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I Série-Número 43
Sábado, 26 de Janeiro de 198S
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 25 DE JANEIRO DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs.
Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Mala Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo Vasconcelos
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 40 minutos.
Prosseguiu a discussão na generalidade das propostas de lei n.ºs 94/III (Grandes Opções do Plano para 1985) e 95/III (Orçamento do Estado para 1985) - que foram aprovadas -, tendo intervindo, a diverso título, além dos Srs. Ministros das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes) e de Estado e dos Assuntos Parlamentares (Almeida Santos) e dos Srs. Secretários de Estado da Defesa Nacional (Figueiredo Lopes), do Orçamento (Alípio Dias) e dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino), os Srs. Deputados Meneses Falcão (CDS), Rogério de Brito (PCP), Manuel Luís Fernandes (PS), Mário Adegas (PSD), Carlos Carvalhas e João Amaral (PCP), César Oliveira e Lopes Cardoso (UEDS), Custódio Gingão (PCP), Abílio Curto (PS), Joaquim Miranda (PCP), Lobo Xavier (CDS), Domingues Azevedo (PS), Anselmo Aníbal e Octávio Teixeira (PCP), Pinheiro Henriques (MDP/CDE), Joaquim Miranda (PCP), Reis Borges e Paulo Barrai (PS), Magalhães Mota (ASDI), Hasse Ferreira (UEDS), Raul Castro (MDP/CDE), Nogueira de Brito e Lucas Pires (CDS), José Luís Nunes (PS), Carlos Brito (PCP), José Vitorino (PSD) e Manuel Alegre (PS).
Entretanto, foi rejeitado um requerimento, apresentado pelo CDS, no sentido de se proceder à votação nominal, tendo produzido declaração de voto os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS), Carlos Brito (PCP), José Luís Nunes (PS) e António Capucho (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente (Manuel Pereira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 40 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Abílio Nazaré Conceição.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Almerindo da Silva Marques.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Custódio das Neves Ramos.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco José Fernandes Leal.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Hãndel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga..
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
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José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Martins Pires.
José Maximiano Almeida Leitão.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Manuel Luís Gomes Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Isabel Nunes Cabral.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
Nuno Álvaro Freitas Alpoim.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.
Zulmira Helena Alves da Silva.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
Anacleto Silva Baptista.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Roleira Marinho.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Silva e Sousa.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
João Domingos Abreu Salgado.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Manuel Pires das Neves.
José Mário de Lemos Damião.
José Nobre Fernandes.
José Silva Domingos.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário Martins Adegas.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Serafim de Jesus Silva.
Victor Manuel Pereira Gonçalves.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Luísa Cachado.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
António Bernardo Lobo Xavier.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
José Carlos Pinheiro Henriques.
Raul Morais e Castro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Octávio Luís Ribeiro da Cunha.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem de trabalhos de hoje é a continuação do debate na generalidade das propostas de lei n.ºs 94/III (Grandes Opções do Plano para 1985) e 95/III (Orçamento do Estado para 1985).
Como os Srs. Deputados têm em vosso poder uma nota da distribuição dos tempos disponíveis por cada um dos grupos e agrupamentos parlamentares, não vale a pena repeti-la.
Assim, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Falcão.
O Sr. Meneses Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Um orçamento de Estado, como qualquer outro, não será um instrumento de precisão a funcionar como espartilho na Administração Pública, mas é uma regra aritmética e uma definição de critérios a disciplinar o comportamento dos gestores, que hão-de subordinar-se aos meios de que dispõem para praticar uma administração fiel aos conceitos de justiça distributiva.
Não foi para citar estas banalidades que aqui vim.
Estou aqui porque sou um voto que hei-de praticar conscientemente, como portador de milhares de votos. Poderão não ser os que traduzem a estratégia ou a interpretação dos responsáveis dos diferentes partidos. E até no meu, outros fizeram e farão a sua análise dos instrumentos em apreciação, com a precisão e a responsabilidade de quem sabe falar a linguagem da ciência jurídica e penetrar no mundo da economia política em termos de mais credibilidade técnica.
A minha linguagem é outra e é determinada por três factores que correspondem a outras tantas linhas de força, significando a voz do povo, coberta por autoridade democrática e com assento neste Parlamento.
Três realidades distintas, colhidas através do chamado conhecimento em segunda mão: «o País, por força das dívidas no quadro dos empréstimos, juros e amortizações, está à beira de uma situação ingovernável», disse-o o Sr. Primeiro-Ministro.
A verdadeira independência nacional já não existe - dizem-no os condicionalismos e exigências dos nossos credores.
E a fome já não se esconde em casa. Dizem-no os que vêm à rua a reclamar o salário devido ao seu trabalho, a denunciar a exiguidade dos seus rendimentos ou a gemer o peso das tributações e desigualdades sociais. Como corolário destas enunciações, temos que o nosso edifício económico tem os alicerces minados; mas fingimos ignorá-lo e continuamos a pintar a fachada.
A incerteza no dia de amanhã, sucessivamente eleita em processos de boas intenções, subiu ao podium e tem como damas de honor a crise moral e a crise económica.
Não trago aqui estas afirmações sérias em alegorias de trágica ironia para as despejar no caldeirão do Orçamento do Estado, onde, normalmente, cabem todos os desabafos consentidos pelos preceitos regimentais. Pretendo, tão-somente, traduzir o pensamento de muitos milhares ou até milhões, cuja voz aqui não pode chegar directamente, sabendo embora, os riscos que corro com a minha maneira de dizer o que toda a gente sente.
Mas esse risco não é nada comparado com a tranquilidade de consciência que pretendo preservar.
Conheço o argumento de que até as nações ricas apresentam défices nos seus orçamentos, mas todos sabemos que, nos países bem governados, essas situações
deficitárias funcionam com conta, peso e medida, e têm uma cobertura localizada no tempo e em dados concretos.
Mas quando verificamos que o Orçamento de 1985 contém «o maior défice da história de Portugal» - como se lê em títulos de caixa alta - atingindo 335,7 milhões de contos, qualquer cidadão de letras gordas se interroga e quer saber como é possível compatibilizar tal situação com uma carga fiscal que já não aguenta mais, com o custo de bens essenciais que atingiu o estado de alarme e com uma dívida astronómica ao estrangeiro! Quando o povo se interroga há que dar-lhe uma resposta.
Ora bem, não serei eu a fazer comentários quanto ao significado destes números no exame comparativo com os anos anteriores, à redução na balança de pagamentos, ou outros factores que pesam positiva ou negativamente no trabalho dos governantes que dirigem os nossos destinos. Pertenço até ao número dos poucos que lamentam o embaraço dos responsáveis pela administração central e acreditam na sua boa fé e sacrificado esforço em busca de soluções úteis.
Mas não podemos ignorar que os juros da nossa dívida exigirão 25 a 24 milhões de contos/mês - afirmação do Sr. Secretário de Estado do Orçamento; que 76 milhões de contos devem as empresas à Segurança Social - afirmou-o a Sr.ª Secretária de Estado da Segurança Social; que 77 milhões de contos devem as autarquias à EDP. O Estado também deve.
A EDP, certamente por estas e por outras, deve ao estrangeiro 357 milhões e vai-se defendendo aumentando as taxas para isso e outras coisas mais...
Na crista da onda estão também as dívidas da imprensa estatizada e privada à banca nacional, banca suportada por quantos vão resistindo, quer seja na benéfica exportação dos vinhos, quer seja na incrível importação de passas de uva.
Sinto, por isso, que a esperança dos Portugueses não pode nascer num signo tão complicado...
É altura de admitir que devo interrogar-me ou até que me interroguem no sentido de saber com que propósito encaminho esta intervenção.
A resposta é muito simples: não acredito nos sábios que entendem que o nível de vida das populações se constrói por decreto. Não acredito nos moralistas que entendem que os desníveis de vida - entenda-se, desigualdades sociais - podem suportar-se por força da força bruta dos privilegiados. Não confio numa administração que não sabe estabelecer escalas de prioridades. Não atribuo lucidez de espírito onde se teima em viver com aquilo que não existe. Não dou confiança política a quem reclama credenciado por simples boas intenções.
Dir-se-ia que neste país todos sabem e ninguém aceita que o Orçamento do Estado é uma manta de retalhos com a qual todos pretendem agasalhar-se.
Não chega para tudo nem para todos, nem pode chegar.
É pouco para a saúde, pouco para o ensino, pouco para o equipamento social, pouco para as autarquias, e assim por diante.
Que medidas se tomam para fazer compreender aos cidadãos que também em política administrativa a ambição é inversamente proporcional à satisfação dos anseios?
Que medidas se tomam para impedir o abuso de alguns servidos e servidores da saúde pública, que ab-
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sorvem indevidamente aquilo que seria suficiente para eliminar tantas carências?
Que medidas se tomam para poupar o que resultaria da moderação de regalias a quem não precisa ou não tem direito a elas na acção do Estado junto das populações escolares que andam a brincar aos estudantes?
Que disciplina é a do Governo, como tem sido a de outros governos, que funciona com obras megalómanas no quadro da nossa economia, para a satisfação de compromissos eleitorais, à custa de dívidas que hão-de comer a conservação de empreendimentos, que não são investimentos, mas realizações mal distribuídas no espaço e no tempo?
Como pode aceitar-se que se funcione com obras a crédito, que acaba por não ser satisfeito e provoca falências em cadeia, com repercussões trágicas nos diferentes agentes económicos e com grave prejuízo dos próprios rendimentos fiscais do Estado?
Porque se fazem despesas vultuosas com iniciativas inúteis ou obras idealmente desejáveis, mas sem utilização prática e muito menos prioritárias?
Porquê a ansiedade de fazer em 2 anos o que podia ser feito em 4, ou em 4 o que estaria de acordo com as nossas possibilidades em 8 sem efeitos desastrosos nos défices das contas do Estado?
Que Segurança Social é a nossa, que tem pensões desactualizadas e pensionistas de legitimidade duvidosa com prejuízo de quantos sofrem a falta de justiça distributiva?
1 800 000 pensionistas num país de 10 milhões de habitantes?! Não serão inactivos a mais?
Porquê aquelas dívidas à Previdência por força de uma ruína económica em que as empresas estagnam e definham consumidas por encargos decretados para cobrir défices noutro lado irrealisticamente sanados?
Meritório, sem dúvida, o trabalho de muitas autarquias, sustentadas por força de uma lei que não é nem pode ser cumprida mas que continua no papel a cobrir a legitimidade formal dos que acusam o Governo de escandalosas restrições, desvios e fraudes orçamentais.
Funciona aí, como noutros sectores, um erro político de base, reconhecido mas mantido para alimentar o mercado de votos...
Os bons gestores são poucos e esses aproveitam a maré para valorizar um património que amanhã não hão-de poder sustentar.
Os maus gestores são muitos, politicamente recrutados e muitas vezes principiantes, sempre mais preocupados com o contentar de clientelas do que com o princípio aqui defendido pelo Sr. Ministro das Finanças no seu discurso de apresentação, quando defendeu uma «gestão permanentemente atenta e rigorosa». Não é verdade, Sr. Ministro?
E há ainda gestores que abusam da liberdade de fazer dívidas, que também não afinam pelo mesmo Sr. Ministro quando lembrou aqui que «é mais fácil contraí-las do que pagá-las».
Que importa ao cidadão comum correr à pressa para as estatísticas europeias em benefício de comodidade não essencial, sabendo que isso há-de custar aos seus filhos e netos sacrifícios que os hão-de fazer pagar caro o irrealismo de um progresso de pés de barro?
Com que tranquilidade descem os governantes à rua depois de despachar tolerâncias, benesses e abusivas liberdades constitucionais, sabendo que vão cruzar-se com a arrogância dos altos beneficiários da crise - é dos livros que é nas grandes crises que se fazem as grandes misérias e as grandes fortunas - com os que arrastam com santa humildade ou legítima vociferação a sua penúria ou até com aqueles que perderam o conceito de honestidade em frente dos desperdícios que fariam a sua abastança?
Não teria sido propriamente por isto, foi certamente por razões mais ao alcance da razão, na sua linguagem de estadista, que o Sr. Ministro das Finanças nos disse que «há uma responsabilidade colectiva a assumir».
Certamente que sim, Sr. Ministro. E essa responsabilidade passa pela certeza de que há muito onde economizar para ser possível elaborar um orçamento com menos despesas. Menos despesas para que não sejam cada vez mais as receitas forçadas à custa dos que vão ficando pelo caminho.
A degradação é tão grande que o processo de recuperação já levará muitos anos se ainda for possível pegar-lhe a sério. Mas ainda é possível. Basta que os interessados no quanto pior melhor sejam neutralizados e todos os outros, governantes e governados, vivam para o País que temos e abandonem a ideia de viver num país, mais ou menos legitimamente ambicionado, mas que não existe!
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: As Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1985 mais não traduzem que a continuidade da política executada por este Governo em 1984 e que no respeitante à agricultura mais não constitui que o aprofundamento da política desenvolvida pelos governos em que participaram o PS e o PSD desde 1977, com resultados calamitosos.
É inegável, na verdade, a acentuada quebra da produção agrícola - a diminuição do produto agrícola bruto tem diminuído à taxa média anual de 2,8 %; a diminuição constante dos rendimentos reais dos agricultores ao ritmo de 3 % ao ano; a crescente descapitalização da agricultura, que caminha para o seu total esgotamento, sendo de realçar que os consumos intermédios, onde pesam fundamentalmente os factores de produção, absorvem já mais de 45 % da produção efectiva, o que corresponde a mais de 80 % do valor acrescentado bruto.
A retracção do investimento produtivo é tal, que a formação bruta de capital fixo na agricultura se queda nos 5 % do total da formação bruta no País. O agravamento da nossa dependência alimentar face ao estrangeiro é responsável por cerca de 50 % do défice da balança comercial. O consumo alimentar, no que respeita a bens essenciais, vem-se degradando, apesar das despesas com a alimentação já representarem mais de 50 %- no total das despesas dos consumidores em bens e serviços.
Não se trata de azar; diria mesmo que é triste mas não é fado. É o resultado inevitável de uma política antinacional que está comprometendo o presente e que, a persistir, ameaça condenar o futuro.
Na execução desta política avultam as medidas que o Governo denomina de estruturais para as áreas da
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comercialização e preços, as únicas, aliás, que o Governo explicita nas Grandes Opções do Plano e que assentam em três linhas de acção: a liberalização das importações, a redução da acção interventora do Estado e a chamada política de «preços reais».
O sentido real destas medidas traduz-se no esvaziamento, delapidação e progressiva liquidação de empresas públicas e organismos de coordenação económica; no domínio crescente dos circuitos comerciais e mecanismos de formação dos preços por parte do grande comércio e indústria; na cedência ao sector privado capitalista, onde tendem a constituir-se oligopólios dominados pelo capital estrangeiro, das principais estruturas de mercado, bem como dos mais importantes ramos do comércio de importações agro-alimentares, onde deveriam prevalecer sobretudo os interesses nacionais. Atente-se o problema que hoje se coloca da liberalização de cereais - já nem coloco a questão em termos de a EPAC competir no mercado em igualdade de circunstâncias com a concorrência, mas sim em liquidá-la, pura e simplesmente.
O mesmo se deve dizer do processo em desenvolvimento para retirar às cooperativas leiteiras a exclusividade da recolha e concentração do leite nas zonas organizadas e do projecto em curso de fecho de matadouros para implementar aquilo a que o Governo, na sua semântica, denomina de Rede Nacional de Abate, mas que não passa, na prática, da criação da rede nacional dos grandes industriais de carnes e comerciantes de gado.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - Estamos assim confrontados com uma falsa política de liberalização da actividade económica, que vem conduzindo à crescente anarquia do mercado e ao brutal agravamento do desequilíbrio nas relações intersectorais. Curioso que este Orçamento apenas disponha de uma dotação inferior a 110 000 contos para infra-estruturas de comercialização. É assim que se pretende alterar as estruturas.
Por outro lado, persiste uma política de crédito inadequada a uma actividade caracterizada por baixo nível tecnológico, impossibilitando-a, na maioria dos casos, de criar excedentes com razoáveis taxas de rentabilidade. Em consequência, apenas cerca de 10 % das explorações agrícolas têm tido acesso ao crédito para investimento. Na prática, esta política apenas tem servido a especulação, os grandes proprietários e as explorações que, tecnocraticamente, o Governo considera de dimensão europeia. É a tal condicionante da integração europeia - não deixaria de ser curioso sabermos onde estão a ser aplicados subsídios e auxílios de pré-adesão relativos a estas áreas da agricultura.
Entre 1981 e 1983 no que respeita ao arrendamento rural, às tabelas de rendas máximas, o aumento médio global situou-se próximo dos 100 % mas este Governo já em 1984 procedeu a um novo e incrível aumento, da ordem dos 114 % em média, que em certos casos chegou aos 400 %. Isto é mais que irresponsabilidade, é loucura. A política de arrendamento rural tem contribuído não só para gerar instabilidade mas também para acentuar a descapitalização da agricultura, condicionando fortemente o desenvolvimento económico agrícola em cerca de 40 % da superfície agrícola.
Quanto à política florestal, ela vem servindo quase exclusivamente os interesses da indústria da celulose, inviabilizando, em grande parte do território, o povoamento florestal de uso múltiplo. A eucaliptização e a florestação industrial indiscriminadas têm-se sobreposto à correcta gestão dos nossos recursos naturais e aos interesses e direitos legítimos das economias locais, onde se incluem as comunidades dos baldios. Também aqui não deixa de ser significativo que num orçamento para o Ministério da Agricultura que apenas concede uma dotação inferior a 5 milhões de contos, cerca de 30 % sejam para florestação e que 50 000 hectares que se prevêem ser florestados mais de 30 000 sejam para os serem pelas grandes celuloses e que outros 20 % mais de 60 % serão florestados pela Direcção-Geral de Florestas seja também para floresta industrial.
O presente Orçamento evidencia ainda que a gestão e aproveitamento dos recursos hídricos estão longe de ser conduzidos de forma equilibrada e integrada.
O Alqueva continua em gestação. As obras de regularização efectiva dos vales do Tejo e do Sorraia continuam a ser adiadas, não se garantindo sequer a contenção da degradação da situação já de si precária. As recentes cheias e os prejuízos decorrentes, sem que os agricultores e a população em geral disponham de seguros que cubram tais riscos, constituem um grave libelo acusatório.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - As obras do Mondego e da Cova da Beira, e os problemas que têm suscitado, reflectem as extremas dificuldades resultantes da falta de uma gestão integrada bem como o divórcio ou a falta de comunicação entre as acções e projectos do Ministério da Agricultura, do Ministério do Equipamento Social e os agricultores.
Importa sublinhar finalmente que, apesar de omitida nas Grandes Opções do Plano e no Orçamento, a ofensiva contra a reforma agrária tem continuado a ser um dos objectivos centrais da acção governativa.
Prosseguem as reservas ilegais e a fragmentação ou mesmo liquidação de UCPs/Cooperativas através dos denominados concursos públicos de terras para depois se tirar as terras aos agricultores e devolver aos agrários, como tem estado a acontecer.
O Governo continua a não acatar as decisões judiciais, recorrendo ao expediente de uma falsa reinstrução dos processos, o que conduz a nova série de despachos e reservas ilegais e perpetua as situações de ilegalidade e arbítrio.
Fomentando a instabilidade, gerando a insegurança e destruindo a estrutura produtiva das UCPs/Cooperativas, o Governo impede que numa área importante da actividade agrícola se possam aproveitar e desenvolver em pleno os recursos e potencialidades disponíveis.
Acresce que no quadro de toda esta política desastrosa o Governo prepara para a agricultura uma contra-revolução legislativa, prefigurada no acordo PS/PSD que visa a liquidação dos baldios, o agravamento da legislação sobre o arrendamento rural e a liquidação da reforma agrária.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - Não admira, pois que os agricultores e trabalhadores agrícolas venham travando, de norte a sul do País, uma luta persistente e justa, que traduz não apenas uma vaga crescente de descontentamento
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e repúdio pela política governamental mas, também, a certeza de que é possível desenvolver a agricultura, aumentando a produção, absorvendo novas tecnologias e melhorando substancialmente as condições sócio-económicas nos campos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - As Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1985 reflectem a inexistência de um política agrícola democrática; aliás não existe nenhuma política agrícola.
A indefinição de políticas sectoriais e subsectoriais inviabiliza a apreciação integrada das dotações orçamentais.
Estamos perante um Orçamento e uma política que não servem os interesses do País. Por isso os rejeitamos.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Luís Fernandes.
O Sr. João Luís Fernandes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não esperam os Portugueses que este Orçamento do Estado venha finalmente resolver todos os seus problemas, como não acreditam que uma pessoa o consiga qualquer que seja a parte do globo onde se encontre.
Mas, passados que são 18 meses sobre a tomada de posse do actual Governo, é legítimo esperar que as propostas de lei que estão em discussão permitam aos trabalhadores ter algo mais que esperança.
A discussão do Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano é um dos momentos que torna possível a este ou àquele grupo ou agrupamento parlamentar, a este ou àquele Sr. Deputado alguma evidência por vezes para um consumo determinado. Mas é também um momento em que a solidariedade e a corresponsabilidade tem de ir para além das palavras.
O Grupo Parlamentar do Partido Socialista não pretenderá ser mais governo que o Governo, mas não ignora que este emana desta Câmara que criou as condições para que os Portugueses sentissem para além da esperança a estabilidade necessária.
À população trabalhadora do nosso país a quem tantos sacrifícios foram pedidos e que de uma forma, que direi quase resignada, os aceitou, exige que 1985 seja um ano melhor que o anterior. Aos socialistas nesta Câmara se impõe também o dever de tudo fazer para que tal aconteça.
Algumas medidas recentemente assumidas pelo Governo prenunciam uma certa melhoria.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Vê-se!
O Orador: - Que esse sentido possa ser a constante de 1985 e deva ser uma aposta do Governo. A queda do poder de compra dos Portugueses revelada no ano que findou terá de ser reparada no que agora se inicia e a vontade política que nesse sentido este Orçamento de Estado revela não pode deixar de ter o apoio dos socialistas. Naturalmente que para os profetas da desgraça que dentro e fora desta Câmara apostam na confusão e na descrença, os documentos que hoje estão em discussão são maus, como o serão outros, desde que não sejam os seus documentos mas a afirmação permanente de que tudo é uma desgraça revela apenas à característica de um comportamento que vai saturando os Portugueses, porque é falho de alternativas credíveis.
Não podemos pintar a nossa intervenção com cores que demonstrem satisfação quanto ao presente dos Portugueses mas não caímos na tentação fácil do brilhante para alimentar a comunicação social que temos.
Problemas como o dos salários em atraso e do desemprego não são doutro planeta. São do nosso e de hoje. Não é exigível ao Governo que resolva só por si um problema de várias entidades, mas ao Governo exige-se que entre outras sejam assumidas no âmbito da Inspecção de Trabalho, medidas tendentes a confirmar se em muitas empresas o não cumprimento das mais elementares obrigações das entidades patronais resulta das dificuldades reais das empresas ou da tentação fácil para o golpismo e oportunismo.
Os inúmeros subsídios concedidos a muitas empresas revelam por parte do Governo preocupação quanto aos problemas e devem merecer um rigoroso controle da sua aplicação, sob risco de, se assim não for, poder continuar a pedir-se sacrifícios sem objectivos definidos ou para alimentar alguns que em nome da crise se vão governando.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Orçamento do Estado é o documento que o Governo julgou possível.
Os deputados do Partido Socialista, cujas responsabilidades estão para além do voto manifestado nesta Assembleia, não ignoram que é aqui que assumem as posições que têm a ver com o futuro dos Portugueses, no quadro do nosso regime democrático. A nossa posição sobre o que nos é proposto revela, sobretudo, a crença de que a acção do Governo na sua aplicação tornará menos difícil a vida dos Portugueses.
Compete ao Governo saber corresponder à expectativa que esta posição encerra.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Adegas.
O Sr. Mário Adegas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Quem, como eu, não tem dúvidas acerca da necessidade de manter e aperfeiçoar a solução política consubstanciada no acordo governativo e parlamentar celebrado entre o PS e o PSD, naturalmente que se obriga também a, coerentemente, tentar contribuir para a sua eficácia global.
Por isso mesmo, quando há pouco mais de um ano aqui apreciámos, em termos político e técnico, as Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado para 1984, expressando um inequívoco apoio acompanhado de recomendações pertinentes e sérias, outra não era nem podia ser a minha intenção que a de contribuir para o aperfeiçoamento e rectificações de tudo aquilo que fosse susceptível de ser modificado para melhor.
Julgo ter repetido tal posição aquando da mais recente apreciação, nesta Câmara, das alterações ao referido Orçamento, natural e compreensivelmente com algum desencanto, por ter constatado que o rigor apetecido e apregoado e as melhorias proclamadas não tinham passado de mera ilusão política.
Mas ao contrário do que se poderia admitir eu não estou hoje, em termos de discussão orçamental ou de interpretação das Grandes Opções do Plano, objecti-
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vãmente mais triste ou mais desapontado do que poderiam significar as minhas preocupações de então.
Ser-me-ia, por isso, talvez possível pedir aos Srs. Deputados e aos membros do Governo eventualmente interessados, que as minhas posições de hoje pudessem ser conhecidas, em grande parte, através dos comentários aqui desenvolvidos na altura.
Como quer que seja, porém, subsistem, mesmo nesta apreciação na generalidade, diferenças que importa evidenciar.
Com efeito, para além de se tratar de documentos e de situações bem diferentes, também as condições envolventes se alteraram profundamente e daí haver necessidade portanto de comentários actualizados.
É o que vou fazer com uma intenção bem marcada de clarificação política pessoal e de sistematização do próprio comentário, normalmente muito subestimadas e confundidas nas discussões na generalidade.
As propostas de lei n. º 94/III - Grandes Opções do Plano - e n.º 95/III - Orçamento do Estado para 1985 - sendo, como são, no reconhecimento geral e na tradição da vida parlamentar, documentos da maior relevância, não devem, porém, extravazar das suas áreas específicas e transformar-se em qualquer universo único de toda a nossa vida política.
Digo-o não para lhes retirar qualquer parcela da sua própria importância mas para tentar evitar o seu, em meu entender, incorrecto enquadramento, correndo embora o risco de assumir uma posição isolada, eventualmente polémica.
É que, duvidando da eficácia concreta dos comandos macro-económicos destas ou de quaisquer outras Grandes Opções do Plano numa economia que continua desalinhada como a nossa e na conjuntura actual, também não atribuo - e peço desculpa por esta falta de ortodoxia - ao Orçamento do Estado aquela característica ou qualidade superior de ponto de referência, de mobilização, rectificação ou disciplina da própria economia.
É um elemento importantíssimo da actividade económica? Sem dúvida.
Mas, para mim, é talvez e apenas um dos espelhos dessa mesma economia. Por isso e porque considero, desde há muito tempo, que o artificialismo social e político, económico e financeiro em que estamos profundamente tão mergulhados que o consideramos já como regra, está na origem de tudo o resto e porque considero ainda que a política orçamental não tem força suficiente para, por si própria, alterar o estado das coisas, eis-me a concluir que este Orçamento do Estado para 1985 não é o possível, muito menos o desejável, nunca obviamente o melhor, mas, pura e simplesmente, o Orçamento inevitável.
A tradução financeira que é, significa, também e somente, que os vectores social, económico-financeiro e a interpretação político-partidária que lhes é dada no momento presente não permitiram outra qualquer resposta.
Esta não é pois, em meu entender - limito-me a interpretar factos e a fazer a leitura política do seu atraso na chegada à Assembleia da República -, a proposta político-económica e financeira que o Ministério das Finanças e do Plano desejaria subscrever e teve, obviamente, versões acentuadamente diferentes ao longo do seu percurso. Para mim, tal facto não constitui, porém, qualquer surpresa; a proposta para o ano de 1986 ainda o será menos, em meu modesto e despretensioso entendimento, e quem cá estiver verá porquê.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tanto se tem falado nas necessárias e indispensáveis alterações estruturais da economia, consideradas elemento fulcral para o êxito de qualquer política económica que vise um progresso real e sustentado, que a expressão quase tem já total assimilação popular.
Só que é legítimo duvidar que existam consensos na definição das políticas sectoriais que lhe hão-de dar tradução, na inventariação dos recursos financeiros e humanos exigíveis, na inevitável hierarquização quando se propiciar a própria execução.
E por isso, e porque é previsível existirem hesitações nessa altura, o mais provável é ter de passar ainda muito tempo para se conhecerem os seus contornos e usufruirmos dos seus resultados.
Talvez se justifique, pois, que o Governo, no seu seio e nos comandos ou orientações da política, do mesmo passo que cuida do relançamento do investimento produtivo através das propostas em debate, a inserir e a ampliar nos programas anunciados ou de quaisquer outros, consiga prévia e prioritariamente restabelecer, rectificar, «revolucionar», se preciso for, todos os entorses actuais do normal funcionamento de uma economia em bases sãs.
Por mim este seria o desafio, carecido de muito menos meios financeiros do que capacidade e competência técnica e política, de seriedade e de entusiasmo, enfim, de mobilização.
Uma nota complementar: as decisões e as orientações de base visando algum relançamento do investimento produtivo deviam, e têm de ter, nesta fase, uma assumida e desinibida inclinação em favor do sector privado da economia, não como resultado de qualquer pudor ideológico ou opção definitiva, mas tão-somente por se considerar - como julgo dever ser o caso - ser necessário promover um melhor equilíbrio global, já que o sector público empresarial do que carece realmente não é de maior dimensão mas de melhor racionalização, não é de mais meios mas de melhor gestão, de ser atacado ou defendido, mas sim julgado e fiscalizado apenas por quem tenha competência para tal e esses requisitos, nota-se publicamente que são escassos face às muito imprecisas afirmações que pululam no nosso mundo económico e político.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os objectivos e orientações da política orçamental devendo constituir a parte mais nobre da própria proposta constata-se na mesma que os aliás obviamente exigíveis esquemas de análise da situação económica geral e adequada articulação com as alterações previsíveis, foram estudados devidamente e são, portanto, credíveis.
Ganhariam, no entanto, ainda melhor qualificação técnica se nela se acentuassem menos os méritos da travagem verificada no défice externo, discutível por desnecessário quanto ao montante global e final face aos custos económico-financeiros e sociais que lhe estão associados para a sua dimensão, e se se não referisse o peso dos juros da dívida pública mencionado como incómodo obstáculo...
Era como se, acabando de bater o recorde dos 400 m barreiras, o respectivo recordista dissesse: «E se não fossem as barreiras ainda teria feito melhor tempo.»
As referências feitas às cobranças das receitas no ano transacto merecem a minha concordância; mas tal já não sucede do lado das despesas, em que as justificações para o crescimento verificado em 1984 deveriam ser assumidas e caracterizadas com mais frontalidade.
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Com efeito, não se trata de recusar o reforço em áreas como a da educação, da saúde e da segurança social, o que seria técnica e politicamente sempre aceitável desde que os desvios o tivessem sido em amplitude controlada, o que infelizmente não foi o caso.
Aproveite-se, pois, da análise para a acção futura, pois tratou-se predominantemente de, em meu entender, inadequada articulação político-financeira.
Com alguma parcela positiva, isso sim, foi a rectificação tentada através do estímulo da actividade económica com o lançamento de algumas obras públicas.
É intenção do Governo proceder, como é afirmado nas propostas, em articulação com o Programa de Recuperação Financeira e Económica, à implementação de uma política de relançamento da economia tendo presente a embora condicionante de não poder desequilibrar excessivamente as contas com o exterior. Há um limite para a sua possível gestão e controlo, como se sabe.
No preâmbulo do Orçamento do Estado é explicado como vai ser desenvolvida tal estratégia.
Não me compete, como deputado da maioria, duvidar de tão elevado desígnio do Governo e quero afirmar mesmo, com clareza, o quanto seria reconfortante sentir que os principais responsáveis políticos partiriam para tão grandiosa tarefa com entusiasmo e sabendo todos ou tendo todos de tal cruzada uma ideia comum ou próxima, uma convicção verdadeira, adequada disciplina e solidariedade de acção, e que os quadros superiores da Administração Pública do sector empresarial do Estado, os agentes económicos em geral, os trabalhadores... todos estão preparados e aptos para o trabalho que ou é colectivo e tem larga adesão e disciplina ou, daqui a pouco tempo, ver-se-lhes-á aplicável a justificação habitual: desfavorável conjuntura internacional e nacional envolventes, herança do passado (sempre só a parte negativa!), más decisões de governos anteriores, etc.
Quanto às previsões e às opções contidas na proposta do Orçamento do Estado relativas à política fiscal propriamente dita, não quero deixar de testemunhar a minha concordância, em termos gerais, à proposta do Governo e reservar algumas possíveis sugestões de pormenor para a análise a que terá lugar de seguida na Comissão de Economia, Finanças e Plano.
Com efeito, e embora compreendendo a delicadeza, por razões de ordem global ou de pendor macro-económico, das alterações propostas na tributação em imposto de capitais dos depósitos a prazo e nos depósitos de emigrantes, permito-me destacar por outro lado a vantagem que resulta de, finalmente, se terem respeitado ou poupado, de forma adequada, ainda assim desfavorecida na sua posição global e relativa, os rendimentos de trabalho.
O Sr. Bento Gonçalves (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Não se podendo falar hoje neste debate de agravamento ou iniquidade fiscal, tal facto deve ser referido como marco positivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mas o elemento de mais fácil compreensão e inversamente mais preocupante de tudo quanto aqui apreciámos é o montante excessivamente elevado do próprio défice ao atingir os 335,7 milhões de contos, ou seja mais 81,8 milhões de contos do que o do Orçamento rectificado do ano anterior, ele próprio tradutor de uma realidade, essa sim, de rigor implacável que o Governo há um ano atrás não quis aceitar como a mais verdadeira.
Sendo impossível deixar de assinalar o desconforto de tal défice, cerca de 9,5 % do produto interno bruto, desejo porém manifestar nesta ocasião, e por isto mesmo, a total solidariedade ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano convencido como estou, e como já deixei expresso nesta minha intervenção, que o défice é mais um inevitável ponto de chegada do que qualquer esquema de partida. Ou seja, e explicando-me melhor: se os artificialismos da intervenção político-partidária na vida social e na actividade económica são a envolvente e os elementos predominantes, o Orçamento do Estado será, de tudo isso, um reflexo implacável. Ou dito de outro modo e porventura de forma mais clara e incisiva... ou mais subtil?
«O tempo e a vida», por exemplo, do Orçamento do Estado para 1986, isto é, do próximo ano, já está a correr e velozmente, e passarão poucos meses para que todas as condicionantes e os seus constrangimentos, juros e amortizações da dívida pública, despesas com pessoal, custos com obras iniciadas, etc., etc., estarão fixados ao papel, quais rochas empedernidas e inamovíveis à espera de reflexões infindáveis de economistas e ou políticos... para que estes se verguem, de novo, ao peso de uma enorme responsabilidade tentando, em vão, minimizar a amargura dos números que terão de gerir!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No que concerne à despesa, o facto de considerar dispensável a forma e o tipo de justificação apresentados no relatório não é, em si mesmo, ponto importante. Mas é importante, isso sim, o ficar preocupado com o crescimento das despesas correntes em 29,8%, obviamente esperançado de que as medidas de rectificação inadiáveis que se impõem encontrarão resposta rápida e eficaz no terreno do concreto.
E em jeito de comentário dizer, ainda, que o mais provável nestas áreas ou matérias é que os custos sociais adiados hoje surgem no dia seguinte com maior amplitude e atingindo sempre outros e sempre os mais desfavorecidos.
Chegado a este ponto importa concluir.
Afirmando claro apoio ao Governo, a minha opinião, na linha das posições do Grupo Parlamentar do PSD, hoje como no passado, é a do voto favorável do Orçamento do Estado como resultado dos inequívocos compromissos assumidos, mas libertos de quaisquer complexos ou constrangimentos, consubstanciados em sugestões, reparos ou mesmo discordâncias pontuais, como os que expendi.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por mim, tranquila e desinteressadamente, considero esta uma salutar forma de actuar.
Na democracia que estamos a construir não há, felizmente, iluminados.
E se as responsabilidades são de todos nós, há que aproveitar no máximo possível e enquanto é tempo, as achegas, os comentários construtivos, enfim, os apelos a um trabalho cada vez mais competente e eficaz por parte de todos quantos, por nosso mandato, têm
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de assegurar e possibilitar a mudança de condições gerais e de enquadramento global que o povo português aguarda.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Deputado Mário Adegas, os qualificativos da bancada do PSD e este Orçamento são inúmeros e vão aumentando dia-a-dia.
O PSD disse que o Orçamento não é o possível, não é o desejável, não é o necessário e o Sr. Deputado até explicou porquê. Fez críticas diversas mas depois concluiu dizendo «... mas ele é inevitável».
É inevitável porquê, Sr. Deputado? Porque temos este Ministro das Finanças, este Secretário de Estado do Orçamento, esta Sr.ª Secretária de Estado da Administração Interna? Não, Sr. Deputado, não são questões pessoais. Nós temos este Orçamento porque temos esta coligação, porque temos este Governo e porque ele tem uma raiz de classe.
Os Srs. Deputados do PSD fazem-me lembrar a história do miúdo que à porta do Metropolitano, vendendo castanhas, dizia: «São podres, mas são boas.»
Sr. Deputado, se este Orçamento não é o possível é porque há outro possível; se não é o desejável é porque há outro que o poderia ser; se não é o necessário é porque há outro que o poderia ser. Então, se há essa possibilidade, a pergunta que fazemos, por intermédio do Sr. Deputado, é a seguinte: que posição tomam o Sr. Ministro das Finanças, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, o Sr. Primeiro-Ministro, quando uma bancada da coligação diz que este Orçamento nem sequer é o possível, nem o desejável, nem o necessário? Não tiram daí nenhuma conclusão?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Adegas.
O Sr. Mário Adegas (PSD): - Sr. Deputado Carlos Carvalhas: Uma resposta adequada à pergunta que formulou terá de ser forçosamente longa e, por limitações de tempo - que certamente compreenderá -, não me será possível, neste momento, desenvolvê-la detalhadamente.
Em todo o caso, iremos ter possibilidade de concretizar o tipo de soluções que poderíamos perfilhar para que o Orçamento se transformasse, fazendo-o no debate na especialidade e, eventualmente, na parte final que aqui vamos desenvolver.
No entanto, explicitarei agora melhor o meu pensamento. Quando referi não ser este Orçamento o possível, apenas porque poderia ser diferente, e o marquei como inevitável, quis com isto dizer que o Orçamento, sendo um instrumento fundamental da política económica e da situação económica do País, não pode desligar-se da própria situação económica e geral que, não obstante os esforços que o Governo vem fazendo e que outros governos eventualmente tenham feito, ainda não foi possível alterar.
Por isso, considero que é inevitável e é inevitável porque as alterações que é necessário fazer-se - e, para já, referi a do funcionamento da própria economia -
precedem mesmo as alterações estruturais. É preciso clarificar o funcionamento da economia: que o sistema bancário funcione só como sistema bancário dentro das regras de crédito; que as empresas se habituem a fazer a sua gestão em vez de os empresários estarem sistematicamente nos gabinetes ministeriais ou nos gabinetes dos bancos à espera de soluções que lhes compete adoptar; que os próprios trabalhadores analisem melhor a situação das empresas onde trabalham para medir a amplitude e a natureza das suas próprias reivindicações, etc.
Enquanto esse esforço de funcionamento da economia não for feito - e penso que não é um esforço exclusivo do Governo -, mesmo nas classes dirigentes, nos agentes económicos responsáveis, nos dirigentes das organizações de trabalhadores - e não tenho assistido a essa preocupação com a convicção de implementar -, creio que não é possível alterarmos substancialmente as coisas. Quando isso por feito, então, sim, lançar-nos-emos nas alterações estruturais que estão há já muito tempo no discurso político mas que para daí sairem e passarem à acção é necessário ainda muito trabalho, muita reflexão e ter a economia a funcionar dentro das regras. Se assim não for, qualquer alteração estrutural que se faça falhará, pois o esquema do funcionamento irá inviabilizá-la.
O Governo tem feito alguns esforços para a normalização da economia, por exemplo, através da actividade legislativa, mas isso ainda não é suficiente. É natural que eu considere o processo retardado enquanto não se conseguir pôr a economia a funcionar dentro das regras normais, com a mentalidade de funcionamento assumida por todos os agentes económicos, e não podemos esperar que esse alteração se faça pela via orçamental. Por isso, o Orçamento acabará por ser sempre o espelho dessa situação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa Nacional.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa Naciona! (Figueiredo Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As despesas militares são um fenómeno controverso muito antigo em qualquer parte do Mundo. Assenta esta controvérsia em questões diversas, de ordem política, social e económica, que podem resumir-se, ao fim e ao cabo, na já banalizada questão de saber que opção fazer, se pela manteiga ou pelos canhões, ou nesta outra que coloca o problema na perspectiva sócio-económica da defesa procurando saber se esta é em si mesma um bem entre todos os outros no contexto da produção e do consumo nacional.
Esta reflexão levar-nos-ia muito longe e não é este o momento adequado para a resolver. Uma coisa, porém, é certa: hoje em Portugal é inquestionável a existência das forças armadas, a quem incumbe a defesa militar da República que, nos termos da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, tem de ser assegurada de forma permanente de modo a fazer face, em tempo de paz, a qualquer tipo de agressão ou ameaça externa.
Tivemos oprotunidade de, nesta Câmara, debater recentemente as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, conceito que ontem mesmo mereceu apreciação favorável do Conselho Superior de De-
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fesa Nacional e que dentro das próximas sessões do Conselho de Ministros será finalmente aprovado.
Na discussão que aqui teve lugar, ficou bem claro que no plano político-militar importa dotar o País da capacidade de defesa autónoma, de sobrevivência e de dissuasão das ameaças à integridade nacional. Pode, por isso, desde já concluir-se que é missão primordial das forças armadas assegurar, de acordo com a Constituição e as leis, a execução da componente militar da defesa nacional.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outras missões de interesse público geral podem ser confiadas às forças armadas, sempre disponíveis para colaborar em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades das populações e de outras tarefas específicas de serviço público, como é o caso da fiscalização das águas territoriais e da zona económica exclusiva.
O Governo, ao apresentar o orçamento da Defesa Nacional, tem em vista proporcionar às forças armadas os meios indispensáveis para o cumprimento das suas missões, missões estas prioritariamente de defesa militar, missões que exigem uma preparação e um adestramento contínuos, missões que não se improvisam nem se dispersam mesmo quando, como é felizmente o caso português, não são visíveis cenários de guerra ou de potenciais hostilidades à independência e soberanias nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Um povo que se afaste da sua defesa porque esta tarefa tem custos e incomodidades corre sempre o risco de ter de enfrentar conflitos e acabar por perder a sua liberdade e independência.
Veio ontem o Sr. Deputado César Oliveira acusar o Orçamento do Ministério da Defesa Nacional de ser de mera gestão. Pois ainda bem que assim é, Sr. Deputado. Se eu, com sua permissão, atribuir à expressão «mera gestão» o significado mais apropriado, que será o de simples e boa gestão, então, aquilo que o Sr. Deputado diz ser um defeito eu direi ser uma virtude deste orçamento. E já veremos porquê.
Como é sabido, há, fundamentalmente, duas vias para elaborar os Orçamentos do Estado, numa das quais prevalece a análise das necessidades e a consequente afectação dos fundos necessários para as cobrir integralmente. Trata-se, infelizmente, de uma via só possível em períodos de euforia ou, pelo menos, de estabilidade económica. Nesta abordagem, seria então lógico tomar, como referencial para a avaliação das necessidades de defesa, os mais generosos conceitos estratégicos de defesa nacional.
Outra forma de preparação dos orçamentos, sobretudo dos militares, esta bem mais difícil, consiste em conciliar necessidades e custos, prevalecendo, todavia, a análise dos custos. Nesta modalidade, típica de situações de crise económica, atribuem-se, de acordo com a política orçamental global, limites para as despesas de defesa, recusando-se, por impossibilidade absoluta, qualquer encargo que se traduza na superação dos tectos fixados, pois, a não ser assim, introduzir-se-iam desvios às restantes necessidades e políticas sectoriais - e aqui voltaríamos à questão da opção entre «canhões e manteiga» e de qual dos termos do binómio deveria ser sacrificado.
O esforço que temos vindo a fazer no Ministério da Defesa Nacional, porventura pouco visível na complexidade dos números e das rubricas inscritas no Orçamento do Estado, é o de conciliar os dois termos do binómio, interligando as dotações orçamentais atribuídas com as necessidades inadiáveis, procurando rentabilizar economicamente as despesas militares através de uma boa gestão, a qual também economicamente se orienta no sentido de apoiar a economia nacional através, designadamente, do apoio e incentivo às indústrias de defesa nacional, as quais, na óptica da defesa nacional, são também em si mesmas factores essenciais à existência de uma capacidade de defesa autónoma. Esta orientação está bem clara na lei sobre o regime das leis de programação militar recentemente aprovada neste Parlamento e já publicada no Diário da República, a qual vai, a partir de agora, proporcionar os instrumentos necessários para a efectiva concretização dos planos de reequipamento e modernização das forças armadas e das infra-estruturas de defesa, conseguindo-se, então, um correcto controle das despesas militares, ligando programas e recursos disponíveis.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A elaboração de um orçamento racional e de mudança para as forças armadas nunca deixou de estar presente na formulação e na execução da política de defesa nacional deste Governo, mesmo tendo presentes as limitações e os condicionalismos da política orçamental atrás referidos. Mas este objectivo só será plenamente alcançado quando dispusermos dos pressupostos legais e processuais indispensáveis, ou seja, do conceito estratégico de defesa nacional, do conceito estratégico militar, da definição das funções das forças armadas, do sistema de forças e de dispositivos de forças, por um lado, das leis de programação militar e dos recursos disponíveis, por outro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na segunda parte desta minha intervenção vou deter-me na explanação de algumas questões levantadas nos debates de ontem.
Antes de mais, quero deixar claro que, contrariamente ao que se poderia depreender da intervenção do Sr. Deputado César Oliveira, não há qualquer ramo das forças armadas que tenha sido privilegiado em detrimento de outro. Designadamente, não é verdade que a Marinha esteja a ser prejudicada comparativamente com a Força Aérea ou com o Exército. Senão, vejamos os números: na dotação global de 78,9 milhões de contos atribuídos às despesas de funcionamento normal das forças armadas, cabem à Marinha 19 900 000 contos, ao Exército 34 milhões e à Força Aérea 19 900 000 contos. Portanto, a mesma verba para a Marinha e para a Força Aérea. Mas, se tomarmos em consideração as dotações exclusivamente destinadas às despesas de funcionamento normal, também aqui encontramos resposta para o Sr. Deputado quando acusa o Orçamento de estar a privilegiar o Exército. É que, comparativamente com o ano anterior, o crescimento deste sector da despesa na Marinha e na Força Aérea foi de 21,3 % e no Exército foi apenas de 18,3 %. Conclusão: não há privilégio para qualquer ramo; não é o Exército o grande favorito das verbas do Orçamento, nem a Marinha é prejudicada.
Outros erros de análise consistem, por exemplo, em salientar o encargo com o corpo de tropas pára-quedistas, situando-o em cerca de 2 milhões de contos.
O Sr. Deputado exagerou no arredondamento, pois aditou, por sua conta, perto de 300 000 contos para os pára-quedistas. Mas se, mesmo assim, compararmos o valor de 1985 com o de 1984, o aumento para as tropas pára-quedistas é de 18,3 %, e deste valor
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1 141 892 contos destina-se a pessoal e o restante a material e manutenção.
Alertou ainda o Sr. Deputado para a aproximação rápida do «zero naval» e para a incapacidade dos meios existentes na marinha de guerra face às tarefas de vigilância e fiscalização da zona económica exclusiva.
Desde há muito que a vigilância e fiscalização das águas de jurisdição nacional constituem uma das principais missões da marinha de guerra portuguesa, que a executa como serviço público em simultâneo com outras missões de defesa nacional. O facto de ser a marinha de guerra a exercer este serviço público, como aliás executa outros relacionados com a segurança da navegação marítima, deve-se principalmente a razões de economia de meios navais e de preparação de pessoal e verifica-se na maior parte das nações marítimas que cuidam de defender os seus interesses nas águas que jurisdicionalmente lhes pertencem.
Os meios de que a Marinha actualmente dispõe para cumprir esta missão não são, todavia, «zero». Eles existem. E poderia citar, para melhor esclarecimento desta questão, que no território do continente a marinha de guerra dispõe, em permanência, de uma fragata ou de uma corveta cuja missão principal é a busca e salvamento; na zona norte, dispõe de um patrulha costeiro tal como na zona sul; nos portos de Lisboa, Setúbal, Portimão, Faro e Vila Real de Santo António dispõe de lanchas de fiscalização. Tudo isto para além de patrulhas costeiros, que, ocasionalmente, acorrerão a qualquer ponto da costa ou do mar. Nos Açores, há duas corvetas em missão de busca e salvamento, além de lanchas de fiscalização. Na Madeira, há também patrulhas costeiros e lanchas de fiscalização.
A marinha de guerra tem, contudo, necessidades a colmatar e existem, como é do conhecimento público, estudos muito adiantados no sentido de dotar a Marinha com meios modernos e adequados ao cumprimento das suas missões. E sem falar nas fragatas de luta anti-submarina, que também poderão cumprir tarefas de serviço público, sobretudo em missão de fiscalização na zona económica exclusiva, posso anunciar que existem projectos, em estudo muito adiantado, para a construção de 15 patrulhas oceânicos, 12 patrulhas costeiros, 33 lanchas de fiscalização, além de se pensar e de haver também estudos adiantados para o completar destes meios com aviões de patrulha marítimos.
Em suma, Sr. Deputado, a questão é que existem, fundamentalmente, situações a que convém dar satisfação e existem dispositivos que estão a ser aproveitados no máximo da sua capacidade.
E é justo e oportuno referir aqui que, contrariamente ao que se poderia deduzir da intervenção do Sr. Deputado César Oliveira, não é apenas à marinha de guerra que cumpre missões de serviço público de interesse nacional e de carácter não militar. Lembrarei apenas as importantes contribuições de qualquer dos ramos das forças armadas para a melhoria e o enriquecimento profissional dos trabalhadores portugueses que vão prestar serviço militar obrigatório, a colaboração do Exército e da Força Aérea no combate a incêndios e outros apoios às populações em situações de catástrofe; os milhares de quilómetros de estradas construídas pelo Exército, proporcionando, assim, o acesso e a existência de vias de comunicação em áreas em que, de outro modo, seria impossível estabelecer essas ligações; o apoio que a Força Aérea presta a náufragos evacuados de navios e no transporte de doentes e acidentados em condições de desespero.
Em 1984, só em missões de apoio a náufragos e evacuados, foram levadas a cabo 28 saídas de helicóptero e, em missões de busca e salvamento, houve, pelo menos, 51 saídas de aviões Aviocar e C-130.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Reservei para último lugar o caso dos aviões A-7. Os comentários e afirmações do Sr. Deputado César Oliveira sobre este assunto são, em grande parte, falsos, e revelam, acima de tudo, um processo de intenções que repudio frontalmente.
O Sr. Deputado acusa o «Programa 4-7» de ter vindo resolver situações da firma que os construiu, de que a mesma não tem prontidão nas entregas, de que os aviões têm gastos imensuráveis em termos de manutenção e de sobresselentes... Ora, nada disto é verdadeiro.
A firma a que o Sr. Deputado se refere, só em 1980, celebrou um contrato para o fabrico e fornecimento de mísseis de longo alcance no valor de 4 biliões de dólares. O que é isto, Sr. Deputado, perante os 60 milhões de dólares dos A-71
O que disse relativamente à sua prontidão também não é exacto. Não foram entregues 20 aeronaves mas sim 29. Não estão prontas apenas 9 mas muitas mais. Basta lembrarmo-nos, por exemplo, de desfiles militares, onde já foram vistas, pelo menos, 16 aeronaves voantes, o que, num estado de prontidão, poderia corresponder a 80% do estado de prontidão de uma esquadrilha.
Depois, disse que se gastavam 10 milhões de contos em manutenção e aquisição de sobresselentes. Não comento esta verba porque julgo que o que o Sr. Deputado queria referir eram 10 milhões de dólares, o que corresponderia a um sexto em contravalor em escudos.
Falou também no problema da autonomia, ou seja, na necessidade de navios de ajuda-rádio. Aqui trata-se também de um erro grave, desculpável por se tratar de uma questão eminentemente técnica. O que o Sr. Deputado quer dizer, com certeza, é que, com frequência, estes aviões intervêm em aspectos preventivos de busca e salvamento em missões conjuntas com navios ou, então, em exercícios aeronavais. Os navios não estão lá para apoiar os A-7, os navios e os A-7 colaboram e cooperam em missões determinadas.
Em suma, poderíamos dizer que o Sr. Deputado tem uma tendência para os A-7. É que não se lembrou de falar do estado de prontidão de outros meios aeronavais, designadamente dos Aviocar, dos C-130, dos F-16.
Na verdade, está provado que o estado de operacionalidade e de prontidão destes aviões é exactamente o mesmo que o dos outros.
Sr. Deputado, não continue a usar tão fraco argumento para levar a água ao seu moinho. Não insista em repetir acusações e processos de intenção sem fundamento, com o único propósito de, à custa de os repetir, fazer vingar inverdades.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Fiquemos todos, de uma vez por todas esclarecidos, pois é tempo de pôr ponto final a este já estafado pretexto para criticar a Força Aérea, que, pela missão patriótica que lhe está confiada, pelo apoio voluntarioso que sempre tem prestado em situações de necessidade individual ou colectiva, é bem merecedora
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do respeito, do reconhecimento e da confiança de todos os Portugueses.
Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Secretário de Estado, começo por dizer que me parece, no mínimo, lamentável que o responsável governamental pelo Departamento da Defesa Nacional, em vez de vir aqui apresentar o seu orçamento, justificar a aplicação de 86 milhões de contos e explicar como é que, por essa forma, se garantia a independência nacional, tenha passado todo o tempo entretido a conversar com o Sr. Deputado César Oliveira e a desmentir o que lhe poderia ter desmentido ao ouvido.
Sr. Secretário de Estado, esperava-se coisa bem diferente da sua intervenção.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E esperava-se que explicasse se este é ou não um orçamento sem transparência, sem eficácia e desmotivador.
Que é um orçamento sem transparência, demonstra-se com facilidade. Quer exemplos, Sr. Secretário de Estado?
Eles aí vão: considerar «construções» como despesa corrente e omitir totalmente que tipo de construções, que planos e que programa, é inquinar, à partida, todo o Orçamento.
À designação orgânica Estado-Maior-General das Forças Armadas - rubrica 02.20.10.19.00, bens duradouros, construções - correspondem 136 000 contos. Ainda outro exemplo de falta de transparência: encargos especiais de Defesa Nacional - EMGFA bens duradouros - 5 485 000 contos! Dirá o Sr. Secretário de Estado que isto tem contrapartida em receita.
Mas, como V. Ex.ª bem sabe, isso é completamento irrelevante: dinheiro é dinheiro, tem que ser inscrito na receita, por força da lei e tem que ter correspondência em despesa e a despesa tem que ser explicada.
Aliás, recordo-lhe que o Sr. Ministro da Defesa Nacional disse aqui - e refiro-me a outra nebulosidade completa deste Orçamento -, a propósito do Tratado das Lajes que, de acordo com o que a lei manda, todas as receitas e despesas do Estado devem ser orçamentadas. Assim, o valor de 12 milhões de contos indicado deverá ser inscrito em rubrica adequada de receitas gerais do Orçamento do Estado. Pergunto-lhe, Sr. Secretário de Estado, onde é que está essa verba? E se não está, por que é que não está? E se não está, o que é que se pretende esconder.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A falta de transparência conduz, naturalmente, à falta de eficácia. O Sr. Secretário de Estado faz um raciocínio lógico dizendo que as forças armadas estiveram à espera que a Assembleia discutisse as Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional e, portanto, não era possível ao Governo apresentar outro orçamento. Ó Sr. Secretário de Estado, isso é, no mínimo, um ciclo vicioso e quase me levaria a perguntar-lhe, então, para que serve este Orçamento.
Será que, este ano, as forças armadas não precisam de dinheiro porque ainda não têm o conceito estratégico militar definido? Ou, como é óbvio, precisam?
Quando o Sr. Secretário de Estado aqui discute a necessidade de uma capacidade de defesa autónoma como uma grande novidade, devo dizer-lhe que está, pelo menos, a tentar enganar-nos. A necessidade de uma capacidade de defesa autónoma tem sido sucessivamente afirmada pelas forças armadas e é nessa base que elas têm reclamado a sua reestruturação.
Concluo dizendo que um orçamento como este é naturalmente desmotivador. E, neste quadro de desmotivação, talvez fosse altura de lhe fazer duas perguntas. A primeira refere-se aos militares em geral, em relação aos quais é dito, no orçamento subscrito pelo seu Ministério, que têm privilégios. Ora, pedia-lhe que fornecesse a lista dos privilégios dos militares bem como a lista dos privilégios dos militares que o Ministério da Defesa entende que devem terminar.
A segunda questão, relativa ao mesmo assunto, diz respeito ao serviço militar obrigatório. Pergunto-lhe, pois, se as verbas que aqui estão são suficientes para garantir uma alimentação adequada. Concretamente, qual foi o custo médio de refeição previsto o ano passado e qual é o aumento para este ano? Confesse, Sr. Secretário de Estado: é ou não é insuficiente?
Finalmente, quando é que se prevê o aumento do «pré»?
O Sr. Presidente: - Como o Sr. Secretário de Estado pretende responder apenas no final, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Secretário de Estado, vou começar por coisas simples com o intuito de deixar bem claro quem é que, ao fim e ao cabo, carreia para o debate dados e como o faz.
No princípio desta semana, alguns aviões A-7 deslocaram-se em missão - não sei qual era, nem tenho que saber - para os Açores. Estava e está ainda no mar uma corveta a emitir, permanentemente, sinais de ajuda-rádio que são considerados indispensáveis pelos pilotos dos A-7 para poderem cumprir essas missões. Ora, eu posso indicar-lhe detalhadamente o custo médio, barco por barco, das unidades navais quando saem dos seus postos de acostagem. Esse custo anda à volta dos 500 contos!
Em relação ao facto de o orçamento do seu Ministério ser de mera gestão, a gestão pode ser boa, no entanto já hoje aqui foram apresentados elementos no sentido da pouca clareza dessa gestão. A minha acusação feita ao Orçamento traduz-se no facto de se tratar de um orçamento estático, de um orçamento não dinâmico, de um orçamento que se limitava a gerir o statu quo sem introduzir elementos que possam significar, em primeiro lugar, a clarificação das prioridades à luz dos conceitos estratégicos de defesa nacional, em segundo lugar, a hierarquização dessas prioridades; e, em terceiro lugar, tendo em conta a escassez dos recursos, a atribuição de verbas em relação às prioridades.
No fundo, é isto que eu contesto no Orçamento do Estado para as forças armadas. É que, de facto, em relação às prioridades mantém-se a gerir o statu quo.
Em relação à marinha de guerra, Sr. Secretário, o que eu disse foi que se sabe, por força de estudos rigorosos e ponderados - que eu posso indicar-lhe, se
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não conhece - que a manter-se o critério de hierarquização de prioridades que se exprimem neste Orçamento do Estado para as forças armadas, a marinha de guerra ficará, entre 1990 e 1995, próxima do zero absoluto. Não disse que estaríamos, neste momento, no zero absoluto.
Relativamente à saúde financeira da empresa construtora dos A-7, acontece que o Sr. Secretário de Estado citou um dado de 1980, mas esqueceu-se de dizer que o programa para os aviões A-7 começou a ser implementado a partir de 1978. De 1978 para 1980 vão alguns anos!...
Quanto aos custos de manutenção dos A-7, é evidente, Sr. Secretário de Estado, que estão em Portugal 29 aviões e já estiveram 20. Mas V. Ex.ª pode informar a Câmara de qual tem sido, dia a dia, período a período, semana a semana, o grau de operacionalidade dos aviões A-7 em Portugal? A Força Aérea tem condições para fornecer a V. Ex.ª este diagrama da operacionalidade destes aviões. É isso que é importante. E, neste momento, eu afirmo, e não receio ser desmentido, que estão operacionais 4 ou 5 aviões.
Quanto aos custos de manutenção, sem entrar em conta com os anos anteriores, este ano, está orçamentado na Força Aérea, para bens duradouros e material militar, 1 374 000 contos, do qual 900 000 contos se destinam a amortizações relativas aos A-7. Para bens duradouros, material militar, educação, etc., estão orçamentados 260 000 contos; para literatura incluída para os A-7 são 150 000 contos, isto é, já foi gasto, até agora, 1 milhão de contos. Para bens não duradouros, munições, explosivos, etc., estão orçamentados 550 000 contos; para munições para os A-7, 400 000 contos; para bens não duradouros (outros), estão orçamentados 2 379 177 contos; para os A-7, 200 000 contos.
V. Ex.ª está em condições de desmentir que decorrem, neste instante, negociações para dotar os A-7 - li ontem artigos de revistas insuspeitas dos EUA que demonstravam o estado de corrosão com que se apresentavam os A-7- de um míssil ar-terra, custando cada unidade, 10 000 contos e levando cada avião 4 mísseis: 2 numa asa e 2 noutra?
Por outro lado, se para uma média de 29 aviões se investe, este ano, 1 500 000 contos para manutenção e sobresselentes mais 500 000 para os mísseis, num total de cerca de 2 milhões de contos, em relação a 50 aviões, que é aquilo que está previsto existir em Portugal, não será que, nestes próximos três anos, o valor absoluto será de 10 milhões de contos? Não será lógico fazer estes cálculos?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Secretário de Estado, V. Ex.ª terminou a sua intervenção com uma afirmação que eu não posso deixar passar em claro. É que V. Ex.ª afirmou que as críticas feitas pelo meu camarada César Oliveira quanto ao modo como tem sido conduzida a política de defesa nacional, nomeadamente quanto às opções que têm sido tomadas no domínio da Força Aérea constituiriam num intolerável ataque à Força Aérea, considerada como entidade abstracta ou como conjunto de cidadãos portugueses que, obviamente, merecem o nosso respeito.
Atenção, Sr. Secretário de Estado! Repare que V. Ex.ª começa a enveredar por um caminho perigoso, que foi aquele a que estivemos habituados durante muitos anos e em que qualquer ataque ou qualquer crítica feita ao Governo Português se traduzia numa traição aos valores supremos da Nação, se traduzia, no fundo, numa crítica ao País, pondo em causa a própria independência nacional. Não é assim! No fundo, o Sr. Secretário de Estado é que está a fazer um ataque à Força Aérea quando, ao invés de esclarecer cabalmente todas as questões levantadas pelo meu camarada César Oliveira, pretende tomá-las como um ataque à Força Aérea e como a responsabilização da Força Aérea por erros que têm responsáveis que podem ser individualizados, enveredando, aliás, por uma teoria que já foi usada nesta Casa e que é curiosa. É que, hoje, tende a dizer-se que a responsabilidade é colectiva e, quando surge qualquer problema, nunca há responsáveis, então propõe-se que esqueçamos o problema, porque a responsabilidade é de todos nós, a responsabilidade é colectiva, e porque o importante é que olhemos para o futuro.
Cuidado, Sr. Secretário de Estado!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem agora a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa: - Em primeiro lugar, se os Srs. Deputados que intervieram antes do Sr. Deputado Lopes Cardoso me permitem, responderei já a esta intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso porque me parece extremamente importante.
Na verdade, na minha intervenção final, pretendi chamar a atenção para os riscos que se correm com afirmações repetidas, não provadas, que pecam normalmente porque têm uma envolvente técnica muito complexa e pouco conhecida da maioria do público, mas que se traduzem em afirmações públicas simplificadas, como sejam «A-7 igual a sucata», «mau negócio da Força Aérea», «Marinha não tem nada, Força Aérea leva tudo». Isto é o que fica.
O que eu quis dizer foi que era muito perigoso enveredarmos por este caminho porque se começaria a correr o risco de pôr em causa a própria instituição. Não que eu diga que os senhores a estão a pôr em causa ou que o Sr. Deputado a tenha posto em causa, mas é um risco muito sério que se corre, pois trata-se de instituições que merecem, e devem merecer de todo o povo português e de nós, em particular, um respeito e uma consideração indiscutíveis.
Portanto, Sr. Deputado, estou de acordo consigo: não devemos fazer - eu próprio o disse no início - processos de intenção; não devemos servir-nos desta oportunidade para criticar ou para acusar quem quer que seja de estar a criticar a Força Aérea, neste caso concreto. No entanto, permita-me que me seja lícito aproveitar a oportunidade para dizer aquilo que disse, sobretudo porque a forma insistente como alguns órgãos de comunicação social vêm tratando deste caso e como o Sr. Deputado César Oliveira o transmitiu, de modo formal, oficial e com o tom de peso que lhe dá ser membro ilustre e deputado desta Câmara, faz, de facto, esta situação rondar o risco de se converter na ideia de que estamos a criticar a própria instituição.
O Sr. Deputado João Amaral falou-me nos termos que já são conhecidos: a falta de explicitação das verbas inscritas no Orçamento.
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Tive oportunidade de dizer que não é visível, até pela própria estrutura do Orçamento e pela própria classificação das despesas - já tive oportunidade de lhe dizer isto mesmo em sede de Comissão Parlamentar de Defesa -, não é fácil traduzir as directivas, as prioridades e as orientações fixadas pelo Governo para este Orçamento. No entanto, nunca me esqueci - e estou disposto a fazê-lo uma vez mais, mas penso que o lugar apropriado será a discussão na especialidade e na Comissão de Economia e Finanças, na reunião que está já aprazada para quarta-feira próxima - de lhe dar pormenores. E isto porque acontece - como tive também oportunidade de dizer aos Srs. Deputados na Comissão Parlamentar de Defesa - que as forças armadas dispõem de duas metodologias de orçamento: uma é aquela que adapta ao orçamento formal e ao orçamento obrigatoriamente estabelecido pela Lei do Enquadramento Orçamental e que é o Orçamento que estamos a discutir; outra é a dos orçamentos-programa - que estou disposto a exibir aos Srs. Deputados em Comissão -, através dos quais é fácil identificar as opções, os objectivos, as prioridades e as verbas afectadas.
O Sr. Deputado falou-me numa questão que parece estar a preocupar muita gente neste momento e que é o problema dos privilégios dos militares.
O Governo nunca falou em privilégios dos militares.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Está escrito no artigo 4.º!
O Orador: - O que o Governo disse, e o que está proposto a esta Câmara, foi que iriam ser aplicadas medidas restritivas às remunerações acessórias dos funcionários da Administração Pública, dos militares e corpos militarizados - atenção, não isolemos uma vez mais os militares -, daqueles funcionários que são pagos pelas verbas do Estado, pelo tesouro público, e não exclusivamente dos militares.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - «Não só mas também!»
O Orador: - Portanto, trata-se de aplicar uma medida restritiva, que não é de redução mas de congelamento dos valores das remunerações acessórias percebidos até 31 de Dezembro de 1984. Portanto - atenção -, o Governo não está a falar de privilégios dos militares.
O Sr. Deputado César Oliveira insiste nalguns pormenores de ordem técnica.
Não vou aqui entrar no debate, digamos, ponto por ponto e número por número - mas até estou disposto a fazê-lo em termos de discussão na especialidade. Todavia, em primeiro lugar, queria dizer-lhe que há hierarquização de prioridades - e poderei demonstrá-lo.
Em segundo lugar, a marinha de guerra não tem, no seu orçamento, reflectidos os projectos de renovação que estão em curso, alguns dos quais até poderão ter viabilização própria no corrente ano, pela simples razão de que se trata de projectos que vão ser provável e necessariamente inscritos na futura lei de programação militar e que não vão exigir, no ano corrente, nenhuma contribuição do Orçamento do Estado; são projectos multinacionais, como sabem em que a ajuda dos aliados é fundamental e corresponde à fatia mais importante. São projectos de longo alcance - ou de médio prazo, em termos económicos - que durarão cerca de 7 anos (este é o projecto concreto das fragatas).
Relativamente ao projecto dos patrulhas oceânicos, posso informar o Sr. Deputado de que existem estudos muito adiantados, já quantificados, e esperamos também durante o ano corrente poder inscrever esses objectivos nas leis de programação militar.
E claro que o Sr. Deputado está muito bem informado - pelo menos demonstra - sobre aquilo que se passa na vida interna das bases da Força Aérea, onde estão estacionados os A-7. Não vou nem confirmar nem desmentir porque penso que era muito fácil, por aquilo que já lhe disse, demonstrar o seguinte: primeiro, que não é verdade que os A-7 estejam inoperacionais, pois o seu grau de autonomia não é aquele que o Sr. Deputado disse. Aliás, o exemplo com que o Sr. Deputado entrou é óbvio, pois o Sr. Deputado disse que numa deslocação de aviões A-7, daqui para as regiões autónomas, foi utilizada uma corveta para a ajuda-rádio que ainda lá se mantém. Portanto, há aqui uma certa contradição - não acredito que os aviões estejam a voar durante uma semana para se deslocarem daqui para as regiões autónomas.
O que há são exercícios conjuntos, Sr. Deputado, esta é que é a realidade. Há acções, chamadas de «cooperação aeronaval», relativamente às quais é exigida a participação de meios navais de superfície.
E agora, - até porque o tempo começa a faltar e penso que, certamente, não terei satisfeito integralmente os Srs. Deputados - reservarei para a especialidade outros esclarecimentos de pormenor, nomeadamente aqueles que se referem às verbas inscritas no Orçamento.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E às não inscritas? A verba das Lajes não está inscrita?
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado César Oliveira.
O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Secretário de Estado da Defesa, eu não quero monopolizar a Assembleia com a questão dos A-7 mas voltarei a referir-me a eles só para elucidar o meu pensamento nessa matéria.
Que fique claro que não pretendo atacar a Força Aérea, como não pretendo atacar nenhum dos ramos das forças armadas. O que não me coíbo é de, à luz daquilo que penso e à luz dos critérios que julgo servirem o interesse nacional, defender a hierarquização de prioridades e a materialização dessa hierarquização, sobretudo em termos de garantir que o espaço aeromarítimo que se abre a Portugal para o Atlântico seja coberto eficazmente, do ponto de vista da protecção, da fiscalização e da dissuasão de ameaças que se possam materializar nessa zona. Esta é a minha posição e é em função disto que condeno e critico o programa dos A-7.
Em relação aos A-7, sabe-se - considero-me minimamente informado - que quem comprou os aviões A-7 foi uma empresa chamada Vought, que é propriedade de um senhor italiano - e eu não gostava muito de me adiantar neste assunto.
A Grécia, por exemplo, comprou aviões A-7 e exigiu medidas concretas para o seu equipamento que Portugal não exigiu na altura.
Eu tenho aqui uma tradução de um artigo que diz o seguinte: «(...) verificou-se que as secções centrais das asas apresentavam danos significativos, etc.»
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Eu só lhe ponho esta questão: o Sr. Secretário de Estado garante que os aviões A-7 voam para os Açores sem ajuda-rádio? Pode garantir isso? E que eu, como membro da Comissão de Defesa, gostaria muito de poder estar informado in loco da delsocação do continente para os Açores dos aviões A-7 sem qualquer ajuda-rádio. Esta é que é a questão.
Como é que se defendeu a aplicação de um programa, que custa milhões de contos - e isso está fora de causa -, sob o argumento de que é importante a defesa, a protecção e a fiscalização das águas costeiras da zona económica exclusiva, em articulação das acções da Força Aérea com a Marinha, quando, de facto, os aviões A-7 não garantem autonomia, nem tempo de voo nem circulação sobre as águas, que são, supostamente, obrigados a patrulhar nas condições actuais?... Esta é que é a. questão fundamental.
Portanto, é com esta razão que defendo a paragem imediata dos aviões A-7, até ficarmos completamente esclarecidos sobre essa matéria. E é papel da Comissão de Defesa e do Parlamento assegurar uma clarificação e uma transparência que, de facto, não tem havido.
O Sr. Deputado Magalhães Mota já dirigiu requerimentos ao Sr. Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, a imprensa já falou sobre isto e não se referiu aos Aviocar mas aos A-7, isto porque são os A-7 que levantam toda esta problemática; os outros aviões não levantam.
O Sr. Presidente: - Também para formular um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sob a forma de protesto, quero começar por agradecer ao Sr. Secretário de Estado as considerações complementares que fez, e que permitiram esclarecer o sentido das suas palavras, e dizer-lhe que, nesse aspecto, estou de acordo com ele.
Penso que o não esclarecimento de certas situações pode, em certa altura, acabar por pôr em causa junto da opinião pública as próprias instituições, sejam elas quais forem e a todos os níveis. Creio que foi esse o sentido da sua intervenção e aí estaremos os dois de acordo. No entanto, acrescentaria, Sr. Secretário de Estado, que, estando de acordo consigo, penso que o Sr. Secretário de Estado deveria, no fundo e sem grande esforço, ter agradecido ao meu camarada César Oliveira a oportunidade soberana que lhe deu, trazendo aqui esta questão, de, nesta Casa, com a repercussão que têm os debates na Assembleia da República, esclarecer, sem margens para dúvidas e uma vez por todas, toda a polémica travada em torno dos aviões A-7. Se isso não acontecer, seguramente que a culpa não é do meu camarada César Oliveira, que deu essa oportunidade ao Sr. Secretário de Estado e ao Governo, mas, sim - desculpe-me -, do Sr. Secretário de Estado e do Governo, que não foram capazes de esclarecer e deixaram planar as dúvidas, no mínimo, com todas as consequências que o próprio Sr. Secretário de Estado teve o cuidado de acentuar.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Secretário de Estado da Defesa, não protestarei por não me ter respondido a certas perguntas, como as relativas ao pré e à alimentação. Aguardarei a discussão das propostas de lei na especialidade para as analisar. No entanto, em relação à questão da verba do Tratado das Lajes, não posso deixar de equacioná-la aqui ao Sr. Secretário de Estado. Aliás, tenho o direito de reclamar da sua parte uma resposta concreta.
Porque é que essa verba não é inscrita? Porque é que não é cumprido aquilo que o próprio ministro da Defesa Nacional disse ser obrigação legal ao considerar que era daí que lhe vinha essa verba, isto é, de uma receita naturalmente consignada?
O Sr. Presidente: -• Para responder, se o desejar, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Defesa.
O Sr. Secretário de Estado da Defesa: - Relativamente à intervenção do Sr. Deputado César Oliveira, responderei apenas que estamos, de facto, a desenvolver duas posições completamente diferentes, provavelmente resultantes de termos informações diferentes. O que posso confirmar é que relativamente à questão da autonomia, que referiu em primeiro lugar, há, de facto, autonomia; os aviões têm a autonomia necessária para cobrir todo o espaço nacional.
Em segundo lugar, a intervenção do Sr. Deputado César Oliveira teve - e aqui faria uma observação à intervenção do Sr. Deputado Lopes Cardoso -, de facto, um grande mérito - que reconheci, não por palavras mas por factos concretos -, isto é, permitiu-me, quando ontem cheguei, já depois do seu início, ter oportunidade de prestar esclarecimentos a esta Câmara, os quais, se o Sr. Deputado não tivesse feito a sua intervenção, me teria escusado de fazer porque não teria descoberto esse interesse na Câmara. Portanto, reconheço que foi útil a sua intervenção.
Quanto ao Sr. Deputado João Amaral, quero dizer-lhe que as verbas da ajuda militar externa, sobretudo as que vêm dos Estados Unidos da América e que, de facto, têm uma ligação com as facilidades concedidas por Portugal no seu território, sobretudo na base das Lajes, são atribuídas por duas formas. Por um lado, são concedidos fundos sem retorno, ou seja, contribuições graciosas - são os chamados granis ou donativos, verbas essas que só têm expressão a nível nacional em termos de enriquecimento do património ou do equipamento, isto é, são utilizadas e contabilizadas, obviamente, pelas nossas autoridades, mas são traduzidas a nível interno por um aumento do património nacional e, nessa altura, devidamente inventariadas e escritas no local devido. Por isso não me parece que essas verbas, que são gastas nos Estados Unidos, que são donativos e que se traduzem, para Portugal, em entregas em espécie - sejam tanques ou aviões A-7 - não estejam expressas, de facto, neste Orçamento.
Por outro lado, há outro tipo de verbas que são chamadas créditos para compras militares. São créditos concedidos com um período longo de carência, a juros baixos, e que são verbas - como tive oportunidade de demonstrar a VV. Ex.ªs, já no Verão do ano passado, nesta Câmara - que se inscrevem claramente na dívida pública externa, que são controlados pelo nosso Departamento do Tesouro e que, por isso, terão o seu reflexo na própria dívida externa.
Gostaria que este esclarecimento o satisfizesse, mas provavelmente não o satisfará, até porque V. Ex.ª tem repetido insistentemente essa pergunta nas várias instâncias onde nos temos encontrado.
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O Sr. Presidente: - Antes de conceder a palavra ao orador que se encontra inscrito a seguir, desejava prestar algumas informações à Câmara.
Julgo que se criou consenso para que haja apenas uma hora de intervalo, entre as 13,30 horas e as 14,30 horas, para efeitos de almoço. E ternos também consenso para que se elimine o intervalo da parte da tarde.
Se não houver nenhuma objecção, far-se-á desta maneira, que aponta para que a reunião a seguir ao almoço possa começar, efectivamente, às 14,30 horas.
Ao que julgo para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Tem razão, Sr. Presidente.
Eu questionarei a Mesa no seguinte sentido: na sequência de questões já levantadas aqui por camaradas meus, verificou-se a falta de cumprimento dos compromissos assumidos pelo Governo nas Comissões, aquando da discussão na generalidade.
Concretizarei um aspecto: no dia 17, na reunião da Comissão de Equipamento Social, foi assumido um compromisso pelo Governo, pelo Ministério do Equipamento Social, no sentido de nos serem fornecidos elementos requeridos, quanto a uma listagem incluída nos programas plurianuais e que se refere à construção de 130 quartéis de bombeiros. Os projectos e programas plurianuais apontados no volume indicam-nos e concretizam apenas 3 desses 137 projectos.
Foi-nos garantido que nos seria fornecida essa listagem, e a interpelação que dirijo à Mesa vai no sentido de saber se, efectivamente, o Sr. Ministro do Equipamento Social se encontra inscrito, ou se, por outro lado, deu entrada na Mesa algum documento para ser distribuído aos elementos da Comissão de Equipamento Social. E isto para que não sejamos levados a concluir que, utilizando uma figura agora apresentada pelo Sr. Secretário de Estado da Defesa, o Governo se está a «reservar para a especialidade». É porque assim seremos levados a tirar algumas conclusões, o que, para já, não adiantaria, Sr. Presidente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, relativamente à primeira questão colocada, posso informá-lo de que o Sr. Ministro do Equipamento Social não está inscrito.
Relativamente à segunda questão, não sei se o Governo pretenderá responder à questão que lhe foi levantada. Se não quiser, prosseguiremos o debate.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Governo responde ou não responde?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.
O Sr. Ministro de Estado (Almeida Santos): - Sr. Presidente, não sei, em concreto, a que elementos o Sr. Deputado se referiu, mas temos a discussão na especialidade, durante a qual manteremos necessariamente um dialogo contínuo e vivo em que o Governo estará aberto a fornecer os elementos que tem ao seu dispor, como é natural.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado pede a palavra para que efeito?
O Sr. João Abrantes (PCP): - Muito rapidamente para informar o Sr. Ministro de Estado de que não faz sentido esta sua afirmação, já que, concretamente, a verba referida é de quase 1 milhão de contos. Portanto, se nos estamos a reservar para a especialidade, iremos aprovar uma verba de cerca de 800 000 contos sem termos o exacto conhecimento de quais os projectos que vão ser contemplados. Penso que não faz sentido.
Aliás, eu não teria levantado este problema se não tivesse havido um compromisso do Ministério do Equipamento Social no sentido de que nos seriam fornecidos estes elementos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.
O Sr. Ministro de Estado: - Sr. Deputado, desculpe-me, mas o que não faz sentido é dizer que estamos a aprovar verbas em concreto, porque creio que não é disso que se trata. Isso trata-se depois na especialidade. Neste momento, não estamos a aprovar verba nenhuma; nada está em causa, nada está prejudicado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas nós precisamos desses elementos!
O Orador: - De qualquer modo, se o Sr. Ministro do Equipamento Social aqui aparecer, ou se eu puder contactar com ele, pô-lo-ei em contacto com o Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.
O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O ruinoso Orçamento do Estado que está em discussão espalha-se igualmente nas verbas atribuídas à Secretaria de Estado da Emigração.
De facto a quantia proposta pelo Governo é irrisória, pouco mais dá que para o pagamento dos seus funcionários. Os 627 000 contos, destinados à emigração no Orçamento, não permitem sequer levar por diante os compromissos assumidos com os emigrantes nas duas últimas reuniões do Conselho das Comunidades. Só para o programa cultural, são necessários 200 000 contos, sendo certo, no entanto, que a verba que sobra do funcionamento do Gabinete da Secretária de Estado se reduz a 120 000 contos.
O desenvolvimento da cultura portuguesa junto da nossa comunidade não é, assim, uma prioridade para este Governo. Os prejudicados serão os emigrantes e as suas famílias.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - Com esta verba a procuradoria do emigrante, o centro de documentação sobre a emigração, o museu do emigrante, o instituto de apoio ao regresso do emigrante, serão letra morta.
O próprio funcionamento regular do Conselho das Comunidades está posto em causa, como fica em causa, o apoio necessário ao ensino e à cultura portuguesa no estrangeiro.
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Mas isto é apenas uma parte daquilo que o Governo nega aos emigrantes.
No entanto, o Governo não se esquece das muitas centenas de milhões de contos em divisas que todos os anos os emigrantes enviam para Portugal, e que tão mal geridas têm sido pelos sucessivos governos.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O Governo resolveu agora, neste contexto, e quando decrescem as remessas dos emigrantes taxar os depósitos a prazo sem que lhes seja dada qualquer contrapartida e sem que se apresente um estudo aprofundado das consequências de tal medida para os emigrantes e para o País.
O Sr. Jorge Lemos: - Muito bem!
O Orador: - Às dificuldades que os emigrantes enfrentam nos países de acolhimento, o que vem originando o regresso a Portugal, junta-se a marginalização no seu próprio país, fruto da desastrosa política governamental.
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Neste campo, como noutros, este Governo revela a sua incapacidade para dar resposta aos problemas que os Portugueses e o País enfrentam, por culpa da política que ele próprio desenvolve.
E mais uma razão, que se junta a tantas outras, para exigir a rápida substituição deste Governo e desta política.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abílio Curto.
O Sr. Abílio Curto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Analisando as propostas das Grandes Opções do Plano para 1985, no sector do equipamento social, apraz-me registar a preocupação do Ministério do Equipamento Social em realizar a sua estratégia governativa em três grandes linhas: regionalização e desenvolvimento regional; recuperação urbana como fundamento para a fixação das populações e modernização e desenvolvimento.
Na primeira linha, constata-se, com evidência, o lançamento de grandes eixos de aglutinação regional com a preocupação dominante da ligação de áreas geográficas unindo o interior ao litoral. Para realização deste desiderato, apontamos como exemplo o lançamento de novos itinerários principais e a confirmação de outros já indiciados. Referia concretamente o itinerário principal 5 (IPS) que começando em Aveiro, segue por Viseu, Guarda, Vilar Formoso até à Europa. Este Governo tem tido uma acção decisiva, pondo a concurso 130 km: Albergaria-Viseu, Viseu-Celorico da Beira e Guarda-Vilar Formoso. Porém, e embora reconhecendo as dificuldades, não podemos deixar de salientar o não aparecimento do lançamento dos concursos dos troços Albergaria-Aveiro, Celorico da Beira-Guarda e as variantes de Viseu e Guarda sem o que ficará comprometida a ligação a estas duas cidades da Beira Alta, capitais de distrito e importantes pólos de desenvolvimento do interior. Não deixaremos de referir a esperança que temos de ver lançados, o mais rapidamente, a concurso estes complementos de tão grande importância para o desenvolvimento do interior do País.
Se os itinerários principais são elos aglutinadores regionais, eles são também elos de desenvolvimento regional, tanto mais que será por estas vias que se vai provocar a redução das assimetrias entre o litoral e o interior, entre as regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas do País, permitindo o escoamento de matérias--primas e outros produtos, a localização de novas indústrias no interior por ser esta zona a mais próxima da Europa.
Outros exemplos poderia aqui citar, como o itinerário Porto-Bragança, que permitirá a ligação à Europa por Valladolid-Bruxelas.
Realçamos aqui, por isso, a preocupação do Governo na ligação à Europa na linha daquilo que temos defendido como um país europeu e de desenvolvimento.
É, hoje em dia, uma realidade evidente o problema que constitui para as autarquias locais a contínua degradação do nosso património histórico-arquitectónico. Várias são as autarquias que têm projectos de recuperação dos seus centros históricos, não os podendo executar por manifesta insuficiência financeira do poder local. A aposta do Governo neste capítulo, embora de uma forma por enquanto insuficiente, é já por si uma manifesta vontade política de começar a resolver tão candente problema. Nas Grandes Opções do Plano para 1985 aparece o desejo de intensificação da aplicação do PRID (programa de recuperação de imóveis degradados) e o lançamento de operações de renovação urbana. É salutar esta constatação, pois ela virá permitir, estamos certos, a fixação das populações nas áreas onde nasceram, vivem e fazem a sua vida. Esta realidade social é uma expressão cultural importante, contribuindo para uma vivência sã do cidadão na sua autarquia, para combater o crescimento urbanístico desordenado dos centros urbanos, para combater o desaparecimento de imóveis de alto valor histórico e arquitectónico, valores que identificam um povo e a sua história.
O PRID, em tão boa hora lançado, há cerca de oito anos, foi uma salutar experiência para o poder local. Interrompido durante algum tempo, voltou agora a surgir como continuação de uma experiência das mais positivas lançadas até hoje em matéria de recuperação de imóveis após o 25 de Abril. A aceitação que teve por parte das populações e a experiência positiva que o mesmo encerra é, só por si, motivo de satisfação para o poder local.
O reforço orçamental e as medidas que, entretanto, foram legisladas em matéria de bonificação, levam-nos a concluir que o Governo está manifestamente empenhado numa política de recuperação do património que mais não é que uma vantajosa forma de introduzir factores de estabilidade social, cultural e de economia de recursos que, de outro modo, seriam despendidos com resultados menos eficazes.
Para terminar, referia que o apoio ao financiamento das cooperativas e promoção directa dos municípios, a criação de legislação e financiamento, visam criar condições de habitação condigna às populações.
Finalizava referindo o esforço que o MÊS vem desenvolvendo nos campos dos transportes e comunicações. Nos transportes, a paz social criada neste sector, com o apoio dos trabalhadores, os contratos-programa e contratos de gestão, que irão permitir a viabilização das próprias empresas, condições de indispensabilidade
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à vida dos cidadãos, bem como ao desenvolvimento económico das regiões.
A melhoria dos correios e comunicações, como contributo para o desenvolvimento e qualidade de vida das populações, as últimas acções tomadas no campo da informática com o programa «Inforjovem» que vem permitir a sensibilização da juventude portuguesa para formas de novas tecnologias.
A legislação sobre rádios locais em vias de ser aprovada, leva-nos a considerar positiva a proposta do Governo, e votar favoravelmente as matérias em discussão neste Plenário.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Quero apenas colocar uma rápida questão ao Sr. Deputado Abílio Curto, tanto mais que poderemos, mais adiante, responder de uma forma mais concisa e mais precisa às questões que aqui nos suscitou.
De qualquer forma, gostaria de lhe pedir alguns esclarecimentos. Por exemplo, quando se referiu ao relançamento PRID - e penso estarmos todos de acordo em que é fundamental o seu relançamento - não sei se analisou o mapa VII que nos foi distribuído pelo Governo, ou seja, a listagem de projectos e programas para 1985. Em relação ao PRID acontece, por exemplo, esta situação: está prevista para este ano uma verba de 1 milhão de contos, da qual 250 000 saem do Orçamento do Estado, e há uma distribuição por 16 dos 18 distritos do continente, sendo essa consignação feita apenas em quatrocentos e tal mil contos. Restam, portanto, quinhentos e tal mil contos que não têm qualquer consignação, a menos que sejam para os dois distritos que aqui não aparecem, salvo erro, o de Viana do Castelo e o de Bragança.
A questão que lhe coloco desde logo é esta: para onde vão esses quinhentos e tal mil contos do PRID? Isto não é um verdadeiro «saco azul» que fica por distribuir e que o ministério administrará a seu bel-prazer e distribuirá por quem entender, sem que a Assembleia da República determine, desde já, qual a finalidade dessa verba, que é sensivelmente metade da que está consignada para o PRID.
Mas, mais: repare, Sr. Deputado, que para o ano passado estava também consignada uma verba, para o PRID, de 1 milhão de contos. Eu pergunto: onde está essa verba? Quanto é que foi gasto dessa verba?
E para 1986, porque estamos precisamente a tratar de situações de projectos plurianuais, não há já nada previsto para o PRID? Há ou não aqui «sacos azuis» evidentes? Mas há outros casos que poderíamos referir, como, por exemplo, o do fundo especial de transportes terrestres, etc.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E outros!
O Orador: - É esta a situação. E, quando o Sr. Deputado vem aqui dizer que «temos um bom programa, temos boas possibilidades», eu diria que há quem as tenha ou quem as possa vir a ter, mas pelo que aqui se refere não podemos chegar a essa conclusão. Esta é que é, de facto, a situação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Abílio Curto.
O Sr. Abílio Curto (PS): - Sr. Deputado Joaquim Miranda, primeiro que tudo parece-me que o Sr. Deputado não duvida de que a experiência PRID foi, e é, uma experiência salutar no campo da recuperação de imóveis degradados. Isto é, de facto, uma constatação.
Há, no entanto, aqui uma coisa que gostaria de dizer ao Sr. Deputado: o PRID, lançado, salvo erro, em 1976, foi uma experiência que se iniciou e que não era conhecida das populações. Depois, em 1977 e parte de 1978, o PRID conheceu, de facto, um desenvolvimento muito grande e à sua sombra houve, infelizmente, algumas candidaturas a estes empréstimos que não se integravam, propriamente, neste programa e neste esquema.
Acontece que talvez por isso e talvez também por outras razões, até de ordem económica e financeira, o PRID foi depois interrompido ou congelado, mas voltou a surgir, efectivamente, no ano passado.
O Sr. Deputado diz-me que, realmente, no ano passado havia uma verba de 1 milhão de contos e pergunta onde é que ela foi aplicada. Bom, em relação a essa verba penso que houve algumas autarquias que, infelizmente, não tiveram capacidade para gastar esse dinheiro. Sem estar aqui a referir nomes, digo-lhe que, por exemplo, em distritos como o da Guarda, houve câmaras municipais que não foram capazes de gastar a verba que lhes foi colocada à disposição, ou por falta de projectos, ou por falta de candidaturas, ou até, inclusivamente, por falta de capacidade na recuperação dos imóveis que estavam em degradação.
Como V. Ex.ª sabe, há no PRID verbas que são a fundo perdido e outras que, sendo empréstimos a juro bonificado, acabam, realmente, por não ser todas utilizadas.
Em relação à verba de 1 milhão de contos, pessoalmente não lhe poderei dizer onde ela está. Penso que essa pergunta não me deve ser feita, pelo que a remeto para o Sr. Secretário de Estado da Habitação ou para o Ministério do Equipamento Social, pois são as entidades que estão em condições, com certeza, de lhe dar essa resposta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esperemos!...
O Orador: - Em relação aos quinhentos e tal mil contos a que V. Ex.ª chama «saco azul» - eu não lhe chamaria azul, chamar-lhe-ia antes, se o houvesse, «saco vermelho e amarelo» pois são as cores da maioria governamental..., de resto, parece-me que esses «sacos azuis» foram banidos, e ainda bem, desde há muito tempo - não me parece que o seja realmente. Penso que estes 500 000 contos estão, como esta verba que V. Ex.ª aqui refere e que não é consagrada a nenhum programa - e essa era também uma pergunta que eu remetia para o Sr. Secretário de Estado da Habitação -, destinados à possibilidade de o PRID ser relançado. Se se mantiver o entusiasmo, que realmente há, para este programa se concretizar penso que essa verba será para poder acudir a situações de programas que não tenham sido completados por falta de verba. Mas esta é a minha conclusão. Não lhe chamo «saco azul», mas, talvez, «verba de prevenção residual». ..
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
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O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Se o Sr. Deputado acabou de referir, inclusivamente, que haveria projectos que não se integrariam nos programas do PRID, vem-nos depois dizer que não há «saco azul»?... Então porque é que, precisamente nesta altura e neste ano em que não há verbas consignadas para programas que apenas têm um âmbito de execução até 1986, se passa da concessão desses empréstimos da Caixa Geral de Depósitos - que como se sabe é bastante mais rigorosa na atribuição dos empréstimos - para o Instituto Nacional de Habitação?
O Sr. Abílio Curto (PS): - Sr. Deputado, referi há pouco que a transferência para a Caixa Geral de Depósitos é, em meu entender, uma medida acertada e vem na sequência daquilo que lhe disse quando afirmei que houve candidaturas - e V. Ex.ª sabe-o tão bem como eu - em que, inclusivamente, foram utilizados dinheiros, em determinada altura da nossa história recente, por pessoas e entidades que os não podiam utilizar. Mas o que é certo é que estas candidaturas existem. Em meu entender, ao tomar estas medidas, que são medidas cautelares e de prevenção, o Governo proeurou encontrar um órgão, uma entidade, que fiscalize muito melhor a distribuição das verbas do que aquele que existia.
Quanto ao resto, Sr. Deputado, penso, como lhe disse, não ser eu a pessoa indicada para falar em «sacos azuis»; não sou eu que administro estes dinheiros e penso que o Governo ao colocar esta verba, repito, uma verba residual e de prevenção, toma, em meu entender, uma medida acertada para a administração deste dinheiro que está previsto para o programa de recuperação de imóveis degradados (PRID).
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier.
O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Já na fase descendente deste debate, que aliás tem sido calmo, cabe-me a mim agora apreciar a proposta de lei do Orçamento do Estado para 1985. Depois do que disse o meu colega de bancada Bagão Félix, eu temia não poder aqui trazer nada de novo, preocupação essa que, no entanto, desfiz rapidamente por não se tratar aqui de um discurso intelectual para o qual tenha interesse a originalidade - porventura até se ganhará em repetir aquilo que já foi aqui dito. Quando nos debruçamos sobre a proposta do Orçamento para 1985, invadem-nos recordações - chamem-lhes fantasmas, se quiserem - de outros momentos da história portuguesa deste século, apesar de nesta não querermos ver qualquer misteriosa repetição cíclica.
O presidente do meu partido afirmou aqui, há dias, que, enquanto vários dirigentes da América Latina invocavam a ditadura como responsável pelos desequilíbrios económicos dos seus países, pôde retorquir-lhes, por seu turno, que, em Portugal os défices dos últimos 10 anos foram trazidos pela democracia. Eu seria tentado a ir mais longe: a história da democracia, em Portugal (e não só a dos últimos 10 anos), está inseparavelmente ligada ao défice, e o autoritarismo tem sido justificado com a invocação da necessidade de rigor financeiro.
Ora, provavelmente com a intuição destas coincidências preocupantes, este Governo nasceu a proclamar a austeridade: austeridade para as famílias, falava-se, mas também austeridade para o Estado. E o certo é que o País se dispunha a sacrifícios, apesar da nova mentalidade social provocada, que exige sempre novas e maiores prestações de um Estado tutelar.
Hoje, no entanto, apesar dos discursos desencontrados dos governantes - que alternam uma descrição aterradora da situação económica (para se afirmarem como única salvação), com a pintura de um quadro optimista (quando pretendem enaltecer a sua acção governativa) - os Portugueses sentem apenas que o futuro não parece fácil. Em todo o tempo que já decorreu, só se pode apontar como performance da nossa economia a atenuação dos desequilíbrios com o exterior, embora toda a gente saiba que tal resultado é muito mais produto da redução do investimento e da «teimosia dos exportadores» do que de medidas acertadas do Governo. Por outro lado, esfumaram-se as exigências de rigor: depois dos impostos extraordinários - porventura uma das maiores agressões ao património dos Portugueses dos últimos anos, a seguir às nacionalizações e à inflação -, veio a alteração do Orçamento para 1984. Em pouco tempo, esta Câmara teve, por duas vezes, que escolher entre autorizar o Governo a gastar mais e a pedir mais - para que este cumpra o que levianamente prometeu -, ou ficar, ao contrário, responsável pela insolvência e falta de honorabilidade do Estado. Com a sua folha de serviços, este Governo tinha hoje sobre si o ónus de convencer esta Câmara, compreensivelmente desconfiada, com medidas novas que contribuíssem para a sua própria reabilitação. Em vez disso, apresentou-se uma proposta de Orçamento que, mais do que significar uma continuidade, significa uma autêntica renúncia. E, quanto a nós, o que há de verdadeiramente novo em todo este processo é o verificar-se que, entre os adeptos desta solução governativa, vai crescendo o número dos que - cada vez mais audivelmente - repetem, como outrora, o desiludido António José de Almeida: «Não era isto... não era isto...» Falta, no entanto, entre eles, a coragem, para dizer «não pode ser isto»...
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - O Orçamento para 1985 começa por estar largamente atrasado. E não se pretenda minimizar este facto: a apresentação atempada da proposta de Orçamento é o mínimo que se pode exigir a um governo e, por isso mesmo, por toda a parte as legislações se têm preocupado apenas em obviar às consequências da lentidão dos parlamentares, no desenrolar do ciclo orçamental. Não houve, em Portugal, acidentes político-constitucionais, não houve agitação social apreciável, não ocorreram modificações significativas da conjuntura - e o Governo não soube cumprir os prazos legais, nem sequer se dignou justificar aqui a sua falta.
O Sr. Cavaleiro Brandão (CDS): - É incrível!
O Orador: - No entanto, mais do que o atraso, preocupa-nos o conteúdo desta proposta de Orçamento, cuja característica predominante é o agravamento dos défices: agrava-se o défice global, pois as despesas efectivas crescem a ritmo superior ao do aumento das ré-
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ceitas efectivas, e agrava-se, sobretudo, o défice corrente. Este último significa apenas que, apesar de se prever o crescimento das receitas tributárias, o consumo público aumentará em medida superior, pelo que veremos incrementado, em 1985, aquilo que comummente tem sido considerado como um dos factores mais negativos da nossa situação económica, justamente o chamado desaferro público: o Estado reduz o consumo dos particulares, aumentando os impostos, mas consome mais do que aquilo que os particulares deixaram de consumir, ao pagarem aqueles impostos. Para o conseguir, o Governo aumenta o recurso ao crédito, afectando, com inflação, as gerações presentes - sobretudo pela forma como obtém os fundos de que necessita -, e comprometendo também o rendimento das gerações futuras, que terão de pagar amanhã os empréstimos que financiaram as despesas improdutivas de hoje.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Poder-se-á dizer que não há nada neste Orçamento que denuncie uma tentativa de inflexão desta situação. Sobretudo não contamos nem podemos contar com as medidas avulsas sobre contenção de despesas com pessoal, cuja inclusão, no Orçamento, se me afigura, aliás, de duvidosa oportunidade: pois não é verdade que o próprio Governo não está convencido da eficácia das suas medidas, ao prever um incremento real das despesas que pretende «controlar»?
Mas, além do mais, este Orçamento neste quadro de falta de rigor apresenta um aspecto preocupante que nos merece a máxima atenção. A chamada «dotação provisional» - verba que se inscreve no Ministério das Finanças para o pagamento de despesas inesperadas e inadiáveis - tem vindo a crescer durante a gestão deste Governo, desmesuradamente. Para 1985, ela atinge o montante de 65 milhões de contos - superior ao previsto quanto a boa parte dos ministérios - constituindo, assim, um enorme fundo destinado ao financiamento de despesas não especificadas. Parece-me, sobretudo, que é altura desta Câmara pensar numa forma de limitar esta dotação, sob pena de se reduzir a pouco a «regra de especificação» do Orçamento.
No entanto, este crescimento de despesa não se pode imputar exclusivamente ao Sr. Ministro das Finanças; não seria justo. Como poderia ser ele o único culpado, se é público que os seus colegas de Governo gastam mais do que devem e prometem o que não podem cumprir? Como poderia sê-lo, de facto, se o Orçamento foi discutido nos mais variados círculos, com os ministérios a comportarem-se como autênticos parceiros sociais, preocupados apenas em reivindicar a majoração das suas dotações? E não é também verdade que se encara com autêntica reserva mental os plafonds de despesa impostos pelo Ministério das Finanças, na esperança quase sempre certa de um «orçamento suplementar»?
O Sr. Abílio Curto (PS): - Isso é demagogia!
O Orador: - Mas julgamos ser importante uma reflexão sobre a vertente fiscal do programa financeiro do Governo, sem prejuízo do que mais adiante se dirá, aquando da discussão na especialidade.
Tarda, já há muito e já aqui foi dito, uma reforma do sistema fiscal português, que é ineficiente e injusto.
Não se pode pedir tudo de uma vez também já foi dito, mas afligem-nos as tímidas alterações dos impostos que o Governo pretende introduzir e as evidentes perturbações e o agravamento dessa mesma injustiça e ineficiência do sistema fiscal que a proposta do Orçamento vai traduzir com certeza.
O Sr. Gomes de Pinho: - Contra-reforma!
O Orador: - E no entanto o Governo acena com o aligeiramento da carga fiscal, invocando, para tanto, as modificações que pretende introduzir nas tabelas de taxas dos impostos directos. Simplesmente, essas modificações não abrangem todos os impostos directos e, além do mais, os limites das deduções e isenções não são desagravados de acordo com a taxa de inflação. A acrescer, finalmente, já foi aqui largamente glosado o facto de o crescimento da tributação indirecta ir anular as eventuais melhorias ocorridas no domínio da tributação directa, constituindo toda esta proposta fiscal como que um zirosamgame pelo menos.
Mas propõem-se ainda várias medidas fiscais altamente criticáveis. Pretende-se ressuscitar o imposto sobre a indústria agrícola, que irá incidir sobre o rendimento de contribuintes que se encontram totalmente desprevenidos. Pretende-se agravar a tributação dos depósitos a prazo, reduzindo a níveis baixíssimos as taxas de juro reais, com o intuito de, simultaneamente, aumentar as receitas e estimular a subscrição de títulos da dívida pública ao que julgo - desviando a poupança do sector privado para o sector público, embora de forma disfarçada, e desprezando a consideração dos nefastos efeitos económicos que se adivinham a seguir a estas medidas. E é sobretudo dramático o que se passa com os depósitos dos emigrantes, justamente os portugueses que nos últimos anos têm sido sistematicamente encorajados a trazerem a sua poupança para o seu país de origem.
O preocupante panorama da situação financeira tem sido, porém, justificado, mediante a invocação da dívida pública. Na verdade, o seu crescimento revela-se preocupante, não se percebendo por que se adia a discussão séria deste problema. Corre-se o risco, efectivamente, de se confundir a actividade financeira com o simples pedido de empréstimos, e a obtenção destes tem sido apresentada pelo Governo como um acto de heroísmo, fazendo lembrar a manifestação que se promoveu a um governante da I República, quando regressou de Paris com mais um empréstimo prometido.
Em rigor, no entanto, a dura realidade da dívida pública deveria constituir um estímulo à contenção das despesas do Estado, antes do que uma desculpa para o seu crescimento. Seria, pois, preferível adoptar a atitude de Eduardo de Abreu, também um republicano» que com certeza fará saudades a alguns deputados aqui presentes, quando o romântico João Chagas o informou de que conseguira mais empréstimos. Eduardo de Abreu retorquiu: «Empréstimos para quê? Corte-se antes nas despesas improdutivas!»
É por todas estas razões que o CDS não pode votar favoravelmente esta proposta de Orçamento. Não poderemos, assim, ser acusados, como outros, de que, verberando mas aprovando, estamos a colaborar com a falta de respeito pelas mais elementares regras financeiras e a contribuir para a perda de poder orçamental efectivo desta Câmara: admitindo pacificamente a falta de «veracidade» deste Orçamento - estar-se-á a criar
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a ideia, como já pude dizer ontem, de que nenhuma solução passa já pela Assembleia da República. E o CDS para tanto não colaborará.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Deputado Lobo Xavier, no decorrer do debate, na generalidade, da proposta de lei do Orçamento do Estado permitir-me-ei situar dois tempos, em dois tipos de intervenção, que o CDS tem vindo aqui a produzir.
Uma primeira intervenção do Sr. Deputado Bagão Félix que, como eu tive em tempo oportunidade de frisar, foi desligada da realidade concreta mas, no entanto, com espírito criador, uma segunda intervenção do Sr. Deputado Meneses Falcão que eu poderia classificar como uma intervenção cadavérica e uma terceira intervenção, a do Sr. Deputado Lobo Xavier, que permitir-me-ei, talvez, de classificar de «o morto que pretende ressuscitar». Ora, quanto a mim, isto começa a ser preocupante.
O Sr. Félix (CDS): - Brinque, brinque!
O Orador: - O Sr. Deputado Meneses Falcão começa por nos dizer: «já não acredito nos técnicos, já não acredito nos políticos». Permitir-me-ei então perguntar-lhe, Sr. Deputado Lobo Xavier, dentro da sua linha de pensamento, em que é que o CDS acredita?
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - É no IVA. O IVA vai salvar tudo!
O Orador: - É nos generais, é no homem do chicote?
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - É em si!
O Orador: - É essa grande preocupação que nesta segunda parte das intervenções que advêm do CDS nos aflige, em virtude da interpretação que é dada neste domínio.
E V. Ex.ª, Sr. Deputado, no início da sua intervenção, deixou precisamente claro este pensamento. Como democrata, espero que, efectivamente, a primeira leitura que foi feita pelo Sr. Deputado Bagão Félix prevaleça no CDS. Espero que a leitura de esperança não morra.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª classificou de tímidas as alterações fiscais previstas no Orçamento do Estado. É evidente, Sr. Deputado, que todos nós queríamos alterações muito mais profundas nesta matéria, mas sabemos que as não vamos ter tão cedo. Só que em matéria fiscal, nas medidas que o Governo introduz neste Orçamento, Sr. Deputado, transparece, pelo menos, uma vontade de alterar a situação.
Eu já classifiquei ontem: é mais um remendo.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Isso é demagogia!
O Sr. Abílio Curto (PS): - Não é nada, é realismo.
O Orador: - Sr. Deputado Gomes de Pinho, quando eu quiser a sua opinião peco-lha; por isso, se faz favor, não a dê quando não lha pedirem.
Vozes do CDS: - Esta é óptima!
O Orador: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Lobo Xavier, diz que não vai resolver nada e pelo menos reconhece que o Governo está consciente desta situação e que as medidas previstas pelo Governo desagravam seriamente as dificuldades que existem no sistema fiscal. Isto revela uma boa intenção em matéria de fiscalidade de empresas, nomeadamente quanto à definição de um conceito de distribuição dos diversos grupos na contribuição industrial. Neste Orçamento há esse espírito relativamente às diversas isenções do imposto de mais-valias e do imposto de capitais. Neste Orçamento, há uma verdadeira e clara intenção do Governo de desagravar a carga fiscal em sede de contribuição nas unidades produtivas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Meneses Falcão, V. Ex.ª pediu a palavra para que efeito?
O Sr. Meneses Falcão (CDS): - Para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, para protestar não posso conceder-lhe a palavra, no entanto já posso dar-lha para usar a figura regimental do direito de defesa.
O Sr. Meneses Falcão (CDS): - Então, é para usar a figura regimental do direito de defesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Meneses Falcão (CDS): - O Sr. Deputado Domingues Azevedo tomou a liberdade - e adjectivo nestes termos porque gosto de usar, aqui, uma linguagem, tanto quanto possível, polida e de não perder o sentido da elegância num Parlamento, onde todos nós temos de ser compostos na nossa forma de actuação - de dizer que eu, na minha intervenção, tinha usado uma linguagem «cadavérica».
Quero dizer-lhe que se engana redondamente e que, certamente, essa ideia foi colhida pela circunstância de ter a sensação de que está em presença de um cadáver, que é este país que está a morrer atrofiado...
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito bem!
O Orador: - ... por falta de actuação de quem tem obrigação de o salvar da doença grave de que está a sofrer.
A minha linguagem não foi cadavérica, Sr. Deputado. Ela foi de esperança, de quem traz um testemunho, de quem procura trazer uma mesinha, de quem procura trazer um contributo para que ainda se possa acudir àquilo que é um corpo doente.
Fique V. Ex.ª com esta certeza e peco-lhe o favor de reconsiderar e verificar que a sua intervenção merece o meu protesto, porque ela não foi própria, nem
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digna de um deputado que respeita a liberdade de outros serem livres de «funcionar» num Parlamento.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para prestar esclarecimentos, se assim entender, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Deputado Meneses Falcão, não vou utilizar nem a agressividade que usou, nem responder-lhe nos mesmos termos com que protestou. A Câmara saberá avaliar as suas palavras!
Diz V. Ex.ª que trouxe a esta Câmara o remédio, a solução, porque a situação aflige-o. Sr. Deputado, pessoalmente, acho que a sua mesinha é muito fraca. A leitura do negativismo, o perder a esperança, o pormo-nos fora das dificuldades que o País atravessa, o criticarmos quando estamos por fora dos problemas é, realmente, sempre muito mais fácil. É sempre muito mais fácil dizer que os outros não são capazes de fazer e esquecer os passos, o caminho, que trilhamos quando estamos dentro.
Sr. Deputado, eu continuo - e perdoe-me, mas reconheço-me com essa liberdade - a preocupar-me com a leitura que V. Ex.ª faz e com a perda de esperança que demonstrou na sua intervenção.
O Sr. Reis Borges (PS): - Muito bem!
O Orador: - Penso que me é conferida esta liberdade.
Sr. Deputado, reafirmo os pontos de vista que inicialmente explanei. Só espero que a ideia do CDS - e ainda acredito num partido democrático - não vingue para bem de Portugal e para bem de todos nós.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lobo Xavier, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento pediu a palavra para lhe formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ao Sr. Deputado Domingues Azevedo ou responde depois de o Sr. Secretário de Estado ter formulado a pergunta?
O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Respondo já ao Sr. Deputado Domingues Azevedo, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Deputado Domingues Azevedo, estive a ouvir, com atenção, a sua exegese ou a teoria da intervenção do grupo parlamentar do meu partido neste debate e, pela parte que me toca, quanto aos atributos com que me qualifica, quero dizer-lhe que me parece que é bem melhor ser um morto que quer ressuscitar do que alguém que não quer nem morrer, nem viver.
Pergunta o Sr. Deputado em que é que o CDS acredita e se o CDS não tem esperança. Com certeza que o Sr. Deputado nos dá o direito de, por aquilo que temos afirmado, não termos esperança neste Governo, nem nesta maioria.
Do vosso argumento da inevitabilidade do Orçamento, da inevitabilidade do Governo, da inevitabilidade da crise, o Sr. Deputado não pode querer concluir que o CDS tem de canalizar as suas esperanças para este Governo e para este Orçamento.
E digo-lhe mais: não sei se, na realidade, há uma real melhoria nas propostas fiscais que estão contidas neste Orçamento. Veremos aquando da discussão na especialidade!
Devo dizer-lhe que não estou convencido de que com as propostas que ora nos são trazidas, depois de feitas todas as contas, haja uma real melhoria no sistema fiscal.
Contudo, temos uma certa esperança: temos, às vezes, esperança de que o Governo venha, ao cabo de algum tempo, em relação a certos assuntos, sobretudo do domínio fiscal, a concordar connosco. Aliás, viu-se isso no ano passado. No ano passado trouxe-nos aqui várias propostas de alteração dos códigos de alguns impostos e algumas delas foram aprovadas por unanimidade; outras, é certo, foram rejeitadas porque assim foi imposto à maioria que o fizesse, apesar de ela ter tido grandes problemas de consciência em votar contra essas propostas que aqui apresentámos. A verdade é que, mais tarde, o Governo veio a retomá-las discretamente, tentando chamar a si a autoria dessas respostas.
Mas não é só essa a nossa grande esperança. A nossa esperança é também a de que, ao longo deste ano, o Governo acabe por aceitar algumas das coisas que aqui vamos dizendo.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, irei utilizar a figura regimental do protesto para me congratular com o Sr. Deputado Lobo Xavier quando diz que irão apresentar propostas concretas.
Sr. Deputado, os actos valem muito mais do que as palavras. Esperamos pelos actos e julgá-los-emos!
O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Nós também!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É agora que ele vai esclarecer tudo!...
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É agora que vai fornecer os mapas.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento (Alípio Dias): - Sr. Deputado Lobo Xavier, a sua intervenção suscita-me duas ou três observações que gostaria de ver comentadas por V. Ex.ª.
Referiu-se, concretamente - e isso de algum modo já foi salientado pelo Sr. Deputado Domingues Azevedo - que as alterações introduzidas no sistema fiscal na presente proposta de lei são tímidas. Gostaria que dissesse se a introdução do imposto sobre valor acrescentado, em 1985, é uma medida tímida, ou se, pelo contrário, representa, de facto, uma medida que vai introduzir, do ponto de vista da tributação indirecta, uma reforma fiscal profunda neste domínio.
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Referiu-se também ao problema das despesas. Como ontem já tive ocasião de dizer, se entrarmos em linha de conta com os encargos com a dívida e com a circunstância de, em 1985, se incluir no chamado orçamento de funcionamento cerca de 10 milhões de contos, que, em anos anteriores, estavam considerados no PIDDAC, o crescimento da despesa em 1985 relativamente a 1984, abstraindo o PIDDAC, é de 21,2%.
Uma outra nota que me sugere algum reparo e que gostaria de a ver comentada por V. Ex.ª é o problema da dotação provisional. É evidente que, numa conjuntura como aquela em que vivemos, iniciar-se a execução orçamental sem o mínimo de margem de manobra é extremamente penoso, é extremamente difícil e poderá traduzir-se num esforço permanente desta Câmara e do Governo para ligeiras alterações orçamentais.
Gostaria que me informasse se não está de acordo em que é razoável que, à partida da execução orçamental, haja uma margem de 3 ou 4 milhões de contos que possa possibilitar ao Governo fazer face a despesas imprevistas que surjam, portanto, de forma inopinada.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lobo Xavier.
O Sr. Lobo Xavier (CDS): - Sr. Secretário de Estado do Orçamento, em primeiro lugar, sobre a questão das despesas, e dos vários défices, já ontem o meu colega de bancada teve aqui oportunidade de esclarecer a preocupação manifestada por V. Ex.ª.
O Sr. Secretário de Estado, como argumento importante da intenção deste Governo em realizar uma reforma fiscal, falou-me no IVA justamente para contradizer as alterações tímidas - tais eram as minhas palavras quando falei das propostas de alterações do sistema fiscal.
Dir-lhe-ia que o IVA e o estudo da introdução do imposto sobre o valor acrescentado começou há muito tempo. O Governo introduz agora esse imposto porque é a altura de o pôr em prática. Não me parece que isso possa ser considerado como um trunfo do Governo.
Mas também lhe direi que a introdução do IVA é capaz de não ser timidez; é capaz mesmo de ser temeridade. Mas remeto o Sr. Secretário de Estado e os Srs. Deputados para a discussão na especialidade, e aí veremos isso com mais pormenor.
Sobre a dotação provisional, o Sr. Secretário de Estado não pode estranhar que me preocupe que haja um fundo de 65 milhões de contos para despesas não especificadas. É uma dotação que excede, em muito, grande parte dos ministérios.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Se a dotação provisional continua a crescer todos os anos como tem crescido, a partir de uma certa altura, não poderão estranhar que critiquemos estas dotações como exageradas, porque a sua aplicação e o seu destino só pode ser controlado a posteriori.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Secretário de Estado do Orçamento: - Sr. Deputado Lobo Xavier, foi explicado a esta Câmara que a dotação provisional se destina exactamente a fazer face aos novos encargos com as despesas com o pessoal. Portanto, verá que - e o Sr. Deputado facilmente chegará a essas contas - os graus de liberdade que ficam para a dotação provisional são extremamente exíguos e, se calhar, nem sequer chegarão aos 3 ou 4 milhões de contos que referi. Portanto, de secreto e de montantes avultados não tem rigorosamente nada.
O Orador: - Sr. Secretário de Estado do Orçamento, então, se há um destino preciso para essa dotação, por que razão é que não se discrimina e por que razão é que aparece como o fundo para a benesse do Sr. Primeiro-Ministro, que ontem foi apresentada, de aumentar os funcionários públicos em 21%?
O Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Essa não!
O Orador: - É só isso que critico, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estamos a escassos minutos da hora prevista para interrompermos a sessão.
Como julgo que não é conveniente dar a palavra ao orador seguinte, suspendo a sessão, que se reiniciará às 14 horas e 30 minutos.
Mais uma vez, peço o obséquio de serem o mais possível pontuais.
Está suspensa a sessão.
Eram 13 horas e 25 minutos.
Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.
O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, pelos vistos, o Governo está ausente...
O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado Anselmo Aníbal não levar a mal, tenha a bondade, Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado Anselmo Aníbal, creio bem que é conveniente aguardar que cheguem alguns membros do Governo para iniciar a intervenção. Compreendo que até é pouco estimulante estar a fazer uma intervenção não estando presentes os membros do Governo.
Peço, pois, ao Sr. Presidente o favor de fazer diligências no sentido de que os membros do Governo reentrem no Plenário.
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O Sr. Presidente: - Já foram feitas, Sr. Deputado. Pausa.
Srs. Deputados, enquanto aguardamos pela presença dos membros do Governo, lembro que está a decorrer, das 15 horas às 18 horas e 30 minutos, a eleição para juiz do Tribunal Constitucional.
A uma para recolha dos votos encontra-se na mesa, que se encontra à minha direita, dos serviços de apoio ao Plenário.
Pausa.
Srs. Deputados, segundo me dizem, por um erro dos serviços, os votos não estão em forma legal. Concordando com a reclamação que foi posta e para que não tenhamos que sofrer a necessidade de impugnação destas eleições pele facto de o boletim não estar nas condições exigidas pela lei, agradeço o favor de aguardarem uns momentos e inutilizarem o voto, pois um outro ser-vos-á distribuído, a fim de se repetir a votação na forma e nos termos legais. A todos os Srs. Deputados peço, pois, as minhas desculpas.
Penso que agora estão reunidas as condições para que o Sr. Deputado Anselmo Aníbal profira a intervenção, para o que tem a palavra.
O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A presente proposta de lei do Orçamento do Estado dá continuidade a uma grave ofensiva lesadora dos serviços da Administração Pública e da situação global dos seus trabalhadores. Tal proposta de lei, não adoptando globalmente quaisquer das medidas necessárias à reorganização da Administração Pública, aprofunda, antes, as arbitrárias tomadas de posição dos actuais gestores políticos da Administração.
A Administração Pública vive, globalmente, uma situação crítica. É uma administração naturalmente complexificada pelas alterações estruturais resultantes do 25 de Abril, alterações estruturais que lhe trouxeram uma exigência de intervenção numa malha mais densa no domínio do equipamento social, uma tutela em áreas decisivas do aparelho produtivo e de crédito e à qual se perfilam imperativos constitucionais muito definidos. Tal complexificação não é fácil de solver.
Mas os problemas agudizam-se e a situação crítica decorre ainda mais do facto de ser gerida por uma equipa ministerial que tem pronunciamentos no sentido de a considerar através de meras apreciações primaristas, conotando-a por «monstro» e por repositório de situações improdutivas, mas que, de facto, tem mostrado incapacidade global para definir objectivos, para formular programas, para organizar melhor os recursos humanos, materiais, logísticos e financeiros, para promover a formação dos seus dirigentes, técnicos e outros trabalhadores.
De facto, desde Eusébio Marques de Carvalho e Almeida Santos, passando por Meneres Pimentel, temos tido presente, no cerne da Administração Pública, ministros e secretários de Estado que têm demonstrado a incapacidade da intervenção junto dos variados ministérios naquilo que tem de ser um projecto e uma acção de reestruturação da Administração, globalmente considerada e de acordo com o texto constitucional.
Desde ministérios emblemáticos, que intervêm, na palavra do seu ainda titular, por forma de intervenção
pontual e sem dignidade, passando por outros ministérios que vivem sem capacidade real de programação, entre compromissos e dívidas, até ministérios que esvaziam o conteúdo das suas funções e das suas tutelas numa verdadeira acção anti-Estado, temos o universo da Administração Pública povoado por responsáveis a nível ministerial que têm agravado problemas de gestão.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - São vítimas disso os cidadãos, em geral, quando esperam da Administração Pública aquilo a que têm direito em domínios do seu bem-estar, mas são também vítimas disso os trabalhadores da função pública, tornados bodes expiatórios e desmotivados pela corrosiva acção do Governo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Facilmente se compreende, assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que, vista com os olhos do Governo e sem critérios decorrentes de uma análise baseada na estrutura funcional dos serviços, a Administração Pública só seja contemplada com medidas como aquelas que se compendiam nos artigos 9.º, 10.º, 11.º e 16.º da proposta de lei n.º 95/III e que se ligam à Resolução do Conselho de Ministros n.º 2/85 que constitui a CIRAP.
É escandaloso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o texto de tal resolução determine que, no prazo de 30 dias «uma proposta de eliminação, fusão ou reorganização de direcções-gerais, serviços ou institutos públicos, cuja finalidade se encontre esgotada», «acompanhada de projectos de estatuto e gestão dos excedentes de pessoal que daí resultarem», o que, claramente, menoriza toda a capacidade de análise funcional comparada que qualquer técnico de organização estrutural minimamente exigiria, atabalhoando a decisão e criando a confusão institucional e a perturbação laboral.
Num dos exemplos mais conhecidos de soluções expeditas e atabalhoadas, descredenciadoras da Administração e lesivas dos interesses dos técnicos e de outros trabalhadores, temos o caso do ex-Fundo de Fomento da Habitação, organismo que foi substituído, numa primeira fase, pelo FAIH e, numa segunda fase, pelo INH, e que subsiste numa situação liquidatária que se prolonga, no meio de uma sindicância que se eterniza arrastadamente, tendo procurado promover as obras que a sua acção exigia, mas fabricando situações excedentárias de novos escândalos, até na criação atamancada, escandalosa também, de novas chefias.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - As medidas do artigo 9.º, n.ºs 6 e 7, relevam da obsessão de criar excedentes, trabalhadores que ainda ficariam com menos direitos do que aqueles que estavam previstos no Decreto-Lei n.º 43/84.
A chamada «política de planeamento de efectivos» nada traz de novo. Corta-se, escandalosamente, a ADSE a muitos trabalhadores, o que significa cortar-lhes o direito constitucional à saúde.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!
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O Orador: - Entretanto, intenta-se a extinção de organismos de coordenação económica com o conjunto de situações de pessoal, que se arrastariam em milhares e milhares de casos, que apontam, claramente, para uma potenciação, sem precedentes, do desemprego, dos despedimentos na função pública, designadamente dos contratados por tarefa e por outros vínculos precários que, como muitos dos Srs. Deputados saberão, constituem cerca de 21 % do conjunto da população activa dos trabalhadores da função pública.
Neste contexto, publicita-se, entretanto, um aumento nominal uns pontos acima da posição unilateralmente fixada pelo Governo, em Setembro passado. É importante sublinhar a esse respeito que não há qualquer reposição dos valores dos salários reais. É importante relevar a esse respeito que tais valores são diminuídos em l % por novos descontos para a Caixa Geral de Aposentações e para o Montepio dos Servidores do Estado.
É importante sublinhar a esse respeito, ainda, que os valores percentuais do aumento nominal são, no esquema adoptado pelo Ministério das Finanças e do Plano, transmitidos na pertença e chamada acção negocial pela SEAP, insusceptíveis de correcção salarial intercalar, se os valores inflacionários do IPC forem superiores aos estabelecidos neste Orçamento do Estado.
Tudo salienta, aliás, que os trabalhadores da função pública, os reformados e os pensionistas continuarão a ser alvo de discriminação negativa, agravada, nos últimos anos, pela instabilidade criada pelas constantes ameaças das chamadas reestruturações e de que esta famigerada CIRAP é testemunha.
Esta discriminação negativa deverá ser ultrapassada por uma nova política que adopte para o sector administrativo do Estado e para o sector empresarial do Estado uma prática unívoca que traga à Administração Pública, aos seus dirigentes, técnicos e outros trabalhadores, motivos reais de uma nova atitude ao serviço das populações.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em conformidade com a nossa intervenção, entregámos na Mesa duas propostas: uma, em relação ao artigo 9.º, n.º 6, da proposta de lei n.º 95/III, ou seja, restrição dos direitos dos trabalhadores contratados em regime de prestação de serviços, tarefeiros, à ADSE, que consideramos uma escandalosa medida restritiva de um direito constitucional...
Aplausos do PCP.
...; outra, no sentido do congelamento dos descontos da ADSE, Caixa Geral de Aposentações e Montepio, forma também escandalosa de diminuir os aumentos nominais que são afirmados, exactamente para que os valores líquidos sejam ainda menores do que aqueles que minimamente deveriam ser.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É conhecido o nosso posicionamento perante o sistema fiscal português.
É nosso entendimento que o mesmo desde há muito deixou de corresponder, por exigências da nossa sociedade, pelo imobilismo em que se manteve e, diga-se, também por inoperância dos governantes, às missões que se lhe impunha.
Sendo verdade que no nosso sistema fiscal urge uma remodelação profunda, no sentido de inverter algumas situações degradantes que se atingiram, também é verdade que essa remodelação passa necessariamente pela quebra de alguns valores até hoje aceites como imutáveis, mexendo portanto nos hábitos de um povo, o que exige redobrado cuidado ao tomar-se uma iniciativa dessa envergadura.
Numa sociedade portuguesa adversa à mudança e eivada de vícios seculares é sempre difícil uma inversão radical da situação.
Não obstante as medidas fiscais previstas no Orçamento não preenchem as medidas da nossa exigência, estamos conscientes que este documento reflecte algum esforço sério não no sentido de uma mudança profunda, pois ela não seria possível em tão pouco tempo, mas sim um esforço de amenizar o espartilho que é o sistema fiscal português.
O posicionamento do Partido Socialista nesta matéria não é de forma alguma de passividade, é, antes pelo contrário, de assunção de responsabilidades que nos cabem no âmbito desta Câmara, porquanto não nos quedaremos a fazer coro de lamentações, faremos as nossas críticas e empenharemos o nosso esforço no sentido de que do nosso trabalho resulte um orçamento mais perfeito para os Portugueses.
Em sede de debate na especialidade apresentaremos as nossas propostas.
Este Orçamento tem alguns aspectos inovadores, particularmente no que respeita à revisão do conceito da distribuição dos diversos grupos da contribuição industrial, abandonando a ideia consagrada no Código da Contribuição Industrial da indexação aos rendimentos colectáveis e ao número de empregados que prestam a sua actividade nas unidades económicas.
Com esta alteração pensamos dar-se um importante passo no desenvolvimento das pequenas unidades económicas, a grande maioria delas de natureza unifamiliar, que vendo-se assim libertas dessa pressão se poderão mais facilmente desenvolver.
Por outro lado, quando à contribuição industrial, somos de parecer que se poderia ter avançado um pouco mais.
Relativamente ao imposto sucessório, trata-se de um imposto que tem obrigação de produzir maior rendimento, pelo que não é suficiente o aumento do adicional para 15%. Devem fazer-se esforços para o conseguir através de uma fiscalização séria e atempada das declarações de bens efectuadas pelos contribuintes.
Ainda quanto a este imposto, convém lembrar que os valores atribuídos aos bens imóveis são, na grande maioria dos casos, valores matriciais que não correspondem, nem de perto nem de longe, aos seus valores reais.
No que respeita à contribuição predial, o problema mais candente e que o Governo se propõe corrigir relaciona-se com a inscrição de prédios urbanos na matriz e com os valores matriciais dos prédios rústicos.
Tem-se mostrado insuficiente o trabalho desenvolvido pelas comissões eventuais de avaliação dos prédios rústicos, pelo que é urgente encontrar-se um normativo que permita uma reavaliação através de um índice para
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todos os prédios a nível nacional, quando não existam rendimentos declarados.
No que concerne ao imposto sobre a indústria agrícola, criado em 1963, e que desde há muitos anos nenhum governo teve a coragem de pôr em vigor, pensamos que a entrada em vigor deste imposto deve ser rodeada de sérios cuidados, particularmente no que diz respeito a uma clara definição dos sujeitos passivos.
Como elemento de ponderação entendemos que a incidência deste imposto deveria atender à dimensão da exploração e só a partir de quantitativos consideráveis o código deveria ser aplicado.
É sempre difícil numa intervenção tão curta como se impõe dar o nosso contributo para o eventual enriquecimento da proposta. Mas há fundamentalmente quatro medidas previstas neste Orçamento que não podem ser esquecidas. O esforço que o Governo empenhou em aliviar a carga fiscal sobre o trabalho, através do aumento dos escalões em imposto profissional e do aumento das deduções no imposto complementar. Quando for introduzido, o imposto sobre o valor acrescentado permitirá, estou certo, uma reforma profunda na tributação indirecta e permitirá arrumar, de uma vez por todas, com um monstro jurídico do sistema fiscal português que é o imposto de transacções.
Relativamente à tributação das empresas congratulamo-nos com o esforço desenvolvido pelo Governo no sentido de aliviar essa carga, a fim de permitir a capitalização das mesmas, nomeadamente através das diversas isenções previstas para imposto de capitais e de mais-valias.
Quanto à revisão prevista da atribuição de benefícios fiscais parece-nos ser uma medida equilibrada e estamos certos que contribuirá para a reunificação das diversas medidas dispersas actualmente em vigor. Por outro lado, urge definir quais os sectores de actividade que beneficiarão dos aludidos benefícios fiscais, e estes terão certamente uma importância acrescida para o desenvolvimento da nossa economia.
Finalmente, Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, é importante continuarmos a conjugar esforços no sentido de, com a nossa coragem, o nosso saber e a nossa vontade, sermos capazes de dar ao País orçamentos capazes que ele espera e merece.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Domingues Azevedo, como o tempo vai escasseando serei muito rápido no pedido de esclarecimento que gostaria de formular.
Na intervenção que produziu, V. Ex.ª referiu que o Governo se propõe à inscrição na matriz dos prédios rústicos e urbanos e que se congratula com tal facto. Ora, se tal facto se assumisse como realidade, também me congratularia com ele. Mas com promessas já não é possível fazê-lo!
Há quantos anos é que esta medida vem sendo proposta? Foi-o por este Governo aquando do Orçamento para 1984. E o que é que foi feito nesse sentido? E o que é que leva o Sr. Deputado a pensar que esta medida será agora concretizada?
Em relação às medidas propostas, o Sr. Deputado referiu mais uma vez o esforço manifestado por parte do Governo no sentido de aliviar a carga fiscal sobre os rendimentos de trabalho. Já tive oportunidade de referir que a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho não diz respeito apenas ao imposto profissional, mas também à carga parafiscal, designadamente em termos de Segurança Social e Fundo de Desemprego, e, ainda, de uma forma pesada, aos impostos indirectos. Ora, se se fizer a soma de todos esses impostos e a sua comparação verificar-se-á que há um aumento real da carga fiscal sobre os rendimentos dos trabalhadores e das suas famílias. Portanto, como é que o Sr. Deputado se pode congratular com essa pseudodiminuição da carga fiscal?
É um facto real que existe uma diminuição da carga fiscal sobre os rendimentos das empresas. Porém, gostaria de saber por que razão, mesmo em termos da equidade fiscal entre as empresas, são muito mais beneficiadas em termos de tributação de lucros as empresas exportadoras, porque estão isentas de contribuição industrial, em relação àquelas que não são exportadoras. Isto é, porque é que são mais beneficiadas as empresas que mais lucros têm e tiveram, designadamente em 1984?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Domingues Azevedo.
O Sr. Domingues Azevedo (PS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, é indiscutível que em contribuição predial nem tudo está resolvido. O Sr. Deputado disse, e muito bem, que uma das propostas do Orçamento de 1984 foi apresentada por mim quanto a esta matéria.
No entanto, todos temos conhecimento do esforço que o Governo tem vindo a fazer nestes últimos anos na tentativa de solucionar este problema. Já teci algumas considerações sobre esse esforço numa intervenção que produzi em Dezembro, quando apontei para a necessidade de uma coordenação dos diversos serviços do Estado no sentido de as fiscalizações serem feitas por dentro e não por fora de, isto é, a detecção das deficiências ser feita por dentro dos próprios serviços do Estado. Inclusivamente, também apresentei mecanismos para que tal fosse possível fazer-se.
É evidente que neste momento não detenho números concretos quanto aos prédios que foram inscritos em 1984 e quanto aos resultados, em termos numéricos, relativos a esta matéria. Sei que há um esforço muito sério neste domínio e que é necessário que ele continue a ser feito.
No que respeita à carga fiscal sobre o trabalho, o Sr. Deputado repetiu o que já foi dito nesta Câmara e remeteu-nos para um campo indefinido, ou seja, para a tributação indirecta.
Refere-se também ao campo da carga parafiscal, ou seja, à parte dos descontos para o Fundo de Desemprego e para a Segurança Social, suportada pelos trabalhadores. Ora, devo dizer que aí não se verifica qualquer tipo de aumento; ele continua a ser de 8 % para os centros regionais de segurança social e de 3,5 % para o Fundo de Desemprego. Por isso, não se verifica qualquer alteração nesse campo. As taxas ad valorem mantêm-se na mesma.
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Na tributação indirecta é um pouco difícil saber quem é que me vai consumir o azeite ou a máquina que produzo, ou seja, aquilo que é tributado em termos de tributação indirecta. Portanto, não posso ter uma certeza nesse campo; posso ter apenas índices indicadores...
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado, certamente que V. Ex.ª terá conhecimento de que, por exemplo, em relação ao IVA - que é o que mais peso tem - há estudos publicados em que são feitas as simulações com a matriz dos bens, com a distribuição de rendimentos oficiais que existem e é evidente que o IVA vai agravar, em termos de carga fiscal, fundamentalmente os rendimentos mais baixos. Esse aspecto não deixa lugar a dúvidas!
O Orador: - Sr. Deputado, nessa matéria não estou tão seguro quanto a isso. A minha dúvida é se, com a desoneração que a entrada em vigor do IVA vai trazer em termos de custos de produção, algum consumidor poderá ou não, em termos de custos, anular totalmente essa sobrecarga. Por isso, Sr. Deputado, em termos de carga fiscal sobre o trabalho não há dúvidas de que ela é desagravada através do aumento das taxas e das deduções do imposto complementar. Uma inovação que não é dispicienda nesta matéria é a dedução de 50 % dos valores pagos nas disciplinas com o ensino, quer particular quer oficial.
Uma outra questão que o Sr. Deputado referiu diz respeito à carga fiscal sobre as empresas e levantou o problema da equidade.
Creio que V. Ex.ª não pode indexar tão facilmente o benefício fiscal ao lucro. Isso é a condenação do próprio Estado na caça do dinheiro! Julgo necessário haver uma definição dos sectores produtivos da economia nacional e pôr o sistema fiscal a funcionar com a sua função económica. É, pois, isso que refiro na minha intervenção.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Logo no início deste debate afirmámos a nossa intenção de votar contra a aprovação, na generalidade, das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1985, propostos pelo Governo à Assembleia da República.
Tivemos ocasião, no decurso destes dias, de fundamentar esta nossa posição. As respostas dos Srs. Membros do Governo às questões que colocámos ou que foram suscitadas pelas intervenções de outros deputados confirmam à saciedade que a filosofia daqueles documentos é frontalmente contrária àquela que preconizamos para ultrapassar as grandes dificuldades de natureza económica e financeira, social e política em que o País se encontra.
Ficou demonstrado neste debate que o Governo não explicita qualquer estratégia de desenvolvimento que tenha como vectores o crescimento económico do País
e a satisfação progressiva das necessidades básicas da população portuguesa.
Enunciado em termos muito genéricos, o objectivo fundamental da política económica é o de proporcionar condições de vida e bem-estar crescentemente favoráveis ao povo português e particularmente às camadas sociais mais desfavorecidas.
Isto passa pelo aumento do rendimento nacional e pela melhoria das formas de distribuição da riqueza.
Uma preocupação fundamental deverá estar presente na formulação da política económica que vise aqueles objectivos: reduzir a nossa dependência externa nos vários planos em que ela se manifesta.
Há muito que o MDP/CDE vem colocando alternativas de política económica que se centram na redução da nossa dependência externa.
Por ocasião das eleições de 25 de Abril de 1983 equacionámos e desenvolvemos essa alternativas.
De então para cá aprofundámos alguns aspectos particulares dessas políticas.
É necessário e urgente reduzir a nossa dependência alimentar, ultrapassando as dificuldades e as limitações existentes no quadro da nossa agricultura e pecuária.
Neste domínio, um programa de emergência eficaz deveria ser dirigido à garantia de preços à produção e à garantia de escoamento dos produtos, acompanhada da implementação de um sistema de crédito desburocratizado e adequado às características da nossa agricultura e dos nossos agricultores.
Estas características apontam para o privilégio das medidas de política agrícola que vão ao encontro das pequenas e médias explorações de tipo familiar e das formas de exploração associativa e colectiva.
Apontam também para dar prioridade às inovações tecnológicas que traduzam um aumento da produtividade da terra.
Em vez disto, as Grandes Opções que o Governo nos propõe apontam para a continuidade de soluções já adoptadas, que já demonstraram a sua ineficácia e que nada contribuem para o aumento da produção agrícola e pecuária.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É necessário e urgente reduzir a nossa dependência energética. Temos preconizado medidas concretas neste domínio que não contradizem as orientações do Governo... só porque, inexplicavelmente, não há nas Grandes Opções do Plano qualquer formulação de política energética!
Neste domínio, defendemos que deve ser reduzido o consumo energético por unidade de produto, através da racionalização dos consumos e através do recurso a tecnologias menos energia-intensivas, e ainda mediante medidas de conservação e poupança energética, realizadas nos sectores consumidores mais importantes: indústria, transportes e consumo doméstico. Defendemos também a redução da dependência do petróleo resultante da adopção daquelas medidas, bem como 'da diversificação de fontes energéticas, das quais a mais importante é o carvão, e ainda o impulso na implantação do aproveitamento hidroeléctrico (de grande e pequena dimensão) e de outras energias renováveis para as quais se devem estimular os projectos de demonstração nos domínios que estão ainda em fase experimental.
Estranhamente, omitindo completamente qualquer formulação de política energética, o Governo, através das verbas constantes do Orçamento do Estado, parece
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considerar como assumida a opção nuclear, que já demonstrámos nesta Assembleia da República ser inoportuna, tecnicamente injustificável e no plano financeiro extremamente gravosa para o País, só concorrendo para agravar substancialmente a dependência da qual temos de nos libertar progressivamente.
É necessário e urgente reduzir, igualmente, a nossa dependência no domínio dos transportes marítimos e das pescas.
Temos defendido a articulação entre a necessidade de renovar a nossa frota marítima e a necessidade de resolver as dificuldades da nossa indústria de construção e reparação naval.
Estes aspectos que referimos são vectores decisivos na redução da nossa dependência externa, como componentes relevantes do nosso défice externo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Nas Grandes Opções do Plano e repetindo o que vem afirmando, o Governo coloca a balança de pagamentos à cabeça das condicionantes na formulação das políticas conjunturais para 1985.
Para já, é necessário e urgente ter uma visão clara de como a dívida exterior condicionará a evolução da nossa economia, não apenas no corrente ano, mas em termos de um prazo mais longo.
Logo no início deste debate formulámos ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano questões relacionadas com a capacidade de endividamento. Mais tarde, perante a ausência de resposta, voltámos a colocar a questão ao Sr. Secretário de Estado do Planeamento, mas, uma vez mais, não obtivemos resposta cabal.
Visivelmente, o Governo fez uma aposta cega na redução do défice da balança de transacções correntes, tão cega que reduziu a metade o défice que se tinha proposto, agravando ainda mais, por essa via, a degradação do aparelho produtivo nacional e as condições de vida da população.
O Governo tem a obrigação de nos apresentar o seu quadro de evolução, a prazo, da dívida externa, que justifique a afirmação já anteriormente feita pelo Sr. Ministro das Finanças e do Plano, e repetida neste debate, de que não há razões para renegociar a dívida.
A renegociação da dívida, a prazo mais ou menos curto, será uma fatalidade - que este Governo deixará aos seus sucessores - a menos que se faça aquilo que o Governo não quer fazer e que nós preconizamos.
A redução das importações, e não o aumento a todo o custo das exportações, será o caminho para melhorar a nossa balança.
Esta política não é compatível com as orientações da Grandes Opções do Plano, em sintonia com os critérios do Fundo Monetário Internacional.
A redução das importações passa pelo incremento da produção nacional, nomeadamente no que diz respeito a bens intermediários e de equipamento e a bens de consumo de primeira necessidade, particularmente bens alimentares.
Aqui, a valorização dos recursos nacionais, humanos, naturais e produtivos, desempenha papel fundamental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Defendemos que se adopte uma política industrial inovadora, que vise o reforço do aparelho produtivo português, na dupla perspectiva do alargamento do mercado interno e de um novo posicionamento do País na divisão internacional do trabalho.
Defendemos que, nesse sentido, sejam utilizados coerentemente os estudos já realizados que conduzam à formulação de uma política industrial a longo prazo que aponte para a especialização da produção adequada àqueles objectivos, e que se estimulem e apoiem os projectos de optimização dos recursos nacionais e os programas inovadores de investigação e desenvolvimento que dêem suporte tecnológico à política de planeamento a médio e longo prazo.
Defendemos que, no imediato, se privilegiem os sectores que tenham grande intensidade de mão-de-obra, sobretudo qualificada; se baseiem essencialmente em recursos nacionais e em capacidade produtiva subaproveitada; estimulem o incremento da produção em outras actividades prioritárias do sector industrial e da produção agrícola, agro-pecuária, florestal e pesqueira; concorram para o aumento do valor acrescentado com maximização da produção nacional; contribuam para atenuar as assimetrias regionais e não agravem o índice de poluição; favoreçam a satisfação das necessidades sociais mais prementes.
Defendemos a rápida dinamização da construção civil, dirigida particularmente para a construção de habitação e equipamento social.
Defendemos o apoio às indústrias nacionais que a curto prazo sejam peças relevantes na estabilização e no relançamento da actividade económica.
Nesta óptica, deverão as políticas de crédito de incentivos fiscais ser reformuladas.
O Estado e as empresas públicas têm de aparecer como factor dinamizador e coordenador do relançamento, assegurando a viabilidade do próprio sector privado, fundamental para o crescimento económico que tem de impulsionar-se.
Defendemos que o sector empresarial do Estado tem de ser dinamizado, assegurando-lhe capacidade de intervenção estratégica na economia.
Defendemos que o Estado, ao nível da satisfação das necessidades básicas da população, nos domínios do ensino, da habitação, dos transportes, da saúde, da segurança social, deve assumir as suas obrigações, aliás consagradas constitucionalmente.
Um povo subalimentado, doente, inculto, não pode, sem inumano esforço, fazer face às tarefas do presente e, muito menos, construir o seu futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Para nada disto aponta o Orçamento do Estado que o Governo nos propõe, escudado no argumento básico de que o défice orçamental o impossibilita.
O défice orçamental, na nossa perspectiva, não é em si mesmo um mal.
É um mal ou um bem conforme as condições em que se inscreve e, sobretudo, consoante a aplicação que lhe for dada e a perspectiva que lhe for conferida.
Já aqui foi afirmado que o défice do Orçamento do Estado que o Governo propõe a esta Assembleia da República é um falso défice, e foi notória a falta de convicção com que os Membros do Governo, interpelados a esse respeito, afastaram a hipótese do seu agravamento.
Também partilhamos essa incredibilidade quanto à contenção do défice do Orçamento do Estado nos limites que o Governo lhe atribui.
Mas a questão é outra, em nosso entender.
O Orçamento do Estado para 1985 não é mau por apresentar um défice elevado.
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Isto não põem, obviamente em causa, a necessidade imperiosa de rever, reduzindo e ou eliminando despesas inúteis, supérfluas, megalómanas, imorais, que este Governo, aliás, só tem contribuído para aumentar, com especial atenção às não reprodutivas e, estas, seleccionando-as sempre na óptica da dinamização da economia e da melhoria das condições de vida dos Portugueses.
Isto não põe, obviamente, em causa a necessidade de rever toda a receita, na perspectiva do realismo, da racionalidade e da equidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O relançamento da economia, não pode, a nosso ver, ser assegurado sem elevado défice orçamental, embora certamente, outro défice na configuração das suas componentes.
O Orçamento que precisamos é um orçamento produtor de riqueza, que concorra para a melhoria da qualidade de vida dos Portugueses e que se insira num programa temporal adequado de recuperação da dívida pública.
É este desafio, que o Governo foi incapaz de encarar, manietado nas suas próprias contradições e em prejuízos inadequados à realidade, que esta Assembleia da República terá de assumir rejeitando o Orçamento do Estado proposto pelo Governo para 1985.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, solicito a todos os representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares o favor de comparecerem no meu gabinete para tratarmos do problema que já é do vosso conhecimento.
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Manuel Pereira.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: No orçamento do Ministério do Equipamento Social somam-se, espelhando a natureza do Governo, o eleitoralismo, a violação das regras de rigor e de verdade orçamental e a incapacidade de dar resposta às carências existentes.
O Ministério do Equipamento Social é, por excelência, o Ministério dos compromissos e promessas à margem do Orçamento, das verbas não consignadas dos «sacos azuis», dos fundos sem fundos. Talvez por isso o ministro Rosado Correia fugiu a debater aqui os dinheiros que vai gerir...
Vozes do PCP: - É um escândalo!
O Orador: - O eleitoralismo é tanto mais grave quanto se verifica um decréscimo real em sectores fundamentais deste Ministério, ao qual cabe a gestão de mais de 51% da dotação total para investimentos do Plano.
Há menos 2,5 milhões de contos no sector da educação, o que significará que muitas escolas vão ficar por construir, assumindo, pois, redobrada importância saber como vão ser gastas as verbas inscritas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - No sector da saúde a redução é da ordem de 1,4 milhões de contos, ainda em relação a 1984 e tendo em conta os valores oficiais de inflação.
Aliás, as verbas atribuídas à Direcção-Geral das Construções Hospitalares e ao Gabinete do novo Hospital Central de Coimbra, confirmam a redução referida.
Por seu lado, a Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos vê reduzida significativamente, em termos reais, a sua dotação para investimentos.
Também a rede viária portuguesa não só continuará na situação degradada em que se encontra, como tenderá a agravar-se essa degradação.
Disto se retira, desde já, e sem que seja necessário ser astrólogo, que sendo embora possível satisfazer encargos com obras iniciadas em anos anteriores, não serão efectivamente concretizadas em 1985 importantes obras, nomeadamente muitas daquelas para as quais vêm sendo assumidos compromissos políticos e vêm sendo feitas promessas por membros do Governo, à margem do Orçamento.
Isso acontecerá ao nível do sector da saúde e ao nível dos aproveitamentos hidráulicos, por exemplo.
E torna-se evidente, como atrás referimos, que muitas das escolas prometidas e necessárias e mesmo muitas daquelas que figuram na lista de programas e projectos plurianuais não serão iniciadas em 1985 ou, se o forem, tal não passará de um mero acto de lançamento da primeira pedra, lá para o final do ano, como convém!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - A leitura dos documentos fornecidos pelo Governo e nomeadamente a análise do chamado mapa vil dá-nos a esse respeito uma imagem esclarecedora.
Nem um tostão para as obras necessárias ao combate à poluição na ria de Aveiro, para a estrada-dique de Aveiro, para a variante de Oliveira de Azeméis e para a reparação da estrada nacional n.º 109, que termina em Mira.
As obras há tanto reclamadas e previstas de regularização do vale do Tejo vão continuar a marcar passo.
O hospital do patrocínio, em Évora, continua igualmente na lista de espera. Tal como a barragem dos Minutos, no mesmo distrito.
Para as barragens de Apertadura e Crato, para a reparação da estrada Portalegre-Estremoz, para a escola superior de educação de Portalegre, obras propagandeadas durante uma recente visita a este distrito do primeiro-ministro e do ministro do Equipamento Social, ou não há verbas ou as que existem são irrisórias.
Para o hospital distrital de Almada, anunciado desde há mais de 12 anos, de urgência indiscutível e para o qual foi prometida, em meados de 1984, uma dotação de 60 000 contos, receberá agora metade dessa verba para além de ver dilatado o prazo de concretização para 1991.
E continuam por incluir verbas para os dois novos hospitais de que precisa o distrito de Lisboa: na Amadora-Sintra e em Loures. Inexistente também qualquer dotação para redes fundamentais como o são as circulares exterior e interior de Lisboa. E não estão previstas ainda as verbas adequadas à realização de obras e limpezas de rios e ribeiros que enfrentem as consequências desastrosas de cheias passadas e futuras.
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O Alqueva, esse, fica reduzido a 38 500 contos, apesar dos anúncios de relançamento feitos pelo Governo durante o ano passado.
Entre 1983 e 1984 não se avançou nada no que toca às obras necessárias à navegabilidade do Douro. E as verbas agora orçamentadas são verdadeiramente ridículas.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Ora aí está!
O Orador: - Também a auto-estrada Porto-Famalicão, cuja construção foi por diversas vezes anunciada continua sem verbas no Orçamento.
E há muitos e muitos outros exemplos de norte a sul do País.
Não faltam, porém, os sinais da intenção governamental de tentar suprir pela demagogia e pelo recurso a métodos pouco transparentes e mesmo inadmissíveis a sua incapacidade de dar resposta a agudas carências.
Aí está então a inscrição de verbas ridículas no Orçamento com o único objectivo de fazer o lançamento da primeira pedra e, assim, manipular a opinião pública.
E aí estão os «sacos azuis», sendo significativo que o Governo tente escamotear à Assembleia da República a discriminação de projectos que envolvem algumas dezenas de milhões de contos.
De resto, o citado mapa VII revela-se uma autêntica caixa de surpresas. Vejamos, por exemplo, o que se passa no sector da habitação e urbanismo.
Neste sector ressalta o programa de promoção habitacional a desenvolver pelo Instituto Nacional de Habitação - aliás, com base em empréstimos. É preciso sublinhar que é com base em empréstimos.
Como é sabido, a promoção directa é drasticamente reduzida.
Mas, significativamente, todos os projectos têm início em 1984, mais concretamente a partir de Setembro de 1984 e quase todos eles terminam em 1986. Para todos eles não houve dotação orçamental em 1984 nem está prevista para 1986. Há para 1985 2,4 milhões de contos. Não deixa de ser elucidativo!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É ridículo!
O Orador: - E seria oportuno que o Governo esclarecesse a seguinte questão: para este programa, segundo os dados do Governo, a execução prevista para 1984 era da ordem dos 6,5 milhões de contos. Porém, e até pela data do seu início (Setembro de 1984) é tido como seguro que não chegarão a 1 milhão de contos os empréstimos concedidos em 1984.
Será que se pretende adicionar aos 9 milhões de contos previstos para este ano, os mais de 5 milhões que não foram utilizados em 1984?
Por outro lado, os valores em causa, os números de projectos e a própria rapidez do processo levanta outras questões: Quais os critérios seguidos para a atribuição de tais empréstimos? Existem efectivamente os projectos em causa ou estamos tão-só em face de manifestações de intenção? E, se é assim, com que objectivos se lança todo este programa? Para nós são evidentes esses objectivos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Governo quer reduzir drasticamente os programas de promoção directa, tenta desta forma ultrapassar a sua incapacidade. Mas, o que quer fundamentalmente é pôr o tapete que amorteça o aumento das rendas de casa, como confessava abertamente ontem um debutado da coligação, talvez com os olhos postos nas eleições.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois, pois!
O Orador: - São explicações óbvias para uma tão flagrante manobra de que serão primeiras vítimas os inúmeros portugueses que carecem de uma habitação condigna.
Mas os manobrismos não ficam por aqui.
O Ministério do Equipamento Social anuncia o relançamento do PRID. E dispõe para o efeito de 1 milhão de contos, dos quais 250 000 saem do Orçamento.
O programa previsto engloba apenas os anos de 1984 e 1985.
Mas tudo indica que não terão sido gastas verbas em 1984, embora a execução prevista fosse igualmente de 1 milhão de contos e, por outro lado, não deixa de causar a maior estranheza que, havendo programas definidos para 16 dos 18 distritos do continente - só não estão definidos programas para Bragança e Viana do Castelo -, apareça no também estranho mapa vil uma verba de 528 000 contos não consignada a projectos discriminados.
Que significa isto, Srs. Deputados, senão um autêntico «saco azul»?
Que bem se poderá juntar aos «sacos azuis» que constituem certas verbas do Fundo Especial de Transportes Terrestres ou mesmo das ajudas de pré-adesão à CEE, cujos critérios de distribuição carecem de «enquadramento institucional» como confessava ontem o Secretário de Estado do Planeamento (forma piedosa de referir o escândalo da actual situação!).
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Aliás, não pode deixar de se salientar que, sendo normalmente a Caixa Geral de Depósitos a entidade que concede os empréstimos para programas como o PRID, eles apareçam agora ligados ao Instituto Nacional de Habitação.
Bom seria que o Ministério do Equipamento Social explicasse as razões de tal opção, embora não possa deixar de se considerar desde já que ela decorre da maior rigidez que a Caixa Geral de Depósitos empresta à concessão dos empréstimos o que, num ano como o presente, de eleições, não convém à coligação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não podemos terminar esta intervenção sem sublinhar que o chamado mapa VII, relativo aos programas e projectos plurianuais, não está em condições legais de ser votado. A sua reformulação é indispensável para que possa ser submetido a votação.
Mas é preciso esclarecer também quais os critérios seguidos, nomeadamente pelo Ministério do Equipamento Social, para as dotações previstas para certos projectos e programas, não só já para o presente ano, mas também para os anos subsequentes. É que para esses anos o Governo quer que aqui e agora a Assembleia da República comprometa cerca de 100 milhões de contos. Que planeamento e que garantias existem para o cumprimento e para o próprio assegurar de tão vultosos montantes?
Vozes do PCP: - Nenhumas!
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O Orador: - E como se poderão integrar nessa programação - se é que ela existe - as obras não previstas agora mas que necessariamente terão que ser lançadas nos próximos anos?
É evidente que o Governo está a comprometer o futuro, numa atitude ilegal, leviana e irresponsável, que sobejamente justifica o voto contra que exprimiremos e o transforma num verdadeiro voto de defesa da lisura, do rigor e da honestidade nas obras públicas de que o País precisa.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Reis Borges.
O Sr. Reis Borges (PS): - Sr. Deputado Joaquim Miranda, se V. Ex.ª tivesse feito a sua análise com base nos elementos do PIDDAC, provavelmente que não solicitaria nenhum esclarecimento, na medida em que qualquer partido da oposição é livre de fazer as suas próprias escolhas e, em planeamento, quando se escolhe sacrifica-se qualquer coisa. Aliás, nem sequer como membro da bancada da maioria me compete ripostar as observações que V. Ex.ª fez, na medida em que o Governo se encontra presente.
Contudo, há um aspecto que, como deputado que sou, gostaria de referir. Dentro do contexto em que o Sr. Deputado situou a sua análise referiu-se ao problema do Alqueva, sabendo que qualquer tipo de lançamento é feito na base do PISEE e não do PIDDAC, e se há 38 000 contos ou 50 000 contos, estes números foram obtidos a partir de estudos que estão em curso.
O Sr. Deputado referiu-se a um aspecto que considero paradigmático desta situação, que é o hospital de Almada e disse que estavam previstos 60 000 contos e foram apenas concedidos 30 000 contos. Ora, Sr. Deputado, estes números, não passam de uma mera questão de projecto, pois certamente que não será com 60 000 contos que se pode lançar uma obra.
O Sr. Deputado fez toda a sua apreciação na base das auto-estradas que, tal como sabe, são referentes a problemas de regime de concessão.
Admitia que em relação aos números do PIDDAC o Sr. Deputado formulasse observações quanto à escolha política, pois está no seu direito. Porém, o que creio que já não estará no direito de V. Ex.ª é meter no «saco» do Orçamento problemas que pouco ou nada tem que ver com ele, para além de questões de carácter meramente político, mas que entenderia serem naturais se V. Ex.ª alertasse a Assembleia que os ia fazer.
É, pois, exclusivamente nesse aspecto que me permito formular o esclarecimento, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Joaquim Miranda, há mais um orador inscrito para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.
O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Deputado Joaquim Miranda, gostaria de me reportar à parte da intervenção que V. Ex.ª produziu que diz respeito à habitação.
Como ontem abordei na intervenção que fiz o debate sobre os exercícios que se fazem à volta dos números está estragado à nascença, porque cada um faz desse exercício a argumentação que entende para suportar as suas próprias convicções.
O Sr. Deputado falou em critérios, deu a entender que o Instituto Nacional da Habitação tinha um grau de liberdade que contrapôs aos critérios de concessão de crédito da Caixa Geral de Depósitos ou qualquer outro tipo de concessão de crédito.
Quando os deputados do PCP atacam o Instituto Nacional de Habitação, não estarão a revelar uma saudade muito grande pelo Fundo de Fomento da Habitação que como se sabe, chegou à situação que chegou, certamente com algumas culpas da sua malfadada gestão que os senhores agora, de uma forma menos clara, pretendem ainda querer ressuscitar com os mesmos moldes e critérios, esses sim, que os senhores advogam como bons?
Em termos de contraponto, o Sr. Deputado vem, pois, atacar o Instituto Nacional de Habitação. Os critérios para o fomento da habitação são ou não muito mais correctos como estão agora através do INH em que as cooperativas e os municípios apresentam os seus projectos, os seus planos, que têm que ter bases consistentes para que sejam financiadas concretamente, tal como o devem ser, ou seja, com um controle correcto, uma vez que o País tem de recorrer a créditos exteriores?
Portugal tem dinheiro em caixa para pagar toda a falta de habitação que temos?
Vozes do PCP: - Tem, tem!
O Orador: - Agradecia, que V. Ex.ª respondesse a isso e se deixasse de certas e determinadas argumentações que só colhem no eleitorado que os senhores procuram aproximar de vós, que é aquele que continuam a manter na ignorância. Desculpe que lhe diga isto, Sr. Deputado!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é que é ignorância pura!
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Relativamente às questões que me foram levantadas pelos Srs. Deputados Reis Borges e Paulo Barrai, do Partido Socialista, a primeira que levanto é a que passarei agora a enunciar.
Fiz aqui acusações extremamente graves e objectivas. Em relação a isso os Srs. Deputados não dizem nada.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esta é a primeira constatação que tenho que fazer e penso não ser de menor importância.
Diz o Sr. Deputado Reis Borges que uma escolha implica sacrifícios e que se têm de ter em consideração determinado tipo de critérios. Ora, para haver escolha tem de haver informação, e o que se verifica neste caso é que o Ministério do Equipamento Social, nomeadamente, não forneceu qualquer informação. Deste modo, se não nos quer dar determinado tipo de informação
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e se há verbas bastante avultadas que não estão consignadas, como vão então ser aplicadas? Quais foram os critérios, portanto, para a atribuição de determinado tipo de verbas?
Referir-me-ei agora à questão que se prende com projectos, que o Sr. Deputado também referiu, e que diz respeito a dois casos concretos: a questão do Alqueva e a questão do hospital de Almada.
O que eu quis significar fundamentalmente foi isto: há dois casos concretos de obras prometidas - e de que maneira! O caso do Alqueva resultou mesmo de uma resolução do Conselho de Ministros - e a verdade é que hoje não encontramos nada que nos diga que o projecto do Alqueva vai avançar, para além dos tais 38 500 contos que são referidos.
Em relação ao hospital de Almada, temos a informação concreta da própria Câmara de Almada, que a recebeu do ministério, de que este ano ia ser orçamentada uma verba de 60 000 contos. Mas de que se trata? Que enganos são esses que passados apenas 2 ou 3 meses já não se trata de 60 000 mas de 30 000 contos?
É apenas uma questão de critério, de programa, de projecto? Pensamos que não, que não se trata só disso!
De qualquer modo, penso que há sempre, aqui, uma redução, que neste caso é uma redução da ordem dos 50%.
O Sr. Deputado Paulo Barral refugiou-se em respostas a determinado tipo de questões, que não são o essencial do que aqui devemos discutir. O essencial do que aqui devemos discutir são aquelas questões concretas que eu trouxe à Assembleia, se é ou não assim que certos problemas se resolvem. Não se trata, pois, de outro tipo de questões em que V. Ex.ª se quis refugiar.
Depois, V. Ex.ª põe as questões dos critérios de atribuição, do grau de liberdade do Instituto Nacional de Habitação em relação à Caixa Geral de Depósitos, etc.
O problema que coloco é este: porque é que, por exemplo na questão do programa de recuperação de imóveis degradados, é precisamente este ano que se faz essa transferência da Caixa Geral de Depósitos para o Instituto Nacional de Habitação?
Isto, sabendo-se à partida que o Instituto Nacional de Habitação tem critérios muito menos rigorosos do que a Caixa Geral de Depósitos e que o Instituto Nacional de Habitação depende muito mais directamente do Governo, do que depende, naturalmente, a Caixa Geral de Depósitos.
Não é evidente que há aqui, de facto, uma intenção de manipulação? Isto, quando inclusivamente sabemos - como eu referi - que há uma dotação de l milhão de contos para o programa de recuperação de imóveis degradados e o que acontece é que 525 000 contos não estão consignados a quaisquer projectos, embora haja uma consignação a 16 dos 18 distritos do País.
O Sr. Paulo Barrai (PS): - É global!
O Orador: - Pois é global; Precisamente por isso, como é possível sobrarem aqueles 525 000 contos?
Porque é que não estão consignados? Porque não aparece uma discriminação? Porque é que, ao mesmo tempo, aparece esta transferência da Caixa Geral de Depósitos para o Instituto Nacional de Habitação?
Pergunta o Sr. Deputado se não será mais correcto o método de critérios hoje seguido, nomeadamente em relação à questão das Cooperativas, de os municípios apresentarem os seus projectos para que o Instituto Nacional de Habitação possa ou não conceder determinado tipo de empréstimo para a habitação.
Bem, isto levanta determinado tipo de questões. O problema não é exclusivamente esse! Nem o problema se coloca aqui em termos de estar a atacar ou não o Instituto Nacional de Habitação. Não é essa a questão de fundo.
A questão que aqui se coloca - e que eu já coloquei - é esta: não sei se o Sr. Deputado passou os olhos sequer pelo chamado «mapa vil» e se viu o conjunto de empreendimentos que ali aparecem. Portanto, se reparou viu que muitos daqueles empréstimos - nomeadamente os consignados a 1984 - não foram de facto totalmente satisfeitos. Não foram! Dos 6 milhões de contos apenas, e se tanto, 1 milhão foi aplicado.
Outro problema que abordei é o seguinte: existem de facto projectos? Existem de facto aqueles projectos que estão anunciados pelo Governo? Que critérios foram seguidos para enfim, atribuir empréstimos àqueles projectos e não a outros? Porque é que existem verbas não consignadas a projectos discriminados?
Estas são as questões concretas que têm, de facto, de ser respondidas e são estes os problemas que têm de ser resolvidos. Isto porque, Sr. Deputado, não basta este tipo de empréstimos, ainda por cima com os critérios de atribuição que acabamos de constatar. Era também fundamental que houvesse a promoção directa por parte do Estado.
Certamente que o Sr. Deputado não ignora que neste conjunto de projectos há alguns que são para habitação e em que encontra, seguramente, fogos no valor de 4000, 5000 e 6000 contos. É ou não verdade isto? Estão ou não a conceder-se empréstimos para este tipo de empreendimentos?
São estes os empreendimentos que temos de lançar ou aqueles que resolvem a habitação social? Os dois terão de ser lançados, mas aqui apenas o que se coloca é, de facto, o lançamento de certo tipo de investimentos, nomeadamente os que se tornam mais necessários.
Estas são as questões que deveríamos discutir com o Ministério do Equipamento Social, cujo representante nem sequer apareceu aqui para explicar, nomeadamente, questões tão importantes como as que levantámos.
Aplausos do PCP.
O Sr. Reis Borges (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para protestar.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Reis Borges (PS): - Sr. Deputado Joaquim Miranda, utilizando a figura regimental do protesto, queria apenas recordar ao Sr. Deputado duas ou três pequenas coisas.
A primeira é que eu e alguns dos seus camaradas, na Comissão de Equipamento Social e Ambiente, tivemos a oportunidade de solicitar a informação ao Ministério do Equipamento Social.
O Sr. João Amaral (PCP): - Só que não veio!
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O Orador: - Tive conhecimento de que ela, efectivamente, veio.
Vozes do PCP: - Então veio para vocês!
O Orador: - Este ano não acompanhei como gostaria os trabalhos da Comissão de Equipamento Social, mas tenho a indicação de que veio a informação. Mas, independentemente dessa circunstância, Sr. Deputado, gostaria de lhe fazer algumas observações.
V. Ex.ª falou na questão das promessas que se fazem neste país: promessas de ontem, de hoje, de sempre, em relação às obras.
Sr. deputado, já chegou a altura, ao fim de 8 séculos de história, de se explicar ao País que uma obra tem um projecto, um período de lançamento e uma execução. E não basta dizer que se faça imediatamente uma obra para que ela apareça feita por obra e graça do Espírito Santo. Claro que não aparecerá!
Creio, pois, Sr. Deputado, que seria mais produtivo para o País fazermos, aqui e em sede de comissão, uma discussão sobre as escolhas políticas. Por mim, não tenho dúvidas em fazê-la, pois, como lhe disse, quem escolhe sacrifica sempre alguma coisa. E como o planeamento não é neutro, nessa altura confrontaremos ideias que eventualmente pudéssemos ter sobre isso.
Mas, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que as insuficiências e as carências do País são de tal forma que é preciso termos às vezes uma imaginação criativa, aquela que, parece, a história não nos está a conceder. De facto, não estamos a ser criativos pois temos grandes diferenças em relação às necessidades básicas do País.
Queria ainda dizer, Sr. Deputado, e repetir-lhe, que a observação que lhe fiz não se relacionava com o direito que lhe assiste de discutir escolhas políticas, mas apenas trazer à colação matéria que no, meu entendimento, e com certeza no seu, nada tem a ver com a matéria em apreço.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barrai, também para protestar.
O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Deputado Joaquim Miranda, o meu protesto é um apelo para que ponhamos um pouco de seriedade neste debate.
O Sr. Deputado sabe - quer se queira, quer não - que se a Secretaria de Estado da Habitação alguma coisa importante fez, na conjuntura difícil que temos, foi procurar viabilizar uma política de habitação global, coerente, ordenando os vários sistemas de apoio à promoção de habitação de forma a não gerar desequilíbrio designadamente desequilíbrios em relação aos próprios organismos de Estado, que têm o dever de os acompanhar, seguir e executar.
Relativamente à questão que coloca do programa de recuperação de imóveis degradados, se V. Ex.ª me conseguir dar um critério em que apresente números que à partida se possam prever nesta matéria e que sejam números fixos, pergunto-lhe se esse programa representa a resposta necessária para a sua execução. Um programa de recuperação de imóveis degradados é um programa que tem de ter flexibilidade.
Pergunta V. Ex.ª quais são então os critérios? Sr. Deputado, os critérios são tão simples como este: as Câmaras Municipais candidatam-se, apresentam a sua carteira de pedidos e eles são apreciados, evidentemente, de acordo com prioridades que à partida serão negociadas e discutidas em sede do próprio Instituto Nacional de Habitação. E atrevo-me a chamar a atenção do Sr. Ministro das Finanças para isto que, neste caso, é o membro do Governo que até poderá ajudar. No entanto, parece-me que a Caixa Geral de Depósitos, sendo uma entidade bancária, não pode possuir os meios técnicos para aferir melhor dos critérios de concessão de crédito do que o Instituto Nacional de Habitação. Isto porque este Instituto dispõe de outros meios técnicos.
Sr. Deputado, desculpe que lhe diga, mas acho que não são os funcionários da Caixa Geral de Depósitos que podem perceber na íntegra um programa de concessão de créditos que lhe seja posto, sem que isso tenha de ser cruzado, evidentemente, com uma análise técnica, que tem de ser sempre feita caso por caso, como a que tem feito o Instituto Nacional de Habitação.
Também lhe desejo dizer, que relativamente aos empréstimos para fogos de 4000 contos, não quero entrar neste campo porque estaria a entrar na sua própria casa.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para contraprotestar.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - O Sr. Deputado Reis Borges coloca a questão - e parece-me que é a questão fundamental - de que um planeamento não é neutro.
Eu diria muito mais do que isto: que, neste caso concreto, verifica-se que o planeamento não é neutro e, em termos de execução daquilo que temos, é muito menos neutro, e o que acontece claramente é que os «sacos azuis» proliferam particularmente a nível do Ministério do Equipamento Social.
Vozes do PCP: - Ora aí está!
O Orador: - Esta é que é a questão central e não fujamos dela, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Barral, V. Ex.ª referiu-se ao aspecto da flexibilidade, ou seja, que teria de haver necessariamente flexibilidade no programa de recuperação de imóveis degradados.
Bom, nós já lhe temos ouvido chamar outras coisas. Neste caso, preferíamos, em vez de flexibilidade, chamar-lhe eleitoralismo...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ..., porque, na verdade, é isso que está em causa, e não nos afastemos da questão.
Aliás, note-se que em relação a 1 milhão de contos, nem sequer 500 000 estão consignados. Quais são Sr. Deputado, os critérios utilizados em relação aos outros 500 000? Onde é que existem critérios a não ser o critério do lançamento da primeira pedra, da utilização de determinadas verbas para fazer determinado tipo de flores, para fazer a festa da adjudicação, para lançar o foguete do lançamento da primeira pedra, etc.?
Estas é que são as questões concretas.
Quanto à questão do Instituto Nacional de Habilitação ter, enfim, menor capacidade do que a Caixa Geral de Depósitos, serei levado a crer, pelos seus argu-
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mentos, que V. Ex.ª entenderá que será preferível que este dinheiro fique no próprio Ministério para ser distribuído conforme for entendido. É isto que V. Ex.ª pretende.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Bem observado!
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado do Orçamento.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Presidente, dado o escalonamento do tempo do Governo, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento prescinde da intervenção para que se tinha inscrito.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Gonzalez está inscrito para uma intervenção, mas não se encontra presente.
Nestes termos, Srs. Deputados, não há inscrições.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não tenho, obviamente, procuração, mas atendendo ao facto de o Sr. Secretário de Estado do Orçamento estar inscrito para uma intervenção, talvez o Sr. Deputado António Gonzalez não supusesse que iria ter de usar da palavra tão rapidamente.
Proponho, assim, que aguardemos uns minutos de modo a que os funcionários desta Câmara contactem com o Sr. Deputado António Gonzalez, para que ele possa fazer a sua intervenção.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, assim faremos. Srs. Deputados, acabo de ser informado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos de que na conferência de líderes parlamentares se chegou a um consenso, no sentido de que se não houvesse mais inscrições para além do Sr. Deputado António Gonzalez, se faria um intervalo de 15 minutos, tendo lugar depois as intervenções finais.
Aguardo, pois, mais uns minutos, para que nos possa ser comunicada alguma coisa a propósito da intervenção do Sr. Deputado António Gonzalez.
Tem a palavra do Sr. Deputado Jaime Ramos.
O Sr. Jaime Ramos (PSD): - Sr. Presidente, em relação ao problema levantado pela intervenção do Sr. Deputado António Gonzalez, talvez fosse melhor fazermos imediatamente o intervalo dos 15 minutos.
Quando o Sr. Deputado António Gonzalez chegar, fará a sua intervenção no período das intervenções finais e, assim, evitamos estar aqui a perder tempo.
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado, tanto mais que as intervenções finais começam pelo Sr. Deputado António Gonzalez. Mas nada melhor do que a colaboração do próprio Sr. Deputado António Gonzalez, que acaba de chegar.
Sr. Deputado, V. Ex.ª deseja intervir de imediato, como estava inscrito, ou fá-lo-á no âmbito das intervenções finais?
O Sr. António Gonzalez (Indep): - Sr. Presidente, era precisamente para manifestar o meu desejo de intervir no âmbito das intervenções finais, porque informei há pouco da hora a que previsivelmente, ela teria lugar e na medida em que estamos a fazer-lhe uma correcção, que ainda irá demorar bastante tempo, desejaria, se possível, intervir só mais tarde.
O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado. Será V. Ex.ª o primeiro a intervir no quadro das intervenções finais.
Está suspensa a sessão por 15 minutos.
Eram 16 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 17 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota, porque creio que o Sr. Deputado António Gonzalez apresentará, posteriormente, por escrito a sua intervenção.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei extremamente breve naquilo que, neste momento, tenho para dizer.
Penso que este debate demonstrou para todos nós, ao longo das várias sessões em que se travou, que algo de essencial se processará exactamente a partir deste momento, ou seja, que será a discussão concreta, sectorial, verba por verba, rubrica por rubrica, que conferirá à discussão deste Orçamento o seu verdadeiro significado e dimensão.
Não quer isto dizer que pretenda minimizar a discussão na generalidade que acaba de ser feita, mas permitam-me salientar que essa discussão terá evidenciado que o Orçamento do Estado é já hoje, em Portugal, não tanto a previsão e a projecção do futuro que devia ser, mas, essencialmente, uma projecção do passado.
Ou seja, que o Orçamento do Estado em Portugal é, cada vez mais, o traduzir, na realidade, de um projecto concreto, aquilo que é a memória colectiva dos nossos erros, daquilo em que não fomos capazes de gerir com rigor e com eficácia e que, tudo isso, se traduz ano a ano e ao longo dos anos.
Creio, por isso mesmo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que se alguma conclusão devêssemos tirar deste debate - naquilo que é uma responsabilidade, que nem pelo facto de ser colectiva deixa de ser personalizada em cada um de nós - ela tem a ver com isso mesmo. É cada decisão errada de um momento que produz resultados no futuro, e resultados tanto mais dolorosos quanto mais adiada for a frontalidade e a coragem das decisões.
Disse aqui uma vez - e repito-o agora - que os erros de um tempo pagam-se, com juros, tempos depois. E direi que, mais do que os erros, se pagam com juros as indefinições e a falta de coragem de não agir.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que o Orçamento que hoje vamos votar é o reflexo de tudo isto - mais reflexo do que projecto.
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Creio que muito lamentaremos que assim seja, mas que não é o facto de o lamentarmos que modifica a realidade. A realidade é o que é, não é aquilo que gostaríamos que fosse, e creio que nenhum de nós assumiria completamente as suas responsabilidades se aqui se repetisse a história da madrinha da «Branca de Neve». O defeito não é do espelho; é da fealdade do rosto que o espelho reflecte.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que por isso mesmo é de consciência tranquila que aqui formulámos críticas a este Orçamento e que, por algumas inflexões, correcções e melhorias nos bateremos ao longo da discussão na especialidade. E é com essa mesma consciência tranquila, de quem sabe o peso das realidades, que votaremos favoravelmente na generalidade as propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1985.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, queria saber qual é o tempo que o Governo tem, ainda, neste debate.
O Sr. Presidente: - Agora, tem 20 minutos para a intervenção final.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Antes disso que tempo tinha, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - No total 69 minutos, Sr. Deputado.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Muito obrigado Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos a terminar o debate na generalidade do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1985.
Não oferece dúvidas, penso, a posição global da UEDS enquanto partido e enquanto agrupamento parlamentar, no que se refere à actual coligação entre o PS e o PSD e no que concerne ao actual Governo. Ainda antes das eleições legislativas de 1983 manifestámos as nossas reservas quanto a uma eventual coligação entre o PS e o PSD, que levasse estes dois partidos a fazerem no Governo uma política que não seria a de nenhum deles e que, portanto, poderia não corresponder aos compromissos eleitorais assumidos separadamente por cada um dos partidos. E desde logo, antes das eleições, clarificámos a nossa diferenciação de posições de princípio em relação a um governo homogéneo do PS ou a uma coligação entre o PS e o PSD.
Feitas as eleições e formada a coligação governamental que, apesar das dificuldades conhecidas, se mantém, desde logo o Conselho Nacional da UEDS manifestou o seu distanciamento face a essa coligação e na votação do Programa de Governo, a posição da UEDS, coerentemente, foi de abstenção.
A apresentação do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano para 1984 vieram introduzir significativas clarificações na política económico-financeira do actual Executivo. Entrámos, entrou o País, numa fase de profunda recessão, provocada, em boa parte, pela opção que foi feita de colocar no posto de comando a obsessão do reequilíbrio, a todo o custo, das contas de Portugal com o exterior, menosprezando os muitos negativos efeitos obtidos pela quebra do investimento, pela redução do poder de compra e pela diminuição da produção. Levou-se, assim, o défice da balança de transacções correntes a um valor muito mais reduzido do que o internacionalmente negociado, e só o bom ano agrícola e o inesperado (no valor que assumiu) acréscimo da produção energética, evitaram que a queda do produto interno bruto fosse ainda superior ao que foi.
Hoje, início de 1985, com cerca de 3 meses de atraso, discutimos o Orçamento para este ano - pelo menos bi-eleitoral. Não é, pois, de estranhar que uma inflexão na política económica venha eventualmente a conduzir a economia portuguesa num sentido moderadamente expansionista. Aliás, esta perspectiva moderadamente expansionista merece o nosso acordo, não estando, no entanto, suficientemente explicitada a articulação entre os objectivos propostos para o crescimento do produto interno bruto, as políticas sectoriais propostas, e até medidas avulsas integradas nos textos.
Assim, também essa perspectiva moderadamente expansionista não aparece enquadrada num modelo global de desenvolvimento pelo qual o Governo tenha optado. Não se tem cumprido o imperativo constitucional relativo ao Plano a médio prazo, nem sequer se faz um enquadramento macro-económico suficiente que permita clarificar as opções de fundo subjacantes à política orçamental proposta.
Uma questão que se articula com esta é a da afectação de recursos. Qualquer relançamento económico sério passa pela definição clara de prioridades quanto aos sectores onde investir e desinvestir e por um crescimento programado das verbas a destinar ao investimento. A notória quebra verificada em 1984 no investimento (vejam-se os valores da formação bruta de capital fixo) não será recuperada, de acordo com as orientações previstas para este ano, tão rapidamente quanto seria de desejar.
Por outro lado, está a ficar clara no debate a falta de credibilidade e de rigor nalguns números propostos - referimo-nos concretamente ao orçamento da educação e a algumas das previsões fiscais - e não sabemos, pois, se o défice previsto, que já é elevado, não estará, ainda, subavaliado.
Não queremos entrar, por ora, nesta declaração final, na chamada guerra dos motores - no que respeita ao desenvolvimento económico. É preciso um sector privado que seja encorajado a investir em sectores internacionalmente competitivos e prioritários para o nosso desenvolvimento. Um sector público que conserve sob o seu controle sectores estratégicos bem determinados mas que possua dinamismo e eficácia, bem como sectores cooperativos e autogestionários que funcionem efectivamente e não sejam, apenas, tolerados. Todos esses sectores da economia, cada um de sua forma, têm de servir de motores. Seria preciso, diríamos, que a
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Administração Pública não funcionasse, frequente e excessivamente, como um travão.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: É clara a nossa perspectiva quanto à política em curso e temos alguma expectativa quanto à moderada inflexão aparentemente proposta. Não nos furtaremos, nomeadamente no debate na especialidade, a apresentar ou apoiar propostas de alteração que vão nas direcções e nos sentidos que preconizamos.
Mas pensamos que só será possível um desenvolvimento coerente da economia portuguesa com outra política a médio prazo, claramente assumida, que permita romper o círculo que se vai tornando vicioso - de recessão e crescimento - que se arriscará a não retirar o nosso país de uma dependência financeira elevada, face ao exterior.
Sem esse coerente e programado desenvolvimento não será possível combater o défice estrutural; sem uma política monetária que reequacione o problema da depreciação do escudo - do seu ritmo - não é possível combater-se, com eficácia, a elevada inflação em que temos vivido. Sem um desenvolvimento económico assente em bases realistas, não parece possível convencer os incrédulos de que esta democracia é viável!
De tudo isto se deduz quanto consideramos insuficientes os documentos que nos são propostos. Daí a nossa crítica e a oposição que em relação a eles manifestamos.
Aplausos do UEDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O debate das Grandes Opções do Plano para 1985 e do Orçamento do Estado para 1985, que agora se encerra, não veio permitir uma visão mais optimista das linhas de orientação da política do Governo para o ano de 1985.
As intervenções dos membros do Governo, nos vários sectores da administração do Estado, quer pelas respostas que deram, quer pelas que deixaram de dar, vieram confirmar que as Grandes Opções e o Orçamento representam instrumentos da mesma política do Governo, que virá ainda agravar mais a situação do nosso país e do nosso povo.
O Governo tornou ainda mais evidente a persistência de uma política restritiva, em que o vector recessivo global se insere numa filosofia capitalista neoliberal, contrária à ordem constitucional vigente.
E uma política sem horizontes, que impede qualquer esperança numa vida melhor para o nosso povo.
E isto resulta, ainda, do previsível aumento do custo de vida, decorrente, não só, da ausência de preocupação do Governo em compatibilizar os salários e a inflação, denunciada até pelo Conselho Nacional do Plano, mas também da falta de credibilidade das previsões apresentadas. Bastará recordar que, em 1984, o Governo previu uma taxa de inflação de 24 % mas ela ascendeu, na realidade, a 30 %.
E se o MDP reconhece o papel da iniciativa privada no desenvolvimento económico do País, e a necessidade do Estado a garantir e incentivar, outra coisa, totalmente diferente, é a concepção do Governo, que aqui defendeu que ela deveria ser «o cerne e o motor» da nossa economia.
Admitir que os empresários privados reagem primeiro que o sector público ao esforço de investimento, e que o farão sem o estímulo do sector público, através dos seus projectos próprios e de uma política de crédito adequada, que nem sequer é definida, representa apenas uma condenável tentativa de iludir os problemas centrais do crescimento económico nacional.
De resto, a modéstia das dotações para projectos dinamizadores da nossa economia e a subvalorização dos investimentos, no sector empresarial do Estado, virão necessariamente a estrangular o crescimento da nossa economia.
E a este estrangulamento não escapam também as autarquias, quer pela evidente insuficiência das verbas a elas destinadas, quer porque se chega ao ponto de lhes atribuir, na realidade, um aumento de 14 % (descontada a taxa de inflação de 30 %), para fazerem face aos novos encargos que o Governo para elas transferiu com transportes e acção social escolar.
Mas a política do Governo nem sequer salvaguarda a nossa independência, visto que tal política representa a aceitação das orientações do Fundo Monetário Internacional, orientações que atingem essencialmente as camadas sociais com menores rendimentos ou de rendimentos fixos, além de se traduzirem numa abusiva intromissão na vida económica e social do nosso país.
De resto, a estrutura do tão apregoado IVA, agravando a tributação de bens essenciais e desagravando a de artigos de luxo, ou não essenciais, constitui um espelho da política deste Governo. E tal agravamento sobre bens essenciais, alguns dos quais tributados pela primeira vez, como a electricidade, virá necessariamente a anular o aligeiramento da carga fiscal sobre rendimentos do trabalho.
A política deste Governo irá ainda agravar a já difícil situação dos pensionistas que, atingidos pela taxa de inflação de 30 %, serão contemplados com ilusórios aumentos de 18 %, insuficientes, como já são, para fazer face aos 30 % da inflação.
Significa tido isto que o Governo, em nenhum dos sectores, da habitação, da saúde, do ensino, dos transportes e em todos ou outros, se propõe não mais do que tornar ainda mais negro o quadro das gravíssimas dificuldades que tem imposto à população.
De resto, dias antes de enviar o Orçamento a esta Assembleia, o Governo promoveu uma série de aumentos, desde a gasolina, ao pão e ao leite, que bem evidenciam qual é o sentido real da sua política de desastre.
Não intervieram, inexplicavelmente, os ministros da Indústria e Energia, da Agricultura e o secretário de Estado do Orçamento, apesar de o Governo dispor de tempo para tal, especificando, 69 minutos.
E o Governo nem sequer durante os debates foi capaz de dar respostas a algumas questões essenciais que lhe foram colocadas. O Governo não foi capaz de indicar a sua avaliação de capacidade de individamento externo; não foi capaz de apresentar o seu cálculo quantitativo em relação ao número de postos de trabalho que a sua tão apregoada política de emprego irá criar em 1985; não foi capaz de explicar a ausência de uma política de regionalização. E não foi capaz de responder a muitas outras questões do maior interesse para a vida do nosso país.
À guisa de justificação para este Orçamento, o Governo afirma que é um Orçamento possível; nós dize-
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mos que é um Orçamento impossível, e por isso o rejeitamos.
Tem o Governo, repetidamente, tentado fazer crer que não existe alternativa governativa fora da actual coligação. É uma afirmação que contraria a própria natureza da democracia, porque a democracia nega-se quando está bloqueada, rejeita as soluções únicas. E nem sequer é verdadeira essa afirmação do Governo. Outras soluções, podem e devem ser encontradas, que sirvam os interesses dos Portugueses. A extrema gravidade da situação do Pais assim o exige. E esta Assembleia só assumirá em toda a extenção a sua responsabilidade de órgão representativo da vontade dos Portugueses se for capaz de encontrar essas soluções.
Em primeiro lugar, e com toda a evidência, este Orçamento e estas Opções do Plano confirmaram a necessidade inadiável de que o Governo cesse as suas funções. E é mais uma a demonstrar que da actual coligação não poderá sair qualquer governo que responda, de forma minimamente satisfatória, aos gravíssimos problemas do País.
Não cremos, porém, que para se encontrar uma alternativa seja condição prévia indispensável a dissolução da actual Assembleia da República. Não estão esgotadas, em nosso entender, as possibilidades de, no seu quadro, serem concretizadas outras soluções. São soluções que em condições normais da vida nacional poderiam aparecer com um alto grau de irrealismo, mas que nas condições agudíssimas que o País vive aparecem como uma verdadeira exigência nacional.
Pensamos, pois, que, antes de tudo, as forças representadas na Assembleia da República deveriam tentar encontrar uma plantaforma mínima de consenso sobre as grandes questões nacionais, que, no respeito da Constituição, permitisse uma reunião das forças políticas e sociais com vista a evitar a derrocada.
No caso de não ser possível concretizar esta hipótese, então, deveria o Partido Socialista, como partido mais votado nesta Assembleia, assumir, sozinho, as responsabilidades governamentais, na base do actual projecto constitucional.
Não sendo possível nem uma nem outra destas soluções a actual Assembleia da República terá perdido a sua legitimidade política, e não restará outro caminho senão a sua dissolução e a convocação de, eleições legislativas antecipadas.
À medida que o tempo corre, e que a situação se degrada, que o País se afunda, que os partidos do Poder aumentam os seus embaraços, que a opinião pública se impacienta, que em muitos cresce desânimo pela democracia, que aumenta a nossa dependência em relação aos centros de decisão externos, vai diminuindo a capacidade de o nosso regime democrático encontrar as soluções mais adequadas para enfrentar a situação de iminente desastre.
E a vontade da população, que nos colocou aqui, é também a que exige novas soluções para o País, um novo rumo governativo, um novo governo.
Será esse, em última instância, o factor determinado.
Aplausos do MDP/CDE e do PCP.
O Sr. Presidente: - Quero lembrar aos Srs. Deputados que está a decorrer o acto da eleição para o juiz do Tribunal Constitucional.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, vou interpelar a Mesa no sentido de saber se V. Ex.ª considera conveniente ou não que a sessão seja interrompida, a fim de possibilitar ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro que estejam presentes.
Supomos, conforme já outro dia nos foi salientado aqui, que se tratará de um simples lapso e este poderá também ser corrigido com um lapso de tempo.
O Sr. José Gama (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Todos ficaríamos a ganhar, isto é, a Câmara, que se veria mais respeitada, bem como o País.
Estamos dispostos a pedir essa interrupção para que seja possível assegurar a presença aqui de S. Ex.ªs
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário de Estado pretende pronunciar-se sobre esta questão?
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Nogueira de Brito cumpriu a obrigação diária que lhe assiste de reclamar contra a representação do Governo na Assembleia da República. O Governo está representado no debate do Orçamento do Estado através dos ministros das pastas respectivas e, neste momento, a informação que gostaria de dar é que o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro têm compromissos de Estado exteriores à Assembleia da República e é por isso que não estão presentes, neste momento, no debate. No entendimento do Governo estamos em condições de prosseguir este mesmo debate.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Secretário de Estado, a minha obrigação tem somente de ser cumprida diariamente, porque todos os dias o Governo falta ao cumprimento das suas obrigações.
Aplausos do CDS.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Hoje temos a sorte de contar aqui com o Sr. Ministro das Finanças e o Sr. Secretário de Estado do Orçamento. Aliás, nem sempre isso tem acontecido, mas entendemos que o debate do Orçamento, pela sua dignidade e relevo que assume nas relações do Parlamento com o Governo, devia ter aqui a presença do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
Não estamos a colocar em causa a dignidade nem a competência nem a valia dos membros que concretamente, neste momento, representam o Governo. No entanto, entendemos que a sua representação devia estar assegurada ao mais alto nível, pois, de contrário, não resulta respeitada a Assembleia nem o País.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, quero apenas dizer muito rapidamente que, como é evidente, a posição do Governo não pode ser interpretada como sendo de menor respeito para com a Assembleia da República e da dignidade que deve revestir este debate.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Dei uma explicação cabal e dei conhecimento geral à Câmara de quais são as razões que impossibilitam a presença do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
Poderia acrescentar que a deslocação para fora de Lisboa que o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro fizeram foi retardada pelo facto de não se poderem deslocar de avião, mas antes de automóvel, devido ao mau tempo, e isso perturbou significativamente o horário dessa mesma deslocação.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, não sei se é porque o Governo tenha que dar esse esclarecimento ou se apenas por pura teimosia que tenho de dar esta explicação em detalhe, mas o Governo considera-se devidamente representado perante a dignidade deste debate e tem o maior respeito pela Assembleia da República. Ora, não é a ausência do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, pelas razões que acabei de explicar, que pode permitir a V. Ex.ª fazer uma afirmação desse género.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Este Orçamento do Estado para 1985 nasceu mal e vale bastante pouco.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Realmente, a primeira questão é a da força deste Orçamento e não posso deixar de reconhecer que este é o Orçamento fraco de um governo fraco. De resto, a evolução da política económica deste governo é, em grande parte, uma miniatura da evolução da economia portuguesa durante os últimos 10 anos.
Este governo começou - perdoe-se a expressão - a «falar grosso», a anunciar o rigor e eis senão quando de debate em debate acabou no Orçamento que acaba de nos apresentar.
Aparentemente, ainda há pouco, o Governo tinha por si o novo pacto entre o PS e o PSD, que refrescara recentemente a coligação. Depois, a maioria respondera aqui unitariamente contra uma moção de censura proposta pelo CDS. Finalmente, uma evolução favorável da economia internacional e os progressos da balança de transacções correntes faziam, igualmente, pensar num enquadramento favorável para apresentação deste Orçamento. Porém, de nada valeu tudo isso.
Ao fim de meio ano de negociação interministerial, o Orçamento do Estado chega aqui três meses atrasado à Assembleia da República, numa clara violação daquilo a que a Constituição chama «o regular funcionamento das instituições» e que é, inclusive, motivo para demitir os próprios governos.
Um governo que apresentara prazos para tudo e que no início da apresentação da sua política economia anunciara prazos para os planos de emergência e de modernização não foi capaz de apresentar, em tempo, o mais fundamental de todas as normas da administração, em democracia: o Orçamento do Estado. Assim sendo, acaba, pois, de cometer com isso mais um atentado mortal contra o rigor, a disciplina financeira, as normas constitucionais, a credibilidade, a estabilidade e a confiança.
Além disso, durante os 3 meses do parto orçamental verifica-se que o défice previsto foi sucessivamente evoluindo de 312 milhões de contos para 320 milhões de contos, até chegar a esta «bela» soma - nunca excedida - de 335 milhões de contos. Depois, veio a ser discutido no auge de uma desordem financeira que, como toda a gente já sabe e é regularmente publicitada nos nossos semanários, atingiu o próprio sistema bancário. E como se isso não bastasse, anteontem mesmo, no início da discussão deste Orçamento um Sr. Ministro - ausente, porém, aqui - anunciava numa conferência de imprensa que precisava de mais 500 milhões de contos para equilibrar a situação financeira no sector público. O que era isso senão mais uma pressão de reivindicação para alterar, desde já, a execução deste Orçamento?
O comentário simbólico que se ofereceria sobre essa conferência de imprensa do Sr. Ministro da Indústria seria quase esta: a de que o Orçamento português tende de facto a transformar-se num «livro branco» ou «em branco», que os ministros deste Governo, um de cada vez, irão preenchendo durante o ano como se preenchem cheques de contas a descoberto.
Aplausos do CDS.
Talvez, também, o Sr. Ministro da Indústria quisesse sugerir que os Orçamentos deste Governo, como o já havia revelado o orçamento suplementar, são, somente, em toda plenitude, apenas verdadeiros «planos», no sentido e nos resultados socialistas que esses documentos têm comportado para o País. Mas além de valer pouco e de ser o Orçamento da história portuguesa que vale menos, a ausência aqui na Assembleia do Sr. Primeiro-Ministro e do Sr. Vice-Primeiro-Ministro assinala bem como eles desprezam este Orçamento.
Por outro lado, é também um Orçamento mau. Os Orçamentos em Portugal já estavam muito desvalorizados, mas este corre o risco de não valer nada. Desde logo, porque este Governo dá mostras de impotência crescente, pois a opinião pública desinteressa-se e a chefia do Governo, o primeiro-ministro e o vice-primeiro-ministro têm estado persistentemente ausentes deste debate.
Os Orçamentos foram sempre um esteio e uma regra de ouro fundamental da vida económica, administrativa e financeira do País e, inclusive, na I República valeram mais do que este. Sabe-se como Afonso Costa, por exemplo, valorizou a apresentação orçamental e defendeu critérios de rigor na sua aplicação. Mas eis senão quando temos um Orçamento que vale, inclusivamente, menos que os Orçamentos da I República, sendo esta comparação ilustrativa dos perigos políticos a que este tipo de comportamento pode conduzir o País.
Hoje, temos, pois, de fazer perante este Orçamento as críticas, aliás, não apenas aquelas que se fizeram a
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todos os anteriores Orçamentos, mas inclusive as críticas que este Governo e este Orçamento merecem por si próprios. E vimos aqui uma coisa que foi interessante: Um Governo que tinha começado a acusar os governos anteriores apresentou-se aqui desta vez apenas a desculpar-se a si próprio. Um Governo que nunca tinha sido motivo de esperança para os Portugueses, apresentou-se hoje, apenas, aqui com motivos de desilusão e, talvez, tenha sido até por isso que alguns ex--ministros das Finanças se sentiram tentados a tirar neste momento a sua desforra.
De facto, a situação é mais grave do que anteriormente. Aumentou a proporção da despesa pública em relação ao produto interno bruto, a qual passou, como já se disse, de 8,5% para 9,5%. É um salto de crescimento qualitativo e real.
Em segundo lugar, o modelo de relançamento é o contrário do que devia ser: privilegia o aumento das despesas correntes, dos subsídios, das aquisições de bens e serviços e desvaloriza os aumentos de capital e as despesas sociais que numa situação de crise e relançamento mais seriam exigíveis.
O consumo público cresce novamente 3% como, aliás, já se sabia no contexto de uma política económica em que só aquilo que é público cresce, como é o caso do crédito público ou do investimento público. Continua a esquecer-se que cada escudo gasto pelo Estado são vários escudos perdidos ou roubados aos resultados produtivos da iniciativa privada.
Aplausos do CDS.
Srs. Deputados, o mais grave como sintoma e resultado é a nova fonte de financiamento: a receita fiscal agora descoberta, que atinge pela primeira vez a poupança dos Portugueses.
Em 1975, o Partido Comunista começou a fazer a revolução atacando a propriedade, para com isso pagar com as expropriações o Estado socialista que começava a edificar. Depois, o Partido Socialista pegou no testemunho do primeiro e passou a recorrer aos rendimentos das empresas e do trabalho para continuar a alimentar e sustentar o Estado socialista. E, eis senão quando, nesta evolução do processo de socialização atingimos o último refúgio, o limite, o último estádio, quando são os aforradores que vão passar a pagar o Estado socialista e o novo social-democratismo deste Governo. É o mesmo processo de socialização que se iniciou com o 11 de Março e a descida de 1% das taxas de juros dos depósitos, bem como a sobretaxa socialista, a fim de financiar os défices do Estado e da burocracia com que vivemos.
O problema é que esta perseguição dos recursos privados pelo Estado socialista atingiu exactamente o seu limite. É evidente que o Governo, com isto, deixa cair a sua máscara. Não pode falar mais de rigor e liberalização e esta será, se calhar, a única vantagem do Orçamento apresentado pelo Governo para 1985.
Nós já o sabíamos e tínhamos denunciado que era absurdo a partir do Poder mudar o País. Nós já o sabíamos e tínhamos denunciado que era absurdo a partir de uma coligação de partidos socialistas e sociais-democratas conduzir uma estratégia liberal. Mas desta vez a máscara caiu por inteiro e é o próprio Governo que desiste de continuar a afivelar a máscara de uma política de rigor e liberalização.
Aplausos do CDS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Receamos, inclusivamente, que o castelo de cartas se esteja a desfazer demasiadamente depressa, porque este Orçamento é, realmente, um Orçamento de rendição por parte do Governo. É a isso, aliás, que o Governo e a maioria chamaram aqui, com insistência, o Orçamento «possível».
As consequências de tudo isto são bastante graves.
Em primeiro lugar, é a desagregação do Estado. Pode pôr-se o problema de saber se este Orçamento é ou não o Orçamento do Estado ou se não será antes o orçamento de vários ministérios, de vários serviços, de várias autarquias, de várias empresas públicas.
Este Orçamento é uma soma de necessidades, é uma soma de reivindicações, é uma soma de clientelas, é uma soma de dois partidos...
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - ..., mas não é uma hierarquia de prioridades nem o Orçamento do Estado Português.
Aplausos do CDS.
Este Orçamento é um progresso dramático, sim, mas na «feudalização» do Estado Português, aqui simbolicamente traduzida naquilo que seria absurdo se não fosse verdadeiro: na própria querela entre os representantes dos Açores e da Madeira, apesar de membros do mesmo partido e de apoiantes da mesma maioria. É a esta «feudalização» que este Orçamento e que a política económica deste Governo vai conduzir.
Este Governo nunca teve uma filosofia económica, mas neste momento já não tem sequer uma estratégia ou uma lógica económica.
Além disso, este Orçamento vai conduzir à desagregação da sociedade, porque é o desânimo e o desleixo. E o rigor que é mandado de férias, é a militância que, na área da economia, é posta outra vez entre parêntesis, pela razão simples de que se estão a aproximar as eleições presidenciais e as autárquicas.
É curioso que, numa situação em que aumentam os desempregados e pioram as condições de vida dos Portugueses mais humildes, novamente um Governo socialista e social-democrata deixe que a despesa social seja sacrificada às outras despesas.
Há aqui uma advertência a fazer, que é esta: a luta pela partilha das pequenas migalhas, que o pequeno relançamento público deste Orçamento vai permitir, vai intensificar ,as lutas sociais, nomeadamente as greves, e vai trazer, também, a instabilidade ao nosso país.
O terceiro ponto grave é o imediatismo eleitoralista como único horizonte deste Governo.
Há uma coisa sintomática: é que, pela primeira vez, os emigrantes são penalizados. Mas a razão é simples: é que os emigrantes são os únicos que não votam nem nas eleições autárquicas nem nas eleições presidenciais.
Aplausos do CDS.
É realmente o «o gato com o rabo de fora». Eles votam nas eleições legislativas, mas não nas eleições autárquicas e presidenciais, que são aquelas que está suposto haver em 1985.
Por outro lado, é a primeira vez que não há planeamento financeiro a médio prazo. Num país que precisa, mais do que qualquer outro, de um planeamento financeiro a médio prazo, é a primeira vez que se desiste de o fazer.
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É curioso que tenham sido as duas alas do PSD mais distantes do Poder - a representada pelo Dr. João Salgueiro e a representada pela chamada «moção da nova esperança» - que se lanham, criticamente, distanciado mais dele, embora todos saibamos que a diferença que há entre essas alas é a mesma que existe entre o corredor e o palco, e embora todos saibamos que todos eles são cúmplices. Mas é sintomático que tenham sido os mais chegados ao Poder, às eleições e a Governo que mais tenham apoiado, pelo menos com o seu silêncio, este Governo. É mais uma revelação do eleitoralismo sintomático deste Governo.
E aqui há uma advertência que gostaria de fazer e que talvez seja a mais grave: é que este Orçamento destina-se a conduzir, em 1986, o País ao colapso e, até lá, a permitir eleger o Dr. Mário Soares para a Presidência da República.
Aplausos do CDS.
Protestos dos Deputados do PS, batendo com as mãos nas carteiras.
Este Orçamento destina-se a aguentar uma ilusão em 1985, mas a aceitar o colapso em 1986. Ele já não traduz a política de evitar o colapso em Portugal, mas, sim, a de o provocar.
O Sr. Carlos Laje (PS): - É um mau profeta!
O Orador: - Mas, meus senhores, a única estratégia que lhe está subjacente é, de facto, a estratégia das eleições presidenciais e das eleições autárquicas.
Por último, gostaria de dizer que as condições de execução deste Orçamento vão piorar ainda mais os seus efeitos negativos previsíveis.
Primeiro, porque se este Governo não foi capaz, em 1984, de conter a despesa, também não vai ser capaz de a conter em 1985, que é um ano de atitudes dadivosas, como aquela a que, no outro dia, o Sr. Primeiro-Ministro se permitiu ao dizer que o aumento do funcionalismo público de 17 % para 21 % tinha resultado da sua intervenção pessoal.
Não está em causa o aumento do funcionalismo público.. .
Uma Voz do PS: - Mas parece que está!
O Orador: - .... porque nós dizemos, nos nossos programas, que é preciso pagar melhor aos funcionários públicos. É preciso haver menos funcionários públicos e pagar-lhes melhor.
Mas o que está em causa é a demagogia da «varinha mágica» do Sr. Primeiro-Ministro, que dispõe das finanças deste país como se fossem as suas próprias finanças.
Aplausos do CDS.
Protestos do PS.
Srs. Deputados, como é que um Orçamento deste tipo, feito de baixo para cima, um Orçamento que durou meio ano a «costurar», um Orçamento que foi feito na «cozinha» do Governo, pode ser executado senão de baixo para cima?
Srs. Deputados, um Orçamento «possível» significa que vai ser executado «como for possível», isto é, à rédea solta. Um orçamento pelo qual o poder político se não responsabiliza é um Orçamento que não vai responsabilizar ninguém. Um Orçamento que o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que deviam ser os pais assumidos desta «criança», enjeitam aqui mesmo, é um Orçamento pelo qual ninguém vai ser responsável neste país.
Recordo, aliás, uma expressão do Sr. Ministro das Finanças que, ainda antes do Orçamento chegar a esta Assembleia, dizia: «tecnicamente, este Orçamento não é meu». Tecnicamente, este Orçamento é um bastardo; é o produto de uma relação promíscua entre entidades desconhecidas, ainda que governamentais.
O Sr. Igrejas' Caeiro (PS): - É mentira!
O Orador: - Não é assim, não é com este clima que este Orçamento pode ser uma base de reconstrução para o nosso país.
A acrescentar a isto há todo o clima político de um Governo cada vez mais isolado e dividido, que é «bem amado» na televisão mas é cada vez mais «mal amado» no País.
Um ambiente que está politizado, uma situação financeira que está politizada, era o que pior podia acontecer à nossa situação financeira. Está tão politizada que o Sr. Presidente da República acaba de convocar um Conselho de Estado para discutir a questão económica. Um ambiente que, hoje mesmo, leva o Sr. Primeiro-Ministro a ir para Santa Margarida em vez de estar aqui, porque tem mais medo do Presidente da República do que do povo português.
Aplausos do CDS.
Protestos dos Deputados do PS e do PSD batendo com as mãos nas carteiras.
E é isso que nós não podemos tolerar!
Hoje mesmo, o Sr. Presidente da República instrumentaliza a sua função à criação de um partido e, hoje mesmo, o Primeiro-Ministro instrumentaliza as forças armadas a uma guerra institucionalizada contra o Sr. Presidente da República.
Vozes do PS e do PSD: - É falso!
Uma voz do PSD: - Desta vez é que lhe caiu a máscara!
Uma voz do PS: - É um complexado!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que eu estava a dizer é que é grave. Isto é, que quer o Presidente da República, quer o Primeiro-Ministro, esqueçam as questões reais dos Portugueses, que deviam estar a ser discutidas a respeito deste Orçamento, para fazerem uma luta política que não tem nenhum sentido real para a resolução das mesmas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - O que o País precisa, realmente, é de uma mudança profunda.
O Partido Comunista, em 1975, perdeu politicamente. Mas guardou o único cavalo de batalha que podia manter num país da NATO: o socialismo da Constituição.
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Foi, porém, um cavalo feito para a «batalha da produção», que vimos, nessa altura, ser conduzida pelo general Vasco Gonçalves. Hoje, esse cavalo, montado pelo Dr. Mário Soares, não anda realmente nem para trás nem para a frente.
O que este Orçamento mostra, porém, é que o Dr. Mário Soares ainda não aprendeu a lição; não aprendeu ainda que é necessário pôr termo, de vez, à obra que o Partido Comunista ergueu neste pais no dia 11 de Março, pois sem isso não iremos a parte nenhuma.
É por isso que o meu grupo parlamentar virá aqui, brevemente, propor de novo a esta Assembleia a revisão da Constituição económica, porque sem ela, como este Orçamento prova, como 3 anos de governo AD provam, como um ano e meio de governo do bloco central prova, não haverá solução para os problemas económicos do nosso país. E também não acreditamos em nenhum novo partido que venha aí para fardar os gestores públicos, porque essa também não vai ser a solução!
Acreditamos, sim, numa vasta reforma institucional, fiscal, administrativa, do sector público, na maior independência do Banco de Portugal (como via para desmonetarizar o défice), numa remodelação orgânica do Governo - que submeta todos os gastos a um único critério -, e continuaremos a batalhar, persistentemente, por esses objectivos qualquer que seja o alarido da maioria.
Ninguém tem que estranhar, Srs. Deputados, que a oposição, quando o Governo começa a ser complacente, comece a ser mais exigente.
Vozes do PS: - A gente já está habituada a isso!
O Orador: - Não iremos na complacência do Governo, nos risinhos da maioria, porque este país lá fora sofre e quer outra coisa que não seja esta política!
Aplausos do CDS.
Içaremos esse combate com uma certeza muito alegre: é que este país existe e existirá para lá deste Governo e, por isso, não nos podemos deixar afundar com ele.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Ministro de Estado.
O Sr. Ministro de Estado e Ministro dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, os Membros do Governo, aqui presentes, não podem deixar de afirmar que assistiram e ouviram atónitos algumas das passagens do discurso do Sr. Deputado Lucas Pires, pelo que não podem deixar de fazer um veemente protesto. É que, além de ter confundido «razão com tom de voz», o Sr. Deputado Lucas Pires perdeu, obviamente, o sentido da razoabilidade do equilíbrio das coisas.
Não lhe farei e desejarei pior mal do que deixá-lo entregue ao desgaste do seu próprio discurso.
Aplausos do PS, do PSD e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
Protestos do PS.
O Sr. José Gama (CDS): - Silêncio, pois, nós também ouvimos calados!
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Não direi, Sr. Ministro de Estado, que usei este tom de voz para compensar a falta de microfones ou de écrans que, normalmente, a oposição tem! Mas, realmente, não foi para isso!
Julgo merecer desta Assembleia, por uma luta política que tenho conduzido, aqui e em outros locais durante vários anos, o crédito de pensar que o meu tom de voz não afecta o equilíbrio dos meus pensamentos.
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Devo dizer também que, apesar de tudo, é melhor o desgaste de um discurso do que o das acções e os números que este Governo conduz.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, para que não subsistam dúvidas, pretendia clarificar algo que talvez não tenha ficado perfeitamente claro no entender de todos os Srs. Deputados, na intervenção do meu camarada Hasse Ferreira.
Queria dizer que votaremos contra o Orçamento do Estado! Mas tal facto não me impede de lavrar aqui um protesto.
É que se a democracia nos obriga a respeitar todos os direitos - até o direito à demagogia! -, ela dá-nos também o direito de lavrarmos o nosso protesto quando a demagogia é utilizada como arma de combate democrático. Ora, aquilo que aqui ouvimos é um discurso que ficará na história desta Assembleia democrática desde o 25 de Abril de 1974, como um marco, talvez o maior, de demagogia.
Aplausos da UEDS e do PS. Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luis Nunes (PS): - Sr. Presidente, tínhamos combinado na reunião de líderes parlamentares que não haveria protestos, contraprotestos ou uso de qualquer figura regimental. Simplesmente, já que entrámos nesse caminho, também desejo usar da palavra para o mesmo efeito.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, assim foi só que, em presença do discurso que fora proferido, o Sr. Ministro de Estado entendeu - e quanto a mim, bem! - num legítimo direito para desafrontar, segundo pensavam, a posição do Governo, pelo que lhe concedi a palavra.
Assim, e para além disto, deponho nas mãos dos representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares o uso desse direito, por analogia, tal como ele foi concedido!
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, só invoquei o facto para sublinhar que não esqueci os
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compromissos que o meu grupo parlamentar tinha assumido, e só pedi a palavra em nome de um princípio de equidade.
O Sr. Deputado Lucas Pires fez um discurso que não é o discurso de encerramento do debate sobre o Orçamento e Plano da Assembleia da República, mas o que o Sr. Deputado Lucas Pires tinha escrito para ser lido numa outra sala e em outra ocasião.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Acontece que ele tinha dois destinatários: uns, os delegados ao congresso do seu partido;...
Risos do PS. Protestos do CDS.
... os outros, ou aqueles que, neste momento, se encontram ou se preparam para jantar e comemorar uma efeméride. Mas não era, de certeza, dirigido aos deputados da Assembleia da República. Foi, por isso, que durante todo o discurso de V. Ex.ª, nomeadamente em relação às passagens mais polémicas, não reagi, de forma nenhuma, pois, não me senti atingido: não sou delegado ao congresso do partido de V. Ex.ª...
Vozes do CDS: - Ainda bem!
O Orador: - Eu sei que ainda bem! ... e não faço parte do jantar em relação ao qual V. Ex.ª dirigia também esse discurso!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quero afiançar a VV. Ex.ªs que quem conduz os trabalhos sou eu. Na medida em que entrei numa concepção, não posso agora estar a privilegiar seja quem for! Daí que cada partido, grupo e agrupamento parlamentar tenha o direito de fazer ou lavrar o seu protesto ou comentário que julgar conveniente.
Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, o meu protesto é muito breve, e não num tom necessariamente alto.
Por um lado, queria agradecer ao Sr. Deputado Lopes Cardoso o fácil acesso à história que me deu, ao nomear-me para esse alto galardão, «qual é o discurso mais demagógico desde o 25 de Abril».
No entanto, queria lamentar - até por não esperar isso -, Sr. Deputado Lopes Cardoso, que houvesse tantas manifestações censórias, nesta Assembleia, dez anos após o 25 de Abril. Porque, realmente, é o tom e as palavras de censura que podem conduzir à censura real, como todos nós sabemos. É evidente, que isso talvez justificasse uma contra-argumentação do Sr. Deputado, invocando os pergaminhos, que sem dúvida tem, da luta anticensória e antifascista. Mas pedia para prescindirem de momento desse ponto e para, apenas, nas próximas intervenções sobre estes factos, serem um pouco mais coerentes com essa tradição de luta antifascista.
Quanto às intervenções que fizeram, sinceramente, interpretá-las-ei, benignamente, como uma expressão de remorso ou da má consciência que, sem dúvida, devem ter por terem apoiado, alguma vez, a política deste Governo.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Queria informar os Srs. Deputados que se vão encerrar os trabalhos de escrutínio a que se tem estado a proceder.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate parlamentar sobre as propostas de lei das Grandes Opções e do Orçamento do Estado para 1985 tem lugar num momento em que, como resultado da degradação económica, financeira e social a que o País foi conduzido na vigência do actual Governo, as atenções gerais se concentram precisamente sobre a actuação governamental nestas áreas decisivas da vida portuguesa.
Diga-se, desde já, que no plano institucional a Assembleia da República não pode considerar uma questão de menor importância, como pretendeu o Sr. Ministro das Finanças, a circunstância de o Governo, sem que se tivesse verificado ruptura da acção governativa, ter apresentado a proposta de lei do Orçamento cerca de três meses depois do que prescreve o artigo 9.º da Lei do Enquadramento, em execução do artigo 108.º da Constituição, de o ter feito sem ouvir previamente os partidos da oposição, como manda a Lei n.º 59/77 - Estatuto da Oposição -, o que se soma ao facto não menos grave de o Governo não ter aprovado e publicado, como manda a Lei n.º 31/77, o Plano para 1984. Se outros factos não existissem - e existem muitos mais e muito graves -, estes e a leviana consideração com que o Governo os encara bastariam para colocar com pertinência a questão do não funcionamento regular e normal das instituições.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Refira-se também que, no plano político, a Assembleia da República não pode ignorar que a perigosa permanência da crise e o seu acentuado agravamento tem motivado preocupadas advertências e insistentes chamadas de atenção provenientes, não apenas de todos os partidos da oposição e dos meios sindicais e políticos não alinhados com a coligação governamental, mas também das mais destacadas figuras da nossa vida religiosa e institucional.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!
O Orador: - As demarcações aqui mesmo assumidas no decorrer do debate por deputados da coligação, especialmente de um dos partidos que a constitui, põe em evidência, tanto a contestação generalizada que cerca a política económica e financeira do Governo, como a reduzidíssima base de apoio político e social, de que actualmente desfruta.
A ausência do primeiro-ministro, o responsável principal pelo Orçamento, e do vice-primeiro-ministro, desta sessão de encerramento do debate e o número muito reduzido de ministros que intervieram na discussão, não pode deixar de ter uma significação política para a qual chamo a vossa atenção.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
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O Orador: - Ninguém ignora também que no presente circunstancialismo político da vida nacional mais de que os votos arrecadados pelo Governo aqui na Assembleia são as conclusões deste debate sobre a sua política económica e financeira que terão uma considerável influência nos eventos políticos que se avizinham.
Quanto a nós, a discussão em torno das propostas das Grandes Opções e do Orçamento do Estado para 1985 põe em evidência cinco incontestáveis conclusões:
1.º O fracasso da política do Governo e o desmentido das promessas contidas no seu Programa;
2.º O carácter discriminatório da austeridade imposta pelo Governo, virada no fundamental contra os trabalhadores e outras camadas de mais baixos recursos;
3.º A política de favor ao grande capital e à concentração monopolista;
4.º O agravamento da dependência externa e o avanço do estrangulamento pela dívida;
5.º A instrumentalização eleitoralista das finanças do Estado.
Em relação à primeira conclusão, assistimos, vinte meses passados sobre a entrada em funções deste Governo, ao trabalho laborioso do Sr. Ministro das Finanças para, jogando com os seus três hipotéticos programas - o de «emergência», o de «recuperação» e o de «modernização» -, como se fossem as peças de um puzzle, criar uma imagem literária que desminta aquilo que honestamente tem de se reconhecer e que, sobretudo, o País sente vivamente na carne - o fracasso rotundo da política económica e financeira do Governo PS/PSD.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Onde estão as «condições sadias para o investimento» que o primeiro-ministro prometia na apresentação do Programa do Governo? Estarão na queda de mais de 26% verificada em 1983 e 1984? Estarão nos tímidos e provavelmente propagandísticos 2% de aumento anunciados pelo Governo para este ano?
Recordem-se outras frases proclamadas então pelo primeiro-ministro, tais como «estimular a produção», «gerar poupanças», «fomentar a actividade empresarial». Comparem-se estas promessas com a realidade do País. Comparem-se com a profunda recessão em que foi mergulhada toda a vida económica nacional, onde sobressaem a diminuição da produção em 0,5% em 1983 e de cerca de 2% em 1984, a baixa da procura interna de 6,6%, a diminuição do consumo privado de 2%, o aumento do número de falências, que no primeiro trimestre de 1984 teve uma subida de 31% (o que, mesmo assim, constitui uma pálida imagem das reais dificuldades das empresas).
O Governo gaba-se de um único feito - a diminuição do défice da balança de transacções correntes. Mas a que preço foi atingido? Foi obtido à custa daquele quadro de empobrecimento geral do País. Foi conseguido com uma política que nos deixou mais pobres e mais desarmados para fazermos face às nossas necessidades. A diminuição do défice é assim um resultado artificial, pois, realmente, ficamos mais dependentes do exterior. E por isso que o Governo não é capaz de definir uma política de relançamento com um mínimo de credibilidade e é significativo que, mesmo aquilo que propõe com objectivos propagandísticos, o obrigue a considerar desde logo, um acentuado aumento das importações.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Uma errada política de ataque ao défice da balança de transacções correntes, aliada à política de restauração monopolista, conduziu à destruição do aparelho produtivo, primeiro, logo seguido da degradação financeira do Estado, do Banco de Portugal e da banca comercial, chegando esta ao ponto de ter de vender ouro e colecções de numismática para apresentar contabilisticamente resultados positivos.
O desregulamento da economia agravou o desregramento das contas públicas. A ênfase posta no combate à fraude e à corrupção que ornamentava o Programa do Governo e a sua apresentação foi a pouco e pouco desaparecendo do discurso governamental - nem medidas nem palavras contra a corrupção. Não se conhece a quanto monta a dívida acumulada dos fundos autónomos. Não se conhece a quanto monta a dívida total da administração central. As contas do Estado perdem credibilidade. Um membro do Governo reconheceu há pouco tempo que «os responsáveis de departamentos assumem compromissos sem existência da respectiva cobertura orçamental», e sublinhava, «o que aliás é proibido por lei». Outro membro do Governo afirmava que «não há Governo, mas uma federação de Ministérios». A responsabilidade de tudo isto não é evidentemente do ministro das Finanças, mas do próprio primeiro-ministro. Por isso, provavelmente, está ausente.
Aplausos do PCP.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É assim que se explica porque é que o primeiro-ministro, imitando o aprendiz de feiticeiro, desabafava, na entrevista à Rádio Renascença, que «a situação é muito próxima da de um país ingovernável». Ele lá sabe porquê!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à segunda conclusão - o carácter discriminatório da austeridade -, é esclarecedora a comparação do que dizia o principal responsável do Governo, ao fazer a apresentação do seu Programa, com o que é reconhecido nas Grandes Opções do Plano em relação ao rendimento dos trabalhadores. Dizia então o primeiro-ministro: «Perante uma situação que é de emergência nacional, há, portanto, que fazer partilhar os sacrifícios com equidade e sentido de justiça social...»
Reconhecem agora as Grandes Opções do Plano «a redução do poder de compra dos trabalhadores por conta de outrem, cujos rendimentos salariais terão registado decréscimo em termos reais», ao mesmo tempo que precisa que esta situação «não se terá verificado noutros tipos de rendimentos», isto é, não se terá verificado com os lucros. Tirem conclusões, Srs. Deputados!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Também a equidade ficou pelo caminho e é a discriminação contra os trabalhadores que
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prevalece. É assim que a política governamental, que conduziu à queda de 13% dos salários reais no primeiro semestre de 1984, anunciava para este ano o objectivo de que «os salários reais não decresçam». Isto é, admitindo o melhor, reduzidos foram e reduzidos ficarão, se é que não voltarão a baixar, uma vez que, na anterior versão das Grandes Opções do Plano, se dizia «não decresçam significativamente» e a supressão desta última palavra não representa com certeza uma mudança de política.
Aplausos do PCP.
Acresce que o brutal aumento de preços nos primeiros dias de Janeiro, que levam até as bancadas da maioria a duvidar do alvo de 22% previstos para a inflação, a atitude de gestores do sector empresarial do Estado em relação à contratação colectiva, juntamente com as manobras do Governo em relação à função pública, a verba para o aumento das pensões e reformas, que têm uma subida de apenas 12,8%, tudo leva a suspeitar da concretização desta garantia governamental.
Ao mesmo tempo, as verbas destinadas à educação, saúde, segurança social e habitação diminuem em termos reais relativamente a 1984, com as evidentes consequências sociais.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É uma vergonha!
O Orador: - O desemprego é abertamente fomentado pelo Governo, como nos casos da CTM, da CNN e da LISNAVE, ao mesmo tempo que destina menos de metade das receitas do Fundo de Desemprego para atribuição de subsídios e não toma nenhuma medida digna desse nome em relação aos salários em atraso, nem para debelar o mal nem para apoiar os trabalhadores e famílias que se vêem atirados para uma situação dramática. E escandaloso, Srs. Deputados!
Aplausos do PCP.
A injustiça social é a filosofia que continua a caracterizar a política fiscal do Governo, onde algum desagravamento ou manutenção de taxas, quando existe, é largamente ultrapassado pelo peso dos impostos indirectos que recaem, sobretudo, sobre os trabalhadores e as camadas de mais baixos recursos. A introdução do IVA no decorrer deste ano, muito ao contrário do que propagandeia o Governo, irá acentuar mais ainda a escandalosa injustiça fiscal dos últimos anos.
Mas, em relação ao grande capital, a política é diferente - e assim entramos na terceira conclusão.
Não cessam os benefícios e benesses do Governo. É a cruzada contra as nacionalizações e a reforma agrária, com espoliações de empresas, terras e máquinas. É a abertura do sector bancário ao grande capital e o seu financiamento pela própria banca nacionalizada. É a autorização para a importação privada de açúcar e oleaginosas em condições cambiais mais favoráveis do que as concedidas às empresas públicas. São os acordos com a TORRALTA e outros da mesma natureza. São as copiosas isenções fiscais que se pretendem conceder à ex-Sociedade Portuguesa de Investimentos (agora Banco de Investimento Português, do Sr. Santos Silva), como se pode ver no artigo 42.º da proposta de lei do Orçamento do Estado em discussão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Um escândalo!
O Orador: - E, falando da presente proposta de Orçamento do Estado, é também a continuação da isenção fiscal de que gozam as empresas exportadoras e a redução da taxa do imposto de capitais sobre os lucros, é a eliminação do adicional de 15% sobre as mais-valias, é a redução da matéria colectável, para efeitos de contribuição industrial, através do aumento das provisões, das amortizações e da valorização das existências. É um escândalo!
Aplausos do PCP.
Um especial significado político tem a larga lista de isenções prevista no artigo 43.º da proposta de lei do orçamento de Estado com que se pretende continuar a incentivar e premiar a concentração de empresas e capitais, que é, como quem diz, a reconstituição dos grupos monopolistas.
Vozes do PCP: - Uma vergonha!
O Orador: - Digam agora que não, Srs. Deputados do PS!
Esta política de restauração monopolista seguida pelo actual governo PS/PSD e pelos anteriores governos da AD é comprovadamente a causa principal do depauperamento da economia nacional, com as consequentes perturbações e destruições do aparelho produtivo propagado a seguir ao sistema financeiro e bancário. É também a causa principal do crescente e esmagador endividamento externo do País.
Aqui, abordamos a quarta conclusão. O Governo, ao mesmo tempo que se serve do argumento da condicionante imposta pelo peso do serviço da dívida externa para justificar os seus fracassos, mostra-se apavorado quando se pretende discutir frontalmente esta questão.
Com efeito, o peso da dívida externa, que representa mais de 90% do PIB, com um serviço que equivale a 45% das nossas exportações e a uma vez e meia o montante das remessas dos emigrantes, estrangula qualquer hipótese de relançamento e faz definhar as potencialidades económicas do País.
O caminho não pode ser o que o Governo seguiu. Aliás, o Governo é obrigado a confessar abertamente que a redução do ritmo de endividamento, tal como o já verificado em 1979, não só é efémero, como nem sequer inflecte a tendência que é insustentável. E tanto é assim que o Governo, ao apontar a intenção de um ligeiro crescimento do PIB, logo é obrigado a apresentar novos e maiores défices externos, com a consequente contracção de novos empréstimos. É o ciclo vicioso resultante da política de restauração monopolista, através da qual o País vai ficando mais pobre e mais dependente.
Numa situação como esta é particularmente chocante a intrumentalização eleitoralista das finanças do Estado a que se entregam o Governo e os partidos que o apoiam.
Um Sr. Deputado da coligação, não se dando conta naturalmente de que estava a provar de mais, brindou--nos com esta declaração: «O PS jamais separará as questões políticas e o ano político das opções que toma na discussão e votação dos documentos em análise.»
Risos do PCP.
Não se podia ser mais claro, já sabíamos isso!
Aplausos do PCP.
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A instrumentalização aparece, de múltiplas formas, na sobreavaliação de receitas, na subavaliação de despesas e na apresentação de um défice artificial, que, apesar de já ser um medonho buraco e representar um crescimento de 90 % em relação ao défice inicial do Orçamento do ano passado, está longe de corresponder à verdade. A instrumentalização aparece também nos «sacos azuis», para serem naturalmente utilizados na altura própria, e na forma como foi anunciado o aumento à função pública.
Mas onde a instrumentalização toma as raias de um verdadeiro escândalo é na forma como são distribuídas as verbas para as autarquias. A operação foi preparada à distância pelo decreto governamental sobre as finanças locais. Está agora absolutamente confirmado que a subjectividade dos critérios contidos nesse diploma constitui a porta aberta à discriminação política e partidária e à distribuição de verbas de acordo com os interesses eleitorais dos partidos do Governo.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Governo não governa o País. Governa mal, governa para o punhado de senhores do grande capital e segundo os seus mesquinhos interesses partidários e eleitorais, nas eleições autárquicas e presidenciais e, de um modo muito especial, para a campanha presidencial do Sr. Primeiro-Ministro.
Vozes do PCP: - Um escândalo! Uma vergonha!
O Orador: - É costume, nestas ocasiões, quando o Governo enfrenta as críticas e a contestação da Assembleia, ouvir os deputados mais fiéis à coligação e mesmo os ministros desafiarem, abespinhados: «mas apresente medidas», «proponha alternativas», ou, até, «traga-nos um novo orçamento», como, num manifesto exagero que lhe não é habitual, o Ministro Almeida Santos dizia, na terça-feira passada, ao Sr. Deputado João Salgueiro.
O Grupo Parlamentar do PCP vai apresentar, na especialidade, numerosas propostas de alteração em relação à receita, em relação à despesa e até em relação ao défice, tudo para minorar o desastre.
Mas a questão é esta. Este Orçamento e estas Grandes Opções não têm remédio. A questão é da política global e da opção fundamental.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - A nosso ver, quem optar neste momento por uma política de defesa intransigente do nosso povo e do nosso país não pode seguir outro caminho que não seja:
Acabar com as ofensivas para destruir a organização económica, tal como está consagrada na Constituição, e apoiar e dinamizar as formações económicas existentes no sector público, no sector privado e no sector cooperativo, respeitando os seus limites e dinâmicas próprias;
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador:
Acabar de forma decidida com a política de recessão e mobilizar todos os recursos, energias e potencialidades nacionais para produzir mais, impulsionando a agricultura, a indústria, os serviços e os grandes projectos nacionais; Acabar com a falsa política de austeridade que tem agravado o desemprego, gerado a fome e a miséria entre o nosso povo, ao mesmo tempo que faz acumular a riqueza e a centralização de capitais e, em vez disso, poupar na energia e nas matérias-primas e melhorar o aproveitamento da força de trabalho, mediante medidas de organização, racionalização e melhoramento tecnológico, limitando os altos consumos, reduzindo as importações de artigos de luxo e produzindo no País muito do que actualmente se importa;
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Reduzir o mais possível o recurso aos créditos externos, que estão sufocando a nossa economia, e pôr na ordem do dia a renegociação da dívida externa, a fim de assegurar a defesa dos interesse nacionais.
Aplausos do PCP.
Trata-se de algumas grandes linhas de uma proposta alternativa adiantada pelo Comité Central do meu partido na sua última reunião, no seguimento da alternativa programática aprovada no X Congresso do PCP.
A meio deste debate e em intervenção produzida pelo meu camarada Carlos Carvalhas, abordámos largamente a questão das políticas alternativas. Curiosamente, desta vez a coligação governamental remeteu-se a um prudente silêncio. É um sinal da sua insegurança, como sinal de insegurança são as múltiplas designações com que os deputados da coligação tentam disfarçar o verdadeiro sapo vivo em que este » Orçamento se tornou, chamando-lhe ora o orçamento de resignação, ora orçamento do possível, ora orçamento necessário...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, o seu tempo já terminou. Queira ter a bondade de concluir.
Vozes do P§ e do PSD: - Ora, ora, ora, está na hora!
O Orador: - Termino já, Sr. Presidente. Sinal de insegurança é, manifestamente, a rispidez com que foram tratados pelo Governo e os estados-maiores da coligação as dúvidas do deputado João Salgueiro, tanto no Plenário da Assembleia da República, como na comunicação social. Só faltava isto a este Governo: aplicar uma consigna que fez escola, a de que «quem não é por nós é contra nós». Tirem as conclusões!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em todas as suas manifestações, nas conclusões e nos episódios adjacentes, este debate encerra um importante significado político.
Chegou-nos aqui um governo e uma coligação exaustos e derrotados e, por isso mesmo, mais intolerantes, reservando um último fôlego, não para prestar um serviço ao País, mas para dar um novo impulso à contra-revolução.
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A fogosidade do CDS evidenciada neste debate mostra como o próprio CDS está apavorado com a perspectiva de, com a queda fragorosa da coligação, ser arrastado também, se reduzir mais ainda, ficar ainda mais pequenino.
Vozes do CDS: - Não se preocupe!
O Orador: - O tom do Sr. Deputado Lucas Pires lembra um dito popular, que é o seguinte: «O galo canta mais grosso quanto mais afastado do poleiro está.»
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Isso é uma certidão de óbito?
O Orador: - Por tudo o que aqui se passou, o nosso voto contra as duas propostas do Governo coroa a justeza da posição que desde a primeira hora tomámos contra esta coligação, certos de que ela seria incapaz de resolver qualquer dos grandes problemas nacionais, antes os agravando a todos.
Mas é com alegria que verificamos que muitos dos que foram iludidos na primeira hora concluem connosco aqui: este Governo tem que se ir embora, esta coligação não serve.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É por isso mesmo que estamos plenamente seguros de que, sejam quais forem os mais próximos sucessos políticos, a substituição do Governo está na ordem do dia e a alternativa está assegurada.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Profundo, aceso e controverso tem sido este debate. E não podia deixar de ser assim, perante a crise do País, a importância do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano, as diferentes perspectivas ideológicas que consubstanciam diferentes projectos de sociedade, bem como diferenciadas concepções de resolução dos problemas.
Infelizmente, a crise do País e as dificuldades dos cidadãos no dia-a-dia têm feito aumentar a descrença nos partidos e nos políticos e a distância entre governantes e governados, tendência que temos obrigação de procurar alterar a bem do regime.
Nós, deputados, somos eleitos pelo povo, mas nem por isso deixámos ou podemos deixar de continuar a ser povo, no exacto entendimento de identificação com as preocupações, frustrações e aspirações de quem nos elegeu. E, porque desde há algum tempo vivo atormentado com a profunda crise que o País atravessa e com os seus reflexos que nos chegam a esta Assembleia e aos nossos círculos eleitorais, através dos mais variados testemunhos, procurei assumir aqui o País real que somos e as dificuldades reais que atravessamos.
Sem demagogia mas com realismo hoje é unânime a constatação dessa gravíssima situação.
As estruturas económicas estão ultrapassadas e agonizam e muitas empresas estão, de facto, falidas ou em situação de pré-falência.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - O que o Governo fez!
O Orador: - A quebra das vendas nos estabelecimentos comerciais foi muito acentuada em 1984, nalguns casos da ordem de 30 % a 50 %.
entretanto, a economia paralela prolifera e faz concorrência desleal às empresas legalmente constituídas. As fugas de capitais para o estrangeiro tornaram-se prática quase corrente com redes montadas.
Muitos cidadãos e famílias vivem o espectro do desemprego e não dispõem do essencial para a sua alimentação, vestuário, habitação, etc., havendo crianças insuficientemente alimentadas.
A quebra no investimento foi notória, como confirmam a diminuição na formação bruta de capital fixo (FBCF) e a redução dos montantes de crédito solicitados para investimento pela iniciativa privada.
Na banca, os créditos mal parados atingem os 350 milhões de contos e os incobráveis deverão ultrapassar os 200 milhões, reflexo da crise que se vive.
A actividade seguradora, sector fundamental na dinamização do mercado financeiro e imobiliário, pela aplicação das reservas matemáticas, está estrangulada, por falta de investimentos rentáveis para os seus capitais e, ressentindo-se da estagnação económica, recorre a fortes aumentos nos prémios de seguros, que, ainda assim, são insuficientes para as tornar rentáveis. A solução não é, obviamente, continuar a aumentá-los.
As taxas de juro activas reais são extremamente elevadas.
Os trabalhadores têm visto decrescer em termos reais os seus salários.
As exportações são prejudicadas pela inflação e pelas altas taxas de juro, mas vão subsistindo pela baixa contínua dos salários reais, em muitos casos.
A carga fiscal é enorme e mal estruturada. A taxa de poupança tem decrescido. A desvalorização do escudo continua a verificar-se e continuará a ser inevitável, devido às diferenças de taxas de inflação entre Portugal e os países da OCDE (30 % para nós, contra uma média de 5 % para esses países).
O Sr. José Magalhães (PCP): - Logo vota a favor!
O Orador: - O mercado financeiro está praticamente paralisado.
Começa a ser tendência comum todos, ou muitos, deverem a quase todos. As dívidas do Estado atingem cerca de 2 biliões de contos.
As próprias Grandes Opções do Plano confirmam esta situação geral.
Bem se pode dizer que não é mais possível viver no sonho ou de sonhos e que, por via de agravamentos sucessivos ao longo dos anos, o País está «encostado à parede», confrontado entre o esplendor da sua história e cultura e as nuvens negras do presente, procurando um futuro de dignidade.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Um desastre!
O Orador: - A situação é muito delicada, mas importa destacar que é o próprio Governo que, no
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documento original de apresentação do plano de recuperação financeira do Estado (PRFE), assinala que «o ajustamento estrutural (caracterizado por fortes restrições) seria absurdo se fosse um fim em si mesmo, e não apenas um meio para a modernização da economia». Portanto, o Governo tem plena consciência dos resultados da sua política, evidentemente passageira.
Vozes do PCP: - É passageira, é!
O Orador: - Mas outros inconvenientes tinham de ser ponderados e, em geral, teremos de procurar inverter as tendências.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - É uma advertência, Sr. Ministro das Finanças!
O Orador: - Mas, se estes elementos de preocupação não fossem poucos, a nossa adesão à CEE merece mais uma reflexão.
Trata-se de um importante ponto de viragem na nossa história. Do País com política económica mais proteccionista da Europa até 1974, passamos para a abertura de fronteiras, quando ainda não estão corrigidas as chagas do totalitarismo económico de 1975.
Ficando as fronteiras abertas, «deixaremos de poder controlar e gerir o nosso atraso» e o perigo, designadamente, de a Espanha fazer de Portugal um mero entreposto comercial de muitos dos seus produtos será real. Daí que a data da adesão não deva ser uma obsessão orientada por qualquer calendário político interno.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Perante tal situação, o cidadão comum não sabe o que fazer, procurando causas e esperando soluções. As oposições, naturalmente, procuram atribuir a responsabilidade de tudo isto ao Governo e fazer recair toda a sua carga em cima dele, o que não é justo, nem sério, sendo eminentemente demagógico. Sem recuar muito no passado, entendo que o atraso estrutural do País à data do 25 de Abril, as duas crises do petróleo, a forma como se fez a descolonização e o seu impacte social, a subida do dólar e os sucessivos anos de seca são algumas das causas que se podem apontar. Mas, sobretudo, a causa principal do actual estado de coisas é a absurda estrutura estatizante que o PCP, apoiado por alguns militares revolucionários, instalou de forma golpista em 1975, estruturas essas que, infelizmente, ainda não foram substancialmente alteradas e que foram responsáveis pela destruição do aparelho produtivo.
Aplausos do PSD.
É de destacar que o PCP «defende com unhas e dentes» o que chama de conquistas da revolução, porque sabe muito bem que a sua manutenção lhes garante a alimentação das suas clientelas, significando o seu desmantelamento «o abrir da porta» à recuperação do País, que, obviamente, incomoda o PCP.
Alguns dirão que isto faz parte do passado. É um erro pensar assim. O que faz parte do passado é o momento em que tais golpes foram desferidos; agora, as suas consequências, infelizmente, estão bem à vista. Diria assim que é um aspecto cada vez mais actual, porque doloroso.
Para o PSD nunca houve ilusões acerca disto e de que daí adviria a miséria e a pobreza do povo português. Dissemo-lo enquanto fomos oposição. Lutámos por essas conquistas durante os governos da Aliança Democrática, mas a falta de condições políticas, no essencial por razões exógenas à coligação, não viabilizaram as alterações que preconizámos.
Mas aí destaque-se o nosso objectivo de fazer a revisão da Constituição possível.
Nós assumimos as nossas responsabilidades e alguns dos que hoje nos acusam de forma inaceitável terão que assumir também as suas próprias responsabilidades por não terem colaborado ou por terem inviabilizado as mudanças durante esse período.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Este recado é para o PS!
O Orador: - E foi também com esse empenho de mudança que o PSD aceitou participar na actual coligação governamental.
É neste quadro que se analisa o que tem sido a acção do Governo e as propostas que nos apresenta para o futuro de uma forma séria, e não completamente politizada, como já aqui foi dito esta tarde por alguns, o que não os dignifica muito.
Não nos move qualquer intenção de julgamento do Governo, nem sequer do passado político dos vários partidos, mas tão-somente situar o debate à exacta dimensão dos problemas do País na perspectiva do presente e do futuro.
Em 1984, o objectivo da redução do défice da balança de transacções correntes foi alcançado, mas o resvalar das despesas públicas agravou ainda mais os sacrifícios impostos no sector produtivo.
Em 1985, o que é que nos propõe o Governo? Propõe-nos a continuação da redução do défice, ou a sua manutenção, a descompressão no nível da actividade económica e a redução da taxa de inflação.
Mas o que isto implica em termos de Orçamento do Estado é que, enquanto no Orçamento de Estado para 1984 se apontava para um acréscimo da despesa pública de 21 % em relação a 1983, agora o aumento é de 33 % em relação ao Orçamento inicial para 1984 e de 25 % em relação à revisão orçamental do final do ano. E o défice também é extremamente elevado, com os seus 335,7 milhões de contos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Isto é que é um economista!
O Orador: - Seria possível fazer melhor ou diferente do que isto? Seria possível uma outra política de despesas e de défice?
Ao PSD afigura-se que sim,...
Risos do PCP.
... com cortes em diversas despesas que, embora necessárias, teriam que ser sacrificadas perante a extrema gravidade da situação. Daí que o Conselho de Ministros não devesse ter cedido a diversas pretensões sectoriais e departamentais, ainda que legítimas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, vota a favor!
O Orador: - Penso que a metodologia seguida deveria ter sido diferente: ao mais alto nível político, deveria ter sido estabelecido o montante do défice e das despesas e, a partir daí, fazerem-se então as grandes
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opções sectoriais e ministeriais. Dá ideia de que foi ao contrário: a partir das reivindicações, foi-se pelo caminho mais fácil, que é o do aumento sucessivo do défice.
Aplica-se aqui um ditado bem popular: «Percam-se os anéis, ou alguns anéis, e salvem-se os dedos». Na presente situação, eu diria: «com prejuízo de necessidades não indispensáveis, salve-se o País».
Não seria essa a única solução para os problemas, mas o corte de algumas despesas, além de ter significado financeiro, seria obviamente moralizador.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Acrescentarei que sobre a matéria tenho pessoalmente ideias muito concretas e definidas.
No entanto, é minha convicção a de que no essencial, considerando o atraso das reformas de estrutura e das mudanças de modelo, várias vezes enunciadas mas ainda não concretizadas, não era possível ter apresentado, em termos quantificados, um Orçamento do Estado que significasse uma clara inversão das tendências. Como dizia o meu colega de bancada Sr. Deputado Mário Adegas, este Orçamento de Estado era quase uma inevitabilidade.
Façamos agora uma breve apreciação sobre as receitas fiscais e a política fiscal: parece-nos que há uma clara sobrevalorização das receitas, embora se possa confiar - aliás, o Governo conta com essa presunção - em que a recuperação das dívidas será acentuada.
É também controversa a orientação respeitante ao imposto de capitais, dado que, numa economia em estagnação e em que os agentes económicos ainda não retomaram a confiança, os agravamentos propostos podem constituir desincentivo aos depósitos, sem que a alternativa passe a ser o investimento.
Quanto à taxa de 10 % a incidir sobre os juros dos depósitos dos emigrantes, terá que se considerar uma medida injusta e imprudente,...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... pois, além de quebrar a expectativa de rendimentos dos depositantes no momento dos depósitos, pode levar, a prazo, a uma forte redução do envio de remessas, o que seria fatal.
Por outro lado, deverá estudar-se a sério a possibilidade dos depósitos e levantamentos em moeda estrangeira, para impedir que os emigrantes façam depósitos em bancos estrangeiros, designadamente em Espanha, que dão essa possibilidade aos emigrantes.
O adicional de 15 % sobre os juros de depósitos dos residentes e a diminuição de taxa de juro passiva podem levar a maiores fugas de capitais. Em geral, esta situação pode implicar também aumento de consumo.
Quanto à entrada em vigor do imposto sobre a indústria agrícola e à revisão do regime de Segurança Social dos rurais, são medidas de grande complexidade a exigir particulares precauções, considerando o baixo nível de rendimento da maioria dos agricultores e trabalhadores rurais, tendo de se evitar sacrificá-los ainda mais.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, as Grandes Opções do Plano e o Orçamento de Estado também têm em si aspectos eminentemente positivos, uns novos, outros que também são de salientar, pela firme vontade que o Governo mostra em concretizar a sua aplicação. Salientarei os seguintes: extinção do imposto de saída; regulamentação das bonificações de juros atrasados a cargo do Estado, em dívida ao sistema bancário; desagravamento dos impostos sobre o trabalho e sobre as famílias; prorrogação dos benefícios fiscais à exportação; continuação da política de fixação de preços para os produtos agrícolas; clara orientação e prioridade para a adaptação das estruturas de produção e comercialização dos sectores agrícola e pesqueiro para o embate de adesão à CEE; redução de acção intervencionista do Estado na política de formação de preços; esforço feito no domínio das obras públicas, e que poderá ajudar a relançar o sector de construção civil; recuperação de dívidas e fiscalização na atribuição de benefícios sociais; definição e apresentação de programas ou projectos plurianuais; revisão de legislação tendo em vista um melhor combate à fraude e evasão fiscal; medidas de dinamização do mercado de capitais; assegurar que os salários reais não decresçam em 1985.
Quanto às soluções e medidas que se requerem, em termos de fundo, para inverter as tendências, o PSD entende que chegou a altura de se passar definitivamente à primeira e mãe de todas as medidas: a racionalização do sector público administrativo e do sector empresarial do Estado, com redução drástica dos encargos do Estado e desbloqueio dos mecanismos que impedem o normal e transparente funcionamento do mercado.
Vozes do CDS: - Nota-se!
O Orador: - Sem isso, estaremos envolvidos num ciclo vicioso que nos levará fatalmente ao fundo.
E este Governo continua a ser envenenado e presa fácil do esquema estrutural montado em 1975. Daí que deva libertar-se dele.
O Estado, pretendendo ser simultaneamente proprietário, gestor e controlador de grande parte da actividade económica, quando devia ser apenas coordenador, acaba por não gerir, nem controlar, nem garantir o essencial.
Para alterar esta situação, o Orçamento, o Plano e as matérias constantes do protocolo de acordo entre o PS e o PSD dão indícios seguros e manifestam uma intenção de que diversas mudanças se irão operar.
Destaque essencial merecem os princípios orientadores das mudanças no sector público administrativo previstas na lei do Orçamento do Estado para 1985, a saber: rigoroso controle das despesas públicas; contenção do volume de despesas com pessoal; maior eficácia dos serviços e extinção do que for desnecessário (já começou ontem a ser tomada); contenção dos encargos com a saúde; adequada repartição do custo do ensino superior pelos utentes, garantindo que pagarão mais os que dispuserem de mais posses e que os mais carecidos terão os apoios para poderem estudar; etc.
Contudo, há aspectos, designadamente no sector empresarial do Estado, que nos deixam dúvidas, pela sua não clarificação.
Parece mesmo que a orientação vai no sentido da manutenção das 49 empresas públicas que o Estado tem na sua posse.
Não é essa a posição do PSD e sempre entendemos que o Estado deveria libertar-se de uma carga excessiva que tem e que não consegue gerir eficazmente.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Enquanto algumas desnacionalizações não forem possíveis, algumas medidas devem ser tomadas, designadamente: que a gestão dessas empresas se faça no seu conjunto e que haja um efectivo controle por parte de uma auditoria; venda de partes de capital e concessão de exploração e respectiva gestão de empresas ou serviços à iniciativa privada, em condições a definir. Interessados existem e haverá que aproveitar as suas disponibilidades; não insistir em investimentos geradores de prejuízos futuros.
Tudo isto não está claro e será preciso clarificar durante o debate na especialidade.
E escusam de vir o PCP ou outros dizer que isto é um ataque ao 25 de Abril e aos trabalhadores, porque essencialmente quem atacou o 25 de Abril foi o PCP no 11 de Março. Para o PSD trata-se de facto de fazer um ataque - mas um ataque sem tréguas - às causas que comprometem a recuperação do País e causam a pobreza em muitos lares, sendo um sorvedouro dos dinheiros públicos e um garrote para o País.
Do mesmo modo, parece que essa venda de empresas ou partes de empresas permitiria que se pagasse, pelo menos, parte das dívidas avultadas que o Estado detém.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma negociata!
O Orador: - Num outro âmbito, é necessário também recuperar a credibilidade do Estado, o que pode ser feito através da concretização do pagamento das indemnizações e, ainda, através do cumprimento atempado das obrigações do Estado para com os particulares.
Porque o Estado tem de ser uma pessoa de bem.
Vozes do CDS: - Sim senhor!
O Orador: - ... e não deve exigir aos cidadãos aquilo que ele próprio não pratica; deve procurar pagar a tempo e, caso continuem os atrasos enormes que se têm verificado, então deve estudar a possibilidade de pagar juros de mora àqueles a quem deve.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O PSD está consciente da gravidade da crise e entende que profundas alterações já se deviam ter produzido durante o último ano e meio.
Também é nosso entendimento o de que deveria ter havido compressão nalgumas despesas.
Por outro lado, queremos deixar desde já muito claro que as dúvidas e objecções levantadas pelo PSD não se identificam minimamente que seja com as críticas de várias oposições, que, em todas as circunstâncias, apenas vêem defeitos na acção governativa e apenas têm o objectivo confesso de o derrubar.
Fosse qual fosse a política deste Governo, as oposições fariam o discurso que aqui fizeram hoje, fariam o discurso que fizeram no momento da tomada de posse do Governo, ainda sem saberem quais seriam os resultados da sua política. Por isso, não têm autoridade para fazerem aqui os ataques que fazem ao Governo.
Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.
Para nós, sociais-democratas, além de se referir o que se fez, o que não se fez e o que se devia ter feito, porque não fazemos a «política da rolha» e porque entendemos que essa não é a melhor forma de servir o Governo, a coligação, a Assembleia e o regime democrático, é convicção de que o momento e a situação exigem que se «agarrem» os indícios de mudança para que aponta a lei orçamental e o texto do acordo celebrado entre o PS e o PSD e se lute pela sua concretização. E, para nós, é fundamental ainda a afirmação do Governo de que o Orçamento do Estado só faz sentido com profundas reformas de estrutura.
Importa também, além disso, que o Governo aqui declare que não haverá orçamento suplementar, seja para que tipo de despesas for, o que constituirá um importante elemento de confiança e de segurança para os cidadãos.
Como disse atrás, o modelo imposto em 1975, e mantido, está esgotado e o País também. Mante-lo por mais tempo ou aumentá-lo seria o descalabro total. Alterá-lo substancialmente é a solução pragmática.
O Grupo Parlamentar do PSD é fiel aos seus compromissos com o PS e está disponível e firme a cumprir completamente com o seu parceiro todos os compromissos assumidos e a levar por diante a cruzada da modernização e do bem-estar. Daí que votemos a favor dos documentos em análise.
A nossa posição, a posição que aqui agora expresso, é a posição do Grupo Parlamentar do PSD e de todo o Partido Social-Democrata, não sendo a posição de quaisquer facções.
O facto de haver aqui posições pessoais que respeitam à dignidade e ao foro íntimo de cada um não dá o direito, nem ao CDS nem a qualquer outro partido, de pretender tirar ilações.
Vozes do CDS: - Dá direito ao País!
O Orador: - E também não dá eventualmente o direito a que quaisquer esferas políticas noutro âmbito de órgãos de soberania pretendam tirar ilações erradas e enviezadas de um debate sério, aberto e honesto que aqui estamos a levar a cabo.
Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.
O PSD joga claro,.. .
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claríssimo!
O Orador: - ... directo, frontal. Nada teme: nem teme fazer as críticas, obviamente construtivas, que entende fazer, nem teme não fazer políticas populistas. Somos contra as políticas populistas quando está em causa o futuro do País.
Vozes do PCP: - Nota-se!
O Orador: - Exigimos uma política rigorosa e de grande verdade, adequada à devolução aos Portugueses da esperança e da confiança no futuro, que constituirão sempre o mais importante de todos os patrimónios de qualquer povo.
Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Manuel Alegre pede a palavra para que efeito?
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O Sr. Manuel Alegre (PS): - Para usar da figura regimental do direito de defesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, faço uso da palavra porque se disseram hoje coisas preocupantes para a democracia.
Em primeiro lugar, foi preocupante por parte da oposição. A função crítica da oposição é fundamental em democracia. É fundamental a credibilidade da oposição, porque é ela que assegura a alternativa e a alternância. Não creio que das intervenções hoje aqui produzidas pela oposição tenha saído fortalecida a imagem de alternativa por parte de cada uma delas, a menos que se esteja a apontar para alternativas fora do quadro político partidário aqui representado. Mas não quero ir tão longe. Desejo apenas, e sobretudo, sublinhar que o discurso do Sr. Deputado Lucas Pires me pareceu extremamente infeliz, empalidecendo a imagem do CDS como partido de alternativa. E, ao fazê-lo, empalideceu a própria democracia.
Mas também, e por isso intervi, me parece que não é claro o sentido da intervenção do Sr. Deputado José Vitorino. Isso não é bom nem para a maioria nem para o Governo, nem para a transparência democrática. Penso, Sr. Presidente - e isto é um alerta -, que se impõe uma viragem na nossa vida política, - do Governo, da maioria, temos de o reconhecer, mas também da oposição -, porque isso é fundamental para assegurar a credibilidade, eficácia e força da nossa democracia.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Na medida em que o nome de V. Ex.ª foi invocado, tem a palavra o Sr. Deputado Lucas Pires, se assim o desejar, embora isso constitua uma distorção no desenvolvimento dos nossos debates.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que o Sr. Deputado Manuel Alegre pediu a palavra apenas para exprimir um momento da sua própria consciência crítica em relação à maioria e ao Governo. Francamente, sugeriria mais uma vez que o Partido Socialista nos dispensasse da invocação permanente da sua qualidade de tutor, não apenas da democracia portuguesa como também, e mais grave ainda, das oposições portuguesas.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Temos já uma suficiente tradição de combate, na oposição e no Governo, uma respeitabilidade adquirida longa e duramente no diálogo com o povo português. Seria bom que o Sr. Deputado Manuel Alegre que não é suspeito de ignorar esse povo e, até, de o cantar, respeitasse mais as relações directas com esse mesmo povo e que não arrogasse o paternalismo - que, aliás, fica mal às suas barbas -, à sua tradição de luta, que se permitiu aqui.
Realmente é uma manifestação, essa, sim, manifestamente pobre e antidemocrática, a qual lamentamos. É altura de uma vez por todas, o Sr. Deputado Manuel Alegre, o Governo, o Partido Socialista, e toda a gente em Portugal, compreender que o CDS tem direito a ser uma oposição - e, inclusive, uma oposição agressiva, combativa e de luta. Com essa certeza o deixo tranquilamente, Sr. Deputado Manuel Alegre.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino, pelo facto do seu nome ter sido igualmente invocado pelo Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, referiu-se V. Ex.ª à minha intervenção, independentemente dela constituir ou não motivo fundamental da sua intervenção - não vou agora fazer essa presunção -, e afirmou que ela não tinha sido clara. Julgo que foi rigorosa e perfeitamente clara. Foi clara naquilo que disse e na exacta medida daquelas que têm sido as posições do Partido Social-Democrata, desde o momento em que assinou o protocolo de constituição do governo PS/PSD, até à assinatura do adicional entre o PS e o PSD, ocorrida recentemente.
O que o deveria ter chocado foi a descrição sumária que fiz da situação real do País. Se o chocou terá de dizer se não concorda com ela, esclarecendo-o agora, porque eu disse onde estavam as responsabilidades. O facto de se dizer que a situação é esta e bem determinada, não implica que a responsabilidade seja de quem está no Governo. E foi precisamente essa desmontagem que se proeurou fazer. O que não se pode confundir é o dizer-se que tudo está bem para dizer que a oposição não tem razão. Penso, mesmo, que esse não é o melhor caminho.
Por outro lado, em relação à análise que fiz do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano, documentos de tão grande complexidade, mal seria que neles não houvessem aspectos controversos. Obviamente, um governo que faz documentos desta importância, em que tem de compatibilizar vários interesses em presença, acaba por tomar medidas que, isoladamente consideradas, se tornam mais problemáticas, mais complexas e levantando, eventualmente, problemas.
Foi por isso que esta primeira fase da intervenção, que foi praticamente uma fase sumária, culminou com a questão de fundo das alterações do modelo de sociedade em termos da correcção dos estrangulamentos que a sociedade portuguesa tem. Não disse nada de novo, não disse nada que não fossem as posições do Partido Social-Democrata, que não esteja no espírito e na letra do protocolo adicional assinado recentemente entre o Partido Socialista e o Partido Social-Democrata.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Brito, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Para usar da figura regimental do direito de defesa, em nome da minha honra e como membro de um partido da oposição.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado Manuel Alegre, que V. Ex.ª sinta necessidade de protestar contra o discurso que o Sr. Deputado José Vitorino acaba de fazer, compreendemos perfeitamente. Na verdade, raramente se terá feito aqui na Assembleia da Repú-
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blica, um discurso em que as palavras estejam tão desajustadas dos actos e até mesmo dos que vamos assistir dentro de muito pouco tempo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. José Vitorino (PSD): - Não percebo.
O Orador: - Realmente, Sr. Deputado, o que V. Ex.ª deveria ter dito é que é muito prejudicial para a democracia que um partido queira colher benefício de ser Governo e ao mesmo tempo queira colher benefícios para aparentar que é oposição.
Aplausos do PCP.
Mas, Sr. Deputado, que para criticar o discurso do Sr. Deputado José Vitorino tenha sentido necessidade de atacar os discursos legítimos que aqui foram feitos pelos partidos da oposição, é seguir um caminho enviesado como aquele que o Sr. Deputado queria criticar. Isso, naturalmente, também não é benéfico para a democracia.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Chegados ao termo de um debate a tantos títulos esclarecedor importa, com serenidade, tirar as conclusões políticas pertinentes.
Este discurso versará tão-só os temas do debate que aqui foram tratados. Não se espantarão, pois, os Srs. Deputados que ele se circunscreva ao objectivo para que foi convocada esta reunião da Assembleia da República.
Desde logo importa sublinhar a concepção que está na base da proposta governamental e que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano tão bem resumiu ao afirmar que na proposta de lei do Orçamento do Estado se «consubstanciam as directrizes fundamentais da política económica que o Governo pretende pôr em prática».
Não existem problemas financeiros, existem problemas económicos! E, por muito que esta realidade seja escamoteada, todo e qualquer debate da proposta de lei do Orçamento e das Grandes Opções do Plano só terá sentido se discutir a política económica que o Governo pretende implementar averiguando, de seguida, da adequação dos meios afectados a essa política.
Contudo, importa sublinhá-lo, alguns dos discursos ouvidos nesta Câmara pareciam encarar a proposta de lei em apreço como uma questão financeira a combater por meios financeiros.
Discutiram-se verbas, propuseram-se cortes, sugeriram-se transferências mas ocultou-se esta realidade essencial: quais as políticas económicas preconizadas a que as verbas se destinam, os cortes possibilitam ou as transferências melhoram. Tentaremos não seguir por este caminho, perigoso a muitos títulos.
Constituem os dois objectivos prioritários da política económica do Governo para 1985: o crescimento do PIB em cerca de 3 %; a fixação da taxa de inflação média anual em 22 %.
Não foram, deve dizer-se, postos em causa estes dois objectivos prioritários da política económica, nem, perdoe-se-me, poderiam, razoavelmente, sê-lo.
O debate orientou-se, em consequência, menos na direcção da política económica e das suas prioridades, e mais em direcção dos resultados obtidos durante o ano de 1984 com algumas incursões, deve dizer-se, nas medidas orçamentais propostas para 1985.
O Governo foi criticado mais pela execução do Orçamento do Estado de 1984 e menos pela proposta de lei do Orçamento do Estado de 1985.
Não haverá, assim, motivo para espanto se, muito embora preferíssemos debater a proposta de lei do Governo, dissermos algo sobre a execução do Orçamento do Estado de 1984.
O ano de 1984 tornou evidente a situação de crise económica profunda que o País atravessava.
Ninguém usou, na altura, contestar a necessidade do lançamento de um programa de emergência que se traduziu em medidas, a curto prazo, impopulares.
Tornava-se, então, necessário pôr cobro a uma degradação da balança de pagamentos externos que, a continuar, desequilibraria os mecanismos da vida económica do País, destruindo a possibilidade do recurso ao crédito externo, tanto mais penosa quanto é certo não sermos auto-suficientes inclusive na satisfação das nossas necessidades essenciais.
Então, não se discutiu a natureza das medidas tomadas. Mas tão-só o seu grau ou intensidade.
É da mais elementar justiça sublinhar que o défice da balança de transacções correntes que era em 1982 de 32 milhões de dólares, caiu para cerca de um quinto ficando abaixo dos 700 milhões de dólares.
Em 1981 e 1982 a dívida externa tinha crescido a um ritmo de, respectivamente, 23,5 % e 24,5 %.
Em 1983 e 1984 cresceu tão-só a um ritmo de 5,8 % e 5,2 %.
Em política e, especialmente, no campo económico e financeiro não existem milagres pois tudo tem o seu custo.
E, na verdade, a diminuição do défice da balança de transacções correntes teve um custo concretizado numa recessão económica significativa.
Em 1983 tivemos um crescimento nulo e em 1984 um crescimento negativo de 1,5 %.
É esta a consequência do acumular de alguns erros que, em jeito masoquista, tanto gostamos de salientar, conjuntamente com uma conjuntura internacional de crise que faz com que as políticas económicas dos diversos governos da Europa ocidental não sejam substancialmente diferentes.
A recessão foi a consequência assumida de uma política de estabilização que só terá sentido se for base e ponto de partida para um desenvolvimento económico prudente e equilibrado, que permita criar melhores condições de vida para os Portugueses.
Àqueles que pretendem julgar a proposta do Orçamento do Estado de 1985 à luz da execução do Orçamento do Estado de 1984 responderemos que foram os resultados positivos obtidos que tornaram possível perspectivas mais optimistas para o ano que se avizinha.
Não se ignoram os erros cometidos nem se arvora um qualquer triunfalismo que, na conjuntura, seria destituído de sentido.
Contudo, não se pode deixar de sublinhar a existência de dois tipos de discursos diferenciados.
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Uns pensam que o Governo deveria ter tomado uma direcção oposta e contraditória. Vivendo no puro céu dos conceitos, procuram definir uma alternativa a que a história retirou, simultaneamente, sentido e legitimidade. O colectivismo, nos países onde foi aplicado, trouxe tão-só miséria, subdesenvolvimento e opressão. Hoje o colectivismo só sobrevive num tipo de discurso económico meramente literário e propagandista.
Outros pensam que o Governo, definindo um caminho certo, foi incapaz de o prosseguir consequentemente e até ao fim. É o discurso típico daqueles que, já tendo sido governo e conhecendo as dificuldades da realidade, criticam menos as opções e mais a execução.
Contudo, importa dizê-lo, este radicalismo teria também o seu custo.
Julgam os seus arautos ser necessária uma política mais restritiva que dê prioridade à redução do défice do Orçamento do Estado sem, muitas vezes, analisar as consequências económicas das medidas preconizadas.
Pretendia o grupo parlamentar socialista que, na Assembleia da República, se efectivasse uma discussão das políticas económicas alternativas e dos meios para a realizar. Sem resultado, porém!
Ressalvado sempre o devido respeito por melhor opinião, o Orçamento do Estado é um assunto demasiado importante para ser discutido, exclusivamente, em termos financeiros.
Trata-se menos de fazer economias e mais de explicar a política económica alternativa que permita fazer essas economias. Trata-se ainda menos de discutir cortes ou transferências de verbas e mais de caracterizar os sectores a beneficiar ou a prejudicar. Trata-se, finalmente, menos de produzir afirmações, mais ou menos empoladas, de que é preciso «gastar menos» e mais de explicitar como é possível gastar melhor, com mais proveito para o País.
Situado o debate nos seus exactos termos importará explicitar a política económica do Governo que vai merecer o nosso apoio traduzido no voto.
Após um crescimento económico nulo em 1983 e negativo de 1,5 % em 1984 programa-se para 1985 um crescimento positivo de 3 %. Trata-se, manifestamente, de uma estimativa realizável e que, para o ser, tem em conta as realidades. E as responsabilidades são teimosas, Srs. Deputados. Este crescimento económico será acompanhado por uma taxa de inflação média que se prevê de 22% (contra 29,1 % em 1984) ficando a contratação colectiva a esse nível ou ligeiramente acima.
De resto a função pública foi já contemplada com um aumento de 21,2 % o que, dado o regime fiscal de que beneficia, equivale a 22 % ou mais.
O investimento público é reforçado em 76 milhões de contos (contra 59 milhões em 1984) bem como é, igualmente, reforçada a dotação para as finanças locais com tudo o que significa de aumento de investimento, desenvolvimento e, sobretudo, de pacificação no tecido social português.
Neste quadro insere-se, enfim, uma programação do défice da balança de transacções correntes que se irá fixar num bilião de dólares (mais ou menos 700 milhões em 1984), a previsão de uma ligeira redução da taxa de juro e o não agravamento e, em alguns casos, o aligeiramento da carga fiscal. Estes valores não podem ser tomados isoladamente e objectos de crítica. Por exemplo: não terá sentido criticar o aumento do défice da balança de transacções correntes se, ao mesmo tempo, se não explicitar que é este aumento, razoável e suportável, que vai permitir, em parte, o crescimento económico programado.
Uma hipotética crítica a este aumento visava o crescimento económico previsto.
Não cabem, como é bem de ver, todos os proveitos no mesmo saco... Menos do que clarificar importa descodificar este debate...
Definidos os contornos da política económica a executar importará sublinhar algumas medidas adoptadas para gastar bem. Liminarmente destacam-se as medidas de contenção da despesa pública, nomeadamente no plano da função pública. Sublinhem-se, a título de exemplo: efectivação dos quadros de excedentes, com colocação em casa com 90 % de remuneração, até serem de novo chamados, dos funcionários subocupados ou desocupados; congelamento das remunerações acessórias ao nível de 31 de Dezembro de 1984; eliminação de certos privilégios (artigo 9.º, n.º 3).
Este conjunto de medidas articula-se num sistema coerente que poderá ser criticado mas tem de ser primeiro compreendido na sua lógica interna.
Estão certas críticas demasiadamente dependentes de alguns mitos que, nem por terem caído em descrédito, deixam, às vezes, de estar presentes num certo inconsciente ou subconsciente colectivo.
Nenhum Orçamento do Estado pode ser criticado tão-só porque é deficitário, pois urge averiguar porquê e sobretudo para quê o défice.
Neste, como noutros campos, o miserabilismo é pura demagogia sem sentido.
Obviamente que há críticas a fazer, pontos a desenvolver, aspectos concretos a melhorar. Tudo se fará, no debate na especialidade, em ordem a uma melhor aplicação dos dinheiros públicos.
Mas ninguém poderá contar com o grupo parlamentar socialista para a crítica leviana, a apreciação superficial ou, pior ainda, irresponsável.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O debate sobre o Orçamento do Estado não pode ser a ocasião para expressar estados de alma nem deve servir de muro de lamentações.
Estes 10 anos de experiência política ensinaram-nos que o radicalismo nada serve e é incompatível, mesmo, com medidas radicais...
É, contudo, urgente proceder às reformas necessárias para superar a crise económica que nos aflige, pois, e como sublinhou o Sr. Ministro das Finanças e do Plano, «o simples esforço de contenção das despesas - que tem existido de facto - não é já suficiente para superar os actuais desequilíbrios».
A aprovação do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano pela Assembleia da República fará incidir sobre nós, deputados da maioria, uma dupla responsabilidade.
Em primeiro lugar, seremos responsáveis com o Governo pelo voto de aprovação concedido. As palavras permitem assumir responsabilidades, mas só o voto as concretiza efectivamente. As palavras voam, o voto fica escrito e é irreversível.
Em segundo lugar, seremos responsáveis pela forma como soubermos acompanhar a execução do Orçamento do Estado bem como do Plano, pedindo contas e apontando desvios ou erros, se for caso disso.
A Assembleia da República pode e deve controlar os actos da administração sendo, tão-só, de exigir uma definição correcta dos seus pontos de referência.
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Aqui radica a diferença de metodologia da maioria e da oposição. A maioria controla os actos do Governo na base da sua conformidade ou não conformidade com as leis que mereceram a sua aprovação. A oposição vai mais além, pois não abdica das suas próprias propostas que não merecem vencimento e é na base delas que, predominantemente, orienta as suas críticas.
Na maioria predomina a crítica interna, na oposição a crítica externa.
É nesta conjugação de pontos de vista diferenciados que se exerce a fiscalização parlamentar.
Como dizia Paul Henry Spaack, secretário geral do Partido Socialista Belga, na época, «o medo do controle parlamentar pode ser o começo da sabedoria para uma administração». É nossa convicção que a Assembleia da República saberá cumprir com o seu dever.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acabaram as intervenções parlamentares.
Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta intervenção final no debate na generalidade, não irei abordar problemas de carácter técnico ou mesmo problemas específicos da discussão dos documentos que até agora nos têm ocupado, porque melhor cabem na sua apreciação ou ao longo do debate ou em sede de comissão na especialidade.
Julgo preferível tentar sistematizar alguns dos principais problemas que foram suscitados nesta discussão ao longo destes 4 dias a procurar extrair as correspondentes conclusões.
Começo por evidenciar três ideias-base que ressaltam dos trabalhos desta Assembleia na discussão em Plenário: as dificuldades na elaboração e na execução do Orçamento para 1985; a contraposição aqui feita entre «orçamento possível» e «orçamento necessário ou desejável» e a existência, ou não, de propostas alternativas de sentido global para os documentos em discussão.
Os três aspectos estão interligados e são a expressão, nesta discussão, do grau mais ou menos profundo de consciência da situação real das finanças públicas.
A proposta do Orçamento foi difícil na sua elaboração e sê-lo-á também, porventura mais ainda, no caso de vir a ser aprovada, na sua execução.
Está o Governo disso consciente. E está também consciente da importância do apoio político trazido por contribuições das bancadas dos partidos da maioria no sentido de reforçar os critérios de controle da execução orçamental ao longo do ano. Para isso e por isso estamos a desenvolver novos esforços para melhorar a execução orçamental, tanto no aspecto das receitas como no das despesas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O segundo aspecto que referi, a contraposição que foi feita entre «orçamento possível» e «orçamento necessário ou desejável», parece-me resultar exclusivamente desse factor essencial da realidade tantas vezes esquecido, que é a circunstância. A circunstância das responsabilidades do Executivo; a circunstância das responsabilidades dos grupos parlamentares.
Pergunto aos Srs. Deputados: será legítimo pensar que o Governo, ao esforçar-se por resolver as dificuldades de elaboração deste Orçamento, alguma vez perdeu de vista o orçamento «necessário»?
Será legítimo pensar que o Governo, ao afirmar na sua apresentação em Plenário dos documentos em apreciação que esta proposta constitui o «orçamento possível», está a fazer uma figura de retórica? A resposta é claramente - e honestamente - negativa a ambas as questões.
Reafirmo, por isso, no final da sua discussão na generalidade que estas propostas das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1985 são as propostas possíveis.
O Sr. José Magalhães (PCP): - São péssimas!
O Orador: - Quanto à existência, ou não, de propostas alternativas de sentido global o debate na generalidade foi perfeitamente claro.
Para além de críticas conhecidas, de comentários obrigatórios, de algum cumprimento de rituais políticos, de alguma utilização do debate para lutas entre personalidades ou grupos, para além destes aspectos apesar de tudo menores, os ataques feitos ao Orçamento do Estado e às Grandes Opções do Plano não trouxeram até agora nenhuma proposta alternativa verdadeiramente significativa.
O Sr. Lucas Pires (CDS): - Não apoiado!
O Orador: - E não trouxeram, em larga medida, pela mesma razão porque, só ao fim de 5 meses de discussão aprofundada, o Conselho de Ministros conseguiu chegar à elaboração das propostas que estão a ser discutidas.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Levam tempo...
O Orador: - É que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o que fica como resultado é, muito simplesmente, o resultado do confronto com as realidades, as realidades políticas, as realidades sociais, as realidades económicas, as realidades financeiras e ainda, por estranho que possa parecer, as realidades sócio-culturais da nossa vida política corrente. E esse ponto maior do confronto com as realidades traduz-se em vários planos e não apenas neste plano importante que é o do debate no Parlamento.
Salientarei apenas 5 aspectos. Em primeiro lugar, o plano dos elementos objectivos, decorrentes da própria situação do País, nomeadamente no plano financeiro.
Já fiz referência específica a este aspecto na apresentação das propostas de lei em debate e julgo que, neste momento, se justifica apenas salientar que esses dados objectivos da situação não mudam facilmente e que levarão vários anos de persistência e esforço para serem resolvidos. No caminho para atingir esses resultados situa-se a aprovação destas propostas do Governo neste momento.
O segundo aspecto refere-se aos elementos operacionais de política económica.
A orientação geral da política económica que o Governo apresentou para 1985 é aquela que permite assegurar a solução correcta da passagem, particularmente difícil, de um período de contracção para um relançamento prudente da economia sem dar lugar a
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novas derrapagens e mais graves problemas na vertente externa. E ainda aqui, para atingir esse objectivo, é importante a aprovação destas propostas do Governo neste momento.
O terceiro ponto que merece referência especial respeita a elementos de carácter técnico-orçamental: o Orçamento do Estado para 1985, agora proposto, contém alguns elementos novos, mas tem de ser preparada, para o futuro, uma alteração profunda da sua filosofia e de ser encarado, na sua execução, como instrumento de reforma. Ambos os aspectos foram já referidos e constituem elementos importantes da orientação da execução orçamental.
O quarto aspecto a considerar refere-se a elementos políticos imediatos: O Orçamento não pode ser desligado da política geral do Governo nem da sua configuração concreta, tal como se apresentou aos Portugueses, na altura da sua formação, em condições de séria necessidade nacional.
E importa salientar, ao aproximarmo-nos da votação em Plenário das propostas feitas, que o Governo está dependente da maioria parlamentar que o queira apoiar.
Sou - e tenho de ser - sensível à problemática das relações entre partidos e Governo, à problemática das relações, sempre delicadas, entre parceiros de uma coligação, mesmo à problemática, porventura mais complexa, dos conflitos internos nas formações políticas.
Considero, porém, que a este tipo de questões, sobrelevam as questões do interesse de Portugal e do seu futuro...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Muito bem!
O Orador: - Num horizonte, como o nosso e, em particular, o da minha geração, que não é um horizonte de facilidade.
Aplausos do PS e do PSD.
É um horizonte de longo prazo, com a perspectiva de uma geração, como há pouco referi, que não se esvai na duração de um governo ou de uma legislatura. Aqui entronca o último elemento, relativo à perspectiva para o futuro: sendo mantidos o espírito, a consciência da razão de ser e a dimensão de política nacional que estiveram na base da criação desta coligação, aquele espírito, aquela consciência e aquela dimensão justificam e exigem um esforço acrescido no sentido da mudança e da concretização de reformas.
Já referi, na apresentação das propostas das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado, três linhas de transformação no quadro da respectiva execução orçamental e ligadas directamente a reformas no que respeita à Administração Pública, ao sector empresarial do Estado e da própria metodologia da elaboração e execução do Orçamento, razão pela qual não vou repetir agora o que já disse anteriormente.
Mas não fica, nem poderá ficar por aí o esforço de mudança. O esforço terá de ser contínuo, terá de ser prolongado e só fará sentido se for consciencializado. O objectivo geral para que devemos orientar o nosso esforço e o nosso trabalho é o da regeneração da sociedade e da economia portuguesas.
Longe de contribuir para esse objectivo, a não aprovação destas Grandes Opções do Plano e deste Orçamento do Estado, aqui e neste momento, só poderia contrariá-lo.
Daí resulta, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o meu pedido de aprovação destas propostas que em nome do Governo reitero perante esta Câmara.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Pediu a palavra o Sr. Deputado Pinheiro Henriques para que efeito?
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não há lugar a protestos, Sr. Deputado.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Pedi a palavra porque, como foi prática anterior, já existiram protestos, nomeadamente por parte de elementos do Governo.
O Sr. Presidente: - Tratou-se de uma excepção, Sr. Deputado, que não pode, de modo nenhum, generalizar-se.
O Sr. Pinheiro Henriques (MDP/CDE): - Certo, Sr. Presidente. Quero só chamar a atenção de V. Ex.ª para o facto de o meu grupo parlamentar não ter usado desse privilégio, que foi concedido a outros grupos parlamentares.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos no processo de votação, o Sr. Secretário vai proclamar os resultados da eleição do juiz para o Tribunal Constitucional e posteriormente formularei uma informação e um pedido.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Eleição de um juiz para o Tribunal Constitucional. Candidato: juiz conselheiro António Luís Correia da Costa Mesquita.
Na sessão de 25 de Janeiro de 1985, da Assembleia da República, procedeu-se ao acto eleitoral mencionado, tendo-se verificado a entrada nas umas de 216 votos, assim discriminados:
Votos a favor - 162 (cento e sessenta e dois votos).
Votos brancos - 46 (quarenta e seis votos).
Votos nulos - 8 (oito votos).
Verifica-se assim que o candidato proposto obteve os votos necessários à respectiva investidura no lugar a que se candidata.
O Sr. Presidente: - Declaro, portanto, eleito o candidato.
Srs. Deputados, com o empenhamento dos representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares, dirigi um convite ao Sr. Presidente eleito dos Estados Unidos do Brasil, Tancredo Neves, para visitar a Assembleia da República. S. Ex.ª acedeu ao convite que formulei, com a declaração de que se sentiria honrado pela oportunidade de poder usar da palavra no Parlamento de Portugal. Por tal motivo estou certo de que cada um dos Srs. Deputados irá contribuir com a sua necessária presença para a dignidade de um dos momentos altos que irá viver a nossa vida parlamentar. Também
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aí se situa a responsabilidade de cada um de nós, não só como deputado, mas eu diria mesmo, sobretudo, como cidadãos.
Assim, é com este espírito e este entusiasmo que convoco os Srs. Deputados para a próxima reunião plenária solene que para aquele efeito vai ter lugar na próxima segunda-feira, dia 28, pelas 16 horas.
Está na Mesa, Srs. Deputados, um requerimento do CDS que refere o seguinte:
Os deputados do Grupo Parlamentar do CDS, abaixo assinados, ao abrigo do artigo 109.º do Regimento da Assembleia da República, requerem a votação nominal da proposta de lei n.º 95/III, Orçamento do Estado para 1985.
Vamos votar.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, votos a favor do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez e abstenção da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela segunda vez em curto espaço de tempo quebra-se uma tradição estabelecida de há longo tempo nesta Câmara, no sentido de não se recusar nunca a votação nominal quando proposta.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - A responsabilidade dessa recusa fica aos seus promotores. Não puderam, mais uma vez, nem poderão os Srs. Deputados confrontar-se com a sua consciência, nesta votação. Isso não é bom para a Assembleia, não é bom para a democracia.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Votámos a favor da proposta de votação nominal por um princípio que sempre temos seguido e que é o de quando um partido pretende indagar do voto pessoal de cada deputado. Da nossa parte aquiescemos e votámos a favor.
Bem se percebe porque é que a coligação governamental vota contra: é que a confusão entre as palavras e os actos é tão grande que poderia algum Sr. Deputado enganar-se no momento de votar.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, pretendia esclarecer, como aliás já teve ocasião de o fazer o Sr. Deputado Costa Andrade, que não se trata da segunda vez mas da terceira vez em que se recusa a votação nominal.
A primeira foi recusada pelo CDS, a segunda pelo PS e PSD e a terceira foi hoje. Ora, isto significa que, em relação à votação nominal, actuemos muitas vezes como certas pessoas que combatem os vícios do tabaco quando não têm tabaco, mas que, pura e simplesmente, se entregam ao tabagismo quando o mesmo lhes chega às mãos em condições.
Risos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Votámos contra o requerimento porque, como toda a gente sabe, era de facto absolutamente inútil a votação nominal, pois pela simples consulta da lista de presenças o CDS pode tirar as ilações que quiser das votações, designadamente da minha bancada. O CDS e o PCP que fiquem com a tradição, que a maioria fica com a decisão.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar a proposta de lei n.º 94/III - Grandes Opções do Plano.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e da ASDI, votos contra do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Vou colocar à votação a proposta de lei n.º 55/III, que aprova o Orçamento do Estado para 1985.
Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e da ASDI, votos contra do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai ler o expediente.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: Projecto de lei n.º 453/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros, do PCP, cujo assunto é a criação da freguesia de Cambia, Pontes - Alto de Guerra, no concelho de Setúbal e que baixa à 10.ª Comissão; projecto de Lei n.º 436/III, da iniciativa da Sr.ª Deputada Maria Odete Santos e outros, do PCP, sobre a criação da freguesia de Praias do Sado - Santo Ovídio - Faralhão, no concelho de Setúbal e que baixa à 10.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro encerrada a sessão.
Eram 19 horas e 50 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Carlos Cardoso Lage.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
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Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Francisco Fradinho Lopes.
Francisco Igrejas Caeiro.
João Joaquim Gomes.
Joel Maria da Silva Ferro.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Victor Hugo Sequeira.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Amândio Domingues Basto Oliveira.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Baptista Nogueira.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
Jaime Adalberto Simões Ramos.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Pereira Lopes.
José Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Telmo Silva Barbosa.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Correia Lopes.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Helena Guilherme Bastos.
Maria Odete Santos.
Paulo Areosa Feio.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
Joaquim Rocha dos Santos.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Pais Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Leão Castro Tavares.
Rogério Ferreira Monção Leão.
Narana Sinai Coissoró.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
José Manuel Tengarrinha.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Ruben José de Almeida Raposo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
José Ângelo Ferreira Correia.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Partido Comunista Português (PCP):
Francisco Miguel Duarte.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Margarida Tengarrinha.
Relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos enviado à Mesa para publicação:
Em reunião realizada no dia 25 de Janeiro de 1985, pelas 15,30 horas, foram apreciadas as seguintes substituições de deputados:
1. Solicitada pelo Partido Socialista:
Eurico Faustino Correia (círculo eleitoral de Faro) por Ferdinando Lourenço de Gouveia. Esta substituição é pedida para os dias 26 de Janeiro corrente a 8 de Fevereiro próximo, inclusive.
2. Solicitadas pelo Partido do Centro Democrático Social:
José Vieira de Carvalho (círculo eleitoral do Porto) por Manuel Leão Rosas Castro Tavares. Esta substituição é pedida por um dia (25 de Janeiro corrente).
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António Filipe Vieira Neiva Correia (círculo eleitoral de Lisboa) por Rogério Ferreira Moção Leão. Esta substituição é pedida por um dia (25 de Janeiro corrente).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - José Maximiniano de A. Almeida Leitão (PS) - Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - António Machado Lourenço (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Luis Filipe Paes Beiroco (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
Declaração de voto enviada para publicação sobre as propostas de lei do Orçamento do Estado e das Grandes Opções do Plano.
O colectivo dos «Verdes» após análise das Grandes Opções do Plano e do Orçamento Geral do Estado para 1985 reconhece ser impossível no seu ponto de vista a aprovação deste Orçamento pela razão de que é a própria filosofia que presidiu à sua elaboração que é posta em causa.
É a perspectiva economicista e não humana que filtrou todas as alíneas e artigos.
Como aprovar este Orçamento sem imaginação, sem o cumprimento de promessas como por exemplo a de uma regionalização, que é tão necessária, fundamental mesmo!
Aonde estão as regiões-plano?
- Que primeiro passo mesmo pequenino se deu?
Não sendo um remédio milagroso imediato, urgia iniciar quanto antes a definição das regiões-plano, a regionalização que se pretende e começar a levantar as potencialidades naturais, humanas e tecnológicas, entre outras, dessas regiões.
Esta é quanto a nós uma das premissas principais para o inverter da situação desequilibrada do País e a partir da qual muitos problemas se resolveriam!
A partir daí as alternativas que defendemos (e já não só nós) poderiam ter possibilidade de viabilidade.
Assim, são promessas deitadas ao lixo, talvez até mesmo desde que se souberam os resultados das eleições que elegeram esta Assembleia!
Porém, e depois de salientarmos a nossa posição em relação à própria «filosofia» deste Orçamento quando analisamos algumas medidas que nada mais são que remendos da situação actual, que verificamos?
O trabalho, educação, a cultura, o desporto, são fruto da acção de homens e mulheres que vêem degradar-se o seu modo de vida no trabalho e no lazer e se esgotam na desesperança do amanhã.
Como esperar que trabalhem, eduquem, e ao mesmo tempo atinjam nesses actos um grau de produtividade e qualidade, se vivem contrariados, infelizes e cheios de dificuldades e apreensões?
E a terceira idade que pode ela esperar com uma redução real das suas baixas pensões, sem locais, para ocupar as suas potencialidades?
Senão vejamos: as autarquias estão sem verbas para cobrir convenientemente essas carências no meio de muitas, muitas outras, apesar do esforço feito pelos autarcas.
São os aumentos dos medicamentos, da alimentação, do vestuário, etc.
É a cultura, que lhes foge, por exemplo devido ao voo ascendente e vertiginoso dos preços dos livros, dos espectáculos.
E os seus familiares com cada vez menos possibilidades económicas e de tempo para com eles colaborar e conviver?
É cada vez mais triste o futuro da terceira idade em Portugal!
Para este Governo não existem estas carências, nem existem potencialidades na terceira idade... Existem velhos que se põem de lado.
Para os jovens é a certeza de se manterem as incertezas! Que futuro temos para lhes oferecer?
Que País temos para lhes deixar, se ano após ano o nosso património cultural e natural está cada vez mais degradado em muitos casos irremediavelmente?
Que estudo, que desporto e que profissão desejada?
E o trabalho a prazo, o biscate ou pior, muito pior. E num ano dedicado à juventude, que acções sem ser de fachada?
Em contrapartida oferecem-lhes um serviço militar obrigatório que em muitos casos lhes «corta as pernas» profissionalmente.
Por outro lado, em termos de defesa nacional, o que dizer do grupo de trabalho criado pelo Sr. Ministro da Defesa para sensibilizar a população portuguesa para a problemática da Defesa, visando criar, na realidade, a aceitação de maiores despesas militares futuras? Diz--se no Orçamento do Estado que vai havendo uma redução gradual nestas despesas mas não devemos esquecer o empréstimo de 15 milhões de contos aprovados em Julho de 1984, a pagar futuramente e que corresponde na realidade a gastos actuais! É pois uma redução falsa das despesas. Com a redução de gastos inúteis nesta área, nomeadamente na do serviço militar obrigatório, na aquisição dos aviões A-7 e na da nossa comparticipação para a NATO, poder-se-ia poupar muito dinheiro que o poder local saberia muito melhor gerir e que poderia resolver muitos problemas que afectam largos milhares de cidadãos portugueses.
Na realidade, a defesa nacional, a continuar esta crise e a política cega de afundamento da nossa economia sem alternativa, não se justificará já contra invasores
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estrangeiros, mas sim para evitar que os Portugueses fujam todos para o estrangeiro!
Ou para facilitar a sua evacuação periódica, quando sob os efeitos de uma política turística desesperada, o despejar de milhões de turistas em Portugal, no Verão, exigir a limpeza estratégica dos Portugueses das praias e de outros locais de fruição das nossa belezas e prazeres naturais!
Mas nesta área da natureza, para além de não haver previsão do apoio às empresas que poluem e que não têm verbas para reciclagens ou filtragens e cuja única alternativa seria o encerramento. Não foram tomadas medidas em 1984 para que milhares de pequenas barragens de terra possem construídas, não se prevê a água pluvial tão urgente no Alentejo e Algarve, não só à superfície como nas toalhas hídricas subterrâneas!
Terminamos esta declaração de voto, deixando bem clara a nossa rejeição deste Orçamento.
Iremos propor alterações que consideramos irem melhorar sectores em que as dificuldades são mais gritantes.
Não queremos terminar porém sem uma nota positiva, ou seja a da extinção da taxa de saída do País. Congratulamo-nos com tal medida que vem provar a correcção da posição assumida o ano passado pela oposição quando se pediu ao Governo que reflectisse sobre o disparate que constituiria tal imposto.
Foi preciso que a prática demonstrasse que os prejuízos foram reais e que a indignação dos Portugueses se fizesse sentir.
Que isto sirva de motivo de reflexão ao Governo, e à sua maioria no Parlamento, quando se encontrar perante os avisos da oposição sobre a inconveniência de tantas das suas medidas francamente lesivas de quem mais careça de justiça como são os jovens, os trabalhadores e a terceira idade.
Assembleia da República, 25 de Janeiro de 1984. - O Deputado Independente do Partido «Os Verdes», António Gonzalez.
Os REDACTORES: Maria Leonor Ferreira - Ana Maria Marques da Cruz - José Diogo.
PREÇO DESTE NÚMERO 174$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.