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I Série -Número 61
Sábado, 23 de Março de 1985
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 22 DE MARÇO DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs.
Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos DamiSo
José Manuel Mala Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 20 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente e da apresentação de requerimentos.
Em declaração política, o Sr. Deputado Laranjeira Voz (PS) referiu--se à situação que se vive na Cooperativa de Ensino Universidade Livre, tendo, no fim, respondido a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Gois (CDS).
Também em declaração política, o Sr. Deputado Custódio Gingão (PCP) teceu considerações acerca da agricultura nacional e criticou o Governo pela sua actuação relativamente à Reforma Agrária. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Vitorino (PSD), Paulo Barral (PS) e João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado Meneses Falcão (CDS), a propósito do Dia Mundial da Floresta e Dia Nacional da Árvore, referiu-se à questão dos incêndios florestais e da reflorestação do País. No fim, respondeu a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado João Abrantes (PCP).
Ordem do dia. - No início da primeira parte da ordem do dia foi apresentado, pelo PCP, um recurso, que foi rejeitado, sobre a atribuição de tempos para o debate do pedido de inquérito parlamentar n.° 9/III, tendo intervindo, após a fundamentação feita pelo Sr. Deputado José Magalhães (PCP), os Srs. Deputados José Vitorino (PSD) e Raul e Castro (MDP/CDE).
Iniciou-se, depois, o debate relativo ao inquérito parlamentar n. ° 9/III, apresentado pelo PCP, tendente a apurar em que obras ou empreendimentos da responsabilidade da Secretaria de Estado das Obras Públicas se verificaram desmoronamentos e outras anomalias, bem como as respectivas causas, implicações e responsabilidades. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Anselmo Aníbal (PCP) e Paulo Barral (PS).
Na segunda parte da ordem do dia, após ter sido rejeitado um requerimento, apresentado pelo Sr. Deputado João Amaral (PCP), de avocação ao Plenário de alguns artigos do diploma a ser votado e após a leitura do relatório da respectiva Comissão, foi aprovado, em votação final global, o texto resultante dos projectos de lei n.º s 49/III, da ASDI, e 163/III, da UEDS, e da proposta de lei n. ° 61/III, sobre o Objector de Consciência.
Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Vilhena de Carvalho (ASDI), António Meira (PS), Pessegueiro Miranda (UEDS), Carlos Coelho (PSD), Jorge Gois (CDS), e João Amaral (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 13 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 20 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António do Carmo Saleiro.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
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Frederico Augusto Händel de Oliveira. Gaspar Miranda Teixeira. Gil da Conceição Palmeiro Romão. Henrique Aureliano Vieira Gomes. João de Almeida Eliseu. João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu. João do Nascimento Gama Guerra. João Rosado Correia. Joaquim Manuel Ribeiro Arenga. Joel Maria da Silva Ferro. Jorge Alberto Santos Correia. Jorge Lacão Costa. Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda. José de Almeida Valente. José António Borja dos Reis Borges. José Augusto Fillol Guimarães. José da Cunha e Sá. José Luís do Amaral Nunes. José Luís Diogo Preza. José Manuel Niza Antunes Mendes. José Manuel Nunes Ambrósio. José Manuel Torres Couto. José Maria Roque Lino. José Martins Pires. Juvenal Baptista Ribeiro. Leonel de Sousa Fadigas. Litério da Cruz Monteiro. Luís Abílio da Conceição Cacito. Manuel Fontes Orvalho. Manuel Laranjeira Vaz. Maria Ângela Duarte Correia. Maria da Conceição Pinto Quintas. Maria Helena Valente Rosa. Maria Luísa Modas Daniel. Maria Margarida Ferreira Marques. Nelson Pereira Ramos. Nuno Álvaro Freitas Alpoim. Paulo Manuel Barros Barral. Raul Fernando Sousela da Costa Brito. Ricardo Manuel Rodrigues de Barros. Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo. Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves. Rui Monteiro Picciochi. Silvino Manuel Gomes Sequeira. Teófilo Carvalho dos Santos. Victor Hugo Sequeira. Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes. Adérito Manuel Soares Campos. Agostinho Correia Branquinho. Amândio Domingues Basto Oliveira. Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo. Amadeu Vasconcelos Matias. António Joaquim Bastos Marques Mendes. António Nascimento Machado Lourenço. António Roleira Marinho. António Sérgio Barbosa de' Azevedo. Anacleto Silva Baptista. Cristóvão Guerreiro Norte. Daniel Abílio Ferreira Bastos. Domingos Duarte Lima. Eleutério Manuel Alves. Fernando José Roque Correia Afonso. Fernando Monteiro Amaral. Fernando dos Reis Condesso.
Gaspar de Castro Pacheco. João Evangelista Rocha de Almeida. João Maria Ferreira Teixeira. Joaquim Eduardo Gomes. José Adriano Gago Vitorino. José Augusto Santos Silva Marques. José Mário de Lemos Damião. José Silva Domingos. Leonel Santa Rita Pires. Manuel António Araújo dos Santos. Manuel Ferreira Martins. Manuel Maria Portugal da Fonseca. Manuel Pereira. Mário Júlio Montalvão Machado. Mário de Oliveira Mendes dos Santos. Raul Gomes dos Santos. Vasco Francisco Aguiar Miguel. Virgílio Higino Gonçalves Pereira. Vítor Manuel Ascenção Mota.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro. António Anselmo Aníbal. António da Silva Mota. Belchior Alves Pereira. Carlos Alberto da Costa Espadinha. Carlos Alfredo de Brito. Custódio Jacinto Gingão. Francisco Manuel Costa Fernandes. Francisco Miguel Duarte. Jerónimo Carvalho de Sousa. João António Gonçalves do Amaral. João Carlos Abrantes. Joaquim António Miranda da Silva. Jorge Manuel Abreu de Lemos. Jorge Manuel Lampreia Patrício. José Manuel Antunes Mendes. José Manuel Maia Nunes de Almeida. José Rodrigues Vitoriano. Manuel Gaspar Cardoso Martins. Manuel Rogério. de Sousa Brito. Maria Margarida Tengarrinha. Maria Odete Santos. Mariana Grou Lanita. Paulo Areosa Feio.
Centro Democrático Social (CDS):
Alexandre Carvalho Reigoto. Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares. António Filipe Neiva Correia. António Gomes de Pinho. Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira. Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca. Hernâni Torres Moutinho. Horácio Alves Marçal. João Lopes Porto. José Henrique Meireles Barros. Luís Filipe Paes Beiroco. Manuel António Almeida Vasconcelos. Manuel Jorge Forte Goes. Manuel Leão Castro Tavares.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Corregedor da Fonseca. Raul Morais e Castro.
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Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António Poppe Lopes Cardoso. Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Carta
De Carlos Manuel Alves Moreira, deficiente das Forças Armadas, reclamando contra o facto de, após ter trabalhado durante vários anos e ter descontado como qualquer outro trabalhador, ver agora a sua reforma Reduzida a 50%.
Ofícios
Da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia a remeter fotocópia de uma moção na qual recomenda à Câmara Municipal daquela localidade e solicita ao Governo que tudo façam no sentido de ser preservado o edifício da Clínica Heliântia e o seu retorno ao fim para que foi criada.
Da Assembleia Municipal de Tomar, fazendo referência ao evoluir do problema da Fábrica de Fiação daquela localidade.
Da Câmara Municipal de Gondomar a enviar cópia de uma moção relacionada com o pedido de declaração de utilidade pública, expropriação urgente e posse administrativa de uma parcela de terreno para a rede de saneamento na freguesia de Rio Tinto.
Telegramas
Da direcção da Cooperativa de Ensino de Ruilhe Braga e telex da Cooperativa de Ensino de Riba D'Ave, pedindo providências urgentes que obstem à ruptura iminente, devida à falta do envio do apoio financeiro, que motiva atraso no pagamento dos salários a professores e funcionários.
Da direcção do Sindicato dos Trabalhadores das Contribuições e Impostos, propondo imediata alteração ao artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 44/83, que impediu o visto pelo Tribunal de Contas em nomeações de trabalhadores, a fim de evitar acções reivindicativas e consequente perda de milhões de contos de receitas fiscais.
O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Na última sessão foram apresentados os seguintes requerimentos:
Ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Zita Seabra e Jorge Lemos; ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado
Handel de Oliveira; ao Ministério da Defesa Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Manuel
Alegre e outros; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Roleira Marinho e, ao Ministério do Equipamento Social, formulado pelo Sr. Deputado Carvalho Silva.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, o meu grupo parlamentar vai entregar na Mesa um requerimento, ao abrigo do disposto no Regimento, no sentido de recorrer da decisão de V. Ex. º, que fixou uma limitação de tempos para o debate em torno do pedido de inquérito parlamentar n.º 9/III.
Dentro de momentos faremos chegar esse requerimento à Mesa e aguardaremos que esta proceda à sua leitura e o ponha à discussão para o podermos fundamentar.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. A Mesa fica a aguardar a entrada do requerimento.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laranjeira Vaz.
O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Cooperativa de Ensino Universidade Livre, hoje mesmo ocupada pelos estudantes, foi criada vai para 8 anos e dispõe hoje de estabelecimentos de ensino em Lisboa e no Porto, presentemente com perto de seis mil alunos, cuja maioria frequenta o curso de Direito.
A situação dramática que se vive na Universidade Livre é identificada por professores e alunos com a existência de um grupo contestatário que, há anos, surgiu no seio da cooperativa que conseguiu ocupar a sede e outras instalações, utilizando mesmo a força física. O «caso» está em tribunal, mas recorda-se que este grupo, conotado com organizações de extrema-direita, fundou entretanto uma sociedade anónima, a SOGELIVRE Sociedade Gestora de Ensino Livre, a quem «trespassou» a cooperativa, como que um estabelecimento de ensino superior possa, por princípio, ser objecto de trespasse! ... É que a autorização de ensino dada pelo Governo, em que se consubstancia a Universidade, é, por natureza, intransmissível pelo que não pode ser cedida a outrem pelas entidades a quem tenham sido concedidas. Portanto, de duas, uma: ou a cedência não teve lugar e a SOGELIVRE está a administrar ilegalmente a Universidade Livre, ou tal cedência teve lugar e a autorização de ensino dada pelo Governo à Universidade Livre poderá ser posta em causa por quem de direito.
Terá sido a administração da SOGELIVRE que terá pressionado alguns docentes a afastarem-se alegadamente por estes terem escrito ao Ministério da Educação solicitando que este legisle no sentido de resolver a situação criada.
Enquanto isto acontece, avolumam-se os sinais de que, de facto, tem alguma base a opinião de que aquela Universidade se converteu numa < impressionante máquina lucrativa» sem, em contrapartida, fornecer uma formação com a qualidade mínima exigível para quem paga em média 10 000$ a 11 000$ mensais, mais parecendo um supermercado que vende mercadoria que não tem.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Orador: - Ou seja: uma autorização de ensino dada pelo Governo a uma cooperativa, sem fins lucrativos, dá hoje «chorudos» lucros a uma sociedade anónima, sem que se antevejam elevados investimentos, quer na escola, quer no apoio social aos estudantes.
Por outro lado, juntam-se várias turmas num único espaço, sendo frequente no curso de Direito um professor leccionar em condições inacreditáveis duas centenas de alunos quando a quantidade de alunos que actualmente frequenta o curso de Direito neste estabelecimento de ensino está em manifesta desproporção com os alunos que frequentam as respectivas vias e cursos do 12.º ano, o que levanta, pelo menos, a questão de se saber quais as situações em que são admitidos alunos.
O problema de «transparência de situações» na Universidade Livre começa desde logo pelo próprio reitor que, além deste cargo, é igualmente presidente do Conselho Científico da Faculdade de Economia do Porto.
Se, neste caso, não há um impedimento legal para essa acumulação, sublinhe-se, porém, os equívocos, confusões e as implicações éticas e morais que esse facto pode comportar.
Aliás, e a outro nível, essa situação é completada pelo número relevante de docentes da mesma escola oficial que leccionam na Universidade Livre. Ainda recentemente, um estudo elaborado pela Associação de Estudantes da Faculdade de Economia do Porto insinuava a propaganda que alguns docentes fazem do correspondente curso da «Livre» em que também leccionam.
Em 1980, o Decreto-Lei n.º 426/80 atribuiu-lhe personalidade jurídica. Todavia, e quando tudo indicava que, após uma fase de atribulações e até de violências, aquela instituição havia conquistado uma fase de estabilidade, o Tribunal Constitucional veio declarar, em meados do ano findo, a inconstitucionalidade do referido decreto-lei em alguns dos seus artigos.
Com efeito, o artigo 1. º do Decreto-Lei n.º 426/80, havia atribuído personalidade jurídica à Universidade Livre e foi nesse pressuposto que se basearam as disposições do mesmo diploma, que conferem à mesma Universidade a faculdade de atribuir os graus académicos e regulam a constituição dos júris de exames para a concessão dos graus de mestre e de doutor.
Declarada juridicamente inválida como pessoa colectiva de utilidade pública, a Universidade Livre, à qual fora atribuída a faculdade de conceder graus académicos, põe-se, logicamente, a questão de saber se o estabelecimento de ensino Universidade Livre, poderá conceder os graus académicos consignados no Decreto-Lei n.º 426/80.
É que uma coisa é uma universidade dotada de personalidade jurídica, dirigida pelos seus órgãos académicos próprios e outra, bem diferente, é uma sociedade cooperativa ou uma entidade particular - como no caso vertente - proprietária de um estabelecimento de ensino universitário.
De qualquer modo, a questão de saber se a Universidade Livre, já não como pessoa jurídica, mas como estabelecimento de ensino superior, pode continuar a conferir graus académicos, gera, ou pode gerar, incertezas a que convém pôr termo.
Por outro lado, compete ao Estado fiscalizar o ensino particular e cooperativo, o que significa que o princípio da livre associação, aplicada a matéria de ensino, não pode entender-se senão com as limitações decorrentes de as actividades e os estabelecimentos de en-
sino, enquadrados no âmbito de um sistema nacional de educação, serem de interesse público, como se expressa, aliás, na Lei n.º 9/79. E tanto as escolas particulares, como as cooperativas, se enquadram naquele sistema.
Como a intervenção do Estado não se limita, nem deve limitar-se, à fiscalização do ensino em si mesmo, no seu conteúdo e programas, mas estender-se aos aspectos organizativos do mesmo, designadamente no que respeita á estruturação orgânica das escolas particulares e cooperativas e ao seu funcionamento, impõe-se a intervenção do poder político na definição dos princípios gerais a que terão de submeter-se os estatutos das mesmas escolas.
É por isso que na referida lei se determina que o Governo deve publicar, por decreto-lei, o Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo, do ensino superior.
Dado, porém, que esse estatuto ainda não foi publicado, impõe-se, como medida urgente, e atendendo a que com a aludida declaração de inconstitucionalidade, a Universidade Livre ficou desprovida de disposições de carácter estatutário, se definam normas a observar nesse campo.
Além do mais verifica-se que a Universidade Livre está a funcionar sem alvará definitivo, nem as suas instalações foram até agora vistoriadas a fim de apurar as suas condições de funcionamento com os requisitos indispensáveis a um estabelecimento de ensino superior.
Também não está ainda fixado o numerus clausus relativamente à Universidade Livre, o que conduz a que a política do Estado, prosseguida em matéria de ensino, e de disciplina do mercado de trabalho, de indiscutível, interesse público, esteja a ser prejudicada naquela Universidade.
Por todas estas razões impõe-se a intervenção do Estado, no sentido de regular uma situação que, a não ser disciplinada convenientemente e abandonada pura e simplesmente à iniciativa privada, sem quaisquer limitações, ofende gravemente os interesses da colectividade.
Não pode o Ministério da Educação, em cómoda, mas errada interpretação do princípio da liberdade de ensino, permitir que se criem e iniciem o funcionamento de estabelecimentos de ensino, sem que sejam previamente analisados e garantidos os níveis científico e pedagógico do ensino a ministrar, a responsabilização de pessoas ou órgãos competentes e idóneos, a adequação das respectivas instalações e a existência do apoio didáctico indispensável. A tal se opõe o preceito constitucional que comete ao Estado a fiscalização do ensino particular e cooperativo e os preceitos legais que expressamente determinam que a liberdade de criação e funcionamento de estabelecimentos de ensino parti- cular e cooperativo está condicionada à satisfação dos requisitos que a lei fixa. Em nome do direito dos cidadãos a um ensino digno, não pode o Ministério permitir que pessoas ou instituições se aproveitem das limitações existentes no acesso ao ensino superior para, à margem dos preceitos legais em vigor, colocarem em funcionamento escolas, seguramente lucrativas, mas sem a garantia de qualidade científica e pedagógica.
Por isso, o Ministério já tomou medidas com as quais concordamos, esperando que a solução a encontrar surja em tempo de não prejudicar os alunos no corrente ano lectivo, não acrescentando assim aos prejuízos institucionais já verificados novos danos morais e materiais não justificados.
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É que o ensino e a instituição universitária não podem permitir a continuação da Universidade Livre como a galinha de ovos de ouro de uns tantos que nada têm a ver com o ensino e que apenas pretendem explorar os mais incautos.
Aplausos do PS, do PSD e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Góis.
O Sr. Jorge Góis (CDS): - Sr. Deputado Laranjeira Vaz, a intervenção que V. Ex. º produziu suscitou-me três questões, que gostaria de, muito rapidamente, colocar.
A primeira questão é a de saber se o Sr. Deputado é a favor ou contra o ensino privado em Portugal. A segunda é a de saber se o Sr. Deputdo defende a regularização da situação que se vive no seio da Universidade Livre ou prevê a hipótese de extinção desta Universidade. Gostaria, pois, de obter uma resposta o mais clara possível em relação a estes dois aspectos.
Por último, queria ser esclarecido sobre qual a posição do Sr. Deputado - e, nomeadamente, a posição do seu grupo parlamentar, se já estiver tomada - face à ocupação das instalações na Universidade Livre entretanto promovida pelos alunos.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Laranjeira Vaz.
O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Sr. Deputado Jorge Góis, as três perguntas que V. Ex.ª colocou mereceriam uma resposta adequada. Porém, o tempo de que o meu grupo parlamentar dispõe não vai permitir que lha possa dar, porque ainda temos uma outra intervenção para produzir.
Nesse sentido, tenho de responder de uma forma muito telegráfica: sou a favor do ensino privado em Portugal. Penso que se tem de encontrar uma solução para a questão da Universidade Livre que - tal como referi - não prejudique mais os alunos.
Face à ocupação das instalações na Universidade Livre entretanto promovida pelos alunos, penso que se trata de um direito legítimo dos estudantes, para salvaguarda dos seus legítimos interesses.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.
O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Decorridos que estão 20 meses de governação PS/PSD é inquestionável que a nossa agricultura se continua a afundar numa crise que, pelas suas consequências, compromete a própria independência nacional, tal o grau da nossa dependência externa.
O produto agrícola bruto desde 1977 tem diminuído à taxa média anual de 2,8 % e os rendimentos reais dos agricultores vêm diminuindo ao ritmo de 3 % ao ano.
O investimento produtivo não ultrapassa os 5 % do total da formação bruta do capital fixo.
Perante esta situação, que mais não representa que as consequências de uma política desastrosa que vem sendo executada com crescente agressividade desde 1977, este Governo resolve, com todo o despudor e falta de respeito pela inteligência dos Portugueses, responsabilizar a Reforma Agrária pela progressiva degra-
dação da nossa agricultura, como se as UCP/Cooperativas, ocupando hoje apenas 7 % da super(cie agrícola útil do Pais, pudessem influenciar os resultados económicos e técnicos a nível nacional!
O Governo considera que há que acabar com as UCP/Cooperativas e reconstituir a estrutura da propriedade anterior à Reforma Agrária com o pretexto de que é preciso relançar a produção. Este argumento é de tal forma aberrante que no mínimo se terá de considerar ridículo. Senão vejamos: qual a situação antes da Reforma Agrária, no que respeita à produção e produtividade?
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Era melhor!
O Orador: - As explorações minifundiárias com menos de 4 ha, ocupando apenas 15 % da superfície agrícola útil do continente, geravam 34 % do produto agrícola bruto enquanto os latifúndios com mais de 500 ha, ocupando mais de 30 % da superfície agrícola útil, apenas geravam cerca de 14 % do mesmo.
O índice de intensificação cultural no resto do continente era três vezes e meia superior ao registado na zona do latifúndio.
O índice da produtividade nos latifúndios não atingia sequer um quarto do registado nas explorações com menos de 4 ha.
É esta realidade que pode ser apresentada hoje como uma alternativa à Reforma Agrária?
Em toda esta situação aliavam-se o subaproveitamento, ou o abandono, puro e simples, de mais de 1,5 milhões de ha, o desemprego, salários miseráveis e a repressão.
Poderão os Srs. Deputados entender o que significa menos de 2000 grandes proprietários terem tanta terra quanto os cerca de 800 000 agricultores deste pais com explorações de área inferior a 20 ha?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Reforma Agrária foi o grito da liberdade de milhares de trabalhadores rurais e pequenos agricultores. A ocupação das terras correspondeu à necessidade de transformar a terra de exploração na terra de produção.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - De transformar o pão produzido por mãos escravizadas em pão produzido por mãos de homens e mulheres livres.
Aplausos do PCP.
A Reforma Agrária correspondeu à necessidade inadiável do desenvolvimento social nas terras do latifúndio.
Após o 25 de Abril pode-se afirmar que as primeiras creches e lares de terceira idade, obras de trabalhadores para trabalhadores, nasceram nas UCP/Cooperativas.
Pela primeira vez foram criadas garantias de emprego permanente. Mas não foi só a resposta aos graves problemas de ordem social o que a Reforma Agrária proporcionou.
O investimento produtivo nas UCP/Cooperativas atingiu nos primeiros 3 anos a média anual de 750 000 contos, ultrapassando hoje os 3,8 milhões de contos.
No que respeita à produção, e em relação aos cereais praganosos, a área semeada em 1975 foi já supe-
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rior em 7,8 % à média do decénio de 1962 a 1971, e a produção aumentou 18,8 % em relação à média do triénio anterior.
Em 1976 os resultados melhoraram substancialmente, e a área semeada então foi superior em quase 32 % à média dos já referidos 3 anos e a produção cresceu cerca de 40 % em relação à média de igual período, sendo igualmente bastante superior à média do decénio 1962 a 1971.
No que respeita ao conjunto das oleaginosas, e ainda em relação ao referido triénio, a produção em 1975 aumentou cerca de 90 % e em 1976 mais de 130 % .
Neste período, em que as UCP/Cooperativas dispuseram de cerca de 1 100 000 ha, o correspondente a aproximadamente 22 % da superfície agrícola do continente elas produziram mais de 45 % da produção nacional de cereais e oleaginosas.
Mesmo hoje, apesar de terem sido retiradas às UCP/Cooperativas as melhores terras, além de gados e máquinas, podemos verificar a enorme diferença exis- tente em relação ao tempo dos agrários.
Com efeito, em cada 1000 ha, o número dê bovinos passou de 50 para 80, o número de ovinos cresceu de 240 para 550.
A taxa de ocupação cultural passou de 8 % para 30 % , tendo chegado a atingir 36 % no ano de 1979-1980.
Outra questão que o Governo suscita, tal como alguns Srs. Deputados desta Assembleia, é a de que as UCP/Cooperativas têm trabalhadores em excesso. Independentemente dos. fundamentos de tal ponto .de vista, é oportuno recordar que ainda há dias o Sr. Deputado Paulo Barral apresentou um exemplo referente ao Alandroal, quando, infelizmente, neste concelho, nem sequer já é possível discutir a questão do emprego nas UCP pelo simples facto de que já não existe nenhuma delas.
Vozes do IPCIP: - É um escândalo!
O Sr. Paulo Barral (PS): - Bela confusão!
O Orador: - Este exemplo apresentado pelo Sr. Deputado constituiu, ao fim e ao cabo, um_ exemplo da falta de seriedade ou total desconhecimento da realidade com que alguns abordam as questões da Reforma Agrária; e devia ser motivo de reflexão para os deputados do Partido Socialista.
Seria ainda oportuno perguntar se o Governo e aqueles que comungam desta argumentação sobre o excesso de emprego sabem o que é a solidariedade dos que, tendo sofrido dezenas de anos o desemprego e a fome, lutam hoje para garantir que o pão possa entrar em casa dos seus companheiros.
Dozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E que alternativas têm criado estes e anteriores governos? Por que não viabilizam o aproveitamento integral dos recursos hídricos disponíveis, como são os casos das barragens do Lucifécit e Vigia construídas há 4 anos e praticamente sem utilização? E as barragens do Alqueva, dos Minutos, da Ourada e da Asseca? E onde estão as indústrias geradoras de novos postos de trabalho?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema é o da produção? Aplique-se às UCP/Cooperativas, tal como aos outros agricultores e proprietários, a Lei de Utilização dos Solos. Lei, aliás, que o Governo não aplica aos latifundiários que têm milhares de hectares improdutivos e a quem continua a atribuir novas reservas e majorações. A este propósito, e a título de exemplo, registem-se as duas reservas de que há dias foram notificadas as UCP/Cooperativas Pedro Soares e União das Silveiras, que o Governo se propõe atribuir à família Caiado, já contemplada com uma outra reserva de cerca de 600 ha e que se encontra há anos em completo abandono:
Quanto à questão da viabilidade onde estão os fundamentos e as provas sobre a viabilidade ou não das UCP/Cooperativas? Se elas não fossem viáveis, Srs. Deputados, há muito que teriam sucumbido ao dilúvio de ilegalidades, arbítrios e repressão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nova legislação na forja, que o PSD pretende impor ao PS, nada tem a ver com os interesses da nossa agricultura, dos nossos agricultores e da nossa economia. Ela mais não visa que a 'completa destruição da Reforma Agrária, a reconstituição da estrutura da propriedade de antes do 25de Abril, com todos os inqualificáveis privilégios que comportava.
Resta-nos perguntar: até onde pode chegar o comprometimento do PS neste projecto inconstitucional e iníquo? Até onde pode chegar a descaracterização política e ideológica do Partido Socialista?
Vozes do PCP: - Boa pergunta!
O Orador: - Uma certeza resulta de tudo isto, os trabalhadores da Reforma Agrária vão resistir, vão defender os seus direitos, não vão permitir que lhes ceifem ,um futuro de liberdade para si e para os seus filhos.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente- - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados José Vitorino, Paulo Barral e João Corregedor da Fonseca.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Deputado Custódio Gingão, a intervenção produzida por V. Ex.ª integra-se na campanha dos últimos dias que, com uma violência verbal crescente, o PCP, as suas estruturas e a comunicação social que lhe é afecta, vêm desenvolvendo contra o Governo e contra a maioria PS/PSD que o apoia, a propósito da anunciada intenção de revisão da legislação que tem a ver com a chamada Reforma Agrária.
O Sr. Joaquim Mirando (PCP): - A chamada «Reforma Agrária»? Não é assim que vem na Constituição!
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Não é a chamada, é a pseudo!
O Orador: - Aliás, não é de espantar esta posição do Governo e da sua maioria porque, desde que a coligação se constituiu, um dos objectivos anunciados foi precisamente o da revisão das leis que tinham a ver com a Reforma Agrária.
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Porém, o que mais uma vez se tem de registar - até porque não é novidade - é o conjunto de falsas questões, ou melhor, aquilo a que eu chamaria a grande falsa questão que o PCP e as suas estruturas sempre levantaram desde o 25 de Abril. O PCP tem em vista defender a sua posição de «sovietizar» o Alentejo...
Risos do PCP.
... - «sovietizar» em termos de tornar a nossa estrutura agrícola semelhante àquela que existe na Rússia e noutros países afins...
Vozes do PCP: - Que ignorante!
O Orador: - Felizmente, não estou tão bem informado sobre a União Soviética como os Srs. Deputados do PCP!
Vozes do PCP: - Que saloio!
O Orador: - Tenho muito mais prazer em ser referido como um saloio democrático do que em sê-lo como um democrata esclarecido por conhecer muito bem a Rússia, como a conhecem os Srs. Deputados do PCP!
Quando se põem em causa a violência, a coacção e os abusos cometidos no Alentejo depois do 25 de Abril, os Srs. Deputados do PCP vêm dizer que se procura reconstituir o poder latifundiário de antes do 25 de Abril.
O Sr. João Amaral (PCP): - É exactamente isso!
O Orador: - É exactamente isso que os Srs. Deputados dizem, mas têm consciência de que é exactamente falso aquilo que dizem. Porém, isso faz parte da vossa campanha de manipulação...
Os Srs. Deputados sabem que desde o 25 de Abril tanto o PS como o PSD se pronunciaram claramente contra a estrutura latifundiária de antes do 25 de Abril na zona do Alentejo, que veio depois a ser abrangida pela Lei da Reforma Agrária.
Os Srs. Deputados sabem isso, têm consciência disso e não têm dúvidas nenhumas em relação a isso. Porém, o que os Srs. Deputados também sabem é que, ao mesmo tempo que não queremos a exploração que se verificava no Alentejo antes do 25 de Abril - e se calhar alguns deputados que se encontram na bancada do PS e do PSD conhecem-na melhor do que a maioria dos deputados do PCP -, somos contra os abusos e a violência. Sabem que queremos mais produção, mas queremo-la em liberdade e sem coacção; queremos mais produção com a realização dos agricultores e dos trabalhadores rurais, queremos a distribuição de terras àqueles que efectivamente trabalharem, queremos o fim do controle político das UCP pelo PC]?; queremos que as UCP deixem de ser um suporte fundamental, o sustento ideológico da manipulação do PCP. Queremos, sim, uma Reforma Agrária a favor dos agricultores, a favor dos trabalhadores rurais do Alentejo e do País em geral. Queremos uma Reforma Agrária livre como queremos um Portugal livre!
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.
Uma voz do PCP: - Agora sai o PS na defesa! ...
O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Deputado Custódio Gingão, o Sr. Deputado acabou de fazer a intervenção que lhe competia porque, como sabe, não poderá fazer outra.
O Sr. Lacerda de Queirós (PS): - Boa intervenção!...
O Orador: - Quero dizer-lhe que o Partido Socialista encara a questão agrária com consciência, com serenidade, com honestidade e com responsabilidade! E porquê? Porque, simplesmente, a questão agrícola portuguesa é, para nós, uma questão essencial! A agricultura é, para nós, um pilar essencial da economia portuguesa! Dai o encararmo-la nestas várias vertentes.
Conhecemos, infelizmente, a prática do seu partido quando, de alguma forma, pretendemos dialogar com franqueza convosco, sobre o terreno, lá no sitio onde VV. Ex.11 dizem que defendem os interesses dos trabalhadores! Aí, Sr. Deputado, somos apelidados de fascistas, de direitistas, de amigos dos latifundiários e seus sequazes. Porém, as nossas bases no Alentejo não têm um único latifundiário! As nossas bases não têm um único antigo terrateniente da terra alentejana! Não pode apontar um único, Sr. Deputado!
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do PCP: - Que tristeza! Não têm é bases!
O Orador: - Sr. Deputado, queria ainda dizer-lhe com muita franqueza que a tese enunciada pelo Dr. Álvaro Cunhal da obra A Questão Agrária em Portugal e a que no outro dia fiz referência com uma pequena passagem, logo introdutória, referindo o chamado « jardim à beira-mar plantado», não tem possibilidades de ser prosseguida no Alentejo!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Os latifundiários é que têm! ...
O Orador: -- E não tem possibilidades de ser prosseguida no Alentejo, devido ao quadro constitucional que temos e à realidade social que lá existe! 15to porque a questão essencial do Alentejo, a questão agrária, é uma questão de produtividade, de ordenamento agrário, de inovação tecnológica, Sr. Deputado. Temos trabalhadores a mais na agricultura no Alentejo - o Sr. Deputado sabe isso - e nós, ou melhor, a democracia tem é de proporcionar a esses trabalhadores rurais melhores condições de vida!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Os senhores sabem disso e, inclusivamente, na vossa política autárquica, contradizem o miserabilismo que permanentemente tentam inculcar nos trabalhadores alentejanos! Os senhores estão num beco sem saída! O tempo dirá quem tem razão e di-lo-á porque o Sr. Deputado já aqui fez a confissão expressa da verdadeira calamidade que foi a Reforma Agrária em certas zonas do Alentejo!
Vozes do PCP: - O que foi a calamidade dos governos da direita! Que vergonha!...
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O Orador: - E, concretamente, o que acaba de querer informar - mas não chegou a fazê-lo -, foi que as UCP do Alandroal já não existem!
Protestos do PCP.
Elas já não existem nem de facto nem de direito, Sr. Deputado! E elas vão deixar de existir noutros sítios e não venha o Sr. Deputado dizer-me.
A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Vão para os latifundiários, não?!
O Orador: - A Sr.ª Deputada, a senhora é do Algarve, não percebe nada do Alentejo, desculpe que lhe diga!
Risos do PS e do PCP.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A Sr.ª Deputada é do Algarve mas é polivalente!
O Orador: - Sr. Deputado Custódio Gingão, tenho imenso prazer em dialogar consigo nesta Câmara.
O Sr. Presidente: - Sr- Deputado Paulo Barral, peço a V. Ex.ª o favor de não dialogar para não perdermos tempo.
O Orador: - Tem razão, Sr: Presidente, as minhas desculpas.
Para terminar, Sr. Deputado Custódio Gingão, é importante que o senhor refira na próxima Conferência da Reforma Agrária que já não há UCP no concelho do Alandroal! É importante que o diga, Sr. Deputado!
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca. .
O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE):Sr. Deputado Custódio Gingão, .vou citar várias coisas que todos nos tivemos hoje oportunidade de ler na imprensa. Foi aprovada pelo Conselho de Ministros uma proposta de lei sobre o arrendamento rural para, segundo se diz, corrigir deficiências e distorções existentes na legislação vigente e para abolição das Comissões Concelhias de Arrendamento Rural. Foi iniciada a apreciação do projecto de lei de bases da Reforma Agrária; foi iniciada a apreciação de um decreto-lei que fica diversos princípios conducentes à determinação das indemnizações definitivas pela nacionalização e expropriações sobre a Reforma Agrária; foi iniciada ainda a apreciação de outro decreto para regulamentar o exercício de direito de reserva - talvez para o agravar -, e, finalmente, foi aprovado um regime jurídico de emparcelamento e fraccionamento de prédios rústicos e de explorações agrícolas. Tudo isto é público e notório, vem hoje nos jornais.
Como ficou demonstrado há 2 dias na Radiotelevisão Portuguesa, está em curso uma forte ofensiva contra a Reforma Agrária e contra as UCP, como, aliás, ficou demonstrado pelo próprio Ministro da Agricultura, que o declarou, e ainda agora acabámos de ouvir de um deputado do Partido Socialista no seu ataque contra as UCP.
É evidente que existe actualmente muito desemprego no Alentejo, os reservatórios vendem as alfaias e o gado e não se cultivam as terras; enfim, isto não é uma novidade, todos sabemos disso. O panorama agravou-se perante a política desenvolvida desde 1976 num país que importa mais de 100 milhões de contos de bens alimentares, o que é, aliás, demonstrado pelo próprio Governo.
Para tratar destas iniciativas legislativas foi criado um grupo de trabalho formado pelos Ministros de Estado, dos Ministros dos Assuntos Parlamentares, da Justiça, das Finanças e pelo Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro. É este grupo de trabalho que, sem ninguém ligado directamente à agricultura, vai apreciar na especialidade os diplomas sobre a Reforma Agrária.
Sr. Deputado Custódio Gingão, o que pensa V. Ex.ª destas medidas anunciadas e que vêm hoje publicadas nos jornais? O que é que pensa que poderá acontecer neste país em que se estão a sofrer - como sabemos investidas no campo agrícola e que, segundo o Governo, vai entrar na CEE sem que tenham sido criadas quaisquer tipos de estruturas no campo da agricultura, o que irá, com certeza, agravar a nossa dependência externa. Sr. Deputado Custódio Gingão, informe-nos, e nomeadamente à maioria, sobre o que pensa destas medidas anunciadas pelo Governo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão, para responder, se assim o desejar.
O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto às questões postas pelo Sr. Deputado José Vitorino, devo dizer que gosto de tratar destas questões com seriedade e o Sr. Deputado sabe tanto da Reforma Agrária como mostrou aqui há dias saber da Lei de Arrendamento! É a mesma coisa, aliás, já desde há anos que o Sr. Deputado demonstrou uma ignorância total sobre o que é a Reforma Agrária e o que é a agricultura, e, portanto, não vale a pena perder tempo com V. Ex.ª
Vozes alo PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quanto às questões postas pelo Sr. Deputado Paulo Barral, devo dizer que trouxemos aqui dados e números e o Sr. Deputado não foi capaz de desmentir um único número dos que referi! Não foi, nem é capaz de o fazer...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... embora o saiba! Se lhe fosse possível «desmontar» os números que trouxe, o senhor tinha-o feito, mas não é capaz e aí é que está a questão!
O Sr. Deputado Paulo Barral e o Partido Socialista ficam incomodados quando trazemos aqui dados concretos que os senhores não são capazes de desmentir e era bom que os Srs. Deputados pensassem um pouco nisso quando vêm aqui defender que é preciso produzir mais! Todos nós sabemos que é preciso produzir mais e têm sido as unidades colectivas de produção, nos campos da Reforma Agrária, que têm provado isso!
Quanto mais não fosse, o Sr. Deputado Paulo Barral deveria ter um pouco mais de respeito pela Comissão de Agricultura e Pescas, que, tendo visitado, há
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dias, uma unidade colectiva de produção, diz no seu relatório que a produção dessa UCP é alta e que ela tem uma dimensão a nível europeu!
Já há mais tempo, a Comissão de Agricultura e Pescas visitou outra unidade colectiva de produção e os mesmos Srs. Deputados da maioria que pediram dados consideraram tratar-se igualmente de uma UCP com viabilidade, com uma contabilidade e uma produção de nível europeu! Ou o Sr. Deputado não sabia disto ou quer chamar ignorantes aos outros Srs. Deputados!...
A verdade é que as unidades colectivas de produção produzem efectivamente e o Sr. Deputado Paulo Barral, ou qualquer outro Sr. Deputado desta Assembleia - em particular da maioria -, não é capaz de referir um único caso em que antes do 25 de Abril ou nas propriedades privadas se tenha, alguma vez, produzido por exemplo 5000 kg, 6000 kg, ou mesmo 7000 kg de trigo por hectare!
E se os Srs. Deputados desejarem aqui discutir o assunto, poderei nomear dezenas de unidades colectivas de produção onde, este ano, se colheram, por hectare, entre 5000 kg e 6000 kg de trigo, entre 3000 kg e 3200 kg de tabaco, entre 9000 kg ou 10 000 kg de milho!
Ora, isto são ou não médias europeias?! Se os Srs. Deputados não sabem o que se passa aqui em Portugal, muito menos saberão da agricultura dos países da CEE! 15to é uma prova de pura ignorância da parte dos Srs. Deputados no respeitante à agricultura.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Quando aqui referem que no Alentejo não há liberdade, que é o Partido Comunista que domina, os Srs. Deputados estão a passar um atestado de estupidez ao povo alentejano. Só que o povo alentejano soube sempre ao longo dos anos escolher aquilo que quis e foi por isso que antes do 25 de Abril dezenas de homens alentejanos deram a vida ou foram parar à cadeia; foi precisamente pela liberdade que hoje têm que eles lutaram...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - ... e é por isso que eles não abdicam da sua luta e daquilo a que têm direito. Aliás, a própria Constituição da República veicula esse direito!
Quanto à Reforma Agrária, é bom lembrar ao Sr. Deputado Paulo Barral, que é capaz de não conhecer a Constituição - pelo menos assim ficou provado -, os artigos 96. º e 97. º da Constituição, para assim se ver quem é que tem razão, quem a defende e quem está contra ela!
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É que aquilo que o PS - a reboque do próprio PSD - está a querer fazer é alterar as leis sem alterar a Constituição! Ora, o que os trabalhadores fizeram no Alentejo foi dar curso, na prática e no terreno, àquilo que as leis vieram consignar e que é a Reforma Agrária, a distribuição do latifúndio.
Quanto ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, na medida em que já não tenho mais tempo, queria apenas dizer uma coisa: no que respeita às leis de arrendamento rural, os agricultores não têm falta de leis, têm é falta de um governo que tenha vontade de
resolver os problemas, de aplicar as leis que existem, de escoar os produtos existentes e de dar os subsídios a tempo e a horas!
Tinha ainda mais coisas a dizer, mas fica para outra altura.
Aplausos. do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para que efeito pede a palavra, Sr. Deputado José Vitorino?
O Sr. José Vitorino (PSD): - Para um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Como V. Ex. e sabe, os protestos não têm lugar quando se fazem pedidos de esclarecimento!
O Sr. José Vitorino (PSD): - Peço, então, a palavra para usar do direito de defesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, embora lha conceda com uma certa hesitação da minha parte.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Já é usual da parte do Partido Comunista, quando não tem resposta para as perguntas que lhe formulam, recorrer a um estratagema, já bem conhecido, de ataques, insinuações e acusações de ignorância.
Risos do PCP.
Julgo que é um mau caminho!
O Sr. Paulo Barral (PS): - É verdade!
O Orador: - Penso que será mau que nesta Assembleia da República cada um de nós puxe dos seus galões e invoque a ignorância dos outros, repito, este é mau caminho!
Por exemplo, em concreto em matéria agrícola, o Sr. Deputado deve saber menos do que eu!
Vozes do PCP: - Vê-se! ...
O Orador: - De qualquer forma, nunca invoquei aqui galões de qualquer espécie.
Há Srs. Deputados do PCP que estão incomodados, mas apenas porque talvez não tenham ouvido o que o vosso colega disse!
O Sr. Deputado Custódio Gingão acusou o Sr. Deputado do PS de desconhecer a Constituição, acusou-me de não saber nada de agricultura nem do Alentejo, quando por acaso, Sr. Deputado, até tenho 7 anos de Alentejo,...
O Sr. José Magalhães (PCP): - 15so não merece comentários!
O Orador: - ... e tenho várias formações agrícolas, mas nunca invoco isso!
Nesta Assembleia temos de discutir as coisas pelas coisas e, assim, o que eu disse há pouco foi que condenávamos o antes do 25 de Abril, em termos de política agrícola no Alentejo, da mesma forma que condenamos o pós-25 de Abril; referi também que
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,repudiávamos á vossa acusação de que o que queremos é repor a situação vigente antes do 25 de Abril!
Esta é que é a questão e como o Sr. Deputado não tinha resposta para isto, passou, obviamente, ao estratagema dos ataques, que mais não é do que um sinal de fraqueza de argumentação, que penso que não serve, que não o dignifica a si nem ao seu grupo parlamentar e, pior ainda, não dignifica a Assembleia da República!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por isto, Sr. Presidente, o direito de defesa do Grupo Parlamentar do PSD, para além de se referir a esta matéria em si, tem como objectivo apelar no sentido de que, dado o facto de sermos todos colegas do mesmo ofício na defesa dos valores democráticos, e na defesa da edilidade do Parlamento -, se argumente como se quiser e como souber mas sem se recorrer, no entanto, a ataques pessoas nem a acusações de ignorância. Se .vamos descer até isso, garanto-lhe, Sr. Deputado, que se gerará aqui uma confusão de que ninguém beneficiará, antes pelo contrário, todos perderemos.
Aplausos do PSD.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Ainda vou mas é para a escola, para, ir aprender!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.
O Sr. Custódio Gingão , (PCP): - Sr Presidente, Srs. Deputados: Vejo-me, pois, na contingência de ter de dar explicações ao Sr. Deputado José Vitorino.
Sr. Deputado, em relação às perguntas que fez, eu não podia tirar outra ilação. Essa é que é a verdade! O Sr. Deputado não debateu qualquer dos números que referi, e, portanto, eu ou qualquer outro deputado, não podia tirar outra ilação senão aquela que tirei!
O Sr. Deputado referiu-se 'a quem é que sabe mais e a quem sabe menos de agricultura e convido-o para, aqui dentro ou fora e em todos os campos, discutirmos sobre o assunto e depois veremos quem tem razão. É que abordar a questão da agricultura não é só escrever num papel ou estar no gabinete a fazer contas! É estar lá fora, no terreno!
Mas também aqui se discute sobre o assunto e V. Ex.ª já provou que não sabe como, estou certo que no terreno também não saberá!
Se assim fosse, falaria de outra forma e teria outro carinho pelos trabalhadores - que ficou provado que não tem -, visto que o Sr. Deputado e o seu grupo parlamentar condenam o que se passou antes do 25 de Abril e condenam o que se tem passado depois! ... Já lá vão 10 anos, já era tempo de o PSD saber o que é que quer!
O Sr. José Vitorino (PSD): - Por isso temos uma nova lei! Sabemos bem o que queremos, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - É para saber quais as linhas com que me coso ou com que linhas me querem coser!
No outro dia, Sr. Presidente, suscitou-se aqui a questão sobre se deveria ou não haver protestos, nomeadamente quando existissem tempos marcados. Chegou-se à conclusão de que, transitoriamente, se admitiria, nessas circunstâncias, o protesto, até que a conferência de líderes se pronunciasse. Sucede que, como o Sr. Presidente sabe, a conferência de líderes decidiu ontem fazer baixar a questão à Comissão de Regimento e Mandatos, isto é, a conferência de líderes ainda não se pronunciou. Portanto, em princípio e de acordo com o que foi estabelecido há uma semana, dever-se-ia manter o regime transitório para os protestos até que houvesse um pronunciamento da parte da conferência de líderes.. Entretanto, hoje, parece não poder haver protestos! Em que ficamos afinal?!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se V. Ex. a esteve presente na reunião, de anteontem, salvo erro, certamente que tomou conhecimento, pela minha declaração, depois de ler o artigo n.º 89, que ficou decidido pela Mesa que não há protestos, ...
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - ... uma vez que a norma é frontal, é objectiva e é directa. Não há protestos a pedidos de esclarecimento nem a declarações de voto. Estar a submeter esta letra, este espírito da norma - que me parece ser tão claro -, tenho a impressão de que não concorreria, de modo nenhum, para o respeito pelo Regimento.
É certo que ontem a conferência de líderes - aliás, a meu pedido- solicitou à Comissão de Regimento e Mandatos um parecer sobre esta norma. No entanto, afigura-se-me que não poderá haver qualquer hesitação no domínio da interpretação que a Mesa lhe atribuiu quando eu estava a presidir - aliás, oportunamente fiz uma declaração nesse sentido, Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tenha a bondade, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, não desejo entrar em polémicas com a Mesa. As circunstâncias em que um e outro facto se passaram não são exactamente as mesmas. A questão tinha sido aqui suscitada quando havia tempos marcados - é o caso concreto - e porque, havendo tempos marcados, o sentido real da norma perde o seu significado.
Sr. Presidente, chamo também a atenção da Mesa e dos Srs: Deputados para saber o que é que .é. pior, nestes casos, para subverter o Regimento; se é um entendimento suficientemente lato do artigo 90.º para ,permitir o protesto ou se é passarmos a viver numa situação, que já se vem criando, de usar e abusar - passe a expressão - do direito de defesa que, deste modo, passa a ser um ex aequo do protesto. E o Sr. Presidente não poderá impedir o uso do direito de defesa, na medida em que se estabeleceu o princípio de que o juízo depende de cada deputado. Dessa
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forma, o protesto passar-se-á a chamar, daqui para diante, direito de defesa! De facto, Sr. Presidente, não sei o que será pior!
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - É mau que assim aconteça, Sr. Deputado. Oxalá que os Srs. Deputados saibam ter a continência bastante para poderem medir a sua sensibilidade, no que respeita à honra e à consideração que lhes é devida. Se os Srs. Deputados forem os primeiros a usar dessa figura para deteriorarem o conceito que fazemos da dignidade, consideração e honra que é devida, necessariamente que a responsabilidade não é da Mesa mas, sim, de cada um dos Srs. Deputados, que não sabem defender no reduto próprio o que mais lhes importa, que é precisamente a consideração e honra que lhes é devida, cuja defesa é referida no Regimento.
Para além disso, Sr. Deputado, a Mesa nada mais pode fazer.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/ CDE): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca pede a palavra para que efeito?
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/ CDE): - Sr. Presidente, desejava igualmente pronunciar-me sobre o problema já levantado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso. Porém, como está tudo dito e visto estar de acordo, nada mais tenho a acrescentar, pelo que prescindo do uso da palavra.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, e para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Falcão.
O Sr. Meneses Falcão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Fiz esta reflexão no Dia Mundial da Floresta, no Dia Nacional da Árvore. Trago-a aos registos desta Assembleia na 25.a hora do calendário de preocupações que determinaram o voto aqui aprovado ontem, por unanimidade, com o precioso significado da solidariedade que nos une quando estão em causa valores que não têm discussão ao abrigo de um sentimento gregário de defesa concertada.
Mas embora o fim último desperte uma sensibilidade comum, legítimo é admitir que, no exame das causas, cada um de nós tenha o seu ângulo de visão.
Queremos a riqueza florestal preservada e o País enriquecido à custa de mais e mais em cuidados e repovoamentos. A grande dificuldade está em saber se cada um de nós faz o que pode - e muito especialmente o que deve - para fazer frutificar a sementeira das nossas obrigações. O lucro imediato e fácil atropela, muitas vezes, o interesse colectivo; o tradicionalismo doentio atrofia quase sempre o progresso racional.
A euforia da celulose deu lugar à era do eucalipto, que está a sair dos seus limites, invadindo encostas e baixios, na ânsia do corte a curto prazo com lucros acantonados em sectores que têm pouco a ver com a redistribuição da riqueza. Só muito rara e isoladamente se verifica o repovoamento do pinhal depois das catastróficas devastações que repudiamos mas consentimos, por mais contraditória que pareça a afirmação. Já lá vamos.
Fazemos contas ao tempo e ao concluir que um pinheiro leva 25 a 30 anos a produzir resina, dizemos prosaicamente que, quem vier atrás feche a porta!
Queimou-se o olival e o raciocínio é o mesmo.
A serra está pelada e o baldio é de todos e de ninguém. Chamamos-lhe terra maninha e impera a conclusão simplista de que não vale a pena trabalhar para os outros. Como se nós não fizéssemos parte dos outros...
E há quem teime na sementeira ou na plantação errada porque já o avô assim o fazia. E os técnicos, às centenas, plantam a planta dos pés nas calçadas de Lisboa. Refiro a ausência dos técnicos no lugar próprio, porque está provado que de entre as milhares de espécies há sempre uma que se adapta ao terreno mais agreste. É ver as oliveirinhas da serra nas encostas soalheiras dessa Beira Baixa; nunca atingem metade do tamanho normal, mas enraízam pelas fendas xistosas, vão buscar a seiva aos confins e derretem-se em azeite fino. Ficam pequenas, mas fazem o que podem. Assim fizessem os homens!
O castanheiro está a desaparecer nas Beiras e no Nordeste transmontano, atrofiado por doenças desconhecidas; e os nossos silvicultores voltam as costas ao vento norte e aconchegam-se na orla marítima.
O pinheiro está a desaparecer porque o queimam. Nos últimos anos já lá vão mais de 30 % das áreas cobertas. Quer seja para o comercializar chamuscado - o que me custa a crer -, quer seja para o substituir por uma produção mais rápida, a verdade é que está a ser vítima do crime premeditado e da negligência.
Não quero impressionar-me nem impressionar com as «árvores que morrem de pé», mas gostaria de dizer que não me parece bem que façamos do Dia da Árvore uma espécie de dia de finados, falando apenas da tragédia que a consome.
Isto embora eu nutra um particular sentimento de pena pelo pinheiro destruído e o castanheiro adoecido. É que o pinheiro sangra para alimentar muita gente durante muitos anos; e o castanheiro, na magnífica imagem de Miguel Torga, «lança à terra lágrimas, que são ouriços»...
Justificado económica e ecologicamente o culto da árvore, e porque estamos num Parlamento político com funções de fiscalização administrativa, peço a atenção de VV. Ex.ªs, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para esta afirmação que vou fazer e procurarei justificar: os pavorosos incêndios que nos têm atormentado, com marcação de lugar nos paralelos e marcação de tempo no calendário, estão a 3 ou 4 meses de distância. Vêm aí. As medidas preventivas não foram nem serão tomadas. Nem mesmo as repressivas. Todos ouvimos falar dos criminosos, mas não temos conhecimento da sentença que os condenou.
Na origem dos incêndios funciona, mas raramente, a negligência. Frequente e comprovadamente funciona o crime.
Mas o crime não tem apenas horas próprias, também tem ambiente próprio. As matas nacionais limpas e vigiadas não ardem, pelo menos perigosamente. Os matos e os fenos do género do capim são a pólvora que em poucos minutos respondem à maldade ou à loucura do incendiário e em poucas horas tornam infrutíferos os sacrifícios de quantos acodem ao grito de alarme. E aí temos nós o estoicismo dos bombeiros - voluntários ou municipais - sem mãos a medir, angustiados pela impossibilidade de dominar o monstro
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que foge do seu alcance, ou sujeitos a cair nas suas garras quando se aproximam demasiadamente.
O fogo pelo contrafogo é a destruição pela destruição em busca de um mal menor.
E os aviões e os helicópteros funcionam com um esforço redobrado, mas com uma capacidade limitada.
Nunca será demais enaltecer a abnegação dos bombeiros, mas eles vão sentindo, e cada vez mais, que uma coisa é abraçar o lema «vida por vida» e outra coisa bem diferente é dispor da «vida por pinheiro!...»
Não conheço qualquer resultado prático de alguma legislação que para aí anda mal cumprida, nem acredito nas virtudes de outra que parou nas gavetas.
Também não corro atrás dos técnicos estrangeiros contratados para nos citar teorias quando o problema é nosso e está nas nossas mãos.
As matas, grandes ou pequenas, não podem ser apenas uma fonte de receita. É legítimo exigir despesas aos seus proprietários. Rocem as matas ou façam a monda química, façam os convenientes desbastes nos bastios, punam exemplarmente os criminosos e os incêndios passarão a ser apenas uma coisa que pode acontecer e não uma coisa que acontece fatalmente. Reconheço que estas soluções estão insuficientemente analisadas, mas não é por falta de meios, é por falta de tempo. Vem aí o sinal vermelho, indicativo de que está queimado o tempo. Também é verdade que devem ser encaminhadas para outro ambiente.
Hoje falamos da árvore e da floresta no sentido de enriquecimento de um património essencial à vida do homem em múltiplos aspectos.
Ironicamente, o seu terrível inimigo não é o fogo. É o homem, que se serve do fogo.
É o homem a arder. Até a moral e dignidade humana ardem, à beira das estradas, na orla das florestas!
Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado João Abrantes pede a palavra para que efeito?
O Sr. João Abrantes (PCP): - Para formular um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente. Contudo, e visto já não dispor de tempo, poderei ficar inscrito para uma outra oportunidade?
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado ficará inscrito, mas, infelizmente, sem a certeza de que algum dia possa vir a usar da palavra para esse efeito.
O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Dorilo Seruca pede a palavra para que efeito?
O Sr. Dorilo Seruca (UEDS): - Sr. Presidente, desejo informar que a UEDS concede ao Sr. Deputado João Abrantes o tempo de que ele necessita para formular o seu pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, e para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Abrantes.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Muito obrigado, Sr. Deputado Dorilo Seruca. Tentarei usar da melhor forma estes 2 minutos.
Assim, começo por dizer ao Sr. Deputado Meneses Falcão que o tom um tanto ou quanto misterioso da sua intervenção parece querer esconder algumas responsabilidades que o CDS tem em toda esta questão das florestas, da prevenção de incêndios e da reflorestação, que aqui referiu.
E digo que o CDS tem algumas responsabilidades nesta questão porque, como o Sr. Deputado sabe, o CDS foi responsável pelo Ministério da Agricultura, Florestas e Alimentação durante bastante tempo, e, que nos conste, em nada contribuiu, antes pelo contrário, para aliviar esta situação, para minorar os efeitos quer dos incêndios, quer das outras questões ligadas à floresta.
Portanto, Sr. Deputado, relativamente a esta sua intervenção, era bom que meditasse um pouco mais profundamente na falta de tempo que disse haver para discutirmos estes problemas, para que, quando tivéssemos esse pouco tempo para discutir aqui as questões relativas à floresta, o Sr. Deputado viesse com ideias mais claras, no sentido de trazer a esta Câmara algumas propostas que, de facto, nos pudessem ajudar a resolver esta situação.
Por agora é tudo, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Falcão.
O Sr. Meneses Falcão (CDS): - Sr. Deputado João Abrantes, quero fazer a V. Ex.ª a afirmação categórica de que não há mistério nenhum nas minhas palavras, nem me preocupo minimamente em saber onde é que está a responsabilidade dos acontecimentos que denunciei.
Não sou representante do povo para defender ou incriminar partidos políticos. Estou aqui para defender os interesses da Nação e para acusar os homens quando eles não cumprem os seus deveres, não me interessando saber o quadrante político em que se situam. Interessa--me saber quais são as responsabilidades que têm e se forem da minha área política critico-os da mesma maneira. Responsabilizo toda a gente, pois a responsabilização acantonada de que lhe falei não cabe na minha sensibilidade política.
Se V. Ex.ª entende que fui pouco claro, vou ser agora mais explícito.
Entendo que as florestas ardem por mãos criminosas e entendo que ainda não foram tomadas as medidas necessárias e suficientes para que se evite essa calamidade.
É preciso limpar as florestas, é preciso que haja uma política de assistência técnica e, eventualmente, de assistência económica, mas sobretudo é necessária uma política de responsabilização por todos os intervenientes em toda esta área.
Importa que os proprietários e que o Governo, através dos seus mecanismos, funcionem em termos de evitar aquilo que sabemos ser fatal como o destino e que são os incêndios que lavram nos meses de Julho, Agosto e Setembro.
É um homem que lança um fósforo, aparentemente por negligência, para a berma da estrada que está cheia de feno e, assim, se lança um incêndio!
Já não há cantoneiros para limpar as bermas da estrada, não há vigilantes, não há coisa nenhuma! Mas as matas nacionais, quando estão suficientemente vigiadas, não ardem!
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O Sr. João Abrantes (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Abrantes (PCP): - Sr. Deputado, penso que o tom em que me está a dar esta resposta é totalmente diferente do tom que utilizou na sua primeira intervenção.
Ontem, apontámos aqui muito claramente as responsabilidades que cabem não só ao Estado mas também a esta Assembleia da República no sentido de resolvermos de vez estas situações.
O Orador: - É certo, Sr. Deputado, mas aquilo que acabo de dizer está explícita ou implicitamente referido no texto que acabei de ler e V. Ex.ª poderá certificar-se disto se o ler com atenção.
Para terminar, queria afirmar que vivo este problema com muita intensidade, porque me custa, porque me dói ver Portugal a arder, ver um património a degradar-se, deixando-nos mais pobres, quando temos condições para sermos mais ricos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares, convido-os a irem ao meu gabinete para fazermos a conferência que ontem tínhamos referido, para agendamento da matéria a tratar na próxima semana. Em consequência disso peço ao Sr. Vice-Presidente José Vitoriano o favor de me substituir.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a primeira parte do período da ordem do dia iniciar-se-á com a leitura, discussão e votação do recurso, apresentado pelo Partido Comunista Português, da decisão da Mesa em relação aos tempos atribuídos para a discussão da proposta de criação de uma comissão de inquérito, para apreciação de actuações da Secretaria de Estado das Obras Públicas.
Foi lido. É o seguinte:
Considerando que os tempos fixados, por imposição da maioria PS/PSD, para discussão do pedido de Inquérito Parlamentar n.° 9/III, são manifestamente insuficientes para o cabal esclarecimento das questões em apreço e para que se tragam ao Plenário todo o conjunto de razões que justificam a constituição da comissão de inquérito;
Considerando que com o pedido de inquérito que vai ser analisado vai estar em questão um conjunto de actuações da Secretaria de Estado das Obras Públicas, departamento governamental cuja importância não pode ser substimada;
Considerando que as limitações que se pretendem impor ao debate suscitam as legítimas dúvidas quanto a eventuais interesses no sentido de impor que seja tornado transparente o que hoje se afigura como obscuro;
Considerando que vai estar em causa a necessária clarificação dos processos utilizados quanto a lançamento de obras, suas condições, construção de escolas e outros empreendimentos públicos cuja regularidade tem manifestado geral interrogação, mesmo por parte de deputados que apoiam a actual coligação;
Nestes termos, os deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP recorrem da decisão da Mesa que fixou os tempos para o referido debate.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o recurso agora lido.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para o fundamentar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A conferência de presidentes deliberou, com o nosso voto contra, limitar de forma inaceitável os tempos disponíveis para o debate deste pedido de Inquérito Parlamentar. Em concreto, ao atribuir ao meu grupo parlamentar 15 minutos para todos os efeitos, isto é, para fundamentação, pedidos de esclarecimento, protestos e os outros usos que sejam necessários, a coligação governamental visa restringir, claramente, um debate que a todos os títulos deveria ser amplo para que possa ser suficientemente esclarecedor. Consideramos que ao fixar estes tempos, a coligação visa estreitar, enovelar e limitar um dos mais escandalosos casos sobre os quais se pode suscitar a suspeita de corrupção. Ao estabelecer estes tempos, viola-se o princípio fundamental de que quem tem responsabilidades, a qualquer nível, em matéria de combate à corrupção é que deve assumi-las. O que a coligação governamental acabou de fazer é limitar e, porventura, impedir a Assembleia da República de travar aqui um debate suficientemente esclarecedor sobre este caso. O sector das obras públicas é um sector que reúne avultadíssimas verbas, em que os mecanismos de controlo da legalidade são extremamente débeis e é, por excelência, um mecanismo de clientelismo, de eleiçoeirismo, manifestações obscuras e nebulosas, de traficância pura e de corrupção.
É a chave para a construção de estradas, pontes, de quartéis e até, veja-se lá, de igrejas. É a chave, bem como a entrada, neste país, para quase tudo. E aquele que tem essa chave nas mãos é alguém que se encontra numa posição que propicia ou exige mecanismos de controlo particularmente rigorosos.
Sabemos como ao longo destes anos a gestão da Secretaria de Estado das Obras Públicas não tem obedecido aos parâmetros adequados. É público que numa reunião do Conselho Nacional do PSD, que agora quer abafar e fugir a este debate, querendo pôr-lhe uma mordaça, foram feitas referências à utilização de funções e meios para benefícios partidários - e era a esse departamento e ao seu anterior tutelar que se referiam -, sendo este o debate que querem abafar da maneira mais obscena deste quadro.
Caem pontes e o ex-Secretário de Estado em questão ri-se e diz que isso cria emprego. São lançadas obras sem adjudicação, sem cobertura orçamental, e o Secretário de Estado achava bem. Gerava-se toda a espécie de fenómenos nebulosos na gestão dos dinheiros públicos e S. Ex.ª estabelecia mordaças e controlos pidescos para impedir a saída de informação da sua Secretaria de Estado, enquanto andava às turras com ministros.
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Desapareceram dossiers que vinham do Ministério para a Assembleia da República, com informação a requerimentos de deputados, e ninguém sabe onde estão esses dossiers. E o PSD, partido-pai, partido-filho, neto, ou lá o que é, com responsabilidades em relação a este departamento, quer agora culminar toda essa obra de prevaricações com uma mordaça e um abafarete no debate sobre o escandaloso caso da gestão dos dinheiros da Secretaria de Estado das Obras Públicas.
Meus senhores, são 15 minutos de que dispomos. Veremos o que sai desse debate que é, pela nossa parte, de 15 minutos.
Interpusemos recurso para duas coisas: por um lado, para que se possa ainda reconsiderar a questão dos tempos; por outro lado, no caso de a reconsideração dos tempos não se efectuar, para que todos possamos - e o País possa também - retirar conclusões sobre razões fundas do medo inextricável que o PSD tem de cada vez que se fala do Secretário de Estado Eugênio Nobre ou da Secretaria de Estado das Obras Públicas e da acção funesta que, ao longo destes 4 anos, o referido personagem-sinistro desempenhou na referida Secretaria de Estado.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, durante a sua intervenção o Sr. Deputado José Magalhães referiu-se em concreto ao Partido Social-Democrata, sobre o que queríamos dizer duas coisas: em primeiro lugar, perguntamos à Mesa se o Sr. Deputado usou da palavra para fundamentar o seu recurso ou, também, para abordar desde logo a matéria de fundo. Em mais de metade do tempo abordou a questão de fundo, mas noutra parte abordou a questão do recurso. Penso que seria bom que nos entendêssemos sobre o rigor da aplicação das figuras regimentais.
Independentemente disso, queremos dizer apenas que o PSD não pretende abafar coisa alguma, não pretende fazer nenhuma política de abafarete, não pretendemos amordaçar nada ou ninguém.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não se nota!
O Orador: - O que pretendemos é garantir a eficácia do órgão que é a Assembleia da República. Naturalmente que na Comissão de Inquérito haverá oportunidade para escalpelizar, até ao pormenor, todas as questões constantes do pedido de inquérito que o PCP apresentou. Até hoje, nunca votámos contra qualquer pedido de inquérito. Talvez no futuro mudemos de opinião, dado a avalanche de pedidos de inquérito que aí estão. Mas essas acusações não têm fundamento e não colheu em relação ao Partido Social-Democrata sobre esta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.
O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputado: Estamos hoje, efectivamente, perante um caso resultante do novo Regimento. Afigura-se-nos que a grande redução do tempo, que habitualmente era concedido para um inquérito, e que neste caso assume a proporção de 50% é, efectivamente, uma redução
exagerada que não se coaduna com a profundidade que um inquérito desta natureza, dada a gravidade dos factos que estão em causa, deveria comportar.
De resto, temos já assistido nesta Assembleia a algo que é elucidativo dos inconvenientes que o Regimento apresenta na sua prática. Assim, assistimos ao facto de deputados que votaram o Regimento virem, na prática, a ser vítimas de disposições que eles próprios aprovaram e que, nomeadamente, impedem a apresentação de protestos, no que diz respeito a resposta a pedidos de esclarecimento. Mais do que isso, tem-se assistido ao abuso da figura da ofensa pessoal, ao deputado ou ao seu nome, para se substituir aquilo que na realidade existia no anterior Regimento.
As Considerações que faço são, portanto, no sentido de considerar legítima a necessidade de ser dedicado um tempo superior aos 15 minutos que foram apresentados e no sentido de que o requerimento apresentado pelo PCP seja aprovado por esta Assembleia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma interpelação à Mesa o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero perguntar à Mesa ao abrigo de que disposição regimental é que, havendo um recurso, todos os partidos, para além do partido recorrente fundamentar esse recurso, se pronunciam.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Tem razão!
O Sr. João Amaral (PCP): - Este também não conhece o Regimento!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é ao abrigo do n.° 5 do artigo 87.°
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem, Sr. Presidente!
O Orador: - Sr. Presidente, é evidente que essa disposição não é aplicável.
Essa disposição refere-se a uma questão do uso da palavra, não é uma disposição que regule matéria de recursos. É aplicável no caso de o Sr. Presidente não ter dado a palavra a um Sr. Deputado e, portanto, haver um recurso dessa decisão. Não é aplicável, num caso em que o que se está discutir é o facto de a conferência estabelecer um determinado tempo para um determinado debate. Além disso, estamos agora a enxertar, aqui, um debate processual sobre o que temos que fazer, que é votar o recurso e continuar os trabalhos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que se está a fazer agora já se fez depois deste Regimento estar em vigor. Está aqui mais uma questão de interpretação que, naturalmente, terá que ser resolvida por quem de direito.
Entretanto, a decisão da Mesa está tomada e o Sr. Deputado, se assim o entender, pode recorrer dela.
A interpretação deste n.° 5 tem sido feita como estou agora a fazê-la, e ainda não tinha sido levantado nenhum problema.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.
O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Presidente, em obediência à interpretação que fazemos do Regimento, prescindo da palavra.
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O Sr. Luís Beiroco (CDS): - O que há é que votar e mais nada.
O Sr. Presidente: - Não há mais pedidos de palavra?
Vai, pois, votar-se o recurso interposto pelo PCP.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos a favor do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para uma interpelação à Mesa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, queria pedir uma ligeira pausa porque o meu camarada Anselmo Aníbal, que fará a fundamentação, se ausentou da Sala transitoriamente. No entanto, vamos providenciar para que volte o mais breve possível.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Vamos, portanto, iniciar o debate do pedido de inquérito, que é o inquérito parlamentar n.º 9/III.
Tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.
O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com grande atraso é finalmente ordem do dia na Assembleia da República um dos pedidos de inquérito solicitados pelo Grupo Parlamentar do PCP. Só agora poderá começar a ver a luz o que já devia estar iluminado, e só agora poderá começar a ser do conhecimento dos deputados o que, infelizmente, é apenas conhecimento de alguns.
A gestão da Secretaria de Estado das Obras Públicas, no conjunto organizacional do que é actualmente o Ministério do Equipamento Social, foi seguida na gestão PS/PSD, ou seja, na gestão do arquitecto Rosado Correia e do engenheiro Eugénio Nobre, com inusitado interesse, pelo País e pela comunicação social em particular. Aliás, com razão. São grandes as verbas do PIDDAC, são vultuosas as verbas do Orçamento ordinário, são 9 as direcções-gerais, é todo o, País que é utilizador dos serviços dessas áreas de equipamento. Trata-se de um mundo, percorrido por uma importante componente de quadros técnicos com prestigio nacional e nalguns casos internacional, mas enredável, facilmente, em teias de que não se conhecem, bem, as origens, as influências e o seu tráfego.
Trata-se de um mundo onde são grandes os investimentos a que são sensíveis as empresas de construção civil, que fazem os seus planos de actividade de acordo, em grande parte, com a promoção púbica que a SEOP deve, atempadamente, concursar, adjudicar e fiscalizar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Devia!
O Orador: - Ora, a transparência é, nas coisas púbicas, uma exigência e uma imposição. Exigência de que deve estar nos concursos públicos, na forma como as suas condições são publicitadas, na forma como se disciplina a classificação dos empreiteiros e a atribuição dos alvarás, na forma como se podem deixar introduzir, através dos concursos de pré-qualificação, mecanismos que desvirtuam as normas dos concursos públicos e que passam, também, pela fiscalização atempada, pelos atrasos temporais forjados, por toda a mecânica de revisão de preços.
É por demais conhecido que a acção da Secretaria de Estado das Obras Públicas não foi transparente quanto a um conjunto de factos.
Citámos na fundamentação do nosso inquérito as circunstâncias que envolveram o desmoronamento do Encontro Norte da ponte da Figueira da Foz e da ponte de Almaça, no Mondego, e a existência de um aluimento de terras numa área situada a meio quilómetro da ponte de Almaça. Redobrem-se as condições em que ocorreu o desmoronamento da ponte da Figueira da Foz. Recorde-se a espantosa intervenção do engenheiro Eugénio Nobre, que terá atingido os píncaros da fama quando surgiu em plena televisão a afirmar que as obras de reconstrução teriam a vantagem de minorar a situação de desemprego e seriam simples «beliscaduras». Mesmo um País habituado, já nessa altura, à incompetência de gestão do, ainda, Governo, ficou perplexo.
Em Fevereiro de 1984 diversos deputados da própria coligação tinham solicitado informações sobre os desmoronamentos havidos nas pontes e sobre o processo de adjudicação das empreitadas colocadas a concurso público, nos casos em que se não optou pela menor proposta. Tais deputados não procuravam, certamente, pôr apenas em cheque o membro da comissão política do PSD, pretendiam, também, responsabilizar directamente o Governo e o governante. Não houve resposta, senão tarde, insuficiente e a más horas.
Na Assembleia da República também se levantou o problema da construção de escolas. No requerimento que teve de ser repetido 4 meses depois perguntava-se quais os critérios objectivos que estavam a ser seguidos para que se continuem a «construir as escolas ao abrigo do chamado 'plano de emergência', quando, como é reconhecido, por associações de construtores, é reduzidíssimo o número de obras públicas postas a concurso». Questiona-se sobre «quais foram as firmas convidadas para os concursos destas escolas e quais os valores das propostas que foram por elas apresentadas».
Questiona-se sobre «quais os motivos que levaram a que os custos finais das obras adjudicadas à firma Ilídio Monteiro fossem agravados em mais de 40 000 contos, no caso de Mirandela, e em mais de 20 000 contos, no caso de Vila Pouca de Aguiar, num curto espaço de tempo». Questiona-se sobre «quais os valores dos prémios a que a firma Ilídio Monteiro teve direito».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estas questões postas, aliás, por Srs. Deputados do PSD têm certamente um significado e reflectem uma exigência a que este Inquérito Parlamentar também procura responder.
Outra questão levantada tem sido respeitante às verbas distribuídas pela DGERU (Direcção-Geral do Equipamento Regional e Urbano) em que se questionavam as razões de determinados valores irem para certos municípios e não irem para outros. Perguntavam os Srs. Deputados do PS13 qual a maioria política nas câmaras que tinham recebido, exactamente, os valores das DGERU !
Prova mais clara dos estranhos protocolos e dos critérios sectariamente políticos a que são sujeitas as obras públicas, designadamente as de grande porte, sob a gestão PS/PSD, está, entretanto, na forma como o próprio Conselho de Ministros adjudicou em Maio de 1954 a ponte ferroviária sobre o rio Douro, procurando integrá-la na campanha de propaganda do Dr. Mário Soares, pelo Norte. Aliás, a política de chamados «protocolos», assinados formalmente pela administração
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central e local mas em metodologia a cheirar a decisões centrais do antigamente, servindo o eleiçoarismo do Dr. Soares e o jogo das sensibilidades do PSD, foram objecto de profundas críticas do Secretário de Estado do Orçamento, também do PSD, que reconheceu em Dezembro de 1984 que «os responsáveis de departamentos assumem compromissos sem existência da respectiva cobertura orçamental, o que, aliás, é proibido por lei e que diz que a dotação orçamental é o limite das despesas». Como exemplo, ele referiu explicitamente o «lançamento de obras sem cobertura».
Os recentes transtornos internos e fratricidas no PSD vêm entretanto provar a afirmação popular de .que «quando se zangam as comadres se descobrem as verdades». São os próprios dirigentes do PSD a fazerem declarações públicas em que vêm reconhecer o clientelismo partidário, a traficância de influências, a utilização discriminatória dos dinheiros públicos por parte do ex-secretário de Estado, apostado na luta de não perder o barco governamental. O Dr. Sousa Tavares ainda na fase ante-suspensiva do seu mandato sublinhava, em intervenção recente, referindo-se a problemas na Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos e também na SEOP, que, e cito - para o Dr. Sousa Tavares é melhor citar - «há coisas que não convém pôr à luz do sol porque se pode cegar com o clarão». Ele lá sabe! Um requerimento então feito não teve qualquer resposta.
Risos do PCP.
Nesta maré de problemas a SEOP revelava-se incomodada com a comunicação social, que trouxe a lume fortes suspeições sobre a sua acção governativa. Jornais de várias tendências descreviam situações e relatavam factos que a fúria silenciadora da SEOP proeurou, abafar. É significativo que o Sr. Deputado José Vitorino diga que não faz «abafarete», mas que se tenha procedido, na SEOP, com o engenheiro Eugénio Nobre, a estes comportamentos.
É significativo que ele tenha tentado recorrer à Procuradoria-Geral da República para esta promover inquéritos às chamadas «fugas de informação», em procedimento que constitui um verdadeiro escândalo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Tudo isto a provar que há verdades que a SEOP conhece mas quer silenciar, que prefere o mundo das sombras e da névoa onde as coisas assumem formas e assumem preços de flexibilidade duvidosa.
O inquérito visa, Sr. Presidente, Srs. Deputados, esclarecimento cabal e preciso de todo este conjunto de situações no departamento que foi dirigido pelo engenheiro Eugénio Nobre, praticamente, durante 4 anos.
É preciso conhecer as responsabilidades e os responsáveis pelos incidentes acontecidos e pelos processos que lesaram populações e custaram milhares de contos ao erário público.
O PCP propôs que a Assembleia da República apure em que obras ou empreendimentos, com responsabilidade da SEOP, se verificaram desmoronamentos, aluimentos, fendas, fracturas, fendilhamentos ou outras anomalias, as respectivas causas e responsabilidades, determinando, designadamente, como foram adjudicados e executados, quais as verbas despendidas, os respecti-
vos beneficiários, bem como a situação daí decorrente para as populações e para o erário público.
O inquérito mantém toda a sua actualidade. É verdade que houve uma substituição de responsáveis e que temos na nossa frente um sucessor, mas é um sucessor para gerir um sistema que mantém intactos os seus vícios.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
O Orador: - É notório que falta lançar luz sobre um enorme rol de estranhos factos que indiciam corrupção. Da realização deste inquérito poderá resultar, assim, um efeito moralizador. Por isso o consideramos, redobradamente, necessário.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra a um outro Sr. Deputado, aproveito para informar o Plenário de que se encontram na galeria da Assembleia os alunos da Escola Secundária de Jaime Cortesão, em Coimbra, a quem saúdo em nome da Assembleia da República.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral, para uma intervenção.
O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Relativamente à matéria em debate - o pedido de inquérito formulado pelo PCP - o Grupo Parlamentar do PS quer colocar, desde já, três questões prévias.
A primeira, é a de que o Grupo Parlamentar do PS mantém, permanentemente, a sua posição de aceitar e votar favoravelmente os pedidos de inquérito parlamentar que sejam requeridos, desde que se levantem dúvidas relativamente a actos da administração, ou quando esteja em causa a transparência desses actos.
A segunda questão é a de que o Grupo Parlamentar do PS rejeita e reprova, veementemente, que no processo de requerimento de um pedido de inquérito se esteja, desde logo, a antecipar as conclusões desse mesmo inquérito.
dozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A terceira questão prévia é a de que o Grupo Parlamentar, do PS está, todavia, atento às motivações que sustentam os pedidos de inquérito parlamentar, porque não é desejável, nem prestigiante para a Assembleia da República, a proliferação de inquéritos parlamentares, a qualquer pretexto, nem a inflação de comissões parlamentares de inquérito sobre qualquer justificação, mais ou menos fundada.
Relativamente à matéria em questão, Srs. Deputados, sucede que ela é colocada pelo PCP na base de requerimentos feitos pela bancada do PSD, relativamente a três obras, que respeitam à Direcção do Serviço de Pontes da Junta Autónoma das Estradas.
É conhecido o caso da ponte da Figueira da Foz e do aluimento da sua cabeceira, é conhecido o caso da ponte de Almada e é, ainda, conhecido o caso do outro requerimento, igualmente formulado pelos Srs. Deputados do PSD, relativamente à ponte de Mortágua.
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Queria dizer aos Srs. Deputados que as respostas que foram dadas pela JAE, ou melhor, Secretaria de Estado das Obras Públicas, não foram atendidas como totais e como completas e esses mesmos Srs. Deputados, do PSD, retomaram, em questões mais particulares e mais pormenorizadas, algumas perguntas que tinham deixado expressas no âmbito dos primeiros requerimentos.
Srs. Deputados, pensamos que este pedido de inquérito é justificado, sobretudo, porque nos pode levar, no Parlamento, a solicitar e, inclusivamente, a tomar iniciativas que vão no sentido da revisão da legislação que impende sobre as empreitadas. É um assunto que tem vindo a ser expendido e para o qual o Grupo Parlamentar do PS considera haver, necessariamente, que tomar iniciativas nesse sentido.
O problema das inovações tecnológicas nas obras públicas, o problema do controle de empreitadas, o problema das adjudicações por concurso, levam-nos a dizer que a legislação está a ficar desadequada. Mas, Srs. Deputados do Partido Comunista, daí a quererem, à partida, aceitar razões de ilegalidade, de corrupção, etc., isso não podemos aceitar.
E não podemos aceitar porque, Srs. Deputados, infelizmente, as responsabilidades não são, nem podem ser, muitas vezes, exclusivamente imputadas a quem decide. É um facto que por vezes se decide mal e à pressa. Contudo, estamos convictos de que muitas das irregularidades nas nossas obras públicas modernas partem de um mau sistema de empreitadas, de um mau sistema de concursos. São os concursos, são as variantes, é todo um conjunto de situações novas, para as quais a máquina administrativa do Estado não se tem preparado convenientemente.
Por isso é que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, o Partido Socialista considera que vai ser útil esta Comissão Parlamentar de Inquérito. Não é uma Comissão Parlamentar de Inquérito a quem quer que seja, mas é uma Comissão Parlamentar de Inquérito a um processo, a um sistema, a uma organização, a um serviço do Ministério do Equipamento Social, em concreto, a todo um sistema que tem a responsabilidade de fazer obras públicas neste país.
Por último, queria lembrar que o nosso país tem uma grande tradição de obras públicas bem executadas. Em democracia, as obras públicas têm de ser tão bem executadas como o foram no regime da ditadura.
É importante que as obras públicas realizadas neste país sejam de grande qualidade, bem fiscalizadas, bem colocadas no terreno, porque só assim é que se prestigia também, nesta área, a administração do Estado.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.
O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Deputado Paulo Barrai, permita-me que lhe diga, em primeiro lugar, que em matéria de empreitada, a sua intervenção roçou a inocência. Isto quando o seu curriculum já não permite ter uma posição tão inocente sobre esta matéria. Não estamos só perante problemas técnicos, muito embora nessa matéria a legislação portuguesa tenha muito que se lhe diga, mas estamos, também, perante problemas que têm a ver com as estruturas decisórias, com as decisões, com a emergência de problemas muito declaradamente ligados a dinheiros.
Como sabe, os dinheiros fazem correr muita gente; as empresas e os dinheiros estão também muito ligados às adjudicações, por conseguinte, aos adjudicatários e à forma como as adjudicações são feitas.
Permitia-me pedir-lhe a sua interpretação para um despacho do ano de 1984 - ainda corria a equipa Rosado Correia, então Ministro do Equipamento Social, e Eugênio Nobre, então Secretário de Estado das Obras Públicas -, em que o então Ministro Rosado Correia diz, a certa altura, nesse despacho, o seguinte: «Manda o Governo da República portuguesa que nas empreitadas de obras públicas suportadas por dotações orçamentais do Estado a aprovação de materiais e processos de construção fique condicionada a prévia homologação do LNEC (Laboratório Nacional de Engenharia Civil).» Refiro-me à Portaria n.° 763/84. Lá saberia, naturalmente, o Sr. Ministro Rosado Correia o que é que estava na base dos problemas das estradas em relação às pontes referidas!... Não estamos perante um caso de suspeição liminar, mas perante um caso de suspeição já em termos de gestão corrente.
Para tentar ultrapassar a sua cortina de inocência e jogando com o conteúdo da sua formação, pergunto-lhe se esta exigência da Portaria n.° 763/84 não é ela, também e fundamentalmente, a própria justificação do inquérito necessário à Secretaria de Estado das Obras Públicas.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, estando inscrita na ordem do dia de hoje uma votação para as 12 horas e sendo já essa hora, pergunto à Mesa quando é que a tenciona fazer.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, devo dizer que tenho isso presente, apenas não quis interromper o pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Anselmo Aníbal, assim como a resposta que, eventualmente, o Sr. Deputado Paulo Barrai irá dar.
Há oposição a que isso seja feito?
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.
O Sr. Paulo Barral (PS): - Sr. Deputado Anselmo Aníbal, a questão que me colocou é perfeitamente pertinente e eu próprio a advogo. Aliás, devo dizer-lhe, desde já, que considero o despacho exarado pelo então Ministro Rosado Correia responsável. E considero-o responsável porque a inovação tecnológica em matéria de construção civil, nomeadamente em matéria de equipamentos para a construção civil, tal como para escolas, para prédios - e falo mais na construção civil do que nas obras de estradas, e outras -, tem levado a que não se encontrem bem definidos, em termos de cadernos de encargos, as qualidades dos materiais.
Cito-lhe um caso concreto. Num caderno de encargos, diz-se: «janelas de alumínio». O comum das pessoas, mesmo o comum dos serviços, aceita que o alumínio é todo o mesmo, e de facto não é.
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Como deve imaginar, não vou aqui tecer nenhuma teoria sobre o alumínio mas devo dizer-lhe que há vários tipos de alumínio de várias e determinadas qualidades. É importante que numa empreitada que tem consignado «ponham-se portas de alumínio», se ponha o alumínio que foi homologado pelo Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
O Sr. Deputado referiu-se às estradas. Como sabe, a partir de 25 de Abril, começou a utilizar-se uma nova técnica de construção de estradas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O quê?! ...
O Orador: - Sim, Sr. Deputado, começou a utilizar-se uma nova técnica de construção de estradas com emulsões por cima da própria caixa aberta no terreno que era previamente compactado. É um facto que essas emulsões, esse tipo de inovação tecnológica, não tinha, depois, o respectivo encaixe na legislação ordinária sobre empreitadas.
Por isso, penso que é correcto e inteligente que qualquer responsável pelo Ministério do Equipamento Social, dentro desta situação complicada, digamos assim - complicada não do ponto de vista da tomada de decisão, mas do ponto de vista de processo e dos métodos de empreitadas -, publique uma portaria como esta.
Portanto, não aceito, Sr. Deputado Anselmo Aníbal, uma posição de inocência da minha parte. 15to porque sei que há empreitadas que, à partida, são viciadas; logo, no acto do concurso estão a ser viciadas.
O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Pergunto-lhe se considera que os esclarecimentos, aliás, a falta de esclarecimentos, que a Secretaria de Estado das Obras Públicas deu em relação aos casos da Figueira e de Almaça devem passar, apenas, como acidentes técnicos, como acidentes de percurso, como diferenças de metodologia nas construções, como adopção de um caderno de encargos tratado de uma forma incompleta.
O Orador: - Sr. Deputado Anselmo Aníbal, quero dizer-lhe que me parece que, apesar de tudo, ainda há um órgão que não foi desactivado, que se chama Conselho Superior de Obras Públicas. Esse Conselho Superior de Obras Públicas teve, e penso que ainda tem, a missão de esclarecer aspectos fundamentais das empreitadas para as obras públicas. Penso que essa via não foi esgotada.
Também me parece que em sede de Comissão Parlamentar de Inquérito, apenas poderá chegar-se a uma conclusão deste tipo: é necessário que o Ministério do Equipamento Social - e não quero antecipar conclusões - privilegie bastante o controle da qualidade das obras públicas. É mais isso do que outro tipo de suspeições.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estava marcada para as 12 horas uma votação, contudo, como eu não quis interromper o pedido de esclarecimento que estava a ser formulado, assim como a respectiva resposta, vamos, por isso, proceder agora à votação final glo-
bal do texto da Comissão sobre o diploma do Objector de Consciência.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é para comunicar a V. Ex. ' que terminou, neste momento, uma reunião da conferência de representantes de grupos e agrupamentos parlamentares chegando-se ao seguinte consenso: prolongar até às 12 horas e 30 minutos o debate em torno da constituição de uma comissão parlamentar de inquérito; às 12 horas e 30 minutos, interrompíamos essa discussão que continuaria na próxima terça-feira, para procedermos à votação final global.
Mas, certamente, o Sr. Presidente dará essa comunicação. Eu apenas me antecipei...
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.
O Sr. Presidente: - Recomendo aos serviços o favor de irem junto das Comissões que, porventura, estejam a trabalhar, para anunciar que às 12 horas e 30 minutos proceder-se-á à votação.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, o meu grupo parlamentar pede a interrupção dos trabalhos por 20 minutos.
O Sr. Presidente: - O pedido é regimental.
Os trabalhos estão interrompidos por 20 minutos.
Eram 12 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 12 horas e 35 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o parecer da Comissão que precede a votação final global a que vamos proceder, respeitante aos projectos de lei n.ºs 49/III e 163/III e à proposta de lei n.º 61/III Estatuto do Objector de Consciência.
O Sr. Secretário (Roleira Marinho):
Relatório
Por deliberação do Plenário da Assembleia da República em 12 de Fevereiro de 1985 foi constituída uma Comissão Eventual para proceder à discussão e votação na especialidade da proposta de lei n.º 61/III, do projecto lei n.º 49/III, da ASDI, e do projecto lei n.º 163/III da UEDS, todos eles versando sobre a objecção de consciência perante o serviço militar obrigatório.
A Comissão, que reuniu nos dias 27 e 28 de Fevereiro, 6, 7 e 19 de Março, sendo esta última reunião para aprovação do texto final a enviar a
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Plenário, tomou como base a proposta de lei n.º 61/III, sobre a qual incidiram diversas propostas de eliminação, alteração, substituição e aditamento, quer constantes dos outros projectos em apreço quer de outras entretanto apresentadas.
Remete-se em anexo o texto resultante dos trabalhos de especialidade da Comissão Eventual.
Lisboa, 21 de Março de 1985. - O Relator,
Adérito M. S. Campos.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para apresentar um requerimento de avocação ao Plenário.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. João Amaral (PCP):
Ex.mº Sr. Presidente da Assembleia da República: O texto presente no Plenário para votação final global sobre a objecção de consciência ao serviço militar consagra o sistema da apreciação pelos tribunais comuns dos pedidos dos objectores, com vista à atribuição do respectivo estatuto.
Entretanto, o artigo 15.º do texto, definindo a acção como tendo o valor das acções sobre o estado das pessoas, conduz a que seja obrigatória a constituição de advogado.
Por outro lado, no que respeita ao regime transitório e quanto às comissões regionais, o texto só prevê a sua existência nas regiões autónomas e na sede dos 4 círculos judiciais (Lisboa, Porto, Coimbra e Évora).
Considerando que os objectores de consciência, na idade de 18-19 anos em que fazem o pedido, não dispõem, na sua esmagadora maioria, de meios para pagar advogado;
Considerando que o regime de assistência judiciária não funciona, pelo que a maioria dos objectores não conseguiriam propor a acção;
Considerando que assim na prática se nega aos objectores que não sejam filhos de pais ricos o
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação final global do texto da Comissão, respeitante aos projectos de lei n.º 49/III, da ASDI e n.º 163/III, da UEDS e à proposta de lei n.º 61/III, sobre o Estatuto do Objector de Consciência.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para declarações de voto os Srs. Deputados Vilhena de Carvalho, António Meira, Pessegueiro de Miranda, Carlos Coelho, Jorge Góis e João Amaral.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.
O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Pudemos votar hoje, finalmente, o decreto que fixa o conteúdo e o âmbito de aplicação do direito à objecção de consciência perante o serviço militar obrigatório consignado na Constituição.
Trata-se de um diploma de grande importância e interesse que releva das exigências de ordem prática que se vinham impondo, desde há muito, ao legislador, tanto quanto se tratava de uma exigência de ordem político-legislativa, desde que o Estado de direito democrático passou em boa hora a ser o quadro de vida erguido e querido pelos Portugueses.
O dever fundamental de todos os cidadãos prestarem o serviço militar não se pode hoje entender sem a ressalva da admissibilidade do direito à sua objecção de consciência na base do respeito pela pessoa humana e das suas convicções de ordem religiosa, moral ou filosófica. Só que o conceito de igualdade de todos os cidadãos perante a lei, impõe também a criação de obrigações alternativas a quem se reconhece o direito de se eximir à prestação do serviço militar. Nasce, assim, o serviço cívico, como ponto de equilíbrio possível entre os direitos e as obrigações que a todos cabem.
Se esta filosofia de base é geralmente aceite e se acha vasada no decreto acabado de aprovar, já os seus dispositivos, embora gizados com uma ampla colaboração de todos os grupos e agrupamentos parlamentares, se hão-de aferir quanto à bondade e eficácia, através da sua aplicação prática.
O decreto aprovado globalmente teve, como pontos de partida, uma proposta de lei do Governo e projectos da lei da UEDS e da ASDI. Não importa, neste momento, reivindicar louros quanto às soluções encontradas. Destas se dirá que foram aquelas que, no momento, pareceram as mais adequadas.
Quanto ao nosso contributo, permita-se-nos, porém, que deixemos registado o pioneirismo da inicitiva legislativa nesta matéria, ao apresentarmos o projecto de lei n.º 205/II, que chegou a obter a aprovação na generalidade na II Legislatura e cuja caducidade resultou da dissolução da Assembleia da Repúnlica.
As dezenas de milhares de objectores de consciência que aguardam com legítima ansiedade pela regulamentação do respectivo estatuto, ou seja, a definição da sua situação perante o serviço militar, podem, de algum modo, apontar-se como vítimas daquela dissolução da Assembleia cujos custos globais, sejam políticos, económicos ou sociais, não têm sido devidamente mensurados.
Do nosso ponto de vista foi encontrada, para esses jovens, a solução possível e, quanto aos futuros objectores julgamos que se estabeleceu uma regulamentação que lhe não fere os legítimos direitos e interes-
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ses nem põe em causa os deveres de todos e cada um dos cidadãos perante a colectividade politicamente organizada em Estado de direito democrático que nos orgulhamos de ser e que a todos cabe preservar.
Aplausos da ASDI, do PS, do PSD e de alguns deputados do CDS.
O Sr. Presidente: - Também para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr.. Deputado António Meira.
O Sr. António Meira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Depois desta votação final global, o Partido Socialista quer, neste momento, salientar o trabalho exemplar da comissão eventual que, quanto a nós, dialogou francamente, ponderou seriamente e legislou com a brevidade de que se impunha.
Os três documentos foram convenientemente trabalhados, não esquecendo que a coluna vertebral do debate foi, sem qualquer complexo e aceite por todos, a proposta de lei do Governo.
O resultado está à vista: uma lei equilibrada e que obteve consenso partidário, veja-se a votação final global e que cremos vai obter longo consenso nacional.
Estamos cientes que não é uma lei perfeita, mas é com certeza uma lei possível.
A sua prática irá dizer se ela responde eficientemente ou se, pelo contrário, será preciso alterá-la no futuro. Aguardemos pois calmamente.
Vai, com certeza, agradar a todos, ou seja, vai agradar aos autênticos objectores de consciência. Aos outros, aos falsos objectores, não agradará e ainda bem.
Apelamos ao Governo que o mais rapidamente possível complete a lei, ou seja, regulamente o que há para regulamentar.
Embora com atraso, sem culpas totais desta Câmara, cremos que cumprimos o nosso dever: legislámos. Por isso, a nossa satisfação, até por se tratar de uma lei reconhecidamente importante.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pessegueiro Miranda.
O Sr. Pessegueiro Miranda (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No Ano Internacional da Juventude, passamos aqui das comemorações de circunstância os actos reais, ao aprovarmos um diploma que à juventude diz directamente respeito.
A UEDS congratula-se com a aprovação final global por unanimidade deste Estatuto do Objector de Consciência, definição há tantos anos adiada por acidentes de percurso e cuja importância e urgência são indiscutíveis, como indiscutível é a consagração de um direito fundamental.
Fica desta forma definida uma situação de muitos milhares de jovens que alegaram ou pretendem alegar esse direito fundamental e que é o de garantir a liberdade de consciência individual, não permitindo que esta seja violentada pelo uso de meios violentos, que esta consciência profunda e sinceramente não aceita.
A UEDS há muito se vem preocupando com a situação dos objectores de consciência e disso são provas a longa auscultação de cidadãos e grupos que por este direito se batem, e as suas propostas consubstanciadas nos projectos de lei apresentados. E fê-lo por-
que entendemos não dever haver cidadãos de primeira ou de segunda pelo simples facto de serem conscientemente livres. Só assim a sociedade ganha em dignidade e o Estado de direito democrático ganhará sentido. Por isso, votamos a favor deste diploma que garante nesta matéria igualdade de deveres e direitos a todos os cidadãos, não segregando aqueles cuja consciência seria aviltada com a prestação de serviço militar.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não deixaremos de realçar aqui o trabalho profícuo e muitas vezes consensual em sede de comissão. Tomando como documento-base a proposta de lei n.º 61!III, e tendo em conta as propostas alternativas dos diferentes grupos e agrupamentos parlamentares e os projectos de lei da ASDI e da UEDS, pôde esta ser substancialmente melhorada, daí resultando um diploma realista, coerente e exequível na presente situação. Uma prova disso é a regulamentação relativa ao regime transitório que define a situação de milhares de jovens já declarados objectores de consciência.
Aplausos da UEDS, do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Coelho.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A bancada do PSD não pode deixar de se congratular com a aprovação que a Câmara acabou de fazer por significativa unanimidade.
É certo que em sede de comissão várias foram as opiniões expressadas inclusive algumas nossas no sentido de que se deveria ir mais longe na regulamentação deste direito constitucional, entre outras disposições no que se refere à constituição das comissões administrativas, que irão apreciar os processos já entregues e, de momento, da interposição do pedido. Mas não se pode deixar de sublinhar o passo importante que a aprovação desta lei representa quer para quem já tenha exercido quer para quem pretenda vir a fazê-lo.
O esforço de consenso que importa aqui registar foi também produto da necessidade por todos sentida de ter presente as circunstâncias específicas que não podem deixar de rodear a implementação desta medida.
O facto de a Comissão ter realizado o seu trabalho de discussão e votação na especialidade em tempo record merece também aqui a nossa referência. E não pode deixar de ter um significado quando por muito tempo foi protelada a regulamentação cuja falta ia progressivamente sendo sentida.
E importará frisar bem que era nosso entender esta constatação. Foi bem assumida pela Câmara na aprovação do processo que regulará a situação dos chamados «casos pendentes».
Já no debate na generalidade nos havíamos pronunciado nesse sentido, afirmando nomeadamente que:
O atraso com que o legislador preenche a lacuna é de sua inteira responsabilidade e, de forma alguma, se deve traduzir em prejuízos acumulados
para quem exercer o seu direito constitucional. O cidadão não pode ser penalizado porque o Estado foi negligente ou, pelo menos, pouco diligente no
exercício da sua capacidade normativa.
Cremos, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que honra esta Câmara o facto de ter iniciado com um acto con-
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creto de resolução dos problemas as acções inseríveis no Ano Internacional da Juventude. Para tanto tem o PSD, em geral - e, em particular, os deputados da JSD - a consciência tranquila quanto aos contributos que pudemos dar.
Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Gois.
O Sr. Jorge Gois (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a presente aprovação final global ultima-se o processo legislativo referente à lei do objector de consciência. Fica assim traçado o quadro jurídico relativo ao exercício do direito consagrado nos artigos 41.°, n.° 6, e 276.°, n.° 4, da Lei Fundamental.
A Assembleia cumpre assim, se bem que com quase 9 anos de atraso, a tarefa de traduzir na via legislativa normas constitucionais não exequíveis por si mesmas.
A ausência deste diploma, responsabilidade dos agentes políticos e das instituições, deu azo a uma situação abusiva, em que muitos, valendo-se da inexistência do regime jurídico agora aprovado, lançaram mão da utilização deste instituto, não propriamente por sinceras razões de ordem religiosa, moral ou filosófica, que os impeçam de usar meios violentos de qualquer natureza contra o seu semelhante, mas antes numa perspectiva habilidosa conducente à não prestação de serviço militar.
O regime transitório fixado, sem ser bom, afigura-se equilibrado, já que a própria dimensão do problema impedia desenhar uma solução mais consentânea com os princípios gerais consagrados ao longo do diploma em apreço. Princípios que correspondem ao nosso ponto de vista sobre a matéria, claramente enunciados nesta Câmara aquando da discussão na generalidade. Não podíamos, portanto, deixar de votar favoravelmente.
A validade do presente texto legislativo em muito dependerá da acção daqueles que nos tribunais irão passar a lidar directamente com os processos de objecção de consciência, e a magistratura não deixará, estamos convictos disso, de firmar jurisprudência equilibrada sobre esta matéria. A aprovação deste diploma traduz, finalmente, um acto de prestígio para esta Câmara. É um acto positivo, talvez o primeiro acto positivo no Ano Internacional da Juventude. Mas também por isso importa referir aqui a necessidade urgente de se proceder à elaboração de nova lei do serviço militar, diploma que diz respeito à grande maioria da juventude portuguesa.
Aplausos do CDS, do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - A Assembleia da República, ao aprovar o regime jurídico adequado à garantia do exercício do direito à objecção de consciência face ao serviço militar, põe termo a uma grave omissão do ordenamento jurídico português, omissão que esteve na origem de dificuldades, questões e indefinições que, se afectaram a estabilidade das Forças Armadas, afectaram os cidadões que pretendiam seriamente exercer um direito que a Constituição lhes garante inequivocamente.
O debate na especialidade não permitiu melhorar o texto tanto como seria desejável. Registaram-se, é certo, alterações positivas, a maioria com origem em propostas do Grupo Parlamentar do PCP.
Quanto ao serviço cívico, alargou-se a sua prestação ao domínio da alfabetização; fez-se depender a sua prestação no estrangeiro de consentimento expresso do objector; valorizou-se a manifestação de vontade e as preferências do objector quanto ao domínio em que será prestado; definiu-se o princípio de que o regime de trabalho é o que cabe aos trabalhadores do sector em que for prestado; garantiu-se a inclusão das prestações de alimentação e alojamento na prestação remunerativa; garantiram-se aos objectores os regimes de amparo, adiamento, interrupção, substituição e dispensa, nos mesmos termos de que gozam os cidadãos que devam prestar serviço militar.
Por outro lado, vinculou-se o Estado a garantir o direito à informação sobre as regras e prescrições da lei.
Quanto ao regime processual, alargou-se o prazo de interposição do pedido, introduziu-se o princípio da oralidade na audiência de julgamento, garantiu-se o regime de recurso das decisões judiciais e permitiu-se a junção de pareceres em qualquer fase do processo.
Apesar destes aspectos positivos, não quis a maioria corrigir certos aspectos negativos do texto.
Assim, foi rejeitada a proposta do PCP que visava dispensar a obrigatoriedade de constituição de advogado, bem como a que impunha a existência de comissões regionais nas sedes dos 18 distritos do continente.
Dessa forma, impediu a maioria que ficasse melhor garantido o acesso ao direito, evitando-se a crítica, que aparecerá, que só consegue ver reconhecida a situação do objector quem for rico.
Por outro lado suscita óbvias dúvidas a presença de um representante do Ministro da Defesa Nacional nas Comissões Regionais. Acresce que a formulação encontrada para o prazo de interposição do pedido garante efectivamente a estabilidade das Forças Armadas, mas suscitará sempre a reserva de que parte do pressuposto falso de que o que se pensa aos 18-19 anos é o que se há-de pensar toda a vida.
Pese embora estas reservas, o Grupo Parlamentar do PCP votou favoravelmente por entender que, em geral, a lei é um passo positivo que no futuro, depois da experiência da aplicação, sempre poderá ser melhorada.
Refere-se finalmente que entendeu a Comissão, e mal, votar contra a proposta do PCP de alterar o artigo 1.°, em termos de fazer corresponder a sua redacção, relativa ao conceito de objector, à redacção da Resolução n.° 337 do Conselho da Europa.
Mal, não só porque se fixou um conceito, pelo menos aparentemente, mais restrito do que o da recomendação do Conselho da Europa, como porque por outro lado, e fundamentalmente, não se pôs em evidência o que era importante dizer: que se regulava, aqui e agora, o que juridicamente não pode ser configurado senão como um direito. Nunca como um favor.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais declarações de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, o MDP/CDE vai entregar na Mesa uma declaração de voto.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido pelo Sr. Deputado Secretário os diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (Leonel Fadigas): - Foi admitido pelo Sr. Presidente, baixando à 1.ª Comissão, para efeitos do n.º 3 do artigo 134.º do Regimento, o recurso de admissibilidade do projecto de lei n.º 460/III, que condiciona a fixação de publicidade ou de propaganda, bem como a realização de inscrições ou pinturas murais, interposto pelo Grupo Parlamentar do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lida a ordem de trabalhos para a reunião da próxima terça-feira, cujo início terá lugar pelas 15 lugares.
Sr. Deputado Secretário, queira ter a bondade de a ler.
O Sr. Secretário: - Haverá período de antes da ordem do dia. O período da ordem do dia terá primeira e segunda partes.
Na primeira parte: continuação da discussão sobre o pedido de inquérito parlamentar n.º 9/III; discussão e votação de pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, autorizando os Srs. Deputados a depor com testemunhas; votação do parecer da Comissão sobre o recurso apresentado pelo PCP, relativo à admissibilidade de projecto de lei n.º 101/III; discussão e votação do projecto de resolução n.º 44/III, relativo à criação de uma comissão especial para apreciar a eventual suspensão do Sr. Ministro da Qualidade de Vida para efeitos de julgamento (acusação do crime de abuso de imprensa); discussão e votação do projecto de resolução que cria uma comissão parlamentar para as relações luso-espanholas.
Na segunda parte: discussão conjunta do projecto de lei n.º 79/III, do PCP, relativo à Lei da Radiodifusão, projecto de lei n.º 192/III, da UEDS, relativo à Lei da Radiodifusão Sonora, projecto de lei n.º 252/III, do PS e do PSD, relativo a serviços locais de radiodifusão sonora por via hertziana, proposta de lei do Governo n.º 73/III, relativo à Lei da Radiodifusão Sonora, projecto de lei n.º 74/III, do Governo, relativo ao licenciamento de estações emissoras de radiodifusão.
Foram distribuídos os seguintes tempos para estes debates: ao Governo, PS, PSD, PCP e UEDS, 40 minutos; CDS 30 minutos; MDP/CDE, 25 minutos; ASDI, 25 minutos.
Na fixação de tempos, a UEDS votou contra. Ficou estabelecido que a reunião terminará às 21 horas.
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Hermínio Martins de Oliveira. João Joaquim Gomes. Joaquim José Gatanho de Menezes. José Carlos Pinto Basto Mota Torres. José Manuel Lello Ribeiro de Almeida. Manuel Alegre de Melo Duarte. Manuel Luís Gomes Vaz. Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia. Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
António d'Orey Capucho. Carlos Miguel Almeida Coelho. Cecília Pita Catarino. Fernando José da Costa. Fernando Manuel Cardoso Ferreira. Francisco Antunes da Silva. João Luís Malato Correia. João Pedro de Barros. Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro. José de Almeida Cesário. José Ângelo Ferreira Correia. José António Valério do Couto. José Augusto Seabra. José Bento Gonçalves. Luís António Martins. Manuel Filipe Correia de Jesus. Manuel Maria Moreira. Maria Margarida Salema Moura Ribeiro. Mariana Santos Calhau Perdigão. Marília Dulce Coelho Pires Raimundo. Pedro Augusto Cunha Pinto. Pedro Miguel Santana Lopes. Pedro Paulo Carvalho Silva. Rui Manuel de Oliveira Costa. Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço. Georgete de Oliveira Ferreira. João António Torrinhas Paulo. Jose Manuel Santos Magalhães. Lino Carvalho de Lima. Manuel Correia Lopes. Maria Alda Barbosa Nogueira. Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto que hoje Henrique Manuel Soares Cruz.
não há mais nenhum assunto a tratar, declaro encer- João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
rada a sessão. João Gomes de Abreu Lima.
José Miguel Anacoreta Correia. Luís Eduardo da Silva Barbosa. Narana Sinai Coissoró. Ruy Manuel Correia Seabra. Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Eram 13 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
António da Costa. António Jorge Duarte Rebelo de Sousa. Edmundo Pedro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
Francisco Alexandre Monteiro. Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
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Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Ruben José de Almeida Raposo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa. Almerindo da Silva Marques. Beatriz Almeida Cal Brandão. Carlos Luís Filipe Gracias. Eurico Faustino Correia. Fernando Alberto Pereira de Sousa. Francisco Manuel Marcelo Curto. João Luís Duarte Fernandes. José Barbosa Mota. Luís Silvério Gonçalves Saias. Maria do Céu Sousa Fernandes. Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo. Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Alberto Augusto Faria dos Santos. António Augusto Lacerda de Queiroz. Carlos Alberto da Mota Pinto. Fernando José Alves Figueiredo. Francisco Jardim Ramos. Guido Orlando Freitas Rodrigues. João Maurício Fernando Salgueiro. José Luís de Figueiredo Lopes. José Vargas Bulcão. Licínio Moreira da Silva. Manuel da Costa Andrade. Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Partido Comunista Português (PCP):
António Guilherme Branco Gonzalez. António José Almeida Silva Graça. António José Monteiro Vidigal Amaro. Carlos Alberto Gomes Carvalhas. Domingos Abrantes Ferreira. Joaquim Gomes dos Santos. Maria Luísa Mesquita Cachado. Maria Ilda Costa Figueiredo. Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia. Fancisco António Lucas Pires. José António Morais Sarmento Moniz. José Augusto Gama. José Luís Nogueira de Brito.
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Movimento Democrático Português (MDP/CDE): José Manuel Tengarrinha.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado para publicação
Em reunião realizada no dia 22 de Março de 1985, pelas 11 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputado:
Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Raul Gomes dos Santos (círculo eleitoral dos Açores) por Paulo Manuel Pacheco da Silveira. Esta substituição é pedida por um período de 90 dias, a partir do próximo dia 25 de Março corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.
A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - José Maria Roque Lino (PS) Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Fernando José da Costa (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Luís Filipe Paes Beiroco (CDS) Raul Fernandes de Morais e Castro (MDP/CDE) António Poppe Lopes Cardoso (UEDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).
OS REDACTORES: Maria Amélia Martins - José Diogo.
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PREÇO DESTE NÚMERO 72$00
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