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I Série - Número 35 Quarta-feira, 19 de Janeiro de 1983

DIÁRIO da Assembleia da República

II LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1982-1983)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE JANEIRO DE 1983

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
Vítor Manuel Brás
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - O Sr. Deputado Joaquim Miranda (PCP), em declaração política, invocou a classe operária e o povo da Marinha Grande, que se levantaram contra o regime fascista de Salazar em 18 de Janeiro de 1934, e criticou a actuação do Governo demissionário em relação à Reforma Agrária.
No fim respondeu a pedidos de esclarecimento formulados pelos Srs. Deputados Silva Marques (PSD), Mário Tomé (UDP) e Helena Cidade Moura (MDP/CDE).
Os Srs. Deputados Jorge Sampaio e Carlos Lage (PS), também em declaração política, referiram-se aos acontecimentos do 1.º de Maio no Porto e a uma notícia vinda no Jornal de Notícias, do Porto, a esse respeito.
Responderam, no fim, a pedidos de esclarecimento formulados pelos Srs. Deputados Silva Marques (PSD), Carlos Brito (PCP), Lopes Cardoso (UEDS) e Mário Tomé (UDP).
O Sr. Presidente anunciou a entrada na Mesa de 2 votos de pesar pela morte do poeta e pintor Júlio Reis Pereira e do Vice-Presidente da República Socialista Federativa de Jugoslávia, Vladimir Bakanic. A propósito dos 2 votos, debateu-se o problema da respectiva votação, tendo-se concluído pela conveniência da leitura apenas do voto de pesar em relação ao falecimento do poeta e pintor Júlio Reis Pereira, relativamente ao qual a Câmara aguardou 1 minuto de silêncio.
Intervieram no debate os Srs. Deputados Borges de Carvalho (PPM), Silva Marques (PSD), Lopes Cardoso (UEDS), Carlos Brito (PCP), Mário Tomé (UDP) e Carlos Lage (PS).
Ordem do dia. - O Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) procedeu à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, sobre a substituição de deputados do PSD e do CDS, tendo sido aprovado.
Discutiu-se e votou-se, na generalidade, tendo sido rejeitado o projecto de lei n. º 209/II, sobre a criação do concelho de Vizela, tendo participado no debate, a diverso titulo, além do Sr. Deputado apresentante, António Moniz (PPM), os Srs. Deputados Borges de Carvalho (PPM), Lopes Cardoso (UEDS), Américo de Sá (CDS), Sousa Tavares e Silva Marques (PSD), Carlos Brito (PCP), Mário Tomé (UDP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Natália Correia (Indep.), Fernando Condesso (PSD), Veiga de Oliveira (PCP), Magalhães Mota (ASDI), Luís Coimbra (PPM), Anselmo Aníbal (PCP), Oliveira e Silva (PS), Oliveira e Sousa (CDS), Seruca Inácio (UEDS), Carlos Lage (PS) e Martins Canaverde (CDS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 22 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso de Sousa Freire Moura Guedes.
Álvaro Barros Marques Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amadeu Afonso Rodrigues dos Santos.
Amélia Cavaleiro M. Andrade Azevedo.
Américo Abreu Dias.
Anacleto Silva Baptista.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Duarte e Duarte Chagas.
António Roleira Marinho.
Armando Correia Costa.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arménio dos Santos.
Bernardino da Costa Pereira.
Carlos Dias Ribas.
Carlos Mattos Chaves Macedo.

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Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Cunha Dias.
Dinah Serrão Alhandra.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José Sequeira Roriz.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Mendes da Costa.
Francisco de Sousa Tavares.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Afonso Gonçalves.
João Bernardo Ferreira.
João Evangelista Rocha Almeida.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
José Augusto Ferreira de Campos.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís Figueiredo Lopes.
José Manuel Pinheiro Barradas.
José Mário de Lemos Damião.
Júlio Lemos Castro Caldas.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel António Lopes Ribeiro.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Adelaide S. de Almeida e Paiva.
Maria da Glória Rodrigues Duarte.
Maria Manuel Aguiar Dias Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Dias Lopes.
Mário Ferreira Bastos Raposo.
Octávio Pereira Machado.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio António Pinto Nunes.

Partido Socialista (PS):

Adelino Teixeira de Carvalho.
Alberto Arons Braga de Carvalho.
Alberto Marques Antunes.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo Pinto da Silva.
António de Almeida Santos.
António Duarte Arnaut.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Fernandes da Fonseca.
António Fernando Marques R. Reis.
António Gonçalves Janeiro.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães da Silva.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Aquilino Ribeiro Machado.
Armando dos Santos Lopes.
Beatriz Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fausto Sacramento Marques.
Fernando Torres Marinho.
Fernando Verdasca Vieira.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Hermínio Martins de Oliveira.
Jaime José Matos da Gama.
João Alfredo Félix Vieira Lima.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Joaquim Gomes.
Joaquim Sousa Gomes Carneiro.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
José Jorge Gois Mendonça.
José Luís Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Luís Manuel César Nunes de Almeida.
Luís Manuel dos Santos Silva Patrão.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito Morais.
Manuel Francisco da Costa.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Rodrigues Masseno.
Maria Teresa V. Bastos Ramos Ambrósio.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Vergílio Fernando M. Rodrigues.
Vítor Manuel Brás.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alberto Henriques Coimbra.
Alexandre Correia de Carvalho Reigoto.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Jacinto Martins Canaverde.
Armando Domingos L. Ribeiro Oliveira.
Camilo Guerreiro Ferreira.
Carlos Alberto Rosa.
Carlos Eduardo de Oliveira e Sousa.
Carlos Martins Robalo.
Emídio Ferrão da Costa Pinheiro.
Francisco G. Cavaleiro de Ferreira.
Francisco Manuel L. V. Oliveira Dias.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Augusto Rocha Ferreira.
Henrique José Pereira de Moraes.
João António Morais Leitão.
João José M. Pulido de Almeida.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Miguel Rodrigues S. Ferreira.
José Alberto Faria Xerez.
José Augusto Gama.
José Luís Cruz Vilaça.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Luís Aníbal Azevedo Coutinho.
Luís Carlos Calheiros V. Sampaio.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Luísa Maria Freire Vaz Raposo.
Manuel António de Almeida A. Vasconcelos.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.
Maria José Paulo Sampaio.
Narana Sinai Coissoró.

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Paulo Oliveira Ascenção.
Rui António Pacheco Mendes.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Victor Afonso Pinto da Cruz.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António José M. Vidigal Amaro.
António José de Almeida Silva Graça.
Artur Mendonça Rodrigues.
Carlos Alberto do Carmo Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Ercília Carreira Talhadas.
Fernando de Almeida Sousa Marques.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Josefina Maria Andrade.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Manuel dos Santos e Matos.
Manuel da Silva Ribeiro de Almeida.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria lida Costa Figueiredo.
Maria Odete dos Santos.
M ariana Grou Lanita da Silva.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Partido Popular Monárquico (PPM):

António Cardoso Moniz.
António José Borges de Carvalho.
António de Sousa Lara.
Augusto Ferreira do Amaral.
Henrique Barrilaro Ruas.
Luís Filipe Ottolini Bebiano Coimbra.

Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Francisco Braga Barroso.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Manuel Tílman.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
Helena Cidade Moura.

União Democrática Popular (UDP):

Mário António Baptista Tomé.

Independentes:

José Eduardo Sanches Osório.
Natália de Oliveira Correia.

O Sr. Presidente: - Antes de dar início aos trabalhos desejo fazer uma comunicação à Assembleia.
O Sr. Presidente da Assembleia da República solicitou-me que o substituísse nesta reunião por estar impedido de comparecer em virtude de ter uma reunião do Conselho de Estado.
Por outro lado, queria comunicar aos Srs. Deputados que, por consenso de todos os grupos parlamentares, se realiza amanhã uma sessão, às 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: continuação da discussão das ratificações n.ºs 224/II, de PCP, e 226/II, do PS, referentes aos subsídios de Natal atribuíveis aos pensionistas de invalidez, velhice e de sobrevivência nos regimes contributivos da segurança social; o segundo ponto é constituído pelas ratificações n.ºs 164/II, do PS, e 165/II, do PSD, CDS, PPM e ASDI, sobre o Decreto-Lei n.º 224/82, de 8 de Junho. Não haverá período de antes da ordem do dia.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vai ser lido o expediente. Deu-se conta do seguinte
Expediente.

Cartas

De Manuel Gonçalves Rosa, residente na Póvoa de Santo Adrião, expondo a situação dramática em que vive sua mãe, lamentando que as pensões de reforma não tivessem ainda sido actualizadas e solicitando esclarecimentos acerca do assunto.
Ofícios
Do Conselho de Imprensa, um capeando exemplar do comunicado conjunto das Associações da Imprensa Diária e Imprensa Não Diária, relativamente à constituição de um consórcio de agências de publicidade e competente estatuto, e o outro enviando em anexo o comunicado referente à reunião que o Conselho realizou no passado dia 3 do corrente.
Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Celulose, Fabricação e Transformação de Papel, Gráfica e Imprensa do Norte, com sede no Porto, capeando, respectivamente, moções aprovadas por delegados sindicais em reuniões realizadas nos dias 3 e 4 do corrente mês.
Da Assembleia Municipal de Vendas Novas, enviando anexada uma moção aprovada na 1.ª sessão daquele órgão autárquico, realizada no passado dia 30 de Dezembro, sobre a política do Governo.

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Telegrama

Em nome do conselho directivo e da comissão de pais e professores da Escola Secundária de Fernão de Magalhães, Chaves, dirigido aos senhores deputados do círculo de Vila Real, solicitando apoio para que consigam obter a renovação na instalação do aquecimento naquela Escola, sem o qual se tornará impossível trabalhar.

«Telex»

Da ANAPA-Associação do Norte dos Armadores da Pesca Artesanal, repudiando as posições tomadas pelos armadores espanhóis para forçarem a celebração do acordo de pescas, bem como dos armadores do Guadiana, que actuam em função dos seus interesses regionais em prejuízo do interesse nacional.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos: ao Governo, formulado pela Sr.ª Deputada lida Figueiredo; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelos Srs. Deputados Custódio Gingão e Alda Nogueira; ao Ministério dos Assuntos Sociais, formulado pelo Sr. Deputado Mário Tomé; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Carlos Brito, Veiga de Oliveira e Lino Lima; ao Ministério da Indústria, Energia e Exportação (6), formulados pelos Srs. Deputados Sousa Marques e Maia Nunes de Almeida; ao Ministério da Cultura, formulado pelos Srs. Deputados Luís Patrão e Alfredo Pinto da Silva; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Matos; aos Ministérios da Qualidade de Vida e da Habitação, Obras Públicas e Transportes, formulado pelos Srs. Deputados Leonel Fadigas e Gomes Fernandes; e ao Ministério da Indústria, Energia e Exportação, formulado pelo Sr. Deputado Luís Patrão.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao subir a esta tribuna para proferir uma declaração política em nome do Grupo Parlamentar do PCP, não posso deixar, nesta data de 18 de Janeiro, de invocar a classe operária e o povo da Marinha Grande, que em 18 de Janeiro de 1934 sofreu a repressão mais aviltante e deu um elevado exemplo de coragem e de patriotismo quando se levantou contra o regime fascista de Salazar.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Tão significativa atitude, que perdura na memória do povo português, não podia, por isso mesmo, deixar de ser hoje aqui relembrada por nós.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A AD está moribunda. Poucos se atrevem a negar tal facto e muitos são os que clamam hoje no sentido de que se lhe retirem os balões de oxigénio com que pretende manter uma existência que, além de artificial, acarretaria irreparáveis prejuízos para o povo e para o País.
Mas é nesta fase de estertor da AD que, Srs. Deputados, o seu governo demitido intensifica os ataques à Reforma Agrária.
Num acto inqualificável, que bem evidencia os nefastos objectivos que tem norteado tal coligação, num acto de despudor e de prepotência que demonstra bem o carácter retrógrado e o desrespeito que lhe merecem a legalidade e as regras democráticas, o defunto governo Balsemão multiplica agora os leilões de terras das UCP's/cooperativas, brinda apressadamente mais alguns agrários entregando-lhes mais uns milhares de hectares de terra, intensifica a asfixia financeira das UCPV cooperativas, tudo isto recorrendo a uma brutal repressão bem evidenciada pelos enormes contingentes de GNR que tem lançado contra os trabalhadores.
Por diversas vezes temos denunciado nesta Câmara que a ilegalidade, a corrupção, a prepotência e a repressão se transformaram no lema dos governos de direita e em particular dos governos da AD.
Temos fundamentado tais acusações com exemplos e números irrefutáveis que, de resto, justificam também a razão que assiste aos trabalhadores da Reforma Agrária e à sua luta firme e determinada contra tais governos e tais práticas.
Tal não impede, antes justifica, que mais uma vez o façamos, já que é de todo em todo inadmissível que um governo demitido, com meras funções de gestão, que caiu face às lutas dos trabalhadores, face à situação de degradação económica e social que criou e face ao resultado das eleições autárquicas, intensifique, nesta sua fase de agonia, um processo repudiado por aquelas lutas e claramente condenado pelos recentes resultados eleitorais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E no que a isto respeita importa salientar alguns factos. Desde logo que os resultados eleitorais verificados na zona de intervenção da Reforma Agrária constituíram, sem margem para dúvidas, uma forte derrota da política que a AD ali vem desenvolvendo ao nível agrícola e particularmente ao nível da Reforma Agrária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Todos recordamos as proféticas declarações de alguns arautos da AD, segundo os quais, destruindo-se a Reforma Agrária, liquidando-se as UCPV cooperativas, assim se acabaria também com aquilo a que chamavam de domínio dos comunistas no Alentejo.
Hoje, embora não tenham conseguido ir tão longe quanto desejariam na ofensiva contra as UCPV cooperativas, mas levado a cabo que foi a liquidação de cerca de 2 centenas daquelas unidades produtivas, os resultados estão à vista.
A AD, enquanto coligação, foi totalmente derrotada nas autarquias alentejanas. O CDS, isoladamente, não consegue ganhar a maioria num só concelho e o PSD, esse, vê-se reduzido à situação de apenas ser maioritário num concelho, perdendo nos restantes em que ainda predominava.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito Bem!

O Orador: - Em toda a zona da Reforma Agrária, que abrange os distritos de Beja, Évora, Portalegre e Setúbal e parte do distrito de Santarém, a AD ficou reduzida à maioria num único município!

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O que se passou no concelho de Ourique é, de resto, significativo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Entendido pelo PSD como um baluarte, este partido, derrotado que foi em 12 de Dezembro, não se coibiu de recorrer às manobras mais tacanhas com vista a impedir a concretização da vontade popular.
Mas mais uma vez o nosso povo deu provas de maturidade política. E mais uma vez tornou claro que não colhem as manobras como aquelas que ali se verificaram.
O resultado das eleições de Ourique no passado domingo, que reforçou o desaire anterior do PSD, se analisado conjuntamente com os resultados anteriores na zona de intervenção da Reforma Agrária, constituíram um forte revés para a política retrógrada da AD e dos seus governos e uma importante vitória para os trabalhadores e para a Reforma Agrária.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O PSD/AD já tinha perdido a sua aposta em Ourique no dia 12 de Dezembro. Por sua iniciativa resolveu accionar mecanismos para repetir as eleições e assim dobrou a parada. Perdeu de novo, perdeu a dobrar!

Vozes do PSD: - Muito mal!

O Orador: - Mas, Srs. Deputados, o que se verifica quando se analisa o que se passa na zona da Reforma Agrária é que a AD, derrotada e em debandada, quer completar apressadamente a sua obra inconstitucional e ilegal de liquidação da Reforma Agrária!
Intensifica a utilização de métodos condenáveis e condenados e pretende agora, e ainda à revelia da legalidade e do próprio decoro, atingir objectivos que ferem os interesses mais sentidos dos trabalhadores da Reforma Agrária.

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - É falso!

O Orador: - É o que se passa com os leilões das terras das UCPV cooperativas. Não passam de um processo maquiavélico engendrado para destruir a Reforma Agrária. Não tem o mínimo suporte legal. São uma fraude para os poucos pequenos agricultores que, à custa de promessas infundadas e ilegítimas, ainda embarcam nesta farsa.
Mas a AD, nesta sua fase de dissolução que vertiginosamente se aproxima, é agora que nelas mais insiste, e isto apesar de também os factos terem anulado totalmente a pretensa argumentação que lhes serviu de rampa de lançamento, nomeadamente a proclamada inviabilidade das UCPV cooperativas ou a apregoada recusa por parte destas a responderem a um chamado inquérito.
E é assim que nas últimas semanas sucedem a um ritmo impressionante os famigerados leilões, não se olhando a meios nem atendendo razões, antes visando apenas os fins conhecidos.
106 é o número de UCPV cooperativas visadas pelo MACP, para já; 87946 ha a área que se lhes pretende retirar; 4489 é o número de trabalhadores que seriam atingidos.
As consequências, nos casos em que se verificou já a concretização de esbulhos de UCPV cooperativas, são claras.
Da UCP Resistência, de Ponte de Sor, foram leiloados e retirados 2140 ha - toda a terra da UCP. Contemplados foram 14 concorrentes; prejudicados, porque desde logo lançados no desemprego, foram os 50 trabalhadores efectivos que naquelas terras laboravam.
À UCP Alterense, de Alter do Chão, foram, na passada quarta-feira, retirados 1665 ha. Na sua posse ficaram algumas centenas de hectares, dispersos. 100 trabalhadores ou, pelo menos, grande parte deles ficaram em perigo iminente de desemprego. Para a pecuária existente (1000 ovelhas e 300 vacas) não restam as mínimas condições de pastagens, instalações, etc. «Beneficiados», neste caso, apenas 15 concorrentes.
Muitos outros exemplos como estes poderão ser referidos e da generalidade deles se retiram sempre as mesmas conclusões.
Os contemplados pelos leilões são, quantas vezes, indivíduos não ligados à agricultura; alguns dos concorrentes aos leilões são mesmo filhos de agrários. São os casos, por exemplo, de João Alfredo Barreto de Almeida e António Leonardo Mexia de Almeida, concorrentes às terras da UCP TOC, de Pavia, filhos do latifundiário António Leonardo Vieira Mexia de Almeida, que já recebeu 696 ha, a título de reserva, em terras da mesma UCP e que fazem extrema com as áreas agora em concurso!
São os casos ainda de Júlio e Isabel da Sara Bastos, residentes em Madrid, que concorrem às terras da UCP Carvalhas, de Estremoz, e filhos do agrário Júlio Bandeira Bastos, igualmente reservatário (500 ha) em terras anteriormente na posse da mesma UCP.
Situações há - e não são poucas - em que os contemplados lançam ao abandono as terras que lhes são atribuídas logo que dispõem das verbas avultadas que conseguem pela venda de produtos e bens existentes à data da recepção daquelas e que são pertença dos trabalhadores.
O que se tem passado com estes leilões, Srs. Deputados, é um verdadeiro escândalo. Escândalo a que se juntam muitos outros e a que desde há muito urgia pôr termo. Mas a intensificação destes leilões constitui, por si só, um novo escândalo, a que outros se juntam e que aqui importa denunciar.
Agrários que foram contemplados, tempos atrás, com reservas vêem-nas agora acrescidas com majorações arbitrárias e ilegais retiradas também às cooperativas. É o caso de Francisco Telo da Gama, que na passada semana juntou à sua anterior reserva mais 66 ha retirados à Cooperativa Trabalhos para Todos, de Arronches.
Outros, não satisfeitos com a reserva que o MACP lhes havia atribuído, exigem e conseguem a sua troca.
Tal verificou-se, também na semana passada, na UCP 29 de Julho, de Aviz, à qual foram retiradas terras de regadio, com pomar e com montado de sobro, para serem entregues em substituição de uma área menor e de pior qualidade, que constituía a reserva de Vítor Mendes Pinto.
E neste caso, para cúmulo, acresce o facto de, por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ter sido anulado o despacho que atribuiu a reserva a tal agrário. Ou seja: não se deu cumprimento à decisão do STA e ainda se brindou o agrário.
Se a tais situações juntarmos ainda o facto de o MACP se preparar para entregar aos agrários, mesmo aos que já

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dispõem de reservas, as terras não expropriadas, mas na posse útil das UCPV cooperativas, se se tiver em conta ainda a brutal ofensiva do MACP no campo financeiro, via pela qual igualmente pretende alcançar a destruição das UCP's e quer recolher argumentos, como a da inviabilidade destas, tudo isto impõe um rápido afastamento da AD da área governamental.
Não só porque a legalidade democrática é vilipendiada, mas também porque o próprio processo produtivo é posto em causa, já que é o próprio desenvolvimento económico e o fortalecimento do sector agrícola que assim são comprometidos.
O desemprego, esse, sobe assustadoramente. E o País fica ainda mais pobre.
A AD já deu provas suficientes de que tem um projecto que não se adapta ao regime democrático.
De resto não é descabido perguntar aqui, nesta Assembleia, qual o destino dado por esta AD ao inquérito ao escândalo das reservas atribuídas a Prates Canelas. E que é feito da Comissão de Avaliação dos Actos Discricionários do MAP, tal invocada por certos senhores deputados enquanto não tomou posse e sempre que se acusava o MAP de irregularidades, mas agora tal lançado no esquecimento e na inoperância.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto de estar na ordem do dia o afastamento da AD da área do Governo não nos pode distrair do muito que esta AD ainda está a fazer em prejuízo dos trabalhadores do País.
O que se impõe com urgência é que ela seja afastada das áreas do poder, o que só é possível com a dissolução da Assembleia da República e dando novamente a palavra ao povo.
Este saberá confirmar e reforçar os resultados eleitorais de 12 de Dezembro.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Marques, para que efeito deseja usar da palavra?

O Sr. Silva Marques (PSD): - É para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado da bancada do PCP, V. Ex.ª sabe que o Partido Comunista não só não promoveu, como não apoiou e até recente data condenou a revolta dos operários da Marinha Grande?
Pensamos que face à intervenção de V. Ex.ª esta pergunta não podia deixar de ser feita com este complemento: O Partido Social-Democrata não pode desconhecer um acontecimento importante da vida do operariado português e as suas manifestações de revolta no sentido positivo, que é o sentido da luta contra a ditadura e era disso que se tratava naquela altura.
Essa revolta não foi controlada pelo Partido Comunista e por isso a condenou. Mas porque não temos uma visão do que é bom ou mau, segundo o controle que temos dos acontecimentos, mas sim segundo os seus objectivos, dizemos que compreendemos a revolta dos operários da Marinha Grande porque ela foi contra a ditadura e a ditadura deve ser combatida.
Porém, pensamos que a democracia deve ser defendida e VV. Ex.ªs, que tão pouco afeitos se mostraram em matéria de revoltas durante a ditadura, hoje alardeiam os vossos ímpetos rebeldes quando está implantada a democracia.
Hoje a nossa postura é contrária, pois está implantada a democracia e há que defendê-la e dignificá-la, há que fazer compreender que o Estado democrático não pode sujeitar-se a ímpetos localizados que ponham em causa a sua solidez e a sua dignidade.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É esta a questão que hoje tem que ser posta aqui a VV. Ex.ªs quando pretendem alardear, de forma hipócrita, no sentido político, o apoio a um acto justo de revolta que os senhores sempre condenaram. É preciso que isso fique clarificado porque, estando nós hoje em democracia, VV. Ex.ªs mostram um ímpeto de rebeldia e um apego às instituições da democracia que, afinal de contas, VV. Ex.ªs não demonstraram ao longo da ditadura!

Aplausos do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim Miranda, há mais oradores inscritos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Deputado da bancada do PSD, as afirmações que proferiu revelam, pura e simplesmente, uma total ignorância e, pior do que isso, revelam também um sentido altamente provocatório.
Por isso mesmo a sua intervenção não merece da nossa parte quaisquer outros comentários.

Aplausos do PCP.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos outros oradores e dar-lhe-ei a palavra no fim, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Mário Tomé, V. Ex.ª deseja usar da palavra para que efeito?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, inscrevi-me para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado do PCP e para fazer um protesto em relação às afirmações do Sr. Deputado Silva Marques. Portanto, penso que poderei usar da palavra neste momento para protestar contra as afirmações do Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques protestou, pelo que não há lugar para protestos da sua parte, Sr. Deputado Mário Tomé.

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O Sr. Deputado Silva Marques dirigiu-se ao Sr. Deputado Joaquim Miranda, pelo que...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Mas ele fez determinado tipo de afirmações que merecem da minha parte um veemente protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se V. Ex.ª se sente atingido pelas afirmações do Sr. Deputado Silva Marques, V. Ex.ª tem, evidentemente, direito a usar da palavra para exercer o direito de defesa; ao abrigo de qualquer outra disposição regimental não posso dar-lhe a palavra.
Mas, sendo assim, V. Ex.ª não deseja pedir esclarecimentos?

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Não, Sr. Presidente, não desejo pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Silva Marques, desejo apenas exercer o direito de defesa.
Os pedidos de esclarecimento que pretendo produzir são em relação à intervenção do Sr. Deputado do PCP.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, é melhor fazer agora os seus pedidos de esclarecimento. Fica inscrito para, oportunamente, defender a sua honra e dignidade, se na verdade se sentiu atingido pelas palavras do Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Joaquim Miranda, aproveitando a sua declaração política, queria congratular-me pela derrota sofrida pelo PSD em Ourique, porque ela foi, de facto, a derrota de um partido que em Ourique, como em todo o País, está ao serviço dos grandes latifundiários, dos grandes intermediários, dos grandes capitalistas, enfim, está ao serviço de todos aqueles que são a causa fundamental e última - para não dizer primeira - dos males do nosso povo, dos males dos trabalhadores, da exploração e da repressão que se abate cada vez mais sobre o povo, sobretudo desde que a AD é governo.
Entretanto, ainda a propósito da sua declaração política, queria dizer o seguinte: não basta que o PSD tenha perdido as eleições em Ourique, como em outras autarquias no Alentejo, para que a sua política de destruição da Reforma Agrária não seja levada a cabo. E nós vemos isso porque o PSD não está nas câmaras, mas consegue, através da sua presença no Governo - e num Governo demitido - levar à prática medidas terrivelmente atentatórias dos interesses do nosso país e do nosso povo, dos interesses dos trabalhadores do Alentejo.
Aliás, queria ainda dizer que os assalariados rurais do Alentejo têm desde há muito, uma perspectiva radical da luta -nomeadamente através de cortes de estradas e marchas sobre Lisboa- para defenderem a Reforma Agrária, para defenderem as unidades colectivas de produção e as cooperativas agrícolas.
E hoje, quando se vai aqui discutir a questão de Vizela - e os Vizelenses têm dado o exemplo de como se luta contra as medidas arbitrárias, contra a falta de respeito pelos interesses e pelos direitos do povo -, ...

O Sr. Mário Lopes (PSD): - O Alentejo a concelho também!...

O Orador: - ...queria referir que, de facto, também o Alentejo se tem que levantar, como um homem só, em formas de luta radicais, avançando sobre Lisboa, como já lhes foi proposto em plenários de cooperativas, porque só assim se poderá liquidar a política reaccionária da AD e se poderá defender, de facto, a Reforma Agrária e tudo o que ela significa para todo o povo, quer em produção, quer em emprego para milhares e milhares de trabalhadores que estão hoje no desemprego, quer ainda em tudo o que ela significa mesmo para os pequenos agricultores, que só numa perspectiva desenvolvida da Reforma Agrária poderão ter também acesso ao pão e ao trabalho.
É esta a alternativa que a UDP sempre apontou e, nesse sentido, achamos que ela deve ser tida em conta no Alentejo porque a AD, apesar de perder as autarquias, através das mais variadas formas nomeadamente através do Governo a que já não tem direito -, consegue levar a cabo a política antipopular de liquidação da Reforma Agrária, contra a qual o povo -e principalmente o proletariado alentejano, de mãos dadas com o proletariado das fábricas, com o proletariado de todo o País, com todo o povo- se levanta em defesa da Reforma Agrária, pois a sua destruição é, de facto, um atentado gravíssimo não só contra os trabalhadores alentejanos, mas contra todos os trabalhadores do nosso país.

O Sr. Mário Lopes (PSD): - Aos costumes disse nada!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim Miranda, há mais um orador inscrito, creio que para pedir esclarecimentos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, V. Ex.ª pediu a palavra para pedir esclarecimentos ou para protestar?

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE queria juntar a sua voz à do Sr. Deputado Joaquim Miranda, saudando as povoações de Ourique pela escolha acertada que fizeram.
Queria ainda referir que nesta Assembleia é normal identificar-se a liberdade dos Alentejanos com a repressão do Partido Comunista.
Ontem passou na Televisão - e tudo aquilo que passa na Televisão tem o acordo da maioria, porque quando não o tem nem as palavras do Sr. Ministro das Finanças, João Salgueiro, nela passam -,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - ... um programa sobre Eça de Queirós.
Se VV. Ex.ªs quisessem ler o Distrito de Évora, jornal que Eça de Queirós fundou mal saiu da Universidade, encontram aí algumas das formas como foram fundados os latifúndios e também a crítica acesa e aguda sobre a fornia como os latifundiários procediam.

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Não me parece que Eça de Queirós pertencesse ao Partido Comunista Português...

O Sr. António Arnaut (PS): - Era socialista!

A Oradora: - António Arnaut diz que Eça de Queirós era socialista. Acredito que fosse.
Mas, como eu ia dizendo, a verdade é que Eça de Queirós - e estamos em 1870 ou talvez alguns anos mais tarde denunciou que os senhores da terra estavam a comprar indiscriminadamente as terras ao lado das suas apenas para, com a pobreza dos operários agrícolas, obterem lucros para gastar no luxo e no jogo, em Lisboa, em vez de investirem nas terras para enriquecimento do País.
É isso que continua a passar-se, foi isso que o 25 de Abril quebrou e é isso que o Governo da AD quer repor!

Aplausos do MDP/CDE, do PCP e do Sr. Deputado António Arnaut (PS).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda, para responder, se assim o desejar.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Mário Tomé apenas me resta dizer que, naturalmente, também nós nos congratulamos com os resultados que se verificaram nas eleições agora realizadas em Ourique.
Quanto ao resto, penso que o Sr. Deputado Mário Tomé trouxe aqui as posições do seu partido, que são conhecidas, repetiu-as mais uma vez nesta Câmara, não me tendo feito qualquer pedido de esclarecimento, pelo que não me cabe dar qualquer resposta, que seria descabida.
Relativamente à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, apenas me resta agradecer as palavras que trouxe a esta Câmara porque elas ilustram a intervenção que proferi antes.
Estou de acordo com aquilo que aqui referiu e, por isso mesmo, resta-me agradecer-lhe as suas palavras.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques havia pedido a palavra para um protesto, mas, entretanto, o Sr. Deputado Mário Tomé sentiu-se atingido por palavras que o Sr. Deputado teria proferido. Assim, não sei se pretende usar da palavra imediatamente para protestar ou se prefere ouvir primeiro o Sr. Deputado Mário Tomé, respondendo, depois, em conjunto.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Prefiro responder em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para usar do direito de defesa, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, não posso deixar passar sem um veemente protesto - pois a minha própria dignidade de revolucionário...

Risos do PSD.

... e de representante, aqui, de uma política que vê na luta revolucionária de todo o povo o caminho da transformação do nosso país no sentido de felicidade, do bem-estar e da liberdade para os trabalhadores e para o povo em geral a isso me obriga -, dizia eu, não posso deixar sem um veemente protesto as palavras do Sr. Deputado Silva Marques acerca da luta dos operários da Marinha Grande.
Não posso admitir que um deputado que muita, não sei se diz assim aí desse lado, nas fileiras da AD, do PSD - que tem uma prática constante, sistemática e quotidiana de repressão da luta dos operários, da luta do povo, que tem uma prática quotidiana de exploração dos operários-, diga que está com a luta e a rebelião da Marinha Grande.
Aliás, se o diz aqui é apenas porque pensa que isso está já apenas nas páginas da história. Mas não está, Sr. Deputado, esta luta está presente em todos os operários, em todos os trabalhadores, está presente em todos aqueles que hoje se batem contra a exploração e contra a opressão!
E mais: aquilo que foi fundamental na luta da Marinha Grande não foi apenas a luta contra a ditadura, foi também a perspectiva, sempre presente na mente e na luta dos operários, da conquista do poder.
É isto que o Sr. Deputado Silva Marques quer esconder, ligando esta luta apenas a uma outra vaga, apenas à luta contra a ditadura fascista, em que tantos burgueses e tantos reaccionários de hoje também estiveram metidos.
A luta contra a ditadura fascista foi conduzida principalmente pela luta dos operários e aí os partidos revolucionários e aqueles que se identificavam com a luta dos operários tiveram um papel importante que não pode ser posto de parte, muito menos da forma como o fez o Sr. Deputado Silva Marques.
Portanto, Sr. Deputado, a luta dos operários da Marinha Grande em 18 de Janeiro de 1934 é um exemplo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe o favor de concluir, pois o seu tempo terminou e V. Ex.ª não está a intervir, está a defender-se de palavras que considerou injuriosas.

O Orador: - Termino já, Sr. Presidente.

Portanto, Sr. Deputado, esse exemplo mantém-se presente e os operários, os trabalhadores e o povo em geral vão seguir esse caminho para liquidar as novas formas de ditadura que crescem e que se vão impondo, para abrirem o caminho da liberdade e da democracia a sério, o caminho da democracia operária e da revolução para o bem-estar de todo o povo!

Uma voz do PSD: - És um vigarista!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Mário Tomé, eu não o tinha ofendido. No entanto, V. Ex.ª, num ímpeto de revolta não sei se operária -, tinha que tomar a palavra e tomou-a por essa via. V. Ex.ª não me ofendeu e não tenho que dar explicações porque também não o ofendi.
Relativamente à questão política, devo dizer que é necessário que a revolta tenha lugar onde os operários, e não só os operários, mas os cidadãos, não têm voz e muito menos voto. Do meu ponto de vista, eles devem

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revoltar-se na Albânia ou em todos os países onde não ha liberdade de expressão nem democracia,...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... sejam eles de designação socialista, tenham eles a designação que tiverem, sejam eles o Chile, sejam eles a União Soviética. Mas refiro a Albânia porque julgo que V. Ex.ª toma a Albânia como o exemplo paradigmático da felicidade terrestre.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Na Albânia estão no poder!

O Orador: - No entanto, se fosse assim havia liberdade de expressão e liberdade de voto porque nunca vi que uma população vote contra ela própria quando se sente livremente enquadrada num regime que lhe dá voz e que lhe permite votar. Esta é, pois, a questão fundamental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quem me insultou foi o Sr. Deputado Joaquim Miranda ao chamar-me provocador, embora o tivesse feito com uma terminologia que pretende fazer passar por política, mas não é.
De qualquer modo, independentemente da questão de saber se provocador é insulto ou não, Sr. Deputado, coloquei-lhe uma questão concreta que foi a seguinte: V. Ex.ª sustenta que o Partido Comunista promoveu a revolta dos operários da Marinha Grande? V. Ex.ª sustenta que o Partido Comunista a apoiou? V. Ex.ª nega que o Partido Comunista, nos seus documentos oficiais, a condenou veementemente ao longo dos anos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, isto está documentalmente provado em todas as investigações históricas, que não são minhas, não decorrem de um conhecimento pessoal meu porque senão não ousaria invocá-lo aqui. Trata-se, pois, de documentação confirmada, comprovada e publicitada unanimemente por toda a historiografia portuguesa e sobretudo de investigações que têm sido trazidas a lume depois de haver liberdade de expressão e de investigação no nosso país. Nega V. Ex.ª a realidade dos factos ou das afirmações que acabo de fazer?
Disse que a vossa bancada ou o vosso partido se tinha mostrado pouco revoltoso durante a ditadura e excessivamente revoltoso durante a democracia porque ao longo da ditadura não tenho conhecimento de revoltas próprias organizadas pelo Partido Comunista e, em contrapartida, durante o processo de tentativa de instauração da democracia em Portugal V. Ex.ª sabe que era vossa palavra de ordem oficial abater a democracia e impedir que jamais houvesse um regime democrático no nosso país.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda, se assim o desejar.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Deputado Silva Marques, em primeiro lugar devo dizer-lhe que me recuso frontalmente a discutir com alguém que fugiu, desertou da luta revolucionária. Não temos que falar com gente dessa!
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da UDP.
O Sr. Deputado tem problemas de consciência originados pelas suas constantes mudanças de partido e pela sua incoerência política. Esses são problemas que têm a ver com a sua consciência e por isso temos que lhe dizer que não nos mace. O nosso país tem problemas graves a que urge dar resposta e esses problemas não se compadecem com as diatribes do Sr. Deputado.

Vozes do PCP: - Traidor!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, antes de iniciar a minha declaração política, que, aliás, vai ser curta, queria pedir a V. Ex.ª e à Mesa o seguinte: já algumas vezes tem sido norma aplicada pela Mesa que a declaração política, que em teoria tem dez minutos de duração, possa ser partida em duas, ou seja, que a mesma possa, numa primeira parte, ser feita por um deputado e, numa segunda parte, por outro deputado.
Assim, se V. Ex.ª não vir inconveniente, eu faria a primeira parte da declaração política e o meu colega de bancada Carlos Lage faria a segunda parte - isto dentro do tempo destinado à declaração política.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em virtude de já ter sido feita essa divisão de tempo a Mesa concorda em que se faça como V. Ex.ª solicita.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, não obstante no decurso da última intervenção do Sr. Deputado Joaquim Miranda eu ter considerado que ele me ofendeu, mas me parecer que não deveria corresponder, mesmo pela via da defesa, ao acto despropositado que ele estava a praticar, a verdade é que se desencadeou - por certo sem que V. Ex.ª se tenha apercebido- uma onda de liberdade de expressão na bancada do Partido Comunista, acusando-me de traidor.
Assim, permito-me perguntar a V. Ex.ª se, nas condições da democracia, da liberdade de expressão e do direito à liberdade de voto, o recurso ao insulto e à violência, inclusive verbal, não é o recurso manifesto daqueles que reconhecem por eles próprios não ter razão.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Levou tempo a compreender! É esperto!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não se apercebeu desses apartes que, segundo V. Ex.ª, vieram da bancada do Partido Comunista. No entanto, é evidente que todos os deputados presentes têm que ter consciência do momento que estamos a atravessar para manter plena serenidade nas suas intervenções.

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Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos nós nos recordamos dos debates que nesta Assembleia tiveram lugar na passada semana, ainda e uma vez mais, em torno dos acontecimentos do 1.º de Maio, no Porto, e das vicissitudes jurídicas e outras que decorreram desses acontecimentos. Todos sabemos o que é que se passou aqui, salvo erro, na quinta-feira passada em instâncias do Partido Comunista e do inquérito parlamentar que entretanto requereu, do que foi o teor desse debate e da defesa encarniçada e veemente por parte de algumas bancadas da maioria, no sentido de que o segredo de justiça imperava sobre a indisponibilidade do aproveitamento ou da publicidade desse relatório quanto mais não fosse ao Órgão de Soberania que é esta Assembleia.
Ora, qual não é o nosso pasmo quando se vê no Jornal de Notícias, do Porto -e apraz-me cumprimentar os jornalistas deste jornal -, na edição do dia 14 de Janeiro deste ano, portanto logo a seguir ao debate parlamentar, uma referência àquilo que os jornalistas designam por um inquérito dos acontecimentos do 1.º de Maio, e o primeiro conteúdo das notícias é precisamente o cotejo exemplar entre as conclusões do inquérito efectuado pela Procuradoria-Geral da República e as conclusões que sobre esse mesmo inquérito o Sr. Ministro Angelo Correia deu a público em tempo oportuno. E o espanto é de tal ordem que as conclusões que o Sr. Ministro deu a público sobre esse inquérito são diferentes, são muitíssimo mais graves, visto que falseiam a realidade que, pelos vistos, é a constante do relatório da Procuradoria-Geral da República.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados: por mais que haja a sensação ou o ambiente de fim de festa, insistimos neste problema porque há coisas sobre as quais o Partido Socialista se não pode calar e que têm a ver com a importância decisiva da actividade da Assembleia da República em relação ao Governo e nomeadamente após variados debates sobre esta matéria, as instâncias sucessivas que partiram desta Câmara no sentido de, sem nenhum juízo de valor prévio, sem conhecimento de causa, ter acesso - porventura confidencial e reservado- àquilo que era o relatório da Procuradoria-Geral da República.
Não tivemos sucesso nenhum. Pior do que isso: tivemos a interpretação, bem como a teve toda a opinião pública sobre esse relatório, feita pelo Sr. Ministro e constata-se agora que esta Assembleia não tem nenhum controle real e efectivo, em termos constitucionais, sobre aquilo que lhe apetece fazer e dizer o Sr. Ministro da Administração Interna ou qualquer outro Ministro.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E isto porque o que está em causa não é o Sr. Ministro x, mas sim uma questão de princípio fundamental. Pode ou não e deve ou não esta Assembleia ter acesso a documentos, por mais reservados que eles sejam, a partir dos quais possa e deva exercer a plenitude dos seus direitos constitucionais?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, já passaram 4 dias sobre a publicação deste número do Jornal de Notícias e não se sabe se o Sr. Ministro desmentiu aquilo que é imputado ao relatório da Procuradoria-Geral da República ou se, outra hipótese, não tendo desmentido, pura e simplesmente, está implicitamente a confessar que mentiu claramente à opinião pública deste país.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Como esta situação é intolerável do ponto de vista democrático, como é perfeitamente intolerável que no fundo se possa manipular a opinião pública, manipular a Assembleia, manipular, inclusivamente, os partidos da maioria, solicito -embora isto implique alguma coragem do ponto de vista formal - ao Sr. Presidente desta Assembleia, certamente por consenso de todos os partidos porque não me cabe na cabeça que não haja esse consenso, que perante esta notícia do Jornal de Notícias, do Porto, V. Ex.ª solicite ao Sr. Ministro da Administração Interna, em nome desta Assembleia da República, que lhe seja enviado um relatório feito pela Procuradoria-Geral da República, a fim de que esta Assembleia possa avir o que tiver por conveniente em função daquilo que lhe for oficialmente comunicado.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP, do deputado do PSD Sousa Tavares, do deputado do PPM Barrilaro Ruas e do deputado independente Sanches Osório.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu e o Sr. Deputado Jorge Sampaio não quisemos hoje ser originais e encontrar uma forma de cooperação na nossa intervenção parlamentar que se revestisse de especial solenidade. Mas pedi ao Sr. Deputado Jorge Sampaio que me concedesse alguns minutos da sua intervenção para me ocupar de alguns aspectos humanos que envolvem este caso da repressão e da violência do 1.º de Maio, na cidade do Porto.
Já aqui evoquei o Marinho. Mário Emílio, jovem de 17 anos, aliás, bastante doente, que com os seus amigos nessa data fatídica se encontrava pacificamente a assistir à violência desencadeada pela Polícia de Intervenção. Já aqui tinha dito que o Marinho foi friamente assassinado pela Polícia de Intervenção. Provas não as tinha; apenas os testemunhos dos amigos que com ele estavam.
O jornalista e poeta Manuel António Pina fez no Jornal de Notícias uma invocação admirável do Marinho, quer sobre o ponto de vista político, humano e poético. O Marinho reveste-se para mim de algum simbolismo e evidencia a forma como uma polícia, que em nome da defesa das liberdades e da segurança dos cidadãos, pode actuar de forma tão bárbara, tão selvagem, e gerar morte e violência perfeitamente gratuitas.
Morreu o Marinho e morreu também outro jovem, Pedro Vieira. No entanto, é sobre o Marinho que queria, neste momento, ler as conclusões do relatório divulgado pelo Jornal de Notícias, do Porto, que são as seguintes: «Depois de aludir a um grupo de polícias do Corpo de Intervenção (cujo número rondaria os 5 ou 6 elementos), que fizera uma incursão pela zona da Rua das Flores, prossegue o texto: Quando o tal grupo de polícias subia a

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Rua de Mouzinho da Silveira em direcção à Praça de Almeida Garrett, alguém do grupo de jovens onde estava o Mário Emílio gritou que vinha próximo a polícia. Todos os jovens e pessoas ali presentes fugiram, com excepção do Mário Emílio, que permaneceu de costas encostado ao muro, dado que recentemente tinha sido sujeito a uma das várias intervenções cirúrgicas a que já se havia submetido.
Um dos polícias», continua o relatório, «destacou-se do grupo e, das proximidades do quiosque existente na confluência da Rua do Corpo da Guarda com a Rua de Mouzinho da Silveira, apontou a pistola que trazia consigo, já empunhada, e com ela disparou 2 tiros em direcção do Mário Emílio, o qual foi atingido, logo com o primeiro disparo, no maxilar superior esquerdo na altura em que voltava ligeiramente a cara para olhar na direcção do elemento policial agressor. Logo após o tiro que o atingiu, o Mário Emílio começou a gritar, contorcendo-se, acabando por cair, pouco depois, inanimado, de ventre para baixo. O polícia agressor ainda se aproximou da vítima depois de ter disparado, tendo, de seguida, caminhado em direcção à Praça de Almeida Garrett.»
As conclusões referem depois que a morte de Mário Emílio foi provocada por um projéctil de 7,65 mm e que, da peritagem balística efectuada, não foi possível descobrir qual a arma que efectuara esse disparo. Mas, como referimos, a grande suspeita vai para um elemento graduado do l.º pelotão do Corpo de Intervenção.
«Dada a forma intencional como se verificou tal disparo, a conduta do agressor integra um crime de homicídio voluntário previsto e punido no artigo 349.º do Código Penal», conclui o relatório.
Se evoquei aqui o caso do Marinho foi apenas para lembrar a esta Assembleia, depois de tantos meses em que se discutiram questões jurídicas, institucionais e deveres do Sr. Ministro, que um jovem foi barbaramente morto nessa data fatídica. Esse jovem podia ser nosso irmão, podia ser nosso filho. E a questão que se coloca é a seguinte: como é que nós podemos ter em Portugal uma Polícia de Intervenção que em vez de defender a segurança dos cidadãos é causadora de morte e violência? Que métodos de instrução recebe esta Polícia? A que condicionamentos psicológicos os seus elementos são sujeitos para cometerem tais actos de selvajaria? Que doutrinas recebem? Como pode o Estado democrático tolerar esta situação? Como pode o Estado democrático pagar a quem em vez de assegurar a liberdade e a segurança dos cidadãos é, como já disse, causador de violência e morte?
Que este caso do Marinho não nos esqueça! Que esta Assembleia não o esqueça.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e do deputado do PSD Sousa Tavares.

O Sr. Presidente: - Para que efeito se inscreveu, Sr. Deputado Silva Marques?
O Sr. Silva Marques (PSD): - É para, na sequência das intervenções dos Srs.
Deputados Jorge Sampaio e Carlos Lage, lhes pedir alguns esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Então, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não devemos ter receio de nos afrontar politicamente, na medida em que esse afrontamento é natural, pois decorre de posicionamentos partidários diferentes, mas não vejo motivo por que esse afrontamento tenha de ser feito fora de uma certa preocupação de rigor, e falo pelo menos no rigor formal. É por isso que desejaria perguntar ao Sr. Deputado Carlos Lage o seguinte: V. Ex.ª tem dúvidas de que na última Grande Guerra houve aviadores que não metralharam dentro dos regulamentos a que estão sujeitos e que cometeram excessos? Tem dúvidas de que houve morticínios?...

Protestos, batendo com os punhos nas carteiras, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

... que resultaram eventualmente de erros de actuação?
No entanto, pergunto-lhe: há alguém hoje que, sem desconhecer esses factos, porque seria errado desconhecê-los ou pôr em causa a sua eventualidade, tenha quaisquer dúvidas acerca do seu posicionamento relativamente à democracia e à opção, que aí se faz, fundamental, de desconhecer, sequer silenciar, menos ainda fazer esquecer, que o principal ocasionador da última Grande Guerra foi a agressividade da Alemanha nazi? É possível!? Mas dir-lhe-ei que não só considero isso impossível, como considero impossível que a bancada do Partido Socialista desde sempre tenha abordado a questão pertinente da eventual existência de actuações ilegítimas, até ilegais, até de natureza disciplinar, na repressão aos acontecimentos ou aos fautores das desordens do 1.º de Maio.
Agora, o que não aceitamos é que se silencie e se faça esquecer que durante longos dias, talvez mesmo durante longas semanas, na rua e aqui, nesta Assembleia, o Partido Comunista, apoiando a CGTP, apelou sistemática e deliberadamente à insubordinação e ao desrespeito da autoridade e das leis vigentes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP: - Falso!

O Orador: - Isto tem de ser dito, Srs. Deputados da bancada do Partido Socialista.
Relativamente ao Sr. Deputado Jorge Sampaio ponho claramente esta questão: primeiro, e embora me compita fundamentalmente falar em nome da minha bancada, devo dizer que ninguém está a manipular a maioria. A maioria está a assumir-se dentro daquilo que considera serem as suas obrigações institucionais, as suas questões de consciência, as suas responsabilidades políticas, quer no que diz respeito ao seu posicionamento quanto ao Governo, quer no que diz respeito ao seu relacionamento e posicionamento parlamentar.
Sr. Deputado Jorge Sampaio, admitindo que a maioria, através do seu voto maioritário, está a tentar obstruir uma justa diligência da oposição, que é a de fazer trazer à Assembleia da República documentação necessária para o conhecimento da verdade, pergunto se a oposição, no momento presente, não tem um instrumento legal e constitucional para evitar essa eventual, ilegítima e mal intencionada obstrução da maioria.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Carlos Lage e Jorge Sampaio desejam responder imediatamente ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?

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O Sr. Jorge Sampaio (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Srs. Deputados Jorge Sampaio e Carlos Lage, uso da palavra para, em primeiro lugar, em nome da minha bancada, dar todo o apoio às afirmações que aqui trouxeram e, no que toca ao Sr. Deputado Jorge Sampaio, apoiar igualmente a reclamação, nos termos em que foi feita, no sentido de dar conhecimento à Assembleia da República do relatório do inquérito aos acontecimentos do 1.º de Maio, no Porto, da Procuradoria-Geral da República.
Em segundo lugar, quero colocar-vos algumas questões. Á recusa do Governo (e não apenas do Ministro da Administração Interna, visto que não tem poderes para isso) em dar conhecimento ao País e, de modo especial, a este Órgão de Soberania, que é a Assembleia da República, das conclusões do relatório sobre os acontecimentos do 1.º de Maio, no Porto o que consubstancia uma clara obstrução à competência fiscalizadora da Assembleia da República e com o objectivo, que agora se revela, de encobrir crimes hediondos, como aqueles que são referidos na transcrição que se faz no Jornal de Notícias, do Porto, e que o Sr. Deputado Carlos Lage acaba de ler- não constitui, da parte do Governo, uma tentativa e uma prática deliberada e frontal para impedir o pleno funcionamento das instituições democráticas? Com este acto o Governo não está a impedir que as instituições democráticas funcionem e que a Assembleia da República fiscalize os actos do Governo, como é da sua competência?
Postas estas interrogações, pergunto ao Sr. Deputado Jorge Sampaio que conclusões retira destes factos em relação ao estilo de governação da AD e às suas características como governo.

O Sr. Presidente: - Também, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Creio que o Sr. Deputado Jorge Sampaio, ao solicitar da Mesa uma intervenção no sentido de pedir ao Governo o envio a esta Assembleia do relatório da Procuradoria-Geral da República, terá dirigido também uma interrogação a todos os grupos parlamentares, na medida em que lhes terá solicitado consenso para essa iniciativa. O Sr. Deputado Jorge Sampaio dirá se assim é, mas, partindo deste pressuposto, diria que, da parte do nosso grupo parlamentar, há todo o consenso e todo o apoio para que essa diligência seja feita.
Para além de tudo o mais, o que está em causa neste momento, e no que se refere ao conhecimento por esta Assembleia do relatório da Procuradoria-Geral da República, é a própria dignidade e uma Assembleia, que se não pode demitir das suas responsabilidades e das competências de fiscalização em relação aos actos do Governo, competências essas que são suas e das quais não pode abdicar.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - E porque é a própria dignidade da Assembleia que está em causa, é que aqueles que eventualmente se oponham ao exercício dessas competências, prosseguindo numa posição de obstrução, não só perderão toda a autoridade moral para reivindicar amanhã a dignidade desta Assembleia, como a perderão igualmente para invocar a sua própria dignidade como deputados desta Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Ainda, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado Jorge Sampaio, antes de mais quero dar todo o apoio da UDP ao pedido que V. Ex.ª fez para que, numa perspectiva de consenso, seja dado conhecimento a esta Assembleia do relatório da Procuradoria-Geral da República. E não queria deixar de, mais uma vez, manifestar que este procedimento, por parte do Governo e da Administração, de escamotear a actividade das forças repressivas e dos elementos da Administração ao conhecimento não só da Assembleia como ao conhecimento público se destina fundamentalmente a prevenir e a garantir toda a possibilidade de actuação arbitrária, todas as aldrabices possíveis e imaginárias, tanto por parte dos elementos do Governo como do próprio Sr. ex-Ministro da Administração Interna, Angelo Correia, como aqui começa cada vez mais a ficar claro e evidente aos olhos de todos.
Não nos podemos esquecer que não se trata apenas deste caso do 1.º de Maio, no Porto, em que foram assassinados 2 trabalhadores. Já muitos outros casos de assassinatos, na rua, pelas forças repressivas têm sido deixados no esquecimento, cujos inquéritos e relatórios não têm sido trazidos a público e, no fundo, têm servido uma cadeia de escamoteamento e de prevenção de novas actuações, no mesmo sentido de actuações violentas e criminosas contra os trabalhadores e contra o povo.
Não posso deixar de referir os casos do Luís Caracol, do Jorge Morais, do Manuel Palminha, do Casquinha e Caravela, todos eles trabalhadores, alguns deles ainda jovens, no começo da vida, como este que foi assassinado no Porto, e que foram barbaramente abatidos na via pública pelas forças repressivas, nomeadamente pela polícia de choque, por processos que não podem, de forma alguma, ser considerados como casuais, mas, sim, objectivamente destinados a matar e assassinar - e aqui também subscrevo a interrogação do Sr. Deputado Carlos Lage, perguntando que preparação é dada a forças desta qualidade que se atiram sobre o povo, sobre os trabalhadores, como se estivessem a caçar feras na selva.
Isto exige que uma reivindicação da CGTP, dos partidos democráticos e de todos os trabalhadores seja levada a cabo: que a polícia de choque seja dissolvida de uma vez por todas, como uma força que não tem razão de existir num país e num regime que se pretende democrático, onde o povo não pode ser confrontado com situações deste tipo, com autênticas cargas assassinas sobre as suas movimentações, sobre as suas expressões democráticas, sobre as suas manifestações na rua, e, portanto, não pode estar permanentemente em risco de ver os seus filhos, de ver aqueles que estão a manifestar democraticamente o seu apoio, ou o seu repúdio, serem barbaramente assassinados na rua. A polícia de choque tem, de uma vez por todas, de ser dissolvida como corpo repressivo que não tem qualquer cabimento num regime que se pretende democrático.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa tem dúvidas se o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca tinha

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ou não pedido a palavra, mas como ele não se encontra presente dá a palavra ao Sr. Deputado Jorge Sampaio ou ao Sr. Deputado Carlos Lage, para responderem, se assim o entenderem.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, qual è o tempo total de que dispomos?

O Sr. Presidente: - Agradecia que respondessem o mais brevemente possível porque estamos precisamente a entrar no fim do período de antes da ordem do dia. De qualquer modo, dispõem de 12 minutos. Se as respostas forem muito breves, talvez possamos continuar e concluir hoje este assunto.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, eu utilizarei apenas 4 minutos e o Sr. Deputado Carlos Lage necessitará, aproximadamente, de 2 minutos, portanto, V. Ex.ª ainda fica a crédito com 6 minutos.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado. É muito compreensivo da sua parte. Tenha a bondade, Sr. Deputado Jorge Sampaio.

O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Responderia a todos os senhores deputados em conjunto e, com licença dos restantes, em primeiro lugar ao Sr. Deputado Silva Marques.
Antes de mais, queria dizer à Câmara o que já disse no debate anterior. E que não é minha intenção, nem do Partido Socialista, fazer interpretações repentinas nem abusivas, como também não se trata de reclamar que uma parte dos cidadãos esteja contra a polícia e uma parte da polícia contra os cidadãos. Pelo contrário, tudo isto precisa de ter um mínimo de harmonia para que as funções respectivas possam, de facto, ser exercidas. E se voltámos a pegar neste assunto a partir da revelação importantíssima e do serviço público manifesto que faz o Jornal de Notícias, fizemo-lo por uma questão de princípio e não para tirar conclusões precipitadas.
Este é um aspecto que temos vindo a salientar desde Maio de 1982 e não há nenhuma razão para nos afastarmos dele.
Em segundo lugar, o que teria sido extremamente aliciante - e desculpe-me o Sr. Deputado Silva Marques a franqueza da sugestão, até porque já nós conhecemos há seguramente mais de 20 anos - era que a bancada do PSD tivesse, pelo menos, perguntado ao Sr. Ministro da Administração Interna o que é que a Procuradoria-Geral da República tinha dito, não sobre o relatório, porque quanto a esse já sabemos algo, mas sobre o parecer que lhe foi solicitado sobre a divulgação do próprio relatório anterior.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Não, Sr. Deputado Silva Marques. Disponho de pouco tempo e, além disso, o Sr. Deputado fala aqui muito mais do que eu. Eu falo até muito pouco.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Apenas regimentalmente, Sr. Deputado.

O Orador: - Como dizia, teria sido interessantíssimo saber - pelo que consta agora - que, em novo parecer, a Procuradoria-Geral da República disse que, quando muito, admitiria que se suprimissem os nomes, mas que a revelação do inquérito, nomeadamente à Assembleia da República, não poderia estar em causa.
Ora, o Sr. Ministro da Administração Interna, em sessão de perguntas ao Governo, não revelou esta parte do parecer que ele próprio tinha solicitado, escamoteou-o à Assembleia da República. É capaz de ter escamoteado a outros grupos parlamentares, mas esse problema não é meu e, portanto, o que interessa fundamentalmente é saber se estamos na disposição de assumir as nossas responsabilidades.
E a pergunta que deixei pendente e foi pena que nem todos aqueles que usaram da palavra tivessem respondido era a de saber esta coisa comezinha e evidente- certamente no espírito do Regimento, em nome da defesa desta Câmara, dos deputados, da Assembleia da República, se quiserem, para usar uma linguagem um pouco desusada, em defesa das instituições - de os grupos parlamentares, por consenso simples, solicitarem ao Sr. Presidente se poderia ou não ser dado a esta Assembleia conhecimento do relatório sobre os acontecimentos do 1.º de Maio, perante tudo o que referi e no silêncio absoluto do Sr. Ministro da Administração Interna.
Gostaria de ouvir a resposta do CDS, do PPM e do PSD, porque até agora nada ouvi da maioria a este respeito. Aliás, o que ouvi da parte do Sr. Deputado Silva Marques foi uma acusação que de maneira nenhuma poderemos deixar passar sem resposta. Não estamos a levantar esta questão para tirar ilações precipitadas - e já o disse seguramente 4 ou 5 vezes. De qualquer modo, não estamos aqui para abdicar das prerrogativas legais, constitucionais e democráticas de saber, afinal de contas, quem manda, que instruções se dá, que actos se cometem, que relatórios se fazem, que conclusões se tiram, em suma, como é a transparência da Administração Interna neste país, que é uma coisa que diz respeito a todos os cidadãos portugueses, quaisquer que tenham sido as vítimas, e nós não reclamamos vítimas porque se trata de portugueses e, como portugueses que são, têm, pelo menos, direito a uma reparação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É isso que nos move agora e é essa a pergunta que fica: sabemos ou não assumir as nossas responsabilidades ?
Perante isto, solicitamos ao Sr. Presidente que nos envie o relatório sobre o inquérito aos acontecimentos do 1.º de Maio para, nessa altura, fazermos as diligências que entendermos, para tomarmos a posição que, em consciência, então e só então, poderemos tomar.
Agora, o que este relatório desde já diz é alguma coisa de profundamente diferente daquilo que o Sr. Deputado Silva Marques, com todo o talento e voz forte, tenta efectivamente afirmar.
Estamos abertos aos factos, mas precisamos de saber quais são realmente os factos que foram apurados.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP, dos Srs. Deputados Barrilaro Ruas e Ferreira do Amaral, do PPM, do Sr. Deputado Sousa Tavares, do PSD, e do Sr. Deputado Sanches Osório (Indep.).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage certamente que deseja também responder.

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Dou-lhe a palavra, mas entretanto o Sr. Deputado Silva Marques pede a palavra para que efeito?

O Sr. Silva Marques (PSD): - É para uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, nos termos da revisão constitucional foi adoptado o seguinte dispositivo:

ARTIGO 181.º (Comissões)

4. - Sem prejuízo da sua constituição nos termos gerais, as comissões parlamentares de inquérito são obrigatoriamente constituídas sempre que tal seja requerido por um quinto dos deputados em efectividade de funções, até ao limite de uma por deputado e por sessão legislativa.
Interrogo, pois, a Mesa no sentido de saber se considera que este dispositivo decorrente da revisão constitucional está em vigor e que pode ser exercido livremente e segundo o entendimento que, eventualmente, os grupos parlamentares ou os deputados individualmente considerados entendam fazer dele neste momento.

O Sr. António Arnaut (PS): - Não é isso que está em causa. É o direito à informação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que esse problema não está em causa e não compete à Mesa interpretar agora as disposições constitucionais.
Por isso, não tenho que responder-lhe.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso está a pedir a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Era para interpelar a Mesa, Sr. Presidente, e também para solicitar que a Mesa, no limite das suas possibilidades, tomasse as disposições necessárias de ordem pedagógica, para explicar ao Sr. Deputado Silva Marques, pelo menos, aquilo que se passa nesta Assembleia e que, em princípio, ele, como qualquer deputado, deveria ter obrigação de saber, isto é, que o dispositivo que ele invocou já foi, de facto, accionado nesta Assembleia.
Há aqui uma acção pedagógica que em relação a certos deputados, e no caso concreto em relação ao Sr. Deputado Silva Marques, talvez não ficasse mal à Mesa, dentro dos seus limites, ir exercendo para nos poupar certo tipo de intervenções.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há aqui um problema que gostava de colocar.
Ultrapassámos já o limite do tempo para o período de antes da ordem do dia. Assim sendo, se os Srs. Deputados continuam a pedir a palavra para isto e para aquilo terão que ficar inscritos para a próxima sessão.
Entretanto, para terminar, dou a palavra ao Sr. Deputado Carlos Lage, que pediu apenas 2 minutos. Penso que a Assembleia estará de acordo em que ele use 2 minutos e consideremos, depois, encerrado este debate, ficando inscritos, eventualmente, outros senhores deputados para intervirem sobre o assunto, se assim o entenderem. Faz favor, Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se evoquei o caso dramático do «Marinho», que para mim se transformou, como já disse, num caso simbólico, e se li as conclusões do relatório mandado elaborar pelo M AI, parti do princípio de que as conclusões são correctas e fidedignas, porque até à data - e já passaram 4 dias - o Sr. Ministro da Administração Interna não veio desmentir o teor e a natureza deste relatório nem veio fazer qualquer correcção ao mesmo, assim como o não fez o Procuradoria-Geral da República.
Portanto, parto da exactidão do relato que acabei de fazer.
Já agora respondo ao Sr. Deputado Silva Marques, quando ele pretende atenuar ou desculpar a gravidade dos actos que relatei, dizendo que em estado de guerra e na última Grande Guerra houve aviadores que não metralharam de acordo com os regulamentos. Sr. Deputado Silva Marques, nós não estamos em Portugal, felizmente, em estado de guerra, nem estamos, tão pouco, em estado de sítio ou de emergência.
Não há, pois, qualquer justificação para que, vivendo nós em democracia e num clima de relativa paz, se cometam actos desta gravidade e que haja actuações das forças de segurança que exorbitam largamente do quadro de comportamento em que devem inserir-se os seus actos. Mesmo em estado de guerra há actos, há crimes, que são punidos.
Por conseguinte, a sua analogia continua a ser destituída de qualquer fundamento ou de qualquer validade.
O Sr. Deputado Silva Marques não devia recorrer a artifícios destes para tentar atenuar faltas que são tão graves e que, como eu disse, não deviam ser toleradas no nosso país e que terão de ser corrigidas. O futuro será melhor, com certeza, para a liberdade, para a justiça e para a dignidade da nossa vida política. Assim o espero.

Aplausos do PS, da ASDI, da UEDS e da deputada independente Natália Correia.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está praticamente terminado o período de antes da ordem do dia.
No entanto, queria comunicar à Assembleia, antes de entrarmos na ordem do dia, que deram entrada na Mesa e que foram distribuídos 2 votos de pesar, um pelo falecimento do grande artista plástico Júlio Reis Pereira, assinado pelos Srs. Deputados Almeida Santos, Carlos Lage e Lopes Cardoso, e outro pelo falecimento do Vice-Presidente da República Socialista Federativa da Jugoslávia, assinado pelos Srs. Deputados Lopes Cardoso e Carlos Lage.
Estes votos ficaram para ser agendados na reunião dos líderes dos grupos parlamentares.
O Sr. Deputado Carlos Lage pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Compreendo que o Sr. Presidente tivesse adiado o agendamento destes votos para a reunião dos líderes dos grupos parlamentares, pois conheço a dificuldade que tem havido em discutir e aprovar os votos que vão sendo apresentados no período de antes da ordem do dia.

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No entanto, quero lembrar à Câmara que hoje vai a enterrar o poeta Saul Dias e o pintor Júlio, que é Reis Pereira, sobre o qual o nosso voto foi elaborado.
Por conseguinte, convinha que a Assembleia aprovasse hoje esse voto. Caso o venha só a fazer na quinta-feira ou sexta-feira, já será um tanto extemporâneo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra a mais algum senhor deputado, quero comunicar à Assembleia que se encontra na galeria destinada ao Corpo Diplomático uma delegação de senadores brasileiros do Grupo Brasileiro da União Interparlamentar, Srs. Murilo Badaró e Luisio Chaves, que vêm a Portugal encontrar-se com os deputados portugueses com o objectivo de formarem um grupo interparlamentar de língua portuguesa.
Saúdo, pois, em nome da Assembleia, os senadores brasileiros que nos visitam.
Aplausos gerais da Assembleia, com excepção do deputado da UDP, Mário Tomé.

O Sr. Presidente: - A saudação que fiz foi, evidentemente, em nome de todos os parlamentares portugueses que sentem um especial prazer em receber os senadores do Brasil.
Informo também a Assembleia de que no intervalo haverá uma reunião no Salão Nobre com estes nossos colegas, a fim de se constituir o Grupo Interparlamentar de Língua Portuguesa, e para a qual convido todos os Srs. Deputados a estarem presentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, é para fazer uma proposta à Câmara.
Evidentemente que todos nós gostaríamos de dizer algumas palavras sobre o pintor Júlio.
No entanto, julgo que razões de ordem regimental nos deveriam impedir de perder agora tempo, embora fosse mais do que merecido.
Nesta conformidade, suponho que seria melhor, em vez das declarações que aqui pudéssemos produzir sobre o assunto, guardar l minuto de silêncio. A homenagem ficaria prestada e os trabalhos da Câmara não seriam prejudicados.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Silva Marques, deseja?...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, a minha sugestão era no sentido de que os votos, se houver consenso, fossem votados imediatamente, quer um, quer outro, e que os grupos parlamentares prescindissem de intervenções e que tomassem como seu o próprio teor conclusivo do voto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Parece que houve outros deputados que solicitaram a palavra antes de mim, mas vou só gastar 30 segundos.
Não direi que será por acaso, mas por uma vez, que estou de acordo com o Sr. Deputado Silva Marques. Creio que a proposta que ele fez seria a melhor solução a situação em que nos encontramos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, da nossa parte era para darmos o apoio à sugestão feita pelo Sr. Deputado Borges de Carvalho.
Parece-nos que é a mais regular, e sempre que houve um voto desta natureza, em que se pretendeu a unanimidade da Câmara e a celeridade, esse voto foi apresentado pelo Presidente da Assembleia.
Não tendo sido assim desta vez, parece-nos que a sugestão do Sr. Deputado Borges de Carvalho se quadra melhor com a situação dos nossos trabalhos e também com as praxes da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É para dar o apoio da UDP à sugestão do Sr. Deputado Borges de Carvalho e para não dar apoio à sugestão do Sr. Deputado Silva Marques. Isto é, estamos de acordo que, no fundo, seja votado o voto de pesar pela morte do poeta Saul Dias, mas que o outro vá à conferência dos líderes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar Socialista pretende homenagear o grande poeta e pintor Júlio Reis Pereira. Se essa homenagem pode ser feita nesta Assembleia, assim como a evocação da sua memória, através de l minuto de silêncio, estamos de acordo.
Gostaríamos, por conseguinte, que esta Assembleia, hoje mesmo, no dia que ele vai a enterrar, e terá homenagens fúnebres em Vila do Conde, tomasse qualquer atitude em relação a um tão grande artista.
Por outro lado, pedíamos que, mesmo assim, o Sr. Presidente lesse o nosso voto, ainda que ele vá depois para a conferência dos líderes parlamentares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, para se obter o consenso imediato retiro a anterior sugestão e colocamo-nos na posição agora avançada pelo Partido Socialista.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Isso é por eu estar de acordo consigo?!...

O Sr. Presidente: - Havendo, assim, consenso de todos os grupos parlamentares, vai agora ser lido o voto de pesar pelo falecimento do artista Júlio Reis Pereira, solicitando eu, posteriormente, l minuto de silêncio em homenagem à sua memória.
Foi lido. É o seguinte:

Voto de pesar

Faleceu em Vila do Conde o grande artista plástico Júlio Reis Pereira, que, como poeta, usava o pseudónimo de Saul Dias.
Figura de relevo da arte e da cultura portuguesa, bem como um insigne democrata, o seu desapareci-

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mento deixa mais pobres as artes e as letras portuguesas.
O Grupo Parlamentar Socialista, que sempre teve nele um camarada exemplar, associa-se à dor dos seus familiares e amigos e deseja assinalar o triste acontecimento, para o que propõe a esta Assembleia da República o seguinte voto de pesar:

A Assembleia da República manifesta o seu mais profundo pesar pelo falecimento do pintor e poeta Júlio Reis Pereira, presta homenagem à sua memória, ao seu exemplo e à sua obra.
Lisboa e Palácio de S. Bento, 18 de Janeiro de 1983. - Os Deputados: Almeida Santos (PS) - Carlos Lage (PS) - Lopes Cardoso (UEDS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em seguimento do voto de pesar que acabam de ouvir, solicito à Câmara 1 minuto de silêncio em memória do artista falecido.
A Câmara guardou, de pé, 1 minuto de silêncio.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Vamos entrar agora no período da ordem do dia.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, para proceder à leitura de um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 18 de Janeiro de 1983, pelas 14 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
1) Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
Daniel Abílio Ferreira Bastos (círculo eleitoral de Vila Real) por João Medeiros Mateus (esta substituição è pedida para o dia 18 de Janeiro corrente);
Joaquim Pinto (círculo eleitoral de Vila Real) por Abílio Araújo Guedes (esta substituição ê pedida para os dias 18 e 19 de Janeiro corrente, inclusive);
Vasco Francisco Aguiar Miguel (círculo eleitoral de Lisboa) por António Costa Saldita (esta substituição é pedida para o dia 18 de Janeiro corrente);
Manuel Costa Andrade (círculo eleitoral de Coimbra) por Jaime Carlos Marta Soares (esta substituição é pedida para o dia 18 de Janeiro corrente);
2) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
Mário Gaioso Henriques (círculo eleitoral de Aveiro) por António Paulo Rolo (esta substituição é pedida para os dias 18 a 21 de Janeiro corrente, inclusive);
Eugênio Maria Nunes Anacoreta Correia (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Ferreira Andrade (esta substituição é pedida para os dias 18 a 21 de Janeiro corrente, inclusive);
Adalberto Manuel da Fonseca Neiva de Oliveira (círculo eleitoral do Porto) por
Joaquina Rosa da Costa (esta substituição è pedida para os dias 18 a 21 de Janeiro corrente, inclusive).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por maioria, com a abstenção do deputado da União Democrática Popular.
A Comissão: Vice-Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, Alexandre Correia de Carvalho Reigoto (CDS) - José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António Duarte e Duarte Chagas (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Armando dos Santos Lopes (PS) - João Alfredo Félix Vieira Lima (PS) - Jorge Fernando Branco de Sampaio (PS) - Alfredo Pinto da Silva (PS) - Manuel de A. de Almeida e Vasconcelos (CDS) - Luís Carlos C. Veloso de Sampaio (CDS) - Armando de Oliveira (CDS) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Mário António Baptista Tomé (UDP).

O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Não havendo inscrições, vamos passar à votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE e com a abstenção da UDP.

O Sr. Presidente: - Vamos agora iniciar a discussão dos projectos de lei n.ºs 209/II, do PPM, e 388/II, da UEDS, sobre a criação do concelho de Vizela.
Antes de dar a palavra aos senhores deputados que se inscreveram desejaria dizer algumas palavras à Câmara.
Todos nós temos a consciência do clima emocional que rodeou a apresentação deste projecto. Daí que me permita solicitar aos Srs. Deputados para manter a máxima serenidade na discussão dos projectos e que todas as pessoas, inclusivamente o público que está presente a esta sessão, tenham a consciência de que, de certa maneira, está em jogo o prestígio desta Assembleia.
Assim, estou certo que os debates vão decorrer sem nenhuma intervenção que não seja as intervenções que são permitidas na Assembleia da República e que o público sabe perfeitamente que se não pode manifestar e que tem que assistir com o respeito devido à Assembleia da República - este Órgão de Soberania que é símbolo da democracia em Portugal.
Estou certo, por isso, que vamos iniciar um debate sem emoção, com serenidade, e que a resolução que aqui

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for tomada é a resolução dos representantes do povo nesta Assembleia. Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, era para uma interpelação à Mesa, antes da intervenção do meu colega António Moniz.
É apenas para que possa ficar esclarecido - e a Mesa melhor do que eu o poderá fazer- a circunstância de nesta mesma data não ser discutido o projecto de lei do CDS relativo à criação de municípios.
A nossa marcação foi feita, em conformidade com o compromisso que havíamos tomado, no sentido de que os dois projectos de lei o da criação do concelho de Vizela e o da lei quadro para a criação de municípios - fossem discutidos hoje.
Não foi possível agendar este segundo projecto de lei, não porque o não tivéssemos querido, ou seja, porque não fôssemos fiéis ao compromisso que aqui havíamos publicamente tomado, mas sim porque circunstâncias alheias à nossa vontade, e que têm a ver, julgo eu, com o relatório da Comissão que não foi apresentado a tempo, levaram a que não pudesse ser agendado.
Era apenas para dar este esclarecimento e pedir à Mesa que confirmasse que, de facto, assim foi.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Era para invocar o Regimento, Sr. Presidente, e nessa medida solicitava à Mesa que não contasse este tempo naquele que é atribuído à minha bancada para o debate.
É para invocar mais precisamente o artigo 133.º do Regimento e, nos termos desse artigo, comunicar à Mesa que o Grupo Parlamentar da UEDS retira o seu projecto de lei relativo à promoção de Vizela a concelho.
Não porque não concordemos com essa promoção, mas porque a nossa iniciativa teve como objectivo único o reservamos o direito de proceder ao agendamento desta matéria se, porventura, ele não fosse promovido por outros grupos parlamentares.
Uma vez que o PPM procedeu a este agendamento, a iniciativa inicial é dele, e como a UEDS não tem nenhum interesse em tirar dividendos políticos deste processo, as razões que justificaram a nossa iniciativa deixaram de existir neste momento e, por isso, retirarmos o nosso projecto.
Contudo, queremos que fique claro que se por qualquer razão ou por qualquer motivo não se chegar a uma conclusão e a uma votação desta matéria e caducar, por essa via e por esse facto, a marcação feita pelo PPM, nós retomaremos a iniciativa legislativa que, neste momento e pelas razões que expus, comunicamos à Mesa que retiramos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Américo de Sá pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Américo de Sá (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para informar, porventura desnecessariamente, que o nosso projecto de lei sobre a lei quadro da criação de municípios só não foi agendado visto que não está em condições, em termos de comissão, para poder ser agendado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz, para apresentar o projecto de lei n.º 209/II - Criação do Concelho de Vizela.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No recomeço da discussão do diploma relativo à restauração do concelho de Vizela não posso deixar, após um interregno de cerca de 8 meses, isto é, de 240 dias, de rememoriar esta Assembleia de todos os passos que antecederam e explicam a marcação para hoje do projecto de lei n.º 209/II, da autoria do Partido Popular Monárquico.
Aquando da primeira marcação deste projecto, em 30 de Abril de 1982, mal se entrou na ordem do dia verificou-se não haver o quorum necessário para a discussão e votação do projecto, defraudando-se cerca de 5000 Vizelenses que da sua terra natal se tinha deslocado a Lisboa para, no Plenário, assistir à discussão que à sua vida municipal dizia respeito.
Em 11 de Maio do mesmo ano foi então tal projecto discutido, mas não votado, pois um requerimento apresentado pelo PSD e por ele aprovado, conjuntamente com o CDS, estabeleceu que o mesmo baixaria à Comissão de Administração Interna e Poder Local, para efeito de apreciação, e voltaria novamente a ser agendado simultaneamente com o da lei quadro da criação de autarquias, cujo projecto foi na altura apresentado pelo CDS.
Nesse dia, mais de 7000 Vizelenses acorreram a Lisboa, de camisolas e bandeiras com as cores do novo concelho, para, junto desta Casa, cujas potencialidades para eles tinham renascido com o 25 de Abril, manifestar o seu júbilo pelo fim de um longo processo reivindicativo de uma comunidade que, como um todo, durante 400 penosos anos, esperou pela liberdade municipal e pelo desfraldar da autonomia autárquica.
No entanto, se todos ainda retêm na memória o colorido da ruidosa manifestação vizelense, talvez nem todos recordem, claramente, o que nesse dia foi referido durante o debate, e se acaso a minha intervenção de 25 de Julho de 1982, o exemplar artigo no jornal A Capital, de 22 de Dezembro último, da pena de Francisco de Sousa Tavares, bem como uma série de notáveis editoriais, no Primeiro de Janeiro, não foram suficientes para uma tomada de consciência sobre as responsabilidades e obrigações que então foram assumidas em relação à discussão da criação do concelho de Vizela, lembrarei as palavras então proferidas pelo representante do Grupo Parlamentar do PSD, que, claramente, esclareceu que o projecto de Vizela voltaria ao Plenário dentro de 60 dias, juntamente com a lei quadro da criação de autarquias ou isoladamente, caso esse segundo projecto não estivesse ultimado. E o prazo de 60 dias, então estabelecido, ficou muito claramente definido após o debate.
Porém, a referida lei quadro, da iniciativa do CDS, não mais foi discutida, apesar das propostas alternativas apresentadas pelo PPM e pelo PSD e apesar do relatório e parecer elaborados, em 7 de Julho de 1982, pela Subcomissão nomeada pela Comissão Parlamentar de Administração Interna e Poder Local. E a população de Vizela, de uma só cara, começou a descrer das palavras dos políticos que havia directamente ouvido e em quem tinha depositado a sua confiança e, o que é mais grave, iniciou um processo de dúvida em relação ao próprio Parlamento.

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Bem o meu partido alertou a Comissão de Administração Interna e Poder Local dos graves inconvenientes do congelamento da lei quadro da criação de autarquias, bem o meu partido solicitou a convocação de tal Comissão para que, nesta data, fosse possível discutir o problema de Vizela à luz da pretendida lei quadro.
É verdade que a existência da lei quadro não era elemento essencial para a discussão do projecto de lei de Vizela, pois em 11 de Maio tinha sido esclarecido, pelo vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD, Sr. Dr. Sousa Tavares, e pelo próprio Presidente da Assembleia da República, que «de qualquer maneira», dentro de 60 dias, seria novamente objecto de discussão e votação. Mas o PPM pretendia que a publicação de tal instrumento legal evitasse argumentos já mais que discutidos, que, apesar de tudo, não obstaculizaram a criação do concelho da Amadora. Apesar de tudo, o PPM pretendeu a marcação do projecto da lei quadro para este dia, tendo esse objectivo sido contrariado em sucessivas conferências de líderes parlamentares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da lonjura da província e do sofrimento das suas populações apenas chegam a Lisboa 2 ou 3 linhas dos noticiários dos jornais, que pouco incomodam a sensibilidade de quem vive nos grandes centros. Sei bem, ainda por cima, qual o modo de pensar de alguns responsáveis de todos os quadrantes políticos: é tudo muito longe, lá para cima é um outro mundo. A luta pela liberdade municipal é quase ridícula. Os cavaleiros andantes que a defendem vêm de camisolas e bonés coloridos, não têm maneiras, bebem vinho durante o dia e, aliás, perturbam a resolução de todos os problemas em que estamos empenhados; teremos que ser drásticos com esta gente, que teve a ousadia incomensurável de tomar de assalto, com as suas tropelias, as primeiras páginas dos órgãos de comunicação social durante meia dúzia de efémeros dias; teremos que, implacavelmente, fazer soar, com um gesto de desdém, a sineta que matou o mandarim queiroziano, e as aspirações eternamente inoportunas dos Vizelenses voltarão de onde vieram e ir-se-ão esfumando no esquecimento dos tempos. Durante uns anos não nos incomodarão mais!...
E essa ímpar comunidade, que não tem tido figuras políticas de peso que façam valer eficazmente os seus direitos, apesar do seu querer e da sua força colectivas mostradas durante séculos, não conseguirá fazer valer os seus direitos e ultrapassar egoísticos interesses de alguns. E as virtualidades da democracia ir-se-ão esbatendo aos olhos dos que nela acreditaram, acabando por apenas ser vista como uma máquina desumana que se exterioriza em palavras estudadas que, embora sentidas pelos destinatários, já não fazem reagir o seu centralismo esclerótico. E aqueles que longe vivem e aqueles que longe sofrem e cumprem as suas obrigações quotidianas e, sem defesa, pagam com mais rigor o tributo de todas as cíclicas crises da história continuarão marginalizados, não tendo o mesmo tratamento que outros portugueses tiveram.
Quando o diálogo entre qualquer parte do todo nacional e os seus órgãos representativos se quebra ou é deformado e escamoteado por sibilinas reservas mentais ou por jogos políticos menos claros que a frontalidade e a sinceridade do homem da província não entende, estaremos a dar o primeiro passo para a destruição da própria democracia, entrando-se por caminhos perigosos para as instituições que queremos ver fortalecidas e participadas por todos os elementos da população portuguesa. Carlos Andrés Pérez, social-democrata e ex-Presidente Venezuelano, bem avisa que «quando se fecham as vias pacíficas ao povo é legítimo o seu direito à rebelião».

Vozes do PSD e do CDS: - Que é isto?!...

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não posso de maneira alguma concordar com o que se tem passado em Vizela, mas não posso deixar de reconhecer a lógica da sua angustiosa revolta e de responsabilizar os causadores do desencanto do povo vizelense pelas virtualidades da democracia e de lamentar as demoras havidas na resolução do problema que aqui hoje é discutido.
Se em 11 de Maio último a intenção de algumas forças políticas era de impedir, de qualquer maneira, a criação do concelho de Vizela, então por que adiaram o problema? Por que não se ultimou, nessa altura, a execução da autonomia municipal vizelense?
Para quê fazer renascer a esperança em toda uma colectividade que já tanto sofreu por causa das suas ancestrais aspirações e que tem passado esse testemunho de pais para filhos, escondendo no trabalho e no reforço das suas identidade e solidariedade colectivas as consequências dos seus desaires reivindicativos?
Para quê arranjar desculpas atrás de desculpas para adiar uma decisão que o foro íntimo de alguns já sabia qual era?
O povo, na sua sábia intuição, teve a percepção dessa realidade. Viu perfeitamente que até poderia ser virada contra ele qualquer manifestação que aqui fosse feita, razão por que hoje não se manifestou em frente de S. Bento. Este o motivo porque não vimos à entrada do Parlamento milhares de minhotos desfraldando as suas bandeiras e clamando pela restauração do seu município; na pureza e simplicidade do seu carácter, os vizelenses não permitirão que qualquer desculpa haja para que não seja aprovada, finalmente, a criação do seu município. Sei bem que sempre se podem engendrar justificações para o voto negativo. Desde argumentos regimentais aos burocráticos, passando pela falta do documento cujos termos são passíveis de várias interpretações, sempre há a possibilidade de se criar um obstáculo após outro. No fundo é a velha fábula de La Fontaine, em que o lobo esfomeado, a montante do riacho, dizia ao cordeiro indefeso que o ia matar por este lhe estar a sujar a água que ia beber e, perante a explicação da vítima de não ser essa acusação possível, atendendo ao sentido da corrente, logo a fera bruta engendrou novo e convincente argumento, dizendo peremptório que se o inofensivo cordeiro não estava a sujar a água já o seu pai a tinha conspurcado... E assim foi feita justiça!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por diversas vezes tenho manifestado nesta Câmara que não entendo a política com a utilização de congeminações pouco claras, onde a ausência de transparência retira a possibilidade de compreensão por parte dos que em nós votaram. Neste momento Vizela não compreenderia que não tendo sido dado nenhum passo para se ultimar a lei quadro da criação de autarquias se viesse agora utilizar esse argumento para justificar a não aprovação da criação do seu conselho, principalmente quando não nos foi permitido o agendamento e a discussão anterior daquele diploma.
Em democracia, quando alguma força política não vê aprovado um seu projecto não pode sentir-se derrotado, pois qualquer decisão deve ser a expressão da vontade da maioria. Neste caso, porém, se o projecto de lei não

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merecer a aprovação não será a Democracia que sairá vitoriosa e sim a incongruência que fatal e injustamente castigará o povo que a democracia deve servir.
Não acredito que tal cataclismo venha a acontecer, razão por que espero em Deus que a força perene do regime mais uma vez saia vitoriosa, não se matando as expectativas de dezenas de milhar de pessoas da região de Riba Vizela que, de lágrimas nos olhos e mãos crispadas, rezando e fazendo promessas a todos os Santos, junto aos aparelhos de radiodifusão esperam a noticia redentora: a restauração do concelho de Vizela aprovada pela Assembleia da República.
Não se estranha, pois, que termine esta intervenção com um apelo profundo e sincero à inteligência e ao bom senso de todos os meus ilustres colegas desta Câmara.
Que acima dos seus interesses políticos e partidários saibam reconhecer que a causa de Vizela è justa e que os Vizelenses, se são criticados por alguns excessos, são, ao mesmo tempo, exemplo das mais nobres qualidades do povo português, de antes quebrar que torcer, e que, neles, algo de nós gostaríamos de ver espelhado.
Que seja não só pelo reconhecimento de um direito histórico, mas pela clara assunção da responsabilidade e do profundo respeito que ao povo é devido, que vós, Srs. Deputados, voteis a favor da criação do Município de Vizela.

Aplausos do PPM.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Deputado António Moniz, mais do que como deputado, V. Ex.ª falou como advogado de uma causa.
Vou tentar reduzir o problema da criação do concelho de Vizela à sua exacta dimensão política e não a uma dimensão sentimental, como o Sr. Deputado fez.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A primeira pergunta é a seguinte: nos 60 dias subsequentes à votação, que se realizou, salvo erro, no dia 12 de Maio, do projecto de lei sobre a criação do concelho de Vizela, eu, deputado Sousa Tavares, interessei-me ou não pela factura da lei quadro que diz respeito aos municípios?
Segunda pergunta: foi ou não por motivos inteiramente estranhos à minha vontade que essa lei quadro não veio a ser discutida nem nesse prazo de 60 dias nem subsequentemente?
Terceira pergunta: as razões da Nossa Senhora de Fátima que o Sr. Deputado aqui invocou a favor de Vizela são também ponderáveis em relação a qualquer outro município que se queira criar?
Quarta pergunta: admite que seja criado, a torto e a direito, qualquer município sem a existência de uma lei quadro? Por que è que o PPM não faz questão na criação da lei quadro, tal como está fazendo questão na criação do concelho de Vizela.
Quinta pergunta: acha lícito ligar o futuro e a existência da democracia à criação de um concelho?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Moniz, há mais pedidos de palavra. Deseja responder já ou no fim?

O Sr. António Moniz (PPM): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Moniz, vou - e confesso-o - fazer um esforço para não lhe formular um pedido de esclarecimento nos mesmos termos em que V. Ex.ª acabou de envolver a sua intervenção.
Por isso limito-me a perguntar-lhe o seguinte: parece-lhe excessivo que a lei quadro da criação de freguesias tenha levado cerca de 4 anos a ser aprontada?
Se não considera esse tempo excessivo - e até hoje não vi, da opinião de V. Ex.ª, a mínima manifestação nesse sentido -, poderá o Sr. Deputado, em rigor, acusar da intenção de congelamento a posição daqueles que entendem que a questão da criação dos municípios e da projecção no futuro do ordenamento administrativo no nosso país poderá ser tratada em 4 meses?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Ainda, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado António Moniz, ouvi com toda a atenção a apresentação que fez do projecto de lei sobre a criação do concelho de Vizela e queria colocar-lhe duas questões.
A primeira refere-se às responsabilidades da Assembleia da República. A Assembleia da República é um órgão colectivo constituído por 250 deputados, 9 partidos e naturalmente que as suas responsabilidades são as responsabilidades das maiores que aqui se formam.
Queria, pois, que da parte do Sr. Deputado houvesse um esclarecimento no sentido de dizer que, por exemplo, da parte do meu grupo parlamentar e naturalmente que não somos os únicos houve sempre uma total disponibilidade para viabilizar as reuniões da Comissão e o agendamento da matéria em discussão. Isto em qualquer altura, mesmo nas sessões suplementares que realizámos no decorrer do Verão. Nessa altura e sempre nos manifestámos disponíveis apoiámos o agendamento de um projecto de lei sobre a criação do concelho de Vizela pela Assembleia da República.
Uma vez que é um dos autores do projecto de lei e a pessoa que mais se tem empenhado na sua aprovação, gostaria que, da sua parte, fosse feita justiça ao meu partido e à posição que nesta matéria temos adoptado.
Isto parece-nos tanto mais importante quanto é certo que em democracia são sempre importantes os largos consensos. Ora, nesta questão há um largo consenso na Assembleia da República. Só 2 partidos têm inviabilizado essa criação e é bom que esses 2 partidos sejam responsabilizados pelo que tem acontecido.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão é a seguinte: do nosso ponto de vista e também do seu, segundo ouvi, a lei quadro para a criação dos municípios não é nenhuma exigência, nem constitucional, nem legal; pode perfeitamente criar-se o município de Vizela, como, aliás e isso já foi aqui citado -, já se criou o município da Amadora. Esse é o nosso firme ponto de vista. E mais:

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pensamos que há todas as razões nacionais, regionais e locais para que o município de Vizela seja criado.
Mas foi aqui invocado pelo CDS que o seu projecto de lei, diploma que está pendente na Comissão, não está em condições de subir a Plenário. Isto é um artifício, não tem qualquer fundamento. Contudo, gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse que é assim mesmo.
O projecto de lei quadro da criação de municípios pode perfeitamente subir a Plenário, pois estamos em condições de o discutir. Mas gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse este ponto, porque em democracia um dos princípios fundamentais é o de que cada cidadão, cada responsável político e, mais do que tudo, cada partido seja capaz de assumir com frontalidade as suas responsabilidades e ninguém aqui se encubra com falsas desculpas, tal como a de que o projecto de lei não está em condições de vir a Plenário.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e da UDP.

O Sr. Presidente: - Igualmente, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado António Moniz, a UDP deixou já bem claro o seu apoio às reivindicações do povo de Vizela para a criação do seu concelho, apoiando, nomeadamente, todas as formas de luta que têm sido desenvolvidas pela população de Vizela e condenando as actuações das forças repressivas contra as manifestações do povo de Vizela pela criação do seu concelho.
Ouvi, por um lado, o Sr. Deputado, citando Carlos Andrés Pérez, dizer que é legítimo o direito à rebelião quando se fecham ao povo as portas da democracia, e, por outro lado, que não concordava com o que se tem passado em Vizela.
Gostava de saber se de facto está de acordo com a citação que aqui fez ou se a fez só por um mero exercício de retórica e se está ou não de acordo com as manifestações do povo de Vizela para alcançar a reivindicação mais do que legítima, reivindicação que tem apresentado em todas as instâncias do regime, em todas as instâncias que costumam chamar e chamam democráticas.
Quando se referiu, para mostrar que não havia pressão sobre esta Assembleia, que não havia em frente à mesma uma manifestação como a da outra vez, gostaria de saber se da outra vez aquela forma de estar não era uma forma mais do que legítima de o povo apresentar as suas reivindicações, e se acha entretanto, que não há outras pressões que não se manifestam na rua, mas através dos corredores e outras vias para que Vizela não seja levada a concelho e se não são essas outras pressões que estão a impedir partidos que aqui estão de apoiar a reivindicação do povo de Vizela.
Finalmente, gostaria de lhe perguntar - e a pergunta já aqui foi feita pelo Sr. Deputado Carlos Brito - se não houve já a criação do município sem essa famosa lei quadro da criação de municípios.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos fazer agora o intervalo.
Recordo que, no Salão Nobre, as delegações do Senado Brasileiro e do Parlamento Português vão anunciar publicamente a constituição do Grupo Interparlamentar de Língua Portuguesa, para o qual todos estão convidados.
Está interrompida a sessão. Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 18 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho a impressão de que não fui bem claro quando me referi à pessoa do Sr. Deputado Sousa Tavares.
Já tive oportunidade de dizer que o seu artigo tinha sido exemplar, assim como a sua actuação em todo este processo. Aliás, não é de admirar. Tenho muito prazer em dizer que fui dos primeiros seguidores das doutrinas do Sr. Deputado Sousa Tavares quando ainda andava pelos bancos da escola.

Risos.

Tenho uma grande admiração pelas suas ideias e devo dizer que o Sr. Deputado Sousa Tavares teve uma grande influência nas minhas convicções políticas. Digo-o com toda a sinceridade e aproveito para lhe prestar aqui as minhas homenagens.
O Sr. Deputado Sousa Tavares sempre se interessou pela resolução deste problema, sempre se interessou pelo andamento da lei quadro da criação de municípios e, claro está, nada tem a ver com as demoras havidas na resolução da criação do concelho de Vizela.
O problema da criação do Município de Vizela traduz, no fundo, uma situação concreta em que a vontade popular tem que merecer uma resposta desta Casa; as condições económicas, sociais e políticas vêm expressas pelo querer de toda aquela comunidade. É isso que eu pretendo, independentemente da existência de um quadro abstracto que nós pensamos ser útil que apareça no futuro.
O Sr. Deputado Sousa Tavares achou que eu me emocionei ao fazer a intervenção. Não nego, mas, Sr. Deputado, eu sou um homem da província, sempre tenho vivido no meio da gente de Douro e Minho e conheço os seus problemas. O processo de Vizela fez-me estudar montanhas de canhenhos e sei todo o drama que perpassou por aquela comunidade durante 400 anos. Não vou revelar aqui muita coisa que li acerca das lutas do povo de Vizela pela sua autonomia, mas pode ver que a minha sensibilidade fica tocada quando falo no problema de Vizela. Não nego a minha condição de homem da província, que é capaz de perder talvez a serenidade fria que um político deve ter. Disso me confesso.
Quanto ao Sr. Deputado Silva Marques, meu companheiro de Coimbra, devo dizer que a lei quadro da criação de freguesias durou muito tempo. Contudo, também devo lembrar-lhe que ela, quando começou a ser pensada, não se destinava somente para a criação de freguesias, mas também para a criação de municípios. Por isso todo o trabalho já está feito, os chamados trabalhos preparatórios. Por isso é que a lei da criação de municípios devia ter demorado muito menos tempo e podia até ter demorado os 60 dias ou, pelo menos, os 240 dias que já passaram.

Vozes do PPM: - Muito bem!

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O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Carlos Brito, devo lembrar-lhe que o projecto de lei sobre a criação do concelho de Vizela trouxe problemas aos grandes partidos e a todos os grandes partidos - escusamos de estar agora a tentar iludir-nos -, incluindo o partido de V. Ex.ª, que teve até talvez actuações um pouco ortodoxas. Lembro-me de um comunicado da DORN, na véspera do dia marcado para a primeira discussão do projecto de lei, que talvez não tivesse tomado a posição que agora a bancada de V. Ex.ª tomou.
Pergunta também o Sr. Deputado Carlos Brito se, no meu entender, a lei quadro da criação de municípios já estará pronta. Devo dizer que esse projecto de lei quadro da criação de municípios não é da minha autoria e que só tem legitimidade para a achar ou não pronta o seu autor, que é o CDS. Democraticamente, tenho que aceitar que o CDS não considere esse projecto de lei ultimado.
Também o Sr. Deputado Mário Tomé me falou na afirmação que aqui fiz de Andrés Pérez. Essa afirmação, Sr. Deputado, não é mais do que o desenvolver de algumas teorias tomistas e de Francisco Suarez. Não fiz mais do que explicitar essas teorias.
Os responsáveis têm que ouvir todos os elementos da população e têm que dar resposta pronta aos seus anseios.

O Sr. Barrilaro Ruas (PPM): - Muito bem!

O Orador: - Com o que não concordo bem é que se tente agora vir falar no direito dos povos e das populações quando W. Ex.as, através da filosofia política que vos orienta, não têm respeitado, noutros quadrantes, o direito dos povos.
Eu sou vice-presidente da Associação Amizade Portugal/Polónia e devo dizer-lhe que essa Associação tem a boca fechada, tem a boca aferrolhada e não pode apoiar a luta do povo polaco, porque a isso tem sido impedida pelas manobras dirigidas pelo Partido Comunista. É por esse motivo que me espanto que venham agora tentar tirar dividendos políticos da luta do povo de Vizela, esquecendo-se que noutras lutas o povo tem sido abafado.

Aplausos do PPM.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pedi a palavra para formular um protesto, embora não queira propriamente protestar contra as palavras do Sr. Deputado António Moniz.
Em primeiro lugar, queria agradecer as referências elogiosas que me fez, embora lamente que não tenha respondido às perguntas concretas que lhe formulei. As minhas perguntas foram extremamente concretas, sem floreados, nem literatura, e eu queria uma resposta concretíssima às 5 perguntas que lhe formulei, para que essas questões não ficassem em aberto.
Paciência... sei que este assunto o sensibiliza muito. A mim também já me sensibiliza e, embora não esteja interessado nem num campo, nem noutro, já estou profundamente sensibilizado pela questão de Vizela, na medida em que se devia encarar a sério a questão de uma lei quadro de criação dos municípios. Não compreendo,
aliás, que o Sr. Deputado não veja isso, porque o facto de já haver trabalhos sobre essa lei favorecia o seu aparecimento e a possibilidade de se legislar sobre o assunto.
Digo-lhe com toda a franqueza, Sr. Deputado António Moniz, que não compreendo como é que, sabendo que há outras situações de reclamação pela criação de municípios, pode querer neste momento abrir um precedente tão grave, como seria o da criação do Município de Vizela, sem que a criação desse município fosse verificada perante um quadro legal que não existe e - ainda por cima - estando nós diante de situações que são, de certa maneira, antidemocráticas.
Digo-o porque nem tudo o que se tem passado neste processo tem a claridade democrática que deveria ter. Não é levantando linhas de caminho de ferro, não é fazendo ameaças positivas, não é obstaculizando eleições, que um povo se prestigia para assumir a dignidade de concelho. Sei que têm uma razão, sei que estão desesperados, sei que têm sido enganados - até pelas minhas palavras se podem sentir enganados, embora disso não tenha culpa nenhuma. Peço, no entanto, disso desculpa publicamente, mas não creio que seja através de processos antidemocráticos que se podem obter vitórias democráticas.
Penso, Sr. Deputado António Moniz, que o assunto que está em discussão ultrapassa, inclusivamente, a razão ou não razão de Vizela, passando a ser uma questão extremamente importante para o nosso país e para o ordenamento do território - que vocês, PPM, têm sido, de certa maneira, um dos agitadores de bandeira -, que não se poderá fazer sem uma equação correcta daquilo
que deve ser ou não deve ser um município. É um assunto que diz respeito ao presente e ao futuro de Portugal e não apenas a uma reclamação de carácter concreto. Isto é a minha angústia neste momento!

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Desangustie-se!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Moniz, durante a intervenção do Sr. Deputado Sousa Tavares inscreveram-se, igualmente para formular protestos, os Srs. Deputados Silva Marques e Mário Tomé. Pergunto-lhe, por isso, se deseja usar imediatamente da palavra para contraprotestar.

O Sr. António Moniz (PPM): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, para formular um protesto, o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado António Moniz, não sei se foi meu companheiro de Coimbra..., não me lembro.

Risos do PS e do PCP.

Lembro-me daqueles que em Coimbra lutaram comigo e dos que lutaram contra mim e de ambos os lados ainda hoje conservo grandes amizades pessoais. A vida humana não vive de combates fáceis, vive sobretudo de combates frontais e daí que não me lembro bem de V. Ex.ª em Coimbra... Não me lembro mesmo absolutamente nada!

Risos.

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Admito que tenha sido meu companheiro.
Relativamente ao debate peço-lhe que não volte a trazer aspectos pessoais, que eu não posso confirmar, para esta questão tão séria e importante -, diz V. Ex.ª porque houve necessidade de encarar o problema dos municípios. É exactamente o contrario!
Se houve algum grupo parlamentar que levantou a questão da necessidade de enquadrar a criação de futuros municípios em linhas gerais que permitissem partir para este importante problema dentro de um enquadramento que não deixasse salientar simpatias ou antipatias e que não tivessem uma motivação e uma visão de Estado, foi o da minha bancada.
É verdade que transigimos nesse ponto e que, por isso, apenas ficou definido o enquadramento da criação das freguesias, mas também é verdade que cedemos nesse ponto para que se obtivesse um consenso para essa lei. Nessa altura já estávamos sensibilizados para o problema quando defendíamos a necessidade de uma clara orientação que evitasse má interpretação das populações e dos cidadãos em geral.
Sr. Presidente, peço à Mesa mais alguns segundos para poder completar o meu raciocínio.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Orador: - V. Ex.ª sabe que aquilo que fez gastar tempo na preparação da lei quadro da criação das freguesias foi o estudo do condicionamento da criação das freguesias. Discutiu-se imenso acerca dos parâmetros mínimos para essa criação...

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Quem é que discutiu?

O Orador: - ... e do número mínimo de eleitores, havendo uma imensa vacilação, aliás, salutar, na fixação do número mínimo de eleitores para a criação de freguesias, tal como aconteceu em relação a outros aspectos da lei. Foi aí que se gastou bastante tempo e foi isso que levou ao prolongamento da preparação da lei quadro da criação das freguesias.
Segunda e última questão: diz V. Ex.ª que não se pode coarctar o direito dos povos. Sem dúvida! Mas não se pode é sustentar uma visão de Estado na base de ilusões demagógicas e não fundamentadas relativamente às aspirações legítimas dos povos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pergunto a V. Ex.ª o seguinte: por que é que esteve de acordo com o estabelecimento de condicionalismos para a criação de futuras freguesias?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, igualmente para formular um protesto, o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Deputado António Moniz, interrogo-me se V. Ex.ª percebeu o que lhe perguntei.

Vozes do PCP: - Não percebeu, nem precisa!

O Orador: - V. Ex.ª não disse nada, não disse «peva»,...

Vozes do PSD: - «Peva»?

Risos.

O Orador: - ... daquilo que lhe perguntei. Veio para aqui com uma conversa acerca da filosofia política da UDP quando toda a gente sabe que a nossa filosofia política se baseia no apoio à luta popular de modo a que o povo possa impor a sua vontade, tal como acontece, e por isso o apoiamos, com o povo de Vizela. A nossa filosofia política é a mesma aqui e em toda a parte do mundo, nomeadamente na Polónia..., nem sei mesmo a que propósito é que isso veio para a discussão.
O que aconteceu é que V. Ex.ª veio para aqui com demagogias, com citações que não lhe foram consentidas pela maioria, e depois de lhe terem «puxado as orelhas» no intervalo...

Risos.

... veio fazer marcha-a-trás.

Risos.

Quero que V. Ex.ª responda se está ou não está de acordo com a luta que o povo de Vizela tem levado a cabo e se concorda ou não que há pressões muito grandes, através de grandes interesses económicos por detrás da posição dos outros partidos da AD, para que Vizela não seja concelho.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, para contraprotestar, o Sr. Deputado António Moniz.

O Sr. António Moniz (PPM): - Sr. Deputado Sousa Tavares, não sei qual foi a pergunta que ficou por responder.
De 60 para 240 dias é um «mundo». V. Ex.ª, na altura, pensou que os 60 dias seriam suficientes para a feitura da lei quadro de criação dos municípios. Sei perfeitamente que todo este problema está relacionado com o ordenamento do território, mas também sei que estamos perante um problema concreto que tem de ser resolvido.
Sr. Deputado Silva Marques, devo dizer-lhe que era bastante mais novo...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Andava de fraldas!

Risos.

O Orador: - ... que o Sr. Deputado e que por isso lhe desculpo a deselegância da sua dúvida. Digo-lhe também que na altura não estava nem ao lado nem contra a sua luta..., talvez tivesse in médio est virtus.
Se V. Ex.ª tivesse lido o relatório da Subcomissão saberia que não era muito difícil «pôr cá fora» a lei quadro de criação dos municípios. Já sei que muitos problemas se levantam se for aprovada, já sei que existem imensas dúvidas e já sei que é necessário um consenso, mas daí a adiar eternamente o problema é que não.
Quanto ao Sr. Deputado...

O Sr. Silva Marques (PSD): - E quanto à questão concreta que eu lhe coloquei, se considera razoável 4 meses...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é favor evitar o diálogo.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Cuidado com a maioria estável e coerente!...

Risos.

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Mário Tomé, devo dizer-lhe que nunca recebi «puxões de orelha» de ninguém e que não recebo lições suas de independência.
O Sr. Deputado veio para aqui com demagogias e julgou que quando eu falei em filosofia tomista estava a falar na filosofia da UDP. Não sabe o que isso é, e tenho muita pena.

O Sr. Sousa Marques (PCP): - Foi brilhante!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Mais brilhantina para aquele senhor, que eleja não se safa!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O deputado do MDP/CDE, Herberto Goulart, em representação do nosso partido, colocou minuciosamente qual a nossa posição face à criação do concelho de Vizela, quando este assunto, pela segunda vez, subiu a Plenário no dia 11 de Maio do ano findo.
Recordando e resumindo: o MDP/CDE reconhece a legitimidade da movimentação popular que visa a criação do concelho de Vizela, mas condiciona o apoio ao projecto de lei n.º 202/II, à explicitação dos mecanismos que dêem forma legal à vontade popular. De facto, sem nenhum desrespeito pela ideologia dos nossos colegas monárquicos, o projecto de lei apresentado a esta Assembleia dir-se-ia inspirado nas ordenações reais. E, lido à luz dos novos conceitos políticos, dir-se-ia inspirado na promissora, científica e inovadora proposta do ministro demitido Luís Barbosa, segundo a qual «só depois de aberto se vê como é, tal como os melões».
A seriedade e a dignidade desta Assembleia têm obviamente que se regular por modelos diferentes das do governo proposto. Não será: faz-se o concelho de Vizela e depois vê-se como é.
A vontade das populações é determinante no processo de criação de um município, mas não é suficiente, a Assembleia da República não se pode eximir à sua qualidade de órgão legislativo.
A vontade das populações tem neste caso profundas raízes históricas e existenciais que dificilmente se poderão confundir com atitudes emocionais. De facto, uma comunidade se formou, desde as eras mais remotas, num vale de um rio que envolveu as populações não só num mesmo halo de beleza como em torno dela espalhou uma mensagem de saúde. Conta Estrabão, segundo a história de Barcelos, que ainda os Lusitanos untavam os seus corpos com óleos e outros líquidos, desconhecendo em absoluto os benefícios da água, já as populações de Vizela confiavam ao rio a limpeza e a saúde dos seus corpos. O rio foi um traço de união e desde sempre se identificaram num mesmo conjunto as populações que o ladeiam.
Segundo o Guia de Portugal, de Raul Proença, pensa-se que no lugar onde existe hoje Vizela teria existido um acampamento romano quando da luta de extermínio contra os clans lusitanos ali existente. Baseia-se esta hipótese no facto de no local, sobretudo na freguesia de Santo Adrião, se ter encontrado materiais de construção tipicamente romanos. Provavelmente a instalação desse campo militar teria sido motivada pela resistência dos moradores de uma cividade lusa designada Cinânia, cuja localização precisa se ignora - tão habitual era a destruição radical, implacável, ordenada pelos chefes romanos, quando os nativos de uma região ou cividade lhes ofereciam resistência ou se sublevavam. Foi decerto o que se verificou, não de um modo tão duro, como com a citânia, relativamente próxima de Vizela, hoje conhecida pelo nome de citânia de Roriz ou de São Fins. Diante dessa povoação orgulhosa, de meia altitude, populosa e bem defendida por 3 cintos de muralhas, o general romano parece ter tentado obter um acordo com 'os seus moradores, propondo-lhes a submissão amistosa e simbólica, mediante o pagamento de um tributo. Os representantes altivos dos clans recusaram, porém, laconicamente, essa proposta, respondendo: «Os nossos maiores deixaram-nos ferro para defendermos os muros e os filhos e não ouro para lhos comprarem!»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cada pedra do Norte de Portugal é símbolo deste esforço dos Lusitanos contra a invasão dos romanos, a essa luta ficámos devendo a nossa identidade nacional, o carácter específico da nossa história, o facto de entre os latinos sermos Portugueses, em nada semelhantes a outros povos, mesmo aos nossos parceiros da Península.
A convicção profunda que leva os habitantes de Vizela a uma movimentação popular, cujos excessos o nosso partido repudia, é um fenómeno cultural que nos cumpre assumir. A AD, fiel aos seus parâmetros políticos, nunca a poderá nem aceitar, nem entender. De resto, o seu projecto de lei de revisão constitucional destinava-se a envolver nos braços tentaculares do Poder Central a magnífica expressão de democracia que é o poder local e a reduzir a mera figura de retórica o poder popular.
Senão vejamos as alterações à Constituição da República, apresentadas pela AD no seu projecto de lei: no artigo 241.º propunha a AD que os executivos autárquicos deixassem de ser responsáveis perante as Assembleias; no artigo 247.º a junta de freguesia deixaria de ser eleita pela assembleia e passaria a ser criada nos termos da lei a definir, retirando assim a dignidade constitucional da escolha à assembleia de freguesia; o artigo 248.º eliminaria a possibilidade de a assembleia de freguesia poder delegar nas organizações populares de base territorial. E isto, Srs. Deputados, depois de feita a experiência de 8 anos de poder local, na qual se verificou ser indispensável a participação activa das populações para a resolução dos problemas locais; no artigo 250.º, coerente com o seu conceito de poder local, a AD faz desaparecer os concelhos municipais; no artigo 251.º, também a constituição da assembleia municipal perderia a garantia constitucional e foi delegada para uma lei regulamentar, sabe Deus com que propósito!; no artigo 252.º, também a câmara municipal passaria a ser eleita nos termos a definir por lei. Isto quer dizer que a conquista do poder local democrático deixaria de ter a garantia dos dois terços da Assembleia da República para passar a estar à mercê de qualquer maioria circunstancial, como a que neste momento preside aos destinos deste Órgão de Soberania; o artigo 254.º pretendia eliminar na Constituição a possibilidade de os muni-

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cípios poderem «constituir associações e federações para a administração de interesses comuns»; nos artigos 256.º, 259.º, 260.º e 261.º, também a formação de regiões e dos seus órgãos deixaria de ser garantia constitucional para ficar dependente da lei ordinária.
Se entendermos estas propostas de alteração no contexto de uma política que deu aos governadores civis o direito de se intrometerem politicamente na vida das associações culturais, poderemos entender o sentido que para a AD tem o exercício do poder local. O poder local passaria a ser utilizado para os caciques servirem em Lisboa «votos ao Fulgêncio», como denuncia Eça de Queiroz, em vez de estarem ligados aos interesses da sua terra e dependentes apenas e só da sua própria acção junto dos seus eleitores. A AD não entende, nem quer entender, nem pode entender mesmo que queira, a vida palpitante do País. A proposta deste novo Executivo, perante a crise social e económica e perante as contradições políticas que a dilaceram, só poderia ser engendrada nos colóquios dos corredores, no isolamento dos gabinetes, no alheamento do País real que a AD teme.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos num momento político grave. A maioria desta Assembleia, pela terceira vez, traz a Plenário um problema que foi aqui mal colocado, mas que poderia ter sido regulado e normalizado através do trabalho da Comissão Parlamentar de Poder Local desta Assembleia, era essa naturalmente a intenção do PPM quando apresentou um projecto tão incompleto!
Mas a maioria está cada vez mais dissociada e indiferente aos problemas do povo português. Para ela governar bem, bom era que não existisse povo! É permanente a sua acção desestabilizadora, mesmo quando clama, horrorizada pela crise!

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Não apoiado!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante mais uma prova de incapacidade política, mais uma prova da acção anticultural da AD.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Não apoiado!

A Oradora: - A Câmara de Guimarães encontra-se paralisada, a população de Vizela está em luta e a AD bloqueia todo o sistema legislativo.

Vozes do PSD e do PPM: - Não apoiado!

A Oradora: - Acredito que os Srs. Deputados não me apoiem!
O MDP/CDE considera que as propostas de alteração apresentadas pelo PS e pelo PCP ao projecto de lei n.º 209/II abriam a possibilidade ao diálogo, não só com a população de Vizela, mas com os municípios afectados pela perca de freguesias que lhe pertencem e dava a possibilidade a esta Assembleia de conduzir com dignidade um processo que a ela lhe compete dentro de um esquema legal.
È grave o desrespeito pela população de Vizela. É grave e é simbólico. Estamos perante uma crise política e social de que esta Assembleia se faz, naturalmente, eco. Aqui estão representados os partidos para quem o povo
tem existência real e aqueles para quem o povo é o simples ornamento votante do seu poder arbitrário.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Presidente iniciou esta parte da nossa ordem do dia fazendo um apelo à serenidade.
É procurando corresponder a esse apelo que eu, serenamente e também muito brevemente, porque penso que quase tudo quanto havia para dizer já foi dito ao longo dos debates em torno desta questão, vou usar da palavra.
Creio que nem hoje nem nas sessões anteriores em que esta questão foi debatida se viram contestados os critérios objectivos que podem justificar - e em nosso entender justificam! - a criação do concelho de Vizela.
Creio também que nenhuma bancada e em particular nenhuma das bancadas que têm manifestado a sua oposição a este projecto ousou pôr em causa que ele corresponde a um sentimento profundamente enraizado nas populações do futuro concelho de Vizela. Também ninguém contestou que, formalmente, fosse possível impedir a aprovação dó projecto de lei que agora nos é presente. O único argumento invocado anteriormente e repetido agora é o argumento da falta de uma lei quadro, mas se a boa-fé deste argumento poderia ser ainda tida como verosímil há 8 meses atrás, hoje há seguramente todas as razões para que legitimamente se afirme que o invocar dessa razão é um mero artifício dilatório para que não se assumam as responsabilidades perante a questão clara e simples que nos é colocada de respondermos «sim» ou «não» à criação do concelho de Vizela.
Já vimos aqui argumentos com o facto de que foi curto o espaço de tempo que mediou entre a discussão realizada em Maio de 1982 e a discussão que agora se trava para ter sido possível que a Comissão competente se pronunciasse sobre a lei quadro. Mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, se são aqueles mesmos que propuseram na altura a baixa à Comissão dos projectos de lei, marcando para a Comissão um prazo de 60 dias, que agora vêm invocar a estreiteza desse prazo, das duas uma: esses mesmos, ou confessam que o argumento agora utilizado não passa de uma desculpa, como se diz em linguagem vulgar, «de mau pagador» ou passam a si próprios um atestado de total irresponsabilidade quando fixaram à Comissão um prazo de 60 dias e, mais do que isso, assumiram, perante esta Assembleia, não em nome pessoal, mas em nome dos respectivos partidos, o compromisso solene de, no prazo de 60 dias, promoverem a discussão e votação dos projectos de lei neste Plenário.
Também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, já vimos aqui invocada a eventual falta de transparência democrática neste processo, referindo-se para isso as manifestações das populações do futuro concelho de Vizela. Eu diria que neste processo tem, de facto, havido muita falta de transparência democrática, mas ela não reside na luta desenvolvida pelas populações de Vizela, não se encontra nas manifestações por elas desenvolvidas e cuja clareza é

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perfeitamente evidente. A falta de clareza tem existido, sim, no comportamento das bancadas do PSD e do CDS no tratamento deste processo com o recurso sucessivo a artifícios e manobras dilatórias.
A falta de transparência democrática existiu no dia 30 de Abril, quando através do artifício do pedido de sucessivas interrupções da reunião plenária se acabou por criar uma situação em que houve que encerrar a reunião sem que tenha havido condições para que o Plenário se pudesse pronunciar.
A falta de transparência democrática existiu também quando no dia 11 de Maio se fez aprovar um requerimento sob pretexto e perante o compromisso, cujo valor para aqueles que o assumiram hoje vimos a conhecer, de que 60 dias depois a questão aqui seria discutida e debatida. Aí, sim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, ficou-se muito aquém daquilo que deveriam ser as regras mínimas de transparência nos processos de funcionamento desta Assembleia.
Penso que não podemos adiar por mais tempo o assumir claramente uma posição sem ambiguidades em relação a este problema.
Pode-se ser contra ou a favor da criação do concelho de Vizela nós, pela nossa parte (não é novidade), somos a favor -, o que não se pode é continuar, sob pena de se pôr em causa o próprio funcionamento desta Assembleia, a recusar e a não ter a coragem de se afirmar se se é ou não pela criação do concelho de Vizela, refugiando-se por detrás de puros argumentos, de puros artifícios.
De qualquer forma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, penso que, seja qual for a decisão desta Assembleia, neste momento, não tardará muito o tempo em que as populações de Vizela vejam satisfeitas as suas reivindicações e que venha a ser criado o concelho de Vizela a que essas populações têm direito.

Aplausos da UEDS, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Natália Correia, V. Ex.ª pediu a palavra, ao que julgo para pedir esclarecimentos, mas, de acordo com a resolução vinda da conferência dos líderes parlamentares, não lha poderei conceder, a menos que algum grupo parlamentar lhe ceda uma parte do tempo de que eventualmente ainda disponha.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, se me dá licença, creio que o meu grupo parlamentar ainda dispõe de tempo. Se assim for, e se não houver mais ninguém para me pedir esclarecimentos, obrigando-me nesse caso a utilizar então mais alguns minutos, o meu grupo parlamentar não tem nenhum problema em ceder do seu tempo à Sr.ª Deputada Natália Correia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A UDP não dispõe de tempo para ceder à Sr.» Deputada Natália Correia, mas considera que não há que haver tempo disponível de nenhum partido para ceder à Sr.ª Deputada. É que não há nenhuma razão, não pode haver nenhuma situação que, neste Parlamento, impeça um deputado de, pelo facto de ser independente, expor as suas razões e pronunciar-se sobre qualquer assunto.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e do deputado independente Sanches Osório.

Isso não é tolerável! A Sr.ª Deputada Natália Correia, como deputada independente, tem de poder pronunciar-se.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e do deputado independente Sanches Osório.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, provavelmente V. Ex.ª defendeu esse ponto de vista na reunião de representantes dos grupos parlamentares, mas, de acordo com as informações que tenho, ele não foi aceite na dita reunião.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão com que agora nos defrontamos é uma questão que de há muito está resolvida na Assembleia da República. Os acordos que se fazem na conferência dos grupos parlamentares obrigam os grupos parlamentares e os partidos representados na conferência. São, pois, acordos entre os grupos parlamentares e os partidos representados na conferência. Os deputados independentes, no caso concreto, não participam na conferência e, portanto, eles têm os seus direitos como deputados e não estão abrangidos pelo acordo feito entre os grupos parlamentares.
Daí que, naturalmente, a Sr.ª Deputada Natália Correia tenha todo o direito de usar da palavra, porque tem todos os direitos que todos os deputados têm de usar da palavra.

Vozes do PCP, do PS, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a meu ver, os deputados têm todo o direito de intervir nos debates, mas o que talvez eu possa concluir da informação que me foi dada é que na reunião de líderes se esqueceram de que há deputados independentes, pois, que me recorde, foi sempre destinado um determinado tempo para uso dos deputados nessa situação.

Aplausos do deputado Silva Marques (PSD).

O Sr. Presidente: - Está agora inscrito, para interpelar a Mesa, o Sr. Deputado Silva Marques, a quem concedo a palavra.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, o que V. Ex.ª acabou de dizer é a explicação exacta da situação, isto é, os grupos parlamentares representados na conferência não se obrigam apenas a si, só que se esqueceram de que existiam deputados independentes, pese embora o arranjo de circunstância que algumas bancadas aqui tentaram para efeitos de um regimento futuro quanto a deputados independentes.
Todavia, pelo nosso lado, há a disposição de que,

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neste momento e pelo tempo que se considere razoável, os deputados independentes usem da palavra.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que o incidente está ultrapassado, pelo que passarei a dar a palavra à Sr.ª Deputada Natália Correia para que formule os pedidos de esclarecimento que entenda dever fazer.

A Sr.» Natália Correia (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero agradecer a todos os grupos parlamentares que gentilmente entenderam dever permitir-me usar da palavra no respeito por uma figura que é a de deputado independente. Aliás, paradoxal seria que eu não tivesse direito a usar da palavra...
Quero, pois, começar por estimar ter-me sido dado reconhecer, nas palavras do Sr. Deputado Lopes Cardoso, assim como nas palavras da Sr.» Deputada Helena Cidade Moura, o respeito por uma tradição municipal secular que foi baluarte das liberdades individuais em Portugal. E mais: verificar também que têm presente - estes deputados e outros naturalmente que já falaram ou que sobre isso ainda falarão - que Portugal é obra da conjugação do espírito da independência nacional e da afirmação da autonomia local que se exprime precisamente na luta do povo de Vizela pela restauração do seu concelho.
Mas eu quero pedir ao Sr. Deputado Lopes Cardoso um esclarecimento, que è o seguinte: disse V. Ex.ª que invocar a lei quadro para a criação de municípios nestas circunstâncias seria um exercício dilatório. Ora eu gostaria que me esclarecesse se essa lei quadro é uma abstracção burocrática de anacronismo centralizador, que passa por cima da realidade, que é este caso de Vizela, ou se ela terá de incluir forçosamente essa realidade. Portanto, por que rejeitar desde já o que terá de ser legislado amanhã?
O Sr. Deputado também é da opinião de que iludir reivindicações respeitáveis, concretas e fundamentadas, como as de Vizela, com um sine die, não fica bem a esta Assembleia?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr.ª Deputada Natália Correia, se eu compreendi bem - e julgo que sim- o seu pedido de esclarecimento, devo dizer-lhe que estou perfeitamente de acordo com os argumentos que avançou e que apenas reforçam a afirmação que fiz de que o invocar de inexistência de uma lei quadro não passa de uma simples manobra dilatória para que se não tome posição perante a criação do concelho de Vizela. É porque eu não concebo uma lei quadro que pretenda definir as condições de criação de municípios na qual se não integre o caso de Vizela. E talvez eu vá dizer uma grande heresia, mas penso que há eventualmente mais razões para que Vizela seja concelho do que para que se tenha feito da Amadora concelho, isto é, penso que corresponde mais a uma tradição e a um enraizamento da população - e é menos uma criação artificial ditada por razões de ordem burocrática - a criação do concelho de Vizela do que terá sido a criação do concelho da Amadora - isto sem prejuízo obviamente de a criação do concelho da Amadora ter merecido o nosso acordo.

Aplausos da UEDS, da ASDI e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Fernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Está hoje em debate um projecto de criação de um município.
O meu partido vai, em relação a ele, tomar uma posição de voto coerente com as ideias que tem vindo a defender nesta matéria.
Estamos abertos a considerar os 4 projectos de lei de criação de municípios existentes, um dos quais da nossa própria autoria, ou outros que venham a ser apresentados à Assembleia da República, mas nunca de modo casuístico.
Entendemos que o município é a peça fundamental do poder local, pelo que, sem prejuízo das pretensões das populações, todas nos deverem merecer sempre muito respeito e atenção, não devemos ir atrás dessas pretensões sem que antes se encontrem definidos, à base de estudos sérios de reordenamento do território, os princípios a que devem obedecer os diferentes projectos concretos.
As opções a tomar nessa sede, por um lado, pressuporão estudos complexos que exigem meios técnicos e humanos de que o Parlamento não dispõe e que só o Governo poderá efectuar talvez melhor, diríamos, finalizar, porquanto sabemos que os governos, através do M AI, se vêm preocupando com tal problemática -, tratar e pôr à nossa disposição em espaço de tempo não muito dilatado.
Por outro lado, essas opções deverão traduzir, se possível, o pensamento dominante da maioria das forças políticas com assento no Parlamento, porquanto o que aqui está em causa impõe que se procure uma adesão partidária acima da maioria governativa.
Além disso, nunca o meu grupo parlamentar poderá aceitar que as pretensões, por mais justas que possam ser, possam assumir-se em pressões sobre órgãos de soberania, designadamente sobre esta Assembleia.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - As pressões fazem-nas os tubarões!

Protestos do PSD.

O Orador: - Há quantas décadas ou séculos não existem essas pretensões? Porquê só agora têm que ser virulentamente expressas, como se quem esperou um século ou umas décadas não pudesse aguardar mais algum tempo?
Que objectivos motivaram esta pressa e estas pressões? A quem serve tal intenção?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Aos interessados não é, certamente, como estamos vendo hoje.
Apesar das ilegalidades cometidas e dos meios de pressão usados, nós mantemos os nossos princípios e, por isso, hoje, votaremos contra.
Sabemos que o PPM tinha um compromisso com gentes de Vizela, no que diz respeito a este projecto em apreço. Mas para quê a pressa em submeter o projecto, sem a existência de uma lei quadro, a esta Assembleia da República: apenas trará a impossibilidade de criarmos o concelho nos tempos mais próximos, porquanto, mesmo que a lei quadro venha a aprontar-se rapidamente, se hoje houver uma votação rejeitadora do projecto,

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nenhum projecto com o mesmo conteúdo poderá voltar a ser reapreciado na presente sessão legislativa, em face do direito parlamentar português.
O PPM argumentará que o nosso grupo parlamentar havia mostrado disponibilidade de avançar com uma lei quadro num prazo curto - creio que se chegou a falar em 60 dias -, mas sabe o PPM que preocupados com as grandes questões nacionais do ano passado, que foram a revisão constitucional, a Lei da Defesa Nacional e Forças Armadas, a Lei do Tribunal Constitucional, a composição dos novos órgãos constitucionais, não houve tempo para nos debruçarmos a sério noutros temas, em relação aos quais nos mantemos empenhados, também importantes, mas que não tinham a prioridade daqueles, sendo certo, aliás, que, de imediato, nos apercebermos que o melindre e importância das questões levantadas impunham que tivéssemos que trabalhar sem prazo, apenas com o espírito posto no objectivo de fazer obra duradoira.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Teria sido possível fazer uma lei quadro num espaço curto de tempo? Podemos admiti-lo. Era aquilo que aconteceria se estivéssemos a discutir, desde já, o projecto apresentado em Maio do ano passado. Uma lei provisória. Mas isso seria desvirtuar demagogicamente os verdadeiros objectivos da definição prévia de princípios enquadradores, seria sublevar os princípios de modo encapotado, porquanto atrás dessa lei quadro provisória viriam concelhos em catadupa, uma grande maioria dos quais possivelmente fora dos critérios que, afinal, viessem a ficar consagrados numa lei quadro duradoira, posteriormente formulada de modo adequado, mas já inútil porque seria muito difícil pôr em causa, depois, a reestruturação municipal entretanto efectivada ao sabor das pressões locais ou interesses partidários.
É, assim, patente que não estando embora obrigados por qualquer compromisso efectuado durante a campanha eleitoral a apoiar a criação de qualquer município, estaremos, no entanto, abertos a considerar todos os projectos, no momento oportuno.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nada nos move, especificamente, contra o projecto de criação do município de Vizela, o qual, nos termos em que é formulado ou noutros resultantes de alterações a ponderar, admitimos possa ser uma pretensão razoável.
O que nos move, neste momento, porém, é a preocupação de encarar a matéria em termos do todo nacional, a perspectiva dos interesses globais do país, do Estado; interesses que as populações abrangidas pelos vários projectos não têm o dever de curar, mas a nós não se perdoaria que ignorássemos.
Neste campo, como no que diz respeito às grandes questões do país, sempre procuramos ter uma dimensão nacional.
Assim continuaremos, fiéis a nós próprios, como grande partido português.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Fernando Condesso, V. Ex.ª entendeu referir-se aqui ao compromisso assumido pelo Partido Popular Monárquico em relação às gentes de Vizela. Mas já em relação ao compromisso assumido pelo seu partido perante esta Assembleia arranjou uma curiosa fórmula e que consiste em dizer: «creio que manifestámos uma certa disponibilidade».
Sr. Deputado, creio, agora, que seria legítimo esperar de qualquer deputado, e em particular de um deputado que tem responsabilidades na sua bancada como tem V. Ex.a, que usasse de um mínimo de sinceridade e de transparência nas suas afirmações ou, pelo menos, não desse prova de uma tão grande ignorância quando é porta-voz do seu partido num debate desta natureza.
O mínimo que se lhe poderia exigir era que tivesse procurado recordar-se do que foram os debates antecedentes, chamando a sua atenção para o Diário da Assembleia, 1.ª série, n.º 88, a p. 3695, onde figura o requerimento, subscrito por deputados do seu partido e do CDS e talvez até subscrito também pelo Sr. Deputado - não sei, porque, segundo o referido Diário da Assembleia da República, as assinaturas eram ilegíveis-, em que, claramente, se requer a baixa à Comissão num prazo máximo de 60 dias. E isto para já não lhe falar dos compromissos assumidos pelo então porta-voz do seu partido quando afirmava, por exemplo, que: «Em nome do meu partido tomo o compromisso de em 60 dias votar o projecto de lei [...]», etc, etc.
Se isto é uma certa disponibilidade, em relação à qual o Sr. Deputado tem dúvidas, eu começo a não perceber o que é um compromisso!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Orador: - Perante isto, eu pergunto-lhe: acha o Sr. Deputado que não tem esta Assembleia e não tem a população de Vizela toda a legitimidade para não acreditar numa vírgula daquilo que o Sr. Deputado agora veio dizer a propósito das boas intenções do seu partido em torno desta matéria?

Aplausos do PCP, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fernando Condesso, deseja V. Ex.ª responder ao Sr. Deputado Lopes Cardoso?

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Desejo sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, aquilo que eu disse está dito e de modo muito claro. Nós reportámo-nos, efectivamente, aos princípios que temos defendido. Não neguei que da parte da minha bancada se tenha feito uma certa aposta num certo prazo como sendo capaz de poder resolver a questão da lei quadro. O que eu aqui disse é que, independentemente disso, acontece que esse prazo era bastante curto e, por razões que V. Ex.ª não deixará de compreender e aqui mesmo já referidas pela minha bancada, a própria lei da criação de freguesias demorou tanto tempo a fazer - 4 anos - e não tinha a dignidade nem a importância de uma lei sobre a criação dos municípios.
O que nós aqui manifestámos foi efectivamente o nosso empenhamento no tratamento desta problemática, embora sem qualquer compromisso que seja público em relação ao eleitorado. Não o tivemos quando da cam-

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panha eleitoral e não o tivemos o ano passado. O nosso compromisso foi, efectivamente, para com o PPM em termos de ponderarmos esta questão. O nosso compromisso fundamental foi apoiar Vizela se ela vier a caber dentro da futura lei quadro. O resto são questões processuais, são questões de prazo, creio que são questões secundárias. O nosso compromisso de então é o mesmo de hoje: apoiaremos Vizela se ela vier a caber dentro da lei quadro, mas uma lei quadro concebida não em termos provisórios. Talvez o ano passado, quando deste debate, a nossa perspectiva não fosse anti-lei provisória, talvez a nossa perspectiva não fosse no sentido de saber ou não se se poderia desde logo avançar com uma lei consolidada e que pudesse ser duradoura. Na verdade isso é um dado adquirido e não se pode fazer nada a este respeito em termos efectivamente rápidos.
No ano passado outros temas importantes viraram a nossa atenção para eles e este ano pensamos que esta problemática da lei quadro poderá captar a nossa atenção, mas não nos vamos comprometer mais com qualquer prazo - nem com 30 , nem com 60, nem com 90 dias -, até porque nós sabemos que no ano passado só por se ter referido esse prazo ele foi transformado num cavalo de batalha de W. Ex.as, apesar de saberem que esse prazo poderia, ao fim e ao cabo, não ser razoável, como se veio a constatar que não era.
Nós empenhar-nos-emos na lei quadro, em conjugação com os estudos que sabemos que hoje existem já a nível do Governo e que poderão ser finalizados.
Uma vez feita essa lei e a sua entrada em vigor, nós aqui estaremos para apreciar outros projectos, e até mesmo aquele que eu apresentei - o de Samora Correia, no meu distrito -, e se eles couberem dentro da lei quadro serão, pois, aprovados.
Este é o nosso compromisso fundamental de princípio, e nunca foi posto em causa, Sr. Deputado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lopes Cardoso, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para um breve protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Pretendo protestar pelo facto de, para o PSD - a acreditar nas palavras do seu porta-voz os compromissos assumidos nesta Assembleia não serem compromissos públicos, não serem compromissos assumidos perante o povo português.
Com efeito, o porta-voz do PSD disse muito claramente «não assumimos nenhum compromisso público, assumimos um compromisso aqui dentro». Isto quer dizer que, para o PSD, os votos que aqui formula são votos que devem ficar dentro destas quatro paredes e que em nada o comprometem relativamente à opinião pública.
Eu penso que é uma medida de precaução que o PSD deve tomar porque, de facto, como sistematicamente vota ao contrário daquilo que promete lá para fora, é melhor que se entenda que o que aqui vota nada tem a ver com o que se passa lá fora.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - E também não posso deixar de estranhar que o Sr. Deputado nos venha acusar, a nós, de considerarmos razoável o prazo de 60 dias, quando foram os senhores que o propuseram e votaram. Do mesmo modo, não posso deixar de estranhar que venha agora dizer que todas estas questões são questões meramente formais.
Finalmente, o Sr. Deputado não foi capaz de explicar o seguinte: o seu partido assumiu aqui um compromisso, compromisso que não respeitou. A partir daqui é legítimo que nunca mais se acredite nos compromissos que o PSD aqui vier a assumir.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Muito sucintamente, queria apenas dizer que o prazo de 60 dias não foi um prazo avançado, desde logo, por nós. Foi proposto por outros e nós aceitámo-lo para que naquelas circunstâncias se permitisse que a questão fundamental - que era Vizela - não fosse objecto de uma votação...

Protestos do PS, do PCP e da UEDS.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Não posso conceber! Não pode ser!

O Orador: - A minha bancada não tinha que saber naquela altura e de imediato - quando se propunha a questão da lei quadro se, efectivamente, este prazo de 60 dias seria demasiado ou se seria curto. Constatou-se que era um prazo curto; constatou-se que havia outras matérias que não permitiam que nos debruçássemos sequer sobre a problemática fundamental da lei quadro. É isso que está em causa, Sr. Deputado. V. Ex.ª não põe em causa os nossos compromissos naquilo em que são essenciais, e que eu já referi. Isto é, o compromisso de votar a criação de qualquer concelho este ou outro - uma vez aprovada uma lei quadro, na qual os critérios para a sua criação venham a ser respeitados.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para que efeito deseja a palavra?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Ninguém foi atacado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Srs. Deputados, as afirmações do Sr. Deputado Fernando Condesso far-me-iam passar aos olhos da Assembleia por puro e simples mentiroso se eu me mantivesse calado.
O Sr. Deputado diz que eu afirmei falsamente que tinha havido um compromisso do seu partido e que o prazo de 60 dias não era, ao contrário do que eu tinha

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dito, uma iniciativa do seu partido. O Sr. Deputado disse que era uma iniciativa não sei de quem. Ora, e para não atrasar os trabalhos, pura e simplesmente remeto o Sr. Deputado para o Diário da Assembleia da República, de 12 de Maio, e, nomeadamente, para a p. 3689, na qual, através do porta-voz do PSD é referido, concretamente, o prazo de 60 dias.
Quem ler este Diário verificará qual de nós, mais uma vez, terá falado verdade ou terá faltado à verdade.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, para acabar, e apenas para não deixar de dizer algo sobre aquilo que foi uma má interpretação do Sr. Deputado, desejo esclarecer o seguinte: eu não pretendi dizer que o Sr. Deputado foi mentiroso, nem pretendi negar que nós tivéssemos subscrito qualquer requerimento. O que eu pretendi dizer, Sr. Deputado, foi que nos foi proposto por outras bancadas, e provavelmente pelo próprio PPM, que aceitássemos essa solução - o prazo de 60 dias.
E nós, naturalmente, como solução de recurso, para não termos de votar naquele dia contra a criação do concelho de Vizela, aceitámos isso de boa-fé, não sabendo, a priori, se o tempo seria muito ou pouco ou se outras questões de importância nacional nos iriam impedir ou não de tratar este tema.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - A verdade é que não negamos que posteriormente constatamos que isso era impossível. Não estamos aqui para negar nada e, efectivamente, os princípios que nos norteiam e o empenhamento que nos norteou, esses mantém-se.
Aplausos do Sr. Deputado Silva Marques (PSD).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O concelho de Vizela deve ser criado por esta Assembleia! É de justiça, é constitucional, é legal, é socio-económica e politicamente correcto.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

As populações de Vizela têm razão. Importa que aqui, e em nome do Grupo Parlamentar do PCP, se demonstre a sem-razão, o despautério, a falta de boa-fé, de bom senso, de sentimento democrático, que se escondem por detrás dos alegados pretextos e argumentos dos partidos que anunciaram que irão votar contra a criação do município de Vizela.

Vozes do PCP e do Sr. Mário Tomé (UDP): - Muito bem!

O Orador: - Dois tipos de argumentos se têm configurado. O primeiro de ordem formal, consistindo na afirmação (falsa) de que não teriam sido consultados os
órgãos das autarquias interessadas, e na alegação da falta de uma lei quadro sobre criação de municípios legalmente e constitucionalmente não exigível.
Diga-se, em abono da verdade, que muitos dos senhores deputados que aqui falam da lei quadro - que eles chamam da criação das freguesias nem sequer sabem que essa lei quadro existe, aprovada por vós, talvez às cegas. E que não fala só de freguesias, mas de autarquias, e que se aplica, em geral, a qualquer autarquia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas não só essa lei quadro não é constitucional nem legalmente exigível, como também vale a pena lembrar, igualmente em abono da verdade, que a ideia da lei quadro surgiu quando da segunda tentativa de fazer aprovar a criação do município de Vizela e serviu de biombo para encobrir a fuga às responsabilidades por parte do PSD e do CDS e, para este último partido, serviu também para, desde logo, avançar critérios que sabia irem tornar impossível a criação do concelho de Vizela. Aliás, critérios tão disparatados que desde logo se pode dizer que dos 275 municípios actuais do continente só 30 caberiam no segundo critério. E nas regiões autónomas pouco mais que o número dos dedos de uma mão nele caberiam.
Invoca-se, em segundo lugar, a necessidade de a Assembleia da República recusar deliberar sobre pressão de reivindicações populares, mormente por as reclamações se revestirem de grande força e de grande unanimidade.
Importa demonstrar que os primeiros argumentos são falsos ou inatendíveis e que os segundos são profundamente antidemocráticos.
De facto, a luta das populações de Vizela pela elevação da sua terra a concelho vem de longa data, tem mesmo profundas raízes históricas, justifica-se amplamente em razão da substância da reivindicação. Isto é: existe um conjunto de freguesias, lugares e povoações que se enquadram mal nos 3 concelhos por que estão repartidas e têm uma unidade que representam uma comunidade de interesses económicos, sociais e administrativos que é a base mesma de qualquer município digno desse nome. E os alegados prejuízos para os actuais concelhos de Guimarães, Lousada e Felgueiras não têm outro fundamento que não seja o bairrismo cego ou o caciquismo estabelecido.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Chegado a este momento do processo de criação do concelho de Vizela pouco importa considerar as boas ou as más intenções ou o oportunismo que tenham animado os promotores do projecto de criação do Município de Vizela. As promessas e as expectativas criadas foram mais que muitas, excederam os limites do razoável.
Em substância, a criação do concelho é correcta e por isso, hoje, nenhuma insuficiência formal, ainda que existisse, poderia servir de base séria para fundamentar um voto contrário.
Nós pautamos a nossa actuação por uma exigência séria do cumprimento de todos os requisitos formais e fazemo-lo porque, como muitas vezes temos afirmado e reafirmamos agora, o cumprimento das exigências de forma é como que a pele da democracia. É-lhe vital. Mas

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tal atitude só é coerente se as exigências formais não forem brandidas como instrumentos de chicana, com subterfúgios para fugir à resolução das questões substanciais.
A história da tramitação do projecto de elevação de Vizela a concelho nesta Assembleia é bem um exemplo esclarecedor do divórcio entre os partidos da ainda formal maioria da AD e os interesses das populações e do País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Não apoiado!

O Orador: - O procedimento de tais partidos foi ao longo de todo o processo vergonhoso. Vergonhoso, quando recorreram a sucessivas interrupções dos trabalhos da Assembleia para evitar pela primeira vez a votação do projecto. Vergonhoso, ainda, quando meses depois adiaram novamente a votação pretextando a necessidade de elaboração de uma lei quadro e assumindo o compromisso de a fazerem no prazo de 60 dias, há muitos meses ultrapassado. Esgotado o prazo calaram-se. Julgaram poder colher vantagens eleitorais que o caciquismo estabelecido anunciava e os bairrismos malsãos pareciam prenunciar.
Hoje estão confrontados com a verdade: os caciques estabelecidos não tinham razão, os interesses inconfessados não conseguiram impor-se. O povo de Guimarães votou contra os que mais ferrenhamente se opunham à criação do concelho de Vizela e deu a maioria a quem a favor dela se pronunciou e pronuncia. Face à clara manifestação da vontade popular, quer dos futuros munícipes de Vizela, quer dos actuais munícipes de Guimarães, como se pode ainda pretextar alegadas «insuficiências formais» para recusar aquilo que substancialmente é evidente, é justo, é insofismável?!
Vizela tem razão. As populações de Vizela têm todo o direito de exigir a cada um dos deputados desta Assembleia uma posição claramente assumida, sem subterfúgios, sem tergiversações. O que se exige de todos nós é que tenhamos a coragem de dizer, sem disfarces, se votamos a favor ou contra a criação do concelho de Vizela.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Não se invoque que é preciso uma lei quadro que durante todos estes meses a AD não quis (ou não foi capaz de) fazer!...
Não se invoque a necessidade de estudos que o governo da AD não quis ordenar! Quaisquer que sejam os critérios, por apertados e exigentes que fossem, desde que razoáveis e de acordo com a realidade nacional, è para todos os senhores deputados óbvio que sempre seria correcto a criação do concelho de Vizela, em razão das realidades, e uma vez verificada a condição (que preenchida está!) de ser tal criação da vontade das populações interessadas.
Chegados a este momento do processo de criação do Município de Vizela, nenhum argumento de carácter formal pode ser invocado de boa-fé. Vizela deve ser erigida em município! A Assembleia da República deve votar favoravelmente a criação do concelho de Vizela!
O segundo tipo de argumento invocado tem a ver com a independência com que devem ser tomadas as deliberações desta Assembleia. Alegam alguns que, porque o
povo reclama nas ruas, porque as populações se manifestam de forma extremamente viva e mesmo violenta face à recusa sistemática e injustificada dos seus anseios e justas reclamações, não deveriam os senhores deputados votar a favor dessas reclamações, já que tal voto sempre poderia ser interpretado como uma cedência sem princípios.
Trata-se de um argumento não só falso, como profundamente antidemocrático. Falso, porque o que se pede a esta Assembleia é que por uma vez assuma as suas responsabilidades e vote de acordo com os princípios constitucionais e legais estabelecidos e com as opções políticas de cada um.
Mas é também profundamente antidemocrático, porque é o mesmo argumento daqueles que defendem que a justiça só é justa quando não é reclamada; daqueles para quem a justiça é um bem que alguns detêm e só distribuem quando e a quem entendem. É a atitude daqueles que, deputados, não percebem que o poder democrático reside no povo, povo de quem são meros representantes, para corresponderem, servindo os interesses populares.

Aplausos do PCP.

Os Srs. Deputados só deveriam aqui estar para darem voz ao povo, para atenderem aos anseios populares, para darem resposta às suas justas reclamações e exigências.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Decidir com independência é decidir democraticamente e com respeito pelas aspirações populares. As reclamações populares são, não só uma forma constitucionalmente prevista de manifestação da vontade dos cidadãos e da sua participação na vida pública, como representam aquilo que há de mais essencial à democracia como pressuposto e limite material para o exercício democrático das competências dos órgãos de soberania. Os senhores deputados não têm o poder de votar leis, para distribuir favores, ou dar aquilo que vos não pertence - a justiça. A posição do PCP é clara. Votamos, sem equívocos, a favor da criação imediata do concelho de Vizela. Desde há muito que é para nós questão líquida.
E vale a pena dizer aqui uma coisa a respeito do que o Sr. Deputado Moniz há pouco alegou. Desde que pela primeira vez esta lei veio a Plenário, nós manifestámo-nos pela criação do concelho de Vizela. Fizemo-lo claramente e temos como testemunhas, não só os senhores deputados, mas muitas daquelas centenas de pessoas que então assistiram à primeira reunião. Mas eu posso ir mais atrás. Na verdade existem textos escritos e já em 1977 o n.º 2 da revista Poder Local, falando da criação de novos municípios, alertava, a propósito da comissão instaladora do Município da Amadora, que havia outros casos em que as reivindicações existentes deviam ser atendidas rapidamente. E citava-se: «É o caso da promoção de Vizela a concelho», etc.
Portanto, isto é um texto publicado, existente em várias bibliotecas públicas e privadas, e é de Julho/Agosto de 1977. Prova, pois, que já nessa altura nos pronunciávamos pela justiça da elevação a município do concelho de Vizela.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Importa que mais nenhuma chicana, nenhuma falsa exigência formal, mais nenhuma falaciosa invocação de inexistentes princípios, impeça que cada um assuma as suas responsabilidades e vote hoje mesmo, sem mais adiamentos, a criação do concelho de Vizela.
Quaisquer problemas de especialidade serão resolvidos facilmente se forem tidas em conta as propostas que já existem e a valiosa experiência que resultou da criação do Município da Amadora.
Ás freguesias envolvidas manifestaram o seu acordo, os restantes órgãos autárquicos interessados foram consultados, cabe agora à Assembleia da República, cabe agora a cada um de nós, decidir.
Vizela deve ser erigida em município. Criar o Município de Vizela é constitucional, é legal, corresponde à vontade das populações, aos interesses locais e do País.
Vizela será município. E se não for agora, depois de novas eleições, depois da dissolução da Assembleia e depois de desaparecer esta maioria espúria, Vizela será município.

Aplausos do PCP, de alguns deputados do PS e do deputado Lopes Cardoso (UEDS).

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Borges de Carvalho pretende usar da palavra para que efeito?

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, fizemos chegar à Mesa um requerimento para votação do projecto de lei n.º 209/11 antes do encerramento dos trabalhos.
Entretanto levanta-se um problema, que gostaria de pôr a V. Ex.ª, e que é o do momento do encerramento dos trabalhos, isto ê, se se vai cumprir a hora regimental ou se se entende que o acordo da conferência dos líderes, quanto à distribuição dos tempos, é suficiente para que os trabalhos sejam prolongados até que os tempos sejam gastos e a votação realizada. Dependerá do entendimento da Mesa fazermos, ou não, chegar até ela um novo requerimento solicitando o prolongamento dos trabalhos. Agradecia, portanto, que V. Ex.ª se pronunciasse a este respeito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Borges de Carvalho, com efeito esse problema existe, mas, segundo o Regimento, a sessão deve terminar às 20 horas, salvo se a Assembleia decidir o contrário, não a Mesa.
Se se encerrarem os trabalhos para se votar o requerimento do PPM, o que é perfeitamente regimental, isso será feito com prejuízo dos oradores já inscritos. O requerimento é, evidentemente, imperativo, o que falta é definir a hora do encerramento dos trabalhos. Esta, segundo o entendimento da Mesa e segundo o Regimento, é às 20 horas, e só pode ser alterada se a Assembleia assim o decidir.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Se não houvesse oposição da Câmara considerar-se-ia que o consenso da reunião de líderes quanto aos tempos a atribuir seria válido até ao esgotamento desses tempos. Caso contrário, apresentarei novo requerimento e teremos de votar. Mas talvez fosse mais rápido considerarmos que, por consenso já anterior, estão automaticamente prolongados os trabalhos. Não sei se isto é perfeitamente regimental, mas julgo que, se não houver oposição, poderíamos tomar esta solução.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura pede a palavra, para que efeito?

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Gostaria apenas de fazer um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Penso, Sr. Deputado, que o PPM tem a marcação da ordem do dia, portanto pode requerer a votação. E pergunto: que necessidade é que há de deixar estas galerias cheias mais 3 ou 4 horas se já toda a gente sabe qual vai ser o resultado dessa votação?
Apelo à consciência do Sr. Deputado, à representatividade que nós temos aqui e pela dignidade das populações que vieram assistir a este debate.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pede a palavra, para que efeito?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Queria interpelar a Mesa no mesmo sentido em que o fez o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O nosso entendimento, no acordo que foi feito em torno destes tempos, entendimento que não decorre só daquilo que se passou nesta conferência, mas do que é a praxe dos trabalhos da Assembleia da República, é que uma vez que estabelecemos tempos, eles são para se cumprir durante uma sessão. Portanto, a sessão só termina quando terminarem estes tempos. Neste sentido, pensamos que a Assembleia deve garantir ao Grupo Parlamentar do PPM o direito de reclamar a votação quando estiverem concluídos estes tempos.
Também sossego a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, dizendo-lhe que isto não representará o funcionamento da Assembleia da República por mais 2 ou 3 horas de trabalho. Os tempos já estão em parte esgotados. Por exemplo, o tempo de que dispõe o meu partido está praticamente esgotado, o mesmo acontece com os outros partidos que já fizeram uma intervenção. Portanto, não será necessário muito mais tempo.
No nosso ponto de vista estamos em condições de votar, e se o PPM quiser agora propor a votação não faremos qualquer objecção. Em todo o caso, entendemos que o que se combinou foi uma sessão mais dilatada com o cumprimento destes tempos. Pela nossa parte garantimos ao PPM o direito de, terminados estes tempos, requerer a votação, tal e qual como estabelece o Regimento da Assembleia da República.

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O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Magalhães Mota pretende usar da palavra?
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, posso prescindir de usar da palavra, visto que o meu entendimento é precisamente aquele que já foi exposto, isto é, de que o consenso a que se chegou na reunião dos grupos parlamentares significava que o PPM teria direito de pedir a votação do projecto depois de esgotados esses tempos.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É óbvio!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas declarar que a minha bancada está em condições de votar, até porque não tem mais nenhum orador inscrito. Julgo que se acaso se admite que deveria haver prolongamento para além das 8 horas - o que não me parece muito aceitável-, então o encerramento devia ser visto na perspectiva dos oradores inscritos. Se há oradores inscritos que fazem questão de ainda intervir, então haverá alguma razão para considerar o prolongamento; se os próprios oradores inscritos renunciam, nem a questão se põe.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.» Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, solicito que a Mesa informe a Câmara dos tempos que restam aos vários partidos, para que possamos ajuizar do prolongamento da sessão.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, no conjunto falta cerca de l hora e 45 minutos e estão inscritos 6 senhores deputados.

O Sr. Deputado Carlos Lage, pretende usar da palavra?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sim, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pode prescindir de uma intervenção para expor o seu ponto de vista, intervenção que será feita pelo Sr. Deputado Oliveira e Silva.
Dispomos de 25 minutos, mas não vamos gastá-los. Provavelmente, 10 ou 12 minutos serão suficientes para definirmos o nosso ponto de vista.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Borges de Carvalho pretende adiantar alguma coisa?

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Sr. Presidente, julgo que está tudo dito e, se não houver oposição, os oradores inscritos que quiserem usar da palavra deveriam poder fazê-lo, sem prejuízo do requerimento que foi presente à Mesa.

O Sr. Presidente: - Suponho interpretar o pensamento dos Srs. Deputados e assim, sem prejuízo do requerimento que se encontra na Mesa, devem ainda usar da palavra todos os Srs. Deputados inscritos, solicitando-lhes, porém, que abreviem o mais possível as suas intervenções, para que possamos continuar até, digamos, às 21 horas, sem fazer intervalo para jantar, se assim concordarem.
Pausa.
Não há oposição, pelo que tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que as questões que são debatidas na Assembleia da República, todas elas, merecem, da parte dos deputados que a compõem, uma participação activa. Quando um deputado se limita a comparecer à hora das votações,...

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - ... se limita a levantar-se ou sentar-se, creio que, em primeiro lugar, o povo que o elegeu tem o direito de lhe exigir responsabilidades pelo modo como exerce o seu mandato!

Aplausos da ASDI, do PS, do PCP, da UEDS, do MDP/CDE e da UDP.

O Orador: - É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não prescindi do uso da palavra.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Demagogia!

O Orador: - Aquilo que está em causa, neste processo e neste momento, corresponde a duas ordens de razões exemplares: em primeiro lugar, uma razão política, que abrevio porque todos conhecemos - e conhecemos de curto prazo, de o vivermos neste momento - o que são as promessas não cumpridas, o que é a demagogia, o que são as razões que não são dadas nem explicadas, o que são as demissões e a fuga às responsabilidades, o que é não ser transparente perante o eleitorado e deixar que as crises se gerem, se provoquem e ampliem, se ocultem mais ou menos «à sucapa», sem que ao povo sejam dadas razões claras dessas mesmas crises.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É também isto que aqui está, de algum modo, presente: as promessas não cumpridas, as razões que não são dadas nem explicadas, a demissão e a fuga às responsabilidades, através dos mais variados expedientes.

Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não gastarei, por isso, muito tempo com estes aspectos. Mas gostaria de recordar, de algum modo, a história deste projecto - é o segundo ponto de que me quero ocupar e lembrar que quando um requerimento aqui entrou a pedir 60 dias de prazo estávamos naturalmente envolvidos no processo de revisão constitucional e sabíamos, com certeza, que íamos defrontar-nos com a Lei de Defesa, com a Lei do Tribunal Constitucional e com todas as outras matérias.

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Não farei a nenhum dos subscritores desse requerimento a injúria de pensar que não estavam suficientemente conscientes da importância e da gravidade dos trabalhos pedidos à Assembleia da República no momento em que consideraram que esses 60 dias eram um prazo adequado para a resolução do problema que tanto os preocupava. Mas direi, para além do mais, que importa desmistificar a ideia da lei quadro como panaceia universal para resolver estes problemas. Não só porque a lei quadro não é, de modo nenhum, obrigação constitucional ou legal, mas porque o problema com que estamos defrontados é, na sua essência, um problema que tem que ver com o ordenamento do território e com a concepção de regionalização que perfilhamos.

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - E se assim é, quando se fala numa lei quadro de criação de municípios está-se a pressupor, necessariamente, que o ordenamento do território existente é bom, que a divisão territorial existente é boa e que o que é preciso é criar regras para que os novos concelhos e os novos municípios não venham perturbar essa situação de partida que, já ela própria, seria boa e conveniente. Não é esse, obviamente, o nosso entendimento. E, porque assim é, não podemos compartilhar do ponto de vista daqueles para quem a existência de uma lei quadro é essencial para a resolução deste problema.
Á lei quadro não resolve minimamente o problema do ordenamento do território e da regionalização do País, esses, sim, os grandes problemas com que nos defrontamos.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Para além disso, importa ainda acentuar que se os critérios da lei quadro pudessem, por hipótese absurda, ser aplicados em relação aos municípios existentes, então não seria apenas o projecto de criação do concelho de Vizela que seria inviável, seriam, por esses mesmos argumentos e critérios, boa parte dos municípios do País que se tornariam inviáveis.
Isto porque o que ninguém foi capaz de dizer nesta Assembleia é que, no ordenamento das várias autarquias existentes no País, o concelho de Vizela, a criar-se, não era, muito naturalmente, o maior dos concelhos, mas também não era o menor, nem o menos provido de condições. Para citar alguns estudos existentes na hierarquia dos concelhos do País, o de Vizela, se fosse criado exactamente nos termos do projecto de lei que nos foi presente, ficaria como o concelho n.º 126 da escala hierárquica, ou seja, a meio do conjunto dos concelhos do País, portanto com muitos outros abaixo dele em condições de realização.
Mas não é apenas esta a razão que nos envolve e determina. Pela nossa parte, pensamos que, quando se invoca o «fantasma» da criação de novos concelhos, também se está a criar um falso argumento. Para nós -e tivemos a ocasião de o dizer muito claramente em outra intervenção - os concelhos resultam não de um acto do poder central que resolve criar concelhos mais ou menos de acordo com a sua concepção da realidade e dos mapas que vai esboçando teoricamente, mas, pelo contrário, da sua perfeita coerência.
Dissemos aqui que a geografia tinha as suas razões e recordámos que o concelho de Vizela tem razões geográficas, quanto à sua criação, que justificam, inclusivamente, ao longo dos tempos - porque a reivindicação não é de agora, ao contrário do que aqui foi sustentado-, que essa mesma reivindicação, que é uma unidade cultural que junta as pessoas dos povos vizinhos, seja afirmada e com a veemência que temos visto aqui tantas vezes repetida.
Creio que não será preciso recordar àqueles que conhecem alguma coisa da geografia do País que Vizela é naturalmente uma região, visto que o vale de Vizela, limitado a norte pela serra de Santa Catarina, separa-a de Guimarães, e a sul, a serra do Calvelo separa-a de Lousada. Quanto a Felgueiras, que é o outro concelho abrangido no projecto, o vale, que se estreita, faz fronteira, ficando, Felgueiras na bacia do rio Sousa, como é, aliás, o caso da outra fronteira do concelho, Santo Tirso, que fica na bacia do rio Ave. Ou seja, a geografia tem as suas leis e são essas leis que justificam um contexto cultural. Há, portanto, razões objectivas, razões de identidade cultural, uma reivindicação historicamente mantida através dos tempos, a par de razões de identidade geográfica, para além de razões económicas e sociais, que correspondem a todos os índices que queiram arranjar para a criação de concelhos, que justificam a criação do concelho de Vizela. Por isso, desde o primeiro momento, afirmámos o nosso voto positivo em relação à criação deste concelho. Entendemo-la, não apenas como uma razão exacta de descentralização e de uma regionalização que, para ser autêntica, parte da reunião dos povos, parte da reunião das freguesias, vem de baixo para cima e não é imposta de cima para baixo, centralizadamente, porque isso não é descentralização nem é regionalização.
Partimos dessa concepção para entender que esta é uma questão, como aqui dizia, e bem, o deputado Oliveira e Silva, de direito dos povos, e esta é também, por essa razão, uma questão política fundamental.
Diríamos, por último, que temos a certeza de que a Assembleia da República -e pela nossa parte assumimos esse compromisso não tem medo de pressões. Não venham os Srs. Deputados invocar pressões para justificarem um voto favorável ou contrário. Creio que a Assembleia da República se dignifica precisamente na maneira em como decide para além e supra toda a espécie de pressões.
Mas pressões de quem e pressões porquê? Que pressões limitariam a liberdade de cada deputado exercer o seu voto?
Creio que importará distinguir o seguinte: quando os deputados estão ciosos da sua liberdade e da sua independência interessará que reflictam sobre se são mais ciosos em relação às pressões que vêm do povo ou em relação às pressões que vêm das suas cúpulas partidárias, das suas direcções políticas, de outros interesses.

Vozes da ASDI, do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Creio que o problema das pressões terá a ver com a capacidade de cada deputado se afirmar na liberdade com que, em consciência, vota as questões que lhe são postas, porque é também ele, e por essa liberdade que é a sua responsabilidade, que tem que prestar contas aos seus eleitores.
Quando deixa que outros decidam por ele, isso pode ser um meio cómodo, pode ser um meio de fugir à sua própria responsabilidade, mas é - e isso é alguma coisa

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que, por ser essencial, nos deve preocupar neste momento e neste lugar- também uma forma de fazer acabar com o Parlamento.
Não tenhamos dúvidas de que só há Parlamento livre quando os deputados são livres. Quando os deputados se limitam a ser correias de transmissão, então bastaria, numa fórmula que muitas vezes aqui tem sido evocada, mandar em sua representação um só que dissesse quantos votos obteve o seu partido nas eleições.

A Sr.ª Natália Correia (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Estamos aqui pessoalmente comprometidos com o nosso voto e com a cara e é também nesse sentido que o meu grupo parlamentar, que tem, em questões de interesse regional e local, liberdade de voto nas suas posições, assume, conscientemente, um voto colectivo, porque os 4 deputados votarão a favor da criação do concelho de Vizela. Todos, livremente; todos independentemente.
Queria repetir uma saudação ao partido que teve esta iniciativa parlamentar. Creio que, independentemente da bondade dessa iniciativa, ela, porque traduz uma aspiração correcta, merece, só por si, o respeito desta Câmara e que esse respeito ultrapassa naturalmente quaisquer críticas de pormenor que entendêssemos dever dirigir-lhe.

A Sr.ª Natália Correia (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Queria, por último, afirmar que, porque isso é democracia, também nós não nos sentimos impressionados com o modo, de alguma parte emocional, com que esta questão tem algumas vezes sido aprovada.
Condenamos obviamente todas as acções violentas, todas as acções que ultrapassam a legalidade. Mas quando se fala de violência há uma imagem particularmente sensível na minha região - que é uma região de cheias -, que é uma imagem de Brecht: teremos que nos perguntar, quando o rio transborda das margens, se a violência é do rio ou das margens que o comprimem.

Aplausos da ASDI, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No dia 7 de Julho de 1982, passados 56 dias do mandato, em resultado do requerimento aprovado por esta Assembleia, a Subcomissão da Comissão de Administração Interna e Poder Local, criada para se debruçar sobre o projecto de lei n.º 209/II, apresentou o seu trabalho, um trabalho exaustivo, em que participaram claramente os representantes, e sem equívocos, do PSD, do CDS e do PPM, que durante esses 56 ou
57 dias o debateram com bastante profundidade. Aliás, não só os representantes de cada um dos 3 partidos da AD, mas igualmente o Sr. Deputado Anselmo Aníbal, do PCP, que também esteve presente à maior parte das reuniões, mas que reservou a sua posição para o Plenário.
E, dizia, no dia 7 de Julho, depois de o PPM ter apresentado todas as propostas que entendeu, surgiu um relatório da Subcomissão, onde constam posições que umas vezes são apoiadas, quer pelo CDS, quer pelo
PPM, e em que o PSD tem outra posição, e noutras situações o PSD e o PPM, aliás, em muitos casos, estão de acordo, e o CDS mantém o seu projecto inicial.
Houve, portanto, uma discussão franca e aberta, o assunto foi desdramatizado, e, em princípio, o projecto de lei quadro estava pronto para vir a Plenário. E, de facto, assim aconteceu, tendo havido propostas apresentadas nas conferências dos grupos parlamentares que só não foram agendadas para os dias 23, 27 e 30 de Julho em virtude dos trabalhos da revisão constitucional. Até que, no dia 31 de Julho, o PPM apresentou na Comissão Permanente da Assembleia uma proposta para que, na sua abertura, no dia 10 de Agosto, fosse novamente discutido, juntamente com o projecto de lei n.º 82/II que ainda estava em discussão, o projecto de Vizela e o projecto de lei quadro.
O argumento então aduzido na Comissão Permanente pelos partidos que se opunham não era o facto de não existirem já suficientes argumentos pró e contra a lei quadro do CDS apresentada, mas sim a questão de que a votação era de tal modo importante que trazer questões não do mesmo nível constitucional desta iriam desprestigiar a abertura da Assembleia para a votação final da Constituição.
De facto, a nossa posição foi a de apresentar muito claramente, como, aliás, consta dos relatórios, propostas de alteração a essa lei quadro. Diga-se de passagem que a questão da lei quadro pode ser importante e pode não ser - há quem o entenda de um modo ou de outro. Mas a verdade é que, paralelamente ao estudo que a Subcomissão de Poder Local realizou, surgiu um estudo encomendado pela Câmara Municipal de Guimarães sobre a viabilidade do concelho de Vizela.
Esse estudo foi muito aprofundado, foi um estudo técnico feito pela Universidade Técnica de Lisboa, com a supervisão do Sr. Professor Costa Lobo, que chegou a conclusão bastante interessante. Na realidade, pode ler-se, na sua p. 42 que «a redução eventual do concelho de Guimarães de 12000 habitantes não é, em si, insuportável para o concelho de Guimarães». Aliás, aponta-se nesse estudo técnico, que foi feito com o devido aprofundamento, a questão segundo a qual o concelho de Vizela deveria ser viável com cerca de 55000 habitantes, enquanto que no projecto em discussão se referia apenas 20000 habitantes. É claro que nós até aceitávamos essa opinião, só que as populações locais não se expressaram nesse sentido e a única coisa que surgiu foi a aprovação, por unanimidade, de 9 freguesias a quererem englobar o novo concelho de Vizela, razão porque, enfim...
Mas o argumento técnico da Universidade Técnica aponta para um concelho de 55000 habitantes, enquanto que as populações querem constituir um concelho com apenas 20000 habitantes. Isto implica que a própria lei quadro que viesse a ser aprovada não iria pôr em causa o princípio da criação do concelho de Vizela.
Temos uma latitude suficiente: por um lado, a vontade das populações, que aponta para um concelho com 20000 habitantes; por outro lado, os estudos técnicos já realizados, que apontam para 55000 habitantes. Ora, tudo isto pode até ser adaptável numa lei quadro que viesse a ser elaborada.
Os argumentos que têm sido aduzidos pela Câmara de Guimarães, juntamente com os pareceres de outras autarquias, parece-me que não têm grande cabimento. Aliás, se se aponta como um dos argumentos o facto de o concelho de Vizela não ser economicamente viável

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apenas com 20000 habitantes, não se compreende como é que, por outro lado, ao retirarem-se 20 000 habitantes do concelho de Guimarães, se pode aceitar o argumento de que se inviabilizará o concelho de Guimarães. Ora, se não se é viável porque o concelho é constituído por 20000 habitantes, se isso não é economicamente viável, lógico será concluir que não será por saírem 20000 habitantes de um dos maiores concelhos do País - e que o continuará a ser - que deixará de ser viável.
De facto, chamo a atenção dos colegas da Câmara para esta situação, que é muito clara: o concelho de Guimarães tem a posição de que, excluindo as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, quer o concelho de Vizela seja criado, quer não o seja, nos termos em que está no projecto de lei continuará a ser o concelho com maior número de habitantes; continuará a ser o concelho com maior número de eleitores, apenas ultrapassado por Coimbra, que também já o é na actual situação; continuará a ser o concelho com maior concentração demográfica, a seguir a Braga, São João da Madeira e Entroncamento; continuará a ser o concelho com maior número de população activa; continuará a ser o concelho com maior cobrança de impostos sobre automóveis, por exemplo, e, também neste caso, apenas ultrapassado por Coimbra - este dado aplica-se igualmente à contribuição industrial; continuará a ser o concelho com maior contribuição para o produto interno bruto nacional, logo a seguir a Aveiro, Estarreja, Figueira da Foz, Barreiro e Seixal; continuará a ser o concelho com maior número de freguesias do País, logo a seguir a Barcelos; continuará a ser o concelho que regista a maior explosão demográfica, isto se tivermos em conta a relação entre população total e número de eleitores.
O aspecto do estudo económico e técnico sobre a viabilidade do concelho de Vizela, encomendado, repito, pela Câmara Municipal de Guimarães, aponta para um concelho de 55000 habitantes, mas apenas os representantes de 20000 habitantes se pronunciaram e nós não podíamos vir a esta Assembleia impor que 55000 habitantes fizessem parte desse concelho. Aliás, desses 20000 habitantes, o número de eleitores que vêm do concelho de Guimarães é cerca de 9000, apenas 5% da população.
Um dos últimos argumentos aduzidos contra este projecto de lei é a questão de saber se o parecer das autarquias directamente interessadas deve ser ou não vinculativo. Evidentemente que todos nós sabemos que não existe nenhum preceito constitucional, nem nenhuma disposição legal, que obrigue a que haja pareceres vinculativos. Aliás, esta situação seria anacrónica, na medida em que a obrigar-se a um parecer vinculativo deste género isso poderia querer significar, em larga medida, que as regiões autónomas teriam que ter um parecer vinculativo do continente para poderem ser regiões autónomas.
Quem sabe se, por demonstração ou por absurdo, não teríamos que ter uma lei quadro antes de termos declarado os Açores e a Madeira como regiões autónomas!
Penso que o parecer deve ser atendido e que o processo está bem instruído porque tem pareceres de todas as assembleias de freguesia, de todas as câmaras municipais envolvidas. E atendendo, inclusivamente, à existência de um estudo técnico que fornece a esta Câmara uma amplitude de opções que vai entre os 20000 (proposto pelo projecto) até aos 50000 habitantes (proposto pelo estudo feito pela Universidade Técnica), em qualquer hipotética lei quadro que venha a ser lançada o concelho de Vizela e os seus limites geográficos podem ser extremamente maleáveis e adaptáveis a essa lei quadro.
Portanto, a minha proposta é que, de facto, aceitemos que até deva haver uma lei quadro. E mais: devemos aprovar hoje, aqui, na generalidade, a criação do concelho de Vizela, e depois, na especialidade, o adaptarmos a uma eventual lei quadro que possa vir a surgir.
Penso que temos todas as condições, Sr. Presidente, Srs. Deputados, de podermos, ao menos porque parece que todos estaremos de acordo com este princípio -, votar este projecto na generalidade e adaptá-lo, na especialidade, atendendo à amplitude que nos possibilitou os estudos já existentes.
Por isso confio e porque, repito, estamos todos de acordo em como Vizela deve ser, em princípio, concelho- que hoje, na generalidade, Vizela vai ser concelho, deixando a discussão para a especialidade. É essa a minha esperança e tem sido essa a nossa luta.

Aplausos do PPM.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Coimbra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Partido Popular Monárquico já esgotou o tempo que lhe estava atribuído e por isso o Sr. Deputado Luís Coimbra não poderá responder-lhe.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, nós cedemos tempo ao PPM.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Deputado Luís Coimbra, já estivemos aqui em 30 de Abril, em 11 e 23 de Maio e em 27 e 30 de Julho de 1982, e os vizelenses que hoje aqui estão também aqui estiveram e também verificaram os procedimentos dos partidos da ainda maioria AD. Os Vizelenses sabem o que aconteceu: desde as «meias-horas» ao desdizer-se tudo foi utilizado da forma mais descarada e incorrecta para com as populações.
Perguntava-lhe, em primeiro lugar o seguinte: se esta AD este parece ser só o nosso juízo-, para além de ser espúria, para além de ter conduzido uma política criminosa para o País, e também claramente, através da metodologia que tem seguido, uma AD má pagadora de promessas?
A segunda pergunta, já que avançou pela análise do projecto de lei n.º 338/II, apresentado pelo CDS, quando referiu os requisitos fundamentais, designadamente o seu artigo 4.º, é a seguinte: o CDS, quando apresentou aqui esse projecto de lei dito da criação dos municípios -, pensou pura e simplesmente em inviabilizar Vizela?
O projecto de lei do CDS foi apresentado para pôr uma certa capa de decoro no não que ia fazer a Vizela. Lembro-lhe, por exemplo, que os requisitos apontados no n.º l do artigo 4.º do projecto de lei do CDS eram claramente contra os 30 km2 que a área das 9 freguesias apresentadas para o Município de Vizela e lembro-lhe também que os 30000 eleitores que lá são referidos são contra os 11000 eleitores da área do Município de Vizela.

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Coloco-lhe muito claramente estas duas questões e agradecia-lhe a resposta utilizando o nosso tempo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado Luís Coimbra se deseja responder utilizando o tempo que lhe foi cedido.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Desejo sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Coimbra (PPM): - Quero começar por agradecer ao Sr. Deputado Anselmo Aníbal o tempo que me ofereceu.
Aproveito para lhe dizer com toda a calma, num momento que se está a poucos minutos da votação do nosso projecto de lei, que foi patente na Subcomissão de Poder Local o entendimento embora tivesse havido divergências entre o PSD, o CDS e o PPM- cordial entre os partidos da AD.
Quer na Comissão de Poder Local, quer, aliás, na vida nacional, na AD tem havido entendimento e embora a AD não seja uma estrutura monolítica existe muito mais que o direito de tendência porque existem 3 partidos, cada um com as suas características, que se respeitam e que, em muitas situações, se interligam -, ...
O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito bem!

O Orador: - ... há uma coisa, Sr. Deputado Anselmo Aníbal, que nós não confundimos, ou seja, as questões nacionais com as questões locais.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Muito bem!
Não confundimos questões nacionais com uma lei quadro mais ou menos elaborada por este ou aquele partido. A AD foi constituída -isso está escrito no acordo que foi assinado - para as questões nacionais e o poder local não estava, sequer, incluído nesse acordo. Prova disto é o facto de a AD só ter concorrido em cerca de metade dos concelhos do País. Não è, portanto, uma questão da AD, mas sim do poder local.
Quanto à lei quadro que referiu, é evidente que não lhe posso responder porque não sou deputado do CDS. Em minha opinião demonstrei-o nas reuniões da Subcomissão, os critérios do CDS apontavam para a possibilidade de só se poderem criar novos conselhos em áreas de alta concentração urbana, sobretudo nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto. Era um critério que iria inviabilizar a criação do concelho de Vizela, como de muitos outros, mas, em princípio, aceitei a sugestão que veio a surgir durante os 56 dias em que debatemos a criação do concelho de Vizela e a lei quadro. O Sr. Deputado Anselmo Aníbal também lá esteve e consta do relatório que houve uma maleabilidade do próprio CDS ao aceitar algumas das posições alternativas apresentadas pelo PSD e pelo PPM, facto que abria as portas às alterações dos critérios iniciais.
Não penso que os critérios apresentados pelo CDS pretendessem, só por si, inviabilizar Vizela, mas sim porque só previam concelhos nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto.
Tentei, Sr. Deputado, responder o melhor possível - com o seu tempo - às perguntas que me formulou.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Luís Coimbra traçou um quadro idílico da AD e que realmente as circunstâncias actuais tornam também num quadro pintado com um certo humor.
A interpretação do CDS vamos vê-la na votação que daqui a momentos iremos fazer sobre esta matéria e nessa ocasião verificaremos também quais são essas aproximações que o Sr. Deputado Luís Coimbra diz ter entendido da parte do CDS em relação a um projecto de alterações ao projecto de lei do PPM.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Silva.

O Sr. Oliveira e Silva (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando, em 11 de Maio de 1982, subiu a este Plenário, pela segunda vez, o debate sobre a criação do concelho de Vizela encontrava-se na Presidência da República, para o efeito de ser promulgada, como veio a ser, a lei sobre a criação e extinção de autarquias locais e fixação da categoria das povoações.
Na sua última versão trata-se de um diploma que, emanado de um amplo consenso, obtido quer a nível da Comissão Parlamentar da Administração Interna e do Poder Local, quer depois neste Plenário, só em questões pontuais e de secundária importância suscitou algumas controvérsias, que foram facilmente ultrapassadas.
Exibe, no entanto, esse diploma uma manifesta assimetria ao precisar e quantificar os requisitos indispensáveis à criação de freguesias e à elevação das povoações a vilas e cidades, por um lado, e ao libertar, por outro, de todos esses condicionamentos os municípios, que ficaram apenas submetidos à disciplina dos preceitos mais genéricos, de aplicação comum a todo o tipo de autarquias.
Assim aconteceu, a nível da Comissão Parlamentar da Administração Interna e do Poder Local, por proposta explícita do representante do PSD, logo secundada pelo do CDS, invocando ambos a impossibilidade de se modelar uma grelha tão flexível que pudesse acudir às múltiplas e diversas situações existentes. Entendeu-se, por isso, preferível, à semelhança do que aconteceu com a Amadora, que, em matéria de criação ou extinção de municípios, se optasse pela apreciação casuística, norteada, embora, pelo critério normativo consagrado no artigo 3.º do referido projecto de lei, que mandava ter genericamente em conta, além dos pertinentes índices geográficos, demográficos, sociais, culturais e económicos, razões de ordem histórica, os interesses de ordem geral e local, as repercussões administrativas e financeiras e ainda os pareceres e apreciações expressos pelos órgãos do poder local.
Assente, pois, esta directiva, o diploma consignou no seu preceito final a revogação expressa das disposições do Código Administrativo que anteriormente regulavam as mesmas matérias e, entre elas, o artigo 8.º do mesmo Código, justamente o que versava o modo de criação de municípios.
Quer isto assim dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que ao subir a este Plenário, no dia 11 de Maio de 1982, a questão de Vizela já então a Assembleia tinha fixado os critérios que deveriam presidir à formação de novos municípios, tendo optado por uma liberdade de

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movimentos e uma capacidade de decisão que lhe permitiam, aliás, na esteira do que acontecera com o concelho da Amadora, dar desde logo satisfação aos justos anseios das populações vizelenses.
Isso mesmo, tanto o Sr. Deputado Silva Graça como eu próprio, tivemos ocasião de afirmar neste Plenário, mas a maioria PSD-CDS, surda a todos os apelos, ditou a sua lei, votando um requerimento que fez baixar à Comissão de Administração Interna e Poder Local o projecto de lei apresentado pelo PPM para ser agendado logo que houvesse legislação geral em que se pudesse enquadrar a criação de autarquias municipais, em prazo não excedente a 60 dias.
Quer dizer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, e remontando ao princípio: já em 30 de Abril de 1982, agendado o tema do concelho de Vizela, a maioria se tinha esgueirado, abandonando sorrateiramente este Plenário para provocar a falta de quorum e assim impedir a discussão de tão candente problema, atitude que então denunciámos como gravemente lesiva do prestígio desta Assembleia e da dignidade da instituição parlamentar.
No dia 11 de Maio seguinte, não tendo coragem para reincidir em tão censurável conduta, preferiram, o PSD e o CDS, pôr em prática um expediente dilatório, consubstanciado no aludido requerimento, que apontava agora para a necessidade de uma legislação geral em que se pudesse enquadrar a criação de autarquias municipais no prazo de 60 dias, quando, como se está a demonstrar, a criação de autarquias municipais, na altura pendente de promulgação, incluía já aquela disciplina genérica, nos precisos termos em que ela tinha sido proposta pelo PSD, logo secundado pelo CDS.
Há muito que o Partido Socialista tinha percebido que a vontade política da maioria, neste domínio como em outros condicionada pela estratégia do CDS e pela mentalidade de alguns caciques locais, se opunha à criação do concelho de Vizela, não obstante ser incontroversa a justiça da pretensão.
Foi, por isso, com profundo cepticismo que a bancada socialista recebeu a promessa solene do Deputado Sousa Tavares, de cuja boa-fé, aliás, nunca suspeitámos, ao proclamar ipsis verbis, como se vê no Diário da Assembleia da República, n.º 88, de 12 de Maio de 1982, a p. 3677:
Posso garantir, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, pelo menos enquanto eu for seu primeiro vice-presidente, que nos associaremos ao PPM para obter a aprovação de uma lei quadro dentro de 60 dias e, de qualquer maneira, fazer vir o projecto de lei de criação do concelho de Vizela a esta Assembleia dentro do mesmo prazo.
O tempo deu razão ao PS e aos demais partidos da oposição, como era de esperar. Aquele prazo, de 60 dias, mostra-se já excedido 4 vezes; decorreram, na verdade, 8 meses e a maioria, como de costume, não cumpriu a sua palavra.
Não cumpriu a sua palavra perante esta Assembleia e desautorizou o seu representante legítimo, o Deputado Sousa Tavares, que, frontalmente, pôs a nu no jornal que dirige a trama urdida no seio do seu grupo parlamentar para iludir a justa aspiração do povo de Vizela à sua autonomia municipal.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Como afirma aquele deputado em A Capital, de 22 de Dezembro:
O PSD não cumpria a promessa de ser apresentada uma lei quadro ao Plenário, promessa conscientemente feita pelo seu representante legítimo e aprovada, sem oposição, pela maioria dos seus deputados.
E acrescenta o mesmo deputado:

[...] o que está em causa é que um partido desautorize os seus representantes legítimos, reveja uma posição tomada e falte a uma promessa solenemente assumida. A variação dos agentes não elimina os compromissos colectivos.
E, por isso, entendo, embora não podendo concordar com a lamentável forma de protesto utilizada - as eleições deveriam ser consideradas sagradas-, que Vizela tem razão.
Compreendemos agora que se o próprio Deputado Sousa Tavares não pode sufocar um justo protesto perante a conduta do seu partido, mais difícil seria evitar o arrebatamento das gentes de Vizela e calar os seus naturais sentimentos de revolta perante a situação provocada por uma maioria que também aqui se mostra de todo incapaz de assumir as suas responsabilidades.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Partido Socialista é um partido que se bate intransigentemente pela legalidade democrática e pelo respeito da ordem jurídica dela decorrente. Não pode, por isso, deixar de condenar com a maior veemência os graves incidentes que ocorreram em Vizela nos passados dias 12 e 19 de Dezembro e que impediram a realização das eleições autárquicas naquela área. Mas considera igualmente o Partido Socialista que no plano ético-político a responsável última pelos acontecimentos desencadeados é esta maioria parlamentar, que ainda temos, ao embaraçar com todos os meios ao seu alcance a criação do concelho de Vizela, não obstante o reconhecimento generalizado, que nem ela, aliás, ousa contestar da existência de um condicionalismo que sobejamente justifica a constituição urgente daquele município.

Vozes do PS e da UEDS: - Muito bem!

Como tive já ocasião de afirmar, o que aqui está em causa é um direito dos povos que um regime autenticamente democrático tem obrigação não só de garantir, como de consolidar e desenvolver.
Uma democracia atenta à dinâmica do crescimento humano, às crescentes exigências da vida dos povos, à constante multiplicação das suas necessidades e dos seus interesses, tem inevitavelmente de aceitar uma maleabilidade da organização administrativa que possa garantir a sua permanente adequação às novas realidades comunitárias.
O que importa, repetimos, é acautelar os pressupostos em que deve sempre assentar uma proposta de dilatação do poder local: a criação de um novo município ou freguesia deve, antes de mais, corresponder à existência de um aglomerado populacional com capacidade e possibilidades de exercer as competências e prosseguir as atribuições que a lei comete aos respectivos órgãos e

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desde que seja de presumir que desse exercício autónomo resulte proveito para os correspondentes povos.
Atingindo este escopo e garantido idêntico estatuto para a autarquia de origem, a criação do novo município ou freguesia corresponderá manifestamente a uma perspectiva democrática e descentralizadora da vida administrativa.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por isso apoiamos a criação do concelho de Vizela, que, se tivesse sido votada, como pretendemos em 12 de Maio do ano passado, teria evitado os lamentáveis incidentes de 12 e 19 de Dezembro findo e a anómala situação com que ainda agora se defronta na Câmara Municipal de Guimarães e que urge resolver.
E alertamos, por fim, a maioria para as graves responsabilidades que continua a assumir perante a situação criada numa área em que por sua culpa já nem sequer é possível assegurar o pleno exercício das liberdades democráticas.
Não temos, é certo, grandes ilusões sobre a permeabilidade da maioria PSD-CDS a estes problemas e por isso duvidamos sinceramente que tenha a humildade democrática bastante para, nesta hora da sua agonia, que devia ser propícia ao arrependimento, emendar a mão e satisfazer os justos anseios dos Vizelenses.
Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e dos deputados independentes Natália Correia e Sanches Osório.
Se assim acontecer, será mais um problema que a AD legará, sem o resolver, aos seus sucessores e que estes, por certo mais sensíveis aos direitos dos povos, não deixarão de solucionar, consagrando, sem mais delongas, a autonomia municipal do povo de Vizela.

Aplausos do PS, do PCP, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Natália Correia e Sanches Osório.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal, que dispõe de 5 minutos.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Prescindo, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira e Sousa.

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A organização municipal do nosso território e o agrupamento das suas populações em «concelhos» ou assembleias deliberativas, para resolver os problemas comuns e designar os seus magistrados, é tradição seguida, sem quebras, desde a reconquista e anterior, portanto, à própria nacionalidade.
Não admira, pois, que o sentimento municipalista, muito mais que as ideias de freguesia ou de distrito - criações das reformas liberais do século XIX -, esteja profundamente arreigado na alma dos Portugueses, representando indubitavelmente a maior reserva potencial de capacidade de empenhamento nas tarefas colectivas e na cooperação e desenvolvimento comunitário.
Os municípios constituíram sempre, mesmo quando limitados por juizes de fora, administradores de concelho ou presidentes nomeados, a unidade básica da organização territorial vinculada a uma população através da qual se defendiam velhos foros, se interpelavam os reis em Cortes ou, em tempos mais recentes, se manifestavam e defendiam os interesses das comunidades locais e se promovia, no âmbito das competências próprias, o desenvolvimento social e económico das populações e a prestação de serviços conducentes ao seu bem-estar.
Não admira, pois, que aos municípios, mais do que a qualquer outra autarquia, se ligue a ideia de «poder local» e neles se tenha concentrado a parte fundamental da devolução de poderes aos órgãos territoriais, trazida pelo regime democrático.
Importa, no entanto, analisar, para além do empenhamento sentimental e do bairrismo das nossas ligações à terra onde nascemos ou vivemos -característica, aliás, bem humana e tão portuguesa-, quais os objectivos e funções inerentes a um concelho, como comunidade vinculada a um território, inserindo-o nos problemas da sociedade actual.
Quando, no período medieval, os «conselhos de homens bons» se organizavam e reuniam, para administrarem uma povoação e seu alfoz, tinham perante eles uma comunidade praticamente isolada, com transportes e comunicações difíceis e exigências sociais limitadas, que podiam ser superadas pela cooperação de todos sem uma notória especialização dos trabalhos.
Mas, naturalmente, com o andar dos tempos, novas tarefas foram recaindo sobre esta estrutura, que tão bem vinha provando a sua eficácia, quer pela adaptação de inovações e progresso social, quer por resposta a solicitações da população, quer ainda pelo aproveitamento do poder central para a criação de serviços periféricos.
Isso aconteceu na passagem da Idade Média para a monarquia centralizada do renascimento...

Risos do PCP.

...- e aí se perdeu a autonomia do velho couto de Vizela - acentuou-se no período barroco...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Bacoco, não é barroco.

O Orador: - ... e teve o seu ponto mais dramático nas reformas uniformizadoras do regime liberal talvez a única alteração significativa, até hoje, no panorama da administração territorial -, onde, entre revoltas populares e ressentimentos escondidos, se extinguiram quase 500 concelhos, se criaram as freguesias e suas juntas de paróquia, se impuseram os distritos como longos braços do governo central e definitivamente se transformaram os municípios em elemento fundamental da burocracia do Estado.
Hoje um concelho não é, nem poderá ser mais, uma reunião de homens bons...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Têm que ser todos maus!

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Não diga asneiras!

O Orador:- - ... que entre si discutem os problemas da sua terra, por mais amor e dedicação que empenhem nessa obra. As vastas atribuições da administração municipal exigem inúmeros funcionários, quadros técnicos e serviços especializados, máquinas e equipa-

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mentos dispendiosos e uma gestão eficaz, em termos sociais e económicos, dos recursos postos em jogo.
E, simultaneamente, os desenvolvimentos tecnológicos permitem que as distâncias se vençam com rapidez, que as populações já não estejam isoladas, mas com relações constantes, que o desenvolvimento urbanístico conduza à interpenetração dos povoados.
Será que uma tal transformação nas finalidades e processos de actuação dos municípios não deve correlacionar-se com um dimensionamento apropriado às novas condições.
A especialização do trabalho e a utilização de meios técnicos mais sofisticados conduz a uma dimensão óptima para racionalizar a sua utilização, a qual è necessariamente maior que a da inicial associação de vizinhos.
Da mesma forma que não se monta um supermercado em cada lugar, nem uma Universidade em cada aldeia,...

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Vocês nem uma escola montam!

O Orador: - ... também um concelho terá que ter uma área e população tais que, em aliança com uma demarcação geográfica, uma tradição cultural e um espírito colectivo que o identifique, permita o cabal funcionamento dos serviços municipais, com o mínimo de custos e o máximo de benefícios para os seus habitantes, e que constitui, em última análise, a finalidade da própria instituição municipal.
E se isto é verdade para todos os concelhos existentes no País, é-o particularmente para as iniciativas de criação de novas autarquias, neste preciso momento, e pelas quais esta Câmara assume plena e exclusiva responsabilidade.
Por alguma razão se verifica por toda a Europa a tendência, não para a criação, mas para a fusão de autarquias, de forma a atingir âmbitos mais vastos de actuação, a que possam corresponder mais e melhores serviços, pelo aproveitamento das economias de escala.
Por alguma razão os deputados constituintes apontaram já em 1976, para a substituição dos distritos por regiões administrativas com capacidade humana e dimensão espacial que permitissem a elaboração e execução de um planeamento regional do desenvolvimento.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isto é que foi o máximo!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confrontamo-nos hoje com duas iniciativas legislativas, aliás, uma foi retirada no início da sessão, que propõem, nos mesmos termos, a criação do concelho de Vizela, abarcando as 2 margens do rio do mesmo nome e englobando freguesias de 3 concelhos - que eram 4 no projecto inicial, aliás, mais correcto em termos de homogeneidade geográfica.
Trata-se de uma área bem definida fisicamente, constituída pelo vale de um rio que não separa, antes une, as populações dos dois lados, ao tempo que constitui a directriz estruturante desse território. Nela habitam mais de 20000 pessoas, repartidas entre uma agricultura intensiva e uma indústria fortemente implantada, mas polarizadas pela vila de Vizela, centro urbano
já de dimensões apreciáveis e equipamento terciário ao nível da maioria das sedes de concelho da região.
E trata-se também de um povo de bairrismo inexcedível, onde o amor à sua terra e o desejo do seu engrandecimento se traduz em dedicação, empenhamento e espírito de interajuda.
Mas não creio que, num problema que se prende directamente com a estrutura do Estado, como é o caso da criação de novos municípios - pois Vizela não é uma situação ímpar, nem na estruturação do território, nem nas qualidades das suas gentes -, não se deve enveredar nestes casos pelo caminho das decisões casuísticas, subjectivas e, quantas vezes, emocionais.
E quando nos falta legislação fundamental no tocante ao enquadramento dos municípios e suas funções, qualquer decisão definitiva teria toda a irresponsabilidade de um tiro no escuro, que poderia ferir, quem sabe se mortalmente, outros objectivos de âmbito mais vasto.
Não nos esqueçamos que, por imperativo constitucional, está em curso um processo de regionalização. Processo que não é para l dia, nem para l ano, será sim, a experiência o mostra, para uma geração ou mais, mas que permitirá, depois da primeira abordagem através do livro branco e da discussão pública e com o acesso de novos autarcas que já fizeram campanha e foram eleitos dentro deste processo, a definição, no curto prazo e pela consertação de ideias entre o poder central e o poder local, do tipo de região que o País necessita e pretende, das suas funções e recursos e ponto fundamental das relações entre o nível regional e o nível municipal e suas formas de coordenação.
Outro elo essencial para definir a organização periférica do Estado - autárquica e desconsertada - é a aprovação de uma lei de delimitação das competências em matéria de investimentos entre as administrações central, regional e local, que, ao definir as tarefas que incumbem a cada escalão, está automaticamente a fixar limiares para o exercício racional e efectivo dessas funções. Pena é que os diferentes projectos sobre esta matéria - alguns dos quais chegaram a ser votados- não tenham posteriormente merecido melhor atenção desta Câmara; evitar-se-iam muitas confusões e impasses, dos quais o caso presente não é, decerto, o mais gravoso.
Finalmente, como corolário dos elementos atrás referidos, impõe-se a existência de uma lei quadro da criação e extinção de municípios que, reflectindo as soluções .adoptadas quanto à organização territorial e à distribuição de competências, fixasse parâmetros e indicadores que informassem e fundamentassem as iniciativas legislativas naquele domínio.
O meu partido, perante a apresentação de vários projectos e apesar da inexistência de legislação prévia quanto às bases da regionalização e à delimitação dos investimentos, apresentou, em tempo oportuno, o projecto de lei n.º 338/II, com o objectivo de alertar para a necessidade de definição a priori «dos pressupostos e grandes linhas que deverão presidir à criação de novos municípios» e constituir um documento de trabalho em torno do qual fosse possível estabelecer os consensos necessários para um problema estrutural e de regime.
Em torno desse projecto, ou de outros que eventualmente surgissem, se esperava que todos os partidos se debruçassem, com a assessoria técnica dos serviços do Governo, em busca de uma redacção final que, servindo os interesses do colectivo nacional através da valorização

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das particularidades locais, quando justificadas, evitasse situações de indefinição como a de hoje.
Não sucedeu assim, e foi dada prioridade ao conjuntural e ao imediato relativamente ao estudo dos problemas de fundo, e não pode, por isso, o CDS, sem repúdio de uma posição de coerência e responsabilidade, viabilizar um projecto isolado sem saber onde se vai enquadrar. Não estão em causa as condições casuísticas de Vizela, mas o modelo de país que queremos mas ainda não definimos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma última palavra sobre o processo hoje em apreço, que vale como profissão de fé e de declaração de princípios do sistema democrático representativo em que vivemos.
Todos temos o direito e diria, até o dever- de exprimir as nossas ideias, propostas e anseios e de os defender com veemência e determinação; mas não podemos esquecer que a nossa liberdade termina onde colidir com os direitos dos outros e com o bem-estar e segurança da colectividade.
Todos temos o direito e o dever de participar construtivamente no processo democrático, seja como cidadãos eleitores, seja como eleitos e representantes daqueles que em nós confiaram, mas temos, uns e outros, a obrigação de confiar na força das ideias e na virtualidade do sistema, agindo em liberdade e actuando com responsabilidade.
Não há causas, por mais dignas, como esta indubitavelmente é, que justifiquem a transferência para a rua e para a acção física quando estão abertos os canais do diálogo e da participação, não há maior perigo para a democracia do que o alhear-se, mesmo que com boas intenções, do processo democrático. Pela nossa parte, estaremos sempre abertos à discussão e receptivos aos argumentos que nos tragam; mas não será com pressões e actos destrutivos do património colectivo que as nossas posições se modificam e lamentamos que alguns para elas tenham sido levados.
Como homem do Norte, que me orgulho de ser, posso dizer ao meu querido amigo deputado António Moniz - e como ele, vivo entre as ramadas do vinho verde e os campos de milho - que conheço e muito prezo a vila e o vale de Vizela e usarei para com esta Câmara e o País de uma característica bem nortenha, a franqueza.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não creio que tenhamos condições institucionais, neste momento, para votar em consciência, e no vazio legislativo, a criação de um novo município; não alteramos as nossas posições diante de acções de força, embora lamentemos qualquer ilegalidade e a destruição de bens que eram de todos.
Esperamos que todas as populações da vasta bacia do Ave, das zonas mais empreendedoras e desenvolvidas do País, sigam caminhos de cooperação, bom entendimento e construção, em comum, do seu futuro.
Esperamos que as gentes do vale de Vizela se integrem, acompanhem e participem, dentro dos princípios democráticos, na construção desse mesmo futuro.
Esperamos que a vila das Caldas de Vizela, centro polarizador natural de todo o vale, se robusteça em equipamento social e serviços desconcentrados, para benefício das populações.
E garantimos que continuaremos a empenhar-nos, decididamente, no colmatar do vazio legislativo existente quanto aos objectivos e fundamentos da organização do território que nos permitam um dia votar em consciência projectos como o que agora se aprecia.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a chegar ao limite da hora que tínhamos previsto para, eventualmente, se fazer um intervalo.
Todavia, como só se encontra inscrito para intervir 1 orador e 2 senhores deputados para pedidos de esclarecimento, suponho interpretar o sentido de todos os Srs. Deputados, prolongando um pouco esta sessão para se proceder depois, e imediatamente, à votação.
Dou, pois, a palavra ao Sr. Deputado Dorilo Seruca Inácio, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Seruca Inácio (UEDS): - Sr. Deputado Oliveira e Sousa, ouvi com muita atenção a sua exposição. Parece-me que, relativamente à parte inicial, V. Ex.ª está deslocado no tempo, pois tem uma visão medieval da municipalidade.
Com efeito, na sua óptica, nem sequer Lisboa - limitada pelas muralhas do Castelo de S. Jorge - teria hoje direito a ser freguesia.

Risos de alguns deputados do PS e de alguns deputados do PCP.

Só que o problema, Sr. Deputado, é que as pessoas que hoje se encontram nestas galerias, depois de uma longa luta de 8 meses pessoas de São Miguel, das Caldas, de Santa Eulália, de São João das Caldas, de Santo Ádrião, de Santa Maria, de Santa Comba, de São Salvador, de São Paio, de Santo Estêvão, etc. -, estão a viver um momento muito importante para o seu município, para a sua terra, isto é, a elevação da sua terra a município, precisamente no século XX e precisamente neste dia 18 de Janeiro de 1983.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Oliveira e Sousa, deseja responder?

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Oliveira e Sousa (CDS): - Sr. Deputado Seruca Inácio, creio que, apesar da atenção que o Sr. Deputado amavelmente diz ter dedicado à minha exposição, essa atenção não foi assim tão grande, uma vez que o Sr. Deputado inverteu totalmente aquilo que eu pretendia expor. Talvez as minhas qualidades de expositor não tenham sido brilhantes.

Risos do PCP.

Mas o que eu quis mostrar - e julgo que a Câmara, à excepção do Sr. Deputado, me compreendeu - foi que nós não estamos a criar um município medieval, um concelho de homens bons, mas um concelho do dia 18 de Janeiro de 1983.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Seruca Inácio, pede a palavra para que efeito?

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O Sr. Seruca Inácio (UEDS): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Seruca Inácio (UEDS): - Sr. Deputado Oliveira e Sousa, se não foi isso que pretendeu dizer, pelo menos o intróito à sua intervenção deu a entendê-lo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Mário Tomé.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ouvir o Sr. Deputado do CDS - que mesmo agora se foi embora -,...

(Risos do CDS).

...eu ia dizer onde termina a nossa liberdade. E, em relação a isso, eu quero sublinhar que, de facto, a nossa liberdade termina onde começa o CDS.

Risos.

E queria sublinhar também o seguinte: que direito tem um deputado de um partido e de uma maioria de vir para aqui apresentar como argumentos contra a formação do concelho de Vizela, argumentos de ordem de economia fiscal, do aproveitamento máximo das potencialidades económicas, etc, quando o seu governo tem liquidado sistematicamente enormes potencialidades económicas do nosso país, desde a SETENAVE, desde a CTM, da CPP, passando pela produção agrícola, etc?

Risos do PSD.

Que direito tem o Sr. Deputado de vir para aqui com argumentos deste cariz? Nenhum!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que impede que esta maioria vá votar hoje a favor da formação do concelho de Vizela? É a falta de lei quadro? Não! Já vimos que não, já vimos que têm sido formados municípios mesmo sem a existência dessa lei. Já vimos que há critérios que têm permitido a formação de municípios.
E uma lei quadro que não tenha em consideração a realidade, que não tenha em consideração a vontade e toda a tradição do concelho de Vizela e de todos aqueles que querem formar o concelho de Vizela, não seria certamente uma lei a ter em consideração, seria uma lei abstracta, seria uma lei para rasgar.
Uma lei quadro teria, decerto, que ter em consideração toda a movimentação, toda a situação real que nos leva a apoiar aqui e que leva todos os vizelenses a exigirem a formação do concelho de Vizela.
Será a defesa da dignidade das instituições, nomeadamente da Assembleia da República? Não, porque se o PSD e o CDS votassem hoje, aqui, a formação do concelho de Vizela, essa tão grande dignidade que tanto apregoam sairia reforçada. A Assembleia da República, que os senhores tanto dizem querer defender, seria reforçada por apoiar uma exigência do povo de Vizela, uma exigência justa, uma exigência democrática.
Será a falta de capacidade económica? Serão dificuldades geográficas? Será a capacidade demográfica administrativa da zona e da população de Vizela? Não é. Está mais que provado que não é, pois há elementos concretos e muito claros que dizem que não é. De facto, são 30000 habitantes. Para além disso, existem na região mais de 100 unidades industriais, desde os têxteis às
confecções, passando pela panificação, construção civil, calçados, bem com indústrias no campo agrícola, alimentar, gráfico, etc.
Vizela tem os serviços necessários para garantir a sua autonomia. Tem associações, tem o turismo desenvolvido, tem ligações e transportes, vias de comunicação, tem tudo isso e tem, inclusivamente, o edifício necessário para a instalação dos serviços municipais. Não é, também, esta a razão.
Será pela existência de um possível projecto de regionalização? Quem dirige, quem vai comandar esse projecto de regionalização? Que confiança vamos nós ter no desenvolvimento desse projecto de regionalização? E um projecto de regionalização não terá que dar àqueles que pertencem à região todas as possibilidades de se desenvolverem como pretendem -a que têm jus- e que sobejamente têm mostrado que são capazes.
Srs. Deputados, será então dado que todos estes argumentos caem pela base falta de vontade das populações? Não é, e elas têm-no demonstrado. Têm demonstrado até que ponto são capazes de ir para impor aquilo que consideram uma reivindicação justa, uma reivindicação legítima e uma reivindicação a pôr em prática o mais rapidamente possível.
Essas populações têm lutado firmemente, têm dado exemplos de como se luta neste país por interesses que são legítimos. E, nomeadamente, conseguiram deixar cair um dos mitos da chamada democracia parlamentar e burguesa quando, na sua justa luta e na sua justa revolta contra o que estava a acontecer, impediram que houvesse eleições que nada iriam significar no seu concelho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, quais são, então, as razões que levam a que o PSD e o CDS impeçam a formação do concelho de Vizela? É que são os grandes caciques, os grandes senhores de Guimarães, que querem continuar a «mamar na teta»,...

Risos do PSD e do CDS.

...arrecadando benefícios por meios de controle administrativo e do desvio de valores e de verbas do seu natural encaminhamento, valores esses que são produzidos, que nascem pelo trabalho de milhares de operários do concelho de Vizela. São esses grandes senhores, que aqui estão representados por VV. Ex.ªs, que não querem. São esses senhores que exercem as tais pressões sobre os deputados, sobre os partidos.
E foi por isso que o Sr. Deputado do PPM António Moniz - que está aqui a apresentar, aliás, muito bem, e por isso lhe dou o meu apoio, o projecto de lei para a criação do concelho de Vizela - não teve a coragem de admitir, quando lho perguntei, que são pressões dos grandes senhores de Guimarães, dos grandes senhores retrógrados de Guimarães, que não têm razão de existir, que impedem que apareça o concelho de Vizela, que impedem que os partidos aqui votem o concelho de Vizela. Não são as pressões legítimas do povo, mas sim as pressões dos grandes tubarões que continuam a mamar. E são os mesmos que exercem essas pressões que impedem a criação do concelho de Vizela, são os mesmos que exploram o povo de Vizela e o povo de Guimarães, porque os trabalhadores de Guimarães também têm a ganhar com a vitória dos trabalhadores de Vizela.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, os Vizelenses têm dado provas magníficas de combatividade e coragem impondo a sua vontade no terreno, mostrando que contra um povo decidido as forças repressivas, a mando

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de Angelo Correia o esbirromor do Governo AD -, são obrigadas a retirar. O PSD e o CDS são aqui o eco dos grandes senhores arcaicos de Guimarães e não do povo laborioso de Guimarães, que é explorado pelos mesmos grandes senhores.
No entanto, a combatividade e a coragem dos trabalhadores vizelenses não pode deixar-se enredar num regionalismo retrógrado, como pretendem os reaccionários de Guimarães. Os operários e os trabalhadores de Vizela também não podem deixar que esta unidade, que agora está contra os grandes senhores de Guimarães pela imposição do concelho de Vizela, os deixe enredar e os impeça de, depois, continuarem uma luta pelos seus interesses mais concretos dentro do próprio concelho, porque a existência do concelho de ^Vizela não vai acabar com os problemas dos vizelenses. É uma grande vitória, mas terão que continuar a lutar por melhores salários, contra o desemprego, contra todas as medidas que estes governos querem atirar sobre vós. Portanto, esse exemplo de luta tem que prosseguir sempre
Sr. Presidente e Srs. Deputados, este exemplo de luta do povo de Vizela está ligado à luta dos operários da Siderurgia, dos operários da Lisnave e da Setenave, dos operários dos proletários agrícolas da Reforma Agrária. É nesta luta por melhores salários, contra as repressões e despedimentos, que serão cada vez mais uma realidade com o agudizar da crise, que se forja a luta maior do nosso povo para dar melhores condições de vida para todos os portugueses que trabalham, para todos aqueles que, com o seu suor e até já com o seu sangue, têm levantado este país e têm tentado levantar a democracia no nosso país contra as imposições dos senhores que aqui são representados pela AD, nomeadamente pelo PSD e pelo CDS.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, se outro mérito não tivesse a luta dos Vizelenses, que há-de sair vitoriosa, teve o de confirmar ao nosso povo, por todo este país, que os caminhos da luta firme e corajosa aí estão para impor a vontade dos trabalhadores e do povo contra os seus inimigos, os únicos caminhos que levarão à vitória e que poderão levar à liberdade, ao bem-estar e à independência para o povo.

Viva o concelho de Vizela!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrado o debate e vamos proceder à votação.
Penso que seria desnecessário voltar a recordar que toda e qualquer manifestação estranha ao Regimento desta Casa não pode ser consentida e seria um insulto, que não será tolerado, dirigido a este Órgão de Soberania.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Estou convencido que assim não sucederá porque todos os presentes sabem que em democracia é o voto, e só o voto, que conta.

Vozes do PSD e do PPM: - Muito bem!

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, compreendo perfeitamente os apelos de V. Ex.ª ao comportamento das pessoas. No entanto, gostaria que me dissesse se faz parte do entendimento democrático desta Câmara estarem as galerias cheias de polícias neste momento.

Vozes do CDS e do PPM: - Faz sim senhor!

O Orador: - A resposta não é vossa, mas sim do Sr. Presidente, porque eu interpelei a Mesa.
Considero que não faz parte do comportamento democrático e da confiança democrática que aqui tantas vezes é expressa o facto de as galerias estarem neste momento cheias de polícias. Acho que não devem e que não têm que lá estar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, os agentes de segurança estão hoje aqui presentes como estão sempre nas sessões da Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - E pelo facto de estarem presentes não podem, de maneira nenhuma, perturbar o funcionamento da Assembleia.
Ora, estou certo que eles se saberão comportar tal e qual como as pessoas que estão a assistir à sessão porque têm a noção do respeito que têm que ter por esta Casa.

O Sr. Mário Tomé (UDP): - É que há intimidação implícita e explícita em relação aos assistentes, Sr. Presidente.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, queria que V. Ex.ª fizesse o favor de recomendar à Polícia de Segurança que não tomasse posições diferentes daquelas que tem tido durante a discussão no Plenário.

Vozes do PSD: - Ah!

O Sr. Silva Marques (PSD): - Isso é uma provocação!

A Oradora: - Srs. Deputados, isto é extremamente sério. Quando o Sr. Presidente anunciou que se ia passar à votação houve alguns senhores polícias que avançaram para o meio das galerias. Portanto, penso que não se deve proceder à votação sem que esses polícias se remetam ao lugar que lhes compete, que é atrás das galerias.

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, os agentes de segurança só agirão sob minha ordem. Enquanto eu não a der, eles não agirão.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e do MDP/CDE.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, queria interpelar a Mesa no sentido das interpelações que têm sido feitas por outros senhores deputados e para lhe comunicar que o Grupo Parlamentar do PCP, como os demais grupos parlamentares, fomos consultados pelo Sr. Presidente da Assembleia da República relativamente à situação da manutenção da ordem nas galerias durante o dia de hoje. Assim, tivemos ocasião de expressar o nosso ponto de vista e dissemos ao Sr. Presidente da Assembleia da República que, em nosso entender, não deveria ser alterado o número de agentes de autoridade que costumam estar normalmente nas galerias da Assembleia da República.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Orador: - Este é exactamente o mesmo ponto de vista que hoje reafirmamos. Somos contrários a qualquer aparato excessivo, pensamos que isso também não prestigia a Assembleia da República e foi isso que tivemos ocasião de dizer ao Sr. Presidente quando a propósito fomos consultados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Presidente Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
A Sr.» Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, foi afiançado pelo Sr. Deputado Tito de Morais, quando exercia as funções de Presidente da Mesa, que a polícia não interviria senão sob as ordens dele. Nessa altura pedi ao Sr. Presidente em exercício o favor de pedir aos senhores agentes que se remetessem aos lugares que tinham antes de ter sido anunciado que se iria fazer a votação.

Vozes do PSD e do CDS: - Mas o que é isto?!...

A Oradora: - O Sr. Presidente compreende que a população de Vizela tem estado aqui impecável no exercício do direito de assistir a uma sessão plenária. É extremamente acabrunhante para qualquer pessoa minimamente delicada, já não estou a falar em sentimentos democráticos, porque passa para além das ideologias, que na altura a que se vai proceder a uma votação a polícia avance, como no entendimento prévio de que as galerias vão faltar à dignidade com que têm estado a assistir.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acabo de assumir a presidência, porque, como certamente é do conhecimento de VV. Ex.ªs, outras razões me ocuparam no cumprimento de outros deveres igualmente respeitáveis.
Tanto quanto sei, parece que o meu ilustre antecessor no exercício efectivo da presidência desta sessão, Sr. Deputado Tito de Morais, assegurou que os senhores agentes da Polícia de Segurança Pública que estão presentes nas galerias não interviriam senão depois de ordem expressa da Mesa.
A Mesa deseja - e eu próprio - expressar os sentimentos a que a seguir me referirei.
Sabemos que a votação a que vai proceder-se de seguida é uma votação que tem um interesse bastante grande para a população de Vizela, para os seus habitantes, para quantos eventualmente de Vizela aqui se deslocaram para assistir a este debate.
Sei e espero que essas pessoas, na perfeita compreensão da dignidade desta Câmara, na perfeita dignidade deste Parlamento, se manterão e conservarão, certamente, com toda a serenidade, com toda a calma, pese embora o interesse que aqui os trouxe.
Não pode a Mesa, de modo nenhum, considerar que seja só por si ofensivo ou constrangedor, seja para quem for, a presença de elementos de uma autoridade legitima.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - A Mesa tem, portanto, toda a confiança em que a votação a que vamos proceder, seja qual for o seu resultado, é essencialmente uma votação democrática no Parlamento de Portugal, ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - ... aonde a dignidade do acto releva do seu resultado.
A Mesa tem esperança e apela a todos quantos se encontram nesta Sala para que seja em serenidade, em calma e em espírito cívico que cada um cumpra o seu dever.
O Sr. Deputado Carlos Lage pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que, antes de mais, pese embora o direito que o Sr. Presidente da Assembleia tem de se fazer substituir e de assumir a presidência sempre que assim o entender, me parece um pouco inoportuna, na sequência de um processo que está a chegar ao seu termo, a substituição do Sr. Presidente em exercício na presidência da Mesa.

Vozes do PS: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Essa é boa!

O Orador: - Em segundo lugar, não posso deixar de dizer, em nome do Grupo Parlamentar Socialista, que há duas atitudes que são inaceitáveis: a primeira, é partir da ideia que os senhores polícias quando estão nas galerias é para maltratar ou, eventualmente, proceder incorrectamente para com os cidadãos;...

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... a segunda, é a de que quem está nas galerias está com intenções turbulentas de se manifestar.
Estas são duas ideias inaceitáveis para nós.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e da deputada independente, Natália Correia.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, felizmente parece que tudo quanto até aqui tem sido dito em matéria de segurança tem sido, afinal, um espectáculo no melhor sentido da palavra, e nada mais, quer para os cidadãos

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que se encontram nas galerias, quer para os próprios senhores guardas que ali se encontram.
Em todo o caso, compete ao Presidente da Assembleia da República manter a ordem e a disciplina, bem como a segurança da Assembleia, podendo para isso requisitar e usar os meios necessários, tomando as medidas que entender convenientes. É um direito que me foi conferido por todos VV. Ex.ªs, ao votarem este Regimento, e de que não abdico.
Quanto à circunstância de V. Ex.ª, Sr. Deputado Carlos Lage, estranhar que eu tenha assumido a presidência, não o fiz senão porque libertando-me, ou melhor, terminando os trabalhos em que me encontrava ocupado no cumprimento de dever igualmente respeitável, entendi que a minha presença aqui devia significar, desde que estava liberto, o assumir pleno das minhas responsabilidades. Sujeitava-me a graves censuras era se estando esta sessão a funcionar, com as circunstâncias específicas que a rodeiam, não viesse tomar imediatamente o meu lugar. Só aqui é que eu podia e devia estar.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o projecto de lei n.º 209/II - Criação do concelho de Vizela.
Submetido à votação, foi rejeitado, com 113 votos contra, do PSD, do CDS e de um deputado do PS, e 102 votos a favor, do PS, do PCP, do PPM, da ASDI, da UEDS, do MDP/CDE, da UDP e dos deputados independentes Natália Correia e Sanches Osório.
Neste momento, assistentes presentes nas galerias destinadas ao público manifestam-se ruidosamente, cantando, de pé, o Hino Nacional e arremessando alguns objectos para o hemiciclo.

O Sr. Presidente: - As galerias serão imediatamente evacuadas.
Continuam as manifestações das galerias.

O Sr. Presidente: - As galerias terão de ser imediatamente evacuadas e encerradas.
Prosseguem as manifestações das galerias.

O Sr. Presidente: - A sessão está suspensa. Eram 21 horas e 45 minutos.
O Sr. Presidente: - A sessão está reaberta. Eram 21 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - A polícia procederá à recolha dos objectos que se encontram na Sala e que foram arremessados contra os Srs. Deputados. As forças de segurança deverão tomar imediatamente conta deles para terem o seu destino legal.
Pausa.
Proclamado que foi o resultado da votação, seguem-se as declarações de voto.
Mas, antes de fazê-lo, quereria dizer a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, que este Parlamento é e deve continuar a ser, seja qual for em cada momento - porque isso é contingente na vida dos povos - a sua composição e a
afloração partidária das proporções dos Srs. Deputados que nele têm assento, a expressão mais clara da legítima autoridade democrática. Por isso mesmo, creio que não é de mais dizer aqui que, como tiveram ocasião de verificar, se justificou e explicou perfeitamente que nas galerias estivessem agentes da autoridade democrática que se limitaram a cumprir as indicações e as ordens do Presidente da Assembleia da República.

Aplausos do PSD, do CDS, do PPM e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Ao manifestar a minha solidariedade pessoal e a de todos os elementos que comigo se encontram na Mesa aos Srs. Deputados que foram atingidos e agredidos por objectos arremessados das galerias e também a, pelo menos, um funcionário a que aconteceu idêntica situação, não posso deixar de ter uma palavra de simpatia para a serenidade, a cordura e a forma apenas persuasiva como os elementos da autoridade presentes nas galerias conseguiram proceder à sua evacuação, sem conflitos e sem violências da sua parte.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, da UEDS e dos Srs. Deputados Independentes, Natália Correia e Sanches Osório.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Borges de Carvalho pede a palavra para que efeito?

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Julgo que a hora vai adiantada, pelo que sugiro que as declarações de voto possam ser apresentadas por escrito, desde que, evidentemente, haja consenso da Câmara.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, era apenas para, em nome do meu grupo parlamentar, me associar às palavras do Sr. Presidente na parte que se referiram ao comportamento dos agentes da Polícia de Segurança Pública. Penso que não podemos ficar indiferentes à forma, em meu entender e no entender do meu grupo parlamentar, extremamente correcta como exerceram as suas obrigações durante os momentos que antecederam aquele em que nos encontramos.
Aplausos da UEDS, do PSD, do PS, do CDS, do PPM, da ASDI, de alguns deputados do PCP e dos Srs. Deputados Independentes, Natália Correia e Sanches Osório.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, ê também para, em nome do Grupo Parlamentar do PS, assinalar que as suspeitas, a certa altura lançadas sobre as intenções da polícia, não se justificavam, visto que o seu comportamento foi irrepreensível. Por outro lado, queria rejeitar algumas das manifestações que se verificaram nas galerias. No entanto, é preciso que esta Câmara e, designadamente, os deputados da maioria façam uma

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meditação e uma reflexão sobre os motivos e as origens pelos quais...
Protestos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por favor não interfiram nem estabeleçam diálogo.

O Orador: - Srs. Deputados, rejeitada a reacção das pessoas e as suas manifestações, tal como...

Voz do PSD: - Acha que lhe vou pedir opinião para votar?!

O Orador: - ... já rejeitámos todo o tipo de violência que tem sido realizado pelas populações de Vizela, não vale a pena meter a cabeça debaixo da areia e ignorar profundas motivações de ordem afectiva, de ordem psicológica, de ordem cultural, de toda uma comunidade e procurar, assim, a verdadeira causa destas situações e destes sintomas.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Tomé pede a palavra para que efeito?
O Sr. Mário Tomé (UDP): - Sr. Presidente, é para, em relação à mesma matéria que aqui tem estado a ser discutida, dizer que continuo a não considerar como legítimo que, por mera suspeição ou por uma mera previsão, se encham as galerias de polícias.

Protestos do PSD, do CDS e do PPM.

A minha posição é a de que as galerias só devam ter polícias a pedido expresso do Presidente da Assembleia da República. Mas no funcionamento normal da Assembleia nem se justificaria que lá estivesse o único polícia que costuma estar. Apenas se houvesse alteração e se o Presidente o entendesse conveniente, então é que mandaria chamar o polícia. Continuo a considerar que eles não deveriam lá ter estado, muito menos tantos polícias, nem terem avançado com determinado dispositivo antes de qualquer coisa acontecer. Estes é que são os custos da democracia!

Manifestações de protesto do PSD, do CDS e do PPM.

Porque senão a democracia é só garganta e o resto é democracia...

Protestos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, têm a bondade de permitir que o Sr. Deputado Mário Tomé, seja qual for a concordância ou a discordância que possam merecer as suas afirmações, use da palavra em condições de serenidade e tranquilidade.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não tem que agradecer, Sr. Deputado. Cumpri apenas a minha obrigação.

O Orador: - Estes são os custos da democracia. A democracia, quando se torna aparente, apenas de conversa, e se torna vigiada, fiscalizada e, por fornia, intimidatória, se condiciona o procedimento das pessoas, deixa
de ser democracia. É isso, de facto, que nós temos de ter em consideração.
Finalmente, se os guardas em questão utilizaram só os meios persuasivos, segundo afirmação do Sr. Presidente, não fizeram mais do que a sua obrigação utilizar esse tipo de meios.

O Sr. Borges de Carvalho (PPM): - Isto é uma vergonha!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
Um momento Sr.ª Deputada.
Se me permite, Sr.ª Deputada, desejava estabelecer um pouco de disciplina no nosso programa de trabalhos. O Sr. Deputado Borges de Carvalho, pelo partido proponente do projecto hoje discutido e votado, sugeriu que as declarações de voto fossem enviadas por escrito para a Mesa, em virtude do adiantado da hora. Algum dos grupos parlamentares se opõe a esta sugestão, ou a Mesa pode entender que há consenso a esse respeito?

Pausa.

Não há oposição, pelo que as declarações de voto serão enviadas por escrito para a Mesa.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Para fazer uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, todos os partidos comentaram, e bem - penso eu -, os acontecimentos invulgares nesta Assembleia. Deste modo, o meu partido também não quer deixar de o fazer, pois tem igual direito.
Parece-me que ficou nítido - e esta sessão será possivelmente histórica - que a violência e o desespero a que a AD tem levado as populações,...
Protestos do PSD e do CDS.
... não só pela sua política, como pelo seu comportamento face às mesmas, são, de facto, qualquer coisa de grave que deve levar os Portugueses a, urgentemente, reclamarem, todos eles, desta situação.
Os Srs. Deputados lavam as mãos. Tudo o que aqui se passou foi culpa do povo de Vizela, foi culpa dos amotinados. Os Srs. Deputados lavam as mãos como Pilatos... Mas Jesus Cristo existe e Pilatos foi condenado.

Protestos do PSD e do CDS.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço também a palavra para, numa interpelação à Mesa, comentar...

O Sr. Presidente: - Peço-lhe o favor de fazer mesmo uma interpelação.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Nós, da nossa bancada, também

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1222 I SÉRIE - NÚMERO 35

queríamos dizer que não temos nada a reprovar, pelo que vimos, na maneira como se conduziram os Agentes da Autoridade.
Em todo o caso, queria sublinhar que eles se viram confrontados com uma situação que tem origens políticas e que só tem uma solução política. Lamentamos que essa solução política não tenha sido encontrada hoje, pois ela era possível.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, que a pediu haja bocado.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, creio mesmo que tinha pedido a palavra antes de alguns senhores deputados que intervieram.

O Sr. Presidente: - É certo, Sr. Deputado. Apresento-lhe as minhas desculpas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Evidentemente que só na tolerância de V. Ex.ª e implicitamente da Câmara estamos neste momento a produzir considerações sob a forma de interpelação.
Mas, já que elas foram iniciadas, a minha bancada faz questão, sobretudo, de declarar o seguinte: viveu-se hoje aqui um momento muito vivo da instituição democrática no nosso país. Não vamos dizer hoje aqui, quer sobre o Parlamento, quer sobre os instrumentos do Estado e, portanto, também a Polícia, aquilo que já tantas vezes temos dito antes dos acontecimentos ou colhendo experiência sobre outros acontecimentos. Queríamos apenas dizer que enquanto aqui ou no nosso país uma maioria de homens - mesmo opondo-se legitimamente, em consequência das suas diferentes opções partidárias - se mantiver - mesmo sem se deixar desorientar pelo fogo das suas discordâncias - firmemente apegados à ideia da democracia, a democracia prevalecerá no nosso país.

Aplausos do PSD, do CDS e do PPM.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Martins Canaverde, penso que também para interpelar a Mesa.

O Sr. Martins Canaverde (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, queria saudar em V. Ex.ª a condução que fez dos trabalhos e lembrar que talvez muita coisa possa, de futuro, ser evitada se logo à nascença todos nós, incluindo os deputados, respeitarmos o Regimento.
O Sr. Presidente começou por ler a alínea i) do artigo 26.º do Regimento, que lhe confere o direito de manter a ordem e a segurança no Parlamento, designadamente nas galerias.
Pela experiência anterior, era previsível para todos os Srs. Deputados que alguma coisa poderia acontecer em resultado da votação. Votámos livremente num sentido, como os Srs. Deputados da oposição votaram no sentido que acharam que era o certo e o correcto. Não os criticamos por isso, mas também não aceitamos que nos critiquem pelas posições que assumimos responsavelmente.
Realmente o povo português nos julgará; não será o povo de Vizela aqui presente que nos irá julgar definitivamente pelas nossas posições. Nós assumimo-las, como
os senhores assumem as vossas, e, se olharmos a votação, verificamos que se cá estivessem todos talvez tivessem ganho.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quero também felicitar as forças de segurança, que -e infelizmente tal começa a verificar-se- são cada vez mais necessárias nas bancadas desta Assembleia.

Aplausos do CDS, do PSD e do PPM.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais pedidos de palavra.
Cumpre à Mesa anunciar a VV. Ex.ªs que deram, entretanto, entrada o projecto de lei n.º 395/II, sobre a revogação das medidas governamentais tendentes ao desmantelamento na Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos E.P., subscrito pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros, do PCP, e dois pedidos de ratificação, que receberam, respectivamente, os n.ºs...
Entretanto, alguns deputados começam a abandonar a Sala.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que mereço da parte de VV. Ex.ªs o mínimo de atenção para, enquanto estou a cumprir obrigações para com a Câmara, não vos ver sucessivamente a virar as costas a quem está no cumprimento desse mesmo dever. É para mim profundamente frustrante, mas também é com certeza alguma coisa para com aqueles de VV. Ex.ªs que assim procedem.
Gostaria e solicitava a VV. Ex.ªs - não pessoalmente, não por razões pessoais, mas por esta Câmara e pela sua presidência - que isto se não repetisse.
Como ia dizendo, entraram ainda na Mesa as ratificações n.ºs 230/II, subscrito pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso e outros, da UEDS, ao Decreto-Lei n.º 475/82, de 17 de Dezembro, que determina que os subsídios de dedicação exclusiva das carreiras docente universitária, de investigação científica e docente politécnica sejam considerados para efeitos de subsídio de Natal e férias, e 231/II, subscrita pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro e outros, do PCP, ao Decreto-Lei n.º 2/83, de 8 de Janeiro, que estabelece o regime jurídico das especialidades farmacêuticas de venda livre.
Srs. Deputados, encerrada a ordem do dia, está cumprida a nossa agenda de hoje.
Está encerrada a sessão.
Eram 22 horas e 10 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

Abílio Araújo Guedes.
Álvaro Roque Bissaia Barreto.
António Costa Saldida.
António José Cardoso e Cunha.
António Manuel Lemos de Menezes.
António Maria de O. Ourique Mendes.
António Vilar Ribeiro.
Cipriano Rodrigues Martins.
Fernando Manuel Cardote B. Mesquita.
Henrique F. Nascimento Rodrigues.
Jaime Carlos Marta Soares.

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19 DE JANEIRO DE 1983 1223

João Medeiros Mateus.
Leonardo Eugênio R. Ribeiro de Almeida.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.

Partido Socialista (PS):

Avelino Ferreira Loureiro Zenha.
João Francisco Ludovico da Costa.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel António dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

Álvaro Manuel M. Brandão Estevão.
António Paulo Rolo.
Joaquina Rosa da Costa.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Manuel Ferreira Andrade.

Partido Comunista Português (PCP):

Georgete de Oliveira Ferreira.
Manuel Correia Lopes.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PSD):

João Manuel Coutinho de Sá Fernandes.
José Vargas Bulcão.
Manuel Ribeiro Arruda.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nicolau Gregório de Freitas.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Emílio Teixeira Lopes.
António Francisco B. Sousa Gomes.
Francisco de Almeida Salgado Zenha.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Gomes Fernandes.
Júlio Filipe de Almeida Carrapato.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Alberto Lopes Soares.

Centro Democrático Social (CDS):

Emílio Leitão Paulo.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Ruy Garcia de Oliveira.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
José Manuel da C. Carreira Marques.

Declarações de voto enviadas para a Mesa relativas à votação do projecto de lei discutido.
O Grupo Parlamentar do CDS votou contra os projectos de lei tendentes à criação do concelho de Vizela na linha, aliás, do que havia afirmado quando da apresentação e discussão do projecto do PPM. Com efeito, defendemos a plena construção do Estado democrático, o que implica, inexoravelmente, a edificação de um autêntico poder local. Poder local que, num sistema aberto, como o nosso, deve ser perspectivado equilibradamente e com razoabilidade, longe de demagogias, pressões ou, porventura, mesquinhos interesses.
Assim, pugnámos e continuamos a pugnar que é indispensável normatizar a criação de municípios, a exemplo do que fizemos, até consensualmente, para as freguesias, e logo definir os condicionalismos e as grandes linhas que deverão presidir à criação de novos municípios. Só desta forma é possível e real a descentralização, é exequível a construção de um autêntico Estado democrático, com poderes de decisão equilibrados e harmoniosos. Só desta forma eliminaremos qualquer transitoriedade de divisão administrativa e começamos a implementar uma quanto possível consensual divisão regional.
Pelo Grupo Parlamentar do CDS, Armando Oliveira.
Embora de acordo com o princípio que se encontra na origem dos projectos de lei em apreço, não os votámos favoravelmente não só por motivos de disciplina partidária, mas, sobretudo, porque não aceitamos quaisquer condicionamentos à nossa liberdade de voto, em especial os que se traduzam em violação da normalidade democrática.

Palácio de São Bento, 18 de Janeiro de 1983 - Os Deputados do PSD: Cecília Catarina - Correia de Jesus.

Muito embora de acordo com os princípios da descentralização administrativa que os diplomas em apreço contêm, não os pudemos votar favoravelmente por considerarmos que tais princípios - e não é o caso vertente - devem, em todas as circunstâncias, obedecer a critérios disciplinadores, tais como o da existência de uma lei quadro que permita a exploração das virtualidades e vantagens da descentralização administrativa e auto-organização das comunidades.
Da mesma forma repudiamos que toda e qualquer violação da normalidade democrática condicione a aprovação das leis nesta Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 18 de Janeiro de 1983 - Os Deputados do PSD: Ourique Mendes - Lemos de Menezes.

União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Manuel C. Ferreira Vitorino.

As REDACTORAS: Noémia Malheiro - Ana Maria Marques da Cruz.

O projecto de lei n.º 209/II, da autoria do PPM, relativamente à criação do concelho de Vizela, suscita ao signatário, no momento da sua votação na generalidade, algumas considerações que, aliás, foram determinantes para a posição assumida, e que são sucintamente as seguintes:

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Assiste o legítimo direito às populações de procurarem obter a sua autonomia, no caso em apreço, através da criação de concelho próprio.
Foram possibilitadas condições legais e regimentais para que este e outros projectos tivessem uma normal e regular finalização, ou seja, fossem enquadrados na denominada lei quadro das autarquias, com parâmetros definidos e uniformes genéricos.
Só que, por razões cuja culpabilidade, em boa verdade, não deve ser imputada a qualquer um dos grupos parlamentares, mas, por simples análise das circunstâncias, a todos genericamente, essa lei quadro não foi ainda, e até ao momento, julgada em condições para discussão no Plenário e consequente votação e aprovação.
E, por esse facto, logicamente, encontram-se feridos de legitimidade, para imediata aprovação, ainda que na generalidade, todos os projectos de lei que, tal como o acima referido, visam a criação de um novo município.
Assim sendo, não colhem favoravelmente todas as acções de pressão, individuais ou colectivas, orais ou escritas, que visem impor a vontade, legítima, volta a afirmar-se, das respectivas populações, para a criação de novos municípios, que deverão ser por via legal genérica e não por decisões pontuais.
Daí que, por coerência para com o princípio de legitimidade democrática e parlamentar, votámos contra o presente projecto de lei.
O Deputado do PSD, Reinaldo Gomes.
O voto do Grupo Parlamentar do PPM, favorável à criação do concelho de Vizela, representou a manifestação final de uma persistente defesa dos direitos de uma população.
Desde 1981, o PPM trouxe à Assembleia da República, sob forma legislativa, as aspirações seculares de Vizela, apoiadas em argumentos de ordem cultural e sociológica que se nos afiguram indiscutíveis.
O projecto de lei n.º 209/II não foi de maneira nenhuma um acto inimistoso para com o concelho e a cidade de Guimarães, em quem todos os portugueses reconhecem um dos símbolos vivos da Pátria comum. Também não foi um acto irreflectido, um gesto no vazio.
O problema do ordenamento territorial da regionalização deve, efectivamente, ser formulado e resolvido em termos gerais. Mas o País existe e o quadro administrativo actual é evidente que permite, viabiliza e justifica que Vizela seja município.
A necessidade de uma lei geral para a criação de concelhos é, em tese, indiscutível. Mas a sua oportunidade não se pode determinar neste momento. Pelo contrário, a criação de um concelho tão viável e razoável como seria o de Vizela viria ajudar à clarificação do problema genérico, e facilitar o encontro de critérios, que não podem deixar de partir de uma realidade concreta.
Tudo o mais é, para o PPM, secundário ou desprovido de significado essencial. Nada do que se passou no plano acidental atinge os valores que defendemos.
Pelo Grupo Parlamentar do PPM, Barrilaro Ruas.
Voto de pesar anunciado pela Mesa
A Assembleia da República exprime o seu pesar pela morte do Vice-Presidente da Presidência da República Socialista Federativa da Jugoslávia, Vladimir Bakaric, figura cimeira da resistência contra o nazismo e um dos fundadores da moderna República Federativa Jugoslava.

Lisboa, 18 de Janeiro de 1983 - Os Deputados: Lopes Cardoso (UEDS) - Carlos Lage (PS).

PREÇO DESTE NÚMERO 96$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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