O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 683

I Série - Número 21

Quinta-feira, 2 de Dezembro de 1982

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE NOVEMBRO DE 1982

Presidente: Ex.mo Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.

Secretários: Ex.mos Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Manuel Rodriges Masseno.
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 7 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta da apresentação de requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Oliveira Dias (CDS), a propósito da passagem, no dia 4 de Dezembro, do aniversário do acidente de Camarate, enalteceu a obra e o exemplo de Sá Carneiro e Amaro da Costa.

No mesmo sentido se pronunciaram os Srs. Deputados Santana Lopes (PSD), também em declaração política, e Borges de Carvalho (PPM).

O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP) respondeu a pedidos de esclarecimento formulados na sessão anterior pelos Srs. Deputados Carlos Lage e Manuel Alegre (PS), Herberto Goulart (MDP/CDE), Magalhães Mota (ASDI), César de Oliveira (UEDS) e Mário Tomé (UDP).

Sobre o mesmo assunto usou da palavra o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa), tendo também o Sr. Deputado Herberto Goulart (MDP/CDE) respondido a protestos dos Srs. Deputados Santana Lopes (PSD) e Carlos Robalo (CDS) em relação a uma sua intervenção da última sessão.

Ordem do dia. - O Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo (PSD) justificou a apresentação, pelo PSD, CDS e PPM, do pedido de inquérito parlamentar, que foi aprovado, sobre as causas que deram origem ao desastre aéreo de Camarate.
Usaram também da palavra, a diverso título, incluindo declarações de voto, os Srs. Deputados Lopes Cardoso (UEDS), Almeida Santos (PS), Carlos Brito (PCP), Silva Marques (PSD), Armando de Oliveira (CDS), Mário Tomé (UDP), Herberto Goulart (MDP/CDE), Jaime Gama (PS), Borges de Carvalho (PPM), António Taborda (MDP/CDE), José Manuel Mendes (PCP), Magalhães Mota (ASDI), Luís Coimbra (PPM) e César de Oliveira (UEDS).

O projecto de lei n.º 375/77 -promoção de oficiais das Forças Armadas ao posto imediatamente superior por distinção por serviços prestados à democracia e à Pátria -, do PS, ASDI e UEDS, foi apresentado pelo Sr. Deputado Salgado Zenha (PS), que respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs. Deputados Carlos Brito (PCP), Narana Coissoró e João Morgado (CDS), Cardoso Ferreira (PSD), Herberto Goulart (MDP/CDE), Silva Marques (PSD), Mário Tomé (UDP), António Moniz (PPM) e Lopes Cardoso (UEDS) - que também respondeu a protestos do Sr. Deputado Borges de Carvalho (PPM).

Na discussão da proposta de lei n.º 132/II - autoriza o Governo a contrair empréstimos junto do Banco Internacional para a reconstrução e desenvolvimento - participaram, a diverso título, além do Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira), os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), Mário Tomé (UDP), Carlos Lage (PS), Oliveira e Sousa (CDS), Rogério Brito (PCP), João Cravinho (PS), Jorge Lemos (PCP), Borges de Carvalho (PPM), Jaime Gama e Azevedo Gomes (PS). Sousa Marques (PCP), Carlos Robalo (CDS) e Santana Lopes e Amélia de Azevedo (PSD).

O Sr. Presidente, após informar da interposição de recurso, pela ASDI, do despacho de admissão da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado para 1983, encerrou a sessão às 19 horas e 50 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 11 horas e 7 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Américo Abreu Dias.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Maria de O. Ourique Mendes.

Página 684

684 I SÉRIE - NÚMERO 21

António Roleira Marinho.
António Vilar Ribeiro.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Carlos Mattos Chaves Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Eduardo Manuel Lourenço Sousa.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcês.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
João Afonso Gonçalves.

oão Evangelista Rocha Almeida.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
Joaquim Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuela Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida Moura Ribeiro.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Octávio Pereira Machado.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Victor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Fernando Marques R. Reis.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Azevedo Gomes.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Joaquim Gomes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
José Jorge Gois Mendonça.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel Rodrigues Masseno.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Virgílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS):

Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Cantinho de Andrade.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Alberto Faria Xerez.
José Eduardo Sanches Osório.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luisa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Rui António Pacheco Mendes.
Rogério Ferreira Monção Leão.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António José M. Vidigal Amaro.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.

Página 685

2 DE DEZEMBRO DE 1982 685

Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitorino.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.

Partido Popular Monárquico (PPM):

António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Francisco Braga Barroso.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tilman.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
Herberto de Castro Goulart.

União Democrática Popular (UDP):

Mário António Baptista Tomé.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura de requerimentos apresentados.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa na última reunião plenária os requerimentos seguintes:
Ao Governo, formulados pelos Srs. Deputados Luís Patrão e Herberto Goulart; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Armando Lopes; ao Governo e ao Ministério da Cultura (2), formulado pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado João Cantinho de Andrade; ao Governo e a diversos ministérios (6), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; à Secretaria de Estado da Cultura, à Câmara Municipal de Tavira e à Radiotelevisão Portuguesa (2), formulados pelo Sr. Deputado Daniel da Cunha Dias.

Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em primeiro lugar estão inscritos para produzir declarações políticas os Srs. Deputados Oliveira Dias e Santana Lopes. Seguidamente, continuaremos os nossos trabalhos do período de antes da ordem do dia, com os pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, em relação ao assunto que transitou da sessão anterior.
Portanto, para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Dias.

O Sr. Oliveira Dias (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não temos desta Assembleia um conceito que a aproxime, mesmo no período de antes da ordem do dia, de uma câmara de efemérides. No entanto, há datas que têm para todos nós um sentido que entendemos justifica plenamente evocá-las em sessão plenária da Assembleia da República.
Em 4 de Dezembro próximo - e hoje é a última reunião antes desta data- passam dois anos sobre a morte inesperada e trágica de Francisco de Sá Carneiro, de Adelino Amaro da Costa, de António Patrício Gouveia e das pessoas que os acompanhavam no avião que caiu em Camarate em circunstâncias que, efectivamente, importa esclarecer o mais possível è quanto antes.
O sentido das minhas palavras é o de, mais uma vez e nos termos mais sinceros, lembrar aqui o exemplo destes homens e de os apontar a todos nós como grandes lutadores na implantação e na construção de um regime democrático em Portugal, segundo perspectivas suas, que serão partilhadas ou não por cada um dos que estão aqui presentes, mas a quem ninguém poderá, creio eu, recusar a qualidade de protagonistas de primeiríssimo plano na defesa da liberdade em Portugal.
Figuras controversas em vida, merecem hoje o respeito de todos os portugueses. Não se estranhará que o Grupo Parlamentar do CDS, no quadro mais largo da Aliança Democrática, entenda que é preciso lembrar estes mortos e tirar das suas vidas brutalmente interrompidas lições úteis para os vivos e, antes de mais, para os responsáveis políticos que todos somos.
Muito havia em cada um deles de qualidades e virtudes pessoais que não se repetem nem imitam. Aí está, de certo, fundamento importante para grande parte da homenagem que hoje lhes renovamos e que permanece profundamente marcada numa grande percentagem do povo português - de quem os tenha apoiado ou de quem tenha sido seu adversário.
Mas, para além disso e quase ao acaso, eu citaria marcas de exemplaridade que nos deixaram e valem para todos os homens responsáveis como nós.
Sá Carneiro e Amaro da Costa assumiram ideais configurados em projectos doutrinários e políticos próprios. Lutaram por eles na oposição, em circunstâncias adversas; lutaram por eles ao longo de todo o país, em contacto com o povo, recolhendo aplausos ou apupos e continuaram a lutar por eles quando lhes foram confiadas responsabilidades governativas. E estas atitudes de afirmação e de empenho são o contrário do «deixar correr» e do mero «dizer mal». Elas distinguem os homens que procuram servir, como entendem que deve ser servido o País, dos homens que meramente desejam sobreviver. E Portugal, como os povos de todo o mundo,

Página 686

686 I SÉRIE - NÚMERO 21

precisa de quem queira servi-lo com riscos e não de quem prescinda tão-só egoisticamente sobreviver através do que acontece.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito bem!

O Orador: - Este ideal de serviço, este exemplo de combatividade, este assumir dos riscos de se saber o que se quer, não são de certo exclusivos dos homens cuja memória evoco - são, porém, motivos de reflexão para todos nós, e reflexão que há-de servir de acicate aos que sentirem a tentação do desânimo ou da indiferença perante os outros e perante os destinos próximos e mais dilatados da gente da sua Pátria.
Por que é que Sá Carneiro e Amaro da Costa passaram da minoria para a maioria? Porque o regime nascido do 25 de Abril, confirmado em 25 de Novembro, lho permitiu, evidentemente. De certo, porém, também pela inteligência, pela coragem, pela capacidade de intervenção e de mobilização política, pela argúcia no estudo das conjunturas, pela aptidão para definir estratégias, pela vontade firme de as pôr em prática.
Mas também pela força de alma que toma das dificuldades como estímulos, que toma as vitórias dos adversários como motivo para reforçar a sua acção, pela convicção na defesa e na afirmação difícil daquilo em que se acredita, em vez de flutuar ao sabor do que acontece.
Alguém disse que a política é sobretudo a arte de realizar o possível; mas é também o supremo desafio de tornar possível, por meios correctos e legítimos, aquilo em que se acredita.
Afinal este é dos sentidos mais profundos de exigência pessoal que um regime livre e democrático abre a qualquer homem que como tal profundamente se assuma. Este é o verdadeiro sentido e a maior exigência que se nos perfila a todos quantos nos comprometemos politicamente perante o povo e com o próprio povo.
Em tempos em que volta a ser moda dizer mal, generalizadamente, dos partidos políticos e dos objectivos partidários, é preciso lembrar que uma declaração de princípios e um programa partidário que se respeitam e mereçam respeito são uma proposta ordenada ao bem comum, ao bem da comunidade nacional e de cada pessoa que a integra segundo uma determinada perspectiva, por definição relativa e controversa. São abordagens que não devem nem podem desejar excluir outras, antes lhes deixar os seus espaços, mas que, respeitando as outras, são tomadas pelos que a subscrevem como mais adequadas a alcançar esse objectivo superior que é a prossecução do progresso da sua Pátria e dos seus concidadãos.
Sá Carneiro e Amaro da Costa foram homens de partido ao serviço da Nação; homens políticos com o sentido da dignidade do Estado com que se comprometeram. Ninguém poderá negá-lo e é útil recordá-lo. Como tal, cumpriram.
Cada qual com as características da sua personalidade e do seu temperamento e com o seu projecto político, foram homens que, tal como souberam lutar, souberam respeitar os seus adversários. E souberam dialogar; souberam dialogar com todos; souberam dialogar um com o outro. E foi de um diálogo aberto a todos os partidos que perfilham o mesmo modelo de regime democrático, europeu e pluralista que, em circunstâncias difíceis, veio a nascer da convergência entre o PSD, o CDS e o PPM, a Aliança Democrática, em que o povo português votou e elegeu por 2 vezes, em termos de lhe atribuir a maioria nesta Câmara e, dai, a responsabilidade de governar o País.
Para nós, que nos integramos na Aliança Democrática, os homens que aqui recordo são chave de um compromisso que até 1984 também assumimos e a que continuaremos fiéis. É do conhecimento comum que o processo e a actividade política, em coligação é sempre difícil, mas foi também à superação dessas dificuldades que, no respeito de uns pelos outros, nos comprometemos também.
Seja-me permitido, a terminar, exprimir de novo o grande respeito, admiração, apreço e saudade que Francisco de Sá Carneiro e António Patrício de Gouveia, a sua memória, cada vez mais concitam no CDS e no seu grupo parlamentar.
Seja-me permitido, com a emoção especial com que se recorda um grande amigo morto, lembrar aqui Adelino Amaro da Costa, um dos mais lúcidos e brilhantes parlamentares que esta Câmara conheceu; lembrar a sua inteligência e a sua generosidade; a sua alegria e a sua combatividade; a sua coragem e a sua humildade; a sua grandeza de alma e a sua grande humanidade.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nas vésperas de mais um aniversário sobre a morte destes políticos portugueses que nós conhecemos todos, atenuadas as paixões despertadas pela luta que, com a sua coerência, desenvolveram, creio estarmos em condição de afirmar, com adesão cada vez maior, que foram grandes homens, que pertencem à história do País e desta Casa e que bem merecem a nossa homenagem que por mim subscrevo e proponho a todos seja nesta data renovada.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes, para uma declaração política.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Francisco Sá Carneiro e aqueles que o acompanhavam naquele voo de tragédia morreram faz sábado próximo 2 anos.
Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e António Patrício Gouveia morreram quando o País deles tanto precisava para se poder erguer a níveis de vida a que qualquer povo, por natureza, ambiciona. Morreram em plena luta por um regime, em pleno combate por uma sociedade e, no caso, em plena campanha por um candidato presidencial.
2 anos sendo passados, pretende o grupo parlamentar do partido que Francisco Sá Carneiro fundou e liderou evocar a obra daquele que foi, acima de tudo, um lutador pelos seus ideais: lutou por eles na oposição à ditadura, lutou também por eles, quer na oposição, quer como Primeiro-Ministro, durante o período transitório posterior ao 25 de Abril e só terminado com a recente revisão constitucional.
De facto, desde que iniciou a sua intervenção política e até que foi arrebatado desta vida, uma linha de inquebrantável coerência perpassou por toda a acção de Sá Carneiro: coerência nos valores, coerência nos princípios, coerência no método, coerência no estilo, coerência nos objectivos.
Sempre ergueu a meta primeira do seu combate, a institucionalização de uma democracia plena, e dela nunca abdicou. Por isso mesmo nunca se contentou com «aberturas» ilusórias promovidas pelos detentores do poder no regime de Marcelo Caetano, bem como nunca

Página 687

2 DE DEZEMBRO DE 1982 687

se satisfez com as formas mitigadas de democracia dos anos posteriores à revolução.
A Francisco Sá Carneiro não interessavam «semiditaduras» ou «semidemocracias» e frequentemente insistia, nos seus discursos, na ideia de que o único regime em que vale a pena viver è o da plena democracia. Infelizmente nunca chegou a conhecer aquilo por que tanto lutou e que tanto desejou.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Dessa preocupação permanente de Francisco Sá Carneiro decorreu a incompreensão que as suas atitudes, durante muito tempo, suscitaram em muitos incrédulos. Na verdade, sucedia que enquanto vários dos seus adversários se encontravam já embrenhados nas disputas partidárias e nas refregas da política politiqueira, Sá Carneiro, pelo seu lado, não esquecia nunca a questão do regime. Ele sabia que Portugal continuava a ser um país com o poder ilegitimamente dividido, um país manietado por uma tutela militar ajudada por uma constituição «fruto de outros tempos», um país em que as armas eram tão fortes como os partidos, um país em que a eficácia do voto popular estava sempre limitada pelas sequelas da «anarquia gonçalvista».
Por saber tudo isso, Sá Carneiro nunca descurou o essencial e sempre ignorou o acessório; por isso mesmo Sá Carneiro pensava «mais acima» e também por isso - e pelas suas qualidades naturais - falava outra linguagem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém pode negar hoje em dia - mesmo alguns daqueles que tanto o atacaram em vida - que toda a acção de Francisco Sá Carneiro constitui uma permanente dádiva em prol da liberdade de todos e de cada um, uma constante procura de um desenvolvimento que nos modernizasse. Quando tomou posições claras em favor do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, quando defendeu os presos políticos e a liberdade de imprensa em plena Assembleia Nacional, quando renunciou ao seu mandato de deputado, quando aderiu às esperanças do 25 de Abril, quando rejeitou e atacou os desmandos e os abusos que, em nome da revolução, se praticavam, quando fundou o seu partido e para ele defendeu como via programática as ideias que, já em ditadura, dizia serem as suas, quando se submeteu democraticamente às decisões do seu partido no sentido da votação favorável da Constituição e do apoio à candidatura do general Eanes, quando - apesar de ser oposição - apoiou o pedido de adesão à CEE formulado pelo então governo minoritário socialista, quando abandonou a direcção do seu partido por se recusar a executar a política que outros, constantemente, lhe exigiam, quando só aceitou retomar essa direcção depois de as suas bases terem inequivocamente esclarecido a situação existente, quando, veementemente, passou a exigir a dissolução da Assembleia da República e consequente convocação de eleições antecipadas, quando proclamou - logo em 1977 - a imperiosidade da revisão da Constituição e a sujeição do novo texto a referendo; quando anunciou a sua oposição ao Presidente da República, quando lutou por uma maioria e a conseguiu a partir da oposição, quando exerceu as funções de Primeiro-Ministro e, finalmente, quando apoiou outro candidato à Presidência da República e ainda quando lutou por ele até ao dia em que encontrou a morte, em todas essas circunstâncias e em muitas outras a acção de Sá Carneiro representou essa dádiva e traduziu essa procura.

Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Francisco Sá Carneiro era um homem de acção, um homem de génio, um homem que sabia dialogar, mas também romper, um homem que procurava esgotar a via do consenso antes de se entregar ao combate em que era exímio.
Francisco Sá Carneiro não suportava a cobardia, prezava a coragem, recusava a acomodação e estimulava o risco. Preferia jogar tudo a ter na mão cartas viciadas. Preferia sair a tempo a alguma vez se confundir com o equívoco.
Francisco Sá Carneiro lutou, pugnou sempre pela liberdade, sem nunca ter esquecido o valor da igualdade que bem procurou enquanto governante e de uma fornia quase sempre incontestada.
Francisco Sá Carneiro, contudo, tinha outra característica que convirá hoje aqui recordar: detestava a falta de convicção e a falta de determinação. Por isso mesmo não gostava que se olhasse para trás, por isso mesmo não gostaria que o recordássemos sem estarmos dispostos a continuar o seu combate.

Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.

O Orador: - Estou certo de que só num ponto ele admitiria que nos preocupássemos com o passado e, mesmo assim, não o exigiria por ele, mas pela justiça, não por ele, mas pela verdade.
Refiro-me ao apuramento das causas da sua morte, preocupação sempre e cada vez mais presente na mente dos Portugueses.
E não se venha dizer, a este propósito, que se trata de sentimentalismo irracional ou de exploração política. Trata-se, isso sim, de exigir o cumprimento de uma obrigação indeclinável, cumprimento que é condição necessária para que se possa legitimamente evocar a vida e obra de um homem de Estado - Portugal, de um homem de regime - a democracia, de um homem de programa - o social democrata.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: queremos recordar especialmente Francisco Sá Carneiro e a sua acção política por entendermos que há nessa evocação especial utilidade, quer para todos aqueles que continuam a defender o projecto que ele encarnou - e que é mais fácil de determinar do que muitos «animadores de projectos turcos» pretendem fazer crer -, quer para todos os que na política destes tempos se bastam com o equívoco, com a indecisão e com a mediocridade, quer dos outros, quer deles próprios.

A Sr.ª Manuela Aguiar (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Equívoco, indecisão e mediocridade contra as quais Adelino Amaro da Costa e António Patrício Gouveia tanto também lutaram.
Aquele, que pela sua notável acção igualmente desenvolvida ao nível do regime, embora sempre fiel e atento aos ideários do partido de que foi figura tão cimeira e de que é símbolo tão exaltado.
António Patrício Gouveia, pela sua competente, leal e infatigável colaboração com o que foi o presidente do

Página 688

688 I SÉRIE - NÚMERO 21

maior partido português e o Primeiro-Ministro cuja acção os Portugueses ainda hoje mais reconhecem.
Por último, uma palavra para Snu Abecassis, símbolo de outra faceta inolvidável da extraordinária personalidade de Sá Carneiro, e para Manuela Amaro da Costa, bem como para Jorge Albuquerque e Alfredo de Sousa, cujas memórias também merecem sempre - e sempre deveriam ter merecido - igual e profundo respeito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: nesta declaração pretendemos, acima de tudo, invocar um exemplo de coerência, de determinação e de firmeza na prossecução dos objectivos no caso daqueles que a maioria eleita pelo povo português deve tomar, indeclinavelmente, como seus, até que os compromissos assumidos sejam realizados.
Nesta evocação pretendeu o PSD homenagear as vítimas do ainda obscuro desastre de Camarate, uma homenagem que é saudade feita força a pensar no futuro de Portugal.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para, em nome da minha bancada, me associar à homenagem aqui prestada hoje pelo PSD e pelo CDS à memória de Francisco Sá Carneiro, Adelino Amaro da Costa e daqueles que com eles perderam a vida no trágico 4 de Dezembro.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: esses homens eram notáveis entre todos porque souberam, com galhardia, com inteligência e com coragem, defender as suas ideias, defender ideais políticos e democráticos que em grande parte são também os da minha bancada, são também os nossos. Foram homens que souberam abater bandeiras nas suas próprias formações partidárias para criar uma realidade política nova e oferecer ao eleitorado uma alternativa que o galvanizou e que criou na democracia portuguesa uma situação de estabilidade que até aí não tinha sido conseguida. Foram homens que souberam dizer aos Portugueses da necessidade da criação de uma democracia não tutelada, da indesmentível necessidade de criar para Portugal um regime que fosse integralmente democrático.
Esses homens que hoje homenageamos fazem falta à maioria, fazem falta aos seus partidos, porque eram dos seus mais destacados e mais qualificados líderes. Mas, posso dizê-lo, fazem falta também à oposição. Fazem falta também à oposição porque a oposição, qualquer oposição, só se dignifica e engrandece quanto melhores e quanto mais qualificados forem os seus adversários. Fazem falta, finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao regime democrático em Portugal porque eram dos seus melhores e maiores defensores.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o 4 de Dezembro será sempre para nós recordado como um dia triste. Triste para a Aliança Democrática, triste para o PPM, triste para o País, triste para o regime. Mas se algo nos resta nesta tristeza que possa conduzir-nos a algo que não seja só tristeza, é o seu exemplo. Exemplo de como se pode - sem tergiversar, sem dar àqueles que são seus adversários qualquer trégua -, ser impecavelmente democrático; exemplo de como se pode fazer de si próprio e dos outros a exigência permanente e perene do respeito pelas regras democráticas.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

No decorrer desta intervenção tomou assento na bancada do Governo a Sra. Secretária de Estado Adjunta do Ministro para os Assuntos Parlamentares (Luísa Antas).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, retomamos agora o fio da declaração política ontem produzida pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa. O Sr. Deputado tinha tido 6 pedidos de esclarecimento e, portanto, tem regimentalmente direito a responder a todos eles.
Tem, pois, V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que não será necessário consumir todo o tempo que regimentalmente me cabe. De qualquer forma, gostaria de dizer o seguinte: em primeiro lugar, face às perguntas e afirmações feitas pelos Srs. Deputados Carlos Lage e Manuel Alegre, do Partido Socialista, Herberto Goulart, do MDP/CDE, Magalhães Mota, da ASDI, César Oliveira, da UEDS, e Mário Tomé, da UDP, concluo que confirmam a unanimidade da oposição em considerar que Angelo Correia não tem nem ética nem moral política para ocupar o cargo de Ministro da Administração Interna.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Este aspecto é importante porque nenhuma acusação daquelas que eu fiz - e algumas foram bastante graves - foi rebatida. Entendo mesmo que o próprio silêncio das bancadas da maioria tem um significado político que deve, em minha opinião, ser entendido como demarcação das afirmações caluniosas aqui proferidas por Angelo Correia.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Só por causa dos aplausos existentes na parte final da intervenção do Sr. Ministro Angelo Correia não me caberia a mim passar-lhes um atestado de cumplicidade nos processos antidemocráticos, nas falas e nas calúnias de Angelo Correia. Portanto, não me caberia a mim passar-lhes um atestado de reaccionários, na sua totalidade e em termos pessoais, em termos individuais, na medida em que isto não pode ser tratado como uma questão meramente moral.
Acredito que muitos deputados da maioria estarão de acordo comigo se recolocarmos a questão em termos de dignidade daquele cidadão que, durante muitos dias, se viu isolado dos seus próprios companheiros, se viu vilipendiado, ofendido por uma calúnia bolsada pelo Sr. Ministro da Administração Interna - há coisas que às vezes não têm preço. Ora, hoje, esse homem está ilibado. No entanto, quem paga as consequências, os efeitos morais e - digamos - o ensombrar da dignidade humana...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

Página 689

2 DE DEZEMBRO DE 1982 689

O Orador: - ... desse homem durante esses dias até haver o esclarecimento completo da situação?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas a grande questão é que isto não é apenas um problema moral. Por isso mesmo, face à presença aqui, nesta Assembleia, de um membro do Governo, aguardo com alguma curiosidade a resposta do Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares, que poderá, de certa forma, esclarecer à segunda questão levantada pelo Sr. Deputado Magalhães Mota no sentido de saber se o Governo é ou não solidário - e neste caso concreto também o Primeiro-Ministro - com a conduta, com as palavras caluniosas e difamantes de Angelo Correia.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas julgo que o mais importante será, sem dúvida, a questão política. Perguntava o Sr. Deputado César Oliveira se isto não é uma questão de um homem que sofre de delírio constante, se não se trata apenas de um caso de petulância, de pouca inteligência. É isso mesmo, mas não é só isso, Sr. Deputado: homens petulantes e pouco inteligentes há muitos, mas Angelo Correia ocupa o cargo de Ministro da Administração Interna!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Angelo Correia é o homem que detém peças fundamentais da segurança e da ordem pública em Portugal; é o homem que comanda as polícias.
Permitam-me, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que refira aqui um exemplo passado há algum tempo: num conflito laborai estavam concentrados, perante 150 polícias de choque e um pelotão da GNR, armada de G3, cerca de 1000 trabalhadores. A situação agudizou-se e quase ocorreram graves acontecimentos devido ao facto de a GNR ter chegado a puxar a culatra atrás para disparar sobre a multidão. Todavia, o conflito resolveu-se e quando eu estava a passar por um cabo da GNR, ele abordou-me dizendo: «então, Sr. Deputado, isto esteve muito mau!». Era verdade! Assim, eu coloquei-lhe a seguinte questão: «o sr. guarda e os seus colegas eram capazes de disparar sobre aqueles trabalhadores que estavam ali desarmados?» Perante este pergunta, ele, com uma sinceridade brutal, sem ódio sequer, mas com uma sinceridade que me chocou profundamente, disse--me que se o comando mandasse eles disparavam.

O Sr. Silva Marques (PSD): O que é que isso tem a ver com o assunto?

O Orador: - Tem a ver sim, Sr. Deputado, porque o comando é, precisamente neste momento, Angelo Correia, que é capaz de difamar um cidadão aqui, em plena Assembleia da República.

Aplausos do PCD, da UEDS, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.

Sr. Deputado Silva Marques, um homem que tem um comportamento destes aqui, na Assembleia da República - não é à mesa do café, não é um aparte que nós travamos aqui uns com os outros, não é uma conversa de corredor, mas sim um discurso ali, na tribuna da Assembleia da República -, que assume imediatamente uma carga e uma responsabilidade políticas, mas que não se privou de enlamear nem a honra nem a dignidade de um cidadão, não é um homem qualquer, é um Ministro da Administração Interna, um homem que quer ter um serviço de informações.
Sr. Deputado, eu pergunto como é que é possível um homem desta natureza ser comando, ter na mão os comandos da polícia portuguesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado está a fazer extrapolações que, evidentemente, se podem enquadrar no uso da liberdade de expressão. No entanto, são extrapolações.
Ora, se V. Ex.ª está a ser tão intrépido nas suas extrapolações, imagine o que nós poderíamos dizer de VV. Ex.ªs, que são uma bancada confessadamente contra a democracia e, no entanto, estão permanentemente a fazer o papel dos grandes defensores da democracia.

Protestos do PCP.

Aplausos do PSD e do CDS.

Face a extrapolações dessa natureza, Sr. Deputado, VV. Ex.ªs são pela democracia ou são contra a democracia? Já que está tão tentado a fazer extrapolações relativamente a um incidente aqui ocorrido, daí partindo em voo para pôr em causa a seriedade do Governo, a solidariedade da maioria relativamente ao Governo, ...

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Tenha juízo!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - O que é que isso tem a ver com as calças?

O Sr. Silva Marques (PSD): - ... faça, então, extrapolações sobre a sua própria bancada se, realmente, está predisposto a isso.

O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, eu procurava fazer a minha exposição de modo a apresentá-la com uma certa serenidade...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Então faça!

O Orador: - ... e com algumas considerações que entendo por boas.
Assim, devo dizer-lhe, Sr. Deputado Silva Marques, que estaria muito mais interessado em ouvir da sua boca - face à minha intervenção de ontem e às acusações que fiz, face às responsabilidades que essa bancada tem perante a conduta política do seu Ministro - o que o Sr. Deputado tem a dizer sobre o que o Sr. Ministro afirmou e sobre o que eu afirmei ontem, do que ouvi-lo estar com exemplos que nem sequer são exemplos. O Sr. Deputado não referiu quaisquer casos concretos.
Quanto à questão da democracia...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Diga lá, a propósito de democracia.

Página 690

690 I SÉRIE - NÚMERO 21

O Orador: - ..., talvez o Sr. Deputado saiba que muito antes do 25 de Abril já este partido se batia pela liberdade e pela democracia.

Aplausos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Secretário-Geral declarou que os senhores são contra a democracia.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Essa cabeça cheira mal!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Quem está a mais em matéria de regime democrático são VV. Ex.ªs.

O Orador: - Voltando à questão que estava a expor, perguntavam-me quase todos os partidos da oposição se isto não era uma questão suficiente, em termos de ética política e moral, para que Angelo Correia se demitisse.
De facto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se ele fosse um homem responsável, se ele encarasse que vivemos um estado de direito democrático, é óbvio que ele se demitiria. Mas se o Governo fosse responsável, então, neste caso concreto, seria o Governo a ter que o demitir porque, Srs. Deputados, aquilo que se passou na sexta--feira, dia 19, foi uma prova gravada, foi mais um acrescento, de que este Ministro Angelo Correia está a mais em termos de regime democrático, em termos de ocupar o cargo político que ocupa.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª tem tempo suficiente para contraprotestar. Não procure que eu me exalte porque estou a tentar ser sereno.

Risos do PSD.

Uma voz do PSD: - Tenha calma, o senhor está a perder a calma.

O Orador: - As consequências foram muito grandes, não só para os trabalhadores da COMETNA, não para o cidadão em causa, mas também para a própria democracia. Portanto, Sr. Deputado, por favor deixe-me acabar, porque depois, V. Ex.ª, pode interromper, pode levantar os protestos que quiser. Aliás, estou interessadíssimo em sabê-los.
Por tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso no homem que vai presidir, que vai, de certa forma, comandar o processo eleitoral do dia 12 de Dezembro e que tem grandes responsabilidades na condução da polícia e na segurança portuguesas. Penso que, depois disto que aqui se passou, esse homem não teve a coragem moral de se retratar! E há um bocado, ao ouvir a declaração política do Sr. Deputado do PSD, que falava em coragem, que falava em verticalidade, que falava em assunção das responsabilidades, eu estava a pensar no Angelo Correia e estava a pensar que ele é precisamente o contrário disso tudo, que é um homem indigno, que é um homem incapaz de continuar à frente do Ministério da Administração Interna.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Orador: - Portanto, no mínimo, nós exigimos a demissão deste Governo e a dissolução da Assembleia da República.
Depois de todos estes acontecimentos, um grande gesto democrático que poderia partir da AD e do Governo da AD era demitir imediatamente Angelo Correia.

Aplausos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Silva Marques (PSD): - E um grande gesto de vocês era aderirem à democracia!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Santana Lopes, V. Ex.ª tinha pedido a palavra para usar do direito de defesa, não é verdade?

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Exactamente, Sr. Presidente. Tinha pedido a palavra para usar do direito de defesa em relação à afirmação ontem proferida pelo Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Presidente: - Então faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou entrar na discussão de muitas extrapolações feitas aqui por elementos do Grupo Parlamentar do Partido Comunista. Nós somos os primeiros a lamentar que o Sr. Ministro da Administração Interna não possa estar presente para esclarecer o incidente ou o erro que eventualmente tenha sido cometido.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Deve ter ido fazer uma rusga!

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Está doente?!

O Orador: - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, eu não sei se está doente. Sei tanto como os senhores deputados da oposição, que seriam os mais interessados em que ele estivesse presente.
Comecei por dizer que lamentava que ele não pudesse estar presente, mas estou certo que terá razões ponderosas para isso.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito bem!

O Orador: - De qualquer maneira, não queríamos deixar de rebater as afirmações produzidas pelo Sr. Deputado Herberto Goulart, que talvez já tenham perdido um pouco a oportunidade pelo facto de terem passado para hoje. O Sr. Deputado Herberto Goulart afirmou que em virtude da actuação do Sr. Ministro Angelo Correia, as próximas eleições para as autarquias locais iriam constituir uma fraude e afirmou que este Governo não tinha isenção para dirigir uma operação eleitoral como aquela que se aproxima.
Em relação a isso, Sr. Deputado, só duas atitudes seriam possíveis se V. Ex.ª acredita naquilo que está a dizer: ou recorrer a todos os mecanismos que estão ao seu alcance no sentido de levar à demissão do Governo -já que o Primeiro-Ministro, pelos vistos, não exonera o Ministro da Administração Interna - ou então denunciar as eleições, não participar nelas e denunciar, portanto, todo o escândalo que está para vir.
Compreendo que os senhores não estejam muito confiantes nas próximas eleições autárquicas, mas penso que é grave, em termos de regime em termos de

Página 691

2 DE DEZEMBRO DE 1982 691

consolidação das instituições, estarmos a falar na isenção de umas eleições que queremos que sejam sérias e credíveis para todos os cidadãos portugueses, independentes das suas ideologias.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esse tipo de declarações insere-se numa lógica de minagem do regime democrático e das suas instituições, que nós repudiamos in limine.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - O Angelo Correia é que mina o Governo!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Herberto Goulart, tem V. Ex.ª a palavra para responder.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vê-se que o Sr. Deputado Santana Lopes chegou às áreas da democracia há muito pouco tempo. O Sr. Deputado Santana Lopes naturalmente nunca acompanhou estas questões antes do 25 de Abril,...

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Isso é folclore! É conversa de bilhar!

O Orador: - ... e as forças de oposição democrática, mesmo em condições perfeitamente adversas e fraudulentas, entenderam exercer todos os direitos dos cidadãos que eram possíveis e legítimos nessa altura.
É evidente que são realidades completamente diferentes e nem sequer quero fazer directamente a analogia das duas situações. No entanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que queria dizer era que ninguém que aprecie com isenção nem paixões partidárias o comportamento deste Governo na área, por exemplo, da Administração interna - como aqui foi motivo de questão - e muito particularmente na área da comunicação social pensará que todos os cidadãos deste país vão, de facto, ter um direito de participarem, como cidadãos livres de um país livre, com total isenção e independência no acto eleitoral.
Naturalmente que os processos de intoxicação da opinião pública e de deformação da maneira de pensar de muitos portugueses são constantes e são uma prática permanente do Governo AD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Essa é uma afirmação antidemocrática!

O Orador: - Mesmo nessas condições, que não têm a transparência democrática que se deve exigir, as forças democráticas e o meu partido na coligação em que está empenhado estão seguramente convencidos que a AD vai, nestas eleições, e apesar de usar processos pouco sérios, sofrer uma pesada derrota. Esta convicção e o regime democrático em que nos encontramos bastam para que nos empenhemos em participar nas eleições do dia 12 de Dezembro.
Naturalmente que os processos, utilizados para manter o Governo não são processos em relação aos quais nos tenhamos aliado. Desde o princípio deste ano que vimos, insistentemente, afirmando a nossa posição política em que este Governo não serve a democracia, deve ser demitido e que se devem realizar novas eleições para se repor a verdade consentânea com a vontade do nosso povo aqui nesta Assembleia da República.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, era para exercer novamente o direito de defesa, visto que o Sr. Deputado Herberto Goulart, quando respondeu, voltou a proferir afirmações caluniosas para com a maioria e, seja ao abrigo de que figura regimental for, nós não vamos deixar passar calúnias lançadas sobre nós. Portanto, pretendo exercer de novo o direito de defesa, Sr. Presidente.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se V. Ex.ª considera que voltou novamente a ser ofendido volto a dar-lhe a palavra para exercer esse direito. No entanto, devo dizer-lhe que o faço pela última vez.
Entretanto, pediram também a palavra os Srs. Deputados Carlos Robalo e Lopes Cardoso. Assim, peço aos Srs. Deputados o favor de me esclarecerem para que efeito pretendem usar da palavra.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para usar do direito de defesa em relação às afirmações feitas pelo Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado usará então da palavra a seguir ao Sr. Deputado Santana Lopes.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu pedi a palavra para fazer uma interpelação à Mesa, no sentido de que regime é que passarei a viver dentro desta Assembleia.
O Sr. Presidente disse que daria pela última vez a palavra ao Sr. Deputado Santana Lopes. Peço desculpa. Sr. Presidente, mas eu tenho que afirmar que essa decisão não tem lógica nenhuma. E digo isto porque se é legítimo dar a palavra ao Sr. Deputado Santana Lopes, visto ele se ter sentido ofendido, não há lógica nenhuma para que se, porventura, nos critérios do Sr. Deputado Santana Lopes, ele voltar a ser ofendido pelo Sr. Deputado Herberto Goulart, o Sr. Presidente não lhe volte a dar a palavra. Assim, gostaria de saber quando é que nós sairemos daqui.
Mas esta é a lógica da decisão tomada pela Mesa e, por coerência, o Sr. Presidente tem que seguir essa lógica até ao fim.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tenha V. Ex.ª dúvida nenhuma de que as disposições que regem a disciplina e o funcionamento desta Assembleia permitem perfeitamente uma interpretação deste tipo.
Acresce mesmo que está assente nesta Câmara o exercício do direito de defesa quando a única coisa que os Srs. Deputados podem fazer quando se sentem ofendidos é pedir ou dar explicações.
O direito de defesa é regimentalmente restrito, mas quando uma pessoa me diz que se sente ofendida na sua dignidade e quando, pela segunda vez, depois de exercer o seu direito de defesa, volta a ser ofendida na resposta

Página 692

692 I SÉRIE - NÚMERO 21

que lhe deram, tenho que lhe dar uma segunda oportunidade.
O Sr. Deputado confiará que o bom senso da Mesa levará a evitar que uma situação destas se eternize para solução do critério.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Santana Lopes para exercer o seu direito de defesa queria pedir-lhes, Srs. Deputados, o favor de usarem da contenção verbal suficiente, que me parece ser sempre recomendável, para não se levantarem incidentes desta natureza. Isso é que é efectivamente estimável.
Tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, eu não vou entrar na discussão sobre o Regimento porque não foi para isso que pedi a palavra. Aliás, dou-lhe inteira razão quanto a essa questão, até porque estou à vontade para falar sobre esse assunto na medida em que apresentei uma proposta no sentido da sua modificação já há algum tempo.
Quanto ao que disse o Sr. Deputado Herberto Goulart, não posso deixar de protestar mais uma vez e de me considerar ofendido, juntamente com a maioria, quando o Sr. Deputado fala nos processos não sérios da maioria.
E eu, desta vez - e por isso não vou querer exercer o direito de defesa nem o vou pedir ao Sr. Presidente - penso que o Sr. Deputado Herberto Goulart se está a ofender a si próprio e a todos os que estão nesta Assembleia e que querem e vivem em democracia.
Se o Sr. Deputado pensar um pouco vê que não faz lógica o que disse, porque então se o MDP/CDE - e já não falo no outro parceiro da APU -, numa leitura analítica dos resultados, vai ter essa subida espectacular e a AD essa derrota espectacular, não pense que lhe convém andar a agitar o fantasma da falta de seriedade das eleições.
Diga que as eleições são sérias, Sr. Deputado!
Se está tão convencido de que o MDP/CDE vai subir nas eleições, diga que elas são sérias. O Sr. Deputado não está é convencido dessa subida e sabe que vai levar outra lição. Por isso é que fala assim.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo para exercer o direito de defesa que invocou há pouco.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente não esperava ouvir do Sr. Deputado Herberto Goulart determinado tipo de afirmações e de extrapolações.
Disse V. Ex.ª, Sr. Deputado, - que foi eleito para esta Câmara com votos do povo português, a que V. Ex.ª tanto se refere mas que parece tão pouco respeitar - que chegou cedo à democracia.
Eu dir-lhe-ia, Sr. Deputado, por aquilo que o ouvi afirmar que V. Ex.ª ainda não entrou na democracia e tenho sérias dúvidas que, com as intervenções a que nos vai habituando, alguma vez seja capaz de lá entrar.
Não pense, Sr. Deputado, que é uma luta contra uma ditadura no sentido de impor outra ditadura o que, efectivamente, caracteriza os democratas. Porém, após observar o comportamento de V. Ex.ª, que é incorrecto e pouco digno - porque parece não respeitar muito a sua dignidade, tendo em conta o pouco que respeita a dignidade dos outros - , devo dizer, Sr. Deputado, que V. Ex.ª não chegará, de facto, a pisar a democracia.
Em relação ao ataque generalizado que V. Ex.ª faz à Aliança Democrática, devo dizer-lhe que, em termos políticos, o Sr. Deputado tem esse direito, mas não tem o direito de utilizar processos indignos jogando com a dignidade dos outros.
Antes de se atrever a acusar os outros, V. Ex.ª olhe bem para si, olhe bem para o seu partido, olhe bem para as posições que toma e para os processos que usa. E pode ficar com a certeza do seguinte: nós não temos receio nem dos seus dislates nem das suas ameaças. Há muito tempo que estamos seguros da nossa posição.
Repare V. Ex.ª que quando ouvimos o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa não nos pronunciámos porque entendemos que o que foi afirmado nesta Câmara ou foi um lapso ou foi um erro: se foi um lapso, deve-se desculpar o lapso; se foi um erro, ele deve ser assumido e pedir-se desculpa.
Por isso, ouvimo-lo calados. Daí se pode tirar a ilação política de que não apoiamos a afirmação do Sr. Ministro Angelo Correia proferida nesta Casa. No entanto, da mesma maneira confessamos que não aceitamos o tipo de tratamento grosseiro, inadequado e indigno com que V. Ex.ª se refere à maioria.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para responder aos Srs. Deputados Santana Lopes e Carlos Robalo, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao Sr. Deputado Carlos Robalo, devo dizer que o Sr. Deputado tomou como dirigida a si ou ao seu partido uma referência individual que fiz ao Sr. Deputado Santana Lopes. O Sr. Deputado lá terá as razões de a tomar para si e lá entenderá porque é que se sentiu tão ofendido com a referência de «recém-chegada à democracia». O problema é seu, medite nele que eu não tenho nada com isso.
Em relação ao Sr. Deputado Santana Lopes só gostaria de dizer que não vale a pena estarmos aqui a fazer futurologia. Os resultados serão o que forem, serão os que o povo português muito bem entender...

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sem trapaça! Sem trapaça!

O Orador: - ... e nós, pela nossa parte, estamos muito convictos de quais vão ser os resultados do próximo dia 12 de Dezembro, e, naturalmente, saberemos ler esses resultados em função das posições concretas em que estas eleições se realizam, saberemos ler esses resultados em função da existência deste Ministro da Administração Interna, saberemos ler esses resultados em função do comportamento da comunicação social estatizada.
Recordo-lhe só, por exemplo, o que se passou com a RTP...

O Sr. Mário Lopes (PSD): - Isso é uma desculpa para a derrota!

O Orador: - ... em relação aos debates sobre as autarquias locais, que levaram um órgão que tem por missão, para além das posições partidárias, velar pela

Página 693

2 DE DEZEMBRO DE 1982 693

seriedade do acto eleitoral, isto é, a Comissão Nacional de Eleições, a considerar que a orientação desses debates - e o Governo não tomou nenhuma posição a condenar tal orientação - não era compatível com a dignidade que se impõe a um acto eleitoral e, inclusivamente, a suspender a transmissão desses debates na RTP a pedido de uma das forças marginalizadas e ofendidas, a APU. Penso que este é um exemplo bem claro de como se estão a criar condições para o envolvimento das áreas governamentais no acto eleitoral do dia 12 de Dezembro e só lamento que esses resultados também venham a ser lidos nas mesmas condições em que estas eleições se vão realizar.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares. V. Ex.ª foi interpelado pelos Srs. Deputados Carlos Lage, Manuel Alegre e Jerónimo de Sousa, pelo que lhe dou a palavra.

O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa) - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria esclarecer, em primeiro lugar, que tinha pedido a palavra para falar muito antes da chamada interpelação - embora essa designação seja discutível - dos 2 Srs. Deputados. Isto é, o Governo tinha entendido que devia usar da palavra sobre esta matéria antes de qualquer senhor deputado, nomeadamente de bancada da oposição, o chamar à colação. Foi-me dito então pela Mesa que no período de antes da ordem do dia não era possível essa intervenção, que era precedente que se abria. Porém, vejo que agora a interpretação dada ao Regimento pela Mesa permitiu que, para prestar esclarecimentos, o Governo possa intervir no período de antes da ordem do dia.
Em segundo lugar, queria afirmar que não vou aqui retomar os factos que são conhecidos e, assim, reafirmo, em nome do Governo, que não houve qualquer má-fé ou má intenção relativamente ao que se passou e não esteve nunca em causa, nem pode estar - e aqui fica claramente dito isso - o objectivo de ofender a dignidade e a honra de um compatriota nosso. Isso mesmo fica claro para que não restem dúvidas e para que também se não extrapole e se não entre no processo de intenções sobre a honra ou a dignidade de um membro do Governo.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em terceiro lugar, queria dizer que o Governo não pode aceitar declarações que aqui foram feitas relativamente à eventual existência de serviços de informação que estariam ligados ao Governo e à lisura e dignidade com que vai decorrer o processo eleitoral, porque pôr isso em causa é pôr em causa um governo com assento democrático, baseado numa maioria parlamentar que exerce as suas funções sem que órgão perante o qual responde politicamente lhe tenha vindo a retirar a sua confiança política.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

Finalmente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, queria recordar, em relação aos pedidos que foram feitos no sentido de, entre aspas, o Governo demitir o Sr. Ministro da Administração Interna, noções breves e rudimentares de direito constitucional, que parecem estar esquecidas nas mentes de alguns senhores deputados.
É o Sr. Presidente da República que nomeia e exonera membros do Governo sobre proposta do Primeiro-Ministro, mas, estando em funções o Governo e salvo caso de crise grave das instituições, nos termos da Constituição que vigora, é a Assembleia da República o órgão competente para retirar a confiança política ao Governo.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E os Srs. Deputados - nomeadamente os Srs. Deputados dos partidos da oposição - sabem que há um mecanismo que pode ser exercido, e que podia ter sido exercido desde o início desta sessão legislativa, que consiste na apresentação de moções de censura ao Governo.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Se o comportamento de um senhor ministro e o comportamento solidário do Governo foram tão graves relativamente a uma matéria destas, pergunto porque é que nenhuma das bancadas que invocou esse comportamento apresentou uma moção de censura ao Governo na Assembleia da República.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento à intervenção do Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares, os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Mário Tomé, Carlos Brito, Magalhães Mota, Herberto Goulart, Carlos Lage e Jorge Sampaio.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Ena, todos!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito Sr. Deputado?

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, era para interrogar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, gostava de saber ao abrigo de que disposição regimental se podem pedir esclarecimentos a esclarecimentos dados exactamente por solicitação de outros senhores deputados.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Direito de defesa! Serve para toda a Casa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nos termos do artigo 90.º do Regimento, a palavra será concedida aos membros do Governo para, segundo a alínea e), «pedir ou dar explicações ou esclarecimentos». Não se estabelece que a intervenção do Sr. Ministro num caso desta natureza em período de antes da ordem do dia esteja submetida àquele aspecto dos esclarecimentos, protestos, etc.
A Mesa, confrontada com a interpelação feita ao Sr. Ministro e com os pedidos de esclarecimento, não vê motivo nem encontra apoio para não dar a palavra aos Srs. Deputados que a solicitaram. De qualquer modo, a Mesa gostaria de ser esclarecida - o que iremos pró-

Página 694

694 I SÉRIE - NÚMERO 21

curar fazer em reunião de grupos parlamentares - sobre a orientação a seguir em situações desta natureza.

Porém, se VV. Ex.ªs entenderem dever recorrer da decisão da Mesa, estão à vontade para o fazer, pois a Mesa entende que não perde nem ganha recursos e vê sempre com muito interesse as orientações que se definem através das votações da Assembleia.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, eu não pretendo recorrer da decisão da Mesa.
Queria apenas que não fosse estabelecido um precendente que me parece extremamente grave. É que nunca nesta Assembleia, apesar de todas as
maleabilidades de utilização do Regimento, se concedeu a palavra na sequência de esclarecimentos dados. Isto nunca aconteceu e se acontecer hoje é um precedente grave que gostaria não fosse estabelecido.
Pela minha parte não recorrerei da decisão da Mesa, pois penso que esta reconsiderará e terá sempre uma saída. Como não é regimental, não havendo oposição de ninguém, estes pedidos de palavra poderão ser dados. No entanto gostaria que também me reservassem o direito de beneficiar da mesma boa vontade no caso de ter necessidade de intervir no debate, porque isto vai ser um novo debate de que a maioria está ausente. Ora, eu já tive, muitas vezes, vontade de usar da palavra, mas não o fiz porque não tinha figura regimental adequada.
Já agora, se houver largas concessões em matéria regimental, gostava que me fosse dada também oportunamente a palavra para intervir neste debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, com certeza que lhe será também dada oportunidade de usar da palavra com a mesma latitude.
Simplesmente, colocada a Mesa na situação em que se encontra, esta não pode, de modo nenhum, pois não tem fundamento regimental, recusar esse pedido.
Agora, há um facto que a Mesa realmente constata, e que é o seguinte: neste momento são 12 horas e 7 minutos e terminou o período de antes da ordem do dia. Os Srs. Deputados formaram quorum às 11 horas e 7 minutos, eu anunciei esse facto exactamente quando abri a sessão e, por essa razão, declaro encerrado o período de antes da ordem do dia.
Os Srs. Deputados continuarão este debate no próximo período de antes da ordem do dia.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE) - Peço a palavra para pedir um esclarecimento à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, quando entrei no Plenário ouvi uma intervenção de um senhor deputado do CDS pedindo um prolongamento do período de antes da ordem do dia e havia consenso de todos os partidos nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso já foi pedido ontem e a Mesa não admite que se faça hoje outra vez.

O Orador: - Certo, Sr. Presidente, mas como havia unanimidade de todos os partidos relativamente a esse prolongamento...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esse assunto está encerrado e não tenho motivo nenhum para voltar atrás com a minha decisão.
Srs. Deputados, está encerrado o período de antes da ordem do dia e passamos, assim, ao período da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Foi agendado para a primeira parte do período da ordem do dia a apreciação do pedido de criação e constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as causas que deram origem ao desastre aéreo de Camarate, apresentado pelo PSD, CDS e PPM.
Como VV. Ex.ªs sabem, não se trata rigorosamente da apreciação do pedido de criação da Comissão, porque tem-se como obrigatoriamente constituída uma Comissão sempre que ela é solicitada por um mínimo de 50 senhores deputados e foi esse o caso do requerimento inicial para a constituição desta Comissão. Portanto, resta apenas votar a sua composição.

O Sr. Vítor Pereira Crespo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para justificar a proposta sobre a formação desta Comissão de Inquérito.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Vítor Pereira Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um grupo de 64 deputados, do PSD, CDS e PPM requereu um inquérito parlamentar sobre o incidente de Camarate.
Nos termos do n.º 4 do artigo 181.º da Constituição da República é obrigatoriamente constituída a Comissão Parlamentar de Inquérito, pelo que não faria muito sentido justificar as razões daquele pedido que foram, aliás, nele suficientemente explanadas.
Apesar disso, sempre me permito dizer 2 palavras.
A morte violenta de quem quer que seja é sempre traumatizante para a sensibilidade dos cidadãos. Não se conformam. E mais ainda quando diz respeito a personalidades que atingiram dimensão nacional ou internacional.
Sá Carneiro, pela sua importância decisiva na vida democrática portuguesa depois e mesmo já antes do 25 de Abril, pelo fulgor da sua inteligência, pela
frontalidade das suas opiniões, pela relevância das suas decisões e opções, foi um estadista que é património cultural e político da Nação Portuguesa. Qualquer que seja o campo de pensamento político em que nos coloquemos não é possível ignorá-lo. Faz parte da história. Amaro da Costa foi um parlamentar brilhante, um ministro esclarecido e um político de grande estirpe.
Por tudo isso, a causa das suas mortes e as dos outros cidadãos que com eles pereceram no trágico acidente de 4 de Dezembro constitui motivo de preocupação e angústias gerais.
Estão sempre bem vivas as suas circunstâncias, que são naturalmente mais profunda e amargamente sentidas por nós, os militantes do PSD, discípulos de Sá Carneiro.
Daí que quaisquer indícios de novos elementos, quaisquer sugestões de explicação do acidente sejam imediatamente recolhidos ou mesmo aceites pela opinião

Página 695

2 DE DEZEMBRO DE 1982 695

pública. Dá-se-lhes muitas vezes uma importância que ultrapassa o próprio valor real.
O que vem demonstrar que as causas do desastre de Camarate se transformaram num facto nacional, num objecto de psicologia colectiva.

gora que, de novo, veio à primeira linha das preocupações gerais o procurar conhecer o que se passou, mal pareceria que a Assembleia, que representa o sentido colectivo do povo, não procurasse, também ela, contribuir para o esclarecimento e compreensão da verdade histórica dos factos.
É certo que estão em curso outras iniciativas e inquéritos conduzidos pelas entidades competentes.
Porém, o inquérito parlamentar, pelo seu alto significado, constitui um elemento da maior relevância na procura do conhecimento do real, cujas conclusões terão, além do mais, um aspecto tranquilizante sobre os aspectos de uma tragédia que será bom não mitificar.
Á composição da Comissão de Inquérito que propusemos - que tem, aliás, o acordo dos grupos parlamentares - reflecte o objectivo de fazer participar todos os representantes das correntes parlamentares no esclarecimento de um acontecimento da maior importância nacional.
Poderia argumentar-se que a Comissão é excessivamente grande e por isso menos operacional. Nada impede, porém, que ela crie um regulamento de funcionamento -como seja a criação de uma subcomissão - que ultrapasse essa eventual dificuldade. Assim, propomos que nos apresente as suas conclusões no prazo de 3 meses.
Atrevo-me a dizer - e sem receio de ser desmentido - que, pela sua natureza, pelas condições que o rodeiam, pela sua gravidade, estamos a dar um salto qualitativo nos inquéritos parlamentares. Vamos debruçarmo-nos sobre um acontecimento social e histórico.
São assim acrescidas as responsabilidades do Parlamento e se, como estou certo, o conduzirmos com a objectividade e elevação que o facto requere, contribuiremos para dignificar a Câmara e fortalecer as instituições democráticas.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Mário Tomé e Jaime Gama inscreveram-se para usar da palavra. No entanto, gostaria que VV. Ex.ª me informassem para que efeito é que pedem a palavra.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para me pronunciar sobre a questão que está neste momento posta à Assembleia, isto é, a constituição da Comissão de Inquérito aos acontecimentos de Camarate.

O Sr. Presidente: - É para debater a constituição da Comissão de Inquérito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Não é para debater a constituição da Comissão, Sr. Presidente. Penso que a constituição da Comissão não tem que ser debatida - como muito bem referiu o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo -, à face do novo texto constitucional, uma vez que o pedido de constituição da Comissão de Inquérito é subscrito por mais de 50 deputados. Mas exactamente, e não obstante isso, pelas mesmas razões que o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo entendeu, a propósito da
eleição da Comissão, usar da palavra, creio que neste momento me assiste o mesmo direito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é exactamente esse o problema. Estamos perante um caso inteiramente novo em relação ao qual ainda não existe Regimento adequado para o solucionar. Dei a palavra ao Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo porque é um dos primeiros subscritores do pedido de inquérito. É evidente que a Comissão se encontra obrigatoriamente constituída nos termos do artigo 181.º da Constituição. No entanto, a dúvida que se nos coloca é a de saber se se pode dar a palavra aos Srs. Deputados para que se pronunciem ou sobre o objectivo ou sobre a própria constituição da Comissão. A Mesa entende que não. Admitiu-se que a apresentação da proposta e a justificação do pedido de inquérito tenham sido feitas por um dos partidos que o solicitam, mas a abertura de uma discussão é que se afigura como inaceitável.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não vou discutir nem criar um incidente a propósito disto para prolongar mais os nossos trabalhos. Se a Mesa entender que não me pode conceder a palavra, obviamente que aceitarei sem recorrer para o Plenário essa decisão da Mesa.
Todavia, penso que me assiste o direito de usar da palavra, quanto mais não seja para justificar o facto de nós votarmos favoravelmente, ou não, a composição concreta dessa Comissão e para justificar o facto de nós, Grupo Parlamentar da UEDS, aceitarmos, ou não, fazer parte dessa Comissão de Inquérito. No entanto, se o Sr. Presidente entende que não devo usar da palavra, não vou obstar mais os trabalhos do Plenário com questões processuais.

O Sr. Presidente: - O problema que se coloca neste momento à Mesa é exactamente o do cumprimento de uma disposição constitucional: «[...] são obrigatoriamente constituídas [...]». Parece-me que o que V. Ex.ª acaba de dizer terá perfeito cabimento em declaração de voto. Em respeito pela Constituição parece, sem dúvida nenhuma, que deve ser votada imediatamente a constituição, tal como se apresenta proposta à consideração de todos VV. Ex.ªs, e a seguir, em declaração de voto...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, como não há voto, não tem que haver declaração de voto!

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Há voto, há!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que se entendeu em reunião dos grupos parlamentares foi que está obrigatoriamente constituída a Comissão, mas que depende da deliberação da Assembleia a proporcionalidade concreta dos senhores deputados que integram essa Comissão. Ninguém pode negar esta existência. Agora, o que se afigura é que há uma situação de inadequação do Regimento, o qual ainda não contempla esta nova posição constitucional. Consequentemente, se VV. Ex.ªs estiverem de acordo...

Página 696

696 I SÉRIE - NÚMERO 21

O Sr. Almeida Santos (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Almeida Santos (PS): - É para pedir um esclarecimento à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Penso que há que fazer uma distinção entre constituição e composição. O que V. Ex.ª acaba de dizer está certo para a constituição, mas temos que discutir a composição. Á constituição só refere um princípio de representatividade e mais nada. A esse respeito nós teríamos alguma coisa para dizer em garantia da funcionalidade da Comissão, porque entendemos que, se ela for muito grande, pura e simplesmente não funciona.

O Sr. Presidente: - Para que efeito é que o Sr. Deputado Jaime Gama tinha há pouco pedido a palavra?

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, ao abrigo do direito em nome do qual o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo usou da palavra para fundamentar a apresentação da sua proposta, desejaria formular-lhe alguns esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta nova modalidade dos inquéritos parlamentares, que não têm que ser submetidos a uma deliberação da Assembleia da República, que se impõem automaticamente desde que subscritos por um dado número de subscritores, é, como o Sr. Presidente já teve ocasião de dizer, uma matéria nova que não está contemplada no regimento da Assembleia da República. Em todo o caso, a verdade é que já está criado um precedente, que foi o facto de o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo ter feito a apresentação, embora em termos muito curtos, do pedido de inquérito e ter adiantado os fundamentos em que o seu partido e os demais que o subscrevem alicerçam este pedido de inquérito.
Posta a coisa nestes termos, vejo que é regimentalmente muito difícil que o Sr. Presidente não dê, pela mesma razão, a palavra a outros senhores deputados - pelo menos 1 de cada grupo parlamentar - para a usarem até ao limite do tempo utilizado pelo Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo.
A questão agora levantada pelo Sr. Deputado Jaime Gama é perfeitamente pertinente: houve uma declaração que, normalmente, pode dar lugar a pedidos de esclarecimento. Ora, o que me parece importante é encontrarmos aqui um método. Creio que, dado esta questão não ter sido prevenida na conferência dos grupos parlamentares, o melhor método seria o de cada partido poder pronunciar-se brevemente acerca da questão. Isto porque não creio que seja defensável que o inquérito parlamentar, mesmo que automático como decorre da Constituição depois da revisão constitucional, possa dar lugar a uma deliberação sobre a constituição e composição da Comissão feitas absolutamente em silêncio. Creio que isso não é defensável e que qualquer de nós afastará essa hipótese.
Já que a questão não foi prevista, mas que está colocada, a minha sugestão era a de que cada grupo parlamentar tivesse oportunidade de fazer, ou em perguntas ao Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo, ou como declaração própria, ou como justificação prévia de voto - uma vez que o Sr. Presidente já admitiu as declarações de voto -, 2 ou 3 declarações que justificassem a sua atitude e a sua posição nesta questão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, há, em rigor, uma lacuna regimental relativamente à revisão constitucional, mas não uma lacuna total. Efectivamente, no artigo 221.º do Regimento está claramente estipulado o processo de constituição das comissões: «Deliberada a realização do inquérito, será constituída, nos termos do artigo 48.º, uma comissão eventual encarregada de a ele proceder».
De qualquer modo, o que nós propúnhamos é que se seguisse aqui - adaptado - o regime das propostas de voto de pesar, de congratulação, etc. Portanto, quem não intervém no debate terá direito a uma declaração de voto e quem intervém não faria declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando de Oliveira.

O Sr. Armando de Oliveira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece que nos encontramos, sem necessidade, numa discussão prolongada, porque isto já ficou assente na reunião dos líderes. A Comissão que está proposta foi de consenso unânime das representações das bancadas dos grupos parlamentares. Apenas residia uma dúvida - e o Sr. Presidente deve lembrar-se - , que era a de saber se algum partido ou algum conjunto de deputados deveriam apresentar a proposta de constituição da Comissão. Parece-me que o problema está ultrapassado: não haveria necessidade de estar a fazer essa apresentação...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Já foi feita!

O Orador: - ... sabendo-se, para mais, quais as posições dos partidos que a subscreveram. Quanto a mim, estamos a discutir um problema que já está mais do que analisado e em relação ao qual já temos a noção do que pretendemos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Parece-me que a intervenção do Sr. Deputado da bancada do CDS tinha toda a pertinência se o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo não tivesse feito a intervenção que fez. É que, de facto, o Sr. Deputado nem sequer se limitou a fundamentar a composição da Comissão; ele veio fundamentar e apresentar aqui as razões que levaram os signatários do pedido de inquérito a apresentar esse pedido. Portanto, a partir daí, abriu-se um precedente que não pode ser ignorado.
Se o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo se tem cingido à posição que tinha sido definida na conferência dos Líderes dos grupos parlamentares e evocada pelo Sr. Deputado do CDS, tudo bem; se a Mesa tem dado

Página 697

2 DE DEZEMBRO DE 1982 697

essa interpretação e tem imposto o respeito por essa decisão, tudo bem. No entanto, enveredou-se por outro caminho e, a partir daí, temos que ter em conta o facto novo que foi criado pela intervenção do Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo, que - repito - justificou o inquérito e não a proposta que apresentou de composição da Comissão. São coisas diferentes.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado desculpará, mas discordo - e creio que a Mesa também - do critério de que uma situação, que pode ter sido de menor regularidade, quer em relação ao próprio Regimento, quer em relação à Constituição, possa constituir precedente.
O problema é o de saber se o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo podia ou não, face ao artigo 181.º, fazer uma intervenção de apresentação, uma vez que já tinha a seu beneficio a própria constituição da Comissão, por força de um preceito constitucional. De qualquer forma, isto não pode dar origem à abertura de um precedente, porque então, se este é errado, dever-se-ia continuar com o precedente e alargar o erro a todas as situações subsequentes.
A Mesa mantém que a Comissão se tem por constituída e que o que tem de ser votado é a sua composição - e o que resultou claramente por consenso dos grupos parlamentares foi realmente a que vem proposta.
Em todo o caso - e porque isto corresponde à ideia que depois foi claramente expressa pelo Sr. Deputado Almeida Santos, segundo o qual há que distinguir entre a composição e a constituição, e navegando também na proposta do Sr. Deputado Silva Marques -, a Mesa pode, ficando sem constituir precedente porque é evidente que tudo isto há-de ser objecto de regulamentação na necessária revisão do Regimento, estabelecer o seguinte critério: subsidiariamente, seguíamos as disposições que se têm seguido; aceita-se, desde já, como facto com força constitucional a constituição da Comissão; cada partido terá 5 minutos para se pronunciar sobre a composição da Comissão e só sobre ela, e quem não usar da palavra terá 3 minutos para declaração de voto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo.

O Sr. Vítor Pereira Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A posição da minha bancada é a de que os grupos parlamentares se deverão, efectivamente, pronunciar sobre a composição da Comissão.
Por outro lado, queria esclarecer o Sr. Deputado Lopes Cardoso - pois talvez não me tenha feito entender - que não foram os fundamentos do inquérito que disse estarem explanados na proposta dos signatários. O que pretendi esclarecer - talvez não tivesse ficado muito claro - foi quais as razões por que se propunha uma comissão tão alargada: foi por causa da sensibilidade do problema.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, a razão que V. Ex.ª expôs para impor essa decisão da Mesa teria sentido se isto fosse apenas uma questão disciplinar, formal, etc. Simplesmente, o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo fez uma declaração política acerca do inquérito. Portanto, isto introduz uma nova questão no que aqui se está a passar. Não é um precedente para novas questões disciplinares, mas sim um precedente segundo o qual se coloca, aqui no Parlamento, uma opinião política que pode e deve ser contraposta, ou em relação à qual devem responder ou posicionar as outras forças políticas. Não é apenas uma questão regulamentar, mas é uma questão política de fundo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, pede a palavra também para interpelar a Mesa?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não, Sr. Presidente. Já tinha feito a interpelação e também uma sugestão que V. Ex.ª está na disposição de acolher.
No entanto, tenho uma observação a fazer, que é a seguinte: parece-me que, de todo em todo, o Sr. Presidente não poderá rigidamente limitar as intervenções de cada grupo parlamentar à matéria que anunciou, isto é, só ao que toca à Constituição e à composição da Comissão. Creio que...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se me dá licença que o interrompa, gostaria de lhe dizer que tenho muito respeito por VV. Ex.ªs, mas não o tenho menor para com a Constituição. E, nos termos da Constituição, não posso permitir que se discuta senão a composição da Comissão, ...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Já o permitiu, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - ... não posso permitir que se discutam os fundamentos do inquérito. Não admitirei que isso aconteça - é um aviso que fica desde já feito.
O Sr. Deputado Carlos Brito pretende usar da palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É só para concluir, já que o Sr. Presidente me interrompeu.
Creio que a posição do Sr. Presidente está prejudicada porque, de facto, o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo adiantou fundamentos políticos para além das próprias razões que aduziu para a composição da Comissão. Nessa medida, creio que é difícil que o Sr. Presidente possa ser rígido nesta questão e que os grupos parlamentares, ao fundamentarem a sua posição, não possam aduzir outros fundamentos para além das questões que se ligam com a composição.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, devo esclarecer V. Ex.ª e a Câmara do seguinte: mesmo quando das palavras do Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo possam surpreender-se algumas afirmações de natureza política que permitam ser entendidas como tendo ido além da fundamentação da composição da Comissão, as posteriores chamadas de atenção que repetidamente têm sido feitas à Mesa levam esta a considerar que, embora já não podendo conter a exposição do Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo, os precisos termos da discussão são os que já anunciei e só neles é que a Mesa permitirá que o debate se realize.

Página 698

698 I SÉRIE - NÚMERO 21

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que estou de acordo com o critério da Mesa e até com a preocupação que V. Ex.ª levantou, ou seja qual a forma para encontrarmos a solução deste problema, o qual surgiu porque não temos a regulamentação devida no nosso Regimento e, portanto, não poderia constituir precedente para formas seguintes. Penso é que este processo nasceu algo espontaneamente, precisamente por não termos estabelecido, na conferência dos grupos parlamentares, em face da ausência de decisões regimentais, critérios de discussão. Isto levou a que a intervenção inicial ultrapassasse, e em muito, a questão da simples composição da Comissão.
Entendo, Sr. Presidente, que as sugestões apresentadas, quer pelo Sr. Deputado Carlos Brito, quer pelo Sr. Deputado Silva Marques, eram, de algum modo, complementares e permitiriam resolver, no concreto e nesta sessão, essa situação, desde que todos os grupos parlamentares assumissem o compromisso de que nunca invocariam a forma hoje utilizada para resolver esta questão como precedente para novas situações. Inclusivamente, penso que teremos oportunidade de ultrapassar, para futuro, a lacuna que se encontra no Regimento.
De qualquer forma, penso que depois da declaração do Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo não se pode interpretar a Constituição de uma forma tão apertada, limitando o debate que aqui se vai fazer, dado não se tratar apenas de uma questão regimental, mas também de uma questão política.

O Sr. Presidente: - Devo dizer a V. Ex.ª - e digo-o assumindo a plena responsabilidade do facto - o seguinte: dando de barato que na intervenção do Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo pudesse ter havido algo que não fosse apenas uma referência à composição da comissão e ao...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Foi a intervenção toda!

O Sr. Presidente: - ... prazo de funcionamento da mesma (uma vez que se reconhece que o que resulta dos termos da Constituição é que a única realidade que podemos discutir é a sua composição, mas nunca a realização do inquérito nem a possibilidade de a constituir), não vou - só porque em determinado momento se praticou nesta Câmara um acto que é constitucional e regimentalmente menos adequado- entender que ele constitui precedente e alargá-lo a todo o funcionamento de um período de antes da ordem do dia.
Dentro do consenso que parece ter-se estabelecido de que o debate se seguirá com 5 minutos para cada partido e 3 minutos - depois da votação para declaração de voto - para os partidos que não tenham usado da primeira faculdade, a Mesa não consentirá referências que não sejam destinadas a apreciar exclusivamente a concreta composição da Comissão, tal como se apresenta a proposta.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa e, simultaneamente, para dar um esclarecimento à Câmara e à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Perante a forma como o Sr. Presidente reiteradamente informou que se comportaria em relação às intervenções que seriam feitas, ao abrigo das normas que também definiu rapidamente, o meu grupo parlamentar não usará da palavra porque pensa que é um entendimento claramente discriminatório. Não usará da palavra para assim significar o protesto muito firme e muito claro contra um comportamento da Mesa claramente discriminatório depois do comportamento que teve em relação à intervenção do Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo.

Vozes da UEDS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, a Mesa age em consciência e com a preocupação em conduzir com a maior imparcialidade os trabalhos desta Câmara. Ora, a Mesa e esta Câmara vêem-se, pela primeira vez, confrontadas, com uma situação que é constitucionalmente nova e que ainda não tem apoio processual no nosso Regimento.
Assim, a Mesa não pode deixar de lamentar que, perante uma situação destas, a qual impõe sérias dúvidas que exigiam a busca serena e concreta de soluções razoáveis, V. Ex.ª considere discriminatório um critério cujo único propósito que tem é o de não consentir que se alargue, como precedente, o que não foi de principio regularmente considerado. É evidente que se chegarmos a quaisquer outras considerações poderemos entender que o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo mais não poderia dizer senão «proponho a criação de uma comissão com a composição tal».
Portanto, devo dizer que a Mesa toma esta decisão e mantém-na. Quem dela discordar tem a possibilidade de recorrer. No entanto, o que a Mesa não tem é motivo para a alterar.
Consequentemente, os senhores deputados que desejam usar da palavra sobre a composição desta Comissão poderão fazê-lo imediatamente.

O Sr. Mário Tomé (UDP): Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, há um bocado fiz uma interpelação à Mesa e V. Ex.ª, contra o que costuma, não me respondeu. De facto, quando foi da interpelação do Sr. Deputado do MDP/CDE, o Sr. Presidente referiu que tinha que responder à interpelação, não o tendo, contudo, feito quando eu próprio interpelei a Mesa.
O sentido desta minha interpelação é para dizer que estou de acordo com o critério de V. Ex.ª no caso de se tratar apenas de uma questão regulamentar ou regimental. Acontece, porém, que, com a intervenção do Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo, ela foi transformada numa questão política. Houve, pois, um posicionamento político da questão. E até a própria Constituição não é mencionada nessa altura, só sendo referida - e por V. Ex.ª, não por nenhum deputado desta Câmara - depois de o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo ter falado.
Considero que esta é uma atitude discriminatória que não pode ser minimizada pelo facto de se alegar a novi-

Página 699

2 DE DEZEMBRO DE 1982 699

dade da questão nesta Assembleia. Já era um caso novo quando o Sr. Deputado Vítor Pereira Crespo falou. E é claro que se este deputado se não podia limitar a dizer «é esta a Comissão», podia, contudo, ter-se restringido a falar da sua composição. Não foi isso que ele fez, pois nem sequer falou da composição da Comissão. Falou, sim, de questões políticas envolventes da apresentação da Comissão de Inquérito.
Portanto, Sr. Presidente, considero que a Mesa está a tomar uma atitude totalmente discriminatória. Não vou tomar a posição que a UEDS toma de prescindir da palavra. Vou usar da palavra e fá-lo-ei nos termos que consideres justos e legítimos para expor aqui as minhas posições.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, devo dizer-lhe que a interpelação que V. Ex.ª dirigiu à Mesa foi feita nos precisos termos e em pura repetição do que tinha sido dito pelos Srs. Deputados Herberto Goulart e Lopes Cardoso.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Eu já tinha falado antes!

O Sr. Presidente: - Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que se realmente não identifiquei expressamente o seu nome como credor da resposta, por essa razão lhe apresento as minhas desculpas. A verdade é que a interpelação que V. Ex.ª colocou já está perfeitamente respondida, pois a questão que levantou não trazia nada de novo.
Mas previno-o, Sr. Deputado, que, depois de eu ter tomado a decisão que anunciei de que só será discutida a composição desta Comissão, se V. Ex.ª tentar transpor esta discussão para outros pólos - contra o que eu, mal ou bem, já decidi -, não consentirei que o faça. Esta é uma prevenção que fica muito lealmente feita.

Vozes de protesto do PCP.

Para se pronunciar sobre a composição da Comissão, tal como vem proposta pelo PSD, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O meu partido dá naturalmente o seu apoio à constituição desta Comissão Parlamentar de Inquérito porque entende que não devem pairar dúvidas na democracia portuguesa acerca do acidente de Camarate, nem sobre as razões desse acidente, nem sobre a idoneidade daquelas instituições e dos responsáveis a quem compete a averiguação da natureza desse acidente.
A apresentação desta proposta suscita-nos questões de oportunidade e questões de objecto: porque é que só agora os apresentantes a formularam e não antes; se isso tem a ver com novos factos acerca do acidente; se esses factos foram ou não em devido tempo carreados para as entidades competentes em matéria de investigação, ou se, pelo contrário, nos fundamentos da apresentação desta proposta está em causa a existência de novos factos sobre a forma como as autoridades competentes estão a conduzir a respectiva investigação.
Quanto ao objecto da formação desta Comissão Parlamentar de Inquérito não fomos suficientemente esclarecidos pelos seus propositores sobre se está em causa cometer à Assembleia da República poderes de investigação criminal em substituição da Polícia Judiciária - e eventualmente da própria
Procuradoria-Geral da República e dos tribunais -, ou, pelo contrário, inquirir a administração e os responsáveis governamentais pela forma como têm sido conduzidos os processos de investigação respeitantes a este processo.
De resto, sobre esta matéria, parece-nos liquido que indirectamente está também aqui em causa um problema de responsabilidade política do Governo perante a Assembleia e a apresentação do inquérito será, porventura, um primeiro passo para efectivar essa responsabilidade...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe-me interrompê-lo, mas agradeço-lhe que apenas se refira à composição e não a consequências políticas do inquérito.

O Orador: - Sr. Presidente, eu estou apenas a fundamentar. Passo já às razões que o meu partido aduz em relação a esse ponto específico.

Risos do PS, do PCP e da UEDS.

Como dizia, este inquérito é a primeira fase de um processo de responsabilização política do Governo perante a Assembleia da República. O inquérito não partiu da oposição e esse é um facto que lhe dá um inegável significado institucional e político, como VV. Ex.ª s não poderão ignorar.
O meu grupo parlamentar - que se congratula por as comissões parlamentares de inquérito terem visto os seus poderes alargados em sede de revisão constitucional, designadamente pela atribuição às mesmas dos poderes das autoridades judiciais e pela sua constituição automática - dá o seu acordo à composição desta Comissão por considerar que essa é a única forma de aí estarem representados os pequenos partidos. Mas duvidando da eficácia de uma comissão de inquérito de composição alargada, entende que a esta Comissão Parlamentar de Inquérito, tendo em vista assegurar a sua eficácia, devem ser atribuídos os poderes para aprovar um regimento interno que possibilite assegurar o seu funcionamento efectivo.
Na realidade, é do funcionamento efectivo desta Comissão de Inquérito que dependerão substancialmente os seus resultados. E por amor à verdade, por amor à democracia e pelo entendimento de que um trabalho profícuo e plenamente esclarecedor desta Comissão é benéfico para a democracia, o meu partido dá o seu acordo à constituição da Comissão, à sua composição e sugere que, através da adopção de um regimento adequado, a eficácia dos seus trabalhos seja atingida, porque desta eficácia resultarão consequências extremamente positivas para o regime democrático português, para a consistência e seriedade do seu próprio funcionamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Borges de Carvalho, a Mesa registou a sua inscrição. Para que efeito desejava V. Ex.ª usar da palavra?

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, era para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, se vê algum inconveniente, não insisto em usar da palavra.

Página 700

700 I SÉRIE - NÚMERO 21

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é uma questão de ver inconvenientes. O problema que se põe sempre é o de saber se nestas circunstâncias o pedido de esclarecimento é legítimo, uma vez que se estabeleceu um processo especial de 5 minutos para cada Sr. Deputado. A Mesa afigura-se que não. Trata-se apenas da constituição de uma comissão, em que cada senhor deputado se pronuncia durante 5 minutos, não havendo lugar a outras intervenções.
Portanto, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, que dispõe de 5 minutos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu já tinha pedido a palavra antes do Sr. Deputado Borges de Carvalho!

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª está inscrito, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Estou inscrito como, Sr. Presidente? Eu não pedi para me inscrever. O que eu queria era interpelar a Mesa. Penso que a mínima das obrigações da Mesa era perguntar-me qual o objectivo do meu pedido de palavra e depois conceder-mo ou não.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, visto que se trata de uma interpelação à Mesa, faça favor.
Espero que os Srs. Deputados compreendam que como o método usado para chamar a atenção da Mesa é o de dar estalinhos com os dedos, esta nem sempre ouve os estalinhos ou repara nesse processo de chamar a sua atenção, processo esse que, aliás, não me parece nada bom, como também não me parece muito bem que o pedido de interrupção seja o que se extrapolou do basket para a Assembleia da República. Foi certamente por essa razão que eu não surpreendi, nem vi - nem ninguém na Mesa viu -, o Sr. Deputado pedir a palavra.
Contudo, quando a Mesa, por qualquer motivo, não reparar no pedido de palavra de VV. Ex.ª s, peço-lhes, Srs. Deputados, que não façam processos de intenção ou que suponham que se pretende protelar ou preterir o pedido de palavra de alguém; o que acontece é que ou se não repara, ou se não sabe se é para interpelar a Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não vamos arrastar esta questão aparentemente secundária. Contudo, tanto quanto me apercebi, a Mesa tinha dado conta do meu pedido de palavra.
O objectivo desta minha interpelação é um pedido de desculpa à Mesa em relação à minha última intervenção. De facto, eu estava equivocado. Depois de ter visto na prática a interpretação que o Sr. Presidente dá à fundamentação da proposta da composição da Comissão, através da intervenção do Sr. Deputado Jaime Gama - intervenção que eu subscrevo quase integralmente -, nada tenho a contrapor à Mesa e inscrevo-me, desde já, para uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Á UDP aprova a constituição e composição desta Comissão Parlamentar de Inquérito e
considera que o inquérito, a partir de toda uma série de factos ocorridos, se tornou mesmo necessário.
Porém, não quero deixar de dizer que o facto de hoje podermos fazer um inquérito que já decorreu a cargo da Polícia Judiciária e da Procuradoria-Geral da República me faz lembrar um outro inquérito aqui solicitado, o inquérito parlamentar aos acontecimentos do 1.º de Maio, sendo então dito, mostrando que há vários critérios nestas questões, que a Assembleia da República não teria que o fazer por a Polícia Judiciária e a própria Procuradoria-Geral da República estarem encarregadas de chegar a conclusões acerca desses acontecimentos do Porto.
O que de facto se passa é que nos parece que as provas já estão fixadas. E se surgiram novas provas, de duas uma: ou no inquérito já ocorrido foram escamoteadas provas, ou não há provas e, neste último caso, o inquérito é requerido pelos Deputados do PSD, do CDS e do PPM com outros fins que não o esclarecimento da verdade. É este o problema que se nos põe.

e qualquer forma, entendemos que a situação é a seguinte: se não há mais provas - e os signatários terão consciência disso -, este inquérito vai ser utilizado para obter dividendos políticos; se há mais provas, aqueles que as escamotearam agiram também com o intuito dos dividendos políticos.
Isto leva-nos a compreender a necessidade de realização deste inquérito. E nós queremos participar nesse inquérito para assim podermos publicamente esclarecer o que se passou, que processos podem ser utilizados para manipular a opinião pública - nomeadamente no escamotear da nefasta acção política de determinadas forças - e também que métodos obscuros podem ser utilizados para atingir determinados fins políticos.
De qualquer forma, o que daqui ressalta claramente é que o Governo perdeu a confiança da maioria; e a crise não é só esta, pois ela existe dentro do próprio PSD. O Primeiro-Ministro foge e, numa fuga para a frente, aceita o pedido de inquérito para não perder totalmente o apoio dos críticos dentro do PSD; os ministros do PSD...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe-me interrompê-lo, mas pedia-lhe o favor de se referir apenas à fundamentação da composição da Comissão, sem extrair conclusões que vão além dos termos em que a Mesa definiu o debate.
A Mesa, mal ou bem, merece e exige de V. Ex.ª o respeito e o acatamento das suas decisões. Portanto, peço-lhe, Sr. Deputado, o favor de se confinar aos termos definidos pela Mesa.

O Orador: - Para terminar, consideramos que este inquérito é importante, pois irá permitir, caso seja conduzido devidamente, encontrar os autores da fraude
- porque ela existe ou de um modo ou de outro, tal como há pouco expliquei.
Finalmente, também nos permite ver até que ponto a maioria está separada do Governo e até que ponto a maioria está dividida - e dentro do próprio Governo as divisões são claras e evidentes, com um Primeiro-Ministro que não dá suporte...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para me não ver obrigado a retirar-lhe a palavra, peço-lhe, mais uma vez, que se cinja à composição da Comissão.

O Orador: - Pronto, Sr. Presidente, nós damos o

Página 701

2 DE DEZEMBRO DE 1982 701

nosso apoio à composição desta Comissão de Inquérito.

O Sr. António Moniz (PPM): - Era só isso?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda, que também dispõe de 5 minutos.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Refere o n.º 4 do artigo 181.º da Constituição que «sem prejuízo da sua constituição nos termos gerais, as comissões parlamentares de inquérito são obrigatoriamente constituídas, sempre que tal seja requerido, por um quinto dos deputados». Foi o que aconteceu, pois suponho que 64 senhores deputados propuseram a constituição desta Comissão de Inquérito; ela é um direito potestativo, uma vez que ultrapassa o quinto minimamente exigido pela Constituição. Posteriormente, foi entregue na Mesa uma proposta do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata relativa à composição desta Comissão. Quanto à primeira parte, é evidente que não ha que aprovar ou não aprovar, já que, como disse, se trata de um direito potestativo. Só que é óbvio que, pressupondo esse pedido de inquérito uma comissão e uma composição dessa mesma comissão, nele estão integrados, por esta proposta, vários senhores deputados de todos os grupos parlamentares e partidos aqui representados. E eles aceitarão ou não essa participação, conforme as ideias que tenham sobre esse inquérito.
O meu partido entende, face à constituição da Comissão, que este inquérito deve ser feito, pois é exactamente nos termos e no âmbito desta Assembleia que ele tem razão de ser. E ele não vai interferir, suponho eu, noutros inquéritos, já que o seu objecto é completamente diferenciado, vindo, de certa maneira, honrar e prestigiar este Órgão de Soberania, pois permitirá que, de uma vez por todas, se aclare, com a transparência democrática que se exige, o que aconteceu em 4 de Dezembro de ,1980.
É evidente que na composição desta Comissão e para o trabalho aí a desenvolver por um deputado do MDP/CDE, como consta da proposta do PSD, se põe o problema do momento e da utilidade deste inquérito: se outros estão em curso, porquê agora e neste momento este inquérito?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço o favor de se pronunciar apenas sobre a composição concreta da Comissão e não sobre a oportunidade do inquérito, pois é constitucionalmente caso resolvido, caso julgado, Sr. Deputado!
Faço um apelo a todos os Srs. Deputados no sentido de compreenderem as razões que levam a Mesa a tomar esta posição.

O Orador: - Sr. Presidente, eu estou a tentar justificar porque é que o MDP/CDE aceita ou não fazer parte desta Comissão, e se entende ou não ser este o momento próprio para tal inquérito.
Efectivamente, parece deduzir-se daqui uma tentativa de aproveitamento. De facto, no momento em que o pedido de inquérito foi apresentado estava a ser aqui discutida a questão do aborto; agora que vai entrar em funcionamento esta Comissão, aproximam-se as eleições autárquicas e espero não venha a haver qualquer influência; assim como espero que se não tirem outras ilações políticas para além daquelas que são objecto deste inquérito.
Voltando agora à questão da composição da Comissão, devo dizer que me parece que essa composição não terá uma eficácia muito grande com 18 senhores deputados. E certo que é possível fazer uma subcomissão, mas parece-me mais lógico que seja uma regulamentação interna a dar-lhe eficácia, para assim podermos saber das suas intenções, para vermos se não será mais uma comissão de inquérito cujos trabalhos se arrastarão durante meses.
A este respeito, levanta-se aqui um problema que não está ainda resolvido - não vi também propostas de resolução - e que é o problema do prazo. Penso que não deverá ser o prazo normal de 6 meses dado às comissões eventuais, mas sim um prazo muito menor, pois assim se verá se há uma verdadeira intenção política de apurar a verdade destes factos, ou se a intenção é a de voltar a fazer aquilo que se fez há 2 anos, nos dias seguintes à morte das personalidades que este inquérito pretende averiguar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos suspender agora os nossos trabalhos. Retomá-los-emos às 15 horas.
Entretanto, lembro aos presidentes dos grupos parlamentares a reunião que ficou convocada para as 14 horas e 30 minutos, com o objectivo de se estabelecerem os tempos da interpelação.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas.

Após a interrupção para almoço, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente A mândio de Azevedo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Vamos prosseguir com a apreciação da primeira parte do período da ordem do dia, ou seja, com a apreciação do pedido de criação e constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito acerca do desastre de Camarate, talvez mais propriamente, com a apreciação da composição dessa Comissão.
Segundo a lista de inscrições presente na Mesa, segue-se no uso da palavra para uma intervenção, o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nada nos leva a opormo-nos a que se componha uma Comissão Parlamentar de Inquérito ao acidente de Camarate, bem pelo contrário, pois o cabal esclarecimento das situações só favorece a democracia. Temos todas as razões para não obstar a uma iniciativa que seja capaz de pôr cobro aos factores de especulação que vêm inundando a nossa vida política.
Estamos naturalmente de acordo com a composição paritária que é proposta e será votada. Entendemos, entretanto, que se impõe curar da sua funcionalidade, através de um regimento e de dispositivos ajustados. Não coonestamos, com efeito, que se crie uma qualquer comissão parlamentar «de fachada», destinada a iludir problemas, a fomentar obscuridades, a revelar-se inadequada e inactuante.
Dentro dos estritos limites que a Constituição e a lei

Página 702

702 I SÉRIE - NÚMERO 21

prescrevem, a nossa sintonização com a composição desta Comissão é, na realidade, completa. Não podemos, porém, deixar de manifestar a nossa surpresa, uma vez que verificamos que o inquérito pedido não é muito transparente nos seus propósitos regimentais, constitucionais e legais e que as intervenções produzidas pelas bancadas a que pertencem os seus promotores não foram minimamente clarificadoras. Elas revelam que a Aliança Democrática, ao mesmo tempo que estimula um inquérito parlamentar, tem medo que se discuta em torno dele, «armadilha-se» com todo o arsenal que o Regimento permite, «recolhe as unhas», nada diz, pretendendo que outros nada digam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Como? Como?

O Orador: - A AD demonstrou não apenas a sua pouca vontade em esclarecer o que é obscuro, nebuloso, enigmático, misterioso em muitos aspectos, mas também a mais nítida das inseguranças, pois entrou em pânico ante a possibilidade de se ver confrontada com um debate parlamentar sobre a matéria, ainda que curto,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Qual pânico, qual carapuça!

O Orador: - ... que, só por si, é extremamente significativo e, no mínimo, surpreendente.
Os custos políticos, porém, recairão sobre tais forças. Pela nossa parte, desde já, somos pela total clareza das situações. Por isso, assumimos, sem equívocos, a posição de apoiar - independentemente dos pressupostos e objectivos do pedido - a realização do inquérito parlamentar sobre o desastre de Camarate.
Finalmente, e não obstante ser o Sr. Deputado Amândio de Azevedo quem, neste momento, preside à sessão e não o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida, queríamos expressar, sem eufemismos, a nossa discordância relativamente ao modo como a Mesa conduziu os trabalhos neste domínio, testemunhando à saciedade uma dualidade de critérios, servida, ainda por cima, por um estilo barroco e irascível...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - ...que em nada prestigia o Órgão de Soberania que somos.

Aplausos do PCP, da UEDS e da UDP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não obstante não se encontrar neste momento na presidência o Sr. Presidente da Assembleia da República, Leonardo Ribeiro de Almeida, queria dizer que subscrevo, inteiramente, a orientação dada pelo Sr. Presidente, no sentido de que o que está em discussão neste momento é a constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito, ou melhor, a composição dessa Comissão, e não o problema de se saber se vai ou não ser constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito, dado o disposto na Constituição da República depois da revisão constitucional a que procedemos.
O que acontece é que a Mesa não tem oportunidade, nem possibilidade, de controlar o uso que os Srs. Deputados fazem deste direito regimental. Mas uma coisa é certa: a Mesa tem o direito de fazer recomendações aos Srs. Deputados no sentido de se circunscreverem ao tema em apreciação. E o que está em apreciação é a composição da Comissão Parlamentar de Inquérito.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para exprimir, sob a figura regimental da interpelação à Mesa, uma opinião clara. Aquilo que há pouco disse relativamente à presidência do Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida aplica-se também, como acaba de se verificar, ao Sr. Presidente em exercício, Amândio de Azevedo, apenas com a excepção do estilo que há pouco referi.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes, creio que é extremamente difícil contestar aquilo que acabo de dizer. Como toda a gente sabe, desde que os pedidos de inquérito sejam subscritos por mais de 50 senhores deputados, e isso não exceda o exercício desse direito por esses mesmos 50 senhores deputados, não tem lugar, no Plenário da Assembleia da República, discussão sobre a constituição da comissão parlamentar de inquérito. Essa lei deriva do próprio texto constitucional.
O que está neste momento em discussão é, única e exclusivamente, a composição dessa Comissão Parlamentar de Inquérito. Evidentemente que não é possível, a quem dirige os trabalhos, saber se as palavras proferidas ao longo das intervenções se referem ou não ao tema. Mas isso, é uma responsabilidade que cada senhor deputado assume pelo uso que faz dos direitos regimentais.
Porém, a Mesa não pode deixar de esclarecer que o que está em debate é apenas a composição da Comissão de Inquérito e só para esse efeito será concedida a palavra.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Manifestamos o nosso apoio à constituição da Comissão de Inquérito acerca do desastre de Camarate, apoio, aliás, evidenciado pelo facto de, ao longo de todo este processo, termos deixado sem reparo e transitar em julgado as várias irregularidades processuais de que ele se reveste.
Na realidade, só agora é chegado o momento de, porque a composição da Comissão tal exige, nos interrogarmos sobre o sentido preciso deste inquérito, que desejaríamos que fosse um momento de transparência democrática, um momento de esclarecimento sobre algo que talvez já devesse estar esclarecido e que, nesta altura, tem ainda factores de nebulosidade que o modo como este inquérito é requerido não ajuda a desanuviar.
De facto, pela nossa parte, teremos um elemento na composição desta Comissão - e estamos de acordo com isso -, mas a designação desse elemento dependerá de um esclarecimento que, na primeira reunião da Comissão, terá de ser tornado público. Ou seja, não

Página 703

2 DE DEZEMBRO DE 1982 703

poderá por mais tempo adiar-se a definição do objecto constitucional e regimental deste inquérito, isto ê, tem que se dizer se ele tem por objecto o cumprimento da Constituição e das leis ou a apreciação dos actos do Governo e da Administração.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Á nossa intervenção nos trabalhos da Comissão de Inquérito dependerá de estar ou não em causa a apreciação dos actos do Governo, a apreciação dos actos da Procuradoria-Geral da República e a apreciação dos actos da Policia Judiciária, ou, pelo contrário, estar em causa qualquer outro tipo de averiguação que, nesse caso, não teria assento regimental nem constitucional.
É essa a clarificação que terá que ser exigida aos signatários e ela já não pode ser adiada, uma vez que até este momento o nosso interesse na clarificação do assunto obstou a que tivéssemos colocado qualquer destas questões processuais, que poderiam facilmente ser confundidas com o evidenciar de uma falta de interesse no esclarecimento de uma questão. Pelo contrário, temos interesse no esclarecimento dessa questão, temos interesse na constituição da Comissão de Inquérito e concordamos com a sua composição. Alertamos apenas para o facto de que, no primeiro dia da reunião da Comissão, estes temas - ou seja, o objecto constitucional e parlamentar do inquérito - não poderão mais ficar nebulosos, pelo contrário, têm que ser devidamente clarificados.

O Sr. Presidente: - Igualmente, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Damos o nosso apoio à composição desta Comissão Parlamentar de Inquérito, sobretudo porque entendemos que o número de 18 deputados será, de facto, suficiente, pois o número de pessoas e entidades que entendemos deverem vir a ser ouvidas neste inquérito não pode prejudicar a necessidade de conclusões rápidas e dentro de prazos relativamente breves.
Concordamos igualmente com este número de deputados na composição da Comissão porque, como é do conhecimento público, o número de dados, quer presentes em relatórios, quer veiculados por determinados órgãos de comunicação social, são em tal quantidade e profusão que - restringindo-me apenas ao âmbito a que este debate se circunscreve - entendemos que 18 deputados será, de facto, um número adequado para que todos os dados públicos e oficiais, que são do conhecimento desta Assembleia, possam ser devidamente tratados e analisados.
Finalmente, entendemos - não em termos de número de deputados que compõem a Comissão, mas de representatividade partidária - que será, de facto, útil a presença de todos os partidos na Comissão Parlamentar de Inquérito, tendo em vista que, para defesa da democracia, todas, mas todas, as forças políticas -mesmo aquelas que, sob o estrito ponto de vista político, se regozijaram com a morte de Sá Carneiro e Amaro da Costa - devem participar no esclarecimento de toda a verdade sobre o trágico acidente de Camarate.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - O que faltava era que não fosse assim!

O Sr. Presidente: - Não há mais pedidos de palavra para intervenções sobre este tema e estamos, portanto, em condições de passar à votação da proposta de constituição da Comissão Parlamentar de Inquérito acerca do desastre de Camarate.
De acordo com as disposições regimentais, compete ao Presidente da Assembleia da República apresentar a proposta concreta de composição desta Comissão Parlamentar. Penso que em sede de conferência dos presidentes dos grupos parlamentares já terão sido feitas as consultas devidas e que haverá um consenso quanto à proposta que se encontra na Mesa relativa a essa composição.

Pausa.

Assim sendo, reassumirei, na qualidade de Presidente em exercício da Assembleia da República, a proposta de composição constante na Mesa, que é do seguinte teor: 5 senhores deputados do Partido Social-Democrata, um dos quais presidirá; 3 senhores deputados do Partido Socialista; 3 senhores deputados do Centro Democrático Social; 2 senhores deputados do Partido Comunista Português; l senhor deputado do Partido Popular Monárquico; 1 senhor deputado da União de Esquerda para a Democracia Socialista; 1 senhor deputado da Acção Social-Democrata Independente; 1 senhor deputado do Movimento Democrático Português, e 1 senhor deputado da União Democrática Popular.
Vamos votar a proposta de composição da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o acidente de Camarate.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podíamos deixar de votar favoravelmente a composição desta Comissão de Inquérito, pois pensamos que ela é um dado extremamente importante na sequência de um processo que queremos apurar até ao fim. Pensamos que esta Comissão, com os objectivos que lhe foram fixados, tem de produzir um trabalho exemplar, de modo a que nenhuma dúvida possa pairar sobre os resultados que se venham a apurar.
Consideramos que tal Comissão é extremamente importante e que, politicamente, a sua composição não deixa de ser significativa no momento em que uma crise global atravessa os partidos da Aliança Democrática.

O Sr. Presidente: - Não há mais pedidos de palavra para declarações de voto, pelo que considero concluído o ponto primeiro da primeira parte da ordem do dia.
Passamos agora, ao segundo ponto da primeira parte da ordem do dia, que consiste na apresentação, pelo Partido Socialista, do projecto de lei n.º 375/II, sobre a promoção de oficiais das Forças Armadas ao posto imediatamente superior, por distinção por serviços prestados à democracia e à Pátria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: E para mim uma grande honra apresentar à Assembleia da República o projecto de lei n.º 375/II, que propõe a promoção de oficiais das Forças

Página 704

704 I SÉRIE - NÚMERO 21

Armadas ao posto imediatamente superior por distinção, em consequência de serviços prestados à democracia e à Pátria.
E é para mim uma grande honra, pois que, através deste projecto de lei, se presta uma justa homenagem aos militares de Abril na pessoa daqueles que representavam o Movimento das Forças Armadas no Conselho da Revolução, no momento da entrada em vigor da revisão constitucional, e de mais 2 camaradas seus que desempenharam um papel de excepcional relevo na revolução de 25 de Abril de 1974, ou seja, o tenente-coronel Saraiva de Carvalho e o major Salgueiro Maia.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Precisamente neste momento em que o Conselho da Revolução foi extinto e a Assembleia da República usufrui de plenitude legislativa,
afigura-se-me que é uma elementar obrigação nossa mostrarmos, por um acto singelo - mas significativo -, a nossa solidariedade com o 25 de Abril, homenageando os militares do Movimento das Forças Armadas, aos quais o devemos, no seu essencial.

Aplausos do PS, do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.

O Orador: - E esta justa homenagem é tanto mais necessária, impõe-se com tanta mais força, quanto é certo que temos assistido ultimamente a uma recrudescida campanha de detracção contra os militares de Abril, de que eles nem sequer se podem defender, porque, nos termos da lei, não lhes é lícito responder.
Para quem, como tantos de nós, luta pela democracia há já tantos decénios - é natural que alguns dos senhores deputados não gostem de ouvir, mas enfim - é insólito o espectáculo a que se tem vindo a assistir ultimamente.
Há, de facto, quem deseje votar ao ostracismo os militares de Abril, como que pretendendo encerrá-los num ghetto. E essa campanha de detracção tem encontrado, infelizmente, eco entre pessoas e círculos de quem seria de esperar um comportamento diferente.
Da parte dos democratas que somos haverá que reagir frontalmente contra essa campanha, esclarecendo o que deverá ser esclarecido e homenageando quem deve ser homenageado.
Nós, democratas, sempre lutamos pela democracia, sem distinção de classes ou profissão. Civis e militares lutaram, irmanados com D. Pedro IV, para o
derrubamento do absolutismo miguelista e a instauração do regime constitucional no século XIX. Foram os militares que tomaram a iniciativa do 5 de Outubro e são de militares alguns dos nomes mais gloriosos da revolução republicana, como os dos almirantes Cândido dos Reis, Machado dos Santos e Tito de Morais e o do comandante Carlos da Maia. Ao longo da República, sempre civis e militares se encontraram lado a lado na defesa dos ideias democráticos, sem ciúmes nem falsas querelas. Ao longo da ditadura militares e civis bateram-se junto pela restauração da liberdade, partilharam os cárceres e percorreram conjuntamente todas as jornadas de combate durante a noite mais longa da nossa história. E quando foi preciso que os democratas escolhessem um candidato à Presidência da República para o contrapor ao do salazarismo, nós escolhemos quase sempre um militar. Escolhemos o general Norton de Matos, o almirante Quintão Meireles e o general Humberto Delgado, que seria vilmente assassinado, anos depois, pela polícia política.

O Sr. Bento Elísio de Azevedo (PS): - Muito bem!

O Orador: - E quem se não recorda das jornadas gloriosas de mobilização cívica suscitadas por essas candidaturas, que muitos de nós vivemos, logo após seguidas de prisões em massa, aos milhares, que muitos de nós experimentámos, meio através do qual a polícia política julgava - erradamente - que poderia destroçar o espírito de luta do povo português. E foi para pôr termo a essas grandes campanhas nacionais de protesto contra a ditadura que Salazar acabou com esses arremedos eleitorais, em que se traduzia o voto amordaçado para a eleição presidencial nessa época infeliz, mas que possibilitavam a mobilização popular em defesa da democracia, e os substituiu pelas chamadas eleições presidenciais indirectas, em que a classe política do fascismo ratificava, dócil e recatadamente, a escolha feita pela ditadura. E seria que Salazar, por ser civil, era melhor do que Norton de Matos, Quintão Meireles ou Humberto Delgado, pelo facto de estes serem militares? Ou, pondo o problema de outra maneira, será que os militares só servem para lutar connosco quando vivemos sob a opressão da ditadura e deverão ser postos à margem quando recuperamos a liberdade, em grande e decisiva parte graças a eles? Nós repudiamos tal concepção mesquinha e egoísta da política.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - O que interessa não é ser-se militar ou civil, mas sim ser-se ou não democrata.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - A política não é um fim em si, mas um meio para um fim - a liberdade, o progresso nacional, a justiça social, enfim, o bem do povo português. O democrata não vive da política, mas para a política.
Se há militares que se deixam envolver em conspirações reaccionárias contra o povo português, como aconteceu em 28 de Maio de 1926, logo há quem imediatamente os elogie, acarinhe e endeuse. Mas se os militares dão o seu contributo a movimentos patrióticos, democráticos e libertadores, toda a reacção se vira assanhada para os denegrir e abater, estando a nossa história semeada de nomes gloriosos de militares que foram executados ou assassinados por bem servir a Pátria e a liberdade, como aconteceu a Gomes Freire de Andrade, Machado dos Santos, Carlos da Maia e Humberto Delgado.
O 25 de Abril, liderado pelo Movimento das Forças Armadas, pôs termo à ditadura mais longa e opressiva da nossa história. Por isso, hoje há quem persiga e tente diminuir e inferiorizar os militares do MFA. E por isso mesmo também que nós, os democratas, nos devemos afirmar para com eles nos solidarizarmos, em testemunho do nosso amor comum pela liberdade e pela Pátria.
Recordo o exemplo da República. Através de decretos do Governo Provisório ou de lei do Parlamento, os militares revolucionários mais destacados foram promovidos, por distinção: por exemplo, Machado dos Santos foi promovido de segundo-tenente a capitão-de-mar-e-guerra, Sousa Dias, Carlos da Maia, Tito

Página 705

2 DE DEZEMBRO DE 1982 705

de Morais e Mendes Cabeçadas foram promovidos de segundo-tenente a
capitães-tenentes. Além destas, muitas mais promoções então se fizeram pelos mesmos motivos, no mesmo ou noutros ramos das Forças Armadas, devendo salientar-se que, além de outras promoções no quadro dos oficiais, também houve dezenas e dezenas de promoções de sargentos a oficiais ou a sargentos e primeiros-cabos de postos inferiores, também por mérito revolucionário.
Conforme se afirma na fundamentação desses diplomas, as provas de valentia, coragem e amor pátrio devem ser galardoadas, e uma das funções da justiça social é o dever de premiar aqueles que, pela benemerência dos seus actos, se tenham convertido num factor prestimoso, para a mesma sociedade, de aperfeiçoamento e de progresso.
Deveremos nós proceder de modo diferente? Penso que não. A revolução do 25 de Abril foi a mais pacífica do mundo, pois que a tirania foi suprimida sem a efusão de uma gota de sangue. Malgrado tal circunstância, hoje em dia assiste-se ao fenómeno inquietante de muito se falar em consenso nacional sem que muitas vezes os actos corroborem as palavras. Não podemos ou não devemos continuar assim. Acertemos os nossos actos pelas nossas palavras. Homenageemos, portanto, num acto de consenso nacional, o 25 de Abril, pois que esta homenagem deve ser entendida fundamentalmente como uma homenagem ao 25 de Abril, simbolizada na pessoa de alguns daqueles a quem o devemos. Nem sempre estivemos de acordo com alguns dos actos daqueles que são abrangidos por este projecto de lei, ou podemos divergir das posições políticas por eles sustentadas. Não importa. Ao 25 de Abril ficámos devendo a liberdade, e só merece a liberdade quem reconhece aqueles que por ela lutaram.

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - Homenagear o 25 de Abril e aqueles a quem o devemos é também uma forma de servir a liberdade e Portugal.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Brito, Narana Coissoró, João Morgado, Cardoso Ferreira, Herberto Goulart, Silva Marques, Mário Tomé, António Moniz e Lopes Cardoso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Salgado Zenha, foi com emoção que ouvi a sua intervenção e os termos em que evocou o passado recente da nossa história, da nossa luta antifascista e as implicações que obrigatoriamente dela decorrem para a atitude dos democratas nos dias de hoje.
Quero associar-me inteiramente a essas considerações e, em meu nome pessoal e em nome da minha bancada, quero igualmente dar todo o apoio ao que, nesse sentido, foi aqui afirmado por V. Ex.ª.
Mas das suas considerações ressalta para mim uma grande interrogação. Depois de tudo o que disse em relação ao papel dos militares patriotas, dos militares democratas, dos capitães do 25 de Abril, e particularmente destes, no derrube do fascismo e na reconquista da liberdade pelo nosso povo, por tudo o que disse - e
foi breve mas rigoroso -, não lhe parece que a maneira como foi extinto o Conselho da Revolução constituiu uma flagrante injustiça para esses capitães de Abril, para a nossa história e para os nossos próprios ideais democráticos, pelos quais lutámos todos - e eles também - em condições de grande risco e de grande sacrifício?
Não teria que haver nessa altura um cuidado particular para, embora por decisão maioritária, se pôr termo ao Conselho da Revolução, fazendo-o de maneira tal que, ainda nesse acto, a democracia prestasse homenagem àqueles que foram os seus principais obreiros?
Era esta a grande interrogação que lhe queria colocar e que naturalmente decorre da intervenção que acabou de fazer.
Pela nossa parte queremos aproveitar a circunstância para, uma vez mais, prestarmos a nossa homenagem - independentemente das discordâncias que são conhecidas ou das dúvidas que muitas vezes trouxemos a público - ao Conselho da Revolução e, sobretudo, aproveitar o ensejo para prestar igualmente a nossa homenagem aos capitães de Abril.

Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP e do Sr. Deputado António
Arnaut (PS).

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Salgado Zenha, como sabe, há vários senhores deputados inscritos para lhe pedirem esclarecimentos. Pretende V. Ex.ª responder imediatamente ou no final?

O Sr. Salgado Zenha (PS): - No final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho de ser breve porque há mais 1 deputado do meu grupo parlamentar inscrito e temos que dividir o tempo de que dispomos.
Queria dizer-lhe o seguinte: bastaria olhar para a bancada do PS para saber qual dos PS's é que está envolvido nesta homenagem e neste projecto de lei.

Protestos do PS.

Sr. Presidente, faça o favor de descontar o tempo que for roubado...

Protestos do PCP e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Faça favor de prosseguir, Sr. Deputado.

O Orador: - Em segundo lugar, queria perguntar porque é que não estão presentes neste hemiciclo aqueles Deputados do PS que foram os verdadeiros arquitectos da revisão constitucional e da Lei de Defesa Nacional- e das Forças Armadas.
Porque, estando toda a manhã presentes no Plenário e sabendo que este diploma estava agendado para hoje, verifica-se que aqueles deputados que intervieram corajosamente na revisão constitucional e na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas estão agora ausentes, aquando da apresentação, pelo Sr. Deputado Salgado Zenha, deste projecto de lei.
Em terceiro lugar, queria perguntar ao Sr. Deputado Salgado Zenha o seguinte: quer V. Ex.ª mostrar que

Página 706

706 I SÉRIE - NÚMERO 21

desconhece completamente a Lei de Revisão Constitucional, a actual Constituição da República Portuguesa, e a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, que, no seu artigo 28.º, prevê os trâmites e o modo de promover os militares?
Em quarto lugar, julga o Sr. Deputado Salgado Zenha que é por imposição da Assembleia da República que determinados oficiais devem ser promovidos, à revelia do consenso geral das Forças Armadas e da lei que aceitaram e têm de cumprir? Ou isto significa uma espécie de derrogação parcial da Lei de Defesa Nacional em relação aos artigos que se referem à competência da Assembleia da República quanto às Forças Armadas? Refiro-me principalmente ao artigo 28.º, que regula a forma das promoções.
Finalmente, queria perguntar ao Sr. Deputado Salgado Zenha se julga ser melhor que a Assembleia da República se venha, amanhã, a substituir aos órgãos institucionais próprios para promover quem quer que seja. Isto é, a ser assim, amanhã a Assembleia da República poderia, digamos assim, promover qualquer militante de qualquer partido defraudado relativamente a situações a que ele, dentro da sua própria instituição, não poderia ascender ou sequer aspirar.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto imediato.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O tipo de argumentação trazido pelo Sr. Deputado Narana Coissoró é lamentável e intolerável.

Vozes do PS, do PCP e da UEDS: - Muito bem!

Não lhe vou perguntar se a AD estava aqui representada quando tiveram que fazer 4 voltas para eleger o candidato à presidência da Assembleia da República.

Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e de alguns Deputados do PCP.

Direi apenas que este diploma é um projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Salgado Zenha em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que os deputados que aqui estão representam o Partido Socialista e que o partido que aqui está é só um, o Partido Socialista.

Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró, para responder, se assim o entender.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Apenas queria dizer o seguinte: durante as 4 voltas que foram precisas para eleger o Sr. Presidente da Assembleia da República todos os deputados - e sublinho «todos» - estiveram presentes na votação. Não saíram deputados da Sala para deixarem apenas aqueles que eram os sustentáculos do apresentante da proposta ou das propostas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Isso é pior. Estiveram cá e votaram contra!

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Morgado.

O Sr. João Morgado (CDS): - Muito sinteticamente, vou colocar-lhe 4 perguntas.

Vozes do PS: - 4?!...

Como o Sr. Deputado Salgado Zenha sabe, este processo de promoção dos oficiais do Conselho da Revolução não é novo. Foi iniciado no próprio seio do Conselho da Revolução pois aí houve propostas de promoção dos oficiais que o constituíam. E o que quero perguntar ao Sr. Deputado Salgado Zenha é se entende que o seu projecto de lei, a ser aprovado, devia também abranger aqueles oficiais que, no seio do Conselho da Revolução, se recusaram a pactuar com estas promoções, que recusaram as promoções oferecidas.
A segunda questão é a seguinte: existem membros do Conselho da Revolução que foram promovidos por distinção - e recordo-me, pelo menos, de um que já se encontra na situação de reserva. Entende V. Ex.ª que esse oficial-general deverá merecer nova promoção por distinção? Entende que o facto de ele estar na reserva também não será impeditivo de lhe ser atribuído esse galardão?
Por outro lado, o meu colega Narana Coissoró já referiu o que a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas dispõe acerca das promoções. Mas esta lei dispõe também, no n.º 2 do artigo 40.º, sobre as competências desta Assembleia da República nesta matéria. E se V. Ex.ª analisar o n.º 2 do artigo 40.º não encontra, na enumeração das competências da Assembleia da República, aquela que pretende agora utilizar, a de promoções por distinção. Como compatibiliza o seu projecto de lei com o n.º 2 do artigo 40.º da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas?
E por último, porque o tempo escasseia, gostaria de lhe fazer só mais uma pergunta: V. Ex.ª entende que será legítima a promoção por distinção de oficiais cuja folha de serviços se desconhece? Sabe quais são os ascendentes profissionais destes oficiais? Conhece tudo o que se passou na sua vida e que justifique de alguma maneira a sua promoção? Não admite que na folha de serviços haja elementos que, de alguma forma, infirmem essa posição?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Em relação ao presente projecto de lei, cujo primeiro subscritor é o Sr. Deputado Salgado Zenha, queria colocar algumas questões, mas, em primeiro lugar, quero tecer algumas considerações.
Depois de revista a Constituição e de aprovada uma Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas - cuja promulgação se aguarda porque é constitucionalmente obrigatória, como todos sabemos -, parece que estão criadas todas as condições para que as instituições, nomeadamente a militar, adquira a estabilidade fundamental para que a democracia se consolide plenamente.
Nesse sentido, não queria deixar de dizer que me parece que o projecto de lei subscrito, entre outros, pelo Sr. Deputado Salgado Zenha é perfeitamente desestabilizador da instituição militar.

Página 707

2 DE DEZEMBRO DE 1982 707

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - E profundamente desestabilizador porque, ao contrário do que referiu, não se trata aqui de votar ao ostracismo os militares de Abril. O que nós queremos é recompensá-los com as garantias de estabilidade e de tranquilidade dentro da própria instituição militar, pois será isso que prestigiará, de facto, os militares de Abril e a instituição militar.
Dizia há pouco o Sr. Deputado Salgado Zenha que os cidadãos não vivem da democracia, mas para a democracia. Ora, penso que os militares, como cidadãos que são de corpo inteiro neste país, também vivem para a democracia e não da democracia.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Com a vossa Lei de Defesa?

O Orador: - E seria um mau serviço que esta Assembleia prestaria às Forças Armadas se criasse mais este mecanismo desestabilizador, porque, como todos sabem, uma promoção nestas circunstâncias afecta os escalões inferiores, afecta dezenas de militares que aguardam as suas promoções pela via usual - que eu saiba, ainda não foram alteradas as regras de promoção dentro das Forças Armadas -, o que vai agravar substancialmente, nos diversos escalões, todo o processo de promoção.
Além disso, em relação ao Conselho da Revolução, não posso perceber o zelo do Sr. Deputado Salgado Zenha porque penso que os próprios militares do Conselho da Revolução já trataram de se recompensar a si próprios promovendo-se enquanto lá estiveram.

Vozes de protesto do PS.

Vozes da UEDS: - É incrível!

O Orador: - Queria colocar-lhe uma última questão, que é a seguinte: pensa ou não o Sr. Deputado Salgado Zenha que com o seu projecto de lei está, de facto, a contribuir para a desestabilização da instituição militar e, consequentemente, para a desestabilização da democracia em Portugal?

Vozes de protesto do PCP.

O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Herberto Goulart.

O Sr. Herberto Goulart (MDP/CDE): - Sr. Deputado Salgado Zenha: Ouvi com muita atenção a sua intervenção de apresentação do projecto de lei do PS, ora em discussão, e naturalmente os considerandos que nela fez merecem o acordo do meu partido.
De facto, vemos este projecto de lei como um acto de homenagem aos militares de Abril, e, diria mesmo, como uma homenagem da Assembleia da República não ao militar A, B ou C, mas ao espírito do Movimento das Forças Armadas que produziu o 25 de Abril e cuja acção permitiu que hoje estejamos aqui discutindo, em democracia, ao abrigo de novas instituições que só o 25 de Abril propiciou.
Naturalmente que gostaríamos de dissociar esta questão do comportamento desta Assembleia em relação ao Conselho da Revolução. Sabe V. Ex.ª que tivemos uma posição contra a forma como se processou a dissolução do Conselho da Revolução e a transferência de poderes para os novos órgãos decorrentes da revisão constitucional, por decisão maioritária da Assembleia. Assim, pela nossa parte, não gostaríamos que esta questão fosse vista quer como uma compensação desse acto - que nós então consideramos politicamente incorrecto em relação ao Conselho da Revolução -, quer como um pretexto de nova polémica, no sentido de procurar diminuir o papel dos militares de Abril na consolidação do regime democrático em Portugal.
Vemos este projecto de lei do Partido Socialista não como uma proposta normal de promoção de oficiais, mas como uma decisão política, uma decisão de expressar uma vontade democrática e uma identificação da Assembleia da República com o 25 de Abril. E naturalmente, do nosso ponto de vista, uma proposta como a consagrada no projecto de lei que o Partido Socialista apresenta nada tem a ver com os trâmites normais de promoção dentro das Forças Armadas, nada tem a ver com qualquer atitude de estabilização ou de desestabilização, de animosidade ou de simpatia para com outros militares.
Pensamos que este projecto de lei é, de facto, em relação aos militares de Abril, o reconhecimento pela Assembleia da República do papel decisivo que eles tiveram na instauração da democracia no nosso país.
Estamos de acordo com os critérios não casuísticos que o Partido Socialista apresenta e de que o Sr. Deputado Salgado Zenha fez eco há pouco. Porém, temos algumas dúvidas sobre quais os critérios que os levaram a propor outros militares para além do Conselho da Revolução.
Devo desde já dizer que, pelo nosso lado, entendemos ser perfeitamente correcta a promoção dos oficiais Otelo Saraiva de Carvalho e Salgueiro Maia, mas, por uma simples ignorância nossa, gostaríamos de conhecer os critérios gerais - visto que esta é uma intenção não casuística - que apontam para a promoção destes 2 militares que tiveram, de facto, um papel relevante na acção do 25 de Abril. A nossa dúvida prende-se com o facto de poder haver eventualmente algum outro ou outros militares exactamente nas mesmas circunstâncias destes 2, e seria, no nosso entender, um acto de injustiça se não vissem a ser abrangidos por este projecto de lei do Partido Socialista.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - O Vasco Gonçalves!

O Orador: - Gostaria de terminar dizendo que, da parte do nosso partido, este projecto de lei terá, naturalmente, uma votação favorável porque entendemos que aqui se afirmará uma posição de quem está firme e convictamente com o 25 de Abril e de quem, afinal, está com o 25 de Abril apenas por circunstâncias de oportunismo ou, se quiserem, de oportunidade.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Salgado Zenha; tenho dúvidas que se consiga construir a democracia, que é um acto essencialmente positivo, usando de uma filosofia e de um acto fundamentalmente negativista, que é de um certo antifascismo.
Por que é que coloco esta questão? Porque se não fosse

Página 708

708 SÉRIE - NÚMERO 21

esta filosofia, decerto que a proposta que acabou de apresentar seria diferente. E passo de lado a sua afirmação, «nós termos escolhido quase sempre um militar», porque, como sabe, esse «nós» que referiu é subdividido em muitos «nós» contraditórios e antagónicos e nem sempre esses «nós» escolheram o mesmo. Ora, aí remetê-lo-ia para uma discussão interna, que, aliás, já não tem utilidade, mas que foi longa, de 50 anos.
Relativamente ao momento presente e ao futuro, diz V. Ex.ª que a democracia deve enaltecer - inclusivamente através de promoções- aqueles que por ela lutaram. Diz V. Ex.ª que, como certos militares sempre lutaram pela democracia, eles devem ser enaltecidos. Sem dúvida! Ou será que partimos do princípio - e parece ser esse o caso de V. Ex.ª - que há uma fatalidade para a Nação portuguesa, que é a de considerarmos os militares como o motor das transformações históricas e que, nessa altura, devem ser arredados os civis? Nesse caso, fundamente-me a razão por que nos devemos entregar a essa fatalidade!
Se me disser que por uma questão de conjuntura ainda deve ser assim, aceitarei a afirmação mas então será mais clarificante dizer que não se trata de uma fatalidade, mas de uma necessidade da Nação portuguesa. Se não for assim, por que não estender a mesma atitude aos civis, aos funcionários civis do Estado e inclusivamente aos cidadãos, nos casos em que eles podem ser promovidos na sua profissão?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Salgado Zenha, não percebo a sua posição, a não ser por razões de um certo antifascismo. É que, inclusivamente, arrogamo-nos o direito de definir o campo antifascista e já hoje aqui ouvi dizer que não bastam 2 anos de adesão à democracia para se ser considerado democrata. Mas, pondo de lado essa questão, pergunto se não se trata de uma concepção estreita de antifascismo. Se se trata de considerar que ainda é preciso privilegiar os militares, no que diz respeito às promoções levadas a cabo pela democracia, pergunto se, em termos de dádiva, de generosidade e de sangue, V. Ex.ª não considera que os primeiros que deveriam ser promovidos - porque deram o seu sangue na luta concreta pelo combate pela democracia - eram aqueles que morreram nesse combate no terreno, isto é, o Regimento de Comandos, para não dizer o próprio corpo de Comandos.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Salgado Zenha: A questão que lhe vou colocar está reforçada e bem enquadrada pelas intervenções que acabámos de ouvir vindas da bancada da AD.
As contraposições que dali vieram ou os pruridos que aqui foram apresentados não existem pelo facto de a AD estar preocupada com a disciplina, com a justiça das Forças Armadas, com critérios de democracia, ou quaisquer outros, que para aí foram «badalados».
O que ressalta, de facto, de todas estas intervenções é um ódio escondido ou expresso àquilo que o 25 de Abril representou e a todos aqueles que contribuíram de forma decisiva, generosa, frontal e até, em alguns casos heróica para que o 25 de Abril fosse possível.
É isso que está subjacente a todas as intervenções que se ouviram da parte da AD e é isso que me leva a fazer a seguinte pergunta: não considera o Sr. Deputado que este projecto de lei não pode, de forma alguma, compensar tudo aquilo que foi feito para que os militares de Abril fossem postergados, perseguidos e caluniados, em alianças feitas com estes mesmos que aqui demonstraram o seu ódio ao 25 de Abril,...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Qual ódio?!

O Orador: - ...se reivindicam hoje da revisão constitucional para que isso que o Sr. Deputado quer fazer não possa ser feito e invocam a Lei da Defesa Nacional (que o seu partido com eles levou a cabo) para que essa homenagem que o Sr. Deputado quer atribuir aos militares de Abril não possa ser levada a cabo?
De facto, a única homenagem que devia ter sido feita aos militares de Abril era não se ter permitido que eles fossem perseguidos dentro das Forças Armadas, era não se ter permitido que esta Lei de Defesa Nacional lhes cortasse a palavra - a eles e aos outros -, lhes cortasse a possibilidade de serem democratas dentro das Forças Armadas e de expressarem as suas opiniões, de levarem por diante o 25 de Abril porque se bateram. Esta é, Sr. Deputado, a questão fulcral, fundamental. De boas intenções está o inferno cheio!
Não quero negar a boa intenção deste projecto de lei. O que quero dizer é que para chegarmos a esta situação, para ouvirmos todo este ódio, expresso em nome da democracia, foi preciso que se tivessem feito alianças terríveis neste país, foi preciso que o próprio partido a que V. Ex.ª pertence permitisse que hoje, no nosso país e dentro dos quartéis, a democracia seja apenas uma palavra e não seja um facto, uma realidade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Deputado Salgado Zenha: Parece que já tudo aqui foi dito.
Claro que não vejo neste projecto de lei a promoção dos militares responsáveis pelas sevícias, porque senão dizia já que não concordava com ele.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fui habituado - talvez agora nas escolas já não se aprenda isso - a que os militares sejam apenas promovidos pelos seus pares, tendo em atenção os seus feitos militares, ao passo que os civis, quando muito, condecoravam esses militares sem, no entanto, se imiscuírem no estatuto castrense.
Não vejo com bons olhos, Sr. Deputado Salgado Zenha, que a Assembleia da República vá obrigar a hierarquia militar a «engolir» promoções que vão criar injustiças relativamente aos seus membros.
Julgo que os civis não podem estar a alterar a ordem dessa hierarquia fazendo promoções.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - O Ministro da Defesa é general?

O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota, não deve estar a perceber. Tenho muito prazer em conversar consigo noutro sítio, mas aqui não. Não venha
interromper-me. É uma falta de educação.

Página 709

2 DE DEZEMBRO DE 1982 709

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

Risos da ASDI, do PS e do PCP.

O Orador: - Só queria perguntar ao Sr. Deputado Salgado Zenha se não lhe parece que promoções deste género podem, perante até os olhos do cidadão comum, criar injustiças relativas. Sou do Norte e todos os deputados do Norte se devem lembrar, por exemplo, da figura de Carlos Azevedo, que fez o 25 de Abril no Norte. Este género de promoções não irão marginalizar militares que tiveram uma intervenção muito maior do que estes no 25 de Abril?

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Como vocês se conhecem tão bem uns aos outros!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Salgado Zenha: sei, e foi já dito aqui pelo Sr. Deputado Manuel Alegre, que o projecto de lei que apresentou é subscrito pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
No entanto, julgo saber também (e julgo não cometer nenhuma inconfidência) que o Sr. Deputado foi o principal impulsionador desse projecto. Nessa medida, não queria deixar de aqui, publicamente, lhe prestar a minha homenagem, porque o projecto não só consubstancia algo que considero justíssimo como é também, neste momento, uma prova de coragem.
Sr. Deputado, queria também agradecer-lhe e ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista a oportunidade que me foi dada de também subscrever esse projecto de lei e dizer-lhes que, apesar de apenas eu o subscrever, este é talvez um dos casos em que a minha assinatura mais clara e inequivocamente vincula o meu grupo parlamentar e os meus camaradas de partido.
Dito isto, Sr. Deputado, tinha algumas perguntas para lhe fazer. No entanto, ao longo das intervenções das bancadas da maioria, fui reprimindo uma vontade muito grande de protestar, mas acabei por dizer para mim próprio que não valia a pena.
Creio que um dos preços que temos de pagar pela liberdade é o de ouvir lançar sobre ela os impropérios daqueles que, no fundo, não a compreendem, não a aceitam, se vão adequando, habituando e vivendo com ela como viveram com muitas outras coisas.

Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pergunto se o Sr. Deputado não comungará de uma dúvida, perante a indigência dos argumentos avançados pelas bancadas da maioria, que vão desde as tentativas frustradas do Sr. Deputado Narana Coissoró de tentar trazer para aqui eventuais querelas internas do Partido Socialista até à mais do que indigente afirmação e dúvida do Sr. Deputado João Morgado sobre a folha de serviços dos oficiais que fizeram o 25 de Abril. Bom, a indigência dos argumentos do Sr. Deputado João Morgado já nós conhecíamos a propósito de outras matérias debatidas nesta Assembleia. Mas passemos adiante...

Risos da UEDS, do PS e do PCP.

Quanto às escolas em que o Sr. Deputado António Moniz aprendeu, devo dizer que não sei por que livros ou tratados bafientos ele estudou para nos trazer aqui a lição que então aprendeu.

O Sr. António Moniz (PPM): - Cumpri o serviço militar!

O Orador: - Pergunto se depois de tudo isto - depois da posição da maioria em relação aos militares do 25 de Abril - não fica apenas alguma coisa que eles, no fundo, não lhes perdoam. Pergunto se o que a maioria não perdoa aos militares do 25 de Abril não será o eles terem-no feito. Não será, no fundo, esta a questão, Sr. Deputado Salgado Zenha?

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto em relação às afirmações do Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante duas concepções diferentes da democracia e do 25 de Abril.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Fez-se a democracia em Portugal precisamente para que as pessoas não precisassem de chamar indigentes uns aos outros para defenderem as suas ideias. Fez-se a democracia em Portugal para que não fosse preciso as pessoas insultarem-se na defesa dos seus ideais.

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fez-se a democracia em Portugal para que, finalmente, as pessoas se pudessem respeitar em liberdade, em democracia e em amor pelo próximo, se assim podemos dizer.
Não foi para ouvir isto que fizemos o 25 de Abril.

Protestos do PCP e da UEDS.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Fizeram?

O Orador: - Não foi para ouvir isto que viemos para aqui.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Com os fachos é que é bom!

O Sr. Raul Rêgo (PS): Onde estava no 25 de Abril?

A Sr.ª Ercília Talhadas (PCP): - Nada de misturas!

O Orador: - Olhe, minha senhora, misturas com comunistas nunca tive. Nunca precisei de me misturar com comunistas para ser democrata, percebe? E não preciso sequer do seu aval, minha senhora, para ser democrata, nem nunca precisei. Os socialistas sabem isso. Se não o dizem aqui é porque não o querem.

Página 710

710 I SÉRIE - NÚMERO 21

Não foi para isto que se fez o 25 de Abril. Não foi para ouvir as afirmações maniqueístas do Sr. Deputado Goulart. Não foi para se ouvir as enormidades e os insultos do Sr. Deputado Mário Tomé que se fez a democracia em Portugal.
Se é lícito aos deputados defenderem o seu ponto de vista quanto a esta questão e se esse projecto do Sr. Deputado Salgado Zenha algum dia vier aqui a ser discutido, defenderei os meus pontos de vista a esse respeito e espero que haja da vossa parte o mínimo de democraticidade ao responderem-me.

Vozes do PPM e do PSD: - Muito bem!

Uma voz do PCP: - Nessa altura já cá não está!

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um ligeiro protesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou protestar, naturalmente, contra as palavras do Sr. Deputado Lopes Cardoso ao chamar indigentes aos argumentos da minha bancada. Trata-se de uma figura parlamentar a que se recorre quando se não têm outros argumentos de fundo e por isso mesmo passo adiante.
Queria lembrar simplesmente ao Sr. Deputado Lopes Cardoso que o «peso» que ele tem nesta Assembleia se não coaduna muito bem com este tipo de emoções e de argumentação fácil a que se tem recorrido ultimamente, quando se não têm mais argumentos aceitáveis.
Naturalmente que as minhas perguntas foram dirigidas ao Sr. Deputado Salgado Zenha e quero ainda dizer a V. Ex.ª o seguinte: a «granada» que com o seu apoio e a sua intervenção V. Ex.ª lançou ao Sr. Deputado Salgado Zenha é muito pior, no sentido de dividir o PS, do que aquilo que eu fiz.

Risos do Sr. Deputado Lopes Cardoso (UEDS).

Vamos rir os dois, Sr. Deputado, e acabemos com este pequeno incidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao contraprotesto do Sr. Deputado Narana Coissoró penso que há só uma resposta, a qual já foi dada de forma irreprimível por mim próprio, isto é, um sorriso.
Quanto ao que disse o Sr. Deputado Borges de Carvalho, refiro um ditado que diz que «quem não quer ser lobo não lhe veste a pele» e dir-lhe-ei ainda que quem não quer ser acusado de usar argumentos indigentes, que use argumentos que o não sejam.
No entanto, vamos admitir que essa afirmação tinha alguma coisa de insultuoso. Nesse caso, só direi ao Sr. Deputado Borges de Carvalho que afirmações desse tipo faço-as na presença dos deputados a quem elas são dirigidas. Não aproveito, como o Sr. Deputado Borges de Carvalho, a ausência desses deputados para lançar sobre eles epítetos, esses sim, aparentemente ofensivos, pelo menos no vocabulário normal.
A democracia também é isto. É a coragem de assumir as posições que cada um toma. É por isso mesmo que é difícil viver em democracia, porque há uns que têm a coragem e outros que a não têm. Fiquemos por aqui, Sr. Deputado Borges de Carvalho!...

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peço a palavra para uso do direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Naturalmente que lhe darei a palavra, Sr. Deputado. Todavia, permito-me solicitar que da parte de todos os Srs. Deputados seja feito um pequeno esforço no sentido de, usando de toda a liberdade de expressão das suas ideias, evitarem expressões que venham a dar origem a pedidos de palavra para protestos, defesa de honra, etc., o que perturba o nosso debate e não enobrece a nossa instituição.
Faça favor, Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Deputado Lopes Cardoso: Tive esperança de que o meu protesto calasse alguma coisa no seu espírito. Pêlos vistos «palavras loucas, orelhas moucas»,...

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Disse bem! Há muito tempo que não dizia tão bem!

O Orador: - ...ou algo que V. Ex.ª lhe queira chamar.
É evidente que os conceitos de V. Ex.ª são outros que não os meus e por isso os juízos de valor que faz são necessariamente diferentes. No entanto, dada a acusação expressa no seu contraprotesto, solicito a V. Ex.ª que, imediatamente, queira concretizar a sua acusação.
Não se fazem acusações desse tipo às pessoas sem as concretizar. Se V. Ex.ª quiser, de facto, fazê-lo - não faz mais do que a sua obrigação, diga-se de passagem -, solicito que me seja dada pela Mesa a oportunidade de esclarecer tão grave acusação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para já um duelo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vejo que o Sr. Deputado Borges de Carvalho não presta atenção àquilo que diz e presta menos atenção ainda àquilo que o Diário desta Assembleia regista. Caso contrário,
ter-se-ia apercebido, em primeiro lugar, das palavras que pronunciou - pelos vistos sem saber o que é que estava a dizer -, e, em segundo lugar, da questão levantada por mim próprio em relação à Mesa (a questão nesse momento era com a Mesa) na sequência desse incidente.
É muito simples. O Sr. Deputado Borges de Carvalho aproveitou a minha ausência deste hemiciclo (ou pelo menos não teve o pudor de guardar o comentário sabendo que eu estava ausente) para me acusar de cobardia. Não lhe posso citar de cor, neste momento, o Diário da Assembleia que regista esta passagem, embora lhe diga que se trata do Diário referente à interpelação feita ao Governo a propósito da comunicação social.
Está lá escrito. O Sr. Deputado tinha obrigação de o ter lido e não o leu. Tinha obrigação de ter visto o Diário subsequente e também não o leu. No entanto, tinha uma obrigação maior, isto é, a de não ter proferido essas afir-

Página 711

2 DE DEZEMBRO DE 1982 711

mações na minha ausência, mas faltou-lhe coragem para tanto, Sr. Deputado. Para se viver em democracia é preciso realmente ser-se corajoso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, presumo que o Plenário se não oporá a que seja dada uma oportunidade ao Sr. Deputado Borges de Carvalho para dar, sobre este ponto, as explicações que entender convenientes.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As afirmações do Sr. Deputado Lopes Cardoso são, de facto, graves, até porque são precisamente ao contrário daquilo que se passou.
Quando na interpelação ao Governo sobre a comunicação social a oposição se retirava da Sala tive daqui um aparte dizendo «cobardes». Era a minha interpretação ao que se estava a passar e continua a ser. Não tinha nada a ver com cada deputado individualmente.
Considerei e continuo a considerar essa atitude de retirar da Sala como uma atitude de cobardia política. Tive esse aparte. Veio registado no Diário das sessões e muito bem.

Sr. Deputado Lopes Cardoso é que na minha ausência e numa sessão subsequente, através do subterfúgio de uma interpelação à Mesa, me quis acusar de ter proferido essa afirmação relativamente a ele.
Portanto, essa afirmação não foi proferida nas suas costas, o que foi proferido nas minhas costas foram as acusações à minha pessoa de ter tido esse aparte.
Postas as coisas no sítio, postas as coisas como são, considero encerrado o incidente pelo parte que me toca.

Aplausos do PPM, do PSD e do CDS.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, invoco o direito para defesa e não considero, pela minha parte, encerrado o debate, nem o incidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, não me apercebi de que nestas últimas palavras tivesse havido ofensa à sua honra, mas, se assim o entende, faça o favor de exercer o seu direito de defesa.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Houve ofensa, sim, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Borges de Carvalho louva-se do Diário da Assembleia para tentar justificar a atitude que tomou, mas parece que isto vem sendo um azar da maioria.
Com efeito, já o Sr. Ministro Angelo Correia invocou o Diário da Assembleia, tendo-se verificado que este contradizia claramente a invocação que ele fazia.
O Sr. Borges de Carvalho faz rigorosamente a mesma coisa. Primeiro, a intervenção e o aparte do Sr. Deputado Borges de Carvalho, segundo o Diário, verifica-se iniciada já a intervenção do Sr. Deputado Amândio de Azevedo, momento em que a oposição já tinha abandonado a Sala. Segundo, e leio: «O Sr.
Borges de Carvalho (PPM): - O Lopes Cardoso é cobarde!»
Ora, como se pode verificar, não se trata dos deputados, o que é a primeira inverdade da afirmação que o Sr. Deputado Borges de Carvalho fez. Por outro lado, o aparte verifica-se já quando a oposição e nomeadamente o Deputado Lopes Cardoso tinha abandonado o hemiciclo.
Cuidado, Sr. Deputado, não siga as «pisadas» do Sr. Ministro Angelo Correia em nada, nem sequer na invocação do Diário, porque, passe a expressão plebeia, «mete o pé na argola», como ele fez, e, aliás, como o Sr. Deputado acaba de fazer mais uma vez.

Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos por encerrado este incidente. Porém, não queria deixar de dizer que não está excluído que, porventura, o registo do Diário não corresponda inteiramente à verdade.

Protestos do PS, do PCP e da UEDS.

Peço desculpa, Srs. Deputados. O Sr. Deputado Borges de Carvalho deu uma explicação e tem naturalmente a possibilidade, de acordo com as regras regimentais, de pedir as rectificações se o entender necessário.
Tem a palavra, para responder às perguntas formuladas, o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente,...

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente: não tenho nada contra as bóias de salvação que se vão lançando a este ou aquele deputado que está em vias de se afogar. No entanto, gostaria de dizer o seguinte: primeiro, se o Sr. Deputado Borges de Carvalho tinha alguma coisa a rectificar no Diário teve oportunidade de o fazer depois de eu ter interpelado a Mesa acerca desta matéria e o Sr. Deputado não o fez!
Segundo, há um prazo - o Sr. Presidente sabe isso muito bem - para se introduzirem rectificações no Diário, e se nenhum deputado contestar aquilo que lá está escrito as afirmações são dadas como autênticas. Ora, já passou o prazo!

O Sr. Sousa Marques (PCP): O Diário já foi aprovado!

O Orador: - É claro que, como último recurso, embora isso me parece um sistema muito pouco democrático, é sempre possível «atirar para as costas» dos trabalhadores da Assembleia a responsabilidade que o Sr. Deputado não quer assumir.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Demagogo!

O Orador: - Afinal a culpa não é do Sr. Deputado Borges de Carvalho... é dos trabalhadores da Assembleia...

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não apoiado!

O Orador: - ...que registaram mal aquilo que se passou.

Protestos do CDS.

O Sr. Deputado Borges de Carvalho só passado este tempo todo, e à segunda interpelação, é que se dá conta que os serviços desta Assembleia, de facto, não prestaram a devida atenção às suas funções.

Página 712

712 I SÉRIE - NÚMERO 21

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que é um mau sistema atirar sempre as culpas, como dizem os franceses, para o lampiste.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, não tinha intenção de tirar culpas a ninguém.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tinha, tinha! Foi acintoso!

O Sr. Presidente: - Penso que todos ficaríamos em melhor posição se procurássemos ser um pouco mais compreensivos uns para com os outros.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Foi parcial!

O Sr. Presidente: - Mesmo que não seja viável a rectificação do Diário interpreto a declaração de há pouco do Sr. Deputado Borges de Carvalho como uma rectificação, pelo menos, com validade para efeitos políticos.

Protestos do PCP.

Para um clima que é necessário existir nesta Assembleia, no mínimo seria bom ter, isso em consideração.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não pode ser, Sr. Presidente!

O Sr. Presidente: - A minha intenção foi essa, não foi outra, não pretendo cobrir ninguém e gostaria que as nossas reuniões decorressem num clima de total respeito e de total aprumo. É essa a minha única e exclusiva intenção.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Na altura foi chamada a atenção!

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Orador: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, infelizmente tenho de pedir novamente a palavra, não sei com que figura, julgo que no uso do direito de defesa, na medida em que me foram atribuídas afirmações que não produzi e que são ofensivas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa encontra-se numa situação de grande dificuldade. Se, por um lado, está preocupada em que se cumpra o Regimento, por outro, não pode deixar de reconhecer que se imputam a senhores deputados atitudes e declarações que são objectivamente graves e eu não quero que pese sobre a minha consciência a responsabilidade de não dar a todo e qualquer senhor deputado o direito de impedir que, sem razão, sobre ele impendam acusações que ponham em causa a sua honra e a sua dignidade.
Nestes termos, convencido que todos estarão de acordo com o critério que acabo de adoptar, dou a palavra, para exercer o direito de defesa, ao Sr. Deputado Borges de Carvalho. Gostaria, no entanto de, uma vez mais, pedir, não só ao Sr. Deputado Borges de Carvalho, como a qualquer outro deputado (sobretudo num clima que se está a gerar de repetição de soluções que constantemente dão origem a protestos e a direitos de defesa), e recomendar que usassem dos seus direitos regimentais em termos de ser possível pôr termo a estes incidentes. Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Lamento ter de intervir de novo. No entanto, ficaram bem demonstradas, por esta última intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso, as diferenças que existem entre as pessoas.
Foi, de facto, marcante que eu não fiz qualquer referência aos trabalhadores desta Casa e que não acusei ninguém, nem de longe, nem de perto, de ter cumprido de maneira menos correcta os seus deveres. É o Sr. Deputado Lopes Cardoso que vem demagogicamente brandir com os trabalhadores para se justificar. O Sr. Deputado Lopes Cardoso mostra bem a mentalidade daqueles que dizem defender os trabalhadores e que apenas se utilizam deles quando muito bem lhes convém e para os efeitos que lhes são queridos a cada momento.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não sei como está redigido o Diário. O Sr. Deputado Lopes Cardoso atacou-me nas minhas costas por causa desse Diário. Tive por bem dar aqui a explicação que era devida, mas o Sr. Deputado Lopes Cardoso não só não a aceitou como ripostou em termos perfeitamente inaceitáveis, utilizando os trabalhadores desta Casa para efeitos políticos próprios.
Protesto energicamente contra esta forma indecente de utilizar as pessoas, protesto contra esta forma perfeitamente indecente de fazer girândolas parlamentares que para mais não servem, afinal, do que para denegrirem quem as faz.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra prometendo que, por mim, o incidente fica encerrado a partir deste momento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por uma vez o Sr. Deputado Borges de Carvalho não deu o dito por não dito porque, de facto, ele não falou nos trabalhadores da Assembleia. No entanto, o Sr. Deputado Borges de Carvalho não entende o que se diz, visto que a minha observação não se referia -é óbvio e, toda a gente nesta Assembleia o entendeu - à sua intervenção, mas sim à intervenção do Sr. Presidente da Mesa.
Por uma vez, não deu o dito por não dito, Sr. Deputado, só que se enganou e deve ter sido por isso que, desta vez, não o fez. Só acerta quando se engana!

Risos da UEDS, do PS e do PCP.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Ah, ah, ah!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Salgado Zenha, tem V. Ex.ª a palavra para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Sr. Presidente: Depois deste minidebate que se travou na Assembleia a respeito

Página 713

7 DE DEZEMBRO DE 1982 713

do projecto de lei que apresentei - e que em muitos casos não teve, em meu entender, muito que com ele se pudesse relacionar -, a mim, mais do que responder a todas estas perguntas, convém-me extrair a filosofia política do pré-debate que houve a este respeito.
Não vou entrar em certo tipo de alusões de carácter pessoal ou com interesse imediato dentro da polémica política. Creio que - e permitam-me que invoque a posição de um fundador do meu partido, Antero de Quintal - devemos partir do princípio que todos nós temos boas intenções, que podem ser discutíveis ou erradas, e é por isso que o debate deve ser feito no plano das ideias e não do confronto pessoal. Mas, mesmo que ele se fizesse no plano desse confronto pessoal, eu, apesar de vaidoso, não teria receio dele. Porém, creio que será mais digno para esta Assembleia fazer-se um confronto no plano das ideias.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A minha iniciativa é normal, creio que pode ser criticável, mas nada há que justifique essa sanha destrutiva que foi atiçada em certas bancadas contra ela.
Passando a responder às perguntas que me foram feitas, em primeiro lugar queria responder ao Sr. Deputado Carlos Brito. Não quero estar aqui a alongar-me acerca dos precedentes históricos deste projecto de ou de outras leis que com ele se possam relacionar, mas a verdade é que a Assembleia da República só passou a ter competência para poder legislar sobre esta matéria a partir do momento em que a Lei de Revisão Constitucional entrou em vigor, portanto, só após os 30 dias que decorreram sobre a sua publicação no Diário da República, que ocorreu no dia 30 de Setembro. Este projecto de lei foi apresentado no seu momento próprio, a revisão constitucional entrou em vigor, salvo erro, em fins de Outubro, princípios de Novembro, e o seu artigo 164, alínea d), diz que compete à Assembleia da República «fazer leis sobre todas as matérias, salvo as reservadas pela Constituição ao Governo» e, como se sabe, antes da revisão constitucional esta Assembleia não tinha competência para legislar sobre matéria militar.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Podia ter sido apresentada antes? Não sei, creio que seria pelo menos, duvidoso que pudesse ter sido e é por isso que não devemos pôr em dúvida a intenção de ela ter sido apresentada no momento em que foi.
Houve ou não injustiças? Isso é um problema que mais tarde, e não agora, poderá ser objecto de debate.
Quanto à intervenção do Sr. Deputado Narana Coissoró, meu colega profissional, não da instituição militar, mas da instituição jurídica, advogado e jurista muito distinto - tenho apreciado o seu talento jurídico em muitas matérias -, verifiquei que foi um pouco falha de argumentos, pois, inclusivamente, produziu, permita-me que lhe faça esta observação, uma intervenção que não esperava de si. Mas talvez não tivesse argumentos e por isso foi para um campo que, pelo menos, se pode qualificar de deselegante.
Não o vou seguir nessa matéria, mas quero dizer-lhe o seguinte: naturalmente que eu penso que a Assembleia da República tem competência para .aprovar este projecto de lei, quer agora, quer depois da entrada em vigor da Lei de Defesa Nacional. Penso que sim, penso que é o que decorre do preceito constitucional que invoquei e, portanto, quer agora, quer depois da entrada em vigor da Lei da Defesa Nacional, penso que a Assembleia tem competência para tal. Aliás, quem faz uma determinada lei pode perfeitamente aprovar uma outra, visto que quem tem competência para fazer aprovar a Lei de Defesa Nacional também a tem para aprovar uma lei sobre a mesma matéria, mesmo que, eventualmente, ela siga, acerca de um determinado ponto, um critério diverso.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Seja como for, a Lei de Defesa Nacional não entrou em vigor em por isso, o problema não se põe!
O Sr. Deputado Narana Coissoró pergunta-me se eu entendo que «isto deve ser um processo normal de promoções em matéria militar». É evidente que não; considero que estamos na presença de circunstâncias excepcionais que legitimam e fundamentam este caso. É a nossa Constituição que diz, no seu preâmbulo - preâmbulo esse que, creio, tem a sua aprovação- o seguinte: «a 25 de Abril de 1974 o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão, do colonialismo, representam uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica na sociedade portuguesa.

revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição [...]», etc.
Ora, não é todos os dias que um povo, como aconteceu ao povo português, sofre uma ditadura que durou 50 anos. Não se trata, pois, de antifascismo, trata-se, sim, de uma prova de solidariedade democrática.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Até este momento a Assembleia da República não tinha competência para prestar esta homenagem aos capitães de Abril porque essa competência não lhe pertencia, mas desde o momento em que a passou a ter, acho que se legitima esta homenagem ao Movimento das Forças Armadas, que no preâmbulo da Constituição é apresentado - creio que com o aplauso do Sr. Deputado Narana Coissoró - como o principal responsável da restituição das liberdades democráticas aos Portugueses.
Pergunta-me se eu penso que, de futuro, este processo deve ser utilizado como via normal. Devo dizer-lhe que não, que penso que ele só deve ser utilizado em circunstâncias excepcionais. Esse é um entendimento de todas as democracias, foi o que aconteceu no 5 de Outubro quando se fizeram promoções por circunstâncias análogas, foi o que aconteceu no liberalismo monárquico no princípio do século XIX, e ao longo da história portuguesa poderiam dar-se vários exemplos destes, a começar pelo Nuno Alvares Pereira.
Mas, enfim, não vamos entrar nisso porque isso já seria ir muito longe. Em todas as democracias portuguesas houve promoções por distinção, por factos de glória ou por destaque militar, quer fosse no campo interna-

Página 714

714 I SÉRIE - NÚMERO 21

cional, quer no campo da defesa das liberdades. Não vou citar exemplos porque todos os sabem!
Naturalmente que se poderá perguntar o que é que o Deputado Salgado Zenha, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e os outros grupos parlamentares que também subscreveram este projecto pretendem. Á apresentação deste projecto é um facto histórico, naturalmente que é um facto histórico, e mesmo que o projecto venha a ser reprovado pela actual maioria - no caso de vir a ser discutido nesta legislatura - é evidente que ficará inscrito e na altura se saberá quem é que quis prestar esta homenagem aos capitães de Abril e quem é que se recusou a ela.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Mas, mais do que isso, nada impede que numa próxima legislatura, depois de novas eleições, o problema seja reposto nesta Assembleia.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE, da ASDI e da UEDS.

É um facto histórico que aqui fica depositado e sobre o qual cada um - sem emocionalismos despropositados que muitas vezes demonstram falta de argumentos e até a consciência da falta de razão - tomará a atitude que entender em liberdade plena. Vivemos em democracia plena, direi mais, vivemos em liberdade plena, nem há problemas de ter coragem.
Enfim, no tempo da ditadura as pessoas podiam ser presas e a primeira vez que eu fui preso um agente da PIDE fez-me esta pergunta: você quer ser deputado ou deportado? Eu respondi-lhe: nem uma coisa nem outra! Hoje sou deputado e não há aqui ninguém que me possa fazer perguntas que me possam inquietar acerca do meu futuro; sinto-me aqui bem e quando há invectivas de oradores muito talentosos, isso, às vezes, até me dá ensejo de ver que há bom talento aplicado a uma má causa.
Quanto ao Sr. Deputado João Morgado, devo dizer-lhe que não vou entrar naquelas questões casuísticas que me colocou porque considero que neste momento elas não têm lugar.
O problema fundamental que aqui se põe traduz-se na aprovação da lei na generalidade, isto é, na questão de saber se este momento é justo, se fortaleceu a democracia e se é, até, uma prova de reconhecimento para com aqueles que lutaram, sofreram, foram vexados e, muitas vezes, injustamente tratados pelas posições que tomaram. É esse o princípio da generalidade.
Se me dizem que deverão ser introduzidas correcções neste projecto..., aceito que sim, é possível. No entanto, custar-me-ia, sem que me apresentem argumentos sérios, a aceitar que o âmbito de aplicação deste projecto fosse reduzido. Porém, que possa abranger outros militares, é possível e é natural. Apresentei este projecto, mas quem entender que esta homenagem deve ser alargada a outros militares que apresente essas alternativas e, nessa altura, estarei disponível para as apreciar e até, eventualmente, para lhe dar razão. Agora, fazer um exame microscópico do projecto, caso a caso, para defender, não a sua aprovação, mas a sua inviabilidade, procurando assim furtar-se ao debate da filosofia do problema que aqui se põe..., bom, nesse debate eu não entro porque é um processo -e não quero ofender o Sr. Deputado que levantou a questão- a que nos tribunais se chama «chicana».
Todo o problema tem o seu momento próprio de ser discutido. Neste momento estamos a abordar o problema da filosofia política do projecto na sua generalidade e depois será a sua apreciação quanto à especialidade. Por isso, se o projecto passar na generalidade, o Sr. Deputado, no momento oportuno, apresentará as emendas que quiser ou as sanções que entender e até é possível que possa ter razão, não sei, é um problema a ver no momento oportuno.
Quanto às afirmações do Sr. Deputado Cardoso Ferreira, que fez a afirmação «que este projecto de lei é desestabilizador da instituição militar», queria dizer o seguinte: nós, nesta Assembleia, representamos todo o povo português; as instituições não estão representadas nesta Assembleia e, portanto, não lhe reconheço legitimidade para ser o porta-voz da instituição militar.

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Poderá dizer-me que haverá alguns elementos da instituição militar que não concordam com este projecto de lei. É natural, isso é democracia.

Uma voz do CDS: - É a maioria!

O Orador: - Arvorar-se em porta-voz da instituição militar, creio que - sem o querer ofender - será presunção da sua parte. Já não há nenhum pacto entre o Movimento das Forças Armadas e os partidos políticos, neste momento as Forças Armadas têm os seus órgãos que se poderão pronunciar quando quiserem.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Os deputados representam aqui o povo português e só o povo português, o que já é bastante. Não é, pois, preciso representarmos mais ninguém para podermos exprimir os nossos pontos de vista.
Em meu entender este projecto de lei não desestabiliza a instituição militar. A instituição militar compreenderá perfeitamente o significado político deste projecto de lei, que é uma homenagem a militares que bem serviram o seu povo, o seu país, a sua pátria e a liberdade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Pela análise que fiz a este problema, a promoção de que eles beneficiam é insignificante. A maior parte destes militares ascenderão ao posto imediatamente superior pela simples mecânica da promoção por antiguidade, alguns deles estão mesmo no limiar dessa promoção e haverá uns dois ou três casos de militares que foram eventualmente promovidos e que, por isso, vão beneficiar de uma promoção consecutiva com um certo benefício de tempo. E creio - desculpe-me o termo - que essa consideração é tão mesquinha para querer inviabilizar uma homenagem à Revolução do 25 de Abril que penso que ela deve ser tomada na conta devida pela Assembleia, ou seja, não tem qualquer eficácia própria para travar ou impedir a aprovação do projecto.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, o Partido Social-Democrata - que nesse momento não me lembro se era PPD ou

Página 715

2 DE DEZEMBRO DE 1982 715

PSD - já propôs nesta Assembleia a promoção a general, por distinção, do Sr. Coronel Pires Veloso. Não vejo muito bem porque motivo è que há uns anos o PSD considerava legítima a promoção por distinção e hoje está tão assanhado contra uma promoção da mesma natureza, talvez pelo facto de os beneficiados por essa promoção serem militares diversos daquele que na altura quis homenagear. Este é um problema que ilustra por si próprio a inconsistência dos argumentos que foram aduzidos pelo Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
Quanto ao Sr. Deputado Herberto Goulart, creio que o fundamento da sua pergunta se baseia no facto dê, na sua opinião, haver outros militares que deviam ser abrangidos por esta homenagem. É possível, não digo que não, mas o Sr. Deputado Herberto Goulart terá sempre a possibilidade de apresentar propostas de emenda no sentido de concretizar o seu ponto de vista; nessa altura as suas propostas serão apreciadas pelo seu mérito próprio e sem qualquer parti pri contra ou a favor.
O Sr. Deputado Silva Marques, se eu bem entendi a sua intervenção, recriminou-me por eu ter falado sob a bandeira do antifascismo. Também eu sofri alguma coisa no tempo da ditadura e nunca levantei um dedo contra ninguém que me tivesse perseguido e até aqueles que me perseguiram me têm apresentado como sua testemunha de defesa. Nunca persegui ninguém pelo facto de ser fascista, mas também não gostaria de ser perseguido, hoje em dia sobretudo, nem gostaria que me limitassem o uso da palavra por eu ter sido antifascista. Acho que é o mínimo que lhe posso pedir.
Portanto, penso que a liberdade é uma conquista importante. Devemo-la, no essencial, ao Movimento das Forças Armadas e pelo facto de o querermos homenagear, na pessoa daqueles que o integraram penso que isto não significa que se seja antinada, significa, sim, uma homenagem à liberdade. A não ser que se entenda que em Portugal pode ser-se fascista, mas não antifascista, e que prestar uma homenagem à liberdade é um acto perigoso de antifascismo! Mas isto para mim já atinge um tal universo mental que considero um pouco anómalo e no qual não posso embarcar.
Quanto ao problema dos militares, não penso que seja uma fatalidade portuguesa que nós vivamos sempre, digamos, dependentes de militares. Pelo contrário, penso que o que se passou em Portugal foi exemplar; os militares intervieram para restituir a liberdade aos Portugueses e retiraram-se da vida política. Acho que este facto deve ser comemorado por nós, com simplicidade e não com invectivas pseudo antimilitaristas.
Eu, naturalmente, sou antimilitarista, mas não sou antimilitar!
Penso que o militarismo é a perversão da instituição militar; mas ser-se antimilitar, por sistema, normalmente encobre outros desígnios que nada têm a ver com uma posição pró ou contra a instituição militar.

Se o Sr. Deputado Silva Marques pensa que outros militares devem ser abrangidos nesta homenagem tem a faculdade de fazer essa proposta e não serei eu que pretenderei substituir-me nem ao talento nem às elevadas responsabilidades políticas que o Sr. Deputado Silva Marques tem no seu grupo parlamentar. Eu estou no meu grupo parlamentar, o Sr. Deputado está no seu, e se fizer alguma proposta, pois ela será também apreciada sem parti-pris.
O Sr. Deputado Mário Tomé pergunta-me se porventura esta proposta compensa os militares que dela são alvo daquilo que sofreram.
É evidente que não compensa, nem este projecto de lei tem qualquer intuito compensatório. Penso que isso não seria digno de nós, nem seria digno deles. Penso que os militares democratas que estão ligados ao 25 de Abril, pelo seu amor à democracia, têm sofrido muitas perseguições e até prejuízos na sua vida e na sua carreira militar - há casos concretos que o ilustram -, mas este projecto de lei não tem qualquer intuito de os compensar de nada, repito, tem apenas um intuito que é o de praticar um acto de reconhecimento político pela sua actuação a favor da instauração da democracia.
O Sr. Deputado António Moniz disse que este projecto criaria uma injustiça relativa quanto a outros militares. Creio que não. Da análise que fiz deste problema creio que estas promoções são puramente simbólicas, são promoções a que - salvo raríssimos casos, os casos dos poucos oficiais que foram promovidos muito recentemente - todos eles têm direito e que, se este projecto for aprovado, se efectivarão dentro de um prazo relativamente curto. Portanto, creio que não haverá nenhuma injustiça relativa. Haveria, sim, uma injustiça absoluta se, por preconceitos partidários ou políticos, nós nos negássemos a praticar essa homenagem a quem, em meu entender, tanto a merece.
Aliás, conforme se verificou pelas citações dos decretos provisórios e de uma lei do Parlamento republicano que fiz a este respeito, durante a República
foi-se muito mais generoso, fazendo-se promoções em dois, três e até quatro graus acima, se não estou em erro.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Por isso a República acabou como acabou!!...

O Orador: - E também aí poderia pôr-se este problema. Porém, creio que em relação a esses militares que foram homenageados pela República com essas promoções por distinção nunca ninguém, no povo português, as considerou como desestabilizadoras da instituição militar. Todos consideraram que essas promoções estabilizaram a República e a democracia em Portugal e a melhor prova disso deram-na os reaccionários ao assassinarem dois desses oficiais que foram promovidos, ou seja, Machado dos Santos e Carlos da Maia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, creio que a sua proposta está certa no seu fundamento. Creio que a base essencial da oposição feita a este projecto de lei pelas bancadas da maioria se deve à sua animosidade quanto ao 25 de Abril!
Bem, eu direito apenas isto: temos que os compreender um pouco; não há parto sem dor para que a liberdade possa surgir, ou pelo menos eu não conheço.
Em todos os países, após uma ditadura, a democracia e a liberdade surgem sempre com dificuldade. E mesmo depois de reconquistada a liberdade, pagamos o preço dessa longa ditadura pelos hábitos mentais de intolerância, de facciosismo e de animosidade contra o próprio conceito de liberdade, hábitos que se instalaram lentamente ao longo da ditadura e que são factos sociológicos que hoje, mais uma vez, aqui se demonstraram. De qualquer modo, penso que é pelo diálogo que os devemos converter à prática da liberdade e da tolerância e com o tempo alguma coisa havemos de conseguir!

Página 716

716 I SÉRIE - NÚMERO 21

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Salgado Zenha: É este o processo que tenho para poder responder a algumas afirmações de V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se é só essa a justificação...

O Orador: - Não é só esta, não. Não me interrompa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenho o direito de interromper o Sr. Deputado porque se se trata de um mero expediente, e se ele é declarado expressamente a Mesa não pode conceder-lhe a palavra.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Quando V. Ex.ª me interrompeu, eu estava dizer que o protesto é a única fornia que tenho de agradecer as palavras do Sr. Deputado Salgado Zenha mas, no seguimento deste agradecimento, queria fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, para produzir o seu protesto.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Salgado Zenha, antes de mais tenho que agradecer-lhe o ter respondido com argumentos desenvolvidos a algumas das perguntas que coloquei. E já que V. Ex.ª falou em filosofia e no que está na base das perguntas da maioria, deve ter reparado que eu não o quis atingir e muito menos ser deselegante para com V. Ex.ª Aliás, V. Ex.ª tem provas - até pelos meus escritos - do respeito que tenho pelas suas qualidades de jurista, o que não ë de ontem nem de hoje, è de há muito tempo, de muito antes do 25 de Abril. Nos meus trabalhos profissionais tenho rendido homenagem às suas qualidades de bom intérprete das normas jurídicas e constitucionais, mesmo da Constituição de 1933 com que V. Ex.» muitas vezes digladiou para reagir contra o poder, reagindo, portanto, com as suas próprias armas.
V. Ex.ª é um constitucionalista e um jurista e isto não é discutível. Simplesmente V. Ex.ª sabe que toda a filosofia das minhas perguntas era a seguinte: há uma determinada matéria reservada às instituições e não há dúvida nenhuma de que as Forças Armadas, entre nós, representam uma instituição poderosíssima - tal como a Igreja e a Universidade - que, tem, neste momento de transição, não direi uma autonomia ou um autogoverno porque as palavras estão um bocadinho contestadas e prestam-se a muitas interpretações, dizia eu, que tem matérias que lhe são reservadas. É forçoso que o reconheçamos.
Se formos ver quais são as matérias reservadas à instituição Forças Armadas à face da Constituição e à Lei da Defesa - que é uma lei paraconstitucional, na medida em que se exigiram dois terços para a sua aprovação e que foi confirmada também por dois terços, enformando, portanto o próprio espírito da Constituição -, a nossa posição é a de que qualquer lei ordinária feita por esta Assembleia da República que não se submeta ao espírito da Constituição - que se traduz numa espécie de interpretação desta própria Assembleia através da Lei de Defesa votada por dois terços - é manifestamente inconstitucional e ilegal.
Não lhe quis dar este argumento jurídico por que V. Ex.ª costuma dizer, e bem, que esta Assembleia não ê uma Faculdade de Direito, nem é um tribunal e por isso temos que arrolar argumentos políticos. Foi isso que eu fiz ao falar pelas instituições, pela matéria reservada e V. Ex.ª não tome isso como qualquer deselegância contra o seu partido ou contra V. Ex.ª
Porém, o Sr. Deputado não foi capaz de dar resposta a esta minha pergunta e daí o meu protesto e a nossa recusa determinante em acompanhar V. Ex.ª neste projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Salgado Zenha.

O Sr. Salgado Zenha (PS): - Quero fazer um contra-protesto, muito rápido, só para dizer ao Sr. Deputado Narana Coissoró que não me lembro muito bem de quando é que empreguei o termo deselegância; de qualquer modo, devo dizer que, quando o fiz não me referi à sua intervenção jurídica, constitucional ou técnica.
Como jurista, a sua interpretação - embora não concorde com ela - não me mereceu qualquer reparo quanto à sua elegância.
Naturalmente que o Sr. Deputado Narana Coissoró é sempre elegante, pelo menos presuntivamente! Porém, achei que foi deselegante quando falou como
mestre-escola, isto é, contando as pessoas que estavam ou não presentes nas bancadas do meu grupo parlamentar e pretendendo daí tirar certas inferências. Aí sim, foi deselegante...

O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!

O Orador: - ...e esperava de si um comportamento diverso.
Propriamente quanto a este problema, penso que não há nenhuma lei - mesmo que aprovada por dois terços - que possa retirar à Assembleia da República a competência que lhe é conferida pela Constituição, a não ser que se faça uma alteração em sede de revisão constitucional, o que não aconteceu. Houve uma revisão constitucional que concedeu à Assembleia da República a sua plenitude legislativa e, portanto, acho que os seus argumentos não colhem. Aliás, seria mau para a democracia que no momento em que todos nós queremos fortalecer a competência do Parlamento - embora em conformidade com a Constituição - começássemos por fazer uma interpretação enviesada da Constituição para roubar poderes precisamente ao Parlamento.
Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Secretário de Estado do Planeamento, Alberto Regueira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está assim termi-

Página 717

2 DE DEZEMBRO DE 1982 717

nada a primeira parte do período da ordem do dia. Passamos à segunda parte, de que consta, em primeiro lugar, a discussão e votação da proposta de lei n.º 132/II, que autoriza o Governo a contrair empréstimos junto do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento para a execução do Projecto de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes.
Está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É com grande gosto que apresento, em nome do Governo, esta proposta de lei, pois que o empréstimo do Banco Mundial que nela está contido visa ajudar a realizar objectivos de grande importância no plano nacional e no plano regional.
Queria referir-me, em primeiro lugar, ao segmento do empréstimo que vai permitir a concretização do Projecto de Desenvolvimento Rural Integrado de
Trás-os-Montes. Penso que o conteúdo desse programa é extremamente importante pelo que ele contém de recusa daquilo que é puramente economicista, de recusa de considerar apenas os aspectos de aumento de capacidade produtiva em determinado contexto regional, para ver antes a problemática do desenvolvimento regional em todas as suas facetas, em que naturalmente avultam também aquelas que permitirão garantir melhores condições de vida, melhores condições de acessibilidade às populações que vivem em regiões que, infelizmente, no mapa geoeconómico do País não são das mais favorecidas.
Este Projecto de Desenvolvimento Rural Integrado de Trás-os-Montes tem uma aplicação dirigida a nada menos do que 35 municípios da região de Trás-os-Montes e da região do Douro e, repito, compreende não só componentes que visam desenvolver culturas irrigadas e dinamizar o crédito à agricultura para realização de um conjunto alargado de benfeitorias e melhoramentos, que tomaria bastante tempo estar aqui a detalhar. No entanto, no caso de a Câmara o entender necessário, posso dar algumas explicações adicionais.
Porém, penso também que vale a pena realçar as componentes de apoio aos serviços agrícola e ao crédito agrícola e ainda aos serviços de saúde, bem como a iniciativa no domínio da investigação e da formação.
Este projecto tem um conteúdo e facetas bastante complexas, é um projecto integrado e considero, inclusivamente, que pode constituir um instrumento pioneiro de uma nova figura de programação, a de programa de desenvolvimento regional, que espero seja contemplado no contexto do programa da administração central para 1983 de investimentos e despesas de desenvolvimento, pois, além deste caso de Trás-os-Montes, já tenho pelo menos duas outras concretizações adicionais.
O segundo segmento do empréstimo diz respeito a um objectivo da maior importância nacional, o da poupança e o da diversificação energética.
Todos nós sabemos quanto o nosso país ê relativamente pobre em recursos energéticos e como hoje em dia é fundamental conseguirmos que a estratégia do desenvolvimento económico nacional escolha processos e formas que permitam que esse desenvolvimento se concretize, mas que se concretize mediante vias e canais que não sejam excessivamente dispendiosos do ponto de vista de consumo de energia. Assim, a poupança de energia é fundamental e os investimentos que visam esse fim serão certamente aqueles com maior reprodutividade, maior rentabilidade que se podem fazer no campo energético.
Por outro lado, não posso deixar de referir que a dependência em que hoje estamos das ramas do petróleo, como parcela extremamente importante no abastecimento energético do país, pode e deve ser alterada no sentido de permitir o desenvolvimento de fontes alternativas de energia que possam efectivamente servir melhor o objectivo de garantir o abastecimento energético em condições de estabilidade e segurança para o nosso país.
Por enquanto é tudo o que tenho a dizer.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Em relação à segunda parte deste projecto e portanto àquilo que diz respeito à poupança e diversificação das fontes de energia a utilizar na indústria, como o Sr. Secretário de Estado sabe, existiu um programa, a cargo do Ministério da Indústria, que procurava precisamente - e foi objecto de dispositivo legal - introduzir formas de poupança e formas alternativas de produção de energia. Esse projecto foi cancelado por um outro normativo, salvo erro dos fins de Setembro, sob o argumento de que o número de projectos tinha sido excessivo e que não havia recursos suficientes para desencadear todos os processos.
Ora, a razão da minha estranheza em relação a este procedimento prende-se com o facto de o mesmo Governo - suponho que é o mesmo - perante estes condicionalismos, por um lado, cancelar processos de renovação e de diversificação das fontes de energia, e, por outro, contrair empréstimos no sentido de diversificar as fontes de energia. Qual é, então, exactamente a política governamental, nesta matéria? E ou não a de diversificar as fontes de energia? Quais são concretamente os projectos que o Governo tem em relação a esta segunda linha do crédito que se pretende obter?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, pede a palavra para que efeito?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, já há pouco, na sequência da intervenção do Sr. Secretário de Estado, pedi a palavra para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Presidente: - Apesar de o Sr. Deputado ter pedido a palavra na sequência da intervenção do Sr. Secretário de Estado, a Mesa só agora reparou no seu pedido de palavra, pelo que pede desculpa. Tem, pois, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Secretário de Estado, queria perguntar-lhe se o projecto para o qual é pedida autorização para contracção de empréstimo junto do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento - o Projecto de Desenvolvimento Rural de
Trás-os-Montes tem alguma

Página 718

718 I SÉRIE - NÚMERO 21

coisa a ver com o apoio ao desenvolvimento da central nuclear de Sayago e a comparticipação do Governo português nessa central, dado que as centrais nucleares são, normalmente, consideradas como focos de energia, de embaratecimento de energia e como promotoras de desenvolvimento.
Queria, pois, saber se a liquidação das linhas férreas de penetração a partir do Douro, que tem sido levada a cabo, tem alguma coisa a ver com o Projecto de Desenvolvimento de Trás-os-Montes, bem como a liquidação e destruição de grandes extensões de oliveiras que tem estado a ser feita, para serem substituídas por vinhas.
Queria saber se os benefícios que são dados para a cultura da vinha no Douro a entidades que, de facto, não se dedicam prioritariamente a essa actividade, têm alguma coisa a ver com o Projecto de Desenvolvimento de Trás-os-Montes.
Sr. Secretário de Estado, queria saber se, de facto, tudo isto tem a ver com o desenvolvimento de Trás-os-Montes e se está relacionado com a aplicação destes empréstimos a que V. Ex.ª se refere.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente às questões postas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, seria mais útil que estivessem presentes aqui o Sr. Secretário de Estado da Energia e Exportação ou o próprio Sr. Ministro da Indústria, Energia e Exportação que, com maior autoridade que eu próprio, poderiam dizer quais são os objectivos da política energética do Governo, uma vez que este não é, evidentemente, um sector em que eu tenha uma responsabilidade específica. No entanto, gostaria de dizer que, obviamente, a linha de política do Governo não pode deixar de ser a conducente à poupança e diversificação de energia e a apresentação desta proposta é perfeitamente clara nesse sentido.
O caso que o Sr. Deputado Magalhães Mota terá citado deve-se, certamente, a um equívoco da sua parte. Não há, nem nunca houve, no espírito do Governo a intenção de prestar menos apreço a este objectivo, que eu reputo de inequívoco interesse nacional.
As componentes da linha de crédito referentes à energia são as seguintes: há uma linha de crédito de cerca de 18,5 milhões de dólares com vista a financiar a componente externa de programas no campo da poupança e diversificação da energia utilizada por empresas de sectores cujo consumo de energia é intensivo. Estou a pensar no caso da indústria cimenteira. É uma hipótese, mas há indústrias de outros sectores que são também grandes consumidores de energia e que podem, efectivamente, aproveitar esta linha de crédito.
Há uma outra linha de crédito para leasing de equipamentos a instalar por pequenas e médias empresas com vista a poupar energia. Para muitas pequenas e médias empresas o encargo, associado a um investimento directo com este objectivo, pode vir a revelar-se excessivo para as suas forças, numa perspectiva de curto prazo, e, do ponto de vista do aproveitamento da energia no seu processo produtivo, o mecanismo do leasing pode dar-lhes uma alternativa de realização dessa modernização.
Essa linha de crédito que acabo de referir será equivalente a 6 milhões de dólares.
Estão ainda previstos, no montante de cerca de 4 milhões de dólares, créditos com vista à promoção da poupança de energia através de iniciativas no âmbito do Ministério da Indústria e da Energia e Exportação e, mais concretamente, da Direcção-Geral de Energia, do IAPMEI e do LNETI. No caso do LNETI prevê-se a criação de um centro de conservação de energia.
Está ainda previsto um inquérito energético sobre cerca de 12 subsectores industriais com vista a identificar o potencial de poupança de energia e a recomendar medidas e investimentos de poupança e diversificação de energia.
Existe também um programa de energia renovável, em que se conduzirão estudos com vista a aproveitar fontes de energia não convencional - como a biomassa -, no sentido de se garantir uma penetração razoável no mercado de energia renovável.
No que respeita às perguntas do Sr. Deputado Mário Tomé, poderei responder com grande brevidade: o projecto de desenvolvimento regional integrado de
Trás-os-Montes nada tem a ver com a central de Sayago, nada tem a ver com liquidações de caminhos de ferro, que, aliás, desconheço, pois nunca ouvi falar de nenhuma liquidação de caminhos de ferro naquela região.
Por outro lado, não há dúvida de que há uma componente que pretende, efectivamente, melhorar um certo número de hectares de plantações vinícolas na região de Trás-os-Montes e do Alto Douro, que como sabem, é a região produtora de alguns dos vinhos portugueses de melhores características.
Ora, nalguns casos, para que essa modernização tenha lugar, pode acontecer que uma, duas, três ou mesmo várias oliveiras, ou outra espécie vegetal, possam vir a ser prejudicadas. Mas é óbvio que não está em causa senão uma melhoria do rendimento da agricultura, com vista à melhoria do poder de compra e do padrão de vida dos nossos agricultores.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a segunda vez que esta Câmara tem oportunidade de abordar a problemática do desenvolvimento de
Trás-os-Montes.
A primeira vez relacionou-se com um pedido de autorização legislativa para a Governo poder, no processo de expropriações dos regadios - das terras que vão ficar submersas pelos regadios - , proporcionar indemnizações, acima das correntes, através da simples consulta dos registos prediais.
Já nessa altura nos manifestámos favoravelmente a este projecto, embora tenhamos posto em dúvida a capacidade da Administração e do poder central para o desenvolver e para o levar à prática.
Hoje vamos novamente abordar, ainda que de uma forma parcial, uma questão importante e decisiva para o Nordeste Transmontano. Porém, para que esta discussão fosse profícua era necessário - e faço aqui o repto ao Governo- que este plano de desenvolvimento rural fosse divulgado, fosse do conhecimento do público, fosse até discutido nesta Câmara ou, pelo menos, que os senhores membros do Governo, quando aqui se deslocam, nos trouxessem documentação ou fizessem intervenções que nos permitissem ver globalmente qual a natureza e os objectivos deste plano.
Não tem acontecido nada disso. O País está mal infor-

Página 719

2 DE DEZEMBRO DE 1982 719

mado sobre o conteúdo e os objectivos deste plano, que aparece como algo de vago e pomposo. Não se sabe, na prática, em que é que ele consiste, julgo que as câmaras também não estão devidamente informadas, e a Assembleia da República tem concedido aqui autorizações legislativas, - e vai conceder mais esta -, não conhecendo nem podendo apreciar, em todas as suas facetas, tão importante questão.
Por isso vou tentar fazer um esforço de compreensão do assunto e, nesse sentido, simultaneamente, interpelarei o Sr. Secretário de Estado.
O plano de desenvolvimento rural integrado de Trás-os-Montes é, como a sua própria designação indica, bonito, mas limitado. Limita-se ao domínio agrícola e não é, portanto, um plano de desenvolvimento regional, como o Sr. Secretário de Estado afirmou, porque um plano desse tipo envolve não só a agricultura, mas também a indústria e o domínio social.
Parece, assim, atribuir-se ao Nordeste Transmontano uma vocação exclusivamente agrícola, na medida em que este plano de desenvolvimento rural se limita a estimular e a criar condições para o desenvolvimento da agricultura e não envolve a componente industrial que é essencial para aí fixar mão-de-obra e para promover o desenvolvimento desta região.
Neste sentido, faço aqui a primeira contestação ao Sr. Secretário de Estado, que se deve ter equivocado quando falou num plano de desenvolvimento regional, pois este é um plano parcial e limitado, embora positivo, de desenvolvimento do Nordeste Transmontano.
Com efeito, o desenvolvimento de Trás-os-Montes é uma tarefa nacional.
Trás-os-Montes é hoje na Europa Ocidental a região mais subdesenvolvida. Estão feitos os cálculos que nos permitem dizer que, quando o País se integrar na CEE, Trás-os-Montes será a região mais atrasada sob o ponto de vista económico, ultrapassando a Trácia, região da Grécia, que hoje é a mais atrasada da CEE.
A relação do produto interno bruto das regiões mais avançadas da Europa, por exemplo Paris e Hamburgo, com a Trácia é de 10 para 1. Ora, quando o Nordeste Transmontano estiver integrado na CEE essa relação será de 13 para 1, isto é, o produto interno bruto será 13 vezes maior nas regiões mais desenvolvidas da Europa do que em Trás-os-Montes. Por isso há que fazer um esforço nacional de desenvolvimento de Trás-os-Montes. É necessário canalizar meios económicos e financeiros excepcionais para se promover o desenvolvimento do Nordeste Transmontano.
E faço aqui já outra nota: não acredito que os serviços centrais dos ministérios, as direcções regionais e a Comissão de Coordenação da Região Norte, que é, afinal, um organismo técnico que o Governo dirige, sejam capazes de definir e executar um autêntico plano de desenvolvimento regional.
Continuo a dizer que é imperiosa a criação da região administrativa de
Trás-os-Montes, com autonomia político-administrativa, com organismos próprios, com uma responsabilidade própria e com um plano de desenvolvimento autêntico e global, para que o Nordeste se possa desenvolver.
São os poderes políticos e administrativos criados especificamente na região administrativa de Trás-os-Montes que podem proporcionar um efectivo desenvolvimento da região.
Não me parece que serviços altamente burocratizados dependentes do poder central, ainda que nalguns casos desconcentrados, sejam capazes de desempenhar essa tarefa e pergunto ao Sr. Secretário de Estado se não acha que é fundamental regionalizar o País e criar a região administrativa de Trás-os-Montes para que esta região se possa desenvolver pelo seu próprio esforço.
Por outro lado, Sr. Secretário de Estado, tenho a impressão de que este plano de desenvolvimento rural integrado de Trás-os-Montes - que, como já disse, se remete ao domínio agrícola - envolve também uma componente social que consiste na criação de centros de saúde, de algumas instituições de ensino e pouco mais. Por isso, falar-se em componente social acaba por ser uma designação bastante pomposa. Mas este plano envolve ainda problemas de transportes e comunicações e a criação de algumas estruturas comerciais, designadamente a criação de estruturas de conservação e de frio. Porém, ele é um plano com efeitos limitados e que não me parece ser o plano de que Trás-os-Montes carece neste momento para que o seu desenvolvimento se possa realizar.
E volto àquilo que ia dizer. Creio que este Plano assenta num modelo de desenvolvimento contestável por duas razões fundamentais: a primeira refere-se aos critérios de orientação da Comissão de Planeamento da Região Norte, que põem assento nas vias de transporte do litoral para o interior. Não digo que estas vias de transporte e de comunicação não sejam importantes - a navegabilidade do Douro é importante, a via rápida Porto-Bragança é importante, embora atrasadíssima na sua execução, apenas com dois troços de 8 km relativamente à programação inicial. Mas se é certo que elas são fundamentais, o modelo de desenvolvimento do Nordeste não pode assentar apenas nas vias de transporte, na crença, já ultrapassada pelas próprias concepções de desenvolvimento, de que o progresso se propaga de forma espontânea do litoral para o interior através das vias de transporte.
Ora, de certa maneira, este esquema de desenvolvimento do Nordeste assenta na ideia de que o progresso se vai propagar do litoral para o interior de maneira espontânea, seguindo os caminhos do interesse privado, da iniciativa privada e dos mecanismos de mercado. Tenho dúvidas que assim aconteça.
Por outro lado, este plano assenta também na ideia de que se devem criar áreas concentradas no Nordeste, isto é, pequenos enclaves de progresso onde se investe e donde se difundiria o desenvolvimento para o resto da região.
Também creio que isso é útil, mas é limitado se não houver, em primeiro lugar, um redimensionamento da propriedade no Nordeste, isto é, uma profunda alteração da estrutura agrária; um segundo, a formação de agricultores; em terceiro, a promoção do associativismo agrário; em quarto, crédito aos agricultores, e em quinto, apoio técnico real e efectivo aos agricultores do Nordeste Transmontano.
Por tudo isto, creio que este não é um plano de desenvolvimento regional e global, assentando num modelo de desenvolvimento que é claramente contestável.
Dito isto, não quero deixar de acentuar que nós apoiamos este plano de desenvolvimento rural, o qual, aliás, foi iniciado em 1977, na vigência de governos socialistas, e que tem sofrido algumas melhorias, alguns desenvolvimentos até à actualidade.
E apoiamo-lo porquê? Porque põe o acento tónico numa questão fundamental: a promoção do regadio no Nordeste Transmontano.

Página 720

720 I SÉRIE - NÚMERO 21

Pretende-se não só reabilitar o regadio tradicional, como criar pequenos regadios até 150 ha e médios regadios com mais de 150 ha. Estão já inventariados alguns desses regadios e julgamos que a irrigação no Nordeste vai permitir o desenvolvimento de culturas mais ricas, sendo, assim, uma contribuição para o progresso.
Este programa de desenvolvimento rural acentua, de uma forma correcta, o problema do regadio, mas vai pouco mais longe do que essa promoção e desenvolvimento de culturas irrigadas no Nordeste Transmontano.
Também quanto aos circuitos de comercialização e às estruturas de conservação pouco se sabe e, até à data, nenhum dos Srs. Secretários de Estado que vieram à Assembleia nos deu quaisquer informações pertinentes neste domínio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Alguns dos objectivos deste Plano são, se conseguidos, realmente úteis ao Nordeste. Por exemplo, a redução das áreas de cultura do trigo é útil. Reduzir a cultura do trigo de 30 000 ha para 10 000 ha, com o aumento da produção unitária de 1t/ha para 1,8 t/ha é um progresso significativo, embora, mesmo assim, a produção do trigo seja insignificante se comparada com as médias europeias (mas aqui já é um problema ecológico e não de técnicas de cultura); a redução da área dedicada ao centeio e o aumento da sua produção unitária é também um objectivo correcto, como igualmente o é reduzir a área consagrada à produção de batata e aumento da produção de batata de 12 t/ha para 18 t/ha.
Tudo isto é útil, até para libertar terrenos que não têm aptidão agrícola real e que podem, sim, ser consagrados à silvicultura ou à pastorícia, sector que, na verdade, pode ser desenvolvido no Nordeste, pelo que um objectivo de duplicar o efectivo pecuário parece-me inteiramente correcto.
Também me parece correcta a tentativa de reconverter a vinha, o olival e o amendoal. Mas tenho dúvidas sobre se haverá alguns programas concretos neste sentido, para além do verbalismo habitual - dizendo, por exemplo, que é necessário reconverter o olival para que dê uma produção melhor, para que seja mais fácil de cultivar - e para além da necessidade de aumentar a qualidade do vinho. Ponho, assim, muitas reservas à competência administrativa e à capacidade técnica do Governo e dos seus serviços neste sector.
Enriquecer as pastagens naturais através da fertilização parece-me correcto. Mas o que é que o Governo tem a dizer sobre isso? Até à data nada se tem feito, ou, pelo que sei, aquilo que se tem feito é verdadeiramente insignificante e nem sequer constitui exemplo.
Fazer com que os 50000 ha de prados naturais sejam enriquecidos mediante fertilização adequada é louvável. Mas tenho sérias dúvidas que, sem uma região administrativa, como já aqui afirmei, sem capacidade própria dos municípios e sem a gente transmontana ter direcção e pulso sobre os serviços, tal seja possível.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também considero correcto que os diversos planos parcelares do Nordeste sejam incluídos num plano de desenvolvimento integrado, isto é, que o regadio da Vilariça, os novos perímetros de rega, o regadio de Macedo, as salas de ordenha colectivas, o tratamento alcanino das palhas, etc, etc - que são projectos sectoriais -, sejam integrados num plano de desenvolvimento. Mas, na verdade - e isto aqui é que espanta -, a Assembleia e o país nada sabem sobre isto. Seria da maior utilidade que os senhores membros do Governo aqui viessem empreender uma discussão séria sobre esses assuntos e não viessem dar a impressão de que estão a fazer algo pelo Nordeste, quando, na prática, muito pouco se faz, a não ser a custir os dados no leito do Douro para partir rochedos, ou as deslocações do Sr. Ministro Rebelo de Sousa à Régua, que são sempre agradáveis, quer pela paisagem (que é única), quer pelas palavras sempre inteligentes que aí têm oportunidade de pronunciar sobre a política nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fiz já bastantes considerações sobre o plano de desenvolvimento de Trás-os-Montes, sobre as limitações que envolvem este plano, sob o ponto de vista de perspectiva e concepção do desenvolvimento e também sob o ponto de vista das estruturas de apoio, quer políticas, quer administrativas, para o executar.
Julgamos que estes 5 milhões de contos que o Banco Mundial está disposto a conceder ao desenvolvimento de Trás-os-Montes devem ser bem aproveitados e rapidamente.
Já se tem perdido algum tempo e nós nisto somos pragmáticos: é melhor optar pelo possível do que estar à espera do óptimo. Por conseguinte, apoiamos o empréstimo destes 5 milhões de contos - é o tal aumento da dívida pública externa que é aceitável e que é desejável porque tem reprodutividade interna no nosso crescimento económico.
Porém, vamos estar atentos à execução deste Plano de Desenvolvimento Rural Integrado, com as limitações que já lhe apontei; vamos pugnar pelo desenvolvimento de Trás-os-Montes, que, como disse, precisa de um esforço nacional e precisa de uma nova orgânica político-administrativa.
A regionalização é o imperativo, até por estes motivos, e é lamentável que o Governo tenha, num determinado período da vida nacional, abusado do discurso sobre a regionalização, tenha usado o verbalismo da regionalização como uma forma de fazer propaganda política, como uma forma de encontrar motivações por ausência de outras, e tenha esquecido completamente a regionalização desde há meses para cá, dando-nos uma pálida amostra - envergonhada e até ridícula - do que deve ser a regionalização, com um anteprojecto que o Sr. Ministro Angelo Correia apresentou aos grupos parlamentares (que é, afinal de contas, o resultado de todo um processo de consulta de que tanto se reclamaram) e que não dignifica, de forma nenhuma, as instituições nem aqueles que quiseram participar nessa mesma discussão.
A regionalização é imperiosa para Trás-os-Montes e não pode ser transformada em pretexto para estar no poder, nem pode ser desfigurada através de interesses conjunturais de quem está no poder.
Reclamamos um desenvolvimento para Trás-os-Montes, reclamamos uma estratégia para esse desenvolvimento e as estruturas político-administrativas necessárias para ele ser levado à prática pelos próprios Transmontanos, sob a sua responsabilidade e com a solidariedade nacional.

O Sr. Presidente: - Na sequência desta intervenção, inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Mário Tomé, Oliveira e Sousa e Rogério de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

Página 721

2 DE DEZEMBRO DE 1982 721

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Carlos Laje: Queria apenas fazer-lhe uma pergunta. Fiquei com a impressão de que o partido de V. Ex.ª está disposto a aprovar a concessão desta autorização legislativa. A minha pergunta é: considera o Sr. Deputado que deste empréstimo que o Governo vai contrair vai, de facto, resultar algum benefício, mínimo que seja, quer para o desenvolvimento de
Trás-os-Montes, quer directamente para as suas populações?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Sousa.

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sr. Deputado Carlos Laje, em primeiro lugar, congratulo-me por o Sr. Deputado, homem do Norte como eu, ter reconhecido o valor geral do plano rural de desenvolvimento de Trás-os-Montes, tendo anunciado, em nome do seu partido, a intenção de apoiar este pedido de autorização para contrair um empréstimo que permitirá a sua viabilização.
No entanto, o Sr. Deputado, nas considerações que fez, teceu críticas que desvalorizam em boa parte o plano de desenvolvimento rural integrado de
Trás-os-Montes e que, pelo menos na minha óptica, não são fundadas. Daí o facto de querer colocar-lhe umas breves questões, até porque entendo que não é a Assembleia da República o lugar indicado para a discussão de aspectos de pormenor de ordenamento do território, como, por exemplo, as melhores formas de ordenar as culturas.
Mas há determinadas questões de princípio que o Sr. Deputado referiu e que me parece não terem sido devidamente apreendidas na leitura que fez do plano que dá cobertura a este pedido de autorização.

Por um lado, o Sr. Deputado aponta que não é muito lógico que se dê prioridade a investimentos às vias de comunicação. E eu pergunto: não acha, Sr. Deputado, que o principal problema que neste momento existe no norte interior, nas zonas de Trás-os-Montes e Alto Douro - e também na zona da Beira, o que não vem agora ao caso -, é exactamente um problema de acessibilidade! E isto, tanto em relação ao litoral, como a centros internacionais, aqueles que permitem o acesso à Europa? E essa acessibilidade, Sr. Deputado, exige necessariamente - condição sine qua non de qualquer desenvolvimento - a existência de vias de comunicação, sejam elas a via navegável do Douro ou vias rodo ou ferroviárias, que permitam o escoamento dos recursos aí produzidos, que permitam o acesso tanto de informação, como de materiais e de pessoas, de maneira a possibilitar um desenvolvimento agrícola produtor de matérias-primas e um desenvolvimento industrial, importador ou exportador, de matérias-primas e de produtos.
Por outro lado, o Sr. Deputado referiu também como um óbice a este plano a questão da tendência à concentração. Ora bem, o que tem de inovador este plano, pelo menos na maneira de ver da minha bancada, é precisamente o facto de ele ser um plano numa óptica integrada, ou seja, embora com uma componente rural que terá que ser considerada como prioritária - pois a base é o desenvolvimento rural -, trata-se de um desenvolvimento rural não concentrado em grandes investimentos que permite a distribuição de investimentos por todo um espaço e onde apenas se procura a concentração mínima indispensável para a rentabilização de infra-estruturas e equipamentos de tipo urbano. Eram estas as questões que lhe queria pôr, porque me parece que a sua intervenção, Sr. Deputado, desvirtuou o valor deste plano integrado.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Deputado Carlos Laje, muito rapidamente, queria pôr-lhe uma questão.
A determinada altura da sua intervenção o Sr. Deputado referiu que estamos perante um plano de desenvolvimento que tem várias limitações, uma das quais é o facto de se resumir ao sector rural, sem que saibamos quais as suas outras componentes. E eu diria que é natural que o Sr. Secretário de Estado lhe possa responder dizendo que não senhor, que isto está integrado numa perspectiva global que é avançada por uma publicação que dá pelo nome de «Propostas de Linhas de Estratégia para o Desenvolvimento da Região Norte». Apenas referi isto para que este argumento não venha a ser apresentado como resposta. E isto, tanto mais que - e tenho ouvido aqui falar muito em plano e não em projecto de desenvolvimento integrado - a sensação que se tem é a de que estamos perante um plano de intenções em que nada é faseado, nada é programado.
De facto, foram já aqui levantadas algumas questões de prioridade - as vias de comunicação, aspectos da criação de desenvolvimento do ensino, da saúde, etc., mas nada está quantificado, nada está programado, nada tem uma projecção temporal e julgo que é aqui que, fundamentalmente, residem os problemas!
Porque o Sr. Deputado falou da questão dos postos de trabalho, aponto ainda o facto, que me parece importante, de no próprio plano constar esta afirmação extraordinária e que é a previsão de que este plano não libertará mão-de-obra. Por um lado, o plano afirma isto,, mas, por outro, também diz que não criará novos postos de trabalho. Há aqui qualquer coisa que é difícil de entender!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage, para responder às perguntas que lhe foram formuladas.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais gostaria de sublinhar o facto de a minha intervenção ter suscitado mais perguntas do que a do Sr. Secretário de Estado do Planeamento, o que demonstra ter, em si mesmo, mais conteúdo - passo a expressão - do que essa intervenção feita no início da apresentação do pedido de autorização legislativa.
Em primeiro lugar vou responder ao Sr. Deputado Oliveira e Sousa, agradecendo-lhe ter entrado neste debate que é, sem dúvida nenhuma, importante, apesar do aparente desinteresse dos Srs. Deputados já em fim de sessão parlamentar.
De facto, como o Sr. Deputado disse, reconheci o valor do plano de desenvolvimento que justifica este pedido de autorização legislativa para a contracção de um empréstimo externo. Mas não afirmei que era um plano com defeitos graves, nem o desvalorizei, como o Sr. Deputado Oliveira e Sousa disse em comentário à minha intervenção.
Aquilo que afirmei - e mantenho - é que este plano de desenvolvimento é limitado nos seus objectivos e no seu conteúdo. Antes de mais, porque não é um plano de desenvolvimento regional - não inclui a componente industrial -, mas sim um plano de vocação exclusivamente agrícola e, embora importante - porque natu -

Página 722

722 I SÉRIE - NÚMERO 21

ralmente que o progresso de Trás-os-Montes passa pelo desenvolvimento da agricultura -, não pode este progresso assentar exclusivamente no sector agrícola.
Com certeza que o Sr. Deputado está de acordo que o Sr. Secretário de Estado, ao chamar-lhe Plano de Desenvolvimento Regional, utilizou uma expressão incorrecta. Poderá ser um plano sectorial de desenvolvimento, que avança também para algumas questões relacionadas com a saúde e com o ensino, mas não é o plano de desenvolvimento regional que necessitamos nas regiões do nosso País, porque então teria de incluir o sector industrial, fundamental para promover o desenvolvimento dessas regiões.
Depois, o Sr. Deputado Oliveira e Sousa diz que contestei o facto de se dar a prioridade às vias de comunicação. Eu disse que a construção de via rápida Porto-Bragança e a navegabilidade do Douro são importantes. Fiz objecções, isso sim, ao modelo que, quanto a mim, está subjacente a algumas das ideias da proposta de linhas de estratégia para a região Norte, a que acaba de se referir o Sr. Deputado Rogério de Brito, porque me parece que aí se confia demasiado na propagação do crescimento económico do litoral para o interior, através das vias de comunicação.
Portanto, fui mais longe, tentando buscar neste programa da Comissão de Planeamento da Região Norte o que está subjacente à estratégia de desenvolvimento para essa região. Nessa circunstância já não me estava a referir, concretamente, ao plano de desenvolvimento rural, tal como nos é apresentado. Fui mais longe, procurando assinalar as limitações de um plano de desenvolvimento para o Norte que põe o assento, fundamentalmente, nas vias de comunicação e no fomento do progresso em pequenos enclaves do Nordeste, contando que depois haja uma difusão desse mesmo progresso. Isso é necessário, mas, quanto a mim, não basta. E disse quais as razões porque é que não basta e o que é preciso fazer de princípio, ou seja, a reestruturação agrária, o redimensionamento da propriedade, a intensificação cultural, a informação do agricultor, etc - não vale a pena estar agora a repetir-me.
Julgo até que estamos de acordo, só que, provavelmente, o Sr. Deputado compreendeu mal aquilo que eu disse.

O Sr. Oliveira e Sonsa (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Pergunto-lhe só se as condições iniciais de infra-estruturas viárias e urbanas não são condição sine qua non para conseguir a rentabilização dessa reconversão.

O Orador: - Estou absolutamente de acordo, Sr. Deputado, aliás, comecei por dizer isso. Só exprimi as minhas reservas sobre o modelo de desenvolvimento para o Nordeste que assente fundamentalmente nisso. Acho que me compreendeu, pois estamos a utilizar uma linguagem compreensível para todos.
Penso, assim, que respondi às questões colocadas pelo Sr. Deputado Oliveira e Sousa. Mas, há outra limitação que apontei e que o Sr. Deputado não comentou: consiste, na minha opinião, na questão da capacidade administrativa. Estou terrivelmente céptico quanto às possibilidades de os serviços regionais, quer agrícolas, quer outros, serem capazes de se responsabilizar pelo desenvolvimento do Nordeste. Note que o Nordeste tem vários concelhos e estes têm uma autonomia própria no âmbito das suas fronteiras. Mas grande parte do desenvolvimento do Nordeste ultrapassa os limites concelhios, pelo que tem de haver uma realidade político-administrativa mais vasta, e não são nem a Comissão de Coordenação da Região Norte, nem serviços regionais que, ainda que desconcentrados, podem desempenhar esse papel.
Note ainda que, por melhores que sejam os programas e por mais dinheiro que haja - e não o há -, sem a capacidade dos organismos executivos, sem a aptidão dos homens, pouco se pode fazer.
Daqui também uma objecção que tem mais a ver com as questões globais do desenvolvimento de Trás-os-Montes e do seu futuro do que propriamente com os aspectos específicos deste plano.
O Sr. Deputado Mário Tomé perguntou-me se, apesar de todas as observações que fiz, confio que este empréstimo pode ser útil ao desenvolvimento de
Trás-os-Montes.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Com este Governo!

O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Vai durar pouco!

O Orador: - Naturalmente que já pus reservas à capacidade administrativa deste Governo. Aliás, julgo que o atraso no plano de desenvolvimento rural de
Trás-os-Montes é manifesto, mas, em qualquer dos casos, por pragmatismo, pelo espírito prático que deve presidir às nossas atitudes nestas questões, acho que se deve apoiar este empréstimo porque ele é, com efeito, destinado a obras fundamentais e necessárias para o desenvolvimento do Nordeste Transmontano.
Apesar da aversão do Sr. Deputado Mário Tomé em relação aos empréstimos externos, posso tranquilizá-lo dizendo-lhe que este é um bom empréstimo externo, e que, portanto, o pode votar favoravelmente.
O Sr. Deputado Rogério de Brito concordou com as observações que eu tinha feito e sublinhou o facto de não se criarem novos postos de trabalho com este plano de desenvolvimento rural. Essa é, de facto, uma questão fundamental para o Nordeste. Para fixar aí a mão-de-obra, para fixar as populações, naturalmente que é necessário não só um desenvolvimento da sua agricultura, mas também que se criem aí indústrias. A estrutura económica do Nordeste é altamente desequilibrada, é mais do que tradicional, com a maior parte da população dependendo da agricultura e a que se dedica à indústria muito reduzida.
Por isso há necessidade de se criarem indústrias no Nordeste, de fomentar o aparecimento de um surto industrial nesta região. Assim se criarão também postos de trabalho, para que os homens e mulheres do Nordeste não tenham de emigrar para vários países e mesmo para outras regiões do nosso país, transformando, por exemplo, Lisboa na principal comunidade de nordestinos - diz-se que há aqui 30 0000 habitantes provenientes do Nordeste Transmontano.
Quanto às propostas das linhas de estratégia da região Norte, essa é uma grande questão, Sr. Deputado Rogério de Brito. Enquanto não houver regionalização haverá sempre alguns organismos de carácter tecnocrático que nos apresentarão planos, que os vão tentando concretizar, passando até por cima das próprias autar-

Página 723

2 DE DEZEMBRO DE 1982 723

quias, sem que tenhamos possibilidade de os analisar e de os discutir. Não há nenhum organismo eleito que tenha possibilidade de discutir esse programa que o Sr. Deputado acaba de mostrar à Câmara. É um programa nascido de técnicos mais ou menos valiosos - não é isso que está em causa -, tem algumas coisas positivas, mas não há uma discussão democrática à volta desse programa, nem tão pouco uma responsabilização de órgãos eleitos pela população para o definir e executar.
Por isso, volto à questão que coloquei ao Sr. Secretário de Estado do Planeamento quando da minha intervenção: o problema da regionalização é importante, até para responder a essa questão que acaba de me pôr.

Vozes do PS: - Muito bem!

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado que se segue na ordem de inscrições não queria deixar de renovar, agora em Plenário, a convocação que foi feita há pouco para uma reunião dos grupos parlamentares que a Mesa considera particularmente urgente e que se realizará no meu gabinete às 18 horas e 30 minutos, portanto imediatamente a seguir ao encerramento da presente sessão, visto que se tem de estabelecer o plano dos tempos para a interpelação que preencherá a ordem do dia das sessões de 6 e 7 de Dezembro e também para analisar o problema que se prende com a interposição do recurso da admissão da proposta de lei do Orçamento.
Tudo isto impõe, portanto, Srs. Deputados, a realização dessa conferência, que deixo desde já convocada, pedindo a comparência dos representantes dos grupos parlamentares no meu gabinete logo após o encerramento da sessão.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos aqui tratando desta matéria relativa ao projecto de desenvolvimento integrado de Trás-os-Montes num dia em que, curiosamente, milhares de agricultores e centenas de tractores participam numa coluna que avança para Lisboa como reclamação profunda dos agricultores do Baixo Mondego em luta pelos seus legítimos interesses. Os Srs. Deputados poderão até considerar esta questão, ao ser neste momento aqui abordada, como destituída da matéria em discussão e, quem sabe, considerá-la oportunista. Mas eu diria que ela é até bastante oportuna e que não será de todo desligada da matéria em discussão, particularmente quando temos presente que a região do Baixo Mondego ê também matéria de uma proposta de lei do Governo e, por outro lado, quando, mais uma vez, a utilização das forças da GNR se assume como o meio privilegiado do Governo para a discussão com os agricultores.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Posta esta questão, que, como digo, não foi de oportunismo, mas de oportunidade, vou abordar a questão concreta da proposta de lei relativa à região de Trás-os-Montes. E faço-o sem que à partida não possa deixar de manifestar uma certa estranheza, dado que o mínimo que se poderia exigir neste debate - e até pela importância que o próprio Governo lhe atribui - era que os Srs. Deputados da maioria aqui estivessem participando. Fica-se na dúvida se serão os Srs. Deputados, na sua maioria, que estarão desinteressados desta matéria ou se foi o Governo que não teve arte e engenho para mobilizar os seus deputados para a mesma.
Depois de ter solicitado a esta Assembleia autorização para legislar sobre a componente hidro-agrícola do projecto de desenvolvimento rural de Trás-os-Montes, vem o Governo desta vez solicitar nova autorização para contrair um empréstimo ao Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento destinado a financiar o referido projecto.
E assim o Governo vai pedindo autorização sobre autorização para um projecto que esta Assembleia não conhece. Com efeito, sobre tal projecto a Assembleia tem-se limitado a tomar conhecimento de portarias dispersas e de algumas referências sectoriais, nomeadamente das expostas na proposta de linhas de estratégia para o desenvolvimento da região Norte.
No início da exposição dos motivos da proposta de lei em questão - a 132/II - pode ler-se:
O Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento propõe-se conceder à República Portuguesa dois empréstimos no montante global de 81 milhões de dólares americanos destinados a financiar o projecto de desenvolvimento rural integrado de Trás-os-Montes e o projecto de poupança e diversificação de fontes de energia.
Perante este primeiro parágrafo tem de se colocar esta questão: com efeito, nós não acreditamos que o empréstimo seja concedido com base em meros programas de intenção semelhantes aos que têm sido dados a conhecer a esta Assembleia da República. Desta forma, é lógico que se questione sobre o projecto que foi submetido à apreciação do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e por que não tem esta Assembleia o conhecimento pormenorizado e fundamentado do referido projecto. Ou será que estamos confrontados com a perspectiva de um financiamento à medida das receitas debitadas pelo Banco Mundial? E como pode admitir-se, em qualquer dos casos, que uma instituição financeira internacional conheça projectos que a esta Assembleia são sonegados no acto em que é chamada a emitir autorização?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Orador: - E temos, para nós, que esta questão não é politicamente neutra.
Para já, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que se releva é uma administração central repleta de cérebros que planeiam - se é que a tal se pode chamar de planeamento - sem ter em conta os directamente interessados, ou seja, os agricultores, as autarquias e os próprios técnicos. As consequências e os métodos estão já a fazer sentir-se. É o caso da portaria relativa ao desenvolvimento da vinha na região do Douro. Quando o Governo, sem auscultar os produtores e as autarquias - e temos aqui reclamações das mais diversas autarquias da região -, toma decisões como as de condicionar o apoio ao fomento e à reconversão da vinha em regiões de altitude inferior a 450 m, quando condiciona os solos de ocupação, quando condiciona a dimensão da expio-

Página 724

724 I SÉRIE - NÚMERO 21

ração acima de 3 ha, è caso para colocar estas questões.
Teve o Governo em consideração as consequências socioeconómicas de tal decisão? Qual o impacto desta medida para milhares de viticultores que dependem económica e exclusivamente desta actividade? Que alternativas lhes são apresentadas? E se elas existem por que não foram apresentadas em simultâneo, com? aliás qualquer planeamento integrado exigiria?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ou será que o Governo estudou mesmo as consequências e que elas são de tal forma gravosas que por isso mesmo não as divulga?
Aliás, questões semelhantes terão de ser colocadas para qualquer fase do projecto em questão. Ao avançar na reconversão agro-pecuária de uma região tão deprimida como é a rural de Trás-os-Montes, onde o peso do autoconsumo e da subsistência constitui uma base da própria economia, tem o Governo em conta o impacto inevitável das medidas que propõe no tecido socioeconómico e humano da região?
As alternativas procuradas são em razão exclusiva da maximização dos rendimentos físicos, ou têm em conta a realidade da estrutura económico-agrícola e de todas as condicionantes e da sua própria debilidade? Quem serão realmente os beneficiados? Qual o preço de uma pretensa maximização tecnocrática?
E poderemos avançar desde já porque o Governo nos concedeu de barato as consequências da aplicação da portaria relativa à vinha do Douro? Nada existe, nada nos foi apresentado pelo Governo que nos permita equacionar objectivos e impactos, sendo certo que os mesmos, independentemente de permitir desenvolvimentos subsectoriais, podem ter efeitos profundamente inibidores na maioria dos que constituem a substância social e económica da região e que são os pequenos agricultores.
Outras questões serão de levantar. Apresenta-se, como eu disse, um projecto tecnocrático, pretensamente maximalista, mas inserido em que contexto? Qual a política de crédito a aplicar? Teremos a mesma estratégia de crédito que é neste momento aplicada à agricultura portuguesa em geral? Vamos pretensamente desenvolver o sector primário para depois o expropriar através das mais diversas vias, desde os circuitos de comercialização à política de preços? Será por esta via? Será pela via das transferências através do sistema monetário-financeiro?
Nada nos é respondido sobre isto, nem nada nos é apontado quando se colocam questões como a política de preços e comercialização. Assim pergunto se a política de preços e comercialização será aquela que o Governo pratica actualmente.
Esta questão não é também de oportunismo, é de oportunidade, porque é caso para perguntar: que indústrias nascentes vão resultar deste projecto? Se elas resultam, já que não sabemos quais são, quem delas vai beneficiar? Quem serão aqueles a quem vão ser dados os benefícios de desenvolvimento deste próprio sector? Vamos permitir que o sector primário estenda a sua actividade às indústrias nascentes, ou mais uma vez as vamos integrar em sistemas perfeitamente isolados do sector primário?
Estamos pretensamente a querer desenvolver o sector primário promovendo, eventualmente, aumento dos rendimentos unitários, que é, aliás, uma coisa que é profusamente distribuída, mas que também não se justifica como. Diz-se que se reduz a área de trigo, mas que em contrapartida teremos produções médias de 1 ha que passarão para 1,8 ha.
Com que base é definido esse critério de avaliação dos rendimentos físicos? Resulta do simples facto de se retirarem as culturas dos solos marginais e, portanto, dá-se um aumento substancial dos rendimentos? Ou estamos a contar os factores de investimento técnico-económico nas próprias culturas?
Quando se avançam perspectivas de reconversão cultural, tem-se em conta o impacto dessa mesma reconversão na realidade da estrutura económico-agrícola? Quando se diz que as explorações vão deixar de produzir trigo ou centeio e que vão passar a fazer forragens, tem-se em conta o impacto disto na componente económica da exploração atingida?
Enfim, nada disto é avançado no projecto e eu poderia dizer, sem possibilidade de ser desmentido, que este projecto não é possível de ser discutido tecnicamente porque não nos são dados fundamentos técnicos.
O projecto não é possível de ser perspectivado porque o que nos é apresentado são meros planos de intenção e algumas portarias sectoriais.
A única coisa que nos resta é o facto de saber se, contudo, interessa ou não um projecto de desenvolvimento integrado para Trás-os-Montes. Certamente que aqui estamos de acordo: interessa e é indispensável.
Simplesmente, não seremos nós que iremos avalizar em primeiro lugar um desrespeito, mais uma vez repetido, do Governo para com esta Assembleia, ao pretender solicitar-lhe que ela, às cegas, sem qualquer fundamentação, avalize a concessão de um financiamento.
No entanto, também consideramos que se o nosso voto seria claramente contra a concessão desta autorização caso aqui houvesse apenas uma relação directa desta Assembleia e deste grupo parlamentar para com o Governo, tal não deverá ser o caso porque estão em questão interesses da população de uma vasta região que têm de ser acautelados.
Não seremos nós, portanto, a obstaculizar a possibilidade do financiamento a este projecto. Diremos tão-somente que bem esperamos que os agricultores de Trás-os-Montes não venham a ser defraudados e que as esperanças legítimas que se criam na perspectivação deste projecto não venham, no fim de contas, a ser mais um instrumento de exploração daqueles a quem teoricamente ele se destina, que são os agricultores transmontanos.
É que, para terminar, costuma-se dizer que «para lá do Marão mandam os que lá estão». Infelizmente a História tem demonstrado que assim não é. Para lá do Marão, infelizmente, como para lá de muitas outras regiões, mandam os que cá estão, no poder central.
Está mais uma vez demonstrado - na falta de uma discussão aberta e de uma apresentação concreta dos projectos, na falta da audição e da participação dos agricultores, das suas organizações e das autarquias, na falta de diálogo e de esclarecimento - que efectivamente não se trata de descentralizar. Está-se mais uma vez a proceder a uma acção centralizadora, feita por meia dúzia de cérebros cuja idoneidade técnica até nem se pode apreciar porque nada nos apresentam de técnico que possa fundamentar o projecto.

Página 725

2 DE DEZEMBRO DE 1982 725

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado João Cravinho.

O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sobre o plano integrado de Trás-os-Montes já falou o meu camarada Carlos Laje. Direi apenas algumas palavras sobre o empréstimo relativo ao financiamento de programas de poupança de energia.
A minha impressão deste debate é que ele decorre em condições tais que com certeza vai ser dada a aprovação, por rotina, por cansaço e por aplicação da teoria do mal menor.
Estamos aqui assim na completa ignorância da política energética do Governo. Já foi insistentemente aqui pedido que a Câmara tivesse oportunidade de conhecer quais as ideias mestras do Governo quanto ao Plano Energético Nacional. Esse plano foi prometido várias vezes. Continuamos, contudo, na total ignorância.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Todos sabemos e é uma autêntica banalidade dizer-se que a poupança de energia é, de facto, um imperativo nacional. Estou pessoalmente convencido, por intermédio de alguns estudos que tive oportunidade de fazer, de que os investimentos em poupança de energia são dos de maior reprodutividade social. Tenho essa convicção profissional e tenho alguns estudos que documentam precisamente esta asserção.
Não me repugna, portanto, votar a favor do empréstimo; repugna-me, sim, estar aqui sentado na condição de deputado tratado como se fosse da Acção Nacional Popular para dar um voto na completa ignorância da matéria em causa.
Queria dizer isto porque para poupar energia nada mais evidente do que a afirmação do Sr. Secretário de Estado ao dizer-nos cândida e honestamente, depois de interrogado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota sobre o assunto, que deveria estar acompanhado pelo Sr. Ministro da Indústria e Energia ou pelo Sr. Secretário de Estado para que esta Câmara pudesse conhecer a acção desse departamento.
Não vou fazer perguntas ao Sr. Secretário de Estado do Planeamento porque, obviamente, não é do seu pelouro dar-me resposta, como ele próprio disse e bem. Não lhe vou, portanto, pedir esclarecimentos técnicos, definições de linhas políticas sobre matéria de que ele, dentro do seu pelouro, não tem de facto a responsabilidade.
No entanto, devo dizer ao Sr. Secretário de Estado do Planeamento e sobretudo ao Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares que é tratar muito pouco dignamente esta Assembleia o facto de trazer aqui pedidos de autorização parlamentar com a pressuposição de que ela deve ser dada «de cruz», confessando-se também que não estão aqui os membros do Governo que podem esclarecer a Assembleia.
Esse comportamento não dignifica as instituições democráticas, a Assembleia e o Governo. Por isso, quereria apenas dizer que não me repugna, de maneira nenhuma, dar o meu voto, o que farei, ao pedido feito. Simplesmente, repugna-me o modo como o voto é pedido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por dar conta, um pouco mais desenvolvidamente, daquilo que motivou a minha estranheza de há pouco em relação à política energética do Governo.
De facto, tinha perguntado ao Sr. Secretário de Estado qual era a orientação política, depois de ter explicitado a minha dúvida em matéria de energia. O Sr. Secretário de Estado pensou que fosse lapso, mas se lapso existiu não foi meu. Tenho à minha frente o Diário da República, 2.ª série, n.º 196, de 25 de Agosto de 1982, que inclui um despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e do Plano e da Indústria, Energia e Exportação; esse despacho é de 17 de Agosto para produzir efeitos à data da publicação, está assinado, em representação do Ministro de Estado e das Finanças e do Plano, pelo Secretário de Estado do Orçamento, e em representação do Ministro da Indústria, Energia e Exportação, pelo Secretário de Estado da Energia, e diz o seguinte na sua parte final:

[...] Sem prejuízo de se considerar a economia de energia como um objectivo prioritário, reconhece-se não ser possível para as disponibilidades orçamentais existentes, nem conveniente para o desenvolvimento cuidado dos projectos já aprovados, aumentar o número de subsídios a conceder no âmbito do esquema de apoio em vigor. Nestes termos, ao abrigo do n.º 7, do IV Esquema de Apoio Técnico e Financeiro, fixa-se, como prazo limite em que o mesmo vigora, a data da publicação deste Despacho no Diário da República.

Ora bem, perante esta orientação política, que consta deste despacho conjunto e que revela uma prática que é, pelo menos, estranha, visto que o despacho faz cessar legítimas expectativas desencadeadas pela lei e visto que é, além de tudo o mais, um factor distorcivo da concorrência em que alguns são beneficiados e outros excluídos, é dificilmente compreensível que uma política tenha sido posta em execução, por um lado, com tão deficiente cálculo dos seus custos previsíveis - o que obrigou à necessidade de a suspender por falta de disponibilidades financeiras -, e, por outro, com uma deficiente previsão das possibilidades de desenvolvimento dos projectos já aprovados.
Foi perante este condicionalismo que eu - e penso que justificadamente - me interrogava acerca da componente do projecto de poupança e de diversificação das fontes de energia a utilizar na indústria contemplada neste pedido de autorização legislativa.
Ora, isto leva-me a levantar outro tipo de questões.
Tem vindo o Governo a habituar-se a reduzir ao mínimo indispensável estes pedidos de autorização legislativa. Pouco nos diz acerca do destino dos empréstimos para que nos pede autorização, nenhum controle nos faculta depois do empréstimo concedido e, inclusivamente, é mercê do esforço de alguns deputados que a Assembleia é melhor informada do conteúdo concreto dos projectos em análise.

Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Creio que este processo não pode nem

Página 726

726 I SÉRIE - NÚMERO 21

deve continuar assim e que o Governo, quando vem aqui pedir uma autorização legislativa para contrair um empréstimo, nos deve dizer com exactidão - até porque a isso o obriga a Constituição - a finalidade correcta desse empréstimo. Dizer-nos que se trata de financiar o projecto de desenvolvimento rural e integrado de Trás-os-Montes e o projecto de poupança e de diversificação das fontes de energia a utilizar na indústria, é extremamente curto, havemos todos de convir.
Creio, assim, que todos teríamos a ganhar com um debate mais aprofundado destas propostas, que todos teríamos a ganhar se, quando um projecto nos é apresentado ele tivesse uma sequência que o integrasse num certo plano de actuação e em objectivos definidos da política governamental - quer se coadunasse ou não com esses objectivos - e que, de acordo com eles, estabelecesse prioridades e necessidades e não o que parece ser um certo jogo em que, ao correr das ocasiões e ao sabor das circunstâncias, se determina a vinda de um empréstimo, ora para o plano integrado de Trás-os-Montes, ora para outro destino qualquer, sem que em tudo isto se possa descortinar uma política coerente e autêntica.
O que nós esperávamos, Sr. Secretário de Estado, era que, na ausência do Plano para 1980 - que não há -, na ausência de uma orientação política - que desconhecemos -, na ausência do orçamento cambial para 1982 - que ainda não veio -, na ausência do orçamento cambial para 1983 - que já está prometido, ao contrário da lei orçamental, para 31 de Março de 1983, quando a lei diz que esse diploma devia entrar na Assembleia antes de 15 de Outubro de 1982 -, em vez de tudo isto nos fosse possível fazer um debate em que o Governo nos dissesse concretamente o que projecta fazer nesta matéria.
Estou a ser modesto no meu pedido, na medida em que não estou a exigir que o Governo já tivesse realizado aquele tipo de planeamento - o planeamento participado, com a colaboração das populações, com a colaboração das autarquias, com a coordenação do Conselho Nacional do Plano -, que exige a Constituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estamos a ultrapassar tudo isto se continuarmos com esta política que me parece um pouco, passe a expressão, um jogo de «bisca lambida», em que o Governo, ao virar da carta, vem aqui trazer um pedido de autorização legislativa para contrair mais um empréstimo.

Risos.

Vozes do PCP: - Boa!

O Orador: - Era este o tipo de orientação que gostaríamos de obter. Ainda não é desta vez que a temos, mas acontece que o plano integrado de Trás-os-Montes vem de 1977, foi várias vezes debatido, e tenho de repetir aqui alguma coisa que já várias vezes tenho dito, e que é o seguinte: estas condições são razoáveis, este empréstimo externo é mais um, mas seria conveniente e necessário que o Governo nos dissesse qual é o seu limite em termos de definição de uma política de endividamento externo. Porém, na ausência de todos estes elementos, não será a minha bancada a recusar o seu voto a esta proposta para um plano que poderá ser benéfico para as populações transmontanas - e digo «poderá ser», porque, com os elementos que disponho, será difícil pronunciar-me com maior rigor ou com maior exactidão.

O estado de ostracismo a que durante muitos anos foram votadas as populações de Trás-os-Montes leva-nos a dizer que alguma coisa que se faça é bom para as populações transmontanas. Esperamos que de facto alguma coisa possa ser feita e que a conhecida possibilidade de empréstimos externos serem utilizados noutras finalidades não seja, também aqui, um resultado político obtido, que as verbas assim canalizadas não sejam transferidas para outras actividades, que o plano integrado acabe por realizar-se em tempo útil, e, já agora, que os membros do Governo aqui presentes assumam claramente o compromisso perante esta Assembleia de não só permitirem que a Assembleia passe a controlar a aplicação dos empréstimos que legitimamente autoriza, como os próximos pedidos sejam acompanhados de elementos informativos mais amplos e esclarecedores.

Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 18 horas e 30 minutos. Portanto, atingimos, neste momento, a hora que tinha sido destinada para o encerramento dos nossos trabalhos de hoje.

O Sr. Carlos Lage (PS): Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, havia a ideia de que podíamos votar esta proposta de lei ainda hoje, por razões até práticas e que não vale a pena estar a invocar. Da parte do Grupo Parlamentar Socialista achamos que não há inconveniente nenhum em ficarmos aqui mais uns minutos a fim de procedermos à votação.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada pede a palavra para que efeito?

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, eu estava inscrita para fazer uma pequena intervenção. No entanto, dado o adiantado da hora e também a proposta formulada pelo Sr. Deputado Carlos Lage, declaro que prescindo do uso da palavra para que se possa proceder à votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, nós estávamos na disposição - e já comunicámos à bancada do CDS, que nos contactou nesse sentido - de ficarmos aqui mais bons momentos até à votação, desde que o Governo respondesse às perguntas que ficaram formuladas e desde que nós possamos, logicamente, contraprotestar ou pedir eventuais esclarecimentos.

Vozes do PSD: - Pode ser!

O Sr. Presidente: - Então os Srs. Deputados asseguram o quorum para nos mantermos em sessão.

Página 727

2 DE DEZEMBRO DE 1982 727

Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, queria só pedir a V. Ex.ª para verificar se há quorum, pois dá-me a impressão de que já não há para votação e muito menos haverá daqui a bocado, possivelmente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, sem querer inviabilizar a satisfação do requerimento do Sr. Deputado Mário Tomé, sugiro que se faça a contagem do quorum na altura da votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Gama.

O Sr. Jaime Gama (PS): - Sr. Presidente, na verdade, consideramos importante que, depois de se ter feito um esforço para incluir na agenda dos trabalhos parlamentares a discussão e votação destes pedidos de empréstimo, essa decisão seja tomada pelo Plenário, visto que está em causa, segundo nos parece - e apesar das dúvidas que nós, como bancada da oposição, colocamos - uma questão importante para o desenvolvimento económico e social do país, designadamente para Trás-os-Montes.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, compreendo perfeitamente a sua observação, aliás partilho dela.
Vamos continuar com os nossos trabalhos e tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, antes de fazer a minha intervenção gostaria que fosse verificado o quorum.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, verificámos que existe quorum de funcionamento. Na altura da votação, ver-se-á.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: A posição da UDP, nesta questão, vai fundamentar-se em dois parâmetros. Um deles é a total ausência de dados técnicos na apresentação de um plano de desenvolvimento elaborado que nos permita aquilatar, digamos, das consequências desse plano e desse empréstimo para Trás-os-Montes e para a sua população; o outro é que, na ausência desse plano, resta-nos apenas a prática normal deste Governo e aquilo que ele entende por desenvolvimento.
Foi por isso que fiz algumas perguntas ao Sr. Secretário de Estado, que disse que desconhecia que estavam a ser liquidadas as vias férreas e que a questão das oliveiras também não era questão nenhuma. De facto, tem sido uma constante na actuação do Governo decidir, à revelia dos interesses das populações, quer na questão do plantio da vinha, quer na questão da concessão dos benefícios, quer na questão do fecho de estações de caminhos de ferro que eram reivindicadas como absolutamente necessárias e fundamentais para as populações de Trás-os-Montes, quer na questão da batata - que levantou os agricultores de Chaves em luta contra o próprio Governo. Tudo isto nos mostrou que o Governo na sua actuação e nos seus conceitos de progresso não tem nada a ver com os interesses dos pequenos camponeses, dos assalariados rurais, enfim, do povo que labuta nas terras de Trás-os-Montes, como em todo o país. É uma evidencia!
Ora, a prática política deste Governo define também um conceito, porque, por exemplo, a liquidação das estações de caminho de ferro teve como razão fundamental o abrir a exploração do tráfego do caminho de ferro às companhias privadas de camionagem, da mesma forma que nós estamos completamente convencidos de que todo este empréstimo será fundamentalmente dedicado a encher, digamos assim, em nome do progresso de Trás-os-Montes, os bolsos de entidades e de grandes interesses privados, em detrimento do progresso do povo, dos trabalhadores, dos pequenos camponeses assalariados e da sua vida em
Trás-os-Montes.
Não temos dúvida nenhuma acerca disso. Aliás, o problema da regionalização é normalmente apresentado como a panaceia para tudo neste país. A vida é cada vez pior para os trabalhadores, para a agricultura, e então agora diz-se que quando se der a regionalização tudo isso se vai resolver.
A regionalização é quase que concebida como a criação de regiões autónomas e auto-suficientes, e isso não pode ser. A regionalização terá que estar sujeita a um plano central, a uma programação e a um planeamento devidamente centralizados e ainda deve ter em atenção as potencialidades de cada região, mas de forma coordenada e articulada com todo o País. Não é essa a perspectiva que está por detrás dos conceitos de regionalização do Governo nem da AD, que, com a regionalização, apenas pretende permitir que nas várias regiões onde os interesses privados são proeminentes estes possam continuar a desenvolver-se, a subsistir e a crescer, à custa dos interesses daqueles que lá trabalham, dos agricultores, dos operários, etc.
Portanto, é nesta perspectiva que vamos dizer claramente não a este empréstimo. E, Sr. Deputado Carlos Lage, quanto à sua intenção de nos descansar, de dizer «pode votar à vontade este empréstimo», que aqui «pode estar descansado», ...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Pode!

O Orador: - ... também não faço nenhuma confiança nela porque todos os empréstimos que foram feitos neste país, nomeadamente pelo Partido Socialista e por outros, em nada redundaram a favor do povo português a quem diziam, dizem e vão continuar a dizer todos os dias: estás a dever tanto ao estrangeiro, tens que pagar. Ora isso vai continuar a acontecer, estes 5 milhões de contos vão continuar a servir para justificar...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado, os empréstimos externos são de natureza diferente. A maior parte dos empréstimos externos, a maior fatia, cabe aos empréstimos contraídos para cobrir o défice da balança de pagamentos e naturalmente que esses empréstimos tanto podem ser destinados ao consumo como ao investimento. Mas em relação a um empréstimo como este, o Sr. Deputado Mário Tomé pode ter a certeza de que é

Página 728

728 I SÉRIE - NÚMERO 21

um empréstimo consagrado a investimentos e, por conseguinte, com efeitos reprodutivos. É um empréstimo diferente dos restantes, que, esses sim, são susceptíveis de todas as críticas que o Sr. Deputado acaba de fazer, mas há que distinguir empréstimos de empréstimos.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, era bom saber - e acho que o Sr. Deputado deixou essa dúvida no ar - quem é que vai investir e até que ponto esse investimento é controlado pelas autarquias, pelas populações, etc., etc. É que ele nem sequer está integrado no Plano, o que já foi aqui demonstrado. Que tipo de investimento é esse? Quem é que me dá garantias? É o Governo que dá garantias de que esse investimento vai ser no sentido de favorecer a vida do povo de Trás-os-Montes? Não é.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Se for para fazer um hospital, não se faz!
E o Governo, não se faz o hospital!

O Orador: - Pois, exactamente.

O Sr. Mário Lopes (PSD): - «Pois» não é resposta!

O Orador: - Portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pela forma como é apresentado, justificado e fundamentado este pedido de autorização legislativa, que não é fundamentado de forma alguma, que não fornece quaisquer dados que permitam uma apreciação correcta daquilo que se passa, quer pela prática política deste Governo, a posição da UDP é muito claramente contra este pedido de autorização legislativa.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Pois claro!

O Sr. António Moniz (PPM): - Já não há UDP em Trás-os-Montes!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho muito gosto em procurar responder às questões que me foram postas e que têm directamente a ver com aquilo que aqui me trouxe. No entanto, foram colocadas muitas outras questões que extravasam completamente o âmbito do que está neste momento em causa e, por isso, só àquelas responderei.

ueria, em primeiro lugar - até porque foi matéria levantada por mais do que um senhor deputado - dizer que me causa estranheza o facto de se alegar falta de divulgação do projecto de desenvolvimento regional integrado de Trás-os-Montes. Não sei se muitos dos senhores deputados sentem essa falta. Uma coisa é certa: é que na própria região, ao nível dos 35 municípios directamente interessados no projecto, têm sido feitas múltiplas reuniões de discussão e de análise. A nível regional pode e deve dizer-se que as autarquias estão perfeitamente integradas no espírito do projecto. Na verdade têm conhecimento da sua concepção, da sua estrutura, dos seus instrumentos de realização, e portanto não vejo, efectivamente, qualquer razão para se dizer que existe um desconhecimento do projecto.
Em relação aos senhores deputados que não se encontram na posse de todos os elementos, penso que se os tivessem solicitado em devido tempo a Comissão de Coordenação Regional do Norte ou a Secretaria de Estado do Planeamento teriam o maior prazer - como, aliás, terão em qualquer momento - em os facultar, pois nada disto é de natureza reservada.
Dei algumas explicações, aquelas que me pareceram essenciais para situar o debate. No entanto, ainda podia entrar em mais pormenores se porventura tal fosse achado útil, mas penso que tais pormenores tomariam demasiadamente o vosso tempo.
Em segundo lugar, tem havido alguma confusão ao longo deste debate, nas intervenções que têm sido feitas, entre o conceito de plano e o conceito de programa. O que está aqui em causa é um programa de desenvolvimento regional e eu não disse que era um plano. Um plano tem, efectivamente, pela sua própria natureza, um contexto mais alargado e mais desenvolvido.
Porém, não é, obviamente, intenção do Governo, em diálogo com as autarquias e com as regiões, ao estabelecer este programa de desenvolvimento regional, esgotar aqui toda a problemática do desenvolvimento económico e social de
Trás-os-Montes, todos os instrumentos de realização de política económica e social, mas apenas garantir que, para atingir determinados objectivos, haja uma conjugação e uma compatibilização de instrumentos de diferente natureza, de modo a que o programa tenha coerência e condições de êxito.
O que está aqui em causa, Srs. Deputados, não é, por consequência, o plano de desenvolvimento regional que Trás-os-Montes poderá vir a ter. É um programa de desenvolvimento regional e outros programas convergentes que com este podem, devem e estão a ser feitos. Portanto, não havia aqui, obviamente, intenção de esgotar toda a problemática e quando anunciei o programa falei em programa e não em plano.
Em terceiro lugar, no que se refere à problemática da criação das regiões administrativas, não estou obviamente em desacordo, muito pelo contrário, com o Sr. Deputado Carlos Lage quando põe em relevo essa necessidade. Mas, no entanto, deve referir-se que esse é um projecto que está em curso, que não está parado e que inclusivamente foi objecto de preparação de um projecto de lei quadro das regiões administrativas, de que o Sr. Deputado aparentemente fez pouco caso sem explicar porquê.
De qualquer das formas, o que se deve dizer é que, até agora, não surgiu ao Governo qualquer crítica ou qualquer comentário a esse projecto. Porventura, ele não será satisfatório para alguns dos senhores deputados ou grupos parlamentares, mas até agora nenhuma critica nos chegou a esse respeito.
Portanto, trata-se de uma matéria que não está estagnada, que não está parada, há um processo que está em curso em relação ao qual o Governo teve uma iniciativa legislativa.
Por outro lado, não vejo como é que se pode fazer «cavalo de batalha» da alegada burocratização das entidades que vão dar corpo e vida a este projecto. É evidente que longe de mim admitir que não há, nos modos actuais de funcionamento dos serviços públicos, riscos de burocratização, aqui e além. Não é isso que está em causa, mas eu queria, de facto, explicar que este projecto vai concretizar-se, em grande parte, através da acção dos agricultores individualmente considerados e organizados em cooperativas, através da acção das autarquias e de

Página 729

2 DE DEZEMBRO DE 1982 729

instituições de crédito e, portanto, a Administração também tem aqui uma quota parte.
Gostaria de deixar bem explícito que isto é um projecto polifónico, se assim se pode dizer, em que há muitos intervenientes e em que não há, efectivamente, razão para fazer dessa questão «cavalo de batalha». Depois, isso levar-nos-ia muito longe e não seria com certeza neste momento ocasião para tal.
Mas considero menos fundamentada a crítica que o Sr. Deputado Carlos Lage realizou sobre o conceito inscrito dentro da concepção do projecto no que respeita, designadamente, à previsão de núcleos concentrados de progresso.
O Sr. Deputado acha que o conceito é contestável e tem também receio que os métodos não tenham sido suficientemente estudados para que o programa frutifique. Ora, gostaria de dizer que, uma vez que os recursos num país com as características do nosso não são obviamente abundantes, é fundamental conseguir...

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Isso é falso!

O Orador: - ... uma congregação de recursos em determinadas áreas para que eles tenham possibilidade de se potenciarem uns aos outros. É óbvio que, se se for fazer uma disseminação descaracterizada de recursos de investimento por uma área extraordinariamente grande, o que é mais do que provável é que não se consigam realizar objectivos úteis. Com toda a franqueza, não julgo minimamente viável admitir que se possa deixar de definir prioridades no sentido de hierarquizar o espaço. Portanto, o espaço tem que ser hierarquizado, pois se assim não fosse estávamos a desperdiçar dinheiro sem conseguir obter resultados úteis.
Por outro lado, no que respeita às técnicas que foram pensadas respeitantes aos modelos de exploração agrícola, devo dizer que foram considerados vários modelos alternativos para se poder ter em linha de conta as diferentes situações das várias sub-regiões abrangidas pelo projecto. Trata-se, por consequência, não de uma espécie de receita que dá para uma realidade social, económica e geográfica bastante diversificada, mas sim de um projecto que contém múltiplas componentes.
Também não compreendi a objecção que faz às carências no campo da formação de agricultores, de associativismo, de crédito aos agricultores. Tudo isso são componentes deste projecto. Já reparei, pelas observações que fez, que o Sr. Deputado tem um conhecimento deste projecto, o que lhe permite, com facilidade, verificar que em todas estas áreas fundamentais estão previstas acções e estão previstos dispêndios de recursos que muito irão potenciar a implementação do projecto.
Em relação às várias observações que o Sr. Deputado Rogério de Brito formulou e que, na sua esmagadora maioria, não têm a ver directamente com o que aqui estamos a discutir, gostaria de dizer apenas o seguinte: não há, obviamente, nenhuma instituição financeira de desenvolvimento que financie um projecto sem saber o que ele é. E, por outro lado, isso quer-me parecer que justifica obviamente que o Banco Mundial, como o Banco Europeu de Investimentos, como o Kredit Anstadt Verwiederaufbau, ou qualquer instituição financeira de desenvolvimento, e até qualquer instituição financeira tout court, não financie um projecto sem saber o que ele é.
Quanto às questões levantadas pelo Sr. Deputado José Cravinho, gostaria de esclarecer que dentro de breves dias esta Assembleia vai ter oportunidade de debater, com profundidade, as linhas gerais da política económica e financeira do Governo. Penso que nessa altura a sede de informações, que legitimamente manifestou, pode certamente ser satisfeita através de membros do Governo com responsabilidade específica no sector energético.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Mas diga lá qualquer coisinha sobre isso!

O Orador: - Relativamente às questões que o Sr. Deputado Magalhães Mota levantou, gostaria de dizer que, em minha opinião, há um lapso de interpretação. De facto, não é - e comprovou-se através da leitura do excerto que aqui foi feita - o objectivo da poupança de energia que está em causa nas prioridades do Governo. O que há é diferentes instrumentos alternativos para atingir idêntico objectivo. E dentro de conjunturas financeiras que são naturalmente moventes, é perfeitamente razoável que o Governo, em qualquer momento procure utilizar, na prossecução de objectivos que são seus de sempre, aqueles instrumentos que repute mais operacionais dentro de uma economia de afectação de recursos para satisfazer o objectivo em causa.
Gostaria de lhe dizer, Sr. Deputado, que os vários instrumentos de execução do plano de 1982, designadamente o PIDAC e o PISE, estão a ser implementados normalmente.
Finalmente, não compreendo a sua objecção quanto à utilização de empréstimos externos, ao referir a sua afectação a outras finalidades. O que está aqui em causa é, obviamente, a utilização de um empréstimo externo com estes objectivos bem definidos, até porque a satisfação e a transferência de recursos associadas a este empréstimo são feitas através de uma comprovação das despesas feitas. Não vejo, assim, como é que pode, a não ser por mera especulação, falar-se da não afectação dos recursos aos objectivos do empréstimo.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Rogério de Brito, Azevedo Gomes e Sousa Marques.
Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Diria que algumas das afirmações do Sr. Secretário de Estado foram, no mínimo, extremamente graves. O Sr. Secretário de Estado começou por dizer que se está a fazer confusão entre plano e programa. Ora, o que está em causa não é um plano ou um programa, mas sim um projecto - e os senhores assim mesmo o apelidam. E um projecto não é a mesma coisa que um programa e este, por sua vez, não será o mesmo que um plano!
Mas o Sr. Secretário de Estado é um economista - e isso é que me espanta, mesmo encarando este projecto na base estritamente tecnocrática. Se eu fosse o representante do BIRD e o senhor me dissesse que há vários modelos estudados de acordo com as realidades, que nós vamos investir, aquilo que eu lhe diria, Sr. Secretário de Estado, era isto: meu amigo vá-se embora; envie posteriormente um projecto devidamente elaborado e, então, venha conversar! Porque o mal nisto, Sr. Secretário de

Página 730

730 I SÉRIE - NÚMERO 21

Estado, é que certamente nenhuma instituição financeira vai financiar um projecto sem o conhecer.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Aí é que está!

O Orador: - É esta a questão. Então, vai autorizar-se um financiamento sem se conhecer o projecto?!

Vozes do PCP: - Claro! Aí é que está!

O Orador: - Francamente, Sr. Secretário de Estado!... Será que o senhor chama a isto um projecto? E, além disto, há mais alguma coisa que nos possa ser apresentada? É isto que é o projecto?
É que mesmo que se apresenta-se, eventualmente, um plano de exploração em que, no mínimo, se dissesse «vou reduzir o trigo e aumentar as forragens; vou criar 'gadinho'», se calhar nem mesmo assim eu poderia avalizar um empréstimo destes. E os senhores também não o fazem, caso um agricultor lhes peça dinheiro nestas condições. Neste caso há ainda outros factores ligados, que são os de ordem sócio-económica e os factores humanos. E o senhor diz que eles extravasam o âmbito do projecto; que eles não têm nada a ver com a matéria que está aqui a ser tratada!
Bom, mais do que provavelmente uma doença de tecnocracia que o senhor aqui trouxe, isto demonstra uma profunda leviandada na forma de abordar estes problemas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - E esse seu sorriso - que eu diria de múmia - é um insulto às populações de Trás-os-Montes e à dignidade de qualquer técnico ou político, é um insulto...

Protestos do PSD.

É um insulto, Srs. Deputados. E isto por duas razões: em primeiro lugar, é que discutindo uma questão agrícola e pecuária, com certeza que o Sr. Secretário de Estado não sabe tecnicamente mais do que eu; em segundo lugar, e pelo que acabei de dizer, não posso conceber que o Sr. Secretário de Estado chegue aqui e diga «estudámos as coisas». Mas quais coisas, Sr. Secretário de Estado? Quais estudos? Como é que eu posso avaliza-los? Será que eu tenho que aceitar aquilo que o Governo tem por bom?
Uma coisa a que me nego, na qualidade de deputado e pelo respeito que esta Casa me merece, é a passar por tolo! E muitos dos sorrisos que os senhores deputados fazem quando são tratados desta maneira aproximam-se muito de algo profundamente triste e que não prestigia nenhum dos senhores nem esta Casa.

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD.

Sr. Presidente: - Sr. Secretário de Estado do Planeamento, V. Ex.ª pretende responder imediatamente ou só no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Gomes. Lembro-lhe, Sr. Deputado, que dispõe apenas de 3 minutos.

O Sr. Azevedo Gomes (PS): - Sr. Secretário de Estado do Planeamento: Parte do que queria dizer foi já referido pelo Sr. Deputado da bancada do Partido Comunista Português. Além das confusões que foram lançadas pelo Sr. Secretário de Estado quando quis identificar projecto com programa, que são duas coisas realmente diferentes, a minha preocupação é, acima de tudo, a seguinte: 5 milhões de contos é muito dinheiro, mas com certeza que Trás-os-Montes precisa muito mais do que isso. Simplesmente, sabemos a incapacidade que têm os serviços para aplicar as verbas, sabemos que grande parte dos empréstimos internacionais não estão a ser cumpridos...

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Essa é que é a realidade!

O Orador: - ... e o Pais está a pagar juros - não só juros normais- pela circunstância de não se fazer a aplicação das verbas.
De facto, são necessários empréstimos exteriores para situações como a de
Trás-os-Montes, onde são precisos muito mais do que 5 milhões de contos, simplesmente, neste caso, com fundamentação competente e não com a incompetência tradicional que os governos da AD têm demonstrado para tudo o que diz respeito aos planos de fomento do agro, quer seja agrícola, quer seja pecuário ou florestal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Na intervenção que vamos fazer na altura em que se tratar dos problemas económicos terei ocasião de proceder à demonstração da incompetência dos governos da AD para fazer a aplicação das verbas provenientes dos empréstimos exteriores para a realização de obras no sector agrário.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Essa é que é a verdade!

O Orador: - Este Governo vem aqui pedir autorização para um empréstimo, com que temos até de concordar, pois não podemos apresentar-nos face às populações de Trás-os-Montes dizendo que não concordámos com um empréstimo de 5 milhões de contos para fomento agrário. Simplesmente, não podemos, simultaneamente, deixar de frisar que esse empréstimo devia ser aqui acompanhado por uma fundamentação séria, que nos permitisse concordar com ele em termos de dizer: com certeza, temos a garantia de que vai ser utilizado nos objectivos para os quais este empréstimo deve ser canalizado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Portanto, o que digo ao Sr. Secretário de Estado do Planeamento é que deveria explicar a esta Assembleia qual o motivo, porque a fundamentação que devia ter acompanhado este pedido de autorização legislativa não foi apresentada.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

Página 731

2 DE DEZEMBRO DE 1982 731

O Sr. Presidente: - Igualmente, para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - O Sr. Secretário de Estado do Planeamento
referiu-se à «polifonia» deste projecto, que está na base deste pedido de empréstimo. Como já estava a ficar atónito pela falta de justificação por parte do Governo, não quero ser acusado de ficar afónico e, nesse sentido, gostaria de lhe colocar duas questões.
Assim, começaria por dizer que a primeira questão que pretendo colocar me surge de uma preocupação já aqui manifestada pelo Sr. Deputado Azevedo Gomes, e que é a seguinte: todos nós sabemos - e o Sr. Secretário de Estado do Planeamento sabe-o muito bem - que o dinheiro é fungível, que se trata apenas de mais um empréstimo a juntar a tantos outros e essa é, porventura, uma das razões - não a mais ponderosa razão - para a ausência de justificações que o Governo tem dado em relação às questões colocadas pelas várias bancadas da oposição. De facto é mais um empréstimo externo, conseguido em condições que se podem considerar favoráveis, a juntar a tantos outros. Á história dos empréstimos externos já é longa e todos nós sabemos isso. O Sr. Secretário de Estado do Planeamento quererá confirmá-lo?
É ou não certo que o dinheiro é fungível? É ou não certo que esse dinheiro que nos chega por via desse empréstimo pode ser aplicado em Trás-os-Montes, no Algarve ou numa qualquer operação especulativa por parte deste Governo? Onde é que está a nossa possibilidade de investigar tudo isso?
O Sr. Secretário de Estado do Planeamento disse que dentro de dias íamos discutir a política económica do Governo. Bom, quero agradecer-lhe a referência, mas também lhe quero dizer que se vamos fazer isso nesta Assembleia é por iniciativa do meu grupo parlamentar e não por iniciativa do Governo. O Governo, que devia ter apresentado as propostas de lei do Plano e Orçamento até ao dia 15 de Setembro deste ano, apresentou tarde e a nas horas a do Orçamento, não cumpriu sequer a Constituição, pois não apresentou essa proposta de lei no seguimento da apresentação da proposta de lei do Plano - já se sabe que a apresentação desta proposta de lei está impugnada por um grupo parlamentar desta Assembleia. Portanto, se o Governo vem aqui discutir a situação económica do País e a sua política económica, isso deve-se à interpelação apresentada pelo Grupo Parlamentar do PCP, que o obrigou a vir cá, na próxima semana, discutir isso.
Mas há outra questão, Sr. Secretário de Estado do Planeamento, e esta é mais grave: é que foi aqui feita uma acusação, que nós também subscrevemos, de que o Governo prometeu o Plano Energético Nacional para o fim do ano passado, portanto fim de 1981. Julgo que o Sr. Deputado João Cravinho não referiu esta data, mas é importante que ela fique registada no Diário da Assembleia da República.
O Sr. Secretário de Estado do Planeamento acaba de nos dizer que não tenhamos pressa porque dentro de dias vamos conhecer esse Plano Energético Nacional. Assim, queria que V. Ex.ª nos confirmasse se, na próxima interpelação de segunda-feira e terça-feira apresentada pelo meu grupo parlamentar, o Governo tem a intenção de apresentar as linhas gerais do Plano Energético Nacional. Até agora, Sr. Secretário de Estado, nem Plano Energético Nacional, nem política energética.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento, para responder, se assim o entender.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero dizer que lamento muito sinceramente que o Sr. Deputado Rogério de Brito confunda um sorriso com um insulto. Não é meu hábito insultar ninguém e lamento que tenha interpretado o meu sorriso dessa forma.
No que respeita à questão que levantou, e que, com certo espanto, vejo o Sr. Deputado Azevedo Gomes compartilhar, é evidente que peço a ambos que acreditem que sei distinguir um programa de um projecto. Em circunstâncias normais, um programa é constituído por vários e até por muitos, projectos.
Ora, o que está aqui em causa - e por isso há pouco, talvez pelo meu gosto pela música, falei de um programa polifónico - é uma multiplicidade de acções em muitos sectores diferentes que têm, objectivamente, intenções convergentes para ajudarem a realizar este projecto.
Voltou o Sr. Deputado Azevedo Gomes a pôr a questão de um insuficiente conhecimento do projecto. Ora, eu repito novamente que o projecto foi profunda e profusamente discutido com as populações a quem ele mais directamente diz respeito, através das suas autarquias, e estou convencido de que a Comissão Regional do Norte, como até a Secretária de Estado do Planeamento, estão à inteira disposição do Sr. Deputado, como, aliás, de todo o Parlamento, no sentido de prestar todas as informações, por mais detalhadas que sejam, relativamente ao projecto.
No entanto, devo dizer que o Banco Mundial é uma entidade que, do ponto de vista técnico e de política de desenvolvimento, é reconhecidamente capaz e competente e que a concepção do projecto e os estudos feitos foram suficientes para que o Banco Mundial e as suas equipas técnicas se convencessem de que existiam efectivamente estudos maduramente feitos e, portanto, devidamente estruturados. Naturalmente não era este o lugar próprio para entrar em explicações detalhadas de carácter técnico, mas essa fundamentação existe e não há objectivamente qualquer dificuldade em lhe ter acesso.
Finalmente, no que respeita às questões levantadas pelo Sr. Deputado Sousa Marques, devo dizer que não é certo que haja qualquer intenção ou mesmo alguma hipótese de haver qualquer desvio na aplicação destes empréstimos, porque, repito, todas estas acções são naturalmente publicitadas, são feitas através de uma multiplicidade de intervenientes e é através de dispêndios comprovadamente realizados na área e no âmbito do projecto que efectivamente o ressarcimento em recursos externos é feito. Aliás, não há qualquer possibilidade de ser de outra forma.
Em relação aos debates sobre política económica, eu estava a falar no plural. Não me é desconhecida a iniciativa parlamentar da ASDI mas em todo o caso, obviamente, não posso deixar de conferir um relevo especial à discussão da proposta de lei do Orçamento Geral do Estado, que já deu entrada nesta Assembleia.
No que respeita à questão energética, Sr. Deputado, não ponha na minha boca aquilo que eu não disse.

Página 732

732 I SÉRIE - NÚMERO 21

Risos do Sr. Deputado Sousa Marques do PCP.

O que eu disse, e portanto posso repetir, foi que VV. Ex.ªs, todos, terão dentro de breves dias a possibilidade de colocar ao responsável pela política de indústria, de energia e de exportação as questões que, porventura, poderão conceber e querer apresentar quanto às orientações estratégicas do Governo e desse Ministério quanto a esses fins.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Eu já sabia! Nem no próximo ano teremos plano energético!

O Orador: - Foi isso que eu disse, portanto não procure pôr na minha boca palavras que eu não disse.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Secretário de Estado, quando abordei a questão do insulto, ou quando disse que era um insulto, não foi propriamente pelo sorriso, pelo que tivesse de insultuoso. Foi, antes sim e perdoe-me o termo, pela leviandade que daí se poderia extrair.
Não o entendendo assim como tal, poderia pelo menos admitir uma tentativa de sobranceria que, efectivamente, pretendia escamotear a abordagem objectiva de uma questão que estava a ser colocada.
Outra questão que gostaria de abordar, Sr. Secretário de Estado, tem a ver com isto: V. Ex.ª diz que na própria região têm sido feitas múltiplas discussões junto das autarquias. Em primeiro lugar, não se trata de discutir só junto das autarquias. Trata-se de discutir junto com os agricultores e suas organizações. Em segundo lugar, provavelmente o Sr. Secretário de Estado refere-se às discussões no âmbito da regionalização e nós conhecemos como é que essas discussões têm sido feitas.
Por outro lado, quando recebemos aqui os protestos - e só lhe vou dar dois exemplos, embora possa dar mais se me deixar ir à sala do meu grupo parlamentar - da Adega Cooperativa de Alijo e da Junta de Freguesia de Valença do Douro, será que isto resulta dessa tal discussão profunda tida com as autarquias e com as organizações? Ou será que elas apenas servem para ouvir a posição do Governo e mais nada, tendo depois, como tal, de reclamar para outras instâncias, como é a Assembleia da República?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado coloca ainda a questão de os Srs. Deputados, caso não estejam devidamente fundamentados, deverem solicitar os dados de que necessitam, que vós tereis muito prazer em fornecer o material. Oh, Sr. Secretário de Estado, nós não temos que solicitar nada. Se o Sr. Secretário de Estado vem a esta Assembleia solicitar uma autorização de financiamento para um projecto, é o Governo que nos tem de apresentar os dados que fundamentam esse projecto para que possamos avalizar, ou não, o financiamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não temos de ser nós a pedir nada, Sr. Secretário de Estado. O senhor está a inverter as posições. É o senhor que nos vem pedir autorização. Não somos nós que estamos a pedir ao Governo. É preciso entender as coisas e colocá-las no seu devido lugar.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Ele tem o aval do Banco Mundial. Portanto não precisa de dar explicações a ninguém!

O Orador: - Pôs-se aqui uma outra questão que julgo ser importante, já que o Sr. Secretário de Estado voltou a dizer que o BIRD dispõe de um projecto fundamentado.
Sr. Secretário de Estado, aquilo que pretendemos é esse mesmo projecto fundamentado. Ora nem sequer aquilo que os senhores têm, eventualmente, discutido na região tem qualquer coisa a ver com o projecto. Os senhores têm discutido isto que está aqui dentro deste livrinho. Isto não tem nada a ver com o projecto integrado do desenvolvimento rural de Trás-os-Montes.
Se assim não é, gostaria que o Sr. Secretário de Estado - que está muito sorridente, o que acho bem, já que temos de ter boa disposição - me apresentasse então o projecto fundamentado. E tão simples como isto.
Se o Sr. Secretário de Estado acha que devemos aqui autorizar um financiamento de um plano de intenções sobre o qual só depois teremos conhecimento da portaria da vinha e posteriormente de qualquer outra decisão sectorial, o senhor - ou o Governo - está a desprestigiar esta Casa e está a solicitar-nos um «cheque em branco» que, acima de tudo, ao ser concedido nos deixa mal a nós e nos confere uma dimensão muito pouco elogiável.
Temos o direito, para autorizar algo ao Governo, de conhecer o projecto que aquele tem e que apresentou a uma instância internacional. Não acredito, Sr. Secretário de Estado, que o BIRD esteja a financiar o projecto tendo os senhores apresentado isto que está aqui. O que está aqui não é feito nem por um escriturário, quanto mais por um planeador ou um projectista ou um programador.
Esta é questão, Sr. Secretário de Estado. Não fuja a ela. Como considerar que o assunto que está aqui a ser tratado não tem nada a ver com questões de ordem sócio-económica, com o impacto do próprio projecto no desenvolvimento, na população e nas economias da região?
O senhor está a desligar uma autorização financeira de um projecto que temos o direito de conhecer. O Sr. Secretário de Estado mesmo disse que nós, deputados, deveríamos aceitar ter por vós sido feito um estudo aprofundado e devidamente fundamentado. Não ponho em causa que o tenham feito - até posso pô-lo, pois tenho esse direito. No entanto, o que ponho em causa é o facto de o resultado de tal estudo não nos ter sido dado a conhecer com vista à autorização financeira deste projecto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Sr. Presidente, quero utilizar apenas meio minuto pelo respeito que esta Assembleia me deve... perdão, pelo respeito que devo a esta Assembleia.

Página 733

2 DE DEZEMBRO DE 1982 733

Protestos e risos do PCP.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Disse muito bem, a Assembleia também lhe deve respeito!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa solicita-lhes o favor de não estabelecer o diálogo. Percebeu-se perfeitamente que o Sr. Secretário de Estado teve um lapso.

Risos do PCP.

Se a Assembleia deve e merece o respeito dos membros do Governo, estes merecem o respeito da Assembleia.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

É assunto que não vale a pena discutir. Tenha a bondade de continuar, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Era exactamente isso que eu pretendia dizer. No entanto, devo confessar que tenho alguma preocupação ao usar da palavra porque o Sr. Deputado Rogério de Brito vê em tudo o que digo ou em algum sorriso que faço um insulto. É, portanto, uma situação pouco cómoda!
Queria dizer apenas o seguinte: as profundas discussões que houve acerca desta matéria em Trás-os-Montes não se processaram especificamente no âmbito da problemática da regionalização. A discussão deste projecto vem, que eu saiba, desde 1980.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Isto é ridículo!

O Orador: - Este projecto nasceu na região, não é um projecto «inventado» em Lisboa, é um projecto que conta com a participação empenhada, viva e actuante das populações, representadas, obviamente, através das suas autarquias.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Principalmente pelo governador civil!

O Orador: - Não há qualquer ponta de argumentação para dizer que este projecto, que repousa grande parte da sua eficácia na construção de estradas (veículo de acessibilidade a povoações isoladas), na realização de obras de saneamento básico (rede de esgotos e abastecimento de água), na criação de instalações para ensino básico elementar, na construção e funcionamento de centros de saúde, na extensão rural, na dinamização das adegas cooperativas, adopta uma visão parcelar, restritiva e economicista da problemática do desenvolvimento económico e social de Trás-os-Montes.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - O Sr. Secretário de Estado, responda às minhas perguntas e não diga aquilo que quer dizer!

O Orador: - Eram estas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as considerações que julgo ser necessárias produzir para esclarecimento desta Câmara.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª não tem possibilidades de intervir em relação à última intervenção: pediu esclarecimentos, protestou, recebeu os esclarecimentos e recebeu o contraprotesto. Por esse motivo não posso
conceder-lhe a palavra.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Queria perguntar à Mesa o seguinte: o Sr. Presidente há pouco referiu que esta Assembleia devia respeito aos elementos do Governo. Estamos inteiramente de acordo. Mas essa sua afirmação, para além daquilo que decorre da resposta do Sr. Secretário de Estado, suscita-me a seguinte questão: não deverá o Sr. Presidente exigir aos membros do Governo o respeito por esta Assembleia? O Sr. Secretário de Estado não respondeu a nenhuma das questões que lhe foram colocadas!

Protestos do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado vai desculpar-me...

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Estamos aqui a ser tratados como ignorantes.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado está, sob a forma de interpelação à Mesa, a produzir a acusação que pretendia fazer ao Sr. Secretário de Estado.
Se V. Ex.ª pretende interpelar a Mesa pelo seu comportamento, esta consente-o e aceita a interpelação. No entanto, não lhe dou a palavra para mais nada.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, queria perguntar à Mesa se existe algum artigo no Regimento da Assembleia que leve à existência de um controle apertado das respostas, se não há liberdade nas respostas e se cada um não pode responder como entende.

O Sr. António Vitorino (UEDS): - É uma questão de ética!

O Orador: - Pergunto: será que vamos entrar numa prática de controle - que eu não quero classificar de «controleirice» - que nos vai tirar a liberdade de responder?

O Sr. António Vitorino (UEDS): - Não faz mal, já está tudo em família!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Robalo, é evidente que a interpelação que V. Ex.ª fez à Mesa também serviu para se dirigir a outro senhor deputado.
Tem a palavra o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, quero fazer três considerações breves.

Página 734

734 I SÉRIE - NÚMERO 21

A primeira é para reiterar - e isso não podia estar em causa - o respeito que o Governo tem pela Assembleia da República. Vi que vários senhores deputados das bancadas da oposição levantaram essa questão, mas ela não prepassa no espírito do Governo. Como sabem - constitucional, política e eticamente -, o Governo responde perante a Assembleia da República e o Governo faz questão de respeitar a Assembleia da República.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Segunda questão: o Governo entende que ao responder às perguntas que lhe são postas, fá-lo tal como entende dever fazê-lo, isto é, cada qual é juiz da forma como responde. E não me parece justo haver aí tentativa de substituição a um juízo que é essencialmente subjectivo.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - A gente regista!

O Orador: - Em terceiro lugar, registo, em nome do Governo, o facto de haver senhores deputados que entendem que a matéria veio a Plenário sem um mínimo de esclarecimento necessário para o seu debate, quando a questão, em conferência de líderes, veio a ser agendada, aliás, por iniciativa de um grupo parlamentar da oposição e com o assentimento do Governo. Ora nessa altura o Grupo Parlamentar do Partido Comunista não levantou essa questão - que deveria ter levantado -, que era a de não haver, afinal, elementos de base minimamente suficientes para se proceder a um debate no Plenário. Anoto isso, Sr. Presidente.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Mário Lopes (PSD): - Aí tem a resposta.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - A falta de argumentos é evidente!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é para exercer o direito de defesa em nome do meu grupo parlamentar que acaba de ser referenciado na intervenção do Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Tem 1 minuto para o efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro Rebelo de Sousa: O Grupo Parlamentar do PCP, em conferência de grupos parlamentares, não levantou qualquer objecção ao agendamento da matéria porque considerava que as questões que tinha a colocar sobre o projecto deveriam ser colocadas como estão a ser no debate que se está a realizar neste momento.
Caberia ao Governo, que não o está a fazer, prestar os esclarecimentos concretos para poder esclarecer a nossa posição de voto. Portanto, se alguém é culpado por o processo estar indevidamente instruído não é o Grupo Parlamentar do PCP, mas o Governo, que não instruiu o processo com os elementos necessários para a sua consideração neste Plenário.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, é a propósito da intervenção do Sr. Ministro. Não posso deixar de usar da palavra, embora não fosse minha intenção fazê-lo.

O Sr. Presidente: - Naturalmente, sob a forma de protesto, por exemplo!

O Sr. António Vitorino (UEDS): - É um bom exemplo!

O Sr. Carlos Lage (PS): - Exacto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem 2 minutos, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - O Sr. Ministro referiu o facto de um partido da oposição ter requerido o agendamento do projecto de desenvolvimento rural integrado de Trás-os-Montes. De facto fiz isso, e não estou arrependido, porque logo da primeira vez que veio aqui esta matéria o Partido Socialista, através da minha palavra, manifestou o maior empenho em que esse projecto fosse executado com brevidade.
Como essa proposta de autorização legislativa começava a tardar na sua apresentação a Plenário, e como considero que essas coisas devem ser feitas com brevidade e eficiência, sugeri, eu próprio, que se agendasse.
Quanto à fundamentação, ela não podia ter sido feita aqui no Plenário, já que não acompanhava o respectivo projecto. Mas desde já lhe quero dizer, Sr. Ministro Rebelo de Sousa, que pela minha parte, no que diz respeito a este projecto dispenso a fundamentação porque cheguei à conclusão que conheço melhor o caso do que mostrou o Sr. Secretário de Estado do Planeamento ao ter feito aqui a apresentação da proposta de lei.
Já tínhamos intenção de votar a favor e não mudámos o nosso ponto de vista. Consideramos que é uma contribuição positiva para o desenvolvimento de
Trás-os-Montes e fizemos as objecções, de natureza global, que nos impunha uma discussão desta índole.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro Rebelo de Sousa, que dispõe de 4 minutos para contra-protestar, se assim o desejar.

O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Penso não haver matéria na intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage para um contraprotesto. Além disso não é minha intenção contraprotestar relativamente à matéria que, em meu entender, também não teve conteúdo que merecesse o protesto por parte do Partido Comunista.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Ipso facto, vice-versa, paralelamente!!

Página 735

2 DE DEZEMBRO DE 1982 735

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, está encerrado o debate sobre esta proposta de lei. Portanto, vamos proceder à votação.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, parece-me que é evidente que quase não há quorum para discussão, quanto mais para votação!

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª requer a contagem para efeito de votação, não é verdade?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - A Mesa vai proceder à contagem.
Enquanto os Srs. Deputados-Secretários procedem à contagem, recordo a todos os partidos - designadamente à direcção do partido do Sr. Deputado Carlos Lage, que não esteve presente na reunião dos grupos parlamentares que eu tinha convocado para as 14 horas e 30 minutos - que mantenho para imediatamente a seguir ao encerramento desta sessão uma conferência dos grupos parlamentares. Considero-a muito importante e pressuposto da interpelação ao Governo a realizar na próxima sessão.
O pedido de contagem do Sr. Deputado Mário Tomé foi pertinente, pois não há quorum suficiente para proceder à votação...

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a V. Ex.ª que não considere encerrado o debate, porquanto quando às 18 horas e 30 minutos, quando o Sr. Deputado Carlos Lage pediu que se prorrogassem os trabalhos a fim de podermos votar, eu prescindi de usar da palavra na convicção de que, efectivamente, se iria passar rapidamente à votação. Todavia, os factos vieram demonstrar que não havia essa preocupação por parte de certas bancadas.

Vozes do PSD e PPM: - Muito bem!

A Oradora: - Sendo assim, os trabalhos prolongaram-se desmedidamente e eu sinto-me prejudicada pelo facto de ter prescindido da palavra, pelo que peço que o Sr. Presidente me inscreva no prosseguimento da discussão desta matéria.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - É preciso uma senhora dar uma lição de cavalheirismo a estes senhores!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero lamentar que não se pudesse ter votado hoje a proposta de lei.
Aproveito também a oportunidade que o Sr. Presidente me dá para registar que o projecto de lei sobre o Centro Histórico e Cultural do Porto, que ficou para a ordem de trabalhos do dia 7, está prejudicado por causa da interpelação que o Partido Comunista faz sobre a matéria económica, cuja data foi alterada a pedido do Governo.
Ora, a discussão desse projecto de lei tinha passado para o dia de hoje, mas verifica-se, como é evidente, a impossibilidade de o discutir e votar.
A expectativa na cidade do Porto - sobretudo entre as populações atingidas pelas medidas contidas no nosso projecto - é grande e lamentamos profundamente que não se tivesse podido discutir e votar este projecto de lei.
Queria que ficasse claro que o Partido Socialista não tem quaisquer culpas no facto de se terem malogrado as expectativas legítimas de muitas pessoas da cidade do Porto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lage, devo dizer que supunha que tanto V. Ex.ª como o Sr. Deputado Mário Tomé tinham pedido a palavra em relação à intervenção feita imediatamente antes pela Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.
Foi patente aos olhos da Mesa que a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo prescindiu da palavra no momento em que era de presumir que o debate iria ser encerrado em curto espaço de tempo. Parece, pois, que a pretensão deduzida pela Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo tem perfeita razoabilidade, na medida em que os pressupostos que na altura a levaram a prescindir do uso da palavra, se não verificaram depois. Se não houvesse oposição por parte da Câmara, a Sr.ª Deputada poderia ainda usar da palavra antes da votação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos está a pedir a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para responder à questão que o Sr. Presidente acaba de colocar.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, em nome da minha bancada, e embora nós consideremos que o debate foi dado por encerrado por V. Ex.ª, ...

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Não foi, não!

O Orador: - ... dado que a votação foi anunciada, não queremos retirar a palavra à Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, se tiver necessidade e interesse em usar dela. Mas, como é lógico, reivindicaremos para o nosso grupo parlamentar um tratamento idêntico, caso achemos motivo para voltar a intervir.

Vozes do PSD: - Estão fartos de falar!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não reabro o debate.

Página 736

736 SÉRIE - NÚMERO 21

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Posso admitir uma intervenção para a qual uma senhora deputada pede um tratamento que, realmente, é especial, mas eu anunciei que íamos proceder à votação, o que pressupunha o encerramento do debate. Só depois disso a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo levantou a questão, mas também não a podia levantar antes porque não sabia o anúncio que eu ia fazer.
Portanto, ou a Câmara, por consenso, reconhece que esta situação excepcional -ou, pelo menos, especial - merece um determinado tratamento, ou o debate não se reabre, com todos os custos que isso possa ter para quem não usou da palavra na altura.
É evidente que se a Sr.ª Deputada for autorizada a falar - agora já pela Câmara, não por mim- e se houver lugar a pedidos de esclarecimento e a protestos, então, com toda a certeza que, nesses termos, é pressuposto que o consentimento lhe venha a ser dado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é entendimento da nossa bancada que no caso de falar uma outra senhora deputada se considera reaberto o debate. Com efeito, regimentalmente, cada bancada tem direito a duas intervenções. Nós fizemos apenas uma intervenção, dado o pedido expresso por várias bancadas de que haveria interesse em acabar hoje a discussão e proceder-se à votação. No entanto, tal não foi possível por falta de quorum.
Porém, se houver uma outra intervenção, considera-se de novo aberto o debate e nós teremos de ponderar se faremos ou não uma segunda intervenção.
Sr. Presidente, creio que não pode, logicamente, haver outro entendimento do Regimento.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, é para fazer um ligeiro protesto em relação à intervenção da Sr.ª Deputada.

Vozes do PSD e do PPM: - O quê? Protestos?!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - O que é? Então a Sr.» Deputada não interveio?!

O Sr. Presidente: - A que título e dirigido a quem é que o Sr. Deputado pretende formular um protesto?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - A Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, que interveio...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não pode protestar porque a Sr.ª Deputada limitou-se a formular um pedido à Mesa. O Sr. Deputado só pode manifestar a sua opinião sobre esse pedido.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Então, é isso que eu vou fazer, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Pretendia apenas dizer que não me oponho, de forma alguma, a que a Sr.ª Deputada intervenha no debate.
Além disso, como a Sr.ª Deputada insinuou que havia alguns partidos que não estavam na intenção de que o projecto fosse votado, queria dizer que na devida altura dei a entender que não havia quorum para se votar. O pressuposto de que se poderia vir a votar foi de quem entendeu que esse quorum se refaria - o que eu achava que não ia acontecer - ou de quem entendeu que se poderia votar sem quorum. Não é este o nosso entendimento, e quando V. Ex.ª mandou proceder à contagem verificou-se que, tal como eu previra, não havia quorum para votação.

Uma voz do PSD: - Dessa gostei!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, saiba V. Ex.ª que a Mesa tem como uma das suas constantes que, sempre que seja possível, não deve negar a ninguém o direito de usar da palavra.
Como V. Ex.ª constatou, a declaração que a Mesa fez pressupõe o encerramento do debate e a passagem à votação. Entretanto, verificou-se que não havia quorum e, de seguida, V. Ex.ª levantou um problema que não podia ter sido levantado antes.
Por essa razão, a Mesa entendeu que ele merecia ser posto à consideração da Assembleia. Isso pressupõe, para a Assembleia, a reabertura do debate, o que não é a concessão ou a situação especial que a Mesa, como tal, considerou.
Porém, a Mesa não reabre o debate e, nestas condições, declara-o encerrado, ainda que pessoalmente com muita pena por V. Ex.ª não ter a possibilidade de usar da palavra.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, pretendo apenas apoiar a intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage no que se refere ao projecto sobre a cidade do Porto. Nós também temos um projecto - o projecto de recuperação da Ribeira do Douro- que, naturalmente, será arrastado pelo projecto do PS e, nessa conformidade, queria reforçar a posição assumida pelo Sr. Deputado Carlos Lage e dar-lhe o nosso integral apoio.
Por outro lado, Sr. Presidente, queria, sob a forma de interpelação à Mesa, registar que o meu partido vê com os olhos com que deve ser vista a forma como foi utilizado, por parte do Partido Comunista e da UDP, o prolongamento desta sessão. Quero ainda denunciar claramente a extraordinária e espantosa falta de cavalheirismo da bancada do Partido Comunista em relação à Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo e em relação a toda esta Câmara e quero também denunciar a forma como este debate se processou nesta última parte.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para além das regras regimentais há regras mínimas de educação, que estão acima de qualquer regimento e de qualquer lei. Foi para protestar contra esta miserável intervenção do Sr. Deputado Jorge Lemos que pedi a palavra. E, demonstrando repulsa pela sua atitude, Sr. Deputado Jorge Lemos, retiro-me, pois não estou para ouvir mais hoje. Boa noite!

Página 737

2 DE DEZEMBRO DE 1982 737

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito obrigada!

Protestos do PCP.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Santana Lopes (PSD): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar não pode deixar de defender os direitos de uma sua deputada, concretamente a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, e queremos rejeitar a interpretação dada pelo Sr. Deputado Jorge Lemos.
É bom que se respeitem os factos, já que nós também respeitámos o compromisso que houve com a bancada do PCP no sentido de o debate continuar, podendo-se então pedir os esclarecimentos que se entendesse.
A Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo prescindiu da palavra na convicção de que a votação iria ter lugar em breve. Portanto, a intervenção da Sr.ª Deputada pertencia ao debate e não se trata de um novo debate - como o Sr. Deputado Jorge Lemos quis dar a entender -, reaberto pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.
Assim, a Sr.ª Deputada tem todo o direito a usar da palavra e pensamos que se não for reconhecido à Sr.ª Deputada esse direito, entramos no campo da discriminação mais absurda.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Com certeza que a Sr.» Deputada tem esse direito!

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Mas não foi isso que disse!

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que estamos, de facto, a fazer uma tempestade num copo de água.
De facto, não se processou à votação, o que significa que o debate não está encerrado. Entendo, por isso, que a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo tem o pleno direito, e mais, tem o acordo unânime, de usar da palavra sobre o programa de desenvolvimento de Trás-os-Montes.
Aliás, chamo a atenção, como exemplo, para que não se pode, de forma nenhuma, impedir a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo de falar se considerarmos que, de facto, já hoje foi reaberto outro debate, ou seja, a discussão ou não discussão do projecto de lei sobre o Centro Histórico e Cultural do Porto, o que não tinha qualquer cabimento, pois não fazia parte da ordem do dia. Ora, tem acontecido com muita frequência nesta Câmara não se chegar ao fim da ordem do dia e ainda hoje mesmo aconteceu também ouvir 2 senhores deputados fazerem uma intervenção política acerca da discussão do Centro Histórico do Porto, dizendo: Centro Histórico do Porto - nós quisemos discuti-lo e não nos deixaram», quando, nessa altura, já se tinha marcado uma data para o discutir.
Agora, o importante é que o debate sobre o programa de Trás-os-Montes deve continuar e entendo que seria tremendamente lamentável que a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo não usasse da palavra sobre a discussão que predominou nesta tarde e que não foi, de facto, a do Centro Histórico e Cultural do Porto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar - para não incorrer no erro em que o Sr. Deputado Borges de Carvalho incorreu no outro dia, utilizando o momento em que outro Sr. Deputado não estava presente para lhe dirigir palavras, no meu entender, menos correctas -, queria solicitar a V. Ex.ª logo que o Sr. Deputado Borges de Carvalho esteja presente no Plenário me seja concedida a palavra, pois eu gostava de lhe responder em termos de direito de defesa, visto que me senti ofendido com as palavras que me dirigiu. Não usarei agora da palavra a esse respeito porque costumo dizer o que tenho a dizer na cara das pessoas e não volto as costas depois de ter dirigido uma acusação a alguém ou de ter sido incorrecto com alguém.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Espero que o Sr. Presidente compreenda a minha posição.
Com respeito à questão concreta da Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, devo dizer que da nossa parte nunca foi questionada a hipótese de a Sr.ª Deputada falar. O que foi dito foi que, se a Sr.ª Deputada falasse, se tinha de considerar que o debate não tinha encerrado e, logicamente, poderia haver pedidos de esclarecimento, e eventualmente uma outra intervenção do meu grupo parlamentar, dado que certamente a Sr.ª Deputada, ao expor as suas razões, poderá suscitar, da nossa parte, comentários, pedidos de esclarecimento e, eventualmente, outra intervenção.
Creio que ficou claro que da nossa parte nunca houve, como nunca haverá, objecção a que qualquer deputado produza intervenções e esperamos, como disse, que me seja dada a oportunidade de, no primeiro momento, defender a minha honra, ofendida por um senhor deputado que não tem a coragem de ficar até ao fim para ouvir a resposta àquilo que disse.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, V. Ex.ª pediu à Mesa que lhe concedesse a palavra logo que o Sr. Deputado Borges de Carvalho voltasse a estar no Plenário.
É evidente que V. Ex.ª poderá, na altura em que o Sr. Deputado Borges de Carvalho estiver no hemiciclo, ter uma intervenção para usar do seu direito de defesa, o qual pretende reservar para quando ele estiver presente.
Em todo o caso, pretendo dizer-lhe, Sr. Deputado, que, em relação à intervenção da Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, o que se afigura razoável à Mesa, e foi isso que a Mesa sugeriu, é o seguinte: a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, perante condicionalismos de excep-

Página 738

738 I SÉRIE - NÚMERO 21

ção - no caso, o do termo excepcional desta sessão e o da rapidez com que, nessa altura, a Câmara parecia querer concluir o debate e votar -, prescindiu da palavra. Circunstâncias supervenientes e que a Sr.ª Deputada não podia prever, fizeram com que ela reconsiderasse no direito de usar da palavra. Á Mesa, muito claramente, disse que lhe parecia que, face a esta situação de verdadeira excepção, até pelo regime de tempo em que esta sessão foi inicialmente prevista - e, afinal, tudo se passa com plena normalidade em termos de horário -, totalmente não previsível, a Sr.ª Deputada deveria ter o direito de falar e, evidentemente, de responder aos pedidos de esclarecimento e aos protestos que ao caso coubessem. Era isto e só isto.
Considerar o debate reaberto é alguma coisa que a Mesa não pode aceitar. Agora o que fica claramente assente é que se a Sr.ª Deputada não falar não é porque a Mesa não tivesse, regimentalmente, procurado que ela o fizesse, è porque se procurou tirar destas circunstâncias excepcionais conclusões a que a Mesa não pretendia, de maneira nenhuma, fazer alusão. E que essa responsabilidade resulta da posição que V. Ex.ª tomou, isso fica muito claro.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino(UEDS): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, depois das suas considerações, o meu grupo parlamentar - e a pecha é, com certeza, nossa - ficou sem entender cabalmente se a Sr.ª Deputada pode usar da palavra ou não, se tem ou não direito a falar.

Risos do PCP, da UEDS, e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu encerrei o debate! A Mesa não tem dúvidas de que encerrou o debate. Consequentemente, só por consenso da Câmara è que se poderia dar a palavra à Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, nas circunstâncias que a própria Mesa sugeriu. Parece que não há oposição de ninguém... se o Sr. Deputado Jorge Lemos completar esse consenso...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, desde princípio que não está questionado o acordo da bancada do PCP a que a Sr.ª Deputada fale!

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, sugeria um consenso nestes termos: a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo poderia usar da palavra, mas não poderia haver outras intervenções, a não ser que a intervenção da Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo suscitasse protestos ou desse lugar ao uso do direito de defesa.

O Sr. Presidente: - A Mesa aceita a sua sugestão e visto que o PCP não se opõe, tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.

Risos.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não quero prender-vos mais prolongando os trabalhos que tanta polémica suscitaram. Cabe-me apenas fazer uma breve apreciação acerca desta proposta de lei do Governo relativa ao empréstimo a conceder para o desenvolvimento rural de
Trás-os-Montes.
É óbvio que este projecto tem, em si mesmo, imensas virtualidades, na medida em que proporciona o desenvolvimento rural a par do fomento da poupança de energia e da diversificação das fontes energéticas, ò que, a meu ver, constitui um vector importante do desenvolvimento de Trás-os-Montes.
Gostaria ainda de salientar que o facto de o projecto conter ainda uma proposta de criação e de reequipamento de 60 escolas do ensino primário, contemplando também a formação profissional, é conducente ao desenvolvimento social e cultural das gentes de Trás-os-Montes. E aqui reside a minha satisfação, na medida em que aquilo que se procura é, acima de tudo, fixar os jovens em toda aquela zona do Nordeste Transmontano, que tem sido imensamente afectada pelos problemas da emigração.
Por outro lado, entendo que o desenvolvimento económico sem o desenvolvimento social e cultural não conduz a nada. Só através de um programa enquadrado no tal plano que englobe a concertação de esforços - quer no domínio da educação, quer no da agricultura, do trabalho e da saúde - se pode, de facto, levar o desenvolvimento àquelas zonas tão atrasadas.
Suponho, portanto, interpretar o sentir da minha bancada ao dizer que tenho grande esperança na concretização deste projecto. E oxalá as populações pobres e desfavorecidas da zona sejam aquelas que vão usufruir dos maiores benefícios deste projecto.
Muito obrigado por me ter sido concedida a palavra, embora tão tardiamente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, nem pedidos de esclarecimento, está encerrado o debate e a votação respectiva será feita oportunamente.
Antes de encerrar a sessão, cumpre anunciar que foi interposto recurso, pelos Srs. Deputados da ASDI, do despacho do Presidente da Assembleia da República que admitiu a proposta de lei do Orçamento Geral do Estado para 1983.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 50 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
António Duarte e Duarte Chagas.
Arménio dos Santos.
Cipriano Rodrigues Martins.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Mendes Costa.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
José Vargas Bulcão.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Pereira.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Natália de Oliveira Correia.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Virgílio António Pinto Nunes.

Página 739

2 DE DEZEMBRO DE 1982 739

Partido Socialista (PS):

Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Duarte Arnaut.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Fernando Torres Marinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel António dos Santos.
Manuel da Mata de Cáceres.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.

Centro Democrático Social (CDS):

António Pedro Silva Lourenço.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
João Maria Abrunhosa de Sousa.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Paulo Oliveira Ascenção.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP):

António José de Almeida Silva Graça.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Joaquim Gomes dos Santos.
Manuel Correia Lopes.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Aderito Manuel Soares Campos.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
António José Cardoso e Cunha.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco de Sousa Tavares.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.

Partido Socialista (PS):

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
António Cândido Miranda Macedo.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernandes da Fonseca.
António Magalhães da Silva.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Guilherme Gomes dos Santos.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Alberto Lopes Soares.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Centro Democrático Social (CDS):

Adalberto Neiva de Oliveira.
Adriano José Alves Moreira.
Álvaro Manuel M. Brandão Estêvão.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Daniel Fernandes Domingues.
José Augusto Gama.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP):

José Manuel da C. Carreira Marques.

As REDACTORAS DE 1.ª CLASSE: Anita Paramés Pinto da Cruz - Maria Amélia Martins.

Declaração de voto do Deputado Henrique Barrilaro Ruas (PPM) acerca da composição da Comissão de Inquérito às causas do acidente de Camarate.

Pretendo deixar claro que o facto de ter participado na votação relativa à composição da Comissão de Inquérito às causas da morte de Sá Carneiro, Amaro da Costa e seus acompanhantes, não significa acordo pessoal com a proposta de inquérito parlamentar sobre tal assunto. Pelo contrário, considero inadequada a intervenção da Assembleia da República na averiguação das causas desse gravíssimo acidente, a qual continua a ser feita pelos meios apropriados de que o Estado dispõe. Uma vez, porém, automaticamente constituída a Comissão, nada me levaria a negar-me a participar no processo da sua composição.

Lisboa e

Palácio de S. Bento, 30 de Novembro de 1982. - Henrique Barrilaro Ruas.

Página 740

PREÇO DESTE NÚMERO 116$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×