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I Série- Número 30
Quarta-feira, 19 de Dezembro de 1984
Diário da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 18 DE DEZEMBRO DE 1984
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damiâo
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMARIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 25 minutos.
Na abertura do debate da moção de censura ao Governo sobre a execução do seu programa apresentada pelo CDS, intervieram o Sr. Deputado Lucas Pires (CDS) - que respondeu a pedidos de esclarecimento e protestos dos Srs. Deputados César Oliveira (UEDS), Magalhães Mota (ASDI), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE). José Vitorino (PSD), Carlos Lage e Manuel Alegre (PS), Jorge Lemos (PCP), João Paulo Oliveira (UEDS), José Luís Nunes (PS), António Gonzalez (independente), Amélia de Azevedo e Duarte Lima (PSD). Rui Mateus (PS). Silva Marques (PSD) e José Lelo (PS) e o Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares), ao qual os Srs. Deputados Carlos Brito e Jerónimo de Sousa (PCP), João Corregor da Fonseca (MDP/CDE) e Octávio Teixeira (PCP) formularam pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente declarou encerrada a sessão às 21 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 15 horas e 25 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros. Agostinho de Jesus Domingues. Alberto Rodrigues Ferreira Camboa. Almerindo da Silva Marques. Américo Albino da Silva Salteiro. António Cândido Miranda Macedo. António da Costa. António Domingues Azevedo. António Frederico Vieira de Moura. António José Santos Meira. Avelino Feleciano Martins Rodrigues. Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz. Carlos Augusto Coelho Pires. Carlos Cardoso Lage. Carlos Justino Luís Cordeiro. Carlos Luís Filipe Gracias.
Edmundo Pedro. .
Eurico Faustino Correia..
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Hãndel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
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José Luís do Amaral Nunes. José Luís Diogo Preza. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. José Manuel Nunes Ambrósio. José Maria Roque Lino. José Martins Pires. Juvenal Baptista Ribeiro. Litério da Cruz Monteiro. Luís Abílio da Conceição Cacito. Luís Silvério Gonçalves Saias. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel Fontes Orvalho. Manuel Laranjeira Vaz. Maria Ângela Duarte Correia. Maria do Céu Sousa Fernandes. Maria da Conceição Pinto Quintas. Maria Helena Valente Rosa. Maria Luísa Modas Daniel. Maria Margarida Ferreira Marques. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Nelson Pereira Ramos. Nuno Álvaro Freitas Alpoim. Ovídio Augusto Cordeiro. Raul d'Assunção Pimenta Rego. Raul Fernando Sousela da Costa Brito. Rui Fernando Pereira Mateus. Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves. Silvino Manuel Gomes Sequeira. Teófilo Carvalho dos Santos. Victor Hugo Sequeira. Victor Manuel Caio Roque. Zulmira Helena Alves da Silva.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues. Adérito Manuel Soares Campos. Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo. António Augusto Lacerda de Queiroz. António Nascimento Machado Lourenço. António Roleira Marinho. António Sérgio Barbosa de Azevedo. Arménio dos Santos. Cristóvão Guerreiro Norte. Domingos Duarte Lima. Fernando José Alves Figueiredo. Fernando José da Costa. Fernando Manuel Cardoso Ferreira. Fernando Monteiro Amaral. Fernando dos Reis Condesso. Francisco Antunes da Silva. Francisco Jardim Ramos. Gaspar de Castro Pacheco. Guido Orlando Freitas Rodrigues. Jaime Adalberto Simões Ramos. João Evangelista Rocha de Almeida. João Luís Malato Correia. João Maurício Fernando Salgueiro. Joaquim Eduardo Gomes. Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro. Joaquim dos Santos Pereira Costa. José Adriano Gago Vitorino. José Augusto Santos Silva Marques. José Bento Gonçalves. José Luís de Figueiredo Lopes. José Mário de Lemos Damião. José Pereira Lopes. José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires. Licínio Moreira da Silva. Manuel António Araújo dos Santos. Manuel da Costa Andrade. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Maria Moreira. Manuel Maria Portugal da Fonseca. Manuel Pereira. Maria Margarida Salema Moura Ribeiro. Mariana Santos Calhau Perdigão. Mário Martins Adegas. Mário de Oliveira Mendes dos Santos. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Miguel Santana Lopes. Reinaldo Alberto Ramos Gomes. Rui Manuel de Oliveira Costa. Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal. António Dias Lourenço. António Guilherme Branco Gonzalez. António José Monteiro Vidigal Amaro. António da Silva Mota. Belchior Alves Pereira. Carlos Alberto da Costa Espadinha. Carlos Alberto Gomes Carvalhas. Carlos Alfredo de Brito. Custódio Jacinto Gingão. Domingos Abrantes Ferreira. Francisco Manuel Costa Fernandes. Francisco Miguel Duarte. Georgete de Oliveira Ferreira. Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. Joaquim António Miranda da Silva. Joaquim Gomes dos Santos. José Manuel Lampreia Patrício. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Rodrígues Vitoriano. Lino Carvalho de Lima. Manuel Gaspar Cardoso Martins. Manuel Rogério de Sousa Brito. Maria Alda Barbosa Nogueira. Maria lida Costa Figueiredo. Mariana Grou Lanita. Octávio Augusto Teixeira. Paulo Areosa Feio.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida. Adriano José Alves Moreira. Alexandre Carvalho Reigoto. Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares. António Filipe Neiva Correia. António José de Castro Bagão Félix. Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira. Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca. Francisco Manuel de Menezes Falcão. Henrique Manuel Soares Cruz. Horácio Alves Marçal. João Carlos Dias Coutinho Lencastre. Joaquim Rocha dos Santos. José António Morais Sarmento Moniz.
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José Luís Nogueira de Brito. Luís Eduardo da Silva Barbosa. Luís Filipe Paes Beiroco. Manuel António Almeida Vasconcelos. Manuel Jorge Forte Goes. Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Corregedor da Fonseca. José Manuel Tengarrinha.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira. António Poppe Lopes Cardoso. Octávio Luís Ribeiro da Cunha.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota. Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho. Ruben José de Almeida Raposo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o texto da moção de censura que consta da ordem do dia.
Foi lido. É o seguinte:
O Grupo Parlamentar do Partido do Centro Democrático Social, representado pelos deputados abaixo assinados, ao abrigo do n.º 1 do artigo 197.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 202.º do Regimento, vem apresentar uma moção de censura ao Governo sobre a execução do seu programa e requerer a V. Ex.ª se digne promover que se sigam os demais termos dos artigos 202.º e seguintes do Regimento.
Apresentam os melhores cumprimentos.
Os Deputados do CDS: Francisco Lucas Pires - José Luís Nogueira de Brito - Alfredo Azevedo Soares Henriques Soares Cruz - Abel Gomes de Almeida Manuel Azevedo e Vasconcelos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para dar início ao debate, tem a palavra para uma intervenção o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Para justificar a moção de censura ao Governo hoje apresentada pelo CDS bastaria compará-la com a moção de censura apresentada pelo Partido Socialista, em Fevereiro de 1982, contra o Governo anterior. De facto, os resultados negativos da acção do actual Governo são incomparavelmente mais negativos e a situação é incomparavelmente mais ameaçadora, quer do ponto de vista da democracia, quer do ponto de vista do País.
Para o concluir, bastaria lembrar que o primeiro signatário da moção do PS, o Dr. Mário Soares, acusava então o Governo de ser responsável pela mais baixa taxa de crescimento do produto (1 % a 2 %), por uma forte expansão da pressão inflacionista (25 %) e por um aumento do desemprego que já se situava então em 9 % da população activa.
Comparem-se, de facto, estes números com aqueles por que é responsável o actual Governo e ter-se-á uma medida exacta do agravamento drástico da situação.
O produto nacional agora não sobe, mas desce entre 2 % a 3 %; o desemprego hoje já não caminha para os 9 %, mas para os 13 %, a inflação não é já de 25 %, como então, mas de 30 %, tendo em conta os números que são conhecidos até Novembro passado.
Além disso, desapareceram, entretanto, todas as desculpas que, na mesma ocasião, o governo anterior ainda invocava para justificar os seus resultados negativos.
A seca já passou há muito, a crise económica internacional transformou-se de então para cá em recuperação. O petróleo baixou e a média de crescimento do produto dos países da OCDE é hoje de 3 %, o que, juntamente com o grande aumento do défice da balança de pagamentos norte-americano, oferece até um largo campo de crescimento às nossas exportações.
Por outro lado, a maioria do bloco central é a maior de sempre, tem uma evidente solidariedade ideológica, pelo menos nominal, identifica-se maximamente com a revisão constitucional, pode contar com a impossíbilidade de unidade das oposições e foi longamente negociada e solenemente prometida ao País até 1987.
Por último, a nova maioria enfrenta um poder presidencial, mais enfraquecido, mais resignado e uma opinião pública preparada para aceitar as soluções mais difíceis ou mesmo mais doloroso. De resto, o espírito de reivindicação das organizações sindicais tornou-se mesmo mais complacente, como o demonstra o facto de grande parte dos seus representantes continuarem a ser apoiantes, no próprio Parlamento, da actual maioria do Governo. Onde estão, pois, Sr. Primeiro-Ministro, as velhas desculpas?
Ainda por cima, o Governo e a maioria usaram e esgotaram já, numa insuportável sucessão de frustrações, todas as promessas, todas afirmações de confiança todas provas de fidelidade recíproca no Governo que seja possível imaginar. Já não se sabe mesmo se o que ficará para a história deste Governo são as suas crises, os seus programas, ou as suas acções. Suspeita-se, porém fortemente que sejam só as duas primeiras.
Ao fim de um ano de Governo, já o Sr. Primeiro-Ministro precisava já de obter uma moção de confiança, hoje completamente esgotada, como o provou a nova zanga ritual que teve lugar recentemente. Antes disso, porém, a maioria consumira já a via da remodelação, tornada impossível após várias tentativas. Uma pública reclamação de reformas estruturais, a realizar em dois meses, ficou, mais tarde, por sua vez, pelo caminho e, em vez disso, surgiu um insípido, incolor e inodoro plano de recuperação económica e financeira, já caído, também ele, no cesto dos papéis. Um cesto onde já antes haviam caído as 100 medidas para os 100 dias e onde irão sem dúvida cair as novas 72 medidas e os sucessivos apelos e propósitos de estabilidade e unidade feitas na televisão pelos Srs. Primeiro-Ministro e Vice-Primeiro-Ministro.
Houve primeiro a vaga da reforma da informação; a vaga da reforma de leis da reforma agrária; a vaga da reforma das leis do trabalho; a vaga da reforma do sector público; a vaga da reforma do ensino; mas o pouco ou nada que se mexeu foi para que tudo ficasse, afinal, cada vez pior. E quem ainda acredita em novas vagas de promessas apenas destinadas a manter os restos de fé dos partidos coligados neste Governo? A conclusão é, pois, simples: os resultados do Governo e da maioria são cada vez piores; as suas desculpas e esperanças são cada vez menores e estão esgotadas.
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Senão vejamos o que aconteceu, entretanto, durante o ano e meio deste Governo, à economia e à sociedade, ao Estado e aos cidadãos portugueses.
Peço, pois, a compreensão dos Srs. Deputados, a sua atenção e paciência, para uma análise tanto quanto possível detalhada deste ano e meio de governação.
Comecemos pela sociedade. O seu enfraquecimento agudizou-se dramaticamente com este Governo, e tanto no plano económico, como social, como moral. Vejamos o aspecto económico que é o mais real. Procurarei demonstrar sucessivamente como, com este Governo, a recessão, a inflação, o descontrole de despesa pública, a desordem económica, o crescimento da burocracia, o estatismo e a falta de direcção, projecto e sentido de economia atingiram o seu apogeu desde há 10 anos.
Em primeiro lugar, a melhoria da balança de transacções correntes e o relativo controle do crescimento do défice foram feitas à custa de uma recessão imprevista e sem precedentes. Citei já a baixa de 2 % do produto nacional, mas não menos reveladores são a variação anual do investimento que se tornou negativa em cerca de 20 %, ou o decréscimo das vendas do comércio que segundo a respectiva confederação terá atingido os 40 %. No 1.º semestre de 1984 a produção industrial baixou cerca de 3,2 % em termos reais, enquanto de Janeiro a Setembro o crédito a empresas e particulares diminui 5,5 %. Numa área tão vital e sensível como a da construção civil, uma baixa de 13 % no consumo do cimento e de 9 % no consumo do aço mostravam a mesma tendência acentuadamente negativa.
Perante números tão alarmantes, a tendência do Governo será para alegar que ele próprio anunciara uma política de austeridade nos primeiros 18 meses da sua acção. Simplesmente, a verdade é que essa austeridade fora concebida como uma paragem de crescimento e não como uma descida negativa, abrupta e abissal. Por outro lado, tal perspectiva de austeridade tinha sido corrigida ou encoberta, sucessivamente aquando em particular da discussão da última moção de confiança, em Julho passado nesta Assembleia, altura em que o Sr. Primeiro-Ministro prometeu a recuperação para o semestre seguinte - recuperação que não se vislumbrou nem se vislumbra, mesmo depois dos 18 meses de emergência terem ficado para trás.
Mais grave ainda é o facto de, apesar da recessão, apesar do desinvestimento, apesar da queda dos salários reais, a inflação ter aumentado significativamente em vez de ter diminuído. Enquanto nos países da CEE a inflação descia em média para 5 % e nos da OCDE para 6 %, em Portugal a inflação montava a 30 % aliás, 10 % mais daquilo que o próprio Governo previra e anunciara.
É importante ter presente estes números porque um Governo sem ideias é sempre mais bem julgado pelos números, mas também, porque há um ano, na discussão do Orçamento,de 1984, os deputados do CDS haviam prevenido disto mesmo. O CDS avisara então seriamente para a necessidade de uma drástica redução das despesas públicas e de dar prioridade ao combate à inflação ao mesmo tempo que ao défice externo. A verdade, porém, é que não se podia esperar outra coisa...
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Ah, não! ...
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O Orador: - ... de um Governo que adiara as reformas estruturais para quase (2) anos depois do programa de emergência, que mantivera as despesas públicas a um nível muito alto, e que já dera provas de estar disposto a financiar o défice até onde se mostrasse necessário, inclusive com recurso à emissão de moeda.
Com esta atitude perante o Orçamento de 1984, o Governo dava uma implícita autorização para que o Estado, o sector público administrativo e o sector público empresarial continuassem a funcionar como sempre tinham funcionado, segundo a regra de crescimento automático da despesa e mais uma vez viessem a gerar, como aconteceu realmente, um novo orçamento suplementar. O novo orçamento suplementar veio, de facto, destruir de uma assentada todos os pressupostos de rigor, da estabilização e de austeridade e, mais uma vez, só poderia ser financiado por mais impostos, mais emissão da moeda e mais aumentos de preços. Mais sintomático ainda: na mesma semana, o défice oficial saltitava de 33 para 78 milhões e na Comissão de Economia e Finanças desta Assembleia da República aventava-se que ele poderia mesmo exceder os 100 milhões de contos.
Nas semanas seguintes, por sua vez, apareceram novos buracos, como o Fundo de Abastecimento, o do Governo Regional da Madeira e o de certas instituições bancárias, cujo montante de incobráveis poderá vir a ameaçar o reembolso dos depósitos. Estes factos não são segredo, de tal modo já se considera a D. Branca apenas como um prenúncio.
Tem, pois, de se perguntar quantos acordos secretos terá o Sr. Ministro das Finanças, além daquele que fez com o Governo Regional da Madeira. É uma pergunta premente porque está envolvido o modo como este Governo tem decidido arbitrariamente e nas costas da Assembleia sobre o dinheiro público de todos os portugueses. Conhecia ou não o Sr. Primeiro-Ministro tais acordos secretos? Pergunta-se igualmente quem usa o Fundo de Desemprego, quem está a beneficiar dele e quais são as regras de sua utilização? Pode-se ou não pretender, como o fez já publicamente um conhecido fiscalista, que tais fundos autónomos deveriam ser extintos, porque constituem cada vez mais elementos de perturbação, de indisciplina e de opacidade financeira, mas tem de se reconhecer que é, pelo menos, inadmissível que o público continue a não ter acesso, mediante a sua minuciosa divulgação no Diário da República, às contas dos fundos autónomos por cujo intermédio, no entanto, foram arrecadados em 1983, 135 milhões de contos, ou seja, 16,2 % das receitas correntes do sector público administrativo.
Não admira assim que comece a vir à tona toda a espécie de economia paralela dentro do próprio Estado. Um requerimento de um Sr. Deputado da maioria não desmentido pelo membro do Governo em causa, evidenciou que há obras públicas lançadas depois de Setembro de 1983 sem qualquer cobertura orçamental e cujas dotações de base andariam à volta de 10 milhões de contos. O volume dos atrasados faz crescer por sua vez a desordem financeira do Estado e das relações entre o Estado e terceiros. Crescem as arbitrariedades, pois o Sr. Ministro da Indústria distribui dinheiro como se distribui confetti num fim de festa, há secretários de Estado especializados na celebração de «protocolos» que comprometem o apoio público e o crédito começa a estar para os empresários como o Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais esteve para os retornados.
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A circulação de cheques sem cobertura, o mercado negro e a economia paralela não foram inventados por este Governo mas continuam em crescendo. Por outro lado, o Estado e o sector público que tinha tido a tarefa de substituir os grupos económicos privados de antes do 25 de Abril, excedem-nos hoje largamente em abusos, em desperdícios e em privilégios de toda a espécie, alguns dos quais se traduzem em ostentativos edifícios, como o da nova sede da Caixa Geral de Depósitos, que se diz virá a custar cerca de 50 milhões de contos. Continua afinal a não se compreender que não se conheçam a tempo e horas as contas de todas as empresas públicas e se passem as mesmas pelo filtro da Assembleia da República.
De um lado, verifica-se este tipo de desordem. Mas é ainda mais elucidativo e mais preocupante o facto de, em Novembro, as chefias do Exército português se terem queixado a um grupo de deputados desta Assembleia de que o Exército teria ameaçadas as suas verbas de salários no corrente mês de Dezembro. A vulnerabilidade total do País, gerado por este tipo de situação, fica, pois, descoberto.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Se a tropa não recebe...
O Orador: - Tudo isto decorre num quadro em que a ordem e a autoridade financeira se debilitam constantemente. Já se sabia que o pagamento do défice, se serve de um abuso permanente sobre o Banco de Portugal em termos de emissão de moeda. Mas para agravar a situação, abriu-se recentemente um conflito público entre o Ministério das Finanças e o Banco de Portugal, a propósito da alegação governamental, infantil, mas perigosa, de que se teria encarado a utilização das reservas de ouro para pagar os défices orçamentais. Já antes disso, também o Governo autorizara uma margem de liberdade na remuneração dos depósitos a prazo, mas devido a uma intervenção do Banco de Portugal, esta duraria apenas um dia. E, ao mesmo tempo, é pública a intenção, não desmentida, de passar a designação dos gestores bancários da alçada do Ministério das Finanças para o Ministro de Estado para os Assuntos Parlamentares, o que revela, pelo menos, o estado de espírito do Governo sobre as intenções de politizar o crédito. A intervenção referida pode, aliás, adquirir verosimilhança quando lida em conjunto com uma das orientações do Plano de Recuperação Económico e Financeira, a orientação segundo a qual seria criado um secretariado permanente para o crédito, um modo de sonegar tal responsabilidade ao Banco de Portugal e de a colocar na directa responsabilidade de algum gestor de dependências político-económicas.
Entretanto, o Orçamento para 1985 não foi apresentado dentro do prazo legal nesta Assembleia e sabe-se que há ministros dispostos a provocar novos buracos orçamentais se as suas exigências não forem satisfeitas. Mesmo sem Orçamento, saca-se já 1 milhão de contos para o Governo da Madeira, por conta das receitas de 1985, o que vem acrescentar à patologia financeira nacional a curiosa figura do orçamento suplementar antecipado. Também a renegociação do acordo com o Fundo Monetário Internacional patina perante a falta de cumprimento do acordo anterior a grave deterioração das condições de comando e funcionamento da nossa economia. E onde está, Sr. Primeiro-Ministro, o Programa de Modernização da Economia
Portuguesa que, durante a moção de confiança, nos prometera até ao fim do ano, pelo menos como mais uma prenda de Natal?
É assim que uma zona de decisão grave, que deveria ser afirmativa e preservada, se torna uma zona de vazio, de incerteza e de interesses político-partidários, num ambiente político-económico crescentemente sul-americanizado. Em suma: o Governo herdou uma crise e deixou que ela se transformasse numa desordem, a mais grave desordem da economia e das finanças portuguesas.
Aplausos do CDS.
Faltaram quer o espírito quer a regra, quer a ideia geral para uma séria reconstrução económica do País.
E pergunta-se mesmo com total legitimidade: afinal, para que foi a austeridade? Porquê a austeridade exigida aos cidadãos e às empresas, se o Governo não é capaz de impor essa austeridade a si próprio e ao Estado? Para que serviu toda a dureza brutal do célebre pacote fiscal de Setembro de 1983, da acentuada desvalorização da moeda e dos brutais aumentos de preços, se não houve nenhuma compensação, nenhuma finalidade, nenhum aproveitamento reformador, nenhuma justificação estratégica? Porque é que, além de inútil, a austeridade ainda teve tantos custos suplementares de recessão, de inflação e de crise generalizada? Quem perdoará um sacrifício tão brutal e tão inútil? Como é que é admissível que, ao fim de mais de ano e meio caracterizado pela violenta dramatização da questão político-económica, estejamos ainda em Portugal com a mesma economia, com o mesmo problema, com a mesma falta de perspectiva e, ainda por cima, agora atirados para um patamar mais baixo e mais subdesenvolvido da capacidade e ânimo colectivo?
Aplausos do CDS.
Como ultrapassar, Sr. Primeiro-Ministro, a atmosfera de funeral da economia portuguesa se, por este andar, em vez de um plano de emergência serão necessários dois e quando a austeridade regressar poderá já não ser em democracia?
O governo PS/PSD não compreendeu e continua a não compreender que a austeridade sem novo desenvolvimento é um suicídio - sobretudo num País pobre. Recordo-me de um economista sul-americano que contava esta história de uma senhora que dizia do seu gato: «que estúpido, levei tanto tempo a ensiná-lo a deixar de comer e ele morreu». Agravar, por exemplo, o nível da tributação sem fazer, ao mesmo tempo, qualquer esforço de redução de despesa pública, tornou-se inaceitável pela comunidade. Exigir sacrifícios deixando intacto o sistema que os provoca é o mesmo que sacrificar os recursos do povo a um bezerro de ouro. O nosso aparelho produtivo, não se reformou, e, pelo contrário, envelheceu. É por isso aliás que qualquer relançamento nestas condições será apenas um novo fogo de artifício que será pago ainda mais caro no futuro.
É verdade que o Governo falou muito de liberalização e que falou muito de reformas estruturais, mas o certo é que não foi sequer capaz de proceder àquelas a que se obrigara pelo acordo com o Fundo Monetário Internacional, como, por exemplo, a reforma do sector agrícola ou a da tributação directa. A Comissão de Reforma Fiscal, por exemplo, tomou posse no primeiro dia de férias de Agosto, o que é sintomático,
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e parece ainda procurar instalações. O subsecretário de Estado das Finanças ter-se-á mesmo recentemente demitido por causa do atraso dos seus trabalhos.
Fala-se de liberalização e de reformas estruturais, mas a verdade é que na Administração Pública, no sector empresarial do Estado e no sisterha financeiro e bancário não houve qualquer reforma de fundo e a situação só se degradou.
O Governo tem glorificado sobretudo, com a introdução da lei de abertura da banca e dos seguros às empresas privadas. Mas ninguém negará que tem sido mais liberalização externa do que interna, como se constata desde logo no nome dos bancos, que se têm instalado. Ninguém negará que essa liberalização tem sido mais sectorial do que geral, sem enquadramento e, portanto, não convicta nem convincente. De resto, que liberalização poderia haver com a Constituição mais socialista da Europa, que o PS se recusa a rever e cuja revisão o Partido Social-Democrata só invoca para mais reforçar o seu peso negocial face ao Partido Socialista.
Pelo contrário, os resultados da acção do Governo não são de maior liberalização mas sim, até de maior estatização. Os vícios estruturais não se reduziram dilataram-se. Já se viu como a despesa pública cresceu em 1984 mas já em 1983 essas despesas haviam sido ultrapassadas em 43 %, apesar de todos os disfarces de tesouraria. Só entre Janeiro e Agosto, por exemplo, o número de funcionários aumentou de 9000, num Estado que tem hoje o triplo do número de funcionários do que era necessário para o administrar quando ele era um império. A percentagem de crédito ao sector público que era em 1982 de 39,4 % é em 1984 de 44,2 % do crédito total, enquanto o crédito ao sector privado e particular decrescia no mesmo período de 57,6 % para 52,8 % e isto sem contar as empresas privadas participadas que não estão contabilizadas como empresas públicas. As despesas do sector público empresarial representam já 45 % do produto interno bruto e o défice do sector público alargado passou em 1984 de 15,2 % do mesmo produto interno bruto para 20 % e deve já rondar os quinhentos milhões de contos. E, sobretudo, há que ter em conta, o sem-número de empresas que as dificuldades económicas vão lançando nas mãos da banca nacionalizada e o facto de o nível altíssimo dos juros, assim como os chamados juros à cabeça, as tornarem a todas mais dependentes da burocracia creditícia. Em suma: dir-se-ia desde 1975 a evolução na continuidade.
Além disso, o Estado cresceu e o seu império e expansão continuam a traduzir-se em novos impostos e receitas fiscais, a última das quais é o fim da isenção até agora reconhecida às câmaras municipais, nos actos de registo predial. Receia-se também que, com este Governo, a introdução do imposto sobre valor acrescentado não sirva para substituir outras formas de carga fiscal mas simplesmente para as reforçar. Entretanto é importante ter presente ainda que no custo de uma habitação 56 % são receitas do Estado e que esse é um problema que a futura lei das rendas não pode resolver. Uma tal carga fiscal é causada aliás pelas próprias exigências intrínsecas do Estado e da governação socialista em que vivemos e onde já representa hoje cerca de 34,5 % do produto interno bruto, apesar do nosso rendimento per capita não exceder os 2500 dólares. Mais grave ainda: o Governo está a mentir quando diz que vai diminuir o Imposto Complementar e o Profissional, pois a actualização das tabelas feitas para 1985 é inferior ao presumível aumento de inflação, pelo que em termos reais esses impostos continuarão a aumentar em 1985. O Governo perdeu, mesmo, a este propósito uma soberana oportunidade de provocar um acordo entre todas as forças políticas e sindicais sobre a urgência e o programa de uma reforma fiscal, em que quase todos, hoje, com ligeiras variantes de opinião, estão de acordo e convêm.
Para o aumento do Estado e do estatismo contribuiu também um outro factor. Foi a criação por este Governo de várias novas instituições públicas. Cito de memória o Conselho de Concertação Social, a Alta Autoridade contra a Corrupção, o Conselho Nacional de Educação, a Comissão para a Reforma Fiscal, o Instituto Nacional de Habitação e variadíssimos conselhos ministeriais ou interministeriais, o último dos quais criado com a missão de estudar a redução ou eliminação dos restantes.
Risos do CDS.
Mais necessário seria antes extinguir órgãos como, por exemplo, o Conselho Nacional do Plano; por inutilidade e duplicação em relação ao Conselho de Concertação Social; ou o Instituto de Investimento Estrangeiro que estabeleceu uma discriminação que talvez funcione hoje, na prática, contra o investimento nacional; ou a própria Secretaria de Estado do Planeamento, cuja excelência planeadora ou sequer previsora se não tem descortinado e os organismos de coordenação económica, de herança cooperativa, e cuja extinção o Governo vem anunciado sem resultados; o Conselho Superior de Acção Social e um sem-número de outros conselhos que servem, nomeadamente, para acomodar e abrigar várias protecções partidárias. Na maioria dos casos não está em causa o mérito dos respectivos titulares mas uma coisa é certa em Portugal - é urgente um Plano de Emergência sim, mas com vista à redução drástica das despesas públicas que, como verdadeira tarefa nacional, deveria ser dialogada para poder merecer o apoio de todas as forças políticas nacionais.
Apesar da invocação liberalizadora, o estatismo cresceu e o desenvolvimento português continuou preso ao mito da empresa pública. Na indústria, como no equipamento social, o Governo diz procurar a revolução tecnológica com base nas grandes unidades empresariais públicas e com base no desenvolvimento dos grandes investimentos do passado. Julgo que se trata de um pretexto para novos investimentos desse tipo, mas não de um argumento sério. Toda a gente sabe, de facto, que revolução tecnológica é, ao mesmo tempo, a da empresa privada e da pequena ou média empresa.
Com o desenvolvimento do sector empresarial do Estado o que se fará é, pelo contrário, uma contra-revolução tecnológica, uma albanização qualquer, mas não a nossa entrada na terceira revolução industrial. O sector público nacionalizado não só não traduz qualquer esperança no futuro, como representa, outrossim, um mero património histórico-cultural da esquerda portuguesa, destinado porventura a ser tratado proximamente em termos museológicos.
Vozes do CDS:- Muito bem!
O Orador: - De resto, o Estado e o sector público que temos foram edificados ou para a era do petró-
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leo, ou para o espaço do Império, ou para ideologia da revolução. E tais realidades ou utopias hoje já não existem e é por isso que investir no sector público é como lançar-se à água numa piscina escoada. Daí que tal sector só possa manter-se e crescer contraindo dívidas. É para o pagar que a nossa dívida externa se contraiu e cresceu. Tem razão um ex-ministro das Finanças quando diz que a nossa dívida externa é a terceira entre as piores do mundo. Mas eu acrescentaria que não é só a terceira entre as piores do mundo pelo seu volume e proporção para os restantes. É uma das piores, porque se uma categoria dessas dívidas resultou do aumento do consumo público e privado interno (o que é estancável) e se outra categoria deles resultou do processo de reequipamento e reindustrialização (o que é reprodutível no futuro), a dívida externa portuguesa resultou sobretudo da necessidade de manter e pagar as políticas colectivistas e o sector público - o que é bem mais inglório e, ao mesmo tempo mais difícil de resolver. Sector público e dívida externa são assim hoje as nossas duas conquistas irreversíveis, alimentando-se, aliás, as duas reciprocamente uma à outra.
Para a geração anterior à nossa as empresas públicas foram, talvez, a alternativa liberal às direcções-gerais e uma forma de evolução destas, mas hoje os resultados são quase os mesmos e a diferença é nenhuma e é preciso compreender que é urgente levar, pois, a liberalização até à promoção da própria empresa privada.
Se o problema europeu é o de uma esclerose provocada pelo excessivo peso do Estado e do sector público, o problema português é o de uma super-esclerose que é urgente tratar com um intenso e global programa de liberalização, de que o Governo não só não deu mostras de ser capaz, como é resolutamente o adversário encoberto, ainda que já desmascarado e fracassado.
As alternativas para a liberalização são de um novo autoritarismo ou a decadência a que assistimos actualmente em Portugal: soluções curiosamente correspondentes às alternativas políticas de que se fala. O CDS não tem, de facto, qualquer dúvida em erguer a bandeira dessa liberalização, única via de defesa do País e da democracia. Foi por isso que na sessão legislativa passada propusemos nesta Câmara a revisão da parte económica da Constituição. Sem essa revisão continuaremos a ir a pique, mesmo que mais ou menos remendados e veremos passar de novo ao nosso lado a nova década de desenvolvimento tecnológico em que já está a entrar hoje o mundo ocidental. Diria mesmo que a liberalização é hoje quase tão necessária e urgente como o era a democracia em Abril de 1974.
O juízo atrás feito aplica-se ou reflecte-se em todas as áreas da acção económica do Governo, mas mesmo assim justifica-se ainda uma observação particular sobre a agricultura onde este Governo praticamente não teve direcção, nem programa, nem acção durante ano e meio, limitando-se a penalizar o mundo rural com os sucessivos aumentos dos produtos necessários à lavoura. A total falta de política agrícola foi comprovada pelo novo ministro da Agricultura a 20 de Outubro, na sua tomada de posse, ao dizer que as linhas mestras da política agrícola estarão definidas dentro de 3 meses - isto ao fim de ano e meio de um Governo com programa aprovado na Assembleia da República.
O caos organizacional do Ministério da Agricultura, a manutenção da reforma agrária como quadro de referência e complexo da política agrícola, sem qualquer
ultrapassagem da fase revolucionária, a manutenção de regras e controles estatistas sobre as cooperativas agrícolas, o reforço da perspectiva burocrática do crédito agrícola, a falta de informação dos agricultores sobre as consequências de adesão à Comunidade Económica Europeia, a ausência de medidas de adaptação e conversão que evitem que os agricultores venham a ser as maiores vítimas da nossa integração europeia, a inexistência de uma política de investigação aplicada, a paralisação da política de extensão rural, a ausência de uma política de sanidade pecuária e consequente crescimento de doenças como a da peripneumonia, a falta de uma perspectiva de reforma, de formação técnica de modernidade são constantes da acção do Governo numa área vital que ocupa 28 % dos portugueses e onde o espírito de reforma mais aguarda e há mais tempo.
Aplausos do CDS.
Pelo contrário, existe uma burocracia crescente como o demonstra o falhanço do Plano de Desenvolvimento da Agricultura Transmontana que serviu para comprar carros para os serviços mas não serviu para comprar tractores para os agricultores e manteve a agricultura dessa região no mesmo marasmo e no mesmo desespero em que se encontrava antes e que a nova ilusão desfeita só agravou.
O campo em Portugal continua com este Governo sem meios de vida e o discurso de interioridade, que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro tanto exigiu na sua campanha eleitoral, foi mais um balão que se esvaziou. O Governo continua, isso, sim, a égide da tirania das ilhas e da escravatura do interior, como bem se concluiu recentemente quando se fez depender um acordo da coligação do adiantamento de um milhão de contos para o Governo Regional da Madeira.
Aplausos do CDS.
O governo socialista e social-democrata de partidos ditos dos trabalhadores parece não se dar conta deste problema e de preferência não fala disso, considerando-o talvez também ou uma calúnia comunista ou mera desestabilização de extrema-direita. A sua atitude é mesmo muito próxima da indiferença. Hoje, porém, em Portugal, qualquer pessoa de bom senso sabe que tão necessário como um programa económico de liberalização é um programa de solidariedade nacional.
Aplausos do CDS.
Afinal, o próprio regime dito socialista se mostra indefeso e parece estar a deixar morrer aqueles que, aparentemente, tinha erguido como os seus heróis - os trabalhadores e os sindicatos portugueses.
O pressuposto do governo PS/PSD parece mesmo ser o de que para que o Estado socialista continue a viver, que morram os trabalhadores, se necessário.
Risos do PS.
De facto, são os trabalhadores que estão a pagar os restos do Estado socialista. Pagam-no através da descida dos salários reais, mas também através do imposto profissional (que representa uma percentagem cada vez maior da receita fiscal) e dos encargos sociais do trabalho, também eles em crescendo, pois as quotizações para a Segurança Social e para o Fundo de Desemprego
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atingem já hoje 36,5% da massa salarial, quando há 20 anos eram cerca de 23%. É como se a transfusão de sangue se estivesse a fazer do doente para o médico, o que, se não for considerado pelo Sr. Primeiro-Ministro apenas mais uma metáfora, mostrará bem o absurdo da situação criada.
A proletarização vai, pois, alastrando, ao contrário do generoso propósito também exigido na dadivosa campanha eleitoral do Sr. Vice-Primeiro-Ministro. Ora, a proletarização aumenta também os conflitos, conflitos que o Conselho de Concertação Social quis mascarar e só conseguiu excitar, pela chantagem permanente de abandono do Conselho, que tem feito quer a Confederação dos Industriais Portugueses quer a União Geral dos Trabalhadores agora usado pois como mais uma nova arma de luta inexistente até então. De resto, o carácter fantástico desse Conselho seria sempre inevitável: falta lá o maior de todos os parceiros sociais e aquele que mais profundamente causa e incarna a crise - o sector público nacionalizado. Além de que o que há hoje em Portugal já não é luta de classes mas luta entre grupos de privilegiados (que obtêm o que querem no salve-se quem puder) e grupos de sacrificados, entre os quais estão naturalmente os mais pobres e os que só vivem do seu trabalho, e este é um tipo de conflito que o referido Conselho já não consegue dominar.
Face a esta situação, o Ministério do Trabalho parece ser uma embarcação perdida, o lay-off, o novo regime das horas extraordinárias e os subsídios avulsos da Secretaria de Estado do Emprego são acenos irrelevantes que apenas dão azo a alguma propaganda televisiva do Governo. Nada resolveram quando não vieram até a complicar ou agravar as dificuldades das empresas. Estão para a crise como a aspirina para o cancro.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - O sistema de Segurança Social e Saúde, apesar de empregar mais de 100 000 funcionários e de representar 62 % dos gastos do sector administrativo (450 milhões de contos), também não mostra capacidade para fazer face a esta ameaça, ameaça de crise e ruptura que impende sobre a sociedade portuguesa. Basta lembrar, de facto, que as dívidas à Previdência excedem já os 60 milhões de contos, que o défice da Segurança Social ronda os 20 milhões de contos e que estes últimos números estão em crescimento permanente e imparável. O descontrole e o laxismo nesta área tornaram-se totais e isso não assegura nem justiça nem eficácia na satisfação das necessidades sociais dos Portugueses. E apesar disto ainda teve de ser um partido da oposição - o CDS - a apresentar o primeiro projecto de Lei de Bases da Segurança Social e a propor a revisão de certos aspectos da constituição social do País. O tudo para todos está a conduzir ao nada para ninguém. E seria melhor adoptar uma filosofia que valorizasse apenas o financiamento dos mais pobres, como o imposto negativo de rendimento, e que depois integrasse formas de seguro voluntário para os mais remediados ou mais ricos.
O nosso débito social cresceu enormemente com este Governo, e não é menos ameaçador do que os outros débitos que temos. São as classes médias (sobretudo pela via fiscal) e os trabalhadores (sobretudo pela descida dos salários reais) que mais duramente têm pago
e continuarão a pagar a crise do socialismo e da social-democracia portuguesa.
Aplausos do CDS.
Os resultados da situação económica traduzem-se, aliás, mais dolorosamente, no plano social. Sem dúvida que o próximo Natal será um dos piores de sempre para os trabalhadores portugueses.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Estão muito preocupados!...
O Orador: - De facto, segundo um recente estudo do IACEP (Instituto de Análise de Conjuntura e Estudo de Planeamento do Ministério das Finanças), os salários reais desceram cerca de 13,1 % no 1.º semestre de 1984, e o mais alarmante é constatar a progressão geométrica desta descida: ela fora apenas de 0,9% no 1.º semestre de 1983, mas atingiu 9,35% no 2.º semestre desse ano, para chegar agora no 1.º semestre de 1984 aos aludidos 13 %.
E também os pensionistas são vítimas desta erosão, progressiva e aparentemente incontida. As pensões, apesar de nominalmente aumentadas, desceram em termos reais 12 % e o abono de família e as prestações familiares decresceram em termos reais com este Governo 17 %. É uma conjunção de factores que levou a que se voltasse a falar de fome em Portugal e reconhecer que a fome no nosso país está a aumentar e é hoje maior do que fora, por exemplo, há 10 anos. Nalgumas dioceses, a Igreja tem chamado com...
O Sr. Hãndel Oliveira (PS): - Claro! Claro!
O Orador: - ... insistência a atenção para este problema e teve de tomar a seu cargo tão pungente questão, desmentindo assim o Sr. Primeiro-Ministro que afirmara, há algum tempo, não haver fome em Portugal. Se a democracia portuguesa já não for sensível a esse problema estará, de facto, moralmente perdida, mas a verdade é que são as instituições tradicionais de solidariedade - e não o Estado socialista - que têm tomado a questão a seu cargo e cuidado.
Para a gravidade do problema contribuiu também a alarmante situação dos salários em atraso e o desemprego. Mais de 100 000 trabalhadores aguardam que lhes sejam pagas retribuições devidas, e só 2 % deles terão recebido ajuda do Fundo de Desemprego. No entanto, foi o próprio Governo que deu o exemplo deste triste procedimento quando, há mais de um ano, começou a pagar atrasadamente os salários no próprio âmbito da Administração. Ninguém duvida, em todo o caso, que esta situação surgiu no âmbito da política económica e social deste Governo, e que este pouco ou nada fez para a resolver, alegando sobranceiramente que tal problema seria apenas da responsabilidade das empresas em falta, quando na realidade diz respeito a milhares de trabalhadores e dezenas de familiares.
O desemprego é hoje outra grande chaga em crescimento. Há 10 anos em Portugal o desemprego era de 2 % da população activa, em 1981 já era de 7 % e hoje aproxima-se dos 13 %, tendo, aliás, recentemente, o Sr. Ministro das Finanças admitido que continuará a crescer em 1985. Numa economia com um largo número de activos na agricultura, numa economia onde o Estado também emprega grandes percentagens de activos, numa economia onde a lei não concede a liber-
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dade de despedimento, uma taxa de desemprego deste tipo é incompreensível e potencialmente explosiva. A situação é de tal tipo hoje que um grupo de trabalho do CDS concluía recentemente que hoje o principal problema social do País já não é o da defesa dos empregados, mas o da defesa dos desempregados que, aliás, são especialmente numerosos entre as mulheres e os jovens. A juventude vê o seu futuro embargado, sentido-se praticamente excluída da vida da comunidade, do acesso ao Estado e da vida económica. A promessa do ensino técnico, como via de um novo tipo de emprego, reduziu-se a quase nada e agora vai ser ainda mais difícil recomeçar.
É claro que as situações e resultados anteriormente descritos provocam também um ambiente de pessimismo e crise moral no nosso país. Há ao mesmo tempo, hoje, em Portugal, uma crise económica, social e moral que vem de trás e pela qual este Governo não é o exclusivo responsável, pois que, num certo sentido, somos todos responsáveis. Mas essa crise tornou-se absoluta e geral com este Governo, e esta coligação funcionou para esta crise como um detonador e como um revelador.
Já se sabe, por exemplo, que quando há uma carência de 700 000 fogos, a família não pode desenvolver-se naturalmente (embora mesmo neste domínio tão sensível, o Governo só pareça ter acordado a sério a reboque da Igreja e da Câmara Municipal de Lisboa, no enorme esforço que esta conduz para a recuperação das zonas degradadas.
Protestos do PS, do PSD e da UEDS.
Já se sabe que quando ter um filho é um factor de empobrecimento suplementar, o rejuvenescimento e a crença na sociedade ficam mais ameaçados. Por sua vez, quando dezenas de milhares de jovens à saída do secundário não encontram nem emprego, nem escola, já se sabe que os caminhos do desespero podem vir a seguir aos da desilusão. Mas, para além da responsabilidade colectiva de tipo económico e social pelas situações descritas, a verdade é que com este Governo, com esta coligação, se geram ainda novas causas específicas de maior desmoralização, de fragilidade e violência moral na sociedade portuguesa.
É um aspecto sobre o qual quero referir em primeiro lugar a aprovação da Lei do Aborto.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Outra vez?
O Orador: - O pessimismo sobre a vida que ela traduz não pode deixar de se reflectir negativamente em pessimismo sobre a sociedade e sobre a política. E porque é que não se aprendeu a lição de 1910, segundo a qual não é positivo que os valores democráticos se ponham contra os valores tradicionais? E porque é que o Partido Socialista que nada reformou do que era necessário em áreas vitais de economia quer, com a ajuda do Partido Comunista Português, reformar apenas a consciência nacional?
Aplausos do CDS.
Porque é que em 75, no auge da revolução, não foi possível aprovar a Lei do Aborto e hoje, dez anos depois, com o PS e o PSD no Governo tal foi possível? Porque é que a obra moral do Partido Comunista encontrou condições de eficácia ou complacência com esta
coligação e este Governo? Porque é que se volta em 84 ao conflito de 1910 com a Igreja e quais são as forças que movem a acção política nessa direcção? Talvez a melhor pergunta: porque é que este Governo que ainda não regulamentou esta lei, talvez por má consciência ou por ter encontrado fortes resistências à sua aplicação, não tem agora a coragem de propor a sua revogação ou de votar favoravelmente a proposta que nesse sentido o nosso grupo parlamentar irá apresentar?
O Sr. César Oliveira (UEDS): - É a alternativa?
O Orador: - Porque é que sobre este aspecto, este Governo fica outra vez no meio caminho entre o PS e o PSD e porque é que o próprio PSD se terá esquecido de incluir no capital negocial na sua última zanga com o PS esta proposta de revogação? A revogação da Lei do Aborto será aliás, uma boa forma de o Sr. Primeiro-Ministro evitar que a sua campanha presidencial venha a ter essa lei como o seu principal património de reformador.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Se for essa, não é mau!
O Orador: - A Lei do Aborto não é porém o único motivo de crítica e preocupação neste campo. No plano da educação recorda-se também o programa escolar de educação sexual e planeamento familiar que foi afinal a única perspectiva pedagógica ou de valores oferecida até hoje pelo Sr. Ministro da Educação à juventude portuguesa. Logo na designação se evidencia a confusão entre coisas tão distintas como planeamento familiar e educação sexual e, depois, no conteúdo da mesma lei confunde-se educação sexual como educação de relações sexuais, abstraindo dos valores, sentimentos e atitudes mais específicos e dominantes do amor humano.
A sociedade portuguesa vê-se hoje ainda abalada por uma outra questão moral - a questão da corrupção. O Governo (no início) prometera uma feroz luta contra a corrupção, mas logo de início, desta luta dois dos seus membros abandonaram o Executivo atingidos por campanhas anticorrupção mais grave ainda sem que até agora tenha procurado reabilitá-los. Avolumaram-se igualmente as queixas sobre duvidosas adjudicações, com ou sem concursos públicos, queixas de que nunca houve como hoje um tão grande número nos tribunais portugueses. A Alta Autoridade contra a Corrupção criou uma ilusão de guerra que não esteve à medida das suas possibilidades e que é hoje, pois, mais uma verdadeira derrota da luta contra a corrupção em Portugal. O CDS prevenia atempadamente nesta Assembleia sobre este provável falhanço e sugeriu, mas sem resposta, que se centrasse na Assembleia da República o controle aberto e activo nesta matéria, à vista de todo o povo português.
O problema moral é agravado pela redução da liberdade de afirmação de valores próprios e mesmo pela ameaça séria a princípios tão importantes como o da liberdade de ensino ou da liberdade de informação. O recente Congresso do Ensino Particular e Cooperativo decorreu já sobre o signo da pré-falência do ensino privado. Apesar do ensino privado representar 10 % do ensino em Portugal, o que por si já é bastante pouco, a sua quota orçamental é inferior a 1 % do orçamento do Ministério da Educação e mesmo
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assim as dívidas do Ministério da Educação para com ele cresceram enormemente com este Governo. 15to apesar da poupança que o ensino privado representa para o Estado, apesar da liberdade de aprender que garante, apesar de ser a única via de democratização do ensino em muitas zonas! Sabe-se também a resposta negativa que teve a proposta do CDS para a equivalência do ensino nos seminários ao ensino secundário e conhece-se a discriminação do estatuto dos professores e, no plano social, dos próprios alunos entre o ensino público e o ensino privado. Todas as transferências de professores do ensino público para o privado têm sido recusadas, mas todas as transferências de professores do ensino privado para o público têm sido autorizadas, o que é um exemplo de formas de operar a asfixia do ensino privado que está em curso. Teve, aliás de ser o CDS a apresentar recentemente na Assembleia da República a única via de solução (legislativa) alternativa até aqui encarada para resolver esta questão - o cheque escolar.
Mas, Srs. Deputados, a liberdade de informação não vai melhor. A administração da RTP é, pela segunda vez, uma administração PS/PSD, com um representante directo do Sr. Primeiro-Ministro a presidir a essa administração. As administrações da Rádio obedecem ao mesmo figurino. O jornal diário de maior tiragem do País foi entregue à direcção de um filiado do Partido Socialista que esperava há muito tempo tal recompensa. A Direcção-Geral de Informação foi objecto de uma significativa rendição de personalidades o que mostra como a candidatura presidencial do Dr. Mário Soares vai ocupando postos fundamentais no aparelho do Estado. E desde o início que o controle partidário da Banca, da adjudicação de obras públicas e da informação estiveram entre as maiores prioridades deste Governo, verificando-se aliás, uma espécie de especialização relativa dos seus dois partidos nessas diferentes áreas.
Ao mesmo tempo, o Governo recusa a proposta do CDS de abertura à televisão privada, pondo-se de novo para trás no tempo do socialismo espanhol e francês e de todo o progresso técnico da era da comunicação aberta. A televisão pública que aliás vai acumulando prejuízos, adia várias vezes um programa televisivo sobre a UNITA, exerce a censura sobre outro a respeito do aborto e organiza programas de vários ministros do seu Governo.
Aplausos do CDS.
A legalização das rádios livres é adiada uma vez mais e agora para depois das eleições, seguramente.
O inquérito parlamentar proposto pelo CDS à televisão irá revelar com certeza a total subordinação da televisão à estratégia presidencial do Dr. Mário Soares. É, desde já, notório que a televisão nas mãos deste Governo não é um meio de liberdade mas sim um meio de poder. É certo que chegámos à fase em que o Governo em Portugal é pura informação, mas é escandaloso que durante um ano só um dirigente da oposição democrática tenha podido participar num debate na televisão. A televisão vai onde apareça um Secretário de Estado, mas não comparece quase nunca para ouvir um dirigente da oposição. É a pior falta de civilização democrática e um atentado ao pluralismo e à pacífica construção da alternatriva, que não deveríamos esperar de um Primeiro-Ministro como o Sr. Dr. Mário
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Soares, que tem já um lugar na história, pela sua luta pela liberdade.
O Sr. Primeiro-Ministro ter-se-á esquecido mesmo de como foi tratado pela Televisão no tempo do governo anterior e como dirigente da alternativa democrática que então representava. Mas o cúmulo dos cúmulos, simbólico do abuso nunca antes visto em Portugal, incluído o tempo de ditadura, é o terem aparecido ministros a fazerem directamente programas de televisão.
Aplausos do CDS e do Sr. Deputado Bento Gonçalves (PSD).
O programa político da televisão já não oferece dúvidas. É igual ao do Sr. Primeiro-Ministro: mostrar que só existe Governo mostrar que não existe alternativa. É uma situação que é urgente alterar antes das próximas eleições e mais que a própria lei eleitoral e sobretudo antes que não haja verdadeiramente alternativa em Portugal.
Por último é grave a divisão partidária de todos os cargos públicos a que este Governo tem procedido. Por si mesmo essa divisão implica uma rejeição moral da noção de competência e leva a uma espécie de «soarização» do aparelho do Estado. Lembro os casos de Veríssimo Serrão ou de Vitorino Magalhães Godinho, até para mostrar que não foi apenas gente do CDS a vítima deste movimento de novos saneamentos e de ocupação partidária dos postos públicos. O Estado é distribuído como um terreno a partilhar pelos partidos que ocupam o Governo e isso não ajuda a qualquer compreensão moral do seu papel. Além disso o Estatuto de oposição é sistematicamente violado, não foi uma única vez cumprido, enquanto a Lei Eleitoral é considerada uma mera questão interpartidária, posta no prato da balança das negociações que querem repartir as fatias do poder entre o PS e o PSD.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Não calha ao CDS?
O Orador: - Como em países de Leste se reparte também o eleitorado através da lei.
Certos apoios dados às autarquias variam consoante as cores partidárias e as protecções de tipo partidário abundam cada vez mais. Está a construir-se em Portugal, Srs. Deputados, um clima de manipulação, cujo extremo é a declaração de cinco Federações do partido do Senhor Primeiro-Ministro que vieram a público exigir o saneamento de cargos da Administração Pública por razões de ordem ideológica. O CDS resistirá e opor-se-á e é evidente que para nós só será aceitável uma lei eleitoral que seja para melhor representar o povo português e não para melhor repartir o poder entre o PS e o PSD, como grandes «padrinhos»...
Aplausos do CDS.
... como se PS e PSD fossem agora os nossos padrinhos e as novas famílias dominantes do País.
Todos estes factores de crise moral fomentam a inquietação da sociedade civil, que já vê recusada, não só a sua libertação, mas a própria solidariedade do Estado. Se é a Igreja que vem à liça pelo ensino privado, a habitação e a luta contra a corrupção; ou se são as associações de pais que se vêem obrigadas a garantir em termos de autodefesa a segurança nas escolas; ou se são as confederações da agricultura, do comércio e da indústria que reclamam contra a inimizade pública
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do Estado, todos os expoentes da sociedade civil são concordantes na revolta positiva e na ânsia regeneradora, contra um Estado e um Governo que pensam em novas leis eleitorais, mas, paradoxalmente, apenas pensam nessas novas leis eleitorais porque já se alhearam completamente do povo que são supostos representar.
Esta situação só se poderá sem dúvida equilibrar de novo na base de uma crença e de uma cultura política que possa conciliar os valores tradicionais com os da sociedade de iniciativa e só de uma democracia-cristã realista e moderna, inspirada por um humanismo português, integrando o passado que prezamos e o futuro a que aspiramos, poderá sem dúvida operar a reconciliação e o movimento necessários.
Aplausos do CDS.
Entretanto o Estado cresceu, mas ao mesmo tempo perdeu autoridade, perdeu utilidade e perdeu unidade. Muitas vezes limita-se a assistir ou até a fomentar a desintegração nacional, externa e interna, com prejuízos para a nossa independência, a autoridade do Estado e a dignidade comum de todos os portugueses.
O alheamento do governo em relação ao País concreto teve até uma forma pouco eufemística e muito física, muito concreta: o longo activismo externo da nossa política de Negócios Estrangeiros, feita mais à volta do mundo do que à volta do País. Só assim, pelo menos, se explicam o recente milhão e meio de contos do orçamento suplementar do Ministério dos Negócios Estrangeiros, os 100 000 contos de dotação suplementar da rubrica de viagens do Gabinete do Senhor Primeiro-Ministro e os 30 000 contos que custou uma só viagem ao Japão, no estilo de uma inédita campanha presidencial através do mundo.
Os custos da política externa tornaram-se evidentes, até em termos orçamentais. Os resultados, porém, são inexistentes ou mesmo negativos, pois traduzem-se num forte agravamento, sem compensações, da nossa dependência externa. Perdido em inúmeros itinerários, mas sem um pensamento claro, permanente e de longo prazo, a política externa confunde-se grandemente com agitação. Ninguém sabe dizer qual é a estratégia face a três grandes questões externas como as de integração europeia, a de cooperação ou a relação com os nossos credores, através, nomeadamente, do Fundo Monetário Internacional.
O FMI e a CEE poderiam ter sido aproveitados como formas de tomada de consciência e choque terapêutico, mas foram antes desperdiçadas pelo Governo como desculpa ou repouso para a sua própria incapacidade. A CEE poderia ter sido brandida como projecto nacional e grande desafio português (dos anos 80), mas foi apenas tratada como uma mera questão de governo, ou até só como uma simples questão de administração financeira. Espera-se até que não se faça da CEE um mero negócio de contrapartidas ou que, na ausência de perspectiva racional, ela se não torne simplesmente em mais uma oportunidade para outros negócios político-económicos, além de troféu de caça que pretende ser para a eleição presidencial.
Aplausos do CDS.
Quanto à dívida externa, apesar de termos a terceira das piores dívidas externas do mundo, o Governo não proeurou compensar essa debilidade, de modo político nem externa nem internamente, e devemos ser o País
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com dívida a que mais falta uma estratégia internacional para o enfrentamento dessa questão. Além disso, a falta de credibilidade do Governo, os seus falhanços anteriores, originam agora maiores exigências do Fundo Monetário Internacional nas negociações que decorrem neste momento.
Em relação à CEE todos defendem as suas posições, ganhando com isso o que podiam (desde a Espanha à Grécia), mas Portugal é o único que se mantém docilmente à porta, sem nada exigir e sem nada ganhar.
Protestos do PS e PSD.
Como se a entrada fosse já por si um favor e nós esperássemos apenas que a situação ainda seja diferente de virmos a tornar-nos apenas uma futura colónia europeia. Temos servido sobretudo para explicar a posição de outros países ou para eles virem cá explicar-nos a sua. Acontece, porém, que o Governo que aceitou o compromisso outorgado pela CEE e selado pelo Presidente francês da conclusão das negociações até 30 de Setembro passado e verificou que, depois disso, esses compromissos anunciados num salão em Lisboa, em São Bento, tinham completamente falhado. Aconteceu até que numa espécie de punhalada pelas costas, o Presidente francês é agora partidário de um referendo no seu país sobre o alargamento da CEE. O que quer dizer também que a solidariedade e os compromissos estão, pelos vistos, em crise dentro da Internacional Socialista.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à África talvez o hábito de andar de avião tenha levado o nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros a um excesso de rapidez ao apresentar em Bissau uma proposta de formação de uma «comunidade de língua portuguesa», sem sequer ter prevenido previamente disso os nossos embaixadores, quanto mais os países destinatários. O resultado, naturalmente, só pode ser o do atraso desse projecto por mais alguns anos.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Havia de ir de camelo?
O Orador: - Em todas estas áreas de relação as questões se agravaram. Da crise com o FMI já falámos. Mas no âmbito da cooperação, Angola que, em 1975, fora praticamente posta nas mãos dos Cubanos pelos descolonizadores, vai agora transferir-se para a preferência aos Espanhóis nas áreas económicas, onde as pescas são por enquanto o ponto mais avançado e saliente. Estamos a ser trocados pelo mais surpreendente dos parceiros possíveis, depois de o Presidente angolano ter visitado Madrid, sem sequer ter passado por Lisboa. Em Moçambique, por sua vez, é a África do Sul que é chamada para interceder entre a Renamo e a Frelimo, e ocupa todo o espaço da mediação ficando Lisboa apenas como aeroporto de escala para os bastidores. A célebre cooperação tripartida não evidencia progressos nem sequer amostras, tal como acontece com o «novo investimento» ou com a «nova emigração» que esperamos poderem vir substituir as frágeis formas de cooperação existentes.
Quanto à CEE, o Governo deixou hipotecar tudo a 2 prazos, um dos quais já fracassado, limitou-se a uma negociação sectorial, em vez de ter uma posição global, racional e mobilizadora, e deixou que o processo
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português se colasse ao espanhol, esquecendo, como o disse aqui Adriano Moreira, há alguns dias, que «o europeismo político não pode aceitar um diálogo ibero-europeu, como não o aceitou com a EFTA, como não o aceitou com a NATO». Façamos pelo menos o voto de que a possível adesão portuguesa à União da Europa Ocidental não siga pelas pegadas de Madrid, conduzida por um governo que infelizmente preferiu o conceito de cimeira ibérica à de cimeira luso-espanhola. Não podemos ser apenas o segundo país ibérico ou a sombra de Espanha e devíamos pensar mais nos resultados e garantias a obter com a adesão à CEE, do que nos prazos de tal adesão.
Aplausos do CDS.
Além disso, o País não foi preparado nem avisado das consequências da integração na Europa. Esta integração irá ser apenas a entrada num novo túnel, que uns encaram como a descida aos infernos e outros como a subida aos céus. E tudo isto é tanto mais estranho e contraditório quanto é certo, e o Sr. Primeiro-Ministro recordar-se-á disso, com certeza, que o Dr. Mário Soares, secretário-geral do Partido Socialista, em 1982 pedira aqui ao governo anterior um livro branco sobre a CEE, livro branco, porém, que ele próprio, pelos vistos, ainda não revelou ao País. E, mais tarde, o mesmo secretário-geral do PS incluía nas suas promessas eleitorais a renegociação de todos os dossiers já encerrados pelo governo anterior numa atitude de exigência de que, porém, não se veria qualquer rasto após a sua chegada ao Governo. O Sr. Primeiro-Ministro anunciara também há algum tempo, talvez no Verão, quando o País estava mais distraído, um debate parlamentar sobre a integração, debate que não houve - o que mostra as dificuldades em que se encontram neste plano o Governo e o primeiro-ministro. Tinha ele próprio falado em alternativas à CEE, mas quando mais se esperava que as mostrasse, esconde-as e elas não aparecem. É a nossa altura, pois, de pedir ao Sr. Primeiro-Ministro o cumprimento das suas promessas, sobretudo a do livro branco para que se garanta assim o conhecimento dos factos e se assegure ao povo português ou aos seus representantes que a sua decisão sobre questão tão importante do nosso futuro será tomada com pleno conhecimento de causa.
Não queria também de deixar de sublinhar o caso de Timor, no qual este Governo já está, também, a começar a perder-se na névoa da distância e da ambiguidade. 15to apesar de Portugal ser potência administrante segundo o direito internacional e estar incumbido de promover a respectiva independência, segundo o artigo 297 da Constituição portuguesa, afinal tão defendida, tão acautelada por este Governo quando se trata da revisão da Constituição económica mas tão menosprezada quando se trata de defender valores políticos e morais essenciais à dignidade do Estado Português. É escandaloso o silêncio do Governo sobre este caso, do qual os Portugueses sabem mais pelos jornais estrangeiros do que pelo seu Governo. Tão generoso em informação apesar de tudo noutras matérias. O CDS preveniu várias vezes contra uma segunda abdicação portuguesa em relação a Timor e a consciência nacional exige um esclarecimento público da atitude do Governo e do Sr. Presidente da República que neste assunto são responsáveis nos termos da Constituição.
Tem também de se sublinhar o aproveitamente da política externa pelo Governo que o tem usado como
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encobrimento da sua política interna. A visita ao Vaticano do Sr. Primeiro-Ministro foi um patente exemplo disto mesmo e toda a intensa circulação internacional do ministro dos Negócios Estrangeiros é uma permanente demonstração desta tese. Não confundimos muitas mudanças de aeroporto com prestígio internacional ou pessoal de quem quer, pois não é prestígio saber-se lá fora como se sabe que temos os governantes que mais depressa assinam os papéis que lhes põem à frente, que mais rapidamente acedem aos convites que lhes fazem ou que, por tudo o que já cederam, não receberam até hoje sequer o suficiente para poderem assegurar uma verdadeira cooperação militar e, nomeadamente, a aquisição das célebres fragatas da marinha de guerra.
O prestígio do Estado Português exigirá mais capacidade interna, mais realismo externo, mais dignidade nacional, e é por aí que, também na cena internacional, se patenteará, ou não, o nosso prestígio. Seria mesmo infantil pensar que a amizade de qualquer aliado é alheia à sua própria realpolitik.
Em perda de independência e dignidade externa, o Estado português tem visto, também, enfraquecer a sua autoridade e solidez internas. Existe desde logo um sensível mal-estar no seio das forças armadas, dada a reconhecida ausência de uma clara política de defesa nacional e é perceptível a dificuldade de liderança institucional do primeiro Ministro de Defesa que tem efectiva capacidade constitucional e legal nesta matéria. Ainda recentemente foi o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas que se antecipou a explicar publicamente o respectivo orçamento, numa atitutde que pode ter por reverso o vazio político do Ministério da Defesa. Têm sido ignoradas também, por fraqueza, declarações públicas de carácter político produzidas por membros da Associação 25 de Abril e, apesar das propostas já existentes, falta ainda elaborar e pôr em prática muita da legislação anunciada e até calendarizada na Lei de Defesa Nacional.
Não temos obtido compensações suficientes da nossa fidelidade à NATO, como, aliás, tem sido inclusivamente referido por membros salientes dos partidos da própria coligação e a cooperação militar com os países africanos foi, até agora, um puro tema literário do Governo, mesmo em áreas que não envolveriam recursos financeiros significativos. A reestruturação, modernização e reequipamento das forças armadas continuam a aguardar, praticamente sem planos, e a doutrina de defesa nacional que, porventura, já existe nalgumas propostas de lei, não transpirou minimamente para a consciência pública. As missões das forças armadas, o sistema de forças, o conceito estratégico-militar continuam por edificar apesar do passo que se reconhece ter sido a definição do conceito estratégico de defesa nacional, recentemente discutido na Assembleia da República.
No pacote legislativo da defesa nacional o que avulta em termos de opinião é a manutenção da mobilização geral por 2 anos e a abertura do recrutamento às mulheres - duas soluções incompreensíveis para as forças armadas que precisam de economizar o factor humano excedentário e que precisam sim de potenciar o factor técnico e material, que é altamente deficitário. Para além do problema que é obrigar a um serviço militar de 2 anos uma juventude a que se recusa tudo o resto e todo o futuro, desde o ensino superior até ao emprego, passaríamos a ter, com a incorporação das
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mulheres, uma mobilização ainda mais vasta que a do tempo da guerra no ultramar - o que hoje não se compreende nem corresponde a qualquer vontade ou a qualquer necessidade nacional.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - As mulheres são para ficar em casa.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - No Ministério da Justiça e no da Administração Interna verifica-se o mesmo tipo de ausência de efectiva direcção institutcional, pois tornou-se público que o ministro da Justiça está no centro de jogo da coligação e que o Sr. Ministro da Administração Interna tem sobretudo preocupações eleitorais para 1985. No caso da Justiça essa será mesmo a causa de um mal estar crescente, nomeadamente entre a magistratura que ameaça agora com a sua primeira greve o que não pode ser mais sintomático de uma situação negativa e de desleixo deixada ao abandono. O ministro da Administração Interna chegou ao ponto, no auge das suas preocupações eleitorais, de pedir eleições presidenciais e locais para o mesmo dia dando mostra do tipo de propósitos a que está disposto, contra a autonomia do poder local que é suposto dever defender e numa função que deveria ser, sobretudo, a de preservação da ordem e autoridade, quando a insegurança já atinge os mais indefesos de todos nós, isto é, as escolas e as crianças portuguesas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O mais grave, Sr. Primeiro-Ministro, no plano das questões de Estado é, porém, a falta de uma efectiva direcção política do Governo e do Estado. O País sabe que está sem chefia, o País pergunta-se para onde vai e o problema de saber quem manda e o quê tornou-se insolúvel, embora nesta responsabilidade haja uma partilha por igual pelo Sr. Primeiro-Ministro e pelo Sr. Presidente da República. A presidência do Governo foi transformada numa cimeira de dois líderes e o Governo numa cimeira de dois partidos. Há, por outro lado, ministros que acusam o seu próprio Governo de ser uma confederação de ministérios e tornou-se de há muito visível que vários ministérios são, por sua vez, umas confederações de secretários de Estado.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Decisões de autoridade são suspensas diante da televisão, como a do aumento do preço das cantinas universitárias, ou revogadas quase clandestinamente, como a da readmissão dos maquinistas, ou esquecidas como mera instrumentalização política de populações, como a proposta feita a Vizela da sua promoção a sede de concelho.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - O casuísmo é de regra e não se sabendo com o que se pode contar, o Estado torna-se um ente cada vez menos respeitável que pode enganar o País e que pode por isso ser enganado.
Cada ministro tem uma política diferente, cada dirigente nacional dos partidos do Governo outra e parece que estamos à beira de ter uma maioria e um governo
para cada português. Mais do que os ministros é o primeiro-ministro que estabelece a diferença entre' a qualidade dos vários governos porque é ele a sede de direcção, do sentido, da autoridade e do método do governo. Ora falta hoje esse sentido, falta hoje essa autoridade, falta hoje esse método, mesmo que fosse apenas o comum sentido do Estado, para a acção governativa e não se vê que seja a mera candidatura presidencial do primeiro-ministro que venha dar sentido ao que quer que seja. Há muito que o CDS pensa isto e o diz. Já na anterior sessão legislativa o CDS só não apresentou uma moção de censura devido à jogada de antecipação do Governo ao apresentar uma moção de confiança. Já em nome do nosso partido durante esta mesma sessão legislativa o presidente do Grupo Parlamentar do CDS viera também a esta tribuna pedir a demissão do Governo.
É certo que agora acaba de ser celebrado mais um acordo entre o PSD e o PS, mas o fenómeno curioso é que cada novo acordo entre dois partidos não serve para alargar o apoio ao Governo, mas serve, pelo contrário, para o diminuir ainda mais; não serve para dilatar o prazo do acordo, mas para o encurtar! De facto, viu-se logo no dia seguinte à celebração deste acordo; as vozes críticas cresciam; dentro do bloco renasciam e ameaçavam o Governo e, embora essas vozes críticas já façam parte da nossa habituação auditiva, tornava-se evidente que um dos pressupostos do acordo tinha falhado - o pressuposto da reconciliação dos vários filhos pródigos da coligação e o pressuposto da criação com esse acordo de uma nova base de partida para o Governo. A coligação continua depois desse acordo sustentada apenas pela sua inércia e pelos interesses que precisam dele.
Desde que falhou a primeira tentativa de remodelação que este Governo deixou de ter futuro. Agora, porém, volta-se a insistir no erro de falar numa remodelação para depois do orçamento, o que só pode excitar as relações políticas dentro do Governo, o que só pode excitar a sua instabilidade, o que só pode provocar as reservas mentais recíprocas dos vários membros do Governo no preciso momento em que eles discutem as respectivas dotações orçamentais. O próprio prazo real do acordo agora celebrado é diferente do seu prazo aparente, pois este diz ser até 1987, mas toda a gente sabe que o ponto de mira é Julho de 1985. O Governo continua a viver de curtos prazos, de curtas emoções e de curtas ambições. A sua sustentação vive de uma permanente máquina de reanimação, de sucessivas manobras de diversão e de uma máquina de informação, controle e influência gigantescas, mesmo que dissimuladas muitas vezes. O Governo é ele próprio assim a institucionalização da instabilidade e o instabilizador principal no País, desde a área financeira até à social, cultural e política.
Desde há muito que se sabe que este é um Governo sem futuro e que Portugal será um país sem futuro enquanto tiver este Governo e esta coligação no poder. E num país nestas condições, em que ainda hoje uma oposição democrática, não poderia deixar de haver uma moção de censura ao Governo. Noutro qualquer país democrático o Governo já não estaria mesmo a ser censurado - mas pela simples razão de que já teria caído. É certo que mesmo em democracia continua a haver em Portugal muita gente a querer calar a oposição e de todas as maneiras. Mas o CDS não se calará sempre que a situação tiver deixado de corresponder
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à esperança que tem de estar na base da democracia. Consideramos inclusivamente a nossa moção de censura como voz de um povo crescentemente insatisfeito que também aqui na Assembleia da República há-de poder falar através de alguém, porque ainda estamos em Democracia.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - E o que está hoje na boca do povo não é a ideia de um governo, é a ideia de um desgoverno. Se o povo pudesse era ele que estaria aqui a censurar este Governo PS/PSD.
Aplausos do CDS.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - O CDS não é o povo?
O Orador: - Não apresentamos, pois, esta moção de censura, com o objectivo de dividir a maioria, trabalho que aliás está perto embora ela já esteja tão dividida que, só por automatismo que só por obrigação e não por devoção poderá votar contra a nossa moção de censura. Mas temos a certeza de assim contribuir para a estabilidade, a estabilidade que é saber-se com certeza quem é que na maioria assume a responsabilidade de apoiar e quem é que na maioria rejeita essa responsabilidade.
E isso de uma vez por todas porque o País não pode continuar a viver sem saber quando houve a rádio de manhã, ou lê os jornais da manhã se a maioria vai acabar por causa das lutas internas dos partidos que apoiam este mesmo Governo.
Aplausos do CDS.
Teremos assim a certeza de contribuir para a verdade da democracia, para a verdade que incumbe ao CDS, como único partido de oposição democrática, por que a maioria política do País, hoje, censura este Governo e esta coligação.
Se há moção de censura que nada tenha de artificial é esta mesmo, porque não há hoje ninguém em Portugal que defenda este Governo convictamente.
Temos também assim a certeza de estar a contribuir desta maneira, com os meios que ainda nos restam, com os meios que uma maioria esmagadora ainda nos não sonegou, para a construção de uma' sociedade de iniciativa e de força moral.
A nossa moção de censura não é, pois, um aviso agoirento; é sim a forma de abrir uma porta de esperança na alternativa da democracia portuguesa fundada com o 25 de Abril e na alternativa do nosso país. Nos fins de 84, nos princípios de 85, ao fim de um ano e meio de Governo, ao fim de ano e meio da maior maioria partidária e no momento em que essa maioria entra no seu último ciclo, esta moção tem também o sentido de um balanço. Balanço que revela como o bloco central transformou uma crise económica e política numa crise profunda e geral do País e da democracia portuguesa. A falta de autoridade e de liberdade crescem conjuntamente, corroendo a independência nacional e as liberdades reais dos Portugueses. A fragilidade e vacuidade do poder político são responsáveis, sem a menor dúvida, pela ameaça que já paira sobre o regime democrático.
E todos sabemos também que o Partido Comunista não deixará de aproveitar esta situação. Mas está nas
nossas mãos não deixar prolongar e piorar, como numa agonia, um tão grave estado de coisas que fará do PC um dos principais beneficiários desta situação. Está nas nossas mãos afirmar ao povo português que existem alternativas entre as forças democráticas; que essas alternativas estão vivas e que não leva o Partido Comunista alternativa á situação de decadência que o País vive neste momento.
Toda a gente sabe que o problema em Portugal já não é o de saber se é preciso mudar, mas apenas o de saber como é que vamos mudar, pois toda a gente sabe que é preciso mudar. Mas também em democracia todos sabemos que só poderemos mudar se o fizermos através da única via de mudança legítima e legal - a via oposição democrática - e também sabemos que em Portugal só poderemos mudar se o fizermos contra o socialismo e contra este Governo.
Aplausos do CDS.
É este, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, o sentido do voto de censura que propomos a esta Assembleia a quem confiamos a sua decisão.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em função do consenso estabelecido, interrompemos agora os trabalhos por 30 minutos, recomeçando cerca das 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, eu tinha-me inscrito para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lucas Pires. Não podendo fazê-lo imediatamente creio bem que já existe uma praxe que me permitirá falar depois de o Sr. Primeiro-Ministro ter respondido ao Sr. Deputado Lucas Pires.
Vozes do PCP: - É isso!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lage, tinha-se estabelecido que seria assim, isto é, só quando o Sr. Primeiro-Ministro acabasse de falar é que todos os pedidos de palavra, de esclarecimento ou de outra ordem, teriam lugar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para sugerir, caso houvesse consenso da Câmara e do Governo, que se juntasse a meia hora prevista neste momento com a habitual meia hora de intervalo regimental, por forma que não viéssemos a interromper novamente a sessão por meia hora.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que essa segunda meia hora a que se refere não será necessária, pois temos ainda muito tempo para trabalhar e receio que o tempo não nos chegue.
Para interpelar a Mesa tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de
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solicitar a V. Ex.ª o favor de mandar anunciar o nome dos deputados inscritos para interpelar o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, se julgo ter percebido bem a sua sugestão, ela é no sentido de que esta meia hora de interrupção dos trabalhos ficará como sendo a meia hora do intervalo regimental.
O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado, pois temos muito pouco tempo disponível.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para dizer que o Grupo Parlamentar do CDS não dá o seu consenso a que esta meia hora de intervalo seja assumida como intervalo regimental.
O Sr. Presidente: - Bem, Sr. Deputado, tenho pena mas o problema é meu e, nesse caso, será concedida mais meia hora de suspensão dos trabalhos para o intervalo regimental.
O Sr. Deputado Secretário vai ler o nome dos Srs. Deputados inscritos para pedirem esclarecimentos ao Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Secretário (Azevedo e Vasconcelos): - Inscreveram-se para pedidos de esclarecimentos os seguintes Srs. Deputados: César de Oliveira, Magalhães Mota, João Corregedor da Fonseca, José Vitorino, Carlos Lage, Manuel Alegre, Jorge Lemos, João Paulo Oliveira, José Luís Nunes, António Gonzalez, Amélia de Azevedo e Duarte Lima.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em presença do que foi requerido pelo CDS, vamos interromper agora a sessão e recomeçar os nossos trabalhos às 18 horas.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, tenho imensa pena, mas julgo que não me fiz perceber: aquilo que eu disse foi que o CDS não prescinde do intervalo regimental após a intervenção de S. Ex. e o Sr. Primeiro-Ministro.
Protestos.
O Sr. Presidente: - Não foi isso que eu entendi, Sr. Deputado.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Mas foi isso que ficou assente na reunião dos líderes dos grupos parlamentares.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
0 Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Presidente, o intervalo regimental é às 17 horas e 30 minutos. Logo, nós podemos vir aqui às 17 horas e 30 minutos para sairmos outra vez por mais meia hora para o intervalo regimental, como foi requerido pelo CDS.
O Sr. Presidente: - Entendi que era assim, Sr. Deputado, e, por isso, referi que a interrupção dos nossos trabalhos seria até às 18 horas.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Exacto, Sr. Presidente. É assim mesmo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a sessão até às 18 horas.
Eram 17 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se discute o direito do Grupo Parlamentar do CDS, representado por alguns dos seus deputados - e tendo como primeiro signatário o seu líder Lucas Pires - de apresentar à Assembleia da República uma moção de censura contra o Governo. Ainda que as razões invocadas, na intervenção inicial, não tenham parecido nem muito convincentes nem sequer consistentes. Pode discutir-se, isso sim, a oportunidade escolhida. E com a oportunidade a sua verdadeira razão de ser, ou seja: o objectivo político visado.
Na verdade, encontrando-se na semana que antecede o Natal, tendo dado entrada no Conselho Nacional do Plano, para apreciação, as Grandes Opções do Plano, para 1985, estando, como tem sido anunciado, em fase final de apreciação pelo Governo, para entrar na Assembleia da República, o Orçamento do Estado de 1985, e estando ainda anunciado, para final do ano em curso, a apresentação do Programa de Modernização da Economia, que se segue, como foi programado, ao Programa de Recuperação Financeira e Económica, entregue em Julho último ao Conselho Permamente de Concertação Social - não parece ser esta a melhor oportunidade para a introdução na Assembleia de uma moção de censura ao Governo, que obriga a uma discussão política necessariamente teórica e mesmo abstracta, isto é, pelo menos desligada daquilo que mais concretamente interessa aos portugueses, quer as opções do Plano quer o Orçamento para 1985, e quando a Assembleia está assoberbada com uma agenda superpreenchida e propostas de lei importantes aguardam, há meses, ocasião de poderem ser apreciadas e votadas, tanto na generalidade como na especialidade.
O menos que poderá dizer-se é que o Grupo Parlamentar do CDS não tem a percepção dos timings exactos para apresentar moções de censura. Há menos de seis meses, quando o Governo submeteu ao Parlamento uma moção de confiança, o CDS também entrou com uma moção de censura, que aliás, à última hora, retirou. Desta vez conservou-a. Vamos, pois, passar 2
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dias a discuti-la. Em vista dos resultados previsíveis, alguns deputados malévolos pretendem que o Grupo Parlamentar do CDS, apesar dos termos contundentes que usou, apenas quis oferecer ao Governo uma boa prenda de Natal.
Vozes do PS e PSD: - Muito bem!
O Orador: - Não creio. O objectivo não podia ser esse, da parte de um Grupo tão aguerrido e que ultimamente se tem mostrado tão coeso. A iniciativa terá a ver, provavelmente, com a intenção do combativo leader do CDS, de dinamizar melhor as suas tropas, segundo uma estratégia de fundo que só ele reconhece e que se destina a conduzir o CDS, em próximas eleições, como há dias confessou, ao patamar jamais atingido dos 20 % ! ...
Mas porquê, precisamente agora e não antes ou lá mais para diante, depois da discussão do Orçamento? Porquê agora, quando o Governo, ultrapassado há poucos dias um período de dificuldades - que não se negam - derivadas de desacertos entre os partidos que compõem a actual coligação maioritária, acaba de receber um novo impulso, com a assinatura das cláusulas de desenvolvimento do acordo político, parlamentar e de Governo entre o PS e o PSD, assinado em 4 de Junho de 1983?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Boa piada!
O Orador: - Não quero fazer processos de intenção, mas julgo que se pretende tão-só, mais uma vez, tentar o desgaste do Governo e dos partidos que o apoiam na Assembleia, sem qualquer ilusão quanto ao resultado final da moção. Trata-se, portanto, de um mero episódio de guerrilha partidária. E daí que seja legítimo perguntar: que tem tal estratégia a ver com os interesses imediatos ou a prazo do País, que o Grupo Parlamentar do CDS diz defender?
Com efeito, em função dos fogos cruzados, mas convergentes, dos ataques ao Governo - através de iniciativas como esta, do Grupo Parlamentar do CDS, ou de certas tomadas de posição, repetidas, que surgem noutras tribunas, vindas aparentemente de outros sectores, mas com idêntico objectivo - os portugueses têm razão para se interrogar quanto ao que pretendem, afinal, certos políticos, condicionados como estão por meros jogos do poder? Pretendem, seriamente, derrubar o Governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Admitamos que é essa a intenção. Em democracia, derrubar um governo, pelos meios constitucionais, é o que há de mais natural e legítimo. Porém, como se trata de um acto sério, que toca com interesses directos de tantos portugueses, importa, ao mesmo tempo, perguntar: para o substituir por qual outro governo, no presente quadro constitucional. E aí surgem imediatamente as dificuldades. Não deseja o Grupo Parlamentar do CDS, seguramente, aderir agora à tese comunista de um governo de salvação nacional - dando como certo que ele seria possível, o que não é - ou a um «governo de democratas independentes», de que também fala por vezes o Partido Comunista, sem base parlamentar, fórmula que o Presidente da República há dias expressamente afastou. Excluídas estas
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duas hipóteses, aliás perfeitamente académicas - e excluída por igual a proposta do MDP/CDE, feita à saída de Belém, de um governo minoritário PS, que não se põe - é óbvio, para toda a gente, que o derrube do actual Governo conduziria necessariamente, no actual quadro parlamentar, a um vazio de poder, isto é: a um governo de mera gestão encarregado de preparar, a seis meses de vista, novas eleições. Na situação difícil que o País atravessa, imagina-se o que representaria uma tal paragem da actividade governamental? Tem-se em conta o que custaram ao País, e que é possível hoje quantificar, os primeiros 6 meses de 1983, durante os quais tudo parou à espera da campanha e dos resultados eleitorais?
E depois para quê? Tendo em conta que os dados da sociologia eleitoral portuguesa não se têm alterado, sensivelmente (risos do PCP) desde que começou a haver eleições livres, é mais do que provável que um novo acto eleitoral não daria resultados substancialmente diferentes dos que temos. Admitamos, na hipótese ultra-optimista, há pouco citada, de que o CDS, chegaria, em futuras eleições, aos 20%, em lugar dos 14% que hoje representa.
Vozes do PSD: - 12 % .
O Orador: - Valeria a diferença o risco que se iria fazer correr o País, provocando novas eleições? Estaria disposto a corrê-lo, o próprio eleitorado do CDS se sobre o assunto fosse interrogado?
Há hoje, em Portugal, a consciência generalizada desta realidade comezinha. Viu-se quando surgiram dificuldades no seio da coligação. Ninguém apareceu, partidos ou pessoas, a oferecer-se como alternativa. Na hora da verdade, ninguém quer tomar sobre si a responsabilidade de derrubar o Governo. As oposições, nessa altura, afrouxaram. O próprio Partido Comunista, tão expedito em escrever nas paredes «Governo rua», não julgou o momento asado para descer à rua com grandes mobilizações, ou não as conseguiu promover. Os portugueses são sensatos e conscientes. Sabem que as crises políticas não ajudam em nada à resolução dos problemas concretos nem muito menos ainda à recuperação económica.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Compreendem o perigo de lançar o País em aventuras de consequências imprevisíveis. Sobretudo no momento actual, quando urge tomar decisões, que se sabem inadiáveis, e que têm a ver com o futuro colectivo de todos: o Orçamento e as Grandes Opções do Plano para 1985, com tudo o que implicam; as conversações com o FMI, por forma a consolidar o equilíbrio das finanças externas do Estado; as negociações finais para a adesão de Portugal à CEE; o programa de modernização da economia portuguesa, introduzindo no sistema as reformas de fundo que lhe dêem maior eficácia e dinamismo.
Alguém pode acreditar que sem governo, ou com um governo de mera gestão, se poderão tomar as decisões que as circunstâncias impõem e que são urgentes? Que as coisas se simplificam com novos adiamentos? Que há equipas constituídas com a capacidade, a coragem e os apoios políticos necessários para substituir a actual coligação e fazer mais e melhor? Se há, por que não aparecem com propostas concretas? Por que não
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substituem o negativismo do bota-abaíxo e a contundência das críticas genéricas à prova responsável, dizendo aos portugueses o que julgam se deve fazer, com que meios e com que apoios políticos?
Há grandes bloqueios na sociedade portuguesa. Todos os reconhecemos. Há dificuldades, carências gritantes, atrasos, manchas de subdesenvolvimento, que até agora não foi possível vencer. Por outro lado, em algumas áreas, as coisas não marcham com a eficácia necessária. Há serviços que funcionam mal ou não funcionam de todo, burocracia em excesso, desperdícios, sobreposições inúteis. Quem o ignora? Mas nada disso - reconheçamo-lo - começou com o actual Governo. E se é assim tão fácil atirar pedras e resolver problemas estruturais ou conjunturais que todos reconhecem difíceis, poder-se-á perguntar: que fez o CDS, nos anos em que esteve no governo, ou que propõe agora, de construtivo, na oposição, para remover tais bloqueamentos e atrasos?
Aplausos do PS.
Terá o CDS uma tão elevada ideia da coligação PS/PSD, que exija dela que faça, em ano e meio - reparem bem, em ano e meio - o que o CDS não foi capaz de realizar durante os 3 anos em que ocupou o poder?
Protestos do CDS.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Nunca prometeu 100 dias!
O Orador: - A recuperação financeira e económica e a modernização da sociedade e do Estado representam um trabalho de grande fôlego que não pode efectivar-se num curto espaço de tempo. Embora o Governo, qualquer governo, tenha aí uma responsabilidade particular, como motor de arranque para a acção, não se pode esperar tudo, nem porventura sequer o mais importante, da actividade do Governo. A ilusão de que as realidades profundas de um país podem mudar, de repente, por obra e graça de simples modificações das supra-estruturas governativas, é útil para o PCP levar a água ao moinho da sua demagogia, mas é profundamente errónea. Não resiste a uma crítica séria. O CDS, ao perfilhar tal ilusão, nos termos em que o fez na presente moção de censura, está a sacrificar à facilidade e à propaganda simplista. Perde credibilidade e não se classifica, perante as pessoas conscientes, como um partido responsável. Está sobretudo a avançar, com inconsequência, para um radicalismo de posições que é extremamente nocivo e mesmo perigoso em termos de consolidação do regime democrático. Na sociedade portuguesa, para promover uma política de terra queimada, de destruição sistemática de tudo o que é construtivo, basta o PCP. O CDS, ao assumir o mesmo radicalismo...
Aplausos do PS e do PSD.
... embora de sinal contrário, está a criar deliberadamente tensões e a atear fogueiras que, na hora do risco, não terá capacidade para apagar. Avança numa direcção que não augura nada de construtivo para os portugueses.
0 Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Contra os radicalismos de sinal contrário que tendem a dividir a sociedade portuguesa em campos adversos, e irredutivelmente inimigos, ansiosos de confrontação, o Governo, e os partidos que o apoiam, tem procurado, numa acção pragmática e de bom senso, resolver os problemas que existem, criando gradativamente as condições para as modificações necessárias que estão em curso.
Ao contrário do que parece julgar o CDS, e com ele certos comentaristas frenéticos das realidades políticas portuguesas, não é com rupturas traumatizantes que Portugal pode encontrar o caminho do equilíbrio e do progresso, segundo padrões europeus. A bipolarização da sociedade portuguesa leva necessariamente ao seu bloqueio e não a uma transformação criadora. Aliás a experiência da AD foi conclusiva, quanto a esse ponto, e certamente por isso não foi capaz de promover nenhuma das reformas estruturais que prometera aos portugueses,
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Fala-se muito agora de bloqueios institucionais, em termos, aliás, de grande ambiguidade. Uma coisa é o sistema económico e outra, bem diferente, o regime democrático. Reconhece-se existirem nós cegos na organização económica, herdados do gonçalvismo e de muito mais atrás, ainda, que importa desatar, com determinação e sem perda de tempo. De acordo. Mas os ataques ao Estado, apontando-o como o causador de todos os males nacionais não parecem legítimos, pelo menos feitos segundo pressupostos inaceitáveis em que tantas vezes assentam. Sobretudo quando partem da própria nomenclatura instituída, que vive do Estado, e pretendem contrapor ao Estado um liberalismo selvagem que não encontra eco nas realidades da estrutura produtiva portuguesa, visto que a iniciativa privada não tem ainda, infelizmente, entre nós, a necessária audácia e pujança.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
Muitos dos que mais criticam agora o Estado continuam a viver à sombra dos seus favores...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... com a apetência do lucro mas sem o gosto do consequente risco.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
Entendamo-nos bem: o sistema económico tem de ser modificado, por forma a conferir-lhe uma maior flexibilidade, dinamismo e eficácia. Tem de ser - é a palavra exacta - liberalizado. Mas só o pode ser, de acordo com os modelos europeus, em termos de concertação social e não de ruptura. O ano de 1985 não poderá ser, como alguns sem rebuço preconizam, um outro 1975, de sinal contrário. Seria trágico para Portugal.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
A fragilidade da economia portuguesa não suportaria um choque desse tipo. Nem há, aliás, condições sociais, ou sequer políticas, para isso. Qualquer pessoa de bom senso o reconhece. Contudo, as mudanças são
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necessárias e urgentes. Não se pode perder mais tempo. O peso do Estado é excessivo, já o disse uma vez e repito-o agora.
O Sr. Lacerda de Queiró (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas para as mudanças poderem passar de simples votos piedosos e efectivar-se realmente, têm de ser feitas por forma consensual e gradativamente, estribadas numa ampla base de apoio social e político.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Daí a importância - diria, insubstituível - da actual coligação.
Aplausos do PS e do PSD.
O PCP, que a combateu ferozmente, desde o primeiro dia, nunca se enganou quanto a esse ponto. Façamos-lhe, ao menos, essa homenagem elementar.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito obrigado!
O Orador: - Falo em termos de fórmula política - e dos apoios sociais necessários para realizar com êxito determinadas políticas - e não da acção do actual Governo em concreto. Esse é outro plano de apreciação, a que, aliás, também não me furto. Não pretendo por sistema, desculpabilizar o governo por aquilo que deixou de fazer - e devia ter feito - ou mesmo por insuficiências, atrasos ou erros, que sou o primeiro a reconhecer. Tem sido o governo possível, em condições possíveis, exposto às incompreensões, às críticas e aos ataques de interesses divergentes mas cruzados, que hão-de considerar-se, aliás, como normais num sistema democrático, aberto e pluralista.
Num país em que poucos assumem responsabilidades e facilmente descarregam para cima do vizinho culpas que muitas vezes também lhes pertencem, proeuro ser objectivo e não enjeitar as minhas próprias responsabilidades.
Não foi a posição que tomou aqui o deputado Lucas Pires. Sinceramente, não creio que o ataque descabelado que o deputado Lucas Pires fez ao Governo, na sua intervenção inicial, com críticas tantas vezes não fundamentadas, outras injustas e mesmo contraditórias entre si, não creio que esse ataque contribua para aumentar a credibilidade junto dos portugueses conscientes e, porventura mesmo, a sua credibilidade junto do seu próprio partido.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não apoiado!
O Orador: - Não é assim que se cria, Sr. Deputado Lucas Pires, essa alternativa democrática e responsável.
Um Governo baseado numa coligação de partidos até então rivais, não é, nem poderia ser, um governo fácil. Em toda a parte da Europa, onde existem, assim é.
Todos o sabíamos, de resto, desde a primeira hora. Exprime necessariamente contradições, tensões e mesmo interesses divergentes que importa conciliar, a cada momento, mediante os compromissos possíveis e as cedências mútuas indispensáveis. Mas era o governo necessário, para o tempo difícil que Portugal atravessa, e que não representa também, uma excepção nem na Europa nem no mundo.
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Havia outra hipótese melhor, dados os resultados eleitorais, em Julho de 1983, quando o Governo se formou? Dezoito meses passados, surgiu no panorama político português alguma alternativa mais válida?
São perguntas irrespondíveis para a oposição.
Sei perfeitamente que um governo não deve ser valorizado tão-só porque evita um vazio político perigoso ou porque se não apresenta outro melhor, mas sim, positivamente, por aquilo que fez e pelo que se propõe fazer. Há seis meses procedemos, durante a discussão da moção de confiança, ao exame exaustivo do que se fez e porque se fez. Contava então o Governo apenas um ano de actividade. Tempo curto, para avaliar da capacidade de acção de qualquer Governo, mormente quando se propõe ter para actuar quatro anos, ou seja, o tempo da legislatura. Passaram mais seis meses. Aqui estamos de novo a proceder a idêntico exame, em termos globais e sectoriais.
Façamo-lo serenamente, com a consciência de que Portugal atravessa um momento difícil e que muito se exige do patriotismo de todos, com o desejo sincero de equacionar os problemas reais, para os resolver e ultrapassar, e não numa postura de negativismo sistemático.
É do domínio público que nos últimos meses surgiram dificuldades e crescentes tensões entre os partidos da coligação. Mais nos partidos, com alguns reflexos nos grupos parlamentares, do que propriamente no seio do Governo, onde o relacionamento tem sido sempre excelente. Mas essas tensões, reconheço-o, afectaram o ritmo da acção do Governo e porventura a sua eficácia. Entretanto, mais uma vez, por imperativo patriótico, foi possível ultrapassar as dificuldades. Assinou-se um novo texto que concretiza e desenvolve o acordo político e parlamentar de há dezoito meses, que está na base do actual Governo, e que representa agora um verdadeiro contrato político com medidas calendarizadas para os próximos meses. O País cansado de lutas políticas inconsequentes e das guerrilhas partidárias, suspirou de alívio.
Risos do PCP e do CDS.
O Orador: - Exige, acima de tudo, estabilidade, segurança e deseja ser governado. Está o Grupo Parlamentar dó CDS seguro de que o seu próprio eleitorado o acompanha...
Vozes do CDS: - Seguríssimo!
O Orador: -... quando insiste em criar clivagens aos partidos da maioria, e dificuldades acrescidas ao Governo, sem ter nada de concreto, em troca, para oferecer ao País?
Vozes do CDS: - Preocupe-se com o seu eleitorado!
O Orador: - O deputado Lucas Pires, com o seu habitual e simpático irrequietismo, trouxe ao Plenário da Assembleia, na sua intervenção, um punhado de fórmulas contundentes contra o Governo. Deu espadeiradas a torto e a direito e a maior parte delas na água. É um exercício que não é difícil de fazer e que se esperava. Seria bem mais útil, contudo, que se debruçasse, com outro sentido crítico e construtivo, sobre o que tem sido feito - em vez de fazer tábua rasa de tudo e de pura e simplesmente desconhecer os resultados positivos da acção do Governo - e que apreciasse,
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em concreto, o que o Governo se propõe genericamente fazer, nos próximos meses, conforme resulta das cláusulas de desenvolvimento do Acordo PS/PSD que acabou de ser assinado.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Até quando?
O Orador: - No decurso do debate, cada um dos ministros que for chamado a intervir, explanará as políticas sectoriais já executadas ou em curso de execução e responderá, ponto por ponto, às críticas feitas. Não é difícil. Para um completo conhecimento de tudo o que tem sido feito, em matéria legislativa, será igualmente distribuído pelos Srs. Deputados, à semelhança do que se fez há seis meses, um resumo da actividade, nesse domínio, do IX Governo Constitucional, entre 9 de Junho de 1983 e 14 de Dezembro de 1984. É bastante e significativo.
Por mim, lembrarei, globalmente, que o Governo encontrou uma situação financeira e económica degradada, cujo sentido importava, urgentemente, inverter. A aposta feita foi ganha. É conhecido e aceite hoje por todos que se reduziu drasticamente o défice da balança de transacções correntes, condição necessária e de base a qualquer política séria de recuperação económica. De 3,2 biliões de dólores em 1982 passou-se para 800 milhões em 1984, ou seja: em percentagem do PIB passou-se de 13,5 % para 3,5 %. Para tanto, impôs-se uma política de austeridade, que - sublinhe-se uma vez mais - foi compreendida como necessária pela generalidade dos trabalhadores. O ano de 1984, que agora acaba, será, desde 1979, o ano de menor conflitualidade social. Tudo quanto se diga em contrário é falso. Em 18 meses de Governo, nenhuma greve ocorreu que pusesse verdadeiramente em causa o sistema produtivo. Não houve conflitos laborais sérios, nomeadamente no âmbito das contratações colectivas. A política de concertação social que levou à criação do Conselho Permanente de Concertação Social vai avançando - apesar de representar uma aprendizagem difícil e a CGTP/IN que por razões obviamente políticas se recusa a tomar o seu lugar naquele conselho, cada dia será menos compreendida pelos trabalhadores, visto que não podem compreender porque se recusa a defender no lugar próprio os seus interesses. Por outro lado, e paralelamente, a confiança externa no sistema português deu um salto qualitativo. O investimento estrangeiro registou em 1983 um acréscimo de 17 % em dólares e, em 1984, as estimativas apontam para um acréscimo superior a 60%.
Vozes do CDS: - Em dólares?
O Orador: - Fez-se igualmente um grande esforço em matéria de exportações, que cresceram, em volume, 20 % em 1983 e 13 % em 1984. Portugal há vários anos vivia acima dos seus meios, o que é uma situação mal sã, que importava corrigir. As importações foram reduzidas, 8 % em volume em 1983, e 6 % em 1984. A taxa de cobertura das importações pelas exportações (que era de 46% em 1982) em 1983 subiu para 61 % e, segundo as estatísticas, será em 1984, superior a 70%.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É uma maravilha!
O Orador: - Tenho reconhecido publicamente que a política de estabilização financeira provocou, como
era inevitável, uma certa recessão interna. Ninguém consciente ignorava que seria assim. Poderia ser de outro modo? Mas a austeridade não é um fim, representa um meio para conseguir resultados sem os quais não haveria condições para a recuperação económica e a modernização do País. As Grandes Opções do Plano para 1985 preveem um crescimento económico ponderado, isto é: que não ponha em causa os equilíbrios financeiros conseguidos. Mas muito depende de comportamentos externos, que são independentes de nós. Aqueles que julgam que é possível comer omeletas sem partir ovos não têm em conta a extensão da crise económica internacional nem os reflexos e os condicionalismos que impuseram e impõem a Portugal. É certo, contudo, que a austeridade imposta ao sector produtivo tem de ter contrapartidas nas economias a realizar na Administração Pública e no Sector Empresarial do Estado. Nesse aspecto, houve atrasos na implementação de certas reformas necessárias, algumas das quais surgem agora como compromissos assumidos pelo Governo na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1985.
Fala-se muito, a esse propósito, na situação das empresas públicas, generalizando conceitos e fazendo, porventura por desconhecimento, total abstracção dos casos concretos. O Governo procedeu, pela primeira vez, com a ajuda do Banco Mundial, a um levantamento global do sector, empresa a empresa. Sabe-se agora o que cada empresa representa de facto. A situação é grave na sua globalidade e deve-se, essencialmente, aos elevados encargos financeiros que as empresas são obrigadas a suportar, que vêm do passado, e que se multiplicaram por 5 entre 1980 e 1984. As empresas públicas foram utilizadas, como se sabe, para obter créditos externos. Representa isso hoje um autêntico descalabro, dada a subida constante do dólar, a que o actual governo é, em absoluto, alheio.
O Governo tem vindo a preparar planos de reestruturação a médio prazo, quer sectoriais quer de empresa a empresa. É um trabalho pouco conhecido mas que tem significado. Tome-se, como exemplo, o sector dos transportes, certamente dos menos lucrativos, pelos benefícios de tipo social que presta à comunidade. O Governo aprovou um plano estratégico global, a médio prazo, com o objectivo de racionalizar a gestão das empresas e de atribuir ao sector privado actividades não essenciais, tendo em vista obter resultados positivos para a globalidade do sector, já em 1986. Em 1984 obtiveram-se os primeiros resultados: consensualmente o emprego foi reduzido em 2500 unidades e os prejuízos que em 1983 ascenderam a 22 milhões de contos foram reduzidos para valores inferiores a 10 milhões de contos. Representa isto um sinal importante do que é necessário e deve ser feito.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Em toda a parte da Europa Ocidental a necessidade de reconversão industrial, dada a revolução tecnológica que está em marcha, implicou opções, dramáticas. Um governo reformista não se pode furtar a fazer tais opções mas não pode também deixar de se preocupar, em termos de justiça social, com as reciclagens necessárias, a que tem obrigação de proceder, e com aspectos sociais e humanos a que não pode deixar de atender.
É fácil agitar o slogan propagandístico das empresas públicas e dos buracos nas empresas públicas. Mais
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difícil é saber daquilo de que se fala, criar condições para gestões eficazes, autónomas e que possam vir a libertar o Estado, progressivamente, dos encargos que hoje elas representam.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
No âmbito das medidas de fundo, e de modernização da economia, o Governo não hesitou em ultrapassar certos tabus que governos anteriores - como aquele em que participou o deputado Lucas Pires - não tiveram condições de vencer. Foram abertos à iniciativa privada sectores tão importantes como a banca, os seguros, os cimentos e os adubos. Está pendente de apreciação na Assembleia da República uma proposta de lei de rendas, que, com equilíbrio e sentido de justiça, visa evitar a degradação do parque habitacional e animar a indústria da construção civil. Foi iniciado, como nunca antes acontecera, o processo de liberalização do sistema de preços e da liberalização dos mecanismos do mercado. São sinais importantes, realidades e não promessas, de uma orientação de marcha e de uma vontade política, que só não vê quem não quer ver. O deputado Lucas Pires provavelmente não quer ver, por que para ele tudo é negro na actual situação.
Ao contrário, porém, do que diz, o ano de 1984 não foi um ano fácil para ninguém. Países bem mais poderosos do que Portugal foram igualmente confrontados com dificuldades não inferiores às nossas. No domínio do emprego, por exemplo. Países como a Inglaterra, a França ou a Espanha, para não irmos mais longe, conheceram e conhecem taxas de desemprego bastante superiores às nossas. Em compensação, no domínio da inflação, a média anual portuguesa foi bastante superior às dos outros países europeus e mesmo um pouco superior ao que havíamos previsto no começo do ano. Contudo, a desaceleração verificada nos últimos meses, apesar da liberalização de alguns preços, permite-me pensar que temos agora a inflação controlada.
Risos do PCP e do CDS.
Contada de Dezembro de 83 a Dezembro de 84 não excederá os 23 % ou os 24 %.
Risos do PCP e do CDS.
Dir-me-ão que é um fraco resultado. Aceito. Mas lembremo-nos de 15rael onde a inflação atingiu, em 1984, o recorde de 1200 %.
Risos do PCP e do CDS.
É apenas uma referência para não perdermos de vista os perigos a que o nosso próprio país poderá vir a ser exposto se não houver bom senso político, estabilidade e realismo na acção.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
Permitam-me ainda, Srs. Deputados, uma breve referência à CEE, questão nacional chave para a modernizaçào de Portugal, que o deputado Lucas Pires tem tratado com excessiva desenvoltura, é o menos que se poderá dizer.
Hoje aqui foi mesmo mais longe: foi injurioso para o Governo, dizendo, gratuitamente, que o Governo não tem sabido defender os interesses nacionais sem dizer, em contrapartida - com clareza e como lhe cumpria -, que política se deveria seguir e o que pretende, afinal, o CDS em matéria de CEE.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Já o dissemos várias vezes!
O Orador: - Apesar das dificuldades encontradas nas negociações técnicas com a CEE - que, aliás, só servem para realçar a importância da nossa adesão e a seriedade e a intransigência com que o Governo defende os interesses nacionais -, introduziu-se um novo estímulo no processo complexo da integração como o Constat d'Accord ...
Risos do PCP e do CDS .
... assinado em Dublin e que tornou irreversível a integração de Portugal na CEE.
Os Srs. Deputados, com alguma leviandade - e desculpem que o diga -, riem-se, e penso que o deputado Lucas Pires chegou mesmo a dizer que o Constat d'Accord era uma operação de propaganda do Governo, sem qualquer valor, e oito dias antes de ele ter sido assinado tinha exigido que o primeiro-ministro se demitisse e o ministro das Finanças, porque ele não tinha sido justamente assinado, e depois disse que o Constat d'Accord era uma espécie de papel de embrulho sem conteúdo sério.
Não é assim, Sr. Deputado, que os homens públicos responsáveis europeus - que o subscreveram - o têm apreciado.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
Bem pelo contrário, representa um compromisso político, aceite a alto nível pelos chefes de governo dos Dez que, em qualquer momento - e especialmente se surgirem novas dificuldades técnicas -, poderá ser usado, com eficácia, pelo Governo Português. A Espanha não conseguiu tanto. Mas, de qualquer modo, o importante é ter-se a certeza, como eu tenho e continuo a ter apesar das dificuldades, que entraremos na CEE e que no plano do desenvolvimento e das tecnologias as fronteiras da Europa não acabarão nos Pirenéus.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A moção de censura do CDS representou uma fuga para a frente. Face à inexistência de uma alternativa real, para o actual Governo, não tem sentido nacional tentar provocar dificuldades ao Governo ou clivagens nos partidos da maioria. É um jogo gratuito, que desvirtua o sentido dessa figura constitucional, como o próprio deputado Lucas Pires reconheceu porventura no final da sua intervenção.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Orador: - Representa, além disso, uma tentação demasiado fácil. Tentação que resulta também da ausência total de um discurso político uniforme, coerente e autónomo da parte do CDS enquanto força da oposição, e reflecte porventura mesmo as dificuldades internas do partido censurante e do seu controverso líder.
Mas a moção de censura teve e tem uma vantagem, embora contrária à intenção dos seus autores, que consiste na reafirmação da confiança dos partidos da maio-
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ria no Governo e no acordo renegociado entre o PS e o PSD, antecipando os debates de fundo, que aqui teremos brevemente, aquando da discussão do Orçamento e do Plano.
O País, disse-o há dias, precisa de actos e não de palavras. Quanto a estas, têm as que basta. É essa a minha aposta como primeiro-ministro e a aposta do Governo, no seu conjunto. O ano de 1985 será um ano difícil, embora haja condições de base para ser melhor do que foi 1984. Depende de nós. Do nosso juízo e do nosso bom senso. Do trabalho que todos tivermos capacidade de realizar.
Por iniciativa própria o Governo não se demite das suas responsabilidades, não abandona o barco sejam quais forem as dificuldades a vir, enquanto tiver a confiança expressa da Assembleia da República. Dessa confiança depende. É um Governo de diálogo e que quer o diálogo, com todas as forças políticas, sociais e culturais, sem excepção. Diálogo que se esforça por prosseguir também com os agentes económicos e com os parceiros sociais. Mas todos sabem que não transigirá com a desordem, com os abusos da liberdade, com o aviltamento sistemático das instituições, que lhe cumpre defender. Buscará os mais largos consensos possíveis para resolver os problemas portugueses que a todos respeitam. Tem vontade política para continuar em frente e para realizar as reformas de que o País carece urgentemente. Não tem o partido censurante, com certeza, quaisquer dúvidas a esse respeito.
O Governo lutará com todas as forças para assegurar, uma mudança para melhor, nos termos do contrato público que passou com o País e que consta das cláusulas de desenvolvimento do acordo PS/PSD, bem como do Programa de Governo, aprovado por esta Assembleia e que é válido para quatro anos. Enquanto puder contar com o apoio da maioria, como é de regra nos regimes democráticos.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. (Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, pretendia que a Mesa me informasse sobre os nomes dos Srs. Deputados que pediram a palavra para interpelar o Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: - Ia fazer isso mesmo, Sr. Deputado, mas não apenas em relação aos pedidos de interpelação ao Sr. Primeiro-Ministro.
Diz-me, porém, o Sr. Secretário da Mesa que relativamente ao Sr. Deputado Lucas Pires já foram indicados os nomes dos Srs. Deputados que pediram a palavra para pedidos de esclarecimento.
Sendo assim, e de acordo com o que V. Ex.ª acaba de solicitar, passo a referir os nomes dos Srs. Deputados que pediram a palavra para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Primeiro-Ministro: Srs. Deputados Carlos Brito, Jerónimo de Sousa, João Corregedor da Fonseca, Jorge Lemos, Octávio Teixeira, Ilda Figueiredo, João Amaral, Joaquim Miranda, José Magalhães ...
Vozes do PSD: - É todo o PCP!
O Orador: - ... Luís Beiroco, Nogueira de Brito, João Lencastre, Manuel Queiró, Bagão Félix, Horácio Marçal e Silva Marques.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - O CDS perdeu o comboio!
O Sr. Presidente: - Para o mesmo efeito, acaba também de solicitar a sua inscrição o Sr. Deputado António Gonzalez.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Entretanto, o Sr. Deputado Silva Marques pretende interpelar a Mesa?
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas esclarecer a Mesa que quando solicitei a palavra para um pedido de esclarecimento o fiz também com a intenção de me dirigir ao Sr. Deputado Lucas Pires.
Portanto, Sr. Presidente, queria dirigir um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Lucas Pires e outro ao Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: - Pois sim, Sr. Deputado.
Para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Lucas Pires, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Lucas Pires: Ouvi-o com atenção e considerei-me até na altura fisicamente esgotado pela sua longa intervenção. A esse propósito queria pôr-lhe algumas questões e deixar um comentário.
Começando pelas questões, pergunto: o que levou o CDS a apresentar uma moção de censura que previamente sabia não poder obter vencimento nesta Câmara?
Bom, várias hipóteses se colocam para o explicar. Deixo, no entanto, a seguinte questão: será que se pretendeu reforçar a maioria, obrigando-a a um exercício de solidariedade nesta Câmara?
Falou V. Ex.ª de mudança e de alternativa. Neste ponto, acho que o Sr. Deputado tem de responder séria e frontalmente a esta Câmara: refere-se a uma alternativa no quadro do actual regime político sem rupturas ou a uma alternativa em ruptura com o regime democrático? É que, talvez, o modo como V. Ex.ª enfatizou os apelos à Igreja e às forças armadas tenha, de uma forma indirecta, qualquer coisa a ver com este segundo termo de alternativa que referi.
Creio que é importante que V. Ex.ª esclareça essas questões, pois se não o fizer todas as interpretações são possíveis - e uma delas, por exemplo, é a de que esta moção de censura se integra no início dos trabalhos de preparação do Congresso do CDS, a realizar em fins de Fevereiro.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Orador: - Depois das perguntas, o comentário.
As comparações estatísticas que V. Ex.ª fez, contrapondo as situações globais de hoje com iguais situações de há 10 anos, levam-me a pensar que o Sr. Deputado caiu e deliberadamente - o que é grave! - numa confusão, dado que no fundo o que o CDS quis censurar não terá sido o Governo, mas o próprio 25 de Abril e 10 anos de democracia em Portugal.
Aplausos do PS.
É que V. Ex.ª, ao usar tal termo de comparação - esse espaço de 10 anos -, o que fez foi implicitamente censurar este período, louvando, também implicitamente, o regime anterior.
O Sr. Primeiro-Ministro, referindo-se ao CDS e usando a palavra «radicalismo», inspirou-me dois comentários que gostaria de fazer e que V. Ex.ª perdoará o teor talvez brejeiro.
No início dos anos 60 esteve na moda uma frase do Dr. Álvaro Cunhal que era, «radicalismo verbal de fachada socialista». Eu direi que o CDS tem agora um «radicalismo verbal grande-burguês de fachada selvagem capitalista».
Risos do PS.
V. Ex.ª desculpar-me-á uma última nota: o CDS tem-nos habituado a tirar permanentemente «coelhos do chapéu» no seu ilusionismo político onde, de resto, só apresenta surpresas já mortas como a revisão constitucional, a questão dos seminários, etc., e agora a moção de censura.
Sr. Deputado Lucas Pires, V. Ex.ª desculpar-me-á o tom do comentário, mas, a continuar assim, o CDS - pára utilizar uma metáfora futebolística que V. Ex.ª tantas vezes gosta de usar - corre o risco de precisar em breve de uma «chicotada psicológica» mudando de treinador.
Risos do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Lucas Pires pretende responder já ou no fim dos outros pedidos de esclarecimento que lhe vão ser dirigidos?
O Sr. Lucas Pires (CDS): - É melhor responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado.
Assim sendo, segue-se no uso da palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASD1): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Lucas Pires: Verifiquei com interesse a sequência dos argumentos com que justificava a moção de censura e é precisamente a propósito dessa passagem do seu discurso inicial que lhe coloco este pedido de esclarecimento.
Algum tempo antes da apresentação desta moção de censura, o CDS pediu a dissolução da Assembleia da República considerando-a não representativa. Neste contexto e nesta certa contradição, gostaria de lhe perguntar que sentido tem perante uma Assembleia considerada não representativa uma moção de censura?
Aplausos da ASDI, do PS e do PSD.
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O Sr. Presidente: - Igualmente para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Lucas Pires: Censurar o Governo, este Governo, é tarefa fácil, como fácil se tornava censurar o governo da AD, ou seja, o governo de que o CDS fez parte e V. Ex.ª também!
É evidente, Sr. Deputado Lucas Pires, que alguns dos argumentos aduzidos pelo CDS na apresentação da moção mereceram o nosso acolhimento. Mas, Sr. Deputado, a nossa oposição ao governo PS/PSD não se baseia com certeza nos pressupostos do Sr. Deputado Lucas Pires nem nos pressupostos do CDS. Aliás, V. Ex.ª declarou que o Governo «herdou uma crise, mas deixou essa crise transformar-se numa desordem». Estamos de acordo! O CDS tem graves, muito graves responsabilidades, juntamente com o PSD, na crise em que fizeram mergulhar o País. E daqui não podemos sair, Sr. Deputado! Como, temos de o reconhecer, o PS acompanhado pelo PSD surge como altamente responsável, não conseguiram melhorar a situação antes a agravaram.
Mas o Sr. Deputado Lucas Pires, tal como se previa, não deixou de aproveitar a oportunidade para atacar o sector público e atacar a Constituição que pretende ver revista para anular a parte económica constitucionalmente consagrada, quando sabe que esta Câmara já recusou as tentativas do CDS nesse sentido.
Sr. Deputado Lucas Pires, a intervenção de V. Ex.ª que segui e já li atentamente aponta para um autêntico namoro ao PSD. Dir-se-ia que o CDS pretende ver novamente reformulada a AD. V. Ex.ª lançou um duro ataque ao Governo, pretende a sua demissão, mas ressalta das suas palavras uma crítica clara, inequívoca ao partido maioritário e ao Presidente do Governo, Dr. Mário Soares.
Por outro lado, diz, a certa altura, que «existem alternativas». Ora, quais são essas alternativas? Não é com o PS, pois ataca-o fortemente! Será que o CDS, partido minoritário, pretende governar sozinho ou será que V. Ex.ª pretende uma nova coligação com o PSD, lançando neste país uma nova coligação AD, que tantos e tão graves prejuízos causou a este país?
O Sr. Presidente: - Segue-se no uso da palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Deputado Lucas Pires, V. Ex.ª, na sua intervenção, focou aspectos de carácter geral que os meus colegas de bancada abordarão politicamente durante este debate.
Pela minha parte, gostaria de deixar sublinhado o facto de o CDS ter pretendido lançar a confusão e a dúvida sobre a posição do PSD sobre algumas questões essenciais da vida portuguesa. Assim, o Sr. Deputado referiu designadamente, e de uma forma displicente, que o PSD apenas evoca a revisão da Constituição para ganhar dividendos eleitorais, querendo, portanto, dizer que o Partido Social-Democrata não defenderia a revisão económica da constituição por convicção e que apenas falaria nisso por oportunismo político e eleitoral.
0 Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!
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O Orador: - O Grupo Parlamentar do PSD protesta veementemente contra tal acusação, pois ela é falsa, absurda e sem fundamento.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Porque desde o tempo do Dr. Sá Carneiro até hoje a revisão da Constituição sempre constituiu um objecto fundamental do Partido Social-Democrata, com vista a criar condições para um Estado personalista, humanista, moderno e dinâmico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - 15so é que é, hem!
O Orador: - Assim, propusemos a revisão da Constituição durante a campanha eleitoral de 1980, defendêmo-la e votámo-la durante o processo de revisão constitucional a que se procedeu em 1982, assim como a defendemos quando negociamos o protocolo de acordo com o PS em 1983. Já este ano tomámos aqui na Assembleia da República uma posição clara quando o problema da revisão económica da constituição foi posto, tendo votado a favor e, finalmente, voltámos recentemente a firmá-lo quando se renegociaram as cláusulas do desenvolvimento do acordo PS/PSD.
O CDS errou o alvo ao querer ferir o Partido Social-Democrata!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Lucas Pires, de forma capciosa, parece também ter querido pôr sobre os ombros dos deputados do PSD alguma responsabilidade sobre a aprovação e a essência da lei do aborto. Mas o País sabe que o PSD sempre lutou contra tal lei e votou claramente contra ela por achar que ela atenta no essencial contra a vida humana.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Mas no programa do vosso partido não!
O Orador: - Pela confusão e omissão que gerou, o CDS proeurou também envolver o PSD pela não equiparação do ensino ministrado nos seminários ao ensino oficial, mas, também neste ponto, a verdade é que o PSD teve sempre uma posição a favor da equiparação.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Está com a Igreja!
O Orador: - Fica assim demonstrado que o CDS não teve qualquer razão nas acusações e insinuações que hoje dirigiu ao Partido Social-Democrata, partido que continuará a ser o garante da luta por essas e outras matérias que defendem valores e dêem bem-estar ao povo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas o PSD não permitirá jamais que o CDS se aproprie delas como coisas exclusivamente suas!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No entanto, se o propósito do CDS é criar divisões entre o nosso partido e o Partido Socialista, referirei apenas que desde o início da coligação os órgãos nacionais do PSD tiveram plena consciência de algumas dessas diferenças entre os dois partidos coligados, mas não será por certo o CDS, ao tentar dividir-nos de forma mais ou menos subtil ou ostensiva, como aqui fez hoje, que nos separará com vista a alcançar o poder!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Do poder é que vocês não saem!
O Sr. Presidente: - Segue-se no uso da palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS):- Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Lucas Pires: O Sr. Deputado brindou-nos com um discurso demagógico, contendo um catálogo de críticas desconexas, distorcidas, não hierarquizadas, sem distinguir o essencial do acessório, misturando factos verdadeiros com outros menos verdadeiros e até com factos falsos, sem a mínima directriz que conduza à formulação de uma alternativa e que indique a viabilidade da mesma!
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Lucas Pires utilizou um tipo de crítica ao Governo e guindou-se a uma posição na política portuguesa que não é saudável. Por exemplo, o Sr. Deputado proeurou desenterrar polémicas históricas que têm envolvido algumas das grandes instituições do nosso país e que não têm qualquer paralelo com a actualidade, como V. Ex.ª muito bem sabe, demonstrando, portanto, ao fazê-lo, pouca probidade nesta matéria.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Lucas Pires disse que para o Governo eram conquistas irreversíveis o Estado e as nacionalizações e pôs em causa o empenhamento do Governo e da coligação na salvaguarda das liberdades reais e formais do povo português.
O Sr. Deputado, porém, sabe que para o PS, para o PSD e para a coligação, as únicas conquistas irreversíveis, que nunca podem ser discutidas ou postas em causa, são as liberdades e é a democracia.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Deputado Lucas Pires adoptou em matéria de política externa uma posição de carácter centrípeto que demonstra uma certa nostalgia por um determinado isolacionismo. Relativamente à questão da CEE, o Sr. Deputado Lucas Pires parece sofrer do sintoma do colonizador que teme sempre vir a ser colonizado foi expressão que o Sr. Deputado utilizou, isto é, a de que «A Europa pode colonizar-nos». Como pode um líder da oposição, que pretende constituir uma alternativa, adoptar uma tal atitude em matéria de política externa? E, como pode o Sr. Deputado Lucas Pires congratular-se com alguns dissabores que o País possa
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ter nas negociações de integração na CEE? Masoquismo? Negativismo? Que alternativas?
Por outro lado, o Sr. Deputado Lucas Pires tem de reconhecer que se consegue uma bela harmonia quando o «fazer» e o «dizer» andam a par. Nesse capítulo o Sr. Deputado criticou os «buracos orçamentais», bem como toda a espécie de «buracos». Contudo, esqueceu-se o Sr. Deputado do buraco que deixou com a XVII Exposição Europeia de Arte, Ciência e Cultura, ao não fazer a sua autocrítica.
Aplausos do PS.
Ficava-lhe bem esse gesto de humildade.
Sr. Deputado, quero colocar-lhe uma última questão: não teria o Sr. Deputado apresentado no Parlamento esta moção de censura ao Governo para evitar apresentar uma moção de confiança no seu próprio partido, e cujos resultados seriam mais incertos do que os que aguardam aquela neste Parlamento?
Finalmente, Sr. Deputado, V. Ex.ª pintou um quadro tão negro, tão apocalíptico da actual situação do País, que me permito lembrar-lhe uma analogia: há determinados sermões que pintam duma maneira tenebrosa as penas do inferno. Mas, normalmente, o medo está nos sermões e não naquilo que pintam.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para, de certa maneira, formular, sob esta figura regimental, um protesto. 15to, porque o Sr. Deputado Lucas Pires durante a sua intervenção fez afirmações que nada têm a ver com a justificação do apresentar uma moção de censura ao Governo mas, antes, o sentido de uma censura à Assembleia da República.
Com efeito, o Sr. Deputado foi buscar uma vez mais a questão do aborto. Sabe muito bem que a decisão sobre tal matéria não coube ao Governo, mas a uma deliberação livre e democrática da Assembleia da República.
Aplausos do PS.
1910 foi também invocado pelo Sr. Deputado. Mas parece ter assimilado mal a lição, dado que - como também deveria saber - um dos piores vícios da nossa vida pública está na pretensão de certos sectores em se arvorarem, de quando em quando, como os detentores da legitimidade e da consciência nacionais. Foi assim no passado e há de novo essa tentação. Ao opor a uma decisão da Assembleia da República a consciência nacional, de que parece considerar-se detentor exclusivo ou absoluto, mostra não ter aprendido a lição de 1910, parecendo, inclusivamente, inclinado a reeditar culturalmente o exemplo, bem mais triste, de 1926. Não que o CDS ou o Sr. Deputado tenham essa intenção política - estou em crê-lo. Mas, sim, porque é perigoso ressuscitar fantasmas e, sobretudo, perigoso é, na política, fazer certas incursões susceptíveis de pôr em causa os pluralismos político e cultural - o primeiro fundamento da democracia e o segundo essência da Nação Portuguesa -, cujas grandezas não estão nem estarão no monolitismo, tenha a cor que tiver, mas sim nas suas diversidades e pluralidades.
Aplausos do PS e da UEDS.
1 SÉRIE - NÚMERO 30
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, Sr. Deputado Lucas Pires: O partido que foi a extrema direita da AD veio hoje censurar este Governo que continuou, e por vezes agravou, a política dessa mesma AD. Não passa, em nosso entender, de uma tentativa de lançar fumaça sobre as responsabilidades do CDS na actual situação.
Aliás, o Sr. Deputados Lucas Pires gastou metade do seu tempo a esconder que o CDS reivindica hoje a mesma política que apoiou e praticou enquanto participou no governo da AD e gastou a outra metade do tempo a disfarçar, e mal, que o CDS não tem hoje qualquer alternativa a essa política. Os senhores estiveram no governo, fizeram igual ao que este Governo faz hoje e não fariam diferente se lá estivessem agora.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Como pode aceitar-se que para este País exista só a ditadura, a decadência ou a receita do Sr. Deputado Lucas Pires? O liberalismo que aqui nos veio repetir não passa da velhíssima receita do pensamento reaccionário de agravamento ainda mais brutal da exploração dos trabalhadores e do aumento das benesses para o grande capital.
Mas, a intervenção do Sr. Deputado Lucas Pires veio demonstrar claramente que o CDS está mal com o regime democrático. Confunde «democracia» com «falta de autoridade». Por isso aqui veio reclamar medidas contra a Associação 25 de Abril, aplaude o despacho inconstitucional do presidente da Câmara Municipal de Lisboa - que é do CDS - que quer proibir manifestações no Rossio ou nos Restauradores e, por isso, quer, também, rasgar a Constituição do 25 de Abril.
É bom de ver, Srs. Deputados, que a censura popular tem outras razões, que são as do 25 de Abril, as razões do Portugal democrático, Serão essas razões que aqui traremos nas intervenções que formos produzindo ao longo do debate.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Paulo Oliveira.
O Sr. João Paulo Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Defendeu o Sr. Deputado Lucas Pires, se bem me lembro, a extinção do Conselho Nacional do Plano, da Secretaria de Estado do Planeamento, e a revogação de leis, designadamente a que chamou - impropriamente, aliás - «lei do aborto». Significará esta «febre de extinção» que o CDS do Sr. Lucas Pires já procura a convergência com o movimento regenerador do Sr. Luís Barbosa?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Lucas Pires: Depois de um discurso denso, como foi o de V. Ex.ª, afigura-se-me despropositado tudo o que vá além da mera figura do pedido de esclarecimento.
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Desejo colocar-lhe 4 questões, para ficar tranquilo.
Primeiro, disse o Sr. Deputado que o serviço militar de 2 anos - serviço esse que actualmente é, na prática, de 15 meses - não era adequado às necessidades do Pais. Não tenho nenhum tubo em discutir essa matéria. Importa-se de explicar a esta Câmara a razão por que tal não é adequado e o que propõe em sua substituição?
Segundo, disse V. Ex.ª que a NATO não nos tinha dado - sobretudo no plano do rearmamento - as compensações que seria legítimo esperarmos dela. 15to dito pelo Sr. Deputado Lucas Pires ou por mim - pois creio que sobre isso estamos de acordo - não teria o mínimo significado por não ser mais do que uma constatação de facto. Mas, e infelizmente, ouve-se muitas vezes com um certo populismo este tipo de asserções para justificar que deveríamos tomar um distanciamento em relação à Aliança Atlântica a tomar uma posição de conteúdo mais ou menos neutralista. É capaz de explicar à Câmara exactamente qual o seu pensamento sobre a matéria?
Em terceiro lugar, o Sr. Deputado Lucas Piras disse duas frases que têm de ser bem explicadas tanto quanto o necessário para que delas não fiquem rastos nesta Assembleia, e de uma mais do que de outra. Disse que neste Governo não seria censurado porque já teria caído». Gostaria que o Sr. Deputado explicasse a esta Câmara quais os processos que conhece que possam provocar a queda de governos, que não o voto de censura, o voto de desconfiança e a demissão pelo Presidente da República, nos casos constitucionais. Mais gostaria de saber se era a esta última figura que se referia.
Falou também o Sr. Deputado nas «liberdades reais» dos Portugueses. Sabe que só há 2 sectores da opinião portuguesa, aos quais nem o Sr. Deputado nem eu pertencemos, que falam em «liberdade reais»: um, o da extrema direita integralista lusitana - apesar dos seus mais diversos nomes; outro, o dos comunistas que distinguem «liberdades reais» e «liberdades formais». Não pensa o Sr. Deputado que em lugar de falarmos em liberdades reais devemos falar apenas. em liberdades e que as liberdades de expressão de pesamento, debate, manifestação, etc., valem por si só? Estas questões permitem-me sublinhar o prazer que tive em dialogar com o Sr. Deputado, e quando tiver ocasião de discutir o seu discurso entrarei, então, mais a fundo nos problemas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.
O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Deputado Lucas Pires: Muitos foram os pontos para reflectir na sua longa intervenção, mas vou referir alguns que me pareceram mais interessantes. Assim, e porque falou nas «rádios livres», gostaria de trazer a esta Câmara o facto de se remeter a possibilidade de emissão dessas rádios unicamente para depois das eleições, sabendo nós que, normalmente, essas emissoras são sectores alternativos daqueles que, na impossibilidade de terem acesso dos meios de comunicação mais vulgares - normalmente a rádio e a televisão -, recorrem a elas para divulgação das suas ideias, nomeadamente os ecologistas, como ficou bem demonstrado em França. O silenciar emissoras, o reprimir emissoras livres e permiti-las unicamente depois das eleições torna bastante
clara a intenção. O ter-se enviado a esta Câmara uma proposta de lei sobre a matéria é remeter para a Assembleia a responsabilidade dessa lei não ser aprovada
antes das eleições. Resta saber porque é que não
agendada aqui e não vem, assim, a Plenário.
O Sr. Deputado Lucas Pires veio dizer que a Lei de Despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez vem chocar com a «tradição». Infelizmente, em Portugal a tradição é a sua prática, dolorosa, traumatizaste, sem os cuidados necessários. Quero-lhe perguntar, se é que essa lei é, com efeito, mais do que mero papel, que inconvenientes é que lhe encontra na prática para agora vir referi-la aqui.
A propósito da CEE, vejo que o Sr. Deputado está preocupado com a nossa entrada nas comunidades. Todos sabemos como funcionam as máquinas económicas europeias em que a concorrência é fortíssima embora com furos e entradas em falência um pouco por todo o lado, apesar da propaganda em contrário. Mas o que é certo é que a Europa está, também, bastante mal. Como é que vê ser possível enfrentar o teste da nossa entrada, se alguma vez lá entrarmos, se em vez de se desenvolver o País através de uma política de desenvolvimento regional que utilize os nossos meios humanos, técnicos, naturais e económicos, se vão procurar dinamizadores externos que não vêm, enquanto o País vai parando, empresa a empresa, arrastando em cadeia outras mais pequenas e milhares de trabalhadores, e através deles as suas famílias, para a miséria e para a angústia? Como é que o Sr. Deputado, com o seu projecto e com a sua prática, vê saída para esta situação?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - O Sr. Deputado Lucas Pires afirmou na sua intervenção que o Presidente francês François Miterrand declarou na televisão francesa a exigência de referendo para a adesão de Portugal e da Espanha à Comunidade Económica Europeia. Devo-lhe dizer que ouvi directamente o referido minidebate sobre política estrangeira por parte do Presidente Miterrand. Dessa minha audição resultaram três conclusões muito nítidas: primeiro, o Presidente francês vê como politicamente vantajoso que Portugal entre para as comunidades; segundo, declarou que as negociações deveriam estar concluídas em Março de 1985. E, quando foi interrogado sobre a possibilidade de fazer referendo, afirmou que o Presidente Pompidou tinha efectivamente realizado um referendo para a adesão da Inglaterra, da Irlanda e, se não estou em erro, da Dinamarca, mas no que respeita à adesão de Portugal e da Espanha não tinha tomado qualquer decisão.
Portanto, neste ponto o que posso dizer é que o Sr. Deputado Lucas Pires, no que respeita a interpretação de declarações de vontade - no que devia ser particularmente exigente, uma vez ser jurista - é, pelo menos, pouco rigoroso, para não dizer outra coisa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Por outro lado, o Sr. Deputado, afigura-se-me que vem aqui afirmar que de manhã quando se lêem os jornais ou se ouvem os noticiários se pensa que não há governo, que não há acordo. Afi-
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nal de contas a realidade veio evidenciar que primeiro, há renegociação de acordo; segundo, há governo e que ele está para durar.
Pergunto ao Sr. Deputado se esta moção de censura, tão inoportuna como se apresenta, não é antes, também, uma tentativa de acordo no seu próprio grupo parlamentar para, unidos contra um inimigo comum, tentar obter uma direcção para a sua bancada. Os jornais muitas vezes dizem que o Sr. Deputado Nogueira de Brito «vai», logo a seguir que o Sr. Deputado Nogueira de Brito «vem», para depois afirmarem que o Sr. Deputado Nogueira de Brito será o presidente do grupo parlamentar, e depois, ainda, que o Sr. Deputado Nogueira de Brito não está interessado. Afinal em que ficamos, Sr. Deputado? Há ou não direcção do seu grupo parlamentar? Não será esta moção aqui apresentada para unir esse mesmo grupo parlamentar?
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Lucas Pires, ouvi com toda a atenção a intervenção de V. Ex.ª e permita-me que comece por notar que desta vez não nos brindou com um daqueles discursos a que nos habituou, que têm normalmente um estilo invejável e castiço, tendo muitas vezes lantejoulas em extremo, onde com frequência o galhardete florentino é entremeado com aquilo a que, segundo as suas próprias palavras, o Sr. Primeiro-Ministro apoda de metáforas. O discurso de V. Ex.ª foi denso, procurando não deixar pedra sobre pedra no edifício deste Governo. Podíamos mesmo dizer que alguém que tivesse ouvido V. Ex.ª pela primeira vez e que eventualmente não o conhecesse seria tentado a concluir que estaria a ouvir um antigo ministro!
Sr. Deputado Lucas Pires, V. Ex.ª referiu no seu discurso que existem vozes críticas na maioria. 15so parece ser um factor de perturbação, que poderá ter sido uma das razões concludentes, que o levaram a apresentar a moção de censura.
Ora, Sr. Deputado, isso não é estranho, visto que se trata de uma maioria democrática. Existem também vozes discordantes dentro da sua própria bancada e do seu próprio partido e isso não é nenhuma enfermidade, nem para o partido nem para a democracia. Todos sabemos de tentativas mais ou menos sub-reptícias, de colegas seus do seu partido, de lhe fazerem, permita-me a expressão, «o ninho atrás da orelha» e parece, Sr. Deputado Lucas Pires, que isso não deveria ser razão bastante ou, pelo menos, ser deduzido como tal, para ser aqui apresentada uma moção de censura. Ou será que esta, em vez de ser dirigida para fora, se dirige para dentro, para cimentar a desagregação dentro do seu partido? Será que o Sr. Deputado Lucas Pires, no caso de esta moção de censura não ser aprovada - como naturalmente não será - irá pedir de novo aquilo que esteve para ser pedido em tempos pelo CDS e que é a dissolução da Assembleia da República?
Em segundo lugar, referiu o Sr. Deputado que existem alternativas democráticas e que elas estão vivas. Importa-se de concretizar mais um pouco quais são essas alternativas, para além dos apoteóticos 20 % que V. Ex.ª preconiza vir a ter nas próximas eleições, ou talvez um pouco mais, se for conduzido pela vontade e pela alegria que animavam o Deputado Luís Barbosa,
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quando prometia avançar como um bulldozer pelo País dentro? Para além disso, quais são os outros elementos de referência política com que conta construir a maioria?
Em terceiro lugar e quanto à CEE, disse V. Ex.ª que todos defenderam as suas posições, menos Portugal. O Sr. Deputado Lucas Pires acredita a sério nisto? Acredita que Portugal não defendeu convenientemente as suas posições ou pensa, antes, a sério que o processo de negociação com a CEE e os atrasos nele havidos têm mais a ver com a crise interna da própria CEE, que se arrasta desde Fontainebleau, do que com a negociação dos nossos dossiers ou a preparação técnica dos nossos negociadores? Será porventura isso, Sr. Deputado, o reconhecimento do seu próprio falhanço? É que me lembro de que, há meses atrás, V. Ex.ª ofereceu ao País - pelo menos a comunicação social assim o relatou - os seus prestimosos serviços para interceder junto da União Europeia das Democracias-Cristãs, no sentido de apressar a nossa entrada na CEE. Será que a sua solicitação falhou ou terá V. Ex.ª ficado, um pouco apressadamente, enciumado com a atitude do Sr. Primeiro-Miistro de levar a Londres o Prof. Freitas do Amaral?
Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Mateus.
O Sr. Rui Mateus (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, não se vislumbram hoje, do seu longo discurso, grandes alternativas.
Em matéria de política externa e de CEE fez muitas acusações, mas nenhuma delas foi, infelizmente, fundamentada.
Perante isto e dada a minha confusão perante as suas declarações aqui, em relação à integração de Portugal e às negociações, que estão actualmente a ser conduzidas pelo Governo Português e às declarações que o Sr. Deputado tem vindo a produzir pelo País fora, muitas vezes contraditoriamente, gostava de lhe fazer algumas perguntas.
Em primeiro lugar, sabendo o Sr. Deputado que a maior parte dos dossiers, que foram fechados entre Portugal e a CEE nessas negociações, foram concluídos durante os governos em que V. Ex.ª ou o CDS estiveram presentes, gostaria de saber se tem algum defeito a apontar às negociações feitas por esses governos e quais são os defeitos que aponta especificamente, visto que não os fundamentou, às negociações que têm vindo ultimamente a ter lugar. Gostaria também de saber se V. Ex.ª considera que as dificuldades internas no seio da CEE, devem ser atribuídas ao Governo Português. Trata-se de um ponto bastante importante.
O Sr. Deputado apropriou-se de uma frase do Sr. Deputado Adriano Moreira, com a qual estamos de acordo, em relação à questão do europeísmo político não poder aceitar o diálogo ibero-europeu. Pergunto se V. Ex." acredita que foi o governo actual que fez a colagem à Espanha e se o Constat D'Accord assinado em Dublin não é exactamente a prova do contrário.
Finalmente e em virtude da grande ambiguidade das declarações aqui produzidas em relação a esta matéria, gostaria que V. Ex.ª me explicasse se ainda apoia a adesão de Portugal à CEE e se o seu partido continua a manter essa posição inicialmente assumida.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Lucas Pires: Já vários deputados assinalaram a ausência de alternativa, na sequência da vossa moção de censura. Mesmo o Sr. Primeiro-Ministro ocupou parte substancial do seu discurso nesse ponto e com razão.
Como V. Ex.ª sabe, Sá Carneiro e o PSD reclamaram - e o PSD continua a reclamar, embora o assunto não esteja na ordem do dia - que fosse inserido na Constituição o instituto da moção de censura construtiva. 15so não aconteceu, principalmente porque o PS não acolheu a bondade dessa sugestão. Não sei se as apreciações do Sr. Primeiro-Ministro significam uma alteração acerca da filosofia do Estado. Mas se constituem, congratulo-me!
De qualquer forma, como o Sr. Deputado há-de reconhecer, se é importante o quadro constitucional juridicamente consignado não é menos importante o quadro constitucional que os políticos e as instituições vão praticando e, dessa forma também institucionalizando. Lembro outra vez, a propósito, como Sá Carneiro, na ausência da possibilidade de um voto positivo sobre o programa do Governo, lhe juntou, dentro da possibilidade que o quadro jurídico lhe oferecia, a moção de confiança.
Eu também sou daqueles que pensa que a vossa moção de censura, sem ter na sua sequência uma alternativa, perde talvez a sua própria razão de ser. 15to porque V. Ex.ª e consigo o seu partido e grupo parlamentar tinham obrigação de avançar essa alternativa. Pode-me dizer que isso não é constitucionalmente obrigatório, mas sobre esse assunto já lhe disse qual era o meu ponto de vista. Em termos de legitimidade, decerto que o povo português esperava a apresentação dessa alternativa. Poderia defender, por exemplo, que a este Governo deveria suceder um governo apenas do PS. O facto do Sr. Primeiro-Ministro dizer que não quer essa hipótese, não pode obviamente ser motivo para a excluir, porque doutra forma teríamos uma revisão constitucional por simples declaração de vontade do Sr. Primeiro-Ministro. Podia sugerir um alargamento da coligação, um governo fora do quadro partidário ou ainda a hipótese de no quadro desta coligação, haver uma renovação do Governo, na sequência de uma renovação política. Reconheço, no entanto, que não lhe seria exigível arrolar ao conjunto das sugestões esta última hipótese.
De qualquer modo e como já disse, sou também daqueles que pensa que a vossa moção de censura nega a sua própria dinâmica, pela ausência dessa alternativa. Estou bem em crer que a sua acutilância é mais verbal do que política, sendo certo que qualquer política para ter a acutilância de que precisa tem de ter princípio, meio e fim. À vossa, falta, precisamente, o fim. A vossa acutilância está embutida e daí que presuma que a subida eleitoral para 20%, que tão legitimamente desejam, sobretudo se se mantiver a vivacidade do PSD, aparece um dia destes, não querendo dizer que seja este ano ou em eleições antecipadas, mas para ser realmente recolhida pelo meu partido.
De qualquer modo, o que queria assinalar é que a vossa acutilância está embutida, não podendo, e com razão, convencer ninguém!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lelo.
O Sr. José Lelo (PS): - Sr. Deputado Lucas Pires, sabe qual é o seu drama? É que o povo português estava habituado a outro CDS, mais coerente, mais maduro, mais reflexivo, talvez mais professoral! Podia-se não concordar, mas ouvia-se com atenção. O que temos agora é um partido sempre em festa, agitando frases feitas e bandeiras de muitas cores, num eterno clima de reunião geral de alunos!
Sr. Deputado Lucas Pires, não é com um novorriquismo metafórico que se resolvem os problemas dos portugueses. A política não é prestidigitação, feita de demagogia e de passes de mágica aprendidos em compêndios requintados. É que ou a cartola é falsa ou o coelho é só de peluche! Em si, Sr. Deputado, só por milagre existirão as duas coisas verdadeiras! Mas talvez o Sr. Deputado esteja bem preparado para isso e mesmo com moções, sondagens e outras encenações, só um milagre o possa salvar da derrocada final.
Como associa V. Ex.ª, Sr. Deputado Lucas Pires, o anunciado desejo de criar uma alternativa credível para este país, quando assume declaradamente um discurso «botabaixista» e demagógico, sem qualquer contorno que deveria ter o discurso de um homem de Estado? Como critica a adesão à CEE e o respectivo processo? Como critica os contrastes e as viagens externas? Pensa o Sr. Deputado que devíamos regressar à máxima do «orgulhosamente sós»?
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Julgo que estas intervenções ajudaram a justificar esta moção de censura, por muito que algumas delas tenham contestado a sua oportunidade.
De facto, elas deram origem não apenas a uma vivacidade da controvérsia política, mas à postura de algumas questões que são decisivas para o nosso futuro.
Em primeiro lugar, quando o Sr. Deputado César Oliveira me pergunta qual é a motivação desta moção de censura, podia limitar-me a citar o secretário-geral do PS, Dr. Mário Soares, quando na moção de censura que aqui apresentou contra o governo da AD, disse que não se tratava «de demitir o governo, mas apenas de colocar um marco para o futuro, a assinalar responsabilidades, no percurso complexo da nossa democracia»; não se tratava «de definir uma alternativa, porque estas apenas se definem em eleições». Acusava até o primeiro-ministro de então, o Dr. Balsemão, de desprezar o PS e de estar obcecado pela ideia de que o PS não era alternativa, ou seja, o mesmo tipo de objecções que foram aqui permanentemente formuladas e que o Sr. Primeiro-Ministro constantemente invoca, no sentido de o CDS não ser alternativa. Talvez traduzam, aliás, já que foram aqui invocadas, o seu problema e questões quase do foro psiquiátrico!
Talvez fosse aqui de dizer que se trata de um acto falhado do primeiro-ministro, que realmente tem de admitir e confessar que o CDS é alternativa!
É, aliás, lamentável que este Governo, esta coligação, esta maioria e o conjunto de alguns deputados que se exprimiram, utilizem crescentemente argumentos do
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antigo regime. Com isto estou ainda a responder ao Sr. Deputado César Oliveira e á questão da invocação dos dez anos.
Dizem esses deputados, por exemplo, que não há alternativa e que existe uma grande crise internacional, que na realidade já não se verifica em parte nenhuma. Sabe-se, com efeito, qual é a recuperação económica dos EUA. A este propósito, os governos antigamente queixavam-se da crise e agora queixam-se da recuperação! Sabe-se também qual é a recuperação nos países da OCDE, cujo aumento do produto nacional é de cerca de 3 % ao ano, tendo o comércio internacional aumentado, em 1984, cerca de 4%.
Perguntou, depois, qual era a motivação desta moção de censura. Eu tive ocasião de explicar no meu discurso qual era essa motivação. Mas, no fundo a verdade é que há um tipo de justificações que foi dado pelo Sr. Primeiro-Ministro contra a nossa moção de censura.
De facto, o Sr. Primeiro-Ministro diz que temos agora de discutir com o Fundo Monetário Internacional, que vai apresentar um orçamento, que estamos no auge das negociações com a CEE. Pois bem, foi sobre isso que nós perguntámos: é este Governo capaz de enfrentar todos esses problemas, quando até agora não foi capaz de enfrentar nenhum? Esta é que é a questão realmente decisiva e importante.
Pelo meu lado, também considero que estamos perante todos esses problemas - e é por isso que esta é a altura de pôr todas as cartas na mesa.
Aliás, não nos quisemos pronunciar sobre o que aí vem, sobre o novo pacote de promessas, sobre o novo acordo. Nós estivemos aqui a referir apenas o que aí vai, o que é completamente diferente. E o que aí vai é negativo para toda a gente - e não é só o CDS que o diz, mas toda a gente sabe.
Quando o Sr. Deputado César Oliveira diz que nós estamos a fazer uma comparação com o período de há dez anos, então talvez seja bom vir à primeira fila da sua bancada e perguntar aos representantes da UGT que aí estão sentados por que é que a UGT tem publicado estatísticas em que compara com o que se passava há dez anos. Aliás, talvez não precise disso, porque, salvo erro, V. Ex.ª é consultor dessa mesma central sindical ... O Sr. Deputado lembrar-se-á, com certeza, de um colóquio que houve na Gulbenkian sobre a fome em Portugal. Esse colóquio vinha retratado em todos os jornais e em todos eles os títulos eram: «Há mais fome hoje em Portugal do que há dez anos».
Como vê, não sou eu quem faz essas comparações nem há nenhuma intenção negativa desse tipo da minha parte.
Quando questiona sobre se a minha alternativa se situa no quadro democrático, não deve ter qualquer dúvida. Além de não ter armas, não tenho sequer dinheiro para ter outra alternativa. A minha alternativa é estritamente aquela que se baseia na convicção, nos argumentos, na luta democrática séria e leal, que prosseguirei sem desfalecimento e sem qualquer medo.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, queria dizer-lhe, Sr. Deputado, que não falo da Igreja nem das forças armadas com o sentido que me atribui. Falo sobre a Igreja porque ela existe, e não fui eu quem a inventou - os bispos falam todas as semanas. As forças armadas existem, falam, eu até citei palavras por eles proferidas, mas não sou eu quem as inventa. Quem desconhecer o País é que está a ser abstracto e a dizer metáforas. O País, esse país real, é um país que existe.
Queria também dizer-lhe, Sr. Deputado, que não foi para preparar o congresso do CDS que apresentámos esta moção de censura, pois já em Julho passado o CDS tinha anunciado que a iria apresentar.
E se há alguma ditadura nisto tudo, é a ditadura das conquistas irreversíveis de que não fomos capazes de nos ver livres até hoje.
Aqui há pouco tempo, num colóquio na América do Sul, dizia quase toda a gente que era preciso ter cuidado porque as dívidas externas tinha sido aí produzidas por ditaduras. Eu disse que era necessário introduzir o seguinte elemento: em Portugal, a dívida externa foi causada por uma democracia.
Ora, não temos que desconhecer esse facto, e esse facto talvez possa ser compensado por estoutro: é que por trás dessa democracia há uma ditadura, que é a das conquistas irreversíveis e a do socialismo constitucional. E enquanto não alterarmos isso, não resolveremos o problema da nossa dívida externa.
Aplausos do CDS.
Sr. Deputado César Oliveira, há uma coisa que lhe quero dizer, quase em termos de abandono: a moção de censura não é um acto de preparação do que quer que seja. Esta moção de censura é um acto de liberdade. Nunca foi tão difícil um acto de liberdade em Portugal ...
Protestos do PS.
... desde há algum tempo para cá! Peço desculpa, o meu exagero foi notório.
Vozes do PS: - Ah!
O Orador: - Há muito tempo que a liberdade não era tão difícil em Portugal. E esta moção de censura, se foi alguma coisa, foi também para assinalar aos Portugueses que a liberdade é possível, que é possível ser-se oposição nas circunstâncias mais difíceis, que se deve reclamar nas circunstâncias mais difíceis e que não há medo nem vergonha nisso e que devemos poder exprimir as nossas convicções.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sabe lá o que é ser oposição em condições difíceis!
O Orador: - Nós não temos medo, Srs. Deputados!
O Sr. Deputado Magalhães Mota produziu o seguinte argumento que parece lógico: por que é que nós pedimos a dissolução da Assembleia e, apesar disso, pomos à Assembleia a questão da moção de censura. Só que, Sr. Deputado, na nossa proposta a relação era exactamente a inversa: nós propúnhamos uma moção de censura para depois, em face desses resultados, discutir a questão da dissolução da Assembleia. É, pois, uma questão completamente diferente, como aliás pode ver se aceitar o texto que lhe vou enviar sobre a deliberação da Comissão Política do CDS.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pergunta-me se não estou aqui a reinventar a AD e se nós não tivemos responsabilidades na AD.
Nós tivemos responsabilidades na AD e não enjeitamos essas responsabilidades. Mas, como sabe, não fo-
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mos nós que liderámos o governo da Aliança Democrática. E aproveito para esclarecer um outro ponto: o CDS esteve no governo, mas nunca houve nenhum governo do CDS, nunca houve maioria liderada pelo CDS, nunca houve nenhum primeiro-ministro do CDS. Este é um facto extremamente importante que julgo que conviria sublinhar.
Quanto ao namoro ao PSD, não sei se o Sr. Deputado José Vitorino terá porventura ouvido essa sua afirmação, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, quando veio, solicitamente, responder dizendo que não havia qualquer namoro e que rejeitavam in limine qualquer namoro. Foi realmente importante a intervenção do Sr. Deputado José Vitorino, porque permitiu esclarecer as diferenças, e as diferenças profundas, que há entre o CDS e o PSD.
Portanto, não há nenhum namoro ao PSD, e pensamos que não tem sentido falar hoje de uma AD. Hoje, uma AD seria uma AD de terceira mão: houve uma primeira AD que toda a gente, pelo menos a gente da AD, achou positiva; depois houve uma AD em segunda mão e a AD que haveria com o PSD actual seria uma AD em terceira mão. Ora, nós não estaríamos interessados nessa AD.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca perguntou-me também como e onde seria possível encontrar um novo governo.
Bom, responderia com o argumento que já utilizei há pouco, ou seja, a moção de censura não trata de resolver esse problema, não é uma moção de censura construtiva, como disse aqui, e bem, o Sr. Deputado Silva Marques.
De facto, essa tese foi abandonada, e não percebo como é que o Sr. Primeiro-Ministro, que recusou essa tese, que disse o que disse em 1982, vem agora supor e sugerir que a nossa moção de censura deveria indicar o primeiro-ministro, deveria indicar a alternativa, deveria indicar o programa, deveria indicar isso tudo. Aliás, em matéria de programas, devo dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que não podemos competir com o Governo, confesso-o!
Aplausos do CDS.
Mas a verdade é a seguinte, Sr. Primeiro-Ministro: nós podemos indicar todos os programas que o CDS tem produzido em vários órgãos, inclusivamente um programa de regeneração económica, que aprovou no seu conselho nacional de Julho do corrente ano! Não há nenhum problema a este respeito.
O Sr. Deputado José Vitorino perguntou se eu havia dito que o PSD utilizava a revisão constitucional apenas para retirar dividendos eleitorais. Não foi isso que eu disse. O que afirmei foi que o PSD utilizava a revisão da Constituição apenas para reforçar a sua capacidade negocial com o Partido Socialista, o que, apesar de tudo, é bastante diferente. Se não fosse para isso, não estava disposto a utilizá-la e a jogá-la nesse jogo como moeda de troca. Porque é que a põe em cima da mesa e depois a retirou? É porque ela é, realmente, uma moeda de troca.
Ora, isto tem grande importância, isto não é um dito, não é uma metáfora. Qual é, então, a importância disto? É que enquanto do nosso ponto de vista a revisão económica da Constituição é essencial, é fundamental - porque o problema principal do Pais é
uma super-esclerose económica ditada pelo excessivo peso constitucional das estruturas socialistas e burocráticas -, para o PSD não é assim.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Muito bem!
O Orador: - O PSD acha que é possível ou não rever a Constituição e estar ou não no governo revendo ou não a Constituição? São duas coisas completamente diferentes. Aliás, é evidente que o PSD poderia dizer isto ao PS: «Sim Senhor, Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª pode deixar o seu partido aprovar a lei do aborto, mas então vai fazer com que o seu partido também aprove a revisão da parte económica da Constituição.» Ora, nem isso o PSD fez, nem nesse sentido o PSD utilizou esta questão como moeda de troca.
Vozes do PS: - Ah, já trocam o aborto?!
O Orador: - Portanto, o PSD pode ser o meio caminho entre nós e o Partido Socialista, mas não é caminho nenhum neste sentido.
O Sr. Deputado Carlos Lage, para lá do conjunto de observações académicas que não esperava ouvir, porque estou habituado a fazê-las, como académico, referiu ser o meu discurso não sistemático, descosido, etc. Mas como toda a gente sabe a qualidade sistemática dos discursos produzidos normalmente pelo Partido Socialista, não vale a pena insistir sobre isso.
Devo dizer que não quis ressuscitar nenhuma polémica: apenas constatei a recriação de uma polémica sobre a qual não me pronunciei até hoje, mas sobre a qual se pronunciaram até hoje quer a Igreja portuguesa, quer o Sr. Primeiro-Ministro. No fundo, é esta a questão que está em causa.
Por outro lado, falei aqui da questão das liberdades e disse que ainda havia liberdade. Mas eu não confundiria dois tipos de liberdade. Quando me dizem que há liberdade de informação, eu respondo que a liberdade de informação não consiste em ter tempo de antena na Televisão: a liberdade de informação é poder fazer uma empresa de informação e uma empresa de televisão. 15so é que é liberdade real, é a isto que eu chamo liberdade real. Não é liberdade de administrar um cubículo de 5 minutos na televisão para depois discutir, como se distribuem favores, como se distribui dinheiro, como se distribui tudo isso pelas clientelas e por quem esteja disposto a fazer o frete a quem está no poder em cada momento.
Foi nesse sentido que falei de liberdades reais. E estou convencido de que se estes foram 10 anos de luta pela democracia, os próximos serão 10 anos de luta pelas liberdades reais.
Não tenha ilusão, Sr. Deputado Carlos Lage, de que há hoje menos liberdades de educação - e não sou eu que o diz, mas sim esse congresso do ensino privado; há hoje menos liberdade de informação - e também não sou eu quem o diz, mas da primeira vez que há um inquérito à Televisão provam-se coisas espantosas, que eu não revelarei por enquanto, porque espero que seja o relatório dessa comissão a revelá-lo...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como é que sabe que há provas, Sr. Deputado?!
O Orador: - ... ; há hoje uma diminuição da liberdade de trabalho - quem é que encontra emprego, qual é o jovem que encontra emprego, onde é que está
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a mobilidade de trabalho; há hoje uma diminuição da liberdade de iniciativa - quantas são as empresas que estão a nascer quando o investimento está a descer 20%?
São estas as questões que estão em causa.
Eu também não disse, Sr. Deputado Carlos Lage, que a Europa nos pretendia colonizar. Longe de mim ter dito isso. O que disse e critiquei - com argumentos que, aliás, não é a primeira vez que .uso, pois nós já os produzimos num documento de várias páginas, apresentado em conferência de imprensa, acompanhado de um livro justificativo e de um estudo analítico foi que realmente se tinham aceitado hipotecas, por exemplo, a um prazo que falhou. E o Sr. Primeiro-Ministro não nega isto, porque sabe que houve um prazo que falhou, sabe que havia um prazo para a conclusão das negociações - 30 de Setembro -, que veio aqui ser certificado pela palavra do Presidente Mitterrand, e que falhou.
E aproveito para esclarecer um equívoco do Sr. Primeiro-Ministro: quando pedi a demissão do primeiro-ministro e do ministro das Finanças não foi por, causa do Constat d'Accord. Foi, sim, por causa do falhanço dessa tal fasquia temporal do dia 30 de Setembro, que não foi respeitada nas negociações.
O Sr. Deputado Rui Mateus afirmou que eu teria dito que o Governo é culpado pelas contradições da CEE. Não, Sr. Deputado, não estou a dizer isso. O que estou a dizer é que o Governo foi suficientemente ingénuo para não conhecer os problemas internos da CEE e para levar este povo a aceitar compromissos que eram irrealizáveis. É isso que censuro. E isto é uma falta de previsão política. Aqueles que, como o Sr. Primeiro-Ministro, censuram com visível intenção pessoal o meu irrequietismo caem nas piores formas de infantilismo, tal como tem caído o País desde há algum tempo, nomeadamente na aceitação desses compromissos.
Quanto ao buraco orçamental relacionado com a XVII Exposição, há um equívoco da sua parte, Sr. Deputado Carlos Lage.
Primeiro: o orçamento da XVII Exposição era do primeiro-ministro e não do ministro da Cultura. É um equívoco que talvez seja conveniente esclarecer. Eu nunca teria nenhuma responsabilidade sobre esse buraco orçamental que não dependia de mim. O orçamento do meu ministério era de 1 700 000 contos, e basta dizer que só a XVII Exposição custou mais de um milhão de contos. Por aí já pode ver que, com tudo aquilo que tinha a fazer, não podia obviar a XVII Exposição.
Por outro lado, quero esclarecer que houve um pequeno estratagema - que não posso, neste momento, conferir inteiramente porque não está presente o Sr. Secretário de Estado do Orçamento - inventado por mim para evitar que o Estado dispendesse esse um milhão de contos: fazer um decreto-lei para que o Banco de Portugal emitisse moeda comemorativa, a qual ajudou a obviar metade dessas despesas.
E já agora esclareço também - porque o Sr. Ministro da Cultura o não tem feito - que eu próprio redigi vários contratos com várias empresas, entre as quais a Vista Alegre, nos termos dos quais a utilização do símbolo da XVII Exposição rendia para o Estado royalties que iam até 20% e que constituiam uma ajuda suplementar para suportar o custo daquela realização.
Queria ainda dizer-lhe uma terceira coisa: é que não se tratou de despesa, mas de investimento, porque este Governo que fala tanto do prestígio e das viagens e que gasta algum dinheiro com tudo isso, esquece-se que a maior publicidade até hoje tida por este País em órgãos de informação estrangeira foi realizada pela XVII Exposição de Arte e Cultura.
O Sr. Vitor Hugo Sequeira (PS): - E pela fórmula 1 !
O Orador: - E é curioso e sintomático que a XVII Exposição seja aqui tão violentamente criticada por toda a gente e, não obstante, defenderem o orgulho de ser português, não tenham tido conhecimento de que nunca, desde o 25 de Abril, um acontecimento foi coberto por tantas revistas no estrangeiro.
Esse dossier existe e pode ser exibido.
Quanto à coesão interna, Sr. Deputado, há uma coisa que não lhe vou autorizar: é que V. Ex.ª considere que nesta bancada há alguém que é cúmplice da estratégia do Governo. Não nos venham dividir porque aqui, nesta bancada, não há ninguém que seja cúmplice da estratégia do Governo e do Dr. Mário Soares.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, há divisões internas no CDS, mas V. Ex.ª deve olhar para as do Partido Socialista e do PSD. Deste modo, não as trate como divisões, mas como discussão séria dos problemas que se colocam a cada momento a cada partido no seu trajecto para formular melhor a sua própria obrigação de representar os seus eleitores.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - 15to aqui é a 1.ª divisão, não é a 3.ª divisão!
O Orador: - Sr. Deputado, no fundo é disto que se trata e, por outro lado, também não foi para resolver nenhum problema que vim aqui. Aliás, aqui tenho quase a certeza de ir perder e, pelo menos, no meu partido até agora ganhei. Não vim aqui - repito-o - para resolver nenhum problema, mas estou hoje presente na Assembleia porque o CDS é um todo, pois esta moção de censura foi aprovada por unanimidade. É espantoso - talvez o Sr. Deputado não soubesse este pormenor -, mas lembro-lhe que esta moção foi aprovada por unanimidade na comissão política e no conselho nacional; foi depois ratificada pela Comissão Directiva do CDS e, como este é ainda um partido democrático, as decisões alcançam-se por maioria e não sou eu que as tomo em nome de ninguém!
Portanto, Sr. Deputado, mais cuidado com essas observações.
O Sr. Deputado Manuel Alegre diz que volto aqui com a questão do aborto e que tal é uma crítica à Assembleia. Eu não disse que esta responsabilidade era do Governo, mas referi antes que o aborto tinha sido aprovado. Ora, porque é que foi aprovado quando existe em Portugal esta coligação e não se terá verificado tal facto em 1975?
É evidente que o Sr. Deputado Manuel Alegre pode dizer que há nas minhas observações uma sugestão implícita de responsabilidade indirecta do Governo. Afirmo que existe responsabilidade do Governo, por-
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que para mim este último órgão é a liderança de uma maioria. O primeiro-ministro é o líder do Partido Socialista e aqueles que acusam o CDS de ter problemas internos não vão querer que eu diga que sobre este ponto o primeiro-ministro não estava de acordo com a sua bancada e com o Partido Socialista.
Portanto, limitei-me a dizer que esta coligação criou condições para que a lei do aborto, pela primeira vez em 10 anos, pudesse ser aprovada em Portugal. 15to, ninguém o vai negar. Algumas pessoas vão dizer que é uma coincidência, mas penso que não é tal, pois em política e nestas questões não há coincidências.
Por outro lado, V. Ex.ª falou de colocar em causa a pluralidade. Afirmo que não faço tal.
O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Ainda bem!
O Orador: - Não o faço - e julgo que algumas das minhas intervenções já o sublinharam -, pois o que nós queremos justamente é o reforço das liberdades reais em vários pontos.
O Sr. Deputado Jorge Lemos insistiu na extrema direita da AD e nesta em si propriamente, mas julgo já ter respondido a esses pontos. Referiu-se também a « liberalização». De facto, nós consideramo-la essencial como eu referi anteriormente, e julgamos que em Portugal a grande questão trava-se entre a liberdade e o socialismo. Aliás, talvez até seja hoje a grande questão da cultura ocidental.
É evidente que admito que os deputados do Partido Socialista estejam do lado da liberdade, mas ninguém nega que Portugal é ainda hoje o País mais socialista da Europa em termos constitucionais.
O PS diz que quer rever a Constituição daqui a dois anos, mas ainda não o fez; disse também que revia o seu Programa, mas ainda não o efectuou. Ora, esta questão é a fundamental em Portugal. Por isso, nós dizemos que entre nós e os socialistas há uma fronteira que não tem a ver com pessoas, pois não há aqui nenhuma questão pessoal. Contudo, há aqui uma fronteira e faremos este combate até ao fim contra essa mesma fronteira.
O Sr. Deputado João Paulo Oliveira perguntou-me se eu coincidia nas minhas posições com o Dr. Luís Barbosa, pois pessoalmente falava muito de «extinções». Estão a ver como não há problemas no CDS!
Risos do PS.
Estão a ver como até coincidimos com o Dr. Luís Barbosa!
O Sr. Deputado José Luís Nunes perguntou-me sobre o serviço militar, mas tenho já muito pouco tempo, pois estão-me a prevenir dessa situação, pelo que serei breve.
O CDS e a Juventude Centrista têm-se debatido contra o serviço militar por dois anos.
O Sr. Adérito Campos (PSD): - Aí estamos de acordo!
O Orador: - Há outros sistemas, como seja aquele em que no serviço militar se faz uma recruta e, depois, há uma espécie de actualização temporária desse ponto. A única formulação que nós temos no nosso programa consta de uma redução quantitativa do tempo do serviço militar. Realmente, é esta a expressão que nós temos no nosso programa e, portanto, é esta a resposta que posso dar.
Quanto às compensações que não recebemos da Organização do Tratado do Atlântico Norte, não fui eu que referi tal facto. O Sr. Vice-Primeiro-Ministro teve, a certa altura, um desabafo, dizendo que os nossos aliados não nos estavam a apoiar suficientemente. O Dr. Alberto João Jardim está farto de dizer que quer um aeroporto da NATO em Porto Santo e que nunca mais se constrói. Portanto, como se denota não estou sequer a inventar estas questões, pois elas existem.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Agora, Sr. Deputado José Luís Nunes, esteja descansado e ouça a minha intervenção, já que relativamente à sua prestei-lhe muita atenção. De qualquer modo, faça favor de intervir, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sei o que pensa o Sr. Dr. Alberto João Jardim sobre essa matéria. Já quanto a V. Ex.ª gostava de saber o que pensa sobre tal.
O Orador: - Bem, o que penso, disse-o. Portanto, para lá disso poderia haver insinuações. Eu só quis dizer que não estava sequer a destoar de um clamor que fosse mais geral.
Por outro lado, há total descanso nesse ponto, pois nada temos a ver com neutralismos nem com pacifismos. Como V. Ex.ª sabe - porque está muito bem informado - hoje toda a esquerda europeia se coloca no neutralismo e no pacifismo, inclusivamente o Partido Social-Democrata Alemão se posiciona em grande medida ou, pelo menos, com alguma dose tendencial, nesse sentido.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Não é bem assim!
O Orador: - Essa não é a inclinação do CDS, pois a nossa é exactamente a oposta a isso.
Quando eu disse que noutro país se o Governo estivesse a ser censurado já teria caído, queria somente sublinhar a gravidade da situação a que chegou o País e que, realmente, é partilhada por toda a gente. O que eu quis dizer era que o Governo se podia demitir; que o Sr. Primeiro-Ministro podia fazer uma autocrítica; que esta moção de censura poderia ser vitoriosa. Ora, pessoalmente não quis derrubar o Governo por nenhum método ilegal. É evidente que nós viemos à Assembleia para demonstrar justamente que é no terreno da legalidade e das instituições que queremos combater o Governo e não em outra área.
O Sr. Deputado António Gonzalez falou sobre a CEE. Já me referi sobre isso algum tempo e eu não queria insistir nesse ponto.
Sobre as rádios livres, devo dizer que somos naturalmente partidários da liberdade de comunicação por todos os meios. Tenho insistido claramente nesse ponto e julgo ser um aspecto fundamental.
A Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo fez uma interpretação mais autêntica que a minha das expressões do Presidente Mitterrand. 15so é natural num deputado membro de um Partido Social-Democrata sempre mais próximo da Internacional Socialista.
Risos do PS.
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O Orador: - Pelo contrário, nós prefer mas fotografias em Dublin. Sei que o Sr. Ministro fica muito bem nas fotografias e ão. Contudo, não era necessário mais ess ublicidade.
Aplausos do CDS.
Quanto ao Sr. Deputado Silva Marques, j questão da moção de censura construtiv unto, acrescentaria somente algo mais à que er quem é a alternativa. Pois esta última dós não estamos a apresentar esta moção
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O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Deputado Lucas Pires: Duas ou três notas muito breves como protesto à resposta que me proporcionou.
A primeira delas era a seguinte: a propósito da dívida externa, V. Ex.ª a comparou a ditadura das conquistas irreversíveis, segundo a sua terminologia, com as ditaduras sul-americanas. Mas o Sr. Deputado mediu bem as suas palavras? Ouviu-se a si próprio? Ou mete-se em tais trocadilhos que já não se consegue ouvir a si próprio?
Depois, o Sr. Deputado falou em comparações estatísticas. Mas eu refiro-me ao sentido político que estava implícito nas comparações que V. Era' faz. No entanto, quando se fazem comparações que incluem a UGT, a CGTP-IN, o Governo ou outras organizações quaisquer e que respeitam a 3, 4 ou 10 anos atrás, é pouco usual ver o sentido político que V. Ex.ª lhes deu.
Mas o mais grave que V. Ex.ª disse foi que a moção de censura se justificava para mostrar ao País que mesmo nas situações difíceis é possível ser oposição e ser livre.
Sr. Deputado Lucas Pires, nós lembramo-nos que mesmo nas circunstâncias mais difíceis, ou seja, ir para a prisão, não ter Parlamento para nos exprimirmos, não ter televisão, nem jornais, é possível ser-se livre e ser-se oposição. Lembramo-nos com orgulho de que isso é possível.
Aplausos da UEDS e do PS.
E não venha V. Ex.ª agora aqui mistificar a liberdade e a democracia com uma eventual situação de ditadura, que não existe hoje em Portugal. Essa mistificação é grave e é mais um trocadilho, que lhe poderá vir a sair caro.
Aplausos da UEDS e do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Lucas Pires, quero agradecer as respostas que fez o favor de me conceder, mas a verdade é que elas não me esclareceram.
V. Ex.ª disse - e disse tristemente - que não faz namoro ao PSD. Contudo, não usou palavras suas e citou o Sr. Deputado José Vitorino. Se o Sr. Deputado José Vitorino disse alegremente que não há namoro com o CDS, V. Ex.ª disse tristemente que não há namoro com o PSD.
V. Ex.ª disse ainda que não quer uma AD em terceira mão. Esta afirmação é bastante importante, porque vem clarificar uma situação: o CDS não quer uma nova coligação com o PSD. Chamo a atenção da comunicação social, que está atenta com certeza, a qual certamente publicará esta frase do presidente do CDS: o CDS não quer uma nova aliança com o PSD. Contudo, li o seu discurso e não é esse o entendimento que me fica da sua leitura.
V. Ex.ª diz que não irá apresentar um primeiro-ministro nem um governo, pois numa moção de censura não tem que fazer isso. É evidente! Mas V. Ex.ª diz que o CDS nunca foi governo. 15so é um mero jogo de palavras, Sr. Deputado, porque o CDS esteve na AD e não pode tentar afastar a responsabilidade que teve na crise que cirou.
Quanto ao facto de este Governo ter agravado sensivelmente essa crise, aí, sim, estamos de acordo,
Sr. Deputado Lucas Pires. A solução dos problemas não se avizinha e há que censurar o Governo pela sua incapacidade. Aí, estamos totalmente de acordo.
No entanto, pretendo ser esclarecido quanto à alternativa que V. Ex. a diz que existe. Qual é a alternativa? V. Ex.ª disse agora, em resposta ao Sr. Deputado José Lelo, que a alternativa aparece e ganha. Mas qual é a alternativa que o CDS tem para a solução dos problemas? Se não é com o PSD, não é com o PS e sozinho não será com certeza - há bocado não me deu essa resposta -, pergunto qual é a alternativa que o CDS está a ver no horizonte.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): - O Sr. Deputado Lucas Pires repetiu, de algum modo, uma certa mistificação que havia feito na sua intervenção inicial, procurando confundir algumas posições do Partido Social-Democrata em matérias essenciais. Mas agora foi mais longe, ao ponto de acusar o Partido Social-Democrata de jogar com a revisão da parte económica da Constituição como moeda de troca em matéria de negociações com o PS.
Com toda a singeleza e amizade lhe digo, Sr. Deputado, que, obviamente, o Partido Social-Democrata e o meu grupo parlamentar não lhe reconhecem o direito - nem a si nem a nenhum deputado desta Assembleia - de fazer processos de intenção sobre a maneira como o Partido Social-Democrata negoceia.
Para além do mais, se ainda pudesse haver dúvidas sobre essa matéria, bastava ver a posição clara que tomámos quando há meses discutimos a questão de haver, ou não, revisão antecipada da Constituição, designadamente da parte económica. Tomámos uma posição clara, votámos clara e inequivocamente. Daí que não faça nenhum sentido o Sr. Deputado insistir nesse tipo de argumentos.
Mas se o CDS, como pareceu dar a entender, acha que o Partido Social-Democrata é responsável pelo facto de o Partido Socialista não ter aceite fazer, antecipadamente, a revisão da parte económica da Constituição, então, eu lembraria ao Sr. Deputado que o CDS também esteve no Governo com o Partido Socialista e que, certamente, quando lá esteve não tinha qualquer espectativa de uma revisão económica da Constituição.
Por isso, fazia um apelo à sua memória. Em política a memória é fundamental, porque quando não se tem memória não há coerência, quando não há coerência não há dignidade e quando não há dignidade as nossas posições não podem ser respeitadas e muitas vezes nem podem, até, ser ouvidas.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Tomo a palavra a título de protesto, essencialmente, por uma questão que o Sr. Deputado Lucas Pires levantou nesta Câmara, a qual não pode ser deixada em claro.
Antes de mais, quero agradecer ao Sr. Deputado as informações domésticas que me deu acerca do CDS: verifica-se que no CDS tudo está em harmonia, ambiente cor-de-rosa. Tudo bem!
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Não posso deixar de sublinhar um comentário do Sr. Deputado Lucas Pires. Ou seja, a certa altura, a respeito da Televisão, o Sr. Deputado afirmou que «o inquérito à Televisão está a provar coisas graves». No entanto, estando o inquérito à Televisão em segredo de justiça, creio bem que o Sr. Deputado acabou por violar esse segredo. Ou, então, alguém o violou ao transmitir ao Sr. Deputado Lucas Pires eventuais resultados desse inquérito, que eu desconheço.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Lucas Pires (CDS): -- Esta questão é bastante grave e exige um esclarecimento. Limitei-me a ler, numa destas secções de informação onde vêm as coisas normalmente supostas serem secretas, neste caso, a «Gente» do Expresso, uma inconfidência ou uma declaração que tinha sido feita pelo anterior presidente da RTP, João Palma Ferreira, dizendo que tinha ido para a Televisão não para servir os partidos da coligação, o PS e o PSD, mas para fazer eleger o Dr. Mário Soares como Presidente da República. 15to vem numa dessas secções, é público e foi lido.
O Orador: - Verifico que o Sr. Deputado Lucas Pires se serve de uma secção bem-humorada ou de bisbilhotice para fundamentar afirmações nesta Câmara.
Há também outra afirmação sua que me parece extremamente perigosa - aliás, já assinalada pelo Sr. Deputado José Luís Nunes -, que é quando faz a separação entre liberdades formais e liberdades reais.
Acho que essa dialéctica das liberdades formais e reais é mais um jogo de palavras do que propriamente uma análise correcta da sociologia da comunicação e liberdade. No entanto, o que me parece perigoso é o Sr. Deputado Lucas Pires dizer que são necessários 10 anos para conseguir obter as liberdades reais, manifestando com isso reservas quanto ao exercício efectivo das liberdades.
Como o Sr. Deputado sabe, em nome das liberdades reais, já se sacrificaram, ao longo da história, as liberdades autênticas. E há vários regimes que para justificarem a supressão das liberdades reais, da democracia parlamentar, das liberdades como todos as entendemos, têm invocado as liberdades reais. Não vale a pena estar a dar-lhe o exemplo dos regimes do Leste da Europa.
Não quero deixar de dizer ao Sr. Deputado que a sua referência sobre as rádios livres evidencia a contradição entre o discurso e a prática do CDS. O Governo, o PS e o PSD, apresentaram já nesta Câmara diplomas que visam regulamentar as rádios livres e não consta que o CDS tenha apresentado qualquer diploma sobre essa matéria.
Finalmente, o Sr. Deputado disse que a moção de censura apresentada pelo CDS visava provar que a liberdade é possível. Não, Sr. Deputado, essa moção prova que a liberdade é autêntica, efectiva. O facto de o CDS ter apresentado uma moção de censura nesta Assembleia é a demonstração que a liberdade existe, é efectiva e não apenas possível.
15so leva-me à conclusão, como já foi dito, que os objectivos reais da moção de censura não são aqueles que o Sr. Deputado Lucas Pires tem aqui proclamado com alguma ênfase. A moção é um bluff e só serve para acariciar o ego do Sr. Deputado Lucas Pires.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Mateus.
O Sr. Rui Mateus (PS): - Sou obrigado a invocar a figura de protesto, amigável, porque o Sr. Deputado - não sei se por lapso ou deliberadamente - não respondeu ao essencial das questões que lhe coloquei, em relação à CEE, as quais, modestamente, considero serem importantes.
De facto, os principais dossiers concluídos, nas negociações com a CEE, foram feitos ou pelo governo em que o Sr. Deputado Lucas Pires esteve presente ou por governos em que o CDS esteve presente. E eu gostaria de saber se o CDS é, ou não, co-responsável por essas negociações, porque esse aspecto é extremamente importante.
Em segundo lugar, perante tudo isto e tudo o que foi falado sobre a CEE, penso que seria também importante que nos dissesse se o Sr. Deputado e o seu partido continuam, ou não, fiéis ao princípio da adesão de Portugal à CEE. 15to não falando já da colagem à Espanha, que penso que não tem cabimento.
O Sr. (Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Aceito realmente a expressão viva do Sr. Deputado César de Oliveira sobre a questão das ditaduras. Mas, enfim, estou plenamente convicto de que essa ditadura económica das conquistas irreversíveis - perdoe-me o abuso de expressão, se quiser - é realmente um limite à soberania do povo português, à soberania popular. A maioria deste país não pode decidir contra .as conquistas irreversíveis. E o que é isso senão uma ditadura parcial?
Por outro lado, o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca insiste no ponto da alternativa. Alternativa é o partido que é capaz de ter a maioria e, portanto, indicar o primeiro-ministro. Julgo que esta é a formulação mais simples. No fundo é isso que o CDS quer e pretende. E é por isso que temos dito: só voltaremos ao governo quando for possível ao CDS indicar o primeiro-ministro.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Nunca mais volta ao Governo!
O orador: - Paciência, ficamos quase como a UEDS.
Risos.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Dá-me licença?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. César de Oliveira (UEDS): - Mas é que nós nunca nos propusemos isso. É uma prova de bom senso e realismo, o que não é extensivo ao CDS, pelos vistos. Eu nunca propus isso nem o quero, mas vocês querem. Mas não é fadista quem quer, mas sim quem nasce fadista.
O Orador: - Os ministros do CDS, até agora, limitaram-se a estar no Governo - como, aliás, o Primeiro-Ministro Dr. Mário Soares bem sabe - para ser fiéis a primeiros-ministros de outros partidos, mas chegámos à conclusão que essa solução não chegava.
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Julgo que nenhum primeiro-ministro tem razões para se queixar da infidelidade dos ministros do CDS. Foi esse o nosso principal compromisso no Governo, mas chegámos à conclusão que isso não chegava.
Quanto às afirmações do Sr. Deputado José Vitorino, V. Ex.ª tem uma interpretação diferente da minha quanto à questão da revisão constitucional ser ou não moeda de troca para o PSD. Não discuto essa interpretação do Sr. Deputado José Vitorino, desde que, naturalmente, ele não discuta a minha, que é a de que o PSD utiliza esta questão como mera moeda de troca no negócio com o PS.
O Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Não é, não!
O Orador: - Quanto às afirmações do Sr. Deputado Carlos Lage, já esclareci esse ponto sobre o Expresso, que é apesar de tudo, importante porque, como reparou, nessa notícia a declaração do ex-presidente Palma Ferreira vinha entre aspas, sublinhada a negro e era, portanto, aparentemente fidedigna. Não foi desmentida por ninguém e era uma remissão directa para o próprio inquérito que está a decorrer na Assembleia.
Quanto às liberdades reais, não sei se o Sr. Deputado percebeu muito bem o que eu queria dizer, porque o que considero é que as liberdades formais são as liberdades puramente jurídicas. Por exemplo, o Governo tem invocado aqui - até porque tem brilhantes produtores de leis, um dos quais continua sentado na respectiva bancada - que no fundo a liberdade consiste em haver liberdade jurídica, liberdade legal. Ora bem, não é isso! As condições de liberdade real para uma pessoa que, por exemplo, quer comprar aquilo para que já não tem dinheiro, estão-se a deteriorar em Portugal. E toda a gente sabe isso.
O Sr. Deputado Rui Mateus falou novamente da Comunidade Económica Europeira. Bom, quero aqui esclarecer um ponto, de uma vez por todas, que é o que o CDS é firmemente partidário da integração europeia. A nossa posição publicada sobre este ponto intitulava-se «Assim não», e o que lá dizíamos era que este Governo estava a conduzir mal essas negociações.
É evidente que o CDS também é co-responsável pelas negociações feitas anteriormente para a nossa integração na CEE, mas o que aqui dissemos foi que o primeiro-ministro tinha prometido publicar um livro branco sobre estas negociações e não o fez até agora, quando tal se justificava mais agora do que antes, e que tinha prometido negociar esses dossiers, não o fez e não disse porque é que o não fez. 15to foi o que eu aqui disse. Portanto, não se diga mais do que aquilo que disse.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Primeiro-Ministro, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, para que não subsistam dúvidas queremos desde já declarar que uma vez que a questão da censura ao Governo foi colocada na Assembleia da República, a resposta do PCP, sejam quais forem as considerações de oportunidade, só pode ser uma: votar favoravelmente a moção de censura ao Governo.
Fazemo-lo pelas razões que documentamente temos esclarecido perante o País e que aqui exporemos ao longo do debate e especialmente porque a actuação do
Governo é responsável pelo agravamento insuportável das condições de vida do nosso povo, pelo retrocesso da economia, pela quase ruptura financeira, pelo ataque às reformas democráticas do 25 de Abril e pelo não fucionamento regular e normal das instituições.
São razões opostas às do CDS, que no fundamental está contente e apenas, como ouvimos há pouco do Sr. Deputado Lucas Pires, acha que é pouco, queria mais liberalidades e poderes para o capital e menos liberdades e direitos para os trabalhadores.
Esclarecida a nossa posição, vou colocar ao Sr. Primeiro-Ministro três perguntas concretas e fazer um comentário.
O Sr. Primeiro-Ministro falou de radicalismo. V. Ex.ª não acha que as 58 medidas que acaba de assinar com o líder do PSD são um programa radical de direita, um programa radical do capital, que se conforma mal, já não direi com o programa do PS, mas com o programa inicial do Governo?
O Sr. Primeiro-Ministro falou do funcionamento das instituições. V. Ex.ª não acha que a circunstância de o Governo não ter apresentado até agora - mais de dois meses e meio passados sobre o prazo constitucional - a Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 1985 à Assembleia da República é um símbolo e um testemunho que por acção do Governo as instituições estão paralisadas?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Primeiro-Ministro falou de estabilidade governativa, V. Ex.ª acredita nela, uma vez que, ao contrário do que reza o acordo que acaba de assinar com o PSD, os ataques dentro da coligação continuam, vêm a público e o próprio Sr. Primeiro-Ministro não se inibe nem se coíbe de prosseguir a sua campanha para as eleições presidenciais, como prova o recente lançamento do livro Soares Portugal e a Liberdade, designado já por alguns comentadores, lembrando uma outra obra, de Novo Retrato?
Sr. Primeiro-Ministro, o País tem formalmente um Governo, mas não tem uma acção governativa digna desse nome. É por isso que a demissão e a substituição do seu Governo é a forma de ganhar tempo, evitar gastos e de corresponder verdadeiramente ao interesse nacional.
É por isso que votaremos a favor da moção de censura que está apresentada à Assembleia da República.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Primeiro-Ministro, uma vez que há mais inscrições para pedidos de esclarecimento, V. Ex.ª responde agora ou no fim de todos eles serem formulados?
O Sr. Primeiro-Ministro: - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, tentando relembrar as responsabilidades do CDS em anteriores Governos e omitindo a sua própria responsabilidades no governo PS/CDS, V. Ex.ª arran-
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1 SÉRIE - NÚMERO 30
jou uma imagem desculpante lembrando algumas manchas na política deste Governo.
Mas lembrou também que as manchas não começaram com o actual Governo, começaram antes. É verdade! Mas alastraram. E um erro nunca iliba outro erro. Pior ainda quando se insiste nele como faz o governo PS/PSD.
A mancha dos problemas sociais, envolvendo mais de 600 000 desempregados e 500 000 contratados a prazo, o tráfico de mão-de-obra, a degradação dos salários reais e o empobrecimento das camadas mais desfavorecidas da população seriam, só por si, um pesado libelo acusatório à política do Governo. Mas, a mancha mais negra, mais censurável e condenável, a manifestação mais extrema e mais chocante desta política é a existência de cerca de 150 000 trabalhadores com salários e outras remunerações em atraso, agravada agora pelo não pagamento do subsídio de Natal a dezenas de milhares de trabalhadores.
O Governo não pode limpar as mãos desta responsabilidade. Não pode, porque nem sequer se limitou a assumir a posição de Pilatos. Actuou num só sentido para calar, reprimir e mandar prender quem luta por um direito que é inseparável do próprio direito à vida - o direito ao salário.
Vozes d(r) PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quem se arroga de campeão das liberdades não pode só parecê-lo no estrangeiro, tê-lo sido no passado, mas sê-lo, hoje, de facto, no seu país e para o seu povo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Que critério, que visão ou sentido de justiça social e de legalidade democrática tem este Governo quando dá liberdade e impunidade, mesmo salvaguardando casos pontuais de dificuldades reais de algumas empresas, ao regabofe patronal, à amarra curta da Inspecção do Trabalho e usa mão pesada e repressiva sobre trabalhadores a quem é sonegado uma das expressões mais significativas do direito à vida - o direito ao salário?
Quando recentemente o Governo, a maioria governamental e o CDS aqui, sem uma alternativa, se pronunciaram contra um projecto de lei do PCP que visava medidas urgentes do Estado democrático face à calamidade dos salários em atraso, alimentaram a impunidade e a ilegalidade, tornaram mais negro o Natal e o futuro imediato de milhares de famílias desses trabalhadores.
Se é esta a sua visão de liberdade, então, ela é bem curta, Sr. Primeiro-Ministro. Não só por isso, mas também por isso, o seu Governo está fraco e isolado. Por isso, cairá como outros que governaram contra Abril e contra os trabalhadores e os seus interesses.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Primeiro-Ministro, na página 27 da intervenção que V. Ex.ª produziu declarou que « O Governo é um governo de diálogo e que quer o diálogo com todas as forças políticas, sociais e culturais, sem excepção».
O MDP/CDE, ao abrigo do Estatuto da Oposição, solicitou uma entrevista com o Sr. Primeiro-Ministro para debater os graves problemas nacionais. Porém, essa entrevista, pedida há mês e meio, ainda não foi concedida, o que parece provar a indisponibilidade do Governo para o diálogo.
E, não se diga que a importância de tais diálogos é medida em termos de representação parlamentar, pois a verdade é que o Sr. Primeiro-Ministro, um dia depois da nossa proposta, manifestou aqui, no Parlamento, o seu interesse, mais tarde reafirmado, salientando que tanto V. Ex.ª como o Sr. Vice-Primeiro-Ministro estavam interessados na concretização dessa entrevista - entrevista essa que estamos a aguardar há mês e meio.
O Sr. Primeiro-Ministro sabe que não partimos para o diálogo com o Governo numa atitude de colaboração com uma política que rejeitamos. Mas pensamos que a indisponibilidade do Governo para o diálogo é uma atitude sempre grave em democracia de particularmente na situação tão difícil que o País atravessa.
Sr. Primeiro-Ministro, sendo a dívida externa uma forte condicionante da nossa política económica, o problema da sua renegociação não pode ser adoptado com ligeireza. Sendo assim, porque afastou e afasta o Governo a hipótese de tentar acordar com os nossos credores internacionais condições mais favoráveis para a satisfação dos nossos compromissos, em alternativa à intensa degradação do aparelho produtivo nacional e à brutal redução do nível de vida dos portugueses?
Sr. Primeiro Ministro, não é desejável, não é possível, tentar acordar com os nossos credores condições menos duras para a satisfação das nossas dívidas e tentar uma renegociação global da nossa dívida externa, em vez de se aceitar passivamente as políticas cegas do Fundo Monetário Internacional que por todo o Mundo sofrem uma contestação geral?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Primeiro-Ministro, o País enfrenta hoje o perigo de uma ruptura financeira de gravíssimas consequências. O serviço da dívida externa em relação às exportações de bens e serviços passou de 28 % em 1983 para cerca de 45 % em 1984.
Com excepção do reduzido número de empresas ligadas à exportação, a generalidade das empresas, públicas e privadas, viram agravar-se substancialmente os seus problemas financeiros e a sua descapitalização.
No âmbito do sector financeiro, designadamente da banca comercial - para não falar no Banco de Portugal -, a política monetária restritiva agravou drasticamente as suas condições de rentabilidade: a margem de juros negativa passou dos 17 milhões de contos em 1982 para 44 milhões de contos em 1983 e para não menos de 60 milhões de contos em 1984. A apresentação de resultados positivos neste momento é já impossível, a não ser que se vá para a falsificação contabilística.
O Poder Central tornou-se no maior «caloteiro» do País, fundamentalmente em relação às empresas públicas; o défice orçamental que o Governo previa que fosse de 176 milhões de contos é já oficialmente de 265
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milhões de contos e se a esse défice adicionarmos os dos fundos autónomos teremos uma verba não inferior a 500 milhões de contos em 1984.
Que razões, Sr. Primeiro-Ministro, têm levado o seu Governo a não tomar medidas responsáveis e eficazes para evitar a ruptura financeira iminente? Ou tratar-se-á tão-só de tentar justificar pela bancarrota a necessidade da abertura de bancos privados?
Por outro lado, o Orçamento do Estado para 1985, que deveria ter sido aprovado por esta Assembleia até ao passado sábado, ainda não deu entrada nesta Câmara. Deste atraso resultam consequências económicas e financeiras para o País, já que, mesmo que venha a ser apresentado até ao final do ano, pelo menos os próximos meses de Janeiro e Fevereiro terão de ser vividos em regime de duodécimos de 1984. Por exemplo, as empresas fornecedoras do sector público administrativo, e em especial as empresas de construção civil e obras públicas, não serão fortemente afectadas, as autarquias locais não terão possibilidade de aprovarem em definitivo os seus orçamentos e programas de actividade, o País, de um modo geral, desconhecerá qual o exacto regime fiscal em que vai viver em 1985.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Face a estas e a outras consequências, seria oportuno que o Sr. Primeiro-Ministro assumisse as suas responsabilidades pelo atraso inconstitucional e informasse hoje, perante esta Câmara, quais os custos para o País da injustificada não apresentação atempada do Orçamento do Estado para 1985.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto termos atingido as 21 horas, os restantes 13 Srs. Deputados que se inscreveram para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Primeiro-Ministro ficarão com a palavra reservada para a próxima sessão.
Sendo assim, o Sr. Secretário vai enunciar os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: proposta de lei n.º 91/III, que autoriza o Governo, através do ministro das Finanças e do Plano, a celebrar com o Fonds de Réetablissement du Conceil de L'Europe contratos de empréstimo denominados numa ou várias moedas estrangeiras até ao contravalor de 150 milhões de dólares dos Estados Unidos da América; projecto de lei n.º 418/III, da iniciativa do Sr. Deputado José Tengarrinha e outros, do MDP/CDE, relativo à criação da Faculdade de Direito na Universidade do Porto.
Deu também entrada na Mesa o projecto de resolução n.º 41/III, assinado pelos membros da Comissão Parlamentar de Juventude, que apresentam à Assembleia da República a seguinte resolução:
A Assembleia da República manifesta a sua vontade política de consagrar em 1985, Ano Internacional da Juventude, o máximo esforço na procura
de soluções mais adequadas às aspirações da juventude portuguesa, nomeadamente através de:
a) Considerar prioritário o agendamento de
propostas e projectos de lei referentes
aos problemas da juventude, pelo que a
Assembleia da República definirá na actual sessão legislativa um período legislativo para a discussão dos referidos diplomas;
b) Realizar uma conferência nacional sobre os problemas juvenis subordinada ao tema «Participação, Desenvolvimento e Paz», através da Comissão Parlamentar de Juventude.
Deu igualmente entrada na Mesa o projecto de lei n.º 419/III, da iniciativa do Sr. Deputado Silva Marques, do PSD, que diz respeito à criação da freguesia de Vidoeira de Cima, no concelho de Leiria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão realizar-se-á amanhã, às 10 horas. Está encerrada a sessão.
Eram 21 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto. Alberto Manuel Avelino. António Jorge Duarte Rebelo de Sousa. José Manuel Niza Antunes Mendes. José Manuel Torres Couto. Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz. Rui Monteiro Picciochi.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes. Amadeu Vasconcelos Matias. Amândio Domingues Basto Oliveira. António D'Orey Capucho. Carlos Miguel Almeida Coelho. Cecília Pita Catarino. Daniel Abílio Ferreira Bastos. Euleutério Manuel Alves. Fernando José Roque Correia Afonso. João Maria Ferreira Teixeira. João Pedro de Barros. José de Almeida Cesário. José Ângelo Ferreira Correia. José António Valério do Couto. Luís António Martins. Manuel Teixeira Pinheiro.
Marília Dulce Coelho Pires Serafim de Jesus Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel. Octaviano Cabral Mota.
Partido Comunista Português (PCP):
João António Torrinhas Paulo. João Carlos Abrantes. Jorge Manuel Abreu de Lemos. José Manuel Santos Magalhães. Manuel Correia Lopes. Maria Odete Santos. Octávio Floriano Rodrigues Pato. Zita Maria Seabra Roseiro.
Raimundo.
Centro Democrático Social (CDS):
Francisco António Lucas Pires. Hernani Torres Moutinho.
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João Gomes de Abreu Lima. José Miguel Anacoreta Correia. Manuel Rodrigues Queiró. Pedro José Negro Feist.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
João Paulo Oliveira.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Gonçalves Janeiro. António Manuel Azevedo Gomes. Bento Elísio de Azevedo. Dinis Manuel Pedro Alves. Joaquim José Catanho de Menezes. Leonel de Sousa Fadigas. Maria Jesus Simões Barroso. Paulo Manuel Barros Barral. Ricardo Manuel Rodrigues de Barros. Redolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
António Joaquim Bastos Marques Mendes. José Vargas Bulcão. Manuel Ferreira Martins. Pedro Paulo Carvalho Silva. Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
Maria Luísa Cachado. Maria Margarida Tengarrinha.
Centro Democrático Social (CDS):
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. João Lopes Porto. José Augusto Gama. José Vieira de Carvalho.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Raul Morais e Castro.
Relatório e pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos enviados à Mesa para publicação
Em reunião realizada no dia 18 de Dezembro de 1984, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
Joaquim Dias Carneiro (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Teixeira Pinheiro. Esta substituição é pedida para os dias 18 a 21 de Dezembro corrente, inclusive.
Raul Gomes dos Santos (círculo eleitoral dos Açores) por Octaviano Geraldo Cabral Mota. Esta substituição é pedida por um período não superior a 90 dias, a partir do dia 17 de Dezembro corrente, inclusive.
Solicitados pelo Partido do Centro Democrático Social:
José Luís da Cruz Vilaça (círculo eleitoral de Coimbra) por Manuel Tomás Cortez Rodrigues Queiró. Esta substituição é pedida para os dias 18 a 20 de Dezembro corrente, inclusive.
António José Tomás Gomes de Pinho (círculo eleitoral de Lisboa) por Pedro José Dei Negro Feist. Esta substituição é pedida por um dia (18 de Dezembro corrente).
Solicitada pelo Partido do Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Raul Fernandes de Morais e Castro (círculo eleitoral do Porto) por João Manuel Caniço de Seiça Neves. Esta substituição é pedida por um dia (19 de Dezembro corrente).
Solicitada pelo Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira (círculo eleitoral de Setúbal) por João Paulo de Oliveira. Esta substituição é pedida para os dias 18 a 20 de Dezembro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: O Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, António Nascimento Machado Lourenço (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - José Maria Roque Lino (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Teófilo Carvalho dos Santos (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - José Augusto Santos Silva Marques (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Luís Filipe Paes Beiroco (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
Em reunião realizada no dia 18 de Dezembro de 1984, pelas 17 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputados: solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Rogério da Conceição Serafim Martins (círculo eleitoral de Lisboa, por Amadeu Vasconcelos Matias. Esta susbstituição é pedida para os dias 18 a 21 de Dezembro corrente, inclusive.
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Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: O Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, António Nascimento Machado Lourenço (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Luís Filipe Paes Beiroco (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
OS REDACTORES: Leonor Caxaria Ferreira - Carlos Pinto da Cruz.
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PREÇO DESTE NÚMERO 100$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.