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I Série - Numero 52
Sábado, 2 de Março de 1985
DIÁRIO Da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 1 DE MARÇO DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
O Sr. Presidente declarou aberta a sessão eram 10 horas e 45 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos, bem como de respostas a alguns outros.
O Sr. Deputado Cunha e Sá (PS) referiu-se à agonia do perímetro do Choupal, em Coimbra, considerando que esta parece inexorável e que nem sequer se tem dobrado aos rogos, orientações e determinações oportunamente emanadas ao mais alto nível da governação.
O Sr. Deputado Custódio Gingão (PCP), a propósito da sua recente deslocação a Paris para participar num colóquio na Empresa Renault-Billancourt, subordinado ao tema «O regresso dos emigrantes», considerou graves os problemas que atingem aqueles que nos próximos meses serão obrigados a um regresso antecipado à sua pátria, acusando o Governo e a coligação governamental de não resolver estes problemas, assumindo assim graves responsabilidades em toda a situação. Respondeu no fim a um pedido de esclarecimento e a um protesto do Sr. Deputado Figueiredo Lopes (PSD).
O Sr. Deputado Roleira Marinho (PSD), referindo que os PIDRs deverão ter a maior diversidade geográfica, considerou que relativamente ao Plano Integrado de Desenvolvimento do Vale do Minho nada se adiantou, tendo terminado por abordar as ligações ferroviárias com o distrito de Viana do Castelo.
Ordem do dia. - O Sr. Deputado José Manuel Mendes (PCP) procedeu à apresentação do projecto de lei n. º 430/III, do PCP, relativo à organização e funcionamento dos julgados de paz.
Deu-se Meio à discussão da proposta de lei n. º 96/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir ilícitos criminais ou contravencionais e as correspondentes penas. Usaram da palavra, além do Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo), os Srs. Deputados José Manuel Mendes e José Magalhães (PCP), Magalhães Mota (ASDI), Roque Lino (PS), Raul e Castro (MDP/CDE) e Lino Lima (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas.
O Sr. Presidente (Manuel Pereira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 45 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Edmundo Pedro.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
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João do Nascimento Gama Guerra.
João Rosado Correia.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Luís Gomes Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
uno Álvaro Freitas Alpoim.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Zulmira Helena Alves da Silva.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Amadeu Vasconcelos Matias.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
José de Almeida Cesário.
José António Valério do Couto.
José Augusto Seabra.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Pereira Lopes.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Paulo Areosa Feio.
Centro Democrático Social (CDS):
Alexandre Carvalho Reigoto.
António Filipe Neiva Correia.
António José de Castro Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
Joaquim Rocha dos Santos.
Luís Filipe Paes Beiroco.
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Manuel António Almeida Vasconcelos.
Ramiro Martins Soares.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Francisco Alexandre Monteiro.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Corregedor da Fonseca.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte:
Expediente Exposição
Do Conselho Geral de Trabalhadores da Imprensa Nacional-Casa da Moeda (Empresa Pública), manifestando-se contra a contratação de tarefeiros para leitura e marcação de original e revisão da 1.ª série do Diário da Assembleia da República.
Ofício
Do Conselho da Comunidade Portuguesa de França - Comissão da Área Consular de Lille, a capear uma moção aprovada pelas associações daquela área consular, a qual denuncia a situação difícil em que se encontra o ensino da língua e da cultura portuguesas solicitando medidas adequadas e meios necessários à sua preservação e difusão no meio emigrante.
Do Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura, Silvicultura e Pecuária do Distrito de Setúbal que, preocupado com a lenta administração da justiça laboral, sugere a criação de tribunais arbitrais.
Da Assembleia Municipal do concelho de Almeirim, a enviar uma proposta na qual sugere que sejam tomadas medidas concretas para terminar de uma vez com o surto terrorista que ultimamente tem grassado pelo País, sem poupar nada nem ninguém.
Da Assembleia de Freguesia de Minde, a enviar uma moção na qual se manifesta contra a criação da freguesia de Covão do Coelho - projecto de lei n.º 12/III.
Telegrama
Dos Bombeiros Voluntários da Colega e Torrejanos, solicitando a revisão do preço do transporte em ambulância que, a manter-se, cria uma grave situação que pode comprometer o normal funcionamento daquelas corporações.
O Sr. Secretário (Roleira Marinho): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa, na última sessão, os seguintes requerimentos: ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Carlos Brito; ao
Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado Belchior Pereira e outros; ao Ministério do Comércio e Turismo, formulado pelo Sr. Deputado Sarmento Moniz; aos Ministérios das Finanças e do Plano e da Indústria e Energia, num total de dois, formulados pela Sr." Deputada Margarida Marques; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Cunha e Sá; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha e Sá.
O Sr. Cunha e Sá (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma muito breve intervenção, a qual, no entanto, encerra uma muito grave e alarmante questão: a agonia do perímetro do Choupal, em Coimbra, agonia que parece inexorável e que nem sequer se tem dobrado aos rogos, orientações e determinações oportunamente emanadas ao mais alto nível da governação.
O Choupal, esse ex-libris da cidade de Coimbra, esse pulmão e centro de lazer da comunidade coimbrã, que se admitia ser ampliado, está em vias de extinção. O diagnóstico foi feito, os meios financeiros estão disponíveis, o então Ministro do Equipamento Social e meu camarada de bancada Rosado Correia ordenou o cumprimento do programa estabelecido. Mas há sempre um «mas» e esta «máquina» tão burocrática e «pesada», quanto onerosa, eterniza a sua materialização.
De forma muito concreta, sintética e concisa, afinal, do que se trata?
1.º) Como resultado da construção da ponte-açude, em Coimbra, registou-se um abaixamento dos níveis friáticos no perímetro do Choupal;
2.º) Em consequência de tal facto e acrescido da circunstância de afluírem substancial quantidade de esgotos da cidade com matérias poluentes em parte do respectivo perímetro, as espécies arbóreas iniciaram um acelerado processo de extinção;
3.º Aquando da cerimónia da inauguração da ponte--açude, quer o Sr. Primeiro-Ministro, quer os então Vice-Primeiro-Ministro e Ministro do Equipamento Social, não só manifestaram o seu inteiro e incondicional apoio à resolução da questão em apreço, como no próprio dia e local os directores-gerais responsáveis assumiram o compromisso de rapidamente avançarem com reuniões conjuntas e conclusivas que obviassem, com rapidez e eficiência, a resolução do problema materializado no estudo de uma vala que mantivesse um nível friático mínimo exigível que evitasse não só o desaparecimento das espécies arbóreas como permitisse a ampliação do respectivo perímetro florestal;
4.º Pesem embora os compromissos assumidos pelos Srs. Directores-Gerais, tais reuniões conjuntas tardaram a efectuar-se, eternizando-se, deste modo, o início dos trabalhos, que, como já referimos, dispõem de meios financeiros para o efeito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A quem, estou certo, este assunto muito dirá, desta bancada lançamos um apelo - Srs. Directores-Gerais das Florestas e dos Serviços Hidráulicos, não protelem por mais tempo a solução de um problema que está apenas nas vossas mãos ultrapassar.
Srs. Directores-Gerais, il est interdit d'interdire. Srs. Directores-Gerais, a comunidade coimbrã está atenta.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.
O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em deslocação que efectuei no passado dia 17 de Fevereiro a Paris, para participar num colóquio na empresa Renault - Billancourt, subordinado ao tema «Ò regresso dos emigrantes», pude constatar os graves problemas que atingem aqueles que nos próximos meses serão obrigados a um regresso antecipado à sua Pátria.
É essa experiência que trago hoje à Assembleia da República, tendo como base as opiniões dos 200 emigrantes presentes nesta iniciativa.
É de lamentar que as bancadas do PS, PSD e CDS, apesar de terem deputados eleitos pela emigração, se tenham desinteressado de um colóquio desta natureza, não obstante o convite que lhes foi dirigido.
Como é do domínio público, o Governo Francês, no seguimento das medidas já tomadas pelo Governo Alemão, aprovou e pôs em funcionamento mecanismos de incentivo ao regresso dos trabalhadores emigrantes.
De imediato algumas empresas, entre as quais a Renault, começaram a aplicar as medidas governamentais, prometendo contrapartidas aos trabalhadores, muitas delas inaceitáveis em troca de um regresso dito «voluntário».
Durante o colóquio tive oportunidade de ouvir claras denúncias da segregação que tem sido feita aos nossos emigrantes e da forma como o Governo Francês, com o silêncio cúmplice do Governo Português, os culpabiliza pelo agravamento do desemprego em França.
Isto é tanto mais grave quanto os emigrantes enquanto foram necessários e úteis aos países de acolhimento foram admitidos e usados. Hoje, em face da grave crise económica que atravessam e de que os emigrantes não podem de forma alguma ser responsabilizados, querem-se ver livres deles, não olhando a meios para atingir os seus fins.
Levados ao regresso compulsivo os emigrantes não encontram o devido acolhimento por parte dos organismos responsáveis.
A Secretária de Estado da Emigração comprometeu--se, perante os representantes dos emigrantes, a dar solução a este problema, através da criação do instituto de apoio ao regresso, só que como diz o nosso povo «são mais as vozes do que as nozes». Do total das medidas então prometidas, apenas se pode assinalar a criação de dois ou três serviços espalhados pelo País, alguns deles sem pessoal e todos sem as competências necessárias para o cabal cumprimento dos apoios que poderiam e deveriam dar a quem regressa.
O regresso e reinserção dos emigrantes deverá obedecer a um plano de apoio global em que sejam ouvidos os interessados, as suas organizações e associações e o próprio Conselho das Comunidades.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o regresso e reinserção são problemas graves para os emigrantes, não é menos verdade que aqueles que por lá vão ficando e continuam a ser muitas centenas de milhar, se debatem com inúmeras dificuldades, nomeadamente nas áreas da segurança social onde cumpre destacar três aspectos:
A aplicação da legislação sobre segurança social nos países onde os emigrantes residem e trabalham; a aplicação dos direitos de segurança social aos familiares dos emigrantes que ficam em Portugal e a garantia da conservação dos direitos adquiridos, no caso dos emigrantes que regressam a Portugal. No primeiro caso, compete ao Governo Português exigir dos governos dos países de acolhimento a aplicação da Convenção n.º 143, da OIT, nomeadamente do seu artigo 10.º
Em relação ao ensino a situação é caótica. Cada vez mais crianças portuguesas têm menos professores de Português, já para não falar nos países onde o ensino do Português é praticamente nulo como é o caso da Suíça.
O ensino do Português à segunda geração é fundamental para a reinserção dos filhos dos emigrantes na sua Pátria, de forma a que estes não se sintam estrangeiros no seu próprio país.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à formação profissional nada existe para os emigrantes, embora o Governo Francês, ainda recentemente, tenha feito uma proposta ao Governo Português, semelhante à que já existe para os emigrantes argelinos e que consiste no seguinte:
Os emigrantes portugueses teriam oportunidade de frequentar cursos de formação profissional em França, findos os quais regressariam ao seu país, onde num prazo de 6 meses procurariam arranjar trabalho, caso não conseguissem poderiam voltar a França, não perdendo quaisquer regalias.
Inexplicavelmente o Governo Português não aceitou esta proposta. Quanto ao apoio cultural, e apesar do Conselho das Comunidades ter aprovado uma proposta de atribuição de uma verba no valor de 400 000 contos para a execução de um programa de desenvolvimento cultural, o Orçamento do Estado apenas veio consignar para este fim a verba de 124 000 contos, ficando pois os programa posto em causa.
Estes são alguns dos problemas que mais afectam os nossos emigrantes e que tive oportunidade de conhecer mais directamente. O Governo e a coligação governamental também aqui não actuam, assumindo assim graves responsabilidades em toda a situação.
Anos e anos de trabalho e canseiras fora do País não têm agora a recompensa devida. Só a demissão do Governo e uma outra política abrirá novas perspectivas para os emigrantes.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Figueiredo Lopes.
O Sr. Figueiredo Lopes (PSD): - Sr. Deputado Custódio Gingão, antes de mais queria lembrar-lhe - aliás, já teve oportunidade de saber - que nós, deputados da maioria, apenas recebemos o convite enviado pela organização que promoveu o debate na Renault 3 dias antes da sua realização. Ora, seria completamente impossível em tão pouco tempo programar qualquer viagem. Refiro, a propósito, que esse convite se destinava «aos quatro maiores partidos da emigração na Assembleia da República (PCP, PS, PSD e CDS)» - colocava até o PCP em primeiro lugar. Daí não estranhar que a organização do PCP tenha beneficiado o seu deputado Custódio Gingão, mandando-lhe o convite com mais antecedência.
Já debatemos este ponto, já chamámos a atenção para ele, está pois assente.
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Quanto aos serviços da Secretaria de Estado da Emigração, o Sr. Deputado sabe muito bem que em todas as reuniões - e temos tido bastantes - temos lutado para que esta Secretaria de Estado tenha capacidade para implementar o instituto de apoio ao regresso. Isso ainda não foi conseguido, mas a falta não é da Secretaria da Emigração. Não pode ser esta a criar um serviço que tem de ser feito através do Conselho de Ministros, o que até agora não foi conseguido.
Não sei quais as razões por que isso ainda não aconteceu, mas deixo aqui um apelo ao Governo no sentido de que o instituto de apoio ao regresso seja definitivamente criado.
Devo referir-lhe também, Sr. Deputado, que nós, deputados pela emigração, estivemos no Porto há 13 dias numa reunião que durou 24 horas, onde contactámos com a delegação da Secretaria de Estado da Emigração no Porto e vimos a nova dinâmica ali implementada, dinâmica essa que irá muito em breve produzir frutos. Na verdade, em conjunto com o Centro de Coordenação da Região Norte e com o Centro de Coordenação da Região Centro, haverá várias reuniões interdepartamentais, em conjunto com as câmaras, com o objectivo - muito importante e pelo qual me tenho batido bastante - de apoiar o regresso através da informação ao emigrante e de como pode fazer os seus investimentos em Portugal.
O emigrante, ao trazer as suas poupanças, tem de ser ajudado tecnicamente, no sentido de uma orientação para os seus investimentos. A partir do serviço que está montado no Porto, com o apoio de técnicos de alta craveira e que todos conhecemos, estou convencido de que, no futuro, algumas respostas surgirão no sentido de dar ao emigrante esse apoio.
Para terminar, apenas lhe quero dizer, Sr. Deputado, que o ensino não é assim tão mau como diz. Na verdade, a verba de l 5OO 000 contos que se gasta no ensino da língua e cultura portuguesa no estrangeiro é bastante. Temos a consciência de que todas as áreas onde se encontram comunidades portuguesas na Europa estão suficientemente cobertas. Eu próprio tive várias reuniões com os serviços de ensino no estrangeiro e pude observar no mapa como a área geográfica onde estão inseridas as comunidades está devidamente servida por professores.
Sr. Deputado Custódio Gingão, é muito fácil fazer demagogia, é muito fácil dizer mal, mas olhe que é muito difícil abarcar todos os problemas de um povo que residindo no estrangeiro tem, além dos problemas inerentes aos residentes, o problema de se encontrar deslocado, fora do seu país.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.
O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Deputado Figueiredo Lopes, disse V. Ex.ª ter recebido o convite da organização apenas 3 dias antes da reunião. Bom, então serão os serviços do vosso gabinete que funcionam mal, porque todos os grupos parlamentares que receberam o convite, que veio em carta registada, tiveram de assinar o recibo - aquele papel encarnado que se devolve. Ora, ele foi assinado com uma antecedência muito maior. Portanto, a questão dos 3 dias não colhe ou então são os vossos gabinetes que funcionam mal. Os senhores devem ter tido conhecimento disso pelo menos com l mês de antecedência - é o que consta do papel devolvido a quem fez o convite.
Quanto à outra questão, relativamente à qual o Sr. Deputado diz logo se ver de onde é que a iniciativa partiu, na medida em que o PCP era o partido que vinha à frente, isso não é desculpa. O Sr. Deputado gosta de estar com o PS - VV. Ex.as estão no meio -, logo os emigrantes ao reconhecerem isso colocaram-no no meio - PS + PSD. Não há mais explicações para isto.
O Sr. Deputado disse também que os deputados da emigração têm feito muitas reuniões com o Governo - sabemos disso. Só que os emigrantes estão fartos das vossas reuniões. VV. Ex.as reúnem muito, passeiam muito, mas não fazem nada! Essa é que é a questão. E quando apareceu uma oportunidade excelente, a discussão do Orçamento do Estado - aí é que se criavam as verbas para resolver os problemas dos emigrantes -, ou votaram as propostas do Governo ou voltaram as costas e não votaram.
Agora vêm com desculpas, fazendo apelos ao Governo. Na altura exacta os Srs. Deputados viraram-lhes as costas, portanto não vale a pena desculparem-se. Toda a gente sabe, os emigrantes sabem como os deputados da emigração têm trabalhado e cada vez mais os emigrantes saberão dar a resposta nesse sentido.
Outra questão é a do ensino. O Sr. Deputado diz que o ensino não é tão mau como se diz. Pois não, é pior. Há pouco, com certeza que ouviu mais uma mensagem que chegou aqui à Mesa da Assembleia da República mostrando a situação em França, país onde, apesar de tudo, o ensino ainda é o melhor. Mas mais: veja o Sr. Deputado a questão da verba. Não quer dizer que ela seja pequena ou grande - é mal aplicada. Ainda outra coisa: há acordos entre o nosso Governo, o nosso país e os países de acolhimento, sobre o ensino, mas o Governo Português nada fez para o cabal cumprimento desses acordos. Os Srs. Deputados não se podem inibir desta questão!
Vem V. Ex.ª agora falar de demagogia. Sr. Deputado, essa questão normalmente vira-se para quem a pratica e neste caso contra si mesmo. Os senhores são deputados pela emigração, foram convidados para essa reunião, não compareceram, apresentando desculpas que já não colhem. Perante isto não vale a pena mais comentários. Os emigrantes saberão da resposta na altura exacta.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Figueiredo Lopes.
O Sr. Figueiredo Lopes (PSD): - Sr. Deputado Custódio Gingão, apesar de ter recebido o convite 3 dias antes, também só vou às reuniões que me interessam .
Vozes do PCP: - Ah!
O Orador: - Devo dizer-lhe que o deputado pela emigração, com as parcas viagens que tem - 3 por ano -, não pode fazer gastos que não tem possibilidade de comportar. O PSD não tem dinheiro para isso - talvez vocês o tenham porque vos vem de outro lado. Nós não temos capacidade de andar a fazer viagens de fins-de-semana para França ou para outro lado qualquer. Temos de fazer um programa de acção em que se possa abranger com uma só viagem não apenas
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uma, mas várias reuniões. A isto é o que se chama «optimizar os meios» - pegar no pouco que nos dão e fazê-lo render.
Ainda lhe digo mais: no dia 4 de Maio, estou convidado para ir a uma reunião do Conselho das Comunidades e estarei lá. Já informei o Conselho Português das Comunidades de França que aceitava o convite. Aí estarei, pois o Conselho é um órgão representativo. Quanto ao outro, não o considero representativo, a não ser de uma determinada área, que é a Renault. Portanto, não estive lá, mas também não era obrigado a estar. Estaria, com certeza, se tivesse mais capacidade financeira e recebido o convite atempadamente.
Quanto ao Orçamento do Estado, tudo isso está ultrapassado. O Sr. Deputado sabe muito bem qual a nossa posição na Subcomissão de Emigração, mas não podemos seguir o conselho do Sr. Moura, que vos representa no Conselho das Comunidades, e que na semana passada aqui esteve em reunião connosco. Sabe o que ele nos disse, Sr. Deputado? Que nos demitíssemos todos e fôssemos embora. De facto, essa é a vossa cassette e não só aqui no Parlamento, pois pelos vistos já a transmitiram à Emigração, ao Conselho das Comunidades. Mas nós não nos demitiremos, Sr. Deputado. Estaremos aqui ao vosso lado para dia-a-dia lutarmos convosco e lutarmos por vezes contra opiniões vossas não idênticas às nossas.
Não contem com a nossa demissão. Seria muito fácil demitirmo-nos, mas não contem com isso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão, para contraprotestar.
O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Figueiredo Lopes: Logo no início podia ter dito que só ia até onde lhe interessava, pois assim evitaria produzir as palavras que acabou de referir e a coisa tinha ficado mais clara.
Mas, ainda assim, há uma outra questão.
O Sr. Deputado disse que não está para nos acompanhar. Nós sabemos isso. Simplesmente, há uma questão espantosa: alguns representantes dos Conselhos das Comunidades estiveram aqui pedindo que vocês se demitam. No início eram só os portugueses do continente - em Portugal - que o faziam! Agora também já chegou aos emigrantes... talvez seja porque já tenham compreendido a vossa política.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Figueiredo Lopes (PSD): - Que cassette?
Risos do PS.
O Orador: - O Sr. Deputado disse que em Maio lá estaria porque é um órgão representativo.
Sr. Deputado: para mim, todas as organizações de classes, em Portugal ou no estrangeiro, são «representativas» - uma mais e outras menos. E o dever de cada um de nós é de lá estar, quando somos convidados, sem olharmos para o facto de serem muito ou pouco representativas. Portanto, esse é o nosso dever!
Outra questão que o Sr. Deputado coloca aqui relaciona-se com as verbas diminutas que são atribuídas aos deputados. Não digo que sim ou que não, mas é possível que o sejam!
Há apenas uma coisa: o meu partido, como sabe, ainda não conseguiu eleger nenhum deputado pela emigração, embora a sua percentagem na Europa seja muito elevada. Mas, mesmo assim, não deixámos de estar lá presentes! É que, desde que haja vontade, desde que se queira resolver os problemas dos emigrantes e informá-los com sinceridade, faz-se um esforço.
O Sr. Deputado não o quis fazer, mas isso é um problema do vosso partido, da vossa coligação. Naturalmente, os emigrantes irão dar-lhe a resposta adequada!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostava de salientar que está presente uma delegação dos alunos da Escola Secundária de Benfica e da Escola Secundária de Santa Maria, de Sintra. Gostaria de os felicitar por esta iniciativa, por terem vindo conhecer ao vivo o funcionamento da democracia portuguesa e desejo-lhes que levem daqui boas recordações.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Roleira Marinho.
O Sr. Roleira Marinho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acreditamos que a política de desenvolvimento regional terá de assentar nos programas integrados de desenvolvimento e no associativismo municipal, enquanto não dispusermos da efectiva regionalização administrativa. Porém, também aí os programas integrados de desenvolvimento deverão ter a maior diversidade geográfica, ajudando a um harmonioso progresso de todo o território.
Pudemos, aquando da discussão do Orçamento do Estado e do Plano para 1985 - durante as reuniões havidas em Comissão com os Srs. Membros do Governo -, expressar este ponto de vista e outros Srs. Deputados levantaram questões semelhantes, e não podemos deixar de repetir que é preocupante o tratamento que, neste aspecto, foi dado ao meu distrito, Viana do Castelo.
Na realidade, estando praticamente concluídos os estudos e trabalhos preparatórios do PIDR do Vale do Lima, somente se admite continuar esses estudos e nada se adiantou quanto ao Plano Integrado de Desenvolvimento do Vale do Minho!...
Por outro lado, se ficou orçamentada uma verba de 120 000 contos para as obras de melhoramento e rectificação da velha aspiração (estrada Valença-Monção), e de 60 000 contos para a continuação dos trabalhos na estrada Monção-Melgaço (estrada nacional n.º 202), e se se anuncia o lançamento do concurso público da nova ponte sobre o rio Minho, seria rendibilizar os investimentos, se enquadrados no conjunto da recuperação de toda a zona do vale do Minho.
Por outro lado, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o progresso e o desenvolvimento estão intimamente ligados às vias de comunicação. Muito se tem dito, muito se tem prometido nesta área mas não se tem andado tão depressa quanto é justo, e até terá havido, porventura, inversão da mais indicada ordem de prioridade. Não esqueçamos que uma viagem de automóvel, entre Lisboa e Monção ou Melgaço (São Gregório-Castro Laboreiro), para além de ser quase uma aventura, demora qualquer coisa como 10 horas. E, se usarmos o comboio até Monção, na sua versão mais rápida - se tivermos sorte nas ligações - lá chegaremos ao fim de umas boas 12 horas!...
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Dado que no Orçamento para 1985 os troços de estrada Valença-Monção e Monção-Melgaço (São Gregório), como dissemos, ficaram dotados com verbas da ordem dos 180 000 contos, esperamos que estas obras avancem, sejam consideradas realmente prioridades e possam ser adjudicadas rapidamente, até ao fim de Abril próximo, de modo a podermos aproveitar o tempo da Primavera e do Verão para um forte arranque dos trabalhos e levarmos as populações a acreditar que, desta vez, é mesmo de vez que retiramos do isolamento tão importante fatia do distrito de Viana do Castelo, onde habita mais de meia centena de milhar de pessoas.
Lembramos que no Programa do Governo - deste Governo - se reconhece a existência de gritantes diferenças entre as várias regiões do País, com os privilégios de que dispõem os centros urbanos em contraponto com as maiores carências dos pequenos meios rurais do interior - «que é uma discriminação que não pode colher a resignação do Governo» -, «que a solidariedade entre os Portugueses não pode continuar limitada a certas regiões» - e «que a vontade de corrigir desníveis tem de passar a ter expressão em termos de resultados».
E terá sido assim?
Muito francamente, no meu distrito, Viana do Castelo, as poucas rosas surgem no meio de muitos e muitos espinhos. Este último ano e meio pouco trouxe de novo!...
Pretendo hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, feita a introdução que acabam de ouvir, abordar a questão das ligações ferroviárias com o distrito de Viana do Castelo.
Se nas ligações locais, embora o material circulante da CP seja de péssima qualidade, os horários em muitos casos desajustados às necessidades, o número de composições poderia satisfazer minimamente o desejado, outrotanto não poderemos dizer, nem da funcionalidade dos serviços de apoio nem das ligações inter-regionais ou de longo curso!...
Quando é servida uma população de cerca de 250 000 habitantes, quando a Rodoviária Nacional ou outra empresa pública do ramo quase não operam no distrito, cabendo praticamente à CP a exclusividade dos transportes públicos dirigidos aos meios rurais, a par de um ou outro pequeno operador privado, é imperioso que outra política seja definida para evitar o isolamento das populações e no sentido de lhes proporcionar um direito que como portugueses lhes assiste.
Disse que chegar a Monção de comboio, partindo de Lisboa, demora mais de 12 horas mas, se abalarmos depois do meio-dia, teremos que dormir a meio do percurso e só no dia seguinte, mais de 24 horas depois, chegaremos ao destino!...
Saberão os gestores da CP e acaso saberá o Governo que a norte de Monção (concelhos de Monção e Melgaço) habitam para cima de 50 000 portugueses?; que Castro Laboreiro dista de Monção mais de 50 km, servido por uma estrada difícil, encravada na serra da Peneda, o que desaconselha uma viagem noctuma?
Porque conhecemos estas realidades, porque entendemos que é urgente rever tantos e tamanhos atropelos que nunca ninguém encarou de frente, que nunca nem ninguém quis equacionar, que nunca nem ninguém quis sequer estudar ou ouvir, embora todos quantos ao longo dos anos que no distrito assumiram funções autárquicas, de deputados ou governadores civis, se tenham batido pela resolução destes problemas, não têm logrado fazer ouvir a sua voz ou não têm conseguido sensibilizar o Governo para a justa causa pela qual se batem.
Aqui expressamos também o nosso sentido de apoio à população do distrito e de apoio à deliberação de 3 de Julho próximo passado da Câmara Municipal de Viana do Castelo, oportunamente remetida a esta Assembleia, no sentido de que seja instalada a via dupla de caminho-de-ferro entre Porto e Valença, descongestionando, por um lado, a travessia da cidade de Viana do Castelo, desviando o traçado da actual linha e, por outro lado, fundamentalmente, permitindo a ligação Valença-Faro em pouco mais de 6 horas!...
Porque há obras importantes a realizar na travessia do rio Lima (nova ponte rodoviária de acesso a Viana do Castelo), traçado ferroviário para o porto de mar, traçados de acesso à cidade, seria de encarar o estudo conjunto de todos esses planos, inventariando, obviamente, os custos e levando em conta a evolução possível de toda a região a norte do rio Lima. Em todos os seus aspectos, turístico, industrial, agrícola, comercial, sem esquecer os seus actuais e permanentes encantos, é urgente agir de molde a dotarmos o distrito e a região com os alicerces de desenvolvimento que o bom senso aconselham, e, apesar do declínio e da perda de influência progressivos do caminho-de-ferro, acreditamos que, com a entrada nas Comunidades Europeias tudo aponta que haverá um aumento de tráfego e crescente uso de comboio, pelo que não podemos perder mais esta partida. Acautelemos o presente e preparemos o futuro, a linha do Minho não pode perder--se nem deteriorar-se mais, e verificamos que quanto mais viajamos para o norte ou para o interior, onde mais se sente a falta de transportes, é onde mais se acelera a degradação, pelo que esperamos que se tomem medidas urgentes que venham a rentabilizar os principais troços ferroviários do País e se encare seriamente a possibilidade de instalar a via dupla na linha do Minho.
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos no período da ordem do dia, desejava fazer uma comunicação a VV. Ex.as e pedia-lhes a atenção para esse efeito.
Como é do conhecimento dos Srs. Deputados, o Regimento da Assembleia da República tem estado em reclamação e o prazo termina amanhã, dia 2. É do conhecimento da Mesa que já deram entrada alguns pedidos de reclamação, pelo que anuncio que o Sr. Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos vai convocar uma reunião para o efeito, para a próxima segunda-feira, às 15 horas. Portanto, esta comunicação feita pela Mesa deve ser considerada como uma convocatória, na falta de qualquer outra.
Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, entrando agora no período da ordem do dia, vai proceder-se à apresentação do projecto de lei n.º 430/III, do Partido Comunista Português - organização e funcionamento dos julgados de paz.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP vem propor à Assembleia da República a urgente instituição dos julgados de paz, que a Constituição prevê e a realidade exige. É uma proposta que assume particular significado num momento em que é reconhecidamente grave a situação da justiça em Portugal. Os sinais de ruptura do sistema judiciário acentuam-se, drasticamente, em cada dia. Os tão falados «nós de bloqueamento» apertam-se, não há vislumbre de soluções adequadas para os desatar.
Com efeito, aumenta o número de processos e mais cresceria se o acesso ao direito não fosse, como é até ao presente, uma lastimável ficção. Aumenta na razão directa da conflitualidade social, nascida da profunda injustiça de uma governação que gera ilhas de descontentamento e de penúria infra-humana, atulha os tribunais, cuja ineficácia se agrava por ausência de mecanismos tempestivos de resposta, espalha a imagem inquietante de um direito distante, caro e relapso na fase da sua aplicação, profundamente questionável no que à sua produção concerne.
E que dizer do que se passa com o Supremo Tribunal Administrativo ou, a título meramente exemplificativo ainda, com o Tribunal da Boa Hora?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - As queixas, as reclamações, os protestos da população não encontram eco no aparelho do Estado; as acções, de toda a matriz, embolaram ou apodrecem no seu penoso trânsito processual; as cadeias abarrotam de reclusos, designadamente preventivos, para os quais se não consegue decisão atempada de uma judicatura sobrecarregada. A esta moldura, riposta o Governo com promessas que se não cumprem, incapacidade na adopção de procedimentos certeiros e na hora própria, discursos inqualificáveis que incendeiam o desagrado entre magistrados, bem como por parte de quantos intentam mudar o curso das coisas.
Em matéria de instalações e equipamentos o que se nos depara é de feia catadura; o Tribunal da Relação do Porto continua a funcionar com gritantes carências de gabinetes, mobiliário, condições de trabalho; o palácio da justiça de Braga não inicia a sua construção, apesar de previsto há décadas e de ser uma aspiração antiga, alimentada por sucessivas gerações; os tribunais de Guimarães, Vieira do Minho, Póvoa de Lanhoso, Mesão Frio, Resende, Tabuaço, Bragança, Moncorvo, Vila Flor, Melgaço, Caminha, Covilhã, Fundão, Viseu e Seixal, para só referir alguns, mergulham na carência a todos os níveis, situam-se na fronteira do insustentável. O mesmo se diga quanto aos estabelecimentos destinados aos tribunais de trabalho de Lamego, do Porto, de Vila Nova de Famalicão, do Funchal, dos tribunais de menores e de instrução criminal do Porto, dos tribunais de polícia em geral. E já nem aludimos àquelas unidades para edificar, remodelar ou adaptar constantes dos cadernos de intenções do Ministério e relegados, de ano para ano, até à zona do marasmo e da inoperacionalidade. De qualquer maneira, importa que os Srs. Deputados saibam que, por estes programas sempre adiados, andam abrangidos relevantes centros populacionais do País: Coimbra, Ourique, Portimão, Valpaços, São João da Madeira, Feira, Baião, Albufeira, Mafra, Montemor-o-Velho, Paredes de Coura, Almeida, Espinho, Loulé, Estarreja, Oliveira de Azeméis, Sesimbra, Oeiras, Macedo de Cavaleiros, Aveiro, Figueira da Foz, Porto Santo, Praia de Vitória, Ribeira Grande, Seia, Moncorvo, Paredes, Penafiel, Cantanhede, Vila Franca de Xira.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As iniciativas legislativas do Grupo Parlamentar do PCP, entre as quais se inscreve o projecto de lei n.º 430/III, tiveram como óbvia referência e ponto de partida os dados do real. Só conhecendo-os, em todos os meridianos, poderemos pesquisar o ajustado instrumentário legal - e de outro tipo - para, transformando--os, os melhorar. Não podemos, assim, ignorar que, a par do retrato preocupante dos imóveis, há medidas longamente proclamadas que se não concretizam e cujo sentido de efectivação nos vem sendo indebitamente sonegado. Refiro-me à revisão da legislação adjectiva, civil e penal tendente à adopção de uma tramitação quanto possível desburocratizada e celerizadora. O maremoto de processos não será aplacado através da gravosa oneração da justiça, do julgamento do acesso ao direito e à informação jurídica, como se vem defendendo nas sombras do Ministério. Ou, então, do que se curaria seria de, mantendo uma formal aparência do primado da lei, discriminar a significativa maioria dos portugueses, impor uma intolerável concepção de classe contra a igualdade, constitucionalmente prescrita, de todos e cada um perante os dispositivos legais, incentivar o recrudescimento do arbítrio e da ilegalidade protegida.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Na verdade, suster o surto de processos mediante a criação de taxas moderadoras, o alteamento indiscriminado e desproporcionado das custas, o distanciamento maior do sistema judiciário em relação às pessoas é enveredar, de forma irresponsável, pelo pior dos caminhos. Sabe-se, porém, que há quem o preconize e que o Ministério da Justiça, que tem estado indisponível para abordar estas questões na Assembleia da República, vem trabalhando essa linha de propostas. Bom seria - agora que o titular mudou - que pudéssemos ter conhecimento de quais os seus propósitos neste domínio e, pelo menos, aquilatar sobre se aquilo que ele tem em mente é a continuidade ou a ruptura com aquilo que há de mau e que temos vindo a sinalizar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, seguramente que as programações informáticas, por úteis e procedentes que sejam, não resolverão só por si o problema. Reclamam--se mecanismos conjugados no plano, já citado, das instalações, do alargamento dos quadros de magistrados e funcionários judiciais e do seu atempado provimento. A simplificação processual é um imperativo indeclinável e não se aceita o parturejar delongado das revisões dos Códigos Adjectivos, Civil e Penal sem que nós, Assembleia da República, detentores de peculiares responsabilidades, conheçamos os contornos concretos e os faseamentos do labor em marcha. Imperioso se afigura, no entanto, lançar mão de outros instrumentos, desde logo em sede normativa, visando descongestionar o aparelho judiciário sem administrativizar ou governa-
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mentalizar a justiça, imprimindo eficiência a instâncias idóneas dirimentes de pequenos conflitos, salvaguardando, é claro, o amplo acesso das populações a todos os patamares onde o direito opera.
Com este objectivo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, apresentamos o projecto sobre a organização e funcionamento dos julgados de paz.
O instituto tem larga tradição na nossa ordem constitucional e conheceu já, no período do liberalismo monárquico, sobretudo, uma prática que os historiadores sempre sinalizaram como extremamente positiva.
Prescindindo agora de fazer um enunciado de todos os conjuntos de vicissitudes por que passou, sinalizar-se-á, no entanto: a Constituição de 1822, por exemplo, previa juizes de paz directamente escolhidos pelos cidadãos, com competência para decidir, sem recurso, causas cíveis da escassa monta e criminais, desde que se tratasse de delitos sem gravidade de maior. A Carta Constitucional, por seu turno, fazia-os eleger nos mesmos termos que regiam a indicação dos vereadores das câmaras. Já o texto fundamental de 1838 estabelecia que os juízes de direito eram nomeados pelo Rei, cabendo ao povo a eleição dos então designados juízes ordinários.
Quaisquer das opções normativas trazidas à colação entroncam numa rica experiência histórica de que nos ficaram testemunhos variados na documentalística e na literatura. O avanço técnico e científico das sociedades hodiernas não posterga, antes acolhe, a participação popular na administração da justiça, sempre com base na ideia da irrecusável seriedade do instituto, da sua radical e originária legitimidade ontológica.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Daí que a Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais, desenvolvendo o n.º l do artigo 217.º da Constituição de 1976, tenha viabilizado a instituição dos julgados de paz, tribunais de 1.ª instância com verdadeiras funções de julgar, cuja competência territorial se exerce na área da freguesia, a cuja assembleia ou plenário incumbe a sua criação. Nos termos da lei, só poderá ser eleito juiz de paz um cidadão que, recenseado na freguesia, reúna os requisitos gerais de elegibilidade e demais exigências legais, competindo-lhe judicar em matéria de transgressões e contravenções às posturas locais, bem como de questões cíveis, de valor não superior à alçada dos tribunais de comarca, surgidas entre vizinhos.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português teve ensejo, durante o debate do diploma em apreço, de apoiar a inovação, reputando-a, no entanto, pouco arrojada. Aos julgados foram, de facto, atribuídas funções timoratas, poderes bastante limitados. O carácter facultativo da sua constituição, o facto de serem competentes em área territorial e elenco material restritos, a consagração da possibilidade de um processamento electivo indirecto compõem, a nosso ver, um perfil injustificadamente ténue, bem revelador de infundados receios, nem sempre transparentes. Entendemos, contudo, hoje como ontem, que o estatuído na Lei n.º 82/77 não deixará de ter-se por um relevante primeiro passo no sentido da chamada das populações, em casos precisos, à aplicação das normas jurídicas da colectividade. Malgrado o comando constitucional e os preceitos legais a que acabo de fazer menção, só em 1979, dois anos após o governo, através de decreto-lei, regulamentou os julgados de paz. O itinerário, que fora árduo, iria agora acidentar-se deploravelmente: a AD, utilizando o mecanismo da ratificação parlamentar, veio a revogar, sem fundamentação curial, o articulado. Ao cimo da água chilra do debate assomaram, contra a ordem natural, os pedregulhos do obscurantismo, os juncos da incompreensão, a poluição da completa falta de senso inovatório. A desconfiança, mais do que o cepticismo, na abertura da justiça à participação popular geraram uma votação de má sina. Pela nossa parte, reiterando o entendimento de 1977, acentuámos, sem arrepio das posições de fundo adoptadas, que «nem todas as soluções regulamentares merecem o nosso aplauso. Contudo, julgamos que devemos sacrificar os perfeccionismos em nome da celeridade, já que o Decreto-Lei n.º 539/79, adentro dos apertados limites expostos, concorre para viabilizar uma forma de participação popular da administração da justiça e, por via dela, permitir a superação ou, ao menos, a atenuação de conflitos entre os vizinhos, na senda de uma sã vivência colectiva». Tal não impediu que definíssemos como conveniente a ponderação, por meio da apresentação de propostas de especialidade, de aspectos como a separação e a autonomia das magistraturas judiciais e do Ministério Público, a proibição da jurisdição voluntária no domínio penal e o exercício das funções de escrivão por pessoa nomeada pelo juiz de paz, que não intervenha nos órgãos da administração autárquica e concorra, com a sua maior disponibilidade, para o aceleramento processual. Pormenores de percurso deste jaez não desobrigam, todavia, os deputados e os grupos parlamentares de, face ao imperativo de mudar sensivelmente o rosto da justiça entre nós, recorrerem aos institutos que provaram adequação e idoneidade, perfeccionando-os quanto possível.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Não transcrevemos, no projecto de lei que submetemos à Câmara, o nosso próprio modelo, configurando-o em profundidade e extensão, até à minúcia. Pretendemos reassumir uma boa base de trabalho, abrindo um espaço onde se deseja a máxima convergência de opiniões estribadas e desprovidas de preconceitos entorpecentes. O que suscitamos é oportuno e necessário. Não se compreenderia, aliás, que aqueles a quem tem sorrido a possibilidade de advogar, de muita maneira e, em geral, sem grande qualificação técnica - mas sempre diante dos meios de comunicação manipulados e afectos à sua ideologia e ao seu estar no Poder - a implementação de tribunais arbitrais viessem, nas actuais circunstâncias, a arredar o incremento dos julgados de paz, campo por excelência vocacionado a integrar a organização judiciária do fluxo vivificador das magistraturas populares. Fazer penetrar a realização da justiça pela dinâmica da sociedade real, estimulando mecanismos de judicação credíveis e credibilizadores acarretará, no acervo dos resultados a colher, mais do que alguma desobstrução dos tribunais, que se libertariam do alude impressionante daquilo que o Dr. Machete gostava de referenciar como bagatelas e sobre o que se não ouviu ainda a voz do actual titular do Ministério. Obter-se-á, sem dúvida, a diminuição do fosso que divorcia o aparelho judiciário da comunidade, facultando condutas que conduziriam a uma melhor convivência social. Quanto menos distante e desumanizada for a veste e a praxis
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da justiça tanto mais acreditada, equânime e autêntica ela será.
O que promos é, neste fio de pensamento, não o alfa e o ómega para a erradicação das gravíssimas precariedades, das apostas malsãs, insuficiências e dificuldades que enfrentamos, não uma utopia sem raiz ou um boomerang. Diversamente, proporcionamos uma discussão indispensável, uma estância estabilizadora para dirimir os pequenos litígios, o ressurgir de um instituto que a história e a reflexão teórico-jurídica testaram e assinalam honrosamente.
Fica, com a iniciativa do PCP, principiado o debate. Para ele concitamos a atenção desta Casa e alertamos a opinião pública, seguros de que, com o contributo interessado de todos, poderá a República dotar-se, como deve e urge, de um sistema valioso de aplicação e defesa da legalidade democrática: os julgados de paz.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputados, vamos passar à segunda parte da ordem do dia. Está em discussão a proposta de lei n.º 98/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir ilícitos criminais ou contravencionais e as correspondentes penas.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, antes de entrarmos nesse ponto da ordem de trabalhos, quero recordar à Mesa que está pendente, da sessão de ontem, a votação de um requerimento do PCP sobre o prazo de baixa à comissão de projecto de lei apresentado pela UEDS, que aqui foi ontem discutido. Antes de o Sr. Presidente pôr esse requerimento à votação, solicitava à Mesa que verificasse o quórum.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão presentes 78 Srs. Deputados, o que não é suficiente para a votação, pelo que ela não se fará neste momento. Suponho que será esse o interesse do Sr. Deputado interpelante.
A única coisa que a Mesa pode fazer é suspender a sessão por 10 minutos para que os Srs. Deputados possam reunir-se.
Está suspensa a sessão.
Eram 11 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão. Eram 11 horas e 50 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, neste momento estão presentes 121 Srs. Deputados, pelo que ainda não há quórum. Não se pode estar eternamente à espera que se resolva este problema...
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, é para solicitar a suspensão da sessão por mais 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Serão por conta do seu grupo parlamentar, Sr. Deputado. Está suspensa a sessão.
Eram 11 horas e 55 minutos.
O Sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
Eram 12 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, pedi a palavra para requerer que a contagem do quorum seja feita por grupos e agrupamentos parlamentares.
O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.
Pausa.
Srs. Deputados, estão presentes neste momento 8 deputados do CDS, 43 deputados do PSD, 48 deputados do PS, 16 deputados do PCP, 3 deputados da UEDS, 2 deputados da ASDI, l deputado do MDP/CDE e o deputado independente António Gonzalez. O total é de 122 deputados, pelo que ainda não há quórum para votação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, não havendo quórum, muito embora o Grupo Parlamentar do PS tenha o seu quórum, 48 deputados em 94...
Risos.
... nós garantimos quórum e outros grupos parlamentares não garantem!
Como não há quórum para deliberação, mas há para funcionamento, solicito ao Sr. Presidente que passemos ao ponto seguinte dos trabalhos, sendo este requerimento votado na próxima sessão.
O Sr. Presidente: - Teria de ser mesmo assim, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não vou invocar o facto de a minha bancada ter mais quórum do que dois terços.
Risos.
Acontece é que não deveria ser automaticamente assim, como o Sr. Presidente referiu; nós deveríamos suspender os trabalhos. De qualquer modo, pela nossa parte não temos nenhuma objecção a que prossigam os trabalhos, sobretudo estando aqui presente o Sr. Ministro da Justiça, que se deslocou para assistir ao debate do pedido de autorização legislativa. Assim, não seria oportuno interrompermos os trabalhos. Não obstante a que, regimentalmente, a sessão tivesse de ser encerrada neste momento por falta de quórum e que não se pudesse continuar com o cumprimento da or-
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dem de trabalhos, pela nossa parte damos consenso a que passemos adiante, deixando a votação do requerimento para a próxima sessão, iniciando o debate da autorização legislativa. Da nossa parte não há objecção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, era também para, em nome da bancada do PCP, me pronunciar sobre esta questão.
A situação que hoje se verificou aqui é sintomática e exprime uma realidade sobre a qual devem ser tiradas as devidas ilações políticas.
Estava em causa uma amnistia que deveria ter sido votada ontem. Lamentavelmente, viu-se adiada a sua apreciação, porque o PSD, em concreto, propôs a baixa à Comissão, o que não tinha justificação, porque vinha na sequência de 2 anos de reflexão. Mas, pelos vistos, esses 2 anos não bastaram para o PSD.
Deveríamos hoje, pelo menos, diminuir o mal ontem introduzido, fixando um prazo certo para que a apreciação pela Comissão se concluísse. Em nosso entender, o prazo deveria ser de 15 dias.
A questão não vai ser hoje objecto de deliberação e, em termos de rigor regimental, estaríamos impedidos de passar ao ponto seguinte da ordem do dia.
Dada a matéria que irá estar em debate e o facto, também, de ser esta a primeira vez que o Sr. Ministro da Justiça - após remodelação e face à nova composição do elenco governamental - se apresenta perante a Assembleia da República, é nosso entendimento não deduzir impedimento à continuação da reunião plenária. Damos assim o nosso consenso a que se passe ao ponto seguinte da ordem do dia, sem que tal faça precedente nem, naturalmente, subverta as regras regimentais, que deverão ser acatadas. Sobretudo, deverá a Assembleia da República ser poupada a episódios que são bastante lamentáveis, como este que acabou de verificar-se, que é da exclusiva responsabilidade da maioria governamental.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Excepcionalmente, o CDS vai dar a sua anuência a que a sessão continue. Temos, noutras circunstâncias e em situações deste tipo, defendido que a sessão deve ser encerrada.
Dado que é a primeira vez que o Sr. Ministro da Justiça, depois da sua tomada de posse, vem à Assembleia, não quero de maneira nenhuma, em nome da minha bancada, impedir que ele tome parte, desde já, neste debate.
Por outro lado, quero também referir que nós não manifestamos qualquer acolhimento à tese dos quóruns internos expendida pelo Sr. Deputado Carlos Lage. Durante 4 anos ouvi o Partido Socialista dizer que a maioria de então tinha a obrigação de assegurar o quórum. As circunstâncias mudaram e agora a maioria que assegure o quórum, se quer que a Assembleia funcione sem interrupções.
Vozes do PS: - Ah!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vamos abster-nos de considerações sobre o problema de falta de quórum. Pensamos que o facto em si é suficientemente grave, que todos os deputados têm dele consciência e que, portanto, quanto menos dele falarmos talvez seja melhor.
Sabemos também e temos consciência de que o n.º 2 do artigo 68.º do Regimento nos impediria de prosseguir esta sessão, porque nem sequer a alteração da ordem de trabalhos poderia ser objecto de consenso, mas teria de ser objecto de uma votação.
No entanto, sempre temos entendido que o consenso é suficiente para alterar o Regimento. Pela nossa parte, temos o maior interesse em ouvir o Sr. Ministro da Justiça sobre a política criminal e sobre o modo como ela se articula com esta proposta de lei, que, aliás, é anterior à sua tomada de posse. Como tal, também damos o nosso consenso para que a sessão possa prosseguir.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, também nós damos, nesta circunstância, o nosso acordo a que se passe ao debate da matéria seguinte da ordem de trabalhos.
Não é situação inédita nesta Casa que aconteça, da forma como está a acontecer, ou seja, podermos ultrapassar, por consenso entre todos os grupos parlamentares, esta dificuldade momentânea. Mas não queria deixar em claro algumas das palavras - ou, pelo menos, o entendimento que delas fiz - do Sr. Deputado José Magalhães.
De facto, não houve qualquer intenção de provocar o facto de não haver quórum neste momento e por isso esta circunstância não pode ser relacionada com a matéria que estava em apreço. Se assim fosse, teríamos que assacar as responsabilidades a todos os grupos parlamentares presentes e, portanto, com assento nesta Câmara. Com efeito, o que se verifica é que as ausências estão proporcionalmente distribuídas em relação a cada um dos grupos parlamentares.
Termino esta interpelação dizendo que também nós estamos de acordo em que passemos ao debate da matéria que se segue na ordem de trabalhos.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peco-lhe o favor de não eternizar este debate...
O Sr. Carlos Lage (PS): - Concordo, Sr. Presidente. Gostaria de responder ao Sr. Deputado Luis Beiroco, mas isso só seria uma contribuição não para o bom andamento dos trabalhos, mas para os retardar.
Por isso, retiro o meu pedido de palavra.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, quero apenas referir-me à afirmação da repartição idêntica das faltas por todos os grupos parlamentares, e não vou voltar a mais nenhuma questão. Queria apenas su-
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gerir ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira que revisse os seus conhecimentos de aritmética.
Risos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à segunda parte do período da ordem do dia, da qual consta a discussão da proposta de lei n.º 98/III, que concede ao Governo autorização legislativa para definir ilícitos criminais ou contravencionais e as correspondentes penas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em termos pessoais, ser-me-ia, por certo, mais estimulante regressar à actividade parlamentar, embora agora em representação do Governo, para encarar medidas legislativas, elas próprias mais estimulantes - como é, designadamente, o caso das que dizem respeito ao acesso ao direito e aos tribunais.
Isto até porque nelas haverá, desde já, embora com as inevitáveis dissonâncias, reconhecíveis pontos de confluência de meios normativos e de objectivos finais entre o Governo e as oposições.
Mas nem sempre o que gostaríamos que acontecesse se verifica na realidade e, ao iniciar as minhas funções no actual Governo, vim encontrar, já em fase de debate, a presente proposta de lei de autorização legislativa.
Não tenho dúvida de que alguns dos reparos que a ela poderão ser deduzidos serão dotados de alguma pertinência formal, embora, em boa verdade, pense também que eles se quedarão numa mera aparência. Com efeito, com o presente pedido de autorização legislativa não se propõe o Governo transgredir quaisquer das decisivas regras de inter-relacionamento com a Assembleia da República, que é a sede natural e institucional da soberania legislativa.
O que o Governo pretende é que, assegurado como está o controle ratificativo da Assembleia, e definidos como ficam na proposta os seus âmbito, sentido e duração (já que da proposta se exclui o espaço imputado ao Código Penal), a sua actuação legiferante, em diplomas avulsos secundários, se possa processar com a adequada flexibilidade e imediação.
Poder-se-á, é certo, objectar que, por esta metodologia, ficam por caracterizar os grandes objectivos que o Governo se propõe em matéria de política criminal. Creio, porém, que assim não é. Esses grandes objectivos são os que fluem do Código Penal; e, quanto a esses, o Governo, em tempo devido, dará conta à Assembleia da República das alterações que, sem de modo algum o descaracterizarem, nele poderá pretender introduzir.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não tenho dúvida de que, tendendo o ilícito contravencional a ser progressivamente substituído pelo direito das contra-ordenações, e sendo propósito do Governo submeter a esta Assembleia os diplomas legislativos que, pelo seu relevo, possuam significativo relevo e dignidade normativa, a autorização legislativa que agora se pede só incidentalmente virá a ser utilizada. Acontece, porém, que, sobretudo no direito da economia, a não assunção atempada de medidas legislativas onde, como contrapólo das normas impostas, se prevejam medias sancionatórias de natureza penal ou contravencional pode ser contrária ao interesse público e à realização dos objectivos determinantes de um Estado de direito. É a esse perspectivável risco que se pretende obviar.
Acontece, de resto, que, não visando erigir-se em le ministère de la loi, como na frase de Alain Peyrefitte, estará o Ministério da Justiça, numa perspectiva interdisciplinar e interdeparmental, atento, por forma a que não se desvirtuem as grandes coordenadas da política criminal por que é muito especialmente responsável.
E, globalmente, estará o Governo atento a que, em circunstância alguma, se desvirtue a relação de responsabilidade política que, nessa medida, o vincula à Assembleia da República.
E, para tal, evitará, com ressalva de circunstâncias excepcionais e meramente subsidiárias em relação à sua competência própria, fazer uso da autorização que agora solicita.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espero, noutras situações, comparecer perante esta Assembleia - da qual me honro de ter feito parte - para analisar e ajudar a debater, por parte do Governo, problemas de fundo que, desde logo, ajudem à construção de um Estado de direito e de justiça social.
Apresento-me agora para justificar uma questão de metodologia, que, convolada para a sua eventual aplicação futura, se revelará meramente instrumental. O futuro o dirá. E dirá, sobretudo, em seguimento do que a experiência tem revelado, que, por vezes o apelo ao perfeccionismo formal poderá pôr em risco objectivos essenciais que, em confluência, à Assembleia da República e ao Governo cabe prosseguir, cada um no seu espaço institucional próprio.
O direito sancionatório que agora poderá estar em causa será, com efeito, e em qualquer caso, um direito incidental e secundário, que não envolverá significativas opções em matéria de política criminal.
Esta repercutirá, é certo, em qualquer opção legislativa.
E será exacto e pertinente exigir que o Governo, nas opções, mesmo incidentais que tome, respeite a unidade do sistema. Mas não menos certo é que a esta Assembleia sempre pertencerá a última e decisiva palavra, a mais relevante das quais será a de um juízo de confiança sobre a actuação global do Governo.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, pude, há momentos, da tribuna da Assembleia da República, fazer a apresentação de um projecto de lei do PCP, relativo à organização e funcionamento dos julgados de paz, aduzindo então algumas considerações sobre a situação da justiça em Portugal.
Referi aquilo que ninguém contesta: que é péssimo o estado das instalações; que há juízes que não são nomeados para onde é necessário que eles estejam; que há carências gritantes de infra-estruturas e de apoios de natureza técnica na rede dos tribunais; que os processos se amontoam, tornando a justiça perfeitamente ineficaz, para além de ser já cara e distante; que atinge o astronómico número de 270 000 o conjunto dos processos pendentes, alguns dos quais, em matéria criminal, há mais de 5 anos jazendo à espera de uma decisão, panorama que é, não apenas grave, como aviltante
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para a própria ideia de justiça e para a comunidade em que nos inserimos.
Referi que o sistema prisional «estoira pelas costuras». As visitas que temos podido fazer às cadeias deste país não provam mais do que o confronto do que deve ser, na óptica do Estado, o direito e o sancionamento de ilícitos com aquilo que é a realidade mais confrangedora. O Instituto de Reinserção Social é uma ficção. Os magistrados judiciais e do Ministério Público, dia após dia, protestam contra a situação em que se acham do ponto de vista remuneratório mas, naturalmente, também quanto a outras questões do seu estatuto.
Face a tudo isto, há uma pergunta que não pode deixar de ter-se por pertinente, e que só com alguma animadversão se não terá como profundamente conexionada com o presente debate, que gostaria de lhe colocar. É a seguinte: como conjuga o carácter eminentemente avulso, para além de tecnicamente incorrecto conclusivamente, passível de questões de constitucionalidade, de uma medida como esta com o que seria necessário para reformular o panorama da justiça? Que é como quem lhe pergunta: quais são as posições concretas, ainda que globais, do novo Ministro da Justiça face à moldura que lhe foi apresentada?
Suponho que todos teríamos a ganhar com o esclarecimento tempestivo e pertinente deste problema, porque, sem ele, nós, Assembleia da República, continuamos sujeitos ao casuísmo, ainda por cima inqualificado, de apreciar, de 6 em 6 meses, um pedido de autorização legislativa genérico em matéria de ilícitos penais e contraordenacionais, quando deveríamos - isso sim - conhecer a política penal do Governo, que, naturalmente, não é apenas a que resulta do Código Penal, acrescida das eventuais alterações que ainda não conhecemos, mas é também tudo aquilo que o Governo se propõe fazer em medidas de combate ao crime, em medidas de ressocialização e, naturalmente, num outro ângulo, numa outra vertente, mas que concernem à celerização da revisão da legislação adjectiva e ao fornecimento ao Parlamento do sentido em que vai esse tipo de trabalho.
Suponho, Sr. Ministro, que se trata de elementos indispensáveis, logo após a sua tomada de posse, para que possamos conhecer, com alguma fundamentação, quais serão, se admite que venham a ser, os caminhos da justiça em Portugal nos próximos tempos. Continuar os pretéritos será mau, mal inovar melhor será nada fazer. O que é que o Sr. Ministro Mário Raposo entende, neste domínio, indicar-nos?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro Mário Raposo, é um sinal dos tempos que nos tenha hoje vindo falar aqui, pela primeira vez, aliás na nova qualidade de Ministro, não dos temas que, porventura, lhe são mais caros, designadamente o tema do acesso ao direito e aos tribunais, que é realmente uma questão fulcral e que, cremos, será cada vez mais importante face à situação de ruptura dos tribunais e ao agravamento de discriminações que pesam sobre aqueles que menos podem e que, hoje em dia, têm as portas dos tribunais fechadas, atingindo uma situação que é francamente gritante e clamorosa e que exige medidas muito prontas - e devo dizer que, pela nossa parte, apresentámos um projecto de lei, procurando encetar um debate público, mas creio que é tempo, sobretudo, de agir, de fazer projectos, anteprojectos, debates, colóquios, soluções, soluções essas que estão ensaiadas, estão estudadas há anos, anos e anos; creio que estão ditas todas as palavras possíveis sobre o aceso ao Direito e que resta fazer algumas que sejam lei, e é nisso que também estamos empenhados -, mas de coisa bastante diversa, e que é uma violência institucional sobre a Assembleia da República. Creio que são de registar os termos em que o fez, em contraste, aliás, com o debate da impugnação, ainda há dias aqui decorrido, da admissibilidade da proposta de lei em referência. Isto porque creio que proeurou rodear de muitas cautelas aquilo que, mesmo com elas, não me parece ter enquadramento e cabimento, face às disposições constitucionais. V. Ex.ª discordará, porventura, das disposições constitucionais sobre este aspecto.
É possível abrir um debate sobre se o Governo não deverá ter um certo quantum de competência em matéria penal, pois já o tem em matéria contra-ordenacional, na sequência da última revisão constitucional. Agora, enquanto a questão estiver como está e sendo como é o regime de autorizações legislativas, a nosso ver, o Governo não pode obter da Assembleia da República autorizações que não definam, nem o sentido, nem o objecto rigoroso, nem qualquer das características que, em bom rigor, devem presidir, depois da revisão constitucional em particular, à concessão de autorizações legislativas.
A autorização que V. Ex.ª levará daqui é para criar toda a espécie de crimes, sem sabermos quais, quando e com que dosimetria!... Pura e simplesmente, à Assembleia da República é pedido que autorize o Governo a criar qualquer espécie de crimes, estando apenas impedido, aliás por sugestão do PCP aquando do debate da última «genérica», de alterar o Código Penal. O Governo é autorizado a estabelecer quaisquer penas, naturalmente até ao limite de 3 anos e a Assembleia da República vai autorizar isto, sem saber quando, como e em que termos é que o Governo vai usar isto que agora lhe é concedido, nem em que política criminal é que se insere.
Dirá V. Ex.ª, aliás já o disse, que o uso será incidental, será avulso, será secundário, será integrado dentro dos princípios que fluem do Código Penal. Sabe, no entanto, o Sr. Ministro como o Código Penal não pode ser invocado como arrimo para justificar, por exemplo, as soluções que foram encontradas para os Decretos-Leis n.ºs 316/84, 290/84, 400/84, 21/85 e 22/85. São decretos-leis sobre loteamentos urbanos, etc., em que o Governo, aliás, criou contra-ordenações e coimas.
O Sr. Presidente: - Faça favor de concluir, Sr. Deputado.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Portanto, a invocação deste diploma não é incidental, mas quase infimamente residual, como V. Ex.ª reparará, porque só num pequeníssimo normativa é que a autorização foi necessária. Não sei que trabalho é que teria dado ao Governo fazer entrar uma proposta concreta sobre esta matéria com a certeza de que, uma vez que penso que a maioria estaria de acordo, ela seria discutida e aprovada com muita urgência!...
Foi usada para os loteamentos urbanos, foi usada para os jogos de fortuna e azar, foi usada para a protecção da música portuguesa, e aí não diviso como.
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Será um mistério, e o Sr. Secretário de Estado, que invocou a questão, estará em melhores condições de esclarecer!
Em todo o caso, foi usada cinco vezes, Sr. Ministro, e todas as cinco vezes teria sido possível vir à Assembleia da República, com um debate por vezes sucinto e económico, obter autorização sem nenhuma violência institucional.
Mas o mais grave, e concluo, é que a política criminal do Governo é desconhecida. Ora o Código Penal é posto em questão como sendo o maior responsável pelos desmandos e pelo incremento da criminalidade que são, aliás, muito demagogicamente debatidos e estão ao serviço de certas campanhas de intoxicação; ora é dito que o Código Penal carece de umas pequenas alterações, alterações essas, que não se sabe quais são. Ao que julgamos, a Comissão que as está a trabalhar não divulga coisa alguma dos seus trabalhos. De resto, isso é competência da Assembleia da República, e de mais nenhuma entidade. Há um divórcio ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça favor de concluir.
O Orador: - Vou concluir, Sr. Presidente.
Como estava a dizer, há um divórcio profundo entre a gestão da política criminal e a Assembleia da República.
Estas autorizações, como violência institucional que são, aprofundam esse divórcio e são um atentado bastante chocante às prerrogativas normais da Assembleia da República. Gostava também de saber o que é que pensa sobre estas matérias, Sr. Ministro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Ministro da Justiça, gostaria também de lhe colocar algumas questões.
Em primeiro lugar, devo dizer que fui daquelas pessoas em Portugal que sublinharam o passo em frente que significou a autonomia do ilícito de mera ordenação. Aliás, o mérito não é grande, visto que muito mais gente o fez. Fê-lo, e muito bem, por exemplo, o actual Ministro da Justiça.
Sendo assim, pergunto-lhe directamente como é que se compreende que o Governo venha pedir à Assembleia da República uma autorização para, durante meses, criar um número indeterminado de contravenções.
Recordo um penalista conhecido, o professor Figueiredo Dias, que escrevia existir uma essencial condição no nosso Direito Penal: a de que o legislador futuro «não criasse nem mais uma contravenção». Foi a p. 326 das Jornadas de Direito Criminal. Mas o Governo vem-nos pedir uma autorização para criar mais contravenções!!...
A segunda questão tem a ver com o problema do direito económico. É a criminalização do direito económico que está em causa. Pergunto: não corresponderá isso também a um arrepio das modernas tendências do direito económico? Não será esse um campo especial em que se verifica que, precisamente, o regime das coimas se revela mais eficaz, mais directamente aplicável, inclusivamente mais susceptível de determinar uma acção preventiva sobre a criminalidade económica?
Em terceiro lugar, gostaria de saber como é que se compatibiliza essa política criminal, que desconhecemos, que fala sucessivas vezes na alteração do Código Penal sem nos dizer onde, como e porquê, com o sentido profundo de uma autorização legislativa que, no fundo, corresponde não ao conceito de um governo desarmado que aqui nos foi posto pelo anterior titular da pasta, mas de um governo que pretende introduzir casuísticamente penas de prisão no ordenamento jurídico português? Como é que tudo isto se compatibiliza com o regime constitucional que quis, precisamente, distinguir a actividade da Assembleia da República e a do Governo nesta matéria?
Os Srs. Vilhena de Carvalho (ASDI) e José Magalhães (PCP): - Muito bem!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente José Vitorino.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.
O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Ministro da Justiça, embora deva confessar a V. Ex.ª e a esta Assembleia que as questões que vou colocar-lhe foram já abordadas por outros deputados, não queria perder a oportunidade de, aproveitando a sua vinda a este Parlamento, dar-lhe as boas-vindas. Isto porque V. Ex.ª não só é um homem que tem um grande prestígio profissional - e devo dizer que tenho por si o maior respeito e a maior admiração -, mas também porque, como antigo Ministro da Justiça, e ainda como nosso par na Ordem dos Advogados onde já foi bastonário, nos dá a garantia de que, durante o mandato como Ministro da Justiça, V. Ex.ª irá certamente procurar resolver, de uma forma mais expedita, as questões que hoje se colocam à justiça em Portugal. Aliás, a justiça bem precisa de ser tratada de uma forma mais expedita, porque ela nem sempre vai bem em Portugal.
Penso mesmo que não será com a multiplicação de medidas de natureza repressiva que a justiça em Portugal poderá conhecer melhores dias. E digo isto porque ao visitarmos as cadeias do País verificamos que elas estão cheias de delinquentes, uns já condenados com trânsito em julgado e outros ainda a aguardar julgamento na situação de prisão preventiva. Ora, estas situações são dramáticas. Aliás, devo dizer que ainda no outro dia, deslocando-me à Cadeia de Pinheiro da Cruz, tive oportunidade de verificar isso mesmo.
Nesse sentido, coloca-se a questão de saber se já temos ou não leis preventivas para os diversos ilícitos criminais e contravencionais, ou se, pelo contrário, existem razões de outra índole, de outra natureza, designadamente de raiz económico-social, que levam as pessoas a encherem as cadeias do País. Porém, talvez o problema não seja tanto o de definir novos ilícitos criminais e novos ilícitos contravencionais, mas sim o de, aproveitando todo o corpo legislativo que já existe, saber aproveitá-lo, aplicá-lo e, através dele, fixar as penas que correspondem a essas situações ilícitas.
No entanto, devo dizer que, quando me inscrevi para usar da palavra, pretendia colocar algumas questões que não têm muito que ver com esta autorização legislativa que está em discussão.
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Desde há meses a esta parte temos vindo a fazer nesta Assembleia a abordagem de alguns diplomas que consideramos fundamentais, como seja o do Estatuto dos Advogados, e ainda não há muitos dias colocou-se o problema da revisão do Estatuto dos Magistrados Judiciais e o Estatuto dos Magistrados do Ministério Público, que já estão em sede de discussão na especialidade na respectiva Comissão. Colocam-se ainda problemas novos que, de uma forma ou de outra, condicionam também esta própria autorização legislativa e que têm a ver com a reformulação da Lei Orgânica dos Tribunais e com a aceleração do processo da justiça. Penso que passa também por aí a acção que o Sr. Ministro exerce, na medida em que sem uma revisão rápida e aprofundada das leis de processo, quer civil, quer penal, por mais ilícitos criminais e por mais ilícitos contravencionais que venham a ser criados em ordem à prevenção de determinado tipo de situações...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe, mas há qualquer problema com o som.
O Orador: - Como estava a dizer, penso que é por aí que deve passar essencialmente a acção do Ministério a que V. Ex.ª pertence, no sentido de tornar a justiça mais eficaz, mais rápida e mais operativa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, verifica-se novamente um problema com o som.
O Orador: - Sr. Ministro, como já referi, embora tenha pedido a palavra com a ideia de lhe dar as boas-vindas e cumprimentar a pessoa de V. Ex.ª, por quem tenho muita amizade e estima, gostaria de lhe colocar a seguinte pergunta: por que razão, logo no artigo 1.º do pedido de autorização legislativa...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, mais uma vez peço desculpa, pois o som está a falhar.
O Orador: - Sr. Presidente, não sei se não haverá alguém que não tenha muito interesse em que eu não seja ouvido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora, temos muito gosto!
O Orador: - Creio que se tratará de um problema técnico!
Como estava a dizer, gostaria de saber por que razão não se definiu desde logo quais os diplomas e qual o tipo de medidas que vão ser aprovadas por este governo. Julgo que seria importante que V. Ex.ª, em resposta a este pedido de esclarecimento, as abordasse, embora pessoalmente eu esteja convencido de que, quer o Sr. Ministro, quer o Governo, nos dão a garantia de que neste domínio não haverá arbitrariedade.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.
O Sr. Raúl e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, em primeiro lugar gostaria de agradecer à Mesa a boa vontade que esta manifestou ao ter permitido que usasse da palavra para formular pedidos de esclarecimento, na medida em que o pedido não foi feito atempadamente visto não poder estar presente na altura em que se deviam fazer as inscrições.
Sr. Ministro, naturalmente que o Governo, ao apresentar este pedido de autorização legislativa, teve em vista - aliás, nem de outra forma se poderia compreender - um certo número de ilícitos criminais em relação aos quais pretende legislar. Para que se torne mais transparente o pedido de autorização legislativa, certamente que o Sr. Ministro compreenderá o interesse desta Assembleia em saber quais os ilícitos criminais em relação aos quais o Governo projecta legislar.
, pois, este esclarecimento que, para já, solicito a V. Ex.ª, Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Igualmente para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lino Lima.
O Sr. Lino Lima (PCP): - Sr. Ministro, tal como sempre sucede nestes pedidos de autorização legislativa, o Governo dirige-se à Assembleia pedindo-lhe autorização para legislar por forma a ter meios de meter cidadãos na cadeia. Ainda não vi um ministro vir aqui a propor alguma coisa que se destinasse não a meter cidadãos na cadeia, mas a impedir que haja necessidade para tal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Ora, uma atitude destas seria extremamente importante porque, como o Sr. Ministro tem conhecimento, neste momento as cadeias portuguesas têm uma superlotação espantosa. No sábado passado, eu e outros deputados pertencentes a outras bancadas fomos visitar a cadeia de Custóias que é destinada a quatrocentos e tal presos, mas que neste momento tem novecentos e tal.
Gostaria, pois, de aproveitar esta oportunidade para chamar a atenção do Sr. Ministro para a situação absolutamente dramática - e não estou a exagerar nada quando digo isto com esta veemência - em que se encontram as mulheres presas na cadeia de Custóias. Essas mulheres encontram-se numa dependência que não era destinada à prisão e na qual poderiam, quanto muito, caber cerca de 20 mulheres, mas que, neste momento, tem 40, das quais 8 ou 9 são crianças.
Digo-lhe, Sr. Ministro, que já há num corredor quatro camas para as presas dormirem; que as mulheres não têm sítio para comer, pois a mesa onde comem é muito pequena, o que as obriga a empurrarem-se umas às outras e a terem de esperar que as outras comam para poderem comer.
Em virtude desta situação, os conflitos são constantes. Felizmente que o director da cadeia conseguiu arranjar uma possibilidade de as crianças ficarem durante o dia numa creche da freguesia onde se situa a cadeia de Custóias. Mas quando chegam à noite, o Sr. Ministro não faz ideia do que são crianças a pegarem-se umas com as outras num espaço tão pequeno. E depois pegam-se as mães das crianças em virtude das pegas dos filhos.
A situação é, de facto, perfeitamente aflitiva. Ainda ontem, numa reunião da subcomissão que foi visitar essa cadeia, e da qual faço parte, tive ocasião de dizer
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que, nestas condições, o Estado não tem o direito de manter ninguém preso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - E digo-lhe mais, Sr. Ministro: nestas condições, a obrigação do Estado é a de soltar os presos, pô-los na rua.
As condições em que se encontram as mulheres na cadeia de Custóias são infra-humanas!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É um escândalo!
O Orador: - Por isso, Sr. Ministro, peco-lhe que atenda a esta situação, que se informe imediatamente sobre ela e que tome as medidas conformes.
Aplausos do PCP, do PS, do MDP/CDE e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder em primeiro lugar ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, dizendo o seguinte: o artigo 20.º da Constituição concede a todos os cidadãos o direito de acesso aos tribunais e a garantia da via judiciária. Mas mesmo que a Constituição não consagrasse este direito, ele resultaria dos grandes textos internacionais a que Portugal se vinculou.
Entretanto, uma coisa são as intenções do legislador constitucional e outra coisa é a realidade com que todos nós, servidores imediatos da justiça ou políticos responsáveis pelo Governo ou por qualquer outra área institucional deste país, nos deparamos. Tenho de reconhecer aqui, publicamente - e devo dizer que o Governo está preocupado com a gravidade dos problemas e que está em vias de concretizar medidas que vêm sendo preparadas desde há longo tempo -, que, na realidade, há que enfrentar rapidamente, através de todos os meios normativos e, por assim dizer, logísticos adequados, a crise judiciária que a todos nós se revela.
Disse o Sr. Deputado José Manuel Mendes - e com inteira pertinência - que não pode haver uma administração da justiça salutar, saudável e correcta enquanto se mantiverem degradadas as instalações de alguns dos tribunais onde essa justiça se administra. E isto porque essa degradação condiciona desde logo o prestígio e a dignidade dessa mesma justiça.
Não há dúvida de que, para além de todas as reformas judiciárias, há que imaginar e introduzir medidas de reforma administrativa no funcionamento estrutural dos tribunais. Mas, sobretudo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, há que passar das palavras e das intenções aos actos. Isto não significa, de forma nenhuma, uma assunção de culpa por parte do Governo a que pertenço pois todos nós sabemos que este problema se vem manifestando desde há vários anos. No entanto, reconheço que têm de ser tomadas medidas a curto prazo.
Hoje, cada vez mais, o Direito Processual é encarado como um elemento nuclear do Direito Judiciário. Como sabem, há obras de processo civil que são designadas por droit judiciaire. Assim, por exemplo, em França o Droit Judiciaire, de Solus-Perrot. Portanto, há que simplificar o processo em termos não desmedidamente ambiciosos, mas partindo de um nova concepção de base e de uma nova filosofia de actuação. O que quer dizer que sou absolutamente contrário a que se faça uma reforma processual que não parta da adopção coerente das intencionalidades determinantes que condicionam a sua concretização.
Posso esclarecer o Sr. Deputado e esta Assembleia de que estão a decorrer com intensidade os trabalhos de preparação legislativa. Só que, como todos nós sabemos, para eles serem minimamente adequados e para poderem responder, não através de uma mera aparência mas de uma realidade eficaz, àquilo que se lhes pede, não poderão ser apressados. Estou certo de que dentro de alguns dias estará pronto um diploma intercalar sobre processo civil e que a curto prazo - dentro de 2 ou 3 meses - estará já em fase de análise pelas entidades interessadas, nomeadamente pela Associação Sindical dos Magistrados Judiciais, pelo Sindicato do Ministério Público, pela Ordem dos Advogados e, evidentemente, pela comissão parlamentar desta Assembleia da República, isto é, pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a nova problemática do Direito Processual.
Relativamente ao problema das instalações dos tribunais, devo dizer que não serão de acastelar projectos excessivamente ambiciosos, porque todos nós sabemos que os meios financeiros disponíveis não são municiadores de uma excessiva ambição. O que teremos é de acudir rapidamente, quase diria humildemente, às situações de ruptura, que reconheço existirem hoje, como há 4, 5 ou 10 anos atrás. Mas, evidentemente, à medida que a vida dá às pessoas um reforçado sentido de integração social e de dignidade, vão-se criando novas frentes de litigiosidade. Isto é natural e é uma afirmação de cidadania. Só que o trabalho se vai avolumando nos tribunais e as instalações vão-se tornando manifestamente insuficientes para fazer face a esse boom.
Quanto aos meios de combate à criminalidade, a qual reconheço estar a crescer em Portugal - como, aliás, em toda a parte -, evidentemente que a justiça não é tão pronta e célere como pretenderíamos. Constato que a situação, sem ser de absoluto alarme, é, realmente, uma situação grave e que tem de ser enfrentada. É um problema que existe um pouco por todo o mundo, mas que em Portugal assume, de facto, uma expressão particular. E a ela não será estranho o ter havido uma estrutura normativa que não se foi adequando progressivamente às necessidades de evolução social. Nos últimos anos do regime anterior obviamente que não se pretendia consagrar e aceitar essa evolução social, como se procurava acomodar a natural expansão da dignidade dos cidadãos.
Quanto a essas medidas de combate à criminalidade, devo dizer que a Polícia Judiciária, que é o órgão directamente situado no espaço do Ministério da Justiça e mais directamente vocacionado para esse efeito, tem dado, designadamente através da Direcção-Central do Combate ao Banditismo, criada em 1980, embora implementada posteriormente, uma resposta tanto quanto possível eficaz.
No fundo, vou repetir ao Sr. Deputado José Magalhães aquilo que disse ao Sr. Deputado José Manuel Mendes. Há realmente o preocupante problema de o acesso aos tribunais se quedar numa mera declaração constitucional, num mero programa de actuação sem equivalência na realidade. Devo dizer, incidentalmente,
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que não acredito que as leis resolvam tudo, mas que penso que resolvem muita coisa.
Votámos nesta Assembleia, por exemplo, a lei do consumidor e aprovámos uma base pela qual ao Governo se imputava a regulamentação do princípio da lealdade da contratação. Mas porque aos governos não é dado acudir a todas as necessidades e solicitações, a base não foi desenvolvida. E, neste momento, ainda não está preparado um diploma sobre as condições gerais dos contratos. Precisarei, entretanto, que já foi solicitada a um jurista de grande qualidade a preparação do necessário estudo prévio. E estou certo que ele será susceptível de ser convertido em diploma num prazo relativamente breve.
Há, com efeito, que «agir no campo», sem burocracias e sem excessos de formalismos, com vista a enfrentar as situações de ruptura que, aqui e além - não posso escamotear essa realidade -, se vão evidenciando.
O Sr. Deputado José Magalhães apontou casos de diplomas avulsos para os quais tinham sido concedidas autorizações legislativas a esta Assembleia. Estou certo, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que os diplomas emanados do Ministério da Justiça que tenham relevo mais significativo e que envolvam problemas mais decisivos - virão previamente à Assembleia da República. Como o Sr. Deputado Magalhães Mota muito bem referiu, eu próprio assumi desde o primeiro momento a posição de incrementar o direito de mera ordenação social. Faço minhas as palavras do professor Figueiredo Dias, que o Sr. Deputado referiu, nas Jornadas de Direito Criminal, em que, fazendo a história da evolução do ilícito de mera ordenação social, refere o diploma de 1979 que extinguiu o ilícito contravencional, depois a cassação desse diploma ocorrida ainda nesse ano e, finalmente, a sua repristinação através da consagração do ilícito de mera ordenação social. No entanto, como sabem, continua a estar previsto, a par do ilícito criminal e do ilícito de mera ordenação social, o ilícito contravencional.
Todos nós, entretanto, sabemos que há determinadas áreas do Direito Penal Económico - não me estou a reportar ao pequeno especulador de bairro, mas sim à grande criminalidade dos negócios, à criminalidade de «colarinho branco» - que não são permeáveis à actuação pedagógica do ilícito de mera ordenação social. Há necessidades, por vezes, de- se perfilar um ilícito criminal ou um ilícito mais marcadamente contravencional. Não penso que esta autorização legislativa, uma vez concedida, venha a ser mal utilizada, como já ouvi referir a propósito de um debate sobre outro diploma com igual configuração. E creio que, pelos vistos, na sua execução ele não foi objecto de escândalo ou de transgressão das normas de bom relacionamento institucional entre o Governo e a Assembleia da República. A autorização agora pedida será sobretudo utilizada para enfrentar problemas que, na realidade, pela sua imediação e impositividade careçam de acolhimento imediato.
Quanto ao Sr. Deputado Raul e Castro, creio ter prestado já, sumariamente, os esclarecimentos adequados. O Ministério da Justiça, sem ser de lê ministère de ía loi, é, sem dúvida, consultado sobre a definição e as ulteriores expressões de uma política criminal comum, que é necessariamente a do Governo em que ele se integra.
Terminarei, Sr. Presidente, Srs. Deputados, com uma alusão àquilo que o Sr. Deputado Lino Lima referiu com todo o seu sentido humanitário e toda a sua grandeza de advogado, que sempre foi pelo espírito e pela actividade. Compreendo perfeitamente os amargos reparos que fez a uma situação que desconheço mas que figuro que possa existir. Não quero, evidentemente, afirmar coisas que não sei se poderei cumprir, mas farei tudo o que me for possível, no círculo das minhas possibilidades e competências - e neste caso até tenho competência para o efeito -, em ordem a acudir de imediato a esses problemas.
De facto, os estabelecimentos prisionais têm de ser uma forma de reconstrução da personalidade dos reclusos, e será assim que começará a sua verdadeira reintegração social. E se o for nas cadeias que se fomenta o crime, prenunciando a insensibilidade perante o acolhimento que qualquer pessoa humana deve encontrar na sociedade, muito mal irão as coisas, Sr. Deputado! O Ministério da Justiça providenciará, até ao limite das suas possibilidades, para que tais situações não possam ocorrer.
Sem ter feito grandes afirmações, vou terminar. Sou, com efeito, a favor das realizações concretas, do «trabalho de campo», para retomar a expressão do Sr. Deputado José Magalhães. Isto, claro está, sem pôr de remissa que são realmente os grandes objectivos que ajudam a compreender e a enfrentar os grandes problemas.
Em breve aditamento, devo ainda referir, até porque creio que ele seja da autoria do Sr. Deputado José Magalhães ou do Sr. Deputado José Manuel Mendes, o projecto de lei sobre o acesso ao direito e aos tribunais apresentado pelo PCP. É com muito gosto que faço ressaltar que algumas das expressões práticas dessa política de acesso ao direito tinham já tido um começo de execução no Ministério da Justiça, concretamente quanto ao centro de publicações jurídicas, que no projecto é convocado para a Imprensa Nacional e que tivera no Ministério da Justiça em 1980 um começo de funcionamento, com a publicação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em volume anotado pelo Sr. Conselheiro Pinheiro Farinha.
E, tal como está registado numas palavras que então escrevi, gostaria que o Ministério da Justiça pudesse cumprir uma tarefa de difundir a lei e o direito pelos próprios juristas. A ideia de acesso ao direito não valerá necessariamente como uma certa laicização do direito. Servirá também para fomentar a adopção de medidas que tornem mais expedito o acesso ao direito por aqueles que estão especialmente vocacionados para o aplicar, e que são os juristas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Termino com uma palavra de esperança. Através de um diálogo permanente entre o Governo e esta Assembleia todos deveremos ajudar a construir um Estado que não seja apenas nominalmente de direito mas que seja, de facto, um Estado de direito de justiça social.
Aplausos do PS, do PSD e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Estão inscritos, para protestos, os Srs. Deputados José Manuel Mendes, José Magalhães, Magalhães Mota e Roque Lino, e estamos quase na hora regimental para terminarmos a sessão...
Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
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2178 I SÉRIE - NÚMERO 52
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo não queria abusar da paciência da Câmara, mas tinha uma solicitação a apresentar no sentido de os Srs. Deputados, mediante um ligeiro prolongamento da sessão, fazerem de imediato os protestos ao Sr. Ministro da Justiça para que ele ainda possa, na sequência da intervenção que acabou de fazer, dar as respectivas respostas.
Esta solicitação tem uma razão simples: na próxima terça-feira o Sr. Ministro da Justiça tem de estar presente numa reunião do Conselho de Ministros que coincide com a sessão plenária da Assembleia da República, e receio que isso prejudique o andamento do debate se não se puder passar imediatamente à fase dos protestos.
Se os Srs. Deputados virem inconvenientes inultrapassáveis, o Governo submete-se à vossa decisão. Fazíamos apenas este pedido de uma pequena boa vontade adicional, aliás como já foi manifestado no início do próprio debate ao não haver quórum.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que dou consenso a que se façam hoje os protestos e os contraprotestos, mas queria dizer que me parece de toda a conveniência que o Sr. Ministro da Justiça possa estar presente na continuação deste debate na próxima terça-feira. Creio que, ainda que com sacrifício - naturalmente todos compreendemos as dificuldades de programação -, essa presença é indispensável.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, colocada a questão nestes termos, o Governo gostaria que a solução encontrada fosse outra, mas acata a decisão do Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a próxima sessão é na terça-feira, dia 5, às 15 horas, com período de antes da ordem do dia. Da ordem do dia consta a continuação da discussão deste diploma, a votação do requerimento que não pôde ser votado hoje e ainda a apreciação das propostas de lei n.ºs 86/III e 78/III.
Está, pois, encerrada a sessão.
Eram 13 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Dinis Manuel Pedro Alves.
José Martins Pires.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Manuel Pereira.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
António Guilherme Branco Gonzalez.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino Carvalho de Lima.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel Jorge Forte Góes.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
José Manuel Tengarrinha.
Raul Morais e Castro.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
António Gonçalves Janeiro.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José Alves Figueiredo.
Francisco Antunes da Silva.
João Evangelista Rocha de Almeida.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Adriano Gago Vitorino.
José Mário de Lemos Damião.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Moreira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim António Miranda da Silva.
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2 DE MARÇO DE 1985 2179
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Odete Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António Gomes de Pinho.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Luís Cruz Vilaça.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Ruben José de Almeida Raposo.
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PREÇO DESTE NÚMERO 60$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.