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I Série - Número 62 Quarta-feira, 27 de Março de 1985

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 26 DE MARÇO DE 1985

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Mala Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 20 minutos.
Antes do ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da resposta do Governo a alguns outros.
O Sr. Deputado Duarte Lima (PSD) chamou a atenção da Câmara para alguns dos problemas mais prementes do distrito de Bragança.
O Sr. Deputado Filial Guimarães (PS) produziu uma intervenção sobre as carências do Nordeste transmontano, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Meneses Falcão e Alexandre Reigoto (CDS) e Daniel Bastos (PSD).
O Sr. Deputado João Amaral (PCP) criticou a actuação dos Ministros da Defesa Nacional e do Trabalho no referente ao atraso da publicação dos estatutos do Sindicato dos Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Raul e Castro (MDP/CDE).
O Sr. Deputado Cunha e Sá (PS) manifestou-se contra o facto de no novo Código de Registo Predial as autarquias tocais deixarem de gozar da isenção de pagamento de emolumentos para actos de registo predial.
A propósito do Dia do Estudante, a Câmara aprovou um voto em que saúda todos os estudantes portugueses. Produziram declarações de voto os Srs. Deputados Margarida Marques (PS), Luis Monteiro (PSD), Raul e Castro (MDP/CDE), Jorge Patrício (PCP) e Jorge Góis (CDS).

Ordem do dia. - Procedeu-se à apreciação do pedido de inquérito parlamentar n.º 9/7/7, apresentado pelo PCP - tendente a apurar em que obras ou empreendimentos da responsabilidade da Secretaria de Estado das Obras Públicas se verificaram desmoronamentos e outras anomalias, bem como as respectivas causas, implicações e responsabilidades -, que foi concedido, tendo depois sido igualmente aprovada uma proposta de aditamento do alargamento do âmbito do inquérito ao Ministério do Equipamento Social, apresentado pelo PSD, bem como o projecto de resolução que cria a respectiva comissão eventual de inquérito.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Raul e Castro (MDP/CDE), João Amaral e Anselmo Aníbal (PCP), Cardoso Ferreira (PSD), Paulo Barral (PS), Lopes Cardoso (UEDS), Carlos Lage (PS), Nogueira de Brito (CDS) e Magalhães Mota (ASDI).
Foram aprovados dois pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos autorizando diversos Srs. Deputados a deporem como testemunhas e a prestarem declarações.
Procedeu-se em seguida à discussão do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 707/777, que estabelece um regime especial de arrendamento urbano, tendo a sua votação ficado marcada para a próxima sessão. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Odete Santos (PCP), Lopes Cardoso (UEDS) e Roque Lino (PS).

O Sr. Presidente encerrou a sessão às 20 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António do Carmo Saleiro.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.

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Eurico Faustino Correia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Manuel Luís Gomes Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nuno Álvaro Freitas Alpoim.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Licinio Moreira da Silva.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Victor Manuel Ascensão Mota.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.

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Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Alexandre Carvalho Reigoto.
António Filipe Neiva Correia.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Góes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
Raul Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.
Dorilo Jaime Seruca Inácio.
Francisco Alexandre Monteiro.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Ofícios

Da Câmara Municipal de Almada capeando uma moção, na qual exige do Governo a resolução imediata dos problemas apresentados pela Organização dos Bombeiros de Portugal, por forma a que seja viabilizado o seu funcionamento estável, designadamente na área da saúde.
Da Câmara Municipal de Vila Viçosa, com uma moção na qual manifesta o seu repúdio perante a insuficiência de verbas atribuídas às autarquias que consideram vir trair as aspirações dos eleitos em resolver os problemas das mesmas.
Da Caritas Diocesana de Coimbra a remeter as conclusões de um Curso de Pedagogia da Educação Sexual, cuja realização promoveu em colaboração com o Movimento de Defesa da Vida, Centro de Psicologia Aplicada à Educação e Capelania da Universidade de Coimbra.
Do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Alimentares de Hidratos de Carbono do Sul e Ilhas a remeter um abaixo-assinado dos trabalhadores da Soconel, protestando sobre a actuação da Inspecção de Trabalho da delegação de Évora.

Telex

Do presidente da Associação Lisbonense de Proprietários exprimindo o seu veemente repúdio pelo atentado bombista de que foi vítima a sua sede, e manifestando o seu agradecimento aos grupos parlamentares que se manifestaram contra esse procedimento.
De João Maria Rubens, jornalista emigrante na Califórnia dando conhecimento da realização da IX Conferência Anual da Luso-American Education com a presença de cerca de 300 professores do ensino da Língua Portuguesa, vindos das mais diversas cidades ou Estados da América.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Na última sessão foram apresentados os seguintes requerimentos: aos Ministérios da Educação e do Equipamento Social (2), formulados pelo Sr. Deputado Manuel Fontes Orvalho, ao Governo e aos Ministérios da Administração Interna e do Equipamento Social (2), formulados pela Sr.ª Deputada Zita Seabra; ao Ministério do Trabalho e Segurança Social; formulado pelo Sr. Deputado António Mota; à Secretaria de Estado das Obras Públicas, formulado pelo Sr. Deputado Licinio Moreira; ao Ministério do Equipamento Social (3), formulados pelo Sr. Deputado Horácio Marçal; ao Governo, formulado pelos Srs. Deputados Margarida Tengarrinha e Carlos Brito; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Anacleto Batista; a diversos Ministérios, formulado pelo Sr. Deputado José Vitorino; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Ministério da Cultura, formulado pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes; ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, formulado pelo Sr. Deputado Hasse Ferreira e outros.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: José Tengarrinha e outros, na sessão de 22 de Setembro; José Magalhães e outros, nas sessões de 10 de Janeiro, 6 e 7 de Junho; Octávio Teixeira, na sessão de 23 de Março; José Vitorino, na sessão de 14 de Junho; Magalhães Mota, nas sessões de 23 de Junho, 18 de Dezembro, 3 de Janeiro, 12 e 26 de Fevereiro; Jorge Lemos e Paulo Barrai, na sessão de 6 de Novembro; José Tengarrinha, na sessão de 15 de Novembro; Carlos Brito e Margarida Tengarrinha, na sessão de 5 de Dezembro; Zita Seabra e Carlos Espadinha, na sessão de 19 de Dezembro; Lemos Damião, na sessão de 27 de Janeiro; Luísa Cachado e Álvaro Brasileiro, na sessão de 23 de Janeiro; Luís Saias e outros, na sessão de 25 de Janeiro; Lopes

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Cardoso, Luís Monteiro e Vítor Caio Roque, na sessão de 12 de Fevereiro; Rogério Brito, na sessão de 21 de Fevereiro; Octávio Teixeira e José Magalhães, na sessão de 5 de Março.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Durante os breves minutos que me são concedidos para esta intervenção procurarei chamar a atenção da Câmara e do Governo para alguns dos problemas mais prementes que neste momento preocupam a população do meu distrito - o distrito de Bragança - e cuja resolução urgente condiciona o seu desenvolvimento económico e o seu futuro.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Em função da escassez do tempo referir-me-ei neste momento à problemática das vias de comunicação e à necessidade de ser implementado, com urgência, um plano distrital de rega, que maximize o aproveitamento pleno dos recursos hídricos e potencie o aumento da produção agrícola.
Relativamente à primeira questão, a das vias de comunicação, cabe dizer que o problema fundamental reside na deficiente ligação de todo o distrito com o resto do território nacional - não obstante a rede viária interna, velha e construída num território montanhoso, com naturais dificuldades de penetração, necessitar igualmente de ser reparada, corrigida e modernizada.
A degradação constante dos eixos viários que ligam o Nordeste transmontano com o exterior, fizeram com que se tornasse mais actual a telúrica imagem de Torga, que faltava do reino maravilhoso escondido no alto das fragas como os ninhos o estavam no cimo das árvores. Infelizmente, as necessidades do progresso e do desenvolvimento não podem acomodar-se às maravilhas nostálgicas dos poetas, e os desafios da modernidade exigem que as vias de comunicação com o exterior se rompam com rapidez. É hoje um dado adquirido serem os grandes nós rodoviários e as vias de comunicação em geral factores estruturantes no desenvolvimento, pela mobilidade que permitem, determinando uma deslocação mais expedita de pessoas e bens.
Foi nesta perspectiva que, num desafio ousado mas necessário, o então Primeiro-Ministro, Dr. Francisco Sá Carneiro, determinou que fosse dada prioridade e urgência à construção da via rápida Porto-Bragança, empreendimento difícil pela sua complexa execução técnica e pelos obstáculos físicos a vencer, caro pela sua extensão e pelos meios a mobilizar, e necessariamente com prazo de execução relativamente longo.
As obras foram iniciadas, com múltiplos troços, mas a situação concreta que hoje se verifica, pelo menos nos troços localizados no distrito de Bragança, é a extrema lentidão com que avançam. As causas reais desta lentidão não são conhecidas, e conhecida não é a entidade a quem se devam imputar as responsabilidades: se aos executantes da obra, que não cumprem os prazos, se ao Governo, que não paga àqueles, nos momentos aprazados, as quantias devidas pelos trabalhos executados.
É uma pergunta que aqui se deixa ao Ministério do Equipamento Social e à Secretaria de Estado das Obras Públicas, cuja resposta clara e rápida o povo do Nordeste transmontano exige. E exige-a com mais veemência quanto o andamento rápido desta obra, como de outros empreendimentos de vultos lhe foi prometido como contrapartida do encerramento do tráfego na linha do Sabor e da sua diminuição na linha do Tua.
Lá que uma das linhas encerrou e a outra viu reduzido o seu tráfego, todos tivemos oportunidade de o verificar. Mas não verificámos até agora que o Governo cumprisse com a outra parte do prometido. Foi este pressentimento que na altura me levou a protestar contra a política seguida em relação às vias férreas do Nordeste transmontano, por entender que elas constituíam um património fora do comércio, que os eixos rodoviários se devem construir porque eles são uma necessidade real e premente, e que só após a sua construção se verificaria a existência efectiva de vias de comunicação alternativas, que permitiriam com realismo equacionar o eventual encerramento de algumas linhas, ou a redução do tráfego noutras.
Sabemos que as linhas em questão são deficitárias - como o são outras linhas férreas do País -, mas sabemos igualmente que os Transmontanos contribuem generosamente para a cobertura possível dos défices do Orçamento do Estado, pelo que não se vê razão explicativa por que deverá recair essencialmente sobre eles a penalização pela recuperação financeira da CP.
Nestes termos, é cada vez mais premente a exigência que se faz ao Governo de acelerar a construção do IP-4, porque não nos contentamos com um empreendimento que, ao ritmo actual, apenas está concluído na segunda década do ano 2000.
Relativamente à segunda questão que me propus abordar, consiste ela em lançar um desafio a este Governo, que é o de executar com urgência um plano que permita o aproveitamento cabal dos recursos hídricos de que a região dispõe - que são imensos, mas que são efémeros - como forma de permitir um aumento quantitativo e qualitativo da produção agrícola.
Tem o Nordeste transmontano condições quase únicas no País para conseguir este desiderato. Tem condições climáticas, tem condições geológicas, e tem abundância de água, que se perde nas alturas do ano em que a precipitação é maior, por não existirem condições para a sua retenção e para a sua reserva destinada aos períodos em que faz mais falta.
Efectivamente, é hoje um dado adquirido ser a água um elemento determinante da produção agrícola, permitindo a introdução de novas culturas e a intensificação cultural. No caso concreto do Nordeste transmontano, a existência de um plano de regadio valorizador das boas condições edafo-climáticas da região permitiria um crescimento activo da produção agrícola, ao garantir reservatórios de humidade e bolsas de água nas fases do ano em que ela não abunda e em que pode ser mais proveitosamente combinada com a temperatura.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Tal plano é perfeitamente praticável e razoável, e corresponde a um velho desejo - adormecido, mas não esquecido - da generalidade dos agricultores do Nordeste transmontano. Ele passa pela execução de pouco mais de 70 pequenas barragens,

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espalhadas estrategicamente por todo o distrito e de cuja localização existem estudos concluídos há muitos anos por técnicos responsáveis e profundamente conhecedores da região.
Da sua maioria, existem mesmo os respectivos projectos. A sua construção originaria um aumento da área regável em cerca de 50 000 ha, o que corresponderia a um crescimento verdadeiramente exponencial, crescimento esse pensado numa perspectiva regional e nacional, pois permitiria a introdução de novas culturas extremamente rentáveis do ponto de vista económico, bem como a criação de pastagens para a produção pecuário de bovinos, ovinos e caprinos, não com recurso às técnicas actualmente seguidas, mas em regime mais intensivo, uma vez estabelecidos prados permanentes ou temporários.
Este plano, que o Governo conhece, é uma obra para uma década, se o quiser assumir, como penso que deveria fazer. Mas uma década não é muito se pensarmos nas alterações profundas que a sua execução determinará. E se o Governo não quiser enfrentar agora a barreira do tempo, confrontar-se-á, mais cedo ou mais tarde, com o mesmo desafio, mais renovado, mais intenso e mais premente. Mas faltarão sempre 10 anos e será cada vez mais tarde. Mais tarde para a região, cuja recuperação será mais morosa, e mais tarde para o País, que continuará a ter que socorrer-se dos mercados caros internacionais para comprar aquilo que poderia adquirir nos mercados internos - e que poderia, inclusivamente, exportar para o exterior, em troca de moeda forte. Este objectivo não deveria ser descurado na perspectiva da adesão à CEE, conhecida que é a importância que a Comunidade dá à produção agrícola e os preços que custam, nos seus mercados, os produtos agrícolas.
É um trabalho moroso este, que necessita que se ultrapassem muitos obstáculos - sobretudo burocráticos e administrativos. Não deseuro que a precaridade do poder político em Portugal, bem como a curtíssima durabilidade dos Ministros e dos Secretários de Estado é campo fértil que cimenta as posições adquiridas e o poder efectivo dos directores-gerais dos Ministérios, nas mãos dos quais acabam por se encontrar, muitas vezes com laivos de verdadeiro capricho, os factores determinantes da decisão.
Não deseuro igualmente as duas concepções que a este respeito dividem a administração portuguesa: por um lado, os que defendem a construção de pequenas barragens como instrumento para se poder executar um plano judicioso de reserva e domínio de água; por outro, os que, por forma dominante, defendem com intransigência a construção de grandes albufeiras.
Diz-nos a experiência internacional, nomeadamente a dos Estados Unidos, Israel, Itália, França e da vizinha Espanha, que esta concepção não tem mais razão de ser, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista da racionalidade económica.
Trás-os-Montes, e em particular o distrito de Bragança, continua a necessitar que o poder central -não obstante o grande salto qualitativo dado nos últimos anos - meta ombros, decididamente, às tarefas atrás enunciadas. É certo que o grau de dificuldade dessas tarefas é aumentado pela rudeza e diversidade das condições naturais. Essas dificuldades não nos molestam, pois são elas que desafiam o engenho humano e o catapultam à execução de grandes empreendimentos.
Não nos consola olhar para o passado e chorar pelas oportunidades perdidas, como muitos fazem. Como disse Tagore:

Se choras por ter perdido o sol, as lágrimas não te deixarão ver as estrelas.
Fica-nos sempre a vontade de fazer de cada adiamento, um recomeço; de cada hesitação, um desafio novo; de cada fracasso, uma esperança renovada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O povo do Nordeste transmontano merece essa esperança, esse desafio e esse recomeço.
Gostaríamos que o Governo da República também assim pensasse, e aceitasse, connosco, o desafio.

Aplausos do PSD, de alguns deputados do PS e do Sr. Deputado da UEDS, Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Fillol Guimarães.

O Sr. Fillol Guimarães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Curiosamente, na semana passada produziu-se nesta Assembleia uma intervenção sobre assuntos regionais respeitantes a Trás-os-Montes. O orador que me antecedeu também produziu uma intervenção nesse sentido e hoje vou fazer o mesmo. Não sei se tal se deve ao facto de vários deputados serem naturais e residentes nessa província ou se, pelo contrário, se deve ao facto de essa província apresentar problemas evidentes a necessitarem de resolução urgente e que, por isso, suscitam as nossas intervenções frequentes.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - Ao iniciar a minha intervenção, peço licença para, através de curtas citações de um texto já bastante antigo, vos situar no reino maravilhoso de que falam poetas e visitantes ocasionais que frequentemente passam por esses sítios.
Começa assim o capítulo XX de Portugal Económico e Artístico:

Terra de Trás-os-Montes.

Acidentada como mais nenhuma, de picos altos e de rios fundos, de outeiros doces e de amenos vales, com estranhas singularidades nas aptidões agro-climáticas diverssíssimas que oferece.
Povoada de gente forte, laboriosa e sóbria, verdadeiramente heróica na conquista e domínio das montanhas e serranias;

[...]

Das cearas de milho louro [...] e das messes doiradas do centeio moreno e pobre, nas leiras do Barroso e de Bragança;
Do vinho nobre e generoso que é o rei dos vinhos [...];
Dos olivais cor de cinza de Mirandela [...];
Das frutas sumarentas e maravilhosas das ribas durienses e dos vales pingues de Chaves e da Vilariça;
Das carnes saborosas da vitela do Barroso, do presunto de Chaves e dos enchidos apetitosos [...];
Das fontes miraculosas de Pedras Salgadas e de Vidago, de Moledo e de Chaves, de Carlão e de Vilarelho;

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Dos mármores e alabastros de Vimioso e dos ferros de Moncorvo, riquezas que o engenho humano mais adivinhou do que o trabalho pôde aproveitar [...].

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É esta uma visão de beleza. De homens empenhados, de recursos e de potencialidades.
Infelizmente é tão só uma parte da realidade, a poética, na qual o sentimento se sobrepõe à análise fria e objectiva de uma dura existência. A realidade total de Trás-os-Montes, para os seus naturais e para os seus residentes, que não para os visitantes ocasionais, é medida por outros parâmetros. Estes comezinhos; do dia a dia, nos quais a poesia é, por mal que pareça e custe dizê-lo, a necessidade última, porque a menos importante na sobrevivência material de uma luta diária.
Desemprego ou subemprego; analfabetismo; falta de estruturas sociais e culturais; carência de pessoal médico apesar da existência de edifícios e equipamento; alheamento ou subaproveitamento dos múltiplos recursos existentes.
Povoações sem homens porque o futuro só lhes é possível nos grandes centros urbanos nacionais ou, na hipótese mais usual - no país estranho. E pior de tudo, para os que ainda teimam e ficam, o terem de projectar um futuro que antevêem igual ao até agora pacientemente assumido presente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O que as gentes destas terras começam a perguntar-se é o motivo ao qual se deve esta situação que as várias mudanças históricas alteraram em menor velocidade e profundidade do que em outras regiões. E o que já começam também a auto-responder-se é que o seu baixo nível e condição de vida não é fruto: nem de inexistência de recursos naturais, nem de falta de capacidade de trabalho dos seus braços, nem de uma natural e congénita condição de inferioridade.
Essas populações sabem que possuem recursos naturais importantes e capazes de serem rendivelmente dinamizados:

As potencialidades do solo em florestas, pastagens e regadio nos eixos: Chaves-Vila Pouca e Mirandela-Macedo-Vila Flor; as zonas florestais de Boticas e Montalegre.
A possibilidade da expansão pecuária em bases industriais, bem como do sector agro-alimentar, nomeadamente através de repensado aproveitamento do Complexo do Cachão.
As possíveis indústrias extractivas do ferro, o estanho, o volfrâmio e o ouro.
A realidade turística desaproveitada do Douro e da região de Montalegre, bem como o subaproveitamento da região termal do Alto Tâmega.
O potencial hidro-eléctrico que serve o País sem qualquer contrapartida.

Vozes do P§: - Muito bem!

O Orador: - Sabem também que têm capacidade de trabalho amplamente evidenciada quando lhe são proporcionadas as oportunidades necessárias. Nos grandes centros urbanos ou no estrangeiro encontramos naturais dessa zona empenhados desde a tarefa mais simples até à complexa gestão do Estado.
Encontram-se por toda a parte. Estranhamente encontram-se pouco, no que às profissões de iniciativa e decisão se refere, na própria região de que são naturais. Não por falta de querer ou de vontade, mas de oportunidades e estímulos localmente oferecidos de molde a poderem ser minimizadas as condições de periferia existentes.
Sendo assim, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é necessário procurar as causas crónicas do atraso material desta terra em factores que a ela própria são alheios. E a consciência desta realidade começa já a fazer parte integrante do sentir comum dessas gentes. E esse sentir comum encontrou já em Trás-os-Montes, como aliás noutras regiões semelhantes do País, uma designação para o fenómeno: a interioridade.
E é contra esta histórica e geográfica fatalidade que é necessário lutar. E será só através dessa luta, que passa pela análise da situação concreta do nosso interior, pelo perspectivar de soluções viáveis, pelo incentivo em medidas específicas, que se conseguirá alterar o constante e ainda presente estado degradado das regiões interiores.
O arranque para uma alteração de fundo passará através do reconhecimento pelos órgãos centrais do poder (sejam eles quais forem, porque em todo este processo ninguém está em condições de atirar a primeira pedra) do que é urgente:

Delinear uma política de incentivos que permita esbater as assimetrias regionais que são, sempre o foram e podem vir a sê-lo cada vez mais, gritantes e afrontosas;
Encarar o País como um todo no qual a concentração de potencialidades numa região em detrimento de outra, embora possa parecer economicamente mais atractiva de momento, é, desde logo, socialmente injusta e a longo prazo tornar-se-á lesiva do interesse económico nacional;
Dotar as regiões deste país, nomeadamente as do interior e mais afastadas da capital, de poderes de planeamento e dos correspondentes poderes de decisão, nomeadamente através da concretização das regiões administrativas como órgão necessário do poder local.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - É pelo menos estranho, para não usar outros qualificativos, que a este órgão autárquico seja reconhecida existência pela Constituição, logo estabelecida a sua necessidade, e lhe continue a ser negada existência real.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!

O Orador: - A sua implementação não virá, por si só, acabar com todos os males reconhecidos, mas, estou certo, contribuirá para a resolução de alguns e será certamente início de um novo dinamismo regional que todos reclamam.
Deixo enunciado o problema com a consciência de que ele já foi anteriormente denunciado e prevendo que terei de voltar - ou teremos de voltar - a este mesmo assunto em data próxima. Espero sinceramente que vol-

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temos a ele por nossa livre iniciativa e não por virmos a estar confrontados com uma situação grave a ter de merecer solução em cima do acontecimento.

Aplausos do PS, do PSD e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Meneses Falcão.

O Sr. Meneses Falcão (CDS): - Sr. Deputado Fillol Guimarães, acompanhei-o nessa peregrinação através do reino de Trás-os-Montes e regalei-me com a passagem que V. Ex.ª fez pelos vales de Chaves, de Vila Pouca, de Mirandela e por toda essa região magnífica, que é aquela que foi o nosso berço - e ao dizer isso estou a identificar-me com V. Ex.ª na sensibilidade com que se afirma transmontano e com que eu me afirmo também apaixonado por todas a preocupações que trouxeram aqui a palavra de V. Ex.ª
Evidentemente que não é a nossa sensibilidade, não é o apego à nossa terra que determina a minha intervenção neste momento, pois bastava que referisse estar de acordo com o Sr. Deputado e estaria tudo dito. Porém, importa que também lhe dê conta de uma preocupação da minha parte: estou habituado a ir daqui à nossa terra, retirando os pés da lama e colocando-os em terra firme, no terreno granítico e xistoso da nossa terra que nos dá uma sensação de segurança.
Ouço muitas vezes os deputados de Trás-os-Montes falarem nas carências do Nordeste transmontano, no abandono, enfim, em tudo quanto são manifestações de dor por aqui o a que chamamos «o desprezo pelo Nordeste». Para ser franco, devo dizer que sinto que muitas vezes há uma manifestação de exagero quando se fazem essas afirmações! Por mais estranho que pareça, e parecendo até que deveria dizer que o Sr. Deputado tem toda a razão e que devemos reclamar e exigir que nos sejam dados meios iguais àqueles que se vivem na orla marítima, pergunto a V. Ex.ª o que é que podemos fazer e o que é que o Governo pode fazer para transformar o granito da nossa terra em humos produtor de trigo, eventualmente de arroz ou de quaisquer outras riquezas agrícolas que não temos.
Fala-se muitas vezes no desenvolvimento industrial, na projecção de uma indústria que dê capacidade para as pessoas se instalarem em termos de uma vivência mais rica. Gostaria, pois, que o Sr. Deputado me ajudasse a raciocinar - estou a pedir-lhe muito sinceramente - no sentido de saber o que é que podemos reclamar para que o nosso reino maravilhoso, que V. Ex.ª referiu na peugada das palavras de Miguel Torga, fosse a terra prometida que todos nós desejamos.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Fillol Guimarães, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

O Sr. Fillol Guimarães (PS): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então tem a palavra o Sr. Deputado Alexandre Reigoto.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - Sr. Deputado Fillol Guimarães, ouvi com muita atenção a intervenção que V. Ex.ª produziu sobre Trás-os-Montes e devo dizer que o aplaudo com toda a sinceridade.
Contudo, creio que o Sr. Deputado se esqueceu de referir as estradas que temos, que são péssimas, as escolas que temos e que não estão em condições de funcionamento, quer para o corpo docente, quer para os alunos. Porém, V. Ex.ª abordou as potencialidades enormes de toda a nossa província e de todo o nosso distrito.
Todavia, gostaria de colocar três questões. Não entende o Sr. Deputado que tudo o que foi e está a ser feito na nossa província de Trás-os-Montes e principalmente no nosso distrito de Vila Real é-o à custa do esforço transmontano, à custa do seu suor e das suas lágrimas?
Não entende o Sr. Deputado que o Governo nada tem feito para ajudar a desenvolver essa nossa província e que a ela se deve atribuir a grande responsabilidade do atraso em que nos encontramos em certos aspectos?
O Sr. Deputado referiu-se - e muito bem - às termas que temos desde Chaves até às Caldas de Moledo. Entende ou não V. Ex.ª que está na hora de o Governo auxiliar essas mesmas termas com a dotação, que já foi pedida, para um casino?
Estas são, pois, as perguntas que muito leal e francamente coloco ao Sr. Deputado, esperando resposta. Também gostaria que V. Ex.ª respondesse a uma pergunta que formulei no outro dia a um seu colega de bancada e do qual não obtive resposta, que é a seguinte: estamos ou não mais escravizados do que nunca?

O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.

O Sr. Daniel Bastos (PSD): - Sr. Deputado Fillol Guimarães, foi com muita atenção e também com muita alegria que ouvi a intervenção que V. Ex.ª produziu, e gostaria de me associar e congratular com ela.
Porém, gostaria de formular uma pergunta porque quando o Sr. Deputado enaltece as carências do distrito de Vila Real associo-me a V. Ex.ª não só para realçar algumas dessas carências, mas também para realçar outra coisa que foi aqui dita, ou seja, que apesar das carências o distrito de Trás-os-Montes continua a ser o verdadeiro «reino maravilhoso», conforme lhe chama Miguel Torga ou João de Araújo Correia.
Quando cheguei da nossa terra ouvi as últimas palavras do Sr. Deputado Duarte Lima logo seguidas das do Sr. Deputado Fillol Guimarães sobre Trás-os-Montes. Realmente continuamos a ficar muito longe do Terreiro do Paço, sobretudo em questões de ordem estrutural e era necessário olhar por elas para se modificar a «vida» daquelas terras.
Ainda há pouco, quando atravessava algumas das estradas de Trás-os-Montes, verifiquei que eram verdadeiras picadas. Tal como eu, o Sr. Deputado teve ocasião de verificar o estado em que se encontram estradas que de Vila Real demandam a Régua, de Vila Pouca vão para Vapaços ou para Fafe, de Chaves vão para Vinhais ou para Montalegre. Ora, devido ao Inverno rigoroso por que passamos aquelas estradas estão absolutamente intransitáveis. É por isso que digo que estamos muito longe do Terreiro do Paço, pois seria necessário que o poder central se aproximasse mais do

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poder daquelas terras. Era necessário que houvesse uma efectiva descentralização e que houvesse possibilidade de, a nível local, se tratarem estes problemas com a rapidez que eles necessitam.
Depois de tantas riquezas que o Sr. Deputado referiu - riquezas que são produto do trabalho, da emigração, da agricultura, dos minérios e do turismo - não seria bom que algum produto deste trabalho fosse aplicado em Trás-os-Montes?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Fillol Guimarães.

O Sr. Fillol Guimarães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero congratular-me com as questões que foram colocadas pois, apesar dos problemas que levantam, todas elas têm um indicador comum, o de demonstrarem o interesse dos deputados de todas as bancadas pela região da qual são originários, e revelam uma preocupação séria por parte desta Câmara no sentido de procurar resolver os problemas de Trás-os-Montes.
Gostaria de agrupar todas as questões que me foram colocadas em três ordens de razões - creio que os deputados interpelantes não objectarão: o que se pode fazer por Trás-os-Montes; quem fez alguma coisa por Trás-os-Montes e quem é responsável por aquilo que se fez; e quais as potencialidades desta região.
Como iniciei a minha intervenção pela citação de um texto, gostaria de citar um outro - que é um relatório oficial - e perguntar aos deputados interpelantes se conhecem a sua origem.

É o seguinte:

Em cumprimento da ordem expedida em 2 de Março próximo passado tenho a honra de apresentar a V. Ex.ª um quadro das indústrias do distrito [... ] (refere-se ao distrito de Trás-os-Montes).
Satisfazendo portanto as determinações de V. Ex.ª, terei ocasião de tornar presente o estado lamentável de todas as indústrias do distrito, chamando por isso a atenção do Governo para esta abandonada província.
[... ] O resultado de tudo o que desalinhadamente escrevo-[...] será a prova do esquecimento a que se tem votado a Província, [...] a qual, em paga do aumento que traz à riqueza nacional, se deixa consumir numa inanição incrível, como se a terra de que faz parte lhe fora madrasta, sem que se forceje por chamá-la ao caminho do progresso [...].
É certo que alguma coisa se tem feito ultimamente [...] todavia é tudo tão acanhadamente praticado e num limite tão estreito que todos receiam que ainda mesmo estes pequenos benefícios não se levem a termo.
Bem sei a escassez de meios que há e as dificuldades e embaraços em que se acham as Finanças.
[...] Conheço também, é verdade, que o grandioso pensamento governativo a que o Governo subordina os seus actos económicos, e de fomento material, com direito exigem sacrifícios do País todo; mas ainda assim julgo que, sem desvio do trânsito que encetou, pode olhar por este distrito, que incontestavelmente todos os Governos têm esquecido.
Este é um relatório oficial que, curiosamente, poderia ser datado de 1985 como poderia ser de 1980 ou de 1975. Infelizmente para nós, Transmontanos, e infelizmente para o País, ele é datado de 1854 e é perfeitamente actual.
Respondendo agora concretamente às perguntas formuladas pelos Srs. Deputados, creio que enunciei uma série de potencialidades de Trás-os-Montes que ainda não foram aproveitadas, muitas delas absolutamente em nada, outras só muito parcamente, e que poderão sê-lo num todo francamente rendível para a região e para o País. Elas foram enunciadas, fazem parte do plano de 1977-1980 que, infelizmente, não foi cumprido mas que poderia ter sido se os governos fossem mais estáveis.
Sobre saber o que se fez e quem é o responsável, creio que não valerá a pena estarmos a culpar todos os Governos desde antes do 25 de Abril e depois dessa altura porque nenhum dos governos centrais fez tudo o que fosse possível por esta região.
Sobre qual a solução para o problema, devo dizer que, para além das soluções e dos arranjos pontuais, julgo ter apontado uma via que, quanto a mim, será via necessária e que é forçosamente a regionalização. Não digo que ela, resolve tudo, mas creio que as pessoas empenhadas localmente, conhecendo as necessidades, as carências mas também as potencialidades da região, podem dar uma resposta mais eficaz e efectiva em relação a todos os problemas da zona.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - Gostaria de saber se o Sr. Deputado Fillol Guimarães ao falar em distrito de Trás-os-Montes...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª pediu a palavra para interpelar a Mesa. Por conseguinte, tem de fazer a pergunta directa à Mesa e dizer o que é que pretende.

O Sr. Alexandre Reigoto (CDS): - Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Fillol Guimarães se ele quis dizer província de Trás-os-Montes ou se quis mencionar algum distrito de Vila Real ou Bragança separadamente. E isso, porque o Sr. Deputado disse «distrito de Trás-os-Montes» e eu não sei qual é. Por isso, creio que houve um engano qualquer.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª obterá uma resposta em particular.

O Sr. Fillol Guimarães (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, infelizmente não lhe posso conceder a palavra. Certamente que V. Ex.ª entender-se-á depois com o Sr. Deputado Alexandre Reigoto para retirar as dúvidas que ele tem sobre esta questão.

O Sr. Fillol Guimarães (PS): - Sr. Presidente, pretendo interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Então faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Fillol Guimarães (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se a Mesa percebeu que eu disse «o distrito de Trás-os-Montes». Na realidade, não me recordo do que referi, mas o queria dizer era região de Trás-os-Montes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é indiferente a expressão que V. Ex.ª usou, mas creio que o que estava no seu espírito era região de Trás-os-Montes.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Comité para a Liberdade Sindical da OIT, apreciando uma queixa contra o Governo Português apresentada pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas, concluiu que aqueles trabalhadores têm o direito de constituir, sem autorização prévia, as organizações da sua escolha, conforme o disposto na Convenção n.º 87, ratificada por Portugal; e, em consequência, pede ao Governo que tome as medidas necessárias o mais rapidamente possível para que o Sindicato reclamante seja regularmente registado e possa assim exercer normalmente e legalmente as suas actividades.
A posição condenatória do Governo Português assumida por esta alta instância internacional segue-se a idênticas posições condenatórias assumidas por três altas instâncias nacionais.
Assim, a Procuradoria-Geral da República concluiu que «nem a Constituição nem a lei levantam qualquer obstáculo à possibilidade de constituição de associações sindicais que representam exclusivamente trabalhadores civis dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas».
Por sua vez, o Tribunal Constitucional afirma que aos trabalhadores dos estabelecimentos fabris sempre terá de «ser assegurada a liberdade sindical».
Finalmente, o Provedor de Justiça em recomendação formulada à Secretaria de Estado do Trabalho em 14 de Janeiro de 1985 conclui que o Ministério está «contra legem a substituir-se aos tribunais», pelo que deverá «mandar proceder, sem mais delongas, à publicação dos Estatutos».
Srs. Deputados, é contra estas posições, é contra a razão e o direito, é contra tudo e contra todos que, «orgulhosamente sós» os Ministros da Defesa Nacional e do Trabalho continuam a reter ilegalmente a publicação dos estatutos do Sindicato dos Trabalhadores dos Estabelecimentos Fabris das Forças Armadas.
Ilegalmente, porque o artigo 10.º da Lei Sindical só permite ao Ministro do Trabalho a verificação da regularidade formal do processo. Num Estado de direito, o processo administrativo do registo de associações incluindo as sindicais, não é um processo de apreciação da legalidade material porque essa é uma função constitucionalmente reservada aos órgãos de soberania competentes - os tribunais!
O Sindicato teve a sua assembleia constituinte em Julho de 1983 (realizada, como se sabe, com as umas na rua, já então em directa violação das normas de garantia da liberdade sindical).
Apresentado o processo no Ministério do Trabalho, este declara que o Sindicato «foi registado [...] em 24 de Junho de 1983 e aguarda a publicação dos seus estatutos».
Ao mesmo tempo é publicada a lista dos membros eleitos para a comissão directiva do Sindicato.
Pensava-se: tudo bem? Não! Porque o Ministro da Defesa Nacional, por despacho, bloqueia ilegalmente o processo de publicação, e o ex-Secretário de Estado do Trabalho, Custódio Simões, também por despacho, faz depender a publicação do parecer da Procuradoria-Geral da República sobre «a questão de se saber se um sindicato, com as características do que se apresenta, pode ou não constituir-se».
Justificando-se perante o Plenário pelo atraso na publicação dos estatutos, afirmaria mais tarde o Secretário de Estado Rui Amaral que o Ministério aguardava o parecer da Procuradoria-Geral da República, pelo que, no seu entender, não estava «a protelar nenhuma decisão ilegitimamente».

Viu-se, Srs. Deputados!

O parecer veio, com o conteúdo cristalino que já referi. O Secretário de Estado do Trabalho, que o requereu, não se pronuncia sobre ele e o Ministro da Defesa Nacional acaba por decidir em sentido contrário, não o homologando.
Pergunta-se, para quê, então, requerer o parecer, se a intenção, à partida, era a de não o acatar?
Srs. Deputados, vale a pena analisar a razão invocada pelo despacho do Ministro da Defesa Nacional e que se reduz à afirmação de que «qualquer estrutura sindical vertical que abranja os civis dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas, essencialmente órgãos de apoio logístico das Forças Armadas, [...] contraria a unidade da cadeia de comando e a impossibilidade de estruturas hierarquizadas paralelas.
Vejamos, Srs. Deputados! Os estabelecimentos fabris são hoje em número de 7, empregando cerca de 11 000 trabalhadores distribuídos da seguinte forma: Arsenal do Alfeite, cerca de 3000; Fábrica Nacional de Cordoaria, mais de 400; Laboratório Militar, mais de 500; Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento, cerca de 1800; Oficinas Gerais de Material Aeronáutico, perto de 2500 e Oficinas Gerais de Material de Engenharia, mais de 400 trabalhadores.
A situação destas empresas é bastante diferenciada, mas existem traços dominantes que importa evidenciar.
Em primeiro lugar, todas elas são empresas «em regime de industrialização», com autonomia administrativa, financeira e patrimonial e dotadas de personalidade jurídica. «Empresas públicas imperfeitas», é como as caracteriza o Acórdão do Tribunal Constitucional acima referido.
Em segundo lugar, são empresas que não trabalham exclusivamente para as Forças Armadas. Alguns exemplos: em 1983, 29,1 % das vendas das Oficinas Gerais de Fardamento foram para outras entidades que não as Forças Armadas (e desses 29,1 %, 19,8% foram para exportação); as Oficinas Gerais de Material de Engenharia fazem assistência-auto a Ministérios (em especial ao das Finanças) e a forças de segurança; as Oficinas Gerais de Material Aeronáutico facturaram em 1983 a clientes estrangeiros mais de 30% da sua produção; o Laboratório Militar fornece parte da sua produção à rede hospitalar nacional e também exporta alguns produtos para os novos países africanos.
Em terceiro lugar, trata-se de empresas que no seu conjunto representam um significativo potencial económico de valor público e nacional, com valores orça-

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mentados no Orçamento do Estado que se elevam em 1985 a um total de mais de 22 milhões de contos.
Em quarto lugar, algumas dessas empresas sofrem as consequências de crises várias, as mais das vezes insuficientemente combatidas. As Oficinas Gerais de Fardamento carecem de investimentos, de adequado planeamento e programação, da canalização das encomendas devidas e para que está vocacionada. O Arsenal reclama instante apoio, no quadro das medidas globais de dinamização do sector da construção e reparação naval. A Cordoaria (divisão industrial) pode vir a ficar numa situação crítica, se não for rapidamente vitalizada, nomeadamente na tecelagem - e isto são só exemplos.
Em quinto lugar, os estabelecimentos fabris não asseguram em exclusivo ou na totalidade o apoio logístico às Forças Armadas.
Sublinhe-se, em parêntesis, que a lógica de considerar imprescindível uma cadeia de comando sobre as actividades económicas de que dependem as Forças Armadas levaria longe: basta pensar na produção de gasolina ou de trigo ou na produção de material sofisticado, como é o de transmissões...
Finalmente, em sexto lugar, duas das mais significativas actividades produtivas de que as Forças Armadas carecem estão completamente fora da sua alçada. Refiro as indústrias tipicamente militares, como a de explosivos e de armamento.
Quanto a esta última, e como é sabido, a criação da INDEP levou à extinção de dois estabelecimentos fabris (a Fábrica Militar de Braço de Prata e a Fábrica Nacional de Munições de Armas Ligeiras) e à transferência da sua actividade para a tutela directa do Governo, através do Ministro da Defesa Nacional.
Porquê? Porque é que não é necessária aqui a tal cadeia de comando? Porque é que estes trabalhadores que fazem armas, bem como os que fazem munições ou explosivos podem exercer (e têm vindo a exercer) todos os seus direitos? Onde está a significativa diferença entre estes trabalhadores e os que fazem remédios, fardamentos, navios ou cordame?

Ou será que, na visão governamental, as Forças Armadas ... não precisam de armas nem munições?
Srs. Deputados, a questão que denunciamos hoje e aqui é a da negação pelo Governo de uma liberdade: a liberdade sindical, liberdade incluída no título da Constituição sobre Direitos, Liberdades e Garantias e beneficiando assim da forca jurídica respectiva, ou seja, aplicação directa e vinculação de todas as entidades públicas e privadas.
A estes trabalhadores não se aplica obviamente o artigo 270.º da Constituição que, clara e expressivamente, se circunscreve a «militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo».
De resto, uma rápida pesquisa de Direito Comparado circunscrito a oito países europeus da NATO permitiu determinar que em todos eles os trabalhadores civis não eram sujeitos a nenhuma legislação especial, aplicando-se-lhes os regimes legais e estatutários comuns à generalidade dos trabalhadores.
Para as Forças Armadas, a sua coesão e operacionalidade são garantidas pelas regras de funcionamento que lhe são próprias. Mas as Forças Armadas vivem, emergem e conjugam-se com o País real nas mais diferentes dimensões. Também, portanto, na dimensão que se afirma no regime democrático-constitucional conquistado com o 25 de Abril.
Com profunda convicção se diz que o que gera os conflitos não é o exercício, mas sim, o desrespeito dos direitos fundamentais!
Os membros do Governo que ilegalmente retêm a publicação .dos estatutos dão um triste exemplo ao País. São réus de crimes de responsabilidade política, são réus de prejuízos morais e materiais causados ao sindicato, violam regras básicas do regime democrático.
Climas e atitudes de repressão, como a que indecorosamente o administrador do Arsenal do Alfeite fez abater sobre toda a Comissão de Trabalhadores da empresa, punindo os seus elementos com 121 dias de suspensão, não conduzem nem podem conduzir a boas relações é condições de trabalho, que motivem, estimulem e empenhem quem nelas trabalha.
Como é negativo também impedir a constituição de advogado nos processos disciplinares ou restringir o direito de recurso das penas aplicadas, tudo como é feito inconstitucionalmente no Decreto-Lei n.º 33/80.
Da nossa parte Grupo Parlamentar do PCP, vamos hoje mesmo apresentar ao Governo um requerimento sobre a sua intenção de cumprir a lei e as recomendações dos órgãos nacionais e internacionais já citados. Propomos também à Assembleia que adopte, pela forma mais própria, as medidas adequadas à reposição da legalidade. Propomos, finalmente, que uma delegação da Assembleia (ou da comissão parlamentar competente) se desloque a estas empresas.
Os 11 000 trabalhadores dos estabelecimentos fabris querem garantir a actividade das empresas onde trabalham, empenhar-se no seu desenvolvimento, dar completa resposta às necessidades das Forças Armadas e às exigências do País.

Reclamam justiça. Reivindicam a reposição da legalidade.
É tempo de o fazer!

Aplausos do PCP.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. Presidente: - Faça favor, .Sr. Deputado. No entanto devo informá-lo de que o Sr. Deputado João Amaral já não dispõe de tempo para responder.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Mas eu cedo algum do tempo que o MDP/CDE dispõe ao PCP para que o Sr. Deputado João Amaral possa responder, pois seria uma situação paradoxal formular um pedido de esclarecimento e não obter resposta.

O Sr. Presidente:.- Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado João Amaral, ouvi com muito interesse a intervenção que V. Ex.ª fez. E isto porque, por um lado, estão em causa os direitos de muitos mulheres de trabalhadores e, por outro lado, estão em causa direitos constitucionais. Por isso, gostaria de, em primeiro lugar, significar o meu aplauso à intervenção que V. Ex.ª fez.
Contudo, gostaria de colocar a seguinte questão: sabido que o artigo 56.º da Constituição assegura a liberdade numa organização sindical, será possível interpretar-se o artigo 270.º da Constituição no sentido de, através desta outra disposição, se retirar aquilo que o artigo. 56.º permite? Isto é, será legítimo inter-

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pretar o artigo 270.º da Constituição no sentido em que se interpretava o antigo artigo 8.º da Constituição do fascismo no sentido de que as leis especiais regulamentarão no sentido de excluir os direitos que ali eram estabelecidos?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Raul e Castro, em primeiro lugar, quero agradecer a pergunta que V. Ex.ª formulou.
Aproveitando o tempo que o MDP/CDE me concedeu, quero sublinhar o silêncio das bancadas que sustentam o Governo porque esse silêncio, em minha opinião, apenas tem uma interpretação: a incomodidade profunda que não pode deixar de causar à maioria uma situação claramente ilegítima, inconstitucional e violadora dos direitos fundamentais.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à pergunta concreta que me foi colocada, devo dizer, em minha opinião e na opinião da Procuradoria-Geral da República, do Tribunal Constitucional, do Provedor de Justiça, do Comité de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalhador e de todas as instâncias que se pronunciaram sobre a questão - e não quero deixar de lembrar aqui uma outra, que é a Comissão de Assuntos Constitucionais da Assembleia da República que, em 1979, também se pronunciou sobre a matéria, na opinião de todas essas instâncias -, os trabalhadores civis dos estabelecimentos fabris das Forças Armadas têm os mesmos direitos de todos os restantes trabalhadores.
O artigo 270.º da Constituição permite restringir direitos a militares e a agentes militarizados. E devo dizer, Sr. Deputado, que mesmo no caso da aplicação do artigo 270.º da Constituição não se pode deixar de ter em atenção o disposto no seu artigo 18.º, ou seja, aquele artigo que refere que as restrições de direitos devem ser fundadas em razões que têm assento na Constituição.
Se mesmo em relação a militares as restrições têm limites, quanto mais para os civis em relação aos quais a norma em referência não se aplica.
Tenho pena, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a matéria não tenha suscitado o debate merecido. Porém, devo dizer que há silêncios significativos, e este foi um deles.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha e Sá.

O Sr. Cunha e Sá (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por agradecer à bancada da UEDS o tempo que nos concedeu para esta muito breve intervenção, a qual, em nosso entender, se reveste da maior oportunidade, sendo urgente a tomada de posição por parte do Governo.
Com a entrada em vigor em 1 de Outubro do ano transacto do novo Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 305/83, de 29 de Junho, deixaram as autarquias locais de gozar da isenção de pagamento de emolumentos para actos de registo predial.
Com efeito, previa o artigo 277.º do Código de Registo Predial de 1967 a isenção nos actos referidos a favor dos corpos administrativos que deixou de ter correspondência no novo código, pois apenas para o Estado, no seu artigo 152.º, se prevê tal isenção nos registos pedidos exclusivamente no seu interesse.
Deste modo, passaram as autarquias locais - pessoas colectivas que visam a prossecução dos interesses próprios das populações que os integram - a ter, na matéria em apreço, o mesmo tratamento das pessoas singulares ou colectivas, que visam apenas interesses privados.
Tal medida não terá tido, certamente, um propósito de modificar a situação até então vigente, e só resultará, certamente, de mero lapso de omissão do articulado daquele diploma legal, circunstância que, no nosso entendimento, urge reparar quanto antes, por forma a não onerar, já no corrente ano económico, os encargos do orçamento da despesa dos municípios.
De facto esta anomalia é a contradição total do que há muito se encontra consagrado e expresso em vários diplomas legais em matéria de isenções fiscais a favor destes entes públicos, v. g., Tabela Geral do Imposto do Selo; Código da Sisa e do Imposto sobre a Indústria Agrícola; Código de Contribuição Predial; Código do Imposto de Mais-Valias; Código das Custas Judiciais, entre outros.
Poderá aduzir-se, contudo, que a argumentação expendida não colhe, porque não são da mesma natureza jurídica os factos que dão origem às imposições fiscais citadas e os factos originários dos emolumentos devidos por actos de registo. Não é nessa perspectiva que assenta a nossa discordância. Para nós não está em causa - na linha de raciocínio que defendemos - a diferenciação entre taxa, imposto, custas ou emolumentos, mas tão-só o benefício fiscal que o Estado deve prevenir a favor das entidades - como as autarquias - que, conforme já se disse, apenas têm como objectivo, em todos os actos que praticam, o interesse público, não podendo por isso ser sobrecarregados com encargos desta índole fiscal.
Aliás, esta intervenção vem na sequência dos trabalhos de preparação e elaboração do orçamento e do plano, para o corrente ano económico, da Câmara Municipal de Coimbra, de que somos vereador. Efectivamente, quando reflectíamos sobre os encargos a satisfazer e as respectivas contrapartidas das receitas a inscrever, confrontámo-nos com uma despesa de difícil apuramento e previsão, que no caso concreto ascende por estimativa a 26 000 contos, montante que, se por um lado compromete o equilíbrio financeiro, por outro, descarna outras rubricas cujo destino certamente estariam mais de acordo com a vocação das autarquias, ou seja, no benefício das populações que lhe estão afectas.
Foi nesta perspectiva que de pronto nos empenhámos em defender nesta Câmara esta justa causa, cujo direito se impõe ser reposto urgentemente. Por isto, intervimos desta bancada. Mas a nossa intervenção representa igualmente um alerta ao Executivo, no sentido de nos esclarecer das eventuais implicações que tal omissão representa no âmbito da previsão das receitas do Estado, dado que, no plano das despesas, já fomos suficientemente explícitos.
Achando importante e muito urgente a clarificação da questão em apreço, apresentamos nesta data requerimentos simultaneamente aos Ministérios das Finan-

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ças e do Plano e da Administração Interna, reservando-nos para mais tarde a oportunidade de subscrever um projecto de lei sobre o assunto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um voto que mereceu consenso de todas as bancadas, no domínio da apresentação.

O Sr. Secretário (Roleira Marinho): - O voto é do seguinte teor:

O Dia do Estudante

24 de Março é uma data que no contexto do movimento associativo estudantil está inteiramente ligada ao combate pela democracia e pela liberdade.
Hoje, em 1985, Ano Internacional da Juventude, as comemorações do Dia do Estudante assumem particular oportunidade, não só em termos históricos, mas fundamentalmente como momento de reflexão sobre a situação actual do ensino e sobre os problemas e questões que se colocam aos estudantes.
As crescentes dificuldades no acesso aos vários níveis de ensino, a degradação das instalações, a superlotação, o insucesso escolar, a insegurança nas escolas e a inadequação do ensino face às necessidades da vida activa, o aumento crescente de formas de elitismo, são problemas que têm vindo a acentuar-se nos últimos anos. Por isso mesmo, as iniciativas do 24 de Março deverão ser interpretadas como um aumento de reivindicação e de combate dos estudantes portugueses.
Nestes termos, a Assembleia da República saúda todos os estudantes portugueses por ocasião da passagem de mais um aniversário do Dia do Estudante.

Assembleia da República, 26 de Março de 1985.

Seguem-se as assinaturas dos Srs. Deputados: Jorge Patrício (PCP); Margarida Marques (PS); Manuel Jorge Góes (CDS); Manuel Moreira (PSD) e João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).

O Sr. Presidente: - Está em discussão.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - A Sr.ª Deputada Margarida Marques pretende fazer uma declaração de voto, só que a Sr.ª Deputada não dispõe de tempo.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Como o Sr. Deputado Cunha e Sá não esgotou completamente o tempo da UEDS, nós cederíamos o resto de tempo disponível à Sr.ª Deputada Margarida Marques.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Marques, efeito para o qual dispõe de 3 minutos.

A Sr.ª Margarida Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por agradecer ao Sr. Deputado Lopes Cardoso a cedência de tempo para esta declaração de voto.
O Partido Socialista votou favoravelmente este voto sobre o Dia do Estudante como expressão de solidariedade para com todos os estudantes que, ao longo dos tempos, têm lutado pela democratização do ensino em Portugal, a qual não significa só o direito ao ensino para todos, mas exige que a todos sejam dadas condições de sucesso e de integração na vida activa.
O movimento associativo tem potencialidades inesgotáveis, sob o ponto de vista político, cultural e social e interessa respeitar a espontaneidade do movimento associativo para que ele cumpra os seus objectivos como movimento reivindicativo dos estudantes e não como movimento associativo partidarizado, morto e desparticipado, como muitas vezes tem acontecido ultimamente.
Finalmente, gostaria de referir o que foi a luta dos estudantes quando há alguns meses atrás estes se reuniram unicamente na luta contra a aprovação da portaria das bolsas e dos novos preços das cantinas.
Assim, esperemos que essa unidade do movimento associativo continue a existir nos estudantes portugueses.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Monteiro. Dispõe de 1 minuto.

O Sr. Luís Monteiro (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, refiro que nos congratulamos pelo apoio unânime da Câmara, expresso nesta votação, atendendo ao que o 24 de Março representa em termos de luta estudantil - e refiro-me ao passado e ao presente - e às tentativas que por este país fora vêm sendo feitas, através da unanimidade dos estudantes, em prol de uma escola nova, mais justa e participada e com melhores condições pedagógicas. É óbvio que esta votação significa para nós, acima de tudo, a esperança em que o sistema educativo vá melhorando, bem como a situação em cada uma das escolas, e que os estudantes possam colher o fruto da política que vamos aprovando na Assembleia da República, ao longo destes tempos. Política, essa que deverá ser mais justa e mais digna, no sentido de defender os estudantes e construir um Portugal melhor.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raúl e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, quero declarar que cederemos metade do nosso tempo disponível a um Sr. Deputado do PCP que também pretende fazer uma declaração de voto.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE solidariza-se inteiramente com o voto que acabou de ser formulado, na medida em que ele se destina a assinalar o Dia do Estudante.
Os estudantes desempenharam e continuam a desempenhar no nosso país um papel fundamental na luta pelo progresso social, papel esse que assumiu a maior importância durante o próprio regime fascista. Aliás, as lutas estudantis tiveram uma influência muito im-

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portante no fim do regime fascista, e hoje os estudantes continuam a ter aspirações provenientes das múltiplas deficiências do ensino.
O MDP/CDE, ao associar-se ao Dia do Estudante, exprime aqui a sua inteira solidariedade com a luta dos estudantes, um dos aspectos da luta da juventude, a qual constitui a chama mais pura do progresso social.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesta declaração de voto também nos queremos congratular pela aprovação unânime pela Assembleia da República deste voto apresentado. Pela nossa parte, expressamos a convicção de que este voto de saudação pelo Dia do Estudante significa o apoio à luta que os estudantes portugueses estão a desenvolver no sentido de melhorarem o sistema de ensino e de exigir que as suas reivindicações e os seus interesses sejam satisfeitos.
Hoje nota-se uma evolução crescente na luta estudantil pela satisfação dos seus interesses e é com esse objectivo que o nosso grupo parlamentar subscreveu e votou o presente voto.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Góis.

O Sr. Jorge Góis (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente este voto como um acto de fé, ou seja, a fé de que as questões que neste momento se colocam aos estudantes portugueses comecem a estar em vias de resolução. Não admirará que este voto mereça o nosso apoio e todo o nosso empenhamento quando um número cada vez maior de estudantes demonstra diariamente a sua confiança no projecto político que, nomeadamente, o CDS veicula.
Foi com este espírito que votámos a favor deste voto. Ao comemorar o Dia do Estudante, que para nós não é uma ocasião passadista - não temos do Dia do Estudante, como a esquerda tem, cada vez mais, uma visão meramente saudosista -, achamos que isso é, de facto, um acto de combate, mas um acto de combate na construção do futuro. Por isso mesmo, os problemas dos estudantes não podem ser resolvidos apenas no contexto do ensino e apenas pelos estudantes. Eles circunscrevem-se num contexto maior, ou seja, no da modificação e no desenvolvimento da sociedade portuguesa. Assim, o Dia do Estudante só poderá ser comemorado, obviamente, com outra solução política, ou seja, quando se reabrir o futuro e quando for possível fazer vingar em Portugal os valores da liberdade, democracia e progresso. Foi com este espírito que votámos favoravelmente este voto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Carlos Lage (PS): - Não apoiado!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, nós somos na segunda parte da ordem do dia discutir três objectos de lei apresentados pelo PCP, pela UEDS e
PSD e ainda duas propostas de lei. Acontece que, curiosamente - e já há dias aconteceu -, os serviços desta Assembleia se limitam a divulgar as propostas a e lei do Governo, omitindo os projectos de lei, aliás, mais antigos. Gostaria que a Mesa diligenciasse no sentido de saber os critérios pelos quais se movem os serviços desta Assembleia. Não são, seguramente, critérios de antiguidade na ordem de apresentação, visto que os diplomas que se referem são os mais recentes e quanto aos outros critérios não se entende muito bem quais sejam.

O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ª compreenderá, a Mesa não aceita processos discriminatórios e vai procurar saber das razões porque é que isso aconteceu.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia e na primeira parte está agendada a continuação da apreciação do pedido de inquérito parlamentar n.º 9/III, apresentado pelo PCP, tendente a apurar em que obras ou empreendimentos, da responsabilidade das Obras Públicas, se verificarem desmoronamentos e outras anomalias, bem como as respectivas causas, implicações e responsabilidades.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É de todos conhecido o facto insólito de, durante a actuação do anterior Secretário de Estado das Obras Públicas, se ter verificado uma série de desmoronamentos graves em vários locais do País.
Na realidade, ninguém pode estranhar que, não só em face de tantos buracos e tantos desmoronamentos, como em face das posições assumidas pelo então Secretário de Estado das Obras Públicas, se ache mais do que justificado o presente inquérito.
Os contornos obseuros a que fica vinculada a actuação do então Secretário de Estado das Obras Públicas tornam imperativo que esta Assembleia aprove e ponha em marcha o inquérito destinado a esclarecer as condições em que se virificaram tão insólitos factos.

Por isso, Sr. Presidente, o MDP/CDE da o seu inteiro apoio à realização deste inquérito parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, era para solicitar que se aguardassem alguns momentos pelo meu camarada que está a conduzir esta parte do debate.

O Sr. Presidente: - Vamos então aguardar.

Pausa.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, queríamos interpelar a Mesa no sentido de saber quem é que está inscrito para intervir nesta matéria. No decorrer do debate do pedido de inquérito n.º 9/III, que nós apresentámos, em relação à acção da Secretaria de

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Estado das Obras Públicas, já fizeram intervenções os Grupos Parlamentares do PCP e do PS e não sabemos, exactamente, se o Grupo Parlamentar do PSD, ou outros, desejam intervir. Chegou até a ser anunciada a intervenção do Sr. Deputado Cardoso Ferreira. Era nesse sentido que eu interpelava a Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só posso dar informações a partir dos elementos que chegam à Mesa. Não estava ninguém inscrito até ao momento em que o Sr. Deputado João Amaral pediu que se aguardasse para que alguém da bancada do PCP tivesse oportunidade de produzir uma intervenção. Das outras bancadas ninguém se inscreveu para o efeito, mas tinham-me referido que V. Ex.ª estaria na intenção de produzir uma intervenção.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, nós fizemos a nossa intervenção na sexta-feira. Lançámos para a Mesa uma série de dados e de elementos sobre este inquérito e esperamos, naturalmente, outras intervenções de outras bancadas.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira, certamente para uma intervenção.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em relação ao pedido de inquérito em apreço, compete-nos dizer que, depois de uma análise atenta, concluímos pela objectividade das perguntas, que, aliás, vêm ao encontro de algumas solicitações já formuladas, sob a forma de requerimentos, por alguns colegas da minha bancada.
Entendemos que o que está em causa são problemas essencialmente do foro técnico, porque para nós não está, de forma alguma, em causa a idoneidade dos titulares dos cargos, nomeadamente, do anterior titular da Secretaria de Estado das Obras Públicas.
Entendemos, contudo, que no processo que se tem vindo a desenvolver nesta Assembleia, no que respeita aos inquéritos e comissões de inquérito, não se tem retirado as conclusões que todos nós porventura desejaríamos. Isso tem conduzido a uma situação de menor prestígio para esta figura do inquérito parlamentar, uma vez que os inquéritos se vão acumulando e as comissões se vão constituindo sem que logremos ver os resultados de um caso que seja.
Nesse sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, nós apoiaremos a formação de uma comissão de inquérito para o efeito solicitada, com a condição de que não voltaremos a fazê-lo sem que todas as comissões de inquérito em funcionamento neste momento, por decisão desta Assembleia, vejam os seus trabalhos concluídos.
De facto, não nos parece que prestigie esta Câmara, bem como a figura do inquérito parlamentar, estarmos perfeitamente submersos em inquéritos, os quais perante a opinião pública têm, naturalmente, a maior divulgação, sendo objecto da maior expectativa.
Para além disso há ainda a expectativa daqueles que, sendo titulares dos departamentos sob inquérito, sobre eles permanece uma dúvida pública. Há uma incerteza quanto ao resultado, que não se pode arrastar sem prejuízo gravíssimo ao nível das instituições. Nesse sentido, Sr. Presidente e Srs. Deputados, votaremos favoravelmente a constituição da comissão de inquérito para este efeito.
No entanto, gostaríamos de aditar uma proposta de emenda que faremos verbalmente e que é a seguinte: no último parágrafo do texto que solicita o inquérito, onde os requerentes dizem «o inquérito que ora se requer visa, nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 43/77, de 18 de Junho, apurar em que obras ou empreendimentos da responsabilidade da Secretaria de Estado das Obras Públicas» nós gostaríamos que ficasse-«empreendimentos da responsabilidade do Ministério do Equipamento Social/Secretaria de Estado das Obras Públicas».
De acordo com o conjunto das perguntas, este âmbito mais alargado parece-nos ser o correcto e o adequado, sem prejuízo de posteriormente se averiguar se nalguns casos concretos houve delegações, com que extensão e em que medida. É esta a proposta que nós deixamos e esperamos que a Mesa a tenha registado.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Barral.

O Sr. Paulo Barral (PS): - Se bem me pareceu ouvir, o Sr. Deputado pretende introduzir uma alteração alargando o âmbito do inquérito a todo o Ministério do Equipamento Social.
Muito embora possa haver razões - que por ora desconheço o que levem a esse pedido de alteração, penso que o que está solicitado, nos termos do pedido de inquérito, se refere concretamente à Secretaria de Estado das Obras Públicas e está fundamentado na base de situações, digamos, anómalas, inclusivamente, apenas numa área daquela Secretaria de Estado, muito concretamente, a Direcção de Serviço de Pontes, que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista entendeu dever alargar a todo o âmbito da Secretaria de Estado das Obras Públicas.
O PS não entende fazer nenhuma alteração ao que está proposto, mas se entendesse fazê-la seria até de redução do âmbito do que está proposto e não de alargamento.
Faço-lhe esta pergunta para ver se não estaríamos nós, ao aprovar essa alteração, a aceitar teses preconcebidas do partido que solicita o inquérito.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, nós verificámos a forma como proeurou salientar que este inquérito relevava de problemas de cariz técnico. Sublinhou também que não estariam em causa problemas de idoneidade.
Na nossa intervenção e no nosso pedido de inquérito, sem deixar de situar as coisas no perfil e no foro técnico, sublinhámos, entretanto, os problemas de idoneidade.
Aliás, esses problemas, pelo menos a nível político, decorrem da própria actuação da Secretaria de Estado das Obras Públicas. Há textos de requerimentos feitos à Secretaria de Estado das Obras Públicas que põem como hipótese ou a indiferença para com o direito de os deputados serem informados sobre os actos da Administração Pública, a total desorganização da Secre-

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taria de Estado das Obras Públicas, ou ainda a vontade de manter como confidenciais dados que, por serem da Administração Pública, devem ser do conhecimento dos deputados requerentes. Isto são indicações judicativas sobre a actuação política da Secretaria de Estado das Obras Públicas, que realmente merecem outros comentários e entram claramente não apenas na análise do foro técnico das questões, mas na idoneidade política da Secretaria de Estado das Obras Públicas.
Pergunto-lhe se acha que essa fronteira é tão pouco importante que não deva ser ultrapassada, e se este inquérito, pondo como põe o problema da idoneidade, deve ou não ser encarado, também no ponto de vista do PSD, exactamente nestes termos.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, o Partido Comunista Português veio aqui solicitar um inquérito à Secretaria de Estado das Obras Públicas e fundamentar as razões que motivaram esse pedido de inquérito. O Sr. Deputado vem agora sugerir o alargamento do âmbito do inquérito ao Ministério do Equipamento Social. Certamente que o Sr. Deputado terá as suas razões, porque me custa a admitir que o Sr. Deputado venha fazer essa proposta apenas para diluir eventuais responsabilidades de uma secretaria de Estado, na altura gerida por um militante do PSD, na responsabilidade mais larga do Ministério do Equipamento Social, dirigido por um militante do Partido Socialista.
Seguramente não será esse o motivo, e o Sr. Deputado terá as suas razões. Mas para esta Assembleia se poder pronunciar sobre o bom fundamento desse alargamento, convirá que se conheçam as razões que motivam esse pedido de alargamento do âmbito do inquérito. E, se essas razões porventura existem, eu solicitava que o Sr. Deputado aqui claramente as assumisse e expusesse.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Não posso deixar de estranhar esta proposta que o PSD acaba de fazer por intermédio do Sr. Deputado Cardoso Ferreira, no sentido de alargar o âmbito da comissão parlamentar de inquérito. Nada o justifica, muito pelo contrário, porque a fundamentação e toda a argumentação contida no pedido é no sentido de se fazer o inquérito a actos praticados no âmbito da Secretaria de Estado das Obras Públicas.
Esta atitude é tanto mais de estranhar quando o PSD, ao discutir-se e aprovar-se a criação de uma comissão parlamentar de inquérito á Secretaría de Estado do Emprego, não propôs que ela se alargasse ao Ministério do Trabalho, como é óbvio. É assim uma dualidade de critérios que não podemos deixar de estranhar.
Naturalmente que esta proposta tem as suas intenções. Ela não é neutra, e vai recheada de segundos sentidos, mas é completamente inútil, visto que, sempre que se fazem averiguações sobre actos de algum departamento ou algum organismo público, essas mesmas averiguações podem alargar-se, se assim for necessário, a outras entidades. Assim, parece-me que a proposta não faz sentido e se tem um sentido político ele é neste momento, de recusar.
Consideramos que o âmbito da comissão parlamentar de inquérito está traçado e é nesse sentido que nós nos pronunciamos e votaremos a favor. Por isso nos oporemos à emenda que o PSD pretende fazer.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Das várias questões que aqui me foram colocadas, duas têm praticamente o mesmo objecto e prendem-se com as razões do alargamento do objecto do inquérito - foram as questões colocadas pelos Srs. Deputados Paulo Barrai e Lopes Cardoso.
Entendemos que tratando-se de uma Secretaria de Estado, há uma competência delegada e, portanto, o titular do Ministério é, sem qualquer dúvida, o responsável por tudo o que lá se passa.
O Sr. Deputado Carlos Lage focou há pouco o facto de ter já havido um precedente - o caso da Secretaria de Estado do Emprego - sem que tal tivesse acontecido, isto é, sem que o Partido Social-Democrata se tivesse lembrado de alargar o âmbito do inquérito ao próprio Ministro. Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que há, de facto, um aspecto, que é oficiosamente do nosso conhecimento e é referido no texto do inquérito, o qual salienta que, em relação à questão da ponte da Figueira da Foz, o Ministério do Equipamento Social - concretamente, o Ministro do Equipamento Social na altura - mandou efectuar um inquérito rigoroso as circunstâncias em que sucedeu o acidente, tendo em sua posse o resultado do mesmo, sem que ele tenha sido divulgado ou mesmo sem que dele tenha sido dado conhecimento à Secretaria de Estado das Obras Públicas.
De facto, parece-nos que se surge uma comissão de inquérito sobre questões tão concretas, como esta, caberá à mesma apurar todos os elementos, todas as circunstâncias. Apesar deste argumento fundamental, não proporíamos esta extensão do objecto do inquérito se, para além da competência delegada, não houvesse esta circunstância particular que gostaríamos de ver esclarecida.
Já dissemos aqui, em várias referências e em relação às comissões de inquérito, que, para nós, o que está em causa não é essencialmente o titular ou a área de que o titular é responsável mas sim o objecto do inquérito. Porém, o que nos preocupa muito mais é a impossibilidade de celeridade do inquérito, o que leva a situações extremamente lesivas do interesse dos «atingidos» - entenda-se assim, obviamente - e do prestígio desta Câmara em termos do resultado produzido. Chega-se quase à conclusão de que a melhor forma de não se saber nada é, porventura, promover um inquérito parlamentar.
Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Anselmo Aníbal, diria que nos parece curto que para o Partido Comunista Português a questão da idoneidade seja posta em termos do relacionamento entre os dois órgãos, ou seja, na capacidade e na maior ou menor disponibilidade que cada um dos departamentos governamentais e seus titulares têm para dar resposta às solicitações da Câmara, até porque isso é

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extremamente subjectivo. Os titulares dos órgãos do Governo poderão responder nunca o fazendo satisfatoriamente na perspectiva do Partido Comunista Português e, assim, teríamos um conflito perfeitamente insanável que levaria o Partido Comunista a classificar o Governo, em bloco, de «falta de idoneidade moral».

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - O requerimento é do PSD!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo apenas afirmar que votaremos favoravelmente o pedido de inquérito formulado pelo Partido Comunista Português na exacta dimensão que lhe foi dada nesse pedido e que nos pronunciaremos contra o pedido de alargamento formulado pelo PSD.
Aguardámos, de facto, o esclarecimento do Sr. Deputado Cardoso Ferreira, no sentido de ver se haveria um mínimo de razões objectivas que justificassem esse alargamento. Tudo quanto o Sr. Deputado conseguiu acrescentar foi o facto da existência de um eventual relatório, que está na posse do Ministério do Equipamento Social, relativo ao acidente ocorrido na ponte da Figueira da Foz. Sr. Deputado, se esse relatório porventura existe, nada impede a comissão de inquérito de, no âmbito que lhe foi definido, o solicitar e a ele ter acesso. É curto como justificação!
Por outro lado, falou também de celeridade nos inquéritos. Curiosamente, e como deseja inquéritos céleres, alargar-lhes o âmbito. Talvez seja uma maneira mais rápida de chegarmos a conclusões...
De qualquer modo e para nós, da ausência de argumentos do Sr. Deputado Cardoso. Ferreira, seria lícito concluir que, neste caso, o PSD é motivado exclusivamente por razões de ordem política, as quais me abstenho de aprofundar e qualificar - direi apenas que delas não comungamos. Daí o nosso voto contrário a qualquer proposta de alargamento do âmbito do inquérito.

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferrara (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, que não se considere satisfeito com os esclarecimentos que, acerca das interrogações que me colocou, aqui produzi, está no seu perfeito direito. Agora, que daí tente tirar conclusões de que na nossa proposta se tentam atingir objectivos meramente políticos, terá de concordar, Sr. Deputado, que o PSD que integra a maioria constituída pelos Partido Socialista e Partido Social-Democrata, como toda a gente sabe - não tem a morbidez de entrar permanentemente em conflitos ou atritos com o seu parceiro de coligação. Não nos movem, portanto, quaisquer razões de ordem política, movem-nos as razões que expus aquando da sua intervenção. Se V. Ex.ª, Sr. Deputado, se considera satisfeito ou não com os esclarecimentos que prestei, é um problema seu. Porém, não é razoável nem admissível que tire outro tipo de conclusões.

O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado Cardoso Ferreira reconheceu-me o direito de não me dar por satisfeito com as suas explicações mas era melhor que não mo reconhece-se pois, deste modo, peco-lhe que me reconheça também o direito - que é o meu e o seu - de tirar as conclusões que desejo tirar.
Estava na sua mão demonstrar que essas conclusões eram erradas e o Sr. Deputado não o fez. Fez uma mera afirmação de princípio, continuando a não invocar nenhuma razão objectiva e clara que fundamente o pedido de alargamento formulado pelo seu partido. Ora, a partir daí, são perfeitamente legítimas as conclusões que tirei e o Sr. Deputado não demonstrou o infundamentado dessas minhas conclusões.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta questão dos inquéritos demonstra bem o desgaste do Governo e da maioria - prova-o à saciedade a discussão a que estamos a assistir. Com efeito, sucedem-se, a um ritmo vertiginoso, os pedidos de inquérito e a constituição das respectivas comissões, alguns deles provocados pela própria maioria e com origem em divergências no seu interior, como é o caso concreto do pedido de inquérito que agora discutimos.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - É o sinal de que algo vai mal, mesmo muito mal, no seio da maioria e do Governo que ela apoia.
Estamos obviamente de acordo com a realização de inquéritos e também o estaremos relativamente a este. Porém, estamos de acordo com a realização de inquéritos apenas na medida em que com eles se prestigie a função de fiscalização da Assembleia e não sirvam apenas para tentar ilibar esta ou aquela figura do Governo, furtando-se às responsabilidades políticas que tem. De qualquer modo, queremos salientar que corremos o risco de «empastelar» o funcionamento da Assembleia com a constituição de tão grande número de comissões eventuais de inquérito. Neste caso começamos a ter fortes dúvidas se não estaremos a tentar fazer resvalar este inquérito para um domínio que não é o da responsabilidade política, deslocando-o para um domínio de responsabilidade técnica. Votaremos a favor da comissão, mas não com esse espírito, que isso fique bem claro!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - O meu camarada Paulo Barrai teve oportunidade de criticar a proliferação das comissões parlamentares de inquérito e também nós receamos que se banalize este importante instrumento de controle da actividade do Governo e da Administração.
No entanto, não posso concordar com o Sr. Deputado Nogueira de Brito quando considera que a votação destas comissões parlamentares de inquérito é um mau sinal na vida parlamentar ou mesmo, sublinho, no âmbito da coligação, pois é exactamente o contra-

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rio. O facto de os dois partidos componentes da coligação votarem favoravelmente a criação destas comissões parlamentares de inquérito é a demonstração de um saudável espírito democrático e de uma abertura à fiscalização e ao controle.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Outras maiorias seriam capazes de actuar de maneira diferente, repudiando, condenando e chumbando as comissões parlamentares de inquérito para que o Parlamento não exercesse a sua actividade de controle e de fiscalização. Não fazemos isso, estamos abertos ao trabalho dessas comissões para que haja transparência e clareza nos actos da Administração Pública. Esta atitude não é de criticar, mas sim de louvar.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Carlos Lage, antes de mais, desejo salientar que eu não disse que a proliferação das comissões parlamentares de inquérito é um mau sinal no funcionamento da vida parlamentar, disse que é um mau sinal no funcionamento do Governo. Muitas comissões de inquérito significam a existência de muito objecto a inquirir e, objecto a inquirir significa normalmente que há responsabilidades a apurar, mau funcionamento, não cumprimento das atribuições dos membros do Governo ou cumprimento errado dessas atribuições.
Mas, por outro lado, isto é um mau sinal no funcionamento da maioria. Sr. Deputado Carlos Lage, não queria esconder isto depois desta discussão que aqui hoje teve lugar. Temos a sensação de que a maior parte das vezes a comissão de inquérito é uma fuga que a maioria utiliza para fazer deslizar para aí as divergências que a opõem e para tentar ilibar as figuras políticas que são por ela apoiadas.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça o favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, essa sua afirmação só teria fundamento se eventualmente a iniciativa da criação das comissões de inquérito pertencesse a algum dos partidos da maioria. Visto que esta iniciativa é de um partido da oposição, creio que haverá aqui uma estranha coincidência ou cumplicidade entre a maioria e a oposição para conseguir fugir aos seus problemas ou dificuldades, não acha?!

O Orador: - Não sei se não haverá, Sr. Deputado! São iniciativas da oposição mas com fundamento em afirmações de Srs. Deputados da maioria!

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E isso é que é curioso! É estranho que hoje, aqui, os dois partidos da maioria se tenham desentendido sobre quem é a figura a inquirir, ou se se trata de uma responsabilidade meramente técnica ou política.

Sr. Deputado Carlos Lage, não devemos acrescentar mais nada, porque isto é rigorosamente assim: isto é um mau sinal, a juntar a muitos outros, de que algo vai mal - e muito mal mesmo - nesta maioria e no Governo que ela apoia.
De qualquer maneira, reafirmo que votaremos favoravelmente este inquérito para apurar responsabilidades políticas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Nesta minha breve intervenção desejo sublinhar 3 pontos: o primeiro, é que nos parece que este inquérito à Secretaria de Estado das Obras Públicas levantou, também, o problema da proliferação de inquéritos. Queremos sublinhar que esta questão da proliferação de inquéritos, posta como está, é uma falsa questão e o importante é que a proliferação, como é aqui chamada, não «empastele» a Assembleia, como disse o Sr. Deputado Nogueira de Brito. É preciso, sim, trabalhar com eficácia, é preciso que os membros do Governo estejam presentes quando são chamados e que os membros do ainda Governo tenham, em relação à Assembleia da República, a postura de dignidade que a mesma exige.
Gostaríamos de sublinhar, em segundo lugar, que o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português não vê qualquer inconveniente no alargamento do objectivo do inquérito, no sentido de corresponder a esta nota da existência de certas questões que envolvem, naturalmente, responsabilidades de natureza institucional e organizacional que só a Secretaria de Estado das Obras Públicas tutelada pelo Ministério do Equipamento Social pode responder. Naturalmente que esse alargamento será no sentido do que dissemos na justificação do nosso inquérito, ou seja, da transferência da gestão da Secretaria de Estado das Obras Públicas. É conhecido, aliás, o nível de conflitualidade de relacionamento entre o ex-Secretário de Estado das Obras Públicas e o ex-Ministro do Equipamento Social pelo que essa conflitualidade exige esclarecimento, sendo um ponto para a transparência.
Por último, desejo salientar que a votação será feita sobre a nossa proposta. Naturalmente que teremos em conta, depois e no momento oportuno, a proposta de aditamento apresentada pelo PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados Carlos Lage e Cardoso Ferreira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Também considero bastante estranha a posição do Sr. Deputado Anselmo Aníbal quando admite que o alargamento do âmbito do inquérito pode derivar de razões de conflitualidade entre um ministro e um secretário de Estado. Creio que não é função do Parlamento, nem das comissões parlamentares de inquérito, avaliar, emitir juízos de valor, apreciar eventuais divergências no âmbito de um ministério.

Vozes do PS: - Muito bem!

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O Orador: - Não é isso que está na filosofia, na doutrina das comissões parlamentares de inquérito. Por isso, mais uma vez me parece estranha esta tentativa de alargar o inquérito ao Ministério do Equipamento Social, uma vez que, e como também já referi, é inútil. Naturalmente que uma comissão parlamentar de inquérito no decurso das suas investigações, das suas audiências, das suas pesquisas, pode sempre ir tão longe quanto achar necessário para apurar a verdade.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Anselmo Aníbal, há pouco, na sua intervenção, para além de explicar as razões porque votaria favoravelmente a nossa proposta, focou que, conhecida que era a conflitualidade entre os anteriores secretários de Estado das Obras Públicas e Ministro do Equipamento Social, este alargamento contribuiria para uma melhor clarificação e transparência de toda esta questão sobre o objectivo do inquérito.
Quero dizer-lhe, e gostaria que assim o entendesse, que da nossa parte não há aqui o assumir da conflitualidade de um secretário de Estado, que era do Partido Social Democrata, com um ministro que era do Partido Socialista. Ao formularmos a proposta de alargamento não foi esse, de forma alguma, o nosso espírito e isso não pode ser entendido assim. As razões que o Sr. Deputado aduziu pelo facto do Ministro ser a tutela, acrescida a outras que aqui eu já tinha referido, são, sem dúvida, as suficientes e as únicas. Se porventura outras houver, não podem, de maneira nenhuma, circunscrever-se à questão da conflitualidade existente entre os dois membros do Governo.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Deputado Carlos Lage, em primeiro lugar, desejo sublinhar entendermos que esta indicação de alargamento do âmbito do inquérito ao Ministério do Equipamento Social é no sentido da precisão das responsabilidades políticas que, certamente, os senhores não rejeitam. Responsabilidades políticas essas, que são de um órgão de tutela sobre uma Secretaria de Estado.
Mesmo quando o Governo e em conflitualidades internas, isso não teria de ter significado político e é exactamente nessa base que consideramos que pode ser melhor precisado o sentido do inquérito. Entretanto, estava já no nosso entendimento esta precisão, ou seja, iríamos levar ao Ministério do Equipamento Social aquilo que seria de lhe levar.
Em relação ao Sr. Deputado Cardoso Ferreira, naturalmente que a «suficiência» a que se referiu, serve, ou poderá servir, a melhor clarificação. E aí, o assumir da conflitualidade é um assumir que foi e é público, que ultrapassa os próprios agentes individuais que a viveram e que será melhor esclarecida com o pedido de inquérito que o Partido Comunista Português apresentou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições.

Vai, de imediato, ser submetido à votação o pedido de inquérito parlamentar n.º 9/III, apresentado pelo Partido Comunista Português, tendente a apurar em que obras ou empreendimentos da responsabilidade da Secretaria de Estado das Obras Públicas se verificaram desmoronamentos e outras anomalias, bem como as respectivas causas, implicações e responsabilidades.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de seguida, vai ser lida a proposta de aditamento, proposta pelo PSD, ao pedido de inquérito n.º 9/III.

Foi lida. É a seguinte:

No último parágrafo do texto do pedido de inquérito parlamentar n.º 9/III, onde se lê «Secretaria de Estado das Obras Públicas», deverá ler-se «Ministério do Equipamento Social/Secretaria de Estado das Obras Públicas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabámos de votar a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar actos no âmbito da Secretaria de Estado das Obras Públicas. Trata-se de, com a modificação agora em apreciação e se bem entendi, deslocar o próprio centro de realização da comissão parlamentar de inquérito, o que é lamentável visto que a sua criação foi requerida com uma fundamentação precisa. Foram, aliás, invocados requerimentos de Srs. Deputados do próprio PSD dirigidos exactamente à Secretaria de Estado das Obras Públicas.
Com este aditamento dá-se, em minha opinião, um desvirtuamento do sentido e do objectivo da comissão parlamentar de inquérito, donde concluo que se deve votar contra esse aditamento que não tem nenhuma justificação, a não ser a de uma manobra política extremamente condenável.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando há pouco propusemos que o âmbito deste inquérito alcançasse também, por razões de tutela, o Ministério do Equipamento Social presidia a esta nossa proposta uma razão de maior clarificação, razão essa que dificilmente poderia deixar de fora a entidade tutelar, delegante de competências em quem praticou alguns dos actos que agora originam perguntas - inclusivamente por parte do meu partido e sob a forma de requerimento. Não houve qualquer intenção de fazer aqui uma manobra política; não houve intenção de utilizar este alargamento do âmbito do inquérito contra ninguém, a não ser a favor da procura da verdade, da clarificação de factos que são requeridos e cujo conhecimento também nós próprios, como já o demonstrámos, temos interesse em saber.
Sr. Deputado Carlos Lage, estando V. Ex.ª e o seu partido sempre disponíveis - como o meu próprio partido esteve, e está - para a procura da verdade, custe ela o que custar, temos dificuldade em perceber porque é que, invocada, explicada, clarificada a razão da extensão do objecto do inquérito, seja V. Ex.ª tão pé-

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remptório na sua recusa assacando, ao mesmo tempo, algumas responsabilidades em termos de manobra política. Não é isso que está em causa. Temos a certeza que poderá rever, ainda, a sua posição. Pela nossa parte, «quem não deve não teme». Esperamos que da sua parte, da sua bancada, do seu partido, exista a mesma posição.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Carlos Lage, suponho não ter ouvido bem o final da sua intervenção. Qualificou V. Ex.ª o pedido de alargamento do âmbito do inquérito feito pelo seu colega de coligação, de manobra política de que tipo? Não foi manobra política simples, pois não? Foi qualificada?!... Perante isso, pergunto se o Sr. Deputado mantém a sua afirmação de há pouco, isto é, da vossa grande disponibilidade para fazer inquéritos a toda a gente. No domínio da responsabilidade política que aqui pretendemos apurar, não acha que se deva ir até ao responsável político, através do Ministério? Ou será erro de cálculo o que vamos aqui apurar e pelo qual vamos aqui tentar responsabilizar alguém?

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage pede a palavra para que efeito?

Õ Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Nogueira de Brito acabou de me fazer uma interpelação, uma interrogação, à qual gostaria de responder. Se o Sr. Presidente entender que me pode conceder a palavra, formularei uma breve resposta.

O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, antes de mais, e como já aqui assinalei, quando se fez um inquérito à Secretaria de Estado do Emprego ninguém se lembrou de alargar o âmbito do inquérito ao Ministério do Trabalho e não se levantou, sequer, essa polémica. Todos nos lembramos disto, não me vou repetir.
Por outro lado, o que eu disse é que não está em causa o eventual apuramento de responsabilidades mais altas, se as houver, porque uma comissão parlamentar de inquérito, no seu trabalho, nas suas pesquisas e investigações, pode ir tão longe quanto quiser, chegando a abarcar todo o Governo, se assim achar necessário. Mas, no momento actual, estamos perante um texto que circunscreve a uma Secretaria de Estado certos actos; é sobre esses actos que esse texto incide e através do qual se criou a comissão parlamentar de inquérito. Ora, com esta proposta faz-se, inclusive, uma inversão: deixa de ser um inquérito à Secretaria de Estado das Obras Públicas e passa a ser ao Ministério do Equipamento Social/Secretaria de Estado das Obras Públicas. O que é a «barra» num caso destes? É capaz de me explicar, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Para intervenções estão inscritos os Srs. Deputados Magalhães Mota e Lopes Cardoso. Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Desejo anunciar a nossa posição em relação a esta proposta de aditamento que corresponde ao alargamento do âmbito do inquérito. Em nossa opinião, este pedido de alargamento não está fundamentado e porque não o está, votaremos contra ele.
Pensamos que o objectivo de um inquérito parlamentar é rigorosamente limitado, logo à sua partida. A Assembleia da República, para se pronunciar em relação a um pedido de inquérito que é formulado contra actos do Governo ou da Administração, precisa de conhecer com exactidão quais os fundamentos desse pedido, qual o seu âmbito. È aquilo que diz precisamente o n.º 2 do artigo 251.º do Regimento que nos rege e, por assim ser, se atribui ao Sr. Presidente da Assembleia da República a faculdade de recusar liminarmente um pedido de inquérito que não indique os seus fundamentos ou que não delimite o seu âmbito. Creio que as mesmas razões são aplicáveis a um aditamento, ou alargamento, de um pedido de inquérito que não contenha fundamentações nem contenha, igualmente, a delimitação do seu âmbito.
Por estas razões votaremos contra este pedido de alargamento. E porque também somos da opinião de que «quem não deve não teme» e de que a verdade não deve causar aflições a ninguém, nada teremos a objectar se o Grupo Parlamentar do PSD, indicando rigorosamente os fundamentos e o âmbito do seu pedido de inquérito, quiser promover (iniciativa que não lhe é vedada) qualquer pedido de inquérito à actuação do antigo titular do Ministério do Equipamento Social, designadamente ao modo como pôde ou não exercer as suas funções de tutela em relação ao Secretário de Estado das Obras Públicas, como é que essas relações de tutela se processaram no âmbito do Governo e até, inclusivamente, no âmbito das relações recíprocas dos dois partidos da coligação. Porém, se esse requerimento for formulado, ele será autónomo e, como tal, terá um procedimento autónomo.

O Sr. Carlos Lage (PS): - O Sr. Deputado dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - As suas palavras, Sr. Deputado, desenvolvem um pouco a minha ideia. Estamos inteiramente de acordo com a sua posição: se o Grupo Parlamentar do PSD desejar tomar essa iniciativa, pode fazê-lo que concordaremos com ela.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se esta iniciativa for tomada nos termos regimentais, nada teremos a opor-lhe. Que de nenhum modo se diga que pela nossa atitude de votação contrária estamos a evitar que um inquérito se faça ou que uma eventual verdade se averigue. Pelo contrário, estamos apenas, e no respeito restrito pelas regras que nos regem, a exigir que elas sejam cumpridas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, votaremos contra esta proposta pelas razões que já há pouco tivemos ocasião de invocar, pelas razões que

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foram adiantadas pelo Partido Socialista, bem como as invocadas pelo Sr. Deputado Magalhães Mota e ainda por mais uma, se todas essas não chegassem: a de que não podemos votar a favor de uma proposta, que define o âmbito do inquérito de uma forma tão equívoca e tão ambígua quanto o são os fundamentos que aqui foram apresentados pelo PSD para justificar esse alargamento. De facto, ao dizer-se «Ministério do Equipamento Social/Secretaria de Estado das Obras Públicas», o que é que se quer dizer? Quer-se dizer «Ministério do Equipamento Social»? Então a referência à Secretaria de Estado é redundante, porque um inquérito ao Ministério do Equipamento Social inclui a Secretaria de Estado das Obras Públicas, bem como todas as outras que estão no âmbito daquele Ministério. Quer-se dizer que é apenas um inquérito à Secretaria de Estado das Obras Públicas do Ministério do Equipamento Social? Seria desnecessário, pois toda a gente sabe que essa Secretaria de Estado integra o Ministério do Equipamento Social. Mas admita-se que a precisão podia ter valor. Nessa altura é descabida a proposta de aditamento, visto que ela se traduz à proposta inicial do Partido Comunista Português.
São ambíguos os propósitos, é ambígua a proposta pelo que votaremos contra.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para um protesto, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferrara (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, a V. Ex.ª, que em questões parlamentares costuma ser um barra, é com alguma surpresa que vemos - à falta de outros argumentos - agarrar-se à «barra» que fica entre o Ministério do Equipamento Social e a Secretaria de Estado das Obras Públicas. Melhor argumento poderia ter arranjado, que não esse. Provavelmente não o encontrou.
De facto, é claro o que se quer dizer. Aliás, o Sr. Deputado Magalhães Mota depois de admitir que o que propúnhamos era um alargamento do âmbito do inquérito, surpreendeu-nos ao afirmar que tal deveria constituir uma proposta de inquérito autónoma.
Referiu, por outro lado, que esta proposta de aditamento não tem fundamento. É claro que tem, há fundamento porque não restringimos nem aumentámos os fundamentos, limitámo-nos apenas a alargar o âmbito do inquérito. Neste sentido, o fundamento para a nossa proposta é o fundamento base dos requerentes em relação à Secretaria de Estado das Obras Públicas. É que, de facto, não consta que a Secretaria de Estado das Obras Públicas, ou o seu titular, tivessem competência própria nas matérias que são objecto deste inquérito.
Portanto, se há que procurar responsabilidades em toda a sua extensão - que entendemos ser do ponto de vista técnico, volto a salientar - então teremos que o fazer em todos os níveis funcionais. É exactamente isso o que propomos, Sr. Deputado, que outros fundamentos se encontrem. Quanto à questão da barra pode ser barra, aspas, ou a pontuação que o Sr. Deputado quiser. De qualquer modo, todos entenderam claramente a fundamentação da nossa proposta e penso que não merece a pena acrescentarmos mais nada.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, chamemos-lhe um contraprotesto, mas desejo apenas pedir desculpa ao Sr. Deputado pelo facto de o ter desiludido.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Muito obrigado.

O Orador: - Mas o Sr. Deputado compreenderá que quanto intervém num debate, barra só há um: o Sr. Deputado, e mais nenhum! Barra, o quê?! O Sr. Deputado acrescentará como quiser.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sabido da questão que, na altura da remodelação do último Governo, se abriu entre os dois partidos da coligação relativamente ao Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas e ao Sr. Ministro do Equipamento Social e que por virtude da exigência - digamos assim - do PSD arrastou, também, o afastamento do então titular da pasta do Ministério do Equipamento Social.
Afigura-se-nos que hoje, de algum modo, se revive aqui essa questão aberta, entre os dois partidos e sobre a qual pensamos o seguinte: o inquérito foi efectivamente requerido em termos definidos e é relativo à actuação do Sr. Secretário de Estado das Obras Públicas. Naturalmente que não vemos inconveniente em que seja ouvido o ex-Ministro do Equipamento Social. Ele pode inclusivamente trazer esclarecimentos úteis no decurso do inquérito, mas uma coisa é essa audiência, outra é a de que, depois de aprovado este inquérito ao ex-Secretário de Estado das Obras Públicas, ele passe a ser - por assim dizer - transfigurado, agregando-se-lhe a figura do ex-Ministro do Equipamento Social..
Na realidade, o argumento invocado de que o ex-Secretário de Estado agia por delegação de poderes, afigura-se-nos ser um argumento que se volta contra o apresentante, isto porque se o Sr. Secretário de Estado tinha poderes é no exercício desses mesmos poderes que agora é responsabilizado no inquérito, sem necessidade de, quanto a isso, ser ouvido o respectivo Ministro.
De qualquer forma, e embora não votando favoravelmente a proposta de aditamento do PSD, o MDP/CDE abster-se-á porque não deseja que a sua posição possa ser interpretada como um propósito de impedir que seja ouvido o antigo Ministro do Equipamento Social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já acentuámos, mas reiteramo-lo aqui, que a Secretaria de Estado das Obras Públicas é, na estrutura do aparelho de Estado, uma estrutura organizacional do Ministério do Equipamento Social.
Voltamos também a sublinhar e a reiterar que na própria fundamentação do nosso inquérito fazemos várias referências ao Ministério do Equipamento Social no seu todo. Ou seja, a fundamentação do inquérito já identificava, de facto, não só a Secretaria de Estado das Obras Públicas como o próprio Ministério do Equipamento Social.

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Por último queremos salientar que se trata de uma precisão do objecto do inquérito com uma fundamentação que é de todo em todo a que já está aqui referida. Não colhem as observações que foram feitas pela bancada do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Porque através do inquérito concluiu-se das responsabilidades não só da Secretaria de Estado das Obras Públicas como por parte do Ministério do Equipamento Social. O que é certo é que o facto de serem partidariamente distintos não dissolve as responsabilidades de cada um na participação e responsabilização dos actos do ainda Governo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que passaremos de imediato à votação da proposta de aditamento, apresentada pelo PSD, relativa ao alargamento do âmbito do pedido de inquérito parlamentar n.º 9/III, no qual o objecto de inquérito passa a ser o Ministério do Equipamento Social/Secretaria de Estado das Obras Públicas.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PCP, do CDS e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez, com votos contra do PS, da UEDS e da ASDI, e a abstenção do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do projecto de resolução, apresentado pelo PCP, na sequência da aprovação do pedido de inquérito parlamentar n.º 9/III.

Foi lido. É o seguinte:

A Assembleia da República resolve, nos termos dos artigos 169.º, n.º 4, 178.º, alínea c), e 181.º da Constituição e nos da Lei n.º 43/77, de 18 de Junho, constituir uma comissão eventual de inquérito tendente a apurar em que obras ou empreendimentos de responsabilidade da Secretaria de Estado das Obras Públicas se verificaram desmoronamentos, aluimentos, fendas, fracturas, fendilhamentos ou outras anomalias, as respectivas causas e responsabilidades, determinando, designadamente, como foram adjudicados e executados, quais as verbas despendidas, respectivos beneficiários bem como a situação daí decorrente para as populações e para o erário público.

2 - A comissão eventual de inquérito terá a seguinte composição:
Deputados

PS ........ 5
PSD ...... 4
PCP ...... 3
CDS ...... 2
MDP/CDE UEDS ..... 1
UEDS...... 1
ASDI ..... 1

3 - É de 60 dias o prazo para a comissão apresentar o seu relatório.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amarai (PCP): - Sr. Presidente, é só para dizer que, tendo em vista o que foi aprovado, o texto do projecto de resolução terá que sofrer uma emenda: Em vez de ler-se «[...] constituir uma comissão eventual de inquérito tendente a apurar em que obras ou empreendimentos de responsabilidade da Secretaria de Estado das Obras Públicas [...]», passará a ler-se «[...] constituir uma comissão eventual de inquérito tendente a apurar em que obras ou empreendimentos de responsabilidade do Ministério do Equipamento Social/Secretaria de Estado das Obras Públicas.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu até entendo que este intróito era absolutamente necessário em função do n.º 1 do artigo 254.º do Regimento. Isto porque a constituição da comissão é automática.
Em todo o caso, não vejo inconveniente em proceder à respectiva alteração, em conformidade com o que ficou resolvido para que sejamos consequentes.
Vamos votar o projecto de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora prevista para o intervalo regimental. Interrompo, pois, os trabalhos, a fim de os recomeçarmos às 18 horas e S minutos.

Eram 17 horas e 35 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Continuando a primeira parte da ordem do dia, vamos apreciar e votar dois pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos sobre pedidos de autorização para que vários Srs. Deputados deponham como testemunhas.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do primeiro parecer.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, o primeiro parecer é do seguinte teor:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Em referência aos ofícios n.ºs 41 e 50 - Processo n.º 23/81, de 21 e 26 de Fevereiro último, enviados ao Sr. Presidente da Assembleia da República acerca do Sr. Deputado Joaquim António Miranda da Silva, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar deliberou emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo em causa.
Com os melhores cumprimentos. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o parecer que acaba de ser lido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado. Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai proceder à leitura do segundo parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

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O Sr. Secretário (Lemos Damião): - O segundo parecer é do seguinte teor:

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Em referência ao ofício n.º 3/85 - Processo n.º 366/85 - 4.ª Secção, de 23 de Janeiro último, da Directoria de Lisboa da Polícia Judiciária, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República acerca do Srs. Deputados abaixo indicados, comunico a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os referidos Srs. Deputados a prestarem depoimentos no processo em causa.

Srs. Deputados:

João Maurício Fernandes Salgueiro.
Joel Eduardo Hasse Ferreira.
Joaquim Magalhães Mota.
Octávio Augusto Teixeira.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Mário Martins Adegas.
António Bagão Félix.
José Adriano Gago Vitorino.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
João Gomes de Abreu Lima.
Almerindo da Silva Marques.
Jorge Lacão Costa.
António Domingues de Azevedo.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Maria Luísa Banha Modas Daniel.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
António José Vidigal Amaro.
Américo Albino da Silva Salteiro.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Maria Helena Valente Rosa.
Manuel Jorge Fonte de Góis.
Maria da Conceição Pegado Cabrito Quintas.
Joaquim António Miranda da Silva.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
João Corregedor da Fonseca.
Basílio Adolfo Horta da Franca.
José Luís Nogueira de Brito.
José de Vargas Bulcão.
José Augusto Fillol Guimarães Correia de Jesus.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
João Carlos Dias Monteiro C. Lencastre.
Rúben José de Almeida M. Raposo.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Miguel Anacoreta Correia.
António Anselmo Aníbal.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Acerca dos cidadãos José Pinheiro Henrique, António da Gama Lobo Xavier e Manuel Tomás Rodrigues Queiró, entende esta Comissão Parlamentar não dever pronunciar-se por os mesmos não exercerem nesta data os respectivos mandatos de deputados.

Com os melhores cumprimentos. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo ao recurso apresentado pelo PCP sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 101/III, que estabelece o regime especial de arrendamento urbano.
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos. De acordo com o Regimento, cada grupo ou agrupamento parlamentar dispõe de 10 minutos para intervir.

O Sr. Roque Limo (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - É para interpelar a Mesa?

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, penso que V. Ex.ª não leu o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Parece-me pois, que, antes de se começar a intervir, seria importante que a Câmara tivesse conhecimento do conteúdo desse parecer.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem razão. Peço desculpa. O Sr. Secretário vai proceder à leitura desse parecer.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - O parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte teor:

Comissão de Assuntos Constitucionais Direitos, Liberdades e Garantias

Parecer

Recurso da admissibilidade da proposta de lei n.º 101/III - Estabelece o regime especial do arrendamento urbano 1 - O recurso apresentado pelo PCP sobre a admissibilidade da proposta de lei n.º 101/III tem como fundamento a violação dos princípios consignados nos artigos 13.º e 65.º da Constituição , da República.
2 - Debruçou-se a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o conteúdo da proposta do Governo, bem como analisou os fundamentos invocados pelo recorrente, tendo chegado à conclusão que a proposta de lei n.º 101/III não é inconstitucional.
3 - Sumariamente se dirá que, no que toca ao artigo 13.º, que consagra o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei, a proposta não os discrimina e salvaguarda idêntica dignidade social e a igualdade perante a lei a todos os destinatários do diploma em apreciação.
4 - Quanto ao artigo 65.º da mesma lei fundamental, ao invés de ofender o direito à habitação, a proposta de lei consagra um regime especial, transitório por natureza, que salvaguarda aquele mesmo direito, abrindo até caminho à melhor protecção desse direito, enquanto pode viabilizar que muitos que hoje não têm habitação a possam vir a ter.
5 - Pelas razões expostas, o recurso deve improceder.

Palácio de São Bento, 26 de Março de 1985. - O Vice-Presidente da Comissão, José António de Morais Sarmento Moniz.

O Sr. Presidente: - Está em discussão. Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

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A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pela calada da noite, durante o próprio debate da Lei do Aumento de Rendas, veio o Governo, através da proposta de lei n.º 101/III, apresentar ao Parlamento nova medida de extrema gravidade para o povo português.
Aliás, em resposta pronta e célere à intervenção do Sr. Deputado José Vitorino que, a dado passo, disse:

Entende o PSD que, pelo menos, por um período transitório a fixar, desde já a lei deverá prever a possibilidade do estabelecimento de contratos por um determinado período.
Para trás, tinham ficado as palavras do Sr. Deputado Roque Lino, mais uma vez desfeiteado, ao afirmar:

E se, na duração do prazo contratual, o Governo proponente teve o bom senso de manter o quadro jurídico actual, o que de todo em todo não é aceite pelas associações de proprietários [...].
É que de facto, Srs. Deputados e Sr. Deputado Roque Lino, o Governo não teve esse bom senso; o Governo cedeu às pressões dos grandes proprietários e apresta-se a acabar com o princípio da renovação obrigatória do contrato de arrendamento.
Princípio que, como foi já aqui salientado, por mais de uma vez, é um património histórico, em obediência à transformação da própria filosofia do contrato, qualquer que ele seja, agora menos permissivo à liberdade contratual, em nome da defesa do interesse público.
Já em 1918, através da Lei n.º 828, promulgada por Bernardino Machado, a I República, atentando na crise social, viria a proibir os senhorios de intentar acções de despejo com o fundamento de que não lhes convinha a continuação do arrendamento.
Medida anunciada como transitória manteve-se com carácter perpétuo, e mantém-se, apenas ameaçada em 1928 já no início do fascismo com o Decreto n.º 15 289, cujo paralelismo com a actual proposta de lei não pode deixar de salientar-se.
De facto, e em resumo, segundo este diploma de 1928, os senhorios dos prédios construídos após o mesmo poderiam despejar os inquilinos, terminado o prazo do contrato, por não lhes convir a continuação do arrendamento. E a filosofia subjacente à proposta de lei n.º 101/III.
De facto, com este diploma o Governo convida à celebração de contratos de arrendamento para fins habitacionais, pelo prazo de 1 anos, conferindo aos proprietários o direito de despejarem os inquilinos no termo do prazo. Isto, segundo o Governo, num regime de renda condicionada e em relação aos prédios que estejam aptos a ser habitados, ou possam vir a encontrar-se nessa situação nos 2 anos imediatos à entrada em vigor do diploma.
Mas mais: precavendo-se com uma falta de atenção do proprietário e agindo em nome dele, o Governo pressurosamente legisla para aqueles que, inadvertidamente, tenham celebrado contratos por prazo inferior, logo e em princípio, não fosse a proposta automática e obrigatoriamente renovada. Por exemplo: se um proprietário, por mau conhecimento da lei ou mesmo por um rebate de consciência, tivesse dado de arrendamento por 6 anos o seu prédio tal contrato não se renovaria por igual período de tempo, mas apenas por mais 1 ano, por forma a que o proprietário pudesse vir despejar o inquilino no termo dos 1 anos.
Di-lo-emos mais adiante em pormenor: estranha forma, mesmo assim, de entender a liberdade contratual que o Governo diz defender. Porque o que acontece com esta disposição inserta no artigo 2.º é que, de um regime em que o interesse público levava à protecção do inquilino, o Governo passou por cima da própria liberdade contratual para um regime em que o Estado intervém estabelecendo normas protectoras do proprietário em defesa do interesse privado!
Não se ficam por aqui os atropelos da proposta.
Dizendo mea culpa em relação a um diploma que permitia o adiamento da desocupação, em acções de despejo, em situação de carência de meios do inquilino (diploma que, aliás, nunca teve total execução), o PS nem a estes inquilinos, os inquilinos de segunda, sujeitos ao despejo no fim do prazo, reconhece o direito a usar dos meios que ele próprio, PS, previu através do diploma n.º 293/77, de 20 de Julho.
Há, no entanto, mais, Srs. Deputados. O artigo 4.º da proposta vem colocar em situação de desigualdade pessoas ligadas por laços familiares ou outros a este inquilino de segunda relativamente a todos aqueles que gozam hoje do direito à transmissão ou do direito a novo arrendamento, pois que àqueles se lhes veda esses direitos.
E o que é mais grave é que se lhes veda o próprio acesso ao direito e aos tribunais, contrariando o artigo 20.º da Constituição já que a decisão que ordena o despejo - para a qual não são vistos nem achados os ocupantes - se lhes aplica, sem perdão nem agravo, proibindo-se-lhes mesmo a prova de um eventual conluio entre proprietário e inquilino.
Este artigo, o artigo 4.º da proposta, contraria mesmo o artigo 3.º do Código do Processo Civil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Face ao que se disse, fácil é concluir que os artigos 1.º a 4.º da proposta violam clara e nitidamente a Constituição.
Desde logo se mostra violado o artigo 65.º da Constituição através do qual se consagra o direito à habitação. Direito que, a par de um conteúdo positivo, se apresenta também como o direito a não ser privado da habitação por puro arbítrio admitido na lei.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!

A Oradora: - Ora, o que a proposta prevê é a privação arbitrária da habitação, ainda que respeitadas todas as regras contratuais.
É a própria segurança na habitação que se ameaça. Logo, ameaça-se o próprio direito, já que será inexistente se ameaçado na sua estabilidade.
O que quer dizer que quaisquer normas como as presentes, que restabeleçam a liberdade contratual são claramente inconstitucionais. Isto porque a Constituição impõe ao legislador que assegure as condições que possibilitem a realização mínima do direito à habitação. Entre essas condições está, seguramente, a proibição da livre resolução pelo proprietário do contrato de arrendamento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

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A Oradora: - E nem se diga que com a proposta se vai garantir o direito previsto no artigo 65.º, como, numa extrema miopia afirmou a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, pois não é um mecanismo adequado ao combate aos fogos devolutos. Se pensarmos que o regime de renda condicionada a que ficam sujeitos obriga a rendas dificilmente inferiores a 30 000$ por mês chegaremos à conclusão de que o Governo prepara, isso sim, um mercado devoluto de fogos para habitação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Um escândalo!

A Oradora: - Nem jovem casal, nem trabalhador ameaçado pelo desemprego, nem sequer alguém da classe média, poderá ser candidato a tal renda ainda por cima com o cutelo do despejo passados que sejam 7 anos de aflição.
Falou-se de mobilidade no trabalho para justificar os contratos de trabalho a prazo. Provocou-se mais e mais desemprego.
Fala-se em mobilidade na habitação para justificar a lei do aumento de rendas e esta proposta de lei.
Falou-se em incentivos à mobilidade numa metáfora que apenas queria dizer incentivos aos despejos.
Depois de preparar para os trabalhadores um amanhã sem trabalho, o Governo pretende reservar aos inquilinos um amanhã sem tecto. Não o fará no entanto, porque, em nome das instituições democráticas, está prestes a chegar ao fim um processo de despejo deste Governo, esse sim sem direito ao diferimento.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Um escândalo!

A Oradora: - Também já atrás alegámos factos que configuram uma violação do artigo 13.º da Constituição.
De facto, o princípio da igualdade obriga o Estado a eliminar ou atenuar as desigualdades, assegurando uma igualdade jurídico-material.
Neste sentido é forçoso que se estabeleçam discriminações positivas, se diferencie, compensando as desigualdades.
No contrato de arrendamento, estando em causa o direito à habitação, é manifesta a desigualdade das partes. O Estado está assim obrigado, em cumprimento do princípio da igualdade, a restabelecer o equilíbrio, com normas protectoras da parte mais fraca - o inquilino.
Ao invés, nesta proposta, o Governo cria normas protectoras do proprietário, desequilibrando mais a balança, como claramente resulta do artigo 2.º, nomeadamente do seu n.º 3.
Quanto à violação do artigo 20.º da Constituição, já atrás fizemos a prova, pelo que nos dispensamos de mais considerações.
Caberá aqui reparar, Srs. Deputados, como as intenções iniciais do Governo, já então más, ainda se alteraram para pior.
É o que podemos constatar da leitura da nota explicativa que acompanha a proposta, cujo teor diverge do articulado da mesma.
Daquela nota concluímos que o Governo se propunha consagrar, em relação a estes fogos, o direito de preferência em novo arrendamento.
Propunha-se fixar o prazo em 10 anos.
Propunha-se permitir o diferimento da desocupação por 12 meses, nos casos de comprovada impossibilidade por mudança de habitação, nomeadamente nos casos de gravidez, doença grave, desemprego.
A redacção final arredou todas estas situações.
Agora não há doença nem carência económica, nem futura maternidade que possam impedir que, sobre pessoas em tais circunstâncias, se abata o flagelo dos despejos nos contratos a prazo para habitação.
Tem de concluir-se que, em nome de uma concepção napoleónica, o Governo fabricou mais uma peça nos ataques aos direitos sociais.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr.ª Deputada Odete Santos, vou pôr-lhe uma questão que aparentemente pode pensar-se não ter a ver com o que, neste momento, deve ser discutido, ou seja, a admissibilidade ou não da proposta de lei; no entanto, penso que tem. Isto porque, o admitirmos ou não como constitucional a proposta de lei tem a ver com o que ela, na prática, traduz em relação a um direito fundamental, que é o direito à habitação.
A questão que lhe coloco é a de saber se a Sr.ª Deputada não estará de acordo comigo quando penso que a instituição deste regime vai, na prática, levar a que, nos próximos 2 anos, o regime de arrendamento de fogos não habitados até essa data se transforme sistematicamente num regime de arrendamento a prazo.
Aquilo que na proposta de lei do Governo deveria ser excepção em relação a esses fogos, vai passar a ser a regra. Isto porque não se vislumbra que interesse é que o senhorio poderá ter em arrendar em regime de não resolução do contrato no prazo antecipadamente fixado, dado que os limites que lhe são impostos para o arrendamento a prazo - que é apenas o de não poder beneficiar da renda livre - não têm paralelo com o que ele pode beneficiar, pelo facto de encontrar o seu fogo devoluto ao fim de 7 anos de arrendamento.
Vamos, portanto, transformar em regra aquilo que nos é anunciado como excepção para os fogos novos não habitados até agora.
Também me parece evidente que é perfeitamente demagógico afirmar que a existência de fogos devolutos tem a ver com o regime; tem fundamentalmente a ver com a insolvência da procura em relação ao preço que é pedido por esses fogos. Ora, a proposta de lei que agora nos é apresentada, tal como a proposta de lei que foi aqui aprovada na generalidade, não respondem a essa questão.
Os fogos continuarão devolutos porque não há capacidade económica para responder às rendas que são solicitadas e que, no fundo, cobrem a remuneração normal do capital que estava investido.
Continua a escamotear-se um problema que é muito mais profundo e que não se soluciona por esta via.

O Sr. Luis Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

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O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, a minha interpelação tem a ver com a interpretação que a Mesa faz do artigo 134.º do Regimento, artigo que regulamenta a discussão de recursos interpostos de despachos sobre a admissão de projectos ou propostas de lei.
É evidente que há duas interpretações possíveis deste artigo. Creio que a boa interpretação é a de que, uma vez que o recurso baixa à Comissão de Regimento e Mandatos que emite um parecer, o que o Plenário discute é o parecer da Comissão. Para isso, dá-se a possibilidade a cada grupo ou agrupamento parlamentar de, querendo, se pronunciar sobre este parecer por um período não superior a 10 minutos, a menos que a conferência de presidentes o resolva reduzir, ou, então, não intervir no debate e proferir uma declaração de voto por um tempo não superior a 3 minutos.
Agora, o que creio é que não deve permitir-se a generalização de um debate sobre as intervenções que são feitas por cada grupo ou agrupamento parlamentar.
Está em discussão apenas um parecer e quer dar-se a possibilidade a todos os grupos ou agrupamentos parlamentares de se pronunciarem sobre esse parecer e não sobre a questão de fundo que está subjacente. É esta a minha interpretação.
Em todo o caso, gostaria de saber - e admito que haja outras interpretações - qual é a interpretação da Mesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Beiroco, creio que esta questão já surgiu aqui numa altura em que o Sr. Presidente Fernando Amaral presidia. A interpretação que então foi dada foi a de que o tempo de intervenção para cada grupo ou agrupamento parlamentar estava limitado ao máximo de 10 minutos. No entanto, não estavam postos em causa os pedidos de esclarecimento e as respectivas respostas. É mais uma questão cuja interpretação rigorosa terá de ser procurada!
Por outro lado, há uma outra questão que se coloca. É que o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares pediu a palavra, creio para pedir esclarecimentos. O artigo 134.º do Regimento não diz que o governo pode intervir; quem o pode fazer são os grupos ou agrupamentos parlamentares, visto que se trata não da discussão da proposta de lei, mas do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. No entanto, no meu entender - e digo «no meu entender» porque não consultei os Srs. Secretários da Mesa sobre esta questão -, o Sr. Secretário de Estado ou qualquer outro membro do Governo poderá formular pedidos de esclarecimento ou protestos e obter as respectivas respostas.
Este é o meu entendimento.
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, queria limitar-me apenas a esclarecer a afirmação que a Mesa fez: é que eu não pedi a palavra para pedir um esclarecimento à Sr.ª Deputada Odete Santos, mas para fazer uma intervenção.
Se a Mesa entender que, nos termos do novo Regimento, neste momento, não cabe uma intervenção, do Governo, o Governo acata, naturalmente, a decisão da Câmara.
No entanto, o objectivo do sinal que fiz à Mesa era no sentido de fazer uma intervenção, e não de pedir esclarecimentos à Sr.ª Deputada Odete Santos.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, para interpelar a Mesa.

O Sr. João Amaral (PCP): - Suponho que já se gastou tempo suficiente com esta questão.
A interpretação do artigo 134.º do Regimento não pode ser outra senão a que resulta da afirmação explícita de que há um debate em torno do parecer. O que está limitado é o tempo de intervenção. É inquestionável que o tempo de intervenção que cada grupo ou agrupamento parlamentar e, naturalmente, o governo têm é de 10 minutos.
O debate existe e, como muito bem salientou o Sr. Presidente - e neste momento já em doutrina que a Mesa fez anteriormente - ele existe a partir dos pedidos de esclarecimento e de tudo o que é necessário ser feito.
Do nosso ponto de vista, a questão está suficientemente esclarecida, pelo que estamos em condições de prosseguir o debate sem que se levantem novos problemas. Ou seja, o Governo terá, naturalmente, tempo para intervir. Só por uma lacuna ou por lapso pode entender-se coisa diferente, visto que é uma proposta de lei do Governo que está a ser questionada.
Por outro lado, cada grupo ou agrupamento parlamentar tem direito a pedir esclarecimentos e a pessoa a quem as perguntas são feitas tem direito a responder.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, queria informar que, logo que a Mesa der a palavra a qualquer Sr. Deputado para pedir esclarecimentos, o meu grupo parlamentar interporá recurso da decisão da Mesa.

O Sr. Presidente: - Devo dizer que eu ia dar a palavra, e, aliás, vou dá-la à Sr.ª Deputada Odete Santos para responder ao pedido de esclarecimento feito pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Essa resposta é óbvia visto que foi dada a palavra.
No entanto, logo que seja dada a palavra a qualquer Sr. Deputado para fazer pedidos de esclarecimento em relação a uma intervenção, interporei recurso.

O Sr. João Amaral (PCP): - Ah, esta é excepção!

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O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento feitos pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

O Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, começaria por dizer que estou inteiramente de acordo consigo, pois creio que tem toda a razão.
V. Ex.ª colocou, e muito bem, a questão dos fogos devolutos e a razão por que é que eles se encontram devolutos. Em meu entender, é necessário entrar na análise deste problema, que é um problema de fundo, para se «desmascarar» o que vem no parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que diz que com esta medida se vai garantir a habitação, obrigando-se assim a arrendar os fogos devolutos. É mais ou menos esta a filosofia.
Ora, tal como salientei na intervenção, prevendo como se prevê a renda condicionada e sabendo nós já da discussão da lei do aumento das rendas que a renda condicionada irá atirar para rendas da ordem dos 30 000$ por mês e mais, podemos fazer uma ideia se realmente isto garante o direito à habitação ou se, de facto, se trata -e acho que o Sr. Deputado Lopes Cardoso pôs muito bem o dedo na ferida- de mais uma medida que, anunciando-se como provisória, se destina a tornar-se definitiva.
Queria recordar as palavras do Sr. Deputado José Vitorino que, em relação ao regime transitório, colocou a expressão «pelo menos um regime transitório» -porque ele queria mais -, assim como as palavras proferidas, aquando da discussão da lei das rendas, pelo Sr. Ministro Almeida Santos que, em relação ao património histórico da renovação obrigatória do contrato, afirmou textualmente:
É um património a cair de podre.
Quem fala assim está a pensar nitidamente em tornar definitiva esta liberdade contratual, esta possibilidade de os senhorios despejarem os inquilinos no termo do prazo!
Ainda sobre esta matéria, queria também acrescentar, quando se quebrou a regra da liberdade contratual e foi a I República que o fez - tal regra, só ameaçada no regime fascista, começou como regime provisório para vencer resistências que, no final, por virtude das condições sociais, se tornou definitivo.
O que o Governo pretende, aliás, cedendo a pressões dos grandes proprietários, é acabar com essa renovação obrigatória do contrato, é pôr os inquilinos na rua ao fim de determinado prazo e não criar qualquer mobilidade no arrendamento ou dar as condições para o direito à habitação; é precisamente o contrário o que este Governo quer.
Entendemos, e reafirmamos, que com esta proposta de lei se viola, de facto, o artigo 65.º da Constituição e não se consagra na lei o direito à habitação.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Roque Lino, queria pôr duas questões: em primeiro lugar, o Sr. Deputado Luís Beiroco clarificou agora uma questão, que é a de que interporá recurso da decisão da Mesa quando a mesma der a palavra a um Sr. Deputado para formular pedidos de esclarecimento; em segundo lugar, gostaria que a Câmara clarificasse se entende ou não que o Governo tem direito a fazer uma intervenção. Isto porque o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares inscreveu-se para fazer uma intervenção.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado, para interpelar a Mesa.

O Sr. João Amaral (PCP): - É só para dizer que, no nosso ponto de vista, é inquestionável o direito do Governo em intervir neste debate, independentemente do facto de, nos termos do artigo 134.º do Regimento, o Governo não o ter.
Esperemos que o Sr. Deputado Luís Beiroco recorra da decisão da Mesa quando der a palavra ao Sr. Secretário de Estado ou a quem da parte do Governo vai intervir nesta matéria!

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - O CDS, até ver, é quem determina quando é que deve recorrer!

O Sr. Sarmento Moniz (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Sarmento Moniz (CDS): - É para dizer que, da nossa parte, também nos parece inquestionável, pese embora as palavras do Sr. Deputado João Amaral...

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas se o Sr. Deputado está de acordo comigo por que razão é que diz «pese embora»?!

O Orador: - ..., que o Governo tem direito a intervir, tanto mais que é uma proposta de lei governamental, cujos autores são o Governo e não qualquer grupo ou agrupamento parlamentar.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O PCP interpôs recurso da admissibilidade da proposta de lei n.º 101/III, com a alegação de que ela viola claramente os princípios consagrados nos artigos 13.º e 65.º da Constituição da República.
A proposta de lei em causa versa um regime de arrendamento urbano que, nos seus princípios orientadores, constitui norma especial relativamente ao regime legal do inquilinato, na medida em que nela se prevê a não renovação automática dos contratos de arrendamento para além de 7 anos de vigência.
Mas trata-se ainda de um regime que é transitório por natureza, já que tais contratos apenas poderão ser celebrados durante o período de 2 anos subsequente à entrada em vigor da proposta de lei.
Finalmente, a proposta de lei abrange a generalidade dos prédios destinados à habitação que se encontrem construídos ou venham a ser construídos dentro do referido período de 2 anos, que nunca tenham sido objecto de arrendamento, que tenham a necessária licença de utilização, devendo ainda o contrato ser celebrado no regime de renda condicionada.

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Trata-se de uma proposta de lei que, no respectivo preâmbulo, busca a justificação no facto de existirem inúmeros fogos habitacionais não colocados no mercado do arrendamento, pelo que visa, por um lado, satisfazer imperiosas e inadiáveis necessidades de habitação e, por outro lado, a remuneração de capitais investidos e (ou) a minoração de encargos financeiros contraídos perante instituições bancárias.
Assim, na sua dupla preocupação, a proposta de lei, de natureza especial e transitória, dirige-se à satisfação de necessidades essenciais.
Não o entende assim o PCP porquanto, em sua opinião, o regime especial de arrendamento urbano viola os artigos 13.º e 65.º da Constituição.
Recorde-se, aliás, que aquando da discussão na generalidade da proposta de lei n.º 77/111 já o PCP havia apresentado na Mesa da Assembleia da República um requerimento em que pedia a baixa imediata às Comissões de Equipamento Social e Ambiente e de Direitos, Liberdades e Garantias desta proposta de lei, na medida em que entendia que a proposta de lei n.º 101/III vinha tornar inviável a continuação do debate na generalidade da lei das rendas.
Do ponto de vista legislativo, o equívoco parece evidente e, do ponto de vista político, trata-se, numa segunda fase, de impedir ou travar a aprovação de medidas legislativas imperiosas, inadiáveis e profundamente justificadas.
Mas, afinal, haverá ou não inconstitucionalidade material da proposta de lei n.º 101/III? A nosso ver, manifestamente que não. Designadamente, não se vê como possam ter sido violados os artigos 13.º e 65.º referidos no recurso interposto pelo PCP. Trata-se, no primeiro caso, do princípio da igualdade e, no segundo, do direito à habitação.
O princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º não tende a considerar iguais os homens e as situações jurídicas; tende, sim, a proporcionar aos cidadãos os mesmos meios políticos, económicos e sociais para exercerem os seus direitos. Ou seja: tende a reconhecer aos cidadãos uma igual dignidade social. E a verdade é que o regime especial ora proposto não se dirige a uma parte dos cidadãos mas à sua generalidade, não os discrimina, portanto, em nenhum aspecto entre os vários considerados no artigo 13.º da Constituição da República.
Daí que a eventual aprovação da proposta de lei não os diferencie naquilo que possa considerar-se a dimensão liberal, a dimensão democrática ou a dimensão social do princípio da igualdade, já que o regime especial de inquilinato propende à igualdade na aplicação do direito e abre caminho a soluções sociais que, de outro modo ou seja, com os fogos fora do mercado de arrendamento -, não seriam concretizáveis.
Abro um parêntesis para perguntar como é que é possível entender que a proposta de lei n.º 101/III possa vir a ofender direitos que estão consagrados na Constituição, designadamente o direito à habitação, quando com esta proposta de lei o que o Governo pretende é, pura e simplesmente, colocar no mercado da habitação algumas dezenas de milhares de fogos, em princípio vocacionado para o mercado imobiliário e que, de outra forma, não seriam colocados no mercado da habitação.
Digamos que o recurso do PCP pretende impedir o arrendamento de habitações devolutas ou, o que seria bem pior, fixar a regra económica e social de que o cidadão que constrói não pode vender, mas é obrigado a arrendar.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é nada disso!

O Orador: - O que, não sendo princípio da igualdade, violaria, isso sim, entre outros, o princípio da liberdade da iniciativa económica privada ou até o princípio do direito de propriedade privada, não obstante a propriedade ter uma função social a desempenhar!
Põe-se agora o problema de saber se a proposta de lei n.º 101/III ofende o disposto no artigo 65.º da Constituição da República. Aí se consagra o direito à habitação. Por comodidade, poder-se-ia dizer que o que foi dito atrás já explicaria que este direito não é violado.
Desde logo havemos de reconhecer que o legislador constituinte mais não fez do que dar corpo a uma regra programática. É por isso que o n.º 2 do artigo 65.º da Constituição enuncia algumas das obrigações do Estado na área da habitação, que têm mais a dizer com os mecanismos e os meios necessários à implementação de uma política nacional de habitação do que com a satisfação concreta do direito social stricto sensu.
O Estado não se obriga a concretizar o direito; obriga-se, antes, a criar as condições políticas, económicas e sociais adequadas à concretização daquele direito. Ora, o regime especial proposto agora insere-se, sem dúvida, nessa incumbência programática, já que a sua eventual aprovação criará condições para uma maior fluidez do arrendamento de fogos destinados à habitação, que estariam vocacionados para o mercado imobiliário.
Nessa óptica deve mesmo entender-se que esta medida legislativa preenche a previsão da alínea c) do n.º 2 do artigo 65.º da Constituição, ou seja, com ela se «estimula a construção privada, com subordinação aos interesses gerais».
Não pensa assim o distinto constitucionalista Vital Moreira, em anotação a este artigo. Para este professor seria «inconstitucional a submissão do arrendamento, das rendas e dos despejos à liberdade contratual». E acrescenta: «O direito à habitação deve prevalecer sobre o direito de uso e disposição da propriedade privada.»

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Com certeza que sim, Srs. Deputados.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem a anotação!

O Orador: - Mas já falaremos quando fizerem pedidos de esclarecimento, se a Mesa entender que há lugar a eles. Uma tal doutrina política compreende-se na concepção de uma filosofia que olha o Estado como único garante da satisfação das necessidades individuais e colectivas. Só que, a ser assim, não se veria como compatibilizar a liberdade da iniciativa e da propriedade privada com o texto constitucional que expressamente as reconhece.
Não se pode ser livre na iniciativa ou titular do direito de propriedade sem meios jurídicos de exercer ou gozar tal liberdade ou tal direito. E um tal direito, no caso concreto dos contratos de arrendamento, exerce--se no respeito pela liberdade contratual.

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E por se falar em liberdade contratual, velha regra do nosso direito civil, não está a falar-se no puro arbítrio de quem pode mais contra quem pode menos; está a falar-se num instituto que, no actual regime legal do inquilinato, é regulado por forma a salvaguardar interesses sociais e económicos essenciais.
A duração dos contratos é um interesse essencial? Certamente que o é. Mas quando a fixidez ou a rigidez dessa norma inviabiliza a celebração de novos contratos de arrendamento, nomeadamente em situação de grave crise económica de habitação, então o prazo de vigência dos contratos perde importância face à essencialidade de outro interesse, qual seja o de criar condições legais para que o acesso à habitação arrendada se alargue a um maior número de cidadãos.
E quando essas condições legais têm natureza transitória e induzem à concretização do direito à habitação, então estar-se-á a salvaguardar este direito e não a violá-lo. Por outras palavras: a proposta de lei não viola o artigo 65.º da Constituição, mas permite que ele seja respeitado.
Em síntese, dir-se-á que a proposta de lei n.º 101/III não viola os artigos 13.º e 65.º da Constituição, pelo que o recurso interposto pelo PCP deve ser rejeitado.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, apresento recurso da decisão da Mesa de conceder a palavra a um Sr. Deputado para pedir esclarecimentos.
Posso fundamentá-lo, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O artigo 134.º do Regimento, ao estabelecer um novo regime de apreciação dos recursos interpostos de decisões da Mesa que admite projectos ou propostas de lei, teve em vista libertar, na medida do possível, o Plenário da Assembleia da República de debates processuais sobre questões prévias. Por isso se estabeleceu que, com vantagem, esse debate, visto que se tratava de um debate de natureza fundamentalmente jurídica, deveria ter lugar na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Estabeleceu-se, no entanto, que o parecer dessa Comissão seria submetido à apreciação do Plenário e cada grupo ou agrupamento parlamentar poderia fazer uma intervenção para, nessa intervenção, poder justificar a sua posição de voto ou fazer as considerações que entendesse sobre o parecer da Comissão.
Estabeleceu-se, ainda, que a conferência de presidentes poderia, se assim o entendesse, alargar o tempo de debate e, nesta ideia de alargar o tempo de debate, está bem claro o espírito desta disposição que o pretende limitar.
A interpretação que tem sido seguida de se permitirem pedidos de esclarecimento e, obviamente, respostas aos pedidos de esclarecimento frustra grandemente o desígnio desta revisão do Regimento, fazendo repetir no Plenário todo um debate que já teve lugar na Comissão especializada e prejudicando o normal funcionamento da Assembleia.
Nestes termos, o meu grupo parlamentar recorreu da interpretação que a Mesa faz deste artigo ao dar a palavra para pedidos de esclarecimento, julgando ser este o melhor entendimento do Regimento.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado António Capucho pede a palavra ao abrigo do n.º 5 do artigo 87.º do Regimento, não é assim?

O Sr. António Capucho (PSD): - Era para me pronunciar sobre o recurso apresentado pelo Sr. Deputado Luis' Beiroco; no entanto, vou prescindir de o fazer.
Gostaria apenas de dizer que perfilho inteiramente a fundamentação expendida pelo Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, pedi a palavra ao abrigo do n.º 5 do artigo 87.º, para evitar a interposição de um recurso por parte do Sr. Deputado Luís Beiroco. Assim, anuncio, desde já, o dispositivo em que me louvo para intervir.
Sr. Presidente, é verdade que, aquando da revisão do Regimento, houve a preocupação de libertar o Plenário do debate sobre a admissibilidade dos projectos ou propostas de lei. Mas, como disse o Sr. Deputado Luís Beiroco, «na medida do possível». É exactamente por isso - em meu entender - que o artigo 134.º fala de debate e o debate não é nunca - não pode ser - uma sucessão de monólogos.
O debate não pode ser a subida àquela tribuna de um certo número de deputados, que debitam - desculpem-me a expressão - o seu discurso e, a seguir, os Srs. Deputados votam, por muito que nas suas linhas gerais a revisão do Regimento tenda a apontar para uma situação dessas. Mas ficou-se no apontar, pois não ousou ir tão longe quanto o Sr. Deputado Luís Beiroco agora pretendia.
O Regimento fala em debate. Se se quisesse ir mais longe e fosse outro o entendimento, então por que razão se não adoptou para a votação dos pareceres da Comissão Constitucional, nesta matéria, exactamente o mesmo dispositivo que se adoptou para as votações finais globais, em que se diz que não é precedido de debate? Não obstante o artigo ser omisso quanto às declarações de voto, o plenário já entendeu que, mesmo nestes casos, a declaração de voto devia ter lugar, porque, aí sim, devia ser permitida.
Sobre aquilo que o Sr. Deputado Luís Beiroco pretende ser a justificação deste artigo 134.º, ou seja, que cada grupo parlamentar justifique a sua posição perante aquilo que votou, devo dizer que, aqui, o dispositivo que regula a votação final global satisfaria plenamente. Mas na revisão do Regimento não se quis ir tão longe; quis-se manter o princípio do debate. Ora, a existência do debate pressupõe, no mínimo, que seja possível pedir esclarecimentos.

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Não há nada no artigo 134.º que proíba o pedido de esclarecimento. Qualquer interpretação contrária, que limite o pedido de esclarecimento, é - em nosso entender - uma interpretação abusiva e é uma interpretação que tende, de facto, a desvirtuar o princípio do debate consignado nesse artigo, porque - repito e termino - o debate não é uma sucessão de monólogos.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

Entendemos que essa é que deve ser a decisão. Portanto, é nesse sentido que apelamos ao sentido e ao bom senso da Mesa.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Suponho que, em matéria de interpretação e integração do novo Regimento, deve presidir em primeiro lugar a serenidade.
Neste caso, a serenidade aconselha a leitura do artigo 134.º, como ele é, e a compará-lo com a sua redacção anterior.
O Sr. Deputado António Capucho, embora de forma desatenta, já se reivindicou, neste debate, de fundamentos que aqui não foram explicitados.
Mas devo recordar que, anteriormente, em sede de recursos, o debate não tinha qualquer limite; era um debate como outro qualquer, com uma primeira, segunda, terceira intervenções e só poderia ser terminado se houvesse, da parte de algum grupo parlamentar, um requerimento para o debate cessar e não houvesse grupos parlamentares inscritos e que ainda não tivessem produzido três intervenções.
A restrição que aqui está consignada é, já de si, uma restrição brutal. É toda uma configuração diferente, que restringe o direito de intervenção a uns meros 10 minutos, ou seja, a um tempo muito inferior ao que era anteriormente e ao que é normal em qualquer debate desta Assembleia.
Mas, prevenindo a hipótese de excesso, quem legislou esta Assembleia, quem legislou em todo o artigo 134.º não matou o debate. E não matou porque não podia o matar, ou seja, porque não configurou nenhuma limitação ao direito de questionar quem faz a intervenção.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Suponho que, em primeira linha, a Mesa irá pronunciar-se sobre isto, pois não conheço concretamente a decisão da Mesa, nem conheço quais são os fundamentos do recurso. Recordo a necessidade de se ouvir, nesta matéria, a Comissão de Regimento e Mandatos, como norma regimental e norma de bom senso.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas suponho que nos há-de pautar, a todos, um princípio, não de estrita economia em termos de querermos mais do que foi querido na própria definição do Regimento, mas um princípio de seriedade e de empenho na discussão de uma matéria tão grave, como é a da admissibilidade, que impõe, pelo menos, que se possa questionar quem diz porquê, sobre quais as razões porque diz porquê acerca de admissibilidade ou inadmissibilidade de certos projectos.
Do nosso ponto de vista, Sr. Presidente, será justa e correcta a decisão que permita aquilo que o Regimento diz, ou seja, os pedidos de esclarecimento e toda a parte de protestos, etc., associados ao debate livre em torno das matérias inscritas na ordem do dia.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Eles querem é matar o debate. Não querem que se saiba lá fora!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Também ao abrigo do artigo 87.º do Regimento, pedi a palavra para me pronunciar sobre o recurso apresentado pela bancada do CDS.
Julgo que fui eu próprio quem, pela primeira vez, suscitou esta questão no Plenário, aquando de um anterior recurso que aqui se debateu. Nessa altura também discordei de uma decisão da Mesa que ia no sentido de considerar que, para além dos 10 minutos atribuídos a cada grupo ou agrupamento parlamentar, era possível prolongar esses 10 minutos com tempos para pedidos de esclarecimento e respectivas respostas.
Do nosso ponto de vista, se assim fosse, não teria fundamento que se dissesse no artigo 134.º que o alargamento do período de 10 minutos implica que haja uma decisão da conferência dos grupos e agrupamentos parlamentares nesse sentido. Do nosso ponto de vista isso supõe obviamente que, sempre que a conferência de líderes não se pronuncia em sentido diferente, prevalecerá a disposição regimental que atribui 10 minutos a cada grupo e agrupamento parlamentar e não mais do que isso.
Aliás, se não fosse este o entendimento desta norma, poderíamos vir a confrontar-nos com a circunstância de os grupos parlamentares poderem, por sistema, interpor recurso de qualquer projecto ou proposta de lei apresentado na Mesa, apenas para anteciparem, de forma artificial, certo tipo de debates quando eles ainda não estivessem agendados no quadro do agendamento normal estabelecido na conferência de líderes.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - Isso seria, obviamente, não só uma sabotagem ao espírito do Regimento, como uma sabotagem à vontade da maioria e, que eu saiba, em termos democráticos, é a vontade das maiorias que ainda prevalece nos parlamentos.
Congratulamo-nos por haver, nesta matéria, uma convergência entre a vontade da maioria e, pelo menos, uma parte da oposição, que assim demonstra, em termos regimentais, uma vontade de interpretar o Regimento em termos rigorosos.

Sr. Presidente e Srs. Deputados: Votaremos favoravelmente o recurso interposto pelo Sr. Deputado Luís Beiroco.

Vozes do PCP: - Que vergonha!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Construíram mal a rolha, querem agora acabá-la à matracada!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como é evidente, pedi a palavra ao abrigo do n.º 5 do artigo 87.º do Regimento.
Há interpretações diversas sobre a matéria em discussão. O Sr. Deputado Jorge Lacão chegou a falar em sabotagem na interpretação de uma cláusula do Regimento. E lamentável que ouçamos isto quando, ao fim e ao cabo, é uma interpretação legítima que os deputados de todas as bancadas podem e devem ter sobre uma determinada matéria.
É evidente que o que se pretende é, cada vez mais, uma interpretação restritiva do novo Regimento. E não é preciso irmos mais longe, pois o Regimento já é suficientemente restritivo para, agora, descobrirmos novos motivos que impedem o livre debate de ideias dentro desta Câmara.
É claro que, ao contrário do que se possa pensar, o novo Regimento não facilita a celeridade dos trabalhos, como estamos a verificar todos os dias. O que se pretende é, sem dúvida, impedir o livre debate e o livre esclarecimento das situações que aqui se levantam.
O artigo 134.º do Regimento é claro: nada impede o debate, nada impede o poder de esclarecimento. Logo, em nossa opinião, a Mesa não deve admitir o recurso. Impõe-se um mínimo de esclarecimento, até porque o próprio Governo vai usar da palavra. Na verdade o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares vai usar da palavra e, certamente, a maioria não quer impedi-lo de esclarecer a Câmara acerca das dúvidas que a sua intervenção vai, provavelmente, provocar, como é hábito.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Como é hábito! Essa é boa!

O Orador: - Com certeza, como é hábito nesta Câmara.

Portanto, Sr. Presidente, entendemos que a Mesa não deveria admitir o recurso apresentado pelo Sr. Deputado Luís Beiroco e que deveria dar a possibilidade, a todos os deputados, de pedirem os esclarecimentos que entendam dever pedir para que um assunto tão importante e tão grave fosse devidamente debatido nesta Câmara.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa admitiu o recurso, que está discutido e terá de ser votado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Como certamente o seu pedido de palavra se destina a interpelar a Mesa, tem a palavra.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, suponho que o recurso apresentado é de uma deliberação da Mesa...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o recurso é de uma deliberação da Mesa que concedeu a palavra a um Sr. Deputado - concretamente à Sr.ª Deputada Odete Santos - para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. João Amaral (PCP): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Nos termos do artigo 36.º do Regimento, compete à Comissão de Regimento e Mandatos dar parecer sobres as questões de interpretação e integração das lacunas do Regimento.
Sr. Presidente, entendemos que o quadro mais adequado para dirimir a questão colocada pelo recurso do Sr. Deputado Luís Beiroco é, efectivamente, o de, serenamente, em sede de Comissão de Regimento e Mandatos, ser elaborado o competente parecer. É nesse sentido que apresento um requerimento, ao abrigo do disposto na alínea f) do artigo 36.º do Regimento, no sentido de ser solicitado à Comissão de Regimento e Mandatos parecer sobre a interpretação do n.º 5 do artigo 134.º do Regimento.
Sr. Presidente, vou imediatamente entregar na Mesa este requerimento que acabei de anunciar.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, não percebo por que razão é que não votamos o meu recurso! O facto de se submeterem requerimentos à votação - é evidente que se podem apresentar requerimentos de baixa à Comissão -, a que eu não me oponho, não pode impedir o curso dos trabalhos. E há uma decisão da Mesa, de dar a palavra a uma deputada, e anteriormente eu recorri dessa decisão.
É evidente que a votação sobre o recurso da decisão da Mesa não constitui uma doutrina que seja válida para todos os casos.
Mas essa decisão está a ser apreciada, pois dela foi interposto recurso; acabou a discussão do recurso - porque todos os grupos se pronunciaram -, e deve-se votar o recurso.
Não percebo de que é que estamos à espera.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que talvez fosse melhor um pouco de calma, por parte de todos nós, até para ajudar a Mesa na condução dos trabalhos. A Mesa não é infalível, naturalmente.
Efectivamente, o Sr. Deputado Luís Beiroco recorreu da decisão da Mesa, a discussão do recurso está terminada e, entretanto, foi anunciado um requerimento à Mesa. Ora, os requerimentos têm prioridade na votação...

O Sr. Luis Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, o requerimento não tem nada a ver com o recurso.

O Sr. Presidente: - ... o que não invalida a votação do recurso logo a seguir.
É meu entendimento - mas consultarei os outros membros da Mesa - que se deve votar o requerimento; se este for rejeitado, vota-se o recurso.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, nos termos do artigo 79.º, n.º 1, alínea f), do Regimento

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- este artigo trata do uso da palavra - determina-se que a palavra é concedida aos deputados para invocar o Regimento ou interpelar a Mesa.
Ao pedir a palavra, o Sr. Deputado João Amaral fê-lo para interpelar a Mesa. Mas, entretanto, apresentou um requerimento que se enquadra na alínea g) do n.º 1 do artigo que estou a citar, ou seja, quando o Sr. Deputado João Amaral pediu a palavra à Mesa não a pediu para apresentar um requerimento, mas para interpelar a Mesa e, a coberto da interpelação, apresentou um requerimento.
São duas coisas distintas e, nos termos regimentais, era bom que a Mesa cuidasse de verificar que assim é.
Nesse sentido, Sr. Presidente, o que tem prioridade imediata é a votação do recurso apresentado pelo Sr. Deputado Luís Beiroco.

Vozes do PCP: - Ah! Ah!

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Não será porque são questões prévias?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Alguém tem de lhe explicar o que são questões prévias!

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, consultei todos os elementos da Mesa e a decisão tomada é a seguinte: vai ser votado o recurso apresentado pelo Sr. Deputado Luís Beiroco; quanto ao requerimento apresentado pelo Sr. Deputado João Amaral, vai ser enviado à Comissão de Regimento e Mandatos para emissão de parecer sobre a matéria dele constante.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, emitir parecer sobre uma decisão de Plenário é, de facto, uma novidade, mesmo em matéria regimental. Apesar de o Regimento ter sido feito por quem foi feito e nos termos em que foi feito, é com grande surpresa que se vai ver a Comissão de Regimento e Mandatos emitir parecer sobre uma decisão do Plenário.
Para ver se se introduz um mínimo de serenidade neste debate, utilizamos - sob a forma que o Sr. Presidente e os Srs. Deputados quiserem - um direito potestativo, que é o de requerermos a interrupção dos trabalhos por 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Está concedido o pedido, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, antes de interromper a sessão, peço a vossa atenção, a pedido do Sr. Presidente da Assembleia da República, para que não se esqueçam de estar presentes amanhã, pelas 16 horas, para saudarmos S. M. a Rainha Isabel II.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, queria só perguntar-lhe a que hora termina hoje a sessão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, segundo a decisão da conferência dos líderes parlamentares, a sessão encerra às 21 horas.

Srs. Deputados, está suspensa a sessão por 30 minutos.

Eram 19 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: sessão.

Eram 20 horas.

Srs. Deputados, está reaberta a

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é visível que estamos com falta de quórum, pelo que vamos aguardar um pouco mais para podermos votar.

Pausa.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pretendo recorrer da decisão da Mesa, relativamente à ordem de votação do nosso requerimento e do recurso apresentado pelo Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, faça o favor de fundamentar o recurso.

O Sr. Joio Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é a seguinte fundamentação:
Considerando que, nos termos regimentais, compete à Comissão de Regimento e Mandatos dar pareceres sobre problemas de interpretação e integração de lacunas;
Considerando que os pareceres precedem, logicamente, as deliberações;
Considerando que em recursos anteriores, como foi interposto da admissibilidade desta proposta de lei, foi seguida a regra - por deliberação da Mesa - de permitir pedidos de esclarecimento;
Considerando que votar, neste momento, em que não há pedidos de esclarecimento, corresponde a alterar as regras do jogo a meio do debate, o que não só tem duvidoso cabimento regimental como ofende princípios básicos de relacionamento, correspondendo à situação - e isto não é piada para o Sr. Deputado Jorge Lacão, mas podia funcionar como tal - do garoto, dono da bola, que a meio do jogo diz: «Ou é penalty ou levo a bola para casa»;

Risos.

Considerando que não colhe o argumento de que não pode haver pedidos de esclarecimento porque já houve debate e votação em Comissão porque o Governo - autor da proposta e que vai intervir no debate - não participou no debate na Comissão;
Considerando, assim, que evitar pedidos de esclarecimento, designadamente ao Governo, corresponderia a cobri-lo com um chapéu de chuva que evitaria o que seria fundamental: ser confrontado com as críticas e observações dos partidos da oposição;
Considerando, finalmente, que o mais elementar bom senso aconselharia a repensar o que está deliberado.

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O Grupo Parlamentar do PCP recorre da decisão da Mesa, no sentido de permitir à Assembleia deliberar de forma a que, primeiro, seja elaborado o adequado parecer da Comissão e, na sequência disso, seja tomada, em sede própria, a deliberação adequada acerca do conteúdo do artigo 134.º do Regimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está, portanto, interposto e fundamentado o recurso apresentado pela bancada do PCP, da decisão da Mesa de proceder à votação do recurso do Sr. Deputado Luís Beiroco, também de uma decisão da Mesa, de conceder a palavra para pedidos de esclarecimento.
Vamos, pois, votar este recurso apresentado pelo PCP.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Qual, Sr. Presidente?

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, houve um recurso e houve um requerimento apresentado pelo PCP.
Estamos a votar o requerimento?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos votar o recurso do PCP sobre a decisão da Mesa em pôr à votação o recurso apresentado anteriormente pelo Sr. Deputado Luís Beiroco.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, e do CDS e votos a favor do PCP, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora votar o recurso apresentado pelo Sr. Deputado Luís Beiroco, da decisão da Mesa de ter concedido a palavra para pedidos de esclarecimento.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e do CDS, votos contra do PCP, MDP/CDE e da UEDS e a abstenção do Sr. Deputado Roque Lino, do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido agora o requerimento apresentado pelo PCP.

Pausa.

Srs. Deputados, como o requerimento do PCP é para ser enviado para a Comissão de Regimento e Mandatos, penso que não necessita de ser votado. Mas será distribuído pelas várias bancadas.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas solicito a V. Ex.ª que leia a epígrafe do requerimento, isto é, que me indique a quem é dirigido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o requerimento é dirigido ao Sr. Presidente da Assembleia da República.

O Sr. Luís Nunes (PS): - E requer o quê?

O Sr. Presidente: - Requer que esta questão seja submetido à Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Requer a V. Ex.ª ou à Mesa?

O Sr. Presidente: - Requer ao Presidente da Assembleia da República.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Então, se é ao Presidente da Assembleia da República, requer à Assembleia e tem de ser votado.

O Sr. Presidente: - Requer ao Presidente da Mesa da Assembleia da República.
Srs. Deputados, em continuação do debate, tem a palavra para uma intervenção o Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares.

O Sr. Secretário de Estado para os Assuntos Parlamentares: - Sr. Presidente, prescindo da palavra.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª admitiu o requerimento apresentado pelo PCP nos termos do Regimento e este refere que os requerimentos são colocados imediatamente à votação sem discussão. Sendo assim, gostaria que a Mesa me esclarecesse como é que pode dar agora a palavra ao Sr. Deputado Raul e Castro para uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é o prosseguimento do debate da admissibilidade da proposta de lei, de que o PCP recorre. Foi decidido nestas votações todas que não haverá pedidos de esclarecimento.
Mas o debate continua e o Sr. Deputado Raul e Castro, que ainda não interveio nele, tem direito a uma intervenção de 10 minutos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas, Sr. Presidente, vamos ou não votar o requerimento apresentado pelo PCP?

O Sr. Presidente: - O consenso é no sentido de que não se vote e vai ser enviado à Comissão de Regimento e Mandatos.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O consenso é então no sentido de que o requerimento do PCP não é dirigido à Assembleia, mas ao Presidente da Assembleia, não é verdade?

O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado. E vai ser enviado, como disse, à Comissão de Regimento e Mandatos.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, o requerimento era dirigido a quem era, sendo encabeçado pela expressão «Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República». Se o Sr. Deputado Jorge Lacão quer configurar e definir aqui a possibilidade de pareceres póstumos, talvez seja então a altura de o votar.
Do nosso ponto de vista, valia mais, no entanto, que tivesse seguido a sugestão do Sr. Deputado José Luís Nunes, seu companheiro de bancada, e se remetesse prudentemente o requerimento para a Comissão de Regimento e Mandatos para que ela se pronuncie sobre se se pode dar pareceres sobre aquilo que o Plenário, de alguma maneira, já entendeu.
É neste sentido que pedia ao Sr. Deputado que configurasse esse requerimento como lhe sendo dirigido, sobre o qual pode dar o despacho que entender.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito embora o presente recurso tenha como base o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a verdade é que no próprio parecer se refere matéria de facto com a qual as posições constitucionais naturalmente se prendem e das quais são inseparáveis. Valho-me, aliás, desta intervenção para poder aqui de algum modo pronunciar-me sobre uma intervenção anterior do Sr. Deputado Roque Lino, visto que depois de todas as intervenções o meu pedido de esclarecimento ficou sem efeito. Parece-me, além disso, que há uma diferença sensível entre a intervenção do Sr. Deputado Roque Lino no debate sobre a lei das rendas e aquela que fez sobre este recurso.

O Sr. Roque Lino (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Deputado, queria esclarecê-lo que não é efectivamente isso que se passa, porque já aquando da minha intervenção na discussão da lei das rendas tive o cuidado de frisar que era bem preferível que o regime não pudesse, mesmo de forma transitória, ser aprovado. Isto sem embargo de compreendermos as razões do Governo ao apresentar esta proposta, no sentido de colocar imediatamente no mercado da habitação fogos que sabemos que não seriam colocados senão no mercado imobiliário.
Parece-me assim, Sr. Deputado, que não tem razão quando faz essa afirmação. Queria apenas dizer-lhe isto porque posso ter sido mal interpretado.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - O que o Sr. Deputado disse e está registado foi que o Governo tinha tido o bom senso de não mexer no prazo do contrato!

O Orador: - O Sr. Deputado Roque Lino não me deixou concluir e aquilo que eu ia dizer não teria que ver com o sentido da sua intervenção. No entanto, não lhe ia negar, obviamente, o direito de pedir um esclarecimento.
Aquilo que eu ia referir era que durante a sua intervenção no debate da lei das rendas o Sr. Deputado parece ter reconhecido que o direito de habitação é um direito social. Isso consta mesmo, salvo erro, da sua intervenção. Penso que ao defender agora o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o Sr. Deputado se afastou da posição que tinha assumido aquando do debate na lei das rendas.
Aproveito para relembrar que o Capítulo II, que trata dos «Direitos e Deveres Sociais», começa por se referir no artigo 63.º à segurança social, depois à saúde e, em terceiro lugar, no artigo 65.º, à habitação. Isto significa que o direito à habitação é algo que tem por parte da Constituição o mesmo tratamento que têm os direitos sociais à segurança social e à saúde, sendo este um ponto de partida que se nos afigura fundamental para se poder compreender como o recurso apresentado pelo PCP tem fundamento, porquanto a proposta de lei do Governo viola o disposto no artigo 65.º Temos, com efeito, de nos colocar no âmbito que a própria Constituição reconhece, isto é, de pôr em pé de igualdade direitos como o direito à Segurança Social, o direito à saúde e o direito à habitação, visto este ser também um direito social idêntico àqueles outros estabelecidos na Constituição.
Sucede que esta proposta de lei - e aqui temos de fazer uma breve incursão nas suas características - começa por ser a própria negação da proposta de lei sobre as rendas, visto que visa - e isso ainda agora foi reafirmado na intervenção do Sr. Deputado Roque Lino - colocar no mercado de habitação casas devolutas. Mas esse objectivo já era um dos objectivos expressos e fundamentais da lei das rendas, pelo que temos de concluir que o Governo apresentou a proposta de lei sobre as rendas e, sem ainda ter terminado o respectivo debate, veio apresentar uma outra proposta, que visa o mesmo objectivo fundamental. Simplesmente, este não pode ser atingido porque o problema fundamental, no que diz respeito ao arrendamento para a habitação - e isso já foi aqui referido pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso -, é o poder de compra das pessoas que podem arrendar os fogos. Esse é que é o aspecto primordial e não há medidas artificiais de qualquer natureza que possam ultrapassar essa medida fundamental.
Aliás, no preâmbulo da proposta de lei começa-se por se referir alguns aspectos que condicionam o preço das rendas, mas depois, nas posições legais, abandonam-se totalmente os aspectos que são invocados como determinantes do aumento das rendas para se voltar tão-só a uma manipulação do regime do arrendamento, quando nem sequer eram estas as condicionantes fundamentais que a própria proposta de lei apresenta.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Na realidade, temos de considerar, por um lado, que esta proposta de lei nem sequer visa senhorios que já tenham casas para arrendar, mas aqueles que venham a ter prédios novos para colocar no mercado de habitação, isto é, pessoas que tenham capacidade económica para terem prédios para arrendar.
Temos de colocar no mesmo prato da balança, em obediência ao princípio de igualdade do artigo 13.º da Constituição, os senhorios que a partir desta proposta

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de lei teriam condições económicas para construir um fogo ou um prédio para arrendamento e os arrendatários que são condicionados por toda uma série de factores, sendo o mais importante de todos a elevação constante do custo de vida. É evidente que colocando no mesmo prato da balança os senhorios com possiblidade económicas de construir novos fogos e, por outro lado, a capacidade económica diminuída dos inquilinos, não se pode dizer, de qualquer maneira, que foi observado o princípio da igualdade estabelecido no artigo 13.º da Constituição. E muito menos se pode dizer, como o fez a Comissão de Assuntos Constitucionais, que tenha sido cumprido o artigo 65.º da Constituição. O n.º 3 deste artigo estabelece - e é pena que ele não tenha sido objecto de referência expressa em intervenções anteriores - que «o Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria».
Esta proposta viola claramente este princípio porque não há dúvida que ela viria permitir, mais a mais com a garantia acrescida de que o arrendamento apenas duraria 7 anos, que se fixassem rendas que os arrendatários não poderiam pagar.
Por todas estas razões, o MDP/CDE votará favoravelmente o recurso apresentado pelo PCP, porque esta proposta viola claramente estas disposições da Constituição, que consagram o direito à habitação como um direito constitucional.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do recurso apresentado pelo PCP, relativo à admissibilidade da proposta de lei n.º 101/III, que estabelece o regime especial de arrendamento urbano.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, tem a ver com esta votação, porque se trata de uma matéria suficientemente importante para que seja verificado o quórum de presenças na Sala.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Era para interpelação à Mesa no seguinte sentido: o Sr. Presidente já tinha iniciado a votação e esta foi interrompida pelo pedido de interpelação do PCP. Parece-me que não é sistema de trabalharmos em Plenário.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a todo o momento podem os Srs. Deputados pedir a verificação do quórum.

O Sr. António Capucho (PSD): - Mas não depois de iniciado o processo de votação. O Sr. Presidente disse que não havia mais inscrições e anunciou a votação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Capucho, podia-se até dar o caso de ser pedida a verificação do quórum depois da votação e, nesse caso, se se chegasse à conclusão de que a soma dos votos não constituía quórum, a votação seria anulada.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, era para, nos termos regimentais, dar tempo para chamar os Srs. Deputados para o Plenário, devendo o Sr. Presidente tomar providências nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já mandei há pouco pôr a campainha a tocar.

Pausa.

Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estivemos aqui a fazer uma consulta ao Regimento e o artigo 101.º, n.º 4, diz que «não tendo o Presidente fixado a hora da votação - o que é o caso -, esta tem lugar pelas 18 horas, a seguir ao intervalo regimental, ou na reunião seguinte, caso o debate não esteja encerrado até àquela hora». Isto significa que esta votação pode e deve fazer-se na reunião seguinte, prosseguindo-se naturalmente na nossa ordem de trabalhos.

O Sr. Presidente: - Mas o debate está encerrado, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - A votação passa para a reunião seguinte, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tenho nenhum problema em proceder assim como o Sr. Deputado sugere. Mas penso que esta fixação tem de ser anterior ao termo do debate e não posterior.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, era para interpelar a Mesa no seguinte sentido: o artigo que foi invocado pelo Sr. Deputado Carlos Lage, o artigo 101.º do Regimento, que se refere à fixação de hora para votação, prevê um conjunto de hipóteses quanto a esta matéria. No n.º 1 prevê-se que a conferência possa fixar uma hora para votação, que deve ser divulgada com antecedência. Não é manifestamente o caso, uma vez que não se tomou qualquer deliberação em conferência sobre a matéria.
Quanto ao n.º 2, indica-se que se não estiver concluído o debate organizado nesses termos é marcada uma nova hora para a votação, o que não é também o caso presente.
Os n.ºs 3 e 4 referem que o Presidente pode, na falta de marcação, fixar para as 18 horas a hora das votações. Sucede, Sr. Presidente, como foi aliás confirmado pelo Sr. Deputado António Capucho em interpelação que há pouco fez à Mesa, que já tínhamos entrado num processo de votação. Isto é, a Mesa já tinha considerado encerrado o debate e não anunciou nesse momento que a votação seria feita no dia se-

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27 DE MARÇO DE 1985 2581

guinte - caso contrário não a teria anunciado, como disse, e bem, há pouco o Sr. Deputado António Capucho.
Isto é apenas para que fique claro perante o Sr. Deputado Carlos Lage que o n.º 4 que acaba de invocar não se aplica no momento presente, uma vez que estávamos num processo de votação e o que se está a fazer é um pedido regimental de verificar se há ou não quórum para proceder à votação. É apenas isto, Sr. Presidente, pelo que creio que o n.º 4 citado pelo Sr. Deputado Carlos Lage é manifestamente inaplicável a este caso.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, é para dizer que penso exactamente ao contrário do que disse o Sr. Deputado Jorge Lemos. O n. º 4 é perfeitamente aplicável porque o que ele diz não é que se pode pedir ou que o Presidente pode marcar para as 18 horas. Trata-se de uma disposição supletiva e, como tal, sempre que não tenha marcado para outra hora, as votações são às 18 horas. Se um determinado debate não acabar de modo a que a votação se possa fazer a essa hora, ela passará para a sessão seguinte.
Em conclusão, a Mesa não devia ter posto o recurso à votação, o que fez, de resto, com a concordância da Câmara, visto que esta também não se apercebeu, no momento, que a votação devia passar para a sessão seguinte. Mas que este artigo se aplica, aplica!

O Sr. José Leio (PS): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Mesa está a reflectir sobre a questão.

Pausa.

Srs. Deputados, a interpretação da Mesa coincide com a que foi dada pelo Sr. Deputado Luís Beiroco, ou seja, no sentido de que a votação fique marcada para a próxima sessão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Já agora, com a interpretação que foi dada pelo Sr. Deputado Carlos Lage!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, pretendia que a Mesa aclarasse a decisão que acabou de assumir.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Quer um despacho de aclaração!

O Orador: - Sr. Presidente, o que é contemplado no n.º 4 do artigo 101.º refere-se a debates que não estejam encerrados e sobre os quais não tenha sido anunciada uma votação. Neste momento, estamos em curso de uma votação e apenas foi requerido por um dos grupos parlamentares que se verificasse se havia condições de presença na Sala para proceder a essa votação. V. Ex.ª fez inclusivamente accionar a campainha de chamada - e bem - para reunir o quórum necessário e se pudesse proceder à votação. Não podemos estar a interromper um processo destes, que está a decorrer. Neste sentido, solicitava que V. Ex.ª, enquanto Presidente da Mesa, aclarasse a decisão que acabou de anunciar.

O Sr. Presidente: - De facto, isso também é verdade, Sr. Deputado!

Risos.

Se houvesse quórum tudo se teria passado sem haver problema. Mas a Mesa, numa interpretação rígida e correcta do n. º 4, devia ter anunciado que a votação passaria para as 18 horas da próxima reunião. Não foi isso que se fez, até na sequência e na embalagem de outras votações que se foram fazendo.

Risos.

Para interpelar a mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, penso que a Mesa decidiu bem, porque este dispositivo aplica-se apenas à votação de projectos de lei, propostas de lei e resoluções, não sendo este nenhum desses casos. Desta maneira, devia-se proceder à votação no termo do debate, não podendo o presidente regimentalmente fixar horas, nem seriam as 18 horas, nem se passaria para o dia seguinte.
O n.º 1 é claro e preciso a esse respeito.
Estamos, no entanto, confrontados com a situação de não haver quórum e admito perfeitamente, até porque não há outro remédio, que se adie a votação para amanhã. Mas a interpretação que foi dada inicialmente é que é a interpretação rígida deste artigo e a que estava certa, devendo passar-se à votação. Mas se não há quórum, nada feito!

O Sr. Presidente: - A Mesa não é constituída apenas pelo Presidente. Essa interpretação que o Sr. Deputado Lopes Cardoso refere foi a que fiz inicialmente, mas depois fez-se uma consulta aos restantes membros da Mesa e a conclusão a que se chegou foi aquela que enunciei posteriormente.
Srs. Deputados, restam-nos 20 minutos e creio que não vale a pena iniciarmos agora a discussão de outro diploma.
Nós ultrapassaríamos isto, encerrando a sessão, e esta votação far-se-ia na próxima sessão, às 18 horas, após o intervalo.
Srs. Deputados, se não há objecções, vamos terminar. Contudo, queria ainda recomendar mais uma vez a presença de V. Ex.ª na Assembleia da República, amanhã, às 16 horas, para saudar S.ª Rainha Isabel II de Inglaterra.
Quanto à próxima sessão plenária, ela terá lugar no dia 28, quinta-feira, pelas 10 horas, sendo a ordem de trabalhos a continuação da agenda que hoje se não esgotou, bem como a discussão do projecto de lei n.º 279/III, apresentado pelo PCP, que garante à mulher grávida o direito ao acompanhamento pelo futuro pai, durante o trabalho de parto.

Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António da Costa.
António Gonçalves Janeiro.

Página 2582

2582 I SÉRIE - NÚMERO 62

Leonel de Sousa Fadigas.
Nelson Pereira Ramos.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.
José António Valério do Couto.
José Augusto Seabra.
Luís António Martins.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.

Partido Comunista Português (PCP):

António José Almeida Silva Graça.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
João António Torrinhas Paulo.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Santos Magalhães.
Paulo Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Lopes Porto.
José Augusto Gama.
José Henrique Meireles Barros.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Leão Castro Tavares.
Manuel Tomás Rodrigues.
Queiró. Ruy Manuel Correia Seabra.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Carlos Luís Filipe Gracias.
João Rosado Correia.
Jorge Alberto Santos Correia.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Carlos Alberto da Mota Pinto.
João Luís Malato Correia.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Vargas Bulcão.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alfredo de Brito.
Lino Carvalho de Lima.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Hernâni Torres Moutinho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel Tengarrinha.

Os REDACTORES. - Cacilda Nordeste - Carlos Pinto da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO 108$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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