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I Série - Número 59

Sexta-feira, 6 de Janeiro da 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 5 DE JANEIRO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foram aprovados os n.ºs 40 a 53, inclusive, do Diário. Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da resposta a alguns outros.
Em declaração política, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE) referiu-se ao facto de o Teatro-Estúdio de Lisboa não ter sido contemplado integralmente com a atribuição de um subsídio pelo Ministério da Cultura. Respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP) e Igrejas Caeiro (PS), tendo ainda contraprotestado em relação a um protesto deste último.
A Sr.ª Deputada Zita Seabra (PCP) abordou os graves problemas com que se debatem os trabalhadores do distrito de Aveiro, em especial as difíceis condições sociais em que laboram as mulheres trabalhadoras da indústria corticeira.
O Sr. Deputado António Gonzalez (Indep.), referindo algumas das conclusões do colóquio sobre as zonas ribeirinhas, chamou a atenção para a degradação do ambiente no nosso país. Respondeu depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Helena Cidade Moura (MDP/CDE) e José Vitorino (PSD).
O Sr. Deputado Lemos Damião (PSD), após ter tecido algumas considerações sobre o ensino na Tailândia em correlação com o actual sistema de ensino em Portugal, referiu algumas das injustiças que atingem os professores de Trabalhos Manuais do 12.º grupo e a necessidade da sua resolução.
O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro (PCP) referiu-se à necessidade de proceder às obras necessárias ao reforço dos diques do rio Tejo na zona do Ribatejo, alertando para os perigos de novas inundações.

Ordem do dia. - Na primeira parte deste período, o Sr. Deputado Carlos Espadinha (PCP) procedeu à apresentação do projecto de lei n.º 236/III, sobre medidas de garantia da segurança dos pescadores das embarcações de pesca, respondendo depois a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Ferraz de Abreu (PS) - que também formulou um protesto -, Reinaldo Comes (PSD), José Vitorino (PSD) e Luís Saias (PS).
Na segunda parte, concluiu-se a discussão do pedido de urgência para a proposta de lei n.º 49/III, que concede autorização ao Governo para proceder à revisão da matéria constante do capítulo v do Estatuto Judiciário (Mandato judicial), que foi concedida.
Intervieram no debate, a diversos título, incluindo declarações de voto, os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS), José Magalhães, Odete Santos e José Manuel Mendes (PCP). António Taborda (MDP/CDE), Hasse Ferreira (UEDS), Correia Afonso (PSD), Lino Lima (PCP), Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD), João Amaral (PCP) e Roque Lino (PS).
Foi ainda aprovada a dispensa solicitada pelo Governo de baixa Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da proposta de lei acima referida, tendo, a esse propósito, produzido declaração de voto os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Roque Lino (PS) e Correia Afonso (PSD).
Por último, a Assembleia autorizou o Sr. Deputado Soares Cruz (CDS) a depor como testemunha.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.

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Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Aníbal Coelho da Costa.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeira Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Feno.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José António Borja S. dos Reis Borges.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho
Maria Angelo Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Luísa Modas Daniel.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Maria de Orneias Ourique Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
José Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Peneira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida.
Leonel Santa Rita Pires.
Luís António Martins.

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Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Maria Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Victor Pereira Crespo.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António José de Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João António de Morais Silva Leitão.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
Joaquim Rocha dos Santos.
José António de Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte de Goes.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
António Manuel C. Ferreira Vitorino.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Rúben José Almeida Raposo.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 40 a 53, inclusive, do Diário.

Pausa.

Não havendo oposição, consideram-se aprovados.
Vai agora proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

De Manuel Tílman, residente em Lisboa, tecendo várias considerações sobre a situação de Timor-Leste e solicitando a imediata entrada em vigor da respectiva comissão parlamentar.
Da Comissão de Defesa das Terras do Lindoso, que, em aditamento ao abaixo-assinado oportunamente remetido a esta Assembleia, denunciando aquilo que consideram ilegalidades praticadas pela EDP na obra de ampliação da barragem do Lindoso, envia fotocópias de uma reportagem levada a efeito pelo Jornal de Notícias, de 8 de Dezembro transacto.
Do MURPI - Movimento Unitário dos Reformados, Pensionistas e Idosos, referindo o envio a esta Assembleia de uma petição em 8 de Junho de 1983 e soli-

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citando o apoio para que o Movimento possa vir a ser considerado parceiro social e lhe seja conferido direito de antena.

Ofícios

Do conselheiro presidente do Tribunal de Contas remetendo fotocópia do acórdão de 15 de Novembro do ano findo, que julgou a conta da Caixa Geral de Depósito, Crédito e Previdência e instituições anexas referente ao ano de 1982.
Das Câmaras Municipais de Vila Nova de Famalicão, Vila Franca de Xira, Praia da Vitória, Aljustrel, Ponte de Sor, Benavente, Santarém, Vila do Bispo, Gavião e Sesimbra, remetendo duplicados ou fotocópias de moções aprovadas naquelas autarquias, todas no sentido de saudarem a heróica luta do povo de Timor-Leste contra as agressões da Indonésia, condenarem os crimes cometidos por este país e apelando aos órgãos de soberania portugueses a garantirem, pelos meios ao seu alcance, o direito à autodeterminação e independência do mesmo povo.
Da Câmara Municipal de Santo Tirso, remetendo o texto de uma moção aprovada em reunião de 20 de Dezembro transacto sobre o problema da britadeira de Sobrado, Vila das Aves, daquele concelho, da firma exploradora SIGRA - Sociedade Industrial de Granitos, Lda., com sede no Porto.

Da Federação do Comércio e Serviços e dos Sindicatos da Construção, dos Rodoviários do Centro e dos Metalúrgicos de Lisboa, solidarizando-se com os trabalhadores da empresa GELMAR e repudiando a acção que contra eles foi desenvolvida.

Do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Distrito de Évora, repudiando o atraso na publicação do contrato colectivo para o sector no distrito, negociado em 29 de Setembro do ano findo e entregue na delegação do Ministério do Trabalho, em Évora, no dia 6 de Novembro próximo passado.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos: ao Governo e a diversos ministérios (8), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; aos Ministérios dos Negócios Estrangeiros e da Cultura (2), formulados pelos Srs. Deputados Helena Cidade Moura e António Taborda; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos; ao Ministério da Educação, formulado pelos Srs. Deputados Carlos Espadinha e Jorge Lemos; aos Ministros das Finanças e do Plano e do Equipamento Social, formulados pelo Sr. Deputado José Vitorino; ao Governo e ao Ministério das Finanças e do Plano (2), formulados pelo Sr. Deputado Lacerda de Queiroz, e à Secretaria de Estado do 0rçamento, formulado pelo Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Governo respondeu ainda a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Carlos Espadinha, nas sessões de 17 de Junho e de 24 de Junho; António Marta Rodrigues, na sessão de 24 de junho; Odete Santos, na sessão de 4 de Junho; Armando de Oliveira, nas sessões de 5 de julho e de 25 de Outubro; Pedro Alves, na sessão de 11 de Julho; Maia
Nunes de Almeida e Jorge Patrício, na sessão de
13 de Julho; Magalhães Mota, nas sessões de 15 de
Julho e 14 e 16 de Setembro e nas reuniões da Comissão Permanente de 27 de Julho e 8 de Setembro; José Vitorino, na sessão de 16 de Setembro; José Teixeira
e outros, na sessão de 22 de Setembro; Furtado Fernandes, na sessão de 18 de Outubro; Henrique Madureira, na sessão de 20 de Outubro; Reinaldo Gomes e
Jorge Lemos, na sessão de 25 de Outubro; José Manuel Mendes e António Macedo, na sessão de 26 de Outubro, e Raul Rego, na sessão de 4 de Novembro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, para uma declaração política.

A Sr. Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Teatro-Estúdio de Lisboa (TEL) entregou em 22 de Junho de 1983, de acordo com as normas estabelecidas pela SEC, o seu projecto de trabalho para 1983-1984, passando a aguardar a decisão que deveria ser comunicada, com certa brevidade, a todos os grupos concorrentes, já que a nova temporada deveria ter o seu início em 1 de Setembro. Apesar de um atraso de 3 meses no pagamento do subsídio - atraso que se verificou desde o início do ano teatral (1 de Setembro de 1982) -, o Teatro-Estúdio de Lisboa continuou a trabalhar regularmente e aguardou. Mas em Outubro, e dado que não havia qualquer informação referente ao subsídio, foi marcada uma entrevista com o director do Fundo de Teatro, que anunciou para fim de Outubro o pagamento dos subsídios em atraso e para Novembro a decisão respeitante ao subsídio para a temporada de 1983-1984, acrescentando que, na sua opinião, o Teatro-Estúdio de Lisboa nada tinha a recear, uma vez que tinha cumprido integralmente o programa de trabalho relativo à temporada teatral anterior.
O pagamento dos subsídios em atraso só veio, porém, a ser efectuado na 3.ª semana de Dezembro, recebendo a Companhia no dia 22 de Dezembro um ofício informando que ao Teatro-Estúdio de Lisboa fora concedido um subsídio de montagem no valor de 1000 contos, ao qual deveria concorrer apresentando uma proposta até 20 de Janeiro de 1984.
Acrescentava-se nesse ofício, subscrito pelo director-geral da Acção Cultural:

As razões de tal decisão assentam, por um lado, na aplicação dos critérios de selecção adoptados e das normas de concurso em vigor e, por outro, na própria exiguidade da verba disponível para o concurso.

Tudo isto se passou no âmbito de um programa de atribuição de subsídios que aumentou o montante dos subsídios regulares para vários grupos, de acordo com determinados «critérios de selecção» (citamos do comunicado distribuído pelos meios de comunicação) que desconhecemos na íntegra. Todavia, a decisão final afigura-se-nos como uma tremenda injustiça.
A prová-lo estão as inúmeras manifestações de solidariedade, individuais e colectivas, de homens de teatro e de público anónimo (no sentido de que não são figuras «conhecidas») recebidas pelo Teatro-Estúdio de

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Lisboa depois do comunicado oficial, repudiando a decisão do Ministro da Cultura.
No seu 20 º ano de actividade o Teatro-Estúdio de Lisboa continua marginalizado, ostensivamente afastado dos representantes dos centros de decisão referentes à actividade teatral, sendo as directoras do grupo frequentemente humilhadas na sua dignidade profissional. A sua modéstia, gerada por um sentido realista ditado pela dificuldade de se fazer um trabalho sério, sem oportunismos, e de objectivos a longo prazo, é encarada como falta de espírito de iniciativa; os seus projectos de trabalho são subalternizados por critérios que nada têm a ver com o papel do teatro como agente formativo; a sua actividade é permanentemente limitada pela atribuição de subsídios que não correspondem a um estudo aprofundado, por parte daqueles que os atribuem, dos projectos apresentados. E como a sua actividade antes e depois do 25 de Abril não tivesse ainda demonstrado a integridade dos seus objectivos, Helena Félix e Luzia Maria Martins receberam agora (pela 2.ª vez da parte de um governo onde os socialistas estão largamente representados) a humilhação máxima de serem, pública e oficialmente, relegadas para um plano de secundarização, numa demonstração ostensiva de ausência de sensibilidade, por um lado, à qualidade do teatro e, por outro lado, à dignidade profissional de quem trabalha com alto sentido de responsabilidade ao serviço da arte e da sociedade.
A existência de um Ministro da Cultura, que é um intelectual e um investigador, parecia, em princípio, assegurar a clareza de critérios na definição de uma política de selectividade que o Governo entende impor.
Assim, mais uma vez a democratização das relações entre o poder e os governados se cobre de penumbra.
A única vantagem da existência de um Ministério da Cultura parecia ser, a nosso ver, que um novo entendimento levasse a que a cultura do poder respeitasse, pelo menos, a dignidade dos agentes culturais.
Julgávamos definitivamente afastados os tempos em que os directores do jornal O Século, então concessionários do Teatro-Estúdio de Lisboa, mandaram curtar a luz ao Teatro, já então a cargo de Luzia Maria Martins. Tem sido longa e dura a luta em Portugal contra as estruturas obscurantistas de uma sociedade em permanente luta por um equilíbrio conservador, tentando evitar a todo o custo a evolução e o progresso.
Esperamos que o actual Ministro da Cultura saiba democraticamente emendar erros e repor a justiça, para que o País reconheça a sua autoridade democrática.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura: Ouvi, com evidente empenho, a declaração política que acaba de produzir e quero, antes de mais, testemunhar a minha solidariedade para com aqueles que foram, ao cabo e ao resto, visados utilmente na sua intervenção e, do mesmo modo, dar o meu apoio ao conjunto de propostas que entendeu por bem adiantar.

Creio que a situação do teatro independente em Portugal continua longe de ter atingido os mínimos essenciais de dignidade e, a pretexto do que toca ao Teatro-Estúdio de Lisboa, ocorre-me perguntar perante a Câmara se, com efeito, os longos anos de laboração, a longa prática de actividade teatral, inteiramente devotada a uma arte de que deram excelente testemunho personalidades como Luzia Maria Martins, Helena Félix e tantos outros, justificam, por parte do poder, actos de ostracismo ou a condenação ao suplício da precariedade.

A resposta é óbvia: não justificam! Bem pelo contrário, e sem que se pretenda, de algum modo, defender o princípio de discriminação positiva, o que justificam esses longos anos de actividade e de prestígio do teatro português são atendimentos correctos às necessidades existentes e apoios significativos aos planos atempadamente apresentados.
Mas hoje o quadro do teatro em Portugal, face aos subsídios atribuídos pelo Ministério da Cultura, é, na verdade, bastante grave.
Continuamos sem saber quais os critérios que legitimaram a atribuição de verbas a determinados grupos e a sua não atribuição a outros. Tivemos oportunidade, em sede de Comissão, de perguntar ao Sr. Ministro da Cultura que critérios iriam ser adoptados neste domínio.
Continuamos sem os conhecer e permanecemos acreditando que esses critérios têm imenso de discricionário e muito pouco de objectivo e de publicamente conhecível.
O que entendemos também, por outro lado, é que o clima de penúria gerado pelo Orçamento do Estado vai contribuir para a delapidação de energias, para a pauperização do produto final, para incapacidade dos grupos, por ausência de meios próprios, de realizarem os seus melhores programas e, em muitos casos, para a própria inanição e o amordaçamento.
Diante de todo este quadro, que suponho que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura conhece e não deixará de reconhecer, pergunto-lhe se pensa ou não que, face a tudo o que se conhece de inadvertidamente produzido relativamente à distribuição de subsídios pelo teatro independente, urge ou não que todos os critérios sejam revistos e que a pauta hoje conhecida de afectação desses subsídios seja ainda alterada, de forma a moralizar o que não foi moralizado e a dar uma perspectiva correcta ao que perspectiva correcta não teve.
Gastaria de ouvir a sua opinião, Sr.ª Deputada, também sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - E para mim particularmente grato ter ouvido uma intervenção em que se defende o teatro independente.
De qualquer modo, parece-me entender que se falou de discriminação.
Gostaria de perguntar à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura em que consiste a discriminação que aponta na distribuição de subsídios ao teatro independente. Será uma discriminação política?
É evidente que nos podemos queixar, e nisso estou com a Sr.ª Deputada, bem como, agora, com o segundo interveniente, de que o Ministério da Cultura e, subse-

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quentemente, o teatro independente sofreu a crise que levou o Orçamento a diminuir consideravelmente as verbas orçamentais para a cultura.
Mas pareceu-me que se falou de discriminação com o objectivo de se dar a entender que houve discriminação política. Gostaria de saber se é esse o entendimento da Sr.ª Deputada.
É que se repararmos quais foram as companhias que obtiveram maior subsídio, veremos que são companhias de teatro independente, pelas quais tenho o maior respeito, mas que ideologicamente não se pode considerar que estejam ao serviço do Governo, que sejam subservientes perante ele e que por isso tenham obtido maior subsídio.
Quanto aos critérios, parece-me que eles são evidentes. Foram escolhidos, de modo principal, os centros de cultura e os centros dramáticos, tal como o de Évora, que leva realmente uma das maiores fatias - e muito justamente -, uma vez que tem tido um trabalho importante na difusão do teatro em todo o distrito, descentralizando dentro da descentralização que reflecte já o facto de Évora existir como um centro de onde se irradia cultura.
Ora o Centro Cultural de Évora, que é dirigido por um homem de teatro que muito prezo e ao qual rendo a minha homenagem, que é o Mário Barradas, não se pode dizer que seja afecto ao Governo actual, à coligação centro-esquerda. Antes, pelo contrário, sabemos muito bem quais são as suas opiniões políticas.
Neste caso, portanto, perguntava qual é a discriminação de que se queixam os Srs. Deputados quanto à atribuição de verbas e aos seus critérios.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Agradeço o interesse dos Srs. Deputados intervenientes neste assunto e parece-me que isso é de facto significativo do grande prestígio do Teatro-Estúdio de Lisboa.
Em relação à intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes, gostaria de dizer que requeremos ao Governo, ontem mesmo, a clarificação dos critérios que não são claros, nem para aqueles que sofreram os cortes, nem para os que receberam as verbas.
É evidente que nos parece haver uma tremenda injustiça para com o Teatro-Estúdio de Lisboa.
Essa injustiça raras vezes deixou de existir em Portugal.
Tenho gosto em referir o apoio que o então Ministro Lucas Pires, que é hoje deputado, bem como o deputado Gomes Pinho, deram ao Teatro-Estúdio de Lisboa para demonstrar, de facto, que a sensibilidade pela cultura nem sempre tem a ver com as ideologias, princípio este que defendo.
Parece-me que o que houve foi, de facto, uma grande distracção da parte do Ministro da Cultura, até porque não tem estado em Portugal nos últimos anos, embora tivesse obrigação de conhecer a obra de Luzia Maria Martins.
Essa discriminação que foi feita (e quem empregou esta palavra foi o Sr. Deputado Igrejas Caeiro, embora eu esteja de acordo que se tratou de uma discriminação) provém, estou certa, de uma falta de conhecimento, devendo por isso mesmo ser reposta a justiça.
Penso que o princípio da autoridade, quando se trata de um governo democrático, se tem de basear exactamente no reconhecimento e no emendar dos erros. A autoridade pela autoridade é incompatível com governos que saem de maiorias eleitorais.
O emendar do erro é uma forma democrática de governar.
O persistir no erro em nome da autoridade é uma forma obscurantista de exercer o poder.
Quanto ao Sr. Deputado Igrejas Caeiro, é evidente que ele sabe que eu seria incapaz de encarar o assunto sob o ponto de vista da discriminação política.
São pensamentos que o meu partido não costuma utilizar e que pessoalmente nunca utilizaria.
O que penso é que houve realmente discriminação, mas, sim, um erro que cumpre emendar com clareza democrática.
É evidente que o Sr. Deputado Igrejas Caeiro, sofrendo daquele mal de que o já o Padre António Vieira falava, ou seja, que os nossos ouvidos têm muitas voltas para dar muitas voltas às palavras, tendo nós apenas uma boca para falar para esses mesmos ouvidos, foi levado pela sua própria motivação.

Seria bom que a um homem antifascista como o Sr. Deputado, os momentos circunstanciais que estamos a viver não lhe tirassem a capacidade de interpretação democrática das posições e das pessoas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro, para um protesto.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - 0 meu protesto consiste no seguinte: a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura diz que o Ministro da Cultura não teve tempo para apreciar a realidade teatral portuguesa, e daí o seu erro.
É evidente que o Sr. Ministro da Cultura, que vinha constantemente a Portugal e gostava de teatro, frequentando-o, tem um conhecimento exacto do valor e da capacidade das várias companhias.
Mas mesmo que assim não fosse, diremos que ele tem assessores, entre os quais exactamente o Dr. Mário Barradas, que o ajudaram a escolher as várias companhias que iriam ser subsidiadas, tendo sido com critérios bastante rígidos que os subsídios foram distribuídos.

Tenho a impressão de que podíamos lastimarmo-nos, ao mesmo tempo, em relação ao Teatro Experimental de Cascais, que foi tratado no mesmo plano que foi tratada a Companhia de Teatro-Estúdio de Lisboa. Tenho especial predilecção pela obra desenvolvida, embora há menos tempo, pelo Teatro Ibérico, que apenas conseguiu receber subsídio para montagem de peças e não para manutenção, como tinha direito.
É evidente que cada companhia estará neste momento a lamentar-se porque não tem da parte do Estado o subsídio para viver tranquilamente, sem necessidade de conquistar um público, para também poder exactamente, justificar-se perante o próprio Estado, que a subsidia, de que é capaz de interessar o público.
Além disso, os critérios também falham. O da audiência, por exemplo, é falível porque muitas obras de arte não têm a audiência que nós desejávamos.

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O que acontece muitas vezes é que há empreendimentos teatrais que têm audiência e exercem uma influência enorme para lá do centro onde se produzem e há outros que, infelizmente, não conseguiram ainda despertar a atenção do público.
Não é o caso da Luzia Maria Martins e da sua equipa, à qual devemos muito, mas ela tem de compenetrar-se de que o critério teria sido justo porque foi aconselhado por pessoas que conhecem bem o meio teatral português e entre eles o Sr. Mário Barradas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado Igrejas Caeiro, espero que o Governo responda. Com isto, não quero dizer que não pense que ele está bem informado no que diz respeito ao assunto.
O princípio da autoridade do Sr. Mário Barradas, de quem fui colega e amiga na escola de teatro, é um ...
Sr. Deputado, vou suspender a minha intervenção até que V. Ex.ª se digne ouvi-la com um pouco de atenção, porque há normas que, apesar de tudo, persisto em cumprir. Aprendi-as em muito pequena e, de facto, é difícil prescindir delas.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - É a norma das sondagens?

A Ornadora: - Não, não é a norma das sondagens, Sr. Deputado!
Retomando aquilo que estava a referir, devo dizer que espero que o Governo tenha a bondade de responder. Conheço o Sr. Ministro Coimbra Martins há muitos anos, tenho confiança nele e, por isso mesmo, creio que houve um lapso. Foi ainda por ter um pouco de confiança num ministro do Governo do Partido Socialista que abordei a ideia do lapso, pois se assim não fosse teria dito que era simplesmente por falta de gosto, falta de estímulo e falta de capacidade.
Não me impressiono muito com questões de orçamentos, porque do dinheiro pode fazer-se tudo o que se quer. Não sou mecanicista nem economocista. Há várias maneiras de se dividir um orçamento e é a isso que devemos atender e é nisso que se deve basear a política global de um governo.
Muito obrigado pela sua atenção, Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: 1984 - 10 anos após o 25 de Abril - não começou como um ano de esperança para os Portugueses e particularmente para os trabalhadores. O Governo de Mário Soares/Mota Pinto vai, na verdade, ficar na triste memória do povo como responsável pelo espezinhar dos seus mais elementares direitos. O que se está passando no distrito de Aveiro, e é como deputada do PCP por este distrito que hoje tomo a palavra, é bem sintomático do agravamento brutal das condições de vida dos trabalhadores e da total impunidade em que agem numerosos patrões, que sabotam as empresas, fogem ao fisco, não pagam salários, nem à Previdência, nem ao Fundo de Desemprego, desviam dinheiro das empresas, não cumprem a legislação laboral.
Mas, por outro lado, a situação existente no distrito de Aveiro mostra também que a política deste Governo põe uma corda ao pescoço de numerosos pequenos e médios empresários e os ameaça de morte.
Há empresas que há meses não pagam salário, como as Massas Vouga, visitada na campanha eleitoral pelo Sr. Deputado Ângelo Correia, que prometeu mover as suas influências para resolver o assunto, mas ainda hoje os trabalhadores não receberam o salário do mês em que ele lá foi ... Há a construção dos atuneiros nos estaleiros de São Jacinto há dois anos aguardando financiamento para um investimento que ninguém nega ser fundamental para o desenvolvimento do País, a pesca do atum. Já vários ministros prometeram desbloquear o assunto e os barcos continuam, meios feitos, à espera de financiamento e a empresa já leva 500 000 horas/homem não ocupadas, o que acarretou uma quebra de facturação de 200 000 contos.
Mas uma das indústrias onde existem mais graves problemas no distrito de Aveiro é, sem dúvida, o sector da cortiça, indústria tradicional do concelho de Vila da Feira.
São infelizmente famosos no País os numerosos casos de exploração desenfreada dos trabalhadores, de atropelos constantes aos seus direitos, de repressão violenta nas empresas e muito especialmente para aqueles que se destacam na luta pelos seus direitos. São também conhecidos e constantemente vêm nos jornais casos de empresas corticeiras objecto de fraude, de incêndios, de roubos de cortiça, de fuga dos patrões para o estrangeiro.
Irei apenas referir alguns casos recentes, todos verificados no ano de 1983. Na corticeira Violante o sócio gerente foi preso, acusado de roubo de cortiça, e os trabalhadores ficaram sem trabalho e sem salário. Na EIEL o sócio gerente fugiu para parte incerta, deixando os trabalhadores no desemprego. O mesmo sucedeu nas Morais e Belinha e Corticeira Belinhas, Lda. Na J. S. Tavares o patrão vendeu a empresa a capitais alemães e os trabalhadores ficaram na rua. Na Arnaldo Soares e Calheiros, Lda., o patrão encerrou a empresa, os trabalhadores foram despedidos e posteriormente readmitidos apenas meia dúzia. Encerraram ainda a HALL, a Passos e Silva, Lda., a Américo Moreira Resende e a Joaquim Lima Rodrigues, com todos os trabalhadores no desemprego.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Que vergonha!

A Oradora: - A Manuel de Sá Rodrigues & Filhos, Lda., foi abandonada pelo sócio gerente, que fugiu para o estrangeiro, ficando os trabalhadores no desemprego. A FINA, em consequência do incêndio da empresa e da prisão do patrão por burla à banca, os cerca de 300 trabalhadores encontram-se em situação de suspensos e sem receber salário.
Estas são alguns dos múltiplos exemplos que poderíamos trazer à Assembleia da República da situação gravíssima que vivem os trabalhadores da cortiça do distrito de Aveiro. E todos estes casos se passam no momento da vigência do Governo do PS com o PSD ...
Mas não é só devido ao encerramento de empresas que os trabalhadores da cortiça do concelho de Vila da Feira vivem uma grave situação. Na verdade, o pa-

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tronato, sabendo que pode actuar impunemente na vigência do actual Governo, não cumpre a legislação em vigor e serve-se das mais violentas medidas repressivas contra os trabalhadores.
Existem presentemente empresas de cortiça que têm todos os trabalhadores com contratos a prazo e só admitem novos trabalhadores igualmente com contratos a prazo. Na Tavares e Ferreira chegou-se ao ponto de, sob coacção, se obrigar os trabalhadores efectivos a passarem a contratados a prazo.
Mas as entidades patronais recorrem ainda a outro tipo de manobras para lesarem os trabalhadores. Admitem jovens menores de 18 anos com contratos a prazo e com salário de aprendizes, colocam-nos em postos de trabalho de trabalhadores adultos e rescindem o contrato quando os jovens fazem 18 anos, no momento em que teriam de passar a ganhar por inteiro.
Na Central Produtora Corticeira e na Tavares e Ferreira o patronato chegou ao ponto de quando admite um trabalhador o obrigar a assinar um papel em branco para, a qualquer momento, o poder despedir, pois esse papel vem a ser preenchido como se o trabalhador «rescindisse voluntariamente» do contrato.
Está ainda generalízado em numerosas empresas como forma de repressão a deslocação de trabalhadores para categorias inferiores (normalmente para lavadores de rolhas) a todos aqueles que se destaque na luta pelos seus direitos. Na FACOL chegou-se ao requinte de colocar um circuito interno de comunicação para vigiar os trabalhadores no seu posto de trabalho. Em numerosas empresas, podíamos dizer em quase todas, mas damos apenas o exemplo da A. Paulo Amorim e da Indústria Corticeira Joaquim Lima, são proibidos os plenários sindicais e a cobrança de quotas, como a lei preconiza, ou a Corticeira Amorim, que impede a entrada na empresa a dirigentes sindicais que lá não trabalham.
Uma delegação do Grupo Parlamentar do PCP deslocou-se recentemente ao concelho de Vila da Feira para directamente conhecer esta situação escandalosa e a poder trazer à Assembleia da República.
Ouvimos sobretudo as mulheres, pois são mulheres a maioria dos trabalhadores da cortiça. Mulheres que trabalham em condições desumanas, que arriscam a saúde em trabalhos que não deveriam fazer, em fábricas cheias de pó que respiram todo o dia e lhes atacam os pulmões, em fábricas que não cumprem nenhuma regra de higiene e segurança no trabalho. Mulheres que, mesmo grávidas, ou a amamentar, ou em idade fértil, trabalham com ácidos ou carregam todo o dia pesos violentíssimos.
Conversámos com elas, ouvimos directamente o relato das suas vidas de mulheres trabalhadoras e de mães. Em praticamente nenhuma empresa lhes é reconhecido o direito de acompanhar ao médico os seus filhos menores e quando o fazem têm falta injustificada, não recebem o dia do trabalho, salvo quando, por sorte encontram um médico compreensivo que lhes passa «baixa» como se fossem elas a estar doentes ... Mas depois são acusadas de faltarem muito, de absentismo.
Quase todas deixam os filhos entregues a irmãos mais velhos, ou às vizinhas, pois num concelho de mais de 100 000 habitantes, um dos maiores do País, não chega a haver meia dúzia de creches. Nas empresas a excepção é a CIMA e só em 4 (Fiães, Lourosa, Vila da Feira e Lamas) das 31 freguesias existentes no concelho há creches, e estas são insuficientes.

Mas Vila da Feira é, só por si, um concelho cheio de problemas e onde a vida não é fácil. Ouvimos e vimos numerosos exemplos disso. Só 2 freguesias são servidas por saneamento básico (rede de água e esgotos na Vila da Feira e de esgotos em Santa Maria de Lamas); nas restantes 29, pura e simplesmente, não existe nada. E, no entanto, é um concelho altamente industrializado, com empresas muito poluentes, como é o caso das corticeiras, das metalúrgicas, etc.
A construção do Hospital Distrital de Vila da Feira foi cancelado por este Governo, que mandou rescindir o contrato com os projectistas e cancelou a expropriação do terreno, depois de vários ministros, desde 1971, terem inaugurado solenemente várias primeiras pedras ...
O aspecto mais grave e que desejávamos colocar aqui na Assembleia da República, para que se diligencie para lhe pôr - termo, encontrámo-lo, porém, quando nos
foi denunciado que 10 anos depois do 25 de Abril ainda a mulher corticeira recebe menos 5000$ de salário que os homens.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um roubo!

A Oradora: - Apesar da Constituição da República consagrar a plena igualdade da mulher na sociedade e no trabalho, ainda o contrato dos corticeiros estabelece que as mulheres têm um salário de 15 500$ e os homens de 20 250$.
Esta discriminação foi agravada já na vigência do actual Governo, pois os homens receberam um aumento salarial da ordem dos 19 % e as mulheres de apenas 17 %, como se pode verificar no contrato assinado e publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, de 15 de Outubro de 1983. O Grupo Parlamentar do PCP irá apresentar a questão na Comissão Parlamentar da Condição Feminina, a fim de que esta exija ao Ministério do Trabalho que ponha termo a esta inconstitucionalidade flagrante.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas o nosso grupo parlamentar irá também, como já fez em relação às hospedeiras da TAP, apresentar a questão na CITE - Comissão para a Igualdade no Trabalho e Emprego, existente no Ministério do Trabalho, e iremos também solicitar que o Tribunal Constitucional se pronuncie sobre a questão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - São de momento os meios legais que dispomos para pegar no caso concreto da discriminação das trabalhadoras corticeiras e o transformarmos num exemplo que impeça que outros casos que existem igualmente se continuem a verificar.
Ser corticeira é, sem dúvida, um violento e duro trabalho e particularmente quando a repressão e a arbitrariedade são a regra nas fábricas de cortiça no distrito de Aveiro. Mas ser corticeira é particularmente difícil quando se recebe todos os meses menos 5000$ de vencimento, fazendo o mesmo trabalho, pelo simples facto de se ter nascido mulher.
O que solicitaram ao Grupo Parlamentar do PCP as trabalhadoras corticeiras não foi, porém, que chorássemos a sua desgraça ou disséssemos belas palavras

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de compreensão e de apreço que estão bem fartas de ouvir. Elas sabem lutar e lutam pelos seus direitos. O que solicitaram é que este órgão de soberania, a Assembleia da República, impeça que continuem a ser objecto de discriminação pelo facto de serem mulheres.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Durante a intervenção assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando os factores de destruição e doença do corpo físico do nosso país aumentam, as maleitas alastram e os sintomas patológicos são múltiplos. A ignorância das leis naturais e o seu espezinhamento nas decisões demasiado apressadas dos órgãos do poder ou a busca do lucro rápido pela exploração irracional dos recursos naturais degradam-nos de tal modo que a sua recuperação, se não impossível, se torna extremamente onerosa.
A correcção desses desequilíbrios cai geralmente sobre as autarquias, que não têm capacidade para os resolver totalmente devido ao corte sistemático das verbas que lhe caberiam pela aplicação da Lei das Finanças Locais e pela ausência de uma política de descentralização que as dotaria dos meios técnicos e humanos necessários.
Assim, meia dúzia de intermediários e especuladores obtêm lucros chorudos à custa da degradação do meio ambiente de zonas em que vivem populações que irão pagar os custos económicos, sociais e ecológicos, das acções de rapina, de que nada beneficiaram.
Nos nossos dias a instituição de um regime democrático torna possível pôr a nu as situações incorrectas, embora nem sempre os governantes dêem ouvidos às justas queixas das populações lesadas e aos avisos das instituições e associações dedicadas à defesa dos nossos bens naturais e culturais.
A essas queixas vêm juntar-se as reivindicações das autarquias, entaladas entre as acusações e apelos dos seus munícipes e dos colectivos científicos e culturais atrás referidos e a falta de meios para combater as consequências das depradações a que atrás fiz menção.
Como reagir a esta situação através dos meios de que dispomos para fazer frente ao crescendo exponencial de situações gravosas para o nosso meio ambiente e para o bem-estar do ser humano, elemento central das nossas preocupações, como representantes de uma espécie que, emergente da Natureza e dela dependente, a empobreça rápida e estupidamente, pondo em risco a qualidade do seu próprio futuro?
A resposta a esta pergunta teremos de a procurar nas propostas apresentadas nos encontros de investigadores ecologistas, agentes culturais e autarcas e mesmo de representantes de serviços de parques, florestas e caça, verdadeiras radiografias, quantas vezes já autópsias, de situações alarmantes, cujas consequências afectam não só as populações urbanas, mas e principalmente quem vive em contacto directo com os rios, lagoas, campos, etc.
De tais situações, de tais propostas, não podem os deputados alhear-se, com risco de se tornarem analfabetos perante as realidades de um evoluir, cuja velocidade ultrapassa tudo aquilo a que o passado nos habituou.
Foram as últimas semanas - e digo últimas semanas porque esta intervenção está preparada desde Novembro - ricas de encontros, que visavam fazer o ponto da situação e apontar directivas de acção.
Em Setúbal, de 28 a 30 de Outubro, foi o I Encontro Regional do Sul sobre Património, organizado pela SALPA e pela FADEPA, com a colaboração da Câmara Municipal de Setúbal, em que associações culturais da Estremadura, Alentejo e Algarve confrontaram os seus projectos e experiências com os levados a cabo pelas autarquias, que quiseram fazer-se representar em número que vem aumentando de ano para ano neste tipo de encontro.
Encontrámos uma quase total colaboração entre movimento associativo e autarquias, que não isenta naturalmente de dificuldades, devidas a diferenças de pontos de vista perante a tomada de algumas medidas práticas. Este trabalho colectivo, desenvolvido ao longo do ano em torno de problemas concretos que a todos afectam, constitui a chave do conhecimento perfeito dos concelhos e o caminho das alternativas mais adaptadas a cada uma deles.
E principalmente tendo como base de trabalho os planos directores dos municípios que essa colaboração é mais satisfatória para as populações abrangidas, que quando dinamizadas são sensíveis e colaboram activamente nas acções desenvolvidas que se distinguem assim qualitativamente das obras de fachada, tão do gosto dos organismos centralizadores e das autarquias de orientação cultural elitista.
Num anfiteatro do LNEC, em Lisboa, decorreu, de 8 a 11 de Novembro, um colóquio organizado pela Liga para a Protecção da Natureza, em que durante uma semana se analisaram e discutiram situações que ou já são dramáticas ou virão a sê-lo, referentes às zonas ribeirinhas do nosso país, cujo valor científico, ecológico, económico e lúdico nunca é de mais salientar.
Investigadores de várias universidades, associações e instituições do Pais, em trabalhos de muito bom nível, por vezes de grande beleza, retrataram a morte lenta dos nossos rios, sapais, lagoas, dunas, etc.
Desde o Minho e Trás-os-Montes ao Algarve (pobre Algarve!), passando pelos rias de Aveiro, Faro e Alvor, estuários do Douro, Tejo, Sado, Mina e Guadiana, entre outros, além dos sapais, como o de Castro Marim e Pancas, bosques e escarpas marítimas, revelaram-nos a sua vivência quantas vezes secreta.
Fauna e flora, que pensávamos já extintas, surgem-nos palpitantes de vida em cenários de beleza esmagadora, como jóias que só não foram ainda roubadas porque se desconhecia a sua existência.
A cotação internacional das aves de rapina raras, como o falcão-peregrino, por exemplo, é de milhares de contos, revelando-se como um esplêndido negócio a sua caça e exportação por indivíduos sem escrúpulos, que caçam igualmente raposas, como as corujas e mochos, vendendo-os para centros comerciais, sendo tal venda, como se sabe, proibida por lei.
A proliferação dos coelhos e ratos no campo, que têm criado graves problemas agrícolas e higiénicos, deve-se em boa parte à eliminação dos seus predadores alados, mortos porque se pensa erradamente que são

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nefastos, ou para serem empalhados ou ainda envenenados acidentalmente por ingerirem animais mortos com pesticidas.
O mesmo se aplica ao abutre, que se encarrega de fazer desaparecer as carcaças dos animais mortos, que, em períodos de epidemia, constituem um sério problema sanitário. O seu número está muito reduzido, encontrando-se já em poucos locais, como no Alentejo, ou no Douro Internacional.

Mas igualmente se falou da fauna e flora subaquática e da vegetação que fixa as dunas, obstáculos naturais à propagação para o interior da linha da costa, fenómeno que está a ser compensado por todo o País através da construção de dispendiosas e quantas vezes ineficazes muralhas e esporões de pedra. O desaparecimento ou deslocação das dunas resulta muitas vezes da acção humana, como são as edificações sobre elas ou a exploração ilegal de areias para construção.

Esta é de má qualidade, saliente-se devido ao seu teor em sais. Porém, o problema não é de quem a lá vai buscar de um modo gratuito, mas de quem vai comprar a casa feita com cimento em que tal areia foi incluída! Um dos casos referidos foi, por exemplo, em Vila Nova de Gaia, na foz do rio Douro.

Aliás, a exploração de areias, vulgo «areinhos», nos nossos rios é responsável pelo desaparecimento gradual dos nossos mais apreciados peixes, como a lampreia do rio Minho, por exemplo, criando problemas a quem vive da sua pesca.

15to, claro, onde o nível dos produtos tóxicos oriundos das explorações agro-pecuárias ou lançados por esgotos domésticos e industriais permitem ainda que estes sobrevivam.

E não somos ainda um país com alto nível de industrialização!

É verdade que indústrias só significam poluição se não existirem filtros e sistemas de reciclagem. Mas quem é que nos garante que as futuras fábricas virão a cumprir regras rigorosas de controle de efluentes?

Muitas empresas nem sequer cumprem hoje as regras de segurança e higiene na protecção do seu pessoal, como é o caso, igualmente, de certas explorações mineiras, uma das quais esteve recentemente entre nós na Assembleia da República, representada pelos seus trabalhadores que nos expuseram os seus problemas.
Existem muitas centenas de fábricas sem sistema anti-poluição que ameaçam encerrar se fossem obrigadas a instalá-los, dados os seus preços e o estado de descapitalização em que muitas delas afirmam encontrar-se.
E os governantes fecham os olhos e ignoram tais crimes. É a crise, e perante ela se curvam todos aqueles que não compreendem que apostar na vida, apostar no futuro, é combater hoje as múltiplas causas da agonia das nossas águas que se espalha por elas como um cancro.
Mas por vezes o problema é já não a poluição da água doce mas sim a sua ausência ou a sua substituição por água salgada.
O primeiro caso, devido à falta de cobertura vegetal e de locais onde as águas fluviais se armazenem como pequenas barragens de terra, por exemplo, a evaporação é grande e a infiltração pequena, diminuindo a toalha aquífera rapidamente. No segundo caso, a sua extracção em furos cada vez em maior número leva a que o seu nível baixe e seja substituído, nos vales, por água salgada que se infiltra desde o mar.

É a destruição lenta dos solos de lavoura, pelo sal. Tal facto também acontece devido à canalização de grande parte do caudal de um rio para canais de rega ou para fins industriais, como vai acontecer ao pobre Mondego para alimentar a nova fábrica da pasta de papel da Figueira da Foz. As consequências nos arrozais e no nível friático serão conhecidas dentro em breve. A lista de atentados é, porém, interminável; é a velha questão das ilhas, dunas, escarpas, praias e pinhais costeiros, invadidos pela construção clandestina, normalmente para fins de veraneio ou comércio sazonal, é o espectáculo dos lixos acumulados junto de aglomerados de tendas cujos proprietários não merecem o nome de campistas, etc., etc., etc.

Mesmo os desportistas, como os espeleólogos, os montanhistas, os praticantes de desportos náuticos, os pescadores e mergulhadores, criam inadvertidamente sérios problemas às espécies animais que somente sobrevivem ainda nas montanhas e arribas agrestes, devido ao isolamento em que têm vivido até hoje.

Com a fuga dos tempos livres do homem da cidade para o seio da natureza e com o desenvolvimento dos meios de transporte, o efeito perturbador do motor chegou a todo o lado. São de censurar as práticas de motocross sobre as dunas e nas proximidades de sapais e outras zonas em que nidificam ou descansam aves migradoras que dependem desses locais para continuar as suas longas viagens entre continentes. E que dizer dos «habilidosos» que fazem gincanas à beira-mar, seja com motos, ou com veículos todo-o-terreno, em praias públicas, como no Guincho ou em Cascais, por exemplo, incomodando, com o ruído, quem procura nesses locais o descanso para o stress de uma semana de trabalho?
E o caso relatado no colóquio sobre zonas ribeirinhas de um helicóptero militar que, depois de se aproximar tanto de 2 biólogos que os forçou a deitarem-se no chão, perseguiu uma águia que aqueles investigadores estudavam?
E o exercício de fogos reais militares que não levam em conta o equilíbrio ecológico, por vezes frágil, das zonas em que se desenvolvem, com incêndios frequentes, facto que já levantou protesto dos próprios bombeiros?

E os caçadores que caçam nos parques e reservas devido ao facto de só existir um guarda e de avançada idade?

E a construção de marinas de recreio, como, por exemplo, se planeiam para o Sado (Tróia) e ria de Alvor, com a destruição de áreas ecológicas e paisagísticas sensíveis?
São conhecidos exemplos no estrangeiro de zonas tão exploradas turisticamente que foram mais tarde abandonadas por perderem as características que atraíram inicialmente o turismo. São um aviso para Portugal, que pretende fazer desta actividade uma fonte de receita. Mas atenção ao tipo de turismo que pretendemos oferecer e quanto tempo ele durará.
É o que espera a nossa costa do Sudoeste, Alentejana e Algarvia, que se encontra na mira de negociantes que planeiam o seu esquartejamento total, a exemplo do que se passa numa conhecida urbanização perto de Aljezur.

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E que dizer do monstro que um empreender (leia-se «criminoso») pretende construir no concelho de Vila do Bispo, em Sagres, sem respeito pela área de protecção das muralhas? A autarquia embargou a obra, mas tem sido alvo de pressões de toda a ordem, mesmo de ameaças, sendo urgente apoiar tal coragem, que não deve sentir-se isolada numa luta que é de todos.
Falou-se ainda das Berlengas e da ilha do Pessegueiro, que, mau grado a sua reduzida área, apresentam riquezas arqueológicas, históricas e biológicas que merecem ser protegidas e divulgadas.
Enfim, curtas referências ao muito que se disse e provou através de abundantes análises de amostras, num intenso labor, que visa dar a conhecer os mecanismos de vida e morte das zonas ribeirinhas, de vital importância para todos nós, sejamos agricultores, pescadores, turistas, amantes de desportos náuticos ou investigadores.
E apoiando o que acabo de dizer, refiro o aparecimento de metais, como o chumbo, o cádmio, o cobre e o zinco, além de DDT, aldrina, lindano e PCB's nos órgãos de mexilhões e outros bivaldes e de peixes como o linguado, a solha e a anchova no Tejo e na costa do Estoril, por exemplo.
Que conclusões tirar deste desfiar de casos aparentemente desconexos?
1.º Que existe um vasto e diversificado conjunto de instituições e associações que se dedicam ao estudo, protecção e divulgação do meio ambiente e do património cultural e que deverá ser considerado como um parceiro social dos Ministérios da Qualidade de Vida e Ambiente e da Cultura.
2.º Que as autarquias têm um papel cada vez mais fundamental na primeira linha contra os atentados aos nossos patrimónios acima referidos, principalmente em colaboração com as organizações citadas no n.º 1.º na elaboração de planos directores. Existem, infelizmente, autarquias que ignoram sistematicamente tais planos e outras sem meios para cumprir o que neles está projectado.
3.º Que são necessários mais apoios para que uns e outros possam efectuar trabalhos de cuja boa qualidade todos beneficiarão.
4.º Que o Governo central, através dos meios de que dispõe, deve coordenar acções de vigilância e minimizar os efeitos de grandes empreendimentos como barragens, aeroportos, etc., devendo zelar por uma reflorestação onde as espécies a utilizar não ponham em risco os níveis friáticos e empobreçam os solos, como acontece com o eucalipto quando plantado onde não é aconselhável.
E os relatos que vos poderia fazer estender-se-iam por muitas horas, sem o brilhantismo de quem os apresentou nem as belas imagens que os ilustravam. Fico-me, pois, por aqui, pedindo a quem puder assistir a novos encontros como estes que não deixe de fazê-lo, pois só assim as nossas decisões nesta Câmara se basearão num julgamento profundo, evitando as decisões apressadas de quem só vê o dia de hoje.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Deputado António Gonzalez referiu alguns problemas candentes da situação de degradação e de insanidade ecológica que ameaça o nosso país, em particular o que está a acontecer com a extracção de areias do leito dos rios, com o perecimento das espécies piscícolas em muitos deles, afectando assim, de um modo drástico, os recursos naturais de Portugal.
Ao longo da sua intervenção também se referiu ao modo como impunemente os agentes degradadores vão agindo um pouco por toda a parte, o que não deixa de ser uma realidade constatável à vista desarmada e, por isso mesmo, extremamente inquietante.
Assim, na sequência da sua intervenção, que ouvi com interesse, gostaria de lhe formular 2 perguntas muito concretas. A primeira delas vai no sentido de saber se entende que a legislação hoje em vigor é bastante, se ela tem sido tempestiva e correctamente cumprida ou se, pelo contrário, não sendo ela bastante, importa criar novos institutos e, eventualmente, produzir nova legislação para fazer face às catástrofes que enunciou.
A segunda questão que lhe colocaria prende-se com o claro arremelo de debate que tem sido feito sobre o nuclear, para não dizer debate totalmente falhado e demagógico, que tem vindo a generalizar-se pelos diferentes locais do País, designadamente ao nível dos governos civis. Parece-lhe, Sr. Deputado, que esta é a forma correcta e concreta de debater, no novo Portugal democrático, um problema com a dimensão do nuclear, que tantas vezes tem merecido a sua atenção nesta Câmara?

O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado António Gonzalez, não sei se foi deficiência da minha audição, mas deu-me a impressão que na interessantíssima e útil intervenção que fez nesta Assembleia V. Ex.ª não referiu a acção educativa das escolas sobre as populações para a defesa do meio ambiente.
Portanto, gostaria de saber se, realmente, foi falha da minha audição ou se V. Ex.ª entende que essa não será uma frente de combate extremamente importante.

O Sr. Presidente: - Ainda para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Deputado António Gonzalez, de uma forma global associo-me às suas preocupações - aliás, já tenho feito eco de algumas dessas preocupações nesta Assembleia da República. No entanto, a dado passo da sua intervenção, V. Ex.ª produziu uma afirmação que me parece ser menos adequada às circunstâncias.
O Sr. Deputado referiu e apelidou de «criminoso» o projecto apresentado no concelho de Vila do Bispo, mais concretamente na ponta de Sagres. Ora, qualquer empresário neste país tem o direito de apresentar os projectos que considera adequados nas propriedades que lhe pertencem e depois compete às autori

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dades competentes dizerem se o aprovam ou não. Portanto, creio não ser correcto apelidar de «criminoso» - o que pode ser levado por extensão a outro tipo de extrapolações, designadamente quanto a pessoas - um determinado projecto.

Também gostaria de saber se o Sr. Deputado conhece em pormenor, independentemente da tramitação formal que este projecto teve, pois, como sabe, a Câmara começou por lhe dar a sua aprovação, o projecto que para aí havia sido apresentado.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação à pergunta colocada pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes, quanto à legislação hoje em vigor, devo dizer que em certas áreas ela é suficiente e direi mesmo que se ela fosse aplicada nós teríamos um país totalmente diferente. O problema é que ela não é cumprida - aliás, como se verifica em relação a muitas outras áreas onde sabemos que temos imenso papel escrito com imensas leis que não são cumpridas - em relação a problemas ecológicos, desde a defesa do consumidor até aos parques naturais, etc., e isto pela razão que já indiquei na minha intervenção. E que, para além de existir no nosso país um baixo nível de sensibilização para as questões da protecção do ambiente - e isto prende-se um pouco com a questão da educação nas escolas que irei referir mais adiante -, existe também uma grande falta de elementos de vigilância, como, por exemplo, acontece em relação aos parques, pois muitas vezes só há um guarda e mesmo assim de avançada idade, o que não lhe permite deslocar-se, além de que quando se reforma só com muita dificuldade será substituído. Aliás, basta consultar os quadros de pessoal dos parques nacionais para se verificar que isto é uma realidade.

Em relação a outras áreas de legislação, ela chega a ser demasiada, como acontece em relação à reserva ecológica nacional, que, sendo tão ampla, poderia pôr concelhos inteiros como reserva ecológica. Os técnicos das autarquias estão-se nas «tintas» para essa legislação, por ser demasiado ampla, já que praticamente toda a nossa costa, todos os rios, todas as escarpas por este país fora seriam uma reserva ecológica. Porém, acontece que ninguém cumpre e os precedentes já são tantos que não há maneira de sair desta situação.

Portanto, se em algumas áreas a legislação é suficiente, noutras ela até é demasiada e não está adaptada à realidade do nosso país.

Em relação a este assunto, o Movimento Ecologista Português apresentou há alguns meses a proposta para a criação de um promotor ecológico que seria uma figura que teria como função não só sensibilizar e colaborar com quem se sensibiliza, como também recolher todas as queixas que dentro dessas áreas são feitas às autarquias, aos jornais, etc., e que acabam por cair em saco roto ou, por tão abundantes e tão diferentes, na sua maioria perdem-se.

Portanto, a função desse promotor ecológico seria a de receber e canalizar para as vias competentes, inclusive ele próprio poderia ter uma acção dinamizadora
de aviso e de esclarecimento sobre os elementos prevaricadores para as situações que não estivessem correctas.
Em relação ao nuclear, já por várias vezes tornámos clara a nossa posição: somos contra o nuclear por variadas razões e não estamos a ver que haja um debate público tão aberto como seria desejável.
Era, pois, necessário que, a horas decentes, houvesse na televisão e em sítios públicos debates abertos com todos aqueles que têm algo a dizer em relação à opção nuclear, No entanto, estamos a ver que vai ser aqui nesta Assembleia da República que o debate sobre o nuclear vai ter solução e em que o número de votos vai contar mais do que as razões.
A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura referiu-se aos estabelecimentos de ensino e ao papel da educação sobre esta matéria, o que, como já afirmei, é fundamental. Não há dúvida de que o nível de sensibilização do nosso povo é realmente muito baixo. Basta ver como no Verão as nossas florestas, as nossas praias, as nossas dunas e todas as zonas de recreio são invadidas, de Norte a Sul do País, por milhares de toneladas de lixos de toda espécie que não são enterrados nem enviados para os sítios convenientes.
A sensibilização da criança começa realmente nos bancos das escolas e, ainda antes disso, em casa, junto das famílias, através da acção da televisão, da rádio, dos jornais, das revistas e de todos os meios possíveis. Felizmente, hoje já existe uma acção bastante boa em muitas escolas que conheço e nas quais tive o prazer de participar em acções de sensibilização, nomeadamente em experiências mesológicas, ou seja, como o termo indica, relação escola/meio, em que é a criança que vai fazer o levantamento da área que rodeia a sua casa, a sua escola, e vai descobrir o que se está a passar e quais os mecanismos que levam à destruição do mundo que a rodeia. Fazem-se já hoje e neste campo experiências giríssimas.
Penso que a educação é, sem dúvida, uma frente de combate importantíssima, mas não a referi na minha intervenção porque esta incidiu mais sobre estes 2 encontros, de Outubro e de Novembro.
Sr. Deputado José Vitorino, aquele epíteto, aquela imagem que utilizei de «criminoso», não foi minha. Essa imagem foi utilizada no encontro e foi aplaudida. Aliás, eu até trouxe para aqui apenas uma curta frase, mas a verdade é que todas as pessoas foram unânimes em atacar situações como estas.
Em relação à tramitação formal, devo dizer que foram bastante abundantes as informações dadas, não só por associações que na zona atacaram a autarquia, como, depois, na defesa do próprio autarca que estava presente e que apresentou as suas razões. Apresentou bastante documentação e creio que foi o suficiente para pensar que situações desse género, que, aliás, se encontram um pouco por todo o País, não podem continuar - a situação de umas autarquias aprovarem o que a autarquia que vem a seguir reprova e tenta defender. Normalmente, nestes encontros as autarquias são «entaladas» por acusações de que têm que se defender e com o qual temos que estar de acordo, já que muitas vezes a legislação não permite que uma autarquia se defenda e possa criar mecanismos de defesa, inclusive no tocante ao património cultural, pois são necessárias verbas e apoios de que normalmente elas não podem dispor.

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Portanto, Sr. Deputado - repito -, essa imagem não foi minha e eu apenas me fiz eco dela aqui.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao termo do período de antes da ordem do dia. No entanto, chegou à Mesa um requerimento subscrito por deputados do PSD, solicitando a prolongamento do período de antes da ordem do dia.
Há alguma objecção?

Pausa.

Visto não haver, vai-se proceder ao prolongamento do período de antes da ordem do dia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mostrou e comentou o noticiário das 20 horas e 30 minutos da televisão, no passado dia 19 de Dezembro, a evolução do ensino na Tailândia.
Salientou-se a actividade desenvolvida na escola desse país, que busca novas e adequadas fórmulas de ensino para responder às solicitações de uma sociedade que atingirá uma população de perto de 90 milhões de habitantes no final do século.
Foi interessante ver-se uma geração nova que mostra desejar marcar o ritmo do seu futuro, da sua época, cimentando o seu querer na determinação de marcar a cadência que a realidade do nosso tempo e do nosso país exigem.
A preocupação dominante é o desenvolvimento do poder criativo, colocando-o a todo o momento à disposição das soluções adequadas às múltiplas solicitações que uma sociedade em constante mutação vai exigindo.
Deste modo, estes jovens procuram a cada momento pôr em prática, no dia a dia, os ensinamentos que os manuais escolares descrevem.
A escola ensina, fazendo.
A «ciência» resume-se a uma simples palavra - fazer.
Optou-se, clara e inequivocamente, por um ensino que assenta em 3 grandes coordenadas: o prático, o técnico e o científico.
Devendo Portugal estar atento ao desenvolvido dos países de alta tecnologia e optar por emparceirar com aqueles que nesta e noutras áreas seguem na dianteira, pergunta-se: estará a escola portuguesa no bom caminho? Responder sem hesitação é difícil.
Até ao início deste ano lectivo a resposta seria inequivocamente negativa.
Tínhamos um ensino essencialmente teórico, desfazado das realidades e das necessidades concretas do País, um ensino que levou à «formação» de um infindável número de «escriturários», mal preparados, que vieram engrossar o já insuportável número de desempregados e de burocratas.

Pausa.

Sr. Presidente, prescindo da minha intervenção porque não tenho condições para a fazer.

O Sr. Presidente: - Não há razão para tal, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, queiram fazer o favor de criar as condições necessárias para que a intervenção do Sr. Deputado Lemos Damião possa ser ouvida com a atenção que merece.

O Orador:- Sr. Presidente, se me dá licença gostaria de fazer um aparte: é que ouço todos os senhores deputados com a máxima atenção.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Nós também, sobretudo quando falam da Tailândia.

O Orador: - Um ensino que levou à «formação» de milhares de licenciados em áreas em que o número dos existentes já era excessivo e não formou os poucos em que noutros campos de actividade eram indispensáveis.

Tínhamos uma escola em que a maior parte dos alunos se limitava a passear os livros debaixo do braço, uma escola que lhes enfiava na cabeça manuais cheios de definições teóricas que nada lhes diziam e que rapidamente esqueciam.
Uma escola desta natureza tira a saúde aos saudáveis, acentua desigualdades, não aponta rumo algum.

Reconhecendo tudo isto, uma equipa de homens atentos e responsáveis proeurou modificar o rumo dos acontecimentos, lançou com êxito, num curto período de trabalho intensivo, o ensino Técnico-Profissional, implementando-o e reorganizando-o.

Para um país em crise e dando resposta a um plano de emergência, recuperam-se espaços esquecidos, puseram-se a funcionar máquinas desprezadas, recuperaram-se bons profissionais a quem se havia desprezado com conhecimentos adquiridos ao longo de décadas, premiados com Bom e efectivo serviço.

Disse-se ao país real que as diversas regiões eram contempladas com os cursos mais adequados, cobrindo áreas importantes como a indústria, os serviços, a agricultura, etc., com experiências pedagógicas que a curto prazo culminarão com a integração total no sistema de ensino.
Esta equipa parece querer reencontrar o caminho que de uma vez por todas elimine a dicotomia entre os que sabem e os que fazem, formando jovens que saibam fazer bem, tendo em vista o desenvolvimento harmónico e integral do indivíduo e da sociedade.

Estamos seguros que, agora, a escola vai por bom caminho.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como professor e como deputado tenho, porém, uma enorme preocupação. É que a experiência ficará comprometida se não forem resolvidas algumas das questões mais importantes nesta área de ensino.
O estatuto da carreira docente, a construção de novos edifícios, o reequipamento das escolas existentes, a colocação de professores, a reformulação da gestão democrática nos estabelecimentos de ensino, a formação de professores, etc., etc., são apenas algumas delas.

Permita-se-me, porém, que entre as múltiplas questões enumeradas e que são uma pequena parcela dos problemas com que se debate o ensino refira a problemática com que se debatem os professores do 12.º grupo e Trabalhos Manuais.

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Refiro-a porque me preocupa o recrudescer de uma guerra antiga entre profissionais que, desempenhando as mesmas funções, têm estatutos profissionais diferentes.

Sendo a escola o local por excelência vocacionado para atenuar desigualdades de formação, de acolhimento e outras, devendo desenvolver-se a já gasta expressão da «justiça social», não se compreende que se cometa a injustiça de se praticarem salários diferentes para quem exerce o mesmo nível de actividade.

Compreendemos o receio que certos diplomados possam ter vendo inflaccionar-se-lhe, indevidamente, o seu canudo.

O que não compreendemos é que alguém, com responsabilidades, possa criticar ou menosprezar uma luta, desenvolvida por processos lícitos, para defender o que se lhes afigura justo.
Pergunta-se: será de condenar profissionais que foram admitidos para exercer funções pedagógicas e a quem se reconheceu serem possuidores de habilitações própria?
Será de condenar que estes profissionais lutem pelo acesso ao 1.º escalão de vencimentos?
Será de condenar quem luta pela dignificação da sua função profissional, exigindo igualdade de tratamento em relação a todos os membros da classe a que pertencem?
Será de condenar que se lute para que as escolas tenham um corpo uniforme de docentes, visando um trabalho de inter-disciplinaridade programado, previamente, em reuniões de todos os professores envolvidos?
Será de condenar que todos os docentes afastem, de uma vez por todas, os preconceitos que transportam consigo, oriundos da sua proveniência social?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Longe estão os tempos em que se via nos agentes que ministravam as disciplinas de trabalhos manuais e oficinais os indivíduos de conhecimentos práticos e nulo conteúdo pedagógico-científico.
Até nisso eles são bem dignos da nossa admiração, pois souberam acompanhar a evolução da escola, resistindo à filosofia da época: «braços fortes e cabeças ocas».

Hoje os professores do 12.º grupo e Trabalhos Manuais, graças às revoluções e mudanças operadas nas escolas, nas mentalidades e ideologias, são parte de igual valia no todo que é a escola.
É essa liberdade consciente e responsável que lhes permite dizer que, no momento, possuem habilitações próprias para desempenhar os mesmos cargos que os licenciados, como delegado de disciplina, orientador pedagógico e até mesmo presidente do conselho directivo de escola, que, por inerência de cargo, assume a presidência do conselho pedagógico.

E, pasme-se, Srs. Deputados, aqueles que lutam pelo acesso ao 1.º escalão de vencimentos, não sendo licenciados, orientam estágios dos colegas licenciados!
Não dá para entender!...
Pretende o Ministério da Educação que para tal acesso os professores de Trabalhos Manuais e do 12.º grupo terão que dar provas de uma revalorização pessoal, através da obrigatoriedade de frequência de um «complemento de formação».
Baseia-se esta decisão no Decreto-Lei n.º 513-MO/79, de 27 de Dezembro.

No entanto, os actuais professores possuem habilitações psico-pedagógicas, conferidas pelos processos de formação até agora existentes - exames de estado e estágios pedagógicos.
Não se compreende que, não sendo exigido a outros grupos tal tratamento, estes profissionais sirvam de cobaias ou balão de ensaio para futura aplicação a outros professores.
Por outro lado, com base no referido Decreto-Lei n.º 513-MO/79, de 27 de Dezembro, foi concedido aos professores de Música e de Educação Física, e sem necessidade de qualquer «complemento de formação», a integração no 1.º escalão de vencimentos.
Em face disto, pergunta-se: não será justo dar-se tratamento idêntico aos professores dos restantes grupos?
Por nós, julgamos que é perfeitamente lógico e justo admitir que sim!
Portanto, desta tribuna apelo ao Sr. Ministro da Educação o seguinte:

1.º Que se reconheça que o trabalho por estes profissionais desenvolvido ao longo dos anos é formador e formativo, dispensando-se por isso qualquer formal e arbitrário «complemento de formação»;
2.º Que se reconheça a estes velhos professores, ex-mestres, o estatuto de membros de pleno direito de um corpo docente que se deseja seja cada vez mais homogéneo, coeso e dignificado;
3.º Que numa altura em que se relançou o ensino técnico-profissional se reconheça que o mesmo só poderá corresponder às expectativas criadas se se dignificar a competência e capacidade de quem tão boas provas tem dado, ao longo dos anos. Como só há ensino técnico se houver professores preparados para o implementarem, estamos seguros de que justiça se fará para bem dos professores do 12.º grupo e Trabalhos Manuais e do País;
4.º Que se dê aos professores de Trabalhos Manuais e 12.º grupo tratamento igual aos professores de Música e Educação Física, a quem se reconheceu o acesso ao 1.º escalão de vencimento.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, gostava de ficar inscrito para a próxima sessão, com o objectivo de pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lemos Damião.

0 Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, queria também ficar inscrita para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lemos Damião.

0 Sr. Presidente: - Com certeza, Sr.ª Deputada.

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O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Também queria pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lemos Damião, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados podem, se o desejarem, pedir desde já os esclarecimentos que entenderem, só que o Sr. Deputado Lemos Damião não pode responder, pois já esgotou o tempo que o seu partido dispunha no prolongamento do período de antes da ordem do dia. A não ser que os queiram formular numa próxima ocasião ...
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP):- Sr. Presidente, Srs. Deputados. Em 18 de Outubro de 1983 o Grupo Parlamentar do PCP enviou ao Governo, um requerimento com base na preocupação que afecta as populações das zonas ribeirinhas do Vale do Tejo ao verem o estado em que se encontram os diques.
Na verdade, além de danificados pelas cheias de 1979, não foram até agora totalmente reparados. O péssimo estado de conservação e limpeza dos principais diques de protecção não dá o mínimo de garantias de suportar uma cheia de grandes dimensões, pondo em perigo a segurança das populações e culturas do vale do Tejo.
É o que se passa também com os diques da grande Lezíria nos campos de Vila Franca de Xira, tão duramente atingidos nas cheias de 1979.
Várias iniciativas para resolver o problema têm sido tomadas pelas autarquias locais, sem que, contudo, tenham merecido por parte dos governos a atenção que a situação exige, sendo quase nula a vigilância nos diques e a falta de cuidados que se verificam com a sua limpeza e conservação.
Perguntamos: vai o Governo permitir que tal negligência prossiga e assuma as responsabilidades dela decorrentes face a uma eventual tragédia daí resultante? Ou acontecerá, como muito bem diz o nosso povo, «depois da casa roubada trancas à porta?). Estão esquecidas as consequências da tragédia de 1979, onde morreram milhares de cabeças de gado, onde máquinas e outros haveres foram destruídos? É bom lembrar que muitas pessoas passaram noites e dias em cima de telhados, árvores e montes à espera de socorro. É bom lembrar que não bastou a boa vontade dos bombeiros (soldados da paz), Forças Armadas e forças de segurança, assim como a de muitas centenas de anónimos que tomaram parte nesta batalha. Os danos foram enormes, e se foram minimizados foi graças aos esforços e à ajuda dos trabalhadores da Reforma Agrária, que, face à tragédia, enviaram para as zonas sinistradas milhares de fardos de palha, de feno, milhares de quilos de aveia e outros bens que a situação exigia, sem se preocuparem de saberem se aquilo que eles enviaram iria parar às mãos de pessoas a favor ou contra a Reforma Agrária.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Foram minimizados porque muitos países, incluindo os países socialistas enviaram roupas, alimentos, medicamentos, etc.
Foram minimizados porque várias organizações e muitos portugueses de boa vontade, num esforço patriótico em muitos casos, se desfizeram de alguns dos seus haveres para ajudarem aqueles que sofriam.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, tudo isto foram medidas para atender às consequências, não para resolver as causas. Ora hoje, passados alguns anos, a tragédia nas zonas ribeirinhas do Vale do Tejo esteve novamente iminente e embora pareça que o perigo já tenha passado nada o pode confirmar, na medida em que a situação caótica em que se encontram os diques e o assoreamento dos rios, com especial relevância para os rios Tejo, Sorraia e tantos outros.
15to é: mantêm-se as causas. Perante tudo isto, como compreender que no Orçamento do Estado para 1984 não fossem incluídas verbas para os projectos considerados prioritários, entre os quais se conta o vale do Tejo?

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este corte de verba, cuja inoportunidade as recentes cheias vêm comprovar, terá graves consequências como já o sentem as populações ribeirinhas do vale do Tejo.

Que se espera, Srs. Deputados, para que se leve para a frente os processos referentes aos diques de Meia-Postinha, revestimento do dique de Valada, reparação do dique das Omnias, Caminho de Meias, São João, Tapadinha, dique dos Vinte, etc.?
Não é facto que quanto mais tempo se passa mais iminentes são os perigos, maior é a degradação da situação, maiores são os receios das gentes e, como é óbvio, maior é o custo dos trabalhos que venham a ser realizados?
Levanto aqui também, Sr. Presidente e Srs. Deputados, um segundo problema que para muitos, por não conhecerem a gravidade do caso, pensarão que será um caso secundário. Trata-se do jacinto-de-água.

Esta planta, originária da América do Sul, conhecida em muitos países como a planta maldita, constitui hoje em Portugal uma autêntica praga por se reproduzir a um ritmo fantástico e tapetear as águas dos rios a ponto de impedir a penetração dos raios de sol e a diminuição da fauna.

No Ribatejo, o jacinto-de-água tem causados elevadíssimos prejuízos, particularmente no que diz respeito à cultura do arroz.
As valas da Lezíria Grande em Vila Franca de Xira estão infestadas dessa praga, que também já aparece em muitas partes do nosso país.
Assim, assinala-se a sua presença na barragem de Belver, herdade da Torre da Bolsa, freguesia do Caia, em Elvas, na margem direita do Guadiana, na ribeira do Paul, na quinta da Murta, freguesia de Ulme, Chamusca, na propriedade denominada «Pinheira», freguesia de Santa Maria, em Alcácer do Sal, na vala da Amoreira, freguesia de São Estevão, Veiga de Chaves, e no aproveitamento hidro-agrícola de Loures, em Sintra, e em Santana, no distrito de Santarém.
No Baixo Mondego muitas valas também se encontram já invadidas pela planta em questão e que está a ser vendida em quantidades maciças nas ruas de Coimbra, apesar da sua venda estar proibida pelo Decreto-Lei n.º 165/74.

Em estudos já feitos seria uma catástrofe se esta planta se propagasse ao vale do Mondego, e para isso há que se tomar medidas urgentes para que não aconteça no nosso país o que está a acontecer no Congo e outros países, onde os prejuízos são incalculáveis.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante este problema, pergunto: tem o Governo algum conhecimento do que se está a passar em alguns dos nossos rios e do perigo de venda do jacinto-de-água às populações, nomeadamente na cidade de Coimbra? Ignora-o? Não vai tomar medidas para evitar de imediato a propagação desta praga e para fazer aplicar o Decreto-Lei n.º 165/74?

Sr. Presidente, Srs. Deputados: São 2 questões muito concretas às quais as populações exigem respostas concretas.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Como não há mais inscrições para intervenção neste prolongamento do período de antes da ordem do dia, dou-o por encerrado.

Entramos no período da ordem do dia, com a continuação da discussão e votação do pedido de urgência da proposta de lei n.º 49/III, que concede ao Governo autorização para proceder à revisão da matéria constante do capítulo v do Estatuto Judiciário.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pode dizer-me para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, para lembrar à Mesa que tinha ficado assente na conferência dos grupos parlamentares e foi confirmado na última reunião plenária que a primeira parte da ordem do dia da sessão de hoje se iniciava com a apresentação, pelo Partido Comunista, do projecto de lei n.º 236/III, relativo à segurança dos pescadores a bordo das embarcações de pesca.

O Sr. Presidente: - Confio na sua afirmação. Vamos então começar pela apresentação do projecto de lei n.º 236/III, sobre medidas de garantia da segurança dos pescadores a bordo das embarcações de pesca, apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Espadinha e outros, do PCP.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - Sr. Presidente, tenho a impressão de que o Sr. Deputado Jorge Lemos está confundido, porquanto o que ficou resolvido foi terminarmos com a discussão e votarmos o pedido de urgência da proposta de lei n.º 49/III e só depois se faria a apresentação do projecto de lei do PCP.
Suponho que foi assim que ficou combinado e estipulado.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa, tendo em vista que esta minha interpelação é um esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Queira então ter a bondade de a fazer, pelo que desde já lhe agradecemos.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, é para confirmar o que o Sr. Deputado Jorge Lemos há pouco afirmou.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, Sr. Deputado Alexandre Reigoto, parece-me que há um equívoco da sua parte. V. Ex.ª concede na posição assumida?

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - Não, Sr. Presidente. Estive presente nessa reunião e ouvi perfeitamente o que foi decidido. Em todo o caso, não há da nossa parte qualquer oposição em que se proceda, em primeiro lugar, à apresentação do projecto de lei do PCP.

O Sr. Presidente: - Para fazer a apresentação do projecto de lei n.º 236/III, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP)-. - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP ao apresentar na Mesa da Assembleia da República o projecto de lei n.º 236/III - medidas de garantia de segurança dos pescadores a bordo das embarcações de pesca - fá-lo com a certeza de que este projecto tem a aceitação da esmagadora maioria do povo português.
Falar sobre segurança dos pescadores no mar é falar num dos problemas sociais mais agudos dos pescadores e também da sociedade portuguesa. A segurança no mar ou, para ser mais verdadeiro, a falta de segurança, criou uma situação verdadeiramente dramática nos pescadores e nas suas famílias. Larguíssimas centenas de mulheres perderam para sempre os seus companheiros, milhares de crianças perderam os seus pais e muitas delas nem sequer os chegaram a conhecer. A miséria veio mais depressa. Este drama social criou profundas e graves consequências na forma de viver, de vestir, de pensar, de enraizamento de conceitos religiosos profundos e errados nas gentes do mar.
Mas este drama tem responsáveis. Trazermos aqui este. projecto significa fazermos um julgamento severo do regime fascista, do tenreirismo. A denúncia das inoperâncias que substituíram ao longo dos últimos anos.
De facto, Srs. Deputados, o fascismo sempre considerou os pescadores como instrumento de exploração e peças de uma máquina que quando morriam eram substituídos facilmente por outras. A falta de medidas concretas contrapunha a caridade às famílias das vítimas. Os naufrágios e os funerais sempre foram um bom pretexto para deslocações de propaganda e por vezes de entrega de esmolas par parte dos Srs. Ministros, Secretários e Secretárias de Estado da Família.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, ontem como hoje, podemos acreditar em governos que se afirmam como defensores dos direitos humanos e até amigos dos trabalhadores
dos países estrangeiros, mas todos os dias são os primeiros responsáveis pela maioria das vítimas do mar no nosso país?
A questão que o projecto do PCP coloca é, pois, a questão da segurança no mar. E há para ele boas razões.

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É do conhecimento de todos que a classe piscatória tem sido ao longo de anos esquecida e marginalizada. É, no entanto, uma classe importante para o desenvolvimento económico do País.
No fascismo os pescadores viviam em condições degradantes, arredados de quaisquer meios de segurança, morrendo por vezes em condições trágicas por falta de meios de salvamento.
Não se compreende que hoje, mais de 9 anos depois do 25 de Abril, ainda se continue a viver quase nas mesmas condições.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Ainda hoje o partir para o mar é uma despedida sem a certeza de regresso e um adeus que multas vezes se transforma em despedida para sempre.
É certo que com o 25 de Abril os pescadores viram restauradas as liberdades, aberta a perspectiva de uma vida melhor e o direito a ver respeitada a sua condição de trabalhador. Reforçaram a sua unidade e com ela as suas organizações de classe. Começaram a ver os seus problemas mais debatidos nesta sociedade e eles mesmo ganharem outra consciência da situação em que viviam.
Foi assim que se desenvolveu a luta desta classe contra as injustiças praticadas ao longo dos anos. Os pescadores começam a exigir que a sua profissão, a sua vida, seja respeitada e defendida como cidadãos que são de um país livre e democrático que muito lhes deve.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que infelizmente ainda não acontece, e pouco se tem feito. Há falta de segurança nos portos, faltam meios de segurança nos barcos e em terra.
As consequências desta situação são gravíssimas e tornam-se indisfarçáveis em caso de acidente.
Mas é precisamente quando os acidentes acontecem que alguns se lembram de certas medidas, não para resolverem as carências existentes, mas para imputarem aos trabalhadores do mar todas as responsabilidades pelas trágicas ocorrências.
Pela nossa parte, ao referirmos a falta de conhecimento dos pescadores, recusamo-nos a atribuir a estes valorosos e corajosos trabalhadores as responsabilidades determinantes destes acidentes.
E as críticas que injustamente lhe são dirigidas face a naufrágios visam, na maior parte dos casos, esconder a terrível realidade, que é a falta de meios adequados para os salvar.
Não nos podemos esquecer das mortes que se têm verificado nos anos anteriores e que muitas delas só acontecem por falta de meios. Temos exemplos de pescadores que andam por cima de água várias horas e morrerem depois de frio.
É necessário, Srs. Deputados, que se equipe os portos de pesca com meios necessários para reduzir o número de mortos. Não chega que depois dos naufrágios se venha para os jornais, se venha com indemnizações, é preciso prevenir antes das mortes acontecerem, e neste caso há meios que podem ser utilizados para se poder salvar vidas.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Nenhum governo tem o direito de ficar indiferente a esta grave situação num sector já por si esquecido.
Que fazer então?
As medidas a adoptar têm a ver com a formação profissional dos pescadores.
Aos pescadores, Srs. Deputados, na sua esmagadora maioria, acontece-lhes como aconteceu comigo: foi sair dos bancos da escola com 10 anos e ir para o mar, e eu ainda fui privilegiado em relação a muitos camaradas meus que nem na escola conseguiram andar porque tiveram de trabalhar ainda muito mais novos do que eu. Era assim a vida, era o que o fascismo nos fazia, só que nesta altura a situação da formação continua quase a mesma.
A renovação de mão-de-obra do sector faz-se quase exclusivamente à custa dos filhos dos pescadores, crianças ainda no sentido literal do termo. A sua aprendizagem faz-se a bordo da duríssima faina diária, pagando caro, quantas vezes com a vida, a formação e os meios de segurança que o Estado lhes nega.
É importante que no futuro, e que seja já breve, se possam criar condições de segurança e de formação para pescadores, que se possam trazer ao mar todos aqueles que quiserem, e desde que tenham as condições criadas. É preciso deixarmos as promessas para trás, passar aos actos, ter nos pescadores a noção de que já não são tratados como uma classe esquecida e marginalizada.
Para isso visa contribuir o projecto de lei do PCP!
Abro um parêntesis para dizer que o nosso projecto de lei teve repercussões completamente inimagináveis.
De facto, um jornal diário põe em título, hoje, a propósito do nosso projecto de lei: «PC tenta controlar espaço marítimo nacional!».

Risos do PCP.

Nem mais, nem menos!
Espantoso!

Morrem pescadores, a situação de insegurança é reconhecida por todos os interessados, aparece um projecto de lei que apresenta propostas para resolução do problema e tudo o que esse jornal encontra para dizer é um conjunto de alarvices que vertem no mais baixo e primário anticomunismo!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Chega-se ao ponto de se dizer que o PCP pretende controlar os propostos conselhos de segurança porque « [...] os armadores e os bombeiros faltariam às suas reuniões, deixando nas mãos dos representantes sindicais e das mútuas [...] ». Estranha concepção que faz dos armadores e dos serviços de bombeiros, entidades que se desinteressam de uma questão central e de tão grande importância, como é a questão da segurança dos pescadores do mar.
É caso para perguntar: quem encomendou um tal artigo que visa deixar tudo na mesma, ou seja, deixar os pescadores na insegurança que hoje vivem? Que interesses defendem os que querem que se mantenha a insegurança dos pescadores?
Retomando a questão, na verdade, Srs. Deputados, no período compreendido entre 1969 e 1979, 226 pescadores desapareceram para sempre dos seus, a uma média anual de 21. Na zona norte foram 78. Para ficarmos com uma imagem ainda mais nítida deste

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drama sócio-profissional diremos que, apenas no distrito do Porto, de 1942 até hoje, a morte bateu a 173 portas só na pesca artesanal. Neste período o número de feridos - muitos deles incapacitados para toda a vida - foi de 28 674. 15to é, uma média de 2600 por ano.

Haverá algum sector profissional do nosso país que atinja estes valores? Os pescadores são campeões em matéria de falta de segurança e pagam um preço demasiado elevado por isso.

Entre 1969 e 1979 naufragaram 219 embarcações,
na média de 20 barcos por ano, dos quais 161 perderam-se completamente.

Os prejuízos em termos económicos foram na média de 80 000 contos por ano, ou seja, quase 1 milhão de contos no período referido.
A defesa da vida dos pescadores não tem preço, mas até do ponto de vista capitalista os governos provaram ser maus gestores. 1 milhão de contos de prejuízos em 11 anos seria mesmo para os mais insensíveis razão bastante para investir e criar um sistema adequado de segurança nas pescas.
A realidade existente é, porém, lamentável sob este aspecto.
O Instituto de Socorros a Náufragos não tem meios eficazes de enfrentar o mar com temporal, nem tão-pouco tripulações permanentes. Os pescadores chamam justamente recolhedores de cadáveres àquilo que de facto deveriam ser verdadeiros salva-vidas.
Faltam também os serviços de rádio-escuta. Alguns não funcionam permanentemente, e quanto aos que funcionam casos houve em que não escutaram nada. A lentidão de resposta ao SOS pedido é o habitual. No fundamental os pescadores escutam-se uns aos outros e valem-se entre si.
Os meios de salvamento aéreos só aparecem em casos esporádicos e de apoio a barcos estrangeiros e para vigiarem as praias no Verão. Para os pescadores, quando estão em apuros, ou não aparecem ou quando aparecem já é tarde.
A situação dos meios de salvamento a bordo é igualmente dramática. Na pesca artesanal, na maioria esmagadora dos barcos, os meios de salvação mínimos exigidos por lei raramente são cumpridos. As trocas destes meios entre barcos, por irresponsabilidade e por gula de muitos patrões, tem o silêncio corrupto de muitas autoridades. Mas também aqui há graves responsabilidades para o Governo, que não reconhece que os pescadores andam no mar a capturar peixe para alimentar o povo e a ganhar o pão para si e para os seus e dá tratamento fiscal de artigos de luxo às balsas pneumáticas e foguetes como se os pescadores fossem turistas e pescassem em barcos de recreio.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A actuação das capitanias em vários casos é muito má. Impera a burocracia e a lentidão de resposta.
Importa que seja urgentemente alterada a forma de actuação dos comandantes de porto. Pensamos, que eles devem passar a ser os grandes animadores de uma campanha de sensibilização dos pescadores sobre a segurança. Devem aparecer pessoalmente a verificar, a conversar com os homens do mar, a ajudar e também a exigir o cumprimento da lei. Cabe-lhes uma pesada responsabilidade na segurança dos pescadores. É necessário que se acabe com toda e qualquer actuação de tipo administrativo e repressivo. É esse o espírito subjacente ao projecto de lei do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da legislação existente relativa à segurança dos pescadores, uma parte está desde há muito ultrapassada e outra não é cumprida. Da acção das autoridades responsáveis não tem resultado a garantia do cumprimento da lei, designadamente no que se refere à fiscalização eficaz das embarcações.

Uma tal situação não pode manter-se! A Assembleia da República não pode permanecer inactiva face a uma realidade dramática e a uma situação de atrasos e carências em pleno final do século xx, quando foram inventados e aperfeiçoados meios de salvação que permitem reduzir substancialmente o número de mortos que todos os anos enluta o País.

O projecto do PCP tem como objectivo principal criar condições de segurança a bordo das embarcações de pesca e criar em cada porto meios de salvação que estejam prontos e preparados em cima da hora necessária e fora das burocracias que por aí existem.

Tem-se consciência de que é em relação às pequenas embarcações de pesca que se colocam as questões mais agudas. E dado o peso que elas têm na frota portuguesa e as dificuldades que sentem no domínio económico, de estruturação, de equipamento e formação de tripulações, não é possível deixar de considerar prioritárias as acções que lhes digam directamente respeito.
Propomos a criação e gradual expansão de um centro de busca e socorros a náufragos, com carácter descentralizado, equipamento adequado e competências de prevenção, consulta, apoio e fiscalização.
Propomos igualmente a instituição de conselhos de segurança em cada capitania, órgãos de fiscalização e consulta, com a participação dos interessados, desde logo os sindicatos dos pescadores.
O projecto prevê, por outro lado, regras básicas sobre os meios de salvação mínimos necessários às embarcações de pesca, tendo em atenção as respectivas características e as dificuldades que marcam neste campo a realidade nacional.
Estas medidas seriam, porém, incompletas sem a garantia de um efectivo apoio à superação das carências existentes, através de instrumentos fiscais e de créditos adequados. O projecto aponta para isenções fiscais que alterem a absurda tributação de meios de salvamento como artigos de luxo e prevê também uma linha de crédito. Crédito e não repressão.
Propomos finalmente providências tendentes a reforçar os meios de comunicação e os meios de salvamento, bem como a divulgação da informação básica em matéria de primeiros socorros e o incremento de acções de fiscalização que garantam o cumprimento das disposições legais.
Com a presente iniciativa, o Grupo Parlamentar do PCP pretende não só chamar a atenção da Assembleia da República para um problema essencial que afecta a actividade dos pescadores portugueses, mas contribuir para que ele seja resolvido.
Não se trata de um projecto acabado antes é susceptível de melhorias e alterações sugeridas quer pelos grupos parlamentares, quer pelas organizações representativas dos trabalhadores do sector das pescas. Para esse efeito afigura-se desejável a respectiva edição em separata.

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Apelamos, pois, ao contributo que a discussão que agora se enceta por certo permitirá para que a Assembleia da República possa aprovar uma lei que dê resposta a uma das mais graves carências dos pescadores portugueses.

Aplausos do PCP e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Ferraz de Abreu, Reinaldo Gomes, José Vitorino e Luís Saias.
Pergunto ao Sr. Deputado Carlos Espadinha se deseja responder no final de cada pedido de esclarecimento ou após todos terem sido feitos.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deixa-nos um pouco perplexos este projecto de lei apresentado pelo Partido Comunista. E deixa-nos perplexos não porque não estejamos todos igualmente interessados na melhoria das condições de segurança de quem anda no mar ou de quem frequenta as nossas praias, não porque não estejamos interessados em ver actualizada toda a legislação existente nesta matéria e enriquecidos os meios que já existem, mas porque neste projecto de lei faz-se tábua rasa de toda uma estrutura e de toda uma organização que já existe para este fim.
A Marinha de Guerra tem competido, desde sempre, a missão de salvamento no mar e nas nossas praias.
Como há um total silêncio neste projecto de lei sobre as estruturas existentes, gostaríamos de fazer ao Sr. Deputado Carlos Espadinha várias perguntas para sermos esclarecidos.
Em primeiro lugar, se ao ser elaborado este projecto foi levado em conta o facto de à Marinha estar desde sempre confiada esta tarefa.
Em segundo lugar, se foi tida em conta a existência de uma instituição chamada Instituto de Socorros a Náufragos. E que sendo conhecida a acção meritória e humanitária deste Instituto ao longo da sua existência, sendo conhecido o número de meios que este Instituto possui em embarcações de salva-vidas, em pessoal e em meios de escuta permanente e havendo, também, conhecimento de acordos com cerca de uma centena de corporações de bombeiros e o instituto, gostávamos de saber se tudo isto foi tido em conta.
Em terceiro lugar, gostaria de saber se foi tida em conta a colaboração que todas as capitanias, através dos seus meios, quer em embarcações, quer em pessoal, quer em meios de escuta, dão também nesta matéria, pois conhece-se a colaboração de um vasto leque de recursos aeronavais que colaboram nesta missão.
A Marinha desde há muito tempo que se dedica a esta nobre tarefa. Não vamos discutir se os meios que tem tido e que ainda tem são os necessários, pois cremos que é necessário reforçá-los e melhorar as condições de segurança.
O que se pretende então com o projecto de lei? Pretende-se tirar à Marinha esta actividade, ou pretende-se criar uma nova estrutura paralela àquela que já existe?

Somos um país de pequenos e poucos recursos e parece-me que já temos exemplos suficientes de desdobramento e duplicação de instituições que não aumentam a produtividade nem melhoram a funcionalidade pretendida.

Gostaria, pois, que o Sr. Deputado Carlos Espadinha me respondesse às perguntas que formulei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Reinaldo Gomes.

O Sr. Reinaldo Gomes (PSD): - Sr. Deputado Carlos Espadinha, ouvimos com redobrado interesse e atenção a exposição que fez na apresentação deste projecto de lei. Algumas das considerações que pretendia fazer foram já feitas pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

Uma vez que não vamos discutir a questão de fundo, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que no campo dos princípios concordo pessoalmente com a maioria das situações aqui expostas. Penso, contudo, que tudo o que possamos vir a fazer em termos de duplicação das estruturas que já funcionam no nosso país não é a maneira mais correcta. Enveredarmos por esta situação de mudança, mudando os nomes a instituições que já existem, não me parece adequado e muito menos pertinente.

Talvez que o projecto de lei devesse contemplar a obrigação de estimular e reforçar os apoios que as entidades já existentes deviam dar à segurança e, consequentemente, à vida dos nossos pescadores.

Entendemos, e o Sr. Deputado sabe por experiência própria, das relações que temos mantido a nível político, que tudo quanto se possa fazer para salvaguardar a segurança e, consequentemente, a vida dos pescadores é sempre, para nós, assunto demasiadamente importante e ao qual damos toda a importância. De qualquer forma, apesar de não estar em discussão o fundo da questão, mas apenas o princípio, não deixarei de dizer, quanto à sua exposição de apresentação do projecto de lei, e retomando um pouco aquilo que foi dito pelo Sr. Deputado Ferraz de Abreu, que no diploma em apreço se pretende a criação e a obrigação de alguns actos que já estão contemplados na actual lei, que concordo que tem de ser revista em muitos pontos, além de que em grande parte, por vezes, ela não é cumprida. Mas o ónus do não cumprimento, Sr. Deputado, não é apenas dos proprietários das embarcações, como o é também dos mestres, das autoridades marítimas e também, e o Sr. Deputado sabe-o porque é pescador, muitas vezes devido à negligência dos próprios pescadores que deviam cuidar de saber do estado em que se encontram os meios de salvação que estão obrigatoriamente a bordo dos barcos de que são tripulantes e por uma questão de à-vontade, por uma questão até de negligência, não o fazem, o que é pena.

Também é verdade, e o Sr. Deputado disse-o que ultimamente tem havido alguns acidentes no mar e que os meios de segurança não permitiram acudir-lhes. É verdade que isso acontece, mas em alguns casos torna-se perfeitamente impossível atendê-los por mais sofisticados que sejam os meios.

Estou de acordo com o princípio, porém não deixarei de lhe fazer 2 ou 3 perguntas.

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Em primeiro lugar, quais os critérios que entendeu consignar no projecto de lei para a escolha dos portos de pesca que devem servir de apoio à segurança dos pescadores?
O Sr. Deputado esqueceu-se, por exemplo, do porto de Peniche. Vejo-o sorrir! ... Esquecer-se-á o Sr. Deputado da importância que tem no País o porto de pesca de Peniche, com todo o conjunto dos arquipélagos das Berlengas e Farilhões e a densidade de barcos que são utilizados naquela zona?
Havendo para nós a noção de que principalmente a vida humana e, no caso em apreço, a vida dos pescadores não tem preço, o Sr. Deputado tem noção dos números dos custos que se pretendem para fazer operar um apoio logístico aqui solicitado e com o qual concordamos? Não entende o Sr. Deputado que tem de ser feita uma profunda reflexão para verificarmos onde é que num país em crise, como aquele em que nos encontramos, podemos procurar obter receitas que permitam ir ao encontro dos desejos aqui manifestados?
Pela nossa parte, Sr. Deputado, creio que estamos abertos à solução agora apresentada. Em sede própria discutiremos e daremos as achegas que entendermos necessárias no pressuposto, que temos como incontroverso, de que a segurança e, consequentemente, a vida dos pescadores, como de todos os portugueses, é para mim e para o meu grupo parlamentar um ponto vital do qual não abdicamos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado Carlos Espadinha, naturalmente que é uma iniciativa séria e que, face ao problema que visa resolver, tem de merecer, em termos de princípio de filosofia, como já foi dito pelo meu colega Reinaldo Gomes, o nosso apoio.
Claro está que também a linguagem que o Sr. Deputado usou, não na formulação do projecto de lei, mas na apresentação do mesmo, não ajuda a resolver nem a esclarecer coisa nenhuma sobre o diploma, nem mesmo a resolver os problemas dos pescadores; antes pelo contrário, se calhar, só os dificulta.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não apoiado!

O Orador: - O Sr. Deputado diz «não apoiado».
Se calhar não sabe o que se passa ou então não ouviu ...

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - É uma opinião!

O Orador: - Com certeza, é uma opinião. Tem direito a tê-la.
O problema não é, obviamente, aquilo que o Sr. Deputado referiu sobre os perigos que os pescadores correm, sobre as vidas que se perdem ao longo dos anos. O problema é que sempre e sempre este Partido Comunista é incapaz de discutir aqui os problemas de uma forma séria, dura, firme e até de crítica, quando tal se justifica, sem aplicar os anátemas e aquelas designações, tais como, capitalistas, fascistas para trás, fascistas para diante.

Protestos do PCP.

É incapaz de o fazer. O Partido Comunista é incapaz de falar sem dar voo, digamos assim, a essa sua cassette usual.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Só querias flores!

0 Orador: - É preciso que fique claro que as estruturas que existem para apoio a náufragos, sobretudo na faina piscatória, são francamente insuficientes e incapazes de responder às necessidades.
Mas há que distinguir duas coisas, Srs. Deputados: uma coisa é o que está mal e que é preciso corrigir e que, com dureza até, sempre que se justifique, devemos criticar; outra coisa é a adjectivação que se põe e que muitas vezes não é necessária.

Risos e protestos do PCP.

Gostaria que aqui estivesse um partido comunista sério, mas não sou capaz de o ter porque ele não quer, nem é capaz.

É preciso fazer muita coisa. Há mortes que não se podem evitar por mais sofisticados que sejam os meios, mas é evidente que há muitas mortes que podiam evitar-se se forem melhorados os meios de apoio.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Ora aí está!

O Orador: - É evidente que sim, Sr. Deputado, e eu disse que estava de acordo com isso.

Por isso é que é preciso fazer alguma coisa e com urgência. É preciso que se passe das palavras aos actos, mas também pensamos que, se é certo que a legislação está dispersa, se é certo que as estruturas existentes nem sempre correspondem àquilo que delas se espera, também não será através da criação de organismos paralelos - e, aliás, isso tem proliferado em Portugal depois do 25 de Abril - que o problema se poderá resolver.

Por isso penso que, acima de tudo, o projecto de lei será, numa perspectiva global, até porque muitas das coisas que aqui estão têm um carácter regulamentar importante, uma óptima oportunidade para reflectirmos mais uma vez e para que o Governo e esta Assembleia contribuam de forma definitiva para diminuir a chaga que é a morte e a insegurança com que os próprios pescadores exercem a sua actividade, para além da insegurança que já constitui a faina piscatória.

Gostaria ainda de perguntar por que razão não ficou referido o porto de Olhão, que é um apoio a Portimão, já que este porto não dá para um apoio a toda a zona do Sotavento.
Não aceitamos, obviamente, a linguagem usada, julgamos que os organismos paralelos não irão resolver muito, mas é preciso que se faça alguma coisa. Vamos fazer. O PSD irá colaborar nessa iniciativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - Sr. Deputado Carlos Espadinha, as preocupações manifestadas pelo PCP quanto à salvaguarda da vida humana no mar são as que o PS, desde há muito, vem manifestando. 15to quer dizer que o PS está de acordo em que se reforce

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a legislação tendente a preservar a vida dos trabalhadores do mar.
Penso, no entanto, que não é com projectos como este, de baixa qualidade, que se conseguirá esse desiderato. É bem certo que no próprio projecto se diz que «o PCP pretende chamar a atenção da Assembleia da República». De facto, chamou a atenção da Assembleia da República para este problema!
O PCP diz também que este seu projecto não se trata de um projecto acabado. É evidente - basta lê-lo - que, muito longe de se tratar de um projecto acabado, é apenas um instrumento de pura demagogia.
Classificaria este projecto como sendo do tipo naif, apenas destinado a chamar a atenção de uma forma um pouco canhestra, porque é de uma pobreza mais do que elementar.
Posto isto, quero repetir ao Sr. Deputado Carlos Espadinha que nós estamos em consonância com as suas preocupações no que diz respeito à salvaguarda da vida dos trabalhadores do mar e, por isso, em comissão, daremos o nosso contributo aprofundado e leal para que a Assembleia fique em condições de produzir legislação adequada a esta matéria.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ficamos à espera!

O Orador: - Quero, no entanto, perguntar ao Sr. Deputado Carlos Espadinha se no projecto de lei que apresentou se toma em consideração a legislação portuguesa sobre essa matéria, nomeadamente a que ratificou e pôs em vigor, internamente, a Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar. Trata-se de um instrumento nacional da maior importância que contém uma série de regras a este respeito.
Por outro lado, queria perguntar ao Sr. Deputado Carlos Espadinha se neste projecto foram tomadas em consideração as competências da Inspecção-Geral de Navios - que interferem com a matéria do projecto - e as do Instituto de Socorros a Náufragos, já aqui referido, e que tão largo e generoso contributo tem dado nesta matéria.
Fala-se no projecto de lei em 5 rebocadores de alto-mar para 5 portos. Queria perguntar ao Sr. Deputado Carlos Espadinha se ao falar nisso na sua intervenção se queria referir a rebocadores de alto-mar ou a navios de salvamento, comummente designadas por salvádegos.
Queria, ainda como também referiu o Sr. Deputado José Vitorino, perguntar por que é que o porto de Olhão foi excluído de ser base destes rebocadores, uma vez que Olhão é, como por certo o Sr. Deputado sabe, o maior porto nacional da pesca artesanal. Só neste porto estão registadas mais de 1000 embarcações de pesca artesanal.
O projecto de lei fala também de um crédito de 1000 contos por beneficiário, querendo referir-se, digamos, ao proprietário de cada barco de pesca. Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado se tem ideia de qual o total de barcos de pesca que existe neste país e se o crédito beneficiaria igualmente todas essas embarcações com a consideração de que a maior parte das embarcações de pesca não chegam a valer os 1000 contos do crédito que aqui se arbitra.
São, pois, estas as perguntas que lhe queria deixar.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Digamos que o que sai das questões que me foram postas é que o actual sistema que existe não serve, não presta, está caduco.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Se eu não tivesse em consideração as perguntas que os Srs. Deputados me colocaram, o que acabei de dizer servia de resposta a todas elas. Vou, no entanto, tentar abordá-las e dar-lhes resposta.
Não sei se o Sr. Deputado Ferraz de Abreu conhece bem o sector da pesca, se está ligado a essa actividade. É que o Sr. Deputado veio falar na Marinha de Guerra e eu devo dizer que ela não nos dá, na prática, nenhum apoio em termos de salvamento. Muitas das vezes, quando é chamada, com a legislação e com as condições que existem, tem possibilidade de salvar pessoas, mas os barcos ficam abandonados em cima de água.
É que não há nada que obrigue a que a Marinha de Guerra socorra; proceder à salvação é quase que como uma obrigação própria.
Relativamente ao Instituto de Socorros a Náufragos, trata-se de uma questão que tivemos em conta ao elaborar este projecto. Só que na maior parte das vezes este Instituto não tem nenhuma actividade em relação à pesca. A sua actividade limita-se ao turismo de Verão, em que, através dos cabos-de-mar e dos nadadores-salvadores, fiscaliza as praias. Relacionado com o salvamento de embarcações de pesca e de vidas dos pescadores pouco ou nada tem feito.
E como eu disse na minha intervenção, a maior parte dos salva-vidas que existe no nosso país é de salva-mortos e não de salva-vidas. A maior parte deles não têm actividade e com qualquer bufa de vento - como costumamos dizer em linguagem marítima - já não podem sair.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Entretanto, devo dizer que fico muito satisfeito por o Sr. Deputado Reinaldo Gomes estar de acordo com o nosso projecto de lei.
Disse na minha intervenção que não se trata de um projecto acabado; estamos abertos a todas as sugestões de todas as forças políticas que aqui queiram fazer propostas. Quanto a essa questão não vamos, pois, ter quaisquer problemas. O que é necessário é que se trate urgentemente da questão, pois ela precisa de ser resolvida. O apresentarmos aqui este projecto de lei é para que um dos problemas que mais afecta a população piscatória seja resolvido urgentemente, para o que estamos abertos à colaboração de todos.
O Sr. Deputado perguntou-me por que é que não tivemos em conta o porto de Peniche. Devo dizer-lhe que tenho respeito por todos os portos e, até por mera questão pessoal, já de há muitos anos que conheço o porto de Peniche e esse facto não quer dizer que ele não venha a ser incluído no projecto. O que nós tivemos em conta foi dividir a costa em 4 ou 5 zonas, estando Peniche incluído nas proximidades da outra parte Norte onde já levantámos a questão. Por essa

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mesma ordem de razões podia outro senhor deputado do Porto perguntar por que é que não tínhamos incluído o porto dessa cidade. Penso, pois, que não se deve
fazer cavalo de batalha com essa questão.
O Sr. Deputado Reinaldo Gomes disse ainda que os custos são muitos e perguntou se os tivemos em conta. Pois tivemos, mas acima de tudo tivemos em conta que a vida dos trabalhadores, neste caso a vida dos pescadores, não tem qualquer preço.

O Sr. Reinaldo Gomes (PSD): - Eu disse isso!

O Orador: - E com isto respondi a uma questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Saias.
Em relação ao Sr. Deputado José Vitorino, devo dizer que não estava à espera que, em relação a uma questão tão séria com a que estamos a discutir, na minha intervenção tenha dito alguma coisa que o chocasse tanto. Não estava à espera disso - o Sr. Deputado queimou-se e isso é lá consigo, o problema é seu -, não estava à espera de uma provocação anticomunista!
Mesmo assim, se lhe for possível, há-de mencionar-me a parte da intervenção com a qual ficou tão ofendido.
Relativamente à questão de não termos avançado com os portos de Olhão ou de Portimão, a resposta é no mesmo sentido da que dei ao Sr. Deputado Reinaldo Gomes.
Ao Sr. Deputado Luís Saias também podia responder da seguinte forma: não respondo a nenhuma das questões que me colocou porque, de há uns tempos a esta parte, as suas intervenções, aqui, são de uma baixa qualidade ...

Vozes do PSD: - Vejam lá! ...

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Ah! ..

O Orador: - O Sr. Deputado Igrejas Caeiro não gostou!? Olhe, é lá consigo! Esta é a minha opinião.
De qualquer maneira, o Sr. Deputado Luís Saias perguntou-me se tivemos em conta a última Convenção Internacional de Salvaguarda da Vida Humana no Mar. Sr. Deputado, nessas convenções é muito raro conter-se uma cláusula que tenha realmente a ver com a salvaguarda da vida humana dos pescadores. Quase sempre - e o Sr. Deputado sabe-o - estas convenções são voltadas para os interesses dos trabalhadores da Marinha Mercante e dos navios do alto-mar e não têm nada a ver com a nossa pesca artesanal, com a pesca da sardinha.
Devo dizer-lhe que, efectivamente, falei em rebocadores salva-vidas e penso que na minha intervenção sou claro ao abordar essa questão.
Dir-lhe-ei ainda que tenho em conta o número de embarcações que existe no País. Mas o Sr. Deputado também se está a esquecer que o nosso projecto avança com as balsas pneumáticas para embarcações com mais de 12 tripulações. E diga-me lá, Sr. Deputado, qual é a embarcação com mais de 12 tripulantes que custe menos de 2000 ou 3000 contos?!
As embarcações a que o Sr. Deputado se refere, a custarem menos de 1000 contos, são para 2 ou 3 tripulantes - ou, vá lá 4 ou 5. Com 12 tripulantes quase todas são embarcações a partir dos 14 000 ou 15 000 contos.

Srs. Deputados, penso que, no fundamental, respondi às questões que me foram colocadas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Na realidade fiquei triste e extremamente impressionado com a terrível ingratidão que aqui foi revelada para com a Marinha de Guerra portuguesa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ingratidão?! ...

O Orador: - Eu próprio fui testemunha de sacrifícios extraordinários feitos pela Marinha de Guerra em prol da defesa, da busca e do salvamento de pescadores, quer no litoral português, quer nos Açores. A Marinha de Guerra conta com algumas vítimas no exercício dessa generosa actividade e é lamentável que haja um deputado, que parece estar muito ligado aos problemas da pesca, que aqui, perante esta Câmara, pronuncie palavras tão cheias de ingratidão, de ignorância e não sei que outros sentimentos posso exprimir mais.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Realmente não sabe!

O Sr. Vidigal Amaro (PPC): -0 Sr. Deputado deve ser pescador de anzol!

O Orador: - Felizmente que a grande maioria dos pescadores não é desta opinião e eu próprio fui testemunha de como eles lamentaram, outrora, a falta da assistência da Marinha de Guerra nos «bancos» da Terra Nova, quando o navio Gil Eanes foi retirado à Marinha para ser entregue a nova organização diferente da Armada.
Entretanto, só queria dizer que em relação ao Instituto de Socorros a Náufragos é extraordinário que se diga que ele só serve para «salvar mortos», porque os números deste ano, e que tenho aqui, dizem isto: em 1983 houve 112 saídas dos navios salva-vidas para o mar; foram salvas 148 vidas só em 9 meses; foram assistidas 1348 embarcações e foram salvas 43. Infelizmente há a lamentar até agora 9 mortos.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.

O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Sr. Deputado Ferraz de Abreu, eu não disse absolutamente nada que pudesse ofender os grandes homens que são os nossos marinheiros.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Então não sabe o que está a dizer!

O Orador: - Simplesmente, não estão em causa os sacrifícios que os nossos marinheiros fazem. O que está em causa é o facto de saber se eles têm ou não qualquer obrigação. Tudo aquilo que os marinheiros fazem fazemos nós, pescadores, uns aos outros. Nós próprios, pescadores, temos salvado mais camaradas nossos do que os marinheiros, embora não seja isto o que está em causa.

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Como já disse, o que está em causa é que não existe uma estrutura de apoio à segurança dos pescadores no mar. Este é que é o problema, Sr. Presidente e Srs. Deputados.

Aplausos do PCP.

Quanto ao Instituto de Socorros a Náufragos, também não disse que ele se limitava a salvar mortos. O que eu disse foi que este Instituto, na sua prática diária, tem a sua actividade ligada ao salvamento de turistas e de banhistas - e com isto não pretendo ofender os turistas, os banhistas ou os nadadores-salvadores.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Os números que eu citei referem-se a salvamentos em alto-mar!

O Orador: - Sr. Deputado, também tenho esses números. Portanto, sei donde é que eles são.
Simplesmente, a maioria dos salvamentos que referiu são salvamentos feitos em dias em que não há temporal, uma vez que os nossos barcos salva-vidas não estão equipados para saírem para o mar quando há mau tempo. Há nesta Assembleia algumas pessoas que conhecem tão bem com eu o problema dos portos de pesca e o problema dos nossos barcos salva-vidas, que não estão bem equipados e não têm segurança para saírem das barras ou dos portos quando há temporal para poderem salvar as embarcações em perigo. Este é que é o problema.
Os números que o Sr. Deputado citou são relativos a acidentes de embarcações quando se verifica bom tempo, tais como fogos a bordo, etc. Contudo, o que nós pretendemos é que surjam soluções que garantam os meios de salvamento com qualquer tempo. Este é que é o problema.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, fazemos agora o nosso intervalo regimental.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente. - Srs. Deputados, está reaberta
a sessão.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Entretanto, tomou assento na bancada do Governo o Sr. Ministro da Justiça (Rui Machete).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos continuar com a discussão da proposta de lei n.º 49/III, que concede autorização ao Governo para proceder à revisão da matéria constante do capítulo v do Estatuto Judiciário (Mandato Judicial).
Da anterior sessão ficaram inscritos para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado José Luís Nunes os Srs. Deputados Lino Lima e Odete Santos. Como o Sr. Deputado José Luís Nunes não se encontra neste momento na sala, pergunto aos Srs. Deputados se, apesar disso, pretendem formular os pedidos de esclarecimento.

A Sr. Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, seria possível saber se o Sr. Deputado José Luís Nunes estará ou não presente à discussão de hoje? É que já lhe foi solicitado um pedido de esclarecimento e gostaríamos de ouvir a resposta, uma vez que pretendemos solicitar-lhe mais alguns esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Vou procurar saber, Sr.ª Deputada.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, também eu tinha solicitado a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Luís Nunes. Por isso, corroboro a intervenção da minha camarada Odete Santos no sentido de solicitar da Mesa a informação ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não tinha referido a sua inscrição porque era entendimento da Mesa de que V. Ex.ª já tinha formulado os pedidos de esclarecimento. Contudo, porque assim não foi, fica registada a sua inscrição.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, eu estou inscrito para uma intervenção, muito curta, aliás. Contudo, não gostaria de interromper o diálogo com o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para que o Plenário não interrompa os seus trabalhos, VV. Ex.ªs levarão a mal que o Sr. Deputado Nogueira de Brito faça a sua intervenção e que, quando o Sr. Deputado José Luís Nunes estiver presente, se prossiga com os pedidos de esclarecimento?

Pausa.

Visto não haver objecções, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Estamos neste momento a debater o pedido de urgência que o Governo solicitou relativamente à proposta de lei de autorização legislativa.
Em primeiro lugar, cabe-me registar o facto de o Sr. Ministro da Justiça ter aparecido a solicitar a presente autorização legislativa com a apresentação do projecto de diploma que se propõe publicar no seu uso. Muito embora se trate de mérito imputável em parte à Ordem dos Advogados, convém assinalar a prática e fazer votos para que não deixe de ser seguida no futuro, abandonando-se de vez a atitude de menor consideração pela Assembleia da República que este governo tem vindo até agora a adoptar.
Alguns dos deputados que intervieram já neste debate falaram, a propósito, de cortesia. Não me parece que se trate da expressão adequada. Não gostaria de a ouvir novamente para qualificar actos do Governo que mais não representam do que o respeito pela instituição parlamentar e o interesse pelo seu funcionamento correcto e eficaz. Se há cortesia, então, Sr. Presidente e Srs. Deputados, será o mínimo de cortesia

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indispensável ao correcto relacionamento do Governo com esta Assembleia. Nada mais do que isso.

Quanto ao fundo da questão, cabe-me fundamentalmente tentar desfazer alguns equívocos aqui levantados através do discurso da bancada do PCP sob a questão já suscitada pelo pedido de autorização feito pelo Governo.

O primeiro equívoco refere-se à questão que verdadeiramente nos ocupa neste momento, ou seja, à questão da urgência do pedido de autorização legislativa e não a qualquer outra. A utilização, mais ou menos rigorosa, de várias figuras regimentais permitiu, porém, que se discutissem vários outros temas, mas não verdadeiramente a questão da urgência.

O pedido de urgência solicitado transporta-nos desde logo ao tema fundamental da autonomia. A questão que verdadeiramente se coloca é a da extensão da intervenção da Assembleia e do Governo neste domínio, actuando este no uso da autorização que lhe venha a ser concedida por aquela.
O CDS é a favor, sem qualquer preconceito corporativo, da autonomia dos advogados na criação das normas respeitantes à sua organização, que é a Ordem dos Advogados, bem como daquelas que constituem o ordenamento disciplinar respeitante ao exercício da sua profissão.
Simplesmente o CDS, continuando sem qualquer preconceito corporativo, entende que tal autonomia tem limites, que são os decorrentes da natureza publicística da actividade dos advogados enquanto colaboradores directos na realização da justiça, função essencial que ao Estado cabe cometer.
Em homenagem precisamente à autonomia, o meu partido aceita que a Ordem apareça aqui a propor, ela própria, a alteração da sua lei interna, ou seja, dos normativos que no Estatuto judiciário se referem à organização dos advogados e à salvaguarda da deontologia da profissão e da disciplina destinada a prossegui-la.
O CDS compreende também que a própria Ordem, no exercício da sua autonomia, apareça a pedir a urgência, que aqui nos é apresentada pela voz do Sr. Ministro da Justiça. Os próprios factos, se os considerarmos atentamente, justificam em nosso entender o pedido de urgência.
Já em 31 de Outubro de 1974, no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 572/74 - abundantemente citado pela bancada do PCP no decurso deste debate -, se reconheciam as deficiências que impunham a revisão global e urgente do Estatuto Judiciário, no seu capítulo v, respeitante ao Mandato Judicial. O processo de revisão iniciou-se, segundo creio, em 1977 e desde Janeiro de 1983 - como já foi sublinhado -, o projecto elaborado no âmbito da Ordem encontra-se à discussão pública entre os advogados.
Neste contexto, reconhecimento pelo Governo em 1974 da inadequação das normas do Estatuto Judiciário que integram o capítulo v e longo processo de revisão iniciado no âmbito da Ordem em 1977, compreende-se perfeitamente - e não pode deixar de se aceitar - a razão da urgência invocada pela Ordem e expressa aqui pelo Sr. Ministro da Justiça.
Atenta, porém, a natureza pública dos interesses prosseguidos pela mesma Ordem, como associação pública, terá esta Assembleia de se pronunciar sobre a autorização e tem a possibilidade de o fazer pronunciando-se concretamente sobre o texto que o Governo se propõe publicar no uso dessa mesma autorização. Portanto, esta Assembleia terá de se pronunciar em momento ulterior sobre os novos Estatutos da Ordem - chamemo-lhes assim.
Mas já não lhe caberá, em homenagem à autonomia, discutir o pedido de urgência - que é deste que se está a tratar neste momento -, sob pena de, contraditoriamente àquilo que foi repetidamente afirmado pelo PCP, não aceitarmos a autonomia e as razões invocadas pela Ordem.
A nós, parlamentares, cabe pronunciarmo-nos, isso sim, sobre a adequação do novo Estatuto elaborado no âmbito da Ordem, com os interesse públicos relacionados com a realização da justiça, que aos advogados cabe realizar no exercício da sua actividade ou da sua profissão.

Sobre a urgência da publicação do Estatuto que nos aparece proposto por um corpo eleito e legitimamente representante da Ordem, caberá - ao que suponho em homenagem a uma autonomia que ainda aqui foi discutida - aceitar as razões invocadas.
Aliás, este texto aparece-nos proposto por um corpo profissional prestigiado, que ao longo dos anos conseguiu manter a afirmar a sua independência perante sucessivos governos, perante sucessivos regimes, aparece-nos, portanto, proposto por um órgão deste corpo profissional legitimamente eleito de acordo com as normas cuja bondade foi aqui expressamente reconhecida já - que são as normas alteradas em Outubro de 1974 -, e, portanto, não vejo que haja qualquer razão para as discutir.
Porém, já me interrogo sobre as razões que presidem à ligação que aqui se tentou fazer, e que a bancada do PCP fez expressamente, entre a proposta feita pela Ordem dos Advogados, legitimamente representada pelo seu bastonário e pelo seu conselho geral, e as eleições que se aproximam.
Nada legitima essa ligação. Os advogados ainda não conhecem rigorosamente o panorama dessas mesmas eleições, não sabem rigorosamente - a não ser através de notícias das páginas dos jornais - quais as listas que se vão candidatar a essas eleições e não há nos novos estatutos alterações de monta à organização das eleições e do processo eleitoral que permitam concluir ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há, há!

O Orador: - Não há, não, Sr. Deputado José Magalhães!

Mas, como ia dizendo, não há alterações de monta à organização das eleições e do processo eleitoral que permitam concluir que o Estatuto servirá uma lista em detrimento de outra, que não sabemos qual é, por quem é chefiada, quem a integra e o que pretende realmente fazer na Ordem dos Advogados.
Suponho que o que se pretende ao fazer esta ligação, que considero abusiva, é exportar para a Ordem dos Advogados uma agitação e um clima de instabilidade que já se instalou noutros corpos sociais e que agora se pretende instaurar na Ordem dos Advogados!
É por isso mesmo que o meu partido votará a favor da urgência e quando discutir a autorização legislativa votará consoante entender e consoante o resultado da

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discussão que aqui se vai fazer do pedido de autorização legislativa.
É isto o que me cabe dizer neste momento, a título de curta intervenção, sobre esta matéria.

Aplausos do CDS.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Já ouvimos melhor da sua parte!

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, segundo penso para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Magalhães, Odete Santos, José Manuel Mendes, António Taborda, Hasse Ferreira e Correia Afonso.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando foi aqui invocada, pela bancada do CDS, a palavra equívoco a bancada do CDS acertou em cheio porque este processo está cheio de equívocos, do princípio até ao fim, e só é lamentável que o CDS - ou, porventura, isso até será compreensível - alimente esses equívocos em vez de os clarificar.
A urgência vai resolver o problema eminente que o Governo diz existir? Vai resolver?
O Sr. Ministro Almeida Santos dizia, quanto a esta autorização legislativa, que supunha que ela era por causa das eleições e, tendo-o dito improvisadamente, disse a verdade exacta.
A razão de fundo que aqui é colocada para a apresentação deste Estatuto é a necessidade de adaptar o regime eleitoral a normas constitucionais, diz-se. Mas, no entanto, nós sabemos que o regime que está em vigor tem servido nas eleições democráticas realizadas até agora e é ao abrigo dessas normas que os corpos gerentes actuais exercem os poderes que exercem. Ninguém contesta isso!
O regime que agora se pretende alterar vai ser alterado positivamente? A nossa resposta é não!
Se o Sr. Deputado ler o articulado que nos foi enviado - por dever do Governo, não por cortesia, como muito bem sublinhou - notará que se regride substancialmente. Querem impor-se restrições no acesso aos cargos em função da idade e exercício da profissão, mantém-se o voto obrigatório, quer-se permitir a reeleição do bastonário e, por outro lado, mantém-se o regime que não consagra representação proporcional nos órgãos.
Sr. Deputado, isto é grave porque lança a suspeição sobre o acto eleitoral, que devia decorrer regularmente sem que nenhuma sombra se projectasse sobre os actuais titulares dos órgãos da Ordem.
É lamentável que o Governo desencadeie uma operação nestes termos e este é o primeiro equívoco!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Segundo equívoco: diz-se que é preciso alterar o Estatuto, é preciso resolver o problema eleitoral e depois aparece-nos aqui um estatuto que mistura tudo. É preciso que o CDS responda claramente a esta pergunta: o que é para o CDS o artigo 267.º, n.º 3, da Constituição da República? Como é que interpreta esse normativo que faz decorrer para as associações públicas certas obrigações?

Entende o CDS que, o Governo ou qualquer deputado pode chegar aqui e propor um estatuto que regula simultaneamente os aspectos organizativos, as regras de exercício profissional, as regras deontológicas, o regime de fiscalização, o regime de exercício de certo tipo de actividades periféricas, proibições de concorrência, etc., etc.? 15to é possível, para o CDS, no nosso regime constitucional?
Que significado é que tem a autonomia relativa das entidades privadas nesta esfera? Como é que pode impor-se, designadamente, a obrigação de inscrição e outras coisas pressupostas neste articulado?

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - Terceiro equívoco: não embarcar nesta operação é um imperativo de salvaguarda do prestígio de todas as associações públicas, incluindo a Ordem dos Advogados, porque, Srs. Deputados do CDS, a Assembleia da República não pode exportar para sítio nenhum a inquietação, a instabilidade! É o Governo que está a intervir na vida interna de uma associação e, assim, a fomentar a instabilidade!
O Governo quer que aprovemos antecipadamente o programa eleitoral de uma lista em gestação ...

Vozes do CDS: - Não apoiado!

O Orador: - ... mas isso nós não faremos nunca, nem o poderíamos fazer!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que devemos exportar, Srs. Deputados do CDS, o que é urgente exportar para as associações públicas é a Constituição! Devemos adaptar as associações públicas às normas constitucionais e, Srs. Deputados do CDS, nós queremos, e vamos continuar a querer, fazer essa exportação!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, V. Ex.ª pretende responder já ou no fim?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Prefiro responder no fim, em conjunto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, são apenas 2 ou 3 as questões que lhe quero colocar, mas começarei por dizer que o Sr. Deputado se contradisse na sua própria intervenção, porque tendo começado par dizer que a Ordem dos Advogados tinha autonomia para elaborar as suas normas de organização e funcionamento interno, admitiu logo a seguir que era legítimo ao Governo publicar um decreto-lei contendo essas normas organizativas, e isto é a negação da própria autonomia!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Autonomia não é um diálogo entre cargos directivos da Ordem dos Advogados e Ministro

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da Justiça, como, aliás, o Sr. Deputado José Luís Nunes disse e disse mal!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - O que quer dizer esta autonomia é que é a assembleia geral ou o Congresso dos Advogados Portugueses que vai discutir e deliberar qual será o seu estatuto, apenas obedecendo a princípios básicos que o Governo deve definir na lei de bases.

Mas como a urgência pedida tem alguma coisa a ver com o próprio fundo da questão e como no articulado do pedido de urgência se fala em consolidar o sistema democrático, queria perguntar-lhe se o Sr. Deputado acha democrático e está de acordo que no caso de penas disciplinares, como a suspensão, que pode ir até 10 anos, os advogados não tenham o direito de recorrer aos tribunais judiciais? E pergunto-lhe também se, no caso de recusa de inscrição pela Ordem, está de acordo que as pessoas que se pretendem inscrever como advogados estagiários ou como advogados não possam recorrer aos tribunais! 15to é consolidar o sistema democrático?

Queria também perguntar-lhe se considera realmente urgente e um modo de consolidar o sistema democrático que se preveja neste projecto de estatuto uma forma nova, que é a cooptação. O bastonário está impedido, morre ou renuncia e os membros dos órgãos directivos eleitos fazem uma cooptação, podendo até cooptar advogados, que não foram eleitos. Será isto democrático?

Enfim, para terminar, queria perguntar-lhe o seguinte: será que o Sr. Deputado também entende que uma associação pública é uma não associação?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito começou por fazer a defesa do indefensável, ou seja, do debate amplo e detalhado sobre todas estas matérias na Ordem dos Advogados - que não houve, como é do conhecimento público - e da coonestação de uma afirmação ontem aqui produzida pelo Sr. Ministro, segundo o qual toda este processo já tem barbas, tem uma longa história.
História pode ter, mas é uma história de insuficiências, de precariedades, de não discussão ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... pelo que chegamos ao dia 5 de Janeiro de 1984 e bem podemos dizer que estamos a travar um debate à revelia do conhecimento concreto e aprofundado por parte da Ordem dos Advogados da generalidade das soluções contidas no articulado que o Governo juntou ao pedido de autorização legislativa que aqui nos trouxe.

A pergunta é óbvia: que debate houve? O Sr. Deputado Nogueira de Brito sente-se satisfeito com o debate que não existiu? pensa que é assim que se deve produzir a alteração dos estatutos de uma Ordem dos Advogados?

I SÉRIE - NÚMERO 59

Segunda questão: o Sr. Deputado disse que o que de momento estávamos a discutir era o pedido de urgência e não qualquer outra matéria.
Gostaria de saber se é possível, ou pelo menos desejável, discutir um pedido de urgência em abstracto. E, para provar que essa urgência não existe, pergunto se é ou não fundamental, curial e justo que se vá ao fundo do problema para provar, com inteira clareza, que não é nada urgente debater isto aqui, nas condições em que o estamos a fazer. Bem pelo contrário! É urgente que se tome a decisão de remeter à classe o debate aturado de todos estes problemas, para que depois - e não em função de um meio expeditivo como o que o Governo aqui nos traz - possamos também aprofundar todas estas questões.
Por outro lado, sobre o fundo da questão, o que é que o CDS disse de novo? Teremos que concluir que, no essencial, nada ou quase nada!
O Sr. Deputado Nogueira de Brito vem afirmar que é falso, que é ilegítimo, que é impertinente, que o PCP diga, como diz, que a atitude do Governo é uma clara intromissão num acto eleitoral em apoio de uma dada facção numa ordem como é a Ordem dos Advogados. Ora, eu pergunto-lhe se é ou não verdade que o articulado que vem anexo ao pedido de autorização legislativa consagra - por mero acaso talvez -, em domínios como os da organização, do acesso à profissão, da regulamentação eleitoral, de acesso ao direito, de obrigatoriedade de inscrição, etc., justamente as teses de uma determinada facção em confronto, concretamente de uma dada lista dentro da Ordem dos Advogados?
Sabe ou não isto, Sr. Deputado? Sabe que o que está consagrado no projecto que nos foi presente, quanto à reelegibilidade do bastonário, quanto à não consagração da regra da proporcionalidade para eleição dos diferentes órgãos da Ordem dos Advogados, é exactamente a posição de um determinado conjunto de advogados dentro da Ordem?
Bom, Sr. Deputado, vamos ter tempo para discutir todas estas coisas, mas, a propósito de estabilidade e de não estabilidade, dir-lhe-ei ainda que o que verdadeiramente destabiliza é a forma precipitosa de, em cima de disputas eleitorais, vir aqui discutir aquilo que deveria ser discutido noutros lugares e noutras ocasiões.
Finalmente, e para que a paciência do Sr. Presidente se não esgote com o tempo a mais que estou a usar ...

O Sr. Presidente: - Não se esgotará nunca, Sr. Deputado.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Ainda uma última questão: onde é que está a tão apregoada, pelo CDS, libertação da sociedade civil, ao longo das palavras do Sr. Deputado Nogueira de Brito?
Suponho que o coração do Sr. Deputado Nogueira de Brito oscila entre a libertação da sociedade civil e o corporativismo, e essa é mais uma explicação que terá que nos prestar aqui, ao longo deste debate, e, sobretudo, depois da intervenção - permita-me que lhe diga - algo descolorida que acabou de produzir.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

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O Sr. António Taborda (MDP/CDE):- O Sr. Deputado Nogueira de Brito hoje veio, finalmente, dar algum calor a esta discussão que estava muito morna. E veio indicar desde já o sentido de voto do CDS, de total acordo com a urgência requerida pelo Governo.

Assim, o primeiro ponto que eu gostaria de assinalar é a oposição sistemática do CDS a este Governo.

Bem, deixemos isso! O Sr. Deputado disse que o CDS é a favor da autonomia dos advogados, só que a autonomia tem limites devido à actividade publicista do advogado.

Pois bem, Sr. Deputado, fundamentalmente o que lhe pergunto é se o CDS, dentro deste esquema de pensamento, não entende que a actividade do advogado é, por um lado, privada e, por outro, pública, ou melhor, publicista, como lhe chamou, e se nestes 2 tipos de actividade não existem igualmente - digamos assim- 2 tipos de ordenamento jurídico. 15to é, se na parte pública a actividade do advogado deve ou não ser regulamentada pelos órgãos de soberania deste país, designadamente pela Assembleia da República, e se na parte privada, ou seja, quanto ao direito de associação que todos os cidadãos e todas as classes devem ter, os advogados não têm esse direito, puramente privado, sem a intervenção dos poderes públicos.

15to para perguntar se entende ou não que o essencial neste caso da Ordem dos Advogados, como em todas as outras ordens, não é, em primeiro lugar, regulamentar o artigo da Constituição que criou as associações públicas, artigo esse que foi sugerido por vários deputados e teve o acordo total do CDS. É que este artigo é fundamental para a presente questão, tanto mais que - e é este o meu ponto de batalha o projecto de decreto-lei que aqui vem junto ao pedido de autorização legislativa refere expressamente que posteriormente os advogados, em congresso, deverão aprovar os seus estatutos.

Como é que concilia estes 2 aspectos?

Por último, o Sr. Deputado afirmou peremptoriamente que não há nos novos estatutos alterações de monta. Ora o Sr. Deputado sabe perfeitamente qual é a única alteração que interessa a V. Ex.ª, à sua bancada e aos advogados que ela apoia e sabe também perfeitamente que actualmente, pela lei eleitoral, o bastonário não pode ter mais do que 1 mandato.

Por outro lado, afirmou igualmente que não havia listas. É evidente que não há listas oficiais, pois ainda não foram entregues, uma vez que ainda não abriu o período eleitoral. Mas a verdade é que todos os advogados deste país sabem que estão em gestação 2 listas, uma apoiada pela direcção da Ordem dos Advogados e outra constituída, ou a constituir, por outros advogados que não estão directamente relacionados com aquela direcção. E o Sr. Deputado sabe que são os advogados que estão relacionados com a lista apoiada pela direcção da Ordem dos Advogados que têm todo o interesse e fazem pressão para que se aprove este novo estatuto, este exactamente e tal qual como está.
Por isso não vejo, por um lado, onde é que há agitação quando se pretende em primeiro lugar elaborar a Lei de Bases das Associações Públicas e depois sim, enquadrados nesta lei de bases, fazerem-se os estatutos desta Ordem e das outras ordens e, por outro lado, como é que uma actuação deste tipo não é interferir directa e descaradamente nas eleições da Ordem dos Advogados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Eu iria ser muito breve, mas aprecio tanto as intervenções do Sr. Deputado Nogueira de Brito que não resisto a fazer-lhe umas perguntas, embora, como saiba, não seja jurista.
Ora, vamos aos factos, vamos às questões. Em primeiro lugar quero fazer um comentário: é que quando o Sr. Deputado falou na desordem instalada noutros corpos sociais, porque não sei a que ordem se queria referir, interpretei-a como sendo a Ordem dos Médicos, mas o Sr. Deputado corrigirá, caso efectivamente não seja esse o ponto que focou.
Por outro lado, V. Ex.ª disse, se bem o entendi, que em momento ulterior se discutiriam os estatutos e o que não entendi claramente é onde é que se situava esse momento ulterior de discussão pela Assembleia da República dos estatutos da Ordem.
Uma outra questão que lhe quero pôr é a seguinte: o Sr. Deputado referiu, quando foi interrompido com um aparte da bancada do PCP, que as alterações no processo eleitoral não são significativas. Mas então, não sendo significativas, ou não considerando o Sr. Deputado essas alterações significativas no processo eleitoral, por que é que estas alterações aparecem com este carácter de urgência num período - digamos - pré-eleitoral?
E esta questão liga-se com outra pergunta, que é a seguinte: esta proposta aparece no Plenário acompanhada de um pedido de urgência formulado pelo Governo pelas razões que o Sr. Ministro da Justiça aqui aduziu na anterior sessão e, portanto, a partir daí, é compreensível quase todo o comportamento dos deputados. Assim, os deputados dos partidos governamentais apoiaram o pedido de urgência que acompanhava a proposta governamental e os deputados do PCP opuseram-se, mas alguma surpresa poderia vir da intervenção de V. Ex.ª E a propósito, a pergunta que lhe quero formular é a seguinte: V. Ex.ª apoia este pedido de urgência por que é o Governo que o propõe? V. Ex.ª apoia-o por que, conforme disse o Sr. Ministro da Justiça, se bem ouvi, são os actuais corpos gerentes da Ordem dos Advogados que o solicitam? Ou V. Ex.ª apoia este pedido de urgência por outras razões?
Será que são tão-pouco conhecidos os contornos das eventuais correntes ou listas que se organizaram para disputar os corpos gerentes da Ordem ou será que V. Ex.ª sabe muito mais do que a sua modéstia aqui apresentou como relativamente ignorante quanto aos assuntos da Ordem dos Advogados?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, eu arrisco-me a destoar destes pedidos de esclarecimento que me antecederam, na medida em que todos eles extravasaram a área em que nos devíamos situar, que é a da urgência.

0 Sr. Narana Coissoró (CDS): - Exactamente!

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O Orador: - E arrisco-me a ir mais longe ao emitir um juízo no sentido de que a sua intervenção foi efectivamente a primeira positiva sobre esta matéria, embora também deva acrescentar que teve o desmérito de provocar todos estes pedidos de esclarecimento que se situaram fora da «mesa de jogo». Mas no que acabou de nos dizer houve efectivamente um lapso ou um equívoco que julgo ser urgente esclarecer.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito referiu, e eu estou de acordo, que a autonomia tem limites, que deverá ser o Governo a não abdicar do direito de controlar essa autonomia e - acrescento eu - a determiná-la de acordo com o interesse colectivo. Continuo a concordar com estas afirmações, simplesmente V. Ex.ª introduziu repetidamente a Ordem dos Advogados como se tivesse sido ela a tomar a iniciativa desta autorização legislativa e a provocar o debate que estamos a iniciar, e com isso não posso concordar.
Creio que houve um lapso que gostaria de ver corrigido, não porque a Ordem não fosse capaz, em termos de facto, de tomar esta iniciativa legislativa, mas em termos de direito parece que isso não é possível. Ora o Sr. Deputado Nogueira de Brito, e é preciso que o diga, sabe com certeza que a Ordem dos Advogados mergulha as suas origens no século XVI, numa confraria da Casa da Suplicação, e não é, portanto, propriamente, digamos, uma «cristã nova» nas associações de classe.
Sabe também V. Ex.ª que em 1838 surgiu claramente uma associação dos advogados de Lisboa que, com a maior proximidade, é a antecessora da Ordem dos Advogados.
Sabe tudo isto com certeza e por isso espero que saiba também que a Ordem dos Advogados, em termos constitucionais, não pode tomar a iniciativa de vir aqui pedir uma autorização legislativa, e dize-lo dessa forma ou é efectivamente uma injúria dirigida ao Governo ou é um lapso de que espero rectificação.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito tem a palavra para responder, se o desejar.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Já não lhe posso conceder a palavra para pedir esclarecimentos, Sr. Deputado Lino Lima. Aliás, dei-me ao cuidado de enunciar todos aqueles que haviam pedido a palavra para pedir esclarecimentos, cuja inscrição só pode ser feita logo após a intervenção.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, não é meu hábito pôr em causa as decisões da Mesa quando elas não implicam a violação dos direitos dos deputados. Mas neste caso implica, não por má fé da Mesa, mas porque, efectivamente, ela não terá tido oportunidade, atempadamente, de se dar conta do seguinte: no momento em que me inscrevi fiz sinal, talvez inexplícito, mas de todo modo veemente, para que também fosse inscrito o meu camarada Lino Lima, apontando concretamente a sua cabeça, pelo que ele foi inscrito em tempo próprio. O Sr. Presidente não terá nenhuma razão objectiva ou subjectiva para duvidar da minha palavra e, deste modo, a interpelação que fazia era justamente no sentido de saber se considera que o meu camarada deve ou não usar da palavra depois da explicação que dei.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Mendes há que tomar em consideração que tive o cuidado de, no final de todas as inscrições, repetir os nomes dos deputados para ver se porventura teria havido algum lapso da parte da Mesa. E, efectivamente, depois de eu ter enunciado todos quantos haviam formulado o pedido de inscrição para pedirem esclarecimentos, onde não estava inscrito o Sr. Deputado Lino Lima - aliás, com muita pena minha, porque bem gostaria de o ouvir -, o que é certo é que não houve qualquer reclamação, pelo que, se me derem licença, usando até uma expressão forense, esse caso transitou em julgado e julgo que não seria muito ortodoxo estar agora a abrir um precedente.
V. Ex.ª desculpará.
Tem então a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para responder.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Lino Lima, por mim, é evidente que teria muito gosto em responder também à sua questão.
Quero desde já comentar a pergunta que me foi feita pelo Sr. Deputado Correia Afonso. É que eu congratulo-me por a minha intervenção ter provocado este número de pedidos de esclarecimento. Agradeço-lhe muito a sua palavra de elogio à minha intervenção, mas devo dizer-lhe que me congratulo por ela ter provocado todos estes pedidos de esclarecimento.
Não será nunca um motivo que me levará nesta Câmara a não intervir o de tentar procurar parar os pedidos de esclarecimento ou parar alguma discussão quando efectivamente eu ou o meu grupo parlamentar, quando eu o represento, não nos sintamos completamente esclarecidos.
Ora, Srs. Deputados, tenho a impressão de que posso responder a todos em conjunto porque as questões que me põem são as mesmas. De qualquer maneira, em relação ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, que é deputado pelo mesmo círculo eleitoral que eu próprio, devo dizer-lhe que o pouco brilho da minha intervenção é de facto ...

O Sr. Jerónimo de - Sousa (PCP): - Governamentalizado!

O Orador: - Não, não, não o entendo como tal. Eu proeuro fazer intervenções independentes. Esta bancada quando está de acordo com o Governo não tem qualquer espécie de complexo em manifestá-lo e quando está em desacordo também o diz.
Quanto ao brilho da intervenção, eu não tenho com efeito as qualidades literárias e o casticismo de linguagem que costumam ornamentar as intervenções de V. Ex.ª, mas isso é um defeito permanente de que realmente tenho de me lamentar.

Risos.

Mas o que aqui se questionou foi fundamentalmente o seguinte: o Sr. Deputado Nogueira de Brito entende

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que esta foi a melhor maneira de dar cumprimento aos artigos 167.º, alínea s), e 267.º da Constituição?
Devo dizer-lhe que não me estou a pronunciar sobre a correcta ou incorrecta metodologia do Governo no cumprimento que haveria de dar a estes normativos. Felizmente já temos a iniciativa do PCP para integrar e suprir a falta de iniciativa do Governo e brevemente suponho que nos vamos poder pronunciar sobre uma lei quadro das associações públicas. Confesso que também achava mais correcta a elaboração, em primeiro lugar, de uma lei quadro da qual depois decorreriam regulamentações específicas para cada uma das associações. Mas também acho que aquilo que permite qualificar de correcto o procedimento do Governo é o facto de não tentar emendar uma lacuna com um gravame feito à Ordem dos Advogados. Pelo facto de o Governo ter cometido o lapso de não ter trazido aqui uma proposta de lei das associações públicas, seria um gravame recusar a urgência que lhe era apresentada pela Ordem dos Advogados e não trazer aqui o projecto de estatutos que lhe foi apresentado pela mesma Ordem. Sr. Deputado Correia Afonso, foi nesse sentido que falei na iniciativa da Ordem dos Advogados. A Ordem dos Advogados não tem poder de iniciativa nesta Câmara, mas o Sr. Ministro da justiça foi muito claro ao dizer que a iniciativa que o Governo trazia a esta Câmara era o resultado da iniciativa da Ordem e a homenagem que o Governo e esta Câmara, dando sequência à iniciativa do Governo, podiam prestar à autonomia da Ordem. É nesse sentido que entendo a autonomia da Ordem. Não significa que a Ordem tenha iniciativa nesta Câmara, mas significa que ela tem o poder de propor ao Governo - e propõe por força dos dispositivos do artigo 167.º e 277.º da Constituição, e aí respondo à Sr.ª Deputada Odete Santos - que ele tome a iniciativa nesta Câmara.
Depois de elucidada esta primeira questão, suponho que há uma grande confusão. Há um atentado enorme que se faz à autonomia da Ordem, depois de se defender aqui tudo e mais alguma coisa em nome dessa autonomia. Primeiro, confunde-se o bastonário e um conselho geral, eleitos correctamente, com uma lista da Ordem dos Advogados, e diz-se: é uma facção concorrente às eleições que nos apresenta este projecto. Mas não é, Srs. Deputados. É a Ordem dos Advogados, através dos seus órgãos representativos, que nos apresenta este projecto e apresenta-o em razões de urgência que radicam na adequação da parte do Estatuto Judiciário, respeitante ao exercício do mandato judicial, reconhecida expressamente num decreto-lei de 1974. E tem autoridade e legitimidade para o fazer. Procurarmos ingerir na Ordem dos Advogados e dizer que os seus corpos eleitos são uma lista concorrente às eleições e ingerência na Ordem. 15so é que é ingerência, o que não faço.
Digo, aliás, Srs. Deputados, que intervenho neste debate com relutância, porque sou advogado e membro da Ordem. E desde já faço uma ressalva: intervirei em tudo menos no que respeite às incompatibilidades definidas pela Ordem dos Advogados, porque não me sinto com legitimidade nem com autoridade - apesar de aqui representar uma fracção do povo português para intervir. Estão em causa, porventura, interesses meus, e nessa matéria não intervenho. Mas intervenho no resto e intervenho aqui em defesa da Ordem, porque VV. Ex.ªs estão a atentar contra a autonomia da Ordem. Estão a qualificar e a confundir os corpos gerentes eleitos com listas da Ordem, estão a dizer que a Ordem não se pronunciou suficientemente sobre este projecto de estatutos, e isso é ingerência na actividade da Ordem. A Ordem teve oportunidade de se pronunciar, a Ordem teve em discussão pública, dentro da organização estes estatutos. Assim, não podemos qualificar como deficiente a pronúncia dos advogados. Se não estaremos a pronunciar-nos e a qualificar a actuação da Ordem dos Advogados, que é um corpo social prestigiado.
Queria terminar dizendo ao Sr. Deputado Hasse Ferreira que me não queria referir à Ordem dos Médicos - e não preciso de lhe dizer a quem é que me queria referir.
E suponho que estão dadas as respostas aos pedidos de esclarecimento que me foram formulados.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para protestar, os Srs. Deputados Odete Santos, Hasse Ferreira, Lino Lima, José Magalhães e Leonardo Ribeiro de Almeida.
Tem a palavra a Sr.ª Deputado Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, quero protestar, nomeadamente, em relação às suas afirmações de que estaríamos aqui a ingerir nos assuntos da Ordem. E quero protestar porque a nossa posição é a seguinte: só os advogados em congresso - e o único que houve e que definiu os princípios dos estatutos da Ordem realizou-se em 1972 - podem decidir sobre esses estatutos. Não tem o Governo que, através de um decreto-lei, fazer o estatuto da Ordem dos Advogados.
Creio que o Sr. Deputado ainda não percebeu isto. Aliás, isto não é uma coisa que venha só do próprio congresso da Ordem dos Advogados, porque se o Sr. Deputado lera a comunicação do Sr. Dr. José Magalhães Godinho sobre a questão dos estatutos da Ordem encontrará a seguinte posição: «compreende-se, admite-se e justifica-se que os estatutos da Ordem e os seus diferentes regulamentos tenham de obedecer a uns tantos princípios básicos. Mas isso não pode significar que seja à Ordem, através dos seus órgãos, que caiba, em desrespeito por esses princípios básicos e com total independência, rever e alterar os seus estatutos e regulamentos».
15to era dito no primeiro congresso dos advogados e é esta posição que temos estado a defender, porque é a posição de não ingerência nos assuntos da Ordem. Depois de estar aprovada a lei de bases e de os advogados, em congresso, aprovarem os seus estatutos, então, se for necessário, terá de haver novas eleições para a Ordem dos Advogados, de acordo com os novos estatutos.
Onde é que está aqui o tomar posição por uma lista, Sr. Deputado? Se admitimos que o mandato que agora se devia iniciar é um mandato transitório até à aprovação dos estatutos, de acordo com a lei de bases, quem é que toma partido? Somos nós ou os senhores que querem a alteração das regras do jogo, neste momento, antes das eleições?
Era em relação a isto que eu queria protestar, bem como em relação à participação dos advogados na discussão deste projecto de estatuto. Gostaria de ler-lhe um editorial do bastonário publicado no Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 3, pois, assim, veríamos

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qual a participação dos advogados nos assuntos da Ordem. Todavia, como não tenho tempo para o fazer, digo-lhe que numa sessão sobre a revisão constitucional e independência dos magistrados está escrito pelo Sr. Bastonário o seguinte: «estavam presentes cerca de 120 magistrados, 100 estagiários e 7 advogados convocados, sendo 4 dos corpos directivos da Ordem». Não conclua daqui, Sr. Deputado, que os advogados não estão interessados no estatuto, porque não é isso. E a estrutura corporativa da Ordem que tem afastado os advogados da sua associação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Pensei que o Sr. Deputado perfilhava, efectivamente, o ponto de vista, que já tenho visto expresso, de que a actuação da Ordem dos Médicos em vários casos estava a ultrapassar as suas próprias capacidades e competências legais. Parece que não é isso, e embora possa vislumbrar a que corpo social se refere, mantém-se a minha dúvida. Portanto, o meu protesto é no sentido de não ter ficado completamente esclarecido sobre qual era a intenção da sua afirmação.
Quanto à questão eleitoral, não se põe em dúvida a legitimidade dos corpos gerentes da Ordem dos Advogados. O problema é, efectivamente, diverso. Toda a gente sabe que até há uma maneira de os governos interferirem, por exemplo, em eleições que se realizam noutros países. Em determinadas circunstâncias pré-eleitorais assinam certos acordos, efectuam visitas de Estado ou adiam essas visitas, nomeiam ou retiram embaixadores, etc. Também neste caso não se está a pôr o problema em termos legais, mas em termos da elegância, se quisermos assim, ou da correcção política de se apresentar desta forma um pedido de urgência. Neste caso não é o facto de o projecto ser apresentado - o Sr. Ministro da Justiça já o apresentou -, mas da compreensão das razões por que a sua bancada apoiou este pedido de urgência, razões que me parecem ficar relativamente clarificadas. O que não ficou clarificado foi a altura em que o Sr. Deputado quereria discutir os estatutos. Se bem entendi, fez a seguinte referência: em momento ulterior, discutir-se-ão os estatutos. E continuo sem perceber qual é, efectivamente, o momento ulterior em que o Sr. Deputado quer discutir os estatutos.
Começa-se-me a fazer luz sobre as razões por que apoiou a urgência, mas essa luz não é talvez suficiente para nos iluminar a todos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, consideramos lamentável que todo o processo que nos levou a este ponto tenha começado como começou e esteja onde está neste momento.
Os corpos gerentes cessantes da Ordem dos Advogados, ao fazerem a proposta que fizeram, geraram esta situação, mas é o Governo - e é ao Governo que nos dirigimos - que é responsável por ela ter chegado ao ponto a que chegou.
Porque existem protestos na classe por causa desta proposta. Leia o Sr. Deputado as declarações sobre a matéria que têm surgido na imprensa. Aliás, não nos pronunciámos sobre elas porque não temos de nos pronunciar.
O processo está todo inquinado e pode ter consequências gravíssimas para a estabilidade e regularidade do funcionamento da Ordem, para a unidade e coesão da própria classe e para o processo de edificação de uma associação pública, caracterizada pelos princípios que a Constituição aponta. O processo está inquinado, e o Sr. Deputado reconhece-o ao dizer que se devia ter, primeiro, aprovado uma lei de bases das associações públicas. Só que não tira daí as conclusões.
Um segundo aspecto: o Governo não é uma caixa de correio. E o Governo de Portugal, não é o Governo de uma ordem de advogados. Portanto, tem o dever de fazer um juízo, sobretudo quando o caso for melindroso, como este é. O Governo comportou-se aqui como uma caixa de correio que nos debitou no Plenário esta encomenda, que é péssima. E nós criticámo-lo e vamos continuar a criticá-lo. Por isso dizemos: arrepie-se caminho! Arrepiar caminho é reconduzir o processo aos trâmites que a Constituição exige.
Fazer isto é um gravame à Ordem dos Advogados portugueses? Nós cremos, sinceramente, que gravame é o contrário. Dizer que o artigo 267.º, n.º 3, da Constituição deve ser cumprido é o nosso dever. Todos - advogados deputados, deputados operários, deputados técnicos ou deputados o que quer que seja - somos deputados aqui e aqui não somos advogados. Aqui somos deputados e não podemos renegar essa qualidade e deixar de exercer as funções para que fomos investidos. Deixemo-nos de falsos pudores, porque o que nunca poderemos aceitar é que nos venham com um estatuto que, por exemplo em relação a esta matéria, propõe que seja a Ordem dos Advogados a assumir as incompatibilidades, designadamente as que venham a reger os próprios advogados deputados. 15to é totalmente insensato face à nossa ordem constitucional. Nunca poderemos estar de acordo.
E deixemo-nos desses pequenos pudores, que fazem com que os Srs. Deputados se demitam de considerar uma questão importante e digam que deve ser a Ordem a decidir aquilo que só nós podemos decidir. Portanto, a lógica da nossa posição é esta: dê-se à Assembleia da República o que é da Assembleia da República, ao Governo o que é do Governo, à Ordem dos Advogados o que é da Ordem dos Advogados, mas não se dê à Ordem nem ao Governo o que é da Assembleia da República.
15to está tudo torto e é preciso repor todo este processo na perspectiva única que o deve reger, ou seja, a constitucional e não outra. Integrar a Ordem dos Advogados na ordem constitucional é dever de todos nós.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino (Lima (PCP): - O Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou há pouco a sua intervenção dizendo que o Partido Comunista, e em especial esta bancada, com a sua atitude, não queria senão exportar para a Ordem a subversão. Devo dizer-lhe que isso me arrepiou a começo a arrepiar-me por ouvir tal coisa

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com uma frequência, esquisita. E tenho boas razões para tremer quando ouço dessas coisas, pois sou do tempo em que quando se dizia, por exemplo: «são precisas eleições livres», se retorquia: «Agarra que é subversão», quando se dizia: «é preciso acabar com a PIDE e com os tribunais plenários», se retorquia: «Agarra que é subversão.» E algumas vezes agarravam-me mesmo!
Ora, Sr. Deputado, é necessário que tenhamos um certo cuidado com as palavras que empregamos pois, de contrário, poderá parecer que haverá quem esteja interessado em criar uma situação de «Agarra que é subversivo.»

Risos do PCP.

Bem, não quero lembrar-lhe mais esse tempo. Termino perguntando-lhe o seguinte: quem é subversivo? Aquele que como nós diz «Não toquem naquilo que se passa na Ordem, deixem que esta resolva, por si própria, os seus problemas» ou aquele que, pelo contrário, vem de fora e diz «Metamo-nos naquele assunto, vamos alterar a relação de forças lá existentes, vamos fazer coisas que alterem a ordem existente, neste momento, na Ordem»?
Gostaria, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que não se voltasse a lembrar do tempo em que se andava a correr atrás do «subversivo».

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: Uma brevíssima intervenção.
Não quero deixar de dizer que se me invoca, neste momento, no espírito ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira ter a bondade de desculpar-me, mas vai fazer uma intervenção ou um protesto? Um protesto, certamente! ...

O Orador: - Não, Sr. Presidente. Pedi a palavra para uma intervenção, direito que o meu partido ainda não usou.

O Sr. Presidente: - Tem todo o direito de a fazer ...

O Orador: - Em todo o caso, não pode é interpor-se, entre a formulação de protestos e de direito de resposta que, creio, o Sr. Deputado Nogueira de Brito parece ainda ter.

O Sr. Presidente: - Como há pouco enunciei os nomes ...

O Orador: - Pois, com certeza. E devido ao adiantado da hora admito até a hipótese de não usar da palavra. Veremos na altura, Sr. Presidente.
Mantenho, em todo o caso, a inscrição.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados. Desejo fazer um contraprotesto.

Dirigir-me-ei, em primeiro lugar, ao Sr. Deputado Lino Lima, dizendo-lhe que nessa perspectiva o necessário é que nesta Câmara nenhum de nós tenha medo das palavras.
O Sr. Deputado ouviu mal aquilo que eu disse. Não falei de subversão, mas sim de agitação, de instabilidade, e é evidente que, quando se procura confundir este projecto com um elemento de um programa eleitoral, entendo que se está a agitar e a instabilizar a Ordem. Mantenho a minha opinião.
E já agora, contra-protestando, recordarei um aspecto da intervenção do Sr. Deputado António Taborda.
Há pouco, ao enumerar os aspectos em que as regras agora propostas à Assembleia para serem utilizadas pelo Governo, se lhe for concedida autorização legislativa, se afastam do processo actual em matéria eleitoral, o Sr. Deputado apenas soube citar um aspecto - o da consagração da possibilidade de reeleição do bastonário. Então pergunto: algum dos senhores deputados tem elementos que lhe permitam saber se o actual bastonário se propõe à reeleição ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem isso interessa.

O Orador: - ... para concluir que este projecto é um elemento a adulterar o processo eleitoral que se aproxima?
Era necessário ter essa certeza para produzir aqui qualquer afirmação desse tipo, mas ninguém a tem, Sr. Deputado.
Por outro lado, a Sr.ª Deputada Odete Santos diz-me que o necessário é consagrar à Ordem o papel que lhe cabe, fazendo com que seja ela a aprovar os seus estatutos e o Sr. Deputado José Magalhães, pelo contrário, realça que à Assembleia o papel da Assembleia e ao Governo o papel do Governo.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exacto! Não há nisso nenhuma contradição.

O Orador:- Perante isso, recordo-me da enorme monstruosidade que é o decreto subscrito em 1974 pelo então Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves e pelo Sr. Ministro da Justiça Salgado Zenha, alterando as regras eleitorais da Ordem ...

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - E muito bem!

O Orador: - E muito bem, disseram VV. Ex.ªs Mas agora também muito bem.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Porque vem do primeiro congresso!...

Vozes do CDS: - Pouco barulho.

O Orador: - Dá-me licença, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Posso fazer um aparte. Estou no meu direito.

O Orador: - Pois pode. Apenas lhe peço licença para continuar, pois o seu aparte e o meu contraprotesto em simultâneo não podem, de modo algum, produzir efeito.
Mas - e continuando - nessa altura é que haveria ingerência, porque os aspectos então tratados eram

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daqueles que, ao que suponho, a Sr.ª Deputada reinvidica como aspectos a tratar pela via automática no âmbito da Ordem.
Neste momento, porém, o que temos são as normas respeitantes à organização da Ordem, à deontologia e ao processo disciplinar, todos eles consagrados no Estatuto judiciário. Tendo em consideração não só isso como as normativas constitucionais e também o facto de não estar ainda publicada a tal lei de bases destinada a verter os preceitos constitucionais na legislação ordinária em relação a todas as associações públicas, havia apenas uma forma de dar resposta expedita ao pedido da Ordem: trazer aqui para discussão o seu projecto de estatutos.
E o projecto de estatutos foi apreciado na Ordem. Se apenas lá estavam 7 ou 8 advogados, isso é a critica que a Sr.ª Deputada está a fazer à Ordem dos Advogados. Se, de facto, se trata do resultado da tal estrutura corporativa de que falou, então acabemos com ela antes das eleições para que não as influencie. Acabemos com ela, urgentemente.
Creio ser isso o que a Ordem pretende, sendo também o que aqui traz o Sr. Ministro da justiça.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Já leu o projecto?

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Hasse Ferreira, dir-lhe-ei que é muito simples: o momento ulterior situa-se quando, depois de apreciarmos a urgência, apreciarmos o pedido de autorização legislativa. Nessa altura, como o Sr. Ministro teve a cortesia mínima de, finalmente, apresentar aqui o projecto do que se propõe publicar, poderemos pronunciar-nos sobre ele. Já o temos feito, mas iremos continuar a fazê-lo. Por isso o tema continua agendado para a sessão de amanhã.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: Já que estamos em matéria de considerar o regime da Ordem dos Advogados parece-me que não ficará mal se, amenizando o clima em que a discussão se vem processando, recordar aqui um episódio que o espírito inigualável de Eça de Queiroz, sempre um pouco acerbado contra os homens de leis, consignou no episódio que narra primorosamente.
Um advogado defendia o sobrinho de um homem de talho e fazia umas alegações carregadas de retórica e de inutilidade. Quando já citava Aristóteles, dizia-lhe o tio do réu: «Ó Sr. Doutor, não se trata de Aristóteles, trata-se do meu sobrinho. Fale do meu sobrinho.»
Pois bem, estamos confrontados com um pedido de urgência. Era esse pedido que, regimentalmente, nesta fase do processo de intervenção e de acção da Assembleia, tinha de ser considerado. E é quase uma tentação dizer: «Srs. Deputados, não se trata senão da urgência. Discutamos a urgência!»
Até este momento nada de relevante, importante ou fundamental foi dito que pudesse levar a afastar ou a colocar em termos de hesitação o voto de concessão dessa mesma urgência, tal como vem sendo pedido pelo Governo.
Será desnecessário e mesmo ocioso considerar agora outros aspectos. Precisamente por isso não deixarei de fazer um comentário que, neste caso, me parece perfeitamente razoável: o exercício da actividade de advogado - e uso aqui a palavra actividade em preferência à de profissão, pois parece-me que para este efeito é a que melhor cabimento tem - é marcada incisivamente pela honra de quem a exerce, por razões de interesse e ordem pública. E por esse motivo bem se compreende, até porque as normas que regulam a profissão transcendem as próprias relações entre advogados e são aplicáveis a níveis completamente diferentes do simples exercício da profissão, que tenham a dignidade de uma lei, que mereçam a competência reservada da Assembleia da República e que não fiquem ao arbítrio de puras decisões, por muito honrosas e competentes que sejam, do Grémio dos Advogados.
Nestas circunstâncias, e sem necessidade de maiores considerações porque o tempo urge, limitar-me-ei a dizer que por não ter sido aduzido nada de relevante no sentido de poder colocar em causa a oportunidade do pedido de urgência votá-la-á também a bancada do meu partido.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado, falemos então do seu sobrinho, ou seja, do Governo PS/PSD, que aqui vem municiado de amplos interesses em matéria de discussão do estatuto da Ordem dos Advogados e deixemos Aristóteles onde está.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Bom, o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida produziu um denso discurso relativamente à matéria da urgência, mas deixou-me perplexamente ininformado quanto às razões pelas quais o PSD se prepara para, pela voz autorizada, do Sr. Deputado, votar a favor dessa mesma urgência.

Perguntarei ao Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida em que consiste a justeza dessa mesma urgência. O Sr. Ministro da Justiça reproduziu-nos aqui a exposição de motivos, sem nada para além dela. Ao longo do debate nada em concreto foi dito sobre as razões que levavam o Governo a não ter uma compostura institucional e de aplicação das normas constitucionais e democráticas para proceder como procede.
A única razão invocada aqui, quer pelo Sr. Ministro de Estado Almeida Santos, quer por outros interventores, foi a de que há eleições na Ordem dos Advogados e que, portanto, é necessário conceder ao Governo uma autorização legislativa que o muna para a elaboração de um articulado concreto com vista a poder dar à Ordem um regulamento eleitoral que, presida a essas eleições.
Pergunto ao Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida em que é que o actual regulamento eleitoral se desajustou. Por que razão não se fazem as eleições, como se fizeram em 1974, 1977 e 1980, de acordo com o regulamento eleitoral hoje vigente? Por que razão toda esta matéria, polémica, delicada, importantíssima, não é mais tarde discutida, serenamente, não apenas no que tange às normas eleitorais, mas também no que concerne a todos os outros núcleos temáticos aqui refe-

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ridos, longe das querelas e disputas eleitorais, sem imiscuição directa ou indirecta num acto eleitoral que deve realizar-se sem nenhuma espécie de atropelos e interferências de quem quer que seja?
Onde está, Sr. Deputado, o conspecto geral das razões do PSD para votar esta urgência? Em que é que o decreto-lei hoje vigente se desajustou de tal modo, drasticamente, que não possa ainda reger um acto eleitoral como aquele que se anuncia?
Por que razão não se espera para, no momento adequado, com a lucidez precisa e sem tocar nos delicadíssimos problemas aqui referidos, se proceder às alterações de fundo que o articulado do Governo prenuncia?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vou também falar do sobrinho, uma vez que o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida liquidou definitivamente Aristóteles.

Risos.

A questão, como disso o Sr. Deputado é a da urgência. Nós estávamos cientes disso, mas também não praticamos ingenuidade política e sabemos que há certas urgências que só é possível discutir em função do objecto para que se diz: aprove-se urgentemente! Foi o que fizemos! E isso é particularmente importante neste caso, porque é fundamental a pergunta: o que é que é urgente? É aprovar um estatuto que, globalmente, integra as questões de organização, de exercício profissional, de deontologia, de fiscalização, etc., ou é realizar eleições, uma vez que o triano chegou ao fim e os corpos gerentes vão estar, a partir de determinado momento, a exercer funções sem que tenham sido para esse efeito mandatados? Isto é que é urgente e pode ser feito na base do regulamento de 1974, que é perfeitamente democrático - ninguém ousa contraditar este facto.
Em segundo lugar, o que é que é urgente? Alterar as regras eleitorais lançando suspeições como aquelas que debatemos com o Sr. Deputado Nogueira de Brito, colocando problemas melindrosos como o da lisura dos processos, o das intenções dos actuais corpos gerentes e outras questões que nós nunca deveríamos sequer abordar aqui, nesta Câmara, nem nunca deveríamos ter sido forçados a fazê-lo? Isso para nós não é nada urgente, é altamente desaconselhável.
Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida, não será urgente o contrário, isto é, aprovar uma lei de bases das associações públicas que defina as regras gerais a que se deve obedecer? Uma lei que defina, por exemplo, como é que as associações profissionais devem estruturar-se, a que padrões gerais devem obedecer na sua organização interna, como é que devem buscar a participação na elaboração do regime profissional a que estão submetidas, etc. Não seria isso urgente? Não deveria até o Governo ter já promovido isso? Ele não o fez, mas, não o tendo feito, será que poderia ter apresentado este estatuto pondo "o carro à frente dos bois"? Em nossa opinião, nunca!

Finalmente, como é que pode ser urgente a aprovação de um estatuto que, de forma amalgamada, reúne normas que devem ser os próprios advogados a aprovar, normas que poderemos ser nós aqui na Assembleia da República a aprovar e ainda normas que devem ser aprovadas pelo Governo. Como é que pode ser urgente uma concessão de actos que deve ser o Governo por decreto-lei a operar?
Como é que, por outro lado, podemos considerar urgente a aprovação de um diploma que estabelece restrições injustificadas à liberdade de expressão dos advogados, que não cura de problemas novos, como o das novas formas de exercício da advocacia, que trata de forma sumária questões como o regime de estágio, que trata de forma inaceitável o recurso dos actos praticados pelos órgãos da Ordem, que não incorpora no regime estatutário da Ordem regras básicas, como a da representação profissional, que em relação ao estatuto eleitoral regride, estabelecendo restrições que já há pouco referi e que nunca me cansarei de referir porque são, realmente, um recuo grave na nossa ordem democrática?
Por isso é que nós perguntamos qual é a posição do PSD - que não conhecemos - em relação a todas estas questões, isto é, a sua posição sobre a tramitação que deveria ter sido seguida e a verdadeira urgência que está aqui.
Era disto que gostávamos de ter ouvido falar, cabal e justificadamente, e não ouvimos. Ouvimos uma posição geral esteada no elogio de Aristóteles, que todos nós estamos de acordo que foi eventualmente visita da casa da nossa avó, mas que não é para aqui chamado.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Leonardo Ribeiro de Almeida.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - VV. Ex.ªs pegaram no Aristóteles que eu referi apenas num episódio que me pareceu que não ficava mal ser integrado como elemento de amenização neste debate, porque penso que um certo sentido de humor tem sempre um lugar muito positivo em Assembleias como esta. Não queria, de maneira nenhuma, magoar VV. Ex.ªs e se isso aconteceu não sei se terá sido pela referência a Aristóteles ou se terá sido porque VV. Ex.ªs quereriam que eu tivesse contado a história com qualquer outro filósofo da vossa maior simpatia.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não. É que o que nós queremos é o sobrinho.

O Orador: - Em relação ao vosso conjunto de perguntas - porquê a urgência? Por que se ilimita? Porquê, se os direitos dos advogados são postergados? Por que se regride? direi que foi exactamente porque se desviou o problema da discussão da urgência para a enunciação gratuita e não fundamentada da apreciação do projecto que o Sr. Ministro juntou com o pedido de autorização legislativa. Foi por isso que eu fiz a minha intervenção nos termos em que a fiz.
VV. Ex.ªs apresentaram, entretanto, um projecto de lei que visa a regulamentação, instauração e instituição de um diploma quadro das associações públicas. Peçam VV. Ex.ªs também urgência para ele! Não se censure quem não teve ainda a iniciativa quando, afinal de contas, VV. Ex.ªs e todos nós também ainda
não a tínhamos tido. Para mim, Sr. Deputado, continuam a ser gratuitos e profundamente arbitrários os

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termos em que o caso foi posto pela sua bancada e, consequentemente, mantenho a posição que inicialmente tomei.
É, evidentemente, compreensível que se peça urgência para um diploma que tem vindo a ser objecto de análise ao longo do tempo e que até eventualmente se consuma por ter demorado tanto tempo com tão pouca participação de advogados.
Por essa razão a nossa posição é esta. Não vejo que a urgência possa ser negada quando gratuitamente apenas foi censurado o seu pedido, sem argumentos que trouxessem relevância. Acabo, portanto, como comecei.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais pedidos de inscrição, vamos proceder à votação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Faço esta interpelação por uma questão de clarificação de metodologia que V. Ex.ª vai seguir.
Tínhamos apresentado uma proposta relativa ao regime de urgência e presumo que o Sr. Presidente a vai apresentar e submeter à votação.

O Sr. Presidente: - Penso que a Mesa irá seguir esta metodologia: em primeiro lugar vai-se pôr à votação o pedido de urgência e depois o requerimento de baixa à Comissão.

Há, de facto, uma proposta do PCP requerendo que a proposta de lei baixe à Comissão. A primeira proposta é do Governo para que não baixe e se, porventura, esta proposta for votada a segunda ficará prejudicada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a nossa proposta é uma proposta de alteração, isto é, a Câmara vai em primeiro lugar votar a urgência e a seguir o regime da urgência. Ela insere-se neste segundo momento e não no primeiro e, portanto, não ficará prejudicada pela aprovação do regime geral.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a proposta do Governo é no sentido de que não baixe à Comissão. Se, porventura, esta proposta for votada favoravelmente a segunda, a proposta do PCP, fica prejudicada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Há efectivamente um equívoco e creio que é importante clarificar este aspecto. O Governo pediu o que pediu nos termos que entendeu. Creio que deveremos votar de acordo com as regras regimentais, ou seja, votar em primeiro lugar a concessão ao Governo da urgência para este pedido de autorização legislativa ...

O Sr. Presidente: - Exacto!

O Orador: - e depois votar qual é o regime da urgência, que nós poderíamos delimitar, se quiséssemos, ou, em caso contrário, poderemos remeter para o artigo 246.º do Regimento que é o regime supletivo. Portanto, deveríamos conceder em primeiro lugar a urgência e depois deliberar se baixa ou não à comissão e se é por 15 dias ou não.

O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado.

Quero apenas esclarecer V. Ex.ª de que nesta 2.º fase da votação há a proposta do Governo no sentido de que não baixe à Comissão e há a proposta do PCP no sentido de que baixe. Se a primeira for aprovada, a segunda fica prejudicada.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, o Governo fez, nos termos do artigo 243.º, uma proposta à Assembleia e peço a V. Ex.ª para ler o teor dessa proposta.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à sua leitura, Sr. Deputado.

Foi lida. É a seguinte:

Não se requereu que a referida proposta de lei seguisse os termos do processo de urgência dos artigos 243.º e seguintes do Regimento com dispensa do exame em Comissão, o que agora se requer em aditamento ao ofício que acompanhou esta proposta de lei.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - O que o Governo requereu foi a adopção do processo de urgência com dispensa do exame em comissão. É isso que vai ser votado, e se a Assembleia rejeitar esta proposta do Governo será votada a proposta do PCP. Se a Assembleia aprovar a proposta do Governo a proposta do PCP ficará precludida.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É para fazer uma interpelação à Mesa sobre esta matéria, Sr. Deputado?

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Não, Sr. Presidente. Dada a forma como está a ser conduzido este processo gostaria de intervir, se tal for possível.

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O Sr. Presidente: - Nesse caso, concedo primeiro a palavra ao Sr. Deputado João Amaral, que a pede para interpelar a Mesa.
Tem a palavra, Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - É sobre a metodologia que a Mesa pretende seguir que quero fazer uma interpelação.
Em nossa opinião, a proposta que o Governo apresenta é uma proposta que, na generalidade, procura o processo de urgência. Na especialidade, naturalmente que terá várias variantes possíveis.
O comentário que fez o Sr. Deputado José Luís Nunes é ilustrativo na demonstração de que a nossa proposta tem de ser votada e não pode ser prejudicada pela simples votação da generalidade da urgência. Porquê? Porque quando o Sr. Deputado José Luís Nunes afirma que, se a proposta do Governo for rejeitada será, então, votada a nossa proposta, demonstra a toda a Câmara o contra-senso e a falta de cabimento da forma como quer organizar a votação. Porquê? Porque se a proposta do Governo for rejeitada, é rejeitada a urgência. Logo já não haveria que votar a nossa proposta.
O que deverá ser feito neste momento é votar a proposta de alteração de baixa à Comissão que apresentámos e depois, se ela for rejeitada - e esperamos sinceramente que não e temos produzido bons e suficientes argumentos para que ela seja aprovada -, votar a proposta que o Governo apresentou nos termos em que o fez.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa está confrontada com as interpelações feitas e mantém a posição inicial que se traduz expressamente no seguinte: na 1.ª fase vai-se votar o pedido de urgência, ao abrigo do disposto no artigo 244.º do Regimento, e numa 2.º fase, depois de votada e possivelmente aprovada a urgência, é que se vai saber se baixa ou não à Comissão.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Quando se entrar nesta 2.º fase discute-se em primeiro lugar a proposta do Governo, para saber se a proposta de lei deve ou não baixar à Comissão. Se esta proposta for aprovada fica prejudicada a proposta do Partido Comunista Português.
Tudo o mais só servirá, segundo penso, para baralhar esta questão.

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Leonardo Ribeiro de Almeida (PSD): É para comunicar a V. Ex.ª que a bancada do meu partido e a do Partido Socialista requerem, em conjunto, a prorrogação da sessão, o que será formalizado dentro de breves momentos em requerimento regimental que será entregue à Mesa. Dado que desejamos fazê-lo antes de chegarmos ao termo da hora regulamentar dos trabalhos, entendi comunicar directamente à Mesa as nossas intenções.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do pedido de urgência.

Submetido à votação, foi concedida, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da UEDS e as abstenções da ASDI e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Votámos contra a concessão de urgência a esta proposta governamental, mas creio que todo o debate que aqui travámos corroborou uma ideia fundamental, que é a de que a discussão até agora travada é insuficiente e que deve ser instruída com elementos que não é possível manusear e compulsar neste debate em Plenário.
Portanto, reveste-se de particular importância que, neste caso - como, aliás, o Regimento prevê como regra base -, possamos, em sede da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, aprofundar um exame que aqui não seria em regra possível fazer.
O meu grupo parlamentar colocou ontem na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias esta questão a todos os Srs. Deputados e exprimiu os argumentos fundamentadores desta posição, os quais vou retomar muito sucintamente.
O Sr. Ministro da Justiça teve ocasião de sublinhar durante a sua intervenção de apresentação que entendia que o articulado que aqui temos em anexo à proposta de autorização legislativa não é um texto fechado nem acabado, mas sim um texto que deveria incorporar alterações e benfeitorias e que deveria reflectir o pensamento que se forme na Câmara sobre a matéria.
O Sr. Deputado José Luís Nunes, silencioso durante a discussão desta matéria e ausente durante o período em que deveria responder às nossas perguntas, sublinhou na sua intervenção que o texto anexo à proposta governamental tinha aquilo a que ele chamou incorrecções, omissões e aspectos com os quais ele não poderia de forma alguma concordar. É certo que o Sr. Deputado José Luís Nunes tem meios que nós não temos de fazer exprimir a sua opinião à maioria governamental e ao Governo.
Em todo o caso, é preciso enfatizar esta ideia: se a intenção governamental ou o reconhecimento feito pelos Srs. Deputados da maioria governamental de que este texto tem omissões e incorrecções tem algum sentido a representa uma atitude política de abertura ao debate, então é preciso dar expressão institucional a essa abertura, isto é, é preciso ir à Comissão e, de forma organizada, inventariar questões, sistematizar posições, apurar que alterações é que deveriam ser introduzidas, sendo esse método menos mau do que a nula discussão. Estamos disponíveis para esse processo e queremos levar até ao fim a inventariação das questões que existem.
O que perguntamos aos Srs. Deputados da maioria governamental e ao Governo é o que é que pode impedir esta baixa à Comissão. Quem receia ou quem ousa negar que este debate se aprofunde em termos transparentes e abertos? Vamos criar, para citar Eça de Queiroz, o "mistério do estatuto da Ordem dos Advogados"? Vamos criar aqui uma outra incógnita policial, que é a de saber por que é que a maioria governamental não quer que baixe à Comissão este

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diploma, criando assim mais suspeições num processo que não as devia ter e já as tem, criando mais dúvidas e mais interrogações sobre porquê certa solução e não outra?
Em nosso entender devemos sanear completamente este processo e fazer baixar à Comissão o diploma como o Regimento indica como procedimento de regra. Se a maioria governamental não aceitar tal proposta, que nos parece, manifestamente, razoável, isso representaria uma outra entorse, e muito grave, a um processo que, infelizmente, já tem entorses a mais.
Foi nesse sentido que apresentámos a nossa proposta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na sequência do requerimento verbal que há pouco tivemos oportunidade de ouvir, os Srs. Deputados, cuja primeira assinatura é a do Sr. Deputado Roque Lino, apresentaram na Mesa o seguinte requerimento:

Os deputados abaixo assinados requerem o prolongamento da sessão até que se cumpra a ordem de trabalhos de hoje.

Presumo que há um excesso neste requerimento. Ele refere-se apenas ao ponto que está em discussão e não à totalidade da ordem dos trabalhos.
O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, há com efeito um lapso nesse requerimento. O que pretendíamos era requerer a prorrogação dos trabalhos até à conclusão do processo de urgência e apenas isso.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, feita a correcção, pretendo saber se levantam alguma objecção ao requerimento que foi formulado. Se não existir, dou-o como aprovado.

Pausa.

Considero o requerimento aprovado por unanimidade.
Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Grupo Parlamentar do PSD votou favoravelmente a concessão de urgência à autorização legislativa porque a República Portuguesa é constitucionalmente um Estado de direito democrático baseado na soberania popular e no respeito e garantia dos direitos e liberdades fundamentais. A administração da justiça, em que os advogados participam, incumbe aos tribunais, constituindo a independência destes a distinção entre a democracia e o totalitarismo.
Só há tribunais independentes quando constituídos por juízes e advogados com independência e estes só têm assegurada a sua independência através de uma autonomia que os furte às pressões do poder quando o exercício da profissão é administrado e organizado através de órgãos próprios.
O estatuto dos advogados, dirigido fundamentalmente à independência da profissão, constitui, portanto, uma pedra fundamental na construção e estabilização da democracia.
Bastaria esta circunstância, só por si, para justificar e impor o voto favorável ao pedido de urgência.

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O Sr. José Magalhães (PCP): - É incrível!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino. .

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS votou naturalmente o processo de urgência por razões que já foram aqui aduzidas neste Plenário, mas que irei procurar sintetizar.
Em primeiro lugar, como toda a gente sabe, era o
velho Estatuto Judiciário de 1962 que regulava a actividade profissional dos magistrados judiciais, dos magistrados do ministério público, dos solicitadores, dos funcionários judiciais. Ora, todas estas categorias profissionais já viram actualizados, em sede de mais dignidade legislativa, os respectivos estatutos. A Ordem dos Advogados continua ainda a ser a única, neste
momento, a reger-se de facto pelo velho Estatuto Judiciário. Daí que a Ordem, a partir de 1967, quando era bastonário o Sr. Dr. Mário Raposo, tenha entendido começar trabalhos preparatórios no sentido de rever o estatuto da Ordem dos Advogados. Esses trabalhos vieram sendo publicados, ao longo de sucessivos anos, em anteprojectos parcelares dizendo respeito
às diversas matérias que estão incluídas neste projecto
aqui trazido pelo Governo.
Por outro lado, a Ordem dos Advogados, ao longo de todos estes anos e após consultas várias a todos os colegas de classe, ao contrário do que aqui tem sido afirmado constantemente, designadamente pela publicação dos diversos anteprojectos em revistas e boletins da Ordem, pedindo, inclusive, a apreciação crítica de todos os colegas, tem realmente necessidade de ver rapidamente aprovado o seu estatuto.
Digamos, portanto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a urgência não é de hoje nem de ontem, mas sim de 1977.
E se hoje e neste momento, a propósito do artigo 267.º, n.º 2, da Constituição, se continua a dizer que o estatuto dos advogados não é urgente pela razão simples de que deveria ser precedido pela discussão e aprovação de um estatuto para as associações de natureza pública, então parece-me que os advogados continuarão de facto a ser parentes pobres em todo o processo legislativo que tem vindo a ser produzido ao longo destes vários anos.
Estas as razões fundamentais por que o PS votou o pedido de urgência, porque não podemos concordar de modo nenhum que esta discussão se arraste indefinidamente, sem que lhe vejamos o fim.
Estas são as razões, Sr. Presidente, que levaram o PS a votar a favor este pedido de urgência.

0 Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o debate demonstrou, pelo menos para mim, com meridiana clareza que não existe qualquer urgência em discutir este assunto e ainda por cima com base num pedido de autorização legislativa.
Também ficou claramente demonstrado pelo debate, designadamente durante a intervenção clarificadora do Sr. Deputado Nogueira de Brito e esclarecimentos complementares, que não existe urgência nesta discussão, a menos que existam compromissos por nós desconhecidos.

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Ficou ainda clarificada a pobreza das razões pelas quais o PSD aprovou este pedido de urgência, escondendo-se atrás de lugares comuns ou expressões deslocadas. Conhecida a capacidade dos juristas do PSD, é, pelo menos, surpreendente ver a forma como se comportaram neste debate.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - É evidente que não me podem apoiar, mas podem concordar talvez no foro íntimo. Não discutamos agora!
Quando o País se debate com tantos problemas graves é triste perdermos 3 sessões com as questões concernentes à Ordem dos Advogados e ao exercício da mesma profissão, em condições que não são as mais dignificantes para o exercício da actividade legislativa, já que, com a votação feita, ficaram cerceadas as possibilidades concretas de intervenção dos deputados na discussão pormenorizada deste assunto.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE votou contra o pedido de urgência solicitado pelo Governo por 2 razões: a primeira delas porque entende que este pedido de urgência não se justifica, a não ser para uma intervenção directa do Governo e, agora, com o voto desta Assembleia da República nas eleições da Ordem, o que nos recusamos a fazer. A segunda razão é a de que este voto inviabiliza aquilo que seria lógico, isto é, que fosse primeiro aprovada a lei de bases das associações públicas.
Ora, o MDP/CDE estranha que a maioria, em caso similar como é, por exemplo, o caso de Vizela, se tenha recusado a tratar o assunto antes de aprovada a lei base da criação dos municípios e num caso similar como este vote a urgência para se aprovar em primeiro lugar o estatuto e depois se discutir a lei de bases das associações públicas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do segundo pedido formulado na proposta do Governo, ao abrigo do disposto no artigo 245.º do Regimento, que é o de saber se o diploma fica ou não dispensado de exame em Comissão.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS, votos contra do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: o mistério está esclarecido: o PS e o PSD recusam a baixa à Comissão, instrumento comezinho, corrente e indispensável para clarificar qualquer debate fundamental ao trabalho parlamentar sério, liso, profundo e honesto. Eles lá sabem porquê! Assumam a responsabilidade de tal atitude, Srs. Deputados!

Depois de devidamente advertidos, não há razão nenhuma para recusar a baixa à Comissão e há todas as razões para a deferirem. Em seguida dizem, com ar crocodilesco e claudicante, que o Parlamento se desprestigia, que há sombras terríveis sobre o Parlamento Português, aqui d'el rei que o Parlamento Português tem métodos absolutamente inaceitáveis. Pois bem, são os Srs. Deputados da maioria governamental e os vossos associados que imprimem esse estilo ao Parlamento português ...

Aplausos do PCP.

... a pobreza, a indigência, a paupérrima qualidade dos argumentos que produzem em defesa dessa norma esfarrapada que aqui erigem no Plenário. "O Estatuto judiciário está velho!" - dizem com ar triste. Pois está, meus senhores, mas querem substituí-lo por um tão velho ou revelho como aquele que está em vigor, despedaçado neste momento ...

Vozes do PCP:- Muito bem!

O Orador: - ... e esquecem-se nesse processo que as normas que aqui estão propostas são dignas da Constituição de 1933, mas não são aceitáveis face à nossa ordem constitucional.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Segundo aspecto fundamental: não é urgente, Srs. Deputados, que a Assembleia da República pratique esta forma rasteira de ingerência num processo eleitoral e lance suspeições sobre um processo eleitoral que deveria decorrer de forma límpida e transparente e menos ainda que imponha uma carga antidemocrática à realização das eleições numa associação profissional, qualquer que ela seja, neste caso como nos restantes.
Terceiro aspecto: o comportamento da maioria governamental em todo o processo, Srs. Deputados, desde o início que assinalámos que este processo está inquinado; desde o início que assinalámos, e os Srs. Deputados não contraditaram, que é necessário que se aprove primeiro a lei das associações públicas e que depois se aprovem, então, de acordo com a repartição de competências, as normas respectivas, ao que o Sr. Ministro da Justiça retorquiu dizendo que é um processo demasiado cartesiano. Quanto a nós é regular, é constitucional! ... Se isto é cartesianismo, ainda bem!
Os Srs. Deputados não o negaram, mas invocam razões, as mais ínvias, para justificar aquilo que não é justificável. E comportam-se de uma maneira que traduz o medo da coligação governamental em corrigir aquilo em que o Governo erra, e erra substancialmente.
Esta maioria governamental, se o Governo vier aqui pedir-lhe a cabeça, ela dá-lha de forma cega e a crítica. E se a cabeça for a da República também lha dá. Mas nós não!

Aplausos do PCP.

Nós não podemos aceitar que a Assembleia da República, face a uma monstruosa incúria governamental e a um processo incorrecto e eivado de incorrecções,

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aceite como boa e carimbe de forma acrítica e cega a iniciativa governamental.
O nosso dever, o dever da Assembleia da República, é o de velar pela legalidade, é corrigir, é sanar, é adaptar à Constituição.
A maioria governamental, ao proceder como procede, revela medo e também que não é sequer capaz de corrigir a tempo, de forma sensata, aquilo que de irrazoável o Governo propõe. Uma maioria que comporta assim, sem dúvida que se condena a si própria, e é muito bem feito.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ficámos agora a saber, pelas palavras vibrantes do Sr. Deputado José Magalhães, que afinal esta coligação, que é maioria - de facto é a maioria! - e que por acaso foi eleita pelo povo português, ...

Risos do PS.

... entregaria a sua cabeça ao Governo se ele a pedisse. Teremos que daí extrair as necessárias conclusões ...
É o povo português, que nos elege, que se sente defraudado, é o próprio povo português que entrega a sua cabeça a este Governo.

Protestos do PCP.

Se esta é a ilação a tirar da afirmação perfeitamente estapafúrdia e deslocada que o Sr. Deputado José Magalhães aqui fez, de facto ninguém pode perceber esse tipo de argumentação.

Mas nós entendemos, Sr. Deputado, que o facto de não termos recusado o pedido de urgência só tem a ver com aquilo a que, aliás, os senhores, ao longo da discussão do pedido de urgência, se referiram repetidas vezes. E já agora, porque VV. Ex.ªs falaram sempre na autonomia da Ordem dos Advogados e agora querem retirar ao Governo a possibilidade de regulamentar esta matéria, pergunto-lhe: porquê mais este encargo legislativo se este estatuto foi discutido e rediscutido ao longo de anos e anos e constitui um belíssimo instrumento de trabalho?
Mais, Sr. Deputado: se não sabe fica a saber que este estatuto, que virá certamente a ser aprovado, embora com algumas melhorias, é um estatuto que foi tomado por todos os países da CEE ...

Vozes do PCP: - Ah!

O Orador: - ... para dele extraírem as regras fundamentais da conduta ética.
E, Sr. Deputado, porque se falou muitas vezes em inscrição obrigatória, queria dizer-lhe que não se conhece nenhuma ordem de nenhuma parte do mundo em que a inscrição não seja obrigatória, inclusive, na União Soviética.

0 Sr. João Amaral (PCP): - A Suécia.

O Orador: - De todo o modo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a nossa votação está justificada por tudo quanto foi dito nesta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata votou a favor da dispensa de baixa à Comissão e não obstante as palavras vibrantes do Partido Comunista Português pela voz do Sr. Deputado José Magalhães - palavras vibrantes, mas vazias -, na medida em que, desde o princípio, o problema não foi colocado ao nível em que tem de ser discutido e em que amanhã irá ser discutido, isto é, não ao nível dos grupos de advogados, porque não é esse o timbre que a discussão hoje merece. Mas não obstante isso, a Assembleia não desprezou, não lançou fora qualquer dos seus direitos.
Em primeiro lugar, porque se o diploma baixasse à Comissão aquele projecto, que só casualmente acompanhou o pedido de autorização legislativa, não devia ser analisado, na medida em que as autorizações legislativas deverão conter apenas o objecto, o sentido, a extensão e a duração dessa autorização.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Auto-limita-se!

O Orador: - Aquele projecto que vimos não podia ser discutido.
Em segundo lugar, porque esta Assembleia pode sempre, depois de ser publicado o estatuto dos advogados, requerer a ratificação ao abrigo de uma disposição que todos conhecem e que é o artigo 172.º da Constituição.
Tanto barulho para nada! ...

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições para declaração de voto. Assim, cumpre-me agora declarar prejudicada, em função da votação anterior, a proposta apresentada pelo PCP.
Antes de encerrar a sessão, vai ser lido um relatório da Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - O parecer da Comissão de Regimento e Mandatos é do seguinte teor:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

De acordo com o solicitado no ofício n.º 1145 (Processo n.º 967, 3.ª Secção), de 2 de Dezembro corrente, do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, 10.º Juízo, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de não autorizar o Sr. Deputado Henrique Manuel Soares Cruz a depor como testemunha no processo judicial em referência.

Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 14 de Dezembro de 1983. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

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O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente: Quando começou a leitura do parecer da Comissão de Regimento e Mandatos eu ia pronunciar-me porque algumas vezes nesta Assembleia tem sido usada uma prática irregular, que é a de submeter à votação, por voto aberto, a permissão para o julgamento de deputados.
Não se trata dessa matéria neste momento e fica apenas a chamada de atenção para que nos casos em que está em causa a presença em tribunal de um deputado como réu num processo criminal, a forma de votação, nos termos regimentais, é secreta e, portanto, não pode ser apresentado em votação aberta.
Mas, não sendo esse o caso presente, a votação pode ser feita nos termos em que é proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer da Comissão de Regimento e Mandatos que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para pedir que, daqui para o futuro, matérias como a que acabámos de votar - e nós votámo-la sem nenhuma oposição, pois conhecíamos o processo - sejam objecto de inscrição atempada na agenda de trabalhos, afim de que possamos saber que elas vão ser votadas, não se continuando a verificar a situação de, no fim dos trabalhos, antes do intervalo ou no recomeço da sessão, sem saber bem do que é que se trata e se estão presentes os deputados que conhecem o processo, ser posta à votação uma matéria em relação à qual pode haver qualquer questão.
Não é esse o caso, nem quero levantar nenhuma questão em relação a isso, obviamente, queria apenas pedir ao Sr. Presidente que, daqui para o futuro, elas sejam objecto de inscrição na ordem de trabalhos.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado.
O Sr. Secretário vai agora informar qual o diploma que deu entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Deu entrada na Mesa o pedido de ratificação n.º 62/III, da iniciativa do Sr. Deputado Armando de Oliveira e outros, do CDS, relativo ao Decreto-Lei n.º 425/83, de 6 de Dezembro, que revê a legislação dos institutos dos Registos Nacionais das Pensões Colectivas e Comercial.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão amanhã, que terá início às 10 horas, terá período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia. Do período da ordem do dia consta, na primeira parte, a apresentação do projecto de lei n.º 213/III (lei quadro do ambiente e qualidade de vida) e, na segunda parte, a discussão e votação da proposta de lei n.º 49/III, que concede ao Governo autorização para proceder à revisão da matéria constante do capítulo v do Estatuto Judiciário (Mandato Judicial).
Está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 30 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

José Luís do Amaral Nunes. José Manuel Torres Couto.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Joaquim dos Santos Pereira Costa.
Manuel Ferreira Martins.
Mário Martins Adegas.

Partido Comunista Português (PCP):

António Guilherme Branco Gonzalez.

Centro Democrático Social (CDS):

Henrique Manuel Soares Cruz. João Lopes Porto.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Frederico Augusto Hândel de Oliveira.
João Joaquim Gomes.
José Narciso Miranda.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Filipe Pessoa Santos Loureiro.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Augusto Lacerda de Queiroz.
Manuel da Costa Andrade.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Francisco Manuel de Menezes Falcão.
João Gomes de Abreu Lima.
José Luís Cruz Vilaça.
José Vieira de Carvalho.

Os redactores: José Diogo - Leonor Ferreira.

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PREÇO DESTE NÚMERO 100$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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