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I Série - Número 4

Sexta-feira, 19 de Outubro de 1984

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA 1984

REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE OUTUBRO DE 1984

Presidente: Exmo. Sr. Manuel Alfredo Tito de Morais

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.
Concluiu-se o debate na generalidade, tendo sido aprovada, da proposta de lei n.º 87/III - Orçamento Suplementar para 1984 -, tendo usado da palavra, a diverso título, além dos Srs. Ministros do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo), das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes) e do Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Alípio Dias), os Srs Deputados Magalhães Mota (ASDI), Octávio Teixeira (PCP), Hasse Ferreira (UEDS), Bagão Félix (CDS), Carlos Carvalhas, Ilda Figueiredo e Zita Seabra (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Pinheiro Henriques (MDP/CDE), Santana Lopes (PSD), Luís Beiroco (CDS), César Oliveira (UEDS), José Vitorino e Ângelo Correia (PSD), José Lello e Carlos Lage (PS), Soares Cruz (CDS), Jaime Ramos (PSD), Luís Saias (PS), Lopes Cardoso (UEDS), António Capucho (PSD), Jorge Lemos (PCP), José Vitorino (PSD), Lobo Xavier (CDS), Mário Adegas (PSD), e Almerindo Marques (PS).
O Sr Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga,
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.

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José da Cunha e Sá.
José Ferreira Pires Gestosa.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Martins Pires.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
Nuno Álvaro Freitas Alpoim.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Ovídio Augusto Cordeiro.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Paulo Manuel Barros Barral.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.
Zulmira Helena Alves da Silva.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Amândio S. Domingos Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Barata Portugal.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Luis Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Pereira Martins.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Martins Adegas.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Pereira.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitorino.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Alexandre Carvalho Reigoto.
António Bernardo Lobo Xavier.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Leão Castro Tavares.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE)

João Manuel Seiça Neves.
José Carlos Pinheiro Henriques.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.

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Agrupamento Parlamentar da Acção Social Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como é já do vosso conhecimento, a sessão de hoje prolongar-se-á da parte da tarde para se proceder à votação na generalidade da proposta de lei que está em discussão.
Também devo informar a Câmara de que na reunião de líderes parlamentares ficou assente que na sessão plenária do próximo dia 25, que terá início às 16 horas, se irá proceder à eleição da Mesa da Assembleia da República e que as candidaturas para os diferentes lugares serão apresentadas até às 18 horas do dia 23 no Gabinete do Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, foi distribuída pela Mesa uma agenda com os tempos disponíveis pelos vários partidos.
Porém, parece-me que ela não corresponde aquilo que foi acordado na conferência de líderes parlamentares. Os tempos disponíveis que são apresentados são os reais, mas parece-me ter ficado acordado que os partidos teriam que gastar forçosamente no primeiro dia do debate dois terços do tempo total e, se não os consumissem, eles seriam dados como consumidos. Assim, os tempos disponíveis para hoje passariam a ser bastante menores com esse acordo.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, realmente havia essa decisão que V. Ex.ª acabou de enunciar. Porém, o que sucedeu é que ontem ainda havia inscrições na Mesa para alguns deputados usarem da palavra, houve tempos mortos e encerrou-se a sessão às 21 horas. Sendo assim, os partidos não tiveram oportunidade de utilizar ontem o tempo de que dispunham. Daí ter sido considerado que esse tempo teria que ser hoje utilizado. Creio que esta é uma análise correcta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na realidade, ficámos com a ideia de que no primeiro dia do debate cada partido gastaria dois terços do tempo total de que dispunha. Contudo, apesar do prolongamento do Plenário até às 21 horas, ontem não houve possibilidade de utilizar todo esse tempo disponível e não se pode penalizar quem não teve oportunidade de o fazer.
Por conseguinte, creio que os tempos que ontem não se gastaram devem passar para hoje.

O Sr. Presidente: - É essa a interpretação da Mesa, Sr. Deputado.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Verifico que neste momento ainda não se encontra presente na bancada do Governo nem o responsável pela pasta das Finanças nem o Sr. Secretário de Estado do Orçamento. Creio que tal facto será, de algum modo, motivo de preocupação para a Câmara - não para mim, visto que não terei nada de particular interesse para dizer aos responsáveis pelo Orçamento do Estado -, visto que entre a entrada na Mesa da proposta de lei e o início da sua discussão houve uma alteração substancial do aumento do défice e bem pode acontecer que o atraso de hoje justifique novo aumento do défice do Orçamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Recentemente, uma amabilidade do município aveirense permitiu a alguns dos Srs. Deputados tomarem contacto pela primeira vez ou relerem um discurso de José Estêvão sobre o Orçamento.
Creio que, mais que o discurso de José Estêvão, se quiséssemos fazer hoje uma reflexão - reflexão necessariamente serena, mas também de algum modo magoada -, haveríamos de interrogar-nos sobre aquilo que parece ser uma fatalidade histórica. "A história do défice é a história das finanças portuguesas" - esta frase foi escrita num livro sobre o Orçamento Português pelo Prof. Armindo Monteiro, em 1921.
A nossa história financeira é, de facto, a do agravamento constante de uma situação, a da crise da dívida externa, apenas resolvida pelo convénio com os credores externos de 1901.
Recentemente, um meu companheiro de partido, António Sousa Franco, também escrevia: "Os irmãos gémeos da nossa história financeira são o desequilíbrio e o endividamento". Parecem ser constantes estruturais o predomínio da tributação indirecta, a ausência de uma cobertura integral e racional do rendimento e do património por impostos directos, o endividamento crescente do Estado, o predomínio dos gastos correntes da administração central logo após as despesas com o serviço da dívida, que representam em permanência a primeira rubrica funcional das despesas públicas.
O recurso a diversas reformas orçamentais e de contabilidade pública não resolveu os nossos problemas financeiros, por exemplo, durante todo o século XIX. E houve reformas em 1863, 1870 e 1881, para só citar as mais importantes. Inclusivamente, houve tentativas para drástica alteração do carácter estrutural do défice, quer pela via da redução das despesas - e lembro que numa destas reformas se chegaram a diminuir os vencimentos dos funcionários - quer pela via das receitas, e bastaria relembrar a questão dos tabacos para ver qual o contexto histórico desta problemática.
O recurso aos empréstimos é também uma constante, como o é a própria inflação que, só para recordar tempos recentes, aparece lentamente no período da Primeira Guerra Mundial, mas logo atinge um carácter de grande velocidade entre 1919 e 1924.
A desvalorização externa do escudo vai no encalço desta inflação e, com tudo isto, surge um novo fenómeno histórico constante que - para usar a terminologia de Armindo Monteiro - se chama a "vontade de ocultar a situação de endividamento". E isto através de expedientes dos mais variados, como seja desde a dívida a curto prazo do Tesouro, permitindo uma

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dívida oculta, até ao atraso sistemático na apresentação das contas públicas.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que este quadro é negro e necessariamente triste. No entanto, ele tem para todos nós hoje, aqui e agora, a vantagem de relativizar as nossas questões. Em primeiro lugar, porque ele nos leva a assumir com alguma seriedade, com profundidade e com rigor, uma situação que não é de maneira nenhuma possível de ser encarada com triunfalismo, com falsas escapatórias ou com medidas de ocasião. Em segundo lugar, porque ele nos leva a pensar que há problemas estruturais que importa resolver e sem os quais corremos o risco de não fazermos mais do que operações de cosmética.
Mas se quisermos ir a tempos mais recentes, poderia invocar o que há 1 ano disse - e esta referência consta do Diário da Assembleia da República, de 15 de Novembro de 1983 -, ou seja, que valeria a pena recordar que todos temos do Orçamento a ideia de que ele é uma previsão. Porém, quando nos são apresentadas propostas de alteração do Orçamento nesta altura, não é normalmente de uma previsão que se trata, mas da verificação de uma situação adquirida. E, pior do que isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, aquilo que normalmente nos é apresentado sob a forma de proposta de lei de alteração do Orçamento não corresponde nem aos princípios orçamentais de rigor nem à disciplina constitucional orçamental.
No caso presente, gostaria de lembrar apenas uma dificuldade de tomo: é que nos termos constitucionais o Orçamento segue-se ao Plano e reproduz o Plano, e a Assembleia da República não dispõe de uma lei do Plano para 1984.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ou seja, esta alteração orçamental que deveria estar submetida a um plano não tem qualquer espécie de possibilidade de cumprir esta obrigação constitucional, e a culpa não é da Assembleia da República.
Porque não se trata de uma previsão, mas de um facto que é apresentado como consumado à Assembleia da República, é falso o dilema ontem aqui colocado ao Sr. Deputado Bagão Félix por parte da bancada do Governo: a alternativa não é diminuir o défice ou vender o ouro. A alternativa só se pode colocar nestes termos porque na proposta orçamental foi contada como receita a venda do ouro, porque ao abrigo dessa possibilidade de receita foram praticadas despesas no valor de, pelo menos, 45 milhões de contos e que já não oferecem à Assembleia da República nenhuma possibilidade de serem eliminadas. Ou seja, o que acontece é que existe um défice criado porque na proposta governamental se partiu de uma situação errada e não verificável.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque as situações são sérias, porque as situações são graves, elas fazem a todos nós, sem excepção, particulares exigências. Por isso, não creio que seja este o lugar e o momento apropriado para que, pura e simplesmente, fiquemos pela lamentação destas circunstâncias. Pelo contrário, creio que se exige de todos nós que sejamos capazes de encontrar os meios adequados para que situações desta natureza não se possam repetir.
O esforço que de nós é exigido, a confiança que nos pode ser pedida - porque a confiança é exigente, porque a responsabilidade é conjunta - é que colaboremos no enquadrar de medidas de controle e de acompanhamento da execução orçamental que não permitam a nenhum governo, qualquer que ele seja, poder confrontar-se com situações desta natureza.
O que está em causa é, por exemplo, o facto de continuarmos - e não sei por mais quanto tempo será, mas creio que não pode ser por mais tempo - a ter o mesmo serviço do Ministério das Finanças a fazer duas coisas: o controle da execução orçamental e a elaboração do Orçamento e das suas previsões. A Direcção-Geral de Contabilidade Pública não pode acumular duas funções inteiramente diversas porque, tal como se está a verificar, não realiza com eficácia nenhuma das duas missões que lhe são atribuídas. Creio que não está em causa o esforço dedicado das pessoas que trabalham nessa Direcção-Geral. Porém, está em causa a impossibilidade funcional de fazer previsão orçamental e acompanhamento do Orçamento.
Não é possível que o Sr. Ministro das Finanças nos possa vir dizer que na véspera teve notícias do Banco de Portugal sobre o comportamento da nossa dívida externa. O Sr. Ministro criou no seu próprio Ministério um grupo para acompanhar a evolução da dívida externa, conhecida a sua repercussão. Portanto, tem de ter elementos de gestão que lhe possibilitem essa informação atempada, tem de ter um esquema de relações com o Banco de Portugal que lhe permita dispor de informações a tempo e horas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O mal do acompanhamento orçamental é sério e obriga esta Assembleia da República a que no Orçamento de 1985 se tomem disposições para que esse controle se possa traduzir numa realidade, sem a qual todos os orçamentos não serão mais do que vagos enunciados de pias intenções. Ou então nós estaremos a fugir a uma responsabilidade que é de todos.
Em relação aos instrumentos que fazem parte do próprio Orçamento, creio que também não será possível continuar a acreditar que o simples voluntarismo verbal traduzido numa disposição orçamental significa só por si que a realidade se lhe conforma.
Não é possível dizer-se que as despesas com a saúde ou com a educação se conformam com limites que todos sabemos serem irrealistas para, meses depois, se vir verificar essa previsão irrealista. Isto é também uma exigência de rigor, é também o ter um conhecimento adequado das realidades e não esperar que aconteçam soluções por mero milagre, pelo simples facto de inscrevermos uma verba muito aquém daquilo que todos sabemos ser indispensável.
Em relação a uma reflexão para o Orçamento de 1985, importa ainda fixar outro quadro de actuação. Ora, esse quadro de actuação tem a ver com o próprio facto que é o quadro global traçado por este Orçamento. Não é possível - e creio que todos temos consciência disso - aumentar mais a carga fiscal. Assim sendo, os grandes equilíbrios terão de se ir encontrar ao lado das despesas.
Creio que daqui não há que fugir! E também não haverá que fugir na escolha das despesas mais eficazes e mais rentáveis. Isso é, com certeza, um esforço de imaginação e também um esforço de vontade. Mas creio que, sob pena de assistirmos a este deslizar progressivo das situações, de tentarmos de algum modo camuflá-las, de nos desviarmos dos autênticos proble-

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mas, estaremos a enganar-nos a nós próprios e ao País ao fugir das soluções. Não me parece que nenhuma avestruz tenha resolvido nenhuma situação de risco pelo facto de enfiar a cabeça na areia. Aliás, creio que o verdadeiro risco está sempre em continuar sem imaginação e sem vontade. A falta de coragem de um tempo paga-se com juros tempos depois!
Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que a lição deste Orçamento, que a nenhum de nós pode deixar contente e que a nenhum de nós pode deixar feliz, é a de um grande desafio em relação ao Orçamento de 1985.
As coisas não podem continuar assim. E é porque esse esforço de responsabilização nos é pedido que, pela nossa parte, com este mesmo sentimento de algum desgosto por as coisas assim se terem passado, não negaremos o nosso voto a esta proposta de alteração do Orçamento,...

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Que grande cambalhota!

O Orador: - ... reconhecendo todas as suas deficiências, mas pensando que a nossa atitude de seriedade implica que as medidas tomadas - porque é nessa altura que podem ser tomadas - se apliquem em relação ao Orçamento de 1985.

Aplausos da ASDI, do PSD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Alípio Dias): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por pedir desculpa à Câmara pelo facto de não me encontrar presente à hora do início dos trabalhos, mas acontece que por motivos de serviço inadiáveis não pude chegar mais cedo.
Sr. Deputado Magalhães Mota, relativamente à parte da sua intervenção que tive ensejo de ouvir, quando V. Ex.ª fez referência "à falta de acompanhamento da execução orçamental", gostaria que me esclarecesse qual o alcance que pretendeu dar a esta frase. Julgo, pois, que essa situação não existe.
Portanto, gostaria de ter conhecimento daquilo em que o Sr. Deputado se baseou para poder fazer a afirmação que fez, a fim de eu prestar a esta Câmara os esclarecimentos que creio serem devidos.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Secretário de Estado, creio que não é possível verificar a existência de um défice que se vai avolumando sem que esse controle orçamental seja posto em causa. Julgo também não ser possível falar-se em controle orçamental quando o Governo nos vem dizer que só na véspera é que soube pelo Banco de Portugal que não tinha 45 milhões de contos de receitas, pois já os tinha gasto. Pela bancada do Governo estão demonstradas à evidência as dificuldades do controle orçamental.
Porém, se V. Ex.ª ainda quiser mais exemplos, posso pormenorizar. O Sr. Secretário de Estado disse ontem numa intervenção que produziu que uma das
despesas que constava desta proposta de alteração do Orçamento tem a ver com a aquisição pelo Estado das participações que as instituições financeiras tinham na Hidroeléctrica de Cabora Bassa.
Esta questão da aquisição das participações financeiras, da Hidroeléctrica de Cabora Bassa foi-lhe apresentada por mim, Sr. Secretário de Estado, aquando do debate da proposta de alteração do Orçamento de 1983 - consta do Diário de 15 de Novembro de 1983, p. 1938 -, e foi por ambos concluído que se tratava de uma fórmula em que o controle orçamental tinha estado ligeiramente distraído. Ora bem, o fenómeno repetiu-se. Creio que os exemplos se poderiam multiplicar.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Deputado Magalhães Mota, como V. Ex.ª sabe, o Orçamento é elaborado com base em premissas, em postulados, e das duas uma: têm ou não aderência à realidade. Ora, no momento em que as premissas foram apresentadas a esta Câmara elas tinham aderência à realidade.
Em relação à Hidroeléctrica de Cabora Bassa, como também o Sr. Deputado sabe, trata-se da conversão de créditos que bancos portugueses tinham em Cabora Bassa em capital. Por força de acordos celebrados, esses créditos poderão ser adquiridos e pagos às instituições pelo Tesouro.
Foi ao longo do ano que se pôs de novo esta obrigatoriedade da conversão de créditos em capital - e, infelizmente, ela vai-se verificar ao longo de todos os anos -, mas não havia nenhuma estimativa para isso. Contudo, daí o Sr. Deputado concluir que não há controle orçamental... Se o Sr. Deputado quiser, no dia 9 de cada mês terei muito gosto em lhe fornecer toda a execução orçamental. E poderei fazer isso desde o começo do ano até ao mês anterior.
Não há falta de controle orçamental, Sr. Deputado. O controle orçamental é conhecido! Entre o dia 8 e 9 de cada mês - repito - o Sr. Deputado pode ver toda a execução orçamental discriminada por ministérios: despesas correntes, despesas de capital, duodécimos vencidos e pagamentos efectuados. Portanto, não sei onde é que o Sr. Deputado vê que há falta de controle orçamental.
Em relação ao Banco de Portugal já foi explicado - e se o Sr. Deputado quiser compreender até compreende - que durante muito tempo foi posta a opção de vender ou não ouro. Ora, em determinado momento, por não haver necessidade de cambiais e por a cotação do ouro não ser favorável, optou-se por não vender ouro. A inscrição que vinha no Orçamento do Estado estava de acordo com aquela que constava do orçamento do Banco de Portugal. Portanto, não há aqui nada de esquisito que tenha aparecido.
Se o Sr. Deputado quiser perceber isto, percebê-lo-á muito bem. Se quiser continuar a laborar na sua construção dirá que não há controle orçamental.

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Quando o Governo insiste em revestir o PIDDAC com 5 milhões de contos, isso é uma atitude deliberada de política económica e a Câmara pode ou não estar de acordo. Contudo, isto não é falta de controle, mas sim uma decisão de política económica. Vamos ver se começamos a compreender isto de uma vez por todas!

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Secretário de Estado, esta é das tais questões que quem quiser compreender compreende e já todos compreendemos! Portanto, talvez pudesse ficar-me por aqui. Porém, terei de acrescentar mais alguma coisa.
Sr. Secretário de Estado, todos sabemos como é que a contabilidade pública recebe os instrumentos dos vários ministérios e que possibilidades têm alguns Ministérios de fornecer esses elementos à contabilidade pública. Ora, conhecemos os boletins que a Direcção-Geral da Contabilidade Pública fornece, sabemos do atraso com que são fornecidos e, portanto, sabemos como é que o rigor orçamental e o rigor do controle orçamental se vai exercendo.
Gostaria que V. Ex.ª explicasse, se tiver ocasião para isso, como é que lhe aparece como uma despesa imprevisível, por exemplo, a do vencimento de professores, que é um dos reforços que são pedidos. Como é que neste momento se vem pedir uma provisão de 6,7 milhões de contos para despesas imprevistas, que depois são distribuídas por vários ministérios, quando se sabe perfeitamente que essa situação é para colmatar lacunas existentes? Não me diga que essa verificação de lacunas se faz de um dia para o outro! Se ela se faz de um dia para o outro é porque V. Ex.ª não tem um controle orçamental exacto. Se não se faz de um dia para o outro é porque há um laxismo no controle orçamental. V. Ex.ª, desculpe que lhe diga, mas não tem por onde sair!

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Presidente, peço a palavra para exercer o direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Alípio Dias): - Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª sabe que até Fevereiro ou Março de 1984 a admissão de professores não estava controlada. Quer dizer, as admissões de professores processavam-se segundo as necessidades do Ministério da Educação tout court. Ora, isso deixou de existir. Já foi dito aqui nesta Câmara que entraram mais de 3000 professores.
Por outro lado, no que respeita à dotação provisional, o Sr. Ministro das Finanças já deu a conhecer uma discriminação por vários ministérios. E é apenas por razões pragmáticas e operacionais que não se faz uma distribuição maciça, pois seriam mais de 30 ou 40 páginas de papel sem vantagem para ninguém. Ficará uma margem para fazer face a imprevistos.
Aliás, recordo-me que há um ano atrás o Sr. Deputado levantou um problema paralelo da dotação provisional e, infelizmente, decorrido menos de um mês
estavam a ter lugar as grandes chuvadas de Novembro, que deram milhares de contos, para não dizer milhões, de prejuízo. Portanto, o Sr. Deputado sabe que é necessário ter uma margem para ocorrer a estas situações.
No entanto, na comissão especializada terei muito gosto em tecer mais pormenores sobre esta matéria.
Porém, gostaria que o Sr. Deputado e toda esta Câmara ficassem bem cientes de que não se trata de falta de rigor nem de laxismo. Grosso modo, sabemos para onde é que esses dinheiros vão e devemos ficar com uma margem para despesas imprevistas.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação à Mesa é no sentido de solicitar a V. Ex.ª - na medida em que não me posso dirigir directamente ao Sr. Secretário de Estado - que, perante o anúncio feito pelo Sr. Secretário de Estado de que no dia 9 de cada mês tem os resultados da execução orçamental do mês anterior, fossem fornecidos à Câmara com a maior urgência possível os resultados da execução orçamental do mês de Setembro passado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não está nos poderes da Mesa dar satisfação ao requerido por V. Ex.ª. Creio que o Sr. Secretário de Estado ouviu a interpelação do Sr. Deputado e dar-lhe-á o seguimento que entender.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É bem conhecida a posição da UEDS face à política económico-financeira do governo que se encontra em funções. A proposta de grandes opções do Plano aqui apresentada e oportunamente votada nesta Assembleia mereceu-me o comentário de que tal proposta surgia enquadrada "por uma óptica quase exclusiva e obsessiva de preocupações com o reequilíbrio das contas de Portugal com o exterior, com uma orientação de encaminhamento da política económica num sentido recessivo, da diminuição do investimento público, da contracção global do crédito, do aumento do desemprego".
Ainda no mesmo debate, referia-se que "a quebra global prevista para o produto interno bruto, as limitações postas aos projectos de investimento nas áreas industriais e das obras públicas, o aumento do desemprego [...]", entre outros aspectos, fundamentaram as nossas críticas essenciais ao Orçamento do Estado para 1984.
Efectivamente, as previsões vieram a confirmar-se. A redução do produto, sem correcções na distribuição do rendimento, antes em alguns casos com agravamento das distorções já existentes, veio a provocar uma significativa quebra do poder de compra das classes que se costumam chamar de mais desfavorecidas e que são a grande maioria da população. Funcionários públicos, a grande maioria dos trabalhadores por conta de outrem na indústria, no comércio e serviços, uma boa parte dos quadros, entre outros grupos

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sociais, viram significativamente reduzido o seu real poder de compra neste ano de 1984.
A quebra do investimento global e os tímidos esboços, pouco concretizados, de uma política modernizadora não rasgaram até agora perspectivas para o futuro, e não existe nenhuma mobilização social positiva que permita porventura passar de uma política de austeridade, aceite e compreendida, a uma política de desenvolvimento compreendida e aceite pela comunidade nacional, designadamente pelo mundo do trabalho, pelas suas organizações representativas e pelos empresários activos e modernizantes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Parece necessária e imprescindível uma séria inflexão na política económica nacional, se não se quer a completa obsolência do aparelho produtivo, se não se quer a generalização de situações de carência e de miséria a diversas regiões do País, a partir da zona outrora palco de tantas movimentações de trabalhadores (o distrito de Setúbal) e hoje centro das mais negras situações de desespero.
Mas este orçamento suplementar, ou talvez este suplemento do Orçamento, não nos anima ainda com essa inflexão na política económica que pensamos ser imperativa.
Do que se trata então?
Em primeiro lugar, de reconhecermos e analisarmos algo de não completamente esclarecido e que se refere a inadequadas previsões do Ministério das Finanças quanto à actividade do Banco de Portugal.
Para além disso, são-nos presentes alguns esforços de verbas de natureza diferentes. Dada a escassez de tempo, refiramos apenas os esforços dos montantes das indemnizações compensatórias, os aumentos de capital de empresas públicas e outras verbas relativas a aumentos de investimento.
Quanto aos esforços dos montantes das indemnizações compensatórias, a nossa posição é clara e prende-se com a exigência de transferência nas contas das empresas públicas e obviamente naquelas que praticam preços de carácter social.
Ao contrário de práticas por várias vezes seguidas, as indemnizações compensatórias devem ser claramente inscritas, a tempo, nos orçamentos das empresas e do Estado, cobrindo as diferenças entre o preço que a empresa fixaria, se preocupações de ordem social não existem, e aquele preço que lhe é fixado por imperativos de ordem social.
E, se são condenáveis as práticas em tempos seguidas de agravamento da situação das empresas, por pagamento parcial, ou atrasamento, de tais indemnizações compensatórias, também registamos com estranheza a diferença significativa entre a proposta de há um ano e o total que resultará dos acréscimos propostos para essas indemnizações, se e quando aprovado.
Alguma coisa não irá bem no planeamento dos transportes, e especialmente é preciso ficar bem claro que o público não deve pagar, nem directamente através dos bilhetes, nem indirectamente através de indemnizações compensatórias, custos de ineficácia existentes em empresas do sector.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Já terá ficado bem clara ao longo deste debate a concepção global que temos do papel do sector público empresarial e a preocupação que temos quanto ao uso das dotações de capital para empresas públicas, quando não associadas a novos projectos concretos ou a reestruturações significativas, que permitam a sua criabilização ou a sua redinamização.
Mas, quereria que ficasse aqui igualmente clara a preocupação que temos em vermos sucederem-se os governos, aparecerem e desaparecerem os ministérios da Reforma Administrativa ou equiparados, e não serem adaptadas medidas de fundo que permitam a contenção significativa dos défices do sector público administrativo.
Partilhemos, pois, a preocupação já expressa nesse sentido, com matizes diversos e talvez diferentes intenções, por deputados de várias bancadas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podemos deixar crescer, sem lhe alterarmos a lógica, uma Administração Pública com larguíssimas zonas de ineficácia, com um enquadramento que muitas vezes não será o melhor, com significativas deficiências de formação, com baixas remunerações e motivações, com uma grande ausência do sentido do serviço público, num aparelho de Estado em que o nepotismo de antigamente mantém raízes, um novo laxismo coabita com ele e uma relativa perda de autoridade de órgãos de soberania permite essa negativa coexistência e essa ineficácia.
Ao contrário de outros, penso que o consenso também pode ser democrático, e, se possível, deveríamos meter mãos à obra de procurarmos o mais alargado consenso possível para uma profunda e sólida reforma da Administração Pública.
Só uma Administração Pública com eficácia poderá também ser um dos suportes do relançamento da actividade económica que desejamos. Onde não negamos às empresas privadas (que respeitem a legalidade) o seu lugar próprio, onde (para nós) o sector autogestionário, e especialmente o cooperativo, deverão ter o seu lugar, cada vez de maior relevo, onde o sector público empresarial deve ter condições para desempenhar um papel forte e actuante.
Este orçamento suplementar, ou este suplemento do Orçamento, não representa a inflexão que queremos, no sentido que desejamos, de modernização da nossa economia, de relançamento do desenvolvimento económico e social. Apesar de aumentar alguns investimentos, porventura necessários, não sendo ainda clara, neste momento, com as explicações dadas, a sua reprodutibilidade.
E alarga um défice orçamental, o que, se nos preocupa, não preocupa tanto como esperaríamos que preocupasse o Governo.
Mas adiante. Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não quero esgotar todo o tempo do meu partido.
Após tudo o que disse e o que temos dito ao longo deste debate, a nossa posição definitiva ficará por ora reservada. Aguardamos, pois, um mais profundo esclarecimento sobre alguns dos aspectos que estão em apreço neste orçamento suplementar que nos é proposto.
Não se integrando a nossa bancada nem na maioria governamental, nem nas sistemáticas oposições centrista e comunista, ponderaremos por mais algum tempo antes de anunciarmos a nossa votação deste orçamento suplementar. Procuraremos, por outro lado, contribuir, ao longo do debate, para a clarificação do seu significado preciso.

Aplausos da UEDS e do MDP/CDE.

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes.

Pausa.

O Sr. Deputado Jaime Ramos deseja a palavra?

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, como o Sr. Deputado Santana Lopes não se encontra presente neste momento, talvez fosse melhor, para não perdermos o ritmo dos trabalhos, passarmos à intervenção seguinte.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto de o Governo apresentar à Assembleia da República uma proposta de orçamento suplementar - é bom que fique muito claro - não significa de modo algum que o orçamento que se pretende rever não tenha sido feito com toda a verdade e que a gestão orçamental não tenha sido feita com todo o rigor.
Um orçamento é uma previsão, e uma previsão, pela sua própria natureza, não é uma afirmação de que as coisas se vão passar necessariamente de acordo com aquilo que se prevê. E esta verdade é demonstrada pela prática, uma vez que os orçamentos suplementares surgem todos os anos - sempre assim foi -, e é uma prática que se revela perfeitamente aconselhável, porque significa que o Orçamento do Estado é um mero instrumento de política, e que, alterando-se as situações, se torna desejável fazer as adaptações correspondentes.
Isto é sobretudo em períodos que se caracterizam por alguma instabilidade, não só política mas também económica, não apenas a nível nacional mas também a nível europeu e até mundial.
Fica, portanto, perfeitamente claro que um orçamento suplementar é um acto normal e não significa de modo algum que haja erros que através dele sejam corrigidos. O que existe são, naturalmente, adaptações a uma realidade que nunca pode ser conhecida com total e absoluto rigor no momento em que o orçamento é aprovado.
De resto, a discussão que se tem travado nesta Assembleia mostra que as alterações propostas se baseiam em aspectos que não eram razoavelmente de prever no momento em que foi elaborado e aprovado o Orçamento de 1984.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É falso!

O Orador: - E, para me referir apenas a um caso, porventura exemplar, penso que vale a pena recordar o problema do agravamento do défice em 45 milhões de contos, pelo facto de não ter sido vendido ouro, como estava previsto pelo Banco de Portugal. Se o Banco de Portugal previa, correctamente - creio que não se pode duvidar disso -, fechar o seu balanço com um resultado positivo, era perfeitamente correcto que houvesse transferência de uma parte do saldo para o Orçamento do Estado.
Aconteceu que as coisas evoluíram em termos francamente positivos. A situação económica do País permitiu que fossem solvidos pontualmente os compromissos do Estado sem necessidade de vender ouro. Quer dizer, a gestão foi boa e a economia gerou rendimentos que puderam dispensar o comprometimento definitivo de uma parte das nossas reservas de ouro.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um êxito!

O Orador: - E não é correcto que se esconda este facto, indiscutivelmente positivo, com o argumento de que isto vai determinar o aumento do défice em 45 milhões de contos. De resto, não sendo, naturalmente, uma pessoa muito versada em questões económicas e financeiras ...

Vozes do PCP: - Nota-se, nota-se bem!

O Orador: - ..., não tenho nenhuma dificuldade em reconhecê-lo, também não tenho incapacidade, como qualquer cidadão comum, em compreender o que há de verdadeiramente real e substancial nestas questões.
Tenho os conhecimentos suficientes para poder afirmar - sem receio de ser desmentido pelas autoridades nesta matéria existentes nesta Câmara - que o problema do défice tem muito mais a ver com as causas que estão na origem que propriamente com a sua expressão numérica.
É evidente que neste caso concreto o facto de haver uma expressão numérica que aumenta o défice em 45 milhões de contos não é, a meu ver, em termos definitivos, um facto político ou economicamente negativo, porque significa que não foi necessário comprometer reservas de ouro e que a nossa economia se comportou em termos muito mais optimistas do que o Governo previu, e infinitamente mais optimistas do que a oposição proclamou ao longo do ano de 1984.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Isso é para rir?

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - A falsidade tem limites!

O Orador: - Mas a minha intervenção dirigir-se-á, naturalmente, para o esclarecimento de algumas questões que foram levantadas neste debate a propósito da área do Ministério de Trabalho e Segurança Social.
Recordo-me que se afirmou aqui, com alguma surpresa, tirando ilações que são completamente despropositadas, que, por exemplo, a redução de 2 milhões de contos na verba do orçamento do Fundo de Desemprego, destinada ao pagamento de subsídios de desemprego, significava menos atenção e menos cuidado e protecção aos trabalhadores desempregados.
Mais uma vez se faz uma afirmação perfeitamente destituída de fundamento. Foi afirmado durante a discussão do Orçamento, e é reafirmado neste momento, que este Governo encontrará sempre, nem que tenha de fazer para isso grandes sacrifícios económicos e financeiros, os meios indispensáveis para assegurar o pagamento das prestações sociais, nomeadamente o subsídio de desemprego e inclusive das pensões sociais. O que acontece, pura e simplesmente, é que mais uma vez as previsões sobre o aumento do desemprego acabaram por se revelar pessimistas, mesmo para o Governo. E foi possível reduzir em 2 milhões de

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contos a verba destinada ao subsídio de desemprego exactamente porque o desemprego não subiu à taxa que o próprio Governo previa, e nem nada que se pareça à taxa que muitas oposições andaram constantemente a proclamar.
Nesta matéria, importa que, em vez de cada um atirar para o ar números que são mais ou menos engendrados na sua cabeça, se jogue com números reais.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Venham eles!

O Orador: - E os números de que dispomos, através do Instituto Nacional de Estatística ...

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - O Ministério do Trabalho não tem números?

O Orador: - Tem sim, já lhos vou dizer, Sr. Deputado.
Mas os números de que dispomos relativos ao último trimestre de 1983 ...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - 1983?

O Orador: - São os últimos disponíveis através do Instituto Nacional de Estatística, Sr. Deputado.

Risos.

Essas gargalhadas são pura ignorância de quem não conhece a realidade portuguesa.

Vozes do PCP: - Ignorância é a sua!

O Orador: - O Instituto Nacional de Estatística diz-nos, nas suas últimas estatísticas conhecidas, que existiam em Portugal 464 600 desempregados no último trimestre de 1983. Gostaria de lembrar que o critério adoptado para determinar o número de desempregados se reporta a uma realidade que abrange todos os cidadãos portugueses maiores de 14 anos, que, tendo capacidade e disponibilidade para o trabalho, não estão a trabalhar, sem cuidar de saber se eles procuram efectivamente emprego.
Estes são os números que apontam exactamente para uma taxa de desemprego da ordem dos 10,5% ...

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sem cuidar, é falso!

O Orador: - . .., muito longe das taxas de desemprego que, como se sabe, existem noutros países, e que equivale à taxa média dos países da Europa.
Mas há outra forma de avaliar o desemprego que, a meu ver, é mais correcta do ponto de vista social. Interessa muito mais saber quem é que, querendo trabalhar e procurando trabalho, não encontra um emprego, que propriamente saber quantas pessoas que eventualmente poderiam trabalhar, sem se saber se o querem fazer, mas estão desempregadas.
E a esse respeito, os dados de que disponho em relação ao mês de Maio de 1984, de estatísticas do Ministério do Trabalho, dizem o seguinte: trabalhadores desempregados, isto é, que procuram emprego podendo trabalhar e tendo disponibilidade para o trabalho, 292 775. Estes são os números certos, e a fantasia dos números apontados por cada um fica com quem a eles recorre.
De qualquer maneira, todos se recordam que houve órgãos de comunicação social e senhores deputados que apontavam para 1 milhão de desempregados no nosso país. A realidade concreta é esta, e felizmente é mais favorável que aquela que o próprio Governo previa.
Gostaria, a propósito, de não deixar passar em claro uma afirmação insidiosa e malévola quanto à gestão que está a ser feita do orçamento do Fundo de Desemprego, nomeadamente em relação ao apoio financeiro concedido às empresas.
Falo com pleno conhecimento de causa, e posso dizer a esta Câmara que o orçamento do Fundo de Desemprego está a ser gerido com total rigor e inteira transparência. Nomeadamente no capítulo dos apoios financeiros a empresas, as decisões que se tomam são tomadas de acordo com os critérios preestabelecidos e os apoios financeiros são divulgados por forma que vai muito além daquela que era usada em tempos anteriores.
Importa que se recorde aqui, sumariamente, qual é a atitude do Ministério do Trabalho e Segurança Social neste domínio.
Em primeiro lugar, foi determinado politicamente que com este governo não haveria apoios financeiros a fundo perdido, o que penso ser uma orientação que esta Câmara saudará. Em segundo lugar, foi determinado por este governo e pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social que não haveria apoios financeiros a empresas que não se inserissem num processo de autoviabilização. Em terceiro lugar, os apoios financeiros não são concedidos apenas com base nos critérios e nas informações do Ministério do Trabalho, mas sim sempre concedidos com base em informações e critérios de outras entidades públicas que têm a ver com a situação das empresas.
Em concreto, quando se trata de cooperativas, na base de pareceres da Secretaria de Estado do Fomento Cooperativo, quando se trata de empresas industriais, na base de pareceres do Ministério da Indústria e do IAPMEI, e, naturalmente, quando se trata de empresas que têm relações com a banca - e são todas elas -, sempre com base em pareceres da Secretaria de Estado do Tesouro.
E só quando na posse de todas as informações disponíveis e com base nos pareceres dos técnicos que conhecem a situação das empresas se chega à conclusão de que é socialmente conveniente salvar uma empresa que pode ser salva é que o Ministério do Trabalho e Segurança Social e a Secretaria de Estado do Emprego concedem os apoios financeiros.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Mas há mais. Não concedemos apoios financeiros pelo simples facto de eles serem necessários e possivelmente virem a resolver o problema cia empresa. Exigimos uma participação de todos aqueles que têm responsabilidades na empresa, no processo da sua viabilização. E, por isso, é muito frequente que o apoio financeiro seja condicionado à entrada de capitais frescos dos próprios empresários e à consolidação da dívida por parte dos credores públicos, nomeadamente a banca. E só quando estamos em face de um processo que aponta claramente para a possibili-

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dade de viabilização da empresa é que efectivamente nos dispomos a avançar com o nosso apoio financeiro.

Aplausos do PSD.

Penso que isto são medidas que demonstram a vontade do Governo em utilizar, com todo o rigor e ao serviço do País, as verbas que lhe são confiadas, nomeadamente em virtude de descontos de trabalhadores e entidades patronais.
Aliás, anuncio que se encontra no Conselho Permanente de Concertação Social um projecto de diploma que abre aos parceiros sociais que têm assento no Conselho a possibilidade de terem uma intervenção na gestão do próprio Instituto do Emprego e Formação Profissional, que é o órgão que aplica as verbas do Fundo de Desemprego para este efeito.
Está, portanto, claramente reposta a verdade dos factos. E não me venham apontar nem ameaçar com inquéritos, porque a actividade do Ministério do Trabalho e do Governo é transparente, não receia inquérito nenhum, e está disposto a dar todas as justificações e esclarecimentos acerca da forma como efectivamente as verbas são aplicadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Ainda bem!

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Vou tomar nota!

O Orador: - Gostaria de dizer ainda mais. Os compromissos do Ministério do Trabalho e Segurança Social - cabe-me naturalmente falar da área pela qual sou responsável -, têm sido pontualmente assumidos e respeitados, não só no programa de revisão de legislação laboral, como em relação às medidas que têm sido anunciadas, naturalmente dentro do contexto e do esquema de funcionamento das organizações democráticas do nosso país.
Em relação ao subsídio de desemprego, que vai ter um novo regime, houve a maior celeridade da parte do Governo no cumprimento das promessas por ele feitas.
Encontra-se há largos meses no Conselho Permanente da Concertação Social, depois de visto em Conselho de Ministros, um projecto de decreto-lei, exactamente para melhorar substancialmente a protecção aos trabalhadores desempregados. E sobre esse projecto de decreto-lei foi já dado um parecer favorável pelos parceiros sociais, e em breve, em conjugação com outros diplomas, esse decreto-lei será submetido a Conselho de Ministros, podendo já afirmar que até já foi solicitado pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social o seu agendamento em próxima reunião. Como aliás, o Ministério do Trabalho está empenhado em manter os seus compromissos, no que respeita ao programa de construção de centros de formação profissional e, em geral, a uma maior dinamização da acção do Governo no domínio da formação profissional. E isto, desenvolvendo esta acção, não só através de instituições oficiais, mas também - e tem sido essa a orientação predominante - através de acordos protocolares com associações de empresas e empresas privadas, nomeadamente, cabendo aqui o desenvolvimento do programa de aprendizagem que vai conhecer um grande incremento no próximo ano de 1985.
São estas as finalidades que o Ministério do Trabalho pretende efectivamente alcançar através da aplicação das verbas do Fundo de Desemprego, procurando respeitar integralmente a orientação política que foi adoptada aquando da discussão do seu programa nesta Assembleia.
Creio que bastará fazer mais alguns comentários acerca do Orçamento da Segurança Social. A este respeito direi que as previsões feitas não podem, no momento em que são feitas, considerar-se irrealistas ...

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Pois não!

O Orador: - ..., embora se reconheça que a cobrança das receitas da Segurança Social não acompanhou essas previsões.
Posso dizer que foram cometidos alguns erros, que não são da responsabilidade nem do Governo, nem do Ministério do Trabalho e Segurança Social, nem da Secretaria de Estado da Segurança Social, e que nos levaram a uma previsão de receitas exagerada em relação aos nossos cálculos.
Partimos de um montante de receitas de 1983, que não era real, aplicámos-lhe a taxa de aumento previsível de 20%, e isto naturalmente conduziu a um montante superior àquele a que conduziria se a base sobre que se aplicou a percentagem de 20% fosse a base real, e não aumentada pelos erros que referi, em cerca de 3 milhões de contos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isto é que é rigor!

O Orador: - Mas o rigor do Orçamento não é posto em causa pelo facto de se ter vindo a verificar que as receitas não cresceram no montante previsto, porque esse problema discute-se na altura, e não vi que nenhum Sr. Deputado se tivesse levantado nesta Câmara a dizer que as previsões de receitas no Orçamento da Segurança Social eram exageradas.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - É falso!

O Orador: - É nesse momento que se avalia a bondade ou o erro da previsão, não é depois quando as coisas se conhecem. Toda a gente sabe que os factos são avaliados no momento em que se praticam e não depois à luz de novas circunstâncias e novas realidades que não eram conhecidas anteriormente.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Além de ser falso, é irresponsável!

O Orador: - A realidade é esta, as receitas não tiveram comportamento previsível e para que o Governo pudesse solver os seus compromissos em matéria de Segurança Social era necessário solicitar ao Ministério das Finanças e do Plano uma transferência suplementar da ordem dos 12,9 milhões de contos, porque as restantes transferências não têm que ver com a quebra de receitas.
A alternativa é esta: ou o Governo reduz as regalias dadas aos cidadãos através da Segurança Social, ou faz o esforço necessário para manter essas prestações ao nível minimamente desejável.
E a política do Governo tem sido sempre - como disse há pouco - a de que há coisas que temos de

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considerar mais sagradas do que outras. Temos de olhar, em primeiro lugar, para os problemas dos cidadãos que lutam pela sobrevivência e só depois para aqueles que lutam pelo desejável, ou muitas vezes até, pelo supérfluo.
Este Governo já demonstrou, levando mais longo do que qualquer outro as transferências do Orçamento do Estado para a Segurança Social, que é um Governo preocupado com a situação das pessoas mais desfavorecidas, e que é um Governo que quer defender, dentro da medida do possível da nossa economia e mais do que em qualquer outro sector, o poder de compra dos reformados e dos que estão protegidos pela Segurança Social.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Devo dizer, de resto, que em termos de Orçamento da Segurança Social e de acordo com o que foi aprovado nesta Assembleia, não se pode considerar a situação como um buraco, ou outras coisas que às vezes se dizem na gíria política. Porque a verdade é que o Orçamento da Segurança Social de 1984 prevê despesas que não têm base contributiva e que montam a mais de 60 milhões de contos. Ora a transferência global, mesmo com o Orçamento Suplementar ao Orçamento do Estado, atinge pouco mais de 50%, cerca de 30,2 milhões de contos, se não estou em erro.
Portanto, o Orçamento do Estado é ainda devedor, em justos termos, ao Orçamento da Segurança Social, na medida em que é lógico e é correcto que seja o Orçamento do Estado a cobrir a parte das despesas de Segurança Social que não têm base contributiva.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Então por que é que isso não se fez no Orçamento inicial?

O Orador: - É importante que se afirme que o Governo é solidário e a Segurança Social não quer de maneira nenhuma quebrar a solidariedade com o Orçamento do Estado.
Temos de ter uma visão global e, por isso, é que o princípio, que aliás foi aprovado na lei quadro do sistema da Segurança Social, é uma meta que este governo tem realizado em medida muito maior do que qualquer outro. Mas não é uma meta que possa ser realizada sem cuidar dos reflexos que efectivamente essa realização pode reflectir sobre a nossa economia.
Temos a consciência de que a protecção dos cidadãos mais desfavorecidos, através da Segurança Social, só pode ser eficiente e eficaz se a nossa economia for sólida e gerar rendimentos suficientes à protecção das pessoas mais desfavorecidas.
É por isso que tem de haver solidariedade, e o Ministério do Trabalho e Segurança Social, que tem dois orçamentos próprios - o da Segurança Social e o do Fundo de Desemprego -, sempre assumiu esta posição de solidariedade e assumila-á sempre no futuro, sem prejuízo de procurar, naturalmente, realizar no máximo possível os interesses que lhe estão especialmente afectados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que depois do que foi dito, não há razões para pôr em causa o acerto das alterações que o Governo propõe, não só no domínio da Segurança Social como até no domínio do Orçamento em geral. E por isso, os Srs. Deputados farão bem em aprovar a proposta que o Governo apresenta a esta Câmara.

Aplausos do PS e do PSD.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Ouvi com atenção a exposição do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, que aliás se dividiu em duas partes.
Na primeira, mais parecia o Ministro das Finanças a falar, tal foi a clarividência da exposição relativamente à explicação do défice orçamental. Não sei se nisto estará já implícito alguma remodelação governamental futura!
A segunda parte da sua intervenção - e desculpe a imagem do ponto de vista pessoal, Sr. Ministro -, parecia mais, não a do Ministro do Trabalho e Segurança Social, mas a de um líder da bancada social-democrata.

Vozes do PSD: - E é, e é!

O Orador: - Efectivamente, quanto às questões concretas o Sr. Ministro nada disse, e quanto à primeira parte, relativa à questão das finanças, o Sr. Ministro fala em coisas normais, ou seja, que se trata de ajustamentos, que não há buraco, não há défice, que a gestão foi boa - esta foi uma expressão que utilizou. Bem, a gestão parece que foi boa, os Portugueses irão responder por isso. São só mais de 70 milhões de contos de despesas!
O Sr. Ministro diz até uma coisa curiosa: que o défice tem muito mais a ver com as causas que lhe estão na origem. Foi, nessa parte, a única afirmação que o Sr. Ministro - em meu entender - disse correcta.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Já não é mau!

O Orador: - De facto, o défice tem muito mais a ver com as causas que lhe estão na origem. Foi precisamente isso que procurámos explicar nas nossas intervenções.
E o que está na origem do défice não é a questão do Banco de Portugal, ou do ouro, mas sim mais 75 milhões de contos de despesas. É isso que tem de ser perfeitamente claro neste debate. Isso não pode ser escamoteado, como parece que está a ser.
O Sr. Ministro diz ainda que a execução do Governo foi - a expressão é sua -, infinitamente optimista. Sr. Ministro, parece que a nossa paciência é que tem de ser perfeitamente infinita perante a sua sobranceria e perante a falta de qualidade com que proeurou aqui contrariar os argumentos que foram ontem explanados pelo CDS.
Relativamente ao desemprego e à segurança social, vejamos algumas questões concretas. No que respeita às contribuições, o Sr. Ministro acha uma normalidade as contribuições aumentarem só 15 % ou 16 % este ano. Refere um lapso dos serviços. Sei qual foi esse lapso, Sr. Ministro, mas esse lapso joga contra

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o seu argumento, porque ele verifica-se nas contribuições em Dezembro do ano passado, e as contribuições de Dezembro do ano passado estavam aumentadas. Como a base real do ano passado foi realmente menor, o aumento este ano seria maior.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!

O Orador: - O Sr. Secretário de Estado do Orçamento disse que os principais impostos, quer directos, quer indirectos, aumentaram 33 % nos últimos 7 meses, relativamente a igual período do ano anterior. Como é que se explica que, em contrapartida e com quase a mesma base colectável, por exemplo relativamente ao imposto profissional, as contribuições para a segurança social apenas cresçam 15 %? O Sr. Ministro poderá explicar?
Quanto à questão do desemprego, acusou-nos de atirar números para o ar. Então vou-lhe dizer, Sr. Ministro, um número concreto que está no Orçamento que V. Ex.ª aqui apresentou. Para subsídio de desemprego em 1983 estavam previstos 5 milhões de contos. O Sr. Ministro previu 12 milhões. Vem agora dizer que são 9 170 000 contos. Mesmo assim a verba, agora já de acordo com a execução, cresce 80 %.
Então, cresceu ou não, mesmo contando que o subsídio de desemprego não é um elemento extremamente crucial para a comparação do aumento de desemprego propriamente dito? Aumentou ou não 80 %?
A última questão que lhe gostava de pôr é esta: o Sr. Primeiro-Ministro e outro membro do Governo, aliás em emissão repetida na televisão, anunciaram há tempos algumas medidas estruturais. Nessas medidas anunciaram a venda das casas da Previdência, relativamente às quais já tinha sido feito um decreto-lei. Mas, enfim, agora foi feito outro. Portanto, vamos vender. É uma medida indiscutivelmente estrutural para o Sr. Primeiro-Ministro, para o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, para todo o Governo.
Mas, Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social, explique-me lá como é que, estando previstos, ainda com a tal legislação do Governo anterior - que era ineficaz, que não funcionava -, no Orçamento deste ano, 860 000 contos resultantes do produto da venda de casas, agora com esta legislação que vai facilitar essas vendas, com esta reforma estrutural profunda, as vendas passam de 860 000 contos para 100 000 contos.
Esta é uma prova de falta de credibilidade e de coerência deste governo.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro do Trabalho, há mais pedidos de esclarecimento. O Sr. Ministro aguarda para responder no fim a todos os pedidos?

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Respondo em conjunto no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros, Sr. Ministro do Trabalho: O Sr. Ministro do Trabalho veio aqui dizer que o Governo é patriota, que não vende ouro e por isso é que há um défice; aliás, certa imprensa tem corroborado neste sofisma.
Primeiro - vamos à verdade -, o senhor já vendeu no ano passado 56 toneladas de ouro - cerca de 700 milhões de dólares - e este ano venderam mais 50 milhões de dólares americanos. Fica, portanto, demonstrado o vosso descalabro financeiro.
Segundo: os senhores já vão no segundo buraco este ano e ainda há um terceiro, que elevará o défice para mais de 260 milhões de contos, como iremos demonstrar na especialidade e como, aliás, o Secretário de Estado do Orçamento já aceitou, pois que já aceitou que os juros da dívida externa não estão contabilizados e vamos demonstrar isso.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Não, não!

O Orador: - Escusa de estar a levantar assim o dedinho porque foi o que se passou.

Risos do PCP e do PSD.

O senhor tem enganado muitos governos, mas aqui, connosco, não nos engana.

Aplausos do PCP e protestos do PSD.

É esta a realidade! Vamos agora a uma questão concreta e de uma grande responsabilidade, que todos os Srs. Deputados aqui presentes e o Sr. Presidente não podem deixar de passar em claro, que é este sofisma que foi dito aqui pelo Dr. Almeida Santos e pelo Sr. Ministro do Trabalho: não se vendeu ouro e, por isso, há um défice, mas nós estamos pela não venda do ouro.
Ao dizer-se isto está a dizer-se: nós íamos buscar lucros ao Banco de Portugal, mas o Banco de Portugal não vendeu ouro e, por isso, não tem lucros. Então está a dizer-se que o Banco de Portugal só teria lucros, este ano, se vendesse o ouro; então está a dizer-se que o Banco de Portugal não tem lucros; então está a dizer-se que o Banco de Portugal e o sistema bancário estão como a D. Branca.

esta a responsabilidade que tomam, Sr. Presidente e Srs. Deputados? É esta a responsabilidade que toma este governo?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se toma esta responsabilidade, então em que é que está o sistema financeiro? Isto é muito grave. Os senhores estão a liquidar a economia portuguesa e querem liquidar também o sistema financeiro? Porque os senhores não iam buscar ao Banco de Portugal todo o produto da venda do ouro. Os senhores iam buscar ao Banco de Portugal uma parcela dos lucros. Se o Sr. Ministro do Trabalho não percebe isto, pois confessou que as histórias de economia o finanças lhe estão muito distantes, o Sr. Ministro das - finanças sabe isso.
E como e que se admite que um Ministro das Finanças, unia semana antes, não saiba quais os resultados do Banco de Portugal ou o preço dos resultados do Banco de Portugal? O Ministro das Finanças, que coordena os Secretários de Estado do Orçamento e do Tesouro e o Banco de Portugal, disse que o Banco de Portugal vai ter uns milhões de contos

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de lucro e, uma semana depois, vem dizer que não, que afinal não tem lucros. Onde é que estamos? Onde é que está este rigor? Onde é que está este descontrole? Isto é uma república das bananas?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado do Orçamento pede a palavra para que efeito?

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Presidente, é para um protesto quanto à afirmação feita pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas quando diz que estou aqui, realmente, a enganar alguém. O Sr. Deputado sabe muito bem que não estou a enganar ninguém.

O Sr. Presidente: - Se quer usar já da palavra, tem a palavra, Sr. Secretário de Estado do Orçamento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Eu tive ocasião de explicar ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas, na Comissão de Economia, Finanças e do Plano, que o que se passa é o seguinte: houve um reforço que foi realmente satisfeito na área dos reembolsos da dívida externa e que foi satisfeito, portanto, com verbas encontradas dentro do Orçamento e cuja alteração estava nas competências do Governo. Foi isso que expliquei ao Sr. Deputado. Portanto, este reforço de verbas na área externa não tem de vir à Assembleia, porque estava nas competências do Governo e o Governo tinha possibilidade de o satisfazer com os meios que tinha dentro do Orçamento. Eu já expliquei isso e voltarei a explicar na Comissão especializada, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O senhor é um mentiroso!

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta afirmação do Sr. Secretário de Estado do Orçamento é uma inverdade. Como V. Ex.ª sabe - ou pelo menos devia saber, porque é Secretário de Estado do Orçamento -, há juros para pagar a divida externa e que o dólar se revalorizou - como, aliás, o reconheceu, na Comissão de Economia, Finanças e Plano - e que a previsão (aliás, isto aqui nem é um grave erro do Governo) foi falseada.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Como?

O Orador: - Sim, sim! Aliás, O Sr. Secretário de Estado afirmou isto claramente na reunião da Comissão de Economia, Finanças e Plano.
E há, portanto, algo a acrescer a este défice - como iremos demonstrar e na reunião da especialidade vamos ver em tempo, pois não temos possibilidade de travar aqui, agora, um diálogo, se é assim ou não -, que será ultrapassado. Não ficaremos nos 250 milhões de contos: haverá outro buraco. E não é só em relação aos juros da dívida externa; há aqui, ainda, outras questões, quer em relação às receitas, quer em relação às despesas, em que viremos demonstrar-lhe que o défice não vai ficar nos 250 milhões de contos. Há ali outros deputados que estão a abanar a cabeça, mas esta é a realidade, pois vai ultrapassar os 250 milhões de contos. Então, vamos ver que explicação é que os senhores vão dar aqui, se é da venda do ouro ou da não venda do ouro. Estaremos aqui, depois, para aprovar na parte final a discussão na especialidade.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Um breve pedido de esclarecimento, já que o Sr. Ministro do Trabalho pretendeu fazer um discurso de Primeiro-Ministro - ou pelo menos de Vice-Primeiro-Ministro - e, normalmente, a essas personalidades faço perguntas muito curtas, muito breves.

Vozes do PSD: - Porquê?

O Orador: - A pergunta tem razão de ser, porque as suas respostas relevam, de um modo geral, de incompetência e falsidade.
O Sr. Ministro do Trabalho vem tentar dar uma explicação que demonstra cabalmente que nem sequer conhece a metodologia de contabilização dos desempregados neste país; confunde população activa com desempregados.
Sr. Ministro do Trabalho, não é a partir dos 14 anos, e qualquer que seja a situação dos portugueses, mesmo que não procurem emprego, que são considerados desempregados. É falso. Pegue nas estatísticas demográficas e veja. Vem em metodologia, logo nas primeiras páginas do INE: é desde que nos últimos 15 dias tenham andado à procura de emprego.
Segunda questão, em relação à previsão de receitas do orçamento da segurança social (contribuições). V. Ex.ª falou nos 20 %, em haver aquela tal diferença entre o que estava previsto para 1983 e a realização para 1983.
Sr. Ministro do Trabalho, se fizer outras contas, mais reais e mais verídicas, chegará ao mesmo resultado. É que, de facto, se aplicar os 20 % de aumento de salários nominais, como estava previsto, e lhe aplicar uma taxa de diminuição do emprego de dois pontos percentuais, chega precisamente a esse valor. E é essa a razão: é a diminuição de emprego.
Para terminar, Sr. Ministro do Trabalho, já lhe foi explicado a água que meteu em relação à questão dos 45 milhões de contos. Mas, para que não ficassem também tantas dúvidas, levantadas agora pelo Sr. Secretário de Estado do Orçamento, eu dir-lhe-ia que a receita que referiu ao meu camarada Carlos Carvalhas, de que está lá contabilizada, dos 5 milhões de contos para operações externas, não têm nada a ver com os juros. Como vimos na reunião da Comissão, têm apenas a ver com amortização e a amortização não conta para o défice. O problema é que não fizeram o mesmo que para os juros e aí conta para o défice.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado do Orçamento quer a palavra para que efeito?

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - É só para dar um pequeno esclarecimento relativamente a esta intervenção do Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Presidente: - Não pode ser, Sr. Secretário de Estado. Enfim, o Sr. Secretário de Estado poderá esclarecer no fim, dar explicações, porque assim estamos sempre a interromper os pedidos de esclarecimento.
O Sr. Secretário de Estado fica inscrito para depois fazer um protesto.
Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As afirmações do Sr. Ministro do Trabalho foram, de facto, gravíssimas em diversos aspectos da sua intervenção.
Eu não queria aqui entrar numa polémica sobre o número real de desempregados, pois não são os números que resolvem a grave situação desses trabalhadores, e é disso que se trata. E, por isso, Sr. Ministro, V. Ex.ª não soube, não foi capaz e não quer dar qualquer resposta nem qualquer solução.
No entanto, Sr. Ministro, há alguns aspectos que convém esclarecer.
Quando o Sr. Ministro vem aqui apontar um número de 292 755 desempregados, o Sr. Ministro sabe que isto é mentira, sabe que o número de desempregados não é este. O que pretende, apenas, é manipular a opinião pública e tentar fazer crer que essa é a situação. No entanto, com base em números oficiais, queria chamar-lhe a atenção para os seguintes números: é verdade, de acordo com os números oficiais, que há mais de 500 000 desempregados no nosso país; é verdade, de acordo com os números oficiais, do IACEP, por exemplo, que há mais de 400 000 trabalhadores com contratos a prazo; é verdade que há mais de 100 000 e à volta de 150 000 trabalhadores com salários em atraso.
Se somar tudo isso, Sr. Ministro, tem mais de 1 milhão de trabalhadores, que, ou estão no desemprego, ou não recebem salários, ou estão numa situação de insegurança de emprego, vivendo uma situação muito difícil.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Não acha, Sr. Ministro, que para esses trabalhadores, em especial, é necessário encontrar medidas rápidas e urgentes que ponham fim aos autênticos flagelos sociais que se estão a viver? Acha que é com um subsídio de desemprego, que apenas abrange cerca de 10% dos trabalhadores desempregados - mesmo do número oficial -, que se faz frente a esta situação? E acha que é retirando, ainda, 2 200 000 contos ao subsídio de desemprego que estava previsto que vai encontrar solução para a gravidade da situação que se põe aqui?
Sr. Ministro, ainda um outro aspecto tem a ver, também, com a situação dos reformados e pensionistas. O senhor sabe perfeitamente - também aí a proposta de lei tentava manipular a opinião pública, tentava fazer crer que se iam fazer aumentos de pensões, reformas, abonos e outras prestações complementares - que está hoje clarificado (e o Sr. Ministro, agora, já não foi capaz de vir dizer isso) que não é disso que se trata; mas sim de uma diminuição das receitas que, em termos globais, ainda fica inferior ao que estava previsto, mesmo apesar dos reforços em l 100000 contos, quando nós temos aqui hoje uma situação em que os abonos e outras prestações complementares não são aumentados há 16 meses.
Isto, Sr. Ministro, é irresponsabilidade, é incapacidade, mas sobretudo é a marca de classe deste governo, que não está interessado em resolver os problemas da população que tem maiores dificuldades no nosso país.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Lacerda de Queiroz (PSD): - Muito mal!

O Sr. Presidente: - Para responder ao pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Amândio Azevedo): - Sr. Presidente, eu peço a palavra imediatamente, porque penso que há coisas que não se podem tolerar.
Eu não posso, de maneira nenhuma, aceitar vir aqui a esta Assembleia para ser insultado.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo diz que eu sei perfeitamente que aquilo que afirmo é mentira; o Sr. Deputado Octávio Teixeira diz que as minhas afirmações relevam de incompetência e de falsidade.
A menos que os Srs. Deputados apresentem as devidas explicações, eu recuso-me terminantemente a responder às suas questões.

Aplausos do PS e do PSD.

Cada um de nós tem de dar o seu contributo para a defesa das instituições democráticas. É perfeitamente aceitável que haja divergências de opiniões, oposição de opiniões. O que não é aceitável é que as pessoas se insultem no exercício dos seus direitos fundamentais.

Aplausos do PS e do PSD.

Respondo, Sr. Presidente, às questões que me foram postas pelo Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - É o que se chama dar a volta ao cavalo!

O Orador: - No que respeita à sua primeira questão, de que o problema não é de quebra de receitas mas é do aumento das receitas públicas, há um aspecto em que reconheço que pode dizer-se isso mesmo, ou seja, que é a verba que está aqui prevista para o aumento de dotações ou subsídios às empresas públicas. Eu não referi esse aspecto na minha intervenção porque a minha intervenção era sectorial

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e não global. Mas devo dizer-lhe que assumo plenamente a responsabilidade de que é necessário tomar decisões, e depressa, a esse respeito. Mas este governo não pode ser responsabilizado por não resolver de uma só vez os erros que se vieram acumulando e agravando ao longo dos anos. Esta é a plena realidade. Sou o primeiro a assumir as responsabilidades deste governo para a resolução do problema das empresas públicas, que não podem continuar a ser um sorvedouro dos meios financeiros do Estado. Mas não me venham dizer que este governo tem de resolver de repente - e tem trabalhado muito nesse campo - problemas acumulados, que foram adiados e que se vieram agravando ao longo de vários anos.
Creio que é esta a posição séria que se tem que tomar a respeito deste problema.
Quanto ao erro, Sr. Deputado, o erro significou que as receitas de 1983 foram avaliadas em mais de cerca de 3 milhões de contos, em relação à realidade. E o que é que determina este erro? Que se eu calculo as receitas de 1984 na base de uma quantia superior à realidade em 1983, vou ser conduzido a um número que não representa a percentagem real - que eu prevejo que é de 20% - mas, neste caso concreto, uma percentagem de aumento superior a 23%, para que as cobranças fossem efectivas. Quer dizer, nós prevíamos a cobrança de 204 milhões de contos, e se, efectivamente, viessem a ser cobrados, tendo em conta as receitas reais de 1983, o aumento não seria de 20%, como nós prevíamos, mas de mais de 23%.
Acho que está, portanto, explicado que isto justifica que haja menos receitas sem que as previsões tenham falhado do que aquelas que tinham sido previstas.
No que respeita ao problema do desemprego, é possível - continuo a dizê-lo - jogar com os números, de maneira que eu, aliás, aceito que seja feita, porque não recuso a possibilidade de se jogar com previsões. Porém, preferi jogar com números reais, constantes das estatísticas disponíveis no nosso país. E aqueles que eu referi são números constantes das estatísticas oficiais do Instituto Nacional de Estatística (INE) e números oficiais das estatísticas do Ministério do Trabalho e Segurança Social, em cuja elaboração o Ministro, como é evidente, não tem qualquer intervenção directa.
Já agora, permitam-me que diga que me causou alguma estranheza o facto de recentemente terem surgido muitos comentários acerca das previsões da OCDE quanto à evolução do desemprego para 1985, porque a OCDE prevê que Portugal seja um dos poucos países em que o desemprego vai diminuir. Contudo, a maior parte dos comentadores e órgãos de comunicação social calaram esse facto, referindo apenas o aumento do desemprego em 1984.

Aplausos do PS e do PSD.

Temos de ser realistas. Acho que não lucramos nada em exagerar as nossa dificuldades. Temos é de as enfrentar e com a consciência de que somos capazes de as resolver. Essa é a minha posição e essa é a posição do Governo.
Ninguém ignora as dificuldades tremendas com que o País se debate. Agora o de que eu estou absolutamente seguro é que essas dificuldades não são ultrapassáveis se os cidadãos portugueses se juntarem àqueles que exageram tudo, que dizem que estamos perdidos, que é tudo uma desgraça, que tudo é corrupto. Isso afunda o nosso país, não o salva, Srs. Deputados. Eu sou daqueles que acreditam em Portugal, que acreditam no regime democrático, e a nossa situação hoje, queira ou não, embora tenhamos dificuldades concretas, em termos globais - até aqui chegam também os meus conhecimentos de economia e finanças -, é melhor do que aquela que o País tinha quando este governo entrou em funções.

Aplausos do PS e do PSD.

O Governo tem feito tudo o que está ao seu alcance - concretamente o Ministério do Trabalho e Segurança Social - para, dentro de políticas correctas e defensáveis, resolver os problemas concretos do nosso país.
Nós não estamos de braços cruzados perante o problema do desemprego. O Governo promoveu a aprovação de uma lei de aprendizagem, que pode ter um impacte positivo extremamente importante. No que respeita ao combate ao desemprego dos jovens, o Governo tem um programa que se pode considerar ambicioso, embora indispensável, de formação profissional. Até porque, de outra forma, não conseguiremos obter os recursos que podem vir para o nosso país através do Fundo Social Europeu, depois da nossa entrada nas Comunidades. E é indiscutível que têm sido incrementadas as acções de formação profissional. E têm sido incrementadas numa linha que, estou convencido, a esmagadora maioria desta Câmara, inclusivamente o CDS, não pode senão aplaudir porque é feita com a consciência de que não é ao Estado que compete fazer tudo. O Estado deve proporcionar condições, deve fazer acordos com os privados, exactamente debelar esse flagelo que é o de existir desemprego em Portugal, mas, em muitos casos, não existindo a mão-de-obra qualificada necessária para o lançamento de certas actividades.
Há vários casos em que, no termo dos cursos de formação profissional ministrados nas escolas competentes, nos centros competentes, os trabalhadores têm garantido a 100% um posto de trabalho. E um trabalhador devidamente formado é um trabalhador que contribui para a competitividade da nossa economia, para o aumento dos nossos rendimentos e para a melhoria das nossas condições de vida.
Essa é, portanto, a aposta fundamental do Ministério do Trabalho e Segurança Social. No resto, evidentemente que o problema do desemprego é influenciado pelas grandes condicionantes da nossa economia e aí o Ministério do Trabalho não tem, naturalmente, um contributo específico a dar. Associa-se e é solidário com a política do Governo, que considera que, globalmente, é aquela que está mais certa para os interesses do nosso país.
No que respeita à venda de casas, Sr. Deputado, o seu raciocínio peca por estar errado. A previsão foi feita no pressuposto de que o regime jurídico existente para a venda de casas era eficaz e conduzia à possibilidade concreta, de acordo com a vontade do Governo, de vender casas do sector público e da segurança social e de proporcionar assim a aquisição de casa própria pelos particulares. Enganámo-nos. Tivemos de alterar esse regime e, recentemente, foi publicado um novo decreto-lei, que, esse sim, vai facultar e facilitar a venda de casas. Por isso, penso que no Orçamento de 1985 a verba de vendas de casas

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pode, efectivamente, ser maior do que aquela que estava prevista em 1984. E se este ano não prevemos uma verba efectiva de mais do que 100 000 contos é porque, efectivamente, por razões legais, mas também por razões burocráticas - que o Sr. Deputado sabe, melhor do que ninguém, de que não estão na mão do Governo (este governo tem a máquina administrativa que tem, os membros do Governo é que têm de lutar contra a burocracia e não depende de um acto de vontade deles que a burocracia desapareça) - não se venderam, efectivamente, as casas que se julgava que se podiam vender. Mas a vontade do Governo - aliás manifesta no recente diploma aprovado e publicado - é efectivamente a de que as casas sejam vendidas, não só na segurança social, mas também todas as casas que pertencem ao Estado e que é muito melhor que sejam vendidas àqueles que as habitam, por preços sociais, facilitando assim o acesso à habitação própria de todos os cidadãos. Creio que respondi às suas questões, sempre, porventura, com alguma vivacidade exagerada - se assim foi, peço perdão -, mas, pelo menos, com a vontade, que gostaria que não fosse posta em causa, de que estou na política com honestidade, com seriedade. Confesso que não aceito calmamente que me ponham em causa esta forma de actuação.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular um protesto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Ministro do Trabalho: Há muitas maneiras de fugir às questões e de se fugir às respostas que não se sabem ou não se querem dar.
Em relação ao desemprego, eu queria dizer o seguinte: o próprio Sr. Ministro afirmou aqui que no último trimestre de 1983 o número de desempregados era de 474 600. Ora, pegando num outro documento que o Sr. Ministro, pelos vistos, não conhece, da informação mensal de Agosto e Setembro do Instituto de Análise, Conjuntura e Estudos de Planeamento, do Ministério das Finanças, pode ler-se o seguinte: "O emprego deverá ter continuado a diminuir, ao longo do 1.º semestre, a uma taxa próxima de 1%. Em consequência, o desemprego, segundo indicadores disponíveis, deverá ter sofrido um intenso agravamento. O número de ofertas por cada mil pedidos de emprego baixou no 1.º semestre cerca de 65%."
Sr. Ministro, no fim vou fornecer-lhe uma fotocópia, para o Sr. Ministro ficar a conhecer os números verdadeiros e as informações vindas do Ministério das Finanças, já que no Governo o sistema de vasos comunicantes, pelos vistos, não funciona.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro do Trabalho tem a palavra para contraprotestar, mas o Governo dispõe, neste momento, de apenas 1 minuto.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, dentro de uma tradição que está mais ou menos adquirida, nós transferimos para o Governo 20 minutos do nosso tempo.

O Sr. Presidente: - Fica registado, Sr. Deputado. Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - A nossa bancada está disponível para transmitir ao Governo, neste momento, 10 minutos.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Srs. Deputados.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Era para dizer que não nos opomos a esta transferência de tempo para o Governo. No entanto, queria só aqui dizer que na conferência de representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares foi referido que o Governo precisava de 2 horas para evitar estas transferências.
Era só para que ficasse registado.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, em relação ao protesto da Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo): - Quero dizer exclusivamente à Câmara, mantendo a atitude anterior, que o facto de ter errado não significa que tenha mentido. Isso é uma primeira questão fundamental e eu não pretendo que não seja susceptível de cometer erros, como qualquer pessoa - embora esteja convencido que os não cometi. Mas gostaria que os Srs. Deputados reparassem que é contraproposto a um documento oficial, que eu citei rigorosamente, do INE, em documento que contém previsões do outro departamento do Estado, a que não me referi e que não tem nada a ver com o assunto que estava aqui a ser discutido.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não tem a ver?!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Sr. Ministro, em primeiro lugar gostaria de lhe agradecer as respostas que teve a amabilidade de me dar, mas gostava simultaneamente de fazer alguns reparos.
Vinha só, novamente, à questão do ouro, dado que o nosso tempo é muito escasso, apenas para dizer isto: está a gerar-se, nesta Câmara, a ideia de que a venda do ouro é, sempre e em qualquer caso, para resolver problemas de défices orçamentais. Parece que é uma tautalogia. Não. A questão da venda do ouro é, em primeiro lugar, para resolver problemas da balança com o exterior e não para resolver problemas originais do défice orçamental. Esta é uma questão fundamental.
O Sr. Ministro disse que não se pode fazer tudo de repente. Estou inteiramente de acordo com o Sr. Ministro. Acho que, de facto, as reformas estruturais, de que tanto se tem falado, têm de ser feitas muitas delas gradualmente e outras obviamente com mais rapidez.
Mas, o que eu, por exemplo, contesto - e dou um exemplo, relativamente a esta proposta de revisão

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orçamental -, é que a dotação para capital estatuário das empresas públicas cresça 102% em relação a 1983 e que os subsídios de indemnizações compensatórias cresçam 51,6 % relativamente a 1983. Isto não é ir de repente; isto, ao contrário, é regredir, é piorar a situação.
Terceira questão: números do desemprego. Eu também não sou daqueles que utilizam números de desemprego, porque não sei quais são. Parece haver uma tendência para aumentar, mas toda a gente fala em números diferentes e eu não quero arriscar um número que não tenha a fidelidade total. O único número que eu conheço, Sr. Ministro - isto vem no orçamento da sua responsabilidade - é a atribuição de subsidio de desemprego, que mesmo depois da revisão orçamental passa de S para 9 milhões de contos, ou seja, um aumento de 80 %.
Quarta questão: aumento ou diminuição das contribuições para a segurança social. Sr. Ministro, o erro - repito - foi no ano passado e, portanto, o raciocínio continua a existir. O raciocínio do Sr. Ministro é ao contrário. Eu posso dar-lhe um exemplo numérico simples: se no ano passado tivesse 10 de cobranças e este ano tivesse atingido 12, tinha um aumento de 20%. Como chegou à conclusão de que os 10 não eram 10 mas eram 8, mas mantém os 12, o aumento é de 50%. Esta é uma exemplificação numérica que creio mostrar a realidade.
Última observação: o Sr. Ministro falou, várias vezes - e é uma expressão sua - em compromissos assumidos e respeitados. Eu gostaria de perguntar se considera que, de facto, não aumentar o abono de família 12 meses após a sua última actualização, em Maio, é um compromisso assumido e respeitado e se considera socialmente justificado que, nesta revisão orçamental, todas as verbas de pensões diminuam, no total em cerca de 3 milhões de contos, em relação à proposta inicial e a única verba social que cresça é o subsídio de doença.

O Sr. Presidente: - Para responder ao protesto do Sr. Deputado Bagão Félix, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social (Amândio de Azevedo): - Respondo rápida e telegraficamente.
Não vou insistir mais no problema do ouro, pois acho que se está a especular muito com isso.
Para mim mantém-se esta, quer dizer, com a minha limitação o que vejo é isto: foi óptimo que o País não tivesse sido forçado, por causa da balança cambial e ao contrário do que estava previsto, a vender o ouro. Pelos vistos há pessoas que entendem que não foi, está bem, cada qual pensa aquilo que entender.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Não é isso!

O Orador: - Quanto ao problema das verbas do subsídio de desemprego, gostaria de lhe dizer que a previsão inicial de 1984 foi de 14 milhões de contos. Foi feita uma correcção, que desceu essa verba para 12 milhões de contos.
Uma explicação é esta: é que, inclusivamente, pensava-se que seria possível pôr em vigor, ainda em 1984, o novo regime do subsídio de desemprego. Mas aí, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que nós não pode-mos controlar com total rigor o acesso ao subsídio de desemprego, porque ele consta da lei. E o que o Ministro do Trabalho fez foi o seguinte - indo tão longe quanto possível na protecção dos trabalhadores com salários em atraso - foi estender aos trabalhadores com salários em atraso de empresas paralisadas o acesso ao subsídio de desemprego, nos mesmos termos em que o têm os trabalhadores desempregados. E devo dizer-lhe que várias empresas recorreram já, desde há meses, exactamente a essa possibilidade e a esse direito.
No que respeita às pensões, passa-se exactamente o mesmo, Sr. Deputado. Nós fizemos um esforço enorme-e agora aproveito para o dizer - para assegurar a cobrança regular das contribuições: agravámos a taxa de juro dos atrasos, pusemos em funcionamento efectivo os serviços de fiscalização dos centros regionais de segurança social, criados pelo governo anterior, mas não por ele implementados, procurámos desenvolver os acordos com as empresas atrasadas, que tinham dificuldades intransponíveis para pagar pontualmente as suas contribuições - foram celebrados vários acordos desta natureza com a segurança social. Fizemos tudo aquilo que era possível fazer-se - temos a consciência disso - para assegurar a cobrança efectiva das contribuições da segurança social. Mais do que isso, Sr. Deputado: tem sido sempre a política do Ministério do Trabalho e Segurança Social - que tem sido aceite pelo Governo - a de que a cobrança das receitas da segurança social tem prioridade sobre tudo o resto. Até porque nós pagamos as prestações de qualquer maneira, não escolhemos os nossos deveres, ao contrário da banca, ao contrário de qualquer credor normal.
Esta tem sido a nossa política e é evidente que nós procurámos lançar medidas tendentes a combater a fraude que presumivelmente existe, não só nas pensões sociais, como até nos subsídios de desemprego. E por exemplo, quando exigimos - aliás, na linha de uma decisão tomada no seu Governo, creio que pelo Sr. Secretário de Estado - que fosse feita a prova devida, salvo erro das pensões de sobrevivência, isto possibilitou que fossem anuladas, por falta de entrega de documento indispensável, qualquer coisa como cerca de 14 000 pensões, só na área do Centro Nacional de Pensões.
Este governo tem feito tudo aquilo que é de fazer nesta área e tem-no feito de acordo exactamente com aquilo que há pouco proclamei. Se as pensões descem é porque evidentemente o número de pensionistas, de acordo com a lei, desce ou por qualquer razão nesse sentido. Portanto, nós adaptamos o Orçamento à realidade. Não é alteração política, mas sim alteração de realidade, que, em boa parte ou pelo menos numa certa parte, não está necessariamente nas nossas mãos, na certeza, porém, de que todos os cidadãos têm tido acesso às prestações sociais que estão previstas na lei, não só na da segurança social, como também na do desemprego.

O Sr. Presidente: - Há ainda para pedidos de esclarecimento alguns Srs. Deputados inscritos. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Algumas questões sobre o orçamento da segurança social.

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Creio, Sr. Ministro, que a revisão orçamental, em relação ao orçamento da segurança social, é o reflexo claro e nítido da política deste governo.
O Sr. Ministro pode falar no desemprego - que aumentou, que baixou - ou pode usar os números como muito bem entender. Porém, o espelho está no orçamento da segurança social. Isto é, uns meses depois de o Orçamento Geral do Estado ter entrado com 14 milhões de contos para o orçamento da segurança social, o Governo vem aqui dizer que precisa de mais do dobro, isto é, precisa de mais 16 milhões de contos para fazer face às despesas, porque não se traduz, como foi dito e é evidente, em nenhuma melhoria dos benefícios sociais dos cidadãos. Os únicos aumentos previstos são o aumento do abono de família, com um atraso, como já foi referido, e o aumento das pensões de reforma, muito abaixo da taxa de inflação.
Portanto, não significa nenhuma melhoria social, nenhum direito a mais para os portugueses; significa, apenas, que o Governo está a deixar degradar a segurança social, isto é, a receita não está a entrar como era devido e como o Governo tinha previsto.
Isto é grave, Sr. Ministro. É grave, não só agora, no imediato, mas no ano que vem. Como é que isto vai ser? Para o ano o Orçamento do Estado entra com 60 milhões de contos? Vai continuar a baixar a contribuição? A massa salarial está a diminuir?
E aqui eu coloco-lhe a questão. Sr. Ministro: é verdade ou não que, para uma previsão de aumento de receitas de 20%, ela vai neste momento na ordem dos 15%? Em quanto vai, neste momento, Sr. Ministro, a dívida do patronato à segurança social?
O Sr. Ministro falou que tem feito um sério esforço para recuperação de dívidas. Em quanto vai o montante das dívidas, Sr. Ministro?
Mas é que a questão, neste momento, não é só essa. A gravidade deste Orçamento e a necessidade que têm de vir buscar mais uns milhões ao Orçamento do Estado para financiar a segurança social já não resulta do agravamento da dívida; resulta sim de um retrocesso de toda a economia, em que está a aumentar o desemprego, os salários em atraso, a situação económica das empresas é gravíssima e, em muitos casos, não podem mesmo pagar: estão fechadas, estão em falência e não pagam. Logo, estamos aqui perante uma situação que importa não escamotear, mas tornar clara e nítida.
E temos de conhecer, por parte do Governo, o que é que vai suceder, porque se quanto aos números de desempregados o Sr. Ministro nos pode dizer que são estes ou aqueles, em relação ao número de reformados não pode dizê-lo: são mais de 1 600 000 que vivem, exclusivamente, da sua reforma e da qual a sua sobrevivência depende.
Daí eu pergunto-lhe, Sr. Ministro: como é que vai suceder, numa situação económica tão grave e em que já é tão difícil a um reformado sobreviver, a muito breve prazo, se não se puser um travão nesta política de retrocesso económico? Isto é, daqui a um mês ou dois, quando estivermos a discutir o Orçamento do Estado, que reforço de verba é que vai ser preciso fazer para conseguir fazer face, não à melhoria dos direitos sociais - que eram absolutamente necessários e fundamentais neste momento -, mas mesmo para fazer face às despesas correntes que a segurança social tem de garantir dos direitos que advêm dos cidadãos?
Eram estas questões que lhe gostaria de colocar, Sr. Ministro.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, há mais pedidos de esclarecimento. Pretende responder já ou apenas no fim?

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem então a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro, nós estamos aqui para tentar esclarecer o tema que nos traz a esta discussão e não para fazer discussões pessoais ou pessoalizadas, melindradas e ofendidas.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Gostaria eu que assim fosse!

O Orador: - Eu também gostaria, Sr. Ministro, e vou explicar porquê.
No sentido de esclarecer, o meu colega de bancada Bagão Félix deu hoje um esclarecimento muito importante sobre um mito que anda a rodear esta questão: o da defesa do ouro. O que é lamentável - e foi isso que esta discussão revelou - é que tenha passado pela cabeça do Governo vender ouro para fazer face a problemas de défice orçamental. Isso é que é grave, Sr. Ministro!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Isso, porém, ficou hoje esclarecido.
No que respeita às verbas do subsídio de desemprego, referi factos e V. Ex.ª respondeu com intenções. Os factos foram estes, Sr. Ministro: as verbas afectas ao subsídio de desemprego diminuíram em 2 280 000 contos - e eu pretendi saber porquê. Porquê, Sr. Ministro? Porque as previsões da evolução do desemprego, que pela primeira vez foram reveladas com o Programa de Recuperação Económica e Financeira (que não temos possibilidade de discutir), eram mais pessimistas, na mente do Governo, do que os 11,1 % que agora se vem admitir? Ou é por causa dos 12 % para 1984 de que fala a OCDE?
Sr. Ministro, por que se preferiram utilizar verbas no financiamento a empresas para criação de postos de trabalho? Nesta matéria, o que eu disse foi que, neste momento, se volta a falar de inquéritos e de utilizações menos correctas. Que se volta a falar de inquéritos, basta ler a imprensa para o saber, Sr. Ministro; que se fala de utilizações menos correctas, basta ler na imprensa a atribuição de um subsídio a uma empresa - que suponho ser da área do Alentejo - que não tinha quaisquer trabalhadores.
Sr. Ministro, refiro factos e não sou obrigado a conhecer intenções.
Por outro lado, queria dizer-lhe que, no ano passado, quando aqui discutimos o Orçamento para 1984, os representantes do Governo e V. Ex.ª, por aquilo que disseram e por aquilo que não disseram, deixaram insinuado que a gestão feita no passado não tinha sido a mais correcta. Pela minha parte, não

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insinuei nada, apenas me tendo referido a factos, enquanto V. Ex.ª me respondeu com intenções.
Ora, não era de intenções que eu queria falar, mas sim esclarecer esta diminuição nos montantes votados ao subsídio de desemprego e saber para quando a transformação do subsídio num seguro, já que é certo - e o Sr. Ministro sabe muito bem - que esta transformação implica um aumento de encargos em relação ao subsídio.

O Sr. Presidente: - Também para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - O Sr. Ministro deixou aqui a ideia de que seria imprevisível o comportamento das receitas que se estimava vir a cobrar quando se elaborou o Orçamento do Estado para 1984. Adiantou mesmo que não seria legítimo vir agora criticar que se não tivessem atingido tais montantes dado que, na oportunidade, se não contestaram tais valores.
Permita-me que discorde desta sua afirmação. É que planear não é procurar adivinhar o futuro com uma bola de cristal. Na verdade, o estabelecimento de valores previsionais assenta, deve assentar, em pressupostos, os quais podem ser realistas ou não, podem vir a verificar-se ou não.
Por isso, convinha saber - e esta é a primeira parte da minha pergunta - que pressupostos basearam o estabelecimento das previsões, quais deles falharam e quais não se cumpriram e porquê.
Mas a concretização das previsões depende também da capacidade de execução que essa concretização exige. E, aqui, é que me parece que cabe a totalidade da responsabilidade ao Governo.
Por isso, é necessário que esclareça, Sr. Ministro, por que é que não foram cobradas as receitas previstas, a que se deve a diferença verificada, nomeadamente no que se refere às receitas da segurança social a cobrar às empresas (ou através delas), porque está em causa a ineficácia do Governo na execução do que programou, ao reconhecer (se o faz) que não há nada a fazer, que se fez tudo o que era possível nessa matéria.
Queria também fazer um reparo relativamente ao que disse sobre a taxa de desemprego no nosso país. A expressão menor que atribui a este valor da taxa não corresponde, efectivamente, à realidade. Por um lado, porque a nossa taxa está a crescer assustadoramente e até já ultrapassou a média dos países da EFTA, por exemplo. Mas o que é mais importante é que a parte da população desempregada que beneficia dos esquemas da segurança social é extraordinariamente mais baixa no nosso país (não chega, seguramente, a 20%, provavelmente até estará bem próximo dos 10%), além de que o montante dos subsídios é também insuficiente para a subsistência, contrariamente ao que sucede na generalidade dos países europeus.
Por isso, o problema da taxa de desemprego no nosso país não se pode encarar em termos puramente numéricos, mas na singularmente grave dimensão social que assume entre nós.

O Sr. Presidente: - Para responder, se desejar, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do TTrabalho e Segurança Social: - Vou dar as respostas que não dei já em anteriores intervenções.
No que respeita ao que foi perguntado pela Sr.ª Deputada Zita Seabra, queria dizer que não é verdade que a transferência de 16,5 milhões de contos para o orçamento da segurança social em nada contribua para a melhoria das condições dos reformados e das outras pessoas que têm prestações derivadas da segurança social. Esta transferência torna possível o aumento das pensões sociais no mês de Dezembro, incluindo o subsídio de Natal. Se esta transferência não fosse possível, não se poderia verificar esse aumento.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Que já estava previsto!

O Orador: - Não estava previsto, porque não era possível, com antecedência excessiva - e estas coisas devem-se fazer com a aproximação possível -, saber qual é o máximo de recursos que podem ser afectados à segurança social, na medida em que tal importa que seja feito tendo em conta a realidade da nossa situação económico-financeira.
Em segundo lugar, queria dizer-lhe que em 1984 a taxa de aumento das contribuições para a segurança social não foi de 15%, mas sim, até ao momento e segundo dados perfeitamente oficiais fornecidos pelos serviços competentes, de 16,2%.
No que respeita às dívidas das empresas à segurança social, já há pouco defini qual a nossa política: ela não é a da cobrança das dívidas, haja o que houver e aconteça o que acontecer, pois não queremos ser responsáveis pelo afundamento de empresas levado a cabo através de acções coercíveis de cobrança, quando elas têm ainda possibilidade de sobrevivência. Daí que, nessas alturas, estabeleçamos acordos com tais empresas para que o pagamento seja feito de uma forma compatível com a sua realidade económica e financeira.
Quanto à situação global da nossa economia, creio que não darei novidade a ninguém se disser que a nossa estrutura e o tecido social económico não são aqueles que seriam desejáveis que fossem. O que é indispensável é que o Governo empreenda as acções e as políticas necessárias para que esta economia seja mais forte, mais sólida e mais competitiva. Da parte do Ministério do Trabalho e Segurança Social, espero que isso venha a ter reflexos no Orçamento de 1985, pois há o desejo de que seja possível a afectação de verbas com algum significado, exactamente para a reestruturação de sectores económicos e de empresas.
Aproveito a oportunidade para dizer que a nossa intenção é a de alterar os critérios que têm estado na base da concessão de apoios financeiros, acabando com os apoios financeiros para mera sustentação da gestão das empresas e restringindo-os apenas a planos de investimento tendentes à viabilização. A vocação do Ministério do Trabalho e Segurança Social não é, definitivamente, a de concorrer com instituições financeiras, mas sim a de desempenhar o papel próprio de alguém que pretende actuar em casos excepcionais - mas só em casos excepcionais - e não o de assegurar o financiamento normal das empresas.

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Sr. Deputado Nogueira de Brito, já há pouco expliquei que a verba de 14 milhões de contos do Fundo de Desemprego previa que o novo regime fosse ainda implementado, em parte, nos últimos meses de 1984. No entanto, tal não foi possível em virtude de demoras no processo de concertação social e de ter sido criado o próprio Conselho de Concertação Social.
Aproveito para dizer que considero extrema e altamente positivo que esse Conselho de Concertação Social tenha funcionado e que continue a funcionar, mesmo tendo consciência que, de algum modo, se vão retardar os processos legislativos.
Por outro lado, no que respeita às verbas para o Fundo de Desemprego, temos os montantes necessários para pagar todos os subsídios a que têm direito todos os cidadãos, não tendo havido redução, antes pelo contrário, houve aumento, na medida em que foram estendidos aos trabalhadores com salários em atraso de empresas totalmente paralisadas.
No que respeita a inquéritos, sei que se fala neles, e não contesto o direito de o Sr. Deputado se referir a esses inquéritos. O que contesto, sim, é a insinuação velada que interpretei, bem ou mal, que se continha na sua intervenção. Daí que me caiba o direito e a responsabilidade de dizer, alto e bom som, perante esta Câmara que os critérios de gestão do Fundo de Desemprego são claros, transparentes e honestos, que todas as informações são dadas e que o Ministério de Trabalho e Segurança Social não receia quaisquer inquéritos. Até lhe posso dizer que, em relação a uma empresa que se diz ter sido subsidiada sem ter trabalhadores, mais uma vez há uma manipulação dos acontecimentos. De facto, trata-se de uma cooperativa e joga-se com o problema de saber se os cooperantes de uma cooperativa de produção são trabalhadores. Para nós, Ministério do Trabalho e Segurança Social, eles são trabalhadores, pois tanto nos interessa salvaguardar postos de trabalho de trabalhadores por conta de outrem como de trabalhadores cooperantes. De resto, este apoio financeiro foi concedido na base de um parecer favorável e até insistente da Secretaria de Estado do Fomento Cooperativo.
Portanto, todas as dúvidas são legítimas, todas podem ser esclarecidas, mas a única coisa que contesto é a legitimidade de insinuações que não são fundamentadas em dados perfeitamente demonstrados e concretos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto às considerações do Sr. Deputado Pinheiro Henriques, creio que não há que dar esclarecimento nenhum - pode ter-se várias maneiras de entender as coisas, pelo que nada tenho a acrescentar ao que disse, porque respeito a legitimidade das suas posições.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.

A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - O Sr. Ministro disse - e vou usar as suas palavras, porque assim o Sr. Ministro não amua - que não é verdade que esta revisão orçamental não signifique nenhuma melhoria para os reformados.
É evidente que o orçamento da segurança social aprovado o ano passado, e portanto em vigor, já previa um aumento para Dezembro. Se isso não é assim, então tratou-se de um erro de previsão do Governo, na medida em que não garantia o princípio da anualidade. Os senhores já previam os aumentos do abono de família e restantes benefícios sociais para Junho, aumentos que, devido a esta política de segurança social, só surgem com uns meses de atraso, em Outubro, e também previam o aumento das pensões de reforma.
Por outro lado, Sr. Ministro, eu não lhe tinha perguntado qual a política de recuperação de dívidas, porque já a tinha esclarecido. O que queria e quero saber é qual o montante actual da dívida do patronato à segurança social, segundo os últimos dados disponíveis, questão que não é pouco importante.
De facto, o que está aqui em causa é uma situação que tem de ser travada. Se este governo continuar e se continuar esta política, ficamos num beco sem saída, porque não se pode continuar com uma quebra de receitas da segurança social de tal ordem que o Governo, que há uns largos meses atrás teve que meter no orçamento da segurança social 14 milhões, tenha que vir uns meses depois reforçá-los com mais 16 milhões de contos. O que é que vai suceder no ano que vem se esta política não for travada, Sr. Ministro? É uma situação que, efectivamente, não pode continuar.
Na realidade, se tivéssemos em cima da mesa uma situação que significasse um aumento dos direitos sociais dos Portugueses ... Mas não é disso que se trata: é a gestão corrente da segurança social, e para essa gestão corrente a quebra de receitas é tão grande, a situação económica é tão grave, com desemprego, com salários em atraso, com empresas em situação difícil, com dívidas do patronato, que os senhores têm que apresentar aqui, uns meses depois daquilo que apresentaram anteriormente, um reforço que é o dobro daquele que tinham previsto para este ano.
Esta situação não pode continuar, porque não se trata, ao contrário do que disse há bocado, de financiar pelo Orçamento Geral do Estado o sistema não contributivo. Ainda se isto se traduzisse numa melhoria da situação dos reformados do regime não contributivo, então estávamos todos de acordo em como isto era justo e legítimo. Mas não é disso que se trata: trata-se, sim, de vir tapar um défice, o qual está a aumentar constantemente e resulta de uma quebra de receitas.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social.

O Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social: - Há apenas um dado novo a que não tinha respondido. O resto foi repisar, pelo que não creio que deva responder, até porque não tenho muito tempo.
Não tenho números exactos quanto às dívidas do patronato à segurança social ...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso é grave!

O Orador: - Não é grave, não, porque não sou obrigado a ter as coisas de memória.
A Sr.ª Deputada, se quiser saber esses números, faça o favor de os requerer que eu, no caso de existi-

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rem, forneço-lhos, como aliás respondo a todos os requerimentos dos senhores deputados.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Secretário de Estado do Orçamento desejar dar a explicação para que se tinha inscrito há pouco, pode fazê-lo agora, sob forma de protesto em nome do Governo.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Embora um pouco deslocado no tempo, não queria deixar de esclarecer o Sr. Deputado Octávio Teixeira. A evolução da cotação do escudo face ao dólar foi desfavorável para o pagamento de juros na ordem externa, mas, por outro lado, tivemos como factores positivos o facto de a taxa de juro efectivo do 1.º semestre ser inferior à taxa de juro prevista e o facto de o nível de utilização também ser menor. Assim, estes dois factores conjugados darão para estabelecer um certo equilíbrio nesta área.

O Sr. Octávio Teixeira: - Vamos ver isso na Comissão!

O Orador: - Ontem, o Sr. Deputado referiu, na sequência de uma intervenção en passant, que havia um certo pouco cuidado na área da fiscalização.
Ora bem, gostava de esclarecer o seguinte: impostos encontrados em falta desde Janeiro até Agosto - 3 964 000 contos; autos de notícia levantados - 8982; multas aplicáveis - 5 000 817.
Para além disso, posso-lhe dizer - porque fui alertado pela imprensa há muito tempo - que, por exemplo, num caso de contrabando de café que foi detectado e apanhado, foi pela primeira vez desde há muito tempo neste país surpreendido um funcionário aduaneiro que estava "feito" no sentido de facilitar a concretização dessa operação de contrabando. O referido funcionário foi suspenso e já presente ao juiz de instrução criminal, o que penso ser bastante positivo para, de uma vez por todas, clarificarmos a situação em que vivemos.
Por outro lado, também muito recentemente, e por actos de infidelidade ao serviço, sete praças e um cabo da Guarda Fiscal foram compulsivamente afastados do serviço.
Posso ainda dizer-lhe que temos três projectos de diplomas - sobre contencioso aduaneiro, alterações ao Código de Processo das Contribuições e Impostos e penalização das infracções tributárias mais graves - em condições de serem presentes ao Conselho de Ministros e de, até ao final do ano, aparecerem no Diário da República.
Isto serve para dizer, Sr. Deputado, que não estamos tão tíbios ou brandos como ontem insinuou na sua intervenção, ainda que de forma simpática, o que lhe agradeço.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - O pior são as fugas que não são detectadas!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Santana Lopes.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, infelizmente para o País, estamos perante um orçamento suplementar que,
em muitos aspectos, reveste a natureza de mero facto consumado.
Há cerca de ano e meio, quando este governo tomou posse, apoiado na maior maioria de sempre, como é uso dizer-se, maioria da qual faz parte integrante o meu partido, foram os cidadãos portugueses aleitados, assustados - quase poderia dizer -, perante uma situação que foi apresentada como quase trágica, perante uma situação que foi definida como de emergência nacional, uma situação que exigia & mobilização e a congregação de vontades em torno daquilo a que se chamou a salvação do sistema económico e financeiro do País.
Alturas de emergência, alturas qualificadas como de quase dramatismo nacional devem acontecer muito raramente na vida e na história de um povo. E o povo português preparou-se para um plano de gestão conjuntural de emergência, apresentado como sendo para 18 meses, que ainda não terminaram, plano esse indiciado como sendo um exemplo de rigor na elaboração, na previsão e na sua gestão e execução, o qual continha determinados números que eram resultantes das estimativas feitas por esse mesmo governo, números que, só por si, representavam já uma exigência de sacrifícios aos cidadãos desta terra e que vemos que, na sua grande maioria, foram desmentidos negativamente pela realidade.
Foi aqui dito muitas e bastas vezes - umas vezes com o entusiasmo que é necessário a quem se empenha em tarefas de salvação nacional, outras vezes não com esse entusiasmo que gostaríamos de ver - que os males já vêm muito de trás, que os problemas são anteriores, que não pode ser responsabilizado só este governo por aquilo que hoje em dia aqui se discute na Assembleia. E é um facto: o mal vem muito de trás, o mal vem nem sabemos nós todos sequer de há quantas décadas ou de há quantos séculos.
Quando nos corredores da Assembleia se utilizam palavras, vocábulos que dão a entender ou exteriorizam estados de alma, estados de espírito que não são os mais indicados para a mobilização das energias de todo um povo, aquilo que o povo português exige desta Assembleia é que, em vez da constatação das insuficiências, dos males, das carências e do negativismo dos números, descubramos os caminhos do futuro, descubramos como evitar que o País caminhe para o tal precipício de que se fala.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Muito se tem aqui falado ao longo dos dias e muito se falou ao longo de tantos debates parlamentares nesta legislatura e em legislaturas anteriores sobre a necessidade de controlar a despesa, sobre a necessidade de que as coisas não continuem assim, sobre a necessidade de ser rigoroso com o sector público e também de ser exigente com o sector privado no cumprimento das suas obrigações. O próprio Sr. Ministro das Finanças, tendo ascendido às altas funções que desempenha, revestido de uma auréola, que penso ser justa, de preocupação absoluta com o rigor, de intransigência com os gastos excessivos, de não complacência com os desvarios cometidos por gestões anteriores, como deixou transparecer numa nota oficiosa do seu departamento, esse próprio membro do Governo foi o melhor dos símbolos que este governo apresentou para liderar aquele que iria ser o

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tal combate de ano e meio para tentar aquilo a que se chamou "arrumar a casa", pelo menos, no sistema financeiro.
Passado quase ano e meio e quando é apresentado um orçamento suplementar à Assembleia da República que envolve o acréscimo já aqui várias vezes citado, é bom que não se perca de vista, como aqui também já foi frisado, que este orçamento suplementar é a preparação do orçamento do ano que vem.
O PSD, partido em nome do qual falo nesta tribuna, nunca se eximiu a situações difíceis. Está habituado, ao longo da sua história na vida política portuguesa, a dar a cara, quer quando esteve sozinho quer quando esteve com outros a pôr os seus esforços ao serviço do bem nacional. Mas o PSD gosta de saber por que é que dá a cara e para que é que dá a cara.
Ora, as posições do PSD, aprovadas pelos seus órgãos estatutariamente competentes, nunca deixaram de vincar princípios importantes, como seja o de que, se é pedida austeridade aos cidadãos, se é pedida contenção, se são pedidos sacrifícios, o primeiro a dar o exemplo de austeridade, dos sacrifícios e da contenção tem de ser o Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E verdade se diga que este orçamento suplementar não é o melhor exemplo desse exemplo - passe o pleonasmo - que o Estado deveria dar.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Continuamos com os subsídios a fundo perdido; continuamos com as indemnizações compensatórias que visam manter os tais preços irrealistas que o Sr. Ministro das Finanças e o Governo, quando da sua apresentação e dos seus documentos iniciais, combateram e com razão; continuamos - e basta ler quase todos os dias o Diário da República - com os avales; continuamos, no fim de contas, a dar ao Estado os luxos que recusamos ao cidadão privado.

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Se não é a classe dirigente a pôr o Estado na ordem, qualquer dia será o País que porá essa mesma classe dirigente na ordem que é exigível a quaisquer uns que governem o País.

Aplausos do PS e do CDS.

Nós compreendemos que todo e qualquer governante se tenha de socorrer do artifício dos números; nós compreendemos a delicadeza dos problemas que se colocam quando há que decidir se se vende ou não o ouro, que é um activo inestimável de qualquer país; nós compreendemos o peso da tal burocracia aqui focada pelo Sr. Ministro do Trabalho e a que este governo, como governos anteriores, tentou fazer face, pode dizer-se, com êxito muito relativo ou até, talvez, com insucesso, variando consoante os casos.
Há, porém, um ponto que nós não podemos perder de vista: se essa burocracia existe, mais ninguém a pode derrotar a não serem os órgãos do poder político; não podem existir queixas de departamentos governamentais, não podem existir queixas públicas do Banco de Portugal quando a responsabilidade pelo poder político foi confiada aos membros desta Assembleia, ao Governo e ao Sr. Presidente da República.

O Sr. Rogério Martins (PSD): - Muito bem!

O Orador: - A responsabilidade é nossa, e por mais números ou artifícios que, por vezes, as bancadas da oposição ou da maioria sejam tentadas a levar, pensamos que a hora não pode deixar de ser de alerta. Alerta não ao Governo nem às oposições, mas sim alerta a todos, alerta geral.
De facto, por mais artifícios que se usem, o que é facto é que os números resvalam, o que é facto é que aquilo que, dia a dia, a população portuguesa recebe dos órgãos da comunicação social são aumentos incalculáveis, na cifra dos milhões de contos, que já quase deixou de ter significado no nosso quotidiano, milhões de contos esses que um dia serão pagos, embora não se saiba se por esta geração que hoje em dia detém o poder - com certeza que não será!
O problema está também aqui: se se exige este esforço acrescido aos Portugueses, e embora este ano não seja exigido o imposto extraordinário, talvez seja pertinente lançar a dúvida sobre se será mais doloroso o imposto extraordinário ou se será mais dolorosa esta forma, que é sempre ínvia para qualquer governo, seja ele qual for, de atirar as responsabilidades para os anos vindouros.
O problema, neste momento, é o de sabermos como parar, e para saber como parar basta exigir a este governo - e nós, PSD, estamos empenhados em dar essa tal solidariedade, em dar esse tal estilo, em dar esse tal apoio a este governo - que cumpra aquilo que veio no seu plano de gestão conjuntural de emergência, que cumpra e realize a tal salvação nacional, que seja rigoroso com o Estado, que seja rigoroso com o tal exemplo que o Estado dá.
A propósito, não queria deixar de, em estilo de aparte, contar aqui que me chegou há dois ou três meses à mão um calendário do Instituto do Emprego e Formação Profissional, entidade pública, no qual, para espanto colectivo, para além dos feriados do ano que vem, devidamente assinalados a vermelho (uma das cores da Bandeira Nacional), vêm também assinaladas as "pontes" a verde, outra das cores da Bandeira Nacional!

Risos.

É esse exemplo, é esse estilo, é esse apelo que o Estado tem de transformar. Quando há este desvio à política que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, e o Governo no seu conjunto, traçou, o PSD entende que uma explicação cabal tem que ser dada ao País.

O Sr. Rogério Martins (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Os cidadãos portugueses não podem só ler nos órgãos de comunicação social que o défice aumentou uns milhões de contos, os quais têm de ser suportados por eles no presente ou no futuro. Têm que saber o porquê dos desvios, quais os resultados previsíveis, para que quer esses cidadãos quer nós, deputados representantes desses mesmos cidadãos, saibamos de uma vez por todas com que à-vontade, com que confiança, com que certeza, com que fé, com que

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esperança vamos dar aquilo que é uma grande responsabilidade e que por vezes é esquecida: o nosso voto ao Orçamento de 1985, que muitos anunciam como um Orçamento difícil - e cada um de nós já vai perguntando até que mês do ano durará sem que seja preciso novo orçamento suplementar.
O País começa a estar cansado de milhões de contos, o País o que vê é que os números previstos para a inflação, para o desemprego, para o défice são uns nas previsões e outros nos resultados. Não neste governo só, mas na generalidade dos executivos, com raras e honrosas excepções.
O País foi assustado. Costuma-se dizer que este povo não se importa de ser assustado e que até nem se importa de passar sacrifícios. Mas se há que pedir sacrifícios ao povo, que se peçam de uma vez; se há que pedir austeridade e rigor, que se peçam de uma vez e que eles passem de uma vez. Porque há também aqui um problema de geração, e aqueles que, como eu, no 25 de Abril de 1974 tinham menos de 20 anos não querem um dia pedir contas pelo desastre à geração que hoje governa o País.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Deputado Santana Lopes, o meu partido já dispõe de pouco tempo e, por isso, terei que ser muito sóbrio neste pedido de esclarecimento, pelo que não poderei dizer tudo o que, neste momento, lhe gostaria de dizer.
Quero, no entanto, começar por saudar e congratular-me pelo facto de o Sr. Deputado Santana Lopes, que há muito tempo anda afastado da intervenção parlamentar, a ela ter regressado, na medida em que penso que as suas intervenções serão sempre uma forma de enriquecer a vida deste Parlamento.
Julgo que estaremos de acordo em muitas coisas, Sr. Deputado Santana Lopes. Sabemos que os males vêm de trás; temos a noção de que não se pode fazer tudo num dia, nem num mês, nem num ano, nem em dois ou três; sabemos que na questão das relações económicas externas e da situação cambial houve melhorias. Mas sabemos também que, relativamente à gestão das finanças públicas, os termos do agravamento do défice são extremamente preocupantes.
A questão muito concreta que levanto é a seguinte: nem tudo se pode fazer num dia, mas há-de haver um dia em que é preciso começar a fazer alguma coisa para inverter a marcha da economia e das finanças portuguesas para o abismo. O Sr. Deputado Santana Lopes considera que nestes meses de gestão orçamental se deram ou começaram a dar esses passos significativos no sentido de inverter este estado de coisas?

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar de estarmos na hora regimental para a suspensão da sessão, vou dar já a palavra ao Sr. Deputado Santana Lopes para responder, até porque não há mais pedidos de esclarecimento.

O Sr. Santana Lopes (PSD): - Sr. Deputado Luís Beiroco, antes de mais, muito obrigado pelas suas palavras iniciais.
Perguntou o Sr. Deputado se nestes meses de gestão orçamental se deram ou não os passos significativos para inverter o rumo dos acontecimentos.
Se o Sr. Deputado está a atribuir ao vocábulo "significativos" o mesmo sentido do que eu, então penso - como aliás ficou patente nesta discussão, quer em intervenções de deputados da maioria, quer do próprio Governo, quer até das oposições - que esses passos não foram ainda dados.
A posição do meu partido - e é em nome do meu partido que aqui falo - é de que, com este governo, será possível, ainda, dar esses passos significativos para inverter esse mesmo rumo.
É nesse sentido que aqui estamos e é por isso que fomos eleitos. Eu, como deputado eleito pelo meu partido, cumpro fielmente a sua vontade - sempre tive essa noção -, sem abdicar da minha liberdade de pensamento. A posição do meu partido é essa e é por essa posição que aqui me bato.
Penso, por isso mesmo, que este governo contará com o PSD para tentar dar esses mesmos passos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, são os seguintes os tempos disponíveis de que cada bancada e o Governo ainda dispõem: Sr. Deputado Independente António Gonzalez, 4 minutos; ASDI, 6 minutos; UEDS, 9 minutos; MDP/CDE, 13 minutos; CDS, 3 minutos; PCP, 8 minutos; PSD, 21 minutos; PS, 23 minutos; e Governo, 22 minutos.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 13 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado César de Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Uma primeira nota que eu gostaria de começar por salientar nesta minha breve e não técnica intervenção era a seguinte: parece que começa a estar na moda, na Assembleia da República, as pessoas fazerem intervenções para ditar para a acta.
Ontem o Sr. Deputado Luís Barbosa, do CDS, fez uma intervenção para ficar na acta. Acabámos de ouvir, antes do almoço, o Sr. Deputado Pedro Santana Lopes proferir uma intervenção para o mesmo efeito.
Começo-me a interrogar, e espero que não seja esta a resposta, que se as pessoas começam a fazer intervenções para ficar na acta - eu espero que não seja o caso de nenhum dos Srs. Deputados - não será para que, numa eventual situação de rotura democrática, as pessoas possam afirmar que nunca tiveram nada a ver com a democracia. Espero bem que não seja para este tipo de desígnios que se façam intervenções no Plenário.
Espero bem.

Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Eu tenho estado à espera do Sr. Prof. Mota

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Pinto para discutir, aqui no Plenário, a questão importante da proposta de lei de revisão do Orçamento do Estado.
Tenho estado à espera - e o Sr. Secretário de Estado Alípio Dias é testemunha, tal como os Srs. Deputados do CDS e do PSD e toda a gente nesta Casa - de que o Sr. Prof. Mota Pinto, Ministro da Defesa Nacional, se comprometeu, aqui, na Assembleia da República, no Plenário e na Comissão de Economia, Finanças e Plano, a dar uma explicação, pelo menos, ou como deveria ser, a inscrever num pedido de alteração ao Orçamento ou numa eventual revisão orçamental, a contrapartida de 17 500 000 contos - tanto podem ser 12, como 13 ou 14 - que cabem a Portugal pela utilização, pelos Estados Unidos da América do Norte, da Base Aérea das Lajes. Seja em créditos existentes nos Estados Unidos, seja de qualquer outra forma, parece-me - e eu não sou técnico de orçamentos, não sou sequer economista, mas esperaria que alguma justificação fosse dada - que não podem chegar, seja em materiais seja de qualquer outra forma, ao Estado Português, aos cofres públicos, 17 500 000 contos, por baixo da porta, através de um saco azul ou de outra forma.
Visto que proximamente discutiremos o Orçamento para 1985, era a última oportunidade para o Sr. Prof. Mota Pinto, sempre tão atarefado e sempre tão eficiente, se explicar perante a Câmara, coisa que não aconteceu.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Não está presente o Sr. Ministro das Finanças, mas está o Sr. Secretário de Estado do Orçamento. Tem-se falado muito em défice e têm-se ouvido aqui algumas coisas verdadeiramente preocupantes.
No ano passado, o Sr. Secretário de Estado também é testemunha disso, eu propus na Comissão de Economia, Finanças e Plano que se abatessem - e o Sr. Secretario de Estado lembra-se - 400 000 contos ao orçamento das Forças Armadas e se distribuíssem pelos Ministérios da Saúde e do Trabalho, por várias rubricas, no sentido de minorar as dificuldades financeiras que eram sentidas por outros departamentos de Estado. Foi-me dito na altura, aliás pelo Sr. Secretário de Estado da Defesa, que os militares não deixavam - disse isto entre dentes. O Sr. Secretário de Estado até estaria disposto e julgaria justo que esta alteração fosse feita, mas o único deputado que votou a favor fui eu; o Partido Comunista, o PSD e o PS votaram contra, e o CDS e o MDP abstiveram-se.
Bem, e que é que aconteceu?
Folheando o Diário da República dos últimos dias vê-se o seguinte - são cerca de 30, mas eu só vou ler algumas:

Portaria

É autorizada a Direcção dos Serviços de Fortificações e Obras do Exército, para remodelação da casa do comandante no Quartel-General da Zona Militar dos Açores, a utilizar a verba de 20 000 contos.

Depois temos que são autorizadas as seguintes verbas: para alojamento de sargentos da Companhia de Engenharia, 15 000 contos; para viaturas da Escola
Prática de Cavalaria, 35 000 contos; para obras de reparação dos pavimentos do Quartel-General de Lisboa, 20 000 contos.
Eu não sou empreiteiro, mas, se o fosse, quase que me atreveria a propor ao Governo que me deixasse fazer estas obras, e ficar com o resto para mim...

Risos.

.... porque, certamente, mais valeria construírem uma casa nova para o Sr. Comandante dos Açores, e não me consta que a cobertura de viaturas da Escola Prática de Cavalaria de Santarém custe 35 000 contos.
Que é que está a acontecer? Esses departamentos das Forças Armadas sentem o aproximar do fim do ano e querem gastar as verbas que lhes estão orçamentadas, para no próximo ano não assacarem responsabilidades e não lhes serem negados aumentos orçamentais. É isto que está a acontecer.
Formalmente é nestas aplicações que estão a gastar o dinheiro, quando, na verdade, isto é meramente um expediente para justificarem aumentos orçamentais para o ano de 1985.
Era esta a primeira questão.
Um outro problema seria o seguinte: são cerca de 30 as portarias que autorizam estas despesas. Não estará neste tipo de coisas uma das razões dos défices orçamentais?
Não teria sido melhor, Sr. Secretário de Estado, desafectar 400 000 contos - estas portarias totalizam cerca de 300 000 contos -, como eu propus, distribuir essas verbas pelos departamentos que eu referi ou por outros - e eu mostrei-me aberto a isso - e não se dar este espectáculo triste de se fazerem obras numa casa que custam 20 000 contos?
Então por que é que não fazem para o Sr. Comandante dos Açores uma casa nova, com piscina, virada para o mar, que não custa certamente 20 000 contos de obras?
Gostaria de colocar um outro assunto ao Governo. Vou dar 4 exemplos: em Paços de Brandão, em Albergaria-a-Velha e em Alter do Chão foram construídas, ultimamente, 3 escolas, uma para o ensino secundário e outras para o ensino preparatório. A de Paços de Brandão, que custou à roda de 57 500 contos, está neste momento com todo o corpo docente e o pessoal de serviço auxiliar já colocados e não tem um aluno. Sabe porquê? Porque o Estado continua a pagar 60 contos por ano ao proprietário do Externato de Santa Maria de Lamas pelos alunos que não deveriam lá estar, quando o pagamento ao ensino particular deve ser meramente supletivo.
Em Albergaria-a-Velha, uma escola equipada para o ensino técnico-profissional, nas melhores condições possíveis, que custou 125 000 contos, tem 16 alunos e o Estado continua a dar ao Colégio de Albergaria-a-Velha 60 contos por ano para o subsidiar.
Ultimamente, o Sr. Ministro da Educação, o Sr. Prof. José Augusto Seabra, declarou querer conceder 17 000 contos ao Colégio de Peniche, quando não há necessidade nenhuma, porque, nesse caso concreto, ainda tem as instalações escolares de Peniche em situação excedentária relativamente ao número de alunos. Não estará aqui também mais uma razão para haver défices orçamentais? Quando é que se põe cobro a isto?
Eram estas as minhas questões.

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Eu confesso que de orçamentos não percebo nada, mas gostaria de ouvir a opinião do Governo sobre estes problemas, primeiro em relação às Forças Armadas e segundo em relação ao Ministério da Educação.
O Governo comprou 3 aviões para transporte de pessoas. Acho muito bem. Não tenho nada a opor a isso. Não me choca esse problema, mas pergunto, Sr. Secretário de Estado: as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico de Alverca não têm nada que fazer, estão quase todas paradas. Sabe V. Ex.ª onde é que estão a ser transformados os aviões Falcon para poderem transportar passageiros? Nos Estados Unidos da América do Norte. Por que é que não estão em Alverca, Sr. Secretário de Estado? Não será também uma das razões do défice orçamental?
Nunca mais acabava se pusesse todas as questões. Paro por aqui.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino. Informo o Sr. Deputado que o Sr. Deputado César Oliveira não tem tempo para responder ao seu protesto.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Então não tínhamos um pacto de não agressão? Ele dá-me tempo, que eu também lho dei a ele.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Deputado César Oliveira, o PSD e o seu grupo parlamentar não podiam, naturalmente, deixar passar em claro o processo de intenção que o Sr. Deputado César Oliveira acabou de fazer ao Sr. Deputado Santana Lopes, e por essa via ao próprio Grupo Parlamentar do PSD, no sentido de que a sua intervenção teria, eventualmente, em vista um registo no Diário da Assembleia da República, perante a possibilidade de uma qualquer convulsão do regime.
O PSD tem feito aqui as intervenções que acha convenientes e adequadas face à situação do País, face à situação económica, face a este orçamento suplementar em concreto, e, por isso, porque actuamos nessa perspectiva séria, queremos registar com desagrado, naturalmente, esse tipo de intervenção.
Se interpretámos mal a intervenção do Sr. Deputado César Oliveira, então V. Ex.ª fará o favor de me corrigir.

O Sr. Presidente: - Se bem compreendi os sinais, a ASDI dá a V. Ex.ª, Sr. Deputado César Oliveira, 1 minuto para contraprotestar.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Muito obrigado à ASDI e ao Sr. Deputado Magalhães Mota.
Sr. Deputado José Vitorino, não interpretou mal a minha intervenção. Eu disse, exactamente, que o Sr. Deputado Santana Lopes falou para a acta. V. Ex.ª é que parece que não sabe ler. Leia a intervenção do deputado Santana Lopes, na sua parte final, quando ele fala do pedido de responsabilidades, e interprete-a V. Ex.ª como quiser. Eu interpreto assim. O PSD tem todo o direito de fazer as intervenções que quiser. Eu tenho todo o direito e - mais - tenho o dever de fazer interpelações políticas e enunciar perante esta Câmara as interpretações políticas que faço e que, no meu sentido, contêm em si - e eu admiti que poderiam não conter - um cheirinho de registar para a acta, lavar as mãos e não assumir responsabilidades na defesa da democracia, que era aquilo que todos nós devíamos fazer.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: São conhecidas do País as duas razões fundamentais que justificaram a nossa presença neste governo.
Em primeiro lugar, uma situação económica e financeira difícil, que justificava e legitimava a existência de um governo nacional forte, capaz de sustentar e apoiar um conjunto de medidas necessárias ao fortalecimento da situação nacional e que colmatasse as dificuldades existentes.
Mas, em paralelo, o PSD e o PS apoiaram também um conjunto de acções que permitissem, em simultâneo com o ataque à crise - que teria naturalmente e sempre uma incidência restritiva, uma incidência de austeridade e de rigor -, circunstâncias que desbloqueassem o sistema económico e financeiro, que alterassem impasses institucionais que não permitem, não permitiram e não permitirão, seguramente, a modernização, o desenvolvimento e a criação de condições saudáveis para o crescimento harmonioso e próspero do País.
Enquanto à primeira razão se implicava naturalmente uma política de restrição, a segunda era a condição permissiva para o desenvolvimento.
Ambas eram as razões, ambas eram as duas faces da mesma moeda, que significavam a nossa aposta, a nossa responsabilidade e a nossa solidariedade.
O tempo tem demonstrado que o primeiro objectivo foi cumprido com eficácia em relação às metas que o Governo se comprometeu atingir, ou seja, estas foram alcançadas.
O mesmo não é possível dizer-se em relação ao segundo grande objectivo. Essa assincronia de posições, essa assimetria de posições e de consequências, tem uma leitura e uma implicação políticas que hoje também transparecem na proposta de reforço orçamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A referida proposta é para nós, PSD, a primeira parte de uma leitura global que inclui a proposta de Orçamento para 1985. Não é dissociável dessa versão, dessa aposta, já que o Orçamento, como instrumento político do Estado, da acção do Governo e de execução da sua política económica e financeira, tem implicações globais, tem uma sequência de acção visível hoje, visível amanhã, donde não é para nós despiciendo, nem passível de divisão, a análise de uma e de outra.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Falámos no passado em relação à política necessária de alterações estruturais como um passo decisivo para a modernização e para o desenvolvimento.
Alguns vêem e vivem em Portugal ainda hoje numa situação de comodismo em relação à visão política implícita no Orçamento, já que admitem um grau tolerável de derrapagem orçamental e que isso pode ser feito em simultâneo com uma situação política de manobra táctica de curto prazo, com incidências meras

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na superstrutura política dos órgãos nacionais, sem ter em conta que a não resolução das condições prévias que manifestam a própria derrapagem orçamental anulam, em parte, e não legitimam sequer a postura de se pensar na segunda vertente política, sem a consequente visão prévia e estratégica do que está implícito na iminência da derrapagem orçamental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não é a posição do PSD, não pode ser, nem será.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem. Nada de fintas!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de revisão orçamental foi nesta Câmara injustamente criticada em dois domínios: o de uma eventual incapacidade de gestão administrativa do Orçamento e o de uma má previsão orçamental. Podendo as duas razões ser verdadeiras, têm, todavia, para o PSD um conteúdo menor.
A questão de fundo que está por detrás do problema como hoje nos é colocado, não pode ser analisada, meramente, num problema de gestão ou previsão orçamental. O Orçamento não é um problema de responsabilidade do Ministério das Finanças nem da Secretaria de Estado do Orçamento. No Orçamento, verte-se toda uma política global e departamental de todos os departamentos do próprio Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Uma eventual punição ou responsabilização limitada e exclusiva é um erro e um álibi, para ao fim e ao cabo não se entrar na verdadeira onda e razão central e nuclear dos problemas, que é a questão da coordenação e da acção global departamental aquilo que é justo, sério e honesto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Recusamos visões limitadas e parciais de responsabilização. Centramo-nos na visão global.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A propósito do reforço orçamental que nos é pedido, julgo que a Câmara terá de fazer algumas reflexões globais sobre o que lhe é proposto e sobre o porquê desta proposta.
A primeira é a nossa concordância com a política de rigor...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ..., e a solidariedade que sempre tivemos, temos e teremos para com essa mesma política.
Mas se nos pode pedir uma solidariedade exclusiva e limitada quando existe um rigor e uma austeridade para o consumo dos cidadãos e quando esse mesmo rigor e austeridade não são aplicados, na mesma proporção, ao próprio Estado...

Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - ..., não é lícito pedir-nos o apoio parcial numa área quando essa área não tem transposição geral no sector público administrativo e no sector empresarial do Estado.
Isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é apenas motivo para reflexão. É um convite e uma sugestão da nossa parte à inflexão da própria política. Daí decorre uma segunda circunstância e uma segunda reflexão: o porquê deste resvalar relativo no domínio da austeridade para os privados, para os cidadãos e que não é aplicada, em consonância e da mesma maneira, ao sector público.
Aqui estamos numa questão de fundo do Estado Português, que é o papel do próprio Estado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O Estado em Portugal, hoje, tem uma visão e uma acção que se podem enunciar em dois princípios simples: onde o Estado deve ser mais liberalizante, mais interventor, menos actuante no sentido regulamentar, de excessivamente impedir, obstaculizar, onde o Estado não deve fazer isso, fá-lo em excesso. Onde, pelo contrário, o Estado devia ser mais rígido, mais duro, mais representante, mais árbitro, o Estado é laço e é débil.
O Estado hoje, em Portugal, num país que não é corporativista, a sociedade portuguesa apresenta hoje sinais, às vezes gerados pelo Estado, de ilhas de resistência corporativa, contrariamente à ideologia do regime deposto que, teoricamente, era corporativista, mas que na prática manifestou germes muito menos corporativos que hoje!

Aplausos do PSD e de alguns deputados do CDS.

Em resumo: lassidão onde não deve, excessiva intervenção onde não deve.
Função do Estado, papel do Estado. Reflexão da nossa parte, inflexão da política necessária neste domínio. E aí se prende com a terceira circunstância para a qual pedimos a atenção da Câmara e do Governo, porque é uma responsabilidade colectiva, de todos nós. É que hoje existem, na proposta de revisão orçamental, derrapagens orçamentais. Onde? Na saúde, na educação e na Segurança Social.
Isto releva da questão de fundo da sociedade portuguesa, que é o problema do desequilíbrio, da incompatibilidade relativa entre o nosso aparelho produtivo e os sistemas de consumo sociais que criamos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Criamos cada vez mais consumos sociais tendentes a uma vivência europeia e produzimos cada vez mais na proximidade do Terceiro Mundo, isto é, existe uma assincronia fundamental entre o nosso sistema social - que quereríamos melhorar, que quereríamos até desenvolver porque não recusamos uma postura europeia no consumo - que, todavia não é possível ter tradução suficiente no aparelho produtivo que hoje temos.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!

O Orador: - E se a longo prazo a lógica é a compatibilidade entre as duas áreas - a que sustenta e a que é sustentada -, se a longo prazo a elevação

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das duas é necessária, o problema de hoje é o problema da discrepância entre uma que não pode sentir-se sustentada pela outra.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aqui se coloca a questão de fundo que sempre nós colocámos como segunda razão de estarmos no Governo.
O problema do aparelho produtivo, o problema da mobilização para investimento da componente motivacional e da expectativa favorável do investidor, o problema da produtividade do trabalho, o problema do incentivo a quem trabalha, o problema da responsabilidade a quem trabalha, são alterações de fundo por que nos batemos e que não têm tido suficiente contrapartida por parte de todos nós.

Aplausos do PSD.

Mais reflexão! Também inflexão na política. E se é necessária inflexão, essa necessidade é patente na quarta área de reflexão, isto é, no problema do sector empresarial do Estado.
Diga-se que houve erros de investimento privado no sector privado português antes de 25 de Abril; houve áreas que, com o primeiro salto petrolífero de 1973 e projectos importantes, cuja rentabilidade ficou logo anulada.
Estupidamente, o Estado socializou, nacionalizou um erro e um risco que devia ser do capital privado, que já estava condenado à falência dado o primeiro salto petrolífero. O Estado, candidamente, inocentemente ou maquiavelicamente nacionalizou algo que já era evidente ser prejudicial.

Vozes do PSD: - Apoiado!

O Orador: - Mas, em segundo lugar, a nacionalização exerceu-se como controle, como decorrência do princípio de o Estado controlar a sociedade. Quantos mais instrumentos o Estado tiver mais controle tem sobre as pessoas, sobre os cidadãos, sobre a sociedade. Simplesmente, a nacionalização no seu conjunto traduziu-se em Portugal numa incapacidade do sector empresarial do Estado em responder às necessidades fundamentais do País.
Foi por isso que, na revisão constitucional de 1982, defendemos o princípio da eliminação da irreversibilidade das nacionalizações, tal como hoje o defendemos. Fazemo-lo em nome de um sector público - que é necessário - e em nome dos que nele trabalham e do interesse nacional.
Só quem quer os trabalhadores como carne para canhão é que pode aceitar um statuo quo que se volta contra eles próprios.

Aplausos do PSD.

Neste domínio, o Governo fez um discurso correcto, dramático, poderoso, com impacte. Mas não tomou, como consequência, qualquer medida de fundo que concretizasse o seu próprio discurso.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Exacto!

O Orador: - O Governo pintou a situação de negro, com realismo. Tem, por isso, o nosso apoio.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Mas ficou à sua sombra!

O Orador: - Mas, na prática, o discurso posterior foi cor-de-rosa em relação a uma intenção enunciada, mas sem uma concretização materializada.
Dois erros políticos: o de anunciar sem fazer porque pagou perante alguns sectores da opinião pública por o ter feito. Mas pagou, em segundo lugar, por ter enunciado e não ter feito, tendo por isso, quebrado a sua própria expectativa.
O Governo dessolidarizou-se de si próprio perante uma praticabilidade que não foi consequente com o seu próprio discurso.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Como quinta reflexão: o problema da dívida interna do Estado.
Em 1974 apenas 4% das receitas fiscais eram afectadas ao serviço da dívida. Em 1980 esse valor era próximo de 20%, em 1982 de 30% e em 1984 já era de 42%. O Orçamento dir-nos-á qual será esse valor para 1985. Estamos em fase de crescimento não linear, mas praticamente exponencial, e a previsibilidade dos encargos da dívida pública são cerca de 400 milhões de contos para o próximo ano.
Srs. Deputados, a situação é grave porque, qualquer dia, as receitas fiscais estão numa situação de bola de neve, em que só pagam os serviços da própria dívida.
O País tem de ter consciência disto e nós, como suporte do Governo, temos também de ter consciência da alta e da elevada responsabilidade e das consequências dramáticas que tem. Isto, curiosamente, em consonância com a extraordinária acção de contenção orçamental. Repara-se nos números: em 1979, o défice orçamental em relação ao produto interno era de cerca de 10,3% e desde então diminuiu sempre progressivamente até chegar ao valor de cerca de 8%. Logo, a meritória e valorável acção da política orçamental nos últimos anos não conseguiu, mesmo assim, travar o crescimento exponencial do serviço da dívida a um ponto que se torna necessário perguntar ao Governo e a todos nós - pois a responsabilidade é de todos: como é que se vai elaborar o Orçamento para 1986?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - São questões sérias que justificam, mais do que reflexão, uma inflexão política com coragem e com imaginação.
O mesmo diríamos das indemnizações: 150 milhões de contos estão contidos para pagar as indemnizações àqueles que foram espoliados dos seus bens por via legal. Mas o cálculo das indemnizações foi feito numa base provisória e não definitiva. Se o Governo, que é um Governo de um Estado de direito, exercer a sério esse mesmo direito, é obrigado a fixar as indemnizações definitivas.
Nessa altura, não serão 150 milhões de contos mas muitos mais e o Estado está numa impotência financeira de cumprir um preceito do próprio Estado de direito. É por isso que, mais uma vez, se justifica uma acção séria e empenhada na questão de fundo, que é questão da própria revisão da Constituição e do problema da irreversibilidade das nacionalizações.
Há alguns anos, o Estado fazia e havia quem queria empresas públicas; algumas dessa empresas, que alguns cidadãos queriam há alguns anos, já ninguém as quer hoje. São osso para toda a gente! Hoje em dia, já ninguém pode falar em tutano, no que quer

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que seja que se relacione com o sector público empresarial do Estado.
O ponto a que chegámos, em Portugal, é esse. Requer, por isso, seriedade e reflexão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD é solidário com o Governo. O PSD é, e será solidário com o Governo. Solidariedade, Srs. Deputados, é uma relação em dois sentidos: nós somos responsáveis perante o povo que nos elegeu e temos um contrato político com o povo na base de um programa eleitoral que defendemos aqui. Mas o Governo é responsável perante nós na base de um acordo político com a própria Câmara, na exacta medida em que está preconizado e alicerçado no seu programa do Governo.

O Sr. António Capucho (PSD): - É isso mesmo.

O Orador: - O Programa do Governo contém os dois princípios essenciais que enunciei e que legitimaram e legitimam a nossa acção no Governo.
O Governo cumpriu com suficiência e capacidade e é de apoiar, claramente, no primeiro domínio. No segundo, é óbvio que as acções são insuficientes. Donde o problema da solidariedade que hoje damos - como sempre demos e nunca renegámos - ter de ser visto na óptica de uma estrada com dois caminhos. O problema que hoje se põe não é o da nossa solidariedade perante o Governo mas o da solidariedade do Governo perante si próprio, perante aquilo que cumpriu, face àquilo que disse ir cumprir.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O problema que se põe é do Governo perante si próprio e, por isso, do Governo perante nós.
Não recusamos a solidariedade mas o Governo tem de a colocar perante nós próprios no sentido de cumprir aquilo a que ele próprio se destinou e desejou fazer e para isso tem o nosso integral apoio.
Por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Orçamento para 1985 é a segunda fase da discussão do reforço orçamental para 1984. Aí, é preciso que o Governo, não só pondere e equacione mas dê pistas de resolução daquilo que hoje dizemos ser o nosso compromisso com o próprio Governo e que é também o compromisso do Governo connosco.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Hoje, o nosso discurso, mais do que um alerta e do que um aviso é um chamar a atenção do Governo para a solidariedade que tem de ter connosco, pois não pode exigir votos mecanicistas. O que o Governo pode é exigir-nos o voto em correspondência com aquilo que se comprometeu connosco.
É exigível ao Governo, na apresentação do Orçamento para 1985, mormente nas áreas que referi e sobretudo a do sector empresarial do Estado, um conjunto de acções e contrapartida para aquilo que hoje nos pede a mais, como reforço orçamental. E nós, como contrapartida, não pedimos mais benefícios sociais, mais bens nem mais dinheiro! Pedimos a criação das condições que legitimam o crescimento futuro, a modernização futura e o crescimento auto-sustentado do próprio País.

Aplausos do PSD.

Não pedimos para o dia de hoje, não pedimos, idilicamente, aquilo que não pode ser dado. Pedimos a construção no hoje para o amanhã.
Assim, o nosso voto favorável de hoje traz sentido, mas só se isso for respeitado e cumprido.
Temos ainda alguma esperança e temos, sobretudo, muito desejo de que assim seja.
Este é o Governo apoiado pela maior maioria de sempre. Que esta não seja uma mera maioria aritmética mas sim uma maioria política, de acção e de vontade para salvar Portugal! É nisso que estamos empenhados.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, ao que suponho para formularem pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Magalhães Mota, Bagão Félix, José Lello e Acácio Barreiros.
Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Moía (ASDI): - Sr. Deputado Ângelo Correia, creio que na sua intervenção foi patente uma certa ideia do discurso orçamental clássico de muitas assembleias parlamentares em que o discurso orçamental era, também, de algum modo, o discurso da confiança.
Mas interpretarei a sua exposição - e nesse sentido vai o meu primeiro pedido de esclarecimento - como um sentido de confiança limitado por algumas críticas, por algumas objecções, por algumas verificações.
Ainda hoje de manhã, eu questionava o Sr. Secretário de Estado do Orçamento sobre o controle orçamental. Para o Sr. Deputado Ângelo Correia o controle orçamental é também insuficiente mas por outras razões, creio eu. É que a actividade de 3 Ministérios - em concreto, o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde e o Ministério do Trabalho - escapa a esse controle orçamental e daí o deslizar do défice, daí a situação com que nos confrontamos.
Pergunto-lhe Sr. Deputado: é assim?

segunda questão que lhe coloco é a seguinte: o Sr. Deputado entende que não é propriamente o controle orçamental o problema mas sim o do controle geral da situação, o da coordenação das políticas globais, o problema da actuação deste Governo no seu conjunto, no seu mais alto nível.
É assim, Sr. Deputado?
A terceira questão, tem a ver com as dificuldades com que nos enfrentamos e com o futuro. Todos sabemos as dificuldades, todos sabemos o excesso de peso que o serviço da dívida vai tendo no nosso Orçamento. Mas significa isso a possibilidade de uma política de solidariedade? Significa isso que o desemprego, a acção social e a segurança social, a saúde, a educação devem ser as prioridades abandonadas? Significa isso a impossibilidade de um Estado assumir integralmente a social-democracia e o socialismo democrático? Foi isso que nos pretendeu dizer, pelo menos, a prazo?
Esta era outra das questões que lhe queria colocar.
Por último, qual é, sob o ponto de vista da sua crítica, em relação à gestão orçamental e à necessidade de uma inflexão política da própria actuação deste Governo, o conteúdo ideológico dessa sua crítica e em que aspecto essa crítica ideológica se demar-

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ca da crítica formulada, por exemplo, pelas bancadas do Centro Democrático Social?

Vozes da ASDI: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ângelo Correia, V. Ex.ª tem apenas 1 minuto para responder às perguntas que lhe foram formuladas.
Deseja gastar esse tempo desde já ou reserva-o para poder responder no final dos outros pedidos de esclarecimento?

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Muito rapidamente, direi que a intervenção do Sr. Deputado Ângelo Correia só não é insólita porque já nada é insólito na relação entre esta maioria e o Governo.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Uma primeira constatação que aqui fica clara, quase no fim do debate, é que, provavelmente, vai ser formalmente aprovada uma proposta de orçamento suplementar sem que tenha havido uma única intervenção de apoio a essa proposta.

Aplausos do CDS.

É, de facto, uma das formas mais sofisticadas de degradar esta instituição.

Aplausos do CDS.

Por isso dissemos - e continuamos a dizer - o seguinte: Sr. Ministro das Finanças e Sr. Secretário de Estado do Orçamento, se o Parlamento aprovar esta proposta suplementar, apenas vai pôr um carimbo como uma repartição de finanças põe muitas vezes nos cabimentos de verbas.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - A segunda questão é a seguinte: o Sr. Deputado entendeu que há Estado a mais em certas actividades e Estado a menos no desempenho de tarefas fundamentais do Estado. Disse também que havia uma diferença, um gap entre o sistema produtivo e o sistema social, isto é, criticou claramente o Estado providência.
Perante tudo isto, é caso para perguntar: como é que o Sr. Deputado entende que o PSD se deve, definitivamente, posicionar para bem da democracia? Numa questão de mera quantidade - que é a discussão entre o PS e o PCP - ou numa questão de natureza da relação do Estado para com a sociedade, que é a questão fundamental?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Parece que o Sr. Deputado se posicionou nesta última questão e é evidente que, sendo assim, tem de ser aqui claramente dito e afirmado: o PSD não pode continuar constantemente a fazer o discurso do poder e o discurso do contrapoder. Não pode estar no poder e contrapoder.

Aplausos do CDS.

Não pode fazer parte da maioria e vir aqui pôr em causa a maioria. Isto é que é claramente pôr em causa a democracia.

Aplausos do CDS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Quando a maioria apoia uma proposta do Governo criticam-na de ser maioria acéfala, sem uma intervenção capaz de destacar pela crítica pontos que são criticáveis. Quando, como no caso vertente, a maioria apresenta críticas válidas também é criticada.
Essa é, de facto, uma posição incompreensível, mas que respeita a quem a assume.
Sr. Deputado Ângelo Correia, ouvi com atenção o seu discurso, no qual V. Ex.ª, com o inegável brilho que lhe é peculiar, tomou aqui posições num estilo e numa forma que eu diria serem, no mínimo, inovadores em relação às recentes disposições tomadas pelo PSD nesta Câmara.
No entanto, o teor das suas afirmações só a si diz respeito e quem seria eu para me debruçar sobre elas.
Apesar disso, gostaria de lhe referir uma afirmação do deputado britânico Jonathan Edkinson, que dizia sobre o clima que se vive no Parlamento britânico o seguinte: é sempre imprevisível pois a Câmara é como uma estranha, emocional e turbulenta amante. Podem surgir 20 interpelações ao Primeiro-Ministro sem alteração apreciável da calma parlamentar. No entanto, por vezes, apenas 5 ou 6 questões poderão ser o rastilho de uma excitação de alta voltagem.
V. Ex.ª teve o mérito de não conseguir nem uma alta excitação nem uma alta voltagem.
Ponho-lhe muito concretamente uma questão: V. Ex.ª dissertou sobre a responsabilização global de uma política de rigor. Ao falar nesta questão, queria referir-se a todas as áreas do Estado ou preocupam-no apenas algumas áreas sectoriais? E, sendo assim, queira V. Ex.ª ter a bondade de me dizer quais.
Termino pondo-lhe outra questão: V. Ex.ª referiu, a dado passo da sua intervenção, que hoje já ninguém quer um sector público. Então, se hoje já ninguém neste país quer um sector público, por que insiste V. Ex.ª em que, através de uma revisão constitucional, se possa alienar esse sector público?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formular um pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado César Oliveira, em virtude de dispor de tempo que lhe foi concedido pelo MDP/CDE.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Ângelo Correia, como sempre V. Ex.ª empolgou com a sua verbe, com os seus gestos desmedidos e até com alguma teatralidade - o espectáculo político é também isso - a assistência e os parlamentares.
Mas a questão que lhe queria pôr - e que, aliás, o Sr. Deputado José Lello já lhe colocou - é a de saber afinal o que é a revisão constitucional: uma mera bandeira ideológica, satisfação de alguma coisa que já vem de trás, ou então é o clássico coelho

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tirado da cartola, que o CDS já tentou tirar aqui uma vez e que o PSD, pelos vistos, ainda não desistiu de tirar da cartola.
O problema é vosso; não tenho nada a ver com isso.
Quero ainda perguntar-lhe o que é feito das 5 grandes reivindicações que o Prof. Mota Pinto, peremptório, eficaz e cheio de energia, veio à televisão anunciar - salvo erro em finais de Junho ou princípios de Julho -, que eram para 2 meses e portanto terminavam em Agosto, mas depois houve aquela abébia para terminar em Outubro. Afinal, em que ficamos? Que é feito dos juros à cabeça, que é feito das rendas de casa, etc., etc.?
O PSD vai mudar as 5 reivindicações, mantém-nas, ou em que é que ficamos?
Como é que está o dossier das 5 grandes reivindicações, das 5 grandes alterações estruturais, uma das quais era a famosíssima questão dos juros à cabeça?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ângelo Correia, infelizmente apenas tem um minuto para poder dar resposta às questões que lhe formularam.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Suponho que ainda temos 3 minutos para conceder ao Sr. Deputado Ângelo Correia, pois era o tempo de que dispunha para o meu pedido de esclarecimento. Não tendo sido usados, esses 3 minutos estão com certeza à disposição do Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, para o Sr. Deputado Ângelo Correia poder responder ao Sr. Deputado José Lello, também nós lhe oferecemos 3 minutos. Hoje estamos disponíveis para cobrir todos os défices.

Aplausos e risos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, por uma questão de gestão de tempos, agradecia à Mesa o favor de anunciar quais os tempos disponíveis de cada partido.

O Sr. Presidente: - O CDS dispõe de 2 minutos. O Sr. Deputado também concede esses 2 minutos?

Risos.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Nem pensar em tal situação, Sr. Presidente. Mas pedia a V. Ex.ª o favor de anunciar os tempos disponíveis por partidos e agrupamentos.

O Sr. Presidente: - Fá-lo-ei desde já: o Governo tem 22 minutos; o PS tem 20 minutos, o PSD tem 1 minuto, o PCP tem 8 minutos; o CDS tem 2 minutos; o MDP/CDE tem 12 minutos; a UEDS já não tem tempo; a ASDI tem 3 minutos e o Sr. Deputado independente tem 4 minutos.
V. Ex.ª, Sr. Deputado Ângelo Correia, pelas contas que aqui foram feitas, disporá de 7 minutos para responder às perguntas que lhe foram feitas.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Em primeiro lugar, quero agradecer a solidariedade de vários grupos parlamentares, o que significa que, de facto, o exercício da solidariedade existe nesta Câmara, pelo menos, entre os grupos parlamentares.
O Sr. Deputado César Oliveira coloca o problema do espectáculo político, mas isso é uma questão que o Sr. Deputado terá de encarar, na acção, aqui na Assembleia, não é uma questão nossa. A maneira como vemos o problema em relação a algumas variáveis da vida nacional e a alguns índices indicadores sociais, económicos e financeiros é com algum agravamento, com alguma dificuldade e com conteúdos sociais que são poderosamente graves.
É por isso que sempre nos batemos - e temos de lhe agradecer a referência que fez a algumas declarações do Sr. Vice-Primeiro-Ministro Prof. Mota Pinto que, em Julho, e até antes disso, por várias vezes manifestou o desejo e a necessidade de se cumprir por parte do Executivo e por parte da Câmara, visto que há vários diplomas que não são apenas da responsabilidade do Governo mas também dos grupos parlamentares que apoiam a maioria - por se levar a cabo um conjunto de acções que respondem às necessidades reais do País, ao nosso compromisso eleitoral perante o povo português e à nossa relação entre Governo e Assembleia que o apoia.
A posição do Prof. Mota Pinto é legítima, é pertinente e traduz-se sobretudo em tentar encontrar soluções e forçá-las.
Agora, o destinatário final da pergunta do Sr. Deputado César Oliveira não serei eu, naturalmente. Serei um dos destinatários menores, haverá outros maiores que poderão responder, na sua exacta proporção e medida, à sua dúvida, à sua dificuldade, que é legítima e que nós também subscrevemos.
O Sr. Deputado José Lello colocou o problema de a minha intervenção poder ser ligeiramente insólita ou, pelo menos, não ser normal.
Talvez não estejamos habituados na Assembleia a um de dois tipos de comportamento que recusamos. Um, que é o mecanismo, o automatismo dos deputados que se levantam e dizem que sim ao que o Governo pede, ou seja, trata-se de uma inversão da situação constitucional, em que é o Governo quem depende de nós, que está apoiado por nós e não que nos comanda politicamente. É uma acção que recusamos, é uma situação que não convém à democracia portuguesa.
O outro comportamento é uma mera verve permanente de hostilidade, de obstrucionismo, de tornar obstaculizante a acção do Executivo. Não é nossa intenção fazê-lo. A nossa intenção e o nosso discurso é correspondente com o grau de solidariedade e empenho na coligação.
Mas solidariedade não é conformismo, não é deixarmos degradar uma situação que já é má para o Governo, para nós e para o País sem, na sede política própria, chamarmos a atenção para o exercício

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da responsabilidade e da solidariedade que temos e que queremos que se exerça noutro sentido.
É, talvez do seu ponto de vista, inédita esta atitude; não é inédita da parte dos deputados do PSD, nomeadamente dos meus companheiros João Salgueiro, Pedro Santana Lopes e eu próprio, que, com diferentes tons, dissemos ao fim e ao cabo a mesma coisa, com o mesmo conteúdo de fundo, com o mesmo conteúdo substancial.

Aplausos do PSD.

Perguntou o Sr. Deputado José Lello se havia particularizações em relação ao problema da austeridade e do rigor. Podíamos fazer esse exercício, mas não queremos nem vamos fazê-lo. Não é nossa intenção fazer divisões falsas nem criar conflitos nem potenciais atritos entre grupos parlamentares ou entre o próprio Executivo. Queremos um poder executivo forte.
O que está em causa, Sr. Deputado Bagão Félix - agora dirijo-me a si -, não é saber se há ou quem é poder e contrapoder. Ó problema do País é fazer um poder, que ainda não existe da forma suficiente; o problema do País é construir um Estado com poder democrático, e não colocar a falsa questão da dicotomia entre ser-se poder e contrapoder simultaneamente.

Aplausos do PSD.

Esta é a questão, e é por isso, Sr. Deputado José Lello, que nessa lógica não particularizamos, porque, sendo uma questão global, ela tem de ser atacada em todas as áreas, havendo, naturalmente, umas que carecem mais do que outras. Particularizações, não as faremos; queremos um exercício de solidariedade completo e total e não divisões internas, que não ajudam a ninguém: nem a nós nem a vós, nem ao País.
O Sr. Deputado Bagão Félix colocou também a questão do insólito. As respostas que dei aos Srs. Deputados César Oliveira e José Lello aplicam-se a si, no sentido de que o nosso exercício de responsabilidade é consequente e é condicional ao nosso contrato político com o povo que nos elegeu e à responsabilidade e solidariedade que existem entre nós e o Governo.
Por outro lado, devo dizer que não tenho culpa, Sr. Deputado Bagão Félix, que V. Ex.ª fique preocupado com as nossas intervenções nem sou responsável pelo facto de V. Ex.ª colocar mal o problema político, quando o faz em termos de querer saber se se é poder e contrapoder ao mesmo tempo. É que eu não sou responsável, Sr. Deputado Bagão Félix, pelo facto de o CDS não saber ser oposição séria, capaz e suficiente. Contudo, o País, todos nós, ganharíamos com isso.
A democracia não é poder e contrapoder; democracia é poder existente e oposição e a oposição ajuda tanto o Governo como o poder a si próprio.
Não temos culpa que V. Ex.ª e o seu partido não ajudem suficientemente a democracia. Mas esse problema não é meu, é seu.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Muito fraquinho!...

O Orador: - Sr. Deputado Magalhães Mota, V. Ex.ª colocou-me alguma questões que são extremamente importantes, são questões de fundo.
Pela natureza das perguntas, o Sr. Deputado terá com certeza a convicção de que uma resposta rápida da minha parte o não satisfará. Tenho plena consciência disso e penitencio-me antecipadamente, pois são questões de fundo muito importantes e pertinentes. Queria no entanto responder a algumas, embora sucintamente.
Em primeiro lugar, perguntou-me se há ou não o problema de confiança limitada do PSD em relação ao Governo. Dir-lhe-ei que não. Há um problema de confiança global e total, mas condicionado por aquilo que nós e o Governo acordámos, ou seja, é uma confiança que tem um quadro político marcado, restrito e fixado, que é o Programa do Governo, que são as intenções e discursos governativos, aos quais estamos presos, com os quais somos solidários; apenas pedimos às vezes que se cumpram, que passem do discurso ao papel e do papel à acção.
Logo, o problema não é do limite, é do condicionante, condicionante que não é unívoco, não é da nossa parte, "em relação a", é conjunto, nas 2 áreas.
Perguntou-me também, Sr. Deputado Magalhães Mota, relativamente aos cortes orçamentais nas 3 áreas, se éramos solidários com a visão de restrição nas áreas sociais.
Não, Sr. Deputado Magalhães Mota, o que nós somos é realistas e sabemos que, das duas uma, ou aceitamos em permanência um défice excessivo que o Governo não pode e não quer aceitar - e tem razão e nós apoiamo-lo -, ou então é necessário alterar condições estruturais no aparelho produtivo, de modo que possamos manter, até num nível superior, os consumos sociais que queremos.
Essa á a questão de fundo, mas isso não se faz num ano nem em dois, e o próprio Governo tem limitações que não decorrem do exercício de hoje mas de todo um pretérito que recai sobre ele, de toda uma herança que pesa sobre ele. Estamos conscientes disso, mas também estamos conscientes de que é preciso dar os primeiros passos.
Por último, quando o Sr. Deputado Magalhães Mota coloca o problema da nossa explicitação das alterações necessárias na política em Portugal, pergunta se colocamos o problema no Ministério das Finanças, na área orçamental. Não Sr. Deputado, e não o fazemos porque a área orçamental, a área das finanças, é o repositório de tudo aquilo que vem dos departamentos em geral. O problema não se poder pôr na área das finanças em si e de per si, mas sim perante a globalidade, ou seja, na coordenação global ao mais alto nível, donde emana, ao fim e ao cabo, a questão da condução geral da própria política em Portugal. É aí que tem de ser colocado o problema e com todas as suas consequências; uma visão limitada, parcial, seria um mero álibi. Isso, não o faremos!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria, por último, em relação ao conjunto das perguntas, penitenciar-me por não ter podido responder a todas cabalmente e expressar da parte do PSD o seu empenho, a sua solidariedade, que deseja ver suficientemente traduzida de parte a parte.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para um protesto, o Sr. Deputado Bagão Félix.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Serei muito breve.
O Sr. Deputado Ângelo Correia não respondeu às minhas perguntas, mas, de qualquer maneira, não gostaria de deixar passar em claro o seguinte: constata-se que o PSD se preocupa, cada vez mais, com a oposição do CDS, e é por isso que procura cada vez mais ser oposição dentro da maioria.
Aliás, procuram, seguidamente à posição do CDS, recuperar o discurso ideológico e doutrinário do meu partido.

Risos do PSD.

O PSD, como hoje se verificou, Sr. Deputado Ângelo Correia, veio aqui criticar as soluções do Estado, do Estado previdência, do sector empresarial do Estado.
O que o PSD tem feito ultimamente é aquilo que, com palavras duras mas rigorosas, se chama promiscuidade ideológica.

Protestos do PSD.

Não sou só eu a dizê-lo, um deputado do PS, o Sr. Deputado José Lello disse o mesmo. Com estas posições, o PSD enfraquece objectivamente a maioria que apoia o Governo, enfraquece objectivamente as instituições, e Deus queira que não enfraqueça objectivamente o regime.

Aplausos do CDS e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ângelo Correia, já não tem tempo para responder em contraprotesto.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É para exercer o direito de defesa, Sr.
Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, V. Ex.ª é que é juiz e portador desse direito.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - É apenas para dizer que no passado tivemos relações estreitas com o CDS e temo-las hoje em termos de respeito por um partido que é democrático, com quem tivemos relações de Governo, de maioria, e pensamos que o CDS ainda se lembra - se não se lembra, somos obrigados a lembrar-lho - das razões e dos motivos que nos conduziram a uma luta pela vivificação do regime democrático e pela alteração de algumas regras fundamentais do sistema.
Lutámos conjuntamente por essas regras no passado; mantêmo-las hoje.
E quando o Sr. Deputado Bagão Félix diz que sim e acena positivamente àquilo que digo, assume com coerência aquilo que dissemos ontem consigo e que dizemos hoje com outra coligação, mas com o mesmo objectivo fundamental, que é partilhar, em relação à consciência nacional que vota em nós, a mesma coerência, o mesmo objectivo e a mesma acção.
Não temos e culpa que o CDS tenha tido apenas 12% nas últimas eleições legislativas.

Aplausos do PSD.

Protestos do CDS.

Mas esse problema não é nosso. Pedia-lhe, em segundo lugar, e queria que registasse que não vou responder letra a letra à sua afirmação de "promiscuidade" porque, se o fizesse, a resposta que lhe dava não seria digna para um deputado, não seria justa para um partido que respeitamos e não seria justa para muitos dos seus companheiros.
Mas, para a próxima vez, V. Ex.ª, que já é adulto, pense nalgumas consequências do uso abusivo e despropositado de algumas palavras que não ficam bem a uma pessoa da sua envergadura técnica e intelectual e de passado conjunto connosco.

Aplausos do PSD.

Protestos do CDS.

O Sr. Bagão Félix (CDS): - Isso é falta de argumentos!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para interpelar a Mesa, Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, há pouco, na minha intervenção, o Sr. Secretário de Estado Alípio Dias ...

O Sr. Presidente: - Tenho isso presente, Sr. Deputado, e ia agora referir-me a esse facto. Não me havia esquecido.
Sr. Secretário de Estado do Orçamento, V. Ex.ª, há pouco, tinha pedido a palavra para dar um esclarecimento. Disse-lhe que só o poderia fazer a título de intervenção. Ficou portanto inscrito, pelo que proeuro se V. Ex.ª quer ou não usar da palavra neste momento.

O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Penso que não. Pessoalmente já tive ocasião de dar uma explicação ao Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A política económica deste Governo enunciada no seu Programa e cuja concretização se iniciou, praticamente, com a apresentação das grandes opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1984 mereceu, desde logo, a nossa frontal oposição.
Entendemos que, não estando em causa a necessidade de contenção das despesas de consumo, particularmente do consumo público (embora salvaguardando as camadas mais desfavorecidas da população), a preocupação fundamental deveria ser programar imediatamente a recuperação e modernização da nossa economia, lançando as bases em que deveria assentar o nosso desenvolvimento económico, conseguido fundamentalmente à custa de uma escolha criteriosa dos sectores e produções a desenvolver e da melhoria da nossa maneira de produzir. Tal pressupunha, é evidente, não só um notável esforço de investimento, como também a selecção criteriosa dos sectores e dos programas para cujo desenvolvimento deveriam ser canalizados os recursos disponíveis para investimento, necessariamente parcos, em virtude da grave situação de desequilíbrio das nossas contas externas que se vivia, e que ainda não foi senão parcialmente superada.

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Votámos, consequentemente, contra as grandes opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1984, primeira expressão concreta da política económica do Governo, que combatemos porque erigindo em - passo a citar - "objectivos prioritários para 1984 a redução do défice da balança de transacções correntes [... ] e a redução do défice do sector público administrativo [...]", secundarizava (para não dizer que inviabilizava) a recuperação e modernização do aparelho produtivo, dada a exiguidade do montante previsto para investimento e a ausência de orientações minimamente concretas quanto à sua aplicação, apontando até para um crescimento claramente negativo do PIB.
Por isso, veríamos com bons olhos a apresentação de um orçamento suplementar, desde que ele pudesse traduzir uma mudança na política económica seguida pelo Governo, que viesse valorizar e viabilizar o objectivo de recuperar e modernizar a economia portuguesa.
Não é, porém, disso que se trata.
Com efeito, a alteração que este orçamento suplementar consubstancia revela ter-se falhado o objectivo (antes considerado prioritário) de reduzir o défice orçamental, sem que isso signifique menor quebra na produção do que o previsto inicialmente (antes pelo contrário) ou, sequer, a sustentação da degradação do aparelho produtivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Com este Orçamento do Governo se perdeu mesmo o aspecto que era, para nós, mais positivo e que era o da busca da redução do consumo público, sem que, praticamente, nada viesse em troca.
De facto, os reforços das verbas do PIDDAC e do PISEE são escassos para que se possa considerar que com eles se pretende iniciar a recuperação da nossa economia.
Menos de 5 milhões de contos para investimentos da administração central, a quase totalidade dos quais aplicada em obras públicas (das quais, se calhar, uma parte significativa até já está em execução), poderão provocar uma certa animação nesse sector e algumas repercussões noutros, mas em nada contribuirão para suster a degradação do aparelho produtivo ou para modernizar a economia portuguesa.
Também as verbas a atribuir ao sector empresarial do Estado poderão ser importantes no que concerne ao saneamento das empresas públicas a que se destinam (e, por isso, e nessa medida, merecem a nossa concordância), mas nem resolvem esse problema completamente nem representarão acréscimo significativo no investimento e, de forma mediata, na melhoria da produção nacional.
O que seria interessante e mereceria o nosso aplauso é que este orçamento suplementar viesse constituir o instrumento financeiro indispensável para a concretização de um programa de recuperação e modernização da economia nacional. Mas, efectivamente, o que se passa é que o chamado Programa de Recuperação Financeira e Económica ainda nem sequer vigora na prática (e sobre o seu conteúdo esperamos ainda vir a ter oportunidade de nos pronunciarmos quando ele vier a esta Assembleia da República e do Programa de Modernização da Economia Portuguesa ainda não conhecemos senão ideias muito vagas.
Por isso, e na ausência quase absoluta de orientação programática em matéria de investimentos, é de supor que, mesmo com estes reforços, difícil seja conseguir que a quebra no PIB não ultrapasse os 1,4 % previstos nas grandes opções do Plano para 1984.
Por outro lado, a falta de esclarecimento sobre a aplicação destas verbas também parece indicar que nem se trata de investimentos novos (pelo menos na generalidade dos casos) mas de despesas que, à partida, se sabia perfeitamente que seriam de realização inevitável e que neste momento até já se encontram comprometidas porque as empresas, em boa verdade, não conseguiriam funcionar sem isso.
Aliás, esta sensação de que este orçamento suplementar se destina, essencialmente, a dar cobertura orçamental a despesas (e não só de investimento mas, e principalmente, a despesas correntes) já comprometidas põe em causa, inclusivamente, a capacidade do Governo para fazer aplicar a sua política.
Além disso, o facto de este orçamento só agora vir a esta Assembleia da República quando o Governo já sabia (não podia desconhecer) que ele seria inevitável, circunstância ainda agravada pelo facto de, passada apenas uma semana, ele ter sido objecto de uma alteração demonstrativa de desatenção do Governo em relação ao funcionamento do Banco de Portugal, não abona o comportamento do Governo que deveria ter procurado obter a necessária autorização antes de ela ser tornada quase inevitável por, na prática, até já se encontrar como parcialmente consumada.
Nestas circunstâncias, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, não resta ao MDP/CDE, mau grado aceitar e até desejar um orçamento suplementar para 1984 (que não este nem nestas condições), outra alternativa que não seja votar contra esta proposta de lei que aprova alterações ao Orçamento do Estado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Foi evidente, ao longo deste debate na generalidade, a falta de convicção com que o Governo defendeu este orçamento suplementar e o silêncio e as reservas com que foi acolhido pelas representações parlamentares dos partidos da maioria.
A nossa interpretação é que a falta de convicção do Governo resultar de ser incapaz de defender o que não tem defesa possível, tanto pelos erros de previsão e omissão, que estão na sua base, como pela confrangedora falta de perspectivas que denunciou. Quanto a muitas das reservas por parte de deputados da maioria, elas mostraram com transparência o desejo de alteração das estruturas do País com um conteúdo evidente de alteração do regime.
O MDP/CDE teve ocasião, numa declaração política recente, de chamar a atenção para que o agravamento da crise a que esta política nos conduz poderá levar a um tal estreitamento das opções que poderá até chegar o momento em que apenas será possível a escolha entre democracia ou não. Ë isto, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, que estamos empenhados em evitar!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há inscrições, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Presidente, uma vez que não há inscrições, creio que a minha intervenção é para encerrar o debate.

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O Sr. Presidente: - Não é não, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Nesse caso, guardo para o fim a minha intervenção.

O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro prescinde, portanto, neste momento, do uso da palavra.
Chegou há pouco ao meu conhecimento, ainda que não de forma oficial ou oficiosa, que os Srs. Presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares haviam acordado em que cada um dos partidos devia dispor de mais 5 minutos. Se assim foi estou a estranhar que não haja inscrições. Não sei então para que acordaram no alargamento dos tempos se as pessoas não estão interessadas em usar da palavra para preencher esse tempo.
Pretendo saber, em primeiro lugar, se não há objecções, isto é, se todos os Srs. Presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares estão de acordo em alargar os tempos mais 5 minutos para cada um.
Se não há objecções tomarei esse acordo de forma definitiva. Tem a palavra a Sra. Deputada Ilda Figueiredo.

A Sra. Ilda Figueiredo (PCP): - Era para dizer que não temos objecções ao prolongamento dos 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Desde que não haja objecções não é preciso pedir a palavra, porque tomo o silêncio como aprovação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Ramos.

O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, é para interpelar a Mesa no sentido de uma clarificação. Penso que os 5 minutos se destinam apenas aos grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Eu não o tinha entendido como tal, Sr. Deputado. Julguei que fosse para os grupos e agrupamentos parlamentares. Mas se é apenas para os grupos volto novamente a levantar a questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Saias.

O Sr. Luís Saias (PS): - Pedia ao Sr. Presidente 5 minutos para o PS definir a sua posição nesta matéria.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado requer uma interrupção por 5 minutos?

O Sr. Luís Saias (PS): - Não, não requeiro uma interrupção. Peço é que a nossa resposta seja dada apenas daqui a alguns minutos.

O Sr. Presidente: - Fico a aguardar, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que se o alargamento de tempo é exclusivamente para os grupos parlamentares da nossa parte não haverá consenso para o alargamento dos tempos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, faço este contacto com a Mesa porque me sinto responsável por ter dado esta informação a V. Ex.ª. Contactei todos os responsáveis por grupos e agrupamentos e foi por consenso obtido por todos que informei V. Ex.ª. Era nossa intenção que esse alargamento fosse também abranger os agrupamentos.
Não faz sentido, confrontados com uma falta de tempo, que só usem e usufruam desse direito os grupos parlamentares, uma vez que os agrupamentos sentem também, logicamente, essa falta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, penitenciando-me pela má gestão dos nossos tempos, fomos favoráveis ao alargamento de 5 minutos para cada grupo e não vemos qualquer inconveniente em que o tempo seja igualmente alargado para os agrupamentos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aguardo inscrições porque só poderei porventura pronunciar-me sobre este problema depois de ouvido o PS.
Como não há inscrições, temos que passar à votação.
Estamos a alimentar tempos mortos, o que é desagradável na dinâmica própria de um Parlamento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio não ter percebido e, sob pena de a minha bancada estar a assistir a uma nova actuação governamental, julgo que não estamos a debater qualquer figura regimental que obrigue a que seja o Governo a ter a última palavra.
Estamos num debate sobre o Orçamento, foram colocadas questões ao Governo e creio que se este tem interesse em responder - e parece que o Sr. Ministro das Finanças pretenderia usar da palavra para esse efeito - poderá fazê-lo.
Se houver futuras intervenções ou pedidos de esclarecimento creio que todos beneficiaremos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, o Governo apresentou o orçamento suplementar, tem dado as respostas às questões que têm sido formuladas, mas a lógica indica e aconselha que o Governo no final das várias intervenções dê uma visão e uma resposta globais a essas questões.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esse é o critério de V. Ex.ª, sobre o qual a Mesa não tem de se pronunciar.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, o problema é o seguinte: se se invoca a lógica ela é a favor de que o Governo fale no fim, como é evidente. O Go-

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verno gostaria de na sua intervenção final tomar em conta todas as posições dos Srs. Deputados e da Câmara.
Se se preferir que sejam os Srs. Deputados de alguns grupos parlamentares a falar e poderem fazer uma última crítica que já não poderá ser respondida pelo Governo, este não fará nenhuma objecção a que seja assim. Mas nessa altura o Governo terá que desvalorizar a circunstância de já não terem resposta essas últimas intervenções.

O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, já que estamos a tratar da lógica ou não lógica deste debate, diria que o que se me afigura lógico é que o Sr. Ministro das Finanças encerre o debate com uma intervenção. Isto não significa que ela não possa e não deva suscitar pedidos de esclarecimento, o que é algo de diferente de outras intervenções complementares à do Sr. Ministro das Finanças, que poderá e deverá responder a esses pedidos complementares à sua intervenção. Parece-me que este esquema é que será lógico e não uma intervenção ponto final parágrafo por parte do Sr. Ministro das Finanças.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É para manifestar a nossa posição no sentido de que consideramos correcto que na discussão da alteração da Lei do Orçamento, a intervenção final seja a do Governo. Isto apesar de todos os atropelos que neste debate têm sido feitos, designadamente em matéria de transmissão para a informação. Ainda ontem, Sr. Presidente, fomos surpreendidos com este facto insólito: a televisão transmitiu apenas imagem da intervenção governamental, não tendo transmitido qualquer imagem da intervenção da oposição. Só no noticiário já afastado na noite transmitiu uma breve e rápida notícia sobre a intervenção da oposição.
O Governo deve querer talvez que este debate seja tido pelo Pais como um diálogo de surdos.
Protestamos vivamentemente contra isso, o que não nos faz cegar nem alterar a nossa lógica. Concordamos que a intervenção governamental seja a final nesta matéria.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.

O Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos): - Sr. Presidente, é só para dizer que já que se fala em lógica, se se enveredar pela prática de o Governo não ser o último a falar e de haver pedidos de esclarecimento à intervenção do Sr. Ministro das Finanças, então também não tem lógica que sejam só os grupos e agrupamentos parlamentares a ter mais tempo e não igualmente o Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da nossa parte, não há qualquer intenção de impedir o Governo de encerrar o debate, se é essa a sua vontade. No entanto, a intervenção do Sr. Ministro das Finanças vai certamente obrigar a colocar novas questões.
Queríamos entretanto anunciar à Mesa que teremos ainda uma intervenção, para além das perguntas que formularmos ao Sr. Ministro das Finanças.
Desta forma, não fazemos objecção a que o alargamento do tempo que foi concedido aos grupos e agrupamentos parlamentares seja alargado ao Governo. Este contará, por parte da bancada do PCP, com o tempo dentro de uma margem razoável de que necessite para responder cabalmente aos esclarecimentos que a Câmara lhe solicitar.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é para esclarecer um pouco melhor a minha sugestão.
Entendemos que deve ser o Governo a encerrar o debate, mas que o deve fazer sob a forma de pedidos de esclarecimento à sua última intervenção se porventura eles tiverem lugar e não pela intervenção em si mesma. É óbvio que estava também subentendido que o Plenário deveria conceder ao Governo o tempo necessário para ele poder responder a eventuais pedidos de esclarecimento que lhe sejam feitos. Caso contrário não teria sentido. Da nossa parte não haverá nenhuma oposição a que isto aconteça.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Permitam-me também que dê uma opinião quanto ao ordenamento das intevenções.
Ninguém tem recusado nesta Casa em debates desta natureza que o Governo seja o último a falar e parece-me que seria a introdução de uma prática inovadora mas negativa obrigar o Governo a esgotar agora o seu tempo e intervirem depois outros Srs. Deputados, não podendo o Governo responder. Por conseguinte, devem-se ordenar as inscrições na Mesa de forma a que o membro do Governo que vai falar em último lugar, para não dizer encerrar o debate, o faça já depois de todos os Srs. Deputados terem intervindo.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso pôs o problema de saber se no caso de se quererem fazer perguntas a esse membro do Governo haverá possibilidades de o fazer. Ora, creio eu que não há impossibilidade de se fazerem essas perguntas.
Quanto ao tempo de que o Governo tem necessidade para responder a essas questões, o Grupo Parlamentar do PS, hoje nesta persistência de cobrir défices, dar-lhe-ia mais algum tempo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos alargar mais este debate.
Presumo que poderei dar por definitivo o seguinte: todos os senhores presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares concordaram na extensão de mais 5 minutos para cada um dos grupos e agrupa-

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mentos parlamentares e necessariamente também para o Governo.
Foi apontada a intenção de que o PCP iria pedir agora uma inscrição. Falaria em seguida com o Sr. Ministro das Finanças, que se sujeitava depois aos pedidos de esclarecimento formulados pelos vários partidos nos tempos que ainda tenham disponíveis. Por fim, responderá novamente às questões que forem formuladas o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
É este o critério a seguir.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier, que dispõe apenas de 6 minutos.

O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar de o tempo do meu partido ser já curto no ocaso deste debate, não deixaria aqui de dizer alguma coisa, embora seja, com certeza, pouco mais em relação às brilhantes intervenções do meu colega de bancada Bagão Félix.
Ouvi, no entanto, ontem de manhã, o discurso do Sr. Ministro das Finanças, e solidificaram-se as ideias que já havia formado sobre a proposta de lei de alteração do Orçamento: ruiu agora mais um dos mitos que acompanharam a formação deste Governo, ruiu o mito do rigor e da probidade nas palavras e na política.
Não podemos deixar de insistir, com o gosto de quem prevê e acerta, que já havíamos futurado esta ocorrência. Na verdade, apesar de o País estar anestesiado em relação à incoerência política, em relação ao não cumprimento de promessas - vícios que este Governo encarna com primazia -, não seremos nós a esquecer que o Sr. Ministro das Finanças tinha afirmado que em 1984 não haveria orçamento suplementar. Ao prometer e não cumprir, como é seu timbre, o Governo corre o risco de ser tratado como aquele pastor da história contada às crianças: no dia em que falar verdade, ninguém o acreditará.
Existem alterações dos orçamentos em toda a parte do mundo.
O Orçamento moderno traduz uma determinada política financeira, que pode necessitar de inflexões rápidas. Aliás, o Governo podia ter-se defendido aqui com as palavras românticas do já aqui citado Armindo Monteiro, para quem o Orçamento, sendo uma previsão, não podia "furtar-se à fraqueza de todas as previsões humanas". O que já é raro e anormal é que uma alteração do Orçamento traduza uma política ruinosa, uma política de aumento desmesurado das despesas públicas, que é muito mais veneno do que remédio para a situação financeira do País - como reconhecia aqui o Governo, aquando da aprovação do Orçamento para o ano que corre. O que já é raro é uma alteração do Orçamento em que se aumentem de cerca de 16 % as despesas correntes e se agrave o défice orçamental em cerca de 42 %. E o que é raríssimo é afirmar-se que tudo isto traduz rigor orçamental, como aqui já se disse.
Tudo isto me faz lembrar, Sr. Ministro, um passo de Garcia Marquez, em que uma amnésia colectiva que começa a instalar-se num povo o obriga a colocar etiquetas nos objectos mais vulgares do quotidiano para se não esquecerem os seus nomes e as suas funções. E é quase isso que eu sou tentado a fazer agora, antes que nos confundamos. Rigor orçamental, por enquanto, não é o aumento descomunal do défice a meio ano; rigor orçamental não é a multiplicação das despesas públicas; rigor orçamental não é não cumprir o previsto; rigor orçamental não é conceber uma dotação provisional composta por créditos não especificados, no valor de 26 milhões de contos.
Depois, esta alteração do Orçamento coloca o Parlamento numa situação delicada e quase de chantagem. O Governo vem dizer que precisa de mais 73 milhões de contos, permitindo que o seu desregramento coloque a Assembleia da República responsável pela cobertura de muitos compromissos já assumidos - porventura responsável pela solvência e honorabilidade do próprio Estado -, quando a mesma Assembleia da República não estaria disposta a assumi-los se lhe tivessem sido apresentados na proposta de Orçamento, no princípio do ano.
E a verdade, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é que não vimos aqui - afora os membros do Governo - quem defendesse as alterações do Orçamento. Nem da maioria ouvimos um esforço de defesa desta iniciativa governamental.
Mas o que é ainda mais grave é que mesmo aqueles que são intimamente contra esta falta de rigor orçamental - mesmo aqueles que falaram aqui da geração traída - vão aprovar esta proposta de lei, dando uma autorização formal com a qual não concordam, em prejuízo da dignidade e do prestígio desta Câmara. Afinal, quem apoia e quem contesta?

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não basta falar do País, não basta falar no futuro, não basta falar na geração traída. É por isso que o meu partido vai votar contra esta alteração do Orçamento, porque ela significa mais asfixiamento da sociedade civil, que só pode agradar ao Partido Comunista - interessado no crescimento do sector público pela via da despesa ou da apropriação - ou ao comodismo e à visão de curtíssimo prazo a que este Governo nos habituou.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Adegas.

O Sr. Mário Adegas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: a discussão na generalidade da proposta de lei n.º 87/III, visando a aprovação de alterações ao Orçamento de Estado para 1984, aprovado pela Lei n.º 42/83, de 31 de Dezembro, que vem sendo, também, designada como orçamento suplementar (de forma inadequada em meu entender), vem-se desenvolvendo, nesta Assembleia, com algum vigor, dado o agravamento do défice que consubstancia e as possibilidades que confere de amplas reflexões em áreas politicamente muito fortes, como sejam as questões sociais e económico-financeiras.
Ora, em relação às questões suscitadas, o Grupo Parlamentar do PSD teve a possibilidade de formar uma adequada opinião colectiva, o que desejo assinalar com particular evidência por se tratar de medida francamente positiva, na linha, aliás, do que deve ser a norma de responsabilização global a que somos chamados neste particular.
E, por isso, foi já possível desenvolver intervenções de muita profundidade, de que me permito destacar a do companheiro João Salgueiro, não apenas pela

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alta qualidade política de que se revestiu, mas principalmente por ter enquadrado, de forma superior, uma questão prévia, que diz respeito, aliás, a toda a Câmara.
Refiro-me, obviamente, à responsabilização acrescida que esta Assembleia da República tem em matéria orçamental após a última revisão constitucional e daí a necessidade de uma muito maior mudança no estilo e na sensibilização de todos os deputados nas opções, nos caminhos, nas alternativas, nos pressupostos e fundamentações técnicas, etc.
Na minha opinião pessoal, as intervenções dos deputados da maioria, que não se devem circunscrever a afirmações de apoio genérico - aliás, pouco adequadas em debates desta natureza -, têm de ser entendidas, portanto, não como qualquer aviso geral ou específico, mas sim como a assunção, por parte de cada um de nós, da responsabilidade própria na solução final que ninguém pode enjeitar.
É o que faço, serenamente, com estes meus comentários, esperando em sede da Comissão de Economia, Finanças e Plano pormenorizar muitas das questões aqui rapidamente afloradas.
E a primeira questão a colocar é esta: faz sentido continuar a falar em Orçamento de rigor? Não estará mais indicado reservar este adjectivo para a política económica em geral (mesmo aí com óbvias dificuldades), uma vez que a complexa matéria orçamental e o nosso país desaconselham tal pretensão? O Orçamento resvalou ou não?
É que, Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo, em política não é possível remar muito tempo contra factos objectivos e a amplitude do desvio (73 milhões) e a sua grandeza percentual não aconselham tal discurso.
Ora, os que defendem a tese da minimização do desvio ocorrido devem ser aconselhados (o que faço despretenciosamente) a remeterem-se a uma resposta ou fundamentação adequadas, única forma de as tornar credíveis e responsáveis.
Mas terá havido mesmo resvalamento orçamental?
Para mim não houve. Mas, infelizmente, por razões que terei de explicitar e assumir responsavelmente, do que se trata é da confirmação da não possibilidade de constatar, no terreno, o cumprimento de um dos objectivos principais da política económica do Governo dos 2 principais evidenciados e que relembro: redução significativa do défice externo (conseguido, mas sendo aconselhável a sua apresentação pública com mais parcimónia, o que nem sempre tem acontecido por parte de alguns responsáveis partidários); redução do défice do sector público administrativo.
Este último objectivo não foi conseguido. Em meu entender, há que assumir tal situação por ser a única possível, para que, tentando de novo e sempre, tal venha a ser conseguido.
Ora, aqui tenho de me reportar à análise ocorrida há 1 ano, aquando da apreciação do próprio Orçamento, a sugerir (sem vaidade, mas porque seria bom exercício) a leitura das intervenções estão aqui feitas.

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo, Sr. Deputado. Tem de completar rapidamente a sua intervenção.

O Orador: - É que este défice, Sr. Presidente e Srs. Deputados, estava, em meu entender, no real orçamento dessa altura na sua quase totalidade, pois apenas algum agravamento do programado, com o reforço do PIDDAC, é que pode constituir surpresa ou sinal positivo.
Não era curial considerar uma receita extraordinária de rendimento do Banco de Portugal através de uma operação, que até se desejava que não acontecesse, o que, felizmente, foi aqui assinalado como positivo para a economia portuguesa. Mas não invalida, no entanto - e termino, para não gastar tempo -, que, em termos orçamentais, não fosse aconselhável que ela tivesse sido inscrita no orçamento de então sem algumas reservas.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado Mário Adegas, permite-me uma interrupção?
É que lamentaríamos muito se V. Ex.ª não pudesse concluir a sua intervenção. Por isso, informo a Mesa de que cedemos ao Sr. Deputado Mário Adegas o tempo indispensável do que ainda temos disponível para concluir a sua intervenção.

O Sr. Presidente: - Fica, pois, V. Ex.ª com tempo disponível para terminar a sua intervenção, Sr. Deputado Mário Adegas.

O Orador: - Agradeço ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista por essa gentileza.
Com efeito, não era realista (nem o será no Orçamento do Estado de 1985) inscrever como receita verbas como a do rendimento de propriedades, e muito menos pelo montante de 45 milhões de contos, que se veio a demonstrar não se concretizar e o que deve assinalar-se não ser desejável mesmo que se verificasse.
As intervenções que ao longo deste debate foram feitas nesta matéria (e foram muitas e quase todas bastante inadequadas, em meu entender) não são as melhores para o tema em discussão, pois se é certo que a não realização de lucros excepcionais do Banco de Portugal pela venda do ouro é, em si mesma, uma circunstância positiva para o nosso país, designadamente em termos de objectivos de política cambial ou financeira, em termos globais isso significa, e ao mesmo tempo demonstra, de forma inquestionável, a fragilidade das nossas próprias receitas orçamentais que se encaminham para se considerar "burocraticamente" verbas que se desejam não venham a existir - se por outra razão não fora, em homenagem à coerência das opções de política económica e financeira assumidas.
Para mim, portanto, e por agora, ponto final nesta matéria, sem embargo de referir que o tema tem outra grande e grave implicação em termos de conceito do controle e execução orçamental.
É que, do mesmo passo que se regista e se aplaude o acompanhamento da execução orçamental com mapas mensais apurados até ao dia 9 do mês seguinte, temos (ou, pelo menos, eu tenho) que fazer o apelo de que esse sinal positivo seja melhorado ainda mais com a sensibilidade de gestão global que não revele ou que não impossibilite que se deixe de dar a tempo com a impossibilidade de uma receita como a que estava prevista.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Muito bem!

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O Orador: - A outra componente significativa do défice resulta do reforço mediante o aumento de transferências para as empresas públicas para saneamento financeiro.
Por razões de natureza profissional há-de perdoar-se-me que não aprofunde aqui esta questão. Mas não deixo de referir alguns factos fundamentais.
O primeiro é o de que esta questão existia à data da elaboração do Orçamento do Estado de 1984 e se não foi considerada isso se deveu a uma intenção (agora não confirmada) de que se arrepiasse caminho no sentido correcto da gestão das unidades económicas em causa.
Em segundo lugar, estamos perante situações de regularização na área de inevitabilidade de decisões já tomadas.
Em terceiro lugar, para assinalar, infelizmente e com a maior preocupação, que não é uma situação de arrumação final de posições deterioradas, pois é legítimo admitir que, em muitas das empresas constantes do esquema, os saneamentos são meramente financeiros e executados por montantes insuficientes.
Ou seja, provavelmente o Orçamento de 1985 voltará aqui a esta Assembleia da República para os reforços inevitáveis.
E é por isso que, como deputado, sou obrigado a esta posição! É que quem cala consente ou ignora (segundo o ditado popular). Ora, eu não ignoro e, quanto a consentir, careço de ser sensibilizado para as soluções concretas.
E parto daqui destas afirmações pouco cómodas para outra menos cómoda ainda. É que, ouvindo com atenção as palavras do Sr. Ministro das Finanças e do Plano, não tenho quaisquer dúvidas de que a sua intenção pessoal e política ao admitir a afectação de tão significativos montantes ao equilíbrio ou saneamento financeiro de importantes empresas públicas (em 23,5 milhões de contos), isso era ou é feito no pressuposto de adequado saneamento económico das mesmas e sua subsequente gestão em termos de racionalidade económica.
O que lamento (mas o defeito deve ser meu) é que não posso alimentar tão elevado desígnio.
Esperemos pelo Orçamento de 1985 e, entretanto, pensemos nos débitos das empresas públicas ao sector bancário nacionalizado, na ordem interna e na ordem externa, na certeza de que teremos, infelizmente, de voltar ao assunto.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, uma explicação pessoal e, em parte, também, do Grupo Parlamentar do PSD.
Não temos medo da verdade e da adopção, com sentido reformista e de progresso, de medidas adequadas. Devemos mesmo pagar qualquer factura que nos caiba por erros cometidos no passado e não o esqueçamos no presente, que será, aliás, em pouco tempo também passado.
Mas é necessário dar sentido à co-responsabilização que nos é exigida.
Má que não esquecer o combate eficaz aos artificialismos que o sistema económico mantém e sustenta. Não esquecer o preocupante artificialismo das bonificações ainda não orçamentadas. Ao mesmo tempo que se cria, por exemplo, um novo organismo com novos encargos na mesma área, pio e desejável nos seus objectivos mas promotor de mais um artificialismo orçamental.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Combata-se o expediente dos atrasos no pagamento de empreitadas de obras públicas, eliminando mais uma sofisticada técnica de encobrimento orçamental.
É que V. Ex.ª, Sr. Ministro Ernâni Lopes, para quem toda a solidariedade verbal - como já aqui referi no ano passado - deve ser suspeita, desempenha um cargo difícil.
E o meu testemunho desinteressado e sereno é o de que V. Ex.ª necessita urgentemente de quem tenha, no âmbito do próprio Governo e por parte dos dirigentes partidários - por exemplo, acerca da questão orçamental -, uma visão mais nacional e competente. E permito-me duvidar de que tal exista em grau e amplitude adequadas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Basta, para tanto, ler com atenção os recortes da imprensa e ouvir diversas afirmações feitas em reuniões partidárias, onde muitas vezes as promessas fáceis se vêm transformando em tristes realidades.
O Grupo Parlamentar do PSD não faz, no entanto, qualquer esforço em votar favoravelmente a proposta de lei em apreço por se tratar de instrumento indispensável à execução da política económica e financeira do Estado, reafirmando, pois, que qualquer área de insatisfação, como as que assinalamos, não podem ser entendidas se não de forma construtiva e como o desejo de corrigir tudo quanto possa ser melhorado, assegurando o progresso social e económico de todos os portugueses.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As alterações ao Orçamento que aqui nos foram trazidas representam uma política que foi - excepção feita aos membros do Governo - objecto de críticas, distanciações, reservas e avisos.
Não se ouviu uma única voz que sustentasse as propostas nos precisos termos em que nos foram apresentadas, o que tem um inegável significado político.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Comprovou-se, e ninguém ousou desmentir, o descalabro económico, os perigos resultantes do processo de destruição do sistema financeiro e do avolumar dos défices, o agravamento de todos os indicadores económicos, financeiros e sociais, os erros e a falta de rigor.
Perante isto a Câmara não assistiu à defesa das propostas governamentais. O Partido Social-Democrata falando, o Partido Socialista silenciando e logo arcando com o peso das responsabilidades. Procuraram, sim, o lavar de mãos, o acentuar de reticências, os avisos, as dúvidas e os votos pios.

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Não deixa de ter significado político a preocupação manifestada por vários deputados da coligação em ditar para a acta a sua distanciação, as críticas mais ou menos directas, havendo até os que advogaram que se afastasse o vocábulo rigor perante a derrapagem dos défices.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se alguém duvidasse, aí está o sinal inequívoco de que a barca se afunda.
Mas desenganem-se (como já aqui afirmei) aqueles que procuram encontrar no nome do Ministro das Finanças o bode expiatório de uma política que é de todo o Governo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

A política é a do Governo, é a do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Vice-Primeiro-Ministro. E os deputados da maioria, ao votarem tal proposta, não se furtarão ao mesmo juízo de reprovação que sobre o Governo recai. Não iludirão ou enganarão também aqueles que querem atenuar a gravidade desta situação e da votação que hoje fazem, alegando e avisando que o Orçamento para 1985, esse sim, deverá corrigir e rectificar os males que reconhecem neste.
Nem o Orçamento de 1985, nem a substituição do Ministro das Finanças ou do seu Secretário de Estado ou de ambos traria ao País aquilo que só uma verdadeira mudança de política pode realizar.
Por tudo isto, este debate contribuiu para tornar ainda mais claro que é inadiável a demissão do Governo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, esse momento, o momento da demissão do Governo, pode afirmar-se hoje com clareza, depois de tudo o que se passou, está cada vez mais próximo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, penso que seria um pouco exagerado se permitisse que V. Ex.ª fizesse à sua maneira um resumo da discussão que se fez aqui nesta Câmara.
As conclusões são suas e, como é óbvio, não impeço ninguém de as tirar. Mas se ficasse silencioso é que poderia parecer que estava de acordo, o que não é o caso.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Também pode estar em desacordo!

O Orador: - Claro que sim.
Acontece apenas que os grupos parlamentares da maioria, o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata, em termos manifestamente de liberdade de expressão e de intervenção, fizeram as críticas que acharam convenientes.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Que foram muitas!

O Orador: - Tenha calma, Sr. Deputado, não se agite!
Fizeram, naturalmente, os dois partidos, as críticas que entenderam e, simultaneamente, manifestaram este acto tão simples quanto fácil de dizer em poucas palavras: apoio crítico responsável e, sobretudo, apoio leal.
Estamos aqui para comentar e criticar o que não vai bem e para ajudar naquilo que pode ir melhor. Estamos aqui, também, para apoiar o Governo para que faça aquilo que ainda não fez, ou porque não pôde ou porque não soube.
Esta é a possibilidade única que esta Câmara tem de cumprir a sua obrigação perante a discussão de uma alteração orçamental com o significado que esta alteração tem.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, peço-lhe que não exagere nas suas conclusões. O meu silêncio é que não podia jamais significar concordância com elas.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Deputado Almerindo Marques, as críticas, os avisos e as reticências tiveram duas posturas nos dois grupos parlamentares. No Partido Social-Democrata a afirmação e no Partido Socialista o silêncio! E não deixa de ser curioso que nesta parte final se tenha verificado precisamente o contrário. Isto é, que o silêncio tenha sido do Partido Social-Democrata e que a voz do Partido Socialista se tenha levantado.

Uma voz do PCP: - Mas não foi por acaso!

O Orador: - E não deixa de ser curioso que tenha sido o Partido Socialista, pela voz de um dirigente da sua bancada, que tenha falado e apostado no apoio leal a esta coligação.
Isto, Sr. Deputado, também tem um significado político e confirma e reafirma aquilo que dissemos há pouco.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, a sua segunda intervenção deu-me razão, porque foi mais serena e já me fez ponderar o protesto que vou fazer.
As conclusões são suas, legitimamente assumidas, mas naturalmente estou em desacordo com elas. Falar do silêncio do Partido Socialista, falar do que o Sr. Deputado entender é, obviamente, um direito que lhe assiste, mas isso limita-se tão-só a ser a sua própria expressão de opinião, com a qual eu estou manifestamente em desacordo.
E a sua opinião tem a dimensão que tem, não só em termos pessoais, que é a dimensão de ser própria e legítima, como em termos do seu grupo parlamentar.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Naturalmente!...

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O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É só para dizer ao Sr. Deputado que o silêncio do Partido Socialista também é um direito que lhe assiste, mas que isso também tem um significado político.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições e, segundo o consenso estabelecido, o Sr. Ministro das Finanças teria agora oportunidade de fazer a sua intervenção final, que seria seguida das perguntas que viessem a ser formuladas. No entanto, temos apenas 15 minutos até ao intervalo regimental, pelo que eu poria à consideração da Câmara se pretendem que se faça já o intervalo ou que se continue o debate até final dos trabalhos.
Ponho a questão apenas para criarmos a metodologia conveniente quanto ao processamento dos trabalhos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, sendo previsível que o debate se não prolongue por muito mais tempo, da nossa parte, a sugestão vai no sentido de se não fazer intervalo e que se continuasse até ao momento da votação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não houver objecções, aceito a sugestão.

Pausa.

Tem então a palavra o Sr. Ministro para produzir a intervenção final, efeito para o qual dispõe de 27 minutos.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Muito obrigado, Sr. Presidente. Julgo que não será necessário utilizar o tempo todo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta fase final da discussão, na generalidade, da proposta de alteração da Lei do Orçamento para este ano, gostaria de fazer um conjunto de reflexões de ordem geral, porque estamos a discutir a proposta na generalidade, e tentar tirar alguns resultados - em termos de situação do debate e, sobretudo, em termos de trabalho para o futuro - das discussões, intervenções e sugestões que surgiram nos dias de ontem e de hoje.
Julgo que é legítimo e necessário salientar, em primeiro lugar, o interesse deste debate e, em particular, salientar as contribuições importantes dadas por vários Srs. Deputados, designadamente por Srs. Deputados das bancadas dos Partidos Socialista e Social-Democrata.
Naturalmente que o Governo toma em consideração essas contribuições e naturalmente também está pronto a discuti-las e a encontrar soluções numa perspectiva construtiva e virada para o futuro.
Com efeito, como problema central não se trata tanto de fazer discursos e apresentar posições, trata-se, sim, de assegurar o funcionamento e o progresso possível da nossa economia.
Estamos no meio de uma crise profunda de transformação a nível mundial de que a economia portuguesa também se não afasta e, porque é essa a responsabilidade do Governo, estamos a gerir correctamente a economia portuguesa procurando abrir caminhos para o futuro, fazendo face a inúmeras restrições, em especial, à chamada condicionante externa, factor decisivo em que tivemos bons resultados e que, felizmente, hoje neste debate não teve a presença invisível, permanente e pesada que já teve noutros debates em que o Governo participou nesta matéria há vários meses atrás.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Não foi sublinhada, mas essa presença pesada e invisível felizmente não esteve hoje nem ontem neste debate a exercer o seu peso sobre as nossas discussões.
Este debate na generalidade permite pôr em evidência alguns pontos que parecem revestir-se de importância política geral, dos quais referirei agora apenas quatro.
O primeiro, que poderia dizer-se ser quase um ponto de natureza metodológica, é o problema da articulação do tempo entre o funcionamento e a estrutura. E se é facto que há interligação entre ambos, se é natural que o desejo seja de enfrentá-los simultaneamente e, porventura, até de trocar a marcação dos tempos, também é facto que a realidade impõe a sua existência, as suas regras e que mudar estruturas não é um fenómeno nem um facto nem uma política possível, em termos imediatistas.
O segundo elemento que julgo valer a pena referir, como tentativa de extrair consequências deste debate, é que o trabalho de preparação do Orçamento do Estado e a sua execução terão, como já aqui foi afirmado, consequências que se projectam sobre um período relativamente longo.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É uma verdade que devemos ter presente. Não se trata de um exercício pontual, um exercício superlimitado no tempo, mas tem consequências que se projectam no futuro. Daí, a importância que foi atribuída por vários intervenientes no debate sobre o Orçamento também para o ano de 1985.
O terceiro ponto, que julgo merecer realce, é o que se relaciona com a temática do relançamento da economia. Gostaria de deixar algumas precisões sobre o pensamento do Governo nesta matéria. O tema esteve permanentemente presente neste debate - aliás, está presente inclusivamente por iniciativa do Governo há vários meses atrás - e julgo que é útil haver, da parte do Governo, alguma precisão quanto aos aspectos fundamentais deste ponto concreto.
Em primeiro lugar, esse relançamento tem de ser prudente, sob pena de perdermos aqueles bons resultados que os sacrifícios feitos até agora permitiram colher. Não há lugar para um relançamento impensado da economia. O seu ajustamento começou e está a fazer-se no plano das contas com o exterior e não só não deve ser perdido, mas antes deve ser continuado ao nível mais profundo dos ajustamentos positivos de estrutura.

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A segunda reflexão sobre este tema, que decorre intimamente da primeira, é que esse relançamento da economia, que é necessário e que deve ser prudente, não pode significar uma alteração radical, uma inversão da orientação geral da política económica que estamos a seguir. É um efectivo ajustamento, mas não pode ser uma inversão da orientação geral da política económica que temos vindo a prosseguir.
O terceiro elemento de reflexão nesta matéria, que aliás foi nesta Câmara já devidamente apontado, é que esse relançamento prudente, e no quadro de um ajustamento da política económica, deve fazer-se predominantemente dando ênfase aos esforços no campo do investimento e das exportações.
Finalmente, gostaria ainda de referir um conjunto de 4 problemas que subsistem e que requerem alterações de fundo.
O primeiro é o facto de que está claro e, porventura, sedimentado neste debate - e não apenas neste debate, em função da análise serena e fria da realidade e da própria necessidade da gestão, em termos de conjunto da política do Governo e da realidade nacional, naquilo que é da sua responsabilidade - que é um ponto importante que se utilize a gestão do Orçamento do Estado como ponto de partida para a renovação do aparelho burocrático do Estado.
E está claro que esta é uma linha profunda de orientação, sob pena de que se fizermos apenas a gestão orçamental a própria reprodução do aparelho burocrático do Estado poderá levar-nos a algumas situações de sérias dificuldades.
O segundo aspecto do nosso debate que gostaria também de retomar diz respeito ao facto de enfrentarmos a articulação inevitável do problema da redução das necessidades de financiamento das empresas públicas com o da sua reestruturação, reestruturação em sentido económico e reestruturação, mesmo, em sentido físico. Só nessas condições ganham puro significado os esforços, ainda que parciais, de saneamento financeiro. Não faz sentido um saneamento financeiro pelo saneamento financeiro no quadro que nós conhecemos das realidades da economia portuguesa neste campo. Gostaria, porém, de salientar que isso é um trabalho complexo e moroso, mas que o Governo está hoje em condições de poder dar passos significativos na direcção correcta.
Para além de esforços internos dentro do Governo e no quadro da economia nacional podemos ainda contar com o programa do empréstimo para a reestruturação de empresas públicas que temos vindo a negociar com o Banco Mundial, que é especificamente vocacionado para esta temática e que julgamos poder considerar que poderá ser implementado em 1985.
Ainda um terceiro ponto que se refere ao reconhecimento político dos efeitos sobre o Orçamento do Estado da evolução de determinadas rubricas. Designadamente, referiria as rubricas relacionadas com a segurança social, com o Serviço Nacional de Saúde, com a educação, com as despesas militares, com as transferências para as autarquias, com o peso e estrutura do pessoal no funcionalismo público e, naturalmente, na sequência do que já disse anteriormente, com as dotações para empresas públicas. São pontos importantes da própria definição do Orçamento; antes da definição do Orçamento, da própria definição da política; e antes, porventura, da definição da política, até da própria definição global do funcionamento político e económico do País. Estes são pontos que não podemos tomar como meras rubricas orçamentais. É daí, porventura, chegada a altura de tomar posições e decisões políticas claras nestas matérias, sem imediatismos, sem improvisações, mas com lucidez e firmeza. Se isso não for feito o complexo sistema que a gera reproduzir-se-á, criando mais dívida até ao ponto de, porventura, a solução se não descortinar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, e como último ponto dentro deste conjunto de reflexões em termos de quadro geral da nossa discussão, gostaria de referir o problema do objectivo de reduzir o peso do Estado na economia. Deixando de lado filosofias de décadas passadas ou resquícios de acções políticas um pouco menos antigas que, por uma ou outra razão, puseram na responsabilidade do Estado tarefas de gestão empresarial, designadamente de sectores em decadência, que ele, Estado, não tem capacidade para assegurar e de que tem a maior dificuldade em se libertar.
Não há que deduzir daqui que se trata de qualquer agressão ou de qualquer esforço no sentido da eliminação de empresas públicas; trata-se, ao invés, de pôr o Estado a assumir as suas funções e a funcionar e trata-se de pôr as empresas públicas a funcionar, empresas públicas essas que devem ser, também e porventura predominantemente, empresas em condições sadias de funcionamento.
Em paralelo, devemos iniciar e ou intensificar o processo de libertação de espaço para o sector privado, conferindo e também, porventura sobretudo, exigindo à iniciativa privada o papel de motor no desenvolvimento da nossa economia.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, na discussão desta proposta de alteração à lei do Orçamento de Estado para 1984, e creio que o mesmo se passará na discussão da lei do Orçamento para 1985, perpassou uma ideia de fundo ao longo destes dia e meio quase 2 dias de debate, que julgo útil explicitar.
Para além dos problemas concretos que estamos a discutir - e foram muitos - e que serão melhor aprofundados na sede própria de trabalhos da comissão especializada; para além da verificação da natureza extremamente complexa e difícil de questões de fundo de muitos anos que se reflectem na vida financeira do dia-a-dia do Estado; para além dos passos significativos que se deram no último ano e meio no sentido de assegurar condições de funcionamento à economia portuguesa num período de crise grave - e aqui permitir-me-ia um pequeno parêntesis para dar um complemento de esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Beiroco que, durante a manhã, porventura o não terá tido; para além, dizia, desses passos significativos para assegurar o funcionamento da economia portuguesa no último ano e meio; para além de todo este complexo de situações que se imbricam, que subsistem e que se reforçam mutuamente, perpassa um grande e real anseio que é um anseio de todos os homens sérios deste país: a regeneração da economia e da sociedade portuguesas.
Julgo que não há razões para supor que esse anseio não pode ser satisfeito. Ele pressupõe a continuidade, a intensificação e o ajustamento dos esforços que o Governo tem desenvolvido.

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Uma parcela - simples parcela mas não insignificante - desses esforços, passa pela aprovação desta proposta de lei de alteração do Orçamento do Estado tal como foi amplamente explicada e debatida na generalidade nesta Câmara ontem e hoje. E é por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que com esta intervenção desejo renovar, em nome do Governo, o pedido da sua aprovação na generalidade.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Durante a intervenção do Sr. Ministro, inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Pinheiro Henriques e Hasse Ferreira. Não há mais pedidos de esclarecimento, Srs. Deputados?

Pausa.

Tem então a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.

O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Ministro das Finanças, V. Ex.ª disse que conferiria acolhimento a algumas sugestões formuladas pela maioria. Eu perguntava: envolverá isso, como foi sugerido, ou não, mudança na política económica do Governo, particularmente no que se refere à política restritiva adoptada até agora? Será isso sinónimo de que, a partir de agora, há condições para a retoma do desenvolvimento, mediante um maior esforço de investimento?

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Deputado, desculpe-me, mas não ouvi a segunda metade da sua intervenção. Peco-lhe imensa desculpa, mas eu oiço mal e se V. Ex.ª não repetir, não lhe consigo responder de maneira nenhuma.

O Orador: - Com certeza, Sr. Ministro.
Portanto, perguntava eu se a aceitação das sugestões envolverá, como foi sugerido, mudança na política económica do Governo, particularmente no que se refere à óptica restritiva adoptada até agora. Será isso sinónimo de que, a partir de agora, há condições para a retoma do desenvolvimento, mediante um maior esforço de investimento? E, nesse caso, como se entenderá o que aqui afirmou quando disse que "a eliminação do círculo vicioso de paragem e arranque é o terceiro objectivo que qualifiquei de tendencial"?
Isto foi afirmado aqui a propósito da discussão do Orçamento no final do ano passado. Como compatibilizará V. Ex.ª esta afirmação com o propósito de relançamento anunciado e que, eventualmente, será seguido também para a formulação do Orçamento para 1985? Que indicadores, para além dos de natureza financeira e da produção de certos produtos agrícolas que aqui ontem citou, garantem a possibilidade de relançamento que referiu?
Gostaria ainda de lhe colocar uma outra questão, visto que não tive ontem oportunidade de lha formular: gostaria de saber porque é que este Orçamento Suplementar só agora é apresentado. Não havia, há muito tempo, conhecimento da sua necessidade, quando, até, já durante a sua discussão no final do ano passado, pelo menos, um ministro a ele se referiu? E isto apesar de V. Ex.ª ter negado que nele não se pensava então, afirmando mesmo que "nós não vive-mos com fantasmas". É que assim, afinal, não estaremos talvez a autorizar medidas futuras mas, ao aprovar este Orçamento, não estaremos a legalizar factos já quase consumados?

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, V. Ex.ª pretende responder já ou apenas no fim do pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Hasse Ferreira?

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Presidente, creio que seria preferível ouvirmos primeiro o Sr. Deputado que está inscrito para formular o pedido de esclarecimento e depois eu responderia a ambos.

O Sr. Presidente: - Pois sim, Sr. Ministro. Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.

O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, há, de facto, algum paralelismo e alguma convergência entre as preocupações que vou manifestar e aquelas que foram apresentadas pelo Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
Gostaria de colocar a seguinte questão ao Sr. Ministro, pois o problema a que me vou referir não me parece ainda suficientemente esclarecido.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano falou do relançamento da economia - parecendo que havia alguma sensibilidade ou alguma abertura a este problema - e um dos pontos que referiu foi aquele que se relaciona com o investimento.
Penso que este Orçamento Suplementar - e a verdade é que grande parte da discussão até agora havida desviou-se um pouco da análise concreta do que é este Orçamento Suplementar, tendo-se preferido, o que até não estará mal, debater a análise do significado político em que ele se integra - não abre, propriamente, grandes perspectivas de investimento.
A minha pergunta é, por isso, no sentido de saber por que forma, onde e com que intensidade é que o Sr. Ministro vai procurar concretizar essas perspectivas. Será já, efectivamente, no Orçamento de 1985, que essa retoma e esse relançamento do investimento se fará?
A verdade é que não temos ainda elementos suficientes, mas eu continuo preocupado com os tais 10 milhões da QUIMIGAL que ontem aqui referi.
E isto porque ontem o Sr. Ministro manifestou aqui uma concepção que teve o meu acordo e creio, aliás, que terá notado que não haveria efectivamente diferenças quanto à concepção do que seria um sector público forte e dinâmico. Mas hoje fala-me - e a minha dúvida é se se trata, digamos assim, de uma cedência a concepções neoliberais ou se são mesmo as suas concepções - da redução do peso do Estado na economia como uma tarefa fundamental.
Ora vamos ser claros: penso que um dos males deste país tem sido, desde logo e em primeiro lugar, a soma permanente e a não destrinça - e já aqui alguns deputados manifestaram sensibilidade em relação a isto - dos défices do sector público administrativo e empresarial.
Tudo isto é confundido largamente!
Penso que é um "cancro" e uma situação grave o acréscimo dos défices do sector público administrativo, mas o défice do sector público empresarial ou a concessão de verbas a este sector chocam muito menos

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se elas forem para investimentos reprodutivos. Ou seja, se sustentar uma Administração Pública onde o laxismo e o nepotismo - para não empregar outras palavras mais graves - ainda têm uma larga influência é grave, apoiar investimentos reprodutivos no sector público já é positivo.
Uma coisa é negativa, a outra é positiva!
Quanto ao sector público, a regra não é de fronteiras nem de dimensões e penso que essa é uma concepção que temos de efectivamente recusar - e não vou entrar a discutir consigo se o País deve ter o sector público como motor ou se deve ser o sector privado a fazer esse papel ou ainda se a economia do País deve ser como um "bimotor" ou até um "quadrimotor".
O problema para mim é o seguinte: tem o Sr. Ministro toda a razão quando diz que o Estado investiu em sectores que se vão tornando obsoletos ou que nós não temos neste momento capacidade para continuar a investir nesses sectores, que se deve desinvestir e que isso deve ser assumido, explicado e até negociada a forma de desintervir.
É um problema que não é só nosso, mas também de outros países, como a França e a Espanha, por exemplo.
O que gostaria é que o Sr. Ministro precisasse o seu pensamento sobre se a esses desinvestimentos deverão ou não corresponder também investimentos do Estado. Ou seja, é ou não correcta uma política, como se faz noutros países e inclusivamente na Itália durante tantos anos governada pela Democracia Cristã, onde se desinveste em determinados sectores mas se investe noutros.
Ou será que o problema é o da redução global do funcionamento do sector público?
É que, na situação em que estamos e com estas concepções restritivas, poderemos cair no risco de reduzir o sector público reduzindo o sector privado e abrir apenas caminho para o investimento externo, com todas as vantagens e inconvenientes que o investimento deste tipo traz e que a falta de tempo nos impede, obviamente, de ponderar.
A única coisa que pediria ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano era que, neste breve espaço, precisasse esta concepção, para ver se, de facto, há divergências entre o pensamento que nos expôs ontem e aquele que nos apresentou hoje, porque aparentemente há aí uma nuance que, como vem da boca do Ministro das Finanças e do Plano, não é desprezável.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe acabam de ser formulados, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.

O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Em relação às considerações feitas pelo Sr. Deputado Pinheiro Henriques creio que há, certamente, uma dificuldade de comunicação da minha parte, pois tive algumas dificuldades em enquadrar bem a pergunta que V. Ex.ª me dirigiu na intervenção que fiz há pouco.
Com efeito, na intervenção que acabei de fazer coloquei precisamente a noção de prudência e de cuidado em termos do relançamento da economia portuguesa.
Isto é - e peço-lhe, Sr. Deputado Pinheiro Henriques, que me dê um sinal no sentido de esclarecer se me estou agora a explicar melhor -, dizendo de outra maneira, não me parece que seja correcto, como política económica, um relançamento imprudente ou excessivo da actividade económica na economia portuguesa nos próximos anos, precisamente porque - como V. Ex.ª disse, e muito bem, ao referir-se a palavras que eu terei proferido mas que, de qualquer modo, confirmo - não podemos lançar esta economia no permanente ciclo vicioso de arranque/travagem a médio prazo.
E a verdade é que o reproduzir desse ciclo consistiria numa política tipicamente expansionista e não é essa a posição do Governo, nem é essa a orientação da sua política económica.
Creio que com esta explicação adicional poderá compreender melhor o quadro em que se situou a minha intervenção e, se concorda com ela, como vejo pela sua expressão facial, então a sua pergunta muda de natureza e fica colocada no contexto correcto.
Por outro lado, pergunta por que é que a proposta de alteração da Lei do Orçamento de 1984 só agora é apresentada.
A razão, Sr. Deputado, é porque, muito simplesmente, agora é a primeira ocasião em que ela podia ser apresentada.
Tal como me lembra o Sr. Ministro de Estado e dos Assuntos Parlamentares, e muito bem, pois é o responsável pelas relações com a Assembleia, o Conselho de Ministros teve o cuidado de, antes da abertura do Parlamento, preparar esta proposta de alteração à Lei do Orçamento de 1984. Certamente não esperava que fizéssemos esta proposta antes de férias ou em Fevereiro!
O Sr. Deputado Hasse Ferreira coloca problemas de carácter geral, o que se compreende, pois estamos num debate na generalidade.
Há dois pontos nas notas que pude tomar durante o seu pedido de esclarecimento que julgo que merecem tratamento cuidadoso e separado.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado retoma, de certo modo, a temática do Sr. Deputado Pinheiro Henriques quanto ao problema do relançamento da actividade económica e pergunta se é já em 1985.
Creio que já dei uma base adicional de explicação e pedia-lhe o favor de entender quer a intervenção de há momentos quer esta explicação com um sentido que não seja o de uma cronometria ao minuto ou à semana ou mesmo até ao mês.
Isto não são fenómenos de mecanismos automáticos ou de reacção imediata, são sim fenómenos de lançamento de políticas e de actuação que requerem tempo para produzirem efeitos.
Portanto, quando há pouco referia o aumento do PIDDAC em 5 milhões, trata-se de uma pequena componente de uma política que deverá permitir algum cuidadoso e prudente relançamento da economia no final deste ano e ao longo do ano que vem, mas não apenas - e aqui passo para a segunda parte do seu pedido de esclarecimento - de investimento público.
O Governo considera que não será necessariamente - nem até, talvez, principalmente - o investimento público que deverá desempenhar um papel dominante no futuro prolongado no tempo.
E peço-lhe, Sr. Deputado Hasse Ferreira, um minuto da sua atenção para esta matéria.

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Primeiro que tudo, é útil e é bom para a economia que o principal motor seja a actividade privada - e não veja nisto qualquer neoliberalismo ou qualquer "cedência a concepções neoliberais", como há pouco dizia, porque não se trata disso. Trata-se de salvaguardar as condições óptimas de funcionamento para a economia.
Mas também é verdade - e o Governo está ciente dessa realidade - que é necessário que, em certos momentos, haja um suporte sobre a economia em termos de investimento público. E é este misto, em termos de realismo e de gestão macroeconómica, que julgo servir melhor os interesses da economia portuguesa.
Não estaremos dispostos, como governo, a sacrificar os interesses daquilo que consideramos ser o futuro da economia portuguesa a concepções teóricas incapazes de, em termos de purismo - seja de um dos lados ou de outro -, fornecerem soluções.
Ainda nesta mesma linha, peço-lhe que faça uma pequenina correcção na sua intervenção, porque eu não me referi a sectores obsoletos mas, se bem me lembro, referi sectores em decadência, o que não é exactamente a mesma coisa, daí decorrendo certamente alguma base para a sua confusão.
Quando o Sr. Deputado Hasse Ferreira refere que as verbas para o sector empresarial do Estado são boas se forem para investimentos reprodutivos, não quero, de modo algum, pôr esta afirmação em causa. Pretenderia apenas completar a sua afirmação com um pequeno acréscimo, que é este: é que convém que esses investimentos reprodutivos sejam rentáveis, porque investimentos que a priori se julgavam reprodutivos - ou se faziam crer reprodutivos -, em vez de fontes de riqueza, tornaram-se, como sabe, fontes de prejuízo e de défices e esta Câmara arca muitas vezes com a responsabilidade e com o peso de encontrar, por proposta do Governo, a cobertura financeira para esses défices gerados ao longo dos anos.
Eram estas, Sr. Deputado Hasse Ferreira, as linhas de resposta que, neste acréscimo de tempo que me foi concedido, poderia dar ao seu pedido de esclarecimento, mas creio que teremos oportunidade de falar mais sobre este assunto.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, este diploma vai ser submetido à votação na generalidade.
Antes, porém, peço a atenção dos presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares para o seguinte: quer pelo comportamento dos Srs. Deputados quer pelo que aqui ficou dito, e embora não tenha entrado qualquer diploma na Mesa nesse sentido, penso que o diploma em questão deve baixar à Comissão para apreciação e votação na especialidade, após o que subirá de novo ao Plenário para votação final global.
Se for esse o entendimento dos Srs. Deputados, agradeço-lhes o favor de não proferirem qualquer intervenção com vista a não demorar mais os nossos trabalhos. Caso contrário, agradeço o respectivo esclarecimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, não é minha intenção manifestar qualquer oposição à metodologia que referiu, mas simplesmente recordar que se encontra na Mesa o parecer da Comissão de Economia, Finanças e Plano e que, em nosso entender, deveria ser considerada toda a metodologia nele indicada. Assim sendo, para além da matéria que o Sr. Presidente indicou, no que se refere à subida de novo ao Plenário deste diploma para votação final global, deve-se incluir também a parte das receitas.

O Sr. Presidente: - Uma vez que mais nenhum Sr. Deputado manifestou o desejo de se pronunciar, devo concluir que há entendimento, pelo que se submeterá à votação na generalidade o diploma em questão, depois de lido.

Foi lido. É o seguinte:

Aprova alteração ao Orçamento do Estado para 1984, aprovado pela Lei n.º 42/83, de 31 de Dezembro - Orçamento Suplementar para 1984.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e da ASDI, votos contra do PCP, do CDS, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Almerindo Marques.

O Sr. Almerindo Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Procurarei ser breve, visto que o voto está expresso e há pouco a acrescentar.
As ideias básicas da minha declaração de voto são as seguintes: primeiro, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista manifestou, durante o debate, as suas posições, exercendo naturalmente as suas prorrogativas de grupo parlamentar, criticando o que tinha a criticar, apoiando o que tinha a apoiar; fez, em suma, uma intervenção que talvez deva ser retida na vida parlamentar em Portugal. Segundo, a intervenção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista baseou-se fundamentalmente numa atitude de solidariedade para com o Governo, mas tal não será nunca confundido com univocidades com o Governo.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Quer dizer, se hoje manifestámos o nosso apoio crítico, e disso nos foram feitas algumas críticas, outras vezes houve que manifestámos o nosso apoio não crítico e fomos apelidados de "meros funcionários governamentais" ou "deputados governamentais".
Penso que o importante é que o Governo tenha presente o conteúdo da discussão aqui feita e sobretudo que em relação ao Orçamento de 1985 não deixe de ter presente a posição dos dois grupos parlamentares que o apoiam, e permita-se-me agora a generalização, no sentido de que nele tenha em devida conta aquilo que será o conjunto das preocupações dos dois grupos parlamentares. Estes manifestaram-se naturalmente sem quaisquer espécies de univocidades, mas sobretudo tendo em conta as preocupações que cada um deles teve - nas quais se verificou uma larga convergência, independentemente das diferentes formas de expressar as respectivas posições.
Estamos seguros de que o Governo não deixará de ter em conta para o Orçamento de 1985 - e não pos-

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so falar pelo Governo - o que aqui foi dito, não só por parte dos Srs. Deputados da maioria mas também por parte da oposição, em termos de estabilização, de desenvolvimento necessário, de desenvolvimento possível. Estas são algumas das razões pelas quais o Partido Socialista votou favoravelmente a proposta de lei aqui apresentada.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, desejo apenas pedir a atenção da Mesa e depois também da comissão especializada para que se corrija um erro que me pareceu existir aquando da leitura da proposta: é que falou-se em "Orçamento Suplementar" quando se trata realmente de uma proposta de alteração do Orçamento para 1984.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o texto lido é o que realmente consta do diploma apresentado e agora aprovado na generalidade.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, desejo apenas declarar que o Partido Social-Democrata durante as suas intervenções neste debate na generalidade fundamentou as suas posições sobre as alterações do Orçamento apresentadas na proposta do Governo e portanto fará a sua declaração de voto após votação final global.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, desejo declarar que o CDS entregará na Mesa, por escrito, a sua declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Não havendo mais nada a tratar, vai dar-se conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa os seguintes projectos de lei: n.º 389/III, da iniciativa do Sr. Deputado Marques Mendes e outros do PSD - ensino preparatório e secundário ministrados em seminários menores -, que é despachado para consideração de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, e n.º 390/III, da iniciativa do Sr. Deputado Fillol Guimarães e outros do PS - elevação à categoria de cidade da vila de Peso da Régua -, que foi admitido e baixa à 10.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo-os de que no dia 23 do corrente há uma cerimónia de boas-vindas a S. Majestade o Rei dos Belgas, que terá lugar pelas 10 horas e 40 minutos no Salão Nobre. Nesse mesmo dia apenas funcionarão as comissões.
No dia 24, quarta-feira, a reunião plenária terá lugar às 15 horas, com período de antes da ordem do dia e com período da ordem do dia destinado às alterações ao Regimento, bem como à votação final global do Orçamento Suplementar de 1984.
Dia 25, quinta-feira, pelas 16 horas, terão lugar as eleições para a Mesa da Assembleia da República. Está encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António da Costa.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Bento Elísio de Azevedo.
Dinis Manuel Pedro Alves.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Victor Hugo Jesus Sequeira.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Maria Orneias Ourique Mendes.
Arménio dos Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Joaquim Dias Carneiro.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Raul Gomes dos Santos.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Comunista Português (PCP):

António Guilherme Branco Gonzalez.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
Basílio Adolfo Mendonça Horta da Franca.

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Francisco António Lucas Pires.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Jorge Forte Góes.
Narana Sinai Coissoró.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel Tengarrinha.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Alberto Manuel Avelino.
António Cândido Miranda Macedo.
Eurico José Palheiros Carvalho Figueiredo.
José Manuel Torres Couto.
Rui Monteiro Picciochi.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Carlos Miguel Almeida Coelho.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Serafim Jesus Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim Gomes dos Santos.
Maria Odete Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Paulo Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

António Gomes de Pinho.
João Lopes Porto.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado a Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 18 de Outubro de 1984, pelas 11 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:

1) Solicitada pelo Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca (círculo eleitoral de Setúbal) por João Carlos Queiroz Pinheiro Henriques (esta substituição é pedida para os próximos dias 22 e 23 de Outubro corrente);

2) Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral;

3) Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis;

4) Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

5) O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - José Luís Diogo de Azevedo Preza (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Morte (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - Luís Filipe Paes Beiroco (CDS) - José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Os REDACTORES: Carlos Pinto da Cruz - Cacilda Nordeste.

PREÇO DESTE NUMERO 115$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA

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