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I Série -Número 67

Quarta-feira, 10 de Abril de 1985

DIÁRIO da Assembleia da República

III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE ABRIL DE 1985

Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano

Secretários: Exmo. Srs.

Luís Abílio da Conceição Cacito
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 15 horas e 35 minutos.

Antes da ordem do dia. - Foi apresentado pelo Sr. Deputado Joaquim Miranda (PCP), como questão prévia, um projecto de deliberação visando a adopção pela Assembleia da República de providências urgentes com vista à garantia de um genuíno trabalho preparatório nas comissões parlamentares especializadas no debate sobre a temática da integração europeia. Produziu uma intervenção sobre o referido projecto o Sr. Deputado Luís Beiroco (CDS). Posteriormente, foi decidido discutir o agendamento ou não desta questão na ordem de trabalhos na primeira parte da ordem do dia. Deu-se, depois, conta do expediente, da apresentação de requerimentos e da resposta a outros anteriormente formulados.
Foram postos à aprovação os Diários n.ºs 59, 60 e 61, tendo, no entanto, sido adiada esta votação por ter sido suscitada a questão de ela só poder ocorrer na primeira parte da ordem do dia.
O Sr. Deputado Magalhães Mota (ASDI) pediu que fossem rectificados os termos em que o sumário do expediente, referente a uma carta de realizadores cinematográficos, estava redigido. O Sr. Deputado José Magalhães (PCP), por completo esclarecimento da questão, pediu que a Mesa lesse a referida carta, o que foi feito.
Em declaração política, o Sr. Deputado António Macedo (PS) referiu-se às virtualidades do Parlamento, criticando aqueles que o atacam.
Também em declaração política, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP) criticou os projectos legislativos do Governo no que diz respeito ao sector laborai.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado José Vitorino (PSD) referiu-se a questões relativas ao acidente que vitimou o ciclista Joaquim Agostinho e quanto ao problema da falta de cloro na água de Albufeira.
O Sr. Deputado Jardim Ramos (PSD) abordou a questão do consumo de droga pela juventude e dos seus nefastos efeitos.

Ordem do dia. - Prosseguiu a discussão, entretanto iniciada no período de antes da ordem do dia, quanto ao agendamento ou não da ordem de trabalhos do projecto de deliberação apresentado pelo PCP.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Jorge Lemos (PCP), António Capucho (PSD), Lopes Cardoso (UEDS), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Carlos Lage (PS), Carlos Brito (PCP), e José Luís Nunes (PS). No final, foi apresentado pelo PCP um requerimento, no sentido de ser agendado e votado o projecto de deliberação, que foi rejeitado.
Após a leitura do recurso, apresentado pelo PCP, relativo à inscrição na ordem do dia da reunião plenária de 9 de Abril da proposta de lei n. ° 72/III - Lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais - o Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) fez a sua fundamentação. Após ter sido votado o referido recurso verificou-se a inexistência de quorum, pelo que foi, posteriormente, a referida votação repetida, tendo o recurso sido rejeitado.
Procedeu-se à votação na generalidade dos projectos de lei n.ºs 79/III, do PCP, - Lei da radiodifusão -, 192/111, da UEDS, - Lei da radiodifusão sonora -, 252/III, do PS e do PSD - Serviços locais da radiodifusão sonora por via hertziana -, e das propostas de lei n.03 73/III - Lei da radiodifusão sonora -, 74/III - Licenciamento das estações emissoras de radiodifusão -, tendo o primeiro diploma sido rejeitado e os restantes aprovados.
Procedeu-se, ainda, à discussão e votação, na generalidade na especialidade e final global, tendo sido aprovado o projecto de lei n. ° 469/III, apresentado por todos os partidos, sobre casas fruídas por repúblicas de estudantes.
Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputados Manuel Moreira (PSD), António Mota (PCP), Jorge Gois (CDS), Laranjeira Vaz (PS) e Paulo Areosa (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 19 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que está aberta a sessão.

Eram 15 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.

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António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Armando António Martins Vara.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Elísio de Azevedo.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Eurico Faustino Correia.
Fernando Henriques Lopes.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Frederico Augusto Händel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joel Maria da Silva Ferro.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Nunes Ambrósio.
Leonel de Sousa Fadigas.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nuno Álvaro Freitas Alpoim.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José Angelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Augusto Seabra.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
António Filipe Neiva Correia.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.

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Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
José Luís Nogueira de Brito.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Jorge Forte Góes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
José Manuel Tengarrinha.
Raul Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Francisco Alexandre Monteiro.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um projecto de deliberação, que é uma questão prévia.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Sr. Presidente, a minha interpelação é sobre a questão que anunciou. Trata-se, de facto, de uma questão prévia, penso que deve ser lido o projecto de deliberação mas penso, também, que antes de o ser, deveria ser distribuído. Gostaríamos, ainda, Sr. Presidente, de fazer a sua leitura.

O Sr. Presidente: - Está a ser distribuído Sr. Deputado e quanto à leitura, se o Sr. Deputado prefere ler, a Mesa dá o seu acordo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Miranda para proceder à leitura do projecto de deliberação.

O Sr. Joaquim Miranda (PCP):

Projecto de deliberação visando a adopção pela Assembleia da República de providências urgentes com vista à garantia de um genuíno trabalho preparatório nas comissões parlamentares especializadas do debate sobre a temática da Integração europeia.

1 - Ao contrário do previsto e deliberado em conferência de presidentes do passado dia 2 de Abril, está posta em causa, no presente momento, a realização de trabalhos preparatórios em comissão do debate sobre a adesão à CEE, agendado para os dias 11 e 12 do corrente mês.
2 - Com efeito a Comissão Parlamentar para a Integração Europeia deliberou interromper inopinadamente os seus trabalhos pondo termo ao processo preparatório que deveria levar a cabo até à próxima quinta-feira.
3 - A Comissão, por iniciativa de um deputado do CDS, com o apoio dos deputados do PS presentes, em substituição dos deputados titulares ausentes no estrangeiro, e com a abstenção de um deputado do PSD, deliberou:

a) Restringir o âmbito do debate com o Governo a alguns dos dossiers negociados, com exclusão inaceitável de outros igualmente relevantes;
b) Interromper o debate em curso, após uma primeira e sumária troca de impressões, inviabilizando o seu necessário aprofundamento, quanto é certo que havia deputados interessados em obter precisões e aclarações por parte do Governo.
Tal procedimento reverte-se de acrescida gravidade face ao facto de só ontem de manhã terem sido distribuídas, a alguns membros da Comissão, as actualizações que o Governo entendeu fazer aos documentos sobre a negociação entregues à Assembleia da República.

4 - Importa garantir o cumprimento da orientação constante da Assembleia da República sobre esta matéria afirmada designadamente em deliberação da Comissão para a Integração Europeia, assumida em 27 de Setembro de 1984, pela Comissão Permanente e ulteriormente reiterada no sentido de que para o debate em Plenário poder «decorrer com o rigor e a profundidade desejados seja preparada uma informação completa e atempada das negociações efectuadas e em curso».
5 - Convém ainda recordar que a realização do debate foi proposta pelo Governo em 20 de Setembro de 1984 com o alegado objectivo de «fornecer à Assembleia da República uma informação actualizada e colher dela úteis elementos de consulta».
6 - Tal desiderato é agora seriamente posto em causa, em condições desprestigiantes para a Assembleia da República, e constitui o efectivo impedimento de uma análise aprofundada e de um esclarecimento sério sobre os desastrosos resultados das negociações feitas pelo Governo e ponderação das respostas e consequências da adesão. A consumar-se tudo isto ficaria inaceitavelmente degradado o debate parlamentar em Plenário, convertido num ritual protocolar e propagandístico, lesivo do direito dos deputados e do País a um completo esclarecimento sobre uma questão que hipoteca tão gravemente o futuro de Portugal.
Nestes termos, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados, do Grupo parlamentar do PCP, apresentam o seguinte projecto de deliberação:

A Assembleia da República reunida no dia 9 de Abril de 1984 delibera:

a) Dedicar os dias parlamentares de 9 e 10 de Abril à preparação nas competentes comissões especializadas permanentes do debate sobre a temática da integração europeia agendado para as reuniões plenárias de 11 e 12 deste mês;
b) Proceder às diligências necessárias para que seja assegurada a comparência de membros do

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Governo nas reuniões das comissões acima referidas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço a cada bancada que, sumariamente, se pronuncie sobre esta questão, a fim de votarmos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos perante um projecto de deliberação que pretende trazer para o Plenário uma discussão já abundantemente travada, ontem, na Comissão de Integração Europeia.
O PCP não quer aceitar a verdade insofismável de que as condições em que a Assembleia da República pensou travar este debate são hoje diferentes, pela simples razão de que, entretanto, as negociações entre as Comunidades Europeias e Portugal terminaram e, felizmente, terminaram com êxito.
É, portanto, completamente diferente a situação em que se vai travar este debate. E se fazia sentido antes da negociação estar concluída procurar averiguar do estado em que se encontravam as negociações de alguns dossiers e as perspectivas que se abriam a Portugal, esse debate, hoje, já não pode fazer nem fará o mesmo sentido.
No momento actual, e sem prejuízo do debate que esta Assembleia terá ocasião de travar, com toda a profundidade que entender imprimir-lhe, na altura em que discutir a aprovação para ratificação do tratado de adesão, do que se trata é de possibilitar que os grupos políticos se possam pronunciar sobre o acordo a que se chegou, exprimindo a sua posição face não já a um processo negociai ainda contingente, mas aos balanços de uma negociação que em termos políticos está concluída.
E o que se passou foi que a Comissão de Integração Europeia, depois de ter recebido informações durante os trabalhos do Comité Misto do Parlamento Europeu - Assembleia da República -, que tiveram lugar na passada semana e em que a delegação portuguesa era integrada por todos os membros da Comissão de Integração Europeia, e depois de ontem ter tido um novo debate, em que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano e outros membros do Governo prestaram informações sobre a última fase das negociações, que era aquela que estava em causa - porque é evidente, que não faz sentido voltar a pedir informações sobre dossiers que estão encerrados, alguns há 2 anos e em que há toda a informação disponível há muito tempo -, ...

O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!

O Orador: - ... considerou que estava esclarecida quanto à fase final dessas negociações e que havia condições para se travar esse debate no Plenário. É evidente que o Plenário da Assembleia da República pode entender de modo diferente.
No entanto, é necessário que o Plenário tenha a consciência do que está em jogo. Não está em jogo nenhuma preocupação de aprofundar informações de que abundantemente se dispõe, está, sim, em jogo que a única força política relevante que é contra a adesão quer mais uma vez, numa questão de interesse nacional, manipular a opinião pública portuguesa.

Vozes do CDS, do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É isso que está em jogo e, pela nossa parte, o PCP não contará com nenhum apoio.

Aplausos do CDS, do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que também nos queremos pronunciar e apreciar o conteúdo deste projecto de deliberação do PCP.
Simplesmente, Sr. Presidente, temos que repor a normalidade da nossa vida parlamentar e não há nenhuma razão para dar um tratamento especial a esta proposta de resolução visto que o Regimento, no artigo 71.° diz o seguinte:

1 - O período de antes da ordem do dia é destinado:

a) À leitura dos anúncios que o Regimento impuser e de expediente;
b) A declarações políticas;
c) Ao tratamento pelos deputados de assuntos de interesse político relevantes;
d) À emissão de votos de congratulação, saudação, protesto ou pesar propostos, pela Mesa ou por algum deputado.

E diz, antes, o artigo 63.° «O Presidente incluiu na primeira parte da ordem do dia a apreciação das seguintes matérias:
a) Deliberações sobre o mandato dos deputados» incluindo depois várias alíneas mais, até à alínea l) onde se diz «Outras matérias sobre as quais a Assembleia deva pronunciar-se [...]».
Na minha interpretação, este projecto deve ser agendado na primeira parte da ordem do dia e discutido aí, e não neste momento.
Reconduzamos, pois, a sessão à sua tramitação normal e regular.
É este o conteúdo da minha interpelação, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Esse problema que o Sr. Deputado levanta também se me deparou. Entretanto, como o projecto de deliberação punha em causa a própria reunião de hoje - se devia ou não fazer-se a reunião plenária - e baseado no artigo 56.° do Regimento fui, de facto, levado a pô-lo à discussão e à votação. Foi por isso que, de facto, admiti e pus à discussão o este projecto de deliberação, pois ele punha em causa a realização da reunião plenária de hoje. É que em face do artigo 56.° do Regimento haveria lugar a essa possibilidade, isto é, de submeter à apreciação sumária dos Srs. Deputados o projecto em causa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques, parai uma interpelação à Mesa.

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente Srs. Deputados: Queria interpelar V. Ex.ª no sentido de saber ao abrigo de que norma regimental estava a proceder-se a este debate ou incidente parlamentar se assim quisermos, pois não vejo qualquer cobertura regimental para ele. Verifico quais foram as razões que levaram V. Ex.ª a permitir o desenvolvimento deste incidente parlamentar, mas, de facto, não estamos de acordo e o que solicitamos é que V. Ex.ª, Sr. Presi-

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dente, estabeleça o retorno ao desenvolvimento normal dos trabalhos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que estará, neste momento, claro para os Srs. Deputados que a razão dessa nossa iniciativa tem a ver, fundamentalmente, com o facto de ter sido profundamente alterado o quadro em que deveria decorrer a preparação do debate dos próximos dias 11 e 12 e, como tal, quisemos colocar a questão ao Plenário como questão prévia...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Não há questões prévias! Onde é que há questões prévias?

O Orador: - ... ao próprio funcionamento do Plenário da Assembleia da República.
Mas para que a nossa iniciativa não seja entendida como uma maneira de dificultar o andamento dos trabalhos parlamentares ou de pôr em causa o período de antes da ordem do dia, não temos qualquer objecção a que seja seguida a sugestão apresentada pelo Sr. Deputado Carlos Lage, no sentido de que este ponto seja analisado na primeira parte da ordem do dia. Assim, apoiamos a sugestão feita pelo PS para que esta matéria seja então aí analisada.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados que estavam inscritos prescindem da palavra?

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, é para uma precisão terminológica. Eu não prescindo de usar da palavra, mas prefiro esse uso para quando for oportuno, isto é, para quando esta matéria for debatida.

O Sr. Presidente: - Fica inscrito, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, é exactamente pela mesma razão.
Eu tinha-me inscrito para intervir e pretendo fazê-lo no momento oportuno.

O Sr. Presidente: - Sendo assim, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte:

Expediente

Exposição

Da Comissão Paroquial da Ribeira Seca, freguesia do Machico - Madeira, manifestando a sua repulsa pela invasão, por parte da Polícia de Segurança Pública, das instalações da igreja e da sede paroquial, causando o desvio de bens inestimáveis e aprisionando diversas pessoas, entre as quais mulheres e menores.

Carta

De realizadores portugueses de cinema, cujo primeiro subscritor é João Botelho, a remeter cópia de documento enviado ao Sr. Primeiro-Ministro, no qual se
manifestam contra as medidas recentemente aprovadas de redução do imposto adicional sobre os bilhetes de cinema.

Ofícios

Da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, com uma moção na qual reclama do Governo a instalação, com a maior urgência, dos conselhos gerais do Hospital Geral de Santo António e do centro hospitalar daquela localidade.
Da Assembleia Municipal de Cabeceiras de Basto, a remeter cópia de parte da acta da reunião realizada em 18 de Março próximo passado e na qual se manifestam contra o encerramento dos postos da Telescola do concelho e propõem sejam tomadas todas as providências que obstem ao referido encerramento.
Da Assembleia Municipal de Vila Nova de Gaia, a remeter uma proposta na qual exige do Governo e da Capitania dos Portos do Douro e Leixões a reconstrução a curto prazo do paredão de protecção à Avenida Marginal, que vem sendo substancialmente degradado por acção das cheias do rio Douro.
Da Câmara Municipal de Odemira, a enviar fotocópia da acta da reunião em que foi aprovada uma moção de repúdio ao eventual incumprimento do plano anteriormente estabelecido, no respeitante à instalação em Sines de uma fábrica metalúrgica, tendo em vista o aproveitamento integral das pirites da zona.

O Sr. Secretário (Lemos Damião); - Foram apresentados na Mesa, na última reunião plenária, os requerimentos seguintes: à Secretaria de Estado dos Transportes, formulado pelo Sr. Deputado José Manuel Ambrósio e outros; à Biblioteca Nacional, formulado pelo Sr. Deputado Ruben Raposo; ao Governo e ao Ministério do Trabalho e Segurança Social (2), formulados pelo Sr. Deputado Joaquim Miranda; ao Ministério da Indústria e Energia, formulado pelo Sr. Deputado Dias Lourenço e outros; ao Ministério da Justiça, formulado pelo Sr. Deputado José Magalhães; aos Ministérios do Equipamento Social e da Educação (2), formulados pelo Sr. Deputado Manuel Fontes Orvalho; aos Mistérios do Trabalho e do Equipamento Social, formulado pelos Srs. Deputados Margarida Marques e Reis Borges; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Manuel Leão Tavares; aos Ministérios da Defesa Nacional e das Finanças e do Plano, formulado pelo Sr. Deputado Gaspar Martins; ao Governo e a diversos ministérios (12), formulados pelo Sr. Deputado Magalhães Mota; ao Ministério da Educação, formulado pelo Sr. Deputado Custódio Gingão; ao Ministério da Administração Interna, formulado pelos Srs. Deputados Costa Fernandes e Anselmo Aníbal; a diversos ministérios (5), formulados pelo Sr. Deputado António Mota.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Carlos Brito e Margarida Tengarrinha, na sessão de 10 de Novembro; Jorge Lemos, na sessão de 20 de Março; Magalhães Mota, nas sessões de 3 de Abril e 26 de Junho, da I Sessão Legislativa, 30 de Outubro, 6 e 27 de Novembro, 24 de Janeiro e 26 de Fevereiro, da II Sessão Legislativa; Seiça Neves, na sessão de 24 de Outubro; António Mota, na sessão de 9 de Novembro; José Vitorino, nas sessões de 16 de Novembro e 6 de Dezembro; Gaspar Pacheco e Vasco Miguel, na sessão de 6 de Dezembro; Almeida Eliseu, na sessão de 14 de Dezembro; José

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Manuel Mendes e outros, na sessão de 14 de Dezembro; Zita Seabra, na sessão de 15 de Janeiro; João Amaral, na sessão de 15 de Fevereiro; Pacheco da Silveira e Carvalho Silva, na sessão de 21 de Fevereiro; Vidigal Amaro e Custódio Gingão, na sessão de 26 de Fevereiro.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, por lapso da Mesa não foram postos à aprovação os Diários n.ºs 59, 60 e 61, respeitantes às reuniões plenárias de 19, 21 e 22 de Março findo.
Entretanto, tem a palavra para uma interpelação à Mesa o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, trata-se de uma matéria que, no nosso entender, deve ser colocada neste momento, uma vez que pensamos que não tem estado a ser cumprido o Regimento, já que a aprovação dos Diários não se deve fazer no período de antes da ordem do dia.
De facto, e nesse sentido, a intervenção do Sr. Deputado Carlos Lage, há pouco, foi exemplar. A Assembleia da República, no período de antes da ordem do dia, não pode, para além dos votos, tomar deliberações, ou seja, não pode aprovar ou não aprovar os Diários.
Portanto, Sr. Presidente, penso que, para o futuro, o anúncio quanto à aprovação de Diários deverá ser inscrito, sempre, na primeira parte da ordem do dia e não no período de antes da ordem do dia, como até aqui tem vindo a proceder-se.
Trata-se de aplicar as normas que constam do novo Regimento - aliás, elas já constavam do Regimento anteriormente em vigor, mas que por praxe não vinham a ser aplicadas - e uma vez que temos um Regimento revisto é bom que o que consta do Regimento seja aplicado conforme ele próprio determina.

O Sr. Presidente: - Os serviços e o Sr. Secretário da Mesa informam-me que esta questão já tinha sido levantada e tinha ficado de ser apreciada numa reunião de líderes.
De qualquer modo, parece-me pertinente a questão levantada. Se as bancadas estão de acordo, recomendar-se-á aos serviços para que, de futuro, coloquem no início do período da ordem do dia a questão da aprovação dos Diários. Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, aquando da leitura do expediente foi referida uma carta de realizadores cinematográficos, encabeçados pelo realizador João Botelho, salvo erro, em que se referia um protesto contra uma deliberação da Assembleia da República. Penso que em termos de sumário, visto que conheço à carta, deve ser reflectida a verdade dos factos e não o que os realizadores dizem.
Assim, deve ser esclarecido que se trata de um protesto contra uma eventual deliberação da Assembleia da República, que não existiu, com o conteúdo em relação ao qual os realizadores protestam. De facto, a Assembleia da República não aboliu nenhum adicional sobre o Fundo de Cinema. Autorizou, sim, o Governo a fazer uma diminuição de adicionais e, inclusivamente, teve o cuidado de assegurar na Lei do Orçamento que isso era feito sem prejuízo das dotações do Fundo de Cinema.
Portanto, o protesto não tem razão de ser. Os realizadores utilizaram uma deficiente informação para esse seu protesto e parece-me correcto que em termos do sumário do expediente não seja dada a versão dos realizadores, mas a exacta, que é a da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não tencionava interpelar a Mesa, mas faço-o porque creio que é facto inédito na história da Assembleia da República - pelo menos na história recente - assistir-se a um protesto de um deputado em relação a uma peça do expediente que, sendo do conhecimento individual do deputado em questão, não foi transmitida, pelo menos, em termos tais que todos os deputados da Câmara tivessem percepção do seu conteúdo.
Sendo assim, e até porque se trata de uma matéria que vem suscitando alguma perplexidade e inquietação, a que a Câmara não pode ser alheia, solicito a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que ordene a leitura dessa peça do expediente. Aliás, como é facultado pelo Regimento e se torna absolutamente irrecusável a partir do momento em que um deputado ergue a voz para fazer um protesto sobre uma coisa que a Câmara não conhece e sobre cujo bem fundado temos todos o direito e o dever de ajuizar, serena e objectivamente, num processo que começou muito mal e importa bem que não continue pior.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Como julgo que o Sr. Deputado Magalhães Mota se quer pronunciar sobre este assunto, tem a palavra.
Mas, Srs. Deputados, não podemos continuar esta discussão.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, não me oponho a que a carta seja lida e até acho muito bem que seja lida porque esclarecerá a questão.
Queria apenas corrigir o entendimento do Sr. Deputado José Magalhães que, provavelmente, terá resultado de deficiente expressão minha. É que não pretendo protestar contra o conteúdo da carta; o que eu pretendo é que, no resumo da leitura do expediente, seja citado correctamente aquilo que é o conteúdo da cana.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah!

O Orador: - Portanto, que não se fale de um protesto contra uma violação feita pela Assembleia da República, mas que se fale - quando muito - de uma eventual violação, porque esse é o entendimento dos realizadores, mas não é a verdade dos factos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - É melhor ser lida.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a carta vai já ser lida pelo Sr. Deputado Secretário.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem, Sr. Presidente.

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O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Sr. Deputado, é o seguinte o teor da carta dirigida ao Sr. Presidente do Conselho de Ministros e com cópias para o Sr. Ministro da Cultura, para o Sr. Presidente da Assembleia da República, para o Sr. Presidente da Direcção do IPC, para os Srs. Presidentes dos Grupos Parlamentares e para o Sr. Deputado Magalhães Mota:

Sr. Presidente do Conselho de Ministros:

Excelência:

Os signatários, realizadores de filmes cinematográficos, não fazendo parte nem tendo representação na Associação Portuguesa de Realizadores de Filmes (APRF), vêm por sua vez protestar contra as medidas recentemente aprovadas na Assembleia da República - redução do imposto adicional sobre os bilhetes de cinema de 15% para 5%, acrescida ainda de uma hipotética anulação futura destes 5% - pelas razões seguintes:

1 - Porque se nos afigura como um atentado ao cinema português, uma vez que a já diminuta verba destinada à produção nacional sofreria uma redução absurda equivalente à sua própria aniquilação;
2 - Porque não foi indicada nenhuma contramedida que salvaguarde a produção de filmes portugueses;
3 - Porque, mantendo-se o preço dos bilhetes de cinema, também o espectador não é beneficiado e o dinheiro desviado da produção de filmes portugueses vai, automaticamente, em exclusivo proveito do distribuidor, propiciando o aumento da importação de filmes estrangeiros e o agravamento da saída de divisas;
4 - Porque - afirmamos - o cinema é um bem essencial que nenhuma sociedade civilizada pode destruir ou sequer subalternizar;
5 - Porque é pela sua cultura que um país se identifica e reconhece;
6 - Porque o cinema é cultura e simultaneamente um dos seus difusores mais importantes;
7 - E porque os realizadores portugueses não querem que lhes cortem as mãos.

Apresentamos a V. Ex.ª os nossos mais respeitosos cumprimentos.

O Sr. Presidente: - Para proferir uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Macedo.

O Sr. António Macedo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Num país como o nosso, onde é livre a crítica e a confrontação ideológica, onde todo e qualquer cidadão, na praça pública, na tribuna dos jornais ou nos comícios, na rádio e na televisão, pode exprimir, sem freios e sem medos, os seus pensamentos, ideias, reivindicações, não se compreende nem se aceita que seja legítimo o acesso a práticas ilegais ou o recurso à violência, para definir atitudes, marcar posições, debater critérios ou pontos de vista pessoais ou de grupo.
Mas é óbvio que nas análises, reflexões e comentários, na apologia e no ataque, como em todo o processo de exercício de acção crítica ou de confrontação ideológica, terá de haver limitações e condicionalismos na esfera das responsabilidades que cada um partilha, no acautelamento da dignidade própria e alheia.
Responsabilidade esta que se gera e se impõe por si mesmo, por imperativo de uma determinante moral ou ética e, assim, mais fortalecida no ânimo e no comportamento dos cidadãos.
Em regimes de liberdade e de democracia pluripartidária, maior e mais agravada é a culpa dos «infractores», dos que se rebelem contra a lei, a espezinham, ou a iludam, deliberadamente, no cultivo da retórica postiça, da demagogia, da intolerância, da violação das consciências e dos direitos humanos.
Os condicionalismos que se apontam em nada impedem que o discurso crítico seja severo, polémico e até cáustico, se necessário, posto que deva confinar-se às fronteiras da compostura e da legalidade, que delimitam a actuação dos cidadãos ao afirmarem a sua presença e actividades nos arraiais políticos.
E isto porque, em defesa de uma comunidade de homens livres, é evidente dever impedir-se ou refrear-se os ímpetos, os abusos e os excessos, em todos os domínios da intervenção política, contrapondo-lhe o diálogo, a concertação.
Também não pode deixar de ser condenável o emprego de uma linguagem soez ou inadequada, em que, afinal, se procuram como alvos, preferenciais, os insultos, as injúrias e as calúnias, com propósitos, nítida ou fundamentalmente, alarmistas ou agressivos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Estes são (ou devem ser...) os parâmetros que configuram a vida parlamentar - da instituição e dos seus membros -, exemplo e lição de convivência cívica, onde a discussão, aberta e leal, e o diálogo frutuoso procuram ser armas privilegiadas, num desejável esforço de ser obtido o consenso ou, pelo menos, a clarificação salutar dos problemas e das ideias.
São estas as virtualidades de um parlamento, na essência e rigor das suas funções, o que confere ao regime representativo e parlamentar uma alta missão política, social e patriótica, para além de pedagógica, da maior relevância, na estruturação de uma democracia pluralista.
São os parlamentos órgãos de soberania com o maior peso nas decisões que se ligam a toda a vida nacional, e por isso lhes compete, além do mais, impor o respeito pela Constituição, fiscalizar o governo, dizer a palavra definitiva acerca do que mais fundo toca os valores da liberdade, da paz, do progresso, da justiça e da harmonia social.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - São os parlamentos que fazem as leis, como emanação da vontade popular, ou por delegação dela, porque os deputados que os compõem são para tal eleitos por sufrágio directo e universal, pelo voto expresso nas urnas - o que se diz com singeleza e sem divagação especulativa e muito menos sofística, metafísica ou escolástica...
Assim, os desacatos à lei e as acções que se pratiquem à margem dela representam graves violações do Direito.
Cooperando com o Parlamento, para a feitura e aperfeiçoamento das leis, pode qualquer cidadão par-

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ticipar e intervir nos debates públicos, por meios e modos diversos, como de início assinalámos.
E é por isso que, em regime de liberdade e democracia pluripartidária quem infringe a lei coloca-se fora dela e entra em estado de rebelião e em conflito com o Direito.
É certo que países há onde o parlamento é uma figura ornamental, um «flor de retórica».
Foi-o entre nós («para inglês ver...») com uma «assembleia nacional» fantoche, e é-o nos Estados de feição totalitária, com o suporte do «partido único» e no rigor de uma repressão despótica, que decapita todas as iniciativas, mesmo as mais nobres, generosas e fraternas, que visem a livre e responsável circulação das ideias.
Aos democratas por formação e convicção, penaliza-os assistir ao menosprezo (que vai até ao achincalhamento) da instituição parlamentar, órgão de soberania por excelência, intérprete fiel que deve ser das aspirações, dos anseios e dos imperativos nacionais e populares.
Por uso e abuso de todos os pretextos, os deputados são, muitas vezes, objecto de campanhas difamatórias, de insinuações mal intencionadas, ou de reserva mental.
Deturpa-se, deforma-se, ridiculariza-se o deputado e as suas condutas, quase sempre para denegrir, para desacreditar, para ferir o prestígio dos regimes que têm por expoente e símbolo a «casa do povo» que o Parlamento é.

O Sr. José Leio (PS): - Muito bem!

O Orador: - Recorde-se que o Parlamento português já esteve em sequestro - uma vergonha que teve a repulsa do mundo inteiro -, por obra e graça de um grupo de aventureiros e de profissionais da arruaça, com a cobertura de forças partidárias que se vangloriavam de «extremistas», empenhadas em dar da democracia uma imagem caricata, grosseira e pejorativa.
Como fomos então, nós, os deputados, presos, vexados e vaiados, e como era gozoso para certa imprensa (e não só...) alcunhar-nos de «palhaços de São Bento» ou de «lacaios da burguesia»!...

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - E, sublinhe-se, estava então a Assembleia Constituinte ocupada e preocupada em dotar o País com uma constituição moderna, «avançada», que projectasse para o futuro o espírito e as bênçãos do 25 de Abril.
Claro que tem de reconhecer-se que, no nosso Parlamento, nem tudo, por vezes, corre bem, que há desvios e «vícios» a corrigir, falhas, omissões, erros a assinalar, de acordo com um maior esforço de maturação.
Mas, repare-se, que ainda há pouco entrou em vigor um novo Regimento, ou refundido (e em que se ocuparam longos meses de discussões e acertos), e já se verifica que ele está necessitado de reajustamentos, pois é ainda frequente o prazer da chicana e da retórica (ás vezes para um galeria vazia...) ou a falta de espírito de cooperação por parte de alguns deputados, ou seus partidos...
Alguns e certos deputados (e assim digo, pois são quase sempre os mesmos...) que, por rebeldia à disciplina, se comprazem em cultivar o exibicionismo, as tricas, as birras, as perrices, para desgaste e descrédito das instituições que deveriam servir e dignificar.
Por outro lado, o trabalho das comissões especializadas, da maior valia na preparação, estudo e análise dos diplomas a subir ao Plenário do Parlamento, escapa-se ao conhecimento e à apreciação do público e raro é tema para informação e esclarecimento através dos órgãos de comunicação social.
Por fim, é de assinalar com humildade - repito, com humildade - que, após quase meio século de ditadura, de falsos mitos, de privação de cidadania e terrível ostracismo político, estamos ainda a fazer (e, ao que se vê, todos nós: deputados, partidos, jornalistas, público das galerias e das ruas) o aprendizado do parlamentarismo, que teve entre nós tradições e raízes fundas, e os mais notáveis cultores e arautos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É o nosso Parlamento visto, muitas vezes, nos seus aspectos menos positivos, esquecendo-se o empenhamento em que se afadigam os deputados (quantas madrugadas de vigília) para encontrar as soluções mais equilibradas e mais justas.
São os detractores do parlamentarismo que se fazem eco de situações equívocas ou que se prestam aos juízos e comentários mais fáceis ou erróneos, fingindo ignorar as condições deploráveis em que os deputados portugueses (frize-se: deputados portugueses) trabalham e executam tarefas, sem estruturas de apoio (até material), de assistência técnica, de penúria de meios, espaços, etc.
Mas esta incompreensão generalizada não acontece só por gosto da maledicência e do mexerico (tão lusitanos) ou por efeito da impunidade e da irresponsabilidade que campeia em muitos sectores da vida nacional, ou que é de bom-tom ou muito revolucionário apregoar...
Ainda recentemente (e a história repete-se...) um destacado dirigente, de cúpula, do anunciado Partido Renovador Democrático, em entrevista a um vespertino lisboeta de grande audiência, se permitiu afirmar com a maior singeleza que «os regimes parlamentares estão no fim». E passou-lhes a certidão de óbito porque «nasceram no século passado e hoje estamos na era dos computadores»...
São assim, mais ou menos, as razões em que mergulham (para boiar ou ir para o fundo...) os adversários do parlamentarismo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Contrapondo ao «abaixo o terrorismo» com que há dias terminei uma breve declaração de voto, em nome da bancada do Partido Socialista, seja-me consentido, face às determinantes e propósitos que me levaram a ocupar esta tribuna e para que as minhas últimas palavras ganhem ressonância e fiquem a perdurar nos ecos deste hemiciclo - casa de homens livres -, seja-me consentido, repito, ser o porta-voz de uma esperança perene, ao clamar com firmeza de ânimo e fidelidade aos ideais que foram as metas da luta em que desde sempre me empenhei: Viva o Parlamento!

Vozes do PS: - Viva!

Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.

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O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vai longe, mas continua vivo na memória dos homens, o tempo em que as leis corporativas do fascismo eram a emanação de um poder despótico que dava cobertura à mais violenta exploração e opressão sobre os trabalhadores.
Vai longe o tempo onde fazer greve, exercer as liberdades sindicais e lutar pela segurança no emprego significava crime punível com a prisão, a tortura, o despedimento, as perseguições e as discriminações salariais e profissionais. O tempo da praça da jorna, o medo ao capataz, ao bufo, ao pide, ao poder absoluto do patronato, nas empresas acabou.
Nas muitas batalhas ganhas e perdidas, nas muitas dezenas de anos de luta e resistência, o movimento operário e sindical ganhou, muitas vezes a pulso e sempre com elevados sacrifícios, as suas reivindicações e aspirações. Aprenderam também os trabalhadores que os seus direitos não lhes são dados, mas conquistados por si próprios, que a lei acolhe ou combate essa realidade conquistada.
A vitória de Abril e a Constituição abriram o caminho e acolheram com amplitude muito daquilo que dá razão à democracia social. Os direitos colectivos dos trabalhadores, por eles criados e conquistados, são hoje verdadeiros direitos, liberdades e garantias fundamentais da Constituição da República.
O grande patronato e os governos de direita que nesta última década estiveram ao seu serviço, os que por razões classistas entendem os interesses económicos e o lucro como factores intocáveis e prevalecentes, quando em confronto com os direitos do trabalho, nunca perdoaram nem aceitaram esta opção constitucional, sempre desejosos de recuperarem as parcelas do domínio perdido. Os contratos a prazo e as primeiras alterações à Lei dos Despedimentos, da responsabilidade do PS, longe de os contentar, aguçou-lhes o apetite. Seria a AD a ensaiar o ataque legislativo mais radical e ultramontano, ao preparar um pacote laborai onde se destacava a celerada proposta de lei n.° 70/II.
Confrontado com a luta poderosa do movimento dos trabalhadores e das forças democráticas, o governo AD foi derrotado e demitido, arrastando consigo as suas nefastas propostas. Isto pertence à história e não teria valido a pena gastar mais cera com tão ruins defuntos se, hoje, os trabalhadores não fossem confrontados de novo com os velhos projectos inconstitucionais e contra-revolucionários virados para a liquidação dos seus direitos. Numa autêntica catadupa, com publicação a granel no Boletim do Trabalho e Emprego, ressurge tudo o que de pior existia no pacote laborai da AD.
Esta tentativa de repetir a história tem os mesmos personagens e objectivos. Só que alguma coisa e alguém mudou. No lugar do governo PSD/CDS existe um governo PS/PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Examinando a traços breves o frenesim legislativo do Governo verifica-se que o recauchutado e agravado pacote laboral da AD, entre outros, inclui a legalização do aluguer e tráfico de mão-de-obra e alterações inconstitucionais às leis da greve e dos despedimentos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Enganaram-se!

O Orador: - Isto significa uma autêntica declaração de guerra ao movimento dos trabalhadores e um verdadeiro desafio aos democratas que se identificam com a justiça social.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Irmão da lei de segurança interna, este pacote laboral insere-se numa política que, sem soluções para os problemas económicos e financeiros do País, insiste no caminho antidemocrático da hostilização e repressão do movimento operário. Por outro lado, ao preparar-se para, através de uma simples autorização legislativa, impedir o exercício e a plenitude das competências constitucionais pela Assembleia da República, o governo PS/PSD subverte e descaracteriza não só o direito de participação das organizações dos trabalhadores, como tenta passar um atestado de desconfiança e incompetência aos membros deste órgão de soberania.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - É uma vergonha!

O Orador: - E quando aqui ouvimos gritar «viva o Parlamento», pois que «viva a democracia» já que são acções destas que, de facto, desprestigiam o Parlamento e desprestigiam este órgão de soberania que é a Assembleia da República.

Aplausos do PCP.

Examinando as propostas percebe-se bem por que razão o Governo aposta nesta metodologia golpista.
Na regulamentação do trabalho temporário o Governo quer consagrar mais uma negregada forma de emprego precário, confiar a empresas lucrativas funções de intermediárias na oferta e procura do trabalho, desresponsabilizar os serviços públicos desta tarefa e, fundamentalmente, tentar legitimar uma forma de exploração do trabalho desumanizada, transformando o homem em simples mercadoria de aluguer.
O projecto de regulamentação da Lei da Greve, piquetes de greve, lock-out e requisição civil, em sinistro enlace com a lei de segurança interna, está concebido para facilitar a repressão patronal sobre os membros dos piquetes de greve tanto no aspecto disciplinar como no aspecto penal e civil, para proibir a solidariedade entre os trabalhadores, para contrariar a própria característica essencial do direito à greve, ao permitir a contestação do poder patronal e ocupação dos postos de trabalho, reduzir o número dos membros dos piquetes tornando-os quase ineficazes, e permitir o lock-out, apesar de estar constitucionalmente vedado às entidades patronais. O Governo reconhece o direito à greve. Mas com este projecto quer significar que o seu exercício e eficácia seriam proibidos. A terceira peça deste pacote é a lâmina da guilhotina, o camartelo governamental sobre o direito ao trabalho e ao emprego, inspirado e gerado a partir da proposta de lei n.° 70/II, que reduz a pó o conceito de justa causa para despedimento. O governo PS/PSD conseguiu fazer algo inimaginável: conseguiu piorar e agravar a própria proposta de lei n.° 70/II.
Passariam a existir 17 fundamentos para despedimento individual com justa causa por razões disciplinares. Mas a maior brutalidade é a retoma dos fundamentos económicos (com violação da opção constitucional e em nome da CEE) que permitem o dês-

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pedimento com justa causa e a transformação da entidade patronal no monarca absoluto do seu império empresarial.
Bastaria que a entidade patronal invocasse «a inadaptação do trabalhador às modificações tecnológicas operadas no seu posto de trabalho, motivos económicos, tecnológicos, estruturais ou de mercado» para que um trabalhador fosse despedido com justa causa. Pergunta-se, Srs. Deputados e Sr. Presidente: juntem-se os 17 fundamentos para a sanção disciplinar extrema e o que é que fica de fora do conceito de justa causa para despedimento?
Aqueles que estivessem no fim de uma vida inteira de trabalho mas a alguns anos da reforma, um dirigente sindical ou um membro de comissão de trabalhadores, a tempo inteiro ou parcial, um trabalhador incómodo ou um activista, uma trabalhadora com filhos doentes ou recém-nascidos a necessitarem de acompanhamento, um candidato a uma organização de trabalhadores, sentiriam sempre sobre si o cutelo ameaçador do despedimento, criando-se nas empresas a política do medo, do terror e da insegurança, o regresso do poder discricionário do patrão e do capataz, a transformação dos trabalhadores em coisas ou braços das máquinas, sempre substituíveis a qualquer momento.
Não quis o governo PS/PSD ficar por aqui. Um trabalhador despedido a quem o tribunal reconheça razão não só não receberia os créditos a que tinha direito, desde o afastamento da empresa até a decisão da sentença, como poderia ainda ver recusado pela entidade patronal a sua reintegração na empresa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se diga que este pacote laborai é da exclusiva responsabilidade do Ministro do Trabalho ou mesmo do PSD. Ele traz a marca do governo PS/PSD e vem na sequência das leis contra o sector público e nacionalizado, reforma agrária, segurança interna e das rendas de casa. Este edifício legislativo monstruoso, onde se enquadra o pacote laboral, visa liquidar a substância da própria democracia portuguesa e a razão essencial de Abril.
Para a história, o Diário da Assembleia da República, em 3 de Dezembro de 1981, registou as posições de cada grupo parlamentar, aquando do debate da proposta de lei n.° 70/II. Mais do que um desafio à coerência partidária, esse registo histórico constitui um desafio à consciência democrática dos deputados. Registado na história e vivo na memória dos homens está também a poderosa resposta do movimento operário e sindical quando a AD tentou jugular os direitos e as liberdades sindicais.
Um partido político, uma força social, um povo que esquece as lições e os exemplos do passado está sujeito a vivê-los de novo.
Os trabalhadores, esses, não esqueceram. Começa já a ser desencadeado um poderoso movimento de rejeição unânime das organizações dos trabalhadores contra as peças mais nefastas do pacote laboral.

Aplausos do PCP.

Este Governo, que teima em perseguir objectivos que a história e a vida condenaram e derrotaram, será também julgado e irremediavelmente derrotado.
O pacote laborai do governo PS/PSD não passará!

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Também para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.

O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É comum dizer-se que a memória dos homens é curta. E a prática demonstra que é curta tanto quando consideramos os cidadãos individualmente como quando os consideramos no seu conjunto social. As razões para isso prendem-se essencialmente com o facto da capacidade de memorização e tratamento dos acontecimentos pelo ser humano não ser ilimitada, prevalecendo assim no consciente e como alvo das atenções tudo aquilo que é mais recente ou que de forma mais directa e pessoal nos atinge.
Por estas e outras razões, tem-se que o cidadão vai esquecendo o que se passa e não avalia em toda a dimensão incoerências, contradições e erros. Assim, os seus julgamentos não assentam nos dados que directa e indirectamente respeitam a um determinado processo, antes se vão misturando e confundindo com dados estranhos a uma determinada situação. E daqui resulta que ou pura e simplesmente não toma conhecimento profundo das situações, acaba por esquecê-las ou, não as esquecendo, quer suscitá-las mas não dispõe de meios.
E, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para lá das competências expressas desta Assembleia da República, dos problemas mais profundos e nobres que se nos colocam é a capacidade para nos assumirmos permanentemente como porta-vozes da consciência colectiva. Podemos e devemos fazê-lo. Por um lado, porque temos obrigação de acompanhar com fidelidade e rigor o que de mais importante se passa e, por outro, porque temos obrigação de zelar e levantar a nossa voz de protesto quando o esquecimento voluntário ou premeditado parece caracterizar o comportamento da nossa Administração Pública. É que se não o fizermos, ou se o fizermos e permitirmos que não nos ouçam, então o essencial da nossa tarefa ficará comprometido e a impunidade, irresponsabilidade ou conivência com erros ou abusos cometidos passarão a fazer parte do dia-a-dia do País. Por mim e pelo PSD não estamos dispostos a que tal suceda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os dois casos que passo a relatar são, infelizmente, o exemplo de tudo o que acabo de dizer, e a um tal ponto que se pode apelidar de graves, escandalosos e inaceitáveis tudo o que se tem passado. Refiro-me à falta de adequada averiguação, sobre as condições em que se verificou o acidente que vitimou o ciclista Joaquim Agostinho e sobre a falta de cloro na água de consumo corrente que se verificou em Albufeira no Verão passado. E a gravidade dos factos resulta do forte impacte e consequências negativas que tiveram, mas também da maneira inexplicável como não foram minimamente tratados, pelo menos tanto quanto se sabe, apesar do que naturalmente se devia ter feito, e a memória e prestígio de um atleta como Joaquim Agostinho justificava, bem como os enormes prejuízos económicos decorrentes da falta de cloro na água de Albufeira efectivamente mereciam. Mas pior do que isso é o facto de vários apelos e chamadas de atenção terem sido lançados dentro e fora desta Assembleia, merecendo como resposta o silêncio.
Analisemos, sumariamente, os factos. Em primeiro lugar, o caso da morte de Joaquim Agostinho.

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Dentro em breve completa-se um ano sobre a data em que ocorreu o trágico acidente que o vitimou. E que aconteceu durante este longo período de saudosa e viva memória para o povo português? Para já, pode concluir-se que, segundo parece, a atitude das autoridades foi de alheamento quanto ao esclarecimento da situação que rodeou o acidente. Senão vejamos:

a) Logo após o acidente muito se escreveu e muito se perguntou sobre o mesmo em particular, e sobre as condições que, em geral, respeitam à organização de provas de ciclismo e à assistência médica nos hospitais.
Eu próprio, de imediato, apresentei um requerimento nesta Assembleia, em que solicitava a abertura de um rigoroso inquérito, com vista a «eliminar qualquer suspeita de negligência, averiguar as eventuais responsabilidades ou acautelar situações semelhantes no futuro». E desde logo, solicitava informação e justificação sobre:

Responsabilidade pela segurança dos ciclistas e qual o tipo de apoio e assistência médica previstos nas provas oficiais e, em concreto, naquela;
Por que esteve o ciclista cerca de 2 horas em Quarteira, não tendo sido transportado de imediato para o hospital de Faro, perante a gravidade da queda?

b) Em resposta a esse requerimento, o Ministério da Saúde deu algumas respostas que se podem considerar satisfatórias, tanto pelas diligências feitas como pelas informações prestadas. Contudo, foi estranha a resposta dada pela Secretaria de Estado dos Desportos, referindo, em conclusão, que:

Não foi elaborado qualquer inquérito por parte da Federação de Ciclismo e Associação de Ciclismo do Algarve, tendo-se limitado a organização da prova a registar em acta os respectivos acontecimentos.

c) No princípio de Dezembro do ano passado trouxe de novo o problema à Assembleia da República, denunciando os factos e assinalando que:

Tal comportamento das autoridades não merecia sequer comentários, pela gravidade de que se revestia, exigindo a memória de um homem e de um desportista como Joaquim Agostinho, a dignidade e moralização desportivas e a salvaguarda do futuro que o inquérito fosse feito e os seus resultados divulgados para se concluir, designadamente, se tudo estava ou não conforme o Regulamento Geral e Técnico de Corridas da Federação Portuguesa de Ciclismo e as exigências mais elementares de bom senso quando nessa prova participava um homem com a craveira de Joaquim Agostinho.

d) A intervenção foi, de imediato, enviada através do Gabinete do meu grupo parlamentar aos vários ministérios competentes.
E agora é de perguntar: que aconteceu entretanto? Que resposta foi dada passados que são 4 meses? A resposta foi um profundo e sepulcral silêncio, como se nada se tivesse passado!
E surge finalmente a pergunta que desde o início do caso venho suscitando: porque se recusam as autoridades competentes em averiguar os factos? Porque se mantém este silêncio conivente e cúmplice? Porque não se põe tudo muito claro? Será que há quem tenha medo?

Estas e outras são perguntas que, naturalmente, se podem e devem colocar. Porque de duas uma: ou tudo estava organizado conforme devia e então muito bem, a averiguação mostrará isso e o problema fica encerrado. Ou não estava e então, aí, sim, terão de se apurar responsabilidades e tomar medidas para garantir que num desporto, tão perigoso como é o ciclismo, os atletas estejam seguros, que têm o máximo de apoio possível, designadamente aquele que está previsto nos regulamentos que os devem proteger.
Alguns, por certo, dirão que passado tanto tempo não se devia mexer no assunto. Penso exactamente o contrário. É precisamente por ter passado tanto tempo sem que, escandalosamente, tivesse sido feita uma averiguação mínima para dar resposta às perguntas formuladas por tantos portugueses, que se justifica que o problema seja retomado, sendo de exigir às autoridades competentes que esclareçam, de vez, o assunto. Está o Governo a estudar o assunto e até agora não disse nada, ou o processo continua arquivado? É preciso esclarecer isto.
Quanto ao problema da falta de cloro na água de Albufeira, foi causa dos maiores prejuízos directos e de uma certa má imagem do turismo português a insuficiente dosagem de cloro na água de consumo corrente em Albufeira, provocando fortes perturbações intestinais, como é conhecido. Daí resultou uma situação de quase suspeição permanente por algumas autoridades estrangeiras em relação aos problemas de sanidade em Albufeira, no Algarve e no próprio País que os leva a ser agora muito mais exigentes para connosco do que o são para com países e zonas turísticas nossas concorrentes. Foi importante corrigir a deficiência quanto ao cloro: está corrigida. É importante resolver os problemas do tratamento dos esgotos como se está a fazer: é positivo.
Mas isso não basta. É preciso saber quem foi responsável por tal facto e prevenir para que tais situações não se repitam no futuro.
Considerando as gravíssimas consequências das ocorrências, solicitei publicamente, em Outubro, a abertura do inquérito, e voltei a fazê-lo, em intervenção feita, em Dezembro, nesta Assembleia, para se saber se o sucedido se deveu a descoordenação de serviços, incúria ou qualquer outra causa.
A intervenção foi mandada, de imediato, ao Governo, mas também aqui, passados 4 meses, nenhuma resposta foi dada.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os factos que acabei de relatar são o exemplo vivo daquilo que em democracia não se pode nem se deve verificar. A impunidade, a irresponsabilidade e a «pedra sobre os assuntos» são de má política.
Democracia exige permanente esclarecimento e transparência, e um órgão como a Assembleia da República

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existe, nomeadamente, para garantir essa fiscalização e evitar que os problemas caiam no esquecimento dos dossiers e dos arquivos da máquina administrativa pública, para desespero e perplexidade dos cidadãos.
Por isso aqui fica mais uma vez a exigência do esclarecimento para honra e bom nome dos responsáveis governamentais e dignidade desta Assembleia da República.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Jardim Ramos.
Informo-o, Sr. Deputado, que o seu grupo parlamentar dispõe de 3 minutos.

O Sr. Jardim Ramos (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Organização Mundial de Saúde dedicou o Dia Mundial de Saúde deste ano à juventude, consagrado ao tema: «Uma juventude saudável - o nosso melhor trunfo.»
Aposta a Organização Mundial de Saúde, e bem, na redução do consumo de drogas e no seu comunicado a propósito do Dia Mundial de Saúde refere que «na procura do conforto, afirmação e estímulos, muitos jovens arriscam-se a destruir o seu melhor trunfo».
Segundo a OMS, «droga é qualquer substância que, pelas suas propriedades químicas, modifica a estrutura e o funcionamento do organismo».
O uso de drogas com fins não terapêuticos remonta à antiguidade, muitas vezes associado a ritos e práticas religiosas. Há cerca de três décadas, o uso de drogas surgiu entre os jovens, principalmente nos países Industrializados. A amplitude e o aparecimento súbito, apanharam desprevenidas as famílias e a sociedade que, ora reagem com estupefacção, sem saber que atitude tomar, ora com uma agressividade cega.
Aproveitando esta oportunidade, queria pedir a todos um esforço no sentido de se banir o termo «drogado» pela conotação pejorativa e insultuosa que hoje tem e o substituíssemos pelos termos adoptados pela OMS de «consumidor e toxicómano», fazendo, contudo, a distinção entre ambos.
Do uso frequente de droga, a que o indivíduo não quer e depois não pode renunciar, vai-se o organismo adaptando; daí que, para obter o mesmo efeito, seja necessário aumentar a quantidade do produto consumido.
Assim, o consumidor, o indivíduo, se não conseguir controlar a situação, vai-se afundando, tendo necessidade de continuar a consumir cada vez mais droga, revelando dependência física e ou psíquica, transformando-se num verdadeiro toxicómano.
Então, o que leva uma pessoa ao consumo, ao abuso e dependência da droga? Sem dúvida a personalidade do indivíduo e ou o tecido social envolvente.
Como aspectos individuais, podemos apontar a necessidade de experimentar novas sensações, curiosidade de saber como é, tentativa de ultrapassar problemas não resolvidos, sensação de isolamento, de rejeição, etc.
Como influências sociais temos os problemas com a família, com a escola, a pressão de grupos de amigos que consomem droga, a facilidade na aquisição da droga, etc.
Diz o professor Dias Cordeiro que:

O uso das drogas durante a adolescência é particularmente nocivo e perigoso; elas provocam, com efeito, graves fenómenos de despersonalização, de transformação corporal, bem como angústias profundas num momento crucial do processo maturativo. A repetição de tais fenómenos desencadeia frequentemente uma brecha importante no sentido da unidade, da integridade da pessoa, que se acompanha do desaparecimento mais ou menos marcado dos limites do eu.

Por outro lado, as drogas facilitam a erupção brutal e caótica do inconsciente e podem produzir, em certos casos, verdadeiros estados psicóticos agudos como por exemplo o chamado bad-trip.
Refere ainda o mesmo professor que:

No plano do desenvolvimento do adolescente, a droga é indiscutivelmente um factor contrário ao processo normal de maturação do jovem. Com efeito, observa-se no toxicómano uma atitude de infantilização e de regressão importantes, uma negação da realidade e das frustrações acompanhando-se de uma procura imediata do prazer. Esta regressão tem um aspecto global e atinge, nomeadamente, os aspectos e a vontade, conduzindo a atitudes hipobúlicas, abúlicas, apragmáticas e de superficialidade afectiva. Se é a droga um mal, então que fazer?

Constituindo o uso da droga um problema multidimensionado, é impossível pensar-se numa solução única, definitiva, mesmo miraculosa.
Frequentemente ouve-se serem rotuladas as drogas de «leves» e de «pesadas», não passando esta classificação de pura artificialidade, pois os efeitos provocados por uma droga não dependem apenas do seu tipo, isto é, das suas características, mas também da dose e interacção com outras e ainda das características do consumidor e do meio envolvente.
Convém, sobretudo, na luta contra a droga, não só intervir sobre a produção e destruição das drogas, mas também na prevenção e educação, conjugando esforços com uma adaptação contínua de métodos e sempre na base de dados novos.
Assim, é aconselhado agir:

Sobre as drogas: destruição das plantações e de laboratórios onde as drogas são produzidas e preparadas; bloqueio das redes de tráfico e de distribuição;
Sobre a sociedade: é preciso melhorar as relações entre os jovens e a sociedade, estabelecer o diálogo entre os jovens e a família, entre alunos e professores. Oferecer aos jovens actividades desportivas, sociais e artísticas com a finalidade de desenvolver a comunicação e solidariedade;
Sobre o sujeito: é neste domínio, mais do que nos outros, possível um programa de prevenção pela educação e informação para atingir com eficácia a solução dos problemas provocados pelo uso de drogas.

Para prosseguir esta acção preventiva é proposto:

Desenvolver atitudes e comportamentos sãos, garantindo o desenvolvimento harmonioso nos aspectos físico, intelectual e afectivo;
Informar, na escola, sobretudo no âmbito das Ciências Naturais e da Educação Física, dos efeitos nocivos das drogas;

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Organizar colóquios, seminários, reunindo professores, psicólogos, pais, para que, sobretudo estes, encontrem informação e ajuda para melhor apoiarem os filhos;
Utilizar os meios de comunicação social para difusão de informação correcta sobre o que são e quais os efeitos das drogas, salvaguardando, contudo, os aspectos sensacionalistas que, eventualmente, poderiam levar o jovem a ter curiosidade em experimentar a droga, isto é, produzir um efeito contrário ao que se desejaria.

E para os caídos nas malhas da droga toda a compreensão, toda a amizade, toda a ajuda, no sentido de libertá-los do consumo e abuso de droga, apoiando-os na reinserção social.
Neste ano, que à juventude é dedicado, e nos anos que se seguirem, vamos ajudar os jovens a não necessitarem de criar situações artificiais que os levem ao alheamento da realidade, mas a viverem, realizando-se plenamente.
Oxalá consigamos uma juventude saudável - o nosso melhor trunfo.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Não havendo mais inscrições, entramos no período da ordem do dia.
Segundo o meu entendimento de há pouco, há consenso para se decidir agora sobre aquela questão posta no início do período de antes da ordem do dia, ou seja, sobre o projecto de deliberação apresentado pelo PCP.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, há pouco, quando V. Ex.ª resolveu ouvir os diferentes grupos e agrupamentos parlamentares, o Sr. Deputado Luís Beiroco, do CDS, em nome da sua bancada, produziu uma intervenção e sobre ela inscreveram-se vários Srs. Deputados para pedir esclarecimentos, designadamente dois ou três deputados da minha bancada.
Pretendemos saber se o Sr. Deputado Luís Beiroco está ou não presente na Assembleia, pois gostaríamos que o debate se iniciasse precisamente pelos pedidos de esclarecimentos que na altura foram indicados à Mesa.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente, para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, do nosso ponto de vista, não tem de haver nenhum debate sobre esta matéria. Tem apenas de haver uma deliberação no sentido de saber se é ou não agendado o projecto de deliberação apresentado pelo Partido Comunista.
Se bem interpreto o Regimento, nos termos do artigo 56.°, ele só pode ser agendado por consenso, sem votos contra. Ora, devo dizer que a minha bancada não dá consenso ao agendamento desta matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também tenho ideia de que não se trata de um debate que dê lugar a pedidos de esclarecimentos e respectivas respostas.
Trata-se, apenas, de discutir e votar - e a votação não poderá ter votos contra -, para se saber se o projecto de deliberação pode ou não ser incluído na ordem do dia.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sem prejuízo do direito de o PSD, na altura própria, votar contra ou não dar o seu consenso, no sentido de ser aprovado o projecto de deliberação que apresentámos - mas isso terá de ser feito mediante voto -, gostaríamos de dizer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, que consideramos que qualquer processo de discussão relativo a uma matéria que é colocada à Assembleia da República, para poder ser apreciada pela mesma, inclui e pressupõe um mínimo de discussão. Discussão essa que pressupõe intervenções, pedidos de esclarecimentos a essas intervenções, protestos, caso eles possam existir, contraprotestos, até que não haja intervenções e o Sr. Presidente decida que vai pôr à votação a matéria em debate.
Não compreendo a intervenção intempestiva do Sr. Deputado António Capucho, no sentido de interpretar, de modo diverso, o que é a interpretação unânime e consta do Regimento da Assembleia da República.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Penso que a interpretação do Sr. Presidente é a correcta.
Se o Partido Comunista Português quer agendar adicionalmente qualquer matéria tem de requerer nesse sentido e, como é evidente, os requerimentos não têm qualquer discussão.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, solicitei há pouco a minha inscrição para usar da palavra em relação à questão suscitada pelo Partido Comunista Português, exactamente nos mesmos termos em que o Sr. Deputado Luís Beiroco a usou e exactamente ao abrigo dos mesmos direitos que levaram a Mesa a conceder a palavra ao Sr. Deputado Luís Beiroco.
Criado o precedente, penso que tenho o direito de sobre esta matéria usar da palavra, como qualquer outro Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a minha interpretação é a de que o Sr. Deputado tem o direito de usar da palavra para se pronunciar sobre o agendamento ou não da matéria levantada pelo Partido Comunista. O que há pouco eu disse foi que não se tratava de um debate que se generalizasse a pedidos de esclarecimentos e respectivas respostas, protestos, etc.
No entanto, todos os grupos e agrupamentos parlamentares têm o direito de se pronunciarem sobre o agendamento ou não da matéria apresentada pelo Partido Comunista Português e, depois, de a votarem.

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É esse o meu entendimento, mas, pelo que vejo, não é um entendimento generalizado. Vou consultar os restantes membros da Mesa.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado, ao que suponho para interpelar a Mesa.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, se, de facto, os grupos e agrupamentos parlamentares fossem chamados a pronunciar-se sobre o agendamento ou não de um projecto de deliberação apresentado em cima dos acontecimentos, iríamos debater o conteúdo desse projecto de deliberação.
Quando um grupo ou agrupamento parlamentar entende suscitar esta questão - e já foi aqui feito um requerimento no sentido de alterar a sequência das matérias fixadas na ordem do dia -, fá-lo através deste expediente processual: a apresentação na Mesa de um requerimento justificando a alteração da ordem do dia, neste caso justificando a apresentação de um novo tema.
Portanto, não vai incidir nenhuma discussão sobre a questão de fundo invocada abundantemente pelo Partido Comunista no seu projecto de deliberação, mas sim um requerimento devidamente fundamentado que deve ser apresentado à Mesa e votado imediatamente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, simplesmente não se trata de um requerimento, mas de um projecto de deliberação.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, penso que importa repor as coisas, tal e qual como elas foram colocadas pelo meu grupo parlamentar no início desta reunião plenária.
Se houve alguma alteração ou intenção de alteração quanto às regras de funcionamento desta Assembleia da República e quanto às regras preparatórias de um debate inscrito para as próximas quinta e sexta-feiras no calendário deste Plenário, ela não partiu da minha bancada, mas de uma atitude de deputados da coligação governamental e do CDS, que contrariaram uma deliberação assumida por este Plenário na semana passada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, dei-lhe a palavra para fazer uma interpelação à Mesa e não para fazer uma intervenção.

O Orador: - Ou seja, Sr. Presidente, foi definido um determinado quadro para a preparação do debate sobre a questão da integração de Portugal na CEE durante esta semana e esse quadro não está a ser cumprido.
Nós colocamos a questão prévia ao Plenário da Assembleia da República, no sentido de saber se o Plenário deve ou não pronunciar-se sobre o facto de não estar a ser preparado um debate que se pretende seja um debate sério e que vai ter lugar nas próximas quinta e sexta-feiras.
Portanto, a questão é tão simples como esta, Sr. Presidente.
Não é nosso entendimento proceder a qualquer alteração da ordem do dia, mas simplesmente colocar ao Plenário a questão de não estar a ser cumprido algo com que ele próprio se co-responsabilizou na passada semana.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, do que agora se trata é de decidir se se deve ou não agendar, para discussão na ordem do dia, o projecto de deliberação. É que isto provoca uma alteração na agenda.
Mas vou consultar os restantes membros da Mesa.

Pausa.

Srs. Deputados, aquilo que anunciei no início dos trabalhos, ainda no período de antes da ordem do dia, era que íamos pedir a todos os grupos e agrupamentos parlamentares que, sumariamente, se pronunciassem sobre o agendamento ou não deste projecto de deliberação e depois votaríamos. É isso que vamos fazer. Vou ouvir os grupos e agrupamentos parlamentares que desejarem intervir. Se, eventualmente, algum grupo ou agrupamento parlamentar não estiver de acordo com este entendimento pode recorrer da decisão da Mesa.
No entanto, a decisão da Mesa é esta: cada grupo ou agrupamento parlamentar terá oportunidade de, sem entrarmos num debate de pedidos de esclarecimento e respectivas respostas, protestos, etc., se pronunciar se é de opinião que o projecto de deliberação deve ou não ser agendado na ordem do dia e, por conseguinte, discutido.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na perspectiva da realização de um debate nesta Assembleia em torno da questão da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, a Comissão de Integração Europeia tinha estabelecido um calendário de trabalhos com vista à preparação desse debate, sendo nessa altura unânime a opinião de que esse debate só poderia ter a profundidade e o relevo que a questão exigia se fosse precedido das necessárias e aprofundadas discussões na Comissão de Integração Europeia.
Acontece que, numa primeira fase, por decisão da conferência dos presidentes, atropelou-se o calendário inicialmente previsto e avançou-se consideravelmente a data do debate no Plenário da Assembleia.
Seguidamente, a Comissão de Integração Europeia decidiu como inútil que em sede dessa Comissão se fizesse uma discussão prévia e, ontem mesmo, deu por encerrados os trabalhos preparatórios desse debate. Argumento de choque: a situação em que o debate vai processar-se já não é a mesma que existia quando inicialmente se previu a sua realização. É uma verdade que o Sr. De Lapalisse, seguramente, não enjeitava.
Mas a questão não está aí; a questão está em saber se, pelo facto de essas condições terem mudado, passa a ser desnecessário qualquer trabalho preparatório do debate em Plenário. Isso é que ficou muito longe de estar demonstrado. A menos que se queira fazer deste debate alguma coisa que, no fundo, será o repetir dos slogans habituais, escutando de certos sectores as loas sobre o «abre-te Sésamo» que é para Portugal a en-

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trada na CEE e de outros a acusação de que, porventura, se abriram as portas, não do Paraíso, mas as do Inferno.
Penso que não devia ser este o objectivo de um debate no Plenário. Penso que um debate desse tipo não está à altura do que deve ser a competência desta Assembleia e não a prestigia. No entanto, por força das circunstâncias e da vontade da maioria, parece que é para esse debate que, inevitavelmente, nos encaminhamos! ...
Finalmente, as grandes palavras, porque nestas ocasiões desenterram-se sempre as grandes palavras: «Debate na Comissão, não, porque o que o Partido Comunista pretende é manipular a opinião pública.»
Srs. Deputados, demos de barato que haja por parte de alguma bancada e intuito de manipular. Mas então é através da discussão na Comissão que se ia manipular? Ia manipular-se quem e o quê? Não será, pelo contrário, inviabilizando uma preparação correcta deste debate que se dará armas a quem, eventualmente - e não estou a fazer acusação nenhuma -, pretenda, de facto, distorcer e manipular as coisas?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Da recusa de um debate minimamente capaz na Comissão de Integração Europeia só pode tirar-se uma de duas conclusões: ou considera-se este debate uma mera proforma para se vir aplaudir aquilo que se passou, ou se receia, até, um debate aprofundado que possa conduzir-se nesta Assembleia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, foi dito durante este debate, nomeadamente pelo Sr. Deputado Luís Beiroco, que ontem houve abundante discussão na Comissão de Integração Europeia. É evidente que não foi bem assim. O Sr. Deputado Luís Beiroco assim como todos os deputados que lá estiveram sabem que nem sequer a reunião de ontem com os membros do Governo na Comissão de Integração Europeia foi devidamente preparada e ponderada, verificando-se até que nem o presidente da Comissão de Integração Europeia nem o vice-presidente nem nenhum deputado do Partido Socialista que integram essa Comissão, em termos permanentes, compareceram a essa reunião.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma vergonha!

O Orador: - O que se verificou, sem dúvida, Srs. Deputados, foi o desrespeito por uma tomada de decisão, tomada de decisão essa imposta pela maioria na passada terça-feira na conferência de representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares. A verdade é que nessa conferência foi decidido que nos dias 8, 9 e 10 a Comissão de Integração Europeia reunir-se-ia com os membros do Governo para preparar o debate de quinta-feira e sexta-feira.
A verdade é que ontem o CDS, através do Sr. Deputado Luís Beiroco, com o apoio total do PS - justiça faço ao PSD que soube abster-se cautelosamente nesta matéria -, moderaram a completa oposição a que se desse cumprimento a uma outra decisão, essa, sim, da Comissão de Integração Europeia e a que o Sr. Deputado Lopes Cardoso já fez referência.
A Comissão de Integração Europeia decidiu, por unanimidade - CDS incluído -, que havia necessidade de se efectuarem reuniões preparatórias do debate relativo à integração de Portugal na Comunidade.
Para isso foi enviado no dia 19 de Março - não foi há tanto tempo como isso - ao Governo, através do Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, um ofício acompanhado de um método de trabalho para preparação do referido debate. Nesse ofício era solicitado ao Secretário de Estado que fossem tomadas providências com vista à presença de membros do Governo responsáveis pelas áreas referidas naquele método.
Os dossiers a discutir nessas reuniões eram os seguintes: CECA, CEA, união aduaneira, fiscalidade, questões orçamentais, relações com terceiros países, agricultura, pescas, movimento de capitais, questões económicas e financeiras, sistema monetário, Banco Europeu de Investimentos, livre circulação de trabalhadores e política social, direito de estabelecimento e prestação de serviços, aproximação de legislações, exercício do direito privado, dossier ambiente, defesa do consumidor, questões institucionais, política regional, transportes, relações Portugal/Espanha.
Isto foi enviado ao Governo e o Governo prometeu, e foi dito na conferência de representantes de grupos e agrupamentos parlamentares, que iriam ser envidados esforços para realizar essas reuniões preparatórias do debate.
Ontem assistiu-se a um triste espectáculo na presença, aliás, de quatro membros do Governo, incluindo o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, que lamento não estar presente neste momento.
A verdade é que, quando se diz que o Comité Misto do Parlamento Europeu - Assembleia da República teria sido devidamente informado na reunião que houve na semana passada, tenta-se dizer aqui, àqueles que não conhecem o funcionamento do Comité Misto do Parlamento Europeu, aquilo que realmente não corresponde à verdade. Uma coisa é uma reunião desse género, outra é um debate na Assembleia da República sobre os problemas, os efeitos, as consequências - com certeza gravosas - da integração de Portugal na Comunidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendemos que esta matéria deve ser agendada; a Assembleia da República não deve, na nossa opinião, servir para campanhas de nenhuma espécie como, ao que parece, por posição ontem assumida, uma campanha de propaganda e, muito menos, Sr. Presidente, damos o nosso aval a uma campanha eleitoralista de nenhuma espécie. Ficamos a saber que o CDS dá esse apoio a esse tipo de campanha!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos numa situação verdadeiramente original. Isto porque, sob o ponto de vista regimental, não teremos condições para fazer esta discussão. Mas na verdade todos estão a pronunciar-se sobre a matéria constante do projecto de deliberação apresentado pelo Partido Comunista. Mais do que isso: estão a fazer-se considerações bastante mais amplas não só sobre a natureza do debate parlamentar que vai travar-se nas próximas quinta-feira e sexta-feira, mas sobre a própria problemática da integração de Portugal na CEE.

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Como já disse, neste momento, estamos um pouco perplexos entre o desejo de não violar o Regimento e o de não ficarmos calados perante afirmações que já aqui foram feitas e que, na nossa opinião, não têm qualquer consistência.
Fico até surpreendido, Srs. Presidente e Srs. Deputados, com a oposição que temos neste Parlamento à integração de Portugal na CEE. Em condições normais e saudáveis, toda a gente compreende que devia ser a oposição a primeira a reclamar que o Governo trouxesse à Assembleia da República uma informação rápida e total sobre o sentido das negociações. Essa primeira informação é dada ao Plenário da Assembleia da República.

Protestos do PCP.

O debate parlamentar no Plenário não pode ser substituído por qualquer trabalho prévio em Comissão.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Toda a argumentação que está a ser produzida é puro sofisma, não faz qualquer sentido e disfarça, de facto, má vontade relativamente à integração de Portugal na CEE.
É uma oposição que joga, até, com o retardamento de uma discussão que já devia ter sido feita na Assembleia da República.
Depois das negociações se terem concluído, o normal seria que a Assembleia da República fosse informada, primeiramente, e que os partidos aqui representados tomassem posição nessa matéria, como aconteceu em todos os países, em toda a parte. Só aqui, no nosso Parlamento, se toma uma atitude bisonha e provinciana, que é verdadeiramente lamentável.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Lage, talvez arbitrariamente a Mesa atribuiu 3 minutos a cada bancada para se pronunciar sobre esta questão.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? Pretendo usar da palavra em defesa da honra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, muito brevemente quero dizer apenas três coisas.
Da parte da bancada do PCP não há qualquer pedido para que o debate aprazado para os dias 11 e 12 seja adiado. Pelo contrário, no seguimento de sucessivas posições que tomámos desde Setembro, reclamamos que este debate se faça na data exacta e que não seja, mais uma vez, adiado por iniciativa do Governo ou dos partidos da coligação governamental. O que queremos é que esse debate não seja uma procissão de bonitas palavras e acalorados slogans, mas que seja uma discussão através da qual os deputados fiquem informados e o País fique esclarecido. Para isso é fundamental que tenhamos alguns dados de base, até para podermos questionar os Srs. Membros do Governo.
Não é com a distribuição, feita esta manhã, de um dossier para os 40 deputados do PCP que se pode ver que estejamos suficientemente preparados em relação ao encerramento das negociações. Ainda por cima assistimos a esta situação ridícula e verdadeiramente provinciana: nos debates da comissão mista os deputados da CEE, os outros, dos países que constituem actualmente a CEE, os estrangeiros, tinham os documentos e os deputados portugueses não os tinham. O representante da comissão que esteve a informar o Comité Misto estava convencido que os deputados portugueses também tinham o documento e dizia «como os senhores sabem, como estão informados», até que um deputado português teve que dizer que não estavam informados. Então, o Sr. Ministro das Finanças, um tanto atrapalhado, disse «bem, não estão, mas vão estar, eu vou dar esses documentos». Isto é que é verdadeiramente provinciano e ridículo.
O que é que nos propomos? Não é nenhum adiamento, mas apenas que os dias de hoje e de amanhã sejam aproveitados para que, em comissão, se possam fazer mais algumas perguntas ao Governo, no sentido de se esclarecerem questões capitais para que estejamos em condições, então, de argumentar, esclarecer e rejeitar as afirmações que aqui vão ser feitas pêlos membros do Governo nos dias 11 e 12 e para que, através desse debate - afirmações do Governo e esclarecimentos que nós podemos trazer à Assembleia da República -, o País fique informado. Se os portugueses vão decidir, devem ter em consciência, a última palavra e não através da manipulação da informação, que está a ser organizada pelo Governo e também pelo CDS que, mais uma vez, dá provas que não é capaz, sequer, de aparentar ser oposição.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, V. Ex.ª deu 3 minutos a cada grupo para dizer a sua opinião. Posteriormente, V. Ex.ª e a Mesa iriam tirar uma conclusão. Ora, desejava saber, antes que este debate surrealista prossiga, para interpor recurso ou para aceitar e me conformar, qual a conclusão da Mesa. Desejo saber qual a conclusão que a Mesa tira de tudo o que se está aqui a passar.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há pouco, no início dos trabalhos - e penso que o Sr. Deputado não estava aqui - houve objecções e coloquei a questão à apreciação da Câmara, porque se tratava de uma questão que punha em causa a realização ou não da sessão plenária de hoje, sobre a qual o Plenário devia, desde início, pronunciar-se. Foi referido, e com pertinência, que no período de antes da ordem do dia não podia haver votação. Portanto, transferia-se a votação para o início do período da ordem do dia. Foi isso que fiz.
Terminado o período de antes da ordem do dia, e iniciado o período da ordem do dia, coloquei a questão em apreciação, pedindo que cada bancada se pronunciasse, atribuindo - isso foi a Mesa que decidiu - 3 minutos a cada bancada para expressar a sua opinião. Findas as declarações, votar-se-ia.
O Sr. Deputado Carlos Brito pediu a palavra em defesa da honra. Antes, tinha pedido a palavra para formular pedidos de esclarecimento e não lha dei, porque entendi que não havia lugar para pedidos de esclarecimento, protestos ou respostas a pedidos de esclareci-

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mento. No entanto, quando se invoca a defesa da honra creio que a Mesa não pode recusar a palavra.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente a única coisa que se está aqui a votar, e que se pode votar, é se esta deliberação é ou não ínsita na ordem do dia.
Se a Mesa tomou uma atitude de rejeição, como se impõe, terminaram as nossas penas sobre este debate; mas se a Mesa, por hipótese, admitiu esta deliberação, recorrerei da sua decisão. Quero é saber qual é a decisão da Mesa.

O Sr. Presidente: - A Mesa admitiu esta deliberação, atribuindo o tempo de 3 minutos a cada bancada para se pronunciar no período da ordem do dia. Aliás, há pouco, pus a questão, porque se entretanto alguma bancada entendesse recorrer da decisão da Mesa, poderia fazê-lo. Mas nenhuma bancada recorreu.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, nenhuma bancada recorreu e, infelizmente, transitou em julgado o direito a recorrer da decisão da Mesa.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, no sentido de facilitar os trabalhos e correspondendo a uma sugestão feita pelo Sr. Deputado António Capucho, vamos enviar para a Mesa um instrumento material de votação, ou seja, um requerimento, para que a Assembleia se pronuncie, sim ou não, sobre se aceita que o nosso projecto de deliberação seja inserido na ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ficou demonstrado à saciedade que a benevolência da Mesa, ao conceder 3 minutos a cada grupo parlamentar para se pronunciar sobre o agendamento ou não deste projecto de deliberação, redundou naquilo que prevíamos. O Partido Comunista atingiu, exactamente, os objectivos que queria, ou seja, discutir a essência do projecto de deliberação. Pôde fazê-lo fundamentando-o, lendo abundantemente as 3 páginas do seu projecto de deliberação e, terminada a discussão apresentou o requerimento.
Ora, isso era a primeira coisa que a Mesa devia ter exigido, porque nos termos do Regimento, como dissemos, a ordem dos trabalhos só pode ser alterada ou preterida, mediante requerimento. Neste caso, só pode ser incluído um novo ponto na ordem de trabalhos - que é o que o Partido Comunista pretende -, através de requerimento votado unanimemente.
A partir deste momento ficou demonstrado que temos razão e recorreremos sempre que a Mesa não exigir, quando aparecer uma iniciativa fora do contexto da ordem dos trabalhos, imediatamente, um requerimento.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura do requerimento.

O Sr. Secretário (Roleira Marinho):

Os Deputados abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do PCP, requerem que seja agendado e votado o projecto de deliberação relativo ao funcionamento da Assembleia, no quadro de preparação do debate sobre a integração europeia. Seguem-se as assinaturas regimentais.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS, votos a favor do PCP, do MDP/CDE, da UEDS e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção da ASDI.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, convido os presidentes dos grupos parlamentares para uma breve reunião no gabinete do Sr. Presidente, durante o intervalo.
Está em debate o projecto de lei n.° 469/III...

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente? É para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Penso que, neste momento, estamos ainda na primeira parte da ordem do dia...

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, é a segunda parte!

O Orador: - Se é a segunda parte da ordem do dia, gostaria de perguntar à Mesa em que momento será discutido o recurso que o meu grupo parlamentar apresentou quanto à inscrição na ordem do dia da proposta de lei n.° 72/III.

O Sr. Presidente: - Mas isso foi para a comissão, Sr. Deputado.

O Orador: - Não pode, Sr. Presidente, uma vez que se trata de uma matéria inscrita na ordem do dia de hoje. E nós recorremos, precisamente, do agendamento dessa matéria, porque tem que ser decidida hoje, sob pena de já estar em curso um debate e ainda não haver qualquer tipo de deliberação da comissão sobre se deve ou não ser agendada. Trata-se de uma matéria que precede a segunda parte da ordem do dia.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que concordamos com a interpretação do Partido Comunista. A discussão deve ser imediata e a votação também.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - É para expor a mesma razão. O Partido Comunista tem, nesta matéria, toda a razão.

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O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, desejaria que não ficassem ambiguidades neste processo. Obviamente que a posição do PCP é uma posição possível, porque então tratar-se-ia de um acto inútil.
No entanto, de futuro, poderia adoptar-se uma outra posição, ou seja, retirar-se da agenda o projecto de lei e esperar-se, conforme as conveniências da Câmara, pelo parecer da Comissão. No caso sub judice o que parece mais aconselhável é votar já o recurso, mas a interpretação não é unívoca.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para que sobre esta matéria não fiquem dúvidas, o nosso entendimento é que se há matéria que está claramente resolvida, em termos regimentais, é precisamente esta. É o único momento útil em que um partido, que não concorda com o agendamento de determinada matéria, pode colocar perante o Plenário da Assembleia da República o seu direito de recorrer de uma decisão do Presidente de afixar a ordem do dia.
Daí que, no nosso entender, não deva haver duas leituras, Sr. Presidente. Creio que há apenas uma leitura, ou seja, que há direito de recurso e ele deve ser agendado antes de se entrar na ordem do dia, que é questionada.

O Sr. Presidente: - É exacto, Sr. Deputado. Houve aqui um lapso meu, não digo da Mesa, porque interpretei como sendo um recurso de admissibilidade de um diploma. Foi nesse sentido que respondi à interpelação feita há pouco pelo Sr. Deputado Jorge Lemos.
Trata-se, portanto, da discussão de um requerimento que consiste no recurso quanto à inscrição na ordem do dia da reunião plenária de 9 de Abril da proposta de lei n.° 12/III - Lei reguladora do exercício da tutela sobre autarquias locais.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, o que está em causa, se bem leio, é um requerimento. E se é um requerimento, não tem discussão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Partido Comunista pode justificar o requerimento. Isto é um recurso de uma decisão do Presidente.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos. Dispõe de 3 minutos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, antes de usar da palavra, em nome da minha bancada, para fundamentar o recurso, queria solicitar à Mesa que procedesse à leitura do recurso que acabámos de apresentar.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário da Mesa vai proceder à leitura do recurso.

O Sr. Secretário (Roleira Marinho):

Recurso da inscrição na ordem do dia da reunião plenária de 9 de Abril da proposta de lei n.° 72/III - Lei reguladora do exercício da tutela sobre as autarquias locais.

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:

Considerando que, nos termos do n.° 1 do artigo 179.° da Constituição da República, a ordem do dia das reuniões plenárias da Assembleia da República é fixada pelo Presidente da Assembleia, segundo a prioridade de matérias definidas no Regimento;
Considerando que as prioridades regimentais só podem ser ultrapassadas em duas situações: a primeira, se a Assembleia, nos termos do n.° 1 do artigo 173.° da Constituição da República, declarar a urgência do processamento de qualquer projecto, proposta de lei ou resolução, procedimento que não foi adoptado quanto à proposta de lei n.° 72/III, dado que a Assembleia ainda não foi chamada a pronunciar-se nesse sentido, em virtude de o Governo não ter requerido processo de urgência para a apreciação da referida proposta de lei; em segundo lugar, as prioridades podem ser ultrapassadas se sobre a inscrição de uma matéria na ordem do dia se gerar consenso em sede de conferência dos representantes dos grupos e dos agrupamentos parlamentares, o que manifestamente não sucedeu em relação à proposta de lei n.° 72/III, cujo agendamento foi imposto pela maioria PS/PSD, na conferência realizada no passado dia 2 de Abril;
Considerando que a inscrição na ordem do dia da proposta de lei n.° 72/III viola clara e frontalmente o disposto no artigo 57.° do Regimento da Assembleia, que determina a prioridade das matérias a atender na fixação da ordem do dia, uma vez que, inscrevendo-se uma tal matéria na 14.ª prioridade, não pode, por isso mesmo, ultrapassar outras matérias pendentes para apreciação da Assembleia da República e que se inscrevem, designadamente, na 10.ª prioridade, que se refere à apreciação pela Assembleia de decretos-leis aprovados no uso de autorização legislativa.
Nestes termos, ao abrigo das disposições regimentais aplicáveis, os deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português recorrem da inscrição da proposta de lei n.° 72/III na ordem do dia da reunião plenária de 9 de Abril.

Assembleia da República, 9 de Abril de 1985. - Os Deputados do PCP: Jorge Lemos - José Magalhães - Joaquim Miranda - Ilda Figueiredo - Rogério de Brito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A entrada em vigor do novo Regimento deveria ter significado para a Assembleia da República uma normalização do seu funcionamento. No entanto, como na altura tivemos oportunidade de alertar, aquando do processo de revisão do próprio Regimento, a revisão do Regimento da Assembleia da República não visava assegurar o respeito pelas disposições constitucionais e pelas disposições do próprio Re-

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gimento quanto ao funcionamento da Assembleia, mas visava colocar nas mãos da maioria, de uma maneira completamente arbitrária e sem qualquer critério, o definir o quê, quando e como deveria ser discutido pela Assembleia da República. É isso que neste momento somos chamados a analisar. De facto, tendo a Constituição da República atribuído ao Presidente da Assembleia da República o poder de fixar a ordem do dia, não lhe deixou, contudo, para tal efeito, um poder discricionário. Limita-o a ter de obedecer, na fixação dessa mesma ordem do dia, às prioridades definidas no Regimento.
Quando qualquer agente parlamentar - seja um grupo parlamentar, um agrupamento, um deputado ou o Governo - pretende ver ultrapassadas as prioridades do Regimento tem duas possibilidades: ou solicita a urgência, sendo a Assembleia chamada a pronunciar-se sobre a mesma e, se deliberar nesse sentido, a matéria é agendada com urgência e tem uma tramitação especial; ou, então, obtém-se o consenso em sede de grupos parlamentares, ou em entendimentos entre os diferentes grupos parlamentares, como, aliás, sucede com outras matérias que hoje estão inscritas na ordem do dia, as quais também não têm prioridade, mas que por consenso foram agendadas.
Sr. Presidente, não pode é aceitar-se que, de modo algum, só porque a maioria é maioria, só porque tem maioria em conferência de grupos parlamentares, só porque entende que hoje lhe apetece discutir isto e amanhã lhe apetece discutir aquilo, ou porque entende que ainda não está preparada para discutir qualquer prioridade regimental, inscreva na ordem do dia, ao atropelo das pertinentes disposições do Regimento, qualquer matéria que lhe passe pela cabeça.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que se forem consagradas, como precedentes, inscrições na ordem do dia de matérias como estas, se viola não só o Regimento como também a palavra que aqui foi dada pelos próprios deputados da coligação. Aquando da revisão do Regimento, foi dito aqui, e isso consta das actas, que nunca as prioridades da discussão seriam ultrapassadas, salvo se houvesse consenso em sede de conferência de grupos parlamentares. Se hoje estão dispostos a fazer o contrário, devem ser responsabilizados por isso e contarão com a nossa frontal oposição, porque não pode ser aceite que as prioridades regimentais sejam ultrapassadas de uma maneira tão despudorada.
Isto é tanto mais grave, Sr. Presidente, quanto é conhecido que se encontram pendentes, há meses e meses, nesta Assembleia, matérias como decretos-leis na especialidade que têm de ser feitas por este Plenário e que baixaram à Comissão para preparação, com prazo de 3 semanas, mas que já lá estão há mais de l ano, como é o caso da lei quadro dos municípios, e outras discussões na especialidade que a maioria fez baixar à Comissão, porque não queria ter engulhos, depois, no Plenário.
Tentar, neste momento, ultrapassar as prioridades regimentais, fazer agendar apenas o que lhe interessa para resolver os problemas internos da coligação, é algo que, para a defesa do Parlamento, como foi referido pela bancada do Partido Socialista, não pode ser aceite por um Parlamento que se quer democrático e actuante na democracia em Portugal.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, queria esclarecer que não me inscrevi, porque não o posso fazer. Suponho que, nos termos regimentais, não pode haver mais inscrições. Senão, ter-me-ia inscrito.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, há hoje uma falta de sintonia entre a Mesa e o Plenário. A Mesa estava a considerar a sua pretensão ao abrigo do artigo 87.° do Regimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, acho que este acto parlamentar a que estamos procedendo é ao abrigo do n.° 4 do artigo 54.° do Regimento, que diz:

O recurso da decisão do Presidente que fixe a ordem do dia é votado sem precedência de debate, podendo, todavia, o recorrente expor verbalmente os respectivos fundamentos por tempo não superior a 3 minutos.

O Sr. Presidente: - A interpretação do Sr. Deputado está correcta e, portanto,
peço desculpa. Vamos, então, votar o requerimento.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do deputado independente António Gonzalez e a abstenção do CDS.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Era para solicitar a V. Ex.ª a contagem do quorum.

O Sr. Presidente: - É evidente que, a olho nu, se verifica que não há quorum. Portanto, está anulada a votação. Votaremos este requerimento no início dos trabalhos.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, a interpelação que eu iria fazer já não terá muito sentido, mas fica já respondida a questão que queria suscitar. Da leitura do Regimento, para mim não é claro se há ou não lugar para declarações de voto. Embora não tenha feito o Regimento e tenha votado contra ele, respeito-o. Bom seria que aqueles que o fizeram e o votaram o respeitassem também, o que, infelizmente, não acontece todos os dias.
Queria saber qual é a interpretação da Mesa nessa matéria para saber se poderei, eventualmente, fazer uma declaração de voto.

O Sr. Presidente: - Pela minha interpretação, não há declarações de voto neste caso.
Portanto, Srs. Deputados, a votação deste requerimento far-se-á depois das 18 horas, a seguir às outras votações que temos agendadas.
Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.

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O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Salvo melhor opinião, parece-me que a votação deste requerimento tem precedência sobre tudo o resto. Não se pode entrar na segunda parte da ordem do dia sem que esta questão seja dirimida.
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado. Então far-se-á a votação do requerimento antes da votação dos diplomas que estão agendados.
Fazemos agora o intervalo regimental.
Está suspensa a sessão.

Eram 17 horas e 35 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 45 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação do recurso relativo à inscrição na ordem do dia de reunião plenária de hoje da proposta de lei n.° 72/III, apresentado pelo PCP.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS e do PSD, votos a favor do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez e a abstenção do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação na generalidade do projecto de lei n.° 79/III, apresentado pelo PCP, relativo à lei da radiodifusão.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS, e votos a favor do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o projecto de lei n.° 192/III, apresentado pela UEDS, relativo à lei da radiodifusão sonora.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez e a abstenção do CDS.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o projecto de lei n.° 252/III, apresentado pelo PS e pelo PSD, relativo a serviços locais da radiodifusão sonora por via hertziana.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PCP, do MDP/CDE, da UEDS, da ASDI e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez e a abstenção do CDS.

O Sr. Presidente: - Vamos agora votar a proposta de lei n.° 73/III, relativa à lei da radiodifusão sonora.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI e as abstenções do PCP, do CDS, do MDP/CDE e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez.

O Sr. Presidente: - Vamos votar a proposta de lei n.° 74/III, que diz respeito ao licenciamento das estações emissoras de radiodifusão.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI, votos contra do PCP, do MDP/CDE e do Sr. Deputado Independente António Gonzalez e a abstenção do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento de baixa à comissão apresentado por deputados do PS e do PSD, que vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Os deputados do PS e do PSD requerem que as propostas de lei n.ºs 13/III e 74/III e os projectos de lei n.ºs 192/III e 252/III baixem à comissão especializada para análise e votação na especialidade, pelo prazo de 30 dias.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, em nome do Grupo Parlamentar do PCP entreguei na Mesa um requerimento, visando a urgente inscrição na ordem do dia da votação na especialidade da lei-quadro de criação dos municípios.
No texto enunciavam-se, ainda que de maneira sumária, as razões do procedimento que adoptámos e que, em estrita súmula, são as seguintes:
Há mais de 1 ano e 4 meses que aguarda agendamento a votação na especialidade dessa proposta de lei. A 14 de Novembro de 1984, a Comissão de Administração Interna e Poder Local deu por findos os seus trabalhos, tendo remetido, no dia seguinte, um relatório final ao Presidente da Assembleia da República.
Daqui se retiram, sem mais desenvolvimentos, três conclusões fundamentais:

A primeira delas é que a proposta de lei se encontra em condições de ser agendada;
A segunda é a de que tal agendamento goza das prioridades regimentais, uma vez que se acham consumidos todos os prazos fixados pelo Plenário e que o processo legislativo tem de ser recobrado o quanto antes, após o longo período de evolução crispada a que esteve sujeito;
A terceira é a de que o contínuo recurso aos mecanismos dilatórios aludidos apenas visa adiar indefinidamente a criação do concelho de Vizela.
Por isso, Sr. Presidente, dirigimos a V. Ex.ª o requerimento a que estou fazendo menção, tanto mais quanto é certo que é óbvio caber-lhe, nos termos dos artigos 54.° e 155.°, n.° 2, do Regimento, a inscrição com prioridade na ordem do dia dos textos finais elaborados pelas comissões especializadas.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Nestes termos, interpelo a Mesa no concreto sentido de saber qual o despacho exarado pelo Sr. Presidente no documento que, em nome do meu grupo parlamentar, tive oportunidade de entregar na Mesa há algumas horas, designadamente esclarecendo sobre quais as medidas que entende deverem ser adop-

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tadas de imediato visando recuperar a regimentalidade para todo este processo.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o despacho que dei ao referido requerimento foi no sentido de o enviar à conferência de líderes parlamentares que se reunirá amanhã.
Srs. Deputados, vamos passar à discussão do projecto de lei n.° 469/III, apresentado por todos os partidos, relativos a casas fruídas por repúblicas de estudantes.
Segundo informação que foi dada à Mesa, há consenso por parte de todos os grupos e agrupamentos parlamentares para se discutir e votar na generalidade este diploma e depois na especialidade.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como primeiro signatário do projecto de lei n.° 469/III sobre «Casas fruídas por repúblicas de estudantes» cumpre-me apresentá-lo e defendê-lo, como certamente o farão os outros colegas deputados dos partidos com assento nesta Assembleia que o subscreveram.
Para justificar a apresentação deste projecto de lei temos de, em primeiro lugar, recordar a apresentação de um outro, em 1981, o n.° 212/II, da iniciativa da ASDI, que deu origem à Lei n.° 2/82, de 15 de Janeiro, a qual define um quadro jurídico para a protecção das repúblicas e solares de estudantes de Coimbra.
Em 1981, a Assembleia da República tomou conhecimento da existência, nos tribunais, de várias acções visando a desocupação das casas onde se encontravam instaladas as repúblicas de estudantes de Coimbra.
A ASDI em boa hora tomou a iniciativa de apresentar um projecto direi que preservasse as repúblicas de Coimbra e regulamentasse, sem equívocos, o regime
de arrendamento a que ficariam sujeitas as repúblicas e solares de estudantes existentes na cidade.
Depois de um trabalho aprofundado na Comissão Parlamentar de Cultura e Ambiente, o projecto de lei n.° 212/II, com o seu articulado reformulado, foi debatido e votado por unanimidade neste hemiciclo em 19 de Dezembro de 1981, dando origem à Lei n.° 2/82, de 15 de Janeiro.
Com esta decisão, a Assembleia da República, sede por excelência da democracia portuguesa, preservava alguns importantes baluartes democráticos e de resistência à ditadura do antigo regime. Dado que sempre as repúblicas foram uma escola privilegiada de democracia e estiveram na vanguarda de muitos movimentos que anteciparam ou precipitaram o que veio a acontecer em 25 de Abril, a reconquista da democracia e da liberdade por parte do povo português.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As repúblicas nasceram da necessidade que os estudantes de origem mais modesta, que eram provenientes de zonas rurais, tiveram em se associarem para prosseguir os seus estudos universitários.
As repúblicas de estudantes prosseguem simultaneamente fins económicos, sociais e culturais e sempre nelas existiu um espírito comunitário, solidário, fraterno e de entreajuda.
As repúblicas de estudantes fazem parte do património cultural e histórico português. Por isso importa preservar todas aquelas que existem, e, até direi mais, importa dinamizar a criação de outras, dado que os fins com que foram criadas ainda se mantêm actuais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É aqui que se funda a razão de ser do actual projecto de lei, dado que as repúblicas de estudantes não estão apenas confinadas geograficamente à cidade de Coimbra, mas também existem no Porto e noutros centros universitários nasceram algumas recentemente e podem vir a nascer novas.
A Lei n.° 2/82 traçou um quadro jurídico para apenas proteger as repúblicas e solares de estudantes de Coimbra.
Constatamos hoje que essa lei devia ter sido geral e não apenas específica para as repúblicas e solares de estudantes de Coimbra.
Por isso, pretende-se com este projecto de lei n.° 469/III, subscrito por deputados de todos os partidos, alargar o regime jurídico estabelecido na Lei n.° 2/82 aos restantes centros universitários existentes no País, a fim de preservar as repúblicas e solares de estudantes aí também existentes.
As razões que ditaram a aprovação da Lei n.° 2/82 existem neste momento em relação às repúblicas do Porto, que são apenas três, as que restam do número significativo que existiu na década de 50 e que ao longo destas últimas décadas têm vindo a extinguir-se progressivamente por motivos alheios à vida académica.
As repúblicas que se mantêm em funcionamento na cidade do Porto são: a Real República Deixa-Ká-Wer, a República 24 de Março e a Real República dos Lysos, esta última com uma acção de despejo em tribunal, que vai ser julgada no mês de Maio próximo.
Devido a este facto, os repúblicos do Porto desenvolveram todo um conjunto de diligências para sensibilizar a opinião pública e os órgãos públicos do poder instituído para o seu problema, e com o objectivo de serem salvaguardadas as poucas repúblicas ainda existentes na cidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assim consideramos que este era o momento útil para corrigir a Lei n.° 2/82, alargando o seu âmbito de forma a dar resposta de imediato ao problema das repúblicas do Porto e a outras em que possam surgir idênticos problemas. Por isso apresentamos o presente projecto de lei que tem apenas três artigos, o primeiro dos quais altera a epígrafe da citada lei, eliminando as expressões «de Coimbra», ficando apenas na epígrafe «Casas fruídas por repúblicas de estudantes».

Um artigo 2.°, o qual dá nova redacção ao artigo 1.° da Lei n.° 2/82, passando a ser formulado da seguinte maneira:

1 - As repúblicas e solares de estudantes do ensino superior constituídos de harmonia com a praxe académica consideram-se associações sem personalidade jurídica.

2 - Sem prejuízo de outros meios de prova, consideram-se sempre verificados os requisitos bastantes para o reconhecimento da qualidade de república ou de solares de estudantes quando o reitor da Universidade os verificar, depois de consultadas as estruturas representativas dos estudantes e as estruturas representativas das repúblicas, se estas se encontrarem em funcionamento.

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E, por último, um artigo 3.°, em que se diz:

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Social-Democrata e a Juventude Social-Democrata pensam que a Assembleia da República, ao aprovar este projecto de lei que altera a Lei n.° 2/82, alargando o seu âmbito de acção, pratica um acto de justiça e dá tratamento igual a todas as repúblicas e solares de estudantes do ensino superior existentes em Portugal.
Põe ainda termo a todas as acções existentes em tribunal de desocupação das casas que servem de sede às repúblicas existentes, designadamente no que concerne à Real República dos Lysos, sediada no Porto.
A aprovação deste projecto de lei é ainda um incentivo ao espírito associativo e cooperativo que caracteriza os estudantes portugueses e que deve passar a caracterizar o povo português em geral, como defendemos no nosso projecto social-democrata.
Com a aprovação deste projecto de lei reconhece-se mais uma vez a função importante que as repúblicas e solares de estudantes desempenham como habitação económica de estudantes universitários e o seu papel de formação cultural e humanística. Os motivos que levaram ao seu aparecimento são ainda hoje válidos, isto devido às condições económicas existentes no nosso país.
Com a preservação das repúblicas de estudantes, mantém-se vivo um espírito académico específico e uma tradição cultural em Portugal.

Aplausos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Mota.
O Sr. António Mota (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Voltamos hoje a falar das repúblicas de estudantes, não só de Coimbra, mas das existentes em vários pontos do País com destaque para as da cidade do Porto.
Não vou fazer grande história quanto à sua criação e funcionamento, porque, em outra medida, tal já foi feito aquando da discussão do projecto de lei n.° 212/11 que salvaguardava as casas fruídas por repúblicas de estudantes na cidade de Coimbra.
A importância de preservar as repúblicas de estudantes em Coimbra foi unanimemente reconhecida pela Assembleia da República tendo sido consagrada na Lei n.° 2/82.
Importa agora conceder (igualmente) protecção jurídica a outras repúblicas de estudantes cujas raízes e tradições se identificam com as repúblicas coimbrãs. A aprovação aqui de um projecto de lei que torne extensivo a outras repúblicas o regime previsto na Lei n.° 2/82 é tanto mais urgente quanto se encontram actualmente ameaçadas de despejo e de extinção algumas repúblicas de estudantes existentes no País, designadamente no Porto.
Quanto a esta cidade é o momento de recordar que existiam aí na década de 60 cerca de uma dezena de repúblicas como os Turfos, Gallus, Regeneração, Já-nu-é, Monstros, Purpheitos, Casa Assombrada, além das existentes hoje. Destas apenas três conseguiram resistir.
A saída do velho repúblico, o titular do contrato de arrendamento, dá ao senhorio a possibilidade de acções de despejo, deixando completamente desprotegidos os repúblicos, não obstante terem as rendas em dia o que pode acarretar a que sejam postos na rua.
Assim, criam-se situações graves uma vez que estas repúblicas são ainda em muitos casos uma condição para que muitos estudantes possam prosseguir os seus estudos dados os fracos recursos económicos dos seus familiares.
Refira-se, por curiosidade, que a criação de algumas destas repúblicas estava ligada à situação económica dos seus fundadores.
A Real República dos Lysos é disso um exemplo, pois foi criada por estudantes de grandes debilidades económicas e daí lhe veio o seu nome de Lysos. No próprio estandarte aparecem junto com a torre da Universidade de Coimbra postos eléctricos, que remetem para o facto dos seus fundadores serem de Engenharia, e um saco de dinheiro a ser roído por dois ratos com a inscrição - S. O. S.
Esta república tem mesmo o seu próprio jornal - Kapranós - exemplo de grande vitalidade de camaradagem e fraternidade.
Na cidade do Porto os seus fundadores foram estudantes vindos de Coimbra que decidiram adoptar o mesmo modus vivendi que tinham em Coimbra. É assim que as repúblicas hoje existentes têm regras de funcionamento semelhantes às suas inspiradoras coimbrãs.
Também por estas repúblicas nortenhas passaram grandes vultos da cultura e da música que animaram a vida académica.
Como em Coimbra, também no Porto as repúblicas contribuíram para a luta contra o fascismo. Na década de 60 estas repúblicas foram palco de várias iniciativas democráticas tais como colóquios sobre cultura, literatura, cinema, que as autoridades fascistas impediam que se realizassem noutros locais.
Assim se ia criando uma vivência democrática entre os jovens que contribuía para a sua formação como cidadãos que também aspiravam a uma vida digna e em liberdade.
Assim se reforçava o movimento associativo tantas vezes ameaçado pela ditadura fascista.
No presente, as repúblicas abrangem ainda uma vasta população estudantil mal servida dado o deficiente apoio prestado pêlos serviços sociais.
Disso é um claro exemplo o que se está a passar com as sete cantinas universitárias existentes que não correspondem às necessidades dos estudantes, quer pela falta de qualidade das refeições, quer mesmo pelas degradadas condições das suas instalações.
Há cantinas onde os utentes perdem horas nas bichas.
Nalgumas delas, como na de Engenharia, não há o mínimo de condições de funcionamento, estando os tectos escorados para não caírem, tendo-se chegado ao ponto de metade da própria cozinha ter sido evacuada para evitar qualquer acidente.
Para além disto, refira-se que as cantinas não abrem aos domingos nem feriados funcionando alternadamente aos sábados o que obriga os estudantes a elevados gastos.
E quanto a residências para estudantes a situação não é melhor!
Existem no Porto somente 12 residências universitárias para uma população de 18 000 estudantes. Estas

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residências abrangem apenas 505 estudantes, ou seja, abrange menos de 5 % da população estudantil da academia, o que é grave já que mais de 50% dos estudantes universitários do Porto vivem fora da cidade e muitos deles fora do próprio distrito.
E estes problemas vêem-se ainda mais agravados dada a exiguidade, quer em termos numéricos, quer no que concerne às verbas atribuídas, quer para bolsas de estudo.
Por tudo isto se compreende e reforça a necessidade de dar urgente resposta às justas reivindicações que nos foram trazidas pelos representantes dos estudantes repúblicos do Porto, na sequência de outras tomadas de posição, designadamente de autoridades académicas.
A própria Universidade do Porto, através do seu reitor, em ofício dirigido aos representantes das repúblicas académicas do Porto, considera e reconhece e passo a citar:

Do maior interesse para a vida académica e no plano da manutenção das tradições da Universidade as presenças das repúblicas ainda existentes na cidade atribuindo-lhe importância de relevo a sua função no alojamento de estudantes e na criação de um espírito académico específico que conviria manter.

É também com este espírito que se vai realizar nos próximos dias 26 e 27, enquadrado no Ano Internacional da Juventude, o 1.° Encontro Nacional das Repúblicas, a ter lugar na cidade do Porto.
Os objectivos deste encontro estão expressos numa circular enviada a vários órgãos de soberania salientando a importância que as repúblicas possuem na vida das academias e da sociedade em geral. Essa importância revela-se também na sua função de habitação económica para estudantes universitários e no seu papel de formação cultural e humanístico. Foi com base nestes factos que apoiámos e subscrevemos o projecto de lei n.° 469/III, que visa tornar extensivo a outras repúblicas e solares de estudantes o regime já vigente para as repúblicas de Coimbra.
Trata-se de um acto de justiça, Srs. Deputados!
Não deixemos que acabem as poucas repúblicas existentes que estão ainda imbuídas de um forte espírito juvenil, de fraternidade e de democracia e que o clima de camaradagem que nela se respira fique a perdurar pelos anos fora.

Aplausos do PCP e do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Gois.

O Sr. Jorge Gois (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do CDS também gostaria de tecer algumas considerações rápidas acerca do projecto de lei n.° 469/III, que agora nos ocupa no decorrer destes trabalhos. E o primeiro comentário iria no sentido de que me congratulo por ter sido possível, através deste projecto de lei, ter sustido a verdadeira inflação de iniciativas legislativas que, acerca do regime jurídico referente às casas fruídas pelas repúblicas dos estudantes, parecia ter surgido nesta Assembleia.
O segundo comentário iria no sentido de considerar que se não se trata agora do cuidar da bondade das soluções técnico-jurídicas consagradas na Lei n.° 2/82,
de 15 de Janeiro - que em larga medida são substancialmente as soluções de que agora nos ocupamos -, mas antes e tão-somente de estender e de alargar o âmbito da publicação dessa lei a uma realidade que nessa altura não foi prevista pelo legislador.
O terceiro comentário iria no sentido de considerar que não me apresento como o subscritor n.° 4 do projecto de lei em apreço, dado que entendo que não existe nesta, como nas outras iniciativas legislativas, uma hierarquização de subscritores e que o diploma e a iniciativa legislativa em apreço são, de algum modo, uma obra colectiva de toda esta Assembleia. Aliás, saudamos que tenha sido possível, a este propósito, obter o consenso unânime de todas as bancadas, pelo que não queríamos aceitar essa hierarquização de subscritores, pois não se trata agora de saber quem são os autores materiais do projecto.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - E diria isto com a legitimidade de quem, não tendo sido repúblico nem sequer estudante de Coimbra - talvez esse seja um traço particular nesta discussão -, é, todavia, profundamente sensível a esta realidade e, como tal, lhe dá o inteiro apoio.
A questão de que nos ocupamos neste momento é apenas a de aplicar o regime jurídico instituído pela Lei n.° 2/82, de 15 de Janeiro, às repúblicas existentes fora da cidade de Coimbra. E o ponto de vista do CDS acerca desta matéria é o de que esta solução legislativa é um verdadeiro acto de justiça. Um verdadeiro acto de justiça porque, no fundo, mais não se pretende do que alargar o regime jurídico - que, originariamente, teve em conta a necessidade de protecção aos interesses das repúblicas de Coimbra - a uma realidade semelhante, existente fora desta cidade. É certo que as repúblicas são, em larga medida, um fenómeno de Coimbra, é verdade que elas constituem um património que é, antes de mais, um património pertença dos repúblicos de Coimbra e dos estudantes universitários de Coimbra em geral. Mas, apesar de elas constituírem património muito próprio da cidade de Coimbra, a realidade é que não só aí existem repúblicas e solares de estudantes. Também no Porto elas existem e foi, em larga medida, em função dos problemas e das questões que hoje se colocam às repúblicas sediadas nesta cidade que nasceu a presente iniciativa legislativa.
Também as repúblicas do Porto têm as suas tradições e, embora elas tenham de algum modo surgido como que de uma exportação do fenómeno de Coimbra, a verdade é que elas constituem hoje - é importante reafirmá-lo - uma realidade própria e específica daquela cidade, com os mesmos problemas que as repúblicas de Coimbra conheceram antes da aprovação da Lei n.° 2/82.
E, repito, foi exactamente em função desses problemas que nasceu a presente iniciativa legislativa.
Entendemos, pois - e é este o nosso ponto de vista sobre a matéria -, que é com o mesmo espírito e à luz dos mesmos valores e dos mesmos princípios que explicaram a necessidade da aprovação e da entrada em vigor do regime jurídico referente a Coimbra, que se justifica hoje a aprovação do projecto de lei n.° 469/III. Ele mais não visa do que alargar e estender o âmbito de aplicação da Lei n.° 2/82 às repúblicas existentes em todos os restantes centros universitá-

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rios, conferindo assim à Lei n.° 2/82 - agora alterada - uma generalidade que, certamente, o legislador da primeira fase lhe não conferiu apenas por esquecimento e por estar demasiado centrado nos problemas que então se colocavam em Coimbra.
É com este espírito que subscrevemos e votaremos favoravelmente o projecto de lei n.° 469/III, isto é, honrando a tradição e sabendo - e este era um aspecto que gostaríamos de salientar - que a construção do futuro, hoje, como em qualquer lugar, só tem verdadeiro sentido e só atinge o seu total alcance se for alicerçada na defesa das raízes e honrando dignamente o passado. É, portanto, também um acto em nome dessa tradição e dessa defesa das raízes o que aqui fazemos ao valorar politicamente uma realidade como são as repúblicas e os solares dos estudantes. Valorar uma realidade que teve, tem e certamente terá ao longo da história uma importante função social e cultural. Valores que também assumem grande importância à volta da solidariedade e da fraternidade dos estudantes universitários, de que as repúblicas são um bom exemplo.
E, a finalizar, salientaríamos que - tal como no momento da aprovação da Câmara, em 19 de Dezembro de 1981, do então projecto de lei n.° 212/III, da autoria da ASDI - nos congratulamos que tenha sido possível, em torno de uma iniciativa legislativa necessária e urgente, obter a concordância de todas as bancadas, como que num símbolo daquilo que é o próprio ambiente das repúblicas. É que, para lá das naturais divergências e diferenças de opinião, alturas há em que é possível superar as diferenças e construir um amplo denominador comum. Poder-se-á dizer que, pelo resultado desta votação, certamente que a Assembleia da República está a prestar um exemplo e uma lição às próprias repúblicas portuguesas.

Aplausos do PS, do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Laranjeira Vaz.

O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O debate que esta Assembleia realiza sobre o projecto de lei n.° 469/III - casas fruídas por repúblicas de estudantes - não é mais do que o prolongar de um debate realizado nesta Câmara em 19 de Dezembro de 1981 e que se concluiu com a aprovação por unanimidade da Lei n.° 2/82, de 15 de Janeiro, que solucionou igual problema, embora tão-somente na cidade de Coimbra.
É que, apesar de ser em Coimbra que impera a tradição das «repúblicas» de estudantes, também no Porto, como em outras localidades, persistem algumas réstias desta vida estudantil.
Nascidas após o período liberal, as «repúblicas» foram uma das formas encontradas pelos estudantes de então para dar lugar aos seus ideais de liberdade. Por estas instituições académicas passaram muitos daqueles que foram, ou ainda são, vultos eminentes da nossa cultura e vida pública.
Refira-se, por exemplo, o notável estadista e escritor Brito Camacho que, enquanto estudante no Porto, habitou uma «república» na Rua dos Bragas.
Todavia, poucas são as que sobreviveram ao longo dos tempos. Mas as que ainda sobrevivem organizam-se de forma diversa, embora todas elas tenham em comum uma certa responsabilização de cada um dos seus membros na vida colectiva. Trata-se, por conseguinte, de uma forma de vida que, além da função de acolhimento e do seu aspecto tradicional, encerra também um grande valor educativo e social, gerador de valores de solidariedade humana que devem ser preservados e, se possível, dilatados.
O problema fulcral do seu desaparecimento está relacionado com o esquema de arrendamento e com o facto de as casas estarem, regra geral, alugadas em nome de um velho «repúblico» que já lá não mora, podendo, por esse facto, os senhorios intentar acções de despejo. Por motivos afins acabaram, há poucos anos, a dos Turfos e a Já não É.
Hoje são menos do que já foram. Persistem, no entanto, na realidade estudantil e os seus membros tiveram a capacidade de as fazer sobreviver às alterações dos tempos, razão por que continuam a resistir a algumas ameaças mortais que insistem em persegui-las.
Neste Ano Internacional da Juventude cabe à Assembleia da República dar resposta a questões de juventude, como esta.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que, há algum tempo a esta parte, vem acompanhando a situação dos «repúblicos», não pode deixar de votar favoravelmente este projecto de lei, subscrito por todos os partidos, pelo que retirou uma idêntica iniciativa legislativa que havia apresentado anteriormente, e manifesta publicamente o seu apoio ao esforço que os «repúblicos» vêm desenvolvendo, designadamente criando as condições para a realização de um encontro nacional de repúblicas, neste Ano Internacional da Juventude, na cidade do Porto.

Aplausos do PS e do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Areosa.

O Sr. Paulo Areosa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No quadro do debate em torno do projecto de lei n.° 469/III - que visa tornar extensiva a outras repúblicas estudantis actualmente existentes, o regime já vigente para as repúblicas coimbrãs -, sublinhamos, em primeiro lugar, a unanimidade verificada, na defesa daquele verdadeiro património académico e cultural das nossas cidades universitárias.
Mas queremos por outro lado acentuar, hoje e uma vez mais, essa outra faceta das repúblicas - a de meio de defesa dos que, com menores recursos económicos, e face aos parcos apoios recebidos, aí encontravam refúgio dos preços especulativos.
É importante fazê-lo neste preciso momento, com a clara consciência de que as medidas constantes da Lei n.° 2/82, que agora serão certamente alargadas por força do disposto no projecto de lei n.° 469/III são, por si só, merecedoras do nosso aplauso, mas, ao mesmo tempo, deixam em aberto e ainda sem solução, reais problemas em matéria de apoio social universitário, que continuam a determinar que os jovens com menores recursos económicos, se mantenham impossibilitados de frequentar as universidades, mesmo que detenham comprovadas faculdades.
Não esquecemos, por isso, o papel que, constitucionalmente, ao Estado incumbe na criação de condições para estimular e favorecer a entrada e frequência na universidade por trabalhadores e filhos de trabalhadores.

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E neste domínio, continuamos longe - e cada vez mais longe -, dos princípios elementares da democratização do acesso ao ensino. Não é de mais repeti-lo: o apoio prestado pelo Estado aos jovens e famílias carenciadas constitui um instrumento essencial de correcção das desigualdades de oportunidades no acesso e sucesso escolares, existentes na nossa sociedade. Por isso, a atenção que cada governo lhe presta reflecte, em grande medida, a natureza de classe da sua política.
Os que olham com uma indiferença mal disfarçada os programas de apoio social, os que determinam, sem escrúpulos nem olham a consequências, cortes orçamentais acentuados, reduções nos campos de acção ou diminuições nos montantes reais dos apoios, não podem ou não querem entender que em inúmeros casos a garantia do direito ao ensino é indissociável do leite escolar, do subsídio directo, do subsídio de transporte, ou da refeição subsidiada...
E se assim o é, de forma gritante, ao nível da escolaridade obrigatória, é-o, também, no ensino superior.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que se exige não são soluções demagógicas ou utópicas. Muito menos cheques sem cobertura com que se pretende brindar o ensino privado, mas medidas que vão de encontro aos preceitos constitucionais.
Durante a vigência do governo PS/PSD, a política respeitante a apoio social ficou claramente espelhada na discussão do Orçamento do Estado para 1985.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - No quadro de um orçamento de penúria para a educação, a acção social escolar foi dos sectores mais afectados. Reduziram-se, de forma generalizada, as verbas reais; alijaram-se responsabilidades com a transferência de competências para as autarquias, sem as devidas contrapartidas financeiras; pouco ou nada foi previsto para suprir enormes carências e atender a situações de crise excepcionais.
Agora, que uma nova equipa tomou posse do Ministério da Educação, caberá interrogarmo-nos se se vislumbram alterações nas orientações seguidas.
As informações recolhidas, designadamente aquando da vinda do Ministro da Educação e dos seus Secretários de Estado à Comissão Parlamentar de Educação não augura nada de bom.
Importa referir, em primeiro lugar, que a nova equipa ministerial, no que dos Serviços Sociais Universitários diz respeito, começou por fazer tábua rasa de todo o processo de negociações - que decorre há já ano e meio -, entre o Ministério e as associações de estudantes. «Não há base orçamental para cumprir os compromissos assumidos pelo anterior ministro e pelo actual Governo.» - Tal é o argumento seco e frio que é invocado.
E quanto aos diferentes serviços?
Nada de novo no plano das residências. Apenas notícias de que vem aí a política de preços reais, ou seja, aumentos de 100% ou mais nas mensalidades.
Nada ainda de concreto no capítulo de bolsas de estudo. Até ver, mantêm-se os montantes e as tabelas de capitações de 1981, e na melhor das hipóteses, durante o ano em curso apenas poderão ser actualizados os valores dos montantes.
E quando se dão como certos novos aumentos nos preços das refeições nas cantinas, quando se fala de aumentos das propinas para valores que poderão chegar ao 10 000$ é bom lembrar - para que a ignorância não sirva de desculpa! -, que segundo as tabelas de capitações em vigor, um jovem cujos pais aufiram rendimentos equivalentes ao salário mínimo nacional, com um agregado familiar de 6 pessoas - por exemplo, pai, mãe e 4 filhos -, não tem sequer direito a isenção de propinas.
Não admira, por tudo isto, que na universidade portuguesa se acentuam ano após ano os traços de elitização, que cada vez seja menor o estrato da população portuguesa com capacidade para frequentar esse grau de ensino.
O Ministro da Educação invoca o princípio, a seu ver intocável, de que o Estado não pode gastar nem mais um tostão com o apoio aos estudos dos jovens economicamente mais carenciados.
Em tempo de crise económica generalizada, uma solução encontrada na base deste princípio, não sairá nunca dos limites estreitos da gestão mais ou menos equilibrada da injustiça.
É sintomático, é esclarecedor que seja esta a lógica que prevalece na Avendida de 5 de Outubro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Consideramos positiva e útil - volta a repeti-lo -, e como tal merecedora do nosso total apoio, a iniciativa de extensão das medidas de defesa das repúblicas estudantis ora em apreço. Mas importa não tomar a árvore pela floresta. E essa, a floresta dos problemas e das injustiças aí está a exigir respostas prontas.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Laranjeira Vaz.

O Sr. Laranjeira Vaz (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Paulo Areosa: Em primeiro lugar, gostaríamos de constatar um facto: é que quando se preparava o agendamento deste projecto de lei pensava-se que ele ocuparia muito menos tempo do que aquele que até aqui já se gastou com este debate. Não que o considere menos importante, mas estranho muito que o Grupo Parlamentar do PCP apresente duas intervenções sobre esta matéria e que a intervenção do Sr. Deputado Paulo Areosa tenha extravasado o objectivo do próprio diploma com um conjunto de considerações que, penso, não são deste debate.
Tal facto leva-me a colocar uma questão ao Sr. Deputado e que é a de saber se o Sr. Deputado e o Grupo Parlamentar do Partido Comunista subscrevem este projecto de lei pelo valor que ele tem em si, por considerarem as repúblicas no seu valor cultural e como uma instituição da própria vida universitária, ou se antes o subscrevem única e exclusivamente contrariados não só com estas considerações como com todas as considerações acessórias que quiseram introduzir neste debate e que não são objecto do diploma que está em apreço.

O Sr. Jorge Gois (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para pedir esclarecimentos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

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O Sr. Jorge Gois (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Paulo Areosa: Começaria por lhe agradecer a oportunidade que me deu de salientar um aspecto, quanto a mim altamente positivo, relativamente à existência das repúblicas e que me tinha esquecido de abordar na minha intervenção. Era exactamente facto de elas constituírem um bom exemplo da validade das soluções centradas na iniciativa, nas fórmulas associativas, para resolver o problema das condições em que os jovens podem ter acesso à Universidade.
E, à volta deste aspecto, gostaria de colocar ao Sr. Deputado a seguinte questão: o Sr. Deputado - dizendo subscrever e expondo uma concepção e um voto favorável à presente iniciativa legislativa - acabou por proferir nesta Câmara uma intervenção centrada numa concepção totalmente oposta à concepção que viabiliza e está subjacente à existência das repúblicas. É que o Sr. Deputado acaba por defender soluções segundo as quais incumbe exclusivamente - ou pelo menos em larga, em larguíssima medida - ao Estado assegurar condições para garantir aos jovens o acesso à Universidade.
E a questão que queria colocar-lhe era a de saber se V. Ex.ª pensa que isso é um dever generalizado do Estado, numa lógica de benefícios indirectos que não tenha minimamente a ver com os rendimentos dos estudantes universitários e das suas famílias - acabando por se traduzir numa injustiça objectiva, como a realidade o demonstra, face exactamente àqueles a quem caberia o direito de serem auxiliados pelo Estado, os estudantes que realmente tivessem fracos recursos. Ou será que, por outro lado, o Sr. Deputado entende que a verdadeira tarefa do Estado, para além do apoio aos grupos insolventes, é fundamentalmente a de traçar os quadros normativos que permitam o florescer de soluções à base da iniciativa, à base de soluções de cariz associativo, de que a aprovação da presente iniciativa legislativa é um bom exemplo? O que está em causa não é exigir ao Estado que puxe de uma varinha de condão para garantir o direito ao ensino de todos os jovens universitários portugueses, mas apenas de traçar os quadros jurídicos que permitam às pessoas, segundo fórmulas associativas, resolver os problemas concretos.
Qual é, então, a solução? De alguma maneira, esta questão vai entroncar-se naquela já formulada pelo Sr. Deputado Laranjeira Vaz. Com que espírito é que o Sr. Deputado e a bancada do PCP aprovam a presente iniciativa legislativa? Consideram que as repúblicas e outro tipo de fenómenos desta natureza são fenómenos meramente toleráveis, cabendo este tipo de funções ao Estado, ou, pelo contrário, são fenómenos a incentivar de forma a diminuir o papel deste - e quando digo diminuir digo em extensão e em termos de acabar com as soluções indirectas ainda vigentes neste domínio -, permitindo-lhe, aí, sim, auxiliar aqueles que verdadeiramente carecem de apoios de toda a comunidade?
Era esta a questão que gostaria de colocar-lhe, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Se é para um pedido de esclarecimento, tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, não pretendo ser esclarecido pelo Sr. Deputado Laranjeira Vaz. Queria interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Pensava eu que tinha havido consenso no agendamento desta matéria no pressuposto de que haveria uma intervenção por bancada - já ouvi duas da bancada comunista - e de não se registarem pedidos de esclarecimento, tendo-se já registado dois. Agradecia que a Mesa me esclarecesse sobre isto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não tenho conhecimento das condições em que isto foi agendado. Na verdade, fui colocado perante a agenda sem ter tido qualquer informação. Nessa base, considero este um diploma como qualquer outro e daí o ter dado e dar a palavra ao Sr. Deputado Paulo Areosa para responder, se o desejar fazer.

O Sr. Paulo Areosa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, queria agradecer a oportunidade que me dão para esclarecer alguns aspectos que tenham ficado menos claros na minha intervenção. Assim, vou começar por abordar um primeiro aspecto das questões que me foram colocadas, nomeadamente aquele sobre qual a posição do Grupo Parlamentar do PCP em relação ao projecto de lei em apreço.
Creio que ficou claro, quer na intervenção do meu camarada António Mota, quer na minha, que o Grupo Parlamentar do PCP não só subscreveu como apoia totalmente o projecto de lei agora em discussão. Não há razão alguma para que algum Sr. Deputado duvide desta formulação por diversas vezes enunciada, repito, quer na intervenção do meu camarada, quer na minha própria. De qualquer forma, gostaria ainda de deixar claro que o objectivo desta minha intervenção, para além de referir este apoio ao projecto agora em apreço, visava alertar para outros problemas, igualmente prementes, da situação dos estudantes universitários, muitos deles que se prendem com a vida dos próprios repúblicos, não só da cidade do Porto, mas de todas as cidades universitárias portuguesas.
Aliás, em certa medida, posso congratular-me porque o referido objectivo foi em parte atingido e isto porque obteve nesta Câmara algum eco. No entanto, é pena que pelas poucas intervenções que tive oportunidade de ouvir não se tenha constatado a mesma unanimidade em relação a estes problemas tão sérios e tão graves, como este que estamos agora a discutir, do que a unanimidade que se verifica em relação à extensão desta medida perfeitamente justificada e justa.
Em suma, queria deixar clara esta primeira ideia, ou seja, o Grupo Parlamentar do PCP subscreveu e apoia o projecto que agora está em apreço.
Outra questão que gostaria de deixar clara, respondendo concretamente ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Jorge Gois, é no sentido de lhe dizer que não sou só eu quem defende que ao Estado incumbe cumprir os preceitos constitucionais que garantem aos trabalhadores e aos seus filhos o acesso aos diferentes graus de ensino. Não sou só eu, repito, pois é a própria Constituição da República Portuguesa que o faz. Aquilo que procurei trazer a esta Assembleia foi pré-

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cisamente o alerta para este problema. Hoje, trata-se de criar mecanismos de apoio a uma iniciativa estudantil de largas tradições que, além do objectivo de permitir a jovens mais carenciados do ponto de vista económico prosseguirem os seus estudos a um nível superior, tem também o sentido de alerta para outras medidas, igualmente urgentes e prementes, que esta Assembleia deve discutir no prazo mais curto possível.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Finalmente, Srs. Deputados, gostaria de fazer uma última reflexão sobre este projecto. Assim, tive oportunidade de dizer na minha intervenção que, sem menosprezar qualquer interesse do projecto agora em apreço, não podemos iludir a árvore com a floresta...

O Sr. Jorge Gois (CDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?

O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Jorge Gois (CDS): - Sr. Deputado, agradeço-lhe a possibilidade de interrupção, por ser esta a única forma de tentar esclarecer esta questão.
Sr. Deputado, penso que posso depreender das palavras que acabou de proferir que, segundo a sua concepção, ao Estado não incumbe garantir condições a todos os jovens universitários, mas apenas àqueles, de entre o amplo universo de universitários, que não têm rendimentos familiares que lhes propiciem condições de igualdade. É isso?

O Orador: - Não, Sr. Deputado. Gostaria de lhe assinalar o artigo da Constituição que a isso diz respeito e que refere, concretamente, que ao Estado incumbe favorecer e facilitar aos trabalhadores e aos seus filhos o acesso a todos os graus de ensino. E é disso que se trata, Sr. Deputado, mais nada.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Mas, continuando a ideia de há pouco, dizia eu que era importante não confundir a árvore com a floresta. Ora, hoje tratamos de defender a árvore, mas é importante que esta Assembleia cuide também da floresta, cuide também dos milhares de jovens portugueses com faculdades para prosseguir os seus estudos e que, pelo facto de não terem as condições económicas necessárias, não têm acesso a esse grau superior de ensino.

Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, visto não haver mais inscrições, considera-se encerrado o debate na generalidade. Assim, vai proceder-se à votação na generalidade do projecto de lei n.° 469/III.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então passar à discussão e votação na especialidade.
Os Srs. Deputados desejam que se leia e vote, artigo por artigo ou que se vote globalmente, também na especialidade?
Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Moreira.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Sr. Presidente, há um pequeno aditamento que entregámos na Mesa, por isso creio que deveria ser este já votado e depois votar artigo a artigo, até porque são apenas três artigos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do artigo 1.°

Foi lido. É o seguinte:

Artigo 1.°

É alterada a epígrafe da Lei n.° 2/82, de 15 de Janeiro, que passa a ter a seguinte redacção:

Casas fruídas por Repúblicas de Estudantes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo inscrições, vai proceder-se à votação do artigo 1.°

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai ler agora o n.° 1 do artigo 2.°

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - O artigo 1.° da Lei n.° 2/82, de 15 de Janeiro passa a ter a seguinte redacção:

1 - As repúblicas e os solares de estudantes do ensino superior constituídos de harmonia com a praxe académica ou usos e costumes universitários, consideram-se associações sem personalidade jurídica.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo inscrições, vai proceder-se à votação do artigo 2.°, n.° 1.

Submetido à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai-se proceder agora à leitura do n.° 2 do artigo 2.°

Foi lido. É o seguinte:

Artigo 2.°

O artigo 1.° da Lei n.° 2/82, de 15 de Janeiro passa a ter a seguinte redacção:

1 - As repúblicas e os solares de estudantes do ensino superior constituídos de harmonia com a praxe académica consideram-se associações sem personalidade jurídica.
2 - Sem prejuízo de outros meios de prova, consideram-se sempre verificados os requisitos bastantes para o reconhecimento da qualidade de república ou de solar de estudantes quando o reitor da Universidade os verificar, depois de consultadas as estruturas representativas dos estudantes e as estruturas representativas das repúblicas, se estas se encontrarem em funcionamento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo inscrições, vai proceder-se à votação do n.° 2 do artigo 2.°

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à leitura do artigo 3.°

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Foi lido. É o seguinte:

Artigo 3.°

A presente lei entra em vigor no dia imediato ao da sua publicação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo inscrições, vai proceder-se à votação do artigo 3.°

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à votação final global.
Submetido à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se não há nenhuma declaração de voto, foi comunicado à Mesa que havia consenso para terminarmos aqui a sessão. Assim, a matéria que constituía a agenda de hoje e não foi discutida e votada transfere-se para a sessão da próxima terça-feira.
Quanto à próxima sessão plenária, ela terá lugar na quinta-feira, com o debate sobre a CEE e terá início às 10 horas, às 15 horas e às 21 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, vão ser ainda anunciados os diplomas que deram entrada na Mesa.

O Sr. Secretário (Lemos Damião): - Deu entrada na Mesa o projecto de resolução n.° 46/III, da iniciativa do PCP, sobre o agendamento do debate e urgente suspensão do novo código dos direitos de autor, bem como a proposta de lei n.° 103/III, da iniciativa da Região Autónoma da Madeira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 45 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José António Borja dos Reis Borges.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Martins Pires.
Manuel Fontes Orvalho.
Maria Ângela Duarte Correia.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Nelson Pereira Ramos.
Raul d'Assunção Pimenta Rego.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Amadeu Vasconcelos Matias.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Fernando José da Costa.
Francisco Antunes da Silva.
João Luís Malato Correia.
João Pedro de Barros.
José de Almeida Cesário.
José Bento Gonçalves.
José Pereira Lopes.
José Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel Ferreira Martins.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.

Partido Comunista Português (PCP):

Belchior Alves Pereira.
João António Torrinhas Paulo.
João António Gonçalves do Amaral.
Manuel Correia Lopes.
Paulo Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
Hernâni Torres Moutinho.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Gama.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Ruben José de Almeida Raposo.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
António Domingues Azevedo.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Edmundo Pedro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
João do Nascimento Gama Guerra.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maria Roque Lino.

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Litério da Cruz Monteiro.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

António Joaquim Bastos Marques Mendes.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
José António Valério do Couto.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Paulo Carvalho Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Rodrigues Pato.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

António Gomes de Pinho.
António José Bagão Félix.
Francisco António Lucas Pires.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Manuel António Almeida Vasconcelos.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.

Relatórios e pareceres da Comisso de Regimento e Mandatos enviados à Mesa para publicação

Em reunião realizada no dia 1 de Abril de 1985, pelas 15 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputado solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Jorge Nélio Praxedes Ferraz Mendonça (círculo eleitoral da Madeira) por Francisco Jardim Ramos. Esta substituição é pedida para os dias 1 de Abril corrente a 31 de Outubro próximo, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: O Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - José Manuel Niza Antunes Mendes (PS) - Beatriz Cal Brandão (PS) - Teófilo Carvalho dos Santos (PS) - Cristóvão Guerreiro Norte (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Alexandre Correia Carvalho Reigoto (CDS) - Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho (ASDI).

Em reunião realizada no dia 9 de Abril de 1985, pelas 15 horas, foram apreciadas as seguintes substituições:

Solicitada pelo Partido Socialista:

Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo (círculo eleitoral do Porto) por Bento Gonçalves da Cruz. Esta substituição é pedida por um período não superior a 1 ano, a partir do dia 8 de Abril corrente, inclusive.

Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Arménio dos Santos (círculo eleitoral de Lisboa) por Amadeu Vasconcelos Matias. Esta substituição é pedida para os dias 8 a 26 de Abril corrente, inclusive.

Solicitada pelo Partido Comunista Português:

António José de Almeida Silva Graça (círculo eleitoral de Lisboa) por Paulo Areosa Feio. Esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, a partir do dia 3 de Abril corrente, inclusive.

Solicitada pelo Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel Mendes do Carmo Tengarrinha (círculo eleitoral de Lisboa) por Helena Tâmega Cidade Moura. Esta substituição é pedida por um período não superior a 6 meses, a partir do dia 10 de Abril corrente, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

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Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: O Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Teófilo Carvalho dos Santos (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Leonel Santa Rita Pires (PSD) - Manuel Portugal da Fonseca (PSD) - José Mário Lemos Damião (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE) - António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).

Em reunião realizada no dia 9 de Abril de 1985, pelas 17 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputado solicitada pelo Partido Socialista:

Bento Elísio de Azevedo (círculo eleitoral do Porto) por Juvenal Batista Ribeiro. Esta substituição é pedida por um período não superior a 30 dias, a partir do dia 10 de Abril corrente, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado fé realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral, apresentada a sufrágio no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos deputados presentes.

A Comissão: O Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, Armando Domingos Lima Ribeiro de Oliveira (CDS) - António da Costa (PS) - Luís Silvério Gonçalves Saias (PS) - Rui Monteiro Picciochi (PS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Maria Margarida Salema Moura Ribeiro (PSD) - José Manuel Mendes (PCP) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - Alexandre Correia Carvalho Reigoto (CDS) - Francisco Menezes Falcão (CDS) - João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).

Declaração de voto dos deputados sociais-democratas Independentes sobre as propostas de lei n.ºs 73/III e 74/III e os projectos de lei n.ºs 192/III, 252/III e 79/III.

1 - A aplicação do novo Regimento da Assembleia da República pressupõe a existência de um prévio e aprofundado debate, em Comissão das matérias a incluir na ordem do dia e que esse debate possa, atempadamente, ser conhecido dos deputados que nele não participaram.
Só reunidas estas duas condições, o debate em Plenário, reduzido no tempo, tem sentido.
O trabalho feito em Comissão teria, então permitido pôr em evidência as grandes questões suscitadas pelas iniciativas legislativas e debates e o modo como em relação a elas se posicionaram diferentes opiniões.
O conhecimento desses debates permitiria aos restantes deputados quando da discussão em Plenário, não repetirem argumentos e consciencializarem o seu voto.
Se o trabalho da Comissão não existe ou não é conhecido, se em vez de tomadas de posição claras e fundamentadas os deputados de cada bancada se refugiam num pseudoparecer de acordo com o qual nada mais se conclui do que estar uma iniciativa legislativa em condições de ser debatida, a redução drástica de tempos é calar o debate e, por assim ser, transformar o Parlamento num mecanismo de votações, simples expressão de maiorias preexistentes.
A «eficácia» assim obtida não resistirá muito tempo. E serão o próprio prestígio e razão de ser da instituição parlamentar a serem postos em causa.
Porque os parlamentos não são câmaras de registo de votações a hora certa e mais ou menos disciplinadas. É-lhes essencial ser o lugar por excelência da transparência que é inerente à própria ideia democrática.
Quando as maiorias não são capazes de explicitar as razões do seu voto ou as minorias são silenciadas ao pretenderem expor publicamente as suas razões, tem-se provavelmente uma radiotelevisão portuguesa mas] não um parlamento. l
2 - As considerações precedentes valem, sobretudo, i como alerta.
Mas justificam também que, no âmbito de uma declaração de voto, se tenham que expor argumentos que não houve possibilidade de carrear para o debate já que o tempo para tal concedido era claramente insuficiente e correspondia a uma média de 5 minutos de intervenção total sobre cada uma das iniciativas legislativas trazidas a Plenário.
3 - Na intervenção que, no debate pôde ser feita, chamou-se a atenção para a interligação existente entre a rádio a redescoberta da importância da oralidade. Não se puderam, todavia, extrair as consequências de tal afirmação no que às rádios locais se refere.
Em Portugal, se conjugam a importância de uma tradição oral da cultura popular e o valor novo que ela poderá assumir num tempo que terá de ser, necessariamente, de mudança e inovação.
Não se trata de retomar a tese de Platão mas de descobrir um sentido actual - e, por isso mesmo, relativizado - da ideia exposta no Fedro de que a escrita pode permitir que ao pensamento se substitua a reminisciência, ou em que à dialectiva verdadeira de indagação viva da verdade através da discussão e da conversação se substitui o aprendizado mecânico.
Na realidade, escrever é fixar - mesmo que no curto período de vida de um jornal, por exemplo. É espacializar, o pensamento.

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10 DE ABRIL DE 1985 2755

Ao mesmo tempo, as novas técnicas de gestão introduziram na Europa, ao nível de empresas e até dos partidos políticos ou dos governos, a ideia de brain-storming: uma nova confiança na comunicação oral como meio de descoberta e de diálogo de imaginação.
É na perspectiva da comunicação que os deputados sociais-democratas independentes entendem, como atrás se disse, dever colocar o problema das chamadas rádios locais.
Na tese do Governo - e na prática que parece estar a concretizar-se - no essencial se tratará de utilizar meios de comunicação de massa para tirar partido de novas técnicas fornecendo-os a comunidades mais distantes do centro. Tal será o caso de estações da RDP, ou seja no essencial financiadas por forma centralizada, ainda que localmente no todo ou em parte geridas.
Outra, e bem diversa, é a possibilidade de comunidades e indivíduos tomarem iniciativas criando os seus próprios meios de comunicação.
Múltiplas razões evidenciam o papel que estes meios podem desempenhar e que, ao mesmo tempo, sublinham o seu significado nas actividades locais: em primeiro lugar, porque os meios mais poderosos poderão relegar os outros para uma posição irrelevante, depois, porque se confia aos grandes meios de comunicação tarefas que não estão aptos a desempenhar e para as quais não estão vocacionados ocasionando ao mesmo tempo um desperdício de recursos escassos ainda, porque a densidade das comunicações horizontais se acresce com a criação de tais emissores.
Mais importante talvez seja a sua inserção numa estratégia de desenvolvimento.
A democratização do País é também a descoberta de uma mais activa participação das colectividades na expressão da sua personalidade e das suas necessidades específicas, a elaboração de planos e a organização dos meios aptos à sua realização.
Como escreveu um especialista conhecido (Wilmur Schramm, in Médias de masse et développement national):

Um país em desenvolvimento será cada vez mais levado a interessar-se pelos meios de comunicação locais do que pelos media de grande audiência. Esse país não terá que escolher entre os grandes meios de comunicação e os outros, porque precisará de todos, mas ser-lhe-á necessário fazer prova de inteligência e capacidade de previsão na sua utilização equilibrada.

Não foi, aliás, por acaso que uma das recomendações do Relatório Mac Bride elaborado sob a égide da UNESCO que quase unanimidade terá alcançado foi a n.° 14 que sugere que «a utilização de rádios locais, da televisão e dos sistemas vídeo de pequeno formato e de baixo custo assim como o recurso a outras técnicas apropriadas deverão facilitar a produção de programas apoiando os esforços de desenvolvimento comunitário, estimular a participação e permitir uma expressão cultural diversificada».
4 - O papel das rádios locais será ainda, essencial, numa outra perspectiva democrática que é a expressão do pluralismo.
Uma comunidade é, realmente, um conjunto de grupos diferentes, diversos também quanto às suas actividades e opiniões.
Se a comunicação assegura a coesão de uma comunidade, a democratização da comunicação e uma maior participação, podem ser asseguradas.
Não há, aliás, comunicação digna desse nome que não tenha por base uma troca e um diálogo livres.
Nesta perspectiva, a comunicação é, ao mesmo tempo, elemento de uma cultura e agente que a influência.
Por isso, se não se pretende qualquer forma de chauvinismo inculcado que sob o pretexto de defender a identidade cultural nos levasse a fechar-nos a um sentido do universal desde muito cedo presente na realidade cultural portuguesa, não se nega que a existência e o desenvolvimento das rádios locais pode ser um importante meio de preservação do património regional e local.
5 - As grandes linhas de orientação assim expostas e as que em intervenção no debate e em resposta a pedidos de esclarecimento pelo deputado Magalhães Mota foram formuladas, permitem-nos, assim, fundamentar não apenas o voto em relação a cada uma das iniciativas legislativas em debate como registar as principais observações críticas que, cada uma delas nos suscita.
Nestes termos e no que refere à proposta de lei n.° 73/III, anota-se em primeiro lugar ter ela ignorado uma outra iniciativa legislativa, já na generalidade aprovada pelo Parlamento, e que se refere à transmissão radiofónica de teatro. Será esta natural e designadamente uma dos fins do serviço público de radiodifusão e, por isso mesmo, a aditar expressamente à alínea a) do n.° 1, do artigo 3.° ou como um n.° 3, do referido artigo 3.° e também no artigo 10.° a exemplo do que, para a música, se faz.
Poderia ser esta iniciativa legislativa uma oportunidade que se tem por desejável de fazer cessar a tentação do poder pela informação que tem caracterizado sucessivos governos.
Portugal não pode continuar a ouvir um discurso de oposição, de denúncia de interferências e manipulações e um discurso do poder que as nega, as pratica e, quando muito, se desculpa com as práticas anteriores.
A existência de um membro do Governo encarregado da tutela da comunicação social e a manutenção do sistema segundo o qual as administrações são nomeadas - e, subentende-se de confiança política dos governos - é, infelizmente, uma fórmula que pressupõe serem os governos os juizes do que o povo deve saber.
O que, anota Gabriel Garcia Marquez, «é capaz de ser uma forma sublimada de desejar ditar o que o povo deve dizer». (In trabalhos preparatórios do Relatório Mac Bride sobre «Comunicação e sociedade, hoje e amanhã».)
A omissão do processo de nomeação dos directores de programação e de informação, a possibilidade de este último não existir, a não atribuição de carácter vinculativo ao parecer do conselho da redacção, são, aliás, outros indícios de mau prenúncio, que a discussão na especialidade deverá resolver.
De igual modo, e sempre no sentido da maior democratização, importará esclarecer o que se entende, para efeitos de contagem do tempo de antena - artigo 23.° - por tempo atribuído ao Governo.
Noutro campo, afigura-se pouco compatível com os direitos dos visados por faltas à verdade, os prazos e processo estabelecidos quanto à emissão de respostas ou rectificações.

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2756 I SÉRIE - NÚMERO 67

Esclarecido ficou no debate o nosso pensamento quanto aos poderes e composição do conselho da rádio.
Finalmente, afigura-se que o disposto no artigo 65.° não acautela devidamente direitos adquiridos.
Sem embargo das críticas assim sucintamente sumariadas, e porque as mesmas são passíveis de alterações na especialidade, justifica-se o voto favorável conferido na generalidade à proposta de lei.
6 - No que se refere à proposta de lei n.° 74/III sobre o licenciamento das estações emissoras de radiodifusão, não resultou explícito do debate o caso excepcional configurado pelo Governo no n.° 2 do artigo 4.° da proposta a que a intervenção lida pelo secretário de Estado adjunto do ministro de Estado manteve o carácter hermético. Só que não havendo no horizonte nenhuma hipótese previsível ou em relação à qual o Governo fosse esclarecer o Parlamento, melhor parece - e mais cauteloso - eliminar aquele dispositivo.
Quando no serviço público de radiodifusão se admite que 20% de tempo de emissão seja publicitário, dificilmente se entende que às rádios locais sejam impostos limites máximos de menos de 10%.
Não é esta a tendência mundial ou sequer europeia - seríamos, salvo erro ou omissão um dos cinco países europeus com mais baixos limites.
A diversificação das receitas de publicidade por parte das empresas regionais ou locais - e só um tempo de antena razoável a permite - é inclusivamente considerada como um meio de favorecer a independência dessas estações, necessariamente em risco se nas mãos de uma única fonte de financiamento ou até de intervenção dos poderes públicos.
Aliás, é dificilmente compreensível - ou, pelo contrário, seria demasiado evidente - que, relativamente, às rádios locais se não imponha taxativamente a proibição de publicidade a partidos ou associações, organizações sindicais, profissionais e patronais e dirigentes políticos.
A conjugação do prazo de licenciamento com a falta de transparência das regras para o concurso público que precederá a adjudicação por simples resolução de alvarás para o exercício da radiodifusão, permitiria que um governo atribuísse por 20 anos todo o espectro radioeléctrico nacional, impossibilitando, na prática, pelo mesmo período, a correcção de eventuais distorções.
Entendemos, assim, que o debate na especialidade deverá acautelar devidamente este aspecto quer reduzindo o número de concessões atribuíveis por legislatura quer estabelecendo regras mais completas para o concurso e as adjudicações.
Acresce que, como o debate francês evidenciou, o quadro esboçado na proposta permitiria a um partido do governo, em conjugação com as autarquias em que é dominante, ocupar por 20 anos o espectro radioeléctrico nacional.
Finalmente, a não salvaguarda de direitos adquiridos e, bem assim, de legítimas expectativas como as fundadas na antiguidade dos pedidos, parecem igualmente dever ser corrigidas na especialidade.
Todavia, sem prejuízo das críticas formuladas, também a proposta de lei n.° 74/III mereceu o nosso voto favorável na generalidade.
7 - Quanto ao projecto de lei n.° 192/III de iniciativa de deputados da UEDS, não oferece em termos de generalidade qualquer objecção, correspondendo inclusivamente mais aos princípios fundamentais invocados nesta declaração de voto que a proposta governamental.
8 - O projecto de lei n.° 252/III sobre serviços locais de radiodifusão sonora por via hertziana de iniciativa dos deputados Jaime Ramos (PSD) e Dinis Alves (PS) a opção de fundo que nos coloca é a titularidade das licenças só concedidas a cooperativas ou associações sem fim lucrativo (artigo 3.°). A solução é, assim, radicalmente diversa da do Governo para quem, por exemplo, a qualidade de ex-titular de partes sociais nacionalizadas é condição de preferência para a obtenção de alvarás de licenciamento, não se excluindo, aliás, de nenhum modo a sua atribuição a sociedades comerciais.
Pelas razões expostas a propósito da presença publicitária nas emissões em comentário à proposta governamental, temos esta opção por irrealista e até por contraproducente.
Não nos parece, no entanto, que ela marque de tal modo o texto que o inviabilize.
De assinalar, um espírito que é o de uma liberdade reconhecida mais que tutelada a informar todo o projecto, que, aliás, é em muito subsidiário da solução francesa de 1982 - Lei n.° 82-652, de 29 de Julho de 1982.
Igualmente se afigura de interesse o dispositivo do artigo 19.°, com o real mérito de impedir, que desvirtuando finalidades, as emissões locais se transformassem em meros difusores de um pensamento central.
Do mesmo modo se dirá de reter, o disposto no artigo 23.° do projecto, relativamente aos noticiários locais.
Por outro lado, afigura-se excessivo o disposto no artigo 26.°, atribuindo difusão obrigatória às mensagens do governador civil, presidente da câmara e presidente da assembleia municipal.
Por todo o exposto, em que avultam aspectos positivos, também o projecto de lei n.° 252/III justifica o voto favorável que, na generalidade, sobre ele emitimos.
9 - Finalmente, quanto ao projecto de lei n.° 79/III, da iniciativa de deputados do PCP, muitos dos seus dispositivos correspondem a consensos adquiridos no texto legal aprovado em 1979 - isto é, o texto que veio a ser declarado inconstitucional - ou às modificações consequentes à lei de revisão constitucional.
Aliás, muitos dos preceitos que contém, constam igualmente da proposta de lei n.° 73/III.
Assim sendo, também este ou aquele normativo merecedor de discordância, não justifica voto diferente do adoptado em relação às restantes iniciativas legislativas.
Por isso, o votámos também favoravelmente na generalidade.

Os Deputados da ASDI: Magalhães Mota - Rúben Raposo.

Os REDACTORES: José Diogo - Carlos Pinto da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO 96$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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