Página 523
I Série - Número 17 - Quarta-feira, 24 de Novembro do 1982
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 NOVEMBRO DE 1982
Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Manuel António de Almeida Vasconcelos
Vítor Manuel Brás
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 8 e 9 do Diário.
Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos.
O Sr. Presidente saudou o regresso aos trabalhos parlamentares do Sr. Deputado Nicolau de Freitas (PSD), após acidente de que foi vítima.
Em declaração política, o Sr. Deputado Sá Fernandes (PSD) abordou, contestando, algumas das críticas que têm sido feitas aos Governos Regionais dos Açores e da Madeira. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento e a protestos dos Srs. Deputados Carlos Robalo (CDS), César Oliveira (UEDS), Herberto Goulart (MDP/CDE) e Mário Tomé (UDP).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Carlos Espadinha (PCP) criticou a política do Governo em relação ao sector das pescas.
Finalmente, também em declaração política, o Sr. Deputado Gomes Fernandes (PS) referiu-se a declarações recentemente proferidas pelo Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes.
O Sr. Deputado Manuel Masseno (PS) falou sobre irregularidades levadas a cabo na zona da reforma agrária.
O Sr. Deputado Adérito Campos (PSD) focou vários problemas com que se debate o concelho de Vale de Cambra.
O Sr. Deputado Sousa Marques (PCP) informou a Câmara do conteúdo de requerimentos que formulou ao Governo sobre questões relacionadas com a vila do Montijo.
Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, na generalidade, do pedido de ratificação n.º 203/II, do Decreto-Lei n.º 255/82, de 6 de Setembro, sobre a orgânica do Secretariado Nacional de Reabilitação, feito pelo PCP.
Além do Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida (Ribeiro Teles), intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Herberto Goulart (MDP/CDE), Lemos Damião (PSD), Vidigal Amaro (PCP), Henrique de Moraes (CDS), Mário Tomé (UDP) e Borges de Carvalho (PPM).
Finalmente, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Damásio Capoulas.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Fernando Alfredo Moutinho Garcês.
Fernando dos Reis Condesso.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Leite Machado.
José Manuel Pinheiro Barradas.
Página 524
524 I SÉRIE - NÚMERO 17
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuel Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Octávio Pereira Machado.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Victor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS)
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alfredo Pinto da Silva.
António Cândido Miranda Macedo.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António José Sanches Este vês.
Armando dos Santos Lopes.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Guilherme Gomes dos Santos.
Jaime José Matos da Gama.
José Gomes Fernandes.
José Jorge Gois Mendonça.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel Rodrigues Masseno.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.
Centro Democrático Social (CDS)
Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
António Mendes Carvalho.
António Paulo Rolo.
Carlos Martins Robalo.
Daniel Fernandes Domingues.
Duarte Nuno Correia Vasconcelos.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Henrique José Pereira de Moraes.
João José M. Pulido de Almeida.
João Maria Abrunhosa de Sousa.
José Alberto Faria Xerez.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Ferreira Castelhano.
Manuel Domingos Martins Moreira.
Maria José Paulo Sampaio.
Pedro Eduardo Freitas Sampaio.
Rui António Pacheco Mendes.
Partido Comunista Português (PCP)
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria lida Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António Cardoso Moniz.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Francisco Braga Barroso.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE)
António Monteiro Taborda.
Herberto de Castro Goulart.
Página 525
24 DE NOVEMBRO DE 1982 525
União Democrática Popular (UDP)
Mário António Baptista Tomé.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 8 e 9 do Diário, respeitantes às reuniões plenárias de 4 e 5 de Novembro corrente.
Pausa.
Como não há objecções, consideram-se aprovados. Vai proceder-se, de imediato, à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Cartas
Da comissão de trabalhadores da Messa, remetendo o texto que serviu de apoio à conferência de imprensa que deram no passado dia 19 do corrente.
Da comissão de trabalhadores da Alfândega de Lisboa, remetendo os duplicados de um comunicado emitido no dia 8 e de uma proposta aprovada no dia 10, ambos do corrente mês.
Da comissão de trabalhadores da UNIAGRI, com sede em Vale de Cambra, remetendo fotocópias de uma moção, um memorando e outros documentos elaborados pela comissão, relativamente à situação da Cooperativa.
Do secretariado distrital das UCPs/Cooperativas Agrícolas de Beja, remetendo fotocópias de uma moção aprovada pelos trabalhadores das Cooperativas Pioneiros da Reforma Agrária, Quintas e Muralha d'Aço sobre os concensos públicos para entrega de terras a agricultores.
De Maria de Lurdes Vilares, residente em Alfaião, concelho de Bragança, remetendo fotocópia do requerimento enviado ao Governador Civil de Bragança, solicitando o benefício de uma carreira diária para aquela localidade.
Ofícios
Da Junta de Freguesia da Mina, na Amadora, enviando em anexo 4 moções aprovadas na sessão que efectuaram no dia 27 de Outubro findo, sobre, respectivamente, falta de condições nas escolas, instalação do tribunal da comarca, instalação de um cartório notarial e instalação de novos 4 bairros fiscais naquele concelho.
Da Câmara Municipal de Mora, transcrevendo uma deliberação tomada na reunião ordinária que se realizou no dia 22 do passado mês de Outubro, sobre concenso público para entrega de terrenos pertencentes às cooperativas.
Da Câmara Municipal de Aljustrel, remetendo cópia da moção aprovada pela Assembleia Municipal que se realizou no dia 28 de Outubro transacto, sobre a problemática situação das pirites alentejanas.
Da Assembleia Municipal de Coruche, remetendo duplicado da moção aprovada em reunião realizada no dia 4 do corrente, sobre o Centro de Saúde.
Da Assembleia Municipal de Lagoa, remetendo fotocópia da moção aprovada em reunião realizada no dia 24 de Setembro passado, sobre a situação na Unidade Hoteleira Solférias.
Da Assembleia Municipal da Amadora, enviando fotocópias das moções aprovadas na reunião que efectuaram no passado dia 22 de Outubro, sobre serviços de notariado, instalação do tribunal sindical e arrendamentos comerciais.
Da Comissão Coordenadora Nacional dos Organismos de Deficientes e da Associação Portuguesa de Deficientes, enviando o texto de comunicados emitidos como alerta para a necessidade da rectificação do Decreto-Lei n.º 355/82.
Do Sindicato do Serviço Doméstico, com sede em Lisboa, capeando uma resolução aprovada por unanimidade, no Encontro Nacional das Trabalhadoras do Serviço Doméstico, realizado no passado dia 17 de Outubro.
Telegramas
De núcleos de deficientes, em número de 16, de apoio à pretendida revogação do Decreto-Lei n.º 355/82.
Da comissão sindical dos professores da Escola Afonso Domingues, repudiando a intenção do Governo quanto aos aumentos salariais e exigindo negociações com vista à melhoria das condições de vida e do ensino.
Diversos
Telex da direcção do Sindicato dos Pescadores do Distrito de Faro, sobre o Acordo Luso-Espanhol de Pescas e a sua incidência no Sotavento Algarvio.
Telex dos corpos gerentes eleitos do Sindicato dos Bancários do Norte, dando conta da existência de expedientes dilatórios que tem impedido a sua tomada de posse, alertando para os inconvenientes de tal situação.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, nas últimas reuniões plenárias foram apresentados na Mesa os seguintes requerimentos:
Reunião dó dia 18 de Novembro de 1982: ao Governo e a diversos Ministérios (9), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; aos Ministérios da Justiça e da Habitação, Obras Públicas e Transportes (2), formulados pelo Sr. Deputado Luís Filipe Madeira; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Joaquim Miranda e Jorge Lemos; ao Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pelos Srs. Deputados Jerónimo de Sousa e Sousa Marques; ao Governo (4), formulados pelo Sr. Deputado António Vitorino; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Arons de Carvalho, Jorge Lemos e José Manuel Mendes; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Amadeu dos Santos, e ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Ercília Talhadas e Artur Rodrigues.
Reunião do dia 19 de Novembro de 1982: ao Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pelo Sr. Deputado Adelino Teixeira de Carvalho, e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelos Srs. Deputados João Cravinho, Alfredo Barroso e outros.
Reunião de 22 de Novembro de 1982: a diversos Ministérios (4), formulados pelo Sr. Deputado Sousa Marques; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Matos; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre e outros, e à Câmara Municipal de Lisboa, formulado pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nota a Mesa, com satisfação e alegria, a presença na Sala do Sr. De-
Página 526
526 I SÉRIE - NÚMERO 17
putado Nicolau de Freitas, depois do acidente que sofreu. E porque o Sr. Deputado Nicolau de Freitas regressa hoje ao nosso convívio, julgo que é sentir unânime da Câmara testemunhar-lhe a satisfação pelo acontecimento e dar-lhe sinal do prazer com que todos o voltamos a ver entre nós, felizmente melhor.
Aplausos gerais.
O Sr. Nicolau de Freitas (PSD): - Obrigado a todos, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, em representação do PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desde algum tempo que se assiste ao propalar de uma série de opiniões e de declarações acerca das regiões autónomas que versam invariavelmente 2 temas: a inexistência de liberdades democráticas e os custos da insularidade. Esta subtil campanha, provindo, como se sabe, de sectores da direita e da esquerda totalitárias, tem por fim gerar o descrédito dos órgãos regionais, tentar reduzir-lhes o seu peso político a nível nacional e provocar a animosidade das populações insulares, fazendo-lhes crer, através de deturpações ardilosas, que as regiões autónomas têm tratamento favorável em relação ao Orçamento Geral do Estado e que constituem um fardo injusto para a Nação.
No referente às liberdades julgamos que não será só pelo despeito de não serem ouvidas pelas populações insulares, de não conseguirem implantar as suas ideologias nessas regiões autónomas que certas personalidades políticas barafustam a não existência de liberdades. Não! Trata-se, sim, de, antecipadamente, justificarem os fracos resultados que obterão na Madeira e nos Açores nas próximas eleições autárquicas!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Assim e, curiosamente, por métodos idênticos, facções antagónicas pretendem justificar a não aceitação pelas populações das suas ideologias e de não conseguirem convencê-las dos seus propósitos.
Por outro lado, não hesitam, na sua frustração, em insultar a grande maioria dessas populações, que desse modo rotulam de mentecaptos, e de dóceis subjugados de governos que não desejam ou que escolheram completamente. Insultam também os profissionais dos meios de comunicação social dessas regiões que implicitamente são apodados de submissos serventuários de executivos governamentais, de quem calam as críticas e a quem só tecem louvaminhas! Quão longe podem levar o despeito, a frustração e a fúria de não conseguir seguidores para as suas ideologias, programas políticos e modelos de sociedade?
Madeirenses e açorianos, nas 3 eleições que se sucederam ao 25 de Abril, votaram livre e maioritariamente a social-democracia, e votaram-na esclarecidamente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Com efeito, só quem não conhece, não compreende e não sente essas gentes é que teima em imaginá-las segundo padrões pré-concebidos, é que não sabe que a ideologia social-democrata lhe está imbuída na alma. São-no por índole. É a forma como entendem estar na vida, como viver em sociedade, como manifestar a componente liberal que desde tempos recuados da sua história sempre afirmaram e sempre viram cerceada e combatida. E por isto mesmo que são livres, e direi mesmo que nunca madeirenses e açorianos tiveram a cerviz tão aprumada como hoje em dia, governados por executivos sociais-democratas de sua livre escolha, a quem apoiam insofismadamente por larga maioria!
Aplausos do PSD.
Contudo, não restem dúvidas de que recusarão aqueles que traiam a social-democracia ou os que, por tácticas ou ardis políticos, lhe pretendam impingir gato por lebre. O insular é, por influência do meio natural onde nasceu e vive, intuitivo e desconfiado e não hesita em denunciar sem grandes alardes aquilo que não quer, dizendo-o frontalmente ou, simplesmente, fingindo não entender. Não se iludam porém quando usa este «não» passivo. É mais forte, mais obstinado e mais demolidor do que certas fanfarronadas a que noutros sítios assistimos.
'No referente aos custos da insularidade e das exigências que os executivos das regiões autónomas fazem com relação ao Orçamento Geral do Estado, é altura de desmistificar a situação. Queremos partilhar das dívidas e dos empréstimos em pé de igualdade com as populações continentais! Queremos, como constitucionalmente está consagrado, beneficiar do mesmo tratamento e ter acesso aos mesmos bens. Por isso, queremos que os caminhos de ferro cheguem até nós, que a Rodoviária Nacional nos sirva, que as auto-estradas e as estradas do continente se liguem às nossas, que as universidades e os hospitais estejam ao nosso alcance de comboio, de camioneta, de automóvel, de boleia ou a pé!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema que a insularidade suscita é demasiado sério para ser tratado demagogicamente e para ser aproveitado por forças que sobrepõem os seus interesses à solidariedade que deve existir entre as populações continentais e insulares!
Os desequilíbrios existem e devem ser discutidos, ponderados e compensados. É preciso que as populações continentais tomem consciência disso e não nos julguem sob a influência de mentalidades eivadas ainda de conceitos paternalistas e colonialistas. Os insulares equacionam constantemente o problema e sentem as carências que atrás ironicamente referi. É tempo de a Nação, no seu todo, reflectir seriamente sobre elas.
Finalizando - e dirijo-me aos que apostam na desestabilização e pretendem fazer jogos obscuros de xadrez político com as regiões autónomas -, lembro que o tabuleiro é nosso.
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Só o tabuleiro é pouco, Sr. Deputado. Não quer nem ao menos uma mesinha?...
Risos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra em primeiro lugar, o Sr. Deputado Carlos Robalo, a quem se seguirão os Srs. Deputados César de Oliveira, Herberto Goulart e Mário Tomé.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado Sá Fernandes, dir-lhe-ei que foi com certa estupefacção,
Página 527
24 DE NOVEMBRO DE 1982 527
ainda que limitada tendo em conta o hábito a que me vou acostumando, que ouvi a sua intervenção.
É que ouvir V. Ex.ª, em termos da Região Autónoma da Madeira, falar em desestabilização, falar em fanfarronadas é, de facto, motivo de estupefacção e quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que alguns dos esclarecimentos que lhe vou pedir peço os, fundamentalmente, não em função de desestabilização ou de fanfarronadas, mas, sim, em função do muito respeito que a população da Madeira me merece.
É óbvio que não preciso de informar V. Ex.ª das razões deste respeito, mas sempre lhe direi que possivelmente já trabalhei mais pelo interesse das populações da Madeira do que muitos daqueles que hoje acusam os outros de fanfarronadas. Mas não importa o passado, importa, isso sim, o presente!...
Assim, passarei a colocar-lhe algumas questões, das quais a primeira é esta: entende V. Ex.ª como normal e como liberdade total de informação que alguns jornais - ou um jornal -, portanto meios de comunicação social, não estejam autorizados a participar em, chamemos-lhe, conferências de imprensa de políticos continentais?
Em segundo lugar, concorda V. Ex.ª que, em termos de Região Autónoma da Madeira, se sobreponha a naturalidade à nacionalidade? E coloco-lhe esta questão naturalmente devido ao facto de o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira não reconhecer a um cidadão português o direito de desempenhar funções políticas no arquipélago da Madeira, porque esse cidadão só é «natural» pelo casamento; o que quer dizer que de acordo com o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira a naturalidade se sobrepõe à nacionalidade.
Mas, no caso de assim acontecer, pergunto eu: então que direito é que terá o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira, como natural da Madeira, para se pronunciar sobre problemas de um país se não reconhece aos outros esse direito?
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Vê-se mesmo que a AD está de «boa» saúde!...
Risos.
O Orador: - Em termos de custos de insularidade, eu também gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Sá Fernandes o seguinte: entende V. Ex.ª que também devem ser considerados os custos da interioridade? Mais: consegue uma justificação para que se aprovem subsídios a um governo regional que não viu ainda aprovado pela assembleia regional o seu orçamento, mas que considere no Orçamento Geral do Estado alguns milhões de contos para pagar os défices a esses orçamentos? Isto, Sr. Deputado, é o mínimo que eu lhe posso perguntar, já que a minha estupefacção perante a sua intervenção daria para muito mais, mas como não estou interessado em desestabilizações e em fanfarronadas fico-me por aqui, possivelmente até melhor oportunidade.
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
Risos do PS, do PCP e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Deputado Carlos Robalo, em resposta à sua primeira pergunta devo dizer que estranho que mencione aqui que há um jornal que
não está autorizado a tomar parte nas conferências de imprensa que aludiu, pois esse jornal, ao que me consta, é o Jornal da Madeira, que é um órgão de comunicação social da responsabilidade do Episcopado Português. Portanto o Governo Regional não tem nada a ver com isso.
Quanto à questão relativa aos custos da insularidade, devo dizer-lhe que estou absolutamente de acordo em que os custos de interioridade também existem e como tal também devem ser considerados.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - E os da exterioridade não contam?
Risos.
O Orador: - Quanto ao problema do orçamento regional informo que está a correr o processo da sua aprovação. Aliás, não vejo qual a relação que o Sr. Deputado Carlos Robalo faz. Onde é que o Orçamento Geral do Estado, na parte em que contempla às regiões autónomas, tem alguma coisa a ver com as questões que estão pendentes da aprovação do orçamento regional pela Assembleia Regional?
Creio que respondi a todas as questões que me colocou, Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - O Robalo agora marcou pontos!
Risos.
O Sr. Presidente: - Julgo que para protestar, tem a palavra, por 2 minutos, o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para protestar contra o facto de se entender que os orçamentos das regiões autónomas nada têm a ver com o Orçamento Geral do Estado, isto porque o meu conceito de Orçamento Geral do Estado radica exactamente no conceito de Estado, fazendo parte deste Estado as próprias regiões autónomas.
Em relação ao órgão de informação referido pelo Sr. Deputado na resposta que me quis dar, não me compete protestar, até porque no meu pedido de esclarecimento não nomeei qualquer órgão de comunicação social. Mas pelos vistos o Sr. Deputado tinha conhecimento da situação que se verifica...
Por último, também quero protestar contra uma indefinição, isto é, contra o facto de o Sr. Deputado não me ter referido qual é a prioridade que existe entre naturalidade e nacionalidade, pois eu - que também sou natural de qualquer sítio - sou em primeiro lugar nacional de um país.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Até que enfim que ficámos a saber que o deputado Carlos Robalo tinha nascido!...
Risos do PCP e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Deputado Carlos Robalo, eu não respondi a essa pergunta pela simples razão de que esta coisa da distinção nacional e natural é uma coisa que a nós nunca nos ocorre, nem isso me
Página 528
528 I SÉRIE - NÚMERO 17
passaria pela cabeça. De modo que quem pensa assim, que fique com essas ideias.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado, se me dá licença que o interrompa, é só para lhe lembrar que na última entrevista dada pelo Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira ele não reconheceu a representatividade nem a idoneidade suficientes ao presidente do CDS na Madeira, alegando que este não é natural da Madeira e que as ligações que possui com a Região Autónoma da Madeira lhe advêm, única e simplesmente, dos seus laços matrimoniais. Esta posição não é minha, Sr. Deputado; é do Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira.
O Orador: - Na continuação do meu contraprotesto, devo dizer que não estou aqui para responder a título individual, embora já não fosse a primeira vez que nesta Assembleia deputados usam as bancadas dos partidos para fazer ataques pessoais.
Portanto, eu não tenho procuração de ninguém e nem sequer estou aqui para responder a ataques pessoais. Vim aqui, sim, para discutir e expor consensos gerais.
Aplausos do deputado Guerreiro Norte (PSD).
O Sr. Silva Graça (PCP): - Então não há mais palmas?
O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem agora a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não há dúvida que a AD goza de «perfeita e boa saúde», a avaliar por esta pequena amostra com que iniciámos hoje os nossos trabalhos.
Sr. Deputado Sá Fernandes, considero que a sua intervenção é extremamente importante.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Obrigado, Sr. Deputado!
O Orador: - Gostaria, contudo, que, quando me respondesse, V. Ex.ª pormenorizasse as respostas e, sobretudo, que abandonasse um certo ar de simulação e de visão lateral característico do discurso político habitual em Portugal. De resto as minhas perguntas também serão muito concretas.
Falou o Sr. Deputado em direita e esquerda totalitárias, mas, em meu entender, em Portugal elas deverão ter nomes. Que forças políticas corporizam essas direita e esquerda totalitárias de que V. Ex.ª falou?
O Sr. Fernandes da Fonseca (PS): - Chega-lhe!
Risos.
O Orador: - V. Ex.ª falou também em alguém «que aposta na desestabilização e no jogo do xadrez obscuro com as regiões autónomas», mas disse «os que apostam». Ora o Sr. Deputado não pode com essa ligeireza fazer uma acusação tão grave. Portanto, quem é que aposta na desestabilização e quem é que faz jogos obscuros com as regiões autónomas?
Por outro lado, V. Ex.ª fez uma autêntica profissão de fé na social-democracia. Está no seu direito de a fazer e eu não tenho nada a ver com isso, mas uma vez que V. Ex.ª pertence a um partido que apoia, que integra este Governo, eu gostaria que me desse 2 ou 3 exemplos de uma prática social-democrata do actual Governo, para que eu fique a saber se de facto há uma identificação entre a social-democracia e a prática deste Governo.
Por último, gostaria de saber se V. Ex.ª se identifica com a posição política do Presidente do Governo Regional da Madeira quando ele propõe a dissolução imediata da Assembleia da República, uma intervenção radical do Sr. Presidente da República e a anulação da revisão feita à Constituição de 1976. Era só isto que eu queria ver esclarecido, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Sá Fernandes.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Deputado César de Oliveira, quanto à direita e à esquerda, devo dizer-lhe que, para além de tudo isso ser uma convenção, me referi a sectores de direita. Ora, os sectores muitas vezes não são. perfeitamente identificáveis. Sabemos por onde andam mas, infelizmente, não são identificáveis.
Quanto aos jogos de xadrez, evidentemente que existem. Não é por acaso que, de há uns tempos para cá, órgãos de comunicação social, certas e determinadas individualidades políticas e até o comum dos cidadãos resolvem ter opiniões acerca do que deveria ser e qual é a realidade das ilhas, enfim, como é que entendem a vivência de Portugal com as suas regiões autónomas.
Evidentemente que essas pessoas não são, digamos, franco-atiradores, devem estar inseridos em alguma concertação! Era exactamente a esse jogos que me referia mas que, infelizmente, também não posso dizer quem são os seus autores.
Quanto aos exemplos da prática da social-democracia no Governo, evidentemente que os tenho. E sobretudo nas regiões autónomas, onde não existe uma coligação e portanto se fala em social-democracia. É evidente que lá não há que seguir modelos que foram previamente acordados dentro de uma coligação como o que acontece no resto do país.
Quanto às opiniões expendidas pelo Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira, refiro-me a que essas opiniões são as dele próprio e que se eu tivesse alguma opinião que quisesse emitir - aliás, tenho opinião mas não a quero emitir - acerca desse assunto, fá-lo-ia aqui, mas não me quero pronunciar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para protestar, o Sr. Deputado César de Oliveira.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Sá Fernandes, continuo a considerar que a sua intervenção foi importante e que igualmente importante foi, sobretudo, a sua resposta acerca da prática social-democrata do Governo.
E digo isto porque acabou de referir que «este Governo não tem prática social-democrata porque, efectivamente, não a pode ter dada à coligação que tem».
Mas, Sr. Deputado, sem receio de ser mal interpretado - e já escrevi isto publicamente - gostaria de dizer-lhe o seguinte: um dos segredos do êxito do Dr. Francisco Sá Carneiro, à frente do PSD, foi a clareza política, a capacidade de dizer claramente, em cada instante o que queria e a maneira como haveria de o conseguir. Já escrevi isto e não tenho receio de o repetir.
Mas V. Ex.ª incorre agora na pecha contrária, fala em certas individualidades, certos sectores, e isso não contri-
Página 529
24 DE NOVEMBRO DE 1982 529
bui para a clareza do discurso político em Portugal. Adivinho que V. Ex.ª está com certas dificuldades em pôr, como se diz na minha terra, os nomes aos bois. Mas se V. Ex.ª tem a sensação de que é difícil pôr o nome aos bois, então não comece a fazer um discurso tauromáquico (risos), ou seja, não comece por se referir a problemas onde não pode dar o nome a quem o tem.
Então cai na pecha de repetir um discurso simulado, nebuloso, em que ninguém percebe coisa nenhuma. Assim, V. Ex.ª acabou por cair na pecha contrária daquilo que o Dr. Sá Carneiro nos deu exemplos a todos.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, penso que os esclarecimentos dados pelo Sr. Deputado Sá Fernandes, merecem desta bancada um breve protesto.
Era de facto ao abrigo do direito regimental - embora não me recorde qual o artigo que o permite - que pedia a palavra. De qualquer modo, ponho isso à consideração da Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que do esclarecimento que prestou à Mesa pode resultar o entendimento de que pretende exercer o direito de defesa.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, é de facto para exercer o direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso entender que neste hemiciclo um Sr. Deputado, representante de um partido democrático e, mais ainda, do partido majoritário deste país, limite a actuação de qualquer cidadão português a pronunciar-se sobre a vida política, económica, financeira ou social da Madeira, ou de qualquer região autónoma! É inaceitável que se tenha esse conceito de democracia!
Não me atrevo a dizer que aqueles que mais falam são aqueles que menos direito teriam a falar porque são aqueles a quem eu poderia referir as fanfarronadas e a falta de atitudes democráticas!
É, pois, nestes termos que tenho de exercer o direito de defesa porque me sinto numa Assembleia democrática e sinto-me com as respostas de um Sr. Deputado de um partido maioritário deste país!
Aplausos do CDS.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem direito de resposta, Sr. Deputado Sá Fernandes.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Bom, o Sr. Deputado Carlos Robalo referiu-se, por 2 vezes, às fanfarronadas.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Não fui eu!... Foi o Sr. Deputado!
O Orador: - Devo dizer-lhe que não sei porque é que entendeu que as fanfarronadas se dirigiam à direita ou a sectores de direita! Não teria empregue a expressão nesse sentido!
Uma voz do CDS: - A confusão é sua!
O Orador: - Quanto à ilação que tira em relação aos naturais e aos não naturais, aos nacionais poderem referir ou discutir problemas que são da Nação, por amor de Deus... Não sei que confusão é que faz! Também em nenhum momento do meu discurso se pode inferir tal coisa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart para pedir esclarecimentos.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Deputado Sá Fernandes: Não gostaria de intervir neste debate relativamente à questão levantada pelo Sr. Deputado e prejudicar estes indícios de amizade e de coesão no seio da Aliança Democrática...
Risos do PCP, do PS e do MDP/CDE.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor!
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado, gostaria de dizer-lhe que o Sr. Deputado Sá Fernandes referiu que na Madeira não havia Aliança Democrática. Além disso, quero dizer-lhe que não há alianças que limitem a liberdade! Se V. Ex.ª tem esses traumas em relação à esquerda, o problema é do Sr. Deputado e não nosso. Nem meu, nem do Sr. Deputado Sá Fernandes!
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
Era só isto que queria dizer-lhe.
O Orador: - Sr. Deputado Sá Fernandes, desculpe. Permita que me refira às palavras do Sr. Deputado Carlos Robalo.
Sr. Deputado Carlos Robalo, não fui eu que trouxe aqui à colação o facto de que a problemática das regiões autónomas não pode ser vista circunscrita às regiões mas num plano nacional porque são, de facto, parte de um todo nacional.
Sr. Deputado Sá Fernandes, gostaria de dizer-lhe que, de acordo com a sua intervenção, reconheço que a realidade social, económica, etc., das regiões autónomas é perfeitamente diferente da do continente. E penso, inclusive, que aqui no continente temos em geral uma má informação sobre o que se passa nas regiões autónomas. A culpa disso deve-se ao facto de a comunicação social não dar suficiente divulgação aqui no continente, não só da problemática referente às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, como dos vários acontecimentos que lá se vão passando.
O Sr. Deputado abordou 2 temas importantes: os custos da insularidade e a argumentação da inexistência, por algumas forças políticas, de liberdades democráticas nos Açores e na Madeira.
Não irei referir-me ao problema dos custos da insularidade por falta de tempo e por pensar que a matéria é suficientemente importante para não ser tratada de uma forma aligeirada. Gostaria, no entanto, de abordar o
Página 530
530 I SÉRIE - NÚMERO 17
problema das liberdades das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Não contesto que haja governos regionais com grande apoio maioritário, em termos de votos; não contesto que nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira não existam, pelo menos do ponto de vista formal, liberdades. E até ainda há dias aqui disse que penso que a nível da RTP há uma atitude de maior isenção nos Açores e até na Madeira, do que aqui no continente. Mas penso que uma coisa é a existência de liberdades formais; as pessoas não são presas, não há censura institucionalizada nos órgãos de comunicação social, as pessoas não são já - como foram em 1975 e 1976 - expulsas das regiões autónomas, com cobertura das autoridades!
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Tem havido um progresso!...
O Orador: - Mas, de facto, penso que não pode negar-se que nos Açores e na Madeira, existem hoje formas de pressão, formas de condicionamento da vontade do cidadão, e em particular do eleitorado, que partem não só do aparelho do estado regional como do próprio ambiente social criado nessas regiões. E, em concreto, gostaria de colocar algumas questões ao Sr. Deputado, uma vez que sendo deputado eleito pelo círculo da Região Autónoma da Madeira tem, naturalmente, conhecimento delas.
O Sr. Deputado tem ou não conhecimento que para o preenchimento de certos lugares do aparelho de estado regional, tem sido por vezes colocada a questão da prévia inscrição partidária para que o lugar seja atribuído?
Tem ou não conhecimento da situação de inúmeros cidadãos democratas, com passado antifascista, que são, impedidos - por vontade própria, é certo - de se pronunciar, de se manifestar, nessas regiões, por receio de perseguições profissionais que sobre eles poderão ser exercidas?
Perguntar-lhe-ia se, em termos de legalidade, o Sr. Deputado tem ou não conhecimento de situações como estas: por exemplo, da não aplicação da Lei das Finanças Locais, pelo Governo da Região Autónoma da Madeira, em que no ano de 1981 metade das verbas para as autarquias foram entregues, não pelos mecanismos da lei mas sim pelos de comparações, de dádivas do poder central regional, às autarquias, e mesmo assim num total inferior a cerca de 100 000 contos, ao total de verbas que do OGE central foram transferidas para a Região Autónoma da Madeira.
Quero ainda perguntar-lhe se o Sr. Deputado não tem conhecimento de que, especialmente na Madeira, se processam adjudicações sem limite de verbas, sem concurso público, por simples decisão atrabiliária do Governo Regional e se sabe o que se passa com a fiscalização das contas das regiões autónomas e com a instalação das secções regionais do Tribunal de Contas, na Madeira e nos Açores.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes, para responder.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Deputado Herberto Goulart, quanto à primeira pergunta que me faz, devo dizer-lhe que não tenho conhecimento, nem me lembro, de algum caso em que - por parte do Governo Regional da Madeira, neste passado próximo - as pessoas tenham sido preteridas devido às ideias políticas que perfilhem.
Mas no passado recente, e logo numa época depois do 25 de Abril, isso aconteceu normalmente, não na Madeira mas no país inteiro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, julgo que nenhum desses casos se verificou e até poderia referir - estou a lembrar-me, embora não venha para aqui citar nomes - lugares-chave no aparelho administrativo do Governo da Região Autónoma da Madeira, que são ocupados por pessoas que não são, nem por sombras, do PSD.
Quanto ao receio de perseguições, evidentemente que elas não existem. Há, é, muitas vezes e como se sabe, pessoas que têm a mania da perseguição!
O Sr. Mário Tomé (UDP): - É, é!...
O Orador: - Quanto à não aplicação da Lei das Finanças Locais, também contesto isso na medida em que a maior parte das verbas referentes às finanças locais não foram em tempo entregues. Houve, e tem havido, demoras nas transferências de verbas que lhes estavam atribuídas, por parte do Governo Central para o Governo Regional. Ora isso, como sabe, é uma coisa que às vezes acontece por outras razões e todos os casos, embora não dentro do calendário previsto, têm sido atendidos.
Quanto à questão dos subsídios, também admito que alguns tenham sido atribuídos a certas câmaras municipais e outras, muito poucas, talvez uma ou duas, os não tivessem recebido. Mas ponho também a pergunta: se o Governo Regional, por tutela do Governo Central, tem e deve exercer a tutela das câmaras municipais e se essas administrações não lhes oferecem confiança ou se há indício de que os dinheiros não são devidamente administrados, há ou não que exercer certas e determinadas cautelas?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Gostaria de trazer aqui à Assembleia o testemunho pessoal de que, de facto, quer nos Açores quer na Madeira, a voz corrente - e reconheço que há pessoas da oposição, que há pessoas do meu partido, que são elementos preponderantes nos governos regionais, não haverá muitos, mas haverá alguns, são situações de excepção - é de que hoje, para se estar nos lugares do aparelho de estado regional, nos aparelhos de estado excessivamente grandes que estão a ser criados, é necessária uma atitude de identificação política com o partido que hoje domina os respectivos governos regionais ou pelo partido que em exclusivo os compõe. E vou citar-lhe um exemplo concreto, que neste momento me está a ocorrer. O ano passado, na ilha de Porto Santo, falando com responsáveis de um outro partido da oposição, era-me citada a situação de um militante desse partido, elemento prestigiado e activo, que com a anuência da direcção local em Porto Santo, se tinha inscrito no PSD porque era a única forma de ter a garantia de lhe ser concedido um lugar de servente ou de guarda em quaisquer instalações.
A prova de que esta é uma situação algo corrente, é que a direcção local desse partido não tinha uma atitude de animosidade contra esse militante porque reconhecia que, infelizmente, ele tinha que fazer isso para poder ganhar para o sustento da sua família.
Página 531
24 DE NOVEMBRO DE 1982 531
Em relação à questão das finanças locais - e não vou falar da mania da perseguição pois naturalmente também haverá essa mania da parte de muitos democratas perante o ambiente social e uma posição dos governos regionais, que não é favorável - queria dizer-lhe que não se trata de um problema de entrega de verbas fora de tempo, mas é um problema de entrega de verbas por critérios partidários, de preferência política por esta ou aquela autarquia, em total desrespeito pela Lei das Finanças Locais e que em relação, salvo erro, a 1981, na Região Autónoma da Madeira, verbas que deveriam ser entregues seguindo critérios estabelecidos na Lei das Finanças Locais, foram-no pura e simplesmente de acordo com decisões de simpatia política ou de simpatia pessoal do Governo Regional, em relação às respectivas autarquias.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes, para responder.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Deputado, quanto a esse caso que citou, se realmente é necessário que uma pessoa confesse as suas ideologias ou aquilo que pensa para obter um lugar ou emprego, eu sou o primeiro a condenar veementemente esses métodos porque essa prática só vem de 2 lados que conhecemos perfeitamente do passado e que, certamente, se as coisas se modificassem, passaríamos de novo a conhecer. Aqui deixo também o meu protesto junto ao seu, se algum desses casos se verificou.
Quanto à questão da atribuição de verbas às câmaras municipais, também agradeço a sua crítica porque deve ser, realmente, uma discriminação dentro do partido! Isto porque na Região Autónoma da Madeira, todas as câmaras municipais são do PSD!
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Então?!
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Sá Fernandes, já muitas questões lhe foram colocadas, mas não queria deixar de também lhe colocar algumas.
Assim, começo por lhe perguntar se o conceito de social-democracia que impera, por exemplo, na Madeira tem a ver com aquela frase do Sr. Presidente do Governo Regional no sentido de que era necessário um governo de salvação nacional que tivesse a coragem de levar à prática uma política impopular. Quer dizer, o Sr. Presidente do Governo Regional da Madeira acha que a política que tem estado a ser praticada é popular. Deus nos livre daquilo que ele pensa que seria a política impopular do tal governo de salvação nacional.
Isto é só para introduzir a minha questão fundamental. Acerca das liberdades, toda a gente sabe o que disse o Sr. Herberto Goulart. Na Madeira ou nos Açores, aqueles que não pertencem ao PSD, os que não são da direita, os que não são da FLAMA ou os que não são fascistas, são perseguidos, Sr. Deputado. Os perseguidos são os homens de esquerda, os democratas e os antifascistas.
Por isso, o Sr. Deputado bem pode dizer que há lá homens que não são do PSD e que não são perseguidos. Pois não! Desde que sejam da FLAMA, desde, que sejam da FLA, desde que sejam fascistas, desde que sejam do CDS, não são perseguidos. Podem andar a discutir entre as «comadres» do PSD e do CDS porque, de facto, os inimigos são os revolucionários, os trabalhadores, os antifascistas, os democratas. É isso o que se passa. E esses não têm emprego, pois são expulsos dos empregos e são perseguidos.
Sr. Deputado, muito especialmente gostaria de lhe perguntar o que é que pensa em relação àquilo que se passou a propósito das eleições e das candidaturas para as autárquicas no Machico e em Santa Cruz, onde o partido com maior representatividade no Machico, que é a UDP - e é isso que o PSD não lhe perdoa -, foi impedido na Madeira de concorrer às eleições autárquicas por um secretário do tribunal que é da FLAMA, apoiado imediatamente por propaganda do PSD que, quando a UDP foi impedida de concorrer, distribuiu logo propaganda dizendo que a UDP e o Padre Martins estavam mortos politicamente.
O que é isto senão actuação concertada entre o PSD, as entidades governamentais e os fascistas da FLAMA para impedirem um partido revolucionário de concorrer às eleições no Machico, sítio onde de facto a UDP é maioritária.
Isto não é perseguição política, Sr. Deputado? Se aquilo que os Governos Regionais da Madeira e dos Açores pretendiam, que era ter a organização judiciária própria nas regiões autónomas, o que é que sucederia a este processo e a esta situação que na Relação de Lisboa teve decisão favorável à UDP? No entanto, se isso tivesse sido resolvido no Tribunal da Madeira, a UDP, com aquilo que pronunciava a actuação do PSD e do «flamista», do secretário fascista, teria sido impedida de concorrer às eleições.
Assim, gostaria que me dissesse qual é a sua opinião em relação a este assunto, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Deputado Mário Tomé, em relação às afirmações do Sr. Presidente do Governo Regional, que V. Ex.ª acabou de ceferir, volto mais uma vez a dizer que o Presidente do Governo Regional da Madeira é um social-democrata, é livre e é evidente que não estou aqui para corroborar ou para interpretar as afirmações que ele faz. Não se trata disso!
Quanto às suas outras afirmações, o Sr. Deputado realmente tira partido da ocasião que se lhe proporciona para dar a versão daquilo que entende como sendo as realidades da Madeira.
No entanto, devo dizer-lhe que na verdade não é assim. Como o Sr. Deputado sabe, a UDP não é, de modo nenhum, perseguida na Madeira. Até se tem afirmado no Machico e tem tido uma prática política que até aqui tem sido recebida dentro do jogo democrático. Nunca sofreu perseguições, e até lhe digo uma coisa: o incidente que há pouco o Sr. Deputado referiu ultrapassa-nos perfeitamente. É do foro dos tribunais e não tem nada a ver com o Governo Regional nem com os outros partidos. Aliás, isso foi resolvido e decidido em sede própria e, quanto a mim, foi-o muitíssimo bem.
Portanto, julgo que o caso está absolutamente resolvido.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Sá Fernandes, o secretário do tribunal a que me referi não
Página 532
532 I SÉRIE - NÚMERO 17
recebeu o processo da UDP, pois foi imediatamente secundado por propaganda distribuída pelo PSD, partido governamental, dizendo que a UDP e o Padre Martins estavam politicamente mortos no Machico.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe que a UDP não precisa nem quer, antes pelo contrário rejeita esse tipo de classificações que fez, a de que faz o jogo democrático. A UDP não faz jogo nenhum; a UDP luta revolucionariamente para transformar, quer aqui no continente quer nas ilhas, a situação para acabar com os governos reaccionários do PSD e da AD.
E o Sr. Presidente do Governo Regional reconhece isso quando no outro dia disse numa entrevista que a UDP era um grupo comunista primário de arruaceiros. Ele reconhece que a UDP não está para lhe aturar o jogo que ele chama de democrático. Ele sabe que a UDP não é intimidada pela sua actividade reaccionária e que mobiliza o povo para se levantar contra o Governo reaccionário do PSD na Madeira e contra o Governo reaccionário da AD no continente.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Sá Fernandes.
O Sr. Sá Fernandes (PSD): - Sr. Deputado Mário Tomé, agradeço-lhe o facto de me ter esclarecido quanto aos métodos e propósitos da UDP. Mas eu já os conhecia, e evidentemente que já toda a gente os conhece.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Já sabia?!
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.
O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vários são os factos que agravam cada vez mais o sector das pescas em Portugal.
Fomos «brindados» no início do mês passado com mais um aumento desastroso no preço do combustível. Isto depois do Sr. Secretário de Estado das Pescas numa das suas digressões ter dito que já estava em autorização um subsídio para o gasóleo, vem agora este aumento e de subsídio nada se sabe.
Não é só o gasóleo que aumenta desenfreadamente, são também todos os materiais destinados à produção.
É impossível que se possa continuar por muito tempo com alguma parte da actividade. Os peixes mantém-se nos mesmos preços ao produtor de há anos atrás, a sardinha, quando a pesca é mais abundante, continua a vender-se para a farinha e nalgumas vezes a jogar-se fora, como ainda recentemente aconteceu. E é sem dúvida esta a pesca que em termos económicos e em termos de divisas mais podia trazer ao país. E é a que mais sacrifícios passa em termos económicos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os pescadores, os armadores, todos os trabalhadores ligados ao sector, somos de opinião que não é com subsídios que se resolvem as crises. Mas no momento actual pensamos que para algumas actividades é mesmo necessário os subsídios para a sua sobrevivência, por outro lado achamos que estas verbas, se fossem gastas no desenvolvimento da indústria, beneficiariam muito mais o sector das pescas e todos os que nele trabalham.
Beneficiavam os pescadores, beneficiavam os armadores, beneficiava o país. Mas este Governo assim não quer: «Não desenvolveremos, damos subsídios, que com
isto vamos ajudando os nossos amigos intermediários parasitas que poderão continuar a comprar o peixe ao preço que eles querem», ou seja os pescadores continuarão a pôr à mercê dos intermediários o produto do seu trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão do serviço de lotas e vendagens anunciada pelo Governo é mais uma machadada nos interesses dos pescadores. O Governo quer pôr novamente nas mãos dos grandes comerciantes de pescado e dos grandes armadores o serviço de lotas. O Governo mostra-se assim um bom aluno do Tenrreiro, pois quer fazer o mesmo que o Tenrreiro já tinha feito antes do 25 de Abril, que tinha posto nas mãos dos grémios o serviço de lotas e vendagens.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Outra machadada nos interesses dos pescadores foi sem dúvida a saída da Portaria n.º 796/82, de 21 de Agosto, que integrava em centros regionais de segurança social tudo o respeitante à Caixa de Previdência dos Profissionais das Pescas.
Nós os pescadores não podíamos nem íamos aceitar que isto se concretizasse; não aceitávamos perder aquilo que já tínhamos conquistado, e estamos dispostos a continuar a luta até às últimas consequências para mantermos aquilo que temos.
Já temos o exemplo aquando da nossa integração nos serviços médico-sociais, em que foi acordado que os pescadores não perderiam nenhuma regalia. O que se tem vindo a verificar é que se tem assistido a uma degradação dos serviços de saúde que, embora afectando todos os trabalhadores portugueses, no caso concreto dos pescadores, este Governo não cumpre sequer o que ficou escrito relativo a integração. Por isso, não podemos aceitar de maneira nenhuma esta portaria e tudo faremos para que a mesma não seja posta em prática.
Aliás, a luta dos pescadores já conduziu a promessas do Governo neste sentido, as quais, a não serem cumpridas, acarretarão novas tomadas de posição novas formas de luta por parte dos pescadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podia trazer os problemas da pesca a este Plenário sem tocar mais uma vez no grande problema das empresas nacionalizadas do sector.
Estes desgovernos da AD tudo têm feito para destruir o sector nacionalizado desde os boicotes feitos, desde a nomeação de gestores que mais não têm feito que é levar as empresas à ruína, desde os negócios fraudulentos que têm sido denunciados pelos trabalhadores e mesmo por mim nesta Assembleia. Aproveito para anunciar aqui que o Grupo Parlamentar do PCP está de acordo que a Comissão de Agricultura e Pescas proponha uma comissão de inquérito desta Assembleia para analisar as questões sobre a SNAPA, tal como consta da recomendação do provedor da Justiça.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não queria terminar sem mais uma vez levantar aqui a questão do chamado plano nacional aquele a que aqui já chamei um molho de documentos, plano este que os senhores querem pôr em prática e mais não passa do que da venda dos nossos mares à CEE e o desemprego para milhares de pescadores portugueses.
Página 533
24 DE NOVEMBRO DE 1982 533
Na verdade, como é que nos vamos a ver com frotas tão poderosas que nós sabemos que os países da CEE têm?
Ainda estamos a tempo de resolver estes graves problemas.
Senhores do Governo, vamos deixar de ver os problemas da pesca em segundo plano; vamos pôr o sector no lugar que ele merece, vamos desenvolvê-lo; vamos ajudar os pescadores que já têm dado bastantes provas que são capazes; vamos desenvolver a produção; vamos desenvolver a indústria.
É necessário que sejam postas em prática as propostas e reinvindicações dos trabalhadores, tal como constam dos documentos aprovados pelo plenário da Federação das Pescas, e de que cito algumas:
1) Exigir que se torne público o chamado plano ao programa nacional de pescas que demagogicamente o Governo diz existir;
2) Exigir que cessem os ataques às empresas nacionalizadas, particularmente a ameaça de extinção total da SN AP A, e que se reestrutura as mesmas, pondo-as ao serviço dá economia nacional;
3) Exigir o conhecimento das negociatas que o Governo diz andar a fazer à volta do Acordo Luso-Espanhol de Pescas;
4) Exigir a criação da empresa pública Lotapesca, que substitua o actual serviço de lotas e vendagem e a doca pesca, de acordo com o projecto de estatutos entregues pela Federação, há vários meses, ao Governo;
5) Considerar urgente a publicação de legislação que possibilite que os pescadores se possam reformar aos 55 anos;
6) Exigir que se crie rapidamente um grupo de trabalho, que terá que analisar e discutir os projectos (do Governo e da Federação) de regime jurídico de contrato individual de trabalho a bordo das embarcações de pesca, já publicados.
Estas são algumas das propostas dos trabalhadores. E que não haja dúvidas: só com os trabalhadores, só no respeito e consideração pelas suas propostas será possível resolver os problemas da pesca e os problemas nacionais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Estamos certos que, conscientes da razão da sua luta, os trabalhadores portugueses, os pescadores, todos em geral, não deixarão de dar uma resposta a esta maioria reaccionária e à política do seu Governo.
Já no dia 12 de Dezembro, nas eleições para as autarquias locais, a AD e o seu Governo irá sofrer uma grande derrota, tal como já sucedeu nas eleições de 7 de Dezembro de 1980.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Querias!
O Orador: - Tal derrota não poderá deixar de significar que o povo português exige uma nova política e um novo governo que dê resposta às reivindicações dos pescadores e do conjunto dos trabalhadores e do povo português.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora estejamos quase no termo do período de antes da ordem do dia, há ainda uma declaração política que, como é prática assente, se produz mesmo que o tempo esteja excedido.
Entretanto, deu entrada na Mesa um requerimento do Grupo Parlamentar do PS a pedir a prorrogação do período de antes da ordem do dia, que será votado a seguir à declaração política que agora se irá produzir.
Portanto, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes Fernandes.
O Sr. Gomes Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em recentes declarações durante um almoço efectuado com a Associação Industrial Portuguesa, o Sr. Ministro da Habitação, Obras Públicas e Transportes fez, entre outras não menos importantes pela irresponsabilidade, as seguintes declarações: «A promessa de uma casa para cada português pode ser bonita mas não é realista»; assim como «todos têm direito a usufruir de uma habitação condigna mas isso não quer dizer forçosamente possuí-la».
Estas declarações ficariam no espaço político do lugar comum, tão do agrado deste e de outros Srs. Ministros do actual Governo, não fora o facto de ter sido a maioria que sustenta o Governo a que pertence este bizarro Ministro a fazer a promessa demagógica de ir possibilitar «uma casa a cada família portuguesa» e não fora o facto ainda de ser o actual Governo a apresentar como uma das suas 4 prioridades, a resolução do problema da habitação.
Na verdade, a simples análise conjugada destas 2 promessas, uma de princípio perante o eleitorado e outra de acção política concreta perante esta Assembleia da República quando da apresentação do Programa do Governo, deveriam fazer o Sr. Ministro ponderar um pouco mais as suas afirmações que escondem por detrás de uma aparente coragem a sua total incapacidade e incompetência em delinear um programa mínimo de acção para o combate à crise no sector.
Toda a gente sabe que não é possível solucionar o grave problema da habitação em Portugal fora de um horizonte de longo prazo e prometer fazê-lo conforme o fez a AD na última campanha eleitoral é pura demagogia. Mas o que não pode ser esquecido é que este Governo é o primeiro, depois de Abril de 1974, que não tem uma política de habitação e obras públicas minimamente estruturada, navegando à deriva nas ondas perigosas da crise e arrastando o sector produtivo para uma situação de colapso.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Muito bem!
O Orador: - Expliquemo-nos: Com maiores ou menores oscilações, todos os governos provisórios ou constitucionais traçaram e procuraram implementar políticas para o sector de habitação e construção, incluindo os anteriores governos AD, com os quais discordámos e que aqui contestámos em devido tempo mas que reconhecemos, tiveram as suas políticas de habitação, construção e obras públicas, mesmo o polémico Ministro Luís Barbosa com a sua política virada à «aquisição de casa própria» e à super valorização do sector privado em detrimento do sector público e cooperativo.
Mesmo nesse governo e com essa orientação política foi possível ainda verificar-se algum apoio, pouco embora mas algum, ao sector público e cooperativo, sobretudo pela acção do Secretário de Estado Casimiro Pires. Penso que afirmá-lo é justo e é a prova das contradições da
Página 534
534 I SÉRIE - NÚMERO 17
maioria, da incompetência governamental e da leviandade como o Sr. Ministro Viana Baptista vem tratando, estas e outras questões do seu foro.
O Ministro Viana Baptista, logo no início da sua acção no actual Governo, apresentou-se com uma viragem absoluta em relação ao seu antecessor, dizendo que a política de «aquisição de casa própria» não tinha viabilidade e portanto o caminho era dinamizar a «casa para arrendamento», deixando assim o sector exclusivamente aberto à iniciativa privada, como toda a gente sabe hoje profundamente desmotivada e descapitalizada para este tipo de investimento.
Para ilustrar esta brilhante linha de política e mostrar que o sector público não tinha nada que se intrometer no circuito de produção de habitação social apoiada, extinguiu o Fundo de Fomento da Habitação, cortou os apoios a câmaras municipais e cooperativas, dificultou as condições de crédito à aquisição de casa própria e paralisou assim a actividade produtiva de uma larga franja da construção civil que hoje está às portas do colapso.
Entretanto limitou-se à publicação de um conjunto de diplomas legais absolutamente ineficazes no apoio à construção e habitação, como o Decreto-Lei n.º 340/81, que criou o sistema de crédito denominado «poupança-habitação», que na prática para mais não tem servido do que para dificultar e desacelerar a celebração dos respectivos contratos que teve em 1982 um decréscimo de 20 % em relação a 1981, quando toda a gente sabe também que este ano e o anterior foram igualmente anos de crescimento negativo sob responsabilidade da AD no Governo.
Como o Decreto-Lei n.º 330/81, que estabelece novo regime de actualização das rendas comerciais e que mesmo com as correcções introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 392/82, a passar à prática nos termos que o Governo se propõe fazê-lo vai levar à ruína uma boa parte do pequeno comércio.
Como os Decretos-Leis n.05 148/81 e 292/82 sobre primeiros arrendamentos urbanos, de total ineficácia na contenção das rendas especulativas porque não passam de peças isoladas e desinseridas de uma política global de rendimentos e preços, base imprescindível de qualquer política de reformulação dos arrendamentos urbanos, quer habitacionais quer comerciais.
Como finalmente o Decreto-Lei n.º 217/82, que cria o Fundo de Apoio ao Investimento para Habitação, publicado somente em fins de Maio passado e destinado a substituir o Fundo de Fomento da Habitação na parte de apoio financeiro aos «programas habitacionais de interesse social», sem qualquer eficácia prática até ao momento e já vamos com mais de 1 ano passado sobre a Resolução n.º 244/81 do Conselho de Ministros que extinguiu o Fundo de Fomento da Habitação e lançou na paralisação quase total o único organismo que, com erros e vícios de funcionamento todos o reconhecem, contribuiu decisivamente para a contribuição social dada pelos governos ao problema habitacional depois de 25 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um facto hoje tão evidente que só a miopia política do Sr. Ministro- Viana Baptista e do actual Governo não deixam ver, que o sector da construção civil está à beira de um precipício tremendo para o qual não se vê saída nem preocupação governamental para suster a crise.
Com a aproximação do final do ano e a acumulação aos encargos financeiros existentes dos resultantes do denominado 13.º mês, alguns milhares de empresas de construção civil serão arrastadas para a falência e com elas um generalizado desemprego em sector de mão-de-obra dificilmente transferível pela sua limitada qualificação genérica.
Enquanto isto e como já referi, corta-se o crédito à aquisição de casa própria, retiram-se os apoios financeiros às autarquias incluindo o não cumprimento mínimo da Lei das Finanças Locais, estrangula-se um movimento cooperativo que, jovem ainda, deu mostras já do seu dinamismo e até da capacidade de resistência aos maus tratos que os governos AD lhe infligiram, e que tem hoje cerca de 8000 fogos com projecto à espera de autorização de financiamento e cerca de 3000 já concluídos mas sem infra-estruturas por falta de apoio governamental, concretamente da Direcção-Geral do Equipamento Regional e Urbano.
Enquanto isto, projectos de renovação urbana ou de reabilitação do parque habitacional degradado, o chamado PRID, foram cortados, não só por falta de capacidade financeira, mas sobretudo por falta de vontade política do Governo que tendo estatísticas que demonstram à evidência que grande parte do parque imobiliário urbano português tem mais de 40 anos não cria condições mínimas para a sua reabilitação, que está hoje demonstrado, além de ser económico-financeiramente correcto, é um objectivo essencial de melhoria da qualidade de vida existente nas nossas cidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se trata aqui somente de afrontar ou não, neste caso e da parte do Governo não, a resolução de um problema tão grave como é o da habitação em Portugal.
Trata-se também, e tão importante como isso, de assumir as responsabilidades e este Governo terá de as assumir, pela falência de um sector produtivo importante como é o da construção civil que emprega directa e indirectamente cerca de 30 % da mão-de-obra portuguesa e que em todos os países e em momentos de crise tem sido utilizado como um factor reanimador da actividade económica. Foi-o também em Portugal em 1976-1977, sob responsabilidade do PS, que assim procurou conjugar um relançamento necessário da economia e das actividades produtivas com objectivos sociais tão fundamentais como a garantia do direito à habitação.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Essa é boa!
O Orador: - Há 2 anos atrás eram somente as câmaras municipais, as cooperativas de habitação e associações de moradores, aqueles que são ou representam os mais carenciados, eram sementes estes que denunciavam as dificuldades, os boicotes e o fracasso a que estava a conduzir a política da AD; hoje as queixas ultrapassam de muito longe estes sectores da população e estendem-se, como aqui já referi, a todo o sector produtivo da construção civil, à generalidade do comércio e do inquilinato urbano, campos potencialmente vocacionados para o apoio à AD mas que não escondem o seu descontentamento e, como é óbvio, nas umas irão disso dar sinal.
É espantoso Sr. Presidente e Srs. Deputados, não já somente a incompetência do Governo e do Ministro Viana Baptista para encontrar uma saída para o problema, mas sobretudo a falta de interesse no diálogo, que demonstra, legislando sem ouvir os sectores interessados - como é o caso das Associações de Inquilinos e Comerciantes para o caso dos decretos-leis sobre arrendamento; das estruturas representativas do movimento cooperativo, para alteração do quadro legal e jurídico de apoio do Governo às mesmas; das associações patronais e sindicais da construção civil para a grave crise que atinge o sector
Página 535
24 DE NOVEMBRO DE 1982 535
e de que o Governo é, senão o único, pelo menos o grande responsável.
Isto significa objectivamente arrogância e incompetência, mas significa sobretudo o que hoje é bem patente que é o comportamento governamental de costas voltadas para o país, nesta e noutras áreas, numa rejeição do diálogo e da procura de consensos que só servem para agravar tensões, para aprofundar a crise, para dividir os portugueses.
A crise que hoje se abate sobre a construção civil e a que o Jornal de Notícias do Porto tem vindo nos últimos dias a dar destaque não é uma criação recente nem espanta ninguém já. Espanta sim é que estando ela subentendida nas conclusões dos últimos documentos do Ministério da Habitação, Obras Públicas e Transportes chamados «Estudos de conjuntura», documentos oficiais portanto, o próprio Governo não tenha capacidade para se ver ao próprio espelho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É um triste sinal dos tempos que nós, socialistas, estamos 'confiados de que irão mudar, e certamente em breve!
Aplausos do PS, da ASDI, do MDP/CDE e de alguns deputados do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Octávio Teixeira e Silva Graça.
O tempo regimentalmente destinado ao período de antes da ordem do dia está esgotado, mas, como já disse há pouco, encontra-se na Mesa um requerimento do PS solicitando a sua prorrogação. Ora, essa prorrogação processa-se nos termos do Regimento, tendo cada partido 5 minutos para intervir.
Assim, se o Partido Comunista Português quiser formular os seus pedidos de esclarecimento, em primeiro lugar excede o tempo porque são 2 pedidos de esclarecimento com direito a contraprotesto. Depois, pode acontecer que o Partido Socialista, requerente da prorrogação, não queira gastar o seu tempo em respostas a esses pedidos de esclarecimento.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, quero dizer a V. Ex.ª que os meus camaradas ficarão inscritos para formular os pedidos de esclarecimento na próxima sessão, pois o meu Grupo Parlamentar tem uma intervenção de 5 minutos para produzir no prolongamento do período de antes da ordem do dia.
O Sr. Presidente: - Perfeitamente de acordo, Sr. Deputado.
Este acordo que a Mesa manifesta é condicionado à votação do requerimento. Assim, vamos proceder à votação do requerimento de prolongamento do período de antes da ordem do dia.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da UDP.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, na sequência dos oradores inscritos relativamente à utilização do período de 5 minutos, o meu colega Adérito Campos está inscrito e presumo que será ele o primeiro orador a tomar a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa considera que esta inscrição é específica do prolongamento do período de antes da ordem do dia.
Portanto, a Mesa dará, em primeiro lugar, a palavra ao Sr. Deputado Manuel Masseno, do PS, que solicitou a prorrogação, e em seguida serão os Srs. Deputados Adérito Campos e Sousa Marques a usar da palavra.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Masseno.
O Sr. Manuel Masseno (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vimos aqui hoje levantar á nossa voz contra as arbitrariedades e ilegalidades que o Governo do Dr. Pinto Balsemão, pela mão do Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas está a levar a efeito na zona da reforma agrária.
Mais uma vez este Governo e este Ministro revelam uma aptidão especial para criar problemas onde eles não existem.
Conhecidas como são as dificuldades do emprego, com centenas de milhar de trabalhadores à procura do seu ganha-pão diário, este governo da Aliança Democrática em vez de criar condições para o aparecimento de postos de trabalho, deliberadamente provoca o desemprego.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para ser breve citarei apenas 2 casos, que ilustram claramente o que acabo de afirmar.
Tem a UCP Esquerda Vencerá, em Pias no distrito de Beja, uma área de terra expropriada de 2257 ha, na qual labutam 350 trabalhadores permanentes e que constituem a grande força de mão-de-obra produtiva daquela freguesia do concelho de Serpa.
Já não têm reservas para entregar nos termos da Lei n.º 77/77.
Já investiram na terra expropriada e na sua posse desde 1975, muitos milhares de contos em máquinas, instalações e estufas de produção intensiva de produtos como o melão, morangos, pimentões, tomate, etc., única forma de garantir tão grande número de postos de trabalho.
Possuem uma vacaria com 90 vacas leiteiras das quais obtêm o leite que abastece toda a freguesia.
Tem finalmente a UCP uma vida económica estabilizada e não têm dívidas ao Crédito Agrícola de Emergência. Apesar disto, acabam de receber do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas um ultimato no sentido de entregarem 1720 ha de terra, para serem divididos em 39 talhões, para entrega a 39 agricultores. Assim, para beneficiar 39 pessoas vão ser atirados para a miséria mais de 300 homens e mulheres. Não será isto uma vontade deliberada de provocar conflitos?
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, se no caso da UCP se pretendem cometer as arbitrariedades que citei, pasme-se agora com a ilegalidade das ilegalidades; refiro--me concretamente à Cooperativa de Produção Agrícola P'ra Frente É Que É, em Pedrógão do Alentejo, no concelho de Vidigueira. Pretendem os SGEF de Beja, entregar ao cidadão alemão Christian Buchmam e esposa, uma reserva de 500 ha com 84 293 pontos, a demarcar nas terras na posse da citada Cooperativa - destruindo-a completamente.
Página 536
536 I SÉRIE - NÚMERO 17
O casal Buchmam é titular de património rústico de 1714,5 ha de terras com 309589,8 pontos. Destes 1714,5 ha de terras - 884,7 ha equivalentes a 182 802 pontos (quase 3 reservas) nunca foram ocupadas e mantém-se na posse do casal, como sempre estiveram.
E, quando tudo parecia indicar que o Ministério da agricultura, Comércio e Pescas iria expropriar a área sobrante da terra na posse do cidadão Buchmam - tal como preceitua a lei - eis que surge o ultimato à Cooperativa para a entrega de 500 ha com 84 293 pontos (a sua quase totalidade) ao cidadão Buchmam.
O Sr. Carlos Lage (PS): - É incrível!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Onde está a lei neste país?
Que Governo é este que em vez de cumprir a lei e fazer as expropriações a que a mesma obriga, pretende dar de bónus e ilegalmente uma reserva de 500 ha e 84 293 pontos, a quem já possua 884 ha e 182 802 pontos?
Se o Governo levar por diante esta ilegalidade o casal Buchmam ficará na posse de l 384,7 ha com 267 095 pontos, o equivalente na prática a 4 reservas normais.
Se isto não é fabricar latifúndios então o que é?
Mas mais: até aqui o Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas, argumentava que as cooperativas eram destruídas por 4 grandes razões, a saber:
a) Não responder ao inquérito sobre a sua viabilidade;
b) Ter dívidas ao Crédito Agrícola de Emergência;
c) Ter dívidas à Previdência;
d) Não apresentar contas.
Mas, neste caso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a situação real é a que passo a descrever: a Cooperativa respondeu prontamente ao inquérito e provou a sua viabilidade; não tem dívidas ao Crédito Agrícola de Emergência; não tem dívidas à Previdência; as suas contas foram desde sempre organizadas e controladas pelos serviços do Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas.
Que desculpa então para esta sanha destruidora? Apenas o facto de se tratar de uma cooperativa; Mas então o Governo não diz que apoia o cooperativismo? Nota-se.
O que o Governo pretende é, tão-só e apenas, criar conflitos. Atirar ilegal e desnecessariamente para o desemprego e para a miséria aqueles 48 trabalhadores cooperantes, como prémio da sua seriedade e da riqueza que foram capazes de criar, vivendo 48 onde normalmente vivem menos de metade.
Será isto justiça social? Será isto um Estado de direito? O Governo que responda, se for capaz.
Aplausos do PS, da ASDI, do MDP/CDE e de alguns deputados do PCP.
O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adérito Campos.
O Sr. Adérito Campos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como ponto prévio gostaria de dizer que esta intervenção está preparada desde Julho, só não tendo sido possível efectivá-la por razões de agendamento dos trabalhos do Plenário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entre 17 e 25 de Julho do corrente ano realizou-se em Vale de Cambra a Lacti/82, Feira Nacional de Lacticínios e 3.ª Feira de
Actividades Económicas. Depois das realizações Lacti/79 e Lacti/80, depois do I Seminário Nacional de Lacticínios que no ano passado decorreu na mesma localidade, a Lacti/82, agora e pela primeira vez com o estatuto de feira nacional por força do despacho ministerial de 10 de Agosto de 1981, assinado pelo então Ministro Cardoso e Cunha, assume-se como mais um importante passo dado em direcção ao objectivo último de se fazer da Lacti uma organização capaz de dar satisfação e resposta cabal aos inúmeros problemas do sector do leite e dos lacticínios; por outro lado, trata-se já de uma organização estruturada e orientada para a próxima realidade da nossa entrada na Comunidade Económica Europeia na qual o sector leiteiro e de lacticínios se reveste do mais profundo relevo.
Mas a Lacti/82 pretende significar também, e é justo que tal se afirme, uma homenagem à iniciativa privada e à capacidade produtiva e de trabalho das gentes de Vale de Cambra. Aqui «nasceram» os lacticínios em Portugal, e por isso denominar Vale de Cambra «berço nacional dos lacticínios», é um fato da mais pura justiça; aqui se situa o maior centro do país em indústrias transformadoras do aço inoxidável intimamente ligadas a actividades de apoio ao sector leiteiro; aqui floresce um importante centro industrial no ramo das embalagens metálicas e da metalomecânica; em Vale de Cambra juntam-se empresas dos mais variados ramos de actividade, desde as madeiras e sua transformação à indústria de carnes e afins, bem podendo dizer-se que o falado «milagre económico» dos anos 70 que esta região conheceu se consolida e se confirma visivelmente.
Esta verdade inquestionável é de facto uma realidade construída pelos cambrenses, por todos os cambrenses, desde os da chamada zona serrana tipicamente agrícola até aos moradores no Vale, urbano e industrial; realidade devida a e vivida por algumas gerações de cambrenses que deitaram mãos à obra de levar bem longe o nome dê Vale de Cambra a que um dia Ferreira de Castro chamou a «Suíça portuguesa»; realidade indestrutível de uma vontade comunitária sentida desde Arões às Baralhas, de Codal ao Alto do Decide.
O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O espírito abnegado de trabalhadores e empresários, jovens e idosos, homens e mulheres, apoiados pelo trabalho incansável e digno dos maiores elogios da parte dos autarcas locais, Câmara Municipal, Assembleia Municipal, juntas e assembleias de freguesia, têm permitido às terras de Cambra o progresso que conhece.
Todavia e infelizmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nem tudo é cor-de-rosa no concelho de Vale de Cambra. Ao trabalho e ao esforço já demonstrados pelos valecambrenses e pelos seus autarcas não têm correspondido com igual presteza e atenção as autoridades públicas, os organismos do Estado, o próprio Governo. De facto, a explosão económica verificada no concelho acabou por criar uma situação de desenvolvimento desequilibrado: as infra-estruturas existentes não comportam nem acompanham a vida económico-social da região. Gritante é o que se passa designadamente com as vidas de acesso a Vale de Cambra, caracterizadas por um traçado antiquado e inadequado quer à intensidade do tráfego quer ao escoamento de material de grande porte produzido em várias empresas do concelho.
E o facto é que estando Vale de Cambra equidistante de 12 km em relação à estrada nacional n.º 1, quer em direcção a São João da Madeira, quer em direcção a
Página 537
24 DE NOVEMBRO DE 1982 537
Oliveira de Azeméis, impõe-se e toma-se absolutamente inadiável a rectificação urgente do traçado das estradas nacionais n.ºs 227 e 224, respectivamente, sob pena de se condenar Vale de Cambra a um atrofiamento que não serve nem as populações locais nem o desenvolvimento económico do país e esboroando-se assim tudo o que com tanto custo e sacrifício os habitantes do concelho têm conseguido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Os problemas da rede viária, que constituem uma profunda preocupação por parte dos responsáveis concelhios e cujo esforço tenho acompanhado e assistido no sentido da sua ultrapassagem, não ficam por aqui. De facto, a ligação a São Pedro do Sul revela-se ultrapassada e em vários pontos mesmo perigosa; o troço de estrada entre Vale de Cambra e Sever do Vouga encontra-se num estado lastimável, e em breve nada mais restará que um simples empedrado; a ligação a Arouca não possui o mínimo de condições de segurança na circulação, quer pela sua estreiteza quer pelo estado do seu pavimento; enfim, pode dizer-se que o concelho de Vale de Cambra, em matéria de rede viária se encontra muitos anos atrás, sem que para tal as entidades competentes tenham demonstrado a sensibilidade que seria de exigir, pesem embora os esforços e contactos havidos entre a Junta Autónoma das Estradas e os representantes do concelho.
As dificuldades não ficam no entanto por aqui: foi inexplicavelmente suspenso o concurso para a construção de 26 casas de renda económica promovida pelo Fundo de Fomento da Habitação o que, apesar do enérgico protesto da Câmara Municipal, não foi sequer explicado por quem de direito; a promoção turística do concelho, possuidor de raras belezas paisagísticas, esbarra sistematicamente em questiúnculas de ordem burocrática; a população queixa-se constantemente de dificuldades na captação de emissões da RTP, quer do 1.º quer do 2.º canal, pelo que apelo à RTP no sentido da instalação de um posto retransmissor em local quer permita boas condições de captação para todo o concelho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos estes contratempos trazem preocupados os habitantes do concelho e os seus legítimos representantes autárquicos; mas a esperança de uma solução satisfatória para breve anima-os a prosseguir no seu esforço em prol do progresso colectivo e incute-lhes confiança para o futuro. Até lá, Vale de Cambra não pede, antes exige justiça, justiça que sempre tem sido negada a quem tanto tem dado sem nada ter ainda recebido! Os valecambrenses têm respondido com coragem aos desafios que se lhes colocam; cabe agora a quem de direito responder ao desafio que Vale de Cambra lhes lança!
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Informo que se inscreveram para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Manuel Masseno os Srs. Deputados Mariana Lanita e Álvaro Brasileiro. Dado o carácter regimental de funcionamento da prorrogação do período de antes da ordem do dia, estes Srs. Deputados ficam inscritos para a próxima sessão.
Ainda para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enviei ontem ao Governo 4 requerimentos que, pela sua importância regional e pela sua clareza, passo a referir.
Uma das necessidades mais sentidas pela população do Montijo é a da entrada em funcionamento da pontecais do Seixalinho. As condições actuais são claramente insuficientes para, de uma forma satisfatória, fazer escoar as mais de 400 000 t de cereais que, por ano, são descarregadas nos cais existentes.
Desde 1979 que as obras desta pontecais, no valor de cerca de 50 000 contos, estão concluídas pela Administração-Geral do Porto de Lisboa. Só que a sua entrada em funcionamento não se verificou. A EPAC nunca se mostrou interessada em explorá-la. As obras de construção de silos em terraplenos anexos, bem como as da instalação de um sistema de transportes de cereais nunca chegaram a iniciar-se.
Entretanto, a Câmara Municipal do Montijo concluiu o acesso rodoviário (no valor de mais de 15 000 contos) e as infra-estruturas necessárias e tudo tem feito para desbloquear a situação. Desde 1980 tem realizado repetidos e sucessivos contactos com a Secretaria de Estado dos Transportes Exteriores e Comunicações, com a AGPL e com a EPAC. Em Setembro de 1981, aquando da visita do Sr. Presidente da República, foi levantado o problema uma vez mais e visitado o local. Na última reunião realizada na Secretaria de Estado da Tutela já referida, em 24 de Agosto de 1982, o presidente do conselho de gerência da AGPL prometeu mandar realizar as obras necessárias.
Mas entretanto nada se fez.
Outro dos problemas que mais afecta as populações do Montijo e todos os que por lá transitam é o do inexistente alargamento da estrada nacional n.º 5, entre o apeadeiro de Sarilhos e a Avenida do Corregedor Rodrigo Dias.
Como se sabe, trata-se do principal acesso à vila do Montijo e de uma estrada com intenso movimento de tráfego (de veículos pesados, sobretudo).
A Câmara Municipal do Montijo tem insistido junto da Direcção de Estradas de Setúbal e da presidência da Junta Autónoma das Estradas para que esta obra seja considerada prioritária. É urgente solucionar os problemas de quem demanda o Montijo ou de quem utiliza a estrada nacional n.º 5 para alcançar a estrada nacional n.º 119, com destino ao centro e norte do País.
Depois de inúmeras insistências junto da administração da Junta Autónoma das Estradas, esta informou a Câmara Municipal, em Julho de 1982, que o respectivo projecto ainda se encontra em estudo na Direcção de Estradas de Setúbal, prevendo-se a sua conclusão até ao final do corrente ano, o que, no mínimo, pode ser considerado com estupefacção...
Outro requerimento enviado ao Governo refere que a construção de um matadouro industrial no Montijo é absolutamente indispensável. Que se trata de uma obra da responsabilidade da Junta Nacional dos Produtos Pecuários.
A actual vereação da Câmara Municipal vem insistindo com a Junta desde o início do mandato, para que se concretize tal obra. Já há localização definida. Mas, até hoje, não se vislumbra qualquer perspectiva de solução.
É importante salientar que este matadouro industrial seria um dos 7 da rede nacional de abate e que o Montijo é, não apenas um centro de abate de gado de extraordinária importância (cerca de 400 000 porcos por ano), mas também sede de um concelho que conta com cerca de 4 dezenas de empresas de transformação de carne.
Página 538
538 I SÉRIE - NÚMERO 17
Sabe-se ainda que ao matadouro será acoplada uma fábrica de aproveitamento de subprodutos, riqueza que tem estado a ser completamente perdida.
Mas nada se faz...
Outra questão: o trânsito, o estacionamento e a forma como é prestada assistência aos veículos da Rodoviária Nacional é um dos problemas que mais afecta os habitantes da vila.
Dezenas de viaturas estacionam em terrenos camarários junto ao mercado em condições que a ninguém satisfazem.
Por outro lado, a assistência às viaturas realiza-se numa oficina localizada numa das principais artérias da vila (a Rua de Agostinho Fortes). Ora, o acesso a esta oficina faz-se pela rua principal o que provoca o permanente congestionamento do trânsito, inúmeros incómodos à população e põe ainda em risco a segurança de todas as pessoas que circulam no local. Acresce a tudo isto que a actual oficina não tem as condições mínimas de trabalho exigíveis o que tem motivado sucessivas reclamações da comissão de trabalhadores, quer pelas condições de trabalho, quer pelas condições técnicas com que tem estado a ser prestada a assistência.
A Rodoviária Nacional já tem um terrapleno situado numa zona periférica da vila (Pau Queimado) destinado à instalação de um centro de manutenção em condições. A sua entrada em funcionamento resolveria todas as questões (estacionamento, trânsito de veículos, segurança dos peões, escoamento do tráfego, segurança no trabalho, assistência técnica, etc.).
Mas nada tem sido feito por parte desta empresa ou do Governo para se realizarem as obras necessárias.
Desde início de 1980 que a Câmara Municipal do Montijo tem repetidamente insistido junto do conselho de gerência da Rodoviária Nacional e da direcção do CEP/7 (Laranjeira) para que seja apresentado um projecto. E, passados quase 3 anos, nada..., uma vez mais, nada...
Relativamente a todas estas questões, perguntei ao Governo que medidas tenciona tomar para satisfazer as aspirações da população do Montijo.
Entretanto, a política do Governo relativamente ao poder local é sobejamente conhecida e tem sido repetidamente denunciada: em primeiro lugar, o Governo da AD subtraiu mais de 120 milhões de contos em 3 anos ao não aplicar, como devia, a Lei de Finanças de Locais; em segundo lugar, instaura inquéritos e ameaça dissolver câmaras democráticas, quando, na capital, tem uma câmara de maioria AD com um presidente do CDS que comete ilegalidades atrás de ilegalidades e nada faz. E eu gostava de dar alguns exemplos: o do aumento do número de vereadores, pois que a AD elegeu 9 vereadores e chega a ter 11 vereadores a funcionar na Câmara; a manutenção em funções de uma vereadora que já perdeu o mandato, por faltar mais de 180 dias seguidos - refiro-me a uma vereadora do CDS; a adjudicação de obras de custo superior a 100 000 contos, sem concurso público, e tantas mais ilegalidades que não chegava com certeza uma hora para o Sr. Deputado Silva Graça as enumerar neste Plenário. Para além das empenas caírem para cima desde que o Sr. Abecasis do CDS é presidente da Câmara Municipal de Lisboa.
Finalmente, em terceiro lugar, o governo da AD pretendeu ainda fazer passar na Assembleia da República um pacote de leis contra a autonomia do poder local, conhecido por pacote anti-autárquico que acabou afinal por retirar pela simples razão de ter medo de o defender nesta Assembleia antes das próximas eleições autárquicas. Eles lá sabem porquê...
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mata Cáceres pediu a palavra para solicitar esclarecimentos relativamente à intervenção que acaba de ser feita, pelo que, pelas razões já atrás expostas, fica igualmente inscrito para a próxima sessão.
Não há mais inscrições, pelo que declaro encerrado este período suplementar de antes da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando no período da ordem do dia, vamos continuar o debate, na generalidade, da ratificação n.º 203/11, do PCP, relativa ao Decreto-Lei n.º 355/82, de 6 de Setembro, sobre a orgânica do Secretariado Nacional de Reabilitação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, se me permite, faria desde já uma pergunta à Mesa, no sentido de saber se o Governo não pensa estar presente na continuação do debate. É que se realmente vai estar presente - o que julgo ser até o mais natural - penso que seria melhor aguardarmos alguns momentos.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - É para informar a Mesa e a Câmara de que o Sr. Ministro se encontrava no meu Grupo Parlamentar e que quando V. Ex.ª deu por encerrado o período de antes da ordem do dia o informei desse facto, pelo que deve estar a chegar dentro de alguns momentos.
O Sr. Presidente: - Então, se o Sr. Deputado Herberto Goulart faz questão de que o Sr. Ministro esteja presente durante a sua intervenção, e mesmo sem necessidade de suspendermos a sessão, aguardaremos alguns momentos.
Pausa.
Neste momento tomaram assento na bancada do Governo os Srs. Ministros de Estado e da Qualidade de Vida (Gonçalo Ribeiro Teles) e para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa).
O Sr. Presidente: - Uma vez que os membros do Governo já se encontram presentes, vamos retomar os nossos trabalhos.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida: O MDP/CDE votará contra a ratificação do Decreto-Lei n.º 355/82.
Em primeiro lugar, porque a partir dos diversos ofícios e documentos que recebemos das associações representativas dos deficientes verificamos que a sua oposição a este decreto-lei era unânime. E naturalmente que esta unanimidade de posições desde logo indicia a inadequa-
Página 539
24 DE NOVEMBRO DE 1982 539
cão do decreto-lei, uma vez que são os principais visados aqueles que em boa verdade deveriam ser os destinatários deste decreto-lei, que, repito, se manifestam por unanimidade contra ele. De facto, o decreto-lei é inadequado porque, no essencial, visa a marginalização dos deficientes, através das suas estruturas organizativas e representativas, na definição e concretização de uma política nacional de reabilitação dos deficientes.
Marginaliza-os, por exemplo, na nova composição e nas novas funções que são atribuídas ao Conselho Nacional de Reabilitação. Diga-se, entre parênteses, que não estamos em desacordo com o alargamento da presença de novas associações de deficientes neste Conselho. Pelo contrário, tal posição merece ò nosso acordo, desde que essas associações sejam realmente representativas e se identifiquem com áreas, mesmo parcelares que sejam, de deficientes.
Por outro lado, também os marginaliza na medida em que os deficientes deixariam de ser ouvidos, por intermédio das suas associações ou estruturas' representativas, quanto à nomeação do Secretário Nacional de Reabilitação, entidade com poderes importantes, e seria bom ter em conta o próprio espírito de diálogo e de audição dos deficientes e das suas associações no que respeita ao perfil e às características da pessoa a nomear.
Em qualquer momento seria, de facto, um indício de atitude aberta e democrática do Governo a de não nomear um tal Secretário Nacional de Reabilitação sem ouvir os principais interessados.
Não se venha com o argumento de que as responsabilidades da condução política pertencem ao Governo. Não contestamos tal posição, é óbvio que o concreto da condição política em cada área da vida nacional é da responsabilidade do Executivo.
Mas entendemos que, no caso concreto do diploma em apreço, esse é um argumento falacioso e que, inclusivamente, já levou ao ridículo de se fazerem referências e analogias, como a da democracia orgânica, ou a catalogar como intenções corporativistas o legítimo direito de representação e participação dos deficientes nas estruturas próprias do Secretariado Nacional de Reabilitação.
E é um argumento falacioso porque, em nossa opinião - e conforme tivemos já oportunidade de o referir por ocasião de um pedido de esclarecimento que solicitámos na última sessão ao Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida -, segundo as normas do Decreto-Lei n.º 346m, de 20 de Agosto, o Secretariado Nacional de Reabilitação é, no aparelho de Estado, apenas um organismo de coordenação interdepartamental e, principalmente, um organismo consultivo para o exercício das competências legislativas do Governo. Por outro lado, as atribuições deste organismo em nada afectam a responsabilidade política do Governo na condução de uma política nacional de reabilitação de deficientes, e naturalmente que essa política pertence, de facto, aos governos democraticamente eleitos.
A marginalização que este decreto evidencia dos deficientes e das suas estruturas representativas vem na continuidade da última prática do próprio Secretariado Nacional de Reabilitação e, portanto, das orientações que o Governo lhe imprime. E parece-nos importante chamar a atenção para o aspecto de que tal decisão legislativa do decreto-lei em apreço vai contra as recomendações da organização das Nações Unidas, particularmente no Ano Internacional do Deficiente, que, ao fazer um apelo aos povos de todo o mundo para que se empenhassem seriamente na reabilitação e reintegração dos deficientes nas
sociedades dos respectivos países, punham o tonus importante no aspecto de os próprios deficientes - e essa já era uma primeira forma de os integrar na sociedade -, por intermédio das estruturas legitimamente constituídas e com a representatividade devida, participarem na própria política nacional de reabilitação, participarem, portanto, nas próprias estruturas públicas que conduzissem as políticas nacionais de reabilitação dos deficientes.
A este propósito parece-nos importante chamar a atenção para um comunicado que uma das associações de deficientes, a Associação dos Deficientes das Forças Armadas, fez em Setembro deste ano quando tomou conhecimento do Decreto-Lei n.º 355/82. E vou citar uma parte desse comunicado:
Agora, com a publicação do Decreto-Lei n.º 355/82, institucionaliza-se a inoperância do SNR, transformando-o num simples serviço asfixiado na complicada máquina do Estado, sem capacidade de resposta para os reais problemas dos deficientes.
O que caracterizava o SNR «... - no momento da sua constituição -...» e fazia dele um organismo diferente era sobretudo o facto de marcar a institucionalização da participação dos próprios deficientes. O órgão mais importante do Secretariado, o Conselho Nacional de Reabilitação, era composto por representantes dos Ministérios e das associações de deficientes e era dotado de poderes deliberativos. As propostas de medidas legislativas sobre deficientes eram obrigatoriamente aprovadas por este órgão o que significa que reflectiam, em princípio, a vontade dos próprios deficientes.
O Governo nunca viu com bons olhos as propostas saídas deste órgão, tendo-as congelado sistematicamente nos Ministérios. Resolveu agora essa situação incómoda transformando o Conselho Nacional de Reabilitação em mero órgão consultivo, anulando totalmente o peso da presença dos deficientes.
Este Decreto-Lei n.º 355/82 é, acima de tudo - e na continuidade desta posição dos deficientes que acabei de citar -, um exemplo bem claro da incapacidade de o governo AD dialogar com quer que seja, salvo, enfim, com as entidades que estão próximas do Governo, que são aquelas que evidenciam no plano social os interesses que no plano político o Governo representa.
De facto, o Governo está aberto ao diálogo com a CIP, com a Confederação do Comércio, com a CAP. Inclusive, é capaz de dar autorga de representatividade à CAP, para diálogo no seio da CEE, que não dá a outras estruturas efectivamente representativas - e, diria mesmo, mais representatitivas do que a CAP - dos interesses da agricultura.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - De facto, o que aqui se passa neste diploma é que o Governo, na sua insegurança, na sua incapacidade, refugia-se num autoritarismo, crescente para, desgovernando, fingir que desgoverna.
Risos do PSD.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Fingir que desgoverna?!...
O Orador: - Durante este debate o Governo procurou não reconhecer esta recusa de diálogo, esta dificultação
Página 540
540 I SÉRIE - NÚMERO 17
da participação dos deficientes, invocando que a ele, Governo, compete em exclusivo assumir responsabilidades para concretizar a política governativa nesta área, como noutras áreas da vida nacional, por se considerar um Governo com legitimidade democrática.
Mas a legitimidade democrática de um governo não resulta apenas do acto constitutivo desse governo, resulta ainda da sua prática, do seu comportamento perante o eleitorado e perante os cidadãos e resulta ainda, principalmente, do cumprimento da lei por parte do próprio Governo. E em relação ao Decreto-Lei n.º 355/82 é o governo da AD que desrespeita a legislação anterior, como se tem vindo a demonstrar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Decreto-Lei n.º 346/77, de 20 de Agosto, estabelece como atribuições do Secretariado Nacional de Reabilitação, entre outras, a que passo a citar e que está consagrada na alínea 3) do artigo 5.º: «Estudar e propor ao Governo as bases e as medidas necessárias à definição, articulação e execução de uma política nacional de reabilitação dos deficientes.» E depois no artigo 15.º, ao estabelecer as competências do Conselho Nacional de Reabilitação, consagra na alínea 3) o seguinte: «Apreciar e aprovar as sugestões legislativas a submeter ao Primeiro-Ministro.»
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Ora, o Decreto-Lei n.º 355/82 foi assinado pelo Primeiro-Ministro sem conhecimento das associações de deficientes, isto é, sem o conhecimento da Associação de Deficientes das Forças Armadas ou da Associação Portuguesa dos Deficientes, uma e outra representadas no Conselho Nacional de Reabilitação, prova de que o Governo desrespeitou a lei, elaborando legislação sem ter ouvido o parecer deste órgão, parecer esse que não é vinculativo mas que, segundo a própria legislação em vigor, era obrigatório para que a proposta de legislação fosse apresentada ao Primeiro-Ministro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já dissemos, vamos votar contra a ratificação do presente diploma e de igual modo outros partidos da oposição anunciaram também o seu voto contra.
A maioria vai naturalmente votar favoravelmente quanto mais não seja porque este é o papel que se lhe atribui: votar favoravelmente tudo quanto emana do Governo. O diploma, provavelmente ratificado por maioria, irá baixar à comissão competente visto que já foram apresentadas propostas de alteração - uma até propõe a alteração desde o artigo 1.º ao artigo 58.º -, o que obriga necessariamente a um trabalho na comissão especializada da Assembleia da República.
Pela nossa parte esperamos que da Assembleia da República haja a humildade, que este macambúzio Governo não teve, de legislar com prévia audição das associações de deficientes, ou, ao menos, do estudo atento dos pontos de vista que as associações de deficientes fizeram chegar, estou certo, a todos os grupos parlamentares desta Assembleia da República.
Por outro lado, apoiamos também a sugestão do deputado António Arnaut, feita na passada reunião de quinta-feira, sugerindo que o Decreto-Lei n.º 355/82 devia ser suspenso por decisão desta Assembleia da República.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Esperamos que o Governo compreenda que uma tal decisão de suspensão não é uma desautorização do Governo, antes ele se prestigiaria se fosse capaz de reconhecer que a legislação que produziu vai contra o desejo daqueles que estão atingidos por tal legislação. O Governo toma assim uma atitude contrária à daqueles que deviam beneficiar dessa legislação. Os deficientes identificados com essa legislação, exigem, eles próprios, a sua revogação.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Seguramente que com esta suspensão, se a Assembleia assim o decidisse, os deficientes, as suas organizações, todos aqueles que estão com os olhos postos na legislação que esta Assembleia será capaz de produzir, ficariam satisfeitos e apoiariam com convicção uma tal decisão democrática desta Assembleia da República.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lemos Damião inscreveu-se para pedir esclarecimentos?
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Não, Sr. Presidente. É para um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Herberto Goulart, não é frequente da sua parte assistirmos a intervenções como aquela que aqui hoje proferiu. V. Ex.ª costuma ser um deputado sereno, dar algumas sugestões à Câmara e apresentar propostas concretas.
Mas o que é certo é que hoje enveredou pelo caminho da demagogia e nada de positivo nos disse.
Vozes do PPM: - Muito bem!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Então e a suspensão?!
O Orador: - V. Ex.ª baralhou alhos com bugalhos, trazendo ao debate a CIP, a CAP, a agricultura, os agricultores... sei lá que mais!..
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Só percebeu isso?!
O Orador: - Certamente não falou noutras coisas, porque não se lembrou.
No entanto, creio que o Governo está aqui para ouvir mais da oposição. Está aqui para ouvir propostas concretas,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ...objectivas e reais para, no caso de não estar certa a política governativa, enveredar por outro caminho.
Contudo, o que é certo é que da parte de V. Ex.ª, pelo menos hoje, não apresentou absolutamente nada de positivo e concreto. Veio dizer apenas - foi o que pude reter - que o Governo era macambúzio.
Sr. Deputado Herberto Goulart, não acha que esta terminologia não se adequa bem ao momento da temática
Página 541
24 DE NOVEMBRO DE 1982 541
«deficientes»? Creio que os deficientes merecem da nossa parte muito mais respeito.
V. Ex.ª, a propósito dos deficientes, veio para aqui insultar o Governo que, ao fim e ao cabo, tem muito pouco a ver com isto.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - O Governo não merece outra coisa!
O Orador: - Por que é que V. Ex.ª entende que não é correcto o que o Governo está a fazer e por que é que, até este momento, o senhor, em representação da sua bancada, ainda não veio denunciar o que se passa, aproveitando este momento da discussão da ratificação do decreto-lei para dizer alguma coisa, pois, ao fim e ao cabo, nada disse.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Onde é que devia de dizer? Você não diz o que pensa e é pena!
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Deputado Lemos Damião, posso reconhecer, tal como V. Ex.ª, que o adjectivo «macambúzio» que usei na minha intervenção poderá, eventualmente, não estar muito em correlação com a matéria que estamos a discutir. No entanto, já penso que está muito em correlação e muito ajustado a este governo da AD.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto, exacto!
O Orador: - O Sr. Deputado disse que o nosso partido não apresentou propostas concretas em relação ao decreto-lei em discussão. Mas, Sr. Deputado, não há muitas propostas concretas a fazer!... Há, sim, pura e simplesmente, que reformular a composição do Conselho Nacional de Reabilitação, há que dar-lhe poderes deliberativos dentro do Secretariado Nacional de Reabilitação, que é uma coisa bem diferente do que dar poderes deliberativos em matéria legislativa.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não vale a pena apresentarmos outras propostas. Já ouve partidos que as anunciaram, necessariamente que o diploma baixará à comissão especializada e aí, no concreto, poderão ver-se as poucas coisas necessárias para corrigir o decreto-lei. No entanto, essas poucas coisas alteram-no profundamente e podem pô-lo no espírito do decreto-lei de 1977.
Por outro lado, não diga que não fiz sugestões, Sr. Deputado. Apresentei uma sugestão bem concreta em apoio a uma outra já aqui feita pelo Sr. Deputado António Arnaut, isto é, a de que esta Assembleia, reconhecendo que os deficientes estão contra o decreto-lei, se assuma com dignidade...
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ...e que a maioria não receie confrontar-se com o Governo na decisão democrática - e repito, democrática - de suspender o actual decreto-lei,...
O Sr. Jorge Lemos (PCP) - Muito bem!
O Orador: - ...para que a Assembleia, com rapidez e com o trabalho eficiente da comissão, corrija o decreto-lei, o traga a Plenário para votação final e o mande para promulgação. Se tal for feito, dentro de poucos dias e se a Assembleia trabalhar ouvindo os deficientes, certamente que estes encontrarão legislação que seguramente vai de encontro às suas aspirações e necessidades.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 17 horas e 30 minutos, pelo que fazemos o nosso intervalo regimental.
O Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida (Ribeiro Teles): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª, Sr. Ministro de Estado, deseja responder já, faça favor. A seguir às suas respostas, faremos o intervalo. Penso que assim o debate fica mais completo.
Tenha a bondade, Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida.
O Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez que estão esgotadas todas as propostas - e foram poucas ou mesmo nenhumas - aqui colocadas pelo Partido Socialista e pelo Partido Comunista, parece-me não ser possível ir muito mais longe no diálogo, por isso tenho que dar uma resposta macambúzia ao Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não posso dar uma resposta com um tom mais concreto e positivo - trata-se de uma resposta macambúzia -, visto a sua intervenção, Sr. Deputado Herberto Goulart, não merecer outra resposta.
Relativamente ao problema concreto que aqui levantou do deliberativo consultivo, gostava de afirmar que o carácter deliberativo do anterior Conselho Nacional de Reabilitação assentava fundamentalmente num erro técnico-jurídico derivado da própria concepção de conselhos nacionais, cuja principal função é a de emitir pareceres sobre propostas de legislação apresentadas pelos ministérios da tutela. A persistirmos neste regime, facilmente se concluiria que a situação poderia conduzir a uma paralisação governamental em todas as áreas.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Boa piada!
O Orador: - O Conselho Nacional de Reabilitação, tal como outros conselhos nacionais com a mesma importância, não poderia ser um grupo de pressão sobre o Governo a quem compete a definição da política nacional e sectorial de reabilitação, política de que não abdica.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
A questão reside, também, no facto de não ser admissível que o Conselho Nacional de Reabilitação tenha um carácter deliberativo, no sentido que se dá a este termo «deliberativo», isto é, com carácter executivo, na medida em que se invertia completamente o modo de funcionamento das instituições. Deixaria de ser o Governo a legislar para ser o Conselho Nacional de Reabilitação a fazê-lo, pedindo os pareceres ao Primeiro-Ministro. Isto é de facto um contra-senso.
Página 542
542 I SÉRIE - NÚMERO 17
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É, é!
O Orador: - Com a anterior composição do Conselho Nacional de Reabilitação que integrava representantes de diversos Ministérios torna-se, na prática, impossível qualquer actuação, na medida em que os representantes não podiam, visto não possuírem poderes delegados pelo ministro da tutela, dar o seu acordo a qualquer deliberação com carácter executório.
O que é que interessa mais aos deficientes: é um órgão deliberativo que não funcione ou um outro consultivo - no verdadeiro sentido do termo consultivo, participativo e actuante - que faça valer a sua opinião através dos pareceres bem fundamentados que estão sempre em conta na elaboração da legislação? É esta a pergunta que faço à oposição.
O Sr. António Moniz (PPM): - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao problema, também aqui levantado, da nomeação do Secretário Nacional, mesmo sem ter em linha de conta o precedente que estabelecia a audição prévia, basta dizer que se tomava fácil, apesar disso, a audição do Conselho Nacional de Reabilitação quando nele apenas estavam representadas 2 ou 3 associações que pretendiam ter o monopólio da representatividade dos deficientes. Ora isto era limitativo, não era autêntico, não era verdade, porque os deficientes não são apenas representados por estas associações e o alargamento era um problema de justiça, era um problema que interessava a todos os deficientes.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Com o alargamento do Conselho Nacional de Reabilitação, esta tarefa, mesmo que possível, tornava-se impossível na prática, visto cada uma das associações agora representadas poder querer impor um secretário nacional.
Os pareceres das 9 associações e das 4 instituições, pelas diferenças de opinião que encerravam, além de criar um mau estar entre elas, tornavam-se praticamente vinculativas, o que não é admissível.
Quanto ao alargamento do Conselho Nacional de Reabilitação, o principal critério teve por objectivo abranger o máximo de entidades ligadas à problemática dos deficientes, que é uma problemática que não tem fronteiras nítidas; é uma problemática que se estende a toda a sociedade, uma vez que o deficiente deve ser integrado como pessoa humana e não como deficiente na sociedade.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Como ia dizendo, o principal critério teve por objectivo abranger o máximo de entidades ligadas à problemática dos deficientes. Este alargamento não significa que todo e qualquer parecer do Conselho Nacional de Reabilitação tenha que ter a opinião de todos os representantes que o integram. Não pedimos um Conselho Nacional de Reabilitação monolítico e informado apenas por uma opinião. Queremos ouvir todos, queremos ouvir até uma diversidade de opiniões sobre todos os assuntos. Isto é que é democracia, meus senhores!
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM. Protesto do PS e do PCP.
O Conselho Nacional de Reabilitação tem sempre a faculdade de reunir a nível restrito quando as matérias a tratar sejam de natureza específica. Ninguém proíbe, ninguém.
O Sr. Presidente: - Desculpe interrompê-lo, Sr. Ministro de Estado. É para lhe dizer que está a fazer a sua segunda intervenção para qual dispõe de 10 minutos. Em sessão anterior, já tinha feito a primeira intervenção.
Não queria, pois, deixar de o avisar que esta intervenção está a contar como sendo a segunda intervenção.
O Orador: - Podia dizer-me de quanto tempo ainda disponho, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Dispõe de 5 minutos, Sr. Ministro.
O Orador: - Muito obrigado.
Levantou-se, também, uma dúvida quanto à possibilidade de ser por motivos políticos que se alargava o âmbito do Conselho Nacional de Reabilitação. Posso garantir que isso não é autêntico, isso não pode ser verdade e, para defender uma tal posição, eu não estaria aqui. A prova disso é que a UNICOOP, de tendência PCP, foi incluída nas novas entidades a figurar no Conselho Nacional de Reabilitação.
Julgo que eram estas as respostas que devia dar quanto à problemática colocada pelo Sr. Deputado Herberto Goulart. Nós estamos aqui a marginalizar os deficientes. Há deficientes com uma opinião, há deficientes com outra; há deficientes que contestam o actual decreto-lei, como há também deficientes que o defendem calorosamente. O Governo pratica e tem que aplicar uma política de reabilitação que considera humana, que deve ter a participação dos deficientes e não a sua marginalização. Julgo que o decreto-lei corresponde à possibilidade de instrumentalizar essa política.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Herberto Goulart e Vidigal Amaro inscreveram-se para que efeito?
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Para um protesto Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Vidigal Amaro?
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Para pedir esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - VV. Ex.ªs ficam inscritos, pelo que usarão da palavra depois do intervalo regimental. Recomeçaremos os trabalhos às 18 horas e 10 minutos.
Eram 17 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Esta reaberta a sessão. Eram 18 horas e 25 minutos.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, em nome do Grupo Parlamentar socialista e ao abrigo das disposições regimentais, requeira a interrupção da sessão por 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Está deferido. Recomeçaremos os trabalhos às 18 horas e 55 minutos.
A sessão foi interrompida.
Página 543
24 DE NOVEMBRO DE 1982 543
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Para formular um protesto relativo à intervenção do Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.
O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Ministro, usei a figura de protesto para pedir a palavra, porque de facto não vou fazer nenhuma pergunta.
Queria só dizer que a intervenção do Sr. Ministro - à qual dei uma atenção diferente daquela que está a dar à minha - tem toda ela uma lógica e um desenvolvimento racional no seu raciocínio. Simplesmente o Sr. Ministro não teve em conta o seguinte: quando se fala em poderes deliberativos do Conselho Nacional de Reabilitação não se pretende atribuir ao órgão Secretariado Nacional de Reabilitação poderes de sobreposição em relação às decisões políticas do Governo, mas sim perspectivar este órgão, que é essencialmente consultivo do Governo e de coordenação interdepartamental, para o exterior de si próprio. Isto é, pretende-se que seja um órgão de maior representatividade, que autorize, que sancione, os pontos de vista do Secretariado Nacional de Reabilitação face ao Governo, evitando que esses pontos de vista fiquem apenas no plano daquilo que será, digamos, um «executivo» do Secretariado, isto é, o Secretariado Nacional de Reabilitação.
Parece-me, pois, que há entre o ponto de vista do Sr. Ministro e o nosso uma diferença de critérios que se pode resumir no seguinte: nós entendemos que esta posição em nada diminui as competências do Governo. Por exemplo, se houver uma proposta que saía do Secretariado Nacional de Reabilitação, aprovada pelo Conselho Nacional de Reabilitação, e se o Governo, por intermédio do Primeiro-Ministro ou do Ministro em quem tenha sido delegada esta área, entender que a aplicabilidade dessa proposta não se justifica, naturalmente que o Governo continua com plenos poderes para não apoiar e não seguir a sugestão saída do Secretariado Nacional de Reabilitação.
O Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida: - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida: - Quero apenas dizer ao Sr. Deputado Herberto Goulart que estamos de acordo.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - O Sr. Ministro parte de falsas permissas, ou seja, o seu ponto de vista está errado quando afirma que os 2 vogais, que neste momento existem no Conselho Nacional de Reabilitação, em representação de 2 associações, constituem um «grupo de pressão» e que são eles que vão impor a vontade política ao Governo. Oh, Sr. Ministro, o Conselho Nacional de Reabilitação tem 2 representantes das associações e tem mais de uma dezena de representantes de diversos Ministérios, ou seja, de elementos do Governo que têm assento nesse Conselho.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Pergunto-lhe: como é que 2 elementos poderão dentro desse órgão colegial ditar a vontade política do Governo?
O Sr. Ministro, a seguir, falou em operacionalidade. Ainda na passada semana aqui disse que o «Secretariado Nacional de Reabilitação tinha apresentado um enorme relatório de trabalho». Nós sabemos que o Secretariado tem trabalhado, mas o problema está precisamente no facto de o Governo não dar resposta ao trabalho apresentado pelo Secretariado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Esse é que é o problema, Sr. Ministro!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Esse órgão apresenta propostas, faz recomendações, e o Governo guarda-as nas gavetas. Este é que é o problema!
Para nós o problema não reside aqui, mas sim - e é isso que incomoda o Governo - no facto dos 2 representantes das associações terem acesso à fiscalização das contas, ou seja, saberem para onde é que o dinheiro vai. O Governo não quer que essas 2 pessoas saibam como é que é gerido e para onde vai o dinheiro. Só isso justifica a posição do Governo, na medida em que 2 pessoas, que fazem parte de um órgão colegial onde são minoritários, não podem impor nada que vá para além de exprimirem a sua opinião.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. António Moniz (PPM): - Isso é o vosso ponto de vista!
O Orador: - O Sr. Ministro continua a falar no problema do largamente e que o Partido Comunista não quer p alargamento. Oh, Sr. Ministro, não é nada disso!
Que no Secretariado estejam representadas mais associações de deficientes, com certeza, Sr. Ministro. Nós somos é contra - nós e as associações - o facto de organismos que não têm nada a ver com os deficientes, que são organismos puramente caritativos ou que são entidades privadas que prestam serviço a deficientes, façam parte desse órgão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - As nossas propostas, quando o diploma baixar à Comissão, visam exactamente alargar a representação dos organismos de deficientes.
O Sr. Ministro na última semana disse o seguinte: «O Governo pode oscultar... (primeiro tinha escrito 'deve' e depois escreveu 'pode')... as associações para nomear o seu secretário-geral.» Termina depois com uma frase maravilhosa «este é um ponto que deve ficar perfeitamente claro». Pois é, Sr. Ministro, o que este Governo quer é cortar a voz aos deficientes e às suas associações representativas!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Sr. António Moniz (PPM): - Não quer é monopólios como antigamente!
Página 544
544 I SÉRIE - NÚMERO 17
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro.
O Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que o Sr. Deputado Vidigal Amaro não trouxe nada de novo à discussão que estamos a ter.
Quanto à questão relacionada com as falsas permissas de que parti, quero dizer-lhe que para mim não são falsas. Há apenas aqui uma confusão de termos que já discuti com o Sr. Deputado Herberto Goulart e acabámos por ficar de acordo, visto que ao que ele chama deliberativo eu chamo consultivo e ao que ele chama consultivo eu chamo deliberativo ou vice-versa. É evidente que o Sr. Deputado Herberto Goulart não quer que o deliberativo chegue às obrigações da política do Governo e eu também não quero. Estamos, de facto, de acordo!
Quanto à questão da maior ou menor operacionalidade, relacionada com o número de associações, ela depende da forma de funcionamento do Conselho Nacional de Reabilitação e nós queremos que ele funcione com a melhor garantia de resolver e ir ao encontro dos problemas dos deficientes. É evidente que o Governo não está, nem pode estar, contra os deficientes. O que podemos ter é pontos de vista diferentes acerca desses mesmo problemas e é, por isso, errado dizer que uns estão a favor e outros estão contra.
O Governo não guarda na gaveta aquilo que vem do Secretariado Nacional de Reabilitação e podemos até dizer que grande parte do trabalho aí produzido tem-se traduzido em legislação e até em efectivas medidas que já estão a ser aplicadas ou vão ser aplicadas a breve prazo.
Quanto à questão de eu ter dito «pode» ou «deve», julgo que disse as duas palavras: «pode» e «deve». Não sei se o Sr. Deputado viu algum papel com alguma coisa riscada...
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Tenho aqui o «borrão» do Diário da Assembleia da República, onde isso se pode ver.
O Orador: - ... mas o que é certo é que o Governo não quer cortar a voz seja a quem for!
Vozes do PPM: - Muito bem!
Vozes do PCP: - Não respondeu a nada! Não sabe!
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Realmente, não podia deixar de fazer um protesto, quando o Sr. Ministro diz que o Governo resolveu alguns dos problemas apontados nas propostas e recomendações do Secretariado Nacional de Reabilitação. Peço ao Sr. Ministro que me indique um deles, apenas um.
O Sr. António Moniz (PPM): - Veja a Separata n.º 2 do Boletim de Trabalho e Emprego.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida.
O Sr. Ministro de Estado e da Qualidade de Vida: - Evidentemente, vou aqui apontar uma série de problemas equacionados pelo Secretariado, alguns deles já resolvidos.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Oh, Sr. Ministro, não pergunto problemas apontados pelo Secretariado. Esses conheço eu. Queria saber é quais foram os problemas que o Governo pôs em diploma geral.
O Orador: - Com certeza. Por exemplo, está em preparação...
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - O Sr. Ministro diz que está em preparação...
O Orador: - Oh, meu amigo, desculpe... Sr. Deputado, quer de facto saber o que se passa no campo dos deficientes ou quer aqui, e sistematicamente, chamar a atenção dizendo que o Governo não faz nada?
Vozes do PCP: - É isso! É isso!
O Orador: - Devo dizer que muito mais importante que a legislação é a preparação dessa legislação, porque esse é um trabalho de gestão que é indispensável fazer-se e que é fundamental.
Portanto, ou querem ser informados e tomar contacto com a realidade, ou não querem.
O Sr. António Moniz (PPM): - Querem é fazer barulho!
O Orador: - Como tenho respeito por toda a Assembleia e como a Assembleia, certamente, está interessada em saber o que se está para fazer ou o que já se fez, eu continuo.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Está em elaboração um diploma sobre a preparação pré-profissional de jovens deficientes - isto com base no Despacho Normativo n.º 388/79. Está neste momento em funcionamento - e não me venha agora dizer que o facto de um grupo de trabalho estar em funcionamento não é fazer coisa nenhuma (risos do PCP) - um grupo de trabalho para avaliação dos efeitos produzidos por esse despacho normativo e sua eventual execução.
Está em elaboração um diploma sobre o emprego protegido, aprovado recentemente pelo Conselho de Ministros, que vem dar resposta a uma das mais graves lacunas do processo de reabilitação - a integração dos deficientes que têm dificuldades em obter ou conservar o emprego no mercado normal de trabalho. Este é um decreto-lei aprovado em Conselho de Ministros.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Não está publicado, Sr. Ministro.
O Orador: - Por amor de Deus...
Está em elaboração um diploma sobre o acesso de deficientes ao mercado do emprego, o qual está a colher as últimas alterações no Ministério do Trabalho, e que
Página 545
24 DE NOVEMBRO DE 1982 545
estipula as condições especiais que poderão ser estabelecidas para o trabalhador deficiente e a adequação da legislação laborai, que prevê estímulos às empresas para facilitar o recrutamento de deficientes e que impõe uma quota de emprego.
Vozes do PCP: - Para quando? É só trinta e um de boca!
O Orador: - Foi lançada uma experiência piloto quanto ao transporte específico em pequenos autocarros - e isso é um facto realizado - e prosseguem estudos para melhoramento dos transportes, bem como para garantir o seu acesso aos deficientes motores.
Foi aprovado já pelo Decreto-Lei n.º 43/82 do Conselho de Ministros - e isto, meus senhores, é de uma importância enorme...
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Oh, Sr. Ministro, isso foi adiado, é uma vergonha!
O Orador: - ...º Regulamento Geral de Edificações Urbanas, que considerará todos os problemas de acessibilidade quanto às barreiras arquitectónicas que prejudicam os deficientes motores.
No campo da prevenção tem-se patrocinado a acção de sensibilização e têm-se formado serviços ligados à genética médica, como, por exemplo, o caso do Instituto de Genética do Porto, com o tratamento de análises importantíssimas quanto à prevenção em problemas de deficiências.
Está criado também um grupo de trabalho, que está a funcionar, para estudo de um sistema de identificação do deficiente e atribuição de cartão de deficiente para melhorar e facilitar a obtenção de certas compensações sociais.
Há também publicações e imensas coisas.
Terminaria dizendo que foram estudados, considerados e tratados 510 processos individuais e atendidos pessoalmente e resolvidos 713 processos individuais de deficientes. Isto é o trabalho, meus senhores.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Vozes do PCP: - Mas há 1 milhão de deficientes!...
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Moraes.
O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Poucas palavras para explicar a posição do CDS, expondo a minha opinião sobre a ratificação do Decreto-Lei n.º 355/82 (orgânica do Secretariado Nacional de Reabilitação).
São poucas palavras, de resto, em paralelo com o que faz o Partido Comunista Português, que depois de se referir rapidamente ao assunto que tratamos, aproveitou a ocasião para tecer considerações sobre outros assuntos não versados no diploma.
O que seria para admirar era que o PCP perdesse uma oportunidade para acusar o Governo de todos os males passados, presentes e futuros.
Com isto, acaba por agredir uma boa parte do povo português, passando-lhe um atestado de incapacidade política, por ter escolhido aquilo, que no seu entender, não tem algum préstimo.
Ouvimos, com serenidade, por sabermos que não tem razão, e confiantes na nunca alterada capacidade de escolha política dos portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Somos de opinião que o PCP não tem razão, pois as diferenças existentes entre o diploma agora apresentado (Decreto-Lei n.º 355/82 e o Decreto-Lei n.º 346/77) não justificam o receio de terem sido diminuídos injustamente os direitos dos deficientes.
O Decreto-Lei n.º 346/77 foi feito com muita habilidade, oferecendo o que não dava, tendo aparência de grande abertura e autonomia.
Contudo, para além da fachada, pouca diferença fazia deste apresentado pelo Governo, o qual tem a vantagem de não enganar ninguém, pondo a condizer o articulado com as intenções que presidiram à sua elaboração.
É verdade que o decreto-lei de 1977 referia, no artigo 15.º, que competia ao Conselho Nacional de Reabilitação, apreciar e aprovar propostas, planos, programas, etc., o que não acontece no decreto-lei de 1982.
Uma apreciação menos atenta levaria à conclusão de se terem retirado direitos. Mas que direitos? Direitos que na realidade, não existiam.
E não existiam, porque o Conselho Nacional era constituído na grande maioria por representantes do Governo e, portanto, esse Conselho só aprovaria o que o Governo desejasse.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!...
O Orador: - Naquele Conselho, com 15 componentes, 13 representavam o Governo e só 2 - só 2, meus senhores - representavam os deficientes.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Nem isso querem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Que poderiam estes 2 representantes dos deficientes aprovar contra os 13 representantes do Governo? Nada... e, portanto, não valia a pena criar ilusões a ninguém.
Para além disso, o órgão legislativo por excelência é a Assembleia da República e, em segundo lugar, o Governo.
Não se criem aparentes órgãos legislativos que só servem para focos de tensão e não para resolver problemas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É natural que o PS não tivesse gostado do aparecimento do Decreto-Lei n.º 355/82, de 6 de Setembro. A lei de 1977 era de iniciativa socialista, e se bem que nada esteja estabelecido que proíba desejar a lei do próximo, a verdade é que o próximo não gosta. O próximo é o PS o Decreto-Lei é o n.º 346/77.
Está justificado desejá-la, pois a lei é leviana, isto é, ilude e engana a quem se dirige, cria conflitos e não tem como contrapeso o resolver melhor os problemas dos deficientes do que aquilo que faz aquela apresentada pelo Governo.
Por isso, iremos apoiar o Decreto-Lei n.º 355/82, que desfaz ilusões e equívocos, sendo por isso mais eficiente do que o de 1977.
Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado, foi com muito gosto que o ouvi, porque - como já toda esta Câmara tinha percebido - o Sr. Deputado conseguiu ver qual era o problema do Conselho Nacional de Reabilita-
Página 546
546 I SÉRIE - NÚMERO 17
cão. Realmente, 13 elementos do Governo podem ditar leis, quando só há 2 representantes das associações.
Mas já agora, Sr. Deputado, pergunto por que é que esses 2 representantes não hão-de estar lá e não hão-de poder aprovar as contas e os planos feitos para o Governo?
É que ao tirarem esses poderes aos representantes das associações, eles deixam de poder fiscalizar as contas do Secretariado Nacional de Reabilitação. Assim, o Governo fica perfeitamente de mãos livres.
O Sr. Deputado diz que os 2 elementos conseguiam criar pressões. Criar pressões?! Oh, Sr. Deputado, dentro de um largo conselho, 2 representantes dos deficientes vão criar pressões? Eles estavam lá para fiscalizar e para manifestar opinião sobre os interesses e anseios de coisas que lhes dizem propriamente respeito. Este é que é o grande problema, Sr. Deputado.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Sr. Deputado, agradeço-lhe...
O Sr. Presidente: - Só um momento, por favor. Sr. Deputado Vidigal Amaro, terminou o seu pedido de esclarecimento?
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Terminei, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Moraes.
O Sr. Henrique de Moraes (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Peço desculpa pela minha pressa, mas é sempre agradável responder ao Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Presidente: - Não tem que pedir desculpa, Sr. Deputado.
O Orador: - Agradeço-lhe, Sr. Deputado, a sua amabilidade ao dizer que tinha tido muito gosto em me ouvir. Também eu tenho muito gosto em poder, ou pelo menos tentar, responder-lhe.
Entendo que o problema que expus é, justamente, esse: é o órgão que aprova, não são os 2 representantes isolados. Portanto, a aprovação não depende dos 2 representantes depende de um todo. Ora bem, dependendo de um todo e sendo esse todo, na sua grande maioria, representado pelo Governo, necessariamente que esse órgão só aprova o que o Governo quiser...
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!
O Orador: - ...porque são representantes nomeados pelo Governo. Sendo assim, não se tira nada, não há qualquer prejuízo para os deficientes, em relação à lei antiga, ao transformar este órgão de órgão legislativo (passe a expressão um bocado forte) em órgão consultivo, que é o que ele é. E enquanto órgão consultivo, tudo quanto diz respeito aos deficientes pode ser tratado, pode ser estudado, sendo os pareceres elaborados para que o Governo legisle, depois, perante eles. É essa a nossa opinião e é por isso que vamos apoiar a lei do Governo. Com certeza que se não fosse essa a nossa opinião, não a apoiaríamos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Vidigal Amaro, pretende usar da palavra para um protesto?
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, por 2 minutos.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Henrique de Moraes, pretendo apenas fazer um ligeiro protesto a fim de esclarecer que a diferença entre o deliberativo e o consultivo é precisamente essa: é que como órgão consultivo ele pode ser ouvido - e todos nós temos uma larga experiência do que significa isso -, mas não é obrigado a ser ouvido e o parecer não é vinculativo; como órgão deliberativo, o Conselho Nacional de Reabilitação devia pronunciar-se sobre - e os deficientes eram obrigatoriamente ouvidos. Ora nesta lei está «pode pronunciar-se», mas não é obrigatório ser ouvido.
O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique de Moraes.
O Sr. Henrique de Moares (CDS): - Sr. Deputado, é evidente que o Sr. Deputado não pertence à maioria e não tem a confiança que nós temos no Governo. Portanto, o Sr. Deputado não acredita que o Governo ouvirá sempre, enquanto nós acreditamos que serão sempre ouvidos. Justamente, a grande diferença é que nós entendemos que é útil serem sempre ouvidos,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ...mas entendemos que é prejudicial, que os deficientes possam deliberar quase que com força de lei. Isso é que iria criar conflitos e é essa a razão porque apoiamos este decreto-lei.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma segunda intervenção e, consequentemente, pelo tempo regimental de 10 minutos, o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, estou inscrito para falar mais tarde mas, uma vez que o Sr. Deputado Vidigal Amaro não vê inconveniente, pretendia trocar e falar na sua vez.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, não há qualquer inconveniente.
Tem, pois, V. Ex.ª a palavra para fazer a sua primeira intervenção, dispondo de 20 minutos.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria começar a minha intervenção por assinalar o facto de, há pouco, o Sr. Ministro ter dito na sua intervenção que os deficientes deveriam ser encarados e reintegrados - e era essa a perspectiva do Governo - como cidadãos e não como deficientes. E logo como primeira medida adequada a este conceito de reintegração o Governo não encontrou melhor do que afastá-los da possibilidade de decidirem, nem sequer das acções a
Página 547
24 DE NOVEMBRO DE 1982 547
desenvolver, mas simplesmente das propostas de acção relativas aos seus próprios problemas. De facto, que noção nos mostra o Governo ter sobre a forma como os deficientes devem ser encarados ao nível do cidadão comum?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi preciso fazer-se o 25 de Abril para que o nosso país soubesse que havia deficientes. Foram precisas as duras lutas de 1974-1975 para que o poder reconhecesse o direito à reabilitação dos deficientes, para que as associações de deficientes se impusessem e se libertassem, nomeadamente, de peias internas com uma visão paternalista e, muitas vezes caritativa, e das sequelas do tempo do fascismo.
No seguimento dessas lutas, os deficientes impuseram a constituição, com a sua participação, da Comissão Permanente de Reabilitação; mais tarde o Decreto-Lei n.º 425/76 respondeu minimamente às exigências das associações de deficientes, quanto à criação de uma estrutura mais avançada e capaz de lançar medidas adequadas à realidade dos deficientes.
Não se dando por satisfeitas, as associações de deficientes impuseram ao poder o reconhecimento da importância e da necessidade de participação dos deficientes, através das suas estruturas representativas, no estudo e definição das medidas a adoptar para a sua integração social.
Assim, em fins de 1976 um grupo de trabalho é encarregado de proceder à revisão do Decreto-Lei n.º 421/76. Nesse grupo de trabalho desempenham papel activo e determinante a APD e a ADFA, na criação do Secretário Nacional de Reabilitação, institucionalizado a partir do Decreto-Lei n.º 346/77.
Se a institucionalização do Secretariado Nacional de Reabilitação representa o resultado da luta e do esforço dos deficientes para dotar a Administração Central de uma estrutura integrada e bem definida que a comprometesse sem equívocos no equacionamento e resolução dos imensos problemas que hoje se põem à integração social e reabilitação dos deficientes, o factor de maior importância reside - residia -, no entanto, na existência do seu Conselho Nacional composto por representantes dos ministérios e das associações de deficientes e dotado de poderes deliberativos, ou seja, vinculando o Secretariado às suas decisões, o que significava que todas as propostas de medidas legislativas sobre deficientes tinham que ter a aprovação desse Conselho Nacional.
Aqui residia o carácter deliberativo. Não era o Secretariado que deliberava e que fazia executar legislação; o Secretariado propunha essa legislação, sendo o carácter deliberativo ao nível do Conselho - para informar, digamos assim, do papel que devia ser desempenhado pelo Secretariado de propor ao Executivo as medidas a ter em consideração.
No entanto, e como sempre acontece nestes casos e enquanto o poder pertencer a forças políticas estranhas aos trabalhadores, o Secretariado Nacional de Reabilitação foi inquinado pela atitude dominante nos diversos governos, que se traduziu em encarar o problema dos deficientes e da sua integração social, de forma a ficar subordinado a uma imensidão de interesses postos em jogo: desde os interesses do próprio OGE, elaborado para favorecer os ricos, os interesses dos grandes e dos poderosos, passando pelos dos construtores civis e pelos interesses do próprio patronato.
E quando tem que se fazer uma política marcadamente a favor dos «empreendedores», ou seja, dos ricos e dos privilegiados, uma política de defesa da chamada «economia nacional», naturalmente que os interesses dos cidadãos mais desprotegidos, assim como os interesses gerais dos trabalhadores e do povo português, são desprezados ou, em linguagem burocrática e do Governo, ficam aguardando melhor oportunidade.
Só que de facto surge a oportunidade para o governo AD se livrar de uma situação incómoda, apesar de tudo, que era a de o Conselho Nacional de Reabilitação ter o poder deliberativo dentro do Secretariado, em que os elementos das associações de deficientes, tinham o poder de fiscalização, nomeadamente, sobre as contas, os dinheiros, etc.
Agarrando na reivindicação, justa, das associações de deficientes de alargar o âmbito de acções do Secretariado, de alargar a composição do Conselho Nacional e de garantir a sua operacionalidade - o que não se tem verificado até agora -, o governo AD com a demagogia que o caracteriza, proclamando que a partir de agora os deficientes passariam a dispor de meios necessários e adequados, com uma maior audição e participação, liquida de uma assentada o resultado de anos e anos de empenhamento e de luta dos deficientes.
Com o Decreto-Lei n.º 355/82 garante-se a inoperância total do Secretariado Nacional de Reabilitação, preenche-se o Conselho Nacional com organizações de carácter privado, confessional e mesmo partidarizado, como é o caso concreto da Confederação Nacional das Associações de Famílias, e impede-se a participação activa das associações de deficientes. A fechar com chave de ouro, decreta-se que o Secretariado Nacional é nomeado livremente pelo Governo sem a audição prévia das associações de deficientes.
A nula importância que a AD atribuiu ao Ano Internacional do Deficiente, a situação em que se encontra hoje a legislação sobre o ensino especial, o Decreto-Lei n.º 43/82, que visava a eliminação das barreiras arquitectónicas, o diploma sobre trabalho protegido, etc., são reveladores do total desprezo pela situação dos deficientes, pela sua inserção social e laborai, que é exemplarmente assinalado pelo decreto chamado a ratificação e que se traduz mesmo no desprezo pela opinião e participação dos deficientes.
E tudo isto exactamente ao contrário do que se apontou no desprezado pela AD Ano Internacional do Deficiente, exactamente ao contrário do que apontam não só as opiniões democráticas e progressistas, mas as próprias opiniões técnicas, digamos assim, e o próprio bom senso. As perspectivas do Governo nesta questão ficam clarificadas com o facto de ele não alargar, com este decreto-lei, a composição do Conselho Nacional de Reabilitação à CGTP, que devia ser encarada como entidade fundamental a ser ouvida e a ter em conta na problemática da inserção de deficientes e da sua reabilitação.
A luta travada pela AD contra a implementação do Serviço Nacional de Saúde, estrutura fundamental para a garantia dos cuidados primários de saúde - que, como sabemos, são factores fundamentais para prevenir a deficiência -, a luta travada pela AD contra a legalização do aborto, obrigando à continuação do aborto clandestino e ao nascimento de seres humanos em precárias condições de gestação, de parto e de vida pós-natal, mostram que este é um Governo insano, um Governo que está disposto a garantir não só as condições que impeçam e dificultem os factores de deficiência, como não está disposto a levar por diante uma política de acordo com os interesses dos deficientes e da sua reabilitação, ou seja, uma política de
Página 548
548 I SÉRIE - NÚMERO 17
acordo com os interesses dos trabalhadores e do povo em geral.
Como todas as reivindicações mais elementares do nosso povo, também as dos deficientes não terão qualquer saída - enquanto este Governo de opressão e miséria não for derrubado.
Os deficientes já demonstraram claramente que repudiam este decreto-lei, já mostraram que são capazes de lutar com coragem, com muita firmeza e determinação. É preciso, pois, articular as exigências dos deficientes com as dos outros preteridos, humilhados e ofendidos, ou seja, com a luta de todos os trabalhadores deste país.
Para já, e aqui, impõe-se impedir a ratificação do Decreto-Lei n.º 355/82, elaborado a revelia das associações de deficientes, que têm, elas sim, o direito de dizer o que entendem em relação à política necessária à satisfação dos seus interesses, muito mais do que este Governo.
Por isso a UDP vai votar contra esta ratificação e apoia a exigência da suspensão do decreto-lei em apreço de forma a permitir que a legislação relativa à problemática dos deficientes seja objecto de uma ampla e plena discussão com a participação decisiva das associações de deficientes.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para pedirem esclarecimentos, os Srs. Deputados Lemos Damião e Borges de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Mário Tomé, V. Ex.ª disse aqui algumas coisas que para nós não deviam ter significado especial. No entanto, entendemos que desta vez V. Ex.ª ultrapassou as raias daquilo que, a nosso ver, consideramos razoável.
Por exemplo, V. Ex.ª disse que foi preciso vir o 25 de Abril para gue houvesse, efectivamente, uma política de eficientes. E verdade, Sr. Deputado, foi preciso vir o 25 de Abril para se começar a fazer justiça social neste país! É verdade que foi preciso vir o 25 de Abril para que V. Ex.ª agora tenha uma linguagem diferente da que tinha antes.
Aplausos do PSD e do PPM.
Não é verdade que V. Ex.ª nessa altura, em vez de andar preocupado em fazer deficientes, poderia e deveria preocupar-se com os deficientes que já existiam?!
Esta é a primeira questão.
Quanto à segunda, se V. Ex.ª me der licença, queria dizer-lhe, com muita serenidade e respeito, o seguinte: V. Ex.ª disse tanta coisa, inclusive foi buscar, salvo erro, os construtores civis, não sei a que propósito, pois que certamente os deficientes, e eu lamento-o, não poderão dedicar-se à construção, mas pelos vistos o Sr. Deputado queria mandá-los para aí, o que não é possível.
Mas o que é certo é que o Sr. Deputado falou de tudo, bateu todos os sectores e esqueceu-se talvez do essencial. E aqui faço a minha pergunta para não me alongar mais: Sr. Deputado, não acha que ao planear-se a integração social dos deficientes físicos se devia considerar o campo da educação como veículo imprescindível? Não acha, Sr. Deputado, que nós só através da educação é que podemos, de facto - permita-me o termo -, sacar aos deficientes todas as suas potencialidades para que eles possam crer, de uma vez por todas, que não são diminuídos perante a sociedade, mas sim cidadãos de pleno direito?
Aplausos do PSD, e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas para 2 observações à intervenção do Sr. Deputado Mário Tomé que, aliás, se aplicam também à generalidade das intervenções do PCP.
De facto, Sr. Deputado, como disse o Sr. Deputado Lemos Damião, foi o 25 de Abril que abriu a porta ao tratamento de muitos problemas que antes estavam esquecidos. Mas não foram as duras lutas a que o Sr. Deputado Mário Tomé se referiu, foi a democracia, contra a qual V. Ex.ª luta, que fez com que esses problemas possam ser tratados e estejam agora a ser tratados aqui.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Perpassa em toda a intervenção de V. Ex.ª, como também naquelas que foram feitas pelo Partido Comunista, um sentido de democracia que importa aqui denunciar. É que ficou claro, através de tudo o que foi dito, que a tentativa de dar poderes deliberativos a estruturas orgânicas não corresponde senão a vir aqui lançar a confusão entre o poder político e o poder orgânico, em suma, Sr. Deputado, isso corresponde à ressurreição do corporativismo em Portugal, ressurreição essa que se está a tentar através das vossas ideias.
E é contra isso que o Governo luta, pois foi contra isso que o governo da AD tem legislado e segue a sua política. Portanto, nós dizemos não à ressurreição corporativista que V. Ex.ª aqui vem defender.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Ai, que susto! ...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé para responder, se assim o desejar.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se mais não fosse, a minha intervenção teve pelo menos um mérito e julgo que isso revela que ela focou alguns pontos fundamentais que estão aqui em debate.
Os Srs. Deputados perderam um pouco as estribeiras. O Sr. Deputado Lemos Damião conseguiu entrar por um campo de provocação àqueles que entraram no 25 de Abril, aos militares de Abril, que tinha sido abolido com a intervenção feita no outro dia pelo Sr. Deputado Vítor Crespo, que deu outro tom. Mas afinal isso foi só verniz, porque vocês continuam na mesma, continuam agarrados a um reaccionarismo que não vos permite olhar para um militar de Abril, para um homem que entrou na revolução de Abril, para um homem que pôs em causa tudo aquilo que poderia ter e que deixou para poder entrar na revolução de Abril! Vocês não podem, de facto, olhar com calma para um homem destes!
De facto, não é essa a questão que está em causa. Não há qualquer ligação entre essa intervenção e aquilo que estamos aqui a tratar.
Estamos aqui a tratar da política reaccionária do Governo e da AD ...
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Reaccionário é o senhor!
O Orador: - ... em relação aos deficientes, que está demonstrada pela total inoperância de órgãos que, nomea-
Página 549
24 DE NOVEMBRO DE 1982 549
damente, foram criados para servirem interesses dos deficientes e que se tornaram inoperantes pela actuação do governo AD, de pôr de parte todas as suas propostas, sugestões, etc.
Diz-me o Sr. Deputado que o problema do ensino é um problema importante. Ora, na minha intervenção referi, de facto, o ensino especial e referi-o exactamente para dizer que a legislação referente a esse ensino está, também ela, posta de parte, não está sequer regulamentada e nada está a ser feito nesse sentido.
Referi esta questão e, portanto, o Sr. Deputado enganou-se ou ouviu mal. E referi-a exactamente para mostrar, também aí, a inoperância, a falta de atenção e de vontade política do Governo para enfrentar os problemas dos deficientes, tendo, no entanto, a vontade política de satisfazer os interesses daqueles que hoje, como antes do 25 de Abril - os grandes, os poderosos, os ricos -, provocam os deficientes e que não estão dispostos a pagar a factura, estão dispostos a atirar com essa factura para cima de quem trabalha.
Julgo que com isto respondi ao Sr. Deputado Lemos Damião.
Em relação ao «papão» do corporativismo, esteja descansado Sr. Deputado Borges de Carvalho pois não é disso que se trata.
O Sr. Deputado nem sequer leu o decreto-lei e não sabe o que é que se está aqui a tratar, que é o poder deliberativo do Conselho Nacional de Reabilitação, dentro do Secretariado Nacional de Reabilitação, no sentido de este poder deliberar em relação às propostas que o Secretariado deve ou não apresentar ao Governo para este legislar e fazer executar.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Era o que fazia a Câmara Corporativa!
O Orador: - Portanto, pode estar descansado! Mas o que os senhores não querem, de facto, é que os trabalhadores, os interessados, o povo esteja empenhado, activa e organizadamente, na resolução dos seus problemas. Os senhores querem governar à vontade, mas estão enganados porque não o farão, mesmo que se libertem da chamada pressão sobre os órgãos do poder que, neste caso, seria levada a efeito pelos 2 representantes de associações de deficientes. Nunca governarão à vontade, porque todos os outros deficientes, organizados nas suas associações, lutarão!
Sr. Deputado Borges de Carvalho, a democracia existe neste país porque há luta dos trabalhadores para que sejam reconhecidos os direitos e liberdades, porque há luta dos trabalhadores contra a vossa vontade ...
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Contra a sua vontade!
O Orador: - ... contra as vossas espingardas, contra os vossos tiros, contra a vossa repressão!
Foi a luta dos deficientes - e ninguém se esquece dela - que impôs que eles hoje sejam olhados de outra maneira e será a luta dos deficientes, a luta dos trabalhadores, que não vos deixará governar à vontade, aliás, que vos impedirá de governar e que vos correrá definitivamente do «poleiro»!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a 5 minutos da hora regulamentar de encerramento dos nossos trabalhos e estão ainda inscritos o Sr. Deputado Lemos
Damião e o Sr. Deputado Vidigal Amaro, este último por troca que fez com o Sr. Deputado Mário Tomé.
Ora, é evidente que, face ao tempo regimental de que qualquer de V. Ex.ªs tem o direito de dispor e também porque presumivelmente a produção dessas intervenções levaria a pedidos de esclarecimento e eventualmente à formulação de protestos, já não temos tempo para continuar o debate.
Por essa razão, cumpre-me anunciar que deu entrada na Mesa, no decurso da sessão de hoje, o projecto de lei n.º 377/III subscrito pelos Srs. Deputados António Reis, José Niza, Fausto Sacramento Marques e outros, que tem como objecto a criação da freguesia do Vale das Mós, no concelho de Abrantes.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, chamo a atenção da Mesa e da Câmara para a dificuldade de se votar nas sessões parlamentares mais próximas este diploma, cuja discussão está praticamente concluída.
Já temos as agendas de tal maneira preenchidas que só depois do próximo dia 10 é que poderemos fazer a votação deste diploma e talvez não valha a pena adiarmos matéria tão importante, na medida em que se prolongarmos a sessão de hoje por mais 30 minutos - que foi justamente o tempo da suspensão dos trabalhos pedida pelo PS - podemos terminar a discussão e votar o diploma, fazendo-o baixar à comissão para discussão na especialidade.
Nesse sentido, requeira que a sessão seja prolongada por 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a prorrogação da sessão, salvo erro, tem que ser requerida por um mínimo de 10 deputados. Mas é evidente que se esse requerimento chegar à Mesa sem outros problemas, considero que é o tempo material ...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, por parte do Grupo Parlamentar do PCP não há qualquer desejo de prolongar este debate. O nosso Grupo Parlamentar tinha assumido compromissos para esta noite e corremos o risco de o debate ainda se poder prolongar durante algum tempo, o que vai pôr em causa toda a nossa programação de trabalhos.
De qualquer modo, se houver consenso da parte das outras bancadas, não será pelo nosso lado que a sessão não será prorrogada.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estou confrontado com a apresentação de um requerimento que, nos termos regimentais, deve ser-me apresentado, para ser submetido à votação, antes da hora regimental de encerramento da sessão e, nestes termos, será a Câmara a decidir se a prorrogação se faz ou não. É evidente que, estando nós a 2 minutos dessa hora regimental, a Mesa não será tão rigorosa que, tendo sido já anunciado esse propósito, não aguarde que ele seja entregue na Mesa.
Página 550
550 I SÉRIE - NÚMERO 17
Em todo o caso, lembro a VV. Ex.ªs que o quorum de votação é de 126 Srs. Deputados.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Se o Sr. Presidente nos coloca questões de quorum, é evidente que consideramos inútil estar a fazer o requerimento.
O Sr. Presidente: - A questão é que o Sr. Deputado pôs a hipótese de se • fazer ainda hoje a votação na generalidade.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, creio que me fiz entender e creio que não valha a pena apresentar por escrito o meu requerimento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe que repare que eu não estou a pôr questões de quorum, apenas pergunto a V. Ex.ª se podemos votar, na generalidade, uma ratificação de qualquer lei com 89 Srs. Deputados presentes, quando o Regimento nos exige 126.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, não tenho nada a acrescentar, concordo com V. Ex.ª.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, estou a ver entrar na Sala tantos Srs. Deputados que vamos proceder a uma contagem. Peço às direcções dos grupos parlamentares que insistam com os Srs. Deputados que eventualmente estejam fora da Sala do Plenário no sentido de os fazerem comparecer na Sala.
Pausa.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente ...
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A nossa bancada considera não haver condições para se prolongar o debate pelo que, em nosso entender, a sessão deve terminar, continuando na próxima oportunidade.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 115 Srs. Deputados e continuo aberto à apresentação de um requerimento para prorrogação dos trabalhos, se entenderem que assim deve ser.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado .
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, não era minha intenção criar qualquer dificuldade, muito pelo contrário. A minha sugestão foi no sentido de a Assembleia poder, ainda hoje, tomar uma decisão nesta matéria.
Já fizemos o requerimento e estamos a recolher as assinaturas necessárias, mas como não há quorum, penso que este é trabalho relativamente votado ao fracasso.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não estão presentes 126 Srs. Deputados pelo que não temos quorum para votar o requerimento que o Sr. Deputado Carlos Lage apresentou. Chamo a atenção de VV. Ex.ªs para o facto de o n.º 3 do artigo 63.º do Regimento estabelecer que «as deliberações do Plenário da Assembleia serão tomadas com a presença de mais de metade dos seus membros, salvo quanto a questões de regularidade processual e disciplina de reunião». Não é nenhuma destas a hipótese que estamos a considerar e, consequentemente, vamos suspender os nossos trabalhos.
A próxima sessão será amanhã às 15 horas e, como VV. Ex.ªs já sabem, terá como ordem do dia a discussão na generalidade da Lei da Defesa Nacional e das Forças Armadas, como consequência do veto do Sr. Presidente da República, já anunciado.
Está encerrada a sessão. Eram 20 horas e 5 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Bernardino da Costa Pereira.
Cipriano Rodrigues Martins.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Mendes Costa.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
Joaquim Pinto. José Vargas Bulcão.
Manuel Maria Monteiro.
Maria Margarida Moura Ribeiro.
Nicolau Gregório de Freitas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vasco Mascarenhas Grade.
Partido Socialista (PS)
Adelino Teixeira de Carvalho.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Manuel Azevedo Gomes.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Beatriz Cal Brandão.
Edmundo Pedro.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Fernandes.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Joaquim Gomes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel da Mata de Cacetes.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Alberto Lopes Soares.
Página 551
24 DE NOVEMBRO DE 1982 551
Centro Democrático Social (CDS)
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Mendes Carvalho.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Paulo Rolo.
António Pedro Silva Lourenço.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Joaquina Rosa da Costa.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Paulo Oliveira Ascensão.
Valdemiro Pinho Brandão.
José Luís Figueiredo Lopes.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ribeiro Arruda.
Mário Dias Lopes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Partido Socialista (PS)
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Magalhães da Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
João Cardona Gomes Cravinho.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Partido Comunista Português (PCP)
Artur Mendonça Rodrigues.
Daniel Figueiras Cabrita.
Ercília Carreira Talhadas.
Georgete de Oliveira Ferreira.
José Manuel da C. Carreira Marques.
Manuel Correia Lopes.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Odete dos Santos.
Partido Popular Monárquico (PPM)
António José Borges de Carvalho.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD)
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Américo Abreu Dias.
António José Cardoso e Cunha.
António Vilar Ribeiro.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Mattos Chaves Macedo.
Eduardo Manuel Lourenço Sousa.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Francisco de Sousa Tavares.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Centro Democrático Social (CDS)
Fernando Larcher Nunes.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João António Morais Leitão.
João Gomes de Abreu de Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Ruy Garcia de Oliveira.
Partido Comunista Português (PCP)
António Dias Lourenço.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Partido Popular Monárquico (PPM)
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI)
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Tílman.
nião da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS)
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
OS REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz - José Diogo.
Página 552
PREÇO DESTE NÚMERO 64$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA