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I Série - Número 124 Sexta-feira, 15 de Junho de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1983-1984)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 14 DE JUNHO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manual Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRI0. - O Sr. Presidenta declarou aberta a sessão às 10 horas e 50 minutos.

Os Srs. Deputados Helena Cidade Moura e António Taborda (MDP/CDE) iniciaram a interpelação ao Governo através da abertura de um debate sobre política geral centrado sobre os objectivos da política educativa e sua expressão concreta, sobre o que intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Educação (José Augusto Seabra) e do Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Pinto Machado), os Srs. Deputados Sottomayor Cardia (PS), Agostinho Branquinho (PSD), Lemos Damião (PSD), Marília Raimundo (PSD), Luísa Cachado, Mariana Lanita, Paulo Areosa, Vidigal Amaro e Jorge Patrício (PCP), Octávio Cunha (UEDS), Jorge Lemos (PCP), Hasse Ferreira (UEDS), Raul Brito (PS), Jorge Góes (CDS), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), César Oliveira (UEDS), Fillol Guimarães e Laranjeira Vaz (PS), Nogueira de Brito (CDS), Jorge Miranda e António Meira (PS), Narana Coissoró e Adriano Moreira (CDS), José Cesário (PSD), Agostinho Domingues (PS), António Gonzalez (Indep.), Maria do Céu Fernandes e Margarida Marques (PS).
Encerrou o debate, em nome do partido interpelante, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura (MDP/CDE) e, em nome do Governo, o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos).

O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 3 horas e 40 minutos do dia seguinte.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Alexandre Monteiro António.
Almerindo da Silva Marques.
Amadeu Augusto Pires.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
António Manuel Carmo Saleiro.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Belmiro Moita da Costa.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luis Cordeiro.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Luís Duarte Fernandes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Joaquim José Catanho de Menezes.

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Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José Amónio Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Martins Pires.
João Joaquim Gomes.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Paulo Manuel de Barros Barrai.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio Mesquita Araújo Guedes.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio S. Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Oriundo Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
Joaquim dos Santos Pereira Costa.
Jorge Nélio Ferraz Mendonça.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José António Valério do Couto.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís Fernando Gonçalves Riquito.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Pedro Augusto Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Telmo Silva Barbosa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amam.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Costa Campos.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida..
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Lino Paz Paulo Bicho.

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Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita.
Paulo Simões Areosa Feio.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
António Gomes de Pinho.
António José de Castro Bagão Félix.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Ilídio Manuel Beleza Moreira.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Lemos de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
Júlio Esteves Dias.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Góes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

António Monteiro Taborda.
Helena Cidade Moura.
João Corregedor da Fonseca.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Rúben José de Almeida Raposo.
António Manuel Rocha Fontes.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é do vosso conhecimento, temos uma agenda bastante sobrecarregada. Todos conhecemos o horário estabelecido para o desenrolar desta sessão. Por outro lado, de acordo com a Constituição, esta Sessão Legislativa terminará amanhã, prevendo-se o início dos trabalhos às 10 horas da manhã e o seu prolongamento para além das 15 horas.
Neste sentido, agradecia aos Srs. Deputados que se cingissem aos tempos destinados a cada grupo e agrupamento parlamentar, para que, hoje, a sessão se não prolongue para além de uma hora normal, visto que começámos já com quase hora e meia de atraso.
Aproveito para anunciar a ordem de trabalhos para amanhã que é a seguinte: não haverá período de antes da ordem do dia; da ordem do dia consta a votação final global do projecto de lei n.º 320/III, sobre o Estatuto Patrimonial do Presidente da República, a discussão dos projectos de lei n.º 353/III, do PCP, que organiza e garante o exercício do direito à participação no sistema de segurança social, n.º 363/III, relativo à lei da caça, que o PCP solicitou fosse incluído nesta ordem do dia e a votação na generalidade e na especialidade da proposta de lei n.º 63/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir, em geral, ilícitos criminais e penas.
Queria também informar os Srs. Deputados membros da Comissão Permanente que, de acordo com o seu próprio Regimento, essa Comissão deverá reunir na próxima quinta-feira às 15 horas, mas em todo o caso, confirmarei esta data porque tenho dúvidas sobre o dia.
Sr. Deputado Carlos Brito, para que efeito pediu a palavra?

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, é para fazer 2 observações em jeito de interpelação à Mesa. A primeira, só de passagem e para que não saia assim para a imprensa, é que, como o Sr. Presidente sabe muito bem, a Sessão Legislativa não termina amanhã, pois tem a duração de 1 ano. O que termina amanhã é o período normal de trabalhos da Sessão Legislativa.

O Sr. Presidente: - Foi uma facilidade de linguagem, Sr. Deputado!

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Certo! É só para que não surjam confusões na imprensa.
A segunda questão é a seguinte: em relação à lei da caça, nós contestamos a inclusão dessa matéria na ordem do dia de amanhã e demos a conhecer o nosso ponto de vista aos outros grupos parlamentares. Pensávamos, aliás, que o assunto estava ainda em consideração. E não podemos aceitar essa inclusão porque não decorreram os prazos necessários e nós não tivemos materialmente possibilidade de estudar este diploma e de nos prepararmos para intervir sobre ele conscienciosamente, como a matéria exige.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lage, para que efeito pediu a palavra?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para dizer que nós pretendíamos que o projecto de lei da caça, do PSD, fosse considerado numa conferência dos líderes parlamentares hoje mesmo, porque nos parece ser bastante inadequado agendar uma matéria tão complexa de um momento para o outro.
Estamos abertos à consideração dessa hipótese desde que decidida em conferência de líderes. Por isso pedia ao Sr. Presidente que não agendasse esse projecto de lei para a sessão de amanhã a fim de nos permitir trocar impressões.

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O Sr. Presidentes: - Sr. Deputado José Vitorino, pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como primeira nota, direi que não é usual, no início da sessão anunciar a ordem de trabalhos para o dia seguinte. E este é um pequeno pormenor que o PSD não quer deixar de registar.
Quanto à ordem de trabalhos para amanhã, verifica-se que ela é extremamente longa e portanto o PSD entende que toda ela deve ser analisada numa conferência de líderes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, para que efeito pediu a palavra?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, é só para salientar a urgentíssima necessidade de convocar para hoje uma conferência de líderes, porque tanto este como outros temas carecem da nossa atenção.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta ordem de trabalhos foi decidida numa conferência dos presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares, tendo ficado em suspenso o direito de o PSD incluir um projecto de lei neste dia. A conferência não se opôs à inclusão de qualquer projecto, embora se tenha apontado para um outro que o PSD depois manifestou desejo de desagendar, através de carta recebida nos meus serviços, incluindo no seu lugar o projecto de lei n.º 363/III.
No entanto, uma vez que parecem existir dúvidas sobre este ponto da ordem de trabalhos, considero que o problema deve ser resolvido na conferência de líderes parlamentares que convoco para as 16 horas de hoje.
Sr. Deputado Carlos Lage, para que efeito pediu a palavra?

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É ainda para dizer que gostaríamos que o Sr. Presidente não fixasse em definitivo a hierarquia dos diplomas a discutir.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, a ordem pela qual vão ser discutidos os diplomas já está fixada.
Para iniciar o debate suscitado pela interpelação ao Governo sobre política geral e nomeadamente sobre a política educativa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, do MDP/CDE.

A Sr.ª Helena Cidade Mouro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não será por acaso que ao conjunto das medidas que accionam um movimento de educação se chama sistema.
As 3 versões do projecto de lei do Sistema Educativo que o MDP/CDE vem apresentando a esta Assembleia da República não se explicam pela angústia intelectual dos seus proponentes, mas provêm, por um lado, da evolução da análise institucional e da mutação da realidade social e, por outro lado, da coerência interna das medidas a que obrigam as nossas propostas.
A primeira crítica que fazemos assim, à política educativa do actual Ministério da Educação é o conceito revelado por V. Ex.ª, Sr. Ministro, nesta Assembleia, cito o Diário da Assembleia da República, de i de Fevereiro de 1984: «No Ministério da Educação entendemos que não é necessário estar à espera da lei (refere-se à Lei de Bases do Sistema Educativo) para se ir introduzindo alguns elementos que podem levar a mudanças estruturais» (fim de citação).
Neste mesmo dia em que V. Ex.ª pronunciou este honesto conceito que exprime de facto, a nosso ver, um preceito da sua acção como ministro, V. Ex.ª acabava de dar posse aos seus novos Secretários de Estado, donde se entende, já que os anteriores se tinham demitido, que ao falar na primeira pessoa do plural, «entendemos», V. Ex.ª se expressava não felizmente em nome da equipa ministerial, mas usava simplesmente um plural dito gramaticalmente magestático, que em nada nos surpreendei.
De resto, esta ideia, em tudo original, é ainda para mais ilegal já que, como V. Ex.ª sabe e afirmou várias vezes, em vários discursos, a definição da política educativa na sua estrutura, pertence à Assembleia da República e não ao Executivo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Alguma luz, porém, eventualmente surgirá do seu discurso de investidura, quando V. Ex.ª afirma (e cito Programa do IX Governo Constitucional, p. 192) dever a lei de bases ser «o fecho da abóbada de uma política educativa de grande consenso nacional -que nesse horizonte se deve desenvolver, mas que dela não se pode ficar eternamente à espera», (fim de citação).
V. Ex.ª Sr. Ministro, para glória das letras nacionais e para nossa infelicidade, é sobretudo um homem de estilo.
E ao ouvirmos numa câmara política, numa declaração política V. Ex.ª consciencializar que a Lei de Bases do Sistema de Ensino é o fecho da abóbada de unia política educativa resta-nos 3 soluções:

Ou entender que para V. Ex.ª o ensino é uma mera instrumentalização desligável da educação e da cultura, conceito antipedagógico e anticultural que pomos imediatamente de parte, por respeito por V. Ex.ª, como professor e como democrata;
Ou visualizamos que para V. Ex.ª as bases e a abóbada se colocam na mesma parte do edifício, o que é grave;
Ou socorremo-nos de Eça de Queiroz e exclamamos, com amargura: «Bem aventurados os pobres do léxicon que deles é o reino da Glória» porque a procura do estilo e da oratória, defeito comum a todos nós intelectuais, formados fora de qualquer espírito científico de contenção eficiente das palavras, torna dificilmente perceptíveis os nossos conceitos, por vezes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Educação: Será possivelmente na falta de definição precisa destes dois conceitos: «bases e fecho da abóbada» - que não faltam a nenhum operário da construção civil, pois que o prédio de imediato cairia de forma bem evidente - que reside a mancha de confusão que alastra por todo o solo português.

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V. Ex.ª, Sr. Ministro, habitualmente, projecta a parte na, pelo menos, aparente, ignorância de todo, e por isso em vez de um sistema que viabilize um funcionamento, mesmo que a curto prazo, o País vê-se a braços com um amontoado de peças soltas que não encaixam e por onde se esvaem os já pobres recursos concedidos à educação.
Srs. Presidente, Srs. Deputados: Não são conhecidas desta Assembleia, nem dos técnicos de educação, nem do País, diria mesmo, eventualmente, nem dos governantes, nem sequer dos funcionários, quais as linhas directivas da política do Ministério de Educação. Nunca foi tornado público qualquer programa de reformas ou de acções com um articulado no tempo e no espaço educativo devidamente fundamentado.
O actual Ministro de Educação tem assumido a figura do estadista preocupado numa acção que vai fertilizando apenas com o saboroso sumo dos seus discursos, desprezando em absoluto a mínima participação da opinião pública e das estruturas educativas e sociais.
Diríamos para ser exactos, que esta acção do Ministério da Educação para além de dispersa e de não coerente é exercida lateralmente à escola.

Aplausos do PCP.

O que influi e caracteriza verdadeiramente uma medida educativa é o seu conteúdo programático, o gestual colectivo que ela potencía, a sua relação com a gestão, a administração e a vivência pedagógica da escola, no seu interior e na sua relação com o meio.
As medidas avulsas que o Ministério da Educação lança terão de ser julgadas, porque são medidas educativas, pela inter-relação social que elas projectam, pela transformação pedagógica que geram e pelo objectivo colectivo que visam.
Sr. Presidente, Srs. Deputados Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Educação: Atendendo a que a parte significativa das acções mais administrativas do que pedagógicas do Ministério da Educação, respeitam ao ensino profissional não quisemos fugir à dificuldade de enfrentar uma política altamente demagógica, porque o assunto é em si suficientemente grave e complexo para nos furtarmos à nossa própria responsabilidade de oposição construtiva. Isso mesmo o fizémos na nossa lei de bases, tomando a formação como uma das prioridades.
De facto, a formação profissional tornou-se tema de interesse generalizado, transportando no seu equacionamento muito da angústia daqueles que querem encontrar solução para os problemas.
As sociedades modernas tornaram-se dependentes em todos os seus órgãos e articulações das tecnologias. O tempo passa vertiginosamente, sucedem-se as revoluções industriais, assiste-se à banalização de realizações que a geração anterior considerava miragens utópicas; espera-se da pesquisa fundamental e dos desenvolvimentos tecnológicos o afastamento dos espectros que atormentam a humanidade: a fome, a doença, o desemprego, o esgotamento dos recursos naturais, a poluição. Gera-se assim uma reverência cega pelo valor da tecnologia, uma confiança ilimitada nas suas potencialidades.
Esta atitude mental leva a uma conclusão: a resposta às dificuldades que a humanidade actualmente vive está na difusão das capacidades para usar as tecnologias. Esta conclusão leva logicamente à dinâmica da formação profissional milagreira. Tudo isto contém evidentemente componentes positivas que precisam, no entanto, para serem base de uma política eficaz, de passar pelo filtro de uma crítica objectiva e real.
Para sublinhar a urgente necessidade de promover a formação profissional invocam-se factos verdadeiros e aparentemente simples: o desemprego atinge preferencialmente quem não tem qualquer competência profissional específica, e quem possui um título de habilitação profissional consegue emprego mais facilmente.
Tudo estatisticamente está exacto, só que as ligações causa-efeito não estarão eventualmente onde se insinua estarem.
É de facto acto meritório de uma política progressista instituir cursos de formação profissional; o sistema de ensino deve oferecer possibilidades de qualificação profissional diversificada.
Tudo isto apresentado desta maneira linear impressiona o cidadão comum e, o que é mais importante, condiciona as prioridades na aplicação dos dinheiros públicos.
Este discorrer fácil e simples contém, porém, falhas e erros e por isso dificilmente serão acertados actos do Governo que resultem deste discorrer.
De facto a relação entre o desenvolvimento e a formação profissional não é linear.
Estamos a assistir, na Europa, ao crescer do número de desempregados que só nos países da CEE já ultrapassa largamente os 10 milhões. A Europa da CEE é um dos espaços onde estão mais avançadas as estruturas de formação.
A elevada capacidade profissional dos trabalhadores da RFA, da Inglaterra ou da Bélgica, não impede que cada vez em maior número caiam na situação de desespero que o desemprego gera; aumenta o número de desempregados, embora com melhores habilitações profissionais.
Será, contudo, totalmente errado concluir destes dados que as tarefas de formação profissional são inúteis.
Mas aquilo para que queremos chamar a atenção é que se tornou muito urgente averiguar com mais ponderação o que nos poderá dar a formação profissional e sobretudo em que esquema geral de ensino, ela se deverá inserir para se tornar humana e socialmente mais rentável.
A qualificação da população activa no nosso país é fundamental, mas deveremos ter em conta sob pena de cairmos no ridículo e na delapidação dos dinheiros públicos que a formação profissional obrigatoriamente se situa como uma inter fase entre o ensino formal e o emprego, devendo abrir-se para todos aqueles que afluem vindos também de um circuito não formal, numa perspectiva da educação permanente.
Não é possível tratar a formação profissional em clima de estufa de Inverno como planta delicada e rara, ela assenta as suas raízes no sistema educativo global e sofre os efeitos da sua secura.
De resto há que procurar esquemas lógicos mais actualizados, para encarar os problemas.
É ponto assente que não basta formar quadros apenas, porque no complexo mundo do trabalho de hoje, é difícil determinar onde e quando vão ocorrer as situações não previstas. Não se sabe portanto quando e quem terá a possibilidade de intervir.

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É fundamental para equacionar o problema da formação profissional em Portugal face à nossa realidade, ter presente que a maior garantia da condução adequada de um processo produtivo advém da equipa constituída por aquelas que tenham maior possibilidade de reflectir com experiência, criatividade e exactidão.
Não se pode ainda esquecer que a melhoria dos processos de produção e portanto o processo da economia resulta não só dos avanços conseguidos nos centros de investigação e desenvolvimento e nos gabinetes de estudo, mas também do que é sugerido e ensaiado por aqueles que mais directamente se ocupam da produção. Isto é verdade assimilada em todos os países da CEE. Neste contexto, só o humor macabro, de que os Estadistas deviam ser protegidos, se pode falar no ensino profissional antes do 25 de Abril.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!

A Oradora: - Mas o «quadro técnico» não deve substituir a velha magia do «bacharel» desligado de todo o contexto social e erguido aos píncaros do estatuto de «intelectual» pelo enorme analfabetismo que o cerca.
O Sr. Ministro afirmou em discurso nesta Assembleia da República que os técnicos da OCDE consideraram prematuro o ensino superior politécnico por não estar montada uma formação técnica anterior.
Na análise da experiência de ensino profissional e ensino técnico profissional que V. Ex.ª está a realizar qualquer perito honestamente interessado no desenvolvimento do País, lhe dirá que ela deverá ser antecedida de uma escolaridade básica, obrigatória, efectivada e verdadeiramente gratuita; e face a essa escolaridade obrigatória efectivada e gratuita qualquer perito honesto lhe dirá, Sr. Ministro, que não é possível construir um país que se afunda no analfabetismo e que diminui neste momento a educação pré-escolar, quando ela já em si abrangia apenas 7 crianças em mil.
O Sr. Ministro conhece a situação ela é estudada nos serviços do seu Ministério, mas para prosseguir a sua política artesanal que quer deixar firmada pela sua mão como testemunho para a posteridade, tudo esquece.
Este mesmo mecanismo de procura da imortalidade, levou o anterior ministro à obsessiva dedicação ao 12.º ano e às vias profissionalizantes do complementar que V. Ex.ª, neste momento, tenta superar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Educação: A alfabetização para além do corte de verbas está bloqueado pelo desinteresse do poder político, aqui bem patente nesta Assembleia pela falta de funcionamento do CNAEBA, eleitos que foram os seus membros há 1 ano. O Sr. Ministro tentando não encarar a verdade e a gravidade que ela representa, declarou já aos jornalistas que a taxa de analfabetismo era de 25 %, sendo a maior parte resultante do «analfabetismo recorrente».
O Sr. Ministro não ignora que o analfabetismo recorrente acontece em países de escolaridade obrigatória, gratuita e efectivada e de nível de vida elevado (a Suécia por exemplo) onde se recai no analfabetismo mercê do não uso da participação social ao nível da escrita e da leitura, 25 % do analfabetismo recorrente exigiria pelo menos fecharmos o País para obras!
De facto se fosse possível entrar na CEE através do aligeiramento do peso das palavras, há muito o teríamos feito. É esse o objectivo da palavra recorrente.
Mas a verdade impõe-se. O inquérito permanente ao emprego, no 2.º semestre de 1981, para o sector primário indica 49 % de homens analfabetos, aumentando este número, para as mulheres, no total de 55,1 %. No sector secundário o total de homens analfabetos é 14,7 % e de mulheres 10,8 %, no sector terciário, os números são respectivamente 4,7 % e 11,8 %. Ê este o panorama da nossa população activa, ainda com a agravante, consciencializada este ano, do aumento considerável de analfabetos entre os 14 e os 20 anos.
Em Beja, por exemplo, a mais alta percentagem dos alunos dos cursos de adultos situa-se no grupo etário abaixo dos 20 anos (17,8 %).
O mesmo se passando em todos os distritos do País, com excepção de Castelo Branco, Évora, Santarém e Setúbal, que mesmo assim apresentam taxas entre os 12 % e os 8 %. Sr. Ministro da Educação o distrito com mais alta percentagem de alunos dos cursos de alfabetização é o Porto, 43 % no grupo etário entre os 14 e os 20 anos. Aí onde o desemprego, a fome, as escolas pré-primárias que não abriram, os cortes à acção escolar, vão cavar ainda mais fundo a ignorância, o obscurantismo e a marginalização!
Mas haja intelectuais, Sr. Ministro!

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Muito bem!

A Oradora: - De resto, Sr. Presidente, Srs. Deputados uma vista de olhos rápida às percentagens de adultos analfabetos daria uma imagem bem real da idade em que se amortece a eficácia do trabalho em Portugal: de facto, a partir dos 40 anos as taxas dos alfabetismos sobem aos 35 %.
Para além da rentabilidade económica, a importância cultural e social desta enorme percentagem de analfabetos não pode ser minimizada nas suas consequências, até porque a realidade é global e a interacção social uma força não regulamentável pelas escolhas políticas! Sendo assim, se podemos dizer que, numa civilização letrada, só por abstracção consideramos os analfabetos puros, a inversa é verdadeira, num país com um terço de analfabetos, também não existem letrados puros e as nossas élites fatalmente se ressentem desse facto. Em primeiro lugar, e este é ponto essencial, o seu recrutamento está restringido a dois terços da população do País, em segundo lugar a sua relativa valoração é distorcida; foi aquilo que chamamos o mito do bacharel figura literária dominante de Camilo e Eça de Queiroz em pleno século XIX que se mantém e que se pretende agora alargar a outras áreas.
Também o ensino pré-primário, marco fundamental na organização de uma sociedade foi congelado por este Governo, em nome de um princípio que há mais de 100 anos é errado. Mas o pendor confusionista deste governo resolveu confundir jardins-de-infância com educação pré-escolar e foi assim que o Sr. Ministro numa atitude altamente «ética» em defesa da família resolveu afirmar que estando as mães sem trabalho poderiam tomar conta dos filhos.

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Mais lógico e mais próprio da formação pedagógica de um Ministro da Educação ou da simples consciência cívica seria o raciocínio contrário: em plena recessão económica, em pleno drama de desemprego há que proteger as crianças para que Portugal renasça.
A escola socializa, a escola desenvolve a parte sensorial que vai dinamizar e tornar possível a maturação da inteligência e o equilíbrio afectivo. Para além d« tudo a escola deve fornecer as vitaminas, as proteínas que em casa rareiam ou mesmo não existem.
Na actual situação económica havia que fazer um maior esforço de expansão das escolas oficiais pré-primárias, porque segundo os dados do relatório da OCDE para 1983, elas se silvam 28 % em Lisboa, sendo 13 360 escolas particulares e apenas 1000 oficiais.
Esta é a realidade.
Esforcemo-nos pois por sermos humildes, honestos, coerentes e realistas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A expansão conjunta do sistema de ensino e da formação profissional permitiu aos cidadãos de alguns países chamarem a si as tarefas mais elaboradas e rendosas e os trabalhos menos pesados; deixaram assim para os países, ou para as comunidades, onde as competências profissionais e o nível da cultura geral são menos desenvolvidos, as tarefas mais duras ou aquelas que por serem meras repetições mecânicas programadas são menos valorizadas.
Esta é uma primeira justificação para um quadro integrado da formação profissional.
Outra justificação válida será a crescente complexidade dos processos de produção, isto tanto na indústria, como na agricultura, como nas pescas e mesmo até nos serviços.
Cada vez é mais arriscado entregar a condução dos equipamentos e a realização dos processos, a pessoas desprovidas de capacidade de intervenção. Uma formação específica é sem dúvida vantajosa mas o que será igualmente indispensável é a capacidade de pensar, que depende sobretudo da formação básica, num contexto cultural válido.
É necessário evitar as acções isoladas e acrílicas, porque mesmo no caso dos jovens o que poderá obstar a que sejam atirados de um modo inteiramente aleatório para o sistema de produção que, desconfiado, lhes fecha a porta, é um ensino e uma a formação profissional que propiciem o contacto com as actividades profissionais e o conhecimento das atitudes, valores e métodos de modo gradual e adaptativo. As sucessivas escolhas e decisões quer dos jovens, quer das empresas deverão ser tomadas de forma natural em consequência de vocações que se vão afirmando, de capacidades que se vão adquirindo, de necessidades que se expõem de perspectivas que se oferecem.
Este abrir de consciência na vida profissional embora não seja uma resposta imediata para a crise de emprego, ao contrário do que o Governo afirma, pode contribuir, isso sim, para minorar o desespero da juventude e a frustração com que aguarda a entrada na vida activa.
Esta análise salienta a importância da formação profissional básica e polivalente que permita ao jovem adaptar-se a diferentes postos de trabalho situados num variado conjunto de actividades.
Uma forte razão justifica ainda que a tónica da acção do Estado deva ser posta mais na formação básica do que em formação específica: as tecnologias estão em mudança permanente; novos materiais substituem os antigos; a adaptação de novos processos industriais resulta também da alteração do custo da energia, das novas exigências das técnicas de transporte, da automatização. Também as opções dos consumidores estão em permanente mudança: ou porque se adquiriram novos hábitos, ou porque o intercâmbio de ideias e de culturas, cada vez mais alargado, alterou os critérios de escolha.
Neste quadro vertiginoso de mudança os que vivem do seu trabalho tem de assegurar coisas tão regulares e necessárias como alimentar-se, a si e aos seus todos os dias, pagar a renda da casa, todos os meses, vestir os filhos e pagar-lhes a escola, assegurar a todos a saúde.
A angústia provocada por tanta incerteza confrontada com tão regulares e cortas obrigações é atenuada quando o trabalhador se sento capaz de adaptação rápida a tarefas muito diversas.
A possibilidade de adaptação rápida que sabemos ser fundamental dependem da formação básica sólida: os conhecimentos bem claros sobre as grandes leis que regem o mundo que o rodeia; capacidade para adquirir informação e trocar ideias e mais do que tudo capacidade e liberdade para pensar sobre aquilo que o cerca.
Sc a tranquilidade perante a hipótese de mudança é importante a nível pessoal, não é menos na projecção que ela terá na vida do agregado familiar e no comportamento social.
A democracia faz-se com homens integrados socialmente e afectivamente seguros.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A seguir aos nove anos de escolaridade obrigatória devem de facto abrir-se vias diversas. É neste sentido que o MDP/CDE só vem pronunciando desde a apresentação em Junho de 1980 da primeira versão da Lei de Bases do Sistema de Educação e formalmente o nosso esquema é aproveitado nalgumas das directrizes teóricas no Despacho Normativo n.º 194-A/83, do Sr. Ministro da Educação.
Todavia o aprofundamento dos conhecimentos t: & valorização cultural requeridos pela via «técnico-profissional» não é ura problema de solução linear. Duas considerações básicas devem nortear a necessária reflexão: primeiro o aprofundamento das matérias faz-se com objectivos de utilidade nas acções; segundo as disciplinas que são comuns à via técnica-profissional e à via de ensino devem ter iguais conteúdos e igual carga horária para não se privilegiar quanto possível nenhuma dessas vias, no que respeita ao acesso aos graus superiores.
O aluno dos cursos técnico-profissionais terá de continuar a estudar português para exprimir com mais clareza o que quer transmitir e também para pensar com mais rigor; continuará a estudar língua estrangeira para compreender o conteúdo de textos técnicos e científicos e facilitar contactos internacionais; continuará a estudar Matemática para aprender a manejar ferramentas analíticas mais complexas e poderosas; continuará a estudar Física, Química e Biologia, para adquirir melhor domínio sobre o mundo material que o cerca.
A motivação para continuar estes estudos é, em todos os casos, a eficácia das acções. £ o «aprender para fazer» que tão arredado anda do nosso ensino secundário. Por isso tornar comuns os programas e os livros de texto para o Português, Inglês, Matemáticas, Ciências Naturais, Física e Química que se aprendem nas

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vias «técnico-profissionais e de «ensino» obriga a inflectir a leccionação dessas matérias pata as aplicações imediatas, o que vai contra a tradição retórica do ensino secundário, em Portugal.
Pode argumentar-se, e mesmo isso seria em si discutível, que o curso complementar se destina a introduzir conceptualizações que serão alargadas e aprofundadas na universidade. Se é assim, poder-se-á dizer que os anos da via de «ensino» são afinal, e apenas anos propedêuticos do ensino universitário, então incluam-se nele se para mais nade servem.
É errado ministrar um ensino que eventualmente só serve a quem entrar na universidade, quando sessenta de cada cem alunos que o frequentam não vão ter lugar na universidade.
Terá de ser legislado com muita clareza em que condições os diplomados com um curso técnico-profissional podem ser admitidos no ensino superior. Ou há a garantia que os acessos ao ensino superior (incluindo obviamente as universidades) são igualmente abertas aos alunos provenientes das 2 vias, ou a via técnico-profissional será mais um enorme insucesso a juntar à colecção do Ministério da Educação.
Isto implica que nos programas da via de ensino, os seus currículos se alargaram para além das áreas tradicionais: para a informática, para a economia, para a sociologia, para o direito, para a energética, para a história da arte, para a comunicação social, para os dispositivos electrónicos, para a publicidade, para a gestão, enfim para tudo o que interessa ao homem moderno e interfere com a sua vida activa, o torna capaz de discernir o que lhe interessa e lhe permite tirar partido das suas capacidades e tendências.
O lançamento da via técnico-profissional e da via profissional comparta mais dificuldades e outras complexidades que também foram esquecidas pelo Sr. Ministro na sua corrida contra o tempo e contra a educação: exige programas, exige textos, exige professores, exige equipamentos, exige bibliotecas, exige pessoal auxiliar, exige espaços. Ninguém pretenderá que para iniciar as vias profissionais se exija tudo isto em todas as escolas. Mas terá de aceitar-se que serão necessárias algumas destas coisas em algumas escolas e será absurdo iniciar qualquer curso antes de se definirem programas, organizar textos e preparar professores.
Deixar tudo isto para comissões regionais, para os órgãos directivos das escolas, para professores «responsáveis» como se faz no Despacho n.º 194-A/83, revela uma singular subavaliação da dificuldade e da importância de se conseguirem programas adequados, textos realmente esclarecedores e professores qualificados e eficientes em disciplinas tão especializadas como são muitas das que constam do anexo i do despacho. Acima de tudo o que é grave sempre e mais em tempo de crise é tentar fazer tábua rasa do que já existe! O Sr. Ministro da Educação acaba de destruir um esquema, que em si era válido, o ex-ministro Sotto Mayor Cardia, aqui deputado, com menos experiência, fez mais, melhor e mais depressa do que o Sr. Ministro Seabra.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Toda esta reflexão que o Sr. Ministro não teve de facto tempo para fazer, terá que ser feita à luz de que o esforço de profissionalização será inútil se arrastar consigo o bloqueio da formação básica anterior e se impedir a melhoria cultural do contexto do País.
Profissionalizar a qualquer preço para obter empregos é, pelo menos, uma brincadeira de mau gosto.
Na economia em que vivemos, o emprego e o desemprego resultam, infelizmente, das leis da oferta e da procura; as pessoas estão desempregadas porque há falta de postos de trabalho. O que acontece - e mascara a situação é que, quando a oferta é maior do que a procura, o empregador sobe as exigências de qualificação e despede primeiro os menos qualificados.
É evidente que a subida de desemprego nos jovens que, por exemplo, na Bélgica, passou de 18 600 em fins de Junho de 1974 para 50 000 em fins de Junho de 1975, não pode ser explicada por uma súbita inadequação do sistema escolar.
A elevação do nível de escolarização da população não tem efeitos directos nas taxas de desemprego, apenas se projecta no nível de escolarização dos desempregados.
A inadequação entre o número de empregos oferecidos e o número daqueles que procuram emprego tem como consequência efeitos de selecção dos trabalhadores e doe desempregados.
Este processo de selecção reflecte-se em todos os níveis de postos de trabalho. A tendência a empregai? o mais qualificado, representa para os que obtêm trabalho muitas vezes uma desqualificação, face ao seu grau de formação e aos conhecimentos adquiridos pelo estudo.
O esforço global de aperfeiçoamento de que a formação profissional é um aspecto terá de ser feito não com a convicção de reduzir o desemprego, mas sim com a convicção que esse esforço irá valorizar o trabalho dos portugueses e a sua capacidade de domínio das situações.
Nada disto tem sido mencionado nos pregões e documentos emanados do Ministério da Educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Mais uma vez se sublinha que é importante e urgente que esta Assembleia fixe as Bases do Sistema de Educação, sem o que é permanente o risco das acções individuais, incoerentes, ineficazes delapidoras dos poucos dinheiros públicos - e o que é mais grave- das esperanças de uma juventude, mais uma vez frustada e de um país mais uma vez adiado.
Tem sido entendimento desta Assembleia que em educação as divergências são para serem assumidas e os consensos se fazem na procura de soluções para os problemas, o legislador constituinte e aquele que reviu a Constituição tiveram a percepção acertada quando ditam que cabe não ao Executivo, mas aos partidos, nesta Assembleia, encontrar as linhas mestras de um sistema de educação que valorize os portugueses.
Em matéria de estrutura educativa, a Assembleia não pode delegar no Governo, através de uma autorização legislativa, nem sequer moralmente; ela terá que assumir toda a sua responsabilidade.
Ao apresentarmos esta interpelação ao Governo sobre política educativa é de facto nossa intenção tentar um debate sério no local próprio.
Se isso não for possível, assumimos a nossa responsabilidade dentro dos limites constitucionais.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

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O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado, pois neste período não o pode fazer.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As despesas públicas com a educação e ensino constituem um índice revelador da política que o Governo aplica, o que é distinto daquela que pode explicitamente preconizar.
Em Portugal, o volume destas despesas arrasta falhas graves: a taxa de escolaridade restringe-se a 20, quando há países desenvolvidos em que ultrapassa 30; verifica-se uma excessiva taxa de insucesso escolar, o que significa que a conquista de uma habilitação, tem uma duração mais longa do que a atingida com o incremento do sucesso escolar; deste modo, a taxa de escolarização cobre menos inscritos do que, em condições de regular aproveitamento obteria.
Lembramos que entre o ensino primário e o 12.º ano, inclusive, em 1980-1981 (últimos dados disponíveis) em cerca de 1,7 milhões de inscritos não obtiveram aproveitamento 0,46 milhões, ou seja, 27,6%; em terceiro lugar persistiu uma elevada taxa de analfabetismo literal, verificando-se um documento de serviço do Ministério da Educação (Boletim Indicador de Dados Estatísticos) a previsão para 1990, de 10,4 % de analfabetos literais de mais de 9 anos, o que representa 913 milhares. Em valores europeus, toda a taxa que ultrapassa a unidade, é excessiva.
Portugal apresenta o mais diminuto período de obrigatoriedade escolar na Europa, de apenas 6 anos, quando o mínimo deveria perfazer um prazo curto, 9 anos. Ademais, os modestíssimos 6 anos não são cumpridos, e quando o são, utilizam-se vias paralelas de diferente eficácia, através de regimes de horários no ensino primário que penalizam crianças de zonas urbanas desfavorecidas (designadamente o regime triplo) e da bifurcação do ensino preparatório directo e televisão, quando o ensino primário e dos 5 anos subsequentes, deviam reflectir modalidades paralelas hierarquizadas.
A diminuição das verbas atribuídas ao apoio social escolar, no momento preciso, em que o agravamento das condições de vida de vastas camadas sociais determinado pelo Governo, mais tornaria necessário o seu alargamento.
Quem contacte com professores das várias regiões do País verifica que a fome se intensifica entre os alunos das nossas escolas, que acresce o insucesso e abandono escolares, o que, além de negar os direitos humanos de crianças e jovens, por via indirecta aumentará as despesas públicas com a saúde, sector também a degradar-se.
A tudo isto, temos de juntar, mesmo sem preocupação de análise exaustiva, numa gestão arbitrária, anárquica e retrógrada, do sector público da instrução, mais interessado em premiar apaniguados sinceros ou pretensos, dos partidos do Governo e em colocar na prateleira técnicos qualificados, do que gerir, através de uma gestão eficiente, os 82,6 milhões de contos a despenderem em 1984 nas despesas públicas com a educação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Os gastos, ou não gastos, com a educação e ensino, têm um profundo significado político. Definem uma opção entre a valorização do elemento humano que enriquece ou empobrece um país, uma escolha entre um ensino democrático e um ensino elitista.
O investimento económico mais rendível está provado, é o que resulta do fomento da qualificação. Deste modo quem esteja interessado nesta qualificação privilegia os dispêndios com o ensino, nas despesas públicas, assim como os opositores a esta posição, o restringem. Não foi por acaso, utilizando o indicador mais preciso, o da despesa em percentagem do PIB, que no Salazarismo, em 1965, apesar de em 1960 se ter estimado uma despesa de 2,9 %, ela se restringiu a 1,6 %.
Em 1970, o valor limita-se 2,1 %, subindo em 1973, para 2,7 %. Com a revolução os valores mais altos perfazem-se em 1975 e 1976, respectivamente com 4,9 % e 4,3 %. De 4,2 % em 1980 e 4,1 % em 1982, declina-se para 3,6 % em 1983, atingindo o nível mais baixo em 1984, com 3,3 %. Quer dizer, entre 1982 e 1984, decresce-se do índice 100 para o índice 80. E isto sucede, à custa do agravamento da qualidade de ensino, à custa dos alunos que não têm escola ou a têm sem ser provida dos requisitos mínimos para um ensino de base pedagógica eficaz.
Se os portugueses, na generalidade, são afectados por estas restrições, os sacrifícios não são igualmente repartidos. A minoria que pode recorrer ao ensino elitista, votado na prática para um grupo social restrito, que tem acesso a cursos universitários extremamente onerosos, para os outros, que têm nível cultural e meios para apoiar os familiares, vê garantida um acesso universitário cada vez mais dirigido para os seus familiares, e que o recrutamento dos quadros se processa num âmbito que lhes é favorável, reforçando-se a antidemocraticidade do sistema.
O Governo, ciente ou não ciente destes condicionalismos, não importa, degradando o ensino público, faz uma política de classe em total ruptura com a Constituição da República Portuguesa, em vigor.
Teremos oportunidade de confrontar os números atrás indicados, com os de outros países, mas assinalamos desde já, que, o mais grave, não é o baixo nível das despesas públicas com o ensino, é sim o de, situando-se muito aquém do nível mundial, elas regrediram, afastando-nos cada vez mais dos países evoluídos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito bem!

O Orador: - Um ministro do PSD, quando apresentou a proposta de lei de Bases do Sistema Educativo, com a capacidade de promessa comum às cadeiras do Governo asseverava: « a percentagem do PNB a gastar com a educação tem de ultrapassar os valores característicos dos países desenvolvidos. A tendência decrescente nos gastos com a educação que se verificou de 1976 a 1979 tem de ser invertida como já sucedeu em 1980, e prosseguir o crescimento de modo a atingir nos próximos anos valores superiores a 8 % do PNB».
Estas são as palavras. Atentemos nos factos. No período dos governos AD e do governo de coligação

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do PS com PSD a descida, é de 4,2 % era 1980, para 3,3 % em 1984. Entre 1983 e 1984, diminuiu de 3,6 % para 3,3 %. Em milhões de contos, se a taxa de inflação média em 1984 for de 29 %, estimativa de um economista qualificado do PS, as despesas públicas com a educação descerão a preços de 1983, de 82,9 milhões de contos para 61,1, ou seja, decrescem 21,5 %. E isto ocorre num momento, em que se congregam, no mínimo, 2 situações que lhe são antagónicas: o partir-se de um nível médio inferior ao dos outros países, e o ser imperioso alargar a frequência escolar, na educação infantil e nos ensinos pós-primários.
Quanto ao primeiro aspecto, em 1978 (Anuário de Estatística da UNESCO, 1981), a percentagem das despesas públicas com a educação em relação ao PNB, era de 5,7 nos países da Europa, de 5,9 nos países desenvolvidos, de 4,1 nos países em desenvolvimento, de 5,6 no mundo e de 3,6 em Portugal. Em vez de 91,7 milhões de contos orçamentados para 1984, a seguir-se a média dos países europeus subiria para 159,9, mais 68,2 milhões de contos, e a atingir a média mundial 157,1 milhões, valores bem distantes dos orçamentados.
Mas, se é grave o diminuto dispêndio, em sector prioritário, das verbas orçamentadas com a educação, a situação piora na medida em que em vez de se procurar inverter a situação, se criam condições para ela se agravar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados Srs. Membros do Governo: O Orçamento do Estado penaliza a expansão da educação infantil.
Para mostrar a pouca importância que o Governo lhe concede, registamos 3 factos: os últimos dados globais, que consideram a educação infantil em todo o País e os ensinos dependentes do Ministério da Educação e do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, são de 1977-1978; a suspensão de matricula no primeiro ano de escolas do magistério em 1984-1985, em escolas onde se preparam educadores de infância, sem se apresentar de imediato alternativa; a diminuição de frequência de estabelecimentos particulares, quando não a extinção destes, pelo brutal agravamento do custo de vida. Tudo isto decorre, quando a taxa de inscritos na educação pré-escolar, mesmo que confrontado com os países do sul da Europa, é irrisória. Em 1977 restringia-se a uma permilagem de 6,7, a não ser a Jugoslávia, todos os outros países excedem o dobro, perfazendo a vizinha Espanha, um quantitativo 4,3 vezes superior e a França 6,8 vezes superior. Perante esta situação, o Governo em vez de a enfrentar foge a ela, transferindo a competência da área às autarquias, sem lhe conceder os necessários recursos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados Srs. Membros do Governo: Embora Portugal seja o único país europeu com uma escolaridade obrigatória de 6 anos, esta não cumprida em cerca de 20 %, como reflexo de: fraco nível de vida da população, da posição de desigualdade que se manifesta nas várias camadas económicas e de as condições de acesso e sucesso se manifestarem negativamente perante as camadas mais pobres. Perante isto como procede o Ministro da Educação?
Quase silencia, quando não silencia mesmo a questão, pensa, para ser coerente, em medidas repressivas, restringindo acesso ao professorado, acentua as desigualdades regionais, como faria Póncio Pilatos, pensa transferir o ensino básico para as autarquias.
Entretanto, factores financeiros levam-no a restringir a formação de professores do ensino preparatório em exercício, apesar de, em 1981-1982, a percentagem de professores com habilitação profissional no ensino preparatório oficial ser de 46,2, sendo os distritos mais penalizados os de Beja e Bragança em que a percentagem se restringe, respectivamente, a 26,2 e 26,4, enquanto em Lisboa perfaz 59,4. A restrição do número de professores qualificados, é uma característica do Salazarismo que o Marcelismo não ultrapassou. Lembra-se, no ensino primário, que a percentagem de regentes escolares, no total dos docentes do ensino primário chegou, em pleno Salazarismo, a exceder 25 % e que em 1973/74, apenas 18,2 % dos professores do ensino preparatório tinham habilitação profissional.
É óbvio que o cumprimento da obrigatoriedade no seu alargamento a 9 anos não é viável, por via legislativa, como a experiência portuguesa de século e meio o comprova exuberantemente. Requer, no mínimo a melhoria das condições de vida da população que esta verifique vantagem em adquirir habilitação, e que as condições escolares quer quanto a instalações, equipamento humano, objectivos dos programas de ensino o facultem.

Vozes do MDP/CDE e do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pergunta-se, quais foram as medidas concretas do Governo para a consecução deste objectivo, quais os recursos financeiros para o efeito e as metas calendarizadas a atingir? Ao faze-lo, pretendemos respostas concretas, que ultrapassem a mera formulação de intentos, reais ou fictícios.
Para nos aproximarmos dos países europeus, teremos de perfazer três objectivos: garantir o cumprimento efectivo da escolaridade de seis anos, o que aumenta a frequência; aumentar a frequência do ensino secundário, e mais que duplicar a frequência do ensino terciário, sem o que mantemos uma estrutura escolar de subdesenvolvimento, penalizada por elevada taxa do insucesso.
Se Portugal atingir em 1989-1990, daqui a 15 anos, a distribuição atingida pela Europa em 1976-1977, terá inscritos no sistema escolar 2422 milhares, sem incluir a educação infantil, o que representa um excedente, em relação ao actual de cerca de 500 milhares.
Depreende-se daqui que se torna imperioso alargar, de modo sensível, as despesas públicas com a educação e ensino, dando cumprimento ao normativo constitucional (artigo 75.u) que consigna a criação pelo Estado de «uma rede de estabelecimentos públicos que dê ensino que cubra as necessidades de toda a população». Este esforço financeiro torna-se mais sensível porque, com uma modestíssima taxa de escolaridade de 20 %, não há resposta para a procura actual, ainda que limitada. Mas, quanto mais se agravar a situação, mais onerosa se torna uma resposta adequada, que é condição insuprível de um harmónico desenvolvimento económico.
O problema da remuneração dos professores impõe urgente resolução. Pertencendo 90,5 % ao ensino oficial, têm sofrido as reduções peculiares à função pública, diminuindo, em 1984, a ser 29 % a taxa de inflação média, 12 % do poder de compra avolumando

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a política trilhada da redução dos salários reais. A seguir-se a política trilhada pelo actual Governo, há de novo o risco de se acentuar a diminuição de professores qualificados, risco tanto mais acentuado, quanto tem de aumentar, de modo sensível, o número de professores pós-ensino primário sem o que a taxa de escolarização global permanece irrisória.
Sr. Presidente, Srs. Deputados Srs. Membros do Governo: Será possível, em Portugal, satisfazer, de imediato, as necessidades de um ensino democrático, o que implica aumento de gastos sensíveis no âmbito das instalações e equipamento escolar, do apoio social escolar, das remunerações dos professores?
A resposta 6 negativa. Mas, o que é viável é inverter a situação dos últimos anos, e, de modo gradual, nos irmos aproximando em percentagem de gastos públicos com a educação em relação ao PNB, da média mundial e europeia. A existência de meios depende, em grande parte de uma opção política, que terá de ser acompanhada de uma política de desenvolvimento que faça crescer o PNB, o que aumenta assim de mais de um modo os meios financeiros.
Lembramos que, durante o Salazarismo, não existiam meios financeiros para aplicar na valorização escolar e profissional dos portugueses, mas depararam-se recursos para alimentar uma guerra iníqua, condenada, de início, a inevitável derrota, e à perda de vida de jovens e adultos, dignos de uma vida próspera e feliz.
A permanecer uma situação próxima da existente no sector de ensino, Portugal será um país menor no quadro europeu; menor não pela sua reduzida dimensão, mas porque não enfrenta as questões, que pode encarar de que depende a sua dignificação e a dos seus habitantes.
Mas, não basta aumentar, urgentemente, as verbas com a educação.
Há que a gerir, de modo racional o que implica um planeamento calendarizado, e a reestruturação dos serviços centrais.
Cumpre, também, criar condições para que o sistema escolar se democratize, isto é, que alargue frequência, que acresça o sucesso escolar, e, que, simultaneamente, este não dependa principalmente, do grupo social em que os alunos se inserem. Sem conjugar estes 3 factores, a democratização do ensino constitui um mito, pelo que o sistema escolar, em vez de incentivar a permeabilidade social, a restringe, reproduzindo os vícios de uma estrutura que padece de excessivas discriminações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A resolução das questões do ensino, a encarar numa perspectiva dinâmica, da solução de umas resulta a proposição de outras, exclui o recurso a soluções demagógicas, de que a pretensa criação do ensino técnico-profissional constitui exemplo significativo. Criou-se o ensino técnico-profissional abrindo 630 inscrições em cerca de 2 milhões de alunos (0,03 %), num momento em que estavam inscritos no ensino técnico-profissional, sem considerar o terciário, cerca de 40 mil alunos. Seria crucial tentar resolver as carências do ensino profissional existente, mas, de modo espectacular, optou-se por apresentar uma quimera ao gosto do seu criador.
Importa formular propostas com o mínimo de credibilidade. Em Fevereiro passado, o Ministro da Educação, garantiu no Fundão em resposta a uma pergunta sobre o futuro da escola do magistério primário, que não era política do Ministério da Educação encerrar escolas. 3 meses • ocorridos seguindo a velha política de Carneiro Pacheco, em 1936, o Ministério da Educação manda encerrar a matrícula no primeiro ano das escolas do magistério primário, apesar da crescente falta de professores do ensino primário e de educadores de infância, sem formular a versão alternativa.
A superação das carências orçamentais com a instrução pública assume múltiplas dificuldades, agravadas com a política deste Governo. Bem o sabemos. Mas, constitui uma dificuldade dirigida a todos nós, que é, de igual modo, um desafio a ânimos resolutos, que têm de executar uma política que possibilite o progresso do País, a consecução para os seus habitantes do futuro a que têm jus. Se assim não se fizer e a continuar a actual política do Ministério da Educação põe-se em risco a independência nacional e a realização dos portugueses num plano digno e dignificante.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Informo o Sr. Deputado António Taborda que gastou mais 9 minutos, os quais serão descontados no período do debate.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação (Augusto Seabra): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num Estado constitucional e democrático, que é aquele em que vivemos e temos de solidamente alicerçar, é perfeitamente normal que um partido da oposição interpele o Governo, provocando a abertura de um debate sobre este ou aquele aspecto da sua política geral. No caso vertente foi sobre os objectivos da política educativa e sua expressão concreta que os deputados do Grupo Parlamentar do MDP/CDE, Helena Cidade Moura, António Monteiro Taborda e João Corregedor da Fonseca resolveram, nos termos da Constituição e do Regimento desta Assembleia, suscitar tal debate. Como debate e só como debate - isto é, confronto de ideias - tomaremos o objecto da interpelação, quaisquer que possam ser as suas motivações ou intuitos, os a priori ou preconceitos de que parte, as reservas mentais ou ideológicas de que se nutre.
Entendemos que a democracia parlamentar se deve dignificar pela objectividade e serenidade do diálogo mesmo quando sirva para alguns de biombo, senão de cavalo de TRÓIA. Se isso assim é para todo e qualquer debate político a fortiori o há-de ser no domínio da educação que, pela sua natureza, se situa acima das divisões das querelas secundárias e que suscita a preocupação comum de todos os cidadãos quaisquer que sejam as suas convicções.
Tal não significa, evidentemente, que sobre a educação tenhamos de estar de acordo. Há concepções que neste campo são irredutíveis, a começar pelos que opõem uma concepção democrática e patriótica a qualquer visão de laivos totalitários ou que ponha em causa os valores fundamentais que nos definem civilizacionalmente como povo.

Aplausos do PSD.

Mas, para lá desses casos extremos, é possível prosseguir «uma política educativa de fundo consenso

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nacional», como defendemos ao apresentar a este Assembleia o programa de educação do Governo, que por ela foi aprovado e, no âmbito da política geral deste Executivo, mereceu muito recentemente a sua confiança, como vem merecendo o apoio de largos sectores da opinião pública e do País. Num momento em que, em países próximos, a educação vem dando lugar a profundas fracturas como é o caso da França pelo reacender de velhos demónios - reconheçam ao menos os eternos contestatários negativistas que, nesta área, o Governo tem conseguido uma paz, e um equilíbrio invejáveis ...

Aplausos do PSD.

Vozes do PCP: - Vê-se ...í

O Orador: -... respeitando como respeita, democraticamente, a liberdade do ensino, seja ele público, particular ou cooperativo, tenha ele um cunho laico ou confessional.
Honro-me, como Ministro de Educação, com a equipa ministerial que dirijo, por ter contribuído, em tempos difíceis, de ânimos acesos e conturbados, para que a tolerância seja uma vivência entre nós, no plano educativo - o que já não é pouco, reconheça-se.
Mas sendo o debate centrado sobre os objectivos da política educativa do Governo e a sua expressão concreta, é nesses precisos e estritos termos que o travaremos. E é bem simples, afinal, aferir o cumprimento de tais objectivos: basta comparar, passo a passo, as principais orientações e as principais medidas constantes do seu Programa com as realizações levadas à prática neste ano de Governo, embora o Programa seja para 4 anos.
Será essa comparação estrita, desde que feita com objectividade e isenção, isto é, com um mínimo de boa fé, que permitirá ajuizar o nosso trabalho. Ver-se-á que não fizemos apenas promessas não cumpridas, mas que honrámos a palavra empenhada. Os portugueses, que nos julgarão, é sobre isso mesmo que se hão-de pronunciar, como os Srs. Deputados, seus legítimos representantes democráticos. Não nos impressionam as campanhas sistemáticas, as cortinas de fumo, os ataques ad hominem, o catastrofismo e o bota-abaixo que, pelo seu uso e abuso, perderam toda a credibilidade e verosimilhança - e desiludam-se os que pensam o contrário!

Aplausos do PSD.

As manifestações recebidas das forças espirituais, culturais, sociais e económicas que contam no nosso país, são a expressão concreta de uma base maioritária de apoio que às minorias, por mais ruidosas ou insidiosas, falece.
Mas vejamos concretamente, Srs. Deputados, se conseguimos ou não mostrar na prática que há uma política educativa deste Governo. Uma política educativa, Sr." Deputada Helena Cidade Moura, não pode deixar de ser antes de mais a definição de valores porque na educação, que é fundamental para a formação de personalidades, sem defendermos determinados valores de base estaremos pura e simplesmente a condicionar as crianças e os jovens.
Ora, os valores que defendemos. Sr.ª Deputada, são os que vêm no Programa do Governo: inspiração nos valores civilizacionais e culturais que nos definem como povo e constituem a nossa identidade nacional na sua irradiação universalista cuja herança histórica se impõe transmitir às gerações presentes e futuras em democracia, no respeito dos valores dos outros, sem pretender impor ideologicamente programas nem aqueles objectivos que alguns secretamente nutrem e que são os de tornar a educação um instrumento para a imposição de qualquer poder totalitário.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, somos patriotas, somos portugueses embora sejamos homens universais como provamos pela História e não nos envergonhamos de ter feito um despacho para que o hino e a bandeira nacionais sejam respeitados nas nossas escolas quando eram vilipendiados por certos sectores comunistas.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Não nos envergonhamos de ter decidido criar a disciplina de educação cívica quando alguns pretenderam, em 1974-1975, através da introdução à política, não fazer uma formação cívica mas condicionar ideologicamente no sentido totalitário as crianças portuguesas.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Isso no ano do centenário de António Sérgio a quem quero aqui prestar homenagem, embora António Sérgio, quando ministro, também tenha tido, devido a alguns sectores parlamentares, uma atitude que o levou a sair do poder quando defendia uma política educativa que era, para a época, uma política evoluída e que veio depois a inspirar a oposição democrática portuguesa e nos inspira a nós, hoje, com toda a honra, sociais-democratas e socialistas, porque temos pontos de referência comuns que procurámos levar a cabo na política educativa.
Mas há ainda um outro aspecto que queria pôr em relevo e que consta das principais orientações do Governo: o do reconhecimento de que a educação, na actual situação de crise económica, social e moral, constitui um factor decisivo para a reconstrução do País pois dela depende a preparação da juventude através do saber, da criação e do trabalho, pelo que importa adaptá-la com realismo às nossas circunstâncias concretas tornando-a um factor de desenvolvimento, progresso e equilíbrio.
Pois bem, isso traduziu-se numa prioridade do Programa do actual Governo já não em termos de orientações mas em termos de medidas e que é a institucionalização da via profissional no ensino secundário, através de um plano de emergência para a reorganização do ensino técnico que permita a satisfação das necessidades do País em mão-de-obra qualificada bem como a prossecução de uma política de emprego para os jovens.
Era a primeira das 100 medidas do PS e louvo-me de contribuir para a levar a cabo; era uma das medidas fundamentais do PSD e louvo-me de levar à prática esse Programa: era uma exigência que todos os especialistas da educação reconheciam mas que não tinha havido a coragem de levar à prática. Não ando

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na educação apenas desde que regressei a Portugal no 25 de Abril, trabalhei na Argélia, em França, na OCDE...

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Volte para lá!

O Orador: - ... e conhecia perfeitamente o problema, como aqui numa sessão desta Assembleia o demonstrei.
O problema era este: quando os países europeus evoluídos, os países ocidentais já se estavam a encaminhar para encontrar uma diversificação do ensino secundário aconteceu que em Portugal, por fanatismo atrasado, se pretendeu destruir o pouco que havia no domínio do ensino técnico-profissional.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

E facto pode ler-se na relatório do OCDE anterior à tomada de posse deste Governo que o mais urgente no nosso país (c)rã lançar o ensino técnico-profissional que não existe.
Referirei o que o encontra no relatório da OCDE porque aqui se falou de ensino técnico-profissional existente em Portugal quando o Governo tomou posse. É manifestamente urgente lançar um sistema de ensino técnico-profissional que não existe, de facto, porque havia uma via profissionalizante, caracterizada por levar a um impasse tendo nós ainda agora, neste momento, que criar um diploma para os jovens do 12.º ano da via profissionalizante que não tiveram acesso ao ensino superior nem tiveram um diploma para entrar na via activa e todas as formas vocacionais de ensino existentes eram apenas uma sensibilização epidérmica sem terem o subtracto concreto de informação profissional.
Procurámos seguir as indicações e os conselhos dos técnicos da OCDE com os quais pude trabalhar antes do 25 de Abril, diga-se de passagem, sendo expulso da OCDE por intervenção do Governo português quando outros em Portugal continuavam no ensino apesar de terem determinadas ideologias. Mas o que é certo é que o ensino profissional não existia em Portugal, não havia um formação técnica adequada a uma profissão, não havia a satisfação da necessidade de mão-de-obra qualificada das nossas empresas, como tem reconhecido a Associação Industrial Portuguesa, o Conselho Empresarial do Norte e muitas outras associações de empresários que connosco têm colaborado neste projecto de relançamento do ensino técnico-profissional.
Diria ainda que mesmo o desemprego em Portugal, contrariamente ao que já foi afirmado, não dependia apenas - e isto é comprovado por um outro relatório da OCDE - da falta de postos de trabalho mas também de uma inadequação da oferta e da procura. Esse relatório recomenda que uma política de emprego para os jovens, nos grupos etários de 15 a 19 anos e de 20 a 24 anos, deve começar pela sua preparação através da obtenção de um diploma para o exercício de uma profissão.
Os técnicos da problemática do emprego sabem muito bem que esta questão não é apenas numérica, é também uma questão qualitativa, e o grande problema que preocupa actualmente os países europeus desenvolvidos é o facto de eles não terem, até há pouco, uma adequação do sistema de ensino às necessidades das transformações industriais contemporâneas.
Pude constatar recentemente, ao visitar liceus profissionais em Franca bem como escolas técnicas, que os alunos se iniciam nelas aos 14 anos, contrariamente ao que acontece entre nós, porque não nos foi possível actuar senão ao nível do ciclo complementar do ensino secundário. Isto acontece por uma razão de prudência: é que não podemos alterar o sistema educativo, antes de mais porque não existe uma lei de bases e, em segundo lugar, porque é necessário começar por actuar nos locais onde a carência é maior.
No entanto, aqueles que leram o despacho normativo e que conhecem a política seguida devem saber que distinguimos os cursos profissionais propriamente ditos de 1 ano seguido de melo ano de estágio, dos cursos técnico-profissionais de 3 anos, porque mesmo ao nível do ciclo complementar temos de dar preferência em multas zonas do Paio, nomeadamente no interior, às necessidades de uma formação mais acelerada que conjugue a formação na escola e nas empresas.

Aplausos do PSD.

Por outro lado, tivemos que colaborar com o Ministro do Trabalho e da Segurança Social num processo de lançamento da aprendizagem, sem a confundir com o ensino profissional, porque a aprendizagem destina-se aos jovens que já abandonaram a escolaridade obrigatória, enquanto o ensino profissional bem como o técnico-profissional se destinam aos jovens que continuam ainda a ter uma escolarização.
Esta foi a razão por que demos preferência, nas inscrições para o ensino profissional, aos jovens que tinham o 9.º ano de escolaridade e que se preparavam para abandonar o ensino, enquanto nos cursos técnico-profissionais de 3 anos demos preferência aos jovens já inscritos para que eles pudessem ter um ciclo complementar adequado, isto é, esta actuação consiste também num contributo para recuperar para o sistema educativo jovens que de outro modo o abandonariam.
É que nós pensámos na experiência histórica do António Augusto de Aguiar, há 1 século, quando criou a Escola Campos de Melo na Covilhã ou a Escola de Vila Nova de Gaia ou a Escola Infante D. Henrique, no Porto. Nessa altura foi cometido o erro de se ter começado com um grande número de inscrições que, nos anos subsequentes, vieram a declinar, o que é, aliás, muito típico de uma pecha da nossa mentalidade, que consiste em ter a megalomania de lançar grandes projectos.
Não, o nosso foi um projecto que, como se diz no Programa do Governo, é de emergência e corresponde, na sua 1.ª fase, exactamente à fase de emergência do programa financeiro do Governo. Por isso mesmo é que não tivemos de fazer grandes despesas com o lançamento do ensino técnico-profissional. Tenho-as, aliás, aqui especificadas e posso dizer que o total das despesas, foi, este ano, de 187000 contos e, no próximo ano, irá menos que triplicar, apesar de o número das experiências triplicar.
Isto é possível porque recuperámos equipamentos, pusemos de novo os professores profissionalizados a dar aulas no seu âmbito específico de competência, recuperámos, portanto, espaços, equipamentos, homens

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e fizémos uma política de rigor e de austeridade, mas introduzindo o que chamamos uma mutação estrutural.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Estrutural é com o Mota Pinto!

O Orador: - Porque a mutação estrutural, Srs. Deputados, é reconhecida pelas populações, pelos jovens, pelos empresários da Associação Industrial Portuguesa ou das associações industriais e comerciais de várias cidades, pelo Conselho Empresarial do Norte, é ainda reconhecida por muitos quadros que, aliás, desejam voltar ao ensino, quando o tinham abandonado, e que agora me apresentam por vezes o seu cartão de identidade com o título de professor do ensino técnico-profissional, vindo engrossar o apoio de que dispomos na opinião pública.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Gostaria de dizer, Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, que considero muito positiva a intervenção de V. Ex.ª, na medida em que gastou a quase totalidade do seu discurso com o ensino técnico-profissional. Isso em termos de sinal é significativo, tratando-se de um partido minoritário ligado predominantemente a um outro partido também minoritário, ...

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Agora batam palmas!

O Orador: - ... pois esses sectores, na verdade, sempre que tocamos com o dedo na ferida, que não ficamos pelas palavras e que passamos aos actos, ressentem-se; porque aqueles que destruíram o ensino técnico-profissional nada farão para se juntar a nós, antes procurarão continuar na mesma senda da desestabilização social.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Mas percorramos as diversas medidas do Programa do Governo: falamos da preocupação com a escolaridade obrigatória e elaborámos um decreto-lei que foi aprovado num dos últimos Conselhos de Ministros e que sistematiza aquilo que era difuso, integrando algumas lacunas, sem introduzir aquelas inovações com carácter repressivo que alguns pretendiam que iríamos introduzir.
Sim, porque nós defendemos que a escolaridade obrigatória não depende apenas de um diploma, mas depende também das condições sociais. Devo referir, Sr.ª Deputada, pois talvez o ignore, um despacho meu e do Sr. Secretário de Estado do Ensino Básico Secundário em que, apesar de se ter transferido para as autarquias os auxílios económicos directos, nos comprometemos, ainda este ano, no último trimestre do ano civil e no primeiro do ano escolar, a manter o programa do leite escolar, E não apenas o mantivemos este ano, como vamos mante-lo no próximo ano, ficando libertos, pelo menos, 300 mil contos que as autarquias poderão utilizar para o transporte do leite, contrariamente às calúnias que apareceram nos jornais.

Aplausos do PS e do PSD.

Deve saber-se também que este Governo, no momento em que estava a fazer grandes sacrifícios, conseguiu aumentar os subsídios aos estabelecimentos que necessitavam de um aumento, devido à carestia dos géneros alimentícios, com um efeito retroactivo nos casos em que fosse demonstrado que era necessário, de facto, em determinadas zonas, recorrer a um complemento para manter o orçamento das cantinas.
Não o fizemos indiscriminadamente porque sabemos muito bem o que se passa quando atribuímos simplesmente subsídios sem fazer um controle da respectiva gestão. Somos responsáveis e quando tomamos medidas desta natureza a noção do que elas significam na prática e queremos que sejam, de facto, eficazes.
Através de medidas relativas à orientação escolar e profissional, estamos agora a lançar um sistema de orientação escolar e profissional com conselheiros, procurando assim contribuir para que, no futuro, não aconteça o que tem acontecido em Portugal; há jovens com vocações, com inteligência, com capacidade, que não podem continuar os seus estudos, às vezes não apenas por falta de meios económicos mas também por falta de uma devida orientação.
Vamos realizar esse projecto, e devo dizer que ele corresponde à necessidade de uma generalização daquilo que já era feito mas de uma forma restrita, sobretudo na Região da Grande Lisboa e do Porto. Queremos um sistema nacional de orientação escolar e profissional.
Procuramos também na senda dessa orientação que o ingresso no ensino superior seja determinado por uma racionalidade, e por isso é que tentámos que se fosse mantendo o ritmo actual desse ingresso, com alguns ajustamentos, fazendo algumas alterações que, pouco a pouco, irão drenar os jovens para o Ensino Superior Politécnico.
Não é verdade, Sr.ª Deputada, que eu tenha dito aqui que o lançamento do ensino superior politécnico era prematuro. O que disse é que ele teria sido mais adequado se tivesse sido feito tendo-se de antemão lançado o ensino técnico-profissional - e ainda quanto a este aspecto me socorro do relatório da OCDE sobre a política educativa portuguesa. É que esse relatório chamava justamente a atenção para o facto de que o ensino superior politécnico não devia ser uma 2.ª via, mais custosa de acesso ao ensino superior, mas sim uma forma de orientar adequadamente, até em termos regionais, o acesso a este ensino.
É precisamente isso que estamos a fazer, através de organismos adequados, através da Comissão de Coordenação das Escolas Superiores de Educação que foi criada depois que esta equipa ministerial exerce o poder através do conselho coordenador do Conselho Superior Politécnico e através do diálogo com as autarquias e com as comissões de coordenação regional. Sabemos que é preciso ajustar o ritmo do lançamento do Instituto Superior Politécnico nesta ou naquela região, diversificando de acordo com as suas necessidades específicas.
Aproveito a oportunidade, se me permitem, para rectificar uma afirmação que tem sido divulgada pelos órgãos da comunicação social e que não corresponde à verdade. Não é verdade que tenhamos encerrado as escolas do Magistério que foram citadas, não é sequer verdade que tenhamos eliminado o numerus clausus no 1.º ano. O que acontece é que estamos a estudar, de uma maneira muito precisa, qual é o calen-

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dário da entrada em funcionamento das escolas superiores de educação e posso garantir às populações, aos professores e até aos autarcas que se interessam por este problema que nenhuma escola do magistério será fechada eu já reabri pelo menos uma e reabri o 1.º ano noutras - enquanto não houver a certeza absoluta de que na respectiva região passará a funcionar uma escola superior de educação.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma política com estatura!

O Orador: - Consideramos também que a formação dos professores é um elemento fundamental do desenvolvimento do planeamento do ensino. Ë mesmo aquele elemento que é menos maleável porque exige um tempo maior. Pode haver investimentos em capital, podem construir-se edifícios, mas formar professores leva toda uma geração.
Essa foi a pecha que impediu que o alargamento do ensino preparatório em 68 desse os seus frutos devidos. Foi isso também que impediu que a reforma de 1973, que foi positiva, tivesse no plano qualitativo uma correspondência ao aumento quantitativo, não apenas da frequência do ensino preparatório mas até por contágio do ensino secundário. É isso que tem impedido que muitos países desenvolvam programas que estejam adequados ao desenvolvimento económico social e cultural pois a qualidade é um factor decisivo, como o provam o caso do Japão e dos Estados Unidos, relativamente à Europa, e isso preocupa os responsáveis das políticas educativas nacionais europeias, como preocupa os organismos internacionais.
Entendemos que a formação dos professores deve ser não apenas para o ensino público mas também para o ensino particular. Desconhece-se, muitas vezes, que nas escolas primárias particulares os professores não têm nenhuma formação pedagógica, não se sabe que é necessário também actualizar e reciclar os professores do ensino primário, e para tal é preciso manter as escolas do Magistério em funcionamento, mesmo quando forem criadas, nalguns casos, as escolas superiores de educação.

Aplausos do PSD.

Gostaria também de dizer-lhes que, para que haja professores com dignidade no plano dos direitos profissionais, no plano da formação pedagógica, no plano da sua valorização permanente, é preciso que eles tenham um estatuto profissional. Este governo insere véu no seu Programa a preparação de um estatuto da carreira docente do ensino não superior, à imagem do estatuto que já existe para a carreira docente do ensino superior, e está a cumprir a sua promessa, porque a 1.ª fase de elaboração desse estatuto já está a chegar ao seu termo, tendo as federações sindicais de professores recebido o elenco dos domínios que virão a ser contemplados nesse estatuto.
Entendemos que essa valorização não se deve fazer apenas pelo tempo de serviço mas pela qualidade do serviço, não apenas pela inércia mas por uma renovação constante. Vamos introduzir uma maleabilidade no plano longitudinal e lateral; vamos permitir que alguns professores do ensino primário possam ser professores do ensino preparatório, ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... que alguns do ensino preparatório possam vir a ser professores do 1.º ciclo do secundário.
Vamos, enfim, permitir que desapareça uma pecha nossa, que consiste em julgar que um professor só deve ter uma profissionalização para um sector muito restrito, o que, aliás num período de grandes mutações educativas e culturais, impede até os professores* de alargarem o seu horizonte.
Vamos, portanto, permitir que haja uma maior mobilidade na utilização dos professores quando eles revelarem capacidade para isso, através de ura apoio pedagógico adequado. Sem professores não há ensino e lemos, portanto, que valorizá-los, que ajudá-los a assumirem a sua profissão, não apenas como funcionários públicos mas como homens de missão, homens de serviço, porque não há nada mais nobre do que ser professor.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Admitimos que sobre todos estes problemas haja divergências, haja opiniões diversificadas e críticas. No próprio seio da maioria são bem-vindas todas as contribuições que sejam apresentadas, são bem-vindas sugestões e nós preferimos que nos apontem um erro a tempo do que venham a posteriori...

Risos do PCP.

... dizer «erraram» porque, na verdade, nesse caso haverá uma má fé, e eu vou recorrer ao contributo de todos os responsáveis do Ministério da Educação.
Devo informar que se não foi ainda constituído o Conselho Nacional de Educação foi porque um partido - escuso de dizer qual - requereu a ratificação do respectivo decreto e a Assembleia da República decidiu não indicar o seu representante. Ora, nós respeitamos esta Assembleia e, como esta ainda não indicou o seu representante, aguardaremos que esse facto se consuma para vitalizarmos aquele conselho, aceitando que no debate sobre a ratificação venham a ser introduzidas alterações pertinentes, se assim for o caso dos partidos da maioria, porque é evidente que é destes partidos que emana a nossa legitimidade.
Nós fazemos a política da maioria, como fazemos a política do consenso nacional, não fazemos a política de minorias, de sectores que o eleitorado não reconheceu como representando a vontade geral do País.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É de muita profundidade este discurso!

O Orador: - Perante tudo isto, que credibilidade tem a afirmação do MDP/CDE de que, passado 1 ano desde a tomada de posse do actual Executivo - e cito - «ainda não foi defendia na sua globalidade e com clareza uma política de educação»?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E vê-se, basta ouvir o seu discurso!

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O Orador: - Talvez por se dar conta da falta de verosimilhança de tal afirmação e já Aristóteles dizia na «Retórica» que, quando não é verosimilhança no discurso político, ele não é eficaz - é que o grupo parlamentar desse partido, aliás da reduzidíssima expressão eleitoral, apesar das suas veleidades unitárias, parece querer dissolver a interpelação ao actual Governo numa interpelação aos Governos dos - cito - «últimos 5 anos», assacando-lhes globalmente e indiscriminadamente - cito - «a degradação gravíssima do sistema educativo». Ao afirmá-lo, aquele partido bate, convenhamos, o record de meter neste saco 5 ministros pertencentes aos governos de iniciativa presidencial -incluindo o de Maria de Lurdes Pintasilgo ...

Risos do PSD.

... Aos vários governos da Aliança Democrática e ao governo de coligação do Partido Socialista e do Partido Social-Democrata. Srs. Deputados, segundo o MDP/CDE nenhum desses governos nem nenhum desses ministros teve uma política educativa!
Vão muito longe, porém, os Srs. Deputados do MDP/CDE pois dizem que tem havido mesmo - cito - «o propósito de não definição de uma política educativa e do seu respectivo planeamento». Afirmação cujo alcance, pela sua monstruosidade, se pode medir ao ser completada por uma recente declaração da deputada Helena Cidade Moura, em jeito de pré-interpelação. Afirmou ela - pasme-se! que «o Ministério da Educação vive, pelo menos, há 5 anos, numa semiclandestinidade, numa espécie de reserva folclórica do Estado, semimuseu, semi-espectáculo de variedades ...

Risos do PCP.

...e os seus titulares são negados por todas as estruturas da juventude, todas as estruturas sindicais de professores», etc., etc.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A prova está à vista!

O Orador: - Não, Sr. Deputado, desculpar-me-á que lhe diga, mas tal diatribe, pela sua veemência excessiva, tem todas as características de uma denegação sintomática, em termos psicanalíticos.

Aplausos do PSD.

É que, Sr.ª Deputada, como todos os portugueses livres sabem, a «semiclandestinidade» no Ministério da Educação não pode nem deve ser nunca do Estado ou do Governo, mas sim dos elementos que no Estado se infiltraram há uns 10 ou mais anos -e não 5 - a esta parte, provindos de sectores com que a Sr." Deputada tem feito bom mênage e que, ainda hoje, como se sabe, campeiam a vários níveis da Administração ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Então porque não os manda embora?

O Orador: -... e dos estabelecimentos de ensino do Ministério da Educação.
E isso apesar da resistência tenaz iniciada pelo Ministro Sottomayor Cardia no I Governo Constítucional, com uma coragem, uma lucidez e uma determinação a que quero, uma vez mais, prestar pública homenagem.

Aplausos do PS e do PSD.

Não somos nós mas a Sr." Deputada que falamos de semiclandestinidade no Ministério da Educação, o que é inadmissível em termos constitucionais se se refere ao Estado e ao Governo, mas certamente trata-se de um lapso denegatório que delicadamente, e por pudor, apelidei como algo de psicanalítico.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nessa linha de resistência à tentativa de domínio totalitário me inspiro, bem como os meus colegas da equipa ministerial, e eles principal razão da cólera e do esbracejar de certas forças contra a política de não pactuação com aqueles que querem controlar um importante instrumento de condicionamento ideológico: a educação das nossas crianças, dos nossos filhos que ficariam, se com isso pactuássemos, à mercê de todas as formas de lavagem ao cérebro conhecidas na panóplia dos regimes totalitários.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mais palmas!...

O Orador: - Mas falemos de coisas sérias e deixemos esse submundo do delírio ou da paranóia ideológica.
A política do Ministério da Educação desde que há governos democráticos maioritários tem sido precisamente o contrário do que pretende a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
O esforço feito, por exemplo, no domínio das construções escolares já que citou uma carta de Eça de Queirós a Pinheiro Chagas onde diz que somos pequenos porque não temos escolas -, é de relevar justamente no sentido que se contrapõe ao que insinua. Ou ignora a Sr. Deputada que desde 1980 os governos têm vindo a dar uma grande prioridade às construções escolares, com programas especiais que permitiram passar do ritmo anual de cerca de 10 escolas a um ritmo de cerca de 50 novas escolas por ano?

Uma voz do PSD: - É verdade!

O Orador: - Não é suficiente, admitimos. Mas quando inauguramos uma escola as populações do interior do País sabem qual é o seu preço e sabem apreciá-lo pelo seu justo valor. Não reagem com aquele criticismo miudinho que caracteriza os nossos contestatários profissionais quando uma obra é feita.

Risos do PCP.

Como a propósito do problema educativo diziam os homens da «Seara Nova» referindo-se a críticas semelhantes de que foram vítimas no fim da República «ataca-se a obra no seu conjunto, com arranques de neuropata e cegueiras de touro em fúria».

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Temos aí um belo exemplo!

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O Orador: - Essas cegueiras de touro em fúria não são para os portugueses dignas de credibilidade. Merecem, quando muito, o diapasão que nós conhecemos de retransmissão através de canais que são preparados para esse fim.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que não merece é a credibilidade da grande maioria da população portuguesa, dos pais dos alunos, dos professores democráticos, de todos aqueles sectores que, na verdade, apoiam a nossa política educativa.
E nós temos ainda muito a realizar. Sr.ª Deputada e Srs. Deputados: Temos ainda que corrigir algumas carências no plano financeiro, por exemplo, a começar pela reforma estrutural do nosso orçamento do Ministério da Educação que, como deve saber ainda contempla cerca de 86 % de despesas com pessoal sem que se tenha ainda feito o necessário para se equilibrarem mais as despesas de pessoal com as despesas de funcionamento.

Protestos do PCP.

E devo dizer, Srs. Deputados, que não me impressionam as interrupções porque estou habituado a falar calmamente ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Nota-se!

O Orador: -... mas com aquela firmeza e convicção que vem de uma luta que talvez alguns dos senhores conheçam e que não passou apenas pelo hemiciclo da Assembleia da República mas passou por outras instâncias em que, desde jovem, não hesitei em comprometer-me.
É que ser Ministro da Educação ou ser membro da equipa governamental num período de rigor e austeridade, num período de dificuldades financeiras e em que muitas vezes, por falta de meios legais, não podemos introduzir aquelas alterações que desejaríamos, significa, na verdade, um desgaste, significa um serviço que se presta ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Vá descansar!

O Orador: - ... e que, neste caso, é prestado com um ânimo aberto, com uma disponibilidade total e com aquele entusiasmo de trabalho concreto que penso dever caracterizar quem exerce funções de Estado e de Governo.
Também nós defendemos que deve haver uma lei de bases do sistema educativo. Se ler o Programa do Governo verá, Sr. Deputado, que defendemos até, se necessário, a apresentação à Assembleia da República de uma proposta de lei de bases ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Se necessário?!... Isto ó demais!

O Orador: -... mas retomando e melhorando o contributo de outros projectos anteriormente submetidos ao Parlamento, já recentemente existe um projecto - que quero saudar-, apresentado por um dos partidos da maioria ...

Risos do PCP e da UEDS.

... e que estamos a estudar com cuidado para ver se o podemos harmonizar com as propostas (neste caso não era termos de proposta de lei mas que, eventualmente, pode mesmo ser um projecto) a apresentar pelos deputados do outro partido da maioria.

Aplausos do PSD e do Sr. Deputado Sottomayor Cardia, do PS.

Risos do PCP.

E iremos igualmente procurar que o contributo de partidos democráticos da oposição seja tido em conta porque eles também representam um sector do País.
Mas, já agora, Sr.ª Deputada, a propósito da lei de bases, devo dizer-lhe que não compreendeu aquela metáfora, porque não compreendeu o que é uma metonímia relativamente à metáfora, que é tomar a parte pelo todo. A Sr.ª Deputada deve reciclar-se em retórica, pois não compreendeu que «efeitos da abóbada» era metonímia e não uma metáfora.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Risos do PCP.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Vide a Batalha!

O Orador: - Apesar disso sempre lhe quero dizer, Sr.ª Deputada, que, por exemplo, o relatório sobre a política educativa da OCDE punha este problema, ou seja, o de temer que se consagre um interesse desproporcionado a discussões e a controvérsias puramente teóricas sobre uma lei quadro.
No entanto, nós não seguimos necessariamente as opiniões da OCDE, embora as tenhamos em conta, e nesse sentido escolhemos o momento que me parece ser o mais adequado para a implementação de tal lei: é que uma lei quadro, ou uma lei de bases do sistema de ensino português, pode ter um grande interesse no momento em que entrarmos para a Comunidade Económica Europeia, porque temos que adequar os sistemas educativos sem prejuízo da sua originalidade no âmbito nacional.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Muito bem!

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Há que esperar!

O Orador: - Há problemas de competência e, por outro lado, ainda agora em Frankfurt, em reunião com os professores de Português, me puseram o problema da grave preocupação dos nossos emigrantes quanto às equivalências no domínio do ensino técnico-profissional.
Por isso é que é bem-vindo o contributo daqueles que já apresentaram projectos, como é bem-vindo o contributo de outros que queiram fazê-lo.

Risos do Sr. Deputado Jorge Lemos, do PCP.

E nós no Ministério da Educação, temos alguém que está a coordenar um grupo de trabalho que já forneceu à Assembleia da República elementos de tipo comparativo sobre os diferentes projectos e sobre a proposta de lei de bases da Aliança Democrática porque entendemos que devemos cooperar com o Parla-

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mento num trabalho comum embora, evidentemente, seja da plena responsabilidade e competência desta Assembleia a votação de uma lei de bases, uma vez que a nossa Constituição entendeu que nesta matéria devia ser a Assembleia da República a verdadeira instância para definir as bases do nosso sistema educativo.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

As abóbodas também têm base!

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Vide a Batalha!

O Orador: - Sr.ª Deputada, muitas vezes as abóbadas ajudam a manter o equilíbrio do edifício, como sabem os arquitectos e até os engenheiros.

Risos da UEDS.

É evidente que o sistema educativo português deve resultar de um processo de maturação precedido de um debate e não sair da cabeça de Minerva ou do voluntarismo de qualquer responsável. Temos de ouvir as forças espirituais, temos de ouvir as forças morais e culturais do País, temos de ouvir as forcas sociais e as forças económicas. Temos, enfim, que debater profundamente uma lei de bases para que ela seja consistente.
Creio que a Assembleia da República se honrará se o Conselho Nacional de Educação vier também a dar o seu contributo, quando for possível constituí-lo definitivamente, ou seja, uma vez terminado o debate de ratificação pedido por um partido e que ainda não teve lugar porque, pelos vistos, o seu objectivo é apenas o de paralisar o Conselho Nacional de Educação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não se meta no que não sabe! Isto é demais!

O Orador: - Mas também lhes quero anunciar aqui, hoje, que está finalmente constituída a Comissão Interministerial de Juventude, que - posso anunciar - será tornada pública na próxima semana e terá por função pronunciar-se também sobre alguns aspectos que digam respeito ao futuro dos nossos jovens. Aliás, não será apenas no domínio educativo mas nos domínios do trabalho, do emprego, da habitação e da qualidade de vida.
Queria, aliás, saudar o facto de termos entre nós o Ministro da Qualidade de Vida ...

Risos do PCP.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - Que por acaso dormia!

O Orador: -... que vai colaborar connosco no objectivo de ajudar a encontrar uma política educativa que, segundo os técnicos das instâncias internacionais da OCDE ou da UNESCO actualmente em Portugal, deve ser essencialmente dominada pela preocupação de qualidade. Isso mesmo está aqui no relatório sobre a política educativa em Portugal.
Aliás, honro-me de a UNESCO, que é uma instância universal, ter estudado o nosso projecto de ensino técnico-profissional e ter reconhecido -e digo-o sem qualquer vaidade que ele era de bom nível. Abstenho-me mesmo de utilizar o adjectivo que o relatório indica e que correspondia exactamente àquilo que está a ser feito, não apenas nos países europeus desenvolvidos, nos Estados Unidos ou no Japão, mas em outros países.
Quero dizer, ainda, que em Macau pude constatar ...

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Este também já foi a Macau!

O Orador: - ... que o ensino técnico-profissional lançado antes do nosso está a ter um grande papel no desenvolvimento económico desse território sob administração portuguesa. Teremos todo o interesse em cotejar o que fazem outros países, mesmo de outras áreas civilizacionais, com aquilo que nós fazemos no Ocidente. Daí, a nossa vocação universalista de que eu falava e que definia a nossa política educativa.
Srs. Deputados, com a equipa ministerial que dirijo, continuaremos a trabalhar. Estamos ao serviço do povo português, das populações e estamos, evidentemente, ao serviço da maioria.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Estão ao serviço da maioria?!

O Orador: - Estamos ao serviço da política do nosso governo que é coerente e que consiste em ir relançando algumas transformações que poderão vir & ter efeitos qualitativos. Essas transformações, que nós chamamos «reformas de estrutura», são aquelas que, a prazo, mais contam, porque o efeito de uma decisão como a da implementação do ensino técnico-profissional virá a medir-se com o tempo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ainda há mais!

O Orador: - Já agora, tenho aqui o plano de alargamento, no próximo ano, do ensino técnico-profissional para o triplo em todo o continente e nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. E apesar deste projecto implicar 3 vezes mais cursos com as inerentes despesas, não implica 3 vezes mais despesas, porque nós entendemos que poderemos fazer algumas economias este ano, pelo que não será necessário triplicar os 187 000 contos gastos durante este ano.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Olhe o semáforo!

O Orador: - Pensamos que conseguiremos valorizar esse objectivo com menos dinheiro, mas para isso teremos de actuar a montante e a jusante do ciclo complementar. Evidentemente que a montante vamos ter necessidade, no futuro, de prever algumas alterações.
Quanto ao ensino superior politécnico, de que o Sr. Secretário de Estado respectivo falará quando for o momento, ele implicará o aumento de alguns encargos financeiros. Mas a verdade é que nós entendemos mantermo-nos segundo uma política de rigor e de austeridade, dentro de um controle estrito de aplicação do Orçamento, como está a ser feito este ano, mês a mês.
Fazemos aquilo que podemos, com os meios de que dispomos. Pensamos que cumprimos assim o nosso dever que é, antes de mais, um dever democrático e patriótico.

Aplausos do PSD, de alguns deputados do PS e do Deputado Vilhena de Carvalho, da ASDI.

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O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª gastou 6 minutos do período destinado ao Governo para este debate.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Eu bem o avisava do semáforo, Sr. Ministro!

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, eu queria dizer a V. Ex.ª que durante a exposição do Sr. Ministro, e por várias vezes, me senti ofendida pela forma como fui mencionada.
Para além da incorrecção de me ter chamado constantemente à atenção pessoal e eu estou aqui em representação de um partido político -, e que seria de somenos importância, o Sr. Ministro usou frases como «a senhora faz ménage com outros partidos». Realmente, eu poderia fazer ménage com quem quisesse mas, por acaso, tenho 3 filhos, 9 netos e não posso estar a ser ofendida nesta Casa.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, quer responder à Sr.ª Deputada?

O Sr. Ministro da Educação: - Sim, Sr. Presidente. Quero dizer-lhe Sr.ª Deputada que em termos linguísticos e retóricos a frase que citou é o que se chama uma metáfora incorporada na língua, porque em francês - e eu citei em francês essa expressão -, não tem o significado que a Sr.ª Deputada lhe atribuiu e que é da sua exclusiva responsabilidade e não da minha, porque eu respeito-a muito e tenho-o provado. De maneira nenhuma tive qualquer intenção de a ofender, mas apenas de utilizar um termo que é adequado em termos de metáfora incorporada na língua no léxico francês.

Vozes do PSD: - Muito bem!

Uma voz do PCP: - Fale português!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, queria apenas informar a Mesa que me considero satisfeita com as desculpas do Sr. Ministro.
As razões porque caiu nesta gaffe são da sua conta e não desta Assembleia. De qualquer maneira, considero-me satisfeita com as desculpas apresentadas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão inscritos para pedirem esclarecimentos à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, os Srs. Deputados Sottomayor Cardia e Agostinho Branquinho.
Relativamente à intervenção do Sr. Deputado António Taborda, estão inscritos para pedirem esclarecimentos, os Srs. Deputados Lemos Damião e Marília Raimundo.
Inscreveram-se ainda para pedir esclarecimentos à intervenção do Sr. Ministro da Educação, os Srs. Deputados Luísa Cachado, Mariana Lanita, Paulo Areosa, Vidigal Amaro, Jorge Patrício, Octávio Cunha, Jorge Lemos, Helena Cidade Moura, Hasse Ferreira, Raúl Brito, Jorge Reis, Jorge Góis, João Corregedor da Fonseca, César Oliveira, Fillol Guimarães, Laranjeira Vaz, António Taborda, Nogueira de Brito, Jorge Miranda e António Meira.
Srs. Deputados, estamos quase a chegar à hora regimental do intervalo para o almoço, pelo que suspendo a sessão até às 14 horas.

Está suspensa a sessão.

Eram 12 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, o País não precisa de querelas filosóficas, históricas ou pessoais.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - O País não precisa nem de generalidades, nem de exaltações, nem de emoções.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Proponho que neste debate baixemos do céu à tetra.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Acho muito bem!

O Orador: - Antes de formular uma pergunta à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, formularei quatro perguntas que são dirigidas ao Governo e a pergunta à Sr.ª Deputada será a consequência destas perguntas.
Primeira pergunta: que subsídios, a que entidades, a que título e em que valores foram atribuídos pelo Ministério da Educação e respectivos secretários de Estado desde 10 de Junho de 1983?
Segunda pergunta: que compromissos, formais ou informais, foram assumidos com as autarquias locais sobre construção de escolas de ensino preparatório e secundário, para além ou em substituição do que se encontra previsto nos trabalhos da Comissão da rede escolar?
Terceira pergunta: quais os níveis estimados de execução orçamental, qual o valor orçamental dos desvios à execução orçamental até 31 de 'Maio e quais as rubricas orçamentais em que mais significativamente se verificaram esses desvios à execução orçamental?
Quarta pergunta: quais as consequências na gestão do Ministério da Educação da aplicação do Decreto-Lei n.º 41/84?

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Como verificam, Srs. Deputados, estas perguntas são dirigidas ao Governo. Quis fazê-lo nestas circunstâncias para que o Governo dispusesse da possibilidade de, neste debate, responder a estas questões.
A minha pergunta à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura é a seguinte: porque motivo é que não perguntou coisas semelhantes ao Sr. Ministro da Educação?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos(PSD): - O interpelante é o Sr. Deputado!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que se o Sr. Ministro lhe quiser responder, incluirá as suas perguntas no grupo de perguntas que lhe irão ser dirigidas.
Sendo assim, pergunto à Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura se deseja responder ao pedido de esclarecimento já ou só no final?

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, considero a sua intervenção - perdoe-me o meu juízo de valor -, do ponto de vista do léxico, óptima.
No entanto, ouso fazer acerca dela 2 comentários.
Em primeiro lugar, revela um sentido maniqueísta das questões, ao colocar uma barreira entre o hoje e o ontem. Para a Sr.ª Deputada o ontem era bom e o hoje é mau.
O ontem era bom, e chegámos a ouvir defender aqui a actuação do Sr. Deputado Sottomayor Cardia enquanto Ministro da Educação. Era bom que nos lembrássemos do que na altura a oposição dizia acerca da actuação do então Sr. Ministro da Educação. For outro lado, pelas palavras do Sr. Deputado António Taborda, ouvimos dizer que em 1980 a governação foi boa.
A segunda consideração sobre a sua intervenção, tem a ver com o medo - ou a vertigem - que a Sr.ª Deputada tem de mudança das novas tecnologias do mundo do futuro. É que deu a impressão, a mim próprio e aos outros deputados, que a Sr.ª Deputada está um pouco céptica no que diz respeito ao nosso futuro. Permita-me que lhe diga que, em vez de uma angústia intelectual, como a Sr.ª Deputada chamou, creio que o que existe é uma certa angústia existencial. E que por vezes nós não temos capacidade de nos apercebermos dos novos tempos nem das novas ideias e aplicamos os nossos velhos dogmas às novas realidades do futuro.
A questão concreta que quero colocar-lhe diz respeito à utilização de um determinado número de dados estatísticos. A Sr.ª Deputada teve oportunidade de citar, recentemente, numa declaração política, certos dados estatísticos que provam um pouco que tem a tentação de manipular tendenciosamente esses dados. No que diz respeito à alfabetização e ao caso concreto de hoje, a Sr.ª Deputada refere na p. 12 da sua intervenção, haver um aumento das pessoas que frequentam os cursos de alfabetização com Idades compreendidas entre os 14 e os 20 anos, ou seja, indivíduos que deviam ter frequentado o ensino preparatório em tempo normal entre os anos de 1970 e 1976. Não será isso uma atitude positiva deste Governo, ao permitir que essas pessoas encontrem mais tarde as possibilidades de aprenderem o mínimo, no que diz respeito ao ler e ao escrever, o que não tiveram no passado quando as coisas estavam bastante más?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputado Helena Cidade Moura, se deseja responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra.

A Sr.ª Helena Cidade Morna (MDP/CDE): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, tenho a agradecer-lhe, em primeiro lugar, o facto de ter pedido que deixemos as querelas filosóficas porque, realmente, a realidade do País merece que se atente nela.
Em todo o caso, há um mínimo de teorização de princípios que é preciso termos bem aferidos. Não lhe citaria aquela célebre frase de que não há melhor prática do que uma boa teoria mas, de facto, sobre a definição de uma política de profissionalização há que ter em vista a complexidade dos problemas que se põe. Essa complexidade, como o Sr. Deputado sabe, não tem nada a ver com angústia mas com a capacidade de análise do mundo em que vivemos. Foi por isso que não fiz essas perguntas directas ao Sr. Ministro da Educação, uma vez que abri uma discussão sobre a política educativa que visa todo o Governo em si e não só o Sr. Ministro da Educação, de facto como o Sr. Primeiro-Ministro teve ocasião de dizer aqui-, é o Governo que se responsabiliza por esta política. Portanto, havia que pôs em causa os princípios gerais em que assenta uma política totalmente errada, totalmente antiquada e fora da realidade internacional e nacional.
Quanto ao Sr. Deputado do PSD, devo dizer-lhe que penso que deve riscar do seu vocabulário a palavra manipulação quando falar com o nosso grupo parlamentar.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Muito bem!

A Oradora: - Acontece que os dados referidos começam por ser dados da minha experiência, pois estou ligada à alfabetização. Os cursos de adultos aumentaram, de facto, nessa faixa etária. E depois tive a possibilidade de conferir esses dados com os números a nível nacional exactamente no organismo de onde os deputados devem recolher os seus dados, na Direcção-Geral de Educação Permanente -, através de um requerimento oficial enviado através desta Assembleia da República.
Sr. Deputado, as coisas de educação não se podem improvisar porque são longas e difíceis. Compreendo que frequentemente o tempo é um factor insuperável em muitos casos.
Que crianças de 14 anos estejam, hoje, nos cursos de adultos é mais do que aquilo que podemos pensar da inutilidade das políticas educativas desde essa altura!
Que crianças e que homens de 19 anos estejam nos cursos de adultos é, de facto, extremamente grave

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porque a escolaridade obrigatória deveria estar completamente implantada em Portugal, mas nós sabemos que ainda o ano passado 4000 crianças ficaram no distrito de Lisboa sem escola porque não tinham escolas nem professores; sabemos que o Prof. Vítor Crespo mandou fechar as escolas do magistério primário e sabemos que o Ministro Seabra, como o meu colega Taborda irá confirmar, continua a mandar fechar escolas do magistério primário. Ê esta atitude que deve merecer a consideração da sua juventude de quem há muito que esperar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Marília Raimundo.

A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - O MDP/CDE interpela hoje o Governo e abre um debate nos termos da Constituição e do Regimento desta Assembleia, mas na intervenção do Sr. Deputado António Taborda onde se situa a interpelação? Estará na clandestinidade? Ou foi adiada?
O Sr. Deputado fez citações sobre actuações de pessoas que nada têm a ver com este Governo, falou em estatísticas -muitas delas, aliás, ultrapassadas - constituídas por dados ultrapassados, citou números e mais números e de interpelação ... nadai Qual foi afinal o objectivo que o MDP/CDE teve ao seguir esta estratégia?

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - É maquiavélico!

A Oradora: - Disse o Sr. Deputado que considera demagógica a criação do ensino profissional e técnico-profissional.
Porque é que a considera demagógica? Disse V. Ex.ª que é porque este ensino só abrange - foi essa a razão que deu - 630 alunos.
Mas, tratando-se de uma experiência pedadógica como muito bem sabe, como é que o Sr. Deputado propõe afinal que uma experiência pedagógica tão importante como esta possa ser implementada? E que já várias vezes outro partido afirmou a mesma coisa nesta Câmara, mas nunca disse como é que seria implementada!

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - O outro partido devia ter palmas!

A Oradora: - Como sabe, Sr. Deputado, em educação nada se faz no imediatismo; esta experiência pedagógica vai ser testada, está a ser acompanhada, vai ser avaliada e depois tirar-se-ão as conclusões e alterar-se-á aquilo que for considerado necessário.
Só assim se poderá dar ao processo de lançamento do ensino técnico-profissional a seriedade que merece, que o País necessita e que, aliás, maioritariamente reconhece necessitar.
Claro que o MDP/CDE pode não estar de acordo com isto porque é natural que tenha outras ideias sobre o ensino técnico-profissional. Mas o Sr. Deputado quererá dizer a esta Câmara se aceita ou não o parecer da UNESCO sobre o ensino técnico-profissional?

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Peço a palavra, Sr, Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, é só para pedir desculpa porque um Sr. Deputado do PSD interrogou-me sobre um assunto muito importante e que esqueci de mencionar. Logo que fosse oportuno fá-lo-ia. Trata-se de uma questão sobre as razões por que eu me liguei ao passado.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, agora só lhe poderei dar a palavra no final dos pedidos de esclarecimento e respostas relativas à intervenção do Sr. Deputado António Taborda

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Quando for oportuno agradecia então que me concedesse a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Taborda deseja responder já ou prefere responder conjuntamente ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Lemos Damião?

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há algumas considerações a colocar à intervenção do Sr. Deputado António Taborda.
Sr. Deputado António Taborda, quando o seu partido agendou esta interpelação nós estávamos absolutamente convencidos que se tratava de questionar se o Governo está ou não a cumprir o programa que submeteu à Assembleia da República no que diz respeita à educação. Esta é efectivamente a primeira questão. Em segundo lugar, V. Ex.ª trouxe aqui alguns números que ficaram no ar - números de 1973-1974 mas que ao mesmo tempo têm a sua implicação e são preocupantes. Já passaram 10 anos e a educação, como sabe, tem na sua essência um processo dinâmico, não pára, e certamente que V. Ex.ª não quer ter para o nosso país uma educação parada, uma educação retrógrada. Nós temos caminhado e estamos efectivamente a caminhar a ponto de lhe dizermos que algumas das afirmações que fez não são correctas.
Por exemplo, no que diz respeito ao problema da educação pré-escolar, o número de jardins-de-infância em 1978-1979 (porque antes não existiam) era de 142, nos anos seguintes - e isso sucedeu durante os governos da Aliança Democrática - duplicaram todos os anos, passando primeiro para 406, em 1980-1981 para 950, em 1981-1982 para 1548, em 1982-1983 para 1801, e em 1983-1984 para 2232.
E creio que V. Ex.ª ainda não sabe, mas vou dizer-lhe agora, que para este ano está previsto abrirem 342 novos jardins-de-infância.
Portanto, parece-me que está demonstrado que a educação, muito embora nós reconheçamos ter algumas lacunas que é preciso suprir, neste aspecto não corresponde à perspectiva que V. Ex.ª tem dela.

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Estamos efectivamente numa fase evolutiva.
Por outro lado, o Sr. Deputado referiu aqui uma coisa que me incomoda sobremaneira, na medida em que já passaram 10 anos de revolução e ainda vem «narrar cadáveres de defuntos». O passado, deixe-o lá! Falar no salazarismo e no marcelismo, falar das regentes escolares já não corresponde à perspectiva dos nossos dias, já não são palavras em que se deva continuar a insistir, na medida em que nessa altura a educação tinha por objectivo único criar braços fortes e cabeças ocas. Hoje não a educação hoje tem uma perspectiva totalmente diferente.
Queria também dizer-lhe que V. Ex.ª falou bem quando se referiu à falta de meios e à falta de uma política de desenvolvimento. Mas também aí fez uma narração de Salazar. Nós não. É que este é o governo PS/PSD e depois disso já houve vários governos. A perspectiva é diferente e portanto agradeço-lhe que não volte a falar assim.
No que diz respeito aos meios é efectivamente assim. Mas foi precisamente para aproveitar esses meios e esses recursos que aqui temos que dar um louvor público ao Sr. Ministro da Educação por criar o ensino técnico-profissional.

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Se lhe dão um louvor público, porque dizem tanto mal dele em privado?!...

O Orador: - Já lá vamos!

A ideia foi precisamente a de aproveitar esses recursos que estavam desaproveitados, esses espaços, esses meios humanos e, ao fim e ao cabo, as próprias máquinas que traduzem muitos milhares de contos.
No que diz respeito à comparticipação da Acção Social Escolar, quero dizer-lhe também que, apesar dos parcos recursos com que nos debatemos (e o Orçamento Geral do Estado também foi aprovado nesta Câmara, o que o impedirá de questionar), no ensino primário investem-se 90 791 contos, no preparatório e secundário l 875 911 contos e estão abertos 762 refeitórios.
Parece-me, portanto, que alguma coisa se está a fazer, apesar dos parcos recursos que temos.
Por outro lado, e no que diz respeito à concessão do leite escolar, as verbas atribuídas pelo I ASE são de 991426000 contos e os alunos abrangidos são 718671.
Por fim, deixe-me realçar uma outra afirmação, que aliás me agrada regista: é que V. Ex.ª disse, e muito bem, que foi em 1975 que se afectou à educação maior percentagem do produto nacional bruto, mas olhe que foi com os governos da Aliança Democrática e do Dr. Sá Carneiro que essa percentagem passou para 4,1 %.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Taborda tem a palavra para responder.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr.ª Deputada Marília Raimundo. V. Ex.ª disse que não entendia a minha intervenção dentro do objecto desta interpelação, chegando mesmo a dizer tratar-se de uma interpelação na clandestinidade.
Não vejo bem como pode tirar essa conclusão, pois, eu quis-me referir fundamentalmente à questão das verbas orçamentadas para a educação e foi nesse sentido que fiz a minha intervenção. E aqui não há, efectivamente, possibilidade de manipular números. Os números estão aí.
O que eu quis fazer foi, não um regresso ao passado, mas uma comparação das verbas ou das percentagens relativamente ao produto nacional bruto que nos últimos anos têm sido atribuídas à educação. E verifica-se que nos últimos tempos se tem dado uma regressão neste domínio.
Por estarmos em crise, admito que seja preciso cortar determinadas verbas em determinados sectores, mas há sectores, e o da educação é um deles, em que se cortar-mos verbas, então, estamos a fazer uma opção ao contrário.
Foi esse o sentido da minha intervenção e suponho que isto se insere plenamente no objectivo de uma interpelação ao Governo.
É que quando se passa de 4,1 % num Governo da AD para 3,3 %, como se prevê para 1984, há uma regressão nítida nas despesas com a educação.
Quanto ao ensino profissional e técnico-profissional e ao parecer da UNESCO, a minha colega de bancada Helena Cidade Moura irá referir-se-lhe na resposta ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Branquinho.
Queria só dizer-lhe muito sinteticamente que não infirmou os números que eu citei. Efectivamente, na experiência técnico-profissional do actual Ministro da Educação apenas foram abrangidos 600 alunos, enquanto o ensino técnico-profissional que tinha sido implementado pelo Ministro Sottomayor Cardia abrange neste ano de 1984 os 40 000 alunos.
Porque, então, deixar dependurados estes 40 000 alunos e ir iniciar uma nova experiência - o técnico-profissional - com 600 alunos, número que, segundo o Sr. Ministro disse, irá triplicar no próximo ano, mas cuja perspectiva não ultrapassa os 20 000 alunos. Ainda quanto ao parecer da UNESCO, e embora como já disse a minha colega de bancada se lhe vá referir, posso somente dizer que, lendo atentamente o parecer, este se limita a dizer que não fazer estudos, vão mandar alguém a Portugal e só depois emitirão o parecer definitivo.
Estão a estudar, estão a ler, mais nada.
O Sr. Deputado Lemos Damião também pôs o problema do passado e da educação retrograda. Repito que quando fiz a comparação dos números e quando falei do salazarismo e do marcelismo queria referir-me a situações concretas que V. Ex.ª denunciou também, para tirar esta conclusão: é que se continuarmos a investir desta maneira na educação, estamos a regredir e não estamos a avançar, como V. Ex.ª também sabe.
Quanto aos jardins infantis, sei efectivamente que foram criados todos os que referiu, mas V. Ex.ª há-de concordar que, enquanto o Estado não tomar decisivamente a seu cargo a implementação no País do ensino pré-primário, os jardins infantis não vêm resolver o assunto, porque eles são privados, representam uma carga financeira muito grande para os pais e são por isso extremamente selectivos.
Acresce ainda que o Sr. Ministro da Educação resolveu fazer mais uma inovação neste sector e criar as escolas superiores de educação, em que estão previs-

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tos 3 cursos de docente: pré-primário, primário e preparatório. E estes cursos serão simultâneos e terão a mesma duração.
Ora. eu não sei se os potenciais alunos destes cursos, tendo todos cies a mesma duração, não preferirão aquele que dá mais possibilidades não só financeiras, mas também sociais, como seja o preparatório, e temo que o ensino pré-primário fique desprovido de docentes.
Acresce ainda o facto de por enquanto estarem suspensas as matrículas nestas escolas. Além disso, e tanto quanto sei, apenas existe uma destas escolas em Viseu, que está a funcionar nas condições que V. Ex.ª refere.

A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto relativamente a uma afirmação do Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Marília Raimundo (PSD): - Foi dito por ele que o parecer da UNESCO, relativamente ao ensino técnico-profissional, se limita a dizer que vão fazer estudos, quando, na verdade, não se limita a isso. O documento diz claramente que o Despacho Normativo n.º 194-A/83, de 21 de Outubro, que cria o ensino técnico-profissional, é de alto nível e revela uma reforma recente que se mostra conforme à política seguida pela UNESCO em matéria de ensino técnico-profissional.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lemos Damião, tem a palavra para protestar.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Serei rápido.

Sr. Deputado António Taborda, queria apenas corrigir-lhe uma pequena imprecisão: é que, de facto, os jardins-escola não são privados. O Estado gasta muitos milhares de contos quando neles coloca professores. Como sabe, embora essas escolas estejam neste momento adstritas às autarquias, estas limitam-se a ceder-lhes as instalações, mas quem tem de pagar aos professores é o Ministério da Educação.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura não completou o esclarecimento que queria dar ao Sr. Deputado Branquinho, e como tem tempo disponível, tem V. Ex.ª a palavra.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado Branquinho fez-me, realmente, uma pergunta importante e que serve para esclarecer esta Assembleia, e sobretudo os deputados que não são da área da educação, acerca da forma como se põe o problema, uma vez que a demagogia do Ministro Seabra tem confundido tudo...

O Sr. Lacerda Queiroz (PSD): - Não apoiado!

A Oradora: - ... aquilo que existe a partir de 1979, montado pelo então Ministro Sottomayor Cardia: no 10.º e 11.º anos os cursos tinham uma formação geral, uma formação específica e uma formação vocacional - e isto ainda hoje se mantém.
Depois, veio o professor Vítor Crespo, que resolveu - porque não sabia o que havia de fazer ao ano propedêutico, ao contrário das indicações dos técnicos que lhe diziam que deveria incorporar o ano propedêutico na Universidade, fazendo em 2 ou 3 anos reabsorver essa montanha de gente que entrou depois do 25 de Abril - prolongar o ensino secundário, tornando-o ainda mais caro. E, para além disso, criou duas vias a que nós chamamos aqui nesta Assembleia - e repetimos- «um estádio de delinquência antes de entrar na Universidade», onde não havia professores, não havia bibliotecas, não havia laboratórios e onde os alunos se amontoavam nas escolas de qualquer forma. Enfim, todos os Srs. Deputados da Educação conhecem essa situação e os outros conhecem também a maneira como funcionam esse 12.º ano.
Então, o que é que haveria de fazer agora, em altura de recessão económica, Srs. Deputados? A única coisa que havia a fazer era fortalecer a via vocacional deixada pelo Ministro Sottomayor Cardia e dar-lhe um diploma que na altura não foi dado por não haver contexto social para o fazer.
A realidade é a mesma: o que o Dr. Sottomayor Cardia criou nessa altura é hoje o que o Ministro Seabra chama técnico-profissional: é uma parte de formação geral, uma parte de formação específica e uma parte de formação vocacional.
Simplesmente, estes cursos continuam a existir e o que acontece é que o próprio despacho do Ministro Seabra, prevê que as matrículas sejam preferenciais àqueles que estavam inscritos no 10.º ano de escolaridade.
Evidentemente que isto é uma barbaridade! Quer dizer que as prioridades vão para aqueles que já estão inscritos nas escolas. Vem no despacho que os Srs. Deputados podem ler com atenção.
Acontece que destes 45 000 alunos que estavam inscritos no 10.º ano, não sei quantos passaram possivelmente para o ensino profissional e em relação aos outros foram adoptados critérios que vão desde a antiguidade com que fizeram o 9.º ano de escolaridade obrigatória.
Desta experiência resulta que no ano de 1984-1985 se se continuassem assim embora como é evidente, não vá continuar haveria 2000 alunos com os quais se gastariam um fortuna! ... E continuando os outros cursos a existir!...
Por outro lado, as escolas estão superlotadas.
Se os Srs. Deputados visitarem uma escola que tenha esta via profissional montada em 1979, verão que as oficinas do tal curso especial do Ministro Seabra funcionam nas galerias, por não haver outro sítio. O que equivale a dizer que os alunos nem sequer oficinas têm. E é isto a situação real.
Quanto ao acompanhamento de orientação psicológica, peço desculpa de não me pronunciar sobre o assunto. Não o faço porque sou funcionária do Instituto de Orientação Profissional, embora esteja aqui destacada na Assembleia da República, e qualquer interferência da minha parte poderia parecer, aos olhos das pessoas que são capazes de falar em desonestidade política, que eu estava eventualmente a defender a minha classe.

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A psicologia é uma coisa multo séria, a orientação psicológica é uma coisa muito séria, não pode ser improvisada e não há que criar corpos estranhos nas escolas.
É preciso que tudo isto seja ligado aos tais princípios morais e civilísticos de que o Sr. Ministro Seabra se arroga sem nenhum direito para o fazer.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, V. Ex.ª jamais me ouviu dizer aqui que o Sr. Ministro José Augusto Seabra tem feito tudo e que os outros não fizeram nada.
Não é nessa postura que me coloco, pois essa é a visão maniqueísta de que o discurso de V. Ex.ª enfermou, tal como já disse. O actual é mau e tudo o que está para trás é bom e vice-versa. Neste caso o actual é mau e o que está para trás é bom.
Não foi nada disto que eu disse, embora pudéssemos começar a comparar se o ensino técnico-profissional é bom, se o ano propedêutico é mau ou se o serviço cívico é bom ou mau.
Não vamos caminhar nesse tipo de debate, porque não é nesse sentido que devemos formular as nossas questões a este Governo.
Disse que V. Ex.ª tinha manipulado os números. É verdade, Sr.ª Deputada. Estamos numa interpelação ao actual Governo, a um Governo que tomou posse em 1983, e V. Ex.ª cita dados que se referem a 1981, a relatórios que foram elaborados em 1981 e mesmo dados que se referem a períodos anteriores a 1981.
O que disse foi que V. Ex.ª se sustentou nesses dados para poder criticar o actual Governo, Foi nesta perspectiva que disse que a Sr.ª Deputada estava a manipular os dados.
Por outro lado, V. Ex.ª faz a seguinte afirmação, que é muito importante:
A única coisa que se deve fazer, a única coisa que se tem de fazer.
Ora, é esse o tal espírito retrógrado que não se pode adequar aos novos tempos, porque os novos tempos, os tempos que estão aí não podem merecer da nossa parte uma resposta total, uma resposta para tudo. Mais do que as respostas para os problemas que se nos vão colocar no futuro, é melhor que saibamos colocar as perguntas certas.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se desejar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Infelizmente temos pouco tempo, mas gostaria de esclarecer o Sr. Deputado que os dados que dei sobre a alfabetização são deste ano.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - E os outros!

A Oradora: - São os cursos de 1983-1984. É sobre eles que falo.
Mas como sempre me esqueço de alguma coisa, está aqui o relatório da UNESCO. Aliás, trabalho com centros também em Franca, na «Recherce Scientifique»,
e se me mandasse um relatório como este, eu não tinha que pensar duas vezes: refazia o meu trabalho. De facto, o que no relatório se diz, com o mínimo de amabilidade que se pode ter quando se dirige a um embaixador, é o que passo a ler:
Os textos estão actualmente a ser examinados com todo o cuidado que requerem. Contudo, desde já posso dizer que os documentos recebidos são de um alto nível e que a recente reforma está completamento conforme à política seguida pela UNESCO.
É que como aquilo que a gente faz quando recebe um livro de uma pessoa que não estima em especial, é escrever um cartãozinho e diz ... Ora, Sr. Ministro sabe muito bem como funciona os franceses, pelo que escusa de vir para cá mascarar as coisas. Eles não leram os textos, Sr. Ministro.
Mas vou continuar a ler o relatório:

Permito-me propor que a delegação permanente estabeleça contactos com o Secretariado para discutir essas medidas concretas e as modalidades de cooperaçâo, o funcionar de um sector da educação ...
Quanto a isto só lhe poderei dizer que acho que a UNESCO se refere ao nosso embaixador na UNESCO em tom que, protocolarmente, não será muito correcto.

Vozes do PSD: - Interpele-o!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, para além das perguntas feitas pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia, inscreveram-se 19 Srs. Deputados.
Não sei se o Sr. Ministro deseja responder um a um ou em conjunto, mas pedia-lhe o favor de fazer sinal à Mesa no caso de pretender interromper.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Cachado.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - O Sr. Ministro veio aqui falar dos valores da nossa identidade como povo, valores inscritos - parece perfeitamente evidente - na «Constituição» privada e ainda clandestina que V. Ex.ª provavelmente ainda não publicou, não inaugurou, talvez por falta de placa! Por isso, gritou, por isso, ficou rouco, mas não se ouviu, porque, se se tivesse ouvido, ter-se-ia de imediato calado..

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - ..., já que esta Constituição, a Constituição da República, o Sr. Ministro não conhece, nunca a leu, nunca a viu!

Aplausos do PCP.

Protestos do PSD, batendo com as mãos nos lampos das carteiras.

Aguardando dos Srs. Deputados da maioria a acima necessária à discussão de tão grave problema, que é a política educativa, peço licença para continuar.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não diga disparates!

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A Oradora: - O Sr. Ministro veio a esta Assembleia tecer loas à acção do seu ministério e tentar acalmar a opinião pública, afirmando que tudo vai bem. Mas o Sr. Ministro sabe que não disse a verdade. E a verdade é que o início do próximo ano lectivo está inquestionavelmente comprometido e que a deterioração do ensino ministrado está totalmente assegurada. Isto, o Sr. Ministro esqueceu!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Convém-lhe!

A Sr.ª Marília de Azevedo (PSD): - A ver vamos!

A Oradora: - A falta de instalações, a degradação das existentes, o não funcionamento de muitos sectores da actividade escolar por falta de pessoal auxiliar administrativo, a não organização atempada da rede de transportes escolares, a situação sócio-económica verdadeiramente dramática de camadas cada vez maiores de crianças e jovens, a diminuição das vagas para a profissionalização dos docentes, com a consequente diminuição da qualidade do ensino, a ruptura financeira do Ministério da Educação, são realidades irrefutáveis que o Sr. Ministro esqueceu.
E que medidas foram tomadas até este momento? Duas, fundamentais, pertinentes, actuantes: a preparação de projectos de decretos-lei e a nomeação de grupos de trabalho!

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): -Muito bem!

A Oradora: - Desde a efectivação da escolaridade obrigatória à reestruturação do sistema educativo, ao ensino superior politécnico, às escolas superiores de educação, à descentralização, à gestão democrática, à racionalização e modernização dos serviços centrais do Ministério, ao fomento da educação pré-escolar e especial, à educação de adultos, ao ensino superior, Srs. Deputados, Sr. Ministro, está tudo em preparação, está tudo em estudo! Quando é que virá o diagnóstico?!

Vozes do PSD: - Muito bem!

A Oradora: - Mas, Sr. Ministro, finalmente a questão é esta (porque tudo isto o senhor esqueceu): que fez V. Ex.ª como responsável pela pasta da Educação? Que fez V. Ex.ª para cumprir o que é um direito constitucional previsto na tal Constituição que o Sr. Ministro desconhece? E eu faço questão de ler esse preceito porque o Sr. Ministro não o conhece, tal como demonstrou hoje neste debate.

Aplausos do PCP.

A Constituição consagra o preceito seguinte: «Todos têm o direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar». O Sr. Ministro não sabia isto, é claro! Como consegue V. Ex.ª assumir-se ainda como Ministro da Educação perante os estudantes, os professores, o país e esta Assembleia?

Aplausos do PCP.

Uma voz do PSD: - Isso é freudiano!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Mariana Lanita.

A Sr.ª Mariana Lanita (PCP): - O Sr. Ministro falou imenso, mas quanto às questões concretas, aos problemas das crianças e das famílias portuguesas, nada disse.
Daí a minha questão, Sr. Ministro:

No ensino pré-primário há como todos sabemos graves carências. Há crianças, e elas são a grande maioria, que não têm possibilidades de frequentar infantários ou creches, pois as mensalidades são incompatíveis com o orçamento das famílias portuguesas (quando elas têm orçamento).

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Por isso é cada vez mais urgente que se crie uma rede publica do ensino pré-primário que responda a estas necessidades aliás a existência desta rede publica decorre da Constituição e já foi consagrada em lei da Assembleia da República, lei que os sucessivos governos têm insistido em não aplicar. Este Governo não foge à regra.
Considerando que o Orçamento do Estado para 1984 atribui uma verba diminuta destinada à educação pré-escolar;
Considerando que existem dezenas de escolas construídas pelas autarquias locais e outras instituições que se destinam à educação pré-primária e que não funcionam, porque o Ministério da Educação não nomeou professores;
Considerando que o Sr. Ministro sobre isto nada disse, e não se diga, como disseram alguns deputados do PSD, que este ano vai abrir novas instalações, se as existentes não funcionam por falta de educadores que o Governo não nomeou, como poderão funcionar as novas agora prometidas?

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Pergunto-lhe: será que este desinteresse pelo ensino pré-primário significa que o Sr. Ministro continua a insistir numa solução repudiada pela maioria das mulheres portuguesas e que visa lançá-las no desemprego para depois as encaminhar para casa para cuidarem dos filhos? É isto que o Ministro pretende?
Considera o Sr. Ministro esta solução compatível com a situação económica da maioria dos pais e da maioria das famílias sem recursos que já vivem muito mal com 2 ordenados e que dificilmente poderão suportar os encargos, ao verem o seu orçamento reduzido a metade?
A não ser este o objectivo governamental, por que motivo não se põem em funcionamento os estabelecimentos existentes? Por que insiste o Governo na não nomeação de professores para eles? Porque foram congeladas as verbas para a construção de mais estabelecimentos de educação pré-escolar?
E que se passa, Sr. Ministro, no domínio da formação de educadores de infância? O Governo fez muitas promessas, mas nada no concreto. Que planos quanto às futuras Escolas Superiores de Educação?

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São perguntas concretas a reclamarem respostas concretas e não palavras ocas e sem sentido.
São reivindicações do nosso povo que não podem ficar sem resposta.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Areosa.

O Sr. Paulo Areosa (PCP): - A intervenção que o Sr. Ministro da Educação veio fazer à Assembleia da República é bem o exemplo daquilo que nos propôs no início dessa intervenção, isto é, um debate que ele próprio gostaria de ver limitado a um genérico debate de grandes ideias filosófico-educativas, uma troca de ideias e de opinião, uma discussão geral, abstracta e ineficaz, cheia de metáforas, mas que não resolve nem procura responder a uma que seja das grandes preocupações dos professores, dos alunos e das suas famílias deste país em que vivemos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que esperamos, o que propomos ou, melhor ainda, aquilo que procuramos fazer ao longo deste debate é tentar precisamente contrariar esta ideia que nos propõem.
O que procuraremos fazer é tornar claros quais os principais problemas com que se- debate hoje o nosso sistema educativo, e é essa & nossa função aqui nesta interpelação.
Estamos certos que é isto precisamente que esperam, como disse, todos aqueles que, directa ou indirectamente, têm a ver com o nosso sistema de ensino.
Neste sentido, poderia, talvez um pouco ingenuamente, esperar que o Sr. Ministro da Educação aproveitasse esta sua vinda à Assembleia da República para prestar alguns esclarecimentos sobre problemas que têm levantado naturais apreensões à opinião pública portuguesa.
Poderia citar muitos e muitos problemas, mas o meu pedido de esclarecimento neste momento é sobre o tema da corrupção.
De facto, Sr. Ministro da Educação, a corrupção, que o Sr. Ministro há relativamente pouco tempo reconheceu existir no seio do seu Ministério, não tem sido objecto, da parte da sua pessoa nem sequer de outras entidades oficiais, de um esclarecimento preciso à opinião pública portuguesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Não posso deixar passar em claro que o Sr. Ministro tem mostrado em relação a este aspecto como em relação a outros, um tal desrespeito pela Assembleia da República, particularmente ao deixar expirar, ou não diria, mas creio que o tenho de dizer, propositadamente, todos os prazos que o próprio Sr. Ministro se comprometeu e fixou para nos responder sobre o resultado da análise à gestão dos Serviços Sociais Universitários, em especial da Universidade de Aveiro.
Creio que também não posso deixar passar em claro este segundo aspecto essencial. Diversos deputados do meu grupo parlamentar têm dirigido a V. Ex.ª e ao Ministério da Educação diversos requerimentos abordando este tema. Não obtivemos até agora uma única resposta às perguntas que fizemos. Tratando-se, como se trata, de matéria tão séria, não podem ficar por muito tempo no vazio estes problemas, quando estão em causa, Sr. Ministro da Educação, graves suspeições de desvios de avultadas verbas do Estado, quando estão em causa indícios de envolvimento de funcionários do Ministério da Educação em «negociatas» com dinheiros públicos e em proveito próprio.
Por isso lhe quero perguntar, porque espero também da sua parte respostas concretas, o que se passa com as averiguações prometidas aqui nesta Assembleia? Que resultados se obtiveram da análise à gestão dos Serviços Sociais Universitários? O que se passa com o inquérito ao Gabinete das Actividades Culturais e dos Desportos Universitários? E com os subsídios às associações e ao Estádio Universitário de Lisboa? Porque nada se diz sobre esta matéria?
É que, segundo sabemos, há praticamente um ano que os responsáveis por este inquérito afirmavam que a matéria apurada era já passível de processos disciplinares e até de prooesso-crime, mas não vemos da parte do Ministério da Educação qualquer medida, qualquer acção. Que medidas foram ou vão ser tomadas por V. Ex.ª no combate à corrupção? Por que se mantém o silêncio do Governo, de que V. Ex.ª faz parte, sobre tudo isto?
O Governo anunciou - e há bem pouco tempo o Sr. Primeiro-Ministro, nesta Assembleia, voltou a anunciar com todas as letras - a sua prioridade em defender a moralidade da administração e combater a corrupção. Estes pedidos de esclarecimento são também uma boa oportunidade para que o Governo responda a este objectivo que traçou.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Ministro, a questão que lhe vou pôr é bastante específica, é um problema de saúde escolar. E não nos diga já o Sr. Ministro que isso não depende do seu Ministério, pois poderá não depender directamente, mas implicitamente depende. Além disso, estamos a interpelar o Governo sobre política de educação, mas não podemos escamotear outras questões.
É um problema que nos preocupa o esforço realizado há anos para levar a cabo a cobertura do país na valência da saúde escolar. Foi um esforço digno de nota e nele há a salientar alguns nomes - Prof. Arnaldo Sampaio, Prof. Lopes Dias, Fernando Sampaio -, tendo conduzido realmente a bons resultados. Foram observadas milhares de crianças nas escolas, foram rastreadas numerosas doenças, entre as quais devemos salientar os défices auditivos e visuais.
São problemas que levam a que o insucesso escolar diminua; são problemas que levam também a uma melhor adaptação escolar.
Através da saúde escolar podem-se criar melhores programas de educação e de prevenção da doença, mas hoje, Sr. Ministro - e isto já durante o seu mandato -, tudo acabou os quase acabou.
O Sr. Ministro tem o direito ou, pelo menos, tem o dever de consultar as estatísticas. Basta consultar

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as estatísticas deste ano no que se refere ao número de crianças observadas nas suas escolas.
Sr. Ministro, o que é que pensa fazer para, no próximo ano lectivo, tudo voltar ao anterior ou, pelo menos, melhorar os serviços? Tenciona o Sr. Ministro melhorar e levar à prática a saúde escolar? Que medidas concretas vão ser tomadas para realizar esse programa?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - O Sr. Ministro falou mas não tocou nas questões concretas.
Creio que estamos hoje aqui a discutir a política do Governo, e certamente o Sr. Ministro saberá - não o pode negar- que o sistema educativo em Portugal atravessa problemas bastante graves. E não são problemas que vêm do ar, são fruto da política que o Sr. Ministro segue.
Diz que os problemas que hoje se notam não são só de agora. Só queria lembrar ao Sr. Ministro que o PSD tem a pasta da Educação há 4 anos - repito há 4 anos...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Pelo menos!

O Orador: - ... e que a política seguida é exactamente a mesma.
Esta é uma questão que não pode ser escamoteada: é que o problema está na política adoptada e o Sr. Ministro segue e agrava a política que foi seguida pelos governos anteriores.

Aplausos do PCP.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Sr. Ministro, há duas linhas que se podem tirar como conclusões da sua actuação política e que têm resultados no sistema de ensino.
A primeira é a degradação total, a confusão total que existe no sistema de ensino; a segunda é a elitizacão do sistema de ensino.
Creio que é do conhecimento de toda a gente que hoje os filhos das classes trabalhadoras tem cada vez mais dificuldades em ter acesso ao ensino, desde o ensino primário, passando pelo preparatório, pelo secundário e pelo superior. E esta é uma razão que exige resposta: por que razão se verifica esta situação?
Segunda questão: a situação dos jovens em Portugal, nomeadamente no campo da educação, reflecte situações bastante preocupantes. O Sr. Ministro falou, mas não respondeu a muitas das questões que são colocadas hoje na ordem do dia. Quais são as saídas profissionais? Que futuro prevê para os jovens que acabam os seus cursos?
Um problema relacionado com os trabalhadores-estudantes é o seguinte: natural e constantemente o Governo esquece-se que existem em Portugal trabalhadores-estudantes, nunca se refere a este sector, que tem importância, na medida em que são pessoas que trabalham durante o dia e estudam durante a noite, devendo, por isso, merecer o respeito e consideração de qualquer governante português.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Aquilo que hoje se passa é que, na verdade, os governantes, particularmente o Sr. Ministro, não têm absolutamente consideração nenhuma por aqueles que trabalham durante o dia e estudam durante a noite. Senão, vejamos: onde está o apoio social aos trabalhadores-estudantes.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Onde está e para quando o cumprimento integral do Estatuto do Trabalhador-Estudante? Lembro, Sr. Ministro, que o Estatuto do Trabalhador-Estudante resulta de uma lei aprovada por esta Assembleia, e aquilo que hoje se nota e conhecemos é que o Estatuto, na sua grande maioria, não é cumprido nem na escola nem na empresa. Sr. Ministro, o que pensa fazer para que o Estatuto seja integralmente cumprido?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Segunda questão: para quando o cumprimento do artigo 12.º do Estatuto do Trabalhador-Estudante, o qual estabelece o seguinte:

O Governo fica obrigado a formar um grupo de trabalho para tratar das questões específicas dos trabalhadores-estudantes?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Permita-me, Sr. Ministro, que antes do mais e desde já lhe peço o favor de, nas respostas que der no final destes pedidos de esclarecimento, modificar o seu comportamento em relação ao que foi a sua intervenção inicial.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - A dimensão de um ministro mede-se pela calma, fruto da segurança, pelo rigor e pela verdade daquilo que se diz. A agitação verbal serve apenas para esconder a, falta de rigor e de segurança ou, eventualmente, a sensação de um dever não cumprido.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!

O Orador: - As intervenções gritadas, Sr. Ministro, só servem aqueles que efectivamente não estão interessados num diálogo construtivo.
Nós estamos aqui para obtermos do Governo respostas concretas a problemas de ordem nacional extremamente importantes e que põem em causa, de facto, as gerações futuras e estão já a pôr em causas as actuais.
Falou V. Ex.ª de um clima pacífico no seu Ministério. Permita-me que discorde desta sua afirmação, pois se há Ministério que não tem sido pacífico, talvez tenha sido o seu, Sr. Ministro.
Durante a vigência deste Governo foi V. Ex.ª obrigado a fazer uma remodelação profunda e extrema-

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mente difícil. O povo português teve ocasião de se aperceber da dificuldade que V. Ex.ª teve em encontrar colaboradores que aceitassem seguir aquilo que eventualmente seria a sua política. Talvez que essa dificuldade se devesse ao facto de não existir política alguma por parte de V. Ex.ª Houvesse uma política definida no que diz respeito à Educação e talvez as dificuldades tivessem sido menores para encontrar colaboradores para o seu trabalho.
V. Ex.ª tem tido a contestação da Juventude Social-Democrata, tem tido a contestação da Juventude Socialista e tem tido a contestação das juventudes portuguesas em geral. Ê preciso saber porquê, Sr. Ministro. Será que os jovens estudantes, os trabalhadores do ensino, professores ou outros, que são uma maioria considerável (pelo menos, são significativamente bastantes no nosso país) estão todos errados? Ou será que a sua política não é clara ou não existe, de modo a provocar uma tão grande contestação? Ê necessário que também isto fique definido na sua intervenção, pois não me parece que o tenha ficado na primeira parte.
Nós pensamos que é urgente para o seu sector, tal como é para muitos outros, definir políticas. Muitas vezes dizemos que talvez não seja tão importante para nós que seja adoptada a política que queremos, mas sim que seja, pelo menos, definida uma política a que nos possamos referir e pela qual possamos trabalhar, colaborando no sentido de a aperfeiçoar. E o facto é que, na ausência de uma política, a crítica da oposição não está facilitada.
Não existe, mas o Sr. Ministro sente a necessidade de vir a existir, uma lei de bases da educação? Também é da sua responsabilidade e não apenas da responsabilidade do Parlamento propor leis de bases para o que quer que seja. O Governo, através do seu Ministério, poderia já, em tempo útil, ter proposto a esta Câmara uma lei de bases do ensino, o que teria sido um bom ponto de partida para uma discussão útil e proveitosa.
Muitas outras questões ficam ainda por colocar. Questões importantes, que com certeza teremos oportunidade de pôr durante o debate.

Vozes da UEDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de acordo com o horário estabelecido pela conferência dos grupos parlamentares, os nossos trabalhos interrompem agora e a sessão reabre às 18 horas.

Está suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 25 minutos.

Após a interrupção dos trabalhos, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro da Educação, deixe-me que lhe diga, em primeiro lugar, que o facto de vir a esta Casa gritar, não dá razão a ninguém. Não é aos berros que se ganha a estatura política e se pretende dizer ou 'justificar o que não se pode ou não se soube fazer!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas digo-lhe, Sr. Ministro, que da parte da minha bancada temos bons ouvidos e que a sua gritaria não nos impressionou.
Esperemos que na resposta aos pedidos de esclarecimento saiba demonstrar mais calma e serenidade, atributos que qualquer governante deve ter para se prezar de o ser!

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Ministro da Educação falou de questões estruturais, mas, Sr. Ministro, que credibilidade podem ter as suas palavras, quando foi o seu próprio discurso que não teve qualquer tipo de estrutura do princípio ao fim?!
Mas foi muito grave o que o Sr. Ministro aqui veio dizer. Falou de questões estruturais e, no nosso entender, tais questões só poderão ser resolvidas no quadro da aprovação por esta Casa de uma lei de Bases do Sistema Educativo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - E o que o Sr. Ministro e o seu governo têm estado a fazer ...

Protestos do PS e do PSD.

... é fugir ao cumprimento da Constituição e por medidas avulsas ...

Protestos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço o favor de guardarem o silêncio conveniente ao prosseguimento dos nossos trabalhos.
Necessariamente que são admitidos os apartes habituais, mas de modo que não resultem em vozearia porque, de contrário, não se ouve o Sr. Deputado que formula o seu pedido de esclarecimento.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Orador: - O Sr. Presidente, compreendemos perfeitamente que esta é uma interpelação difícil para as bancadas da maioria ...

Vozes do PS: - Não é não! É difícil é para a oposição!

O Orador: - Trata-se de facto de um dos ministros mais em causa no actual Governo e compreende-se que, pelo menos, o seu partido esteja nervoso quando interpelam esse mesmo Ministro.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Protestos do PSD.

O Orador: - Mas dizia eu, Sr. Ministro, que o senhor tem estado a tentar, através das chamadas

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medidas avulsas e pontuais, retirar a esta Assembleia da República o que só a ela compete fazer, isto é, as medidas de estrutura do sistema educativo, porque a Constituição diz com clareza no artigo 167.º, alínea e), que é da exclusiva competência da Assembleia da República a aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo.
E o que o senhor tem estado a fazer é a mexer na estrutura do sistema educativo, o que, a meu ver e no entender do meu partido, é claramente inconstitucional!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas, Sr. Ministro, foi também grave o que veio aqui dizer, ao chamar à colação no seu discurso algo que tem a ver com as competências dos partidos que têm assento nesta Assembleia e não com a competência do Executivo.
Deixe-me que lhe diga que o trazer aqui a questão do Conselho Nacional de Educação lhe ficou bastante mal, porque, como sabe, tratando-se como se trata de um Conselho de consulta de um Ministro, não há qualquer direito a fazer nele participar, sem que a Assembleia nesse sentido se pronuncie, um membro da mesma Assembleia da República.
E o que está em causa, o que o senhor pôs em causa, não foi a Assembleia da República, foi o Sr. Presidente da Assembleia, porque é a ele que cabe fixar a ordem do dia e agendar, de acordo com as prioridades do Regimento, a discussão do decreto-lei cuja ratificação foi solicitada pelo meu partido.
Neste meu primeiro pedido de esclarecimento, queria colocar-lhe a seguinte questão, Sr. Ministro: O Governo tem-nos vindo a mimosear com uma série de medidas, mas creio que é demais confundir o que é a actividade do Governo, enquanto Governo, com o que constitui a actividade do mesmo Governo e dos seus Ministros enquanto dirigentes de um partido!

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Isso é um mea culpa?}...

O Orador: - O que se passou, por exemplo, em Março em Castelo Branco, exige da parte de V. Ex.ª uma explicação, pois é incrível que numa visita oficial - num programa oficial- esteja prevista e convocada pelo Sr. Governador Civil e anunciado como tal no programa, uma reunião de V. Ex.ª com os professores sociais-democratas do distrito de Castelo Branco. Isto é demais, Sr. Ministro! Ê não saber onde começa ou onde acaba o Estado e onde começa o seu partido e a sua actividade partidária!

Vozes do PCP: - Muito bem!

Uma voz do PSD: - É o mea culpa!

O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro teve o cuidado de nos dizer ainda há bem pouco tempo, no decorrer do debate sobre a moção de confiança, que prezava muito o Sr. Ministro da Educação. Era um democrata, era um poeta, era um professor - e não teve uma palavra de defesa do Sr. Ministro, enquanto Ministro!
Creio que, aliás, a prova já foi feita hoje: era difícil ter alguma prova de apreço por uma pessoa que se porta como o senhor se portou nesta Assembleia, ao falar como um Ministro não devia falar!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Aliás, Sr. Ministro, permita-me que lhe dó um conselho neste meu pedido de esclarecimento. Disse há dias, em entrevista a um jornal diário, que era inábil para o exercício do poder. Siga o seu conselho, vá-se embora, deixe o povo português em paz!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Igualmente para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Ministro da Educação, o meu partido dispõe de muito pouco tempo, e é pena, pois gostaria de manter um diálogo com V. Ex.ª, embora seja difícil.
Queria, pelo menos, começar por lhe dizer em nome do meu partido que, para nós, em debates e em democracia, não há nem maiorias nem minorias, mas sim troca e debate de ideias honestas!
Queria ainda dizer-lhe que aquilo que o Sr. Ministro diz que é falso, está escrito no Diário da Assembleia da República de 1 de Fevereiro de 1984, no qual V. Ex.ª, nomeadamente referindo-se ao ensino superior politécnico e ao que constava do relatório da OCDE, dizia, justamente, «que o lançamento do ensino superior politécnico foi, de certo modo, prematuro, porque se se tivesse optado por lançar primeiro o ensino técnico-profissional hoje teríamos um sistema educativo mais adequado»!
Ë por isso que o ensino politécnico foi, de facto, «congelado» apesar das verbas gastas e, neste momento, a situação que o Sr. Ministro conhece e que está actualizada é, realmente, um descalabro: São 31 escolas prometidas, 17 comissões instaladoras a receberem e 3 institutos superiores politécnicos a funcionarem.
Queria também dizer que, apesar de o MDP/CDE ser uma minoria, o Sr. Ministro nos honra com a leitura atenta e poderíamos dizer com «mão diuma e noctuma» - dos nossos textos.
Para além da exibição que fez em linguagem um pouco rude e que pretendemos esquecer, queria lembrar o que a 27 de Junho de 1983, dissemos nesta Assembleia sobre a reedição, para generalização entre os professores, do livro de António Sérgio, Educação Cívica, e sobre o estudo da inclusão no currículo escolar de uma disciplina que seja a expressão actualizada da educação social.
Há muita coisa que gostaria de lhe perguntar, Sr. Ministro, mas abordarei, por exemplo, o problema do insucesso escolar que penaliza 500000 alunos (27 %) e que vai penalizar ainda mais. Pergunto: tem já nomeado algum «grupo de estudo» para estudar o problema? Tenciona continuar a não fazer investigação pedagógica e, a ser assim, em que contexto vai proceder a uma orientação pedagógica e profissional?
Por outro lado, dá prioridade no Programa do Governo à escolaridade de 6 anos e aquando da moção de confiança referiu-nos apenas, que já nomeou

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dois grupos de trabalho. E é tudo quanto nos diz sobre este aspecto! Ora, nós desejaríamos saber qual é a calendarização para a efectivação dos 6 anos e para o aumento de escolaridade obrigatória para 9 anos que também está prometido?
Enfim, muita coisa lhe poderia ainda perguntar, mas apenas ficaria satisfeita se me respondesse com palavras que eu pudesse entender, palavras simples: sujeito, verbo, complemento directo ...

Uma voz do PSD: - Então e o predicado?

A Oradora: - Gostaria ainda que nos dissesse em que modelo está a pensar para as escolas superiores de educação que também estão previstas e não funcionam, Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Ministro da Educação, gostaria de formular algumas questões concernentes à política do seu Ministério em relação às quais não me considero ainda suficientemente esclarecido.
Referiu V. Ex.ª as necessidades de mão-de-obra especializada por parte de muitas empresas industrias do nosso país, necessidades que várias associações industriais têm manifestado - e eu que contacto directamente com várias empresas também reconheço a existências de bastantes queixas quanto a essas carências.
Mas no que concerne a este assunto, gostaria de, por um lado, solicitar ao Sr. Ministro uma indicação mais precisa dos estudos que o Ministério que V. Ex.ª orienta terá realizado ou terá em curso para quantificar e precisar por sectores essas necessidades de mão-de-obra especializada que aqui referiu; e, por outro lado, gostaria também de realçar que V. Ex.ª, se bem entendi criticou as medidas de elevação do número de anos de ensino obrigatório tomadas a seguir à revolução de Abril e comparou-as - penso - que mal - com medidas que supôs foram tomadas, em sentido inverso, por outros países da Europa Ocidental. Se não compreendi bem, Ex.ª esclarecer-me-á.
Ultrapassando, no entanto,, esses aspectos, perguntar-lhe-ia concretamente: a partir de que idade ou de que número de anos de escolaridade, considera que deve terminar a escolaridade obrigatória unificada?
Esta será, no fundo, a base escolar mínima que constitui fundamento educativo para o exercício da futura cidadania e para o exercício de uma actividade económica e social. A partir de que idade, repito, pensa o Sr. Ministro que ela deve terminar?
V. Ex.ª disse ainda que o Ministério já tem pronto e terá enviado a diversas entidades a proposta de estatuto da carreira docente não superior. A minha pergunta é apenas esta: e à Assembleia da República já o terá enviado? Se não enviou, pergunto-lhe se tenciona fazê-lo e quando.
E o que pensa V. Ex.ª, globalmente, do estatuto da carreira docente universitária? Prevê ou não a necessidade de alteração nesse estatuto durante o seu tempo de Governo? E se prevê, o que é que o seu Ministério já fez nesse sentido?
Para não tomar mais tempo neste momento, formular-lhe-ia apenas mais duas questões: quais os critérios que o seu Ministério emprega para determinar o montante dos subsídios a conceder ao ensino universitário privado e, designadamente, à Universidade Católica?
Por último, já que a importância da posição de V. Ex.ª sobre este assunto foi por diversas vezes focada nesta Assembleia há algumas semanas por deputados da maioria - e, se não me engano, também pelo Sr. Deputado Adriano Moreira- gostaria de ouvir V. Ex.ª pronunciar-se sobre um aspecto pontual, mas de interesse, que é o da oportunidade de criação da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Brito.

O Sr. Raúl Brito (PS): - Sr. Ministro da Educação, o ideal numa política de educação e o natural numa sociedade democrática é que o ensino seja um direito de todos nos seus diversos níveis.
Somos daqueles que compreendem que em circunstâncias excepcionais devidamente justificadas - o que nos parece, infelizmente, o caso- não seja possível ao Estado garantir esse direito, introduzindo para o efeito as medidas administrativas adequadas. Assim parece ser o caso do numeras clausus.
Mas, se esta situação se tem de aceitar transitoriamente, importa, contudo, que o Estado garanta com eficácia que a população escolar não sofra discriminações relativas.
Estamos certos de que é um objectivo difícil, dadas as desigualdades existentes à partida e provocadas pela situação social de cada um dos alunos. Mas, por isso mesmo, maior deve ser o empenhamento do Estado na aplicação de um política educativa que garanta, no que de si depende, que essas desigualdades não se multipliquem.
Não houvesse numerus clausus e dir-se-ia que o sistema de avaliação de candidaturas ao ensino superior seria aceitável, já que, no essencial, isto é, na igualdade de tratamento no acesso, a notação não seria determinativa e consequentemente relevante.
Mas, desde que o é, parece-nos, Sr. Ministro da Educação, que o processo actual, no que depende da actuação governamental, continua a ser de per si mais um factor gerador de discriminações relativas, dado suportar-se em grande parte numa regra que sobrevaloriza as notações obtidas, sobre provas e avaliações locais, logo subjectivas, quiçá passíveis de utilizações criticáveis.
Perguntar-lhe-ia, pois. Sr. Ministro da Educação, neste quadro de existência do numerus clausus, se considera ou não que um sistema uniforme e de avaliação nacional seria o método mais adequado e justo para determinar o acesso ao ensino superior.

O Sr. Presidente: - Igualmente para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Góes.

O Sr. Jorge Góes (CDS): - Sr. Ministro da Educação: Várias foram as questões que me foram suscitadas pela sua intervenção, mas, em virtude das limitações de tempo, procuraria apenas tentar suscitar junto do Sr. Ministro o esclarecimento de alguns problemas em matéria de ensino técnico-profissional.

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Já por várias ocasiões tenho tido oportunidade de expender a opinião de que concordamos com a opção política e com a opção educativa de reinstaurar esta modalidade de ensino, mas algumas grandes dúvidas se nos colocam quanto à forma prática e concreta que essa restauração assumiu.
Em primeiro lugar, Sr. Ministro, gostaria de ouvir a sua opinião sobre se entende que os curriculum são ou não demasiado dispersivos e absorventes, em termos de conduzirem a uma situação em que não há, nem a apreensão de uma experiência técnica, nem a apreensão de uma experiência teórica adequada aos objectivos a que o ensino técnico-profissional se propõe.
Depois, a questão de saber se os cursos que estão neste momento a ser ministrados têm ou não uma tecnologia actual ou se, pelo contrário, se não caracterizam por uma clara desactualização de meios, conduzindo, portanto, a uma série de vícios que põem em causa todos os objectivos que se pretendem com este tipo de ensino.
Em terceiro lugar, o problema dos cursos terem ou não mercado de trabalho. Penso que, em larga medida, será esse factor que servirá para aferir da utilidade desta opção política e desta opção educativa.
Perguntar-lhe-ia, portanto, se há ou não mercado de trabalho para os cursos que estão a ser ministrados, nomeadamente quando se sabe que existem cursos de formação profissional acelerada a serem ministrados nas mesmas áreas por parte do Ministério do Trabalho e Segurança Social, parecendo esta situação aconselhar a que houvesse a necessária articulação entre o que está a ser feito no Ministério da Educação e o que se faz no Ministério do Trabalho e Segurança Social.
Em quarto lugar, colocar-lhe-ia uma questão que me causa as maiores dúvidas e que tem a ver com as expectativas que estão a ser criadas junto dos estudantes que, quer no ano lectivo que agora se inicia, quer no ano lectivo seguinte, vão ingressar nesta modalidade de ensino.
Ë que se está a acenar a estes estudantes com a expectativa de que o facto de frequentarem o ensino técnico-profissional lhes vai abrir as portas das Universidades. Saliento, por exemplo, que o impresso que foi distribuído fala 5 vezes em acesso à Universidade, quando me parece que o grande objectivo desta modalidade de ensino não é o de garantir o acesso ao ensino superior, mas, pelo contrário, o de preparar os estudantes para o ingresso imediato e preparado na vida activa.
A questão que lhe colocava, Sr. Ministro, é se concorda ou não com este ponto de vista e, mais, se não acha que poderemos estar a cair no risco e no prejuízo de acontecer algo semelhante ao que se passou com vias profissionalizantes onde se sabe que existem vários milhares de alunos que após as terem frequentado ficaram sem qualquer solução e com todas as suas saídas tapadas.
Por último, pergunto-lhe se entende ou não que a reduzida expressão numérica do ensino técnico-profissional acaba por pôr em causa os objectivos que lhe estiveram subjacentes, nomeadamente quando se sabe que no primeiro ano foram pouco mais de 600 alunos que frequentaram os cursos técnico-profissionais e, salvo erro, para o ano que se vai iniciar após as férias não se prevêem mais do que 1200 alunos.

O Sr. Presidente: - Também para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro. V. Ex.ª tem que esclarecer o País sobre o que se vai passar no próximo ano lectivo. Vou-lhe fazer algumas perguntas e gostaria que V. Ex.ª nos pudesse dar algumas respostas claras.
Todos sabemos das carências existentes em salas de aula, em equipamento e em pessoal auxiliar. Sr. Ministro, quantos alunos, especificados por graus de ensino, vão ser penalizados no próximo ano lectivo devido às carências atrás referidas?
Quantos alunos vão ser atingidos pela abertura tardia de escolas? Quantos alunos vão ser penalizados por não encontrarem frequência?

Em relação a 1983-1984, o ano lectivo de 1984-1985 vai melhorar, vai piorar ou o panorama vai-se manter? Em que dia vai abrir o novo ano lectivo?
Neste momento V. Ex.ª poderá esclarecer esta Câmara sobre qual é o montante de falta de turmas em todo o País, especificando por graus de ensino?
Já agora, Sr. Ministro, é ou não verdade que só em Lisboa e em Setúbal faltam 300 turmas, o que atinge directamente 12000 alunos?
Como é evidente, o Ministro terá que ser responsabilizado por alunos, professores e pais e daí estas perguntas que lhe proporcionam a possibilidade de esclarecer o País. Quererá V. Ex.ª fazê-lo?
Sr. Ministro, V. Ex.ª disse há umas horas que estão a ser construídas 150 escolas por ano. Este número surpreende-me um pouco e gostava que V. Ex.ª me fornecesse, se fosse possível, essa lista, essa elencagem de escolas, pois assim ficaríamos todos a saber onde é que elas têm sido construídas, em que datas e em que zonas.
No entanto, relembro o Sr. Ministro que, em 1981, a carência de escolas preparatórias e secundárias era de 400 escolas e até à data só foram concluídas pouco mais de 100! Também gostaria de referir a V. Ex.ª que há l ano faltavam 37 000 salas de aula e eu gostava de saber o que é que V. Ex.ª tem a dizer a este respeito.
Mas uma pergunta a propósito de construções escolares: Sr. Ministro, quem é realmente o responsável pelas construções escolares deste País?
Constróem escolas a Direcção-Geral das Construções Escolares, as autarquias, as comissões instaladoras de novas Universidades, a Direcção do Equipamento Escolar, mas, pergunto, quem faz a coordenação destes organismos?
Coordenação a nível técnico não existe, mas, pelo menos, existe coordenação a nível político, que é feita, nomeadamente, pelo Secretário de Estado das Obras Públicas, que, como V. Ex.ª sabe, anda pelo País a oferecer escolas, principalmente em períodos eleitorais. Julga o Sr. Ministro que esse 6 o melhor sistema? Tem o Sr. Ministro o levantamento dos custos previstos e dos custos reais das construções até agora efectuadas?
Sr. Ministro, em relação aos terrenos para construção de escolas, gostava de saber como é feito o controle de reservas de terrenos nas urbanizações e quais as dívidas do Estado neste sector.
Finalmente - porque já não tenho muito tempo -, gostava de fazer uma pergunta em relação à segurança

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das escolas. Porque não se dotam as escolas de um número suficiente de elementos pertencentes à categoria de pessoal auxiliar de apoio, incluindo guardas, e se recorre a empresas privadas de segurança?
Quanto custa ao Ministério da Educação Nacional este sistema de segurança a funcionar agora em cerca de 50 escolas e de que rubrica orçamental provém a verba utilizada?
Sr. Ministro, a decisão quanto a este sistema de segurança foi precedida de contactos com o Ministério de Administração Interna, a quem compete a segurança da população?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Ministro, há aproximadamente 2 anos e meio pedimos aqui um inquérito ao problema das construções escolares e a AD - particularmente o PSD - impediu a sua realização.
Mas eu gostaria de lhe pôr algumas questões muito concretas, sendo a primeira é a seguinte: Sr. Ministro, é capaz de dizer à Câmara quantas obras foram lançadas pelo Ministério da Educação Nacional desde 31 de Maio de 1983, em termos de construções escolares para o ensino preparatório e secundário? Gostaria que respondesse a esta questão com um número, tendo apenas em conta as obras lançadas e não as acabadas.
Segunda questão: está em curso algum inquérito aos directores escolares regionais e aos directores escolares distritais quanto à construção de escolas e quanto aos «fumos» de corrupção que se sabe existirem nalguns distritos?
Terceira questão: o Sr. Ministro falou em Macau e disse que o ensino técnico-profissional está aí a dar magníficos resultados. Presumo que V. Ex.ª verificou isso e, assim, pergunto que tipo de resultados é que já se obtiveram e se já acabou a miserável exploração de trabalhadores feita nas fábricas macaenses, cuja mão-de-obra não tem qualificação. Que reflexos tem já o ensino técnico-profissional nessa mão-de-obra que, certamente, o Sr. Ministro não deixou de observar com curiosidade em Macau.
Quarta questão: o Sr. Ministro é capaz de explicar à Câmara quais as razões porque concedeu a equiparação do ensino do seminário ao ensino liceal, que foi um dos cavalos-de-batalha do Cardeal Cerejeira, que nunca a conseguiu ver concretizada?
Quinta questão: V. Ex.ª é capaz de explicar à Câmara quais as razões que motivaram a remodelação que efectuou no seu gabinete em particular e no Ministério da Educação Nacional em geral?
Sexta e última questão: não discordo do lançamento do ensino técnico-profissional, embora possa ter algumas objecções à forma como foi lançado; muito concretamente, pergunto que serviços do Ministério é que foram ouvidos por V. Ex.ª no sentido de saber quais os estabelecimentos escolares que tinham condições de concretizar na prática este novo tipo de ensino?
São perguntas muito simples e espero que o Sr. Ministro me responda também com respostas simples e o mais breve possível.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fillol Guimarães.

O Sr. Fillol Guimarães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro de Educação Nacional: A determinado passo da sua intervenção, V. Ex.ª fez uma afirmação que muito me agradou & que é a de que no próximo ano lectivo não encerrará nenhuma escola do magistério primário e todas receberão alunos do 1.º ano.
No entanto, Sr. Ministro, continua em vigor um despacho, que foi recebido pelas escolas do magistério primário no começo deste mês, pelo qual se estabeleceu que 7 dessas escolas não receberão alunos do 1.º ano no ano lectivo de 1984-1985.
Independentemente de uma troca de impressões que tivemos, para melhor esclarecimento, pergunto ao Sr. Ministro se este despacho está efectivamente revogado ou não, e, se o está, quando é que essa decisão será comunicada às escolas do magistério primário, visto que decorre nesta altura do ano a programação do próximo ano lectivo e sem uma certeza quanto a este despacho ela será impossível.
Também não posso deixar de notar que V. Ex.ª afirmou que se vão manter em funcionamento algumas escolas do magistério primário simultaneamente com algumas escolas superiores de educação.
Sr. Ministro, quais os critérios que permitiram decidir o número de escolas do magistério primário que vão ter funcionamento paralelo com as escolas superiores de educação? Não seria necessário um amplo debate sobre a possibilidade desse funcionamento um paralelo, que permitisse a decisão sobre se não seria mais viável para o país e para o ensino a descentralização por departamentos das escolas superiores de educação, que até ao presente só podem ser sediadas em capitais de distrito?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Laranjeira Vaz.

O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Educação: Vou colocar algumas questões que gostaria que V. Ex.ª esclarecesse oportunamente.
V. Ex.ª, na sua intervenção, falou sobre orientação escolar e profissional, o que, desde já, tem o meu apoio. Mas, em relação a esta matéria, gostaria de lhe colocar duas questões, sendo a primeira a seguinte: a que modelo irá obedecer e por quem será feita a orientação escolar e profissional deste país? Será feita pelos orientadores escolares já existentes, pelos diplomados pelo ISLA ou pelos licenciados em Psicologia? Por todos, por alguns, só por licenciados ou só por parte dos licenciados?
A segunda questão que gostaria de lhe colocar diz respeito à formação profissional. Gostaria que V. Ex.ª referisse o que pensa sobre a formação profissional e qual o sentido da opção que vai ser tomada. Vai-se optar pela formação para o emprego apenas ou pela formação com vista ao desenvolvimento integrado num plano, sem esquecer as próprias necessidades regionais?
Estamos praticamente no final do 1.º semestre de 1984, ou seja, a 6 meses do início do Ano Internacional da Juventude. Já foram solicitadas ao Ministério da Educação informações sobre esta matéria por uma subcomissão da Comissão Parlamentar de Juventude e eu perguntava a V. Ex.ª, em termos de Ministério da Educação, o que está feito ou o que se pensa

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fazer quanto a este Ano Internacional da Juventude na perspectiva de responder a muitas e graves carências dos jovens de hoje, pois é preciso que tenhamos presente que a situação é para eles ainda mais gravosa.
Por outro lado, pergunto-lhe, Sr. Ministro, quando é que pensa que a Comissão Interministerial de Juventude estará em condições de cumprir os objectivos para que foi criada.
Por último, pergunto a V. Ex.ª se nos pode informar quais têm sido os critérios do Ministério da Educação. mais concretamente da Direcção-Geral do Ensino Superior, na distribuição de verbas às associações de estudantes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Ministro da Educação, na sua intervenção, V. Ex.ª começou por dizer que deveríamos arredar desta discussão quaisquer motivações ideológicas ou outras reservas desse tipo, pois o que interessa é um debate de ideias.
Porém, logo em seguida, para justificar a sua política educativa, V. Ex.ª afirmou que, por exemplo em França, neste momento há grandes fracturas no campo de educação, o que todos nós saberíamos através dos jornais, e que em Portugal estaríamos em grande paz relativamente à França.
Antes de formular a V. Ex.ª a minha pergunta, quero explicar que ela nada tem de pessoal como, aliás, nunca nenhum debate suscitado por esta bancada -, pois não é o Professor Dr. José Augusto Seabra que está em questão, mas sim o Ministro da Educação e a sua função.
Assim, pergunto se V. Ex.ª considera que existe em Portugal, no campo da educação, uma paz social, quando todas as estruturas discentes e docentes deste país - e até mesmo as estruturas do seu partido - pedem diariamente, como se pode ver nos órgãos de comunicação social, a sua imediata demissão.
O Sr. Ministro falou da lei de bases do ensino e disse que ela não poderia ser implementada desde já na medida em que teria que haver acertos com a CEE, etc. V. Ex.ª referiu esta lei mas, como sabe, há já 3 projectos de lei de bases do ensino nesta Assembleia que ainda não avançaram nem podem ser agendados enquanto o Governo não apresentar a sua proposta de lei sobre esta matéria porque, evidentemente, numa questão como esta, é indispensável que o Governo o faça.
Mas, Sr. Ministro, deixando por agora a lei de bases do ensino, pergunto-lhe por outra lei, talvez tão ou mais urgente que esta, que é a lei da autonomia universitária. Como sabe, já há problemas ao nível das nossas Universidades e a pergunta concreta que lhe faço nesta matéria é como é possível iniciar o próximo ano lectivo quando há já ruptura no reforço de verbas, principalmente para contratação de pessoal docente.
É evidente que V. Ex.ª também sabe que no caso da lei da autonomia universitária existe já nesta Assembleia um projecto de lei do MDP/CDE.
Uma última questão. Sr. Ministro. Creio que em resposta à minha intervenção, V. Ex.ª disse que o seu Ministério não encerrou nenhuma escola do magistério primário neste país. Ora, na minha intervenção, eu não disse que V. Ex.ª tinha encerrado escolas do magistério, disse apenas que tinha encerrado as matrículas no 1.º ano de algumas escolas do magistério primário.
Porém, em toda a imprensa de hoje, a começar por um diário do Porto de que V. Ex.ª é ilustre colaborador, vejo notícias no sentido de que V. Ex.ª teria encenado a Escola do Magistério Primário de Chaves, através do tal despacho datado de 30 de Maio, motivo pelo qual se fez ontem nesta capital do Alto Tâmega uma manifestação de protesto que deu ensejo ao presidente da Câmara de Chaves para dizer isto que vem transcrito no referido jornal:
Dirigindo-se à juventude aqui presente, o Ministro da Educação, na sua última visita a Valpaços, garantiu que a Escola do Magistério Primário de Chaves não encerraria. Sucede que, no dia 30 de Maio, um despacho ministerial dava o caso como consumado, encerrando a Escola do Magistério Primário de Chaves.
Através de uma pergunta de um Sr. Deputado do PS, pareceu-me que V. Ex.ª teria já revogado este despacho. Mas, de qualquer modo, suponho que era importante para esta Câmara e para o país que este caso ficasse definitivamente esclarecido, assim como outro que vem referido nesse mesmo jornal e que se refere ao encerramento das matrículas no 1.º ano da Escola do Magistério Primário do Fundão, escola esta que tem alunos de uma vasta área da Covilhã, de Tortosendo, de Unhais da Serra, etc.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Educação: Ouvi com atenção a intervenção entusiasmada de V. Ex.ª, feita num tom que, permita-me que lhe diga, não contribuiu com certeza para introduzir um debate sereno sobre os domínios de política geral que estão confiados ao seu ministério.
De qualquer modo, Sr. Ministro, foi possível concluir que V. Ex.ª proeurou situar a sua política na linha das tentativas de recuperação da normalidade do funcionamento do sistema educativo, perturbada nos idos de 1974 e 1975. Um enunciado de boas intenções que teria sentido no decurso da apresentação de um programa de Governo mas não agora!
Todavia, vou situar as minhas observações em dois pontos concretos já que, por parte do meu partido, o Sr. Professor Adriano Moreira fará uma intervenção de carácter geral sobre o tema em discussão.
Sr. Ministro, no que respeita a essa preocupação de normalidade de funcionamento, é sabido e universalmente reconhecido que as associações de pais desempenharam e continuam e desempenhar um papel decisivo. Acontece, porém, que o seu Ministério não tem conferido a essas associações e às suas organizações integradoras o papel que sem dúvida lhes cabe e que lhes tem sido reconhecido por instâncias internacionais, como é o caso da UNESCO.
Sr. Ministro, referir-me-ei apenas a dois pontos concretos e o primeiro é o protocolo celebrado entre o Ministério da Educação e a Comissão Feminina, com data de 28 de Fevereiro último, «para preparar a revisão dos programas de ensino primária, suscitando a reflexão sobre as causas e consequências da divisão

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estereotipada dos papéis, em função do sexo, na família, no mercado de trabalho, na sociedade em geral.» - citei o preâmbulo do despacho.
Porquê apenas a Comissão da Condição Feminina, Sr. Ministro? Porquê excluir desta reflexão as associações de pais? Esta é a primeira questão, Sr. Ministro.
A segunda questão que quero colocar-lhe refere-se ao Despacho n.º 90-ME/84, de 24 de Novembro, que nomeia uma comissão de estudo mais uma, Sr. Ministro! - «do lançamento da disciplina de educação física, a qual visará promover o equilíbrio entre a promoção individual das crianças e dos jovens e a sua inserção na vida social e colectiva» - citei uma parte do despacho.
Pergunta-se: qual o critério que levou à composição da referida comissão e porquê excluir também aqui uma representação das associações de pais?
São estas as questões que lhe queria deixar, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Miranda.

O Sr. Jorge Miranda (PSD): - Sr. Ministro da Educação, ao observar as principais medidas executadas pelo Ministério de que V. Ex.ª faz parte, algumas dúvidas me surgiram, pelo que gostaria de lhe formular algumas perguntas.
Quanto ao processo de descentralização, concretamente quanto à transferência para as autarquias de todo o processo conducente do IASE, o Sr. Ministro, citando um documento, disse que já está em marcha alguma regulamentação, regulamentação essa, que será brevemente distribuída aos órgãos respectivos. Perante a citação que acabo de fazer e face ao atraso dessa regulamentação, pensa o Sr. Ministro que o próximo ano lectivo vai abrir nos moldes anteriores? Ë que, como o Sr. Ministro sabe tão ou melhor do que eu, nos últimos 10 anos o IASE tem trabalhado de uma forma que poderá considerar-se ideal.
Uma outra questão tem a ver com as faltas do pessoal e refiro-me concretamente ao Decreto-Lei n.º 41/84. Assim, pergunto: como pensa o Sr. Ministro resolver os problemas decorrentes da aplicação deste decreto-lei, nomeadamente no que respeita à substituição de docentes impedidos do exercício das suas funções por períodos prolongados, concretamente por doenças de parto ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Doença?!...

O Orador: -... e outras? Note-se que só a nível do ensino primário as ausências ocasionadas por tais motivos chegam a atingir 30 000 por ano!
A terceira pergunta que queria formular-lhe diz respeito aos concursos para os ensinos preparatório e secundário e refere-se ao Despacho n.º 32/84. Houve, contudo, uma alteração no seu n.º 9 através - creio- do Despacho n.º 112/84 assinado por V. Ex.ª Como sabe, o Despacho n.º 32/84 foi enviado às respectivas escolas já com o concurso efectuado. Pergunto se a alteração do n.º 9 do Despacho n.º 32/84, vai alterar substancialmente o referido concurso.
Em relação ao ensino primário, antes de lhe formular a pergunta, permita-me que lhe diga o que penso. É que não será novidade para ninguém que, neste país, a nível do ensino primário, os professores - a quem é pedida uma série de sacrifícios - hoje, mais do que nunca, têm atrás de si toda uma série de condicionalismos: colocações muito distantes do seu ambiente familiar, inclusive colocações em escolas sem o mínimo de condições para executarem as suas tarefas, enfim, depara-se-lhes todo um rosário de situações.
Aliás, todos nós sabemos quão difícil é hoje, neste país, ser-se professor do ensino primário. Porque já se fala por aí na possibilidade de se resolverem tais' situações, perante o que acabei de citar, isto é, perante as dificuldades nas deslocações que os professores do ensino primário atravessam, que medidas pensa tomar o Ministério de que V. Ex.ª faz parte?
Termino com uma citação. Diz V. Ex.ª que está em marcha a consolidação da gestão democrática nos ensinos preparatório e secundário. Estou perfeitamente de acordo com V. Ex.ª; no entanto, na minha modesta opinião, penso que a gestão democrática e a sua consolidação devem ser alargadas ao ensino primário. Penso que seria de grande utilidade que o Ministério de que V. Ex.ª é Ministro tenha a possibilidade, no mais breve curto espaço de tempo, de se debruçar sobre este assunto. Penso que poderíamos, eventualmente, até resolver uma das grandes reivindicações dos professores do ensino primário!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Meira.

O Sr. António Meira (PS): - Sr. Ministro da Educação, o Estado investiu centenas de milhares de contos no Instituto de Tecnologia Educativa, modernizando-o tecnologicamente, tendo como natural objectivo a maior eficácia do mesmo.
Do conhecimento público, apenas a Telescola, cujo centro de produção se situa em Vila Nova de Gaia, tem obtido resultados positivamente assinaláveis.
Sabe-se que a telescola, em Gaia, vive momentos de verdadeira frustração. E porquê? Porque o material continua obsoleto, porque as instalações são, no mínimo, irrisórias, porque, enfim, os cerca de 30 professores e os 140 funcionários não entendem porque estarão votados ao ostracismo, não lhe tendo sido dadas, até agora, as condições materiais indispensáveis - e, diga-se, ao dispor do ITE -, tendo em conta os resultados positivos obtidos, na maior parte das vezes com grande espírito de sacrifício e criatividade inesgotável.
Pergunto-lhe, Sr. Ministro: para quando a desejada e justificada reestruturação do ITE e, muito particularmente, do Centro de Produção de Gaia da Telescola?
Para quando a mais que justificada descentralização tecnológica em benefício desse Centro, cuja cobertura escolar ultrapassa os 60 000 alunos do ensino preparatório e tem, como colaboradores, cerca de 3000 professores monitores espalhados pelo país?
Em suma, Sr. Ministro, que política e que futuro para a telescola e para quando a justiça que elimine, de uma vez por todas, os desequilíbrios existentes, a vários níveis, entre o todo ITE e a parte Telescola, Centro de Produção de Gaia -repito, Sr. Ministro, Centro de Produção -, que, perdoe-me a redundância, tem peremptoriamente produzido?

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Ministro da Educação, o Programa do Governo incluía a apresentação à Assembleia da República de uma proposta de lei de bases sobre o sistema educativo. Hoje de manhã V. Ex.ª disse - e todos nós reconhecemos - que essa lei é fundamental para lançar qualquer política, embora os Ministros tenham sempre maneira de atalhar os aspectos secundários através de decretos-leis, sem terem que esperar pela lei.
Mas o problema importante que queria levantar é este: precisamente no dia 16 de Maio foi distribuído aos grupos parlamentares um projecto de lei de bases sobre o sistema educativo do Partido Socialista. Este projecto de lei, Sr. Ministro, substitui a proposta de lei que o Governo queria apresentar?

Risos do MDP/CDE.

Ou há uma descoordenação entre o Governo e os partidos da maioria? Ou o PS e o PSD encarregaram o PS de preencher a lacuna governamental, isto é, a não apresentação da proposta de lei de bases?

O Sr. Paulo Barral (PS): - Nós somos autónomos. Sr. Deputado!

O Orador: - Qual é a posição do Governo? Vai esperar por um novo projecto de lei do PSD para depois apresentar o seu diploma para que depois tenhamos aqui cinco projectos de lei, porque também o PCP e o MDP/CDE irão apresentar, e naturalmente o CDS também irá aproveitar a maré e apresentar o seu para não ficar isolado? O que é que o Governo vai fazer em face disto?
Em segundo lugar, queria saber o que é feito da regulamentação da lei sobre o ensino especial. Há 2 ou 3 anos foi aqui votada uma lei sobre o ensino especial e até hoje não foi dita uma palavra sobre isso.
Outro dia, o Sr. Primeiro-Ministro, aquando da discussão da moção de confiança, prestou uma grande homenagem a V. Ex.ª, dizendo que era um antifascista, um homem do exílio, um homem de intelectualidade. Contudo, quanto aos principais problemas sobre a educação, ficámos a saber nada. Talvez hoje fosse altura de nos dizer alguma coisa sobre esses dois problemas importantes.
Em terceiro lugar, hoje de manhã V. Ex.ª apresentou um rol de medidas que nos últimos 2 ou 3 dias, ou há uma semana, foram publicados. Talvez essa seja a grande vantagem do anúncio da interpelação do MDP/CDE! ...
Sr. Ministro, precisa o Governo destes choques constantes para sair com a legislação, tal como se deu com a Radiotelevisão, cujo presidente foi afastado só depois do anúncio da interpelação pedida pelo CDS?

O Sr. Presidente: - Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Cada qual está na vida política ou no exercício das suas funções com a sua personalidade própria. Eu sou homem que há 30 anos - exactamente há 30 anos - se encontra na vida política e que, possivelmente, nessa vida política teve, com a sua personalidade própria, uma maneira de ser e de estar no Mundo, pelo que gostaria que fosse aceite um direito à diferença e um direito à linguagem, direitos esses - penso eu - importantes numa sociedade livre e democrática.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A um grande homem da cultura e da educação queria eu prestar homenagem, porque ninguém fala dele e está hoje retirado modestamente: o Professor Agostinho da Silva. Quando aceitei o cargo de Ministro da Educação, ele escreveu-me uma carta, que eu não esqueço. Essa carta diz simplesmente isto:

José Augusto Seabra, no exercício das funções de Ministro não deixe de ser o José Augusto Seabra.

O Sr. Manuel Moreira (ASDI): - Muito bem!

O Orador: - O Professor Agostinho da Silva, foi um homem que no Brasil, em África, no Oriente ajudou a construir muitas universidades, foi um resistente que, entre os primeiros, se recusou a assinar a obrigação de repudiar o comunismo e as ideias subversivas, é um homem católico no sentido próprio do termo, um homem universal. Penso que o que dizia o Professor Agostinho da Silva me deve servir de lema. Por isso não escondo: tenho a minha maneira de ser, o meu temperamento, a minha linguagem, que não fere ninguém mas apenas é expressão de uma idiossincracia.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

No entanto, reconheço que, por vezes, num debate parlamentar, devido às circunstâncias e aos interlocutores, poderá haver, aqui e ali, uma tonalidade que poderia também ser diferente porque, se eu tenho direito à diferença, admito, por exemplo, que o meu amigo Sottomayor Cardia tenha a sua diferença própria, a sua linguagem, a sua ponderação, a sua serenidade. Aceito a proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cardia, aceito que devemos evitar, passionalizar este debate, sem, eventualmente, perder a paixão interior mas com serenidade, discutindo os problemas concretos.
Também aceito que é preciso por vezes «descer do céu à terra», sem esquecer que, apesar de tudo, como eu disse, um debate sobre política de educação não pode deixar de ser um debate de ideias.

A Sr.ª Maria Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Deputado Sottomayor Cardia conhece o célebre texto de Antero de Quental: «Mas poder-se-á viver sem ideias?» Não se pode viver sem ideias e, sobretudo, não se pode viver sem ideias no domínio da educação.
Mas eu compreendo o sentido da intervenção do Sr. Deputado Sottomayor Cardia e, muito sinceramente, agradeço-lhe a atitude construtiva e positiva que teve ao apresentar algumas questões concretas, questões, essas, algumas delas -permita-me que lhe

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diga também com toda a franqueza- são pertinentes para este debate sobre política global de educação e sua expressão concreta, outras poderão ter, em seu devido tempo, uma resposta, ou através da apresentação de um requerimento pelo Sr. Deputado ou por comunicação que, tanto eu como a equipa ministerial, teremos muito gosto em fazer. No entanto, compreendi o sentido das 4 questões que apresentou.
Por exemplo, relativamente aos subsídios do Ministério da Educação, penso que deve haver uma política, os subsídios que se situam a diversos níveis devem obedecer a critérios, a hierarquias de importância das questões que suscitam o pedido de subsídios e, evidentemente, a critérios de adaptação, inclusive, às circunstâncias de rigor e autoridade em que nos encontramos.
Posso dizer que, por exemplo, no domínio do ensino superior - mas o Sr. Secretário de Estado terá talvez oportunidade de dizer uma palavra a esse respeito - procurámos estabelecer um critério para a atribuição de subsídios às associações de estudantes. No que respeita a outros subsídios, a diversos níveis, procurámos que houvesse uma linha condutora.
Ponho, por exemplo, o problema concreto dos subsídios que são atribuídos pelos gabinetes a instituições particulares. Este ano, entendi que, em vez de pulverizar alguns desses subsídios, devia concentrá-los no apoio a determinado tipo de prioridades, isto com sacrifício, evidentemente, de uma certa comodidade do próprio Ministro. Por isso entendi que, em situações muito difíceis em que se encontravam alguns estabelecimentos do ensino particular, eu devia fazer um esforço, nomeadamente quanto aos estabelecimentos do ensino particular que cooperaram no lançamento do ensino técnico, tais como o Colégio dos Carvalhos e o de Santo Tirso.
Entendi que, por exemplo, a Universidade Católica, que tem um papel histórico em Portugal, devia também ter um contributo próprio, não apenas na medida em que ela é uma universidade católica, mas porque tem, por exemplo, um centro de estudos dos povos e das culturas de expressão portuguesas, centro esse que, em muitos aspectos, complementa o que tentámos fazer através do Instituto de Cultura e Língua Portuguesas, de que não falámos hoje aqui mas que, dentro de pouco tempo, se verá que vai actuar no sentido de dar ao ensino português no estrangeiro e à política da língua uma concreção.
Compreendo, por isso, o sentido da sua interpretação - deixe-me utilizar o seu termo, Sr. Deputado Sottomayor Cardia- e posso dizer-lhe que tem havido, de facto, alguns critérios que podem ser discutíveis, até porque há uma margem no poder ministerial que eu uso, margem essa dentro de uma lógica que, evidentemente, podia ser diferente se o Sr. Deputado estivesse - aliás, como já esteve e muito bem - no Ministério da Educação. Mas a estes respeito, enviar-lhe-ei o montante e a lista de cada uma dos subsídios. Aliás, já hoje pedi ao Chefe de Gabinete do meu Ministério para elaborar a lista.
Relativamente à segunda questão que diz respeito aos compromissos que teriam sido tomados, formal ou informalmente, perante as autarquias locais quanto às construções escolares, em substituição do que se encontra previsto nos trabalhos da Comissão da Rede Escolar, queria informá-lo que os Despachos n.ºs 61/84, 91/84 e um outro que não sei o número mas sei que é de 29 de Maio de 1984 se limitam, por exemplo, a aprovar as listas referentes ao movimento da rede escolar do ensino primário, a aprovar a proposta relativa ao ciclo preparatório pela telescola e também relativamente a estabelecimentos dos ensinos preparatório e secundário directo, admitindo nesses despachos que podia ler-lhe- apenas que serão feitos alguns acertos ou modificações pontuais que a realidade escolar vier a aconselhar. E passo a ler:

Aprovo na generalidade as listas referentes ao movimento da rede escolar proposta para o ensino preparatório directo e para o ensino secundário, sem prejuízo de pequenos acertos ou modificações pontuais que a realidade escolar vier a aconselhar.
A Direcção-Geral do Equipamento Escolar, com a colaboração dos directores-gerais interessados no processo, elaborará os diplomas legais referentes ao movimento ora aprovado ou às alterações a introduzir-lhe que me deverão ser presentes através do Sr. Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário.
Depois foi apresentado ao Ministério do Equipamento Social todo um conjunto de propostas, uma carteira de encomendas, além de uma proposta relativa ao plano especial.
Tudo isto exige uma discussão entre os 2 ministérios - e felizmente temos aqui o Sr. Ministro do Equipamento Social - que vamos fazer adequadamente.
Gostaria aliás de referir, porque por vezes se divulga este ou aquele documento sem que haja possibilidade de controlarmos essa divulgação, que nada daquilo que foi aprovado passa de uma proposta.
Tem havido preocupação, por parte do Ministro e do Secretário de Estado competente e também do Sr. Ministro do Equipamento Social e do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas, de trabalharmos com o sentido das nossas responsabilidades havendo eventualmente diferenças de apreciação, que são aliás explicáveis.
Aproveito este ponto para me dirigir aos Srs. Deputados dos diferentes distritos. Como os organismos internacionais têm mostrado, houve em vários países algumas crises provocadas pelo excesso de apetência pela implantação das escolas. Como também houve, por vezes -e isso é um facto que tem que ser explicado sociologicamente -, grupos de pressão que não são muitas vezes partidários, contrariamente ao que se julga, mas que resultam de forças organizadas. A tal ponto que esses grupos têm até, muitas vezes, impedido a construção de algumas escolas em anos transactos, porque cada qual se bate pelo seu terreno próprio, com prejuízo da comunidade.
Estamos atentos a essa problemática e iremos fazer um esforço no sentido de atribuir as implantações dos estabelecimentos em função de critérios que são os do planeamento, que derivam de estudos do Gabinete de Estudos e Planeamento (GEP), da Comissão da Rede Escolar, sem que - digamo-lo com toda a franqueza, porque temos de falar a linguagem da lealdade - tenhamos ilusões.
As relações de forças exercem-se muitas vezes mesmo à revelia de vontades políticas da equipa dirigente.

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O que devemos procurar é limitar ao mínimo aquilo que for apenas resultante das correlações de forças existentes em termos locais e que muitas vezes provém da oposição.
Vou dar um exemplo; cheguei do estrangeiro e tinha uma telex provindo de uma autarquia, que tem à sua frente um elemento de uma das oposições, a qual já tem um excesso gritante de escolas preparatórias, relativamente a outras autarquias circunvizinhas. No entanto, esse elemento exigia que o Ministério se lançasse, ainda este ano, numa nova escola preparatória.
É evidente que digo isto, não para defender os partidos da maioria, mas para tornar bem claro que pressões desse tipo que existem não nos impressionam. Esse autarca, que respeitamos mas ao qual não cedemos, terá que compreender que existe uma justiça distributiva no plano regional e local à qual temos que obedecer.
Mas compreendo a razão da questão posta pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia, porque mostra que está preocupado com esta problemática que estou aqui a expor.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Ministro, muito obrigado pelo detalhe da sua resposta, mas a minha pergunta não incidiu sobre as decisões tomadas, mas sobre compromissos informais. Isto é, compromissos informais de V. Ex.ª junto dos autarcas, se é que os houve.

O Orador: - Devo dizer, Sr. Deputado, que a minha . linguagem nunca é a de prometer seja o que for, a não ser estudar a questão.
É que me parece que um ministro não pode deixar de atender às questões postas pelos autarcas, no sentido de se ter de estudar a questão.
Há casos difíceis como, por exemplo, o de Revelhe, tendo o Sr. Deputado da maioria já levantado o problema. Nunca prometi a ninguém que se implantaria esta ou aquela escola. Disso tenho a minha consciência tranquila.
Já me aconteceu ouvir dizer que foram tomados compromissos, tendo alguns deles anos e anos, que não foram cumpridos. Mas não é essa a linguagem que tem sido seguida.
A mesma coisa se passa, por exemplo, em relação aos institutos superiores politécnicos.
O que procuramos sempre é, repito, estudar a situação. Não queremos fazer promessas que não podemos cumprir.
Isso não significa. Sr. Deputado, que apesar de tudo não haja uma incidência dessas tentativas de pressão a que resistimos dentro daquilo que consideramos ser o interesse nacional e regional.
Quanto à pergunta feita pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia acerca dos níveis estimados de execução orçamental, devo dizer que tive a preocupação, este ano, de fazer emanar um despacho, o n.º 54/84, segundo o qual todos os serviços devem apresentar à direcção dos serviços de finanças, até ao dia 10 de cada mês, um balancete de execução orçamental respeitante ao mês anterior.
Tenho aqui, Sr. Deputado, o que diz respeito até ao dia 30 de Abril e o Sr. Director dos Serviços de Finanças informou-me há pouco que estão a chegar agora os balancetes respeitantes ao mês de Maio, pelo que não me será possível dizer-lhe o que se passa quanto a esse mês, que foi aquele que o Sr. Deputado me indicou.
No entanto, posso dizer-lhe que tenho algumas informações que podem ser-lhe transmitidas e que apontam no sentido de que se está a cumprir, até agora, tudo o que diz respeito aos duodécimos.
No que respeita aos primeiros 5 duodécimos, posso dizer-lhe Sr. Deputado, que temos na verdade seguido à risca as indicações dadas.
Temos necessidade, eventualmente, de alguns reforços, que serão hauridos na dotação provisional, como acontece em anos anteriores. E posso garantir que todas aquelas especulações que tem surgido na imprensa acerca de rupturas iminentes no Ministério da Educação não passam, de facto, do que chamei o «catastrofismo», que é a técnica de desestabilização através dos meios de comunicação social, que consistem em semear a insegurança nos próprios agentes da Administração Pública e, neste caso, dos professores.
Porque, por exemplo, os atrasos em, salvo erro, 17 escolas quanto a determinados subsídios resultaram de erros de cálculo, erros técnicos, que aliás já estão a ser reparados. De maneira nenhuma indigitavam qualquer ruptura financeira no Ministério de Educação.
Procuramos ser responsáveis e que a nossa política de rigor e austeridade seja traduzida na prática.
Quanto às consequências, na gestão do Ministério da Educação, da aplicação do Decreto-Lei n.º 41/84, existem na verdade várias dificuldades neste domínio. Mas, nesta altura, estão a decorrer contestações com a Secretaría de Estado da Administração Pública e a Direcção-Geral do Pessoal para fixar plafonds de admissão de pessoal de harmonia com o que o chamado «pacote de Fevereiro» admite. Porque temos tido a preocupação a vários níveis, tanto no ensino superior como a outros níveis de ensino, de salvaguardar a possibilidade de, por exemplo, colmatar as lacunas resultantes de suspensões e interrupções que podem de facto vir a prejudicar o andamento normal da vida dos estabelecimentos de ensino.
No entanto, queria dizer aqui, muito claramente, que a política do Governo é una e indivisível. Temos que obedecer a critérios que a Administração Pública entende serem mais adequados.
O facto de poder haver, neste ou naquele sector, uma certa dificuldade, até porque não é a mesma coisa ser funcionário no Ministério da Saúde, no Ministério da Educação ou noutro qualquer, isso resulta da complexidade da vida administrativa nacional. E temos que atender a um critério que é o de tornar a nossa Administração Pública suficientemente operacional com os meios adequados e não desproporcionados.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas para terminar, relativamente às questões postas pelo deputado Sottomayor Cardia, quero dizer que entendi tudo isto na perspectiva de

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uma política global, porque de facto o objecto da interpelação era a política global de educação, embora na sua expressão concreta. De fornia que achei pertinentes as questões que foram postas, embora algumas delas pudessem ter também outra sede.
Dificilmente poderia proceder, para cada um dos deputados, como procedi com o Sr. Deputado Sottomayor Cardia, até porque teve a gentileza de me entregar as questões por escrito, tendo eu tido as 2 horas de intervalo - de intermezzo - para me informar.
Gostaria, no entanto, de dizer que farei um esforço para, relativamente a cada um dos Srs. Deputados, extrair o essencial para poder responder sobre ele.
A Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura levantou problemas acerca da orientação escolar e profissional, questões estas que aliás o Sr. Deputado Laranjeira Vaz também colocou.
Gostaria de explicitar, brevemente, em que estado está o estudo e a implementação de um sistema de orientação escolar nacional e regional, que começou logo por ter uma aplicação prática no relançamento do ensino técnico-profissional.
Na verdade, não é com alguns psicólogos só nalgumas escolas de algumas zonas mais populosas - urbanas e suburbanas- que podemos resolver o problema da orientação escolar e profissional, que alguns agora chamam vocacional.
Todos os estudos feitos sobre o sistema educativo português, por organismos internacionais ou até por alguns grupos de estudos nacionais, mostram que uma das dificuldades do nosso sistema decorre de não haver uma ossatura que permita drenar convenientemente o fluxo de alunos desde a escolaridade obrigatória até ao ensino superior. Não temos, nomeadamente, uma categoria fundamental em qualquer sistema educativo, que é a de conselheiro de orientação escolar e profissional. Reparem, que se trata não apenas de conselheiro de orientação profissional ou de orientação escolar, mas de orientação escolar, e profissional.
Conheci concretamente a situação de uma país, como a Argélia, onde trabalhei num desses centros, que depois de uma guerra colonial gravíssima e de um movimento de libertação, teve que resolver o problema da orientação dos jovens, inclusivamente, que tinham vindo das aldeias do interior para as grandes cidades. E assistimos, entre nós, a movimentos desse género.
Ora, só um sistema de orientação escolar adequado, que foi aliás estudado por organismos internacionais! com ajuda da própria França, é que permitiu resolver esses problemas. E os países evoluídos têm a mesma dificuldade.
Entendemos que deviam ser entidades competentes a fazer o estudo do lançamento desse sistema. A comissão criada era composta por professores das Faculdades de Psicologia e Ciências da Educação de Lisboa, Coimbra e Porto e também de alguns técnicos do Ministério da Educação.
Foi-me apresentado um relatório, que foi aliás também da iniciativa do Ministério do Trabalho e da Segurança Social, que colaborou neste projecto. Esse relatório foi enviado a uma série de entidades, algumas das quais já se ocupavam da orientação profissional do respectivo Instituto, outras que se ocupavam do acompanhamento nas escolas, como foi o caso dos psicólogos. Foram consultadas entidades profissionais, económicas, etc.
Em função dessas respostas, está agora a ser feito o crivo de todos os contributos, de maneira a podermos, a partir do próximo ano, lançarmo-nos na implementação (embora não goste da palavra, utilizo-a por comodidade), ou no lançamento concreto desse sistema.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Muito bem!

O Orador: - Podem estar descansados os psicólogos que trabalham nas escolas, que iremos aproveitar o seu contributo e permitir que se possam, inclusive, valorizar profissionalmente.
Há o problema de recorrer apenas aos psicólogos da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação ou também do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA).
Estamos a estudar o problema do ISPA e foi com cuidado que encarámos a questão do reconhecimento de uma equiparação. Mas o que é certo é que isso é feito com cabeça, tronco e membros e com conta, peso e medida.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Ministro, há mais coisas além da cabeça, tronco e membros!

O Orador: - Desculpe, Sr. Deputado, mas penso que há questões que talvez não sejam do agrado de quem é partidário do casuísmo, mas que suponho que elevam mais o debate.
Queria agradecer à Sr.ª Deputada, sua vizinha, a lição, porque sou um analfabeto em Constituição, apesar de ter sido um constituinte e de ter aqui votado uma Constituição que na altura teve dificuldade em ser aprovada e que só o foi porque tínhamos, felizmente, uma grande maioria democrática e nacional n& Assembleia Constituinte.

Aplausos do PS e do PSD.

Outro Sr. Deputado da bancada do PCP levantou o problema da corrupção. Trata-se de um célebre problema que a imprensa aborda de vez em quando, sem ter o cuidado, na minha opinião, de ver os termos em que a questão deve ser posta.
Foi respondendo ao Sr. Secretário-Geral da UGT, no fim de um encontro de carácter sindical de professores, com a participação de elementos dos sindicatos democráticos e também de sindicatos espanhóis e franceses, que eu disse que sempre que tinha havido, no Ministério da Educação, qualquer acusação concreta baseada num mínimo de indícios, tinha ordenado a realização de inquéritos. Disse, igualmente, que havia acusações sobre alguns serviços de acção social do ensino superior, que ponderávamos devidamente.
O inquérito aos Serviços Sociais da Universidade de Aveiro foi feito, está terminado e, na realidade, os indícios que foram apresentados não foram seguidos de provas. Penso que o inquérito foi feito o mais honestamente que se pôde fazer, através de elementos escolhidos pela auditoria jurídica, embora por mim nomeados, que exerceram a sua função própria.
O mesmo seria feito para outros serviços sociais universitários, se me fosse apresentado concretamente, como o foi pela Associação de Estudantes de Aveiro, um qualquer indício sério. Não podemos instaurar no nosso país um clima de suspeição genérica, temos de ser concretos.

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Quanto ao Sr. Deputado que fala de indícios de negociatas, dir-lhe-ei que está desde já interpelado para me apresentar a mim, Ministro da Educação, os indícios concretos, que eu desencadearei o inquérito que for pedido.

Aplausos do PS e do PSD.

Quanto à análise da gestão dos Serviços Sociais Universitários, quero dizer que na verdade ficou acordado com as associações de estudantes, que tiveram connosco um diálogo positivo, que se faria uma análise à gestão desses Serviços. Essa análise foi feita por uma comissão presidida por l elemento ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença, Sr. Ministro?

O Orador: - Não, agora não. Terá depois oportunidade de falar.

Como dizia, foi nomeada uma comissão de análise dos serviços sociais universitários presidida por l elemento indicado pelo Ministro da Justiça. E posso dizer, porque já tenho o relatório preliminar e os últimos elementos vão-me ser apresentados dentro de dias, que esse trabalho, que vai ser agora cuidadosamente ponderado, representou em termos de conhecimento do que é a gestão dos Serviços Sociais Universitários um contributo que já se impunha há muito tempo.
É que a gestão daqueles Serviços apresenta defeitos, alguns deles de carácter técnico, outros de carácter administrativo e também até defeitos inerentes, como é óbvio, à qualidade das pessoas.
As disparidades nos défices apresentados pelos Serviços Sociais Universitários podem explicar-se por razões de vária ordem. Ficou evidentemente admitido, tendo sido acordado com as associações de estudantes, que se essa comissão de análise tiver que propor, no termo desta, qualquer inquérito ou sindicância ao Ministro, este desencadeará esses processos, o que fará sem qualquer precipitação, mas também sem qualquer receio.
Posso dizer, por exemplo, que nalguns aspectos de gestão universitária há falta de uma contabilidade actualizada e moderna, para além daquela que é exigida administrativamente.
Falta mesmo, por vezes, uma política de gestão dos Serviços, porque não se opta por esta ou aquela solução de qualquer critério, mas um pouco como fazem algumas donas de casa que são menos previdentes e que, por isso, se arriscam a sofrer, por exemplo, as consequências das alterações no custo de vida, por não fazerem a tempo as suas provisões.
Isto significa, na verdade, que vamos fazer uma análise séria da gestão dos Serviços Sociais Universitários. Além disso, o novo Decreto n.º 125/84, que permite agora aos estudantes participarem não apenas nos conselhos gerais daqueles Serviços Sociais mas também no Conselho de Acção Social do Ensino Superior, dará aos estudantes e às associações (e espero que entretanto já tenha sido aqui votado o diploma sobre estas) a possibilidade de controlarem, efectivamente, a gestão dos serviços sociais universitários, mas corresponsabilizando-os.

O Sr. José Cesário (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Assumindo assim todas as consequências de um direito que lhes foi reconhecido legitimamente.
Foi a primeira vez, desde o 25 de Abril, que isso aconteceu a nível nacional apesar de não dispormos ainda de leis específicas sobre as associações de estudantes.
Quanto à saúde escolar, que foi outro problema levantado aqui pelo Sr. Deputado, posso-lhe dizer que temos 2 situações diferentes. Temos centros de medicina pedagógica nas 3 grandes cidades universitárias, que estão a ser regulados, actualmente, por um diploma que está a ser negociado com a Secretaria de Estado da Administração Pública. Devo dizer-lhe que este vai ser um passo muito importante para que esses centros de medicina pedagógica tenham de facto uma estrutura e uma funcionalidade.
Mas há também centros que são da responsabilidade do Ministério da Saúde e cooperámos, evidentemente, com este Ministério, assim como o fizemos com o Ministério do Trabalho e da Segurança Social noutros aspectos.
Queria, até, salientar que, pela primeira vez, há muitos anos, o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior teve com o actual Ministério da Saúde uma possibilidade de estudar muito concretamente, por exemplo, a problemática das relações entre os edifícios hospitalares e as respectivas faculdades de medicina.
Estamos atentos a esse problema e não é, mais uma vez, segundo o critério do catastrofismo, que podemos resolver este problema. Nós temos que o estudar concretamente com o Ministério da Saúde e temos que encontrar aqueles modelos que se revelam aptos a resolver as questões.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É claro que poderia retomar outras perguntas dessa bancada como, por exemplo, a relativa ao Estatuto dos Estudantes Trabalhadores. Disseram que não se aplica tal Estatuto: admito que nalguns casos tenha havido resistências à sua aplicação, mas podem ter a certeza de que em tudo que depender do Ministro e do Secretário de Estado do Ensino Superior, tudo se fará para aplicar a lei.
No entanto, é preciso que se diga também - e muito claramente, pois nós não podemos falar com demagogia aos jovens- que a noção de estudante-trabalhador ou de trabalhador-estudante é uma noção que implica uma responsabilidade muito grande: é que é preciso que, de facto, se trate de estudantes que trabalham ou de trabalhadores que estudam. E se nós não fizermos um esforço no sentido de uma ética nesse domínio, pois bem, não estaremos a incentivar nem o trabalho nem o estudo, mas apenas uma modalidade híbrida e atípica que pode degenerar, creio, naquilo que é uma das pechas da mentalidade de alguns países que é, justamente, o de encontrar sempre pretexto para não trabalhar ou prolongar exageradamente os estudos.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ao Sr. Deputado Octávio Cunha, eu queria dizer, como já disse no início, que V. Ex.ª me deve dar o direito ao estilo, o direito à linguagem, e o direito à diferença.

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A veemência é, por vezes e apenas, como disse, uma questão de idiossincrasia; outras vezes, a veemência que tenho constatado nos parlamentos francês, inglês, alemão ou no Congresso dos Estados Unidos da América é, também, uma forma de falar.
Mas o que queria dizer a V. Ex.ª é que não me parece que seja exacta a afirmação de que não há política educativa alguma. Desculpar-me-á, mas parece-me que caí um pouco naquilo que a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura atribuiu aos governos dos últimos 5 anos; diz a Sr.ª Deputada «pelo menos dos últimos 5 anos».

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - 4 anos, Sr. Ministro!

O Orador: - Perdão, mas falou em 5 anos e incluiu neles os governos presidenciais, inclusive, o da engenheira Pintasilgo. Desculpe, mas é o que está escrito scripta manus, está lá e é isso. V. Ex.ª disse «pelo menos os últimos 5 anos», porque, evidentemente, poderia ser mais.
Mas o que está certo é que pode-se contestar a orientação deste governo no que respeita à política educativa, pode-se, talvez, exigir que o Governo vá mais longe neste ou naquele aspecto, mas o Governo entende ter um realismo suficiente para não ir atrás de maximalismos, porque o maximalismo, em política, nunca é bom conselheiro.
A respeito da lei de bases, e respondendo a todos os que a ela se referiram, cumpre salientar um paradoxo: não se pode, por um lado, vir dizer que é a Assembleia - e é, em termos constitucionais - que tem competência exclusiva em termos de lei de bases e, por outro, querer forçar o Governo a apresentar uma proposta de lei de bases. Apesar de tudo, eu queria saudar o grupo parlamentar que teve a coragem de apresentar um projecto da lei de bases.
A minha orientação, neste domínio, que já ficou explícita no debate sobre o Programa do Governo, é a seguinte: em primeiro lugar, a competência para votar a lei é da Assembleia; em segundo lugar, há a possibilidade de apresentação de projectos de lei por todos os grupos parlamentares; em terceiro lugar, há a possibilidade de apresentação de uma proposta de lei pelo Governo.
Pois bem, o que eu quis dizer esta manhã é que, aceitando que haja vários projectos, e porque é isso que está no Programa do Governo, nós entendemos que, se for necessário apresentar uma proposta de lei de bases, há que ter em conta os contributos dos diferentes projectos. Ê isso, nem mais nem menos, que está no último ponto das medidas concretas do Programa do Governo, e a isso nos ateremos. No entanto, temos que ser, também, positivos e, por isso, num dos gabinetes do Ministério está hoje um estudioso a trabalhar no estudo comparativo dos diferentes projectos e da proposta de lei de bases da antiga AD. Já foi, de resto, fornecida à Comissão de Educação da Assembleia da República a análise preliminar.
Agora, temos que ter em conta o novo projecto que já existe e, se surgir um do PSD - o que desejaria, porque sou desse partido -, é evidente que será tratado nos mesmos termos que o projecto do PS e penso que, a ser assim, será possível encontrar uma plataforma comum.
É isto, que é simples, é claro, é preciso.

Voz do PCP: - Simples não é!...

O Orador: - Ao Sr. Deputado Jorge Lemos, que é deputado de um partido que pediu a ratificação do decreto-lei sobre o Conselho Nacional de Educação, gostaria de dizer que este Conselho deveria também pronunciar-se sobre qualquer apresentação, por parte do Governo, de uma proposta de lei de bases. E eu, que entendi dever respeitar a Assembleia da República, e nomeadamente o que me foi comunicado pelo Sr. Presidente, suspendi, por isso, a entrada em funcionamento do Conselho Nacional de Educação, apesar de já dispor da maioria dos seus elementos, pois entendo que, havendo pedido de ratificação, é normal que se discuta nesta Assembleia a estrutura do Conselho Nacional da Educação. Mas este Conselho é tão necessário que faço um apelo ao partido do Sr. Deputado Jorge Lemos para que faça o necessário para que seja levada por diante a ratificação. Evidentemente que é o Sr. Presidente da Assembleia da República que terá que assumir, neste campo, o seu poder próprio, mas eu desejo que haja uma ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Há pouco não pude corresponder ao seu sinal que manifestava a intenção de fazer um parêntesis, mas agora faça o favor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - O Sr. Ministro deve saber tão bem, como sabe a maioria, que se o referido decreto ainda não subiu a Plenário para ser analisada a ratificação, a culpa não é do PCP, pois oportunamente solicitámos a sua inscrição na ordem do dia. Portanto, se alguém se deve dirigir para que seja inscrita a apreciação desse diploma, é a maioria que não tem, até agora, permitido que tal suceda.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Isso é um problema da Assembleia da República, Sr. Deputado. No entanto, eu desejo que seja revelado que nós respeitamos escrupulosamente este órgão legislativo e que respeitamos a questão de fundo, ou seja, a necessidade desse Conselho poder vir a contribuir para uma discussão acerca de uma lei de bases.
O Sr. Deputado Hasse Ferreira levantou algumas questões às quais passo a responder. No que diz respeito à criação, desde 1983, de estabelecimentos por parte do Ministério da Educação, eu lembro ao Sr. Deputado que quem tem competência para as construções escolares é a Secretaria de Estado das Obras Públicas e a Direcção-Geral das Construções Escolares. A Direcção-Geral do Equipamento Escolar é supletiva, Sr. Deputado, e tem contribuído ...

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Ministro, eu agradeço as suas respostas, mas essa questão foi levantada pelo meu camarada César Oliveira, mas faça o favor de prosseguir, Sr. Ministro.

O Orador: - Peço-lhe desculpa, por este lapso, Sr. Deputado.

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O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Não tem importância, Sr. Ministro. Nós usamos ambos bigode e somos ambos um pouco fortes, pelo que é natural.

Risos.

O Orador: - Mesmo assim, Sr. Deputado, as minhas desculpas.

Ainda assim, eu respondo, dizendo que nós temos utilizado a Direcção-Geral do Equipamento Escolar sobretudo para resolver, supletivamente, algumas situações de ruptura e, nomeadamente, a construção ou transplantação de pavilhões.
O Sr. Deputado Hasse Ferreira levantou a questão de saber a partir de que idade se deve diversificar o ensino, tendo em conta que há uma escolaridade obrigatória comum a todos. Actualmente a escolaridade é de 6 anos e a partir do ciclo unificado ainda não há propriamente uma diversificação mas um esboço dela que, no 9.º ano de escolaridade, já tem alguma expressão vocacional. Países que têm tido este problema admitiram um escalonamento por patamares. Vou-lhe dar, Sr. Deputado, o exemplo concreto da França, mas podia dar o da Alemanha ou outro.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Mas em Portugal?

O Orador: - Em França, por exemplo, aos 14 anos, já os jovens podem optar por um liceu profissional; e, depois, se não optaram por um liceu profissional, podem vir a fazer um baccalauréat technique; aliás, podem ter o baccalauréat technique e o brevet de technique, que são duas possibilidades a um nível mais elevado de saída profissional, com possibilidade, também, de ingresso no ensino superior.
Nós optámos, numa 1.ª fase, mas só enquanto não houver uma lei de bases, por introduzir o ensino profissional e o ensino técnico-profissional a partir do 10.º ano de escolaridade. No entanto, como já referi, a montante do ciclo complementar, podemos vir a prever saídas antecipadas. E temos que pôr o problema muito francamente ao País e, aí, já respondo u outras questões levantadas: é que, na verdade, há casos em que se impõe, quer através da aprendizagem - e agora há já um decreto-lei - quer através de um ensino não formal - que pode ser também um ensino profissional - ajudar os jovens que visivelmente, por várias razões sócio-económicas, entre outras, não podem continuar os seus estudos pela via geral, mas podem continuá-los por outras vias, segundo um entrosamento que poderá diversificar-se. É o caso da Alemanha.
Por uma questão de eficácia e peço, por isso, desculpa faço uma inflexão para o Sr. Deputado Jorge Góes; na verdade, o Sr. Deputado levantou algumas questões pertinentes relativas ao ensino técnico-profissional, nomeadamente a sua actualização em termos de tecnologia. Eu não diria, como o Sr. Deputado Lucas Pires, que nós estamos ainda ao nível da 1.ª revolução industrial porque, por exemplo, este ano vamos ler cursos de informática em várias escolas, como a Escola Oliveira Martins do Porto, e são cursos bastante actualizados.
Diria, sim, que nós temos que encontrar um equilíbrio entre um aproveitamento de equipamentos já existentes e a introdução de novos equipamentos. E queria aqui dizer que o Instituto do Emprego e de Formação Profissional, que já contribuiu este ano para o lançamento do ensino técnico, com equipamentos, vai também colaborar connosco, dando-nos oportunidade de modernizarmos o equipamento.
Quanto ao mercado do trabalho, respondo com o que já disse de manhã: não é verdade, como foi dito, inclusivamente pelo meu ilustre antecessor, que o ensino técnico-profissional não ajude a resolver os problemas do emprego. Os estudos feitos, nomeadamente pela OCDE, mostram precisamente que há casos em que o ensino técnico profissional ajuda a resolver, de facto, o problema do emprego. Ainda recentemente em Braga, numa reunião com a Associação Industrial e Associação Comercial, isso me foi dito por muitos industriais dessa zona que põem anúncios nos jornais para certos tipos de profissões e não aparecem candidatos. Ora, na verdade, eles não aparecem porque não há jovens com uma formação técnico-profissional.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - É claro que a expectativa da entrada no ensino superior - que é um outro problema - não é uma falsa expectativa. Nós podemos admitir que o ensino superior politécnico venha a ser a confirmação normal do ensino técnico-profissional. Agora, o que eu disse - e é o que está, também, no Relatório da OCDE - é que o ensino técnico-profissional não é uma segunda via mais custosa para o acesso ao ensino superior, mas um meio de orientar os jovens para a vida activa. E, aliás, eu queria salientar que os Ministros de Educação e do Trabalho dos países do Conselho da Europa votaram recentemente uma resolução - que foi apresentada por um alto funcionário do Conselho, aqui, em Portugal - que vai no sentido da política que nós estamos a seguir e que, portanto, é uma política europeia voltada para o nosso contexto da Europa.
A propósito de um problema que foi muito polémico, o da equiparação dos seminários menores, diria, muito sucintamente, que, de facto, se empolou a questão porque se tratava pura e simplesmente de reconhecer, na parte não teológica nem filosófica desses estabelecimentos, uma equiparação quando ela existia. Mas trata-se de uma equiparação com controle, como está expresso na Constituição, que diz que o ensino particular e cooperativo é livre, mas que o Estado o controlará.
Será, assim, feito um controle dos curriculuns, dos programas e da própria qualidade dos professores. Na verdade, essa medida não teve o carácter - como se lhe quis atribuir- de pôr em causa o laicismo, mas teve, sim, o carácter de reconhecimento de que os jovens formados nesses estabelecimentos muitas vezes têm uma base de preparação para a vida que nós não podemos desperdiçar, tendo que reconhecer um contributo próprio.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Aí pára a nossa intervenção porque, de facto, o que é de César é de César - e desculpe-me o Sr. Deputado César Oliveira e o que é de Deus é de Deus e nós atemo-nos a um respeito estrito da independência da Igreja Católica e do Estado Português.

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Muito bem!

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O Orador: - Para responder aos Srs. Deputados do PS eu teria necessidade de mais tempo. No entanto, queria dizer, por exemplo, ao Sr. Deputado Laranjeira Vaz que, de facto, no que diz respeito à Comissão Interministerial da Juventude e à participação no Ano Internacional da Juventude, nós estamos a trabalhar no Ministério da Educação um plano concreto a apresentar a outros ministérios nessa sede própria que, em breve, terá uma concreção.
Queria também dizer que há problemas relativos à Telescola que nos preocupam e aproveito para agradecer ao Sr. Deputado Meira por ter levantado o problema.
O Instituto de Tecnologia Educativa precisa, de facto, de uma reestruturação e precisa de ser mobilizado de maneira a que não seja apenas um repositório de tecnologia, mas contribua para a modernização da Telescola. E devo dizer que isso nos preocupa tanto mais quanto os equipamentos da Telescola estão a atingir um grau de usura que, dentro de algum tempo, implicará a sua renovação.
Nós estamos interessados em resolver esse problema porque verifica-se que as câmaras municipais e as juntas de freguesia continuam a considerar e agora com a própria transferência de competências- que o ensino preparatório indirecto, através da Telescola, é, ainda, um meio importante para impor a aplicação da escolaridade obrigatória em todo o País.
Ao Sr. Deputado Narana Coissoró eu queria dizer, mais uma vez, que a questão das relações entre o Governo e a Assembleia da República vai ser encarada não apenas no que respeita à lei de bases mas também, futuramente, no que diz respeito a alguns diplomas que nos mereçam, pela sua complexidade, especial preocupação. E posso agora dizer que, embora possa haver aqui e ali alguma decepção quanto ao casuísmo -e desculpem-me a expressão miudinho de uma interpelação, recolho deste debate algo que me parece muito positivo. Penso que há grande motivação nesta Assembleia para o problemática educativa; penso que há nesta Assembleia deputados que têm capacidade, não só inteligência, mas competência, para abordar certas questões específicas; penso que haverá outros que ganharão em estar melhor informados acerca do que se passa no Ministério da Educação; penso que haverá, também, injustiças ou exageros que são próprios daquilo que é, às vezes, um clima que cerca estas discussões.
Correspondendo ao apelo do meu amigo e Sr. Deputado Sottomayor Cardia, procurei, nesta parte da minha intervenção, mostrar que aquilo que eu disse hoje para o País, através desta Assembleia, pode também ser dito com aquela serenidade e aquela calma que é própria de uma discussão entre o poder legislativo e o poder executivo.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para protestar, estão inscritos os Srs. Deputados Octávio Cunha, Jorge Lemos, Paulo Areosa, Hasse Ferreira, João Corregedor da Fonseca, Raul de Brito, António Taborda, Jorge Miranda e Fillol Guimarães. Sucede, no entanto, que o Governo já esgotou o seu tempo.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Maus administra dores!

O Sr. Lemos Damião (PSD): -Sr. Presidente, queria informar V. Ex.ª que a ASDI teve a gentileza de ceder ao Governo o tempo que lhe cabia.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, o Governo dispõe ainda de 29 minutos para este debate.

Informo a Câmara da resolução tomada na conferência dos líderes parlamentares, em que foi resolvido acrescentar uma primeira parte à ordem do dia de manhã e suprimir um ponto da segunda parte. Daí, a ordem do dia para amanhã, 15 de Junho, ser a seguinte: os trabalhos iniciam-se às 10 horas sem período de antes da ordem do dia; na primeira parte da ordem do dia far-se-á a apreciação de relatórios da Comissão de Regimento e Mandatos, autorizando os deputados Almeida Leitão, Acácio Barreiros e José Vitorino a deporem como testemunhas e não autorizando o Deputado Agostinho Domingues a prestar declarações em tribunal e tomar-se-á ainda uma decisão sobre o eventual prolongamento normal de funcionamento do Plenário.
Na segunda parte, far-se-á a votação final e global do projecto de lei n.º 320/III, sobre o Estatuto Patrimonial do Presidente da República, do projecto de lei n.º 353/III, do PCP, que organiza e garante o exercício do direito à participação no sistema de segurança social, e da proposta de lei n.º 63/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir, em geral, ilícitos criminais e penais.
Srs. Deputados, vou suspender a sessão para recomeçarmos os trabalhos às 22 horas.

Está suspensa a sessão.

Eram 20 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 22 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Ministro da Educação, desde esta manhã pudemos já avançar bastante quanto à matéria em questão e estar de acordo em relação à forma como este debate se deve processar.
Porém, ainda não estamos de acordo em relação ao conteúdo das afirmações e das posições de V. Ex.ª Contudo, como já tive ocasião de afirmar, muitas vezes é mais importante estarmos de acordo na forma do diálogo para que depois então possamos avançar de uma maneira positiva, como parece ser agora possível.
Assim, Sr. Ministro, gostaria de lhe colocar 2 questões muito precisas e, indirectamente, colocá-las também aos Srs. Secretários de Estado.
A imprensa publicou há pouco tempo -no dia 18 ou 20 de Maio - a seguinte notícia: «O Sr. Secretário de Estado dos Ensinos Básico e Secundário terá revelado que desapareceu a verba de 4 milhões de contos destinada a financiar um plano especial de construções escolares para os ensinos preparatório e secundário.»
O Sr. Ministro teve ocasião de nos informar que apresentou, no mês de Março, um plano especial de emergência sobre construções escolares, apontando para a construção de 11 novas escolas, sendo 10 delas destinadas para o ensino preparatório e 1 para o ensino

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secundário, e indicou que essa promessa seria cumprida até ao ano lectivo de 1984-1985. Posteriormente, o Sr. Secretário de Estado disse que «o plano foi aprovado, mas o dinheiro desapareceu e, mesmo que se recuperassem os 4 milhões de contos, o plano estaria já irremediavelmente atrasado».
Ora, parece-me haver aqui uma certa contradição entre o optimismo que o Sr. Ministro demonstrou e a realidade.
Por outro lado, um outro problema que nos interessa - e interessa-me a mim particularmente porque também faço parte de uma assembleia municipal de uma terra pequena mas que tem grandes problemas económicos - diz respeito à distribuição da célebre verba para os transportes escolares.
Enquanto que a Câmara Municipal da Lousada, que não tem dinheiro, recebeu 168 000 contos para o ano de 1983-1984 e em Janeiro nem sequer sabia que parte dessa verba teria de ser utilizada para os transportes, a Câmara Municipal de Lisboa -que não utilizará dinheiro em transportes- recebeu, segundo creio, 52 000 contos que serão utilizados para outros fins. Portanto, as câmaras do interior do País, que estão extremamente necessitadas e que têm de deslocar crianças para muito longe dos locais de residência, recebem verbas muito insuficientes e que deverão ser destinadas também a outros fins.
A segunda questão que quero colocar é dirigida mais particularmente ao Sr. Secretário do Ensino Superior, e é a seguinte: gostaria de saber até porque fiquei agradavelmente surpreendido com o facto de terem sido abertos contactos com o Ministério da Saúde - como vão prosseguir as relações entre o Instituto de Abel Salazar e o Hospital de Santo António no que diz respeito ao ensino da Medicina.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há mais oradores inscritos para formular protestos. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Ministro da Educação: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro, contrariamente ao que V. Ex.ª aqui nos disse, o que está em causa neste debate não é propriamente uma questão de linguagem. De qualquer modo, ele pode tornar-se agora mais produtivo, na medida em que estamos agora num clima mais dialogante, conforme já foi referido pelo Sr. Deputado Octávio Cunha.
Mas lembro-lhe, Sr. Ministro, que em debate está o que V. Ex.ª diz, o que não diz, o que fez, o que não fez por não saber ou não poder. Em nosso entender, V. Ex.ª divagou pela segunda vez, classificou os sindicatos, falou do açambarcamento que, eventualmente, as donas de casa praticariam, dos estudantes que não trabalham, citou exemplos estrangeiros, gabou-se enquanto técnico ao serviço de organismos internacionais, mas, quanto ao concreto, Sr. Ministro, as respostas foram poucas ou quase nenhumas. Daí que volte a colocar essas questões com toda a frontalidade, tal como elas foram colocadas ao longo dos pedidos de esclarecimento que já formulámos.
Que medidas é que o Governo tem previstas para garantir o cumprimento da escolaridade obrigatória?
É que não basta dizer que está em estudo um diploma.
Quanto ao ensino secundário e is saídas profissionais, o Sr. Ministro não deu com clareza suficiente resposta à questão que aqui, com frontalidade, lhe colocámos.
O Sr. Ministro está de acordo com os actuais sistemas de afunilamento no acesso à universidade? Que medidas aponta V. Ex.ª para corrigir a actual selecção à universidade - os actuais numeras clausus?
Sr. Ministro, colocamos-lhe questões sobre a educação pré-escolar e sobre a redução de verbas nesse sector, mas a verdade é que nem uma resposta obtivemos em relação a estas matérias. O que está o Ministério a fazer? O que pensa fazer?
Também não ouvimos da boca de V. Ex.ª uma única palavra sobre a Acção Social Escolar - esta questão tem a ver com uma pergunta que também foi formulada pelo Partido Socialista e que não obteve resposta.
Como vai ser feita a descentralização das verbas para as autarquias locais? Pretende o Sr. Ministro transferir competências sem de igual modo transferir as capacidades financeiras para o exercício de tais competências, alijando desse modo a responsabilidade do aparelho central e transferindo a responsabilidade, passando assim as culpas para o poder local?
Em relação ao ensino especial, o Sr. Ministro não leve uma única palavra para esse sector e sabe perfeitamente que existe uma lei aprovada por esta Assembleia da República que continua por ser cumprida e aplicada. Não basta dizer-se -como se diz no dossier que nos foi distribuído - que está em estudo, que há uma comissão a preparar qualquer coisa.
Foram colocadas questões concretas quanto ao analfabetismo, mas o Sr. Ministro também guardou um cuidadoso silêncio quanto a esta matéria.
No que diz respeito à formação de professores, face às nossas interrogações e às nossas preocupações não ouvimos como se iriam processar os esquemas de formação profissional de professores, nem como está a profissionalização em exercício para os próximos anos.
Colocámos, com frontalidade, as questões e as preocupações que temos sobre o que vai ser o próximo ano lectivo, e essas preocupações são tanto mais graves quanto está a ser distribuída aos diversos serviços uma circular, da Direcção-Geral da Contabilidade Pública - a circular n.º 1059 - que diz que nas previsões para o orçamento de 1985 os serviços não podem inscrever verbas superiores às que inscreveram para 1984.
Ora, se em 1984 tivemos um orçamento de recessão na Educação, isto significa que, contrariamente ao que o Sr. Primeiro-Ministro anda a dizer, vamos continuar em recessão no próximo ano lectivo? Então o que é que vai suceder com o nosso sistema educativo?
Creio que ainda estamos em condições de obter mais respostas do que aquelas que até agora obtivemos, que foram apenas as de que «está em estudo, está em projecto, criou-se um grupo de trabalho, criou-se uma comissão». Precisamos de respostas concertas, Sr. Ministro! A não serem dadas, estará confirmado que a política da Educação em Portugal precisa de um outro responsável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Também para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Areosa.

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O Sr. Paulo Areosa (PCP): - Sr. Ministro, no meu pedido de esclarecimento coloquei-lhe um assunto sério que, a meu ver, não se coaduna com a fuga às respostas - por muito agressivo que seja o tom - em que estas são proferidas.
O Sr. Ministro teve oportunidade de confirmar o seu desrespeito pela Assembleia da República e, em concreto, pelo compromisso que assumiu perante a Comissão Parlamentar de Juventude em que faria chegar a essa Comissão o resultado da análise aos Serviços Sociais Universitários e, concretamente, à Universidade de Aveiro. V. Ex.ª, na intervenção que produziu, confirmou que não o fez. Há alguns meses disse que o resultado desses inquéritos estava concluído, mas na Assembleia da República não há qualquer conhecimento quanto a isso.
Formulei um pedido de esclarecimento quanto ao resultado de inquéritos em outras áreas quanto a corrupção ou indícios sérios de corrupção, mas o Sr. Ministro nada respondeu. Referi-me, designadamente, à área do Gabinete das Actividades Culturais e dos Desportos Universitários e o Sr. Ministro respondeu-me pedindo indícios.
Mas, Sr. Ministro da Educação, não serão indícios suficientes a matéria que está escrita nos pedidos de esclarecimento que deputados do meu grupo parlamentar fizeram chegar a V. Ex.ª? Não serão indícios sérios aqueles que estão na origem do inquérito - que ainda não foi desmentido- que está a decorrer no seio do seu próprio Ministério sobre esta mesma matéria? Que indícios pretendem mais?
Sr. Ministro, a questão que lhe coloquei é a de saber em que estado está o inquérito e a que resultados se chegou. Não me venha dizer que desconhece este problema, Sr. Ministro!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro, V. Ex.ª não teve oportunidade ou não quis esclarecer esta Câmara sobre algumas questões candentes que coloquei e que preocupam milhares de famílias.
Quando vai ser aberto o novo ano lectivo? Quantos alunos vão ser penalizados no próximo ano devido a carências existentes? Quantos alunos vão ser atingidos pela abertura tardia das aulas? Em relação ao ano lectivo anterior, o próximo ano vai ser melhor, pior ou igual?
Certamente que V. Ex.ª, titular de uma pasta desta natureza, já deve ter o seu planeamento quanto a estas questões e, portanto, deve ter algumas respostas para me dar.
O Sr. Ministro nada referiu quanto ao controle dos organismos que constróem as escolas, assim como também nada respondeu quanto ao problema dos terrenos no sentido de se saber como é feito o controle das reservas de terrenos em urbanizações para construções. Sabemos que muitas vezes aparecem as urbanizações, a Direcção-Geral de Construções Escolares toma conhecimento delas, dá o seu parecer, escolhe o terreno, mas, muitas vezes, acaba por ser o Estado a comprar outros terrenos, já que aqueles que foram escolhidos acabam por ser destinados para supermercados, etc.
Também questionei V. Ex.ª quanto à carência de 37 085 salas de aulas que faltam e todos os concelhos do País, mas não obtive nenhuma resposta.
Nos distritos de Lisboa e de Setúbal faltam 300 turmas, que, pelo menos, abrangem 12 000 alunos. V. Ex.ª também não teve oportunidade de se referir a esse aspecto e, portanto, agradecer-lhe-ia que agora o fizesse.
Foquei também o problema dos vigilantes que actualmente são colocados nas escolas e perguntei quanto é que custa ao Ministério este sistema de segurança agora a funcionar em 50 escolas, e de que rubrica orçamental do Ministério provém a verba utilizada. Gostaria que o Sr. Ministro me informasse se a decisão .de colocar esses vigilantes teria sido feita depois de contactos com o Ministério da Administração Interna que é, em última análise, a quem compete a segurança da população.
Se V. Ex.ª tiver oportunidade de dar qualquer resposta quanto a estes pontos que referi, ficar-lhe-ia grato.

O Sr. Presidente: - Para formular um contraprotesto tem a palavra o Sr. Deputado Raul Brito.

O Sr. Raul de Brito (PS): - Sr. Ministro, presumo que por falta de tempo V. Ex.ª não teve oportunidade de esclarecer esta Câmara sobre a questão que formulei no que concerne ao sistema de avaliação para candidaturas ao ensino superior.
Este é um problema que preocupa muitos alunos, muitos pais e, portanto, espero que V. Ex.ª possa dispor de algum tempo para nos emitir a sua opinião quer sobre o funcionamento actual, quer sobre o futuro dessas candidaturas.

O Sr. Presidente: - Também para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Ministro, em primeiro lugar protesto porque V. Ex.ª não respondeu a 3 das perguntas que lhe coloquei. Compreendo que não tenha respondido à primeira, mas não sei porque não respondeu às outras duas questões - isso foi notado por toda a Assembleia!
É certo que V. Ex.ª tinha que responder a 19 oradores que lhe formularam pedidos de esclarecimento. Mas, no entanto, resolveu privilegiar o Sr. Deputado Sottomayor Cardia com quem gastou cerca de 30 minutos em tentativas de respostas. Em meu entender, V. Ex.ª falou durante 30 minutos, mas não respondeu às perguntas que foram colocadas pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Muito bem!

O Sr. Lemos Damião (PSD): -Muito mal!

O Orador: - V. Ex.ª disse que iria responder por escrito a essas perguntas, que não eram inocentes e toda a Assembleia se apercebeu do seu significado importante.
Porém, ficamos todos à espera de ter conhecimento das respostas porque aqui não há relações pessoais, mas sim relações entre o Governo e os deputados desta Câmara. Portanto, todos nós, deputados, ficamos à es-

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pera das comunicações de V. Ex.ª ao Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
Uma das questões que coloquei e a que o Sr. Ministro não quis responder foi sobre a lei da autonomia universitária, pois queria saber quando é que ela sai.
Também coloquei uma questão quanto ao reforço de verbas para os docentes universitários, designadamente os assistentes. Como V. Ex.ª sabe, prevê-se que para o próximo ano lectivo haja muitos assistentes que acabam o seu tempo de docência e que terão que ser substituídos. Portanto, gostaria que V. Ex.ª desse uma explicação no sentido de saber como é que isso se vai processar porque, segundo os reitores das nossas universidades, tal facto poderá pôr em perigo o início do próximo ano lectivo.
Uma outra pergunta a que V. Ex.ª não quis responder e que me parece importante, porque não fui apenas eu que a fiz mas também um outro deputado do PS, diz respeito ao célebre despacho de 30 de Maio referente ao encerramento da Escola do Magistério Primário de Chaves e ao encerramento da matrícula no 1.º ano da Escola do Magistério Primário do Fundão e, segundo as informações dos jornais, ao encerramento de mais 6 escolas do magistério primário.
É importante que este problema fique esclarecido porque da intervenção feita pelo Sr. Deputado do PS deduzi que V. Ex.ª teria revisto ou revogado este despacho. A comunicação social já se fez eco de tudo o que formulei no meu pedido de esclarecimento para o caso de Chaves e do Fundão. Assim, agradecia que o Sr. Ministro desse uma resposta concreta quanto a estai questões.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Fillol de Guimarães.

O Sr. Fillol de Guimarães (PS): - Sr. Ministro da Educação, não vou propriamente formular um protesto porque não tenho matéria para tal. O que vou fazer é mais propriamente uma «recordatória» e solicitar ao Sr. Ministro que siga o preceito bíblico que diz que «os últimos serão os primeiros», porque senão corro exactamente o mesmo risco que corri quando interpelei V. Ex.ª pela primeira vez.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Ministro, se assim o desejar.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a avalanche de perguntas que me foram formuladas em pedidos de esclarecimento, era impossível responder com minúcia a todas elas. No entanto, procurei esforçar-me por agrupar sinteticamente as questões fundamentais.
Já agora, muito rapidamente e deixando ao Sr. Secretário de Estado algum tempo para intervir se tiver oportunidade -, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Jorge Lemos que, em Conselho de Ministros, foi aprovado um decreto-lei sobre a escolaridade obrigatória que prevê: a existência de um recenseamento; auxílios económicos directos; a existência de uma caderneta onde será registado tudo o que diz respeito aos alunos; assim como a existência de certificados no fim de cada fase do ensino primário e no fim de cada ano do ensino preparatório.
Já aqui citei uma medida que tomámos apesar de não sermos obrigados a tal- e que se refere ao facto de manter o programa do leite escolar para lá da vigência da actual competência do Ministério. Faremos isso não só no último trimestre do ano civil - primeiro do próximo ano escolar -, mas durante todo o próximo ano.
Quanto às saídas profissionais dos alunos, poderia desenvolver longamente toda a série de saídas no campo da electrónica, da mecânica, da electricidade. da informática, etc. São os próprios empresários que fazem propostas no sentido de nós, por um lado, abrirmos os estágios para os cursos profissionais e, por outro lado,, para no futuro encontrarmos saída para os cursos técnico-profissionais.
Quanto ao ingresso na universidade, já foi várias vezes repetido que este ano fizemos apenas uma moralização, mas não há uma alteração profunda - haver-la-á para o próximo ano.
Em resposta à pergunta formulada pelo Sr. Deputado António Taborda a propósito da imprensa, devo dizer que hoje vem um título no Diário Popular que é absolutamente falso. É mais um dos semelhantes ao do Comércio do Porto, que é um jornal onde eu colaboro, mas que não me eximo de criticar quando acho que não cumpre bem a sua função, que é a de se informar antes de publicar qualquer notícia.
Sr. Deputado, estão aqui os documentos relativos ao problema das escolas do magistério e não se encontra entre eles nenhum despacho do Ministro mas sim, apenas, uma previsão, em função de um parecer, quanto às possibilidades de virem a ser abertas as escolas superiores de educação em 1984-1985 ou 1985-1986. E isso não foi objecto de nenhum despacho do Ministro mas apenas de 2 despachos do Secretário de Estado, os quais não incidem sobre uma decisão mas sobre o fundamento do parecer que foi elaborado pelos respectivos serviços.
Poderia citar outros casos, mas a verdade é que não tenho tempo para responder a todos os Srs. Deputados, pelo que procurarei ser o mais sintético possível.
Sr. Deputado Paulo Areosa, quero dizer-lhe, com toda a franqueza, que o Inquérito está terminado e que se houvesse matéria para incriminar os Serviços Sociais Universitários, eu próprio o teria feito e teria comunicado à comissão respectiva da Assembleia da Republica. A verdade, porém, é que não houve matéria para tal.
Quanto ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, penso que já lhe respondi a algumas das suas perguntas. E em relação à questão dos vigilantes, a resposta é simples e é já conhecida, pois foi tornada publica: o custo foi de 1000 contos por mês, repartido por várias direcções-gerais, nomeadamente a Direcção-Geral de Pessoal, a Direcção-Geral do Equipamento e as Direcções-Gerais do Ensino.
Ao Sr. Deputado Raul Brito gostaria de dizer que vamos fazer o possível para atender às questões que levantou. Na verdade, o sistema de ingresso é inadequado, mas só em função de uma alteração do ciclo complementar e em função das saídas para a vida activa que, entretanto, foram abertas, é que poderemos estabelecer um critério que seja adequado. O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior tem feito o possível por aprofundar essa problemática, de modo a preparar o terreno para que no próximo ano se verifique uma alteração mais aprofundada.

O Sr. Deputado António Taborda, que foi um dos interpelantes e que longamente se exprimiu esta ma-

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nhã, há-de permitir-me que lhe diga que estar a repetir que há paz ideológica no Ministério da Educação e que não temos uma questão como a do ensino particular em França, seria redundância. Este é um facto reconhecido e foi nesse sentido que falei de paz na educação.
Não lhe respondo sobre os motivos das alterações ocorridas no meu ministério porque toda a gente sabe ...

O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Eu não sei!

O Orador: - ... que isso resultou de um pedido de demissão dos próprios. É conhecido, Sr. Deputado César de Oliveira, e peço desculpa de lhe dizer que. com toda a franqueza, me parece que o que interessa aos portugueses é que haja, como há, uma equipa ministerial, que está a trabalhar com a melhor harmonia e em boa colaboração.
Quanto à lei de autonomia universitária, também é sabido que foi apresentado um projecto ao Conselho dos Reitores, o qual se está a pronunciar neste momento. Na nossa opinião, a própria lei de autonomia deve, desde logo na sua génese, ter também um carácter de certo modo autonómico.
Muitas outras questões foram aqui levantadas, nomeadamente ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E as outras perguntas?

O Orador: - ... pelo Sr. Deputado Fillol Guimarães, ao qual peço desculpa por não me lembrar já das suas perguntas, apesar de ter tomado um apontamento. Por isso, se o Sr. Deputado não se importar, peço-lhe que repita a sua pergunta.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - É a da recordatória!

O Sr. Fillol Guimarães (PS): - Sr. Ministro, a primeira pergunta que lhe coloquei dizia respeito precisamente ao despacho de 30 de Maio que as escolas do magistério primário receberam.

O Orador: - Penso que já respondi a essa questão, mas se quiser fazer o favor de passar por aqui...

Risos do PCP e do CDS.

..., terei muito prazer em lho mostrar. A verdade é que esse despacho não é meu mas ele está aqui e, portanto, apelo para o testemunho de quem o queira ver. Na realidade, as notícias que foram publicadas nos jornais são especulativas, pois não se trata de nenhum despacho do Ministro. Aliás, devo esclarecer que a expressão «despacho ministerial» pode ser ambígua porque tanto se pode referir a um despacho do ministro como a um despacho de qualquer secretário de estado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Está a desautorizar ...

O Orador: - Agradecia que não me interrompessem e que reconhecessem que estou aqui de boa vontade para responder ao máximo de perguntas que me foram feitas.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Porque é que a bancada do PCP ri, posso saber?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Em relação a quê, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, dado que estamos numa interpelação ao Governo, penso que se um deputado coloca com frontalidade questões que têm a ver com o futuro de todos os portugueses e dos seus filhos e não obtém respostas por parte do Governo, deve exercer o direito de defesa.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Grande Regimento!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que a sua explicação não se insere no Regimento na figura do direito de defesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Nesse caso, diremos o que temos a dizer numa intervenção, para não roubar mais tempo à Câmara, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Educação: A autonomia universitária, novamente levantada esta semana pelo Conselho de Reitores, que se transformou no aspecto mais absorvente da reforma universitária desde a década de 1960, transbordou para a área da política com a Revolução de Maio que levantou a famosa bandeira «l'imagina-tíon au pouvoir», e o poder, com Edgar Faure (1968) desculpou-se acusando a instituição de não ter permitido à vida que entrasse pelas suas portas.
Julgamos que, ao contrário do que pareceu a Faure, foi porque a vida não deixou de entrar na universidade com os seus problemas e desafios, foi porque as alternativas úteis não ficaram sempre esquecidas nos programas de investigação e de ensino, que o campus se transformou frequentemente num parlamento, muitas vezes numa cidadela sitiada, outras num santuário da guerrilha da mudança. Os problemas especificamente institucionais eram outros e persistem no que toca à relação entre o Estado e a universidade, entre a universidade e a sociedade, à função da universidade nos domínios da investigação, do ensino e da formação.
Para começar, a questão de saber se a universidade ainda é uma resposta aos problemas que a fizeram nascer, ou se as demandas são outras e as respostas necessariamente diferentes, embora as novidades conhecidas se enbandeirem com as insígnias universitárias. Acontecerá sempre que, mesmo eliminadas as servidões que tornam impossível a liberdade da criação apenas vinculada à verdade, como exigem um Humboldt e Karl

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Jaspers, tais respostas correspondam a uma universidade renovada? Supomos que a conclusão é afirmativa na generalidade dos casos, e que o será sempre que a referida ideia matriz possa ser reconhecida, embora esteja em variação a constelação de valores acrescentados, porque esses são conjunturais e afectados pela mudança que todos vemos sem conseguir definir. Quando se criam a Universidade da Europa em Siracusa, a falhada e infelizmente Universidade Internacional de Macau, o Colégio da Europa em Bruges, ou a Universidade das Nações Unidas em Tóquio, os valores acrescentados parecem ter apenas que ver com essa explosão e implosão da humanidade de que falava Teilhar de Chardin, e que recusa as limitações nacionalistas, étnicas, ou religiosas.
As dificuldades são certamente maiores quando se repara que a Universidade das Nações Unidas, ideada em 1969 pelo secretário-geral U. Thant e aprovada em 1973, não tem compus, nem currículos, nem departamentos, nem corpo docente privativo, não titula, e simplesmente é um laço entre a comunidade académica internacional, à moda do projecto com que Leibniz pretendia assegurar a paz universal, procurando apenas coordenar a busca de resultados positivos sobre os problemas de sobrevivência da espécie, do desenvolvimento, da luta contra as carências mundiais. Parece recusar o homem unidimensional de Marcuse, para antever o homem planetário de Chardin.
De modo semelhante, a Université de Mutants que Leopold Senghor instalou na ilha de Gorée apenas fornece um lugar de encontro, para que os sabedores se debrucem em comum sobre os problemas dos países africanos que chegaram às responsabilidades internacionais.
O que finalmente parece é que estas respostas a funções parcelares da ideia de universidade procuram acudir a amputações desta, muitas resultantes de nominalismos sociais, e que põem em causa o conteúdo da autonomia universitária.
A experiência mostra que a medida real da autonomia é um compromisso com o possível em cada época, acontecendo que funções tradicionalmente universitárias precisam de forjar instrumentos privativos, que por vezes dela se separam, designadamente nos domínios da investigação fundamental e aplicada. Basta pensar em casos como os da NASA dos Estados Unidos da América para admitir que a investigação interdisciplinar pode exigir uma acumulação de meios humanos e materiais que não estão ao alcance de qualquer universidade clássica, e que dificilmente poderiam estar em vista dos custos financeiros.
São vocações e necessidades diferentes embora complementares, as de investigar, ensinar, e administrar a ciência. Mas, sobretudo em países pobres, como nós, para que a investigação não fique irremediavelmente separada da universidade, há que procurar novas formas de confederações ou federações que permitam conservar para todas as instituições a salvaguarda dos princípios sem embaraçar a inovação dos métodos nem transformar a universidade num instrumento ultrapassado, e não vemos que o princípio federativo esteja a ser utilizado. Pelo contrário, o nominalismo inspirou entre nós a destruição do ensino profissional em 1974 e como que forçou o encaminhamento necessário da juventude para a universidade, por exigências de uma errada doutrina de igualdade formal dos símbolos sociais, sem ter curado de saber que universidade deveria e poderia ser esse lugar de acolhimento, onde os candidatos algumas vezes entram sem ao menos conhecerem a língua portuguesa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Foram assim criados mais problemas do que os que pendiam de resolução, e a dimensão da autonomia universitária parece andar algumas vezes pela mesma linha de risco, porque sem assentar no que ela pode ser como instrumento, é difícil concluir que competências não pode dispensar. Até agora conseguiu-se a desvalorização dos títulos universitários, como notou lucidamente António José Saraiva, e nenhum progresso da regra humanista, segundo a qual é a maneira de viver que aproxima os homens e não o título profissional com que ganham a vida, porque estes títulos possuem todos a mesma dignidade. Parece necessário regressar, sem ambiguidades ao ensino técnico profissional, cuidando mais do conteúdo e menos dos títulos.
Porque a questão da autonomia antecede, nas preocupações correntes a própria definição dos objectivos e funções da universidade, talvez haja conveniência em lembrar que existe diferença entre autonomia e independência. O problema da independência antecede a questão da autonomia, e a segunda pode ser esvaziada de sentido por uma definição não apropriada da primeira, bastando pensar na alimentação financeira do orçamento para compreender a importância da questão. Parece inteiramente fora de propósito imaginar que é hoje possível conseguir uma estrutura patrimonial que assegure a autonomia financeira à universidade mesmo nas sociedades ricas. Nestas, como aconteceu nos Estados Unidos da América, e não obstante a tradicional fórmula das fundações, acontece que a enormidade dos meios exigidos pela investigação fundamental e aplicada fez nascer organismos oficiais alheios à universidade que passam a ser o motor do avanço e da inovação.
Também não é possível a independência em relação ao sistema legislativo, a começar pelo ordenamento constitucional, sendo o mais grave problema o suscitado pela existência de constituições políticas ideológicas. Nestes casos, até as ciências da natureza podem ficar submetidas a um enquadramento distorcido, mas o facto diz especialmente respeito às ciências da cultura, aquelas que tomaram sempre mais aguda a questão da independência e da autonomia da universidade.
A independência, no que respeita à eleição das matrizes que condicionam necessariamente nesse domínio a investigação e o ensino, é fundamento suficiente para defender a existência do ensino livre. Mas, assegurada a independência em relação às servidões ideológicas, coisa que apenas o sistema legal pode, finalmente, garantir, a independência patrimonial e financeira, tanto no ensino estadual como no privado, só pode hoje assentar no pressuposto de que os dinheiros públicos são para ser restituídos à comunidade segundo um critério de justiça, no sentido objectivo de Aristóteles, isto é, a coisa que a cidade considera devida. Por isso, as instituições universitárias precisam do reclamado direito de intervir no processo de formação das decisões neste domínio, pelo menos nos actos de inteligência que condicionam os actos de vontade política e decisão administrativa.

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O processo do cheque de ensino, já em vigor em alguns países, pode ser uma das maneiras adequadas de assegurar uma concorrência sadia entre o sector público e o sector privado, sempre que este pluralismo se tenha implantado. A consagração da liberdade de ensinar, com mais este direito, não pode, todavia, transigir com a qualidade, que é uma responsabilidade do Estado em função dos interesses da comunidade. Por isso, é indispensável uma definição, que não existe, da autoridade académica, por via legal, para que esta seja tão responsável quando o ensino é privado como quando é público, para que não se confunda a propriedade empresarial com a missão de investigar, ensinar e administrar a ciência, para que os corpos docentes não sejam absentistas, ou compostos de voluntários que sacrificam tempos excedentes das suas obrigações fundamentais, mas sem condições de fazer crescer e reproduzir a faculdade no sentido clássico.
Também inspira cuidados o facto de não ser apenas a liberdade de escolha que articula o ensino particular com o privado, antes acontece que a mecânica vigente do numerus clausus actua como factor dominante neste domínio. Na tradição portuguesa, por muito que se afirme que a origem social garantia o elitismo do acesso ao ensino superior, sempre se considerou inaceitável o numerus clausus do ponto de vista da abertura da própria universidade aos candidatos. O certo é que a actual mecânica do numerus clausus não determina a busca do ensino privado segundo a escala das aptidões reveladas, mas sim de acordo com a possibilidade económica de o fazer.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!

O Orador: - O cheque de ensino pode ser algum remédio, mas é necessário investigar outras possibilidades de evitar este efeito, certamente não querido e injusto.
Suposta a independência, o problema da autonomia não pode ter como questão dominante a do processo de designação das autoridades académicas. O seu aspecto fundamental traduz-se em manter na unidade universitária as capacidades de livremente investigar, ensinar e administrar a ciência. A limitação de meios, que só a comunidade fornece, sempre tornará questionável a resposta à pergunta de investigar o quê e em que domínios, afectando a liberdade da investigação desinteressada.
Países pobres vêem-se obrigados a renunciar à autonomia em muitos campos da investigação fundamental, e apenas uma concepção da universidade do saber, e a internacionalização, lhes permitirá o acesso aos resultados que outros obtêm, sem criar uma dependência de tipo colonial. Trata-se de limitações estruturais, que a ponte dos novos estrangeirados ajuda a minorar no interesse nacional. Mas, ainda dentro do que está ao alcance dos países pobres, a especialização tem levado à criação de organismos sem ligação com a universidade, limitando a esta algumas vezes as capacidades, outras vezes provocando o desperdício do duplo emprego. Esquecendo a criação do Ministério da Cultura e Coordenação Científica que destinava o Ministro a ser inutilmente filósofo da ciência e acanhadamente Ministro da Cultura por falta de meios, tem-nos parecido que o princípio federal, em que se baseou a experiência da Universidade Técnica de Lisboa, poderia ser uma chave para ao mesmo tempo salvaguardar as autonomias e tradições dos organismos especializados e reintegrar a plenitude da função universitária.

O Sr. José Ramos (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Esta questão, que diz respeito à definição de cada unidade universitária como instituição concreta, está relacionada com duas tendências especialmente visíveis em países pobres, e que são, respectivamente, a tendência para a regionalização e para a coordenação nacional num sistema. Parecem vias contraditórias, mas a síntese é possível e desejável.
As exigências da economia de meios e da planificação encaminham para uma coordenação nacional que, em casos como os do Peru e da Bolívia, levou a considerar a universidade como uma única entidade nacional. A probabilidade é que este centralismo seja inteiramente contrário à criatividade, tradições, dimensionamento útil das unidades, e pluralismo regional que as velhas estruturas cultivaram. Mas uma coordenação, entregue aos próprios conselhos de reitores, dentro de um sistema fluído que parece indispensável, com base em leis gerais do ensino e da investigação, abrangendo matérias que respeitam designadamente às definições das áreas de ensino, à admissão e qualificação dos estudantes, graus académicos, equivalência de estudos, escolaridade, assim como à estruturação de organismos de diálogo, cooperação e, finalmente, de decisão em domínios de interesse geral.
A autonomia, com a adjectivação decorrente da regionalização, não pode ser tão vasta que impeça essas necessárias coordenações nacionais, tendo, pelo menos, e sempre em vista as capacidades orçamentais do Estado que praticamente tudo alimenta.
No que toca à regionalização, não deixaremos de fazer dois pequenos apontamentos, procurando não abusar da paciência da Câmara. Ela é necessária para servir as populações, mas sobretudo para servir as regiões e a articulação da universidade com a vida real. Acontece, porém, facilmente que as unidades regionais se transformam em produtoras de diplomados que imediatamente procuram emigrar para os grandes centros, agravando o processo de empobrecimento na origem e agudizando as dificuldades do mercado de trabalho no destino. Também a mecânica do numerus clasus, tal como existe, leva os estudantes dos seus centros familiares para escolas distantes, formando-se em lugares que não amam e onde não tencionam ficar.
Uma articulação legal e efectiva dos centros regionais de ensino com o poder regional talvez devesse ser estudada e posta em vigor, ocorrendo-nos como exemplo a Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Talvez a introdução da instância universitária no processo de decisões do poder local, como consultora, promotora de projectos, fiscalizadora técnica e científica e até em alguns casos executora, envolvendo os discentes no aprendizado pelo método de colaborar na acção, suscite maior número de vocações para ficar a ajudar no desenvolvimento da região onde se aprende. O mal existe, e alguma coisa, para além do que fica sugerido como exemplo, precisa de ser feito.
Por brevidade, desejaria terminar, referindo dois pontos onde parece que tarda uma acção institucionalizada. Não chega dizer, como Fernando Pessoa, que a língua é a nossa Pátria; é necessário ter presente que o Brasil é onde mais se fala e que o maior número de cátedras

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de língua e cultura portuguesa que existem nos Estados Unidos da América e no Japão é porque o português se fala no Brasil e não porque a língua é nossa A Academia Brasileira de Letras assume como principal dever estatutário a defesa e difusão da língua e, com ela, a da famosa arte da imprimirão do material didáctico e tudo quanto se liga com o ensino e a comunicação. Os novos Estados Africanos são de expressão oficial portuguesa, não são de língua portuguesa, e tudo parece aconselhar que se procure internacionalizar num organismo em que todos participem por direito próprio, e nós estaremos por direito originário, a defesa de um interesse que os outros podem facilmente esquecer quando tratam do seu próprio, usando capacidades que não temos.

Aplausos do CDS.

Tarda ainda que enfrentemos, sem complexos, a necessidade de realizar o nosso interesse de que a alta formação dos quadros nos novos estados de expressão oficial portuguesa seja aqui procurada e fornecida. Não se trata de quantidade, mas sim de qualidade. Tendo acontecido assim por muitos e longos anos o Brasil, é possível, é útil para todos que se repita agora. Não é incompatível ser ao mesmo tempo um país pequeno e um grande centro de formação superior, como acontece com a Bélgica, a Holanda, e a Suíça. Temos para isso tudo, menos o sentido da urgência, e precisamos de ser mais capazes de vencer as rotinas do que ficar pelas invocações revolucionárias.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Continuamos a consentir que estejam inactivos patrimónios científicos, culturais e históricos, sem os quais os novos Estados não identificarão as suas raízes nem desenvolverão as suas identidades. Ê uma omissão que nos prejudica e que, para ser suprida, apenas exige que não se perca tempo. E o tempo, nestas matérias, tem a mesma unidade básica de medida da agricultura. Conta-se por anos, e cada ano perdido é irrecuperável.

Aplausos do CDS

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos estão inscritos os Srs. Deputados Helena Cidade Moura, César Oliveira, Octávio Cunha e Sottomayor Cardia.
Tem, pois, a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Deputado Adriano Moreira, lamento não ter ouvido desde o princípio a sua intervenção mas penso que apanhei dela o essencial.
Em todo o caso, e apesar de ter muito pouco tempo disponível, gostaria de saber a sua opinião sobre algumas questões.
Como sabe, no nosso projecto de lei de bases do sistema educativo propomos a designação de «ensino terciário», exactamente porque entendemos que depois do post-secundário é necessário diversificar os cursos, dando assim à Universidade o sentido humanista que ela teve desde sempre como centro de investigação, centro de ligação ao meio e centro de dinamização cultural. Entendemos, no entanto, que haverá outras escolas superiores que dificilmente se integrarão na Universidade enquanto esta estiver ligada a esse conceito, as quais são necessárias para resolver o problema da quantidade de cursos que é preciso criar para fazer face às tarefas que há a fazer.
Queria ainda perguntar ao Sr. Deputado Adriano Moreira qual é exactamente o seu conceito de autonomia, pois creio que não o entendi. Com efeito, pareceu-me que V. Ex.ª disse que a autonomia administrativa não era possível na Universidade.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Não, não!

A Oradora: - Não? Então foi precisamente o contrário e, nesse caso, estamos de acordo. Do mesmo modo, a autonomia pedagógica é também indispensável e, portanto, estamos de acordo em que a autonomia é necessária para que as universidades possam funcionar, o que não quer dizer que, como dizemos no nosso projecto de lei de autonomia universitária, a instituição «Universidade» fique pendurada no sistema educativo. Ela terá de estar inserida num contexto geral, dependendo, portanto, dos anos que lhe estão anteriores e da formação que ela irá depois dar, bem como do feed-back que a sua influência irá produzir junto do mercado de emprego, da investigação e do saber.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, são 5 as questões que lhe quero colocar.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Força, força!

O Orador: - Antes, porém, gostaria de lhe dizer que concordo com o modo como colocou a questão da investigação e da universidade. Toda a gente sabe hoje - que a investigação científica é caríssima, qualquer que seja o domínio. Por exemplo, a biblioteca portuguesa dificulta ainda mais a investigação, uma vez que as fotocópias, as fotografias, os microfilmes, etc., são materiais caríssimos.
Por outro lado, há uma dispersão de centros de investigação que estão separados da universidade e que deveriam ser integrados. Por vezes eles não só estão separados da universidade como estão mesmo em oposição a ela própria.
O Sr. Deputado enunciou algumas questões, das quais gostaria que precisasse - e aqui está a minha primeira pergunta - alguns meios processuais no sentido de evitar essa dispersão de centros de investigação, que poderia ser resolvida, quanto a nós, via autonomia e, sobretudo, através dos meios financeiros, mas não só.
Segunda questão: numerus clausus cheque escolar. A este respeito, seria levado a concordar com a sua formulação mas, no entanto, gostaria que precisasse o que é que entende por ela, pois a sua afirmação é susceptível de criar situações de ambiguidade. Por exemplo, uma das leituras que posso fazer do que o que o Sr. Deputado disse é a de que esse cheque escolar poderia redundar apenas em formas de subsídio do ensino universitário privado, o que, se esta minha leitura for correcta, poderá ...

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O Sr. Narana Coissoró (CDS): - É verdade!

O Orador: - ... estar, inclusivamente, em contradição com a primeira parte da sua exposição.
Terceira questão: regionalização/universidade. Estou de acordo, na generalidade, com aquilo que o Sr. Deputado disse. Gostaria, contudo, que me explicasse se, por exemplo, o processo que se iniciou, e que aliás foi, muito embrionário, da discussão da regionalização completou alguma coisa a esta problemática que o Sr. Deputado acabou aqui de exprimir.
Em quarto lugar, a questão da língua. Dou-lhe 2 exemplos: a língua portuguesa em Madrid é propiciada a quem a queira aprender pelos institutos brasileiros em Madrid, não havendo aí nenhum instituto de cultura portuguesa. Por outro lado, o Instituto de Cooperação Ibero-Americana madrileno patrocinou recentemente uma espécie de pull das televisões dos países ibero-americanos e, para além disso, pretendia estender esse pull aos países de língua peninsular, nomeadamente a Angola, à Guiné, a Moçambique, etc. Acontece que, para espanto de toda a gente e com o desconhecimento da própria administração da RTP - o que já tive oportunidade de me informar-, nessa reunião a representante da televisão portuguesa disse, carrément, que «a televisão portuguesa não está interessada em participar nisso». Aqui está, portanto, o que é que e possível fazer neste domínio.
Por último, gostaria de saber o que é feito do projecto de criação da universidade de Camões que o CDS já tinha trazido a esta Assembleia e que, por obra não sei se (como são democratas-cristãos) do divino Espírito Santo ou de qualquer outra figura, acabou por desaparecer. Esse projecto estava agendado na interior legislatura e deixou de estar agora porque o CDS não renovou o agendamento. E eu pergunto: porquê?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, V. Ex.ª trouxe à discussão um assunto extremamente importante que ate agora só ligeiramente tinha sido abordado, isto é, o problema da investigação científica em Portugal.
Os países avaliam-se por vários índices - de mortalidade, de morbilidade, etc.-, mas avaliam-se também pelo número de investigadores em relação ao número de habitantes.
Neste aspecto, parece-me que, mais uma vez e infelizmente, ente os países da Europa, Portugal ocupa um dos últimos lugares se não mesmo o último.
O problema da investigação, tal como V. Ex.ª o colocou, levanta-me, no entanto, algumas questões que gostaria de ver abordadas pelo Sr. Deputado.
Efectivamente, a investigação é cara; obriga a um dispêndio de meios que o Estado muitas vezes não tem disponíveis e a tentação de entregar às empresas privadas a compra, (digamos assim) dos investigadores com fins dirigidos é grande. Quero eu dizer com isto que vejo com alguma preocupação -embora não elimine de todo essa hipótese porque acho que ela pode ser útil - que, não tendo o Estado capacidade para subsidiar a investigação nas universidades estaduais, os universitários tenham de recorrer, para poderem trabalhar, a capitais privados com fins de investigação dirigida.
Ë evidente que, como imagina, tal facto, sobretudo para alguém que trabalha normalmente numa universidade, tem riscos relativamente grandes, podendo levar a que a investigação seja apenas dirigida para um campo de lucro imediato e restrito a uma empresa que tenha dinheiro para investir num sector limitado de investigação, não beneficiando assim, na medida em que ocupa os poucos investigadores que temos, a globalidade do povo português.
Esta é uma preocupação que me parece importante, pelo que gostaria de saber, da sua parte, como é que aborda este problema.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Adriano Moreira, V. Ex.ª produziu uma intervenção de grande qualidade doutrinária.
Naturalmente que, nesta circunstância e no tempo de que disponho, não posso entrar em pormenores no sentido de discutir as concepções que expôs. No entanto, observei que o Sr. Deputado Adriano Moreira entrou uma parte da sua intervenção em questões relacionadas com a gestão do sistema universitário, ou seja, com a gestão do sistema de ensino superior.
Do meu ponto de vista, um dos aspectos essenciais da política educativa, pelo menos, hoje, consiste na despartidarização do ensino e na despartidarização da administração do ensino. Essa despartidarização pode ser promovida por homens filiados em partidos políticos, do mesmo modo que o pode ser por homens não filiados em partidos políticos. Isso é irrelevante para o objectivo da despartidarização.
Nesse aspecto, apraz-me sublinhar que este Governo tem na Secretaria de Estado do Ensino Superior alguém que é capaz de promover com eficácia uma política de despartidarização, tanto no sector do ensino universitário como no sector do ensino superior politécnico.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - A ver vamos!

O Orador: - Mas, voltando de novo ao assunto de fundo - e peço-lhe que me desculpe, Sr. Deputado Adriano Moreira, por ter perdido um pouco o nexo àquilo que estava a dizer -, V. Ex.ª tratou de diversos aspectos relacionados com o problema da gestão universitária, mas penso que não referiu um: o do não funcionamento do Conselho Nacional do Ensino Superior.
Como toda a Câmara sabe, o Conselho Nacional do Ensino Superior foi criado pelo IV Governo Constitucional no tempo do Sr. Ministro Valente de Oliveira - a quem aproveito para prestar a minha homenagem-, quando ora Primeiro-Ministro o Sr. Prof. Mota Pinto. Ora, esse conselho deixou de reunir há cerca de 2 ou 3 anos e não sei se hoje cie funciona.
A pergunta que, a este respeito, gostaria de fazer ao Sr. Deputado Adriano Moreira e a seguinte: V. Ex.ª acha que há vantagem em que funcione esse Conselho Nacional do Ensino Superior (se é que ele não funciona já)?
Pela minha parte, penso que há vantagem em que ele reúna, mas não sei qual é a opinião de V. Ex.ª a esse respeito.

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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira. Informo-o de que o seu partido dispõe neste momento de 5 minutos.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, vou tentar administrá-los do mesmo modo que aconselho que seja administrado o tempo de gestão da universidade.
Em primeiro lugar, queria agradecer a atenção que prestou às minhas palavras a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, e dizer-lhe que, na minha intervenção, não me quis ocupar de todo o ensino superior. Foi por isso mesmo que não falei das escolas superiores não universitárias, uma vez que isso exigiria, certamente, um outro tempo, um outro labor e outras circunstâncias.
No que toca à autonomia universitária, o que fundamentalmente quis pôr em evidência é que não nos podemos perder em autonomias formais, porque pouco importa dar uma lei de autonomia a universidade se ela não tiver os meios para atingir as suas finalidades essenciais, que são investigar ensinar e administrar a ciência. Por isso mesmo procurei pôr tão em evidência que a função da investigação está a ser progressivamente retirada à universidade e dada a organismos especializados que não mantêm com ela qualquer conexão. E como, além do mais, somos um país pobre, talvez a simples necessidade da racionalização dos meios aconselhe uma outra articulação entre a universidade e essas instituições.
Creio que, uma vez esclarecido este ponto, V. Ex.ª estará de acordo com este conceito.
Em relação ao Sr. Deputado César Oliveira, gostaria de lhe dizer o seguinte: parece-me que hoje estamos, efectivamente, numa sessão sob o signo do Espírito Santo, porque já o Sr. Ministro da Educação teve ocasião de prestar aqui homenagem ao Prof. Agostinho da Silva, que muita atenção liga a esse ponto. Julgo que o mesmo espírito veio presidir à sua inspiração.
Queria, incidentalmente, dizer que comungo da admiração do Sr. Ministro pelo nosso comum amigo Agostinho da Silva e como não é costume prestar-se homenagem aos vivos (espera-se sempre que morram), apenas digo que me foi agradável ouvir nesta Casa as palavras que o Sr. Ministro lhe dirigiu. Trata-se de um grande português, a quem Portugal muito deve.
Quanto à pergunta do Sr. Deputado César de Oliveira sobre a discussão da investigação, creio que a minha anterior resposta é suficiente e, para poupar tempo, não insistirei nela.
No que toca ao cheque escolar, que é uma doutrina conhecida hoje e consubstanciada na legislação de vários países, é evidente que não é minha intenção que ele seja instrumento de subsídio ao ensino privado. Ele só é um subsídio no sentido de aumentar a liberdade de escolha das famílias. Com efeito, conforme a escolha que elas façam, assim o cheque é utilizado num sentido ou noutro.
Esta explicação é muito sumária, mas creio que o Sr. Deputado com ela fica esclarecido sobre o meu pensamento e, portanto, dispensar-me-á de laborar mais sobre ele.
Suponho que não foi considerada nos nossos planos actuais uma ligação entre a regionalização administrativa e a regionalização universitária. Ê por isso que insisto na necessidade da articulação da própria universidade com o poder local e sugeri, como exmplo, a Universidade de Santa Maria do Rio Grande do Sul, que certamente muitos dos Srs. Deputados conhecem e que, nesse domínio, pode ser considerada paradigmática.
Quanto à questão da língua, o problema que, principalmente, ponho - e as suas observações só confirmaram o bom fundamento das minhas preocupações -, é que para nos adiantarmos em iniciativas, as quais já estão em curso, pelo menos, no pensamento publicado da Academia Brasileira de Letras, precisaríamos de procurar organizar algum instituto internacionalizado onde todos os países, para os quais a língua portuguesa é já um património ou um instrumento necessário, pudessem sentir que colaboravam em pé de igualdade. E nós, por direito originário, pudéssemos defender esse interesse que para nós é fundamental. Esse fenómeno que se verificou em Madrid, pude verificá-lo em Tóquio também, e é o comum nos Estados Unidos da América: ensina-se português, não porque a língua é nossa, mas porque se fala no Brasil, isto em muitos lugares do mundo.
Finalmente, quanto à Universidade Internacional Luís de Camões, o Espírito Santo não me deu nenhuma informação a esse respeito, de maneira que eu não posso responder à pergunta do Sr. Deputado. Posso, contudo, dizer-lhe que um estudo não muito minucioso estava nas mãos do Professor Moser, antigo Presidente do Instituto de Língua e Cultura Portuguesa, que a Universidade Portuguesa acaba infelizmente de perder. Espero, que o seu sucessor o possa retomar, pelo menos, com o entusiasmo com que o professor Moser estava a encarar esse problema.
Finalmente, nada poderia ser mais agradável para mim nesta Sala do que ouvir as palavras do Sr. Deputado Sottomayor Cardia. Não apenas pela sua importância como deputado, dentro do seu partido, mas pelo seu prestígio como professor e pela maneira como desempenhou as funções de Ministro da Educação. Fiquei extremamente sensibilizado pela importância que ligou às despretensiosas palavras que aqui proferi.
Estou inteiramente de acordo e é uma preocupação fundamental, sobretudo nas Ciências da Cultura - que o ensino não pode ser partidarizado. Julgo, também, como V. Ex.ª, que, juntamente com o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, o Sr. Ministro já deu provas de que essa é a linha de homem de ciência e de saber que o orienta. Eu próprio posso testemunhar isso na minha actividade profissional.
Por outro lado, em relação ao Conselho Nacional do Ensino Superior, a única coisa que posso registar é que eu, como V. Ex.ª, também não sei se está e funcionar.

Aplausos do CDS.

Sr. Presidente, não respondi ao Sr. Deputado Octávio Cunha apenas porque eram muitas inscrições e não por falta de consideraçâo. Não sei se me será permitido fazer um pequeno comentário à pergunta que me fez.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Cunha.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, creio que o meu partido tem ainda cerca de 15 minutos. Podemos ceder cerca de 2 minutos ao Sr. Deputado Adriano Moreira para responder.

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O Sr. Presidente: - Então faça favor, Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Muito obrigado.
Aquilo que queria responder à sua observação, extremamente pertinente, é que, justamente, a nossa situação de debilidade em matéria de recursos deveria tornar mais premente a necessidade de salvaguardar, tanto quanto possamos, o círculo da investigação desinteressada e que fundamentalmente deve assentar na universidade.
Não tenho nada contra a investigação aplicada; sei de muitos progressos que beneficiaram a nossa época, designadamente no domínio da comunicação, da transformação do mundo na unidade em que nós estamos, que são devidos à investigação aplicada feita em laboratórios de empresas privadas. Mas é evidente que o interesse geral da comunidade, o interesse do saber, o interesse geral da comunidade, o interesse do saber o interesse da investigação desinteressada, só são bem defendidos pela universidade e todas os meios devem ser concentrados com esse objectivo.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Cachado.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Educação: O Sr. Ministro não encontrou tempo nas 2 horas de que dispõe para responder à quase totalidade das questões colocadas pelos Srs. Deputados das diferentes bancadas; esqueceu-se, perdeu-se na encruzilhada da sua própria comunicação.
Produzimos aqui nesta Assembleia há poucos dias uma declaração política que afirmava partindo de factos que o funcionamento normal do próximo ano lectivo é impossível e que será caótico se não se tomarem medidas que atalhem a desorientação.
Neste momento o Sr. Ministro já possui e, provavelmente já leu a nossa intervenção, dada a eficácia da Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares na pessoa do seu Secretário de Estado que, e passo a citar: «assegurou uma presença constante nos trabalhos da Assembleia da República no período de antes da ordem do dia, canalizando para os diferentes departamentos governamentais as declarações políticas e intervenções de todos os deputados,» como reza o folheto de propaganda distribuído há dias nesta Assembleia.
Iremos hoje retomar algumas das questões e algumas das denúncias que aqui deixámos, e que, apesar do esforço da maioria parlamentar que apoia o Governo de que V. Ex.ª, faz parte, não obtiveram tal qual como hoje, nem resposta, nem desmentido.
Denunciámos os reflexos da crise económica, social e política na escola. O desemprego, os salários em atraso, o aumento brutal dos preços, a miséria, são factos incontestáveis na sociedade portuguesa. Já não é preciso ir ao estrangeiro.
O Sr. Ministro, naturalmente, nas suas frequentes digressões pelo país, já se apercebeu da presença destes factores nas escolas, e nos contactos com os professores ouviu provavelmente as suas lamentações, a sua incapacidade de ensinar face à degradação social envolvente, a sua incapacidade de evitar o insucesso e o abandono escolares.
Numa escola preparatória da Covilhã são os professores, os funcionários administrativos e auxiliares que pagam do seu bolso o almoço a um grupo de crianças, cujos pais estão desempregados ou com salários em atraso. Na margem sul do Tejo, na Marinha Grande e em outras zonas industriais a fome é uma realidade com que os professores se confrontam diariamente. Os desmaios de crianças o aproveitamento de restos de lanches de colegas e de sobras de refeitórios, a compra de 1 sandes no bar ou de l sopa em substituição do almoço na cantina, o guardar pacotes de leite do suplemento alimentar para levar para os irmãos mais novos, são realidades fáceis de constatar, quando a cegueira da insensibilidade e da destruição não se tornaram praxis e lei permanente dos governantes.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - E o Sr. Ministro ri-se!

A Oradora: - Perante todas estas situações, como se tem pautado a actuação do Sr. Ministro no quadro da política governamental? De forma desastrosa, quer facturando medidas cada vez mais lesivas daqueles que o Governo penaliza permanentemente e de forma insaciável, quer optando pela omissão, pela inoperância, pelo alheamento.
Começou o Sr. Ministro por defender um Orçamento de Estado que hipotecava o País, mutilava a educação, aniquilava o futuro dos jovens. Por isso defendeu uma diminuição acentuada das verbas atribuídas a acção social escolar, especificamente para o ensino básico e secundário, o que é elucidativo quanto ao empenhamento e comprometimento do Sr. Ministro. A comparticipação do I ASE para as cantinas escolares desceu de 15$ em 1983 para 7$50 em 1984, por refeição. Isto para permitir dizer que um esforço foi feito quando do recente aumento de 5$, que não atinge sequer a verba de 1983. Neste momento, dezenas de cantinas estão a fechar por dívidas aos fornecedores, porque, como dizia o Sr. Primeiro-Ministro, não se pode fazer omoletes sem ovos.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - É um escândalo!

A Oradora: - A existência fortemente burocratizada de apoios sociais, para compra de livros e restante material escolar, cujos preços são exorbitantes, leva a que muitas crianças tenham terminado mais cedo o ano lectivo e não reiniciem a sua escolaridade.
Provavelmente o Governo outras portas lhes abrirá - a droga, a prostituição, a violência, a frustração - tão diferentes daquelas que Abril abriu.

Aplausos do PCP.

E os professores que o Sr. Ministro naturalmente sabe que existem e também quanto ganham & talvez até tenha conhecimento que muitos são obrigados a deslocarem-se da sua área de residência para cumprirem o seu trabalho. Quanto à actualização permanente, e luxo a que o professor português já renunciou, a degradação do seu poder de compra não admite a aquisição de livros, de material didáctico e pedagógico renovador, indispensável no trabalho com os jovens. Apesar dês todas estas restrições de verbas é inquestio-

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nável a ruptura financeira do Ministério da Educação. Tal como nós alertámos quando da discussão do Orçamento do Estado, as verbas atribuídas nem sequer respondiam às necessidades dos serviços existentes.

O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Em Maio, já mais de 30 escolas preparatórias e secundárias não receberam o subsídio de alimentação e no ensino primário atrasa-se já o pagamento dos salários. O Director-Geral da Contabilidade Pública vê com grandes dificuldades que se possa processar a pagamento integral do subsídio de férias. As escolas começam a não ter dinheiro para os consumos correntes, desde a electricidade, à água, ao telefone, ao papel para os pontos e fichas de trabalho. Também as oficinas e laboratório vão deixando de funcionar, não há dinheiro para substituir o material degradado ou mesmo roubado e destruído por total insegurança nas escolas, que cada vez mais, contam com menos pessoal auxiliar, que garanta minimamente quer o funcionamento, quer a segurança da comunidade escolar

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Mas como se tudo isto não fosse matéria suficiente para impedir o funcionamento das escolas e não constituísse um atropelo total aos princípios constitucionais, o Sr. Ministro empenhou-se simultaneamente na regionalização, na descentralização de ensino. Explicou a Secretária de Estado da Administração Autárquica que, quando em Julho ou Agosto de 1983 se efectuou uma reunião no Gabinete do Ministro das Finanças, com todos os ministros e se discutiu o que se descentralizaria, o Ministro da Educação afirmou que os ensinos pré-escolar e primário tinham todas as condições de já em 1984 transitarem para as autarquias, em todos os seus aspectos, incluindo os professores. Disse ainda a Secretária de Estado que o Sr. Ministro redigiu um documento justificativo desta sua posição, o qual todavia ainda não divulgou. Mas tem com certeza empenhada a sua palavra.
No entanto, no balanço das principais medidas tomadas pelo IX Governo Constitucional e entregue neste Parlamento nos primeiros dias de Junho, afirma-se e passo a citar: «o artigo 47.º da Lei n.º 42/83, de 31 de Dezembro, estabeleceu a transferência, para os municípios, de competências relacionadas com o ensino primário e ciclo preparatório TV. Em consequência do assim preceituado, foram preparados diplomas regulamentares, cuja publicação se verificará dentro em breve, respeitantes aos tópicos seguintes: transportes escolares, auxílios económicos, alojamento não estatal, refeitórios, pessoal auxiliar, gestão de equipamentos», l ano depois aguarda-se regulamentação, e o início do próximo ano lectivo, já tão conturbado, vai ter de confrontar-se ainda com as consequências de um processo leviano e irresponsável, conduzido pelo Governo caucionado e facilitado pelo Ministro da Educação.

Vozes do PCP:- Muito bem!

A Oradora: - O Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário e o próprio presidente do IASE afirmam que cerca de 193000 crianças e jovens estão em risco de não cumprir a escolaridade obrigatória, pela não organização atempada da rede de transportes escolares.
A tudo isto o Sr. Ministro até este momento não disse nada!
Sr. Ministro, não chega criar grupos de trabalho para dissimular a inoperância e a demagogia.
Sr. Ministro, e as crianças e os jovens que irão ser impedidos de frequentar a escola por falta de instalações? Não é do seu conhecimento? São muitas as escolas que não comportam mais alunos, estando a sua lotação normal já duplicada ou triplicada. Solenemente, em conferência de imprensa, V. Ex.ª anunciou um programa de emergência de construção de 13 escolas preparatórias e secundárias destinadas a superar rupturas escolares há muito detectadas. Esse programa envolvia uma verba de 4 milhões de contos. Embora seja inexplicável que face à debilitada situação financeira, se opte por programas de emergência muito mais onerosos que os programas normais, as comunidades escolares mais carenciadas receberam com expectativa e alguma esperança esta boa nova. Estamos em Junho e aguarda-se o arranque do plano de emergência, irremediavelmente atrasado. E o Sr. Ministro sabe, por exemplo, que no Seixal e Almada 70 turmas do 7.º ano de escolaridade não têm instalações? Que os conselhos directivos destes 2 municípios tornaram público que não será possível aceitar todas as matrículas e alguns jovens não poderão estudar?
Sr. Ministro, a tudo isto o Sr. Ministro continuou a dizer nada!
Limitámo-nos a referir algumas situações que pela sua amplitude se assumem como mais gravosas e não todas aquelas que ao longo da gestão deste Governo e de V. Ex.ª, foram sistematicamente alvo de agressão.
O tempo seria insuficiente mas aquele que dispomos sobeja para lhe afirmar Sr. Ministro-basta/chega, sobeja!

O Sr. Jorge Patrício (PCP): -Muito bem!

A Oradora: - Os professores, os estudantes, os encarregados de educação exigem uma política diferente. O Sr. Ministro já mostrou que não quer ou não sabe.
A sua prova global é um rotundo fracasso, o seu insucesso ministerial cabalmente provado exige o abandono urgente do sistema.

Vozes do PCP: -Muito bem! Vozes do PSD: - Não apoiado!

A Oradora: - E, Sr. Ministro, utilizando as suas próprias palavras, mesmo por detrás das cortinas de fumo, dos gritos que marcaram a insegurança e a incompetência, das rapsódias linguísticas e semióticas o Sr. Ministro permanece irremediavelmente reprovado.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado Lemos Damião.

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O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr.ª Deputada Luísa Cachado, V. Ex.ª hoje quase não adiantou nada à intervenção que fez no período antes da ordem do dia e que agora repetiu.
Retomou, efectivamente, os problemas sociais, nomeadamente o da fome que nos preocupa muito. Nós sabemos que a fome condiciona de facto a educação, mas o que é certo, Sr.ª Deputada Luísa Cachado, é que isso não compete ao Ministério da Educação. V Ex.ª deve fazer diligências, deverá até fazer uma intervenção dirigida ao Ministério dos Assuntos Sociais ou à respectiva Secretaria de Estado, e aí talvez lhe possam resolver a questão. Mas lá vamos!
Outro dia disse à Sr.ª Deputada que, de facto era bom que começássemos a fazer uma reflexão, e tenho que a repelir uma vez mais, pois V. Ex.ª trouxe aqui novamente o problema. É preciso vermos que se V. Ex.ª, aqui, chama a atenção do Sr. Ministro e diz, com alguma propriedade, que os recursos estão mal geridos, não acha que seria conveniente começar também com uma educação familiar para que cada um gerisse melhor, em sua própria casa, os seus parcos recursos mesmo que eles sejam efectivamente pequenos? É que habituamo-nos, através de uma política demagógica, a que as pessoas gastassem sem pensar sequer no dia de amanhã. Então o que acontece é o seguinte: todos aqueles trabalhadores que porventura tinham o seu posto de trabalho, em vez de o defenderem trabalhando, procuraram destruir as empresas. E hoje acontece que estão a braços porque não têm posto de trabalho.
Surpreende-me uma outra coisa, Sr.ª Deputada, em relação à qual lhe coloco uma pergunta muito concreta: V. Ex.ª fala em justiça social mas, repare, não disse uma única palavra - e eu gostava de ouvir, por isso a interrogo- relativamente ao facto de ser ou não justo que os alunos da escolaridade obrigatória paguem o mesmo que os alunos da escolaridade pós-obrigatória.
Outra pergunta concreta é a seguinte: V. Ex.ª tem conhecimento - foi aprovado aqui - do Orçamento Geral do Estado. Põe V. Ex.ª em causa a aprovação, por parte da maioria na Assembleia da República, do Orçamento Geral do Estado?
Terceira pergunta: terá V. Ex.ª conhecimento de que o Partido Comunista Português tem há l ano, na Comissão de Educação, um projecto de lei que trata apenas disto: suplemento alimentar completo para todas as crianças da escolaridade obrigatória? A minha pergunta e esta: porque é que o Partido Comunista Português não agendou e até este momento este diploma se, efectivamente, podia resolver muitos dos problemas que a afligem, a si e a mim? Até porque V. Ex.ª não sabe se ele não veria votado tal qual o Partido Comunista o deseja.
Numa altura de crise surpreende-me muito que V Ex.ª não esteja preocupada com outra coisa -os trabalhadores que não têm trabalho preocupam-se realmente com isso: porque é que V. Ex.ª não privilegiou o trabalho na sua intervenção, Sr." Deputada? Não acha que era preciso contemplar a educação com base no trabalho, dignificando-o, estimulando-o, e fazer compreender que não e uma educação menor? Para tempo de crise temos que reconhecer com humildade as nossas possibilidades, Sr.ª Deputada. Não acha? Compete-nos a nós saber mostrar, mais teórica do que praticamente, a superioridade da formação pelo trabalho, sobre todas as concepções antiquadas, intelectualistas e formais, que já mostraram a sua impotência.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Deve estar a falar para o Sr. Ministro.

O Orador: - O trabalho é a única fonte viva donde virá, entendemos nós - e eu falo em nome do Partido Social-Democrata -, a salvação para aqueles que, efectivamente, hoje não têm pão.
Quem trabalha tem direito a comer, na nossa própria perspectiva. É fundamental dignificar o trabalho para que todos tenham efectivamente comida.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Vai trabalhar, malandro!

O Orador: - Quer perguntar alguma coisa, Sr. Deputado? Tenho prazer em lhe responder.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Tem piada que eu gostava de o ouvir lá fora.

O Orador: - A doutrina é a mesma.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr.ª Deputada Luísa Cachado, fez uma série de acusações à actual equipa ministerial, nomeadamente de inoperância e de incapacidade. Afirmou mesmo da necessidade de se promover uma mudança de sistema em termos da educação.
Porém, parece-me evidente que quem aponta críticas deste tipo deve mostrar exemplos alternativos, deve ser portador de um exemplo alternativo, de alternativa que sejam credíveis, inequívocas, claras e que possam efectivamente, ser sentidas por todos nós e por todo o povo português.
É certo e sabido que o Partido Comunista Português já foi poder no âmbito da Educação durante mais de 2 anos, praticamente desde o 25 de Abril de 1974 até Agosto de 1976. Basta lembrar a passagem pelo Ministério da Educação de pessoas como Rogério Fernandes, Salvado Sampaio, Rui Grácio, José Emílio da Silva, etc. Essa passagem pelo poder de pessoas próximas do PCP, deixou-nos algumas medidas, algumas heranças. Podemos recordar que foi nessa altura que, de algum modo, se tentou ideoligizar o ensino primário, introduzindo até, nos próprios manuais escolares, textos de Fidel Castro, Samora Machel, etc.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Cortando o Camões!

O Orador: - Mais que isso, colocaram-se as próprias escolas do magistério primário debaixo do regime das experiências pedagógicas do Decreto-Lei n.º 47 587, e, a partir daí, fez-se a sua reconversão num sentido que apenas visou, efectivamente, a perseguição dos alunos que não eram da cor do Partido Comunista Português, prejudicando-os claramente nas suas notas, etc.

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O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Reprovavam todos!

O Orador: - A nível de ensino superior e no seu acesso, estamos recordados da criação do serviço cívico estudantil, autentico sorvedouro de jovens, criando um verdadeiro hiato na sua preparação. Mais do que isso, no âmbito do próprio ensino superior, estamos bem recordados do sistema de avaliação de conhecimentos caracterizado pelas passagens administrativas.
Foi esta a política de educação que o Partido Comunista então nos apresentou. Será que é esta, ainda hoje, a alternativa que nos apresentam? Pergunto eu: se o Partido Comunista fosse poder, hoje e agora, voltaria a tomar estas mesmas medidas?
Era a esta questão que eu gostaria que a Sr.ª Deputada me respondesse.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Vem este cartucho lá de tão longe para fazer uma figura destas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Luísa Cachado, para exercer o seu direito de resposta.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - Srs. Deputados Lemos Damião e José Cesário: onde é que estiveram os Srs. Deputados do PSD durante a interpelação ao Governo sobre política educativa? Chegaram agora? Chegaram tarde, porque senão ter-se-iam apercebido, durante todo o debate, que a todas as questões graves de política educativa, à questionação irremediável da abertura do próximo ano lectivo, o Sr, Ministro disse sempre nada! E os senhores nem sequer lhe acudiram. Nem sequer vieram em sua defesa. Vieram agora interpelar o Partido Comunista Português quanto à política educativa. Mas, Srs. Deputados, nós não podemos responder-lhes. O Sr. Ministro ainda cá está ...

O Sr. José Cesário (PSD): - Quem falou foi a Sr.ª Deputada.

A Oradora: - ... e com certeza que com todo o gosto responderá a todas aquelas questões às quais ate este momento por não saber ou por não querer, se recusou sistematicamente a responder.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto às questões teóricas, filosóficas e baratas e a algumas tiradas antitrabalho, para não lhes chamar antitrabalhadores, pois não merecem isso ...

Risos do PSD.

Sr. Deputado Lemos Damião, gostaria de imediato de as esquecer, de as ignorar. De qualquer modo há algo que, por ser de tal maneira gravoso, é impossível de esquecer: já hoje aqui falámos de Freud e de psicanálise; o Sr. Deputado é um exemplo protótipo do desdobramento de personalidades.

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Quem vê o Sr. Deputado em defesa da maioria, em defesa do ministro sem defesa e o vê em sessões, frente aos professores e às realidades da política educativa, em debates do sistema educativo, é tão diferente! Aí não está em representação da maioria, nem do Governo, nem sequer do ministro, e é obrigado a assumir as suas responsabilidades como cidadão com um mínimo de dignidade.
Aqui o Sr. Ministro sem defesa está perdido, está reprovado.
Claro que o Sr. Deputado começou por dizer que a minha intervenção de hoje não era diferente da intervenção de há uma semana atrás. Mas como? O que e que o Sr. Ministro da Educação fez desde que o Sr. Secretário dos Assuntos Parlamentares levou a nossa intervenção até ao seu gabinete - porque levou de certeza? Até hoje, o que é que cie fez para permitir modificar e mudar a nossa intervenção? Nada! Como ele nada fez, nós não podemos mudar.
Mas mudámos um bocadinho; o Sr, Deputado 6 que não deu por isso. É que só lhe tínhamos trazido exemplos da zona de Setúbal, e o Sr. Deputado tinha ficado extremamente impressionado porque considerava que a culpa da política educativa em termos de degradação do ensino e da crise económica nacional era dos trabalhadores da região de Setúbal e da Margem Sul, que comiam mariscos em 1975. Hoje trouxemos-lhe os trabalhadores da Covilhã, que, naturalmente, não comem mariscos. Talvez sejam daqueles que comem sardinha dividida por 3.

Protestos do PSD.

O Sr. Deputado já se tinha esquecido!

Vozes do PCP: - Muito bem!

A Oradora: - Quanto ao nosso projecto sobre suplemento alimentar, que continua na Comissão de Educação, o que acontece é que o Partido Comunista Português não teve possibilidades de agendar tudo aquilo que pretendia, mas se a maioria o desejar e o permitir, amanhã estará agendado.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Vamos a isso!

A Oradora: - Quanto às alternativas - e penso que esta é a única resposta possível para as questões levantadas pelo Sr. Deputado Cesário -, um conselho só, também para o Sr. Ministro da Educação: o Partido Comunista Português apresentou um projecto de lei de bases do sistema educativo.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Está muito conselhista hoje!

A Oradora: - As alternativas estão lá presentes, O Sr. Deputado, naturalmente por falta de gestão tempo, como hoje provámos pelo Sr. Ministro, ainda não o leu.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): - Sr.ª Deputada Luísa Cachado, queria-lhe perguntar se as acções praticadas pelo Partido Comunista em 1974, 1975 e 1976, seriam

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hoje repetidas se o Partido Comunista estivesse no poder. Era a isso que eu gostava que a Sr.ª Deputada me pudesse responder.
Eu sei que o Partido Comunista apresentou um projecto de lei de bases. Não foi essa a minha questão, mas antes visava um aspecto de índole prática, e era a isso que eu gostaria que a Sr.ª Deputada tivesse respondido.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra Sr. Deputado César Oliveira?

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Para exercer, na minha qualidade de deputado, o direito de defesa em relação a afirmações produzidas pelo Sr. Deputado do PSD que acabou de falar.

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Direito de defesa?

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - O PC está a crescer!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Se o Sr. Deputado Bento Gonçalves sabe tanto de Educação porque é que não faz uma intervenção?

O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Está bem! Era engano! Bem me parece que há aqui muitos enganos!

O Orador: - Um engano que há aqui, Sr. Deputado, é o seguinte, e é por isso que eu falo exercendo o direito de defesa: sou docente na Universidade desde 1972, isto é, há 12 anos. Em 1974-1975 o Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado, conhecido por MRPP, que é pró-chinês, perturbou muito a Universidade. Os senhores só falam da União Soviética - também lá há Gulags, perseguição, presos políticos! -, mas na China também há Gulags que nunca vi aqui serem condenados.
Em 1974-1975 o MRPP impôs o terror na Faculdade de Direito, e isto é rigorosamente verdade.
Por exemplo, em Económicas, onde dava aulas, fui sequestrado pelo MRPP, quando pertencia ao primeiro conselho directivo do ISE. A verdade deve ser reposta.

O Sr. Nogueira do Brito (CDS): - Que falta de respeito!

O Orador: - Eu não sei onde estava em 1974 o Sr. Deputado Nogueira de Brito! Eu estava ali a dar luta ao PCP e ao MRPP.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Também eu!

O Orador: - Certamente que houve aliança espúria neste país, pois as pessoas aliaram-se alegremente ao MRPP. Até o Sr. General Ramalho Eanes aceitou o apoio do MRPP, acusando o PCP de estalinista e o MRPP, que era estalinista ex professo, não lhe fazia confusão nenhuma.

Risos.

Portanto, acho que a verdade deve ser reposta, E quando os senhores falam do PCP, porque é que omitem sempre e sistematicamente o MRPP? Não será pelo facto de algum dos Srs. Deputados terem feito esse percurso através do MRPP?

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Ah, grande educador!

Risos.

Aplausos da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Depurada Luísa Cachado, para contraprotestar.

A Sr.ª Luísa Cachado (PCP): - Sr. Deputado, queria recordar-lhe, muito rapidamente, algo que, muito naturalmente, já esqueceu: é que em 1974-1975, altura em que alguns comunistas passaram pelo Governo, nunca a Educação contou com verbas tão elevadas, nunca tanto esforço foi feito no cumprimento da escolaridade obrigatória, nunca os professores contaram com tanto apoio em termos de sistema educativo.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Cesário pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Cesário (PSD): - Para dar explicações ao Sr. Deputado César Oliveira.

Sr. Deputado César Oliveira, apenas lhe quero dizer que não tenho nada a for com o MRPP. Se o Sr. Deputado tem, interpele-o. Eu não sei sequer se ele ainda existe. Por aquilo que eu vi, o Sr. Deputado até conhece esse mesmo movimento, pelo que poderá, com a máxima facilidade, resolver esse problema. Eu é que não tenho nada a ver com o MRPP, Sr. Deputado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Eu só queria repor a verdade histórica!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Educação: Antes de passar à minha intervenção, que trago escrita, e aproveitando aqui a presença do Sr. Ministro e dos seus 3 Secretários de Estado, permita-me fazer uma sugestão que suponho não terá ainda sido feita nesta Câmara. O Sr. Ministro e a equipa governamental acolhê-la-ão ou não, conforme bem entenderem.
Como sabem o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado, está a passar-se o 6.º Centenário da Revolução de 1383-1385. Creio que seria de algum escândalo para o País se não se fizesse uma comemoração condigna.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Por comemoração condigna entendo que não se deve tratar de uma mera efeméride. Por comemoração condigna entendo, no âmbito do Ministério da Educação, uma intervenção, inclusive ao

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nível dos programas escolares do próximo ano lectivo de 1981-1985 que permita fazer aquilo que tantos professores desejam fazer, e para o que nem sempre há oportunidade, que é a interdisciplinaridade.
Fazer interdisciplinaridade num caso destes, para comemorar a Revolução Portuguesa de 1383-1385, interdisciplinaridade nomeadamente ao nível de disciplinas como a história, a geografia, o português, a própria psicologia, a introdução ao direito, seria uma maneira de valorizarmos pedagogicamente a grande Revolução Portuguesa de 1383-1385, riquíssima de ideias para o nosso tempo e um verdadeiro contributo para o consenso nacional de autênticos valores que com certeza nos unem a todos.

Aplausos gerais.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE, pela voz dos seus deputados, faz hoje aqui uma interpelação ao Governo sobre política geral, centrada sobre os objectivos da política educativa.
Sobre a política em geral respondeu o Governo a esta Câmara, na passada semana, por iniciativa do Sr. Primeiro-Ministro. Respondeu bem. Assim o reconheceu esta Câmara através de uma maioria qualificada votando favoravelmente a moção de confiança.
Não pretenderá, portanto, o MDP/CDE questionar o que foi questionado. Não está em causa a política deste Governo. Essa política é um todo e como todo tem o apoio expresso, como ficou demonstrado, do Grupo Parlamentar do Partido Socialista.
A problemática específica agora em debate é a política educativa.
O IX Governo Constitucional apresentou ao Parlamento um programa de política de educação que mereceu o nosso apoio. O grupo parlamentar socialista tinha e tem consciência que, mesmo em 4 anos de Legislatura, não podem atingir-se objectivos óptimos em educação, porque os males são fundos e, também por isso não podem esperar-se milagres. Ê que vêm de longe as causas da crise da educação escolar em Portugal. O diagnóstico da situação tem sido feito por todos os quadrantes ideológicos, com maior ou menor objectividade, Seria injusto atribuir a pessoas isoladas ou a qualquer equipa ministerial a responsabilidade da crise do ensino em Portugal. Esquecer a política obscurantista do regime de Salazar, ignorar o anarquismo, o populismo e muito oportunismo com alguma cobardia, do período dito revolucionário, bem como ainda, a adaptação, sempre lenta à vivência democrática, seria fechar os olhos à realidade, seria ignorar as causas da situação que se pretende ultrapassar.
Não sendo viáveis, no momento político actual, alterações de fundo no Ministério da Educação que dêem funcionalidade e eficácia às suas estruturas e serviços, importa mobilizar todas as vontades válidas para introduzir as reformas possíveis.
Nem faltam no Ministério da Educação quadros de elevada qualidade capazes de se porem de acordo quanto a algumas medidas de fundo tendentes a transformar, a médio prazo, o sistema educativo em Portugal. O Ministério da Educação é demasiado complexo para que possa e superar-se eficácia de uma política educativa que, porventura, se regesse por interesses personalizados.
As ideias e os sistemas têm a sua própria força, mês dependem muito das pessoas que as concretizam. Pessoas não consideradas isoladamente, mas integradas em equipas coerentes e coesas, para garantirem a perseguição, em cada momento, dos objectivos programáticos.
Por nossa parte, Grupo Parlamentar do Partido Socialista, na esfera própria temos dado o contributo que as nossas obrigações de deputados nos impõem, designadamente apresentando a esta Câmara um projecto de lei de bases do sistema educativo. Nasceu ele de projectos apresentados em anteriores legislaturas pelos Parlamentares socialistas, com a introdução de alterações aconselhadas pela experiência e pelas circunstâncias. Traduz, da nossa parte, a vontade política de imprimir à educação coerência e eficácia.
As críticas e as sugestões que receber desta Câmara, dos Ministérios e do debate público vão certamente permitir melhorá-lo e, sobretudo, buscar-lhe o consenso possível em ordem à definição das linhas-mestras da política educativa nos próximos tempos.
A lei de bases do sistema educativo é da competência desta Assembleia, como o Sr. Ministro de tarde já teve oportunidade de esclarecer.
No entanto, a estreita ligação com o Ministério da Educação, pela via dos deputados da maioria apoiante do Governo, mais do que desejável é salutar. Nesta como noutras matérias, como sejam a política de juventude, o estatuto da carreira docente, o ensino técnico-profissional, etc., não podemos estar nem estamos de costas voltadas uns para os outros.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista assume plenamente as suas responsabilidades em matéria de educação, como as assumiu no apoio à política geral do Governo.
Se há sinais de descontentamento em pais, encarregados de educação, professores e alunos, importa tomar os problemas na sua verdadeira dimensão, buscando as soluções mais aptas para os resolver.
Criticar é fácil. Ajudar a construir é bem mais difícil.
Garantir credibilidade à administração do ensino em Portugal implica não ter a memória curta, isto é, não olhar aos males presentes esquecendo as causas remotas, e implica sobretudo, Srs. Deputados das oposições, contrariar o pessimismo doentio, a crítica inconsequente, as atitudes demagógicas fomentadoras da instabilidade, do vazio, da deterioração progressiva das instituições.
Toda a vida política exige dimensão ética. Os homens da educação não são moralistas, mas não se estranhará que acentuem a componente moral sob risco de atraiçoarem os objectivos da sua própria profissão. Por isso surpreendem eles às vezes pelas suas maiores exigências. Há que reconhecer, todavia, que muitas vezes o óptimo é inimigo do bom.
Mas hoje todos nós somos da educação, não só porque lhe estamos ligados como pais, professores ou a qualquer outro título, mas sobretudo porque todos sem excepção acreditamos nos valores da educação e do seu papel na formação do homem.
Ponhamos de lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que nos divide. Estamos todos de acordo em querer contribuir, também através da educação escolar, para a transformação do nosso País. Este o nosso propósito de deputados socialistas, esta a nossa esperança.

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Só mais umas palavras em jeito de conclusão: manifestamente o MDP/CDE veio tentar, de forma enviesada, pôr em causa o Governo PS/PSD.
Fazê-lo a uma semana da votação da moção de confiança ao Governo, reconheça-se que, além de ousado, foi insensato. Só aparentemente a interpelação do MDP/CDE visava a política educativa deste Governo. Se a realidade fosse essa, os senhores deputados do MDP/CDE teriam trazido aqui as grandes questões do ensino em Portugal. Se as suas intenções não fossem de mera oposição destrutiva, teriam distinguido entre os males profundos e as questões de superfície, teriam distinguido o que pode fazer-se num ano e o que demora lustros, décadas ou mesmo gerações.
Sinceramente, senhores deputados, não ouvimos críticas serenas e objectivas; da vossa parte mas sobretudo faltaram as propostas alternativas, cuja enunciação teria dignificado o MDP/CDE, cujos deputados muito respeito e admiro, e prestado bom serviço ao País. Tendo feito oposição por oposição e tendo visado mais denegrir ou demolir do que ajudar a edificar, os senhores deputados não puseram à prova este Ministério da Educação, nem muito menos ainda, o Governo PS/PSD. E, a aceitar que tenha havido sujeição a provas, há que concluir: o Governo passou folgadamente no teste.

Aplausos do PS. do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. O seu partido dispõe de 6 minutos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Agostinho Domingues, o tempo não me permite alongar-me muito. E pego-lhe precisamente pela última palavra: «O Governo passou folgadamente no teste.»
Considera V. Ex.ª que passar folgadamente no teste é deixar sem resposta as perguntas que o seu próprio partido colocou e a que o ministro não respondeu?

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Considera que passar folgadamente no teste é não ter tido uma palavra sobre a dramática situação que se vive, em termos de início do próximo ano lectivo?
Sr. Deputado Agostinho Domingues, considera que ter passado folgadamente no teste é vir dizer que se vão fazendo mudanças de estrutura, deixando para quando formos entrar para a CEE a lei de bases? Então, porque avançou o Partido Socialista com uma lei de bases neste momento? Considera ou não que é fundamental para o sistema educativo haver a curto prazo uma lei de bases do sistema educativo?
Sr. Deputado Agostinho Domingues, peca-nos tudo, mas não nos peça que chancelemos um ministro e uma política em que acredita. E eu acredito sinceramente que o Sr. Deputado Agostinho Domingues, como pedagogo, como socialista, como democrata, não acredita e não tem esperança nessa política.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Nós não pedimos nada ao Partido Comunista!

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Agostinho Domingues deseja responder, tem a palavra.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Deputado Jorge Lemos, agradeço-lhe ter-me interpelado e vou procurar responder muito sucintamente para deixar tempo a outros Srs. Deputados da minha bancada que vão intervir.
Creio ter sido suficientemente concludente na minha intervenção para as duas primeiras perguntas que me põe. Ê evidente que às questões gerais, as questões de fundo, o Governo respondeu aqui, e bem, como eu disse na minha intervenção.
O Sr. Ministro esta tarde respondeu, de uma forma serena e objectiva, às questões que foram colocadas. É natural que haja problemas que fiquem em aberto, conforme eu deixo entender na minha intervenção.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faz favor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Agostinho Domingues, estamos a tratar de um assunto sério, que é a questão educativa.
Considera que não dar resposta sobre as medidas previstas para evitar o colapso do ano lectivo que se aproxima, não responder às perguntas muito concretas que a sua própria bancada colocou, é dar a tal perspectiva geral que no vosso entender é positivo?

O Orador: - Sr. Deputado, não vou tomar, de modo nenhum, a sua intervenção como pretendendo dizer que eu não estou a ser sincero na minha resposta, até porque o estimo pessoalmente e sei que o Sr. Deputado não me faria essa ofensa. É evidente que estou a responder com seriedade. Há questões que ficam em aberto, porque as questões da Educação são extremamente complexas. Deixei-o entender na minha exposição e muitas vezes o tenho dito, não só nas minhas intervenções como mesmo nas conversas travadas entre nós, deputados ligados aos problemas da Educação.
Os problemas da Educação são estruturais. Há ainda muitas questões para as quais se impõe haja um consenso alargado. O Sr. Deputado sabe que assim é, não vamos entrar em polémica nessa matéria.
Quanto à questão da lei de bases, agradecia-lhe a sua atenção, pois creio que há um erro na sua intervenção.
A lei de bases do sistema educativo é da competência desta Assembleia. O Sr. Deputado, em vez de acusar o Governo de não ter apresentado uma proposta, devia, se fosse capaz alguma vez ou se o Comité Central do seu Partido lhe permitisse, fazer um elogio à bancada do Partido Socialista por ter apresentado, em tempo record, um projecto de lei de bases. Tenha a coragem, Sr. Deputado, de reconhecer alguns méritos - também os temos! - a nós, bancada do Partido Socialista.
O Sr. Ministro, de manhã, deu a entender que nós tínhamos prestado um contributo importante. De tarde, reconheceu que não se tratava de um contributo, mas

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de um exercício da nossa esfera de competência. Eu tive o cuidado de registar a correcção que o Sr. Ministro fez de tarde num aparte da minha própria intervenção.
Portanto, Sr. Deputado, creio que estamos de acordo nesta matéria e acredito que nem o Sr. Deputado, nem ninguém da sua bancada está mais interessado do que eu e do que os deputados socialistas em encontrar as verdadeiras soluções para a política da educação neste país.
Venham daí, Srs. Deputados, para a construção das posições que realmente conduzam a uma política que dê resposta a problemas cujas causas de crise vêm de longe.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado António Taborda.

O Sr. António Taborda (MDP/CDE): - Sr. Deputado Agostinho Domingues, compreendo a posição de V. Ex.ª no fundo, fez um discurso de circunstância dizendo que o Grupo Parlamentar do PS estava empenhado em dar todo o apoio e ajuda para melhorar a Educação em Portugal. Nesse aspecto, compreendo perfeitamente esse discurso de circunstância.
V. Ex.ª também não apresentou, nem as questões positivas, nem negativas - estava no seu direito e no direito do seu grupo parlamentar.
A última parte do seu discurso é que merece o meu protesto.
Efectivamente, esta interpelação do MDP/CDE é o que rigorosamente diz ser: uma interpelação ao Governo sobre política educativa, e é neste escopo que ela se insere e inseriu.
Nós apresentamos algumas propostas. Ê evidente que a política educativa é extremamente vasta como V. Ex.ª disse: nem toda a gama enorme de problemas que ela comporta, podia alguma vez ser esgotada num debate destes.
A minha colega Helena Cidade Moura fez uma intervenção que se centrou, fundamentalmente, no problema do ensino técnico-profissional, que foi a única inovação que o Sr. Ministro da Educação teve neste mandato, tendo apresentado o ponto de vista do MDP/CDE sobre esse problema. Eu apresentei alguns dados sobre o problema das despesas do Ministério.
Fizemos algumas perguntas não só nessa área das despesas orçamentais, mas também em outras áreas. A interpelação não é só do MDP/CDE, é de toda a Câmara. A Câmara pôs também várias questões, e não me parece que houvesse qualquer intuito menos claro desta interpelação, ela está à vista de todos e daí o meu protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Agostinho Domingues, se deseja responder.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, é para um contraprotesto sem contraprotestar.
O Sr. Deputado António Taborda fez um protesto no pleno uso dos seus direitos para reforçar a tese que defendeu. Dada a delicadeza como pôs a questão e enunciando, reforçando os seus próprios princípios, naturalmente ele respeitou as minhas teses. Eu respeito as suas e as do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Exposto abertamente à opinião pública, o ensino tem sido ao longo dos tempos objecto de críticas algumas vezes pertinentes, outras incongruentes, muitas sem sentido, quase sempre levianas.
Sector particularmente sensível, sobre ele se tem actuado mais na perspectiva de aparelho ideológico do Estado do que no de sistema educativo vocacionado para a formação da juventude, em ordem à sua integração plena na sociedade em que vive e à sua participação activa na transformação desta.
Daí que as várias e necessárias alterações introduzidas no retalhado e inconsequente sistema de ensino português, tenham vindo a ser condicionadas por vectores eminentemente político-ideológicos em vez de determinadas por factores privilegiadamente tecnico-pedagógicos.
Esta tendência não é de agora: é muito anterior aos últimos 5 anos e não é alheia nem isenta de culpas da degradação verificada no ensino bem como da situação da quase ruptura em que este se encontra.
Não é impunemente que se impõem a ambiguidade e a indefinição na gestão das escolas; que se extingue o ensino técnico sem lhe arranjar alternativa válida; que se introduzem no ensino primário medidas cujas consequências imediatas se traduzem no aumento do insucesso escolar; que se estabelecem para o ensino secundário «curricula» de tal ordem diversificados e irrealistas que a sua implementação se tornou impraticável por falta de recursos; que se alteram os programas de forma a criar entre eles a descoordenação horizontal e vertical apenas para se introduzir a perspectiva marxizante do ensino, em ordem à destruição dos valores morais, humanos e culturais do país; que se proceda ao empolamento da máquina administrativa do Ministério com a criação de departamentos que apenas servem para estabelecer áreas de sobreposição de competências que conduzem à indefinição, à irresponsabilidade e à ineficácia de serviços; que se privilegia a centralização como forma de dominar o aparelho educativo, em vez de dar prioridade à descentralização como processo de facilitar as medidas que mais se adequam às situações concretas.
Sim, Srs. Deputados, não foi impunemente que tais alterações se verificaram precisamente quando o MDP/CDE exerceu alguma influência no executivo.
Estranha-se, por isso, que venha agora, vestido o manto angélico da inocência e tomado de intenções celestiais, pedir contas de factos que são também e em grande parte da sua responsabilidade.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: O ensino não está bem, mas é imperativo nacional que todos tomem consciência de que a sua restruturação não é tarefa para qualquer executivo de curta duração e, muito menos, para o actual que leva de existência, apenas, o período de 1 ano.
A solução correcta dos problemas carece de tempo: o imediatismo e o curto prazo não conduzem a soluções

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de estrutura, institucionalizam a conjuntura e limitam a sua acção à mera gestão da crise.
Convenhamos que não é tarefa ao alcance de qualquer mortal, por mais eficiente que seja a sua acção, actuar em profundidade num tão curto espaço de tempo em áreas como a eliminação do analfabetismo, a diminuição do insucesso escolar, a melhoria da qualidade de ensino, a adequação da estrutura administrativa à exigência da dinâmica pedagógica, a formação de professores para os diversos ramos e graus de ensino, a correspondência entre a preparação da juventude e a sua integração na sociedade de forma plena e útil, a gestão da rede escolar de modo a garantir o cumprimento da escolaridade obrigatória de 6 anos, o desenvolvimento da investigação científica, a autonomia universitária com todas as consequências e responsabilidades que implica, a definição clara quanto à inserção da educação pré-primária e especial no Ministério da Educação e na Secretaria de Estado da Segurança Social, a coordenação vertical e horizontal dos programas, a política do livro escolar em cuja área se movem interesses espúrios, a organização e funcionamento das turmas, a gestão democrática das escolas, o ingresso no ensino superior, o ensino técnico, a estabilidade administrativa que implica a alteração da filosofia subjacente ao Decreto-Lei n.º 191-F/79, a estrutura orgânica do Ministério da Educação, a descentralização administrativa e pedagógica, o estatuto da carreira docente, de jeito que o único factor de promoção dos professores não seja a sua sensibilização, o respeito pelas leis da pedagogia universalmente reconhecidas e aceites, a definição de um quadro legal que estabeleça com clareza e sem ambiguidades o tipo de incentivos que cumpre propiciar ao ensino particular e cooperativo para que este possa exercer a sua função com eficiência, dignidade e prestígio.
Como se pode, pois, exigir a um Governo com l ano de existência a resolução de tão grande gama de insuficiências, quando volvidos 20 anos sobre o estabelecimento de 6 anos de escolaridade obrigatória, esta ainda não é cumprida na sua totalidade ou em percentagens aceitáveis num país que caminha para a Europa?
Como se verifica, o estado de atraso no ensino em Portugal, pelo qual tenhamos todos a humildade de nos considerar responsáveis, é tal e o percurso do consenso tão grande, que importante é que nos demos as mãos para, num esforço sério, honesto e empenhado, criar condições para que a Juventude de hoje encontre na escola a forma de preparar o seu futuro.

Aplausos do PSD.

Neste contexto e em face da intenção que cremos patriótica - subjacente a esta interpelação, que de certo não tem outra finalidade ou que não teve outra finalidade, que não fosse a de provocar uma reflexão profunda e objectiva sobre a situação preocupante do ensino, é evidente que algumas observações e interrogações importa levantar.
E também nós, Sr. Ministro da Educação, poderíamos aqui levantar várias questões, simplesmente, porque sabíamos que na Educação o processo é moroso para a solução dessas questões, nós permitir-nos-íamos apenas, como uma reflexão, questionar - não é bem questionar mas pelo menos levantar algumas delas! E então digo:
Não será conveniente definir competências no âmbito do atendimento às crianças e munir o país de uma rede universal de estabelecimentos de educação pré-primária?
Não será conveniente reformular o sistema de colocação de professores tendo em vista promover e estimular a sua fixação nos meios mais carenciados, o que para além de muitos outros benefícios permitiria o desenvolvimento de um real poder autóctone?
Não será de desenvolver um esforço no sentido da reformulação do plano de estudos do ciclo preparatório de forma a garantir a cobertura total da escolaridade obrigatória?
Não será mais lógico que todo o ensino básico seja ministrado por áreas do saber em vez de ser ministrado por disciplinas, privilegiando a componente pedagógica em vez da científica?
Per que se espera, Sr. Ministro, para que a escolaridade básica obrigatória seja entendida como tal, e garantido a todas as crianças o exercício desse direito?
Para quando uma decisão em ordem à adequação do equipamento e material escolar, tendo em vista uma maior motivação e consequente rendimento dos alunos?
Por quo se espera para proceder à racionalização da gestão dos recursos técnicos, humanos, materiais e financeiros de que se dispõe?
Que se tem feito para tornar mais dinâmicos e eficientes os serviços centrais do Ministério?
Para quando a regulamentação da lei do ensino especial, de forma que a educação dos alunos diferentes seja equilibrada, integrada e dignificante, sendo certo que mais de 80 000 crianças e jovens se encontram sem apoio escolar de qualquer espécie?
Que preparação profissional está prevista para os jovens que abandonam o sistema escolar?
E, para terminar. Sr. Ministro, em que termos e condições está prevista a transferência de poderes e verbas para as autarquias locais de forma a que por estas seja assegurado o exercício do sagrado direito dos jovens à educação?
Estas são apenas algumas das questões que pela sua premência nos afligem e tiram algumas horas de sono de entre as muitas que, de certo, preocupam o primeiro responsável pelas questões do ensino.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Entendemos nós, ser obrigação de todos os Srs. Deputados, e em especial dos professores-deputados, demonstrar e denunciar o que está mal na educação, o que se deve corrigir com vontade política expressa, audaz, democrática e justa.
O sistema escolar não pode ser posto em perigo, pois isso corresponderia a pôr em perigo o futuro a curto e médio prazo da vida democrática, do desenvolvimento do País, e as esperanças de justiça do 25 de Abril.

Aplausos do PSD e do PS.

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Tratar nesta interpelação de fenómenos sociais com comportamentos extremos, com exaltação, sem frieza de raciocínio, sem serenidade não faz sentido, num debate que julgamos dever preocupar-se com o aprofundamento das questões em termos técnicos, administrativos e políticos.
Em qualquer sistema educativo existem, existiram e existirão deficiências, anomalias, irracionalidades e imperfeições.
Constatar isso hoje e agora é fácil, trate-se do sistema educativo português ou de qualquer outro em qualquer parte do mundo.
Nada é perfeito e, por isso, não pode haver sistemas educativos perfeitos.
Seria ignorar a continua evolução da ciência, da tecnologia e da pedagogia que em cada dia e a cada momento procuram responder à crescente procura e adaptar-se à realidade dos nossos dias.
Por isso, corre o risco de estar permanentemente desajustado, nunca se encontrar a verdadeira sintonia, pois é constante a sua expansão em quantidade, qualidade e complexidade.
E, se assim não fosse, corresponderia a uma paragem no tempo, a uma regressão que não estaria de acordo com a nossa pretensão de acompanhar o que se vai fazendo por esse mundo fora.
Por outro lado, com realismo, responsabilidade e pragmatismo não podemos ignorar que as dificuldades económicas e financeiras são em grande medida as causas da letargia e da retracção em que tem vivido o sistema educativo português.
Por toda a parte os encargos com a educação têm subido, o que tem levado a que todos os países pesquisem e procurem formas de racionalização do sistema, procurando atingir fins sociais correctos a custos menores.
Só quem não conheça a complexidade do problema, seja irresponsável ou actue de má fé, poderá desprezar os cálculos que assentam no binómio custos/benefícios da educação.
Se considerarmos que estes se estendem por toda a vida do indivíduo e encerram componentes pessoais que se torna impossível medir e dimensionar poderemos concluir que por mais que se invista na educação, será sempre um investimento insuficiente, mas será sempre também um bom e barato investimento.
Se considerarmos que um cidadão passa um quarto de século a estudar, da pré-escola ao doutoramento, passando por vários graus e complexidades que os seus efeitos se repercutem até à sua morte, o que parece um investimento caro torna-se barato.
Se considerarmos a educação um empreendimento social e se for analisado globalmente, os gastos com a política educativa só podem ser aferidos pelas previsíveis repercussões ao longo da vida do cidadão, do educador e do .sistema, e tudo isto em função da participação e do contributo que derem ao todo nacional e à sociedade.
Sendo assim, seria um erro crasso julgar, classificar ou referir o sistema com casos pontuais.

Aplausos do PSD.

Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: Fala-se em caos, em incompetência, em elitismo, em demagogia, em favoritismos. Denuncia-se em nome da honestidade, da competência e da coragem hipotéticas situações de nepotismo, de honestidade, de inépcia, de cobardia, de irresponsabilidade, de corrupção. Só que de acordo com as «Vozes das Cassandras» que entre nós pululam, os corapsos na oposição são fracos no poder; os honestos, corruptos, os competentes, ineptos; os basistas, elitistas, os imparciais, nepotistas; os pragmáticos, demagogos.
Srs. Deputados, sejamos realistas e humildes, assumamos, a dimensão de Estado, procuremos ser coerentes, pautemos a nossa acção pela verdade, sejamos dignos.
A política educativa deste Governo como dos que o precederam emana da vontade popular expressa livremente, e reiterando nesta Câmara, pelo que só nesta perspectiva deve ser questionada e jamais na perspectiva da política educativa das oposições cujos programas não foram aprovados.
As carências mais relevantes que se verificam no sistema educativo não são de hoje, vêm muito de trás. A sua superação não se consegue com medidas platónicas como as de uma qualquer interpelação: implica pelo contrário a unidade de esforços, o empenhamento colectivo, a vontade firme de todo o corpo nacional que à Nação, particularmente, o ensino respeita.
As guerrilhas parlamentares não conduzem a lado algum, pelo que desta tribuna me permito lançar um repto a quantos estão verdadeiramente interessados no encontro de soluções correctas e adequadas para a resolução dos graves problemas com que se depara o ensino, certeza de que assim seremos merecedores da confiança da juventude.
Como pai, como professor e como deputado eu estarei na primeira linha.

Aplausos do PSD e do PS.

Vozes do CDS: - Tudo mentira!...

O Sr. Paulo Areosa (PCP): - É difícil dizer tanta asneira em tão pouco tempo!

Entretanto, assumiu a Presidência o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Deputado Lemos Damião, não sei se lhe vou dar oportunidade para dar essa tal lição que estava a referir.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Não me estava a referir ao Sr. Deputado.

O Orador: - Eu sei que não, Sr. Deputado, mas eu recebo lições de qualquer pessoa. A sua intervenção para mim, não digo que fosse uma surpresa, mas foi pelo menos uma intervenção agradável. Queria colocar-lhe algumas questões, porque também sou das tais pessoas que, também sendo pai, também sendo professor e também sendo deputado, estou interessado nas tais soluções correctas e adequadas para os graves problemas que se nos deparam.
A primeira questão que lhe queria pôr era a seguinte: causa-me alguma estranheza, e já outro dia, a respeito de outro assunto, isto aqui foi levantado

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- mas estamos na altura de eu ser um pouco excessivo, e eu não tenho procurações para defender outros. Diria que me causa estranheza a preocupação com que por vezes o Sr. Deputado e outros Srs. Deputados referem aqui o temível quadro marxizante em que se proeurou enquadrar o nosso ensino e os valores morais humanos e culturais do País, que se desprezaram em certas épocas. Eu não o nego. Penso, do que eu sei do ensino secundário e primário, que, de facto, se terão cometido erros nos tais períodos que o Sr. Deputado referiu, tendo referido vários responsáveis, concretamente a corresponsabilização do MDP/CDE ou de elementos seus nessa política.
Mas o meu problema é o seguinte: não preocupa o Sr. Deputado ter havido, antes disso, algo que raramente vejo os Srs. Deputados referir, ou seja, 4 ou 5 dezenas de anos de ensino primário, de ensino secundário, em que foi inculcada uma ideologia fascista, em que foi feita uma educação antipartidária, antidemocrática, autoritária, em que foi pregado um catolicismo constantiniano que já tinha abandonado praticamente toda a Europa?

Protestos do PSD.

O Sr. Deputado Lacerda de Queirós queria dizer alguma coisa ou não?
Nós passámos essa fase. isso é o seu erro, Sr. Deputado! É que essas pessoas educadas, durante esses quarenta e (ai anos, ainda são a grande maioria do nosso povo. O ensino que a grande maioria do nosso povo teve não foi o primário ou secundário do tempo em que era Primeiro-Ministro o Sr. General Vasco Gonçalves - e VV. Ex." só estiveram ausentes, que eu saiba, cerca de 2 meses desse Governo - mais sim o desses 40 ou 50 anos. Portanto, eu não critico que o senhores refiram ou outros aspectos, o que me espanta é que nunca apareça essa preocupação. Isto para não dizer que o Sr. Deputado culpabiliza muitos ministros que duraram pouco tempo e desculpabiliza, o que é compreensível, porque é um camarada de partido, um ministro que afinal já está há l ano, a que, na media que tem sido a dos governos portugueses, não é tão pouco como isso.
Agora, a contrapartida: o Sr. Deputado disse que não é bem questionar. Eu diria ou caricaturaria, com a devida vénia, que o Sr. Deputado pôs uma série de questões as quais, pelo menos em relação a quase todas elas, eu também gostaria de ter posto. Mas como há uma série de questões que ainda esperam resposta, daqui até ao fim do debate ou noutros debates sobre isto serão eventualmente respondidas.
Também penso que as questões que o Sr. Deputado pôs merecem resposta, designadamente quanto à transferência de poderes para as autarquias, quanto à escolaridade básica obrigatória, que se relaciona com uma que eu pus há pouco ao Sr. Ministro e que espero hoje ler a sua opinião, sobre qual é a idade a partir da qual deve acabar o tronco comum mínimo.
Ora, isso vindo de um deputado que é do mesmo partido que o Sr. Ministro tem outro peso do que teria se vindo de outro partido qualquer. E é pana esse ponto que eu queria chamar a atenção: é que o Sr. Deputado, com a máxima delicadeza possível, proeurou, efectivamente, situar a questão em termos de, por um lado solidariedade partidária, mas por outro dizer «atenção, que aqui há questões que são graves». E não pôs poucas: até pôs mais do que as que eu pus há bocado. No que o Sr. Deputado tem de preocupação que manifestou tem todo o meu apoio, se entendi bem a sua intervenção - penso que entendi. Da compreensão que tem pelo camarada de partido, isso será diferente. Como sabe, somos de partidos diferentes! ...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Damião, para responder.

O Sr. Lemos Damião (PSD): - Sr. Deputado Hasse Ferreira, tenho muito gosto em responder-lhe.
V. Ex.ª colocou aqui questões sérias ao longo desta noite, ao que, de resto, já nos habituou.
Parece-me que o problema da educação no nosso país e muito sério. Se recuarmos um pouco no tempo e se retornarmos à época que antecedeu o 25 de Abril, quero dizer-lhe que é bom que aqui se diga e se faça justiça a um Ministro de antes do 25 de Abril. Estou-me a referir, nomeadamente, ao hoje ainda também Ministro Veiga Simão ...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Só faltava ouvir isto!

O Orador: - ... que, com a sua própria reforma - bem, não lhe poderemos chamar uma reforma de ensino ou de educação, mas o que é certo é que deu um arejamento nas escolas - permitiu que a partir dali fosse mais fácil a vida democrática nas próprias escolas.
O que me parece é que há uma coisa que ninguém teve coragem de atacar que era, naquela altura, o problema das experiências pedagógicas que, como sabe, tudo neste país continua a ser experiência e o certo é que nunca são testadas, nunca chegamos ao fim, não sabemos se são boas, se são más. Andamos nesta indefinição, e por isso mesmo é que é preciso acabar com elas.
Por isso eu concordo com alguns Srs. Deputados, quando aqui propõem que se apresente e se discuta, nesma Casa, e se aprove nesta Assembleia, uma lei de bases de sistema educativo. Como sabem, em educação não podemos ter uma visão do médio prazo e muito menos do curto prazo, atendendo à inovação tecnológica e à investigação e não nos podemos esquecer - deixe que o lembre dado que há pouco estive a ver o futebol - de que estamos na época do vídeo nas escolas. Nos países desenvolvidos, já há vídeos e cassetes nas escolas, há toda esta tecnologia de que, ao fim ao cabo, os professores se servem para efectivamente praticarem ensino de qualidade. Nós aqui temos apenas como meios para desenvolver a nossa política educativa a palavra, o giz e o quadro preto. É muito pouco comparado com o que já existe no mundo. Desculpe-me que tenha derivado um pouco. Também nos preocupa muito um passado de quarenta e tal anos em que os objectivos de educação eram os de fazer cabeças ocas e braços fortes. Essa época, felizmente, acabou: já há 10 anos que estamos em democracia, já há 10 anos que estamos preocupados em acompanhar, também no campo educativo, aquilo que efectivamente se faz pelo mundo e por essa Europa fora. É por isso que nós falamos em 9 ou 8 anos de escolaridade, que todos os países da

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Europa já têm. Alguns até tem 10 anos de escolaridade obrigatória, como sabe. Ainda hoje constatamos, com bastante tristeza, que ainda orçam os 20 %, 25 % as crianças que em Portugal não cumprem a escolaridade obrigatória de 6 anos, e isso é preocupante, preocupa-nos muitíssimo.
Por isso fiz algumas reflexões e pedi ao Sr. Ministro para as ouvir; não é que eu o quisesse interpelar, porque eu lenho a possibilidade de o fazer indo ao seu próprio gabinete. Como e do nosso partido - e nós honramo-nos muito também temos possibilidades de ter várias conversas.
Portanto, podia-o fazer pela calada, mas também quis dizer que o PSD, pela minha voz, está preocupado com iodas as questões sérias, porque nós estamos conscientes que sem uma verdadeira política educativa, sem um racional aproveitamento dos recursos de ordenamento do próprio país não vamos a lado nenhum.
Não haja dúvida - e todos nós já o ouvimos dizer várias vezes: tal país, tal educação; tal educação, tal país! E contra isto que temos de lutar, porque ser social-democrata é, ao fim e ao cabo, ser uma pessoa que nunca está satisfeita, e por isso somos essencialmente reformistas, entendemos que é preciso banir, que é preciso fazer as reformas necessárias na educação para que a possamos levar para os níveis europeus.
Mas isso não invalida, Sr. Deputado, que nos esqueçamos do período conturbado a seguir à Revolução de 1974 em que, por exemplo também já foi dito pelo meu colega José Cesário, e o Sr. Deputado também tem conhecimento disso e certamente que não o pode desmentir -, se substituiu nas escolas, Camões por Samora Machel, ou coisa do género.
De resto, neste aspecto cultural todos nós devíamos reflectir bastante porque é preocupante vermos que todas as famílias, nomeadamente os chefes de família, se preocupam em amealhar - por vezes até tiram às suas próprias condições de vida para amealharem 100 contos e deixá-los aos seus filhos ou coisa do género - e quando todos os dias nós roubamos centenas de contos aos filhos deste país, destruindo a parte cultural, destruindo os monumentos, fazendo as maiores tropelias possíveis e imaginárias. E quer um exemplo, Sr. Deputado? Por exemplo, as próprias construções escolares, que nada têm a ver com a escola tipicamente portuguesa, são escolas tipo L'Ecole, como as próprias casas de emigrantes, que nós respeitamos mas que nada têm a ver com a casa tipicamente portuguesa: são as casas tipo maison.
Tudo isso nos preocupa e são reflexões que nesta Câmara se têm de fazer. E é também por isso, Sr. Deputado, que antes de eu ser deputado primeiro sou português; depois sou português, depois sou português e depois sou português. E porque a seguir a isso sou pai e pai e pai, não podia, de maneira alguma, deixar de fazer estas reflexões porque tudo isso é um grito de alma.
Por isso mesmo, para mim, só há duas espécies de professores: entendo que só há professores sérios ou não sérios. Eu prezo-me de ser um professor sério e, por isso mesmo, lenho que dizer em público, dizer neste hemiciclo aquilo que efectivamente me vai na alma, e eu estou convencido de que toda a equipa governativa e o Sr. Ministro - que é sensível, mais que ninguém, a todos estes problemas, porque também é um patriota - será sensível a todas estas questões.
Estou convencido de que estas reflexões não são minhas, são de todos nós, desta Câmara, e certamente que não as deitamos em saco rolo. A equipa ministerial vai certamente levar em consideração tudo aquilo que os Srs. Deputados aqui disseram e certamente que, dentro dos poucos recursos que tem, o Ministério procurará emendar a mão onde for de emendar, procurarão fazer melhor.
Pelo que sei, o Sr. Professor José Augusto Seabra antes de ser Ministro também é professor e também é pai, e é por isso mesmo é que eu o defendo com esta frontalidade sem ter receio absolutamente nenhum, ao ponto mesmo de dizer que não há ministros maus. Não há ministros maus, Srs. Deputados. A política educativa não é de um Ministro, a política educativa é do povo para o povo, é dos pais, é dos professores, é dos alunos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nesta interpelação ao Governo, centrada sobre a política educacional, não podemos deixar de trazer aqui os protestos de professores, alunos, funcionários das escolas e encarregados de educação, pelas situações de ruptura que se vivem em muitas escolas do País, algumas das quais tenho visitado.
São graves os problemas da protecção às instalações dos estabelecimentos de ensino e dos jovens que os frequentam. Não é menor problema, a inexistência de uma protecção adequada nos acessos aos estabelecimentos de ensino, por vezes afastados dos núcleos urbanos, em áreas de elevada criminalidade, consequência da acelerada degradação das condições de vida nos bairros periféricos dos grandes centros.
São graves os problemas da alimentação nas escolas, da degradação das instalações escolares, da ausência em muitas delas de condições para a prática desportiva.
E que dizer da (des)ocupação dos tempos livres dos alunos? e do (des)apoio às associações de estudantes? A Associação da Escola Secundária da Amadora exemplo com uma população que ultrapassa o milhar de alunos, dispõe somente de um subsídio de 5000$ por ano. Eu gostava de repetir: 5 contos por ano...
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro da Educação: O que é isto? O que é que isto quer dizer? Culminando este rol de problemas, temos a bagunça generalizada nos planos pedagógico e didáctico.
Nos estabelecimentos de ensino reina a confusão, a estupefacção e a revolta; porque se desconhecem os critérios que presidiram à elaboração do decreto que regulamenta as provas globais; porque o Ministério, incapaz de resolver os problemas que criou ao acabar com os exames (o que à partida consideramos positivo), passou a «bola» para os professores falando-lhes por um lado em avaliação contínua e por outro em prova global final obrigatória.

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Estas indefinições, geram situações escandalosas como as vividas em escolas, em que os alunos se vêem assoberbados com 10 provas globais numa semana, chegando mesmo ao ponto de serem submetidos a 3 provas num só dia! Registe-se que tal facto se verifica, na maioria dos casos, contra a vontade dos professores.
Como têm sido elaborados os programas; definidos os currículo?
Ouvindo professores actualizados e a tempo inteiro, ou feitos por professores de gabinete?
O desfasamento entre os níveis etários de desenvolvimento da inteligência e os conteúdos programáticos é notório.
Escolaridade obrigatória? O que foi feito de facto: geral e gratuita? Considerasse o preço do material escolar, dos transportes, etc.?
E a entrada na universidade o que é hoje? É a lei do mais forte que impera; quer em termos sócio-económicos, quer em termos competitivos.
O lugar ao conhecimento, à criatividade, à formação, descambou na luta pela entrada!
E quantos hoje, quando conseguem entrar no ensino superior ficam mal formados para um trabalho sério, devido aos vícios criados neste sistema de alta competição? E os cursos que por vezes são compelidos a tirar só porque não conseguiram acesso ao efectivamente desejado?
E quanto aos professores? O que é o professor, quem pode ser professor? Onde está o estatuto da carreira docente?
Que condições têm hoje os professores para que possam exercer em plenitude o seu magistério? Com que estímulos e reconhecimento podem contar?
Baixos salários, dificuldades de actualização periódica, colocações «peregrinas», programadas por um computador surrealista, aliás à medida do ministério utilizador ...
Por outro lado, no apoio prático às várias disciplinas onde estão os materiais pedagógicos, as colecções didácticas, o equipamento laboratorial?
Escolas conheço em que os atrasos ou a não substituição do material danificado, impossibilita uma experimentação adequada. E sempre na base de falta de verbas.
O conhecimento está a tornar-se novamente livresco e desligado da realidade. Tal facto é mais notório depois de já realizadas experiências de aprendizagem, mediante visitas de estudo frequentes e diversificadas, levadas a cabo nos anos férteis, em novas experiências culturais, logo após o 25 de Abril.
Hoje, sem verbas e com o preço dos transportes demasiado elevado para as bolsas da grande maioria dos agregados familiares, estas viagens são curtas, raras ou mesmo inexistentes.
É necessário que a educação fornecida às crianças e aos jovens parta não só da cultura da sua região mas que vise essencialmente a compreensão, das suas raízes culturais e da interligação dos mecanismos sócio-económicos tradicionais com os modernos.
O conhecimento dos problemas regionais, ambientais e urbanos; das suas origens e responsáveis, facilitará a procura de alternativas e soluções por esses jovens quando eles participarem na gestão da sua comunidade.
Como esperar que os jovens se identifiquem com os conhecimentos que lhes são metidos à martelada na cabeça, visando a simples acumulação de informação e não o conhecimento verdadeiro, aquele que provém do desenvolvimento da consciência crítica!?
É urgente fomentar o raciocínio e apoiar a fermentação da cultura nas escolas, a todos os níveis do ensino, em íntimo contacto com a comunidade onde estão integradas.
Alunos marrões, enciclopédias ambulantes, técnicos robotizados, nunca poderão vir a ser cidadãos completos. Estarão aptos a fazer funcionar empresas e dar lucro, mas não para raciocinar ou para procurar imaginativamente outras alternativas de vida.
Não serão capazes de reagir, e evoluir ao ritmo dos novos tempos.
Tal como os dinossauros, que não tiveram a capacidade de se adaptar a uma nova era geológica, também eles caminharão para a extinção, por não estarem minimamente preparados para os desafios da vaga de mudança que se avizinha na história da humanidade e que já vislumbramos nos indícios da derrocada da civilização industrial.
Será isto que se pretende?

Só a capacidade de análise e o conhecimento profundo das leis naturais, aliados a um espírito universalista de cooperação e paz, com base numa educação onde imporem valores humanistas e cosmológicos e não esta que temos, assente na competitividade e nos frios interesses do mercado, poderão auxiliar-nos a superar a crise actual, consequência do percurso cego que as sociedades de consumo têm vindo a trilhar.
Por estas razões é que defendemos que educar consiste em preparar para a vida e pela vida.
Mais do que uma garantia da sobrevivência individual, deverá ser garantia da sobrevivência colectiva.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo e Sr. Ministro da Educação: A deseducação que temos, é mais uma amostra desta crise gerada e gerida por políticos e tecnocratas, industriais e empresários castradores da criatividade do nosso povo.
Mas não se iludam os responsáveis! O povo português temporariamente enredado nas malhas de um labirinto conservador e retrógrado elaborada por cérebros amestrados no tempo da política educacional dos «braços fortes e cabeças ocas» saberá retomar o seu rumo histórico.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria do Céu Fernandes.

A Sr.ª Maria do Céu Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado, Sr. Ministro da Educação, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muito se tem falado e escrito sobre a necessidade de operar reformas de carácter estrutural e sobre a necessária modernização do País.
Quase sempre se pensa, ao proclamar-se a necessidade daquelas reformas, nas estruturas materiais, em particular nas estruturas produtivas. Omite-se normalmente o facto de uma das mais importantes reformas de fundo consistir, exactamente na reforma do sistema educativo, atendendo às suas implicações na mudança de mentalidade e de avanços culturais e à sua repercussão no próprio sistema produtivo.

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E, historicamente, assim é em Portugal. Basta invocar o nome de António Sérgio, que afirmava:
O problema da cultura, o problema da mentalidade: este é, se me não engano, o problema característico do Portugal de hoje e o mais grave da sociedade portuguesa.
Esta ideia continua cada vez mais actual e aplica-se inteiramente ao nosso presente.
Por isso, as responsabilidades contraídas pelo Ministério da Educação perante os portugueses e as gerações que vão moldar o futuro da nossa Pátria são enormes, envolvendo uma exigência de rigor, de seriedade e de probidade intelectual.
O Partido Socialista sempre considerou a educação não só como um valor em si mesmo mas também como uma mola estratégica no desenvolvimento da sociedade portuguesa e um instrumento de promoção e justiça social.
Resumindo e simplificando, encontramo-nos neste momento a meio de um período de transformações profundas determinadas por uma viragem histórica, a qual implica uma nova concepção da própria educação, da sua duração, conteúdos, métodos e finalidades.
Assim sendo, o sistema de ensino português terá de responder aos desafios que hoje lhe são colocados pela actual situação da sociedade portuguesa.
Considero que, neste sentido, um dos desafios que se põe ao Ministério da Educação é aquele que decorre do conceito de democratização do ensino, e que tem um sentido mais lato do que a simples concepção liberal de «igualdade de oportunidades de acesso ao sistema de ensino»; mas considerarei aqui um segundo nível de igualdade que consiste na «igualdade de oportunidades de sucesso no percurso escolar», a que se poderá acrescentar um outro e que é o de «igualdade de oportunidades no uso do ensino recebido».
A implementação da real democratização do ensino terá de passar pela resolução de problemas de carácter económico, político e cultural, uns mais fáceis de resolver e outros obviamente mais difíceis.
Entre os segundos, temos o dos factores económicos. O desenvolvimento do sistema de ensino tem sido travado pela escassez de recursos económicos, ainda mais sentida neste momento que vivemos, de regime de austeridade para os orçamentos do Estado. Por isso eu entendo que para se obviar em parte a este mal, é necessária uma boa gestão e distribuição dos recursos existentes que passaria, apenas a título de exemplo, pela realização do plano de emergência relativo às construções escolares, e que até à data não foi realizado.
Em relação a uma correcta política de distribuição dos recursos existentes, queria ainda aqui referir o problema dos apoios económicos à universidade como uma das formas de concorrer para a sua autonomia. Já alguns passos foram dados em relação à autonomia universitária mas é preciso reforçá-la e para isso é preciso suporte económico. Não para que as universidades fiquem completamente autónomas e voltadas sobre si mesmas, mas para que estejam ao serviço do desenvolvimento económico do País e da formação de quadros. Entendo que as universidades devem ter um papel importante na regionalização e devem ser um dos elementos para dinamizar a própria regionalização.
Por isso a autonomia universitária deve ser reforçada não para transformar as universidades em ilhas isoladas, mas sim instrumentos de desenvolvimento, de acordo com as potencialidades da região, e por isso é de apoiar todas as políticas que ajudem a transformar as universidades regionais em pólos de desenvolvimento.
Em relação aos problemas políticos limitativos de uma efectiva democratização do ensino, eu citaria os problemas do centralismo e da burocracia característicos do sistema de ensino português.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Nós, socialistas, defendemos a regionalização e a descentralização, que consideramos fundamental, embora defendamos também que deve ser rodeada de cuidados, não devendo, por exemplo, ignorar o escalão regional, que infelizmente ainda não está instituído. Por outro lado, a descentralização para os municípios tem de ser realizada com regras bem definidas e planificadas para evitar erros, esbanjamentos e frustrações.
Quero ainda acrescentar que a centralização é justificada por razões ideológicas mas estas encontram como grande obstáculo razões de carácter pedagógico. O processo educativo é um processo de ensino e de aprendizagem; ora o processo de aprendizagem não pode ser definido centralmente. Como consequência de uma excessiva centralização temos uma excessiva burocratização do sistema de ensino, pois a centralização implica um crescente aparelho burocrático para a preparação e execução das decisões. A excessiva burocracia causa uma excessiva lentidão da decisão, leva a que as decisões não sejam as mais adequadas e impede também uma maior possibilidade de previsão das necessidades. A excessiva burocratização é incompatível com a intervenção pedagógica, porque transforma as normas pedagógicas em normas burocráticas, isto é, generalizadas, abstractas, definidas centralmente sem ter em conta as pessoas dos locais. O processo educativo naquilo que é mais essencial não se conforma com um sistema de normas desse tipo, pois é um processo pessoal e multiforme.
Referir-me-ei agora aos factores de carácter cultural acima enunciados e que igualmente actuam como condicionantes da efectiva democratização do ensino.
A cultura expressa-se num currículo, isto é, num programa de estudos. Os nossos currículos têm como características principais, em primeiro lugar, serem uniformes, rígidos, isto é, não admitem variantes locais e, em segundo lugar, estarem embebidos na tradição cultural dos liceus, isto é, privilegiam a cultura geral, a capacidade de abstracção, o individualismo e a irrelevância em relação à utilidade prática dos conhecimentos adquiridos. É preciso que se modernizem os currículos, que por exemplo se valorizem componentes como a educação física e artística, que se continue a implementar o ensino técnico-profissional de forma adequada e eficaz.
Destas considerações resulta como conclusão que nós, socialistas, entendemos que da superação do desafio colocado pelas questões por mim enunciadas se pode avaliar a qualidade de uma política educativa e o maior ou menor grau de apoio que conseguirá mobilizar.
Não se aventa aqui que seja fácil, em curto espaço de tempo, uma mudança de perspectiva e de política

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educativa mas entende-se que é necessária, é urgente, é desejável e é possível.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A experiência vivida nas escolas pelos alunos, professores e pelo pessoal não docente e, ainda, pelos pais, a frustração dos especialistas nas matérias incidentes no conteúdo pedagógico e na distribuição da educação, os indicadores que situam Portugal num dos últimos lugares da Europa no que se reporta aos graus de escolarização e de aproveitamento por parte dos que lhe têm acesso, permitem identificar a rede ou sistema de distribuição escolar como uma das áreas carenciadas no sector da educação.
A situação que se vive no sector do ensino devido à falta de instalações apropriadas, funcionais e pedagogicamente correctas conduz a um profundo mau estar da população que tem razão em exigir do Estado um ensino que não esteja sujeito a circunstancialismos negativos, inaceitáveis e que os valores democráticos rejeitam.
A rede escolar representa dignidade do ensino, e está intimamente ligada à necessidade da sua democratização e à segurança dos alunos. A boa ligação da escola ao meio depende exactamente da rede escolar.
Uma eficaz rede escolar tem de contemplar salas de aula onde os jovens não sejam obrigados a amontoar-se com manifesto prejuízo quer para os alunos, quer para os professores, e de contemplar outro tipo de estruturas essenciais para o desenvolvimento harmónico da criança num espaço estranho. O País precisa de escolas onde não faltem condições de segurança, bibliotecas, salões de estudo, ginásios, refeitórios, zonas de recreio e de desporto, dotados de pessoal docente e auxiliar competente de forma a possibilitar aos estudantes um ambiente pedagogicamente salutar e aliciante. As crianças têm esse direito. A democracia assim o exige. A resposta a esta elementar exigência não pode fazer-se esperar.
A falta de cobertura do País por uma rede escolar eficiente comporta riscos demasiado sensíveis e profundos para que não se desenvolvam esforços conscientes para alterar a situação.
Expandir e reconverter a rede escolar é uma tarefa imediata que deve obedecer a uma planificação correcta com o Estado a assumir o seu efectivo controle e realização.
E não se fale, nunca, em crise financeira porque custos muito mais elevados são os provocados por não haver uma eficiente rede escolar que dignifique o ensino de que o nosso país necessite.
A actual rede escolar está profundamente degradada quer pelo seu largo e intenso uso quer, ainda, pelo tipo de materiais com que têm sido feitas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Aos níveis de educação pré-escolar, básica e secundária faltavam há l ano, mais de 37 000 salas de aula! E, na realidade, surpreendente que se tenha deixado atingir uma tal situação, praticamente de ruptura.
Só em Lisboa as carências eram de 8500 salas de aula, sendo 5400 nos ensinos primário, preparatório e secundário unificado. O restante diz respeito ao pré-escolar:

No distrito do Porto, faltam .............. 8200
No distrito de Braga, faltam ...............4400
No distrito de Aveiro, faltam ............. 3050
No distrito de Setúbal, faltam ............2 400
No distrito de Viseu, faltam ............. 1 400
No distrito de Santarém, faltam .......... 1 300
No distrito de Coimbra, faltam ........... 1 280
No distrito de Vila Real, faltam ......... 1 200
No distrito de Leiria, faltam ............ 1 105
No distrito de Viana, faltam ............... 880
No distrito de Bragança, faltam ............ 640
No distrito da Guarda, faltam .............. 550
No distrito de Castelo Branco, faltam....... 540
No distrito de Faro, faltam ................ 460
No distrito de Beja, faltam .................427
No distrito de Évora, faltam ............... 270
No distrito de Portalegre, faltam ...........260

O que tem sido feito para alterar este panorama? O Ministério da Educação como tem encarado o problema? Não nos parece que tivesse assumido com. realismo uma planificação que, posta em prática, viesse a melhorar sensivelmente a situação.
Contudo o problema agrava-se já que passa a competir às autarquias, a construção de escolas primárias. Será da sua responsabilidade criar largas salas de aula não se sabe bem com que meios, já que é notório que o Fundo de Equilíbrio Financeiro das Autarquias ou o Orçamento do Ministério da Educação não terão disponibilidades para ajudar a solucionar esta questão. Aliás, não é só na construção de salas que as Autarquias serão responsáveis.
Quanto às construções escolares, perguntei ao Sr. Ministro quem são as entidades que constróem as escolas: Direcção-Geral de Construções Escolares, Autarquias, Comissões Instaladoras de Novas Universidades, Direcção-Geral do Equipamento ou todos estes organismos? Seria interessante saber-se quem faz a coordenação a nível técnico, já que a nível político parece não restarem dúvidas de que esse controle e feito por um Secretário de Estado das Obras Públicas. Acontece, porém, que o Sr. Ministro não quis ou não pode responder a esta questão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para complicar a situação confusa que se vive neste campo verifica-se aquilo que poderei classificar de «irracionalidade de construção». Poderei citar alguns exemplos para melhor se compreender o que se deixa dito:

Em 1980, ano de eleições, lança-se a construção de 50 escolas, incluindo o célebre Plano de Emergência (10 escolas);
Em 1981 não houve «emergência» e praticamente não se começou uma única escola;
Em 1982 voltou a «emergência» e, segundo o Secretário de Estado das Obras Públicas, lançou-se a construção de 100 escolas; seria interessante sermos esclarecidos sobre este lançamento. Se foi cumprido, quantos escolas se concluíram;
Em 1983, só houve plano de emergência, ou seja lançou-se a construção de 10 escolas.

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A propósito dos planos de emergência, Sr. Ministro da Educação, esses planos permitem a sua contratação com empreiteiros sob que base? Ao que parece os contratos desses planos são mais caros, possibilitando arranjos contratuais sem recurso a concursos. Qual o critério adoptado Sr. Ministro? Qual o volume de negócios e o número de contratos feitos nesta base? Quem os controla? O Ministério da Educação ou a Secretaria de Estado das Obras Públicas? O Sr. Ministro vai continuar a recorrer aos Planos de Emergência, criado pelo Decreto n.º 76/80.
Nós sabemos como alguns elementos do Governo, em épocas pré-eleitorais se apressam a percorrer o País oferecendo escolas. A que plano Sr. Ministro, obedece essa oferta? E cumpre-se essas promessas?
A ausência de programas plurianuais de execução prejudica como é evidente a melhoria possível da rede escolar.
V. Ex.ª, Sr. Ministro, no Programa do Governo afirma como uma das principais medidas a adoptar a «reconsideração dos planos de emergência em curso». Ora não x viu até agora a adopção de nenhumas acções de V. Ex.ª para reconsiderar esses planos de emergência.
Já agora Sr. Ministro também gostaríamos de saber o que se passa com os terrenos. É um problema grave - também lhe foi feita a pergunta e o Sr. Ministro não soube responder ou não quis, ou não lhe convém.
Como se faz Sr. Ministro o controle de reservas desses terrenos nas urbanizações que vão surgindo? Como se garante a afectação desses terrenos para o ensino?
Passemos a outro aspecto da segurança das escolas, Sr, Ministro. Há dezenas de escolas em que o Ministério instalou sistemas de segurança que reduzam em perturbação e ingerência de estranhos no funcionamento da actividade escolar. Frequentemente a população é alvo de medidas avulsas cujos motivos lhe são estranhos e cujo impacto no seu futuro não lhe é explicado nem provavelmente previsto, correspondendo antes a medidas unilaterais de rentabilização dos parcos recursos existentes em instalações, equipamentos e pessoal.
A solução adoptada pelo Ministério em contratar corpos de vigilantes especializados não parece ser a mais conveniente. É um método que não resolve as questões de falta de segurança.
A segurança, Sr. Ministro, não é só mandar vigilantes para as escolas. Segurança é antes de mais promover uma boa rede escolar onde a população estudantil sinta um ambiente saudável à sua volta só possível com a existência de boas condições em escolas sem exageros de lotação (temos escolas secundárias para 4000 alunos quando a média recomendada internacionalmente é de 800 no máximo) com bom pessoal auxiliar competente e boa assistência social, que lhes facilite o estudo e que conforte os jovens das carências com que muitos milhares deles se confrontam: precária alimentação; vestuário deficiente; habitação familiar superlotada; carências de saúde; abandono total ou quase total durante o dia relativamente aos pais com os consequentes desequilíbrios de todo o tipo onde o aspecto afectivo é fundamental.
Estas crianças já têm problemas que cheguem, Sr. Ministro. Não me parece pedagógica e psicologicamente salutar transformar as escolas em autênticos quartéis com cercas de rede, e com vigilantes estranhos.
Os problemas de agressividade, e de violência sobre as escolas, sobre os alunos e sobre os professores têm outras razões bem mais profundas e que têm a ver com o tipo de vida que se está a imprimir ao País e que urge modificar e melhorar.
O que importa é fazer respeitar as escolas pela comunidade. A comunidade não aceita a escola como se fosse uma dádiva, Sr. Ministro. Impõe-se modificar a política de maneira a que a comunidade ganhe algum alento para defender a escola.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Já existem grandes preocupações quanto ao que se vai passar no próximo ano lectivo em que podem surgir ainda maiores pontos de clivagem do que no ano lectivo corrente. Não temos qualquer rebuço em afirmar e os factos não tardarão 4 meses a confirmar infelizmente a nossa estimativa. Aliás pusemos questões claras ao Sr. Ministro da Educação mas este também não teve mais oportunidade ou não quis responder.
Ficamos ainda mais apreensivos pois o Sr. Ministro não esclareceu esta Câmara quanto à data de abertura do novo ano lectivo, quanto ao número de alunos que vão ser penalizados no próximo ano devido às carências existentes, e quantos vão ser atingidos devido à abertura tardia das aulas. E não soube o Sr. Ministro esclarecer a Assembleia da República se em relação ao ano lectivo anterior, o ano que se aproxima vai ser melhor ou se vai piorar. O Sr. Ministro preferiu recolher-se ao silêncio. Se estávamos preocupados mais preocupados ficámos.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Gonzalez, pediu a palavra para um pedido de esclarecimento?

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Exactamente, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Eu queria fazer uma pergunta ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, mas como ele não tem tempo para responder conceder-lhe-ia 2 minutos que me restam e falava no minuto que me fica.
Queria, pois, perguntar ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, mais, ao fim e ao cabo, para referir um caso de adaptação dos estabelecimentos de ensino, que se passa na Amadora. Trata-se da adaptação de modelos nórdicos em que, por exemplo, um tem a gracinha de ter espaços para os skis, que aqui na Amadora não são propriamente necessários, e estores pelo lado de fora porque falta uma outra camada de vidros, que nos países nórdicos são necessários. Neste caso, têm 2 camadas de vidros e estores no meio, tendo prescindido dos vidros do lado de fora ficando os estores a abanar e que com o vento estão todos destruídos pelo que já não servem.
Portanto, sobre a falta de adaptação dos estabelecimentos, queria saber se está a par de mais casos deste género, que são realmente anedóticos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Deputado, muito rapidamente, dir-lhe-ei que é evi-

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dente que o tipo de condições que nós temos habitualmente nas escolas, com os módulos, não é, pedagogicamente, o mais aconselhado para os nossos jovens estudantes.
É evidente que o tipo de construções que estão a pulular um pouco por todo o País não obedecem a qualquer estudo muito realista. Não há bibliotecas nesses módulos, não há ginásios, não há cantinas, não há centros de estudo, não há refeitórios, não há praticamente nada. As crianças sentem-se desinseridas e, a partir daí, há sempre um passo para um outro tipo de agressividade extremamente negativo que urge concretamente apreciar e imediatamente emendar. É claro que esse tipo de construção não vem favorecer realmente um ensino capaz para a nossa juventude.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Cunha, tem a * palavra para uma intervenção.

O Sr. Octávio Cunha (UEDS): - Sr. Presidente, permita-me um breve aparte: foi aprovada por esta Assembleia da República, há pouco tempo, uma lei denominada a Lei dos Baldios. Verifica-se que já está em execução nesta Casa.

Risos do PS e do PSD.

E, como dizia um recente Ministro da Qualidade de Vida que se demitiu, não sinto, efectivamente, nestas circunstâncias força anímica para exigir do Governo respostas que os deputados, pelos vistos, não estão interessados em ouvir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior para uma intervenção.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior (Pinto Machado): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro de Estado, Srs. Secretários de Estado: O Governo dispõe de muito pouco tempo pelo que a minha intervenção vai ser muito breve e vai circunscrever-se, essencialmente, ao âmbito desta interpelação: «Objectivos da política educativa e sua expressão concreta.»
Para responder, neste contexto, às perguntas feitas, tenho, obviamente, para elas serem entendidas, de as enquadrar num prévio esclarecimento sobre a política de ensino superior. Rapidissimamente ia fazer um esquiço dessa política, que existe, e que deriva, se inspira no Programa do Governo neste domínio sobre as acções concretas realizadas, sobre as acções a realizar no futuro imediato, nisto incluiria respostas a diversas questões que foram postas e deixaria para o fim outras respostas. Respondo, evidentemente, por 4 meses e meio de governo.
A política de educação a nível do ensino superior, penso que, como qualquer polífica, para se dizer que existe, implica a prévia definição dos objectivos últimos: o estabelecimento de um programa pelo qual eles irão sendo atingidos, que é um faseamento no tempo dos objectivos parciais que se intercadeiam e sucessivamente se potencializam, isto é, o processo desenvolve-se, diria como uma espécie de uma curva expressa por uma equação do 2.º grau. Por um método ou estilo de realizar esse programa há quem ande na rua aos encontrões e há quem deixe passar o que vai em caminho contrário sem lhe dar um empurrão ou lhe dirigir um palavrão. Finalmente faria a avaliação contínua do processo.
Entendo que os objectivos últimos do ensino superior são como a contribuição simples, modesta, mas que se pretende decisiva, para que finalmente se entre nesse domínio num caminho que nos leve à plenitude de um ensino superior, que vejo definida por um conjunto de instituições diversificadas mas que, em conjunto, vão realizar 3 grandes tipos de funções inter-relacionadas e que, reciprocamente, lhe potencializam: acções de educação, acções de produção de conhecimentos e acções de intervenção social.
Ao dizer acções de educação, que ultrapassam largamente o ensino, significa educação profissional, educação, formação cultural, intelectual, artística, social, afectiva, física, e numa perspectiva de formação permanente a formação da personalidade nunca se completa.
Como há bocado referia aqui um Sr. Deputado, e concordo plenamente com essa definição, a educação e uma preparação para a vida pela vida, é a dedicação a uma formação para ser, em comunidade na qual se exerce, o dever difícil, mas condição de vida verdadeiramente humana, o dever difícil da liberdade.
Produção de conhecimentos: a investigação científica, não só a fundamental, mas as diversas modalidades de tal investigação aplicada, designadamente a investigação para o desenvolvimento, e nesta a investigação estratégica, isto é, dirigida para alvos essenciais que a sociedade define como prioritários pára o seu desenvolvimento.
Interpretação social: como identificação, interpretação e resolução dos problemas de uma comunidade.
Um ensino superior que vive fechado sobre si, desinserido das necessidades da sociedade que o rodeia é, objectivamente, uma provocação, é um insulto a essa mesma sociedade. O ensino superior está ao serviço, também, das necessidades sociais, e estas três funções estão intimamente ligadas e interpotencializam-se porque não pode haver uma educação para uma pessoa ser realmente um ser em relação numa comunidade, se a escola superior se desligar e se ignorar essa mesma comunidade não se pode realizar uma investigação aplicada se esse mesmo conhecimento se não tem, por outro lado é o conhecimento dessa realidade social que implica que a educação das pessoas seja orientada para a sociedade concreta da qual fazem parte.
Estas 3 funções não podem ser obviamente exercidas ao mesmo tempo por cada pessoa. Nas instituições do ensino superior esta diversidade funcional - que levou um extraordinário reitor da Universidade da Califórnia, Clark Kerr, a definir, nos anos 60, a universidade moderna como uma multiversidade -, implica que essas funções não podem ser exercidas, em determinado momento, por uma mesma pessoa, mas tem que a esta diversidade funcional corresponder, em períodos concentrados, um determinado docente, que essencialmente ensina, ou essencialmente investiga ou essencialmente está ligado à intervenção social. O que não significa, que, exclusivamente e para sempre, se limite a qualquer uma destas tarefas. Isto - creio eu - e que distingue essencialmente a qualidade de docente do ensino superior.
O programa, dizia eu, segundo o elo de uma política, talvez devido à minha formação médica, numa 1.ª fase diria que é a medicina de urgência do Hospital

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de S. José, exercida muitas vezes pelos médicos em péssimas condições: o atender a inúmeras situações verdadeiramente incríveis que se verificam e com as quais este governo não tem nada a ver, como não terão tido governos anteriores.
Por exemplo acontece - talvez não saibam - que o Instituto Português de Oncologia, criado em 1933, que é apenas a maior instituição em Portugal ligada a uma doença tão importante como a doença cancerosa, não tem ainda um estatuto.
A 2.ª fase, a iniciar durante o mês em curso, seria o ataque aos problemas de fundo e mesmo o atendimento das urgências deverá ser feito, não com a solução de dar uma aspirina a quem tem uma dor de cabeça sem lhe saber a causa, mas com soluções que, embora de urgência, não estraguem e não dificultem a solução de raiz; o método, o estilo e a tal maneira de caminhar são soluções de raiz, logo não ao tratamento sintomático; clareza de critérios no fundamento das decisões, portanto, não à arbitrariedade; relações institucionais personalizadas; não aos curto-circuitos e ao relacionamento por ofícios; delegação máxima de competências, não à tutela e à entropia administrativa; legislação global; não causuísmo, que no fundo expressa uma falta de conhecimento traduzida numa multiplicação de despachos que às vezes se anulam uns aos outros; cumprimento rigoroso do despacho corrente - não à empatocracia; imperativo do interesse geral sobre interesses individualistas ou corporativos, e capacidade de decisão, porque a incapacidade de decisão é, realmente, a pior das decisões.
Finalmente o último elo: a avaliação que consideramos a 2 níveis: a avaliação intrínseca, feita pelas próprias instituições com que a Secretaría de Estado procura estar em comunicação frequente, a instituição pelos próprios mecanismos em que a Secretaria de Estado tem de a fazer, e a avaliação extrínseca, para lá de toda a atenção à sociedade, às suas associações, à opinião pública, à comunicação social, que naturalmente, tem uma importância particular à atenção deste Parlamento, e não só à maioria como também às oposições.
O que é que se tem feito de concreto? Eu queria apenas - porque me circunscrevo ao âmbito do debate - falar do que considero essencial.
O acesso ao ensino superior é feito de acordo com um sistema que dificilmente poderá ser pior. Há 2 anos gastei cerca de 100 horas em encontros com pequenos grupos dos meus alunos para os identificar, para os tirar do anonimato da vida universitária. E das muitas coisas que procurava saber era, naturalmente, que nota de acesso tinham obtido e de onde vinham, e verifiquei no fim do ano que um número altamente significativo de alunos com médias de admissão altíssimas tinham reprovações com notas baixíssimas que correspondiam à sua real capacidade; verifiquei que alunos que nunca faltavam às aulas não iam aos exames da primeira e da segunda chamada da primeira época, e da época de Outubro ou seja absentismo total em relação aos exames - e por fim verifiquei que não dispunha de meios para saber as causas de tudo isto.
A portaria de acesso publicada em Abril é muito modesta, e penso que é preciso coragem para ser humilde - a humildade é uma força - e é preciso ter força para publicar uma lei que o próprio sabe ser muito incompleta. Simplesmente pergunto sempre se uma medida, embora incompleta, embora imperfeita, embora o seu autor fosse o primeiro a criticá-la, vai realmente melhorar a situação anterior. E isto é uma obrigação, uma responsabilidade um dever de quem governa realizar.
Uma das atitudes mais frequentes entre nós portugueses - e desculpem-me este parêntesis -, e que leva a sua incapacidade a uma indecisão, é o medo à crítica. Há um hipercriticismo, há imenso medo do que os jornais dirão no dia seguinte.
Esta portaria, essencialmente, tem 4 ou 5 aspectos inovadores que, embora simples, são úteis: é começar a distinguir entre um diplomado do ensino secundário e candidato ao ensino superior, que são realidades diferentes. Por isso hoje era referido num jornal que o número de vagas para as universidades é de 20 % dos candidatos, ou seja 20 % dos que neste momento estão no 12.º ano do ensino secundário. O que se fez, foi considerar que não é candidato ao ensino superior, um estudante que numa disciplina obrigatória no chamado exame de aferição - que versa sobre um programa mínimo, ministrável em 8 semanas - tenha menos de 8 valores.
Não é candidato a um curso de Medicina um aluno que num programa elementar de Biologia tem 7, 6, 5 ou 4 valores. E isto é possível porque como desapareceram os exames no ensino secundário, e a avaliação contínua os não refere, se verificarmos e emparelharmos a nota de avaliação contínua de um aluno e a nota desse aluno no exame de aferição mínima, existem diferenças para menos de 4, 5, 6, 7, 8 9 e 10 valores. Isto é, há alunos que têm 16 e 17 valores na avaliação contínua e têm 7, 6 ou 5 valores no exame de aferição sobre programas mínimos.
Outro aspecto e o desempate ser feito de forma objectiva, pela terceira disciplina do exame de aferição, e que o contingente da Madeira e dos Açores seja realmente de alunos da Madeira e dos Açores, e não de pessoas que vão para aquelas regiões autónomas fixarem-se nos últimos meses para fazer um exame - logo, obrigatoriedade de frequência efectiva do 11.º e 12.º anos nos Açores e na Madeira.
Por outro lado, deve-se acabar com a situação monstruosa que se traduz no facto de um aluno que entrou no ensino superior, por exemplo no curso de Engenharia, e no fim do 2.º ou 3.º ano verificam que realmente não era aquela a sua vocação e que está a destruir a sua personalidade continuando naquele curso, e estando-lhe vedado ingressar em qualquer outro curso superior. Essa situação acabou. Ó aluno volta ao princípio, mas no ano seguinte pode candidatar-se, como aluno do 12.º ano de escolaridade, a qualquer outro curso.
Outro ponto é o de existindo situações de equivalência ao 12.º, como acontece em determinadas escolas estrangeiras, permitir que todos os alunos, e não só os provenientes dos estabelecimentos que beneficiam dessa situação, o que para o ano penso irá acabar, também sejam dispensados das provas de aferição. É o caso, por exemplo, de estudantes portugueses que estão no estrangeiro.
Por outro lado. e em relação aos numeras clausus, sobre o que acaba de sair a portaria, devo dizer o seguinte: não posso, indo para o Governo, destruir aquilo que eu era. Eu, que sempre denunciei violentamente a demagogia de sucessivos governos, que atiravam para as universidades multidões de alunos,

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não poderia fazer o mesmo. E assim, quando se recebeu das escolas as quotas de ingresso, houve uma negociação, chamemos-lhe assim, no sentido de se saber se aqueles números eram definitivos, ou se não poderia haver um certo aumento, o que na realidade se veio a verificar apesar de se ter ficado num número de vagas que é 10 % inferior ao do ano passado. Sou o exclusivo responsável desta situação e não o Sr. Ministro da Educação, e como tal assumo esta responsabilidade.
Em relação às associações de estudantes, e ao contrário do que aqui foi dito na última segunda-feira, eu tive muito gosto, para mostrar o meu empenhamento nisso, em participar na parte inicial da discussão dos projectos de lei sobre associações de estudantes. Pela primeira vez houve critérios objectivos para atribuição de subsídios, critérios esses comunicados em circular a todas as associações de estudantes, a todos os reitores e ao presidente do Conselho de Reitores, e cada associação de estudantes ficou a saber não só o seu próprio subsídio, mas também os subsídios de todas as outras associações de estudantes. Essa circular termina assim: «...ainda que discutíveis como quaisquer outros, estes critérios são um sério esforço no sentido de ser encontrada uma plataforma de justiça na atribuição dos subsídios, sendo possíveis não só ajustamentos pontuais nos subsídios agora atribuídos, como revisão dos próprios critérios para o que cada associação de estudantes poderá apresentar as sugestões que considere mais oportunas», facto que até agora não aconteceu.
Foram nomeados, em despacho conjunto com a Secretaria das Obras Públicas, 2 arquitectos da Direcção-Geral do Ensino Superior da Secretaria de Estado das Obras Públicas que vão fazer um inventário a uma situação que considero de extrema gravidade: o inventário das necessidades do ensino superior em matéria de instalações e equipamentos.
A Universidade do Algarve, que esta Assembleia criou, não tem sequer terreno, quando necessita não só deste como de edifícios e equipamentos.
2 Faculdades de Arquitectura que foram criadas não têm edifícios. A Universidade do Minho ainda está em instalações provisórias à beira da ruptura. O edifício da Faculdade de Letras do Porto está profundamente danificado. O Instituto Superior de Economia de Lisboa tem um edifício em condições mais que precárias, etc., etc.
Penso que o montante das novas edificações e da recuperação de edifícios deteriorados é de tal ordem que se não organiza um plano plurianual, creio que de 8 anos, e que, por decreto-lei, se vinculem as verbas necessárias a preços actuais para estes problemas estarem resolvidos ao fim de 8 anos, digo com toda a verdade que, daqui a 2 anos a situação será, então sim, de verdadeira ruptura.
Está-se, por outro lado, a realizar um estudo para, previamente à própria autonomia universitária, desde já conceder o máximo poder de decisão aos estabelecimentos de ensino superior.
Em relação às universidades, tenho-as visitado, para lá de reuniões regulares com o Conselho de Reitores. Estive 8 anos na Comissão Instaladora da Universidade do Minho e fomos visitados pelas equipas ministeriais dos 14 governos que entretanto existiram, e fiquei sempre com a dolorosa impressão da inutilidade dessas visitas: saíamos todos cansados, trabalhávamos pouco,
enfim a visita parecia que não rendia. Agora, as visitas são feitas mediante o prévio envio, com, pelo menos, 15 dias de antecedência, dos dossiers dos assuntos a tratar, da agenda de trabalhos, da organização na Secretaria de Estado duma equipa devidamente preparada que acompanha o Secretário de Estado, para que os dias de trabalho sejam, na realidade, dias úteis, o que parece estar na realidade a acontecer.
Em relação à autonomia, é para mim um mistério como estando toda a gente de acordo com a autonomia universitária - alunos, docentes, sindicatos, partidos políticos e Governo- não existe uma lei de autonomia universitária. Por outro lado, também me parece estranho que uma lei de autonomia universitária, pelo menos, uma proposta, ou um projecto inicial, não brote das próprias universidades. Neste momento já temos 12 universidades, que felizmente são muito diferentes, e os projectos e propostas de autonomia universitária que eu encontrei no Ministério não eram leis que proporcionavam essa autonomia, eram autênticos decretos regulamentares que jugulavam a autonomia universitária.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Secretário de Estado, ao falar dos projectos de autonomia universitária, que eu, durante a vigência dos governos AD, na Comissão da Educação, segui muito de perto, penso que se estará a referir ao chamado «projecto Victor Crespo» que, efectivamente, era demasiado regulamentador e que por isso mesmo não foi aprovado.
Mas V. Ex.ª sabe que o Conselho de Reitores apresentou um projecto muito simples, sem ser muito regulamentar, de autonomia universitária, em que se baseou o projecto de lei apresentado pelo CDS, que quase retomava este projecto do Conselho de Reitores e que mereceu uma larga concordância de todos os reitores do país que a Comissão de Educação convocou para virem aqui para esse efeito, depois de prévia distribuição de todos os projectos existentes, ficando programada uma plataforma comum para elaboração desta lei de autonomia universitária.
Tal não se verificou devido à queda dos governos da AD, mas estranho que V. Ex.ª afirme que nunca houve um projecto de autonomia universitária que tivesse brotado das próprias universidades. Se considera que um projecto apresentado pelo Conselho de Reitores, depois da análise de todos os outros projectos e de terem feito as suas críticas, que a Comissão de Educação da Assembleia da República tomou em consideração, não é uma obra das próprias universidades, gostaria que V. Ex.ª me explicasse o que considera ser um projecto nascido nas próprias universidades!

O Orador: - Sr. Deputado, falei aqui dos projectos que conheço. Há um projecto do Conselho de Reitores, elaborado em 1980, que está a ser retomado, devido à minha proposta numa reunião em Fevereiro passado. É uma lei de bases que origina que cada universidade, a partir daí, elabore o seu próprio projecto.

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Penso que durante o mês de Julho estará pronto um decreto-lei que vem finalmente resolver um problema que se arrasta há mais de 20 anos, com péssimas consequências para a educação médica, que é o conflito entre as faculdades de medicina e os Hospitais. Como docente numa faculdade de medicina, regozijo-me com tal diploma, cujo mérito essencial é devido ao extraordinário espírito de serviço e capacidade de entendimento dos problemas por parte do Sr. Ministro da Saúde, a quem rendo aqui a minha homenagem.
Os institutos superiores politécnicos estão, do ponto de vista das suas instalações, em franco desenvolvimento, e não paralisados como aqui foi referido.
Em relação às escolas superiores de educação que, com toda a humildade declaro, desconhecia antes de ir para o Governo, também no mês de Julho se irá, finalmente, decidir esta questão fundamental: afinal, que tipo de professores vão as escolas superiores formar? Neste aspecto foram preciosas as reuniões que tive com a Sr.ª Secretária de Estado-Adjunta.
Ficaram muitas questões por responder, mas a terminar gostaria de dizer que existem alguns problemas fundamentais, que se começam agora a resolver, e para muitos dos quais também não sei a resposta. Gostaria de levar daqui pistas de solução: o acesso ao ensino superior: quem? Como? Para que cursos? Sim ou não aos contingentes regionais para, pelo menos certas universidades, e em princípio aos institutos politécnicos, para que se não transformem numa mera instituição de passagem de alunos das grandes cidades às quais depois irão regressar! O problema dramático dos estudantes que não entram no ensino superior e estão completamente abandonados. O problema da dedicação plena à universidade. Fala-se pouco; e contudo não haverá nunca em Portugal verdadeiras universidades enquanto estas não forem locais onde os professores estão, em vez de serem locais por onde passam.

Aplausos do PS, do PSD e do Sr. Deputado Narana Coissoró (CDS).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): -A bancada do PS agradecia que a Mesa informasse qual o tempo disponível do PS, uma vez que temos 2 curtas perguntas a fazer e pretendíamos dar o tempo que nos sobra ao Governo para que possa responder.

O Sr. Presidente: - O PS dispõe ainda de 8 minutos. Cedeu 3 minutos ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Sr. Presidente, nós usaremos, no máximo, 2 minutos em perguntas e o tempo restante ficará concedido de imediato ao Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Presidente, é também para perguntar à Mesa qual o tempo de que o PSD dispõe, e para dizer que o tempo que sobrar dos pedidos de esclarecimento, que vamos
fazer ao Sr. Secretário de Estado, ficará à disposição do Sr. Secretário de Estado para as respectivas respostas.

O Sr. Presidente: - O PSD dispõe de 4 minutos, de forma que o Sr. Secretário de Estado, dado que estão inscritos 6 Srs. Deputados, não terá tempo, apesar da generosidade dos 2 partidos, de responder a todas as perguntas. Em relação ao tempo cedido pelo PS. o Sr. Secretário de Estado utilizará esse tempo conforme entender.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Apesar de não lermos tempo para oferecer ao Sr. Secretário de Estado, também não é necessário que o Sr. Secretário de Estado nos responda. Queríamos simplesmente congratularmo-nos por, finalmente, à 1 hora e 30 minutos da manhã ter aparecido, da parte do Governo, alguém que é capaz de questionar os problemas, de os ver sob um ponto de vista crítico, expondo problemas que não estão resolvidos, chamando a atenção desta Assembleia para a colaboração, que é capaz de afirmar que ainda não estão definidas as escolas superiores de educação, que o problema da dedicação total dos professores é ainda um problema para resolver, que os institutos politécnicos constituem um problema, que o acesso ao ensino universitário é outro problema.
Congratulamo-nos com isso, e pela nossa parte continuaremos, possivelmente elaborando um 4.º projecto de lei de bases, respondendo o melhor que pudermos a essas perguntas.
Quanto à autonomia universitária, queria juntar à informação dada pelo Sr. Deputado Narana Coissoró, como presidente da Comissão de Educação, que de facto houve um grande debate aqui na Comissão de Educação, e que, por mero acidente de percurso, não englobou de início o nosso projecto de lei, mas mais tarde foi o nosso projecto de lei e não o apresentado pelo CDS que teve nessa altura o acordo da conferência dos reitores. Houve algumas divergências, mas o nosso projecto de lei era, segundo o Sr. Deputado Narana Coissoró, aquele que mais se aproximava. Nós refizemos esse projecto de lei e neste momento ele está entregue na Assembleia da República, portanto à disposição de V. Ex.ª É um projecto de lei baseado nos conhecimentos que nos advieram dos contactos tidos nessa altura com os reitores e as universidades embora, dada a enorme diversificação dos problemas nas várias universidades, tivéssemos tido de elaborar um projecto de lei ainda mais vago, no tipo de uma lei quadro que se pudesse adaptar às várias realidades.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Areosa.

O Sr. Paulo Areosa (PCP): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª falou, na sua intervenção, não só de objectivos, programas, métodos e funções do ensino superior, mas também de medidas concretas tomadas pelo seu departamento no Ministério da Educação, e também anunciou algumas outras. Creio que não pode deixar de ser registado, pelo menos, o tom dife-

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rente, com que o Sr. Secretário de Estado coloca alguns dos problemas aqui em apreço...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - ... e particularmente a interrogação que coloca quanto à justeza de um conjunto de medidas que até hoje não têm sido contestadas, nem pela maioria, nem pelo Governo.
Embora gostasse de lhe colocar várias questões, vou reduzi-las apenas a duas; uma primeira, abordando, na generalidade, o acesso ao ensino superior, e a própria composição do corpo estudantil universitário no nosso país, e uma segunda - uma questão mais concreta - relativa às verbas destinadas ao próximo ano lectivo.
Começando por esta última: é do nosso conhecimento que foi comunicado aos conselhos directivos de um largo conjunto de escolas do ensino superior que os planos orçamentais para o próximo ano lectivo, por indicação do Ministério da Educação e da Secretaria de Estado, do Ensino Superior, não poderiam exceder o montante estabelecido para o ano lectivo em curso. Sabemos também que o próprio Conselho de Reitores considerou que esta medida poria em causa o próprio funcionamento de um vasto conjunto de cursos no próximo ano lectivo e que teria repercussões gravíssimas mas universidades portuguesas. O que se passa em relação a este problema Sr. Secretário de Estado, e quais as medidas que vão ser tomadas?
No que diz respeito aos problemas do acesso ao ensino superior, o Sr. Secretário de Estado referiu a diferença entre diplomados do ensino secundário e candidatos ao ensino superior. Independentemente do juízo de valor que possa fazer a esta sua opinião, creio que é perfeito perguntar como devemos classificar aqueles que hoje são diplomados no ensino secundário, e que não são candidatos ao ensino superior. Este é, na realidade, o grande problema com que se debatem a imensa maioria dos jovens que acabam o ensino secundário e não têm acesso ao ensino superior.
A questão que lhe queria colocar em relação a isto Sr. Secretário de Estado é a seguinte: não considera que o problema do acesso ao ensino superior tem de ser visto de uma forma corripletamente diferente e não pode ser sistematicamente visto na perspectiva de estreitar ainda mais o número de vagas no ensino superior, impedindo qualquer esforço de desenvolvimento do próprio ensino universitário no nosso país?
Finalmente, uma última questão sobre os serviços sociais, e a elitização do nosso corpo estudantil universitário. O Programa do Governo estabeleceu, como sua primeira linha de orientação, «assegurar a todos os cidadãos, a igualdade de oportunidade de acesso e sucesso escolar». Que medidas em concreto no domínio de apoio social escolar implementa este Governo no sentido de garantir este princípio consagrado?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos. Dispõe de 2 minutos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: Da parte da minha bancada não há qualquer dúvida em subscrever algumas das dúvidas que aqui trouxe e das preocupações que manifestou.
Mas compreenderá o Sr. Secretário de Estado que estamos a interpelar o Governo em matéria de educação e que não nos podem contentar as dúvidas e as reflexões que, muito logicamente, o Governo terá de fazer. Mas tendo como tem esta equipa, ou pelo menos, o Sr. Ministro, já 1 ano de Governo é tempo que passemos do estudo dos problemas das comissões e passemos a dar alguma resposta às questões concretas.
Ouvi com interesse o empenhamento com que o Sr. Secretário de Estado afirmou estar este Governo empenhado na investigação científica, encarada esta como estando ligada à universidade e dependendo dela.
A primeira pergunta que se coloca neste quadro, Sr. Secretário de Estado, prende-se com a informação que temos de que a contabilidade pública não prevê aumentos nas verbas a consagrar para a educação no próximo ano orçamental. A não ser contraditada esta informação, gostaria de saber como prevê V. Ex.ª que se possa desenvolver a investigação sem um investimento claramente reforçado nesse sector?
Passaria agora à segunda questão, Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior.
Ouvi também com interesse a abertura que manifestou à questão da autonomia das universidades. Trata-se de uma matéria que esta Casa já debateu, que já teve, mal ou bem, uma base de trabalho aprovada, existindo projectos pendentes para apreciação.
A questão que colocava ao Sr. Secretário de Estado era se o Governo tenciona ou não avançar, e em que prazo, com uma proposta de lei sobre essa matéria de modo a que no mais curto período de tempo, ouvindo os interessados possamos dotar as universidades com uma lei quadro sobre a autonomia.
Finalmente, Sr. Secretário de Estado, deixe que comungue consigo de algo que aqui disse, e creio que esse algo devia ser sobretudo virado para a bancada do Governo e talvez para o principal responsável pelo seu Ministério. Talvez fosse melhor visitar menos, trabalhar mais e tentar resolver mais os problemas dos Portugueses.
São concepções diferentes. Pensamos que os problemas se resolvem respondendo a eles, enquanto há outros que pensam que é inaugurando placas.
A cada um a sua concepção!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Domingues.

O Sr. Agostinho Domingues (PS): - Ouvi com muito interesse o Sr. Secretário de Estado e queria render-lhe a minha homenagem pelos princípios que sei que professa na vida e que transporta para o exercício do seu cargo como Secretário de Estado.
Queria fazer-lhe uma pergunta muito concreta, a que, aliás, respondeu em linhas gerais, mas que creio que teria interesse concretizar mais, até para tranquilizar muitos encarregados de educação deste país. Diz respeito às normas de acesso ao ensino superior.
O sistema actual procura fazer uma conciliação, como o Sr. Secretário de Estado disse, entre a avaliação contínua e as provas de acesso. ,

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O Sr. ex-Ministro Fraústo da Silva tinha uma portaria que visava, no fundo, abulir a avaliação contínua, o que me parece que entrava em contradição com o próprio sistema que ele implementou.
O actual Sr. Ministro da Educação revogou essa portaria ou, pelo menos, congelou-a e, na minha opinião, bem.
Sr. Secretário de Estado, queria perguntar-lhe, concretamente, se entende que, apesar dos defeitos da avaliação contínua, defeitos esses que devem ser superados, se, apesar de tudo, o melhor sistema não será o actual com os aperfeiçoamentos necessários, que concilia de facto uma avaliação contínua, que seja realizada nas melhores condições, com o sistema de provas e não um sistema único de avaliação contínua ou de provas universitárias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Secretário de Estado, sendo esta a primeira vez que tive oportunidade de escutar V. Ex.ª nesta Câmara, devo dizer-lhe que o discurso que proferiu vem na linha daquele novo tipo de discurso político que é necessário começar a proferir perante o povo português, para que o nosso povo comece a sentir-se de facto representado nas diversas instituições e a acreditar que os nossos governantes estão nesses locais para trabalhar, para produzir legislação e implementar medidas que visem melhorar a situação em geral da nossa sociedade.

Uma voz do PCP: - Isso é uma crítica ao Sr. Ministro!

O Orador: - Sr. Secretário de Estado, queria-lhe colocar apenas 2 questões concretas, dada a escassez de tempo.
A primeira diz respeito à autonomia universitária e era para lembrar ao Sr. Secretário de Estado que esta Assembleia aprovou aqui, há já algum tempo, uma proposta de resolução recomendando ao Governo a reestruturação da Universidade do Porto, tendo como principal objectivo a criação de uma licenciatura em Direito nesta Universidade.
Debatemos aqui recentemente, uma proposta do PCP para que fosse considerado processo de urgência a aprovação de um diploma nesse sentido, tendo a maioria recusado por ter considerado que não havia urgência nessa tomada de posição.
Espero que o Sr. Secretário de Estado nos diga brevemente mais alguma coisa para que a Câmara se sinta informada sobre essa questão.
O segundo problema que lhe queria colocar, Sr. Secretário de Estado, diz respeito aos subsídios às associações de estudantes e, nomeadamente, às do ensino superior, que é a sua área. Diz respeito a um corte de subsídios ao Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (FAOJ) que se verificou por parte do actual Executivo e gostaria de saber quais as medidas que o Sr. Secretário de Estado vai tomar no sentido desse corte ser anulado, uma vez que é grave até para a vida do próprio FAO). Gostaria de saber o que é que se vai fazer no sentido de dotar este Fundo desse dinheiro tão necessário para apoiar a actividade das associações de estudantes, nomeadamente do ensino superior.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.

O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Secretário de Estado, embora telegraficamente, queria felicitá-lo vivamente pelo teor da sua intervenção. E se bem entendi o que nos anunciou, quero felicitá-lo também muito especialmente pela decisão que tomou no sentido de reduzir o contingente de estudantes que podem entrar em certas escolas universitárias. É uma medida corajosa e é de facto necessária.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Permitir-me-ia uma brevíssima reflexão sobre o que é a autonomia universitária.

A Constituição fala disso, mas parece-me que, aqui, teríamos de equacionar o problema. Peço-lhe desculpa, mas não o vou fazer. Irei simplesmente dar a minha opinião.
A autonomia universitária não é a autonomia dos departamentos, não é a das faculdades nem a de cada uma das universidades. A autonomia universitária é a autonomia da instituição universitária. Este é o meu ponto de vista.
E, neste sentido, parece-me ser efectivamente razoável respeitar a diversidade das instituições de ensino, mas é necessário que à política de ensino presida uma unidade global. E para tanto, afigura-se-me que será porventura de reforçar o papel do Conselho de Reitores e, designadamente, dotar a presidência deste Conselho de um efectivo alcance e significado e pôr a funcionar, se é que não está, o Conselho Nacional do Ensino Superior.
Já agora, que estou no uso da palavra, afloro ainda duas questões muito brevemente.
Uma, porque diz respeito ao meu círculo eleitoral - a questão da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Outra é mais geral e dirijo-lha com vivo entusiasmo: felicitarei vivamente este Governo se conseguir resolver finalmente o problema da articulação entre a Faculdade de Medicina e os Hospitais.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Marques.

No entanto, devo avisar a Sr.ª Deputada de que o PS dispõe de 5 minutos e que o Sr. Secretario de Estado, para poder responder, vai ter que usar algum desse tempo.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): - Sr. Presidente, vou procurar utilizar o mínimo de tempo possível para que o restante tempo possa ser utilizado pelo Sr. Secretário de Estado.
O meu pedido de esclarecimento tem a ver com algo que o Sr. Secretário de Estado afirmou e que tem alguma relação com uma afirmação que eu própria fiz aquando da discussão das Associações de Estudantes do Ensino Superior e Secundário.
Particularmente em relação às Associações de Estudantes do Ensino Superior, disse o Sr. Secretário de Estado que foram utilizados critérios objectivos para a distribuição das verbas.

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Em resposta a um requerimento que eu própria dirigi ao Sr. Ministro da Educação e tendo presente os montantes distribuídos às associações de estudantes gostaria de fazer a seguinte pergunta: considera V. Ex.ª que são critérios objectivos o tipo de actividades promovidas, os pareceres de técnicos de instituições universitárias, a capacidade de execução ou a existência de outros apoios? Foram estes os critérios utilizados, para além de um, que é o número de estudantes de cada escola, que me parece, de facto, um critério objectivo.
Que critérios objectivos estiveram presentes na seguinte distribuição de verbas: Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa •- 2185 contos; Instituto Superior Técnico 1950 contos; Instituto Superior de Economia - 105 contos; Associação Académica de Coimbra - 240, dos quais 200 para o Teatro dos Estudantes da Academia de Coimbra e 40 para o Coral dos Estudantes de Letras da Universidade de Coimbra?

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado dispõe de 4 minutos para responder, se assim o desejar, cedidos pelo PS.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Agradeço ao PS a gentileza.

O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas nós estamos a negocial a cedência de 1 minuto ao CDS porque o meu colega Jorge Góes pretende também fazer uma pergunta ao Sr. Secretário de Estado.

Voz do PCP: - Peçam à ASDI!

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, nós damos 1 minuto ao Sr. Deputado Jorge Góes.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Têm de ser bem geridos!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Jorge Goes.

O Sr. Jorge Góes (CDS): - Começaria por agradecer a cedência de 1 minuto por parte da UEDS.
A questão que eu queria colocar ao Sr. Secretário de Estado tem a ver com a nova filosofia e regulamentação do acesso ao ensino superior.
Não culparia este Governo por todas as dificuldades e por toda a falta de racionalidade do sistema de acesso ao ensino superior, A única questão que gostava de colocar a V. Ex.ª é a seguinte: uma das alterações introduzidas pela portaria possibilita que os alunos que já frequentam cursos superiores possam candidatar-se, em paridade, com o contingente de alunos que, saídos do secundário, têm expectativas de ingresso.
Parece-me que esse tipo de situação deveria ser equacionado através de medidas de transferência - aliás, há portarias para o efeito que, caso fosse necessário serem modificadas, sê-lo-iam pelo Governo - mas nunca através do mecanismo de equiparação do estudante que já frequenta o ensino superior com o que sai do ensino secundário. Isto é mais um factor de irracionalidade e, nesse sentido, gostaria de formular a crítica e ouvir a opinião de V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior, tendo para o efeito 6 minutos cedidos pelo PS e pelo PSD.

O Sr. Secretário de Estado do Ensino Superior: - Agradeço a quem generosamente me cedeu o tempo.
Começava pelo problema das associações de estudantes, pois há aqui algo que não entendo. A circular que corresponde à distribuição feita tem uma série de critérios discutíveis, mas objectivos. É certo que não já pretórios perfeitos, mas é melhor haver alguns critérios a não haver critério algum.
Dizer, por exemplo, que são apoiados os organismos enquanto promotores de actividades e não organismos pelo simples facto de existirem, embora não façam nada, é um critério razoável. Os apoios consideram exclusivamente as actividades de carácter cultural, desportivo e social. Ter em linha de conta a situação específica de cada associação, nomeadamente no que teca a infra-estruturas e equipamentos, também critério porque há associações, sobretudo de novas universidades, não têm, sequer, uma fotocopiadora.
É tido também em conta o modo como os subsídios anteriores foram aplicados, o que vai ao encontro do que a Sr.ª Deputada referiu, na sua intervenção, acerca da necessidade de uma responsabilização das associações. Atendeu-se, também, ao facto de algumas reitorias atribuírem subsídios a algumas associações de estudantes.
Da lista enunciada, a Sr.ª Deputada pode constatar que a Associação de Estudantes de Coimbra teve 5000 contos, o que V. Ex.ª terá lido será, eventualmente, o resultado de alguma fracionação de contabilidade, porque Associação de Estudantes da Associação Académica de Coimbra teve, de facto, 5000 contos.
Devo dizer-lhe que o ano, em relação a isto. foi de «vacas magras» e que as decisões tomadas na Secretaria de Estado representam a política do Ministério da Educação pois, com toda a lealdade, antes de ir para o Governo, a enunciei e sobre ela houve acordo entre o Sr. Ministro, o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Não há aqui uma política minha, nem eu seria capaz disso ou isso me seria permitido.
Voltando aos subsídios, eu diria que só foram subsidiadas instituições realmente ligadas ao ensino superior o que permitiu, por exemplo, rever a situação dos institutos de serviço social que estavam numa situação espantosa: são institutos privados exclusivamente mantidos por subsídios da Direcção-Geral do Ensino Superior. É espantoso que uma instituição privada seja totalmente subsidiada pelo Estado e não se saiba, sequer, o que anda a fazer.
Houve, também aí, uma libertação de verbas para as associações. Penso que, e continuo a dizê-lo, que as críticas, se as há, se façam chegar, pois que, na medida do possível, serão atendidas.
Quanto ao Sr. Deputado Jorge Góes, queria lembrar a V. Ex.ª o caso trágico de um rapaz que vi destruído, pois queria cursar Medicina, e ao fim do 3.º ano de Engenharia, disposto a pagar o preço de perder 3 anos, era-lhe negada essa possibilidade, arriscando-se a não voltar ao ensino superior, pois a transferência, é óbvio, se não pode operar de uma faculdade de engenharia para uma de medicina.

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As verbas foram aprovadas da seguinte maneira: é um ano restritivo para o orçamento ordinário, mas 6 l ano, espera-se, francamente melhorado para o PIDDAC. De resto, parece-me que isto está muito mais em relação com os interesses das universidades que, por razões diversas, também têm dificuldades de fazer uma gestão de vida.
Foi e virá a ser recomendado que as verbas cativadas para pessoal que, talvez por razões de prudência, se tenham revelado exageradas, possam ser transferidas, sem problemas, pois no ano passado chegou-se à situação caricata de universidades, com extremas carências de verbas de funcionamento, terem tido excessos de dezenas de milhares de contos nas verbas de pessoal, sem possibilidade de transferência, pelas leis da contabilidade. De acordo como está feito o orçamento, se as Universidades apresentarem, na rubrica de pessoal, uma verba mais realista que cubra as necessidades e transferirem o excesso para as despesas correntes e de funcionamento, já não haverá problemas.
Também devo dizer que o Ministério da Educação vai solicitar ao Ministério das Finanças a revisão profunda das verbas para a investigação científica.
Em relação aos cortes do FAOJ, devo dizer que este organismo não está ligado à minha Secretaria de Estado e eu não sei, como é óbvio, o que se passa.
Ainda em relação ao acesso ao ensino superior gostava de dizer o seguinte: só quando a Sr.ª Tacther veio a Portugal soube que era licenciada em Química. Também não sei qual o curso superior que tem o Presidente dos Estados Unidos; só sei que um actor de cinema, em Portugal, nunca seria Presidente da República.

Uma voz do CDS: - Já temos um professor de ginástica! Por que não um actor?

O Orador: - A meu ver há que colocar a questão de saber porque se vai para o ensino superior. Agora, está-se numa situação em que não há outra alternativa e é a bicha que se conhece. Portanto, creio que o ensino técnico-profissional a nível médio é da maior necessidade.
A sociedade tem diversificadíssimas necessidades profissionais e níveis diferentes de complexidade. Um aspecto é a existência de uma determinada profissão cuja competência se adquire do ponto de vista de preparação com um curso básico de 9 anos e depois de 3 anos de preparação profissional. Outro aspecto é o direito à cultura e à formação cultural. Neste caso, o ideal é que qualquer cidadão tenha um curso profissional médio, superior, enfim, um curso universitário. O direito à cultura deve ser universal! E no dia em que chegarmos a essa situação, creio que no essencial estará resolvido o acesso ao ensino superior, porque muitos alunos que vão para o ensino superior não o fazem pela aspiração de quererem conhecer mais.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Educação, Sr. Secretário de Estado: Apesar da hora já ser bastante tardia,
quero intervir apenas para registar que, pelo menos, as perguntas por mim formuladas no início deste debate ainda estão sem resposta. Portanto, vou passar a resumi-las novamente, pois ainda tenho esperança de ouvir algumas respostas por parte do Sr. Ministro.
Assim, gostaria de saber quais os critérios adoptados pelo Ministério que o Sr. Ministro orienta no que concerne à concessão de subsídios às instituições universitárias privadas, designadamente à Universidade Católica. Como comentário, digo apenas que partilho das preocupações há pouco manifestadas pelo Sr. Secretário de Estado no que concerne a outras instituições superiores privadas.
Uma outra questão é a de saber - e aqui retomo, por um lado, uma pergunta que formulei há pouco, e, por outro, relembro um ponto também já aqui focado pelo Sr. Deputado Agostinho Branquinho - qual a posição que V. Ex.ª, Sr. Ministro, tem quanto à criação da Faculdade de Direito da Universidade do Porto.
Quais os esforços ou as diligências efectuadas pelo Ministério para cumprir o previsto no Programa do Governo quanto aos reajustamentos a efectuar no estatuto da carreira docente universitária?
Segundo entendi, o Sr. Ministro já enviou a diversas entidades o projecto da carreira docente não universitária. Gostaria, pois, de saber se já o enviou à Assembleia da República e, caso não o tenha feito, quando é que tenciona fazê-lo.
Outra pergunta que gostaria de ver respondida refere-se aos estudos que eventualmente existirão ou estarão em curso no Ministério da Educação sobre as necessidades em mão-de-obra especializada, necessidades essas que, como aqui já foi salientado, importam e muito para a política de implementação dos referidos cursos técnico-profissionais e para a própria escolha desses cursos. Gostaria que o Sr. Ministro relacionasse, em termos de economia de educação, a procura que a indústria sente em termos dessa necessidade de mão-de-obra com a criação desses cursos. Essa implementação tem obedecido ou virá a obedecer a critérios desse tipo, ou tem sido formulada um pouco mais no abstracto?
Para terminar, quero fazer minha a pergunta formulada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia, pois suponho que o Sr. Secretário de Estado não teve oportunidade de responder, e que se refere ao problema da conclusão das novas instalações da Faculdade de Ciências de Lisboa.
Sr. Ministro, visto o Governo já não dispor de tempo, cedo-lhe o tempo que for necessário para responder a estas perguntas que lhe formulei. Porém, como não sei que tempo é que o meu agrupamento parlamentar ainda dispõe, peço à Mesa o favor de me informar.

O Sr. Presidente: - A UEDS dispõe ainda de 5 minutos, Sr. Deputado.

O Orador: - Então concedo 4 minutos ao Sr. Ministro da Educação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Educação, que dispõe de 4 minutos concedidos pela UEDS.

O Sr. Ministro da Educação: - Sr. Deputado Hasse Ferreira, em primeiro lugar quero agradecer-lhe a concessão dos 4 minutos. Também quero pedir a todos os

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deputados a quem minuciosamente não pude dar resposta que entendam que tal facto foi apenas por falta de tempo.
Quanto à articulação do lançamento do ensino técnico-profissional com as necessidades de mão-de-obra em termos de planeamento, posso afirmar que as comissões regionais para o ensino técnico-profissional em colaboração com as comissões de coordenação das diferentes regiões fez estudos muito cuidadosos sobre aquilo a que chamamos as necessidades em termos de bolsas de emprego -bolsas entendendo-se aqui como zonas especialmente carenciadas.
Poderei exemplificar isso com algumas propostas dessas comissões regionais que começaram por se situar numa perspectiva de necessidades de mão-de-obra por zonas no interior das regiões, para depois descerem progressivamente até à identificação dos estabelecimentos onde deviam ser implantados os cursos e, dentro de cada estabelecimento, à identificação das instalações disponíveis para poder corresponder à satisfação da programação em termos de planeamento.
Por outro lado, o Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação também procura articular o seu trabalho com o Departamento Central de Planeamento de modo a que o planeamento educativo corresponda a uma visão que seja simultaneamente económica, social e educativa.
Quanto à problemática do estatuto da carreira docente do ensino superior, já várias vezes o Sr. Secretário de Estado se manifestou no sentido - que eu apoio - de que é necessário introduzir pequenos ajustamentos, sendo alguns deles relativos aos assistentes que não cumpriram a obrigação de fazerem o seu doutoramento, tendo beneficiado de 2 ou mais anos de equiparação ou bolseiro, e que até aqui deveriam integrar-se na função pública, sendo isso não um incentivo à investigação e à formação, mas a uma simples colocação vitalícia.
Entendemos que devemos favorecer em termos de igualdade o ingresso na carreira aos assistentes estagiários. E isto, porque, por um lado, a existência da exigência de uma dissertação de magistrado e, noutros casos, apenas a passagem de uma espécie de exame podem levar a desigualdades e a distorções. Por outro lado, também teremos que admitir que alguns licenciados que tinham dissertações com determinadas qualificações possam vir a integrar-se dentro da carreira docente do ensino superior, como já tinha sido proposto por outros governos. O Sr. Deputado Sottomayor Cardia, quando foi ministro, introduziu isso como uma das possibilidades que, aliás, nunca foi levada à prática por falta de boa vontade em resolver um problema que era o de dar às antigas licenciaturas uma qualificação que as actuais não têm.
No que diz respeito à criação da Faculdade de Direito na Universidade do Porto, quando recebemos a comissão que lançou essa campanha, dissemos que aceitamos que qualquer universidade no País deva ter uma Faculdade de Direito. Simplesmente, coloca-se o problema de que a resolução que tinha sido votada por unanimidade nesta Assembleia ia no sentido de se procurar uma solução que articulasse o curso jurídico com uma formação no âmbito económico. Aliás, há muitos países da Europa que têm faculdades que são simultaneamente de Ciências Jurídicas e de Ciências Económicas. É o que acontece no Porto em que a Faculdade de Economia -que temos que ajudar a superar a crise - tem já uma componente jurídica que pode vir a constituir o embrião de um curso de Direito que poderá ser especializado em domínios como o Direito das Empresas, o Direito Comunitário, o Direito do Trabalho, etc., que são ramos muito necessários para a cidade do Porto e para a região do Norte.
Também entendemos que tudo isto se deve situar no quadro de uma estruturação da Universidade do Porto, que é ainda uma Universidade bastante jovem que não tem uma estrutura completa.
Quanto à questão sobre a Universidade Católica, já respondi que foi destinada não apenas a uma instituição universitária mas também a um trabalho realizado, nomeadamente pelo Centro de Estudos sobre os Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, cujo contributo procurámos articular com o Instituto de Cultura e Língua Portuguesa.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, vamos entrar no período de encerramento do debate.
Tem a palavra, para intervir, a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.

A Sr.ª Helena Cidade Moura (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A interpelação que o MDP/CDE fez ao Governo, centrada na política educativa, tem a data de 3 de Abril de 1984.
Qualquer tentativa, pois, de tornar um acto político sério numa acção de desestabilização concertada para atacar a confiança que esta Assembleia conferiu ao Executivo, pertence à área das intenções persecutórias.
A interpelação do MDP/CDE foi feita nos termos que os Srs. Deputados poderão consultar no Diário da Assembleia da República.
A gravidade desta situação impõe que seja levado a conhecimento público onde se situa, exacta e claramente, a política educativa do actual Executivo.
Perante tal atitude, e perante uma posição de diálogo que é tradicionalmente a nossa, o Sr. Ministro investiu com um discurso difuso, retórico, em nada explicativo dos propósitos que o orientam.
À nossa oposição séria e fundamentada opôs um discurso desgrenhado e inútil.
O Sr. Ministro não explicou a sua política, frisou apenas várias vezes e por variadíssimas formas que representa a maioria, e o MDP/CDE é apenas uma minoria.
Conceito bem estranho do que possa ser um debate democrático!
O pouco tempo de que dispusemos nesta interpelação fez-nos centrar a nossa intervenção inicial no ensino técnico-profissional por ser área onde, quanto a nós, se incide a grande demagogia confusionista, onde se confunde escola com mercado de emprego, e onde se materializa uma plataforma giratória donde se desviam as atenções para o que se passa a jusante e a montante, para empregar uma expressão do Sr. Ministro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A situação que o actual Ministro encontrou na Educação devia levá-lo a uma acção cautelosa e actuante naquilo em que o sistema põe em perigo a

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vida democrática no nosso país, isto é, o alargamento da base do sistema, a formação e o recrutamento dos professores.
Porque se o primeiro é ponto fulcral pela amplitude da participação social que gera, o segundo, a formação de professores, é indispensável para criar condições para o exercício da sua profissão.
O conceito do professorado como sacerdócio só teve sentido quando o professorado incluía uma minoria restrita, que trabalhava em clima social de devoção, quando a educação era uma atitude de abnegação individual e não um direito social que o Estado deve assegurar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Esta interpelação foi uma bela imagem da carência de informações, das contradições inexplicavelmente vividas por aqueles que têm os problemas entre mãos; o vazio de dados e a confusão das situações não receberam da parte do Sr. Ministro nenhum alívio compensatório do esforço que esta Câmara fez.
Uma certeza ficou: é que ao abrir-se o novo ano lectivo, as falhas serão ainda mais acentuadas do que este ano.
Também ficamos certos que questões prioritárias do actual sistema escolar: a da expansão quantitativa e a melhoria qualitativa, qualquer delas num sistema como o nosso, de débil frequência e de qualidade em deterioração, não se harmonizarão nem com a repressão económica, nem com uma acrítica distribuição de verbas.
Em 1984-1985, a situação piorará, para o que contribui, além das razões apontadas, a falta de liderança ministerial adequada, que conheça os terrenos onde há-de entrar, e que, em colaboração dialogante, procure resolver questões fundamentais em vez de se lançar num desfilar cego, que agrava as dificuldades.
O MDP/CDE preconiza um sistema escolar que favoreça a democratização, crie satisfação e segurança individual e conduza ao enriquecimento do País.
Ora, a situação do ensino em Portugal não propicia o crescimento económico porque não prepara quadros qualificados em número suficiente que possibilite a resolução dos problemas nacionais.
O País precisa de quadros aptos a responder ao desafio da inovação tecnológica, com segurança humana e profissional, que dinamizem uma atitude criativa e determinada. Todavia, a formação desses quadros resultará de acção longa e continuada sobre o sistema de ensino, o que não é compatível com as imposições, por bem intencionadas, nem com as constantes mudanças de rumo que acabam por não levar a lado nenhum.
Os elos no sistema são muito complexos e definem uma textura tão densa que as alterações têm de ter em conta cuidadosamente a situação de onde se parte e as aquisições já obtidas. As soluções não são fáceis mas nem por isso são menos urgentes ou menos necessárias.
Nos últimos anos somaram-se as medidas pontuais que não resolveram qualquer dos problemas prioritários, antes encaminharam sectores de ensino para uma trágica situação de rotura.
A regressão política que se tem contraposto às transformações da revolução de Abril repercute-se no sistema escolar, como se verifica pelos desastrosos resultados da política seguida pelos últimos Ministros da Educação - exceptuamos nesta o Prof. Fraústo da Silva -, a qual só não atingiu os seus propósitos graças à acção esclarecida e persistente dos que a ela se opouseram, alunos, professores, pais e a generalidade dos Portugueses.
A degradação a que assistimos no ensino público expressa, por parte do Estado, a irresponsabilidade perante os seus deveres democráticos, perante os professores, perante os pais e perante os alunos.
A edificação progressiva de uma escola democrática implica transformações profundas que a libertem de um quadro de selectividade social. Ê bem sabido que não basta expandir o acesso à escola para se conseguir a sua democratização; é indispensável uma melhoria qualitativa fomentadora do sucesso escolar generalizado. Ora, se há características que distinga - no pior sentido - o nosso sistema escolar, é o seu imenso grau de insucesso. Já se avaliou que só no ano corrente o custo desse insucesso ultrapassará os 22 milhões de contos - que tanta falta fazem para matar a fome a muitos portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Foi aqui dito que medidas urgentes não podiam ser avançadas sem as harmonizar com as que existem na CEE. Ora, tanto quanto nos é dado conhecer, se num ou noutro aspecto particular se tenta unificar os diversíssimos sistemas de ensino existentes nos 10 países da CEE, a realidade é que entre eles permanecem diferenças enormes e fundamentais, pelo que o argumento aparece mais como uma desculpa para não se fazer do que uma necessidade real a ter em conta.
Acresce, que não é evidente que nos convenha adoptar incondicionalmente modelos importados. Entre os países da CEE há países onde a elevada ponderação de riqueza coexiste com o sistema escolar antidemocrático e altamente segregado.
Para o MDP/CDE o crescimento económico - que reputamos urgente mas que, para nós, não coincide com o desenvolvimento cego feito contra o homem - tem de servir o progresso social, a independência nacional, a participação na vida cívica e política e a livre circulação dos valores culturais. Em consequência, o sistema educativo português deve partir de nossa realidade, servi-la e transformá-la de modo a conduzir ao bem-estar, à segurança, à felicidade dos Portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A tibieza no ataque ao analfabetismo, a regressão na via única do ensino aflorada hoje aqui pelo Sr. Ministro, que se diz pronto a impor vias profissionais a crianças com 14 anos de idade, a falta de cumprimento da obrigatoriedade escolar, a baixa rendibilidade do sistema de ensino, a fraqueza das acções de formação dos professores, a degradação das instalações escolares e, a agravar tudo isto, a inadequação dos critérios com que os escassos dinheiros públicos são atribuídos, já foram aqui acusados e embora valesse a pena uma insistência as limitações de tempo não o consentem.
Todavia, não podemos deixar passar, mais uma vez, a confusão entre formação profissional e emprego. De facto, o Sr. Ministro, julgamos que para explicar que a formação profissional gerava directamente empregos, invocou hoje perante esta Assembleia o exemplo dos industriais de Braga, que publicaram anúncios pedindo pessoal com determinadas habilitações e não obtiveram resposta. Estará o Sr. Ministro convencido

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que esses postos de trabalho não foram preenchidos? Estranha seria a empresa em que tal acontecesse.
A lógica do sistema económico é não parar; e as tarefas não ficam à espera!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Julgávamos que, depois da chamada de atenção sobre este preciso aspecto que abordámos ao iniciar esta interpelação, não seria preciso explicar mais. Mas pelos vistos é!
O MDP/CDE não quer fechar esta interpelação sem uma referência às universidades.
No processo, em aceleração, que constrói o mundo de amanhã, as universidade têm assumido um papel relevante, formando os profissionais mais qualificados, difundindo um saber e um saber-fazer cada vez mais dependentes do método científico, participando, significativamente, nas tarefas de investigação científica e tecnológica.
Instituições de natureza específica, cujo labor se apoia na assimilação crítica do conhecimento em permanente expansão exige uma criatividade quotidiana, não podem as universidades desempenhar cabalmente as suas funções sociais sem estruturas flexíveis que lhes permitam adaptar-se a tempo às exigências da mudança, pela actualização das suas estruturas e métodos de trabalho ou pelo desenvolvimento de novas áreas de ensino e de investigação. Por isso, a necessidade de autonomia universitária já não constitui sequer um tema controverso.
É por isto que o meu colega António Taborda perguntou hoje a V. Ex.ª quando avançava a legislação sobre autonomia universitária. Embora V. Ex.ª nada tenha respondido, muito importante era sabre se o Governo tenciona apresentar em breve uma proposta; se não o fizer deverá esta Assembleia avançar na apreciação dos projectos de lei já apresentados. É este o desejo unânime dos universitários e das universidades portuguesas, que não podem continuar na situação de indefinição actual, bloqueadora de iniciativas que a sociedade portuguesa tão urgentemente requer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Na coerência da sua prática política, o MDP/CDE fez esta interpelação ao Governo por entender ser a educação um sector básico para a suspensão e prosseguimento da democracia.
Não se trata de um mero ritual de uma oposição sistemática e muito menos de um jogo de interesses partidários. Não é esta a forma de estar do MDP/CDE neste órgão de soberania.
A interpelação surge pela enorme preocupação que por todo o país existe acerca da incapacidade e dos erros do Governo no campo concreto da política educativa, que violenta gravemente o presente e compromete seriamente o futuro.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Ainda que se saiba, e o País assiste estupefacto, que é o jogo dos interesses partidários, se não de interesses pessoais, que domina no afastamento ou na permanência de ministros e na persistência do próprio Governo, é no terreno das questões concretas e dos programas políticos, nos resultados práticos de uma orientação ministerial ou governativa, e no rigor dos métodos e dos princípios democráticos que quisemos analisar os problemas nesta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Demonstramos com evidência, que o debate aqui travado acentuou, a necessidade de uma total mudança de orientação política no campo da educação.
É uma exigência nacional.
Isso implicará uma mudança do actual Ministério? Obviamente que sim!
Frontalmente o dizemos e isso teria de resto acontecido se os interesses nacionais tivessem dominado.
O Ministério da Educação é o fruto podre de uma árvore corroída.
Na lógica política da grave situação que o País vive, é o Governo na sua totalidade que está em causa.
Como a experiência recente da vida política portuguesa tem demonstrado, não chegam para sustentar um governo as maiorias políticas de circunstância.
São os valores nacionais e os princípios constitucionais que, em democracia, são o suporte das instituições e dos órgãos de soberania.
A uns e a outros não responde o Ministério da Educação.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: «É minha intenção curtamente falar», como diria o velho Fernão Lopes. No duplo sentido de pouco e não de cátedra. O comedimento e até a modéstia, neste a-propósito, são virtudes.
E curtamente falar porque a presente interpelação se situa num domínio em que, precisamente, se tem falado de mais e agido de menos.
A mais sonora e globalizante justificação do acto de interpelar consiste, curiosamente, na afirmação de que, após 1 ano de governo, «ainda não foi definida com clareza uma política de educação». Esta afirmação acaba, aliás, de ser repetida pela Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura.
É precisamente o que não nos falta. Desde logo porque a Constituição a inclui. É talvez bom relê-la. Lá se encontra, claramente dito, o que a esse respeito é essencial dizer. Depois porque o Programa do Governo, de que o interpelante não pode alegar desconhecimento, confirma, pormenoriza e preenche um ou outro aspecto implícito na concisão do texto constitucional. Enfim, porque deputados de um dos partidos da maioria submeteram a esta Assembleia um coerente projecto de lei de bases do sistema educativo.
Acresce, e já foi realçado que é a esta Assembleia - não ao Governo - que cabe em exclusivo a competência indelegável para legislar sobre as «bases do sistema de ensino».
Todos nós, de resto, fomos alunos quando não professores. E os mais velhos - como é o meu caso - fomo-lo há tempo bastante para termos pessoalmente experimentado o escolasticismo estreito do ensino salazarista. Mais tarde, como pais de alunos, experimentámos: a brisa de progresso que por vontade de um homem, que hoje é nosso companheiro de trabalho, soprou na quietude marasmática do consulado caetanista; o anarco-pedagogismo dos primeiros tempos da

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revolução de Abril; a lufada de bom senso e inteligência imprimida ao sistema educativo pelo Ministro Sottomayor Cardia; enfim, as oscilações hesitantes, e pouco intervenientes, das gestões que se seguiram sem motivos para registo na memória de cada um de nós.
Eu próprio, já um privilegiado em relação aos tempos ominosos dos ferocíssimos lentes de prima de que o Dr. Calixto foi o exemplo caricatural- por obra e graça das Conferências do Casino e dos bons barbichas da Primeira República, ainda assim fui vítima de um ensino memorizante, papagueado e acrítico, divorciado da vida e temeroso de tudo o que cheirasse a espírito científico. Um saltar de barreiras destinadas, não a classificar, mas a classificar doutores, com apelo aos para mim inútis logaritmos sistemas mineralógicos (o ortorrômbico), a um decorar penoso de muitas datas e poucos poemas, com o célebre «Moca», meu professor de latim, a deslizar como um perdigueiro por entre as filas de olhos baixos, para filar com o acusativo do rosa-rosae o primeiro temerário que para ele os alevantasse, assumindo o risco de, em caso de falsa resposta, levar no toutiço a célebre pancada seca dos seus dedos nodosos e mais rijos do que torga de medronheiro.

Risos gerais.

Era, antes demais, uma escola de medo de que a gente saía menos sabedor de, do que temente a. Talvez que nela deva procurar-se, e não em qualquer outra fonte, a verdadeira explicação do quase meio século que durou o anterior regime.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - «O léxico, a gramática, as declinações, o Eutrópio - estou citando António Sérgio - Ah, que sérios, sóbrios, respeitáveis e ruminantíssimos camelos, que as caravanas das gerações tiveram de aturar resignadamente... para malgastar o vigor da infância no lento percurso dos areais do tédio!»
Na minha récita de fim de curso, ainda pudemos caricaturar um lente -pessoa aliás estimável! que chumbava o mais pintado só porque, pedida e obtida uma definição, nela «faltava a palavrinha».
Que horror! ...

É claro que a antítese post abrilista não viria a ser, em alguns aspectos, menos deplorável. A gestão anárquica das escolas; o oportunismo de alguns acessos à docência; as passagens administrativas; os programas ideologicamente dirigidos; o tout est politique, de Maio de 1968. O termo de seculares abafamentos estimulou o despertar de todas as audácias.
Não foi, com efeito, pequeno estamos disso lembrados - o preço que tivemos de pagar por, de um momento para o outro, ter deixado de estar tudo em Aristóteles!
Após meio século de política educativa inspirada por um homem que de Rousseau só leu, e julgou ter assimilado (o que não é exacto), o discurso sobre os malefícios das ciências das artes e da civilização, daí retirando um verdadeiro horror a tudo que cheirasse a ciência, de algum modo se caiu no extremo oposto de soltar.
Por um lado, eu não gostaria de entrar na CEE para, amanhã, termos de agradecer o privilégio de continuarmos a falar português. Daí que bem compreenda De Gaulle quando falava na «Europa das Pátrias».
Pelo outro, compreendo que não poderemos, também no domínio educativo, deixar de afinar alguns procedimentos, e até alguns valores, pelo prevalecente padrão comunitário. Para que o médico português possa, com real sentido, abrir consultório em não importa que lugar da Comunidade, mister se faz que o seu diploma adquira, no espaço comum, validade científica e académica universal. O que implica um duração-padrão do seu curso, além de uma certa coincidência programática, para já não dizer um idêntico nível de tecnologia e actualização científica.
E quem diz o médico diz o profissional de qualquer outra profissão.
Quer isto dizer, adquirido que o cidadão não esgota o homem, de algum modo cada vez mais o homem se irá sobrepondo ao cidadão!
Eis, pois, que o interpelante não deu ao Governo qualquer novidade. Infelizmente, também não lhe trouxe qualquer ajuda não os deuses mas os demónios do hipercriticismo e da anarquia autogestionária.
Implícita, a velha opção entre «fazer o homem e fazer o cidadão», como se de duas antinomias se tratasse e o homem pudesse ser concebido sem comunidade e sem Pátria, em vez de encarado como ser social que é!
É claro que a virtude está uma vez mais no meio, ou seja, no equilíbrio. Não mais a Polónia apenas para os polacos, mas ainda não o polaco cidadão do mundo, sem professores polacos, nem educação polaca, nem língua polaca, nem alma polaca. O Emílio pertence não apenas à literatura, mas ao passado.
Mas de algum modo o problema recupera actualidade. Vem aí a CEE, se não preferirmos encarar-nos, enquanto Pátria, a caminho dela. Discute-se, a esse respeito, uma pluralidade de «dossiers» - da agricultura, das pescas, das trocas comerciais, do direito de primeiro estabelecimento, da liberdade de circulação das pessoas.
Mas que exigências ou condições no domínio educativo?
Excepto uma: a de o ter forçado a mais este momento de reflexão sobre a problemática educacional, certo sendo que, neste domínio, a reflexão e a pesquisa nunca serão de mais. Temos exacto conhecimento da situação e estamos justamente apreensivos com ela. O Sr. Deputado, e nomeadamente os do partido interpelante não têm, como viram, o exclusivo das preocupações neste domínio.
Antes de o MDP/CDE o ter feito, inventaríamos carências e apontamos soluções. Só que nem todas as soluções são de concretização imediata, enquanto outras postulam a existência de meios humanos e materiais que se não compaginam com a nossa penúria.
Exigir mais escolas a todos os níveis de ensino, mais e melhor equipamento escolar, mais professores, melhor formação: ou propugnar pela rápida extinção do analfabetismo, do numerus clausus e de outras mazelas do nosso sistema educativo, é tão repetitivo e tão fácil que não chega a ter mérito. Encontrar meios para realizar tudo isso, onde eles infelizmente escasseiam, eis o que é verdadeiramente difícil quando não é impossível.

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Conhecidos que são os constrangimentos financeiros e os apertos orçamentais, bem andaria o interpelante ensinando-nos como faria o que nos acusa de não ter feito, sem sacrificar o mais que noutros domínios encomenda, ou o que em concreto sacrificaria se se der o caso de reconhecer que não é possível ter sol na eira e chuva no nabal!
Há prioridades, eu sei. E precisamente por. a educação ser uma prioridade é que no Orçamento do Estado para o ano corrente a proposta do Governo para o orçamento do Ministério da Educação foi das menos sacrificadas pela necessidade de comprimir despesas.
A oposição acusa o Governo de não pagar salários em atraso, de reduzir o investimento público e de sacrificar o poder de compra dos funcionários públicos.
Ao acusá-lo agora de não construir mais escolas, não formar mais professores e não ensinar mais alunos, deveria ter a piedade de dilucidar se considera que tudo isso pode ser feito ao mesmo tempo ou se, não podendo, o que é que sacrificava e a benefício de quê. Sem isso, fica-se com a irreprimível impressão de que, o que animou o MDP/CDE a interpelar foi mais o desamor ao/Governo do que o apego às soluções. Não quis que o País entrasse em férias sem sujeitar a exame o seu Governo. Sai-se daqui com a boa nota de que reprovado foi o examinador.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Pelo vazio de ideias criadoras; pela incapacidade do mais elementar artifício imaginativo; pela irresponsabilidade com que apagou dificuldades reais e sugeriu facilidades inexistentes; pela «cegueira» com que acusou num domínio em que, mais do que em nenhum outro, é preciso a luz.
Não custa reconhecer que, em alguma medida, era possível ter feito mais, ou ter feito melhor e que os constrangimentos financeiros justificam muito sem justificarem tudo. Mas de que outro Ministério e outro Governo ou em outro país não poderia fazer-se idêntica afirmação? Governar será sempre uma eterna insatisfação, sobretudo para quem governa!
O balanço de 1 ano de política educativa não é exaltante? Que outro balanço foi? E que outro gestor do sector teve de enfrentar situação mais agravada pelo efeito aditivo dos saldos negativos anteriores e por constrangimentos financeiros mais restritivos do que nunca?
Ainda assim, a impressão que se colhe é a de que, pelo menos a partir de certo momento, se atacou mais o político do que a política, até porque, globalmente considerado, o ano escolar começou a tempo (com excepções sem significado) e decorreu em paz, sem catastrofismos reais ou inventados, matizado por inovações bastantes para não poder ser acusado de imobilismo. A guinada no sentido da profissionalização do ensino, programada e já em acto sem possível recuo, há-de ficar como um dos movimentos mais significativos e criadores da história do ensino em Portugal.

Aplausos do PS e do PSD.

Não há greves escolares a registar, não houve tumultos estudantis, não despontou no céu do protesto nenhum Antero de Quental.
Daí que a crítica seja benvinda e a insatisfação comungada, mas o alarme injustificado.
Se os Srs. Deputados do MDP/CDE me permitem a brejeirice inofensiva de vos chamar um «apontamento de reportagem», aproveito para dizer e sem sacrifício reconhecer que estivemos perto e não longe de termos feito aqui o debate sério no lugar próprio a que se referiu a Sr.ª Deputada Helena Cidade Moura, nessa medida, tendo nós de agradecer a sua iniciativa, aproveito para dizer que ao chegarem ao fim as vossas, aliás, brilhantes, intervenções iniciais, dei comigo a dizer de mim para mim:
Não é com interpelações destas que o Governo cai!

Risos do PS e do PSD.

Mas ao constatar a aparente lassidão com que p hemiciclo ouvia as vossas palreadas, entrou em mim o bicho de um diverso receio: o de que o Governo caísse, mas de sono!

Risos do PS e do PSD.

Foi quando, recuperada a minha confiança na solide?, do Executivo, passei a temer que caísse no apagamento de alguns escassos decibeis, não o Governo, mas a própria interpelação.
Disso a salvou a intervenção vivaz do Sr. Ministro da Educação, para alguns surpreendentemente não defensiva, para todos irrecusavelmente frontal, factícia inteligente e demonstraste.
Resumindo: tornado como hipotético candidato à pasta da Educação, o partido interpelante teria chumbado no propedêutico. O partido «sacristão», o que a esse levaria 3 padre-nossos de penitência.

Risos e aplausos do PS e do PSD.

Sabendo o que está mal sem que precisemos de que no-lo digam - infelizmente sabemos:

Que as escolas são quantitativa e qualitativamente insuficientes e que o parque escolar se degrada. Mesmo no ensino primário onde, ao que me dizem, se tem verificado um ligeiro decréscimo de frequência global, persiste o que também me informam um défice estimado de 15 000 salas de aula;
Que os equipamentos escolares são insuficientes e inadequados quando não obsoletos;
Que os meios de acção social escolar não têm podido alcançar a expansão desejada;
Que o ensino ainda é mais memorizante e menos formativo do que se impunha que fosse, na linha da concepção de que o aluno deve antes de mais aprender a aprender, aprender a ser, aprender a fazer e não ensacar conhecimentos, qual frágil computador a que se formulam perguntas depois de previamente se lhe terem programado as respostas;

Aplausos do PS e do PSD.

Que ainda é deficiente a articulação entre os diversos níveis de ensino, o que compromete a igualdade de oportunidades, favorecendo o aparecimento de meios de ensino só acessíveis aos que podem pagá-los;

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Que a situação do ensino superior se abeira da ruptura, vimos isso confirmado tão brilhantemente, pelo Sr. Secretário de Estado (apesar de sermos o país da Europa, exceptuando a Turquia, com mais baixa frequência de alunos na faixa etária entre os 18 e os 24 anos), o que leva a encarar no imediato como mal sem remédio a superlotação das universidades e o recurso ao numerus clausus, equivalente ingénuo das instruções salazarianas para chumbar as percentagens não comportáveis pelo mercado de doutores;
Que a gestão e implantação do sistema escolar mantêm um forte pendor centralista, de algum modo desligado das realidades regionais e locais, ao ponto de, no ensino secundário, nos distritos de Lisboa, Porto, Setúbal e Aveiro se concentrarem mais de 50 % do total dos estabelecimentos escolares. Ainda assim, entraram em funcionamento no ano lectivo de 1983-1984, 32 novas escolas preparatórias e 25 novas escolas secundárias, estando prevista a entrada em funcionamento, no ano lectivo de 1984-1985, de 34 novas escolas preparatórias e 18 novas escolas secundárias, além da entrada em funcionamento, nos próximos 3 a 4 anos, das escolas superiores que integram o ensino superior politécnico; Que a exiguidade dos meios de acção escolar é agravada em parte pela irracionalidade da sua utilização; Que a educação pré-primária é pouco mais do que uma amostra; Que a educação especial é pouco mais que uma frase; Que a educação permanente é pouco mais do que uma ideia; Que a erradicação do analfabetismo é pouco mais
do que uma miragem;
Que a inserção da escola na comunidade em interligação com as actividades económicas, sociais e culturais é pouco mais do que uma utopia;
Que a meta constitucional da gratuitidade de todos os graus de ensino é pouco mais do que um voto pio;
Que a acção social escolar - tão significativamente contributiva para a efectivação da igualdade de oportunidades é ainda e apenas uma ideia em marcha. Ainda assim, os gastos a esse título programados para 1984, ultrapassam os 7 milhões e 500 000 contos; Que o grau de profissionalização do ensino é ainda insatisfatório, embora seja um projecto em execução acelerada de que este governo justificadamente se orgulha;
Que a duração da escolaridade obrigatória é exígua e, mesmo assim, em parte inconseguida, embora também aí se trate mais de uma possibilidade do que de uma opção; Que o ensino da língua portuguesa aos filhos de emigrantes persiste uma vontade sem expressiva concretização, embora exista a vontade de concretizá-la;
Que é deficiente a formação dos nossos docentes;
Que é a muitos títulos arcaico o nível tecnológico dos nossos programas e do nosso material didáctico, sobretudo na perspectiva de um mundo que cada vez investe mais na inteligência e no desenvolvimento tecnológico.
Sabemos, dolorosamente sabemos isto e algo mais. Mas não o sabemos desde há 1 ano, nem faz sentido carpir inventários nefastos, porque somos apenas há l ano o Governo do País de sempre. Os países como as coisas, são o que são e não o que gostaríamos que fosse. Temos as possibilidades que temos e não as que gostaríamos de ter.
Não digo isto para que as oposições se resignem. É o seu papel acicatar os governos para que se corrijam os erros, se colmatem as brechas, se preencham as lacunas, se mudem as coisas. Mas apenas porque o realismo é mais salutar do que o sebastianismo. Com os pés no chão caminha-se melhor.

Aplausos do PS e do PSD.

Não conhecemos menos bem as metas a atingir, grosso modo coincidentes com a antítese posicionai das situações sumariadas.

Mas para não copiar o interpelante na sem-cerimónia com que define metas, relativamente à maioria das quais seria difícil não estar de acordo, melhor é que se enuncie o que, em nosso entender, deve ser prosseguido e tentado, na medida em que possa ser conseguido sem significativo dispêndio de meios, ou dentro das forças dos que os constrangimentos orçamentais colocam ao nosso dispor. Estão nesse caso, sem ambições irrealistas:
A definição clara de um sistema educativo, numa lei de bases - já que para aí parece apontar a Constituição, ainda que ao arrepio da generalidade das democracias ocidentais- em qualquer caso em articulação com um plano de desenvolvimento educacional por objectivos a atingir na fase da recuperação económica e financeira que não tarda aí, e da modernização da economia com programa anunciado lá para o fim do ano.
Aí se há-de tentar a articulação entre os diversos níveis de ensino e a destes com as necessidades do desenvolvimento económico.
Modernização há-de ser a palavra-chave do nosso sistema educativo.

O Plano terá em consideração:

A formação de professores a diversos níveis, com estabelecimentos de diversas carreiras de ensino básico, secundário, superior e universitário;
Um cuidado planeamento das infra-estruturas físicas;
Novos equipamentos ligados à introdução de novas tecnologias e novos métodos de ensino.
Uma segunda ideia força, ditada pela preocupação de um melhor aproveitamento do que temos, já que não está ao nosso alcance o esforço de o substituirmos ou complementarmos significativamente, consiste na racionalização do aproveitamento da rede escolar existente, traduzida:
No aproveitamento maximizado das infra-estruturas dos ensinos básico e secundário, por forma a poder acelerar-se o cumprimento a custos

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mínimos da exigência constitucional da escolaridade obrigatória;
Na maximização da participação da indústria nacional nos equipamentos escolares;
Na introdução de novas tecnologias educativas, com particular ênfase nas tecnologias da informação microelectrónica, informática e meios áudio-visuais.
O lançamento de novos esquemas de formação de professores com desenvolvimento tendencial de uma nova pedagogia que faça a ponte entre o ensino unitário (um professor do ensino primário para todas as disciplinas) para o ensino disciplinar (um professor por disciplina) passando por uma fase intermédia (um professor por cada área disciplinar), com vista a uma gestão mais eficaz dos recursos humanos, embora enfrentando as dificuldades que a esta solução coloca o isolamento de algumas unidades escolares.

Aplausos do PS e do PSD.

Um esforço de reorganização do ensino universitário em estádios ou ciclos é uma ideia discutível, ainda não discutida mas que me parece ter virtudes designadamente em cursos que exigem um elevado grau de profissionalização (casos da medicina e da engenharia).
Só após um ciclo geral - que pode corresponder ao nível do bacharelato (quero dizer que defendo a ideia mas não gosto da palavra!) - se colocaria, continuando a ser caso disso, a questão do numerus clausus. Entretanto, o ciclo geral daria acesso a outros cursos de índole semelhante e sem cancela. No referido caso da medicina, a mudança de agulha podia ser feita para as profissões paramédicas, a enfermagem superior, a biologia, a odontologia, etc.
Porfia no esforço que vem sendo feito no sentido do desenvolvimento do Ensino Técnico Profissional e do Ensino Superior Politécnico, como instrumentos fundamentais do desenvolvimento do País, sobretudo neste momento de salto para a revolução tecnológica, a modernização da agricultura, da indústria e dos serviços, na perspectiva das reformas estruturais necessárias à nossa integração no Mercado Comum Europeu.
Para além das novas tecnologias da informação simultânea, a biotecnologia., a ciência dos materiais e as novas tecnologias energéticas constituem um desafio irrecusável de fuga à terceiro mundialização dos países em desenvolvimento.
Aí se situa a única porta possível para a diminuição da nossa dependência do exterior em produtos alimentares e energéticos e na redução do défice da nossa balança tecnológica.
O ensino deve ser cada vez mais encarado como passadeira para a profissão e não como braço para a manga de alpaca.
A escola e a empresa não podem continuar de costas voltadas. Da interligação entre uma e outra, numa base de complementaridade de esforços e de conjugação de objectivos é que se há-de fiar o êxito que se espera do ensino profissionalizado.
Divórcio do conceito de ensino em relacionação exclusiva com a juventude e o futuro. O sistema de ensino não pode nem deve ser encarado apenas como fábrica de amanhã.
É aqui que se situa a clarificação do papel fundamental do sistema educativo como sistema de educação e modernização permanentes, em que o diploma não é
mais encarado como ponto de chegada, mas de partida; não como um título, mas como um instrumento e uma responsabilidade. A inteligência deve passar a ser encarada como o nosso petróleo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Afinamento dos instrumentos definidores da vocação profissional. Até hoje, a profissão tem sido menos a sequência de uma real vocação do que o resultado da vontade do pai, da empenhoca do padrinho ou do avisado conselho do vigário.
Daí tanta técnica perdida na burocracia da intendência, tanta aspiração aprisionada nas forcas da rotina, tanta arte malbaratada nas rotundidades da burocracia.
A introdução, no último ano da escolaridade obrigatória, de cursos de vocação profissional, poderia salvar os nossos jovens das distorções de um amanhã que lhes aperte a alma.
A desconcentração do Ministério da Educação, através da criação de departamentos regionais responsáveis pela administração das estruturas da escolaridade obrigatória, com participação do poder local, sobretudo quando acompanhada de um esforço de efectiva descentralização de poderes,' poderá contribuir para aligeirar a máquina pesada, por vezes incoerente e desligada da realidade que é o monstro resfolegante da Avenida de 5 de Outubro, sem que a isso obste a vontade em contrário de não importa que Ministro, incluindo o actual titular da pasta.
O fomento do ensino nocturno, em direcção ao tempo disponível dos trabalhadores estudantes e a redefinição do ano académico superior de forma a instituir-se o trimestre de Verão, ao encontro dos interesses de centenas de jovens e da maximização do rendimento das instituições.
É aqui que se coloca o problema da gestão do tempo escolar. Aceita-se mal que um sistema tão dispendioso e escasso permaneça inactivo entre 3 e 5 meses por ano, ao mesmo tempo que se sobrecarregam os estudantes, no período escolar, com horários verdadeiramente arrasantes. Escolhidos pelos professores, naturalmente.
A instalação da Universidade Aberta, com apoio de um canal televisivo, das estruturas educacionais e das instituições culturais e científicas existentes. Desta ideia se deve aproximar o reforço do contributo dos media do sector público para o sistema de ensino.
Quem colocar lado a lado o impacto de um programa televisivo de conteúdo educativo e o impacto de lições individuais, seminários ou conferências ... fá-lo-á para concluir que é um erro, para não dizer um «crime», deixar o pequeno écran à margem da escola. A conclusão semelhante se chegará contrabalançando a rádio ou mesmo, em mais restrita medida, a imprensa escrita.
O fomento do ensino pós-graduação, única forma de recuperar o tempo perdido e de dar resposta às necessidades do País em quadros especializados.
Ao erro clássico implícito no aforismo segundo o qual «burro velho não aprende línguas» não pode mais corresponder a passividade de uma rotina. O burro velho não aprende línguas não por ser velho, mas por ser burro.

Risos do PS, do PSD e do CDS.

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E contra a estupidez que sempre haverá não existe pedagogia que valha.

Aplausos do PS e do PSD.

A articulação do sistema educativo com laboratório do Estado, serviços, centros regionais de agricultura e - sempre - empresas públicas e privadas, permitirá conjugar esforços hoje desgarrados e intensificar a iniciação profissional e a formação especializada.
Um mais imaginativo esforço de diversificação das modalidades de educação de adultos com recurso a meios de tecnologia áudio-visual e ao fomento especial da educação recorrente.
O apoio possível às instituições privadas de ensino - seja confessional ou seja laico, desde que seja livre que a revisão da Constituição poupou ao estigma da complementaridade.
Já num horizonte da quase utopia, mas ao nosso alcance se o quisermos, a generalização das escolas de pais.
É então verdade que sabemos o que queremos e o que é preciso fazer. Mas não nos peçam fato maior do que a fazenda, nem que façamos tudo num ano, ou mesmo nos quatro da legislatura.
Um sistema educativo é, por definição, obra inacabada. Desde que se faça o que é possível fazer, e que o que se fizer seja feito com espírito de modernidade e de valorização do homem - o anjo, não a besta - o futuro será mais digno e os filhos não acusarão os pais.

Aplausos do PS, do PSD e dos Membros do Governo presentes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Comissão Eventual de Inquérito à detenção do Sr. Deputado Manuel Lopes enviou à Mesa um pedido de prorrogação do prazo, solicitando mais duas semanas parlamentares para a redacção definitiva do relatório. Temos que votar este requerimento.

Pausa.

Dado que não há oposição, o pedido está aprovado. Vão-se anunciar, seguidamente, as propostas de lei entradas na Mesa.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Deram entrada na Mesa as seguintes propostas de lei: n.ºs 70/III - que autoriza a Região Autónoma dos Açores a contrair, junto do Banco Europeu de Investimentos, um empréstimo até ao montante de 15 milhões de ECU's que se integrará no âmbito da ajuda financeira da CEE a Portugal -, foi admitida e baixou à 5.ª Comissão; 71/III - Segurança Interna e Protecção Civil -, que foi admitida e baixou à l.º Comissão; 72/III - Lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais -, que foi admitida e baixou à 10.ª Comissão; 73/III - Lei da Radiodifusão -, que foi admitida e baixou à 1.ª Comissão; 74/III - Licenciamento das estações emissoras da Radiodifusão -, que foi admitida e baixou à 1.ª Comissão; 75/III - Utilização pelo Estado de veículos automóveis apreendidos em processo crime ou de contra-ordenação, bem como dos que vierem a ser declarados perdidos ou abandonados em favor do Estado -, que foi admitida.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faz favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, uso da palavra para perguntar qual é a data da aprovação, em Conselho de Ministros, da proposta de lei n.º 71/III e quem são os respectivos subscritores.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - A data da aprovação foi de 24 de Maio de 1984, sendo subscritores o Primeiro-Ministro, o Vice-Primeiro-Ministro, o Ministro da Administração Interna, o Ministro da Justiça e o Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a imprensa anunciou que o Governo terá aprovado, na sua reunião plenária de 31 de Maio, a proposta de lei referente à segurança interna. Trata-se de um equívoco ou a Mesa está em condições de indagar relativamente às razões desta discrepância entre a informação que nos é fornecida e a que é do domínio público?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa não está realmente em condições de o esclarecer sobre a imprensa. A única coisa de que a Mesa o pode informar é que nela deu entrada a referida proposta de lei.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente. No silencia da bancada governamental, o Grupo Parlamentar do PCP gostaria ...
Afinal não há silêncio, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Ministro de Estado deseja responder, faça favor.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares: - Apenas queria dizer que o direito ao silêncio existe e que, apesar de o debate sobre Educação ter sido muito memorizante, a memória às 3 horas e 30 minutos da manhã não chega para tanto. É só isso.
O Sr. Deputado tem amanhã a possibilidade de consultar o registo do Governo; há actas, há comunicados do Governo. É fácil! Não vale a pena fazer disso um mistério.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Desejo anunciar que o Grupo Parlamentar do PCP apresentará, nos termos e nos prazos regimentais, um requerimento impugnando a admissibilidade da proposta de lei governamental, agora anunciada, com fundamento em inconstitucionalidade, nos termos que explanaremos na sede e através de instrumentos próprios.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, é só para estranhar que, sem conhecer o conteúdo da proposta, o Partido Comunista anuncie já a sua impugnação.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é evidente que o Partido Comunista está no seu direito de impugnar a admissão, e se o fizer a Assembleia decidirá.
Continuaremos os nossos trabalhos às 11 horas da manhã com a ordem do dia que vai ser lida.

O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Da primeira parte da ordem do dia consta a apreciação e votação do relatório da Comissão de Regimento e Mandatos sobre pedidos de autorização para que os deputados sejam ouvidos em Tribunal na qualidade de testemunhas e a deliberação sobre um eventual prolongamento do período normal de funcionamento da Assembleia da República.
Na segunda parte está agendado o seguinte projecto de lei n.º 320/III, sobre o regime de remuneração do Presidente da República - votação final global; projecto de lei n.º 353/III, do PCP, que organiza e garante o direito à participação no sistema da segurança social - discussão na generalidade; proposta de lei n.º 63/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir em geral ilícitos criminais e penas.

O Sr. Presidente: - Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, os trabalhos poderão prolongar-se para além das 15 horas após intervalo para o almoço. Veremos pela sequência da discussão qual o horário definitivo.

Está encerrada a sessão.

Eram 3 horas e 40 minutos do dia seguinte.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

José Barbosa Mota.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Antunes da Silva.
José Augusto Ferreira Campos.
José Ângelo Ferreira Correia.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Pedro Augusto Cunha Pinho.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Torrinhas Paulo.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
Manuel Correia Lopes.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
José Miguel Anacoreta Correia.
Narana Sinai Coissoró.
Bento Elísio de Azevedo.
Carlos Augusto Coelho Pires.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim Leilão Ribeiro Arenga.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Nelson Pereira Ramos.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Victor Hugo Jesus Sequeira.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Adérito Manuel Soares Campos.
António Maria de Orneias Ourique Mendes.
António d'Orey Capucho.
Manuel da Costa Andrade.

Partido Comunista Português (PCP).

Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Costa Campos.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.

Centro Democrático Social (CDS):

Horácio Alves Marçal.
João António de Morais Silva Leitão.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António da Costa.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 14 de Junho de 1984, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Partido Socialista:

Amadeu Augusto Pires (círculo eleitoral de Bragança) por Armando António Martins Vara (esta substituição é pedida por um período não superior a l mês, a partir do próximo dia 18 de Junho corrente, inclusive);

2) Solicitada pelo Partido Comunista Português:

Maria Alda Nogueira (círculo eleitoral de Lisboa), por Paulo Simões Areosa Feio (esta substituição é pedida por um período não superior a 2 meses, a partir do próximo dia 16 de Junho corrente, inclusive);

3) Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto), por Ilídio Manuel Beleza Moreira (esta substituição é pedida para os dias 14 e 15 de Junho corrente, inclusive).

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Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Manuel Fontes Orvalho (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Joaquim Eduardo Gomes (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD) - José Mário - Lemos Damião (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Rectificação

No Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 116, no frontispício, onde se lê:

REUNIÃO PLENÁRIA DE 31 DE MAIO DE 1984

deve ler-se:

REUNIÃO PLENÁRIA DE 30 DE MAIO DE 1984

As Redactoras: Cacilda Nordeste - Ana Maria Marques da Cruz.

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PREÇO DESTE NUMERO 215$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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