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I Série -Número 66

Quarta-feira, 3 de Abril de 1985

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 2 DE ABRIL DE 1985

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs.

Luís Abílio da Conceição Cacito
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e das respostas a alguns outros.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas (PCP) apresentou à Câmara as conclusões da conferência nacional do PCP no que respeita à definição de uma política económica capaz de fazer o País sair da crise.
O Sr. Deputado Daniel Bastos (PSD) referiu-se às medidas que é necessário implementar para que a futura cidade de Peso da Régua possa contribuir para o relançamento económico da região.
O Sr. Deputado Jorge Lacão (PS) teceu considerações sobre uma futura revisão constitucional, respondendo, no fim, a um protesto e a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados José Magalhães (PCP) e José Vitorino (PSD).
O Sr. Deputado Jorge Gois (CDS) referiu-se à necessidade de completar a anterior revisão constitucional, designadamente nos contextos económico e social.
Ordem do dia. - Concluiu-se o debate dos recursos, apresentados pelo PCP e pelo MDP/CDE, sobre a admissibilidade do projecto de lei n. ° 460/III - Condiciona a afixação de publicidade ou de propaganda, bem como a realização de inscrições e pinturas murais -, tendo sido aprovado o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Intervieram no debate, a diverso título, incluindo declaração de voto, os Srs. Deputados Raul e Castro (MDP/CDE), José Manuel Mendes (PCP), Igrejas Caeiro (PS), Hernâni Moutinho (CDS) e Licínio Moreira (PSD).
Concluiu-se a discussão do processo de urgência do projecto de lei n. ° 203/III, apresentado pelo Sr. Deputado Independente António Gonzalez - Criação do cargo de promotor ecológico com vista à defesa da vida e do meio ambiente -, tendo sido aprovado o respectivo parecer da Comissão de Equipamento Social e Ambiente e negado o processo de urgência.
Intervieram a diverso título, incluindo declaração de voto, os Srs. Deputados António Gonzalez (Indep.), Margarida Tengarrinha (PCP), Carlos Lage (PS), José Manuel Mendes (PCP), Silva Domingos (PSD), João Porto (CDS) e Raul e Castro (MDP/CDE).
Seguidamente a Assembleia apreciou na generalidade o projecto de lei n.º 470/III (PS, PSD, PCP, CDS, MDP/CDE e ASDI) - Alterações à situação jurídica do pessoal em serviço na Assembleia da República -, que foi aprovado. Interveio no debate o
Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP). A requerimento de todos os partidos, o projecto de lei baixou à Comissão de Regimento e Mandatos para discussão e votação na especialidade.
Prosseguiu a discussão conjunta dos projectos de lei n.ºs 79/III (PCP) - Lei da radiodifusão -, 192/III (UEDS) - Lei da radiodifusão sonora -, 252/III (PS/PSD)- Serviços locais de radiodifusão sonora por via hertziana - e das propostas de lei n.° s 73/III - Lei da radiodifusão - e 74/III - Licenciamento das estações emissoras de radiodifusão. Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), José Niza (PS), Lopes Cardoso (UEDS), Manuel Leão (CDS), Agostinho Branquinha (PSD), Raul e Castro (MDP/CDE), José Augusto Seabra (PSD) e Jorge Lemos (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Santos Meira.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Fernando Fradinho Lopes.

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Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Frederico Augusto Händel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José da Cunha e Sá.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Manuel Fontes Orvalho.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
Nuno Álvaro Freitas Alpoim.
Paulo Manuel Barros Barral.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Pedro de Barros.
José Adriano Gago Vitorino.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Maria Margarida Tengarrinha.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Filipe Neiva Correia.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José Henrique Meireles Barros.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Leão Castro Tavares.
Manuel Jorge Forte Góes.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Raul Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Francisco Alexandre Monteiro.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser lido o expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Cartas

De José Bracourt, professor de música reformado, residente na Figueira da Foz, a remeter cópia de um abaixo-assinado dirigido ao presidente da Câmara daquela localidade, no qual solicitam sejam tomadas providências junto do Governo, para que sejam concedidas reformas condignas, atendendo ao aumento constante do custo de vida.

Ofícios

Do Gabinete do Presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira, a remeter fotocópia de um ofício da Assembleia Regional da Madeira e uma inter-

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venção proferida pelo deputado do Partido Social-Democrata, Dr. João Crisóstomo de Aguiar, acerca dos recentes aumentos da TAP, sem que, para o efeito, fosse ouvido o Governo Regional da Madeira.
Da directora do Externato de Loures das Irmãs Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora, a enviar uma moção aprovada pêlos participantes do Curso de Pedagogia da Educação Social, que levaram a efeito, e na qual exigem a revisão imediata da Lei n.° 3/84, sobre Educação Social e Planeamento Familiar, bem como da Portaria n.° 52/85 sobre Consultas de Planeamento Familiar e Centros de Atendimento de Jovens, por considerarem os seus textos ambíguos e não devidamente fundamentados.
Da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia com uma moção na qual reclama da administração da Caixa Geral de Depósitos e do Governo a construção de instalações condignas para a agência daquela localidade, bem como a criação de novos balcões na área do município, tendo em conta a evolução demográfica e das actividades sócio-económicas.
Da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Caminha a remeter cópia de um ofício dirigido à Companhia de Seguros Tranquilidade, solicitando a reparação urgente dos prejuízos causados numa das suas ambulâncias.
Requerimentos
Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os seguintes requerimentos: Ao Ministério das Finanças e do Plano, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães; ao Governo formulado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos e outros; ao Ministério da Agricultura, formulado pelo Sr. Deputado Luís Vaz; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Miguel.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pêlos seguintes Srs. Deputados: Daniel Bastos, nas sessões de 5 de Janeiro e 1 de Março; José Magalhães e outros, nas sessões de 31 de Maio e 4 de Outubro; José Manuel Mendes e Jorge Lemos, na sessão de 18 de Outubro; Seiça Neves e Manuel Fontes Orvalho, na sessão de 24 de Outubro; Magalhães Mota, nas sessões de 31 de Outubro, 13 e 21 de Fevereiro e 5 de Março; João Amaral, na sessão de 13 de Novembro; Araújo dos Santos e Ferreira Martins, na sessão de 23 de Novembro; Carlos Nunes da Silva, na sessão de 4 de Dezembro; Roleira Marinho e outros, na sessão de 19 de Dezembro; Campos Silvestre, na sessão de 21 de Dezembro; Joel Hasse Ferreira, na sessão de 3 de Janeiro; Ricardo Barros e Avelino Rodrigues, na sessão de 20 de Janeiro; Fernando de Sousa e outros, na sessão de 23 de Janeiro; Figueiredo Lopes, na sessão de 24 de Janeiro; Maia Nunes de Almeida e Maria Odete Santos, na sessão de 24 de Janeiro; Lopes Cardoso, na sessão de 12 de Fevereiro, António Mota, na sessão de 15 de Fevereiro; Almeida Eliseu, na sessão de 26 de Fevereiro; Margarida Marques, na sessão de 28 de Fevereiro; Jorge Lemos e José Magalhães, na sessão de 5 de Março.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Perante a extrema gravidade da situação económica, financeira e social que o País atravessa.
o Partido Comunista Português realizou neste fim-de-semana, no Seixal, uma conferência nacional sobre a via de desenvolvimento para vencer a crise.
Este acontecimento , que foi o mais vasto debate económico até hoje realizado por uma força política no nosso país, que teve a presença de cerca de 1000 delegados e mais de 1500 convidados, promovido pelo maior partido da oposição e dado o seu objectivo mereceria, só por si, o devido relevo nos meios de informação.
No entanto, os meios de informação controlados pelo Governo, com destaque para a RTP, sempre tão pressurosa em relatar qualquer reunião dos partidos do Governo, mesmo com meia dúzia de gatos pingados, procurou mais uma vez, através da cortina do silêncio esconder aos Portugueses as propostas do PCP e o debate franco e aberto onde tomaram a palavra quadros técnicos, operários, militantes ou não do PCP na busca de soluções concretas para a superação da crise. É inadmissível.
E só ontem à noite depois do nosso protesto e de nos termos deslocado à RTP, que ficou sem explicações ou subterfúgios é que, 24 horas após o acontecimento, este órgão de informação se lhe dignou conceder algum tempo. É uma vergonha Sr. Presidente e Srs. Deputados.

Vozes do PCP: - É um escândalo!

O Orador: - Para aqueles que pensam como o Governo, que a economia é algo que diz respeito só a empresas e a grandes empresários se lá tivessem ido veriam os que fazem o País real, a economia real: trabalhadores, quadros técnicos, agricultores e empresários. E, porque foi um acontecimento importante é que o procuraram esconder do povo português.

Aplausos do PCP.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os trabalhos da conferência demonstraram, com sólida documentação e tratamento circunstanciado que existe no quadro da Constituição da República uma política económica alternativa à política de ruína do governo PS/PSD; que, sem se negar a influências negativas da crise do capitalismo, tanto maior quanto mais afuniladas e dependentes são as relações económicas e externas do País, a causa fundamental da crise reside na política de destruição e de desestabilização, reside na política de recuperação capitalista, latifundista e imperialista prosseguida ao longo destes 9 anos.
A conferência nacional do PCP indica três grandes linhas para a recuperação e o desenvolvimento:
O aumento da produção nacional (questão vital para a saída da crise) - através da dinamização das actividades económicas, da mais elevada utilização da capacidade produtiva, do aumento da produtividade, da criação de postos de trabalho, da poupança de matérias-primas e energia, do relançamento dos projectos de desenvolvimento;
O saneamento financeiro (do Estado, das empresas, da economia portuguesa) - que exige, a partir da nomeação de gestores competentes, isentos e honestos e do combate à corrupção, a drástica redução do défice do Orçamento, a salvação dos bancos da situação de ruptura, o relançamento das actividades das empresas, a produção nacional de produtos importados, a dimi-

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nuição dos défices alimentar, energético e tecnológico e a renegociação da dívida externa a partir da firme defesa dos interesses nacionais;
O melhoramento das condições de vida dos trabalhadores e do povo em geral (salários, emprego, benefícios sociais, habitação, saúde, ensino) - compatível com a recuperação económica e a poupança nacional de recursos, que se deve entender fundamentalmente como a limitação radical dos consumos supérfluos e sumptuários, a economia de matérias-primas e energia, o combate às actividades parasitárias, especulativas e fraudulentas.
A conferência nacional do PCP, dentro destas três grandes linhas, definiu (com estudos de base e medidas concretas) uma política industrial, uma política agrícola, uma política de pescas, uma política de transportes, uma política energética, uma política financeira, bancária, de crédito, orçamental e cambial.
A viabilidade dessas grandes linhas exige, contudo, condições básicas e prévias indispensáveis: pôr fim à ofensiva contra as conquistas económicas e sociais da Revolução de Abril; promover a participação activa e criadora dos trabalhadores na definição e execução da política económica e no processo produtivo; a defesa firme e intransigente da independência nacional.
Pôr fim à ofensiva contra as conquistas de Abril,significa, por um lado, o respeito pelas diversas formações económicas - sector nacionalizado e participado, Reforma Agrária, sector privado, pequenas e médias explorações agrícolas, cooperativas e empresas em autogestão - e, por outro lado, a reposição da legalidade constitucional.
A participação activa dos trabalhadores significa o seu empenhamento na produção e na produtividade, na poupança de matérias-primas e energia, na conservação dos meios de produção, na introdução de novos processos produtivos e na coordenação e planificação ao nível de empresa, do sector e do País. O controle de gestão é aspecto essencial desta participação dos trabalhadores e um elemento insubstituível no combate à corrupção.
A defesa firme dos interesses e independência nacionais significa que cesse a submissão ao imperialismo - causa principal do nosso atraso económico histórico -, nomeadamente ao FMI, ao Banco Mundial, à CEE, às multinacionais. Que o aproveitamento dos recursos nacionais e das potencialidades nacionais se subordine aos interesses de Portugal e não aos interesses estrangeiros.

Aplausos do PCP.

Que se diversifiquem as nossas relações económicas externas sempre na vantagem e na base de princípios como a reciprocidade e o respeito pela soberania nacional.
A gravidade da crise' exige a convergência, num grande esforço nacional e patriótico, de todas as estruturas e sectores da economia portuguesa, a complementaridade das actividades das empresas nacionalizadas, empresas privadas e das outras formações económicas, a mobilização planificada de todos os recursos, energias, capacidades e potencialidades nacionais com vista a salvar o País do desastre para que está a ser arrastado.
A conferência nacional do PCP não se limitou a indicar orientações gerais. Indica medidas concretas que

Constam dos materiais da conferência - documento-base, relatórios e mais de 300 intervenções.
Estes materiais, que brevemente serão publicados, constituem uma contribuição do PCP para a definição de uma política económica capaz de fazer o País sair da crise e de assegurar, no quadro da democracia e da independência nacional, o progresso económico e social do País.
Esta é mais uma contribuição dos trabalhadores e do seu partido para se recuperar a economia e promover o desenvolvimento económico e social no prosseguimento de Abril, que é o mesmo que dizer no caminho da liberdade , da democracia económica e social e na defesa da dignidade e prestígio da Pátria Portuguesa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Daniel Bastos.

O Sr. (Daniel Bastos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que a elevação de uma vila a cidade seja deferida por esta Assembleia da República, entendemos ser necessário e fundamental que a todos os níveis do aparelho de Estado, quer locais, quer nacionais, se verifique um esforço renovado e motivador no sentido de prover e adequar os meios estruturais à nova realidade que tal estatuto lhe confere.
É óbvio que o desencadear de um processo e a apresentação de um projecto de lei nesta Assembleia que contemple a elevação a cidade é determinado, não só pelo respeitável desejo promocional das próprias populações - a que todos somos sensíveis - mas também a condicionantes e exigências legais que estabelecem critérios e definem parâmetros nas áreas de desenvolvimento social, cultural e económico, fundamentos exigidos para que tal título lhe seja atribuído.
Em Maio de 1979, um deputado independente, eleito pelo círculo de Vila Real, apresentou o primeiro projecto de lei de elevação da vila do Peso da Régua a cidade, documento que foi retomado e renovado por deputados do PSD em 1980 e 1983, pois desde a apresentação do primeiro projecto sempre estivemos interessados, sempre defendemos e continuamos empenhados em ver concretizada esta velha aspiração dos Reguenses e Alto-Durienses.
Em 18 de Outubro de 1984, idêntico projecto de lei foi apresentado na Assembleia da República pelos deputados vila-realenses do Partido Socialista com o que muito nos congratulamos visto estarem, assim, criadas as condições ideais para que o desejo das populações do Alto Douro se concretize em sintonia de uma larga maioria, senão a totalidade dos seus representantes, neste órgão de soberania.
Por dificuldades de vária ordem, não foi possível a aprovação do projecto de lei do PSD em 16 de Maio passado - único existente nessa data - em conjunto com múltiplos projectos idênticos. Embora lamentando tal facto, continuamos profundamente empenhados na sua concretização, esperando que esta Assembleia, oportunamente, proceda ao seu agendamento.
O Peso da Régua, capital da região que se tornou famosa através do vinho generoso do Douro ou vinho fino e a que o vulgo e os interesses comerciais designam por " vinho do Porto", teve como seu principal impulsionador o Marquês de Pombal quando, em 1757, criou a Companhia dos Vinhos do Alto Douro, factor decisivo no seu desenvolvimento.

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A instalação de vários organismos de apoio à agricultura e definidores da economia regional, entre os quais é de destacar a Casa do Douro, a importância económica dominante e decisiva no desenvolvimento alto-duriense e nacional através dos seus vinhos de inigualável qualidade e valor, a riqueza proveniente dos mais diversos produtos agrícolas, especialmente a fruticultura, produto dos ricos vales das imediações, indústrias de minérios, de subprodutos vínicos e de produção energética, fazem de Peso da Régua, para além da enorme importância económica actual, um dos mais prometedores e decisivos pólos de desenvolvimento regional e nacional, de que o nosso país tanto carece.

De situação geográfica privilegiada, no coração do Alto Douro, no sopé de encostas que, bordejando o rio, sobem em socalcos xistosos dispostos em anfiteatro e recobertos de densos vinhedos, tornando-se ponto turístico do maior interesse com quadros de aliciante beleza e cor, correndo mundo com vistas de São Leonardo de Galafura ou rabelos de velas enfunadas e carregadas do precioso néctar.
Devido ao acidentado dos seus terrenos, desde sempre a falta de meios de transporte adequados ao escoamento dos seus produtos foi determinante no protelamento do seu desenvolvimento mais acelerado.
Foi durante muitos anos, o rio Douro, a saída única para as suas riquezas naturais e meio de locomoção para as suas gentes.

Há cerca de um século, o comboio apareceu como a solução ideal para o problema dos transportes, ainda hoje e apesar da natureza da via única que o serve, é um dos elementos mais importantes na complementaridade dos factores de riqueza e promoção regionais existentes. Mas, a necessidade de se criarem novos e diferenciados meios de locomoção, aliados ao aproveitamento de condições físicas naturais explicam a importância que a navegabilidade do Douro, cujo o projecto está em adiantada fase de execução, virá a ter na globalidade e eficácia das acções que determinarão um decisivo desenvolvimento concordante com os legítimos interesses dos Alto-Dorienses.

As infra-estruturas de apoio à navegabilidade do Douro, nomeadamente o Porto fluvial, aliadas às condições já existentes e que fazem da Régua o mais importante centro económico do sul do distrito de Vila Real, nó rodoviário de acesso da região transmontana ao sul do país, nó ferroviário com grande movimentação de pessoas e bens e,possivelmente, o futuro nó fluvial mais importante de todo o Douro navegável, exigem transformações e alterações estruturais racionalizadas de acordo com os condicionalismos e as expectativas que tal desenvolvimento adivinha.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Actualmente a única ligação rodoviária entre as duas margens do Douro,ligando Peso da Régua à margem esquerda do mesmo rio, é feita através de uma ponte muita estreita, que não possibilita sequer o cruzamento de duas viaturas de porte médio. Esta ponte foi projectada e construída com vista à ligação ferroviária da Régua a Lamego, que não se chegou a concretizar, tendo sido adaptada para o tráfego rodoviário.

A construção do porto fluvial na margem esquerda do rio Douro, em frente à Régua, virá trazer um movimento de tráfego, especialmente provocado pelo transporte de inertes, que poderá exigir uma ligação ferroviária entre a actual estação de caminhos-de-ferro e o futuro porto fluvial.ªActual ponte teria, assim, as condições ideais para dar concretização a este projecto e solucionar os problemas de transporte ferroviário decorrentes da navegabilidade do Douro e que os necessários, profundos e morosos estudos definirão.

A intensidade de tráfego rodoviário que actualmente se dirige da região transmontana e alto-duriense para sul, tem na ponte da Régua o seu estrangulamento principal pelas características já apontadas.
Tal estrangulamento exigirá que, rapidamente, se proceda aos estudos necessários e convenientes no sentido de se dotar Peso da Régua de uma nova ponte rodoviária, com ligação à actual marginal da mesma vila que deverá ser continuada até à saída do Salgueiral dando-se, assim, o escoamento necessário ao tráfego que se dirige, quer para o Porto e litoral norte, quer para Lamego e sul do País.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Citando João de Araújo Correia, insigne escritor, jornalista, médico e antropólogo reguense que à sua terra e às suas gentes dedica muito da sua vasta obra literária:

A Régua é linda. Em dias soalheiros, vista de longe, do alto desses montes que a circundam, à beira da água, faiscante de jóias, é princesa.

Em homenagem a Araújo Correia como expoente máximo da integridade de português e alto-duriense, solicito a esta Assembleia da República que seja atribuída à vila de Peso da Régua a dignidade de cidade. Todas as condições estão criadas, dependendo somente da vontade deste órgão de soberania agendar e aprovar os projectos de lei que lhe darão cabimento.
Para que a futura cidade de Peso da Régua possa contribuir decisivamente para o relançamento económico da região e consequente recuperação do País, há que lhe conceder os meios necessários à tarefa ingente

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tas, além da magna carta da nossa democracia, um documento de raiz humanista largamente expressivo das aspirações políticas, sociais, económicas e culturais do povo português.

Tem sido com base neste entendimento do valor da Constituição que o PS tem registado duas atitudes de sinal contrário, a seu ver igualmente negativas.
De um lado, as interpretações maximalistas, quando não simplesmente panfletárias, a que o PCP nos habituou. Sempre que a Constituição é arvorada em bandeira de luta, reduzida a alibi invocável por tudo e por nada para justificar estratégias de contrapoder, não é apenas o poder instituído que se ataca mas os seus próprios fundamentos democráticos.
No seu exercício de esgrima quotidiano, tomando a Constituição por florete, o Partido Comunista continua a prestar o pior serviço possível ao regime constitucional - querendo fazer da Constituição um património de comunistas, os comunistas contribuem activamente para desgastar esse património nacional que deveria consistir na mais ampla consensualidade e aceitação do regime democrático instituído.

Seríamos ingénuos se admitíssemos que o efeito perverso das campanhas constitucionalistas do PCP não seria um efeito por ele próprio desejado. Não nos haveremos de esquecer que o PCP votou contra a lei de revisão constitucional em 1982, falou a despropósito em golpes à Constituição e caluniou na praça pública tanto a AD como o PS de estarem a subverter a democracia.
Trata-se - importa lembrá-lo aqui e agora - do tempo em que o PS, o PSD e o CDS convergiam para conferir ao sistema político uma democraticidade plena, libertando-o definitivamente da tutela militar, consagrando, em consequência, a plenitude da soberania popular entendida, numa expressão que fez época, como a libertação da sociedade civil!
Incorporar o significado político da revisão constitucional na comemoração do 9.º aniversário da Constituição afigura-se-nos, assim, que representa uma elementar justiça tanto para a maioria dos deputados constituintes como para os que posteriormente se responsabilizaram pela aprovação da lei de revisão.
A dinâmica da vida não se compadece com formulações dogmáticas. A democracia pressupõe mudança e a mudança pressupõe evolução. Nunca o PS esteve contra o sentido positivo das mudanças e a uma evolução autêntica, demonstrável pela razão e confirmável pelos factos, nunca o PS opôs resistência. Ao contrário, tem sido frequentemente por impulso do PS, de acordo com critérios de prudência para impedir roturas ou agitações estéreis, mas na base de uma adesão sem contradições aos valores democráticos e pluralistas, que os factores da modernização têm feito o seu caminho em Portugal.
Onde a defesa das instituições o justificar ou o desenvolvimento económico o exigir, o PS saberá estar atento para protagonizar as mudanças necessárias, designadamente na ordem constitucional.
Importa, porém, ter, em política como na vida, o sentido da medida justa na hora certa. Das revisões da Constituição da República não podem advir os remédios contra a instabilidade política, o curto mandato dos governos, as deficiências da actividade parlamentar. E a vida política tem-se desbaratado, porventura em excesso, em querelas redutoras das potencialidades nacionais às contingências, hesitações e crises dos partidos políticos.

A história das duas dissoluções antecipadas da Assembleia da República, em duas legislaturas consecutivas, é prova bastante do que acabo de dizer.
Perante o desgaste, as perdas de tempo e de energia ditadas por essas crises, mandará o mais elementar sentido da responsabilidade política fazer subordinar cada preocupação ao seu tempo próprio num labor adequado a substituir cada eventual divergência por uma convergência possível. Máxima que me parece poder adequar-se não apenas aos partidos que compõem a maioria mas igualmente às relações entre estes e os partidos da oposição até onde tal objectivo se revelar útil para o interesse nacional.
Suponho que é dando provas de serenidade na acção política e de empenhamento na solução dos problemas concretos que os partidos que se empenharam na revisão constitucional lograrão impor o seu significado último e essencial: o de haver contribuído para que a democracia tenha ganho, definitivamente, a batalha da sua consolidação.
Suponho ainda que a normalidade democrática exige um regime político protagonizado por democratas prestigiados. O recurso a instâncias e agentes estranhos ao foro político, para o exercício da magistratura política, foi, em Portugal, a expressão contraditória e envergonhada de um regime em que os homens do poder a si próprios, por hipocrisia, se negavam a qualidade de homens políticos. Era o tempo em que se exaltavam retoricamente as virtudes do estadista, contrapondo-as aos vícios do parlamentarismo. Sabemos ao que tais concepções nos conduziram: o desprezo pelos parlamentos exprimia idêntico desprezo pela vontade nacional. E os homens de poder, usando-o contra o princípio da soberania, jamais lograram firmar-se nele senão pelo despotismo como método e pela repressão como efeito necessário da respectiva acção política.
Mas quando falo de um regime que o País já condenou no tribunal da história, não ignoro que alguns dos seus mitos e dos seus signos ainda subsistem como resquício cultural e vocação atávica no pensamento - ou na ausência de pensamento - de certas figuras incapazes de aderir tanto aos princípios como às regras do pluralismo democrático.
Elas circulam por aí a prognosticar a decadência do parlamentarismo, figurando, o presidencialismo como solução musculada para os males do País, e exibindo como único referente o apelo a uma tutela nominalista. Dez anos atrás, a crença nas virtualidades do poder pessoal marcou a chamada "evolução na continuidade". A repetição da história tem agora ares de uma farsa cujo título bem poderia ser: "uma evolução em marcha atrás" ou o "retorno à continuidade"! A este apelo de outros tempos tem-se-lhe ouvido até chamar, pomposamente, de ideia renovadora. Quando o pensamento renovador se faz nas catacumbas da história, o menos que se pode dizer é que os seus arautos não passam de fantasmas dela.
Ocorre, todavia, perguntar se a confusão política e a promiscuidade ideológica trazida pelos falsos mitos da renovação não encontram certo incentivo rias omissões de coerência ocorridas, justamente, entre os partidos responsáveis pela maioria de dois terços com que se viabilizou a revisão constitucional.

Quem protagoniza uma solução constitucional inequivocamente assente nos princípios do pluralismo democrático, na normalidade das regras de alternância, na responsabilização do poder civil e da eficiência dos

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governos, fê-lo, em concreto, procurando encontrar uma solução equilibrada quanto à interdependência dos órgãos de soberania, gizando a figura constitucional do Presidente da República de modo a assegurar a regularidade do funcionamento democrático sob qualquer maioria política sem necessidade de subordinar a formação das maiorias parlamentares à vontade política dos presidentes.
Quem assim procedeu e de tal se orgulha, pelo contributo prestado à democracia, não poderá, agora, sem quebra de coerência essencial, protagonizar propostas políticas cuja realização implicaria o intervencionismo presidencialista, o Presidente da República concebido como um chefe de maioria e, por isso, amarrado a uma maioria certa.
Quando, todavia, se assiste ainda à sedução e apelo pela realeza da espada na definição de um perfil presidencial, tem-se a sensação de que nalguma coisa a vida política em 1985 fica a dever às opções políticas consagradas na revisão constitucional de 1982.
Não saberá a democracia gerar os políticos que o País precisa e o País merece? Ou será a vivência democrática uma qualidade ainda não partilhável em toda a extensão dos comportamentos políticos?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Interrogação angustiada!

O Orador: - O PS responde e só pode responder por si próprio.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E mal!

O Orador: - Reafirmando pela Constituição os valores essenciais da liberdade e do pluralismo político e a aspiração dos Portugueses ao progresso e à justiça social, o PS coloca-se em posição de conferir ao futuro imediato a necessária continuidade com o passado próximo. Não atribui ao sistema político a culpa das

Trata-se, igualmente, de não abrir de forma imprudente as portas para a renovação de um clima de paixão política, num momento já saturado dela e, sobretudo, tendo em vista que a abertura de uma fase excepcional de revisão constitucional é impensável sem o estabelecimento de consensos prévios, suficientemente seguros e alargados para fundamentar, com rigor, os pressupostos da revisão.
Tudo somado, o PS exprime uma atitude perante a Constituição definida pelos seguintes princípios:

Fidelidade aos valores da democracia pluripartidária;
Reafirmação do significado político, plenamente civilista, da última revisão constitucional;
Recusa de dogmatismos interpretativos do normativo constitucional;
Pragmatismo na implementação das reformas constitucionalmente propugnadas;
Abertura política, sem precipitações no tempo e na maturação das ideias, às modificações que as realidades demonstrarem adequadas e os consensos revelarem possíveis.

Recusando configurar as dificuldades a uma querela constitucional, o PS tem sabido evitar as bipolarizações que geraram, no passado, ódios e confrontos, divisões e paralisias. Afinal, em face da Constituição, a posição do PS é equivalente ã que mantém perante o País: defender pelo diálogo, pela concertação e pelo compromisso o empenhamento do maior número na solução dos problemas nacionais.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Magalhães pede a palavra para que efeito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é para um protesto em nome da minha bancada, mas gostaria também de pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado

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de lhe dedicar mais, mas estou limitado. Penso, porém, que o PS não deve estar limitado na resposta a uma matéria tão importante a l minuto ou a l minuto mais uma tolerância que assentaria só na generosidade da Mesa. Talvez pudéssemos estabelecer um quadro favorável.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, queira formular o seu protesto e o seu pedido de esclarecimento e depois resolveremos esse ponto.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Jorge Lacão, no dia em que a Constituição celebra o seu aniversário e está viva, V. Ex.ª entendeu vir fazer, do alto da tribuna, um verdadeiro cântico fúnebre com laivos de desespero, o que traduz a situação da sua bancada.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Olhe que não!...

O Orador: - No preciso momento em que o Vice-Primeiro-Ministro Rui Machete se senta à mesa de negociações com o dirigente centrista Lucas Pires, o PS vem fazer um descabelado ataque à Constituição da República e ao PCP como proémio e introdução para um longuíssimo bofetão ao seu parceiro de coligação. É um acto de desespero, mas que sintetiza magnífica e lapidarmente a situação bizarra, anómala, a exigir rápida alteração institucional que o País tem de enfrentar e sofrer.
O PS que se coligou com o PSD para eleger um Presidente e que, feitas as contas aos prazos institucionais, vê as dificuldades com que o seu plano se afronta; o PS que se pôs a rasgar a Constituição, a sentar-se sobre ela, a fazê-la em bocados e a substituí-la por um miserável pacote policial e pidesco, por um pacote anti-autárquico que é uma vergonha nacional, por um pacote antilaboral, incluindo a celerada lei dos despedimentos que é um verdadeiro insulto e que conta com a condenação total de todas as componentes do movimento sindical, quaisquer que sejam; que é autor ou que corrobora num pacote de batota eleitoral verdadeiramente infame que abalaria os pilares do regime democrático; que levou o País a uma situação de degradação total no plano económico e financeiro - como o meu camarada Carlos Carvalhas acabou de exprimir, sintetizando os trabalhos de uma conferência nacional inteira que milimetricamente analisou todas as implicações dramáticas deste aspecto -; que levou o agravamento da dependência externa a tal ponto, que até se chega ao ridículo de um dirigente do PSD vir criticar o patrocínio descarado de certas revistas dos Estados Unidos ao dirigente do PS, Mário Soares (chegou-se a este extremo, o que traduz bem a dependência), vem-nos agora dizer que não é dogmático, que quer uma Constituição aberta, civilista e aproveitou para mimosear o PSD com os mesmos recados com que o conselho nacional do PS o tinha feito.
Este conselho nacional disse, na altura, com mais felicidade porque o fez fora da Assembleia, que «reprovava a demagogia dos que incrustados na máquina estatista da administração e das empresas públicas, onde prefigura uma meta política conservadora e burocrática de manutenção de privilégios, pretendam inculcar, sem êxito, na opinião pública a ideia de que o PS é uma força que deseja perpetuar o imobilismo».
O Sr. Deputado Jorge Lacão subiu àquela tribuna para dizer que não é imobilista, arrolando a seu favor as seguintes provas de imobilismo: o PS não é imobilista porque quer agarrar na Constituição económica e pisá-la, espezinhá-la, substituí-la pura e simplesmente pela constituição dos monopólios, dando alguns retoques como os propostos pelo Sr. Santos Silva, com quem o Dr. Mário Soares almoça periodicamente com os resultados que se sabem.
O PS quer substituir a Constituição no aspecto dos direitos laborais por outra puramente esclavagista, que consagra a redução dos direitos dos trabalhadores, e quer substituir a Constituição em relação aos aspectos eleitorais por outra de batota eleitoral, que, destruindo o regime proporcional, permita a uma minoria, que tem claramente contra si o País, perpetuar-se, safar-se rasteiramente. Isto é uma vergonha!
Pergunto ao Sr. Deputado Jorge Lacão o que é que isto tem a ver com o antidogmatismo, o que é que esta política de cedência estulta e sem princípios tem a ver com qualquer visão moderna, aberta, progressiva, democrática e justa a que se referiu em palavras sem o mínimo sustento e cabedal?

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Ao que suponho, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, mais do que para pedir esclarecimentos, queria fazer uma reflexão - aliás, foi em termos de uma perspectiva de reflexão que o Sr. Deputado Jorge Lacão aqui fez a sua intervenção.
Dividirei esta reflexão em três pontos: a Constituição em geral, o problema do Presidente da República e a questão da CEE, questões que de algum modo estão intimamente ligadas umas às outras.
Quanto à revisão da Constituição, o Partido Socialista, como aliás é tradicional, coloca-se, mais uma vez, nesta questão simples e cómoda: «O PCP não quer revisão nenhuma; há uns partidos políticos que geograficamente estão à direita do Partido Socialista que querem a revisão; de maneira que o PS é que significa o equilíbrio.» É uma posição cómoda e simples que permite ir aguentando e dizendo sempre «não» a qualquer revisão da Constituição.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - É a grande patente da estabilidade!

O Orador: - Exacto, a estabilidade na manutenção. Quando a manutenção está em crise, ela agrava-se a aprofunda-se e os Portugueses cada vez vivem pior.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - Deduzo e concluo daquilo que disse que o Sr. Deputado e o seu partido, em nome de quem falou, acham que no essencial isto tudo está bem. Acham que no essencial não há problemas, a Constituição que temos serve perfeitamente. Dizem que a Constituição serve e não é por causa dela que há instabilidade política ou governativa; a instabilidade ou a falta de estabilidade governativa e política resultam das tricas e das querelas partidárias, dos interesses mesquinhos, etc.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Apoiado! Apoiado!

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O Orador: - Ora bem, não é nada disso; a questão é de fundo. Simplesmente, ao Partido Socialista não lhe convém reconhecer que quer em termos do sistema eleitoral quanto ao esquema que permite a eleição dos deputados, quer quanto ao que respeita à formação de maiorias para governar, a Constituição tem, em si mesma, incitas as raízes da instabilidade governativa.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Não apoiado!

O Orador: - Isto é evidente.
Por outro lado, também se proeurou dizer que a Constituição não provoca problemas de maior, o PS até não é contra a revisão da Constituição, desde que seja fundamentado em que condições é que essa revisão deve fazer-se e desde que esteja demonstrado que ela tem de fazer-se.
Ora bem, isto implica dizer que está tudo bem. Penso que o PS já devia ter concluído que a Constituição em vigor precisa de algumas profundas alterações)
Devo dizer que o PSD não tem a Constituição como limite, nem no sentido de a mudar nem no sentido de a não mudar. Dai que o PSD, sabendo que o PS não queria a revisão da Constituição, se tenha prestado a procurar colaborar na resolução possível dos problemas do País. Para nós isso não é limite nem razão para fugir às nossas responsabilidades. O que é facto é que sempre dissemos, tanto na alutura em que a Constituição foi aprovada, como aquando da primeira revisão da Constituição, em 1980, que era preciso ir mais longe e mantemos integralmente essa posição.
Mais complexa, mais profunda e, na minha opinião, mais grave é a reflexão feita sobre a questão presidencial. O Sr. Deputado disse, de uma forma expressa, que recusa que seja necessário recorrer a quem não é político para exercer cargos de magistratura política. Creio que foi essa a expressão que usou, Penso que podia ter substituído essa expressão se dissesse isto: 0 PS acha que candidatos independentes e, eventualmente, militares não servem para desempenhar o cargo de Presidente da República

numa posição de colonização económica e, pior do que isso, sermos apenas um interposto comercial de alguns outros países.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - O que estava em causa, desde há 7 anos, era mudar profundamente as estruturas económicas do País para que agora - e, durante os próximos 7 anos, iremos progressivamente abrindo as nossas fronteiras aos países nossos parceiros no Mercado Comum - estivéssemos em condições de essa adesão se fazer naturalmente, sempre com alguns riscos, mas com riscos calculados que não prejudicassem nem pusessem em causa o essencial.
Como isso não se fez, então agora, mais do que nunca - e nos 7 anos que faltam é preciso acelarar esse processo de uma forma muito rápida e urgente -, é necessário realizar profundas mudanças nas nossas estruturas administrativa, económica, judicial, regional, em toda esta estrutura anquilosada que o País tem e que até hoje não foi possível mudar, para que, rapidamente, possamos pôr-nos de par e a par com esses países que produzem mais, melhor e mais barato e que nos podem criar sérios problemas.
Dai que a nossa posição seja esta: sim à adesão ao Mercado Comum. Congratulamo-nos com ela, mas, obviamente, é uma congratulação responsável, no sentido de que é preciso impedir prejuízos para a sociedade e para o povo português.
Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que dispõe de 6 minutos, ainda que por concessão da Mesa, porque estou convencido de que nenhum dos representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares levantará qual

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O Orador: - O Sr. Deputado José Magalhães disse que a minha intervenção significa um ataque descabelado à Constituição.

O Sr. José Magalhães (PCP): - No mínimo!

O Orador: - Bom, penso que este tipo de expressões é a prova evidente da acusação que fiz de que o Partido Comunista tem a pretensão de fazer a tutela ideológica da Constituição. Se o Partido Comunista não tivesse essa pretensão, não se permitiria falar,de cátedra sobre a melhor forma de interpretar os dispositivos constitucionais.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A Constituição não é monopólio do Partido Comunista; a Constituição é monopólio das forças democráticas portuguesas. Dá-se até a circunstância curiosa de a revisão constitucional ter sido feita expressamente contra a vontade do Partido Comunista!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Com a vossa cedência!

O Orador: - Depois de o Sr. Deputado ter configurado um conjunto de impropérios, a sua pergunta terminou por ser a seguinte: o que é que isto tem a ver com o antidogmatismo? Sr. Deputado José Magalhães, o que o senhor disse não tem nada a ver com o antidogmatismo, porque é a expressão perfeita do dogmatismo. Esse é o mal do Partido Comunista. É que o Partido Comunista tem pressupostos ideológicos fechados dos quais não se sabe libertar e pretende amarrar aos seus pressupostos forças políticas que nada têm a ver com eles.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - O Problema é que o Partido Comunista está desenquadrado do seu tempo, está desenquadrado da história do seu tempo e, por isso mesmo, está desenquadrado das realidades nacionais.

Aplausos do PS.

Quando o Partido Socialista afirma, quanto à Constituição como quanto às pessoas de atitudes políticas, que a sua preocupação é a de procurar manter e defender a máxima convergência possível para a solução dos problemas nacionais, há certos aspectos que para o PS já não representam ilusão: um desses aspectos é o de que para obter convergência para os problemas nacionais, infelizmente, não pode contar com as atitudes do Partido Comunista. Isto porque as atitudes do Partido Comunista são sistematicamente de contrapoder...

Protestos do PCP.

... , o contrapoder sistemático ou o contrapoder isolado, um contrapoder que, definitivamente, o coloca à margem de qualquer solução construtiva dos problemas do País.

Protestos do PCP.,

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É por isso que o PCP também na Constituição, infelizmente, não foi capaz de acompanhar a passada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E muito bem!

O Orador: - E essa passada representa ter uma atitude aberta que acompanhe a evolução da nossa vida económica e da nossa vida política, no sentido da consagração de uma democracia plenamente pluralista. Essa tem sido a posição do Partido Socialista.
O que eu disse da tribuna foi que continuamos a ser inteiramente fiéis ao espírito da revisão constitucional que protagonizámos. E o espírito da revisão constitucional que protagonizámos é a defesa de uma democracia maior e emancipada, que não precise das tutelas, riem de forças estranhas ao quadro democrático, nem da tutela do Partido Comunista.
Penso que para os senhores a resposta está dada.

Aplausos do PS e protestos do PCP.

Quanto às questões que o Sr. Deputado José Vitorino me colocou, penso que na reflexão que fiz - foi assim que o Sr. Deputado José Vitorino classificou a minha intervenção - procurei, antes de mais, se me permite a expressão, fazer uma reflexão pedagógica.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - E necessária!

O Orador: - O que é essencial em política é ter o sentido da coerência e das medidas que se vão tomando ao longo do tempo.
Quando na revisão constitucional o Partido Socialista se empenhou com o Partido Social-Democrata e o CDS em criar os pressupostos constitucionais de uma democracia plenamente civilista é porque estava perfeitamente confiante que devia ser do interior dessa expressão pluripartidária e dessa expressão civilista do funcionamento normal das nossas instituições que deviam realçar os quadros políticos e os dirigentes políticos com efectiva capacidade de representar as diversas magistraturas nacionais.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O que é estranho é que uma democracia que se queira afirmar como plenamente civilista tenha de recorrer a elementos estranhos a essa magistratura civilista para a vir defender. Aqui, a contradição se não é constitucional, Sr. Deputado José Vitorino, é pelo menos uma contradição política.
O que preocupa o Partido Socialista é o facto de , tendo ele cooperado para que a democracia tenha, de facto, uma emancipação plena e possa ter uma normalidade efectiva, haver certos pessoas que entendam que não são os políticos aquelas entidades que mais à altura estariam de lhe dar essa plena dimensão. Não é esse o nosso ponto de vista e daí o termos tomado as posições que são, conhecidas.
O Sr. Deputado José Vitorino avança no sentido de dizer que o Partido Socialista se considera a si próprio, digamos, como que uma referência de equilíbrio na sociedade portuguesa. Ao referir isto, creio que reconheceu uma evidência, Sr. Deputado José Vitorino: efectivamente, o Partido Socialista considera-se a si próprio

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uma referência de equilíbrio e de estabilidade na sociedade portuguesa. E isso não é de hoje, tem sido esse o comportamento permanente do Partido Socialista. Quando na oposição, nunca o Partido Socialista ultrapassou o quadro normal e efectivo da sua actividade como partido da oposição para, por essa forma, ajudar a dignificar as instituições democráticas e, quando no Poder, nunca o Partido Socialista deixou de procurar protagonizar as soluções o mais consensualmente possível.
Quando, sobre a revisão constitucional, dizemos que seria um erro histórico e, porventura, no actual contexto político, uma verdadeira precipitação abrir a revisão constitucional sem cuidar de, previamente, definir qual a ampla consensualidade e qual a convergência nessa consensualidade dos partidos que estão em condições de protagonizar uma revisão constitucional, o Partido Socialista não está a pôr-se de fora de uma hipótese de revisão constitucional, o que o Partido Socialista está a dizer é que não corre atrás dos foguetes que outros atiram só para provar que existem.
O que se passa, Sr. Deputado José Vitorino, é que, na hora que passa, perdemos de vista quais são os reais interesses nacionais para passarmos a vida a fazer um simples discurso ideológico em torno da Constituição, quando os problemas do País não se resolvem na querela ideológica mas na atitude concreta e na governação efectiva.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Para isso tem de haver estabilidade política.

Aplausos do PS.

Num ano em que estão previstas duas eleições...

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ou três?!

O Orador: - ..., num ano em que o quadro político é já de si agitado pela paixão que decorre dessas duas eleições, Sr. Deputado José Vitorino, penso que é uma atitude de prudência política salvaguardar esse quadro de estabilidade, justamente para atacar no concreto os efectivos problemas nacionais.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer um protesto.

O Sr. Presidente: - Como V. Ex.ª sabe, ao abrigo do n.° 3 do artigo 90.° do Regimento, não é possível fazer protestos em relação a pedidos de esclarecimento e consequentes respostas.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito pretende usar da palavra, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, eu estava inscrito antecipadamente, em nome da minha bancada, para exprimir a nossa posição protestatária em relação à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão.
Na altura não me foi concedida a palavra, creio, no entanto, que ela me deve ser concedida.

O Sr. Presidente: - Penso que não, Sr. Deputado, porque V. Ex.ª já usou da palavra.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, penso que o meu camarada de bancada José Magalhães colocou bem a questão. Ele pediu a palavra a V. Ex.ª tendo em vista dois objectivos: primeiro, pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Lacão, o que já fez; segundo, manifestar a intenção de produzir, em nome da bancada do PCP, um protesto em relação à declaração política proferida pelo Sr. Deputado Jorge Lacão. Cumprido está o primeiro pedido de palavra, falta agora ser-lhe dada a palavra para poder protestar em relação à intervenção do Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Presidente: - Eu tinha entendido que o Sr. Deputado José Magalhães na vez de um protesto, o tinha substituído por um pedido de esclarecimento.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Não, não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Quero aceitar que assim não tenha sido e que a Mesa entendeu mal.
Tem então a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para protestar, o que aliás deveria ter sido precedente ao pedido de esclarecimento.
V. Ex.ª vai desculpar, mas gostaria de convidar os elementos que integram a Comissão sobre os baldios para se deslocarem à sala respectiva a fim de procederem ao acto de posse e designação dos respectivos presidente e mesa.
Peço também a S. Ex.ª o Sr. Vice-Presidente, José Vitoriano, o favor de me substituir.
Depois do protesto e eventualmente do contraprotesto, ao qual a Mesa, certamente, não vai opor-se, para que o Sr. Deputado Jorge Lacão o possa formular, terá a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Jorge Gois.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Para protestar, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que o discurso apaixonado do Sr. Deputado Jorge Lacão - e não me pronuncio sobre as respostas - vem confirmar que para os membros do comité eleitoral do Dr. Mário Soares a Constituição não passa de uma moeda de troca a negociar, a agenciar, a leiloar, consoante aquilo que for conveniente. Verdadeiramente, a única Constituição que têm é o próprio Mário Soares!...

Protestos do PS.

Para nós não é assim e para os Portugueses não pode ser assim, nem isto é maneira de encarar a questão da

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lei fundamental de um país inteiro, lei essa que existe, e há-de existir sempre, com o Dr. Mário Soares.
Creio que o Sr. Deputado Jorge Lacão não podia, por isso, perceber a acusação fundamental que deduzimos e que é dupla: nós não acusamos o PS só de querer formalmente rasgar a Constituição; acusamos o PS de cometer o papel sinistro na história portuguesa recente de violar, de facto, a Constituição e aceitar toda a espécie de entorses - vide, a sinistra Lei de Delimitação dos Sectores, por exemplo - e se preparar para a revisão formal da Constituição, estando disposto a toda a espécie de negociatas para a sua alteração.
Dizem-me: «Mas isto é imobilismo, o PCP é imobilista.» Sr. Deputado Jorge Lacão, devo dizer-lhe que somos. Em tudo o que diga respeito à defesa do regime democrático, à manutenção dos seus traços essenciais, à diferença em relação a um passado que não queremos outra vez, somos absoluta, total, e integralmente imobilistas. Não queremos o Sr. Santos Silva!...

Aplausos do PCP.

O Sr. Deputado Jorge Lacão diz-nos afinal, com o ar que lembra inequivocamente outra figura, o seguinte: mas o verdadeiro partido é aquele que está disposto a rever as suas posições, o verdadeiro partido democrático é aquele que num dia diz: «Viva as nacionalizações» e anos depois, numa almoçarada, vem dizer: «Ah, o ano fatídico de 1975!» Isso é que é o verdadeiro partido. Eu digo: isso será um partido, mas não é princípio nenhum; isto é uma verdadeira choldra, como a história portuguesa prova.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que é que o PS quer? O PS - ficou o País a saber - quer um país que não precisa de tutela, mas precisa de PIDE...

Protestos do PS.

...; o PS não quer um país tutelado, mas quer um país cheio de serviços de informação; o PS quer um país livre, mas quer um país com um serviço de informações e com uma lei de segurança interna; o PS quer a defesa da expressão e da liberdade cultural e quer a PIDE atrás da porta, «porrada» na oposição...
Protestos do Sr. Deputado Igrejas Caeiro do PS. ... e os demais desmandos...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, peco-lhe o favor de concluir.

O Orador: - Com certeza, Sr. Presidente.
Finalmente, o PS bem queria que hoje não estivesse no Caldas uma delegação do PSD com o CDS mas, porventura, uma delegação do PSD com o PS para negociar a candidatura presidencial do Dr. Mário Soares. É isso que lhe dói, é isso que o desespera, é isso que o põe nesse estado descabelado.

Protestos do PS.

Se isto é um verdadeiro partido, eu digo: é uma verdadeira vergonha!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Conforme já foi dito pelo Sr. Presidente Fernando Amaral, o Sr. Deputado Jorge Lacão tem a palavra para contraprotestar.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, confesso que pensava realmente usar da palavra para fazer um contraprotesto mas, para que fique registado no Diário da Assembleia da República, quero usar da palavra para exercer o direito de defesa da minha bancada.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, o Sr. Deputado renuncia ao contraprotesto, preferindo, antes, usar da figura de direito de defesa, não é assim?

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Nesta circunstância, sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, diria que com esta intervenção demonstra não ter muitas maneiras próprias. A verdade é que a questão é outra, Sr. Deputado José Magalhães. Quando se diz a um partido que tem 90 deputados na bancada que é uma verdadeira choldra faz-se, não apenas uma agressão aos deputados desta bancada mas à parte significativa do eleitorado que votou nos 90 deputados que estão nesta bancada, Sr. Deputado José Magalhães.
Aplausos do PS e do PSD e protestos do PCP.

O Sr. José Magalhães (PCP): É que vocês não souberam respeitar!

O Orador: - Quando se diz ao Partido Socialista - cujos deputados, e alguns deles estão sentados nesta bancada, fizeram a verdadeira resistência contra a ditadura - que é um partido que protagoniza serviços de informação da PIDE...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É verdade!

O Orador: - ..., o Sr. Deputado perdeu a cabeça, o Sr. Deputado não sabe em que país está, o Sr. Deputado confunde completamente as regras do jogo, porque essas são as regras do seu jogo mas nunca serão as regras do jogo do Partido Socialista.

Aplausos do PS e do PSD.

Finalmente, Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer-lhe que o Partido Socialista não faz da Constituição moeda de troca, nem por nada nem por ninguém. A não ser por uma razão essencial: o Partido Socialista não tem uma visão fechada da Constituição porque tem uma visão aberta do interesse nacional, coisa que os senhores não têm.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para dar explicações.

Vozes do PS: - Não pode!

O Sr. Presidente: - É regimental, Srs. Deputados.

O Sr. Deputado Jorge Lacão renunciou ao protesto, declarando que pedia a palavra para usar da figura

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regimental do direito de defesa. Nessas circunstâncias, o Sr. Deputado José Magalhães tem o direito de usar da palavra para dar explicações.
Se o Sr. Deputado Jorge Lacão tivesse feito um contraprotesto, já o Sr. Deputado José Magalhães não teria direito a usar da palavra. Isso vem no Regimento e não fui eu que o fiz.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito sucintamente, darei a seguinte explicação: eu esperava que o Sr. Deputado Jorge Lacão tivesse o cuidado e o pudor de não aludir aos eleitores do Partido Socialista ou de qualquer outro partido nas últimas eleições.

Uma voz do PS: - Você insultou-os!

O Orador: - Isto porque qualifiquei estritamente a conduta daqueles que dirigem o PS e que o vêm conduzindo à política que tem a expressão no discurso desesperado do Sr. Deputado Jorge Lacão e no comunicado do conselho nacional «bordoando» o PSD, com o qual está coligado, coisa que não anunciou aos eleitores. Consideramos que isto defrauda profundamente os eleitores do PS e eles, certamente, na altura própria, manifestar-se-ão nas próximas eleições.

Protestos do PS.

Aliás, não é por acaso que isto incomoda tão profundamente os Srs. Deputados porque sabem que, nas próximas eleições, serão certamente menos, e bastante menos, e ver-se-á em que condições.

Protestos do PS.

Portanto, e em síntese, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a choldra, repito, a choldra são as actuações, a choldra são os métodos verdadeiramente repugnantes. É concebível esta situação de promiscuidade ridícula em que o principal dirigente do PSD está sentado com o principal dirigente do CDS, enquanto o Sr. Deputado Jorge Lacão faz discurso de «marido enganado» na Assembleia da República?

Risos do PCP.

Isto é concebível? As instituições portuguesas, que já passaram por tantas peripécias, ainda tinham de passar por esta vergonhaça qualificada?
Finalmente, o Sr. Deputado Jorge Lacão fala como se fosse grávido da Constituição e proprietário da dita. Ora, sucede que a Constituição é do País, não é um bem do Partido Socialista. O Partido Socialista pode leiloar, à vontade, o seu programa, pode ter lá escrito «Marx» e praticar «Santos Silva», pode lá ter escrito «Marx» e praticar «Belmiro de Azevedo» e tutu quanti, pode reunir, almoçar, jantar e o mais com quem entender - e tem-se visto o que é que isso dá -, agora não pode arrogar-se o poder de proprietário da Constituição que aliena ou de que dá partes ao capital privado, como entender. A Constituição não são as EP; a Constituição pertence verdadeiramente aos Portugueses e são os Portugueses que sobre ela hão-de dizer sempre a palavra adequada.
É esta a explicação que é devida para que não se confunda aquilo que é uma preocupação profunda com o regime democrático e uma crítica veemente a uma
direcção partidária que perdeu completamente a cabeça e que está completamente fora do País com uma agressão, que, obviamente, nunca faríamos àqueles que «enganadisssimamente» votaram naqueles que no PS estão hoje a fazer o que estão a fazer, e isso é verdadeiramente vergonhoso.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Jorge Gois.

O Sr. Jorge Gois (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nove anos volvidos sobre a data da aprovação da Constituição de 1976, como ainda recentemente relembrou, com toda a sua autoridade moral, o professor Adriano Moreira, é cada vez mais evidente que o País se não reconhece no texto fundamental e que a questão da revisão constitucional continua, assim, claramente na ordem do dia.
Com efeito, para lá das posições de inúmeras personalidades e de diferentes sectores da opinião pública, a consciência da necessidade da revisão constitucional parece ter-se mesmo alargado aos próprios órgãos do Estado e aos partidos da maioria, onde se questiona apenas a melhor oportunidade, mas onde já ninguém acredita com verdadeira convicção na Constituição económica e social em vigor.
Mas que argumentos de mera oportunidade se podem sobrepor à evidência de uma situação progressivamente apodrecida?
Nove anos volvidos, o sistema económico e social consagrado constitucionalmente, após ter sido construído no domínio dos factos, ao abrigo do mero princípio revolucionário, pelo Partido Comunista e vanguardas militares, esgotou-se e demonstrou à evidência a sua inviabilidade.
Os seus resultados estão à vista, e têm de ser claramente denunciados: a degradação das condições de vida dos Portugueses, sobretudo dos sectores mais desfavorecidos, que, aliás, se vai acentuando à medida que baixa o poder de compra dos salários; a progressiva desvalorização da nossa moeda; uma acentuada e progressiva quebra no investimento; o alargamento da figura dos contratos a prazo; o aumento para níveis incomportáveis e socialmente escandalosos dos índices de desemprego; o galopar do défice público, tanto no sector público administrativo como no sector empresarial do Estado, com o consequente aumento da inflação e proletarização progressiva das classes médias; o consequente aumento, em termos brutais, da carga fiscal; o aumento das falências e o surgir desse fenómeno novo na sociedade portuguesa que são os salários em atraso; um endividamento externo crescente, o que inviabiliza já o futuro das novas gerações portuguesas, que têm cada vez mais razões para se questionarem sobre qual vai ser o País que lhes vai ser legado.
Hoje, em Portugal, o que está em causa não é já tanto o Governo; o que está claramente em causa é o sistema económico e social vigente, e essa alteração requer, em primeiro lugar, que se proceda à revisão da Constituição.
É certo que há vozes - acabámos de ouvir algumas - que, concordando com a necessidade de alterar o sistema, proclamam que tal objectivo é possível à luz da actual Constituição económica.
É nessa linha que se insere a relativa abertura à banca privada, a falada lei das rendas, a eventual lei

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da Reforma Agrária, a falada alteração da legislação laborai, a proposta abertura das empresas públicas ao capital privado...
Mas o que nós dizemos é que, aí, nesses esforços que são meritórios, não há uma nova lógica, mas meras reformas pontuais dentro do actual sistema económico e social. Com tudo isso não se constrói uma economia em novos moldes; antes se introduzem medidas correctivas, porventura em função de meras necessidades pré--eleitorais, sem que se ponha em causa o essencial de um sistema manifestamente inviável, porventura aumentando até a sua distorção e contradições internas, e semi que se reconstitua a confiança e a esperança dos Portugueses.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - É que, para nós, o problema reside em construir toda uma nova lógica; em ultrapassar a desconfiança, que a própria Constituição espelha, perante os cidadãos, as suas instituições e a sociedade em geral, e reconhecer a sua total maioridade; em construir uma economia assente na liberdade dos cidadãos, no espírito de empresa, na capacidade de inovação e de risco, na eficácia do mercado e da livre iniciativa.
A revolução pretendeu confundir a democracia e o socialismo, e a Constituição económica e social persiste em consagrar esta visão.
Mas o que é um facto é que a democracia não pode ter por limite o socialismo, e que é cada vez mais em nome da democracia que urge pôr em causa o socialismo obrigatório que a Constituição consagra.
Para lá da pretensão dos legisladores constituintes e da rigidez que deliberadamente imprimiram ao texto constitucional, a história tem as suas leis próprias, e não parou, não pode parar, face ao espartilho que se pretendeu construir.
Mas o que é certo é que a falta de correspondência entre as normas constitucionais e as realidades económicas e sociais se tem traduzido, por um lado, e cada vez mais, na produção de um verdadeiro País paralelo, e, por outro, na criação de um estado de coisas onde não há lugar para o desenvolvimento e o progresso.
Ora, é também em nome das necessidades do futuro que importa alterar a Constituição económica e social, num mundo em que cada vez mais se coloca o problema da nova revolução industrial e tecnológica e em que, também nesse domínio, o exemplo e a experiência dos países mais avançados demonstra claramente que não será o socialismo a protagonizar esse novo desafio.
Começa a não haver tempo para se persistir nos mesmos erros. Também já não há tempo para desperdiçar em meros «remendos de fachada», e a situação a que o País já chegou não se compadece com mais prolongamentos da crise ou com o desenvolvimento de novas formas e expressões dessa mesma crise; antes exige uma nova ideia, mais liberdade, uma outra lógica. É em nome de tudo isso, e para potenciar isso, que o CDS volta a propor à Assembleia da República que assuma poderes extraordinários de revisão constitucional.
No fundo, também para completar a anterior revisão, que foi essencialmente política, mantendo todavia quase que intocada a Constituição económica e social original.
Completar a revisão constitucional de 1982, assegurando o necessário equilíbrio funcional entre a Constituição económica e a política, é outro sentido desta iniciativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabemos que contra esta iniciativa se irá esgrimir, fundamentalmente, com argumentos centrados na sua pretensa inoportunidade.
A esses gostaríamos apenas de referir três questões.
Em primeiro lugar, de relembrar que a inviabilidade do sistema económico e social vigente, que também já reconhecem, e, mais do que isso, os custos daí decorrentes para o País fazem com que tal argumento perca qualquer peso e sentido. Ou será que é necessário alongar e, até, agravar a crise para que seja possível atacar a fundo, e de vez, os factores que a provocam e explicam?
Em segundo lugar, parece que a própria conclusão do processo negocial de integração oferece uma razão acrescida para a necessidade da revisão da Constituição social e económica.
Haverá melhor oportunidade para procedermos à alteração da Constituição económica e social do que no momento em que já é certa a integração na CEE e em que, a não o fazermos, serão os mecanismos da adesão a provocar a revisão de facto da nossa Constituição económica em termos que serão então de clara e inaceitável dependência?
Finalmente, e contra ainda o argumento da inoportunidade, além de acrescentar a utilidade e operacionalidade das eleições que se seguirão, a assunção pela Assembleia da República de poderes de revisão constitucional permitiria diferir as eleições legislativas para depois das presidenciais. É certo que o Governo está completamente paralisado, sem vontade política e sem qualquer projecto. Mas se a Assembleia assumisse agora poderes constituintes tal significaria que até às eleições presidenciais seria possível uma nova ofensiva, um novo élan das forças democráticas para conduzir o País à plenitude da vida democrática e que a Assembleia já não ofereceria motivos para ser dissolvida.
O que, no fundo, corresponde a um desafio aos partidos da maioria para assumirem cabalmente um combate para derrotar de vez o Partido Comunista e enfrentar os seus aliados potenciais do partido eanista. Porque proceder à revisão da Constituição económica e social, mais de que uma mera e tradicional atitude de «resistir» ao PCP, é pôr em causa o seu poder, é contrariar totalmente a lógica das «conquistas irreversíveis», é dar a resposta plenamente democrática à sua obra institucional erguida e mantida desde o 11 de Março.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há 9 anos, ao proferir a declaração de voto sobre o texto global da Constituição, o então deputado do CDS Dr. Victor Sá Machado teve ocasião de afirmar:

Vamos não ter medo das palavras: a nossa! Constituição é paternalista. Será o paternalismo de uma geração conjuntural aquela que, justamente em Abril de 1975, elegeu a Assembleia Constituinte. Por isso mesmo será o paternalismo não genuinamente revolucionário de uma geração conjuntural sobre outras gerações conjunturais, de um eleitorado temporalmente marcado sobre outros eleitorados historicamente definidos. E a verdade é que o povo, ao ficar juridicamente prisioneiro de um dado momento da sua história, corre o risco de se ver parcialmente alienado da sua própria só-

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berania sobre o futuro e sobre o futuro da sua própria história.
É em nome dessa mesma perspectiva, e com a legitimidade de quem já em 1976 afirmou tais princípios, que o CDS volta a colocar a esta Assembleia a questão da necessidade de se rever a Constituição económica e social vigente.
Pela ambição de um futuro livre, seguro e moderno para o nosso País, para o nosso Povo e para as novas gerações de Portugal.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, terminámos o período de antes da ordem do dia.

ORDEM DO DIA

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que as condições de funcionamento da Assembleia da República, particularmente na manhã de hoje, não têm sido as melhores. Até ao momento não quisemos levantar o problema, mas penso que, apesar do abaixamento de quorum que foi inscrito no novo Regimento, a Assembleia não reúne as mínimas condições - creio que neste momento não há sequer 50 Srs. Deputados na Sala - para que os trabalhos possam decorrer com o mínimo de dignidade que este órgão de soberania requer.
É neste sentido que pergunto à Mesa se há, pelo menos, quórum de funcionamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, há quorum de funcionamento, uma vez que estão presentes mais de 50 Srs. Deputados.
A primeira parte da ordem do dia inicia-se com os recursos apresentados pelo PCP e pelo MDP/CDE sobre a admissibilidade do projecto de lei n.° 460/III, que condiciona a fixação de publicidade ou propaganda, bem como a realização de inscrições ou de pinturas murais.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre os referidos recursos.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Srs. Deputados, é do seguinte teor o citado parecer:

Parecer sobre os recursos de admissibilidade do projecto de lei n.° 460/III, que condiciona a afixação de publicidade ou de propaganda, bem como a realização de inscrições ou de pinturas murais.

1 - O MDP/CDE e o PCP interpuseram recurso da admissibilidade do projecto de lei em epígrafe, invocando a violação de diversos preceitos da Constituição da República Portuguesa.
2 - O MDP/CDE invoca a violação dos artigos 18.° e 37.° da lei fundamental, e o PCP aponta, para além da violação dos já citados artigos, ainda a dos artigos 10.°, 48.°, 51.° e 57.° da Constituição da República.
3 - Quer o preâmbulo quer o articulado do projecto de lei n.° 460/III evidenciam a preocupação do autor do diploma em regulamentar o direito fundamental previsto no artigo 37.° da Constituição da República, «definindo o estatuto autárquico e compatibilizando a vivência simultânea de direitos tendencialmente em colisão», não se considerando que vise a violação de disposições constitucionais relativas à participação dos cidadãos na vida pública, à liberdade de associação e à função dos partidos políticos na organização e na expressão da vontade popular, bem como aos direitos das associações sindicais, mas tão-somente impedir que se deteriore ou degrade fachadas ou suportes diversos.
4 - Admitindo, só para discussão, que o projecto de lei em apreço restringe a liberdade de ex-pressão e informação prevista no artigo 37.° da Constituição, tal restrição, desde que se limite ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (nomeadamente os direitos contemplados nos artigos 62.°, 66.° e 78.° da Constituição política) é permitida. Acresce que, se a lei revestir carácter geral e abstracto, não tiver efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e alcance do conteúdo essencial do preceito constitucional referido, não se coloca a questão da desconformidade com o artigo 18.° citado. Mesmo em caso de colisão eventual de direitos de natureza análoga, a sua restrição é constitucionalmente possível se se contiver nos termos referidos.
5 - A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias considera, nos termos e para os efeitos do artigo 134.° do Regimento, que o projecto de lei n.° 460/III não está ferido de inconstitucionalidade impeditiva da sua admissão, pelo que devem improceder os recursos interpostos pelo MDP/CDE e pelo PCP.

Palácio de São Bento, 1 de Abril de 1985. - O Relator, Licínio Moreira da Silva.

O Presidentde da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias em exercício, António Cândido Miranda Macedo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora na agenda de trabalhos esteja indicado em primeiro lugar o recurso do PCP, a verdade é que o primeiro recurso é o do MDP/CDE, pelo que darei primeiro a palavra a este grupo parlamentar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE não podia deixar de impugnar a admissão do projecto de lei n.° 460/III, do PSD, visto que, com os objectivos enunciados de condicionar, indistintamente, a publicidade e a propaganda e as inscrições e pinturas murais, ele visa, na realidade, estrangular a liberdade de expressão do pensamento.
Logo ao meter no mesmo saco a publicidade e a propaganda, o projecto em causa começa a evidenciar quais são os seus reais objectivos.
E ao revogar, no artigo 9.°, o Decreto-Lei n.° 637/76, de 29 de Julho, acaba, indirectamente, por tornar claro que ele não vem, afinal, preencher uma lacuna legislativa.

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De resto, tanto este Decreto-Lei n.° 637/76, como a Lei n.° 14/79, de 16 de Maio, asseguravam já a protecção de monumentos nacionais, edifícios religiosos e outros, proibindo que neles fossem afixados cartazes ou feitas inscrições.
O objectivo deste projecto de lei é, na realidade, asfixiar o direito de expressão do pensamento. O que implica não só a violação do artigo 37.° da Constituição, mas de todas as numerosas disposições constitucionais que definem o próprio quadro do regime democrático, desde o artigo 18.°, que estabelece a força jurídica dos preceitos respeitantes às liberdades, até ao artigo 10.°, que comina o estatuto essencial dos partidos políticos, e aos artigos 51.° e 56. °, que garantem a liberdade sindical.
Contudo, a maioria dos Srs. Deputados presentes na Comissão de Assuntos Constitucionais, optando mais pelo silêncio como resposta às razões e fundamentos expendidos pelos recorrentes, acabaria por votar o parecer que hoje está em apreço, sustentando, contra a própria evidência, que o projecto de lei, com a assinatura singular do Sr. Deputado António Capucho, não infringiria a Constituição.
O projecto de lei n.° 460/III vem tornar dependente de prévio licenciamento pelas câmaras municipais a afixação da propaganda em lugares públicos e restringir a realização de inscrições ou pinturas murais aos espaços escolhidos pelas câmaras.
Tal licenciamento prévio será emitido no prazo de 15 dias e deveria ser precedido de parecer favorável das mais variadas entidades, desde a Junta Autónoma das Estradas até à Direcção-Geral de Turismo.
Ora, se a Constituição garante, no artigo 37.°, que todos têm o direito de exprimir livremente o seu pensamento e que o exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer forma de censura, salta à vista que o projecto do Sr. Deputado Capucho representa a mais clara violação destas disposições constitucionais.
De resto, isto mesmo entendeu já o Tribunal Constitucional no seu Acórdão de 10 de Julho de 1984. Com efeito, neste recente acórdão, e com o voto unânime de todos os seus membros, o Tribunal Constitucional considerou ferida não só de inconstitucionalidade formal, mas também de inconstitucionalidade material, a postura da Câmara Municipal de Vila do Conde, que veio tornar dependente de autorização camarária a propaganda político-partidária.
Salienta-se, no referido acórdão, que «a exigência de uma autorização prévia retira logo à restrição todo o carácter da generalidade». E acrescenta-se: «A autorização camarária aqui questionada, porque prévia e com os efeitos apontados, viola também o artigo 37.°, n.° 2», que preceitua que «o exercício (da liberdade de informação) não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura»... «Pois é, de facto, ao conceito de censura prévia que, ao cabo e ao resto, se reconduz um sistema que condiciona, em certos casos, a propaganda político-partidária à obtenção prévia de uma autorização camarária».
Torna-se, assim, evidente que o parecer em questão só podia ser elaborado não só com total desprezo da Constituição, mas ainda com total alheamento e indiferença pelo referido acórdão do Tribunal Constitucional.
De todas as conquistas do 25 de Abril, a conquista das liberdades é, sem dúvida, a mais importante. E é uma dessas liberdades, a liberdade de expressão do pensamento, que está em causa.
Não podemos voltar atrás. Não podemos voltar ao tempo da vergonha de se ser preso por afixar um papel e ter se de pagar a multa (agora chamada coima) de 10 contos a 500 contos por se ter escrito numa parede «viva a liberdade» ou «abaixo o Governo».
É por isso que o MDP/CDE tudo fará para que não se volte para trás.
E é por isso que o presente recurso deve ser provido, rejeitando-se a admissão deste projecto de lei do PSD.
É uma questão grave que está em causa, é a democracia que está em causa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.° 460/III é sintoma de um profundo e desesperado isolamento político, ideológico e cultural; ergue-se ao arrepio do País, libertado do fascismo, insere-se nos sinistros planos de policialização da nossa democracia, é expressão dos extremos a que estão dispostos os que querem golpear a Constituição em todos os azimutes: do regime económico aos direitos dos trabalhadores, à genuinidade dos actos eleitorais.
O articulado subscrito pelo deputado António Capucho proíbe, fora dos locais administrativamente estabelecidos, a colagem de cartazes, a efectuação de pinturas murais ou pichagens, sujeitando-as a licenciamento pelo presidente da câmara municipal, mediante pareceres de várias entidades, emitidos num lauto prazo. Determina baias indébitas à passagem da licença, que é inaceitável, facultando às edilidades e aos proprietários ou usufrutuários dos locais afectados vastos poderes de inutilização ou desfiguração da propaganda, bem como, pelo que às câmaras concerne, de embargo ou demolição de obras. Permite que estas promovam ainda a retirada de publicidade actualmente existente, mercê de uma norma retroactivizadora. Consagra uma moldura penal que, sobre revelar-se desproporcionada e brutal, denuncia um claro conteúdo de classe e permite entrever a direcção da arma que se visa colocar na disponibilidade de dóceis agentes locais de uma estratégia antidemocrática.
Ora, antes de tudo, impõe-se perguntar: é isto compatível com a Constituição e, portanto, viável?
É óbvio que não.
Os partidos políticos e os sindicatos são independentes do Estado, não podendo o exercício dos seus direitos, no âmbito do título II da parte I da Constituição, depender de actos discricionários da administração. Por outro lado, cabe-lhes concorrer para a formação da vontade política do Estado, pelo que sobre eles recai uma protecção especial e intensa, inconsumível por constrições fora do apertado regime do artigo 18.° A iniciativa do PSD, que conta com a cumplicidade do PS, contende, em toda a linha, com este preceito. Desde logo admitindo um sistema de censura prévia através dos mecanismos e da lógica da opção pela licença. Mas também porque, longe de montar um elenco de comandos regulamentadores, diminui a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos artigos

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10.°, 37.°, 46.°, 48.°, 51.°, 57.°, 117.° e 118.° da Constituição da República.
E não se diga que, perante colisões de interesses constitucionalmente tutelados, o projecto agiu bem, disciplinando de forma geral e abstracta, pela via de parâmetros convivenciais. Em primeiro lugar, não há legitimidade alguma para mencionar um conflito de direitos com a mesma estatuta: a discriminação positiva a favor dos partidos, dos sindicatos e das associações não é perimível ou sequer atenuável pela invocação de razões estéticas, ademais não objectiváveis com segurança que arrede o arbítrio, ou de defesa da propriedade privada, entendida como absoluta pêlos autores do texto em análise, cuja substância nodal não está em causa com a liberdade de propaganda. Em segundo lugar, como se salientou, a apreciação caso a caso, própria da figura do licenciamento, escancara portas a discriminações e intuitos persecutórios, frustra e anula o pretenso carácter geral e abstracto do diploma em gestação. Acresce, em terceiro lugar, que este nem respeita o princípio da irretroactividade contido no n.° 3 do artigo 18.° da Constituição.
Qualquer restrição aos direitos, liberdades e garantias terá de mover-se dentro da previsibilidade constitucional e nos termos que ela enunciar. Ora, não existe, para os efeitos do projecto de lei do PSD, que bem poderia ser também o do PS, o menor arrimo no nosso direito fundamental positivado. Nem tal faria sentido, após décadas de silenciamento despótico, de ditadura fascista. Instrumentar a democracia com múltiplos e quanto possível profundos mecanismos de formação das opções populares - entre os quais, e desde a origem, os partidos - não foi apenas a ruptura com o passado; foi também, para não dizer sobretudo, o assegurar de uma prática adversa a formas declaradas ou obscuras de estrangulamento da liberdade de pensar e agir. O legislador de 1976, continuado pelo de 1982, bem sabia o custo da permissividade nestes domínios. Por isso revestiu, com peculiar atenção, de funda dignidade e especiais cautelas o conspecto normativo de defesa da legalidade democrática e afirmação dos direitos elementares dos Portugueses.
É, assim, intolerável que um deputado elabore ou assine preceitos como os que impugnámos. Os alegados motivos estéticos, de salubridade, conservação de edifícios ou preservação da paisagem não fornecem a mínima justificação para um tão grosseiro atentado às liberdades. Lembre-se, aliás, que já hoje existem prescrições legais que regulamentam a matéria. Não é permitida, por exemplo, a afixação de cartazes, a aposição de inscrições ou a feitura de pinturas murais em monumentos nacionais, nos edifícios religiosos, no interior de repartições franquedas ao público. É proibido, prosseguindo a via da ilustração não exaustiva, gravar propaganda política nos sinais de trânsito e nas placas de sinalização rodoviária, dada a necessidade de estabelecer condições para a segurança da circulação. Ir além disto, ao decretar de colossais adstrições onde elas são impossíveis, ao recuperar a censura prévia, à tecidura de uma malha espartilhante que tenderia a pulverizar normas perceptivas medulares da nossa ordem jurídica, é significativo, sem dúvida, do escopo restauracionista, do vezo antioperário e antipopular que anima os apoiantes do actual Governo. Não se trata, certamente, de «promover a melhoria progressiva e acelerada da qualidade de vida», mas de, a pretexto de tal bandeira, fomentar o retorno às cidades só na aparência limpas e, no âmago, escondendo o mal viver, a disforia social gerada por um Estado autoritário, retrógrado e injusto.
Não se cura de accionar metamorfoses que enriquecem o homem e o meio, mas de verter, tão-só, a visão de um mundo onde o exercício de direitos elementares ficasse dependente da licença esbirral de uma miríade de censores, mais ou menos industriados.
O povo português proclamou já, reiteradas vezes, o seu amor à vida, que se exprime na conflitualidade e nos livres fluxos de uma imparável avidez de melhores dias. É dislatado tentar amordaçar o que, pura e simplesmente, não é amordaçável. A esta maioria sobejam apetites coactivizadores; quanto maior e mais poderosa é a condenação, pelas massas, da sua política, tanto aumentam os seus estímulos liquidacionistas. Perante o avolumar das desastrosas consequências da sua acção investe não contra a falência própria, mas sobre os que, fazendo da luta um direito inarredável, se batem por transformações que urgem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O «projecto Capucho» é a autêntica policialização da crise, em lugar da sua erradicação. Sem êxito. Algures, numa parede de Lisboa, uma inscrição sinaliza já este alerta constante: «Ó Capucho, eu cá picho!»

Risos do PS e do PCP.

A direita no poder ignora decisões do Tribunal Constitucional, expressamente condenando ao fracasso iniciativas como as que ensejou. De facto, num acórdão recente, lê-se, entre outras, a seguinte judiciosa doutrina acerca do regime do licenciamento administrativo para a propaganda política:
A exigência de uma autorização prévia retira logo à restrição todo o carácter de generalidade, uma vez que a mesma terá ou não lugar conforme a autorização que a condiciona seja concedida ou denegada. [...] Com uma possibilidade de restrição assim, abre-se a porta ao arbítrio, indo-se muito além de qualquer ideia de necessidade. Ora, os n.ºs 2 e 3 do artigo 18.° contêm uma proibição qualificada de arbítrio.
E, concluindo, adiante:
É ao conceito de censura prévia que, ao cabo e ao resto, se reconduz um sistema que condiciona, em certos casos, a propaganda político-partidária à obtenção prévia de uma autorização camarária.
Engrossando a vista a quanto a Constituição dispõe, a declarações de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a tudo o que constitui património intocável da liberdade rudemente reavida, o projecto de lei n.° 460/III não deveria sequer ser discutido pela Câmara no estado de insanidade com que surgiu. Isso mesmo intentámos, defendendo o prestígio das instituições e, na medida justa, o regime democrático. Por isso votaremos contra o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Por isso levaremos esta batalha até onde a Constituição da República o exige. Certos de que, quaisquer que sejam as vicissitudes, é na nossa voz que vibra, uma vez mais, ao lado da de outros deputados nesta Casa, a íntima e colectiva vontade do povo de Abril.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

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O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - É para um pedido de esclarecimento, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não é possível, Sr. Deputado, porque não são permitidos pedidos de esclarecimento neste debate.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - É pena, Sr. Presidente. Muito obrigado!

O Sr. Presidente: - Ainda há poucos dias houve aqui um recurso de uma decisão da Mesa que dava a palavra para este efeito, tendo esse recurso feito vencimento. Portanto, não posso reincidir nessa actuação.
Se desejar, o Sr. Deputado Igrejas Caeiro pode é inscrever-se para uma intervenção.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sendo assim, inscrevo-me para uma intervenção.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Uma vez que não há mais inscrições, tem desde já a palavra, para formular a referida intervenção, o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Realmente, a intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes gera algumas dúvidas e, principalmente, o desejo de perguntar, por exemplo, como é que conseguem manter tão limpas as paredes nas terras do Alentejo. Seria bom para quem vai discutir este projecto de lei ver isto esclarecido.

Risos do PS e do PSD.

Qual é a forma persuasiva, sem que haja uma lei, para que se consiga que as belas terras do Alentejo estejam limpas e brancas, para que não se piche e não se ponham cartazes nem coisa nenhuma?

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Põem, põem!

O Orador: - Põem, mas em sítios determinados.
Por outro lado, parece-me que há uma confusão acerca do projecto de lei apresentado pelo Sr. Deputado António Capucho, quando se diz que ele exige licenciamento para a propaganda que se quer fazer. Ora, não é esse o caso. Exige-se licenciamento e até, talvez, a obrigação de espaços determinados para a afixação. Isto é que é corrente.
Compreendo que convenha ao PCP o aspecto de revolução permanente neste país em que vivemos. Mas quando vêm a Portugal os turistas ficam aflitos, porque julgam que realmente vai tudo cair e que vai tudo para a rua por não haver casas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Casas não há!

O Orador: - Não há, mas ainda vamos tendo possibilidade de estar debaixo do nosso tecto.
O que acontece é que isto não se vê em países civilizados, incluindo os do Leste. Deve haver neles normas, regras, formas de conseguir equilibrar as liberdades efectivas de expressão com essa capacidade de andar a sujar todas as paredes.
Pergunto também se realmente o vosso respeito pela propriedade privada, que me parece ser evidente, pode prever que as pessoas que façam pichagens ou que estraguem as paredes dos proprietários que acabaram de pintar uma casa estejam dispostas a pagar a indemnização respectiva pela nova pintura. Seria também uma forma de defender a propriedade privada os partidos tomarem a responsabilidade de repor as paredes tal e qual como as haviam encontrado. Aí estaria também uma forma democrática de respeitar outro direito que a Constituição consagra: a defesa da propriedade privada.
Meus amigos - e digo «amigos» -, compreendo que queiram dar um aspecto de revolução permanente. Ó que é certo é que o meio ambiente, o património cultural e uma vida saudável deste país não consentem que continuem a abusar de um direito que não é o vosso mas que querem exercer e que não é constitucional.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, é para exercer o direito de defesa, na sequência da intervenção do Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

Vozes do PS e do PSD: - Defesa de quê?!...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, a honra e a dignidade de um deputado têm, a meu ver, um conteúdo bastante mais vasto do que aquilo que, em geral, se pretende ver nelas. Integra também razões de natureza ideológica e do estatuto intelectual a que cada um de nós deve fazer jus. Pela minha parte, entendo que um debate desmuniciado de um mínimo de informação é atentatório da qualidade que deve exigir-se a todo o trabalho de um parlamentar na Assembleia da República.
A intervenção do Sr. Deputado Igrejas Caeiro, feita de generalidades porventura de bom-tom, facilmente acolhíveis por personalidades acrílicas, nada adianta quanto à questão central que está colocada, que é a de saber se o projecto de lei do Sr. Deputado António Capucho contende ou não com normas constitucionais, se o regime de licenciamento para a propaganda político-partidária é possível e se é permitido utilizar os instrumentos nele preconizados para garrotear direitos, liberdades e garantias que a Constituição estabelece para os cidadãos, partidos políticos, sindicatos e associações populares em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Pegar em meia dúzia de palavras e organizá-las num discurso aparentemente lógico é fácil, Sr. Deputado Igrejas Caeiro. Tudo o que disse pó-

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dera ser comportável nos limites que a Constituição determina, bem como nos limites da discussão de um outro qualquer diploma que esteja, ao contrário do que analisamos, minimamente adequado às nossas leis.
Mas aquilo a que procedi na tribuna foi à impugnação de um projecto de lei que visa, tal como está, impedir o exercício de direitos à revelia da Constituição e de decisões do Tribunal Constitucional. É sobre isto que o Sr. Deputado Igrejas Caeiro deve falar, porque, de contrário, o debate degrada-se. E, então, se o debate se degrada, com pronúncias que nada têm a ver com o leque de problemas que se nos impõe considerar, entendo que a minha honra como deputado é atentada, justamente porque há que exigir uma base, ainda que não muito consistente, de nível estético e cultural, de conexão qualificada às matérias, para se poder aquilatar até daquilo que estamos a apreciar num dado momento.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - No fundo, é a defesa da dignidade do debate contra a sua desvirtuação permanente o que esta minha intervenção visa.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para dar explicações ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, tem a palavra o Sr. Deputado Igrejas Caeiro.

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Exactamente, Sr. Presidente. É evidente que a minha intervenção foi, de algum modo, didáctica, pelo que pedia o auxílio da vossa experiência em relação à resolução de determinados problemas. Por outro lado, nunca me passou pela cabeça desonrar um deputado tão ilustre.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Nem o Sr. Deputado era capaz de o fazer!

O Orador: - Mas parece que V. Ex.ª se queixou que eu o desonrei ou tentei desonrar.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - A mim não, ao debate e à Assembleia.

O Orador: - Ora, é evidente que não é o caso!

Risos.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Isso são parvoiçadas!

O Orador: - Agora, o Sr. Deputado está já a perder aquela elegância literária que o caracteriza, dizendo palavrões que não são aquelas palavras realmente bonitas que enriquecem o nosso léxico...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Enquanto que o Sr. Deputado o empobrece!...

O Orador: - Mas tem de haver sempre compensações, Sr. Deputado, isto é, V. Ex.ª enriquece-o e eu empobreço-o! É natural!...

Risos.

O Orador: - O que queria dizer é que o parecer em discussão foi aprovado por uma grande maioria das forças políticas presentes e parece-me que não devo passar um atestado de estupidez generalizada, somente por que não pertencemos ao Partido Comunista.
Ora bem, se, realmente, o parecer é de que não há inconstitucionalidades grosseiras e se se vai debater um diploma ou um projecto de diploma que pode enquadrar determinados aspectos que são abuso, tenho a impressão que V. Ex.ª não pode agora estar a dizer que todo este Parlamento está desonrado.
Pois bem, vamos exactamente recusar a impugnação e percorrer o percurso normal, constitucional e regimental do projecto de lei que a bancada do PSD apresentou e, na altura própria, com a contribuição habitual, constante do Partido Comunista, veremos, até que ponto, poderemos elaborar um diploma que enquadre este problema que é grave e que não pode, de forma alguma, afectar a economia portuguesa naquilo que é importante como seja o turismo. Tenho relatórios de operadores turísticos que se queixam de ver estas nossas cidades de fornia horrível como as vêm. Ora, isto é grave e importante!
Portanto, com a vossa experiência, quer nacional, quer internacional, podem ajudar-nos a encontrar o enquadramento suficiente, para que não haja o menor atentado contra a liberdade e expressão, mas que haja também o respeito pela propriedade privada.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, considera-se encerrado o debate sobre este recurso apresentado pelo PCP, cuja votação fica marcada para as 18 horas, a seguir ao intervalo.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente. É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa no sentido de colocar a V. Ex.ª a seguinte questão: o Regimento refere que se em relação às votações sobre projectos de lei, propostas de lei ou projectos de resolução não houver hora marcada, elas efectuar-se-ão às 18 horas. Não contempla, como não poderia contemplar no nosso entender, as votações sobre matéria adjectiva, ou seja, as incluídas na primeira parte da ordem do dia, designadamente. Ora, é nosso entendimento que, quanto a recursos de admissibilidade, a concessões de urgência, a regra da fixação da votação para as 18 horas não se aplica. É essa a nossa opinião, mas gostaríamos de colocar esta questão à Mesa.

O Sr. Presidente: - No que, pessoalmente, me diz respeito, até concordo com a apreciação feita pelo Sr. Deputado. Simplesmente, acontece que há poucos dias esta questão foi suscitada, tendo a votação sido marcada para o dia seguinte. Foi na sequência desse incidente - chamemos-lhe assim - e para não suscitar outro, que, afinal, acabei por suscitar, que, agora, anunciei que a votação se faria às 18 horas.
Na verdade, o regimento não contempla efectivamente estas matérias, mas sim, projectos, propostas de lei e de resolução.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

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O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Numa análise puramente literal a interpretação do Sr. Deputado Jorge Lemos parece correcta, bem como as observações que o Sr. Presidente acaba de fazer.
No entanto, creio bem que se trata de uma lacuna desse preceito regimental, que deve ser interpretado por analogia com outras votações.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Que triste Regimento!

O Orador: - Acontece que a opção feita no Regimento, no meu entendimento, foi, quanto às deliberações, no sentido de concentrá-las às 18 horas ou nas datas que o Sr. Presidente da Assembleia da República decidir, a fim de permitir o funcionamento simultâneo do Plenário e das comissões. Esse é o objectivo fundamental.
Nestas circunstâncias, creio bem, que todas as deliberações da Assembleia que não tenham a ver com o seu funcionamento como questões de carácter processual, devem ser feitas à hora previamente fixada. Esta não é uma questão processual, mas trata-se antes de um recurso de um diploma. Questão processual será o recurso de uma decisão da Mesa, do andamento dos trabalhos, que não pode ser guardado para algumas horas depois.
Assim, sugiro ao Sr. Presidente que mantenha a decisão tomada e que faça discutir esta questão na conferência dos líderes parlamentares. Sugeria ainda que se pedisse um parecer à Comissão de Regimento e Mandatos, na medida em que, tendo a comissão discutido estas questões terá, com certeza, um parecer fundamentado nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.a Deputada Amélia de Azevedo.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Afigura-se-me como inteiramente correcta a posição defendida pelo Sr. Deputado Carlos Lage, porquanto, tendo em conta o elemento teleológico na interpretação do Regimento, aquilo que se quis foi precisamente marcar uma hora de votação como aquela em que os Srs. Deputados têm de regressar ao Plenário, abandonando, eventualmente, os trabalhos das comissões, bem como outras tarefas a que se estejam a dedicar, aqui, na Assembleia.
Assim sendo e uma vez que, de acordo com aquilo que foi aventado pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, do PCP, a lei não refere expressamente «os pareceres ou a votação dos pareceres», nada obsta a que façamos aqui uma integração desta lacuna por analogia. Por isso mesmo, afigura-se-nos ser mais indicado que façamos cumulativamente todas as votações às horas que o Sr. Presidente anunciar.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, da nossa parte não foi questionada a possibilidade da Mesa, como determina o artigo 287.° do Regimento, interpretar e integrar as lacunas deste último. Agora, o que nos parece é que, tratando-se de algo que está completamente omisso e para precaver futuras situações, deveríamos seguir o regime normal, ou seja, acabado o debate, proceder-se-ia à votação e a Mesa pediria, se o entendesse, um parecer à Comissão de Regimentos e Mandatos que pudesse firmar doutrina sobre esta matéria.
Não nos parece correcto, do nosso ponto de vista, que, sem uma reflexão na sede própria, ou seja, na dita comissão, possamos interpretar de maneira extensiva uma disposição que é clara no Regimento.
Ora, quer a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, quer o Sr. Deputado Carlos Lage, conhecem o que foi a discussão deste Regimento e nunca se falou, quando se abordou a fixação de horas para a votação - e remeto os Srs. Deputados para os debates do Regimento -, das matérias que são discutidas na primeira parte dos trabalhos, designadamente, recursos, concessões de urgência, etc.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Isso é algo que está completamente omisso mas por vontade do legislador. Se os Srs. Deputados entendem que se deve proceder a nova revisão do Regimento, façam-no agora. O que nos parece é que, existindo dúvidas, estas deverão ser resolvidas na sede própria, que é a Comissão de Regimento e Mandatos e, até lá, deve seguir-se o regime normal, ou seja, terminado um debate faz-se a respectiva votação, exceptuando os casos previstos no artigo 101.° do Regimento.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a apalavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, desejo somente informar que o meu grupo parlamentar dá o acordo à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, considerando a Mesa que as intervenções vão no sentido de que, já que estamos perante uma questão omissa, seja feita uma consulta à Comissão de Regimento e Mandatos, decide, entretanto, no caso concreto e neste momento, manter a decisão que, pessoalmente, como Presidente da Mesa, tinha anunciado, sem prejuízo, naturalmente, de, em casos futuros, se decidir de outra maneira. Até porque, inclusivamente, não há, neste momento, quorum de votação, mas apenas de funcionamento.
Portanto, passamos agora à discussão do processo de urgência para o projecto de lei n.° 203/III, do Partido Os Verdes, sobre a criação do cargo de Promotor Ecológico, com vista à defesa da vida do meio ambiente. Entretanto, para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, segundo fomos informados a Comissão de Equipamento Social estaria interessada e teria decidido participar neste debate, no que concerne a este ponto em que vamos entrar. Daí que a minha sugestão é a de que a Comissão seja informada de que o debate irá iniciar-se, para que os seus membros possam estar presentes e participar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vai agir-se nesse sentido.

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O Sr. Deputado não coloca objecções a que se proceda à leitura do parecer atrás mencionado?

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Não, não, Sr. Presidente. Pode ser lido.

O Sr. Presidente: - Vai então ser lido o parecer pelo Sr. Deputado Secretário.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - O referido parecer é do seguinte teor:
Parecer sobre a adopção do processo de urgência para o projecto de lei n.° 203/III - Criação do cargo de promotor ecológico com vista à defesa de vida e do melo ambiente:
1 - O projecto de lei n.° 203/III de que é primeiro subscritor o Sr. Deputado Independente do Partido Os Verdes, António Gonzalez, foi apresentado na Mesa da Assembleia da República em 15-7-83 e, nesta mesma data, admitido e mandado baixar a esta Comissão por S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República.
2 - O Sr. Deputado António Gonzalez dispunha, à data, da faculdade regimental de requerer prioridade e urgência para o projecto de lei n.° 203/III, ao abrigo do artigo 244.°, n.° 1, do Regimento da Assembleia da República, então em vigor, o que não fez.
3 - Entretanto, a Comissão aprovou em 6-3-85 e enviou a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, o parecer de apreciação prévia do respectivo projecto de lei, considerando o mesmo em condições de ser apreciado em Plenário.
4 - A Comissão considerou, oportunamente, e disso foi dado conhecimento a S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, que fosse conjunta a apreciação em Plenário dos projectos de lei n.ºs 102/III, 203/III, 354/III e 355/III, todos eles com parecer prévio aprovado.
5 - A adopção de prioridade e urgência agora requerida, só se justificaria se se pretendesse dispensar o exame em Comissão, a redução do número e duração das intervenções no debate ou dispensa do envio à Comissão para redacção final [alíneas a), b) e c) do n.° 1 do artigo 284.° do Regimento em vigor] ou, então, nos termos do artigo 285.° do Regimento, redução do prazo para exame em Comissão, redução do tempo do debate na generalidade e na especialidade ou redução do prazo para redacção final.
6 - Nestes termos, considerando que o exame em Comissão já se processou, não podendo agora ser invocada a aplicação da alínea a) do n.° 1 do artigo 284.°, nem da alínea a) do artigo 285.°;
Considerando ainda que a limitação do tempo do debate pode ser sempre definida em Conferência, nos termos do artigo 146.° do Regimento;
Considerando ainda que perante uma eventual aprovação do projecto de lei n.° 203/III a Comissão entende não ser conveniente limitar a discussão na especialidade prevista nas alíneas d) e e) ao artigo 285.° do Regimento;
A Comissão é de parecer que seja recusada a adopção do processo de urgência para o projecto de lei n.° 203/III sobre a criação do cargo de promotor ecológico com vista à defesa da vida e do meio ambiente.

Palácio de São Bento, em 20 de Março de 1985. - O Relator, Leonel Fadigas.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Percorrer este ainda belo país é um desejo de nacionais e estrangeiros, principalmente quando as férias se aproximam. Saborear a fresca sombra dos nossos bosques e ouvir o cantar dos regatos, ribeiros e rios, no fundo de verdejantes vales é a motivação de todos aqueles que cansados dos fumos, dos ruídos e do cinzento das nossas cidades, se deslocam por vezes muitas centenas de quilómetros para esses paraísos sonhados.
O cidadão com as taxas e os impostos em dia pode ainda escolher uma lagoa ou uma praia para a lavagem anual dos seus sentidos e de todo o agregado familiar que «amontoa» no seu veículo privado ou «encaixa» nos transportes colectivos já apinhados.
E ao chegar a essas metas almejadas, com que se defronta? As saltitantes linhas de água mesmo em recônditos vales, só com boa vontade podem ainda ser assim chamadas.
Nos leitos de rios e ribeiros, desde o Minho a Trás-os-Montes até ao Algarve, correm venenosos e mal cheirosos esgotos urbanos, industriais e da agro-pecuária, e lá no meio, timidamente, alguns fios de água maculam, transparentes, os coloridos e rizados afluentes atrás descritos.
Muitas destas ex-linhas de água encaminham-se espumosas para albufeiras, lagoas, rios e estuários onde se diluem um pouco, dando perigosamente o aspecto de que se pode nadar, pescar, etc., sem risco de maior!
Puro engano! Afecções de olhos, pele, ouvidos, diarreias e outras doenças são os custos que milhares de portugueses e estrangeiros pagam, por cederem à tentação de se refrescarem em locais muitas vezes considerados turísticos e profusamente divulgados em cartazes e postais por todo o mundo.
Consequências? Perda de muitos milhares de horas de trabalho para o País, sofrimento e despesas para quem acreditou na propaganda turística, ou confiou no sentido das responsabilidades e na capacidade de actuação preventiva ou correctiva das entidades responsáveis pela saúde pública entendida no seu sentido mais vasto.
Má propaganda para o País, no estrangeiro, como aconteceu em 1984 em relação ao Algarve e já se vinha falando há vários anos em relação às praias da linha do Estoril, da lagoa de Albufeira ou das praias das rias, como a de Aveiro, por exemplo, apesar de os agentes que beneficiam da credulidade do turista tudo fazerem para minimizar criminosamente tais factos!
Mas mesmo sem falar nas maleitas de Verão, cujas consequências se arrastam depois, com demoradas e dolorosas sequelas, são muitos os problemas derivados da falta de conhecimentos técnicos, do desleixo ou da acção criminosa e maldosa de certos poluidores particulares ou estatais, clandestinos ou não.
Cimenteiras, celuloses, curtumes, lagares de azeite, indústrias de lacticínios, pocilgas por tudo quanto é sítio, pedreiras, serrações de mármores, extracções de areias, incêndios criminosos e o arranque não autori-

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zado nas zonas de latifúndio, de oliveiras, azinheiras e sobreiros, para plantação do voraz eucalipto em solos de aptidão agrícola.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, querem exemplos? Será mesmo necessário falar dos rios Minho, Lima, Tâmega, Douro, este modernizado agora com a radioactividade fornecida por um seu afluente vindo de Espanha da Fábrica de Combustível Nuclear de Jusbado, perto de Salamanca.
E o Vouga que desagua na bela e agonizante ria de Aveíro ante o desespero, a tristeza e a revolta dos moradores, pescadores, agricultores, autarcas responsáveis, investigadores e ecologistas que organizam encontros para estudar a situação, na ausência de iniciativas governamentais.

Continuando, é o Mondego e o pobre Tejo com o seu rosário de esgotos de milhares de urbes e indústrias espanholas e portuguesas.

Como maior rio português recebe ainda grande número de afluentes dos quais alguns como o Alviela e o Almonda são esgotos a céu aberto. E quem não conhece o caneiro fedorento conhecido por rio Trancão, em Sacavém.
E o Sado, o Mira, o Guadiana, a ria de Faro, até onde iremos?

E quais as reais consequências da falta de planeamento na instalação das indústrias, da ausência de sistemas de filtragem, de tanques de decantação ou reciclagem de afluentes para recuperação de certos produtos ainda úteis?
Quem é afectado e de que meios dispõe para fazer com que a justiça não seja uma palavra vã em Portugal e ser português não signifique estar-se frustrantemente abandonado na teia do compadrio, ou no deserto da burocracia, labiríntico dédalo de gabinetes, secretarias e balcões onde os lamentos das vítimas da

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O alto grau de poluição não é proporcional ao grau da industrialização que temos, devido . ao facto, e saliento-o bem, de que temos comparativamente à Europa uma maior percentagem de indústrias poluentes, que fomos recebendo porque lá fora são consideradas "não gratas" e proibidas. Muitas que poderiam não o ser são-no por incúria ou criminosa poupança de uns míseros escudos necessários para as tornarem limpas.

É importante focar que sai mais barato, globalmente, evitar a poluição que corrigi-Ia depois.
E que dizer das poupanças e reciclagens?' Se umas
vezes são as autarquias e o poder central que necessitam ser sensibilizados para essas alternativas e outras ainda o sector'industrial é, em grande parte, ao indivíduo que cabe a maior fatia da poupança que a recíclagem proporciona.

Sensibilizar é a palavra de ordem para combater o consumismo, o esbanjamento e economizar saúde, tempo e energia. Estas poupanças individuais devem ser aliadas de uma consciência crescente dos direitos que assistem ao consumidor, que apesar de apoiado pelas leis, se encontra indefeso e manietado pelas represálias futuras de certos comerciantes, todos-poderosos e sem escrúpulos. E a listagem das queixas que têm como origem os atentados aos solos, às águas, 'à fauna e flora e aos homens poderia continuar com as referentes às provocadas pelas lixeiras que disseminam maus cheiros, fumos e efluentes químicos por esses campos do País, com os atentados praticados contra a fauna cinegética e piscícola, contra as espécies vegetais e minerais, selvagens e indígenas, e pela introdução de outras que se tornam pragas e que entram pelos portos, aeroportos e fronteiras terrestres, sem que os alarmes lançados por biólogos, veterinários e outros técnicos encontrem eco em "quem de direito" como se costuma dizer. Uma última palavra para sensibilizar as Forças

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biente, é incapaz de encontrar uma estrutura orgânica e funcional adequada.

E mais do que isso, os dois ministérios não se entendem, tendo-se mesmo chegado a uma situação de guerrilha institucional, em que ministros criticam directores-gerais, secretários de Estado, ministros e vice-versa, o que já originou processos de averiguações internos. É o caos institucional!

É a incompetência instalada!
Em vez de serem atacados os problemas, os ministros levam o tempo a discutir as suas competências.

O controverso ex-ministro Sousa Tavares, que ontem abandonou a barca governamental, depois de uma navegação atribulada e cheia de escolhos, veio dar continuidade aos necessários pedidos de demissão que têm vindo a verificar-se nos departamentos ligados à qualidade de vida! À omissão junta-se a figura da demissão!

Face a isto, quem fará alguma coisa pelo ambiente? De facto, a defesa do património natural e do meio ambiente não se compadece com os habituais atrasos com que são tomadas decisões que visem impedir ou pôr cobro aos inúmeros atentados ecológicos. E então depois de casa roubada trancas à porta.

Não pode ser, Srs. Deputados. Cada dia que passa é mais importante e urgente promover acções de prevenção e informação, fiscalização e combate firme contra todos aqueles que atentam contra o nosso património, o meio ambiente e em geral a qualidade de vida de cada um de nós.
É urgente tomar medidas. Por isso apresentámos em Julho de 1983 (há quase 2 anos) o projecto de lei n.º 203/III, propondo a criação do promotor ecológico. Decidimo-nos pela urgência, pois de outra forma tão cedo não se debateria este assunto. De 1983 para cá muitos erros irresponsáveis foram cometidos. Ninguém nesta Assembleia poderá questionar o quanto urgente é tomar medidas de defesa do nosso património que vem sendo, dia-a-dia, degradado e destruído.
O quadro de inoperância e incompetência atrás descrito vem igualmente reforçar o nosso pedido de urgência.

A proposta que apresentámos, encaramo-la como um contributo indispensável que garante a todos os cidadãos a possibilidade de apresentar queixas de actos praticados pela Administração Pública. Mas não só, o promotor ecológico, actuando por força de queixas apresentadas, poderá ter a sua própria iniciativa para para além de um importante papel informativo e de esclarecimento

0 promotor ecológico representado por um cidadão independente eleito pela Assembleia da República poderá emitir pareceres e recomendações no sentido da correcção de situações ilegais e injustas.

Proeurou-se encontrar uma situação ajustada, que por um lado garantisse eficácia e por outro não se sobrepusesse ou entrasse em conflito de competências com outras entidades.

Finalmente, através do promotor ecológico pretende-se dar um tratamento e um acolhimento especializado e isento às questões ecológicas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado António Gonzalez, a iniciativa que acaba de apresentar relativa à criação do cargo de promotor ecológico com vista à defesa da qualidade de vida e do meio ambiente afigura-se-nos justa, tempestiva e tecnicamente passível de ser apoiada.
No entanto, algumas reflexões sobre a matéria fazem com que me pareça curial formular-lhe duas perguntas. A primeira, no sentido de saber como compatibiliza a actividade prevista para o promotor ecológico com as atribuições do Provedor de Justiça na esfera que lhe é própria, tendo também em vista a prática deste nos últimos anos. A segunda pergunta tem a ver com a inexistência de uma verdadeira política de ambiente e qualidade de vida, por parte deste Governo, que opera à revelia do artigo 66.º da Constituição e de tudo quanto nesta se prescreve para enriquecimento do habitat em que vivemos. Não existe um Ministério da Qualidade de Vida como tal, o que se conhece não é mais do que uma bandeira pindérica, e importa configurar a actividade que o promotor ecológico poderá desenvolver para accionar, efectivamente, determinados mecanismos fundamentais no quadro deste vespeiro, e, bem assim, o modo como conseguirá relacionar-se não patologicamente com as atribuições do Ministério da Qualidade de Vida, sendo este o que é.
Pedia-lhe, em suma, que procedesse, nestas duas áreas, à prestação dos esclarecimentos que tiver por convenientes.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Em relação à primeira questão que me põe, ou seja, à relação entre promotor ecológico e Provedor de Justiça, queria dizer-lhe que eles têm níveis de competência diferentes, estando o promotor ecológico destinado especificamente para a resolução de questões que poderiam incidir numa pequena área da competência do Provedor de Justiça. As queixas e os problemas na área ecológica são em número que justifica a existência de um órgão especializado, que faça um primeiro rateio e análise deles. O promotor ecológico, depois de fazer uma análise dessas queixas e de verificar a sua validade, poderá eventualmente desencadear processos informativos que tentem resolver o problema sempre a nível de sensibilização. Se isso não for possível, poderá ajudar os queixosos ou as vitimas a elaborar processos que serão encaminhados para o Provedor de Justiça ou para os tribunais. Não existe, portanto, uma sobreposição de competências, mas sim uma colaboração numa área que se fosse encaminhada para o Provedor de Justiça poderia torná-lo incapaz de atender outras queixas.
Quanto à acção do promotor ecológico e do seu relacionamento com o Ministério da Qualidade de Vida, bem como com as autarquias e o resto dos ministérios, o facto de hoje os problemas ecológicos serem interdisciplinares está na base da sua competência ser aparentemente muito diversificada, entrando em muitas áreas. Na realidade, os problemas ecológicos são hoje profundamente intrincados; tudo tem a ver com tudo. Daí que o promotor ecológico tenha essencialmente uma função de sensibilização e de encaminhamento das questões para os órgãos principais, designadamente o Ministério da Qualidade de Vida ou uma estrutura interministerial que o substitua, talvez com mais competência.

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Em relação a esta acção de sensibilização, o promotor ecológico poderá também sentir uma necessidade de alterar a legislação, podendo eventualmente desencaminhar um processo que leve à criação de nova legislação no âmbito governamental, mas sempre na área de sensibilização.
Penso que respondi às perguntas do Sr. Deputado, e se não foi assim gostaria que me informasse.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faltam alguns minutos para a hora regimental de intervalo para o almoço e penso que não vale a pena dar a palavra a mais nenhum Sr. Deputado.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 13 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos oportuno e correcto o pedido de urgência agora em debate.
É reconhecido que a legislação existente referente à defesa dos recursos, tal como:

A lei de protecção dos solos;
Leis de protecção de áreas demarcadas;
Leis de protecção de conjuntos ou espécies arbóreas;
Legislação sobre a exploração das águas subterrâneas (abertura de furos), etc.

é manifestamente insuficiente.
Mas além de incompleta e desarticulada, a legislação existente peca, em geral, por um excesso de centralização e concentração de poderes, com a consequente burocratização,
A eficácia da legislação de protecção dos solos, da Natureza e do ambiente é actualmente quase nula. A existência de uma entidade como o promotor ecológico tornaria muito mais expedita a própria aplicação das leis existentes [ver artigo 3. º, alíneas a), b) e c), do projecto de lei n,º 203/111, em discussão].
Esta é sem dúvida uma questão urgente, pois trata-se de defender recursos nalguns casos insubstituíveis, muitos dos quais, em variadíssimas regiões e locais já se encontram em situação de degradação praticamente irrecuperável.
Darei só 3 tipos de exemplos:

Sendo a água um recurso natural de primordial importância no desenvolvimento socio-económico, colocamos em primeiro lugar a defesa dos recursos hídricos.
Neste domínio verificam-se gravíssimas situações, tais como:

Esgotamento dos aquíferos, por indiscriminada e anárquica abertura de furos, exploração da água a grandes profundidades pelas indústrias, sobreexploração dos aquíferos litorais, o que dá lugar a gravíssimas e irreversíveis intrusões salinas, corte das matas e sua substituição pela plantação de eucaliptos, fenómenos de erosão nomeadamente na sequência de incên-

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dios da floresta, que levam à escorrência torrencial das águas das chuvas agravando por sua vez a erosão e dando lugar a deficiente recarga dos aquíferos.
Degradação da qualidade da água pelo lançamento nos terrenos, nos cursos de água e no mar dos efluentes industriais, dos esgotos urbanos, de excedentes de produtos agroquímicos da indústria, do escorrimento das lixeiras urbanas, etc.
Factores de poluição da água do mar, provocadores de danos dificilmente reparáveis, são os derrames e lavagens dos navios que, uma vez descarregados, lançam no mar enormes quantidades de produtos químicos inundando as praias de nafta e de todas as imundícies.
Casos gravíssimos de poluição de rios, com incidências sobre o bem-estar e a saúde das populações, sobre o equilíbrio ecológico do meio ambiente, e ainda sobre a possibilidade de utilização da água para o seu fim mais natural: a agricultura. Riscos de extinção da fauna fluvial, nomeadamente de espécies piscícolas ou, nalguns casos, a sua total extinção já verificada.
Estão em situações desesperadas rios como o Almonda, o Alviela, o Caima e toda a bacia hidrográfica do Vouga, o Ave, isto para não falar de cursos de água praticamente mortos como o rio Jamor e a ribeira de Barcarena, o rio de Alenquer, o Leça e a Foz do Lisandro.

A defesa do solo pelo controle da ocupação urbana do território é outra questão premente. Não obstante existir legislação sobre o assunto, nomeadamente o Decreto-Lei n,º 451, de 16 de Novembro de 1982, que promulgou normas de gestão e condicionamento da reserva agrícola nacional, certo é que em áreas de forte pressão urbana se verifica a expansão das construções em terrenos de grande aptidão agrícola. Isto acontece nas periferias das grandes cidades e em várias zonas do litoral, nomeadamente na várzea de Faro, onde habitações, fábricas e stands de automóveis ocupam terrenos de aluvião da classe A.
Um atentado contra o solo agrícola que tem vindo a ser denunciado pelas populações é a eucaliptização desenfreada em extensas áreas com boa aptidão agrícola, sem que as autoridades tomem medidas, ou até com o seu aval.

Cito o caso da Câmara de Portel, que há 4 anos se dirigiu ao então Ministro da Qualidade de Vida numa exposição em que chamava a atenção para os prejuízos causados pela eucaliptização, exigindo estudos e medidas para evitar a total degradação da zona e, até hoje, a única resposta que recebeu foi que estava em curso um estudo que definiria os condicionamentos à plantação de eucaliptos, estudo que pelos vistos ainda não está terminado!
Outro aspecto que é urgente atacar é a desfiguração que sofrem vários trechos da nossa costa, particularmente no Algarve, com a ocupação desordenada da faixa costeira, com tendência para a criação de uma parede contínua de betão ao longo do litoral.
A defesa da floresta e de espécies vegetais em vias de extinção é uma outra importante questão.
O flagelo dos incêndios da floresta tem provocado incalculáveis prejuízos não sendo o menos grave os desequilíbrios ecológicos que provoca. Nas zonas incendiadas onde a devido tempo não se procede ao repovoamento florestal, o processo erosivo é altamente destruidor, correndo o risco de levar à própria desertificação. Sérios alertas têm sido levantados pelas populações, sem resposta pela parte do Governo.

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Um sério alerta foi levantado também pelo Comité Europeu para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (organismo dependente do Conselho da Europa), que ao elaborar um recenseamento de espécies ameaçadas revelou ser Portugal o terceiro país da Europa com mais espécies vegetais em vias de extinção. Muitas das espécies da nossa flora natural são vítimas da deficiente protecção do nosso valioso e extenso parque natural e das condições em que se realiza a industrialização. Também, algumas, principalmente as endémicas, são particularmente sensíveis a desequilíbrios no ecossistema e principalmente à invasão anárquica da construção civil, que aumentou consideravelmente no litoral.
Só para não me alongar, não falo aqui de gravíssimos casos de poluição do ar e poluição sonora a que pelos vistos os Srs. Deputados não são sensíveis, como se está a ver!
Este quadro muito incompleto de atentados ao património natural prova que cada vez é mais necessária a existência de mecanismos de defesa e de fiscalização que poderão ser providos quer pelo Estado, quer por outras pessoas colectivas de direito público.
A Assembleia da República tem nesta matéria um relevante papel a desempenhar:

Estão por aprovar os projectos de lei quadro da defesa do ambiente e qualidade de vida, há muitos anos pendentes nas gavetas da Comissão de Equipamento Social e Ambiente. Preocupantemente os seus autores revelaram até agora uma completa passividade e não tomaram nenhuma iniciativa para o seu agendamento; Falta legislação sobre controle da poluição e indemnização dos lesados por atentados ao equilíbrio do meio ambiente; Reina uma perniciosa indefinição de competências no tocante à gestão das reservas e parques naturais;
O aproveitamento racional dos recursos naturais com salvaguarda da sua capacidade de renovação e da estabilidade ecológica exige estudos de ordenamento e uma ampla bateria de legislação que o Governo manifestamente enjeita; Está completamente por regulamentar o direito de acção popular em defesa do ambiente consagrado no artigo 66.°, n.° 3, da Constituição. E é bem urgente, Srs. Deputados, que os cidadãos possam, por sua iniciativa própria, individual e colectivamente, actuar junto dos tribunais e da Administração Pública para promover a prevenção ou cessação dos factores de degradação do ambiente e obter indemnizações quando sejam directamente lesados.

Tem-se comprovado que em Portugal, como na generalidade do mundo capitalista, o ambiente e a qualidade de vida das populações não são preocupações predominantes dos governos e não é a existência do Ministério da Qualidade de Vida que altera esta realidade. Também é significativa a passividade do PS/PSD nesta Assembleia. Não surpreende que uma coligação que conduz o País ao desastre e não cuida de chagas sociais como a dos salários em atraso deixe proliferar toda a espécie de atentados ao meio ambiente. Não é por acaso.
Há poderosos interesses em jogo. Há (por vezes na sombra) mãos capazes de travar iniciativas positivas. Há corrupção.
O projecto cujo processo de urgência se discute hoje, é em primeiro lugar um contributo importante para alertar para a necessidade de operatividade e eficácia no tratamento das questões ecológicas - ora nestas questões a eficácia é importante, pois não se compadecem muitas vezes com grandes delongas.
E é uma alternativa possível para a defesa do património.
Sublinhamos as vantagens da existência de uma figura pública, idónea e independente que tenha as funções atribuídas ao promotor ecológico, fora do quadro governamental. Por isso votaremos favoravelmente o pedido de urgência agora pedido pelo Partido Os Verdes.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Queria começar por dizer à Sr.a Deputada Margarida Tengarrinha que não só gostei da sua intervenção como entendo que ela veio completar alguns pontos da minha, que deixei relativamente incompletos nomeadamente em relação à questão do mar e da salinidade dos rios. Se fôssemos fazer a listagem dos rios e ribeiros mortos deste país dava para estarmos aqui horas a lê-la! Ainda há pouco me dizia um colega desta Câmara que o Alentejo não estava assim muito mal. Só gostava que ele visse os efeitos das águas ruças dos lagares de azeite por esse Alentejo fora e dos esgotos das pocilgas!
Falou há pouco na reserva agrícola, mas queria sublinhar que existe uma outra que também é importante e não me recordo se referiu, que é a reserva ecológica nacional. Ela não tem servido para nada e se continuarmos neste caminho a lei quadro do ambiente também não vai passar do papel! Isto vem a propósito do que se está a fazer por essas escarpas e arribas do nosso país, nomeadamente em relação à costa algarvia e o que se está a desenhar, neste momento, para, por exemplo, a escarpa miocénica, que vem da Costa de Caparica até à lagoa de Albufeira. Esses terrenos, que segundo a lei que estabelece a reserva ecológica nacional estão protegidos, já estão neste momento comprados por capitais árabes para fins turísticos. Vamos ver então como é que a lei vai ser torpedeada para virmos a ter uma forte implantação turística!
Queria perguntar-lhe, Sr.ª Deputada, se tem mais alguma coisa a acrescentar relativamente à ideia da reserva ecológica nacional e à forma como neste país se fazem cumprir as leis.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Não há mais nenhum pedido de esclarecimento, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Que a Mesa tenha tomado nota, não.

A Oradora: - É pena, Sr. Presidente, porque este é um problema sobre o qual precisávamos de fazer nesta Assembleia um longo e amplo debate, tanto mais que, como disse há pouco, há o projecto de lei quadro do ambiente e outros diplomas nas gavetas, sendo urgente que se discutam aqui estas questões com seriedade.

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Sr. Deputado António Gonzalez, estou de acordo com aquilo que disse e, quanto aos aspectos que me referiu, pretendo dar-lhe mais a minha concordância do que uma resposta.
Quanto ao problema de fazer cumprir as leis, julgo que esbocei um quadro da situação. Queria ressaltar ainda um aspecto: mesmo quando existe legislação ela é desarticulada e existem grandes dificuldades de acesso aos órgãos competentes para se tratar dos diversos problemas, porque há também uma grande concorrência de competência. Estou a lembrar-me, por exemplo, de problemas de verdadeiro ciúme entre os serviços florestais e serviços regionais de agricultura, etc., que por vezes muitíssimo atrasam a decisão sobre alguns aspectos. É nesse sentido que apoiamos a urgência do projecto de lei que o Sr. Deputado aqui trouxe.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Sr s. Deputados: Não estamos, neste momento, a discutir o conteúdo do projecto do Sr. Deputado António Gonzalez, que tem pela primeira vez neste Parlamento uma iniciativa compatível com a sua condição de deputado defensor da ecologia e do ambiente. Estamos, sim, a discutir a questão da urgência do agendamento desse diploma e a sua prioridade sobre outras iniciativas desta Assembleia.
Estamos de acordo substancialmente com o relatório da Comissão, na medida em que o debate e a votação deste projecto não devem ser feitos independentemente e divorciados de outros diplomas que aqui estão na Assembleia, já assinalados por outros Srs. Deputados que me antecederam, designadamente projectos sobre a lei quadro do ambiente e da qualidade de vida.
Esta Câmara já legislou sobre a defesa do património cultural e convém legislar sobre a defesa do património natural. Há naturalmente ruptura mas também continuidade entre estas duas linhas legislativas.
A ideia do Sr. Deputado António Gonzalez de criar um promotor ecológico é interessante à primeira vista. Ela parece paralela à existência do Provedor de Justiça para a defesa dos direitos do homem, ou seja, hoje é tão importante defender o homem como defender a Natureza, porque para melhor defender aquela é necessário defender esta. A frase clássica de que o homem deve ser coisa sagrada para o homem deve ser hoje completada pela a ideia de que a Natureza é também coisa sagrada para o homem. Toda a política moderna, avançada e de perspectivas largas tem de defender o ambiente e o património da humanidade não só para as gerações actuais mas também para as vindouras.
Desta maneira, parece interessante a iniciativa de encontrar uma figura independente, que defenda o património natural relativamente à devastação a que é constantemente sujeito, tal como o Provedor de Justiça defende os direitos e as liberdades do homem relativamente aos actos da Administração e aos poderes públicos, que podem tantas vezes na sua prepotência t espezinhá-los e diminuí-los.
Mas, como já disse, estaremos dispostos, na devida altura, a encarar este projecto e a apreciá-lo no quadro das leis que aqui estão e que em breve serão discutidas. O PS e o PSD têm nesta matéria iniciativas e estão dispostos a agendá-las durante esta sessão legislativa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não votaremos, assim, a favor do pedido de urgência pelas razões que já expus. É, no entanto, urgente defender a Natureza em Portugal e também uma política de dimensão ecológica, na medida em que a defesa do ambiente não é restrita a uma linha de acção política mas deve enformar toda a acção dos poderes públicos e do Governo, e a Natureza em Portugal começa a sofrer devastações inenarráveis, das quais já aqui foram sublinhadas algumas. É, por exemplo, o caso da poluição das águas. Lembro a catástrofe ecológica a que estão sujeitos alguns rios das zonas mais industrializadas, que já aqui foram tantas vezes assinalados: o rio Leça está morto, o rio Ave está a caminho de uma autêntica catástrofe e quase todos os rios do Norte do País, onde existe actividade industrial, sobretudo têxtil, estão a sofrer fortíssimas inquinações que comprometem a existência e a vida desses rios.
Também a luta contra a poluição atmosférica é indispensável. Nas grandes cidades a poluição atmosférica e a poluição sonora são já um flagelo.
A devastação dos nossos melhores solos no litoral, cobertos por cimento e asfalto, é também algo de gravíssimo. Ainda virá o tempo em que, com certeza, será destruído o cimento morto para trazer à superfície a terra viva. Os nossos solos de primeira qualidade são poucos e estão a ser completamente devastados.
Disse estas palavras porque, tendo alguns dos Srs. Deputados falado sobre esta problemática tão importante e tão complexa, também não nos ficaria bem se não disséssemos uma palavra. Estaremos, assim, Sr. Deputado António Gonzalez, dispostos a encarar a sua iniciativa, provavelmente de uma maneira positiva, no quadro das iniciativas que esta Assembleia tem em discussão nas comissões, as quais abarcam esse tão grande e vasto território que é a defesa do ambiente e a ecologia.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Margarida Tengarrinha, José Manuel Mendes e António Gonzalez.
Tem, pois, a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Sr. Deputado Carlos Lage, regozijo-me muito por poder dar o meu acordo total às suas palavras quando diz que é mais importante defender o homem do que a Natureza. Estou completamente de acordo consigo e, aliás, devo dizer-lhe que foi por isso mesmo que disse na minha intervenção que é necessário resolver o problema dos salários em atraso e que esta questão até é secundária a essa.
Por outro lado, considero que da sua parte há contradição naquilo que diz. Se o Sr. Deputado Carlos Lage considera uma questão tão importante a discussão de toda esta legislação e a solução destes diplomas, com o que estou de acordo, por que razão é que quando, em sede de comissão, o nosso grupo propôs que todos os projectos de lei sobre esta matéria fossem agendados com urgência o vosso grupo parlamentar não aceitou?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Carlos Lage, penso que podemos estar de acordo em boa parte do diagnóstico que produziu relativamente à situação do País em matéria de ambiente e qualidade de vida.
Acontece, porém, que há uma questão essencial com a qual importa confrontar a sua opinião e que é esta: a Constituição da República prescreve, no artigo 66.° algumas regras essenciais quanto à matéria em apreço e estabelece também, no domínio das tarefas fundamentais do Estado, aquilo que a este compete realizar em apoio da preservação das áreas naturais de maior valor, da ordenação do espaço territorial e da disciplina de utilização dos recursos naturais, bem como da intervenção em zonas ambientalmente degradadas.
Não existe uma lei quadro, o que é grave, tanto mais quanto compararmos a ausência de iniciativa legislativa governamental e das bancadas da maioria nesta zona com a extrema facilidade com que essa mesma maioria e esse mesmo Governo agem, tentando regulamentar, aliás indebitadamente, outras áreas constitucionais.
Mas se não há uma lei quadro, o que é facto é que nem por isso está o legislador ordinário impedido de impulsos normativos concretos, que em nada contendem com regras condicionadoras de enquadramento, eventuais e futuras, mas que, justamente, se inserem num vastíssimo campo de acção, que é aquele em que se deve dar uma larga amplitude de realização à participação, individual ou organizada dos cidadãos.
Acontece que o projecto de lei apresentado pelo Partido Os Verdes sobre a criação do cargo de promotor ecológico visa, exactamente, a criação de um instituto, que, independentemente do que venha a ser uma lei quadro sobre o ambiente, tem um relevante papel na defesa da qualidade de vida, no acolhimento de propostas e queixas dos Portugueses e na promoção de um melhoramento significativo do que hoje conhecemos e é mau.
Não se compreende, a esta luz, que se invoque a necessidade de preceder a aprovação da criação do cargo de promotor ecológico da aprovação de uma qualquer lei quadro do ambiente, como não se compreende, de modo nenhum, que se avoquem razões de pendência nesta Câmara de projectos de lei, ou, o que é mais grave, do seu hipotético surgimento - não sabemos como, nem quando, nem em que termos -, quando o que é facto é que temos perante nós uma realidade extraordinariamente preocupante e degradada, a portuguesa, e ensejamos agora possibilidade de acudir a ela, mesmo que de forma insuficiente, através de uma figura institucional com credibilidade, como a que é proposta pelo Partido Os Verdes.
Face a isto, o que é que o Sr. Deputado Carlos Lage tem a dizer? Que aceitáveis alegações pode produzir em favor da não concessão da urgência ao projecto de lei, que é urgente aos olhos do País e, naturalmente, aos olhos dos deputados que nesta Casa não estão divorciados do país real?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Deputado Carlos Lage, em relação a uma primeira referência que fez ao facto de, pela primeira vez, eu ter tomado uma iniciativa que está de acordo com a minha ideologia,
com a minha área de acção, devo dizer-lhe que esta iniciativa já tem 2 anos e que, precisamente por não ter possibilidade de a agenciar, o único processo que encontrei para a trazer aqui foi através deste pedido de urgência.
Para além disso, se não tenho mais actuação em termos da Comissão de Equipamento Social e Ambiente, onde gostaria de estar integrado, isso deve-se ao facto de, quando eu já estava inscrito nessa Comissão, o Sr. Deputado Carlos Lage me ter retirado da mesma, alegando que eu era um deputado independente. Mas, pelos vistos, já não se recorda disso.
Em relação ao pedido de urgência, ele deve-se ao facto de neste país ninguém se mexer nesta área, a não ser o Ministro da Qualidade de Vida, que se «põe a mexer» do Ministério. É o único movimento que se nota nesse sentido...
Por outro lado, da parte do Estado há nitidamente compadrio e casos que posso classificar de corrupção e de escamoteamento da verdade através de documentos que tenho solicitado por requerimento e que possuo. É, por exemplo, o caso da plantação de eucaliptos.
Outro caso muito elucidativo de que as coisas neste país acontecem assim - ninguém liga nada - é o do Tollan, que esteve aqui no Tejo e que quase foi considerado um monumento nacional. Na realidade, este navio tinha a bordo um contentor com um veneno perigosíssimo - um spray de insecticida. Ora, o facto é que ele esteve ali com o conhecimento do Governo e 2 anos depois ainda continuava lá. Vários pescadores recolheram ao longo da costa latas desse spray e utilizaram-nas em suas casas, quando se tratava de um insecticida venenoso cuja utilização é proibida nos países desenvolvidos. E, veja!, estava a ser transportado para um país africano que não tem defesas...
O Sr. Deputado António Capucho, quando foi Ministro da Qualidade de Vida, também anunciou uma decisão de vir a proceder a um levantamento de caracterização do País quanto a compostos químicos tóxicos, etc. Porém, acontece que os ministros e os governos sucedem-se tão depressa que estas coisas ficam sempre no papel.
Julgo que seria importante que houvesse, pelo menos na área da sensibilização, alguém fora do Governo - portanto, longe da corrupção e do compadrio - que pudesse servir de ligação entre todos aqueles que se queixam e os órgãos competentes, nomeadamente os tribunais, o Provedor de Justiça e a própria Assembleia da República.
É por isso que consideramos que deve ser aprovada com urgência a criação do órgão promotor ecológico.
A questão que queria colocar ao Sr. Deputado Carlos Lage era a seguinte: tem a certeza de que a lei quadro de ambiente - para além daquilo que penso sobre a sua validade, isto é, de vir ou não a ser aplicada e de haver mecanismos para isso - irá ser aprovada ainda durante a presente sessão legislativa? Está certo de que ela vai ser aprovada?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha afirmou que eu teria dito que em primeiro lugar está o homem e depois a natureza, perguntando-me por que é que não nos preocupamos em defender o homem e, em particular, aqueles que têm salários em atraso.

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Creio bem que é forçar o nosso debate trazer à colação esse assunto. Em todo o caso, devo dizer-lhe, Sr.ª Deputada, que não defendi esse tipo de posição antitética entre o homem e a natureza.
O humanismo clássico colocava em primeiro lugar o homem, existindo a natureza para ser por ele dominada e utilizada. O humanismo contemporâneo descobriu que a natureza é também um bem mortal e frágil, que não pode ser destruído e utilizado de qualquer maneira.
Por isso, a defesa da natureza passou a ser uma componente da defesa desse todo, que é a relação entre o homem e a natureza. O homem também faz parte da natureza, pelo que a defesa daquele passa pela defesa da natureza. A defesa dos interesses das gerações actuais e futuras passa pela defesa do ar, dos rios, das plantas, das árvores, dos sítios, das rochas, enfim, de tudo aquilo que pode vir a ser, para as gerações vindouras, precioso como elemento de recreio ou de obtenção de meios produtivos.
Por isso, recuso essa dicotomia «homem contra a natureza; homem vencedor da natureza».
Quanto à questão que a Sr.ª Deputada colocou sobre o facto de não termos dado o nosso acordo ao agendamento conjunto e imediato de todos os diplomas existentes, ou seja, as iniciativas relacionadas com a defesa do ambiente e este projecto sobre a criação do cargo de promotor ecológico, não sei exactamente o que se passou no seio da comissão mas posso dizer-lhe que a nossa perspectiva é a de discutir todas estas matérias de uma vez, criando um bloco de assuntos, a devido tempo e ainda durante esta sessão legislativa.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Sr. Deputado, basta ler o relatório de 20 de Março da Comissão para se ver que a nossa proposta de agendá-las em conjunto, dada a tal urgência com que o Sr. Deputado está de acordo, não foi aceite.

O Orador: - Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha, creio que não é preciso cairmos nos extremos: ou é já, ou adiamos indefinidamente. Acho que há uma situação intermédia e de bom senso, que é a de esperar uma boa oportunidade e fazer com calma esse agendamento. Não é preciso que um projecto sobre um assunto, importante mas restrito, desencadeie a urgência desses diplomas.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - A lei das rendas podia ter ficado para trás!

O Orador: - O Sr. Deputado José Manuel Mendes manifestou acordo com o diagnóstico que tracei, achando, contudo, que não há iniciativas governamentais ou parlamentares suficientes e eficazes e que a iniciativa legislativa é escassa.
Quanto à iniciativa governamental, não posso pronunciar-me na totalidade, mas sei que há algumas iniciativas governamentais que, como já aqui foi assinalado, não são devidamente cumpridas, não sei se por serem irrealistas. É o caso da reserva ecológica nacional e da reserva de solos agrícolas. Penso que são ideias positivas a desenvolver e a concretizar, mas não sou capaz de dizer, neste momento, se elas são totalmente realistas e, portanto, factíveis.
No Parlamento há neste momento várias iniciativas nesse sentido - inclusive a dos Grupos Parlamentares do PS e do PSD -, sendo uma das mais importantes a da lei quadro do ambiente.
O nosso grupo parlamentar tomou uma iniciativa sobre essa matéria há 2 ou 3 anos, a qual já foi publicamente discutida.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Foi essa que referi que ficou na gaveta!
O Orador: - Não, não ficou na gaveta, nem irá ficar na gaveta. As questões estão, naturalmente, maduras para serem discutidas.
Disse o Sr. Deputado António Gonzalez que esta sua iniciativa já tem 2 anos. Devo dizer-lhe que desconhecia esse facto, mas quando me referi ao Sr. Deputado António Gonzalez, assinalando ou saudando esta sua iniciativa, não foi com ironia que o disse. Acho que o Sr. Deputado António Gonzalez pode ter outras iniciativas legislativas e não ficar exclusivamente circunscrito a esta.
Quanto à questão de fazer parte da Comissão de Equipamento Social e Ambiente, disse o Sr. Deputado que não tem lá lugar porque eu o expulsei. Devo dizer-
lhe que fiquei surpreendido com essa afirmação porque não sei como é que poderei ter cometido essa malfeitoria sem o saber.
Creio que o Sr. Deputado António Gonzalez terá um lugar na Comissão de Equipamento Social e Ambiente desde que o grupo parlamentar do partido, em cujas listas o Sr. Deputado foi eleito, lhe dê um lugar.

O Sr. António Capucho (PSD): - Exactamente.

O Orador: - No nosso grupo parlamentar não teríamos nenhum problema em dar um lugar na Comissão para onde estivesse mais vocacionado a um deputado independente que fizesse parte das nossas listas, muito embora agisse isoladamente no Parlamento.
Creio, portanto, que o Sr. Deputado se deve queixar ao Grupo Parlamentar do Partido Comunista nessa matéria.
Relativamente à questão dos eucaliptos, diz o Sr. Deputado António Gonzalez que há corrupção. Então, se há corrupção, assinale-a, descubra-a e apresente elementos, porque julgo que, nessa matéria, todos devemos cooperar para pôr os corruptos à luz do dia e para os castigar e punir severamente.
Quanto ao Tollan, julgo que não veio nada a propósito esta referência. No entanto, creio que o Tollan já se estava a transformar numa espécie de património nacional. Houve até pessoas que lamentaram que o Tollan tivesse sido deslocado do Terreiro do Paço.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Peço a palavra, para protestar, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode, Sr. Deputado.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Então não protesto.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Domingos.

O Sr. Silva Domingos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD é muito sensível à problemática do ambiente e da qualidade de vida e vem deba-

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tendo, no interior do partido e em discussão pública, estas matérias, contribuindo, deste modo, para um melhor esclarecimento da opinião pública quanto aos direitos dos cidadãos e às acções que o poder central e o poder local devem tomar na sua defesa e também para a necessária preparação e discussão de uma política de ambiente e de qualidade de vida.
Não pode, pois, surpreender que tenhamos apresentado na Assembleia da República o projecto de lei n.° 444/III, lei de bases do ambiente e da qualidade de vida, contributo que nos parece relevante para se dar cumprimento e expressão na lei aos princípios definidos no artigo 66.° da Constituição da República Portuguesa.
No nosso projecto, privilegiamos a criação de um instituto do ambiente, dependente do membro do governo responsável pelo ambiente e apostamos preferencialmente na organização da sociedade civil através de associações e fundações para a defesa do ambiente.
Por outro lado, não nos parece que a criação de um órgão público independente, tipo «promotor ecológico», possa trazer melhores resultados que a prática das nossas propostas.
Mas não é a apreciação do projecto lei n.° 203/III que nos ocupa hoje, é, sim, o pedido de urgência da sua apreciação pelo Plenário.
Ora, o PSD concorda e votou favoravelmente o parecer da Comissão de Equipamento Social e Ambiente, que recomendou que fosse recusada adopção do processo de urgência para este diploma, essencialmente porque entendemos que a matéria sobre ambiente deverá ser apreciada em bloco com as outras iniciativas pendentes.
Todavia, pensamos que esta matéria é de apreciação urgente pelo Plenário e o PSD está disponível para dar o seu acordo ao agendamento das várias iniciativas sobre ambiente e qualidade de vida para Abril ou Maio próximos.
Aliás, suponho que o Partido Os Verdes não ignora esta nossa disponibilidade. Mas, apesar disso, insistiu no seu agendamento separado. Pergunta-se: porquê? Porque não acredita - o Partido Os Verdes - na virtualidade do seu projecto quando discutido em conjunto com os restantes projectos ou porque pretende conseguir um certo efeito de propaganda ou de auto-afirmação de partido como partido líder da discussão desta problemática de ambiente?
Compreendemos que um partido pequeno tenha essa ambição - achamo-la legítima - todavia também pensamos que o País precisa que estas matérias sejam tratadas com toda a capacidade técnica mas também com toda a oportunidade política. Por isso, entendemos que esta presunção por parte de Os Verdes em fazer discutir o projecto de lei que apresentaram, a ser aprovado seria prejudicial à obtenção de um resultado final que será o de uma lei quadro de ambiente que inclua órgãos capazes de promover a defesa do ambiente, um projecto que seja global e que contenha não só a acariação de órgãos, mas, e essencialmente, que defina os direitos dos cidadãos, as obrigações das autoridades e a forma de esses direitos se fazerem cumprir.
Sr. Presidente, Sr. Deputados: Compete às oposições apresentar e fazer discutir os seus projectos, compete às maiorias estudá-los e recusá-los quando entenderem que eles não contribuem de forma eficaz para uma melhor organização da nossa vida colectiva.
Nós, PSD, pensamos que, a ser discutida desde já esta iniciativa do Partido Os Verdes, ela não traz um contributo eficaz à resolução dos problemas do ambiente. Por isso, vamos votar contra este pedido de urgência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados José Manuel Mendes, Margarida Tengarrinha e António Gonzalez.
Portanto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - O Sr. Deputado Silva Domingos, ao contrario do seu parceiro de coligação, acabou por expender, mesmo em matéria de fundo, uma posição adversa à iniciativa do Partido Os Verdes.
Não adiantou razões convincentes nem sequer suficientes, do ponto de vista qualitativo. Acresce que, de entre as motivações que avançou para se afastar do projecto de lei relativo à criação do promotor ecológico, teve oportunidade de enfatizar uma: que a posição do PSD privilegiaria a existência de associações e de fundações para a defesa do ambiente.
É evidente que não cabe agora fazer uma análise detalhada do que sejam essas associações ou essas fundações, até porque não lhes conhecemos sequer o perfil, mas desde logo há um problema que salta aos olhos: o promotor ecológico nunca teria, nas suas funções, fosse o que fosse que contendesse com a existência de associações e fundações para a defesa do ambiente. Nesta como noutras matérias vale a regra de que aquilo que abunda não é nocivo! A situação do País é de tal maneira degradada que a existência de organizações que visem dar cumprimento ao legado constitucional e adiantar soluções positivas no sentido da transformação do que existe será sempre positiva e desejável.
Como é fácil de depreender, o promotor ecológico tem uma silhueta bastante similar à do instituto da provedoria de justiça. Certamente que o Sr. Deputado Silva Domingos não ignora que, independentemente das atribuições do Provedor de Justiça, não estão vedadas, por via legal, nem inexistem na prática, associações que tenham por missão a defesa dos direitos dos cidadãos, nomeadamente quando estes forem lesados.
Não se compreende muito bem porquê o recusar, in limine, a figura de alguém que tenha, entre outras, a incumbência, especificamente prevista em todo o articulado de Os Verdes, de carrear actos dos cidadãos e de promover, ao seu nível e no âmbito institucional, a defesa do ambiente e da qualidade de vida, com a alegação de que esse espaço existe apenas para associações e fundações. Como tudo isto é recoberto com a requentada ideologia da sociedade civil, completamente abastardada em relação às suas origens, alguma coisa fica por detrás, o que nos leva a formular a seguinte questão: o que é que o PSD pretende para além de adiar a discussão do problema e fugir ao terreno próprio em que as ideias se contrabatem até encontrar uma saída normativa capaz de fazer face à realidade que temos?
Sr. Deputado Silva Domingos, creio que os argumentos que usou não bastam. Por isso, terá que nos explicar onde é que existe uma inconvergência tão grande

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na coexistência das associações e fundações que o PSD preconiza e do promotor ecológico, sob pena de continuarmos a tirar, da intervenção que produziu, ilações políticas extremamente significativas, mas bastante pouco lisonjeiras para a sua bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Silva Domingos, como V. Ex.ª sabe, há mais oradores inscritos para formular pedidos de esclarecimento. V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

Sr. Silva Domingos (PSD): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra a Sr.a Deputada Margarida Tengarrinha.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Sr. Deputado Silva Domingos, em face dos problemas graves e importantes de que se trata, creio que o Sr. Deputado mostra muito pouca abertura. O Sr. Deputado Carlos Lage considerou a importância e o interesse desta matéria, mas V. Ex.ª - que também defendeu a lei das rendas - está muito fechado aos problemas da qualidade de vida.
O Sr. Deputado não considera de uma visão muito curta defender este projecto de lei de uma forma tão fechada, quando o que neste momento acontece em Portugal em termos de legislação sobre problemas de defesa do ambiente é haver uma tal desarticulação na necessidade de coordenação? Ora, este projecto de lei, do qual discutimos a urgência, permitiria um princípio de coordenação.
Porém, o Sr. Deputado fecha-se na visão estreita do seu projecto de lei. Era bom que tivesse os olhos mais abertos para o exterior, pois este assunto tem muito que ver com o problema do ambiente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Deputado Silva Domingos, quero aproveitar esta oportunidade para abordar a questão do Tollan, já que há pouco, em relação ao Sr. Deputado Carlos Lage, ela parece não ter ficado muito bem compreendida. A questão do Tollan é muito simples: o Governo tinha conhecimento de que o veneno se encontrava no meio do Tejo. De facto foi dele tirado um contentor com papel para notas, mas o contentor com o spray venenoso continuou lá a decompor-se e a soltarem-se as latas pelo rio abaixo.
Portanto, é necessário que haja uma voz independente que, fora do aparelho do Estado, possa servir de veículo às preocupações dos cidadãos, dos grupos, das associações, de quem tem alguma razão para se queixar e não conhece os caminhos para o fazer - foi isso que tentei referir na intervenção que produzi e à qual, infelizmente, muitos dos Srs. Deputados não tomaram atenção.
Dá-me a sensação de que as pessoas têm medo do promotor ecológico! A ideia do promotor ecológico seria essencialmente a de sensibilizar as pessoas. Há imensas leis que já podiam ser utilizadas e não o são... Sabemos o que é que se passa com os Serviços da Hidráulica, onde havia guardas-rios - e é provável que
ainda haja um ou outro -, mas onde é que eles se encontram? Onde é que se encontram os guardas-florestais, os guardas de caça? Muito raramente vêem-se alguns mas têm medo.
Fico muito satisfeito na medida em que o Sr. Deputado reconheceu a urgência de se fazer qualquer coisa. Aliás, o Sr. Deputado referiu que para Abril ou Maio próximo o projecto de lei sobre a criação do promotor ecológico será agendado juntamente com outros projectos de lei. Fico, pois, à espera que isso se cumpra e até conto com o apoio do Sr. Deputado para que tal venha a ser realizado.
Também gostaria de salientar aqui que a continuarem as restrições para as minhas intervenções, quero ver como é que vou intervir aquando da discussão da lei quadro do ambiente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Domingos.

O Sr. Silva Domingos (PSD): - O Sr. Deputado José Manuel Mendes perguntou-me o que é que o promotor ecológico teria que colidisse com a criação de associações e fundações que promovam a defesa do ambiente. Naturalmente que o promotor não colidiria em nada e, portanto, não é por essa razão - aliás, já referimos isso - que votamos contra este pedido de urgência. Referimos que estávamos contra este pedido de urgência porque entendíamos que toda esta matéria deveria ser tratada na altura própria, isto é, juntamente com os outros diplomas.
Porém, mesmo que se admitisse a discussão imediata deste diploma, a verdade é que, havendo associações e fundações, havendo uma Secretaria de Estado do Ambiente e um Ministério da Qualidade de Vida, havendo um Provedor de Justiça, o meu grupo parlamentar não vê razão para se criar um novo órgão que, para funcionar com eficácia, exigiria meios elevados que o Orçamento do Estado muito dificilmente comportaria.
Entendemos, pois, que um cidadão, quando se sente lesado nos seus direitos, pode e deve dirigir-se aos órgãos competentes. Aliás, tem acesso ao Provedor de Justiça, que pode perfeitamente ter uma função extremamente eficaz na defesa dos interesses que se relacionam com esta matéria.
Quanto a saber se o meu grupo parlamentar pretende adiar o debate, creio já ter dado uma resposta clara: o PSD não está interessado em adiar por mais tempo esta matéria - na realidade, já se verificaram alguns adiamentos em relação a este debate que não foram provocados nem pelo PSD nem pelo PS mas, sim, pela organização dos trabalhos da Assembleia da República.
Porém, também não aceitamos as insinuações de que os atrasos da apreciação da lei quadro do ambiente e de outros diplomas têm a ver com negócios escuros tão queridos da propaganda do PCP e tão pouco desejados pelas bancadas da maioria. A maioria é contra esses negócios mas, por via da lei - lei preparada precipitadamente, lei preparada sem uma fundamentação adequada -, não pode contrariar a actuação que praticam certos cidadãos corruptos. Mesmo com leis não é fácil combater essa corrupção, pois a corrupção exige também um sentimento de civismo, de confiança no País, e de patriotismo que, infelizmente, vemos um pouco afastado das sociedades de hoje.
Como os Srs. Deputados sabem, a corrupção não é um primado da sociedade de consumo ou da sociedade

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capitalista mas, sim, e lamentavelmente, uma lepra que se espalha em todas as sociedades.
A Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha referiu que eu sou um pessoa muito aberta em relação a alguns assuntos - provavelmente em relação aos assuntos dos capitalistas - e muito fechada no que diz respeito aos problemas da qualidade de vida. Sr.a Deputada, devo dizer-lhe que não sou aberto aos assuntos dos capitalistas ou dos socialistas mas, sim, a projectos e a ideias e a estudá-los quando entendo que merecem respeito. Contudo, também sou aberto aos problemas da qualidade de vida, tal como já tive ocasião de afirmar e como o meu partido irá provar na altura própria - aliás, o PSD já provou isso quando adoptou as iniciativas que referi.
Porém, o que acontece é que sentimos que, na realidade, há uma necessidade de definição de regras e não tanto uma necessidade de coordenação porque essa coordenação pode e deve fazer-se através do Ministério da Qualidade de Vida, recebendo reclamações e promovendo-as. Contudo, estamos necessitados de uma lei quadro que diga quais são as regras que permitirão cada um defender os seus direitos e, inclusivamente, obter as indemnizações quando se sentir prejudicado.
Não creio que a criação do cargo de promotor ecológico viesse coordenar alguma coisa. Todavia, não estamos na discussão do projecto de lei n.° 203/III mas, sim, na apreciação de um pedido de urgência e, portanto, não me vou debruçar mais sobre essa área.
Prometo à Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha continuar a estar aberto para o exterior.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza, Sr.ª Deputada.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Sr. Deputado, se assim é, por que razão é que na Comissão o representante do seu grupo parlamentar não esteve de acordo com a proposta que apresentámos no sentido de serem agendadas as várias propostas de lei que existiam para serem discutidas?
Neste momento há situações de degradação do meio ambiente que são irreversíveis. Portanto, é urgente discutir este problema. Ora, nós propusemos abertamente que fosse também discutida a vossa proposta de lei conjuntamente com este diploma e com a lei quadro. Assim, não nos pode assacar a culpa de tal não ter acontecido, pois nós quisemo-lo - está escrito na nossa proposta em sede de Comissão. Portanto, o Sr. Deputado é que deverá responder por que é que não aceitaram que isso se fizesse.

O Orador: - Sr.ª Deputada, o nosso diploma existe, mas, se não existisse, a posição que estamos a assumir seria a mesma. A razão por que esta matéria não foi discutida com a urgência que o PCP e o Partido Os Verdes pretendiam é porque havia outras matérias que estavam a aguardar na Assembleia da República a vez de serem apreciadas e tiveram a necessária prioridade - matérias mais urgentes e que necessitavam de uma actuação muito mais célere.
Todavia, reafirmo a posição do meu grupo parlamentar em apoiar a discussão desta matéria em Abril ou Maio. E refiro estes meses porque ainda não sabemos de forma concreta que matérias é que estão agendadas e qual a prioridade delas.
Embora já tivesse respondido a algumas das questões que o Sr. Deputado António Gonzalez colocou, gostaria de abordar a questão do Tollan. Todos vivemos o «folhetim» do Tollan, e eu vivi-o de uma forma particular! Muitas pessoas se chocaram com a estadia do Tollan, e eu também sofri bastante com esse facto, não só pelo veneno que continha como pelo espectáculo e até pelo risco que ele significava para a navegação.
Porém, a verdade é que se existisse o promotor ecológico o Tollan continuaria no sítio em que se encontrava. E porquê? Porque não havia em Portugal meios técnicos disponíveis para retirar o barco do sítio onde se encontrava.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Deputado, em relação ao Tollan - e isto parece um pouco folclórico, mas não é - os jornais já tinham lançado a ideia de que os serviços alfandegários tinham informado que aquele contentor tinha um spray que era um produto químico venenoso. Então por que é que não se actuou? O promotor ecológico tem como função divulgar e actuar na televisão ou em outros órgãos de comunicação para que essa informação seja transmitida. Sabemos que há muita coisa que entra no circuito dos órgãos de informação e que depois cai, porque, nomeadamente, os jornais podem sofrer pressões para não publicarem essas informações. Portanto, é necessário que haja uma voz independente fora do governo para certos assuntos não serem omitidos.

O Orador: - Sr. Deputado, a imprensa é que deve ser sempre uma voz independente.
No caso do Tollan, meio mundo reclamou a sua estadia no rio e creio que não foram só os Portugueses porque, na realidade, ele era um perigo à navegação para além de ser um perigo para a saúde.
A Capitania do Porto de Lisboa, a autoridade marítima e o Governo conheciam esse problema, mas não tiveram meios técnicos para tirar o contentor, até porque não sabiam bem qual era e onde é que estava. Por outro lado, verificaram-se circunstâncias bastante dramáticas, trágicas e infelizes quanto às tentativas que foram feitas.
Ora, o promotor ecológico seria apenas mais uma voz, a juntar a tantas outras, clamando pela urgência da retirada do barco - creio que neste caso não teria uma função melhor.
Devo dizer que não nos mete medo algum o promotor ecológico, a não ser o custo de mais um órgão.
O Sr. Deputado António Gonzalez disse ainda que não há guarda-rios, nem guarda de estradas nem um conjunto de pessoas para agirem de certa maneira na protecção do ambiente. Ora bem, se o promotor ecológico vai ter os guarda-rios, os guardas de estradas e os outros guardas e informadores que hoje não existem nos organismos do Estado, quanto é que custará este promotor ecológico?
Com isto, o Sr. Deputado acaba de nos dar mais uma razão para votarmos contra a criação do cargo de promotor ecológico.

Aplausos do PSD.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mais alguém pretende usar da palavra? A Mesa não tem mais nenhuma inscrição.

Pausa.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação no sentido de saber de que tempo disponho para fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Segundo o Regimento, o Sr. Deputado poderá fazer uma intervenção de 5 minutos.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Então peço a palavra para fazer uma intervenção.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, Sr s. Deputados: Num País onde se gastam tantos milhões de contos também se poderiam canalizar algumas dessas verbas para aquilo que é funcional e importante. Além do mais, este promotor ecológico, no que se refere a ordenados, etc., está a nível do deputado e, portanto, em termos económicos não representa um grande dispêndio para o País.

O Sr. António Capucho (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado, gostaria de saber se estamos a discutir o conteúdo do projecto de lei ou o pedido de urgência. E isto porque V. Ex.ª continua a fazer uma intervenção baseada no conteúdo do projecto de lei, o que neste momento não está em causa.

O Orador: - Sr. Deputado, dou-lhe razão, mas a verdade é que fui levado nesse sentido quando se falou que o cargo de promotor ecológico representava muito dispêndio económico. Sou bem intencionado e deixo-me levar por estas coisas!...
Contudo, continuo a dizer que a criação do promotor ecológico é tão urgente que o Sr. Deputado Silva Domingos o reconheceu e se referiu à lei-quadro. Estou só a dar uma pequena «achega» para que não fique a ideia de que se irá investir uma grande verba no cargo de promotor ecológico.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrado o debate sobre este ponto, cuja votação terá lugar a partir das 18 horas.
O ponto seguinte da ordem do dia diz respeito às votações finais globais que também se realizarão depois das 18 horas.
Portanto, vamos passar à discussão do projecto de lei n.° 470/III - discussão das alterações à situação jurídica do pessoal em serviço na Assembleia da República. Este projecto de lei é subscrito por todos os grupos e agrupamentos parlamentares.
Como não há nenhum parecer da Comissão, declaro aberto o debate.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, pedi a palavra apenas para anunciar que vamos apresentar um requerimento de baixa à Comissão, para ser votado depois da votação na generalidade do projecto de lei.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, a minha bancada tem interesse em intervir nesta matéria. Portanto, ia, desde já, inscrever o meu camarada Jorge Lemos...
Bom, como o meu camarada Jorge Lemos acaba de entrar na Sala, está ultrapassado o sentido útil da intervenção que estava a produzir, em sede de interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, o Grupo Parlamentar do PCP, quanto ao projecto de lei n.° 470/III, quer, em primeiro lugar, congratular-se por ter sido possível subscrever consensualmente um projecto que dá resposta a um conjunto de reivindicações justas e de direitos de trabalhadores desta Casa que, por questões - permitam-me a expressão - legais e que os ultrapassavam, não estavam a ser postos em vigor.
Não vamos, neste momento, tecer grandes considerações, uma vez que o PSD, e creio que também o PS, vão requerer a baixa à Comissão. Pensamos é que essa baixa à Comissão deve ser por um prazo bastante reduzido, uma vez que, no nosso entender, as questões de fundo estão resolvidas. Poderá haver que acertar alguns aspectos de pormenor, e um adiamento para uma comissão, que viesse a protelar a entrada em vigor das alterações que agora queremos fazer aprovar neste projecto de lei seria frustrar, mais uma vez, os justos direitos dos trabalhadores da Assembleia da República.
Nesse sentido, iremos aguardar o requerimento que vai ser apresentado pelo PS e pelo PSD, mas reservamo-nos, desde já, o direito para contrapropor um prazo, caso consideremos que o prazo proposto é manifestamente dilatado.

O Sr. Presidente: - Continua o debate, Srs. Deputados.

Pausa.

Como não há inscrições, considera-se encerrado o debate. Peço ao Sr. Deputado Agostinho Branquinho que faça chegar à Mesa o requerimento de baixa à Comissão, cuja votação nesta sequência lógica, só terá lugar após a votação do próprio projecto. Fica tudo para as 18 horas.

Pausa.

Srs. Deputados, passamos, portanto, à continuação da apreciação das matérias sobre a lei da rádio.
Srs. Deputados, aguardamos a vinda do Sr. Deputado Magalhães Mota, que está numa comissão e está inscrito para intervir agora.

Pausa.

Para interpelar a mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sem querer pôr em causa o direito de o Sr. Deputado Magalhães Mota produzir a sua intervenção, apenas pretendia obter um esclarecimento da Mesa, no sentido de saber se o Governo comunicou à Mesa que não estaria presente durante o debate, uma vez que estão em discussão duas propostas governamentais e o Governo foi avisado e sabia que o debate continuava hoje.
Portanto, penso que é de bom tom que se faça alguma diligência no sentido de saber se o Governo está ou não presente, tanto mais que, da parte da minha bancada, há questões que quereríamos colocar e às quais o Governo quererá, certamente, responder.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, que eu saiba a Mesa não está informada. Entretanto, suponho que o Governo também não estará informado, neste momento, de que íamos reiniciar o debate. Portanto, se o Governo estiver presente na Assembleia, vamos comunicar-lhe o reinicio do debate.
Entretanto, e para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, atrever-me-ia a sugerir, se houvesse consenso por parte da Assembleia, que antecipássemos o intervalo, no sentido de dar tempo ao Governo, se essa fosse a sua vontade, de vir assistir ao debate. Penso que, se não viessem inconveniente, essa seria uma solução.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Magalhães Mota não tem nada contra?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não há por parte da Mesa nenhuma objecção e desde que não haja também objecções por parte dos Srs. Deputados, retomaremos os trabalhos às 17 horas e 15 minutos.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Só solicitaria à Mesa que providenciasse no sentido de informar o Governo de que o debate se vai reiniciar dentro de meia hora.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, está suspensa a sessão.

Eram 16 horas e 41 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Na continuação do debate dos diplomas sobre a lei da rádio, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota, para uma intervenção.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento do debate creio que importa, acima de tudo, tentar esboçar algumas reflexões sobre os pontos principais que as várias propostas e projectos em discussão, simultaneamente, nos colocam.
Começaria por uma primeira e, para mim, crucial questão.
Em termos da Constituição Portuguesa, creio não restarem dúvidas a nenhum de nós de que o direito à informação, o direito e a liberdade de expressão, são princípios fundamentais. Princípios fundamentais que enformam toda a Constituição, que enformam a própria essência do Estado democrático que somos.
Por assim ser, havemos, necessariamente, de interrogar-nos, em relação a cada projecto ou a cada proposta, que tenha como núcleo central do seu pensamento a discussão dos princípios orientadores que hão-de reger um meio de comunicação social, se essa legislação nova que se propõe pretende ser a consagração de uma liberdade preexistente, que a lei vaza, que reconhece, que aceita e que assume, ou se, pelo contrário, traduzem um espírito em que essa liberdade se aceita, um tanto ou quanto comprometidamente, como pré-existente e tanto que se procura, mais ou menos apressadamente, colocá-la sob tutela.
Direi que entre estes dois parâmetros se há-de decidir se uma lei é realmente boa ou se, pelo contrário, estamos ainda, sob forma legislativa, a tentar não aceitar a liberdade, não aceitar o desafio que ela significa, mas a introduzir-lhe as correcções e as distorções de quem, afinal, teme a liberdade alheia.
Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que é também entre este dualismo que a história recente, daquilo que se tem pensado em relação ao meio de comunicação social privilegiado que é a rádio, se tem processado.
Direi que, pelo menos, a gente da minha geração se lembrará com facilidade da importância que tiveram, em termos de filosofia da comunicação social, as teses do canadiano Mc Lowen e de como ele falava em como a comunicação social introduzia alterações fundamentais no tempo, que é o nosso, e se traduzia num novo tempo de comunicação, em que uma linguagem universal podia ser adquirida, e que o nosso mundo novo poderia ser também um mundo de uma aldeia ou de um espaço geográfico pequeno, de vizinhança, mas, assim mesmo, um espaço total.
Creio que a esta análise se contrapõe uma outra, necessariamente menos optimista: a ideia de que, muito pelo contrário, a chamada cultura de massa introduz os riscos da standardização, da produção em série; da sociedade de consumo, com aquilo que ela tem de mais medíocre, de mais tranquilizante, de mais conformista, de mais próximo da propaganda.
Creio que a maior parte dos dirigentes políticos têm assumido, através do tempo - e não só em Portugal -, a ideia, muitas vezes exagerada, do papel que atribuem aos meios de comunicação social, na formação e na deformação da opinião pública.
Nenhum jornalista em Portugal terá, com certeza, deixado de passar pela experiência de ter sido culpado de alguma coisa em relação à política.
Já aqui disse uma vez, e poderia continuar a dizê-lo, que a comunicação social não é quase nunca aceite pêlos políticos como um espelho da sua própria realidade. Pelo contrário, é extremamente fácil e desculpabilizante culpar a comunicação social dos nossos próprios erros, dos nossos próprios defeitos, ou querer lesá-la, instrumentalizando-a, para obter aqueles efei-

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tos que nós próprios, muitas vezes, não somos, por nós, capazes de assumir.
No entanto, creio que o controle integral dos meios de comunicação social, característico das situações totalitárias, tem a ver, precisamente, com esta concepção, que atribui aos meios de comunicação um papel, que direi excessivo, em relação à formação e informação, e em que as pessoas pensam que eles podem ser rigorosamente tudo.
Direi que podem ser alguma coisa e que o papel importante e relevante desses meios - referindo-me ao caso especial do meio de comunicação agora em debate, que é o da rádio - poderá ser facilmente revelado se pensarmos que não houve nenhum golpe de Estado moderno, não houve nenhuma situação revolucionária moderna, em que um dos primeiros cuidados não fosse o de assegurar o controle absoluto desse meio de comunicação. Creio que isso é, por si só, revelação da sua importância.
No entanto, creio que, para além disto, há um outro sinal que me interessa pôr em destaque. E creio que valerá a pena salientar que os meios de comunicação social, precisamente porque são comunicação, são, acima de tudo, meios de informação, numa sociedade como é a do nosso tempo.
Pensar que é possível ter meios de comunicação pluralistas, capazes de corrigir e de corresponder às exigências de uma sociedade democrática, sem valorizar, nesses meios de comunicação, o papel essencial que aí devem ter os profissionais da informação; sem salientar esse papel, sem dar condições de ele ser exercido, é na verdade, mistificarmo-nos a nós próprios. E também essa há-de ser a pedra de toque da bondade dos projectos e das propostas de lei.
Direi, portanto, e resumindo, que a liberdade de comunicação exige soluções jurídicas específicas e a aparição de novas técnicas, a possibilidade de novas utilizações do espaço radioeléctrico, que antes se julgava muito mais limitado e muito mais finito, a possibilidade de novos processos de retransmissão quebrarem as fronteiras e poderem ser captados para além das fronteiras. E todos nós, aqueles que conhecemos a fronteira portuguesa - mas não apenas a fronteira portuguesa -, sabemos da importância que teve, em determinados períodos históricos da vida portuguesa, a audição de emissões estrangeiras, feita com carácter sistemático. Portanto, há aqui algumas coisas que, de algum modo, precisam de ser evidenciadas.
Creio, em primeiro lugar, que isso se põe em relação à independência dos órgãos de comunicação social. Creio que, cada vez mais, sentimos a necessidade - e todos nós - de que essa independência seja uma realidade.
Direi que não basta a independência em matéria de programação contemplada, por exemplo, no n.° 3 do artigo 6.° da proposta de lei n.° 73/III. Para que a liberdade de programação seja um facto é necessário, em primeiro lugar, que o processo de escolha dos órgãos de gestão dos meios de comunicação social seja assumido por forma diversa. Enquanto os gestores dos órgãos de comunicação social forem, exclusivamente, de designação governamental - nem sempre fundamentada, nem sempre com audiência prévia dos próprios conselhos de redacção -, creio que estaremos longe de verdadeiras formas de independência.
Direi que, nesta matéria, só o controle legislativo assegurará algumas possibilidades de que seja diferente.
Não bastará nenhuma espécie de promessas, não bastarão nenhumas afirmações de intenção porque de promessas e de manifestações de intenção todos nós estamos fartos. E também não resolvemos os problemas atirando pedradas uns aos outros ou explicando que agora tem de ser assim porque outros já fizeram do mesmo modo ou pior.
Creio que mostramos, precisamente, a nossa diferença se formos capazes de introduzir um corte profundo com uma realidade, em que todos teremos, seriamente, de reconhecer defeitos. Ou seja, pelo contrário, introduzir mecanismos correctores que poderão ser, por exemplo, a designação desses gestores por um processo parlamentar que ainda é, mau grado todos os vícios de que os Parlamentos são normalmente acusados, um processo que tem, pelo menos, o mérito de se traduzir em opções claras e transparentes, tomadas na frente de toda a gente e em que todos os critérios podem ser discutidos por todas as forças em presença.
Creio, ainda, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que estaremos necessariamente de acordo quanto à descentralização que é objecto das várias propostas e projectos de lei.
Em primeiro lugar, penso que o próprio serviço público de radiodifusão só ganhará com a sua descentralização.
Mas não pode contrapor-se a descentralização necessária de um serviço público - que lhe acentua as características de vocação pluralista - com aquilo que seria uma liberdade controlada fora do serviço público: os objectivos são exactamente os mesmos e não creio que seja possível entrar-se, nesta matéria, em distinções.
Pelo contrário, creio que estamos a pensar em termos de que nos falta, com certeza, um espaço ou uma mesa comum, em que nos possamos sentar todos e que nos dê igualdade de acesso, que nos dê pluralismo, que nos dê respeito pela língua, que nos dê difusão da cultura mas que se não pode traduzir em determinações. É que estamos no pleno campo das actividades culturais, e a cultura não se orienta sob pena de deixar de ser livre.
E já que peguei neste ponto, direi que a existência de meios de comunicação social não significa, por si só - e seria importante que também isso resultasse desta discussão -, a existência de uma cultura.
A existência de meios de comunicação constitui as ramificações indispensáveis de um tronco, uma modalidade de cultura que os sustém e que os pressupõe. Mas as ramificações não se confundem com o tronco nem pertencem ao mesmo tipo da realidade.
Creio que, finalmente, há que fazer introduzir nas propostas e nos projectos de lei algo que seja o retomar da oralidade, expressão própria da comunicação radiofónica como meio de expressão. A tradição oral é também alguma coisa de essencial à cultura portuguesa e creio que se o livro pôde ser uma forma de isolamento numa cultura em que a vida social era mais comunitária, a rádio poderá ser, precisamente, o inverso, neste tempo que é o nosso.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Abreviando, necessariamente, as considerações que deveria produzir, direi o seguinte: com algumas correcções que entendemos indispensáveis, no sentido de corrigir aspectos que salientei, votaremos favoravelmente, na generalidade, as propostas e os projectos de lei. Introduzir-lhes-emos

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depois, na especialidade, algumas correcções que temos por indispensáveis.

Aplausos de alguns deputados do PS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, acontece que o Sr. Deputado Magalhães Mota não tem tempo para lhe responder.

Vozes do PS: - Tem tempo.

O Sr. Presidente: - Peço desculpa aos Srs. Deputados, e sobretudo ao Sr. Deputado Magalhães Mota, mas como acendeu a luz vermelha pensei que tinha esgotado o seu tempo.
Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Deputado Magalhães Mota, queria apenas formular-lhe uma questão simples e muito rápida.
O Sr. Deputado, sobretudo na primeira parte da sua intervenção, utilizou, quanto a mim, uma tonalidade muito pessimista para, em termos de previsão, antecipar aquilo que esta Assembleia possa fazer em termos de legislação, relativamente às leis que estamos a discutir.
Queria perguntar-lhe, a propósito das tonalidades cinzentas ou negras que colocou em relação a instituições democráticas, designadamente em relação ao Governo que sai de uma eleição democrática, e aos deputados e à Assembleia da República que também saem de uma eleição democrática, o seguinte: todo um conjunto de actos eminentemente democráticos, que criam a capacidade de legislar nestas áreas, não será suficiente para garantir todos aqueles princípios que o Sr. Deputado defendeu e que eu também defendo - e nisso estou absolutamente de acordo consigo?
Aliás, aplaudi a sua intervenção, mas só não aplaudi a cor da sua intervenção, isto é, aplaudi a forma da intervenção mas não aplaudi a cor, pois acho que a cor da sua intervenção foi demasiado cinzenta. Custa--me ouvir da boca do deputado Magalhães Mota a definição de um pessimismo em relação ao futuro e em relação a decisões culturais deste parlamento, que penso que seriam passíveis de maior credibilidade.
Penso que estamos aqui democraticamente e é evidente que a democracia pressupõe maiorias e minorias, discordâncias e diferenças. Mas penso que, apesar de tudo, estes 250 deputados são, no caso concreto, os suficientes para garantirem a independência da comunicação social em relação às tutelas e aos governos e, em termos absolutos, a sua própria independência.
Se fosse possível, era sobre estas considerações que eu gostaria que o Sr. Deputado Magalhães Mota desse uma tonalidade optimista ou mais realista ao seu próprio discurso.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, o Sr. Deputado Lopes Cardoso também está inscrito para lhe pedir esclarecimentos. V. Ex.ª deseja responder já ou só no final?

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Respondo no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado Magalhães Mota, não me levará a mal se começar por lhe dizer que, na sua intervenção, o Sr. Deputado se estendeu demasiado - pelo menos do meu ponto de vista - nos «entretantos» e deixou talvez para a discussão na especialidade os «finalmentes». E creio que há, nestas propostas e projectos de lei, «finalmentes» que podem iluminar sobre qual é o posicionamento dos diferentes proponentes dessas propostas e projectos de lei, em relação a matérias que o Sr. Deputado aflorou e que têm a ver com a independência dos meios de comunicação social e, neste caso concreto, através da radiodifusão sonora.
Sem entrar em grandes pormenores, gostaria de saber, concretamente, qual é a posição do Sr. Deputado em relação a uma questão que já tem sido aqui controvertida, ao longo deste debate: deve ou não o conselho da rádio ter poderes deliberativos e vinculativos? Ou deve limitar-se - tal como acontece na proposta de lei apresentada pelo Governo - a ser, no fundo, um órgão meramente decorativo?
Queria colocar-lhe outras questões mas, de momento, ficarei por aqui.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Agradeço aos Srs. Deputados intervenientes a possibilidade que me dão de completar o meu pensamento porque, na verdade, tendo proferido de improviso uma intervenção, não regulei devidamente o meu tempo, isto é, julgava que tinha mais e fui surpreendido pela luz vermelha, pelo que tive que abreviar as minhas palavras.
Ainda que rapidamente, e começando pelas questões do Sr. Deputado Lopes Cardoso, que são mais concretas, dir-lhe-ei que penso exactamente que o conselho da rádio deve ter poderes deliberativos e vinculativos e que, só assim, a orientação sobre a rádio deixará de ser uma orientação proferida por via indirecta, administrativa ou legislativa, para poder ser uma expressão de um corpo social organizado, como será esse conselho da rádio.
Penso que essa deverá ser a tendência e, portanto, creio que, nesse aspecto, estaremos completamente de acordo.
E direi mais: para que esse conselho deliberativo tenha uma expressão democrática, que me parece ser mais correcta, haverá que corrigir, por exemplo, um dos preceitos da proposta governamental que, permitindo ao Governo, designadamente, um representante por cada departamento, criaria, à disposição do Governo, o meio de influenciar o quorum desse conselho da rádio.
Creio que, se os organismos governamentais tiverem, eles todos, um só representante, o conselho da rádio ganhará em eficácia, pela redução do número de representantes. Certamente, não será difícil ao Governo entender-se quanto à designação desse representante.
Risos.

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Houve alguns sorrisos mas, ao contrário do que pensa o deputado José Niza, eu sou optimista.
Portanto, penso que essa fórmula é perfeitamente eficaz e necessária.
Direi, em relação àquilo que diz o deputado José Niza, o seguinte: longe de mim - e nunca por qualquer forma, directa ou indirecta, o pus em causa - negar o papel democrático, quer da Assembleia da República, eleita expressão de um voto popular, quer do Governo, saído de uma maioria livremente assumida por esta Assembleia, quer da própria legitimidade dessa maioria. Só que, nenhuma dessas questões tem a ver com a necessidade de se acautelarem, em relação ao futuro e através de mecanismos legislativos, as fórmulas de actuação e de interferência do poder político nos meios de comunicação social. Todos o sabemos - e esta mesma afirmação poderia ser feita em relação a sucessivos governos -, todos já aqui, de uma forma ou de outra, o denunciámos. Só que, alguns de nós o vimos denunciando com regularidade e outros mais a espaços, mas todos nós temos denunciado interferências de sucessivos governos - todos eles saídos de maioria - nos órgão de comunicação social.
Creio que, de uma vez por todas, em lugar de atirarmos pedradas aos vizinhos, mais valerá que nos assumamos como preocupados com estas situações e criemos as fórmulas legislativas capazes de melhorarem essa situação.
Creio que não importa que nas situações de oposição nos lastimemos das situações de que nós próprios pretendemos usufruir depois, quando Poder. Mais vale que, cada um de nós, conhecendo uma situação que é exacta, tome conta dela, a assuma e - se me é possível utilizar a expressão - impeça sucessivos poderes de caírem na tentação - que tem sido fácil e tem sido visível - de utilizarem os meios de comunicação.
E eu apontei duas fórmulas: uma, a fórmula legislativa de que falei aqui há pouco, e em esclarecimento, da importância que têm os conselhos e o papel deliberativo que devem ter.
Acrescentaria uma outra, de que tive ocasião de falar durante a minha intervenção. Penso que o papel a atribuir aos profissionais de informação nesses meios, porque os meios de comunicação social são, essencialmente, informação e todas as condições que lhes forem garantidas, de independência e dignidade no exercício profissional, poderão contribuir para esse pluralismo, para esse dignificação e para a própria democraticidade dos meios de comunicação social. Creio que, por essas formas, estaremos certamente a dar passos em frente, que todos nós desejamos muito mais do que fazer manifestações de pura confiança.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Magalhães Mota, a razão porque acendeu a luz vermelha e esgotou o seu tempo foi porque lhe tinham sido marcados 15 minutos, que é o tempo regimental das intervenções, embora neste debate, como há tempos distribuídos, se possa seguir outro critério.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Leão.

O Sr. Manuel Leão (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após a entrada em vigor da Lei da Revisão Constitucional, nomeadamente através do artigo 38.°, n.° 8, impunha-se nesta Assembleia a discussão da lei da radiodifusão, que regulasse este importante meio de comunicação social.
Tal facto, não será de mais salientar, é a extensão natural de outras leis similares aplicáveis à imprensa e à televisão com vista à regularização do quadro jurídico pelo qual se exerce hoje a comunicação social.
Não obstante serem passíveis de algumas críticas, e tendo em conta os meios disponíveis, pode-se dizer, de uma maneira geral, que as emissoras existentes têm cumprido o seu dever social e público, especialmente no que concerne ao enriquecimento formativo e informativo das populações portuguesas que, por força de circunstâncias diversas, ouvem a rádio nas suas várias frequências durante os seus momentos de lazer e de trabalho.
O profissionalismo de alguns jornalistas, associado à qualidade e isenção dos seus programas, ainda superam as conveniências político-partidárias cada vez mais enraizadas nos mecanismos de informação social.
A este respeito, não se pode deixar de lavrar uma severa crítica às instituições competentes, pela forma como, contrariamente à assunção da liberdade e do rigor, induzem os órgãos de comunicação social as suas perspectivas político-partidárias, num verdadeiro atentado à consciência colectiva do público ouvinte que assim se vê restringido nos seus direitos constitucionalmente adquiridos.
É, pois, em face do atrás exposto, que se impõe à Assembleia da República a discussão da lei da radiodifusão e da fixação do regime de licenciamento referente às estações emissoras.
Não é matéria acerca da qual convenha fazer exercícios teóricos da explicação ideológica, mas em cuja regulamentação deve imperar o realismo e o sentido prático, temperador de uma visão ousada de progresso.
Implicarão as leis agora em discussão uma corajosa ruptura com as concepções prevalecentes no passado, ou tão-só um exercício jurídico que vise, timidamente e sob a protecção tutelar do Estado, controlar um fenómeno irreversível que é resultante da transformação tecnológica oferecida nos últimos decénios e de exigências crescentes dos cidadãos de aumentar as possibilidades de escolha.
É, pois, em face do atrás exposto que se impõe uma reflexão séria e cuidadosa sobre os três projectos de lei - o do Governo, o do PCP e o da UEDS - por forma a perspectivar as melhores e mais justas condições de trabalho, quer para as emissoras privadas, quer para as públicas.
Numa análise global, a proposta e projectos de lei em causa, com atenuantes para a proposta do Governo e para o projecto da UEDS, evidenciam ainda pressupostos não consonantes com aqueles que temos vindo a defender.
Na verdade, entendemos que subjacente a estes projectos de lei, por um lado, e à nossa posição face a eles, por outro, existem duas filosofias próprias, algo antagónicas. Assim sendo, entendemos o acesso à radiodifusão como o exercício de um direito fundamental e não como o simples cumprimento de um serviço público.
Encarado desta forma o problema, as empresas públicas e privadas que se dedicam à prática da radiodifusão, além de outras obrigações, consoante a sua natureza e discriminação em estatuto próprio, podem e devem confluir na satisfação do interesse geral.
Maior atentado à iniciativa privada é, no entanto, apresentado pelo projecto do PCP, através do seu artigo 2.°, conferindo à Radiodifusão Portuguesa, E. P.,

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o serviço público de acordo com os seus respectivos estatutos.
Refira-se a propósito não ser de estranhar o articulado no projecto do PCP sobre esta matéria, conhecidos que são os seus objectivos colectivistas e totalitários.
A comunicação social, tal como é encarado nos países do Leste da Europa, é o puro veículo dos objectivos políticos emanados pelo poder estatal num perfeito atropelo às mais elementares regras do pluralismo e da liberdade.
É contra este atentado à iniciativa privada (e pública) que erigimos a nossa atenção e pela qual viemos com-susbstanciar os nossos pontos de vista.
Outro motivo de discordância prende-se com o intervencionismo do Estado na organização, gestão, funcionamento e propagação das emissoras privadas de radiodifusão através do conselho de rádio e das respectivas tutelas.
A existência de um conselho da rádio, fortemente politizado com funções tutelares sobre as entidades privadas, nega o princípio elementar de que deverão ser os tribunais os agentes fiscalizadores da actividade respectiva em conformidade em o disposto na lei.
Por outro lado, a tutela das empresas públicas de radiodifusão, através do conselho de comunicação social, conselho da rádio e do membro do Governo afigura-se também pouco razoável quando se quer admitir critérios de apreciação rigorosos e independentes do poder político e económico.
Noutro âmbito, não menos importante, entendemos existir nos projectos de lei em causa um conceito inadequado do pluralismo informativo.
É através do confronto (ideológico, moral e religioso) das diversas emissoras que, de uma forma mais sensível, se pode implementar o pluralismo e não como nos é apresentado pelo Governo, PCP e UEDS, pela obrigação de em cada uma delas se acolherem todas as correntes de opinião.
Tal, como é óbvio, só deverá ser aplicável às empresas privadas e não às públicas dado o carácter independente que sobre estas, em nosso entender, deve pender.
Assim, passaria a ser consequência directa da concorrência leal entre os diversos órgãos de comunicação social, privados e públicos tal como actualmente se verifica com a RDP e a Rádio Renascença a valorização da empresa por si e de todos os profissionais envolvidos, cabendo ao Estado o papel de garante das regras da concorrência nomeadamente no domínio da distribuição das receitas das taxas e das isenções fiscais.
Esta posição não é, aliás, nova nesta Assembleia dada a nossa intransigente luta na defesa da iniciativa privada, nos mais diversificados sectores, como via para a abertura de novas perspectivas de vida a todos os Portugueses, especialmente os de menores recursos, carentes que são muitas vezes de emprego e de apoio da sociedade em que se inserem.
Idêntica posição iremos assumir quando nesta Casa for discutida a possibilidade de abertura à iniciativa privada da comunicação televisiva.
A televisão privada é, pois, um direito a que deverão ter acesso as empresas que se dedicam à comunicação social.
Entendemos, pois, que, tal como compete ao Estado, através do Governo, o estímulo ao investimento como única via para o desenvolvimento do País, compete
também ao mesmo a criação das condições mínimas para que esse desenvolvimento se proporcione em todos os campos sociais, políticos e económicos, nomeadamente no da comunicação social.
Vem a propósito citar aqui o comunicado das associações de imprensa, a AID e a AIND, sobre os projectos de lei em causa. Assim, dizem elas que o Governo deve conceder condições às empresas de comunicação social que reunam suficientes garantias de organização e capacidade empresarial para serem elas a exercer, preferencialmente, a actividade de radiodifusão de cobertura geral e nacional.
Existe, pois, sobre esta matéria perfeita sintonia com a nossa opinião.
A última consideração global dirige-se para a insuficiência dos direitos adquiridos pelas estações privadas já existentes, cujo exemplo mais significativo é a Rádio Renascença.
A este respeito, desde já adiantamos, que se entende necessário que a partir da entrada em vigor da lei da radiodifusão, todas as empresas que se dediquem a este ramo da comunicação social devem possuir o respectivo licenciamento de acordo com a lei que oportunamente deverá ser aprovada, e que adiante passarei a analisar.
No entanto, existem estações emissoras, actualmente em conformidade com a lei, cujo contributo no domínio do serviço público tem sido por de mais evidente e razão pela qual merece, pela parte da Assembleia da República, especial respeito e atenção. Para elas, entendemos dever existir um reconhecimento tácito, resultante das autorizações oportunamente concedidas, independente de quaisquer formalismos, por forma a evitar a possibilidade inadmissível de várias centenas de milhares de cidadãos portugueses de a deixarem de poder ouvir.
Por outro lado, o impedimento da ampliação ou do aumento da potência das redes de emissores privados, para além das já autorizadas, constitui por si só mais um factor impeditivo ao desenvolvimento destas emissoras com os consequentes prejuízos em termos de qualidade de emissão e captação dos radiouvintes.
São estas, pois, genericamente, as razões que levam o Grupo Parlamentar do CDS a abster-se em relação à proposta de lei do Governo e ao projecto de lei da UEDS e a votar negativamente o diploma do PCP, razões essas que, resumidamente, se caracterizam por:

Haver limitação à iniciativa privada;
Haver um exagerado intervencionismo estatal na organização, gestão, funcionamento e propagação dos emissores privados de radiodifusão.
Haver um inadequado conceito de pluralismo informativo.
Não haver um reconhecimento das estações emissoras privadas já existentes.
Quanto à proposta de lei n.° 74/III, sobre o licenciamento das estações emissoras de radiodifusão, que resulta do artigo 2.° da própria proposta de lei da Radiodifusão, apresentada pelo Governo, subsistem também algumas das objecções atrás expostas, de idêntico sentido de voto.
Entendemos que o diploma em causa pode constituir um passo decisivo para o controle racional e para a própria inviabilização do aparecimento desmesurado de emissoras que mais não sirvam do que porta-vozes de grupos de pressão, contrariando desta forma a pró-

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pria essência do pluralismo informativo e da qualidade de recepção.
Mas discordamos frontalmente do exposto no artigo 4.°, onde é concedido apenas a empresas públicas o acesso às ondas curtas e longas, conhecido que é o facto de haver, pelo menos, uma estação emissora privada operando nessas frequências com préstimos concedidos aos cidadãos portugueses que remontam à perto de 50 anos consecutivos - a Rádio Renascença.
Ainda no que respeita ao exposto no artigo 18.° e seguintes, aplicam-se as críticas atrás apresentadas e que resultam, em nossa opinião, de uma exagerada e inconcebível tutela pela parte do Governo sobre a organização e actividade radiofónica.
O objectivo final deste presente projecto-lei deveria ser o de criar condições para uma maior independência, objectividade e responsabilidade pela parte dos operadores privados, no sentido de poder conceder aos ouvintes uma maior qualidade e liberdade de escolha, o que parece efectivamente não acontecer.
Por fim, e no que respeita ao projecto de lei n.° 252/III, sobre «os serviços locais de radiodifusão sonora por via hertziana», entendemos ser realmente urgente a criação de mecanismos que facilitem o licenciamento dos serviços locais de radiodifusão, vulgo rádios livres, por forma a contribuir para uma maior regionalização quer das notícias difundidas quer para valorização das colectividades subjacentes.
Entendemos, no entanto, não estarem suficientemente salvaguardadas tais garantias, razão única pela qual nos iremos abster na votação deste diploma.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Roque Lino.

O Sr. Roque Lino (PS): - Sr. Presidente, nós compreendemos que haja uma sequência lógica nos pedidos de esclarecimento e, eventualmente, nas figuras regimentais que se seguem à intervenção de um deputado neste hemiciclo. Só que, neste momento, há deputados a trabalhar em sessões especializadas e que vieram aqui propositadamente para fazer as votações marcadas regimentalmente para as 18 horas. Daí, Sr. Presidente, a razão para não podermos estar de acordo com este entendimento.

O Sr. Presidente: - Faz-se, então, a votação. Apenas coloquei a questão à consideração do Plenário.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Leão.

O Sr. Manuel Leão (CDS): - É só para dizer que não me oponho a que se faça a votação neste momento.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado. Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, para que o não tenha que fazer daqui a momentos, solicitava à Mesa que verificasse se há quorum, e no caso de o não haver que fossem adoptadas algumas medidas para que se pudesse votar.

O Sr. Presidente: - Já se está a proceder à contagem, Sr. Deputado.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, é para solicitar a V. Ex.ª que providencie no sentido de os deputados que se encontram nas comissões especializadas regressarem ao Plenário, aguardando-se os 3 minutos regimentais para se proceder à votação.

O Sr. Presidente: - Assim se fará, Sr. Deputado.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, faltam 8 deputados para obtermos quorum. Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, temos conhecimento de que está a decorrer uma conferência de líderes...

O Sr. Presidente: - Já avisámos, Sr. Deputado. Vozes do PS: - Estão a chegar!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão reunidas as condições para procedermos à votação. Assim, vamos votar o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo aos recursos do PCP e do MDP/CDE sobre a admissibilidade do projecto de lei n.° 460/III, que condiciona a afixação de publicidade ou de propaganda, bem como a realização de inscrições ou de pinturas murais.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD e da ASDI, votos contra do PCP, do CDS, do MDP/CDE e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez e a abstenção da UEDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Hernâni Moutinho.

O Sr. Hernâni Moutinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O CDS entende que a iniciativa legislativa do Sr. Deputado António Capucho é louvável. De facto, a matéria tratada no projecto de lei merece, sem dúvida, a maior e urgente atenção desta Câmara.
Torna-se, de facto, necessário regulamentar o exercício do direito em causa. Mas parece-nos que não pode nem deve deixar-se tal exercício na dependência de um poder discriminatório, que se traduza em mera arbitrariedade.
O CDS sempre tem entendido que só em casos extremos, quando um projecto de lei ou proposta de lei esteja ferido de inconstitucionalidade grosseira, que ponha o diploma globalmente em causa, a iniciativa legislativa não deve ser admitida. Em nossa opinião, estamos perante um desses casos. Na verdade, o projecto de lei n.° 460/III viola flagrante e claramente o n.° 2 do artigo 37.° da Constituição. Com efeito, parece-nos que atinge o conteúdo do direito fundamental e consubstancia, ipso facto, uma verdadeira restrição.
Acresce que o eventual afastamento dessa inconstitucionalidade deixaria totalmente descaracterizado o referido projecto de lei, dado este assentar toda a sua

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filosofia no licenciamento prévio, razão de ser da inconstitucionalidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eis sinteticamente enunciados os motivos pêlos quais o CDS vota contra o presente parecer.
Perante o voto favorável, o CDS espera que o diploma sofra, aquando da discussão na especialidade, alterações profundas, dele ficando apenas a louvável intenção da iniciativa.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Licínio Moreira.

O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos favoravelmente o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, como, aliás, já havíamos feito em Comissão.
Em primeiro lugar, e no nosso entender, o conteúdo essencial do direito fundamental, que é a liberdade de expressão e informação, não é restringido.
Em segundo lugar, o projecto de lei n.° 460/III propõe-se regulamentar aquele direito previsto no artigo 37.° da Constituição da República, na medida em que este diploma, no seu artigo 242.°, reconhece o poder regulamentar próprio das autarquias locais nos limites da Constituição e das leis.
Em terceiro lugar, garantindo também a Constituição, no seu artigo 62.°, o direito à propriedade privada, há que compatibilizar a vivência simultânea deste direito com o direito de liberdade de expressão e informação nos casos em que possam colidir.
Assim, no nosso entender, o projecto de lei n.° 460/III, no seu conjunto, não viola os artigos 18.° e 37.° da Constituição da República, apontados pelo MDP/CDE e pelo PCP, nem os artigos 10.°, 48.°, 51.° e 57.° do mesmo diploma referidos também pelo PCP.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Passamos agora à votação do parecer da Comissão de Equipamento Social e Ambiente, que recusa o processo de urgência do projecto de lei n.° 203/III, apresentado pelo Sr. Deputado Independente António Gonzalez, sobre a criação do cargo de promotor ecológico com vista à defesa da vida e do meio ambiente.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e votos contra do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado João Porto.

O Sr. João Porto (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.° 203/III foi objecto de análise na Comissão de Equipamento Social e Ambiente, a qual, no dia 6 de Março, aprovou um parecer sobre o mesmo assunto. Trata-se de um projecto que está em condições de ser discutido no Plenário.
Mais tarde, face ao pedido de urgência, a mesma comissão debruçou-se sobre ele, nos termos regimentais, e apresentou o relatório que acabamos de aprovar.
O CDS votou favoravelmente esse relatório e subscreveu já na altura os argumentos que serviram de base, digamos, à sua fundamentação. O primeiro argumento resulta das circunstâncias de já ter sido feita a discussão prévia na Comissão, o segundo o não se considerar conveniente estar a limitar, antes da própria conferência dos grupos parlamentares, a fazer, as condições em que vai processar-se, aqui no Plenário, a sua discussão na generalidade e, finalmente, o facto de a Comissão não considerar conveniente que se limite também a sua capacidade de discussão na especialidade, se a questão efectivamente descer à Comissão.
Por esse motivo o CDS entendeu no Plenário não participar no debate, até porque estava apenas em discussão o problema da urgência.
Por outro lado, entendemos guardar para mais tarde a nossa posição de fundo sobre esta matéria. Assim sendo, reservámos para esta declaração de voto o sublinhar das razões que, já na Comissão, nos levaram ao nosso voto, o qual aqui voltámos a subscrever.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Votámos contra o parecer da Comissão que impediu o carácter de urgência ao projecto de lei n.° 203/III, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, porque aquele projecto de lei, visando a criação do cargo de promotor ecológico, nos parece um projecto de lei que apresenta, defende e viabiliza uma iniciativa de interesse para o nosso país. Em segundo lugar, não nos convenceram as razões processuais invocadas no parecer. Para nós o que fica são puras razões de conveniência ou inconveniência política, e nesta matéria o MDP/CDE defende a conveniência política da urgência da apreciação deste projecto de lei. Por isso, votámos contra o parecer da respectiva Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos à votação final global da proposta de lei n.° 78/III, que autoriza o Governo a legislar em matéria de estatuto do pessoal dirigente e regime e estrutura das carreiras dos trabalhadores da Administração Pública, central e local.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD e da ASDI, votos contra do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez e a abstenção do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do PCP votou contra a aprovação, em votação final global, do projecto de lei n.° 78/III, que visa autorizar o Governo a legislar em matéria de estatuto do pessoal dirigente e regime e estrutura das carreiras dos trabalhadores da Administração Pública, central e local.
E fizemo-lo, em primeiro lugar, por uma questão de princípio. Trata-se de deixar bem claro que, no entender do PCP, não pode ser aceite que o Governo, em matéria de função pública, insista em optar pêlos pedidos de autorização legislativa, em detrimento da apresentação atempada e fundamentada de propostas de lei.

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É que, Srs. Deputados, este Governo insiste e persiste, em matéria de função pública, como em muitas outras, em tentar passar um atestado de menoridade a esta Assembleia da República, obrigando-a a votar de cruz, e com debate reduzidíssimo, os pedidos de autorização legislativa, negando-lhe o debate sério, podendo, documentado e preparado, ser amplamente requerido pela importância de matérias como a que acabámos de votar.
Em segundo lugar, votámos contra porque qualquer outra posição de voto significaria passar um cheque em branco ao Governo quanto aos direitos e interesses dos trabalhadores da função pública, uma vez que o Governo não clarificou, ao longo do debate, qualquer uma das questões que aqui foram colocadas pela minha bancada.
Por outro lado, Srs. Deputados, estão ainda bem presentes no nosso espírito as utilizações que os sucessivos governos do PS, do PSD e do CDS têm vindo a fazer das autorizações legislativas que, sobre o Estatuto da Função Pública, lhes têm vindo a ser concedidas pelas suas maiorias de apoio.
E assim surgiu o estatuto disciplinar, o pacote dos excedentes e muitos outros diplomas, todos assentes na instabilidade e na precariedade dos vínculos de emprego, na dependência unilateral dos administrados face à Administração e no potencial recurso ao despedimento sumário. Mas neste caso a questão ainda é mais grave. Pedindo apenas uma autorização legislativa, o Governo propõe-se legislar sobre duas matérias distintas, a saber: em primeiro lugar, o estatuto do pessoal dirigente da função pública e, em segundo lugar, as carreiras dos trabalhadores da função pública.
Se quanto ao segundo diploma se poderia dizer que, tarde e a más horas, o Governo remeteu à Assembleia um anteprojecto de decreto-lei, já quanto ao primeiro, estatuto do pessoal dirigente, o Governo foi totalmente omisso, quer no debate em Plenário, quer na comissão de especialidade. Mas, ainda assim, registe-se que na própria Comissão foi admitido que o anteprojecto enviado poderia sofrer ainda alterações não se determinando, porém, o seu alcance, objecto e extensão.
Trata-se, pois, e mais uma vez, de um puro e simples cheque em branco à Assembleia da República, o qual, pelo nosso lado, nos recusamos a passar.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Cunha e Sá.

O Sr. Cunha e Sá (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma muito breve declaração de voto, visto que na discussão na generalidade já nos pronunciámos suficientemente sobre o assunto.
A bancada do Partido Socialista votou favoravelmente a proposta de lei n.° 78/III, que autoriza o Governo a legislar em matéria de estatuto do pessoal dirigente e regime e estrutura das carreiras dos trabalhadores da Administração Pública, central e local pelas razões que passamos a expor: no que respeita ao regime e estrutura das carreiras da Administração Pública, por tal proposta, como o projecto de decreto--lei que lhe veio anexo, inserir princípios portadores de uma assinalável carga de inovação no domínio da gestão dos recursos humanos da Administração Pública. Por acautelar uma formação mais qualificada e exigente
nas áreas da gestão dos lugares de dirigentes, conferindo-lhe, em contrapartida, estabilidade profissional e remuneração mais compatível com a responsabilidade e complexidade dos respectivos cargos.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo usa e abusa das autorizações em branco, em vez de apresentar a esta Assembleia as respectivas propostas de lei, em concreto. Mais uma vez o fez com esta proposta de lei e, naturalmente, não só os próprios organismos de classe da Função Pública têm manifestado a mais profunda discordância sobre as iniciativas legislativas do Governo, em matéria da Função Pública, como também nós, MDP/CDE, não podemos ter confiança na actuação do Governo, nesta ou em qualquer outra matéria.
Por outro lado, trata-se de a Assembleia da República abdicar da sua competência própria em favor do Governo, o que nada justifica. Por isso, votámos contra o parecer da respectiva comissão e a aprovação na especialidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à votação final global do projecto de lei n.° 44/III, sobre a criação da Ordem de Camões, apresentado pela ASDI.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e a abstenção do Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.

A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD votou favoravelmente o texto final global do projecto de lei n.° 44/III, após a discussão na especialidade na Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Houve certas actuações introduzidas com as quais estamos completamente de acordo.
Assim, no artigo 1.°, diz-se que a Ordem de Camões se destina a galardoar serviços relevantes prestados «por pessoas singulares ou colectivas nacionais ou estrangeiras». Esta extensão a pessoas colectivas nacionais ou estrangeiras, bem como a estrangeiros, deste importante galardão, evidencia o apreço por todos quantos, das mais diversas formas e mais diversos níveis, promovem a expansão da língua e da cultura portuguesa.
A seguir, no artigo n.° 5, encurta-se o prazo de regulamentação, de 90 para 60 dias, dos modelos do distintivo e das insígnias da ordem. Parece razoável que assim seja.
Mais controverso, todavia, se nos afigura a atribuição ao Presidente da Assembleia da República da faculdade de propor a atribuição da Ordem de Camões. Deste modo, o Presidente da Assembleia da República faz a proposta e o Presidente da República atribui a condecoração. Temos quanto a isso umas certas reservas.
É que, constitucionalmente, não se descortina tal competência no âmbito da Assembleia da República.
Regimentalmente, também não se inclui no rol de competências do Presidente da Assembleia da Repú-

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blica, em relação a outros órgãos, nomeadamente, em relação ao Presidente da República.
Na revisão constitucional atribui-se ao Presidente da República a qualidade de grão-mestre das ordens, que antes não lhe era nessa sede atribuída. Mas não é isso que se põe em causa ou se discute. O que se questiona é, como disse, a faculdade de o Presidente da Assembleia da República fazer a proposta ao Presidente da República para que este atribua qualquer dos graus desta ordem.
Não radica na tradição, nem se enquadra na Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, tanto mais que ao Presidente da Assembleia da República não devem, em princípio, ser atribuídas competências próprias, do tipo da que está em causa, para além das que, constitucionalmente, lhe são conferidas.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Renovamos o voto que produzimos aquando do debate na generalidade. Os trabalhos da comissão, mantendo a estrutura do projecto de lei, introduziram sensíveis benfeitorias técnicas, e não só, designadamente no que concerne ao facto de caber agora também ao Presidente da Assembleia da República o direito de propor ao grão-mestre das ordens honoríficas portuguesas a atribuição dos diversos graus da Ordem de Camões.
Definiu-se melhor o objecto, reduziu-se o prazo para que o Governo, por via de decreto regulamentar proceda à elaboração dos modelos dos distintivos e das insígnias, assim se facultando a possibilidade de, já em Abril próximo, poderem cidadãos portugueses ou estrangeiros ser honrados com o novo galardão.
Certamente que o nome de Camões, tornando exigente os requisitos da atribuição, não deixará de ser, por mais esta via idónea, adequada e justamente memorado.
Tanto bastaria para que, considerando ainda as correctas soluções jurídicas encontradas, contribuíssemos, após o labor da comissão, para dotar a República Portuguesa de uma lei que a não deslustra. Aditadas a estas as considerações que tivemos oportunidade de produzir durante o debate na generalidade, bem se compreenderá que a posição do PCP, neste domínio, se pautou por uma atitude de rigor, de contribuição para o enriquecimento sistemático e pontual do projecto de lei da ASDI e, como é nosso timbre, pela adequação a um trabalho parlamentar responsável e dignificador.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Moura.

O Sr. Vieira de Moura (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao aprovar na generalidade o projecto da ASDI que cria a Ordem de Camões, o Partido Socialista já deixou bem patente as motivações que inspiraram a sua concordância. Por isso o voto favorável que hoje damos na votação final global não carecerá de grandes despesas de argumentação dado que as ligeiras modificações que lhe foram introduzidas nas especialidade não lhe tocaram na estrutura essencial daquilo que, a nossos olhos, justifica a sua criação.
Não quer, apesar de tudo, o Partido Socialista deixar de - na sequência do que ficou marcado quando da aprovação na generalidade - eximir-se a vincar que o seu voto favorável é dado na esperança de que a atribuição dos galardões nela contidos só serão concedidos a quem, quer por motivos culturais, quer por motivos de criação literária enriquecedora da língua, quer por trabalhos sérios na defesa da sua pureza, o mereçam.
O nome do patrono que enobrece a ordem agora criada implica - a nosso ver - uma rigorosa selectividade na sua atribuição. E, ao mesmo tempo, entendemos que tudo o que sirva para estimular a defesa da língua e a sua preservação de poluições indesejáveis; tudo o que contribua para a enobrecer com obras de arte que a projectem no mundo - sobretudo no mundo que fala o português e no interesse de lusófilos que a ela prestem culto -, serão os destinatários idóneos da sua atribuição.
Só assim ela poderá servir o fim para que foi criada. isto é, o fim de homenagear o maior vulto que se exprimiu na língua portuguesa!

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra, também para uma declaração de voto, o Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A unanimidade verificada na votação final global do projecto de lei n.° 44/III, que visa criar a «Ordem honorífica de Camões», numa Assembleia plural, como é a nossa, legitima que saudemos o facto e que sublinhemos como são possíveis os consensos em redor de iniciativas que se inscrevem num quadro da defesa de valores culturais que nos são próprios.
Honrar o mérito, distinguir todos os que prestem serviços relevantes à comunidade a que pertencemos, parece ser um dado adquirido na democracia que cada vez mais aprofundamos.
Com este pressuposto de ordem geral, bem se compreende a receptividade que mereceu a presente iniciativa legislativa, que vai no sentido de se poderem distinguir e galardoar os serviços relevantes prestados à cultura portuguesa, à sua projecção no mundo, à conservação dos laços dos emigrantes com a mãe pátria, à promoção da língua portuguesa e à intensificação das relações culturais entre os povos e as comunidades que se exprimam em português.
O facto de se confiar a atribuição dos diferentes graus da Ordem de Camões ao chanceler das demais ordens honorificas, ou seja, ao Presidente da República, é para nós uma garantia de uma criteriosa apreciação dos méritos a reconhecer e a galardoar, o que sempre se imporá em respeito pelo próprio patrono da Ordem, estancio certos ainda de que só com a afirmação constante do prestígio desta, a mesma poderá funcionar como estímulo efectivo à prática de altos e relevantes serviços prestados à comunidade nas áreas referidas.
Por outro lado, cabendo o poder de iniciativa para a atribuição dos diferentes graus da Ordem ao Presidente da Assembleia da República, ao Governo, aos governos das regiões autónomas e ao governador de

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Macau, estamos em crer que um são critério selectivo haverá sempre de preceder a apresentação de cada iniciativa.
A atribuição ao Presidente da Assembleia da República daquele poder de iniciativa, que não figurava - por lapso evidente e de que nos penitenciamos -, na formulação inicial do projecto de lei, apesar de incompreensivelmente, não ter merecido o voto favorável do PSD na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, julgamos que enriquece o diploma acabado de aprovar.
De facto, não se compreenderia que o Presidente da Assembleia da República, segunda figura no quadro institucional português, ficasse apoucado ou esquecido entre as entidades a quem, por direito próprio, se concede o direito de propor a concessão dos graus da Ordem de Camões. Para além da sua elevada colocação na hierarquia constitucional, a verdade é que, nesta Casa, não raro chegam ecos de pessoas e entidades que, em prol da expansão da língua e da cultura portuguesas, do estreitamento dos laços dos emigrantes com a mão pátria ou dos diferentes povos que falam a nossa língua - e melhor intérprete não se poderia escolher - para, junto do chanceler das ordens honoríficas, propor a distinção das pessoas ou entidades que tal mereçam.
Além da referida, as ligeiras alterações introduzidas pela Comissão, na discussão e votação na especialidade, contribuíram para o aperfeiçoamento formal do projecto de lei, num trabalho colectivo que é de sublinhar.
Por último, resta-nos esperar do Governo uma rápida regulamentação da matéria que disso carece, por forma a que se torne possível, no próximo dia 10 de Junho, comemorar tão importante efeméride nacional com o início da aplicação do decreto que acabamos de votar.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDL

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos para interpelar a Mesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, interpelo a Mesa porque é a figura que tenho para colocar as questões que entendo colocar a V. Ex.ª
Sr. Presidente, foi com estupefacção que a minha bancada acaba de tomar conhecimento que a conferência de líderes parlamentares havia tomado deliberações quanto à organização dos trabalhos da Assembleia para a próxima semana, deliberações essas que não só violam as prioridades constitucionais e regimentais, como põem em causa, em nosso entender, a seriedade com que devem decorrer os debates e os trabalhos parlamentares.
Ao que somos informados, pretende-se, pura e simplesmente, agendar para a próxima semana o debate sobre a adesão de Portugal às Comunidades Económicas Europeias...

Vozes do PS: - Muito bem!...

O Orador: - ... pondo a comissão parlamentar respectiva a funcionar de sopetão e obrigando a que o Plenário funcione simultaneamente com os trabalhos da Comissão, sem garantia de fornecimento de dossiers ou de presença de membros do Governo. Tudo isto, Sr. Presidente, conjugado com um «colete de forças» em termos de tempos a atribuir para o debate, que
transformariam a Assembleia da República na ribalta de um espectáculo que não viabilizaria, certamente, uma discussão séria e aprofundada sobre um tema daquela natureza e se converteria numa verdadeira farsa.
Por outro lado, Sr. Presidente, pretender-se-ia fazer agendar para terça-feira matéria que não tem prioridade regimental. E é bom - uma vez que foi feita a revisão do Regimento -, que a maioria e o Governo se habituem a que quando queiram ver matérias da sua responsabilidade discutidas por esta Assembleia, recorram aos pertinentes dispositivos constitucionais e não pensem que é possível ultrapassar as prioridades regimentais. E isto é ainda mais grave, Sr. Presidente, dado que, também nesta matéria, se pretendia impor à oposição um verdadeiro «colete de forças»! Mas, Sr. Presidente, as decisões que acabam de ser tomadas pela conferência revestem ainda mais gravidade porque não estava presente um dos partidos da oposição. Ora, tratando-se de matérias tão graves e tão sérias como aquelas que se pretendem ver agendadas, é inadmissível que uma decisão como esta tenha sido tomada nas condições em que foi adoptada!
Por isso, Sr. Presidente, solicito a V. Ex.ª, em nome da minha bancada, que pudéssemos convocar uma conferência de grupos parlamentares durante o dia de amanhã, uma conferência em que pudesse ser travado um debate sério e aprofundado sobre as diferentes matérias e onde pudessem ser respeitadas as prioridades que o nosso Regimento fixa.

O Sr. Presidente: - Também para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
Entretanto, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, a minha interpelação - passe o pleonasmo -, é para interpelar a Mesa sobre a natureza da interpelação do Sr. Deputado Jorge Lemos. O Sr. Deputado pode impugnar uma fixação de uma ordem de trabalhos que o Sr. Presidente da Assembleia da República faça. Ora, não é o caso, visto que o Sr. Presidente da Assembleia da República ainda não anunciou a ordem de trabalhos. Essa impugnação corre os trâmites normais e será feita na altura oportuna. Logo, a figura regimental que o Sr. Deputado Jorge Lemos utilizou não existe. Mas o mais grave são as considerações de natureza política que o Sr. Deputado acabou de fazer, e que, naturalmente, nestas circunstâncias, não podem ser respondidas. São considerações de natureza política totalmente destituídas de fundamento, porque se há alguma coisa que esta Câmara tem a obrigação de fazer é debater a integração de Portugal na CEE, cujas negociações já estão encerradas. O que é escandaloso e nos deixa perplexos são todas as manobras que se têm feito para evitar que esse debate aqui se realize!

Aplausos do PS e do PSD. Vozes do PCP: - É falso!

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se vai interpelar a Mesa sobre este mesmo tema quero pedir a V. Ex.ª o favor de não usar da palavra porque não tem...

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O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Desculpe, Sr. Presidente, mas penso que lhe devo uma explicação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu é que devo uma explicação na medida em que V. Ex.ª ma pediu ao interpelar a Mesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, face à questão colocada pelo Sr. Deputado Carlos Lage, penso que devo uma explicação a V. Ex.ª.

O Sr. Presidente: - Não deve, não, Sr. Deputado Jorge Lemos, eu é que devo uma explicação a V. Ex.ª.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É entendimento da minha bancada que antes de se tomarem decisões que são anti-regimentais, enquanto o pudermos fazer, recorreremos a todas as formas para chamar ao bom senso as bancadas que, parece, não terem bom senso nesta matéria...

Protestos do PS e do PSD.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - O bom senso é uma coisa de inspiração divina, Sr. Deputado!

O Orador: - ... e que estão a querer encetar por um caminho que não dignifica os trabalhos desta Casa!

Protestos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vou ultrapassar esta questão, na medida em que
o PCP tem os instrumentos regimentais à sua disposição para impugnar as decisões, neste caso do Presidente, ao marcar a ordem do dia, o que está previsto no n.° 3 do artigo 54.° Penso, portanto, Srs. Deputados, que podemos ultrapassar esta questão!

Pausa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, agradeço a V. Ex.ª que tenha prestado explicações à minha bancada quanto aos meios regimentais que tínhamos para recorrer da decisão de V. Ex.ª, mas a minha interpelação teve outro objectivo. E esse objectivo ainda não o vi respondido por parte de V. Ex.ª
Era, portanto, no sentido de ser convocada uma conferência de representantes dos grupos parlamentares de imediato, se o entender, para que pudesse ser revista a situação criada e ser reposto no são o que, no nosso entender, não o está neste momento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, posso convocar essa conferência de líderes. Aliás, tenho todo o prazer e até interesse nisso, na medida em que a conferência de líderes que hoje teve início às 17 horas não terminou a respectiva agenda. Estão ainda muitos elementos por decidir e alguns deles com alguma urgência. Se porventura os representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares estiverem dispostos a reunir amanhã às 10 horas, tenho todo o interesse em fazer essa reunião. Mas farei a pergunta na altura própria.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. António Capucho (PSD): - É para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, não vou entrar em debate de fundo, aliás porque me parece que a interpelação do PCP é ilegítima pelas razões já invocadas pelo Sr. Deputado Carlos Lage, mas era apenas para dizer que nem eu nem a minha bancada estamos disponíveis para uma conferência de líderes tratar desta matéria. Já foi decidido em conferência de líderes, o Partido Comunista que recorra para o Plenário se quiser!

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Sr. Jorge Gois (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Jorge Gois (CDS): - Em termos de interpelação à Mesa, Sr. Presidente, não tomando posição neste momento - como, aliás, o fizemos há pouco acerca da matéria sobre a qual falou o Sr. Deputado Jorge Lemos, dado que não estivemos presentes na conferência de líderes -, queríamos apenas informar V. Ex.ª que se mantêm as razões que são do domínio público - e nomeadamente do domínio de V. Ex.ª - que nos levaram a não comparecer na reunião de hoje e que, como tal, não estamos também disponíveis para a reunião de amanhã.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou pôr à votação, na generalidade, o projecto de lei n.° 470/III - Alterações à situação jurídica do pessoal em serviço na Assembleia da República -, apresentado pelo PS, PSD, PCP, CDS, MDP/CDE, UEDS e ASDI.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai agora proceder à leitura de um requerimento respeitante a este diploma, subscrito por deputados de todos os partidos.

O Sr. Secretário (Roleira Marinho): - É do seguinte teor:

Os deputados abaixo assinados requerem a V. Ex.ª que o projecto de lei n.° 470/III baixe à Comissão especializada de Regimento e Mandatos para análise e votação na especialidade, pelo prazo de 8 dias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao ponto seguinte do qual consta a continuação da dis-

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cussão dos projectos de lei e propostas de lei de radiodifusão.
Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Manuel Leão, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho Branquinho
.
O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Sr. Deputado Manuel Leão, devo dizer-lhe que a sua intervenção me deixou um pouco perplexo. Perplexo quanto ao seu conteúdo e perplexo também quanto às contradições evidentes que nela se detectam, numa audição talvez não feita nas melhores condições mas que, dada a sua gravidade, se notam de facto.
V. Ex.ª vem hoje aqui defender posições que, paradoxalmente, o CDS defendeu em sentido contrário nas discussões que esta Câmara já travou, quer em 1979, quer em 1981. Na altura, o CDS tinha uma posição que hoje está, na sua generalidade, consubstanciada na proposta de lei n.° 73/III, no que diz respeito à actividade de radiodifusão. E V. Ex.ª vem hoje aqui anunciar, para espanto da Câmara, que o CDS se vai abster. Ao fim e ao cabo, ficamos sem saber se o CDS mudou de opinião quanto às posições que defendeu no passado - tem todo o direito de o fazer -, ou se a posição do CDS é agora substancialmente diferente. Foi uma coisa que não percebi da sua intervenção.
Na proposta de lei n.° 73/III estão, de facto, consubstanciadas as posições que V. Ex.ª apresentou como sendo as defendidas pelo CDS e daí, como já referi, a posição de voto que o seu partido vai assumir.
Mas, voltando às contradições da sua intervenção, V. Ex.ª diz, em determinada altura, que as emissoras já existentes têm cumprido, para depois, mais à frente, dizer que está contra o aparecimento desmesurado de novas emissoras e para, ainda mais à frente, vir dizer que está de acordo com o aparecimento de novas rádios locais. Sr. Deputado, fiquei sem perceber bem. Ou ficamos com as actuais emissoras, ou abrimos a possibilidade de aparecerem novas emissoras e dentro delas o aparecimento das rádios locais! O que é que o seu partido defende? Está a favor ou contra o aparecimento das rádios locais? Está a favor ou contra a possibilidade de a actividade de radiodifusão ser feita por empresas privadas?
É isto que gostaríamos ficasse claro, até para que este debate não entrasse na «chicana» e continue a decorrer como até aqui.
Outra coisa que não percebi da sua intervenção, Sr. Deputado, é a sua posição em face do pluralismo informativo e em face da problemática do conselho da rádio. V. Ex.ª, no que diz respeito ao pluralismo informativo deu uma definição que, sinceramente, não percebi. Fiquei sem saber se V. Ex.ª se estava a referir à objectividade da informação e aos critérios de objectividade - e se foi contra isso devo dizer-lhe que, em princípio, somos capazes de ter uma posição idêntica. Quanto ao pluralismo informativo, Sr. Deputado, não há dúvidas! Ou há pluralismo ou não há pluralismo!
Nós defendemos o pluralismo informativo. Isso está, aliás, consagrado na Constituição. Julgo mesmo que é dos conceitos nela consagrados que mereceu o apoio unânime desta Câmara. Daí não percebermos como é que V. Ex.ª vem agora dizer que está contra o pluralismo informativo.
Quanto à problemática do conselho da rádio, então o seu partido é ou não a favor da independência dos
meios de comunicação social? V. Ex.ª, por várias vezes ao longo da sua intervenção, defendeu a independência da comunicação social e depois vem dizer que está contra a criação de um órgão cujos objectivos mais não são do que velar pela independência da comunicação social. Em que ficamos afinal, Sr. Deputado? São estas algumas das contradições evidentes na sua intervenção. Ou será que V. Ex.ª e o seu Partido não têm ao menos a hombridade, a honestidade e a simplicidade, até, de reconhecer que a actual proposta de lei n.° 73/VI - que o Governo elaborou e que tem o apoio quase unânime desta Câmara, o apoio dos partidos da maioria -, é, ao fim e ao cabo, uma boa proposta de lei e que nela estão consubstanciadas tantas discussões que foram feitas aqui nesta Câmara e que, aliás, o seu partido também subscreveu então?

O Sr. Presidente: - Visto que o Sr. Deputado Manuel Leão só pretende responder no fim, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso, também para formular pedidos de esclarecimento.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Deputado, uma questão muito concreta.
O Sr. Deputado teceu várias considerações em relação ao conselho da rádio, considerando nomeadamente que um tal conselho viria consagrar um intolerável intervencionismo nos organismos de radiodifusão - não vamos discutir esse problema -, por outro lado criticou a proposta de lei do Governo de licenciamento das rádios, mas não nos esclareceu, no fundo, ao fim e ao cabo, que critérios, em seu entender, deverão presidir ao licenciamento das rádios, já que, se outras razões não houvesse - existe pelo menos uma, e outras, no nosso ponto de vista -, o espaço rádio-eléctrico é limitado, há que gerir, há que atribuir. A quem deve, no entender do Sr. Deputado, caber a competência dessa atribuição e quais os critérios? Isto, porque parece não aceitar nem aquilo que consta do projecto de lei da UEDS - que seria um papel decisivo do Conselho da Rádio -, nem tão-pouco a proposta de lei do Governo, que seria uma intervenção do tipo governamental. Em que é que fica, Sr. Deputado? Qual é o critério a que se deverá sujeitar esse licenciamento?
Sendo certo, Sr. Deputado, que não me custará muito comungar do seu ponto de vista - e admito que seja um aspecto a reexaminar no nosso projecto de lei - de que o pluralismo não pode ser imposto aos órgãos privados, ele deve ser assegurado em toda essa faixa onde actuam as empresas privadas, através de critérios que assegurem o próprio pluralismo dessas empresas - critérios claros de licenciamento -, quais são, afinal, os seus critérios, Sr. Deputado?

O Sr. Presidente: - Ainda para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): - Sr. Deputado, também eu - pelo menos por aquilo que ouvi -, encontrei alguma confusão e muitos aspectos contraditórios na sua intervenção. Não tenho tempo, infelizmente, para colocá-los todos mas queria apenas colocar dois, designadamente quanto ao direito de informar. O Sr. Deputado defendeu que o direito de informar - que é, aliás, constitucional -, deve ser garantido e que em relação ao licenciamento haveria empresas que

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deveriam ter privilégios adquiridos e prévios em relação a todos os outros. Gostaria de lhe perguntar se aquilo que defendeu, de que as empresas de comunicação social já existentes - e que por não ter referido quais pedia-lhe que o fizesse - deveriam ter, à partida, condições preferenciais em relação aos outros concorrentes.
Penso que com o direito que se pretende aqui garantir, de igualdade entre todos, ficaria anulado, ficariam uns mais iguais do que outros - se assim o quisesse - e penso que, no fim de contas, levaria a um sistema concentracionário - seria uma solução de «funil» -, enquanto aquilo que está no espírito da lei e, penso que da maioria desta Assembleia, é, exactamente, abrir o leque, não só do pluralismo mas também da diversidade dos órgãos que se dediquem à radiodifusão.
Em relação a outra questão, que tem a ver com a garantia do pluralismo a nível local, gostaria de saber se o Sr. Deputado defende uma espécie de, digamos, arco-íris - onde cada cor terá o seu paladar -, a nível local, ou se, pelo contrário, tem alguns instrumentos que levem a defesa e à garantia desse pluralismo. Gostaria de saber qual é a solução prática que o CDS teria em relação a esta questão.

O Sr. Presidente: - Para responder às questões que lhe foram formuladas, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Leão.

O Sr. Manuel Leão (CDS): - Sr. Deputado Agostinho Branquinho, entendo - como, aliás, tive a oportunidade de explicitar durante toda a intervenção - que o serviço público exercido pela radiodifusão não deve ser da exclusiva responsabilidade de empresas públicas, mas sim de uma concorrência leal entre aquelas e as empresas privadas. Foi nesse sentido que tentei explicitar toda a intervenção, e penso não haver - se o Sr. Deputado tiver a oportunidade de ler a minha intervenção com atenção poderá confirmá-lo - quaisquer contradições ou qualquer tipo de erros!
O Sr. Deputado teve ocasião de explicitar, acerca da minha intervenção, dúvidas sobre o pluralismo informativo. O que defendo, como disse na minha intervenção, é que o pluralismo deve ser encarado no sentido de dar oportunidade a todas as empresas, quer às públicas, quer às privadas, de terem a sua própria identidade enquanto transmissoras de opinião e não exigir que em cada uma delas exista pluralismo de informação. Portanto, é da livre concorrência entre as emissoras que se exibe esse pluralismo e não no sentido que em cada uma delas tenha de haver pluralismo informativo.
Quanto ao conselho da rádio - e isto é uma resposta à pergunta, quer do Sr. Deputado Agostinho Branquinho, quer do Sr. Deputado Lopes Cardoso -, o nosso partido entende que não estão asseguradas as condições de independência existentes no conselho da rádio. Pela análise da sua composição, entendemos não estarem efectivamente asseguradas as condições mínimas de independência, que levariam a uma igualmente subjacente independência das empresas a criar.
Pelo que pude apanhar da intervenção do Sr. Deputado José Niza, posso adiantar que estou, de certa forma, em consonância com quase todas as afirmações que produziu aqui nesta Câmara. Entendo ser um direito colectivo e individual de todos os cidadãos portugueses o direito de informarem e de serem informados; entendo, no entanto, que o Governo deve criar condições de igualdade, igualdade na plena extensão da palavra, igualdade através de isenções fiscais, através da distribuição de taxas quer para as empresas públicas quer para as empresas privadas.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Agostinho Branquinho (PSD): - V. Ex.ª, é capaz de me referir, na proposta de lei n.° 73/111, onde é que não estão criadas condições de igualdade para os operadores privados e para os operadores públicos? Onde é que não estão? Mesmo no capítulo das isenções fiscais, é capaz de me referir um ponto só onde não estejam criadas condições de igualdade? Se V. Ex.ª o fizesse, ficaria bastante agradecido para melhor informação.

O Orador: - Sr. Deputado, efectivamente, não está explicitado na proposta de lei do Governo, mas também não está indicado! E é a razão da minha dúvida e a razão das minhas afirmações. Não obstante, o próprio artigo 2.°, no que diz respeito à titularidade, dá condições diferentes ao exercício do serviço público, quer das empresas privadas, quer das empresas públicas. E é justamente por esse facto que iremos abster-nos durante a votação destes projectos de lei em causa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Raul e Castro.

O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tem sido o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca quem tem acompanhado os debates sobre a lei da radiodifusão. No entanto, a sua ausência, devido a encontrar-se nos trabalhos do Parlamento Europeu, obriga-me a vir aqui substitui-lo nesta intervenção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Uma lei da rádio é essencial para se criarem regras de utilização e gestão das frequências, de forma a possibilitar-se uma regulamentação que tarda, o que tem facilitado que, em torno desta problemática, se se tenha enveredado por alguns processos menos transparentes, com actuações discriminatórias na concessão de licenciamentos.
Importa, por isso, legislar sobre esta matéria, mas legislar, tendo em conta os múltiplos e complexos aspectos de que se rodeia, de forma a garantir-se ao cidadão comum emissores de rádio diversificados onde se dê realce à formação cultural e à informação, no respeito estrito pela Constituição, no respeito estrito pêlos direitos e liberdades fundamentais, no respeito pelo pluralismo ideológico, pela independência , rigor e objectividade, assegurando-se a livre expressão do pensamento e o confronto das diversas correntes de opinião.
A rádio constitui na nossa opinião um poderoso meio de comunicação social, tanto ou mais do que a televisão, pois em relação à televisão os emissores de rádio atingem mais vastos estratos da população.
Por este motivo, há que cuidar de regulamentar a utilização da rádio facilitando frequências, licenciando com isenção e não deixando de impor certas regras que

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garantam, à partida, programações positivas capazes de concorrerem para a formação cultural do nosso povo e não para influências negativas como, infelizmente, se verifica em alguns casos no nosso país.
Importa referir que este debate se desenrola numa altura em que problemas relacionados com a comunicação social se agravam. E agravam-se nos meios áudio-visuais e na imprensa escrita, como, por exemplo, acontece na empresa Diário de Notícias/Capital.
Em ano de eleições, é altamente preocupante a forma como se desrespeitam, nomeadamente em alguns órgãos de comunicação social estatizados, princípios consagrados na Constituição e na lei de imprensa e na inobservância premeditada dos preceitos que deveriam ser os suficientes para se garantir uma imprensa falada, escrita ou televisiva, livre, actuante, independente dos poderes político e económico, rigorosa, pluralista, séria e objectiva. E não faltam bons jornalistas, bons profissionais, eticamente responsáveis, capazes de concorrerem decisivamente para se melhorar o tipo de informação e programação que se fornece ao público e que, grande parte, é bastante negativo.
Em relação às propostas de lei em discussão na Assembleia da República podemos desde já expressar a opinião de que daremos o nosso apoio aos projectos apresentados pelo Agrupamento Parlamentar da UEDS e pelo Grupo Parlamentar do PCP.
Quer numa quer noutra iniciativa existem inovações positivas que, a serem aprovadas, concorrerão para que a lei ou leis ligadas à rádio venham a constituir importantes diplomas.
Idêntica posição já se torna mais difícil tomar ao Grupo Parlamentar do MDP/CDE em relação às iniciativas governamentais que necessitam de ser amplamente melhoradas. Só resta aguardar que no debate na especialidade os deputados da maioria não impeçam as melhorias que se impõem.
Depois da discussão pública a proposta de lei do Governo sobre radiodifusão recebeu alterações que a beneficiaram mas que demonstram ser insuficientes já que se mantiveram limitações e restrições que importa anular para se conseguir um diploma equilibrado.
O Governo decidiu fazer acompanhar a sua proposta sobre a radiodifusão de uma outra regulamentadora do licenciamento das estações emissoras de radiodifusão sobre a qual manifestamos as mais profundas reservas.
Pretende-se naquele articulado uma activa participação do Governo, do Conselho de Ministros, como única entidade que autoriza a utilização de frequências. Segundo se prevê, a atribuição do alvará de licenciamento para o exercício da actividade de radiodifusão, através de ondas hectométricas ou métricas com a possibilidade de cobertura geral ou regional e respectiva renovação, serão objecto de resolução do Conselho de Ministros, sob proposta conjunta dos membros do Governo com tutela sobre os sectores da comunicação social e das comunicações.
Por outro lado, o pedido de alvará de licenciamento para o exercício de radiodifusão para cobertura local será objecto de despacho conjunto de nada menos do que 5 membros do Governo: Primeiro-Ministro, Vice-Primeiro-Ministro, Ministro da Administração Interna; responsáveis governamentais pêlos sectores das comunicações e da comunicação social.
Para que o quadro seja ainda mais preocupante a actividade de radiodifusão, nas regiões autónomas dos Açores e da Madeira, será determinada pêlos respectivos presidentes dos governos regionais!
Nem uma palavra sobre a empresa pública de telecomunicações, os CTT, que administra as frequências e que, na nossa opinião, deve continuar a definir as normas técnicas.
É notória a intenção de subordinar ao poder político a radiodifusão. E, como sabemos a forma discriminatória utilizada neste sector, legítimo se torna mantermos sérias reservas quanto a estas propostas e franca oposição ao método proposto pelo Governo para o licenciamento necessário para o exercício desta actividade.
Somos de opinião de que o método mais defensável para os licenciamentos deverá ser o de requerer aos CTT o licenciamento; os CTT enviarão o pedido, com informação técnica ao conselho da rádio; o parecer definitivo dos CTT deve ser público, fundamentado e concordante com o do conselho da rádio.
Este procedimento impedirá actuações ambíguas e pouco transparentes como aconteceu com a recusa de licenciamento a inúmeros requerentes, entre os quais cooperativas de jornalistas e outros profissionais da rádio, enquanto se autorizava a Rádio Renascença a reforçar os seus emissores de onda média, de frequência modelada e de onda curta, esta última através de métodos pouco esclarecidos.
Mas não se fica por aqui já que, também por vontade política e só política, se autorizou a Emissora das Beiras a utilizar outras frequências, uma das quais para Lisboa, sem que a forma como se desenrolou este processo possa ser considerada de perfeitamente claro.
Mas há mais: por um lado, impedem-se as rádios livres de se legalizarem, não se lhes concede frequências, o mesmo acontece às cooperativas, e, por outro lado, deu-se a possibilidade a militares norte-americanos, sediados no nosso país, de disporem de um posto emissor, ao que parece localizado na Fonte da Telha.
Aliás, sobre este obscuro licenciamento há que esclarecer esta Câmara do seguinte:
Por que razão não se corrige essa anomalia, anulando-se o anterior licenciamento e, após a aprovação da lei, abrir-se novo e correcto processo?
Esta estação emissora beneficiou de um licenciamento obtido através de um processo autónomo e injustificado.
Aliás, os licenciamentos têm sido envolvidos numa onda de secretismo que, em democracia, é inaceitável.
Outro aspecto a considerar diz respeito ao papel a desempenhar pelo conselho da rádio que, na opinião do MDP/CDE, deve ter um papel activo nos processos de licenciamento, e não só, com competências bem definidas e que na proposta governamental não constam. Quer dizer, apreciando-se a proposta do Governo, o conselho da rádio nenhum papel irá ter na importante fase do licenciamento.
Defendemos a criação do conselho da rádio, embora entendamos que mais ter ou mais cedo, se deve enveredar talvez pela criação de um único órgão em lugar dos 3 que passam a existir.
Conselho de imprensa, conselho de comunicação social e conselho da rádio. Julgamos que um conselho superior da comunicação social, que englobasse as atribuições e competências destes 3 órgãos, poderá vir a constituir uma solução para este problema.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: A proposta de lei do Governo sobre os licen-

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ciamentos não pode merecer o nosso apoio. Quanto à proposta sobre radiodifusão, abster-nos-emos. Sobre os projectos, votaremos a favor. O reduzido tempo que nos foi atribuído para este debate, através de uma interpretação extremamente restritiva do novo Regimento por parte dos representantes dos Grupos Socialista e do PSD, impede o Grupo Parlamentar do MDP/CDE de fazer uma análise circunstanciada aos projectos de lei, principalmente às propostas de lei que necessitam de alterações profundas.
Bater-nos-emos por isso na respectiva comissão parlamentar. Veremos o que nos reserva o futuro. No entanto, temos dúvidas sobre se a aprovação de legislação sobre esta matéria virá concorrer para o desanuviamento do ambiente repressivo que se vive, nomeadamente na RDP, para que os noticiários e a programação passem a ser mais independentes do poder político, uma vez que os dois partidos da coligação governamental, a exemplo do que fazem na televisão, sabem escolher e impor pessoas da sua confiança nos principais cargos, garantindo, assim, um direito de antena suplementar, diário, constante e opressivo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.

O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Não interviria neste debate se não houvesse um aspecto que me parece relevante e que subjaz a muitas das preocupações do povo português acerca dos meios de comunicação social. É que, passada a fase em que tivemos de defender o pluralismo, estamos agora, penso eu, num momento de viragem em que o que é mais importante é a qualidade da informação. E essa qualidade, antes de mais, advir-lhe-á do respeito pêlos valores essenciais da nossa comunidade nacional. É preciso que os Portugueses não se sintam agredidos por uma comunicação, quer oral, quer pela imagem, quer pela escrita que: vai contra aquilo que é a sua maneira de ser e a sua maneira de estar no mundo.
É preciso também que, por exemplo, no que respeita à informação oral radiofónica, a língua portuguesa seja, efectivamente, salvaguardada, e, mais do que salvaguardada, enriquecida.
Quero lembrar uma intervenção feita nesta Assembleia, em 1981, pelo Sr. Deputado Jorge Miranda em que chamou a atenção para a necessidade de preservar a língua portuguesa. Felizmente, vejo que no artigo 10.° da proposta de n.° 73/III, apresentada pelo Governo, figura essa preocupação de salvaguarda da língua portuguesa, como aliás também acontece no artigo 3.° do projecto de lei n.° 192/III, apresentado pela UEDS, e no artigo 9.° do projecto de lei n.° 79/III, apresentado pelo PCP.
Retomando o que foi dito há pouco por um Sr. Deputado a propósito da criação da Ordem de Camões, isto é sinal de que, pelo menos aqui, há possibilidade de consenso.
Mas a verdade é que a defesa da língua não consiste apenas em proclamar a importância dessa defesa. Consiste, sim, em exigir um rigor a todos aqueles que se exprimem através da rádio para que não aconteça que a nossa língua seja estropiada e seja, a cada passo, vítima de ofensas graves.
Gostaria de citar, por exemplo, o que diz João de Araújo Correia num texto interessantíssimo em defesa da nossa fala:
Bem é que ensinemos os nossos filhos a pronunciar com energia as sílabas átonas de cada vocábulo. Essas delicadas sílabas, para que não esmoreçam, necessitam de auxílio. Se lho negarmos, mal se ouvem. Mas não é necessário abrir vogais fechadas nem dar pontapé nas vogais mudas para que se percebam. Se tal fizermos, destruiremos a música do idioma.
Aliás, no que respeita à defesa da língua portuguesa, é importante que, como acontecerá com a música, os nossos autores clássicos, os nossos autores modernos sejam privilegiados na programação. E gostaria de salientar o que há de positivo, no que respeita aos autores modernos, no intuito de criar o museu da rádio e também de fazer da fonoteca um receptáculo daquilo que, hoje, os nossos escritores, não só escrevem, mas falam.
Gostaria ainda de lembrar que numa passagem por um congresso que teve lugar nos Estados Unidos da América, me dei conta, por exemplo de que as vozes dos grandes escritores desse país, e mesmo de outros países, são gravadas para que fiquem a constituir um testemunho. E isso acontece também relativamente aos autores da língua portuguesa enquanto que nós, para nossa vergonha, ainda não temos um arquivo que, aliás, está previsto também no Museu Nacional de Literatura, a cuja comissão instaladora presidi.
Mas este problema da língua também tem a ver com o problema da liberdade com responsabilidade. É que, de facto, defender a língua não é apenas preservar uma herança, é também permitir uma criatividade. Por isso, a assunção da liberdade no que respeita à língua deve ser uma assunção responsável.
Gostaria de citar aqui um facto, que é pouco conhecido: um dos últimos textos de Fernando Pessoa, que vai ser em breve dado à estampa, consiste no rascunho de uma carta a Adolfo Casais Monteiro, a qual não chegou a ser enviada. E o que chocou Fernando Pessoa foi o facto de Salazar, em determinado momento da política, chamada do espírito, ter passado da censura negativa à censura positiva, a exigir que os escritores escrevessem de determinada maneira e que os programas radiofónicos tivessem determinadas características. Ora, isso chocou a tal ponto Fernando Pessoa que ele disse que, daí por diante, não escreveria mais em português. E é curioso que a sua última nota escrita e, efectivamente, em inglês: I know not what tomorrow will bring.
Isso significa que Fernando Pessoa ficou chocado pelo facto de se ter procurado impor aos escritores portugueses normas de escrita. E é triste que um poeta universal, mas que é também um poeta da língua portuguesa, o poeta que disse «a minha pátria é a língua portuguesa», tenha tido que tomar essa posição.
Aliás, e já agora como nota curiosa, Fernando Pessoa diz que, justamente essa obrigatoriedade de escrever ou falar de determinada maneira é o que caracteriza, por exemplo, o bolchevismo. Como modernamente Roland Barthes escreveu, «aquilo que é mais grave na censura, não é que ela impeça de dizer mas que ela obrigue a dizer», que é também uma característica do fascismo.

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Isso significa, de facto, que quando nós preservamos a língua portuguesa, quando nós defendemos, quer a escrita, quer a oralidade da língua, não estamos a impor que se escreva ou se fale de determinada maneira, estamos a impor, sim, uma qualidade que tem de advir de uma assunção responsável por todos os criadores portugueses dos nossos valores que são, de facto, os valores da tradição, mas também são os valores da modernidade. Como nós gostamos de dizer no movimento da Nova Renascença, é preciso que a traditio e a revolutio, utilizando certa pronúncia do latim, sejam assumidas numa coincidência.
Temos que saber preservar a tradição da nossa bela língua portuguesa, de que falava António Ferreira, mas temos também que renovar, recriar essa língua como fez Fernando Pessoa e os poetas da modernidade.
Penso que os nossos jornalistas da radiodifusão têm sobre seus ombros uma pesada responsabilidade. Se souberem defender esses valores com qualidade, dentro da liberdade, estarão a dar um contributo para que tenhamos um meio de expressão oral e de comunicação à medida do povo português. Não é um decreto ou uma lei, neste caso, que poderão, só por si, resolver este problema, porque se não houver, por todos aqueles que exercem a sua função de informar, o cuidado de se valorizarem e de valorizarem os ouvintes, não resolvemos o problema da radiodifusão no nosso país.
É necessário também que a livre concorrência seja um factor de enriquecimento. Todos nós sabemos o que significou defendermos a Rádio Renascença durante o gonçalvismo, e a verdade é que a emulação entre a Rádio Renascença e a Radiodifusão Portuguesa tem contribuído para uma melhoria recíproca.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - É bom que também agora as rádios locais, que nós vamos permitir que existam com liberdade, possam, entre si, criar esse espírito de emulação que deverá ser uma emulação através da qualidade e não através do simples tipo de solicitação, diria de demagogia, que muitas vezes caracteriza algumas formas dessa radiodifusão noutros países.
É preciso, por exemplo, que certos valores morais, certos valores éticos, sejam preservados e que se evite que, de facto, se esteja a nivelar por baixo.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!

O Orador: - É preciso não nivelar, mas elevar a qualidade da radiodifusão.
Estou, aliás, à vontade para falar das rádios locais, das chamadas «rádios livres» - o que é um pleonasmo - porque fui o primeiro, enquanto responsável governamental, que entendi usar da liberdade de falar através duma dessas rádios.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Disse então que o facto precede a lei, e hoje nós vamos ter a lei da radiodifusão e também a lei do licenciamento dessas rádios que permitirão que tenhamos um pluralismo local radiofónico à medida das necessidades da nossa juventude, que é, penso eu, aquela que traz em si o futuro.

Aplausos do PSD, do PS e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - O Sr. Deputado José Augusto Seabra disse a dado passo da sua intervenção que nós já tínhamos ultrapassado a fase em que era necessário defender o pluralismo nos meios de comunicação social. Sr. Deputado, não comungo do seu optimismo, comungo sim das suas preocupações. Aliás, devo dizer-lhe que toda a sua intervenção, na parte em que a essa matéria se refere, tem o meu total apoio, ou seja, na necessidade de defesa da língua portuguesa nesse quadro de liberdade criadora que invocou.
Mas a questão que lhe queria colocar é esta: os atropelos diários a que todos nós assistimos, basta ligarmos os meios de comunicação social sonoros para nos aperceber-mos disso, à língua portuguesa não terão muito a ver com o facto de, com demasiada frequência, aos critérios de competência profissional e de qualidade se sobreporem, pura e simplesmente, os critérios de ordem política e aos bons profissionais se preferem os yes men - desculpe este atentado à língua portuguesa.
Um outro aspecto. Embora não goste da expressão, o Sr. Deputado referiu a necessidade de que os meios de comunicação social estivessem em consonância com os valores, com as maneira de estar no mundo dos portugueses, ou, para utilizar uma expressão de que ainda gosto menos, os valores inerentes da identidade nacional a que se refere a proposta do Governo. Há uma coisa que nas últimas semanas nos escandalizou enormemente. Creio que aqui a palavra, pelo menos no que me toca, não é demasiado dura, embora este «escandalizar» possa aparecer a alguns como reflexo de um certo puritanismo, mas não é. Será corresponder aos valores imanentes da identidade nacional que órgãos da comunicação social, controlados pelo Estado, transmitam publicidade paga por institutos públicos directamente ligados à estrutura administrativa do Estado, em que se faz, pura e simplesmente, a apologia do jogo - e não falo em fazer-se a propaganda do Totobola ou do Totoloto -, vir-se a explicar às pessoas que o jogo é normal, que sempre se jogou, que até a Cartilha Maternal é, no fundo, um jogo de letras, que há anjos e homens, mas para haver os primeiros é necessário haver os segundos, isto é, há necessidade de haver quem jogue. E se o Sr. Deputado não teve ocasião de escutar, terei muito gosto em lhe ceder uma gravação que fiz. É, de facto, alguma coisa de enorme, daí que gostasse de saber se isto será corresponder aos tais valores imanentes da entidade nacional ou à maneira de estar no mundo dos portugueses. São duas expressões que, como lhe disse, me agradam pouco mas que, para abreviar e por conveniência de discurso, retomo aqui.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.

O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, quero prestar-lhe uma homenagem, como já fiz numa outra intervenção, porque foi daqueles que lutou pela liberdade antes e depois do 25 de Abril, e também aqui mesmo na Assembleia Constituinte, em 1975.
Mas, por isso mesmo, não crê o Sr. Deputado que nós devemos passar daquela fase em que estamos sim-

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plesmente a lutar por um direito, proclamando, a uma fase em que devemos lutar por esse direito, exercendo-o? Penso que é isso que a democracia portuguesa precisa neste momento, ou seja, de quem exerça a liberdade com responsabilidade, de quem utilize os direitos que a Constituição e a lei lhe dá, de quem seja capaz, evidentemente, de denunciar o que vai mal, mas também de afirmar aquilo que se vai revelando de positivo.
A este respeito, devemos superar o que chamo de um complexo de oposição, porque a verdade é que numa democracia, diferentemente de uma ditadura, a oposição deve ter todos os direitos, mas também a maioria, mas também o próprio Governo, e se é certo que pode haver legítimas razões para algumas queixas relativamente aos órgãos informativos, pode crer, Sr. Deputado, que quem exerce funções governamentais também muitas vezes sente que nem sempre tem a possibilidade de fazer conhecer com objectividade os seus pontos de vista. E isso é tanto mais necessário quanto em democracia se exerce o poder em nome da maioria.
Mas penso que a questão da qualidade tem neste momento a ver com a tecnicidade, porque estamos numa época de renovação tecnológica, mas tem a ver também com o respeito dos destinatários.
Quando defendo os valores do povo português não estou a abdicar, até, do meu direito à diferença, porque eu pertenço a uma determinada região, pertenço a um determinado estrato social, sou professor, sou escritor, etc., mas justamente por isso também tenho de respeitar os valores da maioria do povo português, por exemplo os valores religiosos, por exemplo os valores civilizacionais, que são, de facto, valores históricos que não podemos deixar de ter em conta. Aliás, isso acontece em todas as democracias evoluídas.
Estou de acordo com o Sr. Deputado no que respeita ao risco da publicidade por parte do Estado. Justamente, o que me parece é que, por vezes, alguns institutos ou até administrações recorrem à publicidade porque, infelizmente, não têm outro meio para fazer conhecer as suas iniciativas. Por isso mesmo, desejaria que houvesse uma informação objectiva, tanto do que provém do Governo como do que provém da oposição ou das oposições.
O jogo, por exemplo, pode ser encarado de diferentes formas...

O Sr. Presidente: - Terminou o seu tempo.

O Orador: - Por isso, nesse plano, Sr. Deputado, o que desejaria é que, se críticas houver, como as que faz, elas possam ser contraditadas, eventualmente, num debate acerca desse tipo de publicidade, que suponho a rádio poderá organizar, podendo os representantes do Estado defender o seu ponto de vista e o Sr. Deputado o seu.
Em suma, o público poderá ficar esclarecido, criticamente, para poder, ele próprio, tomar uma posição. É que, no fundo, é preciso não esquecer que os meios de comunicação social existem para a opinião pública, e é a opinião pública que, acima de tudo, conta.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate até agora realizado em torno das iniciativas legislativas em debate relativas à radiodifusão permitem desde já retirar algumas conclusões.
A primeira é a de que o Partido Socialista, também neste domínio, e contraditando claramente as posições que em matéria de radiodifusão desde sempre tem vindo a defender (inclusive no quadro da revisão constitucional), está disposto a fazer mais e mais cedências às pressões da direita, designadamente, no que se refere ao modo como são encaradas as actividades de radiodifusão - que deixam de ser enquadradas como serviço público e sujeitas por isso a determinadas obrigações, ainda que num quadro de ampla liberdade de organização, já que utilizam um bem que é público - o espaço radioeléctrico; sob este aspecto, as disposições constantes da proposta de lei governamental são clarificadoras.
A segunda conclusão é a de que a actual maioria que apoia a proposta de lei do ainda Governo se prepara para aprovar um regime de licenciamento de estações emissoras de radiodifusão sem qualquer critério ou controle com base apenas no casuísmo e na sua conveniência de partido. A serem aprovadas as soluções constantes da proposta governamental, poderíamos vir a ser confrontados com a recusa de concessão de licenças só porque as entidades solicitadoras não se enquadravam nos parâmetros de pensamento dos parceiros governamentais e não apoiavam a corrida presidencial do Dr. Soares.
O papel decorativo para que é remetido o conselho da rádio e as distorções que lhe são introduzidas quanto à sua composição, isto na proposta governamental, são, também, disso, um exemplo significativo.
A terceira conclusão, e que se prende com a segunda, é que, também neste caso, o Governo pretende aplicar uma política de dois pesos e duas medidas. Enquanto afirma aqui que todos os pedidos já formulados para concessão de frequências serão pura e simplesmente arquivados, não tendo em conta, quer a temporalidade dos pedidos, quer direitos adquiridos, já não segue o mesmo critério em relação às estações emissoras existentes, designadamente as privadas, às quais, por não haver lei quadro, têm vindo a ser concedidas sucessivas autorizações para aumentos de potência e instalação de novos emissores. Mais, o Governo vai ao ponto de nada nos dizer sobre esse escândalo, que foi a autorização para a entrada em funcionamento de uma rádio estrangeira - a rádio das forças armadas norte-americanas - enquanto tal direito continua a ser negado às entidades nacionais que há muito mais tempo haviam formulado pedidos com tal sentido. Então, essa emissora americana vai continuar a funcionar? Com que critério? Não será o seu processo também arquivado?

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O nosso tempo é escasso, mas, ainda assim, conviria frisar mais uma conclusão quanto a esta matéria: em primeiro lugar a iniciativa do PCP - e em boa hora a tomámos - visa pôr fim à definição que reina em todo o sector da radiodifusão. Fizemo-lo com o objectivo de garantir a liberdade de expressão e informação ao nível da radiodifusão, o que só se pode conseguir mediante critérios claros, seguros, objectivos e não discriminatórios.

Vozes do PCP: - Muito bem!

Trata-se de um aspecto que é claramente posto em causa na proposta governamental. Sob a capa de licen-

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ciamento de concessão de frequências, o que o Governo pretende é ter o controle total e absoluto, sem critério e de modo discriminatório sobre a quem, como e quando irá ser autorizada a realização de actividades de radiodifusão. Trata-se de um desiderato inaceitável que não poderá deixar de merecer o nosso frontal voto contra já que viola, frontalmente, as pertinentes disposições constitucionais que garantem a liberdade de expressão e informação no nosso país.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como não há mais inscrições vou dar por encerrado este debate. A votação processar-se-á na próxima terça-feira pelas 18 horas.

O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: ratificação n.° 148/III, da iniciativa da Sr.a Deputada Zita Seabra e outros do PCP, sobre o Decreto-Lei n.° 81/85, de 28 de Março, que define o regime especial de segurança social dos trabalhadores das actividades agrícola, silvícola e pecuária (revoga a Lei n.° 12 144, de 29 de Maio de 1961, o Decreto Regulamentar n.° 46/80, de 12 de Setembro e vários decretos-leis e decretos); projecto de lei n.° 471/III, da iniciativa do Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida e outros do PCP, sobre a elevação a vila da povoação da Trafaria; projecto de lei n.° 472/III, da iniciativa do Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida e outros do PCP, sobre a elevação a vila da povoação de Costa da Caparica; projecto de lei n.° 473/III, da iniciativa do Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida e outros do PCP, sobre a elevação a vila da povoação de Monte da Caparica; projecto de lei n.° 474/III, da iniciativa do Sr. Deputado António Mota e outros do PCP, sobre o Museu Mineiro de São Pedro da Cova; projecto de lei n.° 475/III, da iniciativa do Sr. Deputado Américo Salteiro e outros do PS, sobre a criação da freguesia de Santo Ovídio, Faralhão, no concelho de Setúbal.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem de trabalhos para a próxima terça-feira, dia 9, será a seguinte: período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia, do qual constará a discussão do projecto de lei n.° 469/III - casas fruídas por «Repúblicas de Estudantes», da proposta de lei n.° 72/III - lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais e do projecto de lei n.° 393/III - isenta as autarquias locais do pagamento dos emolumentos previstos na alínea n) do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 54/71, de 25 de Fevereiro.
Note-se, Srs. Deputados, que os tempos já estão distribuídos, cabendo ao Governo 35 minutos, ao PS 35 minutos, ao PSD 30 minutos, ao PCP 25 minutos, ao CDS 20 minutos, ao MDP/CDE 15 minutos, à UEDS 15 minutos e à ASDI 15 minutos. Em relação a estes tempos, o PCP não deu a sua concordância.
As sessões dos dias 11 e 12 do corrente começarão às 10 horas e a ordem do dia constará do debate sobre a CEE, igualmente com distribuição de tempos, cabendo ao Governo 120 minutos, ao PS 90 minutos, ao PSD 75 minutos, ao PCP 70 minutos, ao CDS 60 minutos, ao MDP/CDE 30 minutos, à UEDS 30 minutos e
à ASDI 30 minutos. Note-se que em relação a estes tempos e às datas marcadas, o PCP e o MDP/CDE não deram a sua concordância. A sessão do dia 11 terminará às 21 horas.
Srs. Deputados, gostaria ainda de perguntar se VV. Ex.ªs estariam dispostas amanhã, em conferência de líderes, a tratar do assunto que foi objecto de discussão, contudo como o PS e o PSD declararam que não estariam disponíveis para tanto, declaro ao Sr. Deputado Jorge Lemos que não será possível a realização dessa conferência.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, é apenas para comunicar a V. Ex.ª que consideramos negativo que não seja possível proceder a nova conferência de líderes em que fosse possível reponderar as decisões que V. Ex.ª acaba de anunciar. Quanto a isso, tomaremos se o entendermos, as necessárias e pertinentes medidas regimentais na altura própria.
Por outro lado, gostaríamos de lembrar a V. Ex.ª que há outras matérias que no nosso entender deveriam justificar, ainda antes da próxima semana, a convocação de uma conferência de representantes dos grupos parlamentares, designadamente, no que se refere à marcação de uma sessão de perguntas ao Governo, a qual não sendo feita e decidida numa conferência amanhã, vai inviabilizar que se cumpra o prazo de 15 dias que o Regimento estatui e é impreterível, logicamente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, considerando este requerimento feito pelo Sr. Deputado Jorge Lemos, como oral, e que me parece pertinente e porventura de atender, pergunto se os Srs. Presidentes dos grupos e agrupamentos parlamentares estariam dispostos a fazer uma conferência amanhã às 10 horas.

O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Sr. Presidente, não temos possibilidades amanhã, face a outros compromissos que já havíamos assumido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devo ainda esclarecer que o CDS havia declarado a sua impossibilidade para a conferência de amanhã.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Américo Albino da Silva Salteiro.
António Domingues Azevedo.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Armando António Martins Vara.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Edmundo Pedro.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Henriques Lopes.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.

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Henrique Aureliano Vieira Gomes.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
José de Almeida Valente.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Angela Duarte Correia.
Maria Luísa Modas Daniel.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Victor Hugo Sequeira.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Agostinho Correia Branquinho.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Nascimento Machado Lourenço.
Arménio dos Santos.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando dos Reis Condesso.
João Luís Malato Correia.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto Seabra.
José Bento Gonçalves.
José Pereira Lopes.
José Vargas Bulcão.
Luís António Martins.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
João António Torrinha Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Santos Magalhães.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Correia Lopes.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Odete Santos.
Paulo Areosa Feio.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Rui Manuel Correia Seabra.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Almerindo da Silva Marques.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Cecília Pita Catarino.
Fernando José da Costa.
Francisco Antunes da Silva.
José Luís de Figueiredo Lopes.
Manuel da Costa Andrade.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.

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Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António José Almeida Silva Graça.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.

Centro Democrático Social (CDS):

António Gomes de Pinho.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
José António Morais Sarmento Moniz.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
José Manuel Tengarrinha.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
José Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos enviado à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 2 de Abril de 1985, pelas 10 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Partido Socialista:

Abílio Aleixo Curto (Círculo Eleitoral da Guarda), por Fernando Henriques Lopes.

Esta substituição é pedida por um período não superior a 30 dias, a partir do dia 1 de Abril corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral, apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontravam verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - Beatriz Cal Brandão (PS) - Teófilo Carvalho dos Santos (PS) - José Augusto Santos Silva Marques (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

As REDACTORAS: Cacilda Nordeste, Leonor Ferreira e Ana Maria Marques da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO 156$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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