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I Série - Número 10

Quarta-feira, 10 da Novembro da 1982

Diário da Assembleia da República

II LEGISLATURA

3.º SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE NOVEMBRO DE 1982

Presidente: Exmo. Sr. Américo Maria Coelho Gomes de Sá
Secretários: Exmos. Srs. Anacleto Silva Baptista
Vítor Manuel Brás
Manuel António de Almeida Azevedo e Vasconcelos
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos

Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Tito de Morais (PS) comunicou à Câmara o falecimento do deputado socialista à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, Álvaro Monteiro, tendo sido guardado um minuto de silêncio.
Associaram-se a homenagem os Srs. Deputados Lino Lima (PCP), Carlos Robalo (CDS), Guerreiro Norte (PSD), César Oliveira (UEDS), Mário Tomé (UDP), António Galhordas (MDP/CDE) e António Moniz (PPM).
Foram aprovados os n.ºs 132, 133, 134, 135, 13 6e 137 do "Diário".
Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da resposta a vários outros requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado César Oliveira (UEDS), criticou a actuação do Governo aquando da interpelação da UEDS sobre comunicação social, mais particularmente sobre o "caso ANOP", e teceu algumas considerações sobre a comunicação ao país do Presidente da República. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento e a protestos dos Srs. Deputados Carlos Brito (PCP), Luís Beiroco (CDS), Santana Lopes (PSD), Mário Tomé (UDP), Pacheco Mendes (CDS) e António Galhordas MDP/CDE).
Entretanto, a Assembleia saudou uma delegação do Senado da República Italiana em visita à Assembleia da República.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Borges de Carvalho (PPM) teceu algumas considerações sobre a comunicação ao país do Presidente da República.

Ordem do dia. - Foi lido e aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de Deputados (PS e UEDS).
Iniciou-se a discussão do projecto de lei n.º 307/II, sobre a protecção e defesa da maternidade, apresentado pelo PCP.
Intervieram, a diverso título, os Srs Deputados Zita Seabra (PCP), Silva Marques (PSD), Teresa Ambrósio (PS), Amadeu dos Santos (PSD), Ilda Figueiredo (PCP), Natália Correia e Jaime Ramos (PSD), Luisa Raposo (CDS), Octávio Cunha e Lopes Cardoso (UEDS), Sousa Lara (PPM), Verdasca Vieira (PS), Maria José Sampaio (CDS) e Mário Tomé (UDP).

Finalmente, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda e Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Roleira Marinho.
Armando Lopes Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Fernando Alfredo Moutinho Garcês.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.

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Henrique F. Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Leite Machado.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luis António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria Manuel Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida Moura Ribeiro.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Natália de Oliveira Correia.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Octávio Pereira Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Mascarenhas Grade.
Victor Pereira Crespo.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS):

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Joaquim Gomes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Luis Filipe Nascimento Madeira.
Luis Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Mário Manuel Cal Brandão.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Virgílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
António Pedro Silva Lourenço.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Duarte Nuno Correia Vasconcelos.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
João António Morais Leitão.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
João Maria Abrunhosa de Sousa.
José Alberto Faria Xerez.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luis Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Paulo Oliveira Ascenção.
Pedro Eduardo Freitas Sampaio.
Rui António Pacheco Mendes.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António José M. Vidigal Amaro.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Joaquim António Miranda da Silva.

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Joaquim Gomes dos Santos.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Popular Monárquico (PPM):

António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social Democrata Independente (ASDI):

Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Octávio Luís Pais da Cunha.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António do Carmo Calhordas.
António Monteiro Taborda.

União Democrática Popular (UDP)

Mário António Baptista Tomé.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devido a uma situação excepcional, dou, de imediato a palavra ao Sr. Deputado Tito de Morais.

O Sr. Tito de Morais (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabámos de ser surpreendidos pela notícia do falecimento de um camarada muito querido, o Álvaro Monteiro, que foi deputado à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República.
Álvaro Monteiro foi um resistente antifascista que tudo dedicou à causa da liberdade.
Fundador que foi do meu partido após o 25 de Abril, Álvaro Monteiro, com a sua presença nesta Casa, soube defender também os princípios que sempre o orientaram na sua vida.
Creio que todos os Srs. Deputados me acompanham, assim como ao Partido Socialista, nesta manifestação de pesar pelo falecimento de um homem da minha geração, daqueles que estão a acabar mas que foram, até ao último momento, grandes defensores da democracia, grandes defensores da ideia do socialismo democrático, de uma justiça social que é necessário ainda instaurar na nossa terra.
Pedia, pois, aos Srs. Deputados que nos acompanhassem num minuto de silêncio em memória de Álvaro Monteiro.
A Câmara guardou, de pé, um minuto de silêncio.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A notícia que acabámos de receber sobre o falecimento de Álvaro Monteiro é daquelas que não pode deixar de nos chocar profundamente.
Choca-me pessoalmente, mas choca também o meu grupo parlamentar visto que Álvaro Monteiro foi um daqueles homens que dedicou toda uma vida a lutar pela liberdade e pela democracia. Foi um antifascista que não recusou sacrifícios para que o povo português pudesse pôr fim a um regime que degradou a nossa pátria. Por isso a sua morte deve ser, e é para nós, considerada como uma grande perda.
Quando morre um antifascista perde-se alguma coisa. No caso de Álvaro Monteiro, que foi sempre um homem de uma grande integridade pessoal e política, efectivamente perdeu-se muito. Eis por que junto a minha voz e a dos meus camaradas àquela que acabámos de ouvir para aqui deixar ficar o assento da nossa mágoa e da nossa tristeza.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em breves palavras, associamo-nos à dor do Partido Socialista, relembrando que não é só o Partido Socialista que está mais pobre: a democracia também está mais pobre.
Tive a felicidade de criar, por contactos havidos nesta Assembleia, uma amizade e uma simpatia com o Dr. Álvaro Monteiro. Recordo bem a viagem que efectuámos, em representação da Assembleia, à República Democrática Alemã.
Acompanho, de facto, o Partido Socialista na sua dor e naturalmente que lhes transmito também a dor do Grupo Parlamentar do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da bancada do PSD queria associar-me a este momento de pesar pelo falecimento do nosso querido amigo com quem tive o privilégio de contactar por pertencer, durante três anos, à Comissão que eu também pertencia.
Devo referir a amizade que deixou nesta Casa. Ainda bem há poucos dias perguntei ao Dr. António Macedo o que era feito do Dr. Álvaro Monteiro, devido ao facto de ter deixado nesta Casa um rasgo de simpatia pela sua abertura de espírito.
Pessoalmente e em nome da bancada do PSD queria manifestar a nossa tristeza e rogar paz à sua alma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

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O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora pessoalmente não tenha conhecido o Dr. Álvaro Monteiro, a bancada da UEDS não quer deixar passar este momento sem exprimir total solidariedade ao Partido Socialista, assim como a todos os democratas e antifascistas portugueses.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria também expressar, em nome da UDP e em meu próprio nome, o nosso profundo pesar pela morte de um antifascista e militante pela liberdade que o Partido Socialista e todos nós acabamos de perder.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Calhordas.

O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do MDP/CDE queria igualmente expressar o nosso pesar e a nossa solidariedade para com todos aqueles que se associam a este voto de pesar pela morte do Dr. Álvaro Monteiro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tive a oportunidade de estar aqui, como deputado, com o Dr. Álvaro Monteiro. Contudo, como homem de Viseu, como seu amigo e da sua família, queria, em nome do meu partido, associar-me ao sentimento de pesar expresso por todos os partidos.
Álvaro Monteiro era uma pessoa da província, foi um advogado que animou intelectualmente uma pequena terra numa altura em que muitas vezes era difícil expressar as suas ideias e era um indivíduo que tinha o respeito por todas as pessoas na comunidade onde vivia, tivessem elas as ideias que tivessem.
Na verdade, na altura e para os tempos em que viveu, ele foi um homem ímpar que soube sempre afirmar-se e nunca teve medo dos prejuízos que lhe acarretava a bandeira que sempre defendeu com toda a galhardia.

O Sr. Presidente: - Encerrado este período excepcional dada a situação criada com a morte do Dr. Álvaro Monteiro, vai proceder-se à leitura do expediente.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no sentido de solicitar os bons ofícios da Mesa para o seguinte: nós entregámos no dia 4 de Novembro um pedido de substituição do meu camarada António Vitorino. Acontece que esse pedido de substituição só mereceu despacho no dia 8, não obstante ter sido entregue no dia 4 e encontra-se hoje aqui presente o meu camarada que substitui o Sr. Deputado António Vitorino, sem contudo poder participar nos trabalhos.
Assim, pedia à Mesa os seus bons ofícios no sentido de que a substituição fosse processada o mais rapidamente possível.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso far-se-á logo que se entre no período da ordem do dia.
Estão em aprovação os Diários n.ºs 132,133,134,135, 136 e 137, respeitante às reuniões plenárias de 12 de Agosto, 6, 7,11,12 e 13 de Outubro findos.

Pausa.

Não havendo pedidos de palavra, consideram-se aprovados. Vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente Cartas

De Eduardo Martins da Fonseca, residente em Oeiras, remetendo fotocópias de documentos enviados aos Srs. Ministro das Finanças e Ministro da Reforma Administrativa, acerca da sua pretendida e justificada aposentação definitiva.
Da Comissão Directiva da União dos Agricultores do concelho de Vila Nova de Poiares, remetendo o texto de um documento, aprovado em reunião realizada no passado dia 6 de Setembro, chamando a atenção em especial, para a gravíssima situação deixada pelos fogos naquela zona.
De Viriato Jordão de Sousa, residente em Linda-a-Velha, em nome dos 23 trabalhadores que, em 30 de Setembro de 1976, foram despedidos dos cargos que ocupavam na RTP, pedindo que seja feita justiça.
Do Sindicato dos Pescadores de Matosinhos, transcrevendo o texto de uma moção aprovada em reunião no dia 16 de Outubro findo, com vários considerandos relativamente à Portaria n.º 796/82, de 21 de Agosto.
Do Secretariado Distrital de Setúbal do Movimento Democrático de Mulheres, capeando abaixo-assinado com 5644 assinaturas, exigindo a aprovação dos 3 Projectos de Lei do PCP, sobre Defesa da Maternidade, Planeamento Familiar e Educação Sexual e Interrupção Voluntária da Gravidez.

Ofícios

Da Comissão de Trabalhadores da Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, remetendo uma Proposta elaborada como solução alternativa para a marinha mercante.
Da Louricoop - Cooperativa de Apoio e Serviços do Concelho da Lourinhã, remetendo fotocópia da acta do plenário de cooperativas, que realizaram no dia 23 do passado mês de Outubro.
Da Federação Nacional dos Sindicatos das Comunicações e Telecomunicações, enviando uma Moção que foi aprovada no plenário realizado em 14 de Outubro findo, sobre a política do Governo.
Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Celulose, Fabricação e Transformação do Papel, Gráfica e Imprensa do Sul e Ilhas, com sede em Lisboa, remetendo um exemplar do comunicado que distribuíram, acerca da situação do Portugal Hoje.
Do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Metalúrgica e Metalomecânica do Distrito de Lisboa, de congratulação e apoio aos referidos projectos de lei.

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Telex da Direcção do Sindicato dos Químicos do Sul, igualmente de apoio aos citados projectos de lei.
Postais de Maria Isabel Almeida Simões e outras, de Setúbal, no total de 44, ainda de apoio aos mesmos projectos de lei.
Contra a despenalização e liberalização do aborto, anota-se o seguinte:

Abaixo-assinado com 235 assinaturas de Maria Armanda de Sousa e outros, de Lisboa;
Carta do Dr. Anselmo Jorge Branco Carvalhas, de Coimbra;
Carta de Rui de Moura, de Lisboa;
Cartas de lida de Jesus Ferreira Mendes e Maria do Carmo Tavares Vilaça Ramos, de Lisboa e Coimbra, respectivamente;
Canas no total de 67 de Maria Celeste Bento Gonçalves e outros, de Vale-Alto, em Minde;
Telegramas do pároco e paroquianos de Santa Joana Princesa, em Lisboa, jovens vicentinos da Diocese do Porto e comunidade paroquial de São Pedro na Covilhã.

O Sr. Secretário (Anacleto Baptista): - Foram apresentados na Mesa. na última reunião, os requerimentos seguintes: ao Governo e à Secretaria de Estado da Comunicação Social (3), formulados pelos Srs. Deputados Manuel Lopes e Jorge Lemos; aos Ministérios da Cultura e Coordenação Cientifica e da Qualidade de Vida e à Câmara Municipal do Porto (2), formulados pela Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo; à Junta dos Portos de Sotavento do Algarve, formulado pelo Sr. Deputado Daniel Cunha Dias; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Amândio de Azevedo; ao Ministério da Educação e das Universidades, formulado pela Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: César Oliveira, na sessão de 26 de Novembro de 1981; Carlos Manuel Pereira de Pinho, na sessão de 22 de Abril; Vergílio Rodrigues, na sessão de 10 de Maio; Salgado Zenha. na sessão de 27 de Maio; Magalhães Mota, nas sessões de 29 de Junho e 7 de Julho; lida Figueiredo, nas sessões de 6 e 27 de Julho; António Arnaut e Miranda Calha, na sessão de 21 de Julho; Joaquim Miranda, na sessão de 21 de Julho; Lopes Cardoso, na sessão de 23 de Julho; Álvaro Brasileiro, na sessão de 27 de Julho; Manuel Tavares, na sessão de 29 de Julho: Leonel Fadigas e Marcelo Curto, na sessão de 12 de Agosto; Jorge Lemos, na sessão de 13 de Abril; Lemos Damião, na sessão de 10 de Dezembro de 1981; Leonel Fadigas, na sessão de 16 de Março; Joaquim Gomes, na sessão de 1 de Abril; Joaquim Miranda e Rogério Brito, na sessão de 15 de Abril; Jorge Lemos, nas sessões de 28 de Abril e 29 de Junho; Oliveira e Silva e Virgílio Rodrigues, na sessão de 10 de Maio; Dias de Carvalho, na sessão de 2 de Junho; Lacerda de Queiroz, António Arnaut e Vilhena de Carvalho, na sessão de 7 de Julho; Magalhães Mota, na sessão de 19 de Julho; Osvaldo de Castro e João Carlos Abrantes, na sessão de 20 de Julho; Daniel da Cunha Dias, na sessão de 28 de Julho; Octávio Teixeira, na sessão de 12 de Agosto; Maria D1 Aires Aleluia e Artur Manuel Mendonça Rodrigues, na sessão de 29 de Julho.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Dois factos políticos marcaram a última semana.
O primeiro desses 2 factos refere-se à interpelação do meu Grupo Parlamentar sobre comunicação social e mais particularmente sobre o «Caso Anop».
Todos vimos, aqui, a incapacidade do Sr. Secretário de Estado em responder às importantes questões que lhe foram levantadas pela oposição e, sobretudo, pelo meu camarada Lopes Cardoso. Todos assistimos ao abandono voluntário que o Governo votou ao Dr. José Alfaia. Todos pudemos testemunhar o silêncio do PPM e do CDS e o nulo empenhamento da bancada do PSD na defesa do Secretário de Estado e da política de comunicação prosseguida pelo Governo.
A interpelação traduziu-se numa clamorosa derrota do Governo.
A política prosseguida pelo Secretário de Estado não resultava, porém, de opções individualizáveis ou de práticas governativas que dissessem apenas respeito ao Dr. José Alfaia.
Este depende do Primeiro-Ministro e a presença fugaz de 7 Ministros e 2 Secretários de Estado, que entraram mudos e saíram calados, não só evidenciou o isolamento do Secretário de Estado como mostrou, também, a exclusiva responsabilidade do Primeiro-Ministro em todo este sector.
O Primeiro-Ministro deste III Governo da AD, reincidiu na recusa em apresentar-se ao Plenário da Assembleia da República para assumir, perante os deputados e perante o País, as suas próprias responsabilidades. A sua posterior atitude reconfirmando o Dr. Alfaia no cargo que vem ocupando, renovando-lhe a confiança política, é, além de um acto profundamente marcado por uma hipocrisia inqualificável, a confirmação que a prática governamental do Primeiro-Ministro se baseia no facto consumado, na arrogância e no desprezo prepotente perante a Assembleia da República.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - A UEDS não pode deixar passar em claro este comportamento do Primeiro-Ministro.
É clara a conivência do Primeiro-Ministro e do Governo com o compadrio, a nebulosidade e a incompetência que envolvem, como foi demonstrado nesta Câmara, toda a política de comunicação social e particularmente o lançamento da Notícias de Portugal. A derrota do Secretário de Estado respondeu o Primeiro-Ministro com a sua confirmação. É um escândalo.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O segundo facto político ocorrido na passada semana foi, sem dúvida, o discurso do Presidente da República.
A comunicação ao país do Presidente da República acabou por realizar-se no dia imediato ao de uma das mais clamorosas derrotas do Governo.
Escasseia-nos o tempo para considerações que abranjam a totalidade da comunicação ao país do Sr. Presidente da República. Fixar-me-ei, por isso. em 2 aspectos que julgamos essenciais.
Afirmou o Sr. Presidente da República no seu discurso que, contra todas as expectativas, o tema que dominou todo o processo de revisão foi a questão da organização

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do poder político e, dentro dele, a questão dos poderes presidenciais.
Não curarei, fazendo extrapolações, de saber se o General Ramalho Eanes preferiria, como deu a entender, que as suas expectativas não fossem defraudadas e que o substancial do processo de revisão viesse a recair na organização económica, mas importa sobre este aspecto fazer algumas precisões.
A UEDS, que não apoiou a recandidatura do Sr. General Ramalho Eanes à Presidência da República, assinou, em fins de Junho de 1980, juntamente com os partidos que integraram a FRS, um protocolo para a revisão constitucional que constituiu uma das peças com a qual a FRS se apresentou às eleições legislativas de 5 de Outubro. Dessa plataforma, para a revisão constitucional, constava o que de essencial veio a ser consagrado no texto revisto da Constituição no que concerne aos poderes do Presidente da República e à organização do poder político. Não rejeitámos, como é sabido, o apoio explícito que o Sr. General Ramalho Eanes quis dar à campanha eleitoral da FRS ao participar voluntariamente com a sua presença num dos tempos de antena que lhe couberam na RTP, e certamente o Sr. Presidente da República não ignorava a sua plataforma constitucional.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Estranhou o Sr. Presidente da República que, a partir de meados deste ano, o debate constitucional se tivesse centrado em torno dos poderes do Presidente da República.
Esqueceu o Sr. Presidente da República ou pretende o Sr. Presidente da República que se esqueça que, se tal aconteceu, a ele cabe principalmente toda a responsabilidade? Será porventura falso que foi o Sr. Presidente da República que trouxe tais questões para o centro de discussão ao ameaçar, por via do seu porta-voz, com a demissão caso tais poderes fossem substancialmente diminuídos?

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A revisão constitucional fez-se. O Sr. Presidente da República não se demitiu. A que propósito vêm agora as considerações sobre os poderes do Presidente da República que, pelos vistos, não foram tão diminuídos que justificassem a sua própria demissão? Se ao Sr. Presidente da República não interessava discutir se os seus poderes foram aumentados ou diminuídos, para quê ocupar com eles grande parte da sua comunicação ao país?
É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, falar tão insistentemente nos poderes do Presidente da República só tem sentido no quadro do lançamento do projecto político pessoal do General Ramalho Eanes, projecto que depende estritamente da sua autoridade. E entro, assim, no grande tema da comunicação ao país do Sr. Presidente da República, a questão das alternativas.
O Sr. Presidente da República começou, é certo, por reconhecer a existência de uma crise económica, financeira e social muito profunda. Mas tal constatação não o conduziu à critica quanto às políticas prosseguidas pela AD nos últimos 3 anos. Recordemos a propósito que, quando o I Governo da AD foi empossado, o Sr. Presidente da República fez então questão de sublinhar que o Governo presidido por Sá Carneiro encontrava uma situação financeira e económica favorável e sem precedentes no Portugal de Abril. Toda a lógica do discurso do Sr. Presidente da República assenta num ataque constante aos partidos políticos que são por ele responsabilizados pelo agravamento das dificuldades do pais, pela inexistência de alternativa e pela criação de uma situação que o impede de demitir este Governo.
É neste quadro que o General Ramalho Eanes adianta, como solução para o bloqueamento que espartilha a actual situação, o surgir de uma nova entidade política. E entidade política porquê? Porque como a análise das causas do bloqueamento político assenta nos partidos, o General Ramalho Eanes não pode advogar o surgir de um novo partido. Daqui o recurso à fórmula da entidade, que ninguém sabe o que é, para designar a expressão política do seu projecto pessoal.
Estranharão alguns que o General Ramalho Eanes não defina o contorno das suas soluções, nem precise o conteúdo da alternativa que agora parece finalmente querer lançar desde a Presidência da República.
Interrogar-se-ão outros sobre o facto de que, sempre que o General Ramalho Eanes inventaria problemas, não adiantar minimamente as soluções mas advogando só e constantemente que elas devem ser ajustadas, correctas, harmoniosas, equilibradas, adequadas, eficazes.
Nós nem estranhamos, nem nos interrogamos pelo facto de assim ser. O carácter nebuloso, vago, despido de conteúdo e equivoco das propostas do General Eanes e da sua própria alternativa, vai de par com a sua crítica aos partidos políticos e, sobretudo, vai a par com a afirmação, até sexta-feira implícita e a partir de então explícita, dessa alternativa centrada na autoridade inerente ao Presidente da República.
O projecto da alternativa do General Ramalho Eanes consiste, exactamente, em não ser projecto, em não ser afirmação centrada em propostas claras, definidas e objectivas. É a critica negativa e destruidora do sistema partidário misturada com a sua própria autoridade como Presidente da República e com deliberadas indefinições.
E é assim porque se fosse de outro modo, o projecto deixaria de repousar sobre as ilusões de um consenso quase universal, deixaria de constituir-se como nebulosa onde todos julgam poder vir a reconhecer-se como o chapéu de chuva onde quase todos poderão abrigar-se. A nova entidade política só pode germinar e crescer enquanto indefinição voluntária onde mais tarde a autoridade do Presidente da República servirá de crivo.
Eu diria que o General Ramalho Eanes nunca foi tão claro na sua falta de clareza. É que o seu posicionamento ou conduz a uma entidade política feita de equívocos, de ambiguidades e de inconsistências programáticas e ideológicas - e neste caso a tal nova entidade política ruirá ao menor sopro de vento - ou, ao invés, essa nova entidade política consolida-se apenas e tão-só em torno de um cimento que é a própria autoridade do Presidente da República e transformar-se-á, necessariamente, numa expressão autoritária. Em qualquer dos casos, nada distinguirá estes dois resultados, no quadro concreto da sociedade portuguesa, da política concretizada pela AD.
Em todas as circunstâncias, e se porventura nenhuma nova entidade política vier a surgir, ficarão as suas repetidas afirmações a constituir um fermento de destruição

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da democracia minando a sua fundamental expressão institucional.

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Falta-me já o tempo e sobram-me ainda os assuntos, mas gostaria de terminar com algumas considerações sobre o que pensamos ser o caminho para a construção de uma alternativa à actual situação.
É certo que há responsabilidades da esquerda portuguesa e da esquerda democrática, pelo facto de persistir uma situação bloqueada. Pensamos, no entanto, que, a exemplo da França, da Grécia e mais recentemente da Espanha, é possível em Portugal construir uma alternativa que, partindo da riqueza e da diversidade da vasta área que é a esquerda democrática, consiga mobilizar uma base eleitoral que permita mudar de Governo e mudar de política.

O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de ter a coragem de definir soluções concretas, claras e firmes para o conjunto dos problemas que preocupam os portugueses.
Trata-se de definir um programa e propor as balizas que enunciem uma prática democrática inovadora e mobilizadora. Trata-se de promover, também, o diálogo sem concessões com todas as forças da esquerda.
Não se trata, quanto a nós, de promover eleições para depois se ver que política, que programa, que Governo e que alianças. Persistir nesta espécie de apelo para que os eleitores apostem sem saber qual é o jogo e qual vem a ser o seu resultado provável, não clarifica o panorama político, não motiva uma dinâmica de alternativa e só contribui, afinal, para reforçar o crédito da nebulosa que nos propõe o General Ramalho Eanes.
Há força na esquerda democrática e há condições na sociedade portuguesa para construir uma alternativa que reponha a esperança e mobilize as vontades. Alternativa à AD, alternativa ao projecto, às ambiguidades e aos equívocos da nova entidade política de que falou o Presidente da República, alternativa à constituição de um bloco central que não significaria senão uma ruptura com a própria AD, nem poderia mobilizar os portugueses. Alternativa, enfim, não apenas para mudar de Governo, mas sobretudo uma alternativa para mudarmos de política.

Aplausos da UEDS e do PS

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado César de Oliveira inscreveram-se os Srs. Deputados Carlos Brito, Luís Beiroco, Santana Lopes, Mário Tomé, Pacheco Mendes e António Calhordas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado César de Oliveira, ouvi com toda a atenção a declaração política que acabou de fazer em nome da UEDS e penso que não é agora ocasião para eu lhe expressar os meus pontos de vista, os pontos de desacordo e os pontos de acordo.
O Sr. Deputado referiu acontecimentos importantes. Não nego que os 2 acontecimentos que adiantou sejam dos mais importantes, incluindo até a iniciativa da UEDS a que demos todo o apoio aqui na Assembleia da República, mas parece-me que já hoje constitui também um acontecimento importante o conjunto das reacções que o discurso do Sr. Presidente da República motivou. Nessas reacções foi-se à discussão da revisão constitucional, dos seus objectivos, do alcance das suas intenções.
Ora, como o Sr. Deputado sabe, já houve alguém altamente responsável que veio dizer, em público, que a revisão da Constituição tinha sido feita contra o Presidente da República e que, deliberadamente, tinha o propósito de limitar os poderes do Presidente da República.
O Sr. Deputado invocou há pouco a plataforma para a revisão constitucional da FRS. Naturalmente que não me cabe cuidar do cumprimento ou incumprimento dessa plataforma política existente entre partidos. De todo o modo, na medida em que a conheci, posso dizer-lhe que não tenho ideia de, na plataforma da FRS, estar explícito esse propósito, ou seja, o da redução dos poderes da Presidente da República.
Contudo, a verdade é que alguém, falando em nome dos partidos que votaram a favor da revisão da Constituição, fez a afirmação de que tinha havido o propósito de limitar, de travar os poderes do Presidente da República; ao fim e ao cabo, que a revisão da Constituição era contra o Presidente da República.
A propósito, vou citar-lhe uma frase do Presidente do CDS - a pessoa que afirmou o que acabei de dizer há pouco - e Vice-Primeiro-Ministro deste Governo, que o Sr. Deputado César de Oliveira acaba de comentar. Diz ele o seguinte:

O Presidente da República tem actuado de tal forma que criou em todos os partidos democráticos dúvidas, receios i insuspeitas que obrigavam a introduzir na revisão constitucional garantias, cautelas e travões, de outro modo desnecessários.
Queria, pois, saber se o Sr. Deputado César de Oliveira e o seu partido, que votaram a favor da revisão da Constituição, também estão na posição assim definida pelo Presidente do CDS e se consideram que fizeram uma revisão da Constituição contra o Presidente da República.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado César de Oliveira, há vários deputados inscritos igualmente para pedir esclarecimentos. Pretende responder imediatamente ou no final?

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem agora a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado César de Oliveira, ouvi com muita atenção a sua exposição e devo dizer que me congratulo por verificar que V. Ex.ª e o seu partido perfilham de muitos pontos de vista, na análise do discurso do Sr. Presidente da República, que são igualmente partilhados pelo meu partido.
Creio que fez uma apreciação certeira de alguns aspectos essenciais do discurso do Presidente da República, designadamente quanto a uma luz verde ou, pelo menos, a um pisca-pisca verde - no sentido de facilitar o aparecimento daquilo que chamou uma nova entidade e que, no fundo, eu poderia definir como um partido antipartidos, tendo ainda analisado também alguns outros aspectos relativos à forma como o Presi-

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dente da República encara a revisão constitucional e as consequências políticas que daí decorrem para o exercício do seu mandato.
A primeira questão que lhe queria colocar é a seguinte: ao afirmar formalmente, aqui no Parlamento, que se começa claramente a desenhar que o Sr. Presidente da República tem efectivamente um determinado projecto pessoal, não entende V. Ex.ª É que está, afinal, a dar tardiamente razão àquilo que a Aliança Democrática e os seus líderes sempre afirmaram mesmo antes da sua constituição, isto é, que o General Ramalho Eanes tinha efectivamente um projecto pessoal?

Protesto do PS.

O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Não apoiado!

O Orador: - Projecto pessoal que naquele momento apareceria talvez como um projecto de cariz militar e que agora procura, talvez em resultado da civilização que resultou da revisão constitucional, envolver em roupagens mais civilistas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão que desejava colocar-lhe consiste em saber se não admite também uma outra hipótese: a de que, afinal, o discurso presidencial não revela mais do que um exercício do direito de ameaçar, como sucedâneo a uma incapacidade crescente de exercer os poderes muito latos que a Constituição conferia e continua a conferir ao Presidente da República.

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavrão Sr. Deputado Santana Lopes.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Deputado César de Oliveira, queria começar por ressalvar que ouvi somente a parte final da sua exposição, o que muito lamento.
No entanto, a parte que ouvi permite-me tecer algumas considerações e colocar-lhe o pedido de esclarecimento que é o objectivo desta minha intervenção. Prende-se ele com o discurso presidencial que, tendo versado outros temas, abordou a revisão constitucional feita neste Parlamento revisão constitucional essa não contra o Presidente, mas pela democracia, pelos partidos políticos, pelos portugueses e pela liberdade em Portugal.
O discurso presidencial, que foi feito por alguém que exerce as funções de Chefe de Estado num regime democrático, conteve passagens bastante claras em que esse mesmo Chefe de Estado se distanciou, criticou ou mesmo se colocou na oposição em relação ao Parlamento, se distanciou, criticou ou mesmo se colocou na oposição em relação aos partidos políticos, manifestou a sua desconfiança no Governo e manifestou a sua desconfiança na oposição para se assumir como alternativa, criticou tudo e todos - ou tudo e quase todos - sem, no entanto, apontar soluções ou sem dizer que ele próprio era capaz de fazer aquilo sobre que entendeu chamar aos outros incapazes.
Ora, com um discurso deste jaez, num regime democrático - um discurso feito, e por triste ironia do destino, por um candidato que se dizia pela Constituição e que hoje contra ela fala, por um candidato presidencial que se dizia pela democracia e que fala contra os partidos -, o esclarecimento que lhe queria pedir é se não pensa que será natural uma certa frustração, um certo desânimo, um certo sentimento de logro, não da nossa parte, que nunca tivemos ilusões, mas da parte daqueles que pensaram que o General Ramalho Eanes seria o presidente do robustecimento da democracia em Portugal.

Aplausos do PSD e do Sr. Deputado Luís Coimbra, do PPM.

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado César de Oliveira, ouvi a sua intervenção e queria dizer-lhe que a perspectiva em que os trabalhadores e aqueles que os pretendem defender se colocam na apreciação de tudo o que se passa neste país, nomeadamente do discurso do Sr. Presidente da República, é a seguinte: que passos é que se poderão dar a partir daqui para derrubar a AD, para acabar com o inimigo dos trabalhadores, para tirar do poder o Governo AD? É esta a perspectiva com que se tem de encarar o discurso do Presidente. E é nesta perspectiva que se tem de encarar todas as alternativas que se propõem no nosso País.
Para nós não foi surpreendente porque sempre o dissemos: o Presidente nunca demitiu a AD porque nunca o quis, porque, no fundo, ele está com o projecto que a própria AD representa. É claro que não está directamente ligado com o projecto AD, mas o seu projecto geral de sociedade é o mesmo: é o projecto do 25 de Novembro.
Portanto, nós sempre dissemos: o Presidente não demite porque não quer. E o Presidente vem dizer que não demitiu e que agora já não pode. Ora, isso sempre foi aquilo que nós pensamos que ele faria.

Risos do CDS.

Mas o que eu pergunto ao Sr. Deputado César de Oliveira é isto: na perspectiva de derrube da AD, qual é a alternativa? O Presidente não demite o Governo, a Assembleia não censura porque a AD não quer. Como é? Ficamos nas instituições, dizendo que temos é de suportar as instituições democráticas que não permitem que se tire do poder o Governo AD antidemocrático?
Qual é, afinal, a alternativa que o Sr. Deputado César de Oliveira apresenta? Qual é a alternativa que permite derrubar o Governo AD, que é o responsável pela desgraça da vida dos trabalhadores, pelas carências cada vez maiores, pela miséria que já entra nos lares portugueses, pelo elevado índice de desemprego, pelos salários cada vez mais baixos? Qual é a alternativa para acabar com tudo isso? E passa ou não essa alternativa pelo derrube do Governo AD e pelo mostrar definitivamente ao povo português e aos trabalhadores que não têm de ter quaisquer ilusões sobre qualquer entidade política, nomeadamente quanto ao Presidente da República?
São estas as questões que pretendia colocar ao Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. Presidente: - Para o mesmo efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Pacheco Mendes.

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concordo com a segunda parte. No entanto, quanto à primeira parte, gostaria de destacar um ponto. O calor que V. Ex.ª sempre põe na defesa do ponto de vista da UEDS, e nomeadamente sobre o problema da comunicação social, mostra que está realmente convencido de que a sua vitória foi, de facto, tão grande que me faz lembrar um pouco aquela fábula do mons mus partaríens (o monte que pariu um rato).
Mas não é tão somente aqui que fico: penso que a sua persistência e teimosia sobre o assunto é tão grande que não me furto a contar-lhe uma pequena história. Há anos atrás veio a Lisboa um casal de província para assistir ao juramento de bandeira de um dos filhos. Quando os soldados marchavam rufava o tambor e 2999 homens punham o pé esquerdo no chão e apenas um punha o pé direito. Ao ver isto o marido diz esta frase: «Ai, mulher, mulher, que rico é o nosso filho; o único que tem o passo acerto é o nosso filho».

Risos do CDS e do PSD.

O Sr. António Arnaut (PS): - Não tem piada!

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Não quer contar outra vez essa anedota? É que eu não percebi!

O Sr. Presidente: - Ainda para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Calhordas.

O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvimos com toda a atenção a intervenção do Sr. Deputado César de Oliveira e, na linha e na coerência das posições que o MDP/CDE aqui defendeu durante o processo de revisão constitucional, cumpre-nos perguntar se entende, sim ou não, que a actual Constituição tal como está depois da revisão mantém o mesmo equilíbrio institucional que a anterior Constituição mantinha e se, portanto, o Sr. Deputado César de Oliveira entende, sim ou não, que está perfeitamente salvaguardado o equilíbrio institucional que foi criticado pelo Sr. Presidente da República, e com o qual estamos inteiramente de acordo.
Por outro lado, ainda na coerência de posições que aqui assumimos, os deputados do MDP/CDE, no decorrer do processo de revisão constitucional, afirmaram que a forma como ele estava a ser conduzido constituía um verdadeiro cerco ao poder do Presidente da República e aos poderes que lhe eram conferidos pela anterior Constituição.
Consideramos, portanto, e achamos isso legítimo, que o Presidente da República procure colocar essas questões perante o povo português e procure romper com esse cerco que, de facto, lhe foi movido por uma conspiração, por um conjunto de circunstâncias e de forças políticas no sentido de desequilibrar o nosso processo institucional.

Vozes de alguns deputados do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira que, nos termos regimentais, dispõe de 18 minutos.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de começar por assinalar que, com a excepção honrosa dos Srs. Deputados Carlos Brito e Pacheco Mendes, porque a música deste último era outra.

Risos do Sr. Deputado Eduardo Pereira, do PS.

A maior parte dos deputados que me solicitaram esclarecimentos preferiram vazar vazar no bom sentido, claro está! - para a Assembleia da República as suas próprias posições e as posições dos respectivos partidos acerca do discurso do Presidente da República e pouco se centraram sobre a minha declaração política. Quand même vou tentar responder às questões que me foram colocadas.
Sr. Deputado Carlos Brito, a plataforma constitucional da FRS acentuava, devo dizer-lhe, o vector parlamentar na nova distribuição de poderes decorrentes do processo de revisão constitucional.
A UEDS fala por si, o Sr. Professor Freitas do Amaral fala por ele ou por quem o mandatou para falar. Não fizemos a revisão constitucional contra o Presidente da República mas, sim, de acordo com os nossos próprios princípios e com o nosso próprio ideário. As interpretações que o Sr. Professor Freitas do Amaral queira tirar do discurso do Presidente da República são dele, as nossas são aquelas que acabei de exprimir e apenas sobre estas nos podem ser pedidas quaisquer responsabilidades.
Sr. Deputado Luís Beiroco, não estranho o elogio - e julgo que não serei demasiado presunçoso - que V. Ex.ª entendeu dever fazer-me porque lhe convinha, como é óbvio, tentar demonstrar que entre o conteúdo do meu discurso político e o conteúdo do seu discurso político havia quase que como uma identidade. Não é verdade e tanto não o é que as posições ante o próprio discurso do Presidente da República são radicalmente distintas. É que enquanto a UEDS entende que a nova entidade política, que, ao que parece, vai ser lançada pelo Sr. Presidente da República, tem uma resultante que pouco ou nada se distingue da AD...

O Sr. Santa Lopes (PSD): - Cruzes, canhoto!

O Orador: - .... V. Ex.ª não está de acordo com o Presidente da República por outras questões...

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado César de Oliveira, noutras questões pode haver posições radicalmente diferentes mas não creio que nessa haja.

Risos de alguns deputados do PS.

A resultante não pode ser uma entidade semelhante à AD, porque a AD é uma coligação de partidos democráticos que respeita as regras da democracia e que defende a alternância política.
A resultante é com certeza outra coisa, é um partido antipartidos, porque não se constróem novos partidos na crítica e na tentativa de denegrir sistematicamente a acção dos partidos políticos. Podem construir-se outras coisas, não se constróem com certeza novos partidos.
Por isso, penso que as nossas criticas e posições nesse ponto serão semelhantes.

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O Orador: - O Sr. Deputado Luís Beiroco perguntou-me se o Sr. Presidente da República não tem demonstrado alguma incapacidade para o exercício dos poderes que lhe cabem no actual ordenamento constitucional. Julgo que sim. Penso que já devia ter demitido este Governo e que por isso tem demonstrado alguma incapacidade no exercício dos seus poderes.
Sr. Deputado Santana Lopes, depois de um grande arrazoado sobre o seu próprio discurso e as posições do seu partido, perguntou-me V. Ex.ª se eu não tinha um sentimento de logro...

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Eu não me referi expressamente ao Sr. Deputado César de Oliveira porque não conheço o seu voto, que é secreto, mas, sim, àqueles que elegeram o Sr. General Ramalho Eanes.

Risos do PSD.

O Orador: - Como dizia, perguntou-me V. Ex.ª se não havia um sentimento de logro em tudo isto. Ora, quero apenas dizer-lhe que não sei até se poderíamos estar aqui a manifestar e a referir estas críticas sobre o discurso do Sr. Presidente da República se porventura o candidato vencedor em 7 de Dezembro fosse o General Soares Carneiro em vez do General Ramalho Eanes.

Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI. Protestos do PSD e do CDS.

Aí, sim, não apenas exprimiria um sentimento de derrota pois poderia porventura nem sequer estar aqui nesta Tribuna, como estou, a exprimir as duras criticas que entendi dever fazer ao General Ramalho Eanes.

Aplausos da ASDI e de alguns deputados do PS. Protestos do PSD e do CDS.

Sr. Deputado Mário Tomé, meu distinto colega nesta Casa.

Risos de alguns deputados do PSD.

Eu não posso falar sobre qual seja a posição dos trabalhadores acerca do discurso do Presidente Ramalho Eanes. Pêlos vistos V. Ex.ª diz que a perspectiva em que se colocam os trabalhadores é precisamente aquela que acabou de exprimir.
Mas devo dizer-lhe como è que se continua a luta contra o Governo AD. É que V. Ex.ª aponta para o recriar de soluções que passam fora do quadro das instituições democráticas. Nós continuaremos a luta contra o Governo da AD e contra a AD pela criação de uma alternativa que eu, aliás, esbocei, mas que não tive tempo, na última parte do meu discurso, para desenvolver no quadro das instituições e da Constituição da República e no respeito pela legalidade democrática.
Se V. Ex.ª pensa que é possível recriar novos palácios de Inverno, novos palácios Smolny fora do quadro das instituições democráticas, eu não penso que isso seja possível. E devo dizer-lhe ainda que a persistência nessas atitudes conduziu Portugal a desastres irremediáveis e quem beneficiará sempre é a direita revanchista que não espera outra coisa para nos calcar a todos, inclusivamente a V. Ex.ª, Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Deputado Pacheco Mendes diz que concorda com a segunda parte da minha declaração política mas que não concorda com a primeira pane. Duvido que concorde com a segunda parte se ler atentamente aquilo que lá digo.
Mas, de qualquer modo, sempre lhe quero dizer o seguinte: julgo que o soldado que estava com o passo trocado não era eu mas, sim, o Secretário de Estado José Alfaia que, além de trocar aqui o passo, trocou-se a si próprio e, sobretudo, foi vitima do Governo que lhe trocou as voltas pois vinha aqui para o apoiar mas, ao ver que o desastre era tão grande, ficaram calados, mudos, silenciosos e envergonhados, saíram e nem sequer ficaram para o apoiar. Ele é que estava com o passo trocado, não era eu certamente.
O Sr. Deputado António Calhordas disse uma coisa grave e não sei se o fez voluntariamente mas devo dizer-lhe que, de qualquer modo, o que disse nos pareceu extremamente grave. É que V. Ex.ª afirmou que o Sr. Presidente da República tem o direito de romper o cerco que lhe foi movido depois do processo de revisão constitucional.
Ora, eu pergunto ao Sr. Deputado António Calhordas o que significa a expressão «o direito de romper o cerco». Que apelo contém essa afirmação? O que é que V. Ex.ª quer dizer com isso? Quer dizer - e julgo que não - alguma coisa que extravase os próprios limites de actuação política consagrados pela Constituição da República? Se não quer dizer isso, se quer dizer que «o direito de romper o cerco» se exprime pela demissão deste Governo e pela criação de condições para que o eleitorado possa escolher as alternativas que entenda dever escolher relativamente à Aliança Democrática, então não tem sentido falar em «romper o cerco» porque não há qualquer cerco.
Gostaria ainda de dizer, quer ao Sr. Deputado Carlos Brito quer ao Sr. Deputado António Calhordas, o seguinte: uma das questões sobre a qual quer o PCP quer o MDP/CDE mais insistiram nos meses que precederam o acto final da revisão constitucional foi a famigerada questão das chefias militares. Era esta questão o omega de onde tudo dependia, sem o qual o Sr. Presidente da República ficava sem poderes.
Ora, no discurso presidencial verificou-se que, afinal, as chefias militares não mereceram do Sr. Presidente Ramalho Eanes a mínima das referências. E esta questão serve para dizer que, na nossa óptica, não há qualquer desequilíbrio da nova distribuição de poderes, que os poderes atribuídos ao Sr. Presidente da República continuam a ser latos e suficientes para ele poder ter uma intervenção na vida política. Nós só esperamos que essa intervenção se concretize - e para utilizar a linguagem do próprio Presidente da República - por uma resposta adequada e ajustada à crise em que vivemos e à crise em que este Governo tem procurado meter o país.
Portanto, esperamos que o Presidente da República tenha a única atitude coerente com a defesa da democracia e com o ideário do 25 de Abril: demita o Governo, convoque eleições gerais e não inviabilize, por parte dos partidos democráticos, por parte do conjunto da esquerda portuguesa, uma solução alternativa àquela que é representada pela actual maioria no poder.

Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, suponho que para protestar, os Srs. Deputados Santana Lopes, Mário Tomé, António Calhordas e Carlos Brito.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Santana Lopes.

O Sr. Santa Lopes (PSD): - Sr. Deputado César de Oliveira, não posso deixar de formular um protesto em relação às considerações que fez acerca do candidato presidencial apoiado pela Aliança Democrática e das consequências que teria tido, em termos de regime democrático, uma vitória desse candidato.
E o meu protesto só não ê muito veemente porque tenho a certeza de que, quer o Sr. Deputado César de Oliveira quer muitos outros, já hoje seguramente torcerão a orelha e lá no seu íntimo pensarão que não seria bem assim. Isto é, que se esse candidato, ou talvez outro, tivesse sido eleito e, no caso concreto, o General Soares Carneiro não teria sido eleito neste mandato pela Aliança Democrática para no seguinte ser eleito contra a Aliança Democrática; não teria sido eleito com base na confiança manifestada por partidos para posteriormente vir a falar contra esses partidos, não teria sido eleito em nome da democracia para a seguir vir criticar quem governa e quem pretende ser alternativa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estou certo de que lá no íntimo de quem esperou outras coisas do actual Presidente da República já não estará muito seguro o sentimento de que as coisas seriam desse modo. E mais lhe digo, Sr. Deputado César de Oliveira, que não faço esta afirmação nem assumimos esta posição por estarmos despeitados pela vitória de quem não foi o nosso candidato, até porque quanto mais não seja - e não fossem os males que isso causa ao país- conforta-nos a dignidade de quem perdeu em comparação com o modo como utilizou a vitória quem ganhou.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira, para contraprotestar, se assim o entender.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - O Sr. Deputado conforte-se como quiser, o problema é seu!

Não sabia que agora V. Ex.ª, além de outras, tem a qualidade rara de ler no íntimo!
A UEDS nunca esperou nada do General Ramalho Eanes. Se houver quem esperou, o problema não é nosso. A quem servir, que enfie a carapuça...!
Mas devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que é estranho que venha aqui fazer a apologia de um candidato que, segundo V. Ex.ª, teria sido eleito em nome da democracia, que numa das suas primeiras afirmações disse que se os resultados das eleições legislativas de 5 de Outubro, fossem desfavoráveis à AD a primeira coisa que fazia era dissolver a Assembleia da República!
Afinal, que democracia era a do General Soares Carneiro?

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor!

O Sr. Santana Lopes (PSD): - É só para lhe lembrar que, quanto a isso, outros, mais tarde, vieram a dar-lhe razão. Muitos conselheiros e apoiantes do Sr. General Ramalho Eanes - alguns da simpatia do Sr. Deputado - disseram que, na opinião deles, o grande erro do actual Presidente da República era o de não ter feito na devida altura aquilo que o General Soares Carneiro, com coragem, disse que faria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, como é tão do gosto do' seu colega de bancada Deputado Silva Marques, eu baseio-me e trabalho sobre factos, não trabalho sobre hipóteses, trabalho sobre declarações concretas e não sobre aquelas que foram proferidas em nome de ou trem.

O Sr. Presidente: - Também para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - O Sr. Deputado César de Oliveira interpretou mal as minhas palavras.
Eu disse que a posição em que nos devemos colocar é a que os trabalhadores têm, ou seja, eles reivindicam a demissão do Governo AD.
Se o Sr. Deputado não acha isso, não sabe em que movimento está inserido. No entanto, o Sr. Deputado apoiou as greves gerais que exigiram a demissão deste Governo.
E quero dizer-lhe mais, Sr. Deputado: o que reforça a direita revanchista não são as posições da UDP, são as posições que amarram o movimento operário popular à expectativa perante o General Eanes ou perante aquilo que sairá desta Assembleia ou das chamadas instituições democráticas, que a única coisa que têm feito tem sido permitir o reforço da direita revanchista. Tem sido a coberto destas instituições que se tem reforçado a AD, que se tem reforçado a direita reaccionária.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Mário Tomé, quero esclarecê-lo de que se a sua intervenção significava apenas que os trabalhadores deviam lutar pelo derrube da AD, não tenho nada a objectar. Obviamente, penso que os trabalhadores e as forças democráticas em geral devem lutar pelo seu derrube e pela criação de uma alternativa à própria AD.
V. Ex.ª diz que é mau que as pessoas se amarrem a esperanças - diria messiânicas - representadas por outrém e que isso também favorece a direita. Obviamente que favorece, mas não nos esqueçamos que o Sr. Deputado criticou - e é essa a nossa grande e profunda divergência - que alguns pensassem desenvolver, no quadro das instituições democráticas, uma luta com a AD quando toda a lógica das suas palavras - pelo menos pareceu-me - pensava em extravasar esse conjunto das instituições democráticas.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado, a questão

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fundamental que nós colocamos è a de que se pretende dificultar e impedir a luta da classe operária e dos trabalhadores através da seguinte propositura: «vocês não podem avançar pelo caminho da greve geral, dos piquetes de greve, não podem opor-se às cargas da GNR, não podem levantar a vossa revolta legitima porque a democracia não o permite».
Sr. Deputado, isto não é verdade! A democracia é exactamente aquilo que os trabalhadores e o povo em geral decidem pôr em funcionamento contra as medidas arbitrárias e reaccionárias deste Governo. Isso para nós é que é democrático.
Democrático não é impor leis antipopulares! Democrático não é a polícia de choque carregar sobre os trabalhadores!

O Orador: - O Sr. Deputado está a protestar, mas com certeza de que não é contra mim porque...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Estou a esclarecê-lo!

O Orador: - Ah, bom...! É que eu não disse nada contrário àquilo que V. Ex.ª disse. A única ressalva que fiz foi de que tudo isso é assim no quadro da democracia, no quadro das instituições democráticas que nos regem em Portugal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acaba de tomar assento numa Tribuna desta Assembleia uma delegação do Senado da República Italiana, que se encontra de visita à Assembleia da República.

Aplausos do PSD. do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDEeda UDP.

O Sr. Presidente: - Ainda para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado António Calhordas.

O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - O Sr. Deputado César de Oliveira pôs na minha boca uma coisa grave e eu fiquei assustado com o susto que lhe preguei.
Na realidade, o que eu disse foi que o Sr. Presidente da República rompeu ou tentou romper o cerco que lhe foi movido.
Parece que esta linguagem assustou o Sr. Deputado. Mas devo dizer-lhe que o rompimento do cerco é apenas a denúncia desse cerco, e essa denúncia foi um acto legítimo e útil por parte do Sr. Presidente da República porque, como se verificou, assustou muitas forças políticas, alguns políticos, e aí estão os resultados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado António Calhordas, se é só isso deixo de estar assustado.
Mas a verdade é que o Sr. Presidente da República não me assustou a mim nem ao meu partido! E devo referir que entendemos legítimo que o Sr. Presidente da República diga aquilo que entenda, quando entender, do modo que entender e utilizando a terminologia que entender.
Mas não se nos peça que silenciemos as nossas críticas, que calemos as nossas posições ou que deixemos de criticar, com a veemência que entendermos apropriada, as propostas e as soluções apresentadas pelo Presidente da República.

O Sr. Presidente! - Finalmente, também para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado César de Oliveira, a razão que me leva a fazer este protesto deve-se às referências que fez relativamente à questão das chefias militares, não tendo eu percebido bem com que alcance.
Bem, nós fizemos essa afirmação ao longo de toda a revisão constitucional e mantêmo-la: para nós, constitui uma importante redução dos poderes do Presidente da República. E sempre lhe digo, Sr. Deputado, que esta não constava da plataforma da FRS.
Mas, passando adiante, sempre lhe digo também que entendemos que uma omissão deste discurso do Presidente da República é o ele não nos trazer o anúncio de que vai demitir o Governo e dissolver a Assembleia da República, coisa que nós, comunistas, já reclamamos há muito.
Mas, Sr. Deputado César de Oliveira, a nosso ver, o Presidente da República não fecha completamente a porta a essa questão. E é por isso que os Srs. Deputados do PSD, do CDS e do PPM estão tão zangados. É porque o Sr. Presidente da República não fecha a porta!

Vozes do PSD e do CDS: - Olhe que não!

O Orador: - É que o Sr. Presidente da República referiu que para isso acontecer são necessários sinais claros de que há novas intenções de voto. Ora, para nós as eleições para as autarquias locais vão ser uma grande afirmação desses sinais, de que há nova intenção de voto para as eleições legislativas.
E nós esperamos que logo a seguir às eleições para as autarquias locais o Presidente da República demita o Governo e dissolva a Assembleia porque não temos dúvidas de que a AD vai sofrer uma clamorosa derrota.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE. Risos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira para contraprotestar.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Já sabia que o Sr. Deputado iria protestar a partir do momento em que falei das chefias multares.
Ao referi-lo apenas quis dizer que o Sr. Presidente da República não falou nisso. Mais nada! Foi uma coisa tão discutida ao longo de 8 ou 9 meses e o Sr. Presidente da República, ao fim e ao cabo, não lhe concedeu honras de a incluir no seu discurso.
Quanto à derrota da AD nas próximas eleições e à necessidade de o Sr. Presidente da República demitir o Governo, estou inteiramente de acordo com o Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Popular Monárquico, a União de Esquerda para a Democracia Socialista, a Associação Social Democrática Independente, o Movi-

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mento Democrático Português e a União Democrática Popular não existem.
Isto é, quando o Presidente da República faz um discurso, de alguma forma importante, estes partidos parlamentares não são tidos nem achados para emitir opinião.
A Rádio Televisão Portuguesa, a Rádio Difusão Portuguesa, a Agência Noticiosa ANOP, a Cooperativa Notícias de Portugal, a Rádio Renascença, os jornais estatizados, os jornais privadas, os jornais cooperativos transmitem, difundem, imprimem os pareceres, sobre o assunto dos 4 partidos grandes. Os outros 17 deputados (6+4+4+2+1) não têm direito a chegar à opinião pública.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quis o Sr. Presidente da República, após alguns meses de criteriosa criação das mais diversas expectativas e das mais dispersas esperanças, oferecer ao Pais a sua opinião sobre a revisão constitucional e as suas eventuais consequências.
E momento de reflectir um pouco sobre a matéria.
Vencida nas eleições presidenciais a tese, que fomos os primeiros a defender, do referendo constitucional, importava rever a Constituição de 1976, nos seus próprios termos e limites.
Assim se fez. Adiantados eram já os trabalhos da revisão constitucional, longo tempo após serem tornados públicos os diversos projectos, quis o Presidente da República, a quem constitucionalmente não cabia, nem cabe. qualquer intervenção ao processo, entrar nele, ameaçando resignar, caso considerasse que os constituintes lhe diminuíam aquilo que considerava como sua inalienável fatia do Poder.
Todos nos lembramos da profunda perturbação que tal atitude causou em vários sectores.
Depois de ter levado 2 meses para promulgar a Constituição, interpretando de forma singular a ausência de prazo constitucional para tal acto obrigatório, depois de ter, através dos órgãos de informação, feito, durante largo tempo, um leasing publicitário a uma intervenção sobre o assunto, o Presidente, ao invés do declarado, considerando diminuídos os seus poderes, não resigna, queixa-se, não cumpre, ameaça com uma saraivada de vetos, brande a sua nova formação política e cola-se ao coro de lamentações do Partido Comunista acerca da revisão constitucional.

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Curiosa e triste é a concepção presidencial da sua missão.
Curiosa e triste é a situação política em que vivemos no que ao Presidente da República diz respeito.
Assumindo-se permanentemente, não como viabilizador das soluções políticas apontadas pelo eleitorado, mas como oposição aos governos legítimos, imbuído de um «sentido de missão» exterior e para além do sistema parlamentar de designação e fiscalização dos executivos, o Presidente da República tem sido o contrário daquilo que um Chefe de Estado constitucional deve ser em democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Motor e fautor de entraves institucionais; angariador de apoios de base através de um discurso confusionista em que se misturam níveis diversos de poderes de natureza diversa; incutindo, em mentes desprevenidas, um sentido de poder político quase diria orgânico; apelando ao apoio de novos senhores da coisa económica e mantendo simultaneamente a âncora sindical do beneplácido comunista, o Presidente da República tem prefigurado mais o papel do candidato a líder de um qualquer simulacro de democracia, do que aquele que na verdade lhe cabe, de chefe institucional de um Estado de Direito Democrático.

Aplausos do PPM, do PSD e do Sr. Deputado Carlos Robalo (CDS).

Estamos de acordo quanto à interpretação que o General Eanes fez da natureza dos seus poderes, em face do Governo e à Assembleia da República.
É, porém, preciso que daqui lhe digamos claramente que a Assembleia da República não tem medo das suas responsabilidades e as assume com toda a inteireza.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem o Presidente da República exercido como entende o seu direito de veto. Jamais, enquanto tal, o contestámos.
Temos por bem que continue a exercê-lo nos termos constitucionais.
Não podemos, porém, tolerar que tal direito seja exercido ao sabor dos desejos de vingança pessoal do Presidente, como represália, como boicote à acção governativa ou como instrumento de guerrilha.

Aplausos do PPM. do PSD e do CDS.

Não podemos, por outro lado, deixar de denunciar o apelo aos independentes, eventuais salvadores não se sabe bem de que outra coisa que não seja o futuro político do Presidente. Os independentes que se organizem, que encontrem base ideológica, enfim, que deixem de ser independentes e que, depois, sem precisar do suporte político dos discursos do Presidente da República, se apresentem como nós ao eleitorado, único a quem, de sua justiça, caberá dizer.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Usar o seu mandato, que ninguém discute, a sua posição, a bandeira nacional, para abrir caminho a uma nova formação partidária mesmo quando em termos cautelosos ou eufemísticos é, pelo menos, um abuso de Poder.
Valorar negativamente votos dos deputados para insinuar vontades inquinadas é, antes de mais, uma ofensa àqueles que decidiram em função de uma escala de valores políticos que só à sua consciência é permitido discutir e que votaram no sentido que essa escala de valores impunha, preferencialmente a fazerem-no consoante o seu convencimento imediato o determinasse. É, por extensão um grave insulto a todos nós, a esta casa e ao sistema democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tivemos esperança que, após a revisão constitucional, o Presidente da República entendesse finalmente que a dignificação e a utilidade da sua função passam muito mais pela forma como conseguir representar a Nação

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com independência e propiciar o livre fluir da vida democrática nos termos constitucionais do que pelas vias, que parece ter escolhido, de ser parte fora das partes, árbitro que vai tomando parte no jogo, ora de um lado ora de outro, ora ainda do lado de uma terceira equipa a sua - de jogadores sem clube, mas com o árbitro já por conta.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se escolhe para a Chefia do Estado a circunstância em vez da substância, são muitos os riscos que se correm: concentração de poderes aqui, poder pessoal conseguido ou tentado acolá, confusão de poderes ou guerrilha institucional além.
À serenidade da representação nacional substitui-se, ou o desmesurado poder do partido que a domina, ou a infuncionalidade dos independentes apartidários ou ainda o indesejável apagamento total da função.
Várias vezes temos chamado a atenção para o contraste flagrante entre a estabilidade institucional democrática das monarquias europeias e os problemas que as repúblicas trazem, mormente no Sul da Europa e mais ainda em Portugal.
Neste momento, não é já só o exemplo das monarquias escandinavas, do Reino Unido, ou de outras, fora dos países latinos. É aqui, bem ao lado, que João Carlos de Espanha nos dá a imagem do guardião monárquico, desinteressado e livre, da unidade da pátria e do respeito pelo regime. Jamais ao rei de Espanha ou a outros da Europa ocorreu dificultar a acção ou opor-se aos governos saídos dos parlamentos dos respectivos países, muito menos ameaçá-los com demissões, dissoluções ou vetos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que o pensamento ou a convicção doutrinária, são hoje os exemplos que reforçam a nossa convicção monárquica. Exemplos sem excepção positivos os da monarquias europeias, exemplo sem dúvida negativo o que vivemos hoje, como ontem, da República Portuguesa.
Muitos políticos republicanos o confessam fora desta Sala. É preciso que também aqui dentro haja a coragem de o confessar e de declarar, como neste momento fazemos, que a restauração é um imperativo nacional, condição de liberdade e garantia do regime democrático.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. António Arnaut (PS): - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Terminado que está o período de antes da ordem do dia, fica inscrito o Sr. Deputado Jorge Miranda para pedir esclarecimentos.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida):

Relatório e Parecer da Comissão de Regimento e Mandato»

Em reunião realizada no dia 9 de Novembro de 1982, pelas 14 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de Deputados:

1) Solicitada pelo Partido Socialista:

Rui Fernando Pereira Mateus (círculo eleitoral de Lisboa) por Edmundo Pedro (esta substituição é pedida para os próximos dias 10 a 12 de Novembro corrente, inclusive).

2) Solicitadas pelo Partido da União de Esquerda para a Democracia Socialista:

António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino (círculo eleitora] do Porto) por Octávio Ribeiro da Cunha (esta substituição é pedida para os dias 9 a 12 de Novembro corrente, inclusive);

Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes (círculo eleitoral de Aveiro) por António Ferreira Guedes (esta substituição é pedida para os dias 9 a 11 de Novembro corrente, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.

Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do Deputado da União Democrática Popular.

A Comissão: Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Jorge Fernando Branco de Sampaio (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Manuel de A. de Almeida e Vasconcelos (CDS) - Lino Carvalho de Lima (PCP) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Mário António Baptista Tomé (UDP).

O Sr. Presidente: - Vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade (não se encontrando presentes a UEDS e a UDP).

O Sr. Presidente: - Da nossa ordem do dia de hoje consta a discussão do projecto de lei n.º 307/II - Protecção e Defesa da Maternidade -, apresentado pelo PCP.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela primeira vez, a Assembleia da República vai poder ocupar praticamente uma semana parlamentar a discutir e a deliberar sobre problemas e

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direitos que muito especialmente dizem respeito à mulher. E caso para dizer que já não era sem tempo! Reveste-se de grande significado este facto, só possível por o PCP ter usado para o efeito os seus direitos constitucionais e regimentais. O pais poderá assim assistir a um debate e à tomada de resoluções sobre problemas a que ninguém é alheio e dizem respeito à vida e ao viver de todos nós, mulheres e homens.
É positivo que tal suceda, contrastando salutarmente com as tentativas de redução da Assembleia da República a um órgão que não legisla sobre os grandes problemas nacionais, perdido entre quezílias e oratórias estéreis.
Tratando-se de temas como a maternidade, o planeamento familiar e a IVG, é evidente que é muito particularmente à mulher que este debate se destina, e é sobretudo para resolver alguns dos mais graves problemas com que elas se defrontam que o assumimos. Consagrar estes direitos, fundamentais da mulher portuguesa, exige coragem e frontalidade, coerência e transparência. Foi com esse espírito que o PCP tomou a iniciativa de trazer à Assembleia da República este debate. Na verdade, as mulheres, tão faladas e pretendidas na véspera das eleições (sempre são mais de 50% de votos) têm sido. nos mais profundos e reais problemas específicos do seu «ser mulher», tão sempre preteridas, tão propositadamente esquecidas... Isto não sucede por acaso. E este debate vai contribuir para tornar mais claras as verdadeiras causas dessa situação. Nele vão estar em presença concepções bem diferentes sobre a condição feminina, o papel da mulher na família e na sociedade, a relação homem-mulher.
Vão chocar-se mentalidades, vão confrontar-se pontos de vista opostos.
A tese de que a mulher é um ser inferior ao homem, tese oficial do fascismo, por ele propagandeada, e largamente consignada na legislação durante 48 anos, terá aqui hoje ainda os seus acérrimos defensores. O ideal de mulher oscilando entre a «gata borralheira» e a «boneca de porcelana», considerando «qualidades» inerentes à condição feminina a ignorância, a submissão, a futilidade, a ausência de vontade própria e de personalidade vai ser aqui retomado pelos representantes e defensores do regresso ao passado. De forma mais ou menos encapotada, com mais ou menos verniz, vão alguns no fundo assumir determinadas atitudes e até sentidos de voto porque querem manter a subalternização das aspirações, opiniões e capacidades da mulher e pretenderiam sobretudo que as mulheres não se considerem a elas próprias como seres com direito à felicidade e à realização pessoal, mas sim como simples peças diluídas num todo familiar, nelas assente, mas que as exclui como pessoas, para as reduzir a serviçais.
Pretendem, e teorizam ainda hoje em 1982 a confinação da mulher ao papel de reprodução e ao esgotamento no fatalismo do trabalho doméstico.
No fim do século XIX, a baronesa Von Staffe, num livro sobre a mulher ainda reeditado pelo fascismo como «guia seguro e completo para as senhoras portuguesas», escrevia: «A donzela é destinada ao casamento» e «numa sociedade bem organizada, a mulher, em qualquer condição, não tem outros deveres que não sejam ser a esposa, criar os filhos e governar a casa com ordem e com economia». Mal imaginava a baronesa que, em 1982, na Assembleia da República Portuguesa, ainda vai haver não só quem se bata pelas suas teses como até quem as tenha tentado transpor para proposta de lei a chamada «Lei de Bases da Família» que há meses aguarda votação...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas se resquícios destas teorias retrógradas e historicamente ultrapassadas vão ter aqui certamente os seus defensores (e até. ironia suprema, as suas defensoras) cá estaremos também todos os deputados e deputadas que em consonância com o texto constitucional, defendemos a consagração na lei, tal como na sociedade, da plena igualdade da mulher.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Nós sabemos, Srs. Deputados, que a plena igualdade na relação homem-mulher, a alteração da tradicional divisão de papéis na família, a emancipação da mulher só são alcançáveis por inteiro com a construção - pela luta conjunta dos homens e mulheres- de uma nova sociedade que substitua a que hoje a ambos oprime. Mas são passos e conquistas de enorme significado todos os que resultem da consagração na lei de direitos da mulher que alterem e melhorem a sua condição.
A importância social deste debate advém também do facto de ele fomentar e incentivar a consciencialização por parte das mulheres e homens deste país sobre a sua forma de estar na família, na sociedade e na vida, pondo em causa concepções ideológicas seculares e retrógradas, e abrindo caminho a uma profunda e necessária alteração de mentalidades.
Criar as condições legais necessárias à garantia de que a maternidade seja um acto livre, consciente e feliz e não uma fatalidade biológica; permitir à mulher e ao casal decidir o número de filhos que desejam ter e quando; consagrar o direito da criança a ser desejada pelos pais, primeiro passo para uma infância e um futuro felizes - são objectivos fundamentais dos projectos de lei que trouxemos à Assembleia da República. Mas eles destinam-se também muito especialmente à mulher trabalhadora, àquelas que sentem na pele diariamente a carga do exclusivo do trabalho doméstico, toda a organização da vida familiar e até mesmo da educação dos filhos, depois de horas de trabalho na fábrica ou no serviço; às que são as últimas a arranjar emprego e as primeiras a ser despedidas; às que são penalizadas por serem mães e a cujos problemas, apesar das alterações verificadas desde o 25 de Abril, ainda não se deu resposta séria e prioritária, designadamente através da criação de estruturas sociais de apoio como creches, infantários, lares de terceira idade, centros de dia...
Permitir, pela consagração na lei de direitos fundamentais, que as mulheres conciliem a sua função de mães, de trabalhadoras e de cidadãs é pois outro dos nossos objectivos. Quantas mulheres têm de renunciar à sua realização profissional, mesmo que isso signifique um grande sacrifício pessoal e para economia da sua família, por não conseguirem conciliar as suas funções? Quantas mulheres se vêem impedidas de assumir responsabilidades cívicas, ou renunciam a actividades culturais, ou não têm nunca pura e simplesmente um minuto livre de descanso seu. porque a vida é demasiado difícil?
Como escreveu tão bem Maria Velho da Costa: «Elas são 4 milhões, o dia nasce, elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café»... «Elas brigam nos mercados e praças por mais barato»... «Elas vão à parteira que lhes diz que já vai adiantado»... «Elas sobem para

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cima do caixote, que ainda são pequenas para chegar à bancada de descamar o peixe»... «Elas carregam o botão da caixa e fazem quinhentos trocos miúdos»... «Elas olham para o espelho muito tempo»... «Elas fizeram greves de braços caídos». «Elas brigaram em casa para irem ao sindicato e ajunta»...
É a realidade, por vezes brutal, da vida delas que é preciso alterar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Foi com o fim de dar um contributo fundamental à resolução de problemas tão sérios, tão graves que o PCP entregou no passado mês de Fevereiro, 3 projectos de lei na Assembleia e fez tudo ao seu alcance para que em torno das questões neles equacionadas tivesse lugar um sério debate público, que para o plenário da Assembleia da República deve agora ser transposto.
Bem importará que ninguém a ele aqui se furte ou procure escamoteá-lo exibindo habilidades provincianas. E seria indesculpável que alguém fingisse ignorar a gravidade das questões em causa, para tentar fugir às responsabilidades que como deputados todos temos.
Sem dúvida, uma das mais importantes decisões que a Assembleia da República vai tomar, é se o aborto vai ou não continuar clandestino. Isto é: se vai manter-se um flagelo social tão grave, se vai continuar a proliferar por todo o país esse sórdido negócio, se continuará a haver na lei uma proibição hipócrita e que não é cumprida, se diariamente vão continuar a entrar nos serviços de saúde mulheres lesionadas, doentes ou a morrer, se continua essa fonte de perigos e de mortes ou se, bem pelo contrário, a maioria dos deputados desta Câmara assume claramente as suas responsabilidades e tomam medidas para pôr termo a este flagelo social, legalizando a interrupção voluntária da gravidez.
Como temos demonstrado e não deixaremos de desenvolver no debate a travar na próxima quinta-feira, nenhum argumento pode com razão invocar-se para fundamentar a não legalização da interrupção voluntária da gravidez. Nada justifica que não se ponha termo de imediato a uma proibição que mantém e alimenta um grave flagelo social.
Contra o aborto somos todos. Ninguém em parte nenhuma o considera um bem, um recurso que se encare com ligeireza. E por que dolorosas situações passam e que dramas vivem as mulheres que interrompem uma gravidez!
Só que não é penalizando, não é ameaçando com cadeia e condenações, não é proibindo cegamente que o aborto deixará de existir.
O aborto impede-se, evita-se com mais pão e não com cadeias!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - O aborto impede-se, evita-se com planeamento familiar e educação sexual e não com prisões.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E o flagelo que hoje existe evita-se legalizando a interrupção voluntária da gravidez e fazendo-a praticar apenas em serviços de saúde onde a mulher seja de imediato esclarecida sobre o planeamento familiar. Só assim se impedirá que, como hoje sucede, ela volte, pouco tempo depois, a ver-se confrontada com a ameaça de uma nova gravidez indesejada. Alguém ignora aqui que há mulheres, particularmente dos meios rurais, para quem o «desmancho» é a única forma conhecida e usada de contracepção, e que há mulheres que fizeram dez, doze ou mais «desmanchos» na sua vida?
O aborto impede-se, evita-se, incrementando e assegurando um planeamento familiar gratuito em todo o país e independentemente da idade e do estado civil. E os problemas dos jovens carecem de medidas especiais, Srs. Deputados.
Mas são exactamente aqueles que mais intransigentemente se batem contra toda e qualquer forma de legalização da interrupção voluntária da gravidez, são esses mesmos que também são contra o planeamento familiar, que estão a liquidar e a asfixiar os serviços existentes, a espalhar a desinformação e a confusão sobre os métodos de regulação da natalidade.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

A Oradora: - Merece também ser assinalada a posição dos que nos debates sobre o planeamento familiar e a interrupção voluntária da gravidez se refugiam na invocação da necessidade de medidas sociais como forma de fuga às questões em causa, no preciso momento em que nos gabinetes preparam um Orçamento Geral do Estado em que a política social é escandalosamente sacrificada, com cortes brutais na saúde, na habitação, na segurança social, nas reformas e no poder de compra dos portugueses.
Não é essa santa hipocrisia que deve presidir aos debates que aqui vão decorrer.
Bem gostaríamos de não ver transpostos para esta Assembleia os métodos, o estilo e o tom que só os sectores mais obscurantistas têm vindo a usar.
Para vergonha desta casa e para fazer rir o país já bastaram as teses aqui defendidas pelo Sr. Deputado Morgado do CDS.
Compreendemos, porém, as dificuldades com que alguns se confrontam neste debate, muito particularmente o PSD. Que complicação Srs. Deputados! Muitos dos senhores e até dos vossos Ministros e Secretárias de Estado, têm produzido interessante e rica literatura contra a proibição do aborto. Outros têm feito depoimentos ou publicado artigos de opinião que contribuem para o enriquecimento do debate. Aparecerem aqui amarrados à proibição da interrupção voluntária da gravidez coloca-os na triste situação de serem o único partido «social democrata» da Europa que tem essa posição; fica-lhes mal no Conselho da Europa (e no Parlamento Europeu para onde querem entrar); tira-lhes o ar civilizado e pretensamente moderno com que gostariam de aparecer perante o pais e ficam irmanados com as teses do Deputado Morgado e mesmo com o tom cromagnon que alguns dos comentaristas da sua área têm justamente criticado.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - E tudo lhes está a sair mal. A costela realmente democrática de alguns faz com que engulam mal a hipocrisia da situação em que os pretendem colocar. A sondagem que encomendaram para isolar a iniciativa do PCP veio dizer, ao invés, que esta tem um amplo apoio popular. Não admira, pois, que quando

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aparecem em público metam tantas vezes os pés pelas mãos e as mãos pelos pés.
Depois das tristes figuras do Ministro Meneres Pimentel, o pais pôde ouvir no telejornal de domingo, da boca do Deputado Mário Adegas, uma posição espantosa, que se pode resumir assim: o PSD nem quer a despenalização do aborto, nem quer a punição das mulheres.
Então. Srs. Deputados, o PSD é afinal, pura e simplesmente a favor do aborto clandestino livre (mo) que é precisamente o que decorre da posição exposta pelo Senhor Deputado Mário Adegas?!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

A Oradora: - Seria demasiada a insensatez e a incoerência de tal posição!
Mau será também que neste debate se invoque, para não aprovar propostas justas, o facto de serem apresentadas pelo PCP. Estamos aqui com toda a legitimidade democrática e porque mais de l milhão de portugueses nos confiou o seu voto. Estamos aqui para contribuir para a resolução dos problemas. E nós comunistas, nesta Assembleia, como nos órgãos de poder local, onde quer que se delibere temos sempre o mesmo comportamento: votamos as propostas justas, venham de quem vierem.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Os sentimentos democráticos do povo não aceitam outra atitude!
Vamos fazê-lo, aliás, quanto ao projecto sobre planeamento familiar que o PSD, num gesto envergonhado, acaba de entregar na Mesa da Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Para além de ser uma questão de principio, neste caso como poderíamos votar contra um gémeo siamês do nosso próprio projecto?! Mas é bom que se diga desde já que os dois pontos em que o projecto difere do nosso são espantosamente contraditórios com a postura que o PSD assume neste debate. Referimo-nos às propostas do PSD sobre a liberalização da esterilização dos cidadãos maiores de 25 anos e da livre inseminação artificial.
Veremos se alguém do CDS aparece a dizer que, se este projecto do PSD passar, o Governo cai...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Temos 3 dias para debater 3 projectos de importância fundamental.
Por isso mesmo, só quem estiver profundamente alheado da realidade nacional, de costas voltadas para a gravidade dos problemas mais sentidos, poderá ver neste debate inadiável um mero «jogo parlamentar» ou a expressão de uma qualquer táctica momentânea.
E se alguém ousar socorrer-se de meras artimanhas parlamentares para fugir à responsabilidade de se pronunciar e de decidir sobre as questões, não se poderá furtar a pagar e pagar caro os expedientes a que recorrer. Lá fora aguarda-se com enorme expectativa. Esta é uma das ocasiões em que o país tem os olhos postos nesta Assembleia, não para assistir a rodeios ou chicanas, mas para conhecer: conhecer o que cada um propõe e o que cada um vota. As nossas propostas aí estão. Vamos ao debate Srs. Deputados.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peco a palavra para um protesto em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, não vou perder tempo a contestar a sua tentativa de perturbar a minha bancada. No entanto, queria dizer-lhe o seguinte: V. Ex.ª diz que o Partido Social-Democrata Português é o único que tem, relativamente aos restantes partidos sociais-democratas da Europa, esta posição em relação a este assunto. Sr.ª Deputada, não conheço em pormenor as posições dos restantes partidos sociais-democratas, mas quanto a «únicos»... ai sim, «únicos» são os que se sentam na bancada de V. Ex.ª Quem é o único partido comunista que ainda hoje apoia as invasões da Checoslováquia, do Afeganistão...

Risos e protestos do PCP.

Podem rir, podem rir à vontade porque o Partido Comunista ainda hoje é o único que, em todo o mundo, funciona como instrumento fiel da União Soviética.
Diz V. Ex.ª que «lá fora estão na expectativa». Pergunto: lá fora aonde? Na União Soviética relativamente ao que se passa aqui?
Esteja V. Ex.ª descansada, Sr.ª Deputada, que o Partido Social-Democrata tem as suas posições e não se perturba com as suas tentativas de causar perplexidade relativamente ao facto de sermos os únicos ou não. Nós tomamos as posições em função da problemática portuguesa e nada mais!
Pergunto-lhe: se V. Ex.ª acha que o movimento pela descriminalização do aborto é tão profundo na sociedade portuguesa porque é que não abordou esse tema durante a sua campanha eleitoral? Se estava realmente convicta de que a população portuguesa, o seu próprio eleitorado, ansiava por essa iniciativa legislativa porque é que não falou nela durante a sua campanha eleitoral?
Sr.ª Deputada, as suas palavras só perturbam quem está susceptível de ser perturbado por acusações abstractas. Quanto a «únicos», são VV. Ex.ªs os únicos que têm hoje, no quadro da situação política portuguesa, a posição mais hipócrita de todos e que é aquela de fingirem que são democratas sendo, no fundo, contra a democracia parlamentar.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para contraprotestar a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques e Srs. Deputados do PSD: Desde que abrimos este debate na Assembleia da República e desde o dia em que aqui apresentámos estes projectos de lei que dizemos que são assuntos demasiadamente sérios, graves e sentidos pelo povo português para entrarmos, quando estas questões estão em causa, em qualquer espécie de chincana parlamentar, em qualquer discussão que não seja o fundo das questões que estão em causa.

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Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Por isso, Sr. Deputado Silva Marques, não vou responder a nada do que acabou de dizer.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Faz muito bem!

A Oradora: - Vou, pura e simplesmente, calar-me. Na sua boca ficam as suas palavras, na sua boca fica o que o Sr. Deputado acabou de dizer.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS, do MDP/CDE e da U DP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A discussão das matérias agendadas para estes 3 dias da Assembleia da República, insere-se na longa história da libertação do Homem - a libertação dos seus tabus, dos seus medos, da repressão das instituições e normas que criou para o tornar capaz de assumir, em todas as esferas da vida, a plena dignidade humana.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Â legislação sobre a maternidade - a forma como ela é vivida e os valores que encerra de ordem ética, religiosa, cultural e política- levanta sempre em todos os países uma multiplicidade de reacções que estão longe de ser controladas e geridas pela razão, pela objectividade, com realismo. Maternidade, sexualidade, vontade de viver abalam as estruturas do psiquismo individual fazem estremecer os princípios fundamentais da sociedade.
Mas que sociedade?
Atrás de nós o sistema patriarcal com a sua amoralidade, hipocrisia e servidão da mulher. Hoje, a vida pública, o sistema profissional baseado na competitividade, agressão e cupidez que obriga também as mulheres ao turbilhão e ao desequilíbrio. Nos nossos dias l o facto novo: as mulheres identificando-se como seres de ' plenos direitos e responsabilidades pondo em causa por isso mesmo a forma de assumir a maternidade, os valores que a condicionam, as normas das relações interpessoais, da vida familiar, da vivência da afectividade e sexualidade, enfim o cerne de cada ser humano e do tecido social em que se inserem.
Em períodos de expansão e estabilidade é verdade que se torna mais fácil discutir tais questões. Os espíritos abrem-se tornando-se tolerantes, generosos e flexíveis. Em períodos porém, de crise económica, social e política, surgem as defesas, a nostalgia do passado, a intolerância nos comportamentos, a violência sobre os mais fracos, o apego aos mitos e aos dogmas.
Ora é precisamente num período de crise que em Portugal se debatem questões como as do aborto, da educação sexual, do planeamento familiar. As clássicas manobras inquisitoriais para bloquear a opinião pública, revelam-se com toda a pujança à luz do dia.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

Veja-se por exemplo, o que se tem passado na imprensa regional mais sujeita a pressões de toda a ordem. Aos que reivindicam responsabilização, tolerância - e incluo aqui não apenas as mulheres, mas os profissionais de saúde, de assistência social, de jurisprudência- responde a violência dissimulada dos que negam essas reivindicações por detrás de argumentos do foro íntimo inquestionáveis, compreensíveis, mais até, respeitáveis, mas também muitas vezes expressão dos mais profundos recalcamentos e interesses. Assim a discussão pública, sobretudo desde a apresentação nesta Assembleia, pelo PCP, dos 3 projectos de lei em causa, tem-se mantido, quase sempre, ao nível das convicções morais e religiosas de análises jurídicas capciosas, de dissertação bizantina ultrapassada pela ciência embriológica, quando não em termos de guerra santa e das cruzadas.
Ora, o debate objectivo, rigoroso, realizado com informação, inteligência e sensibilidade que deveria ter sido feito durante o período que mediou entre a apresentação destes projectos de lei e a sua discussão em plenário não foi feito à semelhança do que se fez em todos os parlamentos europeus dando origem a relatórios públicos especializados. Veja-se, por exemplo, os relatórios do Senado e da Assembleia da República Francesa. O levantamento da situação real e o seu estudo face aos aspectos sociais, médicos e demográficos não se fez e restando-nos o que alguns jornais revelaram; a audiência de representantes das especialidades médicas mais directamente ligadas à obstetrícia e ginecologia não foi feita; a auscultação dos responsáveis da administração dos serviços de saúde também não se realizou; os professores e médicos, educadores mais ligados à formação afectiva e sexual foram desprezados; os especialistas e trabalhadores em planeamento familiar não tiveram palavra; os serviços materno-infantis e de assistência a menores não se pronunciaram sobre as condições de defesa da maternidade; as associações e individualidades reconhecidas na matéria não foram chamadas; as mulheres só muito raramente, através das suas organizações, tiveram coragem de vir a esta casa e foram ouvidas.

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

A Oradora: - Quando há meses, como Presidente da Comissão Parlamentar da Condição Feminina que ouvi para o efeito, e através do meu Grupo Parlamentar, produz a criação de uma comissão ad-hoc, integrando membros das várias Comissões Parlamentares - saúde, direitos, liberdades e garantias e condição feminina - às quais foram remetidas em condições que todos conhecem, os projectos de lei em causa e representantes de todos os grupos parlamentares para que se procedesse a um estudo prévio que viesse a estar presente neste debate de hoje, tive confiança e esperança na responsabilidade desta Assembleia. Depositados com mérito para o Partido Comunista Português, o estudo empenhado deles por parte de todos os partidos, permitiria ultrapassar o obstáculo maior que se depara sempre à elaboração de uma legislação nova e sobretudo neste campo: isto é a ausência de consensos para uma dada solução concreta pela dispersão de opiniões e interesses em confrontação. Tal estudo evitaria ainda a tentação de tirar os efeitos partidários de uma questão tão grave e nacional como esta. Ter-se-ia evitado também fomentar e manter na sociedade portuguesa, à custa desta questão, a política do avestruz, do salve-se quem puder, a crítica pela oposição negativa com apoio numa opinião pública manobrada.

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Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Evitar que ao público passasse despercebida, como passou, que o que estamos a discutir, é sobretudo e acima de tudo a salvaguarda da maternidade consciente, da saúde dos indivíduos e que defender um quadro legal para a interrupção da gravidez, é tolerá-la apenas como último recurso e condená-la como prática anticonceptiva normal. Era o que devia ter sido feito para fazer face ao flagelo social que é o aborto clandestino.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Lamentavelmente, muito embora todos os partidos dessem o seu acordo à criação da referida comissão ad-hoc, tacitamente todos se recusaram, pelas mais variadas razões, a levar para a frente a proposta formulada e agendada. A vontade e o empenho de alguns deputados, mostraram-se mais uma vez ineficazes, face à inércia e ao modo de funcionamento deste órgão de soberania. A Assembleia não cumpriu o seu dever como lhe competia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Muito bem!

A Oradora: - Esta Assembleia contribuiu assim, com acrescida responsabilidade da maioria AD, para o imobilismo político e cultural que caracteriza hoje a sociedade Portuguesa e a paralisa na busca de soluções para os problemas mais gritantes.
Nestas condições o debate que hoje iniciamos é um debate viciado. Pode ser porém, um desafio aos deputados que se assumem conscientemente e se recusam como robots partidários. É muito especialmente um desafio às mulheres que aqui se encontram qualquer que seja o partido em que se situam. Esta discussão não nos pode deixar de tocar a todas, sobretudo nas condições em que é feito: sem estudo profundo e rigoroso, sem debate político prévio inter grupos-parlamentares e comissões especializadas, sem audiência de especialistas. Debate mergulhado hoje em interesses eleitorais de conjuntura, em objectivos estratégicos partidários, debaixo de pressões de grupos sociais preponderantes.
Estes assuntos de tão graves repercussões na vida de todos nós, a concluir pelo esforço que foi despendido neles comparativamente ao que se fez para a revisão constitucional, a Lei da Defesa Nacional e se fará, estamos certos, para o próximo Orçamento Geral do Estado, valem, concluímos, para esta Câmara, pouco ou nada. Isto é: que milhares de mulheres morram por ano por aborto clandestino, que muitas mais sofram na sua vida de falta de condições para o exercício de uma maternidade que assumem e aceitam, que os nossos filhos e as nossas jovens filhas não sejam ajudadas no desabrochar da sua afectividade e sexualidade, é assunto de pequeno interesse para a Assembleia da República. São assuntos, para muitos, demasiado domésticos para ter honras de órgão de soberania.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Um debate, nestas condições, humilha-nos enquanto deputadas; humilha as mulheres no seu espirito, na sua inteligência, no seu coração e nos nossos corpos. É, além disso, desesperante verificar que é uma Assembleia de homens e só de algumas mulheres que vai decidir punir ou definir condições a quem não pode, em sua consciência, conceber. Os homens que não geram, fazem as leis que podem transformar o que de imensamente feliz uma mulher pode ter -a maternidade consciente- numa fatalidade a que as obrigam. É difícil e incómodo. Mas não posso deixar de afirmar que, sentindo bem a inutilidade imediata dos esforços na acção política, estamos de novo perante um longo caminho cheio de obstáculos a combater. Mas sei que estou acompanhado e em consonância com todas as outras que nesta Assembleia nos entregaram a sua voz qualquer que sejam as suas opções políticas, convicções religiosas ou classe a que pertençam. Esta não é uma luta em nosso favor. É uma luta nossa que desafia a tolerância e a procura em conjunto - homem e mulher - a plena dignidade de cada um.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegada a esta altura creio não ser tempo já, para esgrimir argumentos que, há 6 ou 7 meses, teriam razão de ser. Nomeadamente, a auscultação da população através do referendo que defendi desde o início da discussão pública e, nos mais variados sítios por onde passei em esclarecimento político - não necessariamente imprescindível, como mostra o exemplo de França- mas para ultrapassar o facto, de nenhum partido político ter introduzido no seu programa eleitoral, expressamente esta matéria.

O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Por culpa de quem?

A Oradora: - Esta questão, infelizmente, também já hoje se não põe uma vez que, apesar de algumas vozes nesta Assembleia o defendessem, não se consagrou na Constituição o referendo para matérias como esta.

Vozes do PSD: - Ah!

A Oradora: - Tenho a certeza que, a ser feito, revelaria bem a irresponsabilidade, se não a hipocrisia, desta Assembleia.
Não é altura muito menos para aqui se representarem teatralmente as clássicas polémicas sobre o começo de vida, o conflito entre o direito à vida da mãe e do feto, a inviolabilidade de consciência da mulher ou dos médicos e pessoal de saúde, os efeitos moralizantes ou não da penalização do aborto, a definição no mais alto nível de jurisdicismo do crime contra a vida, as preocupações das teorias natalísticas, da ciência e embriologia, etc., etc. Querer, ainda agora, refugiar-se nestes argumentos, fugindo a encarar a realidade do concreto, do flagelo social do aborto clandestino; das condições pessoais em que é cumprida por tantas mulheres a função social da maternidade; as condições humilhantes e deseducativas em que se impede o planeamento familiar a jovens; as recomendações das instituições internacionais e especificamente do Parlamento Europeu; e a Europa em que vamos entrar pelos vistos, às arrecuas; dá provas do mais profundo imobilismo político e cultural em que caiu a vida Portuguesa.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

A Oradora: - Argumentar deste modo é uma forma

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de disfarçar outros argumentos, os argumentos da pequena política ou da bricolage política que todos conhecemos, e que já não pudemos deixar de denunciar, derivados de acordos que podem estar comprometidos ou de sujeições, que nada têm a ver, com o bem deste país e da democracia, mas a favor dos quais também a vida da Mulher e da Criança servem de moeda de troca.
É uma recusa à responsabilidade, é o fechar de olhos ao aumento condenável de taxa de natalidade dos menores de 16 anos -tal como revela o inquérito à fecundidade- à dolorosa situação das mulheres internadas por aborto nos serviços hospitalares, à morte de muitos milhares delas. É uma demissão escandalosa face às soluções que urgem para defender a maternidade, para permitir o exercício do direito ao planeamento familiar, para pôr cobro ao aborto clandestino como prática anticonceptiva corrente, para apoiar a mãe nas condições em que ela se vê obrigada, em consciência, a renunciar a uma gravidez quando razões ponderosas o exigirem, para garantir as condições sanitárias satisfatórias a que tem direito a família, combatendo as práticas e redes mercantis, que, essas sim, abalam os alicerces morais da nossa Sociedade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos pois, perante a discussão dos 3 projectos de lei do PCP - planeamento familiar e educação sexual, defesa da maternidade e interrupção voluntária da gravidez - e de um outro, que à última da hora, para apaziguar a consciência de alguns Srs. Deputados do PSD - que assim terão a possibilidade de votar em alguma coisa sobre planeamento familiar. É, no estrito âmbito das soluções apontadas e do quadro jurídico em que se apresentam, procurando contribuir positivamente para as respostas mais adequadas, do nosso ponto de vista, às situações concretas que, após estes considerandos iremos intervir, de agora em diante.

Aplausos do PS, do PCP, do UEDS, do MDP/CDE e da Sr.ª Deputada Natália Correia do PSD.

Durante a intervenção, tomou assento na bancada do Governo o Ministro para os Assuntos Parlamentares, (Marcelo Rebelo de Sousa).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para pedir esclarecimentos, ou para formular protestos, os Srs. Deputados Amadeu dos Santos, Silva Marques e Mário Tomé. No entanto, vamos interromper os trabalhos até às 18 horas e 5 minutos visto estar na hora regimental do nosso intervalo.
Está suspensa a sessão. Eram 17 horas e 35 minutos.

Após o intervalo, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Amadeu dos Santos.

O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Sr.ª Deputada, depois de ter ouvido atentamente a sua intervenção, cheguei à conclusão que o seu discurso deve ter sido preparado um tanto ou quanto apressadamente, visto que conseguiu dizer estas duas coisas: atribuir hoje pela segunda vez uma vitória à AD - moral, é verdade - ao implicitamente reconhecer que a AD tinha razão acerca da questão do referendo, a primeira vitória foi sobre a questão do Eanes e foi vir falar nuns tons e nuns termos de contradição total e absoluta. V. Ex.ª acabou de nos dizer, por um lado, que a Assembleia da República não fez qualquer auscultação devida e atempada, que não houve até agora um debate sério desde a apresentação dos diplomas pelo PCP e, por outro lado, veio falar em hipocrisia dos deputados do PSD e do CDS sobre esta questão. Ora, parece-me muito mais claro e evidente que a hipocrisia pode vir, sim, de quem marcou o debate para hoje, quando se sabe que a Assembleia da República esteve absorvida no debate sobre a revisão constitucional, facto que impediu os deputados de fazerem uma auscultação devida e atempada, não só dentro dos seus partidos, como junto dos seus próprios eleitores, acerca de um problema tão candente e importante, como eu próprio, aliás, reconheço que é.
Assim sendo, das duas uma: ou V. Ex.ª e o seu partido não atribuíram à revisão constitucional o papel tão reclamado como em princípio diziam, e tiveram, assim, tempo de fazer essa auscultação - o que não me parece ter acontecido, porque se assim fosse não compreendia como é que o PS decidiu atribuir liberdade de consciência aos seus deputados para votarem este diploma -, ou V. Ex.ª não pode vir aqui dizer e reclamar que isto é aquilo que a maioria das mulheres portuguesas desejam.
Por estes motivos, Sr.ª Deputada, só lhe faço 2 perguntas: foi ou não a AD, através do Sr. Ministro da Justiça e da revisão do Código Penal, a primeira força política a levantar a questão deste problema, e estou a lembrar-me de um debate que teve lugar na televisão, onde V. Ex.ª esteve presente? É ou não é hipocrisia estar a debater hoje um diploma desta natureza, quando não se sabe qual é a opinião do povo português sobre esta situação, quando V. Ex.ª reconhece que é um problema de consciência, quando, inclusive, V. Ex.ª nos vem aqui falar na possibilidade de fazer o aborto quando houver deformações dos próprios fetos quando eles ainda são fetos? Não mereciam, portanto, uma maior maturidade, discussão e análise os assuntos desta natureza?
Se houver hipocrisia não é da nossa parte, mas sim de quem apresenta estes diplomas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada, a mim não me custou seguir as considerações que V. Ex.ª fez sobre o problema. Simplesmente a prova de que o problema é de grande complexidade, no sentido de ser um tema que ultrapassa as meras divisões partidárias, está na intervenção de V. Ex.ª.
V. Ex.ª perguntou como é que é possível que esta iniciativa legislativa - creio que se estava a referir ao projecto de lei sobre protecção e defesa da maternidade, não era, portanto, sequer acerca do diploma relativo à despenalização do aborto que é (pessoalmente assim o penso) um tema mais sensível - tenha vindo ao Parlamento sem se terem ouvido as várias entidades interessadas particularmente nesta problemática.
Mas é essa a questão, Sr.ª Deputada!
V. Ex.ª pergunta porque é que a Assembleia da República não promoveu essa auscultação. Não sei se a culpa

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- dando de barato que a Assembleia devia ter essa iniciativa - foi da maioria...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Então foi de quem? Da minoria?

O Orador: - ... isto é, se a maioria votou contra essa proposta. Pergunto: mesmo que a culpa tenha sido da maioria, o que é que impediu que os deputados da oposição tivessem posto em prática, na pane que lhes cabia, essa iniciativa? Onde é que os deputados da oposição têm percorrido o país promovendo reuniões sobre estas matérias, inclusivamente sobre esta da protecção e defesa da maternidade, para já não falar na da despenalização do aborto?
Quantos deputados da bancada de V. Ex.ª inclusivamente da bancada do próprio Partido Comunista, o próprio deputado Mário Tomé, o fizeram?
Até hoje só vi abordar este problema, em termos públicos e frontais, ao candidato a deputado Aires Rodrigues. Esta é que é a realidade das coisas sem a escamotear! Que a partir daqui cada um tome a posição que entender tomar, relativamente ao exercício do seu mandato de deputado, é com cada qual. Aqueles que não quiseram abordar o problema com o seu eleitorado e que se sintam
- não obstante autorizados - a tomar uma iniciativa legislativa aqui. pois que o façam e cada um tomará a posição que lhe cabe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à problemática que V. Ex.ª abordou, isto é, porque é que não se ouviu quem estava interessado nesta problemática - não sei se isso aconteceu por culpa da maioria (não estou informado e não creio que a maioria tenha estado contra qualquer proposta de iniciativa nesse sentido) - eu pergunto: porque é que não o fez a oposição? Porque é que a oposição não tentou preencher essa lacuna?
Esta é que é a forma, julgo eu, rigorosa de colocar as questões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Não é bem para um pedido de esclarecimento...

O Sr. Presidente: - Então para que Sr. Deputado?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Vou servir-me da figura de protesto, embora não queira, de facto, protestar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, coloca-me numa situação um pouco difícil, mas faça favor.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio, em primeiro lugar, quero felicitá-la pelo seu contributo para este debate, na medida em que acho que ele foi importante e valioso, e, em segundo lugar, queria apenas fazer uma pequena correcção em relação ao que disse, ou seja, quando afirmou que nenhum partido inscreve no seu programa a questão da legalização do aborto. Isso não corresponde à realidade, visto que a UDP sempre, em todos os seus programas, tem inscrito a questão da legalização do aborto como um dos pontos a ter em conta. Diz o nosso programa: «assegurar o direito das mulheres a salário igual para trabalho igual, dar assistência à maternidade, criar uma rede de infantários e creches e legalizar o aborto.»
Esta, de facto, sempre foi a nossa posição e, inclusivamente, apresentámos em 1980 um projecto de lei que, por motivos vários, não chegou a subir a Plenário, e que visava a despenalização do aborto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio para responder, se assim o desejar, aos pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo pelo fim.
Agradeço ao Sr. Deputado Mário Tomé a correcção. Referia-me ao programa eleitoral de 1980, dos vários partidos e se realmente me enganei agradeço a correcção.
Relativamente ao Sr. Deputado Silva Marques, vamos lá ver se consigo entender o que disse.
Estou de acordo consigo naquele ponto que a minha intervenção fez ressaltar, ou seja, a complexidade do assunto que estamos a tratar. Não é um assunto fácil, é um assunto complexo, mesmo no projecto de lei que considero mais feliz, como seja, o da defesa da maternidade. No entanto, considero que estes problemas são tratados através de 3 projectos que fazem um todo harmonioso relativamente a questões que se imbricam, ou seja, defende-se a maternidade e o planeamento familiar evitando-se o aborto clandestino.
Era nesse sentido que, tendo em atenção a complexidade do assunto, esta Assembleia deveria assumir a responsabilidade plena através de um estudo sério, tal como se fez em todos os outros parlamentos europeus, acerca desta questão, ficando assim devidamente informada, auscultando os especialistas, verificando as condições de exequibilidade de medidas que ponham realmente fim e cobro a determinadas situações graves e ajudem a mulher na sua maternidade. Ora bem, este tipo de legislação não é uma legislação que se possa fazer com acertos partidários; é sim uma legislação que obriga a consensos vastos que não têm que dividir a Assembleia em direita e esquerda.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - O Sr. Deputado diz que nós não fizemos esse estudo na Assembleia e que nós deputados não esclarecemos a opinião pública.
Em relação à primeira questão, volto a repetir, acho que a Assembleia não cumpriu conforme lhe competia, o seu dever; em relação à segunda questão, falo por mim e pela minha bancada, tenho a impressão que muito mais deputados da minha bancada andaram por esse país nas sessões públicas de esclarecimento do que deputados da vossa bancada. Mas não era a isso que me estava a referir. O que referi foi a responsabilidade e o trabalho que, enquanto deputados, devíamos ter feito nesta Assembleia.
Relativamente ao Sr. Deputado Amadeu dos Santos, queria dizer-lhe que eu não digo coisas desse género. Peço desculpa, mas aquilo que eu digo é coisa com muita seriedade. Ô Sr. Deputado não leu aquilo que eu disse:

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referiu que eu tinha falado na hipocrisia do PSD e do CDS, não está lá escrito; afirmou que eu tinha dito que representava a maioria das mulheres portuguesas, também não está lá escrito; disse que a primeira pessoa a falar sobre este assunto foi o Sr. Ministro da Justiça, não creio, Sr. Deputado, que se tivesse passado assim.
O Sr. Deputado teceu considerações que eu não compreendo como è que as produziu depois da intervenção que eu fiz. O Sr. Deputado veio demonstrar que está mal preparado - mais uma vez - para o debate e que nem sequer ouviu com atenção aquilo que eu disse.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem voltar a considerações anteriores, farei um breve protesto.
Diz a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio que esta Assembleia devia assumir uma iniciativa, no sentido de promover o esclarecimento e o debate do problema. Dando de barato que devia, pergunto a V. Ex.«, tendo essa opinião, onde é que houve uma iniciativa de proposta para essa decisão da Assembleia da República, para já não falar em iniciativa e proposta de V. Ex.ª Não houve Sr.ª Deputada.
Portanto, julga V. Ex.ª que, embora tendo essa opinião e esse pensamento e embora não o tenha procurado concretizar, fica dispensada das suas responsabilidades colectivas? Não fica Sr.ª Deputada.
Por outro lado, mesmo que a maioria - e foi isto que há pouco eu quis dizer, porque isto não se verificou, V. Ex.ª não pôs à prova a maioria...

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Deputado, é provável que não tenha acompanhado toda a actividade desta Assembleia, mas que na reunião de líderes dos grupos parlamentares foi apresentada pelo meu grupo parlamentar uma proposta de criação de uma comissão ad hoc que fizesse a ligação entre as três comissões parlamentares às quais foram presentes os projectos de lei; comissão ad hoc que deveria proceder à discussão, ao debate, ao estudo prévio destes 3 projectos de lei. Aliás, essa proposta foi inclusivamente agendada, embora não se tenha procedido à sua votação, o que, se existe uma acta das reuniões dos líderes parlamentares, lá deve constar.
Foi isso que eu disse na minha intervenção.

O Orador: - Sr.ª Deputada, eu não nego que o seu grupo parlamentar tenha tido essa iniciativa na reunião de líderes parlamentares, mas V. Ex.ª não disse que aí se tinha feito isto ou aquilo. V. Ex.ª disse sim que a Assembleia da República não fez e só se sabe o que é que esta deseja fazer ou não mediante uma atitude de voto em Plenário que defina a posição da Assembleia da República.
Por outro lado, repare, Sr.ª Deputada, que o que V. Ex.ª diz que o Grupo Parlamentar do PS propôs é diferente daquilo que V. Ex.ª acha que esta Assembleia devia fazer. É porque se V. Ex.ª acha que essa ampla
auscultação se resumia à criação de uma comissão ad hoc aí, digamos, há já uma restrição, um empobrecimento da ideia.
De qualquer modo, não vou discutir se a iniciativa a tomar devia ser a da criação de uma comissão ad hoc ou qualquer outra. O que eu digo, Sr.ª Deputada, em termos de iniciativa, admitindo que a Assembleia da República devia ter essa iniciativa, é que há razão para haver dúvida sobre se a Assembleia da República devia ou não ter essa iniciativa no contexto da situação em Portugal. De qualquer modo, não houve da vossa parte, e da sua em particular, Sr.ª Deputada, uma acutilância no sentido de levar esta Câmara a tomar tal atitude.
De qualquer modo, admitindo que por causa da maioria a Assembleia da República não tenha cumprido a sua obrigação, eu pergunto, Sr.ª Deputada: onde é que se observou essa acção ampla e intensa da parte dos deputados que terão ficado derrotados na eventual votação dessa matéria?
V. Ex.ª diz-me que da parte das bancadas da oposição houve mais pessoas que falaram nisso. Talvez sim.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa novamente?

O Orador: - Faça favor.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Deputado, agradeço-lhe a oportunidade que usarei apenas para lhe perguntar o seguinte: na sua opinião, perante a gravidade desta situação do aborto clandestino, perante a importância destas questões, V. Ex.ª acha ou não que a Assembleia da República devia ter feito um estudo prévio, tal como fez para a Lei da Revisão Constitucional, para a Lei da Defesa Nacional e para a Lei do Tribunal Constitucional?
Acha ou não que a Assembleia da República deve fazer um estudo prévio de auscultação e de trabalho inter-comissões como se faz, por exemplo, no caso da apreciação da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado?
Qual é a sua opinião, Sr. Deputado?

O Orador: - Respondo-lhe assim, Sr.ª Deputada: claro que sim, claro que devia ter sido feito, pelo menos, um estudo prévio - e eu estou a tentar exprimir-me com sinceridade e com rigor, o que não quer dizer com a mesma opinião de V. Ex.ª Portanto, acho que sim, que se devia ter feito um estudo prévio, mas penso também que se possível - e não foi por acaso que tal não foi possível - através de um prévio debate, de uma prévia agitação ou abordagem do problema por parte dos deputados, porque pelos vistos eu tenho uma concepção do uso do mandato parlamentar diferente da concepção de V. Ex.ª
Eu já disse que não me considero membro de uma «república de notáveis». Repugna-me ter iniciativas legislativas sobre as quais não tratei com os meus cidadãos, sobretudo quando sei de antemão que elas são da maior sensibilidade e do maior melindre cultural para os cidadãos que represento.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - De qualquer modo, ainda que admitindo que V. Ex.ª tem um outro entendimento do exercício do mandato parlamentar, o que posso afirmar é o

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meu apoio indubitável a um estudo prévio, rejeitando, todavia, a situação de notável. Apoio sim o debate com os eleitores, o debate com a população, e foi isso que não verifiquei.
Se V. Ex.ª me diz que nas bancadas da oposição houve quem tivesse tratado o problema publicamente, eu acredito até porque é certo que o mesmo aconteceu nas bancadas do grupo parlamentar do PSD, o que todavia, para efeitos de iniciativa legislativa, não me permite levar a nenhuma conclusão, sobretudo no que respeita à ligação entre o exercício do nosso mandato e o eleitorado que representamos. E se esta não existe por que é que nós nas reuniões com o nosso eleitorado não abordamos a questão? Será que os nossos eleitores nos exigiram que, entre outras iniciativas legislativas, tomássemos essa?
Sr.ª Deputada, repito que me recuso a pertencer à «república dos notáveis». Aliás, não só me recuso a pertencer como sou contra ela, porque se isso tinha algum sentido noutras fases anteriores da história democrática agora tem cada vez menos sentido. Penso que uma das raízes, um dos vectores que pode consolidar a democracia no nosso país é não existir uma utilização elitista do mandato de deputado, e é esta a questão de fundo que lhe coloco, com toda a sinceridade. Sr.» Deputada.

Risos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Amadeu dos Santos.

O Sr. Amadeu dos Santos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Devo começar por dizer que relativamente à questão da interrupção voluntária da gravidez já tenho a minha posição definida e expressa, inclusivamente em jornais, pelo que estou perfeitamente à vontade para falar sobre o assunto.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Qual é?

O Orador: - Pode concluí-la através de uma leitura do Diário de Lisboa, do dia 4 de Novembro. Sr. Deputado.
Assim quero dizer que o que há pouco quis referir - e, de resto, o meu colega Deputado Silva Marques também já teve oportunidade de abordar um pouco o assunto - foi que se V. Ex.ª reconheceu e continua a reconhecer que não houve debate -e V. Ex.ª chega ao ponto de dizer que houve deputados da sua bancada que andaram por este país fora a fazer sessões de esclarecimento -, se o próprio Grupo Parlamentar do PS reconhece que o conjunto da sua bancada não tem vontade colectiva sobre este problema, chegando ao ponto de dar liberdade de voto aos deputados por reconhecer que se trata de um problema de consciência, então, da forma como V. Ex.ª aborda a questão, trata-se de um problema de consciência.
Sendo assim, a única coisa que lhe quero perguntar é se reconhece que neste momento a Assembleia da República está documentada para se sentir perfeitamente identificada com a vontade da esmagadora maioria do povo português, ou. neste caso, das mulheres portuguesas, sobre uma questão tão importante como é esta da interrupção voluntária da gravidez.
Portanto, o que eu queria salientar era que se, por um lado, V. Ex.ª nos vem dizer que não está suficientemente documentada - e nenhum de nós o está, porque efectivamente estivemos absorvidos por outras matérias, nomeadamente pela Lei da Revisão Constitucional que entrou em vigor em 30 do mês de Outubro-, por outro lado, vem dizer-nos agora claramente que devemos assumir as nossas responsabilidades, o que no seu entender é votar favoravelmente os 3 diplomas. Ora eu pergunto se isso é assumir responsabilidades ou se não é antes assumir uma irresponsabilidade perante factos tão gravosos como é o caso da interrupção voluntária da gravidez.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente direi ao Sr. Deputado Silva Marques que não me considerarei de forma nenhuma numa «assembleia de notáveis», quando cada um dos deputados ou dos deputados em colectivo fizerem um estudo profundo sobre os diplomas legislativos que lhe são presentes. Pelo contrário, nessa altura considerar-me-ei numa Assembleia responsável, numa Assembleia de competentes.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Eu referia-me à ligação com os eleitores, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Relativamente ao Sr. Deputado Amadeu dos Santos, aproveito a ocasião para o informar de que a vontade colectiva do meu partido foi agora bem definida: todos nós votámos a favor, portanto unanimemente, dos 3 projectos de lei e demos liberdade de voto aos deputados precisamente para que votem aquilo que em consciência acham que devem votar.
O Partido Socialista tomou expressamente uma posição colectiva e, já agora, desafio o Grupo Parlamentar do PSD a fazer o mesmo, isto é, a dar também liberdade de voto aos seus deputados.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

Relativamente ao facto de haver ou não estudos, posições pessoais bastante especializadas sobre o assunto, etc., eu lembro aos Srs. Deputados do PSD que até têm no nosso partido grandes especialistas sobre este assunto. Por exemplo, o melhor estudo jurídico sobre esta questão foi feito pelo Sr. Deputado Costa Andrade...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Que logo hoje não está cá!...

A Oradora: - ...e o melhor estudo sobre planeamento familiar é da autoria do Dr. Albino Aroso. Que mais querem os Srs. Deputados nos vossos grupos de especialistas do que estas duas categorizadas opiniões, que tanto nos ajudaram e de que tanto nos servimos?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Zita Seabra, poderá informar a Mesa das razões por que pediu a palavra?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É para prestar um esclarecimento à Câmara, Sr. Presidente.
Todavia, como essa figura regimental não existe, eu invoco a figura do protesto para poder usar da palavra. É que foi afirmado por um Sr. Deputado do PSD que

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nenhum partido tinha inscrito no seu programa eleitoral...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, desculpe-me interrompê-la mas não pode protestar contra o que afirmou um outro deputado no uso da palavra para formular um protesto. Todavia se V. Ex.ª quiser invocar o direito de defesa conceder-lhe-ei a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, se V. Ex.ª quer que eu invoque a figura regimental do direito de defesa do meu partido eu invocá-lo-ei, até porque ele foi citado expressamente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi aqui dito que nenhum dos partidos presentes nesta Assembleia considerava no seu programa eleitoral a questão da legalização do aborto.
No que diz respeito ao meu partido, o programa eleitoral por que os deputados aqui presentes foram eleitos - programa que se chama «Programa eleitoral do PCP» e que eu tenho aqui na mão- diz na sua p. 86.º: «(..) Cumprimento do direito constitucional do exercício duma paternidade consciente e de os casais decidirem quantos filhos desejam através da generalização da educação sexual e divulgação do acesso das mulheres e dos casais aos métodos de planeamento familiar, da revogação da legislação repressiva em relação ao aborto e da adopção de medidas de defesa da saúde e da vida da mulher, vitima das condições em que o aborto clandestino é praticado (...)»
Foi com este programa eleitoral que nós fomos eleitos, Srs. Deputados do PSD.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O primeiro do conjunto dos 3 projectos de lei relativos a problemas fundamentais da mulher cuja apreciação se inicia hoje trata da «protecção e defesa da maternidade».
Apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP simultaneamente e em estreita e indissociável ligação com os dois outros projectos, o facto é que foi injusta e deliberadamente silenciado por certos sectores.
Não espanta que isso tenha sucedido. Procurando reduzir a iniciativa do PCP às áreas do planeamento familiar e educação sexual e da interrupção voluntária da gravidez, os adversários das transformações sociais e do progresso tentaram esconder da opinião pública o. conjunto de soluções articuladas que propomos no presente projecto para permitir à mulher ser mãe e, simultaneamente, continuar a participar na vida económica e social do pais, e para garantir à criança o apoio e assistência de que necessita.
Mas porque é disso que se trata, porque o que se procura é a articulação entre a maternidade e a plena participação cívica, o projecto não podia deixar de suscitar o mais vivo interesse entre todos aqueles, homens e mulheres, que situados no mundo do trabalho e aspirando a uma vida mais feliz, fazem da possibilidade da concretização de uma maternidade livre, consciente e responsável uma das suas aspirações mais profundas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - As opiniões, comentários, sugestões e propostas adiantadas por numerosas organizações de trabalhadores, designadamente sindicais, mostram que o sentido e alcance do projecto de lei foram bem compreendidos por quem mais duramente sente a realidade que se procura alterar.
E na verdade, essa realidade é ainda hoje bem dura e bem difícil para as mulheres portuguesas, particularmente para as trabalhadoras, que querem realizar-se plenamente como mães e como mulheres.
A opção pela maternidade implica ainda hoje problemas que não podem deixar de interferir gravemente nas possibilidades de confiança, serenidade e felicidade que dessa opção deviam ser indissociáveis.
È o que se passa no campo da saúde, quer para a mulher, durante a gravidez e no pós-parto, quer no que respeita às garantias para a própria saúde da criança. É o que se passa quanto ao equipamento social de apoio, em particular no que toca a creches e infantários. E ë finalmente a realidade brutal da discriminação da mulher no trabalho.
O facto é que a maternidade ainda hoje condiciona fortemente a participação da mulher na vida económica, social e política e impede a sua completa realização como cidadã de pleno direito que é.
É sabido que, apesar das importantes alterações que se deram na sociedade portuguesa após o 25 de Abril, a mulher continua a ser fortemente discriminada no acesso ao emprego, é canalizada para os sectores de actividade e para as profissões mais mal remuneradas e menos interessantes e criativas, sofre de maneira muito mais aguda com o desemprego e vê extremamente dificultado o acesso a escalões superiores e a cargos de chefia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Na base desta discriminação continua a estar uma concepção que procura reduzir a mulher trabalhadora à condição de «reserva de mão-de-obra barata», considerando o trabalho feminino como ocupação secundária.
Foi a concepção que o fascismo impôs em Portugal durante demasiados anos.
É essa concepção que novamente está presente em muitas empresas que estão a proibir a admissão de mulheres, enquanto noutras só são admitidas mulheres solteiras ou. quando casadas, com mais de 35 anos e desde que declarem não querer ter filhos!
Mas é igualmente responsável pela discriminação de que continua a ser principal vítima a mãe trabalhadora, a falta de estruturas sociais de apoio (creches e infantários), o mau funcionamento dos centros de saúde, a não existência de legislação que regulamente e defenda os direitos dos pais e das crianças quando necessitam de assistência da família e as creches, infantários ou amas se recusam a aceitá-las para não pôr em risco a saúde das outras crianças.
As carências em infra-estruturas sociais de apoio superam de longe o que hoje existe. Basta ver que em 1978 existiam 1026118 crianças com idades entre os O e 6 anos e dessas só 93504 beneficiaram dos serviços de guarda e educação de crianças, ou seja, apenas 9%; e

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que em 1980 o número total de jardins de infância no continente era de 2242 com apenas 105682 lugares. No entanto, em 1981 somente foram concluídos pelo Estado 123 empreendimentos, correspondendo-lhes 7210 lugares criados e 2845 lugares remodelados em creches e infantários, o que é manifestamente muito pouco, Srs. Deputados.

Vozes do PCP: - É uma vergonha!

A Oradora: - Num momento em que várias empresas vão proibindo a admissão de crianças nas creches e infantários porque se preparam para os encerrar, num momento em que se assiste ao despautério de ouvir o Ministro das Finanças dizer, que não considera grave o desemprego por ele abranger sobretudo as mulheres e os jovens, num momento em que até há casos de mães sós trabalhadoras que se suicidam porque são atiradas para o desemprego, assume particular importância a discussão deste projecto de lei.

Vozes do PCP e da UEDS: - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 307/11, constitui não só um conjunto coerente, articulado e organizado de medidas para a área •em que pretende actuar, a protecção e defesa da maternidade, como também, e por isso mesmo, representa uma verdadeira alteração qualitativa do ordenamento jurídico português, na linha e na sequência dos imperativos constitucionais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Na manta de retalhos da legislação existente, onde ainda por cima o que avulta é o que não está regulamentado e o que pura e simplesmente não é aplicado, o projecto em discussão, convertido em lei, representará uma nova e globalizante dinâmica decorrente da manifestação da vontade política de criar as condições para a concretização da dimensão social da maternidade, na perspectiva do reconhecimento pleno do estatuto da mulher.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Inserido em áreas e domínios diferentes, como a saúde, a segurança social e os direitos laborais, com o projecto de lei sistematiza-se o que existe, corrige-se o que está errado e inova-se onde é necessário.
É assim que, por exemplo, nos aspectos biológicos (gravidez, parto, amamentação) são previstos novos direitos: horários das consultas de acordo com o horário de trabalho da grávida, boletim de saúde da grávida, a assistência domiciliária, a criação e organização de um transporte correcto para as grávidas e ou recém-nascidos em risco, as consultas pré-concepcionais, o alargamento do tempo de internamento das parturientes para 5 dias e a formação de equipas de perinatologia defendendo igualmente a reformulação dos currículos de obstetrícia relativos a médicos e enfermeiros e ainda os exames médicos clínicos e laboratoriais gratuitos ao pai quando tal for necessário.
Pretendemos, pois, que com os meios técnicos e humanos disponíveis haja um fácil acesso aos cuidados materno-infantis, implementando uma correcta distribuição por todo o território. Só desta forma é possível contribuir para a diminuição da mortalidade materna e da mortalidade infantil, taxas que ainda hoje nos colocam na cauda da Europa. Igualmente prevenimos as deficiências, pois as causas obstétricas e neo-natais, facilmente evitáveis, contribuem com larga percentagem para as causas de deficiência na criança, calculando-se que nascem anualmente em Portugal cerca de 11600 crianças deficientes por causas perinatais.
É ainda propósito do projecto de lei incrementar o parto hospitalar (em 1978 realizaram-se ainda 31,5% dos partos no domicílio sendo mais de 18000 sem qualquer assistência), melhorar as maternidades existentes, criando novas unidades e humanizando os serviços.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Em suma, o que se procura é uma opção clara pela via preventiva, a única capaz de assegurar o acabar com as causas de tantas e tão dramáticas situações vividas em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas é particularmente nos aspectos sociais que o projecto vai mais longe, sem perder de vista a realidade portuguesa.
É imperioso, e é realista, que a licença por maternidade passe para 120 dias, sendo 30 obrigatoriamente antes do parto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Só quem nunca passou por um período de gravidez pode não compreender a justeza desta medida e o esforço que significa para a mulher, no último período da gravidez, ter de continuar a trabalhar, quantas vezes pondo em risco a sua saúde e a da criança que vai nascer.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Criança que deve ser alvo de toda a protecção do Estado e garantia de que a mãe e o pai lhe possam dar todos os cuidados de que necessita sem que isso signifique discriminação no seu trabalho.
Daí a proposta de que haja dispensa à mãe de 2 períodos de 1 hora/dia no primeiro ano da criança, o direito do pai e da mãe de faltar ao emprego até 15 dias por ano para prestar assistência a filhos menores e a obter uma licença sem vencimento para prestar assistência a filhos nos primeiros 24 meses de vida da criança, se tal for necessário.
Em correspondência com estas medidas prevê-se o alargamento do período de atribuição do subsídio de maternidade e o reconhecimento às trabalhadoras independentes ou desempregadas desse subsídio. ' Quanto às graves carências em infra-estruturas sociais de apoio, definimos como dever do Estado, a criação urgente de uma rede de equipamento social. Com esse fim propõe-se que as empresas com mais de 100 trabalhadores (ou que facturem mais de 50000 contos/ano) paguem uma contribuição adicional para a segurança social de 0,5% sobre as remunerações salariais, isentando as empresas que disponham de creches a funcionar regularmente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Encarada na perspectiva constitucional a criança que nasce não tem apenas valor para os pais; representa igualmente um importante valor social, assegura o futuro da própria comunidade.

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Se, por um lado, compete aos pais tratarem e cuidarem dos filhos, é também dever do Estado proporcionar todas as condições de protecção da maternidade quer à mãe na sua condição biológica de dar vida, quer aos pais na criação de condições sociais e humanas para o filho que decidiram ter, quer à própria criança que vai nascer.
A protecção e defesa da maternidade não pode ser apenas uma questão de principio que todos dizem defender.
O simples enunciado, necessariamente sumário, das medidas propostas demonstra não só o carácter altamente inovatório do projecto, mas também a urgência da sua aprovação.
O projecto de lei n.º 307/II, sobre protecção e defesa da maternidade, convertido em lei, dignifica as mulheres e os homens do país que o tiver por seu, na sua legislação e muito particularmente na sua prática social.

Vozes do PCP e do PS: - Muito bem!

A Oradora: - É por isso, Srs. Deputados, que o apresentamos: para que cada um assuma a responsabilidade de o votar e - esperamos - aprovar no próximo dia 11.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr.» Deputada, sem prejuízo para os méritos deste projecto de lei, faço notar omissões que francamente o desfavorecem.
Nomeia-se, e bem, a participação da mulher na vida cultural, mas deixa-se no vago da cultura a actividade da mulher, tendo em vista a protecção e a defesa da gravidez, da maternidade, sem especificar a função criadora; marginaliza-se da integração social da mãe, escritoras, pintoras, escultoras, músicas e cineastas cuja actividade, sendo de primordial importância para a cultura, não é profissionalizante e, pior, não permite auferir rendimentos que proporcionem uma maternidade digna.
Se este projecto tem, como se lê na sua fisionomia a intenção meritória de contribuir para a libertação da mulher e dignificação social da maternidade, é-lhe obrigatório não discriminar dos benefícios que propõe as mulheres que, contribuindo na ordem da criação para a cultura, querem também cumprir-se como mães.
Assim, quando se fala na participação da mulher na vida cultural teria de se especificar a sua actividade no plano da criação artística e literária.
Também no artigo 7.º, alínea/), estranho a ausência de psicólogos das equipas de obstectras e pediatras, encarregados de assegurarem assistência ao período peri--natal, omissão que dá um cunho bastante biologista aos cuidados que nessa fase são requeridos, os quais implicam situações psíquicas que reclamam assistência.
Acha ou não a Sr.ª Deputada que estas observações são pertinentes? Pergunto-lhe também, se encontram eco no ânimo dos autores do projecto?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, para responder.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr.ª Deputada, começo por agradecer-lhe as questões que acaba de colocar-me, pois permitem esclarecer melhor o que pretendemos com o nosso projecto de lei, com a nossa iniciativa. Demonstram, também, que existe alguém nessa bancada que está interessado, de facto, em discutir estas questões com seriedade e em contribuir, inclusivamente, para um enriquecimento dos projectos de lei que apresentámos.

Aplausos do PCP, do PS, da UEDS e do MDP/CDE.

Sr.ª Deputada, respondendo às questões que pôs. quero dizer-lhe que elas são de facto pertinentes e que , encontram nesta bancada, pleno eco. Estamos inteiramente abertos a todas as sugestões - como aliás referi na minha intervenção e a minha camarada Zita Seabra também já tinha referido - a todas as propostas que já vieram e a outras que possam vir, no sentido de enriquecermos este projecto de lei, neste caso, mas os outros também. Isso só dignifica a mulher e só contribui para pormos fim à grave situação que hoje existe, em relação à situação da mulher em Portugal.
No entanto, Sr.ª Deputada, no nosso projecto de lei estão previstas algumas das questões que referiu. Por exemplo, creio que nos artigos 21.º e 22.º alargamos a atribuição dos subsídios e dos direitos previstos, também às trabalhadoras independentes e. nomeadamente, portanto, às trabalhadoras da cultura, às intelectuais, àquelas que se dedicam à cultura.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Dá-me licença que a interrompa?

A Oradora: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Sr.ª Deputada, lembro-lhe que as mulheres que têm uma actividade criadora no mundo das artes e da literatura, não têm estatuto de trabalhadoras.

A Oradora: - Mas, precisamente, quando dizemos trabalhadoras independentes, estamos a pensar em todos os outros casos que não estão devidamente especificados na lei.
De qualquer modo, estamos inteiramente abertos a todas as sugestões, às precisões que for necessário fazer-se no projecto, para que não restem dúvidas sobre esta questão e, portanto, também em relação à outra proposta que fez, em relação à falta de psicólogos nas equipas que propomos.
Saúdo, mais uma vez, o seu contributo para a melhoria deste projecto de lei e espero que outros possam surgir da parte dessa bancada e também de todos os Srs. Deputados desta Assembleia.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição da República Portuguesa garante com clareza a protecção da paternidade e da maternidade, garantindo o direito à protecção da sociedade e do Estado a estes dois valores sociais eminentes.
À mulher é no texto constitucional dado o direito a dispensa de trabalho, antes e depois do parto, sem perda de retribuição e regalias.

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O PSD no seu programa afirma que a maternidade deve ser objecto de especial protecção e a sua função social reconhecida, apontando com esse fim algumas linhas de força que têm vindo a ser concretizadas em diversas atitudes legislativas.
Estamos convencidos que o projecto de lei em discussão, para além de concretizar o texto constitucional, reúne, numa ideia que julgamos louvável, num único texto várias disposições fundamentais sobre a protecção da maternidade que têm vindo a ser avulsamente tratadas, não sendo, nesta medida, inovador.
Um único texto sobre a matéria permite um grau de harmonia e de visão global, tendencialmente uniformizante, dos diferentes direitos que a actual dispersão tem dificultado.
Tendencialmente uniformizante porque permite que neste domínio concreto se não continuem a verificar desigualdades entre mulheres trabalhadoras unicamente pelo facto de estarem ligadas a um ou outro sector profissional.
Caminho de uniformidade de direitos que foi, de resto, iniciado pelo decreto-lei que assegurou o direito a 90 dias de licença de maternidade.
O valor social da maternidade, consagrado na Constituição e por todos reconhecido, legitima o tratamento de privilégio concedido à mulher durante o ciclo biológico gravidez-parto-aleitamento.
Mas a Constituição vai mais longe ao reconhecer o valor eminente social tanto da paternidade como da maternidade, que o ciclo posterior a que poderemos chamar de cuidado e educação dos filhos não deve obrigar a mulher a uma situação de subalternidade em relação ao homem, com impossibilidade de realização profissional e de participação completa na vida cívica e sem que isso transforme os filhos em vítimas de uma completa integração da mulher.
Uma política de conciliação do trabalho profissional e da intervenção político-cívica com as responsabilidades familiares deve ser um dos objectivos prioritários de uma política vocacionada para abolir as atitudes discriminatórias em relação à mulher e que, não pondo em causa a família como elemento fundamental da sociedade, lhe garanta a protecção, por parte da sociedade e do Estado, necessária à efectivação de uma completa realização pessoal dos seus membros, dando na medida do possível os mesmos direitos e obrigando aos mesmos deveres tanto o pai como a mãe.
Abreviando... se a família é tanto da mulher como do homem, e se a criança precisa da mãe como do pai, é lógico, e isso decorre do articulado do projecto de lei, que, concluído o ciclo biológico, os direitos decorrentes e necessários da existência de uma criança devem ser iguais para ambos os pais. Recordo o direito de faltar por doença do filho, o direito de interrupção de trabalho por adopção, etc.
No ciclo biológico inicial, a atenção deve ser dada em exclusividade à mãe e posteriormente, na fase de cuidados e educação os direitos devem ser iguais para ambos os pais.
É esta filosofia, filosofia com que o Partido Social-Democrata concorda e que na nossa opinião decorre dos textos da Constituição e que está na base do presente projecto de lei, embora no articulado haja a este respeito incorrecções.
Não compreendemos porque não foi por esta razão dado o título ao projecto de defesa e protecção da paternidade e da maternidade.
O PSD, porque louva a ideia de reunir num só diploma a diferente legislação existente, porque defende uma uniformização de direitos independentemente do grupo profissional da mulher, porque é por uma política que visa pôr fim a atitudes discriminatórias para com a mulher, porque concorda genericamente com a filosofia decorrente do articulado, não irá com o seu voto inviabilizar este projecto de lei.
Sem pretender uma análise exaustiva do texto do articulado, não posso deixar de anunciar que apresentaremos propostas de alteração que incidem, pensamos que beneficiando os fins da presente iniciativa, em cerca de 2 terços dos artigos.
Não as irei analisar a todas já que algumas revestem aspectos secundários ou meras melhorias de forma.
Analisarei pois, só aqueles que nos parecem ser os mais importantes.
No capítulo relativo aos cuidados de saúde concordamos com a generalidade das medidas propostas e corrigimos o erro da numeração de consultas, no artigo 5.º e chamamos a atenção para o facto dever ser garantido à criança a aplicação do quadro cronológico de vacinação da Direcção-Geral de Saúde, no artigo 7.º discordamos dum limite rígido em relação ao período de internamento.
No capítulo das relativas às condições de trabalho há algumas insuficiências de que saliento a falta de se não concretizar o regime de tempo parcial ou horário flexível previstos no Decreto-Lei n.º 503/80, e criado já para a função pública, pelo Decreto n.º 167/80 (como se verifica pelas datas, são inovações legislativas dos governos da AD).
No artigo 10.º pretende-se alargar o período de licença de maternidade de 90 dias, que é o regime actual, para 120 dias.
Não defenderemos que 90 dias são suficientes. Somos mesmo da opinião que são insuficientes.
Mas poderá ou deverá este período ser alargado? Julgamos que não. Para além dos custos decorrentes de tal alargamento, pensamos que terá um efeito desfavorável sobre as possibilidades de acesso ao mercado de trabalho por parte das mulheres. Seria, mais uma atitude que em vez de favorecer as mulheres iria aumentar-lhes as atitudes discriminatórias e aumentar as dificuldades.
No seu § 3 refere-se a possibilidade de interrupção da licença, por interesse da mulher, nos casos de internamente da criança.
Porque não também nos casos de internamento da mulher, a exemplo do regime existente para a função pública.
Propõe-se no articulado uma licença nos casos de adopção de 30 dias. Propomos o seu alargamento para 60 dias, que se devem iniciar não quando se obtenha a sentença mas sim quando se toma a cargo uma criança, além de alargarmos o período de licença de adopção, de um ano, que era o proposto, para 3 anos.
No artigo 18.º prevê-se uma licença especial para educação dos filhos menores, licença que constitui já promessa do Decreto-Lei n.º 503/80.
Dever-se-á aqui defender uma uniformização do regime, bem como no artigo 17.º, pelo que não se deverá admitir a possibilidade de regime de privilégio decorrente de legislação especial.
Licença que não deverá ser superior, pelo menos no início, a 1 ano dada a consciência de que, face às enormes dificuldades com que as mulheres deparam, no

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mundo do emprego, um período maior se voltaria contra elas como novos factor de discriminação. Em vez desfavorecermos as mulheres estaríamos a desfavorecê-las.
Não concordamos com o princípio previsto no artigo 19.º, de que seja a entidade patronal a responsável pela diferença entre os subsídios atribuídos pela segurança social e a remuneração habitual.
É ao sistema de segurança social que cabe garantir a atribuição de subsídios justos e suficientes. Não nos parece no entanto justo, que se torne materialmente preferível, para uma mãe, faltar por doença do filho que por doença própria.
No articulado consagra-se o direito ao subsídio de maternidade para as trabalhadoras independentes e desempregadas o que não é uma inovação, pois já se encontra previsto em Decreto do presente ano.
Consideramos o artigo referente à informação sobre os direitos das mães e dos pais muito restrito, pelo que propomos uma visão mais ampla, mais global, que procure por acções de informação e formação, através dos meios de comunicação, superar as atitudes discriminatórias e levar a uma alteração da divisão tradicional de funções entre o homem e a mulher.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O voto do PSD ao presente projecto sobre protecção da maternidade demonstrará que as atitudes de voto do PSD são tomadas de acordo com os projectos, em si, e não com a origem das iniciativas.
Votaremos de acordo com a justeza das medidas e não com a paternidade das mesmas.
Às correcções, algumas das quais sinteticamente abordei, que iremos propor, são a certeza de que o PSD não se demite das suas responsabilidades de maior partido parlamentar e que procurará, como partido de Estado, adoptar medidas que representem andar significativamente no sentido de uma maior justiça social, sem se deixar atrair por pequenas facilidades, positivas para um eleitoralismo imediato, mas que, na sua implementação prática, iriam atrasar um processo de evolução social tendente à diminuição das desigualdades entre os sexos.

Aplausos do PSD, do Sr. Deputado José Nunes (PS) e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Mais outra contribuição!

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Deputado, começava por dizer-lhe que em relação a algumas questões que referiu e a propostas de alteração de que falou, como já dissemos, estamos abertos a propostas de alteração que possam melhorar o presente projecto de lei.
Quando o Sr. Deputado refere que já está regulamentado o subsidio para as trabalhadoras independentes e desempregadas, queria dizer-lhe, Sr. Deputado, que existe legislação sobre isso, mas essa legislação não está regulamentada, não foi regulamentada, alguma dela, inclusivamente, nos prazos legais e, portanto, isso dificulta a sua aplicação, para além da questão geral que referiu, de que é necessário incluir num único diploma. Isso é positivo. Mas nos casos concretos que referiu, embora alguns deles e outros que não referiu sejam posteriores à entrega dos nossos projectos de lei - ainda bem que o Governo não se lembrou de legislar sobre esta questão depois de termos entregue projectos de lei na Assembleia da República! -, pelo menos foi um contributo positivo, também já nesse campo, que demos com a entrega dos nossos projectos de lei.
Mas, para além disso, queria dizer-lhe que o que existe não foi devidamente regulamentado e, como tal, não está a ser aplicado nem pode ser.
Queria ainda referir que alguns dos casos que aponta como, por exemplo, o alargamento dos prazos para 60 dias, no caso da licença por adopção, ou do caso da função pública se tornar extensivo a todos os trabalhadores,, acho que pode ser uma excelente medida. Consideramos que, pelo menos, o prazo que já existe hoje para os trabalhadores da função pública fosse extensivo a todos os trabalhadores. Pelo menos isso! Daí a apresentação da nossa proposta. Mas, inclusivamente, está referido no nosso projecto de lei que não queremos pôr em causa, nem é nossa intenção, aquilo que de melhor existe na contratação colectiva sobre o assunto. Se se pretender estender a toda a gente, a todas as mulheres e a todos os trabalhadores deste país, o regime excepcional que existe, em alguns casos, sendo ele melhor do que o que nós propomos, excelente Sr. Deputado! Então vamos a isso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Mais outra contribuição!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado Jaime Ramos, ouvi com atenção e muito interesse a sua intervenção e penso que é exactamente esse o papel desta Assembleia e, nomeadamente, o nosso papel aqui como deputados.
O projecto de lei que apresentámos, e como foi dito pela minha camarada lida Figueiredo, não é na verdade um projecto de lei fechado. Algumas das questões que o Sr. Deputado coloca, nós próprios as colocamos e nos interrogamos se serão exactamente as mais justas. Dou-lhe um exemplo: o Sr. Deputado referiu se é ou não realista, e se não poderá ser até uma forma que se vire contra o próprio acesso da mulher ao mercado de trabalho, alargar a licença de maternidade de 90 dias para 120, isto é, para o nono mês da gravidez.
Acabámos por considerar no nosso projecto de lei a proposta, que conhece, que figura no texto que apresentámos, depois de termos ido verificar as estatísticas de absentismo da mulher e de verificarmos que a larga maioria das mulheres que trabalhem numa fábrica ou num balcão, quando chegam ao nono mês da gravidez, não podem continuar a trabalhar e recorrem à baixa e, nesse caso, não há médico nenhum que recuse passar-lha. E depois isso conta no absentismo das mulheres, e depois, por isso, vêm dizer que as mulheres faltam muito ao trabalho, e que isso conta como uma baixa fraudulenta!
Bom, é exactamente no sentido de ponderar bem todas estas questões, e esta Assembleia da República tem todas as condições para através de um trabalho sério e ponderado encontrar as soluções ideais e avaliar as questões que1 não são realmente pacíficas, que são polémicas - polémicas, no bom sentido do termo e não no de polémica partidária ou política -, que não são líquidas,

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claras ou evidentes, que o nosso partido está inteiramente aberto a todas as sugestões, venham elas do PSD ou da Comissão da Condição Feminina, que também entregou nesta Assembleia várias propostas extremamente interessantes e que enriquecerão muito o projecto de lei.
O Sr. Deputado dizia, no início da sua intervenção, porquê chamar-se a este projecto de lei da maternidade e não da paternidade e da maternidade.
Digo-lhe que se o tivéssemos apresentado hoje, chamar-se-ia assim. Mas porque foi já depois da entrega deste projecto de lei, do seu debate e da própria ponderação que. em nós próprios, isto se suscitou, que viemos a apresentar aquando da revisão constitucional a alteração do artigo que diz exactamente respeito à maternidade, e que passou a dizer respeito à maternidade e à paternidade. Nessa altura dissemos para nós próprios: o nosso projecto de lei deveria chamar-se as duas coisas, mas eleja estava entregue.
Penso que é, exactamente, com essa ponderação colectiva - vinda de todos os quadrantes políticos e ideológicos em que cada um se situa- que é possível que, em torno de questões tão sérias como estas, a Assembleia da República legisle seriamente e que neste caso. que estamos aqui a ponderar, se melhore a situação da mulher trabalhadora e. consequentemente, da criança.

Aplausos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - A Sr.ª Deputada lida Figueiredo pôs o problema em relação ao subsídio de maternidade a atribuir às trabalhadoras independentes ou desempregadas.
Não afirmei que já estivesse regulamentado, mas sim que estava previsto num decreto-lei de 1982.
Quero dizer que não era também inteiramente inovadora, neste caso, a vossa proposta.
Digo-lhe, e a Sr.ª Deputada fez um ligeiro humor a esse respeito, que não me preocupa em nada, e à minha bancada também não e penso que o mesmo se passa em relação ao Governo, com a origem das ideias. O que interessa é o resultado prático da aplicação dessas ideias, independentemente da sua proveniência.
Em relação ao problema do gozo dos 90 dias ou 120 dias. ou de outras medidas semelhantes tal como a Sr.ª Deputada Zita Seabra referiu- quero dizer que sou de opinião de que sempre que se alargam muito as medidas relativas a favorecer as mulheres, se poderá estar a criar uma situação que deixa de as favorecer. É que isto, realmente, pode conduzir-nos um bocado à perspectiva de que com tanta protecção que se lhe quer dar - e é evidente que ela tem que a ter, nomeadamente no ciclo biológico da maternidade em que só a mulher pode ser mãe, e nesta parte concordamos que terá que ter privilégio correspondente às suas necessidades biológicas - essas medidas podem virar-se contra a própria mulher e fazerem com que, como em tempos passados, a mulher seja muito bem tratada, que por parte da sociedade haja muita amabilidade, mas a mulher não trabalha e estará em casa.
Em relação ao texto que citou, da Comissão da Condição Feminina, quero dizer-lhe, Sr.ª Deputada Zita Seabra, que esse texto também nos ajudou bastante na elaboração das nossas propostas de alteração. Quanto ao problema que colocou de as mulheres faltarem por razões de doença no último mês de gravidez, quero dizer-lhe que além de ser uma indicação médica genérica em relação a essa falta que os níveis de absentismo da mulher portuguesa não são, de modo nenhum, superiores aos níveis de absentismo da mulher europeia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Raposo.

A Sr.ª Luísa Raposo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa primeira abordagem do presente projecto de lei -protecção da maternidade -, na generalidade, poderá resultar uma ideia de louvor pela preocupação que mereceu aos Deputados do PCP a protecção e defesa da maternidade. No entanto, tal ideia ficará prejudicada atendendo a duas circunstâncias: por um lado, do conteúdo do seu articulado e da sua análise na especialidade, constata-se que o texto agora apresentado nada tem de inovador, limitando-se a reunir num diploma único e com ligeiras alterações de pormenor, medidas de protecção materno-infantil, de há longa data existentes e dispersas em diplomas legislativos vários; por outro lado, o presente documento é apresentado conjuntamente com outros dois diplomas sobre direitos aç planeamento familiar e educação sexual e sobre a denominada interrupção voluntária da gravidez IVG.
Atentas estas circunstâncias, se concluirá pela necessidade de procurar noutros motivos a apresentação deste projecto que não apenas o da protecção da maternidade.
Com efeito, poder-se-á pensar que o projecto de lei sobre defesa da maternidade visa abrir caminho à aprovação dos outros 2 que o acompanham, numa estratégia, resultante do impacto que demagogicamente um projecto de lei sobre defesa da maternidade, poderia provocar na Assembleia da República. Poderia gerar-se a convicção de que o conjunto de medidas legislativas agora apresentadas se inseriam num plano global de protecção à família, instituição que, como se sabe, não tem merecido da parte do PCP a consideração que agora se pretende dissimuladamente demonstrar.
Podemos afirmar sem margem de erro que nos últimos anos, as medidas promulgadas em muitos países desenvolvidos, foram muitas vezes medidas de capitulação legal diante da recusa de reconhecer o valor da família, da criança e o respeito pela própria vida.
Nega-se à mulher o direito da sua realização plena como mãe, culpabilizando-a se opta pela família e pelos filhos, considerando-a marginal e fora da vida produtiva, não levando em conta que o seu trabalho em casa pode ser considerado como extremamente compensador, tanto a nível pessoal como para a sociedade.
Os mais modernos indicadores sociais demonstram, no entanto, que a família é o espaço privilegiado de geração de vida, de continuidade e de estabilidade social.
O que importa defender é uma maternidade e paternidade responsável e não os irresponsáveis que se demitem ostensivamente dessas funções.
Importa defender a liberdade responsável. Importa dignificar a vida, dignificar o homem e a mulher naquilo que têm de mais íntimo, profundo e transcendente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Analisarei agora os articulados do projecto-lei sobre maternidade: medidas relativas aos cuidados da saúde; medidas relativas às

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condições de trabalho; medidas no âmbito da segurança social.
Assim a minha apreciação se desdobrará por 3 pontos.

1 - No campo da saúde. - No que respeita ao artigo 1.º -direito à vigilância médica especial- deve referir-se toda a extensão legislação sobre a protecção da saúde da grávida, desde o Decreto-Lei n.º 32651, de 2 de Fevereiro de 1943, que criou o Instituto Maternal, até ao Decreto-Lei n.º 413/71, de 27 de Setembro -Orgânica do Ministério da Saúde e Assistência - em que se estrutura uma Direcção de Serviços de Saúde Materno - Infantil, integrado na Direcção-Geral de Saúde (artigo 33.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 413/71, de 27 de Setembro).
Ainda o mesmo Decreto-Lei n.º 413/71, regula a actividade dos centros de saúde a funcionar em todos os concelhos e atribui-lhes no seu artigo 56.º, n.º 2, alínea b) a valência materno-infantil em que a assistência médica pré-natal e pós-parto é assegurada gratuitamente.
Igualmente, como se poderá constatar pela análise de documentos, tem sido sempre utilizado um boletim de saúde da grávida de que constam informações fundamentais e actualizadas sobre a evolução da gravidez. Nos mesmos centros de saúde e integrada na mesma valência se encontra a assistência gratuita ao recém-nascido durante o 1.º ano de vida.

2 - Medidas relativas às condições de trabalho.

- Igualmente no que diz respeito às condições de trabalho há a referir diversos diplomas legislativos que regulam o trabalho feminino, proibindo tarefas que impliquem riscos para a função genética da mulher, como facultam o direito da grávida se recusar a prestar determinados trabalhos durante o período da gravidez e nos meses que se seguem ao parto, sem perda da remuneração ou de quaisquer outras garantias (Portaria n.º 186/73, de 13 de Março).
A licença por maternidade e o respectivo subsídio encontra-se previsto no Decreto-Lei n.º 112/76, e no Despacho Normativo n.º 205/80, de 15 de Julho de 1980.
No que se refere a faltas para assistência inadiável aos filhos doentes, também os Decretos-Lei n.ºs 165/80 e 874/76, a esse aspecto se referem, respectivamente aos trabalhadores da função pública e do sector privado, sejam eles homens ou mulheres, em igualdade de circunstâncias.

3 - Medidas no âmbito da segurança social.

- Quanto ao subsídio da maternidade a que se refere o artigo 20.º, apenas há a referir que a Lei n.º 8/82, de Janeiro, estabelece que será objecto de regulamentação as condições de atribuição de subsídio às trabalhadoras independentes.
No que se refere ao subsídio em caso de assistência a menores doentes, os diplomas já acima indicados o contemplam.
De referir ainda o Decreto-Lei n.º 503/80 - Estatuto Social dos Pais - no que se refere à licença especial para acompanhamento de filhos menores, bem como aos equipamentos de apoio à infância.
O Governo tem tomado medidas muito concretas com o objectivo primordial de despertar as famílias e os seus membros para um global projecto de desenvolvimento social em que elas participem plenamente.
Não é impondo modelos que se criam novas mentalidades. Novas mentalidades e novas atitudes passam pela. perspectiva de um entendimento da função da vida, das relações entre gerações, pela ciência, pela educação permanente, por uma nova maneira de encarar as relações humanas baseadas numa nova noção de liberdade responsável, de justiça social, solidariedade e amor.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 307/II, do PCP, não passa de uma tentativa de deitar poeira nos olhos dos mais desatentos, fazendo crer que nada se tem feito pela protecção da maternidade em Portugal.
E um projecto superficial e demagógico. Por isso o rejeitamos.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada Luísa Raposo acaba de tecer uma série de considerações acerca do projecto de lei que apresentámos a esta Assembleia e que está agora em discussão.
Queria dizer-lhe, no entanto, Sr.ª Deputada que o estilo de redacção que utilizou a leitura da sua intervenção deixou escapar algumas sérias e graves inexactidões. De qualquer modo, se não conheço ou se é a Sr.ª Deputada que não conhece algumas das questões que aqui referiu, nomeadamente no campo legislativo, gostaria que a Sr.ª Deputada informasse esta Câmara para um melhor esclarecimento de todos.
Por exemplo, o que entende por indicadores sociais e a que espécie se estava a referir? Quando foi regulamentado o Decreto-Lei n.º 503/80, quais os direitos que foram regulamentados, qual a data dessa regulamentação e desde quando está em prática tal regulamentação?
Queria ainda perguntar-lhe, Sr.ª Deputada, em relação à legislação que referiu para o sector privado, sobre faltas dos pais (mãe e pai) quando os filhos estão doentes, qual o decreto-lei que regulamenta esses 15 ou 30 dias de faltas, já que disse ser um espaço de tempo igual ao da função pública.
Gostaria que a Sr.ª Deputada referisse expressamente o nome do decreto-lei, a data de regulamentação e os dias exactos a que têm direito os pais (a mãe e o pai) para faltarem a fim de prestarem assistência aos filhos doentes.
Estes esclarecimento seriam muito importantes, não só para nós, para estes Srs. Deputados, mas sobretudo para os trabalhadores portugueses, porque eles desconhecem todas estas questões que acabo de lhe perguntar.
Agradecia, pois, que a Sr.ª Deputada respondesse, esclarecendo devidamente tudo isto, para que então ficasse claro o que é que a Sr.ª Deputada esteve aqui a dizer na intervenção, em estilo da redacção, que acabou de ler.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, a Sr.ª Deputada Luísa Raposo.

A Sr.ª Loisa Raposo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada: Quanto aos indicadores sociais, talvez V. Ex.ª tenha conhecimento da sociologia moderna, dos grandes problemas que estão a ser causados à juventude em geral e à europeia em particular pela desagregação da família.

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Risos.

Talvez V. Ex.ª tenha lido há pouco tempo, como eu li, um artigo de divulgação sobre os adolescentes franceses, onde se considera que por razões diversas -falta de emprego, falta de meios que já não há, como havia na época de 1960. impossibilidade de saírem de casa e de poderem viver sozinhos a família está a ser considerada (aliás, isso passa-se até nos países socialistas) como integradora da juventude, sendo que esta quer a sua família, quer estar com ela.

Risos do PCP.

Quanto aos outros problemas, estou pronta ajudá-la, Sr.ª Deputada. Tenho aqui todas as respostas para as perguntas que me formulou.
No campo da saúde e quanto ao artigo 1.º, direito à vigilância médica especial, refiro o Decreto-Lei n.º 413/71, de 27 Setembro, no seu artigo 56.º
Quanto ao artigo 2.º, boletim de saúde da grávida, este já existe desde 1981. Quanto à assistência domiciliária, refiro ainda o Decreto-Lei n.º 413/71, no seu artigo 56.º
Estou pronta e informá-la um por um. Não sei se V. Ex.ª está interessada em que lhe enumere artigo por artigo. No entanto, posso facultar-lhe elementos sobre o assunto.
Posso dizer-lhe mais. Quanto à gratuitidade de assistência, há normas e regulamentos da Direcção-Geral da Saúde e, por exemplo, quanto às licenças de maternidade, refiro o Decreto-Lei n.º 112/76.
Se V. Ex.ª está honestamente interessada em se informar, poderei dar-lhe aqui elementos para uma resposta completa. Se quiser que lhos leia, também o posso fazer na totalidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um protesto, a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Luísa Raposo: Queria começar por dizer que lamento que, de facto, a Sr.ª Deputada tenha respondido a tudo o que lhe não perguntei e que não tenha dado uma única resposta às perguntas que efectivamente lhe formulei. Creio que foi azar da Sr.ª Deputada ter trazido de casa as respostas para aquilo que lhe não perguntei.

Risos do PCP.

Foi azar seu. Lamento-o de facto, porque senão ter-lhe-ia feito, certamente, o jeito de lhe formular as perguntas para as quais a Sr.ª Deputada trazia já as respostas.
No entanto, queria dar-lhe agora as respostas às perguntas que fiz.
Quanto ao Decreto-Lei n.º 503/80, quero dizer-lhe Sr.ª Deputada, que foi publicado em 20 de Outubro, e referiu expressamente um prazo de 4 meses para ser regulamentado. Só que não foi. O referido decreto-lei foi publicado em 20 de Outubro de 1980, ou seja, em pleno período de campanha eleitoral. Foi o eleitoralismo que esteve aí com toda a força e deixaram depois passar os 4 meses que constam do decreto-lei previstos para a regulamentação. A Sr.ª Deputada vá lê-lo e verá que tenho razão.
A resposta à pergunta que lhe fiz aí está Sr.ª Deputada: O decreto-lei em questão não foi regulamentado.
Quanto à questão dos filhos doentes de trabalhadores do sector privado, queria dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que a legislação existente actualmente regulamentando as faltas para os trabalhadores do sector privado é diferente da legislação que regulamente as faltas dos trabalhadores do sector público.
É tão diferente que só dá 2 dias por mês para os pais faltarem a fim de tratarem desses filhos doentes e, infelizmente, a esmagadora maioria das empresas portuguesas nem isso cumpre, proibindo às mães e aos pais que o façam.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, devemos todos felicitar-nos face à apresentação, pelo PCP, dos 3 projectos de lei que aqui serão discutidos.
A nossa homenagem vai também para as mulheres, mais que para as deputadas, Zita Seabra, Teresa Ambrósio e Natália Correia, as quais, temos a certeza, vão ser aqui, durante este debate, vozes de tantas outras (caladas, a sofrer e com medo) que vemos passar pelas consultas e serviços de urgência do hospital onde trabalhamos.
Graves problemas aí as levam. Ajuda é o que elas nos pedem. Nós, a maior parte das vezes, pouco temos a oferecer-lhes.
Srs. Deputados, se V. Ex.ª têm dúvidas sobre aquilo que iremos aqui afirmar durante estes dias, estão desde já convidados a vir fazer connosco uns serviços de urgência no Hospital Geral de Santo António. Seja o tivessem feito, poderiam com certeza nestes dias votar mais com a vossa consciência e não tanto com a inconsciência de um voto político e circunstancial nestas matérias.
Vamos referir apenas alguns dados que vêm juntar-se aos já fornecidos pela Sr.ª Deputada lida Figueiredo e às sugestões positivas (que nos agradaram bastante ouvir) da Sr.ª Deputada Natália Correia e do Sr. Deputado Jaime Ramos.
Todos sabem - caso contrário, é importante que retenham estes números -, que em 1975 o Instituto Nacional de Estatística publicou alguns indicadores sobre a saúde em Portugal, os quais são extremamente importantes e que se referem à mortalidade infantil, neo-natal e peri-natal.
Em 1975, Portugal encontrava-se em relação à Europa, no pós-guerra, isto é, com cerca de 30 anos de atraso. Efectivamente a nossa mortalidade neo-natal e peri-natal é a maior e a mortalidade das mulheres no pós-parto ou durante o parto era também, nessa altura, a maior da Europa.
Durante estes últimos 6 anos foram feitos progressos. Sentimos que é necessário ir mais longe, já que em 1981, os dados provisórios que nos foram fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística apontam para taxas de mortalidade infantil, peri-natal e neo-natal, para taxas de mortalidade durante e no pós-parto e para taxas de parto assistido nos hospitais iguais às taxas da Europa de 1960.
Temos ainda um longo caminho a percorrer. Estes projectos de lei que são aqui hoje apresentados pelo Partido Comunista Português vêm, de facto, ao encontro da

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ansiedade, em particular, da Sociedade Portuguesa de Pediatria que, ao longo destes últimos cinco anos, tem lutado - com poucos meios (mas que são os que tem) e com a disponibilidade muito grande das pessoas, dos psicólogos, das mulheres e dos homens deste pais -, no sentido de esclarecer as populações, de instaurar nos hospitais um clima mais humano para as pessoas, as mulheres e as crianças e de ai criar melhores condições de trabalho.
Esforços têm sido feitos no sentido da nossa especialização - os quais mantemos e que a Sociedade Portuguesa de Pediatria tem incentivado -, no sentido da criação de cursos e de esclarecimento directo às populações e ao pessoal médico e paramédico das regiões mais distantes dos centros principais.
Apesar de tudo, encontramo-nos ainda numa situação aflitiva. Em 1981, um hospital central, como é aquele onde trabalho, só agora está a construir um centro de assistência a recém-nascidos, de reanimação de recém-nascidos.
Este problema preocupa-nos, já que muitas vezes poucos são os meios que temos para tornar uma criança que nasça em dificuldades numa criança perfeitamente normal, que vá ter uma vida correcta e adequada.
No entanto, quantas e quantas vezes, nas condições em que trabalhamos, somos obrigados a parar precocemente uma reanimação, porque sabemos que aquela criança vai ficar com lesões cerebrais graves, vai ser uma criança que não vai viver no verdadeiro sentido da palavra.

Á Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Dai a necessidade de regulamentar isto. Estas leis, muitas destas propostas foram já, efectivamente, feitas por muita gente. Estão dispersas por muitos decretos-lei projectos de decreto ou estão, muitas delas, inscritos na consciência das pessoas que mais ligadas estão a este problema.
No entanto, é preciso juntá-las. É preciso que haja aqui, nesta Assembleia, uma vontade colectiva de resolver este problema, quanto mais não seja, para já, do ponto de vista legal. Falta-nos muitas vezes um instrumento legal para irmos mais longe, para exigirmos mais. Nós nesta altura, temos problemas.
Levantam-se já alguns «barulhos» no sentido de que o OGE no que diz respeito à saúde, vai ser cortado. Estamos apreensivos com este problema numa altura em que se tenta melhorar.
O Sr. Secretário de Estado da Saúde -honra lhe seja feita nesse aspecto - com a apresentação de um decreto-lei sobre as carreiras médicas veio criar alguns instrumentos positivos no sentido de regulamentar a nossa vida profissional. O facto é que isso não chega.
É preciso ir mais longe. É preciso aprovar estes projectos, os quais fazem parte de um todo. Aliás, não tinha sentido se assim não fosse, já que a aprovação dos 2 primeiros vai limitar, de uma maneira drástica, as possibilidades da interrupção voluntária da gravidez. É isso que pretendemos.

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI, do MDP/CDE e da UDP e da Sr.ª Deputada do PSD, Natália Correia.

Apenas quero referir mais um pequeno problema. Não condenamos, antes pelo contrário aprovamos e aplaudimos, a apresentação, mesmo que tardia, do projecto de planeamento familiar do PSD. Esperávamos era mais.
Vejo gente séria, profissionalmente competente e suficientemente angustiada com estes problemas, tanto na vossa bancada como nos corredores do hospital onde trabalho.
São apoiantes vossos, que votaram em vocês e que trabalham com propostas idênticas às nossas. É necessário dar a todos esses profissionais, que têm problemas graves para resolver no seu dia a dia, uma resposta.
Todos os projectos que aqui aparecerem, sérios, orientados no sentido de resolver estes problemas, serão por nós apoiados, venham eles de onde vieram.
A nossa preocupação - e é em sentido positivo que o dizemos está no facto de os Srs. Deputados da maioria terem preferido calar-se sobre a interrupção voluntária da gravidez. Pensamos que isso é grave.
Pensamos que é um crime calar ou ignorar uma situação real. Hoje, Srs. Deputados, morreram em Portugal cerca de seis mulheres vitimas de interrupções clandestinas de gravidez.
Conhecer estes factos torna-nos muito mais responsáveis.

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI, do MDP/CDE, da UDP e da Sr.ª Deputada do PSD Natália Correia.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, V. Ex.ª não reparou, mas estamos no primeiro dia do debate. Como pode, então, V. Ex.ª saber se nós nos calamos ou não, dentro do debate?

Vozes do PSD: - Muito bem! Protestos da UEDS e do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Cunha, se deseja responder, faça favor.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - É muito curta a minha resposta. Tenho que admitir que se calaram porque, até à altura, não me foi entregue nenhum projecto de lei sobre esse assunto.

Aplausos da UEDS e de alguns deputados do PS.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado? Então, também V. Ex.ª se calou!

Risos do PSD.

Vozes do PSD: - Escusavas de ouvir esta!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Octávio Cunha, deseja...

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Era para responder a esta pergunta, Sr. Presidente.

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O Sr. Presidente: - É um contraprotesto, nesse caso. Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado, gostava que este tipo de diálogo fosse excluído deste debate.
É extremamente sério o que aqui se discute. Eu estou muito preocupado com os problemas que aqui se vão discutir durante estes três dias.

Voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Efectivamente, para mim. chega-me o projecto apresentado pelo Partido Comunista Português.

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença. Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Peço-lhe desculpa, mas não...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Invoco o meu direito de defesa. Sr. Presidente.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Ninguém o ofendeu, Sr. Deputado, mas faça favor.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Ofendeu sim, Sr. Presidente.

O Sr. Deputado insinuou, pelo menos, -para não dizer que expressamente afirmou - que eu não estava preocupado com estes problemas.
Ora, nós estamos preocupadíssimos com estes problemas.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Vê-se!

O Orador: - V. Ex.ª, simplesmente, fez uma pequena diatribe contra a minha bancada, que só poderia ser feita por quem não está a discutir séria e preocupadamente os problemas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, pede a palavra para que efeito, por favor?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, era apenas para dizer que pela minha parte, eu não insinuo que o Sr. Deputado Silva Marques não está a abordar estes problemas com a dignidade que eles requerem.
Digo, muito claramente, que não está, Sr. Deputado!
Não é maneira de abordar assuntos desta responsabilidade e desta profundidade, Sr. Deputado!

Aplausos da UEDS e do PS.

O Sr. Deputado não é deputado de uma república de notáveis, porque precisava de ser notável e, de facto, não tem notabilidade nenhuma.

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma intervenção, o Sr. Deputado Sousa Lara.

O Sr. Sousa Lara (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A protecção e defesa da maternidade é uma atitude fundamental da nossa cultura e da nossa civilização, para além das opções ideológicas, económicas, culturais e sociais que os indivíduos ou grupos queiram assumir.
A transposição do plano dos princípios e da teoria ao da realidade prática, que para nós aqui quer dizer ao da lei, passa forçosamente por muitos dos institutos contidos no projecto de lei n.º 307/II, do PCP. Mas não passa por todos, nem passa, forçosamente, pelas fórmulas apresentadas. Diríamos a título de exemplo que disposições contidas ao artigo 7.º são declarações genéricas de princípio que caberiam num plano a médio ou longo prazo, num programa de qualquer partido mas não ao lado de disposições que, diríamos, regulamentam ao pormenor como acontece noutros artigos. O artigo 25.º, n.ºs l e 2. é outro exemplo desta lógica.
Por outro lado, não aceitamos obrigar como se projecta no artigo 9.º, todos os meios de comunicação social à realização de informação sobre os direitos das grávidas e das mães. bem como sobre as normas a observar com vista à defesa da saúde e do pleno desenvolvimento da criança. Não creio que a generalização absoluta esteja na mente dos proponentes. Aceitaríamos que o comando deste artigo se ficasse por um princípio orientador recomendável.
No artigo 11.º entendemos que conviesse acautelar a situação resultante da morte da mãe no exacto momento do parto, para evitar eventuais dúvidas de interpretação no futuro.
Os artigos 17.º e 24.º, visando proteger situações de força maior por todos reconhecidas, exigirão um reforçado sistema de fiscalização com vista a minorar os abusos que, infelizmente, se podem praticar a seu coberto e, como se praticam à sombra de disposições similares. Convém, ainda, referir que as soluções aqui propostas representam um agravamento das despesas públicas. Gostaríamos por isso de saber se o partido proponente tem, porventura realizados quaisquer cálculos, necessariamente genéricos, sobre o acréscimo para os gastos públicos que resulta da eventual adopção das soluções apresentadas. Funda-se esta pergunta na simples certeza de que uma decisão verdadeiramente consciente e responsável, por nossa parte, deverá ter em conta o sacrifício económico e financeiro adicional que se exigirá aos portugueses.
Dois comentários finais nos parecem necessários pois definem posições de princípio, de algum modo divergentes das subjacentes às do projecto apresentado e que, a nosso ver, devem constituir sugestões para a alteração na especialidade do articulado.
Em primeiro lugar consideramos que o papel na educação dos filhos cabe prioritária, primeira e preponderantemente aos pais. Ó Estado pode assumir um papel supletivo e complementar ao dos pais, mas nunca o de substituí-los nesta sua inalienável responsabilidade. A decisão na escolha do tipo de educação a ministrar na infância, a selecção dos princípios fundamentais enquadrantes da enculturação do menor são da responsabilidade dos pais. A nosso ver é o Estado que se deve abrir às famílias e não as famílias que se devem moldar ao Estado.
Em segundo lugar entendemos fundamental a valori-

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zação social e cultural do trabalho doméstico. A verdadeira igualdade de direitos entre o homem e a mulher, passa pela dignificação e apreciação justa do trabalho despendido em casa e não pelo menosprezo que conduz à desagregação da família nuclear e à maior vulnerabilidade dos indivíduos perante a sociedade.
Ambas as questões referidas estão, obviamente, interligadas.
A nossa opção é clara. As outras também o são. A lei deverá poder acolher contribuições positivas de uma e outra filosofias. Assim o esperamos.
Tenho dito.

Aplausos do PPM, de alguns Deputados do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Verdasca Vieira.

O Sr. Verdasca Vieira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podia, nem devia, como técnico deixar de intervir neste debate, dado que há largos anos a minha vida profissional tem sido orientada para a maternidade.
Dos 3 projectos, o último, ou seja, a interrupção voluntária de gravidez, por ser altamente controverso, deve merecer de todos nós uma profunda reflexão, principalmente a mim, que tenho vivido largamente, não no campo teórico, mas sim no prático, pois tenho exercido a minha actividade clínica desde os grandes Hospitais Civis até aos modestos concelhios.
Irei, pois, reportar-me aos 3 diplomas em causa, referindo alguns casos clínicos e alguns depoimentos, sem contudo deixar de fazer alguns comentários.
Quanto ao projecto de lei n.º 307/II - Protecção e defesa da maternidade -, começarei por fazer algumas perguntas:

E ou não a maternidade o acto mais belo, mais sublime e mais puro quando uma mulher deseja ardentemente o seu filho?
Será ou não será verdade que a mulher grávida e que deseja essa gravidez não a oculta?
Que essa mesma mulher não falta às consultas pré-natais e prepara com carinho e desvelo a roupa para o seu filho? E vai para o parto, com um certo receio, mas cheia de amor e paciência, ajudando e colaborando no momento do parto, desejosa por fim de ver o fruto do seu amor?
Uma mulher grávida quantas dificuldades não passa, quer económicas, quer de saúde, só para ter o seu filho.
Já todos repararam por certo no amor, no calor e na ternura, com que uma mãe coloca o seu filho no seio.
Reparemos por outro lado noutra mulher que não deseja a gravidez, e vamos verificar que oculta o mais que pode o seu estado, sente-se angustiada, triste e revoltada, e só, e nem sempre após o parto, aceita o seu filho.
A este propósito, recordarei aqui 2 casos autênticos: Num caso, a mulher no momento do parto, gritava que não estava grávida, que não havia filho nenhum, tendo-o recusado sistematicamente durante todo o tempo de internamento, só o tendo aceite alguns dias após ter saído do hospital. No outro, a parturiente escondia aos seus familiares que tinha tido l filho, justificando o internamento para ser operada, chegando-me a declarar que logo que saísse do hospital, mataria ou abandonaria o filho. Tal porém não aconteceu, porque os familiares tiveram conhecimento e tomaram conta do bebé.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, quantas mulheres não passam por situações semelhantes, de rejeição dos seus próprios filhos? É infelizmente um facto de civilização que desde sempre aconteceu, muito embora antigamente os colocassem na «Roda», situação dramática que tem enchido páginas de literatura.
Somos por uma maternidade consciente e responsável. Queremos que o Estado proteja a maternidade, oferecendo uma consulta pré-natal eficiente, uma assistência ao parto capaz, que possa evitar o aumento do número de deficientes, «pois o dia do nascimento é o dia em que o ser humano mais sofre» -uma assistência ao recém--nascido, que se faça uma larga campanha a favor do aleitamento materno, «pois este dá saúde e amor», que dê todas as condições possíveis para que uma mãe acompanhe o filho durante o tempo que se julgue necessário e que se fomente cada vez mais a consulta do paupérrimo.
Mas para haver uma assistência capaz, são necessários mais obstetras e pediatras fazendo com que os mesmos não fiquem apenas na zona do litoral.
É necessário abrir os quadros dos hospitais por forma a que, pelo menos nos distritais, haja equipas de urgência permanentes.
Embora se saiba que o número de partos com assistência subiu consideravelmente, em 1978 ainda houve 47923 partos no domicílio e 18018 sem qualquer tipo de assistência.
Quanto ao projecto de lei n.º 308/II - Garantia do direito ao planeamento familiar e educação sexual - julgamos que será o projecto que mais poderá contribuir para que uma mulher possa ter o direito a ter ou não ter filhos, quando e com o intervalo que desejar, contribuindo assim para uma menor quantidade de abortos.
Não sendo nós daqueles que pensam ou dizem, que o acto sexual deve ser apenas praticado para a procriação, e também não indo ao ponto de dizer, como alguém dizia para a sua mulher «se por acaso vos move qualquer intento que não seja a pura e verdadeira reprodução da espécie, eu desisto e desisto já», julgo que o planeamento familiar deve ser alargado desde as mais longínquas aldeias até aos grandes centros.
Todos sabemos que em 1976 foi criada a consulta de planeamento familiar no nosso país, integrados nos centros de saúde, mas a verdade é que ela a pouco e pouco se foi atrofiando, chegando-se ao desplante de se impedir que as jovens com menos de 18 anos a frequentassem, como se quisesse por esta simples proibição que a actividade sexual dos jovens fosse impedida.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Talvez por isso e não só, o número de mães com menos de 18 anos aumentou, assim como o número de abortos nesse grupo etário.
Há muita gente, e talvez muitos dos senhores deputados julguem, que a consulta do planeamento familiar se utiliza apenas com fins contraceptivos. Não, a consulta tem objectivos mais largos, tais como o controle de nascimentos, conselhos sobre uma paternidade responsável, escolha do número de filhos e seu espaçamento, conselhos sobre a saúde materna e infantil. Estuda-se e tratam-se casos de esterilidade e de infecundidade, fazem-se exames pré-nupciais, consulta de genética, enfim faz-se uma medicina curativa, preventiva, e

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centra-se no campo da sociologia, sexologia e até na religião.
Pergunto: Se uma consulta de planeamento familiar bem orientada não iria diminuir considerável mente o número de abortos e gravidezes não desejadas?
Por outro lado sabe-se que a mortalidade materna é ligeiramente mais elevada na 1.º gestação que na 2.ª ou 3.a. e que os riscos aumentam a partir da 6.» gestação, principalmente devido a placenta prévia, procedência do cordão, rotura uterina e hemorragias post-parto por atonia.
Sabemos, também, que quando a mulher engravida com intervalos muito curtos a mortalidade intra-uterina tardia e neo-natal é mais elevada do que quando o intervalo é de 2 a 3 anos.
Por outro lado convém acentuar que na consulta de planeamento familiar, ninguém obriga a seguir este ou aquele método, apenas se orienta e se aconselha, ficando a mulher ou o casal com inteira liberdade para escolher se deseja ou não ter filhos, quantos e quando.
Julgamos, pois que uma consulta deste tipo bem feita e bem orientada pode conduzir a população portuguesa a ser mais feliz, evitando situações bastante graves, e estou convicto que seria o maior passo para a diminuição dos abortos.
E para terminar este tema. desejo que seja imediatamente revogada a circular normativa n.º 15/81, da Direcção-Geral de Saúde, que impede os menores de 18 anos de idade de frequentarem as consultas do planeamento familiar.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

Como se pode impedir que uma mãe solteira de 16 anos vá a essa consulta?

Quanto ao projecto de lei n.º 309/II - Interrupção voluntária de gravidez é, como todos sabem, um projecto controverso.
Como disse no início da minha intervenção, não desejo entrar aqui em polémica, pois ela envolve problemas de ordem moral, política, social e religiosa e depende muito da formação e consciência de cada um.
Como técnico, não posso deixar de dizer aqui aquilo que todos sabem: o aborto existe no nosso país, em número difícil de determinar - 100 a 200000 por ano do comércio do aborto deriva forte rendimento para muitos, que nem sequer pagam impostos, todos sabem onde se fazem e quem os faz. Enfim é praticamente tolerado...
Mas não tem havido coragem política para enfrentar o assunto. Não digo que seja possível resolvê-lo totalmente, pois estou certo que o aborto clandestino, haja o que houver continuará a existir em Portugal como existirá sempre em todo o mundo.
Mas conhecendo nós as grandes razões do aborto, porque não se tenta modificá-las? Será apenas com o Código Penal o remédio para tal situação?
Julgamos que não. pois enquanto não forem resolvidas as graves condições económicas, a falta de habitação condigna, um planeamento familiar eficiente, um Serviço Nacional de Saúde para todos, uma educação cultural e sexual, não iremos, com certeza, ultrapassar o problema.
Julgo que todos somos genericamente contra o aborto. Não há por certo ninguém, deliberadamente a favor, mas só quando se sente o problema real, é que talvez se pense a sério nele.
Que dizer de uma senhora católica praticante, toda devota e que é frontalmente contra o aborto, apresentando todos os argumentos possíveis, - que nos devemos sacrificar, que é injusto sacrificar um ser a quem demos vida, etc.. etc., etc., e que por ter 3 filhos, já fez 2 abortos?!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Essa vai para o inferno!

O Orador: - Quanta hipocrisia há. quando se é contra o aborto com o pretexto de não destruir uma vida e se deixam morrer diariamente milhares de seres humanos com fome, se matam milhares de indivíduos numa guerra ou por simples razões políticas ou religiosas?

Aplausos do PS. do PCP e do MDP/CDE.

Pensemos que somos seres humanos, que somos fracos, e todos, mas todos sem excepção, num momento de desespero, podemos cometer um erro.
Mas haverá alguma mulher que faz o aborto por prazer?
Quanta angústia, quanto desespero, quanto sofrimento, quanto medo e vergonha não sente uma mulher que se dispõe a fazê-lo?
Como médico, já fiz milhares de raspagens uterinas por abortos espontâneos e provocados, já tratei as consequências desses mesmos abortos e tenho sentido bem, todo o sofrimento, o medo e a angústia dessas mulheres.
Será que alguma mulher irá por prazer entregar-se a uma curiosa que lhe introduz pés de salsa na vagina e no colo. ou a uma parteira que lhe introduz uma laminaria, uma sonda metálica ou de borracha, lhe injecta formol ou produtos salinos no útero, ou ainda quando se é mais sofisticado, se sujeita a uma perfuração uterina com uma sonda para aspiração?
Tudo isto já encontrei na minha vida profissional, e por isso sei bem o que custa todo este sofrimento.
E as consequências? Quantas não morrem por hemorragias, por peritonites e pelviperitonites?
Quantas não ficam estéreis e com traumas psíquicos?!
Já fiz uma histerectomia total e recessão de cerca de 1 em de intestino a uma mulher a quem tinham injectado formol no útero.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, muito haveria para dizer mas se me permitem vou ler o depoimento de 5 mulheres que já fizeram abortos, tendo escolhido estes, por ser cada um uma situação diferente:

1.º caso - Fiz um aborto já há alguns anos. Era solteira e tive o azar de engravidar. Meus pais nada sabiam e eu quando tive a certeza fiquei doida... Não sabia o que fazer. O meu namorado abandonou-me. Perguntei a uma amiga que me aconselhou a ir a uma parteira. Estava grávida de 4 meses. Sofri muito, tive muito medo e muita vergonha. Só eu sei o que sofri quando me dirigi àquela casa.
Felizmente tudo correu bem, embora tenha sofrido muito. Depois de tudo passar senti um grande alívio e voltei a encarar a vida. Confesso que ainda hoje não estou arrependida de o ter feito. Estou casada tenho dois filhos e sou feliz.

2.º caso - Sou divorciada e engravidei. Já tinha 2 filhos e não tinha condições para ter outro. Recorri a uma parteira amiga que me fez o aborto. Senti medo e vergonha mas não tinha outra alternativa. Confesso que às vezes me arrependo, mas outras julgo que fiz o que devia.

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3.º caso - Sou engenheira-química e sou solteira. Tenho 26 anos. Por descuido, Dois nesse mês não tomava nada e apesar dos cuidados do meu companheiro, fiquei grávida.
Não tenho felizmente, nem ele, dificuldades económicas mas não queria ter 1 filho por 3 razões: primeira, a minha vida profissional; segunda, meus pais não compreendiam; terceira, a sociedade não aceita ainda uma mãe solteira.
Recorri a um consultório, com um certo nervosismo mas fui bem recebida e foram carinhosos comigo.
Logo de entrada e fui recebida por uma enfermeira, que soube contornar a questão.
Fui observada, deram-me uma injecção na veia e só acordei passado uma hora numa outra sala. Disseram-me que tinha feito um aborto por aspiração. Acordei um pouco tonta e com ligeiras dores no ventre. Passado duas horas fui para casa depois de ter pago 15000$ em notas. «Não aceitavam cheques». Confesso que não estou arrependida, mas julgo que não voltarei a ter relações sem estar protegida, a não ser quando desejar mesmo ter 1 filho.

4.º caso - Fiz um aborto de 2 meses e meio. Não podia nem queria ter um filho. Tudo correu muito mal e julguei que morria. Estive internada num hospital. Tive que levar muito sangue e nunca mais fiquei boa. Estou convencida que não voltarei a fazer nenhum aborto. Talvez seja melhor ter um filho.

5.º e último caso - Fiz 2 abortos e tudo correu bem.

Sou casada já tinha 3 filhos e não queríamos mais nenhum, mas tive a pouca sorte de ficar grávida. Fui à parteira que já me tinha feito os 2 abortos, e saí de lá com algumas dores e a perder sangue. Passados 3 ou 4 dias as dores desapareceram e o sangue parou. Passado algum tempo como a menstruação não viesse, fui a um médico que me disse que estava grávida de 4 meses.
Fiquei desgostosa pois não queria ter o filho. No entanto, tive medo de voltar à parteira porque o médico me tinha dito que um aborto de 4 meses era muito perigoso.
O filho nasceu. Tem agora 4 anos. Gosto de todos mas talvez mais deste, não sei bem porquê. Ainda bem que tal me aconteceu, pois sou feliz, embora reconheça que são filhos a mais.
Que cada um tire dos casos apontados inibições que entender.
Para terminar perguntar-me-ão: afinal, qual é a minha posição em relação ao aborto?
Confesso que a minha posição não decorre de juízo de certezas. Sou médico e como tal respeito a vida em todas as suas formas. Sou contra as guerras, e lamento que em vez do dinheiro que se gasta nelas, além das vidas que se perdem, não se utilize essa verba para matar a fome a milhares de seres neste mundo.
Sou contra a pena de morte, sou profundamente humano e julgo que todos têm direito à vida.
Quanto ao aborto, reconheço que há valores opostos. Mas a experiência tem-me ensinado que, em certos casos, o realismo deve prevalecer, pelo que o meu grupo parlamentar irá votar favoravelmente os projectos de lei apresentados.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e da Deputada Natália Correia (PSD).

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr." Deputada Luísa Raposo.

A Sr.ª Luísa Raposo (CDS): - Era para perguntar ao Sr. Deputado porque razão tem tanto horror a que os pais dos menores saibam que eles, em situações difíceis, tenham que consultar um médico ou a que sejam informados sobre certos aspectos a que V. Ex.ª chama planeamento familiar.
Uma mãe solteira ou uma rapariga de 16 anos precisa de muito mais ajuda dos pais - mas muito mais ajuda, mesmo - do que um adulto, não é verdade?
Portanto, acho que nós, pais e mães, devemos saber o que os nossos filhos fazem e precisam, e não demitirmo-nos, desresponsabilizarmo-nos. Devemos tomar parte na vida deles e não dizer-lhes, largando-os: «vão lá tratar da vossa vida».

Risos do PCP.

É isto que não percebo. Sr. Deputado. Gostaria, portanto, que me esclarecesse porque é que tem tanto horror em saber as necessidades dos seus filhos.
Era só isto que lhe queria perguntar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Verdasca Vieira, se desejar responder, tem a palavra.

O Sr. Verdasca Vieira (PS): Sr.ª Deputada Luísa Raposo, fico. sinceramente, um bocado aparvalhado com a pergunta. A senhora parece viver num mundo totalmente diferente daquele em que nós vivemos. A realidade é tão diferente. A senhora, se contacta com a juventude, com certeza sabe que ela não diz ao pai porque o pai é tabu. porque foge sistematicamente aos problemas; sabe que a rapariga, a partir dos 13 anos, pode ter ou não ter relações sexuais. Eu tenho dezenas de raparigas no meu consultório, porque os pais não as ouvem; tenho que lhes dar contraceptivos, porque senão elas vão fazer o aborto. Até sei onde os vão fazer; sei as responsabilidades que, por isso mesmo, tenho; sei o que lhes vou fazer a seguir, Sr.ª Deputada.
É por isso que tenho receio. Quero que as mulheres façam a vida sexual que entenderem. E se os pais acharem que lhes devem dar indicações, então que lhes dêem - acho muito bem, acho que é correcto, acho que é positivo. Mas, como médico, não posso, não quero, nem devo abdicar daquilo que considero mais justo, que é, precisamente, o planeamento familiar.
E a Sr.ª Deputada vai ver que o planeamento familiar bem feito irá conduzir à diminuição substancial, acentuadíssima (não digo acentuada, digo acentuadissima) do aborto.
Tenho, no meu consultório, dezenas de raparigas com 15 e 16 anos, alunas do liceu, de escolas, umas grávidas que vão abortar não sei onde, outras que me vão ter às mãos no hospital. Sei o que é que elas passam, sei o desgaste psíquico que elas sofrem...

A Sr.ª Luísa Raposo (CDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

A Sr.ª Luísa Raposo (CDS): - Mas se V. Ex.ª, ao preencher a ficha, fica a saber quem é o pai ou a mãe. porque não os chama em particular?

Risos do PCP.

O Orador: - Sr.ª Deputada, queria dizer-lhe uma coisa: nunca fui delator de situações nenhumas.

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Aplausos do PS, do PCP e da UEDS.

Nessa altura. Sr.ª Deputada, gostaria que. já que começamos o diálogo, me respondesse a esta pergunta: acha que perante o caso de uma senhora que vem ter comigo ao hospital, dizendo que provocou um aborto (com as consequências à vista para eu tratar) devia ir chamar a polícia?

Aplausos do PS e do PCP.

Não sabem as autoridades deste país quem e onde se fazem? Porque não actuam?

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Deram entrada na Mesa várias propostas de alteração ao projecto de lei n.º 307/II, as quais estão a ser distribuídas pelos vários grupos parlamentares.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Sampaio.

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Iniciámos hoje uma discussão muitíssimo importante que tem a ver com um problema global, que. embora seja um problema antigo, tem aspectos novos. O projecto de lei que hoje estava especificamente em discussão apresenta vários equívocos. Considera por exemplo, planeamento familiar igual a controle da natalidade: reduz a maternidade à mãe, esquecendo o pai e a família: ignora a repercussão que tem na sociedade a decisão individual de ter ou não ter filhos.
Queria lembrar aos Srs. Deputados que Portugal é um país antigo. Mas Portugal é, neste momento, um país velho. Estamos habituados às tradicionais diferenciações entre países: entre países industrializados e países subdesenvolvidos, entre países ricos e pobres, entre norte e sul. entre países democráticos e países não democráticos. Mas esquecemos normalmente uma realidade dos nossos tempos, que é a da separação, a da divisão entre países novos e países velhos. Esquecemos, por exemplo, que a América Latina, a África e a Ásia se opõem demograficamente a um outro bloco, formado pela Europa e América do Norte. Pertence Portugal a este segundo bloco que agrupa uma minoria da humanidade. E dentro da própria Europa há uma diferenciação: há o Este e Sul que se opõem ao Oeste e Norte, tendo o primeiro, de 1950 a 1975. perdido cerca de 11 milhões de habitantes e o segundo ganho quase 12 milhões. A população europeia está a atingir um envelhecimento absolutamente inimaginável, com 20% de pessoas com mais de 60 anos.
Quereria lembrar que a renovação de gerações é assegurada com uma descendência média de 2. 1 de crianças. A Europa, em 1930. tinha uma descendência média de 3.2, tendo sido essa uma das razões porque conseguiu resistir à sangria de 30 milhões de pessoas causada pela 2.º Guerra.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - O Hitler matou-os a todos!

A Oradora: - Em 1977, a Europa atingia a descendência média de 1.9, o que significa um decréscimo de 50%. A Europa não assegura a substituição de gerações. O exemplo mais flagrante é o da Alemanha Federal que passou de 1964 para 1977 de 2.6 para 1.4 Isto significa que o número de mortes é superior aos nascimentos e que, se assim continuar, em 2030 (daqui a cerca de 50 anos. portanto) terá cerca de metade da população actual - 60 milhões.
Mas, Srs. Deputados, e o que se passa em Portugal? Em 1930, a descendência média era de 3.2; em 1977, de 1.9. o que significa 50% menos; em 1978, houve menos nascimentos do que em 1974, o que significa menos 23%.
Portugal está já na situação de implosão demográfica.
Srs. Deputados: mas porque é que isto é importante e. ao mesmo tempo, assustador? Porque, não havendo substituição de gerações, apesar do prolongamento da vida e sendo o aumento de longevidade um facto incontroverso, apesar dos cuidados pré-natais e da primeira infância, os problemas sociais tendem evidentemente para um agravamento profundo. Temos mais velhos, menos pessoas férteis, menos activos, o que significa que, por exemplo, para que possa haver reformas e pensões, o Estado tem que ir buscar mais impostos à população activa. E com a diminuição da pirâmide etária temos que a longo prazo, as reformas tendem a reduzir-se consideravelmente, além de que como os Srs. Deputados sabem, um velho inactivo fica menos caro à sociedade do que uma criança.
Por isso, Srs. Deputados, a nossa liberdade de amanhã implica também defendermos a vida hoje.
Queria lembrar que nos distritos de Coimbra, da Guarda, de Castelo Branco, de Évora, de Faro e da Horta já em 1977 o envelhecimento da população era superior a 18%. Isto significa que há mais velhos do que crianças. Não nos podemos congratular com o pequeno acréscimo que houve (cerca de 1 %) entre 1973 e 1977, já que esse acréscimo se ficou a dever à vinda dos que estavam em África e ao retorno de emigrantes. Retorno de emigrantes que significa sempre acréscimo de activos envelhecidos e não de activos jovens.
Srs. Deputados: não foi sem fundamento que o Conselho da Europa emitiu uma recomendação neste sentido (peço desculpa de não a ler toda, mas se algum Sr. Deputado estiver interessado poder-lhe-ei facultar na íntegra): «Verificando que desde há 25 anos a estrutura demográfica dos Estados europeus se transformou profundamente; tendo observado que em alguns países a emigração, em outros a baixa de fecundidade comprometeram seriamente o equilíbrio entre a população activa e a população inactiva na maior parte dos Estados europeus; considerando que tal evolução pode ter consequências graves sobre a política social e económica, sobretudo relativamente às necessidades de mão-de-obra e às de financiamento dos sistemas de segurança social (...), recomenda a Comissão de Ministros que convide os Governos membros a levar ao conhecimento público a situação demográfica actual, pondo em evidência a diminuição da fecundidade e as suas consequências; a criar, quando for caso disso, um ambiente mais favorável à fecundidade, adoptando, designadamente no quadro da sua política familiar, medidas com a atribuição, segundo escalões progressivos, de vantagens fiscais e de segurança social aos casais que têm filhos, e tomando medidas para que outras prestações, como a habitação, respondam às necessidades dessas famílias; a reduzir, quando necessário, os obstáculos à fecundidade, por exemplo, evitando que as mulheres sejam diminuídas, na sua vida profissional, pela maternidade, e facultando aos pais a possibilidade de conciliar mais facilmente as suas

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responsabilidades familiares e o emprego em tempo completo; a criar um sistema eficaz encarregado de acompanhar a evolução demográfica e de estudar os seus mecanismos, a fim de que as respectivas incidências sobre a política social e económica sejam tomadas em consideração nas decisões responsáveis destas áreas».
Srs. Deputados: a grande riqueza dos países novos é a mão-de-obra jovem e produtiva, e a única solução dos países velhos, como o nosso, é a «importação». Mas onde vamos nós buscar mão-de-obra? Ao Terceiro Mundo?
Cada activo em Portugal paga um reformado. E que obrigação têm os outros países de compensar a nossa carência de população activa? Depois de todos os problemas que o Terceiro Mundo tem enfrentado não iremos assistir à sua revolta (e com toda a razão) e à sua recusa de «exportar» mão-de-obra?
Então, Srs. Deputados, que futuro nos espera?
A involução demográfica, isto é. a recusa de vida, só pode ser combatida através de um planeamento familiar que não seja reduzido a uma simples discussão de meios para ajustar a fecundidade desejada à fecundidade realizada.
Os valores relacionados com o lugar que a criança ocupa na nossa sociedade têm que ser examinados. A criança está a ser isolada do mundo dos adultos para que os não perturbe na sua vida profissional, nos seus tempos livres. Cada vez mais estamos a construir um mundo em que a criança está a mais.
É indispensável criar uma sociedade em que o pai não possa ser excluído da «maternidade livre consciente e responsável». É indispensável criar uma sociedade em que os direitos sociais, como o direito ao primeiro emprego, o direito à habitação, ao lar, favoreçam a estabilidade e a dimensão familiar desejada. Em que as relações entre a vida familiar e a vida profissional sejam possíveis e em que seja promovido o trabalho feminino e sensibilizada a opinião pública para os problemas relacionados com a população.
É preciso transformar a sociedade para que a criança deixe de ser um «encargo», mas seja acolhida como elemento fundamental do seu país.
Paternidade responsável significa uma decisão livre, mas, ao mesmo tempo, luta contra a esterilidade e os obstáculos económico-sociais que desfazem as esperanças dos casais atingirem a dimensão familiar desejável.
Se queremos um país com futuro, Srs. Deputados, temos que inverter a involução demográfica, não por simples questão de números, mas simplesmente por razões de sobrevivência.
Se queremos liberdade, se queremos, futuro amanhã, temos que escolher a vida hoje.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): Sr. Presidente, Srs. Deputados. Sr.ª Deputada Maria José Sampaio: Ouvi a sua intervenção e fiquei realmente preocupado. V. Ex.ª considera que os desempregados que existem no nosso país (e também nos outros) serão fruto de quê? Isto porque V. Ex.ª vem dizer que é necessário que o mundo ocidental - que se opõe, pela falta de fertilidade, ao mundo oriental - deve combater essa falta de fertilidade para ter, de novo, mão-de-obra barata (foi isto que deduzi do que V. Ex.ª disse), porque é essa a grande riqueza dos países do Terceiro Mundo.
A minha questão é esta: como é que posso dizer aos casais, às pessoas normais do nosso país para terem muitos filhos se esta sociedade os obriga a cair no desemprego, a emigrar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É esta a questão que temos de pôr, Sr.ª Deputada.
Levantar este problema fundamental da nossa sociedade - o problema de as pessoas poderem ou não poderem dar aos filhos e a si próprios uma vida plena, uma vida de acordo com os seus direitos como cidadãos de uma sociedade que se quer que tenha em conta toda a problemática dessa gente- obriga a saber se nós devemos ter isto em consideração ou se devemos tentar fugir a este problema fundamental, reduzindo-o a essa questão que V. Ex.ª coloca de mundos que se opõem - os mundos férteis e os mundos inférteis, ou os mundos que não produzem mão-de-obra barata. E isto quando, por outro lado, as correntes ideológicas e políticas que V. Ex.ª aqui representa afirmam (para fugir à consideração de que é a chaga do capitalismo que produz toda a miséria) que é a demografia exagerada que provoca a fome, a miséria, etc.
Como é que V. Ex.ª concilia a sua insinuação de que o mundo está em perigo, porque não há uma produção de bebés necessária e suficiente para os desígnios de V. Ex.ª, com a afirmação - que me parece totalmente contrária - segundo a qual o perigo do mundo de hoje é o excesso demográfico.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, há mais pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já?

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Desejo sim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, faça favor.

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Sr. Deputado, queria dizer-lhe, em primeiro lugar, que não pretendo produção de bebés. Há um problema e um perigo real para o nosso país: a inversão da pirâmide etária.
Quero também dizer-lhe, Sr. Deputado, que não falei em termos de ocidente e de oriente, mas sim em termos de demografia.
Quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que o problema do desemprego não tem nada a ver com o problema da fecundidade de um país.

A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Ai tem, tem!

A Oradora: - O problema do primeiro emprego e o problema do emprego em geral têm a ver com o país, com certeza, e têm a ver com a população activa. E nós precisamos de ter população activa para podermos ter trabalho, para podermos ter riqueza. Porque quando o Sr. Deputado pergunta como é que eu quereria que vivêssemos no mundo em que nós vivemos (foi mais ou menos isto), devo-lhe dizer que se não houver riqueza viveremos é num mundo de miséria.
Por outro lado, Sr. Deputado, em relação ao Terceiro Mundo e ao problema de muitos países nos quais vive a minoria da população mundial, considerar esse Terceiro

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Mundo como potencial mercado de importação de mão-de-obra é coisa que recuso. Eles têm o direito a terem a sua mão-de-obra e outros países têm o dever de resolver os seus problemas.
Estando nós a discutir problemas tão importantes para Portugal como aqueles que começamos a discutir hoje. considero que os Srs. Deputados, ao votarem, devem ter na sua mente todos os problemas que levantam os votos que nos são pedidos, incluindo este do problema demográfico.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Tomé pede a palavra para um protesto?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Chamemos-lhe assim. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É só para dizer à Sr.ª Deputada Maria José Sampaio que. em relação a esse problema da riqueza, o vou pôr de outra maneira: acha que o facto de milhões de portugueses não terem riqueza nenhuma (vivem cada vez pior) se deve à falta de gente para trabalhar ou se é. antes, por haver tanta gente a trabalhar para tão poucos serem ricos?
Esta é a questão fundamental, Sr.ª Deputada.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria José Sampaio.

A Sr.ª Maria José Sampaio (CDS): - Talvez nós tenhamos uma visão diferente do que é o trabalho, Sr. Deputado. Não considero que as pessoas devam trabalhar porque os outros sejam ricos. Considero que uma pessoa deve trabalhar porque é obrigação e porque é necessário para a subsistência própria de cada um. É essa a minha concepção de trabalho.
Só que Sr. Deputado, há aqueles que ainda não trabalham - as crianças- e há aqueles que já trabalharam - os idosos.

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Aí è que se engana!

A Oradora: - E os idosos têm o direito a reformas, a pensões e ainda à ajuda da sociedade e daqueles que trabalham. Mas se não houver quem trabalhe, quem é que vai ajudar os idosos?
O problema é esse. Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho um problema a pôr à Assembleia. Faltam dois minutos para as 21 horas e ainda estão inscritos vários Srs. Deputados, uns para pedidos de esclarecimento e outros para intervenções.
Se estivessem de acordo, falavam os Srs. Deputados que pretendem pedir esclarecimentos e o debate sobre este projecto-lei continuaria amanhã.
Não sei o que foi decidido na reunião dos líderes parlamentares, mas pedia que me informassem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, ficou estabelecido que terminaríamos hoje o debate deste projecto e que os partidos esgotariam os tempos.
Compreendo que se isso não for possível, se a sessão se prolongar até muito tarde possamos rever a situação.
Mas, já agora, perguntava ao Sr. Presidente quantos Srs. Deputados estão inscritos para falar, na sequência das intervenções, e se esses Srs. Deputados desistem ou não. Isto porque se tivéssemos apenas uma ou duas intervenções e nos fosse possível em mais trinta minutos de prolongamento esgotar essas intervenções, então era preferível terminarmos a sessão.
Perguntava, portanto, quantas são as inscrições, quem são os Srs. Deputados e se eles ainda estão aqui para falar.

O Sr. Presidente: - Para informação, ainda há duas horas disponíveis para debate, e estão inscritos para pedidos de esclarecimento, nesta altura, quatro deputados: Zita Seabra, lida Figueiredo, Lopes Cardoso e Teresa Ambrósio.
Para intervenções, estão inscritos os Srs. Deputados António Calhordas. Mário Tomé e Ercília Talhadas.
Para dar a palavra a todos estes Srs. Deputados, sairemos daqui por volta das 23 ou 24 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, sem pretender pôr em causa aquilo que diz o Sr. Deputado Carlos Lage, penso que havia acordo no sentido de terminarmos esta sessão às 21 horas. O meu Grupo Parlamentar, pela sua parte, tem compromissos já tomados nessa pressuposição e a que lhe é impossível fugir. Pensamos que mesmos os pedidos de esclarecimento e as correspondentes respostas não levarão só os 30 minutos apontados pelo Sr. Deputado Carlos Lage, pelo que preferiríamos que os pedidos de palavra existentes neste momento fossem transferidos para a sessão de amanhã.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pela nossa parte entendemos, em primeiro lugar, que aqueles partidos que não intervieram, mas que tinham tempo para intervir e a quem não pode ser assacada a responsabilidade de não terem falado até este momento, não podem ser prejudicados nos direitos que tinham.
A partir daí. compreendemos perfeitamente as razões da impossibilidade da presença do PSD, invocada pelo Sr. Deputado (essa impossibilidade já é, aliás, manifesta).
Portanto, aceitamos que o debate se transfira para amanhã e que hoje não se prolongue para além das nove horas. O que não nos parece aceitável é que se ponha em causa o direito de intervenção dos partidos que ainda não falaram e que têm obviamente b direito de falar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Pelo nosso lado concordamos inteiramente com o que acabou de ser dito pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Pensamos ser essa. portanto, a justa decisão a tomar pela Câmara.

O Sr. Presidente: - Os únicos partidos que ainda não falaram foram o MDP/CDE. a ASDI e a UDP. Se os Srs. Deputados inscritos, António Calhordas e Mário

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282 I SÉRIE - NÚMERO 10

Tomé, estiverem de acordo em adiar para amanhã as suas intervenções, não haveria problema. Tem a palavra o Sr. Deputado António Calhordas.

O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - Nós pensamos que, apesar de estarem presentes poucos deputados, seria mais correcto intervir agora, até porque a intervenção se cinge ao projecto que hoje está em discussão e perderia continuidade se a intervenção passasse para amanhã.

O Sr. Presidente: - Quer dizer que deseja intervir agora, Sr. Deputado?

O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Queria colocar uma questão sobre a qual não estou seguro: tinha entendido que se acordara na reunião de líderes que a sessão acabaria às 21 horas. Se não foi isso o acordado, então não vai ser a minha bancada que se irá opor àquilo que ficou estabelecido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, era para me pronunciar sobre esta intervenção do Sr. Deputado Silva Marques.
O que efectivamente ficou combinado na conferência dos grupos parlamentares foi que a sessão terminaria, em princípio, às 21 horas, sem prejuízo dos tempos atribuídos aos vários partidos. Acontece que foi também previsto, por consenso, que os tempos que crescessem de um dia não acresciam ao do dia seguinte.
Se o meu companheiro António Calhordas não falar hoje, nós amanhã ficaremos reduzidos a metade do tempo para as duas intervenções sobre a mesma proposta. De resto, a intervenção do meu companheiro António Calhordas não será muito longa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado desculpe, mas a opinião da Mesa ê a de que se as intervenções passarem para amanhã os tempos também passam. Evidentemente que não havia qualquer redução nos tempos de que cada partido dispõe.

Pausa.

Como os Srs. Deputados estão todos de acordo, a ordem de trabalhos de amanhã é a continuação do debate sobre o projecto de lei n.º 307/II, e o início da discussão do projecto de lei n.º 308/II.

A sessão de amanhã terá início às 15 horas.

Está encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD)

Álvaro Roque Bissaia Barreto.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Francisco Mendes Costa.
Manuel Pereira.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Pedro Miguel Santana Lopes.

Partido Socialista (PS)

Carlos Manuel N. Costa Candal.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Guilherme Gomes dos Santos.
Leonel de Sousa Fadigas.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.

Centro Democrático Social (CDS)

Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.

Partido Comunista Português (PCP)

Carlos Alfredo de Brito.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Acção Social Democrata Independente (ASDI)

Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)

António Ferreira Guedes.
António César Gouveia de Oliveira.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social Democrata (PSD)

Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Américo Abreu Dias.
António Vilar Ribeiro.
Bernardino da Costa Pereira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
José Mário de Lemos Damião.
José Vargas Bulcão.
Manuel da Costa Andrade.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.

Partido Socialista (PS)

Alberto Marques de Oliveira e Silva.

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10 DE NOVEMBRO DE 1982 283

António Carlos Ribeiro Campos.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernandes da Fonseca.
António Egídio Fernandes Loja.
Armando dos Santos Lopes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Gomes Fernandes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio Conceição Cacito.
Mário Alberto Lopes Soares.
Raul D'Assunção Pimenta Rego.

Centro Democrático Social (CDS)

Adalberto Neiva de Oliveira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Eugênio Maria Anacoreta Correia.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP)

António José de Almeida Silva Graça.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Manuel da C. Carreira Marques.
Octávio Rodrigues Pato.
Rosa Maria Alves Brandão.

Acção Social Democrata Independente (ASDI)

Manuel Tílman.

Os REDACTORES DE 1.ª CLASSE, Anita Paramés Pinto da Cruz - José Diogo.

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PREÇO DESTE NÚMERO 84$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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