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I Série - Número 89

Sexta-feira, 23 de Março de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE MARÇO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António do Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMARIO.- O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 50 minutos.

Prosseguiu o debate, na generalidade, da proposta do lei n.º 55/III, sobre o enquadramento dos órgãos e serviços do Estado a quem incumbe assegurar a obtenção, tratamento e difusão das informações necessárias à defesa nacional, ao cumprimento das missões das Forças Armadas, à segurança do Estado de direito e à garantia da legalidade democrática. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Ângelo Correia (PSD), João Corregedor da Fonseca e Helena Cidade Moura (MDP/CDE), Lopes Cardoso (UEDS), João Amaral. Carlos Brito e José Magalhães (PCP), Nogueira de Brito (CDS) e Magalhães Mota (ASDI).
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 13 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 50 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Almerindo da Silva Marques.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Curiós Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Fernando Tomás dos Santos Ferreira.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Frederico Augusto Händel de Oliveira
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João do Nascimento Gama Guerra
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Joaquim Pita Guerreiro.
José Luís do Amaral Nunes.

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José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel de Barros Barral.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
António Abílio Costa.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo
Arménio dos Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José Roque Correia Afonso
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota Belchior Alves Pereira.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abramos Ferreira.
Francisco Miguel Duarte.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Paulo Simões Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Eugênio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco Manuel de Menezes Falcão
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Lopes Porto.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Manuel António de Almeida Vasconcelos.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Cerveira Corregedor da Fonseca.

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Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira. Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota. Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho. Ruben José de Almeída. Raposo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente. Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A opinião do PSD relativamente a esta questão é a da considerar e assinalar o atraso de, pelo menos, 8 anos na análise na discussão e na abordagem deste problema.

E certo que o País passou por situações que dificilmente viabilizariam a realização deste projecto. Existiram situações de complexo e de rescaldo de estruturas que, não tendo similitude com as que hoje se propõem, poderiam, todavia, contender em termos psicológicos com o que se pretende, havendo, a par destas, dificuldades constitucionais que não permitiram, antes de 1982, fazer uma estrutura de coordenada global, sobretudo na interface "serviços civis-serviços militares".

Daí, e apesar disso, o mérito, a importância e o realce que se tem de dar a uma atitude do Governo traduzida na propositura desta proposta de lei. O Governo merece aplauso e apoio pela generalidade do projecto que apresenta.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Gostaria de, nesta intervenção, focar 5 pontos: primeiro, a necessidade deste tipo de estrutura: segundo, o que são informações; terceiro, quais os objectivos de um serviço, de uma estrutura desta natureza: quarto, as críticas e suspeições que se lhe podem colocar, e, por último, os pontos em que o diploma necessita ser alterado.
Começarei pelo problema da necessidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Qualquer Estado precisa de uma estrutura que apoie as decisões que relevam da soberania ao mais alto nível, isto é, o exercício dos poderes que respeitam às matérias da política externa e da política de defesa nacional. Qualquer Estado carece de elementos de apoio e de informações que legitimem quer a definição, quer a estratégia das áreas da soberania ao mais alto nível. Isso é fundamental e permanente,

O sistema das informações em Portugal teve um período áureo - recordado, e bem, pelo Sr. Ministro de Estado - com a elaboração do Tratado de Tordesilhas. Não seria possível a criação e a consolidação da potência chamada Portugal no século xv sem uma estrutura elaborada e eficaz de informações que permitiu a pesquisa e a colheita dos elementos fundamentais que levaram o Estado Português a celebrar esse tratado. Felicito, pois, o Sr. Ministro pela boa oportunidade da lembrança.

Como dizia há pouco, se qualquer Estado carece de uma estrutura organizada de informações, um Estado democrático carece ainda mais, pois possui vulnerabilidades inexistentes em Estados totalitários Um Estado totalitário, por definição, tem instrumentos de controle e de pressão que impedem, limitam e estiolam o exercício das acções políticas legítimas e naturais, que aí não o são.
A democracia, pelo facto de traduzir o exercício normal da liberdade, tem em si uma vulnerabilidade traduzida na acção daqueles que atentam contra a própria liberdade. Por isso, em democracia, o problema põe-se do modo como o Sr. Deputado António Taborda o fazia na sua pergunta de ontem - o equilíbrio fundamental entre liberdade e segurança. Daí o problema ter dificuldades, daí o problema ser passível, não diria d.e dramatização, mas de alguma preocupação.
Recordarei da história um exemplo triste e célebre: o caso do Uruguai.

Em 1960-1963 vivia-se na América do Sul num cenário difícil, de ditaduras, onde a única excepção era o Uruguai.
Considerado como o "paraíso da América do Sul", era o mais próspero daquela região. Tinha uma estrutura produtiva, educativa e de consumo análoga à de muitos países europeus. Possuía, porém, uma vulnerabilidade: não tinha qualquer instrumento de detecção, de pesquisa de elementos contra o próprio sistema democrático. Daí o aparecimento dos tupamaros em 1963, os quais, na lógica de um sistema democrático, não tinham razão de ser, pois o Uruguai era o país mais democrático da América do Sul, possuidor de estruturas bastante desenvolvidas em comparação com outros países.
No entanto, isso não impediu o aparecimento dos tupamaros, que em 1963 começaram a corroer a democracia uruguaia a ponto tal que, em 1971. os partidos políticos tradicionais, democráticos, pedem às Forças Armadas que tomem conta do Estado para conter, debelar e matar o terrorismo.
Isso, de facto, aconteceu, mas aconteceu também que a ditadura militar se instalou, estando desde 1972 consagrada no Uruguai contra a vontade dos cidadãos, que nada conseguem fazer para derrubá-la.
Temos, pois, um exemplo prático na história em que a debilidade do sistema democrático demonstrou que, quando no compromisso necessário entre liberdade e segurança esta não é suficientemente preservada, a liberdade está em causa e posta em risco.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num Estado democrático a necessidade de defesa da democracia é condição paralela àquilo a que corresponde a necessidade fundamental de qualquer Estado, isto é, o conjunto de elementos de apoio que sustentam e permitem a definição e execução de políticas de defesa nacional ou de políticas externas e suas vertentes estratégicas. São elementos permanentes e necessários que legitimam a necessidade de uma estrutura de informações.
Por tudo isto, não posso aceitar nem desejo que, neste debate, se coloquem duas mistificações sobre o

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que estamos a fazer. Uma delas é justificar este tipo de serviços com base na criminalidade geral. Trata-se de um erro, de um sofisma, não tendo a menor legitimidade justificarmos o problema de uma estrutura de informações com base no aumento da criminalidade geral que se possa verificar numa sociedade.

O problema da criminalidade geral é diferente, tem a sua sede própria noutras áreas, com outras vertentes e outros tratamentos. Isso não significa, porém, que certo tipo de criminalidade específica, selectiva e sofisticada (mas apenas essa) não tenha aqui tratamento para análise e até para a própria justificação de uma estrutura desta natureza.

Assim, a primeira questão que temos de separar é um certo tipo de criminalidade específica e selectiva, não confundindo nem justificando à custa da criminalidade geral a existência de uma estrutura destas.

A segunda questão que temos de retirar do debate é a da suspeição, da qual falarei quando passar ao segundo ponto para o qual me propunha falar, ou seja, o porquê das ameaças, o que se pretende com a própria informação no sentido de "informações".

Sr. Presidente e Srs. Deputados: A questão é simples: poderíamos falar de "informações" em sentido genérico, porém, se o fizéssemos, correríamos um risco não meramente terminológico nem semântico, mas conceptual. Se em "informações" couber tudo, nessa altura o problema deste diploma é o da perigosidade. Isto é, se ao longo do diploma não houver algum rigor que limite o sentido, o alcance e a natureza do que estamos a tratar, se apenas se ficar por considerações tão genéricas e vagas como "defesa da Constituição" da "legalidade democrática", as quais servem para tudo e podem não servir para nada, das duas uma: ou esta estrutura serve para tudo, e nessa altura ultrapassa o mandato e o limite normal de uma estrutura desta natureza, ou então não serve para nada, não serve em profundidade o fim específico a que se destina.

Que são informações no sentido desta proposta de lei, ou melhor, o que deveriam ser "informações"? Do meu ponto de vista, deveriam ser duas coisas. Primeiro, a análise daquilo que se consideraria a identificação, a possibilidade e as intenções d.e grupos ou indivíduos que se colocam nutra situação de hostilidade e que estão ou podem estar empenhados em acções claramente contrárias ao exercício da ordem democrática de um país e que atentem, por isso, contra a sua segurança, incluindo a das próprias Forças Armadas.

E um universo mais limitado, mais rigoroso, mais circunscrito, mas mais profundo. Ou seja, não se considera nem se pode considerar "informações" aquilo que os Srs. Deputados Carlos Brito e Lino Lima ontem declararam no sentido de qualquer cidadão poder ser "fichado". Isso, tal como foi referido, Srs. Deputados, não é correcto. No entanto, qualquer cidadão, eu ou qualquer dos senhores, poderá ser "fichado" se dos nossos actos se desenrolar qualquer acção que ponha em causa a ordem democrática no sentido de ser tipificada como crime, ou - seja , não o acto meramente de presunção, não o acto meramente de declaração, nem sequer só de isenção, mas a sua configuração criminal. E a partir dessa circunstância que ele é abrangido na área da investigação criminal, e não da informação em si, pois essa, sendo prévia, é mais ampla e mais preventiva.

Por tudo isto, "informações" deve ser sentido como um exercício correspondente, no sentido que estabeleci, à noção de segurança interna.

Não venham os Srs, Deputados do PCP dizer ignorar o que seja segurança interna. Há vários diplomas desta Assembleia onde o conceito apareceu e transpareceu, tendo até sido consagrado para um ministério. Quando no artigo 46 º da Lei de Organização das Forças Armadas e Defesa Nacional se fala na composição do Conselho Superior de Defesa Nacional não se fala do Ministério da Administração Interna, mas sim dos ministérios responsáveis pela política externa, pelas finanças e pela segurança interna.

Foi a própria lei da Assembleia da República, aprovada por uma maioria de dois terços clara e nítida, que consagrou um conceito e uma tradução em termos organizativos do próprio Estado no que respeita à acção de um determinado ministério.

Não é uma inovação, nem sequer uma novidade, é um conceito traduzido já organicamente em texto da própria lei.

Em segundo lugar, no meu ponto de vista e no ponto de vista tradicional daquilo que o Governo consagra, as áreas de informações manifestam o tipo de conhecimentos necessários como suporte à realização de duas políticas: a da definição da defesa nacional - a sua direcção superior estratégica permanente - e o conjunto das acções departamentais, normativas ou executivas que lhe correspondem.

Deste modo se percebe o que, quer o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, quer o Sr. Ministro de Estado, diziam ontem, isto é, que as informações são elementos de suporte à acção governativa. São-no no sentido de produzir um conjunto de informações, de conhecimentos trabalhados, sistematizados e orientados de modo que a decisão política --mas a decisão política que releva da soberania ao mais alto nível, ou seja, a política de Estado relativamente à defesa nacional e à política externa - tenha uma tradução e um apoio sistemático de modo que os cidadãos políticos não cometam erros.

Nesse aspecto, se no nosso ponto de vista informações são aquilo que apontei, importa preservar uma segunda área: a da actividade de informações. Informações são conhecimentos trabalhados que servem, como actividade organizada, para produzir. E aqui colocam-se ao Estado duas questões: ao Estado não interessa só conhecer; interessa evitar, como segunda actividade, que outros, com intuitos hostis aos interesses nacionais, possam querer conhecer e actuar em sentido negativo. E a chamada "contra-informações".

Ao Estado é tão importante a acção de conhecer nas áreas selectivas que referi como evitar que alguns, alheios aos interesses nacionais, hostis aos interesses nacionais, ou que desejem minar interesses nacionais, procurem pela sua acção minar aspectos essenciais da vida do próprio País.

Aplausos do PSD.

E tão importante falar de informações no sentido de conhecimento, como falar em alternativa de neutralizar um conjunto de actividades daqueles que, com intuitos hostis e contrários ao interesse nacional, procuram alterar parâmetros fundamentais da vida global e democrática de uma sociedade.

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Nesse sentido, Portugal - e passo à terceira questão - tem vulnerabilidades que decorrem de duas circunstâncias: a primeira é o facto de sermos uma jovem democracia. E que ser uma jovem democracia tem riscos para todos os lados do espectro político não democrático. Não há um problema de ameaça real marcadamente localizada em determinada área, mas há riscos potenciais para os dois lados do espectro político democrático. Isto é, se Portugal tivesse uma estrutura democrática consolidada com a aceitação plena das regras de vida do regime democrático por todos os parceiros, por todos os cidadãos, por todas as forças, o problema da prescindibilidade de uma estrutura organizada de informações de segurança interna era mais facilmente aceitável. Mas nós temos uma jovem democracia, com o risco de 48 anos de regime ditatorial de direita. Quando o Partido Comunista falou e ainda fala em "partir os dentes à reacção", da < reacção", do "fascismo", o Partido Comunista é naturalmente solidário comigo quando digo que sou sensível aos riscos permanentes de uma estrutura dessa natureza que pode, em qualquer instante, minar a unidade democrática do próprio Estado Português.
Com certeza que não é só no discurso que o PCP lamenta, critica ou lembra esse problema. Com certeza que não quererá passai de uma situação de voto piedoso para a inexistência de algo que evite na prática a consubstanciação de acções que possam pôr em risco esse mesmo problema. Portanto, justifica-se plenamente nessa acepção uma intenção dessa natureza.
Mas justifica-se uma segunda ordem de razões. O problema da nossa geo-estratégia. Nós temos a geografia que temos, temos a ligação histórica que temos. Isso é tem elemento estrutural de Portugal que também justifica e legitima estruturas de informações.
A nossa geografia colocada na ponta leste da Europa ...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Na ponta leste?!

O Orador: - Como neste momento eu estava a olhar num certo sentido troquei apalavra.

O Sr. [cão Amaral (PCP): - Estava afalar nos
Estados Unidos! e

O Orador: -Como estava a dizer ..., dada a nossa geografia colocada na parte mais ocidental da Europa, dado o sistema de alianças político-militares em que Portugal está inserido e dado o sistema de correlação de forças na Europa, Portugal é um dos dois cais de desembarque, é um dos dois pontos de acesso fundamental de reabastecimento de qualquer necessidade de reforço rápido que haja numa crise europeia ...

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado esgotou o tempo de que dispunha para fazer a intervenção, ou seja, 20 minutos.
Pedia-lhe, pois, o favor de concluir.

O Orador: - Sr. Presidente, eu não sabia que havia limitação de tempo.

O Sr. Presidente: - Há sim, Sr. Deputado. Nesta primeira intervenção dispôs de 20 minutos. Tem, no

entanto, a oportunidade de fazer uma segunda intervenção de 10 minutos.

O Orador: - Se não houvesse inconveniente, fá-la-ía já, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Isso vai contra o Regimento, Sr. Deputado.
No entanto, se os Srs. Deputados não se opõem, da parte da Mesa não há objecções.

O Sr. João Amaral (PCP)-. - Pela nossa parte, não há objecção. Nós queremos é ouvir a intervenção!

O Sr. Presidente: - Como ninguém se opõe, o Sr. Deputado dispõe de mais 10 minutos para continuar a intervenção.

O Orador: - Eu pensei que podia juntar numa só intervenção o tempo de que o meu partido dispõe para as duas intervenções.
Voltando ao que estava a dizer, a nossa localização geográfica, os riscos, que não se desejam, mas que podem ocorrer, de certos cenários de guerra fria ou de crise na Europa, dão uma posição particular a Portugal, que pode ser alvo vulnerável por ameaças externas e indirectas que actuem não por via de ameaça militar, mas por via, de desestabilização política e terrorista. Isso justifica e legítima, da nossa parte, uma atenção e a indispensabilidade de estruturas de prevenção e de diagnóstico neste domínio.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Se estamos de acordo com a necessidade global de uma estrutura de informações, se estamos de acordo com os seus objectivos apontados para a defesa nacional e para a segurança interna, por outras palavras, para a independência nacional e para a segurança interna, todavia não podemos deixar de ser sensíveis a algumas suspeições e críticas que têm sido feitas na generalidade, não ao diploma em si, mas a um problema desta natureza.
Recordarei 5 críticas que foram feitas, tentando expressar o meu ponto de vista sobre elas.
Primeira, "já existem - é uma crítica que o Partido Comunista fez várias vezes - vários serviços de informações e, como tal, não são necessários mais". Já ontem foi demonstrado que este ponto de vista é falso: é que em Portugal, como serviço organizado, só conheço um. A Guarda Nacional Republicana ou a Polícia de Segurança Pública não são órgãos de informações, mas órgãos de recolha de notícias, o que é completamente diferente de informações. A palavra "informações" é equívoca. O sentido que esta palavra encerra é o que há pouco refen.
Do que é que a Guarda Nacional Republicana ou a Polícia de Segurança Pública tratam? Tratam de notícias, de factos. Eles não têm um trabalho sistematizado de análise, de agrupamento metodológico e sistemático que lhes permita retirar fios condutores de acção de outrem. Nesse sentido não há serviços de informações em Portugal, com excepção do Serviço de Informações Militares.
Dir-se-á: A Polícia Judiciária tem na Direcção Central de Combate ao Banditismo um órgão de informações." Tem-no realmente no preciso sentido que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro ontem traçou, ou seja,

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como órgão de investigação criminal específico e selectivo, ou seja, não atacando os problemas ex ante que se colocam na acção do dia-a-dia a um órgão de informações.

A segunda são críticas de suspeição. O Sr. Deputado Lino Lima retratou, com algum dramatismo exagerado, o problema de uma eventual nova PIDE. Srs. Deputados, a PIDE era uma política, era uma polícia que servia um regime com inimigos, e o inimigo fundamental da ditadura era a democracia. Assim, o inimigo que a PIDE perseguia eram aqueles que se opunham à ditadura, ou seja, aqueles que estavam a favor da democracia. O Partido Comunista, pelo facto de ter lutado - e lutou de facto - contra a ditadura, não pode hoje dizê-lo e perfilar-se como sendo o marco fundamental da defesa da democracia.

Os senhores puderam opor-se à ditadura em nome de uma de duas coisas: ou da democracia, ou de outra ditadura. Enquanto nesta Câmara há pessoas que o fizeram em termos de uma alternativa democrática, em Portugal questiona-se, e fortemente, se os senhores lutaram contra a ditadura e pela defesa da democracia ou se, pelo contrário, o fizeram para implantar outra ditadura de natureza distinta.

E sempre bom lembrar, hoje, a PIDE, mas devo dizer que não partilho da atitude da Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, que ontem quase que a desculpabilizou, justificando que os Portugueses, pela miséria, pela fome, etc, podiam para lá ir. Não chega essa atitude que pode ser real Sr.3 Deputada; tem que se ir mais ao fundo. A questão é que a PIDE era uma organização de um Estado ditatorial para servir a ditadura contra a democracia; desculpabilizá-la em termos de justificar psicologicamente por que é que algumas pessoas iam para lá é quase passar um atestado de desculpabilização à organização, e isso em democracia não se pode fazer.

O que temos de dizer é que ela servia um regime ditatorial. Confundir órgãos de serviços de informação de um Estado democrático com órgãos de polícia de perseguição de ideias e de pessoas por razões de génese antidemocrática não tem paralelo, não tem semelhança, pelo que a lógica do Sr. Deputado Lírio Lima n5o tem a mínima razoabilidade.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A terceira crítica é a de que os serviços de informações podem querer ocupar o poder e podem mentir nas informações. Darei dois exemplos: na Alemanha, ainda há cerca de 1 mês, todo o mundo assistiu a um acto de um serviço de informações que deu uma falsa informação sobre um general alemão e o sistema democrático alemão - os partidos políticos, a oposição democrática alemã, outros órgãos, a opinião pública alemã - levantou-se e daí a 8 dias era reposta a legalidade, era reposta a verdade, o que significa que a democracia tem virtualidades para repor a própria questão.

O único país, Sr. Deputado Carlos Bríto, onde eu vi um dirigente de uma organização de polícia secreta tomar conta do poder foi na União Soviética, o Sr. Yuri Andropov. Não vi em mais nenhum país do mundo um dirigente de um organismo de serviços, de informações ou policiais ser o Chefe do

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Estado. Só vi num país: o Sr. Yuri Andropov ..., e não foi em Portugal nem em nenhum país democrático.

A quarta crítica ou suspeição que se faz em relação ao serviço de informações refere-se ao problema da legalidade e do controle. Desejaria subscrever alguns dos pontos de vista que o Sr. Deputado Lopes Cardoso apontou ontem, ou seja, tal como está a formulação do artigo 3.º é insuficiente e incorrecta e não me parece desejável. Não iria tão longe na sua perspectiva. mas alguns pontos têm de merecer acolhimento na especialidade, a fim de que seja mais claro e transparente o sistema do controle.

Aliás, devo dizer que não é só na Alemanha onde isso se verifica, também nos Estados Unidos da América, em 2 comissões senatoriais e na Câmara dos Representantes, na Holanda e noutros países. Em vários países regista-se um controle da Assembleia da República, do parlamento local ou do senado sobre as actividades dos serviços.

Ontem, através do Sr. Ministro de Estado, o Governo mostrou disponibilidade para esse efeito. Penso que teremos de trabalhar na especialidade para encontrar esse desiderato.

Por último, quero demonstrar a minha apreensão por 5 pontos concretos deste diploma, dos quais 2 são graves, tendo de ser corrigidos.

Em primeiro lugar, focarei os conceitos terminológicos deste diploma, que são questões mais simples, mas talvez mais delicadas. "defesa da Constituição", "legalidade democrática" e tudo o mais são conceitos tão vagos e tão amplos que servem. para tudo sem servir para nada, ou seja, ou dão uma cobertura tão genérica que não retratam suficiente e rigorosamente aquilo que se quer num serviço de informações, como até lhe retiram profundidade, numa análise que tem de ser mais limitada, mas às vezes mais profunda, em concreto e tipificada em relação ao problema. Logo, a primeira crítica dirige-se ao rigor terminológico deste diploma, que tem de ser extremamente melhorado, sobretudo no artigo 1.º e no n.º 1 dos artigos 6 º, 7." e 8:' -salvo erro-, que são. aqueles que respeitam aos 3 serviços que o Governo procura montar.

A segunda crítica é a que se prende com o problema do artigo 11 º - a coordenação ou cooperação entre polícias e serviços de informação Sr. Ministro da justiça - é V. Ex.º que representa aqui neste momento o Governo -, o Governo foi feliz em ter separado funções de informação e funções policiais, mas, com o artigo 11.º desta proposta, coloca inevitavelmente uma suspeição, que não é necessária, útil e correcta em democracia. Dá a impressão de que há uma estrutura de cúpula no País que é apoiada por estruturas policiais e em cujo vértice se encontram os serviços de informações, ou, ao contrário - como o PCP disse -, dá a impressão de que as polícias são braços armados dos serviços de informações.

Como está explicitado, o artigo 11 º está incorrecto num duplo sentido. Os serviços de informações são completamente distintos das funções policiais, com 2 nuances. A primeira é a de que, quando o serviço de informações encontra na sua acção diária matéria passível de incriminação judicial, a matéria cessa de estar no âmbito da área do serviço de informações e passa, específica e exclusivamente, para a área po-

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licial. Foi aquilo que os Holandeses fizeram no decreto real de 5 de Fevereiro de 1972, que obriga a que, quando o serviço de informações encontra matéria passível de incriminação judicial, a acção do serviço de informações cessa nessa circunstância em relação ao desenvolvimento do problema, sendo o mesmo tramitado para as áreas de investigação criminal das polícias judiciárias.
O Governo não pode deixar essa suspeição sobre si e deve alterar claramente o artigo 11.º, como deve alterar 2 questões de fundo não resolvidas: as questões da coordenação e as questões da definição de alguns serviços.
A coordenação apontada nesta proposta é, nos seus termos, uma coordenação que compete ao conselho superior de informações e à comissão técnica, o que é falso. A coordenação prevista neste diploma é a coordenação funcional e técnica. Mas o serviço de uma estrutura de informações necessita da orientação, do esforço de pesquisa, da sua definição e coordenação operativa neste domínio - e essa questão está em vazio. Os Srs. Membros do Governo estão a passar pelo risco político de serem atacados e incompreendidos e de passarem a possuir uma estrutura ineficaz. Com este diploma, na parte de coordenação, estão a criar um vazio que não serve o Estado democrático.
Existem várias soluções que, dada a escassez de tempo, não vou agora exemplificar, mas indicarei brevemente duas delas. Uma solução é atribuir a um dos 3 serviços a função de coordenação; a outra é atribuí-la ao Primeiro-Ministro, mas, com esta proposta de lei, os senhores vulnerabilizam o Primeiro-Ministro, oferecendo-lhe por definição, através do artigo 9.º, a função de coordenação do sistema, mas não lhe dando o mínimo de meios operativos para ele poder exercer tal coordenação. Os Srs. Membros do Governo estão a criar uma estrutura que fica pendurada no Primeiro-Ministro, mas que não está articulada, porque não está coordenada.
A terceira crítica a este diploma, que é grave e que tem de ser resolvida, reporta-se ao problema da definição de informações estratégicas e das sobreposições - que as há - na tal terminologia, por vezes abstrusa, que aparece neste diploma entre essas e outras áreas. Em concreto, na designação «serviço de informações estratégicas de defesa», a expressão «defesa» deve ser entendida no sentido expresso na Constituição e é por esse, não por outro, que tenho de me balizar. A defesa tem duas vertentes: uma militar e outra global. Mas os senhores já colocaram a vertente militar no Serviço de Informações Militares. Logo, terminologicamente falando, em termos de Constituição e de lei, o serviço de informações estratégicas de defesa tem duas áreas e tenho, tal como o Governo, que as respeitar. Há uma área nítida e clara de sobreposição. Quererá isso dizer que o Governo já quer fazer desse órgão o órgão de coordenação? Se o quer, que o diga - e faz muito bem em dizê-lo. Só que, nessa altura, tem de alterar todo o formulário da própria lei.
Em segundo lugar - e ainda em termos de conceptualização -, há duas áreas que ficam cobertas no Serviço de Informações Militares: a área da segurança e informações estratégicas de defesa e a área da segurança interna genérica. Mas há uma área essencial ao País onde nada se diz - e a pior coisa que pode existir em democracia é não se saber o que é que se quer: a área da segurança externa. Onde é que está esta área? Se o Governo a não quer, que diga - embora seja um erro, aceito que o diga. Se o Governo a quer, que o diga claramente e onde a quer. Mas não dizer nada significa não saber onde é que ela está e poderemos encontrar a tal área de miscenação dos 3 serviços que, ao fim e ao cabo, conduzem à sua não funcionalidade ou, pior do que isso, a erros de funcionamento democrático.
O Governo não pode correr estes riscos. Por isso o PSD apoia na generalidade este diploma, mas apoia-o como necessidade e como um desiderato fundamental de uma estrutura de funcionamento correcto e eficaz de um Estado democrático, nos limites precisos que a lei democrática impõe e determina. Mas com a mesma lealdade com que o fazemos e o mesmo sentido de apoio que estamos dispostos a prestar em sede de Comissão e que nos leva a apoiar a alteração, na especialidade, de pontos que consideramos fundamentais, alguns dos quais trazidos à colação por senhores deputados de outros partidos e alguns que eu próprio coloquei. A nossa disponibilidade é a de tentar encontrar a melhor solução para o País, numa questão que, como dizia o Sr. Ministro de Estado, já que é amarga, então que seja bem feita, para servir o Estado e a democracia.
Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem em primeiro lugar a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado Angelo Correia, ouvi atentamente a sua longa dissertação, que pareceu mais um discurso de um ministro da Administração Interna do que de um deputado da maioria. O Sr. Deputado respondeu a intervenções ontem proferidas aqui por outros senhores deputados, classificou-as, pretendeu dar informações e falou muito. Respondeu aos deputados um a um e fez - finalmente - o que o Sr. Ministro da Administração Interna não fez ontem e o que, pelos vistos, parece que não fará também hoje em relação a V. Ex.ª, porque se ontem entrou aqui calado, hoje nem sequer cá está.
Na sua longa dissertação, o Sr. Deputado falou do Uruguai, citando-o como exemplo para falar de Portugal. Ê evidente que, em todo o continente americano, o Uruguai foi realmente o pai da democracia. Era uma democracia extraordinária. Ao falar desse país, referiu a vulnerabilidade que a sua democracia possuía e declarou que ela foi minada até acontecer o que actualmente está a acontecer: uma ditadura das mais ferozes, cujos terríveis pormenores são muitas vezes desconhecidos em Portugal.
Mas, Sr. Deputado, quem minou a democracia do Uruguai? Não terão sido exactamente os serviços da contra-informação estrangeira e até do próprio continente americano que corroeram e que acabaram por conduzir o país à situação em que agora se encontra? Aliás, os países do continente americano que se afirmam democráticos nada fazem - antes, pelo contrário, apoiam a ditadura - no sentido de reconduzir o Uruguai para os caminhos da democracia que já conheceu.

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Acha o Sr. Deputado que Portugal corre o risco de serviços de contra-informação estrangeiros criarem uma situação idêntica, o mesmo risco que correram o Uruguai, o Brasil e a Argentina e que hoje correm o El Salvador e a Nicarágua, através da actuação de serviços de contra-informação estrangeiros?
O Sr. Deputado disse também que Portugal corre riscos potenciais para os dois lados do espectro político democrático. Pode o Sr. Deputado indicar-me quais são esses riscos? Serão riscos políticos? Tem conhecimento de tais riscos a ponto de nos poder fornecer informações claras?
Falou também nas definições genéricas constantes da proposta de lei, que - ao que parece - não satisfaz. Acha ou não que o Governo deveria ter feito acompanhar esta proposta de lei de outros diplomas complementares que esclarecessem melhor esta Assembleia?
Finalmente, afirmou que é necessário existir acto criminoso para «fichar» determinado indivíduo. O Sr. Vice-Primeiro-Ministro referiu ontem que deve existir apenas condições de ameaça para fichar uma pessoa. Gostaria de saber como é que V. Ex.ª, considerando a sua própria interpretação, classifica esta declaração do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Deputado Angelo Correia, não me é desagradável desculpabilizar os homens quando tal desculpabilização leva à responsabilização dos governos. Se o Sr. Deputado colocar um homem debaixo de um comboio é natural que, se o comboio se movimentar, ele morra.
Estavam de facto detectados 83 000 informadores da PIDE. Como sabe, é pelo menos o número que corre, mas não posso assegurá-lo, uma vez que nunca trabalhei nos ficheiros da PIDE. V. Ex.ª é uma personalidade que percebe de estratégia civil, bastando alentar na satisfação com que falou do assunto para se perceber que está dentro do métier. O meu métier é outro e não posso de facto analisar o problema com esse ar de estratega com que o Sr. Deputado o analisa. A verdade é que alguns dos informadores da PIDE eram pobre miseráveis, a quem o Estado fascista tirou todas as capacidades de vida e de resistência e toda a capacidade moral. Aí a culpa é do Estado fascista.
Quanto aos inspectores da PIDE, se quiser, posso fornecer-lhe, a título documental, alguns esclarecimentos quanto à maneira como era realizado o seu recrutamento. Eram sujeitos a exame psicotécnico, sendo excluídos todos aqueles que não possuíssem sintomas de potenciais criminosos. Por razões de ordem profissional tenho possibilidades de demonstrar isso, não o tendo ainda feito só porque, infelizmente, os grandes partidos, como o do Sr. Deputado, ainda não deixaram criar condições para que se debatessem calmamente estes assuntos. Tais partidos fazem da revolução de 25 de Abril uma espécie de ementa de restaurante: gostam de uns pratos, deitam outros fora ... E nesta bagunça se vai desenvolvendo a contra-revolução.
Porque de facto, se se tem entrado num caminho de clarificação democrática, haveria muitos assuntos que, em vez de serem tratados como são hoje de uma forma emocional, poderiam ser tratados de uma forma racional, com vantagens para todos nós.
Portanto, Sr. Deputado, nem eu nem o meu partido pretendemos justificar-nos perante V. Ex.a, pois penso que não é preciso. Em todo o caso, creio que é bom raciocinar e pensar qual é a responsabilidade do Estado e qual é a responsabilidade do homem.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lopes Cardoso pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Para um pedido v1e esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, congratulo-me pela abertura que o Sr. Deputado, pessoalmente e em nome do seu partido, manifestou para que se possam introduzir modificações na discussão em sede de especialidade, afim de melhorar a proposta de lei que estamos a discutir.
Congratulo-me com essa abertura, mesmo se, eventualmente, viermos a divergir na discussão que aí tiver lugar, pois aquilo que para si ou para o seu partido podem constituir melhorias, podem não o constituir para nós.
De qualquer modo, é uma atitude que reputo positiva e congratulo-me, tanto mais quanto o Sr. Deputado veio recolocar a questão na base em que o Sr. Ministro de Estado a tinha colocado na sua primeira intervenção e que, de certo modo, o Sr. Primeiro-Ministro tinha alterado, assumindo aqui uma posição claramente fechada, que o fez cair, aliás num outro extremo.
É que há dois modos, segundo creio, de mistificar este problema do serviço de informações. Um, é considerá-lo, à partida e liminarmente, como algo de abominável; outro, pelo contrário, é «endeusá-lo» - passe a expressão -, fazendo dele uma espécie de «abre-te, Sésamo», uma receita milagre para resolver todos os problemas da segurança social, o que constitui uma outra forma de mistificar as coisas.
Agora, dentro dessa abertura manifestada pelo Sr. Deputado, a questão que lhe coloco, porque diz respeito a algo que para mim é muito importante, é a de saber qual o regime de cooperação e colaboração que se estabelece para transmissão de conhecimentos entre as polícias e os serviços de informação.
O Sr. Deputado Ângelo Correia referiu-se, nomeadamente, ao artigo 11.º, dizendo que ele careceria de profundas alterações - creio, inclusive, que foi esta a expressão que utilizou ou outra de significado idêntico-, de modo que lhe solicitava se me poderia adiantar alguma coisa quanto ao sentido em que, em seu entender, essas alterações deveriam avançar.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Do artigo 11.º?

O Orador: - Sim, do artigo 11.º, porque foi a ele que V. Ex.ª se referiu. Mas se mais alguma coisa puder adiantar quanto ao problema global da relação entre os serviços de informações, serviços judiciais e serviços policiais - problema que considero extremamente importante na economia global desta proposta de lei - ficar-lhe-ia muito grato.

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23 DE MARÇO DE 1984

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O Sr. Presidente: - Igualmente para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Ângelo Correia, suponho que teve muita pena que o Prof. Mõta Pinto não o tenha ouvido, porque talvez tivesse colhido duas ou três ideias para dar alguma originalidade à sua intervenção, coisa que ontem não sucedeu.

E teria logo tido a originalidade e o mérito de tornar claro aquilo que, durante algum tempo, se tentou mistificar. E que, da parte do Governo, toda a questão dos serviços de informações foi associada à criminalidade. Na verdade, foi no âmbito das vastas questões da criminalidade que o Governo invocou a necessidade de um tal serviço.

O Sr. Deputado Ângelo Correia, por outro lado, teve o mérito de pôr as coisas "preto no branco". Teorizou sobre as vulnerabilidades do regime democrático, sobre a geo-estratégia, teorizou, enfim, sobre várias questões, mas pondo as coisas "preto no branco": do que se trata não é de combater criminalidades, mas de seleccionar informações políticas e trabalhá-las para objectivos e fins políticos!

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Eu não disse isso!

O Orador: - Explico-lhe já, Sr. Deputado, por que. é que o disse!

Apesar de tudo, ficam algumas dúvidas. Quando o Sr. Deputado, no quadro das informações políticas para fins e objectivos políticos, avança para a zona da política externa, suscita-me a seguinte pergunta: como é que vai coordenar estes serviços de informações com a actividades das chancelarias e das embaixadas? Como é que o Sr. Deputado concebe, no conjunto da sua acção, a articulação entre as informações obtidas pelas duas formas? Vão ser as informações das embaixadas também canalizadas para o serviço de informações?

A segunda questão que lhe ponho, e aqui para desmistificar algo que disse, coloca-se no plano interno. O Sr. Deputado disse, a certa altura, que "fichados" seriam aqueles que cometessem actos criminosos.

Curiosa afirmação de quem anteriormente disse que não era de criminalidade que se tratava! E, mais curioso ainda, dito por parte de quem reconhece - porque não o pode deixar de fazer - que os actos criminosos têm em Portugal um tratamento adequado de investigação e de repressão criminal que a tutela da ordem democrática realiza através dos tribunais.

Sr. Deputado Ãngelo Correia, não nos queira lançar "poeira nos olhos"!

Toda a lógica do seu discurso, em matéria de segurança interna - que o senhor descobriu finalmente como se define, embora não o tenha dito -, se Ira-
duz na obtenção de informações políticas, com objectivos políticos, para além e sem conexão com actos
criminosos.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Ó João Amaral, não é isso!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Ãngelo Correia: Ouvi atentamente a sua intervenção, que de. nota uma grande experiência destas questões e, creio até, um aturado estudo destes problemas.
Por isso mesmo tem algum significado certa caracterização que fez do que, em seu entender, são informações e a maneira como cingiu o objecto dos serviços de informações que são propostos pelo Governo.

Deu muitos exemplos estrangeiros, mas gostaria que abordássemos - e digo isto sem acinte- alguns exemplos portugueses.
Por outro lado, o Sr. Deputado foi Ministro da Administração Interna e isso também dá mais importância às afirmações que produziu.
Segundo a opinião que expendeu, "fichado" não é, como eu e o meu camarada Lino Lima dizíamos, qualquer cidadão por ser deputado ou dirigente de um partido político, mas são aqueles que se identificam como hostis ao regime e às instituições democráticas.
Agora pergunto-lhe: mas quem é que determina se são hostis?
O Sr. Deputado, enquanto Ministro da Administração Interna, teria, ao que consta, o seu próprio pequeno serviço de informações. Isto é o que dizem os jornais e o Sr. Deputado não o tem desmentido, não os tem levado para os tribunais.
Portanto, creio que nas suas palavras há também uma experiência, e nós conhecemos alguma coisa dessa sua experiência como governante com esses tais "serviços de informações". Estou a recordar-me ainda da questão da "insurreição dos fósforos". Perante trabalhadores que, fazendo uso dos seus direitos constitucionais, realizaram uma greve de protesto - e o Sr. Deputado pode discordar dos objectivos ou das formas de luta, mas tem de reconhecer que elas eram legítimas -, os seus "serviços de informações", primeiro, e depois o senhor, como governante, desenvolveram contra esses trabalhadores, ou parte deles, um processo acusatório - que não sei se está ou não nos tribunais neste momento -, considerando-os pessoas hostis ao regime, na base de muito do que eram "invencionices" ou uma deformação exagerada e provocatória de factos que tinham verosimilhança, mas sem comparação com a acusação que era feita.
Que lição tirou desta experiência, Sr. Deputado?
Os tais serviços que o senhor tão enfaticamente defende com este carácter - que, como o meu camarada João Amaral dizia, é um carácter de averiguação e fichagem de actividades políticas e apenas destas e numa dimensão apropriada à criação de 3 serviços oficiais - que serão serviços do Estado, etc. - não irão levar a situações catastróficas comparáveis àquilo que o senhor tentou e não conseguiu fazer?
Gostaria ainda de lhe dar um outro exemplo, este no que toca à perspectiva dos cidadãos. E o caso do cidadão Manuel Franco Nascimento, trabalhador da COMETNA, que o Sr. Deputado Ângelo Correia, quando Ministro da Administração Interna, aqui acusou, servindo-se da tribuna da Assembleia da República e certamente com base nos seus tais "serviços de informações", de ser informador da PIDE. Se não o fez expressamente, insinuou-o, o que constituiu uma brutal

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calúnia contra um trabalhador antifascista que tinha lutado contra a PIDE e contra a ditadura, com todos os prejuízos daí decorrentes para a sua vida pessoal.
E isso correu o País! E claro que depois foi desmentido, mas alguma coisa ficou! Quando se calunia alguma coisa fica contra quem foi caluniado!
E tudo isso foi feito com base nesses seus serviços.
Pergunto-lhe, Sr. Deputado, que experiências retira destas situações concretas, destes exemplos portugueses?
Sem dúvida nenhuma - e esta é a última questão que o inimigo tradicional da ditadura fascista era a democracia, assim como o inimigo da democracia em Portugal e a ditadura fascista. O Sr. Deputado foi Ministro da Administração Interna e, por isso, pergunto-lhe: que é que detectou, que é que revelou e que é que fez para defender a democracia das actividades conspiratórias da direita fascista que existe em Portugal e que conspira aqui no nosso país?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Ângelo Correia: Como já foi assinalado, V. Ex.º, na intervenção que proferiu, rejeitou de forma clara um dos pressupostos básicos da proposta governamental e disse, determinantemente, que não se justifica esta estrutura com base no aumento da criminalidade geral!

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Geral!

O Orador: - Nesta matéria, depois dessa afirmação, passa a haver quatro PSDs: o PSD que assina os comunicados do Conselho de Ministros, que inculcam, precisamente, o contrário; o PSD do Ministro da justiça, que vai corroborando a tese da correlação necessária, embora desculpando a anterior gestão do PSD na pasta da justiça; o PSD mudo, que é o do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que sobre a matéria não diz nada, e, finalmente, o PSD do Sr. Deputado Ângelo Correia, que admite que uma das peças da proposta governamental é uma pura mistificação.

Queria apenas assinalar que é extremamente grave esta disparidade e confusão de pontos de vista numa matéria deste melindre.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Segundo aspecto, o Sr. Deputado reconheceu, desdobrando-a em vários pontos, as profundas debilidades da proposta governamental. Elas são tais e tantas que afirmamos que correm intoleráveis riscos de perversão antidemocrática e, como tal, rejeitamos a criação dos serviços.
Não aprofundou, no entanto, dois desses riscos, e era essa a questão que gostava de lhe colocar.
Primeiro risco: a criação dos serviços surge desacompanhada de quaisquer meios de protecção da vida privada e cívica dos cidadãos contra atentados directos ou indirectos em relação a aspectos tão fundamentais como a protecção da liberdade de opinião, liberdade de crença, liberdade de expressão, manifestação e associação.

Ora, já hoje há violações preocupantes de alguns destes direitos. Há situações que têm vindo a lume sem esclarecimento -designadamente escutas, intercepções, etc.-, e a questão que se coloca é que a criação, nestes termos, de serviços com esta natureza criam um risco acrescido de intensificação de violações deste tipo e não há na proposta governamental, nem instrumento nenhum que conheçamos, garantias específicas contra este tipo de riscos. Gostávamos, obviamente, de saber o que pensa disto, pois é uma responsabilidade importante.

Um segundo aspecto diz respeito ao "espírito se
cretista", à difusão da "psicose secretista", da "psi
cose info", como alguns lhe chamam. Nada se sabe
dos serviços, da sua estrutura, de como é que se
gerem, que actividades é que têm, como é que fun
cionam. Não prestam contas, ninguém tem acesso aos
dados que têm, não se sabe, exactamente, em que
termos é que investigaram o quê. -

Corre-se o risco, então, de inverter o direito que os cidadãos têm de acesso às informações - direito constitucional não acatado, na prática, entre nós-, de poderem conhecer os documentos da administração pública e então repetir por mil - e era essa a questão que lhe queria colocar- o escandaloso episódio da sonegação à opinião pública e à Assembleia da República do relatório do 1 º de Maio, no Porto, como o Sr. Deputado bem se lembra. Tratava-se de um caso relacionado com as forças policiais - não era um serviço de informação -, cuja estrutura orgânica é conhecida, cuja actuação obedece a parâmetros conhecidos, fiscalizáveis. Ora, em relação a isto, aconteceu esse episódio lamentável de sonegação -ilegal a todos os títulos -, invocando razões de segurança, de ordem, de interesse do Estado.

Pergunto-lhe se, tal e qual está estruturada e configurada, esta proposta e a criação destes serviços suscitariam ou não um risco acrescido de multiplicar por muitos, por um coeficiente n, o espírito secretista que sonegaria à Assembleia da República e à opinião pública elementos fundamentais dos quais depende, no fundo, a nossa segurança, a nossa tranquilidade de livre exercício dos poderes que sem dúvida temos e dos direitos que os cidadãos têm.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de (Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ouvi com atenção a intervenção do Sr. Deputado Ângelo Correia e a primeira questão que se me suscita já foi de, certo modo, abordada pelo Sr. Deputado João Amaral.

Ontem, aqui, várias intervenções, designadamente dos membros do Governo que vieram apresentar a proposta de lei, apontaram o aumento da criminalidade geral como a ameaça fundamental que na ordem da segurança interna os serviços visavam combater ou obviar.

O Sr. Deputado Ângelo Correia, hoje, veio-nos dizer que era, talvez, um erro relacionar o aumento da criminalidade geral com os serviços de informações. Muito embora o Sr. Deputado Ângelo Correia tenha referido várias vezes a problemática da segurança in-

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terna, fiquei sem poder concluir com rigor sobre se o Sr. Deputado Ângelo Correia não privilegia a ameaça externa, incluindo aquilo que releva da estratégia indirecta como o principal objectivo a ter em conta pelos serviços de informações no seu todo.
Gostaria que esclarecesse este ponto e gostaria também que o Sr. Deputado Angelo Correia, a não ser assim nos esclarecesse melhor sobre qual o tipo das ameaças que no âmbito da segurança interna devem ser tidas em consideração.
No que toca a uma segunda questão, que é a relativa às estruturas, o Sr. Deputado disse-nos que havia o perigo de uma certa disseminação dos serviços, com a consequente irresponsabilização, e disse também que havia o perigo de sobreposição de competências.
Pergunto ao Sr. Deputado Ângelo Correia se está ou não de acordo com a existência dos três serviços em vez de um serviço único. Portanto, se essa sua crítica não vai tão longe como isso e aponta apenas para defeitos que seriam, porventura, de coordenação e se as possibilidades de sobreposição que aponta, criticando, não serão, por exemplo, as que resultam do facto de o Ministro da Defesa ter a seu cargo simultaneamente o serviço de informações estratégicas de defesa e os serviços de informações militares.
Finalmente, o Sr. Deputado Ângelo Correia falou na necessidade de um correcto equilíbrio entre os valores da liberdade e da segurança na estruturação e definição dos objectivos dos serviços de informações. Apontou, depois, alguns defeitos, designadamente no que se refere à disposição que relaciona a actividade dos serviços de informações com os serviços policiais.
Pergunto ao Sr. Deputado se, para além desse defeituoso relacionamento em termos de explanação legislativa, considera que este projecto de diploma consagra um ponto perfeito, ou tão perfeito quanto possível, de equilíbrio entre os valores da liberdade e da segurança.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): -- Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agradeço as perguntas que me foram formuladas, a que irei responder tentando encontrar áreas conjuntas de intersecção entre as diferentes perguntas dos vários senhores deputados.
Começo pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
A história, Sr. Deputado, tanto quanto pude estudar e ler - e neste caso estou de acordo com o Sr. Deputado Carlos Brito, pois tenho lido e estudado bastante estes problemas -, no Uruguai, e que nos é trazida por vários historiadores plausíveis, não evidencia trabalhos de qualquer serviço de contra-espionagem ou de desestabilização por parte de forças estrangeiras no Uruguai. Demonstra-o, sim, o primeiro manifesto do Sr. Raul Sendic, de 1963 - de que se deve lembrar talvez melhor do que eu, pois não tenho muita experiência dos movimentos internacionalistas de índole ou designação proletária -, que é exactamente igual ao manifesto que mais tarde o Sr. Renato Crucio fez em Itália, em 1964, que tem a mesma génese, a mesma doutrina, sem qualquer interferência externa, mas apenas a necessidade de "matar" a chamada democracia

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burguesa. Foi uma génese política exclusivamente interna que começou com atentados, sabotagens, acções de terrorismo interno, e que levaram de 1963 a 1970 à erosão e à destruição da democracia no Uruguai.
Não quero fazer comparações com outros países da América do Sul ou Latina, onde os problemas são diferentes, são diversos, e onde o grau de intervenção nesses países é manifestamente superior - estou de acordo. O caso do Uruguai é um caso singular na América Latina e o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca concorda comigo quando diz que era o exemplo mais claro de democracia mais progressiva. Mas hoje existe lá uma ditadura terrível à custa da não prevenção suficiente das acções de desestabilização provocadas por movimentos terroristas.
Quanto à questão que me colocou sobre os riscos eventuais - e com isto respondo também a perguntas dos Srs. Deputados João Amaral e Carlos Britopara a democracia dos dois espectros políticos, quero dizer-lhe que não estou a prefigurar factos objectivados, mas factos potenciais. Quando se fazem apelos à alteração da ordem democrática e quando esses apelos têm consonância em acções objectivadas estamos no campo do ilícito penal e, sobretudo, no campo do ilícito que provoca automaticamente acções de instabilidade.
Respondendo agora à questão que, com muita pertinência, foi colocada pela Sr.º Deputada Helena Cidade Moura, direi que compreendo que V. Ex.ª tenha separado a questão do homem, da pessoa, da questão do Estado. Penso que essa ideia, vinda de um partido e de uma organização que se reclama da esquerda - a que V. Ex.ª pertence - e acentuar esse ar de desculpabilização é um elemento pacificador da sociedade portuguesa. Mas eu queria reforçar aquilo que V. Ex.ª hoje disse - e que ontem não disse - que a par da desculpabilização relativa do homem há a culpabilização do Estado. V. Ex.ª fê-lo hoje com pertinência, depois da minha intervenção, pelo que estou solidário consigo e não só nesses problemas.
Estou solidário consigo numa outra questão, quando V. Ex.ª fala no potencial criminológico que possa ocorrer fruto da instabilidade. Sr.ª Deputada, esse é o problema das democracias. Quanto maior é a instabilidade, quanto maior é a insegurança, quanto maior é o medo, maior é o deslocamento político. sobretudo das classes médias, que são o centro da democracia, para os espectros mais afastados dos leques partidários, em termos de ligação a quadros de referência menos democráticos e mais totalitários. É a instabilidade que provoca o medo, é o medo que provoca a angústia e esta é sempre a génese das ditaduras e dos sistemas concentracionários.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E o evitar dessas questões que se coloca à democracia portuguesa, que ainda não está suficientemente consolidada e experimentada no dia-a-dia.
Não há estratégias civis, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, há actividades estratégicas do Estado. E quando uma organização da sociedade civil tem uma estratégia de Estado, é legítimo que o queira fazer, mas é, pelo menos, uma sobrevalorização excessiva do seu peso e, sobretudo, da sua carga.

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O 25 de Abril, para nós, não é uma ementa de onde se retira algo. Foi, sim, uma prática prevertida no 11 de Março; foi, sim, uma prática prevertida em 1975. Nós não retiramos do 25 de Abril umas peças, colocando outras nas prateleiras. Queremos, como julgo que qualquer pessoa quer, retirar dela toda a capacidade que permita ao sistema democrático desenvolver-se em permanência e de acordo com aquilo que a vontade maioritária de um povo, num momento determinado e prático, o desejo e o consolide.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca põe ainda o problema daquilo que considerei alguns erros terminológicos, que não são só terminológicos, mas sim conceptuais. Estou de acordo com o Sr. Deputado. A sua sugestão era, então, «elementos adicionais», ou, eventualmente, «diplomas complementares», que caracterizassem com maior rigor este diploma.
Sr. Deputado, do meu ponto de vista teria abordado o problema da seguinte maneira: penso que, independentemente de «adicionais» ou de «novos elementos de natureza regulamentar ou legislativa» que toquem outras questões correlacionadas com o problema, a questão está, para já, no próprio diploma, tendo de ser alterada a sua terminologia. Mas, para além disso, quer o Sr. Deputado Lopes Cardoso, ontem, quer o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca, hoje, tocam uma outra questão que é imprescindível e que responde à questão do Sr. Deputado Nogueira de Brito, e que é: depois disto, e como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro ontem disse que esta era uma lei de enquadramento geral, é inevitável a sequência, sendo a primeira sequência inevitável - e com isto respondo-lhe a si e aos Srs. Deputados João Amaral e Nogueira de Brito -, a necessidade de um diploma sobre a própria segurança interna, isto é, uma lei de bases da segurança interna que tipifique os limites da acção prática dos serviços, caracterize o universo da sua acção, a natureza da sua intervenção e as fórmulas de acesso e de cooperação entre os serviços e as políticas.
Penso que é um elemento imprescindível que vai enriquecer e que vai, no fundo, concretizar e corporizar as ideias base e fundamentais que aqui estão.
Agora dizer que é necessário estudar os dois ou três diplomas ao mesmo tempo era, digamos, colocar um acto de suspeição perante o Governo - e eu não faço tal processo de intenção ao Governo -, era dizer que o Governo apresenta uma lei geral de enquadramento e agora faz o que quer neste domínio. Não é assim. Este diploma permite criar, mas a própria criação, em seguida - e sobretudo algumas áreas de natureza, de nódulo e de funcionamento -, vão ser aprovadas por lei da própria Assembleia da República, visto que contendem com direitos, liberdades e garantias dos cidadãos - e mal de nós se assim não fosse. Logo, é um elemento imprescindível, essencial e sequente.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso afirmou ontem que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro tinha fechado a porta. Penso que tal não aconteceu. O que houve foram duas intervenções do Sr. Vice-Primeiro-Ministro e do Sr. Ministro de Estado consonantes, com o mesmo sentido. Ou seja, disseram que o diploma não é perfeito, têm consciência disso, e, • portanto, estão abertos a alterações e à sua discussão na Assembleia da República. O diploma é, pois, trazido à Assembleia para ela o discutir, o criticar e o aprovar.
Julgo que foi esta a intenção do Governo e não vejo que tenha havido qualquer fechar de portas.
Permita-me, Sr. Deputado Lopes Cardoso, que lhe faça não uma crítica, mas uma ligeira observação, já reparei que V. Ex.ª, tanto ontem como hoje, por várias vezes tem falado no serviço nacional de informações. Pedia-lhe que não utilizasse em Portugal uma terminologia brasileira porque não é essa a terminologia do Governo e nem sequer é a prefiguração jurídico-política e organizacional que preside a uma estrutura desta natureza.
Como V. Ex.ª sabe, o SNI brasileiro é uma estrutura única que existe num Estado diferente do nosso. Como tal, peço a V. Ex.ª que, já que tem sido prática constante das suas intervenções a referência ao SNI, não utilize essa designação, porque ela não corresponde à óptica nem, sobretudo, à terminologia do Governo.
Estou de acordo com uma das questões que o Sr. Deputado Lopes Cardoso levantou, porque ela corresponde à minha perspectiva. Este diploma não pode ser endeusado, no sentido de que vem salvar o País. Ele não é, de facto, a panaceia da segurança. Ê, sim, um instrumento importante que, do meu ponto de vista, é imprescindível, mas não é panaceia.
E esta questão prende-se com as intervenções feitas ontem pelo Partido Comunista, quando diziam: «vejam o terrorismo na Alemanha e na Itália, onde existem serviços de informação!»
Pois existem, Srs. Deputados, mas a questão que VV. Ex.ªs têm de colocar não é essa, mas sim a de saber o que é que aconteceria se eles não existissem.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Seria pior!

O Orador: - O que seria da Itália? O que seria a acção das Brigadas Negras ou
das Brigadas Vermelhas? O que é que aconteceria?
Vejam a acção do grupo Baador-Meinhoff na Alemanha, que foi aniquilado! Vejam o que foi a acção das Brigadas Vermelhas ou Negras em Itália e a acção do terrorismo italiano, que decresceu substancialmente.
Logo, não tomem nem tirem a ilação de que pelo facto de continuar a existir acções de terrorismo isso significa que, afinal, os serviços não são necessários. Não! Ponham a questão de outra maneira: se não fossem os serviços de informações em Itália e na Alemanha onde é que estes países não teriam chegado?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nesse sentido, estou de acordo com não endeusar nem colocar a questão ao inverso, dizendo que se trata de uma coisa terrível e mirífica que aí vem para destruir as liberdades. Não se trata nem de uma coisa nem de outra e o que melhor serve a esta Assembleia e ao poder político em Portugal é caracterizar, com rigor e precisão, o que vão ser os serviços de informações.
Daí ter que me debruçar um pouco mais sobre as questões que vários senhores deputados colocaram acerca da ligação entre os serviços policiais e os serviços de informações.

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Não vou repetir, porque já foi ontem suficientemente explicado pelos dois
membros do Governo que aqui estiveram presentes, a área, a relevância e os limites do problema. Queria apenas, em relação ao artigo 11.º, manifestar que quando se diz que «as seguintes instituições policiais têm o dever de cooperar com os serviços de informações [...]», dá a impressão que essa cooperação é quase, digamos, imbrincada, quando pode não o ser, nem o é, nem o Governo o deseja.
Eu poria dois limites a esta acção. A primeira, que já expressei na minha intervenção, é esta: a partir do momento em que um processo esteja em análise no âmbito dos serviços de informações e sejam detectados ilícitos penais, então nessa altura a matéria é tipicamente de investigação criminal sobre as áreas que correspondem às acções do serviço de segurança interna. São elas o terrorismo, a sabotagem e a subversão.
Não se trata, portanto, de inovações. Estão na lei, são monopólios de investigação criminal da Direcção-Geral de Combate ao Banditismo da Polícia Judiciária. Não são inovações, são coisas que existem tipificadas por lei e aprovadas pelo poder político. Como tal, é aí que temos de estabelecer o primeiro limite. O segundo limite é o inverso, isto é, os serviços de informações devem, do meu ponto de vista, não cooperar permanente e sistematicamente, mas sim fornecer, quando houver as chamadas notícias ou indícios que eles encontrem na sua missão preventiva do dia-a-dia e que possam ter interesse para a análise sistemática dos serviços de informações, essas notícias, que são passadas ou carreadas, através do decididor político que superintende essas áreas, para os serviços de informações.

O Sr. Lopes Cerdoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça o obséquio, Si. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Diria que em teoria estou de acordo com essa linha de pensamento. Porém, a questão que coloco é se o modo como essa ligação está formulada na proposta de lei satisfaz o Sr. Deputado.
Quanto a mim, parece-me que ela é totalmente insatisfatória e que não pode ser definida naqueles termos extremamente vagos em que figura na proposta de lei.

O Orador: - Agradeço a sua intervenção, Sr. Deputado Lopes Cardoso, porque é exactamente isso o que eu sinto e penso. Por isso, em duplo sentido, essa questão tem de ser alterada. Subscrevo, pois, o seu ponto de vista, que, aliás, era o que eu tinha expendido.
O Partido Comunista Português ficou muito surpreendido, assim como o Sr. Deputado Nogueira de Brito, por eu ter dito que não se podia justificar este tipo de serviços pela criminalidade geral.
Não creio que seja esse o ponto de vista do Governo, mas se o foi penso que o Governo tem direito a ter a sua opinião, assim como eu tenho a minha. Aliás, as pessoas conhecem a minha liberdade de pensamento e o que digo é o que penso e sinto. Não estou suficientemente amarrado a baias de natureza política
para adulterar e viciar o meu pensamento. Aliás, julgo que o Governo não o disse, mas se o fez não subscrevo essa afirmação.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A criminalidade geral não pode ser a explicação para uns serviços desta natureza, porque senão corremos o risco, como o Sr. Deputado Lopes Cardoso disse há pouco, de os considerarmos como a panaceia geral.
E mais, Srs. Deputados, para estes serviços serem montados seriamente o processo demora entre 4 e 5 anos até que se inicie a sua experiência e se vamos criar na opinião pública a expectativa de que daqui a 2 ou 3 meses a situação nacional está invertida por causa da existência desses serviços criamos uma debilidade política adicional ao Governo, o que não quero fazer.
Logo, em nome da própria defesa do Executivo, não posso carrear na minha intervenção um elemento dessa natureza por «razões de sistemática, de doutrina e até de natureza político-partidária.
Não falei de criminalidade geral, mas sim na criminalidade selectiva, específica e sofisticada. Estou de acordo com o Governo neste ponto e penso que foi esse o seu sentido.
A criminalidade sofisticada e selectiva é feita hoje em dia por organizações transnacionais. São organizações mundiais que têm ligações em Portugal e são agentes internos que actuam por infiltração, por comando às vezes, por persuasão e por ligações monetárias e de material ao estrangeiro. Este é um elemento central que se verificou já em Portugal, com provas dadas.
Este tipo de análise e de pesquisa de detecção, enfim, essa criminalidade especial, às vezes choca mais, preocupa mais e, sobretudo, violenta mais a consciência dos cidadãos portugueses do que certo tipo de criminalidade geral.
É neste sentido que apoio e dou razão ao Governo quando coloca este problema das acções que descambam em terrorismo, em sabotagem, em contra-espionagem - contra-espionagem noutro sentido - e em subversão. Essas circunstâncias são passíveis de ser interpretadas desta maneira.
O Sr. Deputado João Amaral colocou uma pergunta importante sobre o problema das ligações entre as embaixadas e o serviço de informações. Esta pergunta prende-se também com uma questão levantada pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito. Aliás, curiosamente, os Srs. Deputados fazem-me uma pergunta que eu próprio fiz ao Governo.
Afirmei que, em relação à organização desse serviço, há vários erros na proposta de lei. O primeiro diz respeito à coordenação e o segundo - que não referi, mas que entendo que está errado na proposta de lei - é o de atribuir ao Primeiro-Ministro a coordenação dos serviços de segurança interna. Este é o erro mais calamitoso e mais grave da proposta de lei do Governo, apesar de o diploma dizer, num determinado artigo, que o Primeiro-Ministro pode delegar estas funções noutro ministro, que - está-se mesmo a ver - é o Ministro da Administração Interna.
Penso que o Governo devia ter assumido logo claramente essa responsabilidade, porque o que está a

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fazer com esta proposta e a vulnerabilizar duplamente o Primeiro-Ministro, atribuindo-lhe, por um lado, uma coordenação e sem meios e, por outro, a coordenação do serviço de segurança interna, que é sempre a área mais sensível, mais complicada e, sobretudo, aquela em que o Governo não levou até às últimas consequências a legislação que os mesmos partidos políticos aprovaram nesta Câmara há 1 ano atrás. Quando o PS, o PSD, o PPM e o CDS aprovaram a Lei de Defesa Nacional e a das Forças Armadas foi criado um ministério responsável pela segurança interna - artigo 46.º da Lei de Defesa Nacional. Agora o Governo não retira as ilações políticas do facto de o ter criado. Pelo contrário, põem o ministério responsável pela defesa e segurança interna a um canto e atribuem a responsabilidade ao Primeiro-Ministro.
Isto não pode ser! Ainda para mais, quando se perceba que os senhores criam um artigo logo a seguir em que dizem que o Primeiro-Ministro pode delegar essas funções noutro ministro! Não se pode, na organização de qualquer serviço, atribuir ao Primeiro-Ministro a responsabilidade da coordenação e a supervisão desse serviço. Um primeiro-ministro não pode ser ao mesmo tempo um árbitro e um decididor. Ou é árbitro ou é decididor, e pela sua postura institucional é um decididor! Não é uma pessoa que está simultaneamente a chefiar uma coisa e a chefiar-se a si próprio, porque isso é retirar uma capacidade de controle governamental sobre o próprio serviço!

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É uma diminuição da capacidade democrática de uma intervenção do próprio Governo sobre esses serviços!

Aplausos do PSD.

Há pouco não fiz esta crítica porque, enfim., não quis ser duro. Mas já que essa questão veio agora à colação, temos de dizer mais. Na especialidade, e em comissão, apresentaremos uma proposta nesse sentido, porque é nosso interesse melhorar a postura democrática e a eficácia de uma estrutura desta natureza.
E já que os grupos parlamentares não foram consultados anteriormente, é nesta sede que tenho de o fazer e não noutra.
Por isso, Sr. Deputado, a questão que me colocou é a que neste diploma fica em branco, ou seja, ninguém fica a saber quem é que faz a segurança externa.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito tem toda a razão naquilo que disse. Com efeito, é tão essencial para nós, por razões geostratégicas e por razões das ligações que do exterior são provocadas interiormente, as acções que, historicamente, através das «quintas colunas» ou dos elementos históricos, são efectuadas e que na prática podem levar a actos de terrorismo. Não há a mínima relação entre as duas coisas. Este diploma não diz onde estão sediadas estas tarefas e nem sequer se elas existem. E o pior é que serão feitas e, nessa altura, não se saberá por quem.
É por isso que estou solidário com a sua pergunta, porque ela constitui a minha dúvida, que também é a do Sr. Deputado João Amaral.
Na prática, Sr. Deputado João Amaral, e respondendo agora em termos concretos, os serviços das embaixadas devem fornecer informações e apoiar politicamente o Governo. São elementos essenciais para a informação do próprio Governo como tal. Se o Governo pretender passar essas informações para os seus serviços de informações, isso é com ele.
O Sr. Deputado Carlos Brito pôs o problema em termos de insurreições, etc. Porém, o que se passou em 12 de Fevereiro de 1982 foram duas situações - e eu sempre disse que foram duas: um movimento geral de trabalhadores, ou seja, uma greve geral, e, paralelamente, houve um acto - e se os tribunais decidiram bem ou mal não me interessa.

O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Os fósforos e os pregos!?

O Orador: - Mas a verdade é que houve um convite, feito em termos concretos, a um acto que se me afigura ser um ilícito penal. Se os tribunais o decidiram ou não, é outra coisa. Foi a esse facto que me referi e não a outros.
Quanto à questão do seu nascimento, todas as pessoas sabem que eu nessa altura ia fazer uma intervenção comprida e, tendo sido interrompido pelo Sr. Deputado quando estava no uso da palavra, não concluí a frase, e nessa mesma tarde, quando me apercebi do que tinha ocorrido, imediatamente enviei para a Assembleia da República uma carta explicativa, com o teor daquilo que ia dizer, juntamente com a fotocópia dos elementos que possuía.
Sr. Deputado José Magalhães, do meu ponto de vista o problema de criminalidade geral já está esclarecido, assim como o das ligações policiais, dado que já respondi a essa questão ao Sr. Deputado Lopes Cardoso.
Quanto à questão do controle das contas, penso que ela é importante. O Tribunal de Contas deve ter, em minha opinião, uma função fundamental de fiscalização dessas contas.
Noutros países o que se costuma fazer é o seguinte: nos Estados Unidos, por exemplo, há uma solução que é a de existir uma comissão especializada do Senado que está encarregada de analisar as contas desses serviços. Noutros países, como e o caso da Inglaterra e o da Alemanha, são os próprios juizes do Tribunal de Contas, ajuramentados, nomeados pelo respectivo presidente do Tribunal de Contas, que vão funcionar dentro dos próprios serviços, para verificarem a legalidade dessas mesmas contas. Esta é uma solução que considero ser perfeitamente possível em Portugal e que evita o argumento que o Sr. Deputado apontou.
Por último, quanto à questão que o Sr. Deputado Nogueira de Brito me colocou acerca da ameaça externa, gostaria de lhe dizer que a minha dúvida é precisamente a mesma.
Entendo que esta é uma questão fundamental porque a ameaça externa existe em Portugal, quer por acção de agentes directos quer indirectos, actuando por seu próprio meio ou junto de elementos portugueses. Como tal, esta é uma peça fundamental que julgo não estar suficientemente contemplada no diploma do Governo.
Em relação ao problema da estrutura, estou de acordo com a existência dos 3 serviços. Penso que tem de existir um serviço de segurança interna que faça a análise das chamadas medidas ou informações de

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segurança interna e um serviço militar que analise as informações estratégicas de defesa e as da segurança militar. A minha dúvida reside em não saber o que são as informações estratégicas de defesa, ou seja, o terceiro serviço, embora ache que ele deva existir.
Quanto a esta questão, o Sr. Deputado tem duas soluções: ou integra nesse terceiro serviço as informações de segurança externa, estripando as informações estratégicas militares, que já correspondem ao serviço de informações militares, ou, em alternativa, o Sr. Deputado considera que ele abrange uma área limitada, a da coordenação, que é uma área de serviços de informações estratégicas globais não militares. Só que, nesse caso, continua sem resolver um problema, que é o de saber onde se coloca o serviço de segurança externa.
Quanto às suas observações, não posso responder. Tem de ser o Governo a fazê-lo, dizendo o que pretende.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, peço a palavra para um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Ãngelo Correia, muito obrigado pelas respostas que deu, apesar de algumas delas terem sido incompletas.

O problema do Uruguai não é tão simples como isso. V. Ex.º cita o Uruguai porque prevê alguns perigos para Portugal. A esse respeito, Sr. Deputado, fiz-lhe uma pergunta que não obteve resposta. É evidente que a sua ideia é diferente da minha, pois não foram os democratas do Uruguai os responsáveis pelo que lá se passou e continua a passar.
V. Ex.ª também pretende não comparar a situação existente com a de outros países latino-americanos. Compreendo a sua atitude, uma vez que V. Ex.ª sabe que o que se passa na América Latina se deve à actuação de serviços de contra-informações estrangeiros. É claro que estou totalmente de acordo consigo quando diz que o que se passa na América Latina apenas se deve a actos terroristas se, por exemplo, citarmos o que se passou em Granada - um país que a social-democracia europeia tanto defendia - e o que se passa actualmente na Nicarágua.

Perante as cautelas que V. Ex.ª tenta imprimir a uma discussão desta natureza e aquelas de que, creio, se deve rodear um serviço de informações, e que perpassam pelas suas declarações - cautelas essas que não serão as minhas próprias cautelas -, pretendo fazer-lhe uma pergunta em relação à qual gostaria de obter uma resposta muito clara: não pensa o Sr. Deputado que uma matéria desta natureza devia ser perfeitamente ponderada e apreciada pelo País antes de esta Assembleia tomar uma posição definitiva sobre a criação dos serviços de informações? Não lhe parece que o assunto deveria ser submetido a uma discussão pública de 30 dias, em que, por exemplo, houvesse sugestões do público? É que, Sr. Deputado, os serviços de informações não dizem apenas respeito directamente ao Governo ou ao partido tal, mas sim a todo o País.

E o País está a ser confrontado com uns serviços de informações sem que primeiro tenha tomado conhecimento concreto sobre a matéria e sem que tivesse havido uma discussão pública.

Portanto, não pensa o Sr. Deputado que deveria existir uma discussão pública por um período limitado - imaginemos de 30 dias - e que só depois de receber propostas de melhoria a Assembleia deveria aprovar um texto?

O Sr. Presidente: - Também para um protesto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.º Helena Cidade Moura (MDP/CDE): O Sr. Deputado Angelo Correia falou de angústia e de medo, dizendo que são factores de desestabilização. Devo dizer-lhe que nesse aspecto estou de acordo consigo!

Porém, a verdade, Sr. Deputado, é que a revolução de Abril tem 10 anos e o PSD vai entrar no 6' ano de governação. Penso, pois, que não se deve culpabilizar os partidos para desculpabilizar os homens. Creio, no entanto, que há uma reflexão a fazer' sobre isso, porque, neste momento, quando dizemos que é preciso ter cuidado com os serviços de informações é porque, de facto, a democracia não está suficientemente estruturada. Essa angústia, esse medo, a fome, a falta de habitação, de educação e de saúde são uma realidade do 25 de Abril. Não são apenas uma realidade do fascismo, são também uma realidade de que nós somos responsáveis.
É evidente que as democracias formais, tais como esta que neste momento estamos a sofrer, levam a essa angústia e a esse desespero. Por isso, como V. Ex.º sabe, Sr. Deputado, o meu partido é pela democracia participada e pela organização das populações de forma a darem-lhe segurança.

O Sr. Presidente: - Igualmente para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Angelo Correia, o meu protesto tem o objecto concreto de dizer que o Sr. Deputado não acrescentou nada à questão central deste debate, que é a de saber o que é a segurança interna. Socorreu-se da Lei da Defesa Nacional. Para quê? Para dar o definido pela definição? Estão lá às palavras "segurança interna"1 Mas o que é a segurança interna?
Talvez valha a pena interpretar pelas suas palavras, que tentou fazer uma definição. E referiu que o objecto deste serviço de informações seria o de apelar à alteração da ordem democrática. Mas, Sr. Deputado Angelo Correia, quem define o que é a ordem democrática? Quer o Sr. Deputado Angelo Correia dizer que a palavra de ordem "greve geral no dia 12 de Fevereiro" era uma alteração à ordem democrática? É a confissão aqui expressa de que se trata de servir o Governo e a sua política contra aqueles que o criticam e que usam meios legítimos para tentar que esse Governo seja substituído e que a sua política seja alterada? É isto o seu serviço de informações, Sr. Deputado?

Aplausos do PCP.

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O Sr. Presidente: - Ainda para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Angelo Correia, agradeço-lhe os esclarecimentos que prestou, mas quero dizer-lhe que em matéria de segurança externa não fiquei inteiramente satisfeito com as respostas. Isto porque tinha a convicção de que era ao serviço de informações estratégicas de defesa que competia tratar das questões em sede de informações relacionadas com a ameaça à segurança externa. Atento o conceito de defesa que é dado na Lei de Defesa e que realmente a relaciona com a ameaça externa, e sendo certo que de acordo com esse conceito a defesa aparece como organização de meios para fazer face a essa ameaça, abrangendo não apenas a componente militar mas componentes não militares, via nesta distinção precisamente a componente militar atribuída aos serviços de informações militares, enquanto o resto da componente de defesa, designadamente aquela que se destina a fazer face à ameaça externa em geral, atribuída aos serviços de informações estratégicas de defesa. Agora, onde eu via, porventura, uma sobreposição era na circunstância de ao Ministro da Defesa caber simultaneamente a responsabilidade por estes 2 serviços. A elucidação desta dúvida é a primeira questão que quero colocar-lhe. Sr. Deputado.
Uma outra questão diz respeito à segurança interna. O Sr. Deputado afirmou, no período de respostas aos pedidos de esclarecimento, que realmente haveria uma lei da segurança interna. Assim, pergunto-lhe se esse diploma, por todas as razões e mais uma, não deveria ter sido discutido por nós antes deste diploma dos serviços de informações. A que é devida esta pressa em relação aos serviços de informações quando não discutimos ainda a lei da segurança interna? Alies, o Sr. Deputado - e muito bem - colocou questões que demonstram à evidência a necessidade de termos feito a discussão numa outra ordem.

O Sr. Presidente: - Finalmente, para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Angelo Correia, o protesto que vou formular resulta do facto de V. Ex.ª, nas respostas que deu, ter utilizado o mais velho, o mais estafado e um dos mais perniciosos argumentos com os quais, ao longo dos anos, tanto entre nós como lá fora, se tem justificado a criação de aparelhos especiais de repressão.
Esse é o argumento da ocorrência potencial ou efectiva de actos de terrorismo. Vimos que não alude à criminalidade em geral, mas sim ao terrorismo como tal qualificado. E lembro que foi em nome deste argumento que foram criados corpos especiais de repressão que, na nossa experiência histórica concreta, se voltaram não contra os criminosos mas contra os trabalhadores, contra o movimento operário, contra os cidadãos. É o caso do GOE e do corpo de intervenção. Vimo-los há dias na Avenida da Liberdade, vimo-los há pouco tempo em Leiria, espancando trabalhadores e interferindo no exercício normal de direitos.
É, pois, em nome do mesmo princípio e com o mesmo risco de desvio que agora se pretende criar o serviço de informações. Portanto, é uma mistificação, mas é uma mistificação com água no bico, a utilização do argumento que usou na sua intervenção.
Em segundo lugar, gostaria de lhe perguntar se foi por falta de serviços de informações que ficaram impunes certos actos terroristas praticados no nosso país, ou se foi por outras razões. Não terá sido por certas estranhas redes de cumplicidade e até por algumas protecções?
Pergunto-lhe até, Sr. Deputado - e esta pergunta é obviamente um protesto -, se esses atentados não se terão devido ao facto, não só de não serem adoptadas medidas especiais de cautelas e de segurança mas também de as prioridades dos serviços de informações que existiam não serem as prioridades efectivas do regime democrático, mas sim outras, como, por exemplo, a de esses serviços estarem desviados e voltados contra outros objectivos, não podendo cumprir a sua função legal, a função para que foram criados.
Em terceiro lugar, devo dizer que entendemos - e na sua intervenção o Sr. Deputado em nada infirmou esta impugnação - que os termos em que está prevista a criação de serviços de informações vêm agravar intoleravelmente as ameaças que já pesam, e que não são apenas potenciais, mas sim reais, sobre o exercício normal dos direitos dos cidadãos e, em particular, o exercício dos direitos dos trabalhadores.
Em relação a isto o Sr. Deputado nada objectou, o que é não só uma confissão implícita, mas também uma confissão escandalosa. Por isso protestamos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, quanto ao que se passou em relação a atentados terroristas ocorridos noutra altura, deve dirigir a pergunta aos responsáveis políticos que superentendiam...

Uma voz do PCP: - Ao PSD!

O Orador: - Desculpe, mas isso foi em 1976, 1977 e 1978, e, que eu saiba, nessa altura o PSD não estava no Governo. Portanto, deve fazer essa pergunta aos responsáveis políticos dessa altura e aos tribunais, e não a mim.
O Sr. Deputado disse que deste diploma podem surgir ameaças relacionadas com a repressão e refere o corpo de intervenção e os GOE. Devo dizer que tenho ouvido o Sr. Deputado noutras circunstâncias e considero-o um homem inteligente!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - São instrumentos complementares!

O Orador: - Mas era bom que a inteligência que V. Ex.ª demonstrou noutras alturas não o faça ser subserviente, partidariamente, a um discurso político ortodoxo do seu partido, que não tem nada a ver com a sua inteligência. O que é que tem a ver com informações um corpo de intervenção criado em 1976 para acções de ordem pública? O que é que isso tem a ver com o GOE, criado em 1979 no governo de Lurdes Pintassilgo? O GOE, criado no governo de Lurdes Pintassilgo, tem a ver com uma coisa fundamental - e ainda bem que se fez, eu implementei-o, montei-o, e estou satisfeito por isso -, que não sei se o Sr. Deputado sabe. É para no caso de haver em

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Portugal sequestros terroristas, atentados contra aeronaves ou contra cidadãos em circunstâncias marcadas, haver um órgão não de informações, mas de intervenção. É um órgão de intervenção não para a via pública, não para a rua, mas para criminalidade sofisticada e selectiva. É para isso que ele serve, e ainda bem. Ajudei a montá-lo e estou satisfeito com isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): -Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Interrompa-me no fim, depois de responder a todos os Srs. Deputados!

O Sr. José Magalhães (PCP): -Agora é que era! No fim não é interrupção!

O Orador: - O Sr. Deputado Nogueira de Brito colocou-me uma questão importante. O serviço de informações estratégicas de defesa, na sua terminologia, pode servir para defesa nacional na componente militar, na componente global, e pode servir para a área de segurança externa. Só que em informações, Sr. Deputado, há sempre uma separação conceptual em duas áreas: as informações estratégicas e as informações de segurança. Como as informações estratégicas são as áreas que menos observação e menos risco político correm, a caracterização da informação de segurança externa tem de estar explicitada. Logo, na teoria, está concebível, mas na prática não o deve estar.
O Sr. Deputado também me perguntou se com isto eu quero confirmar ou infirmar a tese de os 2 serviços ficarem na dependência do Ministério da Defesa. Sr. Depuado, o Governo Português segue, e bem, o exemplo do governo socialista e comunista francês, que na revisão dos serviços de informação de 1982 aprovou uma estrutura exactamente igual, na parte que respeita não à segurança interna, mas à segurança externa e à segurança militar, com a mesma relevância e os mesmos ingredientes.
Aliás, se o Partido Comunista Português quiser - já que tem um partido irmão no governo francês ver o laconismo dos diplomas criadores desses dois serviços, estão à disposição de VV. Ex.a'

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Também os temos aqui!

O Orador: - Vejo que o Sr. Deputado os tem, mas não os lê nem tira deles consequências, o que é um facto grave para si!

Risos.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Quem acredita nisso?

O Orador: - O Sr. Deputado está a dizer que não acredita na acção do Partido Comunista em França?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Nem o seu serviço de informação!

O Orador: - Sr. Deputado, quando houver ocasião de se fazer uma cimeira entre o Partido Comunista Francês e o Português, nessa altura V. Ex.ª poderá

explicitar as críticas que está a fazer agora aqui, e não a mim, que não sou o mandatário do PCF nem do Sr. Marchais.
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado João Amaral sobre os meus serviços de informação, o Sr. Deputado mais uma vez está a brincar. Os jornais que refere são os da sua área. Desmentir para quê, se nós publicamos os desmentidos e os jornais que o apoiam não os publicam? Quase que nem vale a pena quando mesmo as pessoas desmentem!
Em relação à greve geral do dia 12 de Fevereiro, devo dizer que uma greve geral, uma acção laborai, uma acção de greve, não é em si um instrumento de subversão. Mas certas consequências ou sobretudo certas acções em paralelo levadas a cabo por outras organizações que não sejam os promotores disso, mas que se aproveitem desse seu efeito, podem, na prática, contribuir para esse exercício. Logo, é preciso fazer a separação conceptual entre as duas questões que, todavia, no plano do terreno se movem no mesmo momento. Qual é o cenário ideal, típico, momentâneo que pode ocorrer, legitimar, permitir e induzir outros a fazê-lo, se não esse?
Sr. Deputado, em política não é só preciso ser, é preciso parecer!

O Sr. Carlos Brito (PCP): -Disse Salazar!...

O Orador: - Dizia Salazar e cumprem W. Ex.as
Srs. Deputados Corregedor da Fonseca e Helena Cidade Moura, há uma afirmação da vossa parte que é, a meu ver discutível. W. Ex. ª dizem que, como estamos numa democracia não consolidada, não vamos fazer serviços de informações. O argumento é o contrário: por estarmos numa democracia não consolidada é que é preciso salvá-la, fazê-la vivificar e defendê-la. Está aí a génese, a lógica do meu apoio na generalidade à proposta do Governo.

Aplausos do PSD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, peço a palavra. '

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, queria fazer uma interpelação à Mesa, embora saiba que essa não é a figura regimental para o que quero dizer ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se vai fazer uma interpelação à Mesa peço-lhe que seja conciso e diga exactamente o que pretende.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, a verdade é que pretendia interpelar a Mesa perguntando se podia pedir ao Sr. Deputado Ângelo Correia que me responda se é favorável ou não a um debate público sobre esta matéria.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex." já não tem direito, como sabe, a usar da palavra nesta altura.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, esqueci-me de responder à pergunta do Sr. Deputado

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Corregedor da Fonseca. Se V. Ex.ª me der autorização, fá-lo-ei em 10 segundos.

O Sr. Presidente: - Em 10 segundos pode, Sr. Deputado. Faça favor.

O Sr. Ângelo Correia (PSD):-Sr. Deputado, não quero tirar legitimidade política e partidária a V. Ex.ª para poder discutir este problema aqui na Assembleia da. República sem carecer de outros suportes, porque se o fizesse seria limitar o sentido e o alcance de V. Ex.ª como deputado e, sobretudo, do seu partido.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães
Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Teremos todos consciência de que vivemos um momento particularmente difícil da nossa história. Dizê-lo não representa grande coisa. Mas talvez não seja indiferente recordá-lo ao iniciar a nossa intervenção neste debate. Porquanto nele entroncam questões que têm a ver com a crise e a ideia, mais ou menos intuída generalizadamente, de que, porque se alargou à cultura, à civilização, à humanidade, a noção de crise perdeu contornos e as pessoas sentem apenas que há muitas coisas que não vão bem. Crise é sempre uma regressão dos determinismos e da estabilidade. Sempre uma progressão das instabilidades. Sempre uma progressão da incerteza.
Não será, certamente, assumido conscientemente, mas não se duvide que a sensação da crise é a de um sistema ferido, entrado numa fase aleatória, em que são incertas as formas que no futuro tomará.
Não eram os saint-simonistas quem achava que em períodos de crises «se apagam os sentimentos comuns, o fogo sagrado deixa de ter vestais [...] passa-se da fé à dúvida, da dúvida à incredibilidade?»
Talvez não seja de todo inútil alinhar esta meia dúzia de reflexões desencantadas para situar no seu contexto a discussão desta proposta de lei.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A democracia, sem adjectivos, tem sobre os sistemas políticos não pluralistas também a vantagem de ser um regime aberto, evoluindo quotidianamente como a própria vida. Como escrevia um professor de ciência política contemporâneo:
Mais do que um sistema é um quadro. Vale menos por aquilo que é do que por aquilo que permite.
E de facto adapta-se a uma sociedade em evolução. As lutas a que dá lugar são amplificadas pela ressonância que lhes confere. Mas não a ameaçam porque provam que é possível ser o que se deseja que ela seja, para usar a expressão conhecida de Georges Burdeau.
Tal significa que a primeira defesa do regime democrático é ele próprio. A sua capacidade de generosidade e de tolerância. A possibilidade que confere de serem amanhã vencedores os vencidos de hoje.
O consenso essencial entre quantos se sentem cidadãos, e não estrangeiros, numa Pátria que, para o ser, tem que ser de todos.
Viver juntos e querer continuar assim, se explica um sentimento de nacionalidade, pressupõe um viver
democrático. Sem exclusões, nem maldições. Só o pluralismo conciliador. Porquanto, se é certo que a ninguém recusa algo do que se entende por desejável. É a humildade de aceitar que ninguém é senhor absoluto da verdade.
Só o poder aberto, que aceita a alternância e respeita alternativas, evita o risco absoluto e garante a liberdade.
Só somos livres quando podemos escolher e mudar.
Por isso o pluralismo consagra a legitimidade da acção política das diversas forças sociais.
Por isso a questão que hoje defrontamos não é fácil.
O pluralismo afirmado é desmentido se na prática viermos a aceitar que para proteger as instituições políticas e a ordem social estabelecida podemos proibir, paralisar ou eliminar as tentativas de instaurar um regime constitucional e social diferente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto desta discussão se travar num parlamento é, por si só, salutar e merece ser salientado.
No quadro de um sistema que fosse ditatorial nem a discussão nem as dúvidas se colocariam.
O poder fechado é também uma ditadura ideológica e uma ortodoxia.
Quem pensa identificar-se com a verdade não pode sequer aceitar a diferença.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Só por ser diferente é um rebelde ou um louco. Se pensasse conquistar o poder seria, no mínimo, um inimigo. Não seria apenas alvo de medidas policiais, mas de «legítima defesa» (entre aspas) de quem vê ameaçada a sua unidade espiritual.
É diferente o sentido deste debate.
Trata-se - e deve tratar-se, tão-somente - de conhecer os limites que para salvaguarda da própria liberdade de todos haverá que colocar à generosidade e à tolerância próprias da democracia, que assenta na confiança e na esperança dos homens.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - A esta luz, Sr. Presidente, consideraremos aquilo que consideramos aceitável numa futura legislação, daremos conta de interrogações que se nos colocam, diremos das objecções que entendemos dever formular.
Começaremos por anotar aquilo que para nós tem sido certo factor de perplexidade. Intencional ou não intencionalmente, a presente proposta de lei tem sido «misturada» com a questão do aumento da criminalidade.
Numa política mais atenta aos efeitos do que às causas ter-se-á deixado aqui ou além que se instalasse a ideia de que também esta lei se insere num conjunto de medidas de combate à criminalidade comum.
Ora, de acordo com a própria exposição de motivos da proposta, «a recolha de informações circunscreve-se às acções atentatórias da ordem democrática, da livre existência e da segurança do Estado Português, bem como às que visam impedir, por formas ilegais, o normal funcionamento dos órgãos de soberania e das Forças Armadas».

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Não se misturem, portanto, questões.
Existe, certamente um aumento de criminalidade preocupante. Mas não, certamente, nos sectores referidos na exposição de motivos que acabei de citar.
Estamos todos, aliás, de acordo (ao menos em teoria) de que não são os meios repressivos os mais eficazes no combate à delinquência. Menos ainda se conhecerão delinquentes para quem a moldura penal determine o comportamento. Mas tendo-se por certo que a perspectiva de ver prontamente descoberta e julgada a infracção é o mais importante para fazer cessar um sentimento de impunidade a que corresponde a sensação generalizada de insegurança por parte dos cidadãos, seria útil a existência de informações criminais.

É, com efeito, sabido que a investigação e a descoberta das infracções podem ser aceleradas, em particular - e, como é evidente, nos casos de reincidência- quando as polícias podem recorrer a informações, onde foram sistematizados os modus operandi e até elementos circunstanciais que acompanharam a prática criminosa.

Aliás, a integração da Polícia Judiciária na actividade da INTERPOL amplamente justifica o incremento de tais informações.
E não estamos, com isto, obviamente, a sustentar a interligação entre um serviço de informações e a actividade policial. O Governo separou, na sua proposta de lei, o âmbito das duas actividades, e estamos de acordo com essa separação. O que não ignoramos é que há um momento - que é um dos cernes das questões com que nos defrontamos- em que as informações transitam para outra esfera, podendo ser actuadas no âmbito policial.

Aí sim - e para o demonstrar temos os artigos 10 º e 11 º da proposta de lei - estão duas questões essenciais.

E todos os autores concordam com a existência e justificação de tais serviços e com a recolha de dados correspondentes a infracções pelas quais os respectivos autores foram julgados e condenados.
O sublinhado é importante. ]á não há concordância doutrinária quanto à admissibilidade de serem recolhidas informações criminais noutros casos, nomeadamente os referentes a investigações que não transitaram para o tribunal ou em que o julgamento se pronunciou pela não condenação.

A razão ética e política de tal ressalva é evidente. Sem ela seriam violados os direitos à integridade moral e à reserva de intimidade dos cidadãos, objecto de tratamento informativo por simples suspeitas.

Repito que esta matéria não consta da proposta. Talvez devesse constar ...

Mas o que procurei, nesta rápida síntese, foi pôr em evidência um conjunto de princípios colocado a propósito das informações em relação à criminalidade comum.
O âmbito da proposta não é, repita-se, o desta criminalídade, mas o das acções atentatórias da ordem democrática.

Por assim ser, são mais complexos ainda os problemas envolvidos.
Na verdade, não só a presente proposta nos aparece como cúpula de um edifício cujas restantes compo-

nentes ainda não conhecemos, embora marque desde logo uma orientação que temos por correcta e que corresponde a não concentrar num só os poderes que um serviço de informações sempre representa.
Não se definindo "ordem democrática" nem "segurança do Estado", restarão de algum modo indefinidos o que sejam as acções atentatórias de uma e outra.
Ora, a verdade é que estão de acordo os constitucionalistas sobre uma evolução histórica: em 1923, para Mussolini, o golpe de força, que foi a marcha sobre Roma, foi essencial, mas em 1933, na Alemanha, as provas de força foram mais discretas e Hitler chega ao poder por processos formalmente legais, enquanto que em 1948, na Checoslováquia, a revolução disfarça-se numa mudança de ministério.
O que vai então condenar-se? O emprego de certos processos ou o seu emprego por certos grupos?
Não estaremos longe de regras de submissão dos próprios partidos políticos às exigências democráticas, com assento constítucional, por exemplo, na Constituição de Bonn, e que, aliás, parece ser uma consequência necessária do monopólio partidário na apresentação de candidaturas.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): -Muito bem!

O Orador: -Nem se diga que o problema entre nós não tem actualidade quando o n º 1 do artigo 160 º da Constituição é infringido pelas regras disciplinares partidárias.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - O problema fundamental da proposta de lei, tal como se encontra redigida, é, no entanto, o de saber que "informações" vão ser recolhidas e acerca de quem. O facto de a actividade dos serviços ser controlada e fiscalizada não é, por si só, garantia suficiente, em particular pelo modo ténue constante da proposta.
A questão é, aliás, paralela à que há pouco abordávamos. Trata-se apenas de recolher informações sobre quem foi condenado ou sobre quem é suspeito?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acreditamos que em democracia representativa é nas suas instituições e pelas suas formas que a confiança ou a censura nos governos se exerce.
Dir-se-á que o voto não liberta de nenhuma das servidões da vida de todos os dias. Replicaremos que proporciona a satisfação de não ter que sofrer a arbitrariedade de nenhum poder.
Por isso não somos, em princípio, contra o criar num estado democrático mecanismos para a sua defesa. Pelo contrário, recohecemos certas situações em que o Estado se encontra desarmado e em que a própria independência nacional é posta em causa.
Mas também não consideramos esta proposta, tal como está redigida, isenta de riscos. É, porventura, uma questão de medida.
Como escreve um constitucionalista contemporâneo:

É [...] ao homem - tanto a cada um de nós como à comunidade que formamos - que compete impedir que, embora imaginado para nos furtar à arbitrariedade dos chefes (o poder de-

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mocraticamente constituído), se transforme num instrumento opressivo de um conformismo anónimo.

Aplausos da ASDI e do PS.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peco a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Magalhães Mota, ao longo da sua intervenção suscitou algumas questões relevantes no que toca à estrutura, objectivos e modo de funcionamento dos serviços de informações.
Talvez por lapso meu, parece-me que não abordou alguns aspectos que nos parecem também particularmente relevantes. Em relação a alguns deles queria formular-lhe algumas perguntas.
Em primeiro lugar, uma das lacunas evidentes da proposta, tal como está configurada, é a completa omissão de tudo o que respeita ao estatuto, quadros e formação de pessoal que aí vai prestar serviço, se chegar a- existir serviço de informação.
Gostava que o Sr. Deputado Magalhães Mota me dissesse alguma coisa acerca dessa questão.
Em segundo lugar, parece-me que, apesar de tudo, não desenvolveu o problema das garantias dos cidadãos.
As garantias dos cidadãos têm, pelo menos, duas vertentes diferentes no quadro do serviço de informações. Têm a vertente que é o autocontrole sobre aquilo que é produzido - as informações recolhidas - e os mecanismos de defesa e de reparação dos direitos dos cidadãos - a proposta é completamente omissa a esse respeito - e tem uma segunda vertente que são os limites no que toca propriamente aos direitos, liberdades e garantias e aos direitos fundamentais. Digamos que aí a proposta não é omissa, porque não necessária. Mas sublinho que aí a proposta é omissa, na medida cm- que não tutela especificamente os direitos, liberdades e garantias. A simples remissão é, no fundo, um convite à infracção.
Sr. Deputado Magalhães Mota, neste quadro e no quadro das críticas que já fez à proposta, como é que podemos considerar de ânimo leve a aprovação de uma proposta com este conteúdo, quando não temos garantias para os cidadãos, não temos definição de quadros, não temos esclarecimento dos objectivos, não temos a definição rigorosa do que é a segurança interna?
Esta proposta de lei acaba por ser um cheque em branco para, na nossa opinião, abrir caminho a um serviço de informações políticas com carácter policial e inquisitório sobre o pensamento da oposição.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Magalhães Mota, a intervenção produzida por V. Ex.ª preocupa-se sobretudo com a reflexão sobre aquilo a
que chamou os limites da generosidade e da tolerância da democracia, o que traduz uma preocupação particular relativamente a todos os mecanismos de que se possa rodear a criação de serviços deste tipo, com vista a prevenir e a evitar, tanto quanto possível, os riscos generalizadamente reconhecidos de preversão, de desvio e de abuso.
Creio que a maneira como o fez vem até potenciar e enriquecer a análise de alguns dos riscos, porque ao falar dos perigos da criação destes serviços, ou dos que lhe estão associados, veio invocar os outros que resultam da acção de serviços já existentes. V. Ex.ª colocou a questão, por exemplo, dos limites da investigação criminal, que está relacionada com o problema da salvaguarda dos direitos dos cidadãos, a qual se torna muito difícil no tocante à acção de estruturas que são públicas, que têm meios de controle, que são fiscalizadas pelo ministério público, que têm juizes, tribunais, tudo em contacto directo.
Ora se essas questões são tão difíceis em relação aos órgãos de investigação criminal, são-no muito mais em relação a serviços de informações, cujos contornos são mal delineados, como, aliás, o Sr. Deputado reconheceu.
Em todo o caso, creio que valeria a pena o aprofundamento da reflexão sobre alguns dos riscos específicos, que passarei a enumerar sinteticamente.
Em primeiro lugar, diz-se que estes serviços não têm, nem nunca lerão, competências policiais e instrutórias. Mas, Sr. Deputado Magalhães Mota, é ou não verdade que existe o risco real de que eles não só estabeleçam conexões indevidas, com consequências nessas esferas, como também o risco - e isso é-nos revelado pela experiência estrangeira - de que essas informações conduzam a pressões ilegítimas e até a formas de chantagem? Não há nisto nenhum exagero e a experiência internacional até o vem corroborar.
Em segundo lugar, existe ou não o perigo de a tal vaga secretista, por mim referida, vir impedir que os cidadãos tenham acesso não só às informações que lhes dizem respeito directa e pessoalmente, como também às outras? Não podemos esquecer que em Portugal não temos nada que se assemelhe ao privacy Act americano, valha ele o que valer e tenha ele o significado que tiver.
Em terceiro lugar, há ou não o perigo de informações manipuladas, inventadas, intoxicantes do próprio poder político, que condicionem ilegitimamente as suas próprias decisões e que podem criar circunstâncias de grande gravidade nacional, tal como já se revelou na história portuguesa recente, sob os auspícios da AD, com o famoso caso da insurreição dos pregos?
Finalmente, Sr. Deputado Magalhães Mota. qual a visão da sua bancada sobre a questão da organização interna destas estruturas, da sua dependência em relação aos órgãos de soberania, do acesso às informações e à sua fiscalização nos planos orçamental, do recrutamento de pessoal e em todos os outros aspectos de organização? Destes aspectos organizativos depende, aliás, o acautelar-se ou não a preversão antidemocrática que, de qualquer das maneiras, nas mãos deste governo e neste quadro político existirão sempre.
Eram estas as questões que lhe deixava para reflexão ulterior, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): -Sr. Deputado Magalhães Mota, não me enganarei se resumir a sua intervenção dizendo que há nela uma preocupação clara de impedir que a constituição de um serviço de informações venha, na prática e por quaisquer vias, a atropelar direitos e garantias fundamentais.
Dentro dessa linha, o Sr. Deputado referiu concretamente a importância da fiscalização. Disse - e estou de acordo- que não podemos pensar que a fiscalização vai resolver, por si só, todos os problemas. Isso seria extremamente simples e, nesse caso, todos nós poderíamos estar perfeitamente descansados.
Ora, a questão concreta que lhe ponho é a de saber se a fiscalização, tal como é contemplada na proposta de lei, tem algum sentido prático e se o Sr. Deputado não entende que, tal como ela está, é uma falsa aparência, uma paródia de fiscalização, que não conduz rigorosamente a nada.
Por outro lado, no que respeita aos direitos e garantias, não será que esta proposta de lei carece de disposições que minimamente assegurem esses direitos e essas garantias? Não entende o Sr. Deputado que tudo o que diz respeito - e peço desculpa por insistir neste ponto- ao relacionamento entre serviço de informações e polícias é, mais do que insuficiente, extremamente vago? Não concorda que a limitação do âmbito de acção do serviço de informações é extremamente vago e limitativo?
Daí que pergunte ao Sr. Deputado se esta proposta de lei tem algum mérito, e se, ao fim e ao cabo, o mérito que nós lhe possamos reconhecer não será outro que não o de poder servir de base à elaboração de uma proposta que, no fundo, terá muito pouco a ver com aquela que aqui estamos a discutir. Não terá esta proposta de lei apenas esse mérito: o de colocar o problema?

O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): -Numa resposta genérica a todos os deputados que me puseram questões, devo dizer que, como é óbvio e natural, não tive a pretensão, na intervenção que fiz, de me debruçar sequer com profundidade sobre todas as questões que nela se aflora, tendo escolhido uma óptica determinada que consistiu em pôr em causa o próprio princípio dos princípios e as suas limitações, ainda antes, portanto, das formas concretas que poderá revestir a criação de serviços desta natureza. O que pretendi foi, pois, levantar problemas prévios à própria institucionalização.

Ora, dentro deste contexto, e respondendo à primeira questão do Sr. Deputado João Amaral, direi que sim,

que o estatuto, a formação o modo de composição dos quadros, as regras orçamentais dos serviços

são naturalmente questões importantes. Não cheguei aí
mas estarei de acordo consigo em como esses problemas são importantes e que não poderão ser escamoteados ao controle desta Câmara, não sendo, portanto, matéria que possa ser resolvida por simples acto legislativo governamental.
Em relação às garantias dos cidadãos, as quais foram objecto de uma afirmação do Sr. Ministro de Estado,
segundo a qual a proposta de lei continha uma pequena inconstitucionalidade, devo afirmar que a proposta contém, em minha opinião, uma grande inconstitucionalidade.

Na verdade, ter-se-á esquecido que os ficheiros de informações de que aqui se trata são naturalmente ficheiros informatizados (e, mesmo que o não fossem, penso que a disciplina constitucional lhes seria aplicável), razão pela qual a utilização da informática estará condicionada pelo artigo 35.º da Constituição. Daí que essa garantia constitucional tenha de ser aplicada e tomada em linha de conta na aplicação destes dispositivos.

Creio, todavia, que muitos outros controles necessários para assegurar os direitos, liberdades e garantias individuais terão de ser acrescentados.

Quanto à questão colocada pelo Sr. Deputado José Magalhães, devo esclarecer que o aspecto da conexão das informações está, de algum modo, relacionado com a própria conexão dos ficheiros e dos dados, matéria em relação à qual já me refen.

Na realidade, o n.º 2 do artigo 35 º da Constituição é bastante claro quanto a essa proibição, e creio que o facto de esse artigo admitir excepções previstas na lei nos deverá levar a actuar com cautela relativamente às excepções que possamos vir a admitir.

Por outro lado, creio levantarem-se questões, e questões complexas, quanto à possibilidade de informações não controladas e não fiscalizadas poderem ser manipuladas, poderem ser objecto de todas as teses conhecidas de utilização de informações sob a forma de manipulação e de intoxicação.

É todo este quadro de preocupações que, no fundo, justifica, por parte da Assembleia da República e por parte de todas as bancadas, que existam preocupações - e preocupações sérias - quanto ao modo como uma lei destas deve ser formulada.

Quanto ao Sr. Deputado Lopes Cardoso, devo esclarecer que estou completamente de acordo em como a fiscalização contemplada na proposta de lei é insuficiente. Eu próprio o disse quando afirmei que "o facto da actividade dos serviços ser controlada e fiscalizada não é, por si só, a garantia suficiente, em particular pelo modo ténue constante da proposta". Estamos, portanto, completamente de acordo.

Por outro lado, julgo que existem dispositivos complementares que é necessário incluir para assegurar uma mais eficaz defesa dos direitos, liberdades e garantias, e em particular entendo que há muitas matérias que, ao contrário do que a proposta aponta, não podem ser sujeitas a diploma regulamentar, tendo antes de ser reguladas no próprio âmbito desta legislação.

Direi - e aí não serei tão exigente como o Sr. Deputado Lopes Cardoso - que reconheço alguns méritos à proposta de lei: não só o de iniciar uma discussão, mas até o mérito muito particular, e que tive ocasião de salientar na minha intervenção, qual seja o facto de esta discussão se fazer no Parlamento, o que vem demonstrar que vivemos num regime democrático, porque num regime ditatorial estas discussões não têm cabimento.

Penso que este facto, só por si, constitui o mérito da proposta, o qual merece ser salientado.

Aplausos da ASDI.

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O Sr. Lopes Cardoso (UEDS)-. - É o mérito das instituições democráticas!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos ao fim dos nossos trabalhos de hoje, apenas restando a leitura da ordem do dia para a próxima reunião, a qual terá lugar no dia 27, às 15 horas.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Da ordem do dia para a próxima reunião consta o seguinte: da primeira parte, a apreciação dos recursos interpostos pelo PS, PCP e MDP/CDE sobre a admissão do projecto de lei n.º 305/111, do CDS, relativo à alteração da Lei n.º 75/79 (Lei da Radiotelevisão), e a eleição do Vice-Presidente da Assembleia da República, proposto pelo PS; da segunda parte, a apreciação da proposta de lei n.º 5/111 enquadramento dos órgãos e serviços do Estado a quem incumbe assegurar a obtenção, tratamento e difusão das informações necessárias à defesa nacional, ao cumprimento das missões das Forças Armadas, à segurança do estado de direito e à garantia da legal idade democrática (continuação), a apreciação do pedido de ratificação n.º 8/111, do PCP, relativo ao Decreto-Lei n.º 508/80, de 21 de Outubro, que regulamenta o contrato de serviço doméstico, e a apreciação do projecto de lei n.º 177/111, do PSD prazo de caducidade em acções de resolução de contratos de arrendamento.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pretendo apenas sublinhar que a UEDS tinha marcado para a próxima terça-feira uma ordem de trabalhos ao abrigo das disposições regimentais.
Não temos nada a objectar - e já tínhamos dito que nos parece absurdo interromper este debate - a que se adopte a ordem do dia agora apresentada pela Mesa, mas queríamos deixar claro que essa nossa aceitação é no entendimento de que, encerrado o debate desta questão, na primeira reunião da Assembleia deverá ser agendado o nosso projecto de lei, bem como todos os projectos ou propostas de lei que eventualmente tratem da mesma matéria, se essa for a vontade dos seus subscritores.

O Sr. Presidente: - Assim foi entendido pela Mesa, Sr. Deputado.

Srs. Deputados, não havendo mais nada a tratar, declaro encerrada a sessão.

Eram 13 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS): ,
Acácio Manuel de Frias Barreiros. Alexandre Monteiro António. Francisco Manuel Marcelo Curto. Joaquim Leitão Ribeiro Arenga.
José António Borja S. dos Reis Borges.,

José Barbosa Mota. José Carlos Pinto Basto Torres. José Maria Roque Lino. Ricardo Manuel Rodrigues de Barros. Victor Hugo Jesus Sequeira.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues. Adérito Manuel Soares Campos. Amadeu Vasconcelos Matias. Fernando Manuel Cardoso Ferreira João Maurício Fernando Salgueiro. João Pedro de Barros.
José Vargas Bulcão..
Manuel Maria Moreira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.

Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Alberto da Costa Espadinha. Francisco Manuel Costa Fernandes. Georgete de Oliveira Ferreira. Jerónimo Carvalho de Sousa. Joaquim Gomes dos Santos. José Manuel Santos Magalhães. Lino Carvalho de Lima. Lino Paz Paulo Bicho. Manuel Correia Lopes. Maria Odete Santos. Octávio Augusto Teixeira. Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Jorge Forte Goes. .

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda , para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.

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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa. Amadeu Augusto Pires. António Jorge Duarte Rebelo de Sousa. Avelino Feliciano Martins Rodrigues. Bento Elísio de Azevedo. Jorge Alberto Santos Correia. José Manuel Torres Couto. Manuel Alegre de Melo Duarte. Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Agostinho Correia Branquinho. Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo. António Augusto Lacerda de Queiroz. António Maria de Ornelas Ourique Mendes. Carlos Miguel Almeida Coelho. Cecília Pita Catarino, César Augusto Vila Franca. Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa..

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Fernando dos Reis Condesso.
Joaquim Eduardo Gomes.
José António Valério do Couto.
José Luís de Figueiredo Lopes.
Luís António Pires Baptista.
Leonardo Eugênio Ramos Ribeiro de Almeida.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Pereira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Martins Adegas.
Nuno Aires Rodrigues dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
João António Torrinhas Paulo.
Mariana Grou Lanita.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
António Bernardo Lobo Xavier.
António Gomes de Pinho.
Francisco António Lucas Pires.
João Carlos Dias M. Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

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