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9 DE MAIO DE 1984 4345

esteve na Espanha republicana, Srs. Deputados, esteve em Madrid durante a guerra civil, esteve ali onde então se jogava a liberdade, ali onde então se procurava deter e derrotar o nazi-fascismo. E isto não lhe foi perdoado, nem a ele nem a outros que lá defendiam a república espanhola e ao mesmo tempo lutavam pelo estabelecimento do regime democrático no nosso país. Não houve então calúnias, mentiras, aleivosias que se não bolsassem sobre Jaime Cortesão. Sobre ele e outros caiu o ódio mais vil dos inimigos da liberdade, dos caceteiros que povoam a nossa história e então puderam dar largas à sua brutalidade, dos miseráveis que entregavam os foragidos republicanos aos franquistas na fronteira e assistiam deliciados ao seu fuzilamento. Toda essa gente quis cobrir de lama Jaime Cortesão.
Mas os anos foram passando. O poeta, o escritor, o historiador, construíram a sua obra. A sua luta pela liberdade continua-se sem cessar. Veio finalmente a morte e já aqui em Portugal, onde tão pouco tempo teve depois de regressado do Brasil para rever as gentes e as paisagens que descreveu com tanta beleza e amor.
E agora, quando se completam 100 anos sobre o seu nascimento, mesmo aqueles cujos antepassados estariam em Burgos quando Jaime Cortesão estava em Madrid, reconhecem o sentido patriótico da sua intervenção cívica e política e a lealdade da sua vida. As calúnias, as mentiras, as aleivosias foram queimadas pela luz da verdade e de Jaime Cortesão resta uma memória feita de beleza e de integridade moral que já não o acalentam a ele, mas acalentam os seus filhos, os seus amigos, os seus correligionários.
Ele foi-se, porventura com alguma dor no coração. Mas talvez quando quis ir para o túmulo - ele que não era crente - embrulhado num hábito de franciscano pretendesse com isso também significar que tinha esquecido.
Nós, comunistas, que algumas vezes divergimos dele na política, mas nos encontrávamos com ele nas páginas de História que escreveu, prestamos-lhe aqui à nossa homenagem através do voto à moção que também subscrevemos e das palavras sentidas de quem o conheceu.

Aplausos do PCP, do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assistem aos nossos trabalhos alunos da Escola do Bairro das Pedralvas, Benfica, e da Escola Secundária n.º 2 de Abrantes, que assim se associam a esta homenagem.

Aplausos gerais.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda,

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nenhum país, por mais rico de valores culturais, poderia deixar de comemorar com maior destaque o centenário do nascimento de uma figura da envergadura de Jaime Cortesão. São homens como este que, além de nos projectarem para lá das fronteiras, contribuem para formar a nossa identidade nacional; tanto mais tratando-se de um historiador, que busca no fundo do nosso passado a dinâmica e as coordenadas que movem e definem o colectivo que somos.
Só assim não é para os que se não identificam com os mais profundos valores da Pátria, para os que vêem o presente reduzido ao dia-a-dia sem projecto nem horizonte. E por isso esqueceram ou obscureceram, nos últimos anos, comemorações de acontecimentos e Figuras relevantes, entre as quais, mais gritantes, os centenários de Camões e da Revolução de 1383.
Jaime Cortesão é, antes de tudo, o historiador que rasga horizontes, abre perspectivas de reflexão, avança hipóteses fecundas, põe em causa algumas das «verdades» emanadas dos círculos oficiais, abre uma fecunda torrente problemática. O seu esforço junta-se, assim, ao de Sérgio no mesmo sentido crítico e renovador, abalando ideias feitas e dogmas estabelecidos, em acto de criação importuno e incómodo, como todo o que é obra da razão.
Também em outros géneros - como poeta, dramaturgo, memoralista - há uma unidade intrínseca que deriva tanto da sua poderosa concepção humanista como do apurado sentido dramático das figuras e situações e ainda do fino gosto literário que marca toda a sua obra como historiador.
Ao abordar temas sobre as origens da nacionalidade e a génese e desenvolvimento da expansão marítima, vê-se como o seu vasto humanismo assenta num profundo respeito pelo homem, individual e colectivamente considerado. E é nessa linha que, ao invés da orientação dominante no seu tempo e ainda hoje persistente, vem a reconhecer o muito que os Portugueses devem aos outros povos, não exceptuando os de cultura primitiva.
Se é certo que a princípio hipertrofia os heróis, confere depois uma importância crescente à criação anónima e colectiva. E isso o leva a dizer, na sua obra maior, Os Descobrimentos Portugueses:

O que se atribui a um único homem partilha-se largamente com toda a grei a que o indivíduo pertenceu.
E no prefácio da mesma obra, numa das passagens onde mais claramente se desvenda o seu método historiográfico, diz ter sido seu desígnio:

Escrever uma obra marcada o mais possível pelo carácter científico, mas relacionando-a a cada passo com o drama e a afirmação épica da consciência humana em luta com as novas realidades.

Vê-se assim como na dialéctica tão agudamente percepcionada entre espaço e tempo, tempo longo e curta duração, aceita a influência do tempo ultralento da geografia, do tempo lento das estruturas económicas, mas recusa o simples determinismo geográfico e económico, colocando, acima de tudo, o homem como principal objecto e agente da História.
Mas o cientista não poderá ser compreendido sem o cidadão, tão perfeita era a unidade entre ambos. E importa recordá-lo num momento em que parecem tomar novo vigor as concepções sobre a História - erudição - pura que se arroga o exclusivo da cientificidade. Como se a historiografia não fosse o permanente interrogar do passado à luz das sempre