australianos e da imprensa estrangeira. As principais perguntas dirigidas diziam respeito à conversa tida nessa manhã com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, à nossa análise da posição australiana, à recusa de visto de entrada ao dirigente da Fretilin José Ramos Horta, à próxima proposta portuguesa nas Nações Unidas, a informações sobre a situação em Timor e à possibilidade da delegação visitar Timor-Leste.
Uma desenvolvida reportagem sobre a conferência de imprensa foi transmitida pelo menos num dos principais noticiários da televisão, tendo a rádio noticiado igualmente a conferência de imprensa em vários dos seus noticiários. Vários jornais publicaram também noticias sobre a conferência de imprensa.
A delegação portuguesa deu também entrevistas a jornais em Sidney, em Melbourne (The Age) e em Darwin (The Nt News).

Conclusões gerais:

a) Na Austrália o problema de Timor assume

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bastante importância na opinião pública, a ponto de constituir um dos pontos de debate entre Governo e oposição;
b) A provável vitória da oposição trabalhista poderá modificar a posição australiana sobre o assunto, já que o actual Governo não abdica da sua posição de reconhecer Timor-Leste como parte integrante do território da Indonésia;
c) A próxima conclusão do inquérito que o Senado Australiano está a fazer à situação em Timor-Leste para reavivar a questão na opinião pública, nomeadamente por acção dos numerosos grupos e personalidades que agitam o problema;
d) O Governo Australiano continua acolher os refugiados timorenses e a facultar-lhes, assim, como aos restantes emigrantes, boas condições de vida;
e) Os Timorenses, embora se queixem de abandono a que consideram ter sido votados por Portugal e da forma como as autoridades portuguesas abandonaram Timor em 1975, desejam que Portugal regresse para fazer a descolonização bem feita.

B - Nas Nações Unidas. - Durante a sua estadia em Nova Iorque, a delegação parlamentar teve reuniões com as missões diplomáticas da Venezuela, da Costa Rica, do Brasil, do Panamá, do México, de Cuba, da Holanda, do Japão, com os 5 países escandinavos (Dinamarca, Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia), com os embaixadores dos países de expressão portuguesa (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe), como presidente da Comissão de Descolonização, e com os secretários-gerais adjuntos para a Descolonização e Sudeste Asiático.

A delegação avistou-se igualmente com 2 dirigentes da Fretilin, José Ramos Horta e Roque Rodrigues.

A - Conclusões importantes sobre a posição dos dirigentes da ONU:

a) Foi assegurado que o secretário-geral, Pery de Cuellar, considera a questão de Timor como um dos mais importantes, pelo que a tem seguido, tencionando fazer um relatório sobre ela;
b) Foi salientada a importância do aspecto humanitário da questão;
c) Foi referida com preocupação a diminuição progressiva do apoio que de ano para ano tem tido a proposta de resolução sobre Timor-Leste;
d) Foi considerado que para esse facto muito tem contribuído a intensa actividade diplomática da Indonésia, com muita documentação, alguma qualidade;
e) Considerou-se ser necessário um papel mais activo do nosso país.

B - Conclusões mais importantes das reuniões com as missões diplomáticas junto das Nações Unidas:

a) Consideram a visita da delegação importante e oportuna, já que existe muita informação proveniente da Indonésia, alguma da Fretilin e nenhuma de Portugal;
b) Entendem várias missões diplomáticas ter havido em Timor-Leste uma interrupção no processo de descolonização e haver naquele território problemas de direitos humanos;
c) Várias missões diplomáticas referem com preocupação a erosão, de ano para ano mais nítida, da posição timorense e a inexistência de qualquer referência a Timor-Leste na cimeira dos Não-Alinhados;
d) Aconselham a que se contactem os parlamentos e outros órgãos de soberania dos respectivos estados;
e) Sublinham que o Brasil poderia ter grande influência na América Latina;

f) A missão da Holanda diz ter informações de que há fome que se pode agravar se continuar a chover pouco e epidemias de malária e de que muitos timorenses continuam com muitas dificuldades em obter vistos de saída das autoridades indonésias;
g) A missão do Japão apoiou a posição da Indonésia, referindo a necessidade de estabilidade naquela região do globo;
h) As missões dos países de expressão portuguesa, incluindo o Brasil;

1) Congratulam-se com a criação da Comissão Parlamentar Portuguesa e com a visita da delegação;

2) Acham útil concertar esforços com Portugal;

3) A questão Timor-Leste é também um problema dos países de expressão portuguesa, frisou o embaixador do Brasil.

i) Das reuniões com os representantes da Fretilin:

1) Entregam a sua proposta de resolução de submeter a questão de Timor-- Leste ao Tribunal de Haia;
2) Manifestaram o apreço com que viam a criação e actividade da Comissão Parlamentar Portuguesa;
3) Declaram aceitar uma resolução para Timor-Leste semelhante à da Rodésia.

C - Contactos com os órgãos de comunicação social. - A delegação foi entrevistada pelos correspondentes da RDP e da Voz da América e prestou igualmente declarações ao correspondente de uma cadeia de 45 estações da rádio do Brasil.
Proposta de Acção: - Analisados os seus diferentes aspectos e equacionados os problemas que se deparam, a delegação parlamentar entende dever formular aos Órgãos de Soberania competentes as seguintes propostas:
A proximidade de mais um debate no seio das Nações Unidas sobre o problema de Timor-Leste obriga a ponderar as acções a empreender nesse sentido. O facto de esse debate se realizar dentro de aproximadamente 1 mês è a circunstância, lembrada a esta delegação em varias ocasiões, de diminuir de ano para ano a diferença entre votos a favor e contra obriga a que se considere:

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a) A necessidade de uma urgente ofensiva diplomática, quer a nível governamental quer a nível das Nações Unidas. Essa acção diplomática poderia mesmo lembrar a alguns nossos aliados a facilidade com que Portugal dá o seu voto favorável em votações que lhes interessam sem que a inversa seja verdadeira. Em várias ocasiões, foi a esta delegação parlamentar dito que Portugal tem sido demasiado comedido nas condições que coloca a outros países para votar as suas moções, sem que a questão de Timor-Leste tenha sido posta num dos pratos da balança. Recomenda-se, entretanto, que essa acção vise sobretudo os países africanos e da América latina, já que a Indonésia parece ter conseguido a quase totalidade dos votos asiáticos. Diligências junto dos nossos parceiros da NATO e dos países da CEE teriam também a sua utilidade. Uma diligência para que o Brasil tenha um papel activo junto dos países latino-americanos e igualmente muito útil;
b) A necessidade de ponderar o conteúdo da próxima proposta de resolução a apresentar nos debates da Comissão de Descolonização a da Assembleia Geral da ONU. Com efeito, dos contactos tidos ficou esta delegação parlamentar com a convicção de que, a menos que seja imediatamente realizada uma intensa e frutuosa acção diplomática, se corre o risco de ver derrotada a proposta, com os inevitáveis e graves custos que isso acarretaria, nomeadamente o «esquecimento» da questão de Timor-Leste nas Nações Unidas.

Concluindo: neste momento, a Câmara deve ficar satisfeita pela compreensão encontrada junto da Presidência da República e do Primeiro-Ministro e por ter sido possível à nossa Comissão estabelecer uma espécie de ponte comunicativa entre aquelas instâncias, por vezes algo desavindas entre si.
Devermos congratular-nos pelas condições, ora criadas, para uma viragem na estratégia diplomática do nosso país na questão de Timor-Leste.
Aproveito agora a ocasião para entregar na Mesa uma proposta de resolução subscrita por vários membros da Comissão Parlamentar, onde já foi discutida, e, caso haja consenso, requeiro que seja discutida e votada hoje mesmo em Plenário devido à urgência que a matéria exige.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e do Deputado Sousa Marques (PCP).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de facto o Sr. Deputado Manuel Tílman acabou de entregar na Mesa uma proposta de resolução, que, apesar de tudo, tem de ser agendada para só então ser discutida e votada.

O Sr. Sonsa Marques (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que interpele a Mesa?

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Sonsa Marques (PCP): - Sr. Presidente, a proposta de resolução agora apresentada, e aprovada por unanimidade e amplo consenso na Comissão Eventual,
foi subscrita por deputados de todos os grupos parlamentares.
Nós sabemos que dentro de alguns dias nas Nações Unidas se iniciará o debate acerca desta matéria e naturalmente que todos temos consciência de que o facto de aprovarmos esta resolução sem seguirmos os trâmites legais e regimentais é um atropelo ao Regimento, que todos aprovamos e estamos empenhados em respeitar. No entanto, a questão que gostávamos de colocar era esta: se seria possível estabelecer-se um consenso entre todos os grupos parlamentares, e se nenhum deputado se opusesse a este processo, tendente à aprovação o mais rapidamente possível, até ainda hoje, desta proposta de resolução, facto que víamos de grande interesse.
Se isso se conseguir, reservamos naturalmente a nossa palavra para a declaração de voto, que faremos oportunamente, mas se houver alguma objecção a este processo estamos obviamente interessados em participar neste debate, para o que desde já me inscrevo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - É apenas para manifestar a concordância do partido Socialista em relação à proposta de resolução do Sr. Deputado Manuel Tílman e às palavras do Sr. Deputado Sousa Marques e para frisar a importância que terá o facto de, caso haja unanimidade desta Câmara - e parece-me que isso é fácil de obter -, a proposta de resolução sobre Timor-Leste ser hoje aprovada, tanto mais que estamos a poucos dias de um debate de extrema importância para que a questão de Timor, a realizar-se na Assembleia-Geral das Nações Unidas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para dizer que da parte da minha bancada vemos até com certa satisfação a proposta feita pelo Sr. Deputado Sousa Marques e, por isso mesmo, não nos opomos, de maneira alguma, a que se proceda da forma por ele sugerida. Entendemos até que, dada a urgência do problema, a proposta de resolução devia ser ainda hoje votada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É também para dar o nosso acordo à proposta do Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soarez Cruz (CDS): - Sr. Presidente, é também para, em nome do Grupo Parlamentar do CDS, dar o apoio à proposta sugerida pelo Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Presidente: - Havendo também o acordo da ASDI. do PPM, da UEDS e do MDP/CDE, e porque a Assembleia é soberana para resolver qual o processo a adoptar, parece-me que podemos seguir a proposta do Sr. Deputado Sousa Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

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O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acho que não há qualquer irregularidade em agendar essa proposta de resolução, na medida em que a conferência dos líderes dos grupos parlamentares decidiu que hoje ela seria apreciada e votada. Por outro lado, quanto ao problema da publicação, a Assembleia pode dispensar a publicação desde que o texto seja conhecido.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Já foi distribuído.

O Orador: - Ora, na medida em que o texto já foi distribuído e como todos os grupos parlamentares disseram que estavam em condições de votar, parece-nos que não há qualquer irregularidade em discutir e votar imediatamente essa proposta de resolução tal como estava previsto.

O Sr. Presidente: - Agradeço muito ao Sr. Deputado Carlos Lage a explicação, mas foi o que eu tinha acabado de dizer.
Como a proposta foi aceite, a Sr.ª Secretária da Mesa, Maria José Sampaio, vai então ler o texto da proposta de resolução apresentada por vários senhores deputados.

Proposta de resolução da questão Timor-Leste

Os deputados abaixo assinados, membros da Comissão Eventual para Acompanhamento da Situação em Timor-Leste, vêm nos termos dos artigos 159.º, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e do artigo 16.º, alínea a), do Regimento apresentar a seguinte proposta de resolução, para o cumprimento do artigo 297.º da Constituição (Independência de Timor-Leste) e das correspondentes resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas e requerer a publicação, discussão e aprovação imediata desta resolução, como exigem a situação de Timor-Leste e das suas populações e a próxima discussão da questão Timor-Leste na Organização das Nações Unidas:
A Assembleia da República, reconhecendo o direito inalienável de todos os povos à autodeterminação e à independência, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas e da declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos coloniais, contida na sua Resolução 1514.º (XV), de 14 de Dezembro de 1960;
Tendo presente o capítulo da informação do comité especial encarregado de estudar a situação referente à aplicação da declaração sobre Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, relativa à questão de Timor-Leste;
Reafirmando a posição de Portugal, na qualidade de potência administradora, acerca dos acontecimentos de Timor-Leste e a aplicação, quanto a este território, das disposições pertinentes da Carta e da Declaração, assim como as da Resolução 1514.º (XV), de 14 de Dezembro de 1960, da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas;
Tendo presente a obrigação, por parte da potência administradora, de promover e garantir o direito à independência de Timor-Leste, de acordo com os princípios da Carta e da Declaração da Organização das Nações Unidas e da Constituição da República Portuguesa;
Consciente de que, de acordo com o disposto no n.º 4 do artigo 2.º e no artigo 33.º da Carta das Nações Unidas, todos os Estados, nas suas relações internacionais, devem abster-se de recorrer à ameaça ou ao uso da força contra a integridade territorial ou a independência nacional de qualquer outro Estado e têm a obrigação de resolver todas as contendas por meios pacíficos;

Profundamente preocupada com a perda de muitas vidas humanas e com a situação critica criada em Timor-Leste:

1) Exorta os Órgãos de Soberania constitucionalmente responsáveis a que continuem a fazer tudo quando estiver ao alcance de Portugal, como potência administradora, para se encontrar uma solução por meios pacíficos, nomeadamente através de conversações com os representantes do povo de Timor-Leste e da plena cooperação com a Organização das Nações Unidas, de acordo com a declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais, a fim de que o povo de Timor-Leste possa exercer, livre e responsavelmente, o seu direito a autodeterminação e independência;
2) Exorta os países da região a que, em estreita colaboração com as Nações Unidas, façam tudo quando estiver ao seu alcance para se encontrar uma solução por meios pacíficos;
3) Exorta todos os Estados a respeitar e defender o inalienável direito do povo de Timor-Leste à autodeterminação e independência, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas e da Declaração sobre a Concessão de Independência aos Países e Povos Coloniais;
4) Condena mais uma vez o Governo da Indonésia por manter a ilegítima ocupação do território de Timor-Leste à revelia das sucessivas resoluções da Organização das Nações Unidas;
5) Solicita a atenção do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, de acordo com o § 3.º do artigo 11.º da Carta, para a situação critica de Timor-Leste e para a necessidade de adopção de medidas urgentes para ajudar o povo Timorense, no âmbito das organizações especializadas da Organização das Nações Unidas, como ACNUR, FAO, UNICEF e UNESCO, e proteger a integridade territorial de Timor-Leste e o direito inalienável do seu povo à autodeterminação e independência;
6) Solicita ao Presidente da Assembleia da República que mande dar conhecimento desta resolução a todos os parlamentos e outros órgãos de soberania dos Estados Membros das Nações unidas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Tílman.

O Sr. Manuel Tílman (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão de Timor-Leste é uma

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questão de ocupação ilegal e ilegítima e só será resolvida com a retirada da Indonésia e com o reatamento do processo de descolonização. O caso de Timor-Leste não é um caso de rebelião que se possa solucionar com a pacificação. Mesmo que a resistência tenha deixado de existir em Timor-Leste pelo desaparecimento dos que se opõem à integração de Timor-Leste na Indonésia, pelos julgamentos em condições deploráveis, pelo terror dos crimes sexuais e de genocídio cultural e da fome, a questão de Timor-Leste continuará como uma questão de descolonização. À questão da fome e das necessidades dos apoios humanitários são consequência da ocupação e não a causa da guerra, pelo que não se resolve com progressos aparentes, mesmo que o povo timorense esteja a receber alimentação suficiente e abrigo condigno, toda a ocupação é sempre perigosa.
Portugal tem 8 séculos de história. Tem a razão do seu lado. Não deve capitular. Portugal deve fazer tudo quanto estiver ao seu alcance para que o povo de Timor se autodetermine e não para que se estenda um manto branco sobre 300000 sepulturas em troca de uma possível manutenção da cultura portuguesa e dos apoios humanitários que ninguém garante quanto ao seu fornecimento, administração e duração em Timor-Leste, tendo em conta a corrupção que reina na Indonésia. Enquanto um povo minúsculo resistir estoicamente à ganância, ao extermínio, às torturas, a violações, retaliações, traições e ódios de um gigante vizinho de 3000 ilhas e de 150 milhões de habitantes, cabe-nos a nós, como nação e povo livre, manter, alimentando, a fogueira de resistência. É preciso uma base de confiança e uma vontade férrea para que as pessoas sejam vitoriosas e não vítimas da guerra. A desilusão é resultado de uma amizade traída. A amizade significa uma aproximação, um compromisso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante tão cruel realidade, situação igual a tantas outras - Líbano, Malvinas, Namíbia, não deveremos mais querer tapar o Sol com uma peneira, tanta mentira e sufocamento moral e espiritual. «Esperar - diz Garaudy - é um acto de fé, mesmo quando tudo vai mal. podemos mudar as coisas».

Aplausos da ASDI, do PSD, do PS, do CDS, do PPM e de alguns senhores deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Arons de Carvalho.

O Sr. Arons de Carvalho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que é possível neste momento, apesar de ainda não se ter feito a votação desta proposta de resolução, sublinhar o larguíssimo consenso que houve - pelo menos na Comissão Parlamentar e espero que no Plenário- acerca desta questão de Timor-Leste - é das poucas questões nacionais que recolhe um longuíssimo consenso no espectro político/partidário português.
Queria ainda referir que esta proposta de resolução é parte da ofensiva diplomática que finalmente o Estado Português parece estar em condições de fazer relativamente à questão de Timor e se o Sr. Deputado Manuel Tílman -a quem se deve incontestavelmente uma grande parcela dessa ofensiva - há pouco referiu, na sua intervenção, a viragem ocorrida na diplomacia portuguesa, eu devo apontar aqui um testemunho daquilo que sinto em relação a essa mesma viragem: a delegação (de que fiz parte) que esteve nas Nações unidas em contacto com uma vintena de delegações de outros países teve a oportunidade de se aperceber, em qualquer das audiências que teve com essas missões diplomáticas de vários países do Mundo, da existência de uma enorme, intensa e profícua ofensiva diplomática Indonésia em qualidade e em quantidade - conforme nos sublinharam algumas vezes - que contrastava com a total ausência de importância relativamente a este assunto por parte de Portugal. Isto é, Portugal, não dava sinal de si, a diplomacia portuguesa não era minimamente activa na questão de Timor, e esse facto espantava os nossos interlocutores. Esta nota não foi focada à delegação portuguesa que esteve nas Nações Unidas nem 1, nem 2 nem 3 vezes apenas, foi focada no início de todas as reuniões que tivemos com missões diplomáticas de diversos países.
Há, portanto, uma viragem significativa na abordagem pelo Estado Português relativamente à questão de Timor. De facto, para essa viragem é importante sublinhar - como já aqui foi dito - a acção da Presidência da República, a acção da Assembleia da República e a acção do Governo e é também importante sublinhar que, pelo menos, na questão de Timor, há a possibilidade de haver um entendimento entre os Órgãos de Soberania, uma acção concertada entre os vários Órgãos de Soberania, tendente a resolver o problema.
Queria sublinhar que para haver esta ofensiva diplomática se assistiu ao abandono da tese, existente em alguns meios, que defendia que a negociação com a Indonésia era mais importante do que a denúncia da presença repressiva da Indonésia em Timor e de que só era possível uma negociação com a Indonésia quando acabasse a denúncia pública nos foros internacionais da presença pela força da Indonésia no território de Timor--Leste. O abandono desta tese demissionista agrada ao Partido Socialista, que não quer deixar de sublinhar este facto sem querer, digamos, entrar muito mais no caminho da explicitação do que acabou de ser dito.
Finalmente, queria terminar a minha intervenção fazendo um apelo a todos os deputados desta Assembleia. Por diversas razões, as delegações parlamentares desta Assembleia que se deslocam a diferentes partes do Mundo, a diferentes foros internacionais e em diferentes ocasiões, me parece que não fica mal aos deputados da Assembleia da República levar na bagagem das suas preocupações a questão de Timor. Em cada foro internacional, em cada contacto bilateral com missões parlamentares de outros países, em qualquer ocasião (mesmo junto a órgãos de informação desses países), não fica nada mal - antes se trata de um dever desta Assembleia e de todos os deputados - abordar a questão de Timor, denunciar a presença da Indonésia, denunciar a violação do direito internacional que consiste na invasão pela Indonésia do território de Timor-Leste, o direito à autodeterminação e independência do povo de Timor-Leste, não pode ficar esquecido e deve, antes, ser uma e outra vez apontado e defendido pelo povo português e pelo Órgão de Soberania Assembleia da República.

Aplausos do PS, do PSD, do PPM, e da ASDI.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Oliveira Dias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta matéria pouco mais tenho a

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dizer, na medida em que os meus ilustres acompanhantes - melhor dizendo, eu é que os acompanhei -, Sr. Deputado Manuel Tílman, na qualidade de presidente da Comissão, o Sr. Deputado Arons de Carvalho, disseram mais do que o suficiente para elucidar toda a Câmara. Não posso, no entanto, deixar de dizer mais 2 palavras.
Entendemos que nesta questão de Timor o problema que inicialmente se poderia reconhecer como sendo uma questão nacional é hoje, como todos podemos testemunhar, uma questão dos países de expressão portuguesa, tal como nos foi dito muito claramente pelo Brasil e pelos muitos países originários das nossas antigas possessões ultramarinas. Para além disso, o problema de Timor é um problema dos países livres do Mundo e é por isso que nós estranhamos que aqueles que ontem tanto lutaram para que se autodeterminassem, os que por mérito próprio estão hoje no areópago mundial nas Nações Unidas, não juntem a sua voz à razão que julgamos ser nossa e de todos os homens livres do Mundo.
Nesta matéria, Sr. Presidente e Srs. Deputados, entendo que é muito mais importante apontar, ver e analisar as questões humanas deixando os artificialismos políticos, entendo que Timor precisa que todos nós sejamos políticos, entendo que Timor precisa que todos nós sejamos dignos dele, e isto porque ainda hoje lutam, em Abril ainda lutavam, 1200 homens com a bandeira portuguesa, que trazem escondida nos bambus e no interior dos casacos, e quando se juntam e podem falar livre e à vontade - facto que acontece poucas vezes -viram-se uns para os outros e dizem: «quando regressa o dono da casa?»

Protestos da UDP.

É isto que nos custa, é isto que nos faz vibrar. Ao fim e ao cabo, nós, que não queremos ser donos de nada, nós, que queremos apenas acabar a descolonização, porque Portugal só será efectivamente livre quando acabar com dignidade a descolonização, nós, que nos orgulhamos de ao longo de todos estes anos ter dado origem a países livres que hoje têm voz no areópago mundial, queremos que a essa voz se junte a voz dos Timorenses, na medida em que pugnamos que Timor seja um país livre e independente.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, da ASDI e do PPM.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Então já não têm dono?

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O consenso obtido em torno da proposta de resolução aqui apresentada, que naturalmente aqui será votada, existe na nossa proposta porque a UDP considerou como necessário fazer força - digamos assim -, com o conjunto dos outros partidos desta Assembleia, no sentido de ajudar a alcançar pontos positivos para que a luta que hoje está a ser travada nas Nações Unidas possa ter êxito. No entanto, esta posição da UDP não significa que estejamos de acordo com tudo o que está contido na proposta de resolução e muito menos com as considerações que estão a ser feitas à volta desta proposta.
Para a UDP a chama de resistência não está - peço desculpa por discordar do Sr. Deputado Manuel Tilman - no que se está aqui a passar, a chama da resistência está, como sempre esteve - a UDP sempre aqui o disse quantas vezes sozinha e isolada na Assembleia da República -,na luta do povo Maubere, dirigido pela Fretilim, e por isso considero inadmissível que o Sr. Deputado Lemos Damião venha aqui dizer que a resistência ao invasor indonésio esteja a ser levada a efeito sob a Bandeira Portuguesa. A resistência está a ser levada a efeito, como tem sido, pela resistência heróica do povo sob a bandeira da Fretilim e tem sido essa luta que obrigou que nesta Assembleia todos os partidos estejam dispostos a assumir responsabilidades que há muito já perderam.
Não me vou alongar mais, quero, no entanto, saudar a República Democrática de Timor-Leste, que já foi proclamada quando o Governo Português alijou aquilo que seriam as suas responsabilidades, saudar a Fretilim e saudar a luta heróica do povo Maubere. Quando - isto vai acontecer - os Indonésios forem obrigados a tirar a sua bota fascista do território sagrado de Timor-Leste, nessa altura estará o povo de Timor em condições de levar por diante a sua autodeterminação, a sua independência e a liberdade que já assumiu quando proclamou a República Democrática de Timor-Leste.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Coutinho.

O Sr. Azevedo Coutinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este problema, este drama- melhor dizendo - de Timor-Leste, não se compadece com afirmações demagógicas ou sectarismos políticos.

Vozes do (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Tal como o Sr. Deputado Manuel Tílman disse, e outros deputados dos Partidos Socialista e Social-Democrata reafirmaram, este problema reuniu o consenso de todos os grupos parlamentares e partidos desta Assembleia, não é, portanto, aceitável que se produzam aqui afirmações de ataque ou defesa de um determinado tipo de movimento, porque aquilo que está em causa é a capacidade, ou não, que a comunidade internacional confere ao povo de Timor-Leste de exercer os seus plenos direitos, isto é, o direito de se autodeterminar.
Sem querer historiar as responsabilidades portuguesas - que foram as maiores neste caso - pelo abandono a que votaram o povo de Timor-Leste em 1975, quero afirmar que essas responsabilidades não podem justificar de modo nenhum a intervenção da Indonésia e muito menos a permanência dessa intervenção. Por esse motivo, eu, em nome do meu partido, subscrevi a proposta de resolução, que está neste momento em discussão, que condena a Indonésia pela manutenção da actual situação.
O povo de Timor-Leste tem todo o direito de poder exercer a sua autodeterminação e a comunidade internacional tem o dever de lhe proporcionar as condições para tal. Embora isto não se tenha verificado, não se pode dizer que as autoridades portuguesas e os governos portugueses- a própria diplomacia portuguesa -têm estado inertes e abúlicas neste caso. Quem ouviu algumas intervenções ficará com a impressão que só agora neste ano é que a diplomacia portuguesa e o Governo

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Português se interessaram pelo problema de Timor-Leste. Isto não é exacto, pois já em 1980 o Conselho de Ministros de Portugal se pronunciou sobre o problema de Timor-Leste, tendo tal decisão originado a integração de uma referência a essa posição na Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1980, e durante 1981 prosseguiu o Governo Português os seus esforços. Entendeu agora, por razões que todos aceitamos e compreendemos, com o importante apoio da Assembleia da República, que nomeou uma Comissão Eventual para tratar deste problema, ser possível haver um entendimento entre os Órgãos de Soberania, pois, como sabem, a responsabilidade constitucional não cabe neste ponto exclusivamente ao Governo.
Congratulo-me - e isto também em nome do meu partido - por ter sido possível chegar a este consenso. No entanto, gostaria que houvesse aqui uma clara noção das realidades.
Trata-se do problema de autodeterminação do povo de Timor-Leste, não me interessa saber sob que bandeira. Não é sob a Bandeira Portuguesa, mas também não é sob a bandeira da Fretilim. Será sob a Bandeira de Timor e esse é um problema importante que terá de ser resolvido.
É para esse problema que apelamos. Esperemos que as Nações Unidas sejam sensíveis a esse apelo. Todos sabemos que a Indonésia tem um poder negocial extremamente forte. Não vamos aqui invocar as razões, mas também não vamos considerar que a situação actual se deve à inoperância ou à abulia de Portugal.
Portugal sempre se interessou, sempre pugnou, sempre votou nessas moções, sempre fez uma acção nas Nações Unidas, sempre teve contactos com os delegados - inclusivamente da Fretilim - em Nova Iorque e sempre concentrou as suas acções com essa delegação da Fretilim. Disso tive pessoalmente conhecimento em 1980.
Por consequência, se a acção seguida foi aquela que foi, hoje é a que é, só temos que nos congratular por, talvez, o areópago das Nações Unidas estar mais receptivo aos problemas da autodeterminação do que tem estado até aqui.
Os exemplos noutros países do Mundo terão despertado à consciência das Nações Unidas. É de facto necessário que os povos possam exercer livremente o direito de escolherem o regime em que querem viver e a bandeira sob que querem viver - e não continuem a ser submetidos a pressões dos outros países, sejam elas de que natureza forem, os quais lhes impõem soluções que eles não aceitam.

Aplausos do CDS, do PSD, do PPM e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já aqui foi feita a referência expressa, mas parece-me bom começar por sublinhar a importância da iniciativa desta Assembleia ao constituir esta Comissão Parlamentar para Acompanhar a Situação de Timor-Leste.
Todos nós hoje sentimos que esta Comissão realizou trabalho. Trabalho esse que se pode considerar positivo na medida em que ela própria provocou, de certo modo, uma agressividade da nossa diplomacia e uma actuação concreta dos Órgãos de Soberania competentes nesta matéria.
No entanto, parece-me imperdoável não sublinhar que há razões exógenas a esta Assembleia que estão para lá das questões humanitárias e políticas que levaram à constituição desta Comissão, as quais devem ser aqui referidas. Assim, sublinharei 2 pela importância que assumem neste momento: desde logo, as acções que têm sido levadas a cabo no nosso país e que são destinadas a manter acesa a chama da solidariedade do nosso povo com o mártir povo de Timor-Leste; por outro lado, e fundamentalmente, a continuada resistência que o povo de Timor-Leste tem levado a cabo contra o invasor e ocupante estrangeiro. Aqui temos consciência do papel que tem sido representado por uma organização concreta, a qual tem realizado, no concreto, um determinado número de iniciativas e de acções, a nível interno e internacional, o que tem de ser sublinhado e não pode ser escamoteado.
Para nós, de facto, a resistência do povo de Timor-Leste tem sido encabeçada por uma determinada força, a Fretilim, que representa neste momento, na sua acção diária, todos os sentimentos e necessidades de liberdade e de independência por que o povo de Timor-Leste sempre lutou.
É para nós particularmente importante sublinhar este facto, na medida em que a bandeira de descolonização e a bandeira do apoio aos movimentos de libertação nacional, antes do 25 de Abril, foi empenhada pelo meu partido e pelos militantes do meu partido.
Hoje, aqui na Assembleia da República, vemos com grande alegria - e isto tem um profundo significado político - que todos os partidos desta Assembleia apoiam a proposta de resolução que estamos hoje aqui a discutir e que, provavelmente, irá ser votada por unanimidade.
Mais do que as palavras, parece-nos que há que sublinhar questões fundamentais e concretas em torno desta questão. A questão de Timor-Leste e todos os problemas a ela ligados não podem ser apenas observados sob um ponto de vista humanitário.
Naturalmente que não perdemos de vista a nossa solidariedade e todo o esforço que devemos continuar a fazer no sentido de manifestar o nosso apoio humanitário ao povo de Timor-Leste. No entanto, a nossa acção é uma acção política que tem de ter objectivos políticos determinados -e, antes do mais, o reconhecimento, perfeitamente claro e inequívoco, do direito à autodeterminação do povo de Timor-Leste, o que está, aliás, expressamente referido no nosso texto constitucional.
Sublinhamos que não apoiaremos os que hoje são capazes, porventura, de chorar «lágrimas de crocodilo» pelo povo de Timor-Leste, mas estão eventualmente a pensar numa solução neocolonial para o futuro desse povo.
Quando referimos o direito à autodeterminação e à independência do povo de Timor-Leste estamos a referir a verdadeira autodeterminação e independência por que o povo de Timor-Leste luta e merece.
Esta referência deve ficar aqui perfeitamente clara, já que em intervenções anteriores de deputados de outras bancadas não me pareceram suficientemente expressos estes desejos e a manifestação política desta vontade política.
Em segundo lugar, continuaremos a afirmar o reconhecimento da Fretilim, única força hoje resistente ç não colaboracionista que existe em Timor-Leste, como. a legítima representante do Timor-Leste.

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A terceira questão refere-se à insistência que deve continuar a fazer-se da condenação não apenas da invasão, mas também da anexação e ocupação do território de Timor-Leste por parte da Indonésia
Parece que toda a firmeza por parte dos Órgãos de Soberania portuguesa é pouca nesta matéria. Aqui devemos também estar unidos para exigir que todos os Órgãos de Soberania sejam perfeitamente capazes de defender esta posição de intransigência em relação a uma atitude perfeitamente inqualificável, quer sob o ponto de vista político, quer sob o ponto de vista humanitário.
Refiro ainda 2 outras questões. Em primeiro lugar, saliento a necessidade do alargamento do apoio político e social, quer a nível nacional, quer a nível internacional, ao povo de Timor-Leste. Nesse âmbito, quer as forças políticas e sociais no nosso país, quer a Assembleia da República, já realizaram alguma coisa de concreto.
Por outro lado, sublinho as responsabilidades do Governo e da Presidência da República neste processo, assim como a necessidade de a Assembleia da República ter a possibilidade de o acompanhar e de o fazer.
Naturalmente que temos de sublinhar, para terminar a nossa intervenção, o papel que tem sido representado no trabalho parlamentar pelo Sr. Deputado Manuel Tílman. Parece-nos que sem ele poderíamos ter feito alguma coisa do que fizemos, mas não teríamos feito tudo aquilo que fizemos.
No entanto, ao mesmo tempo que dizemos isto, gostaríamos de sublinhar que para nós não se trata de fazer uma «corrida em contra-relógio» para ver quem empunha melhorou pior a bandeira de solidariedade para com o povo de Timor-Leste.
Mais importante do que empunhar bandeiras e do que as palavras, porventura «ocas», que às vezes se ouvem, são as acções concretas de solidariedade. Por isso mesmo, parece ser de sublinhar a importância que tem o facto de uma proposta de resolução, como aquela que foi apresentada - que poderá, naturalmente, num ou noutro aspecto ficar aquém daquilo que o meu grupo parlamentar e eu próprio gostaríamos que ficasse expresso -, ter sido subscrita por deputados de todos os partidos desta Assembleia e o facto de muito provavelmente vir a ser aprovada por unanimidade pelo Plenário desta Assembleia.
Parece-me que esta acção concreta é mais importante que certas «corridinhas contra-relógio», que só ficam mal a quem as pratica e que, naturalmente, não ficarão na história, já que delas ninguém falará.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como sabem, estamos a ultrapassar um pouco a hora a que habitualmente fazemos o intervalo. No entanto, se não houver objecções. penso que haveria vantagens em ouvir o orador inscrito ainda sobre esta matéria, o Sr. Deputado Barrilaro Ruas, e votar a proposta de resolução.

Pausa.

Não havendo qualquer objecção, tem a palavra o Sr. Deputado Barrilaro Ruas.

O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que quero dizer é quase como que apenas uma declaração de voto, tão simples é a intervenção do meu partido num momento destes em que a Assembleia da República já anunciou praticamente o seu voto unânime, preparado no seio da Comissão Eventual para o Tratamento do Caso de Timor.
O PPM não quer ir nem aquém nem além daquilo que está escrito nessa proposta de resolução, a qual foi estudada, durante alguns dias, em sede própria e provocada pela visita à Austrália e às Nações Unidas, da delegação da Comissão Eventual, durante o Verão.
O PPM já teve ocasião, pela minha voz, de se congratular com o êxito dessa viagem. Quero neste momento acentuar, mais uma vez, tudo quanto devemos à intervenção e à iniciativa do Sr. Deputado Manuel Tílman e o quanto é importante para a resolução do problema de Timor-Leste - e até para a salvação da nossa própria face histórica num caso destes -, que, através da constituição dessa Comissão Eventual, a opinião pública portuguesa, finalmente, pareça ter sido desperta, de um modo mais vivo e actuante, para esse problema, que é profundamente nacional em relação ao qual muitas vezes se pensava que talvez se pudesse dar uma solução meramente burocrática ou diplomática, o que não pode ser.
O problema de Timor é um problema que tem que ver com todos nós, como portugueses e até como homens, embora o tenha sobretudo como comunidade histórica responsável por situações que se criaram, em grande parte, por culpa nossa.
Esse processo só pode ter, naturalmente, uma solução verdadeira, que é a decisão tomada livremente pelo povo de Timor acerca do seu futuro. Isso é que se chama a autodeterminação e a independência, porque não há autodeterminação que não possa conduzir à independência.
Por outro lado, também sabemos que a verdadeira autodeterminação não é possível quando não há uma verdadeira independência, isto é, quando não há uma verdadeira liberdade.
Não quero, no entanto, acrescentar nada que não esteja contido no texto da própria resolução. É essa resolução que vamos votar com toda a consciência de que estamos, de facto, a cumprir um dever histórico para com um povo martirizado.

Aplausos do PPM, do PSD, do PS, do CDS, da ASDI e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais oradores inscritos, vamos passar à votação da proposta de resolução subscrita pelo Sr. Deputado Manuel Tílman e por deputados de todos os outros grupos parlamentares, bem como pelo Sr. Deputado da UDP.
Se não houver objecções por parte da Câmara proponho que votássemos globalmente o texto da resolução.

Pausa.

Como não há qualquer objecção, passamos à votação.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa tomará as providências que lhe foram confiadas em face da votação.
Tem a palavra, para uma declaração de voto. o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, não é exactamente para uma declaração de voto.

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A propósito da referência que o Sr. Presidente acaba de fazer, propunha que no próprio texto da proposta, logo na introdução onde se diz «A Assembleia da República...», se passasse a dizer «A Assembleia da República, por unanimidade,...» ou então que na comunicação que haja de fazer-se se insira um rodapé que diga «Esta proposta foi aprovada por unanimidade».
Penso que isso tem interesse internacional na divulgação e na comunicação que se faça do texto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, interpretando- e penso que correctamente -a sua sugestão, que agradeço, comprometer-me-ia a fazer notar na comunicação para todas as entidades previstas que a resolução foi tomada por unanimidade desta Câmara.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, ainda na primeira parte da ordem do dia estava prevista uma comunicação. Ora, eu tinha conveniência pessoal em a fazer antes do intervalo e, se não houvesse objecções, solicitava à Mesa o obséquio de tal me ser possível.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, por parte da Mesa não há qualquer dificuldade. Em todo o caso. talvez para ajuizarmos de alguma eventual dificuldade, o Sr. Deputado poderá informar o tempo de que, aproximadamente, necessita para a sua intervenção?

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, no máximo preciso de 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, pergunto à Câmara se há alguma objecção.

Pausa.

Não havendo objecções, tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo, para apresentar a sua comunicação em nome da Delegação Parlamentar ao Conselho da Europa.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tem sido hábito dar uma informação no Plenário acerca do desenrolar das sessões plenárias da Assembleia Parlamentar da Europa, onde está presente uma delegação desta Assembleia.
O facto já foi objecto de um reparo. Há que reconhecer que, em certa medida, esse reparo é justificado e que é desejável que o Plenário da Assembleia tome conhecimento, através de uma breve informação, dos trabalhos desenrolados na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, das matérias que ali são discutidas, a fim de poder dar seguimento a essas matérias, não só através de intervenções, mas também através de recomendações ao Governo, para que as deliberações do referido Conselho possam ter a máxima eficácia.
Dentro de alguns dias vai realizar-se na Assembleia da República uma reunião de uma Comissão que está justamente encarregada de divulgar junto do público e dos parlamentos nacionais o trabalho da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
É nessa linha que me parece conveniente dar uma ideia, embora muito genérica, sobre o que foi a última sessão da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que teve lugar em Strasbourg, entre os dias 29 de Setembro e 7 de Outubro.
Naturalmente que se tem presente o facto de a Delegação Parlamentar Portuguesa não actuar necessariamente como um bloco e como uma unidade. Cada um dos membros dessa Delegação, integrado em grupos políticos diferentes, assume relativamente aos diversos debates a posição que julga mais conveniente.
Não tem sido, todavia, alheia à Delegação Parlamentar Portuguesa a preocupação de agir, sempre que possível, como um todo. Em algumas ocasiões isso foi possível.
Nesta linha, creio poder afirmar que a Delegação Parlamentar tem uma imagem muito favorável no Conselho da Europa e tem defendido o prestígio desta instituição parlamentar.
A Assembleia Parlamentar constitui a cúpula de um trabalho realizado em comissões, com o apoio de serviços que, há que reconhecer, têm uma elevada qualidade e prestam um auxílio inestimável aos membros da Assembleia.
Nas sessões plenárias são apresentados relatórios elaborados nas comissões. A discussão faz-se na base da apreciação do relatório pelo relator e com uma intervenção muito particular do presidente da respectiva comissão.
Os debates, portanto, desenrolam-se sob a responsabilidade de uma determinada comissão e, naturalmente, sob a responsabilidade pessoal do respectivo relator.
Gostaria de não ir muito mais longe do que enunciar os temas e os pontos principais da sessão parlamentares que há pouco referi, informando desde já que estas sessões têm uma documentação muito vasta e completa, a qual existe nos serviços do Gabinete de Relações Internacionais da Assembleia da República.
Aí se encontram, por um lado, todas as deliberações tomadas na Assembleia Parlamentar, propostas de resolução, propostas de recomendação e propostas directivas, e, por outro lado, aí se encontram também as actas de todas as sessões, onde estão inseridos, na íntegra, os discursos e intervenções de todos os membros da Delegação Parlamentar Portuguesa e, naturalmente, de todas as outras delegações.
Os pontos mais importantes da última sessão parlamentar, que começou no dia 29 de Setembro - em horários, para comissões, que vão desde as 8 horas e 30 minutos até às 10 horas, todos os dias há reuniões de comissões ou de grupos políticos, e a reunião do Plenário, desde as 10 às 13 horas e das 15 às 19 horas -,foram, em primeiro lugar, problemas de cultura e problemas urbanos, tendo sido apresentado um relatório sobre experiências em matérias de política urbana e outro sobre políticas culturais urbanas.
Ao fim da manhã do dia 30 é de destacar uma exposição do Presidente da República Francesa, François Mitterrand, que teve uma importância política assinalável, na medida em que François Miterrand escolheu o Conselho da Europa para fazer a sua grande intervenção política no seio de uma organização internacional. Seguiu-se, à tarde, um debate sobre um tema particularmente importante e que muito interessa ao nosso país, um relatório sobre a luta contra o desemprego, onde são recomendadas várias medidas aos países membros do

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Conselho da Europa. Limitar-me-ei a chamar a atenção especial para o facto de se conterem, na parte final deste relatório, deliberações que têm que ver com os trabalhadores migrantes, o que, naturalmente, tem interesse para nós, portugueses, na medida em que daqui pode resultar- se vierem a ser seguidas estas recomendações - largo beneficio para os milhares de trabalhadores portugueses que se encontram a trabalhar em países europeus.
Gostaria de chamar também a atenção para um outro relatório sobre o artesanato, medidas recomendadas no sentido da protecção do artesanato e lembrar aqui, por me parecer justo, que uma deputada portuguesa, Amélia de Azevedo, teve uma intervenção activa neste debate, na medida em que exerceu as funções de presidente da respectiva Comissão, sendo portanto vice-presidente em exercício, e alimentando no Plenário este debate.
Não refiro as intervenções dos membros da Delegação porque foram várias e poderão ser encontradas nas actas das sessões de 29 de Setembro a 7 de Outubro.
Parece-me também de grande importância mencionar aqui um outro relatório sobre a concentração de instalações industriais e de centrais nucleares nas regiões fronteiriças. Este relatório tem importância para nós, dado os problemas que levanta e que interessam ao nosso país, e tem importância especial na medida em que uma deputada portuguesa, Helena Roseta, foi relatora deste tema juntamente com outro deputado, o Sr. Schäuble.
Discutiu-se ainda, dentro da Comissão de Assuntos Jurídicos, medidas a tomar a nível internacional para proteger a liberdade de expressão por regras respeitantes a publicidade comercial e depois o problema da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do mar e ainda sobre a extradição de criminosos.
Finalmente, um tema também muito importante para nós e que teve uma larga participação de deputados portugueses foi o debate sobre o direito de voto no estrangeiro, de nacionais de estados membros do Conselho da Europa. Recordava, por me parecer de grande importância, que o sentido geral desta proposta de recomendação é o de incentivar a atribuição do direito de voto a estes cidadãos que trabalham no estrangeiro, por se entender que o direito de voto é um direito fundamental das pessoas e deve ser exercido independentemente do local onde se encontrem e, por outro lado, o de solicitar aos países onde residem cidadãos estrangeiros todas as facilidades ou, no mínimo, que não ponham entraves ao exercício desse direito de voto.
Mencionava ainda, já no dia 2 de Outubro, o relatório da actividade do Alto Comissariado das Nações para os Refugiados, que foi discutido após uma exposição do Alto Comissário para os refugiados das Nações Unidas, Sr. Paul Hartling, e ainda um relatório sobre as mulheres migrantes.
Merece ainda referência especial um debate sobre as relações entre a Europa e o Japão no quadro da política geral do Conselho da Europa, demonstrando a preocupação do Conselho da Europa em alargar a temática a outros países que não estão representados neste Conselho da Europa e que não fazem mesmo parte da Europa.
Gostaria ainda de referir que foi objecto de um debate que durou ao longo de todo um dia - o dia 5 de Outubro -,o relatório sobre a Organização dê Cooperação e de Desenvolvimento Económico, começando com uma exposição do secretário-geral da OCDE, Sr. Emile Van Lemep. Houve também intervenções várias de deputados
portugueses mais peritos nestas matérias e ainda uma comunicação do Comité de Ministros do Conselho da Europa, que foi apresentada pelo actual Presidente do Conselho de Ministros em exercício, o Sr. Wilibald Pahr, que é o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Áustria, seguindo-se um debate e perguntas orais.
Gostaria ainda de referir 2 debates que tiveram a maior importância- debates de carácter político -, sendo um sobre a situação no Líbano, onde a delegação portuguesa, posso dizê-lo aqui, se orientou claramente no sentido de ser reconhecido ao povo palestíniano o direito à autodeterminação e a uma pátria própria e de tentar a resolução do problema do Médio Oriente pela via da negociação, e outro sobre a situação na Turquia, que tem estado inscrito em todas as assembleias gerais do Conselho da Europa, desde o golpe de Estado na Turquia, e onde a delegação portuguesa, na sequência de sessões anteriores, teve um papel muito activo através de várias intervenções. Portugal é um país que se encontra numa situação particularmente propícia para analisar o problema da situação da Turquia, tendo vivido, como viveu, uma experiência de ditadura e situações de ameaça de novas ditaduras.
Creio que depois de citar estes debates de natureza política poderei limitar-me a fazer uma referência muito breve a um outro relatório da Comissão do Conselho da Europa sobre relações com os países europeus não membros, relacionada com a situação da Comunidade judia na União Soviética e outro relacionado com a liberdade de pensamento, de consciência e de religião na Europa de Leste.
Quero terminar dizendo que é do maior interesse que a Assembleia da República daqui para o futuro - de certo modo aliviada depois de percorrer um período de trabalho parlamentar particularmente intenso - se possa debruçar um pouco mais sobre o que se passa no Conselho da Europa, uma instituição privilegiadamente voltada para a defesa dos direitos do homem e voltada para a construção da unidade europeia.
Podemos aprender muito com os relatórios e com as deliberações que são tomadas no Conselho da Europa, uma Assembleia onde participam países que são democracias já muito antigas, e aproveitamos desta experiência exactamente para aperfeiçoar o nosso regime democrático e as nossas leis e darmos o nosso contributo para a construção de uma Europa mais forte, de uma Europa mais unida, que possa ter um papel cada vez mais decisivo no Mundo.
Por outro lado, também os deputados membros do Conselho da Europa poderão procurar levar a essa Assembleia internacional certos problemas que aqui nos preocupam especificamente e quero dizer que encararei, com todo o interesse, nomeadamente a apresentação de uma proposta de resolução ou de uma iniciativa qualquer, no Conselho da Europa, sobre o caso de Timor. Sendo certo que o Conselho da Europa se ocupa especificamente com o problema da defesa dos direitos humanos, o caso de Timor é um caso onde efectivamente esses direitos humanos estão claramente em jogo e nós podemos e devemos- e talvez tenhamos que nos recriminar a nós próprios por não o termos feito já, mas mais vale tarde do que nunca -, agora na sequência daquilo que se passou hoje no Plenário da Assembleia da República, apresentar - e gostaria que isso fosse feito em conjunto, por toda a Delegação Portuguesa - uma iniciativa tendente à discussão, na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, do problema de Timor-Leste.

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Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI e do Sr. Deputado Sousa Marques, do PCP.

Neste momento, reassume a presidência o Sr. Vice-Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, congratulo-me com o relatório que acaba de ser exposto pelo presidente da Delegação Parlamentar ao Conselho da Europa, sobretudo na medida em que exprime a actividade importante dos nossos colegas que têm assento nessa Assembleia Parlamentar, com características tão particulares e, em regra, entre nós tão estimadas.
Visto não haver mais inscrições, dou por encerrada a primeira parte da ordem do dia e faríamos agora o nosso intervalo, retomando os trabalhos às 18 horas e 25 minutos.

Eram 17 horas e 55 minutos.

Neste momento, reassume a presidência o Sr. Vice-Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

Entretanto, tomou lugar na bancada do Governo o Sr. Ministro da Justiça (Meneres Pimentel).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a segunda parte da ordem do dia diz respeito à discussão na generalidade das ratificações n.ºs 164/II, solicitada pelo PS, e 165/II, solicitada pelo PSD. CDS, PPM e ASDI, referentes ao Decreto-Lei n.º 224/82, de 8 de Junho, que dá nova redacção a alguns artigos do Código de Processo Civil e do Código das Custas Judiciais.
Estão inscritos para a discussão os Srs. Deputados Armando Lopes, Vilhena de Carvalho e Carlos Candal.
Tem a palavra, para fazer a apresentação, o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Justiça, Srs. Deputados: O Decreto-Lei n.º 224/82, de 8 de Junho, provocou em todo o mundo forense as mais vivas reacções, particularmente entre os advogados.
É que o direito processual civil, em que tão unilateralmente se veio mexer, é um elemento fundamental da afirmação e segurança dos direitos de cada um.
O direito processual civil constitui um instrumento ao serviço do direito substantivo, assegurando a realização efectiva das normas do direito privado material.
Como dizia um eminente mestre, «é através da acção judicial e do respectivo processo que tais direitos e que tais normas revertem a natureza de verdadeiras normas jurídicas».
Alterar os direitos dos cidadãos é importante, mas igualmente é importante modificar radicalmente o modo judicial de assegurar esses direitos.
Definir e dar protecção aos direitos que dela necessitam é forma de tal modo relevante que desde muito cedo o Estado a assumiu, emprestando-lhe a sua soberania para lhe dar toda a dignidade.
Se a coacção é inerente à ideia do direito no sentido de que este beneficia da força do Estado, se dela tiver necessidade para se manifestar e exercer, o direito processual civil é o instrumento indispensável de que os cidadãos se podem utilizar para exercerem os seus direitos.
Mexer no processo é alterar as regras do jogo.
E mexer nas regras, quando isso se faz em profundidade, pode corresponder a alterar o próprio jogo e o efeito que com ele se pretende alcançar.
O Ministério da Justiça anunciou que iria proceder a uma reforma do processo civil e que ela seria gradual, aparecendo o Decreto-Lei n.º 224/82 como o primeiro diploma duma série que só terminará com a publicação de um novo texto completo.
Uma reforma gradual pressupõe, por definição, uma reforma por graus sucessivos, sendo essa graduação estabelecida em obediência a critérios, por exemplo, ou de importância, ou de complexidade.
Não parece porém ser esta a reforma prevista.
Ao contrário, parece que se alteram agora alguns preceitos, amanhã alterar-se-ão outros e depois ainda outros, mas sem obediência a qualquer escala de dificuldade ou de complexidade ou de importância.
É antes uma reforma total por conta gotas.
E com os inconvenientes que tais reformas necessariamente trazem: alteram-se preceitos concretos, mas sem se possuir da reforma uma visão global.
A frente teremos ocasião de ver algumas consequências do processo utilizado.
Contra este método se insurgiu a Ordem dos Advogados.
Mas, mais ainda, porque esta reforma aparece feita sem que a Ordem tenha minimamente colaborado nela- como por lei lhe compete -,e sem que tenha tido prévio conhecimento do projecto constante do Decreto, como o Bastonário da mesma ordem referiu ao Sr. Ministro, em carta que lhe enviou em Junho deste ano.
Depois também porque alguém elaborou várias alterações a fazer no processo civil e são essas alterações que vêm a obter consagração legislativa.
O Código do Processo Civil foi discutido, amplamente discutido, por uma comissão criada para o efeito, antes de ser publicado. E estávamos nos tempos fechados da ditadura.
A reforma de 1961 surgiu do trabalho de uma comissão criada para o efeito e continuávamos ainda nos mesmos tempos.
Para a reforma dos Códigos - como, por exemplo, do Código Administrativo- criaram-se sempre comissões de especialistas.
Neste caso concreto ataca-se e altera-se profundamente o Código do Processo Civil, e não há comissão nenhuma aberta que tenha discutido previamente as alterações que já se fizeram e as que se anuncia virão a fazer-se.
Dai e desde logo as reacções surgidas por todo o lado. inclusive nesta Assembleia da República e em todas as bancadas, que levaram para já à dilatação do prazo da vacatio legis para 1 de Dezembro.
Supomos que estas considerações justificam, por si e sem entrarmos sequer na análise do diploma, que a ratificação deste se não possa conceder desde logo por inteiro.
Ao contrário do que se anuncia no preâmbulo do Decreto n.º 224/82, entendemos que as alterações introduzidas não asseguram uma maior e efectiva celeridade no andamento das acções, entendemos que se coarctam legítimos direitos das partes, entendemos que não se alcança a desburocratização e simplificação do processo

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e entendemos que não se aligeira a actividade dos juizes e dos advogados.
Mas debrucemo-nos mais de perto sobre o diploma em causa.
A alteração do n.º 3 do artigo 26.º, sobre o conceito da legitimidade das partes, tem 2 partes distintas. Uma ao referir que o que interessa é a posição das partes em face da relação configurada pelo autor.
A interpretação comummente dada ao preceito na sua redacção anterior já ia nesse sentido. Vem-se agora consagrar legislativamente essa interpretação.
Estamos perfeitamente de acordo com a alteração feita a discordamos daqueles que vieram criticá-la com o fundamento de que se deveria deixar à doutrina e à jurisprudência estabelecer o conceito de legitimidade, com maleabilidade.
Temos para nós que as leis desempenham melhor a sua função se forem claras e inequívocas. A certeza jurídica é um valor apreciável no cabedal dos valores legislativos.
Não concordamos, porém, com a outra alteração, consistente em substituir a expressão «sujeitos da relação material controvertida» por «sujeitos da relação controvertida».
Ao suprimir-se a expressão «material» a relação controvertida ganha uma amplitude muito maior e pode entender-se por ela a relação processual. Deste modo, a simples propositura de uma acção contra alguém poderia só por si legitimar as partes, o que se nos afigura pura e simplesmente absurdo.
O aditamento do novo número ao artigo 138.º também nos não parece feliz.
Os actos processuais são pelo menos de 3 espécies, pela sua origem como se estabelece no Código de Processo Civil: os actos das partes (artigos 150.º e seguintes), os actos dos magistrados (artigos 156.º e seguintes) e os actos da secretaria (artigos 161.º e seguintes).
Aceitamos perfeitamente que se queira impor a normalização dos actos da secretaria. Já não aceitamos que se possa impor aos juizes um figurino ou um molde de gesso para despacharem ou para julgarem.
A actividade intelectual ainda pede muito ao valor pessoal de quem a desenvolve: o juiz não é, nem pode ser, ainda, um robot.
E muito menos toleramos que os advogados e os solicitadores, que são quem representa em principio as partes, ou o Ministério Público, quando exerce essa função, tenham de se subordinar a moldes estereotipados que os despersonalizam e reduzem a autómatos.
A medida é completamente inadmissível quanto a estas 2 espécies de actos processuais.
Quanto à nova forma de contar os prazos, algumas considerações.
Em primeiro lugar, não nos parece que os atrasos dos processos, que chocam as partes e o público em geral, se devam ao facto de se contarem os sábados, os domingos e os dias feriados. Na duração real dum pleito judicial isso é o que menos conta.
É geralmente, sabido que muitos tribunais estão atravancados de processos, ou por falta de juizes, ou por falta de funcionários, ou porque uns e outros não são, porventura, muito expeditos.
Todos sabemos também, os que trabalhamos nos tribunais, que uma das causas dos atrasos nas decisões é a marcação de diligências ou dos julgamentos para datas
muito afastadas, o que, aliás, muitas vezes é perfeitamente justificado, embora outras o não seja.
Quem atribui aos sábados, aos domingos e aos feriados a causa desses atrasos é perfeitamente irrealista.
Por outro lado, quem já alguma vez advogou sabe que o maior flagelo dos advogados são os prazos e sobretudo os prazos curtos.
Deu-nos sempre a impressão que o legislador, ao organizar o sistema processual que verteu no Código de Processo Civil, pensou numa acção e num advogado, não considerando que os advogados não têm só uma acção a seu cargo.
É evidente que se um advogado só estivesse encarregado de uma acção os prazos que o Código lhe marcava e agora se lhe querem marcar outra vez chegavam perfeitamente.
Só que não é assim, e daí que o ilustre deputado Sr. Dr. Mário Raposo, que é um distintíssimo advogado, com larga experiência dos tribunais, quando foi ministro tenha feito publicar o Decreto n.º 457/80, de 10 de Outubro, que excluía da contagem dos prazos os sábados, os domingos, os dias feriados e ainda as férias.
Recorde-se que esta regalia para as partes e seus advogados tem apenas 2 anos, mas calou fundo em todos os profissionais do foro.
Revogar este sistema de contagem e impor aos advogados prazos curtos de 5 ou 7 dias, com interposição de sábados, domingos e feriados, é exigir que os advogados trabalhem nesses dias... dias que as leis deste país, bem ou mal (e parece-nos que bem), consideram de legitimo descanso. E o mesmo se diga em relação às férias.
Nem se invoque em defesa do diploma a Convenção Europeia sobre o cômputo dos prazos. Em primeiro lugar, tal Convenção ainda não está em vigor entre nós, e depois, se ela for injusta, tem de sofrer as críticas devidas à sua injustiça e alterada logo que seja possível. Da Europa aceitamos as boas lições, não as más.
Mas há mais e mais graves a este propósito.
É que correm nas férias judiciais os prazos de duração igual ou superior a 30 dias... para as partes e, pois, para os advogados.
Mas não correm para os juizes os prazos para os vistos, para qualquer despacho ou para qualquer sentença, como se dispõe na alteração do artigo 159.º
Quer dizer, os juizes têm direito a férias descansadas, as partes e os seus advogados não. Para estes correm prazos, para aqueles não! Se isto não é discriminação, então não sabemos o que ela seja.
Ainda quanto a prazos, o n.º 1 do artigo 153.º merece uma referência especial.
Os prazos inferiores, a 30 dias não correm nas férias, isto é, a contagem de tais prazos suspende-se nas férias, mas o mesmo não acontece com os prazos de 30 dias ou mais.
Assim, um prazo de 5 dias que termine no dia 1 de Agosto, por exemplo, acaba por ter uma duração de 64 dias, enquanto um prazo de 60 dias que principie em 31 de Julho dura mesmo 60 dias.
Quer dizer, um prazo de 5 dias acaba por ter a duração de 64, duração maior que a de um prazo de 60 dias. dias.
O prazo de citação para uma acção ordinária, que é de 20 dias, se terminar em 1 de Agosto acaba por ter uma

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duração de 80 dias, enquanto um prazo de 60 dias tem sempre a duração de 60 dias!
Isto demonstra o absurdo da solução constante do diploma a ratificar.
Os aditamentos ao artigo 151.º sobre a forma de articular são, a nosso ver, perfeitamente inadmissíveis. Senão vejamos.
Começa por exigir-se, por um formalismo que nem sequer existia no tempo das ordenações, que os articulados sejam divididos em capítulos.
Depois fala-se de um capítulo destinado a factos e ilações que não devam ser objecto de especificação e questionário.
Quanto às ilações ainda se percebe. Quanto aos factos é que não. Porque nos termos do artigo 467.º, n.º 1, alínea c), os factos constantes da petição são os que servem de fundamento à acção e, portanto, em princípio, têm de ser levados ou à especificação ou ao questionário.
E como a lei não admite a prática de actos inúteis (artigo 137.º), não se entende que neste n.º 4 agora aditado ao artigo 151.º, se venha falar de factos articulados que não visem a especificação ou o questionário.
Este n.º 4 é, assim, totalmente aberrante em relação ao nosso sistema processual e ao próprio Código em que foi integrado.
Depois, a exigência de que cada artigo deve conter um único facto material é outra violência inaceitável e dificilmente compreensível.
Há factos complexos, interligados, que dificilmente se podem separar numa frase.
Por exemplo, se uma das partes diz que houve uma negociação em Lisboa em tal data, no local x, está a produzir uma frase completa e curta, mas que contém nada menos de quatro factos: o primeiro è que houve uma negociação; o segundo é que foi em Lisboa; o terceiro é que ocorreu em tal data, e o quarto é que se passou em determinado sítio.
A ter que se articular separando os factos uns dos outros por artigos, esta frase curta alargava-se por quatro artigos, os articulados passariam a ter quilómetros de extensão, sem vantagem real para ninguém. E ainda com inconvenientes e graves: é que o juiz, pelo novos sistemas, pode convidar o autor a apresentar novo articulado e condená-lo como litigante de má-fé, se entender que ele não respeitou a regra da separação dos factos.
E como há factos complexos, difíceis de separar, o preceito é perfeitamente odioso e denuncia um espírito persecutório dirigido contra os advogados que vivamente repudiamos.
Depois, ainda, a exigência de se reservar um só artigo para se indicarem os números dos artigos do articulado da parte contrária cujos factos se impugnam na íntegra; outro para os que se admitem na integra; outro para os que se impugnaram apenas em parte e outro para os que só em parte se admitem, é estabelecer baias perfeitamente absurdas para quem articula, cortando-lhe naturalmente o fio da exposição.
Isto não é de forma nenhuma aligeirar a actividade dos advogados, como se afirma no preâmbulo do decreto.
Quanto a serem dactilografados ou impressos os despachos, as sentenças e os acórdãos, aceita-se a inovação quanto à dactilografia, mas vemos com desconfiança a impressão da sentença e dos acórdãos.
Trata-se de um centralismo burocrático, que nos parece perigoso. O estatismo não joga bem como liberdade de decidir, de fundamentar e expor.
Quanto a poder o juiz justificar as decisões por simples adesão aos fundamentos indicados por qualquer das partes ou contidos em estudo ou decisão que se encontrem publicados, duas palavras apenas.
Quanto à adesão aos fundamentos indicados por uma das partes, a questão não é nova e já em 1939, quando da elaboração do Código de Processo Civil, ela tinha sido discutida amplamente, vencendo por grande maioria a teses contrária à que agora se quer pôr em vigor.
Já então se dizia que se havia juizes com brio e personalidade, como há, também os havia preguiçosos, desleixados e de recursos limitados - as expressões são do Prof. José Alberto dos Reis.
Pois bem, a simples adesão de um juiz pouco brioso aos fundamentos de uma das partes pode representar a sua dispensa de fazer um estudo cuidadoso do problema.
E sabemos todos como as questões nem sempre têm a solução que à primeira vista parecem ter quando se aprofunda o seu estudo.
Mas a adesão aos fundamentos contidos em estudo ou decisão publicados é bastante mais perigosa.
É que o artigo 158.º não exige a reprodução desses fundamentos, parecendo que basta uma simples remissão para esse estudo ou decisão.
E se o advogado de uma grande cidade tem a possibilidade de consultar rapidamente numa biblioteca o referido estudo, já o mesmo não acontece por essas comarcas de província fora, onde boas bibliotecas são raras e a sua consulta impraticável.
O processo deve ser transparente, a fundamentação clara; as partes devem entender com perfeita nitidez porque ganharam e, sobretudo, porque perderam.
A possibilidade estabelecida no novo artigo 167.º, de os oficiais judiciais praticarem actos judiciais sem a necessidade de mandato ou de documento que o substitua, é outra inovação inaceitável.
Salvo o devido respeito, é mais um elemento para instituir o regime da barafunda processual.
Quando é que se revela ser desnecessária a passagem de mandato?
Se o problema se deixa ao critério do escrivão, é manifesto que, perante a mesma situação, para uns se torna desnecessária a passagem de mandato ou de documento que o substitua e para outros não. E a uniformização que se pretende alcançar com este decreto desaparece imediatamente.
Mais: os advogados e as partes, com a simples existência de ordens verbais, perdem completamente o domínio da situação processual, pois a simples consulta do processo não lhes dá a saber quando principiou o prazo para que o oficial realize um determinado acto.
Depois, que documento pode substituir o mandato? O decreto não o diz e os tribunais ficariam sujeitos ao critério individual de cada escrivão. Será isto uniformizar?
Quanto à nova alínea b) do n.º 1 do artigo 274.º, a sua redacção é manifestamente pouco cuidada e talvez por isso excluiu da reconversão o pedido do réu para obter a compensação quando o seu crédito for igual ou inferior àquilo que o autor lhe pede.
Isto é o que resulta da referida alínea b), o que redundaria numa restrição inadmissível da possibilidade de pedir em reconversão àquilo que o Código já admitia e que a alteração feita justifica que não fosse excluída.

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Quanto à identificação das partes referida na alínea a) do n.º 1 do artigo 467.º, parece-nos que sem a indicação dos seus nomes podem criar-se situações de confusão e alguém ser citado indevidamente, vendo-se na necessidade de contestar uma acção que afina] pode não ser contra ele.
Já aceitamos o resto do preceito, como também a alteração do artigo 619.º
Quanto ao artigo 490.º, a substituição da expressão «especificamente» por «expressamente», bem como a eliminação do n.º 3, parece-nos apenas ser um reflexo da forma de articular constante do novo artigo 151.º, que não aceitamos, como atrás dissemos.
Grandes alterações de vulto foram estabelecidas nos artigos 510.º e 511.º, com as quais também não concordamos.
Assim, logo a seguir à audiência preparatória qualquer das partes pode apresentar um projecto de especificação questionário, mas só quando entenda que o processo não deva ser julgado no despacho saneador. E aí começam as dificuldades.
É que a parte contrária pode entender que o processo não tem de ser julgado no saneador. E então só esta pode apresentar o projecto de especificação e questionário.
Se o juiz for de opinião que o processo não tem de ser julgado no saneador, lá temos uma parte em vantagem sobre a outra.
Porém, se a parte que entende que o processo tem de ser julgado no saneador quiser acautelar-se, então apresentará também o seu projecto.
Mas como o juiz pode concordar com ela e julgar o processo no saneador, aí temos uma actividade perfeitamente inútil e, quiçá, trabalhosa.
Isto não é aligeirar de forma nenhuma a actividade dos advogados.
Mas se o processo prosseguir, novo imbróglio é possível.
Se o questionário não estiver organizado no prazo de 60 dias qualquer das partes pode apresentar um projecto de especificação e questionário. E então, em lugar de 2 projectos passam a figurar no processo 4 projectos de especificação e questionário. E o juiz, que até hoje tinha de estudar apenas os articulados, agora terá de estudar estes e mais 4 peças processuais naturalmente complicadas.
Isto não é de forma nenhuma aligeirar a actividade dos juizes, mas, muito pelo contrário, complicá-la, embrulhá-la e metê-la numa teia muitas vezes inextrincável de peças processuais.
Também não podemos aceitar que se não possa reclamar da especificação e questionário e que tenha necessariamente de se agravar.
Pela experiência de muitos anos dos tribunais, sabemos quantas vezes uma simples reclamação resolve problemas que agora só com recurso se podem resolver.
Evidentemente que uma reclamação é muito mais simples de fazer que uma minuta de recurso, que até pode revelar-se inútil se o juiz reparar o agravo, mas que implica trabalho perfeitamente escusado e que uma simples reclamação muitas vezes resolve.
Isto também não é aligeirar a actividade dos juizes e dos advogados.
Outra aberração é sobre a disposição que admite o aditamente provisório de quesitos.
Com efeito, vai-se oferecer e produzir prova sobre esses quesitos provisórios que, afinal, podem vir a não interessar, e isto representa um alongamento escusado do julgamento e um aumento de despesas para as partes com testemunhas que, porventura, seriam dispensáveis, bem como uma limitação forçada do rol para dele fazerem parte testemunhas para provarem quesitos que podem vir a não ter interesse nenhum.
Depois só o tribunal da relação pode aproveitar a prova resultante desses quesitos. Quer dizer, o tribunal da primeira instância ouve a prova, responde aos quesitos, mas mesmo que depois venha a entender que eles são de interesse para a causa não pode julgar com base nesses mesmos quesitos.
Tudo isto nos parece um verdadeiro absurdo!
Depois, ainda, o juiz que formula esses quesitos provisórios, se eles forem em grande número, pode excluir aqueles, diz a lei, cuja inadmissibilidade considere evidente.
Ora, para o juiz que não reparou o agravo ê evidente que todos os quesitos que não aceitou nem devem ser admitidos. Então de que critério se serve para excluir só alguns?
Mais. Quando é que os quesitos são em grande número? Se forem mais de 5 ou mais de 50?
Tremenda confusão legislativa a traduzir-se, na prática, nas mais dispares soluções judiciais.
Mais ainda. O juiz tem um prazo de 14 dias para proferir o despacho saneador e elaborar o especificação e o questionário. No entanto, o n.º 7 do artigo 511.º prevê que, afinal, o juiz pode infringir essa obrigação legal.
Por um lado, obriga, por outro, paternaliza a infracção. Absurdo!
Uma lei não pode impor uma obrigação e ao mesmo tempo aceitar como legítimo o seu não cumprimento.
Quanto ao prazo para a apresentação do rol de testemunhas ou para o requerimento de quaisquer outras provas, o artigo 512.º diminuiu-o de 10 dias para 7, o que se não explica, pois é em face do questionário acabado de proferir que as partes ajuízam da prova que hão-de procurar. E nem sempre é rápida essa busca.
Quanto a repetição do julgamento da matéria de facto, o sistema criado pelo novo artigo 635.º-A é também confuso e a nosso ver perfeitamente errado.
O julgamento é um todo. As respostas dadas num sentido dependem sempre do critério de quem as dá.
A anulação de determinadas respostas podem implicar uma alteração do critério que foi seguido, quer pelo próprio sentido de anulação, quer porque podem ser outros juizes a julgar.
E a ser assim poderia haver um julgamento em que as respostas fossem dadas com 2 critérios diferentes.
De resto, na lógica da anulação do julgamento está naturalmente a sua repetição por inteiro.
Mas mais. Se o tribunal entender que afinal a nova resposta o obriga a pronunciar-se sobre outros quesitos, como vai fazer? Serve-se apenas das testemunhas ouvidas aos quesitos anulados? Adia o julgamento e convoca também as testemunhas que já foram ouvidas a esses outros quesitos? Ou repete toda a prova?
O preceito é verdadeiramente estranho e sobretudo criador de situações delicadas que uma repetição total do julgamento evitava.
Não se concorda com a limitação que no artigo 678.º se estabeleceu a faculdade de recorrer proibindo-se nos casos em que o valor da parte vencida por manifestamente igual ou inferior à alçada do tribunal de que se recorre. A solução é absurda.

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Eis a sua demonstração casuística. Suponhamos que o autor pede num tribunal de comarca uma dívida de 240 contos e que o juiz a reconhece apenas por 120 contos.
O autor perde 120 contos e, não obstante o valor da acção ser de 240 contos e ter pago sempre os preparos por esse valor de 240 contos, não pode recorrer para a Relação.
Suponhamos que pede 800 contos e que o Tribunal da Relação lhe reconhece apenas o direito a 400 contos.
Apesar de o valor da acção ser de 800 contos e ter pago os preparos sempre por esse valor de 800 contos, o autor não pode recorrer para o Supremo.
Também se não concorda com o facto de se ter acabado com a possibilidade de se alegar na segunda instância no recurso de apelação.
É evidente que o oferecimento posterior das alegações desde sempre facilitou o trabalho dos advogados.
De resto, a complexidade dos problemas exige muitas vezes um estudo aturado que se não compadece com alegações imediatas.
O prazo para alegar pode existir ou na 1.º ou na 2.º instância, sem que por isso o processo tenha necessariamente de se atrasar.
Os atrasos nos julgamento não se prendem com a circunstância de se alegar num tribunal ou noutro.
Depois todo o sistema de apreciação do erro, da espécie ou do efeito do recurso e do não conhecimento do seu objecto é totalmente subvertido pelo novo sistema que vem complicar tudo. E sem justificação, porque a questão podia morrer antes sequer de haver alegações, o que agora se torna impossível.
Alega-se obrigatoriamente e o tribunal superior pode nem sequer conhecer do recurso.
Isto não é simplificar o processo, nem aligeirar a actividade dos advogados.
Finalmente, não aceitamos que se tenha estabelecido o prazo de 21 dias para a contestação nos processos sumários, igual ao prazo que se fixou também para a contestação nos processos ordinários.
Pelo melindre e valor dos interesses em discussão, justifica-se plenamente, a nosso ver, que nos processos ordinários o prazo para se organizar a contestação seja maior.
Pelas razões expostas entendemos que não deve ser aprovada a concessão de ratificação.

Aplausos do PS e do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: A ninguém será fácil contestar a necessidade, porventura mesmo a urgência, de se rever o Código de Processo Civil, sobretudo quando se pense - e julgamos que é caso do actual Ministro da Justiça - que não é «lisonjeira a imagem da aplicação de Justiça em Portugal», para que não pouco ajudaria a contribuir aquele Código.
Apesar de se tratar de um ramo de Direito de carácter instrumental, ou até por isso, compreende-se como pode comprometer-se, quer em tempo, quer em qualidade, a justiça procurada e desejável, através de normas que entorpeçam, mais do que aligeirem, a acção dos tribunais; que sobrecarreguem, mais do que aliviem, o trabalho de todos os colaboradores da justiça e que não contribuam, antes obstaculizem, a tornar pronta a resolução dos problemas e a satisfação dos legítimos direitos e interesses, em litígio, dos cidadão.
Que o conjunto de normas instrumentais de processo deve possibilitar a pronta e eficaz aplicação das normas substantivas, sem quebra do reconhecimento dos direitos de defesa dos cidadãos que também lhe cabe assegurar e não comprometer, é de uma evidência que não carece de demonstração.
E se nos lembrarmos do ritmo vertiginoso com que o direito substantivo tem vindo a ser criado, numa preocupação de se ajustar às constantes mutações da realidade social e ainda das alterações operadas, em diversos domínios e aspectos, na orgânica e funcionamento dos tribunais, logo se perceberá que também o Código de Processo Civil tem ficado para trás e o mesmo é dizer que não se torna difícil reconhecer a necessidade da sua actualização ou mesmo reforma profunda e geral.
Se o Ministério da Justiça o não reconhecesse estaria, no mínimo, desatento. Mas dessa desatenção não pode acusar-se o Ministro.
De facto, em 6 de Julho de 1981, em sessão solene no Supremo Tribunal de Justiça, com uma assistência selecta de juizes, profissionais do foro, representantes dos partidos da oposição e a ausência notória dos representantes dos partidos da maioria, cujos lugares reservados se mostravam vagos, teve lugar a apresentação do plano de reforma do Código de Processo Civil por parte do próprio Ministro da Justiça.
Dessa apresentação, destaco a passagem seguinte: «uma lei de processo civil, a interessar sobretudo aos profissionais de Direito, só pode ser obra deles e, nesta conformidade, o Ministério da Justiça, pela voz do seu responsável, declara só avançar com a redacção dos pertinentes projectos de articulado relativamente àquelas orientações que venham a merecer uma significativa adesão».
Fez-se a precedente citação para justificar algumas perguntas que passo a formular: continua o Ministro da Justiça a pensar que uma lei de processo civil, apesar de interessar sobretudo aos profissionais de Direito, «só pode ser obra deles»?
Quem são para o Ministro da Justiça os profissionais de Direito? Pode o Ministro da Justiça esclarecer sobre se o decreto-lei ratificando foi só obra deles, ditos profissionais de Direito?
Mais concretamente ainda: pode o Ministro da Justiça afirmar que a Ordem dos Advogados, como associação de classe de uma parte importante do que usou chamar-se de profissionais de Direito, deu ao menos o seu voto de conformidade ao texto final que consubstancia o Decreto-Lei n.º 224/82, de 8 de Junho? E as soluções vertidas neste decreto-lei consideram-se o resultado de uma significativa adesão?

Sr. Presidente. Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: O método e os propósitos anunciados pelo Ministro da Justiça para a reforma do Código de Processo Civil, concitando a participação nos trabalhos preparatórios dos mais directa e supostamente interessados, não seria desprovido de méritos se a colaboração solicitada tivesse sido efectiva, por um lado, e se, por outro a ponderação da valia dos contributos houvesse logrado alcançar, equilibradamente, as soluções mais ajustadas, quer às necessidades, quer aos objectivos que se pretendem alcançar com a reforma do Código de Processo Civil.
Sem entrarmos na discussão sobre a questão de saber se deveria antes ter-se optado por uma revisão global e

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profunda de todo o Código e não por uma revisão processada através de sucessivos actos legislativos, já que foi esta última a linha de orientação seguida, somos conduzidos a uma breve tomada de posição sobre o primeiro desses actos, ou seja, o decreto-lei ratificando.
Na sequência do que vínhamos observando, temos de fazer o reparo de que a Assembleia da República foi afastada do iter legis pelo Ministério da Justiça sobre a matéria.
De facto, o Governo quis assumir-se como autor legislativo. Não optou, como em outras ocasiões, pela via da proposta de lei a discutir na Assembleia, ou mesmo pelo pedido de autorização legislativa com exame simultâneo do projecto de decreto-lei.
Dir-se-á que a Assembleia podia, como se verifica, usar do instituto de ratificação. Mas a verdade é que se trata já de um juízo a posteriori.
Que temos de fazer, naturalmente.
Desde logo chamando a atenção para o facto de a ratificação do Decreto-Lei n.º 224/82 ter sido pedida não apenas por deputados da oposição, mas também por deputados de todos os grupos parlamentares da maioria, o que deixa transparecer quão alargado é o interesse no reexame da matéria.
A esse reexame nos disporemos, na especialidade, já que auguramos não ser de todo em todo recusada a ratificação, face à necessidade, que também reconhecemos, da revisão do Código de Processo Civil.
Não sendo este o momento nem o lugar adequado para as críticas, ponto por ponto, do articulado legal, não podemos eximir-nos a salientar desde já algumas das soluções que temos por francamente negativas e que devem ser tomadas, pelo que nos diz respeito como, por si só, justificativos do pedido de ratificação que também subscrevemos.
Assim, chamamos a atenção para o facto de o encurtamento de prazos para que se pretende funcionar, quase sempre em desfavor das partes e de quem as patrocina, sendo mais aparente que real o resultado de uma maior celeridade processual, na medida em que não fica garantida, nem assegurada, por essa via a decisão atempada que uma justiça pronta sempre deveria exigir para ser eficaz.
O decreto-lei reflecte, por outro lado, o elevado grau de influência que a componente judiciária teve na sua feitura.
Daí que a preocupação de facilitar, reduzir e nalguns casos eliminar a actuação dos juizes, no que em parte pode ser defensável, tenha logrado o seu intento á custa de maiores exigências e nalguns casos bem despropositados, incómodas e atribiliárias aos advogados, solicitadores ou meros oficiais de justiça.
A repartição dos custos de uma reforma que se impõe terá de ser equitativa, sob pena de mais parecer uma carta de privilégios para a classe de juizes, com a contrapartida de encargos para a classe de advogados com as consabidas consequências para as partes a favor de quem, em última análise, a reforma deveria funcionar. No que as estas diz respeito e aos seus patronos também, o alargamento dos casos passivos de condenação por litigância de má-fé em multa e indemnização revela, no mínimo, um posicionamento persecutório que roça as fronteiras do patológico o que, desacompanhado do poder de recurso nas acções que pelo seu valor o não permitam, representará mesmo um atentado contra direitos fundamentais do cidadão, traduzindo-se numa clara violação da Constituição.
O incumprimento do encargo de articular os factos fundamentais não pode, assim, dar lugar a uma condenação por litigância de má-fé; quando muito, deverá conduzir à impossibilidade de produção de prova, em fase de julgamento, sobre os mesmos factos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Acabámos de apontar algumas soluções e ideias-força expressas no decreto-lei ratificando que exigiriam, só por si, uma reponderação do texto legal.
Temos esperança que esta se fará nos termos e com a profundidade exigidas não apenas pelos juizes, mas pelos demais colaboradores da justiça e, sobretudo, para o máximo prestígio das instituições e da melhor defesa dos que, em busca de justiça, se sentem obrigados a recorrer aos tribunais.

Aplausos do PS.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Oliveira Dias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Os advogados têm o direito de falar sentados, os deputados devem falar de pé, e é nesta segunda qualidade que intervenho, não esquecendo, todavia, que esta é uma temática especializada em que os advogados têm naturalmente uma palavra a dizer.
A palavra dos advogados de província, dos advogados da barra, do quotidiano, tem necessariamente que ter um peso assinalado nesta discussão. Porque na província se lida com juizes bons e juizes maus - e essas divergências de capacidade são ai mais acentuadas do que nos grandes centros e se constata muitas vezes a falta de juizes -, talvez seja na província onde se faz maior dilação, maior chicana processual.
Antes de tecer algumas considerações críticas a este diploma, gostaria de fazer o elogio do magistrado - conselheiro Campos Costa - que esteve na base da sua feitura. É uma pessoa de alta capacidade, de enorme conhecimento de direito processual comparado, especializado na racionalização do trabalho e da eliminação dos tempos mortos.
Devo, no entanto, dizer que esta primeira tranche do seu labor não é feliz, padece em muitos aspectos de falta de realismo e, porventura, de falta de conhecimento de como se passam as coisas no quotidiano dos tribunais de comarca, nas pequenas terras deste país.
De qualquer maneira, porque sobrelevará um sentido crítico das intervenções desta Assembleia, gostaria de lhe dizer do apreço que temos pelo esforço que desenvolveu e pela consulta que fez aos juristas e à opinião dos técnicos, embora seja facto que essa consulta não foi realizada pelos seus modos institucionais mais correctos.
O Código do Processo Civil precisa de uma grande reforma, de uma reforma de fundo, porventura da filosofia de toda a estrutura do processo civil. Entendeu-se não ser ainda oportuna e optou-se por «maquilhar», retocar, pintalgar, as mazelas mais evidentes da face já fanée deste diploma. Enfim, era aceitável que assim se fizesse, era uma maneira de actualizar, no imediato, o diploma.
Mas, desde logo, penso que não foi feliz a solução dos «folhetins», passe a expressão. Suponho que se trata de uma perda de tempo e pense-se concretamente nesta

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situação: estamos hoje a aqui a apreciar a baixa para ratificação deste diploma e, porventura, dentro de 2 meses teremos de apreciar a segunda prestação - e depois a terceira e depois a Quarta - da actualização reformista do Código de Processo Civil. Teria sido preferível um diploma único e julgo que não voltará a repetir-se isto, que se me afigura ser um erro.
No concreto, não vou debruçar-me na especialidade. Apresentei algumas propostas depois de sondagens que fiz a profissionais - quer a advogados, quer a juizes -, e elas aí estão.
O meu camarada e colega Dr. Armando Lopes debruçou-se aprofundadamente sobre diversos temas. Devo dizer, aliás, que não concordo com algumas afirmações técnicas que produziu e este é um dos dramas das formas jurídicas: é que os advogados, mais dos que os Portugueses em geral, são divergentes, são opinosos e insistem - são, porventura, teimosos - nas suas teses.
Estou convencido de que há algumas criticas a este diploma sob ratificação em que se fará unanimidade e a ver vamos na discussão da especialidade.
Gostarei, no entanto, de assinalar alguns temas. Por exemplo, começando perto do fim, o artigo 4.° do decreto-lei, cujos n.ºs l e 2 são preceitos que padecem de manifestas inconstitucionalidades. Não é pensável que o Ministério da Justiça - e muito menos por portaria - possa criar tribunais experimentais. Isso é-lhe vedado, pois a criação de quaisquer tribunais é matéria da competência reservada da Assembleia da República.
E é muito menos pensável que esses tribunais possam deixar de observar as disposições legais que versem sobre as leis de processo e de custas e sobre técnicas de organização e funcionamento das secretarias judiciais, mesmo quando se acautela que não se devam afectar os direitos das partes. Só que eu pergunto os que são os direitos das partes? É evidente, que para mim, este artigo 4.º é um nado-morto, que terá de ser eliminado.
Quanto ao artigo 151.° do Código de Processo Civil, que é aquele onde se ensina a articular, aceito que nem todos os advogados articulem correctamente. Porém, penso que não é com uma disposição destas que se didactiza a actividade dos causídicos deste país - e isso tem a ver com a Ordem dos Advogados, com o estágio, com o bom senso, com o aprofundamento técnico e tem a ver com os juizes a quem nos destinamos.
Daí o pensar que todo este preceito deva ser eliminado, ainda que corra o risco de ser considerado um conservador em matéria processual. E estou à vontade para o dizer, ainda que tenha de emparelhar com um homem que, sendo uma fascista - o Prof. Antunes Varela - e tendo sido um gravoso responsável pelo período negro da nossa história anterior ao 25 de Abril, é um jurista eminente que, a propósito deste preceito, diz tratar-se de um regulamento militarizante. Eu, que sou civilista na vida e na maneira de pensar, concordo com essa sua afirmação.
Um outro preceito que se me afigura dever ser totalmente eliminado é o artigo 510.°, que diz que os advogados podem apresentar projectos de especificação e questionário. Se se pretende com esta reforma evitar dilações, acelerar o processado, quem andar quotidianamente nos tribunais desde logo se apercebe de que aqui se encontra um óptimo meio para fazer parar os processos, ao contrário daquilo que se pretende.
Basta imaginar uma acção onde haja 4 autores , 5 réus -e não são tão pouco frequentes como isso-, em que cada uma das partes apresente um projecto de especificação e questionário. Como é? Como é que o juiz, que não teve tempo para elaborar a sua própria quesitação, vai desenvencilhar-se dessa floresta de palpites, com cada qual a «puxar a brasa à sua sardinha», cada qual a elaborar um projecto inaceitável, tecnicamente mal elaborado, porventura ainda mais confuso e prolixo do que os próprios articulados?
O n.º 5 do artigo 512.º estipula que «Não constituem caso julgado as declarações genéricas do despacho saneador acerca da inexistência de excepções dilatória se de nulidades...», mas penso que se devia ter consagrado exactamente a regra contrária. E vai nesse sentido uma proposta que apresento e que é a seguinte: «Esta decisão, no que se refere à alínea a) do n.° l, ainda que proferida em termos genéricos, constitui caso julgado, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 104.° [...]» que é o da incompetêcia absoluta -«[...] e da superveniência de factos que aí se repercutem». Isto é uma disposição economicista - não a outra, que permite que ao fim de, por hipótese, 5 anos de processado venha do Supremo Tribunal novamente à 1.ª instância o porcesso para tudo recomeçar de novo. Mais 5 anos de pastor o advogado servira e a parte reclamara da morosidade da justiça!...
O artigo 511.° é também totalmente inaceitável, salvo o seu n.º 8, que merece o provimento. Já foram feitas bastantes considerações acerca deste tema e já foi sublinhado o carácter chocante, aleatório do n.° 6, quanto ao «caso de o pedido de aditamento se referir a um grande número de requisitos». E esta é, porventura, a expressão mais chocante: o que é isso de «um grande número de quesitos»?
Quanto ao prazo de 60 dias, devo dizer que este preceito, bem como o n.° l do artigo 510.°, é de algum modo um convite à inércia e à calacice de alguns juizes, que os há com essa característica. Portanto, deste preceito só se salvará o n.° 8.
Há temas mais polémicos, mas vou apenas referir-me a um último ponto. Penso que não se fez, em contrapartida, o que se devia ter feito e que era admitir a possibilidade de, quando a simplicidade da acção o justificar e desde que não se verifique a oposição expressa de qualquer das partes, poder o juiz prescindir da especificação e questionário.
Julgo que esta seria uma medida de poupança processual, embora não adira à ideia de se abolir generalizadamente a especificação e questionário, pois penso que o nível técnico da nossa magistratura e a maneira de articular dos advogados ainda o não permite. No entanto, penso que se poderá fazer nestes moldes mais um ensaio moderado porque a experiência processual com os divórcios não contestados tem sido frutuosa e eficaz.
Não adiantarei mais. Penso que, com os retoques na especialidade, este diploma poderá obter a ratificação e então entrar em vigor, não sei bem quando, mas penso que lá para Janeiro. Não concordo com a ideia expressa por alguns profissionais do foro de que, bom ou mau, era que fosse andando... Não! Este diploma deve ser sustado até ser corrigido. Essa instabilidade de se legislar, hoje, no «sim», amanhã, no «não» e depois, no «talvez» - e lembro-me, por exemplo, da tristeza dos sucessos quanto aos diplomas sobre avaliações fiscais para efeitos de actualização de renda que em qualquer país de democracia mais evoluída do que a nossa teria feito sucumbir imediatamente o ministro titular da respectiva pasta! -,

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essa instabilidade de se legislar hoje, de se rectificar amanhã, de se contrariar depois de amanhã, não pode ser aceite.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Muito bem!

O Orador: - Daí que este diploma deva ser suspenso até que seja corrigido no que merecer maior consenso crítico desta Assembleia.

Aplausos do PS, da ASDI e de alguns senhores deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se for concedida a ratificação ao Decreto-Lei n.° 224/82 este entrará em vigor no dia l do mês imediatamente seguinte ao decurso de l mês sobre a data da sua ratificação, para usar a inovadora e inédita terminologia jurídica descoberta naquele diploma.
Cremos, porém, que mesmo a ser concedida a ratificação, não haverá tempo para que o diploma entre em vigor com as alterações que seguramente irão surgir, tantas e tão variadas são as críticas surgidas de vários quadrantes.
Não estamos entre os que se arrepiam com o decreto-lei por, de alguma forma, quebrar o conservadorismo instalado. Encontramo-nos, sim, entre aqueles que entendem que este primeiro passo indica, desde logo, que não se avançará o desejável na alteração das regras processuais.
A forma como se vem processando a reforma do processo civil tem sido duramente criticada. E, na verdade, não terá sido a melhor a forma encontrada para se atingirem os novos princípios que terão de informar a estrutura do processo civil.
Os trabalhos preparatórios da reforma são entregues a uma só pessoa, que reúne questões, casuisticamente, promove inquéritos, recolhe sugestões que o Sr. Ministro acolhe ou não aqui ou ali, ficando-se sem saber, por exemplo, se irão prevalecer os princípios da justiça material, ou se, bem pelo contrário, nos quedaremos ainda pela consideração da justiça formal.
Não se trata de discutir o perfil da pessoa que orienta os inquéritos porque nada supera um debate amplo, uma troca viva de opiniões, enfim, uma discussão aberta, que conduzirá, essa sim, a uma reforma feita de uma forma estruturada e conexa.
A metodologia seguida dá origem a que esta reforma aos bochechos possa surgir com um conteúdo hoje afirmado, amanhã negado e, quiçá, talvez reafirmado depois.
É o que está acontecendo. Surgidas estas alterações após o segundo e terceiros inquéritos promovidos, fala-se já em novas alterações ao Código de Processo Civil, algumas das quais serão alterações às alterações, e talvez que a Assembleia da República se veja a braços com as alterações das alterações das alterações.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - E com tudo isto corremos ainda o risco, e este é o mais grave, de vermos paralisada a discussão de alterações inovadoras propostas nesta Assembleia da República.
O precedente do Código de Processo do Trabalho é um triste exemplo. Publicado de chofre quando era sabida e consabida a existência de alterações propostas ao Código de 1979 que estava suspenso, o Código de Processo do Trabalho do Sr. Ministro da Justiça manteve na sua quase totalidade o velho Código, piorando mesmo algumas das suas disposições. Bem anunciou o Sr. Ministro que no período da vacatio legis se recolheriam sugestões a introduzir no texto do diploma. Continuamos a aguardar o cumprimento da promessa. Entretanto o Código entrou em vigor, tal como foi concebido, e não se vislumbra que possa sofrer qualquer alteração.
É isto que seguramente se irá passar com o Processo Civil.
O Governo introduzirá as alterações que bem entender, as alterações das alterações, e será surdo a qualquer proposta de que possa resultar nova e avançada perspectiva.
O decreto-lei em ratificação não resolve, quanto a nós, algumas das questões fundamentais.
Com o fito ou a alegada intenção de pôr em dia os tribunais, as alterações retiram aos juizes algumas das tarefas, reconhecendo-se por vezes a impossibilidade de incumprimento dos prazos, e pretendem conseguir a celeridade processual à custa das partes e dos seus mandatários. Por vezes mesmo com monstruosidades jurídicas, em que se adivinha a futura inconstitucionalidade. É o caso do n.° 2 do artigo 158.° Aí se estabelece que na decisão o juiz, até agora obrigado a fazer a crítica dos fundamentos invocados e a pronunciar-se depois por uns ou por outros, se limite a referir em forma usada vulgarmente no foro: «Dou como reproduzidos os fundamentos invocados pelo Autor (ou pelo Réu)» ou «dou como reproduzido o acórdão, inserto na colectânea de jurisprudência, ano y, a fls. z».
É um convite à ignorância, ao comodismo, é a transformação do juiz num simples ficheiro de decisões anteriores.
A celeridade processual não passa por uma justiça pobre. Passa, sim, por meios humanos e materiais que escasseiam nos nossos tribunais.
E nem se venha dizer que já há juizes suficientes. Os que existem continuam assoberbados com problemas da mais diversa índole, que vão desde julgamentos sumários a julgamentos de questões de trabalho, passando pêlos processos-crime, por variadas questões cíveis, pela apreciação de matérias próprias dos tribunais de família.
Por outro lado, que preparação se dá a funcionários recém-chegados de uma escolaridade que funciona deficientemente, que se vêem a braços com questões de alta responsabilidade, que não sabem sequer, e por exemplo, onde chegam os seus deveres numa notificação judicial avulsa, confundindo, por vezes, o despacho do juiz com uma decisão de mérito? E que dizer ainda dos meios materiais para formação e estudo, mesmo por parte dos magistrados, quando nem sequer há verba que chegue para fotocopiar projectos ou propostas de lei destinadas à informação dos magistrados?
Monstruosidade jurídica é ainda o que consta do n.° 5 do artigo 151.º Compreendemos o que levou às alterações constantes dos números anteriores no respeitante ao formalismo dos articulados. A sua redacção acompanha, no entanto, na sua infelicidade o artigo respeitante à vacatio legis, o que levou a exemplificações curiosas: tomando à letra a redacção da alínea a) do n.° 3 - cada artigo, cada facto -, as petições e contestações atingiriam facilmente uma centena de artigos.

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Mas onde a monstruosidade existe verdadeiramente é na condenação da parte como litigante de má-fé se não cumprir o despacho do juiz que ordene a apresentação de novo articulado, em conformidade com a letra da lei. Não é raro existirem magistrados capazes de uma interpretação ultraformalista da lei. Choveriam assim os despachos de aperfeiçoamento com o consequente risco da condenação em litigância de má-fé. Aqui, o legislador esqueceu mesmo o conceito de litigância de má-fé, tipicizado no n.° 2 do artigo 456.° do Código de Processo Civil, que o decreto-lei não altera.
Discordamos ainda da «inovação» do n.º l do artigo 678.° Mais uma vez, aqui, o legislador quer aliviar os tribunais, e agora os tribunais superiores. Já o fez com a subida excessiva das alçadas, tapando a via de recurso a muitas acções. Ao estabelecer que o vencido ou prejudicado apenas pode recorrer se as decisões lhe forem desfavoráveis em valor manifestamente igual ou inferior à alçada do tribunal de que se recorre, pretende, mais uma vez, aliviar os tribunais à custa dos direitos dos cidadãos.
Tal dispositivo pode permitir arranjos para impedir recursos, e é altamente gravoso. Vejamos um exemplo. Uma mulher (ou um homem) - mas, neste caso concreto, é mais vulgar serem as mulheres - propõe uma acção de alimentos definitivos, pedindo uma pensão de 4000$ por mês, pedido que admite recurso. Perante os factos provados, o tribunal apenas lhe concede 1500$ por mês. Tal mulher ou homem fica, assim, impossibilitado de recorrer à apreciação do tribunal superior. É, de facto, inadmissível!
E que dizer, por outro lado, da anulação parcial do julgamento das questões de facto? Vai permitir arranjinhos nas respostas aos quesitos para os contornar com resposta dadas a outros, já que tal representará menos incomodidade. O artigo é já de si um convite ao alijar de trabalho que, na prática, poderá redundar numa justiça formal, bem afastada da material.
Muitas outras questões se nos colocam relativamente ao diploma. Como, por exemplo, a redução do prazo do rol de testemunhas de 10 para 7 dias (já aqui referido), que na prática redundará num encurtamento maior, pois se contarão os sábados, domingos e feriados, ao contrário do que hoje sucede. Isto é também uma lesão grave dos direitos das partes.
Por outro lado, e ainda, que certeza ou segurança jurídica resultará do regime experimental previsto para tribunais a definir por portaria do Ministério da Justiça? Será mesmo que o Governo pretende eximir-se ao controle desta Assembleia, já que a portaria não admite pedidos de ratificação?
Dissemos no inicio que considerávamos este decreto-lei índice de que a reforma não iria avançar o desejável. Com efeito, não vemos tocadas algumas das questões que consideramos fundamentais. Será ou não de reduzir o número de articulados nas acções ordinárias, já que, pelo menos a tréplica e a resposta à tréplica, se têm revelado peças processuais que embaraçam o andamento do processo. Será ou não de eliminar a especificação e o questionário? Há quem continue a considerar esta uma peça fundamental do processo. Mas há também quem alegue que tal peça processual espartilha a matéria fáctica, impedindo muitas vezes a justiça material. E, por outro lado, será ou não de permitir a gravação de depoimentos das testemunhas, mesmo perante o tribunal colectivo, como forma de realização da tal justiça material, sabendo-se, como se sabe, que em caso de recurso
para a Relação nenhuma - ou quase nenhuma - possibilidade tem as partes de vencer aquilo que ficou provado na 1.ª instância?
Nasceu sob mau signo este decreto-lei. Por um lado, sofre ataques dos que são avessos a inovações e se satisfazem com o status quo. Por outro lado, no meio de soluções incorrectas, está de facto esvaziado do fundamental em matéria de revisão de processo civil.
No seu pretendido, mas não conseguido, meio termo, este decreto-lei não podia, por isso mesmo, ter acolhimento favorável.
Como até agora resulta claramente do debate e das propostas apresentadas na Mesa pêlos grupos parlamentares da maioria, o decreto-lei vai sair desta Assembleia retalhado e emendado. O que se pode temer é que saia ainda mais desfigurado do que quando entrou. Da nossa parte, com as propostas que apresentaremos, tudo faremos para que isso não suceda.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faço notar que dispomos apenas de 15 minutos até ao encerramento da sessão, tempo que espero seja compatível com a intervenção que o Sr. Deputado Jorge Sampaio vai produzir.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Isto é um exemplo típico daquela velha frase: «V. Ex.ª poderá estar mal com os políticos por via da política e mal com os advogados por via do processo.» Pela nossa parte não se trata nem de uma coisa nem de outra porque não me parece que em tomo deste Decreto-Lei n.° 242/82 esteja, digamos, em risco a posição do Governo, nem certamente estará em risco u posição da oposição.
Com isto quero dizer, Sr. Ministro, que é absolutamente indispensável desdramatizar este debate. Desdramatizá-lo é absolutamente indispensável porque temos aqui, sob o fogo cruzado de críticas que até agora foram feitas, e que são justas, aquilo que é a verdadeira angústia do nosso tempo, em Portugal, e que se resume, quer a propósito do processo, da balança da pagamentos, do orçamento ou das nacionalizações, numa verdadeira, frontal e dramática falta de discussão entre os interessados. E quando esta discussão não existe, e quando porventura (oxalá assim não seja) o Sr. Ministro quase que vê, digamos, todo o seu Ministério em torno do Decreto-Lei n.° 224/82, penso que nós todos exageramos e que vai sendo altura de nos debruçarmos sobre isto numa perspectiva que tem, necessariamente, de ser de consenso em relação a coisas tão elementares, tão comezinhas e, ao mesmo tempo, tão pouco ideológicas como os prazos judiciais ou as funções das secretarias judiciais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, a primeira coisa, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro, será a de que nós temos de evitar a armadilha que este debate, como em debates semelhantes, põe sempre a esta Câmara, que é, por um lado, a de criticar qualquer reforma numa perspectiva conservadora, ou, por outro lado, a de dar guarida àquilo que é a trágica corporativização dos interesses em Portugal.
Este importante exemplar que V. Ex.ª fez distribuir, segundo me consta por todas as bancadas, e que tem por

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títulos "Os pareceres das associações de classe e da Procuradoria-Geral da República", constitui, com excepção de um parecer cauteloso e inteligente da Procuradoria-Geral da República, um exemplo fecundo do que é a corporativização de interesses. A Ordem dos Advogados - a que me honro de pertencer - diz que não foi ouvida; a Associação Sindical dos Magistrados, felicíssima (porque deve ter percebido que no Decreto-Lei n.º 224/82 havia, porventura, menos trabalhos para os juizes), diz: magnífico!, o Decreto-Lei n.° 224/82 entra imediatamente em vigor, sem qualquer problema. E assim sucessivamente, embora a Associação Sindical dos Magistrados do Ministério Público também tenha contribuído com aquilo que pode ser uma discussão útil e profunda!
Pela nossa parte, portanto, Srs. Deputados, dizemos um retundo "não" àquilo que possa ser a discussão de uma reforma do Código de Processo Civil em torno dos privilégios ou da perspectiva - que é certamente muitíssimo limitada - ou dos juizes, ou dos funcionários de justiça, ou dos advogados.
Trata-se de um Código de Processo Civil para o País e fundamentalmente para os cidadãos, que somos todos nós. B os parlamentares, bem como cidadãos, têm obrigação de, pelo menos, fazer aqui ecoar aquilo que têm ouvido sobre as dúvidas e as perspectivas que um projecto de reforma deste tipo necessariamente contém.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador - Por outro lado, vê-se de toda esta discussão e de todos os documentos que foram enviados, os quais são úteis para a eventual meditação de uma comissão que sobre isto se debruce, que a grande e básica questão consiste em saber como é que a administração da justiça neste Pais - que é da responsabilidade geral e é, certamente, também da responsabilidade desta Câmara (embora seja da primazia do Executivo, a Assembleia tem sobre isso um poder de controle assinalável)- pode ser célere, acessível, transparente (entenda a expressão em termos hábeis), sem prejuízo das reais possibilidades de efectiva apreciação dos interesses em litígio.
E, por isso mesmo, penso que estaremos todos de acordo em começar por esta instituição lamentável, que é a simples cosedura dos processos - resquício medieval que continua nos nossos Tribunais a consumir "horas" do Orçamento Geral do Estado -, até, digamos assim, ao fluir normal do processo. Isso sim, é de facto a reforma real.
E. Sr. Ministro, muito haveria a dizer sobre como conseguir a viabilidade de reformas parcelares - como, nomeadamente, a que neste decreto contempla a organização da especificação e do questionário- sem uma meditação profunda de como é que deve ser, em Portugal, um processo moderno, célebre, transparente e que, de facto, se destine a fazer justiça atempada e real. Essa é, para nós, a questão.
Será que em torno disto se podem pôr perspectivas profundas de divergência ideológica? Não creio. É claro que em torno disto se poderia discretear - como já aqui foi feito, e muito justamente - sobre a bondade ou a maldade de alguns princípios e sobre o modo como o decreto, de alguma maneira, poderia ou não dar guarida a alguns destes princípios fundamentais. Não creio que seja esse o caso do Decreto-lei n.° 224/82.
E sem prejuízo de pensarmos, como significativamente penso, que não é de maneira nenhuma fácil introduzir no edifício do Código de Processo Civil aquilo que podem ser alguns remendos, porventura justificados (e muitos deles o não são), julgo, todavia, que seria uma ocasião excelente para, de facto, fazermos -e ai com a intervenção do Ministério da Justiça - uma meditação séria. E isso porque não se trata apenas de entrar na Europa em termos económicos; trata-se de saber se, em termos de pura administração da justiça, isto não está relegado irrefragavelmente para uma periferia de onde necessariamente nunca mais poderemos sair. E essa meditação é necessária, é urgente, e oxalá se possa fazer em torno e a propósito deste decreto-lei, ora sob ratificação.
Por outro lado, o Sr. Ministro, também nos pareceria extremamente conveniente que a sucessão de reformas parcelares não fosse feita como se se tivesse a absoluta necessidade de demonstrar trabalho executado e, ao mesmo tempo, que houvesse o objectivo sincero (que creio que existe mesmo) de uma outra metodologia, de uma consertação de facto com os interessados, de uma consertação com todas as associações que podem ter relevância nesta matéria, de modo a conduzir a uma reforma profunda do Código de Processo Civil e até para, dentro de uma estratégia de fundo e a mais longo prazo, saber em que medida algumas reformas parcelares não afectarão essa reforma de fundo que é, em si mesma, tão necessária.
Por isso, Srs. Deputados e Sr. Ministro, pela nossa parte há o ensejo absoluto de não considerar este debate como uma discussão entre os advogados - que por acaso são deputados - e, por isso mesmo, como uma discussão corporativa, mas sim cumprir o nosso mandato público de parlamentares, com a colaboração do Ministério da Justiça e, evidentemente, com a colaboração do ilustre Sr. Conselheiro Campos Costa, aquilo que pode ser necessariamente um decreto diferente, um decreto que seja em si mesmo reformador, sem prejuízo das grandes reformas de fundo que são absolutamente necessárias.
Penso que esta tarefa é de natureza minimamente consensual. E possível esse consenso de que agora tanto se fala em questões muito mais transcendentes do que esta. Comecemos por aquilo que é evidente, por aquilo que toca a toda a gente. Deixemos de lado a noção corporativa desta matéria e, pela nossa parte, abramos as portas a tudo quanto seja reivindicar reformas importantes e necessárias que tornem, de facto, a justiça acessível, célebre e transparente.
É esse o nosso voto, é esse o nosso desejo. Não estamos na disposição de dramatizar um debate que é. em si mesmo, pensamos nós, um debate normal, um debate que pode ser profícuo e que certamente terá um resultado positivo.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Está ainda inscrito o Sr. Deputado Castro Caldas. No entanto, não sei se a intervenção que V. Ex.ª deseja produzir é compatível com o tempo de que dispomos...

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Se o Sr. Presidente me conceder 10 minutos poderei fazer a minha intervenção.

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O Sr. Presidente: - Penso que há consenso da Câmara nesse sentido. Portanto, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Castro Caldas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Não posso deixar de subscrever na íntegra a posição assumida pelo Sr. Deputado Jorge Sampaio. E isto por 2 motivos: em primeiro lugar, porque julgo que os mais amplos consensos se obtêm em torno das normas processuais. De facto, estas são as que enformam a vivência dos cidadãos e devem estar rodeadas de uma clareza e de uma certeza de tal forma evidente que não levantem dúvidas nem arredem, em torno de questões de processo a ocultação das questões de fundo e das substanciais.
Daí que me pareça que um debate alargado dentro desta Câmara permita encontrar uma solução consensual, digamos, com a maior "unanimidade" possível, em torno das soluções que possam ser introduzidas no processo com as quais o Direito e o país só têm a beneficiar.
Em segundo lugar, julgo que as posições que publicamente venho assumindo em relação a este decreto são suficientemente evidentes e do conhecimento de todos para que saibam que com ele não concordo na generalidade, graças à metodologia com que ele é introduzido. De facto, julgo que há uma tradição legislativa no País que é contrária a esta inovação metodológica da reforma do Código de Processo Civil. Um diploma introdutor de uma reforma do Código de Processo Civil carece de trabalhos preparatórios organizados metodologicamente de uma outra forma. Trata-se de um diploma que tem que ter um sentido homogéneo nas suas soluções, um sentido de compatibilização que permita aos profissionais do foro conhecer, compreender e aplicar, sem erros e sem lapsos, as normas do processo.
Esta minha crítica faz-me, portanto, divergir profundamente do Sr. Ministro da Justiça em relação à metodologia com que foi introduzida a reforma do Processo Civil.
Poder-se-á dizer que a tradição da ausência de produtividade e labor das comissões é uma tradição portuguesa. Assim será; é um defeito! Mas julgo que todos estamos conscientes da necessidade de introduzir reformas nesta matéria e que é possível, com as pessoas cuja competência e saber - o conselheiro Campos Costa - e cuja devoção possam ser dadas a estes trabalhos, encontrar, juntamente com os profissionais do foro - práticos da 1.ª instância, práticos da província, práticos do labor quotidiano dos tribunais -, um diploma que sirva o processo.
Entraria agora numa análise genérica de quais são os 4 pontos fundamentais da reforma proposta pelo Sr. Ministro.
Em primeiro lugar, pretende-se introduzir uma nova forma na formulação dos articulados que, com grande facilidade, poderá adequada aos interesses de todos os profissionais do foro. E um ponto de somenos importância, sendo possível harmonizar facilmente as posições divergentes nessa matéria.
O segundo ponto, mais complexo, rodeia a fase da condensação em processo. Aí, vou mais longe do que o Governo e que a maioria dos profissionais do foro: julgo que a modernidade e a tradição de processo na Europa leva à abolição da especificação e questionário. De facto, tal abolição é uma mecânica que permite a aproximação do processo em relação à matéria de facto controvertida, no âmbito da liberdade de formulação das partes. Será perfeitamente possível encontrar soluções em que as partes digam ao tribunal, após os seus articulados, qual a matéria de facto que consideram comprovada por acordo ou por confissão, qual a matéria de facto que pretendem provar por documentos ou por testemunhas em audiência de julgamento. Penso que essa será a grande revolução no Processo e será a forma de ladear a mecânica introduzida por esta reforma legislativa de dar ao recurso de agravo sobre as reclamações da especificação e questionário um efeito meramente devolutivo.
É evidente que esta é também uma matéria de fácil consenso. Facilmente se poderão encontrar soluções de maior modernidade que irão ao encontro da própria intenção do legislador, que não foi feliz na maneira como pretendeu simplificar a fase da condensação e evitar o drama quotidiano que é o facto de o recurso interposto do despacho que decide sobre a reclamação do questionário suspender por l no ou 2 o andamento do processo para voltar à 1.ª instância, para voltar a subir a recurso a final. Julgo que o objectivo que o legislador pretende atingir com esta reforma se poderá alcançar com formulações mais perfeitas.
O último ponto é o que respeita à velha polémica dos prazos. Também este é um falso problema. Todos estamos de acordo em que o processo carece de uma teoria geral de prazos, de uma uniformização dos mesmos e eventualmente de uma ampliação quanto ao processo sumário e sumaríssimo.
Julgo que o problema respeita à clarificação da teoria geral dos prazos; é que a entrada em vigor de uma nova mecânica na forma de contagem dos prazos, tal como foi proposta no decreto-lei, constitui um sistema caótico de aplicação, quando o que se pretendia era, pelo contrário, a introdução de um sistema de uniformização de prazos. Há infelicidade na forma de se exprimir essa intenção, quando, estou certo, todos os profissionais do foro estão conscientes de que, em matéria de prazos, se impõe uma clarificação e uma teoria geral.
Não é o problema da continuidade dos prazos ou o problema da sua suspensão que está em causa; o que está em causa é a existência de um sistema suficientemente claro e certo, cuja aplicação no tempo não levante dúvidas e que permita às partes terem a certeza de que os seus mandatários não vão perder os prazos processuais por deficiência, obscuridade ou incerteza da legislação, não se vendo a justiça reconhecida ou a verdade factual controvertida por razões processuais que advêm de uma complexa lei de nova mecânica de contagem dos prazos.
Tudo isto me leva a dizer que se torna necessário proceder à ratificação, com emendas, deste decreto. De facto, torna-se necessário que o decreto, que apresenta em si uma intenção renovadora e uma intenção de melhoramento do próprio Processo Civil, receba de todos os grupos parlamentares as sugestões canalizadas das diversas forças em presença que lhe permita atingir os objectivos que pretendeu atingir sem o ter conseguido, clarificando e melhorando de uma forma consensual, a sua redacção. Não me parece um objectivo impossível. Estou certo de que, na especialidade, uma comissão empenhada nesta tarefa o poderá dizer em prazo útil.
As propostas que apresentei na Mesa, juntamente com outros deputados da minha bancada, são propostas que continham uma eliminação dos artigos mais controvertidos. Verifico que de diversas origens têm en-

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trado, propostas que introduzem emendas a essas artigos mais controvertidos, o que permite uma ampla discussão e apreciação da matéria. A única alteração de fundo que introduzi nessa proposta, mais directamente no processo de despejo, respeita à ampliação do prazo da contestação para 10 dias, já que os 5 dias actuais são manifestamente insuficientes, tendo eliminado o articulado-resposta, que é manifestamente contraditório com o princípio constitucional da contrariedade, passando e vigorar para a acção de despejo o regime genérico do processo sumário, existindo só o articulado-resposta em caso de excepção deduzida por via de defesa ou de reconversação.
Tal como disse o Sr. Deputado Jorge Sampaio, isto significa que é possível elaborar um documento consensual; torna-se, porém, necessário ter a certeza de que enquanto a Comissão se achar debruçada sobre essa discussão na especialidade o Decreto-Lei n.º 224/82 se achará suspenso. Essa garantia pode ser dada pelo Governo ou por esta Câmara. O nosso grupo parlamentar está disposto a não votar a resolução de suspensação deste decreto-lei, caso o Governo nos dê a garantia de que, por via legislativa e enquanto esta Comissão se debater em prazo útil com a elaboração desse documento sobre esta matéria, este decreto-lei não entra em vigor.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ultrapassamos já a hora regimental, mas penso que foi estabelecido consenso entre os grupos parlamentares no sentido de que o debate das ratificações em apreço continue na próxima semana.
Entretanto, deu entrada na Mesa uma proposta de alteração ao Regimento da Assembleia da República, designadamente ao seu artigo 242.° A, a qual, de acordo com o previsto na última conferência de líderes dos grupos parlamentares, será discutida e votada na sessão do dia 22, sexta-feira, na primeira parte da ordem do dia. A este respeito, tinha ainda sido acordado que os grupos parlamentares dispensariam o prazo habitual de 5 dias para apreciação de iniciativas de qualquer natureza.
Cumpre-me ainda informar que, nos termos regimentais, foram apresentadas pêlos vários parlamentares as candidaturas à Mesa da Assembleia da República, cuja eleição terá lugar na próxima sessão. Assim, são candidatos a Vice-Secretários: proposto pelo PSD, o Sr. Deputado Anacleto da Silva Baptista, e proposto pelo PS, o Sr. Deputado Guilherme Gomes dos Santos. São candidatos a Secretários: proposto pelo PSD, Sr. Deputado Reinaldo Gomes; proposto pelo PS, o Sr. Deputado Vítor Brás; proposto pelo CDS, o Sr. Deputado Azevedo e Vasconcelos, e proposto pelo PCP, o Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida, são candidatos a Vice-Presidentes: proposto pelo PSD, o Sr. Deputado Amândio de Azevedo; proposto pelo PS, o Sr. Deputado Tito de Morais; proposto pelo CDS, o Sr. Deputado Américo de Sá, e proposto pelo PCP, o Sr. Deputado José Vitoriano. São candidatos a Presidente da Assembleia da República: proposto por deputados do PSD e do PPM, o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida, e proposto por deputados do PS, o Sr. Deputado Teófilo Carvalho dos Santos.

O Orador: - Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Sr. Presidente, apenas queria precisar que o consenso a que se chegou para a continuação do debate foi para a próxima terça-feira, a seguir à eleição dos membros do Conselho de Estado.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, a próxima sessão é na quinta-feira, dia 21, às 15 horas, não haverá período de antes da ordem do dia e sendo a ordem do dia totalmente preenchida com a eleição da Mesa da Assembleia da República para a próxima sessão legislativa.
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados.

Partido Social Democrata (PSD)
Cecília Pita Catarino,
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José da Costa.
Jaime Alberto Simões Ramos.
José Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Mário Dias Lopes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.

Partido Socialista (PS)

António Fernando Marques R. Reis.
António Gonçalves Janeiro.
Beatriz Cal Brandão.
Carlos Manuel N. costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Torres Marinho.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
João Cardona Gomes Cravinho.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Manuel António dos Santos. Rui Fernando Pereira Mateus.

Centro Democrático Social (CDS)

Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
António Paulo Rolo.
Duarte Nuno Correia Vasconcelos.
Eugênio Maria Anacoreta Correia.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
João Cantinho Figueiras Andrade.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.

Partido Comunista Português (PCP)

Artur Mendonça Rodrigues.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
Manuel Correia Lopes.
Octávio Augusto Teixeira.

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Partido Popular Monárquico (PPM)

Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social Democrata Independente (ASDI)

Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD)

Américo Abreu Dias.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
Manuel da Costa Andrade.
Maria Margarida do R. da C. S. Ribeiro.
Mário Marques Ferreira Maduro.
Mário Martins Adegas.
Nicolau Gregório de Freitas.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS)

Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo Pinto da Silva.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernandes da Fonseca.
António Egídio Fernandes Loja.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
José Gomes Fernandes.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
João António Morais Leitão.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)

António Dias Lourenço.
António José de A. Silva Graça.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Joaquim Gomes dos Santos.
João Carlos Abrantes.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Octávio Rodrigues Pato.

As REDACTORAS DE 1.ª Classe: Maria Amélia Martins - Anita Paramés Pinto da Cruz.

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