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I Série - Número 33
Sexta-feira, 14 de Janeiro de 1983
DIÁRIO da Assembleia da Republica
II LEGISLATURA
3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 13 DE JANEIRO DE 1983
Presidente: Ex. mo Sr. Amândio Anes de Azevedo
Secretários: Ex. mos Srs. Anacleto Silva Baptista
Vítor Manuel Brás
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e das respostas a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE), a propósito da actual situação política, analisou, criticando, as divergências no seio da AD e as propostas do seu partido para ultrapassar a crise. No fim respondeu a pedidos de esclarecimento e a protestos do Sr. Deputado Silva Marques (PSD).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Artur Rodrigues (PCP) referiu-se à situação em que vivem os trabalhadores no nosso país e teceu várias considerações sobre o aumento do desemprego e os efeitos que ele está a ter. No fim respondeu a pedidos de esclarecimento e a protestos do Sr. Deputado Mário Tomé (UDP), que também respondeu a um protesto da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE).
A propósito de um incidente com público presente nas galerias, que o Sr. Presidente mandou evacuar, pronunciaram-se os Srs. Deputados Carlos Brito (PCP), Silva Marques (PSD), Veiga de Oliveira (PCP) e Rocha de Almeida (PSD).
Ordem do dia. - Foi lido e aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um deputado do PSD.
Prosseguiu e concluiu-se o debate sobre o pedido de constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, requerido pelo PCP, sobre as causas que deram origem à não divulgação à Assembleia da República e à opinião pública do teor integral do relatório do l.º de Maio elaborado pela Procuradoria-Geral da República, tendo sido rejeitado.
Intervieram, a diverso título (incluindo declaração de voto), os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), Silva Marques (PSD), Mário Tomé (UDP), Lopes Cardoso (UEDS), que também apresentou um projecto de resolução sobre o mesmo assunto, Lino Lima (PCP), Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Borges de Carvalho (PPM) e Carlos Lage (PS).
Entretanto foi lido e aprovado um outro relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de um deputado do PS.
Prosseguiu a discussão conjunta das ratificações n.ºs 224/II (PCP) e 226/II (PS), relativas ao Decreto-Lei n. º 463-A/82, que revogou disposições do Decreto-Lei n. º 727/74, de 13 de Dezembro, estatuindo que os montantes dos subsídios de Natal atribuíveis aos pensionistas de invalidez, velhice e sobrevivência dos regimes contributivos da segurança social serão estabelecidos nos diplomas de actualização das pensões respectivas para o período em que se aplicam.
Sobre este assunto, intervieram, a diverso título, os Srs. Deputado José Manuel Barradas (PSD) e Zita Seabra (PCP).
O Sr. Presidente, após ter anunciado a entrada na Mesa de vários diplomas, encerrou a sessão às 20 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Anacleto Silva Baptista.
António Costa Saldida.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Manuel Lemos de Menezes.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Roleira Marinho.
Armando Correia Costa.
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Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Carlos Bessa Morais Alão.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Mattos Chaves Macedo.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Daniel Cunha Dias.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes da Costa.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Bernardo Ferreira.
João Evangelista Rocha Almeida.
João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim Pinto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
José Vargas Bulcão.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Manuel Ribeiro Arruda.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuel Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Nicolau Gregório de Freitas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Octávio Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernando Marques R. Reis.
António Francisco B. Sousa Gomes.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
rmando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Hermínio Martins de Oliveira.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Francisco Ludovico da Costa.
João Joaquim Gomes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Gomes Fernandes.
José Jorge Gois Mendonça.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel António dos Santos.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d`Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
lexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
António Pedro Silva Lourenço.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Carlos Alberto Rosa.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Camilo Guerreiro Ferreira.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Emílio Leitão Paulo.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João José M. Pulido de Almeida.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Manuel Rodrigues S. Ferreira.
José Alberto Faria Xerez.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
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Luís Aníbal Azevedo Coutinho.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida A. Vasconcelos.
Maria José Paulo Sampaio.
Mário Gaioso Henriques.
Paulo Oliveira Ascenção.
Rui António Pacheco Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Partido Popular Monárquico (PPM):
António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.
Independentes:
José Eduardo Sanches Osório.
Natália de Oliveira Correia.
Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Francisco Braga Barroso.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tilman.
União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Corregedor da Fonseca.
Helena Cidade Moura.
União Democrática Popular (UDP):
Mário António Baptista Tomé.
ANTES DA ORDEM DO DIA O Sr. Presidente: - Vai ser lido o expediente. Deu-se conta do seguinte
Expediente
Cartas
De Armando Manuel Henriques dos Santos Moura, residente em Cacia, Aveiro, remetendo fotocópia de carta enviada aos 4 maiores partidos com assento nesta Assembleia, a S. Ex.ª o Presidente da República e ao Sr. Ministro dos Assuntos Sociais, solicitando a tomada de medidas que imponham o cumprimento do Decreto Regulamentar n.º 29/81.
De António Francisco Ribeiro Leal Soares, residente em São João da Madeira, dando conta da situação em que se encontra sua mãe, viúva, aguardando o pagamento da pensão de sobrevivência a que tem direito há cerca de 2 anos, por alegada falta de publicação de um decreto regulamentar, e solicitando a possível intervenção por forma a ser desbloqueado o assunto pendente.
De Manuel Oliveira Ribeiro Pereira, José Vitorino Guerreiro de Brito, Pereira Leite, Diniz Coelho e António João Guerreiro de Brito, residentes, respectivamente, no Laranjeira, em Portimão, em Lisboa, na Póvoa de Santa Iria e no Barreiro, a favor da paz e liberdade dos povos e contra a corrida aos armamentos.
Da assembleia geral de trabalhadores do Hospital Concelhio do Fundão, remetendo em anexo um comunicado emanado da reunião que efectuaram no passado dia 3 do corrente, sobre a caótica situação que se vive naquele estabelecimento hospitalar.
Da comissão de trabalhadores e comissão intersindical da Companhia Portuguesa de Pesca, enviando duplicado de um resumo sintético, elaborado pelos trabalhadores, relativamente à situação gravosa existente naquela empresa.
Ofícios
Da Câmara Municipal de Coruche, remetendo um exemplar de moção aprovada em reunião que teve lugar no passado dia 17 de Dezembro, exigindo o cumprimento integral da Lei das Finanças Locais.
Do presidente do Conselho de Imprensa, verberando a agressão de que foi vítima, no dia 19 de Dezembro transacto, em Vizela, o jornalista do jornal O Primeiro de Janeiro Afonso Barata Camões, por elementos da GNR, e remetendo fotocópias de vários comunicados emitidos pelo mesmo Conselho, relativamente a outros actos anteriores, de desrespeito para com a profissão dos jornalistas.
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O Sr. Secretário (Anacleto Baptista): - Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos: a diversos ministérios (3), formulados pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho; ao Ministério do Trabalho, formulado pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelo Sr. Deputado Miranda Calha, e ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Luís Nascimento Madeira, na sessão de 19 de Maio de 1981; Magalhães Mota, nas sessões de 11 de Fevereiro, 23 de Maio, 7 e 14 de Junho, 28 de Outubro e 4 e 29 de Novembro; Adelino Teixeira de Carvalho, na sessão de 24 de Março; Herberto Goulart, nas sessões de 4 de Junho e 29 de Julho; Octávio Teixeira, na sessão de 21 de Julho; Roleira Marinho, na sessão de 27 de Julho; Manuel dos Santos, na sessão de 29 de Julho; Rogério de Brito, na sessão de 11 de Outubro; Duarte Chagas e Guerreiro Norte, na sessão de 13 de Outubro; Joaquim Miranda, Mariana Lanita e Rogério Brito, na sessão de 19 de Outubro; João Abrantes, na sessão de 22 de Outubro; Jorge Lemos, nas sessões de 28 de Outubro e 11 de Novembro; Custódio Gingão, na sessão de 28 de Outubro; Daniel Fernandes Domingues, na sessão de 10 de Novembro; Carlos Brito e Lino Lima, na sessão de 23 de Novembro; Sousa Marques, na sessão de 22 de Novembro, e Álvaro Brasileiro e Custódio Ferreira, na sessão de 30 de Julho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na sequência do período de antes da ordem do dia, e dado que existe uma inscrição para uma declaração política, dou a palavra à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Graças ao esvaziamento do projecto político da AD, que o povo português denunciou, e às personalidades fortemente individualistas dos seus chefes, a AD vai acabar por desaparecer por ausência de conteúdo e fragmentação dos partidos que a compõem -tal como a corveta Saragoça- de um momento para o outro, enquanto Eça de Queiroz se baixa para apertar o cordão dos sapatos.
Há 3 anos que, semanalmente, pelo menos, uma medida inconsequente ou uma crispação interna fazem tremer os alicerces da AD.
Mas, mais importante do que as crises, embora a AD exagera a sua periodicidade, é a forma como elas são assumidas, são vividas e são resolvidas.
As crises da AD não foram crises pedagógicas, redentoras ou purificadoras. Pelo contrário, cada crise fez com que ela mergulhasse mais profundamente na mediocridade, na irresponsabilidade política, nos jogos ditos partidários onde se entrecruzam interesses pessoais, anseios de afirmação, mau uso do poder, desnorteamento de objectivos.
A crise permanente da AD arrastou agora os seus chefes supremos.
Retirando-se orgulhosamente, deixaram-nos as migalhas do seu saber e os factos enormes e aterradores que as suas mãos geraram.
São restos e dificuldades que a AD oferece ao povo português sob a custódia política desta Assembleia.
Mas a AD, segundo vozes autorizadas, não poderá nunca ser derrubada na Assembleia da República, onde possui o tesouro inestimável de uma maioria parlamentar «estável e sólida», apenas porque é cegamente obediente.
São grandes, porém, as responsabilidades desta Câmara, já que perante ela também o Governo será responsável. Isto quer dizer que cada um dos deputados presentes poderia ser chamado a dizer, pelo seu voto, se o governo de Vítor Crespo lhe merece ou não a sua confiança.
Que escolha espantosa, Srs. Deputados, já que se tornou evidente durante 3 governos sucessivos que o Prof. Vítor Crespo é um homem determinado e obsecado, que em 2 anos inviabilizou a curto prazo qualquer possibilidade de eficácia no sistema educativo e institucionalizou o caos no seu Ministério.
Fê-lo na solidão do seu gabinete, indiferente à sorte de funcionários, de alunos, de professores e com a certeza de que estava construindo o futuro do País na base de elites mal alfabetizadas e de operários não profissionalizados, bloqueando assim qualquer mudança social.
O Governo que sob as nossas cabeças paira, é um autêntico cavalo de Tróia que se preparava para destruir os fundamentos do Estado e da Democracia, mas que destruirá muito rapidamente e apenas a própria AD.
O legado de Pinto Balsemão, actual Primeiro-Ministro demitido, traz como consequência que os deputados desta Câmara sejam obrigados não a engolir os tradicionais elefantes vivos, mas antes os frutos secos de uma árvore morta.
Perante tal panorama, imoral e inestético, perante a situação de fome, de desemprego, perante a arbitrariedade de um poder que se serve da ilegalidade para despedimentos e usa a legalidade democrática só para enfeitar os seus discursos, perante tanta inépcia e perante o rolar acelerado para o caos donde dificilmente' ressurgirá a democracia, o MDP/CDE tem alertado insistentemente para a necessidade de eleições antecipadas.
O MDP/CDE, fiel ao seu programa de democratização do País, começou por dar ao primeiro governo AD o benefício da dúvida. Embora discordante da posição ideológica da AD, sempre se debruçou sobre os seus actos governativos com espírito de tolerância e de liberdade de crítica.
Mas com o rolar dos governos, com a inadequação crescente da sua política face à nossa realidade, com os sucessivos ataques à vida democrática, quer pelo afundamento da nossa economia e pela degradação da nossa vida social, quer pelo bloqueio à participação do indivíduo, pela alienação cívica e deturpação sistemática da informação, quer pela sua governação anticonstitucional, o MDP/CDE apercebeu-se, como todos os democratas deste país, que a democracia e o equilíbrio social corriam grande perigo.
Aberto o caminho pela sábia demissão do Sr. Primeiro-Ministro, o MDP/CDE teve a convicção de que era altura de accionar os mecanismos institucionais, por isso reclamou insistentemente do Presidente da República o quebrar deste emaranhado, tecido por interesses mesquinhos, pela incompetência governativa e por objectivos políticos que cada vez mais se afastam das coordenadas marcadas pela nossa realidade social e pela nossa consciência colectiva.
O MDP/CDE fê-lo porque não isola o Órgão de Soberania Presidente da República numa redoma de vidro, inacessível às vozes do povo que o elegeu.
Nós não olhamos Belém, Srs. Deputados, nem com
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olhos agressivos, nem com olhos beatos, nostálgicos ou acéfalos; olhamos, sim, com a consciência de que o Presidente da República é também parte desse mesmo povo e deverá por isso servi-lo com as suas próprias armas.
Isto não quer dizer que retiremos aos partidos políticos qualquer parcela da responsabilidade. Pelo contrário, diversificamos e duplicamos a responsabilidade.
Os partidos são os pilares da democracia, nela se reflecte o peso dos seus erros e a dinâmica dos seus gestos certos.
Consideramos esta situação que vivemos fruto das suas perturbações internas e fruto ainda do tipo das relações inter-partidárias. Á falta de hábito em cultivar a coerência, o recente uso das liberdades, o lastro social que o fascismo deixou no nosso país, tirou a partidos que se reclamam de democratas capacidades para servir a democracia.
Os partidos da AD não a servem.
Pelo contrário, a AD tentou arrancar as raízes da democracia não só pela escolha de classe dos seus chefes aliteratados, professorais, pendurados em manuais e ausentes da vida, exibindo as mãos limpas de qualquer esforço colectivo, mas ainda pelo seu sistemático bloqueio da vida cívica consciente e da participação das populações.
Mais uma vez ficou provado, Srs. Deputados, que a democracia representativa só é válida se alicerçada na organização e na participação das populações.
A participação é hoje uma actividade da qual depende o equilíbrio social e é um direito e uma garantia fundamental, indispensável à realização do homem. Na sua mensagem de Natal, o Papa João Paulo II recorda-o mais uma vez.
A democracia, para o MDP/CDE, é o poder do povo. Sem o povo não há nem governo democrático nem poder democrático.
Foi a intolerância, o orgulho intelectual, a auto-suficiência, o sectarismo, a ausência de uma política do real, a intriga, a sujeição a interesses alheios ao Estado, que transbordaram dos gabinetes e dos corredores e que sufocaram e estrangularam a AD.
A AD será muito em breve uma triste recordação e uma pesadíssima herança, mas será também uma grande lição para aqueles que querem governar sem o povo e até mesmo contra ele.
A morte da AD será mais uma vitória dos democratas, seja qual for o sector político em que se encontrem.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada, a única crítica concreta que verifiquei ter feito ao Prof. Vítor Crespo, enquanto Ministro da Educação, foi a de que teria estado encerrado no gabinete.
Ponho de lado a questão de que isso não seja verdade - eventualmente é, admito, portanto, a hipótese-, mas tendo V. Ex.ª feito um apelo à política enquanto pedagogia, pergunto-lhe porque é que V. Ex.ª não faz o apelo através do exemplo concreto e não faz a sua pedagogia. Isto é, para além dessa crítica ao estar encerrado no gabinete, diga-me, Sr.ª Deputada, em que pontos concretos de política, e independentemente dos aspectos circunstanciais -encerrado no gabinete ou não encerrado no gabinete, bom trato, mau trato-, discordou
das propostas do Prof. Vítor Crespo e quais eram as suas contrapropostas. Não estou a insinuar que as não tenha, estou apenas a fazer um apelo a que, pelo exemplo concreto -espero que aí esteja de acordo comigo: melhor do que o apelo é o exemplo concreto-, faça uma política pedagógica.
A Sr.ª Deputada acusou também o futuro governo de ser, eventualmente, um cavalo de Tróia. A Sr.ª Deputada abandonou aí não apenas a pedagogia do exemplo concreto, mas abandonou inclusivamente o apelo abstracto e passou, pura e simplesmente, a fazer acusações gratuitas. Se acaso o futuro governo está a insinuar uma coisa que não será, a Sr.ª Deputada é a última que tem autoridade moral para fazer uma acusaão dessas porque o seu partido foi aquele que mais exemplarmente tentou no nosso país insinuar uma coisa que não era, isto é, o de ser um movimento popular português mais amplo até, eventualmente, que o Partido Comunista. Simplesmente, quando se conseguiu ir a eleições VV. Ex.as eram 4%. Quem é, afinal, cavalo de Tróia no nosso país?
V. Ex.ª fez um auto-elogio, que não contesto. Isto é, que não se devem encarar as coisas com olhos agressivos ou beatos. Admito que seja o caso de V. Ex.ª, mas pergunto-lhe: com que postura está V. Ex.ª a olhar para o general Eanes, porque foi incapaz de dizer uma palavra relativamente à alternativa ao descalabro - partindo do princípio que estamos pura e simplesmente perante um descalabro da AD - em termos de programa e de bloco social e político maioritário? O que é, pois, estar com um ar beato a olhar para o Presidente da República? Admito que não seja o caso de V. Ex.ª. Estou simplesmente a estimulá-la.
Quando à democracia representativa, V. Ex.ª diz que a democracia sólida é o povo organizado. Sr.ª Deputada, pergunto-lhe sinceramente: VV. Ex.as têm sido impedidos de organizar o povo? Será isso que vos impediu, até este momento, de passar dos 4%? Se é, V. Ex.ª tem o direito e o dever de nos ajudar a manter no nosso país a liberdade de organização, para que VV. Ex.as possam efectivamente contribuir solidamente para a tal democracia representativa. Resta-me saber, efectivamente, o que é que V. Ex.ª entende por democracia representativa.
Aplausos do PSD e do deputado do CDS Meneses Falcão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Deputado Silva Marques, tenho muita dificuldade em seguir o curso do seu raciocínio.
Protestos do PSD.
Em todo o caso, vou tentar, dentro daquilo que percebi das suas palavras, responder-lhe.
As críticas que o MDP/CDE faz ao Prof. Vítor Crespo têm 3 anos de trabalho e de existência. Tenho aqui na minha mão um relatório de 4 páginas, que poupo ler a esta Câmara.
V. Ex.ª não tem talvez filhos na escola, porque senão nem sequer tinha necessidade de o perguntar a ninguém. Há milhares de pessoas hoje que conhecem a obra do Prof. Vítor Crespo...
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O Sr. Silva Marques (PSD): - Não voltemos ao debate sobre a questão do aborto, por favor!
Risos do PSD.
A Oradora: - Bem, continuo a não perceber o seu raciocínio. Mas enfim...
O Sr. Silva Marques (PSD): - É que eu tenho filhos na escola, Sr.ª Deputada.
A Oradora: - Então acho que os deve acompanhar melhor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Aí já admito que não esteja a cumprir bem!
A Oradora: - É pena que não tenha, então, consciência de como estão as nossas escolas. Bem, mas como não me parece que estejamos aqui a medir encargos familiares, vou prosseguir.
O Sr. Prof. Vítor Crespo é responsável neste país por variadíssimas coisas muito graves. Em linhas gerais posso dar-lhe o exemplo de algumas.
Ele criou o 12.º ano;.. Pedia-lhe a sua atenção, se faz favor, Sr. Deputado. É um mero acto de cortesia. Dizia eu que ele criou o 12.º ano de uma forma que leva a uma enorme selectividade. Hoje nas nossas universidades só podem entrar os que tenham possibilidades de pagar a explicadores ou aqueles que vão para a Universidade Livre, quando não são agredidos pelas disputas dos reitores que se puseram à frente dela, ou para a Universidade Católica, para onde se pode entrar com outro tipo de exame, e não há muito mais hipóteses.
Ora isto, num país que tem falta de elites, é muito grave. Mas mais grave ainda é que o Prof. Vítor Crespo quebrou qualquer hipótese de profissionalização neste país. Criou uma via profissionalizante, onde se inscreveram 2000 alunos em todo o País - não sei se sabe o que isso quer dizer- e que abria para o vazio. Quer dizer que os institutos superiores técnicos, médios e politécnicos ficaram no papel, porque nunca foram criados. Hoje não há em Portugal nenhum processo de profissionalização, senão através do Ministério do Trabalho, em cursos acelerados.
Isto para já não falar em coisas mais graves, como é tudo o que se fez na escola primária. As escolas primárias trabalham hoje em 4 turnos. Não sei se o Sr. Deputado tem ideia do que isso é para as crianças e para os professores.
A falta de escolas duplicou, pois o número de alunos cresceu e as escolas não foram construídas, como razão de várias tricas governamentais que não aprofundo neste momento.
Estes pontos...
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, peco-lhe que abrevie, pois o seu tempo já terminou.
A Oradora: - Sr. Presidente, as perguntas são muitas e penso que deviam ter sido feitas por 3 deputados.
O Sr. Presidente: - Lamento muito, mas a Sr.ª Deputada dispõe apenas de 3 minutos e, por isso, peco-lhe que conclua.
A Oradora: - Respondo-lhe agora à questão da alternativa e dos 4%.
Os 4% para nós, em número de votos, não têm nada a ver com a organização das populações. O Sr. Deputado vive num mundo em que me é difícil acompanhar o seu raciocínio, porque é o mundo da política governamentalizada que não entendo nem quero entender.
Quanto às alternativas que apresentamos para resolver a crise são simplesmente eleições antecipadas e ver qual será o seu resultado. Nós acreditamos na dinâmica social, Sr. Deputado; nós não vivemos fechados neste hemiciclo ou nos gabinetes; nós não passamos a vida a ver se vamos ou não para o Governo. Há pessoas sérias neste País, Sr. Deputado; há pessoas que acreditam que o povo chega lá pelo seu próprio esforço e que a honestidade dos chefes políticos é indispensável para se criar um ambiente salutar.
E isso, Sr. Deputado, que não pode de forma nenhuma entender, porque senão não estava sentado na bancada onde está.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e do Deputado do PS Marcelo Curto.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Silva Marques (PSD): - É para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr.ª Deputada, utilizei talvez em excesso algumas reacções em termos de aparte à sua intervenção, mas permita-me chamar-lhe a atenção que foi na sequência do facto de a Sr.ª Deputada ter trazido para aqui umas pobres crianças absolutamente inocentes, que por acaso até existem.
Vozes do PCP: - Por acaso?!...
O Orador: - Isto é só para que a Sr.ª Deputada fique ciente e esclarecida da razão por que lhe fiz os meus apartes.
Relativamente à minha falta de educação, peco-lhe desculpa, mas entregaram-me uns papéis nessa altura. De qualquer modo, segui mais ou menos o que a Sr.ª Deputada disse.
A Sr.ª Deputada deixou-me esta dúvida, e eu protesto para que a tente esclarecer. V. Ex.ª, aparentemente, não discordou em relação a qualquer aspecto importante da política do Prof. Vítor Crespo, pois, segundo acabou de declarar, do que discordou foi do facto de as medidas terem ficado no papel. Mas eu tinha dito que punha de lado essas questões.
No entanto V. Ex.ª disse que, quanto ao ensino polivalente, quanto aos escalões médios do ensino, o que era inaceitável era isso ter ficado no papel. Ora eu tinha posto de lado esse aspecto da incapacidade de implementação do nosso governo. Eu tinha tentado que a Sr.ª Deputada discutisse apenas a proposta política do Governo.
Finalmente, coloquei-lhe uma questão em que volto a insistir. Levantei-lhe uma dúvida em relação à, sua atitude quanto à democracia representativa. V. Ex.ª acabou de me dizer que só têm 4%, mas que isso é muito menos do que aquilo que efectivamente têm, porque V. Ex.ª acredita na dinâmica do povo. Volto a perguntar-lhe: e na democracia representativa, acredita?
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, para contraprotestar.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Peço desculpa de estar a tirar tanto tempo à Câmara.
Sr. Deputado, eu não queria realmente ofendê-lo, mas quando a democracia representativa é representada por si, não acredito.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
Mas o que lhe quero dizer, Sr. Deputado, é que de facto nós não sabemos qual é a política global do Prof. Vitor Crespo. Nós conhecemos aquilo que ele fez durante 3 anos a este país e é isso que nós criticamos.
Fazer no papel institutos politénicos, mas na prática bloquear todas as saídas para esses institutos, não os criando, é o mesmo que desprofissionalizar o País.
O Sr. Prof. Vítor Crespo, enquanto Ministro, seguiu a política da AD que, de facto, é uma política onde o povo português está a mais e foi esse povo português que o então Ministro Vítor Crespo quis pôr em tal estado que quando viesse a nossa célebre adesão à CEE nós mantivéssemos a nossa situação de escravos, com um terço de analfabetos, com as associações de alfabetização dominadas, como já hoje estão, pelos pareceres políticos dos governadores civis, graças a um despacho que ele emitiu e muitas outras coisas de que o Sr. Deputado devia estar informado para estar com consciência sentado na bancada em que está.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rodrigues.
O Sr. Artur Rodrigues (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A situação que hoje vivem dezenas de milhar de trabalhadores, sem receberem salários ou com os salários e subsídios em atraso, atinge tais proporções que se deve considerar um novo e dramático flagelo social.
Já não bastava a existência de centenas de milhar de trabalhadores contratados a prazo a conhecerem a instabilidade, a insegurança e, de uma forma geral, o caminho do desemprego.
Já não bastava o constante crescimento do exército de 400000 desempregados, onde avulta particularmente a situação das mulheres e dos jovens à procura do primeiro emprego.
Não bastava o aumento da repressão patronal sobre os trabalhadores em geral e, particularmente, sobre os dirigentes e delegados sindicais e membros de comissões de trabalhadores.
Não bastavam os brutais aumentos dos preços, os aumentos dos transportes, a imposição de taxas de saúde, as dificuldades com a habitação, a degradação do ensino.
Não bastava tudo isso para tornar cada vez mais difícil a vida dos trabalhadores portugueses.
No passado mês de Dezembro, em que se viveram as festas do Natal, milhares e milhares de trabalhadores não receberam o salário do mês e muitos mais não receberam o subsídio de Natal a que têm direito.
Esta é a dura realidade que a política da AD fez viver a milhares de trabalhadores. É já o próprio salário que é ilegalmente negado. São homens, mulheres, idosos, jovens, crianças, são famílias inteiras que precisam do seu único meio de subsistência para pagar a renda da casa, a alimentação, os transportes, as taxas de saúde!
Vejamos o quadro impressionante que se vive e alastra por todo o País e por todos os sectores: de acordo com os elementos recolhidos pelas organizações representativas dos trabalhadores e relativos aos meses de Outubro e Novembro, 51328 trabalhadores de 102 empresas não receberam salários nos prazos legais.
Estes trabalhadores distribuíam-se pelos mais variados sectores da actividade (saliento os números mais significativos): indústria vidreira, 2299 trabalhadores em 8 empresas; cerâmica, 2060 em 10 empresas; têxtil, 4747 trabalhadores em 12 empresas; metalurgia, 36012 em 50 empresas (dos quais 15766 pertencem ao sector da indústria naval). Todavia estes números estão manifestamente abaixo da realidade.
Mais: agravaram-se substancialmente durante o mês de Dezembro, quer no que respeita ao salário, quer no que respeita ao subsídio de Natal.
As empresas a que se referem os números descritos vão desde empresas públicas, como a Gelmar, a Companhia Portuguesa de Pescas, a Setenave e a Fábrica-Escola Irmãos Stefhens, vão desde empresas com centenas e por vezes milhares de trabalhadores, como a Lisnave, a Messa, a Sociedade Industrial de Produtos Eléctricos - SIPE, a CIFA, a IMA, a Intento, têxta do Caneiro, a Monpor, Fábrica de Malhas Ameal, Empresa Vidreira da Fontela, a Audio-Magnética e muitas outras, até uma autêntica multidão de pequenas e médias empresas e de certos casos verdadeiramente aberrantes, que revelam que o mal alastra por todos os sectores e por todo o País.
Zonas há, como a Marinha Grande, Alcobaça, Covilhã e outros centros industriais, localizados em vilas e aldeias, onde impera a mono-indústria e onde as consequências da prática do não pagamento de salários provocam situações de instabilidade e desespero na generalidade da população.
Até serviços de saúde, como é o caso exemplar da Clínica das Amoreiras e empresas da área de cultura, como a Bertrand, estão também ameaçados.
Muitos outros casos se omitem, mas não podemos deixar de referir, a concluir, os casos da Fábrica de Loiças de Sacavém, posta a saque a partir da operação fraudulenta da constituição de uma nova empresa, e o caso da CTM, hoje mesmo objecto de uma escandalosa resolução do Governo demitido, que, se fosse aplicada, significaria o desmantelamento dessa empresa pública. Desta tribuna denunciamos essa resolução do Governo demitido, resolução inconstitucional e ilegal e que representa um claro abuso do Governo das suas funções de gestão corrente!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As dramáticas situações descritas podem ver-se em diferentes planos, mas o facto é que todas elas confluem e resultam da desastrosa política da AD nos diferentes objectivos que prossegue.
No sector público nacionalizado e participado, a AD seguiu a estratégia friamente concebida do estrangulamento das empresas, através do bloqueamento de planos de viabilização, recusa do saneamento económico-financeiro, corte de créditos e de investimentos. Através dos seus homens de mão colocados à frente das administrações foi adiando decisões, foi aplicando uma gestão incompetente ou conscientemente desastrosa nas empresas, tentando criar situações de facto consumado que dariam o argumento hipócrita de que havia a inevitabilidade de encerrar, espartilhar e destruir essas
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empresas e não pagar os salários face aos prejuízos existentes.
No sector privado, além dos casos de incompetência e má administração do patronato, além dos casos de incumprimento deliberado dos pagamentos devidos, não se pode omitir que a política dos governos AD, tem causado o crescente estrangulamento e mesmo a falência de muitas pequenas e médias empresas, através nomeadamente do corte de crédito, da elevação das taxas de juro, do aumento das rendas comerciais, do proteccionismo à grande indústria e do grande comércio.
Tudo isto se tornou claro e explícito quando os próprios Ministros, como fez Freitas do Amaral, anunciavam como objectivo do Governo o encerramento e a falência de muitas empresas e o desmantelamento e destruição do sector público e nacionalizado.
Mas o que os factos descritos mostram à evidência é que estamos perante um novo ataque, mais profundo, aos direitos e interesses dos trabalhadores na execução dos planos e objectivos da AD.
É que «o agravamento constante e sistemático das condições de trabalho e de vida da classe operária e dos trabalhadores em geral, como meio para aumentar os lucros e relançar o processo de acumulação e centralização capitalistas, é um aspecto essencial da política da AD».
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A situação que hoje se vive era completamente previsível, apesar das tentativas da AD para a esconder. Recordemos por exemplo, o que se passou durante a apresentação do VIII Governo, terceiro da AD: o Primeiro-Ministro demitido, Pinto Balsemão, afirmava, nesta tribuna, que:
O Governo considera ser tarefa inadiável a cumprir a definição e execução continuada de uma política global de emprego que [...] contribua para garantir aos trabalhadores a estabilidade e a segurança no desempenho da sua função.
Sem pôr nem tirar: o Sr. ex-Primeiro-Ministro prometia, em nome da AD, estabilidade e segurança no emprego. É o que se vê! Hoje o que campeia é precisamente o contrário: é a instabilidade, a insegurança e a mais descarada violação da legalidade por parte de largos sectores do patronato com a conivência e o exemplo dos próprios membros do governo AD.
Logo nessa altura, no debate que se seguiu à apresentação do programa do governo Balsemão/Freitas do Amaral, denunciávamos os objectivos reais que animavam a AD no plano laboral e púnhamos em evidência 3 desses objectivos: a tentativa de imposição de um tecto salarial, a promessa de revisão das leis fundamentais do trabalho em favor do patronato e, em terceiro lugar, a garantia ao patronato de que não haveria nenhuma intervenção da Administração em defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.
O tecto salarial ruiu fragorosamente; a revisão da legislação de trabalho ficou na gaveta, perante a poderosa movimentação dos trabalhadores; mas o que dependia exclusivamente do Governo -impor, ou não impor, o respeito pela lei-, isso mostra-se com estas situações que está a ser posto em prática de forma escandalosa.
O que se está a passar é a mais flagrante violação da Constituição da República, que define no artigo 60.º o direito à retribuição como um dos fundamentais direitos dos trabalhadores e faz incumbir ao Estado o dever de o garantir.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Os inimigos do movimento dos trabalhadores não se cansaram ao longo destes anos de lançar as mais torpes calúnias, insinuando que ele não respeitava as leis. A resposta foi sempre pronta e firme: são os que negam os direitos dos trabalhadores, são os que tudo fazem para destruir o regime democrático saído do 25 de Abril que violam a legalidade democrática.
Na verdade, Srs. Deputados, os trabalhadores não aceitam nem aceitarão esta situação com fatalismo. Assim como lutaram contra a imposição de um tecto salarial, assim como derrotaram os planos da revisão reaccionária da legislação laborai, assim também nas empresas e nos sectores lutam e lutarão pela defesa dos seus direitos, pela garantia de emprego, pela garantia dos salários.
Aplausos do PCP.
Exemplo dessas lutas é a que vem sendo desenvolvida pelo sector da indústria naval, na Lisnave, na Setenave, na Parry & Sen, luta que combina a exigência da garantia das remunerações com a vontade claramente expressa de serem criadas condições para que o seu trabalho criador contribua para a riqueza do País.
Estas lutas traduzem uma condenação firme da política da AD.
A AD não pode continuar no Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Depois da derrota de 12 de Dezembro, depois de demitido o Governo, depois das demissões de Balsemão e Freitas do Amaral, depois de todo o mal que já fez ao País, depois de todos os escândalos que caracterizaram a sua governação, o que os Portugueses maioritariamente querem é outra política, sem a AD.
As dramáticas situações que descrevemos exigem um conjunto de medidas de emergência, capazes de conduzir ao cumprimento da lei, à garantia aos trabalhadores do seu direito ao salário e ao emprego, à defesa dos direitos dos trabalhadores, ao apoio às pequenas e médias empresas, à defesa e dinamização do sector público e nacionalizado.
Tudo o que a AD não faz e não quer fazer.
Por isso mesmo é imperioso e inadiável que, dissolvida de imediato esta Assembleia e nomeado um governo de gestão que ofereça garantias de isenção, se
dê a palavra ao povo português, em eleições que seguramente se traduzirão num passo decisivo para a viragem democrática que se impõe.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Neste momento, algum público presente nas galerias manifesta-se, exibindo cartazes e gritando «Queremos trabalho! Queremos pão e trabalho!».
O Sr. Presidente: - As galerias não podem manifestar-se, por isso serão evacuados todos os assistentes que se estejam a manifestar.
Os manifestantes continuam a gritar: «Não queremos miséria! Queremos pão e trabalho!».
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O Sr. Presidente: - Peço aos agentes da PSP que identifiquem as pessoas que se estão a manifestar com um comportamento claramente incorrecto e violador das regras de assistência a esta Assembleia.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS, e protestos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP, batendo com os punhos no tampo das carteiras.
Srs. Deputados, declaro interrompida a sessão até que estejam criadas condições para a sua continuação.
Eram 16 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 16 horas e 12 minutos.
O Sr. Presidente: - Peço à Câmara que proporcione as condições necessárias à continuação dos nossos trabalhos.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Então como é? E aquele fascista ali em cima não é evacuado? Então há 2 pesos e 2 medidas?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não lhe concedi a palavra, por isso peço-lhe que permita que a sessão continue.
Aliás, peço a todos os Srs. Deputados que adoptem um comportamento que permita que a sessão continue e que possa pôr termo a incidentes desta natureza, que em nada dignificam esta instituição parlamentar.
Vozes do PCP: - Mas então há 2 pesos e 2 medidas? O Sr. Presidente não viu manifestantes naquela galeria?
Só tem um olho, é?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se o ambiente não se restabelecer serei obrigado a interromper a sessão para que os trabalhos possam ser conduzidos com o mínimo de dignidade e de correcção.
Há vários pedidos de palavra, sendo o primeiro do Sr. Deputado Carlos Brito, a quem concedo a palavra perguntando-lhe as razões para que a solicitou.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Quero interpelar a Mesa nestes termos, Sr. Presidente: Naturalmente que o que acaba de se verificar nas galerias -todos nós o reconhecemos - é um procedimento que não é regimental. Em todo o caso, parece-me surpreendente que a primeira reacção do Sr. Presidente tenha sido aquela que manifestou e eu não queria deixar de lhe fazer sentir isso. É que este acontecimento a que acabamos de assistir -e sabemos que ele traduz apenas uma pequenina parte da realidade com que se debatem os trabalhadores portugueses, o Sr. Presidente sabe tão bem como eu que há milhares e milhares de trabalhadores que não recebem os salários...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe o favor de se limitar a interpelar a Mesa. Diga-me, pois, qual é a resposta que pretende da Mesa.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Mas isso é que o Sr. Deputado Carlos Brito está a fazer, Sr. Presidente!...
O Orador: - É o que estou a fazer, Sr. Presidente. Eu peço ao Sr. Presidente que tenha mais serenidade... Aliás, a situação política que estamos a viver e de que os senhores dão um triste espectáculo perante o País...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a figura de interpelação à Mesa não se destina a fazer considerações de ordem política, mas sim a fazer considerações de ordem regimental.
Por isso, peco-lhe, Sr. Deputado Carlos Brito, que compreenda que assim é e que formule a sua questão.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
O Orador: - Sr. Presidente, se V. Ex.ª me der tempo para fundamentar as questões regimentais que lhe quero colocar, que é o que estou a fazer, eu lá chegarei.
Dizia eu que não queria deixar sem reparo essa atitude do Sr. Presidente. V. Ex.ª, naturalmente, reparou que também nas galerias houve outro tipo de manifestações e manifestações que se dirigiam concretamente contra as nossas bancadas, isto é, contra a minha bancada e contra - suponho eu - as bancadas do resto da oposição. Porém, em relação a essas manifestações, o Sr. Presidente não reagiu... Se o Sr. Presidente quiser, nós podemos indicar-lhe que naquela galeria ali em frente houve quem, virado para a nossa bancada, nos ameaçasse de punho fechado, portanto em tom ameaçador.
Não me parece, pois, que em relação a essa atitude o Sr. Presidente tenha actuado da mesma forma. O mínimo que V. Ex.ª tinha a fazer era mandar evacuar o manifestante.
Portanto, o que eu, nos termos regimentais, exijo é que o Sr. Presidente proceda de igual forma relativamente a quem nas galerias se não comportou com o respeito devido aos deputados e à Assembleia da República.
Aplausos do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, V. Ex.ª terá reparado que as palavras que dirigi aos serviços de segurança foram no sentido de evacuarem das galerias aqueles que se estivessem a comportar de uma forma que não respeita as regras da assistência a esta Assembleia. Não há, portanto, qualquer discriminação.
Assim, peço, uma vez mais, aos senhores guardas da PSP, se é que ainda se encontra nas galerias alguém que tivesse desrespeitado as regras que são conhecidas de assistência às sessões desta Assembleia -e que não permitem qualquer manifestação de qualquer ordem, permitem apenas a assistência sem manifestações-, que não permitam que essas pessoas continuem presentes na Sala e que igualmente as identifiquem se desrespeitarem a ordem de evacuação.
Creio, portanto, que o Sr. Deputado Carlos Brito pode ter razão quando diz que alguma pessoa não foi evacuada,...
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O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ai tenho, sim!
O Sr. Presidente: - ... mas não tem razão quando diz que o Presidente da Mesa não actuou com um critério perfeitamente uniforme em relação a todos os manifestantes.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, se me dá licença, de facto nós temos razão. Estamos a ver daqui a pessoa que se comportou dessa forma, estamos a ver quem é o agente de segurança que está nessa galeria e não é nada difícil ao Sr. Presidente tomar as providências necessárias para que aqueles que desrespeitaram os deputados sejam evacuados, porque repare que a situação é diversa: houve aqui quem se manifestasse queixando-se da situação em que se encontra, e com isso não desrespeitou os deputados, mas houve aqui quem ameaçou os deputados, o que é uma coisa completamente diferente.
Aplausos do PCP.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Coitadinhos!...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, eu, pessoalmente, não consigo identificar as pessoas a que V. Ex.ª se refere. Já fiz o apelo aos agentes da PSP para que não permitam a continuação dessas pessoas na galeria e agora a única atitude que posso tomar - caso me coloquem problemas dessa natureza- é levar até ao extremo a decisão de mandar evacuar totalmente as galerias, sacrificando assim os interesses de quem respeitou as regras desta Assembleia.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Ele agora está sossegadinho!
O Sr. Presidente: - No entanto, não gostaria de o fazer porque não penso que devam ser responsabilizadas pessoas que se comportam regularmente por causa do comportamento de outras que o não fazem. Mas se o Sr. Deputado o exigir, e na medida em que eu não posso identificar quem é que se comportou de forma irregular, poderei ir até esse extremo.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Então, ó valente, não te identificas agora!?
O Sr. Presidente: - Entretanto dou a palavra ao Sr. Deputado Silva Marques, para interpelar a Mesa.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, já diversas vezes aqui tiveram lugar nas galerias manifestações do género da que se verificou hoje. Simplesmente hoje há uma inovação: houve pelo menos um caso expresso e outros tendenciais de resistência aos agentes da PSP, que têm a nobre missão de cumprir as determinações desta Assembleia.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Mário Tomé (UDP): - A polícia tem que se resistir sempre!
O Orador: - Á interpelação que lhe faço, Sr. Presidente, e por seu intermédio a esta Assembleia, é a seguinte: reconhece-se a legitimidade dos agentes de segurança que aqui estão em cumprimento das nossas deliberações?
Em segundo lugar, está V. Ex.ª em condições de nos garantir que a Polícia de Segurança Pública está a ter neste momento o apoio inequívoco moral, legal e institucional desta Assembleia?
É esta a questão que lhe coloco, mas se V. Ex.ª não está em condições de me responder deve perguntar à Assembleia.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os pedidos de palavra para interpelação à Mesa estão a ser aproveitados para se proceder a autênticas declarações com carácter político. Ora, a Mesa não pode permitir que isto assim continue.
O Sr. Deputado sabe que é à Mesa que compete preservar a ordem do hemiciclo. No cumprimento de deveres que me incumbem neste momento e verificando que havia assistentes que ofereciam resistência às ordens dos agentes de segurança para que certas pessoas evacuassem as galerias, dei instruções para que essas pessoas fossem identificadas e contra elas, no caso de haver fundamento, sejam adoptados os procedimentos competentes.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Não se trata assim um candidato a Ministro...
O Sr. Presidente: - Não penso que a Mesa da Assembleia possa fazer qualquer outra coisa, a menos que se reconheça que a repetição de cenas como estas, que constituem, a meu ver - e tomo a responsabilidade de o dizer-, um ultraje à instituição parlamentar, determinem a necessidade de o Presidente da Assembleia adoptar medidas mais drásticas para que não voltem a verificar-se.
Aplausos do PSD.
Aceita-se que, a título excepcional, possa acontecer algo que não é desejável, mas parece-me que nenhum de nós poderá aceitar que atitudes destas, de uma boa parte de pessoas que assistem às nossas sessões, venham a pôr em causa o funcionamento, que se pretende normal e correcto, desta instituição, que todos nós consideramos fundamental para a democracia.
Por isso não posso deixar de lamentar, enquanto Presidente, que tivesse havido senhores deputados que apoiaram a atitude dessas pessoas, que, comportando-se como se comportaram, ofenderam a Assembleia, não respeitando as suas regras.
Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.
Srs. Deputados, agradeço-lhes o favor de considerarem o incidente encerrado e se algum de vós pedir a palavra para interpelar a Mesa peço que o faça nos termos regimentais, isto é, sucintamente e apenas para colocar questões de ordem regimental.
Sr. Deputado Mário Tomé, poderá informar a Mesa das razões por que pediu a palavra?
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, eu inscrevi-me na altura devida para pedir esclarecimentos ao último interveniente, isto é, ao Sr. Deputado Artur Rodrigues.
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O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado Viega de Oliveira?
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, V. Ex.ª, no uso das suas faculdades regimentais, expôs uma opinião a respeito do que se passou e a pergunta que muito sinceramente lhe quero colocar é esta: podem ou não os deputados expor opinião diversa daquela que o Sr. Presidente tem?
Concretamente, posso ou não dizer, Sr. Presidente, que não apoiamos nenhuma manifestação da assistência, mas que protestamos contra a maneira como o Sr. Presidente em exercício se referiu à manifestação?
O Sr. Presidente: - É evidente que o Sr. Deputado pode adoptar as atitudes que entender, mas não negue a quem dirige a sessão o direito de fazer os comentários que julgar pertinentes no uso das suas funções.
O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de saber se quando a Mesa determinou que as galerias fossem evacuadas, mandando identificar os manifestantes, foi por ter conhecimento de que na última manifestação que aqui presenciámos grande parte dos presentes que se manifestaram atirando panfletos eram funcionários do Partido Comunista, podendo eu até adiantar que uma das senhoras presentes costuma estar no Rossio diariamente a vender propaganda daquele partido.
Vozes do PCP: - Velho inspector!
O Sr. Presidente: - É evidente que não, Sr. Deputado.
Mandei identificar as pessoas apenas porque resistiram às instruções dadas pelos agentes de segurança.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Artur Rodrigues...
Perdão, Srs. Deputados, mas parece-me que o Sr. Deputado Lopes Cardoso estava também inscrito. Para que efeito era, Sr. Deputado?
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, agora vou prescindir do uso da palavra. No entanto, gostaria de dizer que já me tinha inscrito há bastante tempo, pelo que já me deveria ter concedido a palavra.
O Sr. Presidente: - Peço-lhe desculpa, Sr. Deputado, mas se não lhe concedi a palavra há mais tempo foi mero lapso da Mesa, pois houve uma sucessão de pedidos de palavra. Espero que reconheça que é natural estas coisas acontecerem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé, para formular pedidos de esclarecimento.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Artur Rodrigues, considero que na sua intervenção fez uma denúncia importante do que hoje se passa no nosso país. Apoio totalmente as suas palavras de protesto contra a gestão deste Governo -Governo que já não devia governar- e de apoio à luta dos trabalhadores que se desenvolve por todo o País.
No entanto, não quero deixar de anotar uma pequena contradição entre o que o Sr. Deputado disse - e não é que ela não possa existir, entenda-se - e aquilo que a Sr.ª Deputada do MDP/CDE referiu. De facto, esta Sr.ª Deputada disse há pouco que a AD não existia por falta de conteúdo. O Sr. Deputado, por sua vez, refere que a AD tem, de facto, um conteúdo importante, que é o de dar cabo da vida dos trabalhadores, daqueles que tudo produzem em favor dos grandes capitalistas, que tudo possuem.
Portanto, é relativamente a esta contradição que eu pretendia intervir. É que, de facto, a AD está em desagregação, não porque não tenha um conteúdo e uma determinação claras de atacar profundamente tudo o que foram conquistas dos trabalhadores, mas porque do lado da direita se exigem medidas mais brutais, o que está, aliás, de acordo com o que disse há pouco o Presidente em exercício desta Assembleia, e que era a necessidade de tomar medidas mais rigorosas relativamente ao que se está a passar. Tudo isto está no mesmo contexto. Querem medidas mais brutais, mais rigorosas aqui dentro, lá fora, em toda a parte. Ao mesmo tempo, está comprimida a AD pela luta de resistência dos trabalhadores.
O que eu queria saber, Sr. Deputado, é se não considera que as lutas dos trabalhadores que, já o vimos, por todo o País, empresa a empresa, não têm salário -e aqui fica este veemente, sentido e angustiado protesto que representa o sentir de centenas de milhares de trabalhadores-, não exigem uma unificação, que todos os trabalhadores estejam na rua, levantados em luta, paralisados numa greve geral, para que esta AD não possa nem sequer estrebuchar mais; para que o Presidente Eanes não possa mais fingir não estar a perceber o que se passa; para que se não criem espaços de manobra para que os interesses que estão aqui a ser apresentados pela AD - os interesses dos grandes barões do capital - possam refazer-se e aparecer num outro avatar qualquer, dispostos mais uma vez a liquidar a luta, o bem-estar e a liberdade dos portugueses.
Não acha necessário, Sr. Deputado, unir desde já todos os esforços e todas as lutas numa grande greve geral, paralisando tudo, para impedir que haja mais governos da AD e partidos de direita no seu seio?
Não acha necessário, Sr. Deputado, que se transforme esta situação para melhorar a vida dos trabalhadores, daqueles que tudo sofrem?
E enquanto eles ali se queixam, manifestando a fome que já sentem nos seus lares, os deputados, muito serena e conspicuamente, lamentam o barulho aqui feito! É com isto que temos que acabar! Os operários, que são os mais sacrificados, têm que ser os primeiros a ter a palavra, têm que impor a sua vontade, têm que vivificar todas as lutas, para derrubarem este governo e acabar com este sistema de repressão imposto pelo 25 de Novembro, com o general Eanes à frente.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rodrigues.
O Sr. Artur Rodrigues (PCP): - Sr. Deputado Mário Tomé, relativamente ao apoio que dá à denúncia aqui feita hoje pelo nosso partido, penso que ela é importante. Também a denúncia de situações tão dramáticas como as que aqui trouxemos é importante, oportuno e necessária.
Em relação à questão da contradição entre o que eu e a
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Sr.ª Deputada do MDP/CDE disse, não tenho que pronunciar-me. Eu dou a minha opinião - ela está expressa na minha intervenção-, não nos competindo, naturalmente, dar quaisquer esclarecimentos sobre intervenções de outros partidos.
Quanto à questão da unificação das lutas e de uma greve geral, o que o PCP tem a dizer é que os trabalhadores têm demonstrado, ao longo dos anos, capacidade de luta e de organização, tendo as suas organizações de classe: comissões de trabalhadores, sindicatos, central sindical. Daí que a muita confiança que temos na classe operária nos leve a sentir e a dizer que competirá aos trabalhadores, através das suas organizações, definir as formas de luta que entenderem como mais adequadas. E naturalmente que daremos o nosso apoio aos trabalhadores nas suas lutas.
Aplausos do PCP.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito é que a Sr.ª Deputada deseja usar da palavra?
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Como fui mencionada pelo Sr. Deputado Mário Tomé, gostaria que o Sr. Presidente me concedesse a palavra.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, o simples facto de ser mencionada não lhe dá o direito a usar da palavra.
O Sr. Deputado Mário Tomé fez perguntas ao Sr. Deputado Artur Rodrigues e o facto de se ter referido à Sr.ª Deputada, só por si, não justifica, segundo penso, o uso da palavra pela Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, o que acontece é que eu quero protestar contra o que o Sr. Deputado Mário Tomé disse a meu respeito.
O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada pede então a palavra para formular um protesto contra afirmações do Sr. Deputado Mário Tomé?
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada. No entanto, peco-lhe que aguarde um momento, pois oportunamente lhe darei a palavra.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra para protestar relativamente às afirmações do Sr. Deputado Artur Rodrigues.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou usar a forma do protesto, se bem que de protesto se não trate exactamente.
Do que aqui ficou dito pode concluir-se que a UDP, em relação à luta dos trabalhadores, estaria numa atitude de desconfiança. Ora, não é isso. Em nossa opinião, as organizações de trabalhadores existem para levar à luta esses mesmos trabalhadores; contudo, não há organização de trabalhadores que possam levar àquilo que os operários e os trabalhadores precisam e que é a transformação da situação para atingirem o poder político sem política. E essa política é a dos partidos políticos.
Por isso é que eu, como representante de um partido político, me dirijo aqui directamente a representantes de outro partido político, dizendo que há que levar aos trabalhadores - através dos elementos destes partidos e dos simpatizantes que não têm partido, e por meio da proclamação e da propaganda de uma determinada política, a política de unificação - a política que os poderá levar a vencer os seus inimigos de classe, a partir-lhes a espinha e a alcançar os seus objectivos políticos. É que os trabalhadores têm objectivos políticos fundamentais e não podem reduzir a sua luta à luta de reivindicação económica ou de defesa do emprego, porque nestes sistemas, sabe-se perfeitamente, nunca o conseguirão. É a situação política que tem de ser mudada.
É por isso que entendo que os partidos políticos têm o dever e a obrigação de propagandear e agitar as organizações dos trabalhadores, levando para dentro delas a política que irá conseguir a transformação da situação.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Artur Rodrigues.
O Sr. Artur Rodrigues (PCP): - Sr. Deputado Mário Tomé, o seu protesto não me permite acrescentar muito em relação ao que já disse anteriormente.
Terminaria, contudo, com uma ideia reforçada que suponho que é importante: nós, PCP, temos muita confiança na capacidade de luta, na unidade e na combatividade dos trabalhadores através das suas organizações de classe. Temos mesmo muita confiança.
Daí que, embora tudo façamos e continuemos a fazer para apoiar e dinamizar, não deixemos de acreditar na sua capacidade organizativa, combativa, e no seu sentido patriótico que sempre demonstraram ao longo dos anos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura para formular um protesto em relação às afirmações do Sr. Deputado Mário Tomé.
A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Deputado Mário Tomé, queria apenas dizer-lhe que quando o Sr. Deputado se refere às intenções do Governo dizendo que elas são claras, estou de acordo consigo: essas intenções são, de facto, claras. Porém, na medida em que elas estão contra a realidade social, esvaziaram-se de conteúdo.
De resto, eu comecei por dizer que o povo português - e não tenho aqui o texto- esvaziou de conteúdo a AD. É que uma coisa são as intenções governativas e outra o conteúdo das acções que podem ser esvaziadas pela luta do próprio povo.
Num momento destes é difícil a comunicação através da linguagem nestas circunstâncias. Acabamos de ver agora mesmo que vieram aqui operários com a linguagem da fome, a quem nós respondemos com a linguagem do Regimento da Assembleia!
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, na realidade, aproveitei o que tinha dito
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para engendar a minha intervenção quando pedi esclarecimentos ao Sr. Deputado Artur Rodrigues.
De facto, o povo português, pela sua luta e pelas suas posições, tem tirado a base de existência desta coligação que é a AD. Mas isto não nos pode levar a cair na armadilha de pensar - e faço-lhe a justiça de entender que não pensa assim, mas não estamos só a falar um para o outro - que, desfeita como está esta coligação reaccionária, não se estão já a preparar - tal como eu disse- os novos avatares, novas combinações entre os vários elementos, por forma a poderem traduzir de uma maneira, quiçá, mais brutal os interesses dos grandes capitalistas e dos imperialistas.
É em relação a isto que os operários, por muita confiança que neles tenhamos, têm que estar prevenidos. É também por isso que devemos lançar permanentemente a propaganda dos grandes objectivos da classe operária, que, para além da reivindicação de salários e emprego, tem que perceber que neste sistema não conseguirá garantir os salários nem o emprego a níveis justos e adequados. Os trabalhadores terão que dar cabo do sistema emergente do 25 de Novembro!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegamos ao fim do período de antes da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da primeira parte do período da ordem do dia consta a continuação da discussão sobre a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, requerida pelo PCP, sobre as causas que deram origem à não divulgação à Assembleia da República e à opinião pública do teor integral do relatório sobre os factos do 1.º de Maio, e que foi elaborado pela Procuradoria-Geral da República.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, apenas queria que a Mesa confirmasse a minha inscrição para pedir esclarecimentos aos Srs. Deputados António Duarte e Duarte Chagas e que neste momento não estão presentes. Portanto, terei que formular os pedidos de esclarecimento na próxima sessão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há vários pedidos de palavra e não apenas o seu. Porém, acontece que como as declarações políticas têm prioridade, segundo consenso unânime nesta Assembleia, estas esgotaram todo o tempo destinado ao período de antes da ordem do dia. Assim, todas as inscrições que ficaram pendentes assim continuarão até à próxima sessão.
No debate que anunciei há pouco, a Mesa tem inscrito o Sr. Deputado Borges de Carvalho, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Manuel Lopes. No entanto, como o Sr. Deputado Borges de Carvalho não se encontra presente, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que, apesar de a matéria referente ao inquérito sobre os acontecimentos do 1.º de Maio já ter sido objecto de diversas sessões desta Assembleia, há ainda alguns pontos que merecem a nossa consideração. Não tanto porque alguma coisa haja que acrescentar àquilo que já foi dito sobre o fundo da questão, mas porque, pelo menos do nosso ponto de vista, algumas coisas há que importa realçar e pôr a claro.
Assim, queria, antes de mais, referir-me a que na sessão de 20 de Maio desta Assembleia da República (e conforme consta do Diário da Assembleia da República, n.º 90, de 21 de Maio) o Sr. Ministro da Administração Interna, respondendo a uma questão levantada - aliás, por um deputado da sua bancada, o Sr. Deputado Sousa Tavares, respondeu textualmente:
Por último, perguntou o Sr. Deputado Sousa Tavares se o inquérito será divulgado quando estiver concluído. Não só o inquérito será divulgado, como as questões que eventualmente aí possam ser explicitadas e que envolvam questões de natureza disciplinar ou criminal serão accionadas em consonância.
E acrescentou:
Esta é a minha responsabilidade política perante o Parlamento, perante o próprio Governo e perante a opinião pública.
Isto passou-se em 20 de Maio último.
Ora, perante esta promessa clara de que o inquérito seria divulgado de então para cá, é, no mínimo, estranho e digno de nota que das várias bancadas da maioria não tenha havido a preocupação de manter a promessa ministerial. Ou seja, tudo se passa como se a maioria entendesse que as palavras do Sr. Ministro da Administração Interna equivaleram, pura e simplesmente, a uma de duas coisas: ou a qualquer coisa de menos verdadeiro, a uma promessa mentirosa que o sr. Ministro fez perante a Assembleia da República - e esse facto deixa-os indiferentes; ou então que o Sr. Ministro da Administração Interna, porque, afinal não podia divulgar o inquérito a que se referia, fez uma declaração irresponsável- e também essa precipitação e irresponsabilidade deixam indiferentes a maioria.
Creio que, quer a mentira, quer a irresponsabilidade, não abonam o Sr. Ministro nem a maioria que o apoia.
Mas diria mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados: se se tratasse apenas da personalidade do Sr. Ministro da Administração Interna, se se tratasse apenas da pessoa dos Srs. Deputados que se sentam nesta Casa, tudo isto poderia ser-nos indiferente. O que se passa, porém, é que, com esta atitude, o que a maioria aceita é que um membro de uma instituição democrática, ou seja, um membro do Governo, possa vir a outra instituição democrática, ou seja, o Parlamento, fazer declarações ou mentirosas ou irresponsáveis.
E é isso que, em nome da democracia e em nome da defesa das instituições, nós não podemos tolerar.
O que nós não podemos aceitar é que se a honra dos membros do Governo vos é indiferente, que a honra das instituições vos seja igualmente indiferente.
Mas há mais, Sr. Presidente e Srs. Deputados: no Diário da Assembleia da República, n.º 84, de 4 de Maio de 1982, a p. 3510, pela boca do Sr. Deputado Sousa Tavares, o PSD propunha que se realizasse uma sessão especial da Assembleia da República para o debate deste assunto logo que terminado o inquérito da Procuradoria.
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Ou seja, também o Sr. Deputado Sousa Tavares e a bancada do PSD, pela sua voz, entendiam então que o inquérito devia ser divulgado e que, logo que terminado, esta Assembleia até lhe devia dedicar uma sessão especial.
No mesmo dia - Diário, n.º 84-, já então a pp. 3523 e seguintes, em declaração política, ou seja, em intervenção feita em nome do seu partido, o mesmo deputado sugeria a substituição dos comandos necessários, e dizia-o nestes precisos e vigorosos termos:
Há uma deformação nos métodos de repressão, o que conduz ao desastre [...].
Sugiro que se substituam os comandos necessários, que se adestrem os oficiais, inclusivamente que se inicie um contacto com outras polícias estrangeiras, para que se aprendam métodos de repressão que não conduzam à morte.
Em 10 de Maio, 6 dias depois -Diário, n.º 87, a p. 3610-, já se era contra a suspensão porque envolvia a ideia de condenação prévia e se dizia que se deveriam deixar os responsáveis actuar perante as conclusões do inquérito para depois a Assembleia da República poder medir a sua capacidade política, tomar decisões.
Quer dizer: em primeiro lugar sustenta-se a suspensão, depois aguardam-se as conclusões do inquérito; antes o inquérito devia ser objecto de um debate em sessão especial desta Assembleia, agora o debate já deveria recair sobre a atitude dos responsáveis perante as conclusões do inquérito.
Mas no dia 20 de Maio, num novo volta-face, perante um pedido de inquérito feito pela UEDS, que correspondia precisamente à ideia de um inquérito parlamentar, os Srs. Deputados dizem: «o pedido de inquérito agora não, depois se verá».
E na mesma sessão, depois de dizerem «primeiro aguardar o inquérito», rejeitam uma proposta precisamente nesse sentido, redigida nesse sentido, e passam a dizer «depois se verá se há ou não motivo para inquirir» - p. 31'44 do Diário.
No dia 27 de Maio, quando o Partido Socialista propõe a suspensão de comandos, que, em declaração política, o PSD havia sugerido, os mesmos Srs. Deputados dizem: «quando vier o inquérito então decidiremos. Seremos os primeiros a condenar...» -afirmação do Sr. Deputado Montalvão Machado «... mas só depois do inquérito». E o CDS, pela voz do deputado Pinto da Cruz, explicava que só depois do inquérito, porque naquele momento ainda não tinha informação suficiente.
Ou seja, Sr. Presidente e Srs. Deputados: ao longo de sucessivos dias, ao longo de sucessivas sessões, sempre foram dadas explicações, sempre foram encontrados expedientes, sempre foram encontradas portas falsas. O que se não quer, numa palavra, é enfrentar a verdade; o que se não quer é que o inquérito seja conhecido. Mas se assim é tenham ao menos a coragem de o dizer, tenham ao menos a coragem de dizer que o inquérito que solicitaram, que o inquérito que se destinou a substituir um inquérito parlamentar, que esse inquérito foi, afinal, também ele, um expediente para que a Assembleia da República não pudesse conhecer da realidade dos factos.
Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!
O Orador: - E não se venha agora explicar que o inquérito se destinava a fins disciplinares e que, portanto, estava, ele próprio, sujeito a segredo de justiça.
Não foi por isso que o Sr. Ministro declarou aqui que o tornava público; não foi por isso, com certeza, que o inquérito se dirigia a todos os incidentes e que, nos termos variadas vezes repetidos pelas bancadas da maioria, não estava apenas em causa o comportamento dos agentes da Polícia de Segurança Pública ou da Polícia de Intervenção, que eram os únicos sujeitos a procedimento disciplinar, mas estavam em causa todos os incidentes do l.º de Maio.
Quer dizer, o inquérito, que abrangia pessoas não funcionários, não sujeitas a nenhuma hierarquia, portanto não sujeitas a nenhum procedimento disciplinar, é agora reservado do conhecimento desta Assembleia porque se diz que visava um procedimento disciplinar.
Não vale a pena estar agora a repetir expedientes, mas sempre se dirá, inclusivamente, que os agentes da Polícia de Segurança Pública, tal como consta do respectivo estatuto, nem sequer estão sujeitos às regras de procedimento disciplinar do conjunto dos funcionários públicos, que são invocadas para este efeito.
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Quer dizer, de mistura em mistura, de expediente em expediente, de porta falsa em porta falsa, uma única realidade fica de pé: o que os Srs. Deputados não pretendem é que a Assembleia conheça do inquérito que foi levado a efeito pela Procuradoria-Geral da República; o que os Srs. Deputados não pretendem é que esta Assembleia venha a inquirir sobre os acontecimentos do 1.º de Maio; o que os Srs. Deputados pretendem, afinal, é negar aos Portugueses o direito a conhecerem aquilo que se passou.
Isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, leva-nos, com facilidade, a concluir que se por acaso as conclusões do inquérito fossem outras nenhuma dúvida restaria que elas estariam já proclamadas aos 4 ventos.
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Se as conclusões do inquérito levado a efeito pela Procuradoria-Geral da República vos fossem favoráveis, que dúvidas teremos de que a Televisão as estaria neste momento a dar, em folhetim ou em telenovela?
Vozes da UEDS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É por isso que, ainda hoje, tanto tempo volvido e perante a evidência de uma realidade, a de que as vossas bancadas procuram ocultar o conhecimento deste inquérito, que merece ainda a pena falar sobre ele.
Disse há pouco que não vos interessava aquilo que se passou e as declarações do Sr. Ministro. Pior ainda, alguns tentam desculpá-lo em termos que eu diria de suporem do Sr. Ministro uma ausência completa de discernimento, visto que tentam agora fazer-nos acreditar que o Sr. Ministro não percebeu que os sucessivos requerimentos de diversas bancadas desta Assembleia foram feitos no sentido de conhecer na íntegra o relatório, que ele não os entendeu e que, como tal, e só por isso, não lhes deu seguimento. Ou então fazer-nos acreditar que há no Governo, que é o mesmo, que tem a mesma maioria que o apoia, que tem a mesma solidariedade ministerial, ministros bons, que dão os inquéritos,
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e ministros maus, que pensam que os inquéritos são só para eles.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que também este comportamento vale a pena ser aqui denunciado.
O que está em causa é, afinal, um direito constitucional e um direito elementar dos cidadãos portugueses: o direito a serem informados com verdade, porque só quem está informado pode participar dos acontecimentos e tomar sobre eles posições.
Por isso o obscurantismo foi procurado, foi provocado e foi assumido por todos aqueles para quem, muitas vezes, a democracia não passa de uma palavra e não pode ser concretizada na realidade, porque dar a conhecer essa realidade, porque dar a conhecer os factos e permitir que as pessoas ajuízem deles lhes é perigoso e insuportável.
É pelas mesmas razões que não conhecemos este processo de inquérito que também ainda hoje desconhecemos as verdadeiras razoes pelas quais, pela segunda vez, o Primeiro-Ministro se demitiu; é por essas mesmas razões que um ministro deste Governo pode explicar que não faz parte do próximo porque ainda não percebeu as razões da demissão do Primeiro-Ministro.
Também os Portugueses têm direito a essa explicação, e todas as explicações lhes são negadas ou então, como neste processo de inquérito, todas as explicações são falseadas, todas as explicações não passam de falsas desculpas, de falsas promessas, de novas evasivas, de novos adiamentos dos problemas.
Só que com isso não resolvemos nenhuma questão. Mas, pior que não resolvermos nenhuma questão, com isso cada um de vós se torna responsável pelo descrédito das instituições. E é por essas instituições, indispensáveis à democracia, que aqui erguemos a nossa voz e com o nosso voto apoiámos todos os pedidos e voltaremos a apoiar o pedido agora formulado para que as consequências de falta de divulgação deste inquérito não deixem de ser apreciadas pela Assembleia da República e para que ela examine - como era sugestão da bancada do PSD e do Sr. Deputado Sousa Tavares, em concreto- o comportamento político dos membros do Governo e da Administração, que tendo recebido os resultados desse inquérito os guardaram para si e não os quiseram divulgar a esta Assembleia, que sobre eles exerce a missão soberana de fiscalizar os seus comportamentos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com o nosso voto temos a consciência de prestigiar as instituições, temos a consciência de estarmos a defender aquilo que é essencial à democracia, que é a transparência das atitudes e das posições, e aquilo que é essencial à própria vida dos partidos e da democracia, que é o respeito pela verdade.
Aplausos da ASDI, do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª interrogou-se sobre o que é que nos podia conduzir ao desastre, tendo admitido vários factores de condução ao desastre que eu não vou negar.
Concretamente, admite a hipótese de aquilo que V. Ex.ª classifica de menos clareza no processo que estamos a debater possa ser um factor de condução ao desastre.
Na última sessão já me pronunciei suficientemente sobre o assunto, pelo que não vou voltar a discuti-lo. Mas - perdoe-me a ousadia - dir-lhe-ei o que é que no meu entendimento pode conduzir ao desastre: é que cada um de nós, grupo parlamentar ou deputado, não se assuma para apoiar ou para rejeitar sem equívocos certas situações de confronto político, no sentido nobre do termo, e estou a excluir aquilo que não faz parte da política.
Disse V. Ex.ª que nós não queremos que o inquérito seja conhecido. Pois bem! E eu pergunto-lhe: admitindo que nós não queremos que o inquérito seja conhecido, temos nós possibilidade, hoje, por intermédio do nosso voto, de impedir esse conhecimento se legalmente W. Ex.as tiverem a ele acesso?
Não temos! Portanto, a que propósito é que nos vem dizer que nós não queremos que o inquérito seja conhecido?
V. Ex.ª, de duas uma: ou votou contra a disposição constitucional que lhe dá esse direito, em nome de garantir os direitos da minoria - e, assim, no fundo, o que o senhor não queria era garantir os direitos da minoria, mas sim introduzir mais um instrumento de debate público-, ou então o senhor não quer também que o inquérito seja conhecido.
Admito que não seja essa a sua intenção, mas quero apenas dizer-lhe que está a fazer um discurso acusatório absolutamente gratuito.
Disse também V. Ex.ª que os agentes da PSP não estavam sujeitos ao mesmo regulamento dos funcionários públicos em geral. Fico a saber que V. Ex.ª tem um domínio pormenorizado do regulamento disciplinar dos agentes da PSP. Mas pergunto-lhe: a que propósito - e admitindo que nós não temos o domínio desse regulamento- é que fala nisso se eu ainda não tenho uma posição política clara da parte de V. Ex.ª sobre se apoia ou não a PSP e cada um dos seus agentes, pondo de lado negligências ou infracções de cumprimento?
V. Ex.ª apoia ou não a PSP e cada um dos seus agentes como instrumento do Estado democrático, ou V. Ex.ª tem alguma dúvida se a PSP pertence ou não ao Estado democrático?
O Sr. Deputado teve oportunidade de se pronunciar sobre esses acontecimentos, quer hoje aqui, quer noutras ocasiões. E eu pergunto-lhe: qual é a sua posição?
Isto porque, repito, o que nos pode conduzir ao desastre é refugiarmo-nos hipocritamente - e isto não constitui uma acusação da V. Ex.ª - por detrás da imunidade parlamentar, convencidos de que a PSP defenderá a democracia se nós abdicarmos de a defender.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o Sr. Deputado Silva Marques se inscreveu para me pedir esclarecimentos e eu confesso que em relação à primeira parte da sua intervenção não fiquei, certamente por deficiência minha, esclarecido e não sei exactamente o que é que o Sr. Deputado pretendia com a sua fórmula de pedidos de esclarecimento.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Posso repeti-los.
O Orador: - Creio que, ao fim e ao cabo -o
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Sr. Deputado corrigir-me-á se entendi mal-, o que o Sr. Deputado me queria perguntar é se eu era a favor ou não dos processos de inquérito ou se os salvaguardava, ou qualquer coisa dessas.
Foi um pouco confuso, mas em todo o caso dir-lhe-ei que o processo de inquérito é um processo constitucional que deve ser ampliado, que as Assembleias parlamentares do mundo inteiro têm uma função fiscalizadora sobre os actos do Governo e da Administração que devem cumprir e que se alguém tem evitado que esta Assembleia exerça devidamente essa função fiscalizadora têm sido os deputados da maioria, que têm reprovado ou adiado vários pedidos de inquérito e, como neste processo, de forma exuberante, se patenteia, têm, por todos os expedientes possíveis e imagináveis, tentado evitar que um processo de inquérito seja conhecido ou levado a efeito.
Quanto ao que me pergunta sobre o regulamento disciplinar da Polícia de Segurança Pública, há de facto um regulamento disciplinar do pessoal dessa Polícia, que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 40118, de 6 de Abril de 1955 - já é velho. Peço ao Sr. Deputado o favor de o consultar e verá que tenho razão naquilo que afirmo. Aliás, a opinião não é só minha.
O Sr. Deputado pretende que eu tome aqui posição sobre a actividade da Polícia de Segurança Pública. Ora bem, não creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Sr. Deputado por forma mais inquiritória que assuma, possa colocar nenhum de nós na situação de julgar dos comportamentos genéricos da Polícia de Segurança Pública.
O Sr. Deputado tem é o dever de permitir que esta Assembleia, no caso concreto dos incidentes do 1.º de Maio, conheça a realidade tal como ela foi verificada pela Procuradoria-Geral da República, que o Sr. Ministro da Administração Interna incumbiu de averiguar os acontecimentos, de forma a que nos divulgue esse relatório e que depois dessa divulgação nos permita assumir conscientemente uma posição. Aliás, o Sr. Deputado Silva Marques assumiu, pelo menos, uma posição, que não compartilho, ou seja, a de que seriam os primeiros a condenar, logo que conhecidos os relatórios e os inquéritos da Procuradoria-Geral da República.
Não serei, com certeza, dos primeiros a condenar. Estarei entre aqueles que procurarão valorar os factos e as circunstâncias, mas para isso é necessário que o Sr. Deputado, interessado na defesa das instituições democráticas, faculte a esta Assembleia e junte o seu voto àqueles que assim o exigem para que o conhecimento desse inquérito seja por nós possível.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Magalhães Mota, volto, em termos de protesto, a dizer-lhe exactamente o que lhe perguntei.
Primeira questão: é o nosso eventual voto, já por parte da minha bancada anunciado -voto contra- que legalmente vos impede de constituir a Comissão Parlamentar de Inquérito?
Não é! O que vos poderá impedir é o facto de os senhores não conseguirem 50 subscritores e não apenas o nosso voto contra. Foi por isso que lhe perguntei qual a intenção que levou à introdução de um novo dispositivo constitucional, ou seja, se era para dar mais eficácia ao Estado e mais segurança às minorias ou se era, pura e simplesmente, para introduzir, nos múltiplos debates que nós já temos, mais uma novidade e mais uma inovação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Foi esta a questão concreta que eu lhe coloquei: no actual quadro constitucional o nosso voto contra, imaginando que estamos predispostos a impedir o conhecimento da verdade, impede a vossa actuação?
Segunda questão: o problema não reside no facto de nós não querermos permitir - este aspecto, no fundo, é um desenvolvimento do primeiro, mas V. Ex.ª também o abordou-, mas sim no facto de saber o que é que vos impede.
Terceira questão: não coloquei em dúvida a circunstância de V. Ex.ª conhecer minuciosamente os regulamentos da PSP. Eu não os conheço, não sou um técnico - como V. Ex.ª sabe-, sou um deputado. Poderia até não ser um jurista - e espero que nós não sejamos todos juristas. A questão política que eu lhe coloquei foi esta: considera V. Ex.a, inequivocamente, que a PSP pertence ao Estado democrático? Considera V. Ex.ª que a PSP é um dos nobres e dignos instrumentos das instituições do Estado democrático, ou tem dúvidas a esse respeito?
Os comportamentos destas bancadas quando a PSP tem de agir - e é no momento da actuação que as posições se definem - são muito variados.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um contraprotesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Façam o favor de responder!
O Orador: - Creio que o Sr. Deputado Silva Marques conhece suficientemente bem a Constituição para saber quais são os poderes para requerer um inquérito parlamentar. Só que, quando pergunta «se têm um meio à vossa disposição por que é que o usam», o Sr. Deputado está a confundir uma regra elementar que eu aprendi nos meus tempos de oficial miliciano e que é a seguinte: quando um pára-quedista desce isolado não se lhe atira um canhão antiaéreo!
Risos.
O Sr. Silva Marques (PSD): - É uma manobra, é uma táctica. Estou esclarecido!
O Orador: - Não é nem uma manobra, nem uma táctica,...
O Sr. Silva Marques (PSD): - É, é, Sr. Deputado!
O Orador: - ... é um modo de demonstrar como essa bancada e o Sr. Deputado pretendem obrigar os grupos parlamentares a esgotarem a sua possibilidade de fazer inquéritos. Neste caso, que é de essência para a demo-
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cracia, preferem negar a democracia por táctica, por compadrio, por desleixo e por má-fé.
Vozes da ASDI, do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP: - Muito bem!
O Orador: - Mais ainda, Sr. Deputado...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Não dou, deixe-me terminar. Mais ainda, Sr. Deputado, porque V. Ex.ª usa de má-fé com esse argumento.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não uso não, Sr. Deputado!
O Orador: - Usa, com certeza, porque eu não insulto a sua inteligência...
Vozes do PCP: - Não é possível insultar!
O Orador: - ... para pensar que o Sr. Deputado, se não usasse de má-fé, quisesse usar argumentos tão indigentes.
Dir-lhe-ei que, quando pretende inquirir sobre a nossa actuação em relação à Polícia de Segurança Pública, deverá pensar que se há alguém aqui que se tem batido pela integração da PSP completamente nas suas funções, nos direitos de cada um dos seus agentes,...
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - ... nos direitos democráticos que a Constituição confere a todos os cidadãos, somos nós.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª até lhes quis diminuir, por exemplo, os direitos de se associarem durante 6 meses.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!
O Orador: - Limitou-lhes os seus direitos, as suas liberdades e as suas garantias e agora vem perguntar: «quem é que quer integrar, ou não, a Polícia de Segurança Pública no Estado democrático?».
Aplausos da ASDI, do PS, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e do deputado do PCP Sousa Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Magalhães Mota, quanto às frases claramente acintosas, a minha defesa baseia-se no facto de acreditar que V. Ex.ª não tem a intenção de ofensa.
Não coloquei uma questão burocrática ou regulamentar a V. Ex.ª acerca, por exemplo, se a PSP devia ser integrada ou não no Estado democrático. É um problema com importância. Se calhar V. Ex.ª está em melhores condições para o tratar do que ninguém. A questão prévia que lhe coloquei é uma questão política porque eu sou deputado. É a seguinte: apoia V. Ex.ª, inequivocamente, em termos de instituição do Estado, a PSP e cada um dos seus agentes?
Foi esta a questão política que lhe coloquei e não uma questão regulamentar, ou seja, se deviam ou não ter, por exemplo, senhas para a cantina. A PSP precisa de ter um regulamento que a satisfaça em termos laborais, mas precisa, muito antes do pão, do reconhecimento da sua dignidade.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Muito antes do pão precisa de educação!
O Orador: - Esse gesto começa por nós próprios, porque não podemos salvaguardar a nossa dignidade de instituição sem começar por reconhecer a dignidade daqueles que defendem a própria instituição.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai agora ser lido pelo Sr. Secretário José Manuel Maia um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (José Manuel Maia): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 13 de Janeiro de 1983, pelas 14 horas e 30 minutos, foi observada a seguinte substituição de deputados:
1) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Carlos Manuel Pereira Pinho (círculo eleitoral de Braga) por Octávio Pereira Machado (esta substituição é pedida para os dias 13a 21 de Janeiro corrente, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Nicolau Gregário de Freitas (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS); Jorge Fernando Branco de Sampaio (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Manuel de A. de Almeida e Vasconcelos (CDS) - Armando de Oliveira (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino
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(UEDS) - Herberto de Castro Goulart da Silva (MDP/CDE) - Mário António Baptista Tomé (UDP).
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
Como ninguém deseja usar da palavra, passamos de imediato à votação do relatório.
Submetido à votação, foi aprovado com os votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS, e do MDP/CDE e a abstenção da UDP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Á resistência à divulgação do inquérito, a resistência ao conhecimento por parte da opinião pública dos actos, não só da Polícia de Segurança Pública, como dos próprios actos da Administração Pública e dos seus responsáveis, significa, na nossa opinião, uma determinada perspectiva de poder e de governação. Isto é, quanto menos divulgação houver, quanto menos se souber por que é que as coisas acontecem, quanto menos fundo se for no conhecimento do procedimento dos órgãos da Administração, mais à vontade o poder se exerce, mais indiscriminado ele pode ser e maior é a arbitrariedade. E como a AD, os partidos da direita, assentam todo o seu poder, toda a possibilidade de continuar no poder, nessa mesma arbitrariedade, não nos podemos admirar com toda esta resistência, que está a ser exercida de uma forma que quase raia o ridículo.
A informação para a AD é aquela que é veiculada todos os dias pelo Sr. Proença de Carvalho, pela «televisão do Proença de Carvalho». É essa a informação! A informação da realidade, a informação do porquê das coisas, a informação acerca daquilo que, de facto, acontece no nosso país, a informação acerca da actuação das forças repressivas - neste caso concreto-, essa é escondida porque se pretende continuar a reprimir de forma totalmente irresponsável, porque se pretende preservar os agentes da repressão do conhecimento público e da justiça pública (para além da própria justiça), porque se pretende, por detrás do secretismo, do esconder e do diluir das responsabilidades, continuar a actuar sobre a população, sobre os trabalhadores, da forma a que, infelizmente, já fomos habituados desde o 25 de Novembro.
O cidadão não é merecedor de qualquer respeito, não só no que está relacionado com os direitos que lhe são conferidos constitucionalmente, como ao nível do respeito pela sua vida. O cidadão é abatido nas ruas de uma forma que chega a ser trágico. Hoje basta um moço estar a assaltar um automóvel para isso justificar que ele seja abatido... e não se venha com a justificação que os polícias sofrem a acção dos marginais, porque quem não quer ser lobo não lhe veste a pele, porque quem tem de zelar pela responsabilidade das garantias das normas do funcionamento democrático e do procedimento democrático nas ruas do nosso país não pode esconder-se por detrás de uma autoridade armada para abater qualquer cidadão, para abater sequer um bandoleiro que esteja ou não a assaltar um automóvel.
É isto que está na base do procedimento utilizado nestes casos, especialmente daquele que estamos a tratar, quando se pretende diluir e esconder a responsabilidade, não só dos autores, como daqueles que os comandam e dirigem.
A UDP votará favoravelmente a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito sobre as causas que deram origem à não divulgação à Assembleia da República e à opinião pública do teor integral do relatório do 1.º de Maio elaborado pela Procuradoria-Geral da República, na medida em que consideramos que com essa omissão se pretendeu dar cobertura a uma das mais afrontosas violações das liberdades a que a opinião pública democrática assistiu após o 25 de Abril.
Na verdade, o MAI, para esconder a acção intolerável dos agentes do Corpo de Intervenção - conhecidos por «polícia de choque» e cuja dissolução há muito vem sendo requerida por partidos políticos e forças representativas dos trabalhadores-, vem anunciar aos Portugueses a instauração de um rigoroso inquérito com a intenção declarada de ganhar tempo e fugir, assim, às consequências que tal facto deveria certamente determinar a qualquer governo democrático, ou seja, a demissão do Ministro, o severo julgamento de todos os responsáveis - Ministro inclusive - pela acção das forças repressivas e a consequente dissolução dessas mesmas forças repressivas «da polícia de choque», que não têm qualquer cabimento dentro daquilo a que VV. Ex.as costumam chamar o regime democrático.
Porém, nem a AD é uma força democrática, nem o governo AD é uma força democrática, nem o titular da pasta da Administração Interna é uma personalidade democrática e responsável. Não nos admiremos, portanto! Trata-se do Ministro Angelo Correia, que desde há longa data vem habituando os Portugueses a exibições periódicas de cabotinismo e de ausência total de pudor em repetidas declarações que posteriormente não assume e que vão desde os golpes de estado às intentonas, aos atentados a personalidades políticas - incluindo-se a ele mesmo nessas possíveis vítimas, como se alguém quisesse vitimar tão insignificante ou tão ridícula personagem -, até ao supremo despudor de ocultar as conclusões de um inquérito que ele próprio tinha solicitado com o fim expresso e público de, nas suas palavras, esclarecer a opinião pública.
Em desespero e acossado por essa mesma opinião pública, o Ministro Angelo Correia não hesita mesmo, em plena Assembleia da República, em acusar cidadãos, em caluniar trabalhadores de forma intolerável, de terem pertencido a organizações do regime fascista ou de serem «bufos» -como ele disse-, sabendo perfeitamente que isso era mentira e que o dirigente sindical em causa nunca se poderia aqui defender de tal acusação. Depois, conforme nos vem habituando, veio negar que o tivesse feito contra a evidência que todos ouviram (deputados e ministros da AD e a memória inexorável do registo da sua própria voz).
É, de facto, demais. Basta! É necessário que o 25 de Abril - que está tão relegado e afastado das intenções daqueles que falam hoje em regime democrático- se afirme de novo em toda a sua plenitude para que os comportamentos como o do Ministro Angelo Correia possam ser arredados total e definitivamente da vida quotidiana do povo português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não existem quaisquer razões, quer de ordem política, quer de ordem jurídica, que justifiquem a não divulgação do relatório e do
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inquérito aos acontecimentos do 1.º de Maio no Porto, a não ser a manutenção de responsáveis pelos graves acontecimentos em postos que ocupavam e que ocupam, mantendo assim os promotores da insegurança e da desordem como garantes da chamada «segurança e ordem».
Manter como aferidor de critérios de confidencialidade, de direito à informação, de direito a ser informado ou de obrigação de informação do Estado um homem como o Ministro Angelo Correia, é algo de totalmente inconcebível. Para as liberdades e para o seu efectivo exercício. É, de facto, algo de trágico!
Temos, pois, que terminar rapidamente esta trágica farsa que foi a governação AD e as péssimas interpretações de alguns tartufos. Divulgue-se o inquérito; é uma exigência democrática à qual não se poderá faltar.
Vozes do MDP/CDE: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições na Mesa, pelo que declaro encerrado o debate.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, pergunto à Mesa se não fazemos neste momento o nosso intervalo regimental.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faltam 5 minutos para a hora regimental do intervalo e, por isso, a Mesa entende que ainda há tempo para se proceder à votação.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, permito-me sugerir, se não houver objecção por parte de nenhuma bancada, que se inicie neste momento o intervalo normal.
O Sr. Presidente: - Está feita a sugestão...
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, há objecção, pelo menos da parte da minha bancada.
O Sr. Deputado Silva Marques tem um dispositivo regimental ao seu alcance, se quiser adiar a votação, e deve assumir claramente essa responsabilidade...
Vozes da UEDS, do PS e do PCP: - Claro!
O Orador: - ...pedindo a interrupção da sessão, a que tem direito.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - É preciso mostrar quem é que não está na Sala!
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Em primeiro lugar, agradeço a assessoria do Sr. Deputado Lopes Cardoso. Quis verificar, antes de utilizar o Regimento, se era necessário utilizá-lo ou não.
Peço, ao abrigo das normas regimentais e em nome do meu grupo parlamentar, a interrupção da sessão por um período de 30 minutos.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - É para chamar as mulas de reforço!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, pergunto-lhe se necessita de juntar os 30 minutos ao intervalo, uma vez que não faz sentido, perante esse pedido, reiniciar a sessão antes do intervalo. Se assim for, uma vez que há acumulação, faríamos um intervalo de apenas meia hora. Isso satisfaz todos os Srs. Deputados?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Não, Sr. Presidente, não me satisfaz a mim,...
Risos.
... porque quando peço a interrupção não peço o intervalo e, por isso, V. Ex.ª não pode dar por findo o intervalo estando encerrada a sessão.
Risos.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Óh Silva Marques, férias, férias...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, peco-lhe a sua compreensão para o seguinte: o Grupo Parlamentar do PSD necessita de meia hora para proceder eventualmente a reuniões que precedem a votação. Se meia hora for suficiente pode-se considerar consumido o intervalo e a reunião pode ter de novo início às 18 horas. Não há nenhuns interesses ofendidos e se o Grupo Parlamentar do PSD se contentasse com essa meia hora ganhavam os trabalhos da Assembleia, que poderiam recomeçar às 18 horas.
Foi essa a pergunta que fiz. O Sr. Deputado poderá responder afirmativa ou negativamente e a Mesa procederá em conformidade.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, eu acedo em nome da minha bancada. Não tenho objecção.
Risos.
Vozes: - Dá o dito por não dito!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há objecção, fazemos agora o intervalo na sequência do pedido de interrupção dos trabalhos.
Está suspensa a sessão até às 18 horas.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Armando de Oliveira (CDS): - Sr. Presidente,
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ao abrigo das disposições regimentais, solicito 30 minutos de interrupção dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - É regimental, está suspensa a sessão.
Eram 18 horas e 31 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 19 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do pedido de constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, requerido pelo PCP.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e do PPM e votos a favor do PS, do PCP, da UEDS, da ASDI, do MDP/CDE, da UDP e da Sr.ª Deputada Independente, Natália Correia.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - As razões que levaram o meu grupo parlamentar a votar favoravelmente o pedido de inquérito, requerido pelo Partido Comunista, foram já suficientemente expressas na intervenção que fizemos neste debate. De qualquer modo, consideramos que a posição do Governo, ao recusar a divulgação do relatório da Procuradoria-Geral da República, constitui uma clara obstrução ao desempenho da competência fiscalizadora desta Assembleia.
Neste sentido, Sr. Presidente, enviarei à Mesa uma proposta de resolução do seguinte teor:
A Assembleia da República requer ao Governo o envio à Comissão Parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias do relatório sobre os acontecimentos do 1.º de Maio, elaborado pela Procuradoria-Geral da República.
Este requerimento é subscrito por deputados de várias bancadas, designadamente pela minha e pelas bancadas do Partido Socialista, Partido Comunista Português, PPM, ASDI e MDP/CDE, e que, surgindo na sequência do debate que foi aqui travado, ouso pensar que a Assembleia se não oporá à sua votação imediata.
Peço, portanto, ao Sr. Presidente, que ponha à consideração da Câmara a questão de saber se há consenso - e espero que sim-, para que se passe, de imediato, à votação deste projecto de resolução, que é, como já disse, uma sequência lógica do debate que aqui foi travado em torno do pedido de inquérito, requerido pelo Partido Comunista Português.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, Sr. Deputado Lopes Cardoso: V. Ex.ª apresenta um projecto de resolução, e é evidente que, nos termos do artigo 159.º. alínea b), da Constituição, constitui poderes dos Srs. Deputados apresentar projectos de lei, ou de resolução e propostas de deliberação. Agora o que creio, e a Mesa assim pensa, é que a votação imediata de um projecto de resolução, sem discussão, só por consenso da Assembleia será possível.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Com certeza, Sr. Presidente, esse é o meu entendimento. Quando há pouco intervi, solicitei da Mesa que pusesse à consideração da Câmara a questão de saber se dava ou não o seu assentimento para a votação imediata.
O Sr. Presidente: - Era esse o esclarecimento que a Mesa pedia.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, sem prejuízo do que venha a ser decidido quanto ao projecto de resolução, apresentado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, julgo que deveríamos continuar as declarações de voto e no fim delas far-se-ia esse debate, se fosse caso disso, ou tomar-se-iam decisões a esse respeito. Para já julgo que não devem interromper-se as declarações de voto pelo facto de o Sr. Deputado Lopes Cardoso ter introduzido algo de novo, que eu muito respeito, mas que regimentalmente julgo deverá vir a seguir.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que a primeira coisa que há a fazer é dar a todos VV. Ex.as conhecimento do teor do projecto de resolução que o Sr. Deputado Lopes Cardoso apresenta e para o qual pergunta se haverá consenso para uma votação imediata. Se não houver esse consenso, o que acontece é que esse projecto de resolução é registado como tendo dado entrada na Mesa e terá de ser agendado em conferência dos grupos parlamentares.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, com o devido respeito pela interpretação da Mesa, pensamos que a primeira coisa que haveria a fazer era deixar prosseguir normalmente os trabalhos. Estávamos em declarações de voto e não é a apresentação sob a forma...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado...
O Orador: - Sr. Presidente, tenho o maior respeito pela Mesa, como V. Ex.ª sabe,...
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Tem uma mesa lá em casa!
O Orador: - ... mas a minha bancada tem, evidentemente, de exprimir a sua opinião sobre este incidente.
Não pomos qualquer objecção à condução dos trabalhos, simplesmente queremos manifestar a nossa opinião.
Não é pelo facto de o Sr. Deputado Lopes Cardoso entregar um documento na Mesa que se altera o seguimento normal dos trabalhos desta Assembleia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, VV. Ex.as compreenderão que a Mesa partilha, em princípio, da orientação que decidirem dar aos trabalhos. As declarações de voto a seguir a uma votação não são incindíveis, ou melhor, devem continuar até se esgotarem os oradores inscritos para esse efeito. Contudo, a Mesa nem por isso prescinde do direito de, para ordenação dos seus
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trabalhos e porque se põe um problema de consenso, ver se ele se define desde já. Se não se definir, ou se se definir, assim também a Mesa orientará de uma maneira ou de outra a sequência desses mesmos trabalhos.
Portanto, parece que o que há a fazer é dar, de imediato, conhecimento a VV. Ex.as do teor deste projecto de resolução. A seguir, VV. Ex.as, Srs. Presidentes dos grupos parlamentares, declararão muito rapidamente, depois de serem produzidas as declarações de voto, se dão ou não o vosso assentimento a que seja oportunamente votado este projecto de resolução. Se não derem, fica para ser agendado e discutido em Conferência dos grupos parlamentares.
Vai ser lido o projecto de resolução apresentado.
Foi lido. É o seguinte:
Projecto de resolução
A Assembleia da República requer ao Governo o envio à Comissão Parlamentar de Direitos Liberdades e Garantias do relatório sobre os acontecimentos do 1.º de Maio de 1982, elaborado pela Procuradoria-Geral da República.
Lisboa, 12 de Janeiro de 1983. - Os Deputados: Lopes Cardoso - Jorge Sampaio - Raul Rego - Magalhães Mota - Vilhena de Carvalho - Teresa Santa Clara Gomes - António Arnaut - Alfredo Barroso - Miranda Calha - Borges de Carvalho - Helena Cidade Moura - João Corregedor - Veiga de Oliveira - Lino Lima - Ferreira do Amaral - António Vitorino.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há consenso quanto à sua votação imediata?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Da nossa parte não há, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - É o suficiente. Só com unanimidade se poderia proceder à sua votação imediata. Como não há, o projecto de resolução será registado como tendo sido apresentado na Mesa no decurso da sessão de hoje e agendado para a próxima conferência dos presidentes dos grupos parlamentares.
Tem agora a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os partidos da AD acabam de inviabilizar mais uma vez a possibilidade de lançar luz sobre as causas que deram origem à sonegação à opinião pública e a esta Assembleia do relatório, elaborado pela Procuradoria-Geral da República, sobre os acontecimentos sangrentos do 1.º de Maio, no Porto. Era e é o comportamento do Ministro da Administração Interna, Angelo Correia, e do Governo que estava em causa no inquérito cuja realização acaba de ser inviabilizada. Com isto a maioria AD mostrou mais uma vez que a sua democracia não tem nada a ver com democracia, com o regime saído do 25 de Abril, com o regime definido na Constituição. Nomeadamente, a maioria mostra, mais uma vez, não admitir que esta Assembleia fiscalize os actos do Governo e da Administração, isto é, subscreve na prática as concepções de regime autoritário e ditatorial que vigoravam antes do 25 de Abril, em que o Governo era o órgão fundamental da soberania que actuava sem fiscalização e ao qual todos os outros se subordinavam.
A maioria AD entende que o Governo pode impunemente recusar à Assembleia quaisquer elementos que esta lhe peça no uso do seu poder fiscalizador e que a ele, portanto, lhe compete entender, definir e decidir sobre elementos que deve ou não fornecer ao Parlamento.
Como aqui foi dito, a maioria AD entende que é o Governo que fiscaliza a Assembleia e não esta que fiscaliza o Governo. Era assim antes do 25 de Abril, como é sabido.
Mas evidentemente não é assim depois do 25 de Abril. Aliás, é de assinalar que das bancadas governamentais nenhuma voz ousou erguer-se em defesa aberta da insustentável posição de sonegação que vem sendo adoptada pelo demitido governo do Sr. Balsemão e pelo Ministro cessante da Administração Interna, Angelo Correia.
E essa é a segunda conclusão deste debate: a inquestionável necessidade de não adiar por mais tempo a entrega à Assembleia da República do relatório integral sobre os acontecimentos do 1.º de Maio, no Porto.
Apesar disso, o PSD acaba de recusar que seja imediatamente conhecido, discutido e votado por esta Assembleia o projecto de resolução apresentado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso. E isto só por si tem um significado.
Pela nossa parte não desistiremos de reclamar que essa entrega se faça no mais curto prazo, pondo termo à situação de violação da Constituição e da lei a que hoje se assiste ainda. É isso que exige: a transparência democrática, a boa-fé em regime democrático. É isso que exige a moral pública. Recusámo-nos a ser cúmplices de actos do Governo que envolvem e significam o encobrimento dos crimes praticados no Porto durante as comemorações do 1.º de Maio, durante os quais foram feridas dezenas de pessoas e se mataram 2 cidadãos. Recusámo-nos a ser capa de assassinos. Recusámo-nos ainda a pactuar com uma situação que põe em causa a defesa do regime democrático e a segurança dos cidadãos, qual seja a da actual composição, formas de recrutamento, preparação e modos de intervenção do Grupo de Intervenção da Polícia de Segurança Pública.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu pedia a VV. Ex.as o favor de se conservarem em silêncio. Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Orador: - É esse encobrimento que resulta da manutenção em «segredo» do relatório da Procuradoria-Geral da República e do não esclarecimento dos métodos, dos expedientes inconstitucionais, a que o MAI e o Governo têm recorrido para impedir a respectiva divulgação.
Mas o debate agora travado contribuiu decisivamente para deixar acabado o retrato monstruoso do principal artífice da obstrução ao exercício das competências da Assembleia da República. O autor das mais descabeladas inventonas insurreccionais, o manipulador de relatórios de órgãos independentes, o aspirante a chefe de todas as polícias, o caluniador que não hesitou em lançar sobre trabalhadores inocentes as mais infames acusações, o encobridor de ilegalidades e arbítrios caciqueiros, o responsável pela utilização de forças de segurança contra trabalhadores em luta -o Ministro demitido Angelo Correia sai desta Assembleia retratado
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de corpo inteiro e com o libelo que merece. É um resultado merecido e justo.
Aplausos do PCP, da UEDS e da UDP.
A democracia defende-se com a verdade. Queremos que a verdade seja conhecida. Recusámo-nos a ser capa da mentira, tal como nos recusámos a ser capa de criminosos.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Por isso propusemos a realização do inquérito e votámos consequentemente a seu favor. Por isso continuaremos a fazer tudo para que o inquérito da Procuradoria-Geral da República seja trazido à luz do dia, seja apresentado a esta Assembleia. E não temos dúvida que, mais cedo que tarde, isso sucederá.
Aplausos do PCP e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.
O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE votou favoravelmente o pedido de inquérito parlamentar sobre as causas da não divulgação à Assembleia da República e à opinião pública do relatório da Procuradoria-Geral da República sobre os acontecimentos do 1.º de Maio de 1982 registados no Porto por considerar que o povo português tem o direito constitucional de conhecer toda a verdade dos graves factos então ocorridos.
Assembleia da República não pode demitir-se das suas responsabilidades e dar cobertura a actos que não dignificam a democracia. O prestígio da democracia e desta Câmara estão em causa. Não aceitamos qualquer cumplicidade com a actuação do governo da AD, nomeadamente ao pretender-se impedir o conhecimento integral e imediato do relatório mandado elaborar pelo próprio Governo e que o Governo se comprometeu a entregar na Assembleia da República.
O MDP/CDE repudia processos como os desenvolvidos pelo Governo e pelo Ministro Angelo Correia a propósito dos graves acontecimentos do 1.º de Maio. Existe desrespeito pelo povo português e por esta Câmara.
Não temos dúvidas de que se o inquérito da Procuradoria-Geral da República concluísse pela responsabilidade de organizações sindicais o governo apressar-se-ia à divulgação do relatório. Perante a possibilidade dos acontecimentos serem devidos à violência do corpo policial, o Governo prefere manter um inadmissível secretismo. O governo da AD receia a crítica pública sobre os actos repressivos que fez recair sobre o povo.
Como disse a deputada e minha colega de bancada Helena Cidade Moura, «a insegurança política da AD, as suas contradições, geram um clima espiritualmente repressivo».
Verifica-se um retrocesso na sociedade portuguesa devido aos métodos utilizados pela AD e pelo seu governo, métodos esses contra os quais o povo português tanto lutou durante a ditadura fascista. As situações antidemocráticas sucedem-se. A Constituição é clara quanto às liberdades, direitos e garantias do povo português. A verdade, porém, é que alguns desses direitos e liberdades estão claramente ameaçados: não se respeita o direito à segurança social e à saúde; não há garantias para assegurar o direito à igualdade de oportunidades e acesso ao êxito escolar; os trabalhadores lutam, hoje, com graves dificuldades em manter ou conseguir emprego, já que a AD promove o encerramento de fábricas e empresas; o governo não estimula o direito à habitação. Os Portugueses sentem actualmente este problema como um dos mais graves da sua vida familiar.
A repressão, como se vê por estes exemplos, e muitos mais poderíamos apontar, não é apenas a repressão policial.
Que se passa no quotidiano dos trabalhadores portugueses é inaceitável num regime democrático.
Por isso não nos surpreendem as cargas policiais, como consequência lógica de uma prática governativa antidemocrática e virada contra os interesses do povo português. Não é de estranhar a decisão do Governo, apoiada pelas bancadas da AD, de impedir a divulgação do relatório da Procuradoria-Geral da República.
Com essa decisão, o Governo desrespeitou uma vez mais as instituições democráticas, a Assembleia da República.
O MDP/CDE votou contra esta arbitrariedade, que nega ao povo português o direito inalienável de ser informado sobre todos os actos públicos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quase nenhum de nós se recordará neste momento que o debate aqui travado foi à volta de um pedido de constituição de uma comissão de inquérito às razões que teriam levado o Governo ou o Ministério da Administração Interna a não entregar à Assembleia o relatório da Procuradoria-Geral da República.
De facto, se debates há que não versam a matéria para a qual a Assembleia foi convocada, este é um deles. Mais de 90% deste debate foi consagrado à manifestação do desejo da Câmara em conhecer esse relatório e apenas uma parte irrisória e negligenciável dele foi dedicada à matéria que propriamente vínhamos aqui discutir e que era a proposta do Partido Comunista.
E isto vem, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ao encontro de uma reflexão que muitas vezes fazemos: é que o Parlamento, envolvido em discussões políticas por pessoas que pretendem fazer oposição seja de que maneira for e que usam os seus legítimos direitos regimentais para efeitos que nada têm a ver com os fins que têm em vista, acaba por sofrer, ele próprio, os resultados da ineficácia e da ineficiência dos processos que acabam por ser utilizados.
Porque considerávamos legítimo que esta Câmara tivesse o desejo e o direito de conhecer o processo da Procuradoria-Geral da República propusemos aqui uma solução que tinha viabilidade e que tinha, à partida, virtualidade -julgamos nós, talvez por imodéstia - para poder resolver o problema de fundo.
Essa solução, que era a de haver um requerimento, assinado por todas as bancadas, no sentido que o relatório fosse apresentado à Assembleia e a sua divulgação pública fosse da responsabilidade dos deputados que o quisessem fazer, acabou, afinal, por ser substituída por um projecto de resolução proveniente da União de Esquerda para a Democracia Socialista.
Por coerência com as próprias ideias que aqui tinha-
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mós formulado, subscrevemos esse projecto. Tivemos, porém, o cuidado de, logo na altura, dizer que ele seria menos eficiente do que a proposta que anteriormente tínhamos feito. Tal veio, infelizmente, a verificar-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados.
Por isso, nesta declaração de voto, nós não deixamos de lamentar, e é essa a razão fundamental por que o fazemos, que o Parlamento se deixe envolver em debates que ficam ad latere das questões de fundo que se pretendiam discutir para que haja quem possa fazer altissonantes declarações políticas e para que, afinal, os fins em vista, que tinham algum consenso de toda a Câmara, acabem por não serem atingidos.
Aplausos do PPM e do CDS.
O Sr. Presidente: - Ainda, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nossa posição relativamente ao voto ficou clara e inequivocamente motivada e definida durante o debate, através de diversas intervenções.
No entanto, em tempo de declaração de voto, foram proferidas tão grosseiros insultos a um membro do Governo...
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Em tempo de austeridade!
O Orador: - ... que nós não podemos deixar de repudiar tais insultos e também de denunciar -como aqueles que acreditam profunda e sinceramente na democracia não podem deixar de o fazer- que outros, que não acreditam na democracia, embora finjam acreditar, tenham um tão profundo desprezo pelo Estado democrático e pelo respeito das suas instituições. Mas não conseguem levar o seu fingimento até ao fim e, instintivamente, por apelos expressos ou por comportamentos claros, desrespeitam da forma mais grosseira e elementar a dignidade da República, do Estado democrático e das suas instituições.
Aplausos do PSD.
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Quem desrespeita a dignidade é o governo AD!
Protestos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições para declarações de voto?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Eu já tinha pedido a palavra para esse efeito, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - A Mesa não se tinha apercebido ainda da circunstância de V. Ex.ª ter pedido a palavra.
Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como tinha dito há pouco na minha intervenção, foi longo este processo. E foi longo porque de contradição em contradição, de expediente em expediente, de dilação em dilação, uma única realidade fica de pé: por isto ou por aquilo, nunca por alguma coisa que seja razoável e transparente, mas sempre por razões dilatórias e de expediente, é negado à Assembleia da República o conhecimento do inquérito sobre os incidentes do 1.º de Maio.
É isto e só isto que está em causa; tudo o resto são desculpas de mau pagador. E nem se diga que é a disciplina e a segurança que estão em causa. Uma das coisas que a ordem jurídica estabelecida pós-25 de Abril fez terminar foi o chamado instituto de garantia administrativa. Já não existe garantia administrativa, quer dizer, a ordem jurídica democrática não é uma ordem através da qual se possam acobertar na impunidade todas as violações dessa mesma ordem democrática, e essa é a diferença que a separa de outra ordem qualquer.
A ordem que algumas pessoas desejam, a ordem por que algumas pessoas aspiram e suspiram, é uma ordem que nada lhes peça em troca, uma ordem de que se aproveitem porque ela não lhes custa absolutamente nada. A ordem democrática é, pelo contrário, uma ordem que a todos se impõe, que a todos obriga, que a nenhum privilegia e que torna todos os cidadãos igualmente responsáveis perante a mesma lei, tenham eles farda ou não, porque todos somos iguais em direitos e obrigações.
Essa é a diferença entre uma ordem democrática e uma ordem com qualquer outra designação, e era também isto que estava em causa neste processo. O que se acaba por evitar, ao fim e ao cabo, é que a Assembleia da República possa exercer a sua função fiscalizadora.
O que está em causa é saber se tem conteúdo útil, para os Srs. Deputados, o princípio de que um deputado tem direito a conhecer os actos e documentos oficiais; o que está em causa é saber se esta Assembleia pode ou não fiscalizar o Governo; o que está em causa é saber se os senhores entendem, pelo vosso silêncio, pela vossa cobertura, pelas vossas evasivas, dar cobertura a que qualquer membro do Governo possa ocultar desta Assembleia a possibilidade de por ela ser fiscalizado, de lhe serem exigidas responsabilidades, de por esta Assembleia de quem o Governo defende - e não o contrário - serem pedidas contas aos modos como os titulares dos órgãos de soberania exercem essa mesma soberania.
Em suma, o que está aqui em causa é saber qual o princípio fundamental da democracia, portanto, numa democracia como a nossa, saber se o Governo deve ou não prestar contas ao Parlamento - e são estas contas que desde o princípio estamos a exigir-, ou se, pelo contrário, sobre qualquer pretexto e com a cobertura de qualquer maioria, um governo se pode prestar a apresentar aqui as suas responsabilidades.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Ainda, para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Enquanto decorria o debate fui-me lembrando do que foi a noite do 1.º de Maio no Porto e a repressão que a polícia exerceu contra as pessoas que se manifestavam e também contra outras pessoas que nem sequer se manifestavam e que, pura e simplesmente, se encontravam a conversar ali nas proximidades. E lembrei-me do Marinho, um jovem de 17 anos, que morreu assassinado pelas balas da polícia enquanto conversava com os amigos. Tinha apenas 17 anos, era considerado pacífico e bom,... morreu... Esta Assembleia discute, mas ainda não foram punidos aqueles que o mataram.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI e da UEDS.
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O Sr. Presidente: - Não há mais pedidos de palavra para declarações de voto.
Antes de dar por encerrado o debate do diploma agendado para a primeira parte da ordem do dia será lido um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado.
O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O presente relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 13 de Janeiro de 1983, pelas 17 horas e 30 minutos, foi observada a seguinte substituição de deputados:
1) Solicitada pelo Partido Socialista:
Vítor Manuel Ribeiro Constando (círculo eleitoral de Lisboa) por João Joaquim Gomes (esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, a partir do dia 13 de Janeiro corrente, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva (PSD) - Nicolau Gregário de Freitas (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Jorge Fernando Branco de Sampaio (PS) - Bento Elísio de Azevedo (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Luís Carlos C. Veloso de Sampaio (CDS) - Lino Carvalho de Lima (PCP) - António Cardoso Moniz (PPM) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS).
O Sr. Presidente: - Vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE e a abstenção da UDP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar o debate das ratificações n.ºs 224/II, subscrita pelo PCP, e 226/11, apresentada pelo PS, ao Decreto-Lei n.º 463-A/82.
Antes de dar a palavra ao primeiro senhor deputado que se encontra inscrito, é meu desejo informar a Câmara de que chegou à Mesa a informação de que foi decidido, por consenso, alterar a ordem das matérias da ordem do dia de hoje, pelo que imediatamente a seguir à discussão do ponto que acabo de anunciar se fará a votação final global das ratificações referentes ao Código de Processo Civil e ao Código das Custas Judiciais.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Manuel Barradas.
O Sr. José Manuel Barradas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A ratificação do Decreto-Lei publicado sob os n.ºs 464/82 e 463-A/82, de 2 e 7 de Dezembro, solicitada pelo PCP e pelo PS, foi aqui abordada sob 2 prismas: o formal, a que o meu companheiro Fernando Condesso se referirá, e o substancial, ou seja, o do aumento e seus quantitativos das pensões de reforma por invalidez, velhice e sobrevivência. É este o prisma que abordaremos na nossa intervenção.
Os aumentos das pensões anteriores aos governos de actual maioria dirigiam-se quase exclusivamente às pensões mínimas. Acima de determinado nível, houve pensões que desde Abril de 1974 apenas tinham sido aumentadas em 500$.
Para tornarmos esta questão mais clara analisemos a «obra» dos governos anteriores a 1980.
A pensão mínima foi fixada em Maio de 1974 em 1650$. Este valor passou para 2000$ em Junho de 1975. Só em Fevereiro de 1977 foi fixado um aumento de 250$. Tinham então passado 22 meses sobre a última actualização.
O aumento seguinte só viria a surgir em 1978, no mês de Julho, sendo de 500$ o valor fixado, mas contendo algumas excepções. O último aumento registado, antes de existir a actual maioria, verificou-se em Dezembro de 1979.
Resumindo: os pensionistas em quase 6 anos de governos anteriores ao da actual maioria viram 4 vezes aumentadas as pensões mínimas, mas é bom realçar de novo que para o último aumento, em Dezembro de 1979, foi o VII Governo Constitucional que criou as condições necessárias para a sua satisfação. Como referi, também as pensões acima de valores mínimos tiveram em 1978 um único aumento de 500$.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Podemos tirar, como conclusão, que a prática de se aumentar somente as pensões mínimas originou que centenas de milhares de pensionistas ou não receberam aumento nas suas pensões ou viram-nas aumentadas de poucas dezenas de escudos.
Que se passou de 1980 para cá? A actual maioria começou por assegurar o pagamento dos aumentos decretados pelo V Governo em Dezembro de 1979.
Aumentaram-se em 21%, em Maio de 1980, as pensões que não tinham sido contempladas em Dezembro de 1979, assegurando-se, além disso, a todos os pensionistas, no conjunto dos 2 aumentos, de Dezembro e de Maio, um quantitativo mínimo de 850$.
Em Dezembro de 1980 aumentou-se o regime geral em 900$ e anteriormente (em Outubro) tinham-se aumentado as pensões do regime especial para 2400$ e a pensão social para 2200$.
Em Dezembro de 1981 aumentaram-se as pensões do regime geral em 16,6%, as pensões do regime especial para 2900$ e a pensão social para 2800$.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se compararmos, em termos médios, a pensão do regime geral subiu 40% no
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triénio de 1977-1979, ao passo que entre 1980 e Novembro de 1982 esse aumento foi de 71%.
A pensão do regime especial registou nos últimos 3 anos, até Novembro de 1982, um aumento de 152%. A pensão social, em igual período, aumentou 164%.
A maioria, no entanto, cumprindo as suas promessas eleitorais e o programa do VIII Governo, aumentou de novo, em Dezembro último, as pensões de velhice, invalidez e sobrevivência e o complemento da pensão por cônjuges a cargo.
O aumento atingiu cerca de 1700000 pensionistas, correspondendo o valor desta actualização a cerca de 18 milhões de contos, o que implica que em 1983 se pagarão 127 milhões de contos de pensões, contra os 104 milhões pagos em 1982.
Os pensionistas cresceram 210% de 1970 até 1981, o que é um valor significativo, ao passo que os trabalhadores activos cresceram 18%.
São dados que interessa realçar e que demonstram, de facto, as dificuldades que existem, embora todos saibamos que os aumentos que se têm vindo a efectuar com periodicidade, ao contrário do que acontecia antes de a AD ser governo, são insuficientes. Seja como for, temos seguido uma prática de melhorar as dificuldades dos reformados, que são, no fundo, um dos sectores da população mais atingidos pelas dificuldades económicas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que diz respeito à alteração aqui efectuada ao Decreto-Lei n.º 724/74, de 13 de Dezembro, a minha bancada não pode deixar de manifestar a sua preocupação porque tal tenha acontecido. E sõ um entendimento meramente excepcional desta alteração, por dificuldades orçamentais manifestas, nos faz aprovar a ratificação em causa.
Que fique, no entanto, claro que a bancada do Partido Social-Democrata tudo fará para que esta norma tome de novo o preceituado no citado Decreto-Lei n.º 724/74, já que tal nos parece se da mais elementar justiça, de forma a que um importante sector da população, que no fundo acaba por ser um dos mais afectados pelas dificuldades financeiras do País, não sinta ainda mais agravadas as suas precárias condições de vida.
Aplausos do PSD e do PPM.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.» Deputada Zita Seabra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado José Manuel Barradas, ouvi a sua intervenção com grande curiosidade e gostaria de lhe colocar 3 questões muito simples que ela me suscita, uma vez que o Sr. Deputado não disse praticamente nada sobre a matéria que está em discussão, isto é, sobre o facto de, pela primeira vez, desde 1974, os reformados não terem recebido o subsídio de Natal aumentado, ou seja, de valor idêntico à pensão do dia l de Dezembro.
O Sr. Deputado deu. no entanto, uma data de números, misturou uma data de coisas e mencionou percentagens e números quando lhe convinha. Assim, por exemplo, o Sr. Deputado disse que a pensão social foi aumentada em 164%. Creio que foi este o número que deu. Oh, Sr. Deputado: não conheço nenhum reformado que vá à mercearia e compre com percentagens. Portanto, para elucidação da Câmara, diga em escudos quanto é isso.
De facto, Sr. Deputado, relativamente a essa percentagem que dá, de 164%, respeitante ao aumento da pensão social, as pessoas que não sabem o que isso é podem julgar que se trata de um aumento descomunal. No entanto, seria elucidativo comparar isto com, por exemplo, o aumento do ordenado dos Srs. Ministros.
Traduza por isso em escudos, Sr. Deputado, em quanto é que a AD aumentou a pensão social, em vez de dar este número ridículo dos 164%.
A segunda questão refere-se ao facto de o Sr. Deputado ter dito que a AD tem minorado a situação dos reformados, isto é, tem vindo a garantir-lhes melhores condições de vida.
Estando nós a discutir concretamente o aumento deste ano e sendo a taxa oficial de inflação de 24% -e digo oficial porque a real é superior a isso-, como pode o Sr. Deputado afirmar que tem havido uma melhoria da situação dos reformados se essa percentagem de aumento de reforma, além de ser roubada no 13.º mês, ainda por cima tem uma média de 17%? Como é que traduz daí que há uma melhoria das condições de vida dos reformados?
Terceiro ponto: o Sr. Deputado diz que neste caso não podem resolver o assunto devido a dificuldades orçamentais e faz uma coisa que considero realmente curiosíssima, isto é, refere a AD como tendo dado verbas ao orçamento da segurança social e apresenta o número dos milhões de contos que foram gastos para pagar aos reformados.
Como sabe, esses milhões de contos saem dos «bolsos», de quem trabalha, isto é, do orçamento da segurança social.
Pergunto-lhe concretamente quais são as dificuldades orçamentais que existem. Qual é a verba que teria de ser gasta para cumprir o referido decreto-lei de 1974, ou seja, o Decreto-Lei n.º 724/74, que, quanto a nós e como demonstrámos na última intervenção, continua em vigor?
Quais e onde estão essas dificuldades orçamentais, Sr. Deputado? Concretamente em quanto é que isso se traduz?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Barradas.
O Sr. José Manuel Barradas (PSD): - Sr.ª Deputada Zita Seabra, respondo-lhe com muito gosto. Sobre a matéria em discussão aquilo que aqui referi foi também abordado por V. Ex.ª na sua intervenção.
Comecei por referir, logo no início, que o meu companheiro Fernando Condesso abordará a parte formal da questão, ou seja, a parte substancial da questão, os aumentos propriamente ditos.
A Sr.ª Deputada referiu que nós nunca cumprimos as nossas promessas, mas nós demonstrámos, com os números e com as percentagens - porque, no fundo, foi sempre em termos de percentagens que considerámos estas questões -, que não era correcta a afirmação que a Sr.ª Deputada aqui fez, dizendo que a AD não tinha cumprido as suas promessas eleitorais.
De qualquer modo, é de ter em conta as dificuldades inerentes a uma situação muito importante, que é preciso considerar, porque não nos podemos esquecer que se, por exemplo, em 1977 o número de pensionistas deste país era de 1200000 e a população activa era de 3400000 trabalhadores, em 1981 a população activa aumentou em cerca de 300000 trabalhadores, ou seja, para 3750000, ao passo que os pensionistas aumentaram para l 700000.
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É importante termos em consideração estes dados numa situação de crise, que existe, que nós não negamos e que afirmamos.
Quando falei na minha intervenção nos 164%, referi que a pensão social nos últimos 3 anos aumentou, de facto, 164%. O último aumento, como a Sr.ª Deputada sabe, foi de 500$, o aumento do mês de Dezembro de 1982 foi de facto, de 500$. Portanto, não confundi, antes disse claramente que no último triénio as pensões tinham aumentado nesse valor, assim como referi que no triénio de 1974 a 1977 o seu aumento tinha sido de cerca de 40%.
Sobre o problema da inflação, nestes 8 dias que mediaram entre o início da discussão e hoje, a Sr.» Deputada aumentou l % à taxa de inflação. Na sua intervenção, que está escrita, a Sr.ª Deputada considerou a taxa de 23% e hoje considerou a taxa de 24%. É até possível que tenha razão, ou talvez tenha sido por lapso de memória, mas o facto é que a Sr.ª Deputada considerava há 8 dias a taxa de inflação em valores de 23%.
Quanto às dificuldades orçamentais, penso que elas são claras. O Governo diz muito claramente que, neste momento, para cumprir, para tentar resolver as coisas - e o Governo tinha outras soluções, embora mais demagógicas e mais dilatórias como, por exemplo, não ter aumentado em Dezembro as pensões, mas, como pensa que é de elementar justiça manter este aumento anual, fê-lo-, mas, como ia dizendo, o Governo diz muito claramente que, de facto, não está em condições de poder satisfazer o 1600000 contos que eram necessários para pagar o 13.º mês.
Isto é real, é muito claro e é apenas esta a resposta que lhe posso dar.
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado José Manuel Barradas, falando com clareza, as promessas eleitorais da AD aos reformados são extremamente claras.
A AD prometeu, por exemplo, acabar com o regime especial dos rurais, aproximando as suas pensões das do regime geral. Ora, o que está neste decreto-lei, e o que foi feito já no ano passado, é exactamente o inverso.
Segundo exemplo: a AD prometeu uma reforma para as domésticas. O que a AD fez neste campo é uma vergonha, pois uma doméstica que descontar o mínimo, isto é, que pagar 1600$ por mês para a segurança social, daqui a 12 anos, ou se tiver 62 anos, tem direito a uma pensão de reforma que é igual ao regime geral, o que é uma pensão insignificante! É isto o cumprimento da promessa eleitoral que a AD fez?
Outro exemplo: a AD prometeu aumentar as pensões de reforma de acordo com a taxa de inflação. Pergunto: qual é a taxa de inflação oficial que foi publicada e anunciada pelo Banco de Portugal? É 23% e os aumentos que foram decretados não chegam, em média, para a larga maioria dos pensionistas, a 17%, sendo, em número, a larga maioria dos pensionistas aumentada em apenas 15%. Ora, tudo está muito longe das promessas que foram feitas.
Diz-me o Sr. Deputado que o número dos reformados aumentou. Isso é evidente e é previsível; essas contas fazem-se e certamente que o seu partido as fez para fazer promessas eleitorais, porque, de contrário, que raio de promessas eleitorais são essas?! Isto é pura demagogia e foi exactamente nesse sentido que me referi a este problema.
Aliás, o que se passa em relação à pensão social é também o contrário do que foi prometido na campanha eleitoral, que era a sua aproximação do regime geral.
Ora, a partir de aumentos decretados, ela distancia-se, pela segunda vez, da pensão de regime geral e do seu quantitativo, fazendo-se uma cada vez maior demarcação entre os vários reformados.
Por último, Sr. Deputado, quero lembrar que até agora os reformados foram sempre aumentados em l de Dezembro. Para poupar l milhão e poucos de contos, 400000 diz o Sr. Deputado -o que é mais ou menos o resultado das contas que nós fizemos -,...
O Sr. José Manuel Barradas (PSD): - Eu disse 1600 000 contos!
A Oradora: - ... o Governo fez uma aldrabice legislativa de que daqui o bocadinho falaremos. Ora isso significa que os reformados foram usados numa questão que desde 1974 estava a ser rigorosamente cumprida, o que constitui uma das maiores injustiças que foi cometida e para a qual o Governo não se coibiu de, inclusive, falsificar o Diário da República.
Diz o Sr. Deputado que 1400000 contos - que não é muito - representa bastante para o orçamento da segurança social. Pois é, Sr. Deputado, mas o Governo está a gastar muito mais, por exemplo, com as indemnizações ao capital! Compare os dois números e verifique!
Esta é uma questão política, uma questão de prioridade política, e neste caso o Governo, para poupar 1400000 contos, prejudicou aqueles que constituem o sector mais, mais, mais, mais necessitado da população.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Barradas.
O Sr. José Manuel Barradas (PSD): - Sr.ª Deputada, de facto, o Governo fez algumas promessas e diz claramente no seu programa que tentará ajustar o aumento das pensões ao aumento do custo de vida e é isso que tem tentado fazer.
Demonstrámos claramente que aquilo que temos tentado fazer é isso mesmo, ou seja, minorar as dificuldades desse sector da população. Porém, as dificuldades existem e temos que ter em conta que, de facto, enquanto em 1970, como já aqui foi referido, a um reformado correspondiam 19 trabalhadores activos, neste momento temos uma média que é das mais baixas da Europa e que é extremamente preocupante.
A Sr.ª Deputada falou no regime especial, que eu considero ser de toda a justiça que atinja valores muito próximos do regime geral. Mas, Sr.ª Deputada, não podemos esquecer que, enquanto em 1981, por exemplo, as receitas do sector abrangido pelo regime especial atingiram l milhão de contos, aquilo que se teve que pagar em pensões segundo esse regime -e eu concordo que este regime ainda tem valores que ficam aquém daquilo que seria justo e importante para a melhoria das condições de vida desse sector da população, que já foi bastante prejudicado ao longo da sua vida-, mas, como eu estava a dizer, o que é certo é que o valor das pensões pagas ao abrigo do regime especial atingiu os 37 milhões de contos em 1981 e é ao regime geral que temos que ir buscar a diferença, ou seja, 36 milhões de contos.
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Como a Sr.ª Deputada sabe, o problema da segurança social não é um problema exclusivamente português, é um problema de todos os países. Em França, hoje,...
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não compare! Não compare um reformado francês com um reformado português!
O Orador: - Sr.ª Deputada, ouvi com atenção a sua explicação e, portanto, peco-lhe que faça o mesmo com a minha.
De qualquer modo, a única coisa que a Sr.ª Deputada não pode dizer é que estou aqui a fazer demagogia com os números que estou a citar, pois eles são uma realidade.
Aquilo que estou a dizer é, de facto, que penso que as pensões não atingiram um nível que sirva os interesses das pessoas que trabalharam durante uma vida inteira. Porém, neste momento -e dizemos isto com toda a clareza-, não temos hipóteses ou possibilidades -e podemos demonstrar- de ir mais além e, portanto, é nesta base que pomos a questão.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Porque têm outras prioridades!
O Orador: - Não temos outras prioridades, temos muitas prioridades num país de carências! É só isto, Sr.ª Deputada.
Aplausos do PSD, do PPM e de alguns deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passam já alguns minutos da hora regimental, mas creio que, tal como ficou combinado e como se estabeleceu consenso na última reunião dos líderes dos grupos parlamentares, a sessão de hoje terminará só às 20 horas e 30 minutos.
O Sr. Armando de Oliveira (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Armando de Oliveira (CDS): - Sr. Presidente, o meu colega de bancada Oliveira e Sousa, que esteve na conferência dos presidentes dos grupos parlamentares, não se lembra que isso tenha ficado consignado, até porque nós temos hoje uma reunião às 21 horas e, desse modo, não teríamos tempo de a preparar.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, é só para confirmar a informação que o Sr. Presidente acaba de dar. Aliás, ficou até acordado que a sessão se prolongaria até ao esgotamento da ordem de trabalhos, mas, naturalmente, ninguém contava com os atrasos que se verificaram.
Por conseguinte, prolongarmos a sessão até às 20 horas e 30 minutos é inteiramente razoável e o Sr. Presidente tem razão.
De qualquer modo, se o CDS alega impossibilidade de estar presente, podemos reconsiderar a nossa decisão, mas, repito, a informação do Sr. Presidente é correcta.
O Sr. Armando de Oliveira (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra de novo.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Armando de Oliveira (CDS): - Sr. Presidente, não tínhamos essa informação e esse prolongamento cria-nos muitas dificuldades. Mas se, efectivamente, se tinha chegado a esse consenso, sujeitamo-nos a ele, embora, repito, ele nos crie muitas dificuldades no sentido de falta de tempo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tenho dúvidas nenhumas em pôr à Câmara o seguinte: sempre que há reuniões de grupos parlamentares ou quaisquer problemas de natureza partidária que impliquem dificuldades para os grupos parlamentares e até mesmo em caso de reunião de conselhos ou de órgãos directivos dos partidos, têm-se adiado ou transferido de um dia para o outro a realização de sessões plenárias. Face ao modo como V. Ex.ª coloca a questão e à forma como o Sr. Deputado Carlos Lage pôs o problema, parece-me que neste momento se pode formar consenso de, atendendo à necessidade do seu partido, interrompermos os nossos trabalhos agora, até porque já são passados 7 minutos das 20 horas e só teríamos mais 20 minutos de trabalho útil.
Srs. Deputados, antes de encerrar a sessão ponho o problema da vantagem de se realizar amanhã de manhã uma conferência dos líderes dos grupos parlamentares.
Pausa.
Como ninguém se manifesta, fica convocada para amanhã, às 10 horas, no meu gabinete, uma conferência dos presidentes dos grupos parlamentares.
Para finalizar, cumpre-me informar que deu entrada na Mesa a ratificação n.º 229/II, subscrita pelo Sr. Deputado Lino Lima e outros, do Partido Comunista Português, ao Decreto-Lei n.º 477/82. Foi também admitido o projecto de resolução já anunciado e subscrito pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso e outros senhores deputados.
A nossa próxima sessão será amanhã, às 10 horas.
Está encerrada a sessão.
Eram 20 horas e 10 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio António Pinto Nunes.
Partido Socialista (PS):
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
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Centro Democrático Social (CDS):
Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
José Luís Cruz Vilaça.
Narana Sinai Coissoró.
Victor Afonso Pinto da Cruz.
Partido Comunista Português (PCP):
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Odete dos Santos.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PSD):
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Américo Abreu Dias.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António José Cardoso e Cunha.
António Vilar Ribeiro.
Bernardino da Costa Pereira.
Francisco de Sousa Tavares.
Manuel da Costa Andrade.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
António Cândido Miranda Macedo.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Fernandes da Fonseca.
Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Manuel Rodrigues Masseno.
Mário Alberto Lopes Soares.
Centro Democrático Social (CDS):
Adalberto Neiva de Oliveira.
Eugénio Maria Anacoreta Correia.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Henrique José Pereira de Moraes.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Ruy Garcia de Oliveira.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço.
Ercília Carreira Talhadas.
José Manuel da C. Carreira Marques.
AS REDACTORAS: - Anita Paramés Pinto da Cruz - Isabel Barral.
PREÇO DESTE NÚMERO 56$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA