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I Série - Número 9

Sábado, 25 de Junho de 1983

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 24 DE JUNHO DE 1983

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes

José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Concluiu-se a discussão do Programa do IX Governo Constitucional, tendo usado da palavra, a diverso título. além do Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares), do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Mota Pinto) e dos Srs. Ministros da Educação (José Augusto Seabra), dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos) e do Trabalho (Amândio de Azevedo), os Srs. Deputados Espirito Santo (CDS), Lemos Damião (PSD),Jorge Lemos (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Igrejas Caeiro (PS), José Gama (CDS), Silva Graça (PCP), Almerindo Morgues (PS), César Oliveira (UEDS), Jerónimo de Sousa (PCP), João Amaral (PCP), Manuel Ramos (PS), Furtado Fernandes (ASDI), lida Figueiredo (PCP), Nuno Abecasis (CDS), Carlos Carvalhas (PCP), Veiga de Oliveira (PCP), Fernando Amaral (PSD), Manuel Alegre (PS), Morais Leitão (CDS), Angelo Correia (PSD), Corregedor da Fonseca (MUP/CDE), António Gonzalez (INDEP.), Carlos Brito (PCP) e Basílio Horta (CDS).
A intervenção final do Sr. Primeiro-Ministro foi precedida das dos Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), Lopes Cardoso (UEDS), Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Soares Cruz (CDS), Carlos Brito (PCP), Vítor Crespo (PSD) e Walter Rosa (PS).
A Assembleia aprovou depois o voto de confiança que o Governo solicitara.
Foi anunciada a apresentação das propostas de lei n.º 1/III e 2/III - tendo o Sr. Ministro de Estado e Ministros dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos) respondido a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados João Amaral (PCP) e Luís Beiroco (CDS)- e dos projectos de lei n.º 171/III a 177/III.
O Sr. Presidente, após indicar a próxima ordem de trabalhos, encerrou a sessão eram 21 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a sessão. No entanto, como não há quórum para a Assembleia funcionar suspendo-a por 10 minutos.

Eram 10 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum. Está reaberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Solteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
Avelino F. Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Alberto R. Santana Maia.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Emanuel Vasconcelos Jardim Fernandes.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá M. Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.

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Francisco Lima Monteiro.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo C. Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel A. F. Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Simões.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Narciso Rodrigues Miranda.
José dos Reis Borges.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Leonel Sousa Fadigas.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Meto Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Pessoa S. Loureiro.
Manuel Joaquim Rodrigues Masseno.
Manuel da Mate de Cáceres.
Manuel Sousa Ramos.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Ângela Duarte Correia.
Mário Augusto Sotto Mayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Raposo das Neves.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Afonso Sousa Freire Moura Guedes.
Agostinho Correia Branquinho.
Amândio S. C. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos. Cecília Pita Catarino.
César Augusto Vila Franca.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José da Costa.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Garcia dos Santos Marques de Freitas.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Domingos de Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João M. Ferreira Teixeira.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
Jorge Nélio P. Ferraz Mendonça.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Júlio da Cunha Antunes.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiros de Almeida.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Ferreira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Martins Adegas.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Raul Gomes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Victor Manuel Dias Pereira Gonçalves.
Victor Pereira Crespo.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Augusto Veiga de Oliveira.
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António Manuel dos Santos Murteira.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.

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Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Batista Mestre Soeiro.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida do C. Campos Costa.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete de Jesus Filipe.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
António J. Castro Bagão Félix.
António Maria Rodrigues.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Paulo das Neves Soudo.
Hernâni Torres Moutinho.
João António de Morais Silva Leitão.
João Carlos Dias M. C. de Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama. José Girão Pereira.
José Luís Cruz Vilaça.
José Luís Nogueira de Brito.
José Vieira de Carvalho.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Narana Sinai Coissoró.
Nuno Krus Abecasis.
Tomás Rebelo Espírito Santo.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
José António Furtado Fernandes.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Artur Augusto Sá da Costa.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Helena Cidade Moura.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar o debate sobre o Programa do Governo.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Espírito Santo.

O Sr. Espírito Santo (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Ao ser conhecida a estrutura do actual Governo, houve quem pensasse que se tratava & um governo sem qualquer política familiar.

Esta suposição foi confirmada com a apresentação do seu programa no qual não há qualquer referência a uma política familiar, com carácter global e integrado ou quaisquer medidas que se possam considerar como tal.

Poder-se-á argumentar que algumas medidas previstas têm incidência na vida familiar.

Permitam-me, no entanto, recordar que uma política familiar não é a soma de políticas sectoriais com repercussões nas famílias, como sejam as políticas de rendimentos, de fiscalidade, de urbanização, de habitação, de economia, de transportes, de saúde, etc.
Uma política familiar é a intersecção destas políticas sectoriais devendo ter como objectivo fundamental contribuir para a dignificação e estabilidade da família.
Ainda muito recentemente técnicos das Nações Unidas concluíram que o progresso sócio-económico deve ser concebido em função da célula familiar e não do indivíduo.
Mais concluíram que é essencial centrar na família toda a política coordenada do nível de vida, o que implica a adopção de uma política familiar, global e integrada, que tenha em conta não somente o homem ou a mulher, as crianças, os jovens ou os idosos, mas o agregado familiar como um todo.
Também, há pouco tempo, o Presidente da Confederação das Organizações Familiares da Comunidade Europeia, - firmou que, para a concretização de uma tal política, é importante que faça parte da estrutura dos governos um departamento da família a actuar como «consciência familiar do Governo» e como organismo de coordenação e de estímulo das várias políticas sectoriais com dimensão familiar.
Por isso mesmo, e considerando a experiência destes 3 últimos anos, a não inclusão de uma Secretaria de Estado da Família na estrutura do Governo e a ausência de uma verdadeira política familiar causaram, e continuam a causar, justificada perplexidade e até repúdio.
Na verdade, este facto constitui um nítido retrocesso não só em relação às aspirações das famílias e associações familiares portuguesas como também em relação a muito países do mundo, em particular da Europa, alguns dos quais possuem governos com grandes afinidades ideológicas com o actual Governo. Aponto como exemplo a França, a Suécia, a República Federal da Alemanha, a Áustria, e muitos outros.
É um retrocesso e também uma desilusão e decepção tanto mais que o programa apresentado denota um quase total desprezo pelo artigo 67 º da Constituição.
Nada aparece no programa que se possa considerar uma contribuição para a independência social e económica dos agregados familiares.
Nada se diz quanto aos impostos e benefícios so-

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ciais a estabelecer de harmonia com os encargos familiares.
Nada se diz, enfim, em termos de uma verdadeira política de protecção e de promoção da família.
Por isso a intervenção do CDS, nesta matéria, é uma forma de protesto e também a voz nesta Assembleia de muitas associações familiares envolvidas no mesmo combate.
Protesto contra a extinção da Secretaria de Estado da Família que tão positiva foi nós governos da AD.
Protesto contra a manifesta violação, por omissão, do artigo 67 º da Constituição praticada pelo programa do Governo.
E por último, protesto, contra reminiscências marxistas e a falta de modernidade que representa a não consideração da família como instituição fundamental e célula básica da sociedade.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação (José Augusto Seabra): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao apresentar à Assembleia da República, em nome do Governo, o programa da Educação, cujo ministério aceitei dirigir, nesta hora tão difícil de crise, por simples espirito de serviço, consciente do peso das responsabilidades que me recaem sobre os ombros, não quero deixar de saudar em vós os representantes eleitos do povo português, com a funda emoção de quem, nos tempos exaltantes da Assembleia Constituinte, nesta mesma tribuna, teve de erguer tantas vezes a voz em luta pela liberdade e pela democracia, recém-conquistadas mas já ameaçadas por novos totalitarismos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estar aqui agora, 8 anos volvidos, a falar como governante, por mandato emanado de uma larga maioria democrática, é para mim mais do que uma honra, um testemunho de confiança nos destinos do País.
Vejo enfim realizado um dos objectivos por que desde o 25 de Abril sempre politicamente me bati: o do diálogo e da cooperação entre os dois maiores partidos portugueses, partidos eminentemente democráticos, que nos seus caminhos convergentes, embora diferenciados, são os únicos capazes de assumir, historicamente, a missão de fazer de Portugal uma Pátria livre, criando as condições para uma nova renascença, que nos restitua a esperança perdida, para lá de todas as decadências.

Aplausos do PS e do PSD.

Não tinha o direito, na verdade, de eximir-me ao cumprimento . de um dever patriótico, que o Sr. Primeiro-Ministro aqui tão bem enunciou, ao apelar para o «civismo dos homens de Cultura» , afirmando com lucidez que « a inteligência portuguesa não pode alhear-se do combate urgente à crise», sob pena de sucumbir ao derrotismo e ao cepticismo com que tantos deleteriamente se deitam, e nos querem deitar, a perder.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Por isso, fiel aos ideais da social-democracia, que sempre me nortearam, eis-me de novo ao lado do partido que em Portugal encarna, ao lado de tantos companheiros e amigos, como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, a cuja personalidade de democrata indefectível, de homem político e de homem de Estado competente e corajoso, quero prestar pública homenagem.

Aplausos do PS e do PSD.

Foi animado pelo seu exemplo de empenhamento, de determinação e de coerência que respondi à chamada vencendo íntimas resistências não para ocupar qualquer poder, que me não seduz nem inebria, mas para cumprir uma missão precisa, que talvez muitos mais tarde compreendam, fazendo justiça ao Governo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: como dizia Leonardo Coimbra, que enquanto pedagogo e antigo Ministro de Instrução da República, será para mim fonte de inspiração, neste seu centenário, a Educação há-de ser «mais voltada para o futuro do que para o passado ou presente».

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas, do mesmo passo, questionava ele: «quer isto dizer que a educação se perca num futurismo de simples forma?». «Não - respondia de imediato -, ela terá de ser (...] o principal elemento da própria continuidade histórica da Cultura.» Por outras palavras, parafraseando um poeta que me é sobremodo caro, Fernando Pessoa: a educação será o nosso «futuro do passado», ou não será.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esquece-se frequentemente, entre nós, esse horizonte da política educativa, que Ortega y Gasset lapidarmente delineou, ao propor como seu escopo fundamental o de «construir um sistema educativo para as próximas gerações».
É essa a primeira regra de ouro que anima a filosofia do programa de educação do Governo, que, na sua concisão e sobriedade voluntárias, pretende ser mais do que um catálogo de promessas e boas intenções. Voltada antes de mais para a Juventude, para as gerações emergentes, a Educação visará nessa óptica transmitir-lhes os «valores civilizacionais que nos definem como povo e constituem a nossa identidade nacional», formando entes de . mais a «personalidade de cada cidadão, na pluralidade das suas convicções, crenças e maneiras de ser», dentro de uma democracia moderna e de um pais renovado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não é despiciendo, julgo, enunciar in limine esta filosofia educativa e política, que caracterizarei essencialmente como personalista, no sentido que Emmanuel Monnier explicitou, isto é, não numa acepção individualista mas social e comunitária.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Desde a comunidade familiar à comunidade racional, desde as comunidades regionais às comunidade da Dióspora migratória, numa «irradiação universalista», o homem português há-de ser educado

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na fidelidade às suas raízes e na abertura a todas as experiências da sua errância pelo largo mundo.
Importa entretanto ter pragmaticamente presente, como se vinca no Programa do Governo, que «a Educação, na actual crise económica, social e moral, constitui um factor decisivo para a reconstrução do País», e que implica «adaptá-la com realismo às nossas circunstâncias concretas», tornando-a por isso mesmo também «um factor de desenvolvimento, progresso e equilíbrio», numa situação aguda de depressão, que os últimos acontecimentos evidenciam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E, assim, a prioridade das prioridades, que o Governo se propõe alcançar, num país como o nosso, onde nos últimos anos se operou uma democratização algo massificante e atribiliária, que levou à desregulação do sistema do Ensino, apesar de algumas experiências positivas, será a de institucionalizar as vias profissionalizantes e profissional, através de um «plano de emergência para a reorganização do ensino técnico», como meio de adequar a educação a um contexto económico, social e cultural que vai ser o dos jovens das mais próximas gerações, hoje angustiadas com a falta de emprego ou, mais ainda, com a não preparação para ele, quando apesar de tudo existe.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI

Como haveremos nós de fazer face, neste contexto, à necessidade de modernizar as estruturas produtivas, de adaptá-las ao desafio da CEE, trabalhando mais e melhor, se em vez de formar homens de ofício - que podem ser ao mesmo tempo homens de arte - continuarmos a alimentar as ilusões de um falso igualitarismo, sacrificando no altar das ideologias visionárias precisamente os filhos das classes mais desfavorecidas, que ficam muitas vezes pelo caminho, sem diploma nem profissão?

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Não se trata de pôr de modo nenhum em causa o direito a uma formação geral comum, que o «ensino unificado» consagrou, mas de introduzir pouco a pouco, primeiro, uma iniciação às ferramentas técnicas, ao lado das ferramentas intelectuais, umas e outras inerentes a uma educação harmoniosa, e depois uma formação profissional efectiva, sem prejuízo de uma igualdade de oportunidades no acesso ao ensino superior, dando toda a devida importância ao ensino superior politécnico, ao lado do universitário propriamente dito. A permeabilidade de vias, numa sociedade em mutação, em que a mobilidade é decisiva, será uma forma de assegurar a democraticidade e a justiça social no ensino. A atenção a prestar aos estudantes-trabalhadores, facilitando-lhes a frequência dos estabelecimentos, bem como lançamento da Universidade Aberta, alargarão a formação superior a um público mais largo, afastado dos grandes centros universitários, sem esquecer a educação permanente e recorrente. Buscar-se-á, em suma, eliminar as barreiras elitistas entre o pensamento e a acção, a teoria e a prática, o saber e o fazer, que caracterizavam no passado uma sociedade estratificada e antidemocrática.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Mas os problemas da juventude não se limitam L' área da Educação, embora seja esta a que ocupa um maior número de jovens, situando-se na intersecção de diferentes sectores. Nessa medida, o Governo criará uma Comissão Interministerial para a juventude, em que participarão representantes de diversos ministérios com competência específica para se ocuparem do emprego, da habitação, da qualidade de vida, do serviço militar e de tantos outros aspectos que se disseminam por um sem-número de departamentos ministeriais.
Será sempre assegurada a representação dos jovens nas estruturas a criar, bem como a sua participação na gestão democrática das Escolas, pelas formas mais convenientes e eficazes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A acção das Associações de Estudantes será nessa perspectiva incentivada, dentro do respeito da sua liberdade e do pluralismo.
Mas se -áo os jovens que, desde a infância à idade madura, constituem o objectivo essencial de uma educação voltada para o futuro, não se pode esquecer a população adulta, incluindo a terceira idade, que exige a mobilização das nossas energias num esforço para eliminar o analfabetismo e para criar outros tipos de ensino formal e não formal.

Aplausos do PS e do PSD.

Elevar a cultura de cada português à altura de uma civilização tão rica e diversificada antropologicamente como a nossa, nas suas expressões populares e eruditas, será um dos fins últimos de uma política educativa que seja coordenada com uma política cultural, o que, se traduzirá numa colaboração estreita entre os 2 ministérios respectivos e ainda, com a Secretaria de Estado da Emigração e das Comunidades Portuguesas, no que ao ensino da nossa língua no estrangeiro respeita.

Vozes do P5(r): - Muito bem!

O Orador: - Mas a Educação passa antes de mais, como não podia deixar de ser pelos seus principais obreiros, os professores, que são sem dúvida, há que dizê-lo bem alto, os cidadãos que exercem a mais digna e nobre das funções sociais:

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI .

... a de fazer das nossas crianças, dos nossos jovens, os homens e cidadãos do futuro.
Empenhar-me-ei, com toda a devoção e sensibilidade, porque sou filho de professores, na sua dignificação, dando-lhes, desde os educadores de infância aos professores de ensino primário, preparatório e secundário, o Estatuto que merecem, à semelhança dos docentes do Ensino Superior, tendo sempre em conta a defesa dos seus direitos profissionais bem como da sua valorização social, de modo a que voltem a gozar do prestígio a que têm jus, numa sociedade democrática que ajudaram a construir.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

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A formação pedagógica, tendo em vista a elevação dos níveis de exigência qualitativa do sistema do Ensino, em todos os graus, incluindo a educação especial, será uma das preocupações permanentes da equipa ministerial que dirijo. Por isso procuraremos levar por diante o projecto das Escolas Superiores de Educação, embora com prudência e solidez, o que já nos fez deslocar a Viseu - símbolo da interioridade - para visitar a primeira dentre elas, pois a experiência é demasiado importante para ser deixada à improvisação,
tratando-se como se trata de formar pedagogos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Essa é pouco escandalosa!

O Orador: - A implementação dos mestrados em Educação será outro objectivo complementar, até para que essas Escolas tenham dignidade científica requerida por um corpo docente válido.
Um ensino que mereça verdadeiramente o qualificativo de superior não pode de resto ter validade sem que a investigação científica nele desempenhe um
papel primacial.
A promoção dessa investigação no âmbito das Universidades, pela integração nestas dos Centros do INIC, como está previsto, mas também em articulação com
os sectores mais dinâmicos da vida económica, social e cultural, será uma das nossas preocupações dominantes.
A ligação do Ensino e da Investigação a uma estratégia de planeamento e desenvolvimento nacional e regional será de resto, na visão que enforma o programa do Governo, a chave de toda a acção a desenvolver neste campo. Assim, para além da revitalização do Gabinete de Estudos e de Planeamento, temos a
intenção de criar Centros Regionais com a tripla função de planificação, orientação escolar e profissional, e formação propriamente dita, de modo a levar por diante a grande tarefa de desconcentração e de descentralização de Ministério. Essa será a condição necessária para que este deixe de ser, na expressão da OCDE um «departamento gigantesco cujo aparelho é, na opinião geral, demasiado pesado». Racionalizá-lo-emos e modernizá-lo-emos, até para não ficarmos prisioneiros dele, por detrás das muralhas de um castelo kafkaiano.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Já António Sérgio se queixava, quando pelo Ministério fugazmente passou, de que «sobem à decisão do ministro as questiúnculas mais pequenas, com perda de tempo considerabilíssima e prejuízo muito grave para a continuidade da execução da lei». Que diria António Sérgio se fosse ainda hoje Ministro da Educação?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Com este governo não era!
O Orador: - Mas, na óptica do Governo, o sistema educativo não se limita ao aparelho do Estado ou da Administração Central, até porque, além do
ensino público, o ensino particular e cooperativo têm
um papel essencial a desempenhar. Batemo-nos intransigentemente na Assembleia Constituinte pela liberdade do ensino. Há que proporcionar agora, no acesso a esses tipos de estabelecimento, uma justa igualdade de oportunidades, a todos os níveis. Nisso nos empenharemos, com um respeito rigoroso pelo ensino livre.
Temos de ganhar consciência de que, como dizia Leonardo Coimbra, sob cuja égide terminarei, como comecei, a educação «não pode fazer-se por um simples ministério», pois é «uma obra de conjunto em que todos terão de intervir». Nessa medida, considera o Governo que é urgente promover um grande debate público sobre as questões fulcrais do Ensino, em que terá um papel de relevo o «Conselho Nacional da Educação», a integrar por representantes dos pais, dos alunos, dos professores, e das forças sociais, bem como par personalidades de reconhecida autoridade espiritual, moral, cultural e cívica, e o qual se pronunciará sobre as reformas de fundo a introduzir no nosso sistema educativo.

Foi pois propositadamente que, no programa do Governo, se deixou para último lugar - last but not the Ieast ...

Risos do PCP.

... a questão da apresentação à Assembleia da República de uma Lei de Bases.

Se quiserem alguma lição de inglês, faz favor!

Vozes do PCP: - É só para o traduzir!

O Orador: - Se quiserem eu traduzo. Mas não estamos aqui no domínio da alfabetização em inglês.

Aplausos do PSD.

O Orador: - Dizia eu que foi, pois, propositadamente que, no programa do Governo, se deixou para último lugar - last but not the least ...

Risos do PCP.

... a questão da apresentação à Assembleia da República, de uma Lei de Bases do Sistema de Ensino, matéria da sua exclusiva competência, que tem sido nos últimos anos um polémico cavalo de batalha. Na nossa opinião, ela deve ser o fecho da abóbada de uma política educativa de grande consenso nacional - digo bem, de grande consenso nacional - que nesse horizonte se deve desenvolver, mas que dela não pode ficar eternamente à espera.

Com o contributo dos diferentes projectos apresentados nesta Assembleia, e de outros provindos de cidadãos altamente qualificados - entre os quais quero salientar, como é de justiça, o que consta das «Bases da Política Democrática de Educação de Cultura», da autoria dessa figura ímpar que é o Professor Vitorino Magalhães Godinho.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Poderá enfim resultar uma lei de que esta Assembleia seja digna, pois é a ela que cabe, nesta legislatura, dotar o País de um diploma que pela sua largueza de princípios, e de valores, o seu rigor jurídico e o

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seu pragmatismo político, fique a constituir um marco histórico do nosso Parlamento.
Que maior honra para todos vós, para todos nós, cidadãos e representantes do povo!

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Podem contar, Srs. Deputados, com o Ministro da Educação, com os Secretários de Estado e com todos os colaboradores do Ministério que dirijo, para lançarmos mãos à obra. A partir daqui, é preciso trabalhar mais e falar menos, para reconstruirmos Portugal

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha bancada congratula-se por ver à frente do Ministério da Educação o homem com a estatura moral, o democrata com gabarito, que é o Professor José Augusto Seabra. Por isso mesmo não nos podíamos calar e neste pormenor queria dizer ao Sr. Ministro que o seu discurso foi uma autêntica maravilha ...

Risos do PCP .

... reconhecemo-lo ...

Risos do PCP.

Cada um aprecia o que gosta, Srs. Deputados!

Risos do PCP.

Agradecemo-lo, foi uma autêntica lição, muito, embora haja nesta Casa quem pense que sabe tudo, não sabendo nada, não querendo aprender nada!
Mas isso, o problema é de cada um.
No entanto, Sr. Ministro, queria lembrar-lhe, neste momento, Rousseau que dizia que em educação a melhor maneira de ganhar tempo era perdê-lo. Por isso mesmo, queria sugerir a V. Ex.ª que deixasse de ser, por alguns tempos, Ministro da Educação e fosse o ministro clínico, no sentido etimológico de visitar o doente - V. Ex.ª já começou em Viseu na Escola Superior de Educação-, indo visitar as nossas escolas. A escola portuguesa está doente, a educação em Portugal está muito doente e, por isso, pedimos que V. Ex.ª deixe por algum tempo o Ministério e vá in loco ver o problema das escolas. Sei que é essa a sua intenção, no entanto, entendemos que é preciso que uma vez por todas os professores deixem de ser robots, que os alunos deixem de ser cobaias e que os pais não continuem à espera, em plena expectativa, daquilo que poderá vir. Temos a certeza que V. Ex.ª vai planificar, vai desenvolver, vai pôr em prática uma política de educação. E de que assim estamos certos, com esta congratulação, escuso de fazer-lhe perguntas pois sei qual é a linha de pensamento de V. Ex.ª

Aplausos do PSD.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Já sabe a resposta!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro da Educação, Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Ministro inflamou-se ao fazer este discurso e, creio, fê-lo para repetir o conjunto de intenções que constam do seu programa sem qualquer faseamento concreto e sem qualquer definição de prioridades. Daí as perguntas que aqui vou fazer, que já foram colocadas por outros deputados da minha bancada e que têm a ver com questões muito concretas do seu ministério, para as quais não encontrei resposta no Programa do Governo.
O que pensa fazer para assegurar em condições a abertura do próximo ano lectivo? Tem previsto qualquer plano prioritário para esse sector? o Programa nada diz!
O Sr. Ministro falou em vias profissionais, vias profissionalizantes, reorganização do ensino técnico. A partir de quando?
Tenciona o Sr. Ministro instituir o ensino técnico, como no antigamente, a partir do fim do ciclo preparatório? Ou será no fim da escolaridade obrigatória? Já foi perguntado e ainda não foi respondido.
Quanto a cantinas e bolsas de estudo. Que política vai ter o Governo neste sector? Nem uma linha no Programa do Governo.
E o 12 º ano? Tenciona o Governo alterar o que se está a passar com o 12 º ano? Vai dar resposta aos jovens? Concretamente, o que vai fazer em relação ao 12 º ano?
E quanto à efectivação da escolaridade obrigatória? Estamos de acordo com o que está escrito no Programa, mas no concreto que medidas de emergência estão previstas para assegurar a todos os cidadãos, a todas as crianças deste país, o efectivo cumprimento da escolaridade obrigatória?
Como disse, e bem, Sr. Ministro, é preciso mais trabalho e menos palavras. Vamos ver no concreto o que o Governo tem a dizer.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à lei do ensino especial, vai ou não aplicar a lei? Fala-se vagamente no ensino especial mas há uma lei. Vai regulamentá-la? Vai aplicá-la? Não consta nada do Programa!
Fala o Sr. Ministro de estruturas e carreiras profissionais. Pergunto: assegura este Governo o princípio da negociação com os sindicatos da função pública e com os sindicatos dos professores? Ou vai proceder à reestruturação das carreiras sozinho, no seu gabinete, como tem sido apanágio dos seus predecessores da mesma área política?
Falou o Sr. Ministro do Conselho Nacional de Educação. Uma pergunta muito concreta: existe um Conselho Nacional de Educação criado pelo Sr. Ministro Vítor Crespo, tenciona revogar o diploma que o instituiu ou vai aproveitar-se desse mesmo diploma? E que, se vai aproveitá-lo, é preciso que seja dito que o modo de nomeação das pessoas que integram esse mesmo Conselho é, a todos os títulos, antidemocrático.

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Era bom que fosse dito como vão ser nomeadas as pessoas e as estruturas que vão integrar esse futuro Conselho Nacional de Educação.
O tempo é pouco, aqui ficam as perguntas concretas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sn a Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Ministro, o meu partido está sem tempo, o que lamento. Em todo o caso, significativamente, fizemos entrega nesta Assembleia da República, ontem mesmo, da terceira versão do nosso projecto de lei de bases do sistema educativo, tantas vezes como o Crime do Padre Amaro.

Esperamos, realmente, não ser obrigados a fazer uma quarta versão. Esta inclui uma reflexão de 1 ano de trabalho, um grande esforço de muitos professores, a nível nacional, e seria bom, de facto - estou de acordo consigo -, que desta Assembleia, saísse uma lei de bases do sistema educativo. Neste ponto, o Sr. Ministro poderá contar com a nossa colaboração democrática.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da (Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito sinteticamente, vou adoptar o estilo do Ministro Hernâni Lopes, que também tem um plano de emergência. Direi muito claramente, Sr. Deputado Jorge Lemos, que já começámos a trabalhar tendo em vista o próximo ano.
Quanto às vias profissionalizante e profissional, se serão no preparatório ou no pós-escolaridade obrigatória, também está perfeitamente claro naquilo que eu disse: que, efectivamente, é primeiro em termos de iniciação às ferramentas técnicas e depois de iniciação a uma profissão, progressivamente ao longo dos diversos níveis, que se fará a reorganização do ensino técnico.

Por outro lado, também relativamente ao 12 º ano, no que diz respeito a outras questões concretas ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: = Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP) : - Creio que ouviu a minha pergunta, Sr. Ministro. Não estava no conteúdo da parte técnica, estava no faseamento.

O Orador: - A partir de quando?

Está perfeitamente claro que no ensino unificado se tentará, sem o pôr em causa ... ? preciso saber ler, Sr. Deputado!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ou saber escrever! ...

O Orador: - Ou saber ouvir!

Vozes do -PSD: - Muito bem!

O Orador: - Está perfeitamente claro que no ensino unificado se introduzirão elementos de iniciação a uma utensilagem técnica ao lado da utensilagem mental e que depois, na parte terminal do ensino secundário, se fará um ensino profissional.

Se pus via profissionalizante e profissional, é porque as palavras têm, nos seus sufixos, um sentido preciso. A morfologia e a semântica devem ser compreendidas, penso eu, por qualquer cidadão.

Aplausos do PS e do PSD.

Por outro lado, queria dizer que no que respeita a todas as questões que colocou, estamos a trabalhar e não me venha pedir, Sr. Deputado, que eu esteja aqui a catalogar, em termos de lista, aquilo que vamos fazer, porque - como disse o Ministro Hernâni Lopes, repito- a política do Governo, na prática, não será a de anunciar medidas, será a de fazer uma política através das medidas tomadas e só depois anunciadas.

Aplausos do PS e do PSD.

Finalmente, queria salientar que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura deu aqui um exemplo de civismo, porque o que é certo é que, contrariamente aos que lhe são próximos na bancada, ao apresentar um novo projecto de lei de bases, mostrou que estava a trabalhar construtivamente e eu aprecio aqueles que não criticam e demolem, mas que são construtivos.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: «O PSD é uma formação política sobre a qual se tem vindo a acumular um pesadíssimo rol de incompetências e atropelos na área da comunicação social.»

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - Com estas palavras qualificava nesta Assembleia da República, em 4 de Novembro do ano passado, o então deputado do Partido Socialista Jaime Gama (hoje promovido a Ministro dos Negócios Estrangeiros) o escândalo público que envolveu o Governo do PSD e do CDS na tentativa de extinção da ANOP.
Tais declarações levariam a pensar que, logo que chegasse à área do Poder, o PS daria prioridade à correcção das situações de ilegalidade e atropelo, e poria fim à incompetência do PSD e dos seus apaniguados à frente da comunicação social do Estado.
Mas sobre isso nada nos diz o Programa do Governo. Ao contrário da correcção de situações de incompetência, de atropelo e de manipulação, o PS levou consigo para o Governo o partido mais responsável pela existência de tais situações, o maior responsável pela política dos ,Governos da AD.
No Programa do Governo, para além de um enunciado de intenções (aliás já muitas delas constantes de anteriores programas de governo), para além de

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afirmações tendentes a considerar, também nó capítulo da comunicação social, como inimigos do interesse nacional aqueles que não estiverem ao lado do Governo do PS/PSD, misturado com certas incorrecções quanto à competência legislativa dos diversos Órgãos de Soberania, para além de tudo isto, não há uma única referência à necessidade de rectificar os desmandos praticados pelos Governos do PSD e do CDS ao longo de três anos de governação.
Como o Programa é omisso, vamos às questões:
Em primeiro lugar a RTP - o Governo tem de dizer com clareza o que pensa sob pena de, pelo silêncio, estar a dar cobertura a todo o rol de ilegalidades, de abusos, de compadrio, de corrupção e de manipulação que foram e têm sido palmarés da RTP sob a gerência de Proença de Carvalho e Macedo e Cunha. O recente escândalo relativo à transmissão de um programa sobre a África do Sul, as cedências às pressões estrangeiras dos representantes do regime do apartheid, os inquéritos já anunciados a profissionais da RTP, que participaram nesse programa, são a pequena imagem do muito que haveria para corrigir. Em que ficamos? Vai o Governo tomar medidas? Quais e quando?
Em segundo lugar a ANOP- Até hoje, os representantes do PS, quer na Assembleia da República, quer no Conselho de Informação competente, sempre se têm manifestado favoráveis ao desenvolvimento e expansão da agência, com a concessão das verbas necessárias para o seu integral funcionamento. Também aqui o programa é omisso, fala-se em reexame. Daí a primeira pergunta, que é urgente: Para quando a dotação da ANOP com o orçamento de exploração para 1983, que ilegalmente lhe foi negado pelo Governo do PSD/CDS?
Segunda pergunta: Tenciona o Governo dar cumprimento a uma directiva do Conselho de Informação tendente a celebrar com a ANOP um acordo de saneamento económico-financeiro?
O Governo da responsabilidade do Partido Socialista; partido que quando na oposição considerou a tentativa de extinção da ANOP e a criação da NP como um enorme escândalo, como uma fraude, que apoiou iniciativas, de outros partidos da oposição, tendentes a responsabilizar criminalmente o membro do Governo responsável por tal operação, não pode deixar de responder com clareza. Trata-se de saber se o escândalo apenas o foi enquanto o PS era oposição e se, hoje no Governo acompanhado pelo PSD, o escândalo já não existe?
E preciso responder com clareza, Srs. Ministros!
Sr. Presidente: quero aproveitar esta oportunidade para, em nome do meu grupo parlamentar, manifestar pública homenagem aos trabalhadores da ANOP que, ao longo de quase um ano, souberam defender com abnegação a sua empresa e os seus postos de trabalho, e dar-lhes a garantia que, hoje como ontem, estaremos ao seu lado, na justa luta em defesa dos postos de trabalho e da liberdade de informação.

Aplausos do PCP e do Sr. Deputado Igrejas Caeiro (PS).

Em terceiro lugar a Radiodifusão - Entende o Governo excluir os partidos de oposição da elaboração da lei para o sector ao falar de «publicação da lei da Radiodifusão» e não de apresentação de uma proposta de lei à Assembleia da República sobre tal matéria? Desconhecerá o Governo, pelo menos o Programa dá a entender, que a Constituição reserva tal competência para a Assembleia da República ou, também neste caso vamos ser brindados com uma autorização legislativa?
E por que são tão opacos, Srs. Membros do Governo, os planos governamentais em matéria de distribuição de frequências de radiodifusão? Pode o Governo dizer qualquer coisa sobre esta matéria? Idêntica interrogação se poderia colocar quanto ao futuro Conselho da Comunicação Social. Pode ser que o ministro responsável pelo sector seja capaz de explicar melhor que o Sr. Primeiro-Ministro, a 'opinião do Governo sobre a matéria, designadamente onde acaba a competência exclusiva da Assembleia da República. Vai ser também por autorização legislativa? E porque foi omitida qualquer referência ao direito de réplica política dos partidos da oposição?
Em quarto lugar os jornais- Tenciona o Governo tomar medidas e quando, para pôr fim ao exercício ilegal de funções de director do jornal de Notícias pelo Sr. Freitas Cruz? E quanto a outros jornais do sector público, denunciados pelo PS como sujeitos ao controle do PSD e do CDS, irão ser tomadas medidas? Quando? Será que, por exemplo, o director do Diário Popular já não é o mesmo que o PS aqui denunciou como responsável por práticas censórias no jornal? Ao qual, inclusivamente, queria instaurar um inquérito parlamentar? Finalmente, já que o meu grupo parlamentar dispõe de pouco tempo, uma referência aos profissionais da comunicação social. Que medidas estão previstas no concreto para impedir que se perpetuem situações de desrespeito pelas autoridades, particularmente dos direitos dos jornalistas? E quanto à revisão do contrato colectivo de trabalho dos jornalistas? Tenciona o Governo tomar medidas, designadamente através das administrações dos órgãos de comunicação social do sector público, que permitam o desbloqueamento do impasse a que chegaram as negociações?
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não é casual, por certo, a falta de referências à rectificação da política da AD que se denota no Programa deste Governo. Não se trata por certo de um mero esquecimento. Desenganem-se, porém, aqueles que acreditam ou que pensam ou que pretendem manter em funcionamento, agora com novos donos, a máquina de propaganda montada pelos governos do PSD e do CDS. Neste, como noutros domínios, não deixaremos de denunciar as ilegalidades e estaremos aqui e lá fora para que a legalidade democrática seja respeitada!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Deputado, peço desculpa de não poder responder a todas as suas perguntas porque não tenho tempo. O Governo dispõe de pouco tempo, pelo que não posso responder como desejava a todas as suas perguntas.
Em segundo lugar, quero dizer-lhe que quando pergunta porque se silenciou o Governo sobre isto

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ou aquilo - a nossa concepção de um programa de governo, tal como a Constituição o define, é a de que este só tem de conter as principais orientações e medidas, não tem de ser uma lista telefónica.

Queria ainda dizer que o Sr. Deputado se sobre valoriza, ou diminui os outros, quando pensa que, ao fim de 10 dias, é possível ter ideias claras sobre
todos os dossiers e sobre tudo o que se vai fazer num mandato de 4 anos.

Em concreto, responder-lhe-ia a uma pergunta porque tem a ver com esta Assembleia. Em relação à Lei da Radiodifusão vamos efectivamente pedir uma autorização legislativa, ouvindo os interessados. Penso que ao fim de 7 anos esta Assembleia não tem o direito de nos pedir que a não façamos com base numa autorização legislativa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): -O Sr. Ministro não desconhece que há projectos de lei apresentados por partidos da oposição sobre a matéria ...?

O Orador: - Não, não desconheço. Eu próprio sou autor de um deles. De qualquer modo esses projectos de lei não foram conhecidos, discutidos e votados nesta Assembleia.

Continuamos sem Lei da Rádio, mas não continuaremos mais de mês e meio a dois meses, Sr. Deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Pedia aos líderes dos grupos parlamentares o favor de comparecerem no meu gabinete a fim de reunirmos.

Entretanto, solicitava ao Sr. Vice-Presidente Basílio Horta o favor de me substituir na Presidência.

Neste momento, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Basílio Horta.

O Sr. Presidente: - Para solicitar esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Lemos, tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O ]Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo algumas preocupações das muitas que foram postas pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, sendo também a minha grande preocupação o destino e o futuro da ANOP, gostaria de lhe perguntar o que significa a sua expressão final «lutaremos aqui e lá fora».

Entretanto, queria também aproveitar este momento para dizer ao nosso ministro, que de algum modo lançou um repto a esta Assembleia por carência de leis da Rádio e de estatuto da Radiodifusão, que a bancada do Partido Socialista, em tempo oportuno, fez aqui aprovar 2 diplomas. Um foi considerado inconstitucional por não ter sido consultada uma região autónoma e o outro teve o veto do Sr. Presidente da República.

Logo, esta Assembleia legislou nesse sentido; só não teve continuidade a lei que aqui foi aprovada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos para responder, se o desejar.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, uso da palavra apenas para dizer ao Sr. Deputado Igrejas Caeiro que terei todo o gosto em lhe responder se o puder fazer no tempo do seu partido, dado que eu já não disponho.

Vozes do PS: - Responde lá fora!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O CDS, em política de emigração, fará do ensino e da difusão da língua e da cultura portuguesas a sua principal preocupação.
Consciente, todavia, dos magros recursos habitualmente atribuídos à Secretaria de Estado da Emigração, o CDS irá estar atento a uma rigorosa hierarquização das suas prioridades, não permitindo ainda que a atribuição de subsídios seja ditada pela cor das camisolas ou condicionada pelos favores da amizade.
O CDS, que é o segundo maior partido na emigração, não consentirá que continuem ameaçadas as facilidades que permitem o ingresso dos emigrantes no ensino superior. No ano corrente ingressaram nas universidades 270 alunos entre 15 000.
O CDS irá apresentar um projecto de lei que modifique a Lei Eleitoral pois é necessário acabar com o escândalo público que leva a que a eleição de cada deputado pela emigração custe ao erário público cerca de 10 000 contos contra cerca de 90 contos, que é a média que custa a eleição de cada deputado desta Câmara.
Continuará connosco a mágoa antiga de ver o Partido Socialista entrincheirado nesta luta obstinada de continuar a proibir os emigrantes de votarem nas eleições presidenciais, à revelia do que acontece, por exemplo, em França e nos outros países ocidentais onde este processo se faz por sufrágio directo e universal.
Como posição de princípio, em suma, o CDS, sempre que estiver em causa o superior interesse dos emigrantes, será mais pelo somar do que pelo dividir de esforços, será mais pelo pousar do que pelo esgrimir de armas, não querendo com isto significar qualquer complexo de seguidismo ou decolagem em relação ao Governo, mas tão-só e apenas porque esta Nação peregrina em terra alheia, como lhe chamou o Prof. Adriano Moreira, é por excelência a terra lavrada do consenso e não o campo estéril da desunião.
Se há um domínio onde, com propriedade, podemos dizer que é mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa esse domínio dá pelo nome de emigração. É que nós somos muitos para acudirmos a tão poucos!

Tão poucos não! São quase 4 milhões!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Igualmente para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Graça.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Administração Interna que não está presente, mas está o Sr. Primeiro-Ministro, ao qual peço atenção às questões que irei colocar ao Governo em matéria de Poder Local.

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Aguardei pacientemente, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, uma intervenção deste Governo em matéria tão importante para a consolidação e aprofundamento da democracia no nosso país, que é o Poder Local que temos.
Começaria a minha intervenção, Sr. Primeiro-Ministro, por ler um manuscrito que tenho, escrito a 7 de Fevereiro de 1983, e que diz o seguinte:

Mais uma vez o Governo AD deixou de aplicar integralmente a Lei das Finanças Locais e desde a data da sua promulgação este é mesmo o ano em que se verifica a taxa mais baixa de cumprimento dessa lei.
Continua mais adiante o mesmo manuscrito - provavelmente o Sr. Primeiro-Ministro conhecerá a letra -, que depois foi convertido em moção, aprovada na primeira autarquia deste país, que é a Câmara Municipal de Lisboa:

A Câmara Municipal de Lisboa, reunida a 7 de Fevereiro de 1983, protesta da forma mais veemente contra o não cumprimento da Lei das Finanças Locais e contra o facto de mais uma vez o Orçamento Geral do Estado para 1983 ter fixado, por proposta do Governo, uma transferência de verbas para despesas de capital das autarquias que não atinge 50 % do valor devido e que as lesa, em conjunto, em cerca de 52 milhões de contos.
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, este manuscrito foi escrito não por mim nem por nenhum camarada meu mas sim pelo Sr. Engenheiro Eduardo Pereira, actualmente Ministro da Administração Interna.
A esta moção a APU, pela minha voz, propôs uma adenda que foi acolhida pelo Partido Socialista. E tão-só pelo Partido Socialista; o PSD e o CDS não a acolheram.
Essa adenda, que foi aprovada, dizia o seguinte:

Mais exige que a Lei das Finanças seja integralmente aplicada pelo governo que sair das próximas eleições legislativas de 25 de Abril de 1983.

Continuo a citar responsáveis do seu partido, Sr. Primeiro-Ministro. A Dr.º Helena Torres Marques, do mesmo ministério, actual Secretária de Estado da Administração Autárquica, disse, a 17 de Março de 1983, em debate televisivo, que o Partido Socialista, se viesse a ser o partido mais votado e constituísse governo, cumpriria integralmente esta Lei das Finanças Locais. Disse-o num debate de que todos estão recordados, nos écrans da Televisão, perante milhões e milhões de pessoas.
Mas a mesma Dr.ª Helena Torres Marques disse em 1982, num artigo que escreveu na revista Cadernos Municipais - n.º 16 e 17, p. 33 - o seguinte:

O Conselho da Europa, num relatório apresentado em Novembro de 1981 relativo à reforma das colectividades locais, referia o seguinte sobre o sistema de finanças locais no nosso país: Portugal escolheu de maneira muito clara - uma escolha corajosa e inovadora- a via da total
autonomia fiscal e financeira..

E continua a Secretária de Estado da Administração Autárquica:

Será que quando fazemos algo que a Europa aprecia e louva nos arrependemos e queremos voltar à mediocridade de que nos julgávamos libertos?

Sr. Primeiro-Ministro, é importante neste momento recordar estas citações, estas tomadas de posição em órgãos autárquicos tão importantes, como a Câmara Municipal de Lisboa, através de responsáveis também muito importantes do seu partido a ponto de integrarem o Governo.
Que vemos nós neste momento, Sr. Primeiro-Ministro? o Governo não fez até à data nenhuma intervenção relativa à questão tão candente que é o Poder Local que temos.

Mas mais, Sr. Primeiro-Ministro, o Governo apresenta no seu Programa, por outras palavras e redigido doutra maneira por alguém muito hábil que sabe modificar as formas mas manter os conteúdos, exactamente o mesmo que se' apresentava no Programa anterior.
b Sr. Primeiro-Ministro, a revisão da Lei n.º 79/77 já a AD a tinha prometido! Nem sequer agora falta a Associação Nacional de Municípios com a subtileza, neste momento, de ser necessária para promover as relações internacionais!
Sr. Primeiro-Ministro, as autarquias deste país são suficientemente autónomas para terem relações internacionais e intercâmbio com outras cidades, de todo o Mundo, sem necessidade desta estrutura paternalista.
As relações internacionais, como o Sr. Primeiro-Ministro sabe, processam-se através dos órgãos de soberania - Governo., Assembleia da República, Presidência da República-, e não através dos órgãos de poder local. Os órgãos de poder local têm capacidade de fazer acordos de cooperação, geminações de diverso tipo, e temos numerosos exemplos no nosso país que tornam profundamente desnecessária uma Associação Nacional de Municípios deste tipo.
Será que esta Associação, aliás com o mesmo objectivo prosseguido pelo Governo AD, é uma estrutura que o Governo pretende criar para dar luz verde a toda a legislação lesiva do Poder Local democrático que temos?
Sr. Primeiro-Ministro, nós temos uma excelente configuração do Poder Local no nosso país, bem expresso na Constituição da República e em leis importantes, como é o caso da Lei n º 79/77, que deverá ser melhorada, mas não modificada no sentido de se lhe roubar o seu profundo sentido descentralizador. O que necessitamos neste momento tão-só - e por isso já apresentámos um projecto de lei à Assembleia da República- é de uma clara lei de delimitação em matéria de investimentos.

Mas fica aqui a pergunta, Sr. Primeiro-Ministro: por que é que em 1982, em 1983, até ao dia 25 de Abril, o Partido Socialista defendeu, como grande bandeira, a aplicação da Lei das Finanças Locais e neste momento não a vai cumprir? O povo já o sabe, os 305 municípios já o sabem!
Mas pode ficar ciente, Sr. Primeiro-Ministro, que o combate que vai ser travado contra esta política, contra a continuação da política de direita dos go-

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vemos anteriores será acompanhada pelas autarquias, já que a política deste Governo aponta claramente como sendo centralizadora.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: -Uso da palavra telegraficamente, Sr. Deputado.
Em primeiro lugar, julguei que se ia esquecer do Programa porque começou por citar opiniões de membros do Partido Socialista. Acabou depois por reconhecer que o próprio Programa promete alguma coisa de importante em matéria de cumprimento da Lei das Finanças Locais.
S6 que, depois, para apagar com uma borracha o que lá se promete, disse que já se prometeu antes e não se cumpriu.
Não somos responsáveis pelo não cumprimento de anteriores programas, somos apenas responsáveis pelo cumprimento do nosso. Cumpri-lo-emos. Espere e critique depois, Sr. Deputado.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

o Sr. Presidente: - Para que efeito?

O Sr. Silva Gral (PCP): -- E para um ligeiro protesto perante o não esclarecimento do Sr. Ministro Almeida Santos.

O Sr. Presidente:- Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Sr. Ministro Almeida Santos, se a intenção do Governo fosse a de reforçar a descentralização, bastava escrever uma linha na parte respeitante ao poder local sobre o cumprimento integral da Lei das Finanças Locais.
E isso não o faz! Diz que a vai rever. Mais: diz que a vai rever sem nunca essa mesma lei da República ter sido cumprida, com os protestos do Partido Socialista (sempre que esteve na oposição), do mesmo Partido Socialista que connosco sempre votou aqui nesta Câmara contra o não cumprimento da Lei das Finanças Locais.
Não é isso que o Programa diz! Diz que vai rever a Lei das Finanças Locais, mas não diz sequer em que sentido o vai lazer.
Vai revê-la fazendo-a corresponder às competências. Mas que competências, Sr. Ministro?
Essa é a questão fundamental, essa é a questão que nos preocupa, essa é a questão que nos leva a denunciar claramente que nada de bom se espera em termos de política de poder local deste Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Ministro.

O Sr. Ministro de (Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Deputado, veja como é fácil resolver o problema das finanças locais.

I SERIE - NUMERO 9

No seu entender, basta uma linha! No nosso entender é necessário um orçamento equilibrado!

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: O Programa de Governo que estamos a debater obedece (como disse o Sr. Primeiro-Ministro) às normas constitucionais porque fixa as «principais orientações políticas e as medidas a adoptar ou a propor».

Por mim, penso que são vantajosas as opções tomadas pelos constituintes, ou seja, permite: o rigor na discussão política dos programas de governo (orientações e políticas), na tomada de posse dos mesmos governos; o rigor na discussão quantificada dessas orientações e políticas, anualmente, nos Orçamentos do Estado e nas' Grandes Opções dos Planos.

Atrevo-me, pois, a dizer que esta Assembleia, seguindo tal directriz constitucional enriquecerá o debate do Programa do Governo.

Pela minha parte, vou tentar fazê-lo, na área específica da política económica.

Antes, direi que não são, portanto, fundadas algumas críticas aqui feitas relativamente a anunciadas generalidades do Programa, falta de quantificações, etc.

O discurso do Sr. Primeiro-Ministro, o Programa de Governo e as intervenções do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, permitem claramente a esta Assembleia analisar e julgar com segurança, qual a orientação política geral que o Governo se propõe concretizar na sua acção e nos vários sectores.
O Grupo Parlamentar da PS apoia essa política geral. Concretamente, na política económica, o nosso apoio encontra-se completamente legitimado porque:
Na área da política de estabilização financeira o Programa de Governo aborda, de forma metodológica, os 3 grandes desafios, que se põem aos Portugueses neste momento, ou seja: as medidas de emergência, que visam, no imediato, a redução do défice das contas externas e a gestão da dívida externa e das nossas reservas cambiais, gestão que, por serem escassas estas reservas exigem imaginação, trabalho e competência; as medidas que, a prazo menos imediato, irão permitir o futuro e são desenvolvimento da nossa economia; finalmente, as medidas que, a prazo, permitirão modernizá-la, aproximando-a dos padrões europeus e preparando assim, e só assim, a sua integração, com vantagens, na CEE. Mais importante ainda: o Governo, no seu programa de acção, embora condicionado à primeira prioridade, isto é, ao referido controle do desequilíbrio externo, anuncia que o «rigor da gestão financeira e económica do Estado» será progressivamente ajustado às necessidades e possibilidades de resposta aos principais problemas que são a efectiva recuperação económica e financeira e a modernização estrutural da nossa economia.
Este desiderato, de realização coordenada, mas não necessariamente desfazada no tempo, exige, por parte do Governo, a imaginação e a coragem para mudar muitas coisas. Parte delas não exigirá novos encargos

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financeiros, Bem ao contrário, parte delas reduzirá esses encargos.
Nós temos confiança no Governo para que não lhe falte nem imaginação, nem vontade para a transformação de muitas coisas.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, é assim e por isso - e para 'e atingir o referido desiderato - que, concomitantemente, nas várias áreas sectoriais, são estabelecidas as seguintes orientações básicas: a fixação de primeira prioridade à produção, à produtividade e à modernização da agricultura, florestas e pescas; a fixação de metas, para a modernização das nossas frotas, mercante e de pesca, parando assim, com a degradação que vêm sofrendo; relevo especial às questões de inovação, produtividade e competitividade da nossa indústria, tratamento de apoio merecido aos sectores público e privado, em especial às pequenas e médias empresas; equacionação global das questões energéticas e sua evolução futura; tomadas de opção definitivas sobre os «chamados» grandes projectos, que há bastante tempo bem se têm arrastado; garantia de abastecimento e a formação transparente e justa de preços, com ressalva do poder de compra das camadas mais necessitadas no comércio interno; no comércio externo, utilização dos instrumentos de política que visam expandir as exportações e restringir as importações, ataque simultâneo às duas componentes e mais ainda: propõe-se desencadear acções que se destinam a dar transparência ao licenciamento das operações de comércio externo, questão que é essencial.
Quanto ao turismo, é-lhe dado o relevo que merece e que não tem sido reconhecido.
No equipamento social, é atribuído desenvolvimento prioritário à habitação, sobretudo à habitação social e resolverá, com equidade, o longo e arrastado problema das rendas.
Nas obras públicas, fugindo das tentações fáceis, o Governo propõe-se corajosamente seleccionar os vários investimentos e adoptar medidas de saneamento na gestão dos dinheiros públicos (onde tanto é preciso fazer).
Aborda Finda, com a responsabilidade e coragem de realçar, o gravíssimo problema de saneamento das empresas públicas dos transportes e, propõe-se modernizar, adaptando-o às novas tecnologias, o sector das telecomunicações, melhorando o serviço aos utentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode-se discordar destas linhas gerais de orientação política do Governo? Claro que sim, mas então que se apresentem à discussão pela Assembleia as discordâncias e, simultaneamente, as alternativas credíveis mas que não tenham a desaboná-las os falhanços, quando aplicadas em outras experiências, noutros países. Nomeadamente, quanto às prioridades e no respeitante aos nossos desequilíbrios externos, haverá ou haveria outra alternativa?
Só, naturalmente, a de deixar andar ... Mas essa outra alternativa seria a completa irresponsabilidade. E os partidos que apoiam este Governo e o próprio Governo, não são nem poderiam ser irresponsáveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Poder-se-á, ainda, questionar a implementação, destas medidas e destas políticas? Naturalmente. Mas então que o faça esta Assembleia, na altura própria e como lhe cabe.
Não faz, pois, sentido que agora, neste debate, apenas com base em suposições, ideias feitas ou às vezes, e só, para obter efeitos demagógicos, se processe a um julgamento de resultados que ninguém tem legitimidade para fazer.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.

Deixe-se o Governo, apenas, governar.
E depois? Bem, depois, aprecie-se a sua governação pelos resultados e não por chavões de natureza ideológica sem nenhuma consistência nem aderência à realidade portuguesa.
Esta é, aliás, a única forma democrática e responsável de fazer política, nesta Assembleia.
Mesmo assim, e sobre a prática política deste Governo, que poderemos já adiantar?
Começo por perguntar como, quem e porquê pode pôr em dúvida o escrupuloso respeito da legalidade democrática que este Governo vai exercer sabendo-se que é liderado pelo Primeiro-Ministro meu camarada Mário Soares e, suportado, em coligação com o PSD, pelo Partido Socialista? Quem, como e porquê?
Como se pode pôr em dúvida, o escrupuloso respeito. por este Governo, dos legítimos direitos de quem trabalha - trabalhadores e empresários?
Concretamente, e voltando à política económica. pelo Programa do Governo, e pelos discursos dos Srs. Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças e do Plano, poderemos já saber que a prática política e execução das suas orientações básicas, levará a que este Governo considere o seguinte: Primeiro, implacavelmente, uma luta contra a corrupção, as fraudes, os tráfegos de influência e outras formas delituosas de actuação. A democracia terá de vencer estas práticas. Não podem estas vencer a democracia.
O Governo agirá, ainda, desenvolvendo e gerindo uma economia social e de mercado, libertando-a das burocracias, dos controles administrativos supérfluos e da tão usada tentação corrente de tudo gerir pelo despacho ministerial casuístico. Assim, no sector público empresarial, distinguirá, entre prejuízos de exploração e prejuízos impostos (imposição administrativa de preços inadequados e de empréstimos externos; de dividas do Estado, etc.). Na selecção de investimentos, distinguir-se-ão aqueles que são de interesse discutível, daqueles outros que são estratégicos e essenciais à vida e ao desenvolvimento das empresas. As empresas públicas têm, na nossa óptica, relevante função económica e social, desde que sejam verdadeiramente criadoras de riqueza e que prestem serviços sociais à comunidade portuguesa.
No sector privado, distinguirá os empresários que investem, que criam riqueza e que são fautores do progresso, a quem apoiará; daqueles outros
pseudo-empresários, que apenas especulam, traficam influências e são caçadores de benefícios e benesses, a estes terá de reprimir as suas práticas.
A abertura dos sectores à actividade privada, fá-la-á com a prudência devida e associá-la-á a medidas de correcção no sector público, de modo a criar condições de igual funcionamento a todas as empresas desses sectores.
Srs. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, na sua prática e acção diárias, procurará ainda encontrar as contrapartidas sociais, às medidas de austeridade que terá de tomar, ou seja, no desenvolvimento de programas habitacionais, na melhoria dos serviços de saúde

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e educação, sem que seja necessário, novos e acrescido recursos financeiros que - tenhamos a consciência de assumir - nos escasseiam. Basta só gerir melhor; e o Governo vai fazê-lo!
Na compensação, com adequados benefícios da segurança social, quer à evolução dos níveis de salários reais, quer aos ajustamentos inevitáveis que serão necessários realizar na mão-de-obra de algumas empresas, com eventual desemprego; na concretização de uma política de criação de emprego, em particular para os jovens, seleccionando os investimentos, apoiando as pequenas e médias empresas, formando, secundando a mão-de-obra, etc.; na exigente e aturada acção contra os lucros fáceis, a especulação e os circuitos parasitários da nossa economia, eliminando assim factores inflacionários evidentes e de grande peso; na racionalização dos gastos públicos, analisando criteriosamente os subsídios aos produtos, mas também às empresas públicas e privadas; nas medidas fiscais de curto prazo e na que se espera seja a próxima reforma fiscal, adoptando critérios de equilíbrio social, reduzindo cargas excessivas e intensificando a luta e as condições para a concretizar contra a fraude e evasão fiscais. Enfim, o Governo procurará a concertação social, institucionalizando a intervenção democrática dos parceiros sociais na vida económica. Agirá com o senso e a prudência necessários, de modo a evitar custos sociais injustificáveis, como referiu já e muito bem o Sr. Ministro das Finanças e do Plano e o Sr. Primeiro-Ministro.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Socialista, a que tenho a honra de pertencer, apoia, pois este Governo e o seu Programa.

A esta Assembleia cabe julgar e fiscalizar - e nós também o faremos - os actos do Governo e a este apenas cabe governar.
Mas a todos -Governo e Assembleia - pelo trabalho, pelo espírito de serviço público, e pelo patriotismo, cabe, nesta hora de crise, dar confiança e o exemplo aos Portugueses.
Vamos, pois, todos trabalhar. Temos de merecer Portugal e os Portugueses.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro alo Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As minhas primeiras palavras são para saudai todos os Srs. Deputados, qualquer que seja o partido ou grupo parlamentar que representem. Dirijo-me em especial àqueles com quem tive a oportunidade de conviver intensamente ao longo dos últimos anos, desde a Assembleia Constituinte, num ambiente de mútuo respeito e consideração e, em muitos casos, de sã camaradagem e sólida amizade. O Programa do Governo define com suficiente clareza e rigor as principais orientações a seguir e medidas a tomar no âmbito do Trabalho e Segurança Social.
Limitar-me-ei, por isso, a acentuar os aspectos que se me afiguram mais relevantes e a esclarecer e desenvolver alguns outros que suscitaram dúvidas ou foram objecto de interpretações ou críticas menos certas por parte de alguns senhores deputados.
Importa referir, antes de mais, que o Governo respeitará os direitos dos trabalhadores, recentemente alargados na revisão da Constituição com o contributo decisivo dos 2 partidos da coligação, empenhando-se activamente na sua máxima concretização prática, reafirmando, nomeadamente, a garantia constitucional da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. E é bem patente que a preocupação de dar efectivação prática a esta garantia, bem como ao direito ao trabalho, traduzidos na oportunidade efectiva para cada trabalhador de dispor de um emprego produtivo, estável, remunerador e livremente aceite, constitui a principal ideia-força do Programa do Governo nesta área governamental.
Assim, afirma-se expressamente que o Ministério do Trabalho deve pautar a sua acção por uma particular atenção aos problemas da área do emprego, acrescentando-se que esta perspectiva condicionará, o mesmo é dizer influenciará significativa ou decisivamente, a sua actividade jus-laboral, quer se desenvolva no estabelecimentos de novos regimes, preenchendo zonas brancas de regulamentação, de que constituem exemplos marcantes a disciplina jurídica da aprendizagem e a implantação progressiva do esquema de seguro de desemprego, quer na revisão de normativos já existentes.
É ainda nesta mesma perspectivas, que o Ministério do Trabalho e Segurança Social se propõe:

a) Reforçar e aperfeiçoar a rede dos serviços de que dispõe, revestindo-se de especial importância a nova rede de vinte e quatro centros de formação profissional e a modernização do aparelho de produção;
b) Fomentar uma mais rigorosa intervenção da Comissão Interministerial para o Emprega e defender a inserção da variável emprego a nível macro-económico, como uma variável fundamental;
c) Reformular as intervenções no domínio do apoio à criação e manutenção de postos de trabalho, impondo uma actuação reestruturante quanto aos vários sectores ou segmentos da actividade económica em conjugação com os Ministérios da tutela;
d) Aplicar as verbas do Gabinete de Gestão do Fundo de Desemprego exclusivamente na política de emprego e no reforço e modernização do aparelho de formação profissional.

Merece especial relevo, em segundo lugar, o importante e insubstituível papel que se reconhece aos parceiros sociais, e aos agentes económicos em geral, na concretização da política do Governo, que se mostra por isso empenhado em reforçar o diálogo social, promovendo o acesso das organizações dos trabalhadores e dos empresários a instâncias de estrutura tripartida, como o Conselho Económico e Social, o Instituto de Emprego e Formação Profissional, os Organismos de Gestão da Segurança Social, etc.
Há ainda que atentar especialmente, por último, em que o Governo se propõe contribuir para a democratização das relações de trabalho, efectivar o exercício do direito de participação de representantes dos trabalhadores das empresas públicas nos respectivos órgãos sociais, estimular o recurso a vias não judiciais

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de solução dos conflitos individuais do trabalho, imprimir maior celeridade na decisão dos processos de jurisdição dos tribunais de trabalho e restringir a resolução por via administrativa dos contratos colectivos de trabalho.
No que respeita à Segurança Social, em que se concretiza a solidariedade interprofissional, a solidariedade social e a solidariedade nacional, abrangendo não só os que trabalham ou já trabalharam, mas todo e qualquer cidadão, procurar-se-á, com a adopção de medidas adequadas, responder progressivamente, com meios humanos e materiais (mediante pensões, serviços e equipamentos sociais com perspectivas fundamentalmente personalistas e familiares), às necessidades e carências sociais dos cidadãos, tendo em especial atenção os grupos mais vulneráveis, como crianças, jovens, idosos, deficientes, migrantes e deslocados. Sem enjeitar a responsabilidade da organização e subsidiação do sistema de segurança social, o Estado não deixará de aceitar e até promover o concurso da iniciativa privada, nomeadamente das associações de socorros mútuos, e das instituições particulares de solidariedade social, com profundas raízes e tradições na história do povo português, que têm dado e continuarão a dar um contributo muito valioso através de diferentes modalidades de protecção social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Postas em relevo as principais linhas e medidas da política de trabalho e segurança social, é agora o momento de apreciar as críticas que lhe foram dirigidas e de esclarecer as dúvidas que suscitou.
Disse-se que o Governo, depois de afirmar que não alteraria a Lei da Greve, se propõe adoptar medidas de carácter regulamentar, designadamente em matéria
de piquetes de greve e de satisfação de necessidades sociais impreteríveis, que subvertem e alteram, ou é possível que subvertam ou alterem por completo
espírito e a letra deste diploma.
Mas uma leitura minimamente atenta do Programa do Governo mostra que esta afirmação ou este receio não têm o mínimo fundamento.
Quanto aos piquetes de greve, diz a Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, no seu artigo 4 º, que «a associação sindical ou a comissão de greve podem organizar piquetes para desenvolver actividades tendentes a persuadir os trabalhadores a aderirem à greve, por meios pacíficos, sem prejuízo do reconhecimento da liberdade de trabalho dos não aderentes». No Programa do Governo, p. 202, depois de se afirmar que se vai impedir, através da definição dos correspondentes ilícitos, todo e qualquer comportamento atentatório do livre exercício do direito à greve, acrescenta-se que se procurará «impedir, correspondentemente, e de igual modo. qualquer comportamento atentatório do livre exercício do direito ao trabalho, designadamente o recurso ao lock-out ou a piquetes de greve que, por qualquer forma, impeçam o livre acesso ao local ou à efectivação do trabalho». É evidente, portanto, que o Governo se propõe garantir o cumprimento do artigo 4 º da Lei da Greve e não alterar-lhe o sentido, no mínimo que seja.
O mesmo se diga no que respeita ao dever dos trabalhadores em greve de assegurarem a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, previsto nu artigo 8 º da mesma Lei. O Governo não pretende alterar, nem sequer por via regulamentar definir com mais pormenor, o conceito de necessidades sociais impreteríveis, que tem os seus contornos traçados, com o rigor possível, naquele preceito legal, propondo-se apenas «clarificar a quem compete em cada caso, em que momento e por que meio a definição dos serviços mais pormenor, o conceito de necessidades sociais impreteríveis ressalvadas na Lei da Greve em vigor». É clara a concordância e a convergência entre o propósito do Governo e a Lei da Greve.
Criticou-se também o facto de se pretender «ajustar» a disciplina do contrato de trabalho ao modelo das legislações da CEE. Note-se que o termo de comparação é o modelo constituído pelo conjunto das legislações dos países da CEE, não se erigindo portanto em modelo uma só ou em cada uma dessas legislações. Éme muito difícil, dada esta explicação, vislumbrar o fundamento da crítica, tão difícil quanto seria compreender uma crítica semelhante a quem defendesse para Portugal um regime democrático que siga o modelo dos regimes democráticos da Europa Ocidental.
Nem me parece que se deva ligar incindivelmente a disciplina do contrato individual de trabalho aos salários, à segurança social e às condições de formação profissional vigentes nos países da CEE.
Não será antes perfeitamente claro que as leis laborais desajustadas da nossa realidade social e económica e do espaço europeu em que queremos, cada vez mais, inserir-nos constituirão, ou podem constituir, um obstáculo para que nos aproximemos dos salários e da situação dos trabalhadores na CEE ...

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ..., enquanto as leis laborais mais adequadas serão necessariamente um contributo positivo para que essa aproximação possa ter lugar?

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas considerar as legislações da CEE como modelo nunca pode significar a sua aplicação no nosso país, sem considerar a nossa específica realidade económica, social e laboral.

O Sr. Manuel Pereira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No que respeita a área da segurança social, foram feitas 3 críticas que me pareceram mais importantes e que, por isso, merecem um comentário.
São elas as seguintes:
O Governo marginalizou esta área, dedicando-lhe apenas uma das 240 p. do seu Programa;
O Programa é totalmente omisso quanto às razões, ou pelo menos aos objectivos, que conduziram à criação do Ministério do Trabalho e Segurança Social;
Não há qualquer referência ao papel criativo e humanizante das instituições particulares de solidariedade social.
Quanto à primeira, direi apenas que o Governo não partilhou o critério, nela defendido, de que a importância de cada área governamental se mede pelo número de páginas que lhe são dedicadas no seu Programa.
Quanto à segunda, que não respeita ao Programa, sendo antes um facto já consumado, direi que não se

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insere numa óptica laborista da segurança social, antes se justifica pelo facto de a concepção comutativa (laborista) se dever articular mais perfeitamente com a concepção distributiva (generalizadora dos direitos de protecção social) da segurança social. E o que resulta bem claro do Programa quando prevê, além de prestações pecuniárias sem base contributiva, como as pensões sociais de velhice e invalidez, o desenvolvimento de programas e de prestações em espécie (serviços e equipamentos sociais) para as camadas sociais mais desfavorecidas da população.
Quanto à terceira, perde sentido com o que já atrás foi dito e estava escrito antecipadamente, bastando dizer que o Programa não tem de conter todas as orientações e medidas, mas só as principais, seleccionando naturalmente as que têm carácter inovador. Não se esqueça, de resto, que a estratégia de combate à crise e de melhoria da protecção social e bem-estar da população exige, como se afirma no Programa, um envolvimento responsável de todo o tecido social.
Criticou-se também o facto de o Programa do Governo não ter definido com autonomia a política de família. Queria dizer apenas, mas com toda a clareza, que este facto, tal como a extinção da Secretaria de Estado da Família, não obstam a que o Governo, tal como a Constituição, considere a família como ele. mento fundamental da sociedade e a que se empenhe, como vai empenhar-se, em criar todas as condições para que possa desempenhar o seu insubstituível papel.
A conclusão a tirar, portanto, é a de que a política de trabalho e segurança social do Governo tem como objectivo fundamental a protecção e a defesa efectiva dos direitos e dos interesses dos trabalhadores e, mais em geral, dos estratos mais carenciados, em plena consonância com os ideais do socialismo democrático e da social-democracia perfilhados pelos dois partidos da coligação. Política esta que será prosseguida com a participação, que se pretende activa e empenhada, das associações sindicais e patronais, com as quais será mantido um diálogo franco e aberto que conduza à aceitação ou, no mínimo, à compreensão das medidas para tanto necessárias.
O diálogo e a subordinação de interesses partidários aos imperativos do interesse nacional já permitiram a realização de tarefas que, à partida, se apresentavam cheias de dificuldades ou quase impossíveis, tal como a revisão da Constituição, tal como permitiram aos dois maiores partidos nacionais a celebração de um acordo que deu lugar ao Governo com a maioria mais ampla e com forte solidariedade e homogeneidade, bem necessários para enfrentar a crise que vivemos. Saibamos todos nós, Governo, partidos, parceiros sociais, agentes económicos e cidadãos em geral, compreender estes valores. Se assim for, a crise será vencida, sem custos ou sacrifícios excessivos, que todos, em solidariedade, melhor saberemos aceitar.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, desculpar-me-á a forma telegráfica como faço os pedidos de esclarecimento, mas o tempo de quê disponho é muito escasso.
Em primeiro lugar, gostaria de saber se me posso congratular com a afirmação de V. Ex.ª de que não há alteração directa ou indirecta à Lei da Greve, seja através de uma via regulamentar ou de legislação complementar.
Em segundo lugar, quanto às relações entre legislação e salário, admito que a forma como anteontem pus o problema não seja a mais correcta; contudo, também não me parece que a sua afirmação de que a legislação laboral poderá ser, entre nós, um obstáculo à melhoria dos salários e das condições de vida seja, também, a mais completa. Julgo que essa relação tem fundamentalmente a ver com o desenvolvimento económico, com a distribuição da riqueza, etc., etc., etc. Essa, sim, é a questão fundamental que tem a ver com os salários. Será assim?

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, deseja responder imediatamente ou pretende guardar-se para o fim das perguntas?

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Respondo no fim das perguntas, Sr. Presidente.

Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, o senhor não tem muito tempo e nós também não.
Sobre as alterações à Lei da Greve e à dos despedimentos, estamos já conversados! ...
Apenas duas questões importantes gostaria de colocar: primeira, os governos da AD proibiram ilegalmente, durante quase 3 anos, a entrada em funções dos gestores eleitos pelos trabalhadores para as empresas do sector empresarial do Estado. Este governo garante no Programa que vai efectivar o exercício deste direito reconhecido na Lei n.º 46/79, aprovada aqui na Assembleia da República. Quando?
Segunda, há 100 000 trabalhadores com salários em atraso. Sabemos que o salário não se confunde com o direito à vida, mas ele é uma das suas mais significativas expressões. Pode parecer pesada a expressão, mas há centenas de famílias que neste momento passam fome. Quando deixa de haver o único meio de subsistência, não- há dinheiro para a renda da casa, para a alimentação, para a creche, para a escola, etc., etc. O Estado, na nossa opinião, tem de assumir as suas responsabilidades na vida em comunidade. O Governo, através do Ministério do Trabalho, tendo em conta as causas e as razões diversas que levaram essas empresas a não pagar salários, tem de atender, de imediato, a esta situação. Vai fazê-lo? Como? E quando?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, queria fazer-lhe algumas perguntas muito rápidas.

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São elas as seguintes: a ausência no Programa da definição clara da garantia da contratação colectiva significa, como parece que de alguma maneira se pode deduzir do Programa, que o Governo vai escolher o caminho da via imperativa, caminho que, por exemplo, anuncia quando se refere às alterações no que toca à lei das faltas?
A propósito da lei das faltas, Sr. Ministro do Trabalho, então o Governo diz que quer punir o absentismo injustificado e começa por punir as faltas dadas, precisamente as justificadas?
Sr. Ministro, a ausência de quaisquer referência à repressão nas empresas, nomeadamente de dirigentes, delegados sindicais e membros de comissões de trabalhadores, significa que o Governo nessa área não pensa em medidas de nenhum carácter?

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Não percebi a pergunta, desculpe!

O Orador: - Eu perguntei, Sr. Ministro, se a ausência de qualquer referência à escalada repressiva nas empresas contra dirigentes, delegados sindicais e membros de comissões de trabalhadores, se essa omissão, significa aquilo que eu penso, ou seja, que o Governo nada pensa fazer para protecção e garantia dos direitos desses trabalhadores.
Ainda quanto à via imperativa. O Governo anuncia revogar o tecto salarial, isto é, o Decreto-Lei n.º 48/83. Pergunto, Sr. Ministro, o que é que isto quer dizer quando simultaneamente se diz que a taxa de expansão da massa salarial não poderá acompanhar a taxa de crescimento do nível médio dos preços. Tecto por tecto ou, se quiser normas salariais por tecto ou, se quiser, uma nova invenção com novos impostos ou outro esquema qualquer?
No que toca ao salário mínimo nacional, há uma expressão muito curiosa no Programa, que diz o seguinte: «a evolução anual das remunerações mínimas garantidas acompanha, na medida do possível, o aumento do custo de vida, [...]». Sr. Ministro, esta é a nova confissão de que o Governo não garante aquilo que tinha de garantir, aquilo que qualquer governo devia garantir, ou seja, que a evolução do salário mínimo nacional se deveria fazer, no mínimo, com a taxa da inflação?
Quanto ao programa de segurança social, talvez o Sr. Ministro não tenha ainda o dossier completo, visto que foram aqui feitas críticas às quais não respondeu, nomeadamente no que toca à ausência de medidas para a actualização imediata das pensões. De qualquer maneira, fazia-lhe uma pergunta: O governo da AD - o governo PSD/CDS - aprovou um decreto-lei, que foi publicado no Diário da República, onde, através da manipulação, retirou aos reformados o direito de receberem em Dezembro um subsídio de valor igual ao que corresponde à remuneração de Dezembro. V. Ex.ª com certeza que se lembra disso. Houve até aqui uma grande discussão à volta dessa questão e, nessa altura, o PS e o PCP - os partidos então da oposição- opuseram-se aos partidos que apoiavam o governo AD e, só porque a AD o impediu, é que esse decreto-lei não foi revogado. Pergunto-lhe: esse decreto-lei vai agora ser revogado por este governo do PS com o PSD?

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Manuel Ramos.

O Sr. Manuel Ramos (PS): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, em primeiro lugar, quero dizer que fiquei satisfeito pelo facto de o Sr. Ministro se ter referido às instituições particulares de solidariedade social e igualmente às Misericórdias que estão integradas nesse conjunto de instituições.
As Misericórdias são efectivamente instituições importantíssimas na vida do País, não só pelo que fizeram no passado, mas pelo que continuam a fazer no presente.
Ontem, um Sr. Deputado nesta Câmara mostrou as suas preocupações, no que respeita à falta de referência no Programa do Governo, quanto às instituições de solidariedade social e às Misericórdias, concretamente.
Fico satisfeito que V. Ex.ª tenha referido hoje essas instituições e quero perguntar-lhe - e este é o meu primeiro pedido de esclarecimento - se tem conhecimento da situação em que vive - eu poderei rectificar -, em que vivia, há poucos dias, a Misericórdia do Porto.
Como V. Ex.ª sabe, todos nós sabemos, o Estado decidiu fazer acordos com as Misericórdias no que respeita aos hospitais que, em tempos, foram ocupados.

Uma voa do PCP: - Ocupados?

O Orador: - Fizeram-se por essa província fora acordos com todas as Misericórdias e o acordo com a Misericórdia do Porto, talvez porque fosse o mais complexo, o mais difícil, ficou para o final. Esse acordo só foi elaborado em finais de 1982, exactamente no final do ano de 1982, depois de, numa assembleia geral, em Novembro, ter sido aprovado, por unanimidade, uma moção segundo a qual ou o governo de então fazia o acordo com a Misericórdia do Porto, ou esta deveria recorrer por via judicial para que essa acordo se fizesse. Só depois disso e nos últimos dias do ano é que o acordo foi elaborado ... E, no entanto, andava há largos meses a ser prometido, sem que a promessa se cumprisse! ...
Depois do acordo elaborado, haveria, como é óbvio, que pagar à Misericórdia do Porto as indemnizações e as rendas pela ocupação dos seus hospitais. Na altura da última assembleia geral, em Março do corrente ano, essa dívida do Estado para com a Misericórdia do Porto atingia já, pelo menos, 400 000 contos. O meu camarada Abílio Curto referiu ontem que o orçamento para a cidade da Guarda é exactamente de 400 000 contos. Pois a dívida do Estado para cote a Misericórdia do Porto é igual ou semelhante ao orçamento da cidade da Guarda.
Até há dias, pelo menos - e como conheço bem a vida desta Casa, porque aqui passei os meses da Constituinte, espero que haja um protesto e esse protesto talvez sirva para que venha esse esclarecimento até há muito poucos dias, essa importância não tinha sido entregue à Misericórdia do Porto, importância relativa à utilização dos hospitais, a rendas e às indemnizações do apetrechamento dos hospitais. Pergunto a V . Ex.ª se tem conhecimento desta dívida, se tem conhecimento deste dossier da Misericórdia

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do Porto e, em caso afirmativo, se vai garantir que a situação da Misericórdia do Porto -que é a maior instituição do País no seu género, a maior, repito - se regularize, visto que ela já ameaçou que pode restringir seriamente a sua acção assistencial se, porventura, o Estado não cumprir aquilo que estabeleceu no acordo feito.
O segundo pedido de esclarecimento diz respeito à situação dos jornalistas. Os jornalistas têm uma Caixa, que se chama de Previdência e Abono de Família e, se durante muitos anos essa Caixa funcionou primorosamente, a verdade é que nos últimos meses -. e o ano passado já isso acontecia- os jornalistas, depois de pagarem os serviços assistenciais (médicos, medicamentos, etc.), estão neste momento 4 a 5 meses à espera do respectivo reembolso. Isto cria-lhes situações muito graves e eu espero que V. Ex.ª resolva o problema, como é de inteira justiça. Pergunto, pois, a V. Ex.ª se também tem conhecimento deste dossier e o que pensa fazer para evitar que isto continue.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Furtado Fernandes:

O Sr. Furtado Fernandes (ASDI): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, irei repor 3 questões que foram já por mim apresentadas na minha intervenção e apresentar também uma questão nova.
Começarei pela questão nova: pensa o Governo apresentar à Assembleia da República uma proposta de lei sobre associações sindicais? Como sabe, Sr. Ministro, ainda vivemos nesta matéria com um decreto-lei de 1975 que sã sofreu alguns remendos. Já ouvimos algumas promessas de alteração substancial desta disciplina jurídica, mas ainda não lográmos obter esse objectivo. A ASDI considera que isso é extremamente importante, até para podermos ter na nossa legislação um diploma que se harmoniza perfeitamente com a Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho.
Relativamente ao trabalho extraordinário, reponho a questão: o abuso do trabalho extraordinário é uma forma de evitar a criação de postos de trabalho em Portugal. A lei da duração do trabalho extraordinário foi feita numa conjuntura económica e social substancialmente diferente da conjuntura actual. Não pensa o Governo, designadamente neste particular, alterar a disciplina jurídica da duração de trabalho?
Relativamente à democratização das empresas, fala-se no Programa do Governo no cumprimento da lei em relação às empresas públicas. Sabendo nós que os quadrantes ideológicos da social-democracia e do socialismo democrático têm apresentado propostas de democratização das empresas, mesmo das empresas privadas, pensa o Governo nesta matéria poder avançar com alguma iniciativa legislativa que permita, não direi já a co-gestão nas empresas privadas, mas, pelo menos, algum avanço nesse sentido?
Finalmente, falei na minha intervenção em relação ao balanço social. A ASDI já apresentou um projecto de lei sobre esta matéria. Qual ë a posição do Governo sobre este ponto, sabido como é que pretende negociar um contrato social e sabido, também, que em Portugal nós não temos instrumentos quantificados que nos permitam ter indicadores em matérias tão importantes como o absentismo, o trabalho extraordinário, os índices de frequência e gravidade dos acidentes de trabalho, etc.?
São estas as questões que desejava formular.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, na sequência das questões já postas pelos meus camaradas, queria apenas pôr-lhe uma, até porque não disponho de mais tempo.
É a seguinte: o Sr. Ministro falou na questão do emprego e de todo o apoio que iria ser dado pelo seu Ministério à questão da criação de postos de trabalho. Como vimos aqui, na apresentação da política económica por parte do Sr. Ministro das Finanças e do Plano e como, aliás, consta do Programa, não é apresentada qualquer proposta concreta para a criação de novos postos de trabalho; pelo contrário, toda a política económica aponta para um aumento do desemprego, portanto para a não criação de novos empregos.
Em concreto, queria perguntar-lhe o seguinte: afinal o que é que vai ser feito neste campo e quantos novos empregos vão ser criados? Além disso, em relação às empresas que estão quase a parar - algumas delas já estão paralisadas -, em relação aos milhares de trabalhadores que, a curto prazo, estão ameaçados de desemprego, o que vai ser feito para impedir que fiquem sem os postos de trabalho?
Queria ainda perguntar-lhe se vai ou não continuar o mesmo tipo de apoio a algumas empresas que tetra estado a ser dado através do Ministério do Trabalho. São grandes empresas dominadas pelo grupo dos Mellos e outros, que recebem centenas de milhares de contos e até milhões e que, após isso, mantêm a paralisação das empresas, mantêm os trabalhadores sem salários, mantêm uma ameaça de desemprego, a muito curto prazo, e nalguns casos até já consumada.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o entender, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social. Informa o Governo de que o seu tempo neste momento é de 8 minutos.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: Sr. Presidente, Srs. Deputados: Terei que ser muito breve nas respostas às questões que me foram formuladas.
O Sr. Deputado César Oliveira pergunta-me se a lei da greve será alterada por via regulamentar. Claro que não, Sr. Deputado. Nem poderia sê-lo! A legislação laboral não é o elemento único no que respeita à influência e desenvolvimento das actividades económicas. É apenas um dos elementos que pode ter a sua importância, pois se for desajustado, esse desajustamento pode impedir que as condições de trabalho melhorem.
Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, a intenção do Governo é clara. Se há trabalhadores sem salário, a política do Governo dirigir-se-á exactamente a resolver esse problema; gostaria, contudo, que reflectisse um pouco sobre se a política do seu partido, embora se proclame muito favorável ao pagamento dos salários

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a todos os trabalhadores, não representa antes um dos contributos mais negativos para que isso possa acontecer e para que se evitem essas situações.

O Sr. João Amaral (PCP): - É falso, Sr. Ministro!

O Orador: - Quanto à contratação colectiva, a orientação do Governo é também clara: evitar e reduzir ao mínimo a intervenção e a sua resolução por via administrativa.
No que respeita ao princípio da não remuneração das faltas, trata-se de um combate ao absentismo, pois os trabalhadores que tiverem as faltas remuneradas recorrem naturalmente a elas, mesmo em casos em que não o poderiam fazer.
Como não tenho mais tempo, Srs. Deputados, apenas direi em geral o seguinte: o Programa do Governo não pode, evidentemente, dar resposta a todas as questões que aqui foram formuladas, sobretudo no concreto; o que é preciso é que tenhamos a consciência de que a alteração da legislação laborar, estando definidas as prioridades, é um dos pontos importantes da actividade do Governo.
Os problemas focados serão considerados, sendo as questões resolvidas num diálogo, como há pouco acentuei, com os parceiros sociais, especialmente com os representantes dos trabalhadores.

O Sr. Presidente:- Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecassis.

O Sr. Nuno Abecassis (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Li e reflecti atentamente sobre o capítulo do Programa do Governo relativo à política de educação.
Ouvi ontem a intervenção do Sr. Deputado Agostinho de Jesus sobre o mesmo tema.
Penso ter divisado, num e noutro destes documentos, alguns princípios que nós, no CDS, pensamos fundamentais para terminar de vez com alguns mitos e derrubar as falsas ideias que conduziram o nosso sistema de educação aos becos em que encurralou.
Alegra-nos, Sr. Ministro, verificar que o Governo se propõe montar um plano de emergência paia a reorganização do ensino técnico e tudo o que desejamos é que não lhe falte a coragem para levar esta obra até ao fim.
Em nome de uma falsa igualdade de oportunidades foi destruída, em vez de se ter aperfeiçoado, a rede das escolas técnicas que cobriam o País, e em consequência, desferiu-se um golpe mortal na reconhecida qualidade da mão-de-obra nacional. Mas, pior do que isso, fez-se com que o aparelho escolar desperdiçasse anualmente milhares de jovens, sem esperança nem futuro, que, não tendo atingido os níveis das médias necessárias para entrar nas Universidades, haviam, contudo, vencido o ciclo secundário com classificações bastantes para, em qualquer país da Europa, encontrarem uma oportunidade de prestar o seu contributo ao desenvolvimento da sociedade.
No afã de querer tornar todos em doutores, o que em si mesmo é o cúmulo do elitismo, alimentou-se de ano para ano, com maiores contingentes, a marginalidade juvenil à custa dos jovens estudantes a quem a sociedade fechou as portas do futuro.
Quem não sabe nesta Assembleia que em qualquer país civilizado do Mundo já não se usam os títulos profissionais diante dos nomes das pessoas e que, qualquer operário especializado pode ganhar bem mais e ter maior prestígio social do que muitos licenciados por escolas superiores?
Por isso lhe digo, Sr. Ministro, que se é sua intenção romper com este provincianismo, ou pior, com esta intencional condução da nossa juventude ao desespero, poderá contar com o nosso apoio.
Alegra-nos, igualmente, o termos ouvido, pela voz de um deputado que simultaneamente é professor, a denúncia da incompetência, da falta de formação e de sentido de responsabilidade que caracteriza, infelizmente, muitos dos chamados professores a quem está confiada a educação dos nossos filhos, e, ao mesmo tempo, ouvir pela mesma voz o louvor do sentido de responsabilidade, da competência, do dom de si mesmos, da heroicidade, por vezes, de tantos verdadeiros professores que, felizmente, ainda existem, E que, se o premiar e reconhecer o mérito é sempre importante, quando se trata do sistema de educação essa é uma componente indispensável do próprio processo educativo.
Sr. Ministro da Educação: É importante que V. Ex.ª esteja convencido de que o seu Ministério é, antes de mais, o ministério das famílias e dos alunos. V. Ex.ª não é nem pode ser o ministro dos professores. Os professores são, sim, os seus auxiliares e por isso se lhes exige capacidade, profissionalismo, competência e dedicação. Mas é perante as famílias de Portugal e perante os jovens de Portugal que V. Ex.ª terá de responder. Só se tiver esta visão V. Ex.ª poderá cortar a direito e vencer todos os bloqueios, todos os entraves, todas as más vontades que o Sr. Deputado Agostinho de Jesus denunciou na sua corajosa intervenção.
Se o quiser fazer - e nós esperamos que o queira fazer - terá do seu lado as associações de pais e as associações e organizações de jovens e vencerá.
Neste tempo duro que estamos a viver, não basta abrir o futuro à juventude - isso já seria ignorar a formidável força que a juventude hoje representa; o que é necessário é fazê-la participar na luta do presente pela conquista de um futuro melhor e mais justo. E hoje que é preciso convocar e dinamizar a generosidade e a capacidade da juventude, utilizar a sua força, a sua imaginação, o seu engenho e a sua fé na luta que todos temos de travar para reconstruir Portugal. Entregar-lhes as escolas, para que não sejam destruídas; dar-lhes meios, para que construam os seus próprios parques desportivos; despertar-lhes a vocação social, para que ajudem a implantar a justiça; pedir-lhes que participem no debate dos seus próprios problemas, para que as leis que lhes respeitem sejam mais adequadas e perfeitas; habituá-los a decidir, para que deixemos de ser um povo de indecisos.
Uma política de juventude e uma política de educação não se podem construir, e muito menos pôr em marcha, sem contar com os jovens e com as suas organizações e movimentos; mas também o não podem ser desde que feitas na ignorância ou contra os interesses das famílias, organizadas nas associações de pais que esta própria Assembleia da República reconheceu.
Pensamos ter adivinhado estes princípios no Programa que V. Ex.ª nos propõe.
Para bem de Portugal, oxalá não nos tenhamos enganado.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento a Mesa não tem pedidos de palavra. Pergunto se algum Sr. Deputado pretende usar da palavra neste momento.

Pausa.

Como não há qualquer inscrição, vamos suspender os trabalhos, que serão retomados às 15 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 40 minutos.

Após o intervalo assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitorino.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está inscrito para uma intervenção o Sr. Deputado Manuel Alegre. Como, porém, este Sr. Deputado não está presente, fará agora a sua intervenção a Sr. Deputada Ilda Figueiredo.
Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro do Trabalho, já que os outros Membros do Governo não estão presentes: Aí estão, na sua brutalidade, novos aumentos de preços de bens essenciais para a alimentação e para a agricultura. O leite, o pão, o açúcar e os adubos acabam de ser aumentados novamente, agravando assim as já difíceis condições de vida da maioria da população. Imediatamente a seguir virá certamente o aumento dos combustíveis, nomeadamente o do gasóleo.
O novo Ministro das Finanças do governo do PS/PSD nem sequer espera pelo terminar do debate do programa governamental e da sua possível aprovação nesta Assembleia da República para pôr em prática todo um conjunto de medidas, que vão desde a desvalorização do escudo ao aumento dos preços de bens essenciais, acentuando a gravidade da crise e não resolvendo os problemas do País.
Aí está a «solidariedade» e o «consenso social» pedidos pelo Primeiro-Ministro e seu Governo PS/PPD: para os trabalhadores e para os camponeses, o aumento brutal dos preços de bens de primeira necessidade, mesmo daqueles que estão em queda nos mercados internacionais, como o açúcar e o aumento dos factores de produção; para o grande capital, a entrega nos primeiros 100 dias da banca, dos seguros, dos adubos e dos cimentos.
Aí está assegurada a continuidade das políticas de crise ontem mesmo aqui simbolizada através do abraço de cumprimentos do Primeiro-Ministro Mário Soares ao actual deputado João Salgueiro no final da sua intervenção justificativa da política de desastre nacional praticada nos últimos anos.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - No entanto, como ontem mesmo confessou o ex-Ministro João Salgueiro, com tal política de desvalorização do escudo, de agravamento brutal

dos preços, de novos e gravosos tectos salariais, de dificuldades crescentes para os pequenos e médios empresários e camponeses, apenas se poderá conseguir um equilíbrio aparente e conjuntural da balança de transacções correntes. É que os resultados de tal política são o decréscimo da produção nacional com as correspondentes consequências no aumento de desemprego, na dependência externa e no agravamento da crise do País.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - O actual Ministro das Finanças chamou a esta política uma «terapêutica dolorosa». Mas dolorosa para quem? Ao retomar as velhas receitas monetaristas, o governo PS/PPD visa fazer cair sobre os trabalhadores e outras camadas da população de menores rendimentos a factura da crise provocada pelos sucessivos governos de direita.

Vozes do PCP: -Muito bem?

A Oradora: - Pela mão do PS os governantes de ontem são os governantes de hoje: a política de hoje é a mesma que tivemos até agora. O Sr. Primeiro-Ministro diz que as coisas estão mal, que há uma situação de emergência nacional. Pede-se solidariedade nacional com urgência.
Mas se este Programa fosse levado à prática seriam sempre os mesmos a pagar a crise. Sempre os mesmos! Há neste momento milhares de famílias que sobrevivem abaixo doa níveis de subsistência. A fome é já uma realidade para famílias inteiras que trabalham em fábricas onde os salários não são pagos há meses e a CIFA não é exemplo único. Mas centenas de milhares de trabalhadores estão ameaçados de idêntica sorte por todo o País.
Os mais de 100 000 trabalhadores que continuam a trabalhar sem receber salários, os desempregados que são mais de 400 000, os jovens e as mulheres que não conseguem sequer o primeiro emprego, ou novo emprego, centenas de pequenas, médias e até grandes empresas de sectores em crise como a têxtil, o vestuário, a metalurgia, a cerâmica, o vidro e a construção civil estão quase paralisadas ou à beira do encerramento, e centenas de pequenos comerciantes vivem o desespero da contracção do mercado interno resultante da redução do poder de compra das classes laboriosas.

Vozes do PCP: -Muito bem!

A Oradora: - É de lamentar que o Governo, através do Ministro do Trabalho, se tenha refugiado na falta de tempo para não responder a algumas destas questões levantadas por deputados do meu partido e que são fundamentais para os trabalhadores. É um mau princípio, Sr. Ministro!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Ao longo deste debate algumas certezas ficaram plenamente adquiridas. Uma das mais importantes é o aumento da taxa de inflação para níveis que nem o Ministro das Finanças se atreve a revelar. É que ele sabe que a desvalorização do escudo em 12

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já concretizada, mais a desvalorização deslizante que continua, é só por si uma factor determinante para o galopar da espiral inflacionista, nomeadamente tendo em conta os habituais movimentos especulativos, a corrupção e a inexistência no nosso país de qualquer mecanismo eficaz de controle dos preços.
Isto para já não referir a enorme dependência da economia portuguesa e o imediato aumento dos preços dos produtos importados e da dívida externa resultante da desvalorização do escudo. Preços que aumentarão também por via da redução dos subsídios orçamentais aos produtos de primeira necessidade como acaba de acontecer; é o adeus cabaz das compras ou da restrição das indemnizações compensatórias às empresas nacionalizadas prestadoras de serviços sociais provocando novos aumentos dos preços dos transportes, da electricidade e todo um conjunto de agravamento de novas taxas e tarifas.
Isto significa que o Governo em vez de ir buscar aos grandes capitalistas os mais de 50 milhões de contos anuais que ilegalmente contrabandeiam para o exterior, pretende ir buscá-los aos «bens essenciais», ao estômago dos trabalhadores.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Em vez de ir sacar ao grande capital os mais de 100 milhões de contos anuais de fuga ao fisco, o Governo pretende ir buscá-los, pelo aumento dos preços de bens e serviços essenciais, aos bolsos já vazios dos trabalhadores.
Outra certeza foi igualmente explicitada no Programa e nos discursos: «a taxa de crescimento da massa salarial será inferior à taxa de crescimento médio dos preços». A gravidade desta afirmação é de tal ordem que só por si bastaria para aquilatar dos reais interesses de classe que este governo pretende acautelar.
A concretização de tal princípio só é possível com tectos salariais que logo à partida são reconhecidos como sendo inferiores à taxa de inflação prevista, mas que o Ministro das Finanças não ousou sequer referir. Ou seja, à partida é reconhecido um novo agravamento na repartição funcional do rendimento nacional à custa dos rendimentos do trabalho. Situação tanto mais grave quanto hoje apenas cabe aos trabalhadores cerca de 50 % do rendimento nacional, o que é a mais baixa taxa de toda a Europa. Ou seja, o Governo não se satisfaz com a transferência da totalidade dos aumentos de produtividade para o capital. Quer reduzir os salários reais.
E como tais medidas agora anunciadas são acompanhadas do propósito de abertura aos ex-monopolistas e agrários de alguns dos sectores mais rentáveis da economia, então isto significa que o agravamento da repartição funcional do rendimento nacional, contra os rendimentos do trabalho se faz em favor do aumento dos rendimentos das empresas e propriedades dos particulares, ou seja, dos lucros e da riqueza daquele punhado de grupos económicos recém criados ou reconstruídos a quem a crise serve e da qual vivem.
Mas é ainda na mesma linha de defesa de tais interesses que são anunciadas orientações do tipo de que «a evolução anual das remunerações mínimas garantidas acompanha na medida do possível o aumento do custo de vida», deixando assim desde logo a certeza de que nem sequer está garantida a actualização
anual do salário mínimo nacional de acordo com o crescimento do índice de preços, com idênticas implicações no subsídio de desemprego e outras prestações sociais, designadamente as de importância vital para milhares de reformados, pensionistas e idosos. Vai igualmente no mesmo sentido o propósito de aumento das rendas de habitação, das rendas comerciais e outras não habitacionais.
Trata-se, pois, de uma drástica redução da procura interna e de novas restrições ao crescimento do produto interno bruto, cavando ainda mais fundo o fosso existente entre a economia e o nível de vida da maioria da população portuguesa relativamente aos demais países europeus, nomeadamente os da CEE, apesar de o Governo propagandear que a adesão de Portugal à CEE continua a ser uma opção indiscutível.
O que o Governo pretende é esconder que só o controle efectivo dos preços e o aumento dos salários reais permite a dinamização do mercado interno e contribui para o aumento da produção nacional, nomeadamente através do aproveitamento da capacidade produtiva instalada e dos recursos nacionais.
Não é com uma política contra os trabalhadores e o apertar do cinto das populações mais carenciadas que se resolvem os problemas do País. Pelo contrário) É com a melhoria das condições de vida da população e o empenhamento dos trabalhadores que se vence a crise, o que exige uma política diferente, pela qual continuaremos a lutar!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de fazer uma pergunta muito concreta à Sr.º Deputada Ilda Figueiredo, já que ela me pôs concretamente em causa.
Parece que a Sr.ª Deputada acha um escândalo que eu tivesse cumprimentado, depois de uma intervenção profunda e técnica que teve um raro brilho, o Sr. Deputado João Salgueiro. Gostaria de perguntar à Sr.ª Deputada se é contra os hábitos de cortesia dentro desta Assembleia da República.
Eu tive um gesto de cortesia que julgo dever explicar a esta Câmara: se bem que eu próprio tenha feito críticas à acção do Sr. ex-Ministro João Salgueiro, na altura em que ele era Ministro, achei que a intervenção que ele fez nesta Câmara teve uma rara isenção e um grande sentido patriótico. Em vez de mostrar qualquer tipo de ressentimento - o que não fez -, o Sr. Deputado João Salgueiro fez um discurso de apoio à política do Governo por se tratar de uma política de interesse nacional.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

Vozes do PCP- - Claro! É isso que está em causa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É o beijo de Judas!

O Orador: - Foi este o aspecto que eu desejei sublinhar.
Gostaria também de dizer à Sr.ª Deputada, e à sua bancada em geral, que a preocupação pelos interesses

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dos trabalhadores e pelas más condições de vida que eles têm é, naturalmente, uma profunda preocupação do Governo e de quem quer que tenha um certo sentimento social.

Vozes do PS:- Muito, bem!

O Orador:- Mas quando é que os deputados da bancada da Sr.ª Deputada irão ser capazes de compreender que não é com discursos nem com slogans que se resolvem os problemas da vida dos trabalhadores?

Aplausos do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.

Quando é que serão capazes de compreender que as condições de vida em Portugal são difíceis e que o Estado irão pode continuar a ter meios financeiros para pagar essa conta, havendo, portanto, que fazer de uma maneira equitativa a partilha dos sacrifícios?

Aplausos do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra, a Sr a Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: Queria começar por referir que eu não achei um escândalo que o Sr. Primeiro-Ministro tivesse ido cumprimentar o Sr. ex-Ministro João Salgueiro, agora deputado desta Assembleia da República, no final da sua intervenção. Aquilo para que eu chamei a atenção foi para o significado desse acto. É um símbolo, Sr. Primeiro-Ministro! Isso significa que através desse acto o Sr. Primeiro-Ministro apenas testemunhou perante esta Assembleia da República a aliança que fez com o PPD para a formação deste Governo e a continuação da mesma política de agravamento dos preços e das condições de vida do povo português.

Aplausos do PCP.

Protestos do PS.

Eu estou de acordo, Sr. Primeiro-Ministro, que não é com discursos que se resolvem os problemas do País. Simplesmente, os discursos dão o tom dos princípios que se defendem, dos objectivos que se pretendem levar por diante, das medidas que se vão pôr em prática. E os discursos que o Governo aqui fez mostraram à evidência que o seu objectivo é levar por diante uma política contra os interesses do País, contra os interesses dos trabalhadores e do povo português.

Aplausos do PCP.

O Sr. Primeiro-Ministro referiu que não há meios financeiros para se poder ter em conta, por exemplo, a questão dos salários dos trabalhadores. Mas gostaria de lhe dizer - e repito o que já disse há pouco na minha intervenção- que o Governo poderia ir buscar mais de 50 milhões de contos anuais que os grandes capitalistas contrabandeiam para o exterior; poderia ir buscar anualmente mais de 100 milhões de contos de fuga ao fisco. Só aqui, Sr. Primeiro-Ministro, estão 150 milhões de contos anuais que dariam certamente para impedir a baixa dos salários reais que o seu Governo pretende levar por diante.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Oradora: - A nossa posição, Sr. Primeiro-Ministro, é a de lutar pela defesa intransigente - não apenas nos discursos, mas na prática - dos interesses de quem trabalha e dos interesses do nosso país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Meiga de Oliveira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para dar um esclarecimento à Câmara, ou para um protesto, como se entender melhor.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dou-lhe a palavra para um protesto, na medida em que a sua bancada foi invocada na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro.
Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Meiga de Oliveira (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, estranho muito que tenha descido a terreiro para dizer o que disse. E que, se se tivesse dispensado de ter intervido, antes de tudo dispensava-me a mim de estar agora a fazer este protesto; mas, mais do que isso, dispensaria a Câmara - e os Portugueses, através dos meios de comunicação social - de saber o que se sabe agora com clareza.
Quem o apoia e reconhece que a sua política é boa, é isento e patriótico - tal como o foi ontem o ex-Ministro das Finanças, o Sr. Deputado João Salgueiro; se eu não o apoiar, se eu divergir das suas opiniões e pensar que o Programa deste Governo não é bom, que este Governo não é solução, se eu pensar mesmo que é uma solução que defrauda o voto popular, aí, eu não serei nem isento nem patriótico! Ficamos agora a saber que isso ficou claro.

O Sr. Primeiro-Ministro: - Não ficamos, não!

Uma voz do PCP: - Ficamos, ficamos!

O Orador: - É que toda a isenção e patriotismo de ontem do Sr. ex-Ministro das Finanças se resumiu objectivamente a concordar consigo. A mais nada, Sr. Primeiro-Ministro; nem podia ser a mais nada a não ser a estar de acordo consigo!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, Sr. Primeiro-Ministro, é evidente que o Sr. Primeiro-Ministro pode cumprimentar e felicitar quem entenda, a título pessoal; como Primeiro-Ministro, também. No momento em que se discute o Programa do Governo, porém, já é mais duvidoso, e no exacto momento em que o fez é, pelo menos reparável. Isto é, qualquer um tem o direito de ter uma opinião sobre o assunto, exprimi-la, estando certo, porém, de que qualquer outro poderá exprimir a sua própria opinião, sem, contudo, o criticar por isso. Eu tenho uma opinião a respeito dos seus cumprimentos; tenho o direito de a ter. Como o Sr. Primeiro-Ministro terá o direito de ter uma opinião a respeito dos meus cumprimentos. Nunca lhe negarei tal direito, mesmo que o pudesse - e não posso.

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A última questão que gostaria de lhe referir, é a seguinte: o Sr. Primeiro-Ministro disse que o Estado não tinha meios de pagamento e que não era com discursos que se resolvia a crise. Certamente que não é com discursos, Sr. Primeiro-Ministro. Contudo, quem estava a discursar era o senhor!

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador:- Quanto aos meios de financiamento, os trabalhadores sabem bem que são eles que produzem o que comem. Mais: produzem o que eles comem e o que comem outros que nada produzem!

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador:- Não precisam do financiamento de ninguém.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente:- Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra para responder.

O Sr. Primeiro-Ministro:- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, Srs. Deputados da bancada comunista, gostaria que considerassem que a circunstância de eu intervir, pedir um esclarecimento e discutir convosco significa de uma maneira simbólica o meu desejo de dialogar, estando longe de ser uma maneira de vos afrontar; como o Sr. Deputado muito bem disse, eu podia ter-me dispensado de responder, e teria ficado calado. Quis fazê-lo, porém, porque tenho o desejo de dialogar com todas as bancadas desta Câmara; foi isso o que eu desejei significar.

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador:- Em segundo lugar, Sr. Deputado, é bom que saiba - e não ponha na minha boca aquilo que eu não disse e que nem sequer pensei - que eu entendo que todas as bancadas têm o direito de pensar diferentemente do Governo, a começar pelas bancadas do PSD e do PS. Elas são independentes, estão ali para pensar, e vão certamente criticar o Governo. Oxalá o façam; é criticando que nos ajudam!

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O que eu quis também significar, Sr. Deputado - e isso é importante -, é que, estando nós numa situação de emergência nacional - e é essa a situação em que nos encontramos; todos o reconhecem -, todos nós portugueses, temos que congregar os nossos esforços para tentar resolver os problemas. E não é com manifestações, com pressões junto da Assembleia da República ...

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - ..., não é com manifestações de rua, nem com slogans, que se faz face à crise. E era bom que os Srs. Deputados da bancada comunista, quando discutem e criticam a política do Governo, o fizessem de uma maneira que apontassem alternativas para a resolução da crise e não através dos slogans de que os trabalhadores precisam de melhor salário, etc. Pois isso todos nós sabemos e por isso todos nós lutamos. E com tanto direito como os senhores, ou mais, pois temos mais representação do voto dos trabalhadores do que os senhores.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI e protestos do PCP.

preciso é encontrar soluções. E permita-me que repita, uma cassette que não resolve, coisa nenhuma, pois não é o grande capital - como os senhores dizem -, esse monstro que não se percebe muito bem, que cria as grandes crises. Se assim fosse eu indicaria ao Sr. Deputado Veiga de Oliveira esta boa sugestão: exporte um bom técnico vosso, um economista distinto, como é o Sr. Carlos Carvalhas, exporte-o para a Polónia ou para Cuba e verá se aí, onde não há grande capital, não há bichas, dificuldades e problemas económicos.

Risos e aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Para exercer o meu direito de defesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, uma vez que o seu nome foi invocado, tem a palavra.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O Sr. Primeiro-Ministro disse que gosta de dialogar, mas é este o diálogo que preconiza? Da nossa bancada ainda não ouviu dizer de ninguém que seria bom exportar este Governo para qualquer sítio, ou exportar o Sr. Primeiro-Ministro para Miami ...

O Sr. Primeiro-Ministro: - Isso era óptimo!

O Orador: -Por exemplo, o Le Monde noticiou que o Sr. Primeiro-Ministro era o candidato de Reagan. Mas nós não afirmámos tal.

Protestos do PS e do PSD.

Estamos aqui a discutir política e soluções. O Sr. Primeiro-Ministro diz que a crise não é do grande capital e eu pergunto: a quem é que vai entregar a banca? Aos pequenos e médios empresários? Aos trabalhadores?

Vozes do PCP: - Ora bem! Ora bem! Aí está!

O Orador: - A quem é? Que preços é que aumentou ainda ontem? Os preços dos bens de luxo, dos bens supérfluos? Não, aumentou o pão, o leite - os bens de primeira necessidade!

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - Estamos contra essas medidas e pensamos que elas nada resolvem. Temos apresentado objectivamente soluções e alternativas e, Sr. Primeiro-Ministro, não é com demagogia, nem com ofensas pessoais, nem com o dizer que se vai ,exportar um economista para aqui ou para ali que se adianta. lá

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agora, queria que o Sr. Primeiro-Ministro me dissesse uma coisa: sabe que há várias maneiras de evitar bichas, ou várias maneiras de acabar com o consumo? No nosso país o Sr. Primeiro-Ministro não vê ninguém à frente dos talhos a fazer bicha, há carne e, no entanto, que eu saiba, a maior parte dos trabalhadores portugueses não a consomem.

Aplausos do PCP.

Quanto aos indicadores económicos, gostaria que o Sr. Primeiro-Ministro com os economistas brilhantes da sua bancada e da bancada do PSD consultassem, por exemplo, os documentos da CEE - não é a CEE do Sr. Primeiro-Ministro, mas a Comissão Económica para a Europa da Organização das Nações Unidas (ONU) - e comparasse os índices de desenvolvimento dos países socialistas com os países capitalistas. Compare e depois tire as conclusões.

Nozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - E não se ria, Sr. Primeiro-Ministro. A ignorância pode dar riso, mas a realidade é objectiva!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Veiga de Oliveira tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, suponho que ao responder em género de contraprotesto ao meu protesto, e supondo que o mear protesto foi um protesto - estas formas são sempre muito complexas e muito susceptíveis de interpretação, mais ainda que o Programa do Governo -, ao responder, referiu a atitude da minha bancada e pronunciou-se sobre a interpretação dada sobre a sua primeira intervenção

O Sr. Presidente: - Oh, Sr. Deputado, perguntei-lhe para que desejava a palavra e o Sr. Deputado está a fazer uma intervenção!

Vozes do PS: -Para falar!

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP)- - Sr. Presidente, pedi a palavra para defender a minha bancada dos ataques feitos pelo Sr. Primeiro-Ministro.

Vozes do PCP: -Muito bem[

Vozes do PS e do PSD: - Para falar! Para falar!

O Sr. Presidente: - Então, se o Sr. Deputado deseja usar da palavra ao abrigo do direito de defesa, faz favor.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, queria dizer-lhe o seguinte: no mínimo, é de pouco tacto ver, no fim do debate sobre o Programa do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro sublinhar a sua boa vontade para com a nossa bancada quando interpelou a minha camarada Ilda Figueiredo. Se tem boa vontade; o problema é seu, e não terá, certamente, necessidade de sublinhar perante a opinião pública - e muito menos perante a Câmara - que tem boa vontade para com a bancada do Partido Comunista Português.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Olha que não!

O Orador: - Por outro lado, o Sr. Primeiro-Ministro insistiu, mais uma vez, na demagogia e na falta de alternativa. É uma questão que ainda desta vez não ficará encerrada. Mas atrever-me-ia a dizer o seguinte, Sr. Primeiro-ministro: o senhor sabe muito bem que há alternativas à política que propõe, o senhor conhece-as. O senhor não as quer, pois não são da sua escolha - e é um legítimo direito que tem -, mas sabe que aquilo que propomos é uma alternativa, sabe que aquilo que mais criticamos no Programa do Governo e na política que se propõe atrás desse Programa não são tão-só a quantidade de restrições que se advinham ou que claramente se propõem - é a distribuição das restrições.
O Sr. Primeiro-Ministro falou muito no entendimento e no consenso social, falou muito das contrapartidas, mas a verdade é que o que aí está, claramente, é que se pretende transferir por inteiro o peso, o custo da crise, para cima dos ombros de quem trabalha. E afirmo que assim é, pelo seguinte: aqueles que vivem do emprego de capital têm sempre oportunidade de transferir nos preços tudo aquilo que sejam imposições que, por via do vosso Programa, lhes sejam feitas. Mas aqueles que vivem exclusivamente do seu salário e do seu trabalho não têm a possibilidade de transferir para ninguém os aumentos dos preços e as restrições quer ao trabalho - isto é, o desemprego - quer aos salários - isto é, a diminuição dos salários reais. Aqueles que vivem do seu salário, tal como as coisas estão feitas, não têm nenhuma maneira de transferir os custos; aqueles que vivem do capital, esses têm mil e uma maneiras de o fazer.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro sabe isto muito bem e o que criticámos, antes de tudo, é esta má distribuição que faz com aqueles que menos podem, aqueles que vivem exclusivamente do seu trabalho, sejam os que estão destinados a pagar, sozinhos, o preço da crise. Foi isto que criticámos, antes de tudo. Foi esta crítica que não recebeu resposta da parte do Governo. E tudo o resto, a respeito de falsas ou verdadeiras alternativas, tudo o resto são opiniões políticas como o Sr. Primeiro-Ministro sabe muito bem!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: -Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Governantes, Srs. Deputados: Cumpre-me fazer uma reflexão, que presumo breve porque escasso é o tempo em que tenho de a confinar. Ela é suscitada, exclusivamente, por dois princípios de orientação geral que me chamaram a atenção, não só pela experiência vivida, mas ainda e, sobretudo, porque eles constituem dados adquiridos de toda a nossa experiência política após o 25 de

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Abril. Trata-se do reforço do poder local e do desenvolvimento regional.
O reforço do poder local constitui uma pedra de toque na orientação do Programa que temos em análise e que está servindo de discussão a esta Câmara. B ainda um dado adquirido, porque se vai inserindo na consciência nacional, transformando-se como que numa exigência imperiosa, para que efectivamente todo o processo democrático encontre no Estado moderno que pretendemos ser uma autêntica e verdadeira expressão. De resto, no próprio Programa apresentado pelo Governo, de forma lapidar e correcta, se diz que o reforço do poder local é, sem dúvida, a melhor identificação como expressão da democracia. Se assim é, constitui problema de todos nós. Entusiasma-me o facto de ver que o Governo vai efectivamente actuar nesse sentido, de modo que as nossas autarquias locais passem a gozar cada vez mais de independência política, de autonomia financeira, para que possam desenvolver uma administração responsável dentro da competência técnica de que devem estar possuídas.

Aplausos do PSD e PS e da ASDI.

E dentro deste quadro de pensamento, como linha de força de toda uma actuação, estamos desde já a promover a mudança. É que entendo que identidade nacional, neste momento, se define largamente em termos de projecto. Projecto pelo qual havemos de encontrar os desafios que nos levarão a emergir, gradual e trabalhosamente, do povo em que e de que somos, à procura de nós próprios, à procura do nosso destino, do nosso futuro, da nossa maneira nova de estar no mundo. Como condicionante imperiosa de toda esta perspectiva aberta pelo reforço do poder local, expressão tão simples mas tão plena de conteúdo, vejo aí caminho necessário a percorrer para que se verifique a mudança que todos desejamos, como Estado moderno que pretendemos ser.

Vozes do PDS: - Muito bem!

O Orador: - Politicamente independente, financeiramente autónoma, são expressões que têm de condicionar e que vão condicionar a actuação deste Governo. A Lei das Finanças Locais que tem servido de pretexto para tanta discussão -e ainda bem constituía um pilar formidável para que pudéssemos, desde logo, reencontrar como que as origens da nossa maneira de ser e de estar.
É que a autarquia local e, sobretudo, o município, cujas raízes são tão profundas, constitui hoje - como diria Herculano e muito bem- o melhor legado que nos foi deixado pelo mundo antigo ao mundo moderno que somos. E, dentro desta perspectiva, se a Lei das Finanças Locais tem constituído um marco decisivo para essa mudança necessária, ela também corresponde, de algum modo, à necessidade instintiva de uma aspiração permanente do povo português de ter nas suas mãos a condução do seu próprio destino. Daí que a autonomia financeira e política para uma administração responsável das nossas autarquias locais é entendida por nós como um marco importantíssimo, por isso mesmo votado por unanimidade nesta Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E se foi um marco importante, toda a nossa administração local assenta como que num critério, do qual faz parte a Lei das Finanças Locais, mas também a da atribuição de competências e todo um processo de determinação das actuações quanto aos investimentos nos vários níveis em que hão-de constituir e compor a nossa Administração Pública e local. Se esse tripé for bem formulado, e estou plenamente certo de que o será ainda há poucas horas em conversa com o Sr. Ministro da Administração Interna ouvi a ideia entusiástica do Governo de caminhar nesta matéria em consenso com esta Câmara-, e se entendermos que toda a problemática da nossa Administração não respeita exclusivamente a um Governo, mas há-de ser produto de uma actuação de todas as forças políticas, das associações, colectividades, escolas. sindicatos, institutos, para que o povo inteiro seja capaz de se assumir em toda uma perspectiva histórica, então este tripé será capaz de abrir os caminhos de mudança que preconizamos e desejamos em busca de maior estabilidade, maior justiça social, de maior segurança e da paz que todos queremos.

Aplausos do PSD e PS.

Sabemos que o poder local é a melhor escola da democracia. Daí que todos tenham de participar, precisamente porque aí, no poder local, as pessoas encontram pela primeira vez os primeiros contactos no seu relacionamento social e político. Daí, também, que preconize - e tantas vezes o tenho feito - que deveria ser já nas escolas, nos institutos médicos e cursos superiores, que se deveriam fazer cursos de gestão administrativa e não só, procurar tanto quanto possível desenvolver, radicar, alargar o conceito do nosso direito administrativo, que até ao momento, infelizmente, tem sido considerado como um direito menor.
Há que tomar consciência de toda esta problemática, para que ela seja uma aquisição total e segura no tocante às perspectivas que temos de percorrer. É que a identidade nacional, hoje, define-se largamente em termos de projecto para a busca desses caminhos, nos desafios que nos são propostos na procura das melhores soluções. Há que aceitar os desafios, há que os percorrer com coragem, entusiasmo, humildade, honestidade e com doação total.
Dizia-me alguém que o poder é sempre muito difícil de deslocar. Presumo que não. Quando é um dado adquirido, quando estamos convencidos de que é através dessa descentralização que preconizamos, pelo reforço do poder local e por essa autonomia política e administrativa que defendemos, acompanhada de autonomia financeira, que teremos fatalmente de percorrer, vamos encontrando cada vez mais a sensibilidade para a realização do projecto que pretendemos levar à prática. E isto insere-se, necessariamente também, no problema da regionalização, uma palavra que, infelizmente, tem andado um tanto degradada, porque se entende a regionalização apenas como a divisão do território pára melhor se exercitar o poder. Entendo que a regionalização, no conceito político - já que se trata de um fenómeno político, embora seja também uma atitude de espírito-, é um acto de confiança e, sobretudo, uma aposta na responsabilidade individual e colectiva de todos os cidadãos para podermos em

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conjunto realizar todo este projecto admirável de' uma maior democraticidade na resolução dos problemas que todos temos!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para sair da crise, há que percorrer esses caminhos que se nos impõem, não só pelo império do comando do nosso diploma fundamental, mas também e sobretudo, para se acabar com os desequilíbrios regionais em que vivemos. E quem se dê ao cuidado de verificar ou de analisar o que se passa, por exemplo, entre Braga e Setúbal, numa extensão de uma profundidade de cerca de 500 km, não mais - o que constitui cerca de um quarto da nossa área -, aí encontrará dois terços da nossa população, nove décimos da produção das indústrias transformadoras, nove décimos dos dirigentes da nossa Administração Pública, cerca de quatro quintos do produto interno bruto, e igualmente, cerca de nove décimos daqueles que se dedicam à investigação, ao trabalho de análise e, sobretudo, às profissões liberais. Tudo isto me leva a crer que, infelizmente, o nosso país se encontra como que «adornado» para o litoral, em prejuízo gritante da desertificação do interior.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Acabar com essas assimetrias, procurar um desenvolvimento harmónico do país, que não importa tanto em termos de crescimento mas, sobretudo, em termos de desenvolvimento, é percorrer essa via, para que, através dessa regionalização, com a componente necessária da descentralização possamos, efectivamente, encontrar o desenvolvimento equilibrado de Portugal.
Vou terminar com desejo de levar, porventura, mais longe os processos de definição do que entendo por política regional. Por certo, não me irão faltar outras oportunidades. Queria apenas e tão só, para terminar, sublinhar aquilo que vem inserido no programa, esses princípios orientadores gerais que constituem para mim como que um acto de fé, ao qual adiro de forma entusiástica ...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - ... para que possamos realizar alguma coisa de novo neste país em crise, procurando uma situação compatível com a de um Estado moderno. Tem o meu inteiro aplauso, e estou plenamente certo do apoio decisivo do meu partido.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Qualquer que seja a posição pessoal, política, sentimental ou ideológica sobre a coligação PS/PSD, não pode deixar de se reconhecer que o simples facto de os 2 maiores partidos portugueses terem sido capazes de estabelecer um acordo de Governo constitui, em si mesmo, reste nosso país onde o espírito de seita ainda tem tanta força, uma vitória da liberdade sobre o dogma, da tolerância, da responsabilidade democrática sobre a irresponsabilidade sectária.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Por isso, sem abdicar de convicções próprias, entendo ser meu dever de socialista manifestar publicamente a minha solidariedade ao Governo.
Faço-o na convicção de que há momentos em que é preciso saber afirmar o primado do interesse nacional e em que a coragem do realismo é aquela que melhor serve a democracia e o país. Faço-o ainda na esperança de que o Governo saberá interpretar a vontade de mudança manifestada pelo eleitorado, adoptando uma nova política, um novo estilo, uma nova forma de governar, combinando uma maior capacidade de diálogo com uma maior capacidade de decisão.

O Sr. César Oliveira (UEDS): -Muito bem!

O Orador: - A democracia -tive já ocasião de o escrever - não pode ser uma sucessão de frustações. A responsabilidade do Governo é tanto maior quanto certo que conta à partida com a apoio de uma maioria a que alguém já chamou «a maior maioria de sempre». Não ignora, também, o Governo que, para além dos seus aspectos conjunturais, a crise actual é fundamentalmente uma crise de estrutura que só poderá ser vencida se houver coragem e imaginação para empreender as necessárias reformas estruturais reformar essas que não podem pôr em causa o sentido social progressista da democracia portuguesa, antes devem fomentar e desenvolver. Atrevo-me também a dizer que é essencial resistir à velha tentação portuguesa da facilidade e do clientelismo. Penso que o Governo, como já o demonstrou o Ministro das Finanças, saberá adoptar o discurso e a prática da dificuldade e da verdade e saberá colocar-se numa perspectiva de Estado e de regime ...

O Sr. Angelo Correia (PSD): -Muito bem!

O Orador: - ... já que só assim será possível restabelecer a confiança e mobilizar as energias do País.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Estou certo, igualmente, que, para além da prioridade que tem de ser dada à resolução da crise financeira, o Governo não esquecerá que a crise que vivemos é também uma crise moral, uma crise que só poderá ser ultrapassada se não se cair no pecado da politiquice e se houver grandeza de espírito para dar à política uma outra dimensão, a dimensão ética, a dimensão cultural e sobretudo neste momento a dimensão nacional.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - Mais do que nunca, governar tem de ser não apenas um acto de gestão mas um acto de cultura. Confio em que os 2 homens de cultura que são os meus velhos amigos e companheiros de resistência, António Coimbra Martins e José Augusto Sea

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bra, saberão contribuir - e não apenas nas suas respectivas áreas - para que a acção do Governo seja marcada por essa preocupação e por essa dimensão.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: -Não haverá recuperação económica sem recuperação moral -donde a necessidade de um combate sem tréguas à corrupção, ao compadrio, à degradação da vida pública.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Não haverá recuperação nacional sem recuperação da dimensão cultural da política - donde a necessidade de um novo estilo e de uma nova maneira de ser governo.
A este respeito, creio que há actos simbólicos que têm, em si mesmos, um valor pedagógico e estimulante.
Nesse sentido, penso que é tempo de o país prestar a devida homenagem a uma grande figura da literatura e da cultura portuguesas deste século. De acordo com que julgo ser a vontade do Primeiro-Ministro, atrevo-me a sugerir ao Governo que empreenda as diligências necessárias para que, no termo da XVII Exposição, e como corolário dela, sejam transferidos para os Jerónimos os restos mortais de Fernando Pessoa.

Aplausos do PS, do PSD, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI, do deputado independente António Gonzalez, de alguns deputados do PCP e dos Membros do Governo.

Tal acto, para além do reconhecimento de uma obra fundamental da nossa literatura, constituirá uma renovada afirmação de portugalidade -não tenhamos medo da palavra «de portugalidade» - naquilo que ela tem de mais perene: a nossa língua, a nossa poesia, a nossa cultura.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenho dúvidas de que o grande combatente da Democracia, que é o meu camarada Mário Soares, sabe melhor do que ninguém, que o futuro deste regime depende, em grande parte, da capacidade do Governo para vencer a mais difícil de todas as batalhas, que é a de reconstruir a esperança e a confiança dos portugueses no funcionamento e na eficácia das instituições democráticas. Estou convencido de que os portugueses de boa vontade saberão corresponder ao apelo aqui feito pelo Primeiro-Ministro, nesta hora em que o desígnio nacional deve prevalecer sobre certas considerações tácticas, nem sempre claras, muitas vezes oportunistas e frequentemente de duvidosa democraticidade.

O Sr. César Oliveira (UEDS):- Muito bem!

O Orador: - Pode-se evidentemente discordar das opções políticas do Governo; mas não me parece legítimo, no plano moral, duvidar que o democrata Mário Soares fará tudo o que estiver ao seu alcance para que a acção do Governo contribua para a vitória definitiva do regime democrático em Portugal.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Finalmente: gostaria de deixar aqui duas observações.

A primara é a de que á coligação PS/PSD não significa a diluição dos partidos que a integram.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nem o PSD passou a ser partido socialista, nem o PS se transformou em partido popular democrático ou social-democrata.

Vozes do PS, do PSD e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Será no respeito e na afirmação da identidade própria de cada um que se poderá desenvolver a cooperação entre os 2 partidos.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Há que destacar este ponto para evitar ilusões perigosas que, longe de fortalecerem a coligação, correriam o risco de a enfraquecer, ou eventualmente, de a pôr em causa. A franca e leal cooperação entre o PS e o PSD supõe, como é óbvio, a autonomia, a independência, a afirmação da identidade própria de cada partido.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A segunda observação que me parece necessário fazer diz respeito a um outro risco que deve ser evitado: o risco de tentar ideologizar uma solução política de governo que assenta nos próprios mecanismos democráticos e que não carece de outra fundamentação ideológica para além da que resulta das características programáticas dos partidos da coligação.

Vozes do PS, do PSD e da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - A virtude do pragmatismo é a de ser o que é. A História demonstra que é sempre perigoso tentar erigi-lo em ideologia.

Vozes do PSD e da UEDS: - Muito bem!

O Orador: - Posto isto e, pelo que me respeita, assim como aos meus camaradas de bancada, direi que saberemos corresponder à nossa quota-parte de responsabilidades. Registámos, com agrado, as palavras do Primeiro-Ministro acerca da autonomia e independência dos grupos parlamentares dos partidos da coligação. O Grupo Parlamentar do PS saberá ser responsavelmente autónomo. Saberá apoiar sem abdicar da crítica e saberá criticar sem regatear ao Governo o apoio de que necessita para enfrentar uma crise que a todos atinge, a todos responsabiliza e só pela acção conjugada de todos poderá ser vencida.

Vozes do PS e da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O esforço do Governo no plano político interno tem de ser apoiado e completado por uma acção unificada do Estado no plano externo, tendo em vista uma política mais ousada, mais criativa e mais dinâmica na cena internacional. Constatei, com satisfação, claros sinais de mudança, quer no Programa do Governo, quer na intervenção do Ministro dos Negócios Estrangeiros.

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Mudança orientada por uma concepção nacional dia política externa e pela vontade de dar a Portugal uma voz mais activa e mais autónoma. Mudança igualmente expressa na intenção de se caminhar para uma mais adequada articulação e coordenação da política externa, sendo de sublinhar o apelo que se faz a um renovado concurso do Parlamento, ao qual, assim como ao Presidente da República, compete concorrer para o prestígio de Portugal na base do respeito pelo princípio da unidade de representação externa do Estado.

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): -Muito bem!

O Orador: -Portugal não pode continuar a ter várias políticas externas, resultantes, umas vezes de iniciativas descoordenadas, outras de uma inadmissível concorrência ao nível dos órgãos do Estado. Um país com a tradição e a responsabilidade moral do nosso tem de ter uma só política externa, baseada num consenso nacional alargado e tendo como objectivo essencial a defesa da independência e dos interesses de Portugal.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Muito bem!

O Orador: -Coordenar e unificar a política externa portuguesa é um propósito, eu direi mesmo um imperativo nacional que merece o apoio e o consenso de todas as forças responsáveis.

Para além da problemática geopolítica, geoeconómica e geoestratégica, a que se referiu na sua intervenção o Ministro dos Negócios Estrangeiros, eu diria que a política externa portuguesa tem de basear-se, também, naquilo a que eu chamaria uma visão geocultural, porque é aí que reside a singularidade e a autenticidade de Portugal.
Para isso, é necessário rejeitar uma concepção tendente a reduzir Portugal à situação de simples intermediário e é tempo e mais que tempo de perfilhar uma política externa que faça Portugal o intermediário de si próprio, o intermediário da sua história, da sua cultura, da sua língua. A Europa, e eu atrever-me-ia a acrescentar a África, precisam de um Portugal que seja mais ele próprio e precisam de uma política externa portuguesa mais autónoma e mais activa.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Não somos nem uma potência económica nem uma potência militar; mas temos um capital histórico, humano e cultural que nos permite ter no Mundo uma força moral e política.
Por isso, não posso deixar de aplaudir as palavras aqui proferidas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros,
particularmente quando afirmou que o Governo deseja «agir fortemente no exterior por nós mesmos e apenas em nosso nome» e quando declarou que «o Governo não cairá nos erros de pretender uma diplomacia megalómana para um país que não somos, nem nas fraquezas de se conformar com uma diplomacia dependente, indigna da história e da cultura que somos».

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - São palavras importantes, que exprimem uma vontade política clara e nos confirmam na esperança de que na cena política internacional passará a haver uma presença nossa mais activa, mais dinâmica e, sobretudo, mais portuguesa.
Feita, sem equívocos, a opção europeia, há que renovar a política atlântica, mediterrânica e africana de Portugal, condição fundamental da nossa singularidade e do reforço da nossa posição na Europa e no Mundo.
Nesse sentido, na hierarquia de prioridades definidas pelo Governo, há que destacar, para além da importância atribuída às relações com a África, particularmente com os países de expressão oficial portuguesa, o facto novo que consiste no desejo de intensificar os contactos com os Estados e os povos do Magrehb aos quais nos ligam, não só a proximidade geográfica, como também laços de sangue, de história e de cultura.
Nesta, como noutras zonas, sem a mania das grandezas, mas também sem tacanhez, Portugal pode ter uma voz própria e propor iniciativas que contribuam para desbloquear tensões e para fortalecer o diálogo e a cooperação.
Estou a pensar, por exemplo, na questão do Saara, mas também na Namíbía, em relação às quais a diplomacia portuguesa, por si só, ou conjuntamente com outras, poderá desempenhar um papel importante na busca de novas vias e soluções.
A política externa, nomeadamente no que se refere à cooperação com os países africanos de expressão oficial portuguesa, tem de ser entendida como uma causa nacional, numa causa que exige espírito de missão e empenho patriótico. As embaixadas de Portugal num desses países é uma honra, uma responsabilidade e um privilégio - não um sacrifício que se cumpre contrariamente com espírito rotineiro ou burocrático.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Não se podem repetir situações como a que se verificou com a ausência prolongada do embaixador português na República de Cabo Verde. É preciso uma política de formação de quadros, uma reforma de estruturas e de mentalidade por forma a que Portugal não corra o risco de ser ultrapassado por falta de comparência, por incompetência ou simplesmente por distracção. A cooperação com África é um novo desafio histórico, que exige um grande sentido da responsabilidade nacional, assim como a mobilização de meios humanos e materiais adequados à sua importância e grandeza. Estou certo de que o Ministro dos Negócios Estrangeiros compreende a exigência e a dimensão desse empreendimento e não poupará esforços para que Portugal esteja à altura desse novo apelo que a história lhe faz.
Como nos diz Manuel Torga:

Temos colectivamente uma fisionomia singular que cedo nos individualizou no processo da história [...] quando formos apenas o mero suporte de figurinos alheios, não seremos nós.

Trata-se, pois, de assumir com inteireza essa individualidade e essa singularidade.
Trata-se, como também diria Garrett, de sermos nós próprios.
Só assim poderemos dar outra vez alguma coisa de novo ao Mundo e só assim cumpriremos Portugal.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

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O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - É para um curto protesto e, ao mesmo tempo, dar um esclarecimento sobre a atitude da minha bancada,

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Não sei se o Sr. Deputado Manuel Alegre, que por acréscimo é poeta, reparou que nós não aplaudimos quando propôs, neste momento, nesta altura, a transferência dos restos mortais de Fernando Pessoa para os Jerónimos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas não aplaudimos expressamente porque achamos que é um abuso de um dos maiores, senão o maior, poeta da língua portuguesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não é o maior porque Camões certamente é ainda maior que ele, se é que há maiores entre os maiores.
Mas o que não podemos aceitar, sobretudo de um deputado que por acréscimo é poeta, é que, no momento em que se discute o Programa do Governo, V. Ex." use a frase fácil de aplausos que usou, a menos que subordine o seu acordo ao Programa do Governo ao compromisso solene de que ele promova desde já a transferência dos restos mortais de Fernando Pessoa para os Jerónimos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PS.

O Orador: - Porque, se não é assim, a frase é deslocada; destina-se a obter aplausos fáceis e nós recusamos os aplausos fáceis porque admiramos por demasia o Fernando Pessoa para cairmos numa esparrela dessas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Fernando Pessoa para nós é um dos maiores poetas da língua portuguesa. E mais: nesta bancada há quem o tenha conhecido antes mesmo de o Sr. Deputado Manuel Alegre ter descoberto que ele era o Fernando Pessoa e não aceitamos que o manipule por isso mesmo.

Aplausos do PCP.

Vozes de protesto do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre, para responder, se assim o entender.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito rapidamente, Sr. Presidente, para um contraprotesto.
Eu não pretendo ter o monopólio do Fernando Pessoa nem de coisa nenhuma ...

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

... porque, aliás, penso que é próprio da democracia que ninguém tenha o monopólio de ninguém, nem dos ideais. Fernando Pessoa é um poeta nacional, vivemos um momento excepcional em Portugal, que é o da XVII Exposição, e como há liberdade em Portugal, e eu não abdico dela, entendi que era o momento adequado -e se a mim me competia julgar- para propor a esta Câmara, e através dela ao País, essa homenagem devida a um poeta que é de todos os portugueses.

Aplausos do- PS, do PSD, do CDS, da UEDS, da ASDI e dos Membros do Governo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado Morais Leitão.
O Sr. Deputado Corregedor da Fonseca teria pedido a palavra e a Mesa não se apercebeu ...

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, é que eu estava inscrito e cedi a vez ao Sr. Deputado Manuel Alegre; eu devia falar agora antes do Sr. Deputado Morais Leitão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, é que V. Ex.ª trocou com o Sr. Deputado Manuel Alegre, de forma que só quando chegar à inscrição deste Sr. Deputado é que V. Ex.ª poderá usar da palavra.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.

O Sr. Morais Leitão (CDS) : - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O CDS responde favoravelmente à proposta de diálogo e ao pedido de cooperação formulados pelo Sr. Primeiro-Ministro para a resolução da crise económica.
E fá-lo por 3 razões fundamentais.
Em primeiro lugar, porque é responsabilidade nacional, e não apenas partidária, combater e vencer rapidamente a grave crise que estamos suportando no plano das relações económicas externas.
Em segundo lugar porque entendemos o programa de emergência anunciado pelo Governo como significando a vontade de agarrar o testemunho sem paragens prejudiciais, acto sério e responsável de quem reconhece e quer dar continuidade aos esforços de combate à crise que foram realizados nos últimos anos.
Em terceiro lugar, finalmente, porque apesar de este Governo não ser o nosso, queremos acima de tudo contribuir para a defesa e consolidação da democracia pluralista e queremos provar que a alternância democrática é alheia a despeitos ou atitudes obstrucionistas, mas antes permite a continuidade ou assegura a mudança consoante as necessidades reais do País que todos servimos.
Por isso, o CDS junta a sua voz à de todos os responsáveis conscientes, dirigindo a todos os portugueses, particularmente aos que mais podem, um apelo veemente a um maior esforço produtivo e a uma maior moderação nos consumos.

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Não basta, porém, vencer a crise externa, nem fazê-lo rapidamente com determinação e com rigor.
Para que a crise não volte, sempre mais grave e com maiores custos sociais, à menor oscilação futura da conjuntura internacional, há também que fortalecer os alicerces, ou seja, prosseguir e nalguns aspectos iniciar as reformas de estrutura de que a economia e a sociedade portuguesa tanto carecem.
Mas aqui, neste aspecto fundamental, que constitui pressuposto de um desenvolvimento económico sadiamente sustentado, já o CDS tem de manifestar reservas e nalguns casos fortes críticas aos princípios e orientações que resultam do Programa do Governo.
Fazemo-lo e fizemo-lo neste debate em tom cordato, com sentido dialogante e em estilo talvez até pouco habitual nas oposições que o nosso país tem conhecido. E fazemo-lo assim porque temos a esperança que o Governo nos ouça e até arrepie caminho onde entenda a crítica justa e, principalmente, porque não queremos prejudicar o objectivo geral da vitória sobre a conjuntura recessiva.
Para além do que já foi dito pelos meus colegas de bancada em matéria de defesa nacional, segurança social, trabalho, família, juventude, emigração, educação, etc., julgo ser de chamar a vossa atenção, aqui, para os seguintes 4 pontos críticos que reputo fundamentais e que me permito destacar de entre muitos outros.
Em primeiro lugar, não haverá progresso económico harmonioso e sustentado se não se partir, como o Governo não parte integralmente, da absoluta necessidade de pormos termo ao triste palmarés de sermos o país da Europa Ocidental com maiores distorções às regras próprias de uma economia de mercado, moderna, competitiva e responsável. As perspectivas fundamentais da justiça social, da dignidade imanente do trabalho, da efectiva igualdade de oportunidades e, em suma, da real protecção dos mais desfavorecidos não podem fazer esquecer, e antes serão melhor servidas, por uma organização da sociedade e da economia assente na responsabilidade e no mérito dos seus membros e agentes e na liberdade da sua própria iniciativa. Excessivo intervencionismo do Estado burocrático, como o que nos domina, não é causa de progresso; é antes causa de resistência à mudança, de amorfia das estruturas, de desmotivação e irresponsabilidade generalizadas.
Em segundo lugar, não haverá medidas financeiras ou instrumentos macro-económicos duradouramente eficazes em Portugal, enquanto a estrutura produtiva não adquirir maior mobilidade e não for destruída a rigidez que, em tantos sectores, impede o progresso em níveis de produtividade.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: -Não é possível querer aumentar a produção agrícola e, simultaneamente, continuar a aceitar que o país agrícola se mantenha dividido em dois e que um terço do território se mantenha na instabilidade decorrente desse processo de natureza puramente política e não económica que tem sido o das vicissitudes por que tem passado a Zona da Reforma Agrária.
Não é possível atrair indústrias nem serviços modernos competitivos, e com capacidade de exportação, enquanto a sempre invocada extinção do condicionamento industrial se mantiver substituída por razões ideológicas quanto a formas de propriedade ou por razões, mais mesquinhas, de sobrevivência da burocracia dita preventiva.

Em terceiro lugar, não será possível reformar as estruturas, modernizar a economia e determinar o progresso se não se prosseguir, e até acelerar, a reforma da nossa legislação económica fundamental. Não apenas da legislação geral que o Sr. Ministro da Justiça promete realizar - e felicitamo-lo por isso - mas também, e principalmente, das inúmeras regulamentações e discricionariedade administrativas que dominam, perturbam e tantas vezes fazem desistir os que querem ter iniciativas económicas por mais voluntariosos que sejam.

Em quarto lugar, não será possível assegurar um correcto financiamento da economia nem realizar os objectivos que este Governo acolheu dos anteriores, em matéria de inflação e de emprego, se não forem mantidos e consolidados, os esforços de contenção do défice corrente do sector público administrativo que vêm sendo realizados nos últimos anos e se não se alcançarem rapidamente os resultados, a que já me referi neste debate, em matéria de desenvolvimento de um verdadeiro mercado de capitais.
Seria lamentável que intenções e condições vantajosas, como as que existem neste campo, viessem a ser prejudicadas pela repescagem desses mamutes devoradores de dinheiros públicos que são alguns dos projectos referidos no sector da indústria, ou que viessem a ser prejudicados pela concretização de alguns dos objectivos em matéria de novas nacionalizações como os que decorrem do programa sectorial das comunicações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O limitado tempo de que o meu partido dispôs neste debate não me permite ir mais longe.
Acompanhamos e esperamos que este Governo ajude o País a vencer a crise de conjuntura.
Não confiamos, porém, na sua capacidade para resolver os problemas estruturais.
Aplaudi-lo-emos onde verificarmos que estávamos enganados. Caso contrário, encontrar-nos-ão sempre na primeira linha da crítica frontal, construindo uma alternativa digna da futura confiança da maioria dos portugueses.

Aplausos do CDS, de alguns deputados do PSD e do deputado Sottomayor Cardia, do PS.

O Sr. (Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira, para pedir esclarecimentos.

O Sr. César oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Morais Leitão, quando falou de estrutura produtiva perpassaram nas suas palavras as ideias de que as suas considerações tinham a ver com o passado próximo e não com a origem de desenvolvimento das estruturas produtivas portuguesas que existem na formação da sociedade portuguesa contemporânea no século XIX e até ao século XVIII.
Não ignora V. Ex.ª que a política e a vida económica portuguesa nos séculos XIX e XX oscilou sempre em o proteccionismo e o liberalismo -ou livre-câmbio, como queira - e, nomeadamente, foi proteccionismo que sempre imperou ao longo dos séculos XIX e XX,

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tenha ele o nome que tiver, em relação à formação das estruturas produtivas portuguesas contemporâneas.
Portanto, a minha questão é esta: como é que V. Ex.ª vê a transformação dessas estruturas produtivas dê um dia para o outro, de modo a que elas deixem de ser aquilo que sempre foram e deixem de gerar exactamente as situações políticas que sempre geraram neste país?
V. Ex.ª esteve no governo, o seu partido esteve no governo já por duas vezes, uma delas até durante 3 anos, pelo que pergunto: o que é que aconteceu à vossa acção nessa transformação das estruturas produtivas? Por que é que não foram mais além? Por que é que, ao fim e ao cabo, não transformaram a estrutura produtiva, independentemente da titularidade da sua posse?
Por que é que não houve a transformação das estruturas produtivas? Certamente porque elas, tal como existem, estão arreigadas historicamente na sociedade portuguesa e, se calhar, não podem ser transformadas de um dia para o outro.
Uma outra questão muito rápida é a seguinte: V. Ex.ª falou na burocracia. Ora, eu julgo exactamente que a raiz da burocracia, do gigantismo da máquina estatal. está efectivamente no salazarismo - e, repito, sobretudo no salazarismo. V. Ex.ª não teve uma palavra a esse respeito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão, para responder, se assim o desejar.

O Sr. Morais Leitão (CDS): - Sr. Deputado César Oliveira, muito obrigado pelo seu pedido de esclarecimento.
Devo dizer que gostaria de lhe responder mais completamente se dispusesse de mais tempo.
De qualquer forma, quero dizer-lhe que falei em estruturas produtivas em termos de rigidez e da falta de mobilidade nelas existentes. Não defendi que seja obra de um governo, nem que sejam obras transitórias. Eu sei os atrasos históricos que as nossas estruturas produtivas têm e não critiquei nem governos dos últimos anos, nem os do passado próximo. Fiz, sim, apelo ao sentido de uma resposta àquilo que é a mudança dos tempos do mundo de hoje.
Nós não podemos responder economicamente, em termos externos, se mantivermos a rigidez - em muitos casos causada pelo período transitório anterior à revisão constitucional, noutros casos provenientes de factores históricos anteriores - e, por isso, todos nós temos de fazer um esforço no sentido de mudar.
O que eu não acredito - e foi esse o sentido da crítica construtiva que fiz ao Governo- é que a mudança das estruturas produtivas deva partir do Estado para a sociedade e não deva ser o Estado a permitir à sociedade uma maior dinâmica dessa mudança.
É essa a nossa divergência.

Aplausos de alguns deputados do CDS.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Apresenta-se o IX Governo Constitucional à Assembleia da República. Fá-lo, apoiado na

maioria política mais ampla que até hoje foi possível estabelecer nos âmbitos parlamentar e governamental.
Noutras circunstâncias e para outras instâncias encontraram-se diversas maiorias políticas, das quais a que maior expressão teve até hoje foi a verificada no ano passado e neste Parlamento para efeitos da revisão constitucional.
Tais factos entroncam no pendor que desde 1976 se tem feito sentir, no sentido de se obterem maiorias estáveis para a condução da vida política nacional.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - A medida que o regime democrático se tem vindo a desenvolver, e, fruto até das suas próprias regras, tem-se evidenciado uma forte cooperação interpartidária, mais presente e sentida quando as questões a abordar e resolver se prendem com a natureza e consolidação do regime.
O IX Governo Constitucional não foge a essa realidade; pelo contrário, a sua génese e as circunstâncias que o determinarem, inserem-se, em primeira linha, na defesa do regime democrático.
O PSD, em coerência com os princípios que sempre defendeu nesta Câmara, e em particular em 1976, durante a discussão do 1 Governo Constitucional, está à vontade para reafirmar e reforçar esta postura.
Numa jovem democracia ainda não suficientemente estabilizada e consolidada, acrescida das dificuldades financeiras conhecidas, torna-se um risco desnecessário para o regime, a não existência de maiorias políticas.
Hoje, como ontem, defendemos a mesma posição.
O IX Governo tem como base um eixo central onde se localizam os dois maiores partidos políticos portugueses: o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata.
A partida tem sido referenciada por algumas forças e analistas a anormalidade de tal coligação, já que a mesma se fundamenta num acordo entre o maior partido que se encontrava na oposição e o maior partido que se encontrava no Governo.
Não deixa de ter relevo tal apreciação, requerendo por isso uma análise.
Em boa lógica formal e sem apelo à realidade política existente no nosso país, aquelas forças e analistas defendem que a sucessão ao governo da Aliança Democrática deveria ser assegurada por uma coligação dos partidos que lhe eram oposição, ou seja, aquilo que certa terminologia designou por «maioria de esquerdas.
A alternância seria então global, clara e manifesta.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - A alternância é entre os pregos e as fechaduras!

O Orador: - Só que tal exercício é meramente especulativo e não traduzível na prática.
A chamada «maioria de esquerda» nunca funcionou em Portugal no plano activo parlamentar e governamental e mesmo como bloco de oposição, assumiu posições distintas e muitas vezes dissonantes.
A própria maioria governamental nunca tratou a oposição por igual, separando-as, designando-as de maneira distinta, prefigurando-se desse modo concepções diversas de se ser oposição.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - A «maioria de esquerda» é uma quimera, e tal decorre, não se como alguns pretenderam invocar, do discurso eleitoral do Partido Socialista. em 1983, mas de toda a relação de forças que desde 1975 se estabeleceu na sociedade portuguesa entre o PS e o PCP.
Os socialistas sabem que se essa coligação alguma vez se consumasse não só o seu partido se reduziria substancialmente em termos eleitorais, como não teria no plano externo a credibilidade política requerida para a defesa dos interesses nacionais e para o ataque a necessidades financeiras de que o Estado e o País carecem.
É, pois, também um exercício de autodefesa aquele que o PS pratica evitando tal relação.
Neste momento, entraram subitamente na Sala algumas pessoas que entregaram um ramo de flores. Sr. Primeiro-Ministro, desdobrando em seguida cartazes com inscrições pacifistas e de recusa ao nuclear.

O Sr. Presidente: - Peço aos serviços de ordem o favor de fazer estas pessoas saírem da Sala.

Pausa.

O Orador: - Se o fizéssemos conduzir-nos-íamos num trilho de erosão e desgaste manifestos, consequência de uma presença em práticas políticas distintas, esbatendo-se o nosso cunho ideológico e minando-se a base sociológica que representamos.

Sr. Deputado Angelo Correia, peço-lhe desculpa desta interrupção intempestiva de que nem sequer me apercebi.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.

O Orador: - Aliás que coerência e lógica adquiriria um tal governo no âmbito da organização e concepção do Estado?

Que consenso mínimo seria estabelecido?

Tais interrogações transformam-se em verdadeiros motivos de negação dessa coligação.
A mera invocação automática da soma de votos ou de deputados do PS e do PCP, escamoteadora do projecto concreto que a consubstancia, é uma ilusão, um equívoco e o PCP sabe-o.
Sabe estar num beco sem saída.
Em democracia e face à postura que assume, nunca será poder em Portugal.
A única hipótese de o ser reside na alteração da natureza do regime, obtida pôr vias diversas, das quais uma delas foi tentada em 1975 apelando à chamada ligação Povo-MFA, que mais não era senão evitar a inserção das Forças Armadas no sistema democrático, acopulando-se-lhe o Partido Comunista de modo a lhes fornecer prestimosamente o ingrediente apaziguador de algumas greves e tensões sociais, aguardando o momento para verificar se valeria a pena manter esse equilíbrio precário ou, pelo contrário, passar à fase seguinte, ou seja, conduzir sozinho o processo.
Em Portugal o Partido Comunista só pode aspirar a ser Governo se o regime se «sul-americanizasse».

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Olhe os pregos ...

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, a rotação, a alternativa é a regra de ouro da vida democrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Com o actual espectro político e com as condicionantes decorrentes do posicionamento que o Partido Comunista auto-assumiu, a alternativa, após a realização de eleições, e caso seja consensual a necessidade de coligações de base maioritária, obriga a que o Partido político democrático que se encontrava na oposição celebre acordo com um dos partidos a que se opunha.
Não existe outra fórmula face à realidade política portuguesa e tal situação sendo real não pode ser assumida pelos sociais-democratas como a expressão da ínevítabilídade de um partido charneira, e muito menos que o PSD assuma tal perspectiva como sua.
Sendo certo que o partido comum aos governos cessante e actual é o PSD tal não pode nem deve ser entendido como a assumpção de que aceita tal papel, ou seja, a perspectiva de se colocar como um partido charneira.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O facto de estarmos hoje no Governo não é sintoma nem o pode ser de aceitarmos o papel de charneira.
Estarmos hoje no Governo é fruto de circunstâncias concretas e extremamente
inusitadas que se verificam no presente, e que convém por isso recordar:

Vozes do PSD: -Muito bem!

1 º Os conteúdos programáticos eleitorais dos Partido Socialista e do Partido Social-Democrata não manifesta um afastamento tão sensível e tão incompatível ao observado várias vezes no passado;
2 º A necessidade de dotar o País de um acordo político que evitasse uma eventual degenerescêncía do regime democrático, dependendo situações precárias, ou seja, minoritárias, sujeitar o regime a forte pressão política e social é permitir que o País não encontre governo estável que assegure o funcionamento normal do Estado e a tranquilidade requerida pelo País.

O Sr. Lemos Damião (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Permitir a sucessão de eleições antecipadas, erigindo a sua realização em factor de normalidade é invariavelmente fazer aumentar a desconfiança, a apatia e a descrença dos cidadãos nas instituições, que apenas lhes fornecem um ritual, mas não o essencial que decorre do processo democrático, ou seja, o governo estável dos portugueses e para os portugueses;

Aplausos do PSD e do PS.

Permitir sobretudo nas delicadas situações financeiras que atravessamos uma debilidade parlamentar e governamental seria

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potenciar um desequilíbrio constitucional que poderia degenerar ou num esvaziamento do quadro interpartidário ou até numa regressão tendente à adulteração do regime;
Estamos, pois, perante uma questão nuclear que predispôs o PSD a encarar favoravelmente a coligação;
Negá-lo poderia desvalorizar o regime, debilitando-o, e deixando-o à mercê;
A nossa aposta nesta coligação é consequência da nossa aposta no regime, e é em nome dele que nela estamos, participamos e nos empenhamos;

Vozes do PSD:- Muito bem!

3.º O facto de o Partido Socialista ter colocado como questão fechada e decisiva a existência de um Governo de base maioritária;
4 º A colocação do Centro Democrático Social como partido claramente de oposição, atitude legítima que a sua direcção assumiu face aos resultados eleitorais, não se predispondo a qualquer coligação com o Partido Socialista. -
5.º O facto de as eleições legislativas terem evidenciado um resultado obtido pelo PSD que não poderia ser considerado como censura ou desencanto da sua base eleitoral face às suas perspectivas futuras.
O Governo PS/PSD é uma realidade que esta Assembleia irá confirmar.
A sua razão de ser é, pois, a de- reforçar o regime democrático e o seu maior é atacar a questão financeira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, esta lógica, sendo legítima, pode, todavia, conduzir a graus diferentes de durabilidade da coligação.
O primeiro temporalmente marcado pela situação de emergência. Emergência política e económico-financeira.
Nessa perspectiva, vencidas as dificuldades imediatas para as quais razões e interesses nacionais esbatem e diluem fronteiras ideológicas, e se convertem no imediato, no urgente, no imprescindível, a coligação estaria esgotada.
Mas, noutra perspectiva, isto é, se o modelo subjacente à organização e funcionamento do Estado, ao seu papel e âmbito, for algo de mais permanente, então a coligação vingará para além do período de emergência e encetará «os planos de «recuperação económica e financeira» e de «modernização da sociedade portuguesa».
Nessa última circunstância, o imediato cede à visão do longo prazo.
O conjuntural ao estrutural.
A visão ideológica assume-se e traduz-se.
O Governo, sobretudo através do discurso do Sr. Primeiro-Ministro, apostou nesta segunda perspectiva.
Ela é possível, mas para isso não pode nunca escamotear-se a visão de conjunto a longo prazo. Ela não implica uma fusão ideológica de dois partidos, não pressupõe a sua aproximação falsa nem a diluição de cada um deles no conjunto que representam, mas traduz, sim, e obrigatoriamente, a assunção do transfundo cultural ideológico necessário à concretização dessa política.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: -Ela articula-se com o objectivo da integração europeia, com a construção do Estado Democrático, com a simbíose da liberdade e da justiça social.
O Programa de Governo apresentado tem suficientes elementos que permitem encarar como possível esta visão.
Mas será a sua prática, será o Governo quem vai condicionar a sua durabilidade.
O Governo deverá privilegiar os cidadãos, a quem incumbe explicar o porquê, o para quê e o como das medidas.

E dispiciendo falar em crise se ela não for explicada aos portugueses e estes não a assumem também como quota parte sua.
Não é suficiente falar de crise, tratá-la financeiramente mas deixar que alguns portugueses continuem a pensar que isso é uma criação da classe política, ou que o necessário é cada um «salvar-se a si próprio», ou que isso não lhes diz respeito.
Os Portugueses compreenderão a realidade se esta lhes for perceptível. O Governo não deve tomar as medidas sem as explicar.
Não pode refugiar-se na citação do «alto interesse do Estado» ou em expressões de elevado conteúdo técnico, mas que ao povo nada dizem, que ao povo pouco significam,
A coligação PS/PSD tem de tratar os cidadãos como adultos, e como tal pôr-lhe os problemas com frontalidade, vontade e responsabilidade.
O País deve sentir o Governo como fazendo o que é preciso. e necessário.
A coligação não pode pensar e dar como permanentemente adquirido o apoio social e eleitoral das forças e cidadãos que lhe expressaram o seu voto.
A coligação tem de os conquistar em permanência, numa luta contra os adversários, talvez contra si própria por vezes.
A coligação PS/PSD poderá sempre invocar a sua base de apoio se mantiver um diálogo constante com o País. Diálogo em dois sentidos.
Dos órgãos institucionais para o País explicando. e motivando, mas do País para aqueles chamando à colocação os problemas mais sentidos e reais do povo.
Mas o diálogo não pode ser confundido com a cedência gratuita. Ouvir para ser criticado e corrigir o caminho, com certeza, mas sem abdicação das traves mestras que norteiam o percurso.
Se o diálogo nacional que a coligação estabelece degenerar em constante ziguezaguear sem norte, sem rumo, perdendo o lastro ideológico e programático que o informa, a debilidade será manifesta e a durabilidade limitada.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador:- Por outras palavras, a coligação enceta um diálogo no pressuposto que tem aferido e explicitado perante si própria o modelo que lhe está subjacente.

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Dialogar sem o próprio saber o que quer, sem se assumir a si próprio é uma- inutilidade. As intervenções dos Srs. Deputados Membros do Governo e de
deputados da maioria mostram um propósito e uma aproximação a um modelo que constitui um bom presságio.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, seja-me permitido referenciar dois membros do Governo: em concreto: os Srs. Primeiro-Ministro e Vice-Primeiro-Ministro.
Sr. Primeiro-Ministro, não escondemos nem fazemos tábua rasa do passado. Por vezes no passado não está vamos de acordo com V. Ex.ª. Mas, mesmo nessa altura,
os elementos de união a V. Ex.ª foram substancialmente
maiores do que os de afastamento.
Nenhum democrata português, nenhum cidadão de boa fé pode recusar a V. Ex.ª os epítetos de homem de Estado, de democrata e de patriota.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Não precisamos hoje de o reafirmar, porque fizémo-lo quando participávamos em blocos de poder distintos.
Hoje testemunhamos-lhe apenas e sobretudo a nossa solidariedade, o nosso apoio e a nossa vontade. Sr. Vice-Primeiro-Ministro, se o PSD pôde estabelecer uma
coligação com o PS tal se deve, e em muito, à presença de V. Ex.ª na liderança do Partido.
Sem um resultado eleitoral favorável, o PSD teria de se assumir como oposição. E se hoje o não é, a sua pessoa, capacidade e determinação muito o explicam.
É V. Ex.ª um símbolo a conglomeração dos sociais-democratas.
O apoio que testemunhamos nesta Câmara será aquele que sempre os
sociais-democratas manifestaram à sua liderança.

Aplausos do PSD e do PS.

Em VV. Ex.ªs, Srs. Primeiro-Ministro e Vice-Primeiro-Ministro, revêem-se os dois partidos da coligação.
Com esperança e com dedicação.
Aliás, a experiência de cooperação interpartidária tem sido, desde 1977, um exemplo essencial ao robustecimento da nossa Democracia. Desde o plano par
lamentar no qual sobressaem os esforços expressos para a Revisão Constitucional, às experiências governativas PS/CDS, à da Aliança Democrática e à presente coligação, o País apercebeu-se do entendimento possível e visível entre os partidos políticos.
Recordamos hoje 1977 e as leis de estrutura do sistema económico na generalidade e hoje ainda em vigor foram objecto de diálogo e empenho do PS e do PSD nesta Assembleia desde a Lei de Delimitação de Sectores às indemnizações, passando pela Lei de Bases da Reforma Agrária e do Arrendamento Rural, foi possível travejar áreas sensíveis e importantes da vida portuguesa.

O Sr. Abílio Curto (PS): - Muito bem!

O Orador: - Num momento de verdade, no mo mento da verdade em que as facturas do passado se vencem hoje. sem apelo nem agravo, no momento em que o rigor vai ser ainda mais sentido por todos, e por todos o deve ser, desde o Estado - e perfilhamos o ponto de vista do Sr. Deputado Morais Leitão - aos cidadãos, é necessário' o mesmo empenho, o mesmo espírito de patriotismo, a mesma vontade e a mesma percepção quanto aos caminhos a seguir.
Fizemos a campanha eleitoral falando de dificuldades e de esforço para as ultrapassar. Não alteramos hoje o nosso discurso.
Assume o Governo a emergência que sente ser indispensável. Enceta o Governo a modernização que o País reclama.
Governe o Governo para o País, sem olhar a grupos concretos, antes olhando o todo nacional, e o País compreenderá a dificuldade, colaborará na acção e propiciará a recuperação que todos desejamos.
Não é fácil o caminho, talvez mesmo o mais doloroso que até hoje atravessámos.
Mas é necessário criá-lo porque só assim salvaremos o Estado democrático, dignificaremos Portugal e construiremos a nossa liberdade.
Estamos com o Governo para essa missão.

Que a cumpra, já que o apoio não lhe faltará: nosso e do País.

Aplausos do PSD, do PS e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Aguardávamos com expectativa a intervenção do Sr. Ministro da Agricultura. Por certo que o responsável por um dos sectores mais importantes e delicados da nossa sociedade teria alguns esclarecimentos a prestar a esta Assembleia da República.
Mas o Sr. Ministro optou por retirar a sua inscrição na lista dos oradores. Entrou mudo. Parece que vai sair mudo. É grave, Srs. Deputados, é mesmo muito grave.
O Sr. Ministro nada nos vai dizer sobre as intenções e medidas preconizadas para o seu Ministério. Não nos informa sobre as soluções que prevê para os gravíssimos problemas existentes no sector.
Pela nossa parte temos algumas dúvidas que passamos a expor e para as quais pretendemos obter respostas do Governo.
As medidas apontadas no Programa governamental para o sector agrícola, contrastam com os seus veementes apelos à superação da crise, pois aquelas só poderão começar a dar o seu efeito - se o derem a médio e longo prazo.
As medidas são para uma agricultura que se tenciona ter e não para aquela que temos efectivamente.

Face às características da nossa agricultura, as questões que pomos são as seguintes:

O Governo não indica as medidas que vai tomar para, sem perder de vista a perspectiva do desenvolvimento ou seja, de crescimento associado à justa redistribuição dos rendimentos, aumentar a produção agrícola nacional de modo a atenuar a nossa situação demasiado crítica de dependência externa ,em bens alimentares de primeira necessidade.
O Governo pretende a adesão à CEE, a qualquer preço e no prazo mais rápido possível, mas

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não diz claramente como compatibiliza a existência e defesa dos interesses dos pequenos agricultores, tendo em conta a incapacidade dos restantes sectores económicos do País e da emigração para absorver a mão-de-obra excedentária que, nessas circunstâncias, seria liberta em larga escala, provocando o colapso da maioria das nossas explorações agrícolas e o desemprego em massa.
Uma vez que o arrendamento rural ainda é a forma porque são exploradas cerca de 36 % das nossas explorações agrícolas, em especial nas zonas de pequena exploração e conhecida a sua forte influência sobre o aproveitamento total do solo, a produção e a redistribuição dos rendimentos, consideramos francamente pouco o espaço e o conteúdo vago debitado a esta questão pelo Governo no seu programa, pelo que pedimos que este ponto seja aqui explicitado,
pormenorizando-o mais, nomeadamente no que diz respeito:
A segurança do rendeiro e família e da sua exploração agrícola;
Ao justo equilíbrio entre os interesses do rendeiro e do proprietário, nomeadamente se este é de fracos rendimentos ou é emigrante;
O Programa do Governo, e muito em especial sobre a Reforma Agrária, não se refere uma única vez às cooperativas de produção constituídas por trabalhadores rurais.
É caso para perguntar como pensa o Governo repor a justiça e a lei na zona da Reforma Agrária e promover o seu desenvolvimento e contributo para o aumento, a curto prazo, da produção nacional, sem ter. em conta aquelas organizações de trabalhadores, existentes ou a constituir, como formas de organização de produção, de inegável importância económica e social adaptadas às características estruturais e sócio-culturais da região.
A propósito, Sr. Ministro, na ofensiva à Reforma Agrária foram entregues imensas reservas a agrários. Por esse motivo as cooperativas recorreram para os tribunais.
O Supremo Tribunal Administrativo proferiu 170 acórdãos favoráveis às cooperativas e destes 114 transitaram em julgado.
Para repor a legalidade, Srs. Deputados e Srs. Ministros, não podem ignorar-se as decisões do Supremo Tribunal Administrativo.
Ao longo de todo o articulado fala-se em privilegiar a formação de jovens empresários agrícolas cuja existência e vontade de permanecer na agricultura se desconhece, esquecendo totalmente que neste momento quem está na agricultura são pessoas relativamente idosas, realidade completamente ignorada no texto do Governo e que não pode ser afastada numa perspectiva de promoção da produção a curto prazo - 45 % dos agricultores têm mais de 55 anos; 69 % mais de 45 anos; 44 % são analfabetos e 55 % apenas sabem ler e escrever.
Do mesmo modo o Programa do Governo refere-se sempre à agricultura empresarial, à promoção e defesa do agricultor-empresário da empresa agrícola viável. Acontece que as estatísticas oficiais apontam para a existência de cerca de 78 % de explorações com me

nos de 4 ha, subindo esta percentagem nalguns distritos do norte litoral até cerca de 90 %, com médias por exploração de 2,2 ha. É, portanto, uma agricultura minifundiária e predominantemente camponesa. Quando lhe são dadas condições, produz e produz bem, como se pode verificar com o exemplo do leite, que duplicou a sua produção em menos de 10 anos.
Outro ponto diz respeito ao problema da saúde e também ao homericamente que o Sr. Ministro da Saúde passa nesta discussão do Programa do Governo sem dar uma palavra a esta Câmara no tocante às intenções que o movem num dos problemas mais sérios e graves da nossa sociedade.
Como dizia, outro ponto preocupante do Programa do Governo diz respeito à política de saúde que esconde ideias antiquadas e conservadoras com uma linguagem rebuscada que nem por isso é moderna.
Há ideias e expressões que nos transportam para as reformas de 1902, progressistas para o seu tempo, mas hoje naturalmente obsoletas. Expressões e conceitos arcaicos como higiene escolar, higiene de trabalho e higiene comunitária, não só estão presentes como algumas se repetem nas sete páginas dedicadas à saúde.
Para mascarar esta evidência decorre-se à demagogia como se patenteia, por exemplo, nos 2 longos parágrafos das pautas 2.1.4 e 2.1.5, em que se fazem Togas promessas com curtas ou inexistentes perspectivas da sua concretização.
A incompetência técnica é patente no que se refere ao conceito e planeamento da saúde, gestão dos serviços de saúde, carreiras e formações profissionais, tipos de intervenção, etc.
Falta por completo a perspectiva mínima, qualquer preocupação quanto ao que se pensa do equilíbrio a alcançar na dialéctica profissionais da saúde-população, elemento fulcral de uma política de saúde.
Mais do que isso ameaça-se com o autoritarismo e «à força do Estado», que é, aliás, filosofia e essência de todo o Programa deste Governo.
Quando se refere «o baixo nível de educação sanitária - hoje diz-se educação para a saúde - da população» responde-se-lhe singelamente com a «definição de programas da educação sanitária».
Da mesma forma ressaltam a filosofia autoritária e a utilização dos métodos repressivos a substituir a mobilização e a participação quando se refere ao «consumismo exagerado dos cuidados de saúde» ou ao controle do absentismo.
Pode dizer-se, em síntese, que falta ao programa a definição clara de um padrão definido e moderno de saúde.
Não se opta pelo fulcro das relações de serviços de saúde-população, mas também não se opta por um cariz marcadamente tecnicista ou tecnocrativo com o que não concordaríamos, mas que seria entendível numa concepção social e reformista social-democrata que não é corajosamente assumido.
Surge, assim, um rol de intenções no campo da saúde onde nada se garante quanto à correcção de medidas concretas a adoptar e muito menos que se possa inferir que se pretendem colocar pessoas competentes neste como noutros sectores da vida portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As medidas ontem à noite anunciadas ao País pelo Ministro das Finanças e do Plano carregam sombriamente o panorama resultante do Programa do Governo.

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Se estar perfeitamente de acordo com a orientação geral expressa pelo Governo de que «a taxa de expansão da massa salarial não poderá acompanhar a taxa de crescimento do nível médio de preços», como concilia-las, tal como foram expostas, com a afirmação de que no tocante aos produtos básicos, devem ser salvaguardados « os necessários ajustamentos em casos específicos de evidente necessidade social», tal como disse o Sr. Ministro das Finanças?
A tal respeito, as declarações do Sr. Ministro das Finanças são totalmente omissas e seria bom que tal ponto fosse esclarecido, tanto mais que os aumentos de preços anunciados atingem mais gravosamente as camadas de menores rendimentos e mais desprotegidas da população.
As medidas fiscais pouco dizem e parece que o seu anúncio se destina a «temperar» o ónus lançado sobre os rendimentos do trabalho.
De qualquer modo, cabe perguntar se não afectarão igualmente e portanto injustamente - os empresários que apostam numa actividade económica normal e aqueles que fazem do lucro especulativo a base da sua actividade e engrossam o ciclo infernal da economia clandestina do País.
Sairia natural que, ao tomar medidas tão gravosas no domínio económico e social como ás que anunciou, na sequência da desvalorização do escudo e incluindo esta, o Governo tivesse em atenção o que declara no seu próprio Programa em matéria fiscal: «o Governo utilizará a política fiscal como instrumento para a defesa do poder de compra das famílias portuguesas e para a correcção de desigualdades sociais injustificadas ...».
O Governo declara que não tenciona rever o orçamento do Estado provisório para o ano em curso.
Pergunta-se: aquela intenção, a concretizar-se, cai fora das coordenadas do programa conjuntural de emergência anunciado no Programa do Governo? Não é uma emergência corrigir desigualdades sociais injustificadas?
A política fiscal não é o único instrumento disponível para o conseguir.
O próprio Programa do Governo contém orientações e medidas que, se entendidas benevolamente, concorreriam para minorar os graves efeitos que terão nas famílias de economias mais débeis os aumentos de preços anunciados e dos que se lhe seguirão em cadeia.
Mas nada se decide quanto à revisão das remunerações mínimas, das pensões do regime geral, do regime dos rurais, das prestações de segurança social, da redistribuição dos benefícios sociais da segurança social em função dos sectores mais desfavorecidos.
As medidas anunciadas ontem pelo Governo, por si mesmas e desenquadradas de qualquer preocupação social, são de mau augúrio, fundamentam, avolumando-as, as razões da nossa oposição ao projecto global deste Governo.
A solene afirmação do Programa de que este Governo «terá sempre por objectivo a máxima realização possível da justiça social, dentro dos recursos disponíveis» -não passará, assim, de uma afirmação sem sentido que invalida à partida a legitimidade que este Governo a si próprio se arroga de pedir uma trégua política e social.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (INDEP.): -Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Li com atenção o Programa deste IX Governo e ouvi não menos atentamente oradores brilhantes e conhecedores dos' meandros da economia do nosso país, dando esclarecimentos aprofundados, a não menos profundas e pertinentes perguntas.
Tenho uma ideia clara: a de que as questões do ambiente e da poluição são renegadas para segundo plano. Falou-se muito em quantidades, mas muito pouco em qualidade e utilidade. Ora, com as políticas realizadas até aqui, o corpo do nosso país está mais maltratado do que o do «malandro» da conhecida canção de Chico Buarque de Holanda.
Os remédios aqui apontados para tais enfermidades variam conforme os médicos, mas os que as vêm tratando ultimamente, e os que se propõem tratar-lhe da saúde actualmente, ou seja, este Governo, precedem esses medicamentos de muitos «ses» o que faz suspeitar de que alguns não poderão ser obtidos na farmácia Portugal.
Pede-se a um País em certas áreas, em regime de «salve-se quem puder» ou «quem tem unhas é que toca guitarra» ou «quem se lixa é o mexilhão», que participe no remendar de uma estrutura económica e social condenada à ruína em médio prazo, talvez mais depressa do que pensamos por não levar em conta as reais potencialidades humanas, técnicas e naturais de cada região e por conduzir a uma irracional exploração da natureza pelo homem.
Quem semeia ventos, colhe tempestades e quem brinca com o fogo, queima-se, diz o nosso povo e com razão, pois estamos a colher os frutos da estúpida política de contaminação, esbanjamento e desertificação respectivamente de águas, recursos naturais e antigos solos agrícolas, além do abandono de várias regiões, por milhares e milhares de homens a quem não são dadas as mínimas condições de vida.
Vejo ao longo do Programa do Governo a preocupação de conciliar dois anseios, quanto a nós opostos, como é, por um lado, a prosperidade de muitos agentes de uma rede económica que assenta o seu êxito na exploração de uma multidão que pretende cegamente consumista, e, por outro, os interesse dos defensores de uma real política de protecção do consumidor não só do actual, mas principalmente da geração que começa a emergir e que merece receber um mundo em que valha a pena viver.
Toda a política que tente conciliar a ambição dos primeiros com os sonhos dos segundos, está a querer fazer coabitar lobos e cordeiros.
Vai-nos ser pedido uma posição sobre este Governo. Confiança, sim ou não?
A nossa posição resultará, pois, da percepção de que a tentativa de pretender-se agradar a gregos e a troianos levará esta equipa governamental a não conseguir atingir a maior parte dos seus objectivos, muitos dos quais nem são os nossos por razões de princípio, como seja a política de modernização do equipamento do sector militar, que tem exigido e continuará a exigir uma boa fatia do esforço de todos nós, sem mais benefícios senão o de acumular futura sucata e ferro

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velho, além dos gastos de combustíveis, fardamentos, parque automóvel, construção de novos e modernos edifícios, informática, sobresselentes, etc.

Estas palavras têm origem apenas na tomada de consciência que, neste momento, de crise para todos, se deveriam canalizar os esforços e a criatividade para a reconstrução do País, e as forças armadas, actualmente existentes, deveriam especializar-se no apoio à sociedade civil, por exemplo, no tocante à protecção dos pescadores, fiscalização das nossas águas e apoio à vigilância de florestas, que vão voltar a arder como é costume num gigantesco braseiro, que se estende de Norte a Sul do País, como triste atracção turística do nosso Verão.

Este Governo só poderia ter o nosso apoio:

Se os nossos rios entrassem em convalescença;
Se a vigilância do nosso mar permitisse a reconstituição dos fundos marinhos e respectiva fauna destruídos pela pesca do arrasto;
Se fosse tomada uma atitude firme quanto à caça das baleias e dos demais mamíferos marinhos protegidos por lei, reconvertendo o que fosse necessário reconverter;
Se Portugal actuasse contra quem pretendesse despejar contentores de detritos nucleares fosse nos Açores ou na Galiza e, neste caso, em colaboração com a Espanha;
Se se caminhasse no sentido da reciclagem, tratamento e aproveitamento de lixos e águas dos esgotos;
Se a discussão sobre o nuclear fosse aberta, participada e não se tratasse de um bluf;
Se o cooperativismo e autogestão fosse apoiados, assim como a criação de quintas experimentais, onde jovens investigadores em regime de comunidade liberta praticarão agricultura biológica e o estudo e aplicação de tecnologias doces fazendo de escola para outros jovens;
Se as reservas e os parques naturais, hoje absolutamente indefesos, fossem equipados com quadros de vigilantes e técnicos, e onde os jovens poderiam ter um papel importante, seja através de programas de ocupação de tempos li. vres, seja como primeiro emprego;
Se no campo da investigação se apostasse também no estudo para a aplicação de práticas alternativas no campo das energias doces, alimentação, habitação, reciclagem, etc.;
Se as minorias fossem respeitadas, e a objecção de consciência fosse mais que um direito no papel;
Se as máquinas publicitárias não pudessem jogar com as emoções profundas do ser humano, para satisfazer os seus clientes;
Se se combatesse efectivamente a entrada em Portugal de mariscos para viveiro, peixes de aquário, aves e mamíferos exóticos e gado para abate sem os respectivos boletins de inspecção sanitária;
Se os sapais, dunas, rias e pinhais e, em geral, toda a área de contacto com o mar ou lagoas fosse deixado livre, sem a proliferação das indústrias e da habitação clandestina ou urbanizada que ameaça matar essas zonas ecologicamente tão importantes como sensíveis;
Se os fogos das nossas florestas diminuíssem em número e extensão devido ao ataque rápido e eficiente de estruturas de emergência que cremos serem possíveis já!
E, principalmente, se o vasto e diversificado movimento associativo de base, que se preocupa com os problemas do ambiente e do património cultural, fosse chamado a participar, nacional e regionalmente, no vasto esforço para permitir que haja um amanhã para todos nós onde, partilhando a natureza respeitada, o homem possa olhar o seu semelhante com esperança e amor.
Então, sim, teríamos, a nosso ver, um Programa. um Governo, e a resolução dos problemas.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para solicitar um esclarecimento à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Presidente, gostaria de saber se a seguir ao intervalo vamos entrar na última fase deste debate, uma vez que, segundo as informações que possuo, não existe mais nenhum orador inscrito, ou se prevêem novas intervenções ainda no quadro do debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se depois do intervalo houver oradores inscritos, eles poderão usar da palavra dentro do tempo que têm disponível.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Então concluo que neste momento não há oradores inscritos.
Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sim, efectivamente não há inscrições, mas podem ainda inscrever-se depois do intervalo.

Srs. Deputados, antes de suspender a sessão para iniciarmos o intervalo regimental, gostaria de dar conhecimento à Assembleia de que, numa reunião que tivemos há pouco, os grupos e agrupamentos parlamentares acordaram unanimemente em conferência de 1€ deres parlamentares, que, por razões decorrentes do elevado número de iniciativas legislativas entradas na Mesa nas últimas sessões, o Presidente da Assembleia da República poderá dar as mesmas por admitidas para além do prazo estabelecido no artigo 136 º do Regimento, produzindo, porém, efeitos na data própria do prazo legal. Estão nestas condições os projectos de lei e as ratificações entradas até ontem na Mesa, contando desde hoje os prazos de recurso previstos no n.º 2 do artigo 137 º do Regimento.
Esta facilidade é concedida em virtude do número exagerado de projectos de lei e de iniciativas legislativas de vária ordem e por nem os serviços, nem. a própria Mesa, nem o Presidente estarem em condições de lhes dar vazão, digamos assim, nos prazos exactos previstos no Regimento. Contudo, isto não altera a faculdade de qualquer Sr. Deputado interpor os recursos que quiser dentro dos prazos estabelecidos.

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Está suspensa a sessão por 30 minutos e lembro aos líderes dos grupos parlamentares que temos uma reunião durante o intervalo.

Eram 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente da Assembleia da República Srs. Deputados:
Cabe a este Governo a missão de levantar Portugal da crise em que se encontra, dirimindo definitivamente em favor da democracia o conflito fundamental na evolução recente da sociedade portuguesa.
O povo, português saudou com entusiasmo e esperança na sua própria dignificação e progresso, o anúncio da implantação do regime democrático, pela triunfante revolução de Abril de 1974.
Porém, - quando a confraternização ainda parecia geral e os aplausos calorosos ao anúncio do novo regime ainda se não tinham esbatido, já diversas forças, todas as forças que não sabem viver e conviver ano liberdade e na tolerância, contra ele conspiravam.
A partir desse momento, que já parece longínquo, abriu-se o conflito que tem dominado, até ao presente, toda a vida nacional, que tem constituído o pano de fundo do cenário político português, confronto que, em essência, opõe as concepções democráticas às concepções totalitárias do homem e da sociedade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Certamente, o quadrante democrático tem cometido erros, sobrevalorizando por vezes o secundário em detrimento do essencial, por vezes pondo excessiva ênfase em coisas menores. Certamente, o regime democrático tem-se deixado enlear com frequência por sofismas que têm paralisado a sua acção. Todavia, nem a debilidade é a essência da democracia nem aos democratas, apesar dos erros cometidos, se podem assacar culpas ou as maiores culpas pelo estado de grave crise a que chegou o País. As forças da desordem e da agitação, as forças que visam a implantação ou a reimplantação de um regime autoritário em Portugal, essas, sim, são verdadeiramente, as responsáveis pela crítica situação actual. Agitando sem cessar, são factores desencadeantes de crises e, com isso, impedem a estabilidade, sem a qual não é possível dar execução a qualquer plano ou continuidade a qualquer acção, por mais bem gizados ou concebidos que sejam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não me deterei na descrição de todas as formas com que se tem manifestado tal conflito, formas algumas vezes ostensivas, outras vezes veladas. Também não me proponho marcar-lhe com precisão os contornos que tem assumido, -nem despi-lo das vestes em que muitas vezes se esconde. Quero apenas afirmar que, sem tal perspectiva, somente se conhecerá o acidental e o superficial, mas jamais se compreenderá o essencial das coisas. Em contrapartida, para quem analisar por esse prisma o complicado xadrez político português, toda a trama da vida nacional ganha merediana clareza, ficam explicadas a constância da agitação social, a reinvindicação sistemática e demagógica, a confusão veiculada para a opinião pública, a agudização malévola de todas as contradições menores da sociedade portuguesa e até convergências susceptíveis de deixar boquiabertos os menos prevenidos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: -Alguns pior informados e mais impacientes, ignorando esta realidade, perante a permanência da situação de crise, denotam, aqui e além, menos confiança na aptidão do regime democrático para resolver os problemas nacionais. Na sua ingenuidade, esquecem que o seu desânimo e a sua descrença são o entreabrir da porta por onde pode entrar o adversário, por onde poderão penetrar os sequazes do totalitarismo, frustrando o esforço ingente que em 1975 todo o quadrante democrático, com grande destaque para o PSD e PS, teve de desenvolver para evitar o colapso da democracia.

Aplausos do PS do PSD e da ASDI.

O Orados: - Sem estabilidade e continuidade governativa não é possível disciplinar e aumentar a produção nacional, acumular a riqueza necessária ao investimento privado ou público, pôr termo aos elevados défices do Orçamento Geral do Estado e das contas com o exterior; sem estabilidade e continuidade governativa não é possível extinguir ou sequer reduzir o endividamento externo, combatei a inflação e o desemprego, proporcionar aos portugueses habitação, ir em auxílio dos reformados, dos pensionistas, dos doentes, dos inválidos e dos deficientes, tornar mais promissor o futuro dos jovens, etc., etc.; enfim, sem, a estabilidade e a continuidade governativa não é possível elevar o nível de vida do povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, desde há muito, vimos defendendo que a condição primeira da recuperação nacional - recuperação que o povo reclama, designadamente a recuperação económica- é dotar as instituições democráticas da estabilidade necessária à governação do País. Por isso, entendemos que quem defender a estabilidade do governo está pela recuperação, e quem contrariar tal estabilidade está com a degradação.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Jaime Serra (PCP): - Já o Salazar falava assim!

O Orador: - Nesta opção, entre a estabilização e desestabilização que a todos se põe não é permitido pela ética democrática e nacional a passividade ou a neutralidade, sendo obviamente legítima a discordância programática.
O País conhece já a opção feita pelos sociais-democratas e pelos socialistas. Por isso, são eles o suporte do Governo que a este parlamento se apresenta a solicitar a investidura na plenitude de funções, para mudar Portugal. Seguramente, o entendimento entre os dois grandes partidos políticos, o Partido Social-Democrata e o Partido Socialista, não foi fácil de alcançar. São dois grandes partidos com personalidade muito vincada e que desconhecem no seu ideário e na sua

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praxis subalternização. Houve, por isso, para o eregir, naturais dificuldades a vencer e a contornar, mas o reconhecimento de que a convergência dos seus esforços, na intangibilidade de dignidade e dos interesses fundamentais de ambos, era a única forma de servir o País e defender o regime democrático, a tudo se sobrepôs.

O Sr. Manuel Maria Moreira (PSD): -Muito bem!

O Orador: - Foi por isso possível o entendimento em bases realistas, certamente com cedências mútuas, mas adequado a evitar perigosos bloqueios políticos e a afastar certos freios que vinham impedindo a recuperação e o desenvolvimento económico do País. Além disso, o acordo firmado pelos dois partidos teve também em conta o querer profundo da sociedade portuguesa, favorável a soluções evolutivas de sentido reformista e de mudança, moderadas e realistas, na liberdade, no convívio saudável e tolerante entre os cidadãos, no respeito pela dignidade da pessoa humana - querer popular que se afasta do imobilismo e condena o radicalismo.

Vozes do PS, do PSD e da ASDI: - Muito bem!

O Orador: - Por isso, o PSD, sem deixar de assumir toda a sua identidade, passado e compromissos anteriores, está na coligação por imperativo patriótico e democrático, que lhe foi imposto pela inequívoca escolha do eleitorado em o tornar determinante nas decisões.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

A abertura dos sociais-democratas na busca de soluções que acautelassem os interesses nacionais e democráticos foi de tal ordem que intentou uma concertação ainda maior dentro da grande família democrática, convicto como estava e está de que, para além das diferenças programáticas, todos os que a ela pertencem têm duas plataformas comuns - o País e a democracia. Tal não foi conseguido, por razões que nos ultrapassaram, mas, ainda assim, foi possível chegar a solução baseada no consenso de cerca de 65 % do eleitorado português.
Tem o Programa do Governo - e a determinação que será posta na sua execução - a virtualidade de começar a solucionar os problemas mais prementes, colocados na hora presente à sociedade portuguesa. As críticas que lhe foram dirigidas não lhe abriram brechas e para elas dá o Programa explícita ou implicitamente, respostas claras e apropriadas.
Quero sublinhar algumas.
O Governo, com a legitimidade democrática que lhe advém da sua robusta maioria, exercerá, sem complexos, a autoridade do Estado, única forma de garantir os direitos do cidadão e não de os limitar...

Uma voz do PCP: - Vê-se logo!

O Orador: - ... Ao contrário do que minorias parlamentares aqui afirmaram. Não há comunidade nacional, nem garantias cívicas, sem exercício dos poderes soberanos do Estado, no quadro constitucional - isto é, sem cumprimento das leis e ordens legítimas. A Nação sente-o e deseja-o para salvaguarda da democracia e satisfação das aspirações dos cidadãos à segurança, à convivência pacífica e ao trabalho.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Empreender-se-á a moralização de toda a vida pública portuguesa e o combate sem tréguas à corrupção, pela via primitiva e preventiva, esta última ligada à necessidade nacional de desburocratizar e suprimir o intervencionismo onde não tenha justificação social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A autonomia regional dos Açores e da Madeira será consolidade e aprofundada, na perspectiva de uma eficaz garantia da unidade nacional, que tenha sempre em conta os interesses .específicos das regiões autónomas. Esta linha de opção está consagrada com ênfase no Programa, com concretização explícita e referências implícitas, contando-se, por exemplo, entre estas: o apoio às tarefas de reconstrução dos estragos causados pelo terramoto dos Açores de 1980; o esforço financeiro possível, adequado aos investimentos em curso ou necessários à correcta cobertura dos custos -de insularidade; a consideração dos interesses específicos regionais expressos pelos órgãos de governo autónomo, designadamente em matéria de defesa nacional e de negociações internacionais; e a vontade de desbloquear dossiers pendentes em vários ministérios.
O Poder Local, ainda hoje aqui especificamente abordado, será reforçado, como forma genuína de realização da ideia democrática, conjuntamente com a promoção do desenvolvimento das regiões interiores, através do reconhecimento da justiça e equidade da noção de custos de interioridade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Agrave situação económica será enfrentada com realismo, seriedade e coragem, sendo estes atributos medidos, não pela procura da popularidade fácil, mas pelo serviço efectivo à comunidade. O Governo já demonstrou, em recentes, medidas, não fugir às responsabilidades, nem procurar a demagogia.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A sua acção pauta-se pelo realismo e aponta para uma sequência de objectivos que se exprime no corrigir, no recuperar, no modernizar, tudo a significar que o Governo não veio para pactuar com a crise, mas para a vencer, reformando estruturas onde houver bloqueios. Só esta política, esclarecida e realista, sem preconceitos, pode, desencadear a necessária confiança dos agentes económicos, públicos e privados.

Vozes do PSD: - Muito bem!

U Orador: - O rigor económico, a ponderação da impossibilidade de olvidar o problema da produção, quando se equacione o problema da distribuição, justificam-se por serem o único caminho de obtenção do bem-estar real e da justiça social e da satisfação dos direitos económicos e sociais dos cidadãos e, em particular, dos trabalhadores. Nunca esta preocupação de

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realização máxima de justiça social, no quadro do possível, podia deixar de ser inspiradora de uma coligação animada pelo espírito reformista e que representa a
esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
A não ser que quatro entre menos de seis milhões de eleitores não pertençam ao mundo laboral
O Sr. Fernando Condesso (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, também o Governo explicitou sobejamente a sua vinculação à política de concertação social.
A solidariedade social, donde brota esta exigência de justiça nas relações económicas, exprime-se também em claras orientações e medidas tendentes: a abrir
o futuro à juventude; a considerar a dignidade da mulher e dar conteúdo real ao princípio da igualdade jurídica de ambos os sexos; a satisfazer os direitos sociais e económicos e o direito ao respeito dos cidadãos da terceira idade; e a concretizar uma política de reabilitação.
A circunstância de a orgânica governativa não compreender uma Secretaria de Estado de Família só abusivamente ou por deficiente informação pode ser tida e
por menor empenho do Governo de reconhecimento da instituição familiar como elemento basilar da sociedade, com direito à protecção jurídica e prática por
parte da comunidade e do Estado e com direito à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros. É que, bem ao invés, os serviços e as políticas concernentes à família passam doravante para uma dependência directa ministerial.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

A política de defesa constante do Programa, seja quanto às orientações, seja quanto às medidas consignadas, dá tradução às exigências decorrentes do seu
carácter nacional, permanente, exercendo-se a todo o tempo e em qualquer lugar, global, abrangendo uma componente militar e uma componente não militar, e
interministerial. Não foi aliás contestada esta concepção da política programada.
Esclarecimentos foram, sim, pedidos sobre a intenção de atribuir importante relevância à cooperação militar com os países africanos de expressão portuguesa, no cumprimento do grande desígnio nacional de, sem ingerência e com reciprocidade de interesses, estreitar as relações com aqueles países. Pareceu considerar-se carecido de clarificação este objectivo do Governo, em virtude- de um outro objectivo (o de prosseguir as acções para uma melhor inserção nas
actividades de defesa da NATO) e por força das declarações de intenção de Williamsburg, reconhecendo o carácter indivisível e global da segurança dos
países da aliança e, como tal, aparentando consagrar uma categoria de conflitos fora da zona geográfica da NATO.
Sabe-se que os Portugueses e Portugal, pela sua história e pela geografia, têm profundos laços de amizade, digo mesmo, de fraternidade com povos situa
dos fora do continente europeu.
A sua política tem de expressar, consequentemente, essa maneira peculiar de se inserir no contexto das nações, ligada ao importante contributo dado por Portugal à civilização universal.
A Aliança Atlântica visa proteger democracias ocidentais de agressões armadas, designadamente da agressão armada da União Soviética.

Vozes do PCP: - Ah!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, porque respeita à própria independência e integridade de Portugal, a fidelidade à NATO terá de ser um vector principal das políticas externa e de defesa da democracia portuguesa.
A fidelidade à Aliança Atlântica em nada colide, porém, com a política de cooperação com os povos e países africanos de expressão portuguesa, cooperação que abrange todos os domínios e, por isso, também o domínio militar. Trata-se de uma cooperação militar em termos idênticos àqueles em que se fala e pratica a cooperação civil, e esta cooperação tem sido um vector permanente da política externa portuguesa que nenhum governo ou partido com expressão parlamentar deixou de perfilhar e prosseguir. Trata-se disso nada mais.
Não há contradição entre ser-se fiel à NATO e cooperar nos termos sobreditos com os países africanos de expressão portuguesa nem qualquer contradição foi detectada em comportamentos análogos de outros países ocidentais, designadamente de todas as grandes potências do Ocidente, sendo oportuno realçar aqui e a propósito, o especial mérito que nos cabe, como nação de, em período de tempo tão curto, após uma dolorosa descolonização, desejar e ver desejada a nossa colaboração.

dozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A consagração da categoria 'de conflitos out of arca ou «fora da área» é uma perspectiva, uma hipótese, realçada recentemente pelo facto político de Williamsburg. Mas em nada colide com a evidente harmonização dos objectivos programáticos do Governo. O Governo é fiel ao conceito originário da NATO e está atento às linhas esboçadas, mas não formalmente consagradas, sendo a razão pela qual no seu programa, a fim de acompanhar a mobilidade das situações e sempre respeitando a competência dos órgãos de soberania, se faz referência a ajustamentos de convenções e acordos internacionais que melhorem as possibilidades da defesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não devo terminar sem prevenir o povo português de algumas acções que irão ser tentadas para dificultar a acção do Governo e minar a sua estabilidade e coesão.
Os adversários da coligação sabem que ela é demasiado poderosa para ser neutralizada facilmente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sabem que ela está defendida por um vasto suporte eleitoral, que ela representa, cada vez mais, a possibilidade de operar as reais e efectivas mudanças de que Portugal carece; sabem, também, que goza da simpatia no conceito das democracias

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ocidentais e que o seu poder mobilizador para o trabalho; para a serenidade e também para a sua própria defesa, quando accionado, é imbatível.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Por isso, não depositam grandes esperanças nas acções que contra ela vão dirigir - que já começaram a dirigir em acções de rua antidemocráticas - de forma frontal e aberta.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

Uma voz do PCP: - Acções de rua antidemocráticas?!

O Orador: - Depositam, sim, grandes esperanças nas formas oblíquas de acção e na manobra subterrânea.

Aos sociais-democratas, uns irão dizer que o PSD é subalternizado na coligação; aos socialistas irão outros dizer que o PS está a ceder às pressões do PSD; outros, ainda, dirão e escreverão anonimamente ambas as coisas.

A uns e a outros a coligação partidária e o bloco eleitoral que a suporta saberão dar resposta, cientes de que ajudar a superar a crise impõe virar as costas aos que recorrem à desestabilização.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Confio em que a tenacidade, aliada à prudência e à decisão, mais uma vez sirva a democracia e Portugal!
Disse.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional: Deixou o Sr. Ministro tão para o fim a sua intervenção que parecia desejar que ela não tivesse réplica ...

Felizmente que nós ainda temos uns minutinhos ...

Risos.

... e portanto ela vai mesmo ter réplica.
Sempre poderia dizer a imprensa afecta ao Governo que o Vice-Primeiro-Ministro falou no meio do silêncio geral e ninguém replicou. Mas também poderia dizer a imprensa adversária do Governo que o Vice-Primeiro-Ministro falou e ninguém lhe ligou nenhuma importância.

Risos do PS e do PSD.

E, de facto, a fala do Vice-Primeiro-Ministro é importante e, felizmente, nós temos ainda alguns minutos.

O Vice-Primeiro-Ministro veio aqui dar-nos uma lição mal humorada, maniqueísta ...

O Sr. Manuel Moreira (PSD): -Não seja ridículo!

O Orador: - ..., como nenhuma das outras intervenções do Governo - e houve muitas más -, recordando a postura de outros tempos e da ditadura, quando se dizia que quem não é por nós é contra nós.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): -Muito bem!

Risos do PS e do PSD.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Olha a cassette!

O Orador: - O Sr. Vice-Primeiro-Ministro colocou-se mal na sua posição de Ministro da Defesa Nacional, que seria, em nosso entender, a parte mais substancial do seu discurso e aquela em que teríamos maior interesse.

Eu compreendo que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro também se tenha querido dar ares de Primeiro-Ministro.

Risos do PS e do PSD.

Isso é uma questão interna do Governo, com a qual a Assembleia da República não tem a ver, mas já é da competência da Assembleia da .República, e, como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro sabe em muitos casos da competência absoluta, totalmente reservada à Assembleia da República, alguma da matéria que diz respeito ao seu Ministério - ao Ministério da Defesa Nacional -, que diz respeito à defesa nacional.
E relativamente a isso teria sido interessante da parte do Sr. Vice-Primeiro-Ministro trazer alguns esclarecimentos adicionais ao Programa do Governo, que bem carece disso, ao contrário do que afirmou.
O Programa do Governo comporta uma grande listagem de inciativas legislativas que o Governo entende tomar. Eu pergunto-lhe, antes de tudo, quando tenciona, e em que prazos, tomar estas iniciativas e de que forma, porque da matéria da listagem alguma é da competência reservada da Assembleia da República, como bem sabe. Seria interessante conversarmos um pouco sobre isso.
Vai pedir algumas autorizações legislativas para já? Já começaram a chegar algumas e era interessante sabermos para começarmos a organizar o nosso próprio trabalho.
Depois o Programa do Governo comporta algumas indicações e, como o senhor é Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa, teria também interesse falarmos um pouco sobre isto.
A propósito da concretização em tempo oportuno do Conselho Estratégico Militar e das missões das Forças Armadas, o que é que o Governo tem adiantado ou o que é que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa tem adiantado no seu espírito acerca dessas matérias? Sendo isto da competência da Assembleia da República, não seria interessante que nos pudesse adiantar alguns pontos de vista para nós os grupos parlamentares e para nós deputados os podermos ir

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também considerando e preparando as nossas tomadas de posição?

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Não senhor, não conhece a lei ...

O Orador:- Finalmente, diz o Sr. Vice-Primeiro-Ministro que o Programa do Governo é claríssimo como água e que todos o entendem. Eu vou ler-lhe uma frase que não é nada clara e merecia muito bem ser decifrada pela sua parte, já que certamente é o seu responsável: «Prosseguimento das acções para uma melhor inserção nas actividades da defesa da NATO e para, através de negociações e de ajustamentos e de acordos internacionais, se poderem complementar e melhorar o sistema de apoios mútuos e as possibilidades de defesa das forças armadas nacionais.» O que é que isto quer dizer?

Risos do PCP.

Mais compromissos com a NATO? Mais obrigações em relação à NATO? Quanto é que isto custa ao País? Quanto é que isto vai custar ao País? O que é que o País vai receber?
Eram esclarecimentos mínimos que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro deveria prestar à Câmara.
Finalmente uma questão delicada e relativamente à qual o Sr.
Vice-Primeiro-Ministro responderá ou não, consoante entender.
O País tem presente o episódio que antecedeu a reunião do Conselho Nacional do PSD, que decidiu subscrever o acordo com o PS. É conhecida, portanto, a sua atitude através do que foi dito na imprensa e todo esse episódio muito controverso. Seria interessante que a Câmara pudesse ter acesso a algum. esclarecimento em relação a esta matéria.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quando é que a gente assiste a um Comité Central? Gostava de saber!

Risos do PSD.

O Orador: - E designadamente, num domínio concreto: disse na altura alguma imprensa, sem dúvida mal intencionada, que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro teria tido uma longa conversa com o Sr. General Soares Carneiro com quem se teria aconselhado quanto à atitude a tomar. Ora, isto é importante saber-se para se saber quem é o Ministro da Defesa Nacional.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Basílio Horta (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Basílio Horta (CDS) : - Sr. Presidente, Srs. Deputados, queria fazer um brevíssimo protesto em relação à intervenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
Em primeiro lugar, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro disse, e referiu expressamente, que no ano de 1975 a luta pela liberdade se travou principalmente entre os partidos que agora constituem o Governo.

O Sr. Costa Andrade (PSD):- Principalmente!

O Orador: - V. Ex.ª disse «principalmente» por esses partidos e penso que isso revela a memória curta de V. Ex.ª

Vozes do PSD: - «Principalmente.»

O Orador: - No ano de 1975, o seu partido estava no Governo e nele até continuou depois de o PS dele se ter retirado.

Vozes do CDS- - Muito bem!

O Orador:- O CDS estava cercado no Porto, muitos dos seus militantes estavam saneados e outros presos.

Vozes, do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Foi pena V. Ex.ª ter omitido uma luta que o CDS travou pela liberdade nesses tempos referindo apenas os partidos que nesta altura compõem o actual Governo.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Risos do PS e do PSD.

VV. Ex.ªs hoje riem-se. Nós na altura, em 1975, não nos ríamos e é pena que efectivamente a memória, como aqui disse, seja tão curta, pois aquilo que nós fizemos pela liberdade neste país merecia de VV. Ex." outro tratamento neste Parlamento.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - E evidente que isso está excluído!

O Orador: - Em segundo lugar, V. Ex.ª parece
Quero dizer ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro que não tuições que a todos compete assegurar - e o meu partido, aqui, durante este debate deu provas mais do que concludentes de que era essa a sua intenção com o exercício da oposição. V. Ex." disse também que quem atentasse contra a estabilidade do Governo situava-se do lado da degradação.
Quero dizer ao Sr. Vive-Primeiro-Ministro que não pensamos assim. Temos a certeza, aliás, que com o Sr. Primeiro-Ministro Mário Soares, que é um democrata a quem nós queremos aqui prestar a nossa homenagem, nunca os direitos da oposição seriam reduzidos. Mas não queremos deixar de lembrar a V. Ex.º que não nos sentimos minimamente coibidos de exercer os nossos direitos de oposição em toda a sua plenitude, sem com isso alguma vez pensarmos que estamos a contribuir para a degradação das instituições e para piorar a vida dos Portugueses.
Há que distinguir claramente, porque uma coisa é cooperar no espaço comum e outra coisa é tentar confundir oposição com degradação, e se vamos por aí mal vão as liberdades e mal começa a estar a democracia.

O Sr. Manuel Moreira (PSD). - Exagerado!

O Orador: - Finalmente, falou V. Ex.ª na família, certamente respondendo a uma intervenção do meu colega de bancada, pois até aí o Governo foi omisso

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nessa matéria. Falou mesmo que se tinha melhorado a situação funcional deste sector uma vez que depende hoje de um Ministro clandestino, pois até ao momento não sabemos o seu nome nem o seu departamento, já que até agora, a Secretaria de Estado da Família dependia do Ministério dos Assuntos Sociais e era autónoma. Portanto penso que a intervenção de V. Ex.ª não foi ajustada.
Ainda uma brevíssima referência: V. Ex.ª afirmou que o PSD não saiu subalternizado da situação governativa a que chegou. V. Ex.ª está no seu direito. Nós no CDS não pensamos assim.
Pensamos que o PSD saiu efectivamente subalternizado. O PSD era o primeiro partido de uma coligação coerente, de uma coligação que foi feita num espírito de mudança e que era a Aliança Democrática. Hoje, é o segundo partido de um governo cuja base patriótica não discutimos, mas que não está ligado por qualquer ideologia e apenas invoca a seu favor um pragmatismo que eu não qualifico de promíscuo porque entendo não o dever qualificar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Para já não falar na pessoa de V. Ex.ª, que durante a campanha eleitoral se propôs ser maquinista do seu comboio eleitoral e que, afinal, não passa de um simples fogueiro.

Aplausos do CDS.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - É indecente! Que tristeza!

O Sr. Presidente: - Sr. Vice-Primeiro-Ministro não há mais pedidos de esclarecimento nem protestos, pelo que tem V. Ex.ª a palavra para responder.

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional: - Eu começaria por lavrar um contraprotesto, porque suponho que o Sr. Deputado Basílio Horta apresentou as suas considerações sob a forma de protesto. E lavrar um contraprotesto porque considero que as suas considerações foram, permita-me que lhe diga, de carácter despropositado.

Aplausos do PS e do PSD.

Eu vivi aqui nesta Sala tempos quentes em 1975 - o Sr. Deputado também se sentava aqui - e as minhas palavras são textualmente estas: «O desânimo e a descrença são o entreabrir da porta por onde poderá penetrar o totalitarismo, frustrando o esforço ingente que em 1975 todo o quadrante democrático, com grande destaque para o PSD e PS, teve de desenvolver para evitar o colapso da democracia.» Não retiro uma palavra que seja.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Não creio que esta minha referência seja minimizadora ou injusta para quem quer que seja.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Eles lá sabem!

O Orador: - Segundo ponto: queria desde já deixar bem claro que só uma audição inexacta das minhas palavras pode ter levado o Sr. Deputado a formular considerandos inaceitáveis acerca da oposição e do respeito que a este Governo merece a oposição e o exercício legítimo dos seus direitos.
Eu considero, e ao longo de toda a minha intervenção isso ficou bem explícito, que a estabilidade governativa, que a possibilidade de continuidade governativa, é, neste momento, uma grande necessidade nacional e patriótica. Até fiz referência a que a gravidade dos problemas era de tal ordem que nós, PSD, =críamos entendido que seria desejável alargar a base de estabilidade para além da solução a que se chegou.

Aplausos do PS e do PSD.

E como considero que em Portugal, neste momento; uma solução de estabilidade é condição essencial de ataque aos problemas económicos deduzo, daí - e muitas intervenções dos seus companheiros de bancada têm apontado justamente no reconhecimento da necessidade de o País respirar, de haver uma solução estável, contínua e que assegure o ataque aos problemas portugueses, de que nesta opção entre a estabilização e a desestabilização não pode haver passividade ou neutralidade. E acrescentei: «sendo, obviamente, legítima toda a discordância programática».

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não percebeu!

O Orador: - Quanto à ideia que V. Ex.ª tem acerca da subalternização do PSD, eu não vejo que o Sr. Deputado esteja nas melhores condições para efectivamente o dizer ou para formular juízos mais ou menos irónicos a propósito da linguagem imagética utilizada nas campanhas eleitorais. Achei realmente a sua intervenção, aí, de algum mau gosto e mal humorada e certamente foi por ser tão mal humorada que o povo português teve para consigo, nas eleições, a atitude que teve.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Isto é só um arrufo de namorados! Um arrufuzinho!

O Orador: - E é realmente isto que lhe quero dizer dentro do espírito que deve presidir às relações entre o Governo e a oposição, em que as coisas, mesmo tão aceradas como aquelas que o Sr. Deputado me disse, em nada invalidam o respeito recíproco entre a Assembleia da República e o Governo.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Estão a ver como é um arrufo de namorados?!

O Orador: - O Sr. Deputado Carlos Brito começou por me fazer um processo de intenções. Mas, Sr. Deputado, como é que pode pensar que eu alguma vez imaginaria que V. Ex.ª não me daria o gosto de, depois da minha intervenção, usar da palavra e me pôr algumas questões?!

Risos e aplausos do PS e do PSD.

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E evidente que estava completamente excluída a ideia de eu falar pensando que não haveria réplica da parte da bancada do Partido Comunista Português e eventualmente da sua parte. Até porque o seu partido tinha ainda tempo para falar, pois além deste tempo que guardou poderia ainda falar na fase subsequente do debate.
Portanto, as suas considerações a este respeito foram uma oportunidade para aligeirar o debate, pelo que. pela minha parte, lhe sou devedor de agradecimentos por ter introduzido uma nota alegre.

Risos do PSD.

Uma voz do PCP: - A sua é uma nota ridícula!

O Orador: - Sr. Deputado, quero dizer-lhe o seguinte: Quanto à extensa lista de diplomas que constam do Programa do Governo, que serão apresentados nos prazos que a Lei de Defesa Nacional estabelece. A lei estabelece prazos de doze meses e de dezoito meses.
O Sr. Deputado não esteve atento a esse aspecto, com certeza talvez por que não tenha votado a Lei- de Defesa Nacional, e também certamente pela mesma razão é que queria que eu aqui me referisse concreta mente ao Conselho Estratégico de Defesa Nacional e ao Conselho Estratégico Militar que, segundo á Lei de Defesa Nacional, tem de ter um processamento completamente diferente da sua definição na discussão, aqui, do Programa do Governo.
Por outro lado, é evidente que a sua última pergunta foi relativa ao ponto que define como objectivo o reforço da inserção de Portugal na NATO e, como é natural, como é uma matéria de defesa e em particula do seu componente militar, em que há uma grande mobilidade de situações, emprega-se uma fórmula flexível. Diz-se, por exemplo, «proceder a ajustamentos nas negociações e nos acordos -que, com base em sistemas de apoios mútuos, melhorem as possibilidades de defesa». Pois é uma situação, por definição e natureza, muito móvel...
Uma coisa quero eu garantir ao Sr. Deputado: Portugal pertence à NATO - e naturalmente que tens de ter sempre, perante uma situação móvel do ponto de vista estratégico, a capacidade de proceder a ajustamentos que a Câmara a todo o momento pode sempre fiscalizar no exercício da sua acção fiscalizadora. Nada mais natural do que evitar ser rígido nesta matéria. E fazemos isto porquê? Fazemos isto por parte de um governo para quem a paz é um bem precioso, para quem a paz é um anseio fundamental e inestimável das pessoas e da comunidade portuguesa.
Simplesmente nós não confundimos o apego dedicado à paz com a instrumentalização que alguns fazem da sua oposição a alianças militares, do pacifismo e do sentimento contra os militares para perpetuar um desequilíbrio de forças favorável ao totalitarismo contra a democracia.

Aplausos do PS. do PSD e da ASDI.

Finalmente, muito sucintamente, e embora não fosse obrigado, mas querendo responder a todas as questões, desminto categoricamente a ideia que eu entendo radicar numa actuação de desinformação referente a um acontecimento da vida política do meu partido, de que eu tenha tido alguma reunião com qualquer elemento das Forças Armadas, designadamente com o general Soares Carneiro. Desminto categoricamente e nada mais tenho a dizer sobre isto.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Gonzalez, dispõe de 4 minutos para a sua intervenção.
Tem a palavra o Sr. António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (INDEP.): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Gostaria de vos expor o nosso ponto de vista sobre o fundamental tema da educação, inserto no Programa do Governo, na p. 214, e onde se reconhece que a educação na actual crise económica, social e moral constitui um factor decisivo para a reconstrução do País.
Noutra parte, diz que essa política deve ter em conta as comunidades regionais e locais.
Quando perante este projecto olhamos para as estruturas do sistema educativo português, chegamos à conclusão, que não será com ela que se levará à prática essas medidas.
A educação passa pela criação de escolas comunitárias (rurais, urbanas e industriais), pois todo o sistema, deve partir, e friso bem, tem de partir da vida de cada comunidade. Só assim acabará o ensino puramente livresco.
Numa fase de transição deveriam ser criados, nas actuais escolas, turmas piloto, em que os princípios programáticos seriam adquiridos através de experiências de integração no. meio.
A escola deve ser igualmente um espaço adequado ao processo de ensino com aprendizagem. Qual a proposta do Governo para a construção de novos edifícios escolares? Os projectos vão ser decalcados de países com condições climáticas e culturais diferentes das nossas, como nos últimos anos tem acontecido? Ou pelo contrário serão adaptados ao nosso meio?
E necessário que não surjam mais espaços geradores de insatisfação juvenil e sem quaisquer condições. No geral, as actividades extra-escolares são , descuradas e os ginásios esquecidos ...
Quanto à alimentação dos estudantes, no essencial, ela é pouca e de má qualidade. As poucas cantinas existentes funcionam mal.
Porque não introduzir a alimentação racional criando condições para que surjam cidadãos que saibam defender-se do consumismo e do gigantismo urbano e industrial? ,
Formar-se-iam assim, vagas de homens e mulheres novos, capazes de -começar a actuar de um modo real mente desintoxicante - o que parece não interessa muito a um determinado tipo de sociedade -, não só através da gestão racional dos futuros agregados familiares, mas também do próprio País.
A estrutura actual do sistema educativo português não serve para aplicar o processo de ensino aprendizagem, ligado ao meio.
O Governo, esse, fica por algumas intenções, que sabe à partida não serem concretizáveis.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, podemos encerrar o debate, iniciando-se as intervenções finais.
Para o efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, em representação da ASDI.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cada tempo, cada momento histórico, tem as suas tarefas e os seus desafios.
É aos nossos que nos cumpre dar resposta. A nós todos, porque de todos são os problemas.
Poderá ser difícil ver longe e claro. Mas não há nevoeiros que tragam D. Sebastião. Nem há patriotismo retrospectivo, alicerçado na ideia de que qualquer passado, próximo ou remoto, poderá regressar.
A ilusão e evasão sebastianista é, não o esqueçamos, também uma forma de querer negar a evidência: da morte do rei e mais do que isso; que Alcácer Quibir foi uma derrota. Não há sequer conforto no que foi.
É a nós que compete responder às questões com que nos defrontamos.
Por assim ser, alguns motivos de estranheza me ficaram deste debate.
Refiro-me, muito clara e concretamente, ao modo como nele participaram as oposições.
Disse-se ter sido longo e muito e sem entusiasmo o tempo gasto para constituir governo. Ser errada a escolha de parceiro de coligação, não terem sido felizes todas as escolhas ministeriais, haver, inclusivamente, ao menos, na aparência, pastas trocadas.
Há-de permitir-se-me que diga que um debate -que sobre um programa e as suas ideias-mestras se pretende- talvez tivesse ganho, buscando, no diagnóstico de crise, as suas causas, já que apenas as que entre nós tiveram origem são susceptíveis de emenda, e podem por isso, no futuro, evitar-se.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): -Muito bem!

O Orador: - E, muito em especial, terá faltado o debruçar-se, com maior atenção, sobre o caminho a seguir.
O quase pudor das oposições de perguntar como vamos pagar os empréstimos externos que a curto prazo se vencem e como vamos resolver o curto e médio prazo da nossa economia, pode confundir-se com a consciência da ausência de alternativas.
Nem sequer se terá procurado averiguar da lógica profunda e da compatibilidade com tal caminho das medidas mais controversas ou controvertidas no âmbito da delimitação de sectores económicos ou no sector laboral.
Repito: mais pareceu - e sublinho o pareceu ter havido um protesto que alternativas, afirmações em vez de soluções.
Digo-o, não por pretensão, mas por exigência.
Para quem assume, com toda a plenitude, a condição democrata não basta a existência de oposições, «admitidas» a participar nas deliberações. Não há minoria esmagadas. Não há mais razão só pelo número.
Nem há outro sinal mais revelador da liberdade política do que reconhecer e valorizar as oposições.
Não há democracia onde falta, porque abafada, silenciada ou perseguida, a voz das oposições. Onde falte a crítica, que impede que nos corrompamos,
como dizia Sérgio, e sem a qual a mediocridade cresce e floresce. Não há democracia, onde só haja ecos, em vez de amigos.
Acrescentaria mais uma palavra: a de que a maioria, vale essencialmente como o resultado de uma experiência. Tanto mais rica quanto mais enriquecedor for n confronto das ideias.
Por isto, e por isto só, lamento que o debate não pudesse ter sido mais profundo e cheio.
Porquanto pela parte que me toca, pela parte que nos toca a nós sociais-democratas independentes, doutro modo encaramos este Governo e o seu programa.
Temos a coligação formada não só como legítima, mas como legitimada pelo eleitorado a quem não foi ocultada mas claramente afirmada esta possibilidade que assim, com inteira consciência, pode dizer-se que o eleitorado escolheu.
Apoiá-lo é, para muitos de nós, e felizmente não apenas na pequena bancada em que me integro, uma longa coerência, mantida apesar dos erros, dos desvios. do desgaste de muitos embates, nem todos claros, nem leais. Não somos, desta fórmula, cristãos-novos.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - A escolha do socialismo democrático e da social-democracia, em Portugal, começa por ser o reconhecimento de que o liberalismo mais defende as situações adquiridas pela liberdade que alarga o campo e os beneficiários da liberdade.
A escolha eleitoral dos portugueses, recusa o conservadorismo.
Assume que, como sempre dissemos, não há verdadeira democracia sem socialismo. Porque a liberdade, sem liberdades nega-se e escraviza.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): -Muito bem!

O Orador: - Mas liberdades, sem liberdades, vassalizam.
Não há socialismo autêntico será democracia.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não há respeito pela dignidade humana onde não haja igualdade, onde mingue a justiça ou se amordace a liberdade.

Vozes do PS: -Muito bem!

O Orador: - A escolha dos portugueses é também recusa de totalitarismos.
Por isso se não trata de criar um mundo novo, impondo qualquer modelo
pré-fabricado.
Mas de «libertar a sociedade de um poder que, por ser monopolizado apenas pelas potências económicas, se opõe ao desenvolvimento da diversidade das aspirações sociais». De restituir a Portugal e aos Portugueses a sua face autêntica e livre.
Trata-se de reabilitar as diferenças. De dar espaço e sentido à liberdade.
Porque dar espaço à liberdade é dar espaço ao Homem.
Este terá de ser, no essencial, o projecto-guia do Governo.

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Esperamos que consiga realiza-lo. Esse é o seu desafio e a sua responsabilidade.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se trata apenas, como se não fosse já bastante, de, pela primeira vez, poder concretizar uma experiência de
transformação e progresso - a do socialismo democrático e da social-democracia - até hoje recusada aos Portugueses.
Trata-se ainda de algo mais.
De continuar Portugal democrático.
A democracia é uma forma de vida e um conjunto de instituições que se justificam pela capacidade de resolver efectivamente os problemas sociais em obediência à vontade do povo.
Por isso, teremos de saber resolver as situações da pobreza e desigualdade que nos colocam em níveis inferiores aos de toda a Europa. Teremos de assegurar
a todos os portugueses o acesso à cultura, ao emprego e ao bem-estar. Havemos de encontrar capacidade para, em obediência à vontade popular, consolidar o respeito pelos Direitos do Homem, a luta pela qualidade de vida, a participação de todos na definição dos seus direitos e da vida em comum, como nos benefícios de um trabalho exigente que é também primeiro dever de reconstrução nacional.
Não exigimos tudo e já.
Conhecemos a dimensão da crise. Para a sua dimensão alertámos em devido tempo. Talvez mais cedo que ninguém.
Mas recusamo-nos a descrer de Portugal e dos portugueses.
Somos e tornamo-nos criadores a partir de uma reinterpretação do passado, que sem descanso nos interpela.
Povo e Nação, com cerca de, um milénio de história vivida que somos, não se demite. Pode ser pobre, mas nunca miserável.
A política também pode ser esperança. Por isso, este Governo, tem mais que a nossa confiança. Tem a de todos e a nossa exigência. A de não frustar a esperança nem o futuro.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Orador: - Corresponder ao desafio deste projecto e realiza-lo é, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, a vossa responsabilidade.
Aplausos da ASDI, do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o representante da UEDS, Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Ministros: As nossas reservas em relação à actual fórmula governamental são conhecidas. Nunca as escondemos; nem antes, nem durante, nem depois da campanha eleitoral.
Não podem por isso constituir surpresa para ninguém.
Essas reservas radicam, desde logo- e dissemo-lo sempre- na presença no Governo do Partido que foi o principal responsável pela acção governamental nos últimos anos, isto quando uma inequívoca mudança de política se nos afigura como condição primeira para que a crise possa ser enfrentada com êxito.
Mas essas reservas não significam que encaremos a actual coligação como incompatível com a vontade da maioria do eleitorado ou como produto de qualquer traição a esse eleitorado.
Olha-la com surpresa só o poderão fazer, com sinceridade, os que estiveram porventura desatentos ao desenrolar da vida política portuguesa.
Pode-se estar ou não de acordo - e nós não estamos de acordo -, não se pode negar que o Partido Socialista deixou claro ao longo da campanha eleitoral - e mesma antes dela - qual seria, na ausência de uma maioria absoluta, a sua opção. E aquilo que porventura não haja dito o Partido Socialista, não 0 calaram o CDS e o PCP, ao privilegiarem nas respectivas campanhas o alerta para o que afirmavam ser o risco que corriam os eleitores do PS e do PSD: o risco de abrirem o caminho a uma coligação entre esses 2 partidos.
Mal se entende pois o espanto com que certos sectores pretendem encarar hoje a coligação governamental, como mal se entende que considerem que defrauda o sentido do voto do eleitorado.
Mal se entende porque esse espanto, a ser sincero, só pode significar que não acreditavam, neta no que ouviam, nem no que diziam e que os eleitores não teriam atribuído o menor dos créditos, nem às declarações dos partidos no Governo, nem aos alertas dos partidos na oposição.

Aplausos da UEDS, do PS e da ASDI.

Invocar agora uma pretensa ilegitimidade moral da maioria releva, talvez da dificuldade em se aceitar que ideias, outras que não as nossas, possam ser maioritárias.
Pelo que nos toca, pode ser desagradável reconhecê-lo - é com certeza desagradável reconhecê-lo -, mas não é difícil aceita-lo.
E não é difícil porque aceitando nós sem reservas as regras da democracia, sabemos que a legitimidade da maioria não implica a ilegitimidade da crítica ou da oposição; bem ao contrário, em democracia uma e outra são parcelas integrantes, necessárias e indispensáveis do regime.
Daí que o reconhecermos a existência de uma clara e inquestionável maioria de suporte ao actual Governo não signifique que tenhamos desde logo, necessariamente e por esse simples facto esse Governo como bom.
São questões distintas e que de tão evidentes pode parecer descabido que com elas tenhamos perdido tempo. Mas são questões que quisemos distinguir porque já as vimos por repetidas vezes confundidas neste mesmo debate.
A existência de uma maioria dá legitimidade ao Governo não lhe dá obrigatoriamente razão.
E com os argumentos da nossa própria razão que contraditaremos as razões do Governo; não com argumentos de legitimidade alicerçados na pretensão de quem se arvora em único e autêntico intérprete do
significado real do voto do eleitorado.

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Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, se desde sempre manifestámos as nossas reservas em relação à fórmula governamental, também, desde sempre, afirmámos que a nossa posição em relação ao Governo seria aferida, no imediato pela sua composição e pelo seu Programa, a prazo pela sua prática.
Temos, neste momento perante nós o Governo e o seu Programa e sem subterfúgios quero afirmar desde já que nem Governo no seu conjunto nem Programa do Governo se apresentam aos nossos olhos de forma a dissiparem as nossas reservas.
É certo que alguma coisa mudou, mas, para nós, não mudou o bastante.
Não nos é diferente - bem ao contrário- vermos como Primeiro-Ministro alguém cujas convicções antifascistas e democráticas não podem ser de boa-fé questionadas ...

O Sr. César Oliveira (UEDS): -Muito bem!

O Orador: - ... e cujo passado de resistente é penhor da sinceridade dessas convicções.

Aplausos da UEDS, do PS, de alguns deputados do PSD e da ASDI.
Não nos seria indiferente em quaisquer circunstâncias, nunca o poderia ser quando, com a superação ou o agravar da crise, é o próprio regime que está em causa.
Mas também nos não é indiferente a personalidade do Sr. Vice-Primeiro-Ministro; não esquecemos ainda a sua acção à frente do IV Governo nem as suas declarações e profissões de fé durante a campanha eleitoral do Sr. General Soares Carneiro.
Se as tivéssemos esquecido, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro ter-se-ia encarregado de no-las relembrar com o discurso que, há momentos, aqui proferiu.
Não é indiferente para nós que o eixo da política governamental se tenha deslocado, mas não ignoramos que a actual maioria está longe da maioria socialista e democrática por que nos batemos.
Recusamo-nos a confundir o Governo PS/PSD com os Governos PSD/CDS, mas sabemos que o Governo PS/PSD não é o nosso Governo.
Está nas mãos do Partido Socialista aprofundar a mudança esboçada, acentuá-la, dar-lhe conteúdo; pela nossa parte não lhe regatearemos os apoios para que tal aconteça.
Não estamos apostados na destruição do PS; estamos apostados em dar o nosso contributo para a superação da crise e para a defesa do regime.
É exactamente neste quadro que tem de ser entendida - por quem a queira entender- a posição da UEDS.
Perante a indesmentível situação de crise que só o empenhamento colectivo permitirá que seja ultrapassada, a nossa posição não é a de tentar agudizar as dificuldades do Governo com o objectivo de capitalizar os seus eventuais insucessos.
Face ao desafio ao diálogo aqui lançado pelo Sr. Primeiro-Ministro a nossa resposta é que, na exacta medida das nossas capacidades, tudo faremos para que
esse diálogo o seja realmente e se não confine ao papel de biombo, se não transforme em mero álibi.
É nosso entendimento que está em jogo o futuro do próprio regime. Julgo ser esse também o entendimento do Sr. Primeiro-Ministro.
Mas a crise só será vencida, consolidando-se do mesmo passo o regime, se para tanto for o Governo capaz de mobilizar a vontade colectiva.
Tanto se falou de crise, de austeridade, de sacrifícios depois do 25 de Abril, que um pouco como na história do rapaz e do lobo a crise aí está e só os que a sentem no dia a dia, como o rapaz sentia a presença do lobo, parecem acreditar nela, e muitos são os que desconfiam dos propósitos de austeridade e da inevitabilidade dos sacrifícios, cansados que estão de verem pedir sacrifícios a tantos em benefício de tão poucos.
Vencer um tal estado de espírito exige, mais do que apelos, propostas claras e acções concretas que dêem significado aos sacrifícios que hoje se reclamam.
Mobilizar a vontade colectiva implica empenhá-la num projecto que não pode ter como horizonte a conjuntura; que a não pode ignorar é evidente mas projecto que dê às acções que a conjuntura impõe um sentido que a ultrapasse.
Neste aspecto o Programa do Governo é, aos nossos olhos, pobre.
A defesa da democracia faz-se também, diria mesmo que se faz necessariamente, alargando-se-lhe o seu conteúdo, dando-lhe uma dimensão económica e social e não reduzindo os seus limites.
Também, neste aspecto, o Programa do Governo não nos tranquiliza, quando põe em causa algumas das mais significativas transformações operadas depois do 25 de Abril, em vez de tentar colocá-las ao serviço de um processo de cada vez maior democratização da sociedade portuguesa.
O propósito do Governo de abrir a banca e os seguros ao sector privado é disso, aos nossos olhos, um dos melhores exemplos.
Não é este o momento azado, nem o tempo nos sobra, para discutirmos esta questão, mas é uma oportunidade para que deixemos desde já claro que a abertura da banca e dos seguros ao sector privado não tem o nosso acordo e que votaremos contra ela.
A mobilização das energias colectivas passa antes do mais pela mobilização dos trabalhadores e essa só será possível, em democracia, através do diálogo e do reconhecimento dos seus direitos fundamentais.
É por isso que registamos com satisfação a intenção já expressa pelo Governo de fazer preceder quaisquer alterações no domínio da legislação laboral da audição das organizações dos trabalhadores.
Terá o Governo o nosso apoio e a nossa colaboração, se a desejar, no estabelecimento e desenvolvimento desse diálogo. Mas com a mesma franqueza que o dizemos, dizemos-lhe também que não merecerá nunca o nosso assentimento qualquer medida tendente a liberalizar os despedimentos, limitar o exercício do direito à greve ao reduzir os direitos sindicais.
Não cabe, é óbvio, nos limites desta intervenção o enunciado de tudo quanto no Programa do Governo não merece o nosso acordo, como não cabe tão pouco a enunciado de tudo quanto de positivo nele encontrámos.
Direi por isso, apenas, que se para nós alguma coisa mudou, não mudou o bastante e nem sempre mudou no

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melhor sentido, para que possamos dar ao Governo a nossa confiança sem reservas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, acrescentarei tão-só que o Sr. Primeiro-Ministro e o Partido Socialista podem contar com o nosso apoio quando e sempre„que o entendamos justo, como podem estar certos da, nossa oposição quando e 'sempre que o juízo que fizermos da sua acção a justifique aos nossos olhos.
Não seremos nunca os apoiantes atentos, veneradores e obrigados de qualquer governo, seja ele - qual for, do mesmo modo que não faremos nunca a oposição pela oposição de forma cega e sectária.
As nossas posições serão em cada caso determinadas pelo que em nosso entender melhor corresponda ao que acreditamos ser o interesse do povo português.
Será esse o único limite à nossa acção parlamentar; é esse o nosso único compromisso.

Aplausos do MDP/CDE.

Uma voz do PSD: - Nem a UEDS aplaudiu! Foi preciso o MDP/CDE ...

O Sr. Presidente: - Tem, a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O MDP/CDE votará contra a moção de confiança apresentada pelo Governo nesta Assembleia da República.
Fá-lo-á na coerência dos seus princípios democráticos e na convicção que este Governo gerou uma perigosa filosofia inquinada de compromissos e distorcida por contradições que nos poderão levar, de cedência em cedência, para caminhos bem longe da Democracia.
O MDP/CDE não é indiferente à crise económica, ela é uma realidade que encaramos de frente, como dificuldade que cumpre resolver, como obstáculo que se deve transpor.
A nossa posição face à crise histórica que atravessamos, foi definida logo na abertura da discussão do Governo pelo presidente do meu partido.
Foi dito então: «Embora reconheçamos que não se pode iludir a grave dimensão dos números nem a necessidade de medidas. pontuais e urgentes, pensamos que estará votada irremediavelmente ao fracasso uma política que se reduza exclusiva -ou predominantemente a este nível, por muito competentes tecnicamente que sejam os responsáveis da área económica e financeira - como se viu com a AD. O problema é mais fundo, nessa profundidade em que se situam as grandes opções de que o debate político, normalmente, tem andado arredado. A questão central, quanto a nós, continua a ser definir exactamente .um modelo de crescimento que seja adequado às estruturas do País. A AD, por exemplo, sem dúvida tentou definir esse modelo, simplesmente ele não era ajustado à realidade económica e social portuguesa profundamente transformada após o 25 de Abril.» Sr. Presidente, peço desculpa, não sou nada exigente em matéria de silêncio, mas considero que uma declaração final acerca de um programa de governo tem de ser feita com a atenção dos Srs. Deputados. Se os Srs. Deputados quiserem ausentar-se do hemiciclo, eu espero.

O Sr. Presidente: - Tem toda a razão, Sr.ª Deputada.
Srs. Deputados, solicito o vosso silêncio a fim de podermos escutar com a devida atenção a Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Aquele Sr. Deputado do PSD , vai sair? Estou à espera que saia.

Protestos do PSD.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não exija tanto, Sr.ª Deputada! Então o Sr. Deputado não se pode levantar?!

A Oradora: - Tenho muito prazer em ouvi-lo, Sr. Deputado. Ainda não tinha tido essa oportunidade!
O MDP/CDE nega-se a aceitar a crise como um bloqueio, como um triste fado que há-de ser cumprido.
Portugal não é hoje o país de órfãos e viúvas que se vão deitar a afogar, como aparecia aos olhos de Ramalho Ortigão.
Portugal é hoje um país que se reconhece, que se encontra, capaz de esforço colectivo e de dinâmica transformadora. O MDP/CDE não aceita a tortura diária da crise vivida pelas crianças mal alimentadas, pelos trabalhadores sem trabalho, pelos trabalhadores despedidos, pelos trabalhadores sem salário.
O MDP/CDE não aceita a crise como uma imposição inquisitorial sobre funcionários públicos, pequenos e médios empresários, pequenos e médios comerciantes, agricultores e toda a população.
Não aceitamos a crise como álibi para a fome e para o desemprego no Alentejo, onde os produtos não são distribuídos e onde a terra abandonada rouba a riqueza ao País e a dignidade ao homem.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O MDP/CDE não aceita o mal de quase todos, em nome de hipotéticos benefícios nacionais.
E porque passa este ano o centenário de António Sérgio, e porque este é o dia e a hora para o evocar, ouçamo-lo porque, os que combatem não morrem, e devem ser ouvidos na hora certa:

O democrata distingue-se do não democrata entre outras, coisas porque o primeiro não pretende fazer do mal de cada um a felicidade geral.
O MDP/CDE luta pela felicidade de cada homem, conta com a dinâmica de cada cidadão, acredita na esperança que cada português investe na verdade, na autenticidade da sua Pátria.
O MDP/CDE exige a um governo democrático metas concretas para, em conjunto, serem cumpridas: exige diálogo, mas diálogo que não seja póstumo, diálogo vivificador da acção dos governos; exige investimento no País e confiança nos cidadãos; exige que a crise seja ultrapassada e não alimentada pela desmotivação pública.

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O MDP/CDE considera que este governo nasceu de um enorme equívoco político e mais uma vez, tal como aconteceu nos governos da AD, está de novo a ser erradamente identificada maioria aritmética parlamentar com largo apoio social.
A maioria parlamentar só será uma maioria de poder, se corresponder e uma base social diversificada.
Em democracia, as minorias contam e contam tanto que podem fazer desequilibrar o braço da balança.
O MDP/CDE não faz política eleitoralista nem a curto, nem a médio prazo. Temos demasiada consciência da situação real do povo português e do que historicamente representa o seu esforço de libertação e da luta por melhores condições de vida.
Assim, a rejeição da moção de confiança no Governo não significa da nossa parte qualquer espécie de bloqueio ao processo democrático apesar do Governo se apresentar como única solução possível.
Pelo contrário, o nosso voto representa a determinação na luta empenhada pelo progresso da democracia.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Se. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, Srs. Deputados: Começamos este debate com a serenidade que nos confere uma posição constantemente assumida antes e depois do último acto eleitoral.
Encaramo-lo com expectativa. Procuramos contribuir, pela nossa parte, para a criação de um clima de estabilidade, objectivo que colocamos na primeira linha das nossas preocupações.
Registamos mesmo, saudando, o novo tome a evolução de pensamento do Sr. Primeiro-Ministro.
A sistemática invocação da crise económica proeurou e procura o CDS responder comum entendimento mais alargado das coisas. Se é verdade que a crise económica, pela sua dimensão e natureza, deve mobilizar as energias de todo o País, não é menos verdade que a sua superação só será real se for objecto do necessário e correcto enquadramento político.
Não se pode invocar, acertadamente, a necessidade do controle do poder económico pelo poder político e, simultaneamente, subordinar toda a vida colectiva a visões economicistas e a preocupações de curto prazo.
E certo que nos foram apresentados 3 objectivos: a curto, médio e longo prazo. Mas se manifestamos o nosso apoio ao primeiro, temos sérias dúvidas que este governo seja capaz de levar a cabo a modernização da nossa economia, procedendo às necessárias reformas de fundo, e receamos que o plano a curto prazo se esgote em si mesmo e sirva apenas para acertar contas e criar condições a novo crescimento da despesa pública e do peso de intervenção do Estudo. E esta a lógica socialista e parece ser esta a lógica do Sr. Ministro das Finanças. De outro modo não se compreenderia que os seus pontos de referência estatísticos se situem precisamente no momento em que se proeurou quebrar esse circulo vicioso, com a Aliança Democrática, em cuja formação nos honramos deter participado com o PSD.
Comete grave erro quem pretenda ir buscar tão perto as causas da actual crise económica. Poderá facilitar um aparente sucesso de imagem, mas convém ter presente que não será mais que isso.
E se não tivessem sido inviabilizados os acordos internacionais negociados no primeiro semestre de 1981 e talvez hoje não estivéssemos a debater esta crise económica, talvez não estivéssemos, mesmo, a discutir este programa.
A revisão constitucional marca o inicio de uma nova fase na vida política portuguesa.
Pondo termo ao período de transição ela encerra, de algum modo e num certo plano, o período de consolidação do regime democrático, para colocar aos agentes políticos, particularmente aos partidos, a não menos importante tarefa de estabelecer a prática da convivência democrática.
A conflitualidade política anterior, correcta nos seus fundamentos e adequada na definição dos seus antagonismos, resultava de entendimentos diversos, se não sobre a matriz principal do poder político, pelo menos quanto ao carácter exclusivo da sua legitimidade.
Definida esta por consenso dos 3 partidos que deram corpo i3 revisão constitucional, a conflitualidade política coloca-se agora no plano que lhe é próprio - o da luta partidária e do confronto dos seus programas, mas sempre subordinada ao consenso alargado que a Constituição comporta e lhe determina.
E neste quadro que o CDS entende que a estabilidade política é condição necessária ao estabelecimento de uma prática correcta de convivência democrática.
O País precisa, antes de mais, que os órgãos de soberania, os partidos e os dirigentes políticos dêem de si mesmos uma imagem de responsabilidade, de clareza e de respeito pelo sentido do voto do eleitorado.
As crises sucessivas e o sentido de precariedade dos actos - nomeadamente eleitorais - geram necessariamente sentimentos de descrença e de insegurança e minam as forças do País, negam sentido aos sacrifícios que são pedidos aos Portugueses, matam a esperança.
Por isso o CDS entende o diálogo entre as forças políticas que sustentam o Governo e as da oposição como um acto de responsabilidade. Diálogo que será aberto, frontal, duro se necessário, pois a clareza das posições relativas é ela também indispensável à criação, no País, de um clima de confiança nas instituições e nos homens. Diálogo que, por outro lado, terá de ser feito perante o País e com o País pois só assim será possível mobilizar energias de todos; dos que apoiam e cios que contestam.
Mas tem de ser muito claro o sentido das tréguas políticas que se pede à oposição.
Tão negativa como a estrita luta política pelo poder, a que assistimos nos últimos anos por parte da oposição, seria a contenção que nos é pedida.
Peça-se-nos cooperação, e dá-la-emos. Seja-nos pedido sentido construtivo das nossas críticas, e asseguramente o terão. Mas, pedem-nos tempo como se de um governo minoritário se tratasse ou como se o Governo começasse já receoso da sua própria maioria.
Saiba o Governo utilizar o tempo que o eleitorado lhe concedeu pois, pela nossa parte, saberemos respeitar o seu mandato eleitoral.

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O nosso combate não visa o derrube do Governo nos próximos 6 meses, nem no próximo ano, nem esse fim em si mesmo.
Mas esperamos que o Governo saiba respeitar o sentido de voto do eleitorado, não subalternizando o tempo próprio do seu mandato em relação a eventos partidários ou a calendários eleitorais.
Esperamos assim, que o plano económico a curto prazo - com a duração prevista de 18 meses- não se transforme no plano mais longo deste Governo por razões estranhas à sua competência e capacidade.
Não faria aliás sentido, que a oposição democrática se empenhasse na criação de condições de estabilidade política e a enorme maioria constituída nesta Assembleia se comprazesse e prejudicá-la numa atitude displicente e irresponsável.
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Ao longo destes 3 dias a nossa expectativa saiu diminuída.
As contradições e insuficiências que apontamos foram agravadas.
Ficaram insuficientemente respondidas as questões que levantámos sobre política de defesa nacional e reforçaram-se as nossas dúvidas, embora limitadas, sobre política externa, com as respostas que nos foram dadas.
A impressão inicial de que o Programa era muito mais uma listagem de pias intenções a que faltava o necessário enquadramento financeiro, saiu reforçada.
Direi mais: temo que a ânsia de sucesso em áreas sectoriais venha a colidir com a determinação e o rigor que se pretende colocar na política económica e financeira, e que a vida do Governo corra risco de se transformar num impasse constante, fruto de contradições entre o querer apresentar obras feitas e o não querer ou não poder pagar.
No domínio da política social, as contradições da política laborai e o entendimento passadista sobre a segurança social prenunciam sérias e graves dificuldades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, o Programa em discussão é um programa de governo para 4 anos.
L neste plano que o apreciamos, fazendo ressaltar 3 questões essenciais.
Em primeiro lugar, a inexistência de um acordo
pré-eleitoral conduz a que o Programa não tenha um fio condutor nem corresponda a um projecto previamente sufragado.
Daí decorre a sua menor clareza e coerência, aliás reconhecida pelo Sr. Primeiro-Ministro ao afirmar estarem nele contidas todas as propostas eleitorais do PS e do PSD.
Em segundo lugar, o carácter vago e impreciso do acordo partidário que sustenta a maioria -e o Governo levantam-nos justificadas interrogações quanto à sua estabilidade.
Finalmente - e é este o aspecto essencial- não acreditamos que um Governo de base socialista e social-democrata seja capaz de operar a mudança e proceder às reformas de fundo de que a sociedade portuguesa carece.
Continuamos a acreditar que o País só sairá do plano inclinado em que se encontra, diminuindo o peso de intervenção do Estado, fomentando a iniciativa privada e buscando formas de solidariedade social que permitam a expressão e a participação das realidades sociais dinâmicas.
Tudo isto é, no seu conjunto a antítese do pensamento socialista e, por isso, não acreditamos que seja sob a direcção do próprio Partido Socialista que este estado de coisas se modifique.
Mudar a realidade existente significa menos socialismo e, seguramente, não será este Governo a fazê-lo. Aliás, o reforço de mecanismos de controle e de intervenção que, um pouco por toda a parte, ressalta do Programa, é bem a prova disso.
Por tudo isto, este Governo não merece a nossa confiança.
Ao longo de um mandato em que hoje, por certo, será plenamente investidor o Governo contará no entanto, com a nossa colaboração sempre que estejam em jogo questões de interesse nacional e as medidas sejam por nós julgadas adequadas.
Estamos seguramente empenhados no combate a todas as tentativas de desestabilização e contribuiremos empenhadamente para o reforço do estado de direito democrático.
Principalmente, não deixaremos de contribuir de forma clara para a superação da presente crise financeira.
É um acto de responsabilidade que assumimos perante o País e, por isso, apoiamos os esforços do Governo traduzidos no Programa de gestão conjuntural de emergência.
Mas, igualmente com esse sentido de responsabilidade, não poupamos críticas sempre que a acção do Governo se orientar no sentido do reforço das características socialistas da nossa organização económica e social. E isso será a nosso ver, inevitável.
Construindo uma alternativa, respondendo aos portugueses que em nós votaram e a tantos outros que perfilham o mesmo entendimento, estaremos a contribuir para a normalidade do sistema político-partidário e reforçamos a confiança do povo português nas instituições.
Negamos a confiança ao Governo mas garantimos-lhe cooperação e oposição construtiva.
Do Governo, esperamos que saiba enfrentar as dificuldades presentes.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Exprimindo o clima político hostil que rodeou nas próprias falanges de apoio a formação, a posse e os primeiros passos do seu novo Governo antes de aqui chegar para receber investidura parlamentar, o Primeiro-Ministro reconheceu amargamente «que se vive um período de apatia, de descrença generalizada e mesmo de desmoralização».
Chegados ao fim do debate, importa perguntar: e agora - o Programa do Governo, os discursos e as explicações ministeriais, as provas prestadas pelos Ministros dissiparam a descrença e atenuaram a hostilidade? Dito de outra maneirar o Governo convenceu, incutiu perspectivas e esperanças?
A resposta é tão óbvia que se torna quase penoso dizê-la. O debate não adiantou nada de bom. O Governo não convenceu. A política que se propõe realizar já foi largamente experimentada durante os Go-

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vernos da AD, como ontem singelamente reconheceu o Ministro das Finanças cessante, e os seus resultados são desastrosos.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Os problemas nacionais não vão ser resolvidos e serão mesmo agravados nos seus aspectos essenciais.
Afirmá-lo e denunciá-lo é a única atitude responsável que se pode assumir no termo deste debate. É este estado de espírito desmistificador, que pode permitir que amadureçam as soluções que têm de ser encontradas no quadro do 25 de Abril e não nos compromissos com o antigamente.

Aplausos do PCP.

O Programa do Governo, despojado da roupagem formal com que se adorna, é uma tremenda listagem de medidas visando: A redução drástica do poder de compra e das condições de vida dos trabalhadores e do povo em geral. O prosseguimento da ofensiva contra as nacionalizações e a Reforma Agrária. A continuação das orientações económicas restritivas, de estagnação, de paralisação e mesmo de retrocesso. O ataque às liberdades e direitos dos trabalhadores e dos cidadãos em geral.

Vozes do PC: - Muito bem!

Uma voz do PSD: - É a cassette!

O Orador: - Ainda antes de concluído este debate o Governo resolveu assinalá-lo não só com a desvalorização do escudo, mas também com a primeira girândola de aumentos dos géneros de primeira necessidade, incluindo o pão e o leite. É significativo! Seguem-se as contenções dos salários e das reformas com a óbvia redução do poder de compra das populações, o pagamento a singelo das horas extraordinárias, os planos para pagar o 13 º mês com títulos de dívida pública, o agravamento da carga fiscal através do aumento dos impostos indirectos e do imposto profissional. Avultam como particularmente gravosas a manutenção das taxas de saúde e o incumprimento da Lei das Finanças Locais e a anunciada liberalização das rendas com o seu cortejo de gravíssimas implicações sociais. A abertura ao grande capital dos sectores básicos da economia - a banca, os seguros, os cimentos e os adubos -, é, no entanto, a prioridade fundamental do Governo, juntamente com »o prosseguimento da ofensiva contra a Reforma Agrária.
A ausência no Programa de medidas que visem a reposição da legalidade democrática na zona de intervenção, designadamente a execução dos 144 acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo favoráveis às UCPs, tal como os projectos de revisão da lei do arrendamento rural, ilustram de maneira evidente o agravamento da ofensiva contra as transformações democráticas efectuadas depois do 25 de Abril.
No que toca às grandes orientações económicas o que o Programa comporta é a manutenção das elevadas taxas de juro, a severa restrição do crédito, a redução do mercado interno, a estagnação da produção, a contenção do investimento, o congelamento e o adiamento da decisão sobre os grandes projectos nacionais, o agravamento dos défices e do endividamento externo, a sujeição ao FM1, a absolutização da integração na CEE como condicionante da vida económica, o agravamento da dependência em relação ao imperialismo.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Programa desenha os contornos de um novo ataque às liberdades e direitos dos trabalhadores e dos cidadãos em geral. Desde logo o Governo prepara-se para pôr em prática profundas alterações à legislação laboral - liberalizando os despedimentos colectivos e a suspensão de trabalhadores, restringindo gravemente o exercício do direito à greve, reduzindo os direitos adquiridos em matéria de férias, faltas e feriados com vista a intensificar a exploração dos trabalhadores. O Governo anuncia a revisão da legislação que após o 25 de Abril veio garantir os direitos de reunião e manifestação, bem como a referente ao próprio direito de associação, o que é extremamente preocupante, sobretudo quando combinado com os preparativos de uma lei de segurança interna e o plano de coordenação de todas as polícias.

Vozes do PCP: -Muito bem!

O Orador: - No conjunto dos objectivos que o Programa do Governo contém o ponto nuclear reside na restauração do poder económico e político do grande capital. As alavancas desta política estão fundamentalmente na alteração da lei de delimitação de sectores e na global alteração da legislação laboral. O significado e o alcance extremamente graves destas medidas para o regime democrático não carece de ser sublinhado por nós. Basta ir aos Diários da Assembleia da República e ver o que foi afirmado em 1981 pela bancada do PS. Nessa altura os deputados socialistas disseram e bem que «a abertura dos sectores básicos à iniciativa privada é inconstitucional». E concluíam também correctamente que a abertura «é injusta e iníqua porque permite a apropriação por alguns da riqueza que a todos pertence».

Aplausos do PCP.

«O PS - dizia-se então- não assistirá de braços cruzados à refeudalização do crédito, do emprego, da informação e por fim do voto»,
O Governo do PS instrumentaliza agora a grave crise económica e financeira com que o País se debate para cobrir e justificar esta operação que em 1981 verberou. Ao mesmo tempo que prepara adoptar um conjunto de medidas para desarmar a luta dos trabalhadores e a resistência popular.
A crise é conhecida, mas ao querer restaurar a todo o vapor os monopólios e os latifúndios com o seu cortejo de privilégios, o Governo PS/PSD, como os anteriores Governos PSD/CDS, despoja o País das condições mais vantajosas de que dispomos para lhes fazer frente (isto é, as transformações estruturais feitas com a revolução) e agrava o «desregulamento» e as perturbações da nossa economia através da sabotagem do sector público - o sector fundamental -e através da tentativas de transferência de meios de produção de importância decisiva do sector público para o sector privado.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Muito bem!

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O Orador- - Pretender fazer crer que a crise é consequência do 25 de Abril e das históricas conquistas do povo português, é uma monstruosidade, tal como o é escamotear que a verdadeira causa interna da crise é a política restauracionista e antidemocrática dos sucessivos governos de direita.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, pior ainda, é pretender-se que entregando de novo ao grande capital, os sectores mais dinâmicos e rentáveis da economia portuguesa se consegue resolver a crise, ou que os problemas e o atraso da agricultura portuguesa, se resolvem destruindo a Reforma Agrária, piorando ,a situação dos agricultores e reconstituindo o império do latifúndio inculto, é pretender que a crise se resolve destruindo os direitos dos trabalhadores, aumentando o desemprego e transferindo todas as dificuldades para cima dos ombros de quem menos pode, das classes menos favorecidas, do povo.
Aliás, com relação à agricultura, há que assinalar que o Sr. Ministro não interveio e que o Governo não respondeu a nenhuma das pertinentes perguntas que lhe foram colocadas pela minha bancada.

Aplausos do PCP.

Desde os governos PS que assistimos a sucessivas desvalorizações pontuais e deslizantes do escudo com, os objectivos expressos de aumentar as exportações, conter as importações, acabar com a especulação contra o escudo e repor o seu valor. Mas o que a vida tem mostrado é que a cada desvalorização se segue um novo impulso no aumento de preços internos. Depois argumenta-se que as taxas de juros são negativas. Aumentam-se as taxas de juro o que, conjugado com o aumento geral de preços determina novos aumentos de custos de produção. Aponta-se depois que as nossas mercadorias não são competitivas, os especuladores e os grandes exportadores fazem pressão e temos na mesma lógica nova resvalorização. E assim sucessivamente. Com maior ou menor acentuação é assim que se tem vivido, ao mesmo tempo que se agravam os défices, a divida externa, se degrada o nível de vida do povo português, se enfeuda a nossa economia, se agravam todos os problemas, se aliena a nossa independência nacional.

Aplausos do PCP.

O Sr. Ministro das Finanças referiu-se aqui à crise, a vários programas, mas não apresentou sequer qualquer objectivo quantitativo, ao mesmo tempo, que passou uma esponja sobre os fautores da crise, sobre os que deixaram «um Portugal económica e financeiramente destruído», isto é, a AD e o seu principal partido - o PSD - tal como referiu o Dr. Mário Soares em 8 de Março de 1982!
O Sr. Ministro das Finanças falou também do desregulamento global do sector empresarial do Estado, dos seus prejuízos, mas nada disse dos gestores nomeados pela AD, das obrigações impostas a estas empresas no domínio do crédito externo, das discriminações em relação à política de preços; investimentos e financiamentos: É sintomático.
Fala do «desregulamento sério» da nossa economia e, no entanto, pretende incrementar ainda mais a irracionalidade e a anarquia no sistema económico com a abertura da banca, seguros, cimentos e adubos ao grande capital e com a continuação da política de endividamento externo com que depois se procura justificar o agravamento da dependência em relação ao FMI e a outras entidades estrangeiras e a subordinação generalizada ao imperialismo incluindo no plano militar com concessão de novas facilidades e bases aos EUA e à NATO.
O Governo pretende reduzir o défice externo colocando a economia portuguesa em coma. E verdade que um doente em coma pouco consome, mas é uma maneira fictícia e aparente de pontualmente se poder reduzir a pressão externa enquanto se agravam todos os problemas. Logo que se queira reanimar o doente, como a estrutura económica e a orientação são as mesmas, regressam os défices numa situação ainda mais deteriorada.
A vida tem mostrado que é necessário uma nova política económica. Esta nova política económica existe e tem sido por nós insistentemente exposta e explicada, incluindo neste debate.
O debate confirmou amplamente que com o decantado «pacto social» se tem em vista promover uma mascarada de negociações entre o Governo e os chamados parceiros sociais visando obrigar os trabalhadores a aceitarem pagar (com o agravamento das suas condições de vida e de trabalho) o preço da crise, para que os capitalistas aumentem rapidamente os lucros, apressem os processos de acumulação e centralização de capitais e abram caminho à restauração dos monopólios.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O debate demonstrou que os sucessivos apelos à corresponsabilização da oposição visam tanto envolver numa teia de pressões, intimidações e chantagens a verdadeira oposição democrática e o movimento dos trabalhadores como dar cobertura à colaboração que já aqui se evidenciou entre o Governo e o CDS.
Um governo liderado pelo PS, que se recusou logo após as eleições a dialogar com o PCP sobre a crise e a nova situação criada, não pode com credibilidade apresentar-se como campeão da busca de soluções consensuais.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP) : - Muito bem!

O Orador: - O PS optou por um arranjo de Governo que defrauda, quer queiram quer não, a vontade expressa do eleitorado em 25 de Abril.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Bem pode o Primeiro-Ministro proclamar que o PSD também venceu as eleições, para iludir os escrúpulos que se manifestam no seu próprio partido.
O voto no PSD, nas suas linhas determinantes, tem um sentido completamente oposto ao voto no PS. O voto no PS foi um voto para mudar. Para pôr termo ao Governo da AD e à sua desgraçada política.
A votação no PSD representa precisamente o contrário. Representa a concentração de votos da direito voto útil da direita ...

Aplausos do PCP.

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O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - ... o voto útil da direita no partido que poderia superiorizar-se ao PS e legitimar por conseguinte a manutenção do Governo e a continuidade da política da AD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito mal!

O Orador: - Apesar deste esforço, os partidos da direita que constituíam a AD perderam 547 000 votos, passaram de 47,2 % da votação de 1980, para 39,9 % em 1983, enquanto que o conjunto dos partidos e forças que estavam na oposição e aqui regressaram (PS, PCP, MDP, UEDS e ASDI) passaram de 45 % em 1980 para 55 % em 1983. Ganhou a vontade de mudar! Mas Mário Soares e o PS impõem ao País a vontade de continuar a AD, como exuberantemente se demonstrou neste debate.

Aplausos do PCP.

Protestos de deputados do PSD batendo com os punhos nos tampos das carteiras.

O Sr. Presidente:- Srs. Deputados, peço o favor de manterem o silêncio devido.

O Orador: - Isto, Srs. Deputados, é debate democrático.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Isso não muda nada!

O Orador: - Os Srs. Deputados com esse bater nas carteiras revelam a vossa verdura. Os socialistas certamente terão isso em consideração.

Protestos do PS e do PSD.
Dizia eu que está marcado por um relacionamento na esfera militar, por posições e afirmações e por uma imagem que, não se adequando ao cargo, não podem deixar de infundir sérias preocupações aos verdadeiros democratas.

Uma voa do PSD: - Não estou nada preocupado!

O arranjo governamental afrontoso da vontade do eleitorado determina uma composição do Governo que não deixou de chocar mesmo os observadores mais
inclinados ao aplauso ou tão-só ia condescendência.
Ao encarar o presente elenco governativo somos tentados a recordar o que Eça de Queiroz escrevia em 1871. Dizia ele:

Há muitos anos que a política em Portugal apresenta este singular estado: 12 ou 15 homens, sempre os mesmos, alternadamente possuem o poder, perdem o poder, reconquistam o poder, trocam o poder

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Só o PCP é que não!

O Orador: - E considerando outros Ministérios, não se pode deixar também de comentar com Eça de Queirós: «Ora tudo nos faz pensar ...».

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Já chega de asneiras!

O Sr. Silva Graça (PCP): - Agora já não gosta do Eça!

O Orador: - ... que quanto mais um homem prova a sua incapacidade, tanto mais apto se torna para governar o seu país». Vamos muito mal por este caminho. Como se ia mal nos tempos que Eça fustigava com os comentários citados. Era, então, o caminho da bancarrota, e isto é um alerta para nós.
O arranjo governamental sem coerência e sem princípios em que o PS se envolveu leva a que o Ministério da Defesa, precisamente quando vai iniciar-se a execução da Lei de Defesa Nacional, seja entregue não apenas ao PSD, mas a alguém que pelas suas actividades políticas recentes, designadamente como mandatário nacional do general Soares Carneiro, o conhecido general de São Nicolau ...

Aplausos do PCP.

Espantoso é, também, o comentário mínimo que se pode fazer em face da entrega do Ministério do Trabalho ao PSD quando se tem o projecto de rever tão latamente a legislação laborai. Se outros dados não abundassem bastava este para se ver que o sentido da revisão não é a favor dos trabalhadores mas contra eles.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao terminar o debate parlamentar sobre o Programado Governo grande parte do País está persuadida já que se vai iniciar um novo ciclo de dias difíceis e sem esperança, de sacrifícios em vão, de degradação de uma situação que poderíamos agora seriamente começar a debelar.
O Governo não oferece capacidade para resolver os problemas, o Governo não dá quaisquer garantias de estabilidade política e governamental. Não faltam episódios (e eles verificaram-se mesmo ao longo do debate) que testemunham o mal-estar, as divergências, os desacordos dentro de cada um dos partidos governamentais. O Governo é assim como que uma ponte que assenta em dois pilares rachados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Uma voz do PSD: - Mal!

O Orador: - Esta circunstância ajuda a explicar por que é que «a maioria parlamentar de sempre» anseia por partir para férias e por que é que o Governo quer encerrar prontamente as portas da Assembleia para legislar sozinho, longe dos olhares da oposição, ao abrigo das perguntas do País.
O resultado das eleições de 25 de Abril criou as condições institucionais para um Governo democrático e uma política democrática. A possibilidade real de uma política democrática gorou-se no imediato apenas por-

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que Mário Soares e o PS assim o quiseram, contrariando o sentido do voto popular e os interesses e as necessidade do País.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Estas circunstâncias dão, no entanto, uma grande força e uma grande legitimidade à atitude de firme oposição face à política do Governo do PS/PSD, à resistência popular, no quadro da legalidade, às suas medidas mais injustas, à luta pela sua queda e substituição por um Governo democrático.

Aplausos do PCP.

O Governo é incapaz e é fraco.
Mas o processo da sua substituição exige luta firme e uma oposição revigorada.
Será esse o sentido do nosso vota contra a moção de confiança, o único voto que no momento presente exprime esclarecidamente os interesses dos Portugueses e de Portugal.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por consenso estabelecido na reunião dos líderes dos grupos parlamentares, vamos prosseguir no debate e finalmente na votação da moção de confiança, tendo ficado também decidido que as declarações de voto sobre a moção poderão ser entregues no meu gabinete até á próxima segunda-feira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.

O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Antes de mais quero saudar o Sr. Primeiro-Ministro e os demais membros do Governo a quem está confiada a grande tarefa de contribuir pela sua acção, no dia-a-dia, para o real progresso do País, o bem-estar das populações e edificar em bases sólidas um futuro melhor. E nesta saudação desejo dirigir uma palavra muito especial de respeito e amizade ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Têm VV. Ex.ªs o nosso apoio e encorajamento. Terão também a nossa disponibilidade para analisar e discutir as soluções que carecem de ser tomadas, às quais queremos dar o nosso contributo, que corresponde ao que nós, deputados, recolhemos junto das populações e traduz a sua maneira de sentir e querer. Desse modo contribuiremos para o diálogo e a concertação social necessários para que as reformas estruturais que ireis levar a cabo sejam acolhidas com naturalidade e possam produzir os efeitos desejados.
O debate sobre o Programa do Governo foi elucidativo e esclarecedor.
O Governo e a maioria apresentaram com realismo com frontalidade e com clareza o quadro das opções que irão ser seguidas, assim como as principais medidas a tomar, o que nos deixou a nós, PSD, a tranquilidade de espírito e confiança na certeza de uma governação eficaz.
Vimos no CDS uma oposição construtiva, onde não é de qualquer modo difícil divisar - e por vezes foi mesmo expresso - o empenhamento democrático na saída da grave crise económica e social e no trilhar os caminhos correctos da modernização. É certo, que em nosso entender o vimos preocupar-se em demasia com
este ou aquele pormenor, com esta ou aquela medida específica, alicerçando nesses aspectos pontuais muitas das suas críticas e deixando de lado ou minimizando o enquadramento global, a linha de orientação programática do Governo, o que nos deixou alguma surpresa tendo em atenção as palavras proferidas pelo seu líder no encerramento do debate do VI Governo.
Aí o deputado Lucas Pires teorizava sobre as atitudes mais adequadas para a maioria e para as oposições neste tipo de debates. Queria um Governo e uma maioria concretas e uma oposição a discorrer politicamente sobre as opções propostas, no que aliás estou de acordo pois entendo que um debate desta natureza se deve cingir primordialmente sobre o enquadramento geral e as orientações a prosseguir. Os aspectos concretos virão na medida das possibilidades e necessidades de cada momento e deverão ter em conta a sua oportunidade.
E é aqui que abro um parêntesis: o Sr. Deputado Basílio Horta entrou no caminho de deprimentes epítetos pessoais relativamente ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Isso é a prova acabada de falta de serenidade. As expressões insultuosas só surgem quando a inteligência já não descobre argumentos.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Já no que se refere ao Partido Comunista, vimos e ouvimos, dentro e fora desta Assembleia, a crítica sem quartel, a recusa total em colaborar, a postura hipercrítica de um bota-abaixo. No que se afasta e se marginaliza da vontade da enorme maioria dos portugueses.
As instituições e o poder só são eficazes se forem reconhecidos e assumidos pelos administrados. Se forem por eles compreensíveis. Se responderem ao que delas se espera e forem o reflexo do sentir do Povo.
Deixarão de o ser se se transformarem em torres de marfim, em círculos fechados, que criem uma lógica, actuação e linguagem próprias, que se esoterizem e percam as raízes.
E muito do- que foi dito pelo PCP não pode colher aceitação ou ser compreendido nos dias de hoje. Tem o sabor do período que se seguiu ao 11 de Março de 1975, e que deixou atrás de si um cortejo de injustiças e que foi responsável como aqui já foi notado, designadamente pelo Sr. Primeiro-Ministro, pela criação de muitas das dificuldades com que hoje nos debatemos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi o delírio de então, que ainda hoje tem os seus reflexos, que atrasou a recuperação económica do País e que é responsável por um clima de desconfiança nos agentes económicos e de perturbação da vida social e produtiva. Que leva anos. a sanar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os resultados das eleições do passado dia 25 de Abril permitiram a constituição de uma maioria do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata e à formação de um Governo que emana dessa maioria. É uma solução de larga maioria política e sociológica que tem condições para levar a

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cabo as alterações estruturais e tomar as medidas que se impõem para resolver a grave crise que aqui foi reflectida durante o debate. E assim preparar o País
para os caminhos de modernização que nos levam a enfrentar o futuro com mais esperança e confiança.
E por todos reconhecido que alterações profundas, medidas de longo alcance e fôlego não podem ser tomadas por um poder político precário e de previsível curta duração.
O interesse nacional impunha, por isso, que fossem criadas as condições, as melhores possíveis, para a constituição de um Governo de legislatura que corporizasse as aspirações da maioria da população portuguesa.
Acresce que a proximidade das posições ideológicas e das soluções propostas pelos partidos da maioria, a proximidade de um modo reformista como são encarados pelos partidos da coligação os grandes problemas da sociedade portuguesa dão possibilidade de uma actuação decidida e determinante. Os partidos caracterizam-se pelo seu programa e ideologia, pelo tipo de militantes e simpatizantes e também pela sua prática política. Numa coligação terão que seguir um programa que será o maior múltiplo comum das suas Risos do PS.
posições próprias, e portanto, enquanto no Governo, continuarão a fazer a pedagogia do seu ideário.
Quanto mais próximo forem os partidos mais o programa de Governo se aproxima de cada um deles e desse modo menores serão as dificuldades de se identificarem totalmente com esse programa do Governo.
Era portanto a solução governamental que se exigia. Solução que cria um consenso para ultrapassar uma crise reconhecida. Basta para tanto que haja vontade e determinação e essas existem como aqui foi demonstrado.

Aplausos do PSD e do PS.

Podem assim transpor-se as soluções políticas precárias, as crises cíclicas, a instabilidade permanente que desenvolve os apetites daqueles que esperariam
alimentasse nos destroços da democracia pluralista.
Que é, apesar das suas imperfeições, o melhor sistema concebido pelos homens para governar os povos.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

E é porventura o reconhecimento das condições intrínsecas de estabilidade da solução governativa que foi laboriosamente negociada e tem condições
de sucesso, mau grado os difíceis tempos que temos de ultrapassar- que explica comportamentos políticos de alguns que a ela não aderiram.
Para o Partido Comunista é posto em causa o seu objectivo, muitas vezes proclamado, de um Governo da chamada maioria de esquerda. A sua expectativa de
ser um partido de poder é agora mais distante, mas a responsabilidade disso recai sobre o próprio Partido Comunista e é fruto da sua ortodoxia exarcebada - dele e das forças sociais que lhe são afectas,
a CGTP/IN - e do seu modo vanguardista hoje já ultrapassado por muitos partidos comunistas da europa ocidental.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Existe uma enorme diferença de filosofia, de atitudes e de comportamentos entre o Partido Comunista e os Partidos Socialista, Social-Democrata e Centro Democrático Social, que pode ser subvalorizada.

Por vezes pergunto-me, e gostaria de ter uma resposta clara, qual será o pensamento e a análise do PCP sobre a posição de Staline durante a conferência de Potsdam:

Todo o governo livremente eleito seria anti-soviético. E, isso nós não podemos permiti-lo.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Razões diversas levam o CDS a levantar o espantalho da chamada «mexicanização> do regime. É o próprio dirigente do CDS que afirma quê -, uma coligação de sociais-democratas com os socialistas pode ser muito duradoira, que a ideia dessa coligação pode ser estabilizadora sendo difícil de construir uma alternativa com 60 % dos deputados, o que naturalmente não constitui uma perspectiva risonha para o CDS.
Estas condições de estabilidade são também o receio de outros que esperando explorar e maximizar as dificuldades do País e dos partidos se iam aprontando para criar novos partidos, outras soluções, diferentes projectos. Estes que não hesitam em manipular os vírus do descontentamento entretêm-se com uma engenharia de genética política sem terem de todo a consciência que poderiam criar novas estirpes, que seriam incapazes de controlar mas que inevitavelmente iriam manchar e ulcerar o corpo social. Gerando politiomas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Embora importantes, não foram em nosso entender, essas as razões e a essência da coligação PSD/PS e da participação nela dos sociais-democratas.
Residiram no conhecimento e na análise concreta do que é necessário fazer e na necessidade de construir um espaço de estabilidade no consenso e apoio social.
E a perspectiva de ultrapassar a crise económica, social e de identidade, de introduzir mudanças e reformas estruturais de modernização num âmbito reformista, de justiça social, de eliminação de discriminações pessoais ou regionais, de progresso em liberdade, fraternidade e profundo respeito pela dignidade do homem, na sua cultura, sensibilidade e anseios.
É essa a perspectiva que se encontra no Programa de Governo, o qual vem na sequência lógica e natural do acordo político celebrado entre os dois partidos da coligação.
Programa que contém no fundamental as propostas que o PSD apresentou ao eleitorado nas últimas eleições, e que contém aquilo que, da nossa parte, julgamos que carece, neste momento, de ser concretizado e realizado.
A recuperação económica, o desenvolvimento dos sectores produtivos, o apoio à iniciativa privada, o aproveitamento das criatividades de todos os cida

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dãos e a criação de um clima de confiança, que torne espúrio o crime, a corrupção, a insegurança e os abusos de poder; a criação de postos de trabalho e a segurança no emprego; também a melhoria da educação, da saúde e do bem-estar que dão lugar a uma maior igualdade entre os cidadãos.
Que, enfim, se vá edificando um país à medida das aspirações da nossa juventude, sustentáculo e razão de ser do Portugal de amanhã.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - Anima-nos essa confiança e a certeza de uma acção profícua do Governo. Por isso estamos nesta maioria para reformar e não apenas para gerir o País.

Vozes alo PSD: -Muito bem!

O Orador: -Não esperamos que, por qualquer passo de magia, se vá de hoje para amanhã, de um País carenciado das infraestruturas mais básicas, com uma economia débil, quase subdesenvolvido nos aspectos de educação e de saúde, com enormes desequilíbrios regionais e de condições de vida dos cidadãos, com uma agricultura impreparada, com uma indústria nalguns campos incipiente e onde surgiram alguns grandes projectos de rentabilidade e oportunidade duvidosa, com dificuldades dramáticas no que se refere à habitação, com uma economia com um desequilíbrio nas contas externas que roça o insuportável, com uma dívida acumulada extremamente preocupante, se vá de tudo isto para um País desenvolvido a nível europeu.
Tudo isso não pode ser ultrapassado num dia, mas não podemos fazer dessas dificuldades um muro de lamentações, onde resignadamente nos curvemos à espera de soluções providenciais. Essa atitude não tem lugar no plano da acção.

Vozes do PSD: -Muito bem!

O Orador: - É porém necessário que percorramos os trilhos certos, ultrapassando dificuldades, com o esforço, trabalho e também com a vontade participativa dos homens.
Não é possível que entremos na Europa numa situação de tal modo desfavorável, abaixo do limiar do desequilíbrio, que inexoravelmente conduziria ao alargar dos fossos em vez de os eliminar. Esta é uma das responsabilidades históricas do presente Governo.
Esperamos que quando entrarmos na Comunidade não arrastemos connosco o humilhante record de termos no solo pátrio a sua região mais deprimida. Hoje entende-se que a pobreza é mais uma situação incapacitante do que uma desajustada distribuição de rendimentos. A guerra à pobreza é a cura das suas causas com ênfase especial no desenvolvimento da competência social dos cidadãos, o que ultrapassa em muito um simples programa de desenvolvimento económico.
Não queremos que ao entrar na Europa desenvolvida tenhamos de suportar um brain-drain inverso, o que exige uma particular atenção nos campos da educação e cultura, sectores particularmente vulneráveis às depressões económicas uma vez que o imediatismo das recuperações financeiras fragiliza o apoio

às iniciativas em que os benefícios surgem dilatados no tempo relativamente aos custos.

Isso não esperamos nós do Governo, que tomará - como foi afirmado - as medidas que se impõem ainda que impopulares ou de efeito diferido no tempo. Basta que a maioria e o Governo pratiquem o diálogo -como têm afirmado- e desejam.
Se o Governo encontrar pela frente a barreira dos que não querem ouvir -afinal os piores surdos deve ter a firmeza para fazer o que se impõe, desde que seja socialmente correcto e justo.

Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O PSD tem tido como linha de força a mudança, não uma mudança qualquer. Tive noutro momento ocasião de afirmar que a mudança é uma grandeza vectorial cuja projecção no eixo do desenvolvimento pode ser positiva, negativa ou nula.
Nós somos pela mudança no sentido positivo do progresso, da equidade, da liberdade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Foi esse um dos grandes legados de Sá Carneiro, espírito que nos anima a nós Sociais-Democratas e que anima os nossos companheiros nas bancadas do Governo e dos deputados, os que trabalham nas autarquias e todos os nossos militantes que, em qualquer lugar, no seu dia a dia se dedicam à construção de um futuro melhor.
É neste espírito de disponibilidade que damos todo o nosso crédito de confiança ao Governo.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

A fim de metermos ombros à enorme e também aliciante tarefa de modernizar o País, para que no encontro com a sua história adquira o lugar a que tem direito no concerto das nações.
É numa prática de solidariedade que damos todo o nosso apoio ao Governo e lhe desejamos as maiores venturas.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Walter Rosa.

O Sr. Walter Rosa (PS):- Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Programa de Governo em discussão nesta Assembleia é um documento político de extrema importância. Não só porque apresenta as principais orientações e as principais medidas do Governo para os próximos 4 anos; mas também porque surge em ma mento singular da nossa vida colectiva.
Com efeito, o País atravessa uma profunda crise económica e financeira, agravada pela crise mundial.
O défice da Balança de Transacções correntes atingiu já 3,3 biliões de dólares. O que significa uma hemorragia de 10 milhões de dólares/dia; a dívida externa acumulada ultrapassa já os 13 biliões de dólares; o défice da administração pública é da ordem dos 180 milhões de contos e os juros da dívida directa do Estada ultrapassaram os 100 milhões de contos no ano transacto.

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A inflacção aflige os portugueses.
O escudo perde valor. As taxas de juro sobem. O investimento é escasso. O desemprego alastra.
Urge pois dominar a crise e relançar a economia.
É o que se propõe fazer este Governo.
Para isso traça um Plano de Emergência de 18 meses cuja primeira prioridade é reduzir o défice da BTC.
Há que conter as importações e fomentar as exportações.
Hoje, o que se exporta não dá nem para cobrir metade do que se importa.
Trata-se aqui, no imediato, de tomar medidas de natureza financeira, monetária e cambial.
A desvalorização de 12 % do escudo, já decidida, vai nesse sentido.
Simultaneamente, o Governo efectuará uma gestão cuidadosa da dívida externa. Supomos que é urgente reestruturar a dívida, de forma a aliviar as amortiza ções de curto prazo.
Depois e também com elevada prioridade, aponta o Governo para a redução do défice do Orçamento do Estado reconhecida que é a sua influência na dívida externa e na inflacção. De facto, é necessário administrar com mais rigor, para diminuir despesas; mas é também indispensável aumentar as receitas, concretizando a reforma fiscal de há muito esperada e reduzindo drasticamente a fuga aos impostos.
É urgente, do mesmo passo, efectuar o saneamento económico-financeiro de várias empresas públicas que dele carecem, reforçando a sua capacidade de auto financiamento e limitando os encargos do Estado ao pagamento dos custos sociais.
Por outro lado, visando sempre reduzir a propensão média para importar e aumentar a propensão média para poupar - o Governo mobilizará esquemas de
poupança para o investimento- designadamente no sector da habitação como forma de contrariar a tensão sobre os preços.
Aliás, e muito bem, será combatida a especulação sobre os preços e a moeda.
Pretende o Governo, a prazo e progressivamente, reduzir a inflacção para os níveis da CEE.
Eis aqui uma afirmação verdadeiramente corajosa, publicamente assumida, que demonstra bem a determinação deste Governo e do Sr. Ministro das Finanças, de fazer sair o País do pântano em que se encontra.
Só assim será possível baixar progressivamente as taxas de juro, hoje elevadíssimas, se defenderá o escudo e se estabilizará o câmbio.
Entretanto o Governo procederá ao controle do crédito e sobretudo da sua aplicação selectiva e dinamizará o mercado de capitais.
Trata-se, em suma, de um Programa de Emergência que visa restabelecer, prioritariamente, os grandes equilíbrios macro-económicos - e criar uma base saudável necessária ao futuro relançamento da nossa economia.

2 -Felizmente que o Governo não se vai limitar a gerar a crise. Quer ultrapassá-la. E propõe-se fazê-lo em conformidade com um plano de 2 anos de recuperação financeira e económica e com um plano de 4 anos de modernização da economia portuguesa, no quadro da integração de Portugal na CEE.
Na verdade, os portugueses não produzem o suficiente para o seu consumo. Há que produzir mais e poupar para investir.
Nesta perspectiva de recuperação e de modernização, as linhas de força contidas no Programa do Governo são, a nosso ver, as seguintes:
A subordinação da política ao Plano Nacional a apresentar oportunamente a esta Assembleia;
Uma orientação pragmática do desenvolvimento possível, recusando à partida o neo-liberalismo e o monetarismo;
A promoção do emprego;
A modernização do aparelho produtivo, o aumento da produção e da .produtividade;
A luta contra a inflação;
A futura estabilização das taxas de juro do quadro do sistema financeiro internacional;
A defesa do sistema comercial evitando distorções e especulações;
Uma economia de mercado abrangendo o sector público e o sector privado, com regras de jogo claro e gerando confiança nos agentes económicos.

3 - Neste quadro de referência, o Governo apresenta políticas sectoriais devidamente articuladas num projecto político global e coerente.
Mas aquelas políticas estão sujeitas, desde logo, ao respeito pela primeira prioridade que é a do controle do desequilíbrio externo da economia portuguesa e ao consequente rigor de gestão financeira e económica do Estado e só depois serão progressivamente ajustadas às necessidades e possibilidades de recuperação e de modernização estrutural.
Neste entendimento, propõe o Governo orientações e medidas que visam fortalecer o sector produtivo, de entre as quais me permito destacar pela sua importância. as seguintes:
Na agricultura, cuja produção actual em valor mal atine os 50 % do consumo interno e ocupa uns 30 "fio da população activa que apenas produz uns 10 % do PIB - o Governo propõe-se fortalecer e modernizar a organização produtiva da lavoura e aumentar a produção, utilizando para tanto, como instrumento essencial, o crédito tecnicamente assistido, fomentador de novas técnicas e de novas culturas.
Propõe-se igualmente promover uma verdadeira economia alimentar com o correspondente desenvolvimento das indústrias agro-alimentares.
No domínio das florestas, lança-se o repovoamento florestal de uso múltiplo e o incremento a jusante das indústrias da madeira.
No sector das pescas, visa-se aumentar e valorizar a produção, renovando a frota e incentivando as indústrias do pescado.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Na indústria, o Governo lançará uma Lei de Bases de Desenvolvimento Industrial e um Plano de Desenvolvimento Tecnológico, enquadramento necessário ü renovação da nossa indústria.
Serão apoiadas as indústrias exportadoras e implementadas novas indústrias que utilizam os nossos recursos naturais e a indústria de bens de equipamento (hoje um estrangulamento ao nosso crescimento próprio): e, ainda, as novas tecnologias de ponta, para que se não perca a revolução tecnológica deste final do século.
Na energia, põe-se ênfase na segurança do abastecimento do País e na necessidade de garantir a capacidade

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de resposta do sistema energético às necessidades do crescimento económico.
Menor dependência do petróleo importado e maximização dos nossos recursos naturais.
Anuncia-se o plano energético a submeter, esperemos que em breve, a esta Assembleia.
No comércio interno, o programa visa garantir o normal abastecimento do mercado, a concorrência e o controle da formação de preços.
Propõe a defesa do consumidor e a luta contra a especulação.
No comércio externo, visa-se apoiar a competitividade dos preços portugueses e o aumento das exportações e a contenção das importações em áreas sensíveis tais como os produtos petrolíferos, agrícolas e das pescas.
O turismo é considerado área de actuação fundamental tendo em conta a sua importância financeira e cambial.
No sector do equipamento social muito há de importante que este Governo se propõe fazer. Destaco apenas, pelo seu significado, o relançamento da construção civil, de tão alta importância económica e fortemente geradora de emprego, integrada num vasto plano nacional e em programas municipais de habitação, obedecendo a critérios que favorecem a habitação social e a habitação protegida, a recuperação do parque habitacional, a luta contra a especulação fundiária, o controle de custos e de rendas e a promoção de crédito aliciante à aquisição de casa própria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política económica e financeira de recuperação e de renovação, deste Governo e as suas políticas sectoriais do sector produtivo, completam-se harmoniosamente com a política social
No seu conjunto, trata-se de um projecto política reformista, baseado nos princípios e na ética da social-democracia e do socialismo democrático europeu. E surge, naturalmente, na sequência do manifesto-programa eleitoral do Partido Socialista.
E um projecto político baseado na solidariedade social. Por isso mesmo inclui como sua pedra angular, o Acordo Social para o desenvolvimento, a institucionalizar em Conselho Económico e Social.
Trata-se de planear o futuro dos portugueses em conjunto: Estado, Trabalhadores e Empresários - e de garantir a defesa dos legítimos interesses em confronto. De que forma distribuir a riqueza produzida pelas partes: ao Estado, cabem os impostos - e qual a sua aplicação social? Na saúde, na habitação, na educação, na segurança social e no equipamento; aos empresários. o justo rendimento e como aplicá-lo investindo e criando emprego; e aos trabalhadores o seu salário e como garanti-lo.
É toda uma concepção global, de participação social na política de emprego, de rendimentos e de preços.
Consensualmente. Com justiça social e equidade.
Civilizadamente. De boa fé.
Por isso e desde logo, a política de Trabalho e Segurança Social do Governo garante:

A segurança no emprego e o combate ao desemprego;
A proibição dos despedimentos sem justa causa. A não alteração da Lei da Greve;
O combate ao abuso dos contratos a prazo;
O desenvolvimento da formação profissional em
ligação com o ensino profissional;
A Lei da Aprendizagem;
A articulação dos regimes de segurança social
visando a mobilidade no emprego;
O combate ao absentismo e ao excesso de hora extraordinárias;
O fomento do emprego em turnos visando aumentar a utilização do parque industrial existente e por essa via o aumento da produção sem recurso ao investimento;
A melhoria da inspecção do trabalho;
A aceleração da justiça laboral;
A participação dos representantes dos trabalhadores nos órgãos sociais das empresas públicas e, finalmente:
A indexação das pensões de reforma aos respectivos salários.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este programa do Governo PS/PSD surge efectivamente num momento singular da nossa vida colectiva; num momento de viragem da nossa história.
Somos, por herança de uma ditadura de meio século, o País pobre da Europa.
Finda que foi a era colonial, este Portugal europeu vira-se agora para a Europa e aposta na sua integração na CEE.
Mas não esquece, nem deve esquecer a sua vocação atlântica. A sua posição, geo-política e geo-estratégica.
O desafio é enorme.
Aqui ao lado, em Espanha, o rendimento per capita é já o dobro do nosso. Ou nos modernizamos e desenvolvemos neste quase final do século XX ou ficamos para trás, afastados irremediavelmente pela força dos números que medem friamente a nossa realidade, de usufruto do progresso económico e social de uma Eu copa avançada.
Joga-se aqui, em Portugal, a posição da fronteira da Europa com o Terceiro Mundo.
Nós queremos ser europeus. Por isso, este Programa de Governo deve ser aprovado. Mais: tem de ser aplicado, com o tempo necessário e a estabilidade política indispensável. Estabilidade que é reclamada pelos cidadãos da República, fartos de golpes políticos e de intrigas palacianas que nada têm a ver com os interesse profundos do cerne da Nação.
O tempo será o da legislatura; a estabilidade é-lhe conferida pela maioria parlamentar PS/PSD.
Pela nossa parte deputados do Grupo Parlamentar Socialista, aprovamos este Programa e aprovamos também o voto de confiança no Governo, o que fazemos em representação legítima do Povo.
Povo de vontade inquebrantável, caldeada em séculos de história, que sempre soube vencer as suas crises e que sabe o que quer: que vota na democracia, deseja o progresso e anseia por justiça social.

Vozes do PS, do PSD e do Sr. Primeiro: Muito bem!

O Orador: - Ao aprovarmos o Programa do Governo fazêmo-lo com a firmeza de quem acredita na capacidade dos portugueses e no futuro de Portugal.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e de Membros do Governo.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e de Membros do Governo.

O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao fim de um debate tão longo sobre o Programa do Governo, forçosamente tudo está dito.

Pela parte do Governo, falaram aqui vários Srs. Ministros e alguns outros, todos, poderiam ter igualmente falado se o tempo nos chegasse para isso. Sucedeu apenas que reservamos, como era legítimo, a última meia hora para fazer a síntese não somente do Programa mas dos grandes problemas nacionais que estão subjacentes à formação e ao trabalho futuro deste Governo.

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro fez aqui um discurso com o seu brilhantismo habitual e a sua clareza ...

Vozes do PCP: - Ah!

O Orador: - ..., discurso que me permite agora fazer apenas muito breves considerações. De resto, a Câmara está cansada e, repito, praticamente já ouviu tudo.
Mas seria de certeza uma descortesia, que eu não desejo praticar, não me referir às intervenções finais de cada um dos partidos que usaram da palavra nesta Câmara já depois do discurso do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e é por isso que, por ordem e de uma maneira muito rápida - quase telegráfica -, me vou referir a algumas dessas intervenções.
Começarei, por ordem, pelo meu amigo e Deputado Dr. Magalhães Mota, que a meu ver fez considerações de uma grande pertinência e pôs um problema que julgo dever ser o problema que à Nação se põe quando vê ou ouve certas oposições radicais ou sistemáticas ao esforço do Governo para enfrentar a crise. E a pergunta que ele pôs, que faço minha e que é dirigida às oposições, principalmente à oposição comunista,
esta: qual é a maneira de pagar os compromissos externos de Portugal, como é que nós vamos reduzir o endividamento externo? Quanto a isso o Partido Comunista não disse, nem podia dizer, numa única palavra porque não tem solução para este problema.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): - Tem, tem!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Faremos isso em declaração de voto.

O Orador: - É este gravíssimo problema que afecta o nosso país que explica e determina muita coisa, começando exactamente por explicar por imperativo nacional esta própria coligação e o Governo PS/PSD.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Prometeu-me o Sr. Deputado Magalhães Mota, em nome do seu grupo parlamentar, o apoio, a ajuda, naturalmente crítica, da ASDI ao Governo. Em nome deste eu agradeço essa declaração e estou certo de que vamos manter dentro desta Assembleia e fora dela um diálogo permanente e que a vossa ajuda vai ser obviamente utilizada.
A seguir, em representação da UEDS, falou o líder deste partido, engenheiro Lopes Cardoso, e falou com nitidez e com a sua autoridade moral, que lhe é geralmente reconhecida por todo o país.
Nós, que temos uma longa e velha camaradagem política, que data de há muitos anos, muitas vezes temos divergido e muitas outras convergido, mas pela minha parte - e sei que pela dele também -, independentemente das divergências ou das convergências, sempre houve um grande respeito político pela figura, pela seriedade, pela inteireza moral do Sr. Deputado Lopes Cardoso.

Aplausos do PS e da ASDI.

Ele veio aqui exprimir, no uso de um direito que lhe é amplamente reconhecido, reservas em nome do seu partido em relação ao Governo e disse que este, embora seja legítimo, a seu ver, não tinha razão em muitos aspectos e não seria capaz de implementar a mudança suficiente e bastante.
Penso que qualquer cidadão português está no direito de pôr reservas e de as exprimir relativamente a um Governo. Compreendo-as, aceito-as, respeito-as e, não obstante essas reservas - normais, direi eu-, penso que a contribuição crítica da UEDS, e do Deputado Lopes Cardoso em especial, vai ser muito útil para o nosso Governo.
A Sr º Deputada Helena Cidade Moura, em nome do seu partido, veio, penso eu, dar inflexão à intervenção inicial do líder do partido, Dr. José Manuel Tengarrinha, que eu tive gosto em sublinhar logo. É que a Sr.º Deputada veio não somente declarar desde logo a intenção do seu voto contra como justificar essa sua intenção com alguns argumentos que me parecem evidenciar um certo recuo em relação a um dado distanciamento que se estava a notar da parte do MDP/CDE em relação ao seu parceiro da coligação eleitoral.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Lamento que nas horas da verdade essa flor de distinção seja posta dentro do bolso e o alinhamento se faça sempre ...

Risos do PS.

... Mas continuo a pensar que é necessário que continuemos o diálogo para ver se as forças que existem no MDP/CDE se conseguem efectivamente independentizar e ter uma voz própria, porque isso seria útil para a democracia e para a coligação em que estão integrados.

Aplausos do PS, do PSD da UEDS e da ASDI.

O Sr. Deputado Azevedo Soares teve uma intervenção - e digo isto sem favor - de um grande vigor e de um grande brilho, intervenção essa em que reconheceu, como, de resto, vem sendo corrente em toda a sua bancada, que a situação do país é extremamente crítica, que tem que ser enfrentada com decisão, com coragem e coei determinação, e que as medidas que o

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Governo está a tomar - e já tomou algumas delas e anuncia outras para breve - são, no plano conjuntural, correctas. Essa sua opinião vem, aliás, na linha da intervenção feita também com muito brilho pelo Sr. Deputado Morais Leitão, que todavia não concorda com a posição reformista do Governo e com a posição .que tem a ver com o que está subjacente a esta coligação e que é o pensamento social-democrata e socialista democrático dos dois partidos que enformam esta coligação.
O CDS parece colocar-se numa posição que é anti-socialista e anti-social-democrata, o que é normal, o que é até porventura útil no nosso país, e prepara a prazo uma posição de tipo conservador europeu. E é natural que dadas as ligações normais que no plano internacional tem com os partidos conservadores europeus, o CDS queira, de facto, vir no futuro a criar uma alternância à social-democracia e ao socialismo democrático em termos de conservadorismo europeu. O que não era normal era a aliança anterior e querer ser o CDS a dar o tom a uma coligação que era ou que pretendia ser, pela parte do CDS, ser conservadora, mas que, obviamente, da parte do PSD não era é era entendida como social-democrata.
As coisas agora estão claras. O CDS é um partido da oposição e que nos vai fazer uma oposição inteligente, direi até perigosa. Eu, socialista democrático, e com certeza o Vice-Primeiro-Ministro, social-democrata, cá estaremos para enfrentar essa oposição de um ponto de vista que nos é comum, que é, se quiserem, a social-democracia ou o socialismo democrático lato sensu.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

De qualquer maneira, desejo salientar um aspecto importante - e lamentando que o Partido Comunista não tenha pegado nesse apelo, que também lhe dirigi, e respondido positivamente -, isto é, que da parte do CDS, partido da oposição, se entenda, por razões nacionais, conceder-nos necessariamente a trégua política e social que pedi e dar tempo ao Governo para garantir a estabilidade.
De facto, todos reconhecemos (e todos em Portugal têm que. reconhecer) que sem _estabilidade não é possível tomar medidas.
Se um governo tiver uma perspectiva temporal de curto prazo, não há nenhum ministro a quem seja susceptível e razoável pedir medidas de fundo.
Portanto esta teoria e passo agora, naturalmente, ao Partido Comunista- que vejo existir da parte deste partido, no sentido de logo que um governo desponta e antes mesmo de estar constituído o começar a atacar, á injuriar, a tentar desestabilizar e a falar em novas eleições ou em queda do governo a curto prazo, essa teoria é, teremos que o reconhecer, profundamente desestabilizadora.
Um partido como o Partido Comunista, vivendo numa situação democrática, pluralista e pluripartidária, como é a nossa, tem que escolher entre das posições.

O Sr. Veiga de Oliveira (PCP): -Só duas?

O Orador: - Ou joga o jogo da democracia e, obviamente, é aceite como um partido democrático, com tudo o que isso implica, ou não joga o jogo da democracia, mas sim o da desestabilização, e então o comportamento das forças democráticas em relação a ele tem que ser outro.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI, da UEDS e do Sr. Ministro da Educação (José Augusto Seabra).

Este dilema é um dilema que está subjacente ao Partido Comunista desde o 25 de Novembro. Não estou, neste momento, a fazer nenhum ataque ao Partido Comunista - a situação do país é demasiado séria para que estejamos a tentar firmarmo-nos neste momento em questões de partidarismo imediatista. Estas são sempre legítimas, mas acima delas tem que se colocar o interesse nacional.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e do Sr. Ministro da Educação.

Quer queiramos quer não, somos todos portugueses e obviamente que considero que os comunistas portugueses são portugueses como os outros, com os mesmos direitos e as mesmas obrigações. Com certeza que é assim e não podia ser de outra maneira.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Ah!

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Vá lá, vá lá!

Uma voz do PS: - Com direitos e obrigações!

O Orador: - Exige-se simplesmente, em contrapartida, que o Partido Comunista seja responsável, não em relação ao Governo mas em relação aos próprios trabalhadores que diz defender.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e do Sr. Ministro da Educação.

Ser responsável em relação aos trabalhadores que o Partido Comunista diz defender é não os tentar atirar para formas de luta que não respeitem a legalidade democrática ou que estejam na fronteira dessa mesma legalidade e que visem a desestabilização pela desestabilização. Isso não é razoável nem aceitável num sistema aberto, pluralista e democrático como é o sistema português.
Digo, portanto, aos senhores representantes do Partido Comunista, em especial ao seu líder, Sr. Deputado Carlos Brito, que não pode ou não deve utilizar certas fórmulas que não se justificam minimamente, como seja dizer que este Governo representa um compromisso com a «antigamente».
O Sr. Deputado Carlos Brito tem, como toda a gente sabe e como nós reconhecemos, as suas «esporas» no combate contra a ditadura. No entanto, nós têmo-las iguais às suas e não aceitamos que nesse aspecto nos dê quaisquer lições.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI, da UEDS e do Sr. Ministro da Educação.

O ponto fundamental e que teria sido interessante ter sido desenvolvido pelo Sr. Deputado Carlos Brito é- a sua afirmação que tinha uma alternativa e que o

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Partido Comunista tinha uma nova política económica para propor. Ora, se na verdade, o Partido Comunista tem uma nova política económica diferente daquela que o Governo anuncia deveria dizê-lo - e isto sem chavões, que são mais próprios de comícios do que de um debate sério numa assembleia responsável como é a Assembleia da República.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E tempo de todos nós sermos capazes de nos despis dos preconceitos ideológicos e do nosso irreprimível desejo, muitas vezes existente em todos nós, de passar de uma análise fria e objectiva para uma análise de tipo emocional, mais própria de outros ambientes.
No entanto, onde a intervenção do Sr. Deputado Carlos Brito atingiu, efectivamente, o cúmulo foi justamente quando nos falou da maioria, do voto para a mudança e nos disse, ou pretendeu dizer, que o PS estava a desviar o voto dos portugueses.
Na verdade, e já aqui falei nisso há momentos, a tese do Sr. Deputado Carlos Brito, que é, aliás, a do seu Partido, é a de que o Partido Socialista se deveria ter associado ao Partido Comunista para formar uma maioria diferente da maioria anterior.

Uma voz do PS: - Queriam!

O Orador: - Obviamente, que se o Partido Socialista o tivesse feito seria imediatamente, por esse facto, considerado o partido mais democrático do mundo.

Risos do PS e do PSD.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): -Que piada!

O Orador: - De facto, o critério do democratismo, do revolucionarismo, da justiça social, e todos os outros critérios aferem-se na mentalidade dos comunistas, infelizmente, por estarem ou não de acordo com o critério do seu próprio partido.

Uma voz do PCP: -Sabe que não é isso!

O Orador: - Ora, este método de raciocínio é, a meu ver, obsoleto.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Já que o Sr. Deputado Carlos Brito citou um autor que nos merece, a todos, o maior respeito - e falo de Eça de Queirós -, permita-me que eu vá parafrasear um pouco o mesmo Eça de Queirós naquela célebre polémica que teve com Bulhão Pato.
Quando Bulhão Pato dizia a Eça de Queirós que ele tinha encontrado em Os Maias um personagem que era o retrato dele próprio, Bulhão Pato, facto com o qual estava zangado, Eça de Queirós com a sua habitual graça, começa a explicar que na figura de Alencar não havia nenhuma semelhança com a figura de poeta Bulhão Pato e acaba dizendo: «Só me resta, Sr. Bulhão Pato, pedir-lhe que V. Ex.ª se retire dentro do meu personagem».

Risos.

Direi então a V. Ex.a, Sr. Deputado Carlos Brito: retire-se de dentro da maioria do PS.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Fraco, fraco!

O Orador: - Utilizando, talvez, uma expressão que era corrente em Caxias no tempo em que nós os 2 por lá passámos, o Sr. Deputado Carlos Brito disse que este Governo se apoiava em 2 «pilares rachados». Ora, nós sabemos -porque passámos por Caxias o significado que tinha na gíria dos que estiveram presos a palavra «rachados». .

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): -Não estava lá o Angelo Correia!

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Calma que vocês ainda não estão no poder!

O Orador: - Não sei se se refere àqueles que vão «rachar», mas a verdade é que o Sr. Deputado Carlos Brito, aliás na sequência de outras iniciativas do seu grupo parlamentar que mereceram justa resposta, noutra altura, do meu próprio grupo parlamentar, está sempre a fazer tentativas, diria mesmo tentativas pueris, para estabelecer divisões dentro dos outros grupos parlamentares.

A Sn a Zita Seabra (PCP): -Vejam lá!

O Orador: - Penso que é um trabalho escusado. Os nossos grupos parlamentares, do PS e do PSD, não são monolíticos.

A Sr." Alda Nogueira (PCP): - Já chegai

O Orador: - Têm muitas vezes problemas que são públicos porque em partidos abertos como os nossos tudo se passa em plena publicidade, mas por isso mesmo são muito mais resistentes do que V. Ex.ª imagina e pensa.

Aplausos do PS, do PSP, da UEDS, da ASDI e do Sr. Ministro da Educação.

Gostaria, finalmente, de agradecer aos Srs. Deputados Vítor Crespo e Walter Rosa o apoio que quiseram sublinhar, cada um do seu modo, ao actual Governo. Trata-se dos 2 partidos da coligação, que estão solidários numa obra comum que vamos empreender e que é uma obra muito séria e desejada por uma grande maioria do País.
O êxito do Governo dependerá, com certeza, do Governo e do trabalho dos Ministros, da solidariedade e da competência demonstrada pelo Governo, mas dependerá, também, do apoio crítico e vigilante que cada um dos grupos parlamentares, na assumpção das suas identidades próprias e no respeito mútuo, puderem e souberem dar a esse Governo.
As palavras dos Srs. Deputados Vítor Crespo e Walter Rosa fazem crer que existe uma base sólida, ainda que recente, e a discussão deste Programa do Governo teve o grande mérito de mostrar essa solidariedade nas-

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cente e de a consolidar durante este mesmo debate. Tal facto é essencial para que o Governo tenha êxito: não por ele Governo porque em democracia os governos passam sempre e o país fica -, mas pelo nosso país, por Portugal!

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e do Sr. Ministro da Educação.

Resta-me fazer um apelo final.
O Governo coloca-se na perspectiva do interesse nacional. O Governo não será, no sentido estrito - porque estamos numa situação de emergência nacional, como disse desde a primeira hora -, tipicamente partidário. É um Governo com uma ampla base partidária, que se fundamenta num acordo entre dois partidos, mas que se comportará, pela sua homogeneidade, pela solidariedade que vai ter, numa óptica de interesse nacional e numa perspectiva verdadeiramente de Estado.

Vamos, pois, agora iniciar o nosso trabalho, depois do voto desta Assembleia.

Vamos iniciá-lo e vamos começar o diálogo com os parceiros sociais, vamos dialogar a fundo com os parceiros sociais, sem discriminação de alguma espécie, com as confederações sindicais, com as associações patronais.

Vamos apelar para todos os portugueses e para a inteligência de todos eles. Vamos apelar para os trabalhadores e para os empresários porque, quer queiramos quer não, e apesar das divisões de interesses, dos conflitos naturais de interesses que se exprimem livremente numa democracia, todos estamos no mesmo barco e esse barco chama-se Portugal. Esse barco está em condições difíceis e quando se está em condições difíceis é necessário remar, é preciso fazer um esforço para salvar o que é essencial. E o que é essencial é defendermo-nos da crise, é garantirmos o poder de compra dos mais humildes, dos mais carenciados e dos mais sacrificados. O essencial é mantermos e consolidarmos o regime democrático, que foi o que de melhor nos trouxe o 25 de Abril.

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

Sabem os Srs. Deputados que não é fácil governar, mormente numa situação como a actual. Sabem todos os Srs. Deputados, os que apoiam o Governo e os da oposição, que não é aprazível estarmos nos lugares em que nos encontramos. Aqueles que já estiveram neste lugar e muitas das pessoas que integram esta Assembleia e já passaram pela bancada do Governo estão em condições de compreender que não é agradável, que não é fácil, que não é cómodo, neste momento ser Governo.
Um governo numa sociedade pluralista, numa democracia plural como é a portuguesa, tem apenas uma parcela do poder - não o esqueçam. O poder, em democracia, está dividido entre os órgãos de soberania, e outros poderes, como o poder dos sindicatos, o poder das associações patronais; o poder da comunicação social, o poder autárquico, o poder regional. Tudo isto são poderes de uma sociedade como a nossa com a qual, obviamente, na sua complexidade democrática, um governo tem de trabalhar.

Não atribuam todas as culpas ao Governo, mas, para que lhe possam atribuir as culpas que são as dele, ajudem-no com as vossas críticas, feitas construtivamente em defesa de Portugal!

Aplausos do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI e dos Membros do Governo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou proceder agora à leitura do voto de confiança que foi apresentado na Mesa, para em seguida votarmos.

Nos termos do n." 3 do artigo 195 º da Constituição da República o Governo vem solicitar à Assembleia da República a aprovação de um voto de confiança, destinado a ser votado de acordo com o que foi consensualmente aprovado na conferência dos líderes parlamentares, imediatamente após o encerramento do debate sobre o Programa do Governo, ou da votação da rejeição do mesmo programa no caso de vir a ser apresentado, e a não fazer vencimento, à correspondente proposta.

A apresentação de uma moção de confiança no quadro do debate sobre o Programa do Governo destina-se a provocar uma investidura parlamentar do Governo pela positiva, uma vez que a Constituição não prevê que o Programa do Governo seja votado pela afirmativa.
O Primeiro-Ministro, Mário Soares..
Não tendo sido apresentada nenhuma moção de rejeição do programa, vamos proceder à votação deste voto de confiança.

Submetido à votação, foi aprovado, com 161 votos a favor (do PS, do PSD e da ASDI), 67 votos contra (do PCP, do CDS, do MDP/CDE e do Deputado Independente António Gonzalez), e 4 abstenções (da UEDS).

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e dos Membros do Governo.

O Sr. Presidente: - Antes de encerrar os trabalhos quero anunciar à Câmara a entrada na Mesa de alguns diplomas.
Assim, entraram na Mesa e foram admitidas as seguintes propostas de lei: n.º 1/III, sobre a lei que regula o funcionamento do Conselho de Comunicação Social, subscrita pelo Sr. Primeiro-Ministro Mário Soares; n.º 2/III, que autoriza o Governo a alterar alguns dispositivos da Lei de Delimitação dos Sectores Público e Privado, Lei n.º 46/77, subscrita também pelo Sr. Primeiro-Ministro Mário Soares.
Deram, ainda, entrada na Mesa os seguintes projectos de lei: n.º 171/III, do Sr. Deputado Daniel Bastos e outros (PSD), sobre a criação das freguesias de Santa Maria Maior e de Madalena em substituição da freguesia de Chaves; n.º 172/III, do Sr. Deputado Furtado Fernandes e outros (ASDI), sobre o pagamento de dívidas fiscais com títulos do empréstimo das indemnizações; n.º 173/III, do Sr. Deputado Adérito Campos e outros (PSD), sobre a alteração da actual divisão administrativa entre os concelhos de Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra no lugar de Baralhes; n.º 174/III, do Sr. Deputado Adérito Campos e outros (PSD), sobre a elevação da vila de Oliveira

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de Azeméis à categoria de cidade; n.º 175/III, do Sr. Deputado Portugal da Fonseca e outros (PSD), sobre a elevação de São João da Madeira a cidade; n.º 176/III, do Sr. Deputado António Mota e outros (PCP), sobre o Museu do Trabalho Industrial do Porto; n.º 177/III, do Sr. Deputado Montalvão Machado e outros (PSD), sobre o prazo de caducidade em acções de resolução. de contratos de arrendamento.

O Sr. Deputado João Amaral tinha pedido a palavra para que efeito?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, era para uma breve interpelação relativa às propostas de lei.

Cm relação às propostas de lei, que são de origem do Governo e não, como foi dito pelo Sr. Presidente, do Sr. Primeiro-Ministro Mário Soares, queria apenas um esclarecimento, visto que constitucionalmente a competência para a sua aprovação é do Conselho 'de Ministros.

Desejava saber qual é a menção que consta nessas propostas acerca da data de aprovação em Conselho de Ministres.

O Sr. Presidente: - A proposta de lei não tem indicação de data, mas deu entrada na Mesa às 18 horas e 20 minutos do dia 24 de Junho de 1983.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Queria também interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

A interpelação é no sentido de sei- esclarecido como é que, sendo constitucionalmente o Governo um governo de gestão até à passagem do seu programa na Assembleia e, portanto, não dispondo, no meu entender, de poder legislativo, podem ter já dado entrada na Mesa da Assembleia propostas de lei do Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos, desculpe o Sr. Ministro Almeida Santos.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Já não sou deputado, Sr. Presidente, com bastante pena minha ...
Em primeiro lugar, quero informar que, embora não conste da chancela, as propostas de lei foram aprovadas, hoje mesmo, em reunião do Conselho de Ministros, feita aqui mesmo na Assembleia da Re, pública. Sobre a hora não tenho que informar, pois as propostas de lei encontram-se devidamente assinadas.
Quanto ao Sr. Deputado do CDS, tenho a dizer-lhe que discordo que um Governo como este não tenha competência legislativa, pois em parte nenhuma a Constituição lhe retira esse poder. Ele tem competência para os actos necessários à gestão do País e nós consideramos que eram necessários estes dois actos para que na segunda-feira esta Assembleia possa ter matéria para trabalhar.
Fizémo-lo, portanto, no uso de uma competência própria, e desculpará que não concorde consigo, como aliás aconteceu com frequência durante os trabalhos da revisão constitucional, em que tive o prazer da sua colaboração.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima reunião da Assembleia é na próxima segunda-feira, dia 27, às 15 horas, com a seguinte ordem de trabalhos: período de antes da ordem do dia; no período da ordem do dia serão discutidas e votadas as propostas de resolução, n.º 1/III, do PCP, sobre medidas de emergência para defesa da ANOP, E. P., n.º 2/III, da 'ASDI, sobre a comemoração do centenário de António Sérgio, n.º 3/III, do CDS, sobre defesa do património histórico e cultural, e n.º 4/III, do PCP, sobre a entrada em funções dos representantes dos trabalhadores eleitos para os órgãos de gestão das empresas do sector empresarial do Estado.

Não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada a sessão.

Eram 21 horas e 40 minutos.

Declarações de voto do PCP, do CDS e do Deputado Independente António Gonzalez, relativas à votação da moção de confiança apresentada pelo Governo:

Declaração de voto

1 - Ao votar contra a moção de confiança, o Grupo Parlamentar do PCP exprimiu o seu profundo e completo desacordo com a fórmula do Governo, com a sua composição concreta e com a política que anuncia no programa e que já pós em execução.
Quanto à fórmula do Governo: a coligação do PS com o PSD (principal partido da ex-AD e assim principal responsável pela política de agravamento de todos os problemas nacionais seguida nos últimos 3 anos), defrauda a vontade do eleitorado, que em 25 de Abril colocou em minoria o PSD e o CDS e manifestou uma clara vontade de mudança ao dar a maioria aos partidos e forças que na anterior legislatura estavam na oposição. Ao trazer novamente o PSD para o Governo, o PS (em aliança parlamentar com a UEDS e a ASDI), impõe ao País a continuação da prática política da AD, facto que naturalmente explica as razões que levam o CDS a situar-se não em oposição ao Governo, mas em aliança objectiva e contemporizadora.
O programa e a prática política que anuncia e já iniciou, só vêm confirmar que o Governo PS/PSD se situa na continuidade da política dos Governos PSD/CDS, como simbolicamente foi demonstrado nos aplausos e mútuos abraços trocados entre o Sr. Primeiro-Ministro e o ex-Ministro das Finanças e do Plano João Salgueiro.
Ao longo do debate, o Grupo Parlamentar do PCP denunciou em diferentes áreas e vertentes as consequências desastrosas da política que o Governo se propõe seguir.
Assim foi feito na área económica e financeira, na política agrícola, na política laboral, no sector das pescas, na área dos rendimentos e preços, na área social, na educação, na cultura, no poder local, etc.
Resumindo o teor da funda crítica que no conjunto dessas intervenções foi formulada pelo Grupo Parlamentar do PCP, definem-se 5 linhas fundamentais de denúncia.

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Denunciamos o objectivo governamental de redução drástica do poder de compra e das condições de vida dos trabalhadores e do povo em geral - de que são exemplos os recentes aumentos de preços de bens essenciais.
Denunciamos o objectivo governamental de prosseguir a ofensiva contra as nacionalizações e a Reforma Agrária - de que é exemplo a apressada entrega, ainda antes do termo do debate do programa do Governo, de uma inconstitucional proposta de lei de abertura de sectores básicos (banca, seguros, adubos e cimentos) ao sector privado.
Denunciamos a continuação das orientações económicas restritivas, de estagnação, de paralisação e mesmo de retrocesso - de que é exemplo o primado dado a medidas monetaristas, incapazes de quebrar o ciclo infernal que o País tem sofrido- (desvalorização, aumento dos preços, aumento dos juros, aumento dos custos de produção, nova desvalorização).
Denunciamos o objectivo governamental de atacar as liberdades e direitos dos trabalhadores e dos cidadãos em geral - de que são exemplo o anúncio da revisão da Lei da Greve, o anúncio da liberalização (directa ou encapotada) dos despedimentos, o anúncio das limitações aos direitos de reunião, manifestação e até de associação.
Denunciamos a política de crescente enfeudamento ao imperialismo, consubstanciada na aceitação dos ditames do FMI, no crescente envolvimento na política agressiva da NATO e na absolutização da integração na CEE.
Significativo do pendor político do Governo é o facto de, na composição do Governo, para além da incoerência que levou à maioria dos arranjos na distribuição de pastas, tenham sido entregues ao PSD sectores tão marcantes da vida política nacional como os de Defesa (a Mota Pinto) e do Trabalho (a Amândio de Azevedo).
Com tal política, tal fórmula e tal composição, o Governo não corresponde às aspirações democráticas do povo português manifestadas nas eleições de 25 de Abril e não pode merecer a sua confiança.
O voto contra é a expressão do repúdio de uma repetidamente solicitada «trégua» que mais não é do que o pedido ao movimento popular, ao movimento dos
trabalhadores, de uma capitulação face a uma verdadeira guerra que o Governo se propôs fazer contra as grandes transformações operadas com o Portugal de Abril, contra os direitos e interesses das mais largas camadas da população.

O voto contra é o voto afirmativo, por uma política alternativa, no quadro democrático-constitucional.

2 - Ao longo da sua intervenção no debate do Programa, o Governo (e particularmente o Primeiro-Ministro) proeurou reduzir a questão das alternativas à fórmula «depois de mim, o dilúvio»!

Só com o fito deliberado de pretender justificar perante o povo português o quadro de opções feito é que se pode entender tal afirmação. Trata-se de mera propaganda sem nenhuma correspondência nos factos.
Existe uma alternativa à política do Governo PS/PSD.
A alternativa constrói-se na defesa e aprofundamento das grandes transformações operadas com o 25 de Abril, no aproveitamento dos recursos e energias nacionais, na defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores e das mais largas camadas da população, no empenhamento dos trabalhadores na solução dos problemas nacionais.
Trata-se de um quadro alternativo, com propostas concretas para os problemas urgentes que se põem ao País.
A redução sustentada do défice externo exige fundamentalmente que se reduza a relação importações/produção nacional. O que só se consegue com medidas eficazes de redução ou eliminação de importações de luxo e supérfluas incompatíveis com a situação financeira do país; substituindo importações por produção nacional; com o aproveitamento de recursos minerais que o país possui (ferro, cobre, carvão, etc.), que permitirão substituir importações e simultânea e complementarmente, aumentar as exportações; com o desenvolvimento de produções agrícolas em que somos forte e perigosamente dependentes e para as quais o país tem boas aptidões (cereais, oleaginosas, forragens, beterraba-sacarina), etc.; aumento da frota da marinha mercante; aumento do valor acrescentado de produtos já exportados (volfrâmio, cortiça, rochas ornamentais, etc.); diversificando .as relações económicas externas, que permitirão, designadamente, a negociação de contrapartidas importações/exportações. De imediato, o combate eficaz à criminosa actividade da sub e sobrefacturação, praticada pelo grande capital importador e exportador, reduzirá o défice externo em mais de 20 %.
Mas não se consegue com uma ainda maior liberalização das importações, mantendo debaixo da terra riquezas importantes, impedindo investimentos produtivos, aumentando as taxas de juro e a desvalorização, continuando a conceder crédito aos especuladores, facilitando a exportação ilícita de capitais, destruindo a Reforma Agrária e as Empresas Públicas: Com tal política aumentarão a exploração dos trabalhadores e a miséria do povo, facilitarão a acumulação e concentração capitalista. Mas não resolverão os problemas do país, não prosseguirão os interesses nacionais; não defenderão a independência nacional.

3 -Com o seu voto contra, o Grupo Parlamentar do PCP não só rejeitou a política do Governo (e a sua fórmula e composição), como afirmou com clareza a necessidade imperiosa e urgente de uma política alternativa, que dê solução aos problemas nacionais.
O país assistiu, com desencanto e frustração, formação de um Governo que não corresponde à vontade de mudança que manifestou nas eleições de 25 de Abril.
Mas que se desenganem os que pensam que esse desencanto e frustração se iriam traduzir em desistência e desinteresse.
Os trabalhadores das empresas nacionalizadas, os operários agrícolas da zona da Reforma Agrária, os trabalhadores sem salário, os trabalhadores em geral, os pequenos e médios comerciantes e industriais, os pequenos agricultores, rendeiros e seareiros, os intelectuais e quadros técnicos -todos os que têm sido vítimas da política de restauração do poder do grande capital e do latifúndio, todos os que lutam pela democracia, pela liberdade, pela independência nacional - vão continuar a redobrar a sua luta.
O movimento dos trabalhadores, o movimento sindical unitário português organizado em torno da CGTP-1N constituirá hoje e amanhã, como constitui no

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passado, um obstáculo decisivo para aqueles desígnios restauracionistas.
Da nossa parte, PCP, tudo faremos no plano constitucional e legal para impedir a concretização desses objectivos e para criar as condições necessárias à concretização de uma política alternativa.
Com uma certeza: ninguém acredita que este Governo esteja feito para durar. Por isso ninguém acredita que demore muito tempo para os democratas juntarem os seus esforços, as suas energias e as suas capacidades e porém em execução uma política nacional e democrática, uma política para a saída da crise, uma política de defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores e camadas médias. Será esse o nosso combate persistente.

Pelo Grupo Parlamentar do PCP, João Amaral.

Declaração de voto

O CDS votou contra a moção de confiança apresentada pelo Governo e fê-lo pela seguinte razão fundamental:
Propôs-se este Governo como é natural governar durante a legislatura, por 4 anos, portanto.
Nesta perspectiva não merece a confiança do CDS, dado que se apresenta ao país na base de princípios que o impedirão de, uma vez atacados os problemas conjunturais, eliminar as causas dos desequilíbrios fundamentais que afectam a nossa sociedade e a nossa economia.
São os princípios do socialismo consubstanciados nos programas do socialismo democrático e da social-democracia.
Este Governo continua, com efeito, a mostrar-se tributário de um pensamento favorável ao incremento do papel do Estado e a privilegiar a sua intervenção.
E isso acontece em todos os domínios abrangidos pelo Programa.
Ora essa é precisamente, para o CDS, a causa dos desequilíbrios que afectam o País.
Só a sua eliminação permitirá vencer definitivamente a crise.
Por isso votamos contra a moção de confiança.
Mas este Governo propôs-se, sem dúvida, um objectivo patriótico que consiste em combater, no curto prazo, a crise de conjuntura que afecta o País.
Para prossecução desse objectivo pode o Governo contar da parte do CDS com uma atitude que será sempre de não obstrução e que poderá mesmo ser de apoio se tal se vier a verificar justo e conveniente.

O Grupo Parlamentar do CDS.

Declaração de voto

O Movimento Ecologista Português Partido «Os Verdes» votou contra a moção de confiança ao Governo por considerar que não foram esclarecidas convenientemente as nossas principais dúvidas, principalmente sobre o programa nuclear, defesa do mar, florestas, rios, parques e reservas naturais e sobre uma real regionalização.
Nomeadamente em relação ao programa energético, a presença de dois Ministros adeptos do nuclear é no ponto de vista ecológico muito desanimador, se não mesmo esclarecedor.

Assembleia da República, 26 de junho de 1983. O Deputado do Movimento Ecologista Português Partido «Os Verdes», António Gonzalez.

Deputados que entraram durante a sessão:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel Frias Barreiros.
António Jorge D. Rebelo de Sousa.
Carlos Luís Filipe Luís Gracias. Frederico Augusto F. Handel de Oliveira. José Luís do Amaral Nunes. José Martins Pires. Maria de Jesus Barroso Soares. Maria Margaria Ferreira Marques.

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Roleira Marinho. Carlos Miguel Almeida Coelho. Domingos Duarte Lima. João Maurício Fernando Salgueiro. João Pedro de Barros. Joaquim Eduardo Gomes. José Ângelo Ferreira Correia. José Vargas Bulcão. Luís António Pires Baptista. Maria Margarida Salema Moura Ribeiro. Pedro Augusto Cunha Pinto. Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

António Guilherme Branco Gonzalez. António José de Almeida Silva Graça. Domingos Abrantes Ferreira. Jaime dos Santos Serra. Lino Carvalho de Lima. Manuel Correia Lopes Maria Odete dos Santos. Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Basílio Adolfo de M. Horta da Franca. Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. Henrique Manuel Soares Cruz. João Lopes Porto. José Miguel Anacoreta Correia. Luís Eduardo da Silva Barbosa. Luís Filipe Paes Beiroco. Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Eurico José P. Carvalho Figueiredo. Jorge Manuel Guimarães Quinta. Manuel Laranjeira Vaz.
Partido Comunista Português (PCP):
Raimundo do Céu Cabral.

Centro Democrático Social (CDS):

Francisco António Lucas Pires.

O Redactor de 1 a Classe, João dos Santos Gil.
O Redactor Principal, Manuel Adolfo de Vasconcelos.

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PREÇO DESTE NÚMERO 132$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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