Página 127
I Série-Número 7
Quinta-feira, 23 de Junho de 1983
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE JUNHO DE 1983
Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais
Secretários: Exmo. Srs.
Leonel Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 15 minutos.
Foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre substituição de deputados de vários partidos.
Teve início a discussão do Programa do IX Governo Constitucional, fazendo intervenções, além do Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes), os Srs. Deputados Jerónimo de Sousa (PCP), José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE), César Oliveira (UEDS), Adriano Moreira (CDS), Correia de Jesus (PSD), Sottomayor Cardia (PS), Oliveira Martins (ASDI), Octávio Teixeira (PCP), Santos Loureiro (PS), Amélia de Azevedo (PSD), Cunha e Sá (PS) e Pedro Feist (CDS).
Usaram também da palavra, a diverso título, além do Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares) e do Sr. Ministro do Comércio e Turismo (Álvaro Barreto), os Srs. Deputados Santos Loureiro (PS), Oliveira Costa (PSD), Leonel Santa Rita (PSD), Carlos Carvalhas e Octávio Teixeira (PCP), João Lencastre (CDS), Ilda Figueiredo (PCP), Morais Leitão (CDS), Veiga de Oliveira (PCP), Bento Gonçalves (PSD), António Vitorino e César Oliveira (UEDS) e José Luís Nunes (PS), a alguns dos quais os oradores responderam.
Depois de ter anunciado a entrada na Mesa de 32 projectos de lei, o Sr. Presidente encerrou a sessão eram 21 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge D. Rebelo de Sousa.
Avelino F. Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Carlos Alberto R. Santana Maia.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Luís Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá M. Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Frederico Augusto F. Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo C. Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra-
João Joaquim Gomes.
Página 128
128 I SÉRIE-NÚMERO 7
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel A. F. Miranda.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Abílio da Conceição Capito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Pessoa S. Loureiro.
Manuel Joaquim Rodrigues Masseno.
Manuel Laranjeira Vaz.
Manuel da Mata de Cáceres.
Manuel Sousa Ramos.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Maria Ângela Duarte Correia.
Mário Augusto Sotto Mayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Banos Barrai.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Raposo das Neves.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso Sousa Freire Moura Guedes.
Agostinho Correia Branquinho.
Amândio S. C. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
César Augusto Vila Franca.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José R. Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João M. Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Ferreira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Martins Adegas.
Mário Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Raul Gomes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Victor Pereira Crespo.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José de Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António Manuel dos Santos Murteira.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jaime dos Santos Serra.
Página 129
23 DE JUNHO DE 1985 129
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida do C. Campos Costa.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete de Jesus Filipe.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro de A. Soares.
António Gomes de Pinho.
António J. de Castro Bagão Félix.
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Henrique Paulo das Neves Souto.
Hernâni Torres Moutinho.
João António de Morais Silva Leitão.
João Carlos Dias M. C. de Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Girão Pereira.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida A. Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Tomás Rebelo Espírito Santo.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Artur Augusto Sá da Costa.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social Democrata Independente (ASDI):
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Guilherme Valdemar d'Oliveira Martins.
Tomaram lugar na respectiva bancada o Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares) e outros membros do Governo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um relatório e perecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:
Em reunião realizada no dia 21 de Junho dê 1983, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
1) Solicitada pelo Partido Socialista:
Francisco Manuel Marcelo Monteiro Curto (círculo eleitoral de Lisboa) por José António Simões (esta substituição é pedida para os dias 22 a 25 de Junho corrente, inclusive);
2) Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (círculo eleitoral de Braga) por António Maria Rodrigues (esta substituição é pedida para os dias 22 a 24 de Junho corrente, inclusive);
Nuno Krus Abecasis (círculo eleitoral de Lisboa) por Pedro José Del Negro Feist (esta substituição é pedida ao abrigo da Lei n.º 1/82, de 14 de Janeiro, para o dia 22 de Junho corrente);
Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Eugénio Pimentel Cavaleiro Brandão (esta substituição é pedida para os das 22 a 24 de Junho corrente, inclusive);
3) Solicitada pelo Movimento Democrático Português/CDE:
José Manuel Marques do Carmo Mendes Tengarrinha (círculo eleitoral de Lisboa) por Helena Cidade Moura (esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, a partir do próximo dia 23 de Junho corrente, inclusive);
4) Solicitada pelo Agrupamento Parlamentar do Partido da Acção Social-Democrata Independente:
Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota (círculo eleitoral de Lisboa) por Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins (esta substituição é pedida para o dia 22 de Junho corrente).
Página 130
130 I SÉRIE - NÚMERO 7
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais. Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António da Costa (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - José Maria Roque Lino (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Álvaro Augusto Veiga de Oliveira (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Francisco Manuel de Menezes Falcão (CDS) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Manuel de Carvalho F. Vitorino (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo inscrições, passamos à votação do presente relatório e parecer.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos iniciar o debate sobre o Programa do Governo.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Ao abrir a discussão do Programa do Governo, queria denunciar uma questão prévia: antes da discussão e votação do Programa aqui na Assembleia, o Governo já iniciou a sua execução de uma forma profundamente gravosa para os trabalhadores e para o povo português, ou seja, a altas horas da noite, desvalorizou o escudo em 12 %. Significa isto que o Programa já está em marcha!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tanto no discurso de apresentação do Programa como na tomada de posse, notou-se, nas palavras do Sr. Primeiro-Ministro, uma alteração profunda ao inverter as responsabilidades da crise com que Portugal se debate.
Se durante a campanha eleitoral responsabilizou a AD pela situação, hoje, não só tenta apagar essa responsabilidade como a transfere para os ombros dos trabalhadores, tentando obrigá-los a pagar um elevado preço, expresso no protocolo adicional negociado entre o PS e o PSD e no Programa agora em discussão. Esta é a lógica de quem «repescou» para o Governo o partido maioritariamente responsável pela política
de desastre prosseguida ao longo de 3 anos. Esta é a lógica de quem parece querer repetir os erros históricos que custaram muito caro aos trabalhadores e ao povo português.
Discurso diferente, talvez mais cauteloso e menos arrogante, Programa mais sistematizado e mais palavroso. Mas tanto um como outro obedecem a dois vectores fundamentais: o primeiro, é o ataque às estruturas económicas franqueando as portas ao grande capital nos sectores da banca, dos seguros e outros sectores altamente rentáveis; o segundo, é o ataque aos direitos fundamentais dos trabalhadores.
Em nome do patriotismo, proclamando a solidariedade nacional, o Sr. Primeiro-Ministro reclamou uma trégua social e política. No que toca aos trabalhadores e aos seus direitos o que se exige no Programa não é trégua, mas sim capitulação.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Que trégua e alternativa para os cerca de 100 000 trabalhadores com os salários em atraso? Que trégua para os trabalhadores da CIFA que vendem já os seus magros bens para matar a fome que alastra em aldeias inteiras da zona onde se situa a empresa? Que trégua para os trabalhadores da CTM em luta contra os despedimentos e o desmantelamento da empresa? Que trégua e alternativa para as centenas de milhar de trabalhadores que lutam contra o tecto salarial, pelo desbloqueamento de 46 convenções colectivas e pela revogação das portarias de extensão ilegalmente publicadas? Que trégua para os trabalhadores que ao longo dos últimos anos foram vítimas da repressão do arbítrio e da ilegalidade patronal e dos governos do PSD e do CDS?
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Que trégua e alternativa para os trabalhadores das empresas com dificuldades económicas, onde para além da ameaça constante da aplicação do Decreto n.º 201/83, surge agora este Governo a querer alargar o conceito de justa causa, promover os despedimentos colectivos através da alteração à lei dos despedimentos e ameaçar com o encerramento das empresas?
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Porque se pede trégua social e logo de seguida se ameaça restringir a liberdade de expressão e manifestação logo no I capítulo do Programa? É trégua ou capitulação que o Governo pretende quando tenta alterar, desfigurar e administrativizar o direito à greve pela via da proibição dos piquetes de greve e sujeitar a definição dos serviços mínimos à opinião de um qualquer ministro ou funcionário do Ministério do Trabalho?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Não se esqueceu este Governo de uma outra velha reivindicação do grande patronato. Da lei das férias, feriados e faltas. Em nome do combate ao absentismo e do aumento da produtividade tentam golpear-se direitos existentes e regalias conquistadas aproveitando de má fé os casos de excepção. (Permitam-me aqui um parêntesis, Srs. Deputados apoiantes
Página 131
23 DE JUNHO DE 1983 131
do Governo, e já agora Srs. Deputados do CDS. Diz-se que o exemplo vem de cima. Que tal uma saudável manifestação de combate ao absentismo e empenhamento numa maior produtividade aqui na Assembleia da República, mantendo-a em funcionamento pelo tempo necessário à aprovação de algumas medidas urgentes reclamadas pelos trabalhadores e pelo nosso povo.)
Aplausos do PCP.
O Sr. Silva Marques (PSD): - 15so é demagogia.
O Orador: - Eu já trato do seu caso quando chegar ali abaixo!
Aplausos e risos do PCP.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Ai que mau!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Lucas Pires tinha razões fortes para demonstrar uma razoável satisfação face aos objectivos programáticos do Governo PS/PSD, particularmente quando se tenta enfraquecer, minimizar ou destruir direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição e nas leis do trabalho. Era uma reivindicação da CIP. Era um velho propósito do PSD e do CDS condenado e derrotado pela luta dos trabalhadores. Os que tinham já a triste paternidade dos tectos salariais, da lei dos contratos a prazo, da lei da contra-Reforma Agrária, da primeira liberalização dos despedimentos, apresentaram-se agora como co-autores de alterações mutiladoras à lei da greve, dos despedimentos e das férias, feriados e faltas.
O Sr. Primeiro-Ministro, quando falou em trégua, aceitou o pressuposto de que havia uma guerra. Só que, sob um falso neutralismo, colocando-se de um dos lados dos beligerantes, do lado do grande patronato e contra os trabalhadores, perde o direito moral de reclamar a paz na medida em que faz a guerra aberta a favor de uma das partes.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que toca a aspectos específicos ou à efectivação dos direitos já adquiridos, o Programa apresenta uma floresta de palavras com algumas declarações de intenção.
A mais tola mas não pouco intencional, será, sem dúvida, a afirmação de que haverá um ajustamento do contrato do trabalho aos modelos das legislações da CEE. É óbvio que isto é um perfeito disparate tendo em conta que não existe nenhuma forma supranacional ou receita comunitária encomendada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esta obediência a figurinos estrangeiros mais não dizem do que criar condições de obediência ao imperialismo e ao FMI em outros campos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - No capítulo da Inspecção do Trabalho existe um erro fundo. A sua dependência do poder, como órgão administrativo e funcionalmente subordinado ao Ministério do Trabalho. A dinamização e a dignificação da Inspecção do Trabalho referida no Programa, passa pela sua autonomia e independência que arme de um pendor investigatório e não persecutório, dignidade técnica, com estabelecimento das pontes funcionais hierárquicas com o Ministério Público. A pobreza das ideias do Programa quanto à Inspecção do Trabalho, Tribunais do Trabalho, Juízes Sociais e Código de Processo de Trabalho não é apenas uma questão de vistas estreitas. O barulho e as pressões do grande patronato em relação às alterações de fundo nas leis da greve, dos despedimentos e das férias, feriados e faltas está na razão directa do silêncio tumular em relação ao funcionamento da justiça do trabalho.
A grande medida aparentemente contraditória com o carácter repressivo espalhado no Programa, é a revogação do decreto-burla do PSD e do CDS que tentou impor o tecto salarial de 17 %. Só que aqui também o Governo dá um presente envenenado aos trabalhadores quando na política de rendimentos e preços afirma:
A taxa de expansão da massa salarial não poderá acompanhar a taxa de crescimento do nível médio dos preços.
Assim! Clarinho como a água!
Se, por um lado, o Governo não parece disposto a revogar em tempo útil e desde já esta famigerada aberração jurídica do consulado da AD, procura garantir, de uma forma brutal, que, através de um tecto estilo Sr.ª Thatcher, o poder de compra dos trabalhadores irá sofrer uma maior degradação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A matriz programática deste Governo PS/CDS ... perdão, enganei-me mas a diferença não é muita ... PS/PSD em relação ao mundo do trabalho, teve como fonte de inspiração alguns dos grandes objectivos requentados da defunta AD. Rejeitando o concurso, a disponibilidade e as potencialidades dos trabalhadores para a resolução dos grandes problemas nacionais, este Governo escolheu o caminho pior. Confunde, de uma forma meramente aritmética, a base eleitoral com base social de apoio. Exige cegamente a força dos braços dos trabalhadores, exige-lhe a capitulação e sacrifícios incomportáveis, recusa o seu poder criativo, as suas inteligências, propõe-lhe mais exploração e menos direitos para garantir a manutenção de privilégios e benefícios ao grande capital.
Quem conhece bem os trabalhadores, quem conhece bem o movimento operário e popular, quem conhece a sua forma de actuar e pensar, no quadro do regime democrático-constitucional, pode ter esta certeza: apesar dos perigos e das preocupações, o Portugal de Abril continuará. O Partido Comunista Português, o seu grupo parlamentar, pensa que estão criadas as condições para a alternativa democrática, través de uma política democrática, com os trabalhadores e com o PCP. Aqueles que renegarem a história estarão condenados.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Página 132
132 I SÉRIE - NÚMERO 7
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Santos Loureiro.
O Sr. Santos Loureiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A intervenção do Sr. Deputado Jerónimo de Sousa vale aquilo que vale, inscreve-se no quadro habitual das intervenções dos deputados do Partido Comunista Português.
Queria, no entanto, salientar apenas um aspecto: o Sr. Deputado insinuou que o Governo, a altas horas da noite - quase de uma forma clandestina -, teria decidido desvalorizar o escudo.
Ignora o Sr. Deputado que medidas desta natureza têm de ser envolvidas de um certo secretismo?
Se as medidas são boas ou más, o Sr. Ministro das Finanças a elas se referirá, mas o que não há dúvida é de que, em qualquer país do mundo, medidas desta natureza têm de evitar a especulação cambial. Neste caso, quando já está instalado um sistema de fuga de capitais, haveria que tomar duplas cautelas nesta matéria. Portanto, o Governo, ao agir dessa forma, fê-lo em termos adequados, segundo fórmulas que ele mesmo não inventou.
O que é de lamentar é que tenha havido especulação antes de esta medida ser tomada, facto que fez transpirar para a opinião pública esta deliberação. Mas disso não tem culpa o Governo.
Uma voz do PCP: - 15so é uma crítica ao PSD!
O Orador: - Sabe-se que uma desvalorização é uma medida importante e sabe-se que, quando essas filtragens de informação são feitas, isso tem um objectivo desestabilizador, de complicação adicional daquilo que o Governo vai fazer, mas disso não tem o Governo qualquer responsabilidade. Sem dúvida que o Governo não deixará passar em claro que uma filtragem de informações desta natureza é algo que merece ser devidamente investigado.
Aplausos do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Como há mais pedidos de palavra, pergunto ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa se responde agora ou no fim das intervenções.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Costa.
O Sr. Oliveira Costa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado do Partido Comunista, Jerónimo de Sousa, teceu algumas declarações sobre a questão da greve. Devo dizer-lhe que eu, como social-democrata, defendo o direito irrenunciável dos trabalhadores à greve e defendo também o direito ao trabalho constitucionalmente garantido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado sabe perfeitamente que na última pretensa greve geral da CGTP foram colocados, nalgumas zonas do País, fios a meio metro do chão, e quem queria trabalhar tinha de passar por debaixo desse fio. Pergunto-lhe: 15so é defender o princípio constitucional do direito ao trabalho?
Vozes do PSD: - Muito bem!
Protestos do PCP.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Ângelo faz melhor!
O Orador: - Já o atendo, Sr. Deputado. É que estou a colocar questões ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Deputado referiu que a legislação não pode ou não deve ser, de uma forma exclusiva, coincidente com a da Comunidade Económica Europeia. Nesse particular, estou de acordo consigo. Penso que não deve ser só a legislação laboral que deverá estar em comum acordo com a legislação da Comunidade Económica Europeia ... deve ser tudo e é isso que, como social-democrata, eu defendo. Deve ser, também, o subsídio de desemprego, a segurança social. Nisso estamos de acordo.
Mas o que eu gostaria de saber era o seguinte: se não é paradigma para Portugal a CEE, qual deve ser? São os países de Leste? É a Polónia de Jaruselki? É a legislação de trabalho que lá existe que o Sr. Deputado pretende ver aplicada em Portugal?
Aplausos do PSD.
Vozes do PCP: - Que tristeza!
O Orador: - A não ser que o Sr. Deputado seja coerente com aquela posição de os comunistas apoiarem tudo o que acaba em «al»: em Portugal, apoiam a «greve geral»; na Polónia, a «lei marcial» e em todo o lado o «Dr. Álvaro Cunhal».
Aplausos e risos do PSD.
Protestos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Santa Rita.
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, depois da intervenção do Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares, onde ele esclareceu as relações que havia entre o PS e o PCP, pergunto: qual é a alternativa democrática que o Sr. Deputado prevê na hipótese de esta falhar? Será que o Partido Comunista vai passar dos 18,2 % para 50 % da escolha do povo português? Será que vai implantar cá uma ditadura do género da dos países do Leste?
Protestos do PCP.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Traga uma língua de sogra para soprar!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, a 1 protesto e a 2 pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs Deputados: Depois deste protesto veemente e destes pedidos de esclarecimento, fica uma primeira ideia: o Partido Socialista omite as questões candentes sobre o mundo laboral e fala da desvalorização do escudo; o PSD defende, com unhas e dentes, as questões la-
Página 133
23 DE JUNHO DE 1983 133
borais e a questão do protocolo negociado entre os 2 partidos!
Vozes do PCP: - Muito bem!
Vozes do PS: - Ah!
O Orador: - De todas as coisas se tem de tirar ilações políticas e, neste caso concreto, isso verifica-se ... Resta saber quem é que negociou: foi o PS com o PSD ou foi o PSD com o PS?
Vozes do PCP: - Muito bem!
Risos do PS.
O Orador: - O Sr. Deputado - e desculpe não saber o seu nome - do Partido Socialista veio dizer que a minha intervenção valia o que valia e, curiosamente, não disse se é mentira ou se é verdade que é dramática a situação dos trabalhadores que, por exemplo, têm os salários em atraso, não disse se o Partido Socialista pretende ou não assumir as suas co-responsabilidades nas alterações de fundo às leis fundamentais do exercício dos direitos e liberdades dos trabalhadores; veio, sim, falar na desvalorização do escudo.
Sr. Deputado, depois de ouvir a sua intervenção, fiquei com esta interrogação dramática: depois de tanto trabalho que o Partido Socialista teve para encontrar um Ministro das Finanças, o senhor não estaria melhor na bancada do Governo?
Aplausos e risos do PCP.
Dizia o Sr. Deputado que a minha intervenção vale o que vale. É verdade, Sr. Deputado ... A minha intervenção vale o que vale e o meu protesto vale, também, o que vale. Ela foi fundamentada não tanto pela minha cabeça, mas pelas delegações dos trabalhadores que aqui chegam com problemas concretos, problemas que este Governo devia apreciar e devia procurar curá-los, tê-los em conta e resolvê-los.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mas não ... o Sr. Deputado proeurou assumir um papel de defesa do Governo, quando a minha intervenção devia ser respondida pela bancada do Governo e não pelo Sr. Deputado.
Risos do PS e do PSD.
Esta é que é a questão de fundo. O Governo, independentemente das profundas reservas que tenho quanto a ele, é capaz de responder. Talvez se trate de uma questão de caloirice da sua parte - não me leve a mal, nem tome isso com um sentido ofensivo -, mas deixe que eles se defendam. Estou a ver aqui o Sr. Ministro Amândio de Azevedo, ele é capaz de se defender, fazia aqui intervenções tão arrogantes contra os trabalhadores que, de certeza, vai responder a esta intervenção.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado - que eu também não sei o nome, desculpe mas também é novo, não leve a mal porque isto não é ofensivo ...
Protesto do PSD.
Uma voz do PSD: - Há lugares cativos?
O Orador: - ...disse que nas greves gerais os piquetes de greve fizeram uma série de coisas assustadoras. É curioso que o senhor fale nos países da CEE. Gostava que tivesse conhecimento do funcionamento dos piquetes de greve na Grã-Bretanha, porque poderia verificar que a diferença é abissal ...
O Sr. Silva Marques (PSD): - E na Polónia? e na Rússia?
O Orador: - Bom ... ouviu-se logo o CDS falar na Polónia e na Rússia e não sei de que mais ...
Vozes do CDS: - Não foi o CDS!
O Orador: - Sr. Deputado, sabe porque é que me desiludiu? Porque, ao ouvir a sua intervenção, tive saudades do Silva Marques, do Santa Rita, que não falavam só na Polónia; falavam do Afeganistão, falavam da Rússia, falavam de Praga ... falavam num mundo de coisas.
O Sr. Silva Marques (PSD): - São muitos!
O Orador: - ... Mas para esquecer o quê, Sr. Deputado?
Você, que falou em nome dos trabalhadores, aprenda isto: fale no país concreto que temos, com os problemas que temos, e talvez se sinta sensível aos grandes problemas que a nossa classe operária, que os trabalhadores portugueses têm ...
Aplausos do PCP.
Você não fale do problema dos vizinhos, porque isso é uma forma de escamotear os problemas de fundo que o regime democrático defronta neste momento.
Aplausos do PCP.
Quanto à questão do Sr. Deputado Leonel Santa Rita, relacionada com a alternativa democrática, devo dizer o seguinte: nós pensamos que é possível uma alternativa democrática com o PCP, com os trabalhadores, com as forças democráticas e isso não se faz com o PSD, porque o PSD foi o responsável pela política de desastre prosseguida ao longo dos três últimos anos. Pensamos, por isso, que é uma aberração vê-los novamente sentados na bancada do Governo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Leonel Santa Rita.
O Sr. Leonel Santa Rita (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Protesto contra as últimas palavras proferidas pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa. O PSD é responsável por aquilo que é. Mas, como o PCP costuma ser tão solícito em exigir inquéritos, por que é que não exige um, perante o povo português, para sabermos quem tem as maiores responsabilidades, desde 1975 até agora, pela actual situação
Página 134
134 I SÉRIE - NÚMERO 7
em que se encontra o País? Talvez o povo português fique a saber quem tem a maior carga; se é o PSD, se é o PCP.
Já agora, como acréscimo, quero lembrar ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa o seguinte: por que é que tem medo da CIP? Não existem mais de 500 sindicatos no País e a CIP é só uma? Não existem 6 ou 7 milhões de trabalhadores e, que eu saiba, não existe sequer 1 milhão de empresários? Será que os trabalhadores são tão fracos que se deixam subjugar por 1 ou 2 dúzias de empresárias evitando que, com a sua força, com a sua coerência, com o seu trabalho, possam resolver os problemas que afectam a totalidade do povo português?
O Sr. Meiga de Oliveira (PCP): - Blá, blá, blá . ..
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, o debate do Programa do Governo é com o Governo e, portanto, depois do brilhantismo e da profundidade de inteligência do Sr. Deputado Santa Rita ...
Risos do PCP.
Aplausos do Sr. Deputado Leonel Santa Rita (PSD).
... eu, ao abrigo das disposições regimentais, abdico de responder porque iria queimar tempo ao meu partido com esta questão tão comezinha do Sr. Deputado Santa Rita.
O debate é com o Governo e é o Governo que deve responder!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Determinação e rigor são as palavras que melhor exprimem o estilo de actuação que o Ministério das Finanças e do Plano se propõe empreender no combate à crise profunda que atravessa a economia portuguesa.
Os gravíssimos problemas do País que o Governo tem de enfrentar, no âmbito estrito da gestão da conjuntura, estão traduzidos de forma iniludível nos números que constam do texto do Programa apresentado à Assembleia da República. Permito-me apenas recordar, desse bloco, alguns factos mais expressivos: em 2 anos, isto é, de 1980 a 1982, o saldo negativo da balança de transacções correntes quase triplicou, passando de 1,25 para 3,31 biliões de dólares; a partir de 1979 e até ao final do último ano, o endividamento externo do País aumentou de 7,3 para 13,5 biliões de dólares, o que equivale a um aumento próximo dos 100 %; os prejuízos de exploração das empresas públicas não financeiras, consequência de um persistente desregulamento global do sector empresarial do Estado, atingiram 3,63 milhões de contos em 1979; em 1981 situavam-se já em 30,84 milhões, ou seja, cresceram cerca de 10 vezes em 2 anos. Para 1982 não há sequer resultados globais disponíveis, mas os números são decerto mais gravosos.
Como reflexo adicional da degradação dos assuntos financeiros do Estado, é importante referir, finalmente, que o défice do sector público administrativo mais do que duplicou entre 1979 e o final de 1982, subindo de 98,6 para 178,5 milhões de contos.
Estes números constituem naturalmente apenas alguns indicadores de uma situação geral deteriorada e, sobretudo - o que é mais grave -, um estado de sério desregulamento da nossa economia.
Não adianta, porém, perder demasiado tempo contemplar e lamentar os sintomas. Neles se reflecte, decerto, a imagem mais imediatamente perceptível da crise, mas o que conta, de facto, são as causas. Importa, por isso, explicitar os 3 grandes grupos de problemas com que a economia portuguesa se defronta.
Em primeiro lugar, a extrema gravidade da situação a curto prazo, resultante dos desequilíbrios ao nível da balança de pagamentos e do endividamento externo, que exigem medidas de ajustamento urgentes e enérgicas.
O Governo fará face a este primeiro grupo de problemas com base na implementação do Programa de Gestão Conjuntural de Emergência, com a duração prevista de 18 meses.
Em segundo lugar, os constrangimentos impostos por uma economia de há muito desregulada com a irracionalidade, a irresponsabilidade e a descoordenação instaladas no seu funcionamento corrente. Esta situação é ainda agravada por fenómenos de corrupção e por atitudes de desmotivação e desorientação dos serviços do Estado, das empresas públicas e da generalidade dos agentes económicos. Tais atitudes, verificáveis com crescente intensidade, têm certamente origem em razões subjectivas complexas, mas são sem dúvida consequência de um objectivo mau funcionamento do sistema económico no seu conjunto.
Em boa parte, a degradação das condições gerais de funcionamento da economia surge-nos como o fruto inevitável do prolongamento da crise conjuntural; mas a solução dos problemas imediatos já não é hoje suficiente para reunir, por si só, as condições necessárias ao mero funcionamento da actividade económica a médio prazo - impensável sem a criação de um modelo de enquadramento estabilizado e coerente, orientado para o controle dos nós estratégicos onde o desregulamento atinge maior gravidade ou assume consequências mais perturbadoras.
O Governo pautará a sua actuação quanto a este segundo grupo de problemas a partir da sua acção coordenada no quadro do Programa de Recuperação Financeira e Económica, cuja duração se prevê para 2 ou 3 anos.
O terceiro problema ou grupo de problemas é mais vasto e está ligado, em termos gerais, às exigências de modernização estrutural de uma economia em estádio intermédio de desenvolvimento, nitidamente atrasada em relação aos seus mais importantes parceiros comerciais.
Aqui reside, sem dúvida, o desafio principal, presente na sociedade portuguesa já bem antes do 25 de Abril. A «circunstância» particular dos nossos problemas actuais consiste, de resto, na coincidência histórica entre o esgotamento do modelo dos anos
Página 135
23 DE JUNHO DE 1983 135
sessenta, a manifestação da crise internacional induzida pela explosão dos preços do petróleo e as consequências das profundas transformações resultantes da queda da ditadura e da descolonização.
O Governo enfrentará este terceiro grupo de problemas de longe os mais difíceis e profundos - com base na definição e execução do Programa de Modernização da Economia Portuguesa.
O cruzamento daqueles três níveis de problemas, com tudo o que está implícito em cada um deles, exige que concedamos agora a primeira prioridade à correcção dos desequilíbrios de curto prazo e a inversão do processo de desregulamento económico global - condições prévias indispensáveis a uma perspectiva de funcionamento sadio da economia a médio prazo.
Deverá ficar claro, no entanto, que o objectivo essencial é a mudança e a modernização. A estabilização financeira, sendo imperativa, não se justifica por si só, e o País não está em condições de suportar sucessivas operações de estabilização com tamanhos custos sociais e riscos de perversão.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
O rigor e a austeridade exigem uma contrapartida de médio prazo que julgo ser a única forma de racionalizar os sacrifícios do tempo presente, tornando-os socialmente aceitáveis.
Apoiado neste princípio, orientará o Governo a sua acção na área da economia através da execução, de forma articulada, dos três programas acima referidos, que irão portanto desempenhar, à escala intermédia, a função de instrumentos de coordenação das diferentes políticas sectoriais.
Pretende-se responder assim aos três tipos de bloqueios anteriormente identificados de modo genérico. A título imediato - aliás, como já referi -, o papel dominante caberá, logicamente, ao Programa de Gestão Conjuntural de Emergência.
O Governo não dará lugar a situações de hesitação, confusão ou debilidade nas orientações da política conjuntural; são conhecidos os múltiplos efeitos negativos de tais comportamentos nas expectativas dos agentes económicos, na insuficiência das actuações das autoridades e, como consequência final, na inoperância das políticas económicas.
Chegou o tempo de pôr termo a este estado de coisas, criando condições para que a economia portuguesa possa ser efectivamente governada.
Neste sentido, o Governo actuou já ontem, adoptando as suas primeiras medidas. Procedeu-se a uma operação necessária e cautelosamente ponderada de desvalorização do escudo.
Essa variação discreta na taxa de câmbio efectiva da nossa moeda mostrou-se necessária para pôr termo a uma situação de instabilidade e perturbação que se arrastava - e se agravava- desde há meses e permite restabelecer a confiança na moeda e criar a base de partida para a política cambial bem definida do Governo.
A política cambial que o Governo prosseguirá com segurança e firmeza será baseada em 2 princípios fundamentais:
a) A gestão do crawling peg;
b) A gestão rigorosa e permanente dos factores
de ajustamento da conjuntura.
Uma operação de alteração da taxa de câmbio em si mesma não tem coerência própria. O seu significado e o seu interesse só se podem explicitar em termos da qualidade e da firmeza da condução do conjunto da política económica geral e das diferentes políticas parciais e sectoriais.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Orador: - A desvalorização discreta necessária está feita e desde ontem pertence ao passado, a futura política cambial do Governo está definida, bem como o seu enquadramento indispensável. As acções necessárias, quer no quadro conjuntural, quer no domínio das progressivas adaptações estruturais, serão adoptadas com ponderação e sem tibieza.
Aliás, a própria decisão da desvalorização foi desde logo acompanhada por medidas tendentes, a título imediato, a controlar a situação conjuntural. Está já a proceder-se à revisão global dos programas de investimento do sector público administrativo e empresarial (incluindo as instituições de crédito e de seguros) e regulamentaram-se, para produzir efeitos imediatos, de 2 impostos extraordinários - um sobre determinadas despesas das empresas, outro sobre lucros -, ambos criados pelo Decreto-Lei n º 119-A/83, de 28 de Fevereiro, respectivamente nos artigos 32 º e 33 º.
As medidas agora adoptadas, e que acompanham a desvalorização discreta ontem decidida, situam-se, pela sua própria natureza, no esquema mais geral de actuação do Governo, no quadro do Programa de Gestão Conjuntural de Emergência, que constitui, como importará repetir, a primeira linha das prioridades da sua política económica.
Mas os objectivos do Governo têm, necessariamente, uma dimensão mais vasta e mais profunda.
Conter o défice externo, controlar a dívida, repor a economia em funcionamento e preparar a modernização estrutural - eis, em síntese, os objectivos coordenados que nos propomos atingir, de acordo com a orientação já apresentada no Programa do Governo. Desnecessário se torna sublinhar que nenhum dos programas nele referidos é estanque ou autónomo. Procurar-se-á, pelo contrário, assegurar uma efectiva abordagem global e integrada da política económica portuguesa.
A compatibilização entre os constrangimentos de curto prazo e a exigência de condições para uma reestruturação profunda do aparelho produtivo não é, como se sabe, um problema exclusivamente português. Trata-se de uma das novas questões colocadas pela crise dos anos setenta - movimento profundo que não representa, apenas, uma interrupção das duas décadas de crescimento do pós-guerra, mas o fim de uma época que arrasta consigo a morte lenta dos modelos de regulação da economia basicamente apoiados na gestão macroeconómica tradicional.
Apesar dos bloqueios e impasses que estas alterações têm originado, é inegável que a economia mundial sofreu mudanças profundas, por vezes imperceptíveis, nos últimos 10 anos; no nosso país, pelo contrário, a estrutura produtiva evidenciou uma preocupante falta de mobilidade, cujos reflexos negativos irão ter repercussões significativas no médio e longo prazo.
Página 136
136 I SÉRIE - NÚMERO 7
Paradoxalmente, a gravidade e a extensão da crise económica colocam-nos, em Portugal, perante opções de singular clareza.
Quando se trata de assegurar as condições da própria sobrevivência, os problemas não se limitam a escolher entre a inflação e o desemprego, entre o rigor financeiro e a aceleração do crescimento a curto prazo, entre a urgência das reformas de fundo e a necessidade de garantir o funcionamento essencial dos aparelhos económicos.
Os problemas põem-se, de facto, ao nível da própria capacidade de resposta de toda a nossa economia, mais exactamente, da capacidade de resposta do conjunto do nosso país.
Durante longos meses teremos de saber viver com todos aqueles problemas ao mesmo tempo, começando por recuperar o controle das principais variáveis macroeconómicas, para suster a queda e enfrentar então, em condições seguras, o caminho para as transformações estruturais. Não se procura a quadratura do círculo, mas o ponto óptimo da gestão de uma margem de manobra que todos sabem ter vindo a estreitar-se progressivamente e que a acção do Governo deverá alargar.
Dir-me-ão que não é possível ser austero e desenvolver. A esses respondo, muito simplesmente, que as circunstâncias actuais já não permitem desenvolver sem ser austero primeiro; por outras palavras, o crescimento saudável da economia portuguesa implica o tratamento de rigor a que corresponde o programa de emergência de 18 meses.
Compreender-se-á que não apresente hoje à Assembleia metas quantificadas para alguns indicadores fundamentais, como as taxas de inflação e de crescimento.
A revisão dos objectivos da política económica e a redefinição das suas grandes linhas desaconselham, na verdade, a afirmação imediata de propósitos que devem ser maduramente avaliados para poderem ser cumpridos e encarados com seriedade pelos agentes económicos.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
Direi apenas que, por um lado, o produto interno bruto não poderá decerto manter taxas de expansão sequer comparáveis às dos anos anteriores; julgo que assim se estabelece, desde já, uma importante indicação para o futuro. Por outro lado, o Governo tomará as medidas necessárias para manter sob efectivo controle os aumentos de preços e salários nominais. Creio que deste modo se pode também estabelecer uma orientação significativa quanto à futura acção do Governo.
O rigor financeiro não equivale, porém, à paralisação. Significa, sobretudo, seleccionar, para obter a melhor aplicação de recursos cada vez mais escassos e recursos que, em muitos casos, pura e simplesmente Portugal não tem. O critério de selecção deve certamente manifestar-se no que respeita à identificação e lançamento de investimentos; e deve também ser especialmente claro e incisivo no que respeita à distribuição do crédito, que deverá ser racionalizada para permitir um apoio explícito aos sectores exportadores de bens e serviços, de um modo geral às actividades geradoras de divisas, à construção civil e habitação e à revitalização das pequenas e médias empresas, crédito esse
em detrimento da concessão de crédito a actividades de puro consumo, tantas vezes meramente desnecessário ou mesmo supérfluo.
Tendo em atenção este quadro da situação real, é decisiva a organização de prioridades e a assumpção plena da relação de causalidade entre o rigor imediato e a viabilização da recuperação a médio prazo coerentemente articulada na perspectiva da adesão às Comunidades Europeias - que constituirá um dos principais, se não o principal elemento envolvente da economia portuguesa nas próximas décadas.
A perspectiva da adesão constitui uma referência fundamental dos critérios e escolhas estratégicos que orientarão as adaptações estruturais do aparelho produtivo. Esta perspectiva tem de estar sempre presente, se queremos negociar em boas condições com as Comunidades Europeias.
A conclusão do processo, que avançou significativamente no mandato do anterior Governo, é hoje uma questão de tempo, dependente de factores que escapam, no essencial, à vontade e ao controle das autoridades portuguesas. A negociação não deve, contudo, absorver todo o nosso tempo: julgo, na verdade, que chegou a hora de passarmos das palavras aos actos no que respeita à chamada «frente interna», organizando de modo sistemático, com firmeza e convicção, as adaptações impostas pela opção europeia. E as primeiras serão o envolvimento dos parceiros sociais na preparação das negociações, como corresponde ao Governo conduzir, e a formação dos quadros indispensáveis às exigências do futuro estatuto de Estado membro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que os propósitos do Governo tenham, na sua realização, a consistência necessária, é preciso tempo.
Facilmente se compreende que não é possível aplicar qualquer política de fundo com horizontes de poucos meses; numa conjuntura difícil, as próprias intervenções de curto prazo exigem um permanente acompanhamento e constantes adaptações, incompatíveis com uma perspectiva atormentada por permanentes sobressaltos.
Peço, portanto, tempo. Mas, desde já, devo afirmar que o Governo, por si só, não pode assegurar o êxito. É indispensável a cooperação de todas as forças organizadas do País, em particular os sindicatos e associações patronais. Consciente da decisiva importância desta questão, o Governo fará o necessário para institucionalizar progressivamente os mecanismos de concertação, criando condições para a constituição futura de um Conselho Económico e Social.
Sem concertação social não haverá recuperação económica durável. É essencial que todos tenhamos real consciência deste facto e assumamos plenamente a responsabilidade que nos cabe no funcionamento equilibrado do sistema económico e na eficácia do esforço nacional que a gravidade da crise torna imperativo.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
Reside na atitude dos agentes económicos e das forças sociais organizadas uma das bases da regeneração moral e da reconstrução do País. Ao Governo caberá restituir-lhes a confiança perdida e contrariar o desânimo que compreensivelmente se apoderou de muitos cidadãos.
Para isso é necessário, antes de tudo, mostrar empenho e resultados no combate à fraude, à currup-
Página 137
23 DE JUNHO DE 1983 137
ção, ao tráfico de influências generalizado, ao desânimo, à falta de convicção na capacidade dos Portugueses.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
E preciso valorizar o trabalho e não o golpismo, a honradez e não o oportunismo, o espírito de competição e não o privilégio, o lucro legítimo e não a ganância especuladora ou a caça ao subsídio.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
Peço ao País que trabalhe com afinco e coragem, ciente de que a irresponsabilidade económica e financeira desemboca com frequência em aventuras totalitárias. Não vos escondo que a terapêutica será dolorosa, nem ignoro a exacta dimensão dos novos sacrifícios que o Governo pedirá aos Portugueses, a todos os Portugueses. E sabemos quão degradadas estão já as condições de vida de muitos.
Não existe, porém, outro caminho, excepto nas quimeras dos eternos vendedores de ilusões. E creio que nenhum esforço, nem nenhum sacrifício podem ser excessivos, quando estão em causa a independência nacional e a nossa condição de povo que sabe querer o seu lugar na História.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: Ouvi com atenção as palavras proferidas por V. Ex.ª e gostaria de lhe colocar 2 ou 3 questões.
O Sr. Ministro disse que a economia portuguesa está desregulada, falou em irresponsabilidade, apontou 2 grupos de causas, mas, curiosamente, passou uma esponja sobre os anteriores governos, sobre o PSD que se encontra aí sentado, sobre os ministros que se encontram aí sentados, sobre a política anterior, os responsáveis, no essencial, pela crise que hoje se vive.
Porém, gostaria de perguntar se pensa que é com a entrega da banca e dos seguros ao grande capital que se vai regular a economia, ou se, pelo contrário, isso não corresponde a uma maior irracionalidade do sistema, e se são esses também os sacrifícios que vai pedir a todos os portugueses, ao grande capital.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E, já agora, pediria que comentasse a afirmação do Secretário-Geral do Partido Socialista de que abrir a banca ao sector privado era furar a Lei da Greve e a Lei das Nacionalizações, e ainda a afirmação do Dr. Almeida Santos de que se queria evitar a concorrência no sector bancário porque de tão básico e influente não devia ser compartilhado entre o Estado e o sector privado - isto foi em 5 de Março de 1980, recorda-se?
Peço licença para fazer aqui um parêntesis para responder ao Sr. Primeiro-Ministro que deixou pendente nesta Câmara uma afirmação história acerca da razão «porque não teria sido nacionalizado o sector bancário estrangeiro».
Recordo-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que, ali na Sala do Conselho de Ministros, quando se discutia o então Plano Melo Antunes, o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros da altura que, por acaso, era o Dr. Mário Soares, não se opôs à nacionalização da banca estrangeira, até com o argumento de que era uma fuga para a frente!
Assim a Câmara fica esclarecida e, se me permite, digo-lhe mais: no tempo do governo ...
O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Com certeza, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - Sr. Presidente dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Primeiro-Ministro: - E só para um esclarecimento, porque é importante este ponto.
É que de facto, naquela sala, onde, salvo erro, em Fevereiro de 1975 se discutiu o problema das nacionalizações, chegou-se, por grande maioria, tal como o Sr. Deputado se deve lembrar, à conclusão de que não se deveriam fazer nacionalizações - nenhuma, não somente da banca estrangeira mas de nenhuma banca, mas essas nacionalizações foram feitas nas condições em que se sabe depois do 11 de Março!
Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e de alguns deputados do CDS.
O Orador:- Para que fique historicamente comprovado, acrescentaria que houve elementos do Partido Socialista que se bateram nessa reunião pela nacionalização da banca e dos seguros, inclusivamente Pedro Coelho, que esteve para ser Ministro do Mar, como V. Ex.ª sabe muito bem. Aliás, em relação à excepção aqui apontada, lembro também as palavras do Dr. Almeida Santos que disse que « se o problema é entre a excepção e a regra, então que se acabe com a excepção».
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A segunda questão, Sr. Ministro das Finanças, era a seguinte: V. Ex.ª falou da desvalorização do escudo dizendo que este estava a sofrer pressões há alguns tempos - e, por acaso, eu não queria insinuar que isto tem alguma coisa a ver com as afirmações do Dr. Mário Soares aquando da campanha eleitoral e portanto com a especulação já existente no mercado negro com o dólar. Mas então não tivemos, em Fevereiro de 1977, uma desvalorização do escudo de 15 %, com o primeiro Governo PS - os célebres «pacotes»; depois, em Maio, mais 4 %; depois, em 1978, no segundo Governo PS/CDS, não houve mais uma desvalorização do escudo; depois, com os Governos da AD também não houve outras desvalorizações do escudo? Não é isto a continuação da política da AD? E quais foram os resultados? Quais foram as consequências? 15to não
Página 138
138 I SÉRIE - NÚMERO 7
é efectivamente o seguimento da política da AD? 15to não aumentou a inflação, o desemprego, a dívida externa?
O que vai suceder é que se vai aumentar a taxa de inflação, o desemprego e a expropriação dos pequenos e médios empresários, isto é, os senhores vão ser
os coveiros da pequena e média empresa.
Vozes do FCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Finanças do Plano pretende responder já ou no fim de todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: Gostaria de colocar 2 questões muito breves, apesar de haver
muitas outras que mereciam ser discutidas mas que levaria bastante tempo, nomeadamente sobre o problema dos prejuízos das empresas públicas.
No Programa do Governo e agora na intervenção de V. Ex.ª não se fala sequer na hipótese de rever o Orçamento Geral do Estado Provisório para 1983.
O Sr. Ministro sabe que o Orçamento, qualquer que seja e em qualquer país, é um instrumento básico da política económica de um governo e que, de qualquer
modo, tem de estar coordenado com as grandes opções de política económica. Ora, como o Governo não pretende rever esse Orçamento, em nosso entender
isso significa que, de facto, o Orçamento que foi aprovado pela AD serve perfeitamente a este Governo e que as grandes opções da AD são as grandes opções
deste Governo. Gostaria, pois, que me confirmasse esta análise.
Aplausos do PCP.
A segunda questão é esta: a pp. 109 e 110 do Programa e relacionado com o problema da abertura de sectores nacionalizados ao sector privado refere-se
o acautelamento que o Governo terá para que com essa abertura não se inviabilize a utilização total da capacidade instalada. Ora bem, até pelas medidas ontem
tomadas de revisão percebo perfeitamente o que se pretende dizer com esta frase em relação, por exemplo, aos cimentos e adubos, ou seja, a preparação do Governo para congelar investimentos das empresas públicas. Por conseguinte, da CIMPOR, que prevê a construção, que já há alguns tempos tem vindo a ser congelada, de uma nova fábrica na zona norte do País, agora congela-se que é para não haver excesso de produção, de capacidade produtiva, para se meter os privados a construir a fábrica de cimento. E para os adubos far-se-á uma coisa idêntica.
Contudo, uma questão que não entendo é como é que isso se vai processar em termos de banca. Digamos, lato senso, que a «produção» da banca é o crédito;
a capacidade produtiva da banca é capacidade de concessão de crédito, e como na distribuição de crédito a banca está limitada administrativamente - e o Sr. Ministro sabe que inclusivamente há excessos de liquidez, gostaria de saber como é que se vai conciliar este acautelamento de utilização da capacidade instalada com a possibilidade de abertura de bancos privados.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Lencastre.
O Sr. João Lencastre (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria cumprimentar o Sr. Ministro pela coragem de que deu provas ao aceitar o lugar de Ministro das Finanças, principalmente numa altura tão difícil como é a que o País atravessa.
Ao ler o Programa do Governo, penso que uma das não menores dificuldades que terá será a de uma certa ambiguidade doutrinal. Aliás, tenho a tentação irresistível de lhe lembrar um filme que vi há tempos e que se chamava Victor Vitória, onde havia uma mulher que fingia ser um homem que imitava uma mulher. Ao ler o Programa não sei se nele não haverá influência de alguns socialistas que imitam os liberais a fingir de socialistas e de liberais que imitam os socialistas a fingir de liberais.
Risos
Vozes do PS: - Tem aprendido com o seu líder.
O Orador: - Vou agora passar a formular as minhas perguntas: quanto à ambiguidade doutrinal, gostaria de perguntar, Sr. Ministro das Finanças, como é possível conciliar a redução do défice do Orçamento Geral do Estado com a enorme lista de novas despesas e novos investimentos que fazem parte dos capítulos sectoriais, desde a constituição de stocks estratégicos até aos centros para as mulheres maltratadas; desde a constituição de bancos de terras à rede de armazenagem de produtos agrícolas; desde a renovação da marinha mercante e da frota de pesca à da frota de transportes; desde as empresas de alta tecnologia, etc., etc.
Dir-se-á que existe nos vários capítulos a frase «na medida das possibilidades», que eu suspeito tenha sido introduzida pelo Sr. Ministro das Finanças. Mas então qual o verdadeiro significado destas listas sectoriais, destas aspirações? Será apenas o de uma lista de presentes de Natal- e, no entanto, não nos esqueçamos que não o Pai Natal? Ou, pelo contrário, será que se vai aumentar ainda mais a carga fiscal, talvez os impostos directos? E como se concilia isso com o incentivo à criatividade e produtividade de que fala o Programa?
Outra pergunta refere-se ao sector empresarial do Estado, cujo funcionamento se prevê rever, de modo a deixar de constituir um encargo do Orçamento Geral do Estado. Mas como se vai fazer? Vai-se aumentar ainda mais o endividamento junto dos bancos, ou a inflação através dos aumentos da preços? E se se reduzem as despesas de pessoal, quais são os esquemas previstos para tratar do problema das dezenas de milhares de trabalhadores excedentários?
Uma outra pergunta tem a ver com a selectividade dos investimentos públicos e a orientação de investi-
Página 139
23 DE JUNHO DE 1983 139
mentos privados para os sectores prioritários. Tanto quanto me apercebi, não são definidos os sectores prioritários, mas, em contrapartida, fala-se de uma forma de consenso social para a política de investimentos em vez de critérios de rentabilidade empresarial. Não receia o Sr. Ministro que nos estejamos a afastar dos modelos de sociedade dos países ocidentais?
Uma outra pergunta respeita à taxa de expansão da massa salarial que, segundo se diz, não poderá acompanhar a taxa de crescimento de preços. Como vai então o Governo fazer?
Um dos vazios da nossa economia é a inexistência do mercado de capitais. Quais as medidas que o Sr. Ministro prevê tomar e que não estão referidas no Programa?
Num outro capítulo ressuscitam-se os «dinossauros» da nossa economia: os projectos de Sines, da Siderurgia, da metalurgia do cobre e outros grandes comedores dos nossos escassos recursos. Mas não houve já tempo para estudar e propor agora medidas em vez de se enunciarem apenas os problemas?
Fala-se na integral utilização da capacidade já existente em, sectores a abrir à iniciativa privada. Significa isso que voltamos ao condicionamento industrial de saudosa memória para alguns? Ou significa que certos patrimónios subutilizados das empresas nacionalizadas serão vendidos ao sector privado que terá porventura uma maior capacidade empresarial? E como se medirá se há ou não capacidade necessária no sector dos serviços como, por exemplo, os bancos e os seguros? Ou será esta medida um travão disfarçado à abertura dos sectores à iniciativa privada?
Desejaria terminar, Sr. Ministro, assegurando-lhe o nosso apoio em tudo o que aproxima a economia portuguesa de um modelo semelhante ao dos nossos futuros parceiros da Comunidade Europeia.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Sr. Ministro das Finanças afirmou aqui que neste momento ainda não é possível calcular algumas grandezas macroeconómicas ou, pelo menos, dar uma indicação sobre quais são esses valores, nomeadamente quanto ao crescimento do produto interno bruto e quanto à taxa de inflação. Mas é interessante frisar que, desde já, o Sr. Ministro afirmou que o PIB não irá crescer tanto como nos últimos anos. Ora, todos sabemos que o PIB praticamente não cresceu nos últimos anos, que estagnou, o que significa que este ano iremos ter um decréscimo, ou seja, que este ano iremos ter mais encerramentos de empresas, agravamento das dificuldades dos sectores em crise, como, por exemplo, os têxteis, o vestuário, a metalurgia, a construção civil, e que iremos ter certamente um agravamento do desemprego. E é interessante verificar que quando o desemprego é hoje um dos mais graves problemas do nosso país - calculam-se em mais de 400 mil os desempregados -, o Sr. Ministro não tenha sequer dado uma nota sobre este problema.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - 15to mostra ao serviço de quem está este Governo e que tipo de política económica e social pretende levar por diante.
Mas há ainda um outro aspecto que convém desde já notar: O Sr. Ministro refere que ainda não é possível dar indicações sobre a taxa de inflação. Entretanto, no Programa é já afirmado que a taxa de crescimento da massa salarial será inferior à taxa de crescimento médio dos preços. Então, é caso para perguntar: quando os senhores, nomeadamente o Partido Socialista, afirmaram que iriam acabar com os tectos salariais, como é que vai ser possível pôr isto em prática? Como é que, em termos técnicos, o Sr. Ministro me explica que vai ter uma taxa de crescimento médio da massa salarial inferior à taxa de crescimento médio dos preços quando neste momento ainda nem sequer se sabe qual vai ser a taxa de inflação? Como é que põe isso em prática? Afinal, que novos tectos salariais ainda mais gravosos do que aqueles que existem actualmente vão ser impostos aos trabalhadores portugueses?
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - É assim, Sr. Ministro, que pensa resolver alguns dos gravíssimos problemas que o nosso país atravessa? Com mais desemprego, com um agravamento dos problemas dos sectores da indústria em crise, com o encerramento de empresas, com o agravamento das condições de vida do povo trabalhador, com o agravamento da repartição funcional do rendimento? Sim, porque quando aponta para uma diminuição dos salários reais é para o agravamento da repartição funcional do rendimento contra os trabalhadores que o Sr. Ministro está a apontar.
Com este discurso e este Programa fica claro para o povo português o que o espera nos próximos meses, fica claro que a situação é, de facto, grave e só poderá ser travada com uma luta generalizada do povo português e dos trabalhadores para pôr fim a uma política tão gravosa para o nosso país.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.
O Sr. Morais (Leitão (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças: É nacional e internacionalmente conhecida a competência técnica de V. Ex.ª, e a preocupação que aqui transmitiu da crise que vivemos é comungada pelo CDS. Portanto, a primeira afirmação que quero fazer em nome do Grupo Parlamentar do CDS é desejar-lhe sorte no exercício da sua missão de interesse nacional ...
O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ... porque estamos conscientes da gravidade da crise que atravessamos.
Desde logo, teve sorte porque já vai longe os tempos de 1981 em que o Partido Socialista não acreditava na crise que já se antecipava. Felizmente, as eleições do 25 de Abril tiveram a vantagem de trazer o Partido Socialista para a consciência da crise, que não era
Página 140
140 I SÉRIE - NÚMERO 7
apenas nossa, que era externa, que já se adivinhava e que muito se poderia ter poupado se nessa altura houvesse uma oposição como a que o CDS procurará fazer a este Governo.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Se me permite que dê uma impressão do discurso que V. Ex.ª fez a esta Câmara, devo dizer que colho uma afirmação chave: determinação e rigor, que são atitudes fundamentais! Assim, em nome do meu partido, pedir-lhe-ia também um pouco de imaginação e o acreditar no valor da liberdade e da iniciativa dos portugueses. Sei que não é o caso pessoal de V. Ex.ª, mas não deixo de notar que do Programa apresentado e do discurso aqui realizado se fala - com certeza pela tónica da crise- em controlar, fiscalizar, intervir, mas pouco ou nada se fala no catalizar a iniciativa dos portugueses.
A esse respeito, perguntarei concretamente a V. Ex.ª por que é que no discurso que aqui acabou de proferir nem uma palavra dirigiu às empresas, à liberdade de iniciativa, à própria questão da Lei dos Sectores (público e privado), a tudo o que toca àquilo que tem de ser simultâneo com o combate à crise e que é o acreditar na liberdade e na responsabilidade da iniciativa privada portuguesa.
V. Ex.ª e pediu tempo. Tê-lo-á da nossa parte; o Sr. Primeiro-Ministro pediu ontem uma trégua política. Tê-la-á da nossa parte. Mas trégua política e tempo significam o exercício do mandato constitucional que VV. Ex.as ganharam nas eleições. Saiba o Governo governar bem, saiba o Governo assumir as suas responsabilidades que terá no CDS a oposição construtiva nacional sem abdicarmos, no entanto, dos nossos princípios.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Gostaria de fazer 3 simples perguntas em complemento das que o meu colega de bancada, Dr. João Lencastre, já fez.
Assim, em termos de contenção do défice orçamental, V. Ex.ª assumiu o objectivo que foi também os dos Governos anteriores, e fê-lo séria e honestamente. Para além da eventual contradição, que V. Ex.ª explicará, entre os planos sectoriais e os planos do Ministério das Finanças e do Plano, os princípios de política global, V. Ex.ª, em termos de reforma fiscal, deixa em claro, quer no seu programa quer no discurso que acabou de fazer, qual é efectivamente a política fiscal deste Governo no plano das receitas.
Será a contenção do défice orçamental combatida e conseguida à custa de uma contenção efectiva da despesa pública ou teremos de novo o agravamento da carga fiscal e, mais do que isso, o agravamento da tributação directa, bem pesada e bem ela própria causa de muita evasão fiscal existente no nosso país?
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª no âmbito da política de investimentos fala em termos de investimentos públicos, no seu planeamento, na sua programação em termos de consenso social. Permita-me que saúde essa afirmação voluntarista que noutros aspectos falta, mas permita-me também que lhe pergunte se finalmente vai ser seguida, por um Governo de inspiração socialista, uma política de selecção dos investimentos públicos também por critérios de rentabilidade. É que não vejo isso no discurso de V. Ex.ª.
A política cambial, monetária e financeira é talvez, permita-me que lhe diga, o capítulo mais pobre do Programa do Governo no sector que lhe toca, logo porque, afirmando V. Ex.ª claramente no seu discurso que a política cambial do Governo é clara e límpida, eu não encontro resposta para qual o crawling peg que vai ser mantido, qual a garantia que vai ser dada à competitividade externa dos produtos portugueses. É bom que fique garantido como morte que não voltaremos ao modelo económico autárquico, mas manteremos, como vínhamos mantendo nos últimos 3 anos, o modelo de uma economia aberta em que a capacidade de exportação é estimulada, inclusive pela via da política cambial.
A política de captação de poupanças no que respeita ao mercado de capitais, a não ser um ligeiro estímulo à formação de poupança, uma afirmação piedosa e uma afirmação similar de dinamização da comissão dinamizadora do mercado de capitais criado em 1981, a não ser esses 2 aspectos, não contém, e eu interrogo-vos sobre isso, afirmações concretas que corrijam o péssimo funcionamento do nosso mercado de capitais. Os portugueses que podem poupar estão a poupar exclusivamente em depósitos a prazo - o mercado financeiro não existe em resultado de dogmas e de problemas há muito surgidos nesta Assembleia - e era importante que V. Ex.ª pudesse dizer aos portugueses se, sim ou não, vai seguir uma política de taxas de juro reais que garantam o valor das poupanças; se, sim ou não, vai abrir os instrumentos financeiros aos intermediários financeiros sem os quais não haverá poupança nem financiamento correcto da nossa economia. Gostaria de ouvir a sua opinião sobre esta matéria, Sr. Ministro.
Por último e porque já estou a maçá-lo muito, gostaria de dizer uma palavra final que talvez envolva uma divergência de concepções e de princípios: é que austeridade sim, mas austeridade a começar pelo Estado ...
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - ...; austeridade e rigor sim, mas austeridade e rigor a começar pelos efeitos de todas as decisões tomadas em período revolucionário e que todos nós ainda estamos a pagar.
Nem no Programa do Governo nem no seu discurso V. Ex.ª diz uma palavra sobre o pagamento das indemnizações por nacionalizações e eu gostava de saber se se interrompeu o processo que gradualmente, na medida das possibilidades, os anteriores Governos vinham fazendo. Gostaria principalmente de ouvir da sua parte uma palavra clara de que a austeridade, que tem de ser levada a cabo e aceite por todos nós, vai começar e com rigor e com determinação pelo próprio Estado, reduzindo em termos reais o consumo público, tal como se conseguiu nos últimos 3 anos.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira.
Página 141
23 DE JUNHO DE 1983 141
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Ministro das Finanças, é pena que esta discussão seja feita com limitação de tempo. Em todo o caso e dentro dessa limitação, recordo que o Sr. Ministro disse que «fazer seja o que for, vale mais ser rápido». Só que esta não é uma verdade em geral, é-o particularmente quando seja o que for dói. Daí o eu concluir que o Sr. Ministro está a pensar fazer seja o que for que doa. Aliás todos nós percebemos isso.
Mas a questão muito simples que lhe quero colocar é esta: os senhores que se reclamam tanto do rigor e que certamente já têm no Programa, não só naquilo que vem expresso mas nas medidas pensadas e em curso de preparação - como a que ontem foi tomada, de desvalorização do escudo - a aplicar à economia portuguesa, por acaso já calcularam, nomeadamente o Sr. Ministro, os efeitos desse conjunto de medidas? E, se já calculou, quais são?
Mais concretamente o é óbvio que o Sr. Ministro, através do Programa que nos apresentou e daquilo que nos disse há pouco, prepara uma diminuição drástica da procura interna. É um objectivo do vosso «Programa de Gestão Conjuntural de Emergência (PGCE)» a diminuição drástica da procura interna, e o que eu gostaria de saber é se avaliaram e, no caso afirmativo, quais são os efeitos sobre a distribuição do rendimento nacional. 15to é: em termos muito sérios, muito concretos, muito rigorosos, eu gostaria que o Sr. Ministro me dissesse que mais desemprego vai haver, que diminuição dos salários reais prevêem os senhores se aplicarem o vosso Programa.
É porque é disto que se trata. É de saber quais são os sacrifícios adicionais que este Governo entende dever pedir aos Portugueses, em geral, e, em particular e sobretudo, aos trabalhadores por contra de outrem. O que é que vão ter que pagar para a tal estabilização financeira que este Governo propõe?
Vozes do PCP - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Ao que penso também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bento Gonçalves.
O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, começo por referir um facto: o de que o sector cooperativo mereceu no Programa do Governo alguns comentários.
Pelo seu conteúdo quero endereçar ao Governo as minhas felicitações, excepto no que se refere ao capítulo v, 2.2, que refere a revisão de legislação publicada após o 25 de Abril. É que, como a legislação publicada em diálogo com as cooperativas e com o apoio do sector revoga toda a legislação respectiva anterior a Outubro de 1980, não percebo, e daí que pergunte a V. Ex.ª que legislação se pretende rever.
Assim, manter-me-ei atento e ao mesmo tempo disponível para analisar as divergências que existirem.
Na discussão sobre a problemática do sector público e do sector privado V. Ex.ª nada referiu sobre o sector cooperativo, que pode e deve ser alternativa a algumas empresas hoje sob controle do Estado e que deverá ser entregue ao sector cooperativo, nomeadamente no que se refere ao sector agro-industrial.
Numa altura em que se pensa desnacionalizar algumas empresas, espero bem que não se esqueçam de que existe o sector cooperativo, pois se assim se fizer cometer-se-á o mesmo erro cometido pelos partidos quando procederam às nacionalizações.
A abertura da banca e das seguradoras ao sector cooperativo, a transformação de algumas empresas a cargo do Ministério da Agricultura, com fundos do OGE, devem constituir objectivos que não podem escapar a este Governo. É que depois de efectuada a revisão constitucional nada impede que a vontade política do Governo se manifeste neste sentido.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra, se desejar, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar responder, tanto quanto possível directamente e na sequência, às perguntas que me foram feitas.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas, depois de fazer um certo enquadramento, citando-me a mim próprio, questionou-me sobre a economia portuguesa desregulada, a irresponsabilidade, a passagem da esponja sobre anteriores governos, duas coisas de que falei e uma de que não falei. De facto falei na economia desregulada e se o Sr. Deputado tem dúvidas recomendo-lhe que faça uma de duas coisas ou ambas: passe pela rua, a pé, e não de carro, ou leia uns textos publicados e vê o desregulamento da economia no dia-a-dia. Portanto isso são duas coisas de que falei.
Da irresponsabilidade também falei, também a conheço, sei que ela existe. Do que eu não falei foi de passar a esponja sobre governos anteriores. Não creio que seja essa a vocação do Ministério das Finanças e do Plano porque se passar a esponja sobre governos anteriores não pode passar só por um, tem de passar sobre vários. Este Governo é o IX Governo Constitucional e se fizesse isso havia de acrescentar também os Governos Provisórios, que, suponho, não estão totalmente esquecidos dos Portugueses:
O Sr. Rogério Martins (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Portanto, quando V. Ex.ª fala em passar a esponja sobre governos anteriores, não creio que seja de momento a orientação que lhe interesse.
Recordou-me depois alguns aspectos que eu nem sequer tinha presentes ao preparar o texto que apresentei, mas acho que o Sr. Deputado fez muito bem em lembrar-me alguma história de algumas desvalorizações portuguesas recentes, tendo repetidamente falado no Partido Socialista, não sei bem porquê, mas suponho que foi por coincidência. Fez-me, no entanto, uma pergunta que creio ter sido o objectivo da sua introdução e que ia no sentido de saber (e eu cito-o) «se não é isto a continuação da política da AD». Eu respondo-lhe por duas vias: primeira, não é porque nós fizemos ontem qualquer coisa que foi importante fazer e que, tanto quanto sei, a AD não fez porque não foi capaz; segunda, porque os problemas não começaram no dia da nossa tomada de posse. Os problemas já vinham de trás.
Mas também lhe digo, usando o mesmo método que V. Ex.ª utilizou, que aquilo que fizemos foi precisamente, porque são as mesmas circunstâncias, porque são as mesmas necessidades, o que fez o governo de esquerda em França, situação que conheço muito bem
Página 142
142 I SÉRIE - NÚMERO 7
por ter vivido lá perto durante muitos anos. Portanto o que fizemos e pretendemos vir a fazer são ajustamentos na economia portuguesa que têm a ver com dificuldades importantes em termos de economia internacional. Quando o Sr. Deputado me falava da desvalorização ontem levada a cabo, suponho que era este o enquadramento em que colocava a questão.
Perguntou-me depois se o Governo em conjunto vai ser o «coveiro» da pequena e média empresa. A esta pergunta dou-lhe uma resposta literal directa: não!
Suponho que V. Ex.ª ouviu o discurso que há pouco fiz para apresentar o Programa e que como tal deverá ter reparado que, num quadro de rigor e de contenção, referi 3 sectores que são postos numa posição de algum privilégio.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira perguntou-me o que é que se passa em matéria de Orçamento Geral do Estado para 1983. Ora o Governo começou a trabalhar vai para menos de 2 semanas, aproximadamente 10 ou 12 dias. O Orçamento do Estado está em vigor, tem algumas insuficiências de que já ouvi expressões da parte de vários colegas de outros ministérios, mas este não é o nosso Orçamento.
O Orçamento deste Governo não é o Orçamento do Estado de 1983 e V. Ex.ª terá oportunidade - espero bem - de apreciar o Orçamento que este Governo tenciona apresentar na altura oportuna.
Vozes do PCP: - Mas quando e para quando?
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Então este serve até 1984?
O Orador: - Eu referi-me ao Orçamento Geral do Estado para 1984, Srs. Deputados. Portanto este Orçamento não é o Orçamento deste Governo.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira perguntou ainda qual é a forma de assegurar o acautelamento para não haver sobreinvestimento na banca. Ora eu recordo que o critério da necessidade económica é um critério corrente em termos de avaliação da criação de novas empresas e também no sector da banca. Portanto creio que V. Ex.ª conhece perfeitamente esse tipo de análise.
O Sr. Deputado João Lencastre referiu-se de entrada ao problema da ambiguidade doutrinal e referiu um tema que, aliás, foi depois retomado pelo Sr. Deputado Morais Leitão em relação a uma aparente contradição de orientações do Programa. Como é evidente, compete ao Sr. Primeiro-Ministro e não a mim dar as explicações de ordem global na discussão do Programa do Governo. O que a mim me cabe é pedir ao Sr. Deputado João Lencastre, que aparentemente não leu bem o Programa, que leia com algum cuidado a p. 101. Se tem aí um exemplar, faça favor de abrir (risos) e de ler, na p. 101, o 3 º parágrafo, que começa em: «Deste modo [...]».
Creio que, de facto, a resposta à questão que me colocou se situa nesse parágrafo da p. 101.
Acerca da selectividade dos investimentos públicos prioritários, pergunta-me se não nos estamos a afastar do modelo dos países ocidentais, na medida em que só se fala em critérios sociais e não em critérios de rentabilidade. É evidente que o Governo não vai fazer uma avaliação enviesada dos investimentos. Aliás o Sr. Deputado sabe, suponho, tão bem ou melhor do que eu, que os critérios de rentabilidade são fundamentais, designadamente num período em que a rentabilidade dos investimentos é uma forma possível de tentar atenuar desequilíbrios, concretamente na balança de pagamentos, com os quais Portugal se defronta.
Pediu-me também o Sr. Deputado que enunciasse quais as medidas previstas para o mercado de capitais. Sobre isso - e creio que poderei aproveitar alguns segundos respondendo simultaneamente ao Sr. Deputado Morais Leitão, que também tocou neste problema- parece-me que o que está apresentado no Programa do Governo relativamente a esta matéria dá orientações suficientes.
O Programa do Governo não é nem tem que ser um inventário de pequenas medidas ou de pequenas acções concretas. É, sim, uma orientação programática que permite entender, avaliar, uma linha de orientação que depois será executada. Foi precisamente isto, Srs. Deputados João Lencastre e Morais Leitão, que da parte que é da responsabilidade do Ministério das Finanças e do Plano se proeurou fazer, e precisamente está lá uma referência à dinamização dos mercados de capitais, que aliás foi iniciada numa altura que V. Ex.ª, Sr. Deputado Morais Leitão, conhece particularmente bem, e à qual se procurará dar efectiva concretização em termos de resultados.
Referiu ainda o Sr. Deputado João Lencastre alguns «dinossauros» da nossa economia. O que o Programa diz - e embora não seja na parte que me corresponde como responsabilidade creio que não está mal que eu relembre isso - é que serão reexaminados e é natural que um Governo que começa reexamine os problemas com que se defronta. A decisão, essa será tomada na altura oportuna.
Fez-me ainda uma interpelação particularmente concisa ao perguntar-me, em referência à abertura dos sectores à iniciativa privada, que está aliás integrada no Programa geral do Governo, que está integrada no acordo entre os dois partidos que constituem a coligação, se isso significava o regresso ao condicionamento industrial. Não vejo como, Sr. Deputado. O enquadramento não tem qualquer semelhança. O que está previsto no Programa do Governo é, pura e simplesmente, não permitir e isso não vamos permitir em Portugal - um total desregramento da iniciativa selvagem em matérias particularmente sensíveis como são os 4 sectores que são abertos.
O Sr. Deputado não quer, com certeza, acrescentar mais complicação, mais incapacidade de controle, mais incapacidade de funcionamento àquelas que nós já herdamos. Portanto o que nós também não queremos que haja, e posso garantir-lhe que não haverá, são duas coisas: por um lado, não haverá condicionamento industrial, que não faz sentido, e, por outro, não haverá capitalismo selvagem. Não haverá nem uma coisa nem outra.
Vozes do PS, do PSD e da ASDI: - Muito bem!
O Orador: - A Sr.ª a Deputada Ilda Figueiredo afirmou desde logo na sua interpelação que não há taxas, mas creio que já expliquei por que é que não há taxas. É pela simples razão, Sr.ª Deputada, de que não tenho qualquer motivação nem política, nem técnica, nem pessoal de avançar neste momento valores sobre os quais não tenha um grau mínimo de segurança para os apresentar ao Parlamento. Foi isso, de resto, o
Página 143
23 DE JUNHO DE 1983 143
que eu disse no discurso de apresentação do Programa, na parte referente às Finanças e Plano. O que deixei, quer no texto do Programa quer no texto do discurso que há pouco proferi, são linhas de orientação que reafirmo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro, se me permite a interrupção, gostaria apenas de lhe perguntar como é que V. Ex.ª concilia o que é afirmado no Programa, nomeadamente quanto à taxa de crescimento da massa salarial, que será, diz o Programa, inferior à taxa média do crescimento dos preços, com o que disse no seu discurso e acaba de reafirmar agora de que ainda não conhece qual será a taxa de inflação este ano. Como é que concilia estas duas coisas, como é que vai pôr isso em prática?
O Orador: - Se a Sr.ª Deputada não me tivesse interrompido eu ia dizer isso logo a seguir.
Risos.
Em todo o caso agradeço a sua intervenção.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Então diga lá!
O Orador: - O que estava a dizer era que não estou em condições, neste momento - e não me parece sério apresentá-los ao Parlamento -, de apresentar valores que têm de ser mais estudados e mais acompanhados.
O que o Governo apresentou a reitera são relações entre componentes. E nesse facto a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo cita e bem que em termos de massa salarial o Governo se orientará em termos de controle da inflação para reduzir a taxa de crescimento da massa salarial abaixo do índice de preços.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas como?!
O Orador: - Sr.ª Deputada, eu gostava de poder continuar a falar quando estou no uso da palavra.
Estava eu a explicar ainda, quando fui interrompido, que do ponto de vista da taxa de crescimento do Produto Interno Bruto, que a Sr.ª Deputada também referiu, a opinião que o Governo tem é a de que, como acontece em várias economias, a economia portuguesa tem algumas dificuldades adicionais, cujas razões a Sr.ª Deputada conhece melhor do que ninguém, e que se enquadram num conjunto que nem é estritamente português nem europeu. Aliás, é um pouco extraordinário que um país, com as dificuldades de conjuntura e com os desequilíbrios que tem, veja a sua economia crescer 2 ou 3 %, enquanto outros países mais desenvolvidos e muito mais sólidos têm taxas de crescimento inferior.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Mas o nosso grau de desenvolvimento ...
Vozes do PS - Cale-se!
O Sr. Presidente: - Agradecia o favor de não interromper.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um aparte, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, é que está a transformar-se em diálogo!
Vozes do PCP: - Nós queremos é diálogo!
O Orador: - Referiu-se ainda a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo ao agravamento das condições de vida. E uma matéria sobre a qual o Governo tem a maior atenção.
Estamos conscientes de que há um problema sério nas condições de vida em Portugal que não deve ser agravado de modo irresponsável.
O que queria chamar a atenção - e pedia a atenção da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo- é para o facto de que o que é gravoso não é a política que o Governo vai seguir. Aí está V. Ex.ª totalmente enganada e peço que faça um esforço de reflexão sobre esta matéria. Não é a política que é gravosa, o que é realmente gravoso são as condições com que este Governo se defronta desde que tomou posse e os mecanismos e as forças que deram origem à criação dessas condições.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
A Sr.ª Deputada tem a minha garantia e do Governo de que não serão agravadas as condições nem por gosto nem por interesse. Sabemos o que se deve e pode fazer, e julgo que a defesa das condições de vida do povo português é qualquer coisa que deve reunir todas as bancadas. E quando digo todas, não é começar no CDS e acabar no PCP, mas subir também à bancada do Governo. É disso que falamos e temos autoridade moral para o fazer; falamos do esforço patriótico deste Governo para vencer uma crise que ele não fez.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
Vozes do PCP: - Os responsáveis estão aí sentados!
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Se calhar foi o PPM que fez a crise!
O Orador: - O Sr. Deputado Morais Leitão pediu-me imaginação e disse que acreditava na liberdade. Imaginação não sei se tenho se não, pois não é a mim que me compete avaliar. Quanto a acreditar na liberdade, o Sr. Deputado não precisa de ter medo, pois eu acredito. Nesta matéria não precisa de estar preocupado. Quanto à imaginação não sou eu que serei juiz em causa própria nessa matéria.
No que respeita à matéria restante que o Sr. Deputado referiu, dizendo que eu não tive uma palavra para as empresas, para a iniciativa, para a lei do sector público e privado, suponho que V. Ex.ª não terá lido e ou ouvido o discurso do Sr. Primeiro-Ministro, onde tudo isto era registado. Suponho também que V. Ex.ª não espera que os vários membros do Governo, ao longo de vários dias, digam todos a mesma coisa.
Colocou-me V. Ex.ª ainda uma pergunta sobre o défice orçamental e disse que a política fiscal fica em claro quanto à política em matéria de receitas e da redução das despesas ou do agravamento da carga fiscal.
A resposta que lhe posso dar é que a política fiscal do Governo vai sendo progressivamente aplicada e o
Página 144
144 I SÉRIE - NÚMERO 7
objectivo fundamental de contenção do défice é um objectivo absolutamente indispensável, sob pena de não se conseguir controlar a situação neste momento em matéria de finanças públicas portuguesas.
Disse também que a política monetária, financeira e cambial era o capítulo mais pobre do Programa. Ora, devo dizer que isso não me admira, porque certamente o Sr. Deputado não estava à espera que eu lhe dissesse que as medidas tomadas no dia 21 de Junho fossem anunciadas no Programa do Governo.
Perguntou-se também quais são as garantias de competitividade da economia portuguesa com o exterior. A primeira, e mais importante, é certamente a da produtividade. Simplesmente, como V. Ex.ª sabe, o comportamento da taxa de câmbio efectiva do escudo não tem posto em causa a manutenção dos níveis de produtividade, suficientemente claros e fortes para as exportações habituais portuguesas. O que se espera conseguir é criar, em zonas marginais de competitividade de actividades exportadoras portuguesas, mais ganhos com a desvalorização discreta que se fez ontem. Mas é um ganho que, como V. Ex.ª sabe, está numa zona mais marginal.
Em matéria de captação de poupanças, disse o Sr. Deputado que não há afirmações concretas sobre o mercado financeiro. Bom, creio que há uma afirmação que deve ser particularmente importante para V. Ex.ª
que é dinamizar efectivamente a Comissão de Dinamização do Mercado Financeiro, que é bom que seja um instrumento útil e activo. É isso que procuramos fazer.
No que respeita ao último ponto que o Sr. Deputado referiu, quanto ao pagamento das indemnizações, o que tenho para lhe dizer como orientação da política do Governo é que não vemos razão para que isso não tenha lugar e, designadamente, vão ser privilegiados os pagamentos para indemnizações que se destinem a investimento.
O Sr. Deputado Veiga de Oliveira disse que deduzia do Programa do Governo apresentado que haveria uma redução drástica da procura interna.
É uma dedução que peca pelo qualificativo. O que nos propomos fazer, se esta Assembleia der o seu acordo ao Programa de Governo, é gerir esta economia, coisa a que V. Ex.ª, e eu compreendo, não está habituado.
Risos do PCP.
Mas paciência, pois se calhar os portugueses também estão pouco habituados a ver a economia a ser gerida.
Mas vamos tentar gerir esta economia e ao tentar fazê-lo creio que não é difícil dizer que deve haver esforços de contenção da procura interna. Não será drástica, espero bem; haverá esforços de contenção da procura interna, como V. Ex.ª deduziu, e julgo que deduziu correctamente, apesar de não ter feito o mesmo quanto ao qualificativo.
Também lhe queria dizer que não temos uma visão, como V. Ex.ª já leu no Programa de onde tirou essa conclusão, imediatista da política económica. O Programa de Gestão Conjuntural de Emergência tem uma duração prevista de 18 meses, o que quer dizer que o Governo não será atabalhoado a tomar medidas, não está numa atitude de precipitação de se agitar para fingir ou fazer supor que está a actuar. O Governo tem, pelo contrário, uma atitude fria, séria e não agitada de tentar resolver problemas que são de todos. Nesse aspecto, no Programa de Gestão Conjuntural de 18 meses, o Governo adoptará as medidas necessárias - e agora sou eu que utilizo um qualificativo para o qual peço a atenção de V. Ex.ª -, repito, as medidas necessárias de contenção da procura interna. Não será, pois, para a redução drástica da procura interna.
O Sr. Deputado Bento Gonçalves fez uma intervenção e perguntas sobre matéria em relação às quais eu não tenho competência. Peço-lhe, portanto, o favor de aceitar que a pergunta que formulou eu a remeta para o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares, que lhe dará resposta em nome do Governo.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.
O Sr. Morais Leitão (CDS): - Sr. Presidente, desejava fazer um ligeiro protesto.
Sr. Ministro das Finanças e do Plano, agradeço os seus esclarecimentos e não me levantaria se não ouvisse de V. Ex.ª uma frase que me espantou, qual foi a de que o que VV. Ex.as ontem fizeram a AD não o fez, porque não foi capaz. Gostaria de dizer a V. Ex.ª que a AD não o fez porque não quis nem precisou e a AD a que me refiro é a AD que governou este País, a AD que entrou em gestão em Dezembro de 1982.
E não vale a pena, como V. Ex.ª também disse, estarmos aqui a estabelecer capacidades, quando nós próprios reconhecemos que o nosso país está há 9 meses num período de instabilidade política, num período que acaba por justificar a única razão que deu para a desvalorização ontem realizada. Eu não quis aqui falar desse problema, pois considero que é de interesse nacional, como disse o Sr. Primeiro-Ministro, não trazer ã praça pública questões nacionais, mas não posso admitir, sem este protesto, que V. Ex.ª diga que a AD não quis porque não foi capaz, porque o era!
Aplausos do CDS e dos Deputados do PSD Pedro Pinto e Bento Gonçalves.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Ministro deseja responder no fim, tem a palavra Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É para um protesto, porque o Sr. Ministro deixou algumas questões - e questões fundamentais- sem resposta, como, por exemplo, se a abertura da banca ao sector privado não iria introduzir maior irracionalidade no sistema, se de facto isso é que seria a justiça e se era isso a distribuição dos custos, isto é, a entrega dos sectores mais lucrativos ao grande capital. Sobre isto passou em claro e parece-me que isso é significativo.
Página 145
23 DE JUNHO DE 1983 145
Disse depois que as pequenas e médias empresas não iriam ser sacrificadas, mas sim privilegiadas. Mas como, se vai aumentar as taxas de juro e reduzir o mercado interno? Como é que vai fazer isso, senão liquidando as pequenas e médias empresas com o rolo compressor do grande capital?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Terceira questão: em relação aos aspectos salariais, deixou esclarecida esta Câmara de que vai impor tectos salariais mais gravosos.
Em quarto lugar, não demonstrou que esta política não é senão o seguimento da política da AD. Ou seja, a política da desvalorização do escudo, do aumento das taxas de juro, da contracção do crédito, que foi iniciada pelo Dr. Mário Soares, foi seguida depois pelo Governo PS/CDS e agravada pelos governos AD. Aliás, o Dr. Mário Soares, na campanha eleitoral, disse que a AD era responsável pela crise que hoje atravessamos. Curiosamente, o Sr. Ministro disse que não. Há aí uma incompatibilidade entre o Sr. Ministro e o Sr. Primeiro-Ministro que convinha sanar.
Quanto ao desregulamento da economia, estamos de acordo. Que ela não tem sido gerida, estamos de acordo; estamos de acordo que ela não foi gerida pelo Dr. Morais Leitão e, certamente, também não vai ser agora, porque este Governo, com os mesmos ministros, desculpe que lhe diga, e pelo Programa que apresentou o que vamos ter é o agravamento de todos os problemas da economia portuguesa e, fundamentalmente, o agravamento das condições de vida dos trabalhadores e o abrir dos bolsos aos grandes capitalistas.
Por último, de facto, não é preciso apresentar os exemplos franceses. Já houve quem dissesse que os meninos vinham de França, há também quem diga que quem nasce em França é francês e não é preciso andar de carro para ver o desregulamento da nossa economia. Permita-me que lhe diga, já que falou em carro, que o Sr. Ministro veio de avião de Bruxelas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
Risos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Veiga de Oliveira, também para fazer um protesto.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro das Finanças e do Plano: Sinceramente, percebo agora, após ouvir o seu discurso e as suas respostas, a razão por que hesitou tanto em aceitar ser Ministro das Finanças deste Governo. É porque há uma clara distinção, apesar de tudo e apesar de ser Ministro deste Governo, entre a franqueza com que diz certas coisas graves e a falta de franqueza com o que o Governo o faz no seu Programa.
O Sr. Ministro admitiu que eu estava certo quando dizia que o que o seu Programa produziria era uma contenção - eu disse drástica, mas o Sr. Ministro admite que não é drástica ou pretende que não seja drástica- da procura interna e admitiu-o com verdade. É notável, porque não estamos habituados a isto. Gestão da economia sempre houve, houve é certo má gestão, mas houve gestão.
O que muito poucas vezes tem havido nesta Sala é verdade, pelo menos quando vem dessa bancada. Desta vez o Sr. Ministro falou verdade.
Apesar de tudo, discute o drástico. O que lhe perguntei não era tanto isso; não era tanto o de saber se era drástica ou não, embora eu tenha a ideia de que é drástica e os 12 % de desvalorização do escudo vão ter consequências que eu tenho por drásticas na redução do poder de compra, em geral, dos Portugueses.
O que lhe perguntei era como é que ia repartir os custos. E esta era a questão. Suponho que o Sr. Ministro, que se reclama de gerir a economia, deveria ter aqui a resposta pronta e poder dizer-nos como é que vai repartir os custos. 15to porque, Sr. Ministro, a maioria do povo português, como o Sr. Ministro sabe e mesmo andando de automóvel ou, se quiser, andando a pé ou de bicicleta, já passa uma vida muito má.
O Sr. Ministro sabe que nós não reclamamos indemnizações para os capitalistas expropriados, mas reclamamos o pagamento dos salários em atraso para mais de 100 000 trabalhadores.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É crime não pagar salário. Deveria ser crime punível, mas nós não queremos punir ninguém, pois o que queremos é que se pague. É imperioso que não se consinta que haja salários em atraso de quem trabalhou e produziu. É imperioso que o Ministro das Finanças e do Plano que se reclama - e tem o direito de o fazer - de bom gestor da economia nos diga como vai repartir os custos da crise.
15to foi o que lhe perguntei. Gostaria de obter a sua resposta e, por isso, insisto em a obter.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Ministro desejar responder, faça o favor.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, das perguntas que me foram feitas, respondi a todas que tinha apontado nas folhas onde tomei as minhas notas. Ao que V. Ex.ª me diz, as três intervenções que tiveram agora lugar são protestos e eu não tenho qualquer contraprotesto a fazer.
O Sr. Presidente: - É um direito seu, Sr. Ministro.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - 15so foi um conselho do Dr. Mário Soares! O Dr. Mário Soares é tão velho aqui como eu, mas olhe que é um mau conselho. Nós gostávamos muito que respondesse.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.
O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Foi este Governo, que se apresenta agora à Assembleia da República, constituído em circunstâncias singulares; é que aconteceu pela primeira vez, após eleições, que os partidos mais
Página 146
146 I SÉRIE - NÚMERO 7
votados não mostraram disposição de assumir o poder e só acabaram por fazê-lo visivelmente contrariados.
Situação inédita no Portugal democrático e certamente anormal em qualquer pais. Seria que subitamente, entre nós, por um acto de magia ou por virginal purificação, teriam os políticos deixado de ter ambições ou ficado surdos ao indeclinável apelo da Pátria que sempre invocam, ter-se-iam pela primeira vez, envergonhadamente, retraído os interesses económicos e as forças sociais que sempre estão subjacentes ao exercício do poder político?
Muitas foram, como se sabe, as interpretações para esta situação singular: disse-se que uns não queriam pagar a factura da crise que outros provocaram, falou-se em que melhor seria ficarem numa dura posição crítica perante a crise os que afinal eram os próprios responsáveis por ela, referiu-se ter sido preferível deixar que a situação nacional ainda mais se degradasse para que o poder lhes caísse na mão como um fruto maduro, até se disse que a assunção prematura do poder executivo iria prejudicar a via para outros poderes mais altos. Razões todas estas, como se vê, reveladoras apenas do mais desinteressado e sublimado amor pela Pátria ...
Mas as causas são mais profundas. Prendem-se, sem dúvida, com a atitude perante a crise, que não pode ser perspectivada nem avaliada em termos estritamente quantitativos, mas sobretudo qualitativos.
Embora reconheçamos que não se pode iludir a grave dimensão dos números nem a necessidade de medidas pontuais e urgentes, pensamos que estará votada irremediavelmente ao fracasso uma política que se reduza exclusiva ou predominantemente a este nível, por muito competentes tecnicamente que sejam os responsáveis da área económica e financeira - como se viu com a AD. O problema é mais fundo, nessa profundidade em que se situam as grandes opções e de que o debate político, normalmente, tem andado arredado. A questão central, quanto a nós, continua a ser definir exactamente um modelo de crescimento que seja adequado às estruturas do País. A AD, por Exemplo, sem dúvida tentou definir esse modelo, simplesmente ele não era ajustado à realidade económica e social portuguesa, profundamente transformada após o 25 de Abril. E por isso falhou, como falharão irremediavelmente, nestas condições, todos os projectos de governação de direita. É então que, já não apenas no CDS, mas também no PSD, começa a tomar vulto a tese, coerente com os seus propósitos, de ser necessário alterar as bases organizativas da nossa sociedade, em resumo, proceder urgentemente a uma revisão extraordinária da Constituição.
Como se sabe, as forças coligadas neste Governo acordaram em não proceder a essa revisão. Mas, ao mesmo tempo, acordaram em introduzir alterações de fundo na organização da nossa sociedade, como é o caso da delimitação dos sectores público e privado, que desta vez, à quinta tentativa, com o apoio de mais de dois terços desta Assembleia e sem impedimentos institucionais, poderá finalmente ser aprovada.
Igualmente, como é sabido, este debate tem sido dominado por pressupostos ideológicos e políticos. O temor deriva de um errado preconceito ideológico de que as nacionalizações são sinónimos de socialismo. Meus senhores, se o socialismo se medisse apenas através das nacionalizações, então Napoleão teria sido o primeiro homem de Estado socialista. Seria perda de tempo, pois, alongarmo-nos na refutação objectiva dos argumentos que têm sido postos.
Por exemplo, o de que o sector empresarial do Estado tem em Portugal um peso exagerado quando comparado com os dos países da CEE. Ora, utilizando a informação divulgada pelo vice-presidente do grupo de «estatísticas» do Centro Europeu de Empresas Públicas, quando da realização do Congresso de Atenas em 1981, vemos que o peso do sector empresarial do Estado, por exemplo, na República Federal da Alemanha era de 13,2 %, na França de 18,4 %, na Grã-Bretanha de 18,7 % e, na Itália, de 20 %, ao passo que em Portugal é de apenas 15 %.
E embora tenham sido diferentes as razões que, em cada país, levaram à criação do sector público, a verdade é que a dimensão e importância da intervenção do Estado, bem como os sectores onde se localiza a maior parta das empresas públicas, não varia muito de país para país.
Também não colhe o argumento, tão repetidamente apresentado, de que a alteração na delimitação dos sectores resultaria de uma exigência de integração na CEE, quando é mesmo Lorenzo Natali quem diz que o Mercado Comum não impõe qualquer reprivatização. Tão pouco é válido basear o ataque ao sector público no que ele custa ao País, pois é sabido que as empresas do sector empresarial do Estado conseguiram até 1979 níveis de funcionamento muito superiores aos da média racional, e a situação só se alterou quando os governos passaram a impor às empresas públicas industriais uma política de contenção dos investimentos, assistindo-se, a partir daí, à degradação da actividade de exploração da generalidade das empresas, derivada de quebra de produtividade, de política de preços impostos e do agravamento de custos.
Mas a pedra de toque desta orientação situa-se, desde já, na abertura da banca e dos seguros à iniciativa privada, o que se reveste de maior importância, sabendo-se da grande capacidade do sector público financeiro para a formação de excedentes financeiros e resultados líquidos positivos, sendo neste sector, como é sabido, que se forma a parcela mais significativa da poupança interna. É precisamente esta capacidade de mobilização de fundos (próprios e, sobretudo, dos alheios) canalizáveis para investimentos, que torna este sector o mais cobiçado por aqueles que sonham com a reconstituição dos grandes grupos económicos. Ora a verdade é que, neste momento, a situação da banca e dos seguros se encontra bastante degradada, do ponto de vista da organização interna, com reflexos óbvios na sua eficiência. Sem que seja planeada a sua racionalização e recuperada a sua operacionalidade, seria particularmente grave abrir-se o sector à iniciativa privada, sem qualquer restrição, o que poderá levar à destruição da quase totalidade do sector público financeiro. Admitimos que aí se encontre a explicação para a rapidez que o Governo quer imprimir ao processo, isto é, para que o sector público financeiro não tenha tempo para se reorganizar e não se apresente, assim, com capacidade competitiva perante a iniciativa privada.
Na nossa actual estrutura sócio-económica não cremos ser esta a via mais adequada para garantir a recuperação económica do País. Estaremos, antes, mais de acordo com o actual Ministro Carlos Melancia na I Conferência da APSC, em cuja comunicação (inti-
Página 147
23 DE JUNHO DE 1983 147
tulada «O Papel do Estado e da Iniciativa Privada no Desenvolvimento») se podia ler:
Qualquer que seja a filosofia de organização sócio-económica prosseguida pelo Governo do País, o desenvolvimento económico integral passa hoje pela utilização e fomento do sector público (ou pelo menos de parte importante do sector público, como a ferramenta mais «dócil» e eficaz de que o poder político dispõe para concertar com êxito a integração europeia não é possível - por abundante que seja a qualidade da iniciativa dita privada - conjugar coerente e acertadamente os esforços que têm de ser feitos por todos os portugueses se o Governo não dispuser de uma ferramenta de intervenção para as mutações que são indispensáveis na estrutura económica do País. As questões de princípio, em abstracto, devem ceder o passo à utilização dessa realidade, tão importante se nos afigura - em termos de correcta sobrevivência europeia - a judiciosa utilização dos meios que o Governo tem, ainda, ao seu alcance.
Com isto, porém, não subestimamos o papel do sector privado. Mas este, como os governos da AD, leva a que se confunda apoio ao sector privado com apoio a um certo número de interesses restritos que têm vindo a aumentar a sua ambição de dominar a vida económica, social e política do País. A maior parte dos nossos empresários é alheia e até contrária a uma orientação desta natureza. Porque nos seus projectos não figura lançarem-se na criação de instituições bancárias ou de grandes empresas no ramo dos cimentos ou dos adubos. As suas preocupações situam-se a outros níveis: que não demore a apreciação dos seus projectos pela Caixa Geral de Depósitos ou pelo Banco de Fomento e que sejam apoiados nas suas iniciativas. Será que estes, que são a grande maioria dos empresários do País, verão vantagens na substituição dos financiamentos pelas instituições de crédito nacionalizadas pelos dos bancos privados dos grandes grupos económicos que, tal como todos se lembram, antes do 25 de Abril, era um crédito incerto, de favor, e que visava mais o estrangulamento da empresa ou a sua satelização de que a sua viabilização ou desenvolvimento?
A perspectiva não deve ser a de beneficiar uns e prejudicar outros devido a preconceitos ideológicos ou falsas querelas: a perspectiva deverá ser a de saber se os projectos são ou não são socialmente úteis, se contribuirão ou não para aumentar a produção, para nos tornarmos menos dependentes do estrangeiro, para garantir ou aumentar os postos de trabalho.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Como sabem, várias opiniões, vindas de várias sectores desta Assembleia e de vários quadrantes fora dela, poderia chamar em meu apoio. Mas nenhuma, agora, será tão oportuna e expressiva como a do próprio Dr. Mário Soares.
Disse por exemplo, o Dr. Mário Soares, quando do debate em torno do programa do I Governo Constitucional (p. 405 do volume):
As grandes reformas que transformaram as instituições económicas deste País e que nós queremos que venham a transformar a vida económica deste País, essas reformas são as nacionalizações, a reforma agrária, a nova legislação do trabalho, o controle operário, reformas e conquistas que o Governo considera irreversíveis.
E, mais adiante, o Dr. Mário Soares afirmou (p. 433 do volume):
Não se trata de fazer concorrer nos mesmo sectores, concorrer comercialmente, o sector público e o sector privado. Não se trata, por exemplo, de através da banca nacionalizada criar ou construir novos bancos privados para concorrerem com os bancos nacionalizados. Eu disse que não haveria restabelecimento da banca privada; disse isso no meu discurso e isso deduz-se claramente do programa, como vão ver. Trata-se de dizer que estamos numa fase de consolidação do sector público, fase essa que é caracterizada pelo facto de ter havido uma rotura nos mecanismos capitalistas existentes anteriores ao 25 de Abril; rotura que, a nosso ver, é irreversível.
E acrescenta, ainda, que «é ao sector público que compete imprimir um forte impulso e um rumo à economia nacional».
Depois disso, a AD tenta, através de mecanismos no plano legal e fora dele, reconstituir grandes grupos económicos que, inevitavelmente, iriam controlar centros importantes de decisão em vários planos da vida nacional. Perigo obviamente idêntico ao que hoje reconhecemos levantar-se com uma nova delimitação dos sectores e, sobretudo, com a abertura da banca e dos seguros à iniciativa privada. Por isso nos parece inteiramente oportuna a pergunta que anteontem formulámos ao Governo sobre se não irá ser posto em causa o princípio constitucional da subordinação do poder económico ao poder político. Respondeu-nos o Sr. Primeiro-Ministro, textualmente, «pôs-me um problema que eu considero um pouco estranho, pois aqui, sim, há um certo preconceito ideológico». Ora a verdade é que, há bem pouco tempo e em situação não muito diferente, o Sr. Primeiro-Ministro não só não considerava este problema estranho como até partilhava deste, digamos, «preconceito ideológico».
Com efeito, é o próprio Dr. Mário Soares quem diz, no encerramento do debate sobre o Programa do VI Governo em 1980 (p. 273 do volume):
A expressão «iniciativa privada» esconde o propósito de reconstituição dos antigos grupos monopolistas dominantes e levará a atingir o princípio constitucional da subordinação necessária do poder económico ao poder político.
E quando do VII Governo, em 1981, afirma (p. 721 do volume):
O poder político não pode estar sujeito a tutelas que lhe sejam exteriores - a começar pelos grandes grupos económicos que a AD, com a sua política concreta, visa indiscutivelmente reconstituir.
Perante este Programa de Governo perguntamo-nos que valor real têm as palavras, mesmo aquelas por que se terçaram armas ardorosamente, como por exemplo a do «socialismo» consignada na Constituição aprovada pelos dois partidos que formam agora a
Página 148
148 I SÉRIE - NÚMERO 7
coligação? Que sentido verdadeiro terá falar-se nas transformações democráticas do 25 de Abril, quando se está a fazer uma inversão nessa marcha? Que conteúdo autêntico se poderá atribuir a grandes declarações de princípios e intenções generosas de justiça social e soluções de equidade quando a orientação proposta conduzirá a maiores dificuldades para os trabalhadores, ao agravamento das desigualdades e das injustiças sociais? Que legitimidade haverá em falar na recusa a alterar o texto da Constituição quando, na prática, se está, de facto, a alterar a nossa organização económica e social?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É legítima a preocupação manifestada pelo Sr. Primeiro-Ministro sobre a necessidade de apoio social para o seu Governo. Sabe, tão bem como nós, que um Governo, mesmo quando baseado numa maioria parlamentar, poderá não ter vida longa nem garantir estabilidade política e ser um factor de desgaste das suas personalidades, se lhe for retirado apoio social. Por isso, faz um apelo à compreensão e solidariedade dos cidadãos anónimos, pede uma trégua política e social e, afirmando-se como a única via para resolver a crise, declara não ser lícita a recusa em apoiar o Governo, traça as fronteiras do patriotismo. É pelo menos estranha esta formulação em regime democrático e pluripartidário.
Porque a crise, por muito grave, sem dúvida exige medidas inevitáveis, mas permite também no imediato opções diferentes. A mais correcta atitude, quanto a nós, não seria a de o Governo pretender identificar-se com a Pátria e a Verdade, porque desta maneira está, na prática, a negar-se ao diálogo e à abertura.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Reconhecemos haver neste Programa intenções e princípios com os quais não podemos deixar de manifestar acordo; tudo dependerá da forma como forem aplicados. Reconhecemos haver programas sectoriais que, no fundamental, consideramos correctos; tudo dependerá de serem ou não distorcidos pelo projecto global proposto.
Porque, para além de discordâncias sobre muitas soluções e medidas pontuais, a nossa divergência fundamental é sobre o projecto global contido neste Programa.
É um projecto que entra em conflito com alguns importantes fundamentos da nossa sociedade democrática; é um projecto que não se ajusta à realidade transformada após o 25 de Abril, e por isso demonstrará a sua ineficácia para resolver os problemas de fundo do nosso país; é um projecto, por fim, que não tem condições de restituir a esperança e a confiança dos portugueses e de promover o seu empenhamento na grande obra colectiva de recuperação económica e moral do País.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos chegados à hora do intervalo regimental.
Está interrompida a sessão.
Eram 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Permitam-me, antes de entrar no essencial da minha intervenção, algumas considerações de ordem global destinadas a esclarecer a posição do meu Agrupamento Parlamentar no início deste debate.
Integrados como candidatos independentes nas listas do Partido Socialista, os Deputados do Agrupamento Parlamentar da UEDS, nortearam-se, na última campanha eleitoral, por um certo número de posições fundamentais que importa relembrar.
Pensávamos que a solução que melhor poderia servir os interesses do povo português e o cerne da esperança representada pelo 25 de Abril teria de construir-se em torno de uma maioria socialista e democrática capaz de governar sozinha. Por isso apelámos, com insistência e determinação, para que o eleitorado conferisse às listas do PS a maioria absoluta. Afirmámos, antes e depois das eleições de 25 de Abril, as reservas que nos mereceria uma coligação PS/PSD porque considerávamos, para além da própria fórmula de governo, ser indispensável mudar de política e não apenas de governo. A reconversão plena do PSD a uma prática política próxima ao socialismo democrático afigurava-se-nos, e afigura-se-nos, improvável após ter integrado, durante mais de 3 anos, um bloco político onde foram dominantes uma prática de direita com fortes pendores autoritários e um projecto político conservador ao serviço dos interesses de uma maioria privilegiada.
Os resultados eleitorais foram os que foram e as listas do Partido Socialista, apesar da vitória obtida, não conquistaram a maioria absoluta. A eventualidade de uma coligação do PS com o PSD, já admitida nas vésperas da campanha eleitoral, acabou por materializar-se no Governo cujo Programa estamos a começar a discutir.
É à luz destas posições que definiremos durante este debate e no futuro próximo, o nosso comportamento perante o Governo.
Não se esperem de nós, posições de subserviência face ao Partido Socialista.
Mas não se esperem tão-pouco de nós actuações irresponsáveis ou práticas sectárias que de algum modo possam servir os interesses dos que apostam na destruição do regime ou que aplainem o caminho dos que visam a destruição das forças do socialismo democrático em nome de soluções nebulosas e providenciais ou da implantação de modelos que nada têm a ver com a liberdade e com a democracia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tive a ocasião, recentemente, num debate público onde estava presente o Sr. Primeiro-Ministro de afirmar que «mais do que as fórmulas e as composições dos Governos interessam os conteúdos dos programas e mais do que os programas interessam as práticas e os processos governativos». Julgo que o futuro deste Governo está ligado à sua prática política e aos processos que, com ela, constituem o dia a dia da sua acção e do seu modo de relacionamento com os cidadãos e particularmente com as classes trabalhadoras. O Governo e o Sr. Primeiro-Ministro têm insistido na necessidade de um acordo social tripartido que envolva, num horizonte temporal limitado, Governo, sindicatos e patronato. Não temos medo das palavras e tanto se nos faz chamar a esse acordo Pacto Social, Con-
Página 149
23 DE JUNHO DE 1983 149
certação ou mais sofisticadamente, como fez o Sr. Deputado Oliveira e Costa, Protagonismo Social. O que nele importa é o seu conteúdo, os objectivos que lhe presidem, os interesses fundamentais que serve. A importância de um acordo social tripartido decorre da situação de crise global que vivemos, da premência de combater o desemprego e os factores que podem agravar a situação económica e financeira do País, da necessidade de criar condições para a recuperação e a expansão da economia portuguesa, da preservação das conquistas fundamentais dos trabalhadores após o 25 de Abril. O relacionamento do Governo com os sindicatos será, assim, um teste à sua eficácia e aos interesses que serve.
Não penso que tal acordo possa, como que por magia, anular a luta de classes.
Os entendimentos entre o patronato e os trabalhadores, os contratos e as convenções colectivas de trabalho, os pactos ou as concertações sociais, acontecem, exactamente, porque há interesses antagónicos, porque há luta de classes. E mesmo aqueles que, entre nós, se mostram irredutivelmente contra a possibilidade de realização de um tal acordo tripartido, com duração limitada e com conteúdos definidos, já apoiaram a celebração de acordos que implicam tréguas sociais e sacrifícios diversos. O que for a política do Governo no domínio laboral será, sem dúvida, determinante para a concretização de qualquer acordo social.
Não negarei que nesta matéria o Programa do Governo contém alguns aspectos positivos. Todavia há outros pontos do Programa que pelo seu carácter vago ou ambíguo necessitam de esclarecimento. Citarei, a este propósito, dois exemplos. O primeiro tem a ver com a lei da greve. É certo que se afirma que a lei da greve não será alterada, mas está sugerida, no Programa do Governo, a sua regulamentação através de legislação complementar. Ora, é coisa consabida que é perfeitamente possível alterar e até subverter por completo o espírito e a letra de um diploma, através da regulamentação, ainda que indirecta, das suas disposições. Poderá ser o caso concreto, por exemplo, da regulamentação do exercício do direito à constituição de piquetes de greve que está claramente apontada no Programa do Governo sem que se lhe precise o conteúdo.
Que regulamentação da lei da greve? Quais os princípios que a irão nortear?
Pretende-se limitar indiscriminadamente o exercício do direito de constituir piquetes de greve? Há ou não o propósito de cumprir escrupulosamente o espírito e a letra do artigo 58.º da Constituição? Que conteúdo vai dar o Governo à clarificação prevista na p. 9 do protocolo adicional celebrado entre o PS e o PSD e que se refere ao assegurar dos serviços mínimos essenciais, já previstos na actual lei da greve?
Importa que fique bem claro que os deputados da UEDS não aceitam qualquer redução ao direito à greve e votarão contra quaisquer iniciativas nesse sentido.
Por outro lado, quando o Governo pretende tomar medidas que ajustem a disciplina do contrato de trabalho ao modelo da legislação da CEE, tal ajuste refere-se de algum modo à liberalização dos despedimentos individuais, à legislação sobre férias, feriados e faltas? Pensa o Governo que são idênticas as situações dos trabalhadores portugueses às da generalidade dos países europeus no que toca a salários, segurança social e condições de formação profissional, para que sejam também idênticas as legislações que tutelam a sua prestação de trabalho?
Qualquer medida que liberalize os despedimentos individuais ou colectivos, terá a nossa oposição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Os dois exemplos que citei, a permanecerem com a ambiguidade com que estão formulados ou a serem concretizados através de uma prática lesiva dos interesses dos trabalhadores, são susceptíveis de tornarem mais difícil a concretização do já difícil, como reconheceu o Sr. Primeiro-Ministro, acordo social.
Boa parte, senão a maior parte, do patronato português cresceu e desenvolveu-se sob a capa de um proteccionismo autoritário e fascista que tinha como instrumentos a polícia política, a repressão, a censura, a exploração colonial. Como recordou o Sr. Deputado José Luís Nunes recusa a inserção no regime saído da Revolução de Abril e não pauta as suas actuações pela Constituição da República.
Exprime as suas exigências pela boca do presidente da CIP, advoga a tranquilidade dos espíritos e a ordem nas ruas e nas empresas, a «sua tranquilidade» e a «sua ordem», claro está. Apela, oculta ou abertamente, à subversão da Constituição e até ao golpe de estado ou navega, habilidosamente entre as águas turvas das tentações populistas que crescem na degradação das condições de vida e na frustração das esperanças.
Os governos da AD cederam às exigências deste patronato, desejoso de repor parte das condições políticas e laborais vigentes a 24 de Abril e se tais cedências se não concretizaram totalmente isso ficou a dever-se à oposição das centrais sindicais e à oposição parlamentar.
Seria trágico que fosse um partido da esquerda democrática a protagonizar as cedências que a AD não levou até ao fim. Tenho esperança que tal não aconteça.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Combater o desemprego, garantir a liberdade de movimentação e de exercício dos direitos sindicais nas empresas, pôr cobro ao abuso dos contratos a prazo, garantir a estabilidade de emprego, assegurar a participação dos trabalhadores e dos sindicatos na definição da política laboral, manter as portas abertas para a viabilização, num horizonte tangível, do projecto de vida colectiva inscrito na Constituição da República, fomentar o cooperativismo de produção e de consumo, combater a corrupção, a fraude e evasão fiscal, o compadrio e o nepotismo, criar condições para produzir e trabalhar são objectivos que podem e devem inscrever-se como pilares de um acordo social amplo e mobilizador das vontades. Em democracia e em liberdade o diálogo e o entendimento são ou devem ser instrumentos de progresso, mas a transparência de processos e a clarificação dos grandes objectivos a atingir são da parte do Governo, e nestes domínios, indispensáveis e condições do diálogo e do entendimento.
Não recusaremos o diálogo e a cooperação em tudo o que, à luz dos nossos princípios e das nossas convicções, contribuir para a construção de um futuro que sirva os grandes princípios constitucionais. Mas afirmaremos, sempre, com frontalidade, as nossas críticas e discordâncias, quando a prática e as medidas governamentais se desenvolverem, no nosso entendi-
Página 150
150 I SÉRIE - NÚMERO 7
mento, contra o espírito e a letra do projecto constitucional.
Neste momento, reassume a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No programa de intervenção do CDS coube-me fazer a intervenção que define a posição do partido, em relação ao programa do Governo, em matéria de defesa.
No quadro da política de defesa, o Programa do Governo define um campo de acção e de prioridades que está subordinado a uma Lei de Defesa que mereceu o acordo alargado da Assembleia da República, incluindo os votos favoráveis do PS, PSD e CDS. Este facto, histórico na vida da Assembleia da República, parece reconhecido, e grande número das alíneas do Programa traduzem-se no compromisso de a cumprir, elaborando a legislação complementar expressamente prevista. Mas o enquadramento legal que é necessário completar, e que no seu desenvolvimento encontrará da parte do CDS o mesmo espírito de consenso que orientou a formulação da Lei de Defesa Nacional, é a menor das decisões que poderá tomar o novo Governo que entra em exercício. Estabelecidos os quadros legais de referência, que seriam os mesmos para qualquer Governo, um programa de defesa nacional, mesmo não dispondo ainda do conceito estratégico de defesa nacional, do conceito estratégico militar, da concretização das missões das Forças Armadas, dos sistemas de forças e do respectivo dispositivo, precisa de assentar num diagnóstico político da conjuntura estratégica, numa previsão dos desenvolvimentos possíveis da agressão externa e no juízo sobre a equação entre os meios que temos e as prioridades que podemos assumir.
Acontece que entre a votação da Lei da Defesa Nacional e o dia de hoje se deram modificações importantes nas atitudes da única aliança militar à qual pertencemos, que é a NATO, e que não podem deixar de ser consideradas na formulação de um programa, ou na sua explicação perante a Assembleia da República. Não é sem causa que o ano de 1983 foi chamado o ano dos euromísseis, e que na recente reunião de Williamsburg o Presidente dos EUA obteve a assinatura de uma forte declaração, incluindo a assinatura de François Mitterrand, marcando uma solidariedade ocidental que se estende até ao Japão. Os gaulistas, pela voz de Chirac, esquecidos das reticências do passado sobre a unidade europeia, já não falam senão na Europa Ocidental como um todo, unificado pela mesma ameaça militar. A entrada da Espanha no Pacto do Atlântico, que causou tantas perplexidades nesta Casa, provoca-as agora dentro da NATO porque o Governo de Felipe Gonzalez suspendeu a integração das forças espanholas na NATO, e as Cortes Espanholas ainda não ratificaram, que eu saiba, o novo acordo americano-espanhol de 1983 sobre a utilização das bases. A persistência dos conflitos entre a Turquia e a Grécia sobre as questões de Chipre e do mar Egeu, o avanço da opinião grega no sentido neutralista, as 27 divisões soviéticas e as 8 divisões búlgaras dispostas no sector oriental da bacia do Mediterrâneo, a crescente presença naval soviética nesse mar, tudo faz com que, dentro da ameaça geral que pesa sobre a Europa, tenha de reconhecer-se o enfraquecimento considerável da margem sul da aliança que muito evidentemente nos afecta. Acresce que as recentes negociações anunciadas entre Marrocos e a Frente Polisário ameaçam aumentar a vulnerabilidade das linhas estratégicas com prioridade para as Canárias e com o aumento da insegurança da rota do Atlântico Sul.
Dentro deste enfraquecimento objectivo, a que tem de somar-se a constante erosão da decisão e credibilidade da vontade de defesa das populações europeias, é que surge o compromisso de Williamsburg, que consagra a hors zone como um capítulo fundamental das obrigações da Aliança, designadamente a Ásia do sudoeste e eventualmente a África. Mesmo que os países europeus se mostrem relutantes em passar das palavras aos actos, não terão certamente essa hesitação os EUA, e se forem obrigados e envolver-se militarmente nessas regiões, ainda que a título preventivo, terão de fazer apelo às tropas actualmente destinadas ao reforço da NATO, na Europa, e os países europeus, para manterem os níveis militares, terão de elevar os tectos da mobilização.
É por isso, e não apenas pela questão dos euromísseis, sobre a qual tivemos já uma informação clara dada pelo Sr. Primeiro-Ministro, que o Programa do Governo não pode deixar de considerar a atitude que adoptará em face da renascida política de cooperação europeia em matéria de defesa, a edificação do chamado «segundo pilar» da Aliança, que prognostica o reforço da consulta e coordenação franco-alemã em matéria de segurança, e talvez o aparecimento de um verdadeiro directório europeu. Este facto, como disse, parece-nos ter a maior relevância e actualidade em face da consagração da categoria de conflitos hors zone que altera o conceito geográfico da NATO, e por isso a opinião pública e a Assembleia da República precisam de alguns esclarecimentos sobre a decisão governamental expressa nestas palavras (p. 35):
Atribuição de importante relevância à cooperação militar com os países africanos de expressão portuguesa, no cumprimento do grande desígnio nacional de, sem ingerência e com reciprocidade de interesses, estreitar as relações com aqueles países.
Parece necessário, até porque a política neste domínio esteve muitos anos fora da competência do Governo e da Assembleia da República, que a Câmara seja informada dos acordos existentes, se alguns existem, das práticas, se existem, do seu alcance actual e das perspectivas envolvidas, se os problemas de segurança do Atlântico Sul estão compreendidos no conceito, e nesse caso por que é que falta qualquer referência ao Brasil, se esta cooperação tem articulação com o alargamento referido da NATO ou se estamos em face de políticas sem conexão, e a consideração dos reflexos em necessidades humanas e financeiras para fazer face a essa ou a essas políticas, conforme a atitude do Governo. Sabemos que o facto de a Defesa não ter ainda o Ministério que apoia o processo de tomada de decisões não torna fácil respostas quantificadas, e até respostas qualificadas, em todos estes domínios, mas
Página 151
23 DE JUNHO DE 1983 151
uma política geral, da qual decorram tais respostas, tem de existir e deve ser exposta, coisa sempre de pedir em qualquer caso, mas particularmente importante quando o objectivo da cooperação militar com os países de expressão portuguesa vem enunciado com o recurso a expressão tão importante como grande desígnio nacional, exactamente o catalisador da comunidade portuguesa que os doutrinadores e artistas não conseguiram ainda formular para os nossos tempos, parecendo que o único documento recente que lhe respeita, e que de novo foi posto em circulação sem nos ajudar muito, é a História do Futuro de Vieira, reeditada pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda. Os problemas mais agudos da Aliança, para além da questão das armas nucleares e que são o novo esforço no domínio dos armamentos clássicos, a cooperação transatlântica em matéria de desenvolvimento e produção e aquisição de materiais de defesa, o debate sobre a participação nos encargos da Aliança, os desafios hors zone, a definição autónoma do segundo pilar da Aliança, o nível das forças americanas na Europa, todos são, no que nos respeita, implicados pelo conteúdo que tiver este objectivo do Governo que é entre todos os enunciados, o de maior relevância política. Para além do reequipamento e modernização das nossas Forças Armadas, uma política neste domínio afectará aquela que for adoptada, e também não é enunciada, sobre dois problemas prementes: as reservas das Forças Armadas e a composição do corpo de oficiais do activo, não obstante ser geralmente reconhecido que a instituição militar portuguesa conta com pessoal devotado e com experiência. Desejaria ainda tocar um ponto que considero importante no que diz respeito à exacta definição da política de defesa nacional como sendo de âmbito interministerial, cabendo a todos os órgãos e departamentos do Estado, como diz o Programa, promover as condições indispensáveis à respectiva execução. De todos tem especial importância o Ministério dos Negócios Estrangeiros, e a experiência do respectivo ministro faz aparecer no Programa pontos essenciais que dizem respeito a tal articulação: incremento das relações com os países africanos de expressão oficial portuguesa e com o Brasil, que aqui não ficou esquecido; rápida conclusão do acordo das Lages com o Governo dos EUA; revisão do acordo das Flores com o Governo da França; tornar mais activa a voz de Portugal na Aliança Atlântica, e assim por diante.
Mas o ponto principal, que muito interessa à Defesa, é a garantia de que «será assegurada a unidade da representação externa do Estado».
Nesse sentido contará o Governo com todo o apoio da oposição construtiva do CDS, porque se nunca a pluralidade de centros de acção neste domínio é aconselhável, menos tolerável se torna num país dominado pelos factores exógenos, muito particularmente nos domínios da defesa; colocado, como tantos outros países, no caminho da agressão possível que não provocará por iniciativa sua, depauperado de recursos próprios para definir, modernizar e reequipar as Forças Armadas de que precisa. Não pode consentir-se que a iniciativa das relações externas não tenha um único centro coordenador das acções confiadas a organismos diferenciados; não pode continuar a ignorar-se que a Embaixada de Portugal em cada país estrangeiro é o ponto de referência local obrigatório de todas as acções desenvolvidas nesse território, seja qual for a origem da decisão ou a responsabilidade de execução.
Faz parte do Programa do Governo a mobilização dos factores da decisão e credibilidade cívicas em matéria de defesa, prometendo uma acção de informação geral, e a multiplicação dos ensinos a todos os níveis neste domínio. É louvável e baseia-se em são patriotismo tal decisão. Mas não informa bem quem está mal informado, e convidamos o Governo a rever a política sobre o problema do serviço de informação das Forças Armadas.
Parece absurdo atribuir às Forças Armadas a responsabilidade pela defesa contra a agressão externa e dar-lhe como oportunidade legal de tomar conhecimento de uma situação aguda o facto de a agressão estar em progresso ou que terceiros alheios à soberania portuguesa lho digam. É completamente irrealista, longe dos factos e dos interesses da defesa nacional, querer ignorar que a estratégia indirecta é hoje um capítulo fundamental da relação agressão/defesa, desenvolver até nos institutos militares o estudo aprofundado dessas matérias, formular conceitos operacionais que fazem parte do apetrechamento intelectual dos responsáveis militares e não fornecer depois às Forças Armadas os meios necessários para manter uma informação autónoma e digna de fé.
Só não acreditando na bondade do objectivo expresso, no início do Programa do Governo, de «defender a legitimidade democrática, o prestígio e a autoridade do Estado» se pode persistir nesta matéria em atitudes negativas que não estão de acordo com a confiança que o País precisa de ter, e tem, nas suas Forças Armadas.
No que toca às preocupações realistas que o Governo manifesta sobre a preparação profissional, técnica e científica das Forças Armadas, também vai sendo tempo de voltar a articular esse ensino e essa investigação, com as universidades e institutos de investigação científica. Foi uma prática abandonada com prejuízos, quer no que respeita a economia de meios, quer no que respeita à integração e conhecimento mútuo dos que, partindo de uma formação superior, se dedicam às actividades ou civis ou militares. A evolução das Forças Armadas para aquilo que hoje chamam exercício de laboratório - tantos são os especialistas que requer torna esse conhecimento mútuo e formação comum mais urgentes, porque o problema das reservas militares é cada vez mais difícil nos domínios que exigem formação técnica e científica, e os chamados ao serviço não podem sentir-se ou ser considerados um corpo estranho entre os profissionais. Talvez existam dificuldades no sentido de voltar à prática da frequência das universidades pelos candidatos às carreiras das armas, mas o caminho inverso de chamar as universidades aos meios castrenses, como de certo modo pratica já o Instituto de Defesa Nacional, também pode ser experimentado ou combinado com o outro. Não seria despropositado organizar todo o ensino militar nos moldes de uma universidade castrense, que assegurasse com as outras a maior interligação, intimidade e economia de meios, planificação conjunta nos domínios da investigação técnica e científica. E finalmente não queremos deixar de tornar claro o nosso apoio no sentido que o Governo aponta, de rodear as Forças Armadas de todas as condições necessárias para que seja intocável o prestígio, a imagem, a dignidade e a
Página 152
152 I SÉRIE - NÚMERO 7
honra de uma instituição que representa e encarna os valores mais altos da nacionalidade.
Aplausos do CDS.
O Sr. (Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino, para pedir esclarecimentos.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Deputado Adriano Moreira: V. Ex.ª fez, sem dúvida alguma, uma intervenção particularmente habilidosa, pelo que disse e, sobretudo, pelo muito que deixou subentendido. Não manifestou, em relação ao Programa do Governo, em matéria de defesa nacional, divergências de fundo, referiu-se tão-só, no que diz respeito a matéria de defesa nacional, ao ponto 1.2.8, p. 25, onde se afirma que a cooperação militar é uma componente do grande desígnio nacional de estreitamento das relações com as ex-colónias. Certo que está recordado, embora não o tenha referido, que no Programa do Governo também se diz que o Estado português assume, através deste Governo, o compromisso de não consentir, no território nacional, actividades contra os novos Estados de expressão portuguesa, que constitui um compromisso solene importante para interpretarmos a afirmação que se contém em matéria de defesa nacional.
Mas a sua intervenção suscita-me uma dúvida: é que não ficou para mim claro se V. Ex.ª pensa que a participação de Portugal na NATO torna incompatível o estreitamento das relações de colaboração e de cooperação militar com os novos Estados de expressão portuguesa ou se, pelo contrário, V. Ex.ª entende que o estreitamento dessa cooperação militar só é compatível se Portugal actuar enquanto mandatário da NATO face ao ponto Sul de África, isto é, no quadro do alargamento operacional das actividades militares da Aliança Atlântica à África do Sul.
Era esta alternativa que gostava de ver esclarecida, se o Sr. Deputado quiser ter a gentileza.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, uma pergunta rápida: na Comissão de Defesa Nacional, que elaborou a Lei de Defesa Nacional e em que participei juntamente com outros Srs. Deputados e com V. Ex.ª também, julguei que fosse clara -e agora a sua intervenção provocou-me alguma confusão quanto a esse aspecto- a ideia de que V. Ex.ª era firmemente partidário de uma concepção de defesa nacional que excluísse, como atribuição das Forças Armadas, quaisquer funções no que toca à segurança interna.
V. Ex.ª, na sua intervenção de há pouco, deixou-me entender que poria algumas reservas à posição que então defendeu e à posição que está expressa na Lei de Defesa Nacional. Era sobre este aspecto que gostaria que V. Ex.ª me esclarecesse.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Em primeiro lugar, queria dizer ao Sr. Deputado António Vitorino que considero um dos graves defeitos da vida intelectual
portuguesa o dedicar-se predominantemente a ler as entrelinhas, em vez de ler as linhas. Vejo constantemente pessoas extremamente hábeis nesse exercício. Preferia que, em relação a esta declaração, não fizesse esse esforço e se limitasse a ler as linhas; não tem entrelinhas.
Em segundo lugar, queria dizer-lhe que não posso ouvir introduzir numa pergunta de um deputado português esta expressão: Portugal deverá ser «mandatário da NATO, na África».
Portugal não é mandatário de ninguém, nós queremos um país independente ...
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Nós não queremos nenhuma posição de mandatário em parte alguma, e isso ficou bastante claro aqui, nesta Câmara, na discussão da entrada da Espanha na NATO, onde a posição de igualdade dentro da organização, e independentemente da nossa capacidade material, foi sublinhada e sustentada por todas as bancadas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Suponho que a expressão ultrapassa bastante a intenção que o Sr. Deputado teve ao formular a pergunta.
Quanto à questão concreta da compatibilidade da pertença à NATO com a cooperação militar, que vem prevista no Programa do Governo, justamente aquilo que pensei ter posto claro nas linhas da minha intervenção é que a nova definição de responsabilidades da NATO ultrapassa a definição geográfica que a NATO tinha e por isso é necessário, no domínio da defesa, que o Governo compatibilize estas políticas para saber se temos uma política só ou se vamos ser obrigados a ter duas.
E faço esta pergunta, muito fundadamente, pondo em evidência que até há muito pouco tempo não era responsabilidade nem desta Câmara nem do Governo a política nesse domínio. Não conheço acordos que existam nesse domínio e não estou seguro de que o próprio Ministro da Defesa Nacional, ao assumir as suas altíssimas responsabilidades nesse domínio, esteja informado com segurança. Aquilo que peço - porque penso que é fundamental para a definição de uma política nesse domínio - é que este ponto seja inteiramente clarificado e tornado transparente, como de resto me parece que resulta do Programa do Governo ser seu objectivo fundamental. A pergunta é, portanto, muito clara, muito objectiva, muito construtiva, muito baseada em factos que ocorreram já depois da aprovação da Lei da Defesa Nacional.
Quanto ao Sr. Deputado César de Oliveira, queria começar por dizer-lhe que pode ir descansado. Não há na minha intervenção qualquer alteração em relação à posição que foi tomada na Comissão que examinou a Lei de Defesa Nacional.
Lembrar-se-á o Sr. Deputado que num ponto fui insistente, e voltei a ser hoje: penso que um Governo responsável neste domínio vai ter que meditar nesse problema. A estratégia indirecta não foi considerada, mas a nossa Lei de Defesa vincula as obrigações das Forças Armadas à agressão externa. É sobre essa obrigação que as Forças Armadas precisam de ter serviço de informações. Suponho que não encontrará nenhum
Página 153
23 DE JUNHO DE 1983 153
profissional responsável das Forças Armadas, independentemente das suas inclinações políticas, que não esteja de acordo em reconhecer que esta é uma necessidade e uma dificuldade fundamental com a qual se estão a defrontar.
Espero que esta questão tenha ficado completamente clara para o Sr. Deputado.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino, para um protesto.
O Sr. António Vitorino (UEDS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, a opção dilemática entre as linhas e as entrelinhas, que mereceu de V. Ex.ª uma consideração de ordem de apreciação intelectual, não se aplicará totalmente à minha pessoa, penso eu, porque até tive a hombridade de lhe fazer uma pergunta sobre as linhas claras da sua intervenção, e não fiz nenhum processo de intenções sobre as entrelinhas. Mas a fazer jus e confiança na veemência - quase que diria agressividade- com que o Sr. Deputado analisou a expressão mandatário que eu utilizei, e que recusou, parece-me legítimo concluir que, por essa via, respondeu à minha pergunta afirmativamente.
Ou seja, Portugal possui, enquanto Estado independente e enquanto participante de pleno direito na Aliança Atlântica, o direito e a possibilidade de estabelecer autonomamente acordos de colaboração e de cooperação militar com as ex-colónias portuguesas. E, portanto, partilharei a sua preocupação apenas no sentido de pensar que é legítimo a qualquer deputado português - seja o Sr. Deputado Adriano Moreira, seja eu próprio - conhecer quais são os acordos de cooperação militar já celebrados, quais são os acordos de cooperação militar em vias de celebração.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luís Nunes pediu a palavra para que efeito?
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Desculpe, mas deveria ter-se inscrito no decorrer da exposição do Sr. Deputado Adriano Moreira.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Mas o Sr. Presidente já deu várias vezes a palavra a alguns Srs. Deputados em circunstâncias idênticas, como é o caso do Sr. Deputado Bento Gonçalves.
Se quiser ter a bondade de me dar também a mim ...
O Sr. Presidente: - O caso que apontou não foi exactamente idêntico, mas se a Câmara não se opuser conceder-lhe-ei a palavra.
Entretanto, pergunto ao Sr. Deputado Adriano Moreira se deseja responder já ao protesto que lhe foi formulado.
O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, não tenho nenhum contraprotesto a fazer.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Desejava colocar duas questões ao Sr. Deputado Adriano Moreira.
A primeira diz respeito aos serviços de informação.
Creio que se poderiam interpretar as palavras do Sr. Deputado no sentido de que a Lei de Defesa Nacional teria proibido, não teria permitido ou não estariam organizados serviços de informação nas Forças Armadas no que se refere ao âmbito da luta contra a ameaça externa.
Ora, o que acontece é que nessa altura todos os partidos aqui representados e as próprias Forças Armadas estiveram prontas a abdicar, ou melhor, a não quererem ter serviços de informação que de perto ou de longe tocassem o problema do inimigo interno.
Se esta interpretação que faço é correcta e se corresponde à do Sr. Deputado Adriano Moreira não há, portanto, que falar em modificar a situação existente.
A segunda questão que queria colocar trata o seguinte: o Tratado de Washington, que instituiu a Aliança Atlântica, visou defender os interesses do Ocidente em determinada zona do Globo.
O que eu penso - e gostaria que o Sr. Deputado esclarecesse a Câmara - é que os países do Ocidente, confrontados com a ameaça comunista em zonas periféricas do Globo, têm, de um modo geral, reconhecido que essa ameaça não pode ser combatida exclusivamente pela Aliança Atlântica e que as políticas externas dos seus países não se esgotam no âmbito da NATO.
Portanto, se esta interpretação é correcta não haverá que estender a política da Aliança Atlântica a outras zonas do Globo mas que defender a possibilidade de políticas sectoriais de acordo com a vontade de cada um dos povos que a integra e com o grau de ameaça que sofre.
Nesse sentido, a exposição do Sr. Deputado Adriano Moreira seria coincidente com as perguntas que foram feitas pelo Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. Presidente: - Deseja responder, Sr. Deputado Adriano Moreira?
O Sr. Adriano Moreira (CDS) : - Sr. Presidente, tenho todo o desejo de responder mas informam-me de que o meu partido já não dispõe de tempo. Se o Sr. Deputado me ceder algum do seu tempo responder-lhe-ia mais completamente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, efectivamente o seu partido já esgotou o tempo de que dispunha para hoje - até já o excedeu em mais de 2 minutos mas pode utilizar tempo de amanhã, se assim o entender.
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Para que efeito?
O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, só se podem transferir tempos na condição de se ter esgotado o tempo do partido a quem se cede.
O CDS não esgotou o seu tempo, pode usar tempo de amanhã ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é exactamente isso que o Sr. Deputado Adriano Moreira está a fazer.
Página 154
154
I SÉRIE - NÚMERO 7
O Sr. Adriano Moreira (CDS):- É o que estou a fazer, Sr. Deputado.
Em resposta às perguntas feitas, devo começar por dizer que no que toca à primeira já respondi pelo que não me vou alongar. As posições tomadas na comissão que elaborou a Lei de Defesa Nacional foram muito claras. O único problema, como também já tentei tornar claro, é que as Forças Armadas estão provavelmente a sentir algumas dificuldades no que toca à agressão externa. Este é um facto para o qual penso ser necessário chamar a atenção do Governo porque as circunstâncias mudaram rapidamente nos últimos meses.
Penso que naquilo em que estivemos de acordo na respectiva comissão parlamentar o acordo se mantém inteiramente. Trata-se apenas de um facto novo.
No que diz respeito à contenção da ameaça comunista, julgo que o problema, estando bem definido pelo Sr. Deputado, se tornou extremamente complexo em relação à definição que vigorava na data da fundação da NATO e até na que vigorava há apenas um ou dois anos.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - E sobre a ameaça fascista não há uma palavra?
Vozes do CDS: - Esteja calado!
O Orador: - Quando o Tratado da NATO foi assinado, foi acompanhado de uma cadeia de tratados ao redor do Globo com apoio a uma estratégia clara, conhecida e discutida em todo o Ocidente, que até hoje continua a ignorar qual é a doutrina estratégica do seu adversário. E talvez dos comentários que entretanto fomos ouvindo pudesse vir alguma contribuição útil para colmatar o desconhecimento em que o Ocidente se encontra nessa matéria.
Aplausos do CDS.
Mas o que aconteceu - em termos breves - é que a eficácia desses factos foi objectivo de uma profunda erosão. E hoje não podemos dizer que essa linha, a que podemos chamar de linha de cordão sanitário, para ressuscitar as expressões de 1918, se sucedeu pelo sul dela uma zona de focus de tensão grave que talvez transfira o sentimento de cerco, que era invocado em Moscovo, para Washington.
E penso que é justamente a partir desta evolução, com a qual parece-me entender que concorda, que a definição de responsabilidades da NATO fora da zona geográfica começou a ser feita neste documento que também foi assinado pelo Presidente da França.
Ora, a meu ver, isso não pode, e obviamente, em relação a um tratado de aliança que durante anos, intransigentemente, marcou a baliza geográfica como limite fundamental para quaisquer responsabilidades, deixar de ser considerado um facto novo da maior importância que aconteceu depois da aprovação da Lei da Defesa Nacional. E parece-me extremamente construtivo chamar a atenção do Governo, não na convicção de que não deu por isso, mas pelo menos na certeza que nós também demos por isso e que esse ponto precisa de ser esclarecido e discutido na Assembleia da República.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Esse discurso tem de mudar, está velho!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Parece a Assembleia Nacional fascista!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia de Jesus.
O Sr. Correia de Jesus (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: A parte do Programa do IX Governo respeitante à autonomia regional deverá, antes de mais, ser vista à luz do acordo político-parlamentar e de governo que gerou a actual maioria e este Governo. Aí se diz expressamente que o acordo, embora de âmbito nacional, não envolve a política específica das Regiões Autónomas. Quer isto dizer que a acção do Governo da República neste domínio deverá desenvolver-se sempre no escrupuloso respeito dos poderes legislativo e executivo conferidos pela Constituição da República às Regiões Autónomas. É este, aliás, o imperativo constitucional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Feita esta precisão prévia, cumpre agora apreciar o Programa do Governo em matéria de Regiões Autónomas.
Começaremos por reconhecer que o Programa contém afirmações de princípio que, correctamente entendidas, merecem a nossa concordância - não só pela sua bondade intrínseca, mas também por corresponderem a pontos de vista que sempre temos defendido.
Assim, consideramos positivo que o Governo da República situe a questão da autonomia regional na perspectiva do Estado e assuma como orientação dominante da sua acção o aprofundamento da autonomia regional e que o Governo da República considera o regime autonómico dos Açores e da Madeira uma das principais reformas decorrentes do 25 de Abril e assinale que esse regime foi adoptado em reconhecimento e consagração das históricas aspirações autonomistas das populações insulares.
Ao falar de reconhecimento, o Governo coloca a questão nos seus precisos termos, sublinhando o carácter meramente declarativo dos dispositivos constitucionais que definem o regime político-administrativo das Regiões Autónomas. É nossa opinião expressa que a autonomia é uma imanência dos arquipélagos da Madeira e dos Açores, que se impõe com carácter de necessidade, só podendo ser negada ou violada em consequência de uma inadmissível usurpação do poder.
Constitui para nós motivo de especial satisfação verificar que um Governo de que faz paste o Partido Socialista reconhece que a autonomia regional «tem sido factor de desenvolvimento económico e social e a sua consolidação contribui para a estabilidade democrática do conjunto do País». Trata-se, na verdade, de uma atitude ditada por imperativos de justiça, que só enobrecem quem tem a coragem de os assumir, apesar das diferenças partidárias.
São, com efeito, patentes as melhorias decorrentes da autonomia para as populações insulares, nos mais diversos domínios da realidade social, permitindo-me realçar os progressos alcançados com a extinção da colónia e em matéria de saúde, segurança social, habitação, emprego, formação profissional, cultura, educação, desporto, turismo, emigração, pescas, pecuária, agricultura, tudo isto conjugado para vencer as décadas de atraso a que o Estado Novo votara as populações das ilhas.
Página 155
23 DE JUNHO DE 1983 155
É também positivo que o Governo da República reconheça a importância dos arquipélagos dos Açores e da Madeira «na definição do carácter atlântico de Portugal e do especial papel que lhes cabe no concerto das nações». Trata-se, com efeito, de reconhecer a importância política e geo-estratégica das Regiões Autónomas, sendo de salientar a esse respeito que a própria definição do papel da nação portuguesa no Mundo passa hoje pelos arquipélagos dos Açores e da Madeira; que o chamado «triângulo estratégico» Continente-Madeira-Açores surge como factor de identificação do nosso país no contexto da defesa colectiva do Ocidente, sobretudo em face do ingresso da Espanha na NATO, que são as posições estratégicas propiciadas pelas Regiões Autónomas que reforçam a capacidade negocial internacional do Estado Português.
O Governo da República está ainda no bom caminho quando afirma no seu Programa que «a autonomia regional constitui a mais eficaz garantia da unidade nacional, na diversidade de situações derivadas da insularidade».
Nós acrescentaríamos mesmo que a autonomia é a única forma de manter a unidade nacional, pois todos sabemos que centralismo e separatismo andam inevitavelmente de mãos dadas.
Diz o Governo perfilhar «uma concepção e uma política insulares de horizontes rasgados, assente numa visão globalizada do interesse nacional e no objectivo patriótico de realizar e fazer frutificar nos Açores e na Madeira uma solução portuguesa, europeia e ocidental para os complexos problemas do desenvolvimento das ilhas nos domínios económico, social e cultural».
Apraz-nos registar esta concepção e esta política e consideramo-la mesmo razão de ser da pertença ao Estado Português, reafirmando claramente que os povos da Madeira e dos Açores, como já o demonstraram no passado, só aceitam uma solução portuguesa, europeia e ocidental.
Aplausos do PSD.
E a este respeito permito-me salientar a convicção de que a permanência de tal solução assenta fundamentalmente na solidariedade nacional e na existência de um quadro axiológico comum, em que os valores religiosos, morais e culturais têm de ser salvaguardados.
Estamos convencidos de que neste domínio cabe aos meios de comunicação social uma tarefa fundamental, eminentemente patriótica.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O diálogo e a cooperação entre os órgãos de soberania - e não apenas o Governo - e os órgãos de Governo próprio das Regiões Autónomas são um imperativo constitucional. Ainda bem que o Governo não os esqueceu no seu Programa.
É, porém, necessário que fique bem claro que o diálogo é procura recíproca das melhores soluções, e não imposição de orientações a partir de Lisboa ou, pior do que isso, uma tentativa de fiscalização e controle. É perfeitamente líquido que as Regiões Autónomas não permitirão que o diálogo e a cooperação funcionem como capa de um novo centralismo, ou de formas de intromissão nos assuntos regionais ou de qualquer outra forma de domínio.
E ainda bem que o Governo considera esse diálogo - e penso que também a cooperação - «particular- mente importante na definição da política económica e financeira».
Mas tememos que a referência «aos condicionamentos da crise económica e financeira» e a insistência nos «constrangimentos financeiros com que o País se debate» possa trazer latente a intenção de o Governo restringir o apoio financeiro que vem sendo prestado às Regiões Autónomas, o que seria, a todos os títulos, inadmissível. Além de acentuar as desigualdades decorrentes da insularidade, travaria inevitavelmente o processo de desenvolvimento económico e social das Regiões Autónomas, que, como o Governo da República assinala no seu Programa, tem decorrido da autonomia regional.
Achamos que o diálogo e a cooperação devem existir não só nos domínios apontados no Programa do Governo - pesca, turismo, transportes e agro-pecuária mas em todos os sectores em que a cooperação e o diálogo se mostrem necessários e úteis, nomeadamente no domínio da emigração.
Consideramos igualmente positiva a preocupação do Governo da República em não ignorar as desigualdades e assimetrias derivadas da insularidade.
Permito-me lembrar aos Srs. Membros do Governo e aos Srs. Deputados que, em consequência do recente aumento das tarifas de transporte aéreo para os Madeirenses, o mais curto passo fora do seu território custa no mínimo 9700$ para os residentes e 18 400$ para os não residentes, e para os Açorianos 15 910$ e 30 300$, respectivamente. E isto é assim, quer se trate de uma viagem de turismo, de negócios ou para tratar uma doença grave.
Registamos, finalmente, a particular atenção que merecem ao Governo da República a problemática dos transportes aéreos e marítimos e das comunicações entre o continente e as ilhas e as questões internacionais e de defesa relativas aos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Apesar dos aspectos positivos assinalados, os deputados sociais-democratas madeirenses gostariam de ver no Programa do IX Governo da República, entre outras coisas, o seguinte: um mínimo de concretização sobre o modo e os meios por que o Governo vai fazer actuar os princípios aí consagrados e que subscrevemos, nos termos anteriormente explicitados; a assunção clara dos compromissos financeiros e de outra ordem assumidos pelos governos da Aliança Democrática em relação às Regiões Autónomas; a garantia da revisão do critério de cobertura dos défices orçamentais no sentido de ultrapassar a simples igualdade de capitação, entrando-se em linha de conta, na medida do possível, com os custos da insularidade; a definição da atitude do Governo quanto à consagração legislativa do suporte dos custos da insularidade em matéria de construção, instalação, funcionamento e manutenção de equipamentos colectivos, em matéria de transportes de pessoas e mercadorias, em matéria de aprovisionamento e de telecomunicações e em matéria de educação, cultura, saúde e segurança social; a posição do Governo quanto ao poder tributário próprio quanto ao modo como vai dar cumprimento às alíneas n) e o) do artigo 229.º da Constituição da República referentes à participação das Regiões Autónomas na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controle regional dos meios de pagamento em circulação e o
Página 156
156 I SÉRIE - NÚMERO 7
financiamento dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento económico-social e a participação das Regiões Autónomas na definição das políticas respeitantes às águas territoriais, à zona económica exclusiva e aos fundos marinhos contíguos, tudo como reza a Constituição.
Gostaríamos ainda de saber o propósito da parte do Governo de reconhecer, pelo meio legislativo próprio, que em relação às Regiões Autónomas os transportes de passageiros e carga constituem um serviço público essencial, como tal imperativamente subtraído às greves do sector; enfim, a vontade clara de desbloquear os dossiers pendentes em vários ministérios, tomando rapidamente as decisões que forem adequadas.
Eis, meus senhores, um conjunto de questões, cujo esclarecimento prévio, noutras circunstâncias, condicionaria o nosso voto. Estamos, porém, certos de que elas obterão do Governo a resposta adequada, em coerência com os princípios insertos no seu programa.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Embora considere que as soluções encontradas, quer no plano da organização política concreta, quer no plano programático, não são as melhores; embora considere insuficiente o Programa do Governo em matéria de autonomia regional e que as ideias nele contidas carecem de uma melhor explicitação, a Região Autónoma da Madeira deseja contribuir para a viabilização do projecto de reconstrução nacional consubstanciado na solução política encontrada, e assim participar no esforço patriótico de preservação do regime democrático em que todos estamos empenhados.
Por isso, os deputados sociais-democratas pela Região Autónoma da Madeira vão votar favoravelmente o Programa do IX Governo da República.
Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apenas 4 breves apontamentos para sublinhar alguns aspectos muito gerais que desde logo recomendam e justificam um voto positivo de confiança no Governo.
Primeiro apontamento: os textos programáticos do novo executivo traduzem assinalável progresso na atitude em que se assume o poder.
Não é dito que se vai fazer de Portugal um país de vanguarda; não é dito que vamos transplantar os padrões de vida europeus para a sociedade portuguesa; não é dito que todos os obstáculos serão eliminados em 4 anos. Penosa impossibilidade - unanimemente o reconhecemos. Mas, porque impossibilidade há, bom é que seja assumida. Não se promete o que se sabe irrealizável. É mais sério e menos enganador, é mais realista e menos equívoco, é mais transparente e menos encoberto.
Nem tudo está - e não poderia estar- rigorosamente preciso no pormenor. É normal e inevitável na circunstância. Mas, quanto ao essencial, a atitude política do executivo apresenta-se claríssima. Não tem cabimento falar de falta de convicção. Sim de apurado sentido das responsabilidades. Sim de apelo, sem anátemas ideológicas, a que todos participem no
combate à crise. Longo será o combate. E só vitorioso se persistente.
Uma voz do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como aqui foi dito, a crise não é um destino. Mas, pelo menos em termos relativos, o declínio, esse, quase tem sido uma constante de séculos. O que às gerações actuais se pede - não tenhamos ilusões - é que inflictam uma tendência que procede do século XVI. O que de nós se espera, neste final do milénio, é que se vença onde dezenas e dezenas de gerações têm fracassado e normalmente em condições mais favoráveis.
Segundo apontamento: na sequência, aliás, do programa eleitoral do Partido Socialista, o discurso político do Governo assinala, entre nós, um momento institucional de viagem no próprio conceito de socialismo.
Perdoar-se-á que nesta tribuna me congratule com tal progresso. Socialismo não é colectivismo. Em toda a parte, a vitória prática das ideologias de colectivização traduz-se por um desincentivo à actividade produtiva, por um decréscimo da riqueza nacional, por uma repartição menos favorável aos assalariados. E, se exceder certos limites, incompatibiliza-se definitivamente com a liberdade política.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O socialismo pode e deve ser entendido como a aproximação a um sistema de valores: a luta, em sociedade democrática, pela igualdade de oportunidades e pela solidariedade entre as pessoas.
Vozes do PSD e da ASDI: - Muito bem!
O Orador: - Importa, contudo, ter presente que não foi a revolução de 74, nem mesmo a colectivização de 75, que iniciou a propensão do Estado Português para a excessiva intervenção directa na economia e para a desconfiança política perante o desenvolvimento económico. Salazar quis uma sociedade arcaizante e impôs quanto pôde esse colete de forças. E também ele receava a influência de grupos económicos alheios ao seu próprio projecto de poder, apostando a fundo no regime eufemisticamente denominado «condicionamento industrial».
É útil que hoje se reconheça que um poder democrático não defende a sua necessária independência pela contenção institucional de empreendimentos produtivos. Mesmo quando o défice de postos de trabalho não impusesse o recurso a uma liberalização da economia no interesse dos desempregados, dos contratos a prazo e dos que correm o risco de desemprego.
Hoje, pelo menos hoje, a defesa do sector público passa, quase sempre no plano económico e sempre no plano psicológico, pela liberalização da iniciativa. Sem prejuízo de a conformarmos, como se impõe, a adequada regulamentação preventiva de abusos, e, em um ou outro caso, à escolha da melhor oportunidade nacional para a decisão.
Terceiro apontamento: a actual maioria introduz um factor de maior operacionalidade do sistema político.
Não há política sem emulação. É inevitável e desejável. Entre os 2 maiores partidos políticos de
Página 157
23 DE JUNHO DE 1983 157
um país, é de regra que a emulação se manifeste pela ostensiva conflitualidade. Do ponto de vista do jogo político ou da política como jogo, do ponto de vista da estratégia da concorrência eleitoral, é explicável que no passado não tenham obtido vencimento os que sustentaram ser uma composição governativa de centro-esquerda a mais ajustada ao desafio dos tempos. Explicável mas também inconveniente. Quantas querelas inúteis se não instalaram em quase todos os sectores da sociedade portuguesa! Quantas expectativas milagreiras se não radicaram na imaginação dos menos avisados ou dos mais generosos! Quantos antagonismos artificiais não absorveram a energia dos protagonistas! Quantas decisões se não adiaram apenas pelo gosto ou pela ilusão de ser ou fazer diferente)
Contra-argumentar-se-á que o pais se encontra aproximadamente dividido a meio. Não é exacto. A fractura entre socialistas e comunistas não pode ser subvalorizada; cada um tem o direito de ser como é e o correlativo dever de frontalmente se apresentar ao eleitorado tal como é.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A funda clivagem entre sociais-demotratas e democratas-cristãos (mesmo nas versões portuguesas) não pode ser esquecida. Aquela fractura e esta clivagem são, em princípio, mais significativas e radicais do que as diferenças entre socialistas e sociais-democratas. Não. O País não se encontra dividido ao meio, por mais persistentes que tenham sido e sejam os esforços e por mais poderosos que tenham sido e sejam os instrumentos para o polarizar e contrapolarizar, para o radicalizar à direita e à esquerda.
Não terá sido tanto a pressão das coisas e das dificuldades, mas sobretudo a pressão das pessoas e do bom senso, o que conduziu a que a lógica da emulação conflitual e da campanha eleitoral permanente fosse suplantada pela lógica, na ocorrência mais laboriosa mas afinal mais útil, da efectiva convergência de projectos políticos e da possível aproximação de práticas políticas.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - Vastíssima maioria apoia este Governo. «Esmagadora»? Diria, precisamente, que a nova maioria constitui motivo de confiança na estabilidade governamental, na estabilidade da coligação de centro-esquerda.
Uma voz do PCP: - Constituirá?
O Orador: - Não há razão plausível para preferir uma simples maioria parlamentar a uma maioria parlamentar qualificada e a uma maioria nacional inequívoca, designadamente quando tal maioria parlamentar e nacional assenta em natural convergência programática.
Quarto e último apontamento: a estratégia governamental de motivação dos portugueses de boa vontade traduz grande realismo. Não deve, neste momento, apelar-se ao entusiasmo. Não seria viável e uma nova ilusão tornaria ainda mais funda e dramática a desilusão. Mas pode e deve apelar-se, e apela-se, ao civismo e à defesa do civismo. Em todos os grupos sociais será maioritário o número de portugueses de
boa vontade. Votaram nos partidos da maioria e votaram nos partidos da minoria. E não se acuse o Governo de pretender anestesiar o País. Somos todos necessários para viabilizar e refazer Portugal. Sem anestésicos nem excitantes.
E todos deveremos dar o nosso contributo.
Sem exacerbação de paixões ou desejo de afrontamentos! Com força moral e lucidez!
Sem agressividade ou acrimónia! Com determinação!
Sem desespero! Com capacidade de hierarquizar as opções!
Sem arrebatamento! Com cabeça fria e vontade firme!
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Oliveira Martins.
O Sr. Oliveira Martins (ASDI): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Para quem sempre tem defendido que os problemas nacionais necessitam de ser enfrentados com consenso e a partir de soluções governativas de sólida e ampla base parlamentar e social, é muito grato subir hoje a esta tribuna, uma vez que podem estar lançadas com o Governo que aqui nos é apresentado as bases de um novo período da nossa vida democrática. Novo período que não pode ser encarado nem com optimismos excessivos, nem com derrotismos inconclusivos mas que tem de ser iniciado e prosseguido com trabalho árduo, espírito de diálogo e preocupação prioritária em transformar o País no sentido da justiça, da solidariedade e da liberdade. Deste modo soam a falso as vozes daqueles que manifestam uma desconfiança prévia a este executivo, por razões puramente de grupo ou de interesse, e não por motivos de princípio, da mesma maneira que não se podem compreender os exercícios de futurologia sobre os erros previsíveis dos novos governantes. A democracia pluralista defende-se com os partidos, com os votos e com as maiorias - desde que a legitimidade seja exercida com respeito integral dos direitos e liberdades dos cidadãos e das minorias e com preocupação prioritária em dignificar a sociedade e o Estado, resolvendo os seus problemas, as suas crises e as suas injustiças.
Não tem sentido, por isso, em democracia julgar um Governo pelo que não fez ou pelo que se julga que vai fazer, pois antes devemos apreciar-lhe a linha de acção pelo que é feito efectivamente e pela sua capacidade de resolver os problemas nacionais.
É esta a nossa atitude perante este Governo. Consideramo-lo à partida legítimo e concordamos com o entendimento que lhe serve de base. Dispor-nos-emos a apoiá-lo sempre que agir bem e com justiça - do mesmo modo que o criticaremos sempre que houver caso disso. Há ocasiões em que a crítica é estimulante e necessária - desde que não seja cega, desde que não seja sistemática e impertinente. A nossa lealdade aos princípios e o respeito pela nossa coerência exigem, por isso, que neste debate assumamos a posição de conceder a confiança a este Governo - do mesmo modo que a não regatearemos sempre que estiverem em causa as reformas necessárias e justas, o aprofundamento do diálogo social e o combate sério e rigoroso da grave crise que atravessamos.
Página 158
158 I SÉRIE - NÚMERO 7
Para nós, falar de consenso é falar da transformação das mentalidades e da cultura. Entendemos, assim, que algumas das tarefas que têm de ser privilegiadas por este executivo referem-se justamente às áreas da educação e da cultura. Dir-se-á, porém, que a prioridade das prioridades, sendo económica e vivendo nós uma crise gravíssima, não poderá haver demasiadas ilusões nesses domínios. Puro engano. Sobretudo porque vivemos em crise é que as áreas culturais necessitam de ser vistas com particular atenção e cuidado. Não esqueçamos que o maior desafio desta crise é o desafio da criatividade e da inovação. Temos de aprender cada vez mais a viver com as nossas coisas e a tirar proveito delas, sobretudo num tempo em que também os dons e as necessidades de satisfação gratuita assumem uma importância tão decisiva.
É tempo, por isso, de olharmos a cultura com novos olhos, e não como flor de estufa ou rosa para a botoeira.
O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - Temos afinal de nos aperceber de que só se recuperarmos a inocência originária das coisas puras e simples poderemos compreender a complexidade indómita da máquina do mundo.
Como dizia Ortega y Gasset, «estar surpreendido, admirar-se , é já começar a compreender». Temos por isso também na acção política de aprender a olhar o mundo e as coisas com o olhar engrandecido pela surpresa. É que a crise não é apenas económica ou redutível a raciocínios economicistas. São os próprios valores que estão em causa. Daí que nunca possamos chegar a qualquer solução no domínio do material se não formos animados por um espírito novo, capaz de assumir novas responsabilidades e de animar a transformação necessária do homem e da sociedade. A situação designada como crise traduz, pois, um pôr em causa das estruturas sociais, das normas culturais e dos valores sobre os quais assenta a nossa civilização. Não o podemos esquecer, da mesma maneira que temos de dizer que não é somente a sociedade que deve ser repensada, mas igualmente o homem, que tem de se pôr em causa, deixando de esperar tudo do progresso económico e científico. Temos, pois, de recuperar a força do risco e da responsabilidade. Temos, afinal, de privilegiar a criatividade e a inovação - o que exige uma acção cultural que não pode ser confundida com a distribuição de bens culturais de acordo com o modelo da sociedade de consumo, ou da imposição pelo Estado de quaisquer padrões centralistas.
Não cabe, assim, a um qualquer ministério criar cultura - sob pena de se tornar um departamento de propaganda. Não compete, afinal, ao Estado criar ou orientar a vida cultural. É essencial, porém, que a vida política assuma uma dimensão cultural, de atenção e de compreensão da criatividade artística, cultural e científica. Tem sentido, por isso, e é de aplaudir a permanência de um Ministério da Cultura neste IX Governo Constitucional. Ministério que poderá ser, e que terá de ser, uma permanente antena para captar os sinais de criatividade e inovação das pessoas e da sociedade - lançando também no universo político a tarefa que alguém baptizou aqui, com propriedade, de «culturalização da política». A tarefa essencial que se exige não é, pois, a do Estado sucedâneo de Pai Natal de artistas e literatos.
Os subsídios são inevitáveis e necessários e devem ser distribuídos com objectividade e justiça (sabendo-se que esta é bastante difícil quando se trata de apreciar o talento ou o génio), mas é preciso saber ir mais além e compreender que a cultura num governo tem de ser um factor de renovação da própria política (que temos tão frágil e subserviente) e também um factor de mobilização social e de atenção desperta para as virtualidades do País e para a mobilização consciente e livre dos cidadãos para a democracia.
Antero de Quental perguntava em 1865 a Castilho, na audácia dos seus fogosos e geniais anos de juventude: «Mas, Exmo. Sr., será possível viver sem ideias?» A pergunta temos de a refazer aqui - pois ela representa para nós uma exigência. Sobretudo quando tantas vezes nos esquecemos das ideias, para nos instalarmos nos interesses menores e mesquinhos. Falar aqui de cultura é, pois, falar das ideias e falar da liberdade de espírito e do diálogo democrático. Não basta, por isso, que cada qual se satisfaça com a existência desta maioria ampla. É preciso sabermos ser exigentes e abertos. Em democracia não basta sobreviver e durar é, antes, indispensável, criar soluções, abrir horizontes, construir um progresso autêntico e digno.
As palavras que aqui dissermos levá-las-á o vento.
Mas acções que forem feitas a partir do que aqui dissermos não serão esquecidas para mal e para bem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E o Sr. Primeiro-Ministro tem razão ao salientar que governar é descontentar - sobretudo se retivermos que agir é optar, e logo sacrificar soluções. Preferimos, por isso, a clareza da acção e a audácia da decisão, desde que o interesse colectivo esteja em primeiro lugar - em nome da justiça e da dignidade.
Vai ser já, pois, necessário optar com clareza e com coerência. Penso, por isso, que antes do mais haverá que articular esforços, e permito-me salientar que tal tem de acontecer entre os diversos departamentos do Governo, designadamente os Ministérios da Cultura, da Educação e da Qualidade de Vida. Temos assim de adoptar ao nível do poder político os hábitos da interdisciplinaridade e do trabalho de equipa. E não podemos esquecer que algumas das questões só podem ser resolvidas mercê de uma actuação integrada e coerente.
Darei apenas alguns exemplos, já que nem o tempo nem a circunstância permitem uma análise exaustiva das questões.
Exige-se que a salvaguarda do património nacional se opere a partir de uma atenção constante às ameaças e aos perigos, mas também à própria vivência criativa dos cidadãos na sua relação com as coisas. Chamo, aliás, aqui a vossa atenção para o que se passa, por exemplo, em Sintra, quer no tocante às ameaças que sofre a serra de Sintra, quer no tocante à planeada destruição do bairro histórico da Estefânia, ou ainda do que se passa com inúmeros sítios, monumentos e zonas naturais por esse país fora. O inventário do património cultural nacional tem, pois, de ser prosseguido com celeridade e eficácia - em paralelo, aliás, com o inventário ecológico e ambiental que está previsto - e muito bem - no Programa deste Governo.
Do mesmo modo que há no Programa deste Governo acções de emergência que carecem de ser toma-
Página 159
23 DE JUNHO DE 1983 159
das: como a defesa dos arquivos da Administração Pública, que só em parte se encontra na Biblioteca Nacional, estando o resto num depósito sem condições nos arredores de Lisboa - à espera da lenta e irreparável destruição.
Outra questão grave é a da defesa da língua portuguesa. É preciso tomar medidas urgentes que abranjam as áreas da educação e da cultura nesse domínio. A língua portuguesa, nossa pátria no dizer de Bernardo Soares, merece todo o nosso empenhamento. E é de bom augúrio que sejam homens de cultura a assumir os destinos da educação e da cultura, pois que sabemos já que existe sensibilidade e atenção para tão candente problema.
Vozes da ASDI e do PS: - Muito bem!
O Orador: - A língua é o espelho da nossa vida colectiva, saibamos defendê-la, enriquecê-la em lugar de a degradarmos tornando-a projecção da descrença ou da subalternidade. E se falo na língua, sugiro neste momento uma iniciativa que há muito deveríamos ter levado a efeito. Refiro-me à homenagem que este Parlamento e que o País terá de fazer ao poeta Miguel Torga, expressão genuína do nosso existir e da nossa vida.
Aplausos do PS, do PSD, do PCP, do CDS, da UEDS, da ASDI, do MDP/CDE, do deputado independente António Conzalez e dos membros do Governo.
As homenagens não se fazem apenas aos mortos, mas essencialmente aos vivos, de quem somos devedores. Não podemos, afinal, continuar a assistir impávidos a que a política continue a perder dimensão poética e cultural - como dizia há dias, com toda a razão, Manuel Alegre.
E se falamos de homenagens (mas não de laudatórios vazios e palavrosos), queremos salientar a necessidade de criarmos espaços de reflexão e de crítica, de criação e de diálogo - que deverão surgir, por exemplo, na ocasião do centenário de António Sérgio, que corre este ano e para cuja celebração esta Assembleia deverá renovar a criação de uma comissão eventual - já criada na anterior legislatura - encarregada de levar a cabo a homenagem condigna deste Parlamento.
Aplausos da ASDI, do PS e do PSD.
Sugiro ainda a esta Câmara e ao Governo que envide todos os esforços para que uma grave injustiça seja reparada. O corpo do poeta Jorge de Sena terá de regressar à Pátria.
Aplausos da ASDI, do PS, do PSD, e da UEDS.
Há que criar condições para que isso se verifique. Haverá que fazer contactos com a família e de tomar decisões a nível da nossa Administração e das Forças Armadas para que não fiquemos com o peso na consciência de não termos feito tudo para honrar a memória desse nosso grande e incompreendido mestre contemporâneo.
Uma última palavra quanto à educação. O esforço que se espera deste Governo é extremamente duro.
Há que operar o reforço do ensino, garantir a criação da via profissionalizante no ensino secundário, assegurar a consolidação da escolaridade obrigatória (quando sabemos que ela ainda - é tão deficiente), efectivar a autêntica autonomia universitária, racionalizar as redes de transportes escolares, etc.
Tudo isso tem de ser feito com clareza e audácia. O sistema do ensino em Portugal não pode continuar a ser maltratado e esquecido, nem pode persistir como factor de mediocratização da sociedade.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Deputados: O consenso, a solidariedade nacional, só se pode alcançar desde que haja humildade e audácia; desde que haja abertura de espírito e um trabalho árduo e persistente. É tempo de compreendermos que há já uma nova civilização no horizonte. Há por isso que sabermos ser hoje os primitivos dos nossos vindouros - como diria Almada -, assumindo a resposta à angústia dos que nos seguem com a consciência aguda e crítica da realidade, e não com as audácias dos nossos avós. O desafio que nos é posto é o da organização das responsabilidades. Temos por isso de mudar a política e a cultura. Por nós - e sem o messianismo doentio do Estado. Oxalá possamos dizer no futuro que esta ou que com esta maioria se iniciou um tempo de esperança e de criatividade. Esse o nosso desejo sincero - no interesse de Portugal!
Aplausos da ASDI, do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Programa do Governo PS/PSD não assenta apenas numa profunda deturpação das causas e factores reais da crise económica em que o País se afunda: o Programa afronta abertamente as realidades e transformações da economia portuguesa após o 25 de Abril e visa aprofundar os aspectos fulcrais da ofensiva dos últimos anos visando a sua destruição.
Duas são as grandes linhas de força deste Programa do Governo: primeira, continuar e aprofundar a política tendente à liquidação do sector público da economia, à reconstituição dos grupos monopolistas e à restauração latifundiária. Daí a referência doentia e substancialmente falsa aos défices de empresas públicas, silenciando por completo a política de asfixiamento e destruição que tem vindo a ser seguida, e o elogio do grande capital e da chamada economia de mercado erigindo-os, sem qualquer fundamentação, nos agentes fundamentais e exclusivos da necessária transformação estrutural da economia nacional; em segundo lugar, intensificar a exploração dos trabalhadores e a repressão laboral, deteriorar as condições de vida dos pensionistas e reformados e agravar situação dos pequenos e médios empresários.
O Programa do Governo, o discurso de abertura do Primeiro-Ministro e a oração esta tarde produzida pelo Ministro das Finanças caracterizam-se por inverterem por completo a realidade.
Os culpados pela crise são absolvidos e premiados. Os atingidos pela política de direita, os sacrificados pela crise, são severamente penalizados e ameaçados.
Página 160
160 I SÉRIE - NÚMERO 7
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O PPD/PSD, responsável máximo de governos que conduziram o País à ruinosa situação em que se encontra, mantém-se no poder pela mão prestimosa e amiga do PS.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ao grande capital interno e externo, responsável pela exportação ilícita de capitais, pela fraude e evasão fiscais, pelo contrabando e especulação, pretende o Governo, liderado pelo PS, obsequiar com a abertura dos sectores da banca e dos seguros, dos cimentos e dos adubos, com a oferta em bandeja dourada de projectos de investimento rentáveis estudados e elaborados a expensas do Orçamento e acompanhadas do crédito suficiente, de isenções fiscais e subsídios financeiros e até de capital de risco.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Em contrapartida, os trabalhadores e outras camadas não monopolistas são acusados de responsáveis pela crise económica e financeira, ameaçados com a restrição dos direitos laborais e com a redução drástica do seu poder de compra. As empresas públicas pretende-se impor o atrofiamento crescente e a inviabilização a prazo. Aos trabalhadores pretende o Governo PS/PSD exigir que paguem a crise, que suportem por inteiro os custos da restauração do capital monopolista do nosso país.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A amnistia e a reabilitação do PSD só encontra explicação no facto de o Governo PS/PSD pretender seguir e aprofundar a política dos Governos da AD.
Na verdade, o Governo não prevê sequer a revisão do OGE (provisório) para 1983; elaborado e aprovada pela AD, com os votos contrários de todos os restantes grupos parlamentares, incluindo o do PS. Fala por si o facto de o OGE (provisório) da AD servir ao Governo PS! E o Sr. Ministro das Finanças acaba de agravar as preocupações que já tínhamos ao mostrar claramente que não tem consciência que o País vive com um OGE provisório para 1983. Dir-se-ia que não se apercebeu que tem de o substituir, no mais curto prazo, por um Orçamento definitivo, que seria inconcebível só aprovar em Outubro.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E o Plano para 1983, que não chegou a ser aprovado, dada a queda do Governo AD? Não vai ser apresentado? A Constituição não lhes permite faltar pura e simplesmente com o Plano para 1983, Srs. Membros do Governo!
Entretanto, a obsessão primeira do Governo PS/AD é a abertura ao grande capital da banca e dos seguros, dos cimentos e dos adubos. Também os Governos da AD por quatro vezes o tentaram, e outras tantas falharam: Tal como agora, sempre recorreram a pedidos de autorização legislativa, contra os quais o PS sempre votou, porque tais pedidos são «um escândalo, uma atitude verdadeiramente inacreditável, em que se procura menosprezar a intervenção desta Assembleia Numa matéria tão importante e tão delicada»; como dizia, em 1981, o deputado Carlos Lage.
Aplausos do PCP.
Os próprios argumentos para tentar justificar a desnacionalização de sectores de actividade não diferem dos que a AD utilizou. Mas, Srs. Deputados, continuamos a pensar que, como aqui deixou dito em, 1981 um deputado do PS, a abertura daqueles sectores ao grande «capital é injusta e iníqua, porque permite a apropriação por poucos da riqueza que a muitos pertence [...] e violenta a vontade expressa da generalidade dos trabalhadores dos sectores abrangidos, que a ela se têm oposto energicamente sem distinção de ideologias ou filiações partidárias».
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Porquê, concretamente, abrir a banca ao grande capital se «a entrada no mercado da criação monetária [...] de grupos de personalidades cuja lógica de actuação objectiva está longe de aderir aos princípios de administração e gestão inerentes ao interesse
público», se ela vai facilitar ainda mais «um sofisticado alimentador das fugas de capitais», como há poucos dias o sublinhava um deputado socialista?; como se trata de um «sector que de tão básico e influente não deve ser compartilhado entre o Estado e o sector privado», como afirmava o deputado Almeida Santos em 1980?
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Muito bem!
O Orador: :- Não será certamente a justificação ridícula que o Primeiro-Ministro apresentou na passada segunda-feira, da «necessidade de actuar rapidamente contra a crise», pois, como lhe diria um deputado da bancada do PS, «nada com suporte técnico leva a crer que [...] a abertura da banca represente para o País, e também para os próprios empresários, uma solução real dos problemas de reorganização económica e de desenvolvimento que enfrentamos e enfrentaremos». Trata-se, sim, de satisfazer as exigências do PSD, da CIP e do CDS e da ressurreição dos potentados financeiros! Ou eventualmente a satisfação de um desejo íntimo do Primeiro Ministro há muito recalcado e calado.
Em contrapartida, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Programa do Governo não prevê nenhumas medidas de rectificação das ilegalidades, desmandos, abusos e escândalos cometidos pelos Governos da AD.
Não se pronuncia o Governo pela imediata suspensão da liquidação da SNAPA ou da CTM, como o não faz acerca da revisão necessária dos escandalosos acordos com Jorge de Brito e Pinto de Magalhães, cujo pedido de inquérito, parlamentar foi votado favoravelmente pelo PS em 1982.
Vozes do PCP - Muito bem!
O Orador: - Cala-se o Governo de Mário Soares sobre a imediata proibição das vendas de participações financeiras do sector público e de desmantelamento das empresas públicas (através da reposição em vigor da Lei n.º 77/79, da autoria do PS); tal como esquece a necessidade urgente de suspensão votada favoravel-
Página 161
23 DE JUNHO DE 1983 161
mente em 1983 pelo PS, do actual regime de actualização de rendas comerciais e outras não habitacionais, designadamente as chamadas reavaliações fiscais extraordinárias. Mas ameaçam-se os Portugueses com aumentos das rendas habitacionais. Nenhuma medida se prevê para dar resposta à aflitiva situação de milhares de moradores ameaçados de despejo.
Não se ajustam as pensões de miséria que a AD impôs aos pensionistas e reformados. Não se reforçam as dotações para habitação, saúde e educação. Mantém-se o roubo perpetrado às finanças locais, denunciado pelo próprio PS.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O lema do Governo de Mário Soares parece, afinal, ser este, e apenas este: «O que de mau a AD fez, feito está; o que de mau a AD não conseguiu fazer, vamos ver se o conseguimos nós!»
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros cio Governo: A crise existe, é profunda e tem de ser rapidamente combatida. Mas a terapêutica, a única alternativa ao agravamento da crise, não pode prescindir da responsabilização política dos seus principais responsáveis e exige o combate decidido e eficaz às suas causas reais.
O combate aos défices eternos passa pela limitação das importações desnecessárias, supérfluas e de luxo, e não dos bens essenciais. Pela substituição de importações por produção nacional, e não pela liberalização e aceleração dos boletins de registo de importação. Pela eliminação das exportações ilícitas de capitais, e não pela redução dos salários.
A recuperação económica e financeira das empresas do sector público exige que se acabe com a política de congelamento dos seus projectos de investimento, como já ontem o Governo anunciou; que se acabe com o estrangulamento financeiro, com a discriminação de que são alvo na política de preços e no acesso ao crédito interno, com a imposição administrativa do recurso crescente ao crédito externo e a desvalorização crescente, que o Estado lhe pague as dívidas pontualmente ou suporte os encargos financeiros decorrentes do não cumprimento das obrigações contratuais por ele assumidas.
A recuperação económica e o desenvolvimento do País exigem o aumento da produção e do investimento, e não a sua redução; o embaratecimento do crédito, e não o seu encarecimento; a mobilização voluntária dos trabalhadores, e não o agravamento da sua exploração.
O combate à inflação impõe a limitação dos lucros escandalosos e a eliminação dos lucros especulativos; a diminuição das taxas de juro, da desvalorização e das importações; o combate eficaz à evasão e fraude fiscais e a moralização dos circuitos de comercialização, e não a redução dos salários reais.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Inversamente, o prosseguimento da política de direita só pode conduzir, como a experiência o mostra, ao agravamento da inflação e do desemprego, à degradação do nível de vida e da estrutura
produtiva, ao aumento das taxas de juro e da desvalorização - como aliás já se está a ver -, ao crescimento incomportável dos défices externos e da dívida externa, à venda do que resta das reservas de ouro, à submissão ao FMI e a outras organizações financeiras internacionais, a perda acelerada da independência nacional.
A campanha em torno da crise, que é real, agitada pelo Dr.. Mário Soares e pelo seu Governo, não tem, porém, correspondência em medidas tendentes à resolução dos problemas nacionais. Essa agitação tem como objectivos tentar justificara abertura da banca e outros sectores rentáveis ao grande capital, a repressão dos trabalhadores, a intensificação da acumulação e da concentração capitalista, para tentar justificar o recurso a novos empréstimos externos em condições financeiras e políticas ainda mais gravosas, quiçá com contrapartidas de âmbito militar.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A verdadeira posição patriótica que neste momento se pode assumir não é colaborar com campanhas mistificadoras, mas falar verdade, levar ao conhecimento dos Portugueses que a política do Governo PS/PSD não resolverá os mais graves problemas estruturais de que o país padece, antes os aumentará e agravará.
É essa a posição patriótica que assume o PCP.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se bem que tenhamos chegado a hora regimental de encerramento dos nossos trabalhos, há ainda grupos parlamentares que não esgotaram o seu tempo destinado ao dia de hoje.
Assim, caso não haja oposição, daria a palavra aos Srs. Deputados dos grupos parlamentares que ainda dispõem de tempo, para que o utilizassem ainda nesta sessão.
Pausa.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, gostaria de dar a minha concordância à sugestão que o Sr. Presidente acaba de fazer. Penso que é razoável que, havendo grupos parlamentares que não usaram do tempo de que poderiam beneficiar hoje, o façam ainda nesta sessão. Mas apenas esses, Sr. Presidente. e não aqueles que já esgotaram o seu tempo para hoje.
Achamos razoável o prolongamento da sessão para este efeito.
O Sr. Presidente: - Como nenhum Sr. Deputado se pronuncia contra o sugerido, considero que estamos todos de acordo.
Têm ainda tempo disponível o PS, o PSD e o Sr. Deputado Independente António Gonzalez.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Santos Loureiro.
O Sr. Santos Loureiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Vou procurar ser breve na minha intervenção e orienta-la para a parcela do Programa do Governo que se refere à estabilização financeira e ao desenvolvimento econó-
Página 162
162 I SÉRIE - NÚMERO 7
mico. Não quero, porém, deixar de formular o voto, embora ele possa ser considerado despiciendo, de que no tocante a uma área tão importante, e que consta do Programa do Governo, como é a da abertura ao sector privado de actividades até agora reservadas à esfera do sector público - o Governo permita a esta Câmara todas as condições de discussão para que possamos aqui analisar o assunto com a devida amplitude, com toda a riqueza de conteúdo que ela encerra, e para que, votando democraticamente, ratifiquemos ou não, aquilo que o Governo nós propõe.
Na parte do Programa do Governo referente à estabilização financeira e desenvolvimento económico existe uma estratégia dividida em três tempos, se bem entendi: um programa de gestão conjuntural de emergência, um programa de recuperação financeira e económica e um programa de modernização da economia portuguesa.
Passaria de imediato ao comentário ao programa de gestão conjuntural, de emergência, se porventura na p. 100 do Programa do Governo não houvesse uma frase que suscita algumas dúvidas. Na verdade, diz-se que o programa de recuperação financeira e económica constituirá simultaneamente o quadro de referência para a implementação do programa de gestão de emergência, e o ponto de partida indispensável para que possam ser seriamente encaradas as realidades e as necessidades de transformação estrutural da economia.
Ocorre uma dúvida: como se vão concatenar estes 2 programas?
O Sr. Ministro das Finanças e do Piano deu, de algum modo, uma achega importante nesta matéria. Contudo, subsiste ainda o carácter de simultaneidade, o que significará - e seria importante que houvesse mais precisões na matéria - que se irá procurar balancear as restrições que vão decorrer do programa de gestão conjuntural de emergência - a própria palavra «emergência» é significativa - com um afinar de instrumentos, designadamente de política económica, que permitam a tão necessária, a extremamente urgente, reestruturação das bases sectoriais do funcionamento do nosso sistema económico.
Há ainda duas questões dentro desta frase que gostaria de ver clarificadas.
De facto, fala-se em ponto de partida, mas a verdade é que, em Portugal, os técnicos portugueses já procederam a numerosos estudos, existindo diagnósticos aprofundados das várias situações - e Portugal não é um país tão grande nem tem uma economia tão complexa que nos force permanentemente a reexaminar aquilo que já está examinado. Dispomos, assim, de um quadro de diagnóstico, que considero suficiente para que se possa desde já avançar. Repito, no entanto, que este ponto de partida cria uma dúvida, que importaria ver aclarada.
A segunda questão prende-se com o «seriamente encarados». Suponho que não está na intenção do Sr. Ministro das Finanças e do Plano pôr em dúvida que no passado se tivesse procurado encarar seriamente - com seriedade técnica, e ao serviço de valores de carácter social e político - situações, evoluções e conjunturas. Em Portugal, de facto, somos muitas vezes tentados a agir demasiado no plano dos diagnósticos, sendo menos eficientes no plano da acção.
Estas questões são importantes e carecem de esclarecimento, tanto mais que não estamos em face de um programa de governo qualquer, mas sim perante um Programa de Governo de legislatura, um Governo que duraria 4 anos. Ora, esta será a melhor ocasião para debatermos, em concreto, aquilo que o Governo pensa, para que nós próprios o possamos apoiar no seu esforço urgente de recuperação económica e financeira nacional.
Este prólogo apresentado, debruçar-me-ei agora sobre o programa de gestão conjuntural de emergência, programa de 18 meses de duração, que apresenta como objectivos fundamentais a redução do défice da balança de transacções correntes e a gestão do endividamento externo.
Ora, um programa desta natureza, que tem como alvo fundamental reduzir um défice de origem externa, socorre-se de vários ingredientes: por um lado, as exportações, por outro, as importações. E seria importante que soubéssemos um pouco mais em torno daquilo que já foi dito - e bem - no Programa do Governo, como, por exemplo, o que é que vai ser tentado para diminuir o conteúdo da importação nos recursos globais.
O problema não é despiciendo, e prova-o a evolução que a este - propósito encontramos na economia nacional: em 1979, 25%; em 1983 - em previsão -, 30%. Esta evolução tem a ver com deficiências passadas da política industrial do sector, e que importa colmatar, para que o esforço contensivo das importações possa ser atenuado e orientado para aquelas que não é possível interiorizar.
Em matéria de exportações há no Programa do Governo medidas concretas e importantes. No entanto; haveria que encontrar razões e justificações, digamos, um quadro mais completo de medidas de política económica que permitissem balancear o instrumento da desvalorização do escudo com algo que permitisse, por acréscimo de poder competitivo das empresas, alcançar o grande objectivo da exportação. Nestes domínios há aspectos importantes referidos no Programa; mas precisões haveria a acrescentar.
Em matéria de política monetária, outro ingrediente dos programas de estabilização, sabemos que - e ouvimos ainda hoje, o Sr. Ministro das Finanças e do Plano referir esse instrumento - há o recurso à selectividade do crédito. Selectividade do crédito é uma velha expressão bem conhecida dos economistas, mas também muitas vezes gasta pela sua pouca precisão. Se olharmos para os dispositivos existentes no País para seleccionar o crédito verificamos que amalha é demasiadamente larga, nela cabendo quase tudo. Ora, e uma vez que será necessário restringir o crédito, será igualmente necessário ser muito mais eficaz na sua selecção.
Controle da evolução da base monetária, é outra questão importante, a ela se ligando também tudo o que respeita à liquidez bancária e aos limites da concessão de crédito. Todos conhecemos, os empresários, o Ministério das Finanças, o Banco de Portugal, tudo o que diz respeito à política de «plafondamento» do crédito. A verdade, porém, é que essa política não se tem revelado suficientemente eficaz, havendo situações sérias de ultrapassagem dos plafonds.
Em alguns conselhos de gestão da banca - e estão entre nós deputados membros desses conselhos de gestão - aconteceu que às vezes os seus membros se terão surpreendido a fazer contas, como no caso das multas que o Banco de Portugal estabelece para quem infringe os plafonds e os lucros e os prejuízos do não
Página 163
23 DE JUNHO DE 1983 163
cumprimento. Haverá, por conseguinte, que manter esta política, tornando-a, porém, mais eficiente, encontrando-se fórmulas mais rígidas de controle e de penalização.
Este aspecto está ventilado no Programa do Governo, ruas também neste caso seriam necessárias, a meu ver, algumas precisões.
Outro aspecto importante na política de estabilização é a manipulação das taxas de juro. Qual a posição que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano vai adoptar nesta matéria?
Trata-se de unia matéria importante, na medida em que empresas que se encontrem em situação de endividamento e descapitalização dificilmente poderão suportar, sem graves riscos de sobrevivência, uma manipulação de taxas de juro que não seja cautelosamente cuidada.
Quanto à política cambial do Governo - outro instrumento importante a usar na mesma perspectiva de estabilização -, dela consta a desvalorização do escudo e ainda agora assistimos a uma, que, estou certo, foi fundada. Contudo, sabemos que a desvalorização do escudo é um penalizador global - que afecta toda a gente e que, não sendo manipulada em simultaneidade com uma política económica muito intensa, trará apenas efeitos nocivos, não deixando colher os benefícios que resultam de desvalorizações pontuais. De resto, assistimos a uma desvalorização discreta, sem que, porém, nada saibamos por agora sobre a política de cratwling peg que o Governo vai seguir.
Em matéria de política orçamental e fiscal, outra área defendida no quadro das mesmas políticas, consta como padrão a redução dos subsídios estatais. Sem dúvida que é necessário diminuir os subsídios estatais, embora com conta, peso e medida, e reduzir subsídios estatais não apenas, e sendo necessário, às empresas públicas, mas a todas elas. Aliás, estou certo de que o Governo encontrará alguns casos de subsídios concedidos por força do Orçamento Geral do Estado que não terão encontrado na lógica da situação empresarial as devidas justificações.
Quanto à política aduaneira, há também algo a fazer, importando saber o que se prevê nessa matéria, tanto mais que no receituário do Fundo Monetário Internacional há um propósito liberalizaste, tão caro a certas correntes de opinião, e que, não sendo devidamente acautelado, fará invadir o mercado interno por produtos vindos do exterior.
Por último, existe a limitação dos atamentos salariais, medida difícil, impopular, em muitos casos mesmo injusta. Tivemos porém a certeza, pois ouvimo-lo do próprio Sr. Ministro das Finanças e do Plano, que se atentará entre a evolução dos preços e a dos salários de modo a não adulterar ainda mais o poder de compra das populações em geral.
Ir, todavia, importante que também nesta matéria recebamos anais algumas precisões. É que em todo este quadro de instrumentos de política económica e financeira estamos em face de efeitos contraditórios, efeitos que se exprimem sobre o ritmo geral da inflação em torno dos efeitos sobre o investimento, havendo, portanto, um conjunto conexo de medidas que têm que ser devidamente racionalizadas e sobre as quais importa conhecer melhor a posição e a política que o Governo vai seguir.
Não resisto à tentação de chamar a atenção para uni particular tratamento que em todo este domínio de
estabilização se prende com a factura alimentar. Sabemos como se tem comportado a produção agrícola e o consumo de produtos alimentares - bastará dizer que em termos da relação importação/produto interno do sector o coeficiente se situa na ordem dos 6O%. E, enquanto as importações caminham a passo acelerado, as exportações praticamente estagnam.
O mesmo se poderia dizer da factura energética, em relação à qual muito haverá que ponderar.
Mas, outras facturas importa também contemplar. A factura automóvel, por exemplo, sector que revela uma perplexante prosperidade ao confrontarmos as importações com as nossas exportações.
Mais perplexante ainda é a factura dos electrodomésticos e de outra aparelhagem que não é de uso fundamental. Aí, denotam-se sintomas de economia paralela, para a qual o Governo terá, por certo, resposta pronta.
São precisões que, como deputado do Partido Socialista, eu gostaria de obter do Governo e estou certo que estou a ser entendido por parte do nosso Governo.
Com alguma infelicidade, foi referido nesta Casa que os deputados da bancada socialista eram deputados do Governo e, como tal, atentos, veneradores e obrigados.
Atentos, sem dúvida.
Veneradores, não é disso que se trata.
Obrigados, sim, na medida em que estamos certos de que a política do Governo vai atender aos valores fundamentais do socialismo democrático.
Para nós, não é indiferente que à frente do Governo esteja um Primeiro-Ministro como o camarada Mário Soares, o camarada Mário Soares que tem um imbeliscável percurso ideológico, o camarada Mário Soares que demonstrou na dificuldade e na menor dificuldade a sita têmpera de lutador democrata, a sita dimensão política interna e internacional, a sua sagacidade de homem público e a sita capacidade de diálogo.
15so, para nós, ó elemento importante para que possamos, aparentemente, aparecer a dirigir ao Governo perguntas que poderão ser tomadas falsamente como críticas. Estamos certos de que vamos obter esclarecimentos e que a política económica e financeira do Governo nos permitirá sair da crise.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Do 25 de Abril de 1974 até ao dia de hoje, consagrado à discussão do programa de governo PS/PSD, 9 anos são volvidos. E, todavia, não andarei longe da verdade, se disser que as questões magnas da política da educação em Portugal então como agora continuam em aberto.
Muito se escreveu e muito se discutiu. Muito se fez e muito ficou por fazer. Dos anos turbulentos da revolução perdeu-se tudo o que de bom e de mau uma mutação social e política profunda provoca no momento e a posteriori. Por isso, os governos democráticos provisórios e os constitucionais parlamentares ou presidenciais, sem coligação ou com aliança, foram acirra de tardo compelidos a tomar medidas de carácter urgente para colmatar brechas de um sistema educativo em crise. Só a estabilidade e a confiança que uma maio-
Página 164
164 I SÉRIE - NÚMERO 7
ria parlamentar propicia, pôde permitir o rasgo de iniciativas legislativas governamentais de maior fôlego, em governos da AD como a apresentação da Proposta de Lei de Bases do Sistema Educativo e da Autonomia Universitária, que, por sua vez, desencadearam sucessivas apresentações sobre essas matérias por parte de vários grupos parlamentares.
Mas, entretanto, tudo se quedou pelos projectos e pela discussão pública, com aplicação de medidas avulsas de resposta à conjuntura por parte dos governos. Agora que assumiu o encargo de governar uma nova maioria democrática PS/PSD, a mais alargada de todas quantas, em eleições para órgãos singulares ou colegiais, foram obtidas, há que assumir o compromisso de, finalmente, se aprovar na Assembleia da República uma lei de bases do sistema educativo, recolhendo da discussão pública e da experiência feita os ensinamentos tendentes ao seu aperfeiçoamento.
Deve, porém, tomar-se como ponto de partida que essa, lei de bases deve resultar de um consenso político e social o mais amplo possível, com vista à criação de um normativo que, de uma forma perdurável, mas flexível, regule o sistema educativo, outorgando-lhe unidade, coerência e credibilidade. Tudo isto sem que se perca de vista também a sua eficácia, o que pressupõe, por uma forma realista e precisa, a elaboração de um plano, sectorial de desenvolvimento para a educação, que, em função da estratégia global de desenvolvimento económico e social para o País, desenhe os objectivos, assinale as metas e expresse na crueza dos números os seus custos para todos, os. portugueses. E uma coisa é certa: Governo, Assembleia da República, escolas, sindicatos, associações de pais, instituições privadas, autarquias, estão sensibilizadas para compreender as vantagens que a implementação dessa reforma, comporta.
Urge, porém, sensibilizar a opinião pública, tanto mais quanto é certo que os frutos do investimento na educação só a médio e a longo prazo são visíveis, como na parábola evangélica da semente que só depois se multiplica não apenas por força da natureza, mas também pelo trabalho do homem, que a lança, à terra no tempo e no espaço adequados.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: o Programa do Governo PS/PSD, no que à educação se refere, é um programa que, tem expressa uma filosofia que coloca o Homem como sujeito da História com vista à sua realização integral numa sociedade democrática, apontando clava e inequivocamente para o valor da justiça social.
As medidas que propõe são realistas, ajustadas às circunstâncias e imbuídas de preocupações de carácter social, tendo como pano de fundo a exigência de igualdade de oportunidades, que é não só constitucional, como base programática de qualquer dos partidos ora no Governo.
Poder-se-á apontar aqui e além uma ou outra omissão, que não significa falta de arrojo ou de visão política do Sr. Ministro da Educação, tuas traduz, sim, apego a uma política de verdade, a uma política exequível numa legislatura, nas graves circunstâncias económico-financeiras que rodeiam este Governo, a cuja maioria parlamentar me honro de pertencer.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora:- Por isso, tias «principais medidas», sé dá prioridade à efectivação da escolaridade obrigatória, à institucionalização, das vias profissionalizantes e profissional no ensino secundário, através de um plano de emergência para o ,ensino técnico, a fim de acudir às graves carências de mão-de-obra qualificada e às dificuldades de obtenção dó primeiro emprego Para os jovens.
Cumprirá então ao Ministério da Educação traçar sem tibiezas o referido plano de organização do ensino técnico, que não se confina às dimensões humanas e materiais das escolas, antes reclama o empenhamento das estruturas de alfabetização, a educação básica de adultos, de outros ministérios, nomeadamente da Agricultura, do Trabalho como também das autarquias, dos sindicatos, dos sectores empresariais públicos e privados, em suma, de toda a sociedade.
Ministério da Educação será tanto mais da educação quanto mais ministrar o ensino e promover a formação do homem sem deixar de estar atento também às exigências de realização profissional.
Aqui entronca toda a problemática da revisão das sequências curriculares e dos programas, de modo a permitir diplomas profissionais e vias de ingresso para o ensino superior, com faculdade de premuta entre essas vias.
Nessa sequência tem de se prosseguir no alargamento do ensino superior politécnico, como forma de obtenção de uma formação técnica e cultural de nível superior para o exercício de actividades profissionais.
Não se deve, porém; perder de vista o importante contributo que, numa estratégia de desenvolvimento, assume a investigação científica em articulação com as universidades.
Quer em moldes de investigação, pura ou aplicada ela será indispensável para a prospecção dos nossos recursos naturais; mediante, projectos, que não envolvendo recursos financeiros poderosos possam desempenhar um papel na transformação das condições económico-sociais.
Merece relevo ainda pela inovação o prometido apoio financeiro para que o acesso ao ensino particular e cooperativo se faça em condições de igualdade.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: o Programa de Governo, da educação, dá-me a esperança de que a sua acção será norteada pelos princípios e pela prática de um verdadeiro humanismo, que nos torna dignos de suportar o peso da nossa herança cultural.
Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cunha e Sá.
O Sr. Cunha e Sá (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No Programa 'do Governo, no que concerne à Agricultura (ponto 1.2.3.13), fala-se na manutenção dos efectivos no respeitante ao desenvolvimento da pecuária.
Ora bem, só um assunto da gravidade do que vou passar a expor me levaria a tomara palavra de momento. Assunto esse que poderá constituir uma verdadeira catástrofe nacional a nível de efectivos pecuários, se de imediato não forem acauteladas todas as acções conducentes à sua pronta e emergente solução.
Este Governo terá de ser o executor imediato de medidas que tendam a debelar a epidemia de peripneumonia bovina que grassa no nosso país.
Página 165
23 DE JUNHO DE 1983 165
Como sabem, o alastramento da doença foi rápido e imediato. Os primeiros casos surgiram em Monção, em meados de Janeiro deste ano, seguindo depois para Sul, atingindo a Beira Litoral em Março e o Algarve neste mês de Junho.
Levou-se tempo de mais, como é fácil de depreender, a atacar a epidemia, talvez por deficiências estruturais dos serviços regionais (da área da pecuária), que não dispõem de meios de orientação, actuação e competência para casos semelhantes, e dos serviços centrais, por falta de capacidade de resolução em tempo oportuno.
As medidas tomadas pelo anterior Governo, além de ineficazes não foram concertadas, isto é, não houve ligação entre as autoridades sanitárias a nível nacional e regional com as autoridades ligadas ao MAI (GNR, PSP e GF), que não evitaram o trânsito de animais pelo País.
Seria esta uma das primeiras (senão a primeira) medida a tomar, para restringir o foco epidémico a uma só área.
Se no Sul ainda não se sente o efeito desta epidemia, isso deve-se ao facto de ser mais fácil isolar os animais das grandes herdades de outros vindos de diferentes locais, enquanto no Norte, devido às ordenhas serem colectivas, o contacto ser sistemático.
Com isto tudo, o que pode vir a acontecer, se não se tomarem medidas imediatas, é que Lisboa e também o resto do País pode vir a ficar sem leite e sem carne, isto porque o parque bovino nacional pode ficar reduzido a 50 %, já que todos os animais atingidos terão de ser abatidos.
Não podemos ficar sem dois terços do parque bovino leiteiro nacional, parque que, como sabem, é de 230 000 cabeças.
Este caso não se compadece só com indemnizações aos agricultores. É, de facto, meus senhores, uma catástrofe nacional, já que praticamente todo o litoral foi atingido pela epidemia.
Há que atacar o mal, já. Há que criar estruturas para que de futuro isto não aconteça.
É este o grito de alerta que lanço ao Governo.
Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Gomes de Pinho, estava a pedir a palavra para que efeito?
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, pretendia solicitar à Mesa que mantivesse a inscrição do deputado Pedro Feist, apesar de o CDS ter excedido o tempo que lhe estava atribuído para a sessão de hoje. 15to acontece pela simples razão de o deputado Pedro Feist se encontrar impedido de, amanhã, estar presente nesta Assembleia.
Creio que não haverá, por parte dos outros grupos parlamentares, qualquer objecção a esta nossa pretensão.
O Sr. Presidente: - Não havendo oposição, a Mesa também nã3 se opõe.
Sr. Deputado António Gonzalez, por acordo dos grupos parlamentares, utilizará numa só intervenção os 10 minutos que lhe estão destinados.
Dou, agora, a palavra ao Sr. Deputado Pedro Feist.
Pausa
O Sr. Pedro Feist (CDS):- Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Numa análise necessariamente curta do Programa do Governo, dedicado ao comércio, começaria por lamentar a avareza com que toda esta problemática é tratada.
Este Programa, resultante do acordo entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata, revela um angustiante desconhecimento da realidade da actividade económica a que se dirige, o País que somos.
Desconhecimento, que começa por se evidenciar pela enumeração de orientações principais que, se não são óbvias, são, pelo menos, redundantes, em relação à prática que, nos países da Europa Ocidental, tem sido adoptada pelos governos socialistas.
Dir-se-á, apenas, que aqui, o Programa do Governo não se afasta dos padrões onde os seus subscritores beberam a inscrição política e o ascendente ideológico: intervir, controlar, reprimir, fiscalizar, combater, etc., em suma, abafar a actividade económica, retirar ao comércio a maleabilidade que o caracteriza e que é especialmente necessária nos períodos de crise como aquele que atravessamos.
Mas o Programa do novo Governo é, também, um conjunto de contradições: cita abundantes vezes a adesão de Portugal à CEE e os ajustamentos internos que há a fazer, mas aponta objectivos, como o controle de importações; propõe-se elaborar legislação que regule a concorrência, nos moldes europeus em vigor, mas pretende manter uma exagerada intervenção. Fala em dinamização dos mecanismos de mercado, mas não abdica da manutenção do controle dos preços, nem hesita em apontar políticas de ainda maior intervenção estatal nos sistemas de abastecimento e fixação de preços.
É, ainda, um Programa onde falta a audácia e a vontade de inovar: mantém o que está mal, esquece o que é preciso mudar. É o caso, por exemplo, dos BRI's, que vão ser apenas objecto de uma simplificação, o que duvidamos, e não da sua abolição ou, pelo menos, da recondução a verbetes com fins meramente estatísticos.
Não refere que, por via da adesão às Comunidades, se terminará com os produtos contingentados na importação.
Finalmente, o Programa do Governo, na área do comércio, não dedica uma linha à empresa comercial e ao apoio. agora mais necessário do que nunca, a conceder-lhe pelo Estado.
Outra consideração é de que, é positiva a delimitação dos sectores mas, em contrapartida, já não se entende a contradição que ressalta do ponto 4.2.2.6. o que significa que o Estado pretende reforçar e aumentar os monopólios de importação, que são eles próprios a causa do grande desregulamento dos valores importantes e desencorajadores da própria produção nacional.
Também se estranha a ausência de qualquer referência ao problema dos arrendamentos comerciais. Serviram de motivo eleitoral e assumiram-se compromissos. Porque foram esquecidos agora?
Para terminar, gostaria de referir o seguinte: os comerciantes, em número muito superior a 200 000, são agentes económicos fundamentais à nossa economia e constituem uma classe honrada, criadores de riqueza, pagadores pontuais de impostos, sem os quais o Estado não poderia alimentar um sector público improdutivo e cada vez mais ineficaz. No entanto, têm
Página 166
166 I SÉRIE - NÚMERO 7
Vindo a ser vilipendiados e responsabilizados na sua generalidade, pelos mais variados delitos, quase que constituindo um mal necessário.
Este Programa eminentemente intervencionista, utilizando quase exclusivamente os mecanismos do controle, fiscalização, intervenção, etc., esquece que é precisamente a excessiva intervenção do Estado a principal causa do contrabando, da corrupção e do crescimento da economia paralela. Situações que os comerciantes são os primeiros a denunciar.
E não aproveita, afinal, as verdadeiras potencialidades que este sector representa para a economia nacional, como grande responsável que é, pelo desenvolvimento económico, pela criação de emprego, e pela satisfação adequada das principais necessidades sociais.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro do Comércio e Turismo, V. Ex.ª pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Ministro do Comércio e turismo: - Foi para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Ministro.
0 Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com a máxima atenção, a intervenção do Sr. Deputado Pedro Feist e gostaria de fazer algumas considerações e, simultaneamente, um pedido, de esclarecimento.
A primeira, é referir que o Sr. Deputado Pedro Feist confunde avareza com um desejo de concisão. Houve na elaboração do Programa, no respeitante à área do comércio, um desejo de concisão, a fim de que ele pudesse ser lido e compreendido com a atenção que merece. Verifico, agora, que não atingi os objectivos porque, na realidade, o Sr. Deputado Pedro Feist não terá lido com a devida atenção o que está dito no Programa.
Por outro lado, estou certo de que a sua intervenção teria sido diferente se, antes de a fazer, se tivesse aconselhado, ou conversado com pessoas da sua bancada, com larga experiência na área do comércio e que lhe explicaram a razão pela qual hoje, em Junho de 1983 a área do comércio e toda a sua regulamentação está, na realidade, excessivamente intervencionada e excessivamente controlada.
Por várias vezes, tive ocasião de, pessoalmente, discutir esse assunto com pessoas da sua bancada que me explicaram a impossibilidade - do ponto de vista dessas pessoas e, portanto, penso, que do ponto de vista do CDS - de alteração do actual regime.
Ora, exactamente o que o programa diz, e reconhece, é que esses controles existem, esse intervencionismo existe e, face aos desequilíbrios orçamentais e financeiros que o País atravessa, a evolução desse regime, com o qual o Governo não concorda, tem de ser feita com as devidas cautelas.
E quando afirma que nos reportamos várias, vezes à nossa adesão à CEE, a verdade é que o fazemos exactamente com essa meta, porque estão assumidos compromissos nas negociações de integração na CEE que prevêem a evolução do nosso sistema regulamentador de todo o comércio, no sentido da sua adequação aos regimes em vigor na CEE. Pois, exactamente o que se pensa é sair deste regime excessivamente intervencionista e controlador - e refiro-me a Junho de 1983, portanto antes da entrada em vigor deste Governo -, para um regime análogo àquele que está em vigor na CEE, mas com as devidas cautelas e sem dar azo a especulações nem a perigos demasiados.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - É isso que está no Programa, é esse o nosso objectivo e, muito ao contrário do que o Sr. Deputado interpretou, não temos a mínima intenção de manter o actual intervencionismo.
Uma voz do CDS: - Muito bem!
O Orador: - A impressão de falta de leitura do Programa por parte do Sr: Deputado radica-se-me a mim quando diz que não há qualquer referência aos arrendamentos comerciais e quando diz que não estão cumpridas as promessas feitas. Se o Sr. Deputado abrir o Programa na p. 174, § 5.1.2.1.7 verá que está integralmente dito que vai rever-se o regime das rendas comerciais, conforme foi prometido durante a campanha eleitoral. O facto de o Sr. Deputado vir dizer que nada é dito comprova que não terá lido com a devida atenção o Programa do Governo.
Em último apontamento, gostava de dizer que o único ponto da sua intervenção com o qual o Governo concorda inteiramente é a homenagem que fez aos 200000 comerciantes. O Governo está consciente de que são uma classe indispensável para este País que tem labutado com toda a honestidade, e que o Governo pensa apoiar numa linha de sã concorrência e de são apoio.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é para um pedido de esclarecimento já que não existe a fórmula da congratulação.
Queria, pois, congratular-me pelo facto de a bancada do CDS - e o Sr. Deputado esclarecer-me-á se assim é ou - ter finalmente reconhecido a necessidade de rever as rendas no caso dos arrendamentos comerciais.
Recordo ao Sr Deputado - que não estava cá, e isso talvez explique o seu lapso que o seu partido se opôs neste hemiciclo à revisão dessas rendas quando o problema aqui foi trazido por partidos então na oposição, nomeadamente pelo meu partido e pelo Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Feist, para responder.
O Sr. Pedro Feist (CDS): - Sr. Ministro, queria que ficasse claro que não ponho a mínima dúvida nas suas intenções e nas do Governo. Bastaria para já o meu conhecimento pessoal da sua competência reconhecida.
Não confundo a avareza com a concisão. Li com atenção porque ele é tão pequeno que não origina lapsos de leitura.
Referiu as pessoas de longa e larga experiência na área do comércio, no meu partido. Posso dizer-lhe,
Página 167
23 DE JUNHO DE 1983 167
Sr. Ministro - talvez não saiba isso- que sou presidente de uma associação de comerciantes, com 1600 comerciantes inscritos, que representam muito pequeno comércio em Lisboa de drogarias, perfumarias, tabacarias ...
Conheço muito bem os problemas do comércio, talvez seja quem os conhece melhor na minha bancada.
Quanto aos arrendamentos comerciais citaria o meu colega de bancada Prof. Adriano Moreira quando há pouco dizia que se deve ler nas linhas e não nas entrelinhas. No Programa de Governo não sei ler nas entrelinhas, só sei ler nas linhas, o que constitui, aliás, uma das virtualidades dos comerciantes.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro deseja ainda usar da palavra?
O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - E para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faz favor.
O Sr. Ministro do Comércio e Turismo: - Em primeiro lugar, direi que o parágrafo que indiquei não é uma entrelinha, é uma linha muito clara que n Sr. Deputado não leu; se a tivesse lido chamava-lhe linha.
Risos do PS.
Em segundo lugar, queria referir que quando falei das pessoas da sua bancada não me estava a referir ao Sr. Deputado Pedro Feist, do qual também sei o conhecimento que tem da área dos comerciantes. Mas refiro-me a outras pessoas que conhecem profunda mente o sector do comércio e que sempre defenderam uma política de controle intervencionista que o Sr. Deputado vem atacar neste momento, neste hemiciclo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, cumpre-me informar que, como, aliás, é do vosso conhecimento, ficou agendada a sessão da Assembleia da República do próximo dia 24 a votação da moção de confiança apresentada pelo Governo.
Antes de encerrar a sessão tenho de anunciar os diplomas que deram entrada na Mesa e que foram admitidos. São os seguintes projectos de lei:
N.º 85/III, dos Srs. Deputados Raul de Castro e Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), sobre a revogação do artigo 1 º do Decreto-Lei n.º 313/80, de 19 de Agosto, que permite a venda, em propriedade plena, de terrenos da Administração; n.º 86/III, do Sr .Deputado Octávio Teixeira e outros (PCP), sobre a revogação das medidas governamentais tendentes ao desmantelamento da CTM - Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos, E. P., n.º 88/III, do Sr. Deputado Joaquim Rocha San tos e outros (CDS), sobre a elevação da vila de Matosinhos à categoria de cidade; n.º 89/III, do Sr. Deputado Adriano Moreira e outros (CDS), sobre a Universidade Internacional de Luís de Camões; n.º 90/III, do Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha e outros (MDP/CDE), que revoga o Decreto-Lei n.º 356/79, de 31 de Agosto, atentatório da legalidade administrativa e da garantia dos direitos dos cidadãos; n.º 91/III, do Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros (PCP), que revoga a Portaria n.º 494/83, de 30 de Abril, que estabelece o regime de mobilização de obrigações do tesouro de 1977, nacionalizações e expropriações para novos investimentos; n.º 92/III, do Sr. Deputado Octávio Teixeira e outros (PCP), que altera o Decreto-Lei n.º 117/83, de 25 de Fevereiro, que regulamenta a emissão de obrigações de caixa pela Sociedade de Investimentos; n.º 93/III, do Sr. Deputado Luís Barbosa e outros (CDS), sobre a Lei de Bases da Segurança Social; n.º 94/III, do Sr. Deputado Manuel Moreira e outros (PSD), sobre a criação da freguesia de Rio Mau no concelho de Penafiel; n.º 95/III, do Sr. Deputado Carlos Brito e outros (PCP), sobre a criação da licenciatura em Contabilidade; n.º 96/III, da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros (PCP), que garante a todas as crianças do ensino obrigatório o direito a um suplemento alimentar completo; n.º 97/III, do Sr. Deputado Carlos Brito e outros (PCP), sobre o direito de réplica política dos partidos da oposição na Televisão; n.º 98/III, da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros (PCP), sobre a defesa dos trabalhadores da função pública nomeados discricionariamente contra a transferência ou exoneração por mera conveniência de serviço; n. º 99/III, do Sr. Deputado António Mota e outros (PCP), sobre a criação da Escola de Pesca do Norte; n.º 100/III, da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros (PCP), sobre alterações ao Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Setembro, que aprova o Código de Processo de Trabalho; n.º 101/III, do Sr. Deputado Furtado Fernandes e outros (ASDI), sobre o regime especial dos discos, fonogramas e artigos desportivos; n.º 102/III, do Sr. Deputado Magalhães Mota e outros (ASDI), sobre a defesa do ambiente e a protecção da natureza e do património; n.º 103/III, do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e outros (ASDI), sobre a protecção dos consumidores de alimentos congelados; n.º 104/III, do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e outros (ASDI), sobre a data de validade dos géneros alimentícios pré-embalados; n.º 105/III, do Sr. Deputado Furtado Fernandes e outros (ASDI), sobre o balanço social; n.º 106/III, do Sr. Deputado Furtado Fernandes e outros (ASDI), sobre o equilíbrio orçamental e a clarificação política da votação do Orçamento; n.º 107/III, do Sr. Deputado Magalhães Mota e outros (ASDI), sobre o reforço das condições de independência da actividade dos jornalistas; n.º 108/III, do Sr. Deputado Furtado Fernandes e outros (ASDI), sobre isenções fiscais em próteses para deficientes; n.º 109/III, do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e outros (ASDI), sobre a isenção de taxas para deficientes auditivos; n.º 110/III, do Sr. Deputado Magalhães Mota e outros (ASDI), sobre a defesa dos Direitos do Homem perante a informática; n.º 111/III, do Sr. Deputado Furtado Fernandes e outros (ASDI), sobre o regime jurídico das empresas públicas; n.º 112/III, do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e outros
Página 168
168 I SÉRIE - NÚMERO 7
(ASDI), sobre a orgânica dos Registos e do Notariado; n.º 113/III, do Sr. Deputado Furtado Fernandes e outros (ASDI), sobre a defesa da concorrência; n.º 114/III, do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e outros (ASDI), sobre anulação de actos de apropriação de baldios; n.º 115/III, do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e outros (ASDI), sobre os limites máximos de indemnização fundada, em acidentes de viação, quando não haja culpa do responsável; n.º 116/III, do Sr. Deputado Furtado Fernandes e outros (ASDI), sobre' o regime jurídico dos avales do Estado; n.º 117/III, do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho e outros (ASDI), sobre o regime de utilidade pública das pessoas colectivas e religiosas.
A sessão de amanhã terá início as 10 horas da manhã para a continuação do debate do Programa do Governo.
Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas.
As Redactoras, 15abel Barros e Cacilda Nordeste.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Joaquim José Catanho de Menezes.
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
Fernando dos Reis Condesso.
João Maurício Fernandes Salgueiro.
Joaquim Santos Pereira Costa.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
José Batista Mestre Soeiro. Manuel Correia Lopes.
Centro Democrático Social (CDS):
António Maria Rodrigues.
José Luís Cruz Vilaça.
José Vieira de Carvalho.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Pedro José Del Negro Feist.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social Democrata Independente (ASDI):
José António Furtado Fernandes.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Bento Elísio de Azevedo.
Emanuel Vasconcelos jardim Fernandes.
Eurico José P. Carvalho Figueiredo.
Jorge Manuel Guimarães Quinta.
José de Almeida Valente.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Narciso Rodrigues Miranda.
José dos Reis Borges.
Maria de Jesus Barroso Soares.
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
António Roleira Marinho.
José Luís de Figueiredo Lopes.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Virgílio Higino Gonçalves Ferreira.
Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira. Raimundo do Céu Cabral.
PREÇO DESTE NÚMERO 84$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA