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I Série-Número 68

DIÁRIO da Assembleia da República

Sexta-feira, 27 de Janeiro de 1984

III LEGISLATURA 1ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE JANEIRO DE 1984

Presidente: Exmo. Srs. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta o sessão às 10 horas e 55 minutos.
Concluiu-se a discussão, conjunta e na generalidade, dos projectos de lei n.º S/III, 6/III e 7/III, apresentados pelo PCP. sobre, respectivamente, a protecção e defesa da maternidade, garantia do direito ao planeamento familiar e à educação sexual e interrupção voluntária da gravidez, do projecto de lei n.º 265/III, sobre a exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, apresentado pelo PS, e ainda dos projectos de lei n.º 267/III e 272/III, apresentados conjuntamente pelo PS e pelo PSD, sobre educação sexual e planeamento familiar e sobre protecção da maternidade e da paternidade, respectivamente.
Intervieram no debate, a diverso titulo, os Srs. Deputados Helena Cidade Moura (MDP/CDE), José Gamo, Horácio Marçal, Gomes de Pinho e Tomás Espirito Santo (CDS). Jardim Ramos (PSD), Vilhena de Carvalho (ASDI), Marques Mendes e Fernando do Amaral (PSD), Nogueira de Brito, Azevedo Soares, Narana Coissoró e Hernâni Mantinha (CDS), Ferraz de Abreu (PS), Jaime Ramos e Fernando Casto (PSD), José Magalhães (PCP), Mulato Correia, Costa Andrade, José Vitorino, Correia Afonso e Pereiro Lopes (PSD), Sottomayor Cardia (PS), Luís Barbosa (CDS), Carlos Lage (PS), Luís Beiroco e Nuno Abecasis (CDS), António Gonzalez (Indep.), Carlos Brito (PCP), José Luís Nunes (PS), César Oliveira (UEDS), Vidigal Amaro e Zita Seabra (PCP), Lopes Cardoso (UEDS), Lucas Pires (CDS), Fernando Condenso e Fernanda Quintas (PS). Octávio Cunha (UEDS), Marcelo Curto (PS), Eduardo Pedrosa (MDP/CDE), Odete Santos (PCP), Manuel Alegre e Raul Rego (PS), Roleira Marinho (PSD), Adriano Monteiro (CDS), Rúben Raposo (ASDI) e Eurico Figueiredo (PS).
Procedeu-se em seguido às votações na generalidade dos projectos de lei n.º 5/III, 6/III, 7/III, 265/III, 267/III e 272/III, tendo sido aprovados os projectos de lei n.ºs 265/III, 267/III e 272/III, e rejeitados os restantes.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 9 horas e 10 minutos do dia seguinte.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 55 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Acácia Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Aníbal Coelho da Costa.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José dos Santos Meira.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Eurico Figueiredo.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Ferdinando Lourenço de Gouveia.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Händel de Oliveira.

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Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Leitão Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão da Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja S. dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barroso Mota.
José da Cunha e Sá.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Azevedo Preza.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Angela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Luísa Modas Daniel.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neva.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Jesus Sequeira Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Jardim Ramos.
Garcia dos Santos Marques Freitas.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Augusto Ferreira de Campos.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José de Almeida Cesário.
José Angelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto dos Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonardo Eugénio Ramos Ribeiro de Almeida.
Luís António Martins.
Luís António Pires Baptista.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires M. Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Oliveira Mendes dos Santos.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vítor Manuel Pereira Gonçalves.
Victor Pereira Crespo.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José de Almeida Silva Graça.

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António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João António de Morais Silva Leitão.
João Carlos Dias M. Coutinho de Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Lufa Filipe Paes Beiroco.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.
Manuel Leão Castro Tavares.
Manuel Jorge Forte de Goes.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró
Nuno Krus Abecasis.
Tomás Rebelo Espírito Santo

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.
Eduardo Mário Duarte Pedroso.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Octávio Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Rúben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - Reiniciamos os nossos trabalhos com a continuação da ordem do dia de ontem, pois, como sabem, não há período antes da ordem do dia.
Informo ainda que estão a assistir ao debate alunos da Escola Secundária de Sacavém. Para uma intervenção tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, Srs. Deputados: De novo a Assembleia da República é chamada à responsabilidade de se pronunciar sobre a natureza dos mecanismos que levam ao aborto clandestino.
O assunto apaixona a opinião pública, é em si palco de declarações dos mais variados princípios e em todos os países, onde se tem colocado, este problema é sempre factor de agressividade social e de manipulação política.
Neste momento em Portugal, por estarem no Poder dois partidos que se posicionam diferentemente perante tal problema, pelas tensões sociais existentes, pela mutilação da luta ideológica que em Democracia deve ser assumida e não reprimida ou simplesmente desprezada, pelo potencial de descontentamento generalizado, facilmente manipulável, o assunto adquiriu maior carga política do que seria normalmente previsível.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recuamos historicamente séculos e Portugal tomou o aspecto bizarro de um Tribunal da Inquisição.
São possíveis frases antológicas de altos dignitários da Igreja tais como: «o sangue que se poupou na revolução de Abril, será agora derramado por ordem dos deputados» cito de cor mas a ideia era esta: o que esta Câmara prepara é a bíblica matança dos inocentes.
Esta frase, Sr. Presidente, Srs. Deputados, teve origem numa terra onde as crianças aos 5 anos andam descalças à chuva e ao sol, à frente dos bois, onde a broa escasseia e o azeite para o caldo de couves é cada vez menos, onde os recém-nascidos dormem em caixotes acolchoados de trapos e onde por vezes o porco que entra em casa pode comer-lhe uma mão ou até um braço. Numa terra onde o analfabetismo impera e onde tantas crianças estão ainda condenadas ao analfabetismo, onde as mulheres trabalham não de sol a sol mas

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de noite até à noite. Terras onde a emigração e a luta dos trabalhadores têxteis é tão velha e tão grandiosa como as próprias pedras!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas nesta antologia há frases mais sofisticadas e mais intelectuais como a que inclui o aborto numa cadeia lógica da eugenia, e insinua que quando o princípio da vida é atingido, também a velhice não é respeitada e a morte de grande percentagem de velhos é fruto de uma mesma atitude perante a vida.
São estes os crimes de linguagem, os sectarismos ideológicos, as forças da intolerância que alguém quis desencadear de norte a sul do País.
O MDP/CDE pensa que distorcer os grandes problemas da vida, para os conduzir para o campo de lutas políticas está longe de ser próprio de uma sociedade democrática, de uma sociedade onde o homem tenha assegurado, pelos mecanismos da inter-relação social, uma margem de liberdade de escolha.
Situamo-nos, por momentos, em plena Idade Média, numa luta pela salvação da sociedade e a verdade é que a linha desta batalha não passa pelo maior ou menor respeito pela religião que se professa. A grandeza da religião católica mede-se pela liberdade de opção que dá aos homens. Há assim católicos convictos nos 2 campos de batalha, a divisão é feita, sim, pela diferente atitude perante a sociedade, pela diversificada responsabilidade que cada um assume face ao colectivo.
E este, quanto a nós, o essencial da questão. Luís Moita em artigo a um semanário expõe de forma que tem tanto de claro e de inteligente, como de humano. Escreveu ele:

A decisão do legislador situa-se, pois, inequivocamente, ao nível jurídico, na mediação entre o ético e o sociológico. O debate ao nível da moralidade do comportamento é certamente importante mas não é, aqui, determinante. Por isso um deputado cuja consciência moral condena o aborto poderá legitimamente, também em consciência votar a favor da norma que estabelece a regulação legal da prática do aborto. Tanto mais que esta lei, obviamente, não obriga ninguém a violentar a sua consciência. Ninguém é obrigado a praticar o aborto em contradição com o seu critério moral.

E mais adiante:

A lei não pode decalcar a moral dos cidadãos mas também não pode, com maioria de razões violentar a consciência pessoal. Em suma, o que deve estar em jogo não é qualquer cruzada a favor ou contra o aborto no domínio da avaliação ética. Também não se trata de conformar a legislação civil a qualquer suposta decadência dos costumes. O que está em jogo é uma nova lei, em pleno terreno jurídico. Uma lei que perfilhe a tolerância ética própria da sociedade democrática e que tenha um destino diferente da sua sistemática violação. Uma lei, enfim, que não despreze o sofrimento de muitas mulheres sujeitas a duras contradições e que possa contribuir para que todas as crianças que nasçam sejam filhos desejados.

Esta é uma síntese aculturada e decantada do problema encarado nas suas coordenadas fundamentais o amor e a solidariedade. Trata-se de facto de não ser indiferente ao sofrimento alheio.

Sofrimento que na quase totalidade dos casos é da responsabilidade de uma sociedade que mantém uma situação económica e cultural infra-humana, onde não existe uma política de habitação, de saúde, de educação, de emprego que viabilize a dignidade da vida humana.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando na questão da despenalização do aborto se diz que é a vida que está em jogo, é uma verdade que todos nós aceitamos, pena seja que também aqui o sentido do que é a vida humana nos separe em vez de nos unir.

Porque para uns a vida humana não é um mero exercício biológico, não é apenas um ser vivo marcado pelo desenvolvimento de células, que recebe em momento controverso o dom da alma para alguns a vida é uma responsabilidade individual e uma responsabilidade social. Para alguns a vida é sempre um acto de amor, não isolável em si próprio, e o aborto não é uma amputação da vida que iria nascer, mas sim uma amputação da vida que é, da vida que somos, por isso mesmo nesta Assembleia nem fora dela ninguém defende o aborto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Para alguns, e esta é a posição do MDP/CDE já expressa em 1982 logo na apresentação do projecto-lei do PCP, quando o aborto se realiza antes dos 3 meses, ele é feito sobre células vivas, mas não sobre a vida humana e o que deverá ser acautelado é a vida da mulher e a sua liberdade, a responsabilidade do homem sempre que exigida e a responsabilidade do Estado, perante uma situação de facto, de injustiça social, de negócio sujo e de violência.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Consideramos que a responsabilidade do homem sempre que a mulher o. exija é elemento indispensável à dignidade da mulher. Entendemos também que o Estado através de equipas de saúde terá de assumir a resolução dos problemas na sua complexidade.

Neste sentido irão as propostas de alteração do MDP/CDE, no sentido, de resto, já anunciado na discussão em 1982.

Para terminar, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o MDP/CDE congratula-se pela entrada do projecto-lei do Partido Socialista. Esta Câmara nos últimos tempos tão manipulada pelos governos, acaba de ter um rasgo de liberdade democrática que a dignifica como órgão de soberania.

E da experiência de trabalho desta Assembleia, que a diversificação de projectos em comissão especializada serve a qualidade das leis. Numa lei deste tipo será ainda mais importante que à variedade dos textos apresentados se juntem as propostas de alteração.

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Votamos por isso favoravelmente os dois projectos em discussão e apresentaremos propostas de alteração.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado, José Gama pediu a palavra para que efeito?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Para chatear.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É o costume.

O Sr. José Gama (CDS): - Para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, vou dar a conhecer os nomes dos deputados inscritos para esse efeito: José Gama, Horácio Marçal, Gomes de Pinho, Tomás Espírito Santo e Jardim Ramos.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, sabe a Sr.ª Deputada quanto considero e respeito as suas intervenções, mas isso não impede que neste momento subsistam dúvidas na minha mente, após tê-la ouvido falar quanto àquilo que poderá pensar da posição da igreja católica relativamente ao aborto.
Gostaria de perguntar se duvida que a igreja católica repudia, clara e inequivocamente, o aborto. E faço-lhe esta pergunta porque ainda na última vez que aqui se discutiu o assunto alguém invocou posições pontuais de membros da Igreja sem qualquer rigor ou isenção.
Recordo-me, por exemplo, de se ter invocado o nome de D. Hélder da Câmara, do nordeste brasileiro, a propósito do aborto. No entanto, se bem se recordam, quando em 1966 o director do Banco Mundial, Mac Namara, ex-Secretário de Estado da Defesa Americana, quis condicionar a ajuda dos países do Terceiro Mundo limitação dos nascimentos, D. Hélder da Câmara, teve uma posição firme e inequívoca, dizendo não consentir e ser inaceitável que se quisesse fazer este tipo de coacção e chantagem sobre os povos do Terceiro Mundo.
Creio pois que, pontualmente, se invoca aqui a posição da igreja católica para confundir os incautos, para, muitas vezes, confundir os ignorantes nesta matéria, ainda muitos, infelizmente.
Quero por tudo isto perguntar-lhe, Sr.ª Deputada, se tem dúvidas quanto à posição inequívoca do Concílio Vaticano II, do «Quadragésimo Anno» da Popolum Progretio, da Mater et Magister, de toda a posição da Igreja relativamente a este assunto?
Por outro lado, V. Ex.ª sabe que a Europa envelhece, que está cada vez mais enrugada, que já não substituímos as nossas gerações desde 1979-1980, pelo menos é o que dizem autores especializados em ciências sociais. Pergunto-lhe, então, se defende este «neomalthusianismo», que por intermédio dos contraceptivos e do aborto ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Neomalthusianismo?

O Orador: - Eu estava a falar com a Sr." Deputada Helena Cidade Moura e não consigo, Sr.ª Deputada Zita Seabra. Quando quiser falar comigo, peça uma interrupção.

Continuando, gostaria de perguntar à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura se recorre a este «neomalthusianismo» de condicionar a nossa demografia, lançando mão dos contraceptivos e do aborto ou se, pelo contrário, pretende, olhando para a demografia, debruçar-se sobre o planeamento familiar. Aí, sim, deve sobretudo situar-se a nossa luta e o nosso combate.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Este Gama descobriu o caminho para a procriação compulsiva.

Risos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado, agradeço-lhe a delicadeza com que se refere e o respeito que sempre tem demonstrado pela oposição, nesta Câmara, e queria dizer-lhe que a Igreja repudia claramente, o aborto. Mas ela tem os seus dogmas que os católicos são obrigados a seguir.
No entanto, a Igreja tem a liberdade de consciência, uma das imensas grandezas que possui e que nunca deverá perder. Desse modo, é natural que os católicos se posicionem, num caso destes, em campos diferentes.
15so mesmo foi bastante bem expresso no Concílio e é referido numa frase citada num documento com bastante interesse, uma carta aberta do Movimento Católico dos Estudantes.
Cita a carta esta passagem do Concílio que passarei a ler:

Cada um tem o dever e, consequentemente, o direito de procurar a verdade em matéria religiosa, de modo a formar, prudentemente, usando de meios apropriados, juízos de consciência tectos e verdadeiros.
Mas a verdade deve ser buscada pelo modo que convenha à dignidade da pessoa humana e pela sua natureza social, isto é, por meio de uma busca livre, com a ajuda do magistério ou ensino, da comunicação e do diálogo com as quais os homens dão a conhecer uns aos outros a verdade que encontraram ou julgam ter encontrado, a fim de se ajudarem, mutuamente, na inquirição da verdade.
Uma vez conhecida esta deve aderir-se a ela com firme sentimento pessoal.

O Sr. José Gama (CDS):- Dá-me licença, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr.ª Deputada, não acha que tudo isso desaparece quando 2200 bispos - para falar no último Concílio do Vaticano II dizem, claramente, que o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis?
Ao falar nessa liberdade, pergunto-lhe se quando a Igreja diz isso não coloca ali uma luz vermelha, dizendo «Não podemos passar por aqui»?

A Oradora: - Sr. Deputado, penso que isso cabe à consciência católica de cada um. Não é tema que

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nos obrigue a pensar, socialmente, dessa forma. São divergências naturais e é isso que faz a grandeza e a continuidade da igreja católica.
Quanto à demografia, as teorias sobre o aborto têm andado um pouco à volta dela. E não nos podemos esquecer de filosofias antigas que o comprovam.
Penso que o planeamento familiar deve ser feito não em nome da demografia mas em nome da qualidade de vida das pessoas e da sua responsabilidade social.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Otávio Cunha pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Para um protesto, Sr. Presidente

O Sr. Presidente: - Fica inscrito.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr.ª Deputada, ouvi com muito interesse a sua intervenção mas fiquei com algumas dúvidas. Daí o meu pedido de esclarecimento.
V. Ex.ª disse que algumas forças se preocupam com o sangue que não foi derramado no 25 de Abril e que o irá ser agora e para o futuro devido a aborto.
Sr.ª Deputada, na realidade, temos conceitos diferentes sobre a questão do aborto, e é bom que isso aqui fique assente, de uma vez por todas, pois enquanto V. Ex.ª diz que quando o aborto se realiza antes dos 3 meses de vida ele é feito sobre células vivas mas não sobre a vida humana, a Organização Mundial de Saúde diz que o aborto «é a expulsão do produto de uma concepção com peso inferior a 500 gs.
Nós, homens da medicina e não só, sabemos que a vida começa logo após a concepção. Se se fizer uma interrupção da gravidez a partir dessa data, pode, seguramente, dizer-se que se está a praticar o aborto.

Frases dessas, lêmo-las, foram proferidas no Parlamento Espanhol aquando da aprovação da lei do aborto. Disse-se também a mesma coisa e hoje todos afirmam que o aborto está generalizado em Espanha. Ainda ontem, no pedido de esclarecimento que fiz ao Sr. Deputado Ferraz de Abreu, disse, exactamente, isso. E é bom que, de uma vez por todas, fique assente que somos contra o aborto. Mas para os que o defendem, dentro das linhas ontem defendidas pelo PS e hoje pelo MDP/CDE, dizemos, frontalmente, Sr.ª Deputada, que se irá abrir um grande campo de manobra que irá permitir, com certeza, a liberalização do aborto.
Eram estas dúvidas que gostaria de ver esclarecidas pela Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): O Sr. Deputado quis afirmar as suas convicções, que respeito, e isso parece-me justo. De resto, elas foram, ontem, suficientemente clarificadas aqui. Nada tenho contra elas.
Mas a frase que eu referi foi dita em Portugal e por tratar-se de uma frase que ofende este órgão de soberania tomei a liberdade de me referir a ela.

Quanto à questão de a alma humana não pesar, sabemos isso. Sobre se é ou não a partir de 500 g, é um pouco difícil de saber e aliás, como é do conhecimento do Sr. Deputado, isso não está comprovado cientificamente. Ideologicamente tenho comigo Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, que, para além de doutores são santos. Não me sinto tão mal acompanhada como isso. De facto, eles só concebiam que a alma entrava no corpo ao fim de 3 meses de existência. Pode dizer-se que eram teorias filosóficas diferentes. Porém, ter certezas como o Sr. Deputado tem são ???? que no nosso país se podem considerar políticas mas não humanas nem científicas. A humanidade deve estar aberta à mudança e a ciência está, com certeza, aberta à modificação e ao progresso. De outro modo não é ciência.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP) : - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, confesso-me bastante desiludido com a sua intervenção de hoje.
Tem-nos habituado a ouvi-la falar com seriedade das questões sérias, e o aborto é uma delas, porém, desta vez, a Sr.ª Deputada não conseguiu abordá-la senão tanto com a seriedade, pelo menos com á profundidade com que as suas análises nas têm habituada.
Apesar de tudo, começando por salientar que, talvez para esta Câmara fosse bem mais valioso discutir um projecto do MDP/CDE, da autoria da Sr.ª Deputada, do que discutir os do PCP e do PS, gostaria de lhe colocar algumas questões suscitadas pela sua intervenção, que um tanto levianamente - perdoe-me a expressão- talvez por limitações de tempo, a Sr.ª Deputada não desenvolveu suficientemente, deixando-nos dúvidas fundamentais sobre questões essenciais.

A primeira pergunta é a seguinte: diz a Sr.ª Deputada que esta lei perfilha uma certa tolerância ética. Pergunto-lhe, então, se uma lei deste tipo não implica claramente uma opção entre valores, se essa tolerância ética não traduz uma opção entre valores. Quais os valores entre os quais essa opção se estabelece e qual o critério de valoração dessa opção?
Não se tratará de uma comparação ou opção entre os valores da vida e outros de carácter social, de natureza, evidentemente, diferente?
Pergunto-lhe, ainda, Sr.ª Deputada, como gradua estes valores quando defende uma lei que reconhece implicar uma tolerância ética?
Em segundo lugar, gostaria de saber como é capaz de conciliar - e penso tratar-se de uma questão essencial deste debate que, infelizmente, tem estado um pouco afastada do centro de preocupações - conceitos tão importantes como os de amor e de solidariedade que aqui defende e uma perspectiva profundamente reducionista, que considera, ao fim e ao cabo, o fenómeno da sexualidade como um fenómeno puramente biológico embora com algumas consequências de ordem social!?
E possível conciliar estas perspectivas, Sr.ª Deputada? Esta é uma das minhas dúvidas.
Em terceiro lugar, a Sr.ª Deputada diz que o aborto não é uma amputação da vida que vai nascer, mas,

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entretanto, diz também que quem tem o direito de decidir. sobre essa vida é a mãe, que genericamente serão os pais e, eventualmente, até a sociedade. Diga-me, então, Sr.ª Deputada, onde acabam os limites de decisão sobre o direito à vida.
15so não será uma solução que sabemos onde começa mas que não podemos, jamais, saber onde termina?
Em quarto lugar, embora V. Ex.ª, tenha partido do princípio de que quer no plano científico quer, eventualmente, no plano teológico não é possível determinar com exactidão o momento do início da vida - e creio que quer num quer noutro estamos bem mais avançados do que aquilo que a Sr.ª Deputada parece supor, pois mesmo Santo Agostinho em que V. Ex.ª se estribou parece, segundo diz aqui o meu colega, não partilhar inteiramente as suas opiniões -, gostaria de lhe perguntar o seguinte: não considera a Sr.ª Deputada que na dúvida devemos defender a vida e não a morte?
Se não sabemos quando começa a vida humana devemos adoptar uma posição que não a ponha em causa e não uma que a elimine.
Eram estas as questões que lhe queria colocar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado Gomes de Pinho, pode acusar a minha intervenção de tudo menos de falta de seriedade. Nem de falta de seriedade nem de falta de experiência, como sabe.

Como é do seu conhecimento sou casada mas muito mais importante do que isso é o facto de que encontrei o meu marido no grupo que trabalhava pela Acção Católica no bairro de lata na Quinta da Curraleira. Quando me casei tinha já ideias assentes sobre o assunto. 15so foi há muitos anos, quase 40, Sr. Deputado creio que o senhor é ainda mais novo.
Em minha opinião a experiência da vida é importante para as coisas, para aquilo que o Sr. Deputado chama tolerância ética. Não tem nada a ver com as convicções. Podemos ter as nossas e são tanto mais fortes quanto mais tolerantes soubermos ser.
A expressão «tolerância ética» não me pertence. Não a escrevo, não faz parte do meu estilo, mas assumi-a como minha e, portanto, o Sr. Deputado tem todo o direito de se referir a isso. A tolerância ética a que o Luís Moita se refere é, a meu ver, a tolerância que é preciso ter na escolha daquilo que são valores éticos.
O Sr. Deputado colocou-se sempre na posição de que não havia abortos em Portugal e que estávamos aqui a legislar o aborto, isto é, a dizer às mulheres:

Abortem pois estamos com excesso de gente; não temos escolas para as crianças que nascem; o nosso ministério não forma professores; estamos atrapalhados; temos um nível de vida desgraçado; estamos empenhados; a emigração está fechada e portanto quanto menos gente cá houver melhor. Portanto, minhas senhoras, façam o favor de abortar!

Como sabe, Sr. Deputado, não é nada disso! Não voltarei a uma conversa que, pessoalmente, me é desagradável e dolorosa. E quero dizer, já agora, que ontem fiquei de tal maneira chocada com a intervenção do Sr. Deputado do PSD que nem pude fazer-lhe perguntas. Cada um tem a sua sensibilidade ...

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Dá-me licença, Sr.ª Deputada?

A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Obrigado Sr.ª Deputada.
Penso que o grande mérito da sua intervenção foi o de colocar esta discussão noutro plano e parece-me que isso é um pouco contraditório com o facto de V. Ex.ª vir agora dizer que nas perguntas que fiz coloquei na posição de muitos deputados que ontem abordaram o problema, precisamente, nessa perspectiva a meu ver, estrita e reducionista.
Era no plano em que a Sr.ª Deputada se colocou, de emissão de juízos ético-jurídicos, de valor, que gostaria de a ver responder às minhas perguntas.
Agora, se a Sr.ª Deputada me vem responder a um assunto que tratou num plano ético-jurídico, num plano amplo, cultural, com a circunstância de existirem não sei quantos mil abortos clandestinos, de existir um conjunto de condições sociais que não negamos, mais, que reconhecemos e para os quais tomos propostas de solução, penso que estamos a perder uma boa oportunidade para, pelo menos em alguns momentos deste debate, podermos abordar alguns tipos de questões que julgo ter a Sr.ª Deputada pretendido levantar na sua intervenção. Os outros tipos de questões foram aqui já amplamente debatidos e creio que hão-de continuar a sê-lo.
Muito obrigado, Sr.ª Deputada.

A Oradora: - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa se reduzi a profundidade e a serenidade da sua intervenção. De facto, quando o Sr. Deputado me pergunta se escolho a vida ou morte, dá-me a sensação que se está a colocar nessa posição. É evidente que escolho a vida.
Existe no entanto uma pequena diferença - e nesse ponto estamos de acordo: é que eu não acredito nem tenho razões para acreditar que haja vida aos 3 meses. Esta é a grande divisão que no essencial se coloca entre nós, já que depois no plano formal haverá muitas outras.
Mas o que sei é que há a vida da mãe e do pai ou do progenitor.
Ao contrário daquilo que o Sr. Deputado disse não concebo que nasçam filhos sem amor. A minha intervenção é pela vida, mas não se sabe muito bem ao certo quando é que ela começa e acaba. Sabe-se quando é que o corpo se destrói. Dizia-me, aliás, um colega que é médico e que se encontra por acaso aqui a ouvir-nos e que no ano passado participou neste debate, uma vez que eu me encontrava doente e por isso infelizmente não podia intervir que não há nada com mais vida do que um cadáver, já que nesse estado as células se aceleram e se vivificam. É uma coisa um bocado desagradável mas verdadeira.
Existe um livro muito interessante, que lhe aconselho para as férias e que a mim me divertiu muito, que é o livro do Lapassade que se chama L'entrée dans la vie. Nessa obra o autor refere que passamos a vida a entrar na vida e talvez entremos nela no momento em que morremos.

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O assunto é demasiadamente problemático e a situação que se discute aqui na Assembleia nesta altura é uma situação social.
E evidente que uma lei destas não vai resolver nada se continuarmos com as escolhas culturais e com as opções que este poder faz.
No entanto e embora sem resolver nada trata-se de um passo em frente.
Há pelo menos que despenalizar as pessoas que são hoje culpadas pela nossa inépcia nesta Assembleia.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Tomaz Espírito Santo para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Tomaz Espírito Santo (CDS): - Sr.ª Deputada, em relação ao seu último comentário-resposta ao meu colega Gomes de Pinho, gostaria de lhe dizer que lamento que V. Ex.ª não tenha assistido a uma conferência do prof. inglês Bonard feita aqui na Biblioteca Nacional sobre o problema da vida. Este professor é médico ginecologista e tem-se dedicado ao estudo destes aspectos. Talvez então se tivesse assistido à conferência, a Sr.ª Deputada tivesse ficado um pouco mais esclarecida sobre os aspectos que se prendem com o início da vida.
Não era no entanto sobre isto que eu queria pedir um esclarecimento.
Creio que todos têm conhecimento de que no mundo actual há movimentos muito grandes e dinâmicos a favor da vida. Julgo além disso que não é desconhecido que foi preparada a Declaração dos Direitos da Criança Não Nascida apresentada no Conselho da Europa e aprovada em 1978.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Outra mistificação.

O Orador: - Creio que grande parte dos meios de comunicação social e outros movimentos fazem tábua rasa desta Declaração dos Direitos da Criança Não Nascida.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E preciso lata! ...
A este propósito gostaria de perguntar à Sr.ª Deputada se não acha que em vez de estarmos a perder tempo com esta questão da despenalização do aborto, nos deveríamos esforçar por resolver os problemas e atacar as suas verdadeiras causas. Penso que esta era a melhor atitude.

Vozes do PCP: - Ah! ...

O Orador: - Perguntava à Sr.ª Deputada qual o melhor conselho a dar a uma senhora grávida com grandes preocupações.
Não sei se a Sr.ª Deputada tem conhecimento de que em alguns países junto de clínicas oficiais que aceitam fazer o aborto, existem centros de acolhimento privados que convencem as senhoras, antes de se dirigirem à clínica para abortar, a terem uma conversa com assistentes sociais, ou seja, com alguém que sabe alguma coisa acerca deste problema. E felizmente que a maior parte das senhoras que se dirigem a essas clínicas desistem de fazer o aborto.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Montem cá isso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado, penso que a nossa posição, e mesmo alguma outra particular que expus aqui, está suficientemente explicita, assim como penso que a do CDS o está também.
Sobre este último ponto que o Sr. Deputado aflorou e que me parece aquele que tem mais interesse, gostaria de lhe dizer que eu própria propus há muitos anos, utopicamente é claro, como aliás hoje todos continuamos a propor, que se fizesse exactamente um serviço desses, não para os partos mas para os imigrantes. De facto propus que houvesse junto dos gabinetes de imigração um serviço de acolhimento, de orientação profissional e de responsabilização dos patrões, perante aqueles que imigravam por não ter trabalho e não clandestinamente, mas através do aparelho do Estado.
Foi realmente um grande escoamento que se fez em Portugal, estando nós hoje a sofrer grandes consequências disso.
Penso que um serviço de esclarecimento corresponde sempre a um Governo que tem sim os valores culturais necessários, para poder fazer uma política democrática.
Era tudo quanto queria dizer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jardim Ramos para um pedido de esclarecimento.

O Sr. jardim Ramos (PSD): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, ouvi-a dizer que aos 3 meses não havia vida.
Penso que a Sr.ª Deputada sabe que o embrião humano tem o mesmo número de cromossomas que tem um homem de 30 anos ou um velho.
Se assim é, é ou não o embrião uma vida humana?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Nasceu um cientista!

Vozes do PSD: - O Magalhães sabe tudo!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Deputado, estas coisas são extremamente complexas, aliás como tudo, mas a vida humana, é talvez a única coisa que ainda não conseguimos dominar. Será talvez essa a nossa sorte e por isso continuamos a acreditar, a ter esperança e a lutar, porque o que é importante e essencial na vida humana é superar e temos sempre possibilidades de um dia termos mais certezas do que temos hoje.
Em todo o caso tenho aqui uma passagem de um livro para padres e leigos de um professor Häring que diz o seguinte:

Os teólogos e médicos católicos têm a mesma convicção na fase inicial da gravidez de que não estamos ainda perante uma pessoa humana no sentido integral.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho para um protesto.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura: uso a figura do protesto não tanto para protestar contra a substância das suas afirmações, mas contra este Regimento e sobretudo contra esta forma de organização do debate que limita a própria possibilidade de a Sr.ª Deputada esclarecer completamente o seu pensamento.
Peno que isso é grave. Não lhe é imputável a ai, mas a todos quantos pretenderam escamotear a importância nacional deste debate e limitá-lo nas baias estreitas que esta Assembleia não tem usado para debater questões bem menos importantes.
Mas isso penso que é matéria sobre a qual eventualmente tanto a Sr.ª Deputada como eu estaremos de acordo, não nos dizendo directamente respeito - pelo menos não somos por ela directamente responsáveis.
No fundo, Sr.ª Deputada, a minha dúvida essencial é no sentido de saber como é que a Sn e Deputada concilia atitudes que são intrinsecamente contraditórias. E, Sr.ª Deputada, não terá sido essa a razão que, sendo a Sr.ª Deputada reconhecidamente uma pessoa especialista ou conhecedora destas matérias, tendo na sua vida um compromisso fundo na discussão e na resolução de problemas sociais em que estão em muitos casos envolvidas estas questões, impediu o MDP/CDE de apresentar aqui um projecto sobre esta matéria?
A Sr.ª Deputada não me esclareceu e creio que isso seria importante para o decurso e a compreensão das suas posições- se está de acordo com o projecto do PCP ou de acordo com o projecto do PS.
Eu pelo menos não deduzi da sua exposição e peço desculpa se a falta é minha - uma clara orientação num ou noutro sentido.
Ora penso que isso era extremamente importante para que pudéssemos compreender perfeitamente o seu depoimento, a sua intervenção e para que ela não fosse apenas uma forma de alienar um certo tipo de responsabilidades e fosse na realidade uma forma de intervir activamente nesta questão e neste debate.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): O Sr. Deputado, pede-me coisas difíceis, uma delas é que seja mais clara do que tenho sido. É-me quase impossível poder sê-lo, uma vez que todos temos as nossas dificuldades de linguagem e sobretudo de entendimento.
Quanto à limitação do tempo nesta Casa para debates importantes, temos sentido isso várias vezes e lutámos na Comissão de Regimento e Mandatos para que não fossem cortados tempos a todos nesta Assembleia e que houvesse uma maior disponibilidade democrática do que tem havido e sobretudo uma melhor organização do debate, o que também tira muito tempo.

Em relação à pergunta que me põe no sentido de saber por que é que não entregámos um projecto de lei sobre o aborto, gostaria de lhe dizer que somos um partido que se assume exactamente na sua dimensão.

Temos um bom grupo de saúde no Porto que trabalha muito pouco como é próprio dos políticos daquela terra, pelo menos pela nossa experiência e não temos em Lisboa um bom grupo de saúde. 15so impediu-nos de apresentar um projecto de lei.
É que nunca entregámos nenhum projecto nesta Assembleia que não fosse profundamente estudado. E essa a razão de resto por que só daqui a uns 15 dias é que poderemos entregar o projecto de lei relativo à autonomia da universidade.
Temos um método de trabalho lento, mais lento possivelmente do que as necessidades do País, mas é assim que nos responsabilizamos.
Quanto às diferenças entre o projecto do PS e o do PCP não seria obrigada a responder-lhe mas tenho prazer em fazê-lo.
Fizemos de facto críticas ao projecto do PCP o ano passado, críticas que mantemos este ano e que estão expressas na nossa declaração de voto.
Temos críticas a fazer ao projecto de lei do PS e apresentá-las-emos oportunamente este ano.

Não pensamos que os projectos sejam incompatíveis, que um seja pior ou mais abortivo que outro. Pensamos que um tem uma formulação mais jurídica, talvez mais vaga, e que o outro tem a preocupação de legislar como é próprio de um partido que não está no Governo.
0 PS limitou-se a fazer linhas gerais, porque está no Governo e pode regulamentá-lo.
Penso que o importante era que com a ajuda do CDS e de todos, porque ela é precisa num problema destes, os 2 projectos descessem à Comissão e fossem seriamente debatidos. Essa é que seria, quanto a mim, a maneira de tratar o problema, não politicamente mas com a responsabilização que ele merece.

O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha para um protesto.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Tenho de prescindir da palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado? Lopes Cardoso?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa e explicar que o meu camarada Octávio Cunha prescindiu da palavra a meu pedido, pela razão simples de que ontem se estabeleceu aqui uma praxe, invertendo o que até esse momento se tinha feito no sentido de que não se poderiam fazer protestos em relação a pedidos de esclarecimento formulados ao deputado que tinha intervindo.
Penso que é preciso que existam regras claras. Não queremos retroceder e entrar agora numa política diferente. Aceitamos aquilo que ontem ficou aqui estabelecido e, por isso mesmo, o meu camarada prescindiu de formular o protesto que tinha solicitado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso não foi uma praxe que se estabeleceu ontem. Ela já vem de algum tempo, mas é evidente que se os Srs. Deputados en-

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tenderem que é permitido a um mesmo deputado fazer 2 protestos embora a 2 intervenções diferentes a Mesa não tem nada a opor-te. Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, eu tinha pedido a palavra para fazer um curtíssimo contraprotesto à último intervenção da Sr. Deputada Helena Cidade.

O Sr. Presidente. Ao abrigo regimental isso não é possível. Sr. Depurado, portanto não lhe posso conceder a palavra para esse efeito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho para uma intervenção.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): -Sr. Presidente, Sn. Deputados: Na cão do recente Código Penal que nos rege, por se que o mesmo circunscreve o âmbito do criticamente punido a um mínimo tendencialmente coincidente com o espaço de consenso insisto em toda a sociedade democrática.
£ não é por acaso, antes por se aceitar o lugar prioritário que ao homem é reconhecido no mundo normativo, que a mais especial do Código Penal, aquela em que "a comunidade politicamente organizada eleva determinados valores à categoria de bens jurídicos", abre justamente pelos "Crimes contra as pessoas" (título i), entre eles se incluindo, n.º 2 primeiros capítulos, os crimes contra a vida e cor rã a vida interina.
Quer isto dizer que a sociedade portuguesa, politicamente organizada, estabeleceu no Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro, como espaço de consenso democrático -e no respeito, aliás, do que entre nós é uma longa e firme tradição jurídica-, que as condutas atentatórias da vida intra-uterina. seriam passivas de punição.
Ora, o problema que nos é posto pêlos projectos de lei n. 7/III. do PCP, e 265/111. do PS. e a proposta que à partida os mesmos projectos nos fazem consiste, muito claramente, na desqualificação da categoria de bens jurídico-penais de certos valores, com a consequente despenalização das condutas sociais que os ponham em causa, ainda mesmo que consciente e voluntariamente.
Todos sabemos que valores são esses e todos sabemos de que condutas sociais se trata.
São os valores da vida que estio em causa e com eles, o modelo de sociedade em que vivemos e desejamos conviver, sendo as condutas sociais a que nos referimos aquelas que põem frontalmente em causa esses mesmos valores da vida e que apontam por forma consequente para um tipo de sociedade bem diverso daquela onde nascemos e onde muitas esperanças de vida ficarão pelo caminho.
De facto, numa sociedade em que o aborto seja permitido ou, embora considerado socialmente danoso, não seja punível, poder-se-á dizer que um processo de desumanização se encontra em curso.
Aceitar que alguém possa livre e voluntariamente pôr fim a uma vida gerada no ventre de sua mie sabendo-se, como se sabe, pois o diz a ciência, que a vida começa no momento da concepção, seria um abrir de portas a uma nova visão sobre o mundo e a vida, claramente regressiva e não progressiva, desumana- e não humanista e tributária de valores negativos aqueles que se traduzem em demissão
dês, em enfraquecimento do espírito certo de degenerescência colectiva. ;;o Penal a protecção jurídica traduz exigência do respeito pela vida lógico da própria afirmação abilidade desta seria, também, por

[...]

[...]

tos e, também, o alto grau d uma lei deve ser portadora t sociedade a que se dirige" ma pôr e em dúvida princípio proteger os mais fracos perante sobrevalorar a saúde face à idade de que época de uma nos que devam
Os mais poderosos, ou vida o desejo perante o dever, ou o direito de dispor livremente de um filho gerado face ao direito deste, de nascer.
Quando o legislador cede perante parlamentais como aqueles de que tara a esquecer-se de que o [...] esqueceste de que as civilização deixam de assentar no respeito.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito bem!

Orador: -Transigir neste terreno não correspondera, também, a alimentar os adeptos de novas incursões liberalizanses - no mau sentido da palavra -, até se chegar à licitude da eutanásia, do uso da droga ou ao restabelecimento da pena de morte?

Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No princípio de direito natural que nos impõe o irrefutável dever do respeite pela vida humana, incluindo neste conceito o dê vida humana [...] pois, o nosso ponto de vista sobre : que se mantenha no Código Penal com a prática do aborto.
Não desconhecemos a objecção também portadora de fortes preocupar social e que a isso se opõe ... considera como frágil a legislação , por um lado, deixa na impunidade consabido - e milhares de abortos e, por outro lado, na minimamente para alterar essa dolorosa cidade social do aborto clandestino, com seu cortejo de trágicas consequências, pé: n te a qual os poderes públicos não podem demitir ou ficar alheios, nem a consciência colectiva ou tal adormecer no travesseiro da indiferença.
Vários argumentos se contêm na objecção rida. mas nenhum deles procede, a nossa vez.
Partir da ideia da impunidade de [...], ainda que numerosas, para com necessidade da sua classificação como crimes carácter obsoleta da lei equivaleria, par exemplo, a aceitar-se a despenalização do uso da droga, peto reduzido número de casos que são objecto de punição, em relação ao número de ilícitos cometidos.

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Por outro lado, legitimar uma prática, por muito repetida, seria esquecer as razões últimas da definição da sua ilicitude, que nunca radica ou nunca radica só no maior ou menor número de casos em que tem lugar mas, antes, na natureza dos valores atingidos e que se entende deverem assumir o carácter de bens jurídicos que a lei deve proteger.
Acresce que a prevenção de condutas criminosas que constitui, como é sabido, um dos fins essenciais das penas, não é alcançável somente através do estatuído nas normas penais.
Se se pune o furto, por exemplo, não só com a ideia ou finalidade de retribuir ao agente o mal do crime, mas também com a finalidade de o prevenir, não fica por isso dispensado o Estado de, por outros meios, evitar até à raia do possível que se mantenham as circunstâncias de penúria social, cultural e económica que levam à prática desse crime.
Assim, também não é, do nosso ponto de vista, nas leis penais, que deve o Estado descansar perante o problema do aborto.
Nelas se deve erigir à categoria de bem jurídico o inestimável valor da vida humana e estabelecer as sanções que visem, além do mais, a prevenção de ordem geral e a punição de quem o viole.
Mas a prevenção da prática desse tipo legal de crime deve fazer-se, sobretudo, a outros níveis. A nível da educação sexual, da implementação eficaz e alargada de um sistema esclarecido e eficaz de planeamento familiar, da protecção à maternidade e à paternidade e da criação de todo um conjunto de condições propiciadoras do usufruto de um estatuto social, económico e cultural, que desincentivem a mulher da prática anti-social do aborto.
A nossa posição perante o problema é, assim, de ordem positiva, não nos compadecendo com a salvaguarda do valor da vida através da lei penal, nem advogando os métodos policiais como mezinha social.
Manter a seguir a via única da repressão, além de não ser eficaz em relação ao mal que nos preocupa, seria sempre uma má política.
Por isso nos dispomos a contribuir para a aprovação de todos os projectos ou propostas de lei que, na nossa perspectiva e na respectiva economia de preceitos, visem prevenir o maior número possível dos abortos, exigindo ao mesmo tempo do Estada que cumpra cora eficácia as tarefas que constitucionalmente lhe incumbem e sem a implementação das quais o flagelo social do aborto continuará a ser uma triste realidade apesar na consciência de todos os portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os 2 projectos de lei em debate sobre a interrupção da gravidez, tendo pontos que podem considerar-se comuns, são distinguíveis quanto a muitos outros e julgamos não os interpretar abusivamente, ao dizer que são diversas as motivações e diversos também os fins visados o que corresponde naturalmente, ao posicionamento político e ideológico de ambos os partidos apresentantes, claramente diferenciados.
Como justificante desta análise, bastaria atentar na circunstância de só o projecto do PCP preconizar a interrupção voluntária da gravidez por razões de ordem económica, inteiramente desacompanhada, ao menos na justificação de motivos, da promessa do restabelecimento da criminalização do aborto quando se verifique o «crescente bem-estar material» da mulher trabalhadora, que serviu, como se sabe, de fundamento ao Decreto do Soviete Supremo de 27 de Junho de 1936, o qual pôs termo à liberalização do aborto verificada na União Soviética em 1920, a partir do «decreto sobre a protecção da saúde feminina».

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Por outro lado, o PCP adoptou o critério da apresentação de um projecto de lei autónomo, em relação ao Código Penal, via, aliás, mais consentânea com a filosofia informante do projecto, enquanto que o PS parte do pressuposto de que o aborto é em si mesmo um crime, que deve, todavia, ser despenalizado em certos casos, que em justificação de motivos se diz textualmente situarem-se no limitado espaço identificável com situações de conflitos de valores e por isso se aceitando, em certos termos e limites, o sacrifício de um valor a outro que jurídica ou socialmente lhe seja sobreponível.
Também não nos damos conta desses conflitos de valores, só que os resolvemos a uma outra luz e no respeito por outros princípios.
Assim, é para nós indubitável que o bem da vida é sobreponível ao bem da saúde ou da honra da mãe.
Daí que a não penalização do aborto em caso de violação, deva continuar a apreciar-se no tribunal, onde as causas que excluam a ilicitude e a culpa devem ser apreciadas.
Por muito sensíveis que sejamos e somos à situação humilhante de uma mulher violada, entendemos não ser sobreponível à honra da mulher o direito à vida do filho que gerou.
De resto, todos sabemos que não são numerosos no nosso país os casos de violação. Sabemos também que são ínfimos aqueles de que resulta a gravidez e o novo preceito estaria destinado a uma rareiam aplicação.
Também a saúde da mulher, por mais que a prezemos e a devamos defender não nos parece ser um bem sobreponível à vida do seu filho, ou a saúde deste sobreponível à sua própria vida, com o que nos parece mal resolvido o conflito de valores verificável nos casos que o projecto do PS se propõe despenalizar.
Não estamos ainda seguros de que, apesar da aparente modicidade dos casos de aborto lícito configurados no projecto, este pudesse minimamente contribuir para a redução dos abortos clandestinos.
A experiência comparada mostra como a legislação sobre o aborto não contribui para a redução daqueles, já que as motivações básicas são as mesmas: evitar a publicidade da gravidez por razões familiares ou de honra e, por vezes, por razões económicas.
Por outro lado, tememos que à sombra da licitude considerada para certos casos, o aborto se banalize, e que funcione mesmo como meio de controle dos nascimentos.
Finalmente, estamos convictos de que, se este projecto de lei for aprovado, ele contenderá com a consciência da maioria das pessoas do País, as quais se reclamam de valores cristãos e reconhecem a vida como o primeiro de todos os valores e como o principal de todos os direitos fundamentais do homem.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Só confusões!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As posições de princípio que acabei singelamente de enunciar só a mim comprometem e assumo-as com uma

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única vassalagem: a da minha consciência e acompáttho-as com a afirmação do meu muito respeito pelas posições alheias.

E que também eu, como a escritora Pearl Buck, «temo o poder de escolha sobre a vida e a morte em mãos humanas».

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados José Gama, Horácio Marçal, Marques Mendes, Fernando Amaral, Tomaz Espírito Santo, Gomes de Pinho, Nogueira de Brito, Azevedo Soares, Narana Coissoró e Hernâni Moutinho.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.

O Sr. José Gama (CDS): -Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, o seu discurso foi uma afirmação inequívoca da defesa do direito à vida. Já o ano passado ou há 2 anos V. Ex.º teve a coragem de, com a mestra clareza, trazer a esta Câmara um discurso com a dimensão deste.

Dir-me-ão que a coragem não se felicita, reconhece-se. Mas nestes tempos que correm, nestes tempos em que se perdem determinados valores, a coragem continua de pé para o Sr. Deputado, assim como para muita gente, pois o problema que estamos hoje a abordar não é parte química que possamos deitar paia o caixote das coisas sem importância.
O Sr. Deputado afirmou implicitamente que os princípios não se leiloam, não se negoceiam.
Queria apenas perguntar-lhe, porque me subsistiram pequeníssimas dúvidas, se é apologista do princípio de que a vida humana começa no momento da concepção, repudiando por isso aquelas teorias chamadas da humanização progressiva.
Em segundo lugar, gostaria de saber se, quando na televisão ouve dizer repetidas vezes a alguns partidos que «o aborto para nós também é proibido, isso não é aquilo que lhe responderão, por exemplo, se telefonar para a Roménia, onde os seus habitantes dizem, como já me disseram a mim, que «o aborto aqui também é proibido», quando se sabe, todavia, que uma mulher oom menos de 40 anos de idade e com 4 filhos pode abortar à vontade ...

A Sr.º Zita Seabra (PCP): - Os homens é que não! ...

O Oraaoa: - au: com mais de 40 anos de idade, pode abo:tar ;..taor e que nas outras circunstâncias só pode aboaz, em casos de doença mental ou grave.
O Sr. Deputado quase que implicitamente me respondeu quando disse que, abrirmos um pequeno portão ao aborto, é banalizarmos a sua prática, na linha aliás daquilo que, em 1971, o Congresso Internacional Sobre o Aborto, em Bruxelas, disse.
Nós não podemos esquecer os ensinamentos da História: é que, nos países onde o aborto foi liberalizado, a sua 'prática levou a que o mesmo tivesse lugar em casos que na altura não cabiam no espírito do legislador.
Eram estas as dúvidas que queria colocar ao Sr. Deputado, salientando uma vez mais a sua frontalidade e coragem.

1 SERIE-Vl)SIERO 68

U, -:ute: - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, : .ºsponder rio fim de todos os pedidos de esclarecia.. .

O Sr. Viir.:na de CarJho (ASDI)- --- 5;m, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a . - Sr. Depu
tado Horácio Marçal.
O Sr. Horácio Marçal (CDS): - º -
lhena de Carvalho, algumas das qc ,s:
queria colocar já foram postas pelo nrcu . ..
cada José Gama ...

Vozes do PCP: - Pode repetir!

O Orador: no entanto queria acrescentar algo
mais.
Embora com a limitação de que o avanço no conhecimento torna incomensurável o desconhecimento quanto à origem da vida, o certo é que, quanto à concepção, está cientificamente demonstrado que a
começa na fecundação.

A Sr. Zita Seabra (PCP): - Outrc !

O Orador: - Na continuidade d< 4u;

colega José Gama disse, queria acra; _ , queno pormenor.

O Sr. Deputado preocupa-se, assim cor... uma parte sensível desta Câmara, com o facto de, a,:- abrirmos uma o;:;cluena fenda, irmos inundar 4.. grande car .; .

idigal Amaro (PCP): -Onde é que eu já ou , i ISSO: ...

O Orador: - ... e permitir que, a coberto de determinadas atitudes médicas, se vá entrar no campo da liberalização do aborto.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Essa é rova'

O Orador: - Não é nova, é velh.
Temos portanto que atender a t -
...

que está correctíssimo, e também aqui sido menosprezado, ou seja, a ..,

mulher sujeita a abortas consecutiv _ c; cer-
teza, de problemas de saúde grau: .,.:sotutamente
irrecuperáveis.
Um planeamento familiar, uma edts-;:ajo sexual e uma protecção à grávida é que devem :atar no princípio destas questões, nesta Assembleia.

A Sr.º Odete Saº ºcs (PCP): - Mas em 1982 votaram contra!

O Orada

nos pode tões que

OS-.-
Sr. G.

O

de saber se o Sr. Deputado

,:oisa sobre algumas dai ..^,ues-

_i,o (PCP): - Só gast. _,.

ae: - Tem a palavra o Sr. Deputado

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O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, ouvi atentamente a sua intervenção, como, aliás, li atentamente a sua intervenção que aqui produziu sobre a mesma matéria em Novembro de 1982.
Começou por situar na sua intervenção o problema no âmbito do Código Penal, onde se consagra a ilicitude do crime do aborto como um crime contra a vida intra-uterina.
O Partido Socialista apresenta o projecto de lei como causas de exclusão da ilicitude. Também na parte geral do Código Penal temos causas de exclusão da ilicitude.
Sr. Deputado, essas causas no projecto de lei do PS são ou não muitas daquelas que poderão, analisadas caso a caso, encontrar-se na perle geral do Código Penal?
Toda a causa de exclusão da ilicitude necessita de controle do tribunal. Pergunto: perante o projecto de lei do PS, esse controle pode ou não ser feito e, não podendo ser, não caímos perante a total legalização?
Aludiu também ao flagelo do aborto clandestino. E uma realidade que não podemos esconder, mas queria perguntar-lhe se entende que é com projectos de lei carro os que agora estão em debate que se resolve o problema do aborto clandestino. Acha que é possível eliminar essa causa?
Referiu também o decreto de 1936 na União Soviética. Queria perguntar-lhe se as leis de despenalização do aborto não foram, em muitos casos, ditadas por razões de controle de natalidade, que nada tinham a ver com problemas como os que são suscitados, e se, em muitos desses casos, depois de liberalizado o aberto, o aborto clandestino não aumentou. Cito-lhe uma referência feita par um ex-Ministro da Saúde do Japão que disse que depois de liberalizado o aborto se verificou, através de estatísticas, que o aborto clandestino tinha aumentado. Na sua intervenção, V. Ex.ª deixou estas questões afloradas, mas agradecia que as concretizasse.
Termino, congratulando-me com a sua intervenção, que foi clara, precisa e trata as coisas com a frontalidade que problemas desta natureza devem ser tratados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Amaral.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, devo dizer que, através do desenvolvimento daquilo que tive a oportunidade e o prazer de ouvir, talvez já se não justificassem as perguntas que me tinham suscitado ás primeiras palavras que proferiu. E que a princípio julguei que V. Ex.ª se iria apenas limitar aos argumentos de ordem formal arrancados necessariamente da sistemática jurídica do nosso Código Penal. Verifiquei depois, felizmente para mim, que subira mais alto para ir buscar as razões fundas e filosóficas que, de algum modo, estão na base da criação dos preceitos penais do sector que o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho evocou.
Se bem que tudo quanto disse tenha a minha inteira concordância, e daí o facto não só de aproveitar também, tal como o Sr. Deputado José Gama fez, a homenagem que pela minha parte lhe é devida mas também para lhe agradecer a forma clara e imperecível como desenvolveu todas as ideias que aqui veio trazer como contributo frio para a discussão deste problema, ficou-me alguma dúvida, apegas na sombra.
E aquilo que me tinha ficado na sombra são apenas 2 aspectos. Um deles refere-se à desumanização. Este conceito precisa, sem dúvida, de ser melhor tratado. 1E preciso definir melhor o respectivo perfil para que saibamos em que quadro devemos fixar as ideias do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, embora pelo desenvolvimento das afirmações feitas, invocando necessariamente, como tão brilhantemente fez, razões de ordem moral e sobretudo em função do sentimento desta nossa civilização que se invoca determinada profissão de fé e encontro aí desde logo e explicação para o fenómeno -, mas gostaria que o Sr. Deputado porventura levasse, se poder e julgar pertinente, um pouco mais longe a definição deste perfil.
Uma outra questão que se me levanta refere-se à eficácia da norma pelo facto de se ter também constatado que há um não cumprimento generalizado da mesma. Pergunto se esse não cumprimento é razão suficiente para se revogar a norma e se a sua eficácia, sobretudo, o seu poder vinculativo, se mede ou não exclusivamente pelo cumprimento generalizado.
Estas duas questões encontro-as, ao fim e ao cabo, em toda a lógica do seu pensamento aqui desenvolvido, suficientemente claras, No entanto, se porventura me quiser brindar com um melhor esclarecimento na perfeição do conteúdo destes conceitos, ficar-lhe-ei muito grato.

Vozes do PSD. - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Tomás Espírito Santo.

O Sr. Tomás Espírito Santo (CDS): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, quero dizer-lhe que, quando o ano passado estudei os debates sobre este assunto, vi 3 notáveis intervenções: a do Prof. Jorge Miranda, a do Dr. Oliveira Dias e a de V. Ex.ª
Servi-me deles até pare determinados trabalhos que tive de executar e fiquei satisfeitíssimo ao vê-lo hoje aqui a abordar novamente problemas sobre os quais temos que nos debruçar.
O Sr. Deputado referiu que estão em causa valores da vida e com eles o modelo de sociedade. Referiu-se também a que, com a aprovação destes projectos de lei, com certeza corremos o risco de nos deixarmos engrenar no processo de desumanização que está em curso. E é verdade. O Sr. Deputado sabe que em toda a sociedade actual, como há pouco referi, há movimentos a favor da vida que tentam engrossar. Mesmo em Portugal os movimentos estão a proliferar e a dinamizar-se.
Pergunto: como é que vê a possibilidade da acção do Estado, a título subsidiário, em relação a estes movimentos familiares que, felizmente, estão em curso?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, não fora o carácter quase mecanicista do funcionamento de certos grupos parlamentares desta Assembleia e não fosse outro, que não o da liberdade de consciência, o critério da determinação de muitos dos deputados que aqui têm assento e, estou convencido, a intervenção de V. Ex.ª teria contribuído,

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de uma maneira muito clara e evidente, para reforçar a vossa convicção de que os projectos de lei que estão em discussão não passariam.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora essa!

Vozes do PS: - Essa agora!...

O Orador: - De qualquer maneira, penso que a sua intervenção nos permitiu reforçar uma outra convicção que no nosso grupo parlamentar está muito arreigada: é que podemos aqui ser derrotadas pela força dos votos, mas as nossas convicções não serão vencidas.

O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado, gostaria de lhe pedir um esclarecimento relativamente a um ponto da sua intervenção que não me pareceu suficientemente desenvolvido ou fundamentado. Ele tem a ver com a referência que o Sr. Deputado fez quanto às diferenças que. existem entre os 2 projectos de lei aqui em apreciação.
Estou inteiramente de acordo que há evidentes diferenças formais, estou inteiramente de acordo que há algumas diferenças de formulação, mas penso que essa não é a questão essencial. A questão essencial é a de saber se, na substância, os 2 projectos de lei são essencialmente diferentes.
Gostaria de o confrontar com a opinião de alguém que, penso, podemos considerar uma intérprete autêntica do projecto do Partido Socialista, a escritora Maria Belo, e que diz, hoje, no Diário de Notícias o seguinte:

A meu ver, o projecto do PS não despenalizará um número diminuto de abortos clandestinos, pois nos 4 casos tipo que serão legalizados inclui-se um (o que se refere aos danos na saúde física e psíquica da mulher), cuja interpretação tem sido feita de uma forma não restritiva. Por exemplo, uma mulher de escassos recursos económicos que engravide pode ser tomada de uma angústia tal que o seu relacionamento com o meio ambiente
nomeadamente com o marido e os filhos sofra desequilíbrios de graves repercussões para o seu bem-estar psíquico. Penso que esta é a perspectiva correcta de encarar o projecto, deixando-se ao médico um exame caso a caso. O seu conceito de saúde determinará a decisão final, mas temos de levar em linha de conta que entre a nossa classe médica é geralmente pacífica a definição da Organização Mundial de Saúde que caracteriza a saúde não como uma ausência de doença, mas como a disponibilidade de todos os recursos físicos a psíquicos para gozar a vida em plenitude. Todos os factores que perturbem esta sensação de bem-estar consigo mesmo e com os outros são factor de doença. O aborto clandestino pode ser um deles.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, vou arriscar-me a repetir o que porventura aqui já tenha sido dito para, muito brevissimamente, louvar o discurso de V. Ex.ª.
Aliás, quero dizer-lhe que nos habituámos a encarar, com profunda admiração, a forma dedicada, séria e frontal como V. Ex.ª e os seus colegas de bancada exercem o seu múnus de deputados.
O discurso de hoje foi mais um exemplo dessa atitude que, como deputados, têm tido nesta Assembleia e que muito me apraz registar.
Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, só pedia a sua atenção e, se possível, o seu esclarecimento para 2 aspectos que foram abordados no seu importante discurso feito no Parlamento.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª referiu criticamente a tentativa daqueles que pretendem caminhar no sentido de despenalização com base na observação ou na verificação do facto de ser diminuto o número de casos em que a norma penalizadora é aplicada.
No fundo trata-se não mais do que tentar conferir aos factos valor normativo e isso seria extremamente perigoso, como suponho que foi sublinhado por V. Ex.ª com eloquência suficiente.
No entanto o Sr. Deputado sabe que esta tentativa se insere em certas correntes de política criminal que, em relação aos chamados crimes sem vítima, procuram encontrar aqui o caminho certo que conduz à despenalização do aborto, como exemplo que V. Ex.ª deu da despenalização da droga e que poderia ser um resultado deste tipo de orientação.
Gostaria que V. Ex.ª situasse o problema do aborto e o problema de conflitos de bens, que também soube sublinhar em relação à despenalização do aborto, nesta corrente despenalizadora que procura enquadrar o aborto numa das modalidade de crime sem vítima.
Por outro lado, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho. queria focar um outro aspecto relacionado com o que acaba de dizer o meu colega de bancada Gomes de Pinho e que diz respeito ao conflito de bens jurídicos.
V. Ex.ª salientou que os 2 projectos eram diferentes. Também eu ontem disse que os 2 projectos eram diferentes e que considerava isso uma vitória para a causa dos que combatem a despenalização do aborto.
Mas, no entanto, Sr. Deputado, pergunto-lhe o seguinte: no que respeita à opção que se faz em matéria de hierarquização de bens jurídicos não considera igualmente grave o projecto apresentado pelo Partido Socialista?

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Com certeza que considera!

O Orador: - Eram estas duas questões que lhe queria deixar, Sr. Deputado.

O .Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, é habitual estarmos em divergência sobre muitas coisas, sobre quase todas as coisas.
Temos tido aqui numerosos combates políticos e temos aqui manifestado divergências que não são de hoje. Já no tempo em que V. Ex.ª estava na oposição ao Governo da Aliança Democrática, essas divergência se manifestavam e por isso a sua intervenção lança alguma esperança neste debate, pois numa área onde

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nos temos manifestado quase que sistematicamente como oposição política aparece uma voz que nesta matéria vem reforçar a nossa posição de uma forma que não gostaria de qualificar por recear ficar aquém do seu merecimento.
Mas, Sr. Deputado, queria colocar-lhe algumas questões à volta de uma questão central e que tem um pouco a ver com isto. O Sr. Deputado referiu que estes projectas de lei traduziam uma visão do mundo e da vida claramente regressiva e não progressiva em que, no fundo, se adoptam soluções de facilidade desculpantes das consciências porque, tal como V. Ex.ª, também nós entendemos que o mal do aborto tem que ser combatido nas suas causas e que não podemos passar por cima disso e procurar aqui apenas sossegar consciências sobre os direitos da mulher ou sobre quaisquer outras questões.
Mas se se trata de uma questão que tem a ver com uma visão do mundo e da vida, se tem que ver com a política criminal, pergunto-lhe, Sr. Deputado, se acha que este debate pode ser travado com o silêncio habitual nesta Câmara e mesmo noutros órgãos de soberania que têm a responsabilidade de executar essa mesma política criminal, de conduzir a política geral do País num sentido ou noutro e que tem que fazer a tradução política do que esta Assembleia possa ou venha a decidir.
Acha, Sr. Deputado, que é compreensível que, quando se discutem visões do mundo e da vida, quando se discutem questões fundamentais para a cultura, para a civilização e para o nosso modo de viver enquanto sociedade, seja legítimo vermos nesta Assembleia bancadas caladas e, fundamentalmente, seja legítimo que o povo português possa passar em claro perante uma bancada vazia que apenas se limita, numa questão destas, a ir aos jornais através de reuniões que desconhecemos e a discutir noutras sedes sem vir discutir connosco esta questão fundamental?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - No fundo, Sr. Deputado, o que lhe queria perguntar é o que é que está por trás deste debate.
Se estamos, de facto, aqui a fazer um esforço enorme, digno, procurando combater com os nossos argumentos, cora as nossas convicções esta despenalização do aborto, como é que podemos aqui aceitar de bom grado e pacificamente o silêncio desta Câmara?
Não são só as posições pessoais que me interessam - essas iremos vê-las assumidas depois da votação mas também o silêncio de um órgão de soberania que tem particulares responsabilidades nesta matéria.
A questão que lhe quero colocar muito concretamente, Sr. Deputado, é esta: acha legítimo, acha normal não apenas o silêncio mas também a ausência de debate nesta matéria?

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró para pedir esclarecimentos.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, quando ontem aqui perguntei ao porta-voz do Partido Socialista quais eram os conceitos ou a subsunção dos factos que poderiam ser incluídos nos conceitos que enumerei e estão no articulado do PS, a resposta veio sob a forma de acusação de que eu estava aqui a expressar os pontos de vista da Igreja.

Naturalmente não tenho nada a ver com a Igreja. Toda a gente o sabe. Nunca defendi, em parte alguma, na minha vida pontos de vista da Igreja. A Igreja defende os seus pontos de vista através dos seus ministros e dos seus porta-vozes. Em todo o caso, quando eu disse que o articulado do Partido Socialista era muitíssimo mais perigoso do que o do Partido Comunista, toda a gente achou que estava a fazer uma afirmação política. E era uma afirmação política porquê?

Porque o articulado do Partido Socialista ia passar e o articulado do PCP ia ser derrotado e, portanto, era do interesse do CDS dizer, urbi et orbi, que passou o articulado mais perigoso!

Mas a resposta não tardou e é pena que o Sr. Deputado Manuel Alegre não esteja cá, porque o perigo que exactamente ontem aqui aflorei vem hoje escarrapachado no Diário de Notícias que o meu colega de bancada, Sr. Deputado Gomes de Pinho, leu para satisfação de todos.

Quando se diz que não há diferença substancial entre o projecto de lei do PCP e o do PS, porque dentro da expressão «deformação. psíquica» podem ser incluídos até todas as situações económicas e não só de doença, como também de ausência de saúde e plenitude de alegria - como disse Maria Belo no Diário de Notícias, que aqui está e se pode ler outra vez -, temos a prova provada de que o articulado do PS é formalmente inofensivo mas carregado de perigos que vão muito mais além do que o articulado do PCP, que define claramente o condicionalismo em que as situações económicas são válidas para legalizar o aborto.

Por outro lado, queria fazer-lhe uma pergunta simples: na sua intervenção pareceu concluir que todo o aborto feito no caso de violação seria ilícito. Ora, nós sabemos que isto é ir longe demais porque deixar punir uma mulher que, em face de Sobreposição dos valores da vida contra a vida, em determinadas circunstâncias, sem ter pensado totalmente no seu acto, fez a interrupção da gravidez é um caso que V. Ex.ª sabe que tem hoje remédio através do chamado estado de necessidade desculpante, isto é, pela exclusão e até isenção de culpa.
É exactamente este desdobramento que o legislador fez entre o direito de necessidade e o estado de necessidade desculpante que funciona nos casos de aborto terapêutico, nos casos de morte iminente da mãe ou no caso de lesão gravíssima para a mãe ou para o filho, para resolver todos os problemas. Queria saber se V. Ex.ª entende, como nós aqui no CDS, que estes casos extremos devem ser deixados ou julgados para, em sede de atenuação e isenção de culpa por estado de necessidade desculpante, serem resolvidos para o progresso desta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hernâni Moutinho para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Hernâni Moutinho (CDS): - Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, ouvi com toda a atenção a exposição que fez, como é meu dever, e uma vez mais tenho que dizer-lhe explicitamente que subscrevo inteiramente tudo aquilo que referiu não obstante carecer

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neste momento de lhe formular algumas perguntas que não me parecem dispiciendes.
V. Ex.ª colocou o problema aqui de uma maneira nova, de uma maneira diferente: no plano jurídico-criminal e no plano da política criminal. E colocou o cerne da questão no direito à vida.
Sr. Deputado, o artigo 24 º da Constituição da República Portuguesa declara a vida humana como inviolável. Não é propriamente o direito à vida, é a vida, toda a vida. Nessa medida ninguém pode distinguir, parece-me, entre vida dos não nascidos e vida dos já nascidos. Parece-me que V. Ex.ª está de acordo com este pressuposto, com esta incerteza e nessa medida pergunto-lhe se não acha que, quando o legislador ordinário procura tomar medidas restritivas em relação a um direito fundamental como é o direito à vida humana, se está a esbarrar clara e frontalmente contra a Constituição e se isso não constitui, em si, o mais grave vício de inconstitucionalidade material.
Esta era a primeira questão que lhe queria pôr.
Quanto à diferença de amplitude dos 2 projectos de lei do PCP e do PS é evidente que considero que o projecto de lei do Partido Socialista constitui em si uma verdadeira dissimulação do aborto livre, porque, no fundo Sr. Deputado, o que o projecto de lei do PS diz é que é permitido o aborto terapêutico, o aborto ético e o aborto eugénico, ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Tanto faz, não é?

O Orador: - ... mas o que revela no projecto não é saber se a mãe está gravemente doente, não é saber se há ou não uma violação, não é saber se há ou não qualquer eugenia, mas sim que haja um documento, um papel qualquer que o diga.
15to leva-nos, evidentemente, a correr esse risco que aqui foi claramente apontado de uma liberalização total do aborto. No objecto de lei do PS consentem-se todos os tipos de aporto, o que resulta numa verdadeira liberalização, na autêntica tutela do aborto, em caucionar um verdadeiro crime.
Finalmente, queria perguntar-lhe se, do ponto de vista do projecto de lei do PS, não entende V. Ex.ª que há aí uma confusão grave entre tipicidade e culpabilidade. Quando se diz que se despenaliza atira-se para a rua, de certo modo, a previsão do tipo legal de crime e no aspecto de sistematização das causas que excluem a ilicitude não há dúvida nenhuma de que este projecto adere a uma teoria que tem subjacente um pensamento chocante e que é o pensamento de que os meios se justificam sejam quais forem os fins. E a teoria do fim que, no fundo, está no projecto do Partido Socialista.
Pergunto, então, se a V. Ex.ª não choca um pensamento deste tipo que justifica o fim pelo meio e que, realmente, deixa em aberto a questão de saber quando é que o meio é justo e adequado e, sobretudo, não dá ao julgador qualquer critério de orientação para preencher eventuais lacunas.
São estas as questões que lhe queria colocar, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho para responder, mas antes quero informá-lo de que, segundo o acordo estabelecido pelo seu partido, V. Ex.ª, ou o seu partido, dispõe de 20 minutos.

0 Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito obrigado pela informação, Sr. Presidente.

E possível que me escapem algumas das questões que me colocaram e também é possível que o tempo que preciso de gerir e que não é apenas meu me leve a omitir aquilo que desejaria, qual fosse o de responder em pormenor a todas as questões que me foram postas.

Por isso começo por pedir desculpa se, de facto, não responder a algumas perguntas, o que não significa menos respeito por quem as fez ou pela matéria que continham.

Começando pelo Sr. Deputado José penso que, no fundo, me fez uma pergunta no sentido de saber se, para mim, a vida humana no momento da concepção. Devo dizer-lhe Sr. Deputado, que aceito como dado a afirmação em que a vida começa no momento da concepção.
Se a ciência algum dia me der outra indicação terei de rever as minhas posições face aos dados me transmita, mas como não tenho outros o meu juízo com base nos elementos com base nos elementos
dispõe hoje e nos transmite.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:- Relativamente ao Sr. Deputado Horácio Marçal que me pergunta se o projecto de lei do PS não abrirá uma porta demasiado larga, ou melhor, se a partir de uma porta estreita que parece constituir se não se irá franquear casos de aborto que vão muito para além daquilo que aparentemente se circunscreverá a 3 únicos casos.
Servir-me-ei da seguinte imagem para lhe responder e para fazer a minha interpretação desse projecto de lei trata-se, de facto, de uma porta aparentemente estreita, ou mesmo de uma porta larga que apenas se abre a 3 tipos de casas, mas tem as "calças arregaçadas" no sentido de que é possível passai por baixo delas um sem número de casos aparentemente não previstos no projecto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Sr. Deputado Marques Mendes, pergunta-me V. Ex.ª se no projecto lei do Partido Socialista não se contém, pelo menos, um dos
casos que se acha contemplado pelo Código Penal relativamente às causas de exclusão da ilicitude. Claro que sim, que contém. E com isto não estou a dar ao
Sr. Deputado qualquer informação que não conheça.

Põe-me a questão do controle do tribunal ou da falta do controle do tribunal, que nos propõe o projecto do Partido Socialista. Naturalmente que este é um dos problemas graves, a meu ver, do projecto, a saber, o de deixar o controle de certos casos pura e exclusivamente ao médico que, como toda a consideração que me merece a classe médica, não deve substimar a consideração que também me merecem os juízes é julgar os casos e as dos médicos é bem diversa daquela que o projecto lhe atribui.
A função do médico é, efectivamente, salvar a vida das pessoas, é propiciar-lhes a saúde e não o decidir sobre se está ou não perante um caso que a lei considera lícito o praticar-se e que provém de um situação que, até aqui tem sido considerada lícita e que passa-

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ria a ser lícita pela apreciação de quem? Do juiz? Não, do médico.
A meu ver esta é uma das falhas do projecto.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Diz o Sr. Deputado que este projecto de lei não resolve o problema do aborto clandestino. Claro que não, isso é reconhecido pela própria bancada do Partido Comunista, é reconhecido mesmo por muitos deputados do Partido Socialista e eu afirmei-o na minha intervenção.
Quanto a saber se não funcionará o projecto de lei como um processo de controle da natalidade, eu dir-lhe-ei que, de facto, isso pode acontecer. Aliás, resulta de qualquer dos projectos que, uma vez que se ganhe a consciência da licitude da prática do aborto, ele naturalmente poderá passar a ser usado descontroladamente e até mesmo na convicção de que nos casos não previstos na lei se trata de abortos perfeitamente consentidos pela própria lei.
Gostaria, a este propósito de referir uma lei de 1943, concretamente, de 9 de Março, da Alemanha nazista, em que se declarava totalmente impune o aborto praticado na pessoa de qualquer mulher não ariana.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP)- - Aí está. As outras eram condenadas à morte.

O Orador: - Aqui tem o Sr. Deputado um exemplo de liberalização do aborto com um fim, de facto, de apuramento de raça, que era um dos aspectos focados na intervenção do Sr. Deputado.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - As outras eram condenadas à morte.

O Orador: - Desculpe, eu tenho esta lei aqui, que, aliás, é de boa fonte, pois é do Sr. Prof. Costa Andrade. Mas se quer interromper-me, faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Era só para acrescentar, Sr. Deputado, que as mulheres arianas eram condenadas à morte, por fuzilamento, pela prática de aborto.

O Orador: - Naturalmente ambos, quer a Sr.ª Deputada quer eu, condenamos uma lei dessas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Fernando Amaral põe-me o problema de eficácia da norma e pergunta-me se, não sendo cumprida de forma generalizada uma qualquer norma, isso significa por si só que ela deva eliminar-se do Código onde se contém. Eu penso que não. Penso que o que conta fundamentalmente são os bens jurídicos que se pretendem efectivamente valorar e isso é que era importante que deste debate resultasse. Era saber se o valor vida deve ou não ser considerado bem jurídico. E se entendermos que deve ser considerado bem jurídico, temos que o inscrever no Código Penal porque é efectivamente uma das leis que se destinam à salvaguarda desses bens, ainda mesmo que haja um desrespeito bastante generalizado.

E nós sabemos uma das razões por que é desrespeitada essa norma: é porque, em geral, o aborto é feito em segredo, é porque raramente se denuncia um aborto. E só se denuncia o aborto quando, de facto, há a possibilidade da morte de uma mulher, porque, em geral, os abortos são feitos no máximo de secretude. E continuarão a fazer-se, penso eu, mesmo que venham a considerar-se lícitos, no máximo de secretude, pois são problemas que têm muito a ver com a honra das pessoas e, diga-se com toda a frontalidade, estamos ainda a viver numa sociedade em que as pessoas se envergonham da prática do aborto. E não me digam que serve de exemplo o facto de algumas mulheres terem tido - nomeadamente há 2 anos a coragem de vir aqui com um letreiro a dizer «nós abortámos".

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Homens é que não vem nenhum.

Vozes do CDS: - Era o que faltava.

O Orador: - Homens não vêm com certeza, é evidente. Seria um milagre, minha senhora.

Risos do PSD e do CDS.

Mas também há mulheres que têm a coragem de dizer o número de filhos que tiveram ...

Vozes do PCP: - Têm toda a razão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e se orgulham por isso.
O Sr. Deputado Tomás Espírito Santo fala-me das suas preocupações e da sua concepção do mundo e da vida. Não tenho muito a dizer-lhe. Penso que aqui nos pautamos por valores semelhantes, ao menos neste capítulo, quanto ao respeito, dos valores da vida.
Qual a acção do Estado em relação aos movimentos em curso de protecção da família? Naturalmente incumbe ao Estado, constitucionalmente, acorrer a todas esses movimentos, prestando-lhes todos os meios para que sejam eficazes na elevação do nível das pessoas, por forma a propiciar-lhes um estatuto económico, social e cultural que impeça, de facto, o flagelo do aborto.
O Sr. Deputado Gomes de Pinho põe-me um problema e toma uma posição acerca da qual eu não estou inteiramente de acordo.
Põe-me a questão seguinte: se os Srs. Deputados que aqui se encontravam votassem todos em consciência, os projectos não passariam. Desculpe, Sr. Deputado, eu não cometo a ofensa de julgar que qualquer um dos Srs. Deputados vai votar estes projectos sem consciência. Eu assumi as minhas posições pessoais com frontalidade e acredito, e quero afirmá-lo. que qual quer um dos Srs. Deputados presentes vai igualmente assumir as suas posições com igual frontalidade.
Relativamente às diferenças que me diz notarem-se entre os 2 projectos, estou mais de acordo com o Sr. Deputado, nomeadamente quando noticia a intervenção que do projecto do Partido Socialista faz, Aquilo que a escritora Maria Belo diz hoje, está no quadro das minhas muitas preocupações. E que o pro-

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jecto do Partido Socialista, parecendo muito claro, parecendo muito restritivo, é, de facto, muito ambíguo.

Vozes do CDS: - Pois é.

O Orador: - E muito ambíguo, deixa nas mãos dos médicos a resolução de problemas e, verdade seja dita, ao menos o Partido Comunista não transfere para os médicos a apreciação dessas situações e apresenta-se com frontalidade dizendo: «nós entendemos que por razões de ordem económica a mulher pode abortar, se o desejar fazer». Eu admiro esta posição. Estou em discordância com ela, mas admito esta frontalidade. Para mim, penso que numa interpretação extensiva do projecto do Partido Socialista, esta razão, esta motivação do aborto, também lá pode caber.

Voz do CDS: - Cabe tudo.

O Orador: - Aqui estou de acordo com o Sr. Deputado. E mais: até pode caber mais do que o que está no projecto do PCP ...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ..., embora eu tenha feito a distinção de que a filosofia que informa um e outro projecto não pode deixar de ser diferente porque também é diferente o posicionamento ideológico, claramente distinto, do Partido Comunista Português e do Partido Socialista.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito põe-me um problema que é importante: o problema da política criminal e a questão da onda que se vai gerando pelo mundo, ou em partos países, relativamente aos crimes sem vítima. Naturalmente que, passo a passo, deseja-se que seja pela via da construção do crime sem vítima, seja pela via até demagógica e passional com que se exploram estes temas, naturalmente, dizia, que o que se pretende é dar pano e ir a caminho e às vezes não se é tão claro quanto se deveria ser, mesmo a nível de pessoas de alta responsabilidade. Eu, por exemplo, gostaria que o Sr. Deputado, que certamente conhece aquilo que sobre crimes sem vítima já foi escrito, não há muito, numa Revista da Ordem dos Advogados, num artigo do Sr. Prof. Costa Andrade, me interpretasse esta passagem final - e ainda hei-de perguntar ao autor, qual é a verdadeira interpretação quando ele diz que «qualquer solução será sempre, a nosso ver, uma forma histórica de estar a caminho». É que era bom que se dissesse qual era essa forma histórica. Para mim, não tenho dúvidas, é que se pretende um passo hoje, outro passo amanhã, até se chegar à liberalização do aborto, e como isso pressupõe, naturalmente, uma concepção do mundo e da vida que não é a minha, eu tenho que estar atento e de fazer as críticas que entendo dever fazer.
Quanto à questão de política criminal, eu gostaria, e isto porque se prende com outras perguntas de outros Srs. Deputados, de dizer o seguinte: Deus me livre de fazer a apreciação sobre o comportamento da bancada do Partido Socialista nesta matéria. A bancada do Partido Socialista toma as posições que muito bem quer e entende, e também é lícito que se tirem as ilações que se pretendam. Já me parece que seria útil a presença, por exemplo, do Governo num debate destes ...

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ... para que o Governo dissesse qual é, acerca deste problema, a sua política criminal.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Até porque eu que votei o Programa do Governo e disso não estou arrependido - e não vejo nesse programa nenhum indicativo sobre qual seja a política criminal deste Governo.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado votou o Programa do Governo sem saber qual a política desse governo? ...

O Orador: - Mais: havendo afirmações do Sr. Ministro da Justiça no sentido de que seria revisto o Código Penal, não lhe ouvi nenhuma afirmação no sentido de que o Código Penal seria revisto no sentido da despenalização do aborto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Penso que esse problema é importante, embora eu reconheça a objecção possível de que nos estamos a deixar instrumentalizar pelo Governo; não é essa a questão. Esta Assembleia tem todo o direito, e talvez mesmo a obrigação, de fixar os termos que entende definir para uma correcta política criminal. Mas penso que não seria pedir demais, saber qual é o pensamento do Governo a este respeito, não para que nos dê indicações, mas para que nós fiquemos a saber qual é essa política criminal, nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o seu partido dispõe de 4 minutos.

O Orador: - Muito obrigado, Sr. Presidente, eu vou abreviar. Vou ficar por aqui com um pedido de desculpa de alguma omissão.
Mas queria ainda referir-me ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Narana Coissoró, quando referiu aqui os valores da Igreja.
Eu não estou aqui a assumir nenhuma posição da Igreja. Não tenho dúvida nenhuma em me reclamar dos valores cristãos, não tenho dúvida nenhuma em me dizer católico, embora um mau católico, mau cumpridor, mas não tenho dúvida nenhuma em me reclamar dos valores cristãos. E tenho que ser sensível, para além da minha posição individual, a um reconhecimento de que os valores cristãos ainda estão presentes no espírito da maioria do povo português.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ferraz de Abreu pede a palavra para que efeito?

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Em defesa da honra do meu partido, Sr. Presidente.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Foram feitas afirmações, por alguns Srs. Deputados, sobre o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista que foi acusado de ser uma dissimulação. Creio que não há nenhum deputado que tenha o direito de atribuir uma classificação desta natureza ao nosso projecto.
Lamentavelmente, o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho aceitou a opinião de que o nosso projecto fosse, de facto, uma dissimulação.
Ora, creio que o nosso projecto é suficientemente claro e a exposição que já sobre ele foi feita, demonstra claramente que o Partido Socialista é contra o aborto, que o Partido Socialista considera o aborto como um mal, mas o Partido Socialista tem os olhos abertos e reconhece que há uma realidade neste país, que é o flagelo do aborto, que ninguém pode desmentir.

Aplausos do PS e da UEDS.

E neste sentido que o projecto do Partido Socialista advoga, na promulgação de uma política de prevenção do aborto, mas aceita, desde já, que a legislação contemple 3 situações que são verdadeiramente dramáticas e em que altos valores também estão em causa.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Citamos, escusamos de repetir, é perfeitamente claro que não estamos a defender a liberalização do aborto, nós não estamos a abrir portas para nada.

Vozes do CDS: - Olhe que sim!

O Orador: - Agora, se a sociedade amanhã evoluir em qualquer outro sentido, pois não pode esse argumento ser invocado para dizer que nós estamos a abrir a porta ou que estamos com uma política dissimulada. Que cada deputado assuma efectivamente aqui as suas responsabilidades com necessidade de seriedade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quanto ao Governo, esta Câmara é soberana para legislar nesta matéria.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - O general Milam Astray era, seguramente, contra o aborto e gritou em Salamanca: «Viva la muerte»!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Deixa-te disso. Não nos fales em espanhol.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime Ramos pede a palavra para que efeito?

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Para um protesto, em defesa da Câmara, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Desculpe, mas não percebo, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Eu penso que há uma parte da intervenção do Sr. Deputado que ofendeu e inverteu os valores da democracia representativa e eu gostaria de chamar a atenção da Câmara para esse facto.

O Sr. Presidente: - De que deputado, Sr. Deputado?

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Do Sr. Deputado da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - O Sr. Deputado solicitou e achou que o Governo devia estar presente aqui, neste debate, para que a Câmara soubesse qual era a política criminal do Governo. Eu recordo que há, em termos constitucionais e regimentais, situações suficientes para os deputados fazerem valer esse direito, nomeadamente quando se discute o Programa do Governo e nas interpelações que se podem fazer ao Governo.
Estamos aqui numa situação em que há projectos apresentados por grupos parlamentares, por deputados; o Governo não tinha nada que estar aqui presente. São os deputados que têm que os resolver, assim como tomaram a iniciativa de os apresentar.

Aplausos do PS, do PSD e do PCP.

E se quando o Sr. Deputado da ASDI diz, se ouvir ao mesmo tempo palavras «muito bem» do CDS, então o CDS tem que fazer um esforço de coerência. Se a oposição, várias vezes, acusa as bancadas da maioria de seguidismo em relação ao Governo não pode, nestas situações, ser ela a defender a inversão dos valores. Nós é que temos a representatividade popular, os projectos são nossos, a responsabilidade é nossa, exercemos essa responsabilidade, não arranjamos desculpas, não chamamos para aqui outros órgãos.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP e da UEDS.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - E o parlamentarismo.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Azevedo Soares pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Para responder à defesa da honra do Sr. Deputado Ferraz de Abreu, na parte que diz respeito, de alguma forma, a uma intervenção minha, e do Sr. Deputado Jaime Ramos, ao protestar, em nome da Câmara, o que me parece uma visão altamente latifundiária.

O Sr. Presidente: - Se me dá licença, Sr. Deputado, o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho também pediu a palavra e foi ele, enfim, o visado, na intervenção do Sr. Deputado Jaime Ramos.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, se me dá licença, o Sr. Deputado Jaime Ramos desafiou também o CDS para esta questão e eu não posso, neste momento, em nome do Grupo Parlamentar do CDS, deixar de responder.

O Sr. Presidente: - Eu dar-lhe-ei em seguida a palavra, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, tem a palavra.

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O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Quero rapidamente dizer o seguinte: penso que não vale a pena fazer aqui uma grande batalha acerca deste assunto. Bastaria referir que o Governo é também agente parlamentar, tem assento resta Câmara, temos até um ministro para os Assuntos Parlamentares que pode, de direito próprio, assistir a todos os debates nesta Câmara.
A única razão por que fiz referência à política criminal do Governo é a de que é natural eu estar desejoso de saber qual é a política criminal do Governo. Fui muito explícito no sentido de dizer que esta Câmara segue a política criminal que muito bem entende, impõe mesmo ao Governo a política que deve impor, mas penso que não será pôr em causa os princípios da democracia representativa, um deputado, nessa qualidade, dizer que muito gostaria de saber qual é a política criminal do Governo a este propósito e até, muito concretamente, saber qual é a política que o Sr. Ministro da Justiça tem a este propósito.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Narana Coissoró pediu a palavra?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Pedi sim, Sr. Presidente, para dar explicações ao líder do Partido Socialista. Já que ele fez uma intervenção dizendo que estava ofendido por uma palavra que eu também utilizei - que era a de eu dizer que o projecto do Partido Socialista é «dissimulado» -, quer então dar explicações, como é meu direito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é do seu direito dar explicações, segundo o Regimento. Se é para dar explicações, o Sr. Deputado não tem direito à palavra.
O Sr. Deputado Jaime Ramos pediu a palavra outra vez?

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Pedi para um curto contraprotesto em relação à intervenção do Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado Azevedo Soares ainda não tomou a palavra.

Risos do CDS.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Eu admito a hilariedade e penso que é importante, numa situação mesmo séria como esta, que as pessoas tenham a capacidade, para além dos seus princípios, de encarar as coisas com algum humor. Quero dizer, em todo o caso, também não fazendo torta intervenção, Sr. Presidente, que eu apelei para os valores personalistas que, e em termos parlamentares, penso que são mais importantes para a minha bancada.
O Sr. Deputado do CDS, se bem me lembro, falou, pelo menos, em noções latifundiárias, que ficam bem melhor em relação ao CDS.
Muito obrigado.

Risos do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Azevedo Soares deseja usar da palavra?

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Eu darei a palavra a um deputado de cada grupo parlamentar, sobre este assunto.
Tem, então, V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Nós já assistimos aqui a ministros a falarem em nome pessoal, a ministros a comandarem bancadas, já assistimos aqui à governamentalização, ou a tentativas descaradas de governamentalização do Parlamento, mas nunca ouvi protestos veementes das bancadas que nesses momentos estiveram em jogo.
Agora, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as intervenções do Sr. Deputado Jaime Ramos e do Sr. Deputado Ferraz de Abreu são lamentáveis, pois a questão que se coloca é indiferente ao Governo. O Governo está disposto a governar com quaisquer leis. O Governo não tem uma responsabilidade política, especifica, concreta, constitucional. Não é o Governo que tem que, perante o País, desenvolver, executar, cumprir, os ditames desta Assembleia? Não está em causa a nossa autonomia, a nossa liberdade total de legislarmos como entendemos; o que está em causa é saber se para o Governo o que apenas é importante é estar no poder e mais nada, se lhe são indiferentes as leis. se governa com qualquer uma. Portanto, o problema. Sr. Presidente e Srs. Deputados, é outro. E porque nós vemos os membros do Governo a ameaçarem. os membros do Governo a tomarem posição fora desta Câmara, a anunciarem questões graves, a tomarem posições contra e a favor, a irem para o estrangeiro. a regressarem do estrangeiro e fazerem o que lhes apetece fora desta Câmara, e eu gostaria de os ver aqui a definirem a posição global do Governo, a discutirem essas questões, a saberem se é possível e a participarem neste debate, não para condicionarem a nossa opinião, mas para contribuírem para a sua melhoria e para que a sua política não seja uma política de duas cabeças. Pelo contrário, para que a sua política seja uma política coerente, com a componente parlamentar que tem que ter, de modo a que o Governo assuma as suas responsabilidades e seja capaz, no dia-a-dia, de executar a política legislativa que nós aqui queremos levar a cabo.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fernando Costa pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Sr. Presidente, para fazer um protesto em relação à última intervenção do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho: é que esta é ofensiva para a pessoa do Sr. Ministro da Justiça e eu entendo que essa intervenção não pode passar em claro sem um protesto, embora não seja advogado de defesa, nomeadamente do Sr. Ministro da Justiça.

Uma voz do CDS: - Que esteja aqui para se defender o Ministro da Justiça.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpar-me-á mas não foi uma intervenção do Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, foi simplesmente uma resposta ao direito de defesa, mais nada.

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Srs. Deputados, são 13 horas e 6 minutos, e como estava combinado, vamos interromper a sessão para recomeçarmos os nossos trabalhos às 15 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 6 minutos.

O Sr. Presidente: - Está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, anuncio-vos a presença na Sala de alunos e professores do Colégio Moderno, da Escola Secundária de Camões e da Escola Secundária de Anselmo de Andrade, de Almada, a fim de assistirem ao nosso debate.
Aproveito também para avisar o público que não são permitidas manifestações de qualquer tipo por parte das pessoas que se encontrem presentes nas galerias.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De todo o País nos chegam os resultados do debate desencadeado pelos projectos do PCP sobre maternidade, planeamento familiar e interrupção voluntário da gravidez e o apelo a que não adiemos decisões que já foram por demais adiadas, em particular a legalização da IVG. São questões de fundo e não de mera circunstância que hoje estão submetidas à Assembleia da República.
Desde 11 de Novembro de 1982, caíram e formaram-se governos, saíram e entravam governantes, refizeram-se chefias partidárias. Tivemos eleições e desfez-se a coligação derrotada para subir ao poder tuna sem futuro. Agravou-se a crise económica e a situação social.
E, ao longo de todas estas circunstâncias, as mulheres portuguesas continuaram a viver e a sofrer os horrores do aborto clandestino e continuam a morrer. É essa, e apenas essa, a questão de fundo. E o que nós dizemos hoje, como dissemos ontem, é que é preciso urgentemente mudar a lei.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E vêm-nos dizer: «isso é instrumentalização política», «isso é desvirtuar o debate». Em certo sentido (no bom sentido) é verdade! Nós queremos que a assembleia política, que é a Assembleia da República, use o instrumento político chamado lei para acabar com um pesadelo que flagela as mulheres do nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Só a Assembleia da República o pode fazer. E já tardou demais em fazê-lo. Porque a questão é esta: quando não servem para isto, se não servem para resolver os problemas mais instantes e mais sentidos, para que servem então os instrumentos políticos. os órgãos políticos e os princípios políticos?
Instrumentalizar, Srs. Deputados, é dizer que este problema não pode ser discutido «porque senão cai o Governo». E fazer o que fazem esses dirigentes do

PSD, que ainda ontem eram a favor e hoje se calam, quando não negam. E, acima de tudo, não nos dêem lições de ética política os que ousam jogar com a vida e a dignidade de milhares de mulheres como arma de chantagem em querelas internas de uma coligação política, ao sabor de ambições pessoais, sem princípios e sem coerência!

Aplausos do PCP.

Os Srs. Deputados do CDS, muito particularmente, já despiram aqui as vestes de paladinos de causas nobres. Assistimos, ao longo destas horas, além de uma baixíssima chincam política, não só à defesa objectiva de interesses argentários, como ao espectáculo de uns poucos dirigentes desavindos de um partido que procura encobrir a sua crise, tão derrotado que queria obter à custa da descarada instrumentalização dos sentimentos religiosos aquilo que o povo português lhe negou e lhe continua a negar em 25 de Abril.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pela nossa parte assumimos a responsabilidade de propor e lutar pela lei que nos pede a esmagadora maioria dos que elegeram esta Assembleia, e sobre cuja inclinação ninguém terá seriamente dúvidas, após tantas tomadas de posição, estudos de opinião e até sondagens - que alguns consideram incontestáveis para todos os efeitos, menos para este. É erma lei que nos pedem e exigem as mulheres portuguesas, que votam todos os dias contra a proibição legal do aborto, arriscando a vida nos meandros do aborto clandestino.
Eis então o primeiro factor a ponderar, para decidirmos o que hoje temos de decidir. A Assembleia da República está colocada perante uma proibição que nada evita e que é fonte de injustiças clamorosas. Ninguém ousou contestar neste debate, agudamente, todas as desigualdades, todas as dificuldades económicas e :ubá discriminações de carácter legal à mulher portuguesa que abortar, num dos tantos países em que a IVG é legal, não pode ser punida pelos nossos tribunais diz a lei penal e diz bem. A questão são as outras mulheres, a esmagadora maioria. São elas que vemos entrar, com a vida a fugir, nos bancos dos hospitais públicos que temos.
Sobre toda esta realidade não há evidentemente estatísticas seguras. Mas, em contrapartida, são seguras as estatísticas sobre o número ínfimo de casos levados a tribunal. Pedimo-las ao Instituto Nacional de Estatística para este debate.
Em toda a década de 70 foram levados a tribunal 162 arguidos, dos quais 94% como autores e só 5% como cúmplices. Destes arguidos, 52% não foram condenados (75% por falta de prova, 11% por falta de culpa e outros factores de responsabilização).
Quanto aos condenados: cerca de 63% foram sujeitos a prisão correccional (em metade dos casos remível cem multa), 15% com prisão maior, 17% com prisão e multa, não se sabendo quantos foram amnistiados ou por outra razão não expiaram a pena; mais de 92% tinham idade superior a 20 anos, estando 70,5% compreendidos entre os 20 e os 49 anos e 21,8% ultrapassando os 49 anos; 64% eram casados, 25% solteiros; só 8% tinham grau de instrução correspondente ao ensino secundário; dois terços eram

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«activos com profissão», 64% pertenciam ao operariado e ao campesinato.
Eis o retrato dos 162 portugueses e portuguesas que, no período de 10 anos, foram julgados e condenados pelos nossos tribunais. Sob esse retrato, bem poderia ler-se esta legenda: «eram casados, pervenciam à classe trabalhadora e tinham um baixo nível de instrução». Nós não queremos que legendas como esta continuem a caracterizar Portugal nas estatísticas internacionais!

Aplausos do PCP.

E também não é por acaso que as nossas estatísticas são o que são: é simplesmente impossível fazer acatar uma proibição sem ressonância na consciência social, que só pode assentar em concepções retrógradas, ultrapassadas e inaceitáveis face à nossa ordem constitucional.
Um médico, que se tem destacado nas campanhas do CDS contra a legalização do aborto, escreveu, durante o fascismo, nos anos 40, um livrinho em que expunha abertamente a tese de que a «solução final para o aborto seria «organizar a repressão».
Em pleno delírio repressivo, este clínico propunha a criação de «brigadas especiais da polícia, convenientemente preparadas», lembrando que «na Alemanha o número de abortos diminuiu consideravelmente quando as abortadeiras foram enviadas para os campos de concentração». E vá de expor o seguinte «estratagema» - é assim que ele o qualifica -, a seguinte «receita para caçar mulheres», - é assim que nós o qualificamos -, que eu aqui vou ler antes que seja proposta pela bancada do CDS ...

Vozes do PCP: - Ou do PSD!

O Orador: - ... ou do PSD - lembraram bem:

Um polícia à paisana - diz a receita -, acompanhado de uma mulher grávida, procura a abortadeira. Conta uma história, pedindo a provocação do aborto. Habitualmente, o aborto é aceite e imediatamente, não vá fugir a cliente. Quando tudo já está preparado (não antes!), 2 agentes da autoridade (2!) irrompem no gabinete, apanhando a abortadeira em flagrante delito.

Já está! Mas não está, Srs. Deputados, nem poderia estar. Hoje em dia, personagens como este distribuem por aí papéis que dizem «mãezinha não me mates!», mas já não ousam propor pena de morte para a mulher que interrompa a gravidez, como propunham nesses anos 40, nem a punição do aborto com as penas do homicídio, nem brigadas especiais, nem o registo civil das grávidas, nem outras mil invenções delirantes desses tempos em que os fascismos brandiam a defesa da estirpe e da raça para «legitimar» as piores sujeições.
A penalização indiscriminada é, sem dúvida, incompatível com a nova dignidade alcançada pela mulher. E é por isso redobradamente inútil e contraproducente, como referia, e bem, num texto publicado há anos, um criminologista que hoje se senta calado nas bancadas do PSD.
Sabe-se, na verdade, que quando a continuação da gravidez lhe será insuportável a mulher não só tenderá a interrompê-la, como não procederá criminalmente contra quem realizou a interrupção. 15to é óbvio e verdadeiro. Em segundo lugar, a proibição é inaplicável porque é claramente rejeitada pela consciência social, não tem quem promova a sua aplicação e, pelo contrário, tem muito quem não promova a sua aplicação. E o reino das cifras negras, dessas delações e vinganças que de vez em quando animam a letra morta da lei para realizar injustiças. Em terceiro lugar, a proibição é, ela própria, fonte de criminosas actividades de extorsão, exploração e chantagem económica, moral e emocional.
Bem ao contrário, entendemos, e entendo-se por toda a parte, que é nos princípios da liberdade, da dignidade, da saúde e da segurança (que são outros tantos eminentes valores humanos) que deve fundar-se a solução legal que esta Assembleia tarda em aprovar para o nosso país, no momento em que, como aqui já foi lembrado, e muito bem, 92% da população mundial vive em países onde o aborto é permitido pela lei.
Diz-se isto e logo fica sublinhado o enorme isolamento dos nossos obscurantistas, a quem faltam hoje as razões - que, aliás, nunca tiveram e, felizmente, a força - que já tiveram - para nos imporem - como impuseram as suas concepções que suportámos durante demasiados anos. Talvez por isso se horrorizam tanto, como já aqui vimos, quando alguém evoca a memória histórica que bem gostariam de apagar.
Haverá alguém nas bancadas do CDS capaz de negar, por exemplo, que cedo se generalizou; entre os nossos professores de direito penal, o entendimento de que não deve ser punida a interrupção da gravidez praticada em caso de perigo de morte ou grave lesão da mulher? Esqueceu-se essa bancada onde se sentam ex-membros dos governos de Salazar e Caetano que em 1967, em pleno fascismo, o Prof. Eduardo Correia incluis no seu anteprojecto de Código Penal uma cláusula que expressamente clarificava a licitude do aborto terapêutico - coisa que o actual Ministro da justiça considera hoje «gravíssimo erro» (aliás, Salazar também, e de tal forma que chumbou o projecto em 1967)?

E como pode ignorar-se que a Procuradoria-Geral da República elaborou, já em 1977, um parecer, nunca homologado, legitimando o aborto terapêutico e que, em 1982, não objectou à constitucionalidade do projecto do PCP sobre legalização da IVG que foi submetido pelo ex-Ministro do PSD Meneres Pimentel? É particularmente grosseira a mistificação que o CDS pratica em relação a este parecer da Procuradoria-Geral da República, que diz precisamente o contrário do que o CDS afirma que diz, como teremos ocasião de verificar.

A necessidade de uma clarificação legal tem sido tão inquestionável que, como já aqui foi bem lembrado, em 1979 o Primeiro-Ministro Mota Pinto propôs expressamente à Assembleia da República a despenalização do aborto em termos semelhantes aos agora propostos pelo PS. Espantosa ironia: certas vozes que hoje berram intensamente nessa altura calaram-se e Mota Pinto Primeiro-Ministro defendeu o que Vice-Primeiro-Ministro- Mota Pinto hoje enjeita e repudia, contra o que expressamente dispõe o programa do PSD. E realmente um estranho personagem este, que cumpriu o programa do PSD quando esteve fora das fileiras do PSD e lhe viola agora o programa, lançando mão do aborto para mesquinhas disputas internas!

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Orador: - Nesta matéria não há, de resto, um, mas vários PSDs.
Há o PSD que ouvimos ontem, invocando a ciência a trouxe-mouxe para justificar as teorias mais retrógradas e culpabilizadoras da mulher, recorrendo, pura e simplesmente, à mentira para sustentar que os instrumentos internacionais defendem aquilo que realmente não defendem, como qualquer pessoa que os tinha lido esclarecerá. Há o PSD que propõe uma solução «à alemã», como foi lembrado pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, citando um deputado que tem estado calado. Há o PSD que pretende a interrupção voluntária da gravidez até à 16.º semana. Há, finalmente, o PSD do Sr. Ministro Rui Machete, que vê na despenalização, tal qual foi proposta por Mota Pinto e, hoje, pelo PS, o tal «gravíssimo erro. Para este Ministro, o Código Penal já tem mecanismos satisfatórios para «desculpar este ou aquele caso concreto». E para o CDS, designadamente para o Sr. Deputado Narana Coissoró, também. Diria que isto é uma observação macabra e seria bom que estes senhores passassem algumas horas num banco de um hospital, que fossem, por exemplo, ã Magalhães Coutinho, para ver como é satisfatória a solução que, neste momento, está em vigor em Portugal.
Quanto às excelências da solução legalmente consagrada, um recente estudo do Prof. Figueiredo Dias salienta precisamente que, ao contrário do que diz um comunicado caricatural do Sr. Ministro da justiça, «o novo Código Penal não contém qualquer disposição que descriminalize, seja em que caso for, a interrupção voluntária da gravidez» e que isso - e diz-se muito bem «representa um retrocesso, mesmo relativamente ao velho Código Penal de 1886, cujo § 4.º do artigo 358.º, numa certa interpretação, não puniria o aborto terapêutico».
Para o Sr. Ministro da Justiça e, como vimos ontem, para os Srs. Deputados do CDS tudo é simples, talvez porque o novo Código Penal tem a assinatura do ex-Ministro Freitas do Amaral e foi aprovado com o seu voto, em Conselho de Ministros. Tudo é simples: a mulher é levada ao tribunal e à polícia, invoca o artigo 35.º do Código Penal, sobre o «estado de necessidade desculpante», e se o juiz desculpar, desculpa, senão, não desculpa. E esta a tal solução satisfatória, «necessária» para não «abrir excepções gerais ao princípio da protecção da vida» - são as palavras do Sr. Ministro da justiça. Que grande protecção da vida, Srs. Deputados!
Não é caricatura: consta de um comunicado do Sr. Ministro da Justiça - que, aliás, não está aqui para se defender. Mas o Sr. Ministro assumiu essa posição pública e por ela deve ser responsabilizado. Só que nós, na Assembleia da República, não podemos aceitar explicações deste nível.
Nem podemos aceitar habilidades hermenêuticas, como a inventada há 1 ano por um deputado da AD, que considerava «desnecessária» qualquer clarificação legal, porque, nas suas palavras, «qualquer jurista sabe e qualquer penalista sério defende que hoje o aborto terapêutico não é punido».

A isto replicou certeiramente um penalista, a Dr.ª Teresa Beleza, que «não são propriamente os penalistas sérios - ou até as penalistas sérias - que se vêem obrigados a recorrer ao aborto» e «mal vai o País e a lei se é preciso ser jurista paca saber que espécie de aborto é proibido ou lícito». São palavras justíssimas. E são justíssimas porque: em primeiro lugar, as circunstâncias em que, segundo a consciência social, o aborto deve ser permitido exorbitam os limites estreitos consentidos pelo direito de necessidade, que, aliás, não afastando a punição do médico, deixa a mulher indefesa; em segundo lugar, a fixação de um quadro geral que deixe inteiramente ao juiz a definição das situações em que a IVG é justificada ou ilícita, longe de ser a homenagem eficaz que a lei presta à vida, não passa de uma fuga às responsabilidades por parte do legislador e de um encargo indevidamente atribuído à jurisprudência, nada protegendo na prática; em terceiro lugar, a protecção da vida exige bem mais do que meras leis de carácter penal, demasiado fáceis e ineficazes, só se conseguindo através de um vasto conjunto de medidas de carácter preventivo e social que garantam à mulher uma escolha livre e consciente; em quarto lugar, a indefinição legal, como a própria vida demonstra, é sempre fonte de incertezas, de desigualdades de tratamento e de arbítrios. E, sobretudo, tem como consequência que o aborto continua a só poder ser clandestino: os serviços públicos não podem praticá-lo, sob pena de incorrerem em sanções legais.
Face a isto, é preciso dizer ao Sr. Ministro da Justiça e aos Srs. Deputados do CDS que deveriam preocupar-se, não com a perseguição penal das mulheres, mas com o facto de o nosso Código Penal estar transformado hoje numa verdadeira pauta aduaneira, que só protege os monopólios privados do aborto clandestino. É com isso que é preciso acabar!

Aplausos do PCP.

Para tal, Srs. Deputados, há que admitir que a IVG não deve ser crime em certas circunstâncias - e isso é a despenalização. Mas é preciso ir mais longe, é preciso legalizar. Não basta que a lei diga que «a IVG não é punível» em certos casos: é preciso que nesses casos a lei garanta a igualdade de acesso e a possibilidade real, e não apenas formal, de interromper a gravidez em condições de segurança e dignidade nos serviços de saúde públicos.

A nossa Constituição não só não impede, como aconselha estas medidas, e o direito constitucional à vida, aqui agitado a esmo pelo CDS, merece outro tratamento e algumas precisões, ainda que breves.
Primeiro, não estamos num fórum de cientistas - e ainda bem, a avaliar pelos cientistas que o PS, o PSD e o CDS nos trouxeram até agora.
O que nos cabe fazer é leis da República. E nesta esfera ninguém de boa fé pode negar que o direito distingue, como anteriormente já distinguia, entre a vida humana e as manifestações de vida intra-uterina. Basta abrir o Código Penal em vigor. Mas é assim há muito tempo. Não se pune da mesma forma o homicídio e o aborto, e quando uma mulher grávida é vítima de homicídio há um e não dois homicídios.
E como sublinhava há bem pouco tempo o Prof. Eduardo Correia, o Código Penal não proíbe a guerra justa, que é fonte trágica das conturbações, nem a morte em legitima defesa, mesmo para defesa de interesses patrimoniais.
Conferir à vida em formação tutela idêntica à própria dos seres nascidos implicaria, como já aqui muito bem foi sublinhado, a proibição de meios contraceptivos, como o DIU e outros, coisa que nem no CDS

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se ousou sustentar, feita excepção ao deputado Morgado - e, ontem, ao deputado Luís Barbosa- e à sua obsessão por aquele fim «cristalino, preciso e imaculado de fazer menina ou menino», no verso célebre de Natália Correia.
Segunda precisão: qualquer que seja o grau de protecção a atribuir à vida intra-uterina - e pode e deve haver um certo grau de protecção, como se escreve no preâmbulo do projecto do PCP -, essa protecção comprovadamente não se faz pela penalização cega e absoluta da mulher. Nenhuma sociedade democrática pode exigir às suas mulheres o prosseguimento, sob ameaça de prisão, de uma gravidez que lhes seja insuportável. E um conceito, de maternidade incompatível com a ordem democrática.

Aplausos do PCP.

E isto que tem sido reconhecido pelos mais diversos tribunais constitucionais, conselhos de Estado, legislações e foros internacionais de todo o mundo.
Não diz outra coisa o parecer da Procuradoria-Geral da República Portuguesa sobre o projecto do PCP. Foi este também o entendimento desta Assembleia quando em junho de 1983 rejeitou a impugnação que

CDS dirigiu contra o nosso projecto.

A questão é, pois até onde deve ir o legislador e que sistema deve seguir: fixar um prazo dentro do qual toda a interrupção seja possível ou permitir a interrupção só em certo tipo de casos e indicações?
O estudo comparativo das legislações revela toda a espécie de combinações e gradações dos 2 sistemas, que, aliás, não se distinguem pelo facto de exigirem ou dispensarem justificação para o aborto, porque, quando se legaliza a IVG é sempre para atender a razões e situações sérias. A grande diferença entre os 2 sistemas está na forma como respondem a esta pergunta: quem deve avaliar a existência efectiva das razões que a lei considera atendíveis? A própria mulher? Ou o marido, o juiz, o médico, o polícia?
O PCP responde a todas estas questões com os seus 3 projectos de lei e nesse quadro propõe que a lei garanta à mulher a possibilidade de uma escolha que seja livre e que seja consciente. E o que fazem também as leis da generalidade dos países europeus e é o que recomenda, em parecer emitido em 1982, a Comissão da Condição Feminina (informação n.º 247/82).

Quanto ao projecto que o PS apresentou (finalmente), deve dizer-se que, de todos os sistemas possíveis, enveredou pelo que à partida se revelava menos indicado. Nós gostaríamos de retribuir as apreciações que o PS dirigiu ao projecto do PCP no passado debate. Mas poderá dizer-se, porventura, que o projecto do PS é «cuidado, cauteloso e ocidental» - qualificações que e PS atribui ao nosso? Infelizmente não: no caso do PS, são pouco ocidentais as cautelas e os cuidados foram tais que acabam por condenar, em vez de salvar. E isso é lamentável.
Alheia às realidades, a variante que o PS propõe não só atribui todo o poder de decisão ao médico, negando-o à mulher, como reduz a um ínfimo número aquelas situações em que o médico pode decidir legalmente da interrupção da gravidez.
Sinal das origens, o rótulo do projecto não corresponde à realidade. O preâmbulo diz textualmente: «não se cuida de legalizar o aborto, mas apenas de o despenalizar». No entanto, o articulado não só determina a despenalização em certos casos, como inclui algumas normas fluidas sabre o acesso aos serviços de saúde, legalizando assim timidamente a IVG.

Ninguém ousou aqui contraditar que o projecto mantém na clandestinidade a esmagadora maioria das situações de aborto que se verificam no nosso país.
E a exclusão do aborto por razões económicas e sociais é injusta e perniciosa. Como diz uma frase célebre: «neste domínio, se há algum criminoso não é a mulher, é a sociedade». Recusar à mulher medidas de apoio, agravar a crise económica e impor-lhe a continuação de uma gravidez insustentável significa que o Estado se demite das suas responsabilidades para penalizar duplamente a mulher.

Curiosamente, a moção aprovada no Congresso do PS, ao justificar a necessidade de despenalização, sublinhava fortemente as dificuldades económicas e sociais que caracterizam a actual situação portuguesa. E é inteiramente justo fazê-lo. O inquérito nacional à fecundidade realizado no nosso país revela que ???? das mulheres não querem ter filhos por razões económicas, taxa que sobe para 55% nas mulheres com menos de 35 anos. Na República Federal da Alemanha, segundo informa Hirsch, tinham causas económicas 67% dos casos em 1978, 71% em 1980. Neste último ano, 24% das interrupções foram por indicação médica, 4% eugénica, e 0,1% ética. Em sentido similar vai o relatório da Assembleia Nacional Francesa sobre a aplicação da Lei Veil (Rapport n.º 1403, p. 11) e os relatórios da Organização Mundial de Saúde (cf. N.º 461/70, relatório do Grupo de Trabalho de Helsínquia, etc.).
A solução proposta pelo PS é, pois, contra-indicada, injusta e é preciso dizê-lo bastante hipócrita.

Na verdade, o projecto prevê a IVG para defesa da saúde psíquica. Há quem acene com isso às mulheres em dificuldades económicas. Mas o projecto não especifica o tipo de agravos psíquicos cuia prevenção exija ou justifique o aborto. Abre campo às interpretações mais dispares como esta manhã pudemos constatar, e ao tratamento mais desigual de situações idênticas. Haverá quem defenda que só ficam abrangidas as situações de «perturbações susceptíveis de provocar ou agravar, de forma grave e irreversível, estados patológicos relevantes do foro psiquiátrico». Esse entendimento, que já foi defendido, não entre nós, mas no estrangeiro, pelo deputado Costa Andrade, deixaria de fora parte substancial das afecções da saúde psíquica (como a entende a Organização Mundial de Saúde). E, de qualquer maneira, em qualquer interpretação minimamente séria da lei, a cláusula não poderia abranger as situações em que a mulher queira, pura e simplesmente, deliberada e lucidamente, interromper a gravidez por dificuldades económicas e sociais atendíveis.

Há 1 ano um deputado do PS, após uma brilhante defesa da despenalização do aborto e afirmando não enjeitar a hipótese de ela se justificar em relação a alguns tipos de aborto económico e social, fazia à Assembleia da República esta pergunta pertinente:

A mulher que se vê colocada face à necessidade de optar entre a gravidez e o emprego; entre matar a fome ao filho que espera ou aos filhos que já tem; a mulher já carregada de filhos e cadilhos e que, já em avançada idade, sem

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viço e sem saúde, surpreendentemente concebe: essas e as pobres Luísas que sobem a calçada, que o homem à noite toma e não dão por nada, estão mesmo irremediavelmente condenadas ao tormento de Sísifo?

«Decerto que não!»- respondia há 1 ano o Sr. Deputado Almeida Santos.

«Decreto que sim!»- responde hoje o PS. Ou então diz à mulher que simule que está psiquicamente doente, ou então que compre um atestado médico, que é a gazua radical que o projecto oferece a quem tiver dinheiro para a fazer comprar.

Queremos sublinhar este aspecto e dizer também que, em qualquer caso, no projecto do PS, a decisão cabe ao médico, e ei-lo então substituindo-se à consciência própria da mulher, decretando que certa gravidez tem de continuar porque não é, em seu entender, «suficiente» o perigo para a vida da mulher, que certa anomalia pré-natal poderá ser insuportável, mas terá de ser suportada, que tal ou tal lesão da saúde psíquica será dolorosa, mas é insuficiente para justificar a IVG ... Dirão que ela muda de médico, mas terá que enfrentar então uma enorme corrida de obstáculos até encontrar algum que lhe passe o tal obstáculo e corrobore esta mentira.

O PS pede ao médico que seja juiz e tutor da mulher, reduzida a um ser imaturo, em cujo sentido das responsabilidades a lei não pode confiar. O projecto receia que ela ceda à «simples comodidade», na expressão reveladora de um dirigente da bancada do PS, preocupado em não conferir à mulher um «excesso de facilidades» que, pelos vistos, reserva todas para o médico.

Talvez também por este espírito o projecto regulou o chamado «aborto ético», usando uma fórmula que apenas alude à violação, omitindo, outros crimes sexuais, não menos graves. contra a mulher. Mas a própria vítima de violação será criminosa para o PS se abortar sem previamente ter feito participação à polícia.
Tratando-se de um crime com baixa taxa de descoberta, queixa e punição, desde logo porque as ofendidas receiam justamente um tratamento degradante, ao penalizar a violação não participada à polícia o projecto prolonga, afinal, a mitologia da Eva tentadora. E a imagem distorcida da mulher que não se queixa, porque, afinal, teria «consentido» e «participado» num dos maiores crimes para a sua liberdade. É uma solução arrepiante para a sensibilidade comum e para quem tenha duas noções da moderna criminologia.
Resta dizer que o projecto prevê ainda atenuações de penas para as mulheres forçadas a abortar fora dos apertados limites que traça. E caso para dizer «obrigado PS» (de nada!) e passar adiante.
Pela nossa parte lutaremos, como já aqui afirmámos, para que esta Assembleia venha a aprovar, sem mais delongas inúteis, um regime legal digno das mulheres portuguesas. Para que possam ser mães em liberdade. Nós, comunistas, inclinamo-nos sinceramente perante essa realidade humana, profunda, que leva a que uma mulher e um homem desejem ter um filho, por vezes contra tudo, por vezes contra todos. E, por isso, queremos que a maternidade não tenha de ser contra coisa nenhuma e, sobretudo. que nunca possa ser contra a mulher.

Um dia, Srs. Deputados, um grande biólogo lembrou que «para respeitar a vida é preciso começar por respeitar quem dá a vida e, acima de tudo, a mulher.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - A liberdade, e em particular a liberdade de dar a vida - advertiu Jean Rostand -, parece-me indispensável para abrir à Humanidade os caminhos da verdadeira vida humana». Eu não conheço palavras que possam exprimir melhor e mais profundamente o sentido e os objectivos da lei que hoje temos o dever de aprovar.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Malato Correia, Marques Mendes, Costa Andrade, Fernando Amaral. Correia Afonso e Pereira Lopes.
Sr. Deputado Malato Correia deseja formular um pedido de esclarecimento?

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, desejo formular, simultaneamente, um pedido de esclarecimento e um protesto.

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, tem de escolher um deles.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Presidente, opto pelos 2, porque, por um lado, necessito de pedir esclarecimentos quanto a certas afirmações proferidas pele Sr. Deputado José Magalhães e, por outro, protestar contra certas afirmações que fez em relação á minha bancada e à minha intervenção de ontem.

O Sr. Presidente: - Então são-lhe concedidos 3 minutos. Sr. Deputado.

O Sr. Malato Correia (PSD): - 3 minutos para o pedido de esclarecimento e 3 minutos para o protesto. Sr. Presidente!?

O Sr. Presidente: - Não. Sr. Deputado, tem 3 minutos para ambos.

Risos.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, ouvi com atenção a sua intervenção, convencido de que ela trouxesse de facto razões invocativas novas que justificassem a tomada de posição que o PCP há muito tempo vem assumindo. Mas não. Tristemente, vi, mais do que uma defesa, a acusação às posições dos partidos que se opõem a uma legalização do aborto em Portugal. Repito aquilo que aqui ontem disse: de aborto passou a interrupção voluntária da gravidez e hoje já nem nisso se fala, falando-se antes na IVG já vai na sigla!...

Risos do PCP.

O Sr. Deputado José Magalhães começou por dizer que não aceitava lições de ética política. Acredito que

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não necessite delas, mas necessita com certeza o PCP de lições de natureza moral. Porque o problema do aborto não é só um problema ético e jurídico, é também um problema moral. É também nesse problema moral que o Sr. Deputado tem de englobar o problema do aborto - e nisso talvez o PSD lhe possa dar lições.

Criticou simultaneamente as posições assumidas por várias personalidades do PSD em relação ao aborto. Congratulo-me por que essas posições tivessem sido tomadas. 15so é prova de que o PSD não é um partido confessional: é um partido que tem uma ideologia própria, mas é um partido em que a liberdade assume importância dentro dele. O PSD aceita que personalidades suas tomem posições próprias, mas, nesta Assembleia, o que defende é a posição maioritária do PSD, que é necessariamente contra a despenalização e a legalização do aborto.

Aplausos do PSD.

Por outro lado, o Sr. Deputado José Magalhães invocou números, estatísticas. É caso para dizer que, de facto, o seu negócio é números.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Era bom que fosse o seu!

O Orador: - E aquilo que talvez mais me choca na sua intervenção é a invocação de razões de natureza económica e social para justificar o aborto. E, simultaneamente com estas razões, invoca a total liberdade da mulher ter ou não os filhos que quiser e quando os desejar. Penso que quando o PCP toma estas posições não está minimamente a ver a liberdade da mulher exclusivamente em termos familiares, nem a liberdade da mulher em si; está a preocupar-se com o bem-estar de uma determinada sociedade, que é representada, lá fora como aqui dentro, por um grupo etário em plena posse das suas faculdades, o qual não aceite, nem o meu partido pode aceitar, que disponha da vida humana, tanto na sua fase de evolução, como na sua fase de involução.

É evidente que se em Portugal existissem apenas 5 milhões de habitantes, esses 5 milhões viveriam muito melhor do que 10 milhões. Mas isto não pode acontecer, nem podemos admitir que esses 5 milhões possam sacrificar a vida daqueles que não sabem que ainda existem e daqueles que não sabem que já existem. Não temos, obviamente, autoridade moral ou jurídica para impedir a prossecução da vida humana.

Por outro lado, como disse o Sr. Deputado, a liberdade da mulher tem de terminar onde começa a liberdade de outro ser, que é o ser humano que ela está a gerar e que não foi minimamente responsabilizado por existir e por ter sido chamado à sua fase de gestação. A liberdade do ser não pode ser impedida por uma liberdade sem limites da mulher. De resto, o problema do aborto não é um problema da mulher: é um problema da sociedade em comum, tanto do homem como da mulher. Aliás, a posição do PSD, aqui, não foi também a de tentar penalizar, incriminar, a mulher. O que pretendemos é reduzir o aborto virtualmente a zero, criando condições sociais e económicas para que os seres que sejam chamados a vir a este mundo tenham condições de subsistência. E quando os Srs. Deputados ontem e hoje também - afirmaram que não se pode admitir que a mãe não disponha da possibilidade de inviabilizar o 6.º filho, eu diria que não é isso que importa; temos é que, dando condições, em liberdade, com um bom planeamento familiar e com educação sexual, impedir que o 6.º filho apareça. Esta é a nossa posição, e não matar o 6.º, porque está a mais.

Aplausos do PSD.

Para terminar - e isto é também um protesto -, quando ontem aqui fiz determinadas considerações de base científica médica, ...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito científicas!?

O Orador:- ... que não são obviamente minhas, o Sr. Deputado disse que foi aqui trazida a ciência a trouxe-mouxe. Quero-lhe dizer que a ciência não tem partido. O que pode é ser aproveitada pelos partidos e foi aquilo que o Sr. Deputado tentou fazer, mas obviamente sem o conseguir.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Finalmente, o CDS cala-se e o PSD trata de o ultrapassar pela direita já não era sem tempo.

Protestos do PSD.

Que o Sr. Deputado Malato Correia procure vir dar, nesta Câmara, aos que preconizam a legalização da interrupção voluntária da gravidez lições de moral é puramente ridículo da parte de um partido que tem no seu seio, cidadãos que defendem toda a espécie de posições nesta matéria, inclusive a legalização da interrupção voluntária da gravidez, ...

Vozes do PSD: - E livre!

O Orador: - ... e, por outro lado, da parte de um partido que desencadeia, neste momento, uma operação de chantagem política, de contornos dúbios, usando, da forma mais descarada e obscena, a questão do aborto. E lamentável, é - eu quase diria - infame.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradecia que moderasse os seus termos.

O Orador: - Quanto à liberdade de consciência do PSD, a «belíssima» liberdade de consciência do PSD, está aí à nossa frente, na bancada, com deputados substituindo outros deputados, cuja voz não se pode ouvir aqui - o PSD lá sabe porquê, é o seu conceito peculiar de liberdade de consciência.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às preocupações finais do Sr. Deputado Malato Correia, que anda obcecado com a questão feminina, mas que ainda a não resolveu, uma delas é a total liberdade da mulher «aqui d'el

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rei». Compreendo, Sr. Deputado, que doa a alguns esta realidade nova, que é o facto de a mulher ser igual em direitos, de assumir os seus direitos, de os exercer. Não estamos no século XIX, nem sequer no princípio do século XX. O Código Civil já não prevê a nomeação de um curador de ventre para proteger o feto contra a vontade terrível da mulher que quer conquistar a herança do marido por meios dúbios; já não temos esse Código Civil, mas outro, desde 1966. Mas há quem não esteja adaptado e há quem não só não esteja adaptado como também, nesta matéria, continue a preconizar soluções absolutas, que se radicam nessas concepções do século XIX, como o direito absoluto do feto à vida, contra tudo e todos, em todas as circunstâncias, seja o que for que aconteça à mulher, independentemente do seu destino, seja ou não exigível a continuação da gravidez. Esta teoria está há tantos anos ultrapassada que já no século XIX - como lembrava ontem, embora mal, um senhor deputado do CDS, que hoje também está calado - um grande jurista português defendia a despenalização do aborto terapêutico. O Sr. Deputado Malato Correia ainda está nessa altura, mas do outro lado.

Risos do PCP.

Quanto às soluções equilibradas, o que procuramos é uma solução equilibrada. E o nosso projecto procura precisamente estabelecer essa solução equilibrada, dando à mulher o máximo de meios para uma informação global sobre a sua situação e problemas e meios para que no caso de chegar, como último recurso, à conclusão de que deve interromper a gravidez o possa fazer com dignidade e com segurança, que é o mínimo que podemos dar às mulheres portuguesas, numa sociedade civilizada e desenvolvida, que é aquela que queremos ter.

Aplausos do PCP.

Concluindo, as soluções que o PSD propõe são de tal forma absolutizadoras, mistificam de tal forma os dados da ciência, que conduzem a soluções que, por toda a parte, o direito penal afasta. O direito penal não trata de forma igual a vida, nas suas diversas formas de evolução. 15to é um dado óbvio. O panfleto que leu diz o contrário, mas é um péssimo panfleto, é verdadeiramente um panfleto de pacotilha, sem a mínima base científica. Os cientistas são bastante mais modestos e menos dogmáticos do que isso e nós, juristas, legisladores, não podemos ser mais dogmáticos do que esses cientistas.
Compreendo perfeitamente a posição que assumiu, porque ontem propôs - é essa a sua concepção da mulher e da dignidade- que, além de se submeter a mulher às penas bárbaras a que está sujeito o aborto clandestino, ainda se submeta a mulher a uma outra, além da prisão eventual, que é a tal contemplação compulsiva do feto, que ontem o Sr. Deputado propunha como «meio edificante» para as mulheres portuguesas. Edificante para as mulheres portuguesas é reconhecer-lhes o direito de interromperem, quando tal for necessário, uma gravidez que não possam suportar. 15so é que é justo, isso é que é digno.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Malato Correia pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Malato Correia (PSD): - Eu desejava formular um protesto em relação ao pedido de esclarecimento que produzi, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado.
Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, ouvi com atenção a intervenção que acaba de produzir, embora tenha sido lida um tanto apressadamente, o que provocou por vezes o escapar de algumas expressões. Mas creio que, a propósito da sua referência ao estado de necessidade desculpante, disse, com todo o à-vontade, que se o juiz desculpa, desculpa, se não desculpa, não desculpa. Eu quero protestar contra esta forma de expressão, que é manifestamente uma ofensa à maioria dos nossos magistrados judiciais, ...

Risos do PCP.

... porque, num caso destes, como em qualquer outro - e o Sr. Deputado José Magalhães sabe-o perfeitamente -, qualquer magistrado judicial, ao apreciar um caso concreto em que tenha de verificar situações para as quais se invoque estado de necessidade, como qualquer outra, terá de ponderar, e pondera necessariamente, as circunstâncias com todas as cautelas. talvez com mais cautelas do que, porventura, aquelas que constam do projecto de lei do PCP.
Portanto, é total leviandade - perdoe-me a expressão, que não leva qualquer carácter ofensivo - falar-se dessa maneira, como se o juiz fosse arbitrariamente tomar uma qualquer posição. É contra isso que protesto, Sr. Deputado. Temos de encarar as coisas com a máxima cautela e com a dignidade que os tribunais, como órgãos de soberania que são, nos merecem. Eles têm de ser também tomados em conta.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Marques Mendes referiu-se a «qualquer magistrado, ao apreciar um caso concreto. Mas isto é uma ficção. Se ouviu a estatística que há pouco reproduzi - talvez demasiado depressa -, verifica que, neste decénio de 1970-1980, 162 arguidos compareceram perante os tribunais. Quantos milhares de abortos se realizaram em Portugal entretanto! O grande problema - e daí a inversão que o Sr. Deputado pratica ao dizer isso é que é o Sr. Deputado que está a insultar a magistratura portuguesa, ao acusá-la de estar indiferente. Há abortos por toda a parte, há criminosos por toda a parte e a magistratura portuguesa está silenciosa.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, não abordei esse aspecto. O que eu

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disse foi que, quando referiu o facto de se invocar, por vezes, o estado de necessidade desculpante, V. Ex.ª fez essa afirmação: se o juiz desculpa, desculpa; se não desculpa, não desculpa. Foi apenas esse; aspecto que referi. É que isso é dito por forma que dá a entender que o juiz procede como muito bem quer, quando V. Ex.ª sabe e por experiência própria- que os juízes, salvo uma ou outra excepção, como existem em toda a parte, colocam a máxima ponderação na apreciação desses casos. Foi apenas esse aspecto que pretendi focar e não entrei no campo para o qual o Sr. Deputado agora pretende arrastar a questão.

O Orador: - Sr. Deputado Marques Mendes, eu gostaria muito de ter posto isso em causa para a sua posição estar certa, mas como não pus a sua observação, cai. Nós não colocamos isto em relação à magistratura.
O grande drama, o grande problema desta lei, é que é inteiramente inútil e contraproducente porque não passa pela cabeça de ninguém, nem polícias, nem magistrados, nem de nenhum de nós, fazer uma denúncia à polícia quando temos conhecimento de um caso de interrupção voluntária da gravidez. Nem o Sr. Deputado Malato Correia ousou dizer que denuncia as mulheres que lhe chegam em sangue necessitando de tratamento. Trata-as e manda-as em paz, mas não vai à polícia denunciá-las. Pois bem, está a violar a lei, Sr. Deputado Malato Correia!

Aplausos do PCP.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Que ignorância!

O Orador: - 15so é que é absurdo: é uma lei que é violada por toda a parte; é uma lei que os que a defendem também a violam; é uma lei que não pode ser cumprida. E ainda há deputados que dizem que o artigo 33.º do Código Penal resolve o problema!
Nós dizemos que esse artigo é, para esse efeito uma fraude, como é geralmente reconhecido por todos os penalistas. Citei há bocado o caso do Prof. Figueiredo Dias, cito agora o caso do Prof. Eduardo Correia, o caso da Dr.ª Teresa Beleza, o caso de qualquer penalista da corrente que aprecie esta questão objectivamente: o estado de necessidade desculpante é um subterfúgio que mantém o aborto clandestino - não há aborto lícito com esta cláusula.
Aliás, o próprio Sr. Ministro da justiça o disse num comunicado: o aborto é censurável e ilícito e ilícito e censurável deve ser; se houver despenalização expressa viola-se a regra da protecção da vida. Logo, mantém-se a violação expressa, com os lindos resultados que estão à vista, pois, as mulheres continuam a morrer às mãos das abortistas em circunstâncias péssimas e salva-se, defende-se e protege-se a vida humana porque o Código Penal defende o futuro e vida dos Portugueses! E ridículo e insustentável, pelo que devemos alterar isto urgentemente.
Não estamos a insultar os juízes, estamos apenas a evitar que eles tenham de cumprir uma lei injusta que ninguém aplica.

Aplausos do PCP.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade pede a palavra para que efeito?

O Sr. Costa Andrade (PSD):- - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O pedido de esclarecimento não contende directamente com o fundo da matéria, mas sim com algumas questões que fazem parte do modo como tem sido debatida esta matéria, designadamente pelo Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Deputado colocou a sua intervenção sob o signo do rigor, da cientificidade e por aí proeurou gizar a sua intervenção. Parece-me, no que a rigor concerne, que importa, contudo, fazer algumas correcções.
Em primeiro lugar, não é seguro, não está provado, nem é fácil - parece-me que o contrário é que é verdadeiro -, afirmar que o Código Penal de 1979 não tenha ido para a frente por questões relativas ao aborto. Tenho para mim o contrário: o aborto não era, nessa altura, um tema importante. Estou convencido, de resto, que se o Código Penal não suscitasse outras oposições ao antigo regime, por questões de fundo, esse diploma teria ido para a frente. Basta ler as actas do debate referente à parte especial daquele Código.
Esta a correcção que importa fazer, porque pode ser relevante para o debate.
Por outro lado, o Sr. Deputado insiste na citação de um facto imputável ao vice-presidente da Comissão Política Nacional do PSD, Prof. Mota Pinto, dizendo que este já defendeu o aborto e que agora vem, afinal, contra o aborto. Ora, falando menos como deputado e fazendo apelo a um certo rigor a que V. Ex.ª nos habituou, importa recordar os factos.
O Sr. Prof. Mota Pinto era Primeiro-Ministro de um governo já demitido quando o então Ministro da Justiça, Prof. Eduardo Correia, na sequência dos seus trabalhos legislativos, tinha aprontado um projecto da parte especial do Código Penal, pelo que resolveu apresentar esse projecto à Assembleia da República. Mas como já não podia fazê-lo, não pôde - ao contrário do que o Sr. Deputado disse - ser apresentado nesta Assembleia, visto que o Governo já não tinha iniciativa legislativa, porque se encontrava demitido. Do que se tratava era de um projecto de Código Penal ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Hipócrita!

O Orador: - Não, Sr. Deputado, não era um projecto hipócrita. Era um projecto da autoria do Sr. Prof. Eduardo Correia, então Ministro da Justiça, que o Governo da altura ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi aprovado em Conselho de Ministros!

O Orador: - Estou apenas a repor a verdade dos factos e penso ter alguma legitimidade para apelar ao Sr. Deputado em nome do rigor das coisas.
Portanto, aquela iniciativa já não podia ser discutida, já não era uma iniciativa legislativa, mas, de todo o modo, o Governo admitiu que continuasse o seu curso, pelo que a opção então tomada pelo Go-

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verno era uma opção de conjunto relativa ao novo Código Penal no que à parte especial dizia respeito e não, evidentemente, uma opção quanto a qualquer preceito na especialidade. Não se curava disso, mas sim de, na altura, encetar algo que, independentemente das singulares normas e dos singulares regimes, contribuísse para modificar o estado da legislação portuguesa. E em boa hora foi feito, já que, mercê dessa e de outras iniciativas legislativas, foi possível, ao cabo de sucessivos esforços, lograr a ingente tarefa de dotar este pais com um ordenamento jurídico-penal renovado, em substituição do velho Código Penal de 1852.
Assim, é correcto, não é, pelo menos, rigoroso e não é sério dizer que há naquele acto de aceitar na globabilidade um projecto de lei com quatrocentos e tal artigos uma aprovação favorável ao aborto. Não se prova qualquer opção concreta em relação a essa matéria. O que se diga para além disto é especulação política, legítima, mas que não fica bem a quem pauta, ou diz pautar, as suas intervenções pelo rigor.
Por outro lado, o Sr. Deputado atacou o PSD, e já na resposta a um meu colega de bancada juntou a esse ataque o epíteto de imoralidade para justificar a diversidade de opiniões neste partido.
Honro-me, Sr. Deputado, de pertencer a um partido que tem essa imoralidade: a imoralidade da liberdade de opiniões!

Aplausos do PSD.

Estou tanto mais à vontade para afirmar isto quanto é certo - e não o escondo - que no meu trabalho científico e universitário tenho chegado a conclusões que apontam para um sentido divergente daquele que a minha bancada vai tomar. Só que assumi livremente a disciplina partidária, ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - De contrário ia para a rua!

O Orador: - ... estou num partido e entendo que umas vezes terei de ser vencido, dentro do jogo democrático partidário, outras vezes ganharei.

Aplausos do PSD.

O que não sei é se o Sr. Deputado pode dizer o mesmo. Se não puder, tenho de concluir que o Sr. Deputado coonesta todas as atitudes do seu partido, coonesta, por exemplo, o maior escândalo que nos acaba de chegar da parte dos regimes totalitários: a novíssima doença da paranóia reformadora acabada de surgir na Checoslováquia e de que os jornais de todo o mundo se fizeram eco. Um cidadão apodado de ser portador de paranóia reformadora!

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Doença terrível!

O Orador: - Será que o Sr. Deputado discorda das muitas monstruosidades que, de vez em quando, o seu partido apoia? Também apoia a perseguição aos estudantes polacos, aos intelectuais polacos?

Aplausos do PSD.

Protestos do PCP.

Aqui, Sr. Deputado, pode atacar as minhas posições. Só que será em vão porque as assumo, mas assumo-as na liberdade e dentro de um partido que reconhece o direito a ser diferente e a pensar diferente, ...

Vozes do PCP: - Vê-se!

O Orador: - ... de mais a mais tratando-se de um partido que não é confessional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pedia aos Srs. Deputados para, nos seus pedidos de esclarecimento, nas suas interpelações, se cingirem ao Regimento, não ultrapassando demasiadamente o tempo que ele estabelece.
Sr. Deputado José Magalhães, se desejar responder já, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.` quebrou o silencio, o que é positivo: é um criminologista e tem a sua reputação universitária. Sá que nós esperávamos que tivesse contribuído neste debate com algumas correcções, correcções efectivas sobre inverdades, inexactidões, enfim, que desse o seu contributo cientifico.
Lamentavelmente isso não aconteceu. Nós gostaríamos que, por exemplo, tivesse corrigido e dito que a lei proibitiva do aborto é eficaz. Mas não o pode fazer porque trem escritos em sentido contrário, aliás muito doutos, em que demonstra precisamente o contrário; gostaríamos que tivesse dito que a penalização impede o negócio sórdido que prolifera e que evita a chantagem, a exploração, a extorsão sobre as mulheres. Não disse nem pode dizer porque escreveu precisamente o contrário, e muito bem.
Ao invés, o que nos veio dizer foi que a proposta de Código Penal apresentada em 1979 foi efectivamente apresentada, mas quando o Governo já estava demitido - já o sabíamos; que foi aprovado em Conselho de Ministros, mas que os governos moribundos são governos diferentes dos governos com plena vitalidade; que talvez o Prof. Mota Pinto estivesse a ressonar nesse preciso Conselho de Ministros, pelo que não se sabe se ele esteve de acordo ou a favor, ou se estava em viagem pelo exterior.

Protestos do PSD.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - Seja educado!

O Orador: - Creio que aquilo que é ofensivo para o Prof. Mota Pinto é sustentar-se que ele estava a ressonar num Conselho de Ministros. 15so é que é ofensivo. Nós admitimos que ele, em 1979, aprovou e fê-lo conscientemente em relação à solução que propôs - e bem - à Assembleia da República. Se alguém o renega, que o assuma frontalmente, que não se disfarce, que não se meta debaixo da gaveta!

Aplausos do PCP.

O Sr. Rocha de Almeida (PSD): - O senhor não insulte ninguém, seu mal educado!

O Orador: - Finalmente, o Sr. Deputado fez um pequeno comício anticomunista sem grande imagina-

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ção, sem grande honra e sem grande dignidade. Creio não ser honroso, nem correcto, nem rigoroso, nem sério, tratar destas questões nesses termos. Penso que o seu caso é o exemplo exacto de até onde pode chegar um jurista cuja consciência é esmagada e violentada por uma questão tão importante como essa. 15so é lamentável e nós lamentamos.

Aplausos do PCP.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fernando do Amaral pede a palavra para que efeito?

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Para pedir esclarecimentos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD). - Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer-lhe que tive a pretensão de acompanhar a velocidade, aliás inteligente, com que V. Ex.ª apresentou aqui um trabalho que haveria de qualificar também de notável, embora colocado numa perspectiva que não é minha. Daí que não tivesse compreendido completamente a argumentação de ordem jurídica que veio trazer ao Plenário, cuja apreciação permitiria da minha parte uma análise mais cuidada para poder apreciar da justeza das invocações que fez e para depois tirar as conclusões necessárias.
Mas ficou-me, pelo menos, uma expressão que achei admirável: a que V. Ex.ª referiu quando disse que a maternidade nunca deverá ser contra a mulher. Acho esta uma expressão que pode ser paradigmática para daí se poder afilar todos os nossos pensamentos.
A maternidade nunca poderá ser contra a mulher. E que o não é mesmo, Sr. Deputado. Só o será se, porventura, nós aceitarmos uma ruptura do desenvolvimento natural e normal dessa mesma maternidade.
Houve aí outro aspecto que devo salientar: foi quando V. Ex.ª referiu a repercussão que o desenvolvimento do ser humano tem no direito penal. Disse V. Ex.ª que, na vida uterina, a cronologia do tempo e as suas consequências estão fatalmente atrás no direito penal. 15to é um facto e ainda bem que assim é.
Mas esse argumento tem sido invocado para justificar que a vida uterina não tem valor. Então aí pense que estamos a pôr em crise o sentido ontológico do ser em favor exclusivo da cronologia do seu desenvolvimento, o que seria necessariamente um erro grave, quanto à apreciação e determinação do perfil dos nossos preceitos legais.
Depois, V. Ex.ª denunciou ou apontou o facto de o Sr. Deputado Malato Corroía ter conhecimento de determinadas mulheres que abortaram e não as ter denunciado. Devo dizer, Sr. Deputado, que um médico que tomasse tal posição punha em crise - e fortemente em crise - a sua própria consciência, a qual resulta do segredo profissional, a que fatalmente está adstrito no exercício da sua função, sem dúvida das mais nobres.
Por outro lado, de toda a evolução do seu pensamento, aliás, com o brilho que lhe é habitual, tirou determinadas conclusões que não me parecem ser absolutamente certas, na medida em que pretende justificar o aborto como um meio que, no fundo, constitui uma derrota e que é um fracasso, como o próprio Partido Comunista já aqui anunciou - e bem - aquando dos últimos debates. Se o aborto é um meio para atingir determinados fins, penso que os meios, porque são maus, porque são um fracasso no conceito que temos das condutas humanas, não podem, de modo nenhum, também justificar os fins.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. José Vitorino (PSD): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: -- O Sr. Deputado José Vitorino pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Vitorino (PSD): - Para exercer o direito de defesa em nome do meu grupo parlamentar.

O Sr. Presidente: - Dar-lhe-ei em seguida, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado José Magalhães pedido de esclarecimento do Sr. G,
.„.:u.: d ..,.au,. do Amaral?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Desejo sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Queria sublinhar e agradecer o tom e a forma como o Sr. Deputado Fernando do Amaral abordou estas questões. Creio que vale a pena abordá-las e fazê-lo desta forma - interrogando e procurando responder.

Sr. Deputado, não é preciso um grande esforço de tolerància, de compreensão, ce

para fazer uma lei que sei^ flagelo que é o aborto clar,

equilibrar soluções: é preci: procurar alterá-lo: é preciso a mulher possa escolher; é preci_,

ar esse .º, sim,

o real e ., para que agir social,

adoptar medidas concretas que altererce as próprias condições de vida e de escolha: é preciso um conjunto de medidas, não bastando apenas uma lei para al-
terar este problema; é preciso ur, ' depois muito
.ais do que uma lei - é prec grande esforço
depois ainda a tentativa de r ':a consciência
.:. cada um. E assim que nós .. se; processo e,
por isso, apresentamos três iníc e não apenas
uma.
Mas a maternidade não deve se: bontra a mulher. 15to é capital porque este entendimento foi negado durante séculos, foi negado em legislações várias, é negado na nossa lei, que, com as suas características, o impede. E porquê? Porque se atribui valor absoluto - ficticiamente, na prática não, na letra, não na vida ao valor da vida infra-uterina. Mas, na prática, estabelece-se um sistema legal que, proibindo e não conseguindo evitar nada, não protege coisa alguma.
Daí que nó: digamos que isto é um absurdo. E necessário e- :ntrar uma solução equilibrada que permita que s intere::,rs sociais na defesa da
saúde públir. defesa própria maternidade, na

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defesa do prosseguimento da espécie, etc., etc., se articulem com uma real liberdade de escolha da mulher. E isto que por todo o mundo se procura encontrar. Os argumentos que utilizei não se devem a mim, são argumentos comezinhos e correntes de todo o debate internacional, são o fruto dessa experiência de milhares de homens e de mulheres que sobre esta questão têm reflectido e tentado obter uma solução adequada.
Tempo houve em que a questão que colocou - a do segredo profissional do médico - era posta em dúvida, era posta em dúvida pelos fascistas durante o fascismo. Não deve haver segredo profissional para o caso da mulher grávida, diziam. Qualquer médico que encontre uma mulher grávida e que a ajude em trabalhos abortivos ou pós-abortivos deve denunciá-la à polícia. Propôs-se casos de Paiva Boleo, de Ary dos Santos, etc.-, tratados houve, sérios, sisudos, em que isto se avançou, o que é repugnante.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - E precisamente por essas razões que eu não aceitava que V. Ex.ª tivesse feito a denúncia em relação ao Sr. Deputado Malato Correia. Precisamente por essas razões não aceito que o Sr. Deputado tivesse tido a inoportunidade de fazer essa denúncia em relação àquele Sr. Deputado.
No resto está certo. E porque está certo é que a denúncia me pareceu não ser pertinente.

O Orador: - Sr. Deputado, apenas estava a sublinhar a incoerência do Sr. Deputado Malato Correia, não o seu brio e a sua deontologia profissional. A incoerência está em afirmar-se que a lei deve continuar e, simultaneamente, não fornecer os meios para que ela possa sor aplicada. Se ela continua é para ser aplicada, ou então não continua e vamos discutir. E isto que nós propomos.
Finalmente, o Sr. Deputado afirma que a maternidade deveria ser um processo regular, continuo, que deveria constituir um desenvolvimento natural, normal. Sem dúvida, Sr. Deputado. Mas quando a vida nega isto? Quando a vida intervém - há o caso extremo da violação, que é uma ruptura brutal de uma situação regular -, alterando esse desenvolvimento, o que é que o legislador deve fazer? Deve impor uma solução que penaliza brutalmente, mas que nada resolve? A nossa opinião é que não: deve legalizar, deve adoptar um conjunto de medidas que possam ser eficazes. 15to é objectivo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Presidente teve a oportunidade de referir, a propósito da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, que se devem moderar as expressões usadas durante o debate. Estamos perfeitamente de acordo. De qualquer modo, não poderíamos deixar

passar em claro a palavra «ressonar» aplicada pelo Sr. Deputado em referência ao Sr. Prof. Mota Pinto.

Risos do PCP.

O PCP tem direito à sua posição, tem até o direito democrático de deturpar os factos e as situações, é um direito que lhe assiste. Mas é também um direito que nos assiste o desmontar dessas deturpações ou essas manipulações.
Ficaram explicadas pelo Sr. Deputado Costa Andrade as condições concretas em que o Governo exercia as suas funções de gestão na altura em que o Sr. Prof. Mota Pinto assinou essa proposta. Mas, para além disso, aquilo que aqui está em causa seja no sentido da distracção, seja no sentido da irresponsabilidade é, realmente, a palavra «ressonar», para além do enquadramento confuso que o Sr. Deputado lhe deu.
Julgo que esta é uma expressão que não dignifica o Parlamento, que não dignifica o Primeiro-Ministro de então e, acima de tudo, não dignifica um órgão de soberania, que é o Governo, que ele representou.
O Sr. Deputado não tem o direito de fazer isso, como o seu partido não o tem. Por isso aqui fica o meu protesto em nome do Grupo Parlamentar do PSD.

O Sr. Lino Lime (PCP): - O Sr. Deputado tem a certeza de que o Sr. Prof. Mota Pinto não estava a ressonar?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, para evitar polémicas e pegando na pergunta pertinente feita pelo meu camarada Lino Lima, queria corrigir aquilo que disse, ferindo indevidamente a sensibilidade do Sr. Deputado José Vitorino. Assim, proponho que no Diário da Assembleia da República, onde se registava aquilo que eu disse há pouco, se passe a ler o seguinte: «o Prof. Mota Pinto, eventualmente, estava a fazer ó-ó».

Aplausos e risos do PCP e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, ouvi com muita atenção a sua intervenção e confesso que ela me desencantou, e isto principalmente por duas razões: em primeiro lugar, porque o Sr. Deputado usou de uma arrogância e de uma sobranceria que parecia que um problema tão grave como é o do aborto ou, como hoje com maior delicadeza se diz, da interrupção voluntária da gravidez, tinha sido adjudicado ao PCP, sendo seu exclusivo e não um problema de todos nós, que eu assumo. Em segunda lugar, porque a perspectiva exposta na altura, embora não seja nova, não ficou totalmente clara para mim.
Vejo o problema do aborto - e chamo-lhe assim porque não tenho medo das palavras como um problema muito grave da mulher, como uma questão que tem incidência no campo económico, social, político e mesmo na área cultural.

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E um problema que é de todos nós e neste momento talvez não seja descabido lembrar o que escreveu Terêncio - que, por ironia, era um autor trágico-cómico - há 2200 anos, portanto antes de Cristo: asou homem e, par isso, tudo o que é humano me interessa».
Creio que hoje poderemos também dizer, 2200 anos depois, que somos homens e, portanto, tudo o que é humano diz-nos respeito. Este problema não diz respeito apenas ao PCP ou ao PS, é um problema de todos nós e, porque assim é, temos de dialogar com abertura, o que significa compreensão e não quer dizer arrogância ou sobranceria.
Sr. Deputado, estamos de acordo consigo quando diz que o problema da interrupção voluntária da gravidez é um problema gravíssimo do homem - e chamo a atenção de uma ilustre deputada para o facto de que quando referimos «homem» estamos a aludir à espécie humana, que abrange também a mulher -, que tem repercussões a nível económico, social e cultural. No entanto, não preconizamos a mesma solução para este problema e a razão que nos distingue e separa insere-se na área ética e área moral.
Não dou novidade nenhuma ao Sr. Deputado se lhe disser que o processo ético de qualquer problema ou facto é, no fundo, aferir esse facto par uma hierarquia de valores que construímos. E o nosso problema em termos de ética é precisamente estabelecer a prioridade do valor a que damos o primeiro lugar e é por isso que, em termos de ética, nos distinguimos.
A moral é um conjunto de regras fixas a que não podemos fugir, mesmo que queiramos, e é também por isso que nos distinguimos em termos de moral.
Diria que a ética se distingue da moral porque quando olhamos para um problema de um ponto de vista ético perguntamos o que podemos fazer e quando olhamos para ele de um ponto de vista moral perguntamos o que devemos fazer.
Aquilo que nos separa é, efectivamente, a ética e a moral e isto permite-me perguntar-lhe - porque considero que num debate tão importante como este aspectos de fundo devem ficar perfeitamente claros se o problema do aborto ou da interrupção voluntária da gravidez é também um problema de ética para o PCP. E, no caso afirmativo, entende o Sr. Deputado José Magalhães que o feto tem vida e que esta é um valor?
Na verdade, até agora, embora de uma forma difusa, os valores que se perfilaram nesta Assembleia foram o direito da mulher à vida e à liberdade, quer no aspecto económico, quer no aspecto do direito à saúde. Qual o valor que o Sr. Deputado José Magalhães resolveu privilegiar para defender, em termos éticos, a interrupção voluntária da gravidez?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pereira Lopes, também para pedir esclarecimentos.

O Sr. Pereira Lopes (PSD): - Não possuo os dotes oratórios nem os preciosismos semânticos e, muito menos, os conhecimentos técnico-jurídicos do Sr. Deputado José Magalhães. Infelizmente nem todos tiveram o privilégio de frequentar as universidades.
De qualquer modo, pelas intervenções havidas e pelos argumentos aduzidos, penso que as preocupações essenciais do PCP são de ardem económica e social, o que me poderia levar a concluir que, de facto, o PCP está fortemente interessado em que a crise económica e social com que o nosso país se debate seja resolvida para que se criem melhores condições de vida para todos os portugueses e sobretudo para as mulheres portuguesas.
Mas tal não acontece e verificámos que o PCP avançou para esta Câmara com um projecto - como, aliás, é seu timbre - sabendo que ele poderia criar algumas divergências ligeiras entre a maioria, travando eventualmente o processo em que todos estamos empenhados para que o desenvolvimento económico-social do nosso país seja uma realidade.
Penso que com os argumentos aduzidos se poderia concluir que o projecto de lei apresentado pelo PCP é um projecto de mera conjuntura - porque se dia que uma mulher lúcida pode invocar para o não nascimento do seu 6.º filho razões económicas -, talvez aplicável, única e exclusivamente, a países subdesenvolvidos.
Pergunto ao Sr. Deputado José Magalhães se entende que este projecto é de mera conjuntura e se se destina só a ser aplicado nos países subdesenvolvidos e com grave situação económica-social. Sendo assim, pergunto também se há razões para existir legislação sobre esta questão nos países cujo modelo de sociedade defende e onde, eventualmente, segundo a sua óptica, não haverá estas dificuldades.
Pergunto se nesses países onde considera que tudo está resolvido, nesses países onde o sol brilha em toda a sua plenitude para todos, onde não existem essas dificuldades, haverá razões. para existir legislação sobre a interrupção voluntária da gravidez.

Aplausos dos Srs. Deputados José Vitorino e Fernando Amaral, do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Malato Correia, para protestar.

O Sr. Malato Correia (PSD). - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É apenas para protestar em relação a 2 afirmações proferidas pelo Sr. Deputado José Magalhães.
A primeira prende-se com a pretensa incoerência que presidia à minha actuação como médico quando tratava doentes em situação pós-aborto.
Ora bem, já aqui foi esclarecido pelo Sr. Deputado Fernando do Amaral a situação de qualquer médico ter de tratar qualquer doente, independentemente da causa que provoca a sua falta de saúde. 15to resulta da deontologia médica - que o Sr. Deputado talvez não conheça porque não é médico -, da Convenção de Genebra e até da Declaração de Hipócrates. Estamos obrigados a tratar todo e qualquer doente em qualquer situação, mas a não pactuar com qualquer crime ou tortura, mesmo em hospitais psiquiátricos, e o Sr. Deputado deve saber aquilo a que me quero referir.
Por outro lado, quero protestar em relação ao termo que usou para classificar a minha intervenção. Terei sido obsceno porque ontem declarei que uma mulher que observasse os restos resultantes de um aborto provocado - as pequenas pernas e braços, os pequenos corpos mutilados, os restos de crânio que foram retirados -, possivelmente, nunca mais cometeria um aborto!
Obsceno. Sr. Deputado, não é isto!

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O Sr. José Magalhães (PCP): - 15so é macabro!

O Orador: - 15to é apenas realidade; obsceno é o aborto em si e o modo como o Sr. Deputado faz a sua defesa!
Diz que u projecto do PCP apresenta uma solução equilibrada, mas pergunto-lhe: onde é que há equilíbrio quando o aborto é perfeitamente liberalizado, em todas as situações?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Até às 12 semanas!

O Orador: - Qual é o equilíbrio de uma situação como esta, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para responder, se assim o desejar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo pelo último aspecto focado porque ele me parece importante.
De facto procurámos o equilíbrio no nosso projecto de lei, mas não temos o mérito de ter inovado.
Se o Sr. Deputado fizer uma recapitulação rápida da regulamentação da interrupção voluntária da gravidez pelo mundo fora verifica que a solução adoptada na Dinamarca - que data de 1973 -, na Finlândia, na Itália, no Luxemburgo, na Noruega, na República Federal da Alemanha, na República Democrática Alemã e na Checoslováquia vai no sentido de o aborto ser possível até às 12 semanas; na Holanda a solução adoptada é a de este ser autorizado até às 22 semanas, embora o regime seja especial; na Grã-Bretanha o limite é de 28 semanas, na Suécia é de 18 semanas, na Suíça a situação é especifica, etc., etc.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Sr. Deputado, explique-me por que motivo é que a Roménia e a Alemanha Oriental - que permitiam o aborto em qualquer altura e sem qualquer penalização, sendo este perfeitamente legalizado em todas as situações -, de repente mudaram a sua legislação, permitindo apenas o aborto em mulheres a partir dos 40 anos?
15to é uma defesa da mãe, é uma defesa do planeamento familiar ou é uma solução para planeamento demográfico de determinado pais que ultrapassa em muito a defesa da família e o planeamento familiar?
Por que é que houve rima alteração dessa legislação, Sr. Deputado?

O Orador: - Acho interessantíssimo que tenha colocado esse caso. Eu acabei de citar 6, 7, 8, 9 casos, mas podia ter citado mais 10, 11, 12 ou 13. Aliás, gostaria imenso de discutir isso. Nós temos de fazer uma lei adequada à realidade do nosso país, e ponderando as várias soluções.
O Sr. Deputado invocou o exemplo da República Democrática Alemã? Se invocou, é asneira, porque não é assim. São 12 semanas.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Mas só depois dos 40 anos.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não é verdade!

O Orador: - Sr. Deputado, discutir matérias de facto desse tipo é um bocado ridículo!
A Assembleia da República forneceu aos diversos parlamentares um substancial dossier, maçudo e abundante, com legislação comparada. O Sr. Deputado estuda, lê, e obviamente que temos todo o gosto em discuti-la consigo.
Preocupou-nos e muito a questão da determinação do limite. É uma questão crucial. Se o Sr. Deputado ler o preâmbulo do nosso projecto vê que fundamos essa solução naquilo que o actual estado dos conhecimentos da medicina revela ser adequado face às melhores condições para realizar a interrupção voluntária da gravidez, quando é necessária.
Percebo perfeitamente que o Sr. Deputado não aceite isto, vimos ontem o seu conceito científico sobre a matéria.
Outras questões que me parecem, essas sim, valer a pena abordar.
No que respeita à questão da arrogância e da sobrançaria, eu lamento profundamente se o Sr. Deputado Correia Afonso tiver entendido as minhas palavras como exprimindo um tal espírito, porque aquilo que preside a toda a nossa abordagem desta questão é a máxima tolerância e a busca de uma solução adequada, obtida através do raciocínio e não da imposição de coisas à força.
No caso concreto, temos uma lei que respeita a consciência das pessoas e é um dos aspectos fulcrais para nós. O actual regime jurídico não respeita a consciência dos cidadãos e impõe a uns as soluções que outros - ainda por cima minoritários - sustentam com resultados dramáticos, tanto no plano social, como no plano médico, ou no plano pessoal.
E uma responsabilidade social que o Estado democrático não pode continuar a assumir: a solução de uma penalização que conduz aos resultados vistos.
A solução a obter há-de ser encontrada, por forma a que não se imponha a ninguém coisa nenhuma. E isso só através de uma lei deste tipo pode ser conseguido.
Para nós, isto tem um sentido ético profundíssimo. Significa não misturar planos, direito, moral. Quem entrar nesta questão entra numa discussão infinita. Sabemos, no entanto, que as soluções jurídicas se têm distinguido em muitos planos de certas soluções que à luz de certa concepção ética são inaceitáveis.
O Sr. Deputado tem no Código Penal a admissão da inseminação artificial, que o CDS condena e que foi aprovado pelo Ministro Freitas do Amaral! O mesmo Código despenaliza as mutações de sexo, que o CDS certamente acha desvairantes! Despenaliza a eutanásia em certas circunstâncias, o que arrepia o CDS!
Temos um Código Penal que impôs um conjunto vastíssimo de despenalização com a assinatura de Freitas do Amaral e o CDS está calado! 15to coloca problemas melindrosos!
O CDS só levanta esta questão em relação ao aborto e esse facto tem, como já aqui foi dito, razões profundas. Porque a nova concepção ética que está subjacente às propostas que por toda a parte vêm legalizando a interrupção voluntário da gravidez é uma concepção nova dos direitos da mulher e é uma concepção nova da relação homem-mulher. Tem, obviamente, implicações fundas e é evidente que o CDS

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não aceita a ideia de a mulher decidir — em condições determinadas—interromper a gravidez! O CDS está profundamente preocupado com a questão do património. Um deputado do CDS, dizia, preocupadíssimo, «mas isto é uma nova forma de a mulher apanhar a herança do marido!». Vejam lá no que ele pensa neste momento, em que a família patrimonial ainda praticamente existe por aí! Ainda estão no século XIX!

O Sr. César Oliveira (UEDS): — No século XIX?

O Orador: — Isso representa um grande alívio para nós. Estão no século XIX, mas nesse século aqueles que sustentavam o que hoje por toda a Europa e por todo o mundo se defende eram infelizmente relaxados ao braço secular. Hoje já não o são. Hoje discutimos em liberdade, podemos discutir no momento em que o obscurantismo perdeu inteiramente a força.
Quiseram lançar a batalha do divórcio e não conseguiram, e no divórcio, tal como o Sr. Deputado Correia Afonso também sabe, colocam-se questões melindrosas, de liberdade de consciência. Os católicos não podem divorciar-se face a essa regra. Mas quantos deputados do CDS são divorciados? Que legitimidade é que têm para contestar essa questão?
Mas os Srs. Deputados não a contestam. Contestam, sim, a questão do aborto, contestam a questão da legalização do aborto! Fazem chicana para defender essa concepção!
Estão, sem dúvida, em jogo conceitos de sociedade profundamente diferentes e nós consideramos que a nossa, esta que defendemos, tem apenas por si o facto de ser sustentada e ser lei em dezenas, dezenas e dezenas de países que têm regimes democráticos. São esses exemplos que queremos, não certamente aqueles exemplos, poucos, cada vez menos, em que o CDS consome a sua paixão e o seu zelo, quando para tal está virado.
Quanto ao Sr. Deputado Pereira Lopes — que no início da sua intervenção revelou muita modéstia, mas mostrou-se, afinal de contas, ao longo dela um bom especialista na crise económica—, queria dizer-lhe que as soluções que nós propomos não se fundem só em razões conjunturais de crise económica. Pelo contrário, até queremos que as pessoas, para além da crise económica e sem influência dela —através de medidas específicas de apoio—, possam escolher livremente os filhos que desejam. Consideramos que isso é muito importante, que é ou deve ser uma fonte de realização pessoal e de felicidade. Precisamente esta lei que temos impede isso. Queremos, até por isso, acabar com esta lei e temos essa preocupação. Se o Sr. Deputado a tem sinceramente, temo-la consigo.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate em curso decorre sob uma tempestade de paixões. Não, felizmente, neste hemiciclo, mas aproximadamente por todo o País. É um facto que não devemos deixar de registar e assumir.
A tomada de posição da Conferência Episcopal Portuguesa no sentido de influenciar os deputados desta Assembleia representa o exercício de um direito que a lei confere e todos reconhecemos, mas é de todo em todo desprovida de fundamento.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — A igreja católica é uma instituição espiritual venerabilíssima. Entre nós dispõe de prerrogativas de excepção que suficientemente se justificam pelo arreigado sentimento religioso da maioria dos portugueses, pelo lenitivo moral que a fé proporciona a quantos a partilham, pela dedicação ao bem público de tantos e tantos eclesiásticos e leigos, pela seriedade que em termos relativos tem caracterizado o comportamento da instituição. Desde a estabilização do regime democrático em Portugal as relações entre o Estado e a Igreja têm decorrido, de um modo geral, com elevação e em ambiente de recíproca compreensão.
Para a maioria dos povos sob sua influência a igreja católica constitui um sólido pilar de virtude e energia moral. A mensagem moral das religiões positivas é mais facilmente acessível do que a das filosofias não religiosas e consegue impressionar mais profundamente a generalidade das pessoas. Do ponto de vista da eficácia, uma moral fundamentada na transcendência apresenta reais vantagens no plano sociológico. Essa eficácia deve-se em grande parte à instituição eclesial. Sem igreja a fé não teria, em termos objectivos, o mesmo grau de eficácia moral que tem a fé partilhada em comunidade.
Contudo, no caso em apreço, a posição da igreja católica portuguesa carece de fundamento. E carece de fundamento muito simplesmente porque esgrime contra um fantasma.
A nota da Conferência Episcopal obedece a um fio condutor que devemos compreender na sua linearidade. Embora emocional, exprime um racioncínio coerente. Erra, contudo, no suporte factual. E erra no suporte factual porque combate um projecto de lei inexistente. A leitura atenta da pastoral torna claro que ela foi pensada e redigida no pressuposto de que a esta Assembleia foi apresentado algum projecto de lei que institui a obrigatoriedade do aborto em certas circunstâncias. Importa esclarecer que tal não acontece. Isso, para nós, deputados, é claro; não o é, infelizmente, para uma parte da opinião pública.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Na verdade, se em alguma circunstância uma lei impusesse à mulher o recurso ao aborto, ou se cometesse ao médico o direito de intervir sem consentimento da interessada, ou se aos médicos e demais profissionais de saúde não fosse garantido o direito à objecção de consciência, cairíamos em situação que justificaria" a condenação, a contundência e a indignação expressas na nota de 5 de Janeiro: seria efectivamente lícito, como aí se faz, o apelo à desobediência.
Acresce que os autores da nota não interpretaram correctamente o que nos projectos apresentados se tipifica como indicação eugénica. Onde se possibilita, nas primeiras 16 semanas, a interrupção da gravidez se houver «seguros motivos para prever que o nascituro venha a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação» —entendeu a Conferência Episcopal que era «retomado o ideal da pureza da raça, que, ao longo da história, serviu de pretexto

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para a eliminação de milhões de diminuídos físicos crianças, adultos e velhos». Partindo de tal equívoco, o menos que pode dizer-se é que a nota deveria ter sido redigida em termos bem mais enérgicos e severos. Eu próprio sem apreciar excessos de linguagem - teria sido mais agressivo se tal risco se configurasse no horizonte.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O aborto é um mal. Há unanimidade sobre esse ponto. A legítima defesa é também um mal, e a lei permite-a. A guerra é um mal ainda maior, e o direito regula-a. O direito não pode eximir-se nem a contemplar o mal nem a procurar atenuá-lo quando não porte suprimi-lo. E o caso do aborto. Ele existe na vida real, não é uma reivindicação que aguarde o voto favorável dos deputados. E existe como vexame moral, como violência física, como comércio ilícito, como flagelo social, como crueldade do destino.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Existe no que se convenciona chamar «clandestinidade». Uma clandestinidade, aliás, bem facilmente acessível e tão comummente tolerada como a economia paralela.
A educação sexual e o planeamento familiar devem proporcionar condições de informação à maternidade e à paternidade voluntárias. O recurso à interrupção da gravidez não pode ser entendido como meio de planeamento familiar. Mas, além do erro a que todo o ser humano está sujeito, casos há em que a saúde da grávida é afectada após a fecundação. E há violações. E há fetos atingidos de malformação. A interrupção voluntária da gravidez pode ser o último recurso para evitar o que, à consciência de muitas pessoas, se afigura como um mal maior.
A vida moral é em boa parte uma experiência de conflito de deveres. O problema legislativo tis exclusão da ilicitude jurídica em certos casos de interrupção voluntária da gravidez pode, e quanto a mim deve, ser considerado è luz da problemática do conflito de deveres.
O conflito de deveres resulta neste particular de um conflito de direitos. Não se sustenta que a grávida tenha todos os direitos e o feto nenhuns; por isso se mantém o principio genérico da penalização da interrupção da gravidez mesmo voluntária. Mas também se não aceita que o feto tenha todos os direitos e a grávida nenhuns;

Aplausos do PS.

Por isso se delimitam as circunstâncias em que a grávida pode solicitar ou consentir a interrupção da gravidez.
Não está em causa ser a favor do aborto, mas a favor de uma opção. E de uma opção - não o esqueçamos que se move em apertados limites. Porventura os mais estreitos de quantos se encontram estabelecidos na legislação de qualquer país ocidental.
Que se pretende então?
Pretende-se admitir a possibilidade jurídica da defesa do direito à vida e à integridade pessoal da mulher grávida. Se a grávida preferir a vida do nascituro à sua própria permanece inteiramente livre de se sacrificar. Será heroína. Todos têm o direito de se tornar heróis quando as circunstâncias moralmente o impõem. Mas, salvo a militares no teatro de guerra, a ninguém pode o Estado exigir o heroísmo como dever.

Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Pretende-se admitir a possibilidade jurídica de evitar, nas 16 primeiras semanas, o prosseguimento da gravidez resultante de violação, se tal for a vontade da mulher. Sustenta a nota episcopal que o aborto, mesmo nesse contexto, é moralmente mais grave do que o acto de violação. E uma tese respeitável, como qualquer outra, embora um pouco chocante. Mas independentemente do seu mérito, não deve ser legalmente imposta às cidades portuguesas.
Pretende-se admitir a possibilidade jurídica de evitar, nas primeiras 16 semanas, o desenvolvimento e eventual nascimento de um feto malformado. Também aí a decisão compete à grávida. Quem suspeitará alguma mulher nessas circunstâncias de se deixar imbuir pelo «ideal dê pureza da raça»? Quem não v8 o imenso e definitivo drama humano que se pode querer evitar?
Os senhores bispos preconizam a desobediência. Más desobediência a quê, se o projecto de lei a ninguém obriga? Como é possível desobedecer ao que não é imposto?

Aplausos do PS.

De plena evidência há aqui um grande e lamentável equívoco. Nascido, estou certo, de errada informação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Estado e o Direito têm uma finalidade ética. É por isso que a política deve ser uma moral especial aplicada. Mas a finalidade ética do Estado e do Direito é a protecção da sociedade e dos cidadãos.
Quer isto dizer que o Direito não esgota a Moral. O Direito deve ser moral mas não pode consagrar toda a moral.

Aplausos do PS.

E não pode até porque há, sobre algumas questões, diversidade de concepções morais.
Por mim devo declarar que, respeitando embora as concepções morais de raiz vitalista e naturalista - e designadamente as criacionistas teovitalistas e jusnaturalistas -, confesso ter do problema ético uma visão mais espiritual. Há algo que a vida em si mesma não conhece, mas o espírito experimenta: é o sofrimento humano. E experimenta também, e do meu ponto de vista com privilégio axiológico na ordem moral, o imperativo de minorar, atenuar, reduzir e se possível suprimir o sofrimento humano.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - O sofrimento humano considerado na sua totalidade: o sofrimento do espirito e o sofrimento do corpo.
O Estado é neutro, não só no plano religioso, mas também no plano filosófico. Quem, com plena legitimidade, não adere ao criacionismo ou ao jusnaturalismo ou a certas das suas formulações não pode ser coagido a comportar-se como quem, convictamente e

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com igual legitimidade, as adopta e age, por conseguinte, voluntariamente.

Aplausos do PS.

Há de facto um principio que se contesta no projecto que me honro de subscrever. Esse principio contestado é o da consagração da incondicional sacralidade da vida infra-uterina sob forma de lei positiva penal. Mas inclino-me a pensar que quem crê que a vida infra-uterina é incondicionalmente sagrada não precisa do direito positivo para se saber orientar.

Aplausos do PS.

As considerações precedentes pressupõem que a nota de 5 de janeiro assenta num mal-entendido. E se não assentasse? Se os bispos portugueses pretendessem de facto pressionar, pelos meios que estão à vista, a que nada se inovasse no direito positivo em matéria de interrupção voluntária da gravidez?
O PS está habituado a muitas intolerâncias, embora não há da igreja católica. Mas se essa intolerância anacronicamente ressurge neste pais não temos qualquer dúvida sobre a atitude a tomar.

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

A nossa tolerância coexiste com todas as intolerâncias, desde que puramente morais. E uma tolerância sem fronteiras. Mas uma regra nos norteia. A intolerância é tratada com tolerância, mas cosmo intolerância que é, ou suje, como algo a que não é possível ceder ou atender.

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perguntar-se-á se seria necessário modificar os artigos 139.º 139.1 a 141.º? do Código Penal, já que as indicações denominadas "terapêutica", "eugénica" e "sentimental, contidas no
projecto do PS, se encontram expressa ou implicitamente abrangidas pelo disposto no artigo 35 º relativo ao "estado de necessidade desculpante.
Apenas 2 observações.
Primeira observação: afigura-se-me necessário dar nova redacção a esse artigo; pela latitude do respectivo conteúdo, pela indeterminação dos seus contornos e pela subjectividade da sus aplicação, revela-se este altamente perigoso para a sociedade e para a segurança das pessoas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Dado o alcance crucial da disposição na economia da lei penal, deverá, em meu entender, ser reformulado tal artigo sem que aguardemos pela conclusão dos trabalhos da nova comissão revisora.
O projecto do PS tem, em contrapartida, o mérito de tornar muito mais preciso - e, aliás, restritivo o que na matéria em causa é latitudinariamente abrangível pelo artigo 35 º do Código Penal.
Segunda observação: o recurso à aplicação do dispositivo sobre estado de necessidade pode servir para evitar a punição de responsáveis por crime de aborto praticado na clandestinidade, não serve para proporcionar a possibilidade de interrupção da gravidez em adequado estabelecimento de saúde e segundo a disciplina dos serviços.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Tudo se passa como se o grande problema jurídico e moral do aborto fosse a necessidade de previamente fazer expirar o crime, pela incerteza e pelo risco, para depois entreabrir a possibilidade de conceder o perdão. O recurso à assistência médica e sanitária seria sempre vedado. A purificadora experiência da clandestinidade abriria as portas da absolvição. O escândalo público seria evitado por essa subtil mediação. Talvez por isso as vozes dos moralistas t
ousaram erguer-se contra o pragmatismo do legisla. de então. Mas é a essa opção legislativa, consagrada em 1982, que se contrapõe a opção legislativa acolhida no projecto do PS. Espero que o projecto seja aprovado por esta Câmara, compreendido pelo Pais e, à luz do que nele se dispõe e tão-somente a essa luz, avaliado
pelas autoridades morais.
Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputadas Azevedo Soares, Luís Barbosa, José Gama, Luís Beiroco, Nuno
Abecasis, Gomes de Pinho, António Gonzalez, Fernando do Amaral, Nogueira de Brito e Lucas Pires.
Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia: Numa fase já muito adiantada do debate, V. Ex.ª subiu àquela tribuna para responder à Conferência Episcopal Portuguesa. Durante o decorrer destes debates, por várias vezes foi tentado, foi insinuado, foi provocado, trazer a este debate, a esta Câmara política, debates e questões dessa natureza. Tínhamos conseguido afastar dessa matéria, para nos cingirmos ao plano meramente político e parlamentar em que nos colocamos.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a vossa atenção e o vosso silêncio.

O Orador: - Mas V. Ex.ª subiu àquela tribuna exactamente para uma resposta directa, contundente, à Conferência Episcopal.

O Sr. José Magalhães (PCP): - 15to é que é um fariseu!

O Orador: - Qual a razão dessa atitude? Qual a nova bipolarização que o Partido Socialista procura?

Protestos do PS.

Qual a razão política profunda que leva o Partido Socialista a assumir o debate sobre a legalização ou despenalização do aborto, nesse plano, aqui, nesta Câmara?
Quando tantas vozes do Partido Socialista se manifestam fora desta Câmara sobre esta matéria, não

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seria exactamente aí mais correcto enfrentar essa questão em vez de trazê-la aqui? Porquê querer trazê-la - para o interior das instituições do Estado?
Sr. Deputado, além- disto, queria fazer-lhe algumas perguntas: o Sr. Deputado distingue entre as leia que autorizam e as que proíbem, considerando que as leis que autorizam são sempre boas e não levantam qualquer problema, dado que se só autorizam, cumpre quem quer. Por outro lado, afirmou o princípio da neutralidade filosófica do Estado.
Quais são, Sr. Deputado, os valores éticos, morais e políticos pelos quais se deve pautar a acção do Estado? Quando o Estado legisla deve ser filosoficamente neutro? Deve apenas deixar à consciência de cada um fazer o que quer? O Estado não tem que proibir condutas que sejam socialmente consideradas condenáveis? Não é neste plano que se deve discutir?
Sr. Deputado, o que está em saber não é a diferenciação entre as leis que autorizam e as leis que proíbem. A questão está em saber qual é a hierarquia de valores que neste momento o Estado deve propugnar. O que está em saber é se o Estado deve ou não proibir a ofensa a um valor que é um valor da própria sociedade, um valor humano e imprescindível, ou se deve esquece-lo para o sujeitai a outros.
Finalmente, Sr. Deputado, uma última pergunta: nesse seu combate violento à Conferência Episcopal, o Sr. Deputado reconhece ou não à igreja católica, no plano moral, o direito de orientar os seus membros?
Considero essa também uma questão fundamental, para que saibamos qual é verdadeiramente a posição do Partido Socialista nesta matéria.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sottomayor Cardia deseja responder já ou no final de todos os pedidos de esclarecimento?

O- Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Neste caso penso que devo responder já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Azevedo Soares, fiz o discurso, que teve a gentileza de ouvir, nesta instituição porque a tomada de posição da Conferência Episcopal foi, também ela, dirigido às instituições do Estado. De modo que entendi que o problema deveria ser assumido como tal nesta instituição do Estado.

Aplausos do PS, do MDP/CDE e da UEDS.

Obviamente que o Partido Socialista reconhece à igreja católica - o direito de traçar a orientação moral que entender por conveniente. Aliás, isso está explícito na minha intervenção, e está-o penso eu, de modo perfeitamente claro. Por esse motivo parece-me um pouco desproporcionado que V. Ex.ª diga que eu faço um combate violento à Conferência Episcopal. Não há nem combate nem violência! É tudo ao contrário!

Vozes do PS:- Muito bem!

O Orador: - Eu fiz uma intervenção que, sobre ser de consideração e de respeito, é de compreensão.

Quanto à questão que colocou da hierarquia doe valores morais no domínio da elaboração das leis positivas, o que lhe tenho a dizer é que esse é um debate que naturalmente não pode, neste contexto, ser dirimido. E uma questão de fundo que pode e deve ser discutida no plano moral, académico, cultural e que poderá eventualmente surgir no plano institucional, embora com alguma dificuldade. Mas no cabo concreto afigura-se-me totalmente despropositado que essa questão posse ser discutida neste Parlamento. Não há condições neste momento papa o fazer e ficaríamos aqui durante dite a discutir essa questão de filosofia do Direito.
Ora, aqui não há nenhuma academia filosófica; estamos numa Assembleia Legislativa.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Se. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - E que eu julgo que o que estamos a discutir é exactamente essa questão. Porque quando o Sr. Deputado propõe a despenalização do aborto está a subvalorizar um bem em si mesmo, que é o direita de vida do feto e, portanto, da vida intra-uterina e está a desvalorizá-lo em favor de outros valores e de outros bens.
Portanto, quer o Sr. Deputado queira quer não queira ao despenalizar está a emitir um juízo ético sobre a comparação entre rases valores e esses bens. E não pode fugir a isto: votando de uma ou de outra maneira estai todos a fazer aqui uma hierarquia entre esses valores e esses bens, Sr. Deputado.

O Orador: - Não, Sr. Deputado Azevedo Soares. O que eu penso a esse respeito contém-se precisamente numa passagem do meu discurso para o qual me permito remeter a atenção de V. Ex.ª, se tiver a gentileza de o ler.
Efectivamente, a sua intervenção teria procedência se eu tivesse pretendido argumentar contra posições de deputados. Ora, não foi esse o caso. Eu não intervi para rebater argumentos precedentes invocados por quaisquer deputados. Dei até por adquirido que entre nós, deputados, a questão estava clara. Aliás, os argumentos aqui expendidos não são coincidentes com os argumentos apresentados na nota que referi.
Por conseguinte esta questão não é com o CDS.
É apenas uma observação que, da tribuna do Parlamento, um deputado fez em relação a uma instituição espiritual do Paio, que fez pelo respeito que tem por essa instituição.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Se. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Barba, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, não vou pronunciar-me sobre as afirmações que proferiu relativamente à Conferência Episcopal. Cingir-me-ei à discussão do presente projecto de lei, mas quero desde já dizer que julgo haver realmente uma diferença enorme entre o discurso que fez e o projecto de lei apresentado pelo Partido Socialista: a diferença entre a quantidade e a qualidade dos abortos.

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É que, no fundo, sempre se tem falado aqui em 100 000 ou 200 000 abortos, portanto em quantidades, e a sua intervenção foi feita no sentido da qualidade. Quando se tem falado de aborto terapêutico tem-se dito que o número de casos é restrito; quando se fala de aborto eugénico naturalmente que os casos serão mais amplos, mas mesmo assim trata-se, apesar de tudo, de um número restrito; e no caso da violação as percentagens são ainda inferiores na ordem do zero vírgula qualquer coisa, no dizer de um deputado do Partido Comunista.
Colocando-me na óptica do Sr. Deputado Sottomayor Cardia e na do Partido Socialista, pareceria então que seria fácil criar estruturas rigorosas, criar métodos extraordinariamente objectivos e seguros para controlar esse reduzido número de casos. Mas não! Tudo se faz pelo critério da quantidade. Basta 2 atestados, uma forma corriqueira e o aborto está feito, o que significa que a filosofia subjacente neste projecto de lei não é a da qualidade que o discurso do Sr. Deputado Sottomayor Cardia defendeu, mas a da quantidade que o discurso do Partido Comunista defende. E aí há efectivamente uma enorme diferença.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Agora dialoga connosco através do deputado do PS!

O Orador: - Diria ainda mais: julgo que a todos tem preocupado o problema do aborto e todos se têm manifestado contra o aborto. E, como sei que é uma pessoa honesta e inteligente, faço mais uma vez uma sugestão: era importante que os Portugueses soubessem, pelos seus olhos, o que é um aborto!
Eu invoco mais uma vez ...

Vozes do PS: - Oh!...

O Orador: - Eu sei que isto não agrada a alguns dos Srs. Deputados, mas invoco mais uma vez a revista da Ordem dos Médicos, que tem várias evoluções de um feto e a primeira é realmente uma figura humana que cabe na palma da mão mas que mesmo assim é uma figura humana.
Julgo que evitaríamos uma enorme percentagem de abortos clandestinos ou não clandestinos se as pessoas em vez de terem uma vaga ideia de um óvulo e de um espermatozóide tivessem a noção real de que estão a destruir um verdadeiro ser humano, como ontem aqui o Sr. Deputado Malato Correia teve ocasião de referir como opinião médica.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Sottomayor Cardia deseja responder já ou no fim?

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Excepcionalmente também responderei já para dizer 2 coisas: primeiro, a observação do Sr. Deputado Luís Barbosa não tem a ver com a minha intervenção nem com o projecto de lei do Partido Socialista, mas, se bem entendi, tem a ver com o critério que V. Ex.ª faz dos médicos.
Eu devo dizer que confio nos médicos, mas fiquei com a impressão que V. Ex.ª suspeitava deles.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A razão por que entendi dever responder desde já é a seguinte: é que não responderei a quaisquer questões que se apresentem situadas no plano científico. Não tenho preparação científica para discutir essas questões, outros deputados da bancada do Partido Socialista e de outras bancadas têm-na, pelo que abster-me-ei, a meu ver, com todo o respeito pela ciência, e, aliás, por mim próprio também, de fazer quaisquer observações nessa matéria.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora do intervalo, que aliás já foi ultrapassada ...

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, eu sugeria apenas que não se quebrasse a sequência das perguntas e das respostas do Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Presidente: - E que, com efeito, ainda há sensivelmente 8 oradores inscritos para pedir esclarecimentos.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Mas parece-me que o debate terá a ganhar se prosseguirmos até que se conclua esta fase.

O Sr. Presidente: - Como entenderem. Srs. Deputados.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - E para informar que concordamos inteiramente com esta tese.

O Sr. Presidente: - Como não há oposição, vamos continuar.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado José Gama, para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Gama (CDS): - Sabe o Sr. Deputado Sottomayor Cardia com que facilidade e leveza tantas vezes se manipulam números e citações. E V. Ex.ª um deputado ao Conselho da Europa, pelo que gostaria de lhe pôr uma questão. Diz-se, em vários artigos vindos normalmente de jornalistas que se situam perto da bancada do Partido Socialista - e não só pois alguns deputados dessa bancada também o têm dito informalmente -, que o Conselho da Europa e a Assembleia Geral das Nações Unidas são pelo aborto.
A este propósito quero perguntar se o Sr. Deputado conhece mais alguma resolução, para além da de 1975 a que me vou referir, e se, não conhecendo, se pode concluir daqui que o Conselho da Europa é pelo aborto. Diz expressamente aquela resolução:

O aborto quando for lícito deve ser praticado nas melhores condições, devem-se tomar todas as medidas necessárias à eliminação da prática do aborto clandestino e dos perigos que o acompanham.

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Se V. Ex.ª conhece mais alguma resolução, agradecia que o dissesse. De contrário agradecia que comentasse esta resolução.
Em segundo lugar, gostaria de saber se o Sr. Deputado tem dúvidas de que, em nome da eugenia, se pudessem eliminar pessoas saudáveis. A verdade é que uma estatística de um hospital de crianças de Paris permite concluir que de 2458 casos de rubéola comprovada apenas 1,4% das crianças nascem com anomalias.
Além disso, o seu partido diz que o aborto é um flagelo social! O Sr. Almeida Santos no ano passado fez aqui um discurso emotivo em que falou nos abortos em vão de escada. A Associação de Enfermeiros Católicos Portugueses diz que o aborto, a ser permitido nas condições que o Partido Socialista propõe, apenas eliminaria 1% dos casos. Nessa altura o aborto deixará de ser um flagelo social!
Por outro lado, o secretário-geral do seu partido diz que não tem nada a ver com isto, que o projecto de lei é da iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Como é que se pode compreender que o Secretário-Geral do Partido Socialista, num lavar de mãos, não se pronuncie em matéria tão importante?

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Sottomayor Cardia deseja responder já, faça o favor.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado José Gama, quanto àquele aspecto em que a intervenção de V. Ex.ª remete para matérias científicas compreenderá que eu seja coerente com a atitude que decidi assumir neste debate.
Relativamente à questão que me coloca sobre o Conselho da Europa, em primeiro lugar, devo dizer ,que não conheço os artigos a que V. Ex.ª aludiu. Nunca li nenhum artigo em que se taça a apologia do aborto. Em segundo lugar, quero dizer que não conheço outra resolução. Aliás, nessa resolução que V. Ex.ª citou fala-se do aborto lícito. Portanto para mim é o bastante; coincide com o meu ponto de vista e não conheço efectivamente outra resolução. Obviamente que o Conselho da Europa não é pelo aborto.
Quanto às afirmações que fez sobre o secretário-geral do meu partido, suponho que essas questões de política menos elevada não devem ser trazidas para o debate parlamentar neste momento, o que não quer dizer obviamente que não possam ser pelo próprio esclarecidas na circunstância e no momento adequados.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, habituei-me há muitos anos a ter um grande respeito por si, desde os tempos da Universidade em que éramos adversários e estaríamos, porventura, muito mais afastados da posição em que nos encontramos hoje.
Em todo o caso, há 2 aspectos na sua intervenção que chamaram particularmente a minha atenção. O primeiro foi o facto de o Sr. Deputado ter afirmado, se bem entendi, que aqueles que defendem a sacralidade da vida não precisam da sua consagração no Direito positivo.
Eu penso que é óbvio que não é assim. E para se ver que não é assim basta atentar no próprio projecto de lei do Partido Socialista: se esta fosse uma questão que se pudesse apenas pôr no foro íntimo de cada cidadão era óbvio que, aro primeiro lugar, o Partido Socialista não necessitaria de procurar delimitar com tantas cautelas os casos em que admite a despenalização do aborto e, em segundo lugar, porque me parece também evidente que é natural que todos aqueles que defendem que um determinado principio é um principio de direito natural lutem para que ele seja consagrado na ordem jurídica da comunidade a que pertencem.
Uma segunda questão chamou igualmente a minha atenção: o facto de o Sr. Deputado ter admitido, quase com certo escândalo, que esta questão esteja a desencadear no Pais uma tempestade de paixões, porventura mais até fora desta Câmara do que dentro dela.
O Sr. Deputado proeurou uma explicação para isso e não me cabe aqui responder se há ou não mal entendidos porque ninguém aqui neste Parlamento tem procuração para responder em nome da Igreja, mas creio que essa tempestade de paixões não pode ser vista apenas na óptica em que o Sr. Deputado a colorou. E a prova de que é assim é a de que basta ter presente que esta é realmente uma questão tão importante na sociedade portuguesa que a maior maioria que teve lugar nesta Câmara depois do estabelecimento da democracia em Portugal não conseguiu chegar a acordo sobre esta questão. .
Portanto, se o projecto de lei do Partido Socialista vier a ser aprovado será por uma maioria efémera. E assim natural que uma questão que não pode ser aprovada por uma maioria que serve para governar normalmente o País e que necessita de uma maioria efémera para o fazer seja uma questão que provoque grandes tensões na sociedade portuguesa e que é mesmo susceptível de provocar algumas rupturas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia, para responder.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Luís Beiroco, muito obrigado pelas palavras que teve a gentileza de me dirigir.
Em relação á primeira questão que me colocou, devo dizer que quando a referi disse «incondicionalmente». Quanto a saber se eu entendo que as pessoas têm o direito de se bater para que determinados princípios, que são ou não do direito natural, constem de leis, digo-lhes que é claro que têm esse direito. Toda a gente tem o direito de se bater, pelos meios adequados, para que os seus princípios sejam contemplados nas leis. 15so é evidente! Simplesmente, o direito natural é também uma filosofia, não é obrigatório.
Em terceiro lugar, falei de paixões no inicio da minha intervenção. Foi de certo modo um eufemismo, mas esclareço que a igreja católica não é obviamente a única responsável pelo clima emocional que se criou. No entanto, a minha intenção foi no sentido de privilegiar esse interlocutor pelo respeito que tenho pela instituição.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nuno Abecasis pediu a palavra, para que efeito?

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O Sr. Nono Abecasis (CDS): - Para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nono Abecasis (CDS): - Sr. Deputado Sotto. mayor Cardia, queria dizer em primeiro lugar que é evidente que a nota episcopal não foi dirigida a nenhum órgão do Estado, nem poderia ser, porque se fosse não era então uma nota episcopal nem pastoral.
A segunda coisa que lhe queria dizer, é que não entendi oi( é <_-e que='que' intolerâº='intolerâº' de='de' a='a' ver='ver' e='e' conseguiu='conseguiu' penso='penso' deputado='deputado' sr.='sr.' _.='_.' o='o' está='está' _-ja.='_-ja.' acordobr='acordobr'> comigo, e . ue a Igreja tem a obrigação,
primeiro -. ---der a vida, e defendê^la tal
como ela _. _ _ . de há muito tempo para
cá - e não 4:c;_ .•º caso. É conhecida a
posição da Igreja r'º vais, Sr. Deputado;
a posição que a Igre, _ . ,- .n todos os países,
não diverge em nada a.- . , _. : a Igreja está a
tomar em Portugal. Por isso, (.,-,e ninguém pode
ficar surpreendido com essa p.- c; a
Aliás, Sr. Deputado, e embora ja saiba que V. Ex º não me vai responder, pois talvez seja uma questão do campo científico, e isto apesar de eu também não ser cientista nessa área ...

Vozes do PCP: - Não é?

O Orador: - ... mas em todo o caso não compreendo qual é a razão especiosa que o leva a admitir que o aborto praticado antes das 16 semanas está certo, e depois das 16 semanas passar a estar errado, até exactamente pelas mesmas causas e nas mesmas circunstâncias. Até às 15 semanas e 6 dias justifica-se a ilicitude do aborto, mas às 16 semanas e um dia já se não justifica. Penso que isto é absurdo! Não é preciso ser-se sábio nesta matéria para o avaliar. O menos que eu diria é que o projecto de lei do Partido Socialista comete uma temeridade, e uma temeridade coro alguma coisa que é extremamente séria, que é a vida.
Já agora, Sr. Deputado, permita-me que lhe diga uma coisa. Eu passei na minha vida por esta experiência. Eu e a minha mulher tivemos, em determinada altura, de fazer uma opção.

Risos do PCP.

Srs. Deputados, acho bastante estúpido que se riam disto e penso que esta Assembleia - e principalmente quem apresentou estes projectos de lei- deveria gostar que eles fossem tratados com seriedade. Tenho o direito de pedir isso .guando trago aqui um exemplo concreto que se passou comigo.
Srs. Deputados, eu vi-me exactamente nessa situação e posso testemunhar que é profundamente falsa esta antinomia que estão a pôr aqui, da escolha entre a vida da mãe ou do filho. Esta minha situação passou-se com uma figura ími; : : te da medicina em
Portugal que todos aqui certa :e respeitam e que
foi o Prof. Fernando da Fo- .a. A situação que
se colocou, a nós casal, foi r" simplesmente a de
que a mãe tinha de ser trata. a posição do Prof.
Fernando da Fonseca, que e católico era, foi
no sentido de que faria tudo salvar a mãe e
para salvar o filho. E se o filf:, . ase a morrer -

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notar isto - não se tratava de um aborto - não se tratava de um aborto! - porque tinha sido a consequência de alguma coisa que era obrigação moral, e que era tratar uma pessoa que estava doente.

Vozes do PS: - Mas isso é exactamente o eugénico!

O Orador: - E se o meu filho tivesse morrido - e felizmente não morreu, e que isto sirva para mostrar a falibilidade desses raciocínios - ele teria sido enterrado como um cristão!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomay ar Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Nuno Abecasis: Eu nunca afirmei que a igreja católica se tivesse tornado intolerante. Não
o disse, referi até explicitamente o contrário, e pro-
curei uma justificação que desse coerência ao texto que produzi. É verdade que admiti a eventualidade dessa hipótese se verificar, mas como mera eventualidade. E foi em relação a essa eventualidade que fiz algumas c";;;

No e ,. •_...w ^re V. Ex e que discorde da
afir .. , =n...y astoral não é de todo em
tod,: . . ;c ... a:,1ui•r -gão do Estado. E que se
faz . ". --'..: à doi,--.encìa e isso tem necessaria
me:- a . w :.,.. . :. (atado. E foi essa a razão pela
qual entendi que algum deputado deveria intervir
neste debate em relação a tal tomada de posição.

O Sr. Nono Abecasis (CDS): - Dá-me licença que o interrompa Sr. Deputado?

O Oradr, - Faça favor, Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nr. ,.. A5recasis (CDS): - O Sr. Deputado não ignora que W nossa própria Constituição admite o direito da indisciplina perante o Estado e perante leis que sejam perfeitamente discricionárias e imoraisl

O Orador: - Oh, Sr. Deputado, mas eu disse no meu discurso que se alguma lei dispusesse aquilo que está subjacente na nota pastoral, eu próprio também seria a favor da desobediência. Mas se o dissesse estava a pressionar um órgão de soberania, tão-somente.

Relativamente à hipótese que Y. Ex.º teve a gentileza de apresentar, permita-me que lhe diga que, se bem entendi, e tal hipótese não cabe no disposto pelo projecto do Partido Socialista. E se coubesse, recordo-lhe- que no meu discurso há uma referência ao heroísmo que consiste em preferir a vida do nascituro à vida da grávida.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Gomes de Pinho pede a palavra, para que efeito?

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Para-um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Sottomayor Cardia: Ao ouvi-lo defender com um estranho calor, para quem habitualmente usa um tom tão moderado, ...

Vozes do PS: - Estranho calor?

O Orador: - São as minhas origens nortenhas, pelas quais peço desculpa a esta Câmara! Mas, dizia, ao ouvi-lo defender com estranho calor a «teoria do mínimo ético» e do «Estado neutro», comecei a interrogar-me com alguma preocupação sobre a condição socialista do Sr. Deputado. E comecei a perguntar-me se V. Ex.ª estaria eventualmente aqui a fazer-nos um pré-anúncio da adesão do seu partido às teses que o CDS vem defendendo ...

Risos do PS.

... designadamente sobre a revisão da Constituição no plano económico, por exemplo, ou se o Sr. Deputado estaria aqui a prever que a falhada tentativa do último Congresso do PS para operar a sua desmarxização terá êxito no próximo congresso do PS. Penso que são algumas interrogações legítimas, a acreditar na coerência do pensamento que o Sr. Deputado aqui expôs.
Mas julgo que há um outro aspecto extremamente importante da sua exposição. E que o Sr. Deputado veio aqui reconhecer, pela primeira vez em nome do seu partido, a importância nacional deste debate. E, ao contrário de alguns responsáveis que o minimizam e que enquanto ele se processa se ocupam de outras tarefas do partido ou do Estado eventualmente no estrangeiro, o Sr. Deputado veio aqui dizer que esta é uma questão nacional, que polariza o País e que é discutida inclusivamente com paixão pela sociedade portuguesa.
Ora, o que acho estranho é que o Sr. Deputado não tire as consequências lógicas dessa atitude ou dessa leitura que faz da situação e que, designadamente, não tire qualquer tipo de ilações de carácter político sobre as consequências que resultarão para o País de as posições do Partido Socialista, e nomeadamente do seu projecto, só poderem aqui fazer vencimento com os votos do Partido Comunista Português.
Acha, o Sr. Deputado, que é legítimo numa questão tão importante, numa questão de carácter nacional - como V. Ex.ª reconheceu que esta é - que o Governo aceite governar e aplicar uma lei resultante de uma maioria diversa, e substancialmente diversa, daquela que o suporta nesta Assembleia? 15to é, Sr. Deputado - e esta é uma questão fundamental que nos interessa aqui colocar e que julgo que temos o direito de ver respondida -, está este governo disposto a governar com o suporte de qualquer maioria? Não acha V. Ex.ª que esta posição é uma estranha posição de imoralidade política?

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Gomes de Pinho: Duas observações muito breves: em primeiro lugar, defendo pessoalmente a neutralidade filosófica da Constituição - pessoalmente, repito -, mas defendo também, naturalmente, que a Constituição tem de ser revista nos termos em que nela se prevê essa revisão.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Em segundo lugar, quero dizer a V. Ex.ª que não encontro imoralidade nenhuma em que um governo tenha de mandar aplicar ou regulamentar uma lei que no Parlamento foi aprovada com uma maioria não inteiramente coincidente com aquela que se reflecte na composição governamental. 15so para mim é perfeitamente evidente. O que me surpreende muito é que para V. Ex.ª isso possa ser algo de imoral.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): E que não se trata só da questão do Governo aplicar uma lei que foi aprovada com uma maioria substancialmente diferente. É uma questão de imoralidade política, se quiser, ou de amoralidade política, pois trata-se de saber se o Governo aceita governar com qualquer maioria. Essa é a questão, Sr. Deputado! E não só a de aplicar esta lei, embora isso também já seja uma questão grave.
Porque, pergunto-me, Sr. Deputado, se os eleitores que eventualmente votaram nos partidos que actualmente constituem esta maioria ,ó fizeram na convicção de que este governo iria governar de acordo com leis aprovadas por uma maioria substancialmente diversa e, designadamente, com os votos do Partido Comunista? É esta a questão política que nós queremos ver respondida.

Aplausos do CDS.

Sr. Deputado, permita-me que lhe diga o meu pensamento sincero a esse respeito: essa questão é totalmente desprovida de sentido!

Aplausos do PS e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia: Ouvi com atenção a sua intervenção e estive de acordo pontualmente em várias alíneas, mas fiquei ainda com algumas dúvidas não só em relação à sua intervenção, como em relação a estes projectos que apresentam. Portanto, se me autoriza, vou-lhe fazer uma combinação de perguntas.
Primeiro, e em termos de liberdade, como permitir a decisão de interrupção de gravidez ao médico, quando a liberdade dessa decisão deveria dizer respeito à mulher? É do seu ser que se trata; como então transferir uma decisão que deve ser dela para outrem?
Até ser permitida à mulher a interrupção da gravidez, será necessário que ela passe por 3 médicos, 2 atestando a necessidade de interrupção e 1 fazendo-a. Ora, no mínimo, parece-nos pouco dignificante para a classe médica que sejam necessários 3 médicos para esta situação, já não falando da perspectiva da mulher,

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pois está à mercê das suas doutas decisões. Porquê 3 médicos? Como vão essas mulheres enfrentar não só as despesas com as deslocações e consultas, como conseguir nomeadamente fora das cidades, ter acesso a 3 médicos quando é tão difícil encontrar um só em certas zonas do Pais? Como poderão essas mulheres, divididas entre o cuidar dos filhos que já têm e o seu trabalho em casa, na fábrica ou no campo, deslocar-se em tempo que lhes permita legalmente ter acesso a tal intervenção na procura desses 3 clínicas dispersos por vezes numa vasta área sem transportes? Será que se pretende continuar a apoiar as classes mais favorecidas?

Depois, uma questão que se prende com o aspecto criminal do aborto. E que é muito doloroso para a mulher, depois de ter estado numa abortadeira ou de ter feito o aborto a si própria - é uma situação muito mais corrente do que se pensa, pois há muita mulher que faz o auto-aborto e ele não entra para as estatísticas- receber o estigma de criminosa que as nossas raízes religiosas judaico-cristãs colocam à mulher que aborta e que ainda influenciam a atitude de pessoas que trabalham nos centros clínicos, e nomeadamente no sector da saúde pública - porque os outros, sendo bem pagos, fornecem um tratamento que camufla essa atitude face à mulher que aborta, pois como pagou bem não merece o estigma.

Pergunto-lhe se, quando fala em «estabelecimento de saúde adequado», estava a pensar também em estabelecimentos de saúde pública, dado a grande maioria de mulheres recorrerem exactamente a esse tipo de estabelecimentos? Portanto, perguntaria se se concebe uma melhoria de condições nesses centros clínicos públicos para atender de um modo correcto, e não como se tem verificado até aqui, todas essas mulheres que chegam em grande sofrimento físico e psíquico?

Estas as perguntas que queria fazer no sentido de saber se se vai tentar uma sensibilização dos serviços para alterar o estigma de criminosa que ainda existe sobre a mulher que chega ao hospital nessas condições, estigma que faz com que elas sejam sujeitas a tratamentos humilhantes.

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado António Gonzalez: V. Ex.ª produziu uma série de considerações a que vou procurar responder muito brevemente.
Nas primeiras considerações que fez afirmou, a respeito do projecto do Partido Socialista, algo que nele não se encontra, nomeadamente que a decisão compete ao médico e não à grávida. De facto, se ler com atenção nosso projecto, a decisão compete à mulher e não ao medico, tratando-se, portanto, de uma má interpretação de V. Ex.ª
A seguir vieram questões de especialidade, outros Srs. Deputados da minha bancada responderão a questões dessa natureza. Finalmente, fez umas considerações sobre o modo de tratar as pessoas que se me afigura que toda a Assembleia partilha e, eventualmente talvez, todo o Pais. Pelo que julgo que se orientará evidentemente a actuação dos serviços médicos nesse sentido genérico que foi apontado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando do Amaral.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Sottomayor Cardia: Procurei dividir a explanação que nos fez, embora certamente com errada sistematização, em 2 aspectos: um, quando traz à colação a nota da Conferência Episcopal, aliás com toda a legitimidade, abordando o problema com uma elegância bem própria da natureza, e sobretudo da convivência, a que V. Ex.ª já nos habituou. E, quanto a esse aspecto, não tenho nada a referir, pois acho absolutamente exacta a posição que V. Ex.ª honrou. E no fim só não bati palmas, na medida em que isso poderia ser interpretado como uma total coincidência acerca daquilo que referiu posteriormente.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas V. Ex.ª vai votar contra!

O Orador: - Alguma observação?

Risos do PSD.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Mas o Sr. Deputado vai votar contra e o Sr. Deputado Sottomayor Cardia vai votar a favor!

O Orador: - Mas este aspecto primeiro presumo que pode condicionar necessariamente e em consciência a vontade de voto de cada um, mas não permite a V. Ex.ª que me faça esse comentário, na medida em que porventura pretenda travar o desenvolvimento do meu raciocínio.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Queria, de algum modo, destacar a elegância com que foi feita a exposição do Sr. Deputado Sottomayor Cardia, porque isso traz nível a esta discussão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E estou aqui na preocupação de me esclarecer e também de dar o meu contributo. Se não fora assim não teria o atrevimento de pedir a palavra para formular pedidos de esclarecimento. Quando faço um pedido desta natureza é porque sinto necessidade mesmo de me esclarecer, porque não estou aqui submetido, num problema tão grave como este, a estratégias de ordem política, embora elas sejam absolutamente necessárias.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

E é com este espírito e nesta posição, vencendo tantas vezes muitas dificuldades e até algumas que me são trazidas pela imprensa que deturpa por vezes actuações que não estavam na minha ideia, é com este espírito, dizia, que queria formular estas perguntas na sequência daquilo que V. Ex.ª aqui tão bem exprimiu, com o brilho que lhe é natural e que lhe reconheço, mas que me levanta dúvidas muito sérias quanto ao posicionamento que V. Ex.ª toma em relação a esta problemática.

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Certo é que, a determinada altura, V. Ex.ª refugiou-se no desconhecimento da ciência. É uma posição aceitável, só que de V. Ex.ªs espero muito mais, por aquilo que conheço e pelas responsabilidades específicas que o Sr. Deputado tem no contexto nacional - não digo já dentro do Partido Socialista -, pelo que importa ter uma responsabilidade e uma dimensão muito maior. E não podemos colocar-nos no refúgio do desconhecimento da ciência, quando ela por vezes nos fornece dados que são geralmente conhecidos e que não podemos de modo nenhum esquecer ou marginalizar, para formular um pensamento e toda uma textura de conhecimento e da filosofia que lhe está subjacente. Ciência que, nos seus vários planos ou sectores - e alguns deles tão brilhantes e desenvolvidos -, nos dá um contributo muito sério para nós podermos aqui dar luz sobre este problema.
1; sem adiantar mais, pois presumo que já fui muito longe nestas considerações que não gostaria até de fazer, queria perguntar a V. Ex.ª o seguinte: os nascituros, como seres humanos, merecem ou não ...

O Sr. Presidente: - Terá de concluir, Sr. Deputado.

O Orador: - Sr. Presidente, apenas solicito o tempo necessário para formalizar as perguntas e tenho bem pena de estar a transgredir nos princípios que também eu gostaria de ver sempre respeitados, mas V. Ex.ª desculpará.
Portanto, perguntar-lhe-ia, Sr. Deputado, se os nascituros, como seres humanos, merecem ou não a nossa solidariedade, em obediência ao direito à vida e sem discriminações; se entende que a destruição de um ser humano é da exclusiva responsabilidade da mãe, neste caso da potencial mãe grávida, negando-se-lhe os compromissos que tem perante a sociedade ou a comunidade em que está inserida; se o direito positivo, que V. Ex.ª também focou, no sentido da codificação - e só neste aspecto - será o único elemento vinculativo dos comportamentos ou se, bem pelo contrário, para além do direito positivo devidamente codificado há princípios que lhe são imanentes e que temos de ter presentes para fixar todo o nosso relacionamento.
E ainda, para terminar, perguntar-lhe-ia se a vida intra-uterina está ou não revestida de dignidade e se esta, no caso da interrupção voluntária, não rompe um princípio fundamental. E se é possível existirem sistemas, como o nosso - mesmo partindo da Constituição e logo do seu artigo 1.º, que baseia toda a sua filosofia na dignidade humana- se é possível existir um sistema quando se rompe com os princípios formadores e informadores desse mesmo sistema.
Desculpem VV. Ex.as se levei demasiado longe estes pedidos de esclarecimento e sobretudo o intróito que fiz.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Fernando do Amaral, em primeiro lugar quero agradecer as suas considerações que fez. V. Ex.ª foi de uma grande generosidade para comigo. Contudo, permitir-me-á que lhe responda muito brevemente, de uma maneira telegráfica, tal como impõe o calendário das nossas intervenções.
Os nascituros merecem a nossa solidariedade. A decisão da grávida deve ser responsável. O direito não é a única fonte vinculativa dos comportamentos, pois há a moral. A vida intra-uterina tem dignidade. A ruptura de princípios em relação à ordem jurídica põe em causa a coerência da ordem jurídica. Ido entanto, afigura-se-me que não podemos legislar para uma realidade humana inexistente, mas sim para a realidade humana existente. E é apenas legislando para a realidade humana existente que o direito pode aspirar a uma coerência tal que a infracção dos seus princípios constitua uma ruptura do sistema jurídico.

Aplausos do PS.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - O Sr. Deputado desculpar-me-á, mas fico um pouco perplexo quanto è conclusão que V. Ex.ª tirou, que é a de saber se a lei nasce da acção, se a lei nasce para dar expressão às acções, se é pelo facto de existirem as acções que a lei nasce, ou se é a lei que regulamenta as acções, se as acções se devem compreender no sentir e nos parâmetros que a lei determina, ou se a lei nasce para dar cobertura às acções. E que isto implica toda uma diferença de conceitos do nosso sistema e do nosso relacionamento humano.
Se porventura o nosso sistema jurídico nasce tão-só para poder dar cobertura às acções, então a problemática é diferente daquela a que me tenho habituado a ver no Partido Socialista. Se porventura são as acções que têm de se conformar com a lei porque as motivações são diversas, então os conceitos aproximam-se muito mais daqueles que julgo que deveria defender.

O Orador: - Sr. Deputado, a lei existe para proteger a sociedade e os cidadãos.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Exacto!

O Orador: - Em relação à questão de as acções se conformarem com a lei, devo dizer que naturalmente que as leis não são feitas para absolver tipos ilícitos de comportamento. As leis têm que ser feitas pensando nas tendências que se observam na vida psicológica, individual e social.
Aliás, a penalização incondicional da interrupção voluntária da gravidez, infelizmente, não impede a interrupção voluntária da gravidez. Ela existe. Como tal, nós, legisladores, temos de formular a nossa vontade, que é lei, tendo em atenção a realidade.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, quero começar por acentuar a diferença que eu e todos registámos entre a sua inter-

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venção e as respostas que deu às perguntas que lhe foram formuladas. Realmente as respostas desiludiram-nos, Sr. Deputado! E desiludiram-nos porque V.Ex.ª refugiou-se no argumento de que a intervenção não nos tinha sido dirigida a nós, mas sim à igreja católica ou à Conferência Episcopal, que não respondia às questões científicas e, num certo dogmatismo de posições, tal como aconteceu na resposta final dada ao meu colega de bancada, Gomes de Pinho, acabou por deixar por esclarecer os pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados.

Na sua intervenção, V. Ex.ª, de uma forma Inteligente, fez a tentativa mais espantosa de descaracterização é de redução do projecto de lei n.º 265/III, isto é, do projecto de lei do Partido Socialista que diz respeito à interrupção voluntária da gravidez. V.Ex.ª, relacionando este projecto de lei com o Código Penal de 1982 - e é conveniente salientar que é o Código Penal de 1982 -, chegou a pretender a certo momento que o vosso projecto de lei se destinava a eliminar consequências danosas de uma grande permissividade de um carácter permissivo do artigo 35.º do Código Penal que se refere ao estado de necessidade desculpante.

Portanto, V. Ex.ª veio aqui dizer que o vosso projecto de lei não garante a exclusão da ilicitude do aborto em certas circunstâncias, mas visa proteger a penalização do aborto. E isto porque o artigo 35.º do Código Penal, tal como V. Ex.ª referiu, leva, na prática, a consequências demasiado chocantes e até se torna necessário revê-lo em geral para todos os tipos legais de crime. Mas, em particular, V. Ex.ª vão-no desde já revendo para o aborto para que não haja consequências tão chocantes de tão grande permissividade do artigo 35.º 15to é espantoso, Sr. Deputado!

Depois, V. Ex.ª também disse que realmente este projecto de lei não obrigava ao aborto. Mas, Sr. Deputado, não é dessa questão que se trata! Não é por obrigar ao aborto que ele podia ser chocante para aqueles que condenam o aborto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E pela clara opção que ele revela respeitante à hierarquização de bens jurídicos. E essa clara opção que põe acima do bem jurídico respeitante à vida do nascituro, bens jurídicos como sejam a saúde psíquica ou a honra da mulher grávida, que pode chocar as pessoas que Condenam o abono.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: É este aspecto com que temos tentado discutir nesta Câmara e que temos tentado apontar de uma forma negativa em relação a este projecto de lei.

Portanto, Sr. Deputado, peço-lhe que faça a tentativa de centrar a sua atenção sobre estes 2 aspectos, ou seja, sobre se o projecto de lei é de tal forma inócuo que, no fundo, o que pretende é conduzir a uma penalização mais permanente e mais coerente do aborto, ou se pretende o contrário.

V. Ex.ª não está de acordo em que o projecto de lei exprime uma clara opção que. desvirtua o bem jurídico inerente ao valor respeitante è vida?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, em primeiro lugar V. Ex.ª confundiu a criminalização com a penalização. Portanto, afigura-se-me que sobre isto não poderei dizer mais nada.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - E a despenalização por falta de culpa!

O Orador: - O artigo 35.º do Código Penal conduz à exclusão da culpa e, portanto, à não aplicação da pena em casos concretos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador. - Faça favor, Sr. Deputado!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Por exclusão da culpa! Ora V. Ex.ª disse aqui que ele estava redigido em termos tão largos que conduziam a um rege de tal maneira permissivo que era chocante. Por isso, V. Ex.ª disse concretamente que o artigo 35.º do Código Penal carecia de revisão porque é excessivamente permissivo nas circunstâncias em que permitia a exclusão da culpa.

O Orador: - Sr. Deputado, peço-lhe desculpa, mas V. Ex.ª interrompeu a minha exposição.. Comecei por dizer que no seu pedido de esclarecimento tinha havido uma confusão conceptual.

Em segundo lugar, quero dizer que entendo que deve ser revisto o artigo 35.º do Código Penal não apenas pelas implicações que ele tem na questão do aborto, mas sim por razões de ordem geral. Portanto, estamos de acordo.

Vozes do CDS: - Não estamos não!

O Orador. - O Sr. Deputado fez-me objecções em relação a certos aspectos de pormenor do projecto de lei do Partido Socialista. Mas isso é na discussão na especialidade. Neste momento, fico na dúvida sobre se o Sr. Deputado aceita ou não na generalidade o projecto de lei do Partido Socialista.

Risos e aplausos do PS e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, inscrevi-me desde o início das inscrições para pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia. Fiz imensos sinais, estou cansadíssimo dos sinais que fiz com os braços e só há pouco tampo é que a Mesa reparou.

O Sr. Presidente: - Tenho muita pena que o Sr. Deputado se tenha cansado tanto. Mas a verdade é que antes de conceder a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para formular pedidos de escla-

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recimento, referi o nome de todos eles e, nessa altura, o Sr. Deputado ainda não tinha iniciado o seu esforço de gesticulação.

Risos.

Foi por isso que não ficou inscrito, Sr. Deputado.

O Sr. Comia Afonso (PSD):- Sr. Presidente, estava a esbracejar nessa altura.
Risos.

O Sr. Presidente: - Ah, já esbracejava! Então faça o favor de usar da palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, referi há pouco que este debate necessita de serenidade, de altura, de abertura, o que significa compreensão e não quer dizer concordância. Não vou repetir o que disse há pouco, mas nunca é de mais repetir que este é um problema de todos nós.

V. Ex.ª, Sr. Deputado, ofereceu-nos nesse tom uma intervenção. No entanto - tal como disse o meu companheiro de bancada, Sr. Deputado Fernando Amaral -, refugiou-se deis inexplicavelmente no desconhecimento da ciência. Ora, isso levou a uma situação difícil, principalmente tratando-se de um deputado de quem tanto era de esperar.

Houve quem definisse a sabedoria como o conhecimento, mas não apenas como o conhecimento: como o conhecimento temperado com um juízo de valor. Como V. Ex.ª recusa falar na ciência e mede apenas o juízo de valor, recusa ascender àquela sabedoria de que é capaz e que nós sabemos que possui.

O PS tem referido repetidamente, e agora fê-lo pela voz do Sr. Deputado Sottomayor Cardia, que repudia, recusa e nega o aborto. Esta não é propriamente uma afirmação que seja nova nesta Assembleia. O Partido Comunista também a fez, o PSD tem-na repetido, e o CDS também. No entanto, não chega dizer que se não quer o aborto. E preciso prová-lo, mostrá-lo, e afirma-lo repetidamente.

Olhando para o projecto de lei do Partido Socialista verificamos que relativamente às diversas altares do novo artigo 140.º, as alíneas a), b) e c), são respectivamente similares das alíneas d), b) e e) do projecto de lei do Partido Comunista. Relativamente ao projecto de lei do Partido Socialista apenas há uma diferença que se situa na alínea a). Ora, essa alínea tem expressões ambíguas e de significado pouco claro ou pouco delimitado: onde se diz «lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, temos dificuldade em encontrar o sentido que o Partido Socialista tem repetido, que é um sentido restritivo.

Porém, como esse projecto de lei eventualmente poderá vir a ser aprovado, solicitava a V. Ex.ª - e esta é a primeira pergunta que faço - que, com vista a auxiliar uma futura interpretação, me dissesse claramente o sentido que contém a alínea a) do artigo 140.º do projecto de lei no que respeita a «grave lesão e irreversível lesão». O que é a saúde psíquica da mulher grávida?

O Sr. Deputado também se referiu. a filosofia de valores, mas, se a memória me não falha, acrescentou em seguida «neutralidade ética» ...

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado, não falei em neutralidade ética, mas sim em «neutralidade filosófica.

O Orador: - Falou em filosofia de valores, não falou em neutralidade ética. Mas, se tal como eu, V. Ex.ª repudia e recusa o aborto, então qual foi o valor que privilegiou tia sua escala em termos éticos para aprovar e defender um projecto de lei que autoriza, permite ou consente o aborto?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Correia Afonso, não tenho a sabedoria que V. Ex.` pretende de mim e nunca pretendi nem admito ascender a tal sabedoria. Aliás, é a primeira vez que essa questão me é colocada a mim próprio. Tenho suficiente noção do que é a ciência para saber que quem não tem formação científica em matéria biológica não pode entender de modo útil e rigoroso um escrito de biologia. 15so afigura-se-me linear.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Poderia ousar entrar no domínio da interpretação filosófica ou afectiva da ciência. No entanto, devo dizer que me recuso a tal incursão intelectual, sobretudo num debate na Assembleia da República relativo a um projecto de lei.

O Sr. Deputado pergunta-me o que é a «grave e irreversível lesão» e o que é a «saúde psíquica da mulher grávida». Naturalmente vou desiludir V. Ex.ª, mas esta é uma questão para ser interpretada pelos técnicos. Nós, os legislados, configuramos o direito na sua generalidade. Os técnicos e a jurisprudência interpretarão o sentido dessas fórmulas.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador:- Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Comia Afonso (PSD): - Sr. Deputado, custa-me a acreditar que V. Ex.ª defenda que legislemos sem saber o que estamos a escrever.

Pedia-lhe apenas que me desse o sentido de palavras perfeitamente concretas, às quais já foi, por diversas vezes, atribuído - nomeadamente por V. Ex.ª - um sentido restritivo. Se as palavras têm um determinado sentido, pensamos que se cumpre pelo menos conhecer o seu conteúdo.

O Orador: - Sr. Deputado Correia Afonso, permita-me que lhe diga que está a fazer confusão. Uma questão é o sentido das palavras e outra é o conteúdo dos conceitos que essas palavras expressam.

Quanto ao sentido das palavras, para mim ele é claro. Quanto ao seu conteúdo, essa é uma questão que tem a ver com as pessoas tecnicamente abalizadas e com a jurisprudência.

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E esta a minha resposta. Não lhe vou explicar o que é "grave", o que é "irreversível", o que é "lesão", o que é "saúde", o que é "psiquismo" e o que é "mulher", pois perece-me que isso não é necessário porque toda a Câmara sabe.

Risos.

Não sei se respondo à sua questão, mas, se me permite, gostaria de a esclarecer melhor.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Fico-lhe muito grato, mas pelo menos o que é mulher já sei. O resto continuo sem saber!

Risos.

O Orador: - Quanto à hierarquia de valores que orienta a apresentação desse projecto, parece-me que é manifesto que ela é a de que os seres humanos nascidos têm obrigações especiais para com os nascituros em geral, e em particular no caso da gravidez. Mas deve admitir-se a uma mulher a possibilidade de, nestes casos que foram tipificados, actuar em conformidade com a hierarquia de valores, que é aquela que se acolhe na lei positiva portuguesa. E que, na verdade, o Código Penal considera - e muito bem - mais grave o crime de homicídio do que o crime de aborto. Portanto, há na lei penal portuguesa uma distinção entre vida intra-uterina e vida da pessoa nascida.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Incontestável!

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Peço a palavra para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Barbosa (CDS). - Sr. Deputado Sotto-Mayor Cardia, julgo que V. Ex.ª simplificou demasiadamente uma questão que coloquei. Quando falei de atestados médicos o Sr. Deputado pôs a questão nos termos de que o meu problema era a desconfiança nos médicos. Não, Sr. Deputado, na verdade trata-se de uma questão muito mais ampla do que essa e julgo que V. Ex.ª a conhece tanto ou melhor do que eu. Sabe que numa sociedade moderna se discute o problema do poder médico e sabe também que esse poder tem de ser ilimitado, até porque são os próprios médicos que o debatem e muitos deles recusam esse poder. Aliás, ontem foram aqui chamadas as minhas querelas com a direcção da Ordem dos Médicos. Tive várias, mas numa coisa estivemos sempre de acordo ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Escreva isso nas suas memórias!

O Orador: - ..., é que os médicos existem pais tratar os seus doentes, têm de acreditar nas suas afirmações e quando alguém diz que está doente, o médico deve, em princípio, acreditá-lo. O médico não serve para controlar baixas, mas sim para tratar quem está doente.
Ora, o que estamos aqui a fazer é a dar ao médico poderes especiais. No fundo, estamos, através de um esquema demasiadamente apressado, a libertarmo-nos de saber qual é o pormenor de cada um dos problemas

- vez com o desconhecimento da ciência ou outra qualquer argumentação ou do que não sabemos de medicina - e, afinal, atiramos com todo esse poder para o médico que, assim, fica com um poder ilimitado sobre a vida e a morte.
Este não é um problema simples e não se resume apenas em saber se, acreditamos ou não nos atestados médicos. E muito mais profundo do que isso!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Muito se tem escrito sobre o poder médico e sobre as suas limitações. São os próprios médicos que debatem esta questão e muitos deles recusam esse poder que a sociedade lhes quer atribuir, talvez alijando de si própria as responsabilidades que não deveria alijar. Este é que é o problema de fundo que não se pode escamotear como um problema de mera desconfiança da classe médica ou um problema da atestado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - 15so é que é objecção de consciência.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, estão inscritos outros deputados para responder a protestos pelo que lhe pergunto se V. Ex.ª deseja
responder já ou só no fim.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Luís Barbosa, o que eu disse pressupõe a aceitação da responsabilidade do médico. Temos que fazer fé e ter confiança na capacidade e na forma como os diversos profissionais desempenham as funções que a sociedade lhes distribui. Na vida humana nada é absoluto.
Se V. Ex.ª me fala no poder médico, então eu digo-lhe que o poder médico é uma questão completamente diferente da eventual falibilidade do diagnóstico ou da falta de rigor nos atestados médicos. O poder médico é uma coisa completam diferente disso.
Portanto, se o Sr. Deputado me falar do poder médico, mais se reforça em mim a ideia de que está preocupado com o problema social dos médicos na sociedade por-
tuguesa, preocupação essa que partilho consigo.

O Sr. Luís Barbosa (CDS):- Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza. Sr. Deputado.

O Sr. Luís Barbosa (CDS): - Pergunto-lhe, Sr. Deputado, se, quando levanta aqui nesta Câmara esse problema e atribui essa responsabilidade aos médicos, já perguntou aos médicos e às suas instituições em Portugal se aceitam essa responsabilidade?

O Orador: - Sr. Deputado Luís Barbosa, a única resposta que possa dar à sua questão é a de que o projecto de lei do Partido Socialista admite a objecção de consciência.

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No entanto, posso acrescentar que esta questão tem vindo a ser discutida há muito tempo; aqui mesmo resta Assembleia, em fins de 1982, houve um debate sobre esta matéria, no qual o Partido Socialista apresentou posições inteiramente coincidentes com as que apresenta hoje, nomeadamente através da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos; o próprio programa eleitoral do Partido Socialista faz, exactamente, menção a 3 indicações, isto é, às situações em que admitimos a licitude do aborto. Portanto, o pais foi informado atempadamente das intenções do Partido Socialista e o debate está em curso.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença que faça uma interpelação à Mesa, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, estava prevista para as 17 horas e 30 minutos a realização de uma conferência dos líderes dos grupos parlamentares para abordar uma questão capital que é a da conclusão deste debate, onde se consideraria a questão das votações, a hora a que irão ser feitas e a precedência das votações dos diferentes projectos que estão em apreço. Começa a fazer-se tarde e o meu grupo parlamentar tem o direito de requerer que a votação seja feita antes do tempo da hora regimental. No entanto, não queremos ser compelidos a apresentar esse requerimento quando a discussão ainda está em curso e parece-me que é pertinente suscitar esta questão neste momento.

Propomos que a conferência dos grupos parlamentares seja feita agora para podermos considerar a questão das votações e, eventualmente, o prolongamento desta reunião para o qual estamos disponíveis. Pensamos que importa decidir estes assuntos atempadamente e não deixar correr o tempo até à hora regimental, porque nessa altura sé haverá uma resposta da nossa parte, que é a apresentação de um requerimento para a passagem à votação. Não queremos fazê-lo e por isso suscitamos a questão neste momento.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu coloquei esse problema quando resolvemos não fazer o intervalo.
Neste momento estão 2 deputados inscritos para protestar e dado serem já 18 horas e 40 minutos, gostaria de saber se os Srs. Deputados desejam ou não interromper agora a reunião.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, se me dá licença continuava a minha interpelação sugerindo que a conferência dos líderes dos grupos parlamentares se reunisse neste momento, sem prejuízo do debate no Plenário. Ficaria ao critério do Sr. Presidente decidir se seria V. Ex.- a presidir à conferência - sendo, neste caso, substituído aqui no Plenário por um dos Srs. Vice-Presidente -, ou se seria um dos vice-presidente a presidir à conferência.

O Sr. Presidente: - Essa é, de facto, unta hipótese que pode ser encarada.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Quero manifestar o meu acordo com a sugestão do Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral quiser substituir-me até ao intervalo, poderemos seguir a sugestão dada pelo Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, julgo que, pelo facto de ter já feito intervenções neste debate, estou inibido de assumir a presidência da Assembleia, salvo se não houver qualquer objecção por parte dos Srs. Deputados.

O Sr. Presidente: - Regimentalmente não há nenhuma objecção, Sr. Vice-Presidente.

O Sr. Azevedo Soara (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Azevedo Soara (CDS): - Sr. Presidente, julgo que os 2 pedidos de palavra para protestar são o meu e o do Sr. Deputado Nogueira de Brito e assim, para acabar com esta pequena discussão que está a protelar os trabalhos, prescindimos da palavra para que se possa realizar imediatamente o intervalo e a conferência de lideres.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, suspendo a sessão e convoco a reunião dos presidentes dos grupos parlamentares.

Eram 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata, ao decidir apresentar o presente projecto de lei sobre educação sexual e planeamento familiar n.º 267/III, subscrito em colaboração com o Partido Socialista, demonstrou, ao abdicar da sua iniciativa legislativa, aprovada por mais de dois terços dos deputados na última legislatura, que acima dos seus interesses partidários coloca o bom entendimento da coligação.

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Aplausos do PSD, do PS, da UEDS e da ASDI.

Coligação que, embora nem sempre tenha conseguido ser um modelo de perfeição e eficácia, garante a estabilidade político-governativa fundamental à recuperação nacional.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Nem sempre será possível, a exemplo deste projecto de lei, uma concordância de pontos de vista que viabilize iniciativas legislativas comuns.
Temos todos de ter a maturidade política suficiente para reconhecermos as diferenças programáticas, as diferenças do passado, onde não faltaram períodos de frontal oposição que necessariamente marcam os comportamentos humanos, e para prevermos, no futuro, caminhos diversos.
Estas diferenças devem ser assumidas no interior da coligação, não para divisões que provoquem rupturas, mas, pelo contrário, como fonte de dinamismo. Não como imposto monolitismo que esmaga, mas como pluralismo que gera criatividade de soluções.

Aplausos do PSD, do PS e da UEDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo, por iniciativa de um grupo parlamentar, sido suscitado o presente debate, os sociais-democratas dele não se podiam alhear. As nossas responsabilidades impunham-nos a apresentação de um projecto de lei sobre educação sexual e planeamento familiar que se inserisse na movimentação civilizacional da Europa e do Ocidente.
Projecto cujo texto inicial contou com a colaboração especializada da Dr.ª Leonor Beleza e do Dr. Albino Aroso, pessoas desde há muito ligadas ao planeamento familiar em Portugal.
Não posso deixar de recordar que, fundamentada numa recomendação da Organização Mundial de Saúde de 1965, se deve ao Dr. Albino Aroso o despacho de 16 de Março de 1976, determinando a criação, na medida das disponibilidades técnicas, de consultas de planeamento familiar em todos os centros de saúde.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O debate de hoje é uma reedição.
A este propósito não posso deixar de vincar a preocupação que sinto pela frequência com que somos obrigados a repetir discussões parlamentares, devido a variadas razões, entre as quais saliento a anormal «normalidade» de as legislaturas serem interrompidas por crises políticas. A população confronta-se entre a dualidade de um sistema com processos legislativos extremamente vagarosos e uma crise económico-social a exigir soluções «prontas» e eficazes.
Não os maçarei, pois, repetindo o conteúdo da intervenção proferida no debate da anterior legislatura. Opto por uma ligeira apresentação do seu conteúdo.
O planeamento familiar não é no nosso projecto reduzido a uma óptica contraceptiva.
Encaramo-lo como um conjunto de acções que vão desde a educação sexual à informação, passando pelo fornecimento gratuito de métodos anticoncepcionais, aconselhamento do casal, prevenção de doenças de transmissão sexual e de doenças da área da sexualidade, tratamento da infertilidade, rastreio do cancro genital e aconselhamento genético com prevenção das doenças hereditárias e apoio à adopção.
Educação sexual que, e passo a citar a poetisa Natália Correia, não deve «sossobrar num mecanicismo e numa concepção puramente sanitária», mas sim ser ministrada em conexão com uma verdadeira pedagogia de amor.
No projecto de lei garantimos a liberdade de acesso às consultas de planeamento familiar, independentemente do sexo, idade ou situação económica, e defende-se a criação de centros vocacionados para jovens, onde será respeitado o sigilo por eles exigido.
Aos profissionais de saúde reconhecemos o direito à objecção de consciência.
No articulado garante-se a livre escolha pelo método anticoncepcional, sendo a recusa da prescrição admitida unicamente quando fundamentada em razões de carácter médico ou científico.
Permite-se a esterilização - um dos métodos mais eficazes na prevenção do aborto - e propõe-se a inseminação artificial como forma de tratamento da esterilidade.
A colaboração com associações privadas deve salvaguardar que a acção assente em princípios científicos, e não em razões de carácter político, confessional, demográfico ou sócio-económico.
Na anterior legislatura a oposição ao nosso projecto de lei reduziu-se ao CDS. Compreendemos as suas posições. São as mesmas em que se fundamentam alguns países que não têm planeamento familiar e que passo a indicar, segundo dados de 1979: Albânia, Birmânia, Bolívia, Comores, Guiné, Koweit, Mauritânia, Roménia, etc. O CDS não está sózinho no mundo. Não está é na Europa e no Ocidente neste final do século XX.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A oposição ao planeamento familiar, posição representada em termos parlamentares pelo «confessionalismo» do CDS, assenta objectivamente em dois argumentos.
Um defendido na anterior legislatura pelo Sr. Deputado João Morgado, que afirmou:

A igreja católica ... entende que quando se pratica um acto sexual é para se ver o nascimento de um filho.

Estamos em frontal oposição a esta inconcebível declaração desse Sr. Deputado e, citando um ex-colega de bancada, direi que:

Sentimentalizar o sexo é elevá-lo, da mesma maneira que sexualizar o sentimento amoroso é dar-lhe plenitude.

Aplausos do PSD, do PS. da UEDS e da ASDI.

O outro, mais elaborado e menos, na aparência, obscurantista, foi defendido pelo Sr. Deputado Oliveira Dias. Considerou como possuindo actividade abortiva os métodos anticoncepcionais com propriedade antinidatória, ou seja, a pílula, a pílula do dia seguinte e o dispositivo intra-uterino (DIU).

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Não irei contestar esta afirmação de carácter científico sobre o inicio da vida embora não seja uma opinião unânime e por alguns considerada ultrapassada. Direi unicamente que as opiniões da ciência são mutáveis e que foram radicalismos fundamentados nos conhecimentos da época que justificaram algumas condenações à fogueira pela Inquisição.

Aplausos do PSD, do PS, da UEDS e da ASDI.

Mas ultrapassando a aparente cientificidade, pergunto se alguém da bancada do CDS acredita que na Europa ou mesmo em Portugal seja possível proibir a pílula ou o DIU? Porque não apresentam então um projecto de lei sobre essa matéria? Porque se escondem atrás dos conceitos técnicos dificilmente compreensíveis pela generalidade da população?

Mas se o CDS está realmente contra o aborto porque não apoia o PSD numa correcta política preventiva desse flagelo para a saúde das mulheres, votando favoravelmente o projecto de planeamento familiar que apresentámos?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quem está realmente contra o aborto? Quem o quer prevenir como nós, ou quem, por omissão, o quer favorecer?

Vozes do PSD e do PS: - Muito bem!

O Orador: - Existem outras vozes que se levantam contra o planeamento familiar fundamentando-se em preocupações demográficas.

Não farei a demagogia de afirmar que pretendem fomentar famílias numerosas com a ilusão de, por esse meio, favorecer a legião de explorados, embora seja um dado estatístico a verificação de que proles numerosas são mais frequentes nos meios desfavorecidos.

Não aceitamos um Estado todo poderoso que aposte no crescimento da natalidade pela recusa da felicidade ao indivíduo ou ao casal. Deixamos isso para a Albânia ou para a Roménia.

Contra a visão mediavalista de reduzir o sexo à procriação, contra os que proíbem o planeamento familiar por razões demográficas, o PSD assume-se, com este projecto, como um partido personalista.

Compreendemos preocupações desse tipo em países com taxas negativas de crescimento populacional. Essas taxas podem, no entanto, ser corrigidas por outras vias que não sejam a recusa a uma paternidade consciente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os sociais-democratas têm consciência da permanente evolução da sociedade e que a aprovação deste projecto se enquadra num avanço civilizacional.

As mutações sociais ou, se preferirem, as grandes revoluções, não se reduzem a simples substituições de poder, mas ao verdadeiro aparecimento de novas realidades.

O feudalismo não desapareceu com a transferência do poder dos senhores feudais para os servos, mas com o surgimento da burguesia.

A revolução actual não passará pela transferência do poder da burguesia para o proletariado.

Entre o liberalismo selvagem e o totalitarismo do Goulag, é obrigação do homem livre descobrir caminhos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Alonga marcha para a igualdade entre os seres humanos passou pela abolição dos servos da gleba e dos escravos; exigiu o fim do racismo que inferiorizou os negros. A igualdade dos povos defendida pelos movimentos de autodeterminação fizeram ruir os impérios coloniais.
Mas de todos os movimentos, o mais importante é aquele que interessa a mais de 50 % da população da Terra. Refiro-me ao movimento de eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, depois de mais de 6000 anos de sociedade patriarcal.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Não têm faltado algumas tentativas de controle desse movimento social, provocando a sua desmobilização pela atribuição às mulheres de alguns pastos de chefia e pela discriminação das desigualdades mais gritantes entre os sexos.
Mas quantas mulheres são deputadas ou membros do Governo? (Por exemplo na bancada do CDS) Quantas são professoras universitárias? Quantas estão à frente da gestão de empresas públicas e privadas? Quantas mulheres estão na hierarquia das instituições sejam laicas ou religiosas?
Não posso deixar de citar Garaudy:

Não se trata apenas de mudar os actores e de distribuir melhor os primeiros papéis. Quando as mulheres reivindicam o direito a todas as dimensões da vida e o direito de manejarem também as alavancas de comando da economia, da política, da vida religiosa, é a própria natureza do teatro que tem de mudar, isto é, a estrutura, o funcionamento e as finalidades da própria sociedade.

Os sociais-democratas têm consciência de que com a aprovação deste projecto se dá mais um passo, que não é insignificante, na marcha para a igualdade dos seres humanos.
A mulher passa a ter o direito de assumir uma verdadeira sexualidade que se não restringe ao dever de procriar ou ao de passivamente colaborar com o homem.
Um facilitado acesso aos métodos anticoncepcionais dará à mulher o poder de voluntariamente escolher sei mãe, libertando-a da angústia da maternidade involuntária.
Será este um dos objectivos do presente projecto:

Contribuir para a transformação dos fins e do sentido da vida e da história.

Aplausos do PSD, do PS, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, para pedir esclarecimentos, os seguintes Srs. Deputados: César Oliveira, Helena Cidade Moura, Vidigal Amaro, José Gama, Zita Seabra e Luís Barbosa.
Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

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O Sr. César Oliveira (UEDS): - Em primeiro lugar, permita-me, Sr. Deputado Jaime Ramos, que o felicite pela sua intervenção. Felicito-o por uma razão fundamental, que é a seguinte: penso que já era tempo de ouvirmos e digo isto com a frontalidade com que costumo dizer tudo - uma voz social-democrata, genuinamente social-democrata!

Aplausos do PS.

O Sr. José Vitorino (PSD) : - O Sr. Deputado tem estado distraído!

O Orador: - Já que têm sido citados hoje aqui no Plenário tantos artigos do jornal, peço ao Sr. Deputado que faça um comentário a uma parte de um artigo, assinado pelo Sr. Dr. António Maria Pereira, publicado hoje no Diário de Notícias.

Dizia o Sr. Dr. António Maria Pereira:

O debate sobre a interrupção voluntária da gravidez na Assembleia da República começou. O aborto vai passar. Pela primeira vez na história da social-democracia, um partido social-democrata vai defender, em aliança com um partido democrata-cristão (...) uma posição puramente religiosa, contrária à sua tradicional vocação laicista.

Sá Carneiro, que estava perfeitamente consciente da natureza laica da social-democracia e, por isso, sempre a soube preservar no PSD, quer na sua prática política, quer no seu Programa, faz, realmente, cada vez mais falta ao seu partido e ao país.

Gostaria que V. Ex.ª, e com a homenagem que lhe prestei no início da minha intervenção, comentasse este texto publicado no Diário de Notícias de hoje e que é assinado, ao que julgo, por um militante do seu partido.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jaime Ramos pretende responder já?

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Deputado César Oliveira, sei que as suas palavra foram movidas pela amizade e agradeço-as. Mas quero lavrar aqui um protesto muito firme, em nome da minha bancada e em meu nome pessoal, por o Sr. Deputado ter procurado fazer uma clivagem entre os deputados desta bancada.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Desejava assim, Sr. Deputado César Oliveira, repudiar completamente a acusação de que possam ter havido ou possam vir a haver, da parte desta bancada, intervenções que não sejam sociais-democratas. Queria dizer-lhe que a social-democracia não é um dogma e tem que ter em conta as realidades dos países.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Cabe lá tudo!

O Orador: - Embora numa perspectiva cultural, também sabemos que a realidade cultural do nosso país não é a realidade cultural dos países mais avançados da Europa. Por isso, não se pode copiar inteiramente.

Nesta perspectiva, temos de ver que as posições sociais-democratas podem ser diferentes de país para país, numa perspectiva de melhoria por meio de reformas sucessivas, que devem ter em conta a opinião das populações que representam. E é nessa perspectiva, embora seja também verdade que a maior parte dos países sociais-democratas na Europa tem apoiado movimentos que visam despenalizar o aborto, que se poderá compreender a posição diversa do Partido Social-Democrata português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Em relação à leitura que fez de um artigo de jornal - em que se fala de como seria o comportamento do Sr. Dr. Sá Carneiro se estivesse vivo neste momento e se fosse líder -, feito, penso, por um dirigente nacional do PSD, pelo menos foi-o até há pouco tempo, gostaria de dizer que o PSD teve sempre uma perspectiva laica. O PSD não é um partido confessional, como o demonstra, por exemplo, com este projecto de lei sobre o planeamento familiar.

Em todo o caso, queria dizer-lhe que também tenho uma grande admiração pelo Dr. Sá Carneiro. E essa admiração é por uma razão: é que ele tinha convicções e lutava por elas, mesmo que, eventualmente, estivesse sozinho. Tenho uma grande admiração pelas pessoas que são capazes de o fazer.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento. tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Para já, Sr. Deputado Jaime Ramos, queria congratular-me peia citação que fez de uma ex-deputada do seu partido, Natália Correia. E, se me permite, queria juntar-me a essa homenagem.

Depois, queria fazer-lhe uma pergunta concreta, à qual agradecia que me respondesse também de uma forma concreta, porque está muito dentro das minhas preocupações e das do meu partido. O vosso projecto de lei sobre Planeamento Familiar e Educação Sexual tem 17 artigos, dos quais 16 são dedicados ao planeamento familiar e só 1 é dedicado à educação sexual.

E com mágoa que o digo, mas o seu partido é responsável, há mais de 3 anos neste país, por uma educação restritiva, completamente alheia a qualquer formação sensorial, e penso que o Partido Social-Democrata, ou tenciona mudar de política de educação, tencionando fazer um outro projecto sobre a educação sexual que seja complementar desde, ou entende que a educação sexual visa simplesmente o planeamento familiar.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

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O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Deputado Jaime Ramos, também não posso deixar de felicitá-lo pela sua intervenção. Quão diferente foi da de um camarada seu que interveio ontem. E isto não é fazer uma clivagem, Sr. Deputado, isto é constatar factos.
Em nome da ciência, foi sagui afirmado, por mais do que uma vez, que a vida começa na altura em que o espermatozóide se junta ao óvulo e assim se forma um ovo, e que aí começa a vida humana.
No projecto de lei do PSD sobre Planeamento Familiar, parece que se põem à disposição de todo o País todos os métodos de planeamento familiar. E o Sr. Deputado frisou-o, inclusivamente, referindo o dispositivo intra-uterino, o DIU, a pílula, a pílula «do dia seguinte». Como se sabe, o DIU - já não falo na pílula, que é altamente discutível por em vez de ser anovolatória ser antinidatória, mas não entremos nessa discussão- actua após a concepção, após a união do óvulo com o espermatozóide, onde, segundo se disse nesta Câmara, já há vida. 15to foi defendido por camaradas de sua bancada.
Sr. Deputado, esse projecto de lei é do seu partido. E o seu partido assume a vida no acto na concepção, ao quinto dia, ao sétimo ou ao mês de idade? Quando começa a vida, Sr. Deputado? O Sr. Deputado, em nome da ciência, é capaz de responder a isto? Alguém, em nome da ciência, é capaz de responder a esta pergunta? E em que dia começa a vida?
O Sr. Deputado é capaz de me dizer os sofrimentos terríveis, que foram ontem aqui descritos, que o ovo sofre por não ser nidado? Aí não há vida? Aí já há vida? Gostava que o Sr. Deputado esclarecesse a Câmara sobre este assunto.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado José Gama.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Deputado Jaime Ramos, o CDS é por um planeamento familiar feito por pessoal competente que informe as pessoas com rigor e isenção, a fim de elas poderem decidir em consciência e em liberdade.
Diz o Sr. Deputado Jaime Ramos que, pelo facto de termos votado aqui contra um projecto de lei concreto, somos contra qualquer planeamento familiar. Mas esta conclusão é pobre. Seria o mesmo se eu dissesse que o PSD, pelo facto de ter votado contra o nosso projecto de lei de bases da família, estaria contra a família. Era injusto que eu tirasse essa conclusão.
E respondo a um aparte do Sr. Deputado Costa Andrade. O CDS tem pronto um projecto de lei sobre planeamento familiar, que entrará oportunamente nesta Câmara. O que nós não queremos é um planeamento familiar feito por um pessoal qualquer e com as consultas transformadas em fazer, tão-só, a apologia dos contraceptivos. 15to é a grande preocupação do CDS. Tem que haver uma ligação muito grande também com a educação sexual.
Julgo que o Sr. Deputado Jaime Ramos para se libertar do fantasma da má consciência de ter de votar connosco, quer contra o projecto de lei do PS, quer contra o projecto de lei do PCP, resolveu aqui fazer um ataque desmesurado, sem grandeza, avulso. ao CDS.

Aplausos do CDS.

Sei que a política é um processo dinâmico. Por isso, queria perguntar ao Sr. Dr. Jaime Ramos qual é a sua opinião pessoal, concreta, como homem que está neste mundo, sobre o aborto, se é a mesma de há 2 anos, ou se já mudou.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado Jaime Ramos, eu subscreveria muitas das palavras que o Sr. Deputado disse sobre planeamento familiar e sobre educação sexual. E não .vou, sequer, perguntar-lhe - daqui a umas horas teremos oportunidade de ver se o Sr. Deputado vai ser coerente com a atitude que tomou aqui nesta Câmara há 1 ano atrás, ou se vai ser coerente com a ex-deputada Natália Correia, que tão bem citou.
Vou fazer-lhe somente 2 ou 3 perguntas sobre planeamento familiar. Creio que o Sr. Deputado disse e falou neste campo, em nome do PSD. Acontece que, há poucos meses, o Congresso do PSD dos Açores aprovou uma deliberação, recomendando à Assembleia Regional dos Açores que proíba todos os métodos contraceptivos na Região Autónoma dos Açores. E a Madeira já tinha feito isso no ano anterior.
Pergunto qual é, efectivamente, a posição do PSD nesta matéria. E a que preconiza o Sr. Presidente do Governo Regional dos Açores, Mota Amaral, que proíbe, expressamente, através de uma recomendação, em Congresso Regional, todo e qualquer método de planeamento familiar e só admite os chamados métodos naturais? Ou a posição do Sr. Deputado é a que acaba de defender aqui?
E que nisto de linhas do PSD a gente nunca se entende muito bem. Cada um fala em nome do PSD e a gente nunca sabe muito bem qual é, efectivamente, a sua linha. Até porque, depois na política, quando têm responsabilidades governamentais, fazem coisas como aquela do Governo, também do PSD, em que proibiram o acesso dos jovens ao planeamento familiar.
Mas gostaria de lhe colocar, muito concretamente, outras questões. O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que o mais eficaz dos métodos de planeamento familiar às vezes falha. E perante uma falha dessas, acha o Sr. Deputado que a lei deve coagir uma mulher a prosseguir essa gravidez? Por exemplo, uma mulher de 40 anos, ou mais, que já está, em sua opinião, fora de risco de engravidar e que por isso mesmo abandona o planeamento familiar, engravida aos 40 anos, ou mais. O Sr. Deputado acha que a lei o deve obrigar, sobre ameaça de prisão, a prosseguir essa maternidade? Acha que é isso a maternidade livre de que falou, tão bem, da tribuna?
A minha segunda pergunta é sobre as jovens mães. O Sr. Deputado sabe que é um grupo etário em risco, que é preciso um planeamento familiar para os jovens e que a taxa de natalidade na juventude está a subir. Aliás, o único grupo etário onde a taxa de natalidade está a subir são as jovens menores, adolescentes, o que significa que uma gravidez numa jovem mãe, menor, nunca é decidida planeada, responsável e consciente, mas sempre um acidente. Acha, Sr. Deputado, que a lei deve coagir esta jovem a prosseguir a sua gravidez, a ameaçá-la de 3 anos de prisão e a ser

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aquilo que os franceses chamam LA Mére enfant, a que nós chamamos as mães adolescentes?
Gostaria, muito concretamente, que me dissesse, quando os métodos de planeamento falham, principalmente nestes 2 casos - e poder-lhe-ia dizer muitos outros -, se o Sr. Deputado está de acordo e se o seu partido subscreve que deva haver uma lei repressiva, que coaja a mulher a prosseguir a sua gravidez ou então ater que se encaminhar para a parteira ou para a curiosa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jardim Ramos, para que efeito pediu a palavra?

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Era para esclarecer umas afirmações que a Sr.ª Deputada fez em relação ã Madeira.

O Sr. Presidente: - Não lhe posso dar a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Então, utilizava a figura do protesto, em relação à Sr.ª Deputada Zita Seabra.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? E para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Continuo a não compreender quais são as regras que nos regem. Ontem, por várias vezes foi-nos impedido o uso da palavra. Nós, hoje, prescindimos voluntariamente dela, porque tinha sido definido a regra, ou seja, que os protestos e os pedidos de esclarecimento que se faziam em
relação aos deputados que tinham feito uma intervenção e não se admitiam pedidos de esclarecimento e protestos entrecruzados, em relação a outros deputados que interviessem no debate. E agora volta-se à mesma. A única coisa que solicito à Mesa, para finalmente saber com que linhas me coso, de uma vez por todas, é que informem qual, o critério a seguir.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jardim Ramos, com efeito, equivoquei-me ao dar-lhe a palavra.

O Sr. Jardim Remos (PSD): - Sr. Presidente, posso invocar o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado não foi citado pessoalmente.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Mas foi a Região Antónoma da Madeira.
Risos.

... e eu sou deputado da Região Autónoma da Madeira.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Regimento não prevê o uso da palavra pelo direito de defesa nessa qualidade.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Como deputado da Região Autónoma da Madeira sinto-me ofendido.

O Sr. Presidente: - Sem, se o Sr. Deputado se sente ofendido, tenho de lhe dar a palavra, mas pedia-lhe o favor de reflectir que não foi mencionado directamente, até porque o Sr. Deputado se referiu a uma ofensa, digamos, geral à Região Autónoma da Madeira. Mas se o Sr. Deputado insiste, dar-lhe-ei, posteriormente, a palavra.
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Em relação às preocupações da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, gostaria de dizer-lhe que os artigos não valem pelo seu número, mas pela sua qualidade. Temos realmente só um artigo sobre a educação sexual, mas penso que bem formulado. Como sabe, é matéria que, mais do que a maneira como é formulada, depende da vontade política que exista no Governo para a implementar. Eu, pessoalmente, como apoio este governo, acredito que ele será capaz de implementar uma verdadeira política de educação sexual. E se não for, espero que as bancadas da maioria, que, por exemplo, aplaudiram e apoiam este projecto, utilizem a sua capacidade fiscalizadora em relação ao não cumprimento do Governo, o que espero não venha a acontecer.
Em relação ao Sr. Deputado Vidigal Amaro, sobre o problema de quando é que se inicia a vida e a actividade antinidatória, como sabe, não se pode dizer quando é que começa a vida. Há quem diga que ela continua, e são Prémios Nobel a fazê-lo. Mas há, por outro lado, certos meios - e isso já foi aqui amplamente dito- que acreditam que a vida começa no momento da junção do óvulo e do espermatozóide, com a formação do ovo. As posições dividem-se.
Em termos pessoais, por essa razão, penso que é errado, com base em dados da ciência, que não são incontroversos, tomar posições.
Em todo o caso, queria dizer-lhe, e é público, que a minha posição pessoal em relação ao aborto é minoritária dentro do PSD. O PSD é um partido democrático, que tem mecanismos de formação de vontade colectiva. Neste campo sou uma minoria e não sou a pessoa indicada para o esclarecer.
No entanto, quero dizer-lhe que por estas dúvidas nos parecia perfeitamente errado que alguém pensasse proibir a pílula ou o DIU, ainda por cima um dado da ciência que não temos a certeza se é real e que é controverso.
Em relação ao Sr. Deputado José Gama, dar-lhe-ei que acredito muito nas boas intenções e na seriedade das pessoas que proferem declarações. Simplesmente, às vezes os actos vão de encontro a essa, talvez, ingenuidade da minha parte. E queria dizer-lhe que acredito que o CDS está contra o aborto e que está por uma política de planeamento familiar. Mas então tem de o demonstrar. Não pode, simplesmente, votar contra.
O ano passado o CDS estava na AD, quase em risco de fazer cair essa coligação, fizeram afirmações de perfeita chantagem sobre o PSD - que foram públicas, por isso as refiro - e votaram, na primeira vez penso

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em que isso aconteceu, contra o planeamento familiar e contra o nosso projecto. Nem nessa altura tiveram a coragem de apresentar um texto alternativo, dizendo, realmente, que planeamento familiar querem.

O Sr. José Gama (CDS): - Dá-me licença?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. José Gama (CDS): - Pelo facto de o Sr. Deputado e a sua bancada terem votado contra o projecto de lei de bases da família, ...

O 5r. Carlos Brito (PCP): - 15so não foi votado! 15so nunca existiu!

O Sr. José Gama (CDS): - ... indica que o seu grupo parlamentar está contra a família?

O Orador: - Queria, por isso, dizer-lhe que acredito nas intenções do CDS, mas que ficamos à espera, com muita curiosidade, que os senhores apresentem o vosso projecto e que digam, então, como é que querem fazer planeamento. Se com métodos científicos, métodos que oferecem segurança a quem os utiliza, ou, ao contrário, se o CDS é, nesse campo, só confessional ou assume a dimensão de um partido eventualmente de Estado e com raízes laicas.
Perguntou-me, depois, se a minha posição sobre o aborto era a mesma. Quero dizer-lhe que sim, em termos pessoais. Proeuro ser coerente e tomar posições de acordo com as minhas convicções. No entanto, não é a vontade da maioria. Só lhe posso dizer isso. O PSD não é um partido fechado, como penso que o CDS não será. Aliás, acredito que no CDS há pessoas que têm posições ligeiramente diferentes.
Em relação à Sr.ª Deputada Zita Seabra, não respondo quanto aos Açores e à Madeira. Deputados dessas regiões autónomas lavrarão o seu protesto. Em todo o caso, devo dizer que o PSD, como partido reformador, defendeu sempre uma grande autonomia regional. Essas regiões têm governos, eles são votados pelas próprias populações, e reagirão de acordo com a vontade dessas populações. Como sabe, quando não se reage de acordo com essa vontade e se é executivo a penalização, ao fim, é não se ganharem as eleições. Espero que o PSD na Madeira e nos Açores, tal como sempre no País, respeite a vontade dos seus eleitores.
Perguntou-me, depois, em termos pessoais o que penso sobre o facto de os métodos falharem. Evidentemente, a minha posição pessoal é que deve haver sempre uma maternidade consciente, mas neste momento isso não interessa, em termos de opinião pessoal. Poderemos conversar sempre sobre isso lá fora. Aqui a posição do PSD é muito clara.

Quanto à pergunta de eu achar ou não que o aborto, na opinião maioritária do PSD, é, para além de eticamente reprovável, algo que se pode combater, respondo que se pode combater por 2 medidas, as quais decidimos aqui apostar, tal como já fizemos no anterior debate: medidas claras de protecção à maternidade e à paternidade e medidas de planeamento familiar. F essa a convicção do PSD, julgo eu, maioritariamente, de uma forma sécia.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado jardim Ramos para exercer o seu direito de defesa.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr.ª Deputada Zita Seabra: Como madeirense, como médico, gostava de lhe dar um testemunho vivido. Nos centros de saúde da Região Autónoma da Madeira existem a funcionar consultas de planeamento familiar onde, após o aconselhamento e de se concluir qual o método mais adequado à mulher que vai à consulta, são fornecidos desde os produtos mecânicos à pílula e até à aplicação do DIU.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra, para responder.

A Sr.ª Zita &abra (PCP): - Sr. Presidente, desejo apenas dar um esclarecimento ao Sr. Deputado, já que, pelos vistos, ele desconhece as leis regionais, mas digo-lhas e sob a forma de contraprotesto:

Decreto Regional n.º 19/82/M

Em defesa da vida humana

A Assembleia Regional decreta ao abrigo de [...]

Artigo 1.º É vedado, nas consultas de planeamento familiar, o aconselhamento de produtos farmacêuticos e outros meios de planeamento abortivos.

Art. 2.º A Secretaria Regional dos Assuntos Sociais ajustará o preceituado no artigo precedente às normas que digam respeito ao planeamento familiar na Região, salvaguardando o legitimo interesse social que lhe é inerente.

Art. 3.º O presente decreto regional entra em vigor ao dia seguinte da sua publicação.

Se o Sr. Deputado, como médico na Região, não cumpre o estabelecido isso é consigo. O decreto está em vigor e acabei de o ler.

Aplausos de alguns deputados do PCP.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, desejo contraprotestar.

O Sr. Presidente: - Não lhe posso conceder a palavra, Sr. Deputado.

Protestos do PSD.

O Sr. Presidente: - Se algum dos Srs. Deputados deseja interpelar a Mesa, faça o favor de o fazer.

O Sr. José Vitorio (PSD): - Sr. Presidente, desejo pedir um esclarecimento à Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Vitorino (PSP): - O Sr. Presidente não concedeu a palavra ao meu colega Jardim Ramos que dela pretendia usar sob a figura de protesto, pelo que teve de invocar o direito de defesa.

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A seguir o Sr. Presidente permitiu resta a Sr. Deputada usasse a figura do contraprotesto. É esta a questão formal que aqui se coloca, Sr. Presidente.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não foi sob a figura de contraprotesto que usei da palavra.

Vozes do PSD. - Foi, foi!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado: A Sr.ª Deputada Zita Seabra declarou, com efeito, que contraprotestava. Contudo, não seria sob essa figura que usaria da palavra, mas sim como resposta ao Sr. Deputado Jardim Ramos, figura sob a qual tinha o direito de responder ao Sr. Deputado interpelante.
O Sr. Deputado Jardim Ramos é que não tem agora o direito de usar da palavra, sob pena de nunca mais acabarmos o debate.
Srs. Deputados, vamos agora suspender a sessão para recomeçarmos os trabalhos às 22 horas, pelo que peço aos Srs. Deputados o favor de serem pontuais.
Está suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Conforme suponho ser já do conhecimento dos Srs. Deputados, na reunião dos presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares ficou decidido que a sessão se prolongaria até à votação, na generalidade, dos projectos que têm estado em discussão.
O Sr. Deputado Gomes de Pinho deseja usar da palavra?

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, pretendo fazer um pedido de esclarecimento relativo à situação que se continua a verificar à entrada desta Assembleia, isto é, de haver uma quantidade muito grande de pessoas que ao que parece teriam cá estado no período da tarde desta sessão e que agora gostariam de reocupar os seus lugares, estando isso a gerar uma certa confusão. Além disso, parte dessas pessoas quereriam ter contactos com os grupos parlamentares, para troca de informações sobre este debate, e estariam de facto a ser impedidos de entrar no edifício da Assembleia.

O Sr. Presidente tinha-nos já dado uma explicação na conferência de líderes e ficámos convencidos de que esta situação estaria em vias de ser solucionada.
No entanto, parece que, inclusive, se terá agravado pelo que pudemos constatar agora à entrada da Assembleia.
Nesse sentido gostaria de perguntar se houve alguma orientação, suplementar ou, pelo menos, uma certa simplificação do processo de selecção de pessoas que pretender contactar com os grupos parlamentares e das que pretendem ocupar os lugares nas galerias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em relação às pessoas que vêm para as galerias, não há, como o Sr. Deputado sabe, lugares marcados, mas sim uma
limitação de pessoas por nelas não caberem mais - não neste momento, que ainda estão entrando, mas dar a pouco estarão repletas. Não há, pois qualquer alteração ao que estava planeado, a não ser o facto de eu ter distribuído, a solicitação dos grupos parlamentares, mais convites aos Srs. Deputados para interessados em ocuparem lugar nas galerias.
Em relação às pessoas que querem vir aqui, ao andar nobre, contactar com os deputados, não podem ir para as galerias. Há uma limitação à entrada de um grande número de pessoas para se não encherem os corredores, pelo que até solicitei aos grupos parlamentares que essas pessoas, que vêm contactar com eles para tratar de qualquer assunto, se não demorassem muito na Assembleia, a fim de permitir que outras possam entrar.
Assim sendo, não houve alteração nenhuma e penso que está tudo a correr de uma forma que podemos dizer normal.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, queríamos apenas fazer um pedido suplementar, se nos permite.
Sabemos que normalmente a operação de entrada do público nas galerias é uma operação algo boliçosa e ruidosa que perturba um pouco o funcionamento dos trabalho parlamentares. Por outro lado, praticamente não vemos ainda ninguém nas galerias, o que de facto não garante o carácter público deste debate. Sugeria que suspendêssemos os trabalhos, durante uns curtíssimos minutos até permitir regularizar este situação e que depois recomeçássemos os trabalhos sem implicar que, entretanto, abandonemos a sala.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de facto estamos já a suspender a sessão por curtíssimos minutos que o Sr. Deputado solicita. De qualquer forma podemos aguardar mais alguns momentos porque é muita gente que pretende entrar e houve já alguns factos que levaram a ter um pouco mais de cuidado na admissão de pessoas.

O Sr. Deputado José Luís Nunes pede a palavra?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, penso que deveríamos recomeçar o mais rapidamente possível o debate.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, recomeçaremos, com efeito, o mais rapidamente possível.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos então iniciar os nossos trabalhos.
O Sr. Deputado Carlos Brito pede a palavra?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pretendo interpelar a Mesa para dizer que quanto a nós estão reunidas as condições para retomarmos os trabalhos, embora não saibamos quem é o orador que deverá usar da palavra segundo a ordem das inscrições.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos efectivamente reiniciar os nossos trabalhos.
Está inscrito, para uma intervenção, o Sr. Deputado Lucas Pires, a quem concedo a palavra.

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Vozes do PCP: - Ah! ...

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este debate responsabiliza muito o Parlamento e dá-lhe uma dessas oportunidades de grandeza de que se faz a História democrática.
O nosso empenho total neste debate tem a ver com isso. Se vivemos esta questão como nenhuma outra é porque pensamos que estamos perante uma fronteira ética, cultural de civilização e de modelo de vida. Não é uma jogada política o que está em causa. E uma etapa importante da nossa consciência colectiva.
Mas problema cultural, porquê? Dir-se-ia que é a mesma questão que separava Esparta e Atenas, quase uma «Guerra do Peloponeso».

O Sr. José Magalhães (PCP): - Irra!!!

O Orador: - Em Esparta os recém-nascidos eram julgados no cimo de uma ravina em função dos interesses da sociedade e da sua aptidão física própria. Atenas, pelo contrário, era. o reino da liberdade criadora da vida, onde a força e a economia não condicionavam nem o nascimento nem a vida.
Trata-se, afinal, de um problema cultural que no seu exagero mítico pode ser traduzido também nas oposições da mãe-édipo e, ao contrário, de mãe-inimiga, que as concepções anti-abortistas - e pró-abortistas, respectivamente, poderiam representar. Na nossa tradição cultural existe, aliás, o filho pródigo, mas a mãe ou o pai pródigo que o aborto supõem não existem no nosso subconsciente moral ou mítico e são mesmo imagens de desumanização.
Problema cultural também porque uma coisa é a humanidade planeada, artificial, construída porventura segundo o modelo da cultura biológica de Lysenko, senão do modelo burocrático do «Big-Brother». Outra coisa é uma humanidade livre, onde os critérios económicos e sociais não são condição ou impedimento para se nascer.
E nesta opção cultural que preferimos Atenas a Esparta, e as Espartas antigas e modernas. é neste campo que, embora recusando qualquer dos estereótipos, preferimos a mãe-édipo à mãe-inimiga e que, agora mesmo, em 1984, no ano adventício do «Big-Brother», preferimos ao homem novo por ele seleccionado ou produzido, a humanidade simplesmente criada ou natural que assume a sua condição de criatura com coragem, humildade e com liberdade. E por ser uma questão cultural que mesmo uma _pequena porta é neste domínio uma enorme porta. E por isso que os pequenos orifícios que o PS faz neste dique são a ruptura de todo o dique.
Mas esta questão é, igualmente, um problema de direito. A verdade é que não há direito sem vide humana e é por isso que não há direito nas sociedades animais. A vida é condição e a natureza do direito. A vida é por isso o primeiro direito fundamental e um direito fundamental absoluto. Não pode ter equivalência ou ser trocado por qualquer outro. Mais do que direito fundamental, a vida é o fundamento do direito.
Quando a vida é sacrificada, tolhida, é toda a construção do direito que é abalada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Ai Jesus!! ...

O Orador: - O direito não pode, pois, nunca ser um instrumento para pôr em causa a vida humana. E não há mesmo memória que o aborto seja considerado por qualquer constituição dos Estados de direito como um direito fundamental, como, porém, o clamor aqui feito por algumas bancadas poderia fazer supor. Mesmo quando legalizado, o aborto conserva, pois, sempre algo de clandestino no conjunto de ordem jurídica e não alcança nunca inscrever-se na ordem do direito constitucional de uma sociedade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa é brilhante!

O Orador: - O direito à vida da nossa Constituição não é, aliás, apenas o direito de viver. O direito à vida supõe uma aspiração, é um direito a nascer, mas também a sobreviver. Mais do que viver melhor ou pior, é o direito a ser mais vida e cada vez mais vida. É o direito a percorrer todo o trajecto do desenvolvimento humano, entre a concepção e esse momento quase infinito que, para um cristão, é a possibilidade de Desus e o Homem chegarem a coincidir. Este direito à vida não é, pois, parável, nem seccionável, nem pertence à disposição de mais ninguém senão à própria vida.
E certo que neste trajecto de vida o ser vivo vai sempre antes do ser pensante - é, aliás, uma frase de Albert Camus - mas isso não acontece apenas no ventre da Mãe é antes uma condição permanente de todo o homem. Não se podem no ser humano separar a vida, a consciência e a sensibilidade porque se trate de um processo continuo de criação recíproca. Certa esquerda pensa muitas vezes que a consciência se pode emancipar de vida. E falso. O direito à vida é, pois, também o direito a que a vida se desenvolva, se aperfeiçoe e se torne completa, ou o mais completa possível, num ser cuja evolução, aliás, nunca estará perfeita, mas sempre será essencialmente diferente, única e insubstituível, na sua génese, na sua natureza e na sua vocação.
O aborto não tem apenas a ver com a cultura e o direito, mas também com a moral colectiva, com a solidariedade social, com os problemas de identidade de uma nação. É que a corrupção e a prostituição da vida humana são a corrupção e a prostituição mais radical de toda a restante vida social e não é a luta contra a vida, mas a luta pela vida que, constitui a chamada e o desafio do progresso do futuro e da dignidade humana. Numa sociedade que queira viver mais a alternativa não é, como foi aqui dito, entre abortar ou morrer, mas entre abortar ou viver. E entre nós, agora, também. A rejeição do aborto é, pois, o aspecto de uma luta finais vasta por uma construção positiva optimista e livre do nosso país. Em Portugal, onde hoje o espírito de pobreza, o envelhecimento demográfico e a desmoralização cívica chegaram aos piores níveis da Europa, o aborto seria mais uma escalada neste plano inclinado. O número de caixões começa a ser maior que de berços e as gerações não são substituídas. A despenalização do aborto é mesmo, além disso, mais uma forma, a pior forma da institucionalização da violência e, nesse sentido, uma abertura ou elo da cadeia de violência social e humana a que o Pais está exposto.
Julgo que a rejeição do aborto é também uma imposição da tradição e vocação humanista portuguesa. É que o nosso melhor recurso são os homens e as mulheres sem os separar - o capital humano. Somos um

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País com o culto da vida, que recusou a pena de morte primeiro que os restantes e onde até as revoluções, até as guerras e mesmo as ditaduras sempre se mostraram mais tímidas perante a barbárie humana de morte organizada. Somos um país que povoou o Mundo e cuja principal obra cultural, deixada ao longo da terra, é o próprio homem e um tipo humano de respeito pelas restantes formas de vida humana. E o que é o nosso espírito da descoberta senão a vontade de nascer de novo permanentemente e o respeito infinito por tudo o que nasce continuamente? Ainda hoje esse mesmo culto da vida está presente na latitude do nosso direito de asilo ou na restante parte da nossa liberalidade jurídica e é alimentado pelos valores cristãos da nossa cultura popular. Será, então, que são os maiores partidários da «via original» portuguesa os primeiros a desprezar a especificidade cultural e moral do País?
Há muito, é certo, quem oponha a esta especificidade da condição humana portuguesa o que se passa lá fora, noutros países. Mas parece, desde logo, absurdo que não tendo sido nós capazes de reproduzir a riqueza desses países queiramos copiar as suas indigências. Não sei mesmo se o aborto não será o preço do sangue de muito piso moralmente estagnado.
E sobretudo é preciso ter em conta que as novas vontades, também lá fora, vão agora no sentido de recuperar o tempo perdido com a institucionalização do aborto.
Nos Estados Unidos fortes movimento se manifestam contra o aborto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E são derrotados!

O Orador: - Em todos os países se constata que o aborto legal se veio somar ao clandestino e não resolveu os problemas deste.

Vozes do PCP: - E falso!

O Orador: - A ciência e a ecografia mostra que o feto é não apenas a vida humana, mas, inclusivamente, num écran a forma de vida humana.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Outro cientista! ...

O Orador: - A ciência tornou visível a diferença entre o ser vivo intra-uterino e um quisto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E uma batata!

O Orador: - Verificou-se o paradoxo que era considerar moderno o combate pelos bebés-focas ou as baleias-bebés e considerar retrógrado o combate contra o aborto.

Aplausos do CDS.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Mas que perdeu!

O Orador: - A moda da despenalização do aborto passou. Aqui mesmo o PCP, o PS e o PSD recuaram nas suas posições iniciais, ainda que em graus diversos, e no caso dos 2 primeiros, tendo mantido, no essencial, posições pró-abortivas. Num mundo onde crescem as armas e as ameaças, não é demais nenhuma forma de defesa e de garantia da vida humana. A aventura é mais difícil, mas é por isso que é hoje mais necessária. Numa Europa que, no princípio do século, tinha um quarto da população mundial e hoje tende para ter apenas um vigésimo, o valor da vida volta a ser decisivo de quem queira uma humanidade segundo a tradição, que é a nossa na Europa.

Aplausos do CDS.

E por isto que duvidamos que a atitude do PS seja moderna. O PS pensa que está a assumir uma atitude de vanguarda, mas já pensava o mesmo quando defendia e fez as nacionalizações. As nacionalizações. Chegaram 20 anos atrasadas e os socialistas agora já se arrependeram.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas que grande confusão!

O Orador: - Não tardará muito que o mito progressista do aborto se esboroe também.

O nosso humanismo tem, em todo o caso, o motivo de uma luta pela vida futura. Não no sentido da produção do novo homem, mas na do respeito do homem, simplesmente. Não é o homem belo, frio, pobre ou rico, não do normal, não do deficiente. Não é esse homem adjectivado que está em causa. O homem que está em causa é simplesmente o homem substantivo, sem condições exteriores.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - E sem mulheres!

O Orador: - E é também um valor ideal e permanente para nós o de que nenhum ser humano pode ser o meio de realização ou instrumento de outro ser humano. Muito menos quando está em causa a sua vida. Nem a necessidade, nem a felicidade de um ser humano podem sacrificar a «dignidade» de um outro e cada vez que isso aconteça somos todos que estamos em causa na nossa dignidade, liberdade é existência.

Aplausos do CDS.

A liberdade contra a vida de um outrem é uma liberdade selvagem, que funciona como autodestruição e como destruição de convivência. Por isso o respeito da vida tem de se verificar desde o princípio, porque desde o princípio o homem deve estar antes e acima de tudo. O homem é uma possibilidade, mas para o ser não pode ser interrompida. O ser humano que está no ventre da mãe é apenas um ser inconcluso, ou mais inconcluso, ou mais dependente, mas a que não se pode recusar a qualidade humana.

Nenhuma outra qualidade, a não ser a humana, pode ser imputada ao ser que está no ventre de uma mãe.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A vida humana é um processo, não uma série de momentos. Daí que todos os seres humanos intra-uterinos, que o aborto não deixou nascer, sejam como uma espécie de «desaparecidos», cuja falta é uma imensa lacuna, perda e decadência da humanidade.

Aplausos do CDS.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante estes argumentos, estou a imaginar fáceis acusações de idealismo, - burguês ou outro. Haverá quem pergunte o que valem o Direito, a Moral, a Cultura e a Ciência. Entretanto, os defensores do aborto preferem citar estatísticas, equilíbrios sociais, necessidades económicas, índices sanitários, custos financeiros, para justificar o aborto. Invocam a realidade e mesmo certos casos concretos e dolo.
Quando falamos do direito e da vida opõem-nos os factos, opõem-nos a indignação, ou a cólera que os mesmos, de facto, comportam para qualquer consciência justa como reivindicamos que também é a nossa.
É claro que culturalmente é, também, esta diferença que nos divide nesta Assembleia. Mas é preciso fazer uma ressalva. Nós também conhecemos a realidade, nós também sofremos com uma realidade de miséria, de medo e de falta de educação. Nós também queremos que as coisas mudem para melhor. O que está em causa, porém, é saber como se responde a isso. O que nós achamos é que as coisas só mudarão se houver um sentido positivo de luta pela vida, e não uma rendição ao princípio da morte.

Aplausos do CDS.

Não queremos, porém, pôr os princípios contra os interesses, nem contra as realidades, mas é indubitável que o interesse da vida, que a realidade da vida, é mais geral e mais valioso que outros invocados como motivo de despenalização, no projecto do Partido Socialista. Conhecemos e sentimos os dramas de muitas mulheres e de muitas famílias por causa do aborto, mas consideramos que o direito tem já hoje remédio para evitar a punição nas situações extremas, ditadas pela natureza da necessidade, embora não nas ditadas pela facilidade.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não seja hipócrita.

O Orador: - Respeitamos o sofrimento de todas as mulheres e de todos os homens que sabem que têm coragem de partilhar esse sofrimento ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Boa piada!

O Orador: - ... mas consideramos que não é em termos de sindicalismo feminista que o respeito dessas mulheres pode resolver o problema.
Até porque outros e o homem têm aí uma responsabilidade que, às vezes, é mesmo a maior de todas. Conhecemos todas as dificuldades em resolver o caso do aborto clandestino, imas não queremos transformar o aborto em regra e em regra legal do comportamento social. Não queremos prisões em vez de hospitais, como foi aqui dito, embora saibamos que em muitos países os 2 termos se equivalem, pelo menos no campo psiquiátrico.

Aplausos do CDS.

Pelo contrário, também aqui a liberdade é o nosso critério. Não queremos é hospitais de morte, nem novas administrações ou burocracias para decidir sobre a vida, como não queremos hospitais onde a psiquiatria é o instrumento do condicionamento da tortura e da anulação.

Não se pode transformar a justiça e o respeito que merecem tantos casos concretos de mulheres num modelo de vida a ser seguido ou em indulgência prévia e plenária para todos os casos, de usa ou de vários tipos, de aborto. Uma coisa é a desculpa, outra coisa é a norma, a autorização prévia e geral. E evidente, aliás, que quanto mais pobre é uma sociedade maior há-de ser a margem de desculpabilização de quem pratica o aborto, e estamos talvez entre essas sociedades. Mas o ilícito é que será sempre o mesmo, e da legitimidade nem se fala. O aborto pode ser para um deputado do CDS um mal necessário, mas não será nunca um bem, e ceder má abrir a porta ao «vale tudo».
É claro que recusamos uma linguagem de agressão e acusação às mulheres que abortaram, mesmo quando não é dito que são organizações do CDS que utilizam essa linguagem.

O Sr. João Amaral (PCP): - E são!

O Orador: - É claro também que a mulher pode sempre escolher. Não se pode é retirar-lhe a responsabilidade por isso. A dignidade da mulher também está aí, em não se tornar irresponsável por isso mesmo ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ai está, está! ...

O Orador: - ... que é o mais grave que pode acontecer. Queremos ser mais exigentes e também com a sociedade em geral, mas não para sermos menos compreensivos. Julgamos, sim, que a vida humana não é propriedade de ninguém senão de si próprio. Como é estranho que aqueles que negam o direito à propriedade sobre as coisas afirmem o direito à propriedade soba a vida humana.

Aplausos do CDS.

Recusamos resolver o problema de um mal humano ampliando, A lei não é uma forma de compreensão, mas de exigência de conduta e horizonte numa colectividade. Recusamos transformar factos em direito. Ninguém negará mesmo que a passagem de alguma destas leis nesta Assembleia, mesmo a lei do Partido Socialista, constituirá objectivamente uma vitória da campanha pró-abortista e uma promoção do aborto em termos de opinião e não só.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Queremos quê a pobreza seja vencida e temos motivos para pensar que não são os partidos que aqui apresentam leis do aborto que podem vencer a pobreza em Portugal.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E o CDS!?

O Orador: - Mas se a pobreza fosse um argumento para abortar, então uma sociedade de pobres teria legitimidade para se auto-extinguir numa espécie de suicídio ritual de esterilidade.

Aplausos do CDS.

E não é numa saciedade pobre que a vida deve ser negada, que a negação da vida deve ser autorizada. É numa sociedade pobre que a vida deve ser estimulada.

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O Sr. José Magalhães (PCP):—Que lata!

O Orador: — De resto nem sequer são os mais pobres que mais recorrem ao aborto.

Vozes do PCP:—Ai, pois não!! Risos do PS e do PCP.

O Sr. João Amaral (PCP): — O melhor é legalizar o aborto para os ricos.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, peco-lhes o favor de não interromperem o deputado que está a usar da palavra.

O Orador: — Invocam-se também a eugenia e a saúde e mesmo a saúde psíquica, mas sou tentado a perguntar, inclusive, aos deputados do Partido Socialista que têm especialistas de psiquiatria, se para o próprio «psique» colectivo a introdução do aborto e a ruptura objectiva que ele significa com o valor da mãe não é ele próprio um mal em termos de sociedade. Ê como se uma sociedade abandonasse, toda ela, os valores matriciais. Se a própria psiquiatria fala da «saudade do ventre materno», então quem negará, que há aí nessa parte da vida de cada um de nós, uma parte da nossa própria constituição psicológica e física? Que e que sociedade pode recusar gratuitamente essa herança do ventre materno? E quais são os custos sanitários de uma operação como o aborto. Será a coragem de enfrentar a vida menos saudável do que a violência da sua interrupção e da sua contradição?
Há na esquerda muitas utopias respeitáveis, mas é porventura uma vaga utopia a ideia de que é possível eliminar o sofrimento humano porque essa utopia esquece que quando se elimina o sofrimento humano ele reaparece sempre pelo outro lado e, infelizmente, então quase sempre desacompanhado da dignidade que antes tinha. Os problemas causados, por exemplo, pela ru-béola não seriam eliminados — até em termos positivos, que parecem ser tão caros à esquerda portuguesa de hoje— por uma campanha de vacinação obrigatória?

O Sr. Vidigal Amaro (PCP):—Quem fez isso foi o Ministro Barbosa!

O Orador: — Será o blastocisto e a interrupção voluntária da gravidez, a IVG de que fala, o new-speak orweliano da esquerda portuguesa de hoje a este propósito? Serão esses blastocistos tão desprezíveis em termos de condição humana?
Invocou-se também a honra para justificar o projecto do Partido Socialista. Meus caros amigos, a honra é um valor que me é muito caro, que está entre os mais altos e o qual não sacrificaria por nada. Mas pergunto: o que é mais importante, a autoria da vida ou a própria vida? Um filho não pode ser objecto de um «ter» e muito menos de uma «compropriedade. A mãe pode, de resto, sempre escolher, mas não pode nenhuma sociedade viva considerar equivalente o amor e a vida humana. A vida humana é mais que o amor humano e não o tem a este sempre na sua origem. Seria demasiado bom e não podemos raciocinar com arquétipos ponglóssicos que pertencem a certo fetichismo político, mas não são reais.
Conhecemos os factos e aceitamos o realismo, mas de maneira prevenida. Sabemos quanto o realismo só-cialista se tornou irrealista ao mostrar-se incapaz de resolver os problemas concretos que invoca para justificar o seu realismo. Por isso me atrevo a sugerir um outro ponto de partida. Para resolver problemas reais é preciso realismo, mas é preciso antes disso, ter uma ideia do Direito, da História, da Cultura e do país e estabelecer a supermacia de certos valores. Com o realismo da lei socialista, neste como noutros campos, os problemas só se agravarão. Seria mesmo altura de procurar para todos os problemas nacionais outro ponto de partida.
De resto, este debate é exemplo, por si próprio, de muitas outras lições políticas. A primeira, desde logo consiste na questão de saber quantas atitudes políticas, há nesta Assembleia a respeito da questão do aborto. Aparentemente são 4: um projecto radical do PC tentando introduzir o aborto de massas; ...

Risos do PCP.

... um projecto moderado do PS, tentando introduzir o aborto para as elites; uma expectativa de rejeição do aborto pelo PSD com base na disciplina partidária e em atitude compreensível e meritória de reconhecida revisão e reinterpretacão programática; ...

O Sr. Carlos Brito (PCP):— E a atitude egoísta do CDS!

O Orador: — ... a atitude do CDS, que assumiu este combate como um combate dos mais importantes que têm havido na sociedade portuguesa e dos quais mais depende o futuro de Portugal.

Aplausos do CDS.

Srs. Deputados, mas se há 4 atitudes, há, porém, apenas 2 posições fundamentais: a pró-abortista e a não abortista.

O Sr. João Amaral (PCP): — E a abstenção!

O Orador: — O PS e o PCP. de um lado, e o CDS e o PSD, do outro.

O Sr. Carlos Brito (PCP): — Parte do PSD. Risos do PCP.

O Orador: — É claro que a posição do PS tem alguma diferença da do PC, e onde o PCP pede uma porta o PS oferece apenas uma janela.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): — Isso é uma questão de ginástica.

O Orador: — Mas uma coisa não pode o PS ignorar: é que a vitória do projecto-lei do PS será sobretudo a vitória política da campanha pró-abortista do PCP.

Aplausos do CDS.

É que, Srs. Deputados do Partido Socialista, também há aqui uma diferença entre a lei e a vida. também aqui a vida vale mais do que a lei. E em termos

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de «vida» é uma campanha do Partido Comunista, não uma campanha do Partido Socialista. É por isso que a lei é do Partido Socialista, mas a vitória será neste caso a do Partido Comunista.

O Sr. João Amaral (PCP): - A derrota é que é do CDS!!

O Orador: - E esta ilação é importante porque o Partido Socialista demonstrou mais uma vez que para resistir ao Partido Comunista tem de o deixar passar, julgando que para isso chega estreitar a passagem. A passagem pode ser estreita, mas não evitará a avalanche.
O PCP não fica entalado, como o Martim Moniz, na estreita porta que lhe abre o Partido Socialista. E desta vez o Partido Comunista parece apenas o parteiro do projecto de lei do Partido Socialista, então desta vez o parteiro é o mais interessado no nascimento da lei do Partido Socialista.

Aplausos do CDS.

De resto, Srs. Deputados, se há uma pergunta importante em termos políticos, ela é esta: por que é que é agora neste ano de 1984, que não é apenas o ano do Big-Brother do Orwell, mas dos 10 anos do 25 de Abril, que a esquerda portuguesa, que deixou passar anos e anos de auge ideológico, vem hoje a esta Assembleia tratar o extremo do seu fanatismo ideológico?

Aplausos do CDS.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Parece que não esteve cá o ano passado.

O Orador: - Por que é que é hoje que a esquerda portuguesa regressa com os seus mitos de choque ideológico?
Por que é que o Partido Socialista que primeiro foi revolucionário, que depois meteu o socialismo na gaveta e que ultimamente já era até liberal, teve como último resíduo da sua identidade um projecto de lei do aborto?

Aplausos do CDS.

Eis aqui um sinal e eis aqui, sobretudo, uma amostra importante de como a evolução liberal do PS não faz senão preparar a lei do regresso que se aplica a todas as instituições e que em breve fará com que o Partido Socialista comece a andar para trás nos passos que tinha começado a ensaiar para a frente.
Para nós, Srs. Deputados, deveria ser outro o modo de recomeçar hoje o 25 de Abril no 10 º aniversário do 25 de Abril. Esse modo deveria ser: partir deste país, da sua cultura, em vez de partir da revolução e da ideologia, para guardar e para refazer a democracia.
Foi também este acordo de esquerda socialista e revolucionária que permitiu aqui hoje uma nova maioria e uma nova minoria. E, aliás, isso que explica que o Governo esteja ausente do mais importante debate político que houve em Portugal durante este ano.

Aplausos do CDS.

A razão é muito simples: é que se o Governo tivesse que vir aqui hoje não podia vir um governo, mas teriam que vir dois governos. E ainda não há dois governos em Portugal, ou será que depois deste vai passar a haver dois governos em Portugal.
Diz-se, é certo, que foi um governante o autor deste projecto de lei do Partido Socialista. O governante fez a lei, deitou-a ao fogo e depois o Governo evaporou-se.
Os líderes políticos da coligação servem-se deste tema para falar de tudo menos da questão moral que está em jogo.

Aplausos do CDS.

Dir-se-ia que «estão a leste, dir-se-ia que a divisão da sociedade portuguesa, a sua divisão moral, lhe é completamente indiferente. A «sua» televisão, a televisão deste Governo, esconde a discussão como um non lieed de uma Santa Inquisição.

Numa televisão para a qual a política é apenas espectáculo do poder, cala-se o maior problema político do País, numa espécie de neo-censura que prescinde de métodos mais arcaicos de censura, apenas porque a técnica da televisão única até já permite prescindir deles.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Aplausos do CDS.

O Orador: - Srs. Deputados, os partidos da coligação fazem sobre esta questão um jogo de empurra e de escondidas. Aproveitam, talvez e o que é o mais grave, para fazer uma automoção de censura disfarçada que a crise global excita. Todos os pretextos são bons, mesmo numa questão por excelência moral a autoridade de um governo que se esconde sai empobrecida porque a falta de autoridade no campo moral transforma a autoridade em puro poder. A grande união do bloco central perde hoje aqui, através de novas bipolarizaçães sociais.
A divisão da sociedade portuguesa acentua-se ainda mais, deixando sequelas que podem durar muitos anos. E também a desmoralização político-social se agrava. E é o próprio Presidente da República que vem dizer que não haverá problema se a coligação cair, quando passaram apenas 7 meses sobre este Governo.
Pela nossa parte, Srs. Deputados, digo, para terminar, não queremos tirar qualquer ilação política deste debato...

Vozes do PS e do UEDS: - É óbvio!

Risos do PCP.

O Orador: - ... além da de imagem de impotência que a maioria do Governo dá de si mesma.
O nosso único objectivo não é fazer cair o Governo, mas sim evitar que seja aprovada a lei do aborto.

Aplausos do CDS.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: As nossas discussões durante este debate têm provado que guardamos intacto o sentido da democracia e da elevação que a democracia comporta.

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Termino, pois, pedindo a todos os Srs. Deputados a ocasião de uma última reflexão. Haverá muitas vidas e muita humanidade em causa na resolução que sair daqui. Ninguém poderá alienar a sua responsabilidade moral, pessoal, neste processo. Nem os deputados, nem o Presidente da República, nem os juízes do Tribunal Constitucional, e não é uma questão de católicos e anti-católicos, de feministas e anti-feministas, de ricos e de pobres, de direitas e de esquerdas, é uma questão de vida e de morte para a sociedade portuguesa.

Aplausos do CDS.

Nós próprios nos queremos apresentar neste debate sem disciplina partidária porque, como dizia um professor de Direito de Coimbra, há alturas em que os homens ficam sozinhos com os seus deuses e com a sua consciência.
Este é um desses grandes momentos. E o que está em causa, aquilo por que o CDS se debateu nesta Assembleia, e se baterá nela, é uma questão de responsabilidade e de liberdade em defesa da luta positiva pela vida e por um modelo de sociedade em que a vida, não a ideologia, é ao mesmo tempo, o primeiro valor e a primeira realidade.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos, para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Manuel Alegre, Zita Seabra, José Magalhães, Octávio Cunha, Lopes Cardoso, Eduardo Pedroso, Carlos Brito, José Luís Nunes, Raul Rego, Marcelo Curto, César Oliveira, Helena Cidade Moura, António Gonzalez, Fernando Condesso e Costa Andrade.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, visto que deseja interpelar a Mesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, pretendo obter da Mesa a seguinte informação: ao abrigo de que figura regimental foi permitido ao Sr. Deputado Lucas Pires usar da palavra durante cerca de 40 minutos?
Justifico a interpelação à Mesa com base nas seguintes considerações: o CDS desde o início do debate afirmou não aceitar qualquer limitação de tempo global para as suas intervenções e afirmou que se pautaria pelas figuras do Regimento. Sucede que regimentalmente, não pode, nos termos do artigo 103 º, usar da palavra para qualquer intervenção, na generalidade, sobre um ou mais projectos de lei por mais de 20 minutos.
Solicitava, pois, esse esclarecimento da Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, regimentalmente V. Ex.ª tem razão. O Sr. Deputado Lucas Pires fez uma intervenção que durou 37 minutos. Mas também é verdade que a Mesa tem deixado, aliás, com o acordo dos Srs. Deputados, ultrapassar em várias ocasiões os tempos estabelecidos regimentalmente.
E possível que o Sr. Deputado Lucas Pires tenha exagerado dessa condescendência, mas o que é facto é que a Mesa, e sobretudo os senhores secretários que estavam a registar o tempo d e intervenção, não quis suspender a intervenção do Sr. Deputado Lucas Pires, embora se tivesse registado o seu tempo total, o que certamente não vai prejudicar a sequência dos debates.

O Sr. Deputado Jorge Lemos deseja usar de novo da palavra?

O Sr. Jorge Lemos (PCP):- Sr. Presidente, volto a interpelar a Mesa no sentido de saber se a atitude da Mesa radicaria numa aceitação, por parte do CDS, do esquema geral de distribuição de tempos - e nessa altura a minha pergunta deixa de ter cabimento- ou se foi entendimento da Mesa que o uso da palavra pelo Sr. Deputado Lucas Pires, pelo prazo de 37 minutos, significa que produziu duas intervenções.

O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados sabem, o CDS não se comprometeu a seguir os tempos que tinham sido distribuídos aos partidos, mas comprometeu-se, sim, a reduzir as suas intervenções de forma a manter-se o mais possível dentro dos tempos estipulados.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - O exemplo não foi muito brilhante, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lucas Pires esgotou, digamos, o tempo das duas intervenções.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Assim, está bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes deseja usar da palavra?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegámos de facto a uma situação de confusão tal quanto às regras que regem este debate que já me não entendo.
Apenas um parêntesis: ao Sr. Deputado Lucas Pires não atribuo nenhuma responsabilidade porque não abusou de coisa nenhuma, visto ninguém o ter chamado à atenção para alguma coisa. A responsabilidade que há aqui cabe, com todo o respeito, Sr. Presidente, à Mesa.
Mas o Sr. Deputado Lucas Pires teria mesmo, na interpretação da Mesa, ultrapassado as duas intervenções porque teria direito, nos termos regimentais, a uma de 20 minutos, a outra de 10 e com os restantes 7 minutos já se estaria muito próximo de uma quarta intervenção.
Nada disto tem importância. Pretendo apenas informar a Mesa que chegados à situação a que chegámos na qual já não sei quais são as regras a que está submetido o debate, pela nossa parte cingir-nos-emos, daqui para a frente, exclusivamente às regras estabelecidas no Regimento e não a qualquer outro tipo de compromissos assumidos anteriormente.
É o único processo que temos de nos agarrar ainda a qualquer «tábua» que para nós tenha o mínimo de significado e constitua uma referência.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, Srs. Deputados, passarei a seguir, rigorosamente, o que diz o Regimento e, se é essa a vossa interpretação, será assim que a Mesa fará daqui em diante para que o Sr. Deputado Lopes Cardoso se possa entender.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, pelo que acabou de dizer parece ter dado representação aos Srs. Deputados Lopes Cardoso e Jorge Lemos para fala-

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rem em nome dos restantes deputados. Chegou mesmo a dizer: «se é assim que os Srs. Deputados pensam, assim à Mesa fará».
Quero, porém, deixar bem expresso o seguinte: que eu saiba, o meu grupo parlamentar não passou procuração a Sra. Deputados e aceitamos tudo aquilo que, com o bom senso e a necessidade do momento, V. Ex.ª decidir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é um direito vosso apelarem para o Regimento da Assembleia. Foi o que se verificou colocando-se em cheque a maneira como os trabalhos estão a ser dirigidos. Daí que a Mesa tenha resolvido cumprir agora, rigorosamente, as disposições regimentais.
O Sr. Deputado Manuel Alegre pediu a palavra. Antes, porém, desejo informá-lo de que tem 3 minutos. Peço-lhe que se limite a esse tempo, pais assim que o esgotar corto-lhe a palavra.
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Congratulo-me com o facto de o Sr. Deputado Lucas Pires ter tido a intenção, em meu entender, infelizmente, não conseguida, de situar este debate no terreno cultural.
Penso, aliás, que subjacente a esta questão está um problema cultural, de conflito de culturas, de que falarei mais adiante na minha intervenção.
O Sr. Deputado falou de Esparta e de Atenas, mas, em meu entender, não compreendeu a antítese e o seu discurso foi muito mais o discurso de Esparta do que o de Atenas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida.

O Orador: - O Sr. Deputado conhece, com certeza, o discurso de Péricles aos Atenienses, em que ele falava das diferenças entre aquelas cidades. Dizia ele que os Espartanos acusavam os Atenienses de vida fácil, de leviandades, de licença, de não se prepararem militarmente e de não estarem preparados para se defenderem. Mas, acrescentava Péricles, «em Atenas reinava a liberdade, Atenas ama a vida, a alegria de viver, e em Esparta reina o gosto do sacrifício, da ordem, da autoridade». E disse ainda esta frase, bonita, memorável: «Os Espartanos negam a vida por temor da morte, nós vamos para a morte por amor da vida. Os Espartanos só combatem por dever, nós, porém, iremos lutar com alegria. E por isso Atenas não será vencida».
Ora, Sr. Deputado, reivindicamos essa herança de Atenas: a do espírito livre contra o da autoridade, a da alegria de viver e uma concepção humanista da vida. E foi em nome da concepção humanista da vida e desse espírito de liberdade que apresentámos aqui este projecto que irá ser aprovado.

Aplausos do PS.

Há uma outra questão de filosofia, Sr. Deputado. Acreditamos no homem e pensamos que ele não é escravo dos seus limites, da sua condição ou das suas servidões.

Acreditamos que o homem é capaz de domar e transformar a natureza e a si próprio. E a mulher, para nós, também é capaz de o fazer. Não é apenas um simples animal procriador e a questão que aqui se coloca é a da dignidade do ser humano e da mulher como tal.
Por isso, também o sentido do nosso projecto 6.º da dignidade da mulher que não reduzimos a um mero animal de procriação, concepção essa que é espiritualmente muito pobre, muito pouco personalista e muito discutível do ponto de vista humanista.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado falou também de um fantasma. Mas estamos numa sociedade democrática! Falou também da sociedade aureliana. Bom, deve tratar-se de uma preocupação em termos planetários, em termos filosóficos. Nós, Sr. Deputado, vivemos numa sociedade democrática no Portugal de 1984.
Mencionou, igualmente, o Big Brother em termos abstractos, como parece abstracta a sua concepção do direito à vida. Houve em Portugal, historicamente, um Big Brother, que felizmente morreu. Combatêmo-lo, vencêmo-lo, política, cultural e historicamente.

Aplausos do PS, da UEDS e do MDP/CDE.

O Orador: - Concordo com o Sr. Deputado quando diz que este debate é um dos mais importantes travados na Assembleia da República e na nossa vida política e cultural depois do 25 de Abril.
Admiro e respeito a maneira como se têm batido pelas vossas convicções e compreendo o vosso nervosismo. O que aqui está hoje em causa é uma questão cultural, uma questão de fundo, que tem a ver com tradições e diferenças profundas e com espírito ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado terminou o tempo de que dispunha para a sua intervenção.

Protestos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado terminou. Quiseram assim, assim têm.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome do meu grupo parlamentar queria declarar que a circunstância de o Sr. Deputado Lucas Pires ter levado 37 minutos na sua intervenção e as observações feitas quer por um deputado da minha bancada, quer par outros, a nosso ver, não modificaram os compromissos assumidos entre os presidentes dos grupos parlamentares em conferência há pouco realizada. Ao que parece essa é, também, a posição dos demais partidas participantes dessa conferência.
Por isso, Sr. Presidente, não vejo qualquer razão para se modificar aquilo que concordámos dever ser o estilo desta discussão, com respeito pelos tempos regimentais, mas também atendendo a que os diferentes grupos parlamentares possam intervir de maneira a deixarem claras as suas posições fundamentais.
Esta é a nossa posição.
Pensamos que, se houve um infractor, não há que agora penalizar toda a Assembleia da República. Ele

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está denunciado, culpabilizado politicameme. Vamos, pois, para a frente com o debate, segundo os compromissos e as regras em que assentámos.

Vozes do PCP: — Muito bem!

O Sr. Presidente: — Também para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): — Sr. Presidente, não creio que tenha havido um infractor, mas, se o houve, creio tratar-se de um caso de exclusão de ilicitude.

Risos do PS.

Não vale, pois, a pena perder muito tempo com isto.
Em segundo lugar, quero dizer que o nosso partido se mantém fiel aos compromissos assumidos.
Por último, gostaria de dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, prestando homenagem ao amigo, ao companheiro, ao camarada, ao Presidente da Assembleia da República e ao nível com que vem dirigindo estes debates, que as mesas, tal como os homens, terá mo-mencos de desatenção. Foi o que aconteceu. Passemos agora ao trabalho sério.
Muito obrigado Sr. Presidente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: — Mais tarde responderei a todos os senhores depurados.
Para uma interpelação à Mesa, tem igualmente a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS):—Quero apenas dizer, Sr. Presidente, que a Mesa procedeu muito bem. O meu colega e presidente do meu partido, Lucas Pires fez uma importante intervenção e a Mesa não o interrompeu. Fez muito bem.
É ridículo o incidente que aqui está a ser levantado a propósito dessa intervenção e da pergunta que lhe está a ser feita pelo Sr. Deputado Manuel Alegre.
Somos fiéis aos compromissos tomados na reunião de líderes dos grupos parlamentares e assim continuaremos. Fizemos duas intervenções e faremos todas as outras para que nos comprometemos na reunião. Não interrompamos mais o debate, continuemos, pois ele é importante para todo o País.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: — Srs. Deputados, foi chamada a atenção da Mesa para o facto de que devia seguir o Regimento. O infractor foi a Mesa, de modo que tem necessidade de mostrar que também sabe seguir os termos regimentais. Não há dúvidas de que foi posta em causa a forma como os trabalhos estavam a ser dirigidos.
Agora estamos aqui «presos por ter cão e presos por não ter»! ...
Não há dúvida de que a única maneira de resolver o problema é seguir à risca o Regimento. O infractor foi, como já disse, a Mesa, foi a direcção dos trabalhos que se colocou em causa, e a única forma de se
corrigir essa falta, que não foi apenas do Sr. Deputado Lucas Pires, pois antes dele muitos outros deputados ultrapassaram o tempo que regimentalmente lhes estava estabelecido, é seguirmos o Regimento.
O mais que poderei fazer, se os restantes membros da Mesa estiverem de acordo, é não interromper da forma abrupta, como fiz em relação ao Sr. Deputado Manuel Alegre, a quem peço desculpa. Não tinha, porém, outra forma de proceder.
Para uma interpelação à Mesa. tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): — Sr. Presidente, queria apenas esclarecer as intervenções que há pouco fiz. para que não sejam mal interpretadas.
Chamei a atenção apenas para o facto de que face às reivindicações do CDS quanto à aplicação do Regimento este lhe deveria ser aplicado, acrescentando que, pela nossa parte, a partir desse momento, reivindicávamos da Mesa a aplicação do mesmo ao nosso agrupamento.
Isto não colocava em causa a situação dos partidos que tinham aceite e definido, de acordo com os outros, determinadas regras de funcionamento, fixação e utilização dos tempos conforme entendessem.
Foi a minha posição.
Não falei em nome de mais nenhum deputado, agru-pamemo ou grupo parlamentar. Não tinha procuração para isso, nem me queriam passá-la. É natural. Se eu a aceitaria ou não é uma questão que fica em aberto.
Repito: ralava exclusivamente em nosso nome, no que rios dizia respeito. Não pretendia impor regras aos outros, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: — Não posso aqui consentir em situações de excepção, Sr. Deputado.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): — Sr. Presidente. Srs. Deputados. Salvo melhor opinião, em meu entender a Mesa não cometeu qualquer infracção.
Creio ter ficado claro na reunião de líderes realizada esta tarde que cada partido usaria o tempo que lhe competia da maneira que julgasse mais conveniente. E em relação ao CDS, que não aceitara a distribuição de tempos, estabeleceu-se um gentlemen agreement de que também teria um determinado tempo para distribuir como melhor entendesse.
Que o Sr. Deputado Lucas Pires usasse 37, 40 ou 50 minutos não interessava, desde que não ultrapassasse os 60 minutos que. em princípio, teriam ficado destinados ao CDS.
Julgo que a Mesa não tem razão para se sentir responsável por este incidente. Levámos muito tempo a procurar organizar um debate difícil e importante e por isso devemos continuar a respeitar as regras mínimas a que foi possível chegar a acordo na reunião atrás mencionada.
Damos o nosso voto de confiança a que se continue a respeitar o decidido na conferência.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e da UEDS.

O Sr. Presidente: — Faremos uma nova tentativa. Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

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O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, quero, antes de mais, agradecer-lhe a generosidade que, a seu modo, foi uma forma de compreensão das questões que estavam a ser discutidas.
Agradeço sinceramente ao Sr. Deputada Manuel Alegre a sua intervenção. Aproveito, porém, para corrigir um aspecto: não pretendi colocar Atenas contra Espana, quis apenas julgar mal um certo procedimento de Esparta, que era o julgamento dos recém-nascidos.
Mão estou contra Esparta, mas também não estou contra Atenas. E permita-me reivindicar a universalidade suficiente para querer compreender, ao mesmo tempo, Atenas e Esparta, pelo menos a esta distância.
Queria também dizer-lhe que a autoridade não me repugna, minimamente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - 15so já sabíamos.

O Orador: - Repugna-me, sim, o autoritarismo. Não me repugna a autoridade de Esparta. Considero, inclusive, a autoridade um valor moral e cultural. É precisamente por isso que a autoridade pode prescindir do poder para se exercer.
Gostaria também de sublinhar que não reduzo a humanidade à mulher ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Era melhor!

O Orador: - .., e penso que elas não reduzem a sua humanidade a si próprias.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Vá agradeçam!

O Orador: - Creio que, no fundo, existe um mundo humano onde as mulheres se sentem enriquecidas por outro tipo de humanidade que lhes ë trazida pelos homens e vice-versa e acho lamentável que se persista nesta discussão do aborto como problema da mulher ou só como um problema das mulheres. E aqui permito-me insistir neste ponto.
Queria também dizer que não fiz nenhum apelo ao sacrifício e à santidade, mas um apelo ao respeito daquilo que é natural no processo da vida. Referi que não pretendíamos introduzir nesse processo nenhum julgamento e nenhum processo do tipo daqueles que se introduzia em Esparto.
Quanto ao nervosismo, Sr. Deputado embora não tenha à minha frente bandeiras vermelhas da cor do sangue, ...

O Sr. João Amaral (PCP): - Sangue azul, talvez ...

Risos.

O Orador: - ... que, pelos vistos, dão grande segurança a algumas bancadas, embora a minha bandeira não seja cor de sangue, é muito segura e dá-me muita segurança.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr .ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Deputado Lucas Pires, gostaria de lhe pôr algumas questões para que descesse dos conceitos à vida, talvez algumas das

muitas questões que numerosas mulheres gostariam de lhe colocar.

O Sr. Deputado fala da mulher com um tom tão paternalista que nos dá sempre a sensação que temos de lhe agradecer o facto de nos dar a dignidade de
seres humanos.

É natural! ... Os senhores nem sequer têm ai uma representante! ...

Protestos do CDS.

Mas, Sr. Deputado, gostaria de lhe colocar questões muito concretas.

Os Srs. Deputados do CDS têm criticado, têm falado, têm esgrimido, têm feito o discurso do desespero e da derrota com mil e um argumentos, mas ainda não disseram, claramente, o que pretendem.

Os senhores desejam que a lei actualmente existente seja cumprida? Pretendem que cada mulher que pratica o aborto na clandestinidade seja presa? Têm de responder a isto claramente, Srs. Deputados) É porque dizer ali, da tribuna, que tem uma grande compreensão para com a mulher que tem de recorrer ao aborto não adianta quando, simultaneamente, o Sr. Deputado a está a condenar a 3 anos de prisão ao votar contra uma lei que legaliza a interrupção da gravidez, contra qualquer lei que admita qualquer espécie de legalização da interrupção de gravidez.

Mas então diga, claramente, qual a posição do CDS. Ou será que isto tudo é uma hipocrisia e o Sr. Deputado não quer que a lei seja cumprida?

O Sr. Raul Rego (PS): - É isso mesmo.

A Oradora: - O Sr. Deputado não quer que o Código Penal seja cumprido, não quer que as mulheres vão para a prisão. Mas, afinal, o que é que pretende? Pretende que elas se dirijam à parteira, que continue o drama actual do aborto clandestino?

O CDS tem de tomar uma posição clara e inequívoca, pois o que aqui estamos a discutir não são conceitos vagos, mas sim um problema legislativo Que lei irá regulamentar este país?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - E é no campo da lei que o CDS tem de dizer o que pretende e se pretende que as 100 000 ou 200 000 ou o número que quiserem de mulheres que por dia entram nos hospitais vindas do aborto clandestino devem ser presas e condenadas.

O Sr. Deputado fala da vida e perante isso pergunto-lhe: e a vida das mulheres que morrem no aborto clandestino não conta? A salvaguarda da vida das mulheres que a arriscam, diariamente, na mesa de uma parteira não conta? Além da penalização, que é um facto, de terem de infringir a lei indo a um aborto clandestino, a uma parteira, de entrarem indignamente num hospital público, de estarem ameaçadas de prisão, ainda arriscam a vida. Esta vida não conta para o CDS?
Temos aqui o nome de muitas mulheres que morreram. Muitas vieram com um atestado médico que dizia terem tido um colapso cardíaco, mas, na verdade foi do aborto clandestino que morreram.
O Sr. Deputado sabe tão bem como eu que isso é uma realidade.

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Agora digam, claramente: quantas prisões querem construir, quantos policias pretendem, quantos tribunais precisam, para acabarem com o aborto? Aqui não há campanhas pró-abortistas, Sr. Deputado. Há campanhas para a legalização do aborto e campanhas para a manutenção do aborto clandestino, que é o que os senhores estão a fazer.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Gostaria de responder à Sr.ª Deputada Zita Seabra, que fez corajosamente deste combate um seu combate, sendo também a esse título uma mulher respeitável.
Queria também dizer-lhe, sem nenhuma ironia, que com as mulheres não tenho um tom paternalista. Poderia talvez acrescentar que tenho um tom filial, paternalista, marital, querendo com isto significar que não tenho um tom em geral, uma vez que as relações humanas dependem delas próprias e do modo como se apresentam.
Queria dizer que o nosso discurso aqui não é um discurso do desespero, mas sinceramente um discurso da esperança. Penso que temos o direito de nos ser ressalvado um princípio de boa fé. Não estamos aqui a combater em nome de ninguém, nem somos mandatários de ninguém.
Quando nos perguntou se as mulheres que morrem não contam, respondo-lhe Sr.ª Deputada dizendo que as mulheres que morrem contam e contam muito, mas as crianças que não nascem também contam e contam muito.
No fundo, admito que há aqui um diálogo e não tratei ninguém mal por se pôr do outro lado.
Há aqui, sem dúvida, um diálogo e uma atitude a tomar.
Pergunta-me o que é que proponho, o que é que quero e a quem deixo este problema. Eu disse claramente a quem o deixo, Sr.ª Deputada. Deixo esse problema ao juiz, porque cada uma dessas situações tem de ser avaliada e todos nós aprendemos, os que fizemos Direito, o que se entende por estudo de necessidade, estudo de não exigibilidade e de tantas dessas soluções que permitem despenalizar pela via judicial, quando é caso para isso.
O que disse foi que certos problemas particulares não se podem transformar em regra quando está em causa o mais importante dos valores colectivos, que é o valor da vida. Não é preciso qualquer capacidade de abstracção para ver isto, não é preciso ir além do caso concreto. É que isto é justamente a única fonte possível de esperança numa sociedade.
É, portanto, muito simples responder è questão que a Sr.ª Deputada me pôs e queria apenas dizer, para terminar, que estou convencido igualmente, como, aliás, tive ocasião de sublinhar, que não é a lei que miraculosamente vai transformar em legais os abortos clandestinos. 15to porque, e para voltar ao tema cultural, toda a gente sabe que em muitas sociedades onde este tema tem mais tradição o facto de ter sido criado o aborto legal não significou que as pessoas tivessem começado a recorrer a ele, tendo multas delas continuado a fazer o aborto clandestino.

Vozes do PCP - É falso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Lucas Pires gastou parte dos seus 37 minutos a descretear com conceitos profundos, como não há direito na sociedade dos animais, que a ciência é tão potente que já distingue entre um feto, um quisto e certamente também uns binóculos e finalmente com alguns raciocínios sobre o terrível e dramático conflito entre a mãe-édipo e a mãe inimiga. O Sr. Deputado um dia há-de resolver esse problema.

Risos do PCP.

Em todo o caso, eu depois de o ouvir fiquei a perceber muito melhor a crise e a confusão que reina no CDS e por que é que o CDS se agarra tão desesperadamente a esta questão, instrumentalizando-a de uma forma vergonhosa e ignorando os problemas que ela coloca, que são dramáticos e sérios, devendo como tal ser discutidos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O discurso do Sr. Deputado Lucas Pires é tipicamente o da derrota e do isolamento. Referiu, por exemplo, que há alturas em que os homens devem estar sós com os seus deuses.
O Sr. Deputado estará como quer, mas está mal-acompanhado porque demonstrámos aqui claramente que, por exemplo, dos 21 países do Conselho da Europa só nós neste trágico papel ainda mantemos a penalização como a Irlanda e como a Bélgica, como aqui já se discutiu, e os senhores estão inteiramente isolados na postura que assumem face a esta questão.
Demonstrámos que a penalização é inútil, cega e brutal, acarretando resultados dramáticos e trágicos.
Ou o Sr. Deputado Lucas Pires a única coisa que é capaz de fazer é subir àquela tribuna e declinar a vida de 20 maneiras diferentes, para não explicar a razão de se manter a penalização brutal tal qual está, ineficaz que é? ...
Fala ainda na baixa demografia dos portugueses, diz que estamos a envelhecer e que isto é perigosíssimo. E realmente nós sabemos, lendo o inquérito nacional de fecundidade, que por exemplo, 61 % das mulheres em idade fértil não podem nem desejam ter mais filhos. O que é que vamos fazer face a isto, Sr. Deputado Lucas Pires? Vamos transformar o tal acto procriador num acto público? O Sr. Deputado Morgado está vingado porque o Sr. Deputado Lucas Pires disse dali o mesmo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Deputado Lucas Pires quer transformar o tal acto procriador, com o tal fim cristalino, puro e imaculado, num acto público certificado de preferência por 2 tabeliões para não haver filhos?

Risos do PCP.

Não pode ser, Sr. Deputado Lucas Pires. Os portugueses têm direito ao planeamento familiar, conforme consta da Constituição.

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Do ponto de vista jurídico, ó Sr. Deputado, que é licenciado e professor em Direito, sabe perfeitamente que há uma distinção entre a situação jurídica do embrião, do ovo recém-fecundado, do nascituro já desenvolvido, com algumas semanas, etc. Não somos uma Assembleia de vestais e o Sr. Deputado Lucas Pires tem uma formação que não lhe permite falar com esse ar ingénuo, lírico, de panfleto simplório sobre questões desse tipo.
O nosso direito penal distingue isso desde há muitos anos.

As nossas entidades competentes, designadamente a procuradoria-geral da República, elaboraram um parecer, que o Sr. Deputado terá certamente lido, em que se demonstra cabalmente, - depois de um vastíssimo excurso pelo direito comparado, a constitucionalidade do projecto de lei do PCP. Nele se invocam os mais diversos pareceres dos tribunais constitucionais e até os da Comissão Europeia dos Direitos do Homem.

Sr. Deputado Lucas Pires, no século passado, quando as velhas ordenações do reino fizeram a primeira despenalização do aborto acabando com a pena de morte para a mulher, aqueles que eram os antecessores do Sr. Deputado Lucas Pires bradaram que era a barbárie, o fim, a avalanche, o Martim Moniz, como o Sr. Deputado dizia numa piada ao engenheiro Abecasis!

Risos do PCP.

Nós sabemos que não aconteceu nada disso. Não foi assim. Lamentavelmente tudo continuou e a proibição está onde está. É tempo de acabar com ela.
Os senhores estão no passado, estão muito bem, encontram-se sozinhos. Continuem, mas não nos aborreçam.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lucas Pires deseja responder já ou no fim dos outros pedidos de esclarecimento?

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, como o PCP costuma ter intervenções mais ou menos iguais eu responderia, por grosso, a todos os Srs. Deputados do PCP.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Lucas Pires, neste debate tem havido, a meu ver, muita retórica.
Dir-lhe-ei, recordando, sem ironia, a leitura da imprensa recente, que Rui Pena lhe diria - e é pena que ele aqui não esteja - que acaba de ser feita a demonstração no sentido de como é possível juntar palavras sem dizer nada.
As suas palavras são mais vazias do que um balão de S. João: por fora é bonito e colorido, por dentro está cheio de ar quente que vai arrefecendo e cai.
Sr. Deputado, vamos à questão essencial e à qual não respondeu à Sr .0 Deputada Zita Seabra. É ou não é verdade que a consciência colectiva do povo português e mesmo de algumas instituições, embora estas hipocritamente, já acabou por aceitar como facto consumado a prática do aborto?
É ou não verdade que a Ordem dos Médicos não processa os médicos que praticam abortos, que a policia não prende quem os faz nem quem os pratica, que os tribunais não julgam nem condenam?
A Igreja, por seu turno, parece que perdura ou então finge não saber.
O que todos sabem é onde se fazem, quem os faz e quanto custam.
ou não verdade, Sr. Deputado, esta evidência?

Vozes do PCP e da UEDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Peço ao Sr. Deputado Lucas Pires que faça um sinal à Mesa quando desejar responder, em conjunto, a pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Lucas Pires, o Sr. Deputado a certa altura, se bem entendi a sua intervenção, acusou os projectos apresentados pelo PCP e pelo PS de irem ao arrepio da especificidade moral e cultural do povo português.
Como esta especificidade não pode ser uma mera figura de retórica, ela tem de se traduzir em algo de concreto. E essa tradução concreta está no comportamento desse mesmo povo, dessa mesma sociedade no seu quotidiano face aos grandes problemas e às questões também elas concretas.
Foi de facto o comportamento do povo português numa situação revolucionária a que o Sr. Deputado fez alusão na sua intervenção, mas foi também o comportamento do povo português e da sociedade portuguesa no seu conjunto face ao problema do aborto. E aí qual é esse comportamento, Sr. Deputado? Será o comportamento da penalização do aborto, entendido este como recurso último?
Seguramente que não é, Sr. Deputado. E é exactamente por isso que aquilo que a lei penal inscreve os tribunais não aplicam. E exactamente porque não há uma sanção colectiva, aquilo que o Código Penal considera um crime não é denunciado, muito embora quase toda a gente tenha conhecimento dos indícios necessários para que essa denúncia se fizesse e a condenação pudesse ser pronunciada.
Esta é a realidade do comportamento profundo da sociedade portuguesa. E isto que corresponde a uma especificidade moral e cultural face a este caso concreto.
E no fundo o que é que se pretende, Sr. Deputado? Será a manutenção da situação traduzida de uma maneira admirável como síntese no cartoon que hoje o Diário de Notícias publica do Sam:

A senhora diz ao guarda Ricardo que vem pedir autorização para um aborto clandestino e este, admirado, diz-lhe que esses não são proibidos.

É isso que se pretende, Sr. Deputado, que não se continuem a proibir esses?

Aplausos da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pedroso.

O Sr. Eduardo Pedroso (MDP/CDE): - Sr. Deputado Lucas Pires, ouvi com um certo interesse a sua

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exposição, que me deu até um certo prazer estético pela colagem admirável de figuras verbais que exibiu.
Essa colagem faz-me lembrar ou pensar que o Sr. Deputado tinha aderido ao surrealismo e tinha tentado fazer um cadáver esquisito. Mas acabei por concluir que o Sr. Deputado tinha feito um cadáver ideológico. Como, segundo dizem os biólogos, um cadáver tem uma vida muito mais acelerada que uma vida humana, isso talvez explique todo o conjunto de ideias do outro mundo que o Sr. Deputado nos trouxe. Urna delas é a de que as sociedades animais não tem direito. Ora elas têm direitos, hierarquias, regras, castigos, etc. Não têm é direito escrito.
Nós, pelo contrário, temos direito escrito, mas não o cumprimos. Uma das regras que justamente temos escrito e não cumprimos é a proibição do aborto.
O Sr. Deputado está muito preocupado com a desmoralização cívica e julgo que, sobretudo para um partido de direita, a transparência do Estado é um factor fundamental da desmoralização cívica.
Como, por um lado, o Sr. Deputado está preocupado com a desmoralização cívica, considera o aborto um mal necessário e, por outro lado, não pretende ceder à legalização do aborto, sou levado a concluir que o Sr. Deputado deve ter um projecto de lei destinado a implementar, finalmente, a proibição do aborto. Pergunto se tem de facto esse projecto de lei na carteira, com bastantes medidas de precaução para que todos os casos passem, finalmente, para o âmbito dos tribunais.
Pergunto por exemplo, se no seu projecto de lei não haverá uma obrigação de os serviços de saúde participarem de todos os casos de aborto à policia como têm de participar aos serviços de saúde pública, por exemplo, dos casos de febre amarela, ou à policia dos casos de balas no pulmão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Lucas Pires, ouvi com atenção o seu discurso que me parecia inicialmente ser indignado, mas que verifiquei depois ser apenas um discurso desesperado.
Fui acompanhando ao mesmo tempo as reacções da sua bancada, para ver como é que reagiam os 2 CDS, uma vez que existem de facto 2.
Reparei que não reagiram às invocações que fez de Espana e Atenas, nem à justa referência que fez deste problema como sendo eminentemente cultural. Os primeiros aplausos vieram quando o Sr. Deputado falou das focas! ... É uma conotação desagradável e por isso não vou insistir nela.

Risos do PCP.

Assim, vou colocar-lhe questões que são importastes.
Primeiro, as grandes inexactidões que o seu discurso continha de ordem científica, jurídica - estas espantosas na sua boca- e política. Por exemplo, as nacionalizações vieram 20 anos atrasadas em relação a quê? A Europa? A República Francesa?
Depois as grandes omissões: o Sr. Deputado faz este discurso e não fala do planeamento familiar, nem da educação sexual. Do que é que estamos aqui a tratar, Sr. Deputado Lucas Pires?
Vêm depois as grandes diferenças: o Sr. Deputado referiu-se às diferenças entre o PCP e o PS, que são evidentes, e foi bom tê-las sublinhado. Não nos sentimos magoados por causa disso.
E as diferenças entre os 2 CDS? Quais são as diferenças entre o CDS e o PSD?

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não seja provocador!

O Orador: - Diga-nos quais são as diferenças entre o CDS de agora que quer aqui o Governo e o CDS da AD, que não teve aqui o Governo quando esta questão foi discutida e não o reclamou.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Depois vêm as grandes derrotas.
O Sr. Deputado falou com uma certa importância, mas retirou todas as conclusões de concreto do povo português nesta questão?
Desde que o CDS iniciou esta cruzada com os deputados. Tinha 44 em Novembro de 1980 e agora tem 30. Significa isto que neste momento se encontra isolado na sociedade portuguesa neste debate e nas posições míguelistas que aqui defende.
Não retira daí nenhuma conclusão em relação aos valores que o povo português defende?
Depois vem a grande interrogação: o que é que o Sr. Deputado pretende com esta intervenção, recheada de algumas imagens interessantes, mas que não aborda as questões de fundo?
O Sr. Deputado quer manter o flagelo do aborto clandestino, manter uma lei que ninguém cumpre, mandar as mulheres para o tribunal e, sobretudo, para essa condenação máxima, que é o aborto clandestino com todas as suas sequelas?
Responda, Sr. Deputado, porque é esta a questão que estamos a discutir e é a sua superação que estamos todos aqui honestamente a tentar.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - O Sr. Deputado Lucas Pires fez um discurso que é um misto de declaração cultural e de declaração política.
Sobre esta última não falarei e referir-me-ei apenas à parte cultural.
Em primeiro lugar, queria dizer que a bandeira do PS é de facto vermelha, mas não é e cor do sangue. E, sim, da cor da aurora ou da alvorada.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado Lucas Pires vai verificar que está completamente enganado sobre o País. Este não é, como não foi, nem ultramontano nem miguelista.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Portugal não é a pátria de Agostinho de Macedo, mas a de Damião de Gois a pátria da luta contra a Inquisição, pelo espírito critico da luz contra a filosofia das trevas.

Aplausos do PS, do PCP e da UEDS.

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O Sr. Deputado fala na desonra, mas como quer V. Ex.ª que a gente não se convença acerca desse aspecto de desonra quando no seu partido não houve um movimento para criticar o Código Penal, que considera que o nascimento de um filho a uma mulher solteira é uma desonra e o usa como atenuante.

Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado acusa os que defendem o aborto ou os que o mantêm na lei, de assassinos. Como pode então V. Ex.ª sentar-se nas reuniões da democracia-Cristã ao lado de Simone Veil, que defende o aborto, de Margaret Tachter, que o mantém na lei, embora lhe propusessem a instalação da pena de morte, do chanceler Helmut Kohl, que mantém o aborto na legislação alemã, e de tantos e tantos democratas-cristãos que tiveram que se conformar com a História porque ela não anda para trás?
O Sr. Deputado falou ainda de um ponto que é importante e que já tinha sido focado pelo Sr. Deputado Narana Coissoró. Refiro-me ao facto de pensar que consideramos este projecto muito democrático e progressista. Está enganado. Não consideramos que ele seja nem muito moderno nem progressista. Ele integra-se numa tradição de luta que vem de Pascoal José de Mello Freire e que continua nesta Casa na luta pela liberdade, através das palavras eloquentes de Brito Camacho, António José de Almeida e Afonso Costa, ...

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - ... para chegar até aos nossos dias pelas opções do nosso grupo parlamentar.

E nessa tradição que nos interrogamos e é essa família que reivindicamos.

Quando ouvimos falar do direito à vida pensamos que as últimas consequências desse princípio será punir o aborto como se pune o assassínio e que muitos daqueles que lá fora não ouvem aqui esse discurso e defendem o direito à vida devem sentir-se realizados quando vêem as pobres mulheres iranianas que abortaram pendentes das forças do Ayatollah Komeiny.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Rego.

O Sr. Raul Rego (PS): - O Sr. Deputado Lucas Pires falou do direito à vida, do humanismo, do direito à vida da mãe, que o é, ou do filho, que pode ser, Sr. Deputado Lucas Pires, ninguém é pelo aborto, o que se trata é de 2 sociedades: a sociedade hipócrita, que o quer ignorar, e a sociedade que o não ignora e que quer encontrar o remédio para os males.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Lucas Pires falou também da inquisição ..., da Santa Inquisição, no seu dizer. E a sociedade que o senhor defende é exactamente a sociedade hipócrita da Santa Inquisição.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sabe o Sr. Deputado Lucas Pires que os inquisidores, sabendo que os réus condenados à morte iam ser queimados, entregavam-nos à morte e pediam misericórdia para eles? E essa hipocrisia de entregar mulheres à morte que o Sr. Deputado Lucas Pires defende na sociedade da Santa Inquisição de hoje?

Aplausos do PS, do PCP e da UEDS.

O Sr. Lucas Pias (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra porque julgo que há já uma suficiente soma de intervenções que justificam algumas observações, embora algumas dessas intervenções se repitam.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nucas Pires (CDS): - Começo por dizer que não tenho a pretensão de impor o meu discurso para lá de uma selva de insultos ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Coitadinho!

O Oradores - ... e de impor a minha lógica e as minhas ideias contra um grande número de insultos que são mais ou menos prodigalizados aqui e ali.

Gostava que esta discussão se mantivesse a um certo nível, mas tenho que constatar que alguns deputados estão, na realidade, mentalmente mortos, como é o caso do Sr. Deputado Octávio Cunha, em relação ao qual me senti feliz por ele não ter à sua beira um dos tais botões de que outro dia falou e que poderia accionar em relação a mim próprio.

Risos do CDS.

E espantoso que se fale do vazio de um discurso e se inscrevam 14 deputados para pedir esclarecimentos a esse discurso.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Acho que estamos aqui numa Assembleia que é a mais representativa do País e permitia-me fazer um apelo porque eu não entraria numa maternidade, com nenhuma mulher para fazer o que quer que fosse, se encontrasse a barbaridade espelhada que foi, por exemplo, a intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, do Partido Comunista.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Acho que quando queremos defender a dignidade da vida humana devemos comportar-nos uns em relação aos outros com o mínimo de dignidade que isso supõe.

E se faço estas considerações gerais é só porque até agora não se disse nada para respondei ao meu discurso. O que até agora se bolçaram forem insultos e mais nada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Presunção e água benta!

Uma voz do PS: - Hipócrita!

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O Orador: - Não sou hipócrita. Muitas vezes até na minha vida política tenho sido acusado de excesso de sinceridade. E quando, querendo cavar e divisão no CDS, dizem que há 2 CDS isso não é verdade. O que há é ainda poucos CDS para responder a tantos insultos.

Aplausos do CDS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Há 3 CDS!

Risos do PCP.

O Orador: - Mas haverá mais.
Srs. Deputados, talvez não seja importante dizer quase nada, ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tem nada para dizer.

O Orador: - ... porque julgo ter demonstrado o que há que fazer contra o aborto. O que há que fazer é, por um lado, o planeamento familiar - e já aqui foi dito em que termos estávamos de acordo com isso -, por outro lado, a prevenção ...

Vozes do PCP: - Vocês nunca disseram isso!

O Orador: - Dissemos que não queríamos que o planeamento familiar fosse apenas um planeamento estatista, dissemos que não deveria consistir apenas numa recomendação de contraceptivos e mais nada, dissemos que há toda uma educação que comporta outros elementos que não apenas os que referiram e dissemos que, oportunamente, vamos apresentar uma lei desse tipo. Dissemos, pelo menos, isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Disseram pouco e não fizeram nada!

O Orador: - As nossas posições estão, portanto, suficientemente ciscas.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso, com a dignidade que, aliás, sempre todos nós reconhecemos à sue nobreza parlamentar, perguntou-me qual era para mim a especificidade da nossa cultura. Eu não quero medir a nossa cultura estatisticamente. Apesar de tudo, perguntar-lhe-ia o que é que é mais representativo da nossa cultura: todos os casos das mães que esperam naturalmente os seus filhos ou os casos em que há acordo?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Parece-me que é uma pergunta legítima, embora eu não lhe quisesse dar uma fórmula estatística. Não retiro, aliás, como disse, nenhuma dignidade e compreendo todas as situações em que não é isso que se passa.

O que eu quis dizer também foi que há um apelo positivo para responder à questão do aborto e não um apelo puramente negativo. Lembro-me de um poeta que dizia «é mais belo resistir do que ceder». Não sei se o Sr. Deputado Octávio Cunha vai fazer uma intervenção a pedir que se proíbam aqui as citações de poetas! ... Não sei.
Já ouvi muita gente dizer: «queimem os livros! Talvez o Sr. Deputado Octávio Cunha, depois do meu discurso, quisesse dizer: queimem esse discursos. Não queimarei esse discurso e mal da sociedade portuguesa quando o queime.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E preciso ter lata!

O Orador: - Sr. Deputado, eu não manipulo botões, mas, pode ter a certeza, defenderei, perante os seus botões, com as palavras que tenho, os princípios e as convicções em que acredito.

Vozes do CDS: - Muito bem!

E pena que às vezes o debate atinja estes excessos. E é pena porque estamos realmente perante um flagelo, perante uma dificuldade, perante um mal endémico da sociedade portuguesa, e é preciso construir um sentido positivo para resolver esse mal. Sentido positivo que se ganhará com um processo material, com liberdade, porque nada é divisível. E enquanto não for possível um modelo económico e social que permita a prosperidade dos portugueses, este mal agravar-se-á cada vez mais.
Mas o que eu entendo é que esse modelo económico e social não pode ser criado com prejuízo da nossa tradição e das características morais do povo e da tradição moral portuguesa.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, já o ouvi falar aqui, nesta Assembleia, várias vezes e há vários anos, assim como muitos dos deputados aqui presentes também já o ouviram e penso que, tal como eu, eles não terão resistido a fazer uma comparação entre a sua intervenção de hoje e as suas intervenções quando não desempenhava as funções que hoje desempenha no seu partido.
Devo dizer-lhe que o seu discurso, e esta é a minha opinião, me pareceu que perde!! qualidades, perdeu talvez a qualidade de uma certa autonomia, de uma certa capacidade inventiva que todos nós lhe reconhecemos há longos anos.
Mas não ganhou com a agressividade e, de certa maneira, com o escamotear das questões, porque na verdade - e isto já foi aqui referido - o Sr. Deputado Lucas Pires escamoteou aqui muitas questões e questões importantes. Nesse sentido, desejava pedir-lhe alguns esclarecimentos.
Em primeiro lugar, a repetição à sociedade do respeito pela vida e da defesa do direito à vida parece ter tido a intenção de dizer, pelo menos eu senti assim, que eu, e quando digo «eu» refiro-me a outros deputados, não teríamos respeito pela vida humana.
Pergunto: o respeito pela vida humana, que aqui enunciou, é só o respeito pela vida intra-uterina ou é quando - e é esse o sentido fundamental do projecto de lei do Partido Socialista- estão em concorrência duas vidas e é necessário muitas vezes escolher, opção que é feita, tal como disse o meu amigo

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e camarada Sottomayor Cardia, não propriamente pela lei mas pela decisão livre da mulher?
Na verdade, e é preciso repeti-lo, esta lei não se destina a instituir o aborto ou obrigar ao aborto; ela dá a faculdade às mulheres que o queiram fazer e nas condições legais, de o poderem fazer, aliás, nas condições de exclusão de ilicitude previstas no Código Penal. Qual é, pois, a sua opção concreta nos casos em que isso sucede?
Em segundo lugar, o Sr. Deputado falou de facilidades, falou de um dique que já tem muitos buracos. Pergunto-lhe se esses buracos não são os do aborto clandestino e se não entende que o que é necessário é não a construção de um dique mas a construção de condições para que não haja necessidade de diques, nem de buracos no dique, isto é, que o aborto seja consentido nos tais casos previstos na lei.
Finalmente, gostaria que me dissesse qual é a sua posição sobre a educação sexual e o planeamento familiar e se actualmente a sua posição é ou não diferente da que aqui foi expressa pelo Sr. Deputado Oliveira Dias. É que o seu discurso focou fundamentalmente o crime e o desrespeito pela vida que constitui o aborto e não fez uma referência, pelo menos profunda, ao problema da educação sexual e do planeamento familiar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Lucas Pires, considero a sua intervenção importante, corajosa e que defende, obviamente, a opção do CDS. Desde já lhe digo que não veja nas minhas palavras grandes divergências no seio da UEDS porque trata-se apenas de diferenças de estilo.
O Sr. Deputado disse que o cerne deste debate residia em duas concepções da vida, duas concepções da história, duas formas de encarar o mundo em que vivemos. E verdade, Sr. Deputado. Essa é a grande verdade que o Sr. Deputado disse e eu, e julgo que todos nós, aceitamos esse repto.
Eu faço-me protagonista de uma outra especificidade cultural portuguesa, e digo-lhe qual é: é a especificidade de Bocage preso pela Inquisição, é a especificidade dos liberais, é a especificidade das conferências democráticas do Casino Lisbonense; é a especificidade de Herculano bramindo contra aqueles que queriam ver Cristo aparecer na Batalha de Ourique; é a especificidade da República que legalizou o divórcio em Portugal; é a especificidade cultural daqueles portugueses que, em 1924, tiveram a coragem de organizar aqui em Portugal, o primeiro Congresso Feminista e de Educação; é, enfim, a especificidade da tradição de luta pela liberdade e pela democracia em Portugal. São duas concepções que aqui estão frente a frente. O Sr. Deputado assume uma concepção, corajosamente eu lho digo, a outra é a que nós aqui assumimos, corajosamente lho digo também.
Queria ainda dizer algo mais. Recebi há pouco tempo um panfleto impresso na tipografia da Voz de Lamego, que, julgo, está ligada a um grupo de sacerdotes. Esse panfleto diz o seguinte:

Manifesto ao Partido Socialista: Ides votar para o aborto [...]. Hoje sois PS, amanhã sereis PSA (Partida Socialista Abortista). Com esta sigla serão feitas as futuras eleições. Na morte engendrais a vossa morte. Sereis os únicos responsáveis do aborto em Portugal.

Queria perguntar-lhe, Sr. Deputado, se se identifica com este tipo de panfletos. E uma questão fulcral.
Aproveito a oportunidade para prestar a minha homenagem ao Partido Socialista. E perdoem-me se a faço com alguma emoção, pois eu sou um emotivo. Paciência ..., se me vier a lágrima ao olho, espero que compreendam. Digno sinceramente.

Risos do CDS.

Essa era escusada. Não é da elegância do CDS. É de outras deselegâncias que não do CDS.
Como ia dizendo, gostaria de prestar a minha homenagem ao Partido Socialista. Algumas vezes tenho aqui criticado o Partido Socialista e o seu Governo. Como toda a gente sabe, tenho tido as minhas reticências em relação ao Partido Socialista e poucos momentos houve em que eu sentisse orgulho de ter sido eleito como independente na liste do Partido Socialista como hoje.

Queria prestar a minha homenagem ao Partido Socialista porque soube resistir à chantagem, às intrigas de bastidor, às calúnias e está aqui coerentemente com a tradição liberal e socialista do povo português a defender, corajosamente, o aborto. As minhas homenagens ao Partido Socialista.

Aplausos de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr.Deputado Lucas Pires, sou admiradora do seu estilo e da capacidade das suas relações democráticas. Em todo o caso, ao contrário do que muitos doe meus colegas disseram, achei o seu discurso extremamente ambivalente e isso reflectiu-se no estilo, que foi pobre e embrulhado, como nunca. Dir-se-ia que foi um discurso de D. Quixote ao serviço de Luís XIV.
Essa ambivalência resulta do facto de o Sr. Deputado ter terminado o seu discurso com a seguinte frase: «a vida é o primeiro valor e a primeira realidade». E em nome cessa vida e dessa realidade que nós defendemos coisas diferentes do Sr. Deputado.
Um discurso da intolerância, um discurso cheio de atitudes detentoras da verdade absoluta não é um discurso que se possa identificar com o perfil cultural do povo português, como o Sr. Deputado muito bem sabe.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Muito bem!

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - O Sr. Deputado Marcelo Curto voltou a insistir num certo número de pontos. Devo dizer que julgo que não fui agressivo

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na minha intervenção. Mas se o fui isso tem alguma coisa do que julguei ser um sentimento de legitima defesa.
Também é verdade, como diz o Sr. Deputado Marcelo Curto, que omiti algumas questões.
É evidente que o CDS interveio neste debate praticamente através de todos os deputados e não podia ser eu que iria tratar de todas as questões envolvidas neste problema.
De resto, aproveito para dizer que nos minutos imediatos apresentaremos na Mesa da Assembleia justamente uma lei de bases de família.

Aplausos do CDS.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Até que enfim!

O Orador: - O Sr. Deputado Marcelo Curto diz-me também que é necessário escolher. E evidente que é necessário escolher. Toda a minha lógica liberal é no sentido de que, de facto, há uma escolha permanente. Mas o liberal é aquele que aceita para a ideia de escolha uma ideia de responsabilidade e não uma ideia de irresponsabilidade. E por isso que não há ninguém para quem as normas sejam mais necessárias do que para um liberal. Não há nenhuma liberdade possível sem ordem, nem autoridade. E é este equilíbrio que consideramos fundamental.
No fundo, o Sr. Deputado diz que é preciso escolher, mas era legítimo que eu reciprocasse o seguinte: e quando há que escolher? Quando é que a escolha se põe? 15so o Sr. Deputado não disse.
Ora, a nossa tese é a de que essa escolha não se põe, ou de que essa escolha nunca se põe. E, repetimo-lo aqui incessantemente, não se põe no caso de o feto ser mal formado, porque não se pode escolher entre os belos e os feios e não se põe no caso de opção entre a vida da mãe e a vida do filho porque a cirurgia moderna permite quase sempre resolver esse problema. Esta escolha nunca se põe.
Mas, apesar disso a mãe pode escolher e pode ser responsável e compete ao juiz decidir em que termos e até onde. E porquê? Porque não há duas mulheres iguais, :cerque não há 2 fetos iguais, porque não há duas circunstâncias iguais e não há nenhuma lei no mundo que consiga resolver isto de uma vez por todas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E o Sr. Deputado pergunta como é que se resolve o problema do aborto clandestino.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PSD): - Claro! Essa é que é a questão.

O Orador: - Esta expressão está aqui permanente desde o inicio deste debate, mas, se o Partido Comunista pode pôr essa questão, o Partido Socialista não a pode pôr porque o seu projecto de lei é assumido pelos socialistas como não dizendo respeito a todos nem à maioria dos casos de aborto clandestino.

O Sr. Morais Leitão (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O projecto de lei do PS não visa resolver todos os casos de aborto clandestino - nem sequer a maioria -, mas apenas 3 casos específicos.
Não tem sentido, portanto, nenhum deputado do Partido Socialista pôr-me como questão o saber como vamos resolver todos esses casos porque, nesse caso, está a admitir a nossa crítica e a admitir que o projecto do PS é uma porta escancarada, para entrar o projecto do Partido Comunista.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, ouvi com muita atenção a sua exposição. Penso que ela tinha toda a razão de ser se se referisse somente à nossa lei sobre a interrupção da gravidez.
Mas não. Nós apresentamos 3 leis e esse combate ao aborto clandestino faz-se essencialmente através das nossas leis de educação sexual e de planeamento familiar. E disso que V. Ex.ª se esquece.
Nós apresentámos 3 projectos de lei.
Quiseram VV. Ex.ªs enfocar, dirigir as vossas matérias somente sobre a interrupção voluntária da gravidez. Estão no vosso pleno direito, Sr. Deputado,
mas note que há 3 projectos de lei.

O Orador: - Sr. Deputado José Luís Nunes, considero a sua intervenção extremamente pertinente e é evidente que eu próprio tenho o gosto, de vez em quando, de me assumir como uma espécie de presidente da Assembleia da República que concede o uso da palavra. Simplesmente, estava a responder a uma objecção do Sr. Deputado Marcelo Curto que não tinha nada a ver com essa questão.
O Sr. Deputado Marcelo Curto falou de 1r problema e não dessa amplitude e nesse Aliás, quanto à apresentação de leis o CD intencionalmente, há mais de 1 mês, a apresentação a esta Assembleia da República de um projecto de lei sobre a segurança social com a seguinte convicção: vamos apresentar este projecto de lei antes da discussão do projecto de lei do aborto porque queremos com isso criar condições para que existam menos condições de aborto.
Nós também estamos a apresentar projectos de lei para evitar que a chaga do aborto clandestino se multiplique. Também estamos interessados nisso. Agora, o que consideramos é que o método é outro. Tem que ser um método positivo e tem que ser uma filosofia positiva porque, para mim, o mais repugnante são aqueles que acreditam na filosofia e na ideia de que há uma outra mentalidade e uma outra possibilidade de pensar.
O Sr. Deputado César Oliveira fez-me a justiça de reconhecer que são concepções que estão aqui frente a frente e estou inteiramente de acordo com isso.
Referiu-se também a um papel, que exibiu produzido em Lamego. Francamente eu não gostaria isto ao Sr. Deputado César Oliveira, por quem tenho grande consideração e com quem mantenho um rico e intenso diálogo, mas temo sempre que vão buscar os papéis ao lixo. Não queria trazer lixo para esta Assembleia. Traz-se, infelizmente, demasiado lixo para esta Assembleia. O que queria perguntar-lhe era se con-

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sidera ou não que esse papel está ou não ao nível da intervenção do seu colega de bancada que está sentado à sua esquerda.

Aplausos do CDS.

E queria que me dissesse se considera que esse papel está ou não ao nível da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães, do Partido Comunista Português. E isso que lhe quero dizer. Em Portugal considera-se hoje que a direita não pode ser ultramontana, não pode ser miguelista, não pode usar expressões feias, mas considera-se, por outro lado, que a esquerda o pode fazer e até no Parlamento.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Baixo! Modesto!

O Orador: - E essa ambivalência, esse privilégio que não reconhecemos. E não venham com os chavões aqui utilizados permanente e lamentavelmente na intervenção do Sr. Deputado José Luís Nunes, que muito considero, sobre o miguelismo e o ultramontanismo.
A esquerda portuguesa ainda está a falar para o século XIX, mas nós não temos culpa nenhuma disso.
A esquerda portuguesa ainda está a falar com a direita do século XIX, mas nós não temos culpa dessa desactualização cultural, Sr. Deputado José Luís Nunes.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Acho que é bom que a esquerda se actualize em termos da direita com quem dialoga, porque só assim podemos ir, realmente, a algum lado.
Quanto à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, a quem agradeço as palavras que disse, aproveito para dizer que é preciso distinguir entre agressividade e sentido de combate. Não fui agressivo, não quis ser agressivo, mas não renunciarei ao sentido do combate por um conjunto de valores pelos quais acho que vale a pena combater.
No fundo a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura disse que eu tinha aqui pregado uma verdade absoluta. Não preguei, Sr.ª Deputada! Não preguei nenhuma verdade absoluta, mas também não quis cair naquilo que às vezes é considerado um apanágio do CDS, alegado, aliás, pelo Sr. Deputado César Oliveira: a elegância pura e simples.
O CDS vai dizer o que pensa, mesmo que seja sem essa elegância pura e simples. Não seremos radicais e achamos que o grande desafio que se põe ao nosso país é um desafio de modernidade e de liberdade que a esquerda portuguesa não representa mais em Portugal.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez, para pedir esclarecimentos.

O Sr. António Gonzalez (Ind.): - Sr. Deputado Lucas Pires, V. Ex.ª afirmou que existe uma redução percentual, da população europeia em comparação com a mundial.
Não me apercebi bem se considerou esse facto só como um problema - se foi esse o caso gostaria que me explicasse porquê -. ou se atribui à despenalização do aborto, votado favoravelmente por essa Europa fora, a culpa de tal redução.
Não pensa, V. Ex.ª, que poderá essa redução relativa estar antes relacionada com a explosão demográfica dos continentes africano, asiático e americano, ou com a crise económica e social por que as sociedades europeias estão a passar, fruto da travagem do seu crescimento e do fim de uma civilização de esbanjamento dos seus recursos e dos do terceiro mundo?
Por outro lado, não acha que se está a dar uma mudança social, no sentido de uma maior qualidade de vida humana, em vez da quantidade regulada pela mortalidade infantil?
Não pensa também que os novos casais europeus já não querem nem podem ter muitos filhos e que preferem reservar o pouco espaço das suas habitações e os seus cada vez menores recursos para 1 ou 2 filhos, esses sim, criados com carinho, amor e sem as carências desnecessárias que hoje milhares de crianças portuguesas experimentam mesmo aqui ao lado, num anel de miséria que estrangula a grande Lisboa e a penetra através de tudo quanto é terreno baldio?
Recordo-lhe que a Europa tem a maior densidade populacional do mundo e é superior à desejável a nível mundial.
Pensa, V. Ex.ª, que a regulação da natalidade, nomeadamente a esterilização que é feita em massa em muitos países do terceiro mundo, deve ficar reservada a esses países em nome do crescimento livre e egoísta da população da Europa?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Condesso, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Fernando Condenso (PSD): - Sr. Deputado Lucas Pires, ouvi com atenção a sua intervenção e não me reportarei aos princípios que proeurou desenvolver ao longo dessa exposição para justificar a já conhecida posição de voto que irá tomar em relação aos diplomas aqui em apreço.
Não o farei porque, efectivamente, nós comungaremos de muitas das afirmações que V. Ex.ª expressou.
De qualquer maneira, o Sr. Deputado pareceu-me, na sua intervenção, querer dizer algo que tem a ver com uma certa postura dos líderes políticos do PSD perante este debate, com uma certa postura também do PSD em relação a este tema.
Disse V. Ex.ª que os líderes políticos da coligação - aqui refiro-me aos lideres políticos do meu partido, que estão na coligação - se servem do tema para falar de tudo menos do que está em jogo.
Não compreendi o que é esse tudo. De qualquer maneira, dir-lhe-ei que o que está em jogo tem sido objecto de debate profundo no meu partido e é expresso com muita clareza.
Mas a expressão «servem-se do tema, isto é, instrumentalizam o tema é algo que não compreendo, Sr. Deputado.
As nossas posições têm sido firmes como lhe disse e são conhecidas muito antecipadamente. E sabido que fizemos debates internos nos órgãos do meu partido - grupo e órgãos dirigentes do partido- e é sabido que fomos daqueles que, rapidamente, ainda antes do debate se ter iniciado, expressamos a nossa posição actual, que comunga, aliás, com posições anteriormente tomadas.

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Quem instrumentaliza quem?
Nós não instrumentalizámos organizações nem instrumentalizámos o tema. Aliás, admira-me que V. Ex.ª diga isso e, virando-se não sei para quem, fale em
disciplina partidária como se fosse alguma coisa que pudesse ser questionada em não sei que partido.
Não sei a que partido se refere, mas no PSD há realmente disciplina partidária.
Pretende V. Ex.ª instrumentaliza( este tema para fazer apelo a um voto a favor de outras bancadas, a favor do aborto, quando V. Ex.º é contra ele? 15so sim, seria instrumentalizar o tema. Sr. Deputado, em relação ao que diz respeito aos líderes do meu partido não posso deixar de rejeitar essa afirmação.
Antes de lhe fazer a pergunta concreta queria-lhe dizer também que não percebi a sua postura quanto a uma afirmação que fez sobre o meu partido em relação ao tema.
Hoje comungamos, disse V. Ex.ª, da mesma posição, ou de uma posição semelhante no resultado que é divergir do PS e do PCP. Mas V. Ex.ª disse, também, que alguns partidos, incluindo o PSD, recuaram nas posições iniciais e que depois disso, o PSD fez uma rejeição por disciplina partidária que é, provavelmente, uma atitude meritória visando uma revisão programática que pudesse alterar a nossa postura actual. 15to é, V. Ex.ª fez uma distorção do passado e, efectivamente, quer confundir o futuro, porque penso que V. Ex.ª não terá tido essa intenção e porque penso que sempre pensa fazer as suas intervenções com dignidade.
Realmente não posso deixar de me questionar quanto ao sentido real que terá pretendido dar a essas palavras.
Mas far-lhe-ei esta pergunta muito concreta em relação à questão da disciplina partidária. Sr. Deputado Lucas Pires, o meu partido é um grande partido e tem 1 600 000 eleitores ou mais. Tem 75 deputados e tem muitos dirigentes em órgãos de soberania. Evidentemente que terá maior dificuldade em obter a posição de partido, que é sempre maioritária, do que um pequeno partido ou um partido mais pequeno como o de V. Ex.ª. Mas em relação ao seu partido, Sr. Deputado, ouso perguntar, porque senão seria hipocrisia, se de todas as centenas de milhares dos seus eleitores serão todos eles contra o aborto.
Nós não temos pejo em dizer que nos nossos eleitores haverá pessoas que pugnam por uma solução ou por outra.
Nós não rejeitamos reconhecer que nas nossas bancadas ou em termos de políticos de órgãos nacionais hajam pessoas que não têm a mesma posição.
Mas porquê invocar aqui, em termos que não compreendemos, a problemática da disciplina partidária? Não é esta uma problemática que se resolve sabendo qual é a posição do partido através da posição da maioria que todos respeitam?
Senão não entendo a democracia partidária e viveríamos numa «bagunça». E porque não entendo peço a V. Ex.ª que esclareça o sentido da sua intervenção.
Penso que não terei compreendido bem, mas V. Ex.ª explicar-me-á.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Queria pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Lucas Pires um pouco na linha do que acaba de ser feito.
Em vários momentos da sua intervenção fez V. Ex.ª apelos ao nível e à ausência de ilações políticas, procurando chamar-nos a todos para o rigor.
E dentro desta perspectiva de rigor, e conhecendo-o como universitário antes de o ter conhecido como político - fui inclusive seu aluno -, que lhe quero pedir que demonstre a afirmação que fez e o PSD recuou nesta matéria.
De resto permito-me, desde já, aclarar as coisas porque penso que o Sr. Deputado Lucas Pires, com o nível que se lhe reconhece e de que se reivindica, não vai, naturalmente, entrar na velha história do velho projecto do Código Penal. 15so seria impróprio da sua estatura política e tão ridículo como se eu trouxesse aqui o velho projecto de Código Penal aprovado pelo Prof. Antunes Varela em 1966, quando eram ministros e membros do Governo alguns dos actuais líderes do CDS.
Esse projecto aprovava não só o aborto terapêutico como também o infanticídio privilegiado, isto é, a mãe que matasse o filho durante ou logo o parto estando ainda sob a influência perturbadora do estado puerperal ou para ocultar a sua desonra seria presa com prisão de 6 meses a 3 anos, quando o normal em
infanticídio, na economia desse Código Penal, era de 20 a 24 anos. Há aqui, portanto, uma redução drástica da oposição.
O facto de alguns membros do CDS pertencerem a esse Governo tem alguma coonestação com este projecto?
Se não, é natural que V. Ex.ª responda que sim, não acha, também, que é uma coisa que o Sr. Deputado não se atreveria a dizer noutro foro que não este e que consiste num puro aproveitamento político do velho projecto apresentado em 1979 pelo então Ministro da justiça ao já demitido Governo de Mota Pinto?
Tenho esperanças de que não seja a isto que o Sr. Deputado se referiu, mas sim a outro tipo de recursos.
Gostava que, com a preocupação de rigor que as suas credenciais de universitário nos levam a esperar, nos demonstrasse, por A mais B, essa afirmação que fez sobre o nosso recuo, no sentido de saber se o que disse foi algo mais do que uma pura ilação política e se tem argumentos sérios e válidos.
Era esta a questão que gostava de ver esclarecida.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lucas Pires, para orientação do CDS e de acordo com o que foi resolvido na reunião dos líderes parlamentares, eu queria informar que o CDS, dos 60 minutos, já gastou 53 minutos.
Estão inscritos ainda a Sr.ª Deputada Conceição Quintas e depois mais 5 protestos.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Eu começava por responder ao Sr. Deputado Costa Andrade, pedindo-lhe para fazer a pergunta que fez para o interior do meu partido, para o interior do seu próprio partido, aos

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membros do Governo, desse Governo a que se refere, que pertencem ao seu partido, que, com certeza, lhe darão uma resposta bastante mais fundamentada.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Vê-se!

O Orador: - Não, nós não carregamos aqui nenhum fardo do passado, nem nenhuma culpa do passado, Sr. Deputado. Nunca fomos responsáveis por isso, não nos é imputável e pedia-lhe que retirasse essa teoria do tipo legal de crime ou do criminoso nato que o CDS seria, em termos de carregamento de um passado, pelo qual não é responsável e pelo qual não tem qualquer responsabilidade.
Era, aliás, tempo de começar a acabar com esse tipo de imputações na Assembleia da República e começar a fazer da Assembleia da República um local onde se discutisse seriamente e onde não se fizessem imputações imorais ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Demonstre seriamente a sua imputação, que eu depois retirarei a minha!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradecia que não interrompesse.

O Orador: - Segundo ponto: quanto ao recuo do PSD, eu limitei-me a falar de recuo de todos os partidos - PCP, PS e PSD - nesta matéria.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas não o demonstra!

O Orador: - Julgo que ninguém ignora, através da opinião pública, que houve - e há, porventura, mas houve - um debate dentro do PSD sobre este ponto. E, portanto, no PSD punha-se o problema de optar entre uma posição pró-aborto ...

Vozes do PSD: - Mas no CDS não houve debate!

O Orador: - Houve debate também. Mas, dizia eu, entre uma posição pró-aborto e uma posição contra o aborto, houve um recuo nesta matéria.
Quanto ao Sr. Deputado Fernando Condesso, eu partilho os elogios que fez à disciplina partidária, estou inteiramente solidário com esses elogios e, portanto, não falei criticamente da disciplina partidária. Limitei-me, isso sim, a aludira um fenómeno que se passava e as pessoas tiram as ilações que entenderem disso, tomam como quiserem essas alusões, mas eu não fiz qualquer observação crítica sobre a disciplina partidária. E, portanto, já que falamos em demonstração, seria altura de fazer a demonstração de que eu fiz qualquer alusão crítica a esse ponto.

Vozes do PSD: - Fez sim senhor!

O Orador: - Quanto às observações do Sr. Deputado António Gonzalez, pareceu-me ver, no conjunto de questões postas, um pressentimento, um espírito que já esteve presente nesta sala várias vezes. E de que, realmente, o aborto permitiria responder à crise, permitiria solucionar o problema dos jovens casais que não têm casa, permitiria solucionar o problema de toda uma Europa decadente, de todo um progresso que não encontra saídas nem outras alternativas, e a alternativa para tudo isto seria exactamente o aborto.
Nós julgamos que, se o aborto é em grande parte uma consequência de muitos destes problemas, a alternativa é exactamente uma alternativa oposta.

O Sr. Fernando Costa (PSD): - Qual é a alternativa à obediência?

O Orador: - Estava presente também, julgo eu, na intervenção do Sr. Deputado António Gonzalez, a ideia de que se ia resolver o problema demográfico com o aborto. Não é o nosso ponto de vista. Julgamos, justamente, que tudo aquilo que seja um atentado efectivo contra qualquer forma de vida humana é realmente algo que introduz na sociedade factores de pessimismo que levam também a uma crise demográfica.

Eu não sei se este aspecto é demasiado cultural - tanto quanto observei nalgumas observações anteriores - para ser acessível ao entendimento geral.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ao seu é que não é!

O Orador: - No entanto, do ponto de vista do meu entendimento, isto é assim e é extremamente claro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Ind.): -- Eu foquei o problema do aborto, mas, muito naturalmente, eu defendo que deve ir para mais que uma educação sexual nas escolas, para uma formação na sociedade, no dia-a-dia. E nós vemos acções de deformação sexual através dos meios de comunicação social, da propaganda, etc., em que a imagem do sexo e do homem e da mulher são totalmente deformadas. E perante esses factores todos que nós devemos situar-nos, portanto, formação e acesso a meios de controle da natalidade. Na realidade, não advogo, de maneira nenhuma, o aborto. Eu penso que o aborto, como último recurso, deve ser acessível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sn a Deputada Conceição Quintas.

A Sr.ª Conceição Quintas. (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lucas Pires: O Sr. Deputado e os elementos da sua bancada não são, ao que parece, os únicos defensores da vida na terra. Eu sou contra o aborto.

Vozes do PS: - Muito bem!

A Oradora: - Não apenas por aquilo que ele eticamente representa, mas também pelos traumas físicos e psíquicos que sofrem as mulheres que se vêem obrigadas, como último recurso, a recorrer a ele. Entretanto, e como tal, voto em consciência plena o projecto de que eu própria sou também subscritora.
A vida é o maior bem que Deus concede à humanidade, e é em nome dela que me decidi pela despenalização da interrupção voluntária da gravidez, nos 3 casos apontados: ético, terapêutico e eugénico.
E de todos conhecida a posição tomada pelas mulheres socialistas nos encontros e congresso realizados

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e ainda as moções emanadas da Comissão Nacional de Organização, publicadas na Acção Socialista de 11 de Março de 1982.
Afirmações demasiado graves para a época que vivemos ouvi proferir nesta Câmara. Os Srs. Deputados do CDS usaram e abusaram delas. Deixaram, a meu ver, uma triste imagem do vosso sentir.
Vi-vos tratar a mulher como ser sem quaisquer direitos, inclusive à vida, de que os Srs. Deputados se dizem acérrimos defensores.
Será que perfilham a opinião de Esquilo, que nos diz:

A mãe não saberia dar vida. Ela é somente o vaso onde o germe vivo do pai se desenvolve. E ao pai que são devidos o respeito e o amor das crianças. Quem mata a mãe não é parricida.

Ou de Pitágoras, que afirma:

Há um princípio bom que criou a ordem, a luz e o homem. Há um princípio mau que criou o caos, as trevas e a mulher.

E porque não de Napoleão, Srs. Deputados, que diz:

A mulher foi dada ao homem para que faça filhos e ela pertence-lhe como uma árvore com frutos pertence ao jardineiro.

Mas face às vossas afirmações, parece-me antes que seguem S. Tomás de Aquino, ao afirmar ser a mulher «um ser ocasional e acidental». E a primeira questão que lhe ponho, Sr. Deputado Lucas Pires, Por favor, gostaria que me respondesse.
E nesta base, Srs. Deputados, que compreendo a ausência de mulheres na vossa bancada. E ainda nesta base que compreendo, deplorando, as vossas intervenções. Lamento que os Srs. Deputados se mantenham firmes num propósito desde há muito ultrapassado nos países civilizados.

Deploramos o aborto, Srs. Deputados, desejamos arduamente que este flagelo desapareça da face da terra. Só que para tal será necessário uma educação global de homens e mulheres, com direitos e deveres iguais: é isso que acerrimamente defendo.
Esta a segunda questão que lhe gostaria de pôr, Sr. Deputado: é esta a sua opinião?

Educação sexual, planeamento familiar, defesa da maternidade, são temas do foro dos casais, só que infelizmente grande parte dos homens se abstrai dele e atira para cima da mulher a carga enorme de resolver o problema dos filhos, acabando por, num momento desesperado, levá-la a abortar, por não resistir aos gastos consecutivos, sobretudo carregada com o trabalho fora e dentro de casa.

Aplausos do PS.

Será que os Srs. Deputados acham que é fácil a essas mulheres sujeitarem-se a tão aviltante, dolorosa e traumatizante situação? É a terceira questão, Sr. Deputado. Sempre fui, sou e serei humanista e é como humanista que vos ponho estas 3 questões.

Aplausos do PS.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tenha a bondade.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Há pouco o Sr. Deputado José Vitorino, referindo-se à conferência dos líderes parlamentares, disse que nós tínhamos acordado em limitar o nosso tempo em conformidade com o tempo dos outros partidos. Não quis interromper porque i discussão ia longa sobre o assunto e era completamente despropositada, evitando a sequência normal de uma intervenção do meu colega e presidente Lucas Pires.
No entanto, agora V. Ex.ª, diz que temos 7 minutos. V. Ex.ª estará com certeza recordado que, a sugestão do Sr. Deputado Carlos Brito, do PCP, nós aceitámos tomar como indicação de princípio os tempos dos outros partidos, mas sem prejuízo das outras intervenções a que regimentalmente tínhamos direito. Nós, neste momento, estamos apenas a responder, Sr. Presidente.
O presidente do meu partido e meu colega, Francisco Lucas Pires está apenas a responder; não somos nós que estamos a demorar o debate. Eu queria chamar a atenção para isso, nesta Câmara, e queria realmente salientar que era esse o nosso entendimento.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - E verdade!

O Sr. Presidente: - Foi, com efeito, assim, Sr. Deputado. Simplesmente, eu não disse que o CDS tinha 7 minutos. Eu chamei simplesmente a atenção do CDS de que, de acordo com aquilo que tinha sido discutido na reunião dos grupos parlamentares, disporia de 7 minutos.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lucas Pires pede a palavra para que efeito?

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Era para responder à Sr.ª Deputada, porque só agora me apercebi que era a última pergunta e que se seguiria um período de protestos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr.ª Deputada, eu partilho naturalmente muitas das preocupações e sentimentos que exprimiu. Julgo que o facto de estarmos em bancadas diferentes não nos impede disso.
Apesar de tudo, queria fazer-lhe uma pergunta que é no fundo a pergunta que está aqui presente desde o princípio, e apesar de tudo acho que esta questão é bastante subsumível numa ou duas equações. No fundo, a pergunta é esta: se a Sr.ª Deputada deplora tanto o aborto, por que é que está tão preocupada em organizar o aborto?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É para evitar a selva! A selva é pior!

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O Orador: - E que, no fundo, é este o problema que está realmente em causa. Por que é que aqueles que dizem que querem combater o aborto, o organizam, o disciplinam, o regulamentam, o transformam em norma?

O Sr. José Magalhães (PCP): - A selva é que é bom!

O Orador: - É, no fundo, o transformarem em modelo de comportamento social. É no fundo toda esta questão que está em causa. Não será combater o aborto criar, de facto, modelos de evitar o aborto, em vez de evitar o aborto? É todo este o problema. É evidente que não está em causa a legitimidade da vossa posição, mas está em causa o poder discordar dessa posição, o ter uma outra atitude, que acreditamos que é uma atitude, aliás, a mais eficaz, em ternos de combate do aborto.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Qual é?

O Orador: - Sr.ª Deputada, no meio das infelicidades que têm sido aqui invocadas do homem contemporâneo, da mulher contemporânea, da situação da família actual, por que é que há-de ser a vida e aqueles que hão-de nascer que hão-de carregar o fardo dessas dificuldades? Não será uma forma de egoísmo do presente adoptar esse tipo de atitude? É no fundo isso, são estas as questões que nós temos posto com inteira clareza e com sentimentos idênticos aos seus.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Iria voltar às questões concretas e gastaria que o Sr. Deputado deixasse o discurso vazio, as palavras ocas, como vida moderna, vida não sei quê e vida contemporânea, e se pronunciasse, no concreto, sobre o que estamos a discutir porque, no fundo, a sua postura é esta, Sr. Deputado: os senhores não têm a coragem de aqui dentro defenderem o que defendem lá fora, não têm a coragem de aqui pontualmente assumirem as campanhas que fazem lá fora e aqui dentro não dizem nada.
Vejamos: o Sr. Deputado não me disse se quer que a lei que actualmente penaliza a mulher seja cumprida. Falou vagamente em que o juiz a desculpa.
O Sr. Deputado sabe muito bem que, nesse caso, o artigo 35.º do Código Penal que invocou, para o estado desculpante, é o mesmo e coloca a mulher na posição exactamente idêntica à de um bombista que, perante o caso concreto, o juiz pode mandar para casa. Mas senta-a no banco dos réus, ela será sentada no banco dos réus, Sr. Deputado. Então diga-me: para fazer cumprir essa lei, para que as mulheres possam ser sentadas no banco dos réus perante o juiz e depois serem eventualmente desculpadas, quantas prisões são precisas, Sr. Deputado? Quantos polícias são precisos, Srs. Deputados?
Se o Sr. Deputado diz que a vida é um valor vago, abstracto, que não se pode medir, que é sempre igual, diga-me só a seguinte questão: propõe o Sr. Deputado então que a pena de aborto fique idêntica à pena de homicídio? Propõe, o Sr. Deputado, que daqui para o futuro se passe a fazer o funeral do feto, uma vez
que isso não existe, não são feitos, como o Sr. Deputado sabe muito bem? Mas então digam, no concreto, quais são as vossas propostas perante a legislação que estamos a discutir, perante o concreto do que estamos a discutir, e não fuja, Sr. Deputado, nem para queixinhas de que o estão a insultar, que não estamos: os insultos são lá fora, são aqueles que fazem às mulheres quando lhes chamam assassinas.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Aqui dentro estamos a fazer perguntas concretas para que o Sr. Deputado defina, na verdade, qual é a posição do CDS, porque o CDS ainda nem sequer disse quais são as suas propostas em relação ao planeamento familiar. O CDS a única proposta que traz aqui é que vai fazer renascer a sua velha lei de família. De resto, mesmo em relação ao planeamento familiar, diz que ainda estão a estudar uma lei. Há 2 anos que estas leis estão pendentes para discussão e ainda não tiveram tempo, sequer, de aprontai as propostas.
Saia então do vazio, do oco das palavras, Sr. Deputado, e diga no concreto o que é que pretende o CDS. Diga, sobretudo, no concreto, isto: quantas prisões querem que se construa? Como é que se enfrenta o drama do aborto clandestino?

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do PSD: - 15so é velho, é antigo!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Lucas, Pires: Chamo-me Octávio e não Cláudio.
O rancor antigo esqueci-o, mas o seu rancor obriga-me a remexer no passado. Há 20 anos, praticamente dia por dia, em eleições na Associação Académica de Coimbra, sendo eu dirigente, apoiado pelas forças progressistas antifascistas, V. Ex.ª dirigente e apoiado pelas forças mais reaccionárias perdia essas eleições. Essa vitória valeu-me 10 anos de exílio. Ao fim de 10 anos de exílio, voltei. Não persegui, não saneei, nem condenei ninguém. Não guardo rancor nenhum de todos esses anos de exílio, nem dos tempos que passei na prisão. Esqueci esse passado, porque ele já não me interessa: é, de facto, um passado para esquecer.
V. Ex.ª parece ainda viver nesse passado de intolerância, de rancor, de autoritarismo.
Nesse tempo, não o ouvi encher a sua boca com palavras como liberdade, democracia e humanismo. Elas vêm-lhe agora ao de cima, porque lho permitiram, porque alguém conquistou para si essas palavras.
Quanto aos bates, não o autorizo a utilizar a imputação imoral, como o Sr. Deputado diz. Fale com os seus, porque eu, infelizmente, no meu hospital, nem sequer botões tenho para reanimar, ventilar e dar vida às crianças que nascem em mau estado.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

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O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Lucas Pires: Utilizo o protesto porque é o único processo de que disponho para lhe responder a uma pergunta que me colocou.
No fundo, colocou-me a questão de saber se aquilo que corresponderia melhor à especificidade moral e cultural da sociedade portuguesa seria o posicionamento das mulheres que aguardam o nascimento do filho ou o daquelas que abortam.
Sr. Deputado, a questão não reside aí, porque o que nós discutimos aqui, neste momento, não é o ser a favor ou contra o aborto, muito embora isso se pretenda inculcar. O que nós discutimos aqui é se admitimos ou não que o aborto possa, em determinadas condições, ser um mal necessário ou, se quiser, um mal menor. E é através do posicionamento da sociedade portuguesa em relação ao aborto, considerado como tal, que podemos concluir do que possa haver de específico no comportamento moral e cultural dessa sociedade. E a realidade quotidiana mostra-nos que o comportamento dessa sociedade não é o de penalizar o aborto como um mal menor ou como um mal necessário, mas de o aceitar. Se não, Sr. Deputado, como explica que a lei- seja inoperante? E a incompetência da policia, é a incompetência doa tribunais ou é este facto muito concreto que a sociedade portuguesa rejeita?
E, no fundo, a questão que se coloca é esta: se, aceitando-se que o aborto possa ser, em determinadas condições, um mal menor ou um mal necessário, estamos dispostos a assumi-lo franca e corajosamente ou se vamos continuar no sistema hipócrita - e estou a chamar hipócrita, não ao Sr. Deputado, mas ao sistema - de o aceitar como um mal menor ou necessário, mas fingir que o não aceitamos, condenando na lei, não o condenando na prática.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Marcelo Curto.

O Sr. Marcelo Curto (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires: Mantenho a minha afirmação de que o Sr. Deputado aumentou a sua agressividade, mas perdeu efectivamente faculdades, que são até estranhas num docente de Direito, como o Sr. Deputado pelo menos foi.
Na verdade, o Sr. Deputado pretende dizer-me que as causas de exclusão da ilicitude previstas no artigo 35 º são melhores do que a tipificação legal de algumas dessas causas de exclusão em relação a um crime também tipificado. Prefiro - prefiro agora como legislador e acho que também o Sr. Deputado o devia preferir - tipificar essas causas, em vez de as deixar ao arbítrio do julgador.
Mas o segundo ponto do meu protesto está relacionado com este. É que o Sr. Deputado pretende dizer - e, se não for assim, esclarecer-me-á - que o projecto de lei do PS não tenciona lutar contra o aborto clandestino.
E outra insinuação - ou eu assim o entendi - está presente na intervenção do Sr. Deputado. Pretende o Sr. Deputado insinuar que eu estaria a defender as posições do PCP e as posições do seu projecto. Poderia responder-lhe dizendo que não sou comunista e a resposta podia ficar por aí, mas não tenho qualquer problema em lhe adiantar algo mais. É que, se o projecto de lei do PCP luta, ou pretende lutar, contra o aborto clandestino, os projectos do PS, como disse o meu camarada José Luís Nunes, também pretendem lutar contra ele. O Sr. Deputado é que não disse se essa luta pela vida é também uma luta contra o aborto clandestino. E isso que seria necessário - porque não acredito que o Sr. Deputado vá tomar posição sobre isso que o Sr. Deputado afirmasse. Essa era, na verdade, uma expectativa que me parece que vai ficar gorada.

O Sr. Presidente: - Para usar do direito de defesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): --Sr. Deputado Lucas Pires: Compreendo profundamente que o Sr. Deputado se sinta pessoal e politicamente penalizado por ter vindo a esta Assembleia com um discurso no bolso, de estilo gótico, flamejante, que aqui leu, por ter visto. esse discurso criticado - e penso que foi criticado com um esforço de rigor, com a intensidade de que somos, uns e outros, capazes - e por ter tido que ouvir, aqui, democraticamente, essas criticas. 15to custa-lhe: é uma questão de formação.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Orador: ... Mas nós colocámos questões que ficaram sem resposta - e isso é grave.
Perguntámos ao CDS, através do Sr. Deputado Lucas Pires: para quê manter esta proibição, que é comprovadamente ineficaz e perniciosa? Não obtivemos resposta.
Perguntámos: para quê manter esta proibido, que dá cobertura a um negócio particularmente sórdido? O CDS não respondeu: driblou, jogou com palavras.
Citámos estatísticas do Instituto Nacional de Estatística, citámos o Direito Comparado, citámos pareceres da Procuradoria-Geral da República. O Sr. Deputado disse que isso é lixo e ousou comparar isso, que era um esforço crítico, com o lixo, coto esse panfleto infame que veio impresso de um sítio distante - o mesmo lixo que os Srs. Deputados do CDS espalham pelo exterior e que não tinha ousado, até agora, transpor para a Assembleia da República.

O Sr. João Amaral (PCP): Muito bem!

O Orador: - E é grave que o Sr. Deputado Lucas Pires tenha passado para as páginas do Diário da Assembleia da República aquilo que espalha, lamentavelmente, nas ruas, por aí fora, por mão anónima.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Lucas Pires disse, a certa altura, que a esquerda está a dialogar com os mortos do século XIX. Em parte é verdade. No século XIX, por toda a parte, o aborto era proibido: hoje em dia, o Sr. Deputado Lucas Pires é o último moicano de uma causa perdida. E ressente-se disso. Dói-lhe. Reflecte isso de maneira dolorosa. Esbraceja. Mas há uma diferença entre o século XIX ou os séculos anteriores e este. No século passado, a qualificação de lixo dita pelo Sr. Deputado Lucas Pires significara porventura a perseguição, o relaxamento ao braço secular, a impossibilidade de continuar, por outros meias, a luta que- se trava num dado momento. Neste século, o Sr. Deputado Lucas Pires está completamente iso-

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lado e defende uma causa perdida. Mas, Sr. Deputado, há formas menos rasteiras de defender causas perdidas. Alguma dignidade é necessária - bem necessária - ao seu partido e, pessoalmente, ao Sr. Deputado.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Lucas Pires: O meu protesto desdobra-se em 3 partes: uma sobre lixo; outra sobes o passado; uma última sabre elegância.

O Sr. Lacerda de Queirós (PSD): - Que falta de nível!

O Orador - Sobre o lixo, congratulo-me com o Sr. Deputada Lucas Pires por ter considerado o panfleto que veio de Lamego como um lixo. Acho que o Sr. Deputado manipulou a intervenção do meu camarada Octávio Cunha. Lamento isso profundamente e ergo o meu mesa vivo perto, porque não esperava isso de si.

Em segundo lugar, cumpre-me preferir uma palavra sobre o passado. De facto, nós, a esquerda, os socialistas e os democratas que somos, dialogamos cora o passado, olhamos para o passado. E reconheço que o CDS tem azar de não poder olhar para o passado e de não puder reclamar-se da herança cultural e política do passado. Por isso, só fala de futuro.

Aplausos do PCP.

Em terceiro lugar, uma palavra sobre elegância e esta com amizade, se a quiser aceitar. E que espera que o Sr. Dr. Francisco Lucas Pires, como presidente do CDS, continue a ter elegância e que não se deixe atordoar pela atenção de, à custa deste debate, procurar, por esse país fora, ganhar votos, perdendo a elegância. Porque perdia tudo, Sr. Deputado Lucas Pires. É apenas um desejo singelo.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Quero formulas um curtíssimo protesto, no que concerne è intervenção do Sr. Deputado Lucas Pires, na parte que se referia ü nossa bancada. Sobe o Sr. Presidente do CDS à tribuna, faz uma grande exigência de rigor, de qualidade, de seriedade. E, nesse enquadramento de rigor, lança esta tese: o PSD recuou, pede-se-lhe que demonstre a tese. A demonstração é esta: o PSD recuou porque fez um debate e, depois, votou. Debater e votar é um regresso na visão do Sr. Deputado Lucas Pires. Tínhamos direito, Sr. Deputado, a esperar algo diferente dos seus conceitos de progresso. Tínhamos o direito de acreditar na possibilidade e nas virtualidades do debate interno. Debatemos, discutimos e votámos. Continuaremos sempre a fazê-lo.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em matéria de rigor, também não podemos deixar de lamentar, com alguma tristeza e com algum desencanto, a qualidade e o rigor de alguém que se perspectiva como alternativo, precisamente em some do rigor e da qualidade. Ora bolas para este rigor e para esta qualidade!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.

O Sr. Lucas Pires (CDS): - O Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começando por responder a esta última questão, julga que realcei o facto meritório de o PSD votar com o CDS nesta questão do aborto. Acho que não é preciso tomar a nuvem por Juno. Distingui perfeitamente o essencial, e o acessório. Não fiz qualquer observação crítica e limitei-me, em certas aspectos, a constatar factos. Se é preciso reafirmá-lo presto a minha homenagem a todos as homens do PSD e ao PSD, no combate que movem por um humanismo de um outro tipo, mas, em todo o caso, um humanismo personalista, nomeadamente nesta questão do aborto.

Quanto às questões suscitadas pelo Sr. Deputado César Oliveira, julgo que, daqui a alguns anos, nos poderemos também reclamar de um passado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Oxalá!

O Orador: - Julgo que, num certo sentido, é a esquerda portuguesa que está na posição do poder. Como houve uma direita do século XIX que esteve na posição do poder, a esquerda estava na posição do projecto, tinha as mãos limpas, era revolucionária. Hoje, há 10 anos, em Portugal, a esquerda está na posição do poder.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Olhe que não!

O Orador: - E realmente, se há um projecto, que talvez mo posas mais tarde poder invocar e justificar-se como passado, julgo que será, o nosso. Porque, infelizmente, a esquerda portuguesa demonstra já um tal esgotamento, não na apresentação de candidatos presidenciais, mas em tantos outros aspectos da vida prática, que nos leva a pensar que. esse podar não é para durar muito mais tempo.

Confesso que terei reagido com alguma vivacidade ao Sr. Deputado Octávio Cunha - que, aliás, não reconheci dos tempos de Coimbra -, embora queira prestar um esclarecimento. Nunca concorri, em nenhuma eleição, contra o Sr. Deputado Octávio Cunha, ...

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Mas apoiava!

O Orador: - ... o que ele com certeza testemunhará - e, de resto, há aqui outras testemunhas deste facto. Portanto, essa informação é claramente falsa e, como o Sr. Deputado Octávio Cunha e alguns outros Srs. Deputados da bancada do PS podem ter a bondade de afirmar, sempre me exprimi, em todas as assembleias de estudantes da Universidade de Coimbra, exactamente em nome das mesmas ideias de liberdade que expresso hoje aqui. Nunca fui um serventuário de nenhum regime e não há nenhuma demonstração que possa chegar a essa conclusão. Fui sempre um homem independente, que afirmei claramente as minhas convicções e que não estava alienado por nenhuma situação.

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O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Estava!

O Orador: - No fundo, este esclarecimento era necessário e julgo que repôs as coisas.
Quanto àquilo que disse a Sr.ª Deputada Zita Seabra, a minha bancada reafirmou várias vezes que o CDS quer que esta lei seja cumprida, quer que o actual Código Penal seja cumprido. Não tem qualquer sentido estar a pôr em causa um Código, como o actual Código Penal, exactamente pouco tempo depois de ele ter sido aprovado e de ter entrado em vigor. A nossa posição é extremamente clara,, Aliás, ainda há pouco tempo, censurámos o Governo, quando, depois de vir de Coimbra, o Sr. Primeiro-Ministro quis alterar o Código Penal. Achamos que, não apenas por esta questão, mas por muitas outras, o Código Penal não é uma lei que possa andar a ser revista de ano a ano.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Mas a Constituição é?!

O Orador: - Há partidos que não querem rever aspectos económicos da nossa Constituição, mas são capazes de admitir que o Código Penal possa ser constantemente alterado. Achamos que a estabilidade dos valores morais vazados no Código Penal é extremamente importante e que é uma desestabilização mais grave alterar, de ano a ano, o Código Penal do que alterar a Constituição no aspecto económico, mesmo que de ano a ano.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - O Sr. Deputado está novamente a fugir à questão que lhe coloquei. A questão não é alterar o Código Penai: é fazer cumprir a lei. Certamente que o Sr. Deputado sabe que, desde o ano passado, quando aqui votaram contra o projecto de lei do PCP, até hoje houve só um julgamento por aborto clandestino. Com certeza que não conclui daí que só se fez um aborto clandestino em Portugal. O Código Penal não é cumprido. Portanto, o que lhe estou a perguntar não é se vão alterar o Código: é se vão fazer cumprir o Código que existe e se assumem a responsabilidade disso mesmo. Foi neste sentido que lhe formulei a pergunta.

O Orador: - Sr.ª Deputada, acho que casa é uma pergunta para fazer ao Governo e soa partidos do Governo e não propriamente para fazer à oposição. Que me pareça, nunca a oposição respondeu pelo cumprimento das leis. Portanto, dirigida à nossa bancada, essa pergunta não tem sentido.
Por outro lado, devo-lhe confessar, Sr.ª Deputada, com inteira clareza, o seguinte: foi julgado um caso de aborto e a Sr.ª Deputada afirma que houve entre 100 000 a 200 000 abortos. Devo dizer que tenho dificuldade, nesta diferença entre um caso de aborto julgado, 100 000 casos de aborto supostos por algum e 200 000 casos de aborto imaginados por outros, em saber qual é ou não a margem de cumprimento da lei e se ela está mais próximo de um caso julgado do que dos 100 000 invocados e, muito menos, dos 200 000 imaginados.

Risos do PCP.

Estou a responder assim, porque, como a Sr.ª Deputada Zita Seabra está constantemente a fazer apelo ao concreto, estou a responder com números concretos. E que só houve um julgamento do aborto: este número é muito concreto. Mas os 100 000 e os 200 000 da Sr.ª Deputada não têm nada de concreto. Porque uma coisa é falar do concreto e inventar ou imaginar números e outra coisa é falar do concreto e citar um número concreto. É esta questão que está em causa.

Aplausos do CDS.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Batam palmas, que bem precisam delas!

O Orador: - Aproveito esta resposta para responder também ao Sr. Deputado José Magalhães.

O Direito não existe apenas para ser eficaz. Não sei se estou a ser novamente muito filosófico, mas só na União Soviética é que a única função , do Direito é ser eficaz. Porque, na União Soviética, o Direito é um instrumento de eficácia do poder. Ora, para nós, o Direito é um valor ético; não é um instrumento de eficácia. É por isso que a questão da eficácia não constitui toda a questão do Direito. Uma viciação que está presente neste debate é a ideia de que o Direito é um instrumento de repressão e de eficácia do poder. Não é isso, Srs. Deputados. O Direito é algo a que, em muitas circunstâncias, ainda se não chegou, mas se há-de chegar. Esta é a posição idealista e liberal sobre o Direito.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quantos mortos é que isso custa?

O Orador: - Depois, o Sr. Deputado diz que estamos a estudar uma lei. É verdade. Estamos a estudar uma lei, o CDS está a estudar uma lei. Mas houve uma lei que o CDS aqui apresentou há mais de 2 meses, que foi a Lei de Bases da Segurança Social, quando o PCP ainda estava a estudar a lei da segurança social. O PCP está a estudar leis que nós já apresentámos e nós estamos a estudar leis que o PCP já apresentou.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tem mais nada para dizer!

O Orador: - No fundo, estamos a estudar leis, mas vamos apresentar essas leis - e elas serão discutidas na Assembleia da República. Ninguém estranhará que as nossas prioridades legislativas sejam diferentes da prioridade legislativa do Partido Comunista. Aliás, o PC ainda está a estudar projectos que nós já apresentámos e nós ainda estamos a estudar projectos que o PC já apresentou. É uma questão de prioridades.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Peço desculpa, mas estou há 2 horas a responder a 14 pedidos de esclarecimento e mais 10 protestos. Portanto, agora vou terminar, se me der licença.

Vozes do PCP: - Faça favor!

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O Sr. José Magalhães (PCP): - Está cansado, mas não se vê porquê!

O Orador: - No fundo, sobre o planeamento familiar, Sr.ª Deputada Zita Seabra, o que nós não queremos é que o Estado aproprie a vida humana e a criação da vida humana, transformando este País num aviário de vida humana; o que nós não queremos é que seja o Estado a decidir sobre a vida e a fornecer pílulas para condicionar toda a vida. Não é esse o Estado que nós queremos.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não há nem haverá um aviário humano em Portugal!

Aplausos do CDS.

O Sr. Deputado Lopes Cardoso pôs uma questão que, de algum modo, tem a ver com uma resposta já dada e que é a relativa à função da lei, o facto de a lei ser hipócrita, de a lei não aceitar a realidade, de a lei passar ao lado da realidade.

Em parte já discuti esta questão ao dizer que a função da lei, do meu ponto de vista, de um ponto de vista idealista, não é aceitar ou registar a realidade. As leis não servem para registar a realidade - servem para conduzir e normalizar a realidade.

É por isso que acho que a lei não é hipócrita; acho que a lei ainda não é cumprida, mas não acho que a lei seja hipócrita.

O Sr. Deputado Lopes Cardoso diz que muitas vezes o aborto é um mal necessário. Ora, ao falar de mal, reconhece implicitamente que ele não é um bem e que, portanto, não é uma opção cultural positiva da sociedade portuguesa.

O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Neste ponto estou de acordo: o aborto é um mal necessário. Então o que digo é: não o transformemos num bem jurídico.

Aqui é que estou a querer evitar a hipocrisia, porque não se transforma um mal necessário num bem jurídico. 15so é que seria hipocrisia.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Muito bem!

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Sr. Deputado, peço-lhe imensa desculpa, mais já adoptei há pouco um critério e, embora com muito gosto o transgredisse, entendo que não o posso alterar.

Srs. Deputados, queria fazer apenas uma observação final. Posso garantir, se é que é preciso, que nada alterei, tanto na minha atitude como no meu comportamento político, em nenhuma circunstância, qualquer medida de comportamento. Assumi sempre a minha função porque, como diz alguém sobre o homem, ele é ele próprio e a sua circunstância. E eu tenho, naturalmente, uma circunstância partidária mais acentuada. Mas o que fiz foi responder a muita coisa que aqui tinha sido dita com violência e que não tomei como violência, mas com sentido de esperança.
E com este espírito que continuarei o meu combate e que o CDS continuará o seu combate.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eduardo Pedroso.

O Sr. Eduardo Pedroso (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por citar 3 versos do poeta Mário Cesariny de Vasconcelos:

Despe-te de verdades
Das grandes primeiro que das pequenas Das tuas antes que de quaisquer outras.

Pergunto quantos nas questões essenciais da emancipação quotidiana do ser humano conseguem desembaraçar-se das suas verdades e das suas certezas, das verdades da conveniência e das certezas alheias à razão para poderem, sem máscaras nem preconceitos, olhar a realidade das coisas e a realidade das pessoas.

Quantos poderão libertar-se das verdades impostas e ajudar os seus semelhantes nos grandes passos necessários, para um humanismo vertical, livre e digno?
A questão do aborto, onde a limpidez das ideias, a depuração das palavras, o afastamento dos véus de mistificação, são essencial requisito da dignidade do debate, dignidade que é exigência absoluta, esta questão, pela sua própria natureza, e das suas implicações humanas, no psíquico e no físico, implicações religiosas, sociais, atrai vagas sucessivas de verdades impostas, mas também serve de bandeira de combates retrógrados, de arma política de circunstância, de motivo de calúnias e de mistificação.
E isto é tanto mais grave quanto a questão mergulha no mais fundo da sensibilidade humana, no mistério da continuação da espécie em contraponto com alguns dos dramas mais duros da vida em sociedade.
E no entanto já não se trata de despenalizar, ou descriminalizar, o aborto. O aborto hoje, e desde há muito, em Portugal, está descriminalizado. Descriminalizado pelo Estado e descriminalizado pela sociedade.
O aborto está descriminalizado pelo Estado porque o Estado não o previne nem o reprime. O Estado não previne o aborto como um crime - embora o inscreva como tal no Código Penal - e não o persegue uma vez consumado, não procura os criminosos que qualquer crime pressupõe, não investiga as redes de pretensos malfeitores, não tem sequer estatísticas verosímeis; finalmente, nos raros e excepcionais casos que passam pelo aparelho judiciário do Estado,- só pune alguns.
E mesmo aqueles que passam pelos tribunais são porventura uma parte apenas dos que, mesmo numa legislação descriminalizante, passariam se nos lembrarmos apenas dos abortos não consentidos.
Vale a pena lembrar números bem conhecidos das estatísticas judiciárias - 31 réus nos 6 anos de 1975 a 1980, e mesmo assim desses 31 apenas 15 - pouco mais de 2 por ano - condenados.
Então que Estado é este que penaliza o aborto e em 6 anos só pune 15 réus, 15 em muitas centenas de milhares, e mesmo assim 8 são homens.

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E o mesmo Estado, através das suas estruturas de saúde, toma contacto directo com larga percentagem dos abortos efectuados não reagindo senão, e muito bem, pelos cuidados médicos necessários.
Não se pode assim considerar que o Estado criminalize o aborto.
O que há então? Qual a verdade desnudada desta realidade absurda?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A verdade é esta. O Estado exige que o aborto se processe na exploração, sem higiene nem prevenção social, no risco da
infecção, da doença e da morte, para o aceitar, para o consentir, para o não perseguir, porque só há um aborto ilegal neste país, e esse é o aborto em condições físicas e psíquicas dignas do ser humano neste século e nesta democracia. Este sim é ilegal e é esse que um iníquo oportunismo político quer manter ilegal e é contra essa iníqua injustiça que se ergue neste momento a quase totalidade dos cidadãos deste País, como ainda recentemente insuspeitas sondagens revelaram.
Entretanto, um Estado e uma sociedade que aceitam o aborto continuam a sujeitá-lo ao verdadeiro ritual iniciático que a clandestinidade impõe e que marca profundamente a sua relação com os cidadãos, criando consensos sociais paralelos ao admitido pela ordem jurídica e gerando valores de crise no Estado e no Direito.

Assim sobrevivem as verdades impostas, as verdades repetidas, ensinadas, as verdades que negam a reflexão e a análise, transpondo dogmas irracionais para o domínio da razão, através do mecanismo subtil da utilização da ignorância, ou da credulidade, ou, mais grave, da fé religiosa, para, no mundo do jurídico, impedir a livre formação das normas como resposta que têm de ser do poder político à exigência social.

E aqui se coloca um valor que nas sociedades modernas assegurou o fim das lutas entre o espiritual e o temporal a laicidade. Laicizar a sociedade não foi demoníaco nem criminoso. A separação da Igreja e do Estado, da religião e do Poder, foi um acto de libertação para os dois grandes domínios humanos. Foi um acto de libertação para o mundo da religião, libertação das dependências e instrumentalização que o poder político exercia, libertação da mediação temporal no relacionamento com os homens e entre os homens no domínio do religioso.

Foi também um acto de libertação para a sociedade civil, que pôde apreciar as questões sociais no plano jurídico, sem as confundir com questões religiosas.
Quem aceitaria numa sociedade moderna que se relaxassem ao braço secular os hereges ou os infiéis de qualquer religião?

A religião é o domínio da pessoa humana, o Estado o domínio do interesse colectivo e geral. Pois não enfraqueceria a religião que os seus comandos carecessem da mediação e da coacção do Estado?
Desde as lutas oitocentistas pelo registo civil até ao restabelecimento do divórcio sem referência ao carácter religioso ou civil do casamento, a luta pela laicidade tem sido um combate pela clareza e pela dignidade recíproca dos dois mundos - o espiritual e o político.
A medida que progride, cresce a liberdade da religião.

As leis do Estado não podem violentar a consciência dos cidadãos. E os projectos de lei que hoje analisamos nada impõem aos cidadãos cuja consciência rejeite a sua aplicação.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ao contrário, a lei repressiva actual, essa sim, essa violenta a consciência dos cidadãos em geral, porque é uma lei da mediação forçada entre a sociedade civil e os conceitos éticos com que ela já não se identifica.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na sanha retrógrada contra a inevitável descriminalização do aborto reinventou-se a sua inconstitucionalidade. A travessia da inconstitucionalidade já foi percorrida no passado e a impugnação respectiva não colheu.
Agora ir-se-á, ao que parece, introduzir a questão no Tribunal Constitucional.
Mais uma vez se invoca o direito constitucional à vida.

A nosso ver, não cabe agora a discussão jurídico-constitucional. Mas ficam algumas interrogações.
Como defender que o direito à vida é violado se antes do nascimento com vida o ser humano não é sujeito de direitos?
E esta dificuldade que tem levado muitos autores a considerarem que o sujeito passivo num crime de aborto é a comunidade, a espécie, a família ou a mãe. Se assim é, porém, também não haverá consagração constitucional da criminalidade do aborto.
Um autor espanhol, Irureta Goyena, exprime basilarmente esta questão:

Para ser sujeito de direitos, não basta existir em sentido fisiológico, é necessário existir em sentido jurídico, requere-se algo mais do que a vida fisiológica, requere-se a vida da relação. O direito é inseparável da sociedade como o efeito é inseparável da causa. Antes do nascimento existirá talvez a vida, mas não existe a personalidade. O direito à vida, de que falam Prenant e todos os seus partidários, é posterior as nascimento. E nesse momento que o produto da concepção passa a ter uma vida em sentido sociológico e é desde esse momento igualmente que começa a ter direitos. O ataque que se verifica antes desse instante, parece, poderá lesionar os direitos da mãe, mas não os do processo fisiológico que se desenvolve nas suas entranhas e que até então só constitui uma pars viscerum matris.

Não será também no último reduto da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade que a tese repressiva vencerá.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A liberdade não é um estado de graça. Morre e renasce em cada dia pela prática de actos libertadores.
A 10 anos de um grande acto de libertação, que melhor comemoração de Abril que libertar Portugal de uma lei repressiva, inútil e humilhante;

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

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Durante a intervenção, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente:- Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado, não ouvi toda a sua intervenção, mas apenas a parte final.
A questão que queria colocar não se prende com o problema da inconstitucionalidade, pois não valeria a pena estarmos a discutir aqui tal assunto.
A minha questão tem a ver com o sujeito do crime. Na realidade, nos projectos em causa fala-se numa despenalização, em certos casos, e em causas de exclusão da ilicitude, noutros. Mas situações há em que se continua a manter a criminalização.
Pergunto, como conciliar esta posição: num caso há sujeito e noutro já não há.
Gostaria que V. Ex.a, se tiver essa gentileza, desenvolvesse um pouco mais este assunto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Eduardo Pedroso, se deseja responder, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Eduardo Pedroso (MDP/CDE): - Sr. Deputado, a posição que transmiti é a posição muito comum de que o sujeito passivo do crime não é o feto, uma vez que não é uma pessoa jurídica, não sendo, portanto, susceptível de direitos.
E em consequência deste raciocínio que normalmente se considera o sujeito passivo do crime ou a comunidade, ou a família, ou a mãe. 15to em termos de análise teórica do preceito.
Nos projectos em causa e no Código Penal não está escrito, evidentemente, quem é o sujeito passivo do crime. Essa é matéria de interpretação.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr º Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação dos 3 projectos de lei do PCP sobre Protecção e Defesa da Maternidade, Educação Sexual e Planeamento Familiar e sobre a Legalização da Interrupção Voluntária da Gravidez constituiu um importante alerta para os reais problemas da mulher, em particular quando mãe e trabalhadora.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Se é certo que o 25 de Abril nos trouxe uma legislação avançada no que toca à condição feminina, e ao papel que às mulheres cabe na sociedade, a verdade é que a prática está longe de corresponder aos princípios legais e constitucionais.
Assistiu-se mesmo nestes últimos anos a uma tentativa de retrocesso, e adensam-se reais ameaças em relação aos direitos das mulheres. Dentro dessas tentativas de retrocesso pode contar-se a proposta de lei de bases da família, apresentada pelo Governo AD, e com certeza o anunciado projecto de lei do CDS sobre a família, hoje aqui referido.

Aplausos do PCP.

Na verdade, tal proposta de lei de bases restaurava a hierarquia dentro da família, instituindo, de novo, a figura do chefe de família e voltada, de novo também, à tradicional divisão do trabalho entre os sexos na família.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E uma vergonha!

A Oradora: - Ora, o Estado está obrigado a promover a independência social e económica dos agregados familiares, a promover a criação de uma rede nacional de assistência materno-infantil, e de uma rede nacional de creches e de infra-estruturas sociais de apoio à família, a cooperar com os pais na educação dos filhos, a garantir o planeamento familiar.
Mas é precisamente o contrário que acontece.
Toda a política, quanto aos direitos das mães e dos pais, é no sentido de fazer regressar a mulher às paredes da sua casa, no sentido de a subalternizar, no sentido de tornar a maternidade mais um fardo que se acrescenta a uma vida de martírio.
Ser mãe ou pai, deve ser uma grande razão para se ser feliz. Ser mãe ou pai de um filho desejado.

Aplausos do PCP.

Os 3 projectos de lei do PCP são um desbravar de um caminho que a luta das mulheres desde há muito aponta.
O PCP, atento aos problemas das mulheres, apresentou já, e vai continuar a apresentar, iniciativas legislativas que contribuam para alterar essa realidade.
Foi graças ao PCP que foi aprovada a lei sobre Defesa da Igualdade dos Cônjuges, a lei sobre o Acompanhamento Familiar. O PCP apresentou o projecto de lei sobre a garantia pública dos alimentos devidos a menores, sobre a protecção da união de facto. E apresentaremos, ainda durante este debate, 2 projectos de lei, um destinado a tornar efectivo o direito a alimentos para a mãe só, não casada com o pai da criança, entre as quais se contam as mães solteiras, e um outro destinado a garantir a presença do pai durante o parto em estabelecimento hospitalar.

Aplausos do PCP.

Continuaremos neste caminho porque é necessário acabar com as discriminações contra as mulheres ainda propagandeadas sem rebuço, por todos os meios, inclusivamente através dos meios de comunicação social, nomeadamente na RTP que quase diariamente nos traz a imagem da mulher predestinada para tarefas caseiras, da mulher subalterna.

Vozes do PCP: - E uma vergonha!

A Oradora: - Ainda não há muito tempo, no final de um serão televisivo, no «Tal Canal», do Sr. Palma Ferreira, irrompeu a publicidade, numa profusão de imagens dinâmicas a prender o interesse das crianças. De repente, um filme publicitário anuncia uma calça de ganga com um nome sonoro, onomatopaico, da marca Old Chap. As imagens sucedem-se. O écran enche-se de um homem forte que, erguendo a mão e balançando-a, abate uma violenta bofetada numa frágil mulher, que ali está apenas para ser batida.

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E a imagem da mulher fraca, da mulher objecto, da mulher na escada de serviço.
15to aconteceu em 1983, apesar de o Códice da Publicidade que temos proibir isto. E esta não é um caso isolado.
A agressão à imagem da mulher tornou-se numa perigosa frequência, mesmo nas escolas, quando de exalta o papel da mulher dona de casa, como em «a mãe do Antoninho», dos Textos Portugueses para o 2.º ano de escolaridade, que não resisto a ler:

Na casa do Antoninho a vida começa cedo. A primeira pessoa a levantar-se é a mãe, que tem de preparar o pequeno-almoço para o marido e para o filho. Depois de eles saírem, a mãe vai tratar da Marianita que ainda ficou a dormir. A seguir faz as camas, arruma a casa, trata da roupa e prepara as refeições. No meio da sua lida, lembra-se do marido e do filho e arranja a casa com carinho para que eles se sintam felizes quando voltarem a casa.

Estes livros andam depois de Abril nas mãos dos nossos filhos.

Vozes do PCP: - Que vergonha!

A Oradora: - 15to acontece não obstante todos os princípios de igualdade entre homem e mulher consagrados na Constituição; não obstante a reforma do Código Civil de 1977 ter consagrado a nova dinâmica trazida às relações familiares pela entrada da mulher no mercado de trabalho produtivo.
15to acontece e continuará a acontecer porque uma política de direita é inseparável de actos discriminatórios contra as mulheres, ainda que a igualdade seja formalmente propagandeada. 15to acontece enquanto durar essa política de direita.
Mas é verdade também que, lutando contra todas as discriminações, as mulheres resistem à repressão dos seus direitos já conquistados.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Não vale a pena, Srs. Deputados do CDS. exaltar o trabalho doméstico, rotineiro, desgastante e embrutecedor e considerá-lo um prolongamento natural da personalidade feminina.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não vale a pena exaltar o valor económico do trabalho doméstico, usando isso como argumento para convencer a mulher a sair das estatísticas da população activa civil, retirando-a das taxas de desemprego, lançando-a na percentagem dos inactivos, onde apenas se vai buscar para trabalho não qualificado.
Não vale a pena Srs. Deputados.
Porque depois de ultrapassada a década de 1950-1960, que assistiu a uma debandada das mulheres para o lar (a percentagem de mulheres activas baixaria nessa altura de 23,1% para 18,2%), a mulher reentrou decididamente no mercado de trabalho produtivo e a percentagem de mulheres activas não mais parou de subir, para atingir em 1980 o total de 41,4%.

Os dados estatísticos relativos ao período de 1974-1980, revelam que a um acréscimo de 11,7% no volume da população activa civil corresponde, no que toca às mulheres, um acréscimo de actividade da ordem dos 15%.

Apesar da difusão da imagem tradicional da mulher, apesar do propagandeado subsídio às donas de casa (na caça ao seu voto), as mulheres mostram-se firmemente decididas a lutar pela efectivação dos princípios constitucionais, pela aplicação da legislação já existente, e peia adopção de novas medidas que lhes possibilitem ser mães e ser trabalhadoras. E esta luta é necessária.

Aplausos do PCP.

É necessária porque a crise no mercado de trabalho afecta mais duramente as mulheres; porque uma política de paralisação do investimento, reflectindo-se na degradação do equipamento social de apoio às crianças e aos idosos, coarcta-lhes a possibilidade de um empenhamento real no trabalho produtivo, impedindo-lhes a formação e a realização profissional; porque a repressão patronal, desencadeada por uma política de direita, se abate sobre os direitos que as mães e os pais conquistaram, relativamente ao acompanhamento dos filhos.

Os dados estatísticos não escondem que o relatório da UNESCO de 1982 sobre o panorama geral da presença da mulher no mundo do trabalho - para aquela instância internacional é reveladora da desigualdade entre homem e mulher - é também um retrato do nosso país.
Os últimos dados oficiais disponíveis relativos ao final do 1.º trimestre de 1982, dizem-nos que é a mulher a mais duramente atingida por uma política de desemprega desencadeada pelos Governos de direita.
Nos pedidos de emprego registados no fim daquele trimestre, a percentagem relativa às mulheres era de 69.2%, sendo certo que esta percentagem, que no fim do 1.º trimestre de 1980, era de 56.2%, não cessou de aumentar
E se no final deste 1.º trimestre de 1980, era de 67,9%, a percentagem de mulheres em busca de primeiro emprego, no final do 1.º trimestre de 1982, era já de 80,3%!
O que quer dizer que se aumentou a percentagem de mulheres activas, dentro delas aumentou assustadoramente o número de mulheres desempregadas.
O reflexo na condição feminina, de uma política de direita pode ainda detectar-se analisando o nível médio de salários - o salário médio da mulher, com os dados conhecidos de 1980, era de 75% do salário dos homens; pode ainda surpreender-se na média de tempo de espera de novo emprego - em 1980, 65,5%
das mulheres procuraram trabalho durante mais de 1 ano, enquanto tal percentagem, quanto aos homens, era apenas de 51%; pode ainda descobrir-se na falta de qualificação profissional do trabalho feminino, e citaremos apenas como exemplo a função pública, que tem maioria de trabalhadores de sexo feminino, já que constituem mais de metade, apenas 14% se situam no conjunto do pessoal dirigente.
O Grupo Parlamentar do PCP já denunciou aqui e também na CITE discriminações contra as mulheres,

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existentes em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho - é o caso do CCT para os corticeiros do Norte. é ainda o caso das condições de trabalho feitas pelo Governo AD para a TAP, as quais discriminam as hospedeiras por serem mães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que escândalo!

A Oradora: - Mas as discriminações são variadas e confessadas pelo próprio Ministério do Trabalho, mesmo quanto a portarias de reformulação colectiva de trabalho. E o caso dos instrumentos que prevêem profissões apenas no feminino. considerando-as apenas ajustadas às mulheres - veja-se o acordo de empresa entre a FETESE e a Quimigal, onde se fala em «secretária de direcção», «educadora», «costureira»: é o caso das remunerações mais baixas atribuídas às profissões normalmente desempenhadas por mulheres, muitas vezes situando-as ao nível do salário do menor, embora se situem em níveis de qualificação idênticos às das profissões vulgo masculinas - instrumentos celebrados entre a FETESE e a Quimigal e entre esta e o Sindicato das Indústrias Químicas e Farmacêutica.
As discriminações são reais e muitas vezes promovidas pelo próprio Governo. Lembro aqui a publicidade que o por enquanto Sr. Ministro da Educação, Seabra, fez na Televisão aos cursos profissionais, em que apareciam as profissões de secretária, de dactilógrafa, no feminino.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E típico!

A Oradora: - As discriminações são reais e muitas vezes promovidas pelo próprio Governo, que apenas se lembra da existência da comissão para a igualdade no trabalho e emprego, quando pretende tomar medidas contra as mulheres como acontece actualmente com a pretensão governamental de subir de 62 para 65 anos a idade de reforma das mulheres e de revogar a proibição do trabalho nocturno para as operárias industriais.
E ainda o Governo que não cumpre o imperativo legal de promover a formação profissional das mulheres, reparando, dessa forma, uma discriminação herdada do fascismo. Na realidade, segundo o Decreto-Lei n.º 392/79. o Governo está obrigado a publicar todos os anos uma portaria indicando a percentagem de mulheres que devem integrar os cursos de formação profissional. E os governos, sempre tão solícitos a anualmente publicar as portarias para aumentos das rendas de casa, desde 1979 ainda nem uma única portaria publicaram sobre isto, do que resulta que, em 1980, apenas 8% femininos se tenham inscrito nos cursos de formação profissional.
Depois do Decreto-Lei n.º 771/76, são as mulheres as mais atingidas pela contratação a prazo, com a qual se pretende quebrar o seu espírito reivindicativo. Que o digam as mulheres da indústria têxtil, da hotelaria, que o digam as corticeiras.
E hão as caixeiras que denunciam o recente Decreto-Lei n.º 417/83, de 25 de Novembro, sobre horários de abertura dos estabelecimentos comerciais como altamente lesivos dos seus direitos de trabalhadoras e mães. E são também as trabalhadoras dos centros comerciais que denunciam a exigência de testes de gravidez para admissão a emprego.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Inconstitucional!

A Oradora: - Sr. Presidente. Srs. Deputados: O projecto de lei do PCP sobre protecção e defesa da maternidade, nem por ter sido propositadamente silenciado pelos sectores obscurantistas. tem sido objecto de menos atenção por parte dos trabalhadores, e em especial das mulheres, que exigem a efectivação do princípio constitucional que atribui ao Estado a obrigação de proteger o valor social da maternidade e da paternidade e, ao mesmo tempo, a obrigação de garantir, efectivamente, a igualdade de direitos entre o homem e a mulher.
Exigem estruturas sociais de apoio (creches e jardins de infância) para que possam ser simultaneamente mães e trabalhadoras. Exigem-no as mulheres.
Condenam a política desastrosa dos governos de direita no que toca atais estruturas. Alheando-se da sua obrigação de garantir a educação pré-escolar, aqueles têm demonstrado um absoluto desprezo pelo valor social que uma criança representa.
De facto. se de 1970 a 1980, o número de creches triplicou, a verdade é que usando a norma da Organização Mundial de Saúde, segundo a qual deveria haver 40 lugares de creche para 10 000 habitantes, o País revelava, em 1980, uma escassez de 23 000 lugares. E no que toca a jardins de infância o défice em 1980 seria da ordem dos 55%.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto aos cuidados de saúde. o panorama é desolador e atinge crianças e mães. As taxas de mortalidade infantil e materna coloca-nos. sem dúvida, na cauda da Europa. E temos, também um elevado índice de crianças deficientes por falta de cuidados às grávidas, o número de partos sem assistência, ou em condições deficientes no domicílio.
O projecto do PCP sobre protecção e defesa da maternidade dá resposta a estas questões nos diversos domínios.
O projecto do PS e do PSD assume as propostas do PCP mas encurtando-as para limites que as empobrecem. Porque onde o PCP avança para o alargamento da licença por maternidade a 120 dias, o PS e o PSD mantém-se nos 90 dias: porque onde o PCP vincula as empresas sem creches e infantários a funcionar regularmente, a obrigação de pagar uma contribuição adicional para a segurança social, o PSD e o PS acorrem em socorro daquelas, omitindo tal contribuição.
E se o PCP propõe para a mulher períodos de dispensa de 2 horas por dia durante o primeiro ano de vida do filho, o eco de tal disposição no projecto PS/PSD limita o direito a quem amamente, o que é um recuo em relação mesmo ao Decreto-Lei n.º 49 408, o qual não fala em amamentação, mas em aleitação, o que é diferente.
E que significado pode ter a permissão, prevista no projecto do PS, de a mulher desempenhar trabalhos nocivos no período posterior aos 3 meses após o parto e até aos 7 meses, sendo certo que o PCP propõe que essa proibição se alargue até aos 7 meses após o parto? O que o PS propõe também consta do Decreto-Lei n.º 49 408.
O PS e o PSD apresentaram 2 versões deste projecto porque, segundo creio, repararam ou tiveram um

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rebate de consciência, já que no primeiro projecto não previam os casos dos filhos adoptivos e os direitos em relação a esses filhos, o que contrariava a nova instituição familiar, também fundamentada em laços afectivos, nomeadamente na adopção, e que resultou da Reforma do Código Civil.
Gostaria ainda de perguntar por que razão o PS e o PSD enfatizam a igualdade de direitos e deveres na sociedade conjugal, sendo certo que o nosso ordenamento jurídico protege já as uniões de facto, e prevê a existência de família ainda que não assente no casamento.
E bem evidente a distância entre os dois projectos em análise, e também aqui se percebe que é o projecto do PCP que contém as medidas mais adequadas para a realização de uma maternidade e paternidade felizes.
E também fica bem claro, a adequada articulação do nosso projecto com o que apresentámos sobre planeamento familiar e educação sexual.
Com efeito, a experiência herdada de séculos e séculos de obscurantismo e a nossa experiência vivida directamente no fascismo, diz-nos que a felicidade dos casais se ressente de traumatismos que vêm dos bancos da escola.
Do recado farisaico a que o fascismo remetia as raparigas, da absoluta separação dos sexos em matéria de educação, de tabus vários que se destinavam à opressão da mulher. veio-nos o absoluto desconhecimento, em termos correctos, de questões básicas sobre o funcionamento do corpo humano. Este resumia-se à cabeça, tronco e membros.
Torna-se absolutamente imprescindível que a educação sexual volte aos programas escolares, retomando a experiência positiva encetada em 1975.
Porque não há qualquer moralidade, Srs. Deputados, em esconder das crianças, dos adolescentes e dos jovens o funcionamento completo do seu corpo.
Imoral é, sim, levá-los ao conhecimento de questões reais da vida através de conversas com outros colegas já mal esclarecidos.
E isto, esta falta de esclarecimento, este obscurantismo, que torna a adolescência e a juventude e até os adultos objectos do negócio sórdido da pornografia.

Aplausos do PCP.

E é por tudo isto que o projecto de lei do PCP traça orientações no sentido de os programas escolares incluírem as noções mínimas sobre informação sexual.
Mas. porque a felicidade dos casais, a maternidade e a paternidade livres, conscientes e felizes, passam também pelo planeamento familiar, pela regulação dos nascimentos, o PCP propõe ainda medidas neste domínio. São tão incontestáveis que o PS e o PSD se limitariam. também aqui, a decalcá-las.

Pela nossa parte pensamos que o que é urgente é adoptá-las. independentemente da paternidade.
E que com a AD, com o CDS na Secretaria de Estado da Família, o planeamento familiar também não fugiu às tentativas de estrangulamento que, a nível geral, se dirigiram a todas as conquistas do povo português.
E é aqui de salientar a situação proibitiva do acesso às consultas por parte dos jovens não emancipados se não acompanhados dos pais ou dos seus representantes legais, imposto por circular difundida pela Direcção-Geral da Saúde. assentando num despacho do Ministro dos Assuntos Sociais, isto no tempo em que era Secretária de Estado da Família a Sr.ª D. Teresa Costa Macedo, do CDS.
Esta situação ainda continua, este Governo ainda no revogou tal medida. E, no entanto, tal despacho não tem qualquer apoio na Constituição nem na lei.
Com efeito, toda a actividade do menor que se dirige a uma consulta de planeamento familiar não poda reduzir-se à sua defesa jurídico-negocial.
Daí que não podem aqui aplicar-se os normativos legais que exigem a substituição do menor pelo seu representante para tornar válidos os actos que se encontram dentro dessa esfera jurídico-negocial.

Na área da educação, o pai ou a mãe não são representantes legais do menor, são simplesmente orientadores com particulares responsabilidades. O seu poder de orientação tem obviamente limites - aqueles que resultam do interesse público na defesa da saúde e do equilibrado desenvolvimento físico e psíquico dos jovens.
E isto que importa consagrar sem mais perda de tempo, juntamente com as medidas que garantam para toda a gente o direito a uma livre escolha a um verdadeiro planeamento familiar.
E esse o objectivo dos nossos projectos.

Aplausos do PCP.

O PS, que em 1982 os votou favoravelmente, quis agora copiá-los, piorando-os pelo caminho, ou consagrando em termos discutíveis propostas polémicas em matérias como a esterilização e a inseminação artificial.
Posta perante as exigências das suas bases, a direcção do PS quis tomar uma posição discreta e envergonhada, quase pedindo desculpa aos seus amigos de ter de acompanhar, mas em muitos casos mal, as propostas do PCP.
Mas as mulheres portuguesas, levadas ao desemprego, à penúria por míngua de salários, à humilhação perante a repressão patronal, a uma esgotante vida familiar, sabem que se esta Assembleia aprovar alguma lei no que concerne aos seus direitos, o sinal positivo dessa lei dever-se-á ao PCP, à sua luta em defesa da condição feminina.

Elas já são as fadas do lar num pedestal de humilhações.
Elas são as companheiras já despertas para a luta e que nos exigem as leis que consagrem os seus direitos.

Aplausos do PCP.

Durante a intervenção, reassumiu u presidência o Sr. Presidente Tito de Morais.

O Sr. Presidente: - Pediram apalavra os Srs. Deputados jardim Ramos e Amélia de Azevedo, penso que para formularem pedidos de esclarecimento.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente. queria dizer que não tenho tempo para responder, pois esgotei o tempo do meu partido com a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada já não tem tempo para responder, mas apesar disso, o Sr. Deputado Jardim Ramos pode pôr as questões que desejar.

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O Sr. Jardim Ramos (PSD): - De qualquer modo, levantarei aqui uma questão.
Sr.ª Deputada Odete Santos, apraz-me registar que muitas das medidas- relativas aos cuidados da saúde constantes no projecto de lei sobre a protecção e defesa da maternidade apresentado pelo PCP em especial o direito à vigilância médica especial, o boletim de saúde da grávida e as incumbências dos centros de saúde - já existem na Madeira. E porque houve confusão entre a proibição da venda de produtos farmacêuticos abortivos e o serviço de planeamento familiar, que é uma realidade na Região Autónoma da Madeira. considera ou não a Sr.ª Deputada que o Serviço Regional de Saúde da Região Autónoma da Madeira tem algum mérito?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, se assim o desejar.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Lamento que a Sr.ª Deputada não tenha tempo para responder, mas, todavia, queria assinalar aqui, muito brevemente e de forma pontual, algumas concordâncias e discordâncias com aquilo que acabou de proferir.
Por exemplo, discordo da Sr.ª Deputada quando diz que no nosso país nada se tem feito no que respeita à implementação dos equipamentos sociais, nomeadamente de creches e de jardins infantis. No entanto, o facto de a Sr.ª Deputada ter dito que o seu número triplicou, significa que se avançou bastante, significa realmente que os sucessivos governos se têm esforçado bastante no sentido de implementação desses equipamentos sociais.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Mas isso foi em certo período!

A Oradora: - Por outro lado, tal como já no outro dia foi referido aqui pela Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social. o facto de se discutir se a idade da reforma da mulher deve ser aos 62 ou aos 65 anos não significa que a subida da idade da reforma da mulher seja sempre uma desvantagem, pode até ser uma vantagem, porque muitas vezes o que se verifica é que as mulheres têm pouco tempo de serviço para a reforma

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - As idades para a reforma deviam era baixar!

A Oradora: - Portanto, esta questão é rima arma de 2 gumes que, em certos casos, se pode voltar contra as próprias mulheres.
Por outro lado, concordo consigo quando refere que há contratos colectivos de trabalho que discriminam a mulher - como é o caso da TAP - e o Grupo Parlamentar do PSD teve já ocasião de se pronunciar, quer na Comissão da Condição Feminina, quer até mesmo em recomendações ao Governo, no sentido de ser abolida essa discriminação.
Concordo também consigo quando diz que deve ser dada uma dispensa de trabalho ao pai para assistir ao parto, uma vez que o nascimento da criança deve ser comparticipado pela paternidade.
De momento não me alargarei mais para não fazer perder tempo à Câmara. Mais tarde poderei tecer mais algumas considerações acerca destes problemas, mas por agora é tudo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção. tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente. Srs. Deputados: Portugal foi, de todas as nações europeias, a que mais contribuiu para a revolução cultural, científica e humanista do Renascimento. Com as suas navegações, com o «ver claramente visto», com a experiência a que Duarte Pacheco Pereira chamava «madre das coisas» e pela qual, segundo ele. «se chegava radicalmente à verdade», Portugal pôs nessa altura em causa os mitos, os dogmas, os livros das autoridades. Criou um novo modo de ver, de sentir e de pensar. Foi a grande contribuição lusíada para a evolução da Humanidade. E a nossa grande herança: a de uma cultura viva, fundada na liberdade de espírito e na consciência experimental. Infelizmente, veio depois um largo período em que, como escreveu Antero, «enquanto as outras nações subiam, nós baixávamos». Tinha morrido em nós o espírito moderno. E tinha entrado em decadência um facto civilizador essencial, aquele a que o mesmo Antero chamava a liberdade moral, que apela para o exame e a consciência individual e que, ainda segundo Antero, é rigorosamente o oposto do catolicismo do Concílio de Trento, para quem a razão humana e o pensamento livre são um pecado e um crime contra Deus.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Que tem isto a ver com o nosso debate? Aparentemente nada, de facto tudo. Veste, como noutros temas, Portugal precisa de novo da lufada de ar fresco do pensamento livre e criador, não do ar abafado das ideias feitas, dos preconceitos e dos dogmas.
E que, subjacente a este debate, não está só uma diferença de opiniões religiosas ou filosóficas, não está só um conflito de valores, nem só um problema de convicções pessoais, nem apenas uma questão de ordem social ou jurídica; está, e é preciso dizê-lo, uma questão cultural. E que questão cultural é essa? Não é outra senão a que vem de muito longe, entronca na História e se tem traduzido sempre entre nós no velho conflito entre o espírito crítico e o apego à autoridade, entre a liberdade moral e a imposição dogmática, entre o impulso renovador e a tradição integrísta.
Conflitos de heranças ou inspirações culturais diferentes e mais profundamente enraizadas dentro de nós do que à primeira vista poderíamos supor. Bastou que fosse trazido à discussão um problema que tem. sobretudo, a ver com a liberdade de consciência para que de novo esse conflito de culturas viesse à superfície com a sua inevitável carga de emoção e de paixão.
Mas não nos ericemos demasiadamente. Sempre fomos um país que retirou a sua força da sua natureza plural e multifacetada. E bom que os vários ramos da família portuguesa assumam de quando em vez, com clareza, a sua diferente tradição e inspiração histórica e cultural, que, o mesmo é dizer - o seu velho e sempre novo conflito de culturas. E bom para cada um de nós, é bom para a democracia, é bom para Portugal. Com uma condição: a de que ele não ultrapasse as fronteiras da tolerância. Porque, como dizia Voltaire, não é a tolerância que constitui um perigo para a ordem pública, mas sim a intolerância. Porque a tolerância, tal como hoje é concebida, não é um ideal puramente individual, antes implica a existência de um Estado

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neutro do ponto de vista da religião e, por isso mesmo, garante da própria liberdade religiosa.

O Sr. Fernando Amaral (PSD): - Muito bem!

O Orador: - No fundo, sem que ninguém o tenha dito, é disso que estamos a tratar: da fronteira entre o Estado e a igreja, entre o confessional e o social, entre o espiritual e o jurídico. Não estamos em domínio de verdade revelada. Estamos perante matéria que a todos nós suscita interrogações, preocupações e dúvidas.
Por isso é que, de certo modo, se tem viciado este debate desde o princípio ou mesmo antes.
Primeiro, porque se tem pretendido abrir um conflito religioso a propósito de um problema que, na ordem prática, é fundamentalmente social e jurídico.
Segundo, porque se tem tentado imprimir um cunho confessional a uma questão que tem, sobretudo, a ver com a liberdade moral, com a liberdade de consciência de cada um.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Terceiro, porque se tem lançado a confusão sobre o fundo do problema, que não é o de saber quem é por ou contra o aborto, mas o de saber quem é pela adaptação da realidade jurídica à realidade social ou pela manutenção de uma lei que está em contradição com a vida e que a vida, na prática, já revogou.

Aplausos do PS, da UEDS e de alguns deputados do PCP.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de saber quem é pela verdade na lei ou pela persistência nela da mentira e da hipocrisia.
Ninguém aqui é a favor do aborto. Ninguém aqui defendeu ou defende a sua liberalização. E todos, independentemente das diferentes inspirações culturais, religiosas ou ideológicas, consideram que o aborto é um mal e um flagelo social. Há uma lei que proíbe e reprime o aborto, mas não impede que ele se pratique impunemente aos milhares. Como aqui fui dito pelo meu camarada Almeida Santos:

Sabemos que o aborto se pratica das formas mais sofisticadas, em clínicas de luso. às formas mais sórdidas, em desvãos de escada tudo uma vez mais dependendo do dinheiro que se tenha.

Sabemos que em consequência do aborto clandestino há muitas mulheres que continuam a morrer ou a ficar gravemente afectadas e mutiladas.
Essa é uma verdade e uma evidência contra a qual nada pode a mentira e a hipocrisia de uma lei caduca, revogada em cada dia, pela prática do aborto clandestino.
Não se trata de ser por ou contra o aborto, não se trata de o legalizar: trata-se no projecto apresentado pelo PS, de o despenalizar, em 3 casos tipificados, dentro de apertadas balizas temporais: o caso de perigo de morte ou de grave lesão para o corpo ou a saúde da mãe; o caso de nascituro portador de doença grave e incurável ou de malformação: o caso, enfim, da gravidez resultante de crime de violação. E disto que se trata, nem de mais, nem de menos.

O Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!

O Orador: - Não se pretende impor nada a ninguém! Apenas se deseja consagrar, nos casos referidos, a liberdade de opção, a liberdade de escolha.
Nenhuma mulher será obrigada a abortar naquelas circunstâncias. Por mim, e conheço pelo menos um caso, entendo que é credora de respeito e admiração a mulher que decide sacrificar-se para dar vida ao filho que traz em si. Mas é uma opção pessoal. ditada pela fé ou pela convicção.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não pode continuar a ser um imperativo legal, porque também aqui, de um outro ponto de vista, se trata de um atentado ao direito à vida consagrado na Constituição.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.

E por isso a lei em vigor, neste caso pode e deve ser considerada inconstitucional. E por isso é necessário adoptar uma solução que não permita, que ninguém mais possa voltar a ser penalizado por optar pelo direito de viver ou sobreviver.
Poderão os cidadãos portugueses, católicos ou não, agir segundo a sua fé ou as suas convicções e decidir livremente nos casos mencionados.
Poderão os médicos aceitar ou não praticar o aborto nessas circunstâncias, porque também a eles é reconhecida a objecção de consciência.
Nada se obriga, nada se impõe. Apenas se despenaliza o aborto em situações em que a sua actual penalização representa, para muitos portugueses. um atentado à vida em nome da vida e uma violência moral em nome da moral.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ficará, pois, salvaguardada a liberdade de escolha de cada cidadão. O que não pode continuar a aceitar-se é que em nome de uma fé em si mesmo respeitável, se imponha a todos os cidadãos concepções que lhe são alheias. porque isso é também uma forma de totalitarismo.

Aplausos do PS, do MDP/CDE, da UEDS e do Sr. Deputado José Magalhães do PCP.

Do mesmo modo, se compreende e respeita que a Igreja, através do seu magistério espiritual, procure combater o aborto sob todas as formas, mesmo as que são despenalizadas no projecto do PS, já não se compreende que ela o faça, como se diz num recente documento de um grupo de católicos portugueses, «usando uma linguagem de poder e violentação da consciência política».
Como se diz ainda nesse documento, assinado. entre outros, pelo Prof. Miller Guerra e por um nome grande da nossa literatura, o de Sophia de Mello Breyner.
Nós respeitamos a opção moral da igreja católica. Mas julgamos ser um erro grave e de graves consequências deslocar um problema de consciência para um campo de batalha político. Não é possível querer ressuscitar «o braço secular»

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contra o que a Igreja considera ser pecado. E não parece sensato querer abrir um conflito religioso na defesa de um estatuto político-social que já hoje não é aceite por grande parte da sociedade portuguesa. Ao pretender deslocar o sentido de voto da população católica, a Igreja não combate o aborto, mas combate-se a si mesma.

Aplausos do PS.

Também aqui, culturalmente, se confrontam diferentes inspirações: a do integrismo e a do espírito renovador, a do Concílio de Trento e a do Concílio do Vaticano II.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vamos retribuir os qualificativos que nos têm sido dirigidos. Não temos vocação de Herodes nem somos assassinos de crianças, não aceitamos que nos coloquem no banco dos réus por exercício de um direito, mas também não chamaremos Pilatos aos que falam alto hoje mas noutras circunstâncias se calaram.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.

Pelo menos não se ouviram quando D. António Ferreira Gomes era obrigado a exilar-se, quando Torga estava no Aljube, quando Nuno Rodrigues dos Santos era preso, quando Álvaro Cunhal era torturado, Delgado assassinado e Mário Soares deportado para São Tomé.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.

A cada um a sua memória e a sua história.
Nós temos a nossa, que é, como sabem, a da resistência à tirania e à guerra.
A cada um a sua tradição e a sua cultura.
Nós temos a nossa. Filia-se naquele espírito crítico e naquela consciência experimental que pôs em causa mitos, dogmas, autoridades e abriu os novos caminhos do Mundo e do saber.
A cada um as suas convicções e a sua crença.
Nós temos a convicção da tolerância como sinónimo de liberdade de consciência, de expressão e de acção. Em nome dela defendemos a igreja portuguesa quando esquerdistas irresponsáveis a atacaram e puseram em causa.

Aplausos do PS e da UEDS.

Defendemos até a Rádio Renascença, que, em grande parte, graças a nós, pode hoje atacar-nos livremente.
Nós temos a crença daquela liberdade moral de que falou o grande Antero e que é fonte e mãe de toda e qualquer forma de liberdade.
E em nome dessa liberdade que vamos votar e aprovar um projecto que representa, em nosso entender, um triunfo do espírito crítico sobre o espírito dogmático, da vida sobre o preconceito e, acima de tudo, da liberdade sobre o autoritarismo.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se. os Srs. Deputados Horácio Marçal. José Gome, Nogueira de Brito, Azevedo Soares e Roleira Marinho.

Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - O Sr. Deputado Manuel Alegre defendeu há pouco a alegria da vida Mas o CDS defende a alegria da vida das crianças normais e das crianças anormais.

Risos.

Quero apenas perguntar ao Sr. Deputado Manuel Alegre se está realmente convicto de que com o projecto de lei do PS se impede o aborto clandestino e se este diploma tem em consideração a saúde daquelas mulheres que praticam abortos consecutivos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Manuel Alegre, deseja responder já ou no fim?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, se me concede a mesma facilidade que concedeu ao Sr. Deputado Lucas Pires, quando desejar responder farei sinal à Mesa.

O Sr. Presidente: - E evidente que sim, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Gama, para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Gama (CDS): - Sr. Deputado Manuel Alegre, é o PS que, sistematicamente, quer «empurrar» esta posição para a igreja católica.
Repare que no ano passado o Sr. Dr. Almeida Santos, no seu discurso, invocou Deus 6 vezes e o pecado 5 vezes. Eu diria, reportando-me aos ensinamentos da igreja católica que tantas vezes referem, que o seu 2.º Mandamento diz para não se invocar o santo nome de Deus em vão!
O Dr. António José Saraiva está contra o aborto, Pierre Chaunnu, que é um historiador protestante, está contra o aborto - e isto para falar apenas em posições tomadas recentemente, há poucos dias -, Bernard Nathanson, que foi um dos líderes e um dos pioneiros do aborto nos Estados Unidos da América, é hoje um abortista arrependido. Pergunto se as posições de um agnóstico, de um protestante e de um ateu podem ser vistas como um problema que nós empurramos para a igreja católica? Situamo-nos rigorosamente fora dele, uma vez que o CDS, como já aqui afirmei, é um partido constitucional!

Neste momento o público que se encontrava nas galerias manifestou-se, atirando panfletos para o hemiciclo e tentando exibir um cartaz.

O Sr. Presidente: - Tive ocasião de prevenir as pessoas que estão a assistir ao debate que não se podem manifestar. Quero lembrar que existem disposições legais que punem estas manifestações e eu não queria ser obrigado a fazer cumprir aquilo que está determinado em casos de insulto a órgãos de soberania, como é a Assembleia da República.
Senhores guardas, fazem o favor de fazer sair as pessoas que pretenderam manifestar-se.

Pausa.

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O pública que está a assistir aos debates sabe que não se pode manifestar seja de que modo for, nem a favor nem contra o que se discute nesta Assembleia, e que não pode lançar para a Sala nenhum objectos
Farei evacuar as galerias se se voltar a repetir o que aconteceu agora e farei punir aquelas pessoas que forem encontradas em flagrante delito.

Aplausos do PS, do PSD, da ASDI e de alguns depurados do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito, para pedir esclarecimentos.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Manuel Alegre, suponho que é a primeira vez que dialogo com V. Ex.ª nesta Câmara e faço-o com prazer, recordando outros diálogos e outras lutas leais que travei com V. Ex.ª na assembleia magna dos estudantes de Coimbra.
Sr. Deputado Manuel Alegre, V. Ex.ª falou, suponho que lamentavelmente, de 2 culturas e depois de 2 ramos da família portuguesa, tendo referido que este problema do aborto punha novamente em confronto as 2 culturas portuguesas.
Preferia que se tivesse ficado pelos 2 ramos da família portuguesa, pois tinha sido uma posição que unia em vez de separar, mas ao falar de 2 culturas V. Ex.ª foi, mais um vez, reducionista.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado Manuel Alegre, quais são essas famílias, quais são essas culturas? E a cultura que junta o PS ao PCP ou aquilo que eles representam? E essa a cultura em que V. Ex.ª se integra e é esse o confronto que considerou fundamental para esclarecimento da sociedade portuguesa? E esse o confronto que realmente divide ao meio a nossa sociedade e é essa a metade em que o PS se integra? E esse o sentido do seu discurso? Gostaria que esclarecesse a Câmara.
Sr. Deputado Manuel Alegre, quem tem afinal introduzido um cunho verdadeiramente confessional neste debate? Não terá sido o PS?

O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Não foi o PS que veio, pela voz do Sr. Deputado Sottomayor Cardia, usar como interlocutor a igreja católica? Quem é que verdadeiramente introduziu um cunho confessional neste debate?
Assistiu-se a mais uma tentativa de descaracterização da vossa lei!
A manutenção do Código Penal que aprovámos em 1982 tem ou não a ver com um atitude favorável ao aborto?
V. Ex.ª falou do direito da mãe à vida, do seu direito de sobreviver. O que é que o direito de sobreviver da mãe tem a ver com o aborto eugénico ou com o caso do aborto ético devido a violação?
Sã estas as questões que gostaria de ver respondidas, Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer as perguntas que me foram feitas pelos deputados do CDS.

Aliás, já prestei homenagem ao vigor com que estes Srs. Deputadas defenderam aqui as suas posições e convicções. Não podem, pois, levar-nos a mal que púnhamos idêntico vigor na defesa das nossas.
Penso que o que este debate teve de importante foi que os partidos representados nesta Assembleia, e que exprimem na sua pluralidade o essencial do povo português, não se tenham disfarçado e tenham assumido a sua plena identidade político-cultural.
Esta minha afirmação é um pouco do que eu gostaria de ter podido dizer aquando da minha primeira resposta ao Sr. Deputado Lucas Pires.
Penso que com isto ganhou a democracia portuguesa, com todos os riscos que daí possam decorrer, porque há momentos em que a afirmação da identidade ou a fidelidade a determinados valores é mais importante do que considerações de ordem táctica.

Uma voz do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Evidentemente que lhes presto homenagem por não se deixarem convencer pelos seus argumentos. Mas far-me-ão a justiça de concordar que também não me convenceram.
Penso que, no essencial, o debate está feito, as posições encontram-se ou não esclarecidas e o resto é do foro íntimo da consciência de cada um.
Nunca afirmei que o projecto de lei do PS impede ou acaba com o aborto clandestino. Nenhum projecto de lei acabará com o aborto clandestino. Esse fim dependerá, sim, de muitos outros factores, tais como as transformações económicas, sociais e culturais, a reforma de mentalidade, enfim, de um longo caminho a percorrer.
Mas, na verdade, penso que o projecto de lei do PS, articulado com os outros projectos de lei aqui apresentados, permite iniciar um combate ao aborto clandestino, permite atenuá-lo.
Não fomos nós que demos a este debate um cunho confessional.

Uma voz do CDS: - Invocam-no!

O Orador: - Não percebo por que é que quando nos dirigimos às posições da igreja católica portuguesa é um direito que nos assiste, porque a igreja é uma instituição que pesa, por vezes excessivamente, cultural e temporalmente na vida portuguesa quando passa do ministério espiritual ao domínio temporal.

O Sr. Nuno Abatesse (CDS): - Não apoiado!

n Orador: - É perfeitamente natural, como já disse aqui o meu camarada Sottomayor Cardia, que quando a igreja portuguesa fala, e fala para todos, pelo respeito que nos merece - a história da igreja confunde-se em grande parte, para o bem e para o mal, com a nossa própria história -, nós, aqui desta tribuna, dialoguemos também com ela.
O que é curioso é que os Srs. Deputados do CDS assumam sem querer, e ainda que para dizer o contrário, o papel de porta-vozes sempre que nós daquela tribuna nos dirigimos ou criticamos (porque não há intocáveis) as posições da igreja. A culpa não é nossa.

Uma voz do PS: - Muito bem!.

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O Orador: - Admito, Sr. Deputado José Gama, que haja pessoas - livres pensadores, não crentes, agnósticas - que sejam contra o aborto. Eu sou contra o aborto. Não lhe direi até qual é a minha posição, mesmo nos casos apresentados nó projecto de decreto-lei do Partido Socialista, porque isso depende de uma opção pessoal. Mas é isso que nós queremos consagrar: uma opção pessoal.
Posso falar aqui de uma pessoa de quem sou muito amigo e que há pouco referi, que é uma das subscritoras do documento de que falei na minha intervenção, Sofia de Mello Breyner, que se declara contra o aborto em todas as situações. Mas a mestra pessoa considera que esta sua posição não pode ter força de lei, não pode ser imposta aos que pensam de outra maneira.

O Partido Socialista pretende que nos 3 casos indicados no seu projecto de lei seja consagrada a liberdade de escolha, a opção, o respeito pela liberdade de consciência, pela liberdade pessoal.

Sr. Deputado José Luís Nogueira de Brito, agradeço as suas palavras e penso que a amizade é um valor cultural. De facto, nós somos, no plano político, inimigos há muito tempo, tuas no plano pessoal penso que a nossa amizade é, em si mesma, um valor de dimensão cultural. E isto para dizer que não falei de 2 culturas, mas da pluralidade de culturas e até refeci dentro do catolicismo português 2 grandes correntes: a integrista e a renovadora. Tal como existe, aliás, nas instituições laicas e nos partidos políticos.
A dimensão universal da nossa cultura é ser uma cultura de mestiçagem, mas, em si mesmo, uma cultura plural. Foi o Sr. Deputado Lucas Pires - e penso que bem - quem primeiro falou em 2 culturas. Temos tradições e inspirações políticas diferentes. Temos uma certa memória do passado. Temos os nossos pontos de referência e os senhores terão outros. Nós assumimos com clareza os nossos, penso - e faço-vos justiça que os senhores não renegarão os vossos!
Estas grandes correntes histórico-culturais diferentes que atravessam a sociedade portuguesa e que em momentos de debate como este, que têm um forte cunho cultural e por vezes irracional - porque a irracionalidade faz parte da história e do próprio debate político -, vêm à superfície, projectam-se e dividem-nos, sem contudo nos separar e sem pôr em causa aquilo que faz de nós uma mesma família: a família portuguesa.
Esta família não é toda uma nem una. É diferente, é plural, é diversificada.
Ao assumir esta herança e a inspiração que é a minha e da minha bancada, não pretendi dividir o País ao meio nem tirar daí as conclusões políticas que o Sr. Deputado e meu querido amigo gostaria que se tirassem. Mas como não há tabus, penso que a prática política em Portugal demonstrou já aquilo que em determinadas circunstâncias nos pode fazer assumir - socialistas e comunistas -, em certos aspectos precisos, uma herança e um passado comum, como por exemplo o da luta contra a ditadura.
Não renegamos nem passamos uma esponja pelo passado e não é culpa nossa que nessa luta tenham estado juntos socialistas, comunistas, sociais-democratas.
Nalguns casos - e este é um deles - pode haver coisas que aproximem, sem identificarem, as posições socialistas e as comunistas e noutros - 1975 mostrou

isso - estaremos mais perto das vossas posições, sobretudo no que se refere ao modelo de sociedade democrática que pretendemos construir em Portugal.
Para chamar as coisas pelos seus nomes, Sr. Deputado, devo dizer que não pretendi pôr em causa uma maioria para criar outra. Num debate desta natureza, com a importância que tem para a sociedade portuguesa e para cada um de nós, para a transparência que deve haver na vida política portuguesa, para que algo mude no que respeita à própria maneira de estar no Mundo, penso que era importante que cada partido assumisse claramente a sua identidade, a sua autonomia própria, a sua personalidade, a sua memória, a sua tradição, a expressão de tudo aquilo que de certa maneira - e perdoem-me a expressão quase metafísica - faz a alma das instituições e a alma dos partidos políticos. Porque sem ela os partidos políticos não são emblemáticos, não «mexem» na sociedade. não são criadores de história.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Deputado Manuel Alegre, não vou retomar o tema da questão religiosa, que me parece descabido aqui e que da nossa parte tem estado sempre ausente no debate, antes colocar-me-ia no plano que V. Ex.ª quis trazer a este debate, porque me parece, de alguma forma, que entender a cultura do próprio país nessa simplicidade dicotómica, havendo herdeiros de uma e de outra, poderá colocar-nos sempre - e eventualmente em questões essenciais- em caminhos apenas paralelos e não em caminhos que possam ser coincidentes e até interligados.
Julgo que cada português tem de assumir como seu todo um passado cultural, porque só assim pode corresponder a uma posição de responsabilidade perante a própria história, perante o presente.
Só assumindo toda a nossa história, todos os seus erros e as suas glórias, estaremos livres, no presente, para continuar essa mesma história.
Quero colocar uma outra questão que se prende um pouco com a intervenção desta tarde do Sr. Deputado Sottomayor Cardia ao falar da neutralidade filosófica, que agora o Sr. Deputado referiu apenas como neutralidade religiosa, com que concordo. E que a verdade é que o Sr. Deputado Manuel Alegre acabou por ir ao mesmo ponto do Sr. Deputado Sottomayor Cardia ao reduzir a questão da despenalização do aborto a uma questão de consciência individual.
Está certo que nesse plano exclusivo se coloque, por exemplo, o aspecto do planeamento familiar ou dos métodos científicos de contracepção; aí sim é um problema exclusivo de consciência individual e não é legítimo ao Estado emitir juízos de valor éticos sobre uma questão do foro íntimo de cada um. Mas no caso do aborto já não é apenas uma questão de consciência individual; aí é exactamente uma questão de consciência colectiva, porque o Estado e a sociedade não se podem demitir de emitir um juízo penal que tenha a ver com a mesma cultura global que lhe referi.
Portanto, são 2 questões diferentes em que não é possível reduzir cada uma delas a uma questão de consciência individual.

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Finalmente, Sr. Deputado, se este é um debate que tem profundas repercussões do ponto de vista cultural e político, temos de reconhecer, depois desta sua última intervenção, que nesta maioria e no apoio a este governo estão juntos os tais 2 ramos da família, as tais 2 culturas, isto é, está feito o caldo destas mesmas culturas, desses ramos, quando no fundo o Sr. Deputado quer manter na história a continuidade da sua dicotomia.
15to quer dizer, Sr. Deputado, que nesta maioria, neste governo, não há a solidez e a base de coincidência que é sempre necessária para que a própria acção governativa também possa ter a mesma coerência no desenvolvimento da um mesmo projecto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimento, o Sr. Deputado Roleira Marinho.

O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, referiu V. Ex.ª que o problema em questão tem sobretudo a ver com a consciência e eu pergunto se a consciência também se move por questões de ordem económica. Aparentemente não será uma plena liberalização do aborto aquela que se prevê no projecto de lei do Partido Socialista, mas quando se lê numa das suas passagens que é lícito recorrer ao aborto em casos de possível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, quer-me parecer que podem caber aqui questões de ordem económica.
Por outro lado, o Sr. Deputado refere na sua intervenção - tal como foi tónica constante nas intervenções de todos os Srs. Deputados do Partido Socialista 3 casos diferentes de recurso ao aborto, mas no entanto no artigo 140.º do nosso projecto de lei estão inscritas 4 alíneas, ou seja, 4 tipos diferentes de recurso possível ao aborto. Não são por isso 3, mas 4 os tipos de recurso tipificados nas alíneas referidas.
Além disso, diz-se e acolhe-se na alínea a) do mesmo artigo tudo o que é previsto diploma do PCP, VV. Ex.ªs não digam, pois, que são contra o aborto!
O PS refere no preâmbulo de, seu projecto de lei que o aborto é sempre um mal reprovável moralmente. Pergunto ao Sr. Deputado Manuel Alegre como é que, com a sensibilidade própria de um poeta e também, de certa maneira, de um filósofo, consegue justificar o projecto de lei apresentado pelo PS com o dizer do seu preâmbulo que contraria o aborto e o reprova moralmente.

O Sr. Presidente: - Há ainda um protesto do Sr. Deputado Nogueira de Brito. O Sr. Deputado deseja responder já ou no fim?

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Respondo já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado; não pretendi fazer uma bipolarização cultural ou política. Não fomos nós que alguma vez, em termos políticos com as incidências culturais e outras que esta questão tem, defendemos a bipolarização em Portugal. Fizeram-no os senhores quando formaram a Aliança Democrática. Foi perfeitamente legítimo e no fundo, em muitos aspectos, o vosso discurso continua a ser cultural e politicamente um discurso bipolarizador.
Eu não tenho uma visão unicitária da história. A história tem as suas grandezas e as suas misérias e nós assumimo-la como história pátria, como história nacional. Mas também tem a sua diversidade, a sua pluralidade, e cada um dos nossos partidas pode aí ter as suas afinidades próprias e nos diferentes momentos que constituem a história estarem mais perto de uns ou de outros, das grandezas ou das misérias.
Não tenho essa visão unicitária da história, embora assuma e pense que todos devemos assumir a história do nosso país.
Srs. Deputados, o problema da consciência individual põe-se em relação a um conflito de valores. O Estado não pode decidir em matéria de conflitos de valores, não pode privilegiar um sobre o outro. É aí que se insere a liberdade de escolha e o problema da liberdade individual.
Apontámos 3 casos em que estão em conflito determinados valores. Temos aí concepções diferentes temos de admitir que essas concepções fazem parte vida, estão inscritas na consciência colectiva, na consciência individual. Não é apenas o Estado que pode decidir nessa matéria. E quando esse conflito de valores existe ele pode e deve consagrar a liberdade de escolha, a liberdade de consciência individual. Daí o nosso projecto de lei.
Não me referi aqui a problemas de ordem económica relacionados com a questão do aborto, Sr. Deputado. Já dissemos e repetimos que somos contra o aborto. Nós nem sequer temos um projecto de lei de despenalização do aborto, mas apenas no sentido de permitir a interrupção voluntária da gravidez naqueles casos que já especifiquei.
Ninguém pode acreditar numa civilização fundada contra a vida ou numa civilização fundada no aborto, isso seria perfeitamente absurdo! E só por malformação, aí de natureza espiritual ou mental, é que se poderia defender uma tal posição. Portanto, não vale a pena viciar mais o debate quanto a este aspecto.
A nossa posição é muito clara: somos contra o aborto, somos pelo direito à vida, mas pensamos que há situações em que há conflitos de valores e nesses casos o problema de saber qual é o mais importante, se a vida da mãe se a vida do nascituro, pode ser um problema de convicção, religiosa ou não problema de convicção, é aí que funciona a consciência individual e a liberdade de opção.
Os senhores entendem que não; nós, por outro lado, entendemos que o Estado não pode tomar partido nessa matéria e que aí o Estado deve ser neutro. Penso que o Estado não é neutro do ponto de vista prático - não há, deste ponto de vista, Estados neutros -, mas nesta matéria, que tem um fundo cultural e implicações de natureza religiosa, o Estado tem de ser neutro e consagrar a liberdade de opção.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito pretende usar da palavra para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CUS): - Apenas para um curto protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Manuel Alegre: V. Ex.ª

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invocou a nossa amizade pessoal e invocou bem, porque só por aí me ficou uma palavra de esperança. E que, realmente, o Sr. Deputado invocou a amizade pessoal como valor cultural e eu confiarei na possibilidade de, como adversários políticos, podermos continuar pessoalmente amigos e isso ser um valor cultural, contribuindo para que tenhamos uma memória. uma história, um passado e uma cultura comuns.
Porque só uma cultura comum garante a democracia neste Parlamento e na sociedade portuguesa; só uma cultura comum garante que, na adversidade e na diferença, possamos estar a dialogar, não pondo em causa o nosso país, a nossa história comum e a nossa cultura comum. Por isso. Sr. Deputado, não queria voltar a ouvir falar de duas culturas portuguesas, pois para mim há apenas cultura portuguesa, e embora essa cultura possa ter várias famílias, ela só tem uma memória histérica, que é a memória do nosso país.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Manuel Alegre, passando agora àquilo que politicamente nos divide, só lhe quero dizer que lamento que VV. Ex.ªs tenham trazido para aqui a questão confessional e lamento também que tenham trazido para esta Câmara um diálogo que tinha como interlocutor a igreja católica. E que a igreja católica não estava presente neste hemiciclo para responder a VV. Ex.ªs

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não é que conteste que queiram dialogar com a igreja católica, mas para isso compreendo e aceito que o Partido Socialista, através do seu secretário-geral, peça audiência à hierarquia da igreja católica. dialogue e fale com a igreja católica.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Compreendo e não estranho, pois trata-se de uma força importante da sociedade portuguesa. Mas não é nesta Câmara que se dialoga com a igreja católica, pois ela não estava aqui presente, nem tinha aqui representantes seus para responder a VV. Ex.as e por isso é que achei infeliz que VV. Ex.ªs tenham utilizado o Parlamento para dialogar com a igreja católica.
E este o meu protesto em relação à sua intervenção. Sr. Deputado Manuel Alegre.

Aplausos do CDS.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Fariseu!

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar. tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, começo pelo fim. Ninguém ignora que as posições da igreja católica inspiram muitas tomadas de posição e o que me parece estranho é que os Srs. Deputados enjeitem essa inspiração que vem da igreja católica!

Vozes do CDS: - Não, não!

O Orador: - Mas ninguém ignora que as posições da igreja influenciaram uma parte da nossa opinião pública. Quem pôs a questão confessional foi a Igreja, e fê-lo em termos que nós consideramos um erro e com o risco da intolerância. Por isso o meu camarada Sottomayor Cardes fez a tal pergunta.
Acreditamos que é possível manter um clima de tolerância e de diálogo tolerante entre as diferentes posições, porque admitimos perfeitamente que a igreja católica defenda a posição que defende. Aliás, seria tão absurdo que a igreja católica deixasse de defender as posições que tem como absurdo seria que o Partido Socialista deixasse de apresentar este projecto de lei e de defender as posições que aqui tem defendido.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Seria um absurdo para uns e um absurdo para outros! Simplesmente, foi a igreja que pôs a questão confessional. Os senhores lamentaram, que levantássemos aqui essa questão. O problema é nosso, nós entendemos que devíamos dialogar e, em certa medida, responder às posições da igreja que tinham incidências de natureza política que se nos dirigiam. Foram feitas ameaças de natureza eleitoral, nomeadamente a ameaça de que os católicos não votassem nos partidos e nos deputados que aqui iam aprovar este projecto de lei e que é, no fundo, um apelo ao voto do eleitorado.

Uma voz do PS: - É verdade!

O Orador: - Ora, essa é uma atitude política que nada tem a ver com o tal magistério espiritual e, em nosso entender, merecia aqui uma resposta ou um diálogo da nossa parte. O problema, como disse, é nosso, entendemos que o devíamos fazer e não abdicaremos de o fazer, como não nos deixámos, nem deixaremos, intimidar por tal tipo de apelos que, em nosso entender, são um erro que se volta - e isso é também um risco - contra a própria credibilidade moral e espiritual da igreja católica.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, quanto ao problema das culturas, é verdade que temos uma cultura comum, uma história comum e uma memória comum, mas temos também culturas diferentes, memórias diferentes e histórias diferentes! Não há contradição nisto, e penso que o Sr. Deputado compreende aquilo que estou a dizer! E se não fosse assim não estaríamos, nesta matéria como noutras, em partidos diferentes, teríamos um partido único, a instituição única, teríamos então o big brother e a sociedade orweliana!
Felizmente que assim não é, e não é porque grande riqueza da cultura e da história portuguesa está na sua diversidade, na sua pluralidade!

Aplausos do PS, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem á palavra o Sr. Deputado Fernando do Amaral.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Bem poucas vezes este Plenário terá sido chamado a reflectir, discutir e apreciar problemas tão sérios, complexos e graves como aqueles que esta

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mos analisando. Porque ele envolve toda a problemática do homem, como pessoa, o seu relacionamento social, as suas origens, o seu fim último, estão em jogo interesses e valores da mais alta relevância. Por isso é um problema sério que mergulha no mais fundo de cada um de nós para nos situarmos nas razões que nos justificam como pessoas, vivendo por si e em comunidade. Porque ele tem o peso da concepção do que somos e para onde vamos, sofre a incidência de vectores do pensamento onde a inteligência procura razões, pressupostos, e objectivos que alargam e aprofundam o mais vasto campo de perspectivas que um labor continuado tem perscrutado numa investigação aturada, persistente e viva.
A Religião, a Sociologia, o Direito. a Biologia, a Filosofia, a Medicina, a Cultura e tantas outras ciências afins têm-lhe dado contributos essenciais na pretensão conseguida de ir rasgando caminhos em busca da verdade. No choque dos argumentos, no julgamento dos dados, o pensamento de séculos tem vindo, num contraditório permanente, a definir o seu rumo. Tem sido uma conquista lenta, difícil e sempre inacabada porque em foco está o destino do homem e a sua justificação.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Muitas teorias, muitas investigações, numa concorrência admirável, têm ilustrado aquela marcha imparável na satisfação das principais interrogações que ao homem se levantam, sobre si próprio e sobre o seu destino. Por isso o problema que nos absorve é complexo. E ainda um problema grave, no sentido de que as soluções encontradas e a definir condicionam, limitam ou alargam o quadro dos direitos fundamentais da nossa vivência como pessoa, como cidadão. como português.
O perfil de tais direitos tem tudo a ver com a nossa liberdade, com a dignidade de que somos portadores, com a concepção que façamos da vida e da comunidade a que pertencemos. A essencialidade da problemática que ora nos mobiliza toca, de forma impressiva e profunda, no que há de mais fundamental nas interrogações que o homem concreto se vem fazendo. Da resposta que se lhes dêem dependerá a segurança com que nos afirmaremos no futuro. Por estar em causa o respeito à vida e a dignidade da pessoa humana, valores fundamentais que servem de suporte a todos os demais interesses e direitos, é que o problema é grave. Grave no sentido de importante, já que as soluções procuradas implicam definições e conceitos que respeitam à natureza que nos distingue e o destino que desejamos. Sério, complexo e grave, ele constitui a trave mestra das discussões que a História vem anotando para afirmar ou negar épocas e civilizações.
Cada vez que o pensamento revolve o passado, analisa o presente e se projecta no futuro, tendo como eixo o direito à vida, é um novo impulso que se dá para a clarificação daquelas interrogações e, sobretudo, para uma melhor e mais perfeita consciencialização de todos os interesses e direitos que em cada época vão preenchendo a vivência de cada um e das comunidades de que faz parte. Embora recuse a tirania das definições formais, sinto que esta discussão tem o incontestável valor de mais um passo para a definição de conceitos, deveres, interesses e direitos que se repercutem no mais íntimo da consciência de todos nós. Por isso me congratulo com a presente discussão, viva, interessada, vigorosa, porque fundamentais são as questões que aborda

Vozes do PSD- - Muito bem!

O Orador: - Ninguém pode, nem deve, ficar indiferente a tal discussão. O tom polémico com que tantas vezes é animada é não só a expressão, segundo pensamos, da força da convicção com que cada um defende, cimo património próprio, os sentimentos e as ideias em que alicerça os seus comportamentos, mas também pelo desejo de dar um contributo veemente e apaixonado às preocupações que ora nos absorvem, na procura de um resposta aos problemas angustiantes da nossa época. Abrir e alimentar tal discussão é arrancar da letargia e da rotina a consciência dos cidadãos para os problemas do povo que somos; é despertar e mobilizar a inteligência e a vontade na busca de soluções e compromissos que esperam concretizações; é abanar os instalados, os comodistas, os individualistas que. embrulhados no seu egoísmo, passam indiferentes ou inconscientemente ao lado de gritantes problemas humanos.

Aplausos do PSD.

É preciso, é urgente, que todos os sintam, os vivam e que, numa doação sem reservas, façam presença ao grito desesperado dos que esperam ou já desesperaram da solidariedade humana: a protecção à mulher grávida e da mãe solteira, a protecção aos filhos sem pai; a defesa da criança, dos deficientes, dos idosos, a protecção da família, a defesa dos que trabalham e não têm salário; a defesa do salário justo, da habitação condigna, da saúde, do ensino, enfim. defender, preservar, proteger, fomentar e descobrir as soluções para os problemas que constituem um dedo acusador à consciência dos governantes, das instituições, dos cidadãos, quando produto do desconhecimento, da negligência, da indiferença e do egoísmo que desfiguram um povo e o rebaixam aos níveis da barbárie.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Há que fazer um esforço heróico numa arrancada de solidariedade responsável e consciente.
Sabemos que a solução dos problemas em causa não depende exclusivamente de um governo, desta ou daquela instituição, desta ou daquela pessoa. Ela tem de ser obra de todos para uma vida melhor, uma solidariedade comprometida de homens livres, para que jamais se possa ouvir a acertada denúncia de Sartre quando concluía pelo imenso fiasco da fraternidade humana, já que a solidariedade que então observava era a semelhante à que unia os remadores de galera
Com esta preocupação, que envolve o profundo desejo de que construamos um mundo melhor, mais justo, mais fraterno, me louvo nas iniciativas legislativas postas aqui em discussão.
A defesa da maternidade, a garantia do direito ao planeamento familiar e à discussão da sexualidade. são propósitos que aplaudimos e que gostaríamos de ver concretizado- nos limites, pressupostos, objectivos e processos que concorram para a dignificação da pessoa. Elas constituem um imperativo, uma exigência insofis-

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mável, à garantia e desenvolvimento dos direitos do homem. Porque o homem é o fundamento, a causa e a finalidade de todas as instituições sociais, porque «longe de ser um objecto ou um simples elemento passivo da vida social, o homem é, bem pelo contrário, e deve ser e continuar sendo, o seu sujeito, o seu fundamento e o seu fim», há que aferir aos normativos referidos com o conceito que fazemos da natureza a dignidade humanas.

Estas serão as fontes onde buscar critérios, orientações e soluções que se ajustem à força que delas dimana. O homem não será nunca uma «paixão inútil». «Por mais numerosas que sejam as maravilhas nenhuma ultrapassará o homem», como diria Sófocles.

A dignidade do ser humano, baseado na sua natureza, faz do homem um soberano que tem em suas mãos o seu próprio destino. A expressão vital desta natureza é a liberdade. Ele é o único entre todos os seres vivos que se mede pela sua própria liberdade e responde pelos seus actos, É o único ser responsável. Daí a sua grandeza, a sua soberania, a sua nobreza.

Res-pondere quer dizer pesar as coisas e escolher entre elas de acordo com o respectivo peso. Porque ser livre é escolher, escolher é julgar e julgar é responder, pesar as coisas e reconhecer-se responsável pela sua escolha. O destino do homem é também o destino da sua liberdade, como diria Lavelle. Por isso o não julgamos ao nível dos factores de produção e o entendemos como um portador de valores.

E nesta perspectiva humanista que o meu partido se reivindica de partido de liberdade de espírito onde convergem pessoas vindas de sectores diferentes do pensamento, desde o compromisso religioso ao do alinhamento ateu, mergulhando raízes na cultura greco-latina ou colhendo ensinamentos fecundos na vivência cristã, em ordem a um humanismo que coloca a pessoa humana no centro das suas preocupações políticas. Por isso, não poucas vezes nos temos apropriado da lapidar expressão do pensamento de Sá Carneiro, quando dizida que «não há para nós qualquer outra ordem política aceitável que não seja a que se baseia na dignidade do homem livre».
E pele reconhecimento da dignidade da pessoa humana que se confere perenidade a todos os outros direitos, subtraindo-os à força discricionária do poder. É que a protecção conferida à dignidade humana constitui o último reduto do direito quando a garantia de todos os outros direitos fundamentais se revela ineficaz. Ele é o mais primário e subsidiário de todos os direitos.
É nesta perspectiva que nos orgulhamos de ver no artigo 1.º da nossa Constituição a consagração daquele princípio, quando expressamente afirma que o nosso país é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana. Este será o pórtico mais rico para todas as construções políticas, sociais, jurídicas, económicas ou culturais. A dignidade humana é, assim, o sólido alicerce a sustentar tudo quanto o pensamento possa criar e dinamizar a benefício do homem. Vão o homem abstracto, desencarnado, cuja dimensão não consigo apreender nem concebo. Mas o homem concreto, eu, vós, cada um de nós. O homem, enquanto membro da sociedade na perspectiva humanista, tem sumo núcleo essencial desta ideia o que Barbosa de Melo lapidarmente exprimiu: nas relações sociais cada pessoa singular e concreta é um fim em si mesma, possui uma dignidade que não tem preço: deve ser e valer para os outros como sujeito e nunca como objecto. Ninguém deve instrumentalizar ninguém.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Esta é a norma fundamental da ordem jurídica e social da democracia. Mo pensamento democrático a eminente dignidade da pessoa humana aparece desenvolvida, numa primeira explicitação, através dos princípios da liberdade, da igualdade, da fraternidade.
A nossa Constituição apropriou-se do princípio e cada português poderá rever-se nele como das mais belas consagrações do seu texto.
A pessoa está, assim, admiravelmente situada no centro de todos os problemas humanos e adquire dimensões que a colocam muito acima do indivíduo e de todo o universo material com uma dignidade que lhe aduem da tríplice riqueza: espiritualidade, liberdade, responsabilidade. A pessoa é autónoma, sui juris, não vai procurar a sua razão de ser em outrem: encontra-a em si mesma. Ela constitui como tal ... uma espécie de absoluto que exige um respeito voluntarioso. A pessoa tem uma configuração, uma função, uma presença que é única e não pode ser substituída. Ela ocupa um lugar que só pode ser seu. Cada uma é o que é: única, pessoal, insubstituível.
E que a pessoa é aquilo que se não repete, é o «não inventariável», como escreveu Gabriel Marcel. A pessoa não se reduz a um conjunto de funções ou de reflexos combinados. Ela transcende a natureza. Só ela conhece a natureza, só ela a transforma, mais ainda, como diria Mounier, só ela é capaz de amar!
É da grandeza e profundidade da dignidade da pessoa humana que nasce e se fortalece o direito à vida. E o primeiro direito da pessoa. Ele é fundamental e condição para todos os outros.
Não compete à sociedade, não compete ao poder, seja qual for o processo ou modo, conceder esse direito a alguns e não a outros. Porque se trata de um direito fundamental, toda a discriminação é iníqua. A vida humana, estando no vértice da escala dos valores, não pode ser subordinada a nenhuma vantagem, nem do indivíduo, nem da colectividade.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A defesa da vida, se é um valor básico do ordenamento jurídico, que justifica a existência das sociedades, é também, e essencialmente, um atributo inseparável do princípio consagrado da dignidade da pessoa humana. Abrir fissuras em tal direito é cometer a afronta de uma ameaça que se concretizaria na supressão dos valores fundamentais, por mero capricho dos homens. Temo-me deste e receio pelo futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se fala do direito à vida vem, pela força do contraste, a ideia do aborto.
A medicina, a biologia, a teologia, a ciência criminal, a filosofia, a sociologia e ougas ciências pergaminhadas, pronunciam-se sobre ela pela voz dos seus mais destacados corifeus. O que digam, o que escrevam, é passado depois pelos filtros da consciência de cada um. Formam-se correntes de opinião e, desde a gratuitidade dos argumentos até ao peso responsável das afirmações, tudo serve para alimentar a discussão

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e transformar em polémica, pela radicalização das posições, a problemática do aborto.
Na pretensão de dar o meu testemunho e proclamar a posição do meu partido, senti o desejo de marcar nela a minha presença. Aquela é tão importante e tão séria que não se pode ficar indiferente. Pela minha parte darei por esta e outras vias o meu contributo. ainda que modesto, para definir posições e clarificar comportamentos. Ele se traduzirá nas reflexões que me suscitou o projecto de lei n.º 265/III, e só este, já que o tempo de que disponho me não permitirá ir tão longe quanto desejaria, para me pronunciar sobre outros, de não menor importância, que reclamam a disponibilidade de todos para a análise conducente a uma decisão justa.
Vem o referido projecto subscrito por pessoas a quem não regateio o crédito de merecimentos que impõem o meu respeito. Tal facto, porém, não me inibirá de, franca e lealmente, anunciar o que penso sobre a iniciativa formulada.
Com ela se pretende, pela revisão do Código Penal, despenalizar o aborto. No intróito, na explanação dos motivos que a justificam, vem expressamente referido:

Que o aborto é sempre e intrinsecamente um mal
Que a sua prática se generalizou em termos socialmente alarmantes;
Que temos assistido impotentes, se não complacentes, a um importante avolumar de cifras negras e a um escassíssimo número de condenações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - Que as disposições incriminadoras e a reprovação moral não constituem contra motivo relevante para a consciência dos que recorrem à interrupção da gravidez.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!

O Orador: - É esta a triste realidade social que reclama a solicitude dos responsáveis políticos tanto quanto os valores éticos envolvidos exigem a coerência dos pensadores.
Com tal motivação se pretende justificar a dispenalização do aborto, no caso da inevitabilidade de uma opção entre a vida da mãe e a do filho; nu caso de perigo de morte ou de grave lesão para o corpo ou para a saúde da mãe; no caso de nascituro portador de doença grave e incurável ou de malformação; no caso da gravidez resultante de um crime de violação. Tudo, segundo a exposição de motivos, se dirige fundamentalmente contra o aborto clandestino e às condições inumanas em que é praticado. Com tais pressupostos se pretende alterar o quadro legal da tipicidade do crime do aborto.
Louvamo-nos na primeira asserção feita de que o aborto é sempre intrinsecamente um mal. Na verdade o aborto é uma confissão de derrota que se torna colectiva quando legalizado. Admitir o aborto é aceitar a destruição da vida. E intrinsecamente um mal porque destroi um novo ser que nunca foi criado antes, em toda a história, nem nunca voltará a ser criado depois. E intrinsecamente um mal porque destrói um ser que é único, insubstituível, não identificável. E a destruição de uma vida que jamais se repetirá. 0 aborto é intrinsecamente um mal porque z um desequilíbrio e uma afronta a um direito fundamental. Direito que é uma exigência à vida humana colectiva cuja negação produz a morte e, analisando mais fundo, promove o seu aviltamento.
Se ele é intrinsecamente um mal, não será nunca uma libertação, mas antes uma das formas mais brutais do predomínio de um ser humano sobre outro ser humano. Se é intrinsecamente um mal ele continuará a ser um mal, independentemente de ser praticado por pessoal qualificado ou não - ser legal ou não. E sempre um mal. Apesar disso, constata-se a sua prática generalizada em termos socialmente alarmantes num avolumar de cifras negras. Para lhe minimizar os volumes propõe-se a despenalização do aborto.
Pensamos que o projecto de lei n.º 265/III, não terá justificação em função daquela realidade. Ele equivale a matar o doente em vez de eliminar a doença. Efectivamente não podemos nem devemos mergulhar no pânico e na irresponsabilidade, ignorando os verdadeiros problemas camuflando-os com o recurso a soluções que o não são.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Numa sociedade em desequilíbrio, dominada por um consumismo desenfreado, impulsionado pelo dinheiro como mola real de um desenvolvimento económico fantasma: numa sociedade onde a droga, a corrupção, o enriquecimento fácil, à margem das obrigações ditadas pelo direito e pela moral fazendo gala de opulência, perante a fome, a miséria, a promiscuidade e o desespero dos mais fracos; numa sociedade onde a firmeza de carácter se deixou diluir pela permissividade das conveniências, dos interesses mesquinhos e pelo lucro sem freio, temos de constatar com tristeza e profunda mágoa a mancha negra da cifra do aborto.
Numa saciedade materialista onde começa a dominar mais o medo de viver que de morrer, onde reina o desespero e a fome, aquela mancha negra é mais uma das suas nódoas, sem dúvida das mais angustiantes. Mas despenalizar o aborto, nos casos concretos que o diploma enuncia é resolver o problema ou dar-lhe sequer satisfação mínima? Com tal despenalização o aborto deixará de ser intrinsecamente um mal? Com a despenalização curaremos o mal? Será que a formulação jurídica descaracterizará a essencialidade do aborto como um mal?
Entendemos que as receitas e os mecanismos propostos não levam ao ganho da causa, porque se não atacam as razões sociais que levam ao aborto e se não esclarecem as razões íntimas que ajudem a mulher grávida a cumprir a sua missão de mãe. Aí, sim, reside a nobreza das atitudes humanas no respeito que é devido à sua dignidade. Fomente-se uma educação sadia no domínio sexual, conjugal, familiar. Lutemos pelos direitos da mulher e da criança. Façamos uma política social do trabalho, do salário feminino, pela protecção da maternidade, pela assistência aos diminuídos, pela protecção da infância, pela solidariedade responsável de todos para com todos.

Vozes do PSD- - Muito bem.

O Orador: - Há que combater o mal se ando as fontes que o alimentam. Não façamos como em deter-

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minado pais da América do Sul que ao pretender acabar com os pobres, o esquadrão da morte lançava-os ao rio.

Despenalizar o aborto, só porque o mesmo se pratica na clandestinidade, é subverter os princípios orientadores do nosso sistema jurídico-constitucional, que iluminam e comandam o nosso relacionamento humano. Dar honras de lei a factos que são intrinsecamente um mal constitui um dramático rebaixamento dos níveis de moralidade. É certo que temos assistido impotentes, se não complacentes, ao avolumar das «cifras negras» referidas. Mas aquela complacência, justificará a despenalização? Não será a cobardia de todos nós, o comodismo condenável e a indiferença criminosa, que pretenderá a «boa consciência» de matar o doente para não ter o trabalho de curar a doença? Não será mesmo o desejo de encontrar o biombo para esconder a fraqueza da nossa vontade e não vermos o dedo acusador das misérias que nos cercam? Não será apenas um processo de justificar, pela cobertura da lei, as nossas frustrações? Generalizada a prostituição e a droga, também iremos encontrar no enunciado de uma nova lei de descriminação daquelas situações paia colmatar as nossas negligências?

Estas interrogações me levam à conclusão de que o projecto de lei em discussão não só não resolve a questão social e humana com que nos debatemos, mas, bem pelo contrário, irá agravar as suas consequências.

Afirma-se ainda, no texto que estamos seguindo, que as disposições incriminadoras e a reprovação moral não constituem contramotivo relevante para a consciência dos que recorrem ao aborto. Tal posição terá levado a um não cumprimento generalizado dos comandos legais.

Aqui levanta-se o problema de saber se a norma, geralmente não cumprida, deve ou não ser revogada já que terá perdido a sua eficácia. Penso que esta orientação não corresponde à natureza dos normas que são o fulcro desta discussão, pelo enquadramento que fazem dos factos que as justificam e das razões que a impõem. Não é pelo incumprimento generalizado que a norma perde a força vinculativa do seu comando. Em questões menores, em normas de importância menos relevante, não tem sido esse o critério seguido. Haja em vista as que respeitam, por exemplo, ao Código da Estrada. A sua não observância não conduzirá nunca à justificação da sua revogação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Que comparação, Sr. Deputado!

O Orador: - É que a justificação da existência da norma tem uma explicação muito mais funda que se não prende tão-somente com a sua eficácia. Mormente quando ela é o reflexo positivo de um direito natural como é o caso do direito à vida. Os que pretendem «liberalizar» as nossas legislações modernas - em esferas muito mais amplas do que apenas as do aborto- caracterizam-se por uma combinação curiosa:

Por um lado, uma marcada preocupação de legalidade sem preocupação alguma pela moralidade: por outro, uma preocupação de que as acções que quiseram realizar ou ver realizadas - qualquer que seja a sua ordem moral sejam permitidas pelo direito positivo.

Bem analisada é como um último estado de hipocrisia, de decadência e de impotência. É uma rebelião perante qualquer restrição externa ou qualquer ameaça de coacção ou penalidade que possa pesar sobre os interesses ou caprichos próprios, sem o menor movimento de indignação ou rebeldia contra a incapacidade pessoal de regular aqueles ou de os controlar internamente, por dentro; uma incapacidade que, afinal, provém de não escutar com profundidade a voz da consciências ou de já não lhe saber obedecer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que lhe comunique que o PSD dispõe de 2 minutos.

O Orador: - Tenho bem pena que assim seja, Sr. Presidente, porque levaria, sem dúvida, mais tempo. Mas vou terminar respeitando necessariamente o tempo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu não disse que lhe cortava a palavra, é claro. Preveni-o só do tempo de que dispunha.

O Orador: - Sr. Presidente, sou o primeiro a lamentar que todo este debate tenha prosseguido nos termos de cada um debitar as suas palavras na mensagem que vem aqui trazer escrita, faltando-lhe porventura uma certa vivacidade - que devia resultar do diálogo directo. Assim é que gostaria de poder responder a muitas questões que foram levantadas e a argumentos muito sérios que aqui surgiram no nosso Parlamento e que ficarão, porventura, sem resposta, deixando-me também insuficientemente esclarecido acerca deles e impossibilitando-me de poder dar um contributo, dentro das minhas modestas possibilidades, susceptível de concorrer também para a formulação de uma melhor decisão. Não tendo sido possível, criámos este sistema, e efectivamente não sabia do tempo de que dispunha, de modo que vou tentar terminar nestes 2 minutos de que disponho.

Ela representa, no fundo, o recurso que os liberalizadores do nosso tempo estão a tentar generalizar para conformar a lei com a acção e não a acção com a lei. Quando pensamos que este foi o recurso favorito de alguns dos maiores tiranos da História, começamos a perguntar-nos se este recurso, este processo, é realmente de liberalização, se realmente favorece a liberdade. E se é verdade que a política criminal se determina por critérios de eficácia e de rendibilidade, tal constatação não implica, de modo nenhum, a recusa de todo e qualquer elemento ético.

O direito à vida é um direito fundamental que se prende, de forma directa e substancial, com a dignidade da pessoa humana, que é fundamento imprescindível à constituição das sociedades modernas livres. Entendemos, por isso, que a política criminal, pelos valores que estão em causa, não pode prescindir dos conceitos morais que inspiraram as normas condenatórias do aborto, sob pena de cairmos em situações degradantes para a condição e natureza humana. Por isso, a asserção que apontamos, inserta no intróito que referimos, do projecto de lei n.º 265/III, não tem fundamento sério que nos permita a sua aceitação, quer quanto à filosofia que lhe é subjacente, quer quanto aos efeitos pretendidos como solução do aborto clandestino, comummente reconhecido como sendo intrinsecamente um mal.

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Porque o quadro legal dos casos propostos no referido projecto, está ou se pretende que esteja em consonância com as justificações que o precedem, não aceito, nem o aprovo.
A função da lei não é registar passivamente o que se faz mas ajudar a fazer melhor. Por isso não aceitamos a despenalização do aborto com fundamento no poder discricionário da mulher em relação ao nascituro; na recusa do filho não desejado e já concebido; na solução dos problemas decorrentes do aborto clandestino, já que os fins não justificam os meios moralmente maus.
Nesta guerra social que alguém denominou a «guerra dos berços vazios», a humanidade não pode mergulhar no pânico e na irresponsabilidade, e ignorar os verdadeiros problemas camuflando-os com o recurso a soluções que o não são.
Eis, em traços gerais, as razões pelas quais o PSD votará contra a referido projecto. Por maioria de razão se assumir:, de igual modo, quanto ao projecto de lei n.º 7/III.

Aplausos elo PSD e de alguns Srs. Deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento ao Srs. Deputados Nuno Abecasis, Lino Lima e Gomes de Pinho.
Contudo, devo informar a Câmara de que o Partido Comunista Português dispõe de 1 minuto para fizer o seu pedido de esclarecimento e que o PSD esgotou o tempo que tinha disponível.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, estamos confrontados com uma situação que, do nosso ponto de vista, seria previsível e que, aliás, tivemos ocasião de expor com abundante soma de argumentos na última conferência de líderes parlamentares.
Houve aqui uma importante e notável intervenção produzida pelo Sr. Deputado Fernando do Amaral e creio que ela suscitou questões essenciais que foram colocadas de uma forma muito clara, profunda e fundamentada. Porém, acontece que, por força não dó Regimento ruas de critérios relativamente inexplicáveis, nos vemos impedidos de a discutir, de a valorizar e de a situar neste debate.

O Sr. Presidente: - Mas a limitação de tempos foi decidida por força de um acordo na conferência de líderes parlamentares, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Mas, Sr. Presidente isso foi decidido por força de um acordo que nós, desde fogo, pusemos em causa e cujas consequências previmos.
Portanto, faço um apelo à Mesa e ao Sr. Presidente no sentido de se encontrar ainda uma solução que permita que o debate se processe e prossiga com e mínimo de dignidade e de eficácia.
O que o Sr. Deputado Fernando do Amaral disse é uma realidade crua e nua que nos deve fazer pensar. Porém, tanto ele como todos nós estamos impedidos de continuar este debate em condições mínimas de eficácia e de dignidade.
Assim, faço um apelo para que se adaptem as regras - o que já não é a primeira vez que acontece que vêm presidindo a este debate, certos de que, no fundo, há regras mais importantes do que as regras formais que aqui momentaneamente se possam adoptar. As regras substanciais, aquelas que devem presidir a um debate desta importância, são as que vão no sentido de permitir que nos possamos e , até ao fim. E nós temos verificado que cada intervenção traz novos elementos e demonstra que o tema não está esgotado. O nosso grupo parlamentar tem feito intervenções para produzir que são extremamente importantes e que certamente vão fazer reflectir a Câmara, tanto em relação aos deputados que estão de acordo connosco como àqueles que estão em desacordo.
E, pois, esta realidade e esta vivacidade a essência do próprio debate que consideraríamos «criminoso» - e disse «criminoso» num sentido que estou seguro
que o Sr. Presidente interpretará que fosse posto em causa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não tem nada a opor a que o debate se desenrole com a maior largueza:
Como já referi, estamos limitados pelo acordo que foi decidido na conferência dos grupos parlamentares. No entanto, se os grupos parlamentares estão de acordo em que seja prolongada, por pouco tempo, a intervenção de cada um deles, não tenho nada a opor.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, não fazemos objecção a que seja concedido mais algum tempo para os Srs. Deputados interrogarem o Sr. Deputado Fernando do Amaral e para ele responder. Há todavia um limite que é a nossa
resistência física. Contudo, não temos mais nenhuma objecção a que o debate se prolongue até forem necessárias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, estou de acordo com aquilo que; disse o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, também não temos nenhuma objecção a que o debate se prolongue.

O Sr. Presidente: - Então, para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Abecasis.

O Sr. Nuno Abecasis (CDS): - Sr. Deputado Fernando Amaral. V. Ex.ª acabou de fazer uma intervenção que considero de grande responsabilidade e de grande interesse. V. Ex.ª repôs os problemas que

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temos vindo aqui a discutir desde ontem e tentou centrá-los.
Assim, gostaria apenas de «pegar» num aspecto: quando V. Ex.ª se referiu à despenalização do aborto disse no fundo aquilo que eu próprio já tentei dizer várias vezes ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP):- Mas não conseguiu!

O Orador: - Consegui, sim! Acontece é que há pessoas que são menos inteligentes e percebem menos. mas, pelos vistos houve muita gente que percebeu.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - O Sr. Deputado Fernando do Amaral copiou o seu discurso!

O Orador: - Quem foi o engraçado que disse isso? Ah! Foi aquele senhor de barbas. Então está bem ...

Risos.

Vozes do PCP. - Tenha calma!

O Orador: - Srs. Deputados, convençam-se de uma coisa: os senhores podem estar todos aos berros que não conseguem tirar-me a calma. Portanto, não vale a pena tentarem ... mas se quiserem ensaiar façam favor.

Risos.

O Sr. Presidente: - Peço a atenção da Câmara.

O Orador: - Sr. Presidente, um pouco de humor faz bem até para distrair V. Ex.ª
Mas, voltando às coisas sérias - aliás, quando se acaba de falar com o Partido Comunista Português volta-se sempre às coisas sérias -, o Sr. Deputado Fernando do Amaral referiu que a despenalização não resolve problema nenhum. Ora, essa é uma verdade que, por estranho que pareça, já foi reconhecida por todos os grupos parlamentares, menos por aquele grupo parlamentar que é incapaz de reconhecer seja o que for.

Protestos do PCP.

E não resolve nada porque dos projectos de lei que estão presentes neste debate só há um que tem possibilidade de ser aprovado, que é o projecto de lei apresentado pelo PS e que se refere a 3 casos específicos que o próprio partido reconheceu que abrangeriam poucos casos individuais.
Portanto, tudo aquilo que aqui se tem dito sobre a construção de prisões, etc., não tem puramente sentido, nem sequer para as pessoas que estão nas galerias porque há lá pessoas inteligentes que acompanharam estes trabalhos e são capazes de analisar o que aqui foi dito.
A verdade é que o grande número de abortos clandestinos nem sequer caem sobre a alçada do projecto de lei que tem probabilidade de ser aprovado nesta Assembleia. Portanto, continuará todo o drama do aborto clandestino. Creio que a sua intervenção foi importante e que o Sr. Deputado Fernando do Amaral prestou um grande serviço a esta Assembleia quando chamou a atenção para este aspecto que me parece relevante e que desfaz muitas das demagogias baratas e muitos

dos apelos sentimentais sem base que aqui têm sido feitos.
Porém, Sr. Deputado, o meu receio é que também não será só o projecto de lei sobre o Planeamento Familiar nem o da Protecção à Maternidade e è Paternidade que irão resolver este problema. Tal como V. Ex.ª disse, e não explicitou, há outras razões muito mais profundas, como o caso da promiscuidade em que tantos portugueses são obrigados a viver! Convém não esquecer que nesta cidade há muitas famílias que vivem em pequenos espaços indevisos, há muitas famílias em que pais, mães e filhos dormem e vivem sobre o mesmo colchão.

O Sr. Silva Graça (PCP): - Por tua culpa!

O Orador: - Não diga disparates, Sr. Deputado!
Também há muitas crianças que, pela força da nossa estrutura social, estão privados do apoio e da assistência do pai e da mãe durante todo o dia e a nossa organização social não lhes oferece mais nada senão 3 ou 4 curtas horas por dia para estarem numa escola. O resto do tempo é passado no meio das ruas quando não no meio da marginalidade.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Assim pergunto, Sr. Deputado, se será sério que esta Assembleia, constituída por 250 deputados, não fale nestes problemas, que são as verdadeiras causas do aborto e de todo esse flagelo social que a ele está ligado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Agora já pode dormir sossegado!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fernando do Amaral deseja responder já ou no fim?

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Deputado Fernando do Amaral, vou fazer-lhe uma pergunta muito simples. e dirijo-a a si porque V. Ex.ª sabe que tenho par si muita consideração, considero muito a sua sensibilidade, a dignidade com que desempenha as suas funções de deputado e a sua abertura de espírito.
Na sua intervenção V. Ex.ª referiu que temos uma sociedade concreta, um homem concreto e gostaria de lhe colocar uma questão que ainda não vi ninguém assumir aqui de uma forma clara e evidente. O Sr. Deputado diz que não está de acordo com a despenalização do aborto, com a interrupção voluntária da gravidez. Então, em consequência disto o Sr. Deputado assume perante esta Câmara e perante o País esta posição: em virtude de não aceitar a despenalização do aborto, exijo que as mulheres que vão fazer o aborto clandestino sejam levadas a tribunal, sejam condenadas a 3 anos de cadeia e que para isso se organize a polícia por forma a perseguir as parteiras clandestinas e as mulheres que se dirigem a elas, por forma a acabar com esse negócio sórdido?! ...

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Vozes do CDS: - 15so é falso!

O Orador: - O Sr. Deputado exige isso em consequência da sua posição de não aceitar a interrupção voluntária da gravidez?!...
Ainda não vi nenhum Sr. Deputado do CDS assumir a responsabilidade de dizer, isto: E mesmo o Sr. Deputado Lucas Pires, há pouco muito instado, limitou-se a dizer: «eu sou pelo cumprimento da lei». Mas, então, se é pelo cumprimento da lei, está a exigir, perante o País e perante esta Câmara, que as mulheres que vão fazer o aborto, pelas circunstâncias mais variadas que todos nós conhecemos, sejam condenadas a 3 .anos de cadeia, sejam levadas a tribunal e que para isso seja organizado o nosso aparelho judiciário por forma a que se possa fazer cumprir a lei com a qual o Sr. Deputado diz que está de acordo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Vozes do CDS: - Não é verdade!

O Sr. Presidente: - Para responder, teta a palavra o Sr. Deputado Fernando do Amaral.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Sr. Deputado Nuno Abecasis, em primeiro lugar quero agradecer-lhe as palavras amáveis que me dirigiu. V. Ex.ª fez considerações muito pertinentes em relação a todo este problema.
Entendo que também não devemos desprezar a argumentação pesada que aqui foi trazida por outras bancadas e por outros Srs. Deputados, cuja apreciação importa uma análise profunda para que todos possamos julgar melhor e em consciência. No entanto, aquilo que V. Ex.ª referiu é pertinente e creio que os factores que apontou poderão estar na causa - e estarão até em grande medida - de todo este complexo tão grave e de toda uma sociedade que está em declínio, que está em queda. Importa, pois, aflorar a planos mais nobres e, como referi na minha intervenção, esse não é apenas o trabalho de um governo ou das instituições, mas tem de ser de todos nós. a começar por esta Câmara, no exercício das funções de cada um, no cumprimento dos seus deveres profissionais, no relacionamento da amizade, e nós, deputados, no exemplo e no testemunho que temos de dar para ver se somos capazes de conseguir que esta sociedade cubra de algum modo estas lacunas graves que têm facilitado e possibilitado as tais «cifras negras» que referi na minha intervenção e que, ao fim e ao cabo, vêm na justificação dos motivos.
O Sr. Deputado Lino Lima referiu a consideração que tem por mim, mas sabe que ela é perfeitamente retribuída com natural aprazimento da minha parte, sobretudo pelo nosso relacionamento que já vem de longe e pelo qual me sinto credor. E sinto-me credor porque aprendi muito com V. Ex.ª durante os trabalhos que tivemos oportunidade de contactar de perto e onde o nosso relacionamento foi ao nível de merecer as considerações que V. Ex.ª fez e que têm total retribuição.
O problema que o Sr. Deputado me colocou é muito directo, muito difícil de responder - por que não dizê-lo! - porque. se por um lado tenho de pesar todas as circunstâncias morais específicas de cada pessoa, os problemas que se conhecem de arrastamento pela lama de pessoas que vivem e sofrem na carne problemas muito graves, em presença desses casos concretos nunca iria dizer «meta-se a mulher na cadeias.
Presumo, pois, que o problema não se pode colocar nesses termos e estou absolutamente certo de que a questão que V. Ex.ª me levantou não pretenderia ter uma dureza tão frontal como a que apresentou porque, seja qual for a resposta, ela não facilitaria as conclusões que pretende tirar para facilitar, despenalizar ou liberalizar o aborto.
Somos colocados em presença de um problema grave que está nos hábitos que se criaram mercê de uma permissividade da sociedade que temos e que, fatalmente, quando nos debruçamos sobre ela, não só temos que a lamentar, mas procurar revigorá-la pare que deixe de estar no estado letárgico ou de doença em que se encontra. Portanto, depois de um esquecimento e de uma complacência doentia no cumprimento da lei, não é de pronto que se vai meter as mulheres na cadeia porque praticam o aborto, o que quanto a mim continua a ser uma situação de fabricar um facto que é intrinsecamente mau.
O que se pretende é desenvolver rapidamente todo o mecanismo possível para que as mulheres não fossem tentadas - e haveria que desenvolver a pedagogia nesse sentido- por razões de ordem económica, que julgo não serem suficientes, por razões de ordem ética, que grande parte das vezes está mais na culpa daqueles que a cercam como reacção social, familiar, porque estou convencido de que a maior parte dos abortos que se realizam é quase sempre pelo medo da condenação familiar ou social da pessoa que se viu em circunstâncias de gravidez não desejada.
Mas todos estes fenómenos - que são fenómenos de incidência social - têm repercussões nos mais vários sectores desde o Direito Penal a outros sectores do nosso pensamento e da nossa reacção social.
Fazer-me uma pergunta directa como a que o Sr. Deputado me fez é colocar-me num beco sem saída. E digo-lhe isto com toda a franqueza, lealdade e sinceridade.
Gostaria que a lei fosse cumprida de um modo tanto quanto possível rigoroso se porventura também pudesse exigir de pronto uma sociedade a «rolar» dentro daquela perspectiva que procurei definir. Mas o facto de não lhe poder dar a resposta de pronto que, porventura, esperaria, isto é, «metam-se as mulheres na cadeia», isto não concorre de modo nenhum para que V. Ex.º fique habilitado a pensar que o meu julgamento é de que o aborto não seja condenável.

Aplausos do PSD.

O Sr. Lino Lima (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Lino Lima (PCP): - Para um protesto, dado que é a única figura regimental que posso utilizar neste momento.

O Sr. Presidente: - Um momento, Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Gomes de Pinho pediu a palavra para interpelar a Mesa?

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O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, inscrevi-me para pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Fernando do Amaral antes da intervenção dele ter terminado. Suponho que houve um pequeno lapso da Mesa, aliás compreensível dada o hora tardia em que estamos a trabalhar. Aliás, o Sr. Presidente referiu no fim da intervenção do Sr. Deputado Fernando do Amaral os nomes dos deputados que estavam inscritos para pedir esclarecimentos e entre eles incluiu o meu nome.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, se o Sr. Deputado estiver de acordo, dou em primeiro lugar a palavra ao Sr. Deputado Lino lima para não interromper o diálogo.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Lino Lima.

O Sr. Lino Lima (PCP): - O Sr. Deputado Fernando do Amaral deu-me a resposta que eu esperava. O seu senso moral era incapaz de lhe permitir dizer aqui perante esta Câmara e perante o País que exigia ü prisão das mulheres que fazem abortos e o desencadear de toda a máquina judiciária necessária para esse efeito.
Como, efectivamente, o seu senso moral se opõe a uma solução dessas, o Sr. Deputado Fernando do Amaral não tem outra resposta para satisfazer a sua consciência senão a de dizer «temos de combater este mal» e eu penso que sim, é um mal - «por outras formas, por educação», por isto, por aquilo, por aqueloutro. Estando, de certo modo, de acordo consigo na medida em que é preciso tudo isso, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Fernando do Amaral o seguinte: então, quando é que acabaremos com este terrível mal e com este negócio sórdido do aborto clandestino? Quantos anos vai durar isso?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Fernando do Amaral deseja contraprotestar?

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Sim, Sr. Presidente, embora pense que, infelizmente, somos obrigados, por vezes, a usar de figuras que não correspondem a uma realidade. Mas, enfim, o hábito às vezes também faz leis, sobretudo com a generosidade de V. Ex.ª

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Fernando do Amaral.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Sr. Deputado Lino Lima, foi repetido aqui por vários Srs. Deputados que se conhecem as pessoas e os lugares e que se sabe quanto custa. Haveria que começar, e desde já, por desmontar todo esse aparelho que está organizado, uma vez que se sabe, segundo dizem, quem são, como o fazem e até o preço que levam. Esse seria, sem dúvida, um primeiro caminho para barrar a possibilidade de se continuar a praticar o mal que pretendemos evitar e presumo que em toda a Câmara a ideia geral é a de que, como mal que é, bom seria que ele fosse evitado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, insisti, de facto, em usar da palavra nos termos regimentais porque penso que uma intervenção tão importante como a do Sr. Deputado Fernando do Amaral não podia ficar sem uma palavra de apreço da nossa parte.

O Sr. João Amaral (PCP): - Já teve!

O Orador: - Temos vindo a construir ao longo deste debate uma fronteira política. Diria mesmo que ao longo deste debate temos vindo a renovar uma fronteira política, eventualmente mais enriquecida agora e até mais ampla.
Ao ver a seriedade, a profundidade e até a eficácia com que o Sr. Deputado Fernando do Amaral se empenhou a defender esta fronteira, a minha interrogação é esta: Sr. Deputado, V. Ex.ª baixou os braços? Considera que a eventual aprovação desta lei, que criticou de uma forma tão profunda e cujas consequências aqui explicitou, constitui o fim deste debate? O Sr. Deputado considera que, perante uma questão tão importante e tão essencial, é justificável a parcimónia de meios que o seu partido tem utilizado neste combate?
Creio que é este o centro da questão política que se põe a propósito do problema que aqui estamos a discutir. Não basta definirmos uma posição sobre os projectos de lei em causa. E necessário tirarmos consequências políticas das posições que assumimos porque, na realidade, isto não é um debate técnico, não estamos aqui como especialistas - médicos, juristas ou outros -, a enunciar os benefícios ou os malefícios destes projectos, estamos aqui para tirar consequências políticas deste debate.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Agora é que ele falou verdade.

O Orador: - Essa, Sr. Deputado, é a grande lacuna que vejo na sua brilhante intervenção. Permita-me que lhe ponha esta questão e que lhe diga que do seu esclarecimento resultaria, com certeza, para esta Câmara uma possibilidade de apreciar com bastante mais rigor e utilidade as questões que aqui estão a ser debatidas.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando do Amaral.

O Sr. Fernando do Amaral (PSD): - Sr. Deputado Gomes de Pinho, agradeço a oportunidade que me dá de definir a minha posição pessoal em todo este processo. Quando ele se começou a desenvolver e durante todo o seu desenrolar, o contributo que pretendi dar não tinha, fundamentalmente, em foco - segundo a minha maneira de estar neste panorama que se vem desenvolvendo à volta desta problemática - questões de ordem política. Coloquei essencialmente questões humanas porque o problema é tão profundo e tão grave que esqueci a política quando me dei ao cuidado de ler, analisar e ouvir todos quantos aqui participaram.
V. Ex.ª poderá certamente lançar-me a acusação de que, como deputado, sou um político e como tal tenho de estar aqui a fazer política. Portanto, todas

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as minhas posições têm, de qualquer modo, incidência e reflexos políticos. A minha intenção era a de que eles resultassem tão-só pela posição que em consciência procurei tomar, independentemente dos seus efeitos, mas se tear efeitos políticos que outros os julguem. Contudo, eles resultam na sequência indirecta da minha própria vontade que se mobilizava tão-somente no centro desta discussão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Supondo que a lei vai ser aprovada, pergunta-me se a luta acabou. Quero dizer-lhe que sou um homem de convicções que, porventura, podem mudar. No entanto, em relação a esta questão presumo que tal não vai acontecer, porque as minhas convicções são aqui tão fundas - o que às vezes me pode faltar são as palavras que as traduzam - e porque as sinto tão profundamente em todo o meu ser que, julgo, não será fácil essa mudança. Portanto, pela minha parte, a luta vai continuar.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Afirmei já aqui que, ainda que este projecto seja aprovado, ele não tem ganho de causa, porque a sociedade continuará a sofrer consequências ainda mais graves, precisamente pela despenalização que se pretende fazer. E porque a sociedade sofre, quanto a mim, mais por isso, essa será uma razão mais. continuada, mais firme e mais decisiva para continuar esta luta. Portanto, nem eu nem porventura muitos outros iremos baixar os braços.
Quis dar-lhe das razões e da justificação deste meu relacionamento neste problema, cujas incidências políticas são apenas as indirectas porque estamos numa assembleia política, mas o que me mobilizou exclusivamente sem olhar a esses efeitos, embora eles sejam consequentes, foi a procura da argumentação necessária àquilo que sinto de uma forma visceral e instintiva.

Aplausos do PSD, do CDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados antes de dar a palavra ao Sr. Deputado que está inscrito a seguir, quero comunicar-lhes a situação e que estamos, a fim de podermos orientar o debate e terminá-lo ainda hoje.
Vou informar os Srs. Deputados dos tempos que ainda lhes cabem; face ao acordado na reunião dos presidentes parlamentares: o PCO fez 3 intervenções e tem o seu tempo esgotado; o PSD fez 3 intervenções e tem o seu tempo esgotado; o PS fez 3 intervenções e dispõe ainda de 19 minutos; o CDS fez 2 intervenções e dispõe ao tempo todo; a ASDI fez 1 intervenção e dispõe ainda de 10 minutos; a UEDS fez 1 intervenção e dispõe também de 10 minutos; o MDP/CDE fez 2 intervenções e dispõe de 18 minutos, e o Sr. Deputado Independente António Gonzalez dispõe de 11 minutos.
Sugeria aos Srs. Deputados que regulassem as vossas intervenções dentro do tempo de que dispõem neste momento.
Informo ainda que os tempos que referi não têm em conta os pedidos de esclarecimento, os protestos, etc. Contudo, sugeria que todos os Srs. Deputados limitassem esses pedidos de esclarecimento a fim de podermos terminar este debate, que, creio sinceramente, já tem um número de intervenções justificativo da importância do debate que estamos a travar. Julgo que não é por intervirem mais deputados que se vai nobilitar o debate.
Se os Srs. Deputados estivessem de acordo procederíamos desta maneira.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pela minha parte estou de acordo com o que V. Ex.ª sugeriu e gostava de informar a Mesa de que pretendemos transferir para o Partido Socialista 6 minutos do tempo de que a UEDS dispõe. Deste modo, o PS passaria a dispor de 25 minutos em vez dos 19 que V. Ex.ª anunciou e a UEDS de 4 minutos em vez dos 10 minutos de que dispõe neste momento.

O Sr. Presidente: - E usual fazer-se isto e, portanto, a Mesa não se opõe.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de poder corresponder aos desejos e ao espirito de V. Ex.ª no sentido de não prolongarmos para além do razoável e, sobretudo, do necessário este debate.
Neste sentido, gostaria de levantar 2 questões. Tendo o CDS alguns deputados inscritos para intervir ainda neste debate, gostaríamos de saber se podemos encarar a possibilidade de comprimir o tempo dessas intervenções de maneira a não as alongar excessivamente, reduzindo, portanto, ao essencial o que os meus colegas de bancada têm para dizer. Seria para nós muito difícil, como o Sr. Presidente compreenderá - e, aliás, como expusemos na reunião dos líderes parlamentares -, coarctar o direito aos deputados da minha bancada de exprimirem as suas posições, que, como o Sr. Presidente sabe e já foi aqui afirmado, são posições que radicam numa inteira liberdade de manifestação sobre esta questão.
Por outro lado, gostaria de levantar o seguinte problema: o Sr. Presidente indicou-nos que alguns partidos, designadamente o PCP e o PSD, têm o seu tempo esgotado. Ora, parece-me que, nestas circunstâncias, se levanta um problema ético para a continuidade do debate. E evidente que não me compete a mim levantá-lo ...

O Sr. João Amaral (PCP): - Pois não!

O Orador: - Perdão, Sr. Deputado, eu não pedi autorização para levantar este problema, mas não estou, obviamente, a fazê-lo em nome do Partido
Comunista Português.

O Sr. João Amaral (PCP): - Então, não o levante!

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O Orador: - O que eu estava a dizer, Sr. Presidente, é que me parece pelo menos estranho que, assumindo nós o direito de fazermos intervenções - e penso que é razoável que o tenhamos -, alguns dos outros grupos parlamentares estejam impedidos de nos responderem, se quiserem fazê-lo.
A sugestão que faço à Mesa é a de, eventualmente, não considerarmos, para esse efeito, esgotado o tempo dos partidos que já o utilizaram na integra e permitíssemos a liberdade desses partidos manifestarem as suas posições sobre as intervenções que forem feitas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é evidente que os partidos têm a liberdade de se manifestarem. Foi por isso que coloquei este problema a todos os partidos. Compreendo que o Sr. Deputado faça essa observação, porque, realmente, se os outros partidos aceitarem a sugestão que apresentei, o CDS ficará a falar sozinho ...

Risos.

... porque já não haverá mais intervenções.
O PS aceitou a minha sugestão, com o tempo dispensado pela UEDS, bem como não houve quaisquer observações da parte do MDP/CDE e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Se. Deputado.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, nós procurámos gerir o tempo que nos tinha sido inicialmente concedido, isto é, os 35 minutos. Gastámos 32 minutos e, portanto, ficámos com os 3, que nos chegavam ...

Risos.

Atenção, 3 minutos!

Risos.

Mas como generosamente nos foram dados mais 7 minutos, já tinha transmitido ao presidente do Grupo Parlamentar do PS que lhe concederíamos os nossos 7 minutos, o que, aliás, foi aceite pelo Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, quero dizer, em nome da bancada do PCP. que estamos de acordo com a proposta feita por V. Ex.ª
Já tínhamos considerado a questão e decidimos que se da parte do CDS fosse feita qualquer intervenção que nos merecesse um comentário, ou mesmo um protesto - até porque o CDS não se comprometeu com nenhum tempo, está em «roda livre»-, então pediríamos à Mesa o tempo suficiente - para esse comentário. No entanto, já não é necessário proceder dessa maneira, uma vez que o Sr. Deputado Gonzalez, do Partido Os Verdes, acaba de nos oferecer 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que ficou clara na reunião dos lideres, que teve lugar esta tarde, a recomendação feita no sentido de se reduzirem ao mínimo os pedidos de esclarecimento, com vista a poder-se administrar, com um máximo de rigor, o tempo que competia a cada partido. Acontece, no entanto, que os partidos tiveram de responder às questões que lhes foram formuladas perante perguntas feitas, e, assim, o PSD neste momento vê-se reduzido a zero minutos. É uma situação difícil perante um debate que ainda se irá arrastar talvez por mais 2 horas, segundo as previsões mais favoráveis.
E evidente que os partidos que, por uma razão ou outra, fizeram mais intervenções depois da última reunião de líderes se vêem numa situação mais difícil, porque as perguntas que foram formuladas vieram reduzir esse tempo, o que, aliás, veio a ser reivindicado pelo CDS, em termos de não ser considerado o tempo de resposta do Sr. Deputado Lucas Pires sobre a intervenção que aqui formulou.
O Partido Social-Democrata tem, pelo menos, uma intervenção que considera de muito interesse para fazer, a qual, creio, não excederá os 12 a 15 minutos, e, portanto, com vista a que até ao fim do debate não tomemos uma atitude passiva, a qual não interessa, propomos que sejam concedidos, dentro do rigor e da flexibilidade que é costume ter, mais uns minutos para permitir a intervenção que consideramos essencial.

O Sr. Presidente: - O MDP/CDE tem alguma coisa a opor?

A Sr .e Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Não, Sr. Presidente.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faz favor. Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Nós faríamos então uma proposta que seria mais equitativa, ou seja, que fossem dados mais 10 minutos a cada um dos grupos parlamentares com maior número de deputados e que o tempo dos agrupamentos parlamentares e do MDP/CDE, se assim o entendessem, fosse igualmente acrescido de mais 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que devemos ter agora uma reflexão de bom senso, como aliás tivemos até aqui. Aquilo que o PSD disse é legítimo e deveríamos fazer um apelo a todos os Srs. Deputados para se limitarem nos seus pedidos de esclarecimento, protestos e contraprotestos. Penso também que a proposta do Sr. Deputado Carlos Brito poderia ser de consi

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derar, mas que iria subverter completamente as contas que estão feitas. E às 4 horas e 15 minutos da manhã a matemática tem razões que às vezes se impõem.
Portanto, dentro desse sentido e do bom espírito que tem presidido a estes debates, penso que poderíamos aceitar a proposta do Sr. Presidente, com o complemento do Sr. Deputado José Vitorino.
E minha convicção que os 2 Srs. Deputados que vão falar do Partido Socialista irão limitar as suas intervenções e, dentro da medida do possível, se absterão de responder a quaisquer protestos ou contraprotestos. Quero dizer, limitar-se-ão às suas intervenções, como é conveniente para o debate.

O Sr. Presidente: - Portanto, estamos de acordo.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - E só para dizer que, nestas circunstâncias, propomos que em relação ao nosso grupo parlamentar pudéssemos dispor de mais 10 minutos, uma vez que tínhamos prescindido de uma intervenção, o que nestas circunstâncias vamos considerar se devemos ou não fazer.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado.
Vamos então iniciar o debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira observação que sinto o dever de fazer, em complemento de um comentário, que também já tive oportunidade de produzir, é a seguinte: suponho que este debate, que diz respeito à questão ética mais grave que foi levantada nesta casa, não está a decorrer em condições de serenidade no País, as quais eram indispensáveis para que a questão não fosse nem politizada nem instrumentalizada!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Por causa do CDS!

O Orador: - As circunstâncias do País não o permitem e disso não se tem falado. Por isso. esta questão tão grave é abordada neste clima, que a própria imprensa constantemente menciona ser de pressões sobre a Câmara. E não podemos ignorar de onde vêm essas pressões e que há uma acumulação de crises, que fazem corri que o debate não possa ser feito na sede exclusivamente ética em que, com serenidade, deveria ser feito.
Sabemos que mudam os usos e costumes. que as sociedades não podem manter invariáveis todos os seus padrões, e que de tempos a tempos todos somos obrigados a enfrentar a mudança. Mas acreditamos muitos de nós que, como disse Charles Morgan, alguns valores são como o eixo da roda, que acompanha a roda mas não anda. O direito à vida é para nós parte principal desse eixo, e, quando afectado, a estrutura da comunidade sofre um golpe irreparável na sua estabilidade. As mudanças devem ser feitas para o preservar íntrego, não pode ser ele atacado para nos dispensar dos trabalhos e encargos de outras mudanças.

Diremos por isso, especialmente ao Partido Socialista, cujo humanismo laica é também parte da herança ocidental europeia, porque é que votaremos sempre contra leis desincriminadoras do aborto, e porque é que além disso pensamos que não está de acordo com as circunstâncias graves em que vivemos o facto de o Parlamento ser colocado nesta data, perante a necessidade de escolher. Começaremos por este ponto, em que talvez mais facilmente fosse possível um entendimento que no passado, noutras questões graves da vida do Estado, permitiu ao nosso partido manifestar uma concordância pragmática no interesse do País que todos queremos servir.
Muitos escritores, com talento que não receiam confronto com o daqueles que entre nós se afadigam ao redor desta questão do aborto, dedicaram o seu esforço no sentido de diagnosticar e inverter o processo de um Ocidente e de uma Europa decadentes. Mas raros terão disposto da oportunidade de considerar um fenómeno tão alarmantemente significativo, como aquele que decorre neste país, porque não é fácil encontrar uma igual destreza no sentido de cobrir a nudez forte da verdade com a fantasia semântica.
Tivemos uma crise política e assim lhe continuámos a ouvir chamar quando já era económica; tivemos uma crise económica, e assim lhe continuámos a ouvir chamar quando já era financeira; tivemos uma crise financeira e assim lhe continuamos a ouvir chamar quando já é social; timidamente se escutam vozes advertindo do agravamento desta última, e já talvez a imprudência de alguns, o esquecimento por outros daquilo que os antigos chamavam a prudência do governante, a intenção de certamente poucos, trata de desencadear uma crise ética na consciência da comunidade, pondo em causa a estabilidade frágil da pilotagem do sistema político, quando tão graves e urgentes problemas, que dizem respeito à própria viabilidade independente de Portugal, são como que remetidos para a penumbra sem que faltem, até algumas vezes, apelos ao patriotismo que também serve para cobrir um desenfreado oportunismo, enfraquecendo as solidariedades institucionais e partidárias, debilitando a autoridade desencadeando múltiplas estratégias para a captura do poder algumas vezes mais em favor de ambições pessoais do que de projectos de sociedade viáveis, regeneradores, ocidentais, portugueses e justos.
Quando a crise social se agrava, e temos por certo que a crise financeira dificilmente deixará de colocar o Governo perante novas exigências do FMI que progressivamente afecta a sua liberdade de decisão, quando a comunidade é compelida a escolher entre o atlantismo, o europeismo, e até a desistência ibérica que alguns já ousam proclamar, pergunta-se de quem terá sido o interesse de agravar tão seriamente a conjuntura, somando a todas as outras a crise ética com que nos defrontamos neste momento, sabendo-se que este tipo de crise é das que mais afectam as solidariedades básicas das comunidades.
O Partido Socialista tem demonstrado que possui homens de Estado respeitáveis e temos por certo que lhes não passou despercebida a necessidade de julgar a oportunidade da iniciativa, e permitimo-nos considerar que teriam prestado melhor serviço à comunidade portuguesa, que têm o desejo de servir, não suscitando agora tão grave problema.

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O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Temos a certeza de que o Partido Socialista não se deixa iludir palas estatísticas e sondagens, e que o seu sentido de responsabilidade lhe não consente, como vemos fazer a outros, tomar com descaso a reacção dos católicos e da sua Igreja - o que era de esperar depois das advertências de João Paulo II, em que apelou à militância dos católicos neste domínio -, que não se envolve na política quando assume a função tribunícia de voz da sociedade civil que a escuta numa época em que expressamente recusa privilegiar qualquer partido, e em que nenhum tem o direito de se apresentar como filho dilecto da igreja.
Mas porque a situação foi criada, não temos alternativa senão a de dizer, tão claramente quanto seja possível, as razões da nossa oposição. Não temos de
invocar, para esclarecimento da Câmara quanto à nossa posição, quaisquer razões teológicas, porque essas são benefício de quem encontra na fé um amparo que não pertence a todos. São razões, as nossas, que possam ser entendidas por todos aqueles que prezam a preservação do tecido ético social.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Fazem parte do legado político ocidental e foi logo proclamado na declaração de Filadélfia, pela pena de Jeferson, o direito à vida e o direito à felicidade. São dois direitos, não é apenas um, e a enumeração dos direitos fundamentais, que ininterruptamente tem sido mantida nas proclamações
de direitos ocidentais, significou sempre que um não está subordinado ao outro.
Não é portanto lícito, na nossa interpretação constitucional, que, proclamando a impossibilidade de assegurar materialmente o direito à felicidade, acumulando
descrições de tragédias derivadas todas de factores sociais, e que devemos assumir como responsabilidade de todos, legitima suprimir o direito à vida,
com maior ou menor largueza, para absolver a nossa incapacidade de instaurar as condições que asseguram o direito à felicidade. A doutrina que nos orienta não
nos consente aprovar essa atitude, como também não nos consente considerarmo-nos alheios à falta de um ordenamento social eficaz que elimine o peso das estatísticas e sondagens, verdadeiras ou falsas, porque basta que exprimam uma parcela de verdade para que a nossa responsabilidade esteja- envolvida.
Do ponto de vista dos interesses da comunidade política sempre nos tem parecido que o humanismo socialista, herdeiro participante deste legado ocidental, não
encontraria dificuldade em comungar nesta conclusão, e que aquilo que o move não é por isso uma visão inconciliável do interesse comum, mas a vontade de acudir aos casos em que lhe parece que situações concretas, que enumera, também consentiriam o sacrifício do ser que vai nascer. Neste ponto a nossa divergência é total, porque, de acordo com um ditado dos nómadas europeus, na vela aquilo que interessa não é a cera é a chama. Porque para nós, os casos individuais e concretos, longe de toda e qualquer fundamentação teológica, são abrangidos pela doutrina legal da culpabilidade que não levantou até hoje quaisquer obstáculos à jurisprudência.

Há muitas maneiras de amenizar a situação penal. E muito diferente o problema da desincriminação do problema das causas de justificação e do problema da humanização da penalidade.

O próprio debate nesta Câmara já demonstrou a possibilidade da conexão lógica entre a desincriminação do aborto e a eutanásia, o que bem evidencia que a pequena fonte que o Partido Socialista julga abrir com o seu projecto, pode ser a nascente de um rio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É o catastrofismo!

O Orador: - Queremos que se acuda aos casos de infelicidade individual com uma doutrina legal justa e humana, queremos que se acuda ao interesse geral assumindo a responsabilidade das condições necessárias ao direito à felicidade, e não queremos que a sociedade e os aparelhos políticos atenuem esta última responsabilidade com a consagração do direito a eliminar a vida do nascituro.

Aplausos do CDS.

A questão não é de quantidade, a questão é de qualidade, é de valores, é de ética. Não são cabidos os argumentos científicos como decisivos, porque eles são apenas auxiliares, e o relevo dominante que lhe é atribuído apenas serie para cada vez mais subjugarmos a sociedade a um ideologismo tecnocrático, que tem crescido na divisão entre a ciência e a consciência. Lembrarei palavras de um escritor que julgo merecer a atenção dos socialistas, Edgar Morin:
E tempo de tomar consciência da complexidade de toda a realidade - física, biológica, humana, social, política e de realidade da complexidade. E tempo de tomar consciência de que uma ciência privada de reflexão e que uma filosofia puramente especulativa são insuficientes. Consciência sem ciência e ciência sem consciência são mutiladas e mutilantes.

Os valores que presidem ao julgamento pela nassa consciência, não permitem suprimir o direito à vida de quem vai nascer, em nome do direito à felicidade, de quem foi, nessa óptica, autorizado a nascer. Porque o valor em causa é o da vida, não precisa sequer acrescentar-se que é a própria personalidade. E bem estranha, contraditória e decadente é uma saciedade que alarga a sua concepção do direito à vida, desencadeando o movimento dos ecologistas, que trata de salvar as espécies vegetais e animais, que se indigna com a destruição dos rebanhos marinhos, que parece chegar enfim à mais alta concepção do respeito pela vida, e não hesita em consentir que se legalize a eliminação das parcelas do seu futuro, dos penhores da sua continuidade, dos garantes insubstituíveis da marcha em direcção a esse ponto omega que todos parecem querer alcançar, mesmo quando lhe dão definições diferentes.

Aplausos do CDS.

Não é pelos argumentos da ciência, nem dos tecnocratas invasores, que principalmente pode decidir-se o voto nesta matéria. Também não é por argumentos teológicos, que só amparam alguns, e esses nunca

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precisarão de recorrer a essa lei. E sobretudo porque aquilo que já sabemos, quando cresce em extensão também alarga a noção daquilo que não sabemos. Basta que, como disse Morin, a ciência tenha ampliado tão desmedidamente o campo da nossa ignorância, para que votemos contra, não só por aquilo em que acreditamos como valores, mas pelo peso esmagador da nossa ignorância sobre o mistério da vida.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben Raposo.

O Sr. Ruben Raposo (ASDI) : - Sr. Presidente e Srs. Deputados, o conteúdo desta breve intervenção será constituído pela posição pessoal de um companheiro de bancada, que passo a ler:
Ausente do País, por motivo de outros trabalhos parlamentares a que atribui maior importância nacional - o estudo da regionalização - gostaria, no entanto, de deixar expressa a minha opinião neste debate ainda que por meio menos curial.
Não participando da discussão, faço-o, naturalmente, da forma mais sucinta, referindo-me exclusivamente aos projectos sobre a interrupção da gravidez e exprimindo opinião pessoal. que só a mim compromete.
Continuo a pensar, como na Legislatura anterior, estar em causa essencialmente a vida.
Não entendia apenas como proibição de matar, mas como dever positivo e desafiante. Solicitude pela vida, portanto.
Nenhum dos projectos em causa assume, em meu entender, com frontalidade, posição sobre a inviolabilidade da vida, sobre cuja origem se recusam tomar posição.
Tal como no ano passado afitarei, o projecto do Partido Comunista não resolve o problema do aborto clandestino, a não ser em alguns casos legalizando a renúncia a transformar a sociedade, modificando as suas condições económicas, sociais e culturais e dilui a responsabilidade política no sentido de fazer desaparecer as condições que favorecem o aborto.
Finalmente, permitindo o aborto por motivo de situações de carência económica, revela uma concepção que tenho por inaceitável sobre o julgamento do futuro e da vida.
Sobre a sua aparência moderada o projecto do Partido Socialista para além das suas ambiguidades é também para mim inaceitável na sua concepção ou seja: resolver conflitos de interesses sempre contra o mais fraco e indefeso por definição e natureza não é sequer uma concepção que deva informar um projecto considerado como pedra-de-toque da concepção de uma sociedade.
Por isso votaria - se presente - contra ambos os projectos em nome dos direitos fundamentais da pessoa humana, de que o direito à vida é o primeiro; em nome da segurança mais fundamental do que aquela que garante os meios de viver, que é a que garante a vida; em nome do fundamento de democracia que é da confiança no futuro e a esperança nos homens.

O texto que acabo de ler, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é da autoria do Sr. Deputado Magalhães Mota.

Aplausos do CDS.

Neste momento assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Basílio Horta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (INDEP.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais do que a opinião do deputado independente do Partido Os Verdes, esta é a mensagem das mulheres deste partido, que, embora tendo todo o respeito por esta Câmara, gostariam de ver nela a mulher mais representada.
Hoje, em que se debate também a sua liberdade enquanto mulheres, esperam que saibam respeitar-lhes essa liberdade.
O direito de viver a vida é inalienável. Para que cada cidadão possa vivê-la é fundamental que possa assumir a sua sexualidade.
Mas o assumir dessa sexualidade não é automático. Toda uma cultura assente em modelos sociais artificiais, tabus, preconceitos e discriminação de sexos levou à culpabilização da sexualidade. Ainda hoje grande parte da nossa população está dominada por esses modelos. Para que a situação se altere é necessária a formação, que deve começar nas cantadas mais jovens, formação essa que não se traduz só em aulas da chamada «educação sexual» nas escolas, mas que é da responsabilidade de toda uma sociedade que se quer consciente. Essa formação visa uma vida mais sadia, mais de acordo com a natureza.
A sexualidade também pode assumir uma função reprodutora. A ela está ligado o perpetuar da espécie. A procriação deve aparecer não como um acto involuntário, não como um risco que se corre, mas como consequência de um acto voluntário e consciente. Para que assim seja, de facto, é necessário que as pessoas tenham ao seu dispor os meios, quer informativos, quer materiais, para controlarem a sua reprodução. O acesso ao planeamento familiar surge como um meio eficaz. Contudo, para que esse acesso seja efectivo é necessário, por um lado, legislação adequada facilitadora e incentivadora do mesmo; por outro lado, uma grande campanha de formação sobre o próprio planeamento o que é? ... como fazer para a ele ter acesso? O que pode evitar? - numa sociedade onde a discriminação de ordem sócio-económica e sócio-cultural são enormes, é necessário fomentá-lo. Este pode permitir uma vida mais livre, cidadãos mais conscientes.
Os filhos poderão assim surgir quando são desejados, quando têm condições para serem amados.
As consequências negativas de uma gravidez não desejada são inúmeras e muitas vezes imprevisíveis. A ansiedade, a insatisfação da mãe perante uma gravidez que não deseja, vão afectar irremediavelmente a futura criança. Essa é uma das razões por que a interrupção voluntária da gravidez deve poder ser um recurso. Recurso este que, utilizado atempadamente, surge em última instância, para obviar ao nascimento de uma criança que não vai encontrar, condições adequadas a uma vida minimamente equili

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brada. Surgiu uma gravidez de uma falha do método contraceptivo utilizado (?!), surgiu de uma violação (?!), surgiu de uma falta de informação (?!), ou então existem riscas de malformação genética (?!), existem perigos para a saúde psíquica e física da mãe (?!), etc.
A interrupção da gravidez surge então como o último recurso. É sempre um processo doloroso para a mulher, que sofre no seu corpo essa intervenção quando decidiu tomar tal atitude, perante as condicionantes que estiveram presentes à sua gravidez.
O mínimo que uma sociedade pode facultar-lhe é uma assistência médica adequada. E é à mulher que cabe, em última instância, decidir dessa interrupção. É ao «corpo» da mulher corpo entendido como complexo psicofísico - que diz respeito a todo o processo. Não podemos remeter para terceiros as decisões que lhe dizem respeito, que têm em conta a sua vida. A discriminação da mulher ao longo da história de uma sociedade é uma realidade. A luta que têm travado tem levado a abolir muitos dos factores discriminantes. Não podemos agora aceitas que alguém, mesmo que seja médico, possa decidir por ela e dela. Aqueles que hoje falam contra a interrupção voluntária da gravidez esquecem, decerto, as inter-relações uterinas mãe-criança, a partir de determinada fase do desenvolvimento. Lutam para que nasça uma criança, sem se preocuparem se alguma vez poderá assumir o estatuto social e não só biológico de ser humano. Nasce de qualquer forma.
Por certo é um mecanismo de desculpabilização da sua insensibilidade às vidas humanas.
Lutam por condições de saúde, de habitação e de educação para os que vivem e os que virão a viver? O que fazem perante os que não têm de comer, os que não têm condições mínimas de sobrevivência? Onde tem estado adormecida a energia que utilizaram na campanha agora desencadeada quanto à legalização do aborto, que não sai à rua para defender as vidas que se destroem quotidianamente na falta de condições alimentares, da saúde, de e no trabalho, emocionais, etc.?
E as mulheres que morrem e adoecem devido a um aborto feito sem condições? Como as defendem? O que dizem aos milhares de abortos clandestinos praticadas anualmente em Portugal? Será que estão interessados em que esta situação se mantenha? Sim, porque ninguém duvida que os abortos sem condições prosseguirão, dado que vão subsistir muitas das causas que lavam a essa dolorosa opção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos votar favoravelmente os projectos em discussão e de outra forma não poderia ser, pois está em causa um dos mais graves problemas da mulher e da mãe e, consequentemente. da sociedade livre e consciente.
O projecto de lei do PCP sobre interrupção voluntária da gravidez precisava ainda, na especialidade, de alguns melhoramentos no nosso ponto de vista, mas votá-lo-emos favoravelmente, pois representa um passo em frente na conquista dos direitos da mulher.
O projecto do PS, sobre o mesmo tema, vota-lo-emos favoravelmente também, pois, apesar de ser profundamente limitativo, é a primeira lanterna a luzir que se vê ao fundo do túnel.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quase uma desculpa para uma intervenção que vai ser indigesta. Deveria ser uma intervenção para as 8 horas da manhã. Faço-a às 5, já depois de uma noite de trabalho. Se tivermos mais 3 horas para poder suportar o princípio da manhã, por certo que esta intervenção será matinal.
Algo mais vos vou pedir, e que é certamente uma nota de humor às 5 da manhã: Peço-vos clemência para uma nota que é sentimental.
Pela primeira vez que intervenho neste Plenário não posso deixar de render a minha homenagem aos capitães de Abril e aos resistentes civis ao fascismo, tão bem representados pelo Presidente da Assembleia da República, Tito de Morais.
A democracia devemos a possibilidade de discutir hoje problemas que tocam o mais fundo de nós próprios: a paternidade, a maternidade, a educação sexual, o planeamento familiar, a defesa da qualidade de vida.
As bases estão lançadas para uma política da família coerente que a proteja, a defenda, lhe permita, em democracia, manifestar-se não só como a estrutura de reprodução da espécie, mas também da sua qualidade biopsicológica e da realização emocional mais intensa e intima do ser humano.
E desculpem, Srs. Deputados, esta pequena nota sentimental:
A democracia devo o prazer de encontrar aqui velhos amigos da minha geração em diáspora política: Silva Graça, do Partido Comunista, Sottomayor Cardia, Manuel Alegre e José Luís Nunes, do Partido Socialista, Silva Marques, do PSD, e Octávio Cunha, da UEDS.
Se o fascismo nos uniu, a democracia, felizmente, separou-nos: a democracia é conflito e divergência assumida.
Não posso também esquecer Lucas Pires, alguém que sempre estimei mesmo na altura em que estes sentimentos afectuosos passavam dificilmente a barragem das clivagens tão cruelmente sentidas pelos que estavam do lado do antifascismo e que nós não podemos esquecer.
O afastamento dos líderes da direita comprometidos com o fascismo permitiu a emergência de uma nova direita que espero continue a renovar-se: a imagem de marca de alguns dos seus dirigentes tem-no conseguido.
Em democracia a direita renova a esquerda, a esquerda a direita: não podemos permitir que Portugal tenha 4 grandes partidos conservadores. As citações que Adriano Moreira fez de Edgar Morro são um excelente indicador do que referi.
Felicitamos Zita Seabra e o Partido Comunista por, trazendo-nos esta problemática, ter levado o Grupo Parlamentas do CDS a aceitar a educação sexual e planeamento familiar.
Felicitamo-nos por não ter ainda ouvido dos lados do Partido Comunista que o direito da mulher a interromper a gravidez se deve ao direito de dispor do seu corpo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por sexualidade entende-se toda uma gama de possibilidades psicofisiológicas, indo da identidade biológica à identidade

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psicológica, identidade de género, às relações afectuosas habitualmente mais partilhadas por elementos de sexo diferente e à capacidade erótica.
Se a sexualidade tem a ver com a capacidade de reprodução da espécie, esta é bem mais vasta que tal capacidade.
Estando na base de características biopsíquicas diferenciais que enriquecem a diversidade das relações humanas, é alicerce emocional da família e condição da sua estabilidade.
Diferentes culturas e civilizações apresentam variações nas formas de que a sexualidade se reveste.
Na civilização ocidental as características mais marcadas da nossa época, reforço da herança social, desenvolvimento sem paralelo da técnica e da ciência com repercussões marcadas das técnicas contraceptivas, introduziram profundas mudanças no campo da sexualidade. Se a educação socializada ganhou uma importância sem precedentes, também as atitudes em face às manifestações da sexualidade se modificaram.
A educação para a sexualidade, que sempre existiu quanto mais não seja pela omissão, foi sendo encarada segundo uma nova óptica em paralelo com as modificações na maneira de encarar a sexualidade.
A comunicação afectuosa, reforçada pelo erotismo, tem ganho grande importância como fundamento da família numa sociedade em que os historiadores da família e da sexualidade nos dizem que ela está cada vez mais virada para a intimidade e reforço do agregado familiar nuclear, em detrimento de relações mais alargadas cito Schorter.
Nas modificações de atitude, tão bem patentes na comunidade internacional, ganham importância a intensidade emocional e erótica que a caracteriza: a OMS, em 1974, inclui a sexualidade na noção de saúde. Modificações importantes de atitude também se manifestam nas comunidades religiosas ocidentais: a Associação das Comunidades Religiosas Americanas (Conferência Católica, Conselho Nacional da Igreja, Conselho das Sinagogas) caracterizam a sexualidade como «uma dádiva de Deus, que devemos agradecer e usar com reverência e alegria».
A tendência para socializar a educação para a sexualidade em instituições de transmissão de conhecimento, como a escola, mais não é do que o generalizar a esta área tão atreita à conflitualidade psicológica o movimento geral da nossa época para a socialização da educação.
Tem, todavia, um programa de educação sexual que atender a certos aspectos:

1) O fundamental da identidade sexual psicológica, determinada por factores biológicos e sócio-biográficos, está adquirida por volta dos 5 anos, segundo os maiores sexólogos do nosso tempo - cito Stoller. Baseia-se fundamentalmente nas identificações parentais. Daí a necessidade de ajudar as famílias através de escolas de pais. Este é um dado fundamental em qualquer política de educação sexual;
2) As crianças pré-púberes são particularmente sensíveis à educação para a sexualidade, devendo ser preparadas para a menarca ou emissões noctumas;
3) Há 100 anos, 15 % das raparigas eram férteis aos 16 anos, em 1980 são-no em 90 %. A adolescência é o período etário em que o número de gravidezes mais tem aumentado. Estas adolescentes grávidas são um grupo em risco do ponto de vista médico. A gravidez não desejada. na adolescência é o acontecimento mais produtor de suem e é a causa mais frequente de suicídio jovem em países em que há estatísticas sérias (cito Gordon, 1979). Por sua vez, os grupos etários adolescente e Q , terceira idade são aqueles em que o riso:.. de suicídio mais tem aumentado nos países desenvolvidos. Meio milhão de adolescentes por ano abandonam a casa dos pais nos Estados Unidos, 40 % por estarem grávidas. As estimativas para 1984 neste país são de que 35 % das adolescentes apresentarão uma ou mais gravidezes e 60 % dos rapazes e 40 % das raparigas terão a primeira relação sexual durante o secundário.

As estatísticas conhecidas em Portugal confirmam o movimento detectado noutros países.
Na década de 30 a taxa de mães adolescentes era, no nosso país, de 4 %, em 1980 tal incidência eleva-se a cerca de 11 %, uma das mais elevadas do mundo ocidental (Oliveira da Silva).
A educação para a sexualidade na escola, na adolescência, tornou-se uma prioridade médica relevante em paralelo com o apoio aos próprios pais. A primeira conclusão da conferência sobre sexualidade adolescente de 1979 foi a da necessidade de implementar sistemas de apoio aos pais que os confirmem e fortaleçam como os principais educadores sexuais dos filhos. Nos Estados Unidos da América foram criados centros de ensino comunitário sobre a sexualidade tendo como alvo os pais de crianças com menos de 12 anos.
Por sua vez, contrariamente aos receios daqueles que vêem na educação para a sexualidade uma política tendente à irresponsabilidade sexual, as investigações sobre educação para a sexualidade revelam exactamente o contrário nas suas mais relevantes conclusões - cito uma série de trabalhos: Sarrel, 1967; Wiechmann, Ellis, 1969; Gendell, 1972; Bidgood, 1974; Iverson, 1975; Gebhard, 1976; Gordon, 1979, e que resumo:

I) A primeira relação sexual é mais tardia nos jovens que frequentam os cursos para a educação sexual;
2) Perante a doença, estes pedem mais consultas por doenças venéreas;
3) Estes adolescentes, mais tarde, consultam mais os centros de planeamento familiar;
4) Utilizam com mais frequência contraceptivos nas práticas sexuais, diminuindo o risco de gravidezes não desejadas, com a diminuição das consequências médico-sociais que daí advêm;
5) Diminui o risco de recidiva nas adolescentes mães celibatárias;
6) Aumenta a necessidade de fidelidade, de relações afectuosas estáveis, aumentam as exigências éticas e o respeito pelos sentimentos dos outros. Diminui o experimentalismo sexual;
7) Diminui a culpabilidade perante a masturbação.

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Outra noção importante é tida em linha de conta nos bem-vindos projectos de educação para a sexualidade e planeamento familiar do PSD/PS: um grande esforço deve fazer-se para formar profissionais idóneos em todas as áreas que têm a ver directa ou indirectamente com a educação para a família e sexualidade. A imensa informação e a diversidade de experiências de outros países que nos precedem nesta área permite-nos extrair ensinamentos relevantes.
Não é posta, contudo, em realce a atenção que deve ser dada às famílias, apoiando-as nas suas dificuldades para educarem os filhos, inclusive na educação sexual destes. Na discussão na especialidade deste excelente projecto procuraremos introduzir algumas achegas, melhorando-o. Certos de que uma política conduzindo à degradação moral, social e suicídio dos adolescentes é aquela que lhes proíbe a educação sexual e o acesso aos centros de planeamento familiar, certos de que a educação sexual e o planeamento familiar são os melhores antídotos contra o aborto clandestino, permitam-nos, Srs. Deputados, alguns comentários sobre os projectos de lei preconizando a despenalização de certas formas de interrupção voluntária da gravidez.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aqueles que, como nós, não fundamentam em postulados metafísicos indiscutíveis as suas opções em assuntos tão controversos como o da despenalização de certas formas da interrupção voluntária da gravidez estão certamente mais atreitos à dúvida e à necessidade de que a informação cientifica venha ao encontro das razões éticas que norteiam as suas opiniões.
Baseando as nossas opções em conceitos éticos tão gerais como o respeito pela vida, encaramos com preocupação a exclusão de ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária de gravidez.
Tendo como dado científico assente que todas as manifestações de vida obedecem a planos biológicos gerais que apenas se diferenciam nas suas formas de expressão, o nosso respeito pela vida traduz-se em simpatia e solidariedade para com ela.
Nenhuma razão metafísica e ainda menos científica nos permite considerar a transcendência exclusiva ao homem. A nossa simpatia e solidariedade é todavia, obviamente mais sentida para com a nossa espécie.
Sentimos, pois, graus diferentes de solidariedade que, como atitude geral, se traduz numa necessidade de intervenção ecológica e pacifista. A vida na terra encontra-se ameaçada por catástrofes ecológicas e termonucleares: eis o grande problema do nosso tempo.
A todos os momentos a solidariedade geral para com a vida se manifesta na sua conflitualidade: todos, todos os dias, destruímos vida para sobrevivermos.
É nesta lógica de conflito que nos colocamos quando somos postos perante a necessidade de manifestar uma opinião face aos 2 projectos em discussão referentes à interrupção voluntária da gravidez.
A nossa opção ética de fundo vai no sentido de aceitarmos o sacrifício das actuais gerações para bem das gerações futuras. A dívida que temos para com civilizações, culturas e gerações passadas justificam-na plenamente.
Admitir a exclusão de ilicitude em certos casos de interrupção voluntária da gravidez põe em questão toda a política da família.
A discussão dos projectos de lei sobre educação sexual, planeamento familiar, protecção e defesa da maternidade, são, todavia, suficientes para podermos avançar com uma opinião sobre a matéria em questão. Uma sexualidade e um planeamento familiar responsáveis e conscientes são condições necessárias para uma maternidade que também o seja.

Facilitar a interrupção da gravidez com vagas e imprecisas razões económicas e sociais cria condições para uma maternidade, um planeamento e uma sexualidade irresponsáveis: o projecto do PCP é, nesta área, na nossa modesta opinião, rejeitável. Parecendo, a curto prazo, mais justo e procurando atacar a prática do aborto clandestino, será, a nosso ver, a médio prazo mais injusto. Promova-se a educação sexual e o planeamento familiar, e assim atacaremos preventivamente na raiz a origem dos males, isto se a política do actual Governo também for capaz de lançar perspectivas para um novo processo de desenvolvimento económico e de justiça social: eis o pano de fundo da questão.

O mesmo não podemos dizer das situações contempladas no projecto do PS quando há colisão de direitos entre o feto e os progenitores condenados ao sofrimento, à doença ou à morte.

Desde que o nascituro resulte da violação ou «haja seguros motivos para prever que venha a sofrer de forma incurável de grave doença ou malformação», sendo assumido, exclusivamente, pelos progenitores, estes estão sujeitos a um profundo sofrimento.

Em certas situações a manutenção do desenvolvimento fetal pode traduzir-se em perigo de morte ou lesão grave para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da grávida, o que justifica a ilicitude da interrupção voluntária da gravidez: daí o aceitarmos, na generalidade, o projecto do PS.

Todavia, para esclarecermos o grau de conflito de direitos do feto e dos progenitores, temos de definir etapas de desenvolvimento fetal, possibilidade de diagnóstico de doença e sua gravidade, assim como o de compreender o que significa grave e duradoira lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher. Pensamos que estes pontos deverão ser regulamentados para permitirem uma aplicação séria dos mesmos, depois de ouvidos os mais apropriados cientistas.

Expliquemo-nos com uma achega, que reputamos de importante, como contribuição pessoal para melhorar o referido projecto.
Nos últimos anos a investigação em psicologia do desenvolvimento revolucionou os nossos conhecimentos sobre o recém-nascido.
Este é cada vez mais encarado pela sua «capacidade e competência» (Bower, Stern). Aprende desde o primeiro dia, tem enormes capacidades perceptivas de reconhecimento e de organização do espaço, motoras e sociais: especificidade de resposta para os sinais humanos, enorme capacidade de imitação, prazer na interacção provocando interesse no interlocutor, mãe potencial, estimulando a universal, para adolescentes e adultos, capacidade maternal. Não sei se os Srs. Deputados do sexo masculino sabiam que tinham capacidade maternal, mas o facto é que têm.

Ora estas competências foram, em parte, desenvolvidas nos últimos meses da gravidez: capacidade de fixar e ouvir a partir do 5.º mês, (Feijoo, Birnholz, do

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seu último ensaio que posso distribuir); capacidades sofisticadas de aprender a partir do 8.º mês (Spelt).

Se o nascimento proporciona novas possibilidades de aprendizagem, só cerca do 9.º/12.º mês pode ser demonstrado que atinge uma nova e decisiva etapa de desenvolvimento psíquico: a aquisição da auto-imagem, a diferenciação próprio-outro (Lewis e Brookes-Gunn).

Assim, a despenalização do aborto, pelo menos a partir do 5.º mês de vida intra-uterina, do ponto de vista do desenvolvimento psicobiológico do feto, não é radicalmente diferente do neonaticídio e do infanticídio efectuado no primeiro ano de vida, período etário em que a sua probabilidade é manifestamente maior.

Argumenta-se muitas vezes, ao defender a despenalização da interrupção da gravidez por razões económicas e sociais, com o facto que se tornou habitual; o mesmo argumento pode ser utilizado, sem tirar nem pôr, para justificar o neonaticídio e o infanticídio no período que precede a tomada de consciência pelo bebé da sua existência como ser autónomo, uma das mais importantes causas de mortalidade infantil [cito Jason, «Homicide as a cause of pediatric mortality in the United States», Pediatrics (USA), 1983, 72/2 (191-197)].

Sr. Presidente, Srs. Deputados: E do domínio público que a investigação na área das ciências biomédicas é determinante para resolver os mais graves problemas do nosso tempo.
Inevitavelmente, esta investigação vai criar problemas éticos de utilização de novas possibilidades científicas, como aconteceu e acontece com os contraceptivos, inseminação artificial, esterilização, amniocentese, e que dentro em breve serão os da fecundação e desenvolvimento fetal in vitro e engenharia genética aplicada ao homem.

O grosseiro aproveitamento político que foi feito em torno deste problema levanta, a nosso ver, a necessidade da criação, por iniciativa da Assembleia da República, de um conselho ético para problemas bio-médicos.

Srs. Deputados: O voto que hoje nos obriga é um voto de obediência predominantemente moral.

Os socialistas mantiveram-se tranquilos face à discussão que transbordou para fora da Assembleia da República e em que (aram adulteradas as bases da própria discussão: ninguém nesta Assembleia da República é a favor do aborto.

Mais uma vez se verá que se enganam os que confundem a moderação dos socialistas com tibieza. O voto dos deputados do PS mostrará mais uma vez que não se deixam intimidar.

Aplausos do PS e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Narana Coissoró e Azevedo Soares.
Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Deputado Eurico Figueiredo, devo dizer-lhe sinceramente que há muitas partes da sua boa intervenção que vêm resolver algumas das dúvidas que ainda me . subsistiam sobre a verdadeira natureza do projecto de lei do PS.

Em primeiro lugar, como médico que é, vou-lhe fazer uma pergunta - pois para votar contra também precisamos de estar plenamente convencidos ...

Risos do PCP.

... da realidade do vosso projecto - que é a seguinte: no projecto do PS, ao contrário das justificações aqui dadas de que o aborto é um exercício na liberdade plena da mulher, não é a mulher que livremente pede o aborto: ela tem que arranjar atestadas médicos para que um outro médico lhe faça este aborto, e este problema já foi aqui levantado pelo Partido Comunista.
Portanto, não é um problema de liberdade da mulher. Como em direito diríamos, o aborto é feito pela liberdade do médico sob a proposta da mulher. V. Ex.ª, como médico, tem que ter a liberdade de decidir pelo aborto aqui referido, independentemente do consentimento da mulher ou sobrepondo a sua vontade ao consentimento desta, porque este projecto de lei permite que o médico recuse abortar uma mulher se entender que ela não se enquadra na tipicidade deste artigos.
Como médico que é, pergunto-lhe: V. Ex.ª pode, em consciência, dizer que o aborto é o único meio para salvar a mulher? O Sr. Deputado ou qualquer médico pode, em consciência, dizer - e depois das dúvidas científicas que aqui se levantaram- que é o meio mais indicado? O médico pode dizer que a gravidez resultante da violação, e tratando-se principalmente de uma mulher casada, é proveniente do violador e não do marido? E no caso daquela mulher que tem relações sexuais regularmente, que foi violada e que para arranjar um atestado médico diz «eu fui violada e pretendo abortar», como é que o médico pode saber que a gravidade é proveniente do acto sexual do violador e não do marido, quando existe a presunção legal de que uma mulher casada é de presumir que o filho seja do marido?
V. Ex.ª frisou que este projecto de lei tem que ser ainda mais regulamentado e que é mais perigoso do que o do PCP, pois é isso que o Sr. Deputado diz ao apontar este projecto como sendo muito amplo e necessitando ainda de posterior regulamentação. Quer dizer, a lei penal vai ser modificada. Os artigos do aborto de vida-uterina vão ser modificados, mas ainda vamos ter que esperar pela nova regulamentação que se vai fazer. E quem a vai fazer? O Governo? A Assembleia da República, outra vez? E a Ordem dos Médicos? E V. Ex.ª? Portanto, estamos aqui perante um processo que não acaba agora nesta Câmara, porque a ela teremos de voltar para regulamentar o código penal que VV. Ex.as agora querem mudar. Se estou certo, faça o favor de o dizer. Se estou errado, faça o favor de me esclarecer.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Eurico Figueiredo deseja responder já ou conjuntamente a todos os pedidos de esclarecimento?

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Sr. Presidente, com vista a que uma senhora deputada do Partido Socialista que ainda deseja fazer uma intervenção o possa fazer, responderei sucinta e conjuntamente a todos os pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Nesse caso tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

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O Sr. Azevedo Soam (CDS): - Sr. Deputado Eurico Figueiredo, julgo que a intervenção que V. Ex.ª acaba de proferir aqui quase que justificaria que reiniciássemos o debate. E quase que o justificaria, porque uma intervenção como a que V. Ex.ª veio proferir, com a responsabilidade profissional e técnica que tem e provinda do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, vem pôr tudo, de novo, no ponto de partida. V. Ex.ª usou aqui expressões como «encaramos com preocupação a exclusão da ilicitude da interrupção voluntária da gravidez, isto é, para V. Ex.ª, essa exclusão da ilicitude é algo que o preocupa profundamente; para V. Ex.ª, contrariamente a vários colegas seus de bancada, não está aqui apenas uma questão de neutralidade filosófica, uma hierarquia de bens jurídicos, mas sim a necessidade de acautelar, em quaisquer circunstâncias, um bem jurídico que para si é essencial.
Mas o Sr. Deputado trouxe uma outra coisa eventualmente ainda mais difícil de superar no interior do próprio Partido Socialista, e que é esta: V. Ex.ª diz que temos de definir etapas de desenvolvimento fetal, temos de definir em que ponto é que vamos dizer, nós os 250 deputados, quando é que começa a vida. V. Ex.º não o sabe, tem a coragem intelectual e moral de aqui dizer que não sabe quando começa a vida, mas ao mesmo tempo afirma «bem, meu caros deputados, vamos definir mais ou menos, mais semana menos semana. E adiantou o seguinte: «A partir do 5.º mês equipare-se o aborto ao infanticídio». Portanto, a partir do 5.º mês não se deve falar em aborto, mas em infanticídio perante a autoridade científica de V. Ex.,
Pergunto: a evolução da própria ciência e mesmo o seu estádio actual permitem-lhe assumir essa responsabilidade brutal de dizer que é na 12.ª, 14.ª ou na 16.ª semana que começa a vida? Qual o critério, qual a razão, qual o juízo que emite para formular essa decisão?
E por isso, Sr. Deputado, que a esta hora da manhã, depois de longos e longos debates, faço um apelo ao Partido Socialista, não porque tenhamos quaisquer dúvidas em votar contra qualquer projecto de lei de despenalização do aborto, mas porque as questões que V. Ex.ª levantou justificam que este debate sobre o projecto de lei do Partido Socialista seja continuado e aprofundadas as questões que levantou. O apelo ao Partido Socialista será no sentido de que faça baixar o seu projecto de lei à comissão competente, para que aí o Parido Socialista possa resolver as contradições.

Vozes do CDS: - Muito bem!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo, para responder, se o desejar.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Quero, em primeiro lugar, dizer a esta Câmara que estou muito bem digerido no Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
Em segundo lugar, quero fazer algumas observações: há muitas questões que estão, de facto, a ser agora levantadas e que mereciam ser comentadas e discutidas, porque consistem num problema relativamente simples. Primeiro, o problema da preocupação. Sou uma pessoa continuamente preocupada porque a minha profissão e a minha intervenção política é fonte constante de preocupação. Não tenho uma mentalidade totalitária, nem tenho a mentalidade paranóica de querer convencer as pessoas, de querer impingir as minhas verdades. As minhas verdades são permanentes dúvidas e vivo permanentemente na dúvida, razão porque sou uma pessoa permanentemente preocupada.

Aplausos do PS e da ASDI.

Mas, Srs. Deputados, a preocupação é algo eminentemente clínico.
Vou-vos dizer uma coisa - e os meus colegas médicos acompanham-me perfeitamente- que é um facto: toda a intervenção médica e quase toda a intervenção cirúrgica é um rissol Não há nenhuma intervenção cirúrgica que não tenha graus de mortalidade. Dizia um bom professor de farmacologia: «Meus caros alunos, um medicamento que não faz mal, que não é tóxico, não é medicamento. Ora, nós, médicos, vivemos constantemente na angústia da decisão e somos constantemente pessoas preocupadas pela intervenção terapêutica.
Outra verdade que vos quero dizer é e seguinte: quando era médico director de um serviço de internamento no Cantão de Genebra fiz um inquérito às decisões dos médicos. E de que se tratava? Eram as decisões relativas a hospitalização ou não hospitalização de doentes durante a noite. Fiz um levantamento de centenas dessas decisões e cheguei à seguinte conclusão: a decisão de internar oscilava entre os 20
e os 50 %, e a decisão de internar na Suíça pode, de facto, corresponder à prisão perpétua porque compete ao médico decidir se alguém sai outra vez ou não do hospital psiquiátrico. E nós, médicos, vivemos todo o tempo na angústia de tomar estas decisões com esta relatividade.
Por isso, Srs. Deputados, também temos que tomar decisões. Apenas os arquitectos, os economistas, vivem distantes do problema concreto. O retirar o pacote que tivemos de votar nesta Assembleia de certeza que provocou suicídios no Pais, de certeza que provocou fone. São decisões que tomamos nesta Assembleia da República e não devemos ter dúvidas sobre as suas consequências.
Nós, médicos, estamos todos os dias perante o sofrimento de ter de tomar decisões!
Outro problema completamente falso é o da vida. E evidente que o feto desde a fecundação que é vida! E evidente que o óvulo é vida! E evidente que o espermatozóide é vida! E evidente também que depois de uma intervenção cirúrgica em que se tira metade do estômago a um paciente tira-se um estômago vivo! Se vou ser amputado de uma perna, é evidente que me tiram vida! Por isso considero ser um falso problema o problema da vida, dado que ela existe nu homem em todas as suas manifestações.
Mais: o problema que dentro de alguns anos iremos tez é o da possibilidade de pegar numa qualquer célula do homem in vitero e criar um ser simétrico igualzinho a nós. 15to faz-se já no mundo vegetal.
Trata-se de um terrível problema ético, pois qualquer célula que temos no corpo é vida. Quando amputamos uma parte do corpo de um cliente estamos a
amputar vida.

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Para me decidir em relação a estes problemas dei uma indicação muito simples: penso que esta lei necessita de ser escrupulosamente regulamentada, depois de ouvidos os cientistas competentes nesta área.
Pela minha parte devo dizer-lhe que os consultei. Sendo um médico informado, passei horas e horas a discutir com geneticistas para poder, nesta Assembleia, exprimir uma opinião.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Eurico Figueiredo: O meu protesto teria sido evitado se me tivesse permitido a interrupção.
V. Ex.ª terminou a sua intervenção dizendo: «esta lei precisa ser regulamentada. Mas quem o vai fazer? Não sei. Talvez alguém misterioso, um ser distante que não conhecemos ...
Será possível, Sr. Deputado, que seja este governo, com os ministros que, eventualmente, não têm a mesma posição de V. Ex.ª, a regulamentar a lei? Mas ele brindou-nos com a sua ausência, ...

A Sr.ª Fernanda Quintas (PS): - Não aprovado!

O Orador: - ..., com a sua indiferença, perante este problema.
Que garantias tem, Sr. Deputado, de que não estamos aqui a discutir para criar apenas mais um princípio geral? Pessoalmente, conhecendo alguns dos ministros do actual Governo que directamente terão a responsabilidade dessa regulamentação, não duvido de que ou saem estes ou não sai regulamentação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Figueiredo.

O Sr. Eurico Figueiredo (PS): - Peço desculpa por não ter permitido a interrupção, mas não vi o seu gesto.
Em minha opinião, Sr. Deputado, esta lei deve ser regulamentada onde este Plenário decidir. Talvez numa comissão de especialidade, ouvindo as autoridades.

O Sr. Morais Leitão (CDS): - 15to é uma alteração ao Código Penal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorrido pouco mais de um ano, volta esta Assembleia a debater um projecto de lei do PCP de legalização do aborto, projecto esse já rejeitado em Novembro de 1982.
Perante a filosofia política e ideológica do partido proponente, a concepção materialista que tem do homem e da sociedade e o comportamento a que já nos habituou não espantará ninguém uma tal iniciativa, como também não surpreenderá o interesse que pôs no seu agendamento.
Porém estamos a debater simultaneamente um outro projecto sobre a mesma matéria, esse recentemente apresentado pelo PS, apresentação que nos merece um primeiro comentário.
Tem sido afirmado e reafirmado que o PS; apesar de ser claramente um partido de vocação maioritária por razões de natureza patriótica aceitou, ainda com
sacrifício dos seus próprios interesses partidárias integrar com o PS a actual coligação.
E fê-lo na perspectiva de, numa conjugação de esforços, se ultrapassar a crise e se introduzirem na sociedade portuguesa as profundas mudanças que o País carece e o povo português.
Essa situação, porém, não pode impedir que sobre os projectos em debate manifestemos com clareza e firmeza o entendimento e a posição do PSD sobre a matéria em debate.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A questão do aborto seja ela encarada como sua legalização, ainda que teoricamente em determinados casos e circunstâncias,
seja ela apelidada de exclusão da ilicitude em alguns outros casos - é um problema complexo e ao mesmo tempo um problema radicalmente simples como aqui
o afirmou em Novembro de 1982, o então Deputado Jorge Miranda.
Nesta Assembleia, onde o povo português tem o direito a sentir-se efectivamente representado, não deve esta questão ser debatida por razões de mera emotividade ou outras, mas sim antes à luz dos sãos princípios, e sempre com total seriedade e serenidade, debatendo e discutindo os problemas, sem com isso, no entanto, desrespeitar quem porventura defenda posições divergentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Contrariamente ao que por vezes é afirmado em defesa dos projectos de lei em análise, a questão que se coloca não é de uma alternativa entre o aborto clandestino e o aborto legal, mas sim, entre o aborto e a vida e, portanto, o direito a esta.
Adiante procuraremos alinhar algumas das razões de tal afirmação, das quais resulta que o PSD não visa de modo algum defender o aborto clandestino, apesar de não ignorarmos que disso seremos acusados, o que nem seria inédito.
Acusações dessas, porém, até porque infundadas, não nos impressionam.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - E a realidade, Sr. Deputado.

O Orador: - Com a nossa posição, que não é de agora, não procuramos colher quaisquer dividendos, mas antes defender com firmeza um entendimento que resulta dos princípios que perfilhamos e até da convicção que temos de assim interpretar o sentir do nosso eleitorado e da grande maioria do povo português.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pena é que aqueles que hoje são nossos opositores nesta questão, não tenham aceitado a consagração constitucional do referendo, no qual a questão do aborto teria lugar indiscutível;...

Aplausos do PSD e do CDS.

... com ele ficaríamos então a saber qual o verdadeiro sentir e querer do povo português relativamente a este problema.

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Como o tal referendo não é possível, acrescidas são as responsabilidades de todos nós.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD sempre tem defendido, posição que não é de hoje, a ilicitude do aborto, posição que não assenta em razões de ordem confessional, mesmo que algumas delas sejam ou possam ser coincidentes, nomeadamente no princípio básico de onde emerge a posição que defendemos.
Há princípios que encontrando acolhimento em diferenciadas confissões religiosas, e não só, são também perfilhados pelo Direito positivo face aos valores que lhe estão subjacentes - como sucede no caso que hoje aqui debatemos.
No caso em debate, e para nós, sociais-democratas, humanistas e personalistas, tudo emerge efectivamente de um princípio fundamental, que antecede mesmo quaisquer confissões religiosas ou o direito positivo, e que é o do direito à vida humana, mesmo quando esta se encontra ainda no ventre materno.
Como já aqui foi dito, e constitui um dado cientificamente adquirido, a vida do novo ser humano surge no momento da concepção, ou seja, aquando da junção de uma célula masculina com curta célula feminina, de cuja junção nasce precisamente uma célula nova, diferenciada e autónoma em relação àquelas, dotada já de individualidade própria e específica.
A partir desse momento surge um novo ser, que contém em si potencialidades genéticas autónomas em relação ao pai e à mãe, ser esse que desenvolvendo-se origina ao longo do tempo o bebé, a criança, o jovem, o adolescente, o homem adulto.
Por isso não surpreende que instituições e organismos altamente qualificados e responsáveis dirijam as suas atenções à defesa do feto a partir do momento da concepção, como sendo, por exemplo, com o que se recolhe da Declaração Universal dos Direitos da Criança.
Mas para além destas interrogações que cada um tem de fazer a si próprio não pode sonegar-se que, no caso da alínea a) do projectado novo artigo 140.º do Código Penal, não se estabelece esse limite temporal das 12 semanas. Também não pode sonegar-se que o texto dessa alínea ao referir «único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida» é um conceito que está, como acabámos de ouvir, por definir e regulamentar.
Conceitos tão latos e subjectivos são bem a porta - tal como já aqui hoje o confirmou o deputado Vilhena de Carvalho- por onde podem passar todas as situações. E é estranho não termos visto aqui os proponentes justificando e definindo minimamente os contornos de tais conceitos, que no projecto em causa ficam exclusivamente na dependência do entendimento exclusivo do médico chamado e passar o respectivo atestado.
Após a concepção, estamos perante uma nova vida, cujos direitos têm de ser salvaguardados e protegidos; direitos autónomos em relação aos dos demais, incluindo mesmo os seus progenitores.
Ao feto concebido assiste o pleno direito de nascer e de crescer, pelo que eliminá-lo, quer tal suceda nas primeiras como nas últimas semanas, mais não é que privá-lo dos direitos que são próprios de todo o ser humano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porquê fixar em 12 semanas o limite de tempo em que é lícito o aborto?

Acaso a ciência já chegou a conclusões diferentes e no sentido de que o fecho só tem vida humana e própria após tal período de 12 semanas?
Se a ciência não chegou a essa conclusão e mantém que a vida surge com a concepção, então porque estabelecer aquele limite arbitrário e não todo o período da gravidez?
Estas e também outras interrogações temos de conscienciosamente formular a nós próprios, mas sem fechar os olhos ou tapar os ouvidos ao que cientificamente nos é apresentado.
Para nós sociais-democratas, a defesa e a protecção da dignidade da pessoa humana é ponto vital da nossa concepção e do nosso ideário, pelo que jamais poderíamos pôr de parte essa defesa e protecção logo que o feto concebido é já um novo ser humano, e exactamente num período em que mais carece desse procedimento do cidadão adulto.
O aborto clandestino é uma realidade, um terrível flagelo humano e social que não pode ser escondido, mas que tem causas que urge não sonegar, mas sim atacar e combater.
Como políticos responsáveis, não podemos esconder a cabeça na areia, fingindo ignorar essa horrenda realidade; antes devemos procurar, através de um sério exame das realidades concretas, a via que rápida e urgentemente possa eliminar esse malefício.
É preciso em curto prazo recuperar imensos atrasos, de vária ordem, de modo a tornar possível pôr termo no mais curto prazo a essas causas, pois só desse modo o flagelo do aborto clandestino poderá e deverá ser vencido.
Os projectos em apreço têm o mérito de consciencializar todos os responsáveis, quer neste Parlamento quer fora dele, bem como todos os cidadãos, para uma pronta e eficiente resposta aos problemas concretos - económicos, sociais, culturais e outros- e a triste realidade do aborto clandestino põe perante todos nós.
Mas tentar combater um mal - aborto clandestino - com outro mal - aborto legalizado - mais não é que ficarmos com dois males, o que repudiamos.

Vozes do PSD: - Apoiado!

Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deve salientar-se que o grande número de abortos clandestinos não é produto das causas enunciadas nos projectos de lei em debate.
Tenhamos a coragem de falar claro, e não esconder que a maioria dos abortos clandestinos são essencialmente produto de egoísmos individuais, de pressões de ordem social e familiar, quando não o fruto de uma mera visão materialista e mesmo hedonista do corpo e do sexo, assim como da própria vida.
Tais abortes continuariam, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a ser praticados em grande medida, a ser aprovados os projectos de lei em apreço, ainda que não ocorressem desvios na aplicação do seu conteúdo.
O «sórdido negócio» que refere no preâmbulo do projecto de lei do PCP, que vai desde os 2000$ até aos 30 000$ a 40 000$, iria continuar, embora a lei passasse a conferir maiores garantias de impunidade.
Um total anonimato e secretismo por parte de tais grávidas continuaria a ser procurado, o que não será conseguido com os processos perfilhados nos projectos de lei do PCP ou do PS.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aborto implica, como ficou referido, destruição e violação da vida humana, e dai que tenhamos de o considerar um acto ilícito.
O projecto do PCP ao preconizar expressamente a revogação dos artigos 139.º a 141.º do Código Penal, que se referem exactamente aos «crimes contra a vida intra-uterina», visa a legalização do aborto, embora aparentando restringi-la a certos casos.
Mas, esses casos, referidos no artigo 1.º do projecto e seu desenvolvimento, bem como o processo nele preconizado para a sua realização, conduzem à indiscutível consequência de uma legalidade pura e simples.
Por sua vez o projecto do PS, apresentando uma formulação diversa, conduzir-nos-ia na prática e nas suas consequências aos mesmos resultados.
Na senda do afirmado nesta Assembleia, no debate travado em Novembro de 1982, pelo então deputado Almeida Santos, refere o projecto em causa e que «o aborto é sempre e intrinsecamente um mal».
Porém, noutro passo do referido preâmbulo, e depois de dizer que o projecto em causa se situa no limitado espaço identificável com situações de conflitos de valores, como são os abortos vulgarmente rotulados de terapêutico, eugénico e ético, afirma-se:
Mesmo nestes casos, não se cuida de legalizar o aborto, mas apenas de o despenalizar, não se justifica o facto. Exclui-se a ilicitude e, em consequência, a pena.
Todavia, não se exime em referir que o mesmo se dirige «fundamentalmente contra o aborto clandestino, desde que verificados «pressupostos da exclusão da pena».
A maioria dos abortos clandestinos não assenta nas causas de exclusão da ilicitude que são enumeradas no preconizado novo artigo 140.º do Código Penal, e isto desde logo pelas razões que muito sucintamente já deixámos salientadas. E quem verifica ou controla esses pressupostos de exclusão da ilicitude?
Na tese preconizada no projecto de lei do PS, considerando o que dele consta, com especial relevo para o seu artigo 5.º - onde se vai mesmo ao ponto de falar em aborto «licitamente» praticado - a referida verificação de tais pressupostos deixa obviamente de caber aos tribunais.
A que conduz uma tal tese se não à legalização do aberto? E que não concebemos a verificação de uma causa de conclusão de ilicitude feita antes da prática do acto ilícito; a causa de exclusão da ilicitude tem de ser apreciada perante o caso concreto e quando colocado o julgador perante o quadro Táctico integrante de um tipo legal de crime.
Tem-se falado muito em repressão e punição do aborto, esquecendo - como salienta o Dr. Mário Gonçalves- «que os artigos 139.º e 141.º se subordinam à farte Geral do Código [refere-se ao actual Código Penal], a cuja luz devem ser prioritariamente vistos os casos extremos do aborto terapêutico, sentimental, praticado em estado de necessidade, etc.».
Só que a verificação destas causas cabe ao poder judicial.
.4 legalidade do aborto atenta contra a vida de um ser humano, e porque, aquela ainda que intra-uterina, e inviolável, não podemos aceitá-la.
Aceitamos, isso sim, que a maternidade e a paternidade têm de ser conscientes e que os pais têm o direito. senão mesmo o dever, de encarar responsavelmente o surgimento dos filhos.

Para tanto, impõe-se, isso sim, um rápido avanço e incremento de uma correcta política de planeamento familiar, que infelizmente entre nós pouco mais é que incipiente.
Será também através da concretização de tal política, a levar aos cantos mais recônditos do País, que se obterá também a resolução do grave problema doe abortos clandestinos, já que a par desse planeamento familiar, e dele fazendo parte integrante, tem de existir igualmente uma correcta política de educação sexual e de assistência à maternidade e ao ser que a grávida trás dentro de si.
Esta é a via - que terá de ser percorrida cota urgência, mas também com eficácia - para solucionar os graves problemas que a questão do aborto suscita no panorama dos nossos dias, sem olvidar que ela tem de ser acompanhada de melhorias económicas, sociais e culturais do nosso povo.
A mulher poderá ter o direito de planear os filhos que pode ou quer ter, mas esse direito só lhe assiste antes de conceber. Após a concepção, o feto concebido tem já um direito próprio e autónomo em relação à mãe: o dizer-se que o feto é dependente de mãe
em nada altera o que se disse, pois essa dependência
antes demonstra estatutos perante 2 seres distintos, caso contrário não haveria dependência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando se defendem posições que partem de princípios cientificamente conhecidos e aceites, e com bases neles se defende e consagra a inviolabilidade da vida humana, ainda que na fase do feto concebido, e daí se luta para a rejeição de diplomas que atentam contra esses princípios, impedindo que se concretize desde logo o primeiro direito do feto que é o de nascer, não se está a ser obscurantista e muito menos a procurar-se dividendos, sejam eles quais forem.
Em matéria de princípios e sua defesa temos de ser firmes e coerentes.
Conquistada em 25 de Abrir de 1974 a liberdade há tanto tempo perdida, não aproveitemos nós agora essa liberdade para legalizar a retirada da liberdade a vidas que, quando jovens e adultos, têm o mesmo direito a uma vida de liberdade como a que nós queremos continuar a usufruir.
Queremos uma liberdade para viver cada vez melhor, e não uma liberdade que retire a outros, o direito a viver a sua própria vida.
O PSD defende e defenderá sempre a liberdade para, no pleno respeito pela tradição humanista do nosso povo, dignificar a pessoa humana e nunca para eliminar os seus mais elementares direitos.
Numa sociedade em que queremos que imperem a fraternidade e a solidariedade, teremos de continuar a defender valores que são fundamentais e daí a nossa rejeição dos projectos de lei n.ºs 7/III, do PCP e 265/III, do PS.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.

O Sr. Morais Leitão (CDS): - Sr. Deputado Marques Mendes, queria dizer-lhe que tanto a sua intervenção como a do seu colega, Dr. Fernando do Amaral, me deram profunda satisfação.

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Infelizmente não pude participar no debate desde o início: Razões de falecimento de um familiar levaram-se vários dias para o interior do País.
Assisti nos preparos e ao inicio do debate numa terra na serra da Estrela onde a crise económica é profunda e a crise social grave e fi-lo, devo dizer isto perante esta Assembleia, com um sentimento de vergonha.
No entanto, lia nos jornais e sabia que os meus colegas de bancada defendiam bravamente posições dignas. Hoje, soube também que, por parte do PSD, há unidade na defesa dessas mesmas posições. Por isso a vossa intervenção muito me satisfez. Não posso compreender como, em Portugal, a todas as crises já existentes - económica, financeira e social - se vem juntar, e agravar, um conflito ético que divide os portugueses ...

Aplausos do CDS.

Propõe-se uma solução política formada por razões ditas de patriotismo para resolver uma crise grave, uma situação externa tremenda, e aceita-se, admite-se, a abertura de um conflito ético em que mesmo posições honestas, como a do Sr. Deputado Eurico Figueiredo, são silenciadas por razões de consciência política!
A pergunta que lhe faria, Sr. Deputado, com o meu sincero elogio e apoio è sua intervenção é a seguinte:
O Sr. Deputado e a sua bancada não nos acompanham no pedido há pouco feito pelo meu colega Azevedo Soares de rejeitarmos, aqui, hoje, a proposta desestabilizadora do PCP? Apelamos ao vosso partido, que aliás pela voz dos seus próprios deputados aqui fez a afirmação clara de que se está a sacrificar a vida, para que suspenda hoje a votação do seu projecto ou, pelo menos, a ter que o votar, admita que baixe a uma Comissão para que se introduzam as melhorias que os próprios membros da sua bancada, médicos psiquiatras reputados, aqui colocam como estritamente necessárias.

Não estamos a fazer uma lei de bases, meus senhores, estamos sim a rever o Código Penal que tem aplicação imediata. No dia seguinte ao da sua saída esta lei produzirá eficácia nos tribunais. Não mais cientistas se pronunciarão sobre ela, apenas existirá um Código Penal que está a ser revisto e mal!
Congratulo-me por o PSD nos acompanhar nessa posição.

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - O Sr. Deputado Morais Leitão além de indirectamente classificar de indigna a opinião diferente da dele e da do PS disse também que a intervenção do Sr. Deputado Eurico Figueiredo tinha sido silenciada.
Em primeiro lugar, Sr. Deputado, devo dizer-lhe que esse não é um termo aplicável a quem não tem a nossa opinião e, em segundo lugar gostaria de lhe

dizer que a grande demonstração do contrário é que o PS permitiu que o Sr. Deputado Eurico Figueiredo viesse aqui, livremente, exprimir a sua opinião.
Aliás, livremente irão votar os deputados do meu partido. Votarão segundo a sua consciência.
Repudio, pois, frontalmente as afirmações produzidas pelo Sr. Deputado Morais Leitão, as quais não têm qualquer justificação.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Morais Leitão.

O Sr. Morais Leitão (CDS): - Sr. Presidente, queria esclarecer o Sr. Deputado Ferraz de Abreu que não usei o termo indigno.

Vozes do PS: - Usou, usou!

O Orador: - Não usei não senhor. O senhor é que o está a retirar implicitamente essa conclusão. Não tinha nada, portanto, que usar do direito de defesa.
A posição do Sr. Deputado Eurico de Figueiredo foi elogiada. A pergunta que fiz ao PSD não foi com nenhuns intuitos contrários. Tinha a esperança de que os senhores fossem suficientemente maleáveis para considerarem que este não é o momento de imporem ao País as vossas teses já muito conhecidas, mas os senhores são responsáveis perante ele.

Aplausos do deputado Silva Marques (PSD).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Presidente, era para responder ao Sr. Deputado Morais Leitão.
Sr. Deputado Morais Leitão, quero agradecer-lhe, em primeiro lugar, as palavras que dirigiu à minha intervenção. Creio, aliás, que ela traduz a posição do PSD, que é conhecida de há muito.
Quanto ao problema do apelo ao PS, é sabido que o PSD há muito que entende que uma matéria destas deveria ser objecto de debate mais aprofundado nesta Câmara. Trata-se, de facto, de um problema muito complexo e estaríamos de acordo em que fosse reanalisado em comissão. Creio que o será quando for votado na especialidade, sendo nessa altura esclarecidas algumas dúvidas.
No entanto, seria preferível que mesmo na generalidade ele fosse debatido com a devida profundidade, tal como sempre o solicitámos.
Embora o PS fosse livre para agendar o projecto nesta altura, gostava de repetir que sempre pensámos não ser este o momento ideal de o debatermos, tão delicado e complexo é.
O apelo, no entanto, continua.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Gama, para uma intervenção.

O Sr. rose Gama (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há dias morria o escritor peruano Manuel Scorza. Desaparecia, aos pés de Madrid, no

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trágico acidente do voo Paris-Dakar. Olhando o seu País havia escrito: «O Peru tem 5 estações do ano: A Primavera, o Verão, o Outono, o Inverno e uma outra estação que dura todo o ano, como a estação dos amores, é a estação do massacre dos inocentes.»
Dias depois, Natal último à porta, um historiador protestante, o francês Pierre Chaurnnu, dizia, por sua vez: «Não precisamos de esperar que se concretize sobre nós a ameaça dos SS 20 para nos aniquilarem como Nação. Nós próprios, metodicamente, fazemos este trabalho de morte. Há 10 anos consecutivos, com a lei que na França legalizou o aborto, matamos sistematicamente no ovo as crianças que vão nascer.»
Que crime é este, senhores? Respondem-me 2200 bispos do Concilio Vaticano II: é um crime abominável, «O infanticídio e o aborto são crimes abomináveis.»
João Paulo II, em 22 de Novembro passado, lança um apelo vibrante, dramático, a mais de 600 milhões de católicos, bem como a todas as pessoas, instituições e autoridades interessadas na defesa da família no mundo de hoje. Era o prolongamento do espírito do Vaticano II. O dominicano Bruckberger chamou a esta carta um toque de rebate, um SOS de alarme para o mundo inteiro.
Estas vozes recentes, de dias, vozes de raízes diferentes, são o eco de muitas outras, de dias e de anos, que não capitulam, não desistem, não consentem que sejam decapitado o direito à vida direito fundamento do homem.
Se não nos bastasse a evidência, a autoridade destas vozes seria um contributo para tirar razão àqueles que dizem que a nossa posição é condicionada, exclusivamente, pela doutrina da igreja católica. Na América o movimento anti-abortista é, neste momento, liderado pela igreja protestante.
É o direito à vida, Srs. Deputados, que está em causa. Não deixando, nem por isso, de reconhecer que é um ponto em que a ciência marca encontro com a fé.
Esse ser vivo, irrepetível, que no ventre materno inicia uma viagem que, sem perda de continuidade, o levará a adulto amanhã; esse ser vivo no fluir irresistível da vida que quer viver, não pode ser senão um ser humano. E ai de mim se eu ousasse tratar de outra maneira os deputados que aqui estão muna viagem de regresso ao ventre materno que eu gostaria de lhes sugerir.
Não estranhem, por isso, que o CDS - tenha impugnado a admissibilidade do projecto do PCP, que só razões de economia de tempo, em virtude da constituição da Assembleia ser a mesma, tenham recomendado não fazer o mesmo ao projecto do PS e que se qualquer destes projectos passar, com todos os meios legais ao seu alcance impugnará, em sede própria, a constitucionalidade do diploma.
O CDS, ao fazê-lo, cumpre, tão-só, o seu indeclinável dever. É a sua doutrina que o impõe, o seu programa que o reclama, o seu eleitorado que o exige. Rejeita o que sempre rejeitou, sem equívocos, sem hesitações.
É que de nada nos vale a luta pelo progresso, pela justiça social e pela paz, feita na fábrica ou na rua, no comício ou nesta Assembleia, se não assegurarmos ao homem este seu direito primeiro, fundamental - o direito à vida. Esse direito é reclamado pela criança e pelo adulto, pelo nascituro e pelo velho, pelo diminuído e pelo forte, pelo deficiente e o mais perfeito, sendo nos primeiros, em virtude da sua fragilidade, que assume maior razão de ser.
Estão aqui nesta Assembleia 2 projectos num atentado de morte à vida humana. Pretendem retirar da protecção penal precisamente aqueles que, mercê da sua debilidade, não podem expressar nem gritos de revolta, nem ensaiar gestos de defesa - são os que ainda não nasceram, Srs. Deputados. Aqueles a quem a lei civil já faz herdeiros e donatários, a lei penal quer tratar de coisa, objecto, parte química. São contradições aviltantes que não passarão sem a resistência do nosso voto.
Ambos os projectos querem dar luz verde à legalização do aborto em Portugal: o do PCP quer abrir uma auto-estrada, um portão largo, escancarado, à sua legalização; o do PS quer fazê-lo entrar pelo carreiro estreito, pelo postigo mortiço. Ambos estão de acordo quanto ao aborto eugénico, terapêutico e ético.
Os que defendem o aborto eugénico têm medo a uma sociedade com lugar para os diminuídos. Querem ver-se livres deles no futuro como se os diminuídos não fossem gente, como se os diminuídos não discutissem, tantas vezes, a felicidade com os que são mais perfeitos. Fazem vénias ao que já cá estão, dão a mão aos diminuídos na rua, toas não os querem no futuro. Não resisto a deixar de repetir aqui o sociólogo Jean Rostand: «Não creio que uma sociedade sem tarados seja mais humana. Os pobres, os diminuído os incapazes, não nos dão eles uma lição constante de modéstia, de humildade permanente, de que, aliás, temos necessidade?»

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Não é sociólogo, é biólogo!

O Orador: - Se em nome da eugenia não querem que estes nasçam, por que consentem VV. Ex.ªs os inválidos da guerra, dos acidentes de viação? Será porque já têm o nome registado na conservatória? Ou será porque os olhos destes já acusam, os seus braços já resistem e já gritam as sílabas da injustiça? Ambos já são pessoas humanas, Srs. Deputados. São inúteis as fugas com as mãos nos olhos, as habilidades da oratória conhecida, as justificações choramingadas?
Quantos, Srs. Deputados, deixariam aqui neste momento, se este projecto fosse lei na altura em que cada um de nós nasceu? E o risco de no aborto provocado em nome da eugenia se eliminarem pessoas saudáveis? Deste risco não falam. Porquê?
Ouçam o Dr. Boleo Tomé, um especialista reputado:
«Apenas 4 % das crianças anormais poderão ser detectadas antes do parto, usando técnicas que não são facilmente acessíveis; das que nascem, muitas irão morrer precocemente, quase todas no primeiro, mês de vida extra-uterina. Mesmo no repetido caso da rubéola, numa estatística do Hospital de Crianças de Paris em
2488 casos de rubéola comprovada apenas 1,4 % das crianças nasceu com anomalias". Quantos saudáveis morreriam em nome da eugenia, forma camuflada de
prosseguir a sociedade perfeita à boa maneira de tempos tristes da história.
Beethoven, filho de um sifilítico e de uma tuberculosa, que tiveram antes do seu nascimento um cego e um surdo-mudo, não teria escapado à sanha dos abortistas se este projecto fosse lei na altura do seu nascimento, como já dissera aqui há 2 anos o deputado Vilhena de Carvalho.

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Comunistas e socialistas, em uníssono, querem também a despenalização do chamado aborto terapêutico quando a saúde da mãe corre grave risco sacrifica-se - filho. Eis, a este propósito, o que diz o médico agnóstico Bernard Nathanson, que é director do Serviço de Obstetrícia do Hospital de São Lucas, em Nova Iorque: «O diagnóstico, o tratamento e a cirurgia estão tão avançados hoje, são tão eficazes, que eu não consigo imaginar nenhuma circunstância, nenhuma enfermidade, em que, se uma mulher estivesse grávida, a continuação dessa gravidez pudesse ter como resultado a sua morte.»
A opinião deste médico, que foi director da maior clínica de abortos do Mundo e que hoje é um abortista arrependido, convence-nos mais que os argumentos desesperados da Sr.ª Deputada Zita Seabra.
Finalmente, o aborto ético, ou seja, o aborto que se segue a uma violação. A violação é um acto repugnante, degradante, a roçar a barbárie. E o animal a vencer o homem num sinal evidente de decadência deste. Embora todos saibamos da remota possibilidade de a mulher violada poder ficar grávida, embora conheçamos que o recurso imediato ao hospital poderá obstar à fecundação, a possibilidade de gravidez, em casos embora extremamente raros, subsiste. Mas, Srs. Deputados, a posição do meu partido continua a ser profundamente clara: a seguir a uma violência (a violação em si) não podemos cometer outra pior, que se traduziria na morte de um inocente. Entre a recuperação da violada, arrancando-a do vazio existencial em que, porventura, tenha caído, e a morte de um inocente não temos dúvida em optar por aquela. As explorações exageradas que se estão a fazer acerca deste tipo extremamente raro de situações mostra o desespero dos defensores do aborto em arranjar adeptos para a sua causa.
São estas 3 circunstâncias em que o Partido Socialista e o Partido Comunista estão de acordo no reclamar da legalização do aborto. Por que silenciam, todavia, os perigos que o aborto em si acarreta? Volto a transcrever o Dr. Boleo Tomé: «Após um aborto (os valores referem-se a abortos legais) a taxa de esterilidade da mulher aumenta 10 % a 20 %, a gravidez extra-uterina 100 % a 150 %, as queixas pélvicas de natureza vária quadruplicam. A mortalidade infantil perinatal sofre um aumento de 50 % e o número de partos prematuros aumenta mais de 40 %.» E o aumento da taxa de crianças deficientes em gravidezes futuras? E os traumas caídos sobre os casais? Não iremos com a legalização do aborto abrir as portas, como diz o Prof. Júdice Halpern a uma «mentalidade permissiva à morte dos doentes incuráveis, débeis mentais e pessoas idosas?». idas isto não é importante, pelos vistos, para os afadigados defensores do aborto em Portugal.
lá rotulam, todavia, de importante o seu discurso quando dizem que só com a sua legalização se irá acabar com o aborto clandestino. Pura ilusão, Srs. Deputados. E mais que as minhas palavras valem exemplos flagrantes colhidos em 2 países que cedo legalizaram o aborto: o Japão e a Inglaterra.
Na Inglaterra e no País de Gales, 5 anos depois da sua legalização, os abortos declarados subiram de 35 000 para 159 000. Porém, um relatório oficial da polícia inglesa entregue à Comissão Lane revela que o número de abortos clandestinos deve ter aumentado, pelo menos, para números equivalentes, a avaliar pela quantidade e prosperidade dos abortadores clandestinos.
No Japão, inquéritos realizados pelo Departamento de Informação Pública, pela Associação das Mulheres e pela Associação dos Ginecologistas mostram claramente que a taxa de aborto clandestino subiu ainda mais que o número de abortos legais.
A história convence-nos mais que os argumentos sem história do Partido Comunista Português.
O processo já é, aliás, velho e conhecido aqui e no estrangeiro. Ainda recentemente escreveu um dos pioneiros da luta de acção nacional a favor do aborto nos Estado Unidos: «Sejam cautelosos com as sondagens. São inventadas, não têm origem em fontes verdadeiras, mas têm a virtude de convencer os legisladores.»
Em Portugal os números 100 000 e 200 000 silo repetidos com tanta leviandade como se 100 000 e 200 000 fossem a mesma coisa. Álvaro Cunhal prefere, obviamente, o segundo número e disse-o ao megafone, há dias, em Almada. Como se chegou ao número 100 000 se a clandestinidade não tem voz? Acaso alguém andará nos back-street abortionists, integrado numa rede montada à boa maneira siciliana, de bloco de apontamentos na mão, a tomar notas de tão estranha clientela? Recorrem, então, os defensores da grande mentira destas sondagens a golpes de rins na argumentação, falam alto e depressa, choram os números, sempre na mira de convencer os ignorantes, os incautos, os homens de boa-fé.
Eis um exemplo: em Portugal nasceram em 1979 pouco mais de 150 000 crianças, enquanto o número de mulheres falecidas por complicações da gravidez, do nascimento e do puerpério é de 37. São números oficiais. O Dr. Almeida Santos, falando nesta Assembleia em nome do Partido Socialista. mandou às malvas os números oficiais e decretou, comovido, para a posteridade: morreram 2000 mulheres por ano devido à prática do aborto clandestino. As pessoas, que não são estátuas nem são deuses, como os deputados, emocionaram-se, e os mais distraídos levaram, neste momento de horror, as mãos à cabeça. Como se chegou ao número 2000? Que rigor, que seriedade, que bases sólidas houve para se falar em 2000 mortes? Não me venham dizer que os doentes com medo à lei não dizem nada, ou que os médicos com o medo falsificam as certidões de óbito.
Passo a referir-me aqui a um depoimento insuspeito colhido no Diário de Lisboa, de 4 de Março de 1982. Em entrevista concedida, o Prof. Pereira Leite refere que no Hospital de São João, no Porto, há cerca de 3000 partos por ano, além de um internamento diário de 5-6 mulheres vindas de situações abortivas, sendo metade destes casos suspeitos de aborto provocado. Temos, assim, cerca de 5000 mulheres que por aí passam anualmente, que se dividem entre 3000 que vão ter o seu parto, cerca de 1000 vindas de um aborto expontâneo e cerca de 1000 suspeitas de aborto provocado. Pois, em todos estes casos, acontecem 2 mortes. Diz o Prof. Pereira Leite: «Quanto a situações graves que possam levar à morte, é difícil dar uma estatística, mas de uma maneira muito grosseira posso dizer-lhe que temos 2 mortes por ano.» Quanto ao números de abortos, o ilustre professor referiu: «Ninguém tem dados seguros sobre a situação geral do País.» Todavia, avançou um número que, segundo as suas palavras. «deve ser inferior a 75 000». Inferior,

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poderá avançar o número de 200000 abortos tinos, como o faz o Dr. Álvaro Cunhal, nem o de 2000 mortos, como o referiu o Dr. Almeida Santos. Ou haverá para aí tanta gente enterrada clandestinamente, em cemitérios clandestinos, por coveiros clandestinos?

O Sr. Rosa Magalhães (PCP): - Macabro!

O Orador" - Permito-me ainda recordar aos Srs. Deputados que na discussão do projecto do aborto nas Cortês Espanholas se avançaram com números entre os 200 000 e 300 000 abortos para vizinha Espanha. Em Dezembro passado, todavia, a Associação Espanhole em Defesa da Vida Humana publicou uma estatística em que refere 42 000 abortos anuais para este país. Numa Espanha que tem 600000 nascimentos (número referido nas Cortes), contra uma média de 150 000 em Portugal, f ala-te em 42 000 abortos. Muita coisa sabe - e que a gente não tabela Partido Comunista Português para falar em 200000 aborto clandestinos. Esteja descantado o PCP que nós não sentimos que a sociologia das opiniões supere a sociologia dos factos concretos.
Se temos ainda ser profundamente divicionista do de unidade da família deixar exclusivamente nas mios da mulher a decisão de abortar. Como se um ser humano se formasse apenas com a contribuição de um óvulo. Não entranharei ver amanhã os peregrinos defensores desta teoria defenderem a tese de que o poder paternal deve caber apenas à mulher ou, pelo menos, em parte mais significativa, considerando que aos 9 meses que andou no ventre da se haveria que somar as amamentações que só ela --a podia dar. Ê mais um assalto, declarado ao espírito de corpo, de coesão, de responsabilidade colectiva das famílias portuguesas, que irá contar com a nossa resistência.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Defende ainda o Partido Comunista Português, desta vez sem a ajuda do Partido Socialista, o aborto por económicas.
Todas as levaram anteriormente a rejeitá-lo grande energia, por se tratar de abrir as cor ao aborto em Portugal.
O aborto, Prof. Bigode Chorio é o cavalo de Trajado na cidadela da vida.
A Ordem eu ricos considera o aborto atentório de um direito como ser humano -o direito à vida; a Real Academia Espanhola de Medicina salienta: "De nenhuma forma pode admitir-se como lícito o aborto directo por motivos sociais, demográficos, eugénicos ou éticos."
A ciência, Srs. Deputados, convence-nos mais que a demagogia do PCP, ou o ilusionismo do PS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O aborto combate-se nas suas causas, nas suas origens. Ele é em si a pior das soluções. Ê sempre a pior das soluções sentar no a dos réus o direito à vida, valor primeiro da e sem saber se este número
75 000 passariam para pouco mais de todos os que aqui estamos, serio cada um, serio serviços os discursos quanto não houver um salário a uma habitai volta ao regime da adopção que, pé dos nós, enquanto isso.

O Orador: - É ainda importante que o planeamento [...] em credibilidade e em isenção na tua informa [...] pode funcionar como simples delegado de propaganda média a fazer tão-só apologia [...] ao gosto de tantas multinacionais.
O CDS é, por isto, pelo plenamente pessoal competente, para que os que . postam ser informados com isenção, a [...]

Risos de PCP.

E nesta Europa Ocidental onde vivemos,...
V. Ex.ª vive no Leste bem sei! ... onde as gerações já não te substituem, onde, a manter-se esta imposição demográfica, haverá no ano 2030 "18 caixões para 10 berços", num ritmo que Pierre Chaunnu chamou de "cataclismo sem antecedentes na História e na "Pré-História", é urgente que a criança seja um desejo e não um amiga e não um pesadelo, uma companha intruso.
É em nome desta criança que exijo e Srs. Deputados, que compreendam e atrelamos os nossos princípios nem as condicionamos a exemplos só porque sopram de fora. Não precisamos de locomotivas ou de arrimos para continuarmos vivos, de pé. Somos de um povo com uma cultura própria, com um desígnio próprio, e que não olha para os valores como se fossem estátuas de museus, ressumando apenas a passado, mas são corpos vivos, energias soltas, que impregnam/que balizam, os nossos comportamentos.
Os nossos princípios não estio e submetem a modas vindas do extercidade ou a leveza de quem copia :
Não pomos máscaras nem véus na assumimos na defesa de valores em direito è vida merece a nossa de [...] declarações travesti, sem discursos dos com os parágrafos a desconfiarem uns dos antes com a coerência e a certeza cie que sem a, aguarda deste direito todos os outros morrerão à nascença.
A adjectivação míope e inflacionada, obsessiva e incivilizada que o PCP não consome para qualificar os nossos comportamentos não nos inquieta e, muito menos, mete medo. A História de amanhã dirá de que lado esteve a razão. Ninguém antecipe ao seu julgamento. Os tribunais do Santo Ofício da Inquisição, que copiamos

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passados quase 70 anos depois da sua criação na Espanha, melhor seria que não tivessem atravessado a fronteira. A legalização do aborto essa, felizmente, ainda está do lado de lá da alfândega. Não é com o nosso voto que ela passará porque está contra a fronteira da vida.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, era para interpelar a Mesa, mas se houver pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado José Gama guardaria a interpelação para o fim.

O Sr. Presidente: - Há um pedido de esclarecimento, Sr. Deputado.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Nesse caso, se o Sr. Presidente, me permitisse, faria a interpelação imediatamente a seguir a esse pedido de esclarecimento e è sua resposta.

O Sr. Presidente: - Afinal, o Sr. Deputado Octávio Cunha desistiu do pedido de esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, desisto do pedido de palavra.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, reparo que já começa a haver alguns senhores deputados a desistir!

Risos.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Pela boca morre o peixe!

O Orador: - E evidente, que era ao Sr. Octávio Cunha que me referia. Daqui podem estar descansados que não há desistências, Srs. Deputados.

Risos.

A minha interpelação à Mesa, Sr. Presidente, era no sentido de saber se já deu entrada um requerimento apresentado pelo meu grupo parlamentar.
No caso afirmativo, peço a V. Ex.ª o favor de o mandar ler, para a seguir eu poder fundamentá-lo.

O Sr. Presidente: - Vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Considerando que em intervenções provenientes de várias bancadas e produzidas na última parte deste debate se levantaram questões essenciais para a definição da verdadeira natureza, âmbito e alcance do projecto n.º 265/III, apresentado pelo PS;

Considerando que uma dessas intervenções proveniente da bancada do partido proponente levantou, sem contestação, a necessidade da posterior regulamentação do referido projecto com vista à definição de normas fundamentais para a sua correcta aplicação;
Considerando, finalmente, que a economia do referido projecto não contempla tal regulamentação e que ela deverá ser precedida do parecer de especialistas de modo a garantir o rigor científico considerado indispensável:
Os deputados abaixo assinados requerem, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Regimento, a baixa às Comissões de Direitos, Liberdades e Garantias e de Saúde, Segurança Social e Família pelo prazo de 120 dias.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Azevedo Soares. não lhe posso dar a palavra que solicitou à momentos porque, de acordo com o n.º 2 do artigo 95.º do Regimento, admito o requerimento, nos termos da alínea b) do artigo 26.º, ele será imediatamente votado sem discussão.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, peço desculpa a V. Ex.ª mas qualquer requerimento é votado sem discussão, mas com a apresentação e fundamentação sucinta pelo seu apresentante.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado quiser pode impugnar a decisão da Mesa. Tem o direito de o fazer.
Caso contrário a Mesa vai mandar votar imediatamente o requerimento sem mais explicações.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, não esteve aqui em causa qualquer recurso da decisão da Mesa para o Plenário.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma vez que anunciei a votação, o Sr. Deputado não pode intervir mais nem sequer para se dirigir à Mesa.
Vamos, portanto, proceder à votação do requerimento do CDS.

Submetido d votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PCP, do MDP/CDE, da ASDI e do Deputado Independente António Gonzalez e com votos a favor do PSD e do CDS.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - A partir de agora nada é igual politicamente!

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto tem a palavra o Sr. Deputado Azevedo Soares.

O Sr. Azevedo Soares (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido grande o nosso esforço nesta bancada para procurar que este assunto, pela sua gravidade, possa ser encarado em todos os seus planos, em todas as suas possibilidades de visão.
Não pretendíamos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, lançar qualquer questão com o Partido Socialista neste plano.
O Partido Socialista sabe, e tem-no afirmado aqui várias vezes, que esta é uma questão de consciência

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individual, de consciência profunda, é uma questão essencial, é uma questão de cultura. Travaram-se aqui, aqui, ao longo dos debates, interessantíssimas discussões entre a nossa bancada e a do Partido Socialista.
O nosso apelo não tem nada de político, não tem nada a ver com quaisquer questões com o Partido Socialista ou com o interior do Partido Socialista. Que isto fique bem claro!...
Enquanto partido, o Partido Socialista tinha um compromisso, que o cumpriu. Respeitamos os compromissos dos partidos ..., e ainda bem que os partidos cumprem os seus compromissos.
Mas aquilo que pretendíamos, Srs. Deputados, é que houvesse mais algum tempo, que se procurasse estudar melhor esta questão e que a consciência de todos os deputados pudesse ser mais esclarecida. Não digo que haja violência de consciências, não é isso que se trata. O que pretendíamos, Srs. Deputados, é que não saísse daqui nenhum deputado com dúvidas, que não saísse daqui nenhum deputado a votar disciplinadamente, ainda que com liberdade de voto.
O que queríamos, Srs. Deputados, é que numa questão destas a convicção profunda de cada um viesse ao de cima e que se não mais manifestassem contradições nesse plano. Não tinha nada a ver com quaisquer questões políticas no Partido Socialista.
Não sei, não faço ideia em que espíritos e em que consciências poderá haver essas dúvidas. Mas o que é um facto é que, ainda há pouco tempo, as posições não foram coincidentes.
É, este apelo que eu tinha lançado ao Partido Socialista, não por razões políticas, não por qualquer táctica, não para o desvalorizar da posição de partidos, mas única e exclusivamente, Srs. Deputados, para que saíssemos daqui, todos, sem excepção, com a consciência plena e perfeitamente sossegada.

Aplausos do CDS.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Pode dizer-me para que efeito?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Para, nos termos regimentais, pedir uma interrupção dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - É regimental.
No entanto, o Sr. Deputado José Luís Nunes tinha pedido a palavra para fazer uma declaração de voto. Se não vê inconveniente, dou primeiro a palavra ao Sr. Deputado José Luís Nunes e depois faríamos a interrupção.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes, para uma declaração de voto.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chegámos ao momento em que este problema vai ser decidido pela única forma democrática que conhecemos, que é a da contagem dos votos.

É evidente que nestes momentos existem tentativas de dramatização que nós firmemente repudiamos.
Posso assegurar a esta Câmara, em particular, ao Sr. Deputado Azevedo Soares, em especial, e ao povo português que aqui representamos que dentro do nosso partido, da nossa parte não há um deputado que, na sua consciência, tenha alguma dúvida da posição que vai tomar.

Aplausos do PS e da UEDS.

E uma injúria pensar que qualquer de nós, a quem foi outorgada a liberdade de voto, tem alguma dúvida sobre aposição que vai tomar.
Aos cus dentro e fora desta Câmara anunciaram ou conclamaram que a posição do Partido Socialista não era cristalina e clara, que tínhamos entrada nesta Casa com intenções sub-reptícias de não conduzir esta batalha até à vitória que é a aprovação do nosso projecto de lei, esses que se desenganem. Assumimos essa responsabilidade, todos e cada um de nós.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - Assumimos essa responsabilidade sem qualquer espécie de dúvida. Assumimos essa responsabilidade perante o partido e os nossos camaradas militantes que o impuseram no congresso e assim o decidiram.

Aplausos do PS e da UEDS.

Assumimos essa responsabilidade perante o povo português, perante aqueles a quem, através do manifesto eleitoral, prometemos que proporíamos uma lei neste sentido. Assumimos esta responsabilidade perante a nossa própria consciência individual que, de forma nenhuma, se compadeceria com adiamentos ou com manobras menos claras.
O Sr. Deputado Azevedo Soares pode estar certo de uma coisa: a opinião dos socialistas portugueses é aquela que foi hoje aqui expressa pela esmagadora maioria do Grupo Parlamentar Socialista.

Aplausos do PS e da UEDS.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma curta declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já foi referido em várias oportunidades e foi repetido aqui pelo Sr. Deputado Marques Mendes, o PSD achava conveniente que o PS não tivesse apresentado na Assembleia da República o projecto de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez.
De qualquer modo, face à situação e em coerência com as posições assumidas, achávamos que o projecto de lei devia baixar à comissão respectiva para aí haver uma maior reflexão e aprofundamento de todas as suas implicações morais, sociais e políticas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foi requerida regimentalmente uma suspensão de 30 minutos.
Está suspensa a sessão.

Eram 6 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 7 horas e 20 minutos.

O Sr. João Abreu Salgado (PSD): - Sr. Presidente, dá-me, licença?

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Abreu Salgado (PSD): - Para pedir, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, uma interrupção de 15 minutos, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Como o pedido é regimental, declaro interrompida a sessão por 15 minutos.

Eram 7 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 7 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): Sr. Presidente, prescindo da palavra a que tinha direito para fazer a minha intervenção, mas antes ainda gostaria de dizer qualquer coisa.
Queria dizer que apreciei muito a intervenção do Sr. Deputado Eurico Figueiredo e queria referir-me ao facto de ter havido aqui um deputado - e foi pena que tivesse sido no fim da discussão - que foi capaz de pôr o problema com o relativismo e a seriedade que um homem de ciência os põe.
Como fomos durante 2 dias «bombardeados» pelos julgamentos e pelas posições absolutas do CDS, foi óptimo que em defesa da despenalização do aborto tivesse vindo uma voz que tinha realmente a autoridade da pessoa que sabe relativar as coisas e que tem consciência profissional daquilo que está a fazer.
Era só isto que queria dizer e prescindo, repito, da minha intervenção para não tirar mais tempo à Câmara.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha para uma intervenção.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou fazer uma intervenção muito curta em nome do Agrupamento Parlamentar da UEDS, que pretende, desta maneira, exprimir o seu sentido de voto.
Decidimos aprovar todos os projectos que foram presentes nesta sessão.
Os homens discutiram palavras opacas sem nunca terem ousado falar no princípio de tudo.
Os homens falaram da vida do embrião, da vida do feto, da, vida da criança, da nossa vida.

Os homens não falaram da vida. Não falaram do prazer, do prazer de ter prazer.
Os homens não falaram do amor.
Os homens só falaram como homens sós e não ousaram falar do princípio dos princípios: falar da mulher.
Os homens não ousaram falar do pecado original, do prazer dos prazeres.
Os homens não falaram da expulsão do paraíso, castigo primeiro de terem ousado ter prazer. Mas hoje os homens vão ousar, de novo, desafiar a serpente, comer a maçã e partir daqui mais livres.

Aplausos da UEDS.

O Sr. Presidente: - Estava a seguir inscrita para uma intervenção a Sr .ª Deputada Beatriz Cal Brandão, que, segundo informação dada à Mesa, troca com o
Sr. Deputado José Luís Nunes, a quem concedo de imediato a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que da nossa parte são necessárias algumas palavras de encerramento do debate que permitam tirar algumas conclusões e responder a algumas ansiosas. curiosidades que aqui se manifestaram.
Em primeiro lugar, o nosso grupo parlamentar congratulou-se com o elevado nível com que o debate decorreu nesta Assembleia.
Discutir um assunto desta natureza e gravidade na base do respeito mútuo e da assunção completa da dignidade e da identidade dos partidos que compõem esta Casa é, só por si, um triunfo para as instituições parlamentares, para a democracia e para a liberdade.
Em segundo lugar, resultou também das conclusões deste debate, com muita clareza, que a iniciativa do Grupo Parlamentar do Partido Socialista conseguiu alargar o seu sentido e trazer ao povo português não só uma lei mas um conjunto de leis na elaboração das quais tiveram papel eminente, importante os nossos parceiros da coligação. Portanto, a votação dos dois projectos de lei relativos à educação sexual e à protecção à maternidade que hoje vai haver é também uma vitória sua e do povo português.
Em terceiro lugar, gostaria de sublinhar, à guisa de ponto final em relação a todo este debate, que a cooperação que vem sendo desenvolvida no âmbito deste Parlamento entre os Grupos Parlamentares do Partido Socialista e o Partido Social-Democrata sai desta discussão, pode dizer-se, ainda mais reforçada e mais sólida pela maturidade de que ambos deram provas no sentido de saberem respeitar a sua dignidade própria e as suas posições mútuas.

Aplausos do PS e do deputado Almeida Mendes, do PSD.

A clareza de atitudes, a frontalidade das opções assumidas, a prevalência dada à instituição parlamentar, a assunção completa de uma intenção dialogante são outros tantos pontos de vitória deste debate que gostosamente compartilhamos com todos os Srs. Deputados de todos os grupos parlamentares aqui presentes.
Permitir-se-me-á, ainda e finalmente, que aos nossos colegas do PSD diga, com toda a sinceridade, que no caminho longo que devemos percorrer em conjunto

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muito mais leis como aqueles que hoje também vamos votar em conjunto vão certamente resultar em benefício do povo português que nos elegeu.

Aplausos do PS.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, é para anunciar que entregámos na Mesa um requerimento de passagem à votação.
Pensamos efectivamente que o debate está feito. Muito se disse, as posições estão definidas e importa agora que se vote.
Antes, porém, gostaria de saudar as mulheres do meu partido e todas as mulheres do Partido Socialista e de outros partidos ou sem partido que contribuíram para que esta luta fosse possível, para que esta vitória, que hoje vamos alcançar, seja possível.

Aplausos do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e de alguns deputados do PS.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Vitorino (PSD): - Era para fazer uma curtíssima declaração, em termos de breve balanço político deste debate.
Não demoro mais de 1 minuto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Bom, penso que as outras bancadas não se vão importar e por isso não passo imediatamente à votação do requerimento.
Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Desde sempre o Partido Social Democrata tem tido uma posição muito clara quanto ao problema do aborto. Desde há anos que vimos manifestando a nossa posição sobre esta matéria.
Temos consciência da transferência, individual e colectiva, na sociedade portuguesa, pelas suas fortes implicações, na parte mais sensível desta sociedade que defendemos, com base na família e em termos da dignidade individual de cada um.
Desde há duas semanas, no entanto, que o problema se vem pondo a um nível muito especial e agudo, em resultado não só da aproximação do debate nesta assembleia mas também da sua dimensão própria, tendo em conta igualmente a coligação existente entre o PS e o PSD, e obviamente, por via disso, as relações entre os dois partidos - e neste caso concreto e específico também as diferenças profundas entre os dois.
Sempre dissemos que não era este o momento ideal para o Partido Socialista avançar com este projecto de lei pelas tensões e fricções que obviamente iria ocasionar, pelo que lamentamos, de forma veemente, que tal tenha sucedido.

Vozes do PSD.: - Muito bem!

O Orador: - Nós, Grupo Parlamentar do PSD, ao longo dos 2 dias de debate, expressámos, com total clareza e sem complexos ou cedências aos princípios e às nossas posições, aquilo que em termos morais, jurídicos, sociais e outros aqui fundamentaram esta nossa posição, que em coerência e como é óbvio, irá ser contra os 2 projectos de despenalização do aborto.
Numa perspectiva política mais geral, obviamente que é um problema que transcende o nosso grupo parlamentar e o que o PSD hoje aqui reitera é a sua firme posição de condenação aos projectos de lei de despenalização do aborto apresentados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do requerimento apresentado pelo PCP.

Foi lido. E o seguinte:

Ao abrigo do artigo 148.º do Regimento, estando preenchidas as condições previstas no artigo 149.º, os deputados abaixo assinados requerem que a matéria seja dada por discutida, encerrando-se o debate e passando-se à votação dos projectos de lei que constam da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai passar-se à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 5/III, apresentado pelo PCP, sobre a protecção e defesa da maternidade.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do CDS e dos deputados Ricardo Barros (PS) e Vilhena de Carvalho (ASDI), votos a favor do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do Deputado Independente António Gonzalez e abstenções do PS e do Deputado Ruben Raposo (ASDI).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à votação, na generalidade, do projecto-lei n.º 6/III, apresentado pelo PCP, sobre a garantia do direito ao planeamento familiar e à educação sexual.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS, votos a favor do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do Deputado Independente António Gonzalez e abstenção da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tal corro foi oportunamente requerido, vamos agora proceder nominalmente à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 7/III, sobre a interrupção voluntária da gravidez, apresentado pelo PCP.

Procedeu-se à chamada, o resultado da votação foi o seguinte:

A favor:

Álvaro Favas Brasileiro (PCP). António César Gouveia de Oliveira (UEDS)

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António Dias Lourenço da Silva (PCP).
António Guilherme Franco Gonzalez (PCP).
António José de Almeida Silva Graça (PCP).
António José Monteiro Vidigal Amaro (PCP).
António Mota (PCP).
António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Carlos Alberto da Costa Espadinha (PCP).
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas (PCP).
Carlos Alfredo de Brito (PCP).
Custódio Jacinto Gingão (PCP).
Domingos Abrantes Ferreira (PCP).
Eduardo Mário Duarte Pedrosa (MDP/CDE).
Francisco Manuel Costa Fernandes (PCP).
Francisco Miguel Duarte (PCP).
Georgete de Oliveira Ferreira (PCP).
Helena Cidade Moura (MDP/CDE).
Jerónimo Carvalho de Sousa (PCP).
João Amaral (PCP).
João António Torrinhas Paulo (PCP).
Joaquim António Miranda da Silva (PCP).
Joaquim Gomes dos Santos (PCP).
Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP).
Jorge Manuel Lampreia Patrício (PCP).
José Manuel Antunes Mendes (PCP).
José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Rodrigues Vitoriano (PCP).
Lino Carvalho de Lima (PCP).
Manuel Correia Lopes (PCP).
Manuel Gaspar Cardoso Martins (PCP).
Manuel Rogério de Sousa Brito (PCP).
Margarida Tengarrinha (PCP).
Maria Alda Barbosa Nogueira (PCP).
Maria lida da Costa Figueiredo (PCP).
Maria Luísa Cachado (PCP).
Maria Odete dos Santos (PCP).
Mariana Grou Lanita (PCP).
Octávio Augusto Teixeira (PCP).
Octávio Floriano Rodrigues Pato (PCP).
Octávio Ribeiro da Cunha (UEDS).
Zita Maria de Seabra Roseiro (PCP).

Contra:

Abílio Mesquita Araújo Guedes (PSD).
Adérito Manuel Soares de Campos (PSD).
Adriano José Alves Moreira (CDS).
Agostinho Correia Branquinho (PSD).
Alfredo Albano Azevedo Soares (CDS).
Almerindo da Silva Marques (PS).
Amadeu Vasconcelos Matias (PSD).
Amândio S. C. Domingues Basto Oliveira (PSD).
Amélia Cavaleiro M. de A. de Azevedo (PSD).
Américo Albino da Silva Solteiro (PS).
António Augusto Lacerda de Queiroz (PSD).
António Borja dos Reis Borges (PS).
António Costa (PS).
António Domingues de Azevedo (PS).
António Frederico Vieira de Moura (PS).
António Joaquim Bastos Marques Mendes (PSD).
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa (PS).
António José Bagão Félix (CDS).
António José Gomes Pinho (CDS).
António Maria de Orneias Ourique Mendes (PSD).
António Nascimento Machado Lourenço (PSD).
António Roleira Marinho (PSD).
António Sérgio Barbosa de Azevedo (PSD).
Armando Domingos Ribeiro de Oliveira (CDS).
Arménio dos Santos (PSD).
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca (CDS).
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho (PSD).
Cecília Pita Catarino (PSD).
Cristóvão Guerreiro Norte (PSD).
Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD).
Domingos Duarte Lima (PSD).
Eleutério Manuel Alves (PSD).
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia (CDS).
Eurico Faustino Correia (PS).
Eurico José Palheiros Figueiredo (PS).
Fernando Fradinho Lopes (PS).
Fernando José Alves Figueiredo (PSD).
Fernando José da Costa (PSD).
Fernando José R. Roque Correia Afonso (PSD).
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira (PSD).
Fernando Monteiro do Amaral (PSD).
Fernando dos Reis Condesso (PSD).
Francisco António Lucas Pires (CDS).
Francisco Jardim Ramos (PSD).
Francisco Lima Monteiro (PS).
Francisco Manuel de Menezes Falcão (CDS).
Garcia dos Santos Freitas (PSD).
Gaspar de Castro Pacheco (PSD).
Gaspar Miranda Teixeira (PS).
Guido Orlando Freitas Rodrigues (PSD).
Henrique Manuel Soares Cruz (CDS).
Hernâni Tones Moutinho (CDS).
Horácio Alves Marçal (CDS).
João António de Morais Silva Leitão (CDS).
João Carlos D. M. Coutinho de Lencastre (CDS).
João Domingos Abreu Salgado (PSD).
João Evangelista Rocha de Almeida (PSD).
João Gomes de Abreu Lima (CDS).
João Lopes Porto (CDS).
João Luís Malato Correia (PSD).
João Maurício Fernandes Salgueiro (PSD).
João M. Ferreira Teixeira (PSD).
João Pedro de Barros (PSD).
Joaquim Eduardo Gomes (PSD).
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro (PSD).
Joaquim dos Santos Pereira Costa (PSD).
Jorge Alberto Santos Correia (PS).
José Adriano Gago Vitorino (PSD).
José de Almeida Cesário (PSD).
José Angelo Ferreira Correia (PSD).
José António de Morais Sarmento Moniz (CDS).
José António Valério do Couto (PSD).
José Augusto Ferreira Campos (PSD).
José Augusto Gama (CDS).
José Augusto Santos Silva Marques (PSD).
José Barbosa Mota (PS).
José Bento Gonçalves (PSD).
José Joaquim Pita Guerreiro (PS).
José Luís Diogo Preza (PS).
José Luís de Figueiredo Lopes (PSD).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
José Mário Lemos Damião (PSD).
José Maximiano Almeida Leitão (PS).
José Miguel Anacoreta Correia (CDS).
José Pereira Lopes (PSD).
José da Silva Domingos (PSD).
José Vargas Bulcão (PSD).
José Vieira de Carvalho (CDS).
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida (PSD).
Leonel de Sousa Fadigas (PS).

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Luís António Martins (PSD).
Luís António Pires Baptista (PSD).
Luís Eduardo Silva Barbosa (CDS).
Luís Filipe Paes Beiroco (CDS).
Manuel António de A. Azevedo Vasconcelos (CDS).
Manuel António Araújo dos Santos (PSD).
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Manuel Ferreira Martins (PSD).
Manuel Filipe Correia de Jesus (PSD).
Manuel Fontes Carvalho (PS).
Manuel Jorge Forte Goes (CDS).
Manuel Leão Castro Tavares (CDS).
Manuel Maria Moreira (PSD).
Manuel Maria Portugal da Fonseca (PSD).
Manuel Tomás Rodrigues Queiró (CDS).
Mariana Santos Calhau Perdigão (PSD).
Marília Dulce Morgado Raimundo (PSD).
Mário Montalvão Machado (PSD).
Mário Oliveira Mendes dos Santos (PSD).
Narana Sinai Coissoró (CDS).
Nelson Pereira Ramos (PS).
Nuno Aires Rodrigues dos Santos (PSD).
Nuno Kruz Abecassis (CDS).
Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD).
Pedro Paulo Carvalho Silva (PSD).
Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD).
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros (PS).
Rúben José Almeida Raposo (ASDI).
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves (PS).
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes (PSD).
Rui Monteiro Picciochi (PS).
Silvino Manuel Gomes Sequeira (PS).
Tomás Rebelo Espírito Santo (CDS).
Vasco Francisco Aguiar Miguel (PSD).
Victor Manuel Pereira Gonçalves (PSD).
Victor Pereira Crespo (PSD).
Virgílio Higino Pereira (PSD).

Abstenções:

Abílio Aleiro Curto (PS).
Acácio Manuel de Frias Barreiros (PS).
Agostinho Jesus Domingues (PS).
Alexandre Monteiro António (PS).
Amadeu Augusto Pires (PS).
Anibal Coelho da Costa (PS).
António Cândido Miranda Macedo (PS).
António Gonçalves Janeiro (PS).
António José dos Santos Meira (PS).
Beatriz Almeida Cal Brandão (PS).
Belmiro Moita da Costa (PS).
Bento Elísio de Azevedo (PS).
Bento Gonçalves da Cruz (PS).
Carlos Augusto Coelho Pires (PS).
Carlos Cardoso Lage (PS).
Carlos Justino Luís Cordeiro (PS).
Edmundo Pedro (PS).
Ferdinando Lourenço Gouveia (PS).
Fernando Alberto Pereira de Sousa (PS).
Francisco Augusto F. Handel de Oliveira (PS).
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues (PS).
Francisco Igrejas Caeiro (PS).
Francisco Manuel M. Monteiro Curto (PS).
Gil Conceição Palmeiro Romão (PS).
Henrique Aureliano Vieira Gomes (PS).
Hermínio Martins Oliveira (PS).
João de Almeida Eliseu (PS).
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu (PS).
João Luís Duarte Fernandes (PS).
João do Nascimento Gama Guerra (PS).
Joaquim José Catanho de Menezes (PS).
Joaquim Leitão Arenga (PS).
Joel Maria da Silva Ferro (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda (PS).
José de Almeida Valente (PS).
José Augusto Fillol Guimarães (PS).
José da Cunha e Sá (PS).
José Luís do Amaral Nunes (PS).
José Manuel Nunes Ambrósio (PS).
José Manuel Torres Couto (PS).
José Maria Roque Lino (PS).
José Martins Pires (PS).
Litério da Cruz Monteiro (PS).
Luís Abílio da Conceição Cacito (PS).
Luís Silvério Gonçalves Saias (PS).
Manuel Alegre de Melo Duarte (PS).
Manuel Alfredo Tito de Morais (PS).
Manuel Laranjeira Vaz (PS).
Maria Angela Pinto Correia (PS).
Maria da Conceição Quintas (PS).
Maria do Céu Sousa Fernandes (PS).
Maria Luísa Modas Daniel (PS).
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia (PS).
Paulo Manuel de Barros Barral (PS).
Raul d'Assunção Pimenta Rego (PS).
Raul Fernando Brito (PS).
Rodolfo Alexandrino Susano Crespo (PS).
Rosa Maria da S. B. da Horta Albernaz (PS).
Rui Fernando Pereira Mateus (PS).
Teófilo Carvalho dos Santos (PS).
Victor Manuel Caio Roque (PS).
Victor Hugo de Jesus Sequeira (PS).

Faltas:

Alberto Manuel Avelino (PS).
Alberto Rodrigues Ferreira Câmboa (PS).
António Anselmo Aníbal (PCP).
António Monteiro Taborda (MDP/CDE).
Avelino Feliciano Martins Rodrigues (PS).
Belchior Alves Pereira (PCP).
Francisco Antunes da Silva (PSD).
Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD).
João Joaquim Gomes (PS).
Joaquim Jorge M. Saraiva da Mota (ASDI).
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (UEDS).
José Carlos Pinto Basto (PS).
José Lello de Almeida (PS).
Manuel Pereira (PSD).
Maria Margarida Ferreira Marques (PS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o projecto de lei n.º 7/III foi rejeitado, com 128 votos contra, 44 votos a favor e 63 abstenções, tendo faltado à chamada 15 Srs. Deputados.

Vamos agora proceder também nominalmente à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 265/III, sobre a exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, apresentado pelo PS.

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Procedendo-se à chamada, o resultado da votação foi o seguinte:

A favor:

Abílio Aleixo Curto (PS).
Acácio Manuel de Frias Barreiros (PS).
Agostinho Jesus Domingues (PS).
Alexandre Monteiro António (PS).
Almerindo da Silva Marques (PS).
Álvaro Favas Brasileiro (PCP).
Amadeu Augusto Pires (PS).
Américo Albino da Silva Salteiro (PS).
Aníbal Coelho da Costa (PS).
António Borja dos Reis Borges (PS).
António Cândido Miranda Macedo (PS).
António César Gouveia de Oliveira (UEDS).
António Costa (PS).
António Dias Lourenço da Silva (PCP).
António Domingues de Azevedo (PS).
António Frederico Vieira de Moura (PS).
António Gonçalves Janeiro (PS).
António Guilherme Franco Gonzalez (PCP).
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa (PS).
António José de Almeida Silva Graça (PCP).
António José Monteiro Vidigal Amaro (PCP).
António José dos Santos .Meira (PS).
António Moita (PCP).
António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Beatriz Almeida Cal Brandão (PS).
Belmiro Moita da Costa (PS).
Bento Elísio de Azevedo (PS).
Bento Gonçalves da Cruz (PS).
Carlos Alberto da Costa Espadinha (PCP).
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas (PCP).
Carlos Alfredo de Brito (PCP).
Carlos Augusto Coelho Pires (PS).
Carlos Cardoso Lage (PS).
Carlos Justino Luís Cordeiro (PS).
Custódio Jacinto Gingão (PCP).
Domingos Abrantes Ferreira (PCP).
Edmundo Pedro (PS).
Eduardo Mário Duarte Pedrosa (MDP/CDE).
Eurico Faustino Correia (PS).
Eurico José Palheiros Figueiredo (PS).
Ferdinando Lourenço Gouveia (PS).
Fernando Alberto Pereira de Sousa (PS).
Frederico Augusto F. Handel de Oliveira (PS).
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues (PS).
Francisco Igrejas Caeiro (PS).
Francisco Lima Monteiro (PS).
Francisco Manuel Costa Fernandes (PCP).
Francisco Manuel M. Monteiro Curto (PS).
Francisco Miguei Duarte (PCP).
Gaspar Miranda Teixeira (PS).
Georgete de Oliveira Ferreira (PCP).
Gil Conceição Palmeiro Romão (PS).
Helena Cidade Moura (MDP/CDE).
Henrique Aureliano Vieira Gomes (PS).
Hermínio Martins Oliveira (PS).
Jerónimo Carvalho de Sousa (PCP).
João de Almeida Eliseu (PS).
João Amaral (PCP).
João António Torrinhas Paulo (PCP).
João Carlos Abrantes (PCP).
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu (PS).
João Luís Duarte Fernandes (PS).
João do Nascimento Gama Guerra (PS).
Joaquim António Miranda da Silva (PCP).
Joaquim Gomes dos Santos (PCP).
Joaquim José Catanho de Menezes (PS).
Joaquim Leitão Arenga (PS).
Toei Maria da Silva Ferro (PS).
Jorge Alberto Santos Correia (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP).
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda (PS).
Jorge Manuel Lampreia Patrício (PCP).
José de Almeida Valente (PS).
José Augusto Fillol Guimarães (PS).
José Barbosa Mota (PS).
José da Cunha e Sá (PS).
José Joaquim Pita Guerreiro (PS).
José Luís do Amaral Nunes (PS).
José Luís Diogo Perra (PS).
José Manuel Antunes Mendes (PCP).
José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP).
José Manuel Nunes Ambrósio (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
José Manuel Torres Couto (PS).
José Maria Roque Lino (PS).
José Martins Pires (PS).
José Maximiano Almeida Leitão (PS).
José Rodrigues Vitoriano (PCP).
Leonel de Sousa Fadigas (PS).
Lino Carvalho de Lima (PCP).
Litério da Cruz Monteiro (PS).
Lufa Abílio da Conceição Cacito (PS).
Luís Silvério Gonçalves Saias (PS).
Manuel Alegre de Melo Duarte (PS).
Manuel Alfredo Tito de Morais (PS).
Manuel Correia Lopes (PCP).
Manuel Fontes Orvalho (PS).
Manuel Gaspar Cardoso Martins (PCP).
Manuel Laranjeira Vaz (PS).
Manuel Rogério de Sousa Brito (PCP).
Margarida Tengarrinha (PCP).
Maria Alda Barbosa Nogueira (PCP).
Maria Angela Pinto Correia (PS).
Maria Ilda da Costa Figueiredo (PCP).
Maria da Conceição Quintas (PS).
Maria do Céu Sousa Fernandes (PS).
Maria Luísa Cachado (PCP).
Maria Luísa Modas Daniel (PS).
Maria Odete dos Santos (PCP).
Mariana Grou Lanita (PCP).
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia (PS).
Nelson Pereira Ramos (PS).
Octávio Augusto Teixeira (PCP).
Octávio Floriano Rodrigues Pato (PCP).
Octávio Ribeiro da Cunha (UEDS).
Paulo Manuel de Barros Barral (PS).
Pedro Augusto Cunha Pinto (PSD).
Raul d'Assunção Pimenta Rego (PS).
Raul Fernando Brito (PS).
Ricardo Manuel Rodrigues de Barras (PS).
Rodolfo Alexandre Susano Crespo (PS).
Rosa Maria da S. B. da Horta Albernaz (PS).
Rúben José Almeida Raposo (ASDI).
Rui Fernando Pereira Mateus (PS).
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves (PS).
Rui Monteiro Picciochi (PS).
Silvino Manuel Gomes Sequeira (PS).
Teófilo Carvalho dos Santos (PS).
Victor Manuel Caio Roque (PS).

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Victor Hugo de Jesus Sequeira (PS).
Zita Maria de Seabra Roseiro (PCP).
Abílio Mesquita Araújo Guedes (PSD).
Adérito Manuel Soares de Campos (PSD).
Adriano José Alves Moreira (CDS).
Agostinho Correia Branquinho (PSD).
Alfredo Albano Azevedo Soares (CDS).
Amadeu Vasconcelos Matias (PSD).
Amândio S. C. Domingues Basto Oliveira (PSD).
Amélia Cavalheiro M. de A. de Azevedo (PSD).
António Augusto Lacerda de Queiroz (PSD).
António Joaquim Bastos Marques Mendes (PSD).
António José Bagão Félix (CDS).
António José Gomes Pinho (CDS).
António Maria de Ornelas Ourique Mendes (PSD).
António Nascimento Machado Lourenço (PSD).
António Roleira Marinho (PSD).
António Sérgio Barbosa de Azevedo (PSD).
Armando Domingos Ribeiro de Oliveira (CDS).
Arménio dos Santos (PSD).
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca (CDS).
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho (PSD).
Cecília Pita Catarino (PSD).
Cristóvão Guerreiro Norte (PSD).
Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD).
Domingos Duarte Lima (PSD).
Eleutério Manuel Alves (PSD).
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia (CDS).
Fernando José Alves Figueiredo (PSD).
Fernando José da Costa (PSD).
Fernando José R. Roque Correia Afonso (PSD).
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira (PSD).
Fernando Monteiro do Amaral (PSD).
Fernando dos Reis Condesso (PSD).
Francisco António Lucas Pires (CDS).
Francisco Jardim Ramos (PSD).
Francisco Manuel de Menezes Falcão (CDS).
Garcia dos Santos Freitas (PSD).
Gaspar de Castro Pacheco (PSD).
Guido Orlando Freitas Rodrigues (PSD).
Henrique Manuel Soares Cruz (CDS).
Hernâni Torres Moutinho (CDS).
Horácio Alves Marçal (CDS).
João António de Morais Silva Leitão (CDS).
João Carlos D. M. Coutinho de Lencastre (CDS).
João Domingos Abreu Salgado (PSD).
João Evangelista Rocha de Almeida (PSD).
João Gomes de Abreu Lima (CDS).
João Lopes Porto (CDS).
João Luís Malato Correia (PSD).
João Maurício Fernandes Salgueiro (PSD).
João M. Ferreira Teixeira (PSD).
João Pedro de Barros (PSD).
Joaquim Eduardo Gomes (PSD).
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro (PSD).
Joaquim dos Santos Pereira Costa (PSD).
José Adriano Gago Vitorino (PSD).
José de Almeida Cesário (PSD).
José Ângelo Ferreira Correia (PSD).
José António de Morais Sarmento Moniz (CDS).
José António Valério do Couto (PSD).
José Augusto Ferreira Campos (PSD).
José Augusto Gama (CDS).
José Augusto Santos Silva Marques (PSD).
José Bento Gonçalves (PSD).
José Luís de Figueiredo Lopes (PSD).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
José Mário Lemos Damião (PSD).
José Miguel Anacoreta Correia (CDS).
José Pereira Lopes (PSD).
José da Silva Domingos (PSD).
José Vargas Bulcão (PSD).
José Vieira de Carvalho (CDS).
Leonardo Eugénio R. Ribeiro de Almeida (PSD).
Luís António Martins (PSD).
Luís António Pires Baptista (PSD).
Luís Eduardo Silva Barbosa (CDS).
Luís Filipe Paes Beiroco (CDS).
Manuel António de A. Azevedo Vasconcelos (CDS).
Manuel António Araújo dos Santos (PSD).
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Manuel Ferreira Martins (PSD).
Manuel Filipe Correia de Jesus (PSD).
Manuel Jorge Forte Goes (CDS).
Manuel Leão Castro Tavares (CDS).
Manuel Maria Moreira (PSD).
Manuel Maria Portugal da Fonseca (PSD).
Manuel Tomás Rodrigues Queiró (CDS).
Mariana Santos Calhau Perdigão (PSD).
Marília Dulce Morgado Raimundo (PSD).
Mário Montalvão Machado (PSD).
Mário Oliveira Mendes dos Santos (PSD).
Narana Sinai Coissoró (CDS).
Nuno Aires Rodrigues dos Santos (PSD).
Nuno Krus Abecasis (CDS).
Pedro Paulo Carvalho Silva (PSD).
Reinaldo Alberto Ramos Gomes (PSD).
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes (PSD).
Tomás Rebelo Espírito Santo (CDS).
Vasco Francisco Aguiar Miguel (PSD).
Virgílio Higino Pereira (PSD).
Victor Manuel Pereira Gonçalves (PSD).
Victor Pereira Crespo (PSD).

Abstenções:

Fernando Fradinho Lopes (PS).

Faltas:

Alberto Manuel Avelino (PS).
Alberto Rodrigues Ferreira Câmboa (PS).
António Anselmo Aníbal (PCP).
António Monteiro Taborda (MDP/CDE).
Avelino Feliciano Martins Rodrigues (PS).
Belchior Alves Pereira (PCP).
Francisco Antunes da Silva (PSD).
Jaime Adalberto Simões Ramos (PSD).
João Joaquim Gomes (PS).
Joaquim Jorge M. Saraiva da Mota (ASDI).
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (UEDS).
José Carlos Pinto Basto (PS).
José Lello de Almeida (PS).
Manuel Pereira (PSD).
Maria Margarida Ferreira Marques (PS).

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o projecto de lei n.º 265/III foi aprovado, com 132 votos a favor, 102 votos contra e 1 abstenção. Faltaram à chamada 15 Srs. Deputados.

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Vai ser lido um requerimento apresentado pelo PS.

Foi lido. E o seguinte:

Os deputados abaixo assinados do Partido Socialista requerem a baixa à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias do projecto de lei n.º 265/III, sobre a exclusão da ilicitude de alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, para que aí se proceda à sua discussão e votação na especialidade, fixando-lhe, para esse efeito, o prazo de 14 dias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho dúvidas sobre a baixa à Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias, pois, na baixa à Comissão destes projectos leis, esta Comissão declarou-se incompetente para dar o seu parecer e transferiu tal competência à 2.ª Comissão.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Do debate aqui travado resultou, para a generalidade dos deputados aqui presentes, que se tratava não propriamente de um problema de saúde, mas de um problema que foi colocado em volta do conceito do direito à vida. Neste sentido, afigura-se-nos que a Comissão competente é a Comissão de Direitos, Liberdades e Garantias. Foi nesse sentido que formulámos o requerimento.
O Sr. Presidente: - Uma vez que alguns senhores deputados solicitaram que se repetisse a leitura do requerimento, vamos dar satisfação a esse pedido.

Foi lido de novo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do deputado independente António Gonzalez e abstenções do PSD e do CDS.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que deseja usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E para formular uma breve declaração de voto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra. Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abstivemo-nos nesta votação não, obviamente, porque discordemos da baixa à Comissão
de Direitos, Liberdades e Garantias - esse é, aliás, o sentido de toda a nossa intervenção neste debate, e congratulamo-nos com isso -, mas porque não podemos concordar com o prazo de 14 dias, que consideramos extremamente curto.
O debate revelou profundas dúvidas nesta Câmara; a votação uma divisão ao meio desta Câmara. E agora temos um prazo de 14 dias para votar, na especialidade, este projecto, que é grave e que dividiu profundamente esta Câmara. E um prazo curto, é um prazo que não pode servir para uma correcta ponderação de matéria tão grave. Por isso nos abstivemos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, do projecto de lei n.º 267/III, apresentado pelo PS e pelo PSD, sobre educação sexual e planeamento familiar.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção do CDS.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é só para declarar que entregaremos oportunamente na Mesa uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o projecto de lei n º 272/III, apresentado pelo PS e pelo PSD, sobre protecção da maternidade e da paternidade.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

G Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido um requerimento acabado de entrar na Mesa.

Foi lido. E o seguinte:

Os deputados abaixo assinados, do PS e do PSD, requerem que os projectos de lei n.º 272/III, sobre protecção da maternidade e da paternidade e 267/III, sobre educação sexual e planeamento familiar, aprovados na generalidade, baixem à Comissão de Saúde e Segurança Social para que aí se proceda à sua apreciação e votação na especialidade, fixando-se àquela Comissão o prazo de 14 dias para tal efeito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, foram admitidos pela Mesa os seguintes projectos de lei: n.º 275/III, da iniciativa do deputado Manuel Alegre e outros, do PS, sobre a criação da freguesia de Ereira, do concelho, de Montemor-O-Velho, que baixou à 10.ª Comissão; n.º 276/III, da iniciativa do deputado Armando de Oliveira e outros, do CDS, sobre a elevação de Vila Nova de Famalicão à categoria de cidade, que baixou à 10 º Comissão; n.º 277/III, da iniciativa

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do deputado Luís Barbosa e outros, do CDS, sobre a lei de bases da família, que baixou à 2.ª Comissão; n.º 278/III, da iniciativa da deputada Odete Santos e outros, do PCP, que aprova medidas tendentes á efectivação dos direitos das mães, a que se refere o artigo 1884.º do Código Civil, e que baixou à 12.ª Comissão, e n º 279/III, da iniciativa da deputada Zita Seabra, do PCP, que garante à mulher grávida o direito ao acompanhamento pelo futuro pai durante o trabalho do parto, que baixou às 2.ª e 12.ª Comissões.
Srs. Deputados, hoje não haverá sessão. A sessão marcada para o dia 31 de Janeiro será destinada à formulação de perguntas ao Governo e terá início às 15 horas, sem período de antes da ordem do dia.
Informo ainda que o pessoal da Assembleia da República que esteve em serviço até esta hora fica dispensado hoje, dia 27.
Está encerrada a sessão.

Eram 9 horas e 10 minutos do dia seguinte.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):

Carlos Justino Luís Cordeiro.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Maria de Ornelas Ourique Mendes.
Carlos Miguel Almeida Coelho. Cecília Pita Catarino.

Centro Democrático Social (CDS):

José António de Morais Sarmento Moniz.
José Vieira de Carvalho.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Depurados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Maria Margarida Ferreira Marques.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Francisco Antunes da Silva.
Manuel Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
Belchior Alves Pereira.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social Independente (ASDI)

Joaquim Jorge Magalhães Mota.

Declarações de voto sobre as votações nominais, enviadas à mesa para publicação

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República, Exmos. Srs. Deputados: O deputado: O Deputado abaixo assinado António Jorge Duarte Rebelo de Sousa membro do Grupo Parlamentar do Partido Socialista votou contra os projectos de lei n.ºs 6/III, 7/III e 5/III, autoria do Partido Comunista, em virtude de considerar que nos mesmos se encontra subjacente uma excessiva permissividade em relação a actos que, em caso algum, poderão ser considerados como susceptíveis de um estímulo por parte do Estado e da comunidade nacional. Mais considera o deputado abaixo assinado que os sobreditos projectos se encontram clara e inequivocamente, prejudicados pelos projectos apresentados pelo PS e pelo PSD neste domínio. Assim sendo, e considerando que se trata um iniciativa válida e de sentido positivo, o deputado abaixo assinado votou favoravelmente os projectos de lei n.º 272/III, sobre a protecção da defesa da maternidade e da paternidade, e 267/III, sobre educação sexual e planeamento familiar, da iniciativa dos Grupos Parlamentares do PSD e do PS.
Em relação ao projecto de lei n.º 265/III, relativo à exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, da iniciativa do PS, o deputado abaixo assinado considerou os seguintes aspectos essenciais, em termos de análise de opção e de implicação, numa perspectiva coerente com a sua condição católica:

1. º O projecto do PS representa uma melhoria em relação à situação pré-existente, inclusive tendo em conta o actual Código Penal, restringindo o âmbito da sua aplicação no que concerne à problemática do aborto e pondo em causa a excessiva permissividade decorrente da legislação em vigor;
2. º O direito à vida não pode nem deve ser posto em causa, não se justificando, por conseguinte, a «descriminação» da prática do aborto, o que, obviamente não exclui a possibilidade de despenalização.
3. º A despenalização já se verifica para casos particulares e particularizantes de casos contra a vida de seres humanos nomeadamente para os casos de legitimidade incluindo os que respeitam à sua utilização, isto é, do uso da legítima defesa contra dementes e irresponsáveis mentais, susceptíveis de serem considerados inocentes;
4.º O projecto do PS não estabelece, imperativamente, a exigência de uma prática, antes concedendo, em certos casos e mediante o preenchimento de condições devidamente especificadas, o exercício de uma liberdade da decisão que apresenta semelhanças à fuga da «legítima defesa» e que, por conseguinte, em nada atenta contra os principios do catolicismo.

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Deste modo, o deputado abaixo assinado, embora discordando de alguns aspectos da especialidade do sobredito projecto e apesar de colocar reservas quanto à sua oportunidade de discussão na Assembleia da República, votou favoravelmente o projecto de lei n.º 265/III, da autoria do Partido Socialista.

O Deputado do PS. António Rebelo de Sousa.

Votei a favor do projecto de lei n.º 265/III, sobre a exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez, de acordo com a intenção de voto manifestada na minha intervenção, com ressalva de, como aí afirmei, julgar útil que seja regulamentado para permitir uma aplicação idónea do mesmo.

O Deputado do PS, Eurico Figueiredo.

Votei a favor do projecto de lei n.º 265/III, por entender que a decisão do legislador se situa inequivocamente ao nível jurídico na mediação entre o ético e o sociológico. O debate ao nível da moralidade do comportamento é certamente importante, mas não é aqui determinante.
Por isso, como escreveu Luís Moita em artigo recente, «um deputado cuja consciência moral condena o aborto poderá legitimamente, também em consciência, votar a favor da norma que estabelece a regulação legal da prática do aborto».
Nos casos contemplados no projecto do PS, contemplam-se situações em que se me afigura dever ser excluída a ilicitude, em virtude de serem situações de conflito de deveres ou cuja valoração axiológica entendo dever ser deixada à consciência dos intervenientes numa sociedade culturalmente pluralista.

O Deputado do PS, Maximiano de Albuquerque Almeida Leitão.

Declaro que me abstive na votação do projecto de lei n.º 7/III, interrupção voluntária da gravidez, por solidariedade com a posição maioritariamente assumida pelo Grupo Parlamentar do PS.

O Deputado do PS, Manuel Alegre.

A discussão e votação na Assembleia da República de uma matéria como a do aborto, que bem a ver com os valores de uma determinada sociedade, é, desde já, um momento histórico.
Portugal é, hoje, um país bastante atrasado em várias estruturas, tendo como ponto de referência o mundo ocidental, no qual estamos inseridos.
As razões desse atraso residem, sobretudo, no longo período que vivemos sob uma ditadura. Mas tal atraso é ainda mais manifesto nos domínios da cultura e das mentalidades. Essa é, sem dúvida a mais pesada herança do «salazarismo».
A instauração de um regime democrática em Portugal, com o 25 de Abril, permitiu que algumas questões fundamentais que se colocam às sociedades modernas começassem a ser discutidas.
Contudo, o ataque do PCP à jovem democracia, no sentido de colocar nos lugares-chave pessoas da sua estrita confiança e de tentar dominar todo o aparelho de Estado, fez com que se adiasse, de novo, a discussão de muitas matérias essenciais.
Assim, a sociedade portuguesa acabou por se radicalizar e hoje vários estigmas com origem nesse período ainda se fazem sentir entre nós.
Paralelamente, o Partido Socialista nunca soube combater eficazmente o PC e acabou por entrar no jogo dos comunistas quando nos primeiros governos constitucionais se preocupou, também e apenas, com a colocação de pessoas da sua confiança no aparelho do Estado.
Deste modo, foi-se adiando sucessivamente a discussão de questões essenciais, algumas das quais se prendem exactamente com os valores.
Como exemplo, poderemos adiantar que a questão da interrupção voluntária da gravidez nunca se colocou, em termos parlamentares, no período entre 1976 e 1979, quando existia, então, uma maioria de esquerda na Assembleia da República.
Por outro lado, aquilo que os sociais-democratas sempre defenderam em boda a Europa é que questões que têm a ver com a filosofia de vida de uma sociedade devem ser referendadas pelas populações.
Porém, no nosso pais, o Partido Socialista, que se diz também social-democrata e que está filiado na Internacional Socialista, sempre impediu, mesmo aquando da revisão constitucional, que o instrumento do referendo pudesse fazer parte da lei fundamental.
O Partido Socialista não permitiu, desta maneira, que sobre a questão da interrupção voluntária da gravidez, como em tantas outras que têm a ver com os valores, o povo português se pudesse pronunciar, nomeadamente através do voto.
Mas o farisaísmo dos socialistas portugueses não se ficou por aqui.
Sabendo que esta questão iria ser levantada pelo PCP, não procuraram, em tempo, estudar o problema e elaborar, com o apoio de especialistas dos mais variados sectores, uma proposta sobre esta matéria.
Antes pelo contrário, a reboque do PCP - tal como no passado -, acabaram por apresentar um projecto de lei que, como em gíria popular se diz, «não é carne nem é peixe", mal fundamentado e mesmo com erros no aspecto formal.
Como é que se compreende que o PS, que em finais de 1982 votou favoravelmente a proposta do PCP, venha agora mudar o seu sentido de voto - aliás, como em tantas outras questões! ... - e apresente um projecto que, conforme referem personalidades com diferentes pontos de vista sobre o aborto, nada adianta, em termos especificamente jurídicos.
Entretanto, o Partido Social-Democrata também não soube ter o comportamento, no plano ético-político, mais adequado mesta questão.
No seu programa, o PSD, defende, explicitamente, a revisão do Código Penal Português em matérias diversas, nas quais está incluído o aborto.
Sendo um partido laico, sem estar subordinado a qualquer filosofia religiosa, como sustentam os seus estatutos, o PSD não soube ou não quis tomar a atitude mais correcta, que era a de dar liberdade de voto aos

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seus deputados. Não era necessário ir mais longe, bastava aplicar o que está há muito consignado no Regulamento do Grupo Parlamentar do PSD. De facto, esta é uma das questões em que deve ser desencadeado o princípio da objecção de consciência que naquele documento está mencionado.

Porém, é de referir ainda neste documento que o Partido Socialista, ao avançar com uma proposta própria sem consultar o seu parceiro de coligação - como está previsto no acordo de incidência parlamentar e governativa assinado pelo PSD e pelo PS -,teve uma atitude condenável, do ponto de vista político, que pode dar início a um processo de degenerescência no seio da actual maioria.

Também, mais uma vez, o PS demonstrou que não sabe assumir os compromissos e que ainda está enfermado de um «jacobinismo» pedante há muito ultrapassado pela roda da História.

Por seu turno, a igreja católica, nomeadamente através do seu Cardeal Patriarca de Lisboa, desencadeou um ataque descabelado contra todos aqueles que têm posições favoráveis à interrupção voluntária da gravidez.

O apelo à «guerra santa» que foi feito pela hierarquia da igreja católica é uma atitude desfasada no tempo e que, mesmo do ponto de vista filosófico do catolicismo, tendo como referência a separação existente entre a «cidade de Deus» e a «cidade dos Homens», não é muito defensável.
A questão de fundo que se coloca na questão do aborto é a de saber se há ou não motivos que levem uma mãe a interromper a gravidez. No meu ponto de vista há e eles prendem-se com múltiplos problemas.
Assim, em termos éticos, não considero que deve ser condenado quem, em consciência, decida praticar um aborto.
Porém, o PSD, partido no qual milito e em cujas listas fui eleito para deputado, decidiu que a posição a defender na Assembleia da República deveria ser, contrária à despenalização da interrupção voluntária da gravidez. E mais, foi ainda deliberado que não haveria liberdade de voto nesta matéria.
Considero que esta atitude é reprovável e sem qualquer tipo de defesa.
O PSD assumiu, nesta matéria, inequivocamente, uma posição retrógrada que não é compatível com a sua posição de abertura perante os problemas da sociedade moderna.
Só que o nosso sistema eleitoral é mau, e da análise, em termos estritos; da lógica do sistema partidário português, não pode um dirigente partidário, exercendo as funções de deputado, desobedecer às orientações previamente definidas.
Assim, apesar de discordar com a posição que o meu partido tem acerca da interrupção involuntária da gravidez, votei contra os projectos de lei n.ºs 7/III e 265/III.

O Deputado do PSD, Agostinho Branquinho.

Sr. Presidente: Estamos hoje confrontados com a discussão e votação de 2 projectos de lei sobre a interrupção voluntária da gravidez, apresentados pelos Grupos Parlamentares do PS e do PCP, respectivamente.

Penso que, em relação à apreciação e votação de matéria desta natureza, duas atitudes se poderiam tomar:

a) A inexistência de tomada de posição por parte desta Câmara, na convicção de que é assunto do foro íntimo de cada um e, portanto, só o referendo seria admissível para avaliar a posição do povo português. Esta posição, defendida em sede de revisão constitucional pelo PSD, foi rejeitada pela mesma, o que a torna inviável;
b) A tomada de posição em consciência pelos deputados ou grupos parlamentares, ponderadas as razões de índole filosófica, ética ou política que estão subjacentes à consciência e à opção dos deputados ou dos partidos aqui representados.

E a segunda posição que está em jogo e, portanto, será sobre ela que me irei pronunciar em declaração de voto, já que, por razões de distribuição de tempo por partido, tal me não é possível como intervenção nesta Câmara.

A democracia política portuguesa baseia-se na representatividade partidária ou na capacidade individual de assumpção individual de cada deputado? Quais os limites a que se deve obedecer a disciplina de voto partidária?
Tenho por certo de que a representação dos deputados é decidida em função da escolha partidária, partido esse que se sujeita ao sufrágio eleitoral. E essa a disposição constitucional e a ele nos sujeitamos.

Há no entanto, unia diferença entre a veiculação das posições partidárias no Parlamento de acordo com os princípios programáticos ou propostas concretas apresentadas ao eleitorado, posições em que o deputado se deve definir como porta-voz dos interesses partidários e das populações que o elegeram, em nome desses mesmos princípios, e aqueles que têm a ver com a filosofia de vida de cada um.

Penso que questões como o aborto pertencem ao segundo grupo, ou seja, são problemas em que o foro íntimo de cada um deve poder optar, por a opção em nome do eleitorado ser impossível. Só o referendo resolveria este problema, e tal é inviável.

Enquanto deputado, ficaria com a minha consciência salvaguardada se essa opção me fosse concedida. Tal não foi, infelizmente, consagrado pelo meu grupo parlamentar e pelos órgãos próprios do partido, com competência para esta matéria. Parece-me que transformar a democracia representativa em partidocracia é um erro grave em que, e infelizmente, todos os partidos representativos estão a incorrer. 15so sim, significa fazer perigar a democracia, pois atentar contra a dignidade e a filosofia de vida de cada um significa anular 8 consciência do ser, condição primeira para a rebelião ou a apatia.

Como deputado do PSD, indicado pela juventude Social-Democrata, competir-me-ia avaliar a situação e optar: optar entre a minha consciência e a posição do meu partido; optar pela deliberação da JSD e a posição do PSD; optar pela assumpção das minhas posições em plenário ou pela disciplina partidária.
A minha consciência diz-me que deveria votar favoravelmente as propostas em apreciação. A deliberação

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da JSD era coincidente com a minha posição e permitir-mo-ia assumir as minhas responsabilidades.

A vontade partidária impede-me de o fazer. Que fazer, portanto?

Poderia considerar que a decisão do PSD era o corolário da interpretação que o meu partido fazia da opinião do eleitorado. Competir-me-ia, assim, sujeitar-me à disciplina partidária e votar de acordo com esta ou, em alternativa, pedir a minha substituição no dia da votação.

Se a primeira atitude levanta o problema da sujeição da consciência ao controle do colectivo partidário, ou seja, da anulação da minha forma de encarar este problema e de o resolver, a segunda significa uma atitude de hipocrisia política ao querer assacar a minha responsabilidade integral como deputado no momento da votação para outro que iria votar de forma diferente da que eu entendia por melhor. Prefiro, assim, sujeitar a minha consciência à disciplina partidária, não me rebelando contra o partido, anulando-me a mim mesmo. Prefiro sair ferido a fugir à responsabilidade.

Por isso fico, por isso cumpro a disciplina partidária.

Espero que esta assumpção tenha os seus frutos.
Que o primeiro seja a ideia de que a democracia e a liberdade em Portugal cresçam conjuntamente com o espírito de compreensão e tolerância entre os homens, e que os partidos se assumam, não como máquinas trituradoras da vontade dos indivíduos mas como instrumentos de preparação pedagógica dos cidadãos para uma sociedade mais livre. mais democrática, mais fraterna.
Espero também que os partidos se saibam assumir como instrumentos de mudança a partir da vontade política dos cidadãos que neles participam ou votam e sem grupos de pressão que os instrumentalizem, por mais fortes que sejam. Sejam forças armadas, seja a Igreja, seja o poder económico. O poder político tem de se assumir, não deixar que outros o assumam, por interposição partidária. Pensávamos que as Cartas de Santo Agostinho sobre A Cidade de Deus e a Cidade dos Homens já era ponto assente na forma de intervenção da Igreja. Infelizmente não! Esperemos que tal não se repita com outras instituições no futuro, sob pena de o poder político se afundar nas malhas das suas próprias contradições.
A filosofia social-democrata assenta, acima de tudo, no respeito pelo ser humano, na sua individualidade, no humanismo, no respeito pelas diversas opiniões manifestas. Por isso somos sociais-democratas, por isso continuo a acreditar no PSD, motivado em participar, em intervir, em aceitar as regras de jogo do funcionamento partidário. Só que isso não pode ferir o que há de mais profundo em cada um de nós: Pensar, afirmar o que pensamos, agir de acordo com a nossa filosofia de vida. As estratégias partidárias mudam de acordo com as contingências, a forma de estar na vida não.

Penso, sinceramente, que tal não se voltará a passar no futuro. Por isso acredito, para isso luto.

Realçando as minhas posições, a JSD enquanto como organização assumiu, no seu último Conselho Nacional, duas posições, que se transcrevem:

a) Legalizar o aborto, em certas situações; b) Dar liberdade de voto aos seus deputados e aconselhar o PSD a tomar idêntica posição.

A questão da interrupção voluntária da gravidez tem sido largamente discutida e, quase sempre, em termos errados, na sociedade portuguesa, especialmente nos últimos anos.

Pensamos que esta matéria deve ser analisada, antes de mais, no campo dos valores que são assumidos por uma determinada sociedade.

Por outro lado, uma organização de juventude, com as responsabilidades que a JSD tem na sociedade portuguesa, deve assumir uma posição sobre a interrupção voluntária da gravidez.
Assim, questões de ordem religiosa, de conjuntura política, ou outras, não devem determinar a decisão que neste campo se deve tomar.
Por isso propomos que o IV Conselho Nacional da JSD, reunido na Figueira da Foz, nos dias 8, 9, 10 e 11 de Dezembro, aprove as seguintes deliberações:

1) O aborto é uma falsa questão, cuja resolução passa, inevitavelmente, pelo incremento, a nível nacional, de uma ampla campanha de formação, especialmente junto dos jovens, em matérias como o planeamento familiar e a educação sexual;

2) Liberalizar ou despenalizar a interrupção voluntária da gravidez são falsas questões que não permitem a resolução dos problemas, antes pelo contrário, facilitarão a manutenção da actual realidade;

3) Num estreito quadro legal, que de seguida se define, há a necessidade de se legalizar o recurso à interrupção voluntária da gravidez:

A mulher grávida poderá recorrer à interrupção voluntária da gravidez, a ser praticada nas primeiras 12 semanas, sob direcção de um médico em estabelecimentos de saúde públicos ou privados, quando:

a) A gravidez resultar de um crime de violação, estupro ou incesto;

b) A gravidez possa pôr em perigo a vida da mulher ou possa provocar qualquer lesão grave na sua saúde física ou psíquica;

c) Haja um sério risco, inato ou adquirido, que o nascituro venha a sofrer de malformações graves, depois de procedimento profilático adequado.

a) O disposto na alínea a) do n.º 1 terá de ser precedido de uma participação judicial do crime, que servirá de prova, nos locais próprios, para se proceder à interrupção da gravidez.
b) O disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 terá de ser confirmado, antes da interrupção da gravidez, por 2 médicos que emitirão parecer escrito contendo, obrigatoriamente, o diagnóstico e as razões científicas que no seu entender justificam a intervenção.
Esta posição é, como se pode verificar, próxima do projecto de lei do Partido Socialista. No entender interessa ressalvar um ponto: o projecto do PS é tecnicamente incorrecto nalguns pontos e corresponde a uma estratégia de «ir a reboque do PCP.

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Condenamo-la, porque politicamente é incorrecta.
Condenamo-la, porque não obedece ao espírito do acordo de Governo.
Não a posso condenar em consciência.

O Deputado do PSD, Luís Monteiro.

Votei contra o projecto de lei n.º 265/III por disciplina partidária.

O Deputado do PSD, Manuel da Costa Andrade.

Declaro que votei contra o projecto de lei n.º 265/III por disciplina partidária.

O Deputado do PSD, Mário Júlio Montalvão Machado.

Há momentos na vida de um homem em que os valores em que acredita e a filosofia de vida que o norteia obrigam a que assuma posições antagónicas àquelas com quem trabalha, acredita e é solidário.

Faço parte de um partido que é social-democrata, que preconiza transformações para a sociedade pelas quais tenho lutado, mas que tem, nesta matéria, uma posição que não posso assumir e não posso pedir a ninguém que assuma por mim.

Sou presidente da Juventude Social-Democrata, que tem uma posição favorável à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, posição de um colectivo que ajudei a formar.

Aceito e respeito a posição do meu partido na discussão em causa, penso, no entanto, que só serei útil ao PSD, à social-democracia, ao País e à juventude enquanto for capaz de assumir posições que me permitam estar bem com a minha própria consciência.
Se hoje assumisse uma posição contrária àquela que acabo de tomar estaria a violentar-me, a pôr em causa a minha concepção de homem livre, ou seja, a renegar a definição que, enquanto social-democrata, defendo do humanismo e do personalismo.
Não acredito que nesta matéria, como em todas as que tenham a ver com os valores, haja verdades absolutas.
Para um social-democrata a tolerância é a regra de oiro pela qual se devem julgar as atitudes dos homens.
Aliás, só desse modo teria sentido o nosso repúdio a todos os totalitarismos, que são, ao fim e ao cabo, geradores de climas de tensões e de afrontamentos no interior das sociedades.
É nesta linha que penso que deveriam ser, antes de mais, o meu partido e a juventude do meu país a valorarem os motivos éticos da atitude que hoje assumi perante esta Câmara.

Palácio de São Bento, 27 de Janeiro de 1984. O Deputado do PSD, Pedro Augusto Cunha Pinto.

Votei contra o projecto de lei n.º 7/III (interrupção voluntária da gravidez), apresentado pelo PCP.

Votei a favor do projecto de lei n.º 265/III (exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez), apresentado pelo PS.

O meu partido, a ASDI, nas matérias de natureza essencialmente moral ou religiosa, consagra a liberdade de voto do deputado [estatutos nacionais, artigo 39.º, n.º 2, alínea b)].
Por isso, o meu voto não é o voto colectivo do agrupamento parlamentar.
Exprime a minha opinião pessoal, que só a mito me compromete.

Sou sensível aos valores éticos, sociais e religiosos que se deparam a quem aborde a problemática do aborto, mas também sou sensível ao verdadeiro flagelo que na nossa sociedade representa o aborto clandestino, como meio de controle de nascimentos.
O aborto é sempre um mal. Sou, naturalmente, contra o aborto.

Por ser contra o aborto, pretendo uma educação sexual correcta e que os conhecimentos de planeamento familiar sejam levados a toda a nossa população, de tal modo que uma mulher que engravide o faça fruto de acto de amor e que deseje conceber e criar o seu filho.

Não sou, por isso, a favor da liberalização do aborto. Por isso rejeitei o projecto comunista. Não sou a favor da prática do aborto, como operação corrente de controle de natalidade. Sou frontalmente contra o aborto e desejo pôr fim à sua prática. Tal desiderato só conseguirá ser alcançado, mercê do desenvolvimento cultural, de maior educação.
Por isso votei os projectos de lei que consagram a obrigação estatal de desenvolver, através das escolas, uma correcta política de educação sexual e a promoção, através de todos os centros de saúde, de consultas de ginecologia e obstetrícia dos hospitais e das maternidades e uma larga difusão de técnicas e de meios de planeamento familiar.

Daí ter votado favoravelmente os projectos de lei n.º 267/III e 272/III, respectivamente sobre educação sexual e planeamento familiar e sobre a protecção da defesa da maternidade e paternidade.
Considero também o aborto um problema de consciência individual. Daí admitir que em determinados casos, enumerados taxativamente, o aborto seja despenalizado (não legalizado).

Exclui-se assim, a ilicitude e, em consequência, a pena.
Refiro-me ao aborto terapêutico (onde existe o perigo de morte para a mãe), ao aborto eugénico (onde esteja feita a prova de uma grave malformação psicossomática, que ocorrerá com o nascimento) e ao aborto ético (onde haja uma gravidez resultante da violação).
São situações de conflitos de valores, onde se justificará, dentro de apertados limites, o sacrifício de um valor a outro que jurídica ou socialmente lhe seja sobreponível.
Nestes casos, e só nestes casos, considero que não haja ilícito na realização do aborto.
Uma última palavra, o projecto comunista não resolve o problema do aborto clandestino, a não ser em alguns casos, através da sua legalização.
A erradicação do aborto clandestino só acontecerá com o desenvolvimento educacional e cultural do nosso povo.

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Com a melhoria das condições económicas e com a divulgação das técnicas de planeamento familiar e da educação sexual.
Daí a razão do meu voto nesta Câmara.
O Deputado da ASDI, Ruben Raposo.

O Grupo Parlamentar do CDS absteve-se na votação do Projecto de Lei n.º 267/III, apresentado pelos Grupos Parlamentares do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, por entender que, apesar de nele constarem matérias que merecem a nossa reprovação - como v. g. a esterilização voluntária e a inseminação artificial -, é uma razoável base de trabalho para um trabalho aglutinador e sério no seio da respectiva e competente comissão parlamentar.
Trabalho que, do nosso prisma, servirá para moldar um planeamento familiar acessível e adequado às realidades, sem qualquer sentido prospectivo ou, sequer, como um lógica valorativa e uma educação sexual orientada e ajustada, antes do mais, à protecção e à própria conceptualização da família, entendida sempre como ponto de partida destas matérias.
O CDS votou favoravelmente na generalidade o projecto de lei apresentado pelo PS sobre protecção da maternidade e paternidade.
Com efeito, o CDS, enquanto integrado no Governo da AD, promoveu a publicação de normativos legislativos nos quais se contêm já uma boa parte dos incisos que agora integram o presente projecto.
Por outro lado, o CDS apresentou na Mesa da Assembleia um projecto de lei de bases da família, através do qual renova a iniciativa legislativa desencadeada também pelo Governo da AD.
Nesse projecto e numa perspectiva de defesa da família e de promoção dos valores familiares se retomam as linhas básicas que norteiam a nossa perspectiva, sempre no quadro orgânico da família, sobre a maternidade e a paternidade, como valores relevantes da promoção, da protecção e das aspirações da família.
Certos e conscientes do papel primordial que cabe à família na construção da sociedade, e na observância das directrizes já existentes sobre a maternidade e a paternidade, não pode o Grupo Parlamentar do CDS deixar de apoiar projectos que concretizem. sistematizando, as bases em que assenta e se estrutura a lógica familiar: a maternidade e a paternidade.

Relatórios e pareceres de Comissão de Regimento e Mandatos enviados à Mesa para publicação.

Em reunião realizada no dia 26 de Janeiro de 1984, pelas 10 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Guido Orlando de Freitas Rodrigues (círculo eleitoral do Porto, por Serafim de Jesus Silva. (Esta substituição é pedida para o próximo dia 30 de Janeiro corrente, inclusive).

2) Solicitada pelo Agrupamento Parlamentar da União de Esquerda para a Democracia Socialista:
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino (círculo eleitoral do Porto) por Octávio Luís Pais Ribeiro da Cunha (esta substituição é pedida para os dias 26 de Janeiro corrente a 7 de Fevereiro próximo, inclusive).

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente - António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretários: José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - António da Costa (PS) Manuel Fontes Orvalho (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - José Silva Marques (PSD) José Mário Lemos Damião (PSD) - António Roleira Marinho (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Em reunião realizada no dia 27 de Janeiro de 1984, pela 1 hora, foram apreciadas as seguintes substituições:

1) Solicitadas pelo Partido Socialista:

Diniz Manuel Pedro Alves (círculo eleitoral de Coimbra) por Belmiro Moita da Costa (esta substituição é pedida para os dias 27 de Janeiro corrente a 2 de Fevereiro próximo, inclusive);
Amadeu Augusto Pires (círculo eleitoral de Bragança) por Armando António Martins Vara (esta substituição é pedida para o próximo dia 30 de Janeiro corrente, inclusive);
Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo (círculo eleitoral do Porto) por Juvenal Batista Ribeiro (esta substituição é pedida por um período não superior a 5 meses, a partir do próximo dia 30 de Janeiro corrente, inclusive);
Abílio Aleixo Curto (circulo eleitoral da Guarda) por Fernando Henriques Lopes (esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, a partir do próximo dia 7 de Fevereiro, inclusive).

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Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretários: José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) Bento Elísio de Azevedo (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - José Maria Roque Lido (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Carlos Luís Cordeiro (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Costa (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) Manuel Maria Portugal da Fonseca (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - José Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Luís Filipe Paes Beiroco (CDS) - Manuel António de Almeida de A. Vasconcelos (CDS) - Helena Cidade Moura (MDP/CDE) António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ARDI).

Os Redactores: Maria Leonor Ferreira - Carlos Pino da Cruz - Cacilda Nordeste.

PREÇO DESTE NÚMERO 330$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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