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I Série - Número 11 Quinta-feira, 11 de Novembro de 1982
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE NOVEMBRO DE 1982
Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Ordem do dia. - Prosseguiu e concluiu-se a discussão na generalidade do projecto de lei n.º 307/II sobre a protecção e defesa da maternidade, apresentado pelo PCP.
Intervieram no debate a diverso título, os Srs. Deputados António Galhordas (MDP/CDE), Verdasca Vieira (PS), Mário Tomé (UDP) e Jorge Miranda (ASDI).
Entretanto, o Sr. Presidente anunciou a entrada na Mesa do projecto de lei n.º 374/II sobre direito ao planeamento familiar apresentado pelo PSD que por lapso não tinha sido referido na última sessão.
Iniciou-se e conclui-se a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 308/II, sobre garantia do direito ao planeamento familiar e educação geral, apresentado pelo PCP, e n.º 374/II, sobre direito ao planeamento familiar apresentado pelo PSD.
Intervieram no debate a diversos títulos os Srs. Deputados Vidigal Amaro (PCP), Oliveira Dias (CDS), Jaime Ramos (PSD), Mário Tomé (UDP), Zita Seabra (PCP), Teresa Ambrósio (CDS), Carlos Brito (PCP), Octávio Cunha (UEDS), António Arnaut (PS), António Galhordas (MDP/CDE), José Luís Nunes (PS), Natália Correia (PSD), Beatriz Cal Brandão (PS), Manuel Matos (PCP), Sousa Lara (PPM), Jorge Miranda (ASDI), Manuela Aguiar (PSD) e Ilda Figueiredo (PCP).
Entretanto, após leitura, haviam sido aprovados dois relatórios e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos um sobre a substituição de diversas deputados e outro sobre a concessão de autorização para que um deputado compareça no posto médico da Policia Judiciária.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Américo Abreu Dias
Anacleto Silva Baptista.
António Mana de O. Ourique Mendes
António Roleira Marinho.
Armando Lopes Correia Costa
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira
Carlos Dias Ribas
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos
Daniel Cunha Dias.
Eleutério Manuel Alves
Fernando Alfredo Moutinho Garcês.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Henrique F Nascimento Rodrigues.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Leite Machado.
José Luis Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
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Manuel Ferreira Martins.
Manuel Mana Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuel Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Octávio Pereira Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Valdemar Cardoso Alves.
Victor Pereira Crespo.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vasco Mascarenhas Grade.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N Costa Candal.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
José Luis Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d1 Assunção Pimenta Rego.
Vítor Manuel Brás.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
António Pedro Silva Lourenço.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Duarte Nuno Correia Vasconcelos.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
João Maria Abrunhosa de Sousa.
José Alberto Faria Xerez.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Paulo Oliveira Ascenção.
Pedro Eduardo Freitas Sampaio.
Rui António Pacheco Mendes.
Ruy Garcia de Oliveira.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
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Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseira.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Manuel M. Loureiro de Miranda.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António César Gouveia de Oliveira.
António Ferreira Guedes.
António Poppe Lopes Cardoso.
Octávio Pereira Cunha.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
António Carmo Calhordas.
Artur Augusto Sá da Costa.
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Continuamos com a discussão do projecto lei n.º 307/II, sobre protecção e defesa da maternidade, apresentado pelo PCP. Há 4 pedidos de esclarecimento dirigidos à Sr.ª Deputada Maria José Sampaio. Como não se encontra presente a Sr.ª Deputada Zita Seabra, que estava inscrita em primeiro lugar, terá a palavra a Sr.ª Deputada lida Figueiredo.
Informo, entretanto, a Sr.ª Deputada Maria José Sampaio de que dispõe de 6 minutos para responder.
Tem então a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, queríamos informar a Mesa de que prescindimos dos pedidos de esclarecimento, para facilitar o andamento dos trabalhos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Nem o Sr. Deputado Lopes Cardoso, nem a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio se encontram presentes, não podendo, por isso, fazer os pedidos de esclarecimento para que estavam inscritos. Se, entretanto, vierem e os quiserem formular, fá-lo-ão oportunamente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Calhordas.
O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Instaurou-se no país um clima emocional à volta das questões que, aqui, começamos hoje a discutir.
Não admira, nem há mal, que assim aconteça porque se trata de problemas que tocam profundamente a sensibilidade de cada pessoa.
É forte o componente ético e social dos temas que vamos tratar. Não é porém aceitável que à sua volta se instale um ambiente de irracionalismo, quando não de obscurantismo.
Espera-se desta Assembleia uma análise fria e lúcida, racional e desapaixonada, como compete a quem tem de legislar e decidir sobre questões vitais da comunidade.
Cingimo-nos por agora ao tema da protecção da maternidade. A protecção da mãe e da criança deverá, ou poderá, ser paradigma do grau de desenvolvimento social e humano de uma sociedade.
Foi correcto e oportuno que na sociedade democrática que nasceu com Abril e na tradição de um humanismo de que o povo português se orgulha, tenha, o Partido Comunista Português, apresentado este conjunto de projectos de lei sobre a maternidade.
Uma correcta protecção e assistência à mulher grávida, é rica de importantes consequências que se traduzem no plano moral, social e económico. É assunto cada vez mais claro e aprofundado, o papel decisivo da vigilância pré-natal na prevenção da maioria dos problemas que contribuem para a deficiência. A mortalidade perinatal pôde ser reduzida em 50 %, nos anos de 1971 a 1975, só pelo aumento de consultas pré-natais por gravidez, onde se realizavam gravidogramas que incluíam exclusivamente elementos de natureza clínica (peso. tensão arterial, etc.) muito facilmente objectiváveis - trabalho citado na Acta Cirúrgica Escandinava de 1977.
Como se verifica na evoluída Suécia, não se propõem nem se pedem exames ou meios sofisticados. Tão-só a cobertura de cuidados e vigilância médicas às mulheres grávidas, em simples e banais centros de saúde...
Isto talvez responda, às preocupações de gastos, ontem aqui colocados por um Sr. Deputado da maioria.
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Mas é precisamente este «tão-pouco» que em Portugal se não conseguiu ainda realizar.
Foi este «tão-pouco» que constituiu a rica experiência do serviço médico à periferia, aqui displicentemente vilipendiado, nesta Assembleia, por insensibilidade e ignorância.
É este «tão-pouco», que ainda resta e resiste em «ilhas de saúde» que se espalham por algumas terras do país onde permanecem jovens médicos, no espírito novo e na idade, que aguentam e lutam em centros de saúde de visão e funcionamento modernos.
É este «tão-pouco». que constituiria o muito que se poderá obter com uma correcta rede de cuidados primários de saúde, elemento básico do Serviço Nacional de Saúde, se não fosse a errada e distorcida política praticada desde há 3 anos pelos governos da AD.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não se trata apenas, diria que não se trata até, de aspectos de natureza técnica.
Estamos a falar de aspectos e opções de política social, de política de saúde.
Foi dramática a herança do fascismo. Os números aí estão, frios e cortantes, nos seus valores reais. Em 1970, para todo o distrito de Beja onde viviam 103 743 mulheres, existia l médico obstetra, 3 enfermeiras-parteiras e nenhuma cama de maternidade. E não era dos piores, porque no de Bragança, para as 93 112 mulheres, não
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havia nenhuma enfermeira-parteira, também só 1 obstetra e também nenhuma cama de maternidade, o que de resto acontecia também nos distritos de Évora. Guarda, Viana do Castelo e Vila Real.
E isto tudo, depois de termos ouvido, ontem aqui, o rol de algumas leis inovadoras que uma Sr.ª Deputada da maioria nos citou.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi com a dinâmica do processo de Abril que a saúde sentiu, apesar de tudo, uma profunda transformação, sobretudo ao nível das mental idades e da consciência das necessidades.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Com a liberdade política engendrou-se uma alteração social. Os números evidenciam-no e reflectem, de resto, um fenómeno significativo que foi claramente sentido, logo nos primeiros meses a seguir ao 25 de Abril - a muito maior procura e a perca do medo do hospital.
Assim, em 1969 foram realizados 127 462 partos no domicílio e 65 677 em hospital. Em 1978 a inversão estava feita: 117 434 em hospital e SI 395 no domicílio. Só pela acção de uma nova dinâmica social.
Isto é uma revolução, senhores do passado!
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - Devia-se-lhe ter seguido uma política democrática e progressista. Não é, assim, demasiado o tempo que se perde ou os esforços que se fizerem nesta Assembleia, para se tomar consciência da imperiosa necessidade de modificarmos a nossa sociedade e a nossa terra.
Os cuidados básicos, a medicina preventiva são o nó górdio da medicina e da saúde de massas dos nossos dias. Afirmam-no as instâncias internacionais, afirma-o o senso comum, revelam-no os dados estatísticos, está provada a sua eficácia nos custos em matéria de saúde.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Dizia há dias, em 1981, num simpósio o obstetra distinto Prof. Mário Mendes, de Coimbra, que «toda a assistência materna foi perspectivada num sentido de remédio, terapêutico»...
«Eu por exemplo - continuando a citar Mário Mendes - quando comecei a reger a cadeira de Obstetrícia... alterei o programa, deixando de dar a parte de intervenções e outros assuntos desse tipo. que não têm o mínimo interesse, para incidir só nos aspectos preventivos.»
Trata-se de uma filosofia política nova, pois não esquecemos que o Prof. Mário Mendes foi Secretário de Estado da Saúde no Ministério de António Arnaut, quando foram lançadas para a discussão pública as bases do Serviço Nacional de Saúde que a Constituição preconiza, e esta Assembleia aprovou.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas logo no primeiro governo AD, um secretário de Estado defende - voz da Ordem dos Médicos - o nado-morto da medicina convencionada, como base de um sistema nacional de saúde; e no governo AD seguinte, um ministro declara nesta Assembleia que «quem quer saúde paga-a» e pretendeu, por isso, fazer uma nova lei do Serviço de Saúde que aliás não fez, e onde a gratuitidade da prevenção fosse substituída pelo pagamento da cura, como está a ser feito, aliás pela acção do actual Ministério, contra os próprios princípios constitucionais.
Estamos com uma distância abissal entre dois conceitos de vida e saúde, de 2 filosofias políticas face à escolha entre a vida com saúde e a doença com a morte. Nós escolhemos a vida com saúde.
Aplausos do MDP/CDE. do PS e do PCP.
O que o PCP claramente aqui propõe, no seu projecto de lei sobre protecção e defesa da maternidade, é no campo da saúde, que aqui privilegiei no tempo de que disponho, um conjunto de normas legais que estão contidas em todo o capítulo 1 no projecto de lei, com o qual o meu partido está de acordo na generalidade, porque nele se sintetizam e procuram levar à prática princípios sérios e válidos de política de saúde.
O mesmo diremos, no que se refere à segurança social e segurança no trabalho, constantes dos restantes capítulos que, para além de emendas ou alterações na especialidade que poderão ser adicionadas, contém princípios gerais com os quais nos identificamos. Princípios, afinal, que a Constituição preconiza e a que se deviam obrigar estes e os anteriores governos da AD, se porventura no seu íntimo estivesse o sentido humano que fez de Abril um projecto de justiça social e de progresso.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Cabe, todavia, a esta Assembleia apontar o caminho e obrigar a uma política correcta, com a coerência que advém do que aqui já aprovou na Constituição, com o mandato que o povo lhe concedeu e com um superior sentido dos interesses do país, aprovando uma lei correcta e justa de protecção da maternidade.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por lapso não foi anunciada ontem a entrada na Mesa do projecto lei n.º 374/II, apresentado pelo PSD, que tinha sido admitido e que está, inclusivamente, previsto ser discutido conjuntamente com o projecto de lei n.º 308/II, apresentado pelo PCP. Portanto, comunico agora essa admissão.
A Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio pretende usar da palavra, para que efeito?
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Era apenas para perguntar se as propostas de alteração, referentes ao projecto de lei sobre a defesa de maternidade, que ontem foram distribuídas a todas as bancadas, vêm de algum grupo parlamentar - dado que não estão identificadas - ou se é apenas uma proposta de alguns Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Comunica-me o Sr. Secretário da Mesa, que essas propostas são dos Srs. Deputados Jaime Ramos e Valdemar Alves, ambos do PSD.
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Portanto, em nome individual?
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O Sr. Presidente: - Penso que sim. De qualquer modo, o Sr. Deputado Valdemar Alves, que neste momento se encontra presentes, podia informar-me.
O Sr. Valdemar Alves (PSD): - É, sim, Sr. Presidente. São em nome individual.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Relativamente ao pedido de esclarecimento dirigido à Sr.ª Deputada Maria José Sampaio, para o qual tinha ficado inscrita na sessão de ontem, a Sr." Deputada Teresa Ambrósio pretende fazé-lo ou prescinde?
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Prescindo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a' palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado António Calhordas o Sr. Deputado Verdasca Vieira. Lembro-lhe que dispõe, apenas, de 1 minuto.
O Sr. Verdasca Vieira (PS): - Sr. Presidente, queria apenas fazer uma pergunta ao meu camarada, amigo e colega que acabou de intervir.
Sr. Deputado António Calhordas, o projecto de lei do PCP agora em apreço estatui, no artigo 14.º, 2 horas para a mulher amamentar. Acha que esse tempo é suficiente ou acha que devem ser retiradas na generalidade, desde que o bebé não esteja junto da mãe, sendo-lhe, portanto, difícil utilizar esse tempo para amamentar - já não para passear ou fazer qualquer outra coisa?
Outro aspecto de que gostaria que me falasse é se, no artigo 16.º ao dizer «[...]'após o parto tarefas clinicamente desaconselháveis [...]!». isto não será antes do parto e depois do parto.
Fundamentalmente são estas as questões que posso colocar no minuto de que disponho.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o grupo parlamentar da UEDS deu indicação que cedia o tempo necessário ao Sr. Deputado para completar o seu pedido de esclarecimento.
O Sr. Verdasca Vieira (PS): - Por outro lado, gostaria de saber se, como médico, o Sr. Deputado concorda que no último mês não haja, pelo menos, 2 consultas de grávidas e não só I. como consta do projecto.
Isto será mais para a discussão na especialidade, mas gostaria, apenas, de ouvir a sua opinião.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado António Calhordas.
O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - Sr. Deputado e caro colega, agradeço-lhe as questões que aqui me colocou. Devo dizer que não sou obstetra, nem pediatra - não tenho uma experiência vivida destas questões -, mas na minha intervenção declarei a nossa aprovação, na generalidade, resguardando para a discussão na especialidade alguns dos problemas que o Sr. Deputado aqui levantou. Não tenho suficientemente analisadas essas questões para lhe poder dar uma resposta de imediato, mas admito a justeza das posições que coloca e penso que deverão ser discutidas na especialidade.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado César de Oliveira pede a palavra para que efeito?
O Sr. César de Oliveira (UEDS) - Para interpelar a Mesa. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, considerando que tudo o que se passa no Plenário e na Assembleia da República deve ser perfeitamente transparente, e porque normalmente vejo as galenas destinadas ao público sempre cheias, sem qualquer exclusão, gostaria de saber quem deu ordens e por que é que elas foram dadas, para que houvesse junto ao público uma separação na galeria que se encontra à minha esquerda. Gostaria de saber se aquilo se justifica ou se é para guardar lugar para alguém. O que é que se passa com aquela separação. Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Irei tentar colher essa informação porque, como o Sr. Deputado calcula, neste momento não estou em condições de lhe responder.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Quando o Sr. Presidente estiver em condições de o fazer, agradecia que comunicasse à Câmara.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Mano Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Discutir neste momento estes projectos de lei apresentados pelo PCP, nomeadamente o da protecção à maternidade, é trazer necessariamente a esta Assembleia da República a discussão de fundo de um problema fundamental da sociedade actual - a situação de discriminação e opressão das mulheres.
Esta situação específica, não só deriva do sistema capitalista actual, como tem origem numa ideologia retrógada que há milénios encara a mulher como um ser inferior e de que a AD tem sido um representante assumido e qualificado, vejam-se, por exemplo, as intervenções das Sr.ªs Deputadas do CDS.
Estas concepções são hoje em Portugal postas em causa, pelas próprias mulheres que assumem cada vez mais o seu papel como trabalhadoras e como mães e se recusam a aceitar facilmente estes estigmas do passado.
No entanto, eles são. de facto, ainda muito fortes.
Não podemos deixar de referir que os 48 anos de obscurantismo salazarista, com a sua prática de feroz exploração e de manutenção do poder pela força, apoiado num pesado arsenal ideológico - Deus, Pátria, Família - determinaram fortemente a mentalidade do povo português. E, se o 25 de Abril pôs. na prática e na lei. em causa toda essa ideologia consagrando os direitos da mulher e da criança no Código Civil, de forma bastante positiva não se conseguiu ainda remover por completo a venda ideológica - que marca tudo e todos - desde a maneira como se encara globalmente a atitude social da mulher e do homem, à maneira como se contempla a maternidade, o planeamento familiar e a sexualidade.
Hoje, com a AD, ressurgem as velhas receitas bolorentas, de que é exemplo indelével a política do Secretário de Estado da Família e a tentativa de impor, à revelia da vontade do nosso povo um pacote de medidas legislativas que tem como finalidade colocar de novo a mulher numa posição que quer a Dr.ª Teresa Costa Macedo
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queira ou não. o 25 de Abril e a liberdade varreram para sempre do nosso quotidiano.
Como garante dessas conquistas está a luta que as mulheres e os homens do nosso país travam diariamente, nas suas organizações de classe, nos campos, bairros pobres, fábricas, empresas, por toda a pane contra a violência da exploração, inerentes à política de recuperação capitalista, contra o desemprego que atinge preferencialmente as mulheres e os jovens.
As violações constantes, pelo patronato, das leis que protegem os direitos fundamentais das mulheres que trabalham - como por exemplo os despedimentos de trabalhadoras grávidas em empresas como a FIPER, na fábrica de confecções Rio Homem, no Hotel Altis, na M. Monteiro e Costa ou a discriminação na admissão de trabalhadoras com base no estado civil, casos da RPER e na BELON - são ainda uma dolorosa realidade no nosso país.
E que dizer da discriminação salarial, do não pagamento dos subsídios para os filhos, o encerramento das creches das empresas, a não justificação de faltas ocasionadas por assistência inadiável ao agregado familiar ou o impedimento da utilização do período diário previsto para aleitamento até ao 1.º ano da criança ou ainda a recusa do usufruto da licença de maternidade pelas trabalhadoras contratadas a prazo ou ainda a medida humilhante de serem obrigadas a picar o ponto para ir aos lavabos. Que dizer, ainda das ameaças, da chantagem, das agressões cobardes de que são vítimas as delegadas e as activistas sindicais, que muitas vezes lutam em casa e na fábrica contra os mais a terríveis preconceitos discriminatórios.
Sr. Presidente. Srs. Deputados. É pois necessário desenvolver uma luta árdua em todos os planos, contra as carências de infra-estruturas de saúde e de serviços de apoio à maternidade, de apoio à infância e à juventude que, no entanto, floresceram por toda a pane após o 25 de Abril e que hoje são estranguladas, entregues à especulação da iniciativa privada, quando não são pura e simplesmente desmanteladas. Luta contra a manipulação cultural e ideológica e contra a repressão que se abate com cada vez mais violência sobre o nosso povo. Numa palavra, contra a AD, a sua política e o seu governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UDP considera que, no que respeita à plena emancipação da mulher, esta só é possível numa sociedade nova; no entanto, na abordagem do projecto de lei n.º 307/II - tal como nos restantes projectos - não podemos deixar de os analisar tendo por base toda uma perspectiva de que é necessário já, hoje. procurar as soluções mais justas para a defesa dos direitos das mulheres portuguesas, enquanto mulheres, mães e trabalhadoras e do acesso à igualdade de responsabilidades e direitos, quer da mãe quer do pai, em tudo o que diz respeito à criação, acompanhamento e protecção do desenvolvimento e educação das crianças.
Pressupõe, igualmente, este projecto de lei e, consequentemente, a sua análise e discussão uma ideia base - que consideramos fundamental: a existência de um Serviço Nacional de Saúde consolidado e não atacado, reestruturado e actuante no sentido de privilegiar uma profunda educação das populações e implementado na perspectiva da aplicação prática de uma medicina preventiva, com um peso cada vez mais significativo no enquadramento da política de saúde actual.
E de forma alguma se deverá aceitar, como ontem fez o Sr. Deputado Jorge Ramos, do PSD, que o reconhecimento legal dos direitos dos cidadãos - nomeadamente
da mulher na protecção à maternidade - possa ser condicionado, mesmo que minimamente, às mentalidades retrógradas que estão assentes no poder económico e ao seu ancestral desprezo pelas condições de vida e de trabalho das mulheres, pois sabemos que a mulher é olhada como não sendo uma fonte de mão-de-obra tão eficaz, desde que lhe sejam conferidos os direitos inalienáveis a uma justa e eficaz protecção na maternidade. Por isso, também, a discriminação da mulher no emprego.
São essas mentalidades, esses processos, as classes que os utilizam que devem ser combatidos e não. nunca, restringidos os direitos inalienáveis da mulher.
Aliás, parece-me ser essa a única perspectiva de encarar este problema mesmo face ao que, nomeadamente, vem disposto no artigo 68.º da Constituição da República, que a AD também aprovou, e que confere a necessidade de abordarmos este projecto de lei. considerando a maternidade e paternidade como valores sociais eminentes.
E é nessa perspectiva também - não na do CDS em que o pai aparece como chefe de família ou reduzindo o problema da protecção da maternidade, à mulher e filhos ao âmbito familiar - em que o pai surge como trabalhador, como co-responsável e no seu vínculo à entidade patronal, isto é, nas relações de trabalho, é nesta perspectiva, dizia, que achamos que neste projecto deveria ser considerado, de uma forma mais ampla, o papel do pai no acompanhamento e educação dos filhos, em tudo aquilo em que ele tem os mesmos direitos e deveres da mãe.
Consideramos, também, que a licença em caso de adopção não deve ficar restringida a 30 dias; ela deve ser maior, porque esta, se é feita de uma forma assumida, traz grandes problemas e deverá ter. pelo menos, os 90 dias considerados para o período pós-parto nos casos de maternidade.
Consideramos, de facto, que a questão do subsídio de maternidade - embora isso já ontem tenha sido abordado - deve ser posto da seguinte forma: o subsídio de maternidade existe em função, fundamentalmente, do nascimento da criança e é como que um apoio material às necessidades impostas pelo seu nascimento. Esse subsídio, esse apoio, devia ser caracterizado em função da existência da criança, isto é, para quem ficou com a criança nos braços: a mãe. o pai, nomeadamente uma avó ou uma outra pessoa de família.
Aquela pessoa que, por diversíssimas razões, ficou com a criança nos braços - pode não ser a mãe - deve ter o direito a subsídio de maternidade. Este subsídio teria como condicionante único, digamos assim, a apresentação da certidão de nascimento e a garantia de que não é usufruído qualquer outro subsídio.
Apenas estes 2 apontamentos, duas sugestões, para este projecto que vamos apoiar, sem reservas de maior, como aliás já deixámos explícito pela nossa intervenção.
A única reserva que pomos - e ela não se refere ao projecto de lei em discussão - e que estamos absolutamente convencidos de que, mesmo que estes projectos - e alguns deles serão - sejam aprovados nesta Assembleia da República, uma coisa para nós é cena: é que eles não serão postos minimamente em prática enquanto houver e persistir o governo da AD.
É isso que nos prova toda a experiência, é isso que nos mostra que, mesmo quando a AD tem palavras de apoio a qualquer pequena reinvindicação na prática contraria: opõe-se, pelo seu carácter reaccionário, a tudo aquilo que tem a ver com os interesses do nosso povo, sejam eles os
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interesses dos trabalhadores, dos jovens, dos idosos, das mães, das crianças ou quaisquer uns que apontem no sentido do futuro, do progresso ë do bem-estar do nosso povo.
Portanto, mesmo que aprovado aqui algum deles, para que possa ser posto em prática, nós insistimos e sublinhamos: é necessário partir do princípio de que o governo AD tem de ser corrido do poder.
Uma voz do CDS: - Querias! Querias!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado César de Oliveira, em relação à questão que há pouco levantou, informam-me os serviços parlamentares que as pessoas que se sentam naquela parte da galeria são as que normalmente se sentavam na bancada da imprensa estrangeira normalmente convidados especiais dos grupos parlamentares, pois todos os grupos parlamentares têm direito a ter convidados especiais - e foi por deliberação da Presidência da Assembleia que passaram a sentar-se nessa parte da galeria.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquando da apresentação dos projectos de lei do Partido Comunista Português a respeito da protecção da maternidade, do planeamento familiar e do aborto, tive ocasião de me pronunciar dizendo que os deputados do Grupo Parlamentar da ASDI iriam assumir, relativamente a eles. uma posição individual. Não há uma posição do Grupo Parlamentar da ASDI, há uma posição de cada um dos seus deputados. Essa será a nossa atitude a respeito deste primeiro projecto, como será a respeito dos outros dois.
Falando, pois, a título puramente individual - e é bom que nesta Câmara os deputados vão aprendendo a falar a título puramente individual e não como «robots partidários», na expressão feliz de ontem da Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio - falando a título puramente individual, dizia, quero, neste momento, em muito breves palavras, manifestar uma atitude a respeito do primeiro projecto, aquele que versa sobre a protecção e defesa da maternidade.
Tem-se dito que esta semana parlamentar é uma semana consagrada à mulher, que é o estatuto social e jurídico da mulher que está em causa através destes projectos. Não concordo com essa interpretação.
Para mim. para lá do estatuto da mulher, aquilo que está directa ou indirectamente em causa através destes projectos de lei é o estatuto do ser humano, o estatuto da criança ou. mais amplamente, a definição do lugar de vários sujeitos dentro da sociedade.
O projecto de lei do Partido Comunista Português sobre a protecção e defesa da maternidade suscita-me algumas dúvidas e reservas, designadamente na medida em que não integra essa protecção e essa defesa no âmbito que, a meu ver. seria conveniente: o de uma verdadeira e própria política familiar, designadamente, no âmbito da política familiar que o artigo 67.º da Constituição da República prevê.
No entanto, é um projecto que tem o grande mérito de abrir caminho a efectivas medidas de protecção da maternidade, é um projecto que não se contenta com as belas palavras, mas procura descer aos problemas concretos, que considera o lugar da mulher no trabalho, os deveres da segurança social relativamente à maternidade e que, portanto, a meu ver, não deve ser inviabilizado.
Pela minha parte, não inviabilizarei este projecto de lei. E acrescentarei que será pelo mesmo motivo, ao cabo e ao resto, porque votarei contra o projecto de lei a respeito do aborto que não votarei contra o projecto de lei a respeito da maternidade.
Exactamente, porque defendo uma maternidade consciente e responsável, exactamente porque considero que a vida humana - toda a vida humana - deve ter condições de se desenvolver em felicidade é que. embora votando contra o projecto de lei acerca da legalização do aborto, não poderei votar contra o projecto de lei sobre a protecção da maternidade.
Aplausos do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições, considero encerrado o debate do projecto de lei n.º 307/II.
Passamos à discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de lei n.º 308/II, do PCP, e n.º 374/II, do PSD.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 308/II, do PCP - Garantia do direito ao planeamento familiar e educação sexual - constitui a segunda peça de um conjunto de 3 projectos de lei que visam a defesa da maternidade como um acto livre. responsável e consciente.
O planeamento familiar é nele apresentado como um direito dos cidadãos e um dever do Estado.
Um direito dos cidadãos que garante liberdade de informação, liberdade de acesso e liberdade de escolha. O projecto aponta soluções relativas à esterilidade e infernalidade. Não se limita a abordar apenas a questão da contracepção.
Quanto aos jovens não só se consagra na lei o direito ao acesso às consultas de planeamento familiar, como se prevêm medidas visando a criação de consultas que assegurem a prestação de cuidados de saúde especialmente destinadas aos adolescentes.
O nosso projecto visa ainda fixar, com rigor, as responsabilidades do Estado em matéria de planeamento familiar, cabendo-lhe promover a informação pública, garantir a existência e regular funcionamento dos serviços, disciplinar o controle da produção, importação e distribuição de contraceptivos, promover a formação de técnicos, estimular a investigação científica, bem como incentivar e apoiar as iniciativas das associações, comunidades locais e das populações, tendentes a estudar, divulgar e fomentar o uso de métodos que permitam o exercício de uma maturidade e de uma paternidade conscientes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Estas medidas não poderão deixar de constar de uma lei da República. São aliás uma exigência do próprio texto constitucional.
E a realidade existente no nosso país comprova que não pode ser adiada por mais tempo a adopção das medidas agora propostas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
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O Orador: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O recente inquérito nacional sobre fecundidade do Instituto Nacional de Estatística, realizado com o apoio técnico e financeiro do Fundo das Nações Unidas para as Actividades da População (FNUAP) veio trazer a lume dados verdadeiramente impressionantes.
Tais dados foram obtidos a partir da análise de 5148 entrevistas a mulheres entre os 15 e os 49 anos. casadas ou que tenham estado casadas, tendo sido consideradas como tal qualquer relação conjugal independentemente do ponto de vista legal.
Das 5148 mulheres ouvidas. 4410 nunca tinham pedido ajuda ou conselho acerca dos métodos de planeamento familiar, 2435 não sabiam onde ir e das 1975 que sabiam a quem recorrer somente 918 (apenas 17 %) indicaram os centros de saúde.
Pediram ajuda ou conselho 738 mulheres (isto é 14 % das inquiridas), 194 das quais em centros de saúde. 71 a médicos particulares e 63 em hospitais.
Dos métodos de planeamento familiar utilizados, o inquérito veio demonstrar que o coito interrompido continua a ser o método mais usado pelos casais (35.3 %). a pílula vem a seguir mas somente com 29,9 % e o dispositivo intra-utermo é usado apenas em 5,5 % dos casos analisados.
Destes números pode concluir-se que somente 34 % das mulheres em idade fértil corriam uma percentagem mínima de risco de ficarem grávidas e que a impressionante percentagem de 67 %. estavam entregues ao acaso da sorte!
Refira-se ainda que cerca de 30 % das mulheres entrevistadas tiveram mais filhos que os desejados, notando-se uma maior percentagem nas regiões menos desenvolvidas e nas mulheres com menor grau de ensino.
Neste quadro não é de estranhar quanto é elevado o número de situações em que é casual o nascimento do primeiro filho (67,3 %). Na generalidade também é casual o nascimento dos restantes filhos (75,9 %).
Constata-se também que um grande número de mulheres desconhece os dias que correrão o risco de engravidar (58,8 %). desconhecendo mesmo a data da ovulação (60,8 %).
Recentes inquéritos e sondagens, divulgados pelos órgãos de comunicação social vieram confirmar tais resultados, que afinal são do conhecimento diário de todos nós.
Os dados disponíveis mostram bem o atraso em que também nos encontramos neste domínio e o muito que há para realizar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Verificou-se após o 25 de Abril uma procura crescente das consultas de planeamento familiar, aumentou a informação e o grau de conhecimento dos métodos disponíveis. Mas como se não bastassem as dificuldades já existentes, como se já não bastasse o facto de haver tantas zonas do país onde o «desmancho» é o único meio de regulação da natalidade reconhecido e praticado, tem-se assistido a uma desaceleração e mesmo inversão da política que vinha sendo seguida.
Na verdade, foi em 16 de Março de 1976 que por despacho do então Secretário de Estado. Dr. Albino Aroso, foram mandados criar em todos os centros de saúde consultas de planeamento familiar, integradas na valência de saúde materno-infantil.
Foi assim que o número de centros com consultas de planeamento familiar se estendeu rapidamente por todo o território nacional e o seu número passou de 159 em 1977 para 320 em 1980 e o número de primeiras consultas foi, no mesmo ano, de 37 587.
Sob capas e disfarces vários, pretende-se afinal impor às mulheres, aos casais, o velho espírito de resignada aceitação de «quantos vieram ao mundo», com desprezo total pela sua liberdade de escolha. É o que há de mais retrógrado.
As concepções que presidem à política que vem sendo seguida aproximar-se, pois, perigosamente das que foram tese oficial no nosso país durante demasiados anos.
E é bem sabido que foi precisamente contra estas concepções que se ergueu em Portugal um movimento de opinião em defesa do planeamento familiar. A partir de 1967 e através da Associação de Planeamento para a Família, organização não governamental, desenvolveram-se importantes esforços para uma informação e sensibilização no sentido de tomar extensível a toda a população os serviços de planeamento familiar.
Em 1973 conseguiu-se que fosse autorizado o funcionamento de consultas de planeamento familiar em 20 centros materno-infantis.
Apesar de todos estes esforços era esta situação aberrante e retrógrada que se vivia em Abril de 1974 por responsabilidade dos governos fascistas. Estatísticas oficiais revelam que o número de primeiras consultas realizadas nos centros de saúde foram de apenas 705!
A tentativa de recuar no tempo, o regresso a essa situação é inconcebível. Mas apesar de terem sido dados passos irreversíveis desde o 25 de Abnl, não podem ser subestimados os perigos resultantes do retomar de concepções caducas, aí onde constitucionalmente se exige um espírito aberto aos novos tempos, às novas realidades.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não pode deixar de provocar indignação ouvir da boca de membros do Governo, como por exemplo, a Sr.ª Teresa Costa Macedo, a proclamação irresponsável de que a Direcção-Geral de Saúde estaria a distribuir em Portugal anticoncepcionais deteriorados, ou que (espante-se!) ao abrigo de ajudas internacionais estariam a praticar-se em Portugal obscuras operações na ignorância completa dos interessados, levando a pensar que se estaria a proceder a campanhas de esterilização!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mais. É lançada uma campanha alarmista em tomo do chamado envelhecimento da população portuguesa, sugerindo-se absurdamente que o planeamento familiar se contaria como uma das suas principais causas. Chega-se ao ponto de levantar a suspeição sobre os métodos usados nos serviços públicos, nas suas relações com os cidadãos que os procuram, insinuando-se a existência de pressões para o uso de métodos mecânicos, como o dispositivo intra-uterino e hormonais, como a pílula, quando o que se passa na realidade é que em zonas particularmente populosas, como Lisboa, se tenta empurrar os cidadãos para os chamados «métodos naturais», recusando e não financiando quaisquer outros.
Os sectores mais obscurantistas e retrógrados empenham-se ainda em campanhas visando propagandear a ideia de que o acesso dos jovens ao planeamento familiar acarretaria e seria responsável pela «liberalização do sexo», abrindo caminho à pornografia e à libertinagem. É manifesta a insensatez de toda esta campanha face à
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carência de educação sexual e de aconselhamento dos jovens portugueses em matéria contracepcional. E o país pagaria bem caro se o Estado assumisse neste caso o papel da avestruz.
Mas é isso que infelizmente vem sucedendo. Um exemplo claro é a circular difundida pela Direcção-Geral de Saúde a todos os centros de saúde em que se afirma: «Na falta de autorização expressa dos pais ou de representantes legais, deve ser negado aos menores não emancipados o acesso às consultas de planeamento familiar.» É um contrasenso. É uma violência.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É uma arbitrariedade anti-educativa e imoral.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, curiosamente, em debate televisivo, o Sr. Ministro Meneres Pimentel. referindo-se ao parecer da Procuradoria-Geral da República em que se baseia tal orientação e que foi homologado pelo Ministério dos Assuntos Sociais, emitiu a opinião que passo a citar: «Ë susceptível de ser interpretado de forma diversa pelos centros de saúde e de outras entidades que desenvolvam as actividades de planeamento familiar.
No mesmo debate era afirmado que o Governo se prepararia para rever o regime jurídico dos menores no sentido de reforçar a sua autonomia.
Só que. o Sr. Ministro, não apenas não adoptou qualquer medida que alterasse a situação actual (só agora surge o projecto do PSD), como se recusou a homologar um parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o projecto de lei do PCP, que garante aos jovens o pleno acesso ao planeamento familiar. Nesse parecer relembra-se que o Comité de Ministros do Conselho da Europa e o Parlamento Europeu vêm insistindo pela extensão dos serviços de planeamento familiar aos jovens, tendo em 1975 recomendado aos governos dos Estados membros, a adopção das providências necessárias à informação dos jovens sobre os problemas e finalidades do planeamento familiar, e em Resolução de 1978 a criação de centros de planeamento especiais para adolescentes.
O Parlamento Europeu, por seu turno, na Resolução de 11 de Fevereiro de 1981. convidou a Comissão a estabelecer um programa que permita reduzir o número de abortos, principalmente através de «uma informação apropriada dispensada em tempo oportuno aos jovens».
Em relação ao enquadramento constitucional da questão em Portugal, o parecer sublinha: «A única disposição constitucional que pode ser encarada como susceptível de fazer obstáculo ao previsto acesso dos jovens às consultas de planeamento familiar é o artigo 36 º que, no seu artigo 5.º. atribui aos pais o direito de educarem os filhos Ora, o direito que assiste aos pais de em cooperação com o Estado [alínea c) do artigo 67.º da Constituição], educarem os filhos é um direito que tem como único limite a natureza das coisas ou, se se quiser, a consciência jurídica geral da comunidade. Assim, a extensão do princípio da liberdade educativa dos pais há-de coincidir com a extensão que em cada momento, a evolução biológica e cultural impuser ao poder paternal: poder esse cujo último limite é a maioridade ou a emancipação e cuja regulamentação, mercê da contínua evolução bio-cultural. se tem aceitado ter o seu lugar adequada em sede de direito privado.
Todavia, mercê da constatação de que a maturidade não surge instantaneamente no momento em que se atinge a maioridade, mas antes é algo que se vai despontando gradualmente nas diferentes regiões do ser. são cada vez mais significativos os aspectos da vida dos menores em que o legislador reconhece a sua autonomia de pensamento e acção.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP). - Muito bem!
O Orador: - É importante sublinhar que. no nosso direito, a partir dos 16 anos o menor tem a administração dos bens adquiridos pelo trabalho, pode decidir sobre a sua conduta religiosa, pode, com o consentimento dos pais, casar e, consequentemente obter a emancipação, deixa de ver o seu pudor oficiosamente protegido relativamente a actos não violentos e é considerado penalmente responsável.
Sendo assim, desde que não contrarie a natureza das coisas - objectivação histórica à qual não escapa sequer o legislador constitucional -, pode o legislador ampliar a esfera de autonomia dos menores, permitindo-lhes o acesso às consultas de planeamento familiar, pois para tanto não lhe faltam sequer sinais jurídicos de que o menor aos 16 anos já atingiu um certo grau de maturidade sexual.»
E conclui o parecer: «A conformidade do acesso dos menores às consultas de planeamento familiar com o texto constitucional já resulta, aliás, de anterior parecer deste corpo consultivo sobre a matéria.»
Fica assim clara a indispensabilidade da cessação urgente da aberrante proibição imposta pelo Governo Só há uma saída: revogar imediatamente este inqualificável despacho governamental e permitir, desta forma, aos jovens, como é seu direito, o livre acesso às consultas de planeamento familiar.
Aplausos do PCP, do PS, da UEDS do MDP/CDE, da UDP e de alguns deputados do PSD.
Um segundo exemplo de retrocesso vem da Madeira.
O recente Decreto Regional n.º 11/82/M, atesta bem a confusão e incoerência que reinam no PSD e o peso que na sua orientação têm os sectores mais obscurantistas.
Desde logo inconstitucional por versar matéria da exclusiva competência da Assembleia da República, o diploma estatui na sua pitoresca redacção que: «É vedado nas consultas de planeamento familiar o aconselhamento de produtos farmacêuticos ou outros meios de planeamento familiar abortivos.»
Sob a redacção retorcida e quase lapalaciana (uma vez que é estulto proibir o que proibido está) visa-se abertamente impedir que nos serviços públicos da região seja fornecida informação e aconselhamento dos métodos mecânicos do planeamento familiar. E quem a eles queira recorrer (como é seu direito e nada pode proibir) é remetido para os privados, ou seja. para aqueles serviços a que só têm acesso os que podem pagar.
Este atentado é tanto mais grave quando em toda a Região Autónoma da Madeira apenas existe um único centro de planeamento familiar.
A Sr.ª Ilda Figueiredo f PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em vez de se garantir a sua expansão visa-se estrangular o único serviço público existente, fomentar uma atmosfera de suspeição em relação ao--métodos nele aconselhados e simultaneamente, propiciar chorudos negócios a certos e restritos interesses privados
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Este é um bom momento para apagar da ordem jurídica portuguesa um diploma tão insólito e aberrante, consagrando princípios que constam do projecto do PCP e, evidentemente, da sua versão subscrita pelo PSD, princípios esses cuja necessidade é internacionalmente reconhecida.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em 13 de Maio de 1968, em Teerão, na Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, foi adoptada uma resolução na qual se reconhece aos casais o direito humano básico de decidir livre e responsavelmente o número e o espaçamento dos seus filhos, bem como o direito à educação e informação a esse respeito.
No mesmo sentido vão as resoluções aprovadas em 1974, em Bucareste, na Conferência Mundial da População da ONU e em 197S, no México, na Conferência Mundial do Ano Internacional da Mulher.
Referência especial merecem as resoluções aprovadas no Conselho da Europa em 1975, sobre fecundidade e planeamento familiar, e em 1978, sobre programas de planeamento familiar, nas quais é recomendado aos governos dos Estados membros que permitam a todas as pessoas que o desejem a obtenção das informações e dos meios requeridos para determinarem livre e responsavelmente o número de filhos e o espaçamento entre nascimentos. O Conselho da Europa recomenda também que na persecução desse objectivo forneçam a todos os sectores da população informação, aconselhamento e meios como parte integrante das prestações consideradas pelos serviços sanitários e sociais, e ainda que se identifiquem e ultrapassem os obstáculos susceptíveis de comprometer o estabelecimento global do planeamento familiar.
O planeamento familiar tem inegáveis vantagens. É desde logo um imperativo de saúde materno-infantil.
Os indicadores de saúde do nosso país e dentre eles o da mortalidade infantil (26 %) e o da mortalidade materna (30/100 000) colocam-nos na cauda da Europa. Ninguém pode contestar que, se na primeira gravidez o risco de morte materna é superior às gestações seguintes, este risco aumenta em cada uma das gravidezes ulteriores e muito significativamente a partir da sexta gestação.
Existe uma correlação directa entre as diversas complicações da gravidez (hemorragia, ruptura uterina, placenta prévia, atonia uterina, apresentação viciosa do feto) e uma paridade elevada.
Assim como o aumento significativo da mortalidade infantil e dentro desta muito especificamente da mortalidade perinatal está relacionado com o número de gestações.
A mortalidade infantil aumenta igualmente à medida que diminui o intervalo entre 2 gestações.
Gestações seguidas e não espaçadas além de porem em risco a saúde física da mãe e da criança, constituem uma grave repercussão na saúde psíquica da mãe e como consequência na de todo o agregado familiar.
O síndroma de Down (mongolismo) cuja incidência média é de um caso para 2000 nado-vivos, atinge a taxa de l para 300 se a mulher tem idades entre 35 e 39 anos e valores de l para 35 quando a mulher é mais idosa, constitui o exemplo mais significativo de anomalias congénitas associadas à idade da mãe.
Ninguém pode negar que estes problemas são profundamente sentidos na sociedade portuguesa e que só com a adopção de princípios como os constantes no projecto do PCP, agora em discussão, poderão vir a encontrar uma solução.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ao apresentarmos as propostas a que tenho vindo a fazer referência, tivemos o cuidado de sublinhar que se tratava de propostas abertas a todos os enriquecimentos. Consideramos mesmo positivo que cada partido tome claras as suas posições. A nossa nunca deixou nem deixa margem para dúvidas.
Facilmente se compreende, assim, a nossa posição de aprovação na generalidade do projecto de lei do PSD, cuja apresentação é obviamente positiva mas contrasta flagrantemente com a atitude e a prática dos que no Governo e nesta Assembleia se vêm opondo ao planeamento familiar.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e dos Srs. Deputados Teresa Ambrósia e António Arnaut, do PS.
Mas importa clarificar 2 aspectos.
Por um lado, o projecto do PSD revela uma incoerência que não podemos deixar de salientar. Ao mesmo tempo que surgem aferrados à proibição legal no que diz respeito à interrupção voluntária da gravidez, vêm agora subitamente e em total dissonância com tais posições, defender a liberalização da esterilização. Sabe-se como esta matéria vem sendo objecto de directrizes contrárias por parte do Governo que homologou recentemente um parecer da Procuradoria-Geral da República que restringe a sua admissibilidade. Mas daí à proposta agora apresentada vai uma distância que o PSD transpõe sem o mínimo sentido de responsabilidade. Bastando-se com a fixação de um limite etário, sem acautelar minimamente a existência de fundamentos relevantes para a prática daquele acto médico, sem garantir os direitos do pessoal de saúde em matéria que suscita sérias polémicas e importantes problemas de consciência, o projecto avança por caminhos que não podem merecer a nossa aprovação. E outro tanto se poderá dizer no que respeita às disposições alusivas à inseminação artificial.
Por outro lado, o projecto do PSD aparece também como uma forma de justificar o voto contra do seu grupo parlamentar relativamente ao nosso projecto de lei.
Bem diferente é a nossa atitude. Pelas razões já expostas votaremos favoravelmente na generalidade os 2 projectos, embora tenhamos a clara consciência (e é importante que o sublinhemos aqui e agora) que é graças à nossa iniciativa que a Assembleia da República vai aprovar uma lei que garante o planeamento familiar.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
A aprovação desta lei é um imperativo de ordem moral e política.
A aprovação desta lei corresponde ainda aos mais profundos anseios e aspirações do povo português e aos direitos que todos devemos reconhecer e defender.
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Deputado Vidigal Amaro, ouvi atentamente a sua exposição e devo dizer-lhe que discordo na quase totalidade daquilo que V. Ex.ª
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afirmou - o que não me surpreende nem provavelmente o surpreenderá a si. Mas, como a seguir vou intervir sobre esta matéria, nessa altura então veremos até onde vão as discordâncias que nos separam.
Em todo o caso, devo dizer que houve uma ou outra das suas afirmações que me deixaram perplexo. Ora, a primeira que me deixou verdadeiramente perplexo, e que é uma dúvida séria que desejo colocar-lhe, é a seguinte: a determinado passo da sua intervenção, o Sr. Deputado considerou falso ou demagógico - segundo me pareceu entender que se afirmasse que o envelhecimento da população portuguesa ou de qualquer outra população depende da baixa da natalidade. Eu entendo que a baixa da natalidade dependerá do controle da natalidade. Não sei se o Sr. Deputado eventualmente não pensa assim.
Mas então. Sr. Deputado, na sua opinião de que é que depende o envelhecimento da população? Depende só do prolongamento da vida, da esperança da vida ou da duração média da vida?
Se o Sr. Deputado pensa assim seria bom que o dissesse, porque está no pleno direito de ter a sua opinião, mas, em todo o caso. devo dizer-lhe que pensa ao contrário de todas as pessoas informadas, ao contrário do que pensam as Nações Unidas, a Organização Mundial de Saúde, todos os especialistas de direito da população que eu conheço.
Em outro passo da sua intervenção, o Sr. Deputado referiu-se às posições tomadas, designadamente - e agora refiro-me só a esta - pelo Conselho da Europa a este respeito. Por falar em Conselho da Europa, gostaria de lhe perguntar se, porventura, o Sr. Deputado estava a referir-se a uma recomendação de Setembro de 1977 - V. Ex.ª falou em 1977, segundo creio, mas não sei se era esta - que é um documento AS/PR-29, de 6 de Setembro, em que justamente se recomenda à Comissão de Ministros que convide os Governos membros a levar ao conhecimento do grande público a situação demográfica actual pondo em evidência a diminuição da fecundidade e as suas consequências, a criar, quando for caso disso, um ambiente mais favorável à fecundidade, adoptando, designadamente no quadro da sua política familiar, medidas como a atribuição, segundo os escalões progressivos de vantagens fiscais e de segurança social, aos casais que já têm filhos, e tomando medidas para que outras prestações, como a habitação, respondem às necessidades dessas famílias, etc.
Gostaria de lhe fazer uma outra pergunta que diz respeito à Conferência sobre a População, em Bucareste. Tenho aqui o relatório e queria perguntar-lhe se, na discussão desta Conferência de Bucareste. seguiu a evolução das propostas até à sua versão final. Se a seguiu, gostaria que me dissesse se o PCP assume aqui a defesa dos pontos de vista do Banco Mundial nos condicionamentos a empréstimos a determinados países subdesenvolvidos, se assume aqui as teorias e as teses aí defendidas pelos países consumistas ou se adopta posições contrárias em relação às quais os países subdesenvolvidos se rebelaram em massas, acusando-as de colonialismo demográfico.
Aplausos do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar queria agradecer a oportunidade que o Sr. Deputado Oliveira Dias me dá em Ter mais algum tempo para poder esclarecer bem este problema.
O Sr. Deputado Oliveira Dias confunde planeamento familiar com problemas demográficos. Assim, vou passar a ler uma pequena passagem...
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor!
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Deputado, a minha primeira pergunta situava-se no seguinte ponto: entende o Sr. Deputado que a baixa da natalidade não depende do controle da natalidade? É que se entende que não depende, está tudo esclarecido.
O Orador: - Sr. Deputado, é a isso que eu lhe vou responder.
À passagem que vou passar a ler é escrita pelo Dr. Manuel Nazaré, que é psicólogo, professor na Universidade Nova e tomou posse como presidente da Comissão de Planeamento Familiar, e é do seguinte teor.
Tal como acontece com a contracepção na sua liberalização (do aborto), não implica um acelerar no declínio da fecundidade e inversamente a sua interdição também não impede a continuação do declínio. A única coisa que sabemos é que a liberalização do aborto reduz o número de abortos clandestinos que são, como é sabido, fonte de enormes traumatismos Estamos certos de que no nosso país uma total interdição da contracepção e do aborto não iria impedir o declínio da fecundidade.
Por conseguinte. Sr. Deputado, qualquer técnico em demografia sabe perfeitamente que o planeamento familiar não contribui para a baixa do índice de natalidade.
Basta ver as pirâmides etárias. Toda a gente sabe - e em Portugal isso é muito explícito nas pirâmides etárias portuguesas - quais foram os anos de menor natalidade em Portugal. Foram os anos onde não se fazia planeamento familiar, eram os anos de 1959-1960. e foi a partir daí que começou a haver novamente um maior índice da natalidade. Isso é facilmente justificável devido às causas socio-económicas - a guerra naquela altura - e a emigração. A emigração e as condições socio-económicas é que devem preocupar o Governo Português.
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor. Sr. Deputado.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Vejo-me na situação de ter de recorrer à figura do protesto para dizer ao Sr. Deputado Vidigal Amaro que aquilo que citou não me convence de maneira nenhuma, porque as palavras do Dr. Nazaré podem muito bem interpretarem-se no sentido de que a resposta às medidas desse género não tem uma influência directa e imediata. Os problemas da população projectam-se a tempo, são problemas a prazo.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ora vê como sabe!
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O Orador: - Pois sei, e o Sr. Deputado Vidigal Amaro também devia saber.
No entanto, isso não significa que, das medidas que os senhores preconizam, não resulte, a médio prazo, um envelhecimento da população que pode ter dependido da emigração, da guerra, etc., mas depende também do controle da natalidade e muito mais se acentuaria se fossem adoptadas as posições que os senhores defendem. Penso que a este respeito ninguém terá dúvidas.
O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado, o planeamento familiar exige uma liberdade: é a liberdade de os casais terem os filhos que desejarem.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da UDP e do Sr. Deputado António Arnaut, do PS.
Este é que é o ponto, Sr. Deputado. Se houver condições socio-económicas que garantam a um casal ter 5. 6 ou 10 filhos, se o quiser pode tê-los. O planeamento familiar não restringe coisa nenhuma; apenas dá a liberdade de escolha. É um direito que os cidadãos têm.
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquando da apresentação dos projectos de lei n.ºs 307/II, 308/II e 309/II, afirmou-se pretender, a este respeito, «um debate sério, ponderado e profundamente virado para a realidade nacional». Aqui estamos e esse é o nosso objectivo. «Debate sério e ponderado» não significa nunca e não significa certamente para nós, neste caso. posição concordante: «profundamente virado para a realidade nacional» não significa - como me parece verificar-se nos preâmbulos, nos articulados e nas pretensas soluções - a abordagem sentimental e unilateral de questões sérias, ignorando dados incontroversos da ciência que há que ter em conta e menosprezando ou iludindo convicções muito profundas de uma grande parte da população nacional, que é preciso respeitar.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado!
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Pensava que o CDS - que se está a reger tanto pela ciência: ontem falou na ciência, hoje fala na ciência - fosse mais pela Nossa Senhora de Fátima. Pêlos vistos vejo que é um partido que de facto se apoia na ciência.
Ora, isso para mim é agradável de conhecer porque pode pôr-nos numa plataforma de discussão bastante mais importante e que leve a esclarecer melhor todos nós.
O Orador: - Estarei ao dispor do Sr. Deputado Mário Tomé para toda a discussão sobre os pressupostos científicos desta matéria no momento oportuno. Só por
isso agora talvez não tivesse valido a pena estar a interromper-me.
Dizia eu que, pela minha parte, considero indispensável que, por uma vez. tentemos ir ao âmago das questões em vez de complicar aquilo que é simples embora tremendamente exigente - sim ou não? vida ou morte?, por exemplo; em vez de simplificar aquilo que é complexo, tomando como verdade o que não é amostra significativa, ou não passa mesmo de simples ecoar de slogans de propaganda, engenhosos porventura, mas que só servem para o que servem - para procurar vender o seu produto.
Gostaria ainda de me reportar a essa apresentação citando a afirmação de que os 3 projectos de lei «sendo embora 3» ... «panem de um ponto comum - a defesa da maternidade como um acto livre, responsável e consciente e visam consagrar em leis direitos fundamentais dos cidadãos, particularmente das mulheres». De facto, por exemplo, o projecto de lei que hoje fundamentalmente se discute, deveria chamar-se de «prevenção da maternidade», para que o título lhe fosse verdadeiramente ajustado, e não «planeamento familiar».
Não respeitamos menos a mulher, nem a maternidade, do que o PCP. Esse respeito é. aliás, potenciado pela valorização da família em que ambas se integram. O que nos afasta desde logo do PCP é a consideração de que inelutavelmente. a família e a vida familiar sejam para a mulher sinónimo de servidão e de não realização pessoal - realização pessoal que, segundo o PCP só poderia encontrar a mulher na profissão, em outra actividade, e na vida política. Afasta-nos pois do PCP esta abordagem feminista e complexada dos problemas da mulher, afasta-nos a posição que assumimos de que estes fenómenos devem ser abordados no contexto de uma política familiar global que não pode ignorar, de certo, as famílias incompletas.
Assim, os direitos da mulher que representam 100 % das preocupações expressas no projecto de lei n.º 308/II - e nos outros 2 também, é verdade - em boa justiça devem representar 50 % das preocupações e dos direitos numa família sem filhos, digamos um terço quando há l filho, cada vez menos quando há mais. Isto para ficar pela rama das coisas porque, em boa verdade e justiça, da comunidade de preocupações e de direitos e deveres recíprocos acaba por resultar um conjunto importante de preocupações e direitos comuns e menos direitos pessoais para cada qual porque voluntariamente se prescindiu deles, ao mesmo tempo que se contraia um compromisso, a 2. a 3. a mais.
Explicando melhor, a diferença entre as nossas concepções e aquela que, de facto, como se dizia na sua apresentação, subjaz a estes 3 projectos e fenómenos satélites, eu diria que o PCP quando - excepcionalmente ... - fala em qualquer problema ou projecto familiar - em planeamento, neste caso - o faz apenas acessoriamente e está a pensar em família - relação estável ou fortuita, no âmbito de um estado que é o seu modelo de estado e de sociedade. Quando nós falamos em família, estamos a pensar numa instituição, célula fundamental da sociedade e do mundo, que não tem grande coisa que ver directamente com a luta de classes mas que é anterior aos estados. Quando porventura não houver já estados como os entendemos hoje, se houver mundo e homens e mulheres, a família continuará a existir, enquanto que o internacionalismo proletário tenho a impressão de que quando há conflitos armados entre países comunistas, quando há conflitos entre estados comunistas
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e estruturas do proletariado industrial e camponês, o melhor era começar já a deixar de falar dele.
Mas. passando agora ao projecto de planeamento da maternidade, ou de planeamento chamado familiar do PCP - n.º 308/11. uma breve referência ao seu preâmbulo. Começa ele por um slogan porventura bem sonante embora não original (encontra-se em quase todos os livros que tratam desses temas): «O primeiro direito da criança é o direito de ser desejada pelos pais.» É falso. O primeiro direito da criança nascida ou por nascer - já lá iremos - como o primeiro direito de qualquer pessoa, é o direito à vida. Se ainda não há vida. não há sujeito de quaisquer direitos - é óbvio e o PCP concorda com isto até demais: se há vida, o primeiro direito é o de a conservar e ver salvaguardada - se não, não há mais direitos humanos ou da criança. E isto, talvez com um pouco de boa vontade até o PCP apesar dos seus preconceitos, acabe por entender.
Poucas linhas abaixo deste slogan, ou sofisma, apela o PCP para a evolução da ciência e da técnica nesta área do conhecimento, possibilitando - eu diria sublinhando ou clarificando, ou, melhor ainda, exigindo - a garantia dos direitos dos cidadãos. É verdade. O problema aqui está em que o PCP não sabe ou finge não saber nada - e infelizmente o Sr. Deputado Vidigal Amaro não me fez alterar a intervenção neste passo - nada de genética, nem de embriologia, nem de demografia, nem de fisiologia da reprodução, nem de farmacologia, nem sequer de biologia dessa que se estudava já quando eu andava no liceu.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A sabedoria está toda no senhor!
O Orador: - De maneira que, para deduzir consequências desse progresso que não conhece ou finge não conhecer, o PCP está mal - e o resultado vê-se.
Eu sei que falar de genética aos comunistas medianamente informados é lembrar uma questão maldita na União Soviética: o caso Lisenko. Mas como não estamos a falar de cereais, prometo, por mim, que não volto a isso a não ser que me peçam, mas pediria também que, deixando Lisenko de lado. considerem que a genética existe e é uma ciência que evolui com muita rapidez - com tanta rapidez que nos permitiria discutir aqui possibilidades experimentais, por exemplo de indução de partenogénese (e isso é que seria adequado às preocupações escritas no projecto dos Srs. Deputados do PCP - é a hipótese de haver mães sem pai) mas não creio que tenha estado no vosso espírito e a situação está ainda muito longe de se pensar nela, quando se fazem leis. Creio sim que teremos que tocar em alguns desenvolvimentos relativamente recentes não já da genética em si mas da engenharia genética e do seu aproveitamento pela tentação do eugenismo. Aqui os problemas estão mais perto e a tentação de fabricar ou de qualificar raças superiores e raças inferiores, infelizmente, não há meio de desaparecer da fraqueza humana. E sempre como factor de progresso, como sinal de progressismo. evidentemente.
Por outro lado, não compreendo como é que o PCP - ao contrário de tudo quanto se dina requerer a sua coerência doutrinária, esqueceu ou ignorou tudo quanto as ciências da população, designadamente a demografia, têm a ensinar a este respeito, bem como as projecções da evolução das populações no mundo e suas implicações. É muito estranho (ou talvez não seja) que os projectos do PCP contrastem de tal maneira com os dados e discussões presentes no relatório da Conferência Mundial das Nações Unidas sobre a População que teve lugar em Bucareste. de 19 a 30 de Agosto de 1974 - e o Sr. Deputado Vidigal Amaro a este propósito não me respondeu nada - ou os dados mais recentes publicados pela OCDE, este ano.
Desejaria sublinhar que a nossa posição parte de considerações mais extensas e profundas, mas se reporta rigorosamente às disposições constitucionais que nem sequer foram alteradas sensivelmente com a revisão constitucional, isto é. faziam já parte da Constituição antes de revista. Constituição que o PCP tanto ama. defende - mas nem sempre respeita.
Assim, partimos do n.º 1 do actual artigo 24.º (exactamente igual ao antigo artigo 25.º - Direito a vida). n.º I: «a vida humana é inviolável».
Partimos do artigo 67.º e ainda do artigo 68.º que foi com unanimidade saudado, sobretudo por Srs. Deputados de todas as bancadas, por se referir agora não já apenas a «maternidade» mas «maternidade e paternidade» Dispenso-me de reproduzir os preceitos referidos, sei que os projectos do PCP foram apresentados antes da revisão constitucional, mas isso não significa que não recordemos no debate algumas disposições, pois pensamos que há dúvidas consistentes quanto à constitucionalidade de vários pontos destes projectos.
Lembro a alínea f) do n.º 2 do artigo 67.º. segundo o qual «incumbe ao Estado definir, ouvidas as associações representativas das famílias e executar uma política de família com carácter global e integrado». Não vejo que este dispositivo esteja cumprido, nem penso que os projectos do PCP contribuam para ele ou se enquadrem nele. Por outro lado, está o projecto de lei n.º 308/11. do PCP. completamente à margem do que dispõe o artigo 16.º da Constituição no que se refere à educação sexual - o Sr. Deputado Vidigal Amaro também se esqueceu dele -, tendo em conta o disposto na Declaração Universal dos Direitos do Homem, como na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, acerca do direito dos pais a educarem os seus filhos de acordo com as suas convicções religiosas, filosóficas e doutrinárias.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Isto é manifesto no projecto de lei do PCP logo no artigo 1.º. surge de novo no artigo 5.º. no artigo 7.º e pode entender-se no artigo 6.º Não deixa de ser mais uma vez curioso notar que. falando-se em família no título do projecto, a família seja completamente ignorada ou marginalizada de matéria tão importante como a educação, a educação sexual. E que o PCP que tanto tem ultimamente falado - há 6 ou 7 anos não falava - de propaganda quando os órgãos de informação divulgam por exemplo actos do Governo, pretendem não entender assim os programas de planeamento familiar que desejava impor, semanalmente, no artigo S.º do seu projecto de lei.
Ao longo dos seus 10 artigos, precedidas de 13 páginas de preâmbulo, o projecto de lei n.º 308/II, do PCP, é pobre e fácil de criticar. Enferma de confusões entre educação e condicionamento psicológico: é manifesto que confunde libertação com transferência para o estado de decisões pessoais; que confunde publicidade com decisões íntimas; que se apresenta como ignorando elementos fundamentais sobre os mecanismos de acção e a qualificação clara e correcta dos efeitos directos dos métodos que preconiza. Em toda a concepção global do texto e desi-
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gnadamente em cada um dos 10 artigos encontram-se erros, incorrecções, omissões.
Por isso. teríamos sempre que lhe manifestar a nossa oposição. Mas os problemas vão mais longe do que parece e encontramos aqui matéria para reflexão que se refere a princípios também postos em causa pelo projecto de lei n.º 309/II sobre interrupção voluntária da gravidez.
Voltando ao discurso de apresentação da Sr.ª Deputada Zita Seabra. refere criticamente uma decisão do provedor da Misericórdia de Lisboa que distingue entre efeitos contraceptivos e efeitos antinidatórios dos métodos de limitação de natalidade, e chama a isso «espantoso».
Permitam-se Srs. Deputados, que considere inqualificável que alguém apresente um projecto sobre prevenção da maternidade (a gravidez aparece no articulado do projecto quase sempre como se fosse uma doença infecciosa que importa prevenir) e não saiba os efeitos dos meios que para isso pretende que se propagandeiem por todo o país e por todas as escolas.
Os métodos anticoncepcionais evoluíram. Há muita gente que não conhece, a propaganda comercial oculta, o projecto de lei n.º 308/II, do PCP, ignora, e embora não lhe devesse repugnar porquanto apresenta ao mesmo tempo o projecto de lei n.º 309/II, muita gente que sabe não diz quais as características do efeito preventivo da gravidez das substâncias hormonais administradas em comprimidos, ou em injecções de efeito prolongado e dos dispositivos intra-uterinos.
Em princípio, quando Pincus publicou os seus primeiros trabalhos, há uns bons 20 anos, pensou-se que o efeito das combinações hormonais seria o de inibirem a ovulação. Há muito tempo, porém, que se sabe que era a própria metabolização de uma das hormonas administradas que produzia o quadro laboratorial do ciclo sem ovulação, embora a ovulação se desse e continue a dar-se quase sistematicamente, como quando se não tomam essas hormonas. Na realidade quando os ciclos são normais esses produtos actuam de 2 maneiras inter-relacionadas: modificam as características físicas e químicas das secreções do colo uterino - por isso, impedem ou dificultam o contacto e portanto a conjugação das células masculina e feminina - e sobretudo para os injectáveis e para aqueles, ainda pouco divulgados entre nós. de que se toma um comprimento com a acção apenas durante algumas horas ou um comprimento no dia seguinte - ocasionando uma modificação das condições físicas e químicas do endométrico, de maneira a impedir a indicação na parede interna do útero do ovo, isto é da célula resultante da fecundação. Em termos mais claros, não há efeito anticoncepcional: a concepção dá-se, o ovo divide-se, já com diferenciação em embrioblasto e trofoblasto como é normal antes da mdação. e depois é que, encontrando condições criadas para o impedir de se fixar no endométno. é eliminado. Portanto dá-se o aborto.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Ai, Jesus!
O Orador: - Da mesma maneira também os dispositivos intra-uterinos não são anticoncepcionais ou. como poderão parecer, obstáculos mecânicos ao contacto entre células masculina e feminina. Estes dispositivos - e para isso tem importância o metal de que são feitos - imitam as camadas internas do útero, ocasionam um aumento das secreções respectivas, modificando também as suas características físicas e químicas e levando, aliás, quando em aplicação prolongada, à endometriose e à atrofia do endométrio. Em qualquer dos casos, o seu efeito nunca é de impedir que os espermatozóides subam ao longo da cavidade uterina e se encontrem com o óvulo na trompa aonde um deles o poderia fecundar: o efeito é evitar a fixação no endométrio do ovo quando desce para o útero e. alguns dias depois da fecundação, impossibilitar a sua indação e levar ao seu abortamento.
Portanto - e pedindo desculpa desta relativa pormenorização que me parece indispensável -, é necessário reconhecer com todas as suas implicações que. entre os métodos mais divulgados de limitar a natalidade há alguns que têm efeito abortivo, e que. em termos de ética e de direito, devem ser apreciados como tal.
Compatibiliza-se o projecto de lei n.º 308/II, do PCP, com estas constatações da ciência? É evidente que não.
Mas. perguntar-se-á. será razoável pôr o problema assim?
O que me não parece razoável é ocultar as realidades e as verdades que a ciência demonstra.
Teremos, assim, que chegar à pergunta fundamental quando começa a vida humana?
Quando uma criança nasce?
As 12 semanas de gravidez, quando o problema do abono se deve pôr segundo a teoria do PCP? Mas o feto. desde as 8 semanas, tem já todos os seus órgãos na localização definitiva, começa a ossificação. é já possível registar do exterior a actividade electroencefalográgica do seu sistema nervoso central e o seu electrocardiograma. Mais, desde as 8 semanas, com 2.5 em de comprimento, é hoje perfeitamente admissível que. mediante uma placenta artificial, possa separar-se do útero da mãe e desenvolver-se em condições adequadas, artificiais.
Há aqui uma lacuna de informação deplorável. Os clássicos, da moral e do direito, talavam da configuração humana que reconheciam lá para o 4.º ou 5.º mês da gravidez. Mas a verdade é que não tinham microscópio.
Nem é preciso miscroscópio electrónico que. aliás não é nada do outro mundo. Basta um bom microscópio óptico para estudar o que se chama o canotipo. isto é, a composição cromossómica do núcleo celular, que. é sabido, é característica da espécie e contém o código genético de todo o ser - o genotipo.
Como um glóbulo branco de uma gota de sangue humano - que é onde o estudo se faz normalmente - o ovo humano, a célula que resulta da conjugação das células sexuais masculina e feminina (cada qual com 23 cromossomas) tem 23 pares de cromossomas, com a mesma configuração, repito própria da espécie, indiscutível, com o ultimo par de cromossomas sexuais, XX para as mulheres, XV para os homens.
Que mais será necessário para definir a configuração humana e sobretudo, para saber que é um ser humano, com todas as suas potencialidades genotípicas perfeitamente definidas desde a primeira célula, morfológicas, fisiológicas e psicológicas, esperando que a interinfluência com o ambiente determine o que se chama fenotipo.
Então, se a célula é. sem dúvida, humana, resta perguntar se está vivo ou não. Eu gostaria de saber se alguém poderá legitimamente ter dúvidas de que está vivo um ser em que, além da actividade metabólica demonstrável há, evidentemente, multiplicação e diferenciação celular, aliás ao ritmo e com a intensidade com que eles se observam no embrião.
Caberia talvez observar que quando o embrião morre de morte natural ou por acidente, há um aborto expontâneo e não têm lugar os problemas que temos estado a discutir.
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Em suma, que concluímos nós de tudo isto?
Que boa parte dos dispositivos a que corresponderia na prática a aprovação do projecto de lei n.º 308/II, do PCP, vai contra o disposto na nossa Constituição, em todas as declarações internacionais de direitos humanos, contra o que é o princípio indiscutível da moral natural e internacional - a vida humana é inviolável.
O mesmo se aplica, naturalmente, e com maior evidência ao projecto de lei n º 309/II. Por isso votaremos contra um e contra outro.
Permitam-me, a este respeito, citar 2 provérbios tradicionais africanos. «Não se pode tratar este como um filho e aquele como um dejecto». Todos os galos e as galinhas que hoje cantam, ainda ontem eram ovos.
Mas. perguntar-me-ão, não é verdade que há dramas, muitos dramas, relacionados com a gravidez, com o número de filhos, com as condições em que as famílias têm que os criar? É verdade - há alegrias mas também há dramas, esperados ou inesperados. Como todo o aborto é sempre um drama!
E por isso mesmo é que não é lógico aprovar dispositivos legais que venham subtrair as pessoas - as mulheres e os homens - às responsabilidade* inerentes aos seus actos, nem constituir desculpa ou pretexto para que a sociedade e o Estado não tenham verdadeiras políticas familiares, abertas, generosas, complexas e realistas como a vida. que acabem com a discriminação entre as crianças, por serem filhas de ricos ou de pobres, de famílias numerosas ou de famílias sem mais filhos, de pais casados ou de mães solteiras - e de um pai que tem de ser responsabilizado. Essa é que é a proposta lógica aos dramas tão falados acerca destes projectos e a tantos outros que por não terem publicidade, não serão menos pungentes ou menos imperativos.
Aplausos do CDS.
Porque nós acreditamos nos valores positivos da vida: porque acreditamos no destino eterno do homem e da mulher: porque, em si. respeitamos tanto a criança que ainda se não vê como o mais poderoso dos comandantes de exércitos, dos magnates da finança ou dos expoentes da intelectualidade: e porque recusamos o pessimismo, a incoerência e a injustiça de procurar na morte de uns a solução para os outros viverem melhor: porque nos recusamos a caminhar contra o progresso da ciência, neste caso das ciências do homem e da população: porque nos propomos aceitar os desafios da vida: porque acreditamos na importância da família na sociedade: porque somos pela vida e contra a morte - a morte que se vê e a morte que se não vê. por tudo isso. em plena liberdade, em consciência, votamos contra os projectos de lei n.ºs 308/II e 309/II.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Da mesma maneira e reconhecendo embora as diferenças que se assinalam entre a sua concepção e a dos projectos a que me tenho estado a referir, votaremos também contra o projecto de lei n.º 374/II, do PSD. O PSD sabe que consideramos incompatíveis com os nossos princípios sobre esta matéria algumas disposições dos artigos 5.º. 6.º e 11 º e que não podemos aceitar os termos em que são abordadas a inseminação artificial, no artigo 8.º e a esterilização, no artigo 10.º O PSD sabe também que admitimos a possibilidade de - se o seu projecto vier a obter a maioria e a ser discutido e votado na especialidade, como em relação a qualquer outro - virmos a pronunciar-nos a favor dele, em votação final global, se entretanto lhe forem introduzidas as alterações que consideramos indispensáveis para compatibilizar com os nossos princípios e posições.
Aplausos do CDS e dos Srs. Deputados Castro Caldas, do PSD. e Barrilaro Ruas do PPM.
Entretanto, tomaram assento na bancada do Governo o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentarem (Maneio Rebelo de Sousa) e a Sr.ª Subsecretária de Estado Adjunta do Ministro para os Assuntos Parlamentarem (Luisa Antas).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há vários pedidos de esclarecimento dirigidos ao Sr. Deputado Oliveira Dias. Inscreveram-se para o efeito os Srs. Deputados Jaime Ramos, Vidigal Amaro, Mário Tomé, Zita Seabra. Teresa Ambrósio, Carlos Brito, Octávio Cunha e António Arnaut. No entanto, informo que o CDS, e por consequência o Sr. Deputado Oliveira Dias, dispõe apenas de 1 minuto para responder.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Dá-me licença. Sr. Presidente?
É que se, porventura, o Sr. Presidente não for contra o acordo feito na conferência dos grupos parlamentares no sentido de eu poder utilizar 5 minutos do tempo que o meu partido dispõe para o debate de amanhã, procurarei responder, pelo menos, a algumas perguntas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é óbvio que. se existe um acordo nesse sentido, a Mesa não tem nada a opor.
Tem, em primeiro lugar, a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos, para pedir esclarecimentos.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - O Sr. Deputado Oliveira Dias fez uma intervenção tecnicamente muito bem elaborada, partindo do princípio que toda a gente reconhece de que a vida começa no acto da fecundação. Isto é. no momento em que o espermatozóide se junta com o óvulo da mulher forma-se o ovo e a partir daí há uma mensagem cromossómica, uma mensagem genética, começou a vida.
Depois o Sr. Deputado - e muito bem - disse que vários métodos anticoncepcionais, nomeadamente aquilo que vulgarmente se designa por pílula, o dispositivo intra-uterino e os métodos hormonais injectáveis tais como a injecção mensal ou trimestral ou a pílula do dia seguinte, têm, na sua forma de actuação, uma actividade antinidatória e que por isso eles eram. de alguma maneira, abortivos.
E. continuando a citar a sua intervenção que, repito, considero ser tecnicamente muito bem elaborada e correcta, V. Ex.ª disse que esses métodos eram abortivos porque depois de haver vida o que se proíbe é que o ovos se agarre às paredes do útero e possa crescer e continuar essa vida.
Ora, a minha pergunta é muito simples: já que esses métodos têm uma actividade antinidatória, e são grosso modo abortivos, se as mulheres que utilizam a pílula ou outros métodos anticoncepcionais, se os milhares de médicos que os receitam, se o Estado que os fornece nas suas consultas, que os aplica, que os aconselha, que permite a sua utilização, não estaremos todos a praticar.
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com esse acto. o abono e não se estará a incorrer no crime previsto no Código Penal que dá direito a 8 anos de prisão e portanto todas as mulheres que utilizam a pílula em Portugal não teriam de ser presas?
E se for essa realmente a sua opinião - e foi isso que deduzi da sua intervenção - pergunto se vamos ter a coragem de proibir a pílula e o DIU, obrigar a que as mulheres para tomarem a pílula ou o DIU vão ao estrangeiro, obrigá-las a traze-lo na clandestinidade ou então a enviá-las para a prisão de acordo com o Código Penal.
Aplausos do PS, da UEDS e de alçam deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr Deputado Vidigal Amaro.
O Sr Vidigal Amaro (PCP): - Pretendo apenas fazer 3 ou 4 ligeiras observações quanto à intervenção do Sr. Deputado Oliveira Dias.
A primeira diz respeito à referência que fez ao nosso projecto de lei. chamando-o de «prevenção da maternidade. E que ou o Sr. Deputado não leu o projecto ou então, se o leu. sabe perfeitamente que ao planear a família - e no nosso projecto isso está bem esclarecido - não se foca apenas o problema da contracepção.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Planear a família diz igualmente respeito - e o nosso projecto consagra-o - às consultas que são criadas também para tratar o problema da esterilidade ou infertilidade Ora. isso não é apenas contracepção, mas precisamente o contrário: é encarar o outro problema do planeamento familiar, não é igual a contracepção.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Isso é um dos aspectos que está perfeitamente estabelecido em todo o mundo e, depois dessa brilhante intervenção do Sr. Deputado Oliveira Dias que nos falou de embriologia e de genética, devo dizer que desconhecei o que e o planeamento familiar, que todos os portugueses conhecem, e que me parece ser extremamente grave.
Vozes e aplausos do PCP.
Ainda em relação ao problema a que se referiu da demagogia e da Conferência Mundial da População da ONU realizada em 1974, em Bucareste o que interessa. Sr. Deputado Oliveira Dias. é ler a conclusão. Tenho o texto aqui comigo e o que interessa é a conclusão porque ela é que foi aprovada e não o que cada um dos deputados disse. Mas eu vou passar a ler para todos tomarem dela conhecimento: «Foi aprovado um plano do qual consta que todos os casais e todos os indivíduos têm o direito fundamental de decidir livremente e em plena responsabilidade o número dos seus filhos e o espaçamento do seu nascimento.
O Sr Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ...de ter acesso suficiente à instrução e à informação sobre estas questões, bem como de beneficiar de serviços adequados para o efeito.
Vozes do PCP: - Minto bem!
O Orador: - Recomenda-se que. no exercício desse direito, os casais e os indivíduos tenham em conta as necessidades dos seus filhos vivos e vindouros e as suas responsabilidades em relação à comunidade.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Estas é que são as resoluções, Sr. Deputado Oliveira Dias.
Aplausos do PCP e de algum, deputado, do PS.
Quanto ao problema que levantou da constitucionalidade do nosso diploma - o projecto de lei n º 308/II -, o Sr Deputado Oliveira Dias fé uma grande intervenção sobre este aspecto, mas devo dizer-lhe que com certeza não conhece o parecer da Procuradoria-Geral da República. Foi pedido pelo Sr. Ministro da Justiça o parecer de constitucionalidade da Procuradoria-Geral da República que foi no sentido de dizer que o diploma é constitucional.
De maneira que é escusado tantas considerações, quando já há um parecer da Procuradoria-Geral da República que o considera constitucional. Está aqui.
Quanto a um outro problema que V. Ex.ª apresenta, devo dizer que até parece que não é médico E que o Sr. Deputado coloca nos dois 2 pratos da balança a questão de saber se é melhor para a saúde da mulher fazer planeamento familiar ou. não o fazendo, o número de gravidezes que essa mulher há-de ler.
Está demonstrado, vem até em todas as revistas, que falam sobre planeamento familiar ou sobre o problema da fertilidade das mulheres, o risco que as mesmas correm a partir de determinadas suavidezes. Tudo isso está já esclarecido. É muito mais grave pura a saúde da mulher ter gravidezes sucessivas, não espaçadas, quer para a mortalidade materna quer infantil, do que o uso da pílula ou de outro método anticoncepcional.
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns deputados do PS.
Pretendo dizer apenas uma terceira palavra quanto ao conceito de vida. Todos ficamos cientes que o Sr. Deputado Oliveira Dias tem um conceito de vida que neste momento se discute em iodo o mundo E toma-o como um dogma, como uma coisa verdadeira.
Sr Deputado Oliveira Dias. sabe-se perfeitamente que em todo o mundo se discute quando é que começa a vida. V Ex.ª tem para si a única razão verdadeira Ora, isso não pode ser encarado dessa fornia. Quanto a esse problema de quando começa a vida, inclusivamente, ha quem pergunte. É no espermatozóide! É no óvulo! Ou antes? Ou depois? Quando?
Esse é um problema cuja discussão se arrasta há muito tempo em todo o mundo.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da UDP e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Oliveira Dias, ouvi a sua intervenção e em primeiro lugar, quero dizer-lhe o seguinte, a ciência não e neutra e a intervenção de agora do Sr Deputado Vidigal Amaro demonstrou-o.
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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Que grande cientista!
O Orador: - As investigações científicas e uma determinada orientação da ciência podem ser utilizadas de determinada forma por V. Ex.ª e podem ter uma outra interpretação totalmente diferente quando são apreciada noutras perspectivas.
De qualquer maneira, em relação à genética, só gostaria que V. Ex.ª olhasse para os seus amigos da África do Sul.
Risos do Sr. Deputado Oliveira Dias.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Só conhece a África do Sul!
O Orador: - Um outro aspecto que me deixou perplexo é o de que, sendo V. Ex.ª um defensor do personalismo, da liberdade individual, e afirmando-se como tal, queira - e vejo que agora isso é moda no CDS - a partir de questões de ordem demográfica e em nome do impedimento do envelhecimento da nossa sociedade, impor à população portuguesa, nomeadamente às pessoas que não podem ter mais filhos pois não podem sustentá-los, às pessoas que não querem ter mais filhos, que tenham filhos, negar-lhes o acesso ao planeamento familiar e ao conhecimento.
A liberdade para V. Ex.ª não é aquilo que de facto é a liberdade. A liberdade está ligada ao conhecimento da necessidade, está ligada à consciência daquilo que se faz e que se tem de fazer, está ligada ao conhecimento efectivo de tudo o que nos rodeia e daquilo que queremos ou não fazer.
Ora, V. Ex.ª quer sonegar o direito às pessoas de se informarem, de estarem devidamente esclarecidas para então serem livres em toda a plenitude do termo. Isso é claro, na medida em que V. Ex.ª e o seu grupo parlamentar, bem como toda a AD, apoiarem a proibição de os jovens terem acesso ao planeamento familiar e lutarem para que se acabasse com a educação sexual nas escolas.
Isto demonstra qual é o conceito que têm de liberdade.
Vozes do PCP e do Sr. Deputado César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para o mesmo efeito, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - O Sr. Deputado Oliveira Dias veio aqui invocar a ciência para fazer o mais anticientífico dos discursos que esta Câmara vai certamente ouvir. Veio aqui. em nome da ciência, contestar exactamente aquilo que esta trouxe à vida da mulher, à vida dos casais e à vida da família...
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e de alguns deputados do PS.
... e até, Sr. Deputado, à vida das crianças, pois tudo aquilo que a ciência trouxe neste século permite hoje que os casais, as famílias e as crianças encarem o seu futuro com felicidade.
É que antes da ciência fazer este progresso e permitir que os casais pudessem ter acesso aos métodos de planeamento familiar, era a natureza que fazia esse planeamento e as crianças ao nascer morriam ou de fome, ou de tuberculose, ou com rubéola, ou de sarampo, ou por carências económicas, enfim, morriam num planeamento natural de que a própria natureza se encarregava.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Mas a ciência evoluiu, Sr. Deputado. Aplausos do PCP.
A ciência evoluiu e permitiu que hoje a vida da criança seja salvaguardada exactamente a partir desse avanço da ciência e particularmente, da medicina durante este século.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O que é que isso tem a ver com o aborto?
A Oradora: - Mas agora vir invocar a ciência para restringir direitos fundamentais dos cidadãos que a ciência nos colocou nas mãos é extremamente grave. Sr. Deputado. Porque uma das coisas mais espantosas que neste século a ciência trouxe foi exactamente a possibilidade de os casais poderem planificar o número de filhos que desejam, de as crianças nascerem felizes e de a maternidade não ser mais uma fatalidade.
Num debate em que participei numa empresa da margem sul, a Setenave, dizia uma operária: «Quando eu nasci éramos 14 lá em casa. Cada vez que nascia mais um, a minha mãe dizia tristemente se ele for doente e não morrer é uma sorte'.» Era assim, Sr. Deputado, porque a sardinha que aquelas crianças comiam tinha de ser dividida por mais uma boca.
É este o conceito de maternidade que os Srs. Deputados querem defender?
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
A Oradora: - Quanto à questão da vida. terei oportunidade de lhe responder amanhã quando começa a vida, mas lembro-lhe que foi em nome dessa pretensa ciência que Galileu foi condenado.
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UEDS e de alguns deputados do PS.
Foi nessa altura que. em nome da ciência, se pretendeu que se obrigasse a determinar que era o sol que andava à volta da terra.
A sua ciência, a que aqui trouxe, está a esse nível ainda hoje, apesar de estarmos em pleno século XX.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Em relação ao nosso conceito de família, porque também estamos a falar de família, gostaria de lhe dizer que é o conceito constitucional. E vamos ser sérios e honestos e discutir seriamente os assuntos. Sr. Deputado Oliveira Dias: quando aqui, há uns anos. debatemos, aquando da alteração ao Código de Família, a Lei do Divórcio, os deputados do CDS deitaram as mãos à cabeça e disseram: «Ai, Jesus, que estão a dar cabo da família, estão a liquidá-la!», mas o que é certo é que aqueles Srs. Deputados do CDS que aqui falaram contra isso, passados dias. estavam divorciados.
Foram os primeiros a utilizar a lei.
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP, de alguns deputados do PS e do Sr. Deputado Amadeu dos Santos, do PSD.
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O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Zita Seabra, terminou o seu tempo, pelo que lhe peço o favor de concluir.
A Oradora: - Com certeza, Sr. Presidente. Peco-lhe que desconte no tempo do meu partido.
Quero colocar-lhe mais duas questões, Sr. Deputado Oliveira Dias. Primeiro, veio V. Ex.ª invocar os exemplos dos outros países, dizendo que o nosso projecto de lei em relação ao planeamento familiar ia generalizar o abono, com a pílula, com os métodos antinidatórios, e de, que tudo isso é condenável, é contra a vida, é absolutamente inacreditável, é criminoso, é anticientífico.
Então aí na Europa está tudo anticientífico, são todos criminosos? Aí pelo mundo está tudo anticientífico, são todos criminosos? As assembleias desses países todos são todas anticientíficas e criminosas? O Sr. Deputado é capaz de me dizer quais são os países do mundo - e eu posso dizer-lhe porque tenho aqui elementos - em que a teoria do CDS é lei. onde os seus conceitos de planeamento familiar estão consagrados em lei?
Porque, ao criar-se o direito dos casais e a obrigação do Estado - que está hoje consagrada na Constituição - de dar e de garantir o planeamento familiar, não se obriga ninguém a seguir nenhum método, não se obriga ninguém a fazer planeamento familiar. Se os deputados do CDS não quiserem não o façam. Ninguém é obrigado a seguir nada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - O que se dá é o direito aqueles que querem dele usufruir e que consideram que a maternidade não é um acto casual nem é uma fatalidade biológica, mas uma séria responsabilidade e é uma fonte de felicidade, dá-se a possibilidade de esses usufruírem desse direito. É isso que se pretende com o nosso projecto de lei.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Agora, acha o Sr. Deputado Oliveira Dias - e é esta a pergunta que lhe quero fazer - que, em nome de interesses demográficos do nosso país, que nos preocupam também, se pode coarctar as liberdades da mulher e do casal de decidirem o número de filhos que deseja ter? Julga o Sr. Deputado que, em nome de interesses demográficos, se pode ir contra o direito que nós temos de decidir o número de filhos que desejamos ter? E quer consagrar isso na lei?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Onde é que está o personalismo do CDS?!
A Oradora: - A última questão que gostaria de lhe colocar é a seguinte: disse o Sr. Deputado que vão votar contra o projecto de lei do PCP e também contra o projecto de lei do PSD, que encontrava entre os 2 algumas diferenças e considerou as do PSD positivas. Ora, há duas diferenças fundamentais entre o projecto de lei do PSD e do PCP.
A primeira diz respeito à liberalização da esterilização. Eu, pessoalmente, e o meu grupo parlamentar, temos uma opinião contrária ao artigo e à forma como está preceituado no projecto de lei do PSD a questão da esterilização. Consideramos grave que se liberalize a esterilização a pedido da mulher, e só da mulher, aos 25 anos de idade, porque, como sabe, - ou melhor, já não sei se sabe porque o Sr. Deputado invocou a ciência para cada coisa, mas é capaz de saber - a esterilização é hoje considerada ainda, do ponto de vista técnico, como algo de irreversível. Por isso julgo que é extremamente grave que fique pura e simplesmente, consagrado na lei que aos 25 anos haja o direito de esterilização da mulher ou do homem, tanto mais que não é seguro e certo que isso não seja irreversível.
Qual é, pois, a posição do CDS sobre esta diferença muito concreta?
A segunda questão é a da inseminação artificial, que é também a segunda grande diferença entre o projecto de lei do PCP e o do PSD.
Terminava dizendo que amanhã, quando do debate sobre o aborto, teremos a oportunidade de responder à questão da vida e teremos também a oportunidade de responder à questão da ciência e da invocação daqueles que são exactamente contra o progresso da ciência, que a impedem e que a limitam. Estão a procurar servir-se da ciência não para que, do ponto de vista legislativo, possamos vir a aproveitar aquilo que a ciência nos traz para melhorar as condições de vida e de felicidade da mulher, do casal e das famílias mas, pelo contrário, para. a partir daí, imporem as suas mais retrógradas e mais anticientíficas concepções e nos coarctarem nos direitos mais fundamentais e nas liberdades que hoje, felizmente, temos consagradas na Constituição, porque aí o CDS foi completamente derrotado.
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio.
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Deputado Oliveira Dias, V. Ex.ª com a sua intervenção demonstrou ser um homem dividido e triste - aliás, não pode ser dividido um homem que vê assim tão tristemente a vida e tão angustiadamente.
Gostaria de lhe fazer algumas perguntas que são 4 e são simples.
Em primeiro lugar, pergunto: se realmente o Sr. Deputado e o CDS estão tão conscientes de todo o rol perigoso e mortífero de todos os métodos anticoncepcionais, como é que não tiveram a responsabilidade de, ao fazer a revisão constitucional, no artigo 67.º, alínea d), se oporem determinantemente à cláusula que aqui está consagrada e que diz precisamente: «Promover, pelos meios necessários, a divulgação dos métodos de planeamento familiar...» - e fala-se nos métodos de planeamento familiar sem qualquer restrição - «... e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma paternidade consciente»?
Que grave responsabilidade a do CDS que vê a morte de todas as mulheres que utilizam meios anticonceptivos tão abertamente em frente dos seus olhos e que nada fez para se opor a esta revisão constitucional.
A segunda pergunta que lhe queria fazer é a seguinte: perante esse rol de grandes enfermidades que V. Ex.ª vê tão cientificamente em todos os métodos anticoncepcionais, como é que não vê também, científica e medicamente, os resultados daquilo que V. Ex.ª defende que são os métodos naturais do planeamento familiar? Como é que não reconhece os graves desequilíbrios psicológicos e fisiológicos que os métodos naturais defendidos por V. Ex.ª para a limitação ou espaçamento da natalidade ocasionam nas famílias e particularmente nas mulheres?
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V. Ex.ª não reconhece também esses graves perigos de desequilíbrio fisiológico e psicológico? Porque a saúde para uma mulher não é apenas fisiológica, é psicológica, é o bem-estar. é a alegria!
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e da Sr.ª Deputada Natália Carreira, do PSD.
Percebemos nesta altura, Sr. Deputado Oliveira Dias, que. na verdade, a nossa bancada veja a mulher apenas como procriadora e mais nada.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
A Oradora: - A terceira questão é a seguinte: V. Ex.ª defende, e eu respeito a sua opinião, que a vida começa no acto conceptivo ou, pelo menos, na união do espermatozóide e do óvulo. Então pergunto-lhe, pois foi uma coisa que sempre me espantou: como é que um aborto espontâneo, um feto. portanto, não tem enterro religioso. Será que a vida que esse feto em princípio tinha não e considerada pela própria Igreja para se lhe poder dar honras de enterro religioso como um nado-morto?
Vozes do PS, PCP e da UEDS: - Muito bem!
A Oradora: - Quarta questão: V. Ex.ª defendeu - e eu sublinho-o - a responsabilidade dos pais na maternidade. Aliás, vem precisamente da vossa bancada, através do Sr. Ministro Freitas do Amaral, a defesa de que o pai tem também de ser incriminado quando há prática do aborto. Está certo. Sr. Deputado. Pois então eu gostaria que o CDS apresentasse medidas em que realmente fizesse responsabilizar o pai por uma maternidade não desejada. Que medidas propõe o CDS nesse sentido?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Nesta altura, muitas das perguntas que havia a fazer ao Sr. Deputado Oliveira Dias estão feitas.
Em todo o caso. Sr. Deputado, gostava de lhe significar que esta é uma Assembleia política e que as decisões que aqui (ornamos assentam nesta natureza de Assembleia política, que é a Assembleia da República. Naturalmente que as decisões políticas têm de ter suporte na ciência e na técnica. O Sr. Deputado abusou da sua qualidade de médico para induzir a Assembleia a conclusões que a ciência, de maneira nenhuma, lhe consente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Creio que, politicamente, isto não é correcto e que eticamente também o não e.
Não sou médico, na minha bancada estão a intervir deputados que também o não são. intervindo também deputados que o são, mas todos nós temos uma certa informação acerca da maneira como estas questões são hoje abordadas em diferentes países do mundo. Por isso mesmo estamos aqui, e estamos aqui numa atitude responsável.
A injustiça. Sr. Deputado Oliveira Dias. manifesta-se de muitas formas e muitas vezes invocando a ciência. Creio que foi o que o Sr. Deputado fez.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Como muitas perguntas já foram feitas. queria apenas fazer uma pergunta final, muito precisa e muito concreta: depois de o ouvir fiquei com a convicção de que o Sr. Deputado não está só contra os nossos projectos, e também contra o projecto do PSD em matéria de planeamento familiar, mas contra toda a legislação nesta matéria - planeamento familiar e educação sexual. Será assim? O CDS é contra toda e qualquer legislação nesta matéria?
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.
O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Dr. Oliveira Dias, V. Ex.ª trouxe-nos aqui um discurso embrulhado num pretensioso rigor científico, um discurso medieval...
Protestos do CDS.
V. Ex.ª trouxe-nos aqui o discurso de Pio XII que calava o genocídio dos judeus, em oposição ao discurso do Papa João.
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª trouxe-nos aqui o discurso do Cardeal Spellman, que mandava matar os vietnamitas, em oposição ao discurso de D. Helder que no Brasil trata dos pobres e dos pobres e dos esfomeados e propõe a vida.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
Ao ouvi-lo, autorizo-me até, embora seja um homem que não crê em Deus mas que acredita nos homens, dizer-lhe que V. Ex.ª trouxe aqui o discurso da intolerância que se opõe à intolerância de Cristo.
Vozes da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!
O Sr. Américo de Sá (CDS): - Que religioso!
O Orador: - O seu discurso é um discurso velho. O Sr. Deputado já não é deste tempo! E não basta embrulhar as coisas velhas de cientifismo para elas se tomarem verdadeiras.
Vozes da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!
O Orador: - Cito-lhe apenas algumas declarações ou posições da Igreja em relação a estes problemas. E ceder-lhe-ei toda a bibliografia, dado o Sr. Deputado ter um rigor científico que o leva a precisar dela.
6 bispos belgas assinaram um documento aceitando a possibilidade da interrupção voluntária da gravidez quando a vida da mãe corre perigo.
O Padre Liégé. membro da comissão que estudou em França a proposta de lei relativa à interrupção voluntária da gravidez, reitor da Faculdade de Teologia do Instituto de Paris e membro da Congregação para a Fé do Vaticano, ex-Santo Ofício, admite claramente a interrupção voluntária da gravidez em determinadas circunstâncias.
Isto, evidentemente, é bem mais grave - parece-me - do que tomar a pílula, pelo menos no conceito da maioria desta Assembleia e parece que não no seu.
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É evidente que poderia continuar a citar-lhe exemplos. E vou ler-lhe mais uma passagem sobre outro aspecto que o preocupa muito, do Prof. Robert Debré, da Academia Nacional de Medicina Francesa:
«Acabámos de dizer que, no que diz respeito ao aborto, não se trata de saber em que fase de desenvolvimento é permitido ou não matar. Estamos longe da Idade Média, onde ainda as pessoas se perguntavam em que momento é que o embrião tinha alma.
Nessa altura, pensava-se que para os embriões do sexo masculino a alma vinha aos 40 dias depois da fecundação, para as raparigas aos 80...»
Risos
E o Prof. Debré continua a dizer que. de facto, mesmo hoje estamos longe de saber responder de uma maneira definitiva a todas estas questões. E lembro ao Sr. Deputado Oliveira Dias que o sistema nervoso central de uma criança só está perfeitamente definido por volta dos 6 anos de idade, e mesmo aí ainda há um processo de evolução que vai passar-se.
Em relação a um outro aspecto que aqui também foi levantado, queria lembrar-lhe que. efectivamente, sobre o problema da vida e sobre o problema de saber em que momento é que a Igreja considera que há vida - é evidente que a Igreja e toda a gente consideram que há vida a partir da fecundação do óvulo -, é um facto que, paradoxalmente, o feto que nasce prematuramente, antes das 28 semanas de gestação, não é considerado como um cidadão com todos os seus direitos e não é baptizado pela Igreja.
Há um outro problema que também preocupa muito o Sr. Deputado que é o problema da demografia. Vou pois citar-lhe o que diz Maitre Anne Maríe Dourlen-Rollier da Associação Nacional para o Estudo do Aborto e que também foi membro da comissão que estudou, em França, o projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez:
«O que é que se passa na Europa no que diz respeito à natalidade? Constou-se, depois do boom que se seguiu à II Guerra Mundial, uma baixa ligeira em todos os países. Não é um fenómeno particular à França.
A taxa de natalidade na Europa Ocidental varia entre 14,5/1000. Na Bélgica...» -e lembro ao Sr. Deputado que a Bélgica e a Irlanda são os 2 únicos países da Europa que têm uma legislação repressiva, além de nós, em relação à interrupção voluntária da gravidez - «... apesar de haver uma legislação repressiva, a taxa de natalidade é precisamente igual à taxa de natalidade na Suécia onde há muitos anos não há legislação repressiva, pelo contrário, em relação aos meios de contracepção e à interrupção voluntária da gravidez.»
Em Portugal, nesta altura, a taxa de natalidade é de 20.5/1000: na Itália e na Grécia é de 17/1000 e 18,2/1000 respectivamente, taxa esta muito próxima às da Grã-Bretanha e da Suíça e ligeiramente inferior à da Holanda que é de 18,6/1000.
Quero mostrar com estes números que os países que conservaram uma legislação muito restrita em matéria de interrupção voluntária da gravidez e de contracepção vêem igualmente as suas taxas de natalidade diminuir, enquanto que nos países em que esta legislação vigora ou em que há uma prática mais liberal, mantêm-se taxas de natalidade idênticas.
É evidente que os senhores me vão responder com os problemas que se passaram na Roménia e na Hungria.
Mas sabe-se o que se passou nesses países! E essa é a causa principal do nosso apoio ao projecto de lei que o Partido Comunista apresenta e é a nossa razão ao apoiar o projecto de lei que o Partido Social Democrata apresenta sobre a contracepção.
Se se verificou o problema que veio a notar-se depois da introdução da lei que liberalizava a interrupção voluntária da gravidez na Hungria e na Roménia, isto deveu-se apenas a um facto: é que esta lei não foi acompanhada de uma outra que devia prever, que devia informar, que devia, digamos, criar a ligação entre a protecção à maternidade e a situação pior que é a interrupção voluntária da gravidez, ligação essa que é o planeamento familiar.
Pura e simplesmente, não foi feito planeamento familiar nem na Hungria, nem na Roménia depois da introdução da lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, o que evidentemente levou a um aumento dos problemas de que os senhores se servem como argumento neste campo.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Arnaut.
O Sr. António Arnaut (PS): - Sr. Deputado Oliveira Dias, a sua intervenção, pretensamente estribada em elementos de carácter científico, está, no meu entender - salvo o devido respeito -, profundamente eivada, de uma concepção ultrapassada da moral cristã.
Naturalmente que V. Ex.ª invoca essa moral sendo, como é, militante de um partido confessional.
Uma voz do CDS: - Não é confessional. Está enganado!
O Orador: - E eu não vejo hoje na Europa, mesmo em nome dessa moral, tomarem-se posições tão ultramontarias como V. Ex.ª tomou.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Mesmo países católicos da Europa têm como sabemos, legislado no sentido da despenalização do aborto e mesmo até alguns responsáveis governamentais - como é o caso da França - tomaram essa iniciativa. Na Europa, só a Irlanda e a Espanha é que têm ainda uma legislação repressiva do aborto.
Mas, enquanto V. Ex.ª falava em nome dessa moral, eu lembrei-me que a Igreja Católica, durante séculos, mandou para as fogueiras da Inquisição milhares e milhares de pessoas, certamente numa concepção especial do direito à vida e do princípio da inviolabilidade da vida...! Enquanto V. Ex.ª falava, nos 20 minutos que levou a sua intervenção, morreram no mundo 500 crianças vítimas da fome porque, como sabe, todos os dias, cada dia que passa, morrem mais de 40 000 crianças vítimas da fome.
Eu gostaria, pois, de saber se V. Ex.ª, na sua concepção pretensamente moral, condena com a mesma indignação as circunstâncias de opressão, de miséria e de ignomínia, de desigualdade e de injustiça social que permitem que morram por dia cerca de 40 000 crianças, que ainda morram em Portugal - e certamente morreram enquanto V. Ex.ª falava - pessoas e crianças por falta de assistência médica.
V. Ex.ª não vai com certeza fulminar-me por eu ser um apóstata ou um herege porque eu, com o meu espírito de tolerância, não o quero neste momento acusar de ser
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um reaccionário. Mas terá de responder-me concretamente a esta matéria.
Ainda um outro ponto: como V. Ex.ª sabe, há em todas as legislações o instituto da legítima defesa - e mesmo o próprio direito natural que não apenas o direito positivo -, que admite que em certos casos, naturalmente limitados, é lícito tirar uma vida para salvar outra.
No caso do aborto, V. Ex.ª não admite, nem ao menos num caso extremo, a necessidade, com certeza em condições especiais - porque eu sou a favor do aborto, mas do aborto em casos específicos -, em que está em causa a vida da mãe de se poder proceder à interrupção voluntária da gravidez para se salvar essa vida?
É em relação a estes pontos concretos que me permitia solicitar a V. EX.ª uma resposta igualmente clara e concreta.
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Calhordas.
O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - Sr. Deputado Oliveira Dias e meu excelentíssimo colega, vou ser breve até porque muito do que tinha pensado dizer-lhe já foi dito.
No entanto, não posso deixar de lhe dizer que o Sr. Deputado Oliveira Dias trouxe para a abordagem deste assunto uma pretensa discussão científica.
Peço desculpa pela palavra «pretensa» porque, de facto, estamos nesta Assembleia a discutir assuntos que, entre médicos, teriam outro teor e outra forma de discussão.
E faço esta afirmação dizendo-lhe o seguinte: ouvi atentamente a sua exposição, compreendi não totalmente alguma pane porque não sou especialista de genética, mas, tal como V. Ex.ª, sou formado em Medicina pelo que entendi o suficiente do que quis dizer.
No fundo, estamos a falar de métodos de contracepção, de planeamento familiar que, como todos os métodos em medicina, como todos os métodos científicos, têm indicações e contra-indicações.
Para simplificar, direi que é do conhecimento de nós, médicos, e de muitos que o não são, que, por exemplo, um simples comprimido de aspirina pode provocar uma hemorragia gástrica, uma hemorragia digestiva, e matar ou pôr em sério risco o doente. Todavia a aspirina toma-se largamente.
Quando o Sr. Deputado traz para aqui uma descrição pormenorizada da acção de determinados métodos contraceptivos desloca completamente a discussão deste problema.
Não quero dizer que o tivesse feito intencionalmente, mas é bom que esta Assembleia o reponha no seu devido lugar e denuncie abertamente este facto.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e da UEDS.
Para terminar, recordo um facto passado comigo, quando eu era ainda um jovem interno iniciando a minha carreira hospitalar, facto que me marcou profundamente e que espero não volte a acontecer a nenhum dos meus jovens colegas que iniciam a sua vida hospitalar.
Quando um dia ouvia a história de um doente - um camponês - que se encontrava na cama de um hospital, perguntei-lhe, como é habitual, quantos filhos tinha, como era a sua família. E ele disse-me: «A minha mulher teve 14 filhos, mas agora só tenho S porque isto de filhos morre muito.»
É preciso que isto se não volte a ouvir!
Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PCP, da UEDS e da deputada Natália Correia, do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Oliveira Dias, não ponho, de forma nenhuma, em causa a sinceridade das opiniões que exprimiu.
Simplesmente a questão que se me põe em relação a essas opiniões é a seguinte: em que medida é que as opiniões de V. Ex.ª, por mais respeitáveis que sejam, se devem tornar regra geral universal de vida, se devem transformar em instituto penal tutelado com penas criminais pelo Estado?
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É isso mesmo!
O Orador: - Esta é a questão fundamental.
Não vou discutir um único dos pontos que V. Ex.ª tratou. No plano científico, não tenho nenhuma capacidade para os discutir, embora os conheça com a superficialidade que me dá a minha formação essencialmente jurídica.
A única questão é esta: ninguém obriga - e seria uma violência intolerável se assim fosse - à contracepção. O que se dá é o direito à contracepção!
Ninguém obriga ao divórcio! O que se dá é o direito ao divórcio!
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Ninguém obrigará à interrupção voluntária da gravidez! O que se dá. em certos casos, é a capacidade do exercício desse direito!
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Com que à-vontade é que eu poderia impor as minhas próprias convicções e dizer: o Estado deve punir criminalmente aqueles que em determinados momentos não pensam como nós?
Este é um ponto da sua intervenção que me merece crítica!
Vozes do PS, do PCP e da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Um outro ponto da intervenção do Sr. Deputado que me merece crítica - e aí já falo com alguma autoridade - é o seguinte: posso assegurar-lhe a si e à Câmara que entre dizer certas coisas e fazê-las vai um passo muito longínquo.
A minha actividade nos tribunais e o conhecimento que tenho da maneira como se exerce a justiça em Portugal leva-me a dizer-lhe com franqueza que nesses aspectos, que não noutros, antes e depois do 25 de Abril, os nosso tribunais, que conhecem bem a realidade, são, de um modo geral - há excepções, e más excepções - bons e compassivos.
E a proibição da interrupção voluntária da gravidez ou a proibição de métodos anticoncepcionais seria uma lei que desprestigiaria o Estado porque este não conseguia fazê-la cumprir.
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Todas as pessoas, todos os juizes, encontrarão na sua própria consciência, e postos perante as realidades brutais da vida, toda a compaixão e misericórdia para evitar punir uma pobre mulher que, por razões económicas, teve de abonar.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - E não só por essas razões!
O Orador: - Enfim, gostava de chamar-lhe a atenção para 2 coisas. É que quando os Estados entram neste tipo de penalizações isso leva-os a caminhos muito perigosos e perfeitamente terríveis.
Se a interrupção voluntária da gravidez é um crime tão horrendo que se compara ao vulgar assassinato - quero dizer que faço perfeita justiça a V. Ex.ª porque sei que não é essa a sua opinião - então nós temos 2 exemplos históricos.
Um, é o exemplo do Marechal Pétain que. em 1941, condenou à guilhotina e fez executar 2 mulheres que tinham cometido o abono: uma era pobre - pobre em todos os aspectos - parteira que o fazia por solidariedade humana e por uma pequenina retribuição em dinheiro e que na hora da guilhotina deu este grito horrível: «Mas porquê? Só se tratava de uns simples gérmenes!»
O caso da outra mulher foi do mesmo estilo mas cujos contornos não conheço!
Hitler condenava também à morte quem tivesse cometido o abono! E em nome de quê, Sr. Deputado? Em nome da defesa da família!
Mas em nome da defesa da família seria necessário, para que houvesse coerência em muitas das vossas posições, 2 coisas: primeiro, é que defender a vida e defender a família significa pôr no mesmo plano os filhos legítimos e os filhos ilegítimos.
Ora. Sr. Deputado não digo que V. Ex.ª o faça porque não conheço a sua posição sobre a matéria, mas muitas de VV. Ex.ªs, muito do vosso eleitorado, condenaram em termos acerbos, aqui na Assembleia da República, a lei que deu os mesmos direitos aos filhos legítimos e aos filhos ilegítimos.
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, o problema fundamental seria o tratamento que muitos dos senhores - não digo o Sr. Deputado porque nunca discuti esse assunto consigo - referem-se às mães solteiras, como acontece em alguns pasquins, em alguns jornais, como se de autênticas prostitutas se tratassem.
Não pode ser assim, Sr. Deputado! Não se pode defender o direito à vida para criar uma moral e depois condenar-se essa mesma moral na prática quotidiana.
Não podemos impor as nossas próprias convicções e, pior do que isso, pedir ao Estado que exerça aquele seu poder punitivo em relação àqueles que não pensam como nós.
E é por isso que, tendo definido até ao fim no meu grupo parlamentar a liberdade de voto em relação a esta matéria, nunca tive dúvida nenhuma, em obediência aos princípios da tolerância que perfilho e àqueles que penso nos deverem unir. em votar a favor de todos estes projectos de lei.
Quem quiser atirar a primeira pedra da intolerância que o faça quando quiser ou quando entender.
Há uma certeza para nós socialistas: é que a manter-se a actual lei, para além de tudo, será um desprestígio para o Estado, porque ela não vai ser cumprida. E não vai ser cumprida da por forma: na clandestinidade, no segredo, no subterfúgio e, pior do que isso, na hipocrisia.
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias para responder.
Para além do minuto que tem do tempo de hoje, utilizará então mais tempo de amanhã.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, utilizaria um tempo muito limitado. Num minuto não posso responder praticamente a nada. mas também não posso comprometer as intervenções planeadas pelo meu grupo parlamentar para amanhã.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença. Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Para que efeito. Sr. Deputado?
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, entendo que, dada a importância da intervenção do Sr. Deputado Oliveira Dias, que suscitou muitos pedidos de esclarecimento, e em nome dos princípios da tolerância que há pouco enunciei, a Mesa deveria ser generosa na atribuição de tempo àquele Sr. Deputado para que ele possa responder como entender, sem prejuízo das intervenções do seu grupo parlamentar marcadas para amanhã.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não faz objecções a que assim seja, só que cumpre as decisões da conferência dos grupos parlamentares.
Assim, o Sr. Deputado Oliveira Dias utilizará o tempo que o seu partido dispõe para amanhã, mas se todos os grupos parlamentares estiverem de acordo esse tempo não será descontado.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, se houver esse entendimento por pane da Câmara eu responderei um pouco mais à-vontade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, alguém está contra que o Sr. Deputado Oliveira Dias utilize, por exemplo, mais S minutos que o tempo previsto?
Pausa.
Como não há objecções, o Sr. Deputado Oliveira Dias pode contar com 11 minutos para responder. Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por todas as questões e pela generosidade em relação ao tempo que me é atribuído. De qualquer maneira não vou responder uma a uma às questões que me foram colocadas.
Sem querer estabelecer qualquer hierarquia de valor entre as perguntas e entre as posições expressas pelos Srs. Deputados que as apresentaram, penso, em todo o caso, poder tentar agrupá-las em 3 ou 4 núcleos de maneira a poder dar uma resposta global àquilo que me parece ser mais importante.
Começaria por me reportar à última intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes e também a um passo da intervenção do Sr. Deputado Arnaut - quando falou da mortalidade infantil, das crianças que morrem de fome.
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etc. - para afirmar a toda a Câmara que tudo o que eu disse só tem verdadeiro sentido se localizar, ou se se enquadrar, numa política extremamente aberta em relação aos direitos de qualquer criança - e eu disse isto na minha intervenção -, a todos os direitos de qualquer criança que nasça neste mundo, seja em que circunstâncias for e sem qualquer espécie de discriminação.
A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - O Governo não quer!
O Orador: - Isto é um tremendo desafio! Em todo o caso é nesta perspectiva que entendo dever ser colocado o nosso pensamento e foi nesta perspectiva que fiz as afirmações que produzi há pouco.
Um outro núcleo das questões que me foram feitas, embora com variantes, diz respeito às críticas que fiz relativamente ao planeamento familiar.
Queria sublinhar a todos os Srs. Deputados que entendo que os projectos de lei que estão aqui em apreço têm de comum uma perspectiva fundamentalmente restritiva do planeamento familiar, perspectiva restritiva que entendo decorrer, nos termos dos articulados, numa intervenção sobre o comportamento das pessoas, em termos - se quiserem - do condicionalismo psicológico que fará prevalecer largamente os aspectos, em qualquer das hipóteses e nomeadamente em relação ao PCP que me pôs a questão, das vertentes antinatalistas dos projectos...
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Essa é contra a Natália Correia!
O Orador: - ... relativamente aos pontos em que se preconiza também, é certo, o tratamento da infertilidade.
Queria, por outro lado. sublinhar que o planeamento familiar equilibrado, perspectivado não como condicionamento da vida mas como. e também, abertura à vida e respeitando os dados da ciência, tem como é evidente, o meu apoio. Mas isso é muito diferente daquilo que está preconizado nos projectos!
Aliás, por falar em projectos, foi aqui dito que os únicos pontos em que difere o projecto do PSD do PCP são: a inseminação artificial e a esterilização. Sobre isto quero repetir, por um lado. que sou contra esses passos do projecto do PSD mas quero sublinhar, por outro lado, que não é. do meu ponto de vista, só aí que estão as diferenças, sendo certo que também não é só aí que se localizam as nossas reservas ao projecto do PSD.
Em relação ao eventual abuso que fiz de um certo fundamento, de ordem científica que procurei dar às afirmações que aqui produzi, quero dizer que fiquei um pouco perplexo relativamente as acusações de obscurantismo, de medievalismo e não sei que mais, que me foram feitas por várias bancadas, que ao mesmo tempo me acusaram de abuso de informação que teria usado devido à profissão que exerço. Queria sublinhar que não discuto se nas intervenções dos Srs. Deputados esteve presente ou não um fundamento científico (admito que sim): o que quis dizer foi que o fundamento científico das vossas posições é francamente, esse sim. antiquado.
Risos.
São concepções de há 100 anos. de há 50 anos...
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Da época da máquina a vapor...
Risos.
O Orador: - É preferível levar as coisas a sério na medida em que as pessoas continuam a dizer que não sabem quando é que começa a vida. É um sofisma dizer que há vida no espermatozóide. que há vida no óvulo... pois é evidente que há vida no espermatozóide e no óvulo mas o que é certo é que do resultado dessa conjugação começa a vida. começa o novo ser. Tudo o resto são especulações à roda disso. É esta a única questão que ponho e para a qual, devo dizer, que destas numerosas perguntas com que me mimosearam uma coisa é certa: ninguém pôs em dúvida que a configuração genética do ovo é indiscutivelmente característica da espécie humana e ninguém pós em dúvida que houvesse vida e vida nova a partir da conjugação, portanto, ao longo de todo o processo de desenvolvimento embrionário.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Aí pôs, pôs!
O Orador: - À luz destes dados o que quis significar - e aproveito para responder ao Sr. Deputado Jaime Ramos - é que isto é simples para querer está minimamente informado, agora o que é certo é que fui aqui demonstrado abundantemente, mesmo numa Assembleia especialmente qualificada, que muitos destes dados são ignorados e que. a meu ver. é indispensável tê-los em conta porque de outra maneira é que se cai no problema do Galileu.
Queria desmentir, queria sublinhar, que - sem renegar as minhas convicções religiosas - não abusei aqui da autoridade da Igreja, não invoquei nem usei a palavra «cristão» a nenhum passo da minha intervenção. Não abusei, portanto, da autoridade da Igreja, nem quero, nem pretendo (pelo contrário permitam-me que me insurja contra isso) que a posição que aqui exprimi seja tomada como uma posição de um partido confessional. A nossa posição é expressão de um partido que tem os seus princípios, que os fundamenta onde bem entende e que está no seu pleno direito não de impor seja o que for a quem quer que seja mas de defender os seus pontos de vista...
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - .... designadamente de votar contra os projectos de lei em relação aos quais entender dever tomar essa posição.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Nunca aqui se pensou de outra maneira em relação a qualquer posição de qualquer deputado relativa a qualquer iniciativa legislativa.
Finalmente e em relação a várias intervenções que dizem respeito à responsabilização do pai quanto à gravidez, à responsabilidade da sociedade quanto aos abortos que. por uma razão ou por outra, na clandestinidade se vão praticando, quero deixar claro que também aqui há uma posição de exigência: nós entendemos - eu entendo pelo menos - que essa responsabilização é imprescindível e entendo que não é possível fazer investigações da paternidade com os nossos institutos de medicina legal apenas habilitados a determinar meia dúzia - se peco por omissão será. talvez, uma dezena - de factores ou características de exclusão da paternidade, quando é certo que neste momento há várias dezenas de milhar de factores que podem ser estudados em serviços devidamente equipados para o efeito.
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Congratulo-me e agradeço as posições de todos. Não considero a minha posição comprometida - tomo-a como minha. Os Srs. Deputados assumirão as vossas responsabilidades tal como eu entendo assumir as minhas.
Aplausos do CDS e do deputado Barrilaro Ruas, do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos fazer agora o nosso intervalo regimental.
A sessão está suspensa e os trabalhos recomeçam às 18 horas e 55 minutos.
Eram 18 horas e 5 minutos.
Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Amândio de Azevedo.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Constituição atribui ao Estado a incumbência de, pelos meios necessários, promover a divulgação dos métodos de planeamento familiar e organizar as estruturas jurídicas e técnicas que permitam o exercício de uma paternidade consciente. O programa do PSD reconhece o direito ao planeamento familiar e defende a existência de um serviço integrado de esclarecimento e conselho familiar e de educação sexual. É no cumprimento da disposição constitucional e das nossas linhas programáticas que apresentámos um projecto de lei sobre planeamento familiar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Partido Social Democrata tem particulares obrigações nesta matéria tanto mais que se deve a um seu militante, o Dr. Albino Aroso, na qualidade de Secretário de Estado da Saúde, o passo mais decisivo para a garantia do direito a uma paternidade responsável.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em Portugal, as primeiras iniciativas para o lançamento de uma política neste campo devem-se à Associação para o Planeamento da Família. O seu dinamismo inicial culminou em 1973 com a criação de consultas de planeamento em 20 dispensários materno-infantis nos arredores de Lisboa e Porto.
Em 16 de Março de 1976 um despacho do Dr. Albino Aroso, fundamentado na chamada de atenção que a Organização Mundial de Saúde vinha, desde 1965, a fazer para a importância do planeamento familiar na área da saúde materno-infantil determinou que em todos os centros de saúde, e na medida das disponibilidades técnicas, fosse criada uma consulta de planeamento familiar. De acordo com o mesmo despacho, a tomada de tal medida impunha-se dado o facto de «estar provado que o planeamento familiar: diminui a morbilidade e a mortalidade materno e infantil; melhora as taxas de saúde infantil: tem uma acção preventiva contra o aborto com as suas consequências nefastas na saúde materna: e contribui para o bem-estar da família. Na sequência desta atitude das 20 consultas em 1973, passou-se em 1977 a 159, em 1978, 216: em 1979 aumentou para 250, e em 1980 o número já era de 320.
Em 1976 foi dado um outro passo importante na medida em que se eliminou a proibição do anúncio de contraceptivos em revistas médicas.
Sem pretender ser exaustivo na análise da evolução nesta matéria não posso deixar de elogiar o grande esforço desenvolvido pela Comissão de Condição Feminina em inúmeras acções de informação e educação.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Internacionalmente para além da acção da Organização Mundial de Saúde, já citada, a Conferência das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos de 1968, as Resoluções do Comité de Ministros do Conselho da Europa de 1975 e 1976. a Resolução de 1980 sobre planificação da família adoptada pela Conferência da Década das Nações Unidas para a Mulher, a Resolução do Parlamento Europeu de U de Fevereiro de 1981, todas elas se inclinam para a adopção de uma política de planeamento familiar que possibilite que homem e mulher possam exercer livremente o direito de determinarem a dimensão da sua família e adoptam a filosofia, pela generalidade da população aceite, salvaguardam-se honrosas excepções, de que a sexualidade é um valor em si, não estando exclusivamente relacionada com a reprodução.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em todas as tomadas de posição internacionais citadas não se admitem reservas de ordem ética ou religiosa quanto à divulgação de qualquer método anticoncepcional.
Segundo um boletim da Comissão da Condição Feminina, em 1979, apenas 17 países se opunham ou não tinham serviço oficiais de planeamento familiar. Poder-se-á pensar que, dado o facto de sobre esta matéria já existir um projecto de lei do PCP, o PSD não tinha necessidade de apresentar uma iniciativa legislativa. A Sr.ª Deputada Zita Seabra em entrevista com um semanário considerava que o PSD ao apresentar um texto alternativo sobre o planeamento fazia-o pela única razão de se não ver obrigado a votar uma proposta do PCP e catalogava tal atitude de sectarismo, tacanhez e provincianismo. Espero que a Sr.ª Deputada, depois de ter estudado o texto do nosso projecto, retire tal afirmação e compreenda que esta iniciativa tem como fim exclusivo darmos a nossa colaboração a que o futuro enquadramento jurídico de uma política de planeamento familiar tenha uma maior perfeição.
Aplausos do PSD e dos Srs. Deputados Teresa Ambrósia e José Luís Nunes, do PS.
Estamos convencidos que a nossa proposta é mais completa e mais adequada a uma séria, científica e eficaz política de planeamento familiar. Com sinceridade reconhecemos, o que nos merece respeito, que coube ao PCP a iniciativa nesta matéria e que se não tivesse sido essa iniciativa não estaríamos hoje, aqui, neste debate.
O planeamento familiar é fundamental a uma política global de defesa da qualidade de vida individual, familiar e da população em geral. Tem por objectivo assegurar aos indivíduos e aos casais a possibilidade de uma paternidade responsável. Para tal reveste grande importância a
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decisão livre e responsável quanto ao número de filhos e seu espaçamento. O planeamento familiar não deve ser visto numa óptica reduzida de atitudes contraceptivas mas perspectivado em acções que englobem a educação sexual, a informação e o fornecimento de métodos e meios de contracepção, aconselhamento do casal, prevenção de doenças de transmissão sexual e de doenças da área da sexualidade, tratamento de infertilidade, rastreio de cancro genital e aconselhamento genético.
No projecto de lei defendemos a liberdade de acesso às . consultas de planeamento familiar, independentemente da idade, sexo ou situação económica, garantindo-se a gratuitidade, quer do acto médico, quer dos meios, e facilitam do por completa cobertura nacional, o acesso de todos independentemente da sua situação geográfica. Defendemos o direito de uma livre escolha pelo método com base unicamente em razões de carácter medico e científico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Nos termos do artigo 81.º do Estatuto da Ordem dos Médicos é vedada a prática de actos que conduzam à esterilização, enquanto acto médico, excepto quando a conservação da vida o imponha. A Procuradoria-Geral da República considera, segundo parecer do corrente ano, que a esterilização voluntária directa não faz parte, de acordo com o ordenamento jurídico nacional, dos métodos anticoncepcionais lícitos e que por essa razão viola os princípios legais em vigor no âmbito da deontologia médica.
Para o caso concreto da esterilização regulávamos - na proposta inicial - o acesso dos deficientes graves e propúnhamos os 25 anos como idade mínima dada a possibilidade de o método ser irreversível, mas por razões de ordem filosófica o Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata decidiu propor uma proposta de alteração em que se elimina os n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º
Chamamos a atenção de que a irreversibilidade do método tem vindo percentualmente a ser diminuída (só cerca de 20 % a 30% dos casos) e que em alguns países, caso dos Estados Unidos, este método tem vindo a ter uma larga aceitação popular. Mesmo em Portugal a esterilização tem vindo a ser progressivamente pretendida. O legislador não se pode afastar das realidades sociais.
Propomos no articulado acções de informação a toda a população acerca do planeamento familiar bem como a colaboração com associações salvaguardando que a sua acção assente em princípios científicos e não em razões de carácter político, confessional, demográfico ou sócio-económico. Reconhecendo o facto de um muito próximo contacto dos serviços de planeamento familiar com os casais que por diversas razões não desejam ou não podem assegurar uma paternidade assumida na sua totalidade e com a família infértil, propõem-se uma acção de complementaridade dos serviços de planeamento familiar com outros serviços do Estado vocacionados para a adopção. Os jovens, pela sua especificidade física, psíquica e social merecem-nos um tratamento diferenciado que vai desde a criação de centros especiais de planeamento integrados em centros de acolhimento para jovens virados para a resolução das múltiplas dificuldades que colocam a este escalão etário, até acções de educação sexual. A educação sexual deve fazer parte dos programas escolares numa perspectiva de colaboração com a família não se reduzindo a noções de carácter biológico mas encarando-a na sua globalidade psico-afectiva e social.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Na elaboração dos programas dever-se-á ter em conta o escalão etário, a experiência nesta matéria de outros países e não esquecermos o estudo da nossa experiência da disciplina da opção de Saúde do 9.º ano de escolaridade.
No plano internacional, em 1973, a educação sexual era obrigatória na Dinamarca, Alemanha Ocidental e Alemanha Democrática. Noruega e Suécia, era opcional na Polónia e Jugoslávia e estava esporadicamente implementada na Áustria. Bélgica. Inglaterra. Finlândia. Itália, Luxemburgo e Holanda. Na França a sua implementação é feita fora dos tempos escolares com a colaboração das famílias.
Já afirmámos a defesa da liberdade de acesso às consultas de planeamento independentemente da idade. A este propósito recordamos que o Comité do Conselho de Ministros do Conselho da Europa, em Resolução de 1975. defende acções de informação viradas para os jovens e a criação de centros de planeamento especiais para adolescentes.
O Parlamento Europeu em 1981, como forma de reduzir o número de abortos, defendeu uma informação apropriada dispensada em tempo oportuno aos jovens. No nosso ordenamento jurídico a partir dos 16 anos o menor tem o direito à administração dos bens adquiridos pelo trabalho, pode decidir sobre a sua conduta religiosa, pode casar e obter a emancipação, deixa de ver o seu pudor oficiosamente protegido relativamente a actos não violentos e é considerado penalmente responsável. Não se compreende que com tanta maturidade jurídica os menores se vejam impedidos de livremente terem acesso a simples consultas de planeamento familiar.
Aplausos do PSD e da Sr.ª Deputada Teresa Ambrósia, do PS.
Levantaram algumas pessoas o problema da inseminação artificial, que só aparece de uma forma crua no projecto. Sobre isso gostaria de dizer que. quando indicamos como uma forma de tratamento da esterilidade a inseminação artificial, pensamos que na futura lei devem ser consagradas normas regulamentares que. de alguma maneira, protejam a inseminação artificial de qualquer tipo de manipulação genética tendo em consideração as recomendações do Conselho da Europa.
A terminar não posso deixar de agradecer a colaboração que foi prestada pela Dr.ª Leonor Beleza e pelo Dr. Albino Aroso à elaboração do projecto de lei do PSD sobre esta matéria, projecto de um partido europeu para um país que quer pensar, que quer caminhar e que quer viver à moda europeia.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Quero afirmar à Câmara que não consideramos o nosso texto uma obra acabada e perfeita, pelo que, na Comissão e durante a sua discussão na especialidade, estaremos abertos à introdução de propostas e sugestões que melhorem o diploma, quer na forma quer no conteúdo.
Aplausos do PSD, do PS e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para solicitar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Verdasca Vieira.
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O Sr. Verdasca Vieira (PS): - Sr. Deputado Jaime Ramos, é hábito nesta Câmara dizer que se ouve com muito agrado as exposições... eu assim o fiz porque me interesso sempre por estes assuntos.
Já ontem na minha intervenção abordei o tema e sou, de facto, a favor do planeamento familiar pelo que iremos votar favoravelmente os dois projectos alternativos do PCP e do PSD. No entanto, não podia deixar de fazer um reparo a toda a Câmara e a todos os oradores que se têm debruçado sobre o planeamento familiar: é que de uma maneira geral atribui-se o planeamento familiar só - e permitam-me o termo - à desgraçada da mulher ... É ela que toma os comprimidos, é ela que mete o DIU, é ela que vai à consulta, é ela que acaba por abortar. Pergunto: e o marido? E o homem, quando é responsável pela mesma situação? Por que é que o homem, tal como a mulher, não deve ser chamado à consulta de planeamento familiar?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, gostaria de saber qual era a sua posição como médico acerca do seguinte: acredita na possibilidade de, se alguma vez em Portugal aparecer a pílula para o homem, este a tomar?
Risos
O Sr. Presidente: - De acordo com o Regimento, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Pese a intenção prestimosa do projecto de lei do PCP sobre planeamento familiar e educação sexual impressiona-me negativamente a exiguidade e fisiologismo com que a última matéria é tratada. E é no exaustivo fisiologismo deste capítulo que eu me desvio do meu apoio a este projecto. A própria dignificação do sexo pressupõe o seu envolvimento na afectividade sem o que a sexualidade é mera função reprodutiva ou uma grosseira descarga fisiológica, quando. pela emoção que lhe é conatural, é uma forma privilegiada de comunicação e de amor. O sexo pelo sexo, como fanatismo da saúde e da higiene, é tão espúrio à natureza humana como o moralismo que lhe põe o estigma de inimigo da pureza da alma.
Entendo consequentemente que no projecto do PCP a educação sexual sossobra num mecanicismo e numa concepção puramente sanitária desde que não ministrada em conexão com uma pedagogia do amor que deve ter como instrumentos a poesia, o romance, o canto, os filmes e uma introdução às doutrinas que estudam e dignificam o sentimento amoroso.
Porque sentimentalizar o sexo é elevá-lo, da mesma forma que sexualizar sentimento amoroso é dar-lhe plenitude.
O vosso chocam projecto de lei apresenta 2 factos que me O Sr. Silva Marques
Vozes do PSD: - Muito bem!
Primeiro, respeita ao artigo 8.º que fala na inseminação artificial. Gostaria de saber se são a favor da inseminação homóloga ou heteróloga. É que se se pode ir buscar sémen a outros, qualquer dia temos aqui de certeza altas individualidades a distribuir os seus espermatozóides para fecundação!...
Risos.
Não se riam. Srs. Deputados, nos Estados Unidos os «prémios nóbeis» são reprodutores.
Risos.
Isto é na minha óptica, abandalhar a sociedade, mas enfim ...
Por outro lado, não concordo pessoalmente - e na discussão na especialidade irei rebater a idade dos 25 anos - com o artigo 10.º porque a minha prática clínica diz-me que aos 25 anos ainda muita coisa pode acontecer à mulher. E uma opinião pessoal mas acho muito precoce a idade dos 25 anos, sou da opinião dos 35 para cima..., mas isto é um assunto de especialidade.
Há aqui um outro problema que gostaria de lhe colocar: a esterilidade de quem aos 25 anos? Só da - continuo - desgraçada da mulher? Sabemos ou não sabemos que é muito mais fácil fazer uma vasoctomia ao homem do que uma salpingectomia à mulher? Porque é que se insiste tanto ... tanto ... tanto na desgraçada - repito - da mulher e se deixa o homem sempre de fora?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Envolvendo-os necessariamente em considerações, Sr. Presidente.
A Oradora: - Eis o que não vejo no projecto do PCP e que é pelo menos aflorado no do PSD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - A par desta vantagem reconheço-lhe avanços muito positivos no sentido da informação a cargo do Estado, da implantação nacional do planeamento familiar, de centros especiais de consulta para os jovens e da licitude da inseminação artificial e da esterilização.
Sobre este último ponto parece-me contudo indicado pôr-lhe uma questão! Não acha, Sr. Deputado Jaime Ramos, que 25 anos é uma idade prematura para se decidir sobre a esterilização voluntária?
Dela, em minha opinião, poderá resultar uma frustração insolucionável, angustiante no caso de a mulher vir a ser mais tarde inquietada pelo desejo não realizável de ter um filho.
Posta esta reserva, cumpre-me declarar que estando eu disposta a votar favoravelmente o projecto de lei do PCP antes do aparecimento do diploma do PSD, rendo-me à superioridade deste último, chamando a atenção dos autores do projecto para a necessidade de se desenvolver a introdução da psico-afectividade relacionada com a educação sexual, para que a modernidade que caracteriza o diploma ganhe um maior relevo de acordo com a cultura do amor que, nos meios mais avançados, é hoje entendida como complemento da sexologia.
Aplausos do PSD, de alguns deputados do PS e do deputado Vilhena de Carvalho, da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem ainda a palavra, para solicitar esclarecimentos, a Sr.ª Deputada Zita Seabra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado Jaime Ramos, retirarei com todo o gosto as palavras que proferi
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na minha entrevista ao jornal O Jornal se o Sr. Deputado me disser que, da parte do PSD - uma vez que não há objecções de fundo ao projecto de lei do PCP, há, pelo contrário e peio vosso lado, uma louvável tentativa de enriquecer o nosso projecto - vão aprovar os 2 projectos, para, em sede de especialidade, se escolher e discutir caso a caso cada uma das soluções apresentadas.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas nós somos profundamente tacanhos!
A Oradora: - Terminou o Sr. Deputado Jaime Ramos a sua intervenção dizendo que o seu projecto de lei é a prova de que o PSD é um partido virado para a Europa. Pergunto-lhe: não acha completamente contraditório, relativamente ao voto que o PSD vai ter amanhã em relação à interrupção voluntária da gravidez, por exemplo, o artigo 10.º do vosso projecto de lei em que propõem a esterilização?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não!
A Oradora: - A segunda questão é esta: nós também compartilhamos das dúvidas e questões em relação à esterilização. Consideramos que os 25 anos, a pedido da mulher ou do homem - a esterilização tanto deve ser para a mulher como para o homem - são claramente prematuros tanto mais que não estão enunciadas, no vosso projecto de lei. as condições em que isso deve ser feito. Ora. é em sede de lei da Assembleia da República que isso tem de ser claramente fixado, nomeadamente a intervenção do outro cônjuge, se há ou não período de espera tal como acontece com outras legislações, enfim, toda uma série de questões que. numa decisão tão importante como esta. devem ser tomadas.
Mas a objecção que colocamos como fundamental é considerarmos os 25 anos uma idade extremamente prematura. Já foi dito pela Sr.ª Deputada Natália Correia, e nós perfilhamos essa opinião, que é demasiado cedo: há muitas mulheres (neste caso concreto estou a falar das mulheres) e. também, muitos homens - poderíamos dizer isso - que se colocam depois dos 25 anos em situações que são extremamente dramáticas, por exemplo, morrem-lhes os filhos, separam-se, enviuvam ou divorciam-se e têm outros casamentos... É sabido como hoje. do ponto de vista técnico, a esterilização é considerada irreversível e. quando não é, é uma operação cirúrgica extremamente difícil que só resolve - conforme números da Organização Mundial de Saúde - de 30 % a 40 c/c dos casos. Por estes motivos. Sr. Deputado, nós vamos, nesse ponto muito concreto, ter uma posição completamente diferente daquela que o PSD aqui apresentou num projecto que, no seu global, nós apoiamos e, que por isso mesmo, vamos votar a favor.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos para responder aos pedidos de esclarecimento formulados.
O Sr Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado do Partido Socialista pôs o problema de que nós no nosso projecto, estaríamos a obrigar a que fosse sempre a mulher a estar sujeita a técnicas de anticoncepção ou tratamento de esterilidade e não via essa preocupação virada também para o homem.
Quero dizer-lhe que no artigo 6.º. informação a cargo do Estado, no seu § 3.º. para além de dizermos como é que essa informação se deve processar, escrevemos. «[...] e procuram co-responsabilizar o homem, em relação às atitudes e comportamentos em matéria de planeamento familiar.»
Nos artigos anteriores, se reparar, falamos do indivíduo, não falamos de sexos. É igual para ambos.
Em relação à esterilização, defendemos que a esterilização voluntária só pode ser praticada em maiores de 25 anos. Não dizemos se é homem ou mulher, pode ser a vasotomia.
Pôs o problema de se saber se a inseminação devia ser homóloga ou se também poderia ser heteróloga e talou em problemas de manipulação genética ou de selecção de espécie. Nós só falamos da inseminação, de um modo frio. mas pensamos que se pode melhor o articulado e dar algumas garantias à maneira como será feita futuramente a inseminação artificial com a maneira e as normas que devem regulamentar os bancos de espermatozóides e. evidentemente, segundo recomendações internacionais, de que saliento as do Conselho da Europa.
Quer o Sr. Deputado Verdasca Vieira quer as Sr.ªs Deputadas Natália Correia e Zita Seabra. levantaram o problema de os 25 anos ser uma idade muito baixa. Normalmente as pessoas partem do princípio de que a esterilização é um acto irreversível e a Sr.ª Deputada Zita Seabra citou mesmo que só era possível modificar essa situação em 30 % ou 40 % dos casos.
Quero dizer-lhe, que isso não é verdade Com boas técnicas, em países desenvolvidos, como é o caso dos Estados Unidos, atingem-se 80 % de casos reversíveis Não lhe digo. no entanto, que isso seja possível obter em Portugal.
Por outro lado. a opinião sobre a idade diverge muito e mesmo no meu grupo parlamentar há pessoas que têm algumas dúvidas sobre isso como de resto se viu pela Sr.ª Deputada Natália Correia. Mas acontece que em Portugal - e isto se compararmos um pouco as situações de uma maneira talvez um pouco grosseira, não totalmente feliz - no actual Código Civil, aos 25 anos pode adoptar-se uma criança em adopção plena, ou em adopção restrita, o que também é um acto irreversível.
Quer dizer: se se permite que um casal aos 25 anos tenha uma criança por sistema de adopção, porque é que não se há-de permitir a um casal, à mulher ou ao homem, individualmente vistos, que aos 25 anos decidam não ter filhos, quando este acto não é totalmente irreversível! Como vos disse, as novas técnicas permitem que. em 80 % dos casos, esse acto seja reversível.
Em termos internacionais verificamos que. por exemplo nos Estados Unidos e na Holanda, a esterilização voluntária é permitida a maiores, a partir dos 21 anos e que não há qualquer tipo de limitação.
Em vários países, inclusive de educação católica, nomeadamente na América Latina, aponta-se para os 30 anos ou para uma regra um pouco simples, que é a de multiplicar a idade da pessoa por 3. Esta também é adoptada, em Portugal, nas situações em que ela é feita, em que se multiplica a idade da mulher ou do homem pelo número de filhos e se se obtém 90 é possível. Em todo o caso, penso que a idade correcta seria aos 25 anos e foi por isso que a propusemos, embora, como já referi, haja dúvidas mesmo dentro do grupo parlamentar.
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A Sr.ª Deputada Natália Correia pôs alguns problemas em relação à maneira como a educação sexual se deve processar e quero dizer-lhe apenas que aplaudi a sua intervenção e que estou plenamente de acordo com ela. Penso que deveremos ir talvez um pouco mais além do que o está no projecto, embora o que nele dizemos é que deve fazer-se uma educação da verdadeira sexualidade humana em colaboração com a escola e a família. E vimos a sexualidade num todo. desde aquilo a que a Sr.ª Deputada chamou pedagogia do amor. ao seu complemento psico-afectivo e social.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra pôs o problema de coerência entre este projecto e a maneira como o PSD irá votar o da interrupção voluntária da gravidez e relacionou isto com a esterilização. A esterilização não tem nada a ver com a interrupção voluntária da gravidez e é a forma, em termos de planeamento familiar, mais adequada, realmente, a uma prevenção do aborto.
Citava, a este propósito, que a própria Organização Mundial de Saúde - afirmando que pela sua eficácia, mínimo de incomodidade e de custo, garantindo um elevado nível de reversibilidade, quando definitiva, e de pequena margem precentual de riscos e de efeitos imediatos pós-operatórios irrisórios - apoia e divulga a esterilização e os seus métodos.
Em relação à maneira como o meu grupo parlamentar irá votar, ou as posições que irá tomar em relação à interrupção voluntária da gravidez, quero dizer-lhe que outros deputados da minha bancada se pronunciarão sobre este tema.
Aplausos do PSD.
O Sr Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Valdemar Alves, para ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr Valdemar Alves (PSD): - E do seguinte teor.
Em reunião realizada no dia 10 de Novembro de 1982. pelas 14 horas e 30 minutos, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
1 - Solicitadas pelo Partido Socialista:
Manuel António dos Santos (círculo eleitoral do Porto), por Manuel Laranjeira Vaz (esta substituição é pedida para os próximos dias 11 e 12 de Novembro corrente, inclusive). Luís Abílio da Conceição Cacifo (círculo eleitoral de Beja), por Manuel Rodrigues Masseno (esta substituição é pedida por um período não superior a 90 dias, a partir do próximo dia 16 de Novembro corrente, inclusive).
2 - Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
Duarte Nuno da Silva e Correia de Vasconcelos (círculo eleitoral de Santarém), por Jorge Manuel de Moura Neves Fernandes (esta substituição é pedida para o próximo dia 11 de Novembro).
Victor Afonso Pinto da Cruz (círculo eleitoral de Lisboa), por Fernando Augusto Desterro Larcher Nunes (esta substituição é pedida para o dia II de Novembro corrente).
José Luís da Cruz Vilaça (círculo eleitoral de Braga), por António Mendes Carvalho (esta substituição é pedida para os próximos dias 12 a IS de Novembro corrente, inclusive).
José Manuel Rodrigues Casqueiro (círculo eleitoral de Portalegre), por Mana do Céu Vitória Pires Antunes Barradas de Athayde Tavares (esta substituição é pedida para o dia II de Novembro corrente, inclusive).
3 - Solicitada pelo Partido Comunista Português:
Joaquim Gomes dos Santos (círculo eleitoral de Leiria), por Osvaldo Sarmento Castro (esta substituição é pedida para os próximos dias II e 12 de Novembro corrente, inclusive).
4 - Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
5 - Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
6 - Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
7 - O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
A Comissão: Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário. José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva (PSD) - Valdemar Cardoso Alves (PSD) - Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Jorge Fernando Branco de Sampaio (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Manuel de A. de Almeida e Vasconcelos (CDS) - Luís Carlos C. Veloso de Sampaio (CDS) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Lino Carvalho de Lima (PCP) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Está em discussão o relatório que acaba de ser lido.
Pausa.
Não havendo inscrições, vamos proceder à votação. Pausa.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, verificando-se a ausência da UDP.
O Sr. Presidente: - Está na Mesa também, um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos, que vai ser lido pelo Sr. Deputado Secretário.
Foi lido. E o seguinte:
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
De acordo com o solicitado no ofício n.º 96 215, processo n.º 2412/82, 3.ª Divisão, 18.ª Esquadra, de 25 de Outubro de 1982. da Polícia de Segurança
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Pública de Lisboa, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar o Sr. Deputado José Manuel Mendes a comparecer no posto médico da Polícia Judiciária.
Com os melhores cumprimentos.
Palácio de São Bento, 9 de Novembro de 1982. - Pelo Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos. Mário Júlio Montalvão Machado.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
Não havendo pedidos de palavra, vamos proceder à votação.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da UDP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Natália Correia.
A Sr.ª Natália Correia (PSD): - Queria dizer que o Sr. Deputado Jaime Ramos quase me convenceu com os exemplos internacionais que deu sobre a licitude da esterilização aos 25 anos e que é também considerando esses exemplos que sou favorável à despenalização da interrupção voluntária da gravidez.
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Beatriz Cal Brandão.
A Sr.ª Beatriz Cal Brandão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entre o projecto de lei sobre o planeamento familiar que hoje se discute e o relativo à interrupção voluntária da gravidez de que amanhã se irá tratar é tão grande a ligação que não se poderá falar de um sem tratar do outro.
É que, de uma boa lei sobre o planeamento familiar e educação sexual ou, melhor, da maneira como se venham a regulamentar esses problemas, à pane, como é óbvio, aquelas causas que resultam das más condições sociais e económicas, dependerá a resolução do problema do abono.
E tão integrados andam estes 2 problemas que, a mim. se toma difícil deixar de os referir, paralelamente, e com predominância para o abono, por ser o resultado negativo de um incorrecto planeamento familiar.
Segundo a Constituição, incumbe ao Estado promover pelos meios necessários, a divulgação dos métodos de planeamento familiar e organizar as estruturas familiares e técnicas que permitam o exercício de uma paternidade consciente.
Mas o Estado, em vez de promover os métodos de planeamento familiar, está mais interessado em manter uma legislação penal do século passado que, na presente época, de algum modo se justifica.
Os projectos de lei em debate vêm pôr termo a esta contradição do Estado, avançando com legislação sobre planeamento familiar e despenalizando o abono, pondo em evidência que não é por meios repressivos que se resolve o problema social que o mesmo implica.
De resto, a penalização só tem servido, no nosso país. para acentuar as diferenças sociais, uma vez que, apenas, tem atingido as camadas mais pobres da nossa sociedade. como claramente resulta da história criminal do abono.
As mulheres que chegam aos tribunais para responder pela prática do abono pertencem, na sua quase totalidade, a essas classes mais desfavorecidas.
São aquelas que, devido à sua falta de recursos - uma das principais causas do abono -, têm de se servir das chamadas «fazedoras de anjos», curiosas sem quaisquer conhecimentos da ciência médica, que. pela sua imperícia, arranjam complicações que uma vez ou outra vêm ao conhecimento das autoridades.
As mulheres das outras camadas sociais ou se servem de diplomadas e até de médicos ou vão ao estrangeiro, já que na generalidade dos países da Europa é livre a interrupção voluntária da gravidez.
Ora, uma pena só para pobres - que é o que está acontecendo -, é a injustiça social mais aberrante que pessoas de consciência bem formada não podem admitir!
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Além disso, da ameaça da punição existente - que bem grave é -, nenhum resultado se tem obtido como se conclui da comparação entre o número de abonos que se vão realizando por esse país fora sem qualquer receio dos meios repressivos.
Mas, desde que se fez letra morta dos preceitos constitucionais e uma mulher, por ignorância dos métodos de planeamento familiar, não soube evitar a gravidez, será legítimo recusar-lhe o direito de a interromper, quando razões morais ou materiais o aconselhem?
Quem é que tem o direito de ser juiz dessa situação - a mulher ou a sociedade?
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Aquela sociedade que não lhe garante as condições necessárias para que o seu filho possa viver sem miséria e não morrer à fome?
As mulheres socialistas, e falo em nome destas, com a responsabilidade que me advém da minha posição neste organismo autónomo do Partido Socialista, entendem que só aquelas que poderão ser. ou não ser, mães, têm o direito de o julgar.
Respeitamos o direito à vida. mas que direito é esse. em relação ao nascituro, se a sociedade não lhe garante no pós-nascimento o direito a uma vida sã e duradoura e a mãe sabe que, por si só, não lha pode garantir?
Direito à vida para morrer? Direito à vida para viver na maior das misérias, dado que uma sociedade mal organizada e imperfeita não lhe garante que isso não aconteça?
Visitaram já. todos os Srs. Deputados, os bairros pobres de uma cidade?
Eu já visitei, e deparei com o espectáculo triste e doloroso de montes de crianças, seminuas, esfomeadas, metidas em aposentos de dimensões exíguas e mal arejadas, onde passam a maior pane do dia. correndo não para a vida, mas para a morte!
E aqui põe-se o dilema: seriam possíveis quadros de miséria tão pungentes se essas mães tivessem disfrutado das estruturas familiares e técnicas de planeamento familiar a que se refere o preceito institucional, e tivessem consciência do exercício da sua paternidade?
E já olharam com atenção para a taxa de mortalidade infantil, quer nas cidades, quer nos meios rurais?
Aqueles que por razões de consciência, são contra o aborto, como aliás eu também sou, ajuízem que espécie
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de direito à vida pretendem assegurar por meio da penalização do aborto!
Uma mãe que se dispõe a abonar, certamente, não é de ânimo leve que o fará. A respeito da sua decisão deve ter pensado maduramente. Mas se o não tivesse feito, o que eu não creio, o projecto de lei, agora em discussão, prevê no seu artigo 3.º que, depois da consulta médica, ainda haverá um prazo nunca inferior a 7 dias para uma reflexão final.
Mas, à parte as razões de ordem económica e social que são as que motivam a maior parte das vezes o aborto, outras há que devem ser respeitadas quando a mulher decide interromper a sua gravidez - sério risco do seu filho vir a sofrer de grave doença ou má formação.
Em casos destes, em que além da sociedade não ter condições bastantes para resolver todos os problemas que lhe são postos, não terá a mãe o direito de evitar a tragédia que será para o seu filho, viver uma vida, se vida se lhe pode chamar, sem poder realizar o mínimo daquilo que é a razão de viver?
E justo, é legítimo, será sincero, falar em casos, como estes, no direito à vida para condenar o abono?
E a tragédia da mãe? Não por ter que acompanhar a do seu filho, solidária com ele, fazer seus os seus desgostos e por vezes até a sua raiva nos momentos de crise, que muitas vezes se hão-de repetir, mas pelos tormentos que a todo o passo a assaltarão ao pensar na sua própria mais e no destino, ainda mais trágico do seu filho, para além do fim da sua vida?!
Sr. Presidente. Srs. Deputados: Cheguei ao fim da minha intervenção e não precisarei de adiantar mais argumentos a favor da tese que defendo, pois, estão ditos e reditos, nestes últimos meses, e que de todos nós são bem conhecidos.
Resta-nos esperar que desta Assembleia saia uma deliberação que nos honre e dignifique, perante os olhos do povo que desiludam-se, é bom e é humano, e nunca nos perdoará se também não o soubermos ser.
Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.
O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao falar de planeamento familiar, a UEDS não pode deixar - e eu particularmente - de lembrar aqui. talvez aquele a quem poderíamos chamar o pai do planeamento familiar em Portugal, que é o Dr. Albino Aroso, com quem tenho o prazer de trabalhar no Hospital de Santo António.
Efectivamente, desde há muitos anos que o Dr. Albino Aroso tem lutado por estes projectos que agora são aqui apresentados e com certeza que sentirá a sua aprovação como sendo também uma vitória sua e, em particular, como uma vitória das mulheres e dos casais por quem ele tem lutado, no sentido de lhes garantir uma melhor qualidade de vida, a eles, às crianças e à nossa sociedade.
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - A UEDS evidentemente que apoia os 2 projectos de lei que aqui são apresentados e só se admira, achando quase sobrenatural, que num país da Europa em 1982 ainda haja quem possa discordar da generalidade dos projectos que aqui são apresentados.
De facto, é espantoso que ainda se perca tempo, digamos assim, a discutir isto. Mas, enfim, a democracia a isto nos obriga e talvez ainda bem porque permitirá informar muitos que talvez não estivessem ainda suficientemente esclarecidos.
Não me vou referir ao projecto de lei do PCP que aprovamos na generalidade. Queria apenas fazer algumas referências ao projecto de planeamento familiar apresentado pelo PSD.
E evidente que nós vemos o planeamento familiar em termos, digamos, de imagem.
Se compararmos o que foi, por exemplo, a varíola no mundo - e que a partir da altura em que apareceu uma vacina, a Organização Mundial de Saúde pôde declará-la excluída, a partir de 1974, se não estou em erro! - verificamos e podemos afirmar que. ao fim e ao cabo. o planeamento familiar será a vacina da interrupção voluntária da gravidez. Pensamos, também, que um bom planeamento familiar levara à eliminação, no futuro, da. necessidade de praticar uma interrupção voluntária da gravidez, a não ser nos casos em que haja mal formações graves ou que haja perigo para a mãe, durante a gravidez. Daí, este único argumento nos parecer suficiente para quase não haver mais nada a dizer.
Sobre o projecto de lei do PSD, não posso deixar de salientar que, no que diz respeito ao artigo S.º. n.º 4, ele é extremamente progressista e rigozijamo-nos, evidentemente, com isso. Efectivamente a carga económica da contracepção, nos tempos que correm, ainda pode impedir que algumas mulheres beneficiem dele. Por isso é importante que esteja mencionado que os meios contraceptivos serão gratuitamente fornecidos. E isto, evidentemente, referindo-se a todos os meios contraceptivos, é isso que eu entendo.
Além do mais, a distribuição pelos centros de saúde, ou pelos médicos que trabalham nas instituições do Estado, permitir-nos-á - e num país como o nosso, onde a população ainda não está talvez bem informada sobre estes aspectos - informá-la. Cada vez que vem buscar os contraceptivos, a mulher ou o casal, será informado e será visto, se necessário, pelo médico porque, como todos sabem, a contracepção exige determinado tipo de controles que assim ficarão de certo modo garantidos.
No que diz respeito ao tratamento da infertilidade e à inseminação artificial, creio que o nosso colega Dr. Verdasca não estará também em desacordo, apesar da posição que aqui tomou, com aquilo que vou dizer.
O planeamento familiar é sobretudo, se quiserem, ter filhos, ter filhos quando se quer. E evidentemente que a inseminação artificial tem que estar contemplada num projecto de lei porque pode acontecer o caso, que é muito frequente, de haver um casal em que o marido seja estéril. Isto não quer dizer que o casal tenha de se separar, no caso de a mulher querer ter um filho e no caso de decidirem não adoptar um. Nessa altura, portanto, a inseminação artificial tem que estar contemplada.
A proveniência do esperma que irá fertilizar o óvulo da mulher, é uma coisa que já está planeada em todos os países e não vamos precisar de perder muito tempo a encontrar as normas internacionais estabelecidas para este efeito.
Quanto ao artigo 10.º, sobre a esterilização voluntária, diria que também estou de acordo com este aspecto do problema.
Como sabem, o que se passa até aqui em particular no que diz respeito à laqueação das trompas na mulher - e passa-se, já toda a gente o sabe - é que a mulher e o
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mando fazem uma declaração em como aceitam a laqueação das trompas e ela é praticada nos nossos hospitais, não direi diariamente, mas pelo menos semanalmente. É, no entanto, necessário legislar sobre isto e tornar esta situação clara.
O que me parece é que esta lei tem que ser cautelosa, pois com certeza que os Srs. Deputados conhecem uma série de trabalhos científicos que os americanos fizeram com criminosos de delito comum em que se «provou», digamos, que haveria significativamente uma aberração cromosómica nos criminosos graves de delito comum.
É evidente que partimos do princípio de que os governos são democráticos e de que os intervenientes em todos estes processos são pessoas sérias e responsáveis, mas a lei não pode. nunca, dar a possibilidade de alguém atentar contra a liberdade do homem. Por isso é que me parece que, neste aspecto, a lei tem que ser cautelosa, caso contrário podemos arriscar-nos a que uma lei justa venha a prejudicar, de uma maneira injusta, homens que, por qualquer razão e em qualquer altura, possam estar submetidos ao autoritarismo ou ao totalitarismo de um Governo que decida por uma qualquer razão, que não uma razão médica ou não por vontade expressa do cidadão, fazê-lo esterilizar-se.
Todos nós devemos salvaguardar esta garantia fundamental das pessoas. Nós sabemos que as coisas dão muitas voltas e não podemos, de maneira nenhuma, votar num país democrático uma lei que possa ser num dia utilizada por governos totalitários ou por algum louco que tenhamos o azar de nos cair em sorte.
Aplausos da UEDS, do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Calhordas.
O Sr. António Calhordas (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os projectos de lei apresentados pelo Partido Comunista Português e pelo Partido Social Democrata sobre a garantia do direito ao planeamento familiar e à educação sexual, estão a cumprir uma directiva constitucional que está expressa directamente e sem ambiguidades no artigo 67.º da lei fundamental.
Considerando intimamente inter-relacionados os 2 problemas, planeamento familiar e educação sexual, mas não aceitamos que este último, a educação sexual, surja apenas como uma «simples técnica» (um componente para utilizar a expressão do projecto de lei do PSD) a utilizar com o tini de realizar o planeamento familiar.
Este utilitarismo da educação sexual está claramente expresso pelo PSD quer no título do projecto de lei que só cita o planeamento familiar, quer quando define os meios para o realizar.
Diz no preâmbulo do seu projecto o PSD, que:
O planeamento familiar deve ser perspectivado em acções que englobem a educação sexual, a informação e o fornecimento de métodos e meios de contracepção, o aconselhamento do casal, prevenção de doenças de transmissão sexual, tratamento da infertilidade e rastreio do cancro genital.
A educação sexual, para se elevar no sentido profundamente humano que lhe corresponde, não se pode confinar a esta visão subalterna e utilitária.
A questão está insuficientemente assumida, no projecto de lei do PSD, ocupando apenas e de passagem o conteúdo de um artigo do referido projecto do planeamento familiar, como mero instrumento deste último.
Consideramos que no projecto de lei do PCP. a educação sexual ocupa o espaço individualizado e autónomo que lhe compete mas haverá de o enquadrar melhor no ambiente psicopedagógico do espaço escolar e social de forma a impedir que fique ao legislador um campo demasiado indefinido.
O MDP/CDE entregará propostas de alteração e aditamentos que tentem definir coordenadas e procurem levar esta Assembleia a um consenso sobre um problema de tão grande importância, como o da educação sexual.
A sexualidade é, em nosso entender, muito mais do que uma função fisiológica que se expressa como preocupação dos projectos de lei sobre o planeamento familiar; a sexualidade é determinante da vida afectiva, com reflexos na sensibilidade, no comportamento e na inter-relação social, é ainda determinante e determinada no contexto do próprio desenvolvimento intelectual.
O papel da escola e da família deve assim ser encarado, na sua complexidade, de forma a que a criança possa desde pequena encontrar possibilidades de expressão e de autoconhecimento que lhe permita assumir-se a si própria e na sua relação com o meio.
A expressão corporal, a expressão pela arte, a luta contra a violência e a pornografia, o desporto, a auto-disciplina, os esquemas da gestão democrática, o sentido do colectivo, a ligação com o meio ambiente, devem promover uma objectivação social que possibilite a educação sexual interligada com o sentido da responsabilização social e individual.
Nas construções escolares estão a ser retirados espaços para as actividades lúdicas ou de expansão das actividades, físicas, plásticas e artísticas.
As macro-escolas são monstruosas instituições que esmagam e diluem os princípios pedagógicos, a vida de relação escolar entre docentes e discentes e dentro de cada um dos grupos, na criação do perigoso fenómeno do bloqueamento do espaço gerador da agressividade e da violência.
A informação dos pais e a formação adequada dos professores são factores indispensáveis. Também a acção pedagógica do professor deverá ser coadjuvada pela medicina e pela psicologia escolar que devem tomar a seu cargo os problemas individualizados e considerar o equilíbrio da vida sexual dos adolescentes como parte importante da sua acção. Cabe à equipa da medicina escolar as primeiras noções do planeamento familiar entre os alunos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O planeamento familiar é nos nossos dias parte integrante dos cuidados primários de saúde, o que já não é polémico ou pelo menos não deveria sê-lo porque nem em todos os países existe o CDS, mas está longe de estar efectuado.
E refiro-me aqui especificamente ao que se passa em Portugal.
Justo será destacar o papel da Associação para o Planeamento da Família, que «contra ventos e marés» em pleno regime fascista desde 1967 procurou interessar à volta do problema não só técnicos de saúde mas sobretudo a própria população.
A sociedade fechada, o obscurantismo e o pensamento retrógrado que dominavam e pouco deixavam fazer.
Muitos foram os profissionais de saúde que pertenceram aos seus corpos dirigentes, e justo é de destacar dentro eles o Dr. Albino Aroso a quem coube, quando Secretário de Estado da Saúde a extensão legal do planea-
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mento familiar como parte dos cuidados básicos de saúde.
Mas neste como noutros domínios da saúde tem sido nefasto e retrógrado a acção dos governos da AD o que aliás se integra na sua visão da política de saúde que o PSD compartilha com o CDS.
Apesar da pressão da opinião pública e do peso das necessidades, a máquina do Estado e outras instituições com espírito sectário e obscurantista impedem e dificultam o alargamento do planeamento familiar.
São exemplos o que se passou na Misericórdia de Lisboa e foi aqui referido pela deputada Zita Seabra quando da apresentação dos projectos de lei e o Decreto recente da Assembleia Regional da Madeira. n.º 11/82/M. que impede o aconselhamento de produtos farmacêuticos ou outros meios de planeamento familiar abortivo.
O acto de planear a família tem de ser encarado hoje como uma medida natural de prevenção da saúde individual e da segurança familiar.
Baseia-se em dados científicos, na adopção das técnicas e conhecimentos modernos, encerra um acto de informação e educação de saúde que devem ser estendidos a todas as regiões do país e estar ao alcance de todos os cidadãos.
Como o próprio nome de familiar o indica, e embora a mulher seja o objectivo mais importante do planeamento de acordo com a própria aplicação dos métodos, o homem não pode nem deve ser alienado do processo e deve ser cada vez menor o distanciamento atávico para que habitualmente o homem remete estas questões.
Tal facto é fruto de hábito e tabus e de toda uma educação social que urge alterar de acordo com o que correctamente foi feito neste domínio no recente processo de revisão constitucional.
Da mesma forma não discriminatória se tem de entender a extensão do planeamento familiar a jovens e adolescentes, pelo que aqui se condenam as recentes directivas da Direcção-Geral de Saúde e se aceita no seu sentido genérico o que se legisla tanto no projecto do PCP como do PSD, ambos revelando uma especial e particular atenção para este grupo etário.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O planeamento familiar não é de resto só um método preventivo.
No seu campo cabe o despiste, orientação e até tratamento dos casos de fertilidade e infecundidade, o que naturalmente tem importância para o caso sobretudo dos casais jovens que são precisamente aqueles em que incide o maior número de abortos (80 % nas estatísticas francesas).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se justificam mais conceitos pseudomorais, estamos a tratar de assuntos fulcrais da vida e de inter-relação social.
Parece-nos que ainda que, como que a medo, e de maneira pouco assumida e entusiástica o Grupo Parlamentar do PSD apresentou o seu próprio projecto sobre esta questão.
Já referimos algumas reservas que lhe encontrámos tal como o fazemos em relação a algumas formulações paradoxalmente para nós demasiado audazes como seja a da fácil esterilidade a partir dos 25 anos.
Há que afirmar, todavia, que para o MDP/CDE os projectos, do PCP e do PSD aqui apresentados, merecem a nossa inteira aprovação na generalidade e são um
contributo importante para o desbloqueamento intelectual e cívico da sociedade portuguesa.
Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PCP e da deputada Natália Correia, do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Matos.
O Sr. Manuel Matos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É hoje largamente reconhecida a importância da educação sexual como componente da educação global dos cidadãos. Dos mais variados quadrantes, vem a adesão à sua inclusão nos currículos escolares. Vão longe os tempos em que o tema era tabu, ou reputado excessivamente audacioso. São hoje isoladas as vozes que contra elas se erguem e quando o fazem, adoptam as mais das vezes posturas enviezadas e indirectas.
Apesar de tudo isto, o facto é que foi necessário introduzir, no quadro dos projectos de lei em discussão, a proposta de inclusão da educação sexual nos programas escolares, bem como alertar para a urgência da sua aprovação.
Trata-se de pôr termo rapidamente a uma situação absurda e insólita de desairosas consequências sociais.
É que, no sistema de ensino português, neste ano de 1982. a educação sexual não existe. Há um vazio nos programas. Nos programas do ensino primário, nem sequer uma tímida sugestão nesse sentido. Tudo o que conseguimos encontrar à volta do «corpo humano» é expressa nos seguintes tópicos: «Corpo humano: identificar as partes do corpo humano (cabeça, tronco e membros) e relacionar funções vitais com órgãos do corpo humano, (digestiva, respiratória, circulatória, excretora)».
E é tudo. Como podemos observar, para a perspectiva que em 1980. alguns responsáveis da AD tinham no sector da educação, o corpo humano digere, respira, tem coração e pulmões, excreta inclusivamente, mas continua a vir de Paris ou de burro de moleiro, como se diz em certos meios rurais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Importaria aqui recordar a esses bucólicos responsáveis que, ao fazerem de conta que a função de reprodução não existe, só contribuem para agravar a visão deformada que se tenha - a ausência de uma educação sexual correcta não faz desaparecer o problema; reforça a tendência para o adulterar, com toda a carga de interditos que tal atitude de fuga sugere.
Mas, o que é mais doloroso e o que toma moral e politicamente insuportável a atitude desses responsáveis é saber-se que a educação sexual já tinha dado os primeiros passos na escola primária com os programas chamados «cor de laranja», introduzidos em 1975. E em termos tão simples e tão naturais foram dados esses passos, que choca pensar como houve entre nós, no Portugal de 1980, hipocrisia, deformação ou tacanhez bastantes para os apagar.
Não resisto à tentação de vos apresentar. Sr. Presidente e Srs. Deputados, ipsis verbis - os termos em que o tratamento era sugerido nos programas do ensino primário em 1975, para a 2.ª fase: «Crescimento e desenvolvimento: evolução genérica do crescimento do homem (períodos intra-uterino, recém-nascido. criança, adolescente, adulto e velho). Sugestões de actividades: conversar sobre a reprodução humana; identificar os caracteres sexuais pri-
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mários; identificar pela observação de pessoas, de fotografias, de ilustrações, várias fazes do desenvolvimento do homem: período intra-uterino; recém-nascido: criança e adolescente: adulto e velho. Conversar sobre as idades em que o homem necessita de cuidados especiais (focar, em especial, a infância e a velhice).»
Pois bem, de uma penada, a insensibilidade e a incompetência riscaram, sem pestanejar, todo este campo de sugestões onde o encantamento e a poesia eram possíveis ao serviço da nossa origem e da nossa caminhada.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Este retrocesso é tanto mais incompreensível quanto é certo que a realidade sociológica da nossa juventude se move exactamente ao contrário, a maior parte das vezes desacompanhada de meios mínimos de defesa.
A opinião pública portuguesa, e particularmente os pais. reflectem as preocupações de uma juventude a quem se nega os apoios mais elementares de defesa e orientação, mas a quem depois se não hesita em assacar toda a responsabilidade. De facto, segundo sondagens recentes (Junho de 1982). a maioria dos portugueses deseja educação sexual nas escolas. É que «a posição de avestruz» tem resultados demasiado graves para que possa manter-se por mais tempo. Talvez a este propósito, não seja irrelevante referir-se que o único grupo etário, onde a taxa de fecundidade aumenta é a adolescência e que a percentagem de mães solteiras, nessa faixa etária atinsia em 1978 os 29,3 %.
Donde as propostas do PCP. Elas têm âmbito bem delimitado. Mas representam uma atitude necessária e coerente. São susceptíveis de reunir um largo consenso e já tiveram os seus efeitos positivos. Efectivamente, logo após a apresentação pública do projecto do PCP. começou-se a ouvir da pane de responsáveis do Ministério da Educação referências à necessidade de incluir nos programas escolares matéria atinente à educação sexual. E, embora tardiamente e com excessiva vacuidade, podemos ler no projecto do PSD o reconhecimento dessa mesma necessidade.
Aguardamos com curiosidade que efeitos tal decisão irá determinar, nas hostes do CDS, que numa reunião recente da Comissão da Condição Feminina recusou frontalmente a ideia da educação sexual nas escolas, alegando que isso representaria a estatização e colectivização do processo educativo.
Risos do deputado César de Oliveira (UEDS).
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa não modelar programas mas há que traçar directrizes claras. As propostas do PCP são claras quanto aos fins: trata-se de garantir que da acção da escola resulte uma contribuição positiva para o desenvolvimento dos jovens, com vista ao exercício livre e responsável dos seus direitos, bem como para a superação das discriminações em razão do sexo e da divisão tradicional de funções entre a mulher e o homem. Ao preconizar-se o ensino de conhecimentos científicos sobre anatomia, fisiologia, reprodução e sexualidade humanas, fica desde logo sublinhado que se trata de aspectos profundamente interligados. Mas não se pormenorizam excessivamente as orientações a adoptar. Detalhadamente se limitou o âmbito da lei à definição de gerais, uma vez que, por cada nível de ensino, n conteúdos e métodos próprios, cabendo aos docentes o importante papel e responsabilidades na adequação de uns e outros às características e necessidades dos jovens a que se destinam.
É de resto, a preocupação de garantir essa intervenção dos docentes que explica a expressa previsão de que a formação inicial e permanente dos professores dos níveis primário e secundário deverá proporcionar-lhes o conhecimento cientifico e uma compreensão aprofundado da problemática da educação sexual, em particular no que diz respeito aos jovens.
É evidente que o papel dos pais e do agregado familiar é fundamental neste processo e estão fora de dúvida os direitos e responsabilidades que lhes cabem nesta matéria.
Mas é verdade também que um pouco por toda a parte por razões económicas e de realização profissional, desde cedo se limita o tempo de convívio entre pais e filhos a unidades de tempo mínimas, e mesmo assim, em condições psicológicas deficientes, frequentemente. Por outro lado. há o cansaço resultante do ritmo de vida actual, agravado quantas vezes por péssimas condições de trabalho de habitação e transporte: e há. também, a falta de informação/formação de certos pais que não podem dar o que nunca receberam.
O Estado tem. em qualquer caso, responsabilidades que não podem enjeitar.
Remetida para o domínio das trevas, enquanto aí permanecer, a problemática sexual conservará, para malefício de todos nós, o seu duplo estatuto: o prestígio do proibido e a face da culpabilização.
Esta não pode ser a perspectiva que a Assembleia da República tem para oferecer às gerações futuras. É preciso atacar o problema de frente com a correcção que a questão recomenda, consciente de que muitos são os obstáculos, o maior dos quais nem sequer foi aqui aflorado, porque sobrepuja de longe o eixo das nossas preocupações, como é evidente. Trata-se do modelo de sociedade que temos, onde a sexualidade é explorada como mercadoria altamente lucrativa, onde a figura da mulher é um isco de publicidade ao serviço do espírito consumista. onde a discriminação entre os sexos é a expressão da desigualdade mais profunda entre os homens.
A educação sexual, pelo espaço de diálogo e confiança que abre entre os homens, e entre os jovens e os adultos, pode oferecer também uma outra visão do mundo e do homem, em busca da cooperação, da paz e da alegria de viver num futuro melhor.
E para isso que esta Assembleia tem o dever de contribuir.
Aplausos, do PCP do MDP/CDE e do Sr. Deputado César de Oliveira, da UEDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, depois. desta intervenção o Partido Comunista Português dispõe, apenas, de 2 minutos.
Sr.ª Deputada Teresa Ambrósio. pediu a palavra para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado?
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sim. Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Teresa Ambrósio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação da pane respeitante à educação sexual do projecto de lei do PCP dá origem a que eu lhe ponha algumas perguntas, na medida em que é, realmente, a pane que eu considero mais fraca, de entre os 3 projectos apresentados
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Evidentemente, todos estamos de acordo com o objectivo fundamental: não há planeamento familiar sem que haja, de início, uma educação sexual. Eu diria mesmo, que essa educação sexual não é apenas, nem exclusivamente - nem deve ser apenas, nem exclusivamente - formulada relativamente aos jovens. No entanto, sem dúvida nenhuma, é a camada jovem que mais deve merecer a nossa atenção. Simplesmente, a forma como no projecto de lei é formulada levanta-me questões e toca a sensibilidade. Por isso. o que vou dizer faço-o em tipo de pergunta: através da discussão que fizeram e da audição de algumas pessoas, conseguiram ou têm algumas propostas de alteração?
Aqui, mais uma vez o digo, a Assembleia pecou por defeito, não ouvindo alguns especialistas na matéria. Por exemplo, para além dos especialistas, poderiam ter sido analisados estudos feitos e - recordo -, o 3.º Encontro sobre a Adolescência, realizado há 2 semanas, e onde experiências de psicólogos, psiquiatras e educadores foi extremamente significativa relativamente a como se pode e deve fazer educação sexual.
Ora bem, tudo me parece no projecto do PCP como uma educação sexual extremamente escolarizada, extremamente cientifizada e esse aspecto repugna-me, na medida em que numa concepção ampla de educação, a educação sexual tem de ter outros componentes, sem dúvida nenhuma, formadores da personalidade do indivíduo. Repito, portanto, componentes valorativos. éticos, religiosos e morais: componentes de equilíbrio emocional que têm que estar na base de um desenvolvimento equilibrado da personalidade.
A experiência da educação sexual na Europa é já de há muitos anos - e refiro-me expressamente à experiência da educação sexual na Suécia, que já teve uma avaliação depois de 20 anos - e leva-me, verdadeiramente, a repudiar a educação sexual nas escolas, feita exclusivamente através da informação do ensino. Aliás, leva-me também a concluir que é extremamente dúbia a possibilidade de formar professores especializados, ou dar uma valência a todos os professores de maneira a que essa informação seja verdadeiramente integrada no processo educativo.
V. Ex.ª disse, há bocadinho, que é fácil dar a informação através dos vários programas, envolvida no encanto e na poesia. O encanto e a poesia é pouco. Sr. Deputado. O encanto e a poesia será uma forma de não chocar a sensibilidade, mas os valores éticos, e simultaneamente, a componente emocional - essa sim, é muito importante - são importantes. Vejo dificuldade em que determinados professores possam vir, mesmo que ensinados, a dar essa contribuição. Esta problemática é muito larga, envolve conceitos de educação, obriga a uma reflexão amadurecida e, portanto, a pergunta que deixo e que é, também, uma perplexidade face ao vosso projecto de lei, é se já têm alguma alteração prevista que necessariamente virá a ter de ser feita.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Matos, tem a palavra para responder, mas peco-lhe que se circunscreva ao tempo disponível de 2 minutos.
O Sr. Manuel Matos (PCP): - Sr.ª Deputada. V. Ex.ª não ignora, pelo contrário, que a problemática da educação sexual é vastíssima e, naturalmente, não esperaria que da parte do meu partido fosse apresentado um projecto que contemplasse todos esses requisitos que, naturalmente, são matéria e trabalho de discussão na especialidade.
Para além disso, a Sr.ª Deputada também não ignorará a delicadeza da questão e nem sequer ignorará - digamos assim - um certo esforço do partido no poder no sentido de ignorar ou manter esta questão mais ou menos adormecida.
Pensamos que não é um mérito menor trazer esta questão - ainda que enquadrada em princípios muito gerais - de modo a que ela, pelo menos, possa ser ou pretextar uma discussão alargada, aprofundada e, naturalmente, melhorada e adaptada à realidade que somos.
Foi muito com esse objectivo - e de certa maneira foi intencionalmente - que neste aspecto da educação sexual deixámos o projecto de lei a um nível bastante fluido, a um nível capaz de aceitar contribuições da parte de deputados das outras bancadas. Com certeza que ao nível da discussão na especialidade todos esses elementos serão tidos em conta, serão encorpados, e que as preocupações que a Sr.ª Deputada manifesta terão, naturalmente, a sua salvaguarda.
O Sr. Presidente: - Neste momento, tinha a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé. No entanto, como não está presente, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Lara.
O Sr. Sousa Lara (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu partido referiu na sessão de ontem as suas discordâncias de especialidade relativamente ao projecto de lei n.º 307/II, deixando transparecer a sua posição de concordância na generalidade e esperando o acolhimento das sugestões que formulou no sentido da melhoria do articulado.
A posição oficial do meu partido relativamente à legalização do aborto é, como sabe, negativa, embora tenhamos dado, e muito bem, aos deputados liberdade de voto, por se tratar de uma decisão de base essencialmente ética.
A seu tempo os deputados do nosso grupo parlamentar justificarão os seus pontos de vista sobre este assunto. Hoje, estamos confrontados com 2 projectos de lei relativos ao direito do planeamento familiar e educação sexual, ambos com aspectos positivos e negativos, se confrontados entre si e ainda em relação aos princípios que defendemos. Considerando, como consideramos condenável o aborto, devemos patrocinar um conjunto de soluções concretas que se ofereçam como alternativa efectiva à solução da interrupção voluntária da gravidez. Essa atitude passa, necessariamente, pela assunção de uma política de planeamento familiar e de educação sexual.
Relembro, por outro lado, o princípio ideológico fundamental que nos rege neste domínio, ainda ontem referido, e que se traduz em reconhecer o papel prioritário e preponderante dos pais na educação dos filhos, designadamente na escolha do tipo de educação a ministrar na infância e na selecção dos parâmetros basilares e essenciais enquadrantes da enculturação do menor, aliás em consonância com o disposto nos artigos 67.º e 68.º da nossa Constituição.
O Sr. António Moniz (PPM): - Muito bem!
O Orador: - Num e noutro projecto, o papel dos pais relativamente à educação sexual dos filhos menores é ignorado ou relegado a um plano muito secundário e meramente supletivo.
São, para nós, graves lacunas que, a não serem corrigidas, nos impedirão definitivamente de votar favoravelmente qualquer dos projectos.
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Quando à informação e divulgação a promover pelas escolas ou pelas comunidades, elas deverão respeitar, para além de outros quesitos acautelados nos projectos de lei a decisão dos pais sobre o tipo de instrução a ministrar aos filhos de cuja educação estejam encarregados. Deverão, ainda, ter em conta as posições expressas pelas confissões religiosas sobre a utilidade dos métodos contraceptivos livremente expostos e publicitados e gratuitamente distribuídos.
O mesmo se deverá referir em relação à inseminação artificial, à esterilização voluntária, caso venham a ter acolhimento legal. Existem algumas dúvidas no meu grupo parlamentar quando à adopção destes 2 institutos, principalmente em relação ao segundo que, no entendimento de alguns, é contrário a uma posição jus-naturalista, uma vez que envolve a destruição voluntária e irreversível de um elemento essencial da natureza.
Aguardemos que na discussão da especialidade se possa melhorar com a nossa perspectiva o texto que vier a ser aprovado, para que então possamos dar-lhe o nosso apoio em votação final global.
Aplausos do PPM e da alguns deputados do PSD.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr Vice-Presidente Tito de Morais.
O Sr. Presidente: - Estava inscrita a seguir a Sr.ª Deputada Ercília Talhadas, que dispunha apenas de l minuto. Uma vez que não está presente, dou a palavra ao Sr. Deputado Jorge Miranda.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como a propósito do anterior projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português acerca da defesa da maternidade, também não quero deixar de emitir a minha opinião nesta Assembleia sobre os 2 projectos de lei, um do Partido Comunista Português, outro do Partido Social Democrata acerca do planeamento familiar.
E poderia dizer algo de semelhante ao que disse há momentos: exactamente porque sou contra o aborto e a legalização do aborto, sou a favor do planeamento familiar e do regime adequado e justo do planeamento familiar.
Mas, mais do que isso, não se trata apenas de uma posição de reacção negativa em relação ao aborto, trata-se, também, e antes de mais, de conceber o planeamento familiar como um direito fundamental das pessoas, uma forma de estruturação adequada de uma sociedade que se pretende justa, e ainda, uma forma de integrar a família dentro dessa sociedade em relação com o Estado.
Os vectores fundamentais da minha concepção de planeamento familiar são 4: em primeiro lugar, o planeamento familiar é um direito dos cidadãos, não é uma incumbência do Estado. Ainda que importe uma incumbência do Estado, eu entendo que o planeamento familiar tem de ser construído a partir da sociedade e não a partir do Estado.
Congratulo-me, de todo o modo. com o facto de ambos os projectos de lei falarem em planeamento familiar. Lamento que em 1975. na Assembleia Constituinte, não tivesse sido aprovada a proposta que eu próprio e outros deputados apresentámos no sentido de na Constituição se falar em planeamento familiar.
Em segundo lugar, o planeamento familiar envolve para o Estado não apenas a necessidade de uma consagração legislativa mas, também, a necessidade de uma pre-disposição de meios económicos, sociais e culturais, e também, de meios jurídicos no sentido de o direito dos cidadãos vir a ser. efectivamente, cumprido.
Também não bastará, nesta matéria, contentarmo-nos com qualquer formalização legislativa: haverá que avançar no sentido da criação de verdadeiras estruturas que vão ao encontro de todos os cidadãos.
Em terceiro lugar, para mim. o planeamento familiar é familiar. É planeamento e é familiar. Ele tem de tomar como sujeitos activos as famílias. Um qualquer planeamento feito à margem das famílias, feito à margem dos pais, à margem da integração afectiva que a família, só ela, proporciona, esse planeamento é distorcido, não corresponde à verdadeira função de um planeamento familiar.
Em quarto lugar, o planeamento familiar deve ser dirigido à pessoa, a todas as pessoas, na sua totalidade fisiológica, moral e espiritual.
Em quarto lugar o planeamento familiar deve ser dirigido à pessoa, a todas as pessoas, na sua totalidade psicológica, moral e espiritual. O planeamento, em última análise, destina-se ao desenvolvimento da personalidade humana e essa personalidade tem, também, uma dimensão moral.
É a partir destes 4 vectores que eu aprecio os 2 projectos de lei que agora são sujeitos a esta Assembleia.
No tocante ao projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista Português, parece-me que não contempla suficientemente o papel da família, e em particular dos pais. no planeamento. Suponho que essa deficiência poderá ser corrigida ainda que possa ser entendida como traduzindo uma concepção que não é minha.
Por outro lado. como já foi notado em particular pelas Sr.ªs Deputadas Natália Correia e Teresa Ambrósio, o projecto de lei do Partido Comunista Português encara a educação sexual apenas, ou praticamente só. na perspectiva ideológica e não também na perspectiva moral e religiosa. No entanto as respostas que foram dadas há momentos pelo Sr. Deputado Manuel Matos, depois de uma intervenção que. ao contrário de outras que aqui ouvimos, primou pela objectividade e serenidade, levam--me a admitir que haverá abertura no sentido de uma melhoria e de um aperfeiçoamento do projecto indo ao encontro destas minhas preocupações.
Quanto ao projecto de lei subscrito por deputados do Partido Social Democrata, se porventura assenta numa concepção globalmente mais próxima da minha do que a do Partido Comunista Português, contém, no entanto,- 2 preceitos com os quais não posso de nenhum modo concordar: o artigo 8.º em que se admite a inseminarão artificial sem limites e o artigo 10.º acerca da esterilização voluntária.
Estes 2 preceitos põem em causa, pelo menos da maneira como se encontram redigidos, princípios que „ reputo tão fundamentais que não poderia dar a este projecto do Partido Social Democrata senão l voto negativo. Reservando pois, em relação ao projecto do Partido Comunista Português, a minha posição para amanhã, quero desde já dizer que votarei contra o projecto do Partido Social Democrata.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se os Srs. Deputados Jaime Ramos e Zita Seabra para pedirem esclarecimentos. Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.
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O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Deputado, queria dizer-lhe que possivelmente não ouviu a minha intervenção de apresentação do projecto de lei sobre o planeamento familiar do PSD. Em nome da bancada do Partido Social Democrata e em relação aos 2 problemas que pôs - quer o da inseminação quer o da esterilização -, quero dizer que vamos entregar na Mesa uma proposta de eliminação dos n.º 2 e 3 do artigo 10.º, que diz respeito à esterilização em relação aos deficientes. Também em relação ao artigo 8.º achamos que, embora só talemos aqui em inseminação artificial, ela deve ser regulamentada. Não quisemos, em todo o caso, falar de regulamentação no projecto inicial. Pensamos que na Comissão se deve ter em consideração toda essa regulamentação necessária de acordo com as normas internacionais.
Uma vez que os 2 obstáculos que o Sr. Deputado pôs se colocam só nesta área. perante esta abertura do Partido Social Democrata gostaria que a ASDI referisse a sua posição, na medida do possível, em relação a esta alteração do projecto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra, que como sabe, só dispõe de 1 minuto.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP) - Sr. Deputado Jorge Miranda, quero dizer-lhe que ouvi com muito interesse a sua intervenção.
A dificuldade, na pane da educação, em passar dos conceitos que se tem e da visão global que se pretende ter para normas jurídicas taxativas é muito grande e foi. para nós. extremamente complicado tentar ultrapassa-la.
Eu penso, Srs. Deputados, que todos temos a ganhar se conseguirmos fazer isso, uma vez que é muito fácil, por exemplo, fazer um discurso, um artigo ou um livro do que os transformar em normas jurídicas taxativas que vão passar a obrigar todos os cidadãos.
Mas a pergunta que gostaria de lhe fazer vai acompanhada da intenção de mostrar, como disse o meu camarada Manuel Matos, a nossa abertura ao enriquecimento de todos os contributos e prende-se com outro ponto que é a questão dos jovens. De facto, da sua intervenção pareceu-me que defende que os jovens só deveriam ter acesso ao planeamento familiar quando acompanhados dos pais. Não fiquei com uma ideia muito clara da sua opinião, mas julgo que V. Ex.ª mostrou defender isso
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Não. Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Se estou enganada felizmente que assim é.
Aqui todos sabemos que o drama é este: é que os jovens que têm pais que os acompanham ao planeamento familiar não precisam dele para nada. Os outros que não têm pais que os acompanhem - e nós sabemos que o único grupo etário onde a taxa de natalidade está a subir é o dos menores - é que têm os problemas gravíssimos já aqui focados pelos Srs. Deputados que sobre isso já hoje se pronunciaram
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda para responder.
O Sr. Jorge Miranda (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Responderei gostosamente aos pedidos de esclarecimento que me foram apresentados.
No tocante ao pedido apresentado pelo Sr. Deputado Jaime Ramos queria dizer o seguinte: seria para mim condição essencial de aprovação deste projecto de lei que ficasse claro, em relação ao artigo 8 º, que a inseminação artificial apenas poderia ser feita dentro do casal. Esta matéria, portanto, teria de ficar neste preceito legal e não poderia ser devolvida para qualquer regulamentação ou para qualquer legislação posterior.
Portanto, quando no artigo 8 º do projecto se fala em inseminação artificial deveria ficar claro e preciso que era apenas passível de realização dentro do casal.
De nenhum modo poderia admitir que qualquer dúvida ficasse ou que qualquer margem de liberdade fosse devolvida à Administração Pública - porque isto é uma lei que vai ser concretizada através dela - em domínio tão delicado e tão fundamental como este Para mim esta é uma questão fulcral no projecto de lei É uma condição sine qua non de aprovação ou não do projecto.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Deputado?
O Orador: - Com certeza, Sr Deputado.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Eu queria colocar aqui 2 situações: uma diz respeito à mulher solteira poder ou não fazer inseminação artificial e a outra refere-se àqueles casos em que há completa impossibilidade do homem ou da mulher de produzirem o óvulo ou o espermatozóide e á admissão que se utilize uma inseminação heteróloga com um terceiro desde que isso seja bem regulamentado.
O Orador: - Sr. Deputado, eu não admito isso. De acordo com os meus princípios não admito.
Quanto à esterilização, há momentos não tive ocasião de o dizer, mas. mais chocante do que a questão da idade era para mim, a possibilidade, prevista no n.º 2 do artigo 10.º. de esterilização dos deficientes.
Congratulo-me com a proposta dirigida à supressão deste número.
Por conseguinte a minha posição pessoal - não se trata de uma posição da ASDI - continuará dependente dessas modificações.
No que diz respeito à Sr.ª Deputada Zita Seabra que me fez 2 perguntas, quanto à educação sexual tem toda a razão pois é extremamente difícil definir o seu âmbito ou conteúdo.
Todavia, no n.º 2 do artigo 1.º do projecto de lei do Partido Comunista Português, diz-se:
Os programas escolares incluirão, de acordo com os seus diferentes níveis, um ensino de conhecimento científicos sobre anatomia, fisiologia, reprodução e sexualidade humanas.
Não se fala nos outros aspectos a que já esta tarde as Sr.ªs Deputadas Natália Correia e Teresa Ambrósio se referiram, designadamente a matérias de literatura, de moral, de religião e de filosofia que também importam para um conhecimento da sexualidade.
Quer dizer, no projecto do Partido Comunista Português não se fala apenas em conhecimentos científicos sobre sexualidade, especifica-se desde logo quais são as áreas científicas abrangidas.
Por outro lado, a educação da sexualidade não pode ser. apenas feita na base de conhecimentos científicos, tem que ser também, baseada na afectividade e moralidade sexuais.
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Essas dimensões, para mim. essenciais numa educação sexual.
Quanto à segunda pergunta, eu não disse que a possibilidade de consultas de planeamento familiar aos menores deveria ser feita quando estes fossem acompanhados pelos pais. Concordo, no essencial, com aquilo que a Sr.ª Deputada Zita Seabra há momentos disse.
É evidente que há realidades terríveis que o legislador não pode escamotear. Seria uma pura hipocrisia, como o é aquilo que se tem feito no sentido de impedir os menores de fazerem consultas de planeamento familiar, que vai resultar em que esses menores recorram a outros métodos que não os do planeamento familiar e com os resultados que se conhecem, designadamente resultados abortivos.
É lamentável que forças políticas, que personalidades políticas que são contra o aborto não vejam o problema nesta perspectiva.
No entanto, o que aqui quis dizer foi que faltava ao projecto do Partido Comunista Português uma integração da família como sujeito activo dentro da problemática do planeamento familiar.
Uma manifestação possível dessa integração poderá ser o acompanhamento das consultas pelos pais quando isso for humanamente possível. Reconheço que o legislador não pode chegar até aí, mas, para mim, é também importante que deste projecto de lei, que a Assembleia da República venha afinal a fazer, conste a integração dos pais e da família na acção, na tarefa e na realização do planeamento familiar.
Essa foi a intenção da minha intervenção e do meu reparo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar para fazer uma intervenção.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Regozijo-me com a apresentação pelo PSD de um projecto de lei sobre o direito ao planeamento familiar.
É um projecto que marca a nossa vontade de dar pragmaticamente conteúdo aos artigos 67.º e 68.º da Constituição.
É um projecto que pretende dar um contributo para uma questão que tem a ver com as mais profundas aspirações das mulheres e dos homens dentro da família, com a sua capacidade de aceitar o desafio de transmitir a vida e de, fazendo-o, procurar a felicidade pessoal e assegurar a caminhada da humanidade num mundo que queremos melhor, nas condições oferecidas de educação e segurança social e económica, na assumpção da liberdade e nas manifestações da cultura.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - É um projecto onde, mais do que o aprofundamento de princípios filosóficos que lhe são subjacentes, ou o apuramento dos aspectos formais ou até a originalidade racionai das situações, se buscou a eficácia, avançando com um conjunto de meios que permitam atingir os objectivos constitucionalmente propostos da maternidade e da paternidade conscientes, o que tem fundamentalmente a ver com uma sociedade em que o querer de homens e mulheres vá gerar famílias psicologicamente mais fones e unidas, propiciando, pela voluntariedade e pelo controle quantitativo, o acréscimo da qualidade de vida, encontrado na exacta dimensão em que se conjugam factores de saúde, disponibilidades materiais, compatibilização com as escolhas profissionais dos conjugues e com os seus concretos projectos de futuro. Os filhos assim desejados, acompanhados e educados serão cidadãos com mais hipóteses de terem, no seu país. a parte de prosperidade e bem-estar que deve ser a sua. dominados que sejam injustos desequilíbrios e desigualdades, pelo acesso real à cultura e aos bens materiais.
A satisfação desse objectivo fundamental memorizou a preocupação de fazer obra perfeita e acabada. Reconhecemos que em vários aspectos carecerá o diploma de ajustamentos a serem feitos em sede de comissão. Tendo sido retirado do artigo 10.º os n.ºs 2 e 3. com o que pessoalmente me congratulo, nada me parece conter o diploma que não possa ai ser rectificado.
Sacrificou-se o acessório ao essencial, que é o de garantir às famílias a possibilidade de uma escolha racional e afectiva, por um lado e de, por outro, prevenir a prática do abono.
Para quem. como eu. considero que o aborto é sempre um acto de desespero e um fracasso, a recusa de deixar que a vida siga o seu curso vitorioso, o verdadeiro remédio reside na informação atempada e no recurso efectivamente fácil a métodos de contracepção que casuisticamente se ajustem às concepções morais e religiosas. Com este diploma se visa. assim, dar urgente resposta à questão da erradicação do abono que é, para além da valoração jurídica, uma questão de usos e costumes, uma questão social chocante, sabido que em condições de clandestinidade há e continuará a haver, por muito tempo, milhares e milhares de casos de miséria material e moral em que são todos os dias, sacrificadas as expectativas de existência do feto. e quantas vezes também a vida da mulher. Viver exige às vezes apenas, ao longos dos anos, a prática de serenas rotinas que não levantem questões de vida ou de monetária outras vezes reclama decisões graves em que a força de ânimo é testada ao ponto de as pessoas perderem ou ganharem um combate consigo mesmas, sujeitando-se ao julgamento da sua consciência e eventualmente ao dos outros - e refiro-me ainda ao abono.
É dever indeclinável do Estado garantir condições para a resolução humana dos problemas no vasto campo em que pode actuar. E o Estado pode actuar preventivamente criando, como agora se propõe, uma extensa rede de serviços em todo o território, onde nem as comunidades rurais, nem extractos da população com carências específicas, como é o caso dos jovens, sejam esquecidos: serviços cujo acesso seja gratuito e extremamente facilitado por uma correcta distribuição territorial e por uma intensa divulgação através dos meios de comunicação social e da colaboração com associações ou organismos privados: serviços que completem, em relação aos jovens, a acção insubstituível das famílias e conjuntamente das famílias e da escola.
O projecto poderá constituir uma etapa decisiva num processo necessariamente muito longo, como são todos os processos de sensibilização, de mentalização e de eticização dos comportamentos sociais.
O aproveitamento das informações, dos conhecimentos, da potencialidade dos serviços estaduais ou privados será. como é óbvio, progressivo e nessa progressão é que se irá vivendo o disposto na Constituição e nas leis.
Será progressiva e revelação dos valores femininos numa sociedade ainda largamente dominada pelo homem, nos aspectos sociais, económicos ou políticos, e por isso os papéis do homem e da mulher são no relacionamento
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concreto, ainda distorcidos por formas larvares de misogenia.
Será progressiva a plena realização pessoal da mulher dentro e fora do circulo familiar, como o será a dignificação do papel do pai tão frequentemente reduzido à sua dimensão extrafamiliar, profissional ou política.
Numa problemática tecida não só de valorações de ordem moral, como de resistentes preconceitos entricheirados entre as suas malhas, a força da lei só poderá crescer com a sua esclarecida aceitação Estarão com ela abertos caminhos que terão de ser percorridos pelos homens e pelas mulheres.
Aplausos do PSD, do PPM e do deputado José Luís Nunes, do PS.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?
Eu gostaria só de pedir um esclarecimento muito rápido à Sr.ª Deputada, e. se bem que nós já não tenhamos tempo, a UEDS prontificou-se a ceder-nos l minuto dos que ainda dispõe.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Ouvi com atenção a intervenção da Sr.ª Deputada, o que me sugeriu uma questão que muito rapidamente, gostaria de colocar.
A Sr.ª Deputada referiu, em relação ao problema do aborto clandestino, que ele continua - e continuará - a verificar-se aos milhares. Pergunto: não considera que se for aqui aprovado amanhã o projecto de lei que ora propomos e que vem resolver este grave flagelo social isso corresponderá a dar-se um passo decisivo para a resolução deste grave problema?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Manuela Aguiar.
A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Sr.ª Deputada lida Figueiredo: Julgo que a aprovação de uma qualquer lei no fundo resolve tão pouco o problema como a aprovação deste projecto de lei do planeamento familiar. Todas estas questões são sobretudo resolvidas na vida das pessoas, muito mais do que nos textos da lei.
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Estava ainda inscrito o Sr. Deputado Mário Tomé, que não se encontra presente na Sala.
Assim, declaro encerrado o debate sobre este projecto de lei.
A sessão de amanhã inicia-se às 10 horas e não terá período de antes da ordem do dia. A ordem do dia incluirá a discussão do projecto de lei n.º 309/II - Interrupção voluntária da gravidez - e a votação dos 4 projectos de lei que estiveram em discussão.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 35 minutos.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Maria Margarida Moura Ribeiro.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Natália de Oliveira Correia.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS)
António Fernando Marques R. Reis.
António Gonçalves Janeiro.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Joaquim Gomes.
Manuel da Mata de Cáceres.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Centro Democrático Social (CDS)
Adalberto Neiva de Oliveira.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares da Cruz.
João António Morais Leitão.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP)
Artur Mendonça Rodrigues.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Manuel Correia Lopes.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Popular Monárquico (PPM)
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PSD)
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amândio Anes de Azevedo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PSD)
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Vilar Ribeiro.
Carlos Mattos Chaves de Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Fernando José da Costa.
Fernando José F. Fleming de Oliveira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes Costa.
Francisco de Sousa Tavares.
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João Vasco da Luz Botelho Paiva.
José Mário de Lemos Damião.
José Vargas Bulcão.
Nicolau Gregório de Freitas.
Partido Socialista (PS)
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernandes da Fonseca.
António Egídio Fernandes Loja.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Abílio Cacito.
Mário Alberto Lopes Soares.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Centro Democrático Social (CDS)
Eugênio Mana Anacoreta Correia
José Augusto Gama.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Partido Comunista Português (PCP)
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel da C. Carreira Marques.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Manuel Tílman.
As REDACTORAS Isabel Barral - Maria Leonor Caxaria Ferreira.
Rectificação ao «Diário da Assembleia da República», n.º 132, de 13 de Agosto de 1982 (sessão suplementar da 2." sessão legislativa).
Não tendo sido incluída, por lapso, no Diário, n.º 132. uma declaração de voto, a título individual, do deputado da ASDI Vilhena de Carvalho respeitante à Lei Constitucional n.º 1/82. aqui se reproduz a referida declaração de voto.
E do seguinte teor.
A declaração de voto proferido formal e solenemente, em nome do Grupo Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI) pelo deputado e ilustre constitucionalista Jorge Miranda, traduzindo, inequivocamente, as razões fundamentais do voto partidário explicitado, corresponde também à minha posição individual como deputado.
Louvo-me nas razões invocadas para o voto positivo da Lei Constitucional n.º 1/82 e faço-o para que não possam ser suscitadas quaisquer dúvidas sobre se a posição colectivamente assumida pelo partido e grupo parlamentar em que me insiro é ou não coincidente com a minha própria posição sobre a revisão operada da Constituição.
A quando da comemoração do 2 º aniversário da Constituição, tive ocasião de. em plenário, formular o meu próprio juízo sobre as virtudes e os defeitos da lei fundamental (Diário da Assembleia da República, I Legislatura, 2.º sessão legislativa. 1.ª série. n.º 56, de 5 de Abril de 1978, pp. 2038 e segs.)
Regozijo-me com o facto de ter sido possível corrigir a maioria dos defeitos que lhe reconheci e mais ainda com o facto de terem sido preservadas e mesmo aperfeiçoadas as virtudes que a Constituição já continha. Certas soluções encontradas não mereceram, artigo a artigo, a minha aprovação, nem a do meu grupo parlamentar, como nos devidos lugares se acha documentado.
Mas. porque uma votação final é de balanço, sendo este em meu critério positivo, dai o meu voto final global em sentido favorável.
Resta-me a esperança de que a Constituição de 1976. agora revista, deixe por uma vez de constituir alibi ou pretexto para que os problemas fundamentais do país e do povo português continuem a ser adiados. Ao contrário, penso que a Constituição agora revista deverá funcionar como cartilha de direitos e obrigações, quer em relação ao conjunto dos cidadãos, quer em relação aos diferentes órgãos do poder e por tal forma, que possamos viver em paz, em liberdade, em tolerância e em justiça social
12 de Agosto de 1982. - O Deputado do Partido da Acção Social-Democrata Independente, Vilhena de Carvalho.
Rectificações ao «Diário da Assembleia da República», n.º 5, de 29 de Outubro de 1982 (intervenções do deputado do PPM António Moniz).
Na p. 92. col. 2 ª. l 45 e 46. onde se lê-as sucessivas administrações encolhendo os ombros» deve ler-se «encolhendo as sucessivas administrações os ombros».
Nas mesmas página e coluna, 1. 48. onde se lê «marterizada» deve ler-se «martirizadas».
Na p. 93. col. 1.ª. 1. 10 f . onde se lê «perante duas tristes alternativas» deve ler-se «perante uma triste alternativa».
Na p 95. col. 1.ª, 1. 5. onde se lê «ficarem muito espantados» deve ler-se «ficar muito espantados».
Na p 96, col. 1.ª 1. 1. 7 e 8, onde se lê «toda a sua fixação» deve ler-se «a sua fixação».
Nas mesmas página e coluna. 1. 8a 10. onde se lê «uma entrada brusca de arroz estrangeiro, sendo essa importação maciça e a entrada no mercado feita através da EPAC» deve ler-se «uma entrada brusca de arroz estrangeiro no mercado, feita através da EPAC».
Nas mesmas página e coluna, 1. 16 e 17, onde se lê «Também aqui foram feitas brincadeiras com números, perguntando-me» deve ler-se «Também aqui foram feitos malabarismos com números, sendo-me perguntado».
Nas mesmas página e coluna, 1 18, onde se lê «referindo» deve ler-se «referido».
Nas mesmas página e coluna. 1. 30 e 31, onde se lê «os agricultores devem tomar consciência dos seus direitos» deve ler-se «os agricultores devem tomar consciência da sua força e dos seus direitos».
Nas mesmas página e coluna. 1. 31 e 32. onde se lê «não se deixarem levar, como se deixaram levar no Alentejo» deve ler-se «não se deixarem levar constantemente como se deixaram levar no Alentejo».
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324 I SÉRIE - NÚMERO 11
Rectificação ao «Diário da Assembleia da República», n.º 6, de 30 de Outubro de 1982 (intervenção do deputado do PPM Sousa Lara).
Na p. 141. col 1.ª l 47, onde se lê «e não e pouco lembrá-lo» deve ler-se -e não é muito lembra-lo».
Na mesma página, col. 2.ª, 1. 28 e 29. onde se lê «O saldo final é altamente positivo e mais do que o Governo ou a maioria consensual aprovante. Portugal está de parabéns» deve ler-se «O saldo final é, portanto, altamente positivo. Mais do que o Governo ou a maioria consensual aprovante. Portugal está de parabéns».
Rectificação ao «Diário da Assembleia da República», n.º 7, de 4 de Novembro de 1982.
Na p. 152, col. 1.ª, as l. 35 e 36 foram incorrectamente reproduzidas, pelo que deve ler-se, em vez do publicado, o seguinte:
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Já lhe roubaram o discurso
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