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I Série - Número 23 Quinta-feira, 9 de Dezembro de 1982
DIÁRIO da Assembleia da República
II LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 7 DE DEZEMBRO DE 1982
Presidente: Exmo. Sr. Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida
Secretários: Exmos. Srs. Anacleto Silva Baptista
Vítor Manuel Brás
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 5 minutos.
Concluiu-se a interpelação ao Governo, requerida pelo PCP, sobre política geral centrada na política económica e financeira e nas medidas que nesses domínios foram tomadas, anunciadas ou se encontram em preparação.
Intervieram, a diverso título, além do Sr. Primeiro-Ministro (Pinto Balsemão), dos Ministros da Agricultura, Comércio e Pescas (Basílio Horta) e para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa) e dos Srs. Secretários de Estado do Planeamento (Alberto Regueira) e da Exportação (Faria de Oliveira), os Srs. Deputados Rogério de Brito (PCP), Lopes Cardoso (UEDS), Manuel da Costa e Almeida Santos (PS), Carlos Robalo (CDS), Silva Marques, Fernando Cardote e Pinto Nunes (PSD), António Vitorino (UEDS), Mário Casquilho (MDP/CDE), Mário Tomé (UDP), Joaquim Miranda (PCP), Manuel dos Santos (PS), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Borges de Carvalho (PPM), Sousa Marques (PCP), António Moniz (PPM), Magalhães Mota (ASDI), Sousa Gomes (PS) e Carlos Brito (PCP).
Depois de anunciar a entrada na Mesa de vários diplomas, o Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 11 horas e 5 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Roleira Marinho.
Armando Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Mattos Chaves Macedo.
Cipriano Rodrigues Martins.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando Alfredo Moutinho Garcês.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes Costa.
João Afonso Gonçalves.
João Carlos Cunha e Silva.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuel Aguiar Dias Moreira.
Maria Margarida Moura Ribeiro.
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Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Victor Pereira Crespo.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS):
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Jorge Gois Mendonça.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Mário Alberto Lopes Soares.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vítor Manuel Brás.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Mendes Carvalho.
António Pedro Silva Lourenço.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Martins Robalo.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
João José M. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
João Maria Abrunhosa de Sousa.
Luisa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Narana Sinai Coissoró.
Rui António Pacheco Mendes.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel da C. Carreira Marques.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria lida Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM):
António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Francisco Braga Barroso.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tílman.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
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Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Helena Cidade Moura.
Mário Prista Alves Casquilho.
União Democrática Popular (UDP):
Mário António Baptista Tomé.
Durante o debate, tomaram lugar na bancada do Governo o Sr. Primeiro-Ministro (Pinto Balsemão), os Srs. Ministros para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa), da Agricultura, Comércio e Pescas (Basílio Horta), dos Assuntos Sociais (Luís Barbosa) e do Estado e das Finanças e do Plano (João Salgueiro), os Srs. Secretários de Estado da Exportação (Faria de Oliveira) e do Planeamento (Alberto Regueira) e a Sr.ª Subsecretária de Estado Adjunta do Ministro para os Assuntos Parlamentares (Luísa Antas).
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Almeida Santos, que se encontra inscrito para intervir, creio que o Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas deseja responder às perguntas que lhe foram dirigidas na sessão de ontem.
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares (Marcelo Rebelo de Sousa): - Sr. Presidente, se me dá licença, gostaria de informar a Câmara que o Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas está desde as 9 horas e 30 minutos em Conselho Económico, neste mesmo edifício, e que já tomámos providências para que se dirija para o Plenário.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas.
O Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas (Basílio Horta): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder o mais sinteticamente possível às questões que me foram colocadas. Começo pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, a quem gostaria de dizer, desde já, o seguinte: quando falei, desde o início deste Governo, em mudança da agricultura, muito sinceramente lhe digo que, para mim, isso não era um chavão. Não era uma expressão que utilizei em termos puramente políticos, sem que existisse qualquer intenção subjacente.
Posso estar enganado, não sou um técnico agrícola - o Sr. Deputado Lopes Cardoso conhece muito melhor do que eu os problemas técnicos da agricultura -, mas sempre lhe digo que, em minha opinião, se não conseguirmos uma mudança na nossa agricultura que seja global, uma mudança de mentalidade que seja mesmo uma mudança no sentido da fé de quem trabalha nos campos, se não o conseguirmos, então estou convencido de que o nosso atraso -quer interno, quer aquele que nos separa de outros países mais desenvolvidos - se vai agravando. E porquê? Porque nesta altura quem caminha por esse país, quem vai às várias explorações agrícolas e tem ocasião de constatar as formas de trabalho, o aproveitamento das terras, o grau de investimento que é necessário e não é feito, verifica que só uma mudança profunda, desde a formação até ao papel do Estado, será o caminho para conseguirmos a modernização e os graus de produtividade necessários. E sempre tenho dito que isto não é obra de um governo;
nem deste, nem eventualmente dos vários que nos sucedam. E obra de uma geração. E para se fazer com utilidade e seriedade um trabalho desta natureza é necessário um largo consenso sobre as questões essenciais. É necessário ver a agricultura como um terreno de paz, de trabalho, e não apenas como um palco de luta política e, muito menos, de luta estritamente ideológica.
Não ignoro que os caminhos escolhidos e as opções que se podem tomar têm muito a ver com aquilo que cada um de nós é e com aquilo que cada um pensa. Mas também não tenho dúvidas que, no estado em que a nossa agricultura se encontra, há uma larga zona onde a solução dos problemas é perfeitamente possível de se encontrar e em que os caminhos não são tão diferentes que nos possam separar.
Importante é que as coisas se façam, que as estruturas se tornem ágeis e que a fé seja retomada pela própria lavoura. Daí a necessidade que temos sentido de estabelecer, dentro das limitações que temos, um diálogo que se pretende o mais útil possível, entre a lavoura e o seu Ministério -entre a agricultura e o seu Ministério -, por forma a que, dentro dessas limitações, apesar de todas as dificuldades, que são muitas, nós possamos dar o nosso contributo a esse desenvolvimento.
Daí que, ao lançar-se a ideia do plano de mudança da agricultura, queria dizer-lhe, Sr. Deputado, que essa ideia não era uma simples intenção, uma bandeira que se desenrola em certos momentos, para depois se enrolar timidamente noutros. Suponho que era necessário iniciar um caminho, um novo método de trabalho, que levasse os agricultores a reflectirem, em conjunto com os técnicos, sobre aquilo que lhes interessa: saber, concretamente o que produzir, onde e como; saber, de uma forma muito clara, quais os projectos nacionais e regionais que deviam ser prioritários na execução de uma política agrícola. Um plano que possibilitasse que a política de crédito fosse consentânea com as prioridades da agricultura. Nesta altura, no que diz respeito ao crédito, infelizmente continua-se a bonificar tudo, e quando se bonifica tudo acaba por não se bonificar nada.
Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Daí a necessidade de sabermos distinguir aquilo que deve merecer um apoio mais estreito e mais íntimo dos poderes públicos e da política de crédito, daquilo que o não deve ter. E isso só se consegue obter quando tivermos projectos bem concretos a funcionar, como alguns que já existem e que o Sr. Deputado Lopes Cardoso bem conhece: é o caso do projecto de aumento da produção leiteira e de carne de Entre-Douro e Minho; é o caso do Procolfer; é o caso do projecto de produção leiteira da Beira Litoral - todos eles com dificuldades na sua execução, sem dúvida, mas nesta altura, em 1982, com um grau de concretização que ronda os 70%-75%.
Daí que esta devia ser, e deverá ser no futuro, a forma de trabalhar do Ministério da Agricultura. Um Ministério que se desdobre em vários projectos de índole nacional e regional e que tem os seus serviços preparados para os acompanhar, dando à própria actividade do Ministério esta utilidade que só a definição e execução de uma política agrícola, desta forma, lhe pode dar.
Daí que o plano de mudança da agricultura não é, nem pode ser, um conjunto de intenções, na pior tradição do planeamento português. Não pode ser um conjunto de papéis, daqueles muitos que se fazem e que
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passam com o tempo, mas antes deve ser o início de um trabalho. E nós sabemos que quanto maior for o número de forças políticas a pensar desta forma se ela for correcta - mais rápida e eficaz será a concretização do método de trabalho e mais rápida também será, ao longo do tempo, a execução do próprio plano de mudança da agricultura. Isto porque suponho - e volto-o a repetir - que o plano de mudança da agricultura não é obra de um governo, tem de ser obra de um poder político que entenda que só por esta via, só pela sua concretização, podemos sair da estagnação e do marasmo em que nos encontramos.
Fora dessa questão, não posso estar mais de acordo com o Sr. Deputado quando diz: Não só dos grandes problemas vive a agricultura portuguesa. Vivemos o nosso dia-a-dia e aí surgem questões que têm de ser resolvidas e encaradas. O Sr. Deputado referiu uma, ainda de âmbito relativamente global a comercialização de produtos agrícolas -, e depois falou dos organismos de coordenação económica, particularizando um aspecto da sua actuação. Gostaria de rapidamente abordar um e outro problema.
Quanto à comercialização de produtos agrícolas, temos de distinguir o que é o papel do Estado nessa comercialização e o papel da própria lavoura organizada. Quanto ao papel do Estado na comercialização dos produtos agrícolas, suponho que a prioridade que devia ser dada ao investimento público tem a ver com a rede nacional de abate e com a construção dos mercados abastecedores. Nesta altura a rede nacional de abate está bastante incompleta. Para além do matadouro de Beja, tudo o que se tem vindo a fazer são remendos em matadouros já existentes.
Quanto aos mercados abastecedores, o diálogo com as autarquias locais nem sempre tem sido tão útil como seria desejável, pelo que também aí se verificam atrasos consideráveis. Suponho que o Estado não se pode dar por «contente» com aquilo que tem feito, em termos de infra-estruturas, neste domínio. Quer relativamente aos atrasos da rede nacional de abate -, quer à ausência de mercados abastecedores, não tem sido cumprido aquilo que está estabelecido com o ritmo desejável. E isso tem sido, sem dúvida, fruto de dificuldades na comercialização dos produtos agrícolas e também causa de falta de transparência na formação dos respectivos preços.
Mas não tenho dúvidas, também, que não é ao Estado que compete só ter em conta e "carregar o peso destas matérias"; também à lavoura organizada tem de competir a execução de responsabilidades nestes termos. No Ministério temos tentado junto das cooperativas mentalizá-las e ajudá-las para que elas possam estar em todos estádios da produção e da comercialização dos seus próprios produtos. Com efeito, é difícil de entender que cooperativas agrícolas bem organizadas se fiquem por cooperativas de compra e venda, por cooperativas de comercialização dos produtos dos seus sócios, sem irem mais longe, sem terem uma presença efectiva nos mercados, sem se interessarem...
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro fará o favor de concluir, pois dispõe apenas de l minuto com os 30 segundos de tolerância que o semáforo marca.
O Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas: - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas necessito de um pouco mais de tempo para terminar.
O Sr. Presidente: - Pedia-lhe o favor de ser breve, Sr. Ministro, pois estamos muito "comprimidos" em termos de tempo.
O Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas: - Com certeza, Sr. Presidente.
Portanto, em relação às cooperativas, estamos efectivamente a apoiá-las e, em conjunto com elas próprias, estamos a apoiar todos os esforços que forem feitos nesse sentido. Aliás, como o Sr. Deputado já deve ter conhecimento, a política de auxílio às cooperativas sofreu este ano uma profunda alteração: não há subsídios a «fundo perdido», não há os chamados subsídios de saneamento financeiro; o que há é uma co-responsabilidade entre as cooperativas e a Administração. Esta dá às cooperativas «a fundo perdido», mas desde que haja compromissos da parte delas de investir, pelo menos, 50% daquilo que receberem a título de «fundo perdido», e compromisso de aumentarem o respectivo capital social. Isto porque supomos que os riscos aí se devem correr em conjunto, sob pena de não se dar valor aos próprios subsídios atribuídos e estes se perderem, sem qualquer utilidade para a colectividade, que no fim acaba por os pagar. Portanto, em termos de comercialização dos produtos agrícolas por parte das cooperativas, é a sua presença em todos os estádios da comercialização e transformação desses produtos agrícolas que assegura o caminho do futuro e é esse caminho que deverá ser seguido.
Quanto aos organismos de coordenação económica, penso que o Sr. Deputado não tem razão quando fala que eles estão de «braços abertos» para os intermediários. Veja que, nomeadamente, as grandes críticas que surgem aos organismos de coordenação económica vêm precisamente desses intermediários. Muito daquilo que se diz de mal e de injusto acerca desses organismos vem precisamente dos intermediários. Suponho que o que há a fazer nos organismos de coordenação económica é a reforma que está neste momento em curso: é, numa L* fase, abrir a participação desses organismos à lavoura organizada e a outros sectores interessados na transformação dos produtos agrícolas. Daí a criação dos conselhos gerais - conselho geral dos cereais, de carne e leite, etc. -, onde há o diálogo natural entre o Estado e a lavoura organizada.
Numa 2.» fase, não me repugnaria a transformação desses organismos em verdadeiras organizações de produtores, em que, quer a capacidade, quer todos os equipamentos, pudessem ser geridos - pelo menos, geridos -, pela própria lavoura e pelos próprios interesses directamente ligados à agricultura. Suponho que estariam em melhores «mãos», do que nas «mãos» dos burocratas.
Quanto ao problema da gestão do mercado de frutas de Lisboa, como sabe ele arrasta-se desde 1975, salvo erro, e não desde 1976 como ontem V. Ex.ª teve ocasião de referir. É um problema que nos preocupa sobremaneira, ê um problema que não depende só de nós - depende de nós e da Câmara Municipal de Lisboa.
Várias vezes temos alertado junto da Câmara Municipal de Lisboa para a situação que não nos parece a mais correcta e temos fundadas esperanças que o problema venha a ser resolvido de acordo com o direito e até com a moral.
Para responder ao Sr. Deputado Manuel da Costa, pedia, Sr. Presidente, que me concedesse 2 minutos mais.
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O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro dispõe de mais 2 minutos. Enfim, é um alargamento de critério, mas vai ser procedido um desconto em relação ao tempo que o Governo tem. Peco-lhe, pois, de novo, que abrevie a sua exposição.
O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Manuel da Costa, e em relação à fixação do preço de garantia do arroz, queria dizer-lhe que este preço de garantia foi fixado atempadamente. Acontece è que o Sr. Deputado está a pensar em relação aos agricultores do Vale do Mondego que, quando ele foi fixado em 20S70, não levantaram qualquer problema. O preço foi fixado e não houve qualquer problema. Só foi levantado esse problema quando se verificou que o mercado não estava a funcionar e que os preços do ano passado não estavam a ser atingidos este ano.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - Só?
O Orador: - Mas aí não houve imprevisão do Governo, Sr. Deputado, porque nem os próprios agricultores pensavam que a queda em relação ao funcionamento do mercado fosse tão rápida como veio, efectivamente, a acontecer.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª desculpará, mas o tempo estabelecido para respostas a esclarecimentos já passou. Não é que V. Ex.ª não disponha de tempo, mas a Mesa não pode estar a alargar um critério que depois pode constituir precedente em relação a toda a gente.
O Orador: - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me deixa responder, eu tenho de o fazer com o mínimo de propriedade, até por respeito pelos Srs. Deputados que me fizeram as perguntas.
O Sr. Presidente: - Então, se não há oposição, o Sr. Ministro acabará a sua resposta.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Dizia eu que, em relação à fixação do preço de garantia, o que houve, realmente, foi uma queda de mercado. Nessa altura, e quando começámos a ser alertados, imediatamente se fez uma estimativa do que havia em stock. Como sabe é extraordinariamente difícil, se não impossível, saber o que há em stock, não obstante os esforços que foram desenvolvidos.
O que acontece é que, efectivamente e o mercado assim o apontou-, houve stocks que passaram do ano passado para este ano e que foram lançados no mercado. Porquê? Eventualmente, pela esperança que alguns industriais tinham de importarem de acordo com o que tinham comprado no mercado interno. Eventualmente, terá sido isso! Não discuto outras quaisquer expectativas, o que é facto é que essa queda foi imediatamente atalhada com um despacho do Ministro onde obrigava a 50% da produção interna, e como tal se não verificasse em tempo oportuno imediatamente se proibiu a distribuição de arroz exótico.
Pode perguntar: por que é que não se proibiu logo essa distribuição? Porque não tínhamos a certeza dos stocks existentes e podia haver uma ruptura de abastecimento no mercado. Essa foi a razão porque, desde logo, não se fez a proibição de distribuição de arroz exótico. O problema, no entanto, está ultrapassado, e correctamente, sem custos exagerados para o Orçamento Geral do Estado - quando muito, não chegará a 30000 contos, o que é muito diferente do que um aumento do preço de garantia para 26S50 abrangendo todo o País. Aí sim, é que não havia qualquer justificação e uma defesa dessa posição não tinha qualquer justificação técnica, nem mesmo nacional.
Quanto ao problema da comercialização de cortiça, só quero dizer ao Sr. Deputado o seguinte: não se preocupe tanto -e isto é importante, pois sei a lisura de procedimentos que utiliza- com as críticas que, muitas vezes, lhe advêm de algumas indústrias que dizem que estão paradas por falta de matéria-prima. O problema que aí se coloca é muito simples: se isso acontece - e isto é muito importante- é porque o preço a que essas indústrias compraram as cortiças é um preço extraordinariamente inferior ao que corria no mercado e, portanto, com isso estavam a lesar o Estado.
O Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas não podia consentir que tal acontecesse e, assim, não deixou que essa cortiça fosse levantada, e ela não o será enquanto os preços a pagar pela indústria não sejam aqueles que forem justos. E isto porque não poderíamos consentir noutro procedimento.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Ó Sr. Ministro, isso não é assim.
O Orador: - É verdade, sim Sr. Deputado, e sabe-o bem!
Os contratos que foram anulados são contratos em que muitas vezes o preço fixado é inferior a mais de metade do que corria na altura. Isso pode ter algum interesse para algumas entidades, não tem é, certamente, para o País. Agora, quando o preço é corrigido e quando é o preço normal que a Comissão de Comercialização de Cortiça fixa, aí não há problemas de abastecimento; ele é regular, normal, e nenhuma indústria parou por causa disso.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Alguns negócios é que se desmancharam por causa disso!
Quanto ao problema da distribuição de terras, quero dizer-lhe que isso tem a ver com a proposta de alterações da Lei de Bases da Reforma Agrária que tivemos ocasião de colocar. Para nós é importante sentir, em primeiro lugar, uma clarificação: quais são as terras que devem, porque foram expropriadas e nacionalizadas, pertencer ao Estado; quais são aquelas que, de uma forma definitiva também, devem pertencer aos particulares. Esta é uma distinção que desde o primeiro dia aqui referi, porque era importante acabar com as expropriações e acabar com as entregas de reservas. Essa é uma questão de naturalidade, de normalidade do processo de estatuto da terra, que não conseguimos obter.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - O Sr. Ministro disse que isso acabava até Março de 1982 e já estamos em Dezembro!...
O Orador: - A lei de bases, ou, melhor, a nova proposta de lei de bases, tem a ver com a resposta a esta primeira questão.
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Relativamente às terras do Estado, pois só sobre essas podemos responder, dir-lhe-ia que a minha proposta seria de proceder de duas maneiras: em primeiro lugar, continuar com a distribuição de terras, porque ela é útil, desproletariza os agricultores dessa zona e cria-se - desde que as medidas sejam viáveis e os processos transparentes, como têm sido até agora- uma nova forma de ocupação de exploração de terra útil e rentável. Nisto consistiria a primeira via.
A segunda via seria fazer contratos de arrendamento com as cooperativas. Não tenho dúvidas em dizê-lo, desde que as cooperativas estejam clara e legalmente constituídas, desde que cumpram as suas obrigações para com o Estado, desde que haja compromissos recíprocos. Não há dúvida que, em relação às terras do Estado, estes dois caminhos são aqueles que, no futuro, aconselharia vivamente a que fossem tomados.
Há um terceiro caminho, o de algumas dessas terras serem aproveitadas para investigação. Portanto e em síntese, a proposta relativa às terras do Estado seria: distribuição, entregas a cooperativas e investigação...
Protestos do PCP.
Em relação às terras privadas, manifestamente com o investimento aberto, sem preocupações de ninguém ao investirem naquilo que é seu - ao contrário do que neste momento acontece - sem que haja estatutos provisórios porque, como se sabe, há proprietários que, nesta altura, estão a gerir terras expropriadas, pergunta-se: que investimento útil pode ser feito nestas terras, terras que nunca ninguém teve coragem de expropriar fiem ninguém a terá...?
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Há quem tenha coragem para o fazer!
O Orador: - Consequentemente, penso que esta clarificação era útil para todos, para o País e para o progresso da agricultura, e é ela que consta da proposta que foi apresentada.
Claro que não é útil para pessoas ou entidades que vivem de slogans e de palavras, aos quais é imputável em grande parte a responsabilidade pela desgraça da nossa . agricultura neste momento.
Aplausos do PSD e do CDS.
Protestos do PCP.
Quanto ao Sr. Deputado Rogério de Brito, queria dizer-lhe duas coisas: não vejo, nem noto, nos números que são dados, nenhuma quebra da produção de cortiça
- como sabe, num ciclo de 9 anos há anos que têm tiradas inferiores a outros, o que é perfeitamente natural...
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Tenha a bondade.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - É só para dizer que, realmente, há anos em que as tiradas são inferiores a outras; agora quando se verifica uma sequência de anos em que a produção está sistematicamente a descer já não se trata de um problema de ciclos. O Sr. Ministro reconhecerá isso, pois dei-lhe a sequência toda da produção, sem uma única alteração a essa tendência de descida permanente. Já não tem nada a ver consigo.
O Orador: - Estou convencido que não. Mas se, por acaso, o Sr. Deputado tivesse razão, isso só significava que alguma cortiça não era extraída. Era o único significado que podia ter.
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Só para referir uma coisa muito curta, Sr. Ministro. É que isto talvez tenha também a ver com uma coisa que o Sr. Ministro disse e que talvez não seja rigorosa, embora não lhe atribua a responsabilidade, talvez ela seja resultado das informações que lhe terão sido dadas. É que o Sr. Ministro disse que houve cortiça que não foi vendida porque o Estado não aceitou preços. Ora, posso garantir-lhe e comprovar-lhe que foram vendidas pilhas de cortiça licitadas na base, por exemplo, de 1200$ a arroba. Como os industriais apenas pagaram 20%, levantaram toda a cortiça de melhor qualidade da pilha e deixaram toda a restante abandonada lá nas herdades. Isto é uma resposta que talvez justifique, em muito, o problema.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - Isso foi o ano passado!
O Orador: - Sr. Deputado Rogério Brito, pode ser que no passado isso tenha efectivamente acontecido, mas também foram muitos os casos de cortiça vendida a 150$ e a 160$ quando ela corria no mercado a 500$ e a 600$. Houve muitos e muitos casos em que isso aconteceu. Portanto, não se pode pôr em causa um processo que é um processo de concurso público, onde todos podem concorrer, com anúncios publicados em todos os jornais e, consequentemente, um processo de total clareza.
Quanto à distribuição de terras de que falou, penso que a resposta que dei ao Sr. Deputado Manuel da Costa o esclarecerá devidamente.
Aplausos do PSD e do CDS.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso, pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para um protesto, Sr. Presidente, já que é a figura a que posso recorrer para comentar a intervenção do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Ministro, coloquei-lhe duas perguntas concretas. A uma, provavelmente por falta de tempo, o Sr. Ministro não respondeu de todo em todo: o que se passa quanto à regulamentação da lei de defesa do consumidor?
O Sr. Ministro da Agricultora, Comércio e Pescas: - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas: -
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Apenas para lhe dizer que não respondi porque essa é matéria da competência do Ministério da Qualidade de Vida. Mas posso dizer-lhe que tive agora a informação que essa matéria está em vias de regulamentação. Era, pois, só isto que lhe queria dizer.
O Orador: - Muito obrigado, já não é sem tempo!
Em relação ao mercado abastecedor de Lisboa, o Sr. Ministro refugiou-se -passe a expressão- por detrás de problemas levantados com as autarquias. Não estranhará, com certeza, o meu espanto que, no caso concreto do mercado abastecedor de Lisboa, ao fim de 3 anos de Governo AD, ao fim de 3 anos de Câmara Municipal AD, ao fim de 3 anos que o Ministério da Agricultura, Comércio e Pescas está «nas mãos» - passe a expressão também - do CDS, em que o presidente da Câmara é um militante do CDS, onde, portanto, a identificação de pontos de vista ultrapassa o quadro da própria AD, ainda não tenham conseguido resolver, por problemas entre o Governo e as autarquias, o problema do mercado abastecedor de Lisboa.
Mas há mais: há pontos concretos em que o seu Ministério podia actuar. Como é que se admite que ao longo de todos estes anos a Junta Nacional das Frutas continue sem nenhum poder de controle sobre o mercado, a cobrir os custos das infra-estruturas - luz, telefone, etc.?
O Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas: - Dá-me licença que o interrompa de novo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas: - E só para lhe fazer uma pergunta muito rápida: por que é que o Sr. Deputado Lopes Cardoso não resolveu este problema em 1976, quando era Ministro da Agricultura?
Risos do PSD e do CDS.
O Orador: - Como se recorda, e deve recordar, a pergunta seria melhor dirigida ali ao Sr. Deputado Magalhães Mota.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
Porque sabe, tão bem como eu, que o Ministério da Agricultura não tinha competência sobre essa matéria. Mas o Sr. Deputado Magalhães Mota resolveu alguns problemas, como é o caso do decreto que regulamentava • os mercados abastecedores - da iniciativa do Sr. Deputado Magalhães Mota e que tem também a minha assinatura - e que foi implementado no Porto. Só que nós tivemos l ano para resolver todos esses problemas, e resolvemos alguns; a AD está no Governo há 3 anos, com uma Câmara Municipal AD, e não resolveu esse problema muito concreto do mercado abastecedor de Lisboa. E como lhe digo, continua o Governo a pagar e a sustentar a ocupação ilegal do mercado abastecedor de frutas. Se a culpa é do Sr. Presidente da Câmara de Lisboa, Nuno Abecasis, ou do Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas, Basílio Horta, isso agora é um problema interno, e eu não gosto de me imiscuir nos «problemas de família».
Risos da UEDS, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel da Costa.
O Sr. Manuel da Costa (PS): - É para formular um breve protesto em relação às respostas que o Sr. Ministro acabou de dar às perguntas que ontem lhe tinha posto.
Quero, em primeiro lugar, manifestar alguma estupefacção pelo facto de nos ter dito que o plano de mudança da agricultura é fundamentalmente uma questão de fé. Bom, como ambos somos homens de fé, estamos convictos de que o problema vai ser resolvido por essa via. Não teremos, pois, que pedir algum milagre a Nossa Senhora de Fátima para dar uma ajudinha...!
Em relação à questão do arroz, a explicação que me dá é correcta, mas não pode deixar de continuar a ser atribuída alguma negligência ao Ministério por não ter tido em conta os stocks existentes, em relação aos quais, embora não estivessem perfeitamente contabilizados, era voz corrente de que eles existiam em grande quantidade. Aliás, o Sr. Ministro reconheceu-o em conversa que tivemos sobre esta questão, quer na Comissão de Agricultura, quer no seu Ministério. Portanto, não me diga agora que os 30000 contos adicionais que irá custar ao erário público a resolução do problema não poderiam ser evitáveis, pelo menos parcialmente, caso não se deixasse - como é a vossa filosofia funcionar o mercado em termos de oferta e de procura.
Em relação à cortiça, quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que a situação é esta: neste momento estamos em presença de um tráfico autêntico no que toca à comercialização da cortiça. O Sr. Ministro tem consciência disso, pelo que compete ao Ministério arranjar os dispositivos necessários para que assim não aconteça. O que sabemos é que estão empilhados mais de 3 milhões de arrobas de cortiça e que estão por extrair porque não o foi em devido tempo - mais de 8 milhões de arrobas. Que me conste importou-se cortiça quando tal não teria sido necessário se o Governo tivesse usado dos mecanismos adequados para que essa importação não sucedesse.
Quanto à questão da atribuição de terras, gostaria de dizer o seguinte: vir o Sr. Ministro dizer-nos - e esta é de pasmar! - que este critério obedece à futura lei de bases da Reforma Agrária! Mas quem é que nos diz que essa futura lei vai ser aprovada? Penso, Sr. Ministro, que em relação a isso devemos ter alguma prudência, tendo em conta apenas as leis vigentes e não propostas de lei, as quais, estamos em crer, não vão ser aprovadas.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, se desejar protestar, tem a palavra.
O Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Pescas: - Em relação à questão de o plano de mudança da agricultura ser um problema de fé, quero dizer que é realmente uma questão de fé. Mas, manifestamente, não é só uma questão de fé - é uma questão de fé, é uma questão de vontade, é uma questão de competência e, se me dá licença, até é uma questão de lucidez; é sabermos distinguir aquilo que é essencial para o nosso país e darmos as mãos para a sua concretização, ou não sermos capazes e então transformar as questões de regime - e as mais importantes em questões menores. Penso que não é essa a sua intenção. Quando afirmava que era uma questão de fé referia-me ao sentido mais amplo da palavra. Na realidade, é necessário fé nas nossas potencialidades. Quando temos que conseguir, num curto prazo, um avanço que nos leve a encurtar o fosso que nos
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separa de todos os países é evidente que a questão é de fé, de organização e de trabalho.
Penso que isso é o que resulta do plano de mudança: mais do que uma obra acabada (porque nunca foi apresentado como obra acabada), o plano de mudança da agricultura é, efectivamente, o início do trabalho, é o início de uma forma de trabalhar, é o início de um caminho e não o fim de uma jornada. Era neste sentido que me referi a esta questão. Quando o Sr. Deputado vir o plano e a lei da orientação agrícola, bem como os relatórios que os acompanham, vai ter ocasião de o mudar, vai ter ocasião de fazer as propostas que, certamente, o vão enriquecer, e com isso só ganha o país e o Governo só se rejubila que assim aconteça. Quanto ao problema do arroz, referiu-se o Sr. Deputado à voz corrente. O Sr. Deputado desculpe, mas aí pasmo eu! Como é que o Sr. Deputado entende que o País se possa gerir por aquilo que é a voz corrente?
Também dizia a voz corrente que havia no início deste ano muita batata em Portugal. Mas quando importámos apenas uma pequena parte dela e o abastecimento rompeu tive aqui críticas bem duras porque, diziam, não tinha importado o suficiente.
Em termos de abastecimento não nos podemos regular pela voz corrente, temos, sim, que nos regular pelos números que temos à nossa frente. E os números que tínhamos diziam que naqueles 15 dias não era aconselhável parar a distribuição de arroz exótico porque poderia haver uma ruptura de abastecimento. E então aí estava o Sr. Deputado a criticar - com toda a razão - porque tinha havido uma ruptura de abastecimento, com tudo aquilo que isso implica num produto essencial como o arroz. O Governo não correu esse risco, resolveu o problema, e é isso que efectivamente importa.
Quanto ao problema da comercialização da cortiça, não posso constatar agora os números que dá. Parece-me que não são correctos. No entanto, até ao fim desta sessão vou ter números correctos que lhe posso fornecer.
Todavia, volto a dizer-lhe o seguinte: o problema do tráfico de cortiça e das ilegalidades que existem tem que se combater através dos meios preventivos e repressivos. Não podemos mudar um sistema que está correcto - é um sistema de concurso público e que dá oportunidade ao Estado e a quem tira a cortiça de ter maior percentagem desse lucro - por um outro sistema que, como já vimos, apenas servia para encobrir determinado tipo de negócios que não serviam a ninguém.
Se há, efectivamente, esse tráfico (que admito, porque basta haver a lei para haver ilegalidades), o que é importante é reforçar os elementos preventivos e repressivos e não mudar um sistema que, volto a dizer, está a funcionar, que é um sistema correcto e, principalmente, que é um sistema moral.
Só uma última nota para referir o problema da distribuição de terras. Penso que o Sr. Deputado me compreendeu mal. Não disse que a distribuição de terras tinha alguma coisa a ver com uma proposta que é uma proposta do Ministro, porque ainda não debatida sequer em Conselho de Ministros -, só lhe disse o seguinte: julgo que as questões que levantou se resolveriam através de uma clarificação que essa lei possibilitava. A distribuição de terras é feita ao abrigo da lei actual; a entrega das terras é feita de acordo com determinados critérios, com determinadas prioridades. Admito que interesses estabelecidos possam ser feridos com isso. Mas tem-se tido o cuidado de não inviabilizar determinado tipo de
explorações. Sr. Deputado Manuel da Costa, embora não acredite que seja contra a distribuição de terras, que seja contra a empresa familiar na agricultura, o senhor não está a ver bem este problema. Agradeço-lhe que reconverta a sua mentalidade.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Mas à custa de quê?!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Depois de tudo quanto já aqui se ouviu por sobre os padecimentos do nosso quotidiano -, a custo se reprime uma pergunta: por que espera o Governo para reconhecer que falhou?
Srs. Governantes: teremos mesmo de ser conduzidos por vós, que sois poder, e pelos vistos nada podeis, até ao mais baixo anel do Inferno de Dante?
Instalou-se nos espíritos uma psicose de crise e um sentimento de medo.
Possuído de fatalismo árabe, o País detém-se e abismado atrai o abismo: os aforradores não aforram, os investidores não investem, os produtores não produzem, os servidores não servem, os legisladores não legislam, os governantes não governam, os sonhadores não sonham.
O Sr. Silva Marques (PSD): - E a oposição não se opõe!
O Orador: - O «Godot» por que todos esperamos - perdoareis que com rude sinceridade vo-lo diga- é vermo-nos livres de vós.
Não dizemos isto com acinte. Afirmamo-lo com amargura.
Far-nos-eis à justiça de reconhecer que, não sendo nós destituídos nem tolos, a última coisa que neste momento egoisticamente desejaríamos era substituir-vos.
O poder, por obra e graça da vossa governação, é hoje um grelhador de patos. O caminho para exercê-lo não é mais a indigitação ou o convite, mas o empurrão. Não há ambição que compense queimaduras de primeiro grau! Quem vier a exercê-lo, há-de fatalmente sobrepor o patriotismo à razão.
Reconhecemos sem esforço que encontrais atenuantes nos factores exógenos da crise. Mas não era caso para vos terdes empenhado tanto em reforçá-los. O País ter-vos-ia agradecido algum porfiado esforço em combatê-los.
Ao tomar posse do VI Governo Constitucional, Sá Carneiro afirmou: «Aos que nos elegeram, solenemente prometemos não desiludir a esperança, nem trair a vontade».
Ao substituí-lo, Pinto Balsemão repetiu a afirmação com o adicional da «certeza íntima e a decisão absoluta de a cumprir».
Pela candura com que agora recusa «alarmismos catastróficos», devo concluir que continua a ter essa certeza e essa decisão. Só que, ai de nós, passou 3 anos sem aceitar nem decidir.
Eram os tempos gloriosos da maioria estável e coerente e das promessas de mudança. Desta tribuna lancei então
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uma advertência cautelar: Não exagereis no prometer; se prometerdes que na rua correrá leite e mel, e não cumprirdes, o povo vos dará a resposta.
Vai dar!
Se é certo que as próximas eleições têm por tema nuclear a designação dos novos autarcas, o pano de fundo é a questão nacional.
Era fácil demais. Terdes ganho porque éreis uma aliança e voltardes a ganhar sendo uma Aljubarrota. Terdes vencido por serdes uma soma e voltardes a vencer sendo um resto. Terdes triunfado por serdes a estabilidade e voltardes a triunfar sendo a insegurança. Terdes captado o eleitorado com promessas e voltardes a captá-lo sem o cumprimento delas. Terdes conduzido o País à ruína e, apesar disso, irmos disputar apenas sobre quem é melhor autarca!...
Não! Não se trata apenas de questionar sobre se o eng.º Eduardo Pereira faz ou não casas com mais destreza do que o eng.º Abecasis condecora artistas.
Trata-se de comparar homens, mas também de cotejar políticas. Num plano mais vasto, de confrontar ideologias.
O caso é, em resumo, este: nem um só indicador económico é favorável à AD. Tudo o que devia ter subido, desceu! Tudo o que devia ter descido, subiu! Se se comportasse assim um elevador despediríamos o ascensorista. Tratando-se de um governo, teremos mesmo de continuar a suportá-lo?
A norma constitucional que assegura à maioria no poder um mandato de 4 anos tem a mesma legitimidade e a mesma força da norma que prevê a interrupção desse mandato.
Se a fiscalização da constitucionalidade das normas do legislativo se estendesse aos actos do executivo, já este governo teria sido julgado ele próprio inconstitucional, mesmo sem o acréscimo de rigor que o Presidente da República passou a imprimir ao exercício do veto!
Quando, com efeito, se assistiu a um tal desacerto?
O Primeiro-Ministro não pára cá. Diz-se até, com manifesto exagero, que se nas suas deslocações preferisse a TAP viabilizaria a empresa.
Cá dentro ou lá fora, é manifesto que dedica mais tempo à actividade partidária e à TV do que ao Governo.
Os Ministros que cá param estão parados. Quando mexem é para se contradizerem.
Risos da UEDS.
E a gente fica sem saber se agiu bem ou mal o grupo de deputados que requereu um inquérito ao acidente de Camarate, se o projecto de navegabilização do Douro é um verdadeiro projecto ou uma mistificação, ou se é comportável, por barato, ou inviável, por dispendioso.
Quando alguém, contra a lei, cria uma situação de facto - seja destruir uma via, seja interrompê-la - fica criada. O Estado demite-se e ^emitindo-se degrada-se.
Personalidades, as mais responsáveis, accionam campainhas de alarme. O Governo não recomenda calma, não desmente, nem se demite.
Ministros, os mais eminentes, estão por pouco. Feitas as eleições irão à vida.
Os partidos da coligação arranham-se. Os políticos desses partidos dividem-se.
As relações entre os órgãos de soberania processam-se em termos de arreganho. À falta de melhor expediente, o Governo retém a verdade e atrasa a informação. Não se sofre o que se desconhece.
O Pais não dispõe de qualquer relatório oficial sobre o comportamento global da economia em 1981 e 1982.
Por habilidades do Governo Português, a OCDE só agora divulgou o seu relatório anual sobre o nosso país. O fornecimento dos dados foi pelo Governo atrasado até Setembro. Sabemos agora a razão. O relatório chumba a gestão da AD!
Deixaram de ser publicadas análises mensais sobre a conjuntura económica.
Desde que o PS deixou o Governo, o Instituto Nacional de Estatística deixou de publicar dados estatísticos sobre finanças públicas. Os últimos são, salvo erro, de 1977. Só este ano a OCDE teve acesso às novas contas nacionais de 1978 a 1980.
Os próprios dados sobre comércio externo - inúteis, quando não actuais - são agora publicados com atraso de meses.
E quando o governador do Banco de Portugal veio abrir uma fresta para a verdade pôde ser a surpresa e foi o pânico!...
O próximo OGE, essa autêntica «ordália» de uma gestão danosa, foi até recentemente Babel por dentro e silêncio por fora. Não convinha discuti-lo antes do dia 12, por ser uma radiografia cuja revelação pode matar o doente. Daí que tenha chegado ao Parlamento a 4 sessões do acto eleitoral. Teremos orçamento lá para Fevereiro entrado.
Para já ficamos a saber que cada português passará a pagar per capita mais 11 contos de impostos no próximo ano.
À falta de melhor anestésico, o Governo louva a revisão da constituição económica que não conseguiu e diz ao povo que, agora sim, com a nova lei de revisão vem aí a fartura!
Implícito está o neomessianismo da banca privada, com o Primeiro-Ministro a fazer de «Rei de Penamacor»!...
É outro engano, mas enquanto durar é para alguns «um bom engano». Rende esperança. E os Portugueses andam precisados dela! Como acreditamos facilmente no que desejamos, é talvez inútil contrapor a tudo isso a lucidez elementar de que nem a Constituição antes de revista impediu a AD de resolver os problemas económicos do País, nem após a revisão vai facilitar essa solução. Sendo a mesma a constituição económica - que não tem culpa - é também o mesmo o Governo - que a tem toda!
A banca portuguesa tem excesso de liquidez. Se não injecta mais crédito nos circuitos económicos é porque o Governo lhe fecha as torneiras -para desacelerar a pressão sobre a inflação e as balanças -, pelo que não vê muito bem que papel desentorpecente do investimento possa vir a desempenhar mais bancos, dando de barato que o novo sistema de fiscalização da constitucionalidade das leis lhes desobstrua o caminho.
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Não falta crédito a quem queira investir. Faltam, infelizmente, investidores que queiram crédito. O crédito que falta esganado pelos plafonds imperativos fixados pelo Governo é o crédito para pagar débitos, o crédito para adiar a espiral das falências em cadeia.
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Há dias um jornal diário dava-se conta de l milhão de contos por mês de letras protestadas.
Á tratar-se de uma estimativa digna de crédito, seremos nós próprios, em breve, enquanto pais, uma letra protestada. Uma letra não descontável no banco da esperança.
Entretanto o Sr. Primeiro-Ministro recusa o alarme!...
Uma revista da especialidade publica a relação e os resultados das 200 maiores empresas portuguesas. Quem se der ao desfastio de somar esses resultados, relativos ao último exercício, antes mesmo da dedução dos correspondentes impostos, concluirá, com surpresa e talvez com pasmo, que esses resultados são globalmente deficitários!
Apesar disso, o Sr. Primeiro-Ministro rejeita o pânico!...
Com o défice de 300 milhões de contos da balança de transacções correntes que o próximo Natal nos vai pôr no sapato - o maior de sempre! - cada português passará a dever ao estrangeiro mais de 110 contos, esteja com os pés para a cova o que aligeira a pena ou tenha acabado de nascer - o que a reforça.
Significa isto que, no momento em que vêm aí as dolorosas primeiras amortizações do capital recebido de empréstimos nos últimos anos, nos abeiramos do limite da nossa capacidade de endividamento externo. O que bem pode significar que, desta vez, o Fundo Monetário Internacional se não vai contentar com mais um furo no cinto e vai, implacável, lembrar-nos que as reservas de ouro, que ainda temos, é precisamente para estas situações que servem!
Felizmente temos um Primeiro-Ministro também de ouro, que se não aflige com coisas de somenos.
Risos da UEDS.
O desemprego é outro dos nossos cavaleiros do apocalipse. Fechadas as soluções salazaristas - a emigração e a guerra - e finda a relativa contenção dos primeiros anos da revolução, apesar do afluxo de retornados - ameaça passar de endémico a epidémico. Mesmo sem a ajuda desse outro fantasma, que é o eventual regresso dos nossos emigrantes, pressionado pelo desemprego dos países de acolhimento, aí o temos importante e ameaçador.
Sem investimento, com taxas de juro galopantes, sem expansão da procura e com o País reconduzido a níveis de crescimento zero, as portas de empresas que se fecham são mais do que as que se abrem e o número de postos de trabalho recua, enquanto que o de trabalhadores activos avança.
O futuro é, para a nossa juventude, uma porta fechada. E quando o mercado do trabalho repele os jovens em busca de primeiro emprego acolhe-os o crime, acolhe-os a droga, acolhe-os a prostituição, acolhe-os a destruição se os não acolher a revolta. Como última esperança, acolhe-os a guerra.
É bom que não esqueçamos que a Alemanha se lançou nos braços de Hitler depois de este ter feito alistar nas forças armadas nazis 6 milhões de desempregados.
A guerra os povos sabem-no resolve o desemprego: primeiro alista os desempregados e de seguida mata-os. E precisa tanto de trabalhadores que a Inglaterra, como todos sabemos, teve de fazer uma lei tão ávida de mão-de-obra que ficou conhecida como a «lei de mobilização das avós».
Apesar de tudo, quero crer que o nosso Primeiro-Ministro não estará preparado para aceitar soluções tão radicais.
Só que, de momento, não está preocupado!
Bem sei que o fenómeno não é apenas nosso, como sei que a inflação e o desemprego, tradicionais inimigos, por toda a parte se desposam.
A Inglaterra, com os seus 4 milhões sem emprego, a República Democrática Alemã com os seus dois milhões e meio e a França já a cavalo dos 2 milhões - sem falar na América de Reagan, ela também para lá de todos os limites da tranquilidade neste domínio -, são exemplos, de entre os mais significativos, de que o mal não é apenas nosso, o que, em vez de nos dar conforto, torna o nosso desemprego seguramente mais alarmante e mais grave!
Bem recentemente Helmut Schmidt disse encarar esta evolução com pessimismo, afirmando que «vê claramente que poderão acontecer factos dramáticos».
Nessa linha de preocupações o meu partido elegeu o combate ao desemprego como uma das suas prioridades.
Temos de honestamente reconhecer que ainda não foi feito tudo quanto, com alguma imaginação e alguma solicitude, pode ser feito pelos sem trabalho.
Mas a AD tem outras prioridades. E se Helmut Schmidt soubesse a economia que sabe o nosso Primeiro-Ministro teria, ele também, outra ordem de preocupações!
De resto, ainda bem que a AD não definiu essa prioridade. Até hoje a AD condenou ao fracasso as prioridades que elegeu!...
Risos da UEDS.
Pese à satisfação consigo mesmo do nosso Primeiro-Ministro, o mais grave de tudo é que o País parou.
Mas cuidado!
Sabendo, como sabe, que o capital inactivo não rende e que a inflação torna negativos os rendimentos dos detentores' de moeda, ou de títulos nela expressos, era natural que investisse. Mas não! Prefere especular a investir, consumir a especular, colocar o dinheiro lá fora a especular e consumir.
O neoliberalismo da AD facilita esse desideratum.
A este respeito, não resisto a contar uma história significativa do neopermissivismo grassante.
Há dias um dos nossos gestores bancários deslocou-se à Suíça em missão do seu banco. Calhou-lhe por vizinha, no avião, uma senhora loquaz. E ainda o aparelho não tinha levantado voo já ela lhe confidenciava que ia à Suíça, onde tinha uma continha em dólares, depositar mais alguns.
Contrariado, o gestor tentou pôr termo à conversa. Mas não era, aquela, uma conta «calada».
É que continuou a tagarela disseram-me que o Sr. Ministro das Finanças acha que aos dólares se devem preferir os francos suíços e, francamente, não sei o que fazer!...
O gestor, embatucado, reservou opinião. E como quer não desse o conveniente seguimento à parlenda, foi-lhe colocada a pergunta directa:
O senhor... também vai aos bancos?
Risos do PS, do PCP, da ASDI e da UEDS.
Honradamente, o pobre teve de reconhecer que sim. E
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antes mesmo de tentar esclarecer que não ia fazer qualquer depósito, recebeu uma cotovelada cúmplice: Andamos todos ao mesmo!...
Risos gerais.
É este o panorama. Este o sintoma grave da total confiança na nossa moeda, na nossa economia, no nosso Governo.
É esta a nova cruzada: a fuga ao espaço económico português. Um gesto cúmplice de cotovelo é, porventura, o seu sinal da cruz.
Vozes do PS: - Muito bem!
E tudo isto porque? Só porque o fantasma de uma recessão com a gravidade da dos anos 30 começa a perturbar os espíritos e a condicionar as vontades! Só porque o dólar não pára de se valorizar?
Não seguramente.
Também porque não basta que o Primeiro-Ministro esteja satisfeito consigo mesmo, mister se fazendo que o País esteja satisfeito com o Primeiro-Ministro.
Sejam francos: vivem os portugueses como deve viver um país em crise e na perspectiva do seu agravamento? Será este o momento mais adequado a que aparentemente nada se faça para evitar:
Que continuemos a produzir o correspondente a apenas 80% das nossas necessidades?
Que continuemos a importar cerca de 50% daquilo que comemos?
Que continuemos a importar 80% da energia que consumimos?
Que o défice da balança de transacções correntes bata em cada ano de governo da AD o seu próprio record e atinja cifras tão elevadas que nos aproximam do limite da nossa capacidade de endividamento externo?
Que a dívida externa continue a mais do que duplicar em cada 3 anos de gestão da AD, tendo já ultrapassado o plafond nominal da garantia das reservas do Banco Central?
Que possuamos - com inveja dos países sem mar - uma zona económica exclusiva de 480000 milhas quadradas e importemos cada vez mais peixe?
Que continuemos a só transportar na frota mercante portuguesa 10% a 15% da nossa carga marítima e ao mesmo tempo a deixar que se abeirem da falência, por falta de encomendas, os nossos estaleiros de construção e reparação naval?
Que continuemos sem promover um amplo debate público definidor de uma política de energia nuclear, deixando que a vizinha Espanha nos crie os riscos que tentamos evitar?
Que continuemos a discutir, governo após governo, sem uma decisão, qualquer que seja, sobre se o ferro de Moncorvo, as pirites do Alentejo, o plano de rega do Alqueva, a metalurgia do volfrâmio, a beterraba sacarina e tantos outros projectos que já Salazar discutia são de prosseguir ou de esquecer?
Que continuemos a não nos darmos conta desse filão agrícola que são dois longos meses de antecipação climática - sobretudo no Algarve - em relação a uma Europa que gosta de uvas de mesa, de produtos hortícolas e do mais que dá a terra têmpora?
Que continuemos a explorar a vinha em terra de regadio, sem a necessária reconversão das explorações, a deixar arder sem replantação as florestas - com mais de 325000 trabalhadores inactivos - e a retardar uma política de racionalização do aproveitamento da água, esse bem tão mal distribuído e tão mal usado, em que se fala de menos talvez por no petróleo se falar de mais?
Que continuemos a importar o gado que produzimos, que outra coisa não é produzi-lo à base de rações feitas a partir de matérias-primas importadas?
Que continuemos a nada fazer, no plano do direito sucessório, dos direitos de preferência, no plano dos estímulos fiscais e dos apoios creditícios com vista ao emparcelamento voluntário das unidades de exploração agrícola sem possibilidade de exploração racional?
Que continuemos a assistir, como que resignados, à taxa de absentimos de 1 mês por trabalhador-ano, sem estímulos à sua redução ou desestímulos a esse escândalo nacional que são - os médicos mo perdoem os seus atestados de doença?
Que continuemos a produzir licenciados ao ritmo queiroziano de cada português ser em breve «licenciado como toda a gente», a não profissionalizar o ensino e a despertar nos bancos da escola a inapetência para o trabalho manual, ao marcá-lo com o ferrete da indignidade social?
Que continuemos a consentir, quando não a pactuar, com circuitos económicos paralelos - eufemismo achado para o mercado negro, o contrabando, o açambarcamento e a especulação- a esse ponto se levando o zelo não intervencionista do Governo, e por extensão, ao que parece, dos seus serviços de fiscalização económica e aduaneira?
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - Que continuemos economicamente cegos e moralmente complacentes perante o avanço da lepra da corrupção, que não tarda ganha foros de instituto do mundo das trocas, tão vulgar, se não tão legítimo, como uma comissão de intermediarismo ou de agência?
Que continuemos a ver no turismo um expediente sem imaginação de explorar papalvos em Agosto?
Que continuemos a ver no emigrante um pretexto para explorarmos a saudade durante todo o ano?
Que continuemos a encarar a planificação económica como coisa excelente para os países de leste?
Que continuemos a deixar o empresário entregue a si próprio - em nome de um estúpido liberalismo «tatcheriano» -, sem verdadeiro apoio no investimento, no crédito à exploração e nos estímulos à exportação?
Que continuemos a ver no trabalhador um inimigo, ou no mínimo um adversário, com o qual só se deve dialogar de advogado em punho, ou de lei em riste, ao invés de se reconhecer nele o mais importante parceiro do processo produtivo?
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Orador: - Que continuemos a combater o sector empresarial
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do Estado vendo nele a raiz de todos os males- de peito feito para o reduzir à sua dimensão não lucrativa, uma vez mais devotos de S. Reagan ou de Nossa Senhora Tatcher, neodis-postos a regressar aos tempos do famoso requisitório de Ripert: «Que o Estado assegure a ordem e a iniciativa privada fará o resto»?
Que continuemos a querer rever a Constituição, apesar de revista, e a tentar obter por ínvios caminhos o equivalente ao que nela em vão se tentou consagrar, ou seja a substituição do regime de economia mista -pública e privada- por um regime de exclusiva economia de mercado e de total liberalização da iniciativa privada?
Que por isso continuemos a tentar regular o sistema produtivo, e em geral os circuitos económicos, apenas por métodos monetaristas e financeiros, assim ao jeito de uma divindade distante que, definido o bem e o mal, concede aos agentes económicos o livre arbítrio de cada escolha?
Que, citando uma vez mais Voltaire, «depois disto ainda tenhamos a ousadia de troçar dos lapões, dos salmoeidas e dos pretos»?
Volto ao princípio: é isto, e o mais conexo, o que mais nos convém? É nisto que cada um -empresário ou trabalhador - encontra a solução dos seus problemas? É nisto que o cidadão comum encontra bálsamo para as suas angústias? É nisto que a AD encontra base para a sua teima? É nisto que o Sr. Primeiro-Ministro encontra motivos para o seu agrado?
A AD falta razão, mas não falta coerência. É de direita, partilha soluções de direita.
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - É liberal, perfilha soluções liberais. É conservadora, perfilha soluções conservadoras.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Propôs que a lei de revisão abrisse as portas à transferência da propriedade pública ou da gestão de empresas públicas para entidades privadas e continua a lutar por isso.
De onde esta conclusão: não basta ter garantias de defesa do sector empresarial do Estado na Constituição; são necessárias garantias de não ter a AD, no Governo.
Aplausos do PS e da UEDS.
Diga o que disser a Senhora Tatcher - se é que ainda se faz ouvir por sobre o clamor dos seus 4 milhões de desempregados -, a última coisa que os empresários e trabalhadores portugueses desejam ê ser entregues à sua sorte! A liberdade de não disporem de crédito, de não lograrem pagar pontualmente os juros do que devem, de não encontrarem escoamento para o que produzem, enfim, a liberdade de falirem, não é, seguramente, a mais exaltante das liberdades.
De igual modo: a perspectiva de poderem ficar sem trabalho, de não voltarem a encontrá-lo, ou de nunca o terem encontrado, não é menos angustiante para os trabalhadores só porque a AD lhes garante que tudo isso acontecerá sem que o Estado se meta!...
É hoje uma evidência que se mede em desemprego - o falhanço dos programas conservadores e neo-conservadores de natureza monetarista.
Aliviam a inflação - ultimamente nem isso! - em detrimento do emprego, do nível de vida, das tensões sociais.
A AD chega tarde de mais às evidências do passado!
Não há então solução como deveríamos talvez concluir depois de aqui termos ouvido o discurso de braços caídos do Sr. Ministro das Finanças? É proibida a esperança?
Há soluções e há que não perder a esperança.
Basta mudar de maioria, de governo, de política, de programa, de discurso.
Voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - Nem Estado-Providência nem Estado-Pôncio Pilatos.
Nem o ataque à iniciativa pública nem à iniciativa privada. A defesa e a cooperação de ambas.
O regresso à verdade do após-guerra: «O emprego é mais importante que a moeda.»
Um plano coordenado de investimentos públicos e privados dirigidos à criação de emprego, concebido não só como factor de riqueza, mas também como forma da sua distribuição!
Programas de emergência negociados, num vasto plano de concertação social, designadamente nas áreas do combate à dívida externa, da produção de alimentos e da energia.
Um diálogo aberto e leal com os trabalhadores e os cidadãos em geral mobilizador das prodigiosas energias humanas do nosso povo. É imperioso despertar as reacções saudáveis da comunidade e convencer os cidadãos de que, em muitos aspectos, há que mudar de vida e não apenas de governo. Os agentes económicos, designadamente os empresários e os trabalhadores, não são mobilizáveis apenas pelas alavancas monetaristas e financeiras do Banco Central e do Ministério das Finanças.
O banimento da «promessa» como expediente político de captação de vontades.
A mística do exemplo vindo de cima e a definição de uma clara deontologia para as organizações económicas e o mundo das trocas.
O combate sem tréguas à corrupção, aos circuitos económicos paralelos, à fraude económica e fiscal.
Voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - O reforço da autoridade do Estado no quadro da sua mais estrita democraticidade. O Estado não pode continuar a praticar o recuo sistemático perante a criação de situações de facto à margem da lei.
Uma atitude menos laxista em face dos agentes económicos. Não tanto para os limitar, mas para os enquadrar, orientar, auxiliar.
O regresso à planificação democrática. A ausência de plano equivale à ausência de norte. Há que definir objectivos e que administrar em função deles.
O respeito das opções definidas. Uma opção pode ser um erro, mas não deve em nenhum caso ser um logro.
A clarificação - com um atraso de 8 anos - do que é defeito de estrutura e do que é dificuldade de conjuntura. Debita-se a esta, por comodidade, o que muitas vezes é imputável àquela. Está por fazer, no todo ou em
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parte, a adaptação de uma economia de guerra a uma economia de paz, de uma economia de exploração colonial a uma economia de pura competitividade, de uma economia de livre opção, a uma economia integrada e comunitária. É talvez doloroso para alguns - darem-se conta de que somos de novo o «Canapé da Europa» de D. João VI. A verdade é que somos e o melhor é tomarmos consciência disso.
A Palavra «social», que já serviu para qualificar uma ideologia e para caracterizar uma política, deve passar a qualificar também o regime de mercado. A liberdade das trocas deve existir em função do homem e em nenhum caso contra ele.
Rés non verba é uma máxima que já vem de Roma. São urgentes mais acções e menos palavras. Mais obras e menos inaugurações. Menos folclore político e mais sentido das realidades.
A tomada de consciência de que só continuaremos pobres em riqueza potencial enquanto continuarmos pobres em iniciativa e imaginação.
Um enquadramento pedagógico e solidário do consumidor. Este não pode continuar a ser esse silencioso sofredor que anda de loja em loja à procura do produto mais em conta, numa réplica do tormento de Sísifo, agora consistente em tentar em vão esticar o ordenado mensal até ao cume de uma razoável subsistência. Hoje, como nunca, «os preços sobem pelo elevador e os salários pela escada».
A antecipação possível do poder à iniciativa dos agentes económicos ou às recriminações dos cidadãos. A liberdade de iniciativa não exclui a orientação da mesma, designadamente na selecção e até na elaboração de projectos. Todo o sacrifício colectivo deve ser precedido de uma justificação e, no mínimo, de uma explicação pública.
Uma informação objectiva, rigorosa, verdadeira, não dirigida, não desculpante.
Um tendencial empenhamento em pôr todos os portugueses a governar Portugal!
Limitei-me, como é óbvio, a tentar enquadrar uma concepção do poder que tem tanto de comum com a que neste momento se exercita, como o mundo de hoje, e o Portugal de agora, tem com os dos tempos em que esta concepção fez carreira.
Não estava em causa esboçar sequer um programa de governo. Esse papel não cabe à oposição. Mas creio não ter andado longe do esquisso de uma sua «filosofia», como agora generalizando se diz.
Tanto quanto pretendi foi o reforço dessa evidência que é hoje, para o comum dos Portugueses, a falência da AD e dos seus governos.
E não menos dessa outra evidência que é também a necessidade de baralharmos e darmos de novo e de, desta vez, sob a pressão das emergências, jogarmos o mais possível com o baralho todo.
Todos temos de assentar praça no regimento do esforço colectivo, necessário à salvação de todos.
Os que estão parados têm de agir; os que dormem têm de acordar; os que descrêem têm de recuperar a fé no nosso destino comum.
Para isso a AD tem de assumir a patriótica atitude de desimpedir o caminho.
Se a não assumir terá o Presidente da República de tomar a não menos patriótica decisão da remoção dos seus restos.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro admitiu há dias que as próximas eleições vão ser um teste à AD.
Vão. E o resultado vai seguramente revelar a presença de muitos bacilos: o micróbio de Thatcher, o stafilococus de Reagan, os morbos da fraqueza, da desunião, do desestímulo, do passadismo, da mentira, da ineficácia, do clientelismo, da corrupção, da predisposição falimentar.
Aplausos do PS, da ASDI e da UEDS.
O diagnóstico será grave: estado de coma! Uma só prescrição: chame-se o padre!
Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e de alguns deputados do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Robalo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, sabe V. Ex.ª que sou um admirador, de longa data, da forma que dá às suas intervenções. Quero dizer-lhe que hoje fiquei estarrecido porque V. Ex.ª se esmerou e levou, não sei se tão longe como pode, a beleza da forma, a riqueza do vocabulário, o requinte cultural da citação, sem esquecer o latim que V. Ex.ª assume, de facto, como língua mãe. Este discurso, em forma e nestes aspectos que referi, só não ultrapassou o brilhante discurso que V. Ex.ª fez no regresso de Timor (o qual já lhe pedi e que aguardo me dê).
Mas naturalmente que nem a política, nem a economia, nem a governação de um país é forma, requinte de linguagem, citações latinas. Assim, surpreendeu-me que V. Ex.ª tenha feito um discurso longo, belo, lindo, que não quis de forma nenhuma transformar nem em programa de governo, nem em proposta de solução de uma crise que o Sr. Deputado referiu. E achei estranho tivesse dado um cariz tão não temporal à sua intervenção o que levou a que eu surpreendesse, durante grande parte do tempo, no discurso do Sr. Deputado Almeida Santos, depois da saída dos governos socialistas ou dos governos em que o seu partido era maioritário, uma espécie de mea culpa. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que vou, pensando também nestes termos de mea culpa, utilizar o seu discurso, como muitas vezes utilizo, as Viagens na Minha Terra, do Eça, nos momentos de maior paz.
O Sr. António Arnaut (PS): - As "Viagens na Minha Terra" não são do Eça!
Risos.
O Orador: - Sr. Deputado António Arnaut, não tire a beleza ao discurso. V. Ex.ª é agressivo e duro não macule a beleza do discurso do Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Já ouviu falar no Ramalho Ortigão?!
O Orador: - De facto, Sr. Deputado Almeida Santos, um esquiço de uma filosofia de governo. E o estranho é que, numa situação de crise, reconhecida por todos, o maior partido da oposição, e pela voz de um dos seus representantes de maior consideração, se ligue num simples esquiço de uma filosofia de governo, e que desse esquiço V. Ex.ª tenha referido só 2 linhas: eleger como primeira prioridade o desemprego.
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Ora, naturalmente que o Partido Socialista não é propriamente o partido indicado no combate ao desemprego. E como o Sr. Deputado não referiu quaisquer linhas de combate, a minha questão é esta: não basta dizer que se tem como primeira prioridade o desemprego (até porque olhando, como olhou, pela Europa sabe que esse problema existe, simplesmente não existe uma concretização). É outro o problema, dentro do esquiço político, que lhe queria pôr: afirmou que ê necessária uma mudança e que esta mudança tem como prioridade alterar a maioria e mudar de vida. Da mudança de vida V. Ex.ª não disse nada. Mas já agora gostaria de saber qual é a maioria que propõe como mudança.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, a intervenção produzida por V. Ex.ª e irá desculpar-me que eu insista nesse aspecto não tem nada de elogio; tem apenas de apreciação crítica. Foi uma intervenção que em nada se distinguiu no que diz respeito à metodologia das intervenções do Partido Comunista, salvo na medida em que V. Ex.ª aliás, como sempre deu provas de ser uma grande personalidade política com um complemento também muito importante, que é o de ter uma grande capacidade literária de discursar. Mas quanto ao fundo da questão, V. Ex.ª não teve possibilidade -e não direi capacidade porque as capacidades dos políticos, como as de qualquer cidadão em geral resultam das situações concretas de fazer um discurso que quanto à substância fosse diferente da do Partido Comunista.
VV. Ex.ªs podem dizer que pelo facto de estarem a interpelar o Governo não são obrigados a formular alternativas. Dando de barato que é assim, de qualquer modo, na própria forma de questionar se adivinha se há ou não alternativa. Ora, na vossa maneira de questionar não apenas se adivinha, como se vê, que não há alternativa.
Nós estamos a discutir tudo ao mesmo tempo, política geral e política económica. Aliás, é uma figura que, quer constitucional quer parlamentarmente, não existe; um debate de política geral centrado em qualquer coisa exige, em termos constitucionais, a possibilidade do debate sobre política geral ou de assuntos com implicações de política geral. Mas, enfim, passemos de largo...
V. Ex.ª já pensou, já explicou por que é que o Governo socialista-comunista francês teve necessidade de inverter completamente as suas prioridades no espaço de 1 ano? A primeira de todas essas prioridades é hoje o combate à inflação, o que V. Ex.ª de certo não vai negar, pois isso está documentado. Temos acesso aos jornais e aos próprios documentos oficiais? V. Ex.ª já explicou como é que a balança do comércio externo em França dobrou o seu défice num ano, que foi em 1981 de 50 biliões de francos e que será em 1982 de 100 biliões de francos? Tanto V. Ex.ª como os deputados do Partido Comunista dizem que o estrangeiro não interessa. Quem defende que tudo está relacionado com tudo?
Mas então falemos apenas das coisas nacionais. Neste aspecto, devo dizer-lhe que V. Ex.ª não fundamentou as suas acusações. Quer um exemplo? V. Ex.ª disse que nós queremos pôr termo à economia mista, que queremos liquidar as empresas públicas, mas não fundamentou esses aspectos.
Mesmo em termos de fazer adivinhar uma outra alternativa relativamente ao tratamento da questão, V. Ex.ª limitou-se a fazer uma acusação em estado bruto, em estado - digamos - não fundamentado. Daí, eu tenho razão para dizer que VV. Ex.ªs na forma de questionar revelam ausência de uma alternativa.
Sr. Deputado, quando V. Ex.» diz que a esperança está proibida no nosso país gostaria de lhe dizer que isso não é verdade, e a prova é que nós existimos. A única coisa que há a lastimar é que W. Ex.»5 não contribuem para a esperança no nosso país.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardote, também para formular pedidos de esclarecimento.
O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como o Sr. Deputado Carlos Robalo, também eu me extasiei e me deliciei com o discurso do Sr. Deputado Almeida Santos.
Como o meu camarada Silva Marques já salientou, também eu devo dizer que do discurso do Sr. Deputado Almeida Santos não perpassou uma linha perfeitamente definida de política económica.
Para realçar a dificuldade que existe quando não se aborda com o rigor necessário esse aspecto, vou aproveitar para contar não uma anedota, visto que foi um facto verídico que o Sr. Deputado nos relatou e que se teria passado num avião com uma passageira para a Suíça. Uma das razões por que essa pessoa se teria dirigido à Suíça para depositar o seu dinheiro seria o da desvalorização do escudo face à moeda estrangeira.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Investimento à moda de Salazar!
O Orador: - Ora, uma das razões por que as pessoas procuram esse tipo de investimento é justamente porque a taxa de juro em Portugal não é suficientemente alta para compensar o aumento do custo de vida. Portanto, dá-se uma depreciação do poder real de compra do escudo.
Vozes do PCP: - Isso é incrível!
O Orador: - E quando as taxas de juro bancárias estão abaixo da taxa de inflação diz-se que estamos perante uma taxa negativa. Nessa altura, as medidas de política económica aconselhadas são justamente a não redução das taxas de juro, mas sim a sua subida. Tanto é assim que mesmo economistas fora da área da AD, já tendo ocupado responsabilidades governativas e altos cargos neste país, têm propugnado publicamente o aumento das taxas de juro. Ora, uma das coisas que o Sr. Deputado Almeida Santos verberou a este governo foi justamente as altas taxas de juro.
Por outro lado, Sr. Deputado, V. Ex.ª zurziu fortemente a Sr.ª Thatcher e a política económica seguida por ela. Não é que ela não apresente aspectos negativos, mas um dos aspectos positivos que ela apresenta é justamente os resultados no combate à inflação. Ora, pareceu-me que V. Ex.ª disse que nem sequer isso se tinha conseguido. No entanto, o Sr. Deputado saberá, certamente,
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que a Inglaterra, no Governo da Sr.ª Thatcher, passou de uma inflação de dois dígitos para uma inflação de um dígito que deve estar este ano pela ordem dos 8%, e todas as coisas indicam que para o ano estará na ordem dos 5%. Além disso, aumentou-se substancialmente o poder competitivo da indústria britânica que hoje está exportando muito mais do que antigamente.
Portanto, não se verificou uma falência completa em opinião pública dentro da Inglaterra não obstante haver provavelmente uma grande massa de ingleses contra isso -, e as sondagens de opinião pública mostram que a Sr.ª Thatcher continua a gozar de mais popularidade do que qualquer outro líder em potência dentro de Inglaterra, seja mesmo no Partido Socialista ou até no jovem Partido Social-Democrata.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Nunes, igualmente para formular pedidos de esclarecimento.
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, sobre o burilado primoroso da oratória de V. Ex.ª já tudo foi dito e só me resta acrescentar qualquer coisa. Assim, gostaria de chamar a sua atenção para o seguinte: depois de apreciado o conteúdo em que V. Ex.ª se limitou a tentar dourar algo que essencialmente é serôdio sobre o que ontem foi dito, pareceu-me que estamos perante uma montra com uma embalagem dourada extremamente apreciável e eu aprecio uma embalagem dourada -, mas mais nada do que isso.
As teses sobre as quais V. Ex.ª se demorou foram ontem todas rebatidas pelo Sr. Ministro das Finanças ao fim de 2 horas de intervenção neste Plenário.
Nada mais há a acrescentar. Tudo a que se tem assistido posteriormente não passa de aspectos de sector, todos eles pobremente aqui abonados.
O Sr. Deputado verberou actuações, inumerou falhanços, reconheceu atenuantes de forma muito simpática - o que também há que registar.
O Sr. António Arnaut (PS): Então não conhece o crime!
O Orador: - Sr. Deputado António Arnaut, isso é da competência jurídica de V. Ex.ª
No entanto, não ficou nada dito sobre o que o Partido Socialista poderia acrescentar. E, Sr. Deputado Almeida Santos, perdoe-me que lhe lembre que neste momento há que ter em conta a experiência de partidos socialistas na Suécia, onde imediatamente após a dissolução do poder foi feita uma desvalorização de 16%. Em relação a Espanha, posso facultar-lhe uma entrevista do indigitado Ministro das Finanças do Governo de Filipe Gonzalez, onde todas as medidas são mais conservadoras, mais liberais e mais retrógradas para usar a terminologia de V. Ex.ª - do que as que o Governo se propõe introduzir através do OGE de 1983, que V. Ex.ª também tão curiosamente zurziu.
Vale a pena que VV. Ex.ªs leiam esta entrevista que se refere a quando o Sr. Ministro indigitado se propõe reduzir de alguns pontos o nível salarial relativamente à inflação, quando se propõe ir mais além do défice do orçamento da Espanha, que dobrou no último ano, quando se propõe tomar um conjunto de medidas em que tem esperança que os resultados venham a ser compensadores.
Perdoem-me que insista em exemplos de outros países, mas se recordarmos o que foi a actuação do Partido Socialista quando foi governo não estamos nada longe do quadro atrás descrito.
Quando se acompanha os resultados da política do Sr. Mitterrand - que aprecio em termos de boa vontade -, que depois de ter dito que reabsorveria o desemprego o viu crescer neste último ano em muito mais de, salvo erro, 14% pois já ultrapassou os 2 milhões e tal de desempregados -, e quando procura tomar medidas que dão os resultados económicos que são do conhecimento geral, gostaria de perguntar a V. Ex.ª como é que o Partido Socialista se propõe a ser tão optimista. Ou será que a vossa prudente recusa em definir um horizonte temporal corresponde à tal prudência que é, com certeza, apanágio de V. Ex.ª
Finalmente, em relação ao arreganho citado por V. Ex.ª nas relações entre os órgãos de soberania, também gostaria que me dissesse se o Partido Socialista se sente tão à-vontade quanto isso para modificar esse tipo de arreganho nas relações internacionais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares.
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uso da palavra para formular um protesto em nome do Governo.
Não vou falar da consideração e do respeito que merece o Sr. Deputado Almeida Santos, nem do brilho oratório que normalmente coloca nas suas intervenções, embora não deixe de lamentar o facto de num debate de política económica se verificar a ausência de vozes de economistas prestigiados do Partido Socialista que poderiam acrescentar ao brilho oratório de V. Ex.» a sua experiência governativa e o conhecimento que têm agora de dados económicos da realidade portuguesa.
Aplausos do PSD e do Sr. Deputado Luís Coimbra (PPM).
Sr. Deputado Almeida Santos, em primeiro lugar protesto porque V. Ex.ª aludiu à conjuntura internacional, mas fugiu a analisar as políticas económicas que neste momento estão a ser desenvolvidas pelos países da OCDE. Valeria a pena ver a convergência larga que existe entre a tipologia dessas políticas e a política seguida pelo Governo.
Em segundo lugar, V. Ex.ª enumerou um elenco de preocupações, de dúvidas ou de críticas sobre forma interrogativa que são contraditórias. V. Ex.ª elegeu como objectivo a prioridade do emprego e ao mesmo tempo apontou como críticas medidas que têm a ver com o equilíbrio financeiro interno-externo, sabendo perfeitamente que a prossecução de uma política expansionista no domínio da produção e do emprego teria consequências que iriam agravar os sintomas que já considerou graves em termos de desequilíbrio financeiro e monetário interno-externo.
Aliás, economistas socialistas prestigiados têm preconizado medidas restritivas, nomeadamente concernentes à manutenção do equilíbrio externo, que teriam custos graves em termos da prossecução da política de emprego e de expansão da produção de que V. Ex.ª falou.
Em terceiro lugar, V. Ex.ª, sobre forma interrogativa, fez acusações que não são verdadeiras. E vou escolher
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uma delas: «Que continuemos a querer rever a Constituição apesar de revista e a tentar obter por ínvios caminhos o equivalente ao que nela, em vão, se tentou consagrar». Isto em termos de delimitação de sectores. Ora, V. Ex.ª já deveria saber é um facto público - que a proposta de lei que o Governo pretende apresentar à Assembleia da República é análoga à proposta de lei sobre a qual já recaiu parecer da Comissão Constitucional, não se pronunciando pela sua inconstitucionalidade antes ainda da revisão da Constituição.
Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª tentou fazer um discurso de candidato a Primeiro-Ministro.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - O lugar está vago?!
O Orador: - No entanto, faltam os votos, falta a expressão popular eleitoral do povo português para que um candidato a Primeiro-Ministro venha a poder assumir esse cargo.
V. Ex.ª disse na sua intervenção que há soluções e há que não perder a esperança. A Aliança Democrática e o seu Governo têm soluções e não perdem a esperança.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós fizemos uma apertada distribuição de tempos e, infelizmente, eu não posso dispor do tempo que desejaria para poder homenagear as perguntas com as respostas que gostaria de poder dar.
Uma voz do PSD: - É pena!
O Orador: - Em todo o caso direi alguma coisa, começando pela ordem dos pedidos de esclarecimento que me foram formulados.
Em relação ao Sr. Deputado Carlos Robalo, devo dizer-lhe que a minha amizade por si não é, com certeza, inferior à sua por mim e eu também sou seu admirador - portanto isso está fora de causa.
Não vamos, pois, envolver-nos nos aspectos secundários que V. Ex.ª focou, nomeadamente chamando aqui o caso de Timor, etc, etc,...
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - E não só!
O Orador: - É verdade que o Partido Socialista não deixou de cometer erros. Nessa medida, já temos feito e continuaremos a fazer o nosso mea culpa, pois não há problema de espécie alguma a esse respeito. Só que se julgou que tínhamos errado mais do que errámos, antes de se terem verificado e constatado os erros da governação da AD. A comparação hoje é fácil, é possível.
Por outro lado, Sr. Deputado, veja como é fácil errar, pois V. Ex.ª até disse que as Viagens na Minha Terra eram de Eça de Queirós, enquanto que sabe perfeitamente que são de Almeida Garrett.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sabe agora, antes não sabia!
Risos.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, pedi-lhe que me deixasse interromper não para me referir a V. Ex.ª, mas sim para deixar registada a grosseria permanente do Sr. Deputado Sousa Marques.
O Orador: - Realmente foi aqui chamada a atenção de que quem está a ser interpelado é o Governo. A interpelação é uma pergunta e uma pergunta pede respostas. Como é que a maioria que hoje excepcionalmente animou, talvez pela proximidade das eleições quer que sejamos nós a dar as respostas às perguntas que formulámos? Nós temos que perguntar - interpelar é perguntar.
No entanto, eu fui mais além do que fazer perguntas e até disse mais do que possivelmente seria o normal que dissesse porque um político não tem que ser ingénuo, sobretudo em vésperas de eleições. E o Sr. Deputado Silva Marques pode fazer as críticas que quiser, até gosto de o ouvir fazer críticas. No entanto, não pode é pretender que eu seja politicamente ingénuo porque só o sou quando não posso deixar de o ser.
Quem está aqui a ser interpelado é o Governo; a interpelação é uma pergunta e o Governo é que tem de responder. Se a maioria quiser responder pelo Governo, estamos de acordo, pois são a mesma família. Mas não viremos as coisas do avesso. De qualquer modo, reconheçam que para lá da forma e agradeço os elogios - há bastante matéria de fundo na minha intervenção.
Na verdade, como disse o Sr. Deputado Carlos Robalo, não basta dizer que o desemprego é a primeira prioridade. Mas nós atacaremos o desemprego quando tivermos a responsabilidade de o atacar. Por agora, temos a responsabilidade de responsabilizar o Governo por não fazer nenhum ataque.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em relação a saber qual a nova maioria, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que isso é uma questão muito velha. Os eleitores é que definem a maioria. Talvez na segunda-feira eu já lhe possa dar uma resposta um bocadinho antecipada em relação às próximas eleições legislativas. No entanto, a resposta definitiva dar-lhe-ei depois das próximas e talvez ainda mais próximas do que desejaríamos - eleições legislativas.
O Sr. Deputado Silva Marques disse que eu em nada me distingui das intervenções do PCP. Devo dizer-lhe que se as intervenções do PCP são críticas em relação ao Governo não estou muito interessado em me distanciar delas porque quando se critica o Governo - e eu estou de acordo com essas críticas - não tenho nada que me distanciar.
Em relação aos aspectos construtivos, que me parece ser o que estaria no seu espírito - quer dizer, é só destruição, só derrotismo!-, penso que, apesar de tudo, não merecia essa sua crítica. Pelo menos até este momento fui aquele que mais me arrisquei nos domínios das sugestões construtivas.
Porque é que o Sr. Deputado referiu os aspectos negativos da política do Governo Francês e não os aspectos
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positivos? Era tão bom vê-lo ai a defender uma política social, como a política social do Partido Socialista Francês... Que bom que era!...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faz favor, desde que não conte no meu tempo.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não falei na política do Governo socialista -comunista francês com a ideia de retirar a discussão do nosso pais. Mas se VV. Ex.ªs falam, então também há razão para nós falarmos. Mesmo que VV. Ex.ªs não falassem, havia razão para nós falarmos, porque já não tinha sentido um problema do nosso país isolado do mundo.
Mas ê só para lhe exemplificar que a forma de questionar exige algum rigor.
Repare: V. Ex.ª criticou-nos por não termos um plano democrático, ou por não darmos a importância...
O Orador: - E têm, Sr. Deputado? É que não têm!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, na conjuntura internacional é assente que a visão que se tinha do plano está alterada. E a prova é que se não fizermos uma adaptação da concepção de plano à conjuntura e até à estrutura actual acontece o mesmo que aconteceu aos socialistas e comunistas franceses, pois neste momento o seu plano intercalar - o Sr. Deputado Manuel dos Santos está desactualizado, pois não se trata de um plano de médio prazo, é, sim, um plano intercalar da autoria do Ministro Rocard - prevê um crescimento da economia francesa de 3% por ano e o objectivo do Governo Francês para o ano que vem é de 0,5% de crescimento.
O Orador: - Sr. Deputado, nenhum de nós considera grave que um país ou um governo, em função das alterações de conjuntura, altere os objectivos do seu plano. Grave é não haver plano e essa é a nossa situação.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Referiu também o Sr. Deputado que eu afirmei que a AD quer liquidar as empresas públicas, mas não fundamentei. Não preciso de fundamentar, pois foi o Sr. Vice-Primeiro-Ministro que o disse muito claramente ao povo português. Não tenho que fundamentar as afirmações do próprio Governo.
Por outro lado, disse que a esperança não está proibida. Pareceu-me que não estaria proibida até ontem. Mas ontem o Sr. Ministro das Finanças proibiu-a.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Ministro das Finanças fez ontem aqui, para um povo que precisa de ânimo, o discurso mais descoroçoante e mais desanimador a que já pude assistir. O Sr. Ministro das Finanças definiu-se aqui ontem como um excelente e sério técnico, mas como um horroroso político.
Este país precisa de ânimo, ele fez um discurso de pássaro morto. Apeteceu-me dizer-lhe daqui: Sr. Ministro, levante voo, anime o povo português, precisamos de ânimo, de entusiasmo, diga onde é que temos de trabalhar mais e consumir menos,...
Aplausos do PS e da UEDS.
...faremos isso se no-lo pedir com convicção. Não nos diga que não há solução, «porque nem os Franceses resolveram como é que nós podemos pensar alguma vez em resolver». Não aceito este tipo de argumentos. Isto é a demissão!
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - E quando nos vêm dizer que o governo socialista, apesar de tudo, fez um brilharete porque a conjuntura lhe era favorável, não é tanto assim. Vimos ontem aqui que tivemos que enfrentar o aumento dos preços do petróleo que apenas se considerou equivalente à valorização do dólar. Portanto, estamos quites: o petróleo não subiu, o dólar não tinha subido -está a subir agora, mas não subiu o petróleo.
Mas, Sr. Deputado, o problema é este: se o Governo reconhece que só é bom em situações de euforia económica, então mais uma razão para se ir embora, porque não estamos numa dessas situações.
Aplausos do PS e da UEDS.
O Sr. Deputado Fernando Cardote disse que há pessoas que vão para a Suíça depositar dinheiro porque a taxa de juro não ê suficientemente alta. Tecnicamente é assim; do ponto de vista técnico e financista é assim. Reconheço que as taxas de juro são negativas. Só que há uma coisa que evita que se vá à Suíça: é o investimento, e nada se faz para que se invista.
O Sr. António Janeiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - Defendeu, também, a Sr.» Thatcher. Não poderia esperar que fizesse outra coisa, fê-lo muito bem e disse até que ela tem controlado relativamente a inflação - 8% para a Inglaterra não é exaltante -, mas queria dizer-lhe, de qualquer modo, que se a opinião pública não é inteiramente desfavorável à Sr.» Thatcher, talvez devamos encontrar explicação disso na guerra das Malvinas e não em nenhum aspecto da sua governação política.
Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!
O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Já o era antes!
O Orador: - Disse o Sr. Deputado Pinto Nunes esta coisa espantosa: que as minhas teses foram ontem rebatidas, ao que parece por antecipação, pelo Sr. Ministro das Finanças, e depois disse que nada mais há a dizer dixit. O Sr. Ministro das Finanças dixit e nada mais há a dizer.
Ora bem, não aceito esse capitulacionismo, nem o seu nem o do Sr. Ministro das Finanças. É verdade que o Sr. Ministro das Finanças veio ontem dizer que não só nada mais havia a dizer, mas que nada mais havia a fazer senão aguardar que a conjuntura internacional melhore, aguardar que tenhamos um pouco mais de sorte e, entretanto, que o povo tenha a resignação do próprio Sr. Ministro. O povo não quer ministros que o convidem à resignação, que o convidem ao desespero.
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que o convidem à desesperança. A esperança foi proibida ontem, ali, naquela tribuna, e o País vai saber que o Sr. Ministro das Finanças não abriu a menor chance, nem pedindo mais trabalho, nem pedindo menos consumo, nem pedindo mais entusiasmo, nem pedindo coisa nenhuma, mas que apenas disse: tenha paciência, estejam resignados que também estou.
É um grande técnico, é homem sério, rendo-lhe as minhas homenagens nesse aspecto, mas não o considero, de modo nenhum, o político adequado para gerir neste momento a pasta das Finanças.
Aplausos do PS e da UEDS.
Sr. Ministro Rebelo de Sousa, muito obrigado pelas questões que me colocou. Disse que há uma grande identidade entre as políticas dos países da OCDE e a política do actual Governo Português. Permitia-me, pelo menos, e não só, excluir desse raciocínio, ao menos, os países e os partidos que estão incluídos na Internacional Socialista. As prioridades desses países e desses partidos não são seguramente as do actual Governo Português.
Por outro lado, tentou explorar uma espécie de contradição ao dizer que eu teria falado no expansionismo. Não falei. O meu discurso acha que é possível produzir sem carregar as balanças, acha que é possível aumentar a produção. E sobre isso falei da agricultura, falei em aspectos que dependem mais do homem e da confiança que se instiga nele do que em aspectos que podem pesar na balança. Sei que é preciso aliviar o peso sobre as balanças. Sei isso! E não fiz, de modo nenhum, um discurso expansionista, mas penso que, apesar de tudo, é possível fazer mais em vários domínios, que não sobrecarregam a balança de transacções correntes e até nem sobrecarreguem a dívida. Há soluções baratas que não foram sequer tentadas por este governo, e diria mais, por qualquer outro governo. Não está na altura de só fazermos acusações aos outros sem assumirmos nós próprios as nossas próprias responsabilidades. Estamos é na altura de as assumirmos inteiras, numa situação de crise, perante um país que espera de nós alguma imaginação, alguma coragem e não o capitulacionismo do Sr. Ministro das Finanças.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Disse-nos também que não acha justificada a minha afirmação de que a AD quer rever a Constituição, apesar de já revista, e falou na lei dos sectores.
Bem, volto mais uma vez às afirmações do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Freitas do Amaral, que disse que quer destruir o sector público. Disse-o, senão com esta rudeza, disse-o em termos de se dever concluir isso mesmo. Por outro lado, chamou-me candidato a Primeiro-Ministro. É talvez muito honroso da sua parte imaginar que eu poderia considerar-me com capacidade para tão altas funções, mas não considero. Pelo contrário, disse-o - e com sinceridade - que o poder é neste momento um gregalhador de patos, disse também que só por empurrão é que se vai para lá e eu não gosto de ser empurrado.
Aplausos do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro para os Assuntos
Parlamentares, para fazer um protesto dispõe de 2 minutos.
Vozes do PCP: - Outro protesto?!...
O Sr. António Vitorino (UEDS): - É preciso respeitar o Regimento!
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): - Calminha!
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Desejava formular um protesto relativamente a uma resposta do Sr. Deputado Almeida Santos...
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, informam-me aqui na Mesa que V. Ex.ª já tinha usado a fórmula de protesto...
O Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Mas trata-se, Sr. Presidente, de um protesto sobre uma declaração do Sr. Deputado Almeida Santos em resposta a um Sr. Deputado da maioria e que pôs em causa um membro do Governo.
Assim, se V. Ex.ª entende que não é de dar a palavra...
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro que ter a bondade de me informar sobre a intervenção que pretende fazer.
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, parece-me que é mais fácil integrar a minha intervenção no direito de defesa, uma vez que foi directamente mencionado o Sr. Ministro de Estado das Finanças e do Plano...
O Sr. Presidente: - Nessas condições, tem a palavra Sr. Ministro.
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Agradeço a complacência da Câmara, que, aliás, tenho podido observar desta bancada, na interpretação do Regimento. Por isso agradeço mais esta complacência de que beneficiou agora o Governo.
O Sr. Carlos Robalo (CDS): - Não é complacência, é um direito!
O Orador: - Não queria deixar de dizer, em defesa não do Sr. Ministro, mas da dignidade e da honra do Governo, porque não é o Ministro que está em causa, mas é o Governo, que é solidário em termos de política económica e financeira como em tudo o mais-, que não é verdade, Sr. Deputado Almeida Santos, aquilo que V. Ex.ª disse da intervenção de ontem do Sr. Ministro de Estado das Finanças e do Plano. Não foi uma intervenção capitulacionista, foi antes uma intervenção serena, de verdade, de rigor, e uma intervenção também de esperança, a mesma esperança que referi hoje no meu protesto de há pouco.
Por outro lado, não é justo essa declaração, uma vez que V. Ex.ª certamente estará ciente de inúmeras declarações de vários membros do Governo, e nomeadamente do Sr. Ministro de Estado das Finanças e do Plano, no sentido de que o Governo tem uma política, prossegue
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uma política, tem uma esperança e vai prossegui-la sem desfalecimentos.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Mário Soares (PS): - Não é convincente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Ministro Rebelo de Sousa: Se exagerei, retiro o exagero, mas devo dizer-lhe que estou convencido de que não houve exagero nenhum.
A nossa sensação foi de inteiro desalento depois de ouvirmos o Sr. Ministro das Finanças. Foi uma sensação generalizada, já referida em várias intervenções.
É verdade que ele ultrapassa o Governo em pessimismo. Ainda há pouco no meu discurso referi o optimismo incurável do Sr. Primeiro-Ministro, que raia por vezes, desculpe que lho diga, a irresponsabilidade. O que choca è que exactamente o Governo não tem uma política, porque tem um Primeiro-Ministro super-optimista e um Ministro das Finanças superpessimista e superderrotista.
Portanto, diria que a unidade do Governo neste aspecto não é tão grande como V. Ex.ª pretende.
Aplausos e risos do PS, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Nunes, suponho que para um protesto.
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, queria apenas protestar por V. Ex.ª se manifestar espantado com a minha afirmação acerca do conteúdo da sua intervenção. De facto, eu classifiquei de serôdio de 24 horas, pelo menos, o conteúdo da sua intervenção, porque V. Ex.ª não acrescentou nada em termos factuais ao que tinha sido dito pelo Partido Comunista na apresentação da interpelação ao Governo.
Por outro lado, queria protestar também, embora o assunto já tenha sido abordado pelo Sr. Ministro Rebelo de Sousa, quanto à classificação da posição do Sr. Ministro de Estado relativamente ao futuro. Ele, de facto, não deu aqui uma nota de recusa de esperança, ele recusou a utopia. É isso que convém assinalar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: 3 anos de governo, ou será talvez mais adequado dizer 3 anos e 4 políticas económicas dos executivos AD, são período de tempo mais do que suficiente para traçar um balanço rigoroso do que foi feito e, sobretudo, do que não foi feito pela maioria e pelos seus sucessivos governos.
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Outra vez?!
O Orador: - Com efeito, em Setembro de 1981, perante esta Assembleia, o viu Governo Constitucional definia no seu Programa, a p. 3281 do Diário da Assembleia, como objectivos fundamentais da política económica, e cito: «a redução das tensões inflacionistas, o reequilíbrio da balança de pagamentos, o crescimento do emprego, o aumento da taxa de crescimento do produto interno bruto». E sobre estas intenções ainda não passou, sequer, 1 ano.
Perante tão boas intenções, bem se poderia dizer, com alguma benevolência, que se acrescentariam por si só a outras tantas com que a AD tem contribuído para o atafulhar do inferno do nosso quotidiano. Mesmo assim convém recordar que ao contrário das intenções proclamadas a realidade cifra-se:
No que concerne à «redução» das tensões inflacionistas, em taxas que vão desde os 16% ao ano em 1980 a 20% em 1981 até 22% em 1982, segundo os indicadores insuspeitos fornecidos pela OCDE;
No respeitante ao «crescimento» do emprego, a taxa de desemprego passou de 7% da população activa em 1979 para cerca de 10% em 1982;
O crescimento do PIB, que em 1978-1979 e em 1979-1980, havia atingido os valores de 4,5% ao ano, desceu para 1,7% em 1982;
Finalmente, o tão desejado reequilíbrio da balança de pagamentos saldou-se num crescimento galopante do défice da balança de transacções correntes de 52 milhões de dólares em 1979 para 1 bilião e 251 milhões de dólares em 1980, para
2 biliões e 700 milhões de dólares em 1981 até atingir o número record - mas nisto de records o Governo é especialista -, verdadeiramente insustentável, de 3 biliões de dólares em 1982.
Esta é a realidade, nua e crua, do desgoverno económico para que a AD arrastou o País em 3 anos.
A evolução em causa deve-se a dois vectores fundamentais: por um lado, as contradições das medidas de política económica meramente conjunturais tomadas pelos sucessivos governos AD, sem rei nem roque, formando um inextrincável cocktail de keysenianismo à Salgueiro e de friedmanismo à Luís Barbosa, onde cada medida neutraliza a outra, onde cada Ministério e cada Ministro mesmo tem o seu entendimento próprio e até privado da política económica do Governo, começando a tão apregoada «livre concorrência» pela acção de cada departamento governamental em relação aquele que lhe fica exactamente sentado ao lado em Conselho de Ministros; por outro lado, é devida ao circunstancialismo da situação económica internacional. Mas aqui importa determinar com rigor -a palavra da moda qual a «componente internacional» da nossa crise interna e quais as medidas tomadas, estruturais ou conjunturais, para minorar as repercussões da recessão internacional em Portugal.
E aqui cumpre sublinhar que após o «segundo choque petrolífero» as alterações de orientação da OPEP produziram recentemente uma baixa acentuada do preço das ramas de petróleo no mercado internacional. Daí que o alibi do aumento do preço do petróleo não possa continuar a ser brandido com o despudor com que no passado o foi. Inelutáveis serão, isso sim e pelo contrário, os efeitos decorrentes da recessão do comércio internacional, como Sublinhou a recente conferência do G ATT em Genebra, e o concomitante aumento do proteccionismo económico mesmo nos países que se reclamam de campeões do liberalismo, bem como a subida das taxas de juro norte-americanas.
Quanto ao primeiro destes aspectos, o Governo
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naquela pontaria certeira que o caracteriza, escolheu o ano de 1982 para «o ano da exportação», mas não adoptou as medidas necessárias para que tal intenção passasse do mero slogan. Com efeito, possui porventura o Governo um conhecimento qualificado dos custos em divisas do aumento de competitividade das exportações portuguesas, pelo facto de o nosso país ser essencialmente importador de equipamento e de matérias-primas? E se possui, que esforço de investimento pediu ou garantiu ao sector empresarial do Estado face a tal objectivo? E que transformação real permitiu o «ano da exportação» alcançar em termos de diversificação dos mercados para os quais se pretende canalizar o nosso potencial instalado de exportação?
Quanto à subida das taxas de juro norte-americanas, da parte do Governo português nunca ouvimos a tal propósito uma crítica política formal, como fizeram inúmeros governos no mundo inteiro, nomeadamente os da CEE, mas apenas um «queixume» piegas e envergonhado - bem se poderia dizer que o Governo Português é mais temente ao Sr. Reagan do que é temente a Deus...
Mas tal tibieza da parte do Governo não espanta! Com efeito, é manifesta a incapacidade do Governo, que tanto fala da crise internacional, em compreender a natureza profunda dessa crise e sobretudo em identificar os ventos da história que a própria crise gera: na França, na Suécia, na Grécia, na Espanha e mais recentemente na própria Irlanda o eleitorado europeu, sempre que chamado a decidir demonstrou uma clara e ineludível preferência pelas propostas das forças socialistas democráticas face à crise económica internacional.
E não é uma mera questão de discutir porque é que os socialistas reduzem em 3% a taxa de crescimento, tal como reduzem os governos de direita. É porque reduzir a taxa de crescimento em 3% com medidas de política social que compensem essa redução é radicalmente diferente do que reduzir a taxa de crescimento à custa dos interesses das populações. Essa é a grande diferença.
Aplausos da UEDS e do PS.
Ás receitas económicas congéneres da AD têm vindo a ser clamorosamente derrotadas e o derradeiro baluarte do «modelo AD» em termos internacionais, a Grã--Bretanha, se ê verdade que logrou controlar a pressão inflacionista, fê-lo à custa do aumento desenfreado do desemprego, que já atingiu a cifra astronómica de 4 milhões de desempregados.
As propostas económicas da AD estão cada vez mais isoladas à escala internacional e a falência das designadas «reaganomics», sublinhada nas recentes eleições para a Câmara dos Representantes dos Estados Unidos da América, constituem o «canto do cisne» dos projectos que pretendem fazer face à crise económica internacional à custa dos direitos e interesses da esmagadora maioria da população.
Seria interessante saber que conclusões tira o Governo Português deste panorama!? É que pela nossa parte estamos convencidos que se o Governo não tira, dentro em breve será o eleitorado português a fazê-lo de forma inequívoca!
Os erros, lacunas e contradições da atribularia política conjunturalista do Governo AD, ao agravarem os factores da crise económica que o País atravessa, contribuem também para o alargamento do fosso que separa o actual estádio de desenvolvimento económico e social do nosso país das metas que teremos que atingir com vista à adesão às Comunidades Europeias.
O processo de adesão à CEE, após a cimeira de Copenhaga na semana passada, caiu num impasse de que resulta, no mínimo, o congelamento das negociações até Março de 1983. Está, pois, posta de parte a possibilidade de concluir as negociações até ao fim de 1982, como havia propagandeado o Governo no rescaldo da cimeira ministerial de Setembro passado e a data do 1.º de Janeiro de 1984 para a adesão plena não tem mais qualquer credibilidade. Ao contrário do que afirmou o Sr. Primeiro-Ministro, cuja pontaria nestas matérias não está particularmente apurada, ao contrário do que seria de esperar de quem desempenhou funções no mar, na terra e no ar nas Forças Armadas portuguesas, a Europa não está mais perto de nós.
E não está por 3 ordens de razões.
Em primeiro lugar, porque a crise da própria Comunidade é profunda, e dela resulta não só o recrudescimento de um proteccionismo contrário à filosofia política dos tratados de Roma, como também um impasse inelutável no desbloqueamento das divergências entre os «dez». A «ameaça» que representa sobretudo para as economias francesa e italiana a adesão espanhola determina o congelamento do processo de adesão, mas cumulativamente a oposição do Reino Unido e da República Federal da Alemanha à proposta francesa de aumentar as dotações orçamentais da Comunidade, ultrapassando o 1% do IVA (Imposto do Valor Acrescentado) como contributo de cada país, são contradições que paralisam toda a estrutura comunitária sem que se vislumbre uma solução a curto prazo.
Em segundo lugar, as Comunidades não têm ainda posições negociais face ao caso português em dossiers fundamentais como o da agricultura, das pescas, diversos aspectos das questões sociais e ainda das implicações orçamentais da adesão. Este circunstancionalismo e sobretudo o precedente de uma adesão precipitada e incorrectamente preparada com a grega, assinalam que, face às jovens democracias ibéricas, os «dez» fizeram prevalecer nas suas atitudes o peso asfixiante do «metal sonante» e meteram na gaveta os valores da solidariedade política.
Finalmente, o congelamento do processo de adesão à CEE é uma derrota política em exclusivo do governo AD, porque é também da exclusiva responsabilidade do Governo a estratégia negociai definida e as posições negociais apresentadas em Bruxelas. Quiseram fazer da adesão à CEE uma mera questão de promoção político-partidária, escamoteando a sua natureza de questão de regime, marginalizaram os partidos da oposição na definição da estratégia negociai e dos acordos celebrados, menosprezaram a opinião pública em geral e em especial as posições dos trabalhadores e dos representantes das actividades económicas; não adianta agora fugirem para a frente e recorrem à técnica da avestruz - sofreram uma derrota política profunda, tenham a coragem de assumir as vossas responsabilidades.
A estratégia dos «pacotes» de dossiers demonstrou ser incorrecta: hoje o processo está bloqueado e a parte portuguesa já fez cedências em domínios aparentemente encerrados, onde as soluções encontradas são manifestamente lesivas do interesse nacional. É o caso do acordo dos têxteis, que prevê, na sua ambiguidade, restrições às nossas exportações mesmo após a adesão; a plena vigência das quatro liberdades, com consequências
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nefastas no plano da agricultura e do direito de estabelecimento; a devastação integral de alguns sectores industriais, como a construção naval e o sufocamento do Plano Siderúrgico Nacional; as restrições à livre circulação dos trabalhadores sem contrapartidas financeiras capazes; a exiguidade e inaplicação das ajudas de pré-adesão; a ausência de regras claras de utilização dos fundos comunitários em condições rentáveis para Portugal.
A consagração do princípio da adesão simultânea de Portugal e da Espanha, além de assinalar a derrota das posições portuguesas que desde o início pretendiam dissociar os 2 processos, sublinham também a debilidade da posição económica portuguesa face à do país vizinho e a vulnerabilidade, numa Europa a Doze, do nosso mercado interno às apetências expansionistas da economia espanhola, sobretudo no domínio das conservas hortofrutículas e de outros produtos alimentares, o que só poderá ser obviado mediante a introdução de transformações estruturais profundas na nossa economia.
Ora o governo AD não está apto a introduzir tais alterações que potencializem as vantagens comparativas das indústrias actualmente instaladas, nomeadamente das indústrias de trabalho intensivo qualificado ou semi-qualificado, das indústrias que valorizem os recursos naturais, das indústrias onde as economias de escala sejam pouco importantes e consequentemente não exijam à partida grandes mercados, das indústrias onde o país tem uma relativa independência tecnológica e, finalmente, das indústrias que poupam energia tradicional ou que utilizem novas formas de energia, como o biogás, as biomassas, e a energia solar e heólica.
Este quadro de prioridades pressupõe um autêntico plano económico de salvação nacional, definido por um poder político capaz e contractualizado com as principais forças sociais.
3 anos de governo AD chegam e sobram para demonstrar que não pode ser esta maioria parlamentar nem um governo dela saído que ponham em prática um plano de transformação estrutural da economia portuguesa assente num projecto claro de futuro.
É que, Sr. Presidente, Sr.ªs e Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, jamais, desde o 25 de Abril, um governo teve que enfrentar uma situação de «crise de confiança» como aquela que a governação AD gerou e hoje se instila em todos os sectores da vida nacional.
A acção do Governo no plano económico e no plano social provoca as mais vivas e acesas críticas da parte dos trabalhadores e das suas centrais sindicais, de par com a hostilidade de inúmeras associações de empresários que já não acreditam nas promessas que a AD lhes fez. O Governo actua em benefício de um número incrivelmente reduzido de grupos económicos, cuja reconstituição é já hoje um facto, deixando para além disso degradar o conjunto da economia nacional de forma desesperante. Recordemos, a propósito, que a p. 3278 afirmava o Programa do VIII Governo Constitucional, e cito:
Outra mudança radical terá por objectivo a neutralização e progressivo desmantelamento dos mecanismos clandestinos que têm vindo a infestar a quase generalidade dos sectores da nossa economia.
Hoje é claro para todos nós que os governos AD propiciaram a proliferação de um número infindo de economias paralelas, onde avulta o mercado negro de divisas e
o contrabando de bens e de influências que lançam fundadas suspeições sobre o funcionamento de sectores governamentais e até de membros do Governo.
Por outro lado, e em paralelo, desde a «fuga na mala» até à retenção de pagamentos de exportações na fonte, passando pela prática da subfacturação e da sobrefacturação, a fuga de capitais para o estrangeiro, que atinge valores dificilmente equiparáveis aos do passado recente posterior a 25 de Abril, constitui um outro indicador seguro da «crise de confiança» da «apagada e vil tristeza» que é a governação AD.
Não está aqui em causa a competência técnica do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, mas a falta de convicção com que os membros do Governo intervieram neste debate, o derrotismo e o demissionismo da AD demonstram cabalmente que a AD não é capaz de resolver a crise. A crise internacional não é a única causa dos nossos males e a AD diz que perante a crise internacional não há nada a fazer. Pedem-nos que tenhamos a paciência e a resignação, tal como Cristo tinha quando subiu ao Calvário. Só que se enganam, porque rigor não é em português sinónimo de apatia. Os factores endógenos da crise são vício de estrutura, sem dúvida, mas para os quais há respostas que a AD não tem capacidade a assumir.
O problema da AD não é um problema de cérebro, é essencialmente um problema de coração. A AD falta-lhe projecto e alma, a grandeza e dimensão nacional que lhe facultaram anteriores vitórias, mas que hoje soçobram num exterior sem brilho nem futuro. À falência da política económica AD, mau grado a inegável competência do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, é apenas uma componente da falência do projecto político da AD. É preciso substituir a AD antes que a AD leve o País à falência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são 13 horas, pelo que suspendo a sessão para reiniciar às 15 horas. Está suspensa a sessão..
Eram 13 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 40 minutos.
Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice--Presidente Tito de Morais.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, suponho que para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Silva Marques, Fernando Cardote, Pinto Nunes e Adelaide Paiva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Vitorino: Os meus cumprimentos, porque V. Ex.ª foi o primeiro interveniente neste debate que tentou debater, em situação difícil, é claro. Evidentemente que eu digo que foi o primeiro que tentou debater, na medida em que não escamoteou a análise da problemática geral e fez os primeiros reconhecimentos comparativos.
O Sr. Deputado Almeida Santos, que é um deputado de grande dignidade, quer parlamentar, quer cívica, não podia intervir na discussão sem reconhecer que havia crise geral. Era o mínimo que se podia exigir. Ô Partido Comunista nem isso fez, mas o Partido Comunista não
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tem preocupações com a dignidade do debate parlamentar. Simplesmente acontece que o Sr. Deputado Almeida Santos ê dirigente de um grande partido, tem preocupações eleitorais e, consequentemente, não podia ir muito longe. V. Ex.ª, Sr. Deputado António Vitorino, é dirigente de um pequeno partido e por isso estava livre para fazer os reconhecimentos que o rigor intelectual impunha.
V. Ex.ª disse, e bem, que a hipótese de aumento do produto nacional bruto em 3% tinha passado para 0%. Eu tinha dito que era para 0,5%, mas tem razão! Com efeito, os comentadores prevêem, relativamente às opções do Governo Francês, que dizer 0,5% é apenas vergonha de dizer 0%. Todos eles são unânimes no sentido de que o crescimento da França, dirigida pelo governo socialista-comunista, será de 0%, e, eventualmente, negativo.
Mas V. Ex.ª, para manter a referência de esquerda desse governo que está a fazer - como não pode deixar de ser - uma política restritiva, tentou salvá-lo dizendo: «mas tomaram medidas de compensação social para esta política de restrição». Sr. Deputado Vitorino, deve indicar a este Parlamento quais são as políticas sociais compensatórias porque é bom que se saiba quais são. E devo dizer-lhe que uma dessas políticas sociais compensatórias que é tomada em França pela primeira vez após a Grande Guerra é a suspensão das convenções salariais. Se tem dúvidas, eu apresento-lhe o relatório sobre as medidas económicas do actual governo socialista-comunista francês, sobre as opções económicas e a inflexão das suas prioridades.
É a primeira vez que, depois da Grande Guerra, se toca nessa coisa sagrada que são as convenções salariais. Pois, entre as medidas compensatórias a que V. Ex.ª se refere, contam-se as convenções salariais, que foram suspensas. Se quiser, podemos falar mesmo de outras medidas compensatórias e tenho aqui também alguns elementos acerca da segurança social e do esforço profundo para o reequilíbrio do respectivo orçamento. E decerto que a bancada comunista também deve estar bastante informada, não só porque está implicada no mesmo governo, mas porque está especialmente implicada.
V. Ex.ª fez, portanto, um esforço para debater a questão em termos de rigor intelectual. V. Ex.ª estava desinibido - o seu é um pequeno partido. Mas, mesmo assim, não levou até ao fim o seu rigor intelectual o que lastimo -, na medida em que, sendo pequeno o partido, não corria grandes perigos de perdas eleitorais. De qualquer modo, não podia deixar passar em claro o facto de ter acusado o Governo de corrupção. Aí, Sr. Deputado Vitorino, V. Ex.ª não se manteve fiel ao rigor intelectual porque sabe perfeitamente que é um princípio sagrado o de que é a quem ataca, a quem acusa, que compete o ónus da prova. E de duas uma: ou nós degradamos as instituições democráticas e parlamentares ou mantemos o rigor da utilização dos respectivos instrumentos, inclusivamente do instrumento acusatório, mas em termos de dignidade. Portanto, V. Ex.ª devia carrear provas, mesmo indiciarias, da acusação grave que fez ou então teve aí uma fraqueza em termos de rigor parlamentar.
V. Ex.» acusou o actual Governo de ter seguido uma política errada no que diz respeito às negociações de adesão à Comunidade Económica Europeia, condenando a estratégia de negociação por pacotes. Ora, aí, V. Ex.ª fez uma acusação que não demonstrou. Inclusivamente, a tese contrária é que é a verdadeira. Com efeito, a estratégia da negociação por pacotes deu resultados, resultados que estão demonstrados, e se neste momento há algum impasse, ele decorre da própria dificuldade interna da Comunidade Económica Europeia em aceitar a sua própria política global.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Era bom que fosse assim!
O Orador: - E V. Ex.ª tentou, com receio, entrar em demonstrações de fundamentação. Eu reconheço as suas preocupações de rigor intelectual, mas são arriscadas, pois V. Ex.ª foi invocar precisamente um exemplo concreto que reverte contra si o acordo dos têxteis, que é um caso concreto de êxito, não só no aspecto negociai, como no aspecto da participação dos agentes interessados.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Isso é loucura!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O que é que você percebe disso?
O Orador: - V. Ex.ª diz que a política do actual governo é de direita. Significará isso que o actual governo francês está a fazer uma política de esquerda? Não está. O actual governo francês socialista-comunista está a fazer uma política para utilizar as suas referências terminológicas de direita. Será que se trata da confirmação desse fenómeno clássico de, normalmente, um partido de esquerda fazer no governo uma política de direita e vice-versa? Digamos que cabe a V. Ex.ª esse tipo de raciocínios e, se eu o utilizasse, dir-lhe-ia que nós estamos a fazer uma política de esquerda. Talvez seja por isso que quer a bancada do Partido Socialista, quer a bancada do Partido Comunista, não têm capacidade para atacar a nossa política. Mas não me interessa jogar nessa terminologia, que, aliás, está desactualizada. Direi apenas, que a política que estamos a fazer nem é de esquerda nem de direita; é uma política fundada nos objectivos da actual maioria, que são o de vencer, de fornia eficaz, persistente e gradualista, a crise. Portanto, ligada a uma profunda preocupação de rigor na política financeira e económica, temos também uma outra grande preocupação -nós não somos tecnocratas -, matriz da actual maioria e do actual governo, e que é um profundo rigor e um sentido de justiça social e de equilíbrio.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, deseja responder apenas no fim? Informo-o de que o seu partido dispõe de 5 minutos...
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Cardote.
O Sr. Fernando Cardote (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado António Vitorino: V. Ex.ª fez-nos, como de resto é seu timbre, um discurso ágil, fluente, vivo. Mas, desta vez, classificá-lo-ia também de infernal, pois não sei se, na peugada do Sr. Deputado Almeida Santos, V. Ex.ª
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veio aqui dizer que a AD tinha lançado Portugal num inferno, mas o certo é que não classificou esse inferno, Sr. Deputado! O Sr. Deputado Almeida Santos foi um bocadinho mais longe, foi mais preciso, disse que era o inferno de Dante! E até foi um bocadinho generoso connosco porque disse que estávamos ou íamos a ante. Ora, ele teve benefício de podermos caminho do 8.º anel do inferior nove, por isso, ainda nos d descer mais um!
Muito obrigado.
Gostaria ainda de perguntar ao Sr. Deputado António Vitorino se acha que nós estamos lançados num inferno. ó Sr. Deputado, como é que o senhor classificaria uma situação económica como aquela a que foram conduzidos países como a Polónia e a Roménia, por virtude de políticas económicas ai aplicadas, em que bens essenciais, como os bens alimentares, estão sujeitos a racionamento - repare -, sujeitos a cartões de racionamento? Como classificaria situações em que, e cito a Roménia, já quase não ha aquecimento nas escolas, nas oficinas, nos locais públicos, devido a tremendas restrições de energia? E sem falar, Sr. Deputado, nas restrições à liberdade dos cidadãos - como agora acontece na Polónia-, ainda muito mais apertadas, agora em que o simples facto de distribuir panfletos é hoje punido, em média, com 3 anos de prisão! Por distribuir panfletos, Sr. Deputado!
O Sr. António Arnaut (PS): - O que é que isso tem a ver com esta discussão?
O Orador: - Como classificaria o senhor situações destas? De infernos ou simples purgatórios?
Veio V. Ex.ª dizer-nos também que tem havido determinadas modificações na governação de alguns países europeus, no sentido de ascenderem ao poder regimes aptos a fazer sair da crise tais países. Ora, Sr. Deputado, V. Ex.ª esqueceu-se de outros países em que se deu, justamente, a inversa. Então V. Ex.ª não tem presente o caso da Holanda, da Bélgica, da Dinamarca, da Itália, da própria Alemanha? Não é que eu queira tirar daí vantagens, porque eu compreendo que a crise é tão profunda, é tão generalizada, que lhe digo com toda a sinceridade e com toda a honestidade: não sei quais forças políticas, neste momento, estarão verdadeiramente aptas a tirar os seus países da crise, a resolverem a crise? E digo-o porque o Sr. Deputado acusa a AD de ser incapaz de resolver a crise. Eu até estou de acordo consigo, pois capaz de resolver a crise por si, sozinha, não será. Não o será, talvez, a AD; não o será, talvez, a extinta e de triste memória FRS;...
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Porque é que é de triste memória?
O Orador: - ...não o será qualquer outra coligação, ou qualquer outro partido. O que qualquer governo responsável tem é o dever de tentar minorar, dentro das suas possibilidades, dentro do seu campo de manobra e dentro da sua acção, a crise nos seus países e prepará-los para um futuro melhor e para encontrarem outra via, outra vocação, se a que têm no campo económico não serve. É isso, realmente, que espero que seja aqui feito.
O discurso de V. Ex.ª teve ainda outro mérito: o de introduzir um tema novo que não tinha ainda sido focado - o da CEE. Em relação a isso, eu só quero dizer
que se não entrarmos na CEE considero que a derrota não é do governo AD, a derrota é da Europa, a derrota é da CEE.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pede a palavra para que efeito?
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para pedir um esclarecimento à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, eu saí daqui tranquilamente para almoçar. Entro aqui e, de repente, começo a ficar perturbado: oiço o Sr. Deputado Silva Marques fazer uma longa interpelação ao Governo Francês; olhei para aquela bancada e vi o Ministro Marcelo Rebelo de Sousa, não vi o Primeiro-Ministro Maurois nem o ministro da Economia Delors; a seguir, entra o Sr. Deputado Fernando Cardote que fala da Polónia e da Roménia, mas continuo a ver o Sr. Ministro Marcelo Rebelo de Sousa. Como é, Sr. Presidente: o Ministro Rebelo de Sousa está aqui a ser interpelado sobre a política do Governo Francês, do Governo Polaco ou do Governo Romeno? Sou eu que estou enganado, ou estamos, de facto, a interpelar a política económica do Governo Português?!
Sr. Presidente, por favor, esclareça-me.
Aplausos da UEDS, do PS, do PCP, da ASDI e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado sabe, os Srs. Deputados têm a liberdade de palavra e podem exprimir-se como entenderem, de forma que não compete à Mesa ajuizar do valor ou do não valor das suas intervenções. Por isso, consenti que estes Srs. Deputados tivessem usado da palavra.
Uma voz do PSD: - Muito bem, Sr. Presidente!
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não teci uma crítica à Mesa. Eu peço, apenas, ao Sr. Presidente que me confirme se, de facto, a interpelação é à política económica do governo AD, do Governo de Portugal neste momento. Foi só isto que eu pedi à Mesa.
O Sr. Presidente: - É o que está na ordem de trabalhos, Sr. Deputado.
Risos da UEDS e do PS.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques está a pedir a palavra para que efeito?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
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O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Essa cabeça já nem para risco ao meio dá!
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dizer que a minha intervenção foi no sentido de pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Vitorino.
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pinto Nunes, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado António Vitorino, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou falar, nem da Polónia, nem da Roménia, nem da Holanda, nem da França.
O Sr. César Oliveira(UEDS) e vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas desejava pedir ao Sr. Deputado António Vitorino um esclarecimento: há pouco, considerei serôdio o conteúdo factual da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos e expliquei porquê. Mas a verdade é que a intervenção de V. Ex.ª conseguiu exceder em muito essa outra intervenção.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Excedeu-a em repetição, no repisar, embora brilhante, de questões já abordadas e resolvidas, mas excedeu-a sobretudo em imaginação. Neste aspecto a sua intervenção foi um delírio - e o senhor tem consciência disso -, e foi um delírio pela leitura caricatural que fez da conjuntura, pelos ângulos de visão abstrusos e mesmo deformados que utilizou, talvez por excesso de paixão ideológica. Por isso, Sr. Deputado, gostava que me dissesse para quando a utilização do seu inegável talento que o tem no apontar rigoroso de vias alternativas, mesmo em termos genéricos, mas de vias alternativas com um mínimo de objectividade face às realidades do mundo em que vivemos, não falando da Polónia, não falando da França.
O Sr. Presidente: - Estava inscrita, para usar da palavra, a Sr.» Deputada Adelaide Paiva...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma deputada engraçada.
O Sr. Presidente: - Como não está presente, pergunto ao Sr. Deputado António Vitorino se deseja responder às perguntas de esclarecimento que lhe foram formuladas?
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu tenho muito pouco tempo e serei, portanto, parcial nas respostas.
Em relação ao Sr. Deputado Pinto Nunes, direi apenas que eu uso os meus talentos como muito bem entendo. Deixe-me esse direito porque, naturalmente, quanto às minhas posições, espero que o Sr. Deputado não interfira nelas.
Risos da UEDS, do PSD, do CDS e da ASDI.
Quanto ao Sr. Deputado Cardote, em matéria de afeição aos exemplos do Leste, as autoridades nesta Câmara são os Srs. Deputados Silva Marques, Álvaro Barreto e Fernando Cardote. Eu não tenho qualquer afeição por esses modelos. De facto, fiz uma referência a vários países da Europa Ocidental e não referi a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, a Itália e a Alemanha, mas eles também não podem ser metidos no mesmo saco, na precisa medida em que o acesso da direita ao poder na Itália e na Alemanha não decorre de nenhum acto eleitoral recente e os exemplos que dei eram apenas restritos a actos eleitorais recentes.
Quanto ao problema do inferno, remeto-o para o Dr. Pinto Balsemão, pois foi quem disse há 6 meses que, se a situação económica portuguesa não se invertesse, só havia duas alternativas para o país: ou a Polónia ou a Turquia.
O Sr. António Arnaut (PS): - Muito bem!
O Orador: - Que a situação não se inverteu é um facto que o Sr. Ministro das Finanças reconheceu. Resta saber o que nos espera: se a Polónia, se a Turquia...
Aplausos do PS e da ASDI.
Eu guardo os bombons para o fim, e por isso vou agora responder ao Sr. Deputado Silva Marques.
Eu já reparei que a política do governo AD não é de esquerda nem é de direita - a política do governo AD é a grande bagunça!
Risos do PS.
E sobretudo quando interpretada pelo Sr. Deputado Silva Marques, cujos princípios económicos, inegavelmente, foram colhidos nos ensinamentos de P. Arkimov, no manual da Academia de Ciências da URSS.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Confesso que consultei.
O Orador: - Eu chego à conclusão que, de facto, a grande bagunça económica deste país começa na cabeça do Sr. Deputado Silva Marques!
Risos da UEDS, do PS e da ASDI.
Na realidade, para sermos muito claros, ter o despudor de vir a esta Câmara dizer que o acordo dos têxteis teve êxito para o Governo Português é, de facto, o delírio total. Eu remeto-o para os industriais têxteis deste pais, que lhes vão fazer pagar bem caro o acordo dos têxteis a que os senhores chegaram em Bruxelas.
Esperem pela pancada.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
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O Orador: - Sr. Deputado, tenho apenas 4 minutos.
Mas, a propósito de provas indiciarias, eu não vou transformar a interpelação económica ao governo num novo Camarate. Isto não é uma câmara de juízo, em que existe um réu e em que existem o juiz e as testemunhas.
Sr. Deputado, o que eu disse, clara e inequivocamente, é que há casos de corrupção que são conhecidos.
A Sr.ª Teresa Santa Clara Gomes (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Esses casos de corrupção são conhecidos de todos e vieram nos jornais e, de alguns, já correm processos nos tribunais. E eu, neste momento, entendo que é legitimo fazer eco nesta Câmara de uma realidade que a comunicação social já reproduziu - e eu até sou especialmente afecto a comer um fruto muito simpático, que é a banana...
Sr. Presidente, Srs. Deputados, na realidade...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença Sr. Deputado?
O Orador: - Ó Sr. Deputado, se for no seu tempo, pode interromper. No meu tempo é que não pode ser.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não é legítimo que V. Ex.ª seleccione alguns aspectos. Se diz que há...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes que evitem o diálogo.
Sr. Deputado António Vitorino, concorda com esta interrupção?
O Orador: - Sr. Presidente, casos de desconto de tempo são com o Sr. Deputado Silva Marques...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado, se diz que há casos de corrupção cujos processos estão a decorrer, deve congratular-se.
Risos do PCP.
O Orador: - Ó Sr. Deputado, essa observação nem reparo merece! De facto, apenas posso concluir que, além de uma grande confusão sobre a política económica, também existe na sua cabeça uma grande confusão sobre processos judiciais.
Risos do PCP.
Continuando: é evidente que a política do Governo Francês é uma política menos ambiciosa do que os pressupostos que foram definidos quando o Presidente Mitterrand foi eleito Presidente da República Francesa, porque a conjuntura internacional se modificou.
Mas o que o Sr. Deputado Silva Marques devia vir aqui dizer é que, por exemplo, o Governo Francês abandonou a prioridade do emprego. Mas não é verdade, não abandonou; transformou a sua política económica, mas manteve a prioridade fundamental. E se quer exemplos de compensações sociais, refiro-lhe a lei de antecipação das reformas - que é um instrumento extremamente importante para a criação de emprego e de rejuvenescimento do corpo laborai do País - e cito-lhe
ainda, toda a reformulação do sistema de segurança social que foi conseguida com o acordo das entidades patronais e dos sindicatos.
Vozes da UEDS e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em resumo, a AD pretendeu pôr de lado as suas próprias responsabilidades no descalabro económico do País, recorrendo a uma colagem serôdia e obsessiva em relação à situação francesa.
Nós não temos dúvidas de que os senhores fazem isso porque não têm resposta para os problemas concretos dos Portugueses e de Portugal.
Aplausos da UEDS, do PS, da ASDI e da deputada do MDP/CDE Helena Cidade Moura.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Casquilho.
O Sr. Mário Casquilho (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Já aqui foi referido que o tempo passado sobre a apresentação e discussão do Programa deste Governo é suficiente para avaliar dos efeitos práticos da orientação que tem presidido à sua política económica e financeira e da eficácia das medidas que tem adoptado.
De facto, a validade das críticas que foram apresentadas quando dessa discussão é facilmente testada pela evolução da situação económica e financeira do País e pelos contornos que hoje a caracterizam.
Pela nossa parte, afirmámos nessa altura que a questão não se colocava no domínio exclusivamente técnico, mas sim no domínio da orientação geral e política e que o VIII Governo iria «agravar ainda mais as dificuldades crescentes que afligem a grande maioria dos portugueses», como consequência do agravamento da situação económica e financeira do País.
Esta previsão que aliás não era difícil, tendo em conta o que o Programa do viu Governo preconizava - revelou-se inteiramente realizada.
As metas que o Governo se propunha ou que apresentava como as prioridades que norteariam a acção governativa revelaram-se falsas.
Que dizer da prioridade «política da habitação»?
E da prioridade «nova política de exportação»?
E da prioridade «fomento da produção agrícola»?
E da prioridade «política de regionalização»?
Estas quatro prioridades do viu Governo continham-se num contexto global que se definia, ambiciosamente, nestes termos: «constituir um estado de direito democrático, recuperar e desenvolver a economia e promover o reformismo social», palavras com que o viu Governo abria o seu Programa.
Embora, evidentemente, a nossa contribuição para este debate esteja centrada na matéria da interpelação, não é legítimo e não o faremos isolar a vertente económica e financeira das restantes.
E a verdade é que a degradação que este país vem sofrendo nestes últimos anos manifesta-se também ao nível do político - este Estado é cada vez menos um Estado de direito democrático; e do social - neste país é cada vez menor o peso do social e do cultural na vida colectiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Recuperar e desenvolver a economia» revelou-se uma meta inatingível pela AD, ou as palavras perderam completamente o significado.
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Nem o agravamento do endividamento externo serviu para dinamizar o crescimento económico nem a estagnação da economia e a deterioração geral das condições de vida teve contrapartida na redução da dependência e da vulnerabilidade da nossa economia.
O agravamento da crise resultou, fundamentalmente, da persistência do viu Governo na política dos governos anteriores, de raiz estritamente conjuntural e feição monetarista, com desprezo total pelo planeamento económico e pela adopção de políticas de mudança estrutural.
As propostas de lei das grandes opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1983 agora - tarde e mal! - apresentadas têm o condão de tornar transparente a aposta da AD nos instrumentos de índole conjuntural e no capitalismo liberal.
Terão a sua sequência lógica e, simultaneamente, o seu suporte político-repressivo na catadupa legislativa que o Governo nos promete nos planos económico, social e laborai, persistindo na sua intenção de violentar a ordem constitucional que não conseguiu destruir através da revisão da Constituição.
Trata-se, em suma, de uma nova edição agravada da política restritiva já ensaiada, cujos malefícios agravados não é difícil antever no quadro actual externo e interno prevalecentes.
É uma política sem futuro, como o demonstrou a oração fúnebre aqui ontem proferida pelo Sr. Ministro João Salgueiro.
Vozes do MDP/CDE: - Muito bem!
O Orador: - O tratamento não matará o doente, porque o país reagirá.
Mas se estas grandes opções do Plano e este Orçamento do Estado para 1983 forem aprovados, a crise ganhará uma qualidade nova, a recessão instalar-se-á e o desastre só poderá ser evitado à custa de sacrifícios redobrados.
A aposta da AD tem objectivos assumidos com clareza - a contenção do consumo e do investimento e a redução do nível de satisfação das necessidades básicas da população.
Prossegue esses objectivos através do agravamento quantitativo e qualitativo da carga fiscal, da contenção da despesa pública e em especial do investimento público, de quebra da produção, do aumento do desemprego, da redução dos salários reais, de um novo retrocesso na distribuição funcional do rendimento.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta aposta tem subjacente uma opção política a favor dos interesses restritos do grande capital nacional e estrangeiro e do seu agente privilegiado neste momento, o sector exportador especulativo da economia.
Esta opção desemboca na chamada estratégia de desenvolvimento assente na exportação.
Não se pode dizer que tal constitua uma novidade, quer relativamente ao Programa do VIII Governo, quer às grandes opções do Plano para 1982.
Não é também novidade a posição do MDP/CDE a este respeito, tal como se evidenciou, por exemplo, no debate realizado nesta Assembleia em Novembro do ano passado.
No que toca ao Governo, porém, nunca a chamada estratégia de desenvolvimento assente na exportação foi tão insistente e claramente enunciada como nos últimos tempos e em todas as oportunidades.
Pode dizer-se que o discurso do Sr. Primeiro-Ministro na Conferência dos Economistas Portugueses, realizada em Lisboa em Outubro passado, foi, a todos os títulos, elucidativa, especialmente quanto ao reconhecimento dos pressupostos em que assenta tal estratégia.
Foram generalizadas as reservas que este chamado modelo de desenvolvimento assente na exportação despertou entre os participantes da referida Conferência.
Foram pertinentes as interrogações que suscitou.
Foram claras as condenações que mereceu. E com razão.
Quanto a nós, duas grandes questões se podem e devem colocar a este respeito.
A primeira, é a sua própria viabilidade num contexto internacional em que tudo aponta para dificuldades acrescidas na promoção das nossas exportações.
Dificuldades que resultam, por um lado, de factores totalmente fora do nosso controle e, tais como o clima de recessão económica que afecta a economia mundial, com quase estagnação dos volumes importados, a persistência e intensificação previsível de medidas proteccionistas, o endurecimento da concorrência internacional.
Por outro lado, o reduzido peso e a estrutura da nossa oferta externa nada contribuem para minorar essas dificuldades.
A segunda, é a identificação clara das condições político-sociais em que a expansão da procura externa se pode verificar no contexto anteriormente caracterizado.
No que diz respeito ao sector capitalista da economia, será o enriquecimento e o fortalecimento político do sector exportador especulativo aliado ao sector financeiro.
Será o enfeudamento do sector produtivo privado, no seu conjunto, à liderança daqueles interesses.
No que diz respeito ao sector público empresarial, será a sua subalternização acelerada, sacrificando o papel dinamizador da economia que lhe é próprio.
Neste quadro, é fácil prever que a política cambial continue a afectar mais a rentabilidade do sector exportador especulativo do que os preços de exportação e os termos de troca. Não se percebe, assim, o espanto de vários membros do Governo quando invocam a subida das exportações em volume e a sua descida em dólares.
No plano social, será a persistência dos baixos salários e a reconcentração do rendimento, a persistência de elevados índices de desemprego, com uma mão-de-obra abundante e barata, a persistência de baixos índices de satisfação das necessidades básicas da população.
No plano político, finalmente, será o agravamento da dependência externa e a limitação das liberdades públicas, em especial das liberdades sindicais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta denúncia do chamado modelo exportador do desenvolvimento não significa subestimar a importância das exportações. Significa, sim, identificar o chamado modelo de desenvolvimento assente na exportação como mera cortina de fumo que disfarça um programa real de retrocesso da sociedade portuguesa ao nível económico, social e político.
O incremento das exportações a todo o custo deve ser rejeitado como vector do desenvolvimento do País.
O incremento das exportações em novos moldes deve ser, sim, assumido como um dos elementos determinantes de uma política económica alternativa, cuja elaboração é urgente. Elaboração que tem de resultar de um entendimento muito largo à volta de algumas quês-
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toes essenciais, entendimento que a AD não é capaz, nem está interessada em promover.
Não seria capaz, mesmo que o quisesse.
A sua credibilidade está cada vez mais comprometida junto dos agentes económicos, cuja mobilização é essencial para superar a crise.
Os empresários que apostariam a sua iniciativa numa economia em marcha, retraem-se.
Os gestores e os técnicos que se querem pautar por quadros normais de actividade económica, desanimam.
Os trabalhadores, decididamente, não aceitarão sacrifícios que não estejam associados à esperança.
Não quer, mesmo que pudesse.
Tal acarretaria atingir no seu cerne o comando real e difuso da economia portuguesa no plano em que hoje se processa e sobre o qual perdeu o controle - o nível da economia clandestina dos centros de decisão obscuros, da corrupção, da evasão de capitais, do compadrio, da incompetência e da impunidade.
O Sr. Lemos Damião (PSD): - Onde é isso?
O Orador: - A definição e a aplicação de uma estratégia de política económica alternativa que sirva os interesses do País e permita ultrapassar a crise impõe o afastamento da AD do poder.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A solução dos problemas económicos e financeiros do País é, pois, uma solução política. Passa pela demissão deste Governo e pela eleição de uma nova Assembleia da República que rejeite as grandes opções e o Orçamento do Estado para 1983, e na qual uma nova política económica e financeira, ao serviço do progresso, encontre acolhimento maioritário.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, estou defrontado com um problema. Eu inscrevi-me ontem a meio da tarde para uma intervenção. Porém, a forma como o debate tem decorrido não me vai permitir intervir a tempo de me poder deslocar ao Porto, onde tenho que estar ao fim da tarde.
Assim, pretendia solicitar a V. Ex.ª que, com o acordo da Câmara, me fosse permitido fazer já a intervenção, para que a UDP não deixe de apresentar aqui as suas posições. Aliás, e já se tem feito algumas vezes, se falam vários deputados do mesmo partido sem que um outro partido tenha conseguido falar, é útil permitir-se-lhe o uso da palavra para que todos possam expressar as suas opiniões numa situação de debate.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - O Sr. Deputado Octávio Teixeira é que é prejudicado!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, da parte da Mesa não há qualquer objecção ao que solicitou. Evidentemente que é necessário o acordo dos senhores deputados inscritos. Algum destes senhores deputados se opõe ao que foi solicitado pelo Sr. Deputado Mário Tomé?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, a questão é a seguinte: como partido interpelante, ainda não fizemos qualquer intervenção durante o debate. Segundo penso, a próxima intervenção, na ordem de inscrições, é do Partido Comunista Português. Em princípio, não vemos qualquer inconveniente na sugestão que o Sr. Deputado Mário Tomé apresenta. De qualquer forma - e se não houvesse transtorno para o Sr. Deputado -, nós gostaríamos de fazer a nossa intervenção agora, dado que, como referi, ainda não tivemos qualquer intervenção no debate.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, estou a presumir que - e porque o principal interessado, como eu disse, é o Sr. Deputado Octávio Teixeira - no caso de o Sr. Deputado Mário Tomé falar neste momento, o que é razoável, o Sr. Deputado Octávio Teixeira passaria para o lugar do Sr. Deputado Mário Tomé. É assim?
Vozes do PCP: - Não, Sr. Deputado.
O Orador: - Bom, seria razoável, mas não é por isso que se vai levantar qualquer problema.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, não se trata de uma troca. O Sr. Deputado Mário Tomé, porque está inscrito, no fim de uma longa lista, em 6.º ou 7.º lugar, não poderá intervir. Para que ele possa expor os seus pontos de vista terá que falar já, e só o poderá fazer se os senhores deputados estiverem de acordo, particularmente os Srs. Deputados Rogério de Brito e Manuel dos Santos. Se estes Srs. Deputados estiverem de acordo em ceder o lugar ao Sr. Deputado Mário Tomé, ele poderá usar já da palavra.
Quanto ao Sr. Deputado Rogério de Brito, parece que preferia falar antes do Sr. Deputado Mário Tomé, não é assim?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, apenas queria esclarecer que nós não estamos a querer levantar qualquer objecção a um acerto de boa vontade. Só queria lembrar que também os nossos deputados estão em lugares distantes na ordem das intervenções, mas que também interviremos. Evidentemente que cada um resolve os seus problemas particulares.
Nós ocupamos posições na lista de inscrições muito depois da do Sr. Deputado Mário Tomé. É a nossa vez. Quando eu pus o problema da troca não era nada de
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abusivo! No entanto, se o Sr. Deputado faz tanta questão em falar imediatamente, pois que fale! Apenas quis lembrar que a nossa posição é razoável.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, queria apenas informar V. Ex.ª e a Câmara que não vemos nenhum inconveniente em que o Sr. Deputado Mário Tomé fale de imediato. Se houver alguma dificuldade na troca com o Sr. Deputado do Partido Comunista Português eu aceito a troca imediata, isto é, falaria o Sr. Deputado do PCP e o Sr. Deputado Mário Tomé disporia do meu lugar.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, em princípio, como referi, nós estávamos interessados em que o nosso camarada Rogério de Brito interviesse já. No entanto e dado que o Sr. Deputado Mário Tomé insiste em que só agora pode intervir -, desde que não haja alteração na ordem de inscrições, ou seja, desde que a seguir seja aquele meu camarada a intervir, não levantamos qualquer objecção a que o Sr. Deputado Mário Tomé f ale já.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem então a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero agradecer à Câmara a possibilidade que me deu de intervir já. De contrário, a UDP não teria a possibilidade de expor aqui a sua posição, que é importante para os trabalhadores e para o povo português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Enquanto o Ministro das Finanças nos vem dizer que não passamos de um apêndice da economia imperialista sem acção nem vontade próprias, esperando a clarificação da crise internacional, esperando pelo dia em que os países da Europa acedam a deixar-nos entrar para o seu clube de desemprego e desorientação política e económica, o Ministro da Agricultura e do Comércio vem garantir-nos afinal que, apesar da má situação em que se encontra o sector, o Governo cria - ou pretende criar - as condições necessárias e suficientes para a sua recuperação, de tal forma eficaz que iremos assistir dentro em pouco segundo as suas palavras a um grande aumento no provisionamento de cereais e a grandes alterações estruturais, do Vale do Mondego à zona de intervenção da Reforma Agrária, que modificarão a face da nossa agricultura, para já não falar naquilo que vai acontecer no sector das pescas sob o impulso irreprimível do Ministro Basílio Horta, que conta com o empenhamento patriótico de trabalhadores e empresários. 700000 contos irão receber estes últimos, pois que os trabalhadores, segundo a afirmação indesmentível do Primeiro-Ministro Balsemão, gastam, de uma forma geral, demais!
Na verdade, não há nenhum trabalhador que não esteja de acordo em como gasta demais. Só que gasta demais porque ganha de menos. Só que gastando demais, não gasta o suficiente. É este o grande problema do povo português.
Na linha dos grandes políticos e economistas, de Salazar até João Salgueiro, sem esquecer Cavaco e Silva, o Governo vai então resolver o problema, garantindo a cada português uma ajuda técnica especializada e um apoio eficaz e atempado, actuando mesmo ao nível do orçamento privado de cada um.
De facto, não poderá haver melhor solução: se os portugueses gastam demais Balsemão organiza-lhes directamente o orçamento familiar. Para isso, determina que, através de aumento de impostos em especial os indirectos e, nestes, o de transacção, para não deixar ninguém sem aquela importante assistência técnica -, cada português passe a gastar menos, sendo o excesso entregue, em fornia de impostos, ao Governo.
Desta forma, os trabalhadores passarão a ver contidas as suas despesas, terão a possibilidade de aforrar o seu dinheiro em vez de o dissiparem em bifes e em comida e contribuirão patrioticamente para a redução dos défices da balança comercial e de pagamentos e engrossarão o erário público, garantindo um fundo de maneio ao Governo que lhe permita ir com a frequência necessária aos vários cantos do mundo ver se há sinais de clarificação da crise internacional.
Risos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
Não deixarão os trabalhadores ainda de participar activamente na recuperação da economia portuguesa, pois todo esse dinheiro não vai só para as viagens do Executivo - e são, de facto, exageros -, mas sim, e a grande parte, será entregue aos empresários para criarem alguns postos de emprego, depois de despedirem dezenas de milhar de trabalhadores, por forma a garantir o aumento da produtividade baseada em novas e sofisticadas tecnologias, na redução do absentismo e na liquidação dos trabalhadores subversivos que teimam em agitar-se, como se Marx não fosse do tempo da máquina a vapor e hoje não se pusessem aos trabalhadores e empresários nobres tarefas de mútuo entendimento, de íntima colaboração, não só para sair da crise que a todos afecta, mas para rasgar um futuro novo de progresso, como queria Sá Carneiro. Um casamento trabalho/capital celebrado na catedral da cibernética e abençoado por um computador da IBM.
Risos do PCP, da UEDS e do MDP/CDE.
Toda a nossa economia, todas as forças vivas estão em tensão, a caminho do progresso. Assim o permitam a crise!...
Na Musgueira, no Casal Ventoso, no Bairro da Liberdade, na Ribeira, na Sé, no Barredo, na cintura de lata das grandes cidades, nas zonas degradadas, centenas de milhar de pessoas olham, com a ambição que está na base dos grandes actos individuais e colectivos, com a ambição que os levará a lançarem-se na grande corrida, na grande competição caminho ao futuro, olham os 80000 fogos vazios que não serão para alugar, mas para vender, segundo a afirmação abalizada do Ministro da Habitação.
O Governo não pretende que as pessoas corram o risco de serem despejadas - e todos sabem como se correm perigos desusados se for preciso soltar o Angelo Correia e os seus polícias.
Risos do PCP e do MDP/CDE.
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Pelo que tudo irá ser feito para que cada português ou, sendo isto, de facto, um exagero, para cada família portuguesa - com a taxa da televisão em dia, sem casos de droga, marginalidade ou outros, como o demasiado apego a esquemas profanos de planeamento familiar, em especial a não existência de casos de aborto - ter, não uma casa alugada mas, uma casa própria! Na senda, aliás, do preconizado pelo governo AD e que é: «cada proletário, um capitalista»! Enfim, não muito grande...
Por outro lado, os grandes empreiteiros, construtores civis e empresários não se verão por tempo indeterminado impossibilitados de rapidamente investir para garantir mais habitações para os Portugueses.
As condições difíceis de crédito, os 80% do rendimento familiar para aquisição dos andares a, pelo menos, 1000 contos por assoalhada, destinam-se a, de uma forma indirecta mas personalista, dar um incentivo à vontade de trabalhar, e, por outro lado, em conjugação com determinado tipo de doenças que prosperam, como a tuberculose, e em conjugação com os despejos dos ocupantes do período de 1974/1975, que está quase riscado das nossas preocupações, com as bichas para as consultas, as taxas e preços de remédios, garantir à população um mínimo de insegurança que permita dar cumprimento ao slogan do Dr. Luís Barbosa: «Não há qualidade de vida sem um mínimo de insegurança». O Ministro da Qualidade de Vida é, pois, o governante que maior êxito tem tido no respectivo pelouro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O que se está a passar nesta Assembleia, no cumprimento de mais um ritual, as respostas e os discursos da AD e dos membros do Governo são de chapa 3, estão gastas e não prestam: Apenas servem para a AD continuar a fazer pouco do povo português.
A realidade comezinha, quotidiana, desmente o Governo, que, sem outra saída, se limita a falar para a sua maioria, maioria que desta vez, por motivos eleitorais e de auto-preservação, resolveu também entrar no debate - ao contrário do que costuma fazer, pois estão sempre caladinhos -, num tom irónico, nada adequado a quem se prepara para sofrer uma implacável derrota eleitoral. E muito menos adequado ainda a quem está desorientado e não sabe o que tem de fazer, para além de se deixar enredar na vertigem do compadrio, da corrupção, da especulação, do salve-se quem puder; que a crise é bruta, mas dá saída aos aldrabões e aos sem escrúpulos e aos que se souberem colocar nas boas graças dos amigos americanos e da CEE; dá saída aos membros do Governo e a todos aqueles que os usam no fomento dos grandes lucros, à custa da miséria e da repressão dos trabalhadores.
Fala-se de macroeconomia para esconder os milhões de micro casos que fazem a desgraça dos trabalhadores e do povo português. Há dias aqui, neste Parlamento, quando o Sr. Deputado Vítor Crespo se queixava das dificuldades económicas que assolam o nosso país, perguntei-lhe, num aparte, se ele sentia dificuldades económicas.
Hoje, pergunto aos membros do Governo se sentem dificuldades económicas.
E se as dificuldades com que tanto se preocupam são as dos milhões de operários, camponeses, empregados, pequenos e médios comerciantes, industriais, reformados, pensionistas, jovens e as da mulher trabalhadora. Ou ainda as dificuldades das centenas de milhar de desempregados.
Se disserem que sim, serei obrigado a dizer-lhes mais uma vez que mentem descaradamente!
Hoje, um dos problemas mais sentidos pelo nosso povo, quer em termos sociais, quer em termos económicos, é o da habitação.
Como actua o Governo neste sector?
Cuida aturadamente de promover os interesses dos grandes especuladores monopolistas, dos tubarões.
Pode uma mente sã, um espírito honesto, imaginar sequer em pesadelo aquilo que este Governo não teve pejo de pôr em prática através de tão apressada, leviana e irresponsável legislação, como o Decreto-Lei n.º 330/81, o Despacho Normativo n.º 75/82, o Decreto-Lei n.º 189/82 ou o Decreto-Lei n.º 392/82?
Pode admitir-se que um cérebro não deformado pela monstruosidade da gula e da ambição, prescreva e mande executar, - ê este o termo adequado, executar - milhares e milhares de pequenos e médios comerciantes, através do aumento brutal, arrasador, das rendas comerciais?
Que critério razoável já não digo democrático, nem muito menos popular permite que uma renda, de um dia para o outro, passe de 400$ para 4200$, uma renda de 2000$ para 70000$, uma de 2200$ para 87000$, uma de 10 000$ para 150000$? Ou seja, aumentos do nível de 2000%, 3000% e 4000%? Ou que uma renda de 1000$ passe, em 12 anos, para 50000$? Ou que uma de 12 contos passe, no mesmo período para 300 contos, ou ainda de 20 contos para 500 contos?
Um governo que em nome do aumento dos preços e do livre funcionamento do mercado para incentivar o investimento imobiliário nós dizemos especulação imobiliária - se permite impor ou possibilitar aumentos desta ordem, enquanto se recusa sequer a repor o valor da inflação deste ano nos salários dos trabalhadores da função pública e estabelece tectos salariais muito baixo do aumento do custo de vida, enquanto se prepara para gastar 50 milhões de contos em navios de guerra, um governo destes mostra claramente de que lado está: está do lado do esbulho, do roubo dos operários e trabalhadores, está do lado dos grandes senhores dos grandes empreiteiros, dos grandes comerciantes, dos monopolistas.
Protestos do PSD.
Ê um governo que não merece sequer o benefício da dúvida.
A preocupação do Governo com o progresso dos especuladores é de tal ordem que já não lhe basta, no campo da habitação, garantir a filosofia da renda condicionada, ou seja, os aumentos constantes de rendas.
É preciso ter as casas vagas para que a especulação não definhe, antes pelo contrário, contribua para fornecer índices seguros da actividade económica dinâmica aos analistas macroeconómicos!
Por isso, hoje, no nosso país, os despejos são uma das mais promissoras realidades da actividade económica!
Não há nenhum cidadão, a não ser que tenha casa própria, que não possa ser despejado: uma marquise amovível, o nascimento de mais um filho a um casal de hóspedes, podem justificar um despejo!
Autênticos crimes contra a humanidade são praticados neste campo e neste país em nome da liberdade de especular.
Por todo o lado as pessoas se vêem apertadas entre a
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renda especulativa e brutal, a ameaça de despejo e a necessidade de ocupar as casas vazias.
Protestos do PSD.
Convém, entretanto, referir que só em Lisboa, mau grado a vivacidade pombalina do edil Abecasis, há mais de 66000 pessoas sem alojamento, e isto à luz dos critérios oficiais que permitem - que permitem, Sr. Presidente e Srs. Deputados considerar como alojamento qualquer galinheiro, canil ou arrecadação!
Também aqui os vários conceitos de defender os interesses do povo se chocam.
Vamos contemporizar com as decisões desumanas e monstruosas? Vamos aceitar passivamente os despejos, porque foram mandados executar por um tribunal, em obediência às exigências dos especuladores ou do direito à propriedade personalista cristã que cristãmente consente na pia colectiva dos átrios e dos pátios e impõe que velhas, crianças, doentes, grávidas -que abortam tantas vezes em tais situações, não é verdade, senhores beatos do CDS? -, sejam postos na rua?
Ou vamos lutar realmente, com os moradores, pelo direito à habitação, impondo-a, de facto, pela luta, até às últimas consequências?
Esta questão põe-se com muita acuidade ao nível dos órgãos autárquicos.
Se as autarquias AD são as primeiras a promover os despejos, o mínimo que se pode esperar das outras, com maioria da oposição, é que se oponham decidida e eficazmente aos despejos.
Por isso que as 20 famílias que residem no Largo do Dr. Dano Gander Nunes, lote C, na Amadora, exijam da Câmara o apoio inequívoco aos seus direitos à habitação, visto estarem ameaçados de despejo daquele prédio que habitam há 7 anos. A unidade das forças da oposição nas autarquias pode realmente alcançar-se, desde que estejamos dispostos a garantir os direitos do povo pobre e explorado, contra os direitos dos ricos e poderosos.
Neste campo específico da habitação há que - e isto é uma plataforma de unidade - garantir medidas imediatas para dar casa às famílias desalojadas, que vão até à requisição das casas vagas e proibição da existência de casas por habitar, municipalizar os solos urbanos, criar empresas municipais de construção, sem fins lucrativos, impor um sistema de renda social baseado no critério de que cada família deve ter uma casa à medida das suas necessidades e pagar renda na medida das suas posses, impedir, por todos os meios, qualquer despejo. Em suma, repor o 25 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O défice externo, a inflação e o desemprego são os sintomas básicos da crise e também são as preocupações maiores do Governo, se acreditarmos nas suas palavras.
O défice externo, curiosamente, agrava-se na razão directa da importância que é dada à sua correcção.
Os economistas burgueses defendem, por um lado, que a inflação é um factor de limitação do desemprego, e, por outro, que o crescimento do desemprego é um preço a papar pela redução da inflação.
Curiosamente, por qualquer espécie de sortilégio, estamos perante a situação de ver subir a inflação, ao mesmo tempo que cresce o desemprego!
O milagre vamos encontrá-lo na dependência total da nossa economia e no crescimento dos lucros do capital.
São de facto os lucros e não os salários, Sr. Ministro das Finanças e Sr. Primeiro-Ministro ou quem os queira representar, os responsáveis pelo imposto mascarado sobre os trabalhadores, que é a inflação.
Os capitalistas, entretanto, para garantirem outra vertente para o crescimento dos seus lucros, precisam de pôr mais e mais trabalhadores no desemprego e neutralizar os dirigentes operários, através dos despedimentos colectivos e selectivos.
Afinal, a macroeconomia reduz-se também aos prosaicos interesses dos capitalistas da nossa praça.
Este governo não consegue, entretanto, satisfazer a ganância sôfrega dos tubarões e ao mesmo tempo evitar os sobressaltos provocados pela luta operária. Que chatice!...
Risos do PSD.
A justificação que a culpa é da crise internacional já não serve aos trabalhadores.
A história de que no mundo inteiro, capitalista e socialista, ninguém se safa, já não vai convencendo toda a gente.
Forque no único país socialista do mundo, a República Popular Socialista da Albânia,...
Uma voz do PSD: - Até que enfim que fala na Albânia!
Protestos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
O Orador: - ... não há crise, não há desemprego, não há inflação, porque se produz para satisfazer as necessidades do povo e não os lucros capitalistas, que já foram ávida...
Protestos do PS, do PSD, do CDS e do PPM.
Só na Albânia os preços desceram entre 15% e 50%, em Maio último, nos produtos de consumo corrente, fomentando o consumo quando por toda a parte se pretende reduzi-lo, nomeadamente aqui no nosso país.
É por isso que hoje, de novo, o espectro de que falou Marx aflige e cria insónias aos burgueses bem instalados.
É por isso que 2 deputados da maioria AD não resistiram ontem, em jeito de exorcismo, a referir a Albânia, embora para a atacar. Mas foram vocês que falaram nela!
De facto, hoje a Albânia dá-vos insónias, porque é um exemplo. Exemplo de que para alcançar a liberdade, o bem-estar e a independência nacional, é necessário lutar com firmeza e coragem, sem ter contemplações com os que exploram e reprimem. Não acreditar que é possível andar de mão dada com a burguesia ter a consciência de que não basta hoje mudar de governo. Ele está tão desacreditado que até já nem os capitalistas o querem! E veja-se a sondagem do Expresso, onde os capitalistas mostraram claramente que queriam mudar de governo. Já não querem o Balsemão! Querem o Freitas do Amaral, o Cavaco e Silva, o Nobre da Costa...
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
Por isso, o próprio Eanes admite vir a demitir o Governo. Possivelmente mais tarde.
Não o quis fazer quando e porque os trabalhadores o exigiram, mas agora irá fazê-lo porque os capitalistas lho aconselham.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estar à
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espera de Eanes ou à espera de contentar a burguesia liberal impede que os operários radicalizem a sua luta para não permitir a ofensiva do imperialismo e dos monopólios, como está a acontecer no referente ao sector naval.
A ofensiva Melo/AD contra o sector naval, que tem o seu expoente máximo na criação de condições para vender a Setenave como quem vende um burro velho, é um autêntico crime contra os trabalhadores. É um assalto oficializado a um dos bastiões da classe operária. É uma ofensiva a um tempo política e económica. É uma declaração de guerra aos operários.
Só pode haver uma resposta: a luta firme e sem contemplações.
Risos do PSD, do CDS e do PPM.
O caminho da unidade da classe operária, da unidade dos trabalhadores e do derrube do Governo encontra-se na luta radical, nas greves gerais e na resposta às provocações e agressões policiais.
Para a Setenave há um caminho de unidade: prosseguir a concentração e a paralização; radicalizar a luta retendo a administração e pressionando o Governo; unir as lutas das empresas nacionalizadas a nível distrital com uma paralização geral de 2 dias no distrito de Setúbal, acompanhada de concentrações nos principais centros; denunciar a actuação das forças repressivas da GNR; preparar a autodefesa operária de modo a que nem um só polícia entre nas empresas,...
Protestos do PSD, do CDS e do PPM.
...e apelar à greve geral para derrubar o Governo, principal responsável por este situação.
É este o caminho para abortar a ofensiva reaccionária!
O Sr. Silva Marques (PSD): - E quem é que organiza a greve geral?
O Orador: - A alternativa a este governo não está naqueles que lhe deram a mão, nem naqueles que reduzem a luta operária aos limites consentidos por Eanes e pela burguesia liberal.
É preciso levantar a luta, apesar das chamadas instituições, para derrubar o Governo e o regime novembrista e assim impedir a ofensiva brutal que se abate sobre os trabalhadores.
A crise não pode ser paga a meias. Os trabalhadores não aceitarão fazer mais sacrifícios. Os ricos que paguem a crise, pois são eles que têm lucrado com ela.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reparem no Sr. Ministro Marcelo Rebelo de Sousa, que sendo um homem inteligente esteve muito atento ao que estive a dizer.
Aplausos e risos do PSD, do PS, do CDS, do PPM e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicita-se aos responsáveis dos diversos grupos parlamentares que compareçam às 17 horas no gabinete do Sr. Presidente, para uma reunião.
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de formular um breve protesto em relação às palavras do Sr. Deputados Mário Tomé, naquilo que presumo ser como que um ensaio geral da sua intervenção para o Porto.
Risos do PSD.
Protesto, em primeiro lugar, pela forma como se dirigiu a alguns membros do Governo e até ao Sr. Presidente da República. Não passaria pela cabeça a nenhum membro do Governo dirigir-se a qualquer dos senhores deputados dizendo, por exemplo, o Mário Tomé. Dir-se-ia, isso sim, o Sr. Deputado Mário Tomé.
Penso que a democracia exige algumas regras mínimas de cortesia, nomeadamente quando está em causa o relacionamento entre titulares de órgãos de soberania. Naturalmente que isso está ligado à dignidade das funções e à dignidade do Estado de direito democrático.
Em segundo lugar, gostaria de repudiar claramente a insinuação que transpareceu de uma passagem da intervenção do Sr. Deputado Mário Tomé quanto aos chamados, entre aspas, grandes lucros e a que associou membros do Governo.
Parece-me ser muito grave esse tipo de insinuação. Não poderia, por isso, ser deixada passar em claro.
Em terceiro lugar, queria referir-me, em termos de protesto, uma vez que o Sr. Deputado criticou a política económica do Governo, à sua estranheza da verificação simultânea de fenómenos de crise na produção e de inflação - aquilo a que os economistas chamam de estagnação.
Queria dizer que o Sr. Deputado talvez não conheça realmente alguns rudimentos básicos de economia, senão verificaria que, nomeadamente em várias economias de países da OCDE, essa realidade é a vivida hoje em dia.
Finalmente, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Mário Tomé que a forma como se dirigiu ao Governo e à maioria em geral foi a de quem assume uma arrogância e um monopólio do conhecimento e da representação dos interesses do povo português que não é compatível com a efectiva representatividade eleitoral do partido que V. Ex.ª representa.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho muita pena, mas não é possível, uma vez que o seu partido já não tem tempo.
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, o Governo concede ao Sr. Deputado Mário Tomé algum do seu tempo.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, faça favor Sr. Deputado.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Ministro, face às suas várias observações,...
Uma voz do PSD: - Diga obrigado, primeiro!
O Sr. Mário Tomé (UDP): - ... gostaria de dizer-lhe,
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em primeiro lugar, que rejeito a sua lição de boa educação. Por um lado, porque desprezo o Governo em bloco. Trata-se de um governo que, de facto, é desprezível para mim. Por outro lado, porque a forma como me dirigi a algumas pessoas até pode ser encarada como uma liberdade literária.
Risos do PSD, do PS, do CDS, do PPM e da UEDS.
Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, admito até a observação do Sr. Ministro de que poderão, eventualmente, faltar-me alguns conhecimentos básicos de economia. Não vou discutir isso.
O que acontece, Sr. Ministro, é que para combater o seu Governo basta-me aquela afirmação de um soldado bolchevique, na Revolução Russa de 1917, que dizia para os burgueses: «O que sei é uma coisa, isto é, vocês têm um interesse e nós temos um outro completamente antagónico!»
Protestos do PSD.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, considere-me, como deputada, ofendida pelas palavras do Sr. Ministro Marcelo Rebelo de Sousa.
A aprovação ou reprovação dos termos em que o Sr. Deputado Mário Tomé se referiu ao Governo e ao Presidente da República são da estrita responsabilidade da Assembleia da República e da Mesa que preside a este Plenário.
O Sr. Ministro, como representante do Governo, tem apenas que ouvir e discordar, que é uma coisa que nos acontece sempre que ouvimos o Governo.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, peço a palavra, invocando para tal o direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Invoco o direito de defesa porque não vejo onde possa a Assembleia da República ter ficado ofendida pelo facto de o Governo ter dito que a consideração que lhe merece a Assembleia, perante a qual é politicamente responsável, o impediria de tratar os seus deputados como os membros do Governo aqui foram tratados pelo Sr. Deputado Mário Tomé.
Não vejo onde é que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura pode ter ficado ofendida. Há realmente um estranho conceito de ofensa que o Governo não perfilha, nem aceita.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não é por acaso que de Norte a Sul do País são constantes e crescentes as reclamações e protestos dos agricultores e suas organizações: a política governamental está lançando a nossa agricultura numa crise sem precedentes.
Milhares de agricultores lutam contra o brutal agravamento dos preços dos factores de produção, contra a subida indiscriminada dos preços das máquinas e dos equipamentos agrícolas. Lutam por preços justos e compensadores à produção e pelo escoamento em tempo útil dos produtos. Lutam em defesa da segurança dos rendeiros e dos baldios.
A destruição das UCP/Cooperativas enfrenta decidida oposição e resistência.
Em 3 anos de governação AD os preços dos factores de produção agravaram-se em mais de 120%.
As taxas de juro para operações de crédito bonificado até l ano sofreram um agravamento de 13,25% para 18,5%. Para o crédito de investimento a longo prazo, os juros passaram de 22,25% para 26%.
Enquanto os custos de produção mais que duplicaram, os preços dos produtos agrícolas e pecuários pagos ao produtor degradaram-se fortemente, sujeitos a acentuadas oscilações e a um crescente alargamento do diferencial em relação aos preços no consumidor.
Em relação a 1979-1980, nos 2 anos seguintes as oscilações tiveram amplitudes da ordem dos - 14% a 12,3% para aveia, - 24,5% a 24,8% para a laranja ou, e ainda a título de exemplo, -44,8% a 58,5% para o vinho.
Quanto aos diferenciais entre os preços médios no produtor e no consumidor, podem-se apontar como exemplos, nos dois últimos anos, 75% para o feijão, 139% para a laranja, 145% para a maçã e ainda 87% para a pêra.
Nos últimos 3 anos a evolução real dos preços médios no produtor, para a pecuária, foi de 10% para os bovinos, 40% para os ovinos e -15% para os suínos. Entretanto, entre os preços médios no produtor e no consumidor registaram-se diferenciais da ordem dos 70% para os novilhos, 65% para os borregos e 90% para os suínos.
Os consumidores pagam assim a factura da especulação. A agricultura está cada vez mais pobre. Os grandes industriais, intermediários e armazenistas estão cada vez mais ricos, já que lhes são entregues os circuitos comerciais internos e externos, em paralelo com o progressivo desmantelamento dos organismos de intervenção económica e empresas públicas.
É o que se passa com o comércio do açúcar e do álcool. É o processo de desmantelamento da EPAC. É o facto de matadouros e do centro de classificação e abate de aves e a tentativa da sua transferência para o sector privado. É a reprivatização em curso da central pasteurizadora de Lisboa. É o caminhar para a falência de indústrias do ramo agroalimentar, intervencionadas ou com a participação do Estado, arrastando consigo milhares de contos de dívidas aos agricultores.
Entretanto, o Governo quer fazer passar a atribuição de alguns milhares de contos a uma quantas «cooperativas» dominadas pela CAP, como apoio ao cooperativismo agrícola que, na prática, vai sendo estrangulado através da manutenção e acumulação de dívidas, da falta de apoio técnico-financeiro, de entraves burocráticos e da criação de condições de crescente dificuldade competitiva com o sector privado.
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Para não ir mais atrás, registe-se que em Novembro último o Estado devia centenas de milhares de contos relativos a intervenções no mercado, a subsídios de arroz, de ordenha, de frio e de leite em pó, bem como respeitantes a fornecimentos diversos a empresas e organismos oficiais.
A actual política de crédito tem de ser alterada enquanto é tempo.
Do crédito agrícola de campanha distribuído, mais de 50% vai para actividades sem terra. A distribuição é profundamente desigual: 4% entre Douro e Minho, 3% para Trás-os-Montes, 3,3% para a Beira interior, 4,1% para o Algarve. As regiões do Oeste e Alentejo absorvem mais de 75% do total do crédito agrícola de campanha.
A reduzida utilização do crédito para o investimento revela, tal como a extrema concentração do crédito de campanha, que não é possível continuar com as elevadíssimas taxas de juro face a uma actividade caracterizada por baixo nível tecnológico e incapaz de criar excedentes com razoáveis taxas de rentabilidade.
Estão hoje impossibilitadas de recorrer ao crédito bancário cerca de 90% das explorações, sendo certo ainda que boa parte do crédito utilizado foi desviado para fora do sector, acção, aliás, em que são especialistas os grandes agrários absentistas para quem, ao fim e ao cabo, o crédito é fácil.
Quando se pensa que cerca de 42% da área cultivada no continente é explorada em regime de arrendamento, fácil se torna compreender o quanto pesa neste quadro, como factor inibidor do investimento, uma lei de arrendamento rural que não assegura a indispensável estabilidade e segurança dos rendeiros e que o Governo se prepara para agravar.
O Governo anuncia também novas medidas contra a Reforma Agrária, onde se vem assistindo à generalização dos leilões de terras das UCP/Cooperativas, à abertura de novos processos de reservas, ao mesmo tempo que o Governo se nega a pagar as suas próprias dívidas às UCP/Cooperativas, retendo milhares de contos que são pertença das mesmas. O compromisso deste governo de concluir o processo de reservas até Março de 1982 não foi cumprido. Provavelmente prosseguiria, por sua vontade, até não restar um hectare expropriado na posse das UCPV Cooperativas.
Não pode o Governo fundamentar tal política com o falso objectivo do seu programa «de relançar o investimento e a produção na zona de intervenção da Reforma Agrária».
Relançar o investimento? Em relação a que período? Ao anterior a 1975, quando o investimento na agricultura, expresso na formação bruta do capital fixo não atingiu sequer os 11 milhões de contos nos anteriores 4 anos e quando, em simultâneo, as hipotecas sobre prédios rústicos totalizaram mais de 31 milhões de contos, respeitando mais de 92% dos mesmos aos latifúndios do Alentejo.
Para desmontar tal argumento bastará referir este facto inegável: em 1976, os valores da formação bruta do capital fixo registaram um acréscimo superior a 20% a preços constantes, contrariando a tendência que se vinha registando e evidenciando uma nova dinamização do investimento na agricultura.
Relançar a produção? Em relação a que período? Ao anterior a 1975, quando era manifesta a tendência para a diminuição das áreas cultivadas e respectivas produções? Quando entre 1972 e 1974 se verificava uma quebra superior a 15% nos cereais e uma descida da produção global da ordem dos 6% em relação ao decénio 1962-1971? Quando na zona de intervenção da Reforma Agrária a agricultura se caracterizava pelo extensivo e inculto por uma total impermeabilidade a novas culturas? Quando os distritos da Reforma Agrária em relação ao total do continente apenas detinham 29% do efectivo bovino de carne, 26% do efectivo leiteiro e menos de metade dos ovinos?
Não, o Governo não quer relançar a produção. O Governo quer destruir a Reforma Agrária que relançou o investimento e a produção.
Com efeito, com a Reforma Agrária a produção de cereais praganosos em 1975 registou uma substancial recuperação, ultrapassando a produção registada em 1972 e no decénio 1962-1971 em -1-3,6% e, em 1976, ultrapassou a média do referido decénio em + 19%.
A produção de oleaginosas registou, em relação à média de 1972/1974, um aumento de -1-53% em 1975 e mais de 82% em 1976. A produção forrageira aumenta extraordinariamente com a Reforma Agrária. O consumo de sementes forrageiras passa de 1382000 kg no período de 1972-1975 para 13183450 kg entre 1976-1979.
Face às expressões de incredulidade que estou vendo devo referir que estes são elementos do INE e do Relatório de Contas do IFADAP relativo à gestão de 1979. Fica demonstrado, pelo menos, nesses ares de incredulidade uma profunda ignorância.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Surgem novas culturas. Diversificam-se as culturas de regadio, desenvolvem-se os horto industriais, inicia-se e desenvolve-se a produção de tabaco. Em 3 anos, os efectivos pecuários mais que duplicaram no Alentejo.
Nenhuma razão de ordem social, económica ou técnica pode sustentar a política de destruição da Reforma Agrária, com dramáticos custos sociais, graves consequências para a estrutura produtiva e fonte de instabilidade permanente. Apenas os interesses do grande capital e dos latifundiários e absentistas podem justificar uma política agrícola que a nível nacional está conduzindo a uma progressiva diminuição da produção com a consequente subida de preços e o aumento das importações e ao «esgotamento» do sector agrícola, incapaz de criar excedentes para acumulação e de absorver produções industriais; à agudização de todas as assimetrias, distorções e desequilíbrios de desenvolvimento regional e ocupação do território, de produtividade, de repartição do rendimento nacional, de dependência externa em bens, capitais e créditos.
O tão apregoado «plano de mudança da agricultura» não passa duma manifestação aguda de tecnocracite medíocre, nadando entre intenções e contradições, que não dá resposta positiva a um único dos estrangulamentos estruturais do sector.
No entanto Sr. Presidente e Srs. Deputados, é possível e urgente executar uma nova política. Uma política que promova o crescimento da produção global do sector, que incentive a oferta de produtos alimentares para além do autoconsumo das pequenas explorações, que promova uma adequada distribuição da parte do rendimento nacional que cabe aos meios rurais, que seja, enfim, factor de dinamização do desenvolvimento social e económico.
É indispensável incentivar o fomento e desenvolvi-
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mento do associativismo agrícola desde as áreas de serviços às de produção, conservação e industrialização.
É indispensável em matéria de comercialização e preços adoptar uma política de encurtamento e controle democrático dos circuitos de mercado, criando estruturas e serviços que eliminem os agentes parasitários e possibilitem a efectiva participação da produção no movimento dos produtos e na formação dos preços.
É necessária uma política de preços garantidos e compensatórios à produção, na base de uma constante participação dos produtores, a par da garantia de escoamento dos produtos.
É inadiável uma política de crédito acessível aos pequenos e médios agricultores e cooperativas, em condições de incentivar o investimento produtivo e promover a aceleração do desenvolvimento tecnológico, bem como impedir a absorção excessiva pelo sistema monetário financeiro dos excedentes financiados pelo crédito.
Há que socializar os riscos.
Em matéria de arrendamento rural impõe-se uma legislação democrática que ponha cobro efectivo às parcerias e formas impostas de arrendamento sazonal, que evite a exploração dos rendeiros e a sua descapitalização quer por via das rendas absolutas especulativas, quer por meio das rendas diferenciais, que promovem o absentismo e penalizam o investimento.
Importa desenvolver uma política que, sob o ponto de vista socioeconómico, se enquadre num conjunto de objectivos adequados às necessidades do País, às potencialidades e à exigência do combate ao subdesenvolvimento, regionalizando a produção em função das potencialidades naturais e das necessidades de pleno emprego, assente numa adequada formação profissional e eficaz assistência técnica à produção, por forma a maximizar a produtividade da terra e do trabalho.
O futuro da nossa agricultura decorre de uma profunda transformação estrutural. Só que uma tal política não será, com certeza, possível com governos da AD.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, nós requeríamos a verificação do quorum.
Entretanto, alguns senhores deputados do PSD abandonam o hemiciclo.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Então, eles estão a sair...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, há deputados da sua bancada que estão a sair, agora mesmo, depois do seu pedido.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É o despudor total!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Vão-se embora todos!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, mantenho o meu requerimento.
Vozes do PCP: - É vergonhoso!
O Sr. Presidente: - Há quorum para funcionar, Sr. Deputado. Há 87 deputados presentes.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, eu requeria a contagem dos deputados por bancada.
O Sr. Presidente: - Estão presentes 19 senhores deputados do PSD, 16 do PS, 12 do CDS, 28 do PCP, 3 do PPM, 3 da ASDI, 4 da UEDS e 2 do MDP/CDE.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, poderia dizer-me o número total dos deputados presentes?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É uma deselegância! Vozes do PCP: - Faça as contas!
O Sr. Presidente: - Dá 87, se não nos enganámos nas contas, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? Desejava interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, está convocada uma conferencia dos líderes dos grupos parlamentares para as 17 horas. Nessa altura ausentar-se-á da minha bancada 1 deputado.
Espero que o Sr. Deputado Silva Marques não aproveite essa oportunidade para voltar a pedir a verificação do quorum.
Creio que deve ficar claro que se vai realizar uma conferência, a pedido do Sr. Presidente da Assembleia da República, e que ela se destina a discutir a forma como prosseguirá o debate da interpelação. É nessa expectativa que nos encontramos.
Se, entretanto, houver da parte da maioria alguma alteração a esta situação, nós tiraremos daí conclusões políticas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, também queria interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Relativamente ao que o Sr. Deputado Carlos Brito acabou de dizer, refiro que o pedido de verificação do quorum é regimental e não tem nada de ilegítimo. É sabido que quando se verificam conferências dos líderes parlamentares esse facto é tido em consideração. Portanto, não tem nada de especial.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estaremos todos de acordo com o juízo de que vivemos uma crise económica profunda e, pode-
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remos estar, por vias disso, no limiar duma grave crise social.
De nada vale a intervenção cinzenta e pouco precisa do Sr. Primeiro-Ministro ou as boas-novas periodicamente reportadas para os meios de comunicação social pelos ministros das áreas económicas, para esconder o que está à vista de todos: o rotundo fracasso da política de mudança da Aliança Democrática e a incapacidade de inversão das tendências negativas sem recorrer ao sacrifício daqueles que, por mais precisarem, naturalmente menos podem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O principal problema que se põe hoje ao País é o do desequilíbrio das contas com o exterior.
O endividamento externo poderá ser justificável quando for acompanhado pelo crescimento económico do País, através do aumento constante do investimento.
Não é isso, contudo, o que se verifica desde que a AD assumiu o poder.
O défice externo tem evoluído nos últimos anos na razão inversa do crescimento do produto.
É fácil de reconhecer que, na grave situação financeira em que se deixou cair o País, as alternativas de curto prazo não são, efectivamente, muitas.
Mas mais do que nas políticas e nos seus instrumentos de curto prazo é sobre a responsabilidade da situação presente e sobre a forma de fazer pagar a crise que nos devemos debruçar.
A AD está no poder desde 1980. Encontrou as contas externas equilibradas e uma razoável retoma nas exportações e na procura interna.
Uma administração financeira equilibrada, cuidadosa e responsável, que tivesse em conta as consequências do segundo choque petrolífero, a fragilidade da economia portuguesa, a rigidez da nossa política de exportação e a forte dependência face ao exterior, teria podido acentuar as vantagens do equilíbrio financeiro que fora conseguido, lançando o País na senda do progresso e da justiça.
Mas 1980 era ano de eleições. O Ministro das Finanças de então, actuando como verdadeiro comissário político, procedeu à revalorização do escudo, congelou administrativamente os preços, incentivou desmesuradamente a procura interna através de transferências diversas, criou sistemas de incentivos ao investimento, sem suporte financeiro e, portanto, garantia de continuidade.
As consequências desta política cedo foram sentidas.
A competitividade dos preços de exportação perdeu-se, o consumo interno agravou ainda mais as dificuldades da balança, os preços congelados provocaram o desequilíbrio das empresas e induziram pressões inflacionistas para o futuro. O SIII, criado como propaganda eleitoral, mas sem suporte financeiro, enganou os incautos para logo se transformar em mais um instrumento descrédito e desânimo.
A resposta a esta política de desgaste tem-se feito esperar.
Os sucessores do Ministro Cavaco e Silva, debatendo-se muito provavelmente com o fantasma do «milagreiro» da AD, têm deixado correr a situação.
Os anos de 1981 e 1982 foram de indefinição e de inércia.
Não foi encontrada resposta para nenhum dos grandes projectos nacionais (projecto siderúrgico, projecto de transformação agrícola, plano energético, etc.), não houve coragem para desenvolver esquemas alternativos de apoio ao investimento e ao crescimento da exportação e corrigindo os existentes, que se manifestam inadequados. Viveu-se na luta constante contra o sector empresarial do Estado que foi e está a ser descapitalizado, vendido, trocado, reagrupado nas mãos de particulares e, agora até, pasme-se, impedido de investir.
A intervenção na economia fez-se sobretudo através da política monetária e sempre em desarticulação ou na ausência de políticas estruturais.
A crise aí está, portanto. A AD não pode deixar de assumir as suas graves responsabilidades no passado e não tem o direito de impor a sua terapêutica para o futuro.
O remédio da AD é o remédio da restrição, do crescimento zero, da penúria suportada pelas classes mais desfavorecidas (desempregados, velhos, jovens, detentores de baixo rendimento). Assim será no próximo ano, se a política aliancista não for entretanto, como esperamos, derrotada.
Em paralelo com a diminuição do poder de compra da grande maioria da população continuará a florescer a economia paralela, o tráfico de divisas, a pequena e a grande corrupção, o tráfico de influências, a especulação imobiliária e o enriquecimento imoral. A carga tributária penalizará os consumidores e aliviará o capital, o nível de satisfação das necessidades da colectividade será, uma vez mais, reduzido.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com efeito, uma das consequências socialmente mais injustas da actual crise económica-financeira é o fortalecimento da chamada economia paralela.
A existência de circuitos de comercialização paralelos, que contrabandeiam, para dentro e fora do País, uma enorme gama de produtos, é hoje por demais conhecida.
Na floresta das contradições administrativas e no vazio político a que a AD pretende acomodar-nos floresce a pequena e grande cumplicidade, o favoritismo e, sobretudo, a corrupção.
A dissolução do dever de cidadania, traduzida no «salve-se quem puder», de fuga aos impostos e à lei, é uma das faltas mais graves que devem ser imputadas à actual aliança no poder.
E é sobretudo dentro da sua natural base de apoio social que se encontram os mais graves sintomas de desconfiança, de passividade e de permissividade.
Onde não pega a corrupção, acentua-se a passividade e o desânimo.
Vejam-se, por todos, os exemplos das conclusões dos recentes encontros de empresários industriais, exportadores e comerciantes, e o que essas conclusões prenunciam de desânimo perante a situação que se vive e de critica em relação à indefinição existente.
Hoje é vulgar ouvirmos muitos empresários portugueses queixarem-se das dificuldades de obtenção de crédito e, na sua maioria, pronunciarem-se contra «as formas conhecidas» de o obter.
Enganados na sua vontade de contribuição para o esforço de crescimento nacional por uma política que lhes prometia uma generalidade de incentivos e benefícios, vêem-se hoje a braços com financiamentos insuficientes e a obrigatoriedade de suportarem elevadíssimos encargos financeiros com que não contavam no seu cálculo económico e por isso põem em causa a viabilidade dos seus investimentos, a justeza dos seus cálculos e a grandeza dos seus esforços.
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Perante as dificuldades, alguns não resistem, aderem aos esquemas conhecidos de cumplicidade, e assim temos fechado o círculo que conduz à corrupção e à fraude.
Muito se tem falado do desequilíbrio dos custos externos. Mas pouco se tem referido sobre as componentes essenciais desse desequilíbrio.
Ora, é hoje evidente que uma boa parte do actual défice com o exterior se deve a manobras especulativas e criminosas contra a economia nacional.
Á sub e sobrefacturação são em muitas áreas técnicas suficientemente conhecidas e usadas.
O movimento ilícito de capitais com o exterior representa hoje uma parte significativa da criatividade nacional.
Sob a forma de comissões no estrangeiro, de divisas obtidas na origem ou divisas transferidas ilegalmente para fora, vai crescendo um mercado financeiro irregular, ilegal e antipatriótico.
Basta analisar cuidadosamente as estatísticas do comércio com o exterior, a evolução das remessas dos emigrantes, a não correlação das receitas do turismo com o movimento efectivo de dormidas, para ter uma noção da amplitude do fenómeno.
É evidente que a economia paralela não se esgota nos exemplos referidos, que são, contudo, os mais relevantes porque socialmente os mais perniciosos.
Este tipo de economia existe em todos os países, mas o seu fortalecimento e a acentuação das suas características anti-sociais é facilmente co-relacionado com a fragilidade do poder e com o aumento da permissividade e da corrupção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: «Deixar chegar a situação a este ponto tem sempre grandes custos» - esta afirmação foi produzida recentemente pelo Ministro das Finanças de 1980 e, para lá da falta de seriedade política que representa, proferida por quem a proferiu, traduz uma violenta condenação da actual maioria e da sua política económica e financeira.
O Sr. José Niza (PS): - Muito bem!
O Orador: - Mas é evidente que o País tem de sair do atoleiro em que caiu.
A lição a retirar da actual situação de crise não pode esgotar-se nas discussões sobre as receitas da conjuntura.
O malogro da AD é o fracasso do modelo de desenvolvimento liberal-conservador em que se inspira. O malogro da AD assenta na ausência de uma estratégia de desenvolvimento baseada na satisfação das necessidades básicas da população (desde a saúde à habitação, desde a educação aos transportes), optando pela concentração de recursos em escassos sectores da economia e associando a isto uma política de congelamento dos salários reais e liberalidade nas relações de trabalho.
Á intervenção económica não pode esgotar-se na mera gestão da procura, antes deve acentuar a intervenção do lado da oferta, alterando as estruturas produtivas e promovendo o desenvolvimento possível face às necessidades de crescimento e aos recursos disponíveis.
A alteração de estruturas pressupõe a orientação selectiva do investimento, a acentuação da gestão democrática da economia, o reforço da participação dos
trabalhadores na empresa e uma melhor repartição da riqueza nacional.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Estão, pois, em confronto duas estratégias distintas para ultrapassar a crise: uma estratégia baseada no desenvolvimento e na solidariedade social e a estratégia conservadora da actual maioria.
A estratégia conservadora da AD acentua a saída da crise pela recessão e pela referência mítica ao funcionamento livre do mercado. Assim se continuarão a iludir os problemas de fundo e se privilegiará o sucessivo abaixamento do salário real e a pressão sobre o mercado de trabalho pela existência de um elevado contingente de desempregados ou de indivíduos instavelmente empregados.
O sucesso desta estratégia será hoje mais precário do que o seria no passado recente.
Como ainda recentemente o reconheceram, entre outros, Vítor Constâncio e João Cravinho, estão praticamente esgotados certos factores que facilitaram a recuperação verificada em 1978 e 1979, sem custos sociais irreversíveis, e que foram desperdiçados pelos sucessivos governos da AD.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A retoma da procura internacional é hoje mais aleatória; não existe modernização ao nível do aparelho produtivo, em especial no exportador e as receitas do exterior com especificidade nacional, como as provenientes do turismo ou das remessas dos emigrantes tendem à estagnação, senão mesmo ao decréscimo.
Uma estratégia alternativa de desenvolvimento e solidariedade nacional que privilegie o ataque às deficiências estruturais do aparelho produtivo e do equilíbrio financeiro com o exterior não evitará certamente uma política de estabilização de elevados custos, assumida a curto prazo.
Mas trata-se agora de dar conteúdo e finalidade aos sacrifícios pedidos.
O País real está desperto para as dificuldades e objectivamente empenhado em vencê-las.
A estabilização tem, no entanto, de ser paga por todos segundo as suas capacidades e posses, não podendo esgotar-se num programa de carências para muitos e de miséria para bastantes.
O Sr. José Niza (PS): - Muito bem!
O Orador: - Não é defensável uma política de saneamento das finanças públicas que assente em cortes abruptos em certos sectores de utilização colectiva que venham a deteriorar posteriormente o clima social.
Não é defensável uma política de equilíbrio das relações produtivas que acentue o endurecimento da política laborai e cristalize ou diminua a intervenção dos trabalhadores na gestão da empresa.
Não é aceitável uma política de distribuição de rendimentos que, visando o declínio do consumo e a acentuação da poupança, penalize a grande maioria daqueles que vivem próximo da situação de subsistência.
A política de recuperação de que o País necessita não pode ser encetada pela AD.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
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O Orador: - Impedem-no a sua visão histórica da evolução da sociedade, o modelo de desenvolvimento que adoptou, a inércia, desmotivação e desapego de que os seus agentes políticos têm dado mostras e, sobretudo, os profundos interesses de classe da vanguarda da sua base natural de apoio social.
A escolha não é entre o sacrifício e a abundância da distribuição.
Ao sacrifício, à austeridade e à contenção do consumo fomos já temporariamente condenados pela AD.
Temos, contudo, o direito de exigir que o nosso sacrifício abra perspectivas para um futuro melhor e não liquide à nascença as esperanças dos mais jovens.
O País necessita de uma política de mudança que só se concretizará após uma acentuada mudança no actual quadro político.
Mudança que terá de realizar-se a curto prazo... Antes que seja tarde!
Aplausos do PS, da UEDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Pinto Nunes.
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, para além do aspecto repetitivo em relação a intervenções anteriores - não vale a pena insistir nisso... de f acto é pecha...
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Minhas? O Orador: - Suas sistematicamente.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Isso só quer dizer que tenho uma linha de pensamento coerente!
O Orador: - Registo... não sei se é coerência, mas de qualquer modo é uma persistência notória.
O Sr. Deputado fez aqui uma referência às contas de 1979 incidindo toda a sua análise nas contas com o exterior e vangloriou-se por ter havido «contas equilibradas» em 1979. Ora bem, o Sr. Deputado é um economista com experiência e por isso sabe perfeitamente que no ano de 1979 se conjugaram vários factores, nomeadamente um conjunto de resultados de políticas restritivas (que a Aliança Democrática não aplicou nestes 3 anos... tem razão em condená-la por isso, mas já lá vamos quando abordarmos as questões relacionadas com o nível de vida), ou seja, em 1976 e 1977 foram negociados empréstimos cuja incidência em termos de amortização de dívida e de juros foram recair não só nos anos de 1980 e seguintes como no ano anterior de 1979. Não houve, por isso, diminuição da dívida... e ignorá-lo não é, pelo menos, ... ia dizer «não é honesto», mas vou dizer «não é bonito».
Por outro lado, em matéria de incentivos ao investimento a sua intervenção é uma confusão: tão depressa critica os incentivos ao investimento como denuncia aqui os efeitos dos incentivos sobre a balança de pagamentos. Gostava de lhe perguntar: afinal como é?
Uma outra questão para lhe recordar o seguinte: quando o PS esteve no Governo recorreu -da forma como fez - ao endividamento externo e nessa altura foi preciso hipotecar o ouro, ouro esse que foi desipotecado posteriormente aos governos do PS. Queria recordar esse facto porque parece que o Sr. Deputado Manuel dos Santos se esqueceu dessa questão.
Ainda um último pormenor. O Sr. Deputado Almeida Santos referiu na sua intervenção a acumulação de prejuízos apresentados por um inquérito efectuado a 200 empresas e o Sr. Deputado Manuel dos Santos abordou um outro aspecto da questão quando disse que se verifica acumulação de lucros no sector capitalista. Explique-se por uma vez, Sr. Deputado, porque estas contradições são assim como que um bocadinho chocantes!
O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.
O Sr. Secretário de Estado do Planeamento (Alberto Regueira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer um brevíssimo protesto relativo a certos aspectos da intervenção do Sr. Deputado Manuel dos Santos que, infelizmente, repetiu certo tipo de raciocínios rotineiros baseados em acusações vagas e monocórdicas que - devo dizê-lo - não esperava escutar da sua boca.
Penso que isso não tem um interesse muito grande, ao contrário do que acontece quando propõe, em relação a um modelo de desenvolvimento que qualifica de «desenvolvimento prioritário das exportações», um modelo de satisfação das necessidades básicas da população.
Sr. Deputado, falar nestes termos tão vagos e extremistas pode ocasionar o risco de nos estarmos a enganar uns aos outros. Do meu ponto de vista nenhum modelo de desenvolvimento pode menosprezar ou subestimar a satisfação -obviamente dentro de limites razoáveis - das necessidades básicas da população. Pergunto ao Sr. Deputado Manuel dos Santos se ele considera que hoje em dia em Portugal, como em muitos outros países, o problema do défice da balança de transacções correntes constitui ou não um problema particularmente importante e difícil da política económica e financeira. E, por outro lado, se pensa que é através de um modelo prioritário de satisfação das necessidades básicas que vai conseguir obter os recursos, em divisas estrangeiras, para pagar os recursos energéticos que Portugal não tem, para pagar as importações de matérias-primas de que Portugal não dispõe, para pagar as importações de bens de equipamento de que Portugal também não dispõe. Pergunto se pretende - sem menosprezar a manutenção de um nível apreciável de satisfação de necessidades básicas de acordo com as possibilidades do País e num pequeno país como o nosso de economia aberta e interdependente do exterior resolver esses problemas através do refúgio sobre nós próprios, através do voltar as costas a uma integração do espaço europeu, através, repito, da sobrevalorização de aspectos que têm a ver com infra-estruturas que são naturalmente importantes, mas que não contribuem, pelo menos a curto prazo e nalguns casos só a bastante longo prazo, para alterar substancialmente o panorama económico do País, ou seja, se é realista colocar uma estratégia desse tipo para resolver os nossos problemas. Não vejo que tal se faça em nenhuma parte do mundo. Julgo que isso é uma originalidade do pensamento do Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para responder, se assim o entender, o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, antes de responder pedia à Mesa uma informação acerca do tempo disponível da minha bancada, uma vez que um camarada meu ainda está inscrito para intervir.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu grupo parlamentar dispõe de 19 minutos.
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não poderei, relativamente ao Sr. Deputado que me interpelou e ao Sr. Secretário de Estado, dedicar o tempo que VV. Ex.ª mereciam, mas penso que o pouco que tenho disponível permitirá razoavelmente responder às vossas questões.
Em relação ao Sr. Deputado Pinto Nunes, começo por agradecer a confissão pública que fez da coerência do meu pensamento. Realmente o meu método de trabalho baseia-se sempre numa leitura das minhas intervenções anteriores e, sendo assim, é natural que encontre alguma repetição, na medida em que, apesar de ser uma pessoa que não tem um pensamento rígido, pois, sou capaz de mudar de opinião, mas só quando tenho boas razões para o fazer e quando assim não acontece tenho uma coerência de pensamento que tenho procurado demonstrar em todas as intervenções que tenho feito nesta Assembleia.
Obrigado por me ter feito esse elogio que è um elogio que prezo muito.
Teceu ainda algumas considerações acerca, por exemplo, dos incentivos ao investimento, dizendo que eu o critiquei, por um lado - penso que foi esse o sentido da sua observação -, e que, por outro, anunciei que devia haver incentivos ao investimento. Ora, o que eu critiquei foi um sistema integrado de incentivos ao investimento que não funciona. Não é preciso interrogar-me a mim, basta perguntar aos industriais deste país, que -a maior parte deles lançaram projectos com base num sistema integrado de incentivos ao investimento e hoje não recebem as bonificações de juros - hoje estão com dificuldades tremendas para...
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, desde que o tempo seja descontado no tempo que o seu grupo parlamentar dispõe.
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, a contradição que eu quis assinalar foi entre a condenação que fez, por um lado, do investimento como factor determinante de um aumento do desequilíbrio da balança de pagamentos, e, por outro, a critica que fez ao sistema de incentivos ao investimento que não funcionou e deveria ter funcionado para aumentar esse mesmo investimento. Foi isto que não entendi.
O Orador: - Então ainda é mais simples responder-lhe.
Se o Sr. Deputado atentar numa frase que aqui tenho na minha intervenção vai encontrar a solução para tudo isso. Eu digo «o que é grave é que a um agravamento do défice externo não tenha correspondido um aumento do produto». Isso é que é grave! Eu não condenei o investimento, condenei, sim, que haja hoje uma relação, que é inversamente proporcional, entre o investimento e o agravamento do défice externo. Ou seja, o agravamento do défice externo faz-se essencialmente pelo consumo e, mais do que isso - gostava até de ouvir uma palavra do Governo acerca disto-, através de manobras especulativas. O Sr. Deputado não ignorará com certeza que existem cálculos oficiosos que atribuem para este ano 500 milhões de dólares de défice a manobras especulativas contra o escudo, isto é, a transferências ilegais de divisas.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Foi isto que quis dizer e, embora não o tenha querido dizer de uma forma tão clara como o estou a fazer agora, não tenho rebuço em lho referir.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É isto que condeno!
Nós sabemos que estamos condenados a um défice externo para desenvolvermos a economia. O Sr. Ministro João Salgueiro disse-o recentemente a um semanário e estou inteiramente de acordo com ele. Só que não é isso que se verifica. O que acontece é que este ano a economia nacional terá progredido talvez a 1% e o défice vai ser de 3 biliões de dólares, ou seja, não existe nenhuma correlação, nenhuma relação directa, entre o aumento do investimento e o aumento do défice externo, e é isso que é mau.
Em relação à referência que fez sobre a acumulação de lucros, devo dizer que não falei sobre essa questão e que, aliás, desconheço o estudo em que se baseou o meu camarada Almeida Santos. Há aí, de facto, qualquer confusão. Faça o favor de reler a minha intervenção porque não falei na questão da acumulação de lucros. Não há, portanto, qualquer contradição entre aquilo que eu disse e aquilo que o meu camarada Almeida Santos afirmou.
Sr. Secretário de Estado, penso que V. Ex.ª não me colocou nenhuma questão, mas que emitiu o seu ponto de vista acerca do meu próprio ponto de vista. Gostaria, no entanto, de lhe fazer uma correcção: não optei, digamos, alternativamente pelo modelo exclusivo da satisfação das necessidades básicas da população, o que eu disse é que era possível conciliar um modelo de desenvolvimento do estilo que os senhores têm procurado prosseguir e que efectivamente não têm concretizado- com a satisfação de algumas necessidades básicas da população. Foi isso que eu disse e é óbvio que o País não poderá desenvolver-se exclusivamente segundo esse modelo.
Mas já agora aproveito para lhe dizer que não me compete - e penso, aliás, que fui longe de mais na intervenção que fiz estar aqui a optar por modelos. O Partido Socialista não é governo ainda... vai sê-lo provavelmente a muito curto prazo face aos resultados eleitorais, e nessa altura nós apresentaremos o nosso modelo. O que está aqui em causa é o vosso modelo e é acerca dele que temos as mais profundas críticas a fazer até porque os resultados dão-nos profunda razão.
Em relação aos raciocínios rotineiros devo dizer-lhe que a rotina não é um defeito e aproveito ainda para dizer - aliás, isto vem na sequência da resposta que já dei ao Sr. Deputado Pinto Nunes - que o que mais me choca em tudo isto é a condenação que os senhores fazem do País, sobretudo dos mais desfavorecidos, sem qualquer espécie de perspectiva.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os senhores dizem que o ano de 1983 vai ser um ano de dificuldades. Nós estamos de acordo, sabemos que vai ser e como deixaram afundar de tal
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forma a economia connosco também seria assim, mas pergunto: essas dificuldades, esses sacrifícios, valem para quê? Onde é que está o plano a que ontem chamei de médio prazo e que hoje um senhor deputado chamou de «intercalar» para 3 anos, «intercalar» a médio prazo? Onde é que está o plano a médio prazo do Governo que nos dê uma visão de conjunto e das perspectivas de evolução da satisfação das necessidades básicas dos Portugueses. É a isso que os senhores não respondem.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Pinto Nunes.
O Sr. Pinto Nunes (PSD): - Sr. Deputado Manuel dos Santos, acerca do cálculo que referiu dos 500 milhões, desconheço o cálculo e desconheço até qualquer tipo de critério de avaliação desse cálculo, o que sei é que problemas desse género existem em vários países, que este é um problema a combater e que não estou a ver com que meios é que o Sr. Deputado os podia evitar.
Só à laia de graça, quero dizer que, os senhores talvez tenham alguma experiência nesse campo porque foi preciso demitir um Secretário de Estado -demitiu-se, aliás - que tinha um chefe de gabinete que emitia notas falsas... Talvez isso tenha sido uma forma de trabalhar o problema. Pergunto: será esse o meio para actuar num campo desses?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Onde isto já chegou!
Vozes do PCP: - Isso é mais que porco!
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Planeamento.
O Sr. Secretário de Estado do Planeamento: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Longe de mim pretender solicitar do Sr. Deputado Manuel dos Santos que me apresentasse o seu próprio modelo de desenvolvimento. Não estava nos meus planos pedir-lhe isso, mas se o Sr. Deputado levanta a questão, e em termos particularmente críticos, é porque naturalmente terá alguma alternativa no seu espírito. Foi o Sr. Deputado que levantou a questão e eu limitei-me a pegar-lhe na palavra.
Gostaria de lhe dizer, no entanto, só mais uma coisa: há uma palavra mágica que o Sr. Deputado tem estado a empregar que é «disponibilidade imediata de um plano a médio prazo». Ora, o trabalho de planeamento pode e deve processar-se simultaneamente em múltiplas áreas e neste momento há variadissimas áreas em que se está a fazer trabalho de planeamento a médio prazo e até, numa das áreas, a muito longo prazo.
Que esses trabalhos devam, em determinado momento, convergir numa formulação coerente chamada «plano de médio prazo», estamos de acordo e estamos a trabalhar para isso, mas não julgo que seja razoável e legítimo estar, pelo facto de neste momento não haver ainda esse tal plano de médio prazo, a afirmar que não existe uma perspectiva de médio prazo em processo de elaboração naqueles sectores em que ele se toma mais exigente e importante.
Por estes motivos não julgue o Sr. Deputado que, pelo simples facto de haver em determinado momento um Plano, isso vai resolver, através de uma chave mágica,
todos os problemas, é, sim, necessário que os seus fundamentos técnicos e a perspectiva de horizonte sejam elaborados com a devida precisão para que o plano sirva para qualquer coisa de muito concreto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um contraprotesto, o Sr. Deputado Manuel dos Santos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Queria dizer que retomaremos este assunto quando tiver aqui lugar a discussão das grandes opções do Plano.
Quero, no entanto, dizer-lhe, Sr. Secretário de Estado, que tenho seguido com atenção os estudos e os documentos que ultimamente tem produzido sobre o processo de planeamento e que, aliás, teve oportunidade de me enviar, não sei se directamente se através da Comissão.
Em relação ao Sr. Deputado Pinto Nunes, que não está presente, não posso deixar de fazer duas pequenas observações, porque têm interesse para a Câmara e não devo por isso calá-las. Primeiro, eu não falei em cálculo oficial, mas em avaliação oficiosa, ou talvez em cálculo oficioso, em relação aos tais 500 milhões de dólares. Mas eu dou-lhe uma pista, Sr. Deputado, que é a correlação entre as dormidas de turistas e as receitas em dólares de turismo. Penso que essa é uma pista significativa e se quiser trabalhar sobre isso chegará à conclusão de que boa parte das divisas que deviam entrar em Portugal por virtude do turismo ou não entram ou são desviadas ilegalmente.
Em relação ao problema que levanta quanto ao meu camarada Roque Lino, desejo fazer um veemente protesto, não tanto pela sua afirmação, que objectivamente não conteve nada de insultuoso, mas, digamos, pela sua intenção. É que, efectivamente, penso que o meu camarada Roque Lino deu um magnífico exemplo de como se deve portar um responsável político em democracia, isto é, vendo-se confrontado com uma situação de irregularidade verificada com um seu colaborador directo, demitiu-se.
É isto que nós esperamos dos Srs. Membros do Governo, alguns dos quais, naturalmente, já se confrontaram com situações semelhantes ou ainda mais graves.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques, que é o orador que se segue na ordem de inscrições.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença que faça uma comunicação à Mesa?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, como é do conhecimento da Câmara, está a realizar-se neste momento uma conferência de líderes no sentido de equacionar a questão da evolução do debate.
Nesse sentido, um dos acordos desde logo estabelecido foi o da substituição do meu camarada Sousa Marques pelo representante da bancada da ASDI que, penso, será o Sr. Deputado Magalhães Mota.
Como o Sr. Deputado da ASDI não está presente
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pediram na conferência que se aguardasse 1 minuto apenas até ele chegar para que pudesse intervir.
Pausa.
Sr. Presidente, segundo informação que acabo de receber da conferência de líderes, não será o Sr. Deputado Magalhães Mota a intervir já, mas sim um senhor deputado da bancada do PPM.
O Sr. Presidente: - Quer então dizer que o Sr. Deputado pede a suspensão da sessão por l minuto?
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Não, Sr. Presidente, isso só seria necessário se se tratasse do Sr. Deputado Magalhães Mota. Como se trata do representante da bancada do PPM, tal não ê preciso, uma vez que o Sr. Deputado António Moniz se encontra presente.
Pausa.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Dá-me licença que faça um esclarecimento à Câmara, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Havia 2 grupos parlamentares que ainda não tinham feito qualquer intervenção durante este debate, a ASDI e o PPM.
O acordo a que se chegou, no sentido de cedermos a nossa vez a um destes grupos parlamentares, significa a nossa intenção de possibilitar que cada um deles pudesse intervir antes do encerramento do debate, sem prejuízo das intervenções do Governo e do partido interpelante.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz, para uma intervenção.
O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma interpelação em véspera de um acto eleitoral, em vez de constituir um sadio e normal instrumento constitucional de fortalecimento das instituições democráticas, não passa de uma pobre encenação de um simples comício que o eleitorado já não engole e a prova provada de que certa oposição não olha a meios para atingir os seus fins, revelando um comportamento que em recentes épocas da nossa história atirou o País para os braços de sistemas que não tinham nada a ver com a autêntica democracia e que por isso não receberam o referendo autêntico de toda a população.
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Isto é que é cultura!
O Orador: - É verdade!
Na realidade, ultrapassada ai fase da institucionalização da democracia, algumas forças partidárias, em vez de se assumirem como oposição construtiva e como possível alternativa, com um claro programa político traduzido em estratégias e soluções, limitam-se a uma crítica feroz, destruidora de tudo e de todos e que exibe ao povo português, da democracia em que acreditamos, uma aberrante caricatura.
Não há semana que os representantes de todas as forças políticas não lamentem as dificuldades e os entraves que o desenvolvimento económico português está a sentir.
Não há mesa-redonda ou colóquio em que os responsáveis partidários não clamem pela ausência do primeiro emprego e não deplorem a chaga do desemprego, condoendo-se com a má sorte da juventude. Contudo, neste enorme muro de lamentações se quedam as boas intenções da classe política portuguesa, sem a lucidez suficiente para apontar o tipo de sociedade que satisfaça os anseios da maioria da população, e apenas enchendo os ouvidos do eleitorado com parangonas tantas vezes ultrapassadas, decorrentes de construções ideológicas com que tentaram e tentam vestir desconchavadamente o País real e, por outro lado, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados, sem a coragem política de ultrapassar a demagogia fácil e contribuir para o saneamento económico dos diversos sectores, propondo e exigindo para eles os instrumentos legais necessários ao seu desenvolvimento harmónico e à inevitável confrontação que a breve trecho terão se acaso entrarmos no Mercado Comum.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Todos sabem bem que há falta de empregos, todos sabem que a actual legislação do trabalho não serve; a maioria de nós fala na Europa sem fronteiras e, doentiamente, vai apenas diagnosticando os males nacionais, sem se atrever a propor os remédios necessários por os considerar impopulares.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito bem!
O Orador: - Habituei-me a encarar a política como um modo de servir a colectividade; não suporto nem suportarei os profissionais da baixa política que levantam e alimentam fantasmas para tirar proveitos imediatos duvidosos e para manterem tudo na mesma por não saberem nem terem coragem de no momento histórico que vivem tomar e aceitar as medidas que vão ao encontro dos anseios de mudança da colectividade, bem expressa nos últimos sufrágios eleitorais. E o espírito criativo português continua abafado pela contínua manipulação política dos trabalhadores, traduzida nos costumeiros milhares de telegramas de uns quantos iluminados que em nome daqueles impedem que se toque na legislação laborai, apesar de terem a consciência de que as transformações que se operam na vida portuguesa após 1975 exigem medidas legislativas adequadas ao contexto social em permanente evolução. Porém, a mediocridade e a pusilanimidade dos políticos de horizontes curtos arvoraram-se em guardiões do espartilho dogmático que estiola o mundo laboral, impedindo qualquer vislumbre de mudança.
Já referi que a adesão à CEE impõe inevitáveis transformações, sob pena de as empresas portuguesas não aguentarem o embate da concorrência e serem irremediavelmente cilindradas por unidades de produção que vivem em regimes legais de linguagem diferente da nossa e que melhor favorecem tanto as mudanças estruturais como a mais rentável utilização dos recursos e dos meios organizacionais, o que lhes permite uma adaptação constante à dinâmica da lei da oferta e da procura. Pois, apesar deste embate com a Europa, continuamos no marasmo legislativo em matéria laboral, provocado pelo comportamento complexado e irrealista dos que se agarram às regras impostas pela ditadura gonçalvista. E mal o Governo da maioria ensaia uma medida legislativa que vá ao encontro das necessárias transformações, logo um clamor imenso e insensato, demagógico e engane as fossilizadas regras de uma ditadura do proletariado à
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portuguesa vem procurar manter a enervante actual situação, não fazendo nem deixando fazer, e mantendo as chagas abertas para se poderem comprazer sadicamente nos tabus que querem perpetuar para talvez utilizar nas campanhas eleitorais. Isso para mim não chega. E são os trabalhadores que todos dizem defender que acabam por pagar na sua carne a disparatada manutenção de uma legislação ultrapassada que não permite a criação de novos postos de trabalho e não garante a viabilidade dos existentes.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Seria bom para o País que a psicose dos despedimentos - que mais não fez do que aumentar o desemprego, bloqueando novas admissões e o necessário aumento de produtividade fosse, de uma vez para sempre, substituída por instrumentos legais que possibilitassem às empresas portuguesas a adaptação aos novos condicionalismos e lhes permitissem, sem quebra de garantia dos actuais postos de trabalho, fomentar a criatividade da sua gestão e o crescimento da oferta do emprego.
Sem a criação de uma nova dinâmica empresarial não se poderá acabar com o desemprego e aumentar a produtividade; sem uma nova legislação de trabalho não será possível a criação dessa dinâmica. Só os ingénuos não vêem que os responsáveis da oposição, durante as eleições, se dirigem aos industriais, fazendo coro com as suas reivindicações e, ao mesmo tempo, numa torpe reserva mental, nada deixam alterar, obrigando a economia portuguesa a continuar a estiolar com a actual legislação do trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: Quando esperava que nesta interpelação se viesse reclamar ao Governo a discussão e entrada em vigor, no mais curto espaço de tempo, da legislação que está a ser há algum tempo cuidadosamente preparada, limitei-me a ouvir a repetitiva, complexada a bafienta campanha de reprise, explorando os males da nossa economia, sem apontar soluções de alternativa, e, em surdina, impedindo qualquer veleidade de iniciativa legislativa.
Pobre democracia, pobres trabalhadores portugueses, pobre colectividade.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para uma intervenção.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Neste momento dos nossos trabalhos é possível reduzir ao máximo as considerações que um grupo parlamentar teria a fazer a propósito desta interpelação. É possível, neste momento, concluir, de facto, que o atraso na apresentação da proposta de lei relativa ao Orçamento para 1983 não é apenas revelador das dificuldades internas do Executivo, não é apenas resultante do desejo de não permitir entraves a um certo eleitoralismo circunstancial, mas representa, muito mais profundamente do que isso, a dificuldade de enfrentar a verdade de uma situação que é o resultado de uma gestão deficiente.
Aquilo que ouvimos ontem ao Sr. Ministro de Estado das Finanças e do Plano foi afinal a confissão desencantada de que o Governo foi incapaz de orientar a economia portuguesa no sentido das melhorias desejáveis, no sentido de melhorar a condição de vida dos Portugueses.
E o que o Governo também confessou foi que possivelmente - e o seu desânimo foi tal que o podemos frisar -, com governo ou sem governo, as coisas teriam corrido da mesma forma. Só que quando um governo diz que as coisas teriam corrido do mesmo modo se não fosse a sua existência, estamos a assistir à demissão desse mesmo governo, pois para que serve um governo senão para governar?
Este governo não veio aqui dizer-nos que tivesse feito o indispensável, o necessário ou sequer o possível, mas veio, afinal, dizer-nos que foi sucessivamente ultrapassado pelo clima, pela conjuntura internacional, pela crise, pelo dólar, pelo peso da factura petrolífera. Ou seja, foi ultrapassado por tudo e por todos e foi incapaz de conduzir, de dirigir e de orientar uma política.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - E não vale a pena, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fazer o confronto das promessas constantes do programa desse mesmo governo para as apreciarmos lado a lado com os resultados atingidos. Os dados falam por si e estamos neste momento confrontados, todos nós, com o fracasso de uma política e com os bloqueamentos gerados pelo conservadorismo, porque não houve controle da inflação, não houve controle do agravamento da dívida externa, deteve-se o crescimento, cessou o investimento, as finanças públicas foram mal utilizadas, o aparelho produtivo envelheceu e perdeu-se a esperança.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - Criaram-se atitudes em que se bloqueou a negociação social, em que persistem privilégios e desigualdades, em que se recusou a descentralização e a regionalização, em que foram empobrecidos os projectos educativos e culturais e em que a renovação, o desenvolvimento da solidariedade e da vida democrática estão em causa.
Falou-se muito em comparações internacionais e falou-se também muito no peso da nossa dívida externa.
Talvez valha a pena, no pouco tempo que me resta, deter-me uns momentos sobre esses dados.
Em primeiro lugar, quero focar a situação da dívida externa: e em 1980 o défice da balança de transacções atingiu os 1048 milhões de dólares, a dívida externa ultrapassou os 7,7 mil milhões de dólares, ou seja, quase 2 vezes o valor das exportações e 40% do produto interno. E todos nos alarmámos. Só que em 1981 todos estes records foram ultrapassados e o défice da balança passou para os 2,6 mil milhões, a dívida externa para 10 mil milhões, isto é, 3 vezes o valor das exportações e mais de 50% do produto interno. Será consolação, Sr. Presidente e Srs. Deputados, pensar-se que o grau de endividamento externo é superior no Chile, na Venezuela, no México e, talvez, na Polónia?
Será consolador pensar-se que têm compromissos superiores a 60% do produto interno a Bolívia, o Chile e o Peru? Será consolador pensar-se que na Polónia, Roménia, Bolívia, Brasil e Sudão a dívida externa é igual ao dobro das exportações?
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queria informá-lo de que faltam dez minutos para terminar o seu tempo.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Não penso que nenhum de nós fique com isso satisfeito. E penso, pelo contrário, que há um dado -e um dado imprescindível- que aqui importa ponderar. É que um terço da nossa dívida externa é exigível a curto prazo, o que quer dizer que nos próximos 12 meses há que amortizar 300 milhões de contos de capital. A uma taxa de juro média - e é pena que o Governo não nos dê estes dados-, calculada em 10%, temos de juros 90 a 100 milhões de contos, isto é, um serviço da dívida de 400 milhões de contos, ou seja, o valor somado das nossas exportações e das remessas dos nossos emigrantes em 1981.
Creio que números como estes nos dão a exacta dimensão de uma crise, mas não suficientemente exacta - e este é um desafio que queria deixar à bancada governamental-, porque a proposta de lei sobre o Orçamento está ainda a tempo de ser completada e porque a proposta de lei que temos presente não nos revela a situação dos fundos autónomos. E eu direi que quando o Governo nos alarma, apontando-nos para um défice de 150 milhões de contos, esconde que o défice do Fundo de Abastecimentos deve ser de outro tanto, se não mais. Aquilo que peço é que o Governo nos diga aqui, ou pelo menos no debate da proposta de lei orçamental, se os números que estou a referir são ou não exactos. Isto é, se o passivo acumulado em 1981 pelo Fundo de Abastecimentos não era da ordem dos 130 ou 140 milhões de contos, aos quais se acrescentarão os 15 milhões de contos previstos como transferências do OGE em 1982 e - isto é ainda mais grave - se este passivo, acumulado com o valor dos juros e as diferenças cambiais sobre o capital e os juros, não acresce em cada ano cerca de 20 milhões de contos.
O que eu pergunto é se nas contas com os organismos de coordenação económica não poderá haver ainda dolorosas surpresas, na medida em que a EPAC não tem contas de 1972 a 1975, que a Junta Nacional de Frutas não tem contas também desde 75, que na Junta Nacional dos Produtos Pecuários só há contas até 1978, que no Instituto do Azeite e dos Produtos Oleaginosos só há contas até 1977.
Esta situação é naturalmente preocupante, poderá agravar os dados gerais que estou aqui a lançar e são uma expectativa dolorosa, mas sobre a qual o Governo terá que dar conta a esta Assembleia e ao País.
Creio assim que quando em vez de um panorama de esperança nos é dado um panorama de crise, quando em relação à crise não são dadas soluções, quando pura e simplesmente nos são ditas palavras e nem as palavras são todas ditas, algo de importante está em causa e creio que não é mais possível continuar com os silêncios nem com as transigências.
Há pouco foi recordado pelo Sr. Deputado António Vitorino que ainda não há 6 meses o Sr. Primeiro-Ministro tinha dito que o nosso panorama futuro oscilaria entre a Polónia e a Turquia. Não gostaria de pensar que os Srs. Deputados que criticaram a situação da Polónia têm por modelo desejável o da Turquia. Como tal, aquilo que queria aqui deixar era o apelo desafiante a que mudemos - e que o façamos rapidamente -, para que, através da mudança, seja possível salvar aquilo que é essencial, ou seja, aquilo que é a nossa vontade de, como conjunto e como povo, continuarmos independentes, livres, e podendo oferecer hipóteses de futuro e vida digna aos nossos concidadãos.
Aplausos da ASDI, do PS e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, cumpre à Mesa informar VV. Ex.ªs que, por acordo estabelecido entre os grupos parlamentares, ao qual posteriormente veio a dar a sua inteira concordância o Sr. Deputado representante do MDP/CDE que não pôde estar nessa reunião por ser, neste momento, o único do seu partido que se encontra presente, ficou estabelecido que o plano de trabalhos para encerrarmos a interpelação será o seguinte: A ASDI e o PPM já usaram o tempo que lhes foi atribuído nessa reunião...
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Parte do tempo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Borges de Carvalho ficou com a disponibilidade de 20 minutos...
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, creio não termos utilizado os 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, mas reduziu o tempo de que dispunha, ficando agora com 13 minutos. Por sua vez, o Sr. Deputado Magalhães Mota da ASDI ficou com 5 minutos. O que pergunto agora é se W. Ex." se reservam ainda para intervir, ou se consideram esgotado o vosso tempo com as intervenções já proferidas?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, outra intervenção não faremos. Naturalmente que nos reservamos o direito de poder, a propósito de qualquer outra intervenção, ainda usar o nosso tempo.
O Sr. Presidente: - Perfeitamente, Sr. Deputado. O que ficou estabelecido também é que usaria a seguir da palavra o Sr. Deputado Sousa Marques, pelo Grupo Parlamentar do PCP, por 10 minutos, e depois, pelo Grupo Parlamentar do PS, o Sr. Deputado Sousa Gomes, que dispõe de 13 minutos é o tempo total, pois não tem redução nenhuma. Depois intervirão ainda um senhor deputado pelo Grupo Parlamentar do CDS e, igualmente, um senhor deputado pelo Grupo Parlamentar do PSD, dispondo cada um dos oradores de 10 minutos. Ao Governo ficaram reservados 10 minutos, não para uma intervenção, mas para, se este o entender necessário, fazer qualquer comentário às intervenções que acabo de anunciar. Ficou também assente que a Mesa não concederia, em caso algum, qualquer prorrogação do tempo que fosse contado pelo relógio que determina a contagem dos tempos no Plenário.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Sousa Marques, para uma intervenção de 10 minutos.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Cumpre-me abordar os resultados da desastrosa política da AD nas áreas da indústria e energia e dos transportes. O Sr. Ministro Baião Horta já é conhecido como o Ministro dos 3 discursos: o da indústria, o da tecnologia e o da energia. E agora quase se celebrizou, ao contraditar a própria proposta de lei das grandes opções do Plano para 1983, que refere um aumento de exportações de bens e serviços em volume, para o corrente ano, de 0% (zero
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por cento)! Para concluir o tão propalado ano da exportação não é nada mau!...
Quanto à indústria, na abertura deste debate já denunciámos a política governamental. E a vida aí está para mostrar os desastrosos resultados de tal política.
Quanto ao discurso «tecnológico» do Sr. Ministro, pomposamente designado «política tecnológica para os próximos anos», basta referir que nele é omitida qualquer orientação política relativa à importação de tecnologia. Ora, o que é claro é que a subversão dos mecanismos de controle sobre a importação de tecnologia bem como a não atribuição de meios mínimos indispensáveis ao funcionamento das instituições de investigação e desenvolvimento, a falta de apoio oficial aos gabinetes de projecto, a ausência de coordenação das actividades científicas e tecnológicas a nível central, tal como o agravamento da dependência externa - nomeadamente através da tentativa de adesão ao Mercado Comum -, são parte integrante da política de desastre da AD em todos os domínios da vida económica, social, cultural e política em Portugal.
No dia 29 de Maio de 1981 o Ministro Baião Horta pronunciou um discurso intitulado «A política energética para os próximos anos» onde afirmava com ar convencido: «Elaboração do Plano Energético Nacional numa perspectiva de 30 anos, onde apareçam consignadas as orientações da política energética definidas com rigorosa quantificação e calendarização. A data prevista para a sua conclusão», dizia Baião Horta, «é o fim de 1981». Entretanto implementar-se-ão, sem demora as orientações que acabei de expor, pois não podemos perder mais tempo [...]».
Ora, o fim de 1981 já lá vai há l ano. E, de facto, o Governo não tem perdido tempo: ao mesmo tempo que agrava a situação económica do País, nem existe Plano Energética Nacional, nem foi dado conhecimento à Assembleia da República de qualquer projecto deste plano, nem existe sequer uma política energética!
Tenha-se em conta um exemplo significativo. Como se mostra no gráfico junto - que requeira seja publicado no Diário em anexo a esta intervenção e que já foi distribuído pelos Srs. Deputados-, o armazenamento energético das albufeiras é de cerca de 60% do registado no mesmo período do ano transacto. Outro dado significativo: no fim do 1.º semestre as albufeiras tinham um coeficiente de enchimento de apenas 46%, quando no ano passado este coeficiente era de 67 %.
A verdade é que a situação ê mais grave do que no ano passado. Ora em 1981, o Governo justificou o desastre económico com o argumento da «seca». Só que não tomou as medidas necessárias e agravou ainda mais a já difícil situação dos pequenos consumidores. Agora, só porque há eleições repito, só porque há eleições-, o Governo subestima a gravidade da situação e negligencia quanto à imprescindível aplicação de medidas de poupança.
Refiramos, como exemplo escandaloso, o caso da Rádio Televisão Proencista. Em 1981, à conta da «seca», que segundo os senhores da AD era responsável por tudo o que ia mal neste país, havia que terminar os programas da TV antes das 23 horas. Mas agora, em que a situação é mais grave, como já demonstrei, numa altura em que se importa mais energia eléctrica do que no ano anterior, mas só porque há eleições -repito, só porque há eleições-, Proença de Carvalho e a AD insistem com o seu Mau Dia, Portugal! Basta fazer umas contas: se considerarmos um consumo médio de 80 MW/hora e o multiplicarmos por 5 horas e pelo preço de 5$ por cada kWh/hora, chegamos à conclusão que, por via da televisão matutina em tempo de propaganda eleitoral, importa-se, diariamente, mais de 2000 contos de energia eléctrica. Será que ninguém põe cobro e este despautério?
É necessário um verdadeiro Plano Energético Nacional. Mas o Governo não o faz nem se mostra capaz de o fazer. Pelo contrário, continuamos a importar energia, a ver agravados os défices externos e, paralelamente, a não ver aproveitados cerca de 50% dos nossos recurso hídricos.
E agora um caso sectorial exemplar o dos transportes. Podemos referir os seguintes 6 aspectos caracterizadores mais relevantes: o agravamento progressivo da situação económica e financeira das empresas do sector, que, na maior parte dos casos, já evidenciavam situações deficitárias à data das nacionalizações; a falta de uma política financeira adequada às necessidades do sector; as sucessivas alienações do património das empresas do sector, traduzidas em verdadeiras acções de descapitalização empresarial; a inexistência de um verdadeiro plano nacional de transportes; o envelhecimento progressivo das frotas e a sua progressiva desadaptação às exigências actuais; e as repetidas tentativas de desmantelamento das empresas públicas. Podemos constatar também que a situação do sector não tem sofrido qualquer evolução positiva e que, pelo contrário, se agravou nos últimos anos, e que os governos da AD não cumpriram o que prometeram nas alegres campanhas eleitorais e nos seus esperançosos programas de governação, tendo agravado, pelo contrário, os problemas do sector.
Importante é, pois, contabilizar as promessas eleiçoeiras e demagógicas e confrontá-las com a triste realidade e a nudez crua da verdade. A AD prometeu satisfazer as necessidades crescentes de deslocação de pessoas e bens. Mas não cumpriu. Alguns exemplos: redução de serviços urbanos e suburbanos (Carris, Rodoviária Nacional e Metro), encerramento de linhas e estações da CP, atrasos ou congelamento nos grandes projectos com interesse nacional e regional - Moncorvo, pirites alentejanas, Plano Siderúrgico Nacional, Sines, etc. Nos transportes urbanos, a AD prepara-se ainda para criar passes por empresas, o que vai necessariamente agravar ainda mais o nível de vida dos trabalhadores.
A AD prometeu dar prioridade aos transportes públicos nos grandes centros urbanos, mas não cumpriu. Exemplo claro e escandaloso é o da Carris, que neste momento só tem mais 4 autocarros do que em 1979. A AD prometeu realizar a coordenação intermodal. Entretanto, por exemplo, criou serviços rodoviários expressos em sobreposição com serviços da CP - caso do luxuoso Cascais-Lisboa, que talvez venha ainda a ser utilizado pela classe política da Quinta da Marinha, na falta de uma 1.º classe na CP, ou pelo Sr. Ministro dos Transportes em dia de greve geral! Por outro lado, o prolongamento do metropolitano para a periferia tem o objectivo evidente e bem conhecido da valorização imobiliária especulativa.
A AD prometeu contribuir para a independência nacional nos tráfegos de abastecimento. Mas, pelo contrário, «meteu na gaveta» os seus próprios projectos. Em 1980 - Ah! Saudosas eleições!... - a AD propagandeou o seu célebre plano de reequipamento da Marinha Mercante, que incluía a construção de 17 navios nos estaleiros de Viana do Castelo e da Setenave.
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Mapa referido na intervenção do Sr. Deputado Sousa Marques
ARMAZENAMENTO ENERGÉTICO DAS ALBUFEIRAS
[ver tabela na imagem]
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O resultado está à vista e è escandaloso. Nada do previsto se realizou. A AD fez falsas promessas aos órgãos do poder local. Mas, pelo contrário, não só não dinamizou a criação de comunidades de transportes urbanos, onde as autarquias poderiam ter uma efectiva participação, como aumentou ainda mais as dificuldades destas ao não cumprir a própria Lei das Finanças Locais.
Á AD prometeu induzir o desenvolvimento da indústria nacional de material de transporte. Mas, pelo contrário, como nos casos da indústria naval e da CP/Sore-fame, dificultou ou impediu acções de investimento das empresas públicas. A AD prometeu contribuir para atenuar o défice da balança de transacções correntes. Mas, pelo contrário, tem privilegiado o recurso aos afretamentos e à transferência massiva de divisas para pagamento de fretes a armadores estrangeiros - 23 milhões de contos em 1980; 29,4 milhões em 1981; 18,7 milhões no 1.º semestre de 1982. A AD prometeu limitar o crescimento do consumo de produtos energéticos, em contrapartida o Governo propõe-se reduzir a oferta nos transportes colectivos, com a falsa justificação que essa é uma forma de poupar energia. Ora, isto só seria verdade se os utentes passassem a andar a pé. A AD prometeu a intervenção do Estado para sanear económica e financeiramente o sector público empresarial, mas não cumpriu.
Em matéria de investimentos foram cortados 2 milhões e meio na CP e 1800000 na RN. Em matéria de redução de indemnizações compensatórias o panorama é semelhante: O Governo deve à TAP mais de 3 milhões de contos! À RN deve mais de 1 milhão e meio. E que dizer do corte brutal previsto no OGE/1983? Enquanto no OGE/1982 se previam 3600000 contos para despesas de investimento, esta verba passa, no próximo ano, para 95000 contos, apenas!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pelo contrário, há que desenvolver um sistema de planeamento sectorial que tenha em conta uma política de desenvolvimento global da nossa economia e definir um verdadeiro e eficaz plano nacional de transportes. Há que estabelecer e pôr em prática medidas que determinem a utilização prioritária de navios nacionais ou explorados por armadores nacionais. É sabido, pelo contrário, que a nossa marinha de comércio transporta apenas 10% a 12% do nosso comércio externo, quando está internacionalmente aceite que se possam atingir quotas de 40% a 50%. Ou será que a AD está à espera que, se se consumasse a entrada de Portugal no Mercado Comum, os armadores gregos entrassem por aí dentro e tomassem conta de tudo, como advertiu, recentemente, o próprio presidente da Associação Portuguesa dos Armadores da Marinha Mercante?
Há que concretizar a renovação e a expansão das nossas frotas com novos navios construídos em estaleiros nacionais. Há que redefinir a frota petrolífera. Há que definir uma verdadeira política aérea nacional. Há que adoptar medidas administrativas que obriguem as empresas e os organismos públicos a utilizarem exclusivamente os serviços da TAP. Há que não seguir o exemplo do Primeiro-Ministro, que trocou a TAP por uma companha estrangeira só porque queria regressar ao nosso país, vindo das Américas, em 1.ª classe. Não há dúvida, gente fina é outra coisa...
Risos do PCP.
Há que atribuir indemnizações compensatórias adequadas aos serviços sociais prestados pelas empresas, como forma de evitar aumentos brutais das tarifas, aumentos estes já determinados pelo Governo para depois das eleições no valor de 30% para todos os tipos de transporte. Para além disto, na proposta do OGE/1983 as indemnizações compensatórias têm o mesmo valor nominal das previstas para 1982, o que, tendo em conta a taxa de inflação, significa um corte de 25%. Há que melhorar as condições de transporte para e das regiões autónomas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É longa a lista de arbitrariedades, ilegalidades e ataques ao sector público projectados, em execução ou já perpetrados pelos senhores da AD. Alienações patrimoniais sucessivas - hotel Eva, que era da RN; acções da Soteis e outras, que eram da TAP; agência de Viagens da CTM. Desmantelamentos sucessivos, como na RN, na CTM e na CP. Declarações de situações económicas difíceis, visando aumentar ainda mais as dificuldades, como na TAP, na RN ou na CTM.
A acção destruidora deste Governo ficará na história. Como ficarão na história as desgraçadas consequências de tão desastrosa política.
Pela nossa parte, já há muito dizemos basta!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Exportação.
O Sr. Secretário de Estado da Exportação (Faria de Oliveira): - É para fazer um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Sousa Marques referiu que nas opções do Plano para 1982 o valor das exportações representava um crescimento zero. Gostaria de esclarecer que, em termos de exportações de mercadorias, os resultados que se prevêem para o ano de 1982 apontam para um crescimento em volume situado entre os 6% e os 7% e não o valor zero do crescimento. Quando refere o valor zero de crescimento (e convinha ler devidamente o que vem nos documentos da GOP) é em relação às exportações de bens e serviços, incluindo, portanto, as receitas do turismo.
Em relação à política de fomento das exportações que este Governo pôs em vigor, todos os objectivos e todas as metas previstas para este ano têm, em princípio, grande probabilidade de virem a ser atingidas. Não apenas os objectivos quantitativos que foram fixados, mas fundamentalmente os objectivos qualitativos enunciados.
Em termos de resultados do 1.º semestre, é já de todos conhecido que o aumento em volume das exportações foi de 7,5% e o aumento em escudos foi da ordem dos 20%. Ganhámos quotas de mercado, mesmo num clima de grande recessão internacional, como é conhecido, em que a procura externa no âmbito da OCDE teve um crescimento interno de 1,75% e um decréscimo global do mercado mundial. Mesmo assim, os ganhos de quotas de mercado de Portugal, em relação ao conjunto dos países da OCDE, cifrou-se em 1,5%.
Por outro lado, em termos de diversificação das exportações, conseguimos aumentá-las para quase todos os mercados definidos como prioritários: nos países árabes 51%; nos países da América Latina 34%; nos Estados Unidos da América 31%; na CEE e na EFTA mantivemos os aumentos normais de 23%. Apenas
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perdemos quotas de mercado em relação à República Popular de Angola (e é conhecida de todos a razão porque isso aconteceu). Se se tivessem mantido os volumes de exportação que tivemos o ano passado em relação a Angola, o crescimento em volume das nossas exportações tinha ultrapassado os 9%.
Gostaria ainda de dizer que tem sido referido nesta Câmara o problema de o modelo económico ser ou não baseado nas exportações. A exportação não è um bem em si mesmo, como a importação não é um mal em si mesmo. A exportação será um bem quando for fonte de obtenção de divisas, quando promover melhorias na produção e na competitividade que se repercutiram também a nível interno através de melhorias de preço e de qualidade. As importações serão também um bem, porque uma necessidade, quando se destinem a satisfazer carências, a adquirir bens que tragam vantagens e permitam melhorias qualitativas de várias naturezas em diversos aspectos e sectores da actividade.
É uma falsa questão definir-se o modelo de desenvolvimento em função ou não das exportações. Mas em termos da situação da nossa balança de transacções correntes, é, sem dúvida nenhuma, um imperativo nacional criar uma dinâmica exportadora, uma dinâmica de produção para a exportação que nos permita, de facto, a diminuição do défice da balança externa.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa, apesar de o Sr. Secretário de Estado ter dito que desejava fazer um protesto, não entendeu como protesto a sua intervenção. Informei claramente que na conferência dos grupos parlamentares tinha ficado assente que não havia nem protesto, nem pedidos de esclarecimento, nem a utilização de qualquer outra figura regimental. Foi ressalvada a hipótese de o Governo pretender prestar qualquer resposta ou fazer qualquer observação a qualquer das intervenções que fossem formuladas, ficando, para esse efeito, reservado o tempo de 10 minutos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço desculpa, mas na minha versão não foi exactamente assim. O Sr. Ministro Marcelo Rebelo de Sousa pôs, com toda a clareza, a ressalva no sentido de que o Governo, dentro do tempo que lhe ficou disponível, pudesse, se assim o entendesse, utilizar o mecanismo do pedido de esclarecimento ou do protesto. Isto foi frisado porque o que ficou assente foi não haver o recurso a esses mecanismos pelos partidos. Daí que o Sr. Ministro tivesse tido a cautela...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe, mas parece que estamos só perante uma questão de palavras.
O entendimento com que fiquei e creio que o Sr. Secretário da Mesa que me secretariou e que tomou os apontamentos poderá ajudar a esclarecer o facto - é exactamente este: o Governo poderia prescindir do seu tempo ainda disponível, reservando apenas 10 minutos, os quais não utilizaria em termos de intervenção, mas tão somente, se o entendesse necessário ou conveniente, em função do teor - e lembro-me até que o Sr. Ministro o referiu com um sorriso das intervenções da ASDI, do PCP ou do PS.
Foi isto que ficou assente e que consta podemos prescindir da evocação do sorriso- da súmula do Sr. Secretário da Mesa.
Consequentemente, o que resta, no cumprimento do estabelecido, é uma intervenção do Sr. Deputado Sousa Gomes por um período de 3 minutos.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Há mais pedidos de interpelação à Mesa?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso.
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, não está tanto em causa uma certa maneira diferente de interpretar o que se terá passado na última conferência dos grupos parlamentares. O que está em causa é o seguinte: nessa conferência, e numa perspectiva de que pudesse haver na sala um número de deputados com algum significado, embora não houvesse quorum, os grupos parlamentares aquiesceram em não levantar a questão do quorum.
Mas, neste momento, olhando para as bancadas, nota-se que essa decisão tem que ser ponderada porque as perspectivas ultrapassaram, em termos de normalidade, aquilo que ainda há bem pouco tempo se pensaria que pudesse permitir o funcionamento normal da sessão.
Assim, em nome do meu grupo parlamentar e porque entendemos que em causa nunca poderá estar, para a dignidade desta Assembleia, o facto de faltarem muitos deputados (estamos numa época de eleições autárquicas), nas porque ainda falta a intervenção do Primeiro-Ministro -, entendemos que esta questão deve ser ponderada em conferência dos grupos parlamentares e, por isso, pedimos a sua convocação, bem como uma interrupção dos trabalhos por 10 minutos.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Antes da interrupção quero interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado. Como sabe, o pedido de suspensão funciona imediatamente. A sua interpelação será feita imediatamente a seguir à reabertura dos trabalhos.
Está convocada a conferência dos grupos parlamentares.
A sessão está suspensa por 10 minutos.
Eram 18 horas e 20 minutos.
Após a interrupção, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Tito de Morais.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Manuel dos Santos (PS): - Sr. Presidente, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista queria pedir a suspensão dos trabalhos por 15 minutos.
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O Sr. Presidente: - É regimental. Está concedida. Eram 18 horas e 41 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 19 horas.
O Sr. Sonsa Marques (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa vai no seguinte sentido: produzi aqui uma intervenção em que dizia que - ao contrário daquilo que o Governo tem dito - a taxa de crescimento anual em volume das exportações de bens e serviços era de 0%. Relativamente a essa minha intervenção o Sr. Secretário de Estado da Exportação fez um protesto e, mais uma vez, insistiu dizendo que não era certo aquilo que estávamos a dizer.
Portanto, a interpelação que faço à Mesa é no sentido de esta providenciar para que sejam distribuídas fotocópias dos seguintes 3 documentos: a primeira fotocópia é a da p. 60 da proposta de lei das grandes opções do Plano para 1983 que o Governo enviou para o Conselho Nacional do Plano, onde se refere claramente que «Á taxa de crescimento anual em volume das exportações de bens e serviços foi, em 1982, de 0%».
A segunda fotocópia é a da p. 45 do Plano aprovado o ano passado para 1984, onde se refere que «Era intenção do Governo que aumentasse, em volume, as exportações de bens e serviços de 7,5%».
 terceira fotocópia é a da p. 564 do Diário da Assembleia da República, 2.» série, n.º 27, de 14 de Dezembro de 1981, onde se encontra o quadro da despesa interna e em que o Governo referia como previsão uma taxa de crescimento em volume de 7,5 %.
Com a distribuição das fotocópias destes 3 documentos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, fica, quanto a nós, esclarecida de vez esta questão. A taxa de crescimento das exportações de bens e serviços foi, em 1982, de 0%, e não superior a 0%, como o Sr. Ministro Baião Horta disse erradamente na conferência de imprensa e foi comunicado nos meios de comunicação social.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pedia-lhe o favor de fazer chegar à Mesa esses documentos para serem entregues aos serviços competentes para que estes os distribuam pelos diversos grupos parlamentares.
O Sr. Sousa Gomes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Sonsa Gomes (PS): - Sr. Presidente, dado que o meu grupo parlamentar tem um tempo diminuto para intervir, sou obrigado a retirar da intervenção que irei produzir uma parte que pensava dedicar ao sector empresarial do Estado.
No entanto, não queria deixar de informar a Mesa que o meu grupo parlamentar está prestes a fazer a entrega de um projecto de diploma relativo à alteração da gestão do sector público. Também queria dizer que, em tempo próximo, o meu grupo parlamentar pensa solicitar à Mesa da Assembleia da República a marcação de uma
nova interpelação ao Governo sobre a gestão do sector público.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a circunstância que levou à interrupção desta sessão foi o requerimento formulado pela direcção do Partido Social-Democrata com o fim de debater o problema do quorum em reunião de grupos parlamentares.
Ora, essa reunião foi feita e è evidente que o simples facto de me ter sido solicitado que reunisse a conferência dos grupos parlamentares por razões de quorum leva a solicitar aos Srs. Secretários da Mesa o favor de procederem à sua contagem.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa é no sentido de fazer sentir a V. Ex.ª que o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata não tem nenhum deputado presente na Sala. Portanto, penso ser conveniente avisá-los.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não sei se isso se deve ao facto de estarem em alguma reunião.
O Sr. Mário Lopes (PSD): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata encontra-se neste momento em reunião.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço-lhe o favor de mandar proceder à contagem do quorum.
O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, peço a palavra para solicitar uma interrupção de 5 minutos.
O Sr. Presidente: - É regimental. Está concedida. Eram 19 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Gomes.
O Sr. Sousa Gomes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O julgamento dos dados objectivos sobre a actual situação económica portuguesa não pode deixar de conduzir a conclusões de grande preocupação.
Há cerca de 1 ano, na discussão do Plano e Orçamento do Estado para 1982, fizemos aqui uma crítica severa à política do Governo e às suas propostas face a uma degradação da situação económica portuguesa que já então se evidenciava. Bem desejaríamos poder reconhecer que as mesmas eram excessivas. Infelizmente (porque isso significa que o País viu agravada a sua sorte)
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as críticas revelavam-se fundamentadas, já que a situação económica se degradou ainda mais do que então ousámos prever.
Repetindo, embora, muito do que já aqui foi referido, importa lembrar «a situação a que se chegou».
O défice externo (o défice da balança de transacções correntes) praticamente nulo no fim de 1979, quando da formação do primeiro governo AD, registou desde então um agravamento calamitoso: cerca de 1,2 biliões de dólares em 1980 (5% do PNB), 2,7 biliões em 1981 (11,2% do PNB) e previsivelmente perto de 3,2 biliões em 1982 (14% do PNB).
Á dívida externa, que no fim de 1979 era de cerca de 6,6 biliões de dólares, atingirá no final de 1982 mais de 13 biliões de dólares (mais de 1000 milhões de contos), ou seja, um agravamento de 100% no período de 3 anos de governos AD.
A inflação contida artificialmente em 17% em 1980, ultrapassou 20% em 1981 e não será inferior a 23% em 1982.
O crescimento do produto interno tem sido manifestamente medíocre (1,7% em 1981, cerca de 2% em 1982), não obstante o nível de endividamento registado.
O próprio investimento produtivo público e privado regista um decrescimento alarmante (5,0% em 1981, 3,3% em 1982 e 0,5% como objectivo para 1983).
O desemprego, estimado em perto de 400000 inactivos, de acordo com os dados oficiais, ou quase 10% da população activa, não registou qualquer melhoria em 1981 nem em 1982.
Os défices do sector público administrativo, que atingiu cerca de 11% do PIB em 1980 e 1981, situar-se-á também em 1982 em níveis ainda muito elevados.
Perante esta situação, que deliberadamente não quisemos empolar, utilizando especialmente outros números que não dos relatórios da OCDE e do Banco de Portugal, o Governo vem aqui dizer que sim, que existe uma crise económica, mas não tem a coragem de dizer claramente a gravidade da crise e aquilo que o País terá de suportar em consequência.
Não se ignora, nem se quer minimizar, o peso que tem nesta situação a crise que atravessa toda a economia mundial. Só que a degradação da situação económica portuguesa ultrapassou largamente aquilo que podemos aceitar legitimamente como decorrente da situação económica mundial.
O Governo não pode eximir-se a assumir as suas próprias responsabilidades na situação a que conduziu o país, mas não pode tentar esconder a incapacidade que demonstrou em fazer face à crise.
Hoje o Governo dificilmente encontrará credibilidade por parte da população portuguesa para propor uma política de verdade e para se assumir como capaz de propor as soluções necessárias à ultrapassagem da difícil situação a que fomos conduzidos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na impossibilidade de abordar com algum detalhe todas as consequências da situação económica a que os sucessivos governos AD conduziram o país, gostaria de sublinhar em especial as dificuldades criadas com o intolerável nível de endividamento externo que Portugal atingiu.
Como referimos, no final de 1982 a dívida externa portuguesa terá ultrapassado os 13 biliões de dólares (mais de 1000 milhões de contos), ou seja cerca de 60% do produto nacional, e em 1983 só em juros o País terá de pagar cerca de 1,4 biliões de dólares ou seja o equivalente a um quarto das nossas exportações.
Se acrescentarmos que um terço da dívida é de curto prazo e se vence no decurso do próximo ano, tornar-se-á claro o enorme esforço de financiamento externo a encontrar em 1983: cerca de 4,5 a 5 biliões de dólares.
É certo que a existência de cerca de 6801 de ouro constitui ainda um importante suporte. Só que as reservas de ouro não cobrem já (aos actuais preços do ouro no mercado internacional) senão 65% da nossa divida externa. A sua venda, em parte que fosse, mesmo reduzindo alguma coisa da nossa divida, seria calamitosa para o país. Dissipar-se-ia a caução que as reservas de ouro constituem perante os nossos credores externos e dificilmente conseguiríamos negociar em condições aceitáveis os empréstimos que o País precisa para sobreviver. Espero que o Governo seja claro na afirmação inequívoca de que não pensa vender ouro das nossas reservas.
O endividamento de um país, como o de uma empresa, pode ter uma justificação quando constitui um meio de desenvolver e fazer crescer as estruturas produtivas e não ultrapassa os níveis da capacidade de reembolso produzidos através desses financiamentos. Nessas circunstâncias o endividamento tem a justificá-lo a possibilidade de conseguir a prazo a melhoria da própria produção nacional. Só que o endividamento do País realizado nestes 3 anos de governo AD não só excedeu todos os limites aceitáveis, como não tem a justificá-lo uma política de fomento e de criação de riqueza. Pelo contrário o défice externo serviu para financiar o consumo público e privado, que cresceu sempre nestes últimos anos acima do produto interno, enquanto o investimento não cessou de diminuir de 1980 para cá.
Para um país como Portugal, tendo em conta a sua estrutura produtiva, as suas limitadas capacidades de exportação, uma dívida externa que exceda 25% a 30% do produto interno gerará encargos com o serviço da dívida (juros e amortizações) difíceis de suportar. E como referimos a dívida externa portuguesa eleva-se já a valores que correspondem a cerca de 60% do produto interno.
A correcção do desequilíbrio externo tornou-se, assim, não só um objectivo primário, mas também uma condicionante imperativa. Nenhuma política económica em Portugal a poderá agora ignorar. Nos próximos anos todas as prioridades estarão subalternizadas à condicionante externa e é fácil perceber quais os sacrifícios que serão impostos ao povo português.
Ao conjunto das dificuldades estruturais da nossa economia e dos grandes problemas que afligem o nosso país veio juntar-se, de fornia inescapável, a sujeição financeira de uma pesada dívida externa.
As soluções de progresso económico e social e a melhoria das condições de vida do nosso povo estão a partir de agora gravemente comprometidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O reconhecimento dos problemas e das dificuldades a vencer não significa aceitar a impossibilidade de os resolver. Mas impõe uma abordagem nova, radicalmente diferente daquela que os governos AD têm imposto ao País.
Um governo eleito para um período de legislatura que se mostra incapaz de ter um plano de médio prazo e de formular as necessárias políticas estruturais é um governo que confessa a sua quase conformidade com a catástrofe económica a que conduziu o País.
Para ultrapassar as dificuldades estruturais da economia portuguesa, agora agravadas com os condicionantes da dívida externa, impõe-se uma nova estratégia, uma nova política.
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Uma política económica de rigor, necessária à redução dos grandes desequilíbrios económico-financeiros, com objectivos claramente estabelecidos, com medidas sérias para a atingir, com uma gestão eficiente e competente. Mas também uma política económica activa que permita a maximização do progresso e do desenvolvimento, compatível com os recursos disponíveis, capaz de dotar o País de uma economia mais competitiva e eficiente, sem ignorar os pressupostos das transformações em curso a nível mundial.
No contexto dessa nova política, uma primeira preocupação será a da redução dos grandes desequilíbrios, o que obriga, antes de mais, a uma gestão criteriosa e competente dos recursos públicos e a uma redução significativa do nosso défice externo.
Em relação ao défice externo, a sua diminuição passa não só pelo aumento das exportações, nas condições que adiante referiremos, mas, antes de mais, por uma redução drástica das nossas importações.
Neste domínio e a título de exemplo permitimo-nos referir duas áreas que deveriam merecer uma atenção imediata: a balança de produtos agrícolas e a balança de serviços. Não conhecemos nenhum país com uma estrutura económica semelhante à nossa que se dê ao luxo de importar 3 vezes aquilo que exporta de bens e produtos agrícolas. Com cerca de 28% de população activa empregue na agricultura, o país acusou em 1981 um défice na balança de produtos agrícolas de cerca de 70 milhões de contos (30 milhões de exportações, contra cerca de 100 milhões de importações).
Na balança de serviços, onde precisamos de maximizar o saldo positivo, torna-se indispensável introduzir alterações de fundo na política de suicídio que vem sendo praticado no turismo (o decréscimo brutal de receitas em 1982 é suficientemente eloquente) e na política de transportes. O défice crónico dos fretes de mercadorias ultrapassou nos últimos anos mais de meio bilião de dólares (cerca de 40 milhões de contos/ano). Só 23%, em tonelagem, das importações e 6% das exportações é feita sob bandeira nacional.
Mas como referimos, a diminuição do défice externo passa também pelo fomento activo e empenhado das nossas exportações, o que supõe uma estratégia de desenvolvimento económico que manifestamente o Governo não tem.
Com efeito, exportar mais significa maior competitividade, mas também maior diversificação e maior qualificação da nossa estrutura produtiva. Á adesão de Portugal à CEE poderia ser, a nosso ver, o estímulo necessário à modernização da nossa estrutura produtiva e uma alavanca poderosa ao desenvolvimento económico de Portugal, desde que se soubesse estabelecer as medidas adequadas de política estrutural. Á verdade é que o compasso de espera no processo de adesão que, voluntária ou involuntariamente, Portugal vem aceitando, não tem sequer sido aproveitado para gizar essa política e iniciar as alterações que se requerem na nossa estrutura económica.
O que se passa é que Portugal continua a não dispor de uma estratégia de modernização da sua economia. A este propósito, permitimo-nos referir 3 áreas prioritárias: a reconversão das estruturas agrícolas, a diversificação das estruturas industriais e a modernização da nossa administração. Á reconversão das nossas estruturas agrícolas, que de uma forma ou outra será inevitável com a adesão à CEE, terá benefícios, se for realizada de imediato com inteligência e determinação, ou terá custos incalculáveis, se se mantiver a impotência e a incompetência que se vem demonstrando na política para este sector.
Á diversificação e desenvolvimento das nossas estruturas industriais é um imperativo decorrente da mutação que ocorre hoje a nível mundial. Portugal dispõe de alguns sectores industriais eficientes competitivos e dinâmicos, mas o nosso padrão de especialização revela-se de uma fragilidade excessiva. Torna-se indispensável uma maior diversificação das nossas produções assente numa maior integração vertical e procurando apoio em novas vantagens comparativas que não as de baixos salários. Mas para isso seria preciso uma política de investigação e desenvolvimento que desse suporte a tal estratégia e a promoção de uma política de investimento adequadamente subordinada a esses objectivos estratégicos.
A modernização da administração revela-se também uma área prioritária, já que a incapacidade de gestão pública e os baixíssimos níveis de produtividade e eficiência económica estão ligados à estrutura de administração, inaceitáveis à luz de qualquer padrão modesto para um país que deseja integrar-se na Europa. Cite-se, por exemplo, o funcionamento da nossa administração fiscal, a situação do nosso aparelho estatístico, a inadequação dos instrumentos de gestão e programação da actividade da administração central do Estado, a total incapacidade de realizar a descentralização, tão prometida e tão falada.
Mas uma qualquer estratégia de modernização da nossa economia requer a existência de um plano, não no sentido formal e burocratizante, mas sim como expressão de afirmação de um projecto de transformação e mudança. Plano que fosse também a expressão da vontade democrática dos agentes económicos em serem actores dessa transformação.
Nesse quadro seria possível utilizar de forma dinâmica e eficiente a existência do actual SEE (Sector Empresarial de Estado), que poderia pôr as suas enormes potencialidades ao serviço de uma estratégia decorrente do plano como uma importante alavanca do desenvolvimento do País. E isto sem prejuízo, nem qualquer subalternização, do sector privado e cooperativo, que nunca deixaram até hoje de ter em Portugal uma posição maioritária na economia portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Importa concluir. O País foi conduzido pelos governos AD a uma situação económica altamente degradada e fortemente dependente de uma dívida externa que aumentou 100% nos últimos 3 anos e que ultrapassa hoje 60% do nosso produto interno.
Não será fácil o futuro, a que a AD nos condenou, tanto mais quanto nos próximos anos em razão dos condicionantes da dívida externa, o país dificilmente poderá escapar a um crescimento muito limitado do seu produto interno, traduzido entre outros aspectos num aumento sensível do desemprego e na degradação do nível de vida dos portugueses.
Mas importa não comprometer ainda mais o presente e o futuro aceitando a política que os governos AD vem impondo ao país desde 1980. E precisa a coragem de dizer não.
Para nós o caminho de saída existe, mas é agora extremamente estreito e difícil. Requer um novo governo, com uma credibilidade e uma capacidade que a AD já demonstrou não ser capaz.
Aplausos do PS e da UEDS.
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O Sr. Presidente: - Algum senhor deputado do PSD deseja intervir?
Como ninguém deseja intervir por parte do PSD, formulo a mesma pergunta ao Grupo Parlamentar do CDS.
Pausa.
Como ninguém deseja intervir, encerro o período da interpelação destinado ao debate, pelo que passamos à parte do encerramento. O partido interpelante dispõe de 30 minutos e depois o Governo dispõe de igual tempo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao encerrarmos por parte do PCP a interpelação ao Governo sobre política económica e financeira, torna-se perfeitamente legítimo apresentar como conclusão fundamental destes 2 dias de debate que ele serviu, por um lado, para demonstrar a dimensão do desastre para que o Pais está a ser arrastado pela mão da AD e o futuro sombrio que se abaterá sobre o nosso povo se a coligação do PSD com o CDS continuar a governar, por outro lado, para pôr em evidência que é necessário uma outra política, que a alternativa que aqui apresentamos é a via segura para superar a crise, promover o desenvolvimento e defender a independência nacional.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O debate serviu para demonstrar que esta AD, esta equipa governamental não tem nem entende outra perspectiva que não seja a que aqui trouxe no fúnebre discurso do Ministro João Salgueiro e que se podia resumir como «o País vai de mal a pior». E às propostas do PCP à alternativa que apresentámos nas nossas intervenções de abertura, o Ministro fez orelhas moucas e refugiou-se na conjuntura internacional para dizer, mais uma vez, o mesmo de sempre - que no seu entender «não há saída».
O Sr. Ministro de Estado foi tão severo para com a OCDE e para com os seus erros de previsão que dir-se-ia querer sugerir-nos que dirigíssemos a interpelação à OCDE e que a confrontaremos com uma moção de censura. Afinal de quem é a responsabilidade da governação do país, do Governo Balsemão ou da OCDE?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A questão da alternativa à política da AD tornou-se na questão central deste debate. De um lado, da nossa parte uma proposta clara e coerente, assente numa política de combate aos défices externos, de aumento da produção, nomeadamente agrícola e em outras áreas de diminuta componente importada, uma política para a melhoria do nível de vida material e cultural do nosso povo, o que traria como consequência o alargamento do mercado interno e a direcção da procura predominantemente para bens de fabrico nacional.
Do outro lado, um governo representante do grande capital amarrado a uma política monetarista, restritiva, baseada na estagnação, na recessão e no agravamento colossal dos défices externos, uma política de que o povo e o País estão a sofrer os catastróficos resultados.
Torna-se assim claro porque é que o governo Balsemão e a AD quiseram a todo o transe impedir que esta clarificação se produzisse antes do acto eleitoral de 12 de Dezembro.
Não hesitaram tão pouco em violar os prazos constitucional e legalmente estabelecidos ao Governo para a apresentação à Assembleia das propostas de lei do Orçamento e das grandes opções do Plano, por si mesmo denunciadoras da política antinacional e antipopular que vem sendo seguida pela coligação do PSD e do CDS.
A interpelação do PCP frustou-lhes os intentos. Por força da interpelação o Governo teve de apresentar o Orçamento e as grandes opções do Plano. Por força da interpelação, o Governo e a AD tiveram de sujeitar-se a este debate.
Aplausos do PCP.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é autoconvencimento. Não tenha ilusões!
O Orador: - Depois desta interpelação fica melhor demonstrado que este não é um governo dos Portugueses, mas o governo de um punhado de muito poucos senhores do grande capital e da terra, contra a imensa maioria dos portugueses.
Aplausos do PCP.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Não sabe o que são votos!
O Orador: - O debate permitiu pôr a nu, sem contestação do Governo ou dos deputados dos partidos que o apoiam, a dimensão do desastre, através das suas realidades mais gritantes:
Uma dívida externa que triplicou em 3 anos de governo, atingindo o valor impressionante de 1150 milhões de contos, que já representa bastante mais do que metade de toda a produção de bens e serviços que o País realiza num ano;
Um défice da balança de transacções correntes da ordem dos 3 milhões de dólares, mais do dobro do previsto pelo Governo;
Uma taxa de expansão de exportação de bens e serviços de 0%;
Uma taxa de inflação de 23 %.
E, para continuar e acentuar o desastre, estipula uma taxa de crescimento do produto interno bruto para 1983 que se aproxima de 0% e, por incrível que pareça, a descapitalização (taxa de -1%) nos sectores básicos da economia, isto é no sector público empresarial e misto.
Tudo resumido, é o caos, o aprofundamento da crise, com as gravíssimas consequências sociais que daí decorrem inevitavelmente:
O aumento do desemprego, traduzido na situação de no 1.º semestre de 1982 terem sido suprimidos cerca de 30000 postos de trabalho;
A diminuição dos salários reais, que são no 1.º semestre de 1982 de menos 2,2% na indústria e de menos 6,4% na construção;
A diminuição real dos subsídios da segurança social, especialmente das pensões e das reformas - de chamar a atenção, já que os aumentos das reformas não incluirão o 13.º mês. E para isso há uma profusão de decretos ilegais, irregulares, do
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Governo para consagrar esse atentado contra os interesses dos reformados e dos pensionistas;
Aplausos do PCP.
O corte das dotações orçamentais para a saúde, habitação, ensino, transportes, com a degradação e encarecimento dos respectivos serviços;
Subida dos impostos, particularmente daqueles que recaiem sobre as camadas sociais de mais baixos rendimentos.
Nada disto esteve em discussão ou foi questionado pelos representantes do Governo que aqui falaram. Nas suas intervenções e no que toca à dimensão do desastre limitaram-se a confirmar os números. Hoje já não é só o PCP, como vem fazendo há muito, que alerta para a dramática situação em que o País vive.
Vozes de muitos quadrantes, órgãos de soberania, instituições científicas, gabinetes de conjuntura, Banco de Portugal, Conferência Nacional dos Economistas, aparecem a manifestar publicamente as suas profundas preocupações.
Em 2 de Outubro passado o governador do Banco de Portugal, Jacinto Nunes, alertava o Pais para o record da dívida externa, afirmando textualmente «não podemos estar a endividar-nos continuamente e a resolver os nossos problemas à custa dos créditos externos». E acrescentava: «os Portugueses estão a fumar charutos Davi-doff! Não pode ser [...]».
O Governo sabe que já não pode iludir a situação, pesem as tentativas que a certa altura ensaiou para minimizar as consequências da crise. Por isso, o Sr. Ministro se viu obrigado a aceitar aqui ontem, o quadro da crise que ainda há pouco meses desmentia.
Para nós isto não é nada de novo. Na reunião plenária do Comité Central do PCP realizada nos passados dias 31 de Janeiro e l de Fevereiro afirmávamos:
Á situação económica portuguesa degrada-se rapidamente, a produção industrial está estagnada ou em retrocesso. A capacidade não utilizada sobe a mais de 20%. A sabotagem às empresas nacionalizadas reduz a sua expansão e eficiência. A produção agrícola regista uma baixa acentuada que não pode atribuir-se apenas às condições climatéricas desfavoráveis.
O agravamento constante e sistemático das condições de trabalho e de vida da classe operária e dos trabalhadores em geral, como meio para aumentar os lucros e relançar o processo de acumulação e centralização capitalista, é um aspecto essencial da política do Governo AD [...].
Para esta situação, nós, PCP, apresentámos aqui uma alternativa de política económica, consubstanciada em medidas concretas, que se impõe que sejam urgente e inadiavelmente tomadas.
Desta vez o Governo já não pode alegar em justificação da sua política que não vê apresentada uma alternativa pelo partido interpelante. Teve de reconhecer que foram apresentadas propostas para uma política alternativa. Mas reconhecendo-o, procurou desde logo desvalorizá-las, arguindo que «não levam em conta» o enquadramento externo do País, a crise que avassala a Europa e o mundo.
Acusa-nos o Governo de concebermos o País como isolado das relações internacionais, como se fosse uma ilha. A isso nós replicamos que não desconhecemos a crise geral do capitalismo e a agudeza que atinge na presente etapa. Não ignoramos que o nosso país é duramente atingido pela malha das contradições e antagonismos em que está mergulhado presentemente o chamado mundo ocidental.
É por isso mesmo que, ao contrário do Governo, que não sabe sair da teia das dependências externas, nós, porque não consideramos que o País é uma ilha e porque todos os países defendem a sua produção -veja-se o caso dos Estados Unidos da América, que são os campeões do proteccionismo-, é que defendemos o corte nas importações sumptuárias e desnecessárias, a produção nacional de produtos que hoje se importam, a protecção de indústrias novas.
Aplausos do PCP.
É precisamente porque não somos uma ilha e porque a crise atinge particularmente os países com quem nós temos afuniladas as nossas relações económicas externas, como bem reconheceu o Sr. Ministro de Estado nas suas intervenções, que preconizamos a diversificação das relações económicas externas, nomeadamente através do seu reforço com os países africanos, árabes e socialistas. Porque entendemos que temos de vencer no nosso atraso é que propomos diminuir as taxas de juro, controlar a inflação e desmonetarizar a política económica.
Porque temos de vencer a nossa crise no contexto da situação da crise que atinge o mundo ocidental é que preconizamos o aproveitamento nacional de todos os nossos recursos e energias internas, o aproveitamento de todas as capacidades instaladas e não utilizadas, o combate ao desperdício, o lançamento de novas culturas. É por isso que insistimos na necessidade imperiosa de dar concretização aos grandes planos e projectos nacionais, designadamente ao Alqueva (em relação ao abastecimento de água, à rega e à produção de energia), e ao plano siderúrgico nacional, com o aproveitamento do ferro de Moncorvo e das pirites alentejanas, não esquecendo que a componente importada pode e deve ser feita através de sistemas de compensação, como outros países têm feito (Argélia, México e Finlândia).
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É por tudo isto que consideramos indispensável fazer-se um grande esforço para ultrapassar o nosso défice da balança alimentar, através do desenvolvimento da indústria agro-alimentar, do incremento da produção pecuária, do desenvolvimento das culturas forrageiras.
Como é que se pode compreender que todo o açúcar que consumimos seja importado, quando podíamos aqui produzir uma boa parte através da cultura da beterraba sacarina?
Como é que se pode compreender que 50% das nossas exportações mineiras se façam nos escalões mais baixos da transformação, poder-se-ia dizer «em pedra»?
Como é que se pode compreender que, perante a premência da crise energética, continuem por aproveitar 50% dos nossos recursos hídricos?
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Nós não prometemos, como fez a AD nas vésperas das eleições de 1979, pôr peixe fresco à
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mesa de cada família portuguesa. Mas é admissível que esteja por explorar a nossa zona económica exclusiva, que se não tenha dado um passo nestes últimos 3 anos para renovar a frota pesqueira, que se não dê qualquer apoio ou qualquer estímulo à pesca artesanal e que, pelo contrário, se dificulte a sua expansão e apetrechamento?
Compreende-se que, com a extensão da nossa costa e a riqueza dos nossos mares, se continuem a importar 10 milhões de contos em peixe?
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Um grande esforço nacional para vencer a crise tem que comportar obrigatoriamente medidas como estas, e esta orientação, que assenta no pleno aproveitamento dos nossos recursos e energias.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Trata-se, como todos compreendem, de respostas viáveis e realistas a algumas das nossas principais dificuldades. No seu conjunto, constituem uma verdadeira alternativa à política do Governo, conducente à recuperação da economia e do País. Não é por desconhecimento que o Governo não faz sua esta orientação, mas porque prossegue objectivos diametralmente opostos. Com efeito, a experiência dos últimos anos, especialmente a dos 3 anos de governação da ÁD, demonstra claramente que a crise não se ultrapassa descapitalizando, destruindo e desmantelando as empresas nacionalizadas, mas, pelo contrário, fazendo delas o sector chave do nosso desenvolvimento.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Demonstra que o atraso da nossa agricultura não se pode vencer com os ataques à Reforma Agrária e a destruição das UCP/Cooperativas, com o esbulho dos direitos dos rendeiros e a falta de apoios e incentivos aos pequenos e médios agricultores, mas, pelo contrário, através do apoio técnico, financeiro e de crédito e de garantias de preços e escoamento de produtos a todos aqueles que trabalham a terra.
Demonstra que a satisfação das necessidades mais prementes da população, a eliminação das assimetrias regionais e o desenvolvimento regional integrado não se fazem retirando poderes às autarquias e esbulhando-as dos seus meios financeiros, mas, pelo contrário, reforçando o poder local democrático, incluindo a sua capacidade de decisão e através do cumprimento pleno da Lei das Finanças Locais.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Demonstra que o empenhamento do nosso povo na batalha que é preciso travar para se sair da crise não se faz através da redução dos salários reais e em geral do consumo popular, da intensificação da exploração, da redução de direitos e conquistas, da ameaça de uma nova legislação laborai feita no interesse do patronato, mas, pelo contrário, com a elevação do nível de vida e o apoio à expansão do consumo popular, com o combate aos consumos sumptuários e aos lucros especulativos, com a garantia dos direitos e conquistas dos trabalhadores e suas organizações.
Aplausos do PCP.
Só nesta base será possível a grande mobilização popular que o País carece para vencer a crise.
Uma voz do CDS: - Ah, é?
O Orador: - Quis o Sr. Ministro convencer-nos de que aquilo que aqui se devia discutir era a questão de saber se o «rigor» é ou não excessivo, se deve ser maior ou menor a recessão, se se deve perfilhar esta ou aquela escola do pensamento económico burguês. Mas o que embaraça o Sr. Ministro é aqui ter ficado demonstrado que a solução técnica não é essa.
E agora dizemos nós: só por provincianismo se pode acreditar que meia dúzia de receitas do FMI, pronunciadas em inglês e ouvidas em Nova Iorque, esgotam tudo o que se pode pensar sobre a situação portuguesa e são a única abordagem possível dos nossos problemas.
Aplausos do PCP.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - E as de Leste?
O Orador: - A verdade, Sr. Ministro, é que este debate demonstrou que as soluções técnicas implicam antes de tudo uma opção política. A questão é de decidir para quem vamos trabalhar, se para o povo português ou se para meia dúzia de exploradores;...
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Exacto!
O Sr. Silva Marques (PSD): - É isso mesmo!
O Orador: - ... se o valor produzido e não consumido deve ser canalizado para esfera produtiva e para benefício da colectividade ou se para engrossar as fortunas privadas; se o País que queremos construir é o País do 24 de Abril ou se é o Portugal do 25 de Abril.
Aplausos do PCP.
A causa primeira dos nefastos resultados da governação AD está na sua própria essência, na sua natureza de classe, no facto de estar toda ela virada para a restauração dos monopólios e dos latifúndios e das dinâmicas de exploração e acumulação que lhe são próprias.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Governo AD trabalha para o grande capital e para os latifundiários. E isso demonstra-se não apenas pela análise da política geral, mas pelo rosário de escândalos que têm acompanhado a sua governação ao longo destes 3 anos.
São os escândalos bancários, Jorge de Brito, Pinto de Magalhães e Quina, traduzidos na entrega de milhões de contos e visando a reconstituição dos grupos financeiros.
É a entrega de mão beijada ao grande capital de empresas rentáveis através do leilão de empresas nacionalizadas, tais como a Alço para os Mellos, a SIAF para o Espírito Santo, a Jomatel, a Betão Liz, a Norbetão, a Unibetão, o Hotel Eva, etc, etc.
São os planos para entrega das participações do Estado na Lisnave, na Sorefame, na Brisa, na Compal, na Dialap, na Marconi.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - São só planos!
O Orador: - É o ataque, a intriga, o manobrismo
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contra as empresas públicas tendentes a facilitar a sua entrega ao grande capital, como acontece com a TAP, com a criação da AIR Madeira e outras empresas de voos charters, com o plano Mello para apanhar a Setenave e chamar a si o controle de toda a indústria naval, com a liquidação da CTM, etc, etc.
É a tentativa de liquidação de uma empresa nacionalizada, a EPAC, com o objectivo de se franquear o comércio de cereais a grandes grupos internacionais que operam nesta área.
É o escândalo da ANOP, tendo em vista a entrega da actividade noticiosa ao sector privado, são os escândalos dos boletins do totobola, dos Lockheed, dos B RI's, da publicidade e da produção de programas na televisão, entre tantos outros.
É todo o processo de reconstituição do latifúndio no Alentejo e no Ribatejo, com base na força bruta, no abuso de poder, na ilegalidade, no nepotismo, no compadrio, de que ficou famoso entre outros o caso Prates Canelas.
Aplausos do PCP.
É nesta política, de restauração do poder económico do grande capital e dos latifundiários, associados ao imperialismo, que reside em medida fundamental o afundamento da nossa economia e o colossal endividamento externo do Pais.
Não é surpresa. Já em 1979, na Resolução do IX Congresso do Partido Comunista Português, se afirmava: «o recurso aos empréstimos...
O Sr. Santana Lopes (PSD): - A Rússia vai emprestar!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Cuidado com as citações...
O Orador: - ...apareceu como meio para cobrir os défices da balança de pagamentos, dado que a política de recuperação capitalista teve como resultado a estagnação ou a recessão da economia nacional e o aumento dos consumos sumptuários, impediu de facto a mobilização e a dinamização dos recursos e energias nacionais e conduziu de facto ao agravamento da balança externa».
O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é uma guinada à direita!
O Orador: - Foi por este caminho que os sucessivos governos empurraram o País para as malhas do FMI e que de empréstimo a empréstimo, insistindo cegamente na mesma política, se chegou ao limite de se contrair mais empréstimos para pagar os próprios empréstimos.
Vale a pena recordar o que dizia Oliveira Martins em 1891, por altura da terceira bancarrota do século passado:
[...]perante este sudário, podem limpar as mãos à parede todos os que têm responsabilidade na gerência da fortuna nacional porque levaram as coisas ao fundo de um beco sem saída. Compreende-se que agora se imponham a Portugal as condições que é costume impor aos países falidos, como o Egipto, a Turquia e outros.
A situação e as condições são manifestamente diferentes. Mas há perigos que se repetem, há ameaças que voltam a pairar sobre o nosso país. E há aqueles que parece não quererem evitá-las. Porque para eles o que conta não são os interesses nacionais, mas a casta dos grandes nababos, que dominaram o nosso país durante 50 anos e querem dominar de novo.
Aplausos do PCP.
O Governo violou a lei e a Constituição...
Protestos do PSD.
Srs. Deputados, a seguir vai falar o Sr. Primeiro-Ministro e certamente que, se o vosso comportamento em relação à minha intervenção não for o de respeito democrático, nós teremos que proceder de forma semelhante em relação à intervenção do Sr. Primeiro-Ministro.
Aplausos do PCP.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - Não se compare!
O Orador: - Como dizia, o Governo violou a lei e a Constituição: não entregou a tempo e horas as propostas de lei do Orçamento e das grandes opções do Plano, não elaborou o plano para 1982, continua a não apresentar até agora o plano a médio prazo.
Mas este Governo, tão relapso em honrar as suas obrigações constitucionais e legais, já aí está com uma nova proposta de lei de delimitação de sectores, com a qual visa levar até às últimas consequências a grande operação de transferência da propriedade dos meios de produção para os grupos que reinavam na ditadura fascista.
Isto é revelador de quais são as preocupações do Governo.
Mas importa salientar uma vez mais que em matéria de princípios orientadores da organização económica do Estado o nosso quadro constitucional não sofreu com a revisão qualquer alteração de direcção que possibilite a concretização das novas pretensões do Governo e dos grupos capitalistas que o comandam.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Nesta matéria, o que era inconstitucional antes continua a ser inconstitucional agora. É inconstitucional a banca privada, os seguros privados, a entrega, não apenas da titularidade, mas da própria gestão das empresas nacionalizadas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E o que eram antes os comandos constitucionais nesta matéria continuam a ser os comandos constitucionais agora. Com um traço essencial: uma política virada para o desenvolvimento e bem-estar, e assente nas novas realidades do Portugal de Abril.
Assim, a alternativa que aqui deixamos apresentada é a que está de acordo com a Constituição, é aquela que vai ao encontro das mais profundas aspirações populares e dá solução aos problemas nacionais.
O governo que aqui tivemos é, como todos puderam observar, um manifesto obstáculo à concretização destas perspectivas.
É um Governo vencido pelas dificuldades...
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Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... torturado pelas contradições internas que já o dominam, com um discurso baço e sem solução para os problemas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mais do que defender a sua política, o Governo assumiu-se, de facto, como réu e refugiou-se na invocação de atenuantes, como a situação internacional, o dólar, os casos dos país Á, do país B, do país C, a crise mundial capitalista.
O Sr. Santana Lopes (PSD): - E não só. Há outras piores!
O Orador: - O juízo popular, não temos dúvida, não aceitará tais atenuantes.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Com a AD, ficou provado, não há saída para a crise! Ficou provado que a saída para a crise tem que ser encontrada, não só sem a AD, mas contra a AD!
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro--Ministro.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns senhores deputados do CDS.
O Sr. Primeiro-Ministro (Pinto Balsemão): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num debate onde tantas evidências foram aqui proclamadas e bem como tantas não evidências, com a fé de o serem -, julgo que VV. Ex.ªs me não levarão a mal que comece com uma evidência também.
É que todas as iniciativas políticas têm uma lógica. Quem toma uma iniciativa política pretende criar com ela efeitos, sejam os chamados factos políticos, seja o aprofundamento sério de questões que interessam a todos os portugueses.
O Partido Comunista, ao abrigo de um direito regimental que, aliás, ninguém lhe nega, resolveu apresentar uma interpelação sobre política económica e financeira.
Se todas as iniciativas políticas têm uma lógica, esta interpelação do Partido Comunista terá também, decerto, a sua lógica.
Numa primeira versão, como VV. Ex.ªs se recordarão, o Partido Comunista chegou a anunciar que retiraria a sua interpelação se o Orçamento e as grandes opções do Plano para 1983 fossem debatidas nesta Câmara antes das eleições autárquicas. Quando viu que embora as propostas de lei do Orçamento e do Plano estivessem apresentadas pelo Governo não tinham hipótese, em virtude do calendário da Assembleia, de serem debatidas antes de 12 de Dezembro, o Partido Comunista insistiu na apresentação da sua interpelação.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É falso!
Vozes do CDS: - Schiu...!
O Orador: - Qual, portanto, a sua lógica? Qual a lógica de um partido da oposição que pretende discutir a política económica e financeira antes das eleições autárquicas, mais precisamente na última semana da campanha, sabendo que o Orçamento e o Plano estão apresentados,...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É falso!
O Orador: - ...conhecendo os seus números e os objectivos traçados pelo Governo e sabendo também que o debate das duas propostas de lei se realizará em breve nesta Câmara?
Esta é a pergunta que todos os portugueses interessados pela vida parlamentar farão.
Abro aqui um parêntesis para acentuar que o Governo tornou público o Orçamento e as grandes opções do plano antes das eleições autárquicas.
As acusações que surgiram ao longo do debate acerca do atraso na apresentação do Orçamento e do Plano caem, portanto, pela base, no plano político. Se o Governo quisesse fazer o eleitoralismo de que foi aqui acusado nunca teria apresentado um orçamento de rigor e as grandes opções com a seriedade que elas contêm, antes das autárquicas.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Fizemo-lo porque a nossa preocupação é falar verdade, é avançar na resolução dos problemas, porque a nossa obrigação é a de governar de acordo com o mandato que recebemos dos eleitores.
O Partido Comunista insistiu, portanto, em marcar a sua interpelação, apesar de ter conhecimento - e até utilizou largamente esse conhecimento- do conteúdo da proposta do Orçamento e da proposta das grandes opções.
Qual, então - repito -, a lógica desta interpelação? Não será com certeza vir aqui fazer um debate do Orçamento e das grandes opções por antecipação, ou aos soluções, introduzindo matérias que não estão na agenda e antecipando, portanto, um debate que tem as suas regras, quer no Regimento, quer na própria Constituição. No entanto, foi isso que fez o Partido interpelante. Foi isso que fez o PC, ao tentar desviar a discussão, quer para aspectos gerais, quer para aspectos sectoriais; quer para números, quer para percentagens, que têm muito mais a ver, ou que têm exclusivamente a ver, com os dados já fornecidos a esta Assembleia, para a habilitar a discutir, no momento devido, o Orçamento e as grandes opções do Plano. Não nesta interpelação.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Não gostou!...
O Orador: - É igualmente ilógico que o Partido Comunista tenha vindo aqui debater matérias de tão grave importância, como a política económica e financeira, fazendo-o no casulo, ou seja, fechando-se numa realidade portuguesa, que deixa de ser realidade, porque omite e ignora tudo o que se passa no mundo.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
A lógica desta interpelação qual será, portanto?
É apenas uma, Srs. Deputados: apresentar, em plena fase de campanha eleitoral para as autárquicas, questões económicas que transcendem uma mera interpelação, pois se inserem, repito, no debate do Orçamento e do Plano.
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Esta interpelação tem fins meramente eleitoralistas, ou melhor, tinha fins meramente eleitoralistas. Esta interpelação pretendeu utilizar a Assembleia da República e aproveitar o prestígio da instituição parlamentar para tentar fazer propaganda eleitoral do Partido Comunista.
Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o tiro saiu pela culatra ao partido interpelante.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em primeiro lugar, por uma questão processual. As interpelações sempre tiveram 3 fases bem delimitadas: abertura, debate e encerramento. Nesta interpelação, institucionalizou-se uma 4.» fase, ou seja, a apresentação de perguntas a seguir à fase de abertura.
Com isso pretendia o partido interpelante embaraçar o Governo...
Protestos e risos do PCP.
...repetir métodos seguidos, esses então ainda não institucionalizados em interpelação recente. Pretendia-se não abordar o fundo dos problemas, e sim tentar enredar o Governo numa série de perguntas concretas e factuais, nomeadamente assentes em pressupostos errados.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, que qualquer de VV. Ex.ªs use do direito de proferir um aparte é regimental, agora que estejam permanentemente em comentários, que perturbam a audição do orador com um mínimo de condições, excede aquela possibilidade regimental.
Peço o favor de evitarem essa situação, para que eu não tenha que voltar a intervir.
Faça favor de continuar, Sr. Primeiro-Ministro.
Protestos do PCP.
O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Realmente isto veio cumprir a ameaça do Sr. Deputado Carlos Brito que criou uma nova figura regimental: o «dente por dente, olho por olho»!
Risos do PSD.
Esqueceram-se, no entanto, os responsáveis pela estratégia do partido interpelante que quem tem telhados de vidro não deve atirar pedras; e foram eles próprios enredados no método que haviam proposto. Foram eles próprios alvo de perguntas a que não souberam responder. Foram eles próprios, pelo método que propuseram, pelo enxerto artificial desta fase de perguntas na interpelação, os maiores prejudicados; e prejudicaram eles próprios a finalidade de uma interpelação que se pretendia, ou devia ser, séria e construtiva.
Depois, o Partido Comunista fechou-se no casulo, albanizou-se,...
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns Srs. deputados do CDS.
...ou pensou-se possuído do sonho do império, como se só Portugal existisse no mundo, orgulhosamente só, e abstraiu de tudo o que se passa em redor, quer nas economias industrializadas do mundo ocidental, quer nos países de Leste, quer nos países produtores de matérias-primas, quer nos países do chamado quarto mundo, onde tudo o que é crise económica se repercute de maneira muito mais atroz e difícil.
Além disso, o partido interpelante, apesar do prometido na primeira intervenção e anunciado na última, não apresentou uma alternativa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E se não a apresentou, não foi apenas por incapacidade. O Partido Comunista, segundo creio, dispõe de economistas capazes. O Partido Comunista interessa-se até pela ideologia que professa pelos fenómenos económicos, atribuindo-lhes prioridade muito elevada. Embora nalguns casos a linguagem utilizada possa revelar essa incapacidade - quando ouvimos falar dos «tubarões da AD», das «malfeitorias do Governo», etc. -, creio que não se trata de um problema de incapacidade.
Trata-se, sim, de um problema de impossibilidade.
É que não vos convém, Srs. Deputados do Partido Comunista, apresentar ao povo português a vossa alternativa real!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O vosso modelo verdadeiro de sociedade é o modelo dos países de Leste. O vosso sistema de desenvolvimento económico é o da economia totalmente planificada. O vosso esquema de organização da economia e do poder político é o do centralismo dito democrático.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O PC não pode apresentar essa alternativa, que é a que consta, aliás, do vosso programa; não pode apresentá-la aos eleitores portugueses, nem mesmo, talvez, a muitos dos seus militantes que militam de boa-fé, porque, se o fizer, reduz ainda mais a sua influência eleitoral.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Já tivemos uma experiência, curta mas memorável, dessa alternativa em 1975. Sabemos o que ela representa. Sabemos que no plano político, ela limita as liberdades, aponta para o partido único, deseja e obriga à unicidade sindical.
Sabemos no plano económico que ela é responsável pelas nacionalizações e pelo modo como foram feitas; que é responsável pelas autogestões de vários tipos, todos desconchavados, de que ainda somos vítimas; que é responsável por ocupações de vária índole, e que é responsável por uma reforma agrária que todos conhecemos e que entendemos não corresponder às necessidades da nossa agricultura e dos nossos agricultores, bem como do nosso conceito de liberdade, de igualdade e de exercício prático de democracia.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Não é essa, Srs. Deputados, a nossa estratégia política. Assumimos as nossas opções, com coragem, ao contrário do Partido Comunista, que não se atreve, não ousa, não arrisca assumir a sua e se limita a criticar a nossa.
É por isso que a posição do Partido Comunista é falsa,
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enganosa e deve ser denunciada. É por isso, também, que esta interpelação representou um tiro que lhe saiu pela culatra.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Muito mal!
O Orador: - Quero exemplificar algumas das grandes questões em jogo e que de certo modo resumem o que se abordou aqui, bem como o que aqui foi omitido.
Nós somos, por exemplo, partidários claros da adesão de Portugal ao Mercado Comum. Sabemos das dificuldades que isso representa. Não estamos dispostos a aderir a qualquer preço e temo-lo dito. Sabemos das dificuldades existentes dentro da própria Comunidade e dos atrasos que isso pode representar em matéria de assinatura do tratado de adesão.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Vamos lá dar uma ajuda!
O Orador: - Sabemos também que a nossa candidatura tem um mérito próprio que não nos permite aceitar qualquer globalização. No entanto, sabemos igualmente que, para Portugal, a Europa, o Mercado Comum, a adesão como membro de pleno direito à Comunidade Europeia representam a nossa integração na grande família democrática europeia, com tudo o que isso implica de consolidação do regime democrático, tal como o vemos em Portugal e para Portugal.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Então e a Suécia?
O Orador: - Sabemos também que a alternativa ao Mercado Comum é o isolamento, que a integração num mercado muito mais vasto que o nosso nos permitirá um aumento de produtividade, uma rentabilização da dimensão das nossas empresas e uma melhoria das condições de vida dos Portugueses. A alternativa a isso, repito, é o isolamento. E nós não queremos o isolamento. Queremos ser europeus, porque pertencemos à Europa histórica, cultural e politicamente.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ah, grande europeu!
O Orador: - Quanto à CEE, o Partido Comunista agita o fantasma do capitalismo, do desemprego, etc. O PC é contra a adesão de Portugal ao Mercado Comum.
No entanto, para além dessa crítica à opção da Aliança Democrática, partilhada por outros partidos nesta Câmara, e à opção governamental, o Partido Comunista não diz mais. E é isso que está em causa. O Partido Comunista não diz mais porque a sua alternativa real não é apresentável ao povo português, que nunca a aceitaria. A sua alternativa é que, em termos de organização económica do Estado e de política económica externa, Portugal ficasse numa primeira fase isolado, aparecendo depois como eventual observador e talvez mais tarde como membro do COMECON, com tudo o que isso implica.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Esta é a vossa alternativa. Só que não a podeis dizer. Os exemplos multiplicam-se. Nós somos, por exemplo, a favor da NATO, a favor de um papel activo de Portugal na NATO, como aliança defensiva que é e como aliança
necessária ao equilíbrio de forças e às possibilidades de um desarmamento real e justo.
O Partido Comunista limita-se a dizer que é contra a NATO. Agita o fantasma da agressão imperialista. Agita o fantasma da guerra.
O Sr. Sousa Marques (PCP): - Fantasma?
O Orador: - Mas o que o Partido Comunista não diz - e é por isso que a sua alternativa real também aqui nunca poderá ser exposta claramente ao povo português - é que a sua opção não é a do equilíbrio de forças, com vista a um desarmamento correcto. A sua opção é a do desequilíbrio de forças favorável ao Pacto de Varsóvia.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM. Protestos do PCP.
O mesmo se passa, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em termos de política interna, embora fosse necessário primeiro referir estes dois exemplos concretos das Comunidades Europeias e do COMECON, da NATO e do Pacto de Varsóvia, para compreendermos a inserção do Partido Comunista em termos externos.
Em termos de política interna, o Dr. Álvaro Cunhal disse uma vez que nunca haveria em Portugal uma democracia parlamentar burguesa. Essa democracia, chamemos-lhe burguesa, chamemos-lhe parlamentar, essa democracia representativa ocidental por que nós pugnamos abertamente, o Partido Comunista não a pretende.
Por isso agita o fantasma do fascismo e do regresso ao passado. Por isso quis manter o Conselho da Revolução, como procurou ao longo de todo este ano - com as suas tentativas de greve, com tudo aquilo que representou a sua luta e a sua derrota-, impedir a revisão constitucional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, mais uma vez, o Partido Comunista não apresenta a sua alternativa real, que é a chamada democracia popular, com tudo o que ela representa em termos de organização do Estado e limitação da liberdade dos cidadãos.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Outros exemplos posso apontar, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Quando nós dizemos claramente que queremos um sector público produtivo, racionalizado e eficiente, dizemo-lo com plena consciência de que não pretendemos destruir o sector público, mas sim reduzi-lo a uma dimensão que o torne competitivo dentro da economia e que o torne, portanto, contribuinte, em termos positivos, para o aumento da produção, da produtividade e da competitividade de Portugal nos mercados externos.
Dai as novas bases de gestão das empresas públicas que serão apresentadas a esta Assembleia. Daí também a apresentação, aqui, de uma proposta de lei de delimitação dos sectores público e privado. Cabe aqui fazer um parêntesis, para enaltecer a súbita adesão, a propósito desta matéria de delimitação dos sectores, do Sr. Deputado Carlos Brito ao novo texto da Constituição.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Lê pouco!
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O Orador: - O Partido Comunista critica-nos de novo, dizendo, com a ligeireza habitual, que queremos destruir o sector público. Levanta outro fantasma e procura mobilizar as massas contra ele. Também aqui o Partido Comunista se esquece, ou pretende fazer-nos esquecer que a sua alternativa real não é essa. A sua alternativa real é uma economia inteiramente colectivizada na indústria, nos serviços e na agricultura. É uma economia totalmente subordinada ao Estado, em que a iniciativa privada não existe ou é sufocada.
Uma vez mais, aqui o modelo é o dos países de Leste, isto é, o antigo modelo dos países de Leste, porque o Partido Comunista até aí está desactualizado, como veremos adiante. Não se trata, em qualquer caso, do modelo da democracia ocidental, que é o que defendemos.
Mais uma vez o Partido Comunista não tem a coragem de dizer aos Portugueses aquilo que pretende. Limita-se a criticar aquilo que nós queremos fazer ou que fazemos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outros exemplos poderiam ser dados: na agricultura, no mundo do trabalho, na política de rendimentos e preços, mas o meu tempo já está perto do fim e não quereria tomar-vos mais do que aquilo que me é concedido.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Fale de Portugal!
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Veja se diz alguma coisa!
O Orador: - Apenas acrescento, Srs. Deputados, que esta interpelação nada trouxe de novo.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Porque não fala de Portugal!
O Orador: - Já disse o essencial, isto é, torna-se impossível discutir com um partido que tem conceitos diferentes e não os apresenta à luz do dia no Parlamento.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Creio que nada trouxe de novo porque, em primeiro lugar, o Partido Comunista assumiu a responsabilidade desta iniciativa e a única lógica da interpelação é a de uma tentativa, aliás frustrada, de propaganda eleitoral, o que é pouco e é desprestigiante para as instituições envolvidas, neste caso a Assembleia da República e o Governo.
Em segundo lugar, porque o Partido Comunista poderia ter aproveitado esta oportunidade para revelar a sua verdadeira face, para dizer o que é que, efectivamente, pretende em matéria económica, com suas inevitáveis consequências políticas, quer em termos internacionais, quer em termos nacionais.
Não o fez. Não o tendo feito, não contribuiu, mais uma vez, para clarificar a vida política portuguesa, praticando assim uma inadmissível reincidência.
Admito que haja no Partido Comunista quem deseje fazê-lo, perfilhando uma de duas teses: seja insistindo, pela afirmativa, na implementação do programa que o partido apresentou ao eleitorado e que está muito esquecido de todos nós; seja modificando esse programa e adaptando-o à realidade portuguesa e ao tipo de sociedade que, colectivamente, deveríamos construir.
No entanto, a ortodoxia e o secretismo de quem detém as alavancas do poder no Partido Comunista impede que uma ou outra das teses surja a público com clareza.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Liga-se com isso um terceiro aspecto, que desejo referir como motivo de preocupação. É que o Partido Comunista é incapaz de contribuir para o diálogo social precisamente porque não afirma as suas posições. Limita-se a criticar as opções que são contrárias às dele e a procurar destruí-las, para depois, eventualmente, vir a construir as suas, mas nunca é capaz de apresentar, nesta Câmara e ao País, a sua alternativa pela via afirmativa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Um quarto motivo de perplexidade ou de preocupação é que desta interpelação resulta também que o Partido Comunista não compreendeu sequer o que se passa nos países de Leste, cujo modelo procura seguir. Esses países de Leste cada vez mais se abrem às perspectivas e regras da economia de mercado, isto é, cada vez mais caminham num sentido inverso daquele que o Partido Comunista ainda percorre.
Para além das declarações do novo líder soviético, no sentido de adoptar políticas mais pragmáticas e de ter em conta a experiência já vivida noutros países, há que registar, por exemplo, a evolução verificada na Hungria, com a introdução do chamado «novo mecanismo económico» e com a adesão da Hungria ao Fundo Monetário Internacional que o PC tanto critica (Fundo Monetário Internacional que, aliás, está também a trabalhar com a Roménia, embora com envolvimento parcial por parte deste país).
Há que lembrar que, mesmo na Bulgária também foi introduzido um «novo mecanismo económico», com incentivos claros ao lucro e à propriedade privada; e há que registar que até a própria República Democrática da Alemanha e a Checoslováquia, mais partidária indiscutivelmente da economia totalmente planificada, estão a criar os chamados «kombinats», na Alemanha Democrática, e as chamadas «unidades de produção superior», na Checoslováquia, que, no fundo, apontam para o mesmo objectivo.
É tudo isto, Sr. Presidente, que me espanta: o Partido Comunista é insensível, continua na mesma, não muda, não compreende os desafios que se levantam nesta década de 80 ao nosso País e ao mundo, e não é, portanto, capaz de dialogar e, muito menos, de aceitar a aplicação das regras democráticas à sua posição de partido minoritário no contexto das forças políticas portuguesas.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns senhores deputados do CDS.
Mas, Sr. Presidente, o Governo sai também desta interpelação estimulado e determinado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Aliás, nota-se!
O Orador: - Provou-se, apesar de todos os clamores que continuam por parte do Partido Comunista ao longo deste debate, que temos razão. Provou-se ao longo deste debate que havia uma opção de fundo a fazer na condução da política económica, que essa opção está feita e
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que está bem feita. Provou-se, aliás, que essa opção não é só nossa, pois a mesma opção foi feita por outros países europeus. Á tão citada aqui OCDE recomenda exactamente a política que estamos a seguir, quer em matéria orçamental, em matéria de preços, em matéria de investimentos, em matéria de empresas públicas, quer ainda em matéria de política monetária.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E isto é bom que fique aqui claro, Srs. Deputados, porque julgo que as próprias dificuldades sentidas, mais uma vez, pelo Partido Socialista assim o demonstram.
Se o discurso de fundo do PS foi, como tudo o leva a crer, o do Sr. Deputado Almeida Santos, que infelizmente não se encontra aqui, o mínimo que sobre ele se pode dizer, para quem se queira limitar à forma, é que manteve o habitual «fino recorte literário».
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Se se quiser ir um pouco mais longe e investigar a estratégia a que obedece o discurso do Sr. Deputado Almeida Santos, poderá ela resumir-se a mais uma tentativa de divisionismo dentro do Governo e dentro da AD, como de costume sem êxito e a despropósito.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto ao conteúdo, o Sr. Deputado Almeida Santos, que não é economista - e onde estão, a propósito, com vénia para o Sr. Deputado Sousa Gomes, os economistas do PS? -, refugiou-se na pregação de regras de moral, que ele e o seu partido não aplicaram quando estiveram 2 anos no governo, e procurou esgrimir com conceitos, nomeadamente com os de pessimismo e optimismo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não vou entrar nesse tipo de debate. Direi apenas que aos alegados e subjectivos pessimismos e optimismos contrapomos as palavras objectivas de realismo e de bom senso que são assumidas pelo Governo como um todo.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns senhores deputados do CDS.
E, perdoem-me os Srs. Deputados do Partido Socialista a ironia, acrescentaria que o PS, depois de ter estado numa de PS francês, está agora numa de PSOE espanhol, porque não conseguiu ainda reencontrar-se como PS português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se num debate deste tipo tem de haver vencedores e vencidos, o vencido é de certo o partido interpelante. Logo no início da primeira intervenção do PCP o Sr. Deputado Octávio Teixeira cometeu, aparentemente, um lapso, que logo tentou corrigir. Disse a «interpelação do Governo» e prontamente rectificou para a «interpelação ao Governo». Afinal, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não se tratou de um lapso. Apenas de um acto falhado.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa e foram objecto de despacho, que ordena a sua publicação e distribuição, 2 votos de protesto. Um, subscrito por senhores deputados do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE, sobre a situação de Sérgio Godinho no Brasil, e o outro, subscrito pelos Srs. Deputados da UEDS, referente ao atentado que vitimou mortalmente o Sr. Pereira Monteiro.
Entrou ainda na Mesa, e será oportunamente votado, um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre um pedido para a Sr.» Deputada Natália Correia depor judicialmente.
Finalmente, foram recebidos pela Mesa os seguintes diplomas: projectos de lei n.ºs 397/II, subscrito pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros, sobre a criação d? comarca da Amadora; 380/II, subscrito pelo Sr. Deputado Carlos Ribas e outros, sobre a elevação de S. João da Madeira a cidade; 381/II, subscrito pelo Sr. Deputado Carlos Alberto Espadinha e outros, sobre a idade da reforma dos pescadores e 382/II, subscrito pelo Sr. Deputado António de Sousa Gomes, sobre a gestão do sector empresarial do Estado, e pedido de sujeição a ratificação n.º 224/11, subscrito pela Sr.ª Deputada Zita Seabra e outros, aos Decretos n.ºs 464/82 e 463-A/82, de 2 e 7 de Dezembro.
Srs. Deputados, em conferência dos líderes dos grupos parlamentares ficou assente, como já é certamente do vosso conhecimento, que a próxima sessão se realizará no dia 14, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia, no qual, na primeira parte, será discutido e votado o recurso da ASDI sobre a admissibilidade da lei do OGE, e, na segunda parte, as propostas de lei n.ºs 132/II, sobre empréstimo para o projecto de Trás-os-Montes, e 126/11, sobre definição de crimes de tráfego ilícito de diamantes em bruto, as ratificações n.ºs 2/II e 8/II ao Decreto-Lei n.º 454/80, que aprova o Código Cooperativo, e ainda as ratificações 100/11 e 101/II, que dão nova redacção a vários artigos do Código Cooperativo.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 20 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Carlos Manuel Pereira Pinho.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Vasco da Luz Botelho Paiva.
José Vargas Bulcão.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Natália de Oliveira Correia.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Carlos Ribeiro Campos.
Fernando Torres Marinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Leonel de Sousa Fadigas.
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Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel da Mata de Cáceres.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Centro Democrático Social (CDS):
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
José Alberto Faria Xerez.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Manuel dos Santos e Matos.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Américo Abreu Dias.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Cardoso e Cunha.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Maria de O. Ourique Mendes.
Vilar Ribeiro. Cristóvão Guerreiro Norte.
Fernando José Sequeira Roriz.
Francisco de Sousa Tavares.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
João Evangelista Rocha Almeida.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Luís António Martins.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alfredo Pinto da Silva.
António Cândido Miranda Macedo.
António Emílio Teixeira Lopes.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Guilherme Gomes dos Santos.
João Joaquim Gomes.
Joaquim José Castanho de Menezes.
José Gomes Fernandes.
José Luís Amaral Nunes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Manuel Rodrigues Masseno.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Centro Democrático Social (CDS):
Adalberto Neiva de Oliveira.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Daniel Fernandes Domingues.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel L.V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Eduardo Sanches Osório.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Aníbal de Azevedo Coutinho.
Rui Eduardo Rodrigues Pena.
Ruy Garcia de Oliveira.
Partido Comunista Português (PCP):
Custódio Jacinto Gingão.
Os REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz Cacilda Nordeste.
Votos enviados para a mesa e a que o Sr. Presidente se referiu
Voto de protesto
Sérgio Godinho encontra-se preso no Brasil, como é do conhecimento público, desde o passado dia 14 de Novembro. Acaba de ser revelado que tal situação é susceptível de se prolongar por largos meses.
A actuação das autoridades brasileiras em relação a Sérgio Godinho é gravemente lesiva dos seus direitos, viola frontalmente as normas do direito internacional e põe em causa a normalidade das relações entre o Estado Português e o Estado Brasileiro.
Apesar do movimento de solidariedade para com Sérgio Godinho que se tem vindo a criar em Portugal e no Brasil, em que tem assumido papel de destaque centenas de intelectuais e artistas, apesar das posições assumidas na Assembleia da República por deputados das diversas bancadas a favor da libertação imediata daquele artista, não se conhecem até ao momento quaisquer diligências ou tomadas de posição públicas do Governo Português face à prisão continuada daquele cidadão. Tal passividade é escandalosa e não pode continuar.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados apresentam o seguinte voto de protesto:
A Assembleia da República protesta veementemente contra a prisão de Sérgio Godinho pelas autoridades brasileiras, reclama a sua imediata libertação e considera inadiável a adopção pelo Governo Português de todas as diligências necessárias para que seja posto fim à situação inaceitável em que se encontra este cidadão português.
Assembleia da República, 6 de Dezembro de 1982.
Os Deputados: Jorge Lemos (PCP) - José Manuel Mendes (PCP) - Natália Correia (PSD) - Lopes Cardoso (UEDS) - César de Oliveira (UEDS) -
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António Arnaut (PS) - Vilhena de Carvalho (ASDI) - Manuel Alegre (PS) - Carlos Lage (PS) - Helena Cidade Moura (MDP/CDE) - José Niza (PS) - António Guterres (PS) - Mário Tomé (UDP) - Raul Rego (PS) - lida Figueiredo (PCP) - Silva Graça (PCP) - Sousa Marques (PCP) - Zita Seabra (PCP).
Voto de protesto
A Assembleia da República, ao tomar conhecimento
do atentado de que foi vítima o Sr. Pereira Monteiro, administrador da Fábrica de Louças de Sacavém, condena com veemência a prática de quaisquer actos terroristas e o recurso à violência para solucionar conflitos e diferendos políticos e sociais. A Assembleia da República sublinha que a prática de actos que, como o ocorrido vitimou mortalmente o Sr. Pereira Monteiro, não concorre para a consolidação da democracia e antes facilita os desígnios daqueles que intentam o regresso a um passado de repressão, autoritarismo e ilegalidade.
Os Deputados da UEDS: Lopes Cardoso - César de Oliveira.
PREÇO DESTE NÚMERO 120$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA