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I Série - Número 68
Sexta-feira, 12 de Abril de 1985
DIÁRIO da Assembleia da República
III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 11 DE ABRIL DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. José Rodrigues Vitoriano
Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damião
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos
SUMÁRIO - O Sr. Presidente declarou aberto a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Iniciou-se o debate sobre a CEE, tendo intervindo, a diverso título, além do Sr. Vice-Primeiro-Ministro (Rui Machete), do Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes) e do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama), os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Carlos Brito (PCP), Hasse Ferreira (UEDS), Raul e Castro (MDP/CDE), Octávio Teixeira (PCP), Faria dos Santos e Gaspar Pacheco (PSD), Ilda Figueiredo, Carlos Carvalhas e Rogério de Brito (PCP), Duarte Lima (PSD), Luis Beiroco (CDS), Rogério Martins (PSD), Magalhães Mota (ASDI), José Luís Nunes (PS), José Magalhães (PCP), Alberto Avelino e Manuel Alegre (PS), Rui Almeida Mendes (PSD), Rui Mateus, Torres Couto, Raul Brito e Rudolfo Crespo (PS) e Figueiredo Lopes (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 23 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Fernando Fradinho Lopes.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Frederico Augusto Handel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
João Rosado Correia.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Fontes Orvalho.
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Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Manuel F. P. Santos Loureiro.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
osé Augusto Santos Silva Marques.
José Luis de Figueiredo Lopes.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
Leonel Santa Rita Pires.
Luis António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Partido Comunista Português (PCP):
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes Almeida.
António Filipe Neiva Correia.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Hernâni Torres Moutinho.
João Gomes de Abreu Lima.
José Augusto Gama.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Narana Sinai Coissoró.
ovimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Corregedor da Fonseca.
Raul Morais e Castro.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António Poppe Lopes Cardoso.
Francisco Alexandre Monteiro.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
O Sr. Presidente: - Aproveito para informar VV. Ex.ªs que o aparelho que marca os tempos não funciona, está avariado, e que, por isso, vamos contar os tempos através do cronometro antigo, que ainda continua aqui como reserva. Entretanto, aguardamos que seja reparado o aparelho.
Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos, hoje inteiramente preenchidos pelo debate sobre a CEE.
Como o primeiro orador é o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que ainda não se encontra presente, vamos aguardar a sua chegada.
Pausa.
Tem, então, a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro (Rui Machete): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política externa portuguesa, nas suas grandes linhas, tem sido um dos raros domínios consensuais dos partidos democráticos portugueses. A opção europeia, a pertença à NATO e o estabelecimento de laços privilegiados com o Brasil e com os países africanos de expressão portuguesa constituem dados constantes na orientação dos governos constitucionais, participem neles o Partido Socialista,
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o Partido Social-Democrata ou o Centro Democrático Social. Tal facto evidencia bem que o interesse nacional neste sector se recorta, face aos dados da vida internacional, com nitidez suficiente para que as forças políticas mais representativas, apesar das suas diferenças ideológicas, apontem para as mesmas soluções.
Coube a Francisco Sá Carneiro o primeiro acto político de afirmação da vontade de ingresso na CEE ao visitar o comissário Ortoli, em 17 de Setembro de 1974, como foi então largamente noticiado nos jornais. E é ainda o líder do PSD que, em declaração política proferida nesta Câmara, em 10 de Fevereiro de 1977, reafirma a adesão do Partido Social-Democrata ao projecto europeu. Pouco depois, o Primeiro-Ministro Mário Soares, em 18 de Março de 1977, comunica a esta Assembleia o propósito de o Governo Português apresentar ao Conselho da Comunidade o pedido de adesão do nosso país. No debate parlamentar que se seguiu, tornou-se clara a clivagem entre os partidos que apoiavam a ideia da integração europeia e a articularam com a defesa e desenvolvimento de uma sociedade aberta e pluralista e o PCP que, fiel às opiniões de Álvaro Cunhal, foi sempre contra.
Durante 8 longos anos, difíceis para Portugal em termos de consolidação da democracia e da estabilização das estruturas sócio-económicas, numerosos governos conduziram empenhadamente um processo negocial complexo que se desenvolveu numa conjuntura europeia de crise económica e de desemprego.
Sem pretender fazer a história das negociações, não quero deixar de referir aqui algumas personalidades de governos anteriores mais ligadas ao processo de adesão e cuja persistência e visão política em muito contribuíram para que fosse possível chegar a esta fase conclusiva.
Já recordei o debate parlamentar de 1977 sobre o pedido de adesão apresentado pelo Dr. Mário Soares e lembro também o voto de congratulação que, então, eu próprio apresentei, subscrito pelo PSD, CDS e PS. O Dr. Sá Carneiro, que desde a primeira hora lutou pelo projecto político de adesão, proeurou dar-lhe um decisivo impulso no VI Governo Constitucional, a que presidiu, sendo nesse propósito firmemente apoiado pelo então Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros, Prof. Freitas do Amaral. Sob a sua orientação, desenvolveu-se uma intensa ofensiva diplomática em todas as frentes. A integração de Portugal constituiu então "a prioridade das prioridades".
Os sucessivos governos da Aliança Democrática prosseguiram aquela política e destacaram de entre os objectivos prioritários dos respectivos programas a "finalização das negociações e a adesão plena de Portugal à Comunidade Europeia". O empenho e o entusiasmo do Dr. Francisco Pinto Balsemão e do Dr. João Salgueiro, então responsáveis políticos pela condução das negociações de adesão, foram determinantes para que em 1982 tivesse sido possível dar ao processo negocial um avanço substancial.
Com efeito, nesse ano foi possível encerrar, nos seus aspectos mais significativos 10 dos 18 capítulos técnicos em que o mesmo se divide. Chegava-se assim a acordo sobre o sector industrial (nas suas relações com os Dez e com países terceiros), sobre a fiscalidade, os movimentos de capitais e outras questões económicas e financeiras, sobre o direito de estabelecimento, os transportes e a política regional.
O IX Governo Constitucional, a que tenho a honra de pertencer, prosseguiu os esforços para terminar o processo que se arrastava há demasiado tempo e viu finalmente coroada de êxito a sua persistência.
Neste capítulo merecem, naturalmente,, particular menção a equipa negociadora liderada pelo Prof. Ernâni Lopes e acompanhado pelo Dr. António Marta, que soube resistir a quaisquer tentações de facilidade, e o dinamismo da acção de coordenação do Sr. Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Disse e demonstrei, nesta brevíssima referência ao processo negocial, que o projecto político de integração europeia é sufragado pelos grandes partidos democráticos. É verdade, também, que o Mercado Comum tem tido, entre nós, adversários pertinazes nos comunistas e, para além deles, em certos sectores de direita e de extrema-direita.
O PCP filia a sua posição no temor real de que o estreitamento dos laços com as nações da Europa Ocidental robusteça a democracia pluralista, desenvolva a economia e assim remova qualquer probabilidade de conquista do poder pela sua parte. Do ponto de vista teórico, na óptica marxista, argumenta-se que a integração reforça as. estruturas capitalistas, aumenta a exploração do proletariado pela classe burguesa e a dependência externa do País face a economias mais evoluídas. O raciocínio é suficientemente conhecido para nos dispensar de nos alongarmos. Quem, como nós, repudia, o materialismo histórico, o leninismo, o estalinismo e, sobretudo, uma visão das relações internacionais polarizada na supremacia da União Soviética, não pode deixar de negar a conceptuologia utilizada e, consequentemente, as análises a que procede, e os resultados a que chega. A evolução histórica oferece um claro desmentido às suas previsões.
Vozes do PSD e do Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Próximas, curiosamente, de algumas conclusões comunistas são as teses de certa extrema-direita que se manista contra a integração. Desvalorizando as instituições democráticas, que repudia, crê que o Mercado Comum não resistirá à eterna divisão que sempre reinou entre os europeus e que cedo ou tarde se desagregará. A CEE tem sido apresentada como uma fonte de benesses, uma panaceia para todos os males da sociedade portuguesa - afirmam os seus detractores. Breve se demonstrará que os problemas de economia e da sociedade portuguesa se não resolvem, como por encanto, pelo simples facto da adesão. Pelo contrário, a nossa frágil economia será triturada e dominada pelos povos mais evoluídos que partilham o mesmo espaço económico. Por último, quando o Mercado Comum por força dos seus antagonismos internos se desfizer, Portugal ficará só, frente ao seu único vizinho ibérico, num esforço económico comum, reduzido a duas entidades, o que, naturalmente, fará perigar a sua autonomia.
Os que rejeitam a integração ou se refugiam nos projectos totalitários de domínio do comunismo ou, no outro extremo do espectro político, não explicam senão através de um vago isolacionismo neutralista ou de um atlantismo não menos impreciso, como Portugal se poderá desenvolver e modernizar. Partem de pressupostos de realização duvidosa ou longínqua e de consequências incertas - reforço da Commonwealth ou a
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reunificação alemã. Atribuem à Comunidade a natureza de Estado federal que manifestamente não tem e esquecem que a Europa das Pátrias, na fórmula gauliana constitui a forma hodierna da balança dó Poder no Velho Continente. Se um mercado ibérico seria inconveniente, um mercado de Doze preserva autonomia de cada participante.
A lei de que o ingresso no Mercado Comum é só por si um remédio para todos os males da nossa economia nunca foi defendida por ninguém que preze a sua seriedade e reputação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas o processo de negociações foi demorado. Há interesses sectoriais que podem sofrer com o impacte da adesão. A dúvida instalou-se nalguns espíritos. Por outro lado, é mais cómodo quedar-se do que evoluir. O homem só muda quando a necessidade o obriga. A inovação e a mudança implicam sempre certos custos. Importa, por isso, que se faça uma valoração global do projecto de integração, nas suas vantagens e também, dos seus custos, quer no campo político quer nos campos económico e social. Só um projecto que modele um futuro de esperança pode galvanizar o entusiasmo e o apoio dos Portugueses. Só com a mobilização das vontades é possível assegurar que o projecto tenha êxito. Condição necessária para conseguir a conjugação das vontades é, porém, que as pessoas o conheçam e tenham plena consciência do seu significado e implicações. Este debate político na Assembleia da República é um passo importante nesse sentido. Outros devem seguir-se.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Portugal, ao aderir à Comunidade Económica Europeia, pretende fixar e dar estabilidade ao seu modelo político de sociedade democrática e aberta. Ao integrar-se na Europa da CEE prossegue, também, em termos intereuropeus, a política de balança de Poder a que já no século XVIII o historiador Robertson chamava "o grande segredo da política moderna" e que ditou a nossa multissecular aliança com a Grã-Bretanha. No quadro fortemente bipolarizado das relações mundiais, integramo-nos na entidade regional europeia que tem de defender-se do imperialismo da superpotência União Soviética, evitando simultaneamente a subordinação dos seus interesses ao nosso aliado que são os Estados Unidos da América.
É, porém, sem dúvida, na área económica, que nos tempos mais próximos, se vão travar as batalhas decisivas.
O que Portugal negociou permite uma integração suave e sem sobressaltos num espaço económico que se pauta por regras conhecidas e que, a maior ou menor prazo, terão de ser por nós acolhidas, e num conjunto de países com um grau de desenvolvimento económico e social mais evoluído.
O que Portugal negociou não lhe permite, antes o impede de pensar que o seu futuro está garantido e que a dinâmica dos países mais desenvolvidos se transmitirá a Portugal como que por uma milagrosa osmose.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Seria um erro fatal que as gerações futuras não nos perdoariam.
Algumas considerações, restringidas aos sectores da indústria, da agricultura e das pescas, ilustrarão melhor o que pretendo significar.
A nossa indústria tem um período de tempo durante o qual dispõe de uma protecção acrescida em relação às empresas da CEE. É imperioso que o aproveite para se modernizar, para utilizar os recursos financeiros que estarão ao seu dispor, a fim de que possa, sem complexos e sem tibiezas, enfrentar a concorrência e usufruir de um mercado de mais de 300 milhões de consumidores. Os empresários portugueses serão pautados por regras claras, sem enviesamento das normas de concorrência e sem o excessivo e pesado intervencionismo do Estado. Esta emancipação cria responsabilidades mas permite sobretudo que as regras do mercado sejam as mesmas para todos os agentes económicos. Estou certo que os agentes económicos saberão aproveitar esta ocasião ímpar, que se lhes abre, para edificarem as bases do futuro sector industrial português.
A agricultura portuguesa dispõe do enquadramento necessário para ser dinamizada em termos de modernização, produtividade e produção. O modelo de negociação seguido põe-na durante 5 anos ao abrigo da concorrência de agriculturas muito mais evoluídas e sofisticadas e dá-lhe os recursos financeiros para progredir, cerca de 90 milhões de contos de subsídio da CEE para confinanciar projectos agrícolas durante os 10 primeiros anos.
Mas aqui - com maior acuidade ainda do que no sector industrial, dada a menor internacionalização do sector primário e o maior dirigismo existente - torna-se imperioso que os agentes económicos aproveitem este período de tempo durante o qual estarão protegidos, conhecerão as regras de jogo e disporão de recursos financeiros. Não será crível que Portugal venha a ser auto-suficiente em produtos alimentares, mas está nas mãos dos Portugueses a possibilidade de aumentar significativamente o grau de auto-aprovisionamento do País, através de ganhos de produtividade e de produção, em suma, de bem-estar económico e social para os que trabalham na terra.
Refiro-me finalmente ao sector das pescas. Entramos na CEE com recursos mas com poucos meios para os explorar; temos o mar, mas não temos a frota.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Essa é muito forte!
O Orador: - Foi possível salvaguardar este capital durante 10 anos, durante os quais serão grandemente privilegiadas as pescas portuguesas. Mas de nada nos serviria tal esforço negocial se, ao fim desse período, a situação se mantivesse como hoje se encontra. Estou certo, também, que o sector saberá responder ao desafio, mas tem de iniciar desde já a sua reconversão e modernização para transformar o que hoje são apenas potencialidades, nas realidades efectivas de amanhã.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia possibilita-se um projecto político e económico de extrema importância, mas tenhamos clara consciência de que se está apenas na fase inicial. É preciso que o povo português saiba vencer o tremendo repto que lhe é lançado de modo que o Pais rompa o ciclo de estagnação em que se encontra e lance as bases da modernização do seu tecido económico e social e assim consolide a democracia e as liberdades.
A história não é pródiga em oferecer muitas oportunidades como aquela que hoje se apresenta aos Portugueses. Saibamos aproveitá-la, saibamos dela extrair
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todas as potencialidades de modo a proporcionar um futuro melhor às novas gerações. É esse o nosso dever imperioso.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimento os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Carlos Brito, Octávio Teixeira, Hasse Ferreira e Raul e Castro.
O Sr. António Gonzalez (Indep): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. António Gonzalez (Indep): - Sr. Presidente, eu também quero fazer perguntas ao Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, na altura própria analisaremos o seu caso.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, V. Ex.ª fez uma intervenção bastante rápida mas, ao mesmo tempo, optimista e traçou um quadro a partir do qual parece que os Portugueses não deverão ter dúvidas nenhumas quanto às vantagens que, no entendimento do Governo, a adesão de Portugal à Comunidade trará ao País.
Esqueceu-se, contudo, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, de referir alguns aspectos e esses, sim, mais preocupantes. Esqueceu-se de citar as consequências, os efeitos negativos que vão agravar ainda mais a dramática situação económica do País, agravamento esse que provocará a ruptura em sectores vitais da nossa economia.
Ouvir o Governo falar a propósito da adesão à CEE leva a que se possa pensar que Portugal nada tem a recear do poderoso impacte que, necessariamente, a adesão representará.
Dir-se-ia que durante estes últimos 8 anos os sucessivos governos - que foram agravando de forma drástica as condições de vida dos Portugueses - prepararam o País para uma estratégia interna, bem definida, e que tivesse tido em conta o aproveitamento dos nossos recursos, das nossas riquezas, enfim, do nosso sector produtivo.
Sr. Vice-Primeiro-Ministro, a verdade, a lamentável verdade, é que assim não aconteceu. O que se passou é que o grave problema - repito, o grave problema - da adesão à CEE foi tratado, não numa dimensão de Estado, como devem ser tratados todos os assuntos relacionados com o País, mas apenas subordinado a interesses político-partidários.
Todo o processo foi instrumentalizado em proveito de projectos partidários, e até pessoais, de que, aliás, a forma como foi imposto este debate é a melhor prova.
Pretende-se, não um debate sério, como nós sempre preconizámos - aprofundado e bem preparado, como chegou a ser proposto pela Comissão de Integração Europeia - mas uma mera operação de propaganda com objectivos que não escapam à observação de ninguém e muito menos à nossa.
Sr. Vice-Primeiro-Ministro, perante este quadro, bem mais real do que o que apresenta o Governo, pretendia que V. Ex.ª me esclarecesse sobre uma simples questão: face à entrada na Comunidade, quais as medidas estruturais que foram e que vão ser introduzidas no País? Qual a estratégia económica que vai ser definida? Que critérios vão ser adoptados, ou, como vários membros do Governo já afirmaram nos últimos dias, compete apenas ao sector privado preparar o Pais para o impacte que a CEE provocará? V. Ex.ª, como segunda figura do Governo, com certeza não terá dúvidas em responder a estas questões.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, ficámos com muita curiosidade quando soubemos que era V. Ex.ª que vinha abrir o debate, dadas as posições, nem sempre claras, do seu partido nesta matéria.
Na verdade, não esperávamos tanto! Não esperávamos esta saborosa e deliciosa disputa entre os dois partidos do Governo para saber quem teve a prioridade na iniciativa - quem foi o primeiro, se foi Francisco Sá Carneiro, se foi Mário Soares, se foi o PSD, se foi o PS. Isto é um testemunho do Governo que temos, que nem num ponto como este é capaz de ser solidário e aparecer aqui numa posição unida.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Se outras razões não houvesse esta era mais uma demonstração de que, na verdade, as instituições não funcionam regular e normalmente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Vice-Primeiro-Ministro quis retratar as posições do PCP nesta matéria. Devo dizer-lhe, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que não foi capaz de fazer um moderno retrato robot mas, tão-só, um arcaico retrato à la minute.
Na verdade, o que determina a nossa posição nesta matéria, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, é o interesse nacional, e se ler os escritos de todos os dirigentes do PCP, as posições dos nossos congressos e das nossas conferências, constatará que é essa a nossa posição. Nós considerámos, desde a primeira hora, que o projecto da integração era um projecto ruinoso para a economia e para a própria independência nacionais.
É isso que nós queremos discutir. E mais: nós consideramos que esse projecto era ruinoso e tornou-se ainda mais ruinoso nas condições em que as negociações foram feitas e em que prevaleceu, como é sabido, a ideia de instrumentalizá-las com objectivos político-partidários e, mais ainda, a ideia de instrumentalizá-las tendo em vista uma determinada candidatura presidencial, a candidatura presidencial do Sr. Primeiro-Ministro, a candidatura presidencial de Mário Soares.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Esta é uma questão de grande consenso nacional, desde as organizações dos trabalhadores, as mais variadas, a organizações patronais, aos mais variados partidos, incluindo o seu próprio partido. Até uma figura tão destacada como o Sr. ex-
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Primeiro-Ministro Pinto Balsemão trouxe essa questão à colação ao dizer que as negociações não estavam a decorrer da melhor maneira e que estavam a ser instrumentalizadas com objectivos eleitoralistas. Por isso mesmo, ele passou a defender, não a integração, mas o acordo de associação com o Mercado Comum.
O que é que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro tem a dizer a isto?
Entende ou não que as negociações conduziram a resultados ainda mais ruinosos, pelo factor eleitoralista que passou a influenciá-las a partir da chegada ao Governo, em 1983, do Dr. Mário Soares?
Teria sido por isso que o seu partido, no conselho nacional de Setembro, se não estou em erro, pediu a suspensão das negociações durante 1 mês? Ora não obtiveram essa suspensão das negociações. O que é que pensam, então, da maneira como as negociações se desenrolaram a partir de então?
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro deveria responder-nos concretamente sobre qual o significado deste acordo para a agricultura. Não vai ele ser um acordo de ruma para milhares e milhares de explorações agrícolas?
O que é que significa nas pescas? Não significa a entrega, pura e simples, da nossa zona económica exclusiva aos ditames da Comunidade com o sacrifício dos interesses dos pescadores portugueses e do futuro da pesca em Portugal?
Não significa, no plano das conservas, por exemplo, o sacrifício total desta indústria, que continua a ser importante para Portugal? Não significa que nós renunciámos a exigir condições para os nossos sectores exportadores que são mais competitivos?
E em relação à indústria poderíamos dizer o mesmo.
Portanto, o que o Sr. Vice-Primeiro-Ministro nos devia explicar era esta questão fundamental: qual é o vosso projecto?
Com estes acordos o que é que vai ser de Portugal?
O Sr. Primeiro-Ministro tem falado de um "choque". Eu diria que é um "choque" que vai provocar milhares de vítimas em que a vítima principal é o próprio país, em que a vítima principal é Portugal.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, vou fazer apenas um pergunta um pouco circunstancial porque penso que a sua intervenção também o foi. Se eu bem entendi, V. Ex.ª, no decurso da sua intervenção, disse, ou terá insinuado, que eram as concepções marxistas do PCP que estariam, de certa forma, na base da sua posição contrária à CEE.
Se foi isso que disse, gostaria de lhe perguntar, já que opôs marxismo a integração europeia, como explica que os partidos comunistas italiano e espanhol sejam favoráveis à integração europeia, isto para não me referir ao Partido Socialista Francês.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - São da direita!
O Sr. António Capucho (PSD): - São reaccionários!
O Orador: - Afinal a querela do marxismo ainda não está arrumada no PSD. Enfim, será uma nova sensibilidade.
Será, nomeadamente, que os dois primeiros partidos que referi - PCI e PCE - não são considerados por V. Ex.ª como marxistas? Ou terá, antes, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, cedido a uma facilidade de linguagem que, não estranha quando a vemos em certos periódicos, dado o habitual rigor semântico de V. Ex.ª, poderá causar um pouco de estranheza e perturbação nesta Assembleia?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.
O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, a pergunta que irei formular diz respeito, em especial, às consequências da adesão à CEE no que concerne aos pequenos e médios estabelecimentos comerciais do nosso país.
É sabido que a estrutura do comércio no nosso país se caracteriza fundamentalmente pela existência de pequenos e médios estabelecimentos comerciais. Assim, com 1 a 4 empregados há uma percentagem no nosso país de 85,8% e com 5 a 19 empregados há uma percentagem de 11,97o, o que significa que da totalidade dos estabelecimentos comerciais, 97,7%, são pequenos e médios estabelecimentos comerciais.
Face a esta realidade e, por exemplo, no que diz respeito às consequências da adesão à CEE para o comércio, num debate realizado sobre a adesão à CEE, e no que diz respeito ao assalto das multinacionais sobre o comércio português, o Dr. Miranda Ferreira teve o ensejo de salientar o seguinte:
Não pensemos que as multinacionais vão abrir, de repente, 100 ou mais hipermercados em Portugal. Não! As formas por elas utilizadas são muitas e diversas e sofisticadas.
Um dos sistemas empregue é o de transformar uma série de pequenos comerciantes em centros comerciais onde eles não têm qualquer capacidade de decisão sobre a mercadoria. Isto, porque as multinacionais entram no mercado não como lojas mas apenas como intermediários, como uma cadeia tipo armazenista. Fornecem toda uma série de produtos em condições atractivas, sem hipótese de concorrência, situação que permite o controle total do pequeno comerciante pela multinacional. E daí ao momento em que aquele se transforma num empregado da multinacional não vai muito tempo. Quando se apercebem, já é tarde.
Eis uma forma de concentração muito sofisticada, de que os comerciantes se não apercebem durante um certo período, até porque não se trata de um tratamento de choque.
O que eu pretendo saber, em face da situação altamente perigosa que a adesão à CEE trará para os pequenos e médios comerciantes portugueses, é o seguinte: quais as medidas que o Governo já adoptou e quais vai adoptar para fazer face a esta realidade que porá em perigo a grande maioria da estrutura do nosso comércio, que é caracterizada por pequenas e médias empresas?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Vice-Primeiro-Ministro, são muitos os impactes que, todos reconhe-
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cem, advirão para a economia portuguesa de uma eventual adesão à CEE.
Um desses impactes negativos tem a ver com aquilo que se designou chamar de balanço orçamental. E sabido que Portugal terá de reduzir muitos dos seus direitos aduaneiros, que terá, desde o início da adesão, de pagar esses direitos aduaneiros entregando-os ao orçamento comunitário até ao nível correspondente à aplicação das taxas aduaneiras comuns.
Sabe-se ainda que Portugal terá de transferir, após um período transitório, para o orçamento os direitos niveladores agrícolas, e que Portugal terá de pagar, de uma forma progressivamente crescente, uma pane do seu produto nacional bruto ou do imposto sobre o valor acrescentado para os recursos próprios das Comunidades.
Em contrapartida, pelos elementos que nos foram distribuídos, a Comunidade irá, digamos, entregar alguns subsídios, ao longo de 10 anos, a Portugal, no montante de 700 milhões de ECU para reforço da estrutura agrícola portuguesa.
Sabe-se ainda que, designadamente em resultado do desvio de comércio nos produtos agrícolas, Portugal irá sofrer um impacto negativo bastante elevado em termos da balança de pagamentos. De tal modo isto é assim que os próprios negociadores da parte portuguesa se viram na necessidade de negociar com as Comunidades um empréstimo de 1000 milhões de ECU para os primeiros 6 anos após a adesão.
Ora bem, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, eu gostaria de lhe perguntar - admitindo que um governo, qualquer que ele seja, não iria tentar concluir negociações sem fazer uma estimativa deste balanço orçamental - quais são os efeitos, em termos de balanço orçamental para Portugal, nestes próximos anos?
Por outro lado, os negociadores portugueses preocuparam-se em tentar garantir - e digo tentar garantir porque não encontro nos documentos oficiais qualquer garantia oficial da CEE - que nos primeiros 5 anos, após a adesão, Portugal não seria um contribuinte líquido para a Comunidade. A segunda questão que lhe colocaria era esta: admitindo que foi assegurada essa não contribuição líquida nos primeiros 5 anos, o que sucederá depois?
Após os primeiros 5 anos Portugal será um contribuinte líquido?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Gonzalez, a mesa decidiu, por maioria, que não lhe pode ser concedida a palavra visto que, nos termos do artigo 146.º do Regimento, foram atribuídos tempos aos grupos e agrupamentos parlamentares e não foi atribuído tempo ao Sr. Deputado.
Nestes termos, a Mesa decide que não lhe pode ser concedida a palavra para intervir no debate.
O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, eu quero recorrer dessa decisão.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado. Tem 3 minutos.
O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Gostaria também que o Sr. Presidente me informasse onde é que está dito que o deputado independente não pode participar no debate.
O artigo 5.º do Regimento, "Poderes dos Deputados", diz: .
1 - Constituem poderes dos Deputados, a exercer singular ou conjuntamente, nos termos do Regimento, designadamente os seguintes:
.................................................
g) Participar nas discussões e votações.
Percorri todas estas páginas e não encontrei nada que dissesse que um deputado independente não pode participar.
A decisão que foi tomada está na base de uma forma discricionária e antidemocrática de ler o Regimento e ofende a Constituição, que também nada diz sobre poder calar-se um deputado. Muito pelo contrário, no seu artigo 158.º, "Exercício da função de Deputado", diz-se: "1 - São garantidas aos deputados condições adequadas ao eficaz exercício da suas funções [...]". Silenciar o deputado totalmente - dado não poder pôr perguntas, não poder fazer intervenções, não poder fazer declarações orais, etc. -, dá-me a sensação de que não é, propriamente, garantir o exercício das suas funções.
No artigo 159.º, "Poderes dos Deputados", também não encontro nada em que Mesa se baseie para proibir o deputado de falar. Nomeadamente, a sua alínea c) diz:
Fazer perguntas ao governo sobre quaisquer actos deste ou da Administração Pública;
Realmente percorri estas páginas e não encontrei nada que diga que o deputado independente não pode usar da palavra.
A reunião de líderes e a Mesa tomaram decisões sobre isto. Eu recorro para esta Assembleia para que sancione esta posição que considere antidemocrática.
Sei, pelo Sr. Presidente Fernando Amaral, que foi pedido um parecer sobre este assunto à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. O Sr. Presidente não se encontra presente neste momento, logo não pode dizer se já há uma resposta, pelo que solicito à Mesa que, enquanto não houver uma resposta em relação a este pedido, vigore o direito de o deputado independente poder participar nos trabalhos e ter algum tempo para intervir e para fazer perguntas.
De qualquer forma, queria deixar aqui a minha pergunta que vai no sentido de saber como é que a legislação do ambiente vai ser aplicada neste país onde não há defesas e onde sabemos que cai tudo o que sejam empresas poluidoras.
Assim, Sr. Presidente, recorro para o Plenário das decisões da Mesa e da conferência de líderes.
O Sr. Presidente: - Está em discussão o recurso interposto pelo Sr. Deputado Independente António Gonzalez. Cada bancada tem direito a usar da palavra durante 3 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em nome da minha bancada quero referir que tem sido nosso entendimento de que é direito essencial, constitucional, o de qualquer deputado, para
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além das disposições limitativas de uso de direitos que foram impostos pela actual maioria em sede de Regimento, não ver coarctado o seu direito de intervir, de pedir esclarecimentos e de votar.
E este aspecto é tanto mais grave, Sr. Presidente, se verificarmos que estamos a participar num debate que foi suscitado pelo Governo a esta Casa com o intuito de prestar esclarecimentos à Assembleia da República e aos deputados sobre uma matéria da importância da Integração Europeia. E não se poderia compreender que tendo o Governo solicitado à Assembleia um debate com estas características pudesse ficar perante a opinião pública o sentimento de que o Governo e a maioria que o apoia tinham receio de ver colocadas questões pelo que coarctavam a palavra a um deputado que pretende manifestar a sua opinião sobre o que neste momento está em debate.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Portanto, Sr. Presidente, a nossa bancada vai votar favoravelmente o recurso apresentado pelo Sr. Deputado António Gonzalez e considera que a ser outra a opinião desta Câmara estaríamos perante um distorção do regime constitucional que visaria continuar o que já foi começado com a revisão do Regimento, ou seja, tentar impor a "lei da rolha" para os partidos que não estão de acordo com o PS e com o PSD.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, com a entrada em vigor do novo Regimento, sobretudo com a actuação dos representantes dos grupos parlamentares da maioria, este problema tem, realmente, criado situações pouco dignas de funcionamento da Assembleia da República. A verdade, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é que o artigo 5.º do Regimento diz muito claramente quais são os poderes e deveres que os deputados podem exercer, singular ou conjuntamente, e que vêm definidos numa série de alíneas onde se prevê entre outras faculdades a da apresentação de projectos de revisão constitucional, de projectos de lei, etc.
O artigo 158.º da Constituição, que já foi aqui citado, refere que "são garantidas aos deputados condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções [...]", e o artigo 159.º declara que:
Constituem poderes dos deputados, além dos que forem consignados no Regimento:
a) Apresentar projectos de revisão constitucional;
b) Apresentar projectos de lei ou de resolução e propostas de deliberação;
c) Fazer perguntas ao Governo sobre quaisquer actos deste ou da Administração Pública;
d) Requerer e obter do Governo ou dos órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações [...].
Assim, Sr. Presidente, realmente não entendemos por que razão é que o Sr. Deputado Independente, António Gonzalez, não pode usar da palavra. A maioria tem
entendido que não pode, e impõe, como já foi classificada, uma "lei da rolha", que entendemos ser inconstitucional, pelo que pergunto à Mesa: em que é que baseou a sua decisão, nomeadamente em termos constitucionais, para impedir o Sr. Deputado António Gonzalez de usar da palavra?
Numa decisão de dois deputados da maioria que foram à conferência de líderes e fizeram impor os seus votos, aliás, como tem acontecido nas últimas semanas em que impedem, sistematicamente um deputado de exercer livremente os seus direitos?
É evidente que gostaria de obter esta informação do Sr. Presidente antes de a Mesa dar a palavra a qualquer outro Sr. Deputado.
Sr. Presidente, é lógico que temos de dar apoio ao recurso apresentado pelo Sr. Deputado António Gonzalez, além do mais porque entendemos que tem sido norma do Sr. Presidente Fernando Amaral e dos Presidentes que o antecederam conceder sempre a palavra aos deputados independentes, seja o deputado António Gonzalez ou qualquer outro. Creio que coarctar agora a palavra a um deputado, não será, Sr. Presidente, boa medida.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. António Lacerda (PSD): - Mal, muito mal!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Mesa informa que a decisão que tomou foi baseada no artigo 146.º do Regimento, que estabelece o tempo de debate.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, não pus essa questão. Perguntei quais as normas constitucionais em que a Mesa se baseou para proibir o Sr. Deputado António Gonzalez de usar da palavra. Um Regimento não pode alterar normas constitucionais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado António Gonzalez citou abundantemente vários artigos do Regimento e da Constituição, mas esqueceu-se de citar o essencial, que é o artigo 146.º do Regimento que diz:
A cada grupo ou agrupamento parlamentar é garantido um tempo mínimo de intervenção em face da natureza do debate [...].
V. Ex.ª não constitui nem um grupo nem um agrupamento parlamentar, é um deputado independente oriundo da bancada comunista. Nem a conferência de líderes nem ninguém lhe retirou nem coarctou o direito ao uso da palavra. O que a conferência de líderes entendeu, por maioria, foi que o tempo que V. Ex.ª utilizasse deveria ser descontado no tempo do partido pelo qual foi eleito.
Aplausos do PSD, do PS e do Sr. Deputado Luís Beiroco (CDS).
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isto é que é um exegeta de topo!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
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O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, a nossa bancada votará contra o recurso interposto pelo Sr. Deputado António Gonzalez porque, efectivamente, o Regimento é muito claro, e em debates com tempo limitado apenas se prevê a atribuição de tempo para uso da palavra a grupos e agrupamentos parlamentares, pelo que os Srs. Deputados que desejem permanecer independentes e não aderir a nenhum grupo ou agrupamento parlamentar sabem que enquanto este Regimento estiver em vigor sofrerão dessa limitação.
Aliás, de outra forma, não seria possível estabelecer tempos limitados de debate porque se se continuasse, com tempos limitados, a atribuir tempo a deputados independentes estaríamos, afinal, a estabelecer discriminações positivas a favor desses deputados.
Questão diferente poderá ser a de se saber se o Regimento é ou não constitucional, mas em relação a quem está constantemente a dizer isso nesta Câmara, propomos que, em vez de o discutir aqui avulsamente, solicite ao Tribunal Constitucional que declare o Regimento inconstitucional.
Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o recurso.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PS, do PSD e do CDS, votos a favor do PCP, do MDP/CDE, da ASDI e do deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Gonzalez.
O Sr. António Gonzalez (Indep.): - Sr. Presidente, enquanto não for feita justiça em relação a esta situação, queria deixar aqui um gesto simbólico relativo ao impedimento da intervenção de um deputado...
O Sr. Presidente: - Isso não é uma interpelação, Sr. Deputado!
O Orador: - É sim, Sr. Presidente. Quero interpelar a Mesa no sentido de saber se acha bem que numa conferência de líderes, de uma forma discricionária, a Constituição seja silenciada em relação a determinadas áreas e se remetam as decisões unicamente para aí.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Não pode ser!
O Sr. Presidente: - Peço-lhe o favor de terminar, Sr. Deputado. Isso não é uma interpelação.
O Orador: - Queria também interpelar a Mesa no sentido de saber se considera ou não que é uma atitude simbólica eu achar que este lenço negro significa o silenciar de um deputado e é uma forma visual de se perceber que não posso falar...?
Vozes do PCP: - Sem dúvida!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe o favor de terminar...
O Orador: - Já terminei, Sr. Presidente.
Vozes do PCP: - É uma vergonha!
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro.
O Sr. Vice-Primeiro-Ministro: - Os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Carlos Brito afinaram pelo mesmo diapasão ao traçarem um quadro extremamente pessimista da adesão e ao apontarem que, no fundo, as negociações são meramente instrumentais. Não admira, aliás, que tenham afinado pelo mesmo diapasão visto que, de algum modo, comungam do mesmo tipo de orientação nesta matéria.
Na minha intervenção, tive ocasião de sublinhar que, em primeiro lugar, em matéria de política externa, esta é uma das zonas relativamente raras onde existe consensualidade entre os partidos democráticos, e isso verificou-se ao longo, dos 8 anos das negociações, e que, por outro lado, com a adesão se abriam perspectivas importantes mas que isso não significava que a adesão devesse ser entendida como um remédio para todas as nossa dificuldades e, sobretudo, como um lucro já adquirido.
Trata-se de abrir uma perspectiva, de corresponder a um desafio extremamente sério e é bom que tenhamos a noção de que não há por enquanto certezas de vitória, mas há a necessidade absoluta de que os Portugueses se consciencializem de que esta oportunidade não deve ser perdida e de que o vencer as dificuldades e responder ao desafio depende essencialmente de nós.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca perguntou-me se as medidas estruturais caíam apenas no sector privado. É óbvio que à Administração Pública cabe um papel extremamente importante. Desde logo um papel importante em termos de desburocratização e de adequação das suas estruturas para corresponder às enormes necessidades de dinamização da vida económica. Nesse capítulo, o Governo tem uma missão extremamente importante da qual, neste momento, a parte mais significativa é a implementação dos diversos mecanismos para que os fundos (FEOGA, FEDER e Fundo Social Europeu) possam funcionar de uma maneira eficaz.
Mas muitos outros aspectos, desde a regulamentação e apoio à agricultura e à comercialização dos produtos agrícolas, a outros relacionados com o redimensionamento das empresas agrícolas, com o desenvolvimento da indústria agro-alimentar e, naturalmente, com a necessidade de a indústria reestruturar e modernizar as suas unidades, não podem ser realizados sem o incentivo e sem o apoio da Administração Pública e sem que o Governo se empenhe profundamente neles.
Mas isto não significa que nos devamos quedar numa posição puramente derrotista, numa posição que, a final de contas, se limita a continuar uma apagada e vil tristeza económica em que temos vivido nestes últimos anos.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, gostaria de sublinhar que aquilo que o PCP hoje defende tem, pelo menos, o mérito de revelar uma continuidade histórica desde as célebres páginas de Rumo à Vitória, do Dr. Álvaro Cunhal. Já aí se encontrava a posição que o PCP continua a defender. Parece que nada se passou ao longo destas dezenas de anos, que nenhuma evolução se registou, que tudo continua na mesma. O dogmatismo tem, na verdade, alguns custos.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - E até pior!
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O oportunismo também!
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - A falta de princípios ainda é pior!
O Orador: - No que respeita ao Sr. Deputado Hasse Ferreira, dir-lhe-ia que justamente há marxismos e marxismos, há partidos comunistas e partidos comunistas...
Há partidos comunistas que fazem as suas tentativas, nem sempre felizes, de abertura à democracia pluralista e ao eurocomunismo, e são sensíveis às evoluções históricas e às novas realidades. Há outros que permanecem fechados no seu dogmatismo estéril, não evoluem, e apresentam-se ferozmente estalinistas como eram há 20 ou 30 anos atrás.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Não há dúvida!
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ninguém acredita nisso!
O Orador: - Essa é a explicação das diferenças entre o posicionamento dos diversos partidos comunistas europeus.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Depois há o PSD!
O Orador: - O Sr. Deputado Raul e Castro expôs, em termos de extrema gravidade, a situação dos pequenos e médios comerciantes. E quem o ouvisse ficaria com a impressão de que a realidade se alteraria substancialmente com o ingresso na CEE. Mas como V. Ex.ª sabe, já hoje existem os problemas que pôs em termos de concorrência de empresas de maiores dimensões económicas em relação aos pequenos e médios comerciantes, e também é facto de que essa concorrência tem levado os pequenos e médios comerciantes a encontrar fórmulas, em termos de cativação de clientela, o que lhes permite, nos diversos países, resistir aos ataques, não apenas das multinacionais mas também das empresas que jogam com os grandes espaços de comercialização. Não penso que nesse capítulo haja qualquer coisa particularmente inovadora na circunstância de ingressarmos na CEE.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É a ruína à portuguesa!
O Orador: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira referiu o problema da balança orçamental portuguesa e questionou o seu posicionamento face ao ingresso na CEE. Dir-lhe-ia, Sr. Deputado, que, puramente no que se refere às negociações, os recursos financeiros de que Portugal disporá são não apenas aqueles a que se reportou do fundo especial para a agricultura portuguesa, no valor de 700 milhões de ECU, mas também o recurso, a médio prazo, ao FEDER, ao Fundo Social Europeu e ao FEOGA, quer no sector garantia quer no sector orientação. Por outro lado, existe, como sabe, um apoio especial que tem por base um empréstimo de 1 bilião de ECU feito às comunidades com destino à nossa balança de pagamentos.
Mas o mais importante de tudo isto é, no fundo, atentarmos que se tivermos uma resposta eficaz e uma economia dinâmica, naturalmente que os problemas se resolverão. Se a nossa posição for de desânimo, de derrotismo e de apatia, naturalmente, nessas circunstâncias, o que acontecerá é que a adesão em vez de ser uma esperança do futuro que se viria a concretizar, será, a final de contas, tal como a não adesão, uma situação de estagnação e de mediocridade.
É por isso que insisto neste ponto, que reputo de absolutamente essencial: é fundamental que os Portugueses se consciencializem de que o termo das negociações não é o final de um processo em que tudo se encontra resolvido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Depois há as presidenciais!
O Orador: - É, pelo contrário, a abertura de uma perspectiva que exige um esforço e uma conjugação de vontades para que as oportunidades - que são muitas - sejam efectivamente aproveitadas.
Terminaria dizendo que, como há pouco tive ocasião de referir, a experiência destes 2 anos de governo revela que as tentativas de introduzir, de uma maneira mais ou menos habilidosa, cunhas entre os dois partidos da coligação não tem resultado, e que a circunstância de ter referido os esforços que vários destacados políticos fizeram numa questão de Estado desta importância - políticos que pertencem a várias formações partidárias como o PS, o PSD e o CDS - é apenas a demonstração evidente de que quando o interesse nacional está em causa e as coisas se põem de uma forma clara os partidos são capazes de superar os seus particularismos e de defenderem intransigentemente aquilo que consideram ser essencial para o futuro de Portugal.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças e do Plano.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano (Ernâni Lopes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não se estranhará, decerto, que esta intervenção comece por sublinhar a necessidade, a utilidade e a importância do debate que hoje iniciamos sobre a adesão de Portugal às Comunidades Europeias. Estamos perante uma questão de Estado, com reflexos profundos e prolongados no futuro do País. Julgo portanto legítimo esperar do Parlamento, certamente o cumprimento das suas funções de fiscalização e ratificação dos actos do Governo, mas também uma participação plena e permanente, em matéria de tamanha relevância.
Sendo útil e necessário, este debate é também politicamente indispensável. O facto de nos encontrarmos na fase terminal das negociações seria sem dúvida razão suficiente para justificar tal imperativo; acresce, porém, que essa fase, confirmando o previsível, veio coincidir com o momento em que a chamada "opção europeia", depois de ter sido mito e alimento de quimeras, começou a ser inserida nas realidades, por força de críticas e ataques políticos que têm ajudado a trazer à luz do dia alguma da hipocrisia presente em posições formuladas em 1976-1977.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Acalmados os calores do "Verão quente", perdidos alguns incómodos pudores, ganhos novos receios e descrenças com a evolução concreta da vida do Pais nos últimos anos, renascem lentamente das cinzas algumas das querelas e hesitações que marcaram os confrontos políticos sobre a posição de Portugal na Europa no período final do regime anterior, e que muitos julgariam definitivamente enterradas com a descolonização.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Muito bem!
O Orador: - A existência de novas críticas e ataques é, em si mesma, um bom sinal. Significa, por um lado, que a adesão à Comunidade começou a ser tomada seriamente como uma certeza; mas significa, também, que o debate sobre a integração de Portugal se pode desenrolar, finalmente, sem os perturbadores equívocos de outros tempos e com a franqueza que, como agora se prova, algumas vezes lhe faltou.
É na verdade inútil - e errado - apresentar a adesão como escolha inexorável, até porque nessa proposição se nega a liberdade inerente ao próprio acto de escolher. Também por isso, só poderão encontrar-se vantagens num confronto aberto e isento de complexos, susceptível de colocar em perfeito contraste, perante o País, os fundamentos da plena integração na Comunidade Económica Europeia e as razões das propostas alternativas que, real ou pretensamente, possam ser apresentadas.
O reacender do debate sobre a adesão é, portanto, uma saudável manifestação de vida; mais estranho e preocupante seria, em boa verdade, se o corpo social mantivesse, em relação a tão profundo desafio, uma atitude apática, capaz de liquidar, desde logo, boa pane do seu potencial de resposta.
A adesão mobiliza e afecta interesses, incentiva ou desmobiliza projectos, envolve, por si só, opções importantes quanto ao próprio modelo de sociedade. Não pode, pois, surpreender-nos que esses interesses se expressem e agitem, sobretudo quando o arrastamento excessivo das negociações e a crise interna dos Dez facilitaram a acumulação de dúvidas e incertezas. É difícil encontrar aqui sequer uma das tão glosadas originalidades portuguesas: com outros métodos, por outros meios, o debate público sobre a participação na CEE atravessou idênticos momentos críticos na maioria dos actuais Estados membros.
Queremos, sem dúvida, a adesão. Mas queremos que ela seja um acto livre, consciente, e não a aceitação resignada de um qualquer fatalismo histórico de inspiração sobrenatural. Isso implica, indiscutivelmente, o confronto desinibido das opiniões, mas obriga também à recusa firme do oportunismo político que tão facilmente transforma a crítica em calúnia, pondo em causa, com dois ou três slogans anos seguidos de estudo e trabalho sério.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A importância do debate público exige, naturalmente, dos que nele participam, honestidade intelectual e conhecimento mínimo das matérias.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Valerá talvez a pena recordar que a candidatura de Portugal à Comunidade, apresentada em 1977 e consagrada nesta Câmara por voto unânime do PS, PSD e CDS, foi alicerçada em sólidas motivações de natureza, política, secundadas, de resto, não apenas pelas organizações partidárias, mas também por forças sociais relevantes, entre as quais se contava um sector claramente maioritário de empresários industriais e agrícolas.
Independentemente das influências conjunturais, que não podem ser minimizadas, estava essencialmente em causa a redefinição do posicionamento externo do País, depois da descolonização, e a opção por uma sociedade democrática, aberta e plural, depois da experiência revolucionária.
Com a morte do Império criaram-se condições para que a conjugação dos dois termos desta equação pudesse encontrar-se no aprofundamento das ligações políticas e económicas com a Europa continental, em particular através da construção comunitária.
De facto, passado o 25 de Novembro, a decisão de aderir não representava já um "corte" ou uma descontinuidade histórica, como teria acontecido, hipoteticamente, antes do 25 de Abril; o verdadeiro momento de ruptura havia ocorrido já com a independência das colónias e a opção europeia surgia agora, no plano político, como o prolongamento das tendências que conduziram ao Acordo Comercial de 1972 e como uma matriz de referência para a afirmação interna de um modelo aberto e equilibrado, oposto ao passado antidemocrático e às tentações totalitárias de 1975.
No plano da organização da política económica, a adesão passou a ser vista como instrumento de estruturação de um novo modelo de desenvolvimento orientado pelo mercado e como estímulo externo para a progressiva desburocratização e liberalização de um sistema de enquadramento político-institucional da actividade produtiva pouco flexível, crescentemente estatizante e tendencialmente bloqueado. Sabia-se já. então que o processo de integração europeia não poderia trazer, por si só, soluções concretas para os problemas concretos e poucas dúvidas terão surgido sobre a necessidade de negociar períodos transitórios razoavelmente longos para amortecer os efeitos perversos do primeiro impacte e favorecer os movimentos de adaptação às novas realidades.
No seio do bloco político que apoiou e apoia a adesão havia e há evidentes distâncias e diferenças sobre a aplicação à realidade nacional das linhas de força brevemente enunciadas. Mas de entre os principais partidos apenas o Partido Comunista se colocou claramente fora deste quadro. O seu discurso permanece imutável há mais de 20 anos, quando a participação portuguesa nos movimentos de integração europeia era exorcisada em relatório ao comité central intitulado Rumo à Vitória.
Hoje o Partido Comunista prefere fundamentar publicamente a sua oposição à adesão numa ponderação pretensamente asséptica e sensata de vantagens e inconvenientes de natureza económica. Tomando-se de pudores dificilmente compreensíveis num partido marxista-leninista, insurge-se contra a natureza política da opção europeia, como se aí residisse motivo de escândalo ou surpresa.
No discurso do PCP, a cuidadosa escalpelização das implicações sectoriais da adesão e a valorização dos riscos e problemas que ela inevitavelmente comporta constituem, porém, uma útil cortina de fumo para camuflar o essencial.
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O Sr. Igrejas Caeiro (PS): - Muito bem!
O Orador: - E o essencial consiste no antagonismo, que é real, entre, por um lado, os interesses estratégicos do PCP, a sua concepção da Revolução, o seu modelo de sociedade e, por outro lado, tudo o que a adesão representa como inserção na construção política e económica da Europa Ocidental, como projecto de organização do sistema político, económico e social.
Aplausos do PS e do PSD.
O que o PCP parece não querer é a estabilização em Portugal do sistema de democracia ocidental que caracteriza os países da CEE, o reforço das formas típicas de organização da economia privada e a consequente destruição das condições para a reprodução do vanguardarismo messiânico.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É neste terreno e não noutro que sé situam, antes do mais, as divergências com os comunistas no âmbito da adesão à Comunidade Económica Europeia; e é neste terreno e não noutro que se revela, no quadro da avaliação política global da adesão de Portugal às Comunidades, o conteúdo político das suas propostas para a sociedade portuguesa.
No outro extremo do espectro político, a questão europeia vem pôr igualmente a descoberto a intolerância dos que têm dificuldade em se habituar à ideia de viver num País livre e democrático. Em 10 anos, a extrema-direita portuguesa não mudou nada e parece que nada aprendeu.
Vozes do PS e do Sr. Deputado da ASDI Magalhães Mota: - Muito bem!
O Orador: - Sob o álibi do patriotismo, refugia-se na violência verbal para disfarçar a obsolescência ideológica e a incapacidade de apresentar respostas precisas, estruturadas e actualizadas para os problemas concretos que as exigências do desenvolvimento do País colocam.
Vozes do PS e do PSD - Muito bem!
O Orador: - Numa ânsia aparente de passarem de acusados a acusadores, esquecem os radicais de direita a responsabilidade que cabe ao seu congénito imobilismo nos becos sem saída a que foi conduzido o regime anterior...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... para não falar de alguns dos bloqueios estruturais que ainda hoje limitam seriamente a evolução da economia portuguesa.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
Não há que esconder os problemas reais que a evolução dos últimos 10 anos trouxe à vida colectiva dos Portugueses, mas a história será falseada se pretendermos ignorar algumas das raízes profundas dessas dificuldades, operando, de modo simplista e artificial, um corte definitivo entre as realidades do antes e do depois do 25 de Abril.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não creio que a evolução da vida portuguesa nos 8 anos que se seguiram ao pedido de adesão tenha envelhecido os fundamentos essenciais da opção europeia, quer no plano político, quer no plano económico. Pelo contrário: aprendemos à nossa custa o preço da sistemática indefinição estratégica da sociedade e verificámos, pela dura via da, experiência concreta, a ausência de condições históricas mínimas para a afirmação dos épicos projectos desenvolvimentistas, que nos continuam a ser acenados pelos eternos vendedores de utopias como alternativas ditas "independentes" para a pretensa "subordinação" à Europa dos Dez.
Os últimos 8 anos mostraram-nos ainda que muitos dos riscos e perigos frequentemente associados à adesão não lhe são intrinsecamente inerentes e podem ocorrer sem que de Bruxelas venham os maus ventos.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Com certeza!
O Orador: - Do mesmo modo convirá dizer, de forma bem clara, que a modernização da nossa economia, com ou sem adesão, não se fará sem dolorosos choques sociais e terá de reflectir, necessariamente, os constrangimentos que hoje pesam sobre o conjunto da política económica portuguesa.
Ouvindo certos críticos porventura apressados da integração comunitária, fica-se com a ideia de que vivemos num país das maravilhas, onde claríssimos e tranquilos caminhos de progresso surgem subitamente perturbados por uma obsessão europeia geradora de dificuldades que, noutras circunstâncias, nunca existiriam.
As dificuldades de ajustamento do Estado e das empresas não constituem hipóteses futuras, mas realidades de hoje. O envelhecimento tecnológico, a esclerose administrativa, os bloqueios estruturais da sociedade, a inflação, os desequilíbrios das Finanças Públicas, a dívida externa, não são, infelizmente, invenções comunitárias.
São graves problemas nacionais, projectados no médio/longo prazo, cujas soluções, embora tenham de ser encontradas internamente, só ganharão em coerência e profundidade se puderem ser enquadradas pelo referencial de desenvolvimento claro e estável que a adesão à Comunidade pode indiscutivelmente constituir.
Os que não acreditam na capacidade da Nação para gerar uma resposta positiva ao desafio da adesão dificilmente poderão explicar onde vão encontrar as energias para evitar a fatalidade inexorável do empobrecimento e da involução.
Não faz, deste modo, qualquer sentido olhar a integração em termos estáticos, como se os compromissos directamente decorrentes da adesão fossem súbita e mecanicamente introduzidos numa realidade nacional inerte e imutável, ignorando as disposições transitórias que constituíram o objecto fundamental da negociação e o potencial do processo integracionista como instrumento incentivador da necessária mudança estrutural.
Se admitirmos que não irá verificar-se qualquer movimento na organização fundiária, na estrutura industrial, na Administração Pública ou no padrão do comércio externo, não precisamos de recorrer a sofisticadas análises para chegar a conclusões apocalípticas; mas se esse pressuposto, por absurdo, se verificasse, não era já a adesão que estaria em discussão, mas o nosso destino como Nação, dentro ou fora da Europa comunitária.
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É de toda a conveniência, neste debate sobre a opção europeia, atribuir à adesão apenas o que à adesão diz respeito e não esquecer, na comparação de custos e benefícios, os efeitos negativos que uma eventual renúncia envolveria, em domínios tão diversos como o acesso aos mercados externos, a capacidade interna de transformação estrutural e o contexto global das relações internacionais do País, com relevo especial para o caso da Espanha.
A adesão foi e continuará a ser legitimada pelo desejo e pela vontade de mudar. Não parece razoável, por isso, invocar a presença de problemas de fundo, que nem sequer são novos, para fundamentar a exigência de uma prévia preparação do País a régua e esquadro, como se os processos de transformação social que fazem a história pudessem ser cuidadosamente preparados num qualquer laboratório.
E não é ainda razoável recorrer a esta ilusão tecnocrática para justificar um súbito regresso aos comedidos parâmetros dos acordos de comércio provadamente insuficientes para assegurar a própria liberdade de acesso aos mercados internacionais, como se demonstra, por exemplo, no caso dos têxteis, em relação à CEE e à EFTA.
Não é fácil aceitar, também, a invocação da crise interna comunitária ou a demora do processo negocial para recuperar fantasiosas soluções de aproximação gradualista, cuja negociação, se alguma vez fosse possível à luz das realidades, seria certamente mais morosa e acidentada do que o próprio processo de adesão. Nas condições concretas da economia europeia, o gradualismo correria o sério risco de equivaler a uma renúncia e a uma renúncia talvez definitiva.
Como todas as opções políticas de fundo, o terceiro alargamento comunitário é uma tarefa historicamente datada, para os Dez como para os países candidatos. Aproxima-se o termo do período oportuno para a sua concretização e é preciso ter em mente que um eventual adiamento sine die não quereria provavelmente dizer "até já".
Ao Parlamento cabe, neste ponto, uma palavra definitiva e fundamenta], uma vez que o Tratado de Adesão não poderá entrar em vigor sem a prévia ratificação desta Câmara. Os que pretendem .dizer "não" têm ainda o tempo e o direito de o fazer. Pede-se, somente, que o façam sem sofismas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As negociações de adesão às Comunidades prolongaram-se por mais de 8 anos, reflectindo, na sequência da sua evolução, a incidência de alterações de primeira importância no enquadramento internacional, na situação interna da Comunidade e nos próprios países candidatos. Sem qualquer pretensão de exaustão, recordarei que o período em referência corresponde a uma fase de bastante perturbação da vida internacional, com o segundo choque do petróleo, o sensível aprofundamento da crise económica mundial, o sério agravamento das tensões Leste-Oeste, o chamado "renascimento americano" e, num plano mais específico, as sequelas da renegociação da adesão britânica, que perturbou o fluxo normal da vida comunitária desde 1978.
Com maiores ou menores dificuldades, as autoridades portuguesas foram capazes de manter activo o processo de integração europeia, ao longo desta fase conturbada, procurando e conseguindo desenvolvê-lo numa perspectiva de Estado e ao abrigo de flutuações conjunturais, assegurando, sem tergiversações, uma mesma e única orientação política de fundo.
Será porventura ingénuo não querer ver também, na relativa tranquilidade que envolveu, no nosso país, as negociações de adesão, o reflexo da atitude indiferente de uma parte da classe política e de responsáveis empresariais, pouco interessados, então, na aridez do desarmamento alfandegário ou nas subtilezas da política agrícola comum. Mas é justo reconhecer que as negociações de adesão, conduzidas por nove governos nas condições difíceis de todos conhecidas, defenderam os objectivos fundamentais do País e permitiram proteger o essencial, isto é, a articulação entre a integração e o desenvolvimento económico nacional, entendido no sentido mais amplo do conceito.
É-me grato sublinhar, neste âmbito, a importante acção levada a cabo pelo governo anterior, que assumiu a responsabilidade da conclusão de mais de dois terços dos capítulos em negociação, entre os quais é forçoso destacar todo o bloco relativo aos problemas industriais.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Estando em causa um trabalho que envolve outras equipas governativas, sinto-me particularmente à vontade para lamentar a ligeireza dos ataques provenientes de sectores que conheceram e aceitaram, tácita ou explicitamente, as condições negociais de capítulos encerrados há mais de 2 anos ou, por outro lado, a auto-suficiência de brilhantes estrategos negociais, que não se dão sequer ao trabalho de ler os dossiers e não têm, por vezes, o pudor de respeitar a verdade dos factos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado e perante a evolução recente da negociação, ninguém poderá honestamente dizer, e muito menos demonstrar, com dados objectivos, que o Governo sacrificou a qualidade à velocidade ou que vacilou na assunção dos objectivos fundamentais do Pais.
Preferiu-se sempre regressar sem resultados definitivos a aceitar compromissos insuficientemente satisfatórios, sendo possível constatar, de resto, que se assim não fosse, a negociação portuguesa estaria provavelmente concluída há alguns meses.
Preservaram-se, neste período final, dois princípios fundamentais da posição negocial portuguesa de sempre: a primazia das implicações de médio prazo sobre as consequências imediatas e a defesa intransigente de interesses vitais e permanentes do País, sempre que eles estivessem em causa, como aconteceu por exemplo, no caso do acesso às águas e no capítulo "Recursos próprios".
O saldo global é, na opinião do Governo, claramente positivo, sobretudo se tivermos em consideração que os períodos transitórios ou derrogações temporárias negociados para o acesso de exportações portuguesas ao mercado comunitário traduzem vantagens imediatas e contabilizáveis para um conjunto de produtos claramente competitivos e desde sempre tratados em condições pouco favoráveis nas relações, existentes até agora, de comércio entre Portugal e a Comunidade.
A propósito desta questão, gostaria, aliás, de deixar aqui uma advertência que considero importante; os contornos e os resultados do processo de integração não se jogam integral e definitivamente no conteúdo da ne-
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gociação, que aborda, essencialmente, a definição dos períodos transitórios para a plena aplicação, no país candidato, do chamado "adquirido comunitário".
O impacte económico global da adesão é evidentemente influenciado pelo conteúdo destes regimes, sobretudo na agricultura, mas não depende apenas deles. Em particular, nos casos da indústria e serviços, o essencial joga-se em função de uma nova dinâmica mercantil e empresarial, gerada pela alteração qualitativa do posicionamento internacional da economia portuguesa e pela consequente valorização estratégica do mercado nacional.
É sobretudo para esta reacção dinâmica dos mercados, felizmente difícil de controlar administrativamente, que os empresários portugueses deverão dirigir a sua atenção se, como é do seu interesse, quiserem tirar partido da lógica inerente ao movimento de integração europeia.
A adesão à CEE deverá ser, de facto, o principal instrumento operacional de uma estratégia de longo prazo, orientada para a transformação estrutural do padrão de especialização da economia e, consequentemente, para a redução da dependência externa, em especial nos domínios alimentar, tecnológico e energético.
A adesão deverá constituir, ainda, o pretexto e o referencial de um movimento de internacionalização activa do sistema económico, forçando a aplicação de políticas de industrialização e reindustrialização, em condições de endogeneizar a inovação tecnológica e de afastar a estática exploração de vantagens comparativas de comércio, alicerçadas unicamente nos custos de mão-de-obra e de transporte.
A adesão deverá concretizar, enfim, a oportunidade histórica para a progressiva implantação de uma nova distribuição espacial do crescimento e a realização de uma política de desenvolvimento regional permanente e estável, verdadeiramente importante para o alargamento da base industrial da economia e a melhoria da sua competitividade externa que, a médio e a longo prazo, não pode desligar-se do grau de integração do mercado interno e do tecido produtivo nacional.
Gostaria de deixar bem sublinhada esta última ideia, tantas vezes esquecida na nossa história recente: a integração no espaço europeu representa um desafio à nossa própria integração interna, em todos os domínios de actividade, e à organização do espaço económico nacional como um mercado moderno e equilibrado.
Para atingir este resultado, é decisiva a acção que nós, Portugueses, formos capazes de desenvolver em duas áreas cruciais, como a agricultura e a política regional.
No primeiro caso, está em causa um sector decisivo para um desenvolvimento harmonioso da economia portuguesa, há longas décadas limitada por bloqueios de fundo, de natureza económica, certamente, mas também política, social e cultural.
É na agricultura que o chamado "choque europeu" se faz sentir como novidade maior, exigindo-se, por isso, uma particular mobilização da Administração e dos empresários para as tarefas urgentes que a integração europeia impõe. O próximo quinquénio, correspondente à primeira etapa do período transitório, é decisivo para a preparação do esforço de modernização de um sector que tem vivido em larga escala de costas voltadas para o mercado e em função de políticas imediatistas e pontuais, que se limitam a adiar soluções.
Os constrangimentos e necessidades da política agrícola e a sua articulação com as políticas industrial e de emprego colocam, por outro lado, em primeiro plano de evidência a definição de uma política de desenvolvimento regional como instrumento regulador das tensões geradas pelo processo de reorganização empresarial e elemento integrador da malha produtiva interna.
A possibilidade de organização de uma estratégia de desenvolvimento regional no futuro imediato é uma consequência concreta e precisa da adesão à Comunidade que deve ser adequadamente valorizada na hierarquia das prioridades governativas, inclusivamente pelo estímulo que poderá constituir para a reforma administrativa, para o desenvolvimento de novas formas de participação das populações na vida da comunidade e, até, para a criação de condições susceptíveis de responder a reivindicações no âmbito da qualidade de vida, cuja importância não pode ser desprezada neste final do século XX.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a esta luz que a adesão ganha o seu sentido enquanto projecto transformador e assume a dimensão de uma manifestação de vontade soberana, incompatível com a resignada aceitação de uma condenação da história.
Valerá a pena repetir, por isso mesmo, que não se trata de um desafio ganho à partida, como correctamente têm demonstrado os que empenhadamente têm estudado e analisado esta matéria ao longo dos últimos anos.
Enquanto membro de pleno direito das comunidades europeias, Portugal terá, contudo, melhores condições para enfrentar o impacte da crise civilizacional deste fim de século. E apesar de todos os "cantos do cisne" que por aí se vão ouvindo, não hesito em juntar a minha voz à dos que lutam pelo futuro da Europa comunitária, recusando firmemente as perspectivas maniqueístas que pretendem vê-la definitivamente anulada como potência económica influente e inovadora ou mesmo como matriz cultural de primeira grandeza.
É indiscutível que em relação aos Estados Unidos e ao Japão as sociedades da Europa Ocidental se apresentam menos apetrechadas para enfrentar a chamada "terceira revolução industrial", em virtude das dificuldades específicas colocadas pela maior rigidez dos seus sistemas político-institucionais e por uma relativa subalternidade tecnológica.
A realidade mostra, porém, que o potencial de resposta está vivo e que a estrutura produtiva do futuro coexiste já com a Europa do pessimismo e do desemprego. Acreditamos nesta Europa renovada, e estamos seguros de que permanecem actuais, na sua essência, as motivações que fundamentaram, em 1977, a candidatura de Portugal à plena adesão. Os tempos mudaram, certamente, mas continuamos a não ver razões para que mudem as vontades.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Faria dos Santos, João Corregedor da Fonseca, Gaspar Pacheco, Ilda Figueiredo, Carlos Carvalhas, Hasse Ferreira, Octávio Teixeira, Rogério Brito, Carlos Brito, Raul e Castro, Duarte Lima e Luís Beiroco.
Tem a palavra o Sr. Deputado Faria dos Santos.
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O Sr. Faria dos Santos (PSD): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, as 3 perguntas que vou fazer-lhe colocam-se numa área que V. Ex.ª não abordou na intervenção mas que para mim tem uma certa sensibilidade, que é a das pescas, tendo em vista a adesão do nosso país à Comunidade.
A primeira pergunta que gostava de colocar-lhe tem o sentido de saber se, no plano da negociação, salvaguardamos para o País a reserva do nosso mar territorial para a nossa frota. É a salvaguarda das comunidades costeiras e um princípio que constitui um direito comunitário. Todavia, constata-se que, desde há muito, a maioria dos países com potencialidades pesqueiras europeias adoptou a medida do seu mar territorial ao sistema de linhas de bases rectas.
Sei que existe, já há alguns meses, em Conselho de Ministros, uma proposta de alteração do sistema de medição no nosso mar territorial baseado no sistema de linhas de bases rectas. Penso que é da maior oportunidade criarmos, antes do período de adesão do nosso país à Comunidade, essa legislação e implementá-la internamente.
Muito embora se debata a necessidade ou não de se estender essa mesma legislação aos arquipélagos dos Açores e da Madeira, verifico já que alguns países europeus, e alguns deles da Comunidade, entre eles a Espanha, estenderam já esse sistema ao arquipélago das Canárias e a Noruega, que não é um país da Comunidade, estendeu-o ao arquipélago Svalbard e a Dinamarca às ilhas Faroé.
A pergunta que lhe coloco tem, pois, o sentido de saber se o Governo pensa implementar esta legislação antes da adesão do nosso país, em 1 de Janeiro do próximo ano.
Gostava também de me referir à necessidade que temos de um apoio muito forte no campo da investigação. Afirmou há pouco o Sr. Vice-Primeiro-Ministro que temos mar mas não temos frota. É evidente que a existência de mar não determina a existência de frota, especialmente frota pesqueira. O que determina a existência de frota é, fundamentalmente, os stocks disponíveis, a riqueza piscícola desse mar. É nesse aspecto que temos tido as maiores dificuldades e podemos dizer que há, talvez, apenas 6 anos iniciámos um estudo sistemático das nossas potencialidades piscícolas, com o apoio, como aliás é conhecido, da oferta de um navio de investigação por parte da Noruega e da comparticipação do Canadá de um outro navio de investigação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, esgotou os 3 minutos de que dispunha. Peço-lhe o favor de abreviar.
O Orador: - Sr. Presidente, peço-lhe o favor de descontar o tempo que estou a ultrapassar no tempo do meu grupo parlamentar.
Como eu estava a dizer, há, pois, necessidade de, nos próximos 5 anos, fazermos um grande esforço no campo da investigação e no da avaliação dos stocks. Pergunto: iremos ter o apoio da Comunidade?
Finalmente, o problema da reestruturação e da renovação da nossa frota. Como V. Ex.ª sabe, a maior parte da nossa frota, especialmente aquela que trabalha no continente, é constituída por pesca artesanal, com unidades pequenas e altamente depredadoras dos nossos recursos, pelo que, nos próximos 5 anos, haverá que reestruturar essa frota.
Dado que a Comunidade tem fortes apoios à renovação e à reestruturação da sua própria frota, apoios esses que muitas vezes se estendem aos 50% do valor da unidade a construir, pergunto se a partir da data de adesão a frota portuguesa poderá contar com o apoio da Comunidade para a sua renovação e reestruturação.
O Sr. Presidente: - Certamente o Sr. Ministro responde no fim a todos os pedidos de esclarecimento...
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, como de costume, uma vez que me faz a pergunta, responderei que, se for possível, gostaria de ouvir as perguntas dos Srs. Deputados e depois responderei no fim porque, certamente, haverá a possibilidade de, para perguntas que sejam repetidas, fazer um tratamento conjunto.
O Sr. Presidente: - Exacto. Aliás, eu tinha a intenção de dar a palavra ao Sr. Deputado que está inscrito a seguir para pedir esclarecimentos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, V. Ex.ª começou por dizer que a entrada de Portugal na CEE era uma saudável manifestação de vida. O que eu gostaria, Sr. Ministro, era que a vida económica dos Portugueses, essa sim, fosse mais saudável. Mas enfim!...
V. Ex.ª, Sr. Ministro, foi um dos principais e esforçados negociadores portugueses e, com certeza, fica a dever-se ao Sr. Ministro das Finanças e ao Sr. Dr. António Marta, que se encontra ao seu lado, grande pane das responsabilidades da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia.
Acontece, no entanto, Sr. Ministro, que temos sérias dúvidas se a obsessão da entrada do nosso país na Comunidade, manifestada constantemente por este Governo; teve em conta toda a realidade económica do País, a degradação em que mergulhou o nosso sector produtivo, se ponderou devidamente os prós e os contras dessa mesma adesão.
É evidente que o Sr. Ministro, em nome do Governo, vai reafirmar que considerou todos os efeitos positivos e negativos para concluir, como tem feito, que a entrada de Portugal na Comunidade será a solução para todos os nossos problemas.
Só não entendemos, Sr. Ministro, as razões que conduziram a umas negociações quase secretas sem que tivesse havido informação constante canalizada para os sectores produtivos do Pais, nomeadamente o da agricultura, das pescas, da indústria, para as organizações dos trabalhadores. Nunca se verificaram debates públicos com a presença de membros do Governo e, o que é também muito mais grave, o Governo nunca apresentou ao País um programa económico que visasse a melhoria das nossas estruturas produtivas.
O que se verificou, nomeadamente nestes dois últimos anos, foi um agravamento sensível das condições de vida dos portugueses com o aumento de falências, com o aumento do número de desempregados que atingem largas centenas de milhar, com milhares e milhares de trabalhadores sem salário, com o aumento do subemprego.
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Em contrapartida, Sr. Ministro, não se apresentaram ao País planos, programas dinâmicos, discutidos com os representantes de todos os sectores económicos portugueses, incluindo os sindicatos, que, de algum modo, pudessem definir uma estratégia conducente ao desenvolvimento do Pais. O que se passa é que somos um País fortemente dependente do exterior e, com a adesão de Portugal à CEE, as perspectivas não melhorarão, com certeza.
O Sr. Ministro, defensor acérrimo da entrada na Comunidade, ocupa uma pasta de relevância no Governo. Sendo assim, Sr. Ministro, pergunto-lhe o seguinte: perante o novo quadro e a falta de respostas às questões que coloquei ao Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que política económica vai o Governo apresentar aos portugueses? Que tipo de programas vão ser implementados para fazer face à caótica situação económica em que os últimos governos mergulharam o País? Em suma, que política económica tem este Governo, nomeadamente e agora com o tal desafio - e são um desafio e um impacto poderosos - da adesão de Portugal à CEE?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gaspar Pacheco.
O Sr. Gaspar Pacheco (PSD): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, gostaria de saber como é que foram salvaguardados na adesão de Portugal à CEE alguns pontos.
No caso do açúcar, sabemos que só são concedidas quotas para a produção de beterraba sacarina aos países que já produzem essa cultura. Ora, até ao momento, Portugal não tem ainda implantada nenhuma fábrica e a cultura não está ainda totalmente experimentada.
Dado que não possuo estes dados, pergunto como é que Portugal vai salvaguardar as suas quotas, quer de importação de países terceiros, quer da importação da CEE assim como a sua futura quota de produção, se chegarmos à conclusão de que essa fábrica vai ser montada.
Uma outra questão: Portugal é um país que tem excedentes de vinho de mesa. Sabendo que a CEE apresenta as célebres piscinas de vinho, pergunto como é que essa parte das intervenções vai ser salvaguardada.
Uma das nossas maiores exportações agrícolas é a do concentrado de tomate. Pergunto: com que quotas é que ficamos para a exportação?
Tendo os cereais em Portugal preços mais elevados do que os da CEE e sendo eles um factor principal na alimentação de suínos e aves, pergunto como é que iríamos resistir à sua livre circulação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
O Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, que venha o Governo exigir honestidade no debate público e informação mínima seria razoável não fora dar-se o caso de o próprio Governo, rompendo com os padrões de honestidade que proclama, ter sempre sonegado, à Assembleia da República e ao País, as informações que são fundamentais sobre a adesão de Portugal à CEE e suas consequências. As organizações sociais, as organizações dos trabalhadores, a Assembleia da República foram completamente marginalizadas, quer quanto às informações, quer quanto às consequências do impacte.
em falar da intervenção do Sr. Vice-Primeiro-Ministro, que foi um apagado discurso de olhos postos no Conselho Nacional do PSD da próxima semana...
Risos de alguns deputados do PSD.
O Sr. António Capucho (PSD): - Vocês estão muito preocupados!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tanto quanto vocês!
A Oradora: - ... devo dizer que o Sr. Ministro das Finanças e do Plano deu um péssimo exemplo ao não esquecer nenhum dos pontos obseuros, quer das negociações já realizadas, quer quanto a negociações ainda a realizar, nomeadamente com a Espanha e com a Grécia.
Por exemplo, que regras regularão o comércio com a Espanha de produtos industriais e comerciais? Até onde vão e que exactos contornos têm os compromissos que assumiu e os que o Governo está a negociar, neste momento, com a Espanha no que se refere às pescas? Qual o montante do FEDER e que regiões vão ser excluídas? Que consequências, nomeadamente no que se refere à destruição de milhares de empresas de diferentes sectores de actividade económica? Que consequências quanto ao aumento do desemprego? Que consequências quanto ao agravamento da dependência externa de Portugal?
Sem isto, Sr. Ministro, sem estas respostas, quem continua a fugir ao debate é o Governo, quem continua a fugir ao debate é o Sr. Ministro, claramente enfeudado aos interesses de um governo a uma candidatura presidencial.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Na melhor das hipóteses! Na melhor das hipóteses!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - O Sr. Ministro das Finanças e do Plano começou por afirmar que há outras opções, que as escolhas devem ser livres e baseadas em estudos sérios. Depois disse que, quanto aos estudos sérios do PCP, eles são uma cortina de fumo, pois a sua opção radica-se em razões ideológicas.
Bem, Sr. Ministro, nós continuamos a dizer que a Europa não é a CEE; a CEE é a Europa dos monopólios e não a Europa dos trabalhadores...
Protestos de alguns deputados do PSD.
... e não é um clube caritativo.
O que fizemos e temos publicado são estudos sérios sobre aquilo que consideramos ser as vantagens, as desvantagens, as consequências positivas e as negativas de cada sector e empresa por empresa. Era a estas questões que eu gostaria que o Sr. Ministro se referisse.
É que invocar o Rumo à Vitória e dizer, numa leitura apressada e falsificada, que o Partido Comunista Português não alterou a sua posição, Sr. Ministro,
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devo dizer-lhe que o PCP nem precisa alterar, porque a realidade não se mudou. Nós não somos como o Partido Socialista que ainda hoje não alterou o seu programa. Seria bom que lesse aquilo que nele se diz sobre a opção europeia!...
Quanto ao nosso modelo, Sr. Ministro, devo dizer, de uma vez por todas, que ele se encontra consubstanciado na Constituição da República, à qual o Sr. Ministro, como Ministro, deve respeito.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Ministro, responder às questões que lhe temos vindo a colocar em Comissão e em diversas intervenções aqui feitas em Plenário com slogans, tais como, os de que se "trata de um desafio", "de um choque", que "tem fé na CEE", que "é opção europeia", pergunto-lhe: mas que opção europeia? Será que a Noruega, a Suécia, a Áustria, a Suíça, que estão fora da CEE, não fazem parte da Europa?
As questões que gostaria de lhe colocar são estas, Sr. Ministro: Portugal perde ou não parcelas significativas da sua soberania com a integração europeia? Há ou não vastos sectores da economia portuguesa que serão arruinados com a integração? O Governo admitiu ou não o princípio de que Portugal, ao fim de um período transitório, pode vir a ser considerado como um contribuinte líquido?
Gostava de saber se a modernização de que o Sr. Ministro fala, e o Sr. Primeiro-Ministro reafirma, do definhamento da Siderurgia Nacional, do não aproveitamento do ferro de Moncorvo e das pirites do Alentejo, a entrega da metalurgia de cobre, como já está a ser feito, às multinacionais...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Carlos Carvalhas, terminou o tempo de que dispunha. Peço-lhe o favor de abreviar.
O Orador: - ... o aumento do desemprego e da dívida externa, são os resultados palpáveis dessa integração.
Para concluir, gostava de lhe dizer que também no passado, por exemplo, no Tratado de Metween houve quem estivesse contra e quem estivesse a favor; houve também "marqueses do Alegrete" mais altos e mais baixos. A história julgou-os!...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Hasse Ferreira.
O Sr. Hasse Ferreira (UEDS): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, V. Ex.ª elogiou os esforços realizados por estes últimos 9 governos na condução das negociações com a CEE. Pareceu-me não ouvir um elogio paralelo, nem teria que o fazer (no entanto gostava de saber o seu ponto de vista sobre isso), quanto aos esforços desenvolvidos no sentido da adaptação das estruturas económicas portuguesas com vista a poderem ficar em condições de resistir, em várias áreas, ao impacte da integração europeia.
Pensa V. Ex.ª que terão sido desenvolvidos, nomeadamente nos períodos dos governos presidenciais, nos governos da Aliança Democrática e durante o próprio Governo que V. Ex.ª integra, os esforços que se impõem para levar a cabo uma política coerente com a integração europeia, cujas negociações V. Ex.ª encabeçou na fase final?
Segunda questão: no seu entender, considera ou não o Sr. Ministro que será excessivamente longo o período transitório de 7 anos, enfim, ainda com a cláusula luxemburguesa, para a livre circulação dos trabalhadores?
Terceira questão: V, Ex.ª caracterizou e referiu uma certa extrema-direita portuguesa. Não pensa, no entanto, que há uma base de algum empresariado habituado a viver à sombra de proteccionismos, economicamente injustificados, que pode vir a reforçar um suporte ao pensamento político antieuropeu de certa extrema-direita que V. Ex.ª caracterizou politicamente no seu discurso, que não é só antieuropeu no plano económico, é também antieuropeu no que se refere a uma certa rejeição do que a cultura europeia tem significado?
V. Ex.ª, de forma diplomática, como, aliás, convém a um ministro independente de um governo de coligação, manifestou uma certa incompreensão por posições que têm sido assumidas por quem conhece os dossiers. Não vou pegar nessa frase, mas pergunto se não considera estranha a posição de um ex-primeiro-ministro que encabeçou dois governos que conduziram processos de negociação para a integração europeia e que seja nas vésperas da finalização dessas negociações que esse ex-primeiro-ministro vem propor uma solução de associação autónoma à CEE, que penso ser perfeitamente defensável em fase anterior da negociação mas não no momento exacto em que essas negociações estão a ser determinadas, ainda por cima por um primeiro-ministro que presidiu a dois dos governos que V. Ex.ª referiu?
Relacionando isso com os próprios esforços que referiu do governo anterior no sentido da aceleração e do encerramento de vários dossiers deste processo de adesão à CEE, pergunto como considera isso.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, anotei duas ou três frases que me suscitam algumas questões.
A primeira é a seguinte: "À adesão o que à adesão pertence." Tomando esta sua frase, a questão que lhe coloco, e apenas a refiro para tomar nota, pois não vou repeti-la - já a fiz ao Sr. Primeiro-Ministro - tem o sentido de saber qual é o exercício do balanço orçamental feito pelo Governo.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano e o Governo, na sua globalidade, podem continuar a recusar dar essa informação nas comissões e em todo e qualquer lado; o que não podem é continuar a recusar dar essa informação importantíssima à Assembleia da República, da qual dependem politicamente.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, gostaria de chamar a atenção em relação às consequências da adesão, pois, como o Sr. Ministro sabe muito bem, a Comunidade não é uma instituição de beneficência. Por conseguinte, tudo o que pode ser analisado do ponto de vista das consequências dessa adesão resulta das cláusulas que aparecerão no Acordo.
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Não se pode defender por detrás de eventuais hipotéticas, miríficas posições de solidariedade comunitária, porque essas não constam das cláusulas do Acordo.
As segundas frases que retirei do seu discurso e que anotei são as seguintes: "Estas questões devem ser discutidas com honestidade intelectual e respeitar a verdade dos factos." Estou totalmente de acordo com isso. nessa perspectiva, vou pôr-lhe apenas duas pequenas questões.
Nos documentos da Comissão, versão francesa, em relação às últimas negociações, as de Março, diz-se em relação a um eventual apoio à indústria portuguesa: "No mesmo espírito daquilo que foi feito para a agricultura, a Comunidade trará o seu concurso às empresas portuguesas, fazendo-as beneficiar do seu apoio técnico e de instrumentos de crédito", referindo depois uma série de instrumentos de crédito.
A versão portuguesa diz o seguinte: "A Comunidade mostra-se disposta, dentro do mesmo espírito, a desenvolver um esforço especial [...]" - e isto não existe na versão francesa da Comunidade, mas só na versão portuguesa - "[...] no domínio industrial, apoiando as empresas portuguesas através dos meios técnicos e financeiros de que dispõem." O documento da Comissão só refere o apoio de crédito e não os apoios financeiros, que inclui subsídios, fundos, etc.
A segunda questão está relacionada ainda com "a honestidade intelectual e com a verdade dos factos". Diz-se na versão portuguesa, em relação às pescas, que "será concedida a Portugal uma ajuda financeira à vigilância e controle da ZEE portuguesa".
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Nas pescas?!
O Orador: - Nas pescas, sim, Sr. Ministro. Se quiser consultar, isso está na página 2579.
No documento oficial da Comunidade diz-se:
O apoio comunitário à vigilância e ao controle das águas portuguesas poderá ser encarado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não mais!
O Orador: - Sr. Ministro, em termos de honestidade intelectual, parece-me que estes exemplos deixam muito a desejar! ...
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Brito.
O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, algumas questões decorrem das afirmações que o Sr. Ministro proferiu.
O Sr. Ministro disse que durante as negociações foram assegurados períodos de transição que permitem adequar, designadamente a nossa agricultura, às exigências da Comunidade.
Gostava de perguntar, dentro de um processo do maior rigor técnico, se o Sr. Ministro considera que é possível ter-se aceite que, ao fim da primeira etapa, nos sujeitaremos às normas de normalização parafrutícolas e legumes. Considera possível, em 5 anos, adaptarmo-nos a essas normas?
Segunda questão: em relação a produtos estratégicos, como os cereais, os nossos rendimentos físicos ao nível dos cereais são da ordem de um terço daqueles que se registam na CEE. O nível de evolução dos países tecnicamente evoluídos poder-se-á considerar que em 15 anos foi da ordem dos 20 %. Nós precisamos, para nos pormos ao nível dos níveis da CEE, de, em 5 anos, evoluir qualquer coisa como 216 %. Pergunto-lhe se isto tem a mínima base técnica que permita negociar com base numa primeira etapa de 5 anos.
Por outro lado, pergunto-lhe se, após esta primeira etapa, quisermos preservar a produção nacional, quanto nos vão custar as medidas de protecção interna, designadamente ao nível de prélèvements, de montantes de compensação entre os prélèvementse os preços indicativos.
Uma segunda questão: sendo certo que os prélèvements e os montantes compensatórios revertem numa primeira etapa para o Orçamento do Estado, de qualquer modo eles não deixam de se repercutir ao nível do consumidor. Quais são os custos destas medidas?
O Sr. Ministro disse que as negociações decorrem há 8 anos ...
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Por acaso não é!
O Orador: - Há 7 anos e tal, para sermos rigorosos.
Dentro do mesmo rigor e sendo certo que, no decurso deste período, o Governo começou a implementar medidas que considera como uma imposição da própria Comunidade, designadamente a nível de uma política de preços real, que decorre de subsídios à agricultura, etc., gostaria de lhe perguntar se a experiência destes 8 anos não lhe dizem nada, designadamente quando verificamos que a produção efectiva se reduziu drasticamente, que os consumos intermédios aumentaram brutalmente, constituindo hoje qualquer coisa como 89 % do equivalente ao valor acrescentado bruto. Como é possível, independentemente desta situação, entre 1980 e 1984, passarmos de uma situação em que os novos preços eram inferiores ao do Mercado Comum, designadamente ao nível dos cereais ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, já esgotou o tempo de que dispunha. Peço-lhe o favor de abreviar.
O Orador: - ...para uma situação de preços claramente superiores, sem que se tenha conseguido elevar o nível dos rendimentos dos agricultores? Como vai compatibilizar toda essa situação numa fase de adesão à CEE?
Outras questões havia a perguntar mas, como o tempo é pouco, ficarão para uma outra oportunidade.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - O Sr. Ministro das Finanças e do Plano começou por fazer um apelo a um debate sério, e é isso o que, da nossa parte, desejamos. Por isso, lamentamos que o Governo tenha feito chegar tão tardiamente as nossas mãos alguns dos documentos que eram essenciais para que pudéssemos estar neste debate com a informação necessária, no sen-
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tido de questionarmos alguns assuntos que terão grande repercussão no futuro do nosso povo e do nosso país.
Na reunião do comité misto chegou a dar-se a situação, um tanto caricata, de os deputados da CEE terem a documentação enquanto que os portugueses a não tinham, o que é lamentável e não abona para o prestigio da nossa Assembleia e dos deputados portugueses.
O debate sério implica também um sério respeito pelo ponto de vista dos adversários. O meu camarada Carlos Carvalhas já teve aqui ocasião de dizer que, em relação às nossas posições quanto ao Mercado Comum e à questão geral da integração, independentemente de suportarmos perfeitamente a ironia que o Sr. Ministro usou num ponto ou noutro, o PCP é o único partido português que se preocupou com o assunto, tendo realizado uma conferência nacional, que está publicada em 10 volumes, para debater as consequências da integração e o seu impacte nos diferentes sectores da economia nacional. Há que reconhecer isso e discuti-lo seriamente.
Mas passemos adiante - nós vamos responder a estas questões ao longo do debate - e vamos ao problema da operação política. Consideramos a integração como uma operação política, ou seja, considerando a integração como vinha a ser feita, há 9 anos, e como passou a ser feita depois de o Dr. Mário Soares ter voltado ao Governo, em 1983. Dizemo-lo claramente. A operação política tinha um objectivo que era o de atacar as transformações democráticas que se fizeram em Portugal depois do 25 de Abril, que tinham consagração constitucional e o acento do sufrágio popular. Isso é uma operação que continua. Nesta recente cana do Sr. Deputado Lucas Pires ao Primeiro-Ministro ele vem já reclamar a revisão constitucional. Aproveitou a oportunidade. Assim tem sido.
Mas neste aspecto o Sr. Ministro fez uma gravíssima afirmação, ou seja, daquilo que afirmou em relação ao que entende ser as razões fundas da oposição do PCP, quanto à integração na CEE, ser uma forma de aprisionar as opções do nosso povo, em relação à sua vida, ao seu regime e ao seu Governo. Isto é extremamente grave. Temo-los acusado de terem essa intenção e o Sr. Ministro vem aqui reconhecê-lo. Ora, as opções mais avançadas do povo português, no domínio do seu regime social, incluindo o caminho do socialismo, estão consagradas na Constituição da República. Aquilo que o Sr. Ministro aqui nos vem dizer é que essa opção fica agora proibida. Isso, Sr. Ministro, é muito grave.
Em declarações da delegação portuguesa foi feita a afirmação de que não aceitaríamos discriminação em relação aos nossos produtos de exportação, que têm possibilidade e capacidade competitiva. À luz destas afirmações, como é que o Sr. Ministro explica o regime que foi aceite para as conservas de peixe, especialmente as de sardinha?
Também era muito importante que o Sr. Ministro explicasse todo o alcance que têm as disposições que constam da parte dos acordos relativos à política externa, designadamente os que passo a referir: o acordo sobre a eliminação, na data de adesão, das disposições comerciais constantes de acordos bilaterais concluídos entre Portugal e países de comércio de Estado. Resulta que não poderá ser mantida nenhuma disposição comercial, que ele seja, ou não, compatível com as regras de política comercial comum.
Explique-nos também, Sr. Ministro, o alcance desta outra disposição: para países terceiros, que não sejam de comércio de Estado, Portugal não poderá concluir nem prolongar acordos comerciais bilaterais.
Finalmente, queríamos que explicasse o alcance de uma outra disposição que refere ter-se acordado que, salvo medidas transitórias adequadas, Portugal não poderá, quando membro da Comunidade, dar aos países da EFTA, nem receber destes, um tratamento mais favorável do que concedem, ou que recebem, os outros países da Comunidade.
O Sr. Ministro poderia dar-nos uma ideia do que será este país dentro de 10 anos? Eu queria particularizar esta pergunta, mas não tenho tempo. Diga-nos se não corremos o risco de ter integração mas de não termos País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.
O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - O Sr. Ministro das Finanças e do Plano começou por fazer o enquadramento político da adesão à CEE, o qual, tendo anteriormente usado da palavra o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Rui Machete, seria mais compreensível que tivesse sido feito por este.
Dado que V. Ex.ª se referiu nesses termos inicialmente, ainda nesta primeira parte, queria fazer-lhe algumas perguntas.
Ainda agora o Sr. Ministro salientou que as negociações com a CEE duram há cerca de 7 anos e meio, ou 8 anos. Já foi assinado o documento em Bruxelas, está-se à beira de formalizar a adesão e, no entanto, o Sr. Ministro sabe perfeitamente que o povo português desconhece, em absoluto, o que é a CEE. Quando o Governo erige em grande motivo de satisfação a adesão à CEE, se se fosse fazer um inquérito aos cidadãos portugueses no sentido de se lhes perguntar, mesmo até aqueles que ingenuamente partilham dessa grande alegria, afinal, o que é a CEE, as respostas seriam desoladoras de ignorância. A propósito disto perguntava ao Governo que iniciativas tomou e pensa tomar no sentido de levar ao conhecimento dos Portugueses o que é a CEE e quais são as graves consequências da adesão.
O Sr. Ministro, entrando depois na parte mais especializada da sua intervenção, referiu que era na agricultura que se faria sentir o choque maior da adesão à CEE. A propósito desta sua afirmação, quero perguntar-lhe se, ao entrar na CEE, a agricultura portuguesa, constituída predominantemente por explorações minifundiárias, vai ter em mente que os seus subsectores irão enfrentar agriculturas tecnicamente mais avançadas, com maior organização e maior experiência comercial. Vai ser, sem dúvida, uma luta de pigmeu e de gigantes onde facilmente se vê a quem caberá a vitória.
Acontece, por outro lado, que o actual gigante comunitário tem rios de leite, assim como de vinho, e montanhas de cereais e de açúcar, não sabendo o destino que lhes há-de dar. Ora, este exemplo, como muitos outros, é de particular importância para o nosso país, por aquilo que ele pode trazer de resultados perniciosos do ponto de vista social, económico e humano. Com efeito, não podemos esquecer que cerca de 80%
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das nossas explorações agrícolas tem menos de 4 ha, e ainda que 55% dos produtores de leite têm apenas 1 vaca, e 27 % entre 2 a 3 vacas. Sendo esses produtos e seus derivados excedentários na actual CEE, é quase fatal que esta pretenderá colocá-los nos novos mercados, incorporados pela via do alargamento, ou seja, no nosso país, concorrendo vantajosamente com os produtos nacionais. Está bem de ver que a sobrevivência dos agricultores no sector ficará imediatamente comprometida.
Que medidas tem o Governo para salvar da miséria os pequenos e médios agricultores se não lhes for dada outra alternativa?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, começo por cumprimentar V. Ex.ª pelo discurso sério e rigoroso que trouxe a esta Câmara, de resto, como é seu timbre. Esse discurso foi o corolário da postura séria que este Governo, bem como os anteriores, da Aliança Democrática, tiveram nas negociações para a adesão à CEE. Se outra coisa não pudéssemos observar, ao analisarmos hoje aqui, nas perguntas que já foram formuladas ao Governo, a postura baça, quase triste, daqueles que estão contra a integração na Comunidade Económica Europeia, chegávamos com facilidade a essa conclusão.
Sr. Ministro das Finanças, não é conhecido neste momento qual o montante - penso que ainda não foi negociado - a que Portugal irá ter direito no próximo ano de investimentos a realizar através do FEDER. Gostaria, no entanto, de salientar a importância que o acesso a esse fundo vai ter para a política regional em Portugal, não porque o fundo vá custear na globalidade os investimentos a realizar nesse domínio, pois tem uma função essencialmente de complementaridade, mas por se calcular que Portugal poderá ter acesso a investimentos numa ordem de grandeza que poderá situar-se entre as 3 dezenas e 4 dezenas de milhões de contos.
Tem havido um conflito latente no Governo sobre a quem irá competir a tutela .e a hierarquização pelos investimentos a realizar nesse domínio. Sabido, como é, que a Administração portuguesa é caprichosa e enleante quando não tem as áreas das suas atribuições correctamente definidas e delimitadas e que a CEE e a Comunidade não esperará, no caso de Portugal não ter os projectos apresentados nas alturas devidas, gostaria de saber qual é a opinião do Sr. Ministro e do Governo sobre a quem, efectivamente, deve competir a tutela e como vai ser feita a hierarquização das prioridades a serem submetidas ao fundo no próximo ano.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Ministro das Finanças e do Plano, em primeiro lugar queria felicitá-lo pelo êxito final e conclusão do acordo, e embora já tenha tido oportunidade de o fazer pessoalmente, não queria deixar de o fazer aqui no Parlamento. Aliás, estas palavras são dirigidas também ao Presidente da Comissão de Integração Europeia, Dr. António Marta.
Queria agora colocar-lhe duas questões. A primeira tem a ver com a reforma do processo de desenvolvimento e as possibilidades de ultrapassar a fase de pressão em que se encontra a economia portuguesa. Se bem me recordo, ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano, disse muito claramente que Considerava que qualquer possibilidade de uma retoma sustentada da economia portuguesa passava pela adesão às Comunidades e só poderia ser empreendida no quadro dessa adesão. Gostaria, portanto, que desenvolvesse um pouco este tema, dizendo em que medida é que, efectivamente, a adesão condiciona o relançamento da economia portuguesa.
A segunda questão que quero pôr já tive ocasião de lha referir na Comissão de Integração Europeia, mas penso que a sua resposta tem interesse para a Assembleia da República e para o País. Se nas negociações foi possível saber, de uma forma muito clara, que durante o período transitório Portugal seria um beneficiário líquido, como é que após esse período vai ser possível evitar que Portugal se torne um contribuinte líquido das Comunidades?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, embora estejamos muito próximos da hora regimental da suspensão dos trabalhos, parece que o Sr. Ministro das Finanças estaria interessado em responder já aos pedidos de esclarecimento.
Tem a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Procurarei ser breve, até por razões...
O Sr. Presidente: - Dá-me licença, Sr. Ministro?
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano colocou o problema de desejar responder imediatamente, na sequência já dos pedidos de esclarecimento, e não vi que, por uma questão de 10 minutos, que eventualmente se ultrapasse a hora regimental...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Da nossa parte poderia haver qualquer oposição a que isso acontecesse, mas não haveria nenhuma oposição a que o Sr. Ministro respondesse depois de almoço.
O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, dentro de uma linha, que não digo seja a habitual, pela simples razão que é a linha permanente da minha passagem pelo Governo e das vindas à Assembleia da República, quero dizer que sobre este problema estou inteiramente em acordo com aquilo que a Assembleia decidir, antes de saber qual é o resultado da decisão.
O Sr. Presidente: - Eu já tinha dado a palavra ao Sr. Ministro, mas se há bancadas que se opõem, temos de proceder a votação.
Pausa.
Não havendo oposição, o Sr. Ministro pode continuar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Assim parece, mas é dúbio.
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O Sr. Ministro das Finanças e do Plano: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como há pouco dizia, procurarei ser breve, até porque há que gerir com um pouco de cuidado o tempo do Governo, e o Sr. Ministro de Estado já me tinha feito - com a discrição característica por estarmos perante 250 deputados - notar esse aspecto.
Começaria por tratar alguns temas que foram abordados por vários Srs. Deputados e que podem ser, de certo modo, articulados entre si. Um dos problemas levantados por vários Srs. Deputados é o da existência de maior ou menor informação. Ou seja, o facto de ter havido, ou não, esse esforço.
Julgo que estamos, porventura, num caso particularmente menos feliz. Desde logo creio que não é novidade para nenhum de nós que uma crítica deste tipo tem sido sistematicamente feita um pouco a propósito de tudo e em face a todos os governos. Não é matéria da integração europeia e deste Governo.
O que é facto, e este era o ponto que gostaria de salientar, é que, precisamente, em matéria relacionada com as negociações e com o andamento dos trabalhos em matéria de integração europeia, houve sistematicamente um esforço aprofundado não só de informação mas também de vaivém de tomadas de posições.
Não vale a pena referir, até porque não tenho essa estatística, mas julgo que, em termos de trabalho em comissão parlamentar - e só para falar nesse plano -, é certamente com a Comissão Parlamentar de Integração Europeia que mais vezes e mais sistematicamente o Governo teve contactos, informação e debate aprofundado, em termos de conhecimento da situação dos problemas, pelo menos naquilo que diz respeito ao Ministro das Finanças e do Plano. E não tenho qualquer notícia - porque se tivesse seria um erro, que eu reputaria de grave, do meu Gabinete - de alguma vez ter sido pedida a comparência do Governo na Comissão Parlamentar de Integração Europeia e este não ter estado presente, pelo menos o Ministério das Finanças. Se alguma vez isso aconteceu, confesso que não tenho conhecimento.
Por outro lado, e ainda quanto ao tema da informação - creio que foi o Sr. Deputado Carlos Brito que falou nesse ponto, apesar de ter sido apontado por vários Srs. Deputados -, nós temos tido a preocupação permanente não só de enviar mas de actualizar a informação. No entanto, quando me diz que os deputados receberam tardiamente a informação sobre o último ciclo de negociações, devo dizer, Sr. Deputado Carlos Brito - e com esta resposta tento abordar problemas postos por outros Srs. Deputados -, que há qualquer coisa que não deverá, porventura, ter funcionado, porque nós demos os documentos aos serviços, por indicação minha, imediatamente após a chegada a Lisboa, apenas demorando o tempo de poder reproduzir a informação sobre este ciclo de negociações.
Como V. Ex.ª sabe, ao longo de todo este tempo de negociações, e sobretudo nos últimos 2 anos, tivemos, da parte do Governo, a preocupação permanente de transmitir e actualizar a informação total disponível, e ela constitui largas centenas de páginas, as quais fornecemos, em termos de Parlamento. Mas não foi só em termos de Parlamento e de todos os partidos nele representados quê foi divulgada a informação. Também não tenho conhecimento de qualquer pedido de esclarecimento, informação adicional ou de aprofundamento de problemas que alguma vez tenha sido recusado por parte do Governo.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Nem sequer respondeu a perguntas escritas...
O Orador: - Passaria agora a outros aspectos de carácter mais geral, que foram aqui trabalhados, os quais julgo valer a pena abordar também. Falou-se aqui em problemas ligados ao desarmamento alfandegário e à indústria, e o Sr. Presidente da Comissão de Integração Europeia terá a oportunidade de dar uma resposta de maior pormenor, se isso for possível, em termos de tempo do Governo.
Gostaria, no entanto, de salientar que no capítulo do desarmamento alfandegário e da indústria, por força dos acordos em vigor com a Comunidade, o desarmamento dos direitos remanescentes, se eles tivessem sido cumpridos integralmente - e não foram, já vamos ver porquê -, estaria concluído este ano. Isto é, no campo industrial, Portugal estaria, face à CEE, em termos de protecção zero. Isso não foi feito, precisamente, porque no quadro das negociações da adesão se conseguia introduzir um elemento de congelamento dos direitos remanescentes, e esses direitos ficaram ainda em termos de proteger a indústria nacional.
Por outro lado, a parte importante da indústria, sobretudo nos segmentos mais dinâmicos, tem já neste momento uma capacidade de competição internacional, e naturalmente que não será apenas pela via defensiva e conservadora que se faz o progresso das estruturas industriais. É também em termos de preparação administrativa, de renovação tecnológica e de modernização dos próprios sectores que se deve perspectivar o futuro. Nesta linha também estão os problemas relacionados com o apoio às empresas industriais, o que foi possível negociar com a CEE na fase final destas negociações.
Passaria agora a abordar pontos específicos que foram relacionados.
O Sr. Deputado Faria dos Santos faz uma pergunta, a primeira, que não é propriamente em termos de negociação stricto sensu, mas sobre a situação interna, a política do Governo em matéria da definição, em termos de bases rectas das águas rectas. O decreto-lei correspondente já foi objecto de tratamento em Conselho de Ministros e não deverá demorar a ser publicado.
Quanto aos outros dois aspectos que referiu, quer quanto à investigação, quer em matéria de reestruturação da frota, por um lado estamos cientes - e fizemos valer claramente esse ponto no que respeita aos estudos que estão em curso, e sobretudo aos estudos que são necessários assegurar ainda - que serão assegurados em cooperação com a CEE, no que respeita ao conhecimento dos stocks. Isso ficou claramente afirmado e posto.
Em matéria de reestruturação da frota, naturalmente que contamos - e isso faz parte do funcionamento da Comunidade - com o apoio comunitário. Não perderei agora muito tempo a explicar o que foi o esforço político de negociação no sentido de assegurar os resultados que foram obtidos em matéria de acesso às águas e aos recursos. Mas em paralelo, a salvaguarda do acesso às águas e aos recursos não seria um elemento em si suficiente se não fosse acopulado com a problemática mais ligada aos problemas de desenvolvimento interno da economia portuguesa, mas com o
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apoio da Comunidade ao desenvolvimento e modernização da frota portuguesa.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca abordou também alguns dos temas de carácter geral, que surgiram em intervenções de vários Srs. Deputados. Já me referi ao problema da informação, mas gostaria de retomar aqui uma ideia, não só para discordar, mas, mais do que isso, para explicitar uma posição.
Queria dizer ao Sr. Deputado - e peço o favor de aceitar que através de V. Ex.ª o diga a todos os Srs. Deputados - que estou numa posição de total recusa e repúdio de qualquer interpretação daquilo que me pareceu entender, ou seja, "obsessão de entrada deste Governo". Se isso fosse verdade, posso assegurar a V. Ex.ª, eu não faria parte deste Governo, não teria sequer tomado posse como Ministro e, muito menos, como responsável pela integração europeia. Portanto, queria referir claramente ao Sr. Deputado esta posição. Trata-se de uma afirmação que, em nome do Governo e em meu próprio, queria repudiar, porque considero que não tem qualquer elemento de ligação à realidade.
Portugal salvaguardou nas negociações uma quota de produção de açúcar em Portugal de 60 000 t. Isto não pressupõe qualquer decisão do Governo Português, e só do Governo Português, quanto à produção, ou não, dessa quota de açúcar. O que é de salientar, e creio que era essa a preocupação que o Sr. Deputado suscitou, é como Portugal tinha salvaguardado as suas quotas e a possibilidade de produzir açúcar de beterraba, produção que é excedentária, e que, consequentemente, não deveria ter concedido. A resposta é muito simples. Salvaguardou-a negociando. Quanto ao resultado final, não temos de presumir neste momento se, sim ou não, iremos utilizar essa quota. Temos o direito de a usar quando e como o entendermos.
Em termos de concentrado de tomate, temos um resultado, que julgo ser significativo em termos de apoio comunitário à produção, de 120000 t, que V. Ex.ª poderá verificar ser superior à produção do último ano. Passo, portanto, adiante nesta matéria.
A Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo referiu algumas componentes da minha intervenção inicial e suponho que não seria para manifestar desacordo!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, se alguma dúvida houvesse, pedia a V. Ex.ª o favor de, quando tiver 1 minuto disponível, passar uma vista de olhos pelo Diário da Assembleia da República, onde será publicado, julgo eu, o texto que acabei de ler há minutos atrás. Se essa leitura não lhe esclarecer as dúvidas, então, julgo que estamos numa situação sem solução. Mas estou certo que V. Ex.ª ficará esclarecido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O problema está fora do texto.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Não são as palavras, são os actos.
O Orador: - Outra questão que o Sr. Deputado levantou, e essa já de caracter perfeitamente geral, em boa medida já teve resposta, ou seja, quando V. Ex.ª perguntou, perante o novo quadro, qual a política que o Governo vai apresentar aos Portugueses. Naturalmente que há dois tipos de abordagem, sucessivas, a essa matéria. Uma que aqui darei por reproduzida, ou seja, que toda a política económica do Governo - e também de alguns governos anteriores, mas designadamente por este, pelo qual naturalmente responde perante a Assembleia -, para além dos inevitáveis e necessários mecanismos de ajustamento a curto prazo, toda ela foi, desde a primeira hora, definida e polarizada em termos desta mudança fundamental, que é a grande origem daquilo que se falou e se fala, transformações estruturais, que é a própria adesão à CEE.
O segundo plano de resposta traduz-se no facto de que, naturalmente, a partir do momento da proximidade da entrada em vigor dos acordos e, sobretudo, a partir da sua entrada em vigor, há todo um leque enorme de programas e projectos que serão sucessivamente definidos e implementados. E essa é, naturalmente, a política de qualquer governo responsável por esta situação.
O Sr. Deputado Gaspar Pacheco referiu 3 pontos, fundamentalmente, em matéria de açúcar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é uma tentativa de humor!
O Orador: - Referi depois, também, a informação, mas essa é uma matéria que procurei tratar em conjunto. Disse em seguida que o Governo estava a dar um péssimo exemplo ao não falar do produto das negociações com a Espanha e com a Grécia. Sr.ª Deputada, não é um péssimo exemplo!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não foi no produto. É no que se está a negociar!
O Orador: - A Sr.ª Deputada tem muita razão porque se fosse do produto seria mau. Mas o que está a acontecer não o é, sendo pelo contrario um exemplo correcto de que o Governo tem a negociação em curso e está a trabalhar em termos de relação bilateral. Não está, contudo, neste momento, em condições de dar uma informação explícita sobre o controlo dessas negociações. Creio, no entanto, que não será difícil deduzir de toda a informação que já foi trabalhada qual a orientação que está a ser seguida. O Sr Ministro dos Negócios Estrangeiros terá, todavia oportunidade de abordar este assunto da forma que entender por conveniente.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas referiu vários aspectos de informação e de resposta a questões. Não me lembro, Sr. Deputado, de não ter havido possibilidade de trabalhar e de responder às questões concretas em comissão. Como V. Ex.ª terá certamente notado, não me pareceu na intervenção inicial deste debate que se justificasse fazer a reprodução exaustiva, que não daria trabalho nenhum, de todo o material informativo que já foi dado a esta Assembleia através da Comissão. Não me parece que fosse essa a melhor orientação para o debate.
Gostaria de salientar, em todo o caso - e é este o ponto fundamental da resposta - que a prestação de informações sobre a adesão, em termos de Comissão de Integração Europeia, foram totalmente asseguradas pelo Governo e só não produziu mais porque foi ese o entendimento da própria Comissão.
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Perguntou depois o Sr. Deputado Se Portugal pode vir a ser considerado como pagador líquido - e isto articula-se, de certo modo, com a questão que foi posta pelo Sr. Deputado Luís Beiroco - e se o País perde, ou não, com a adesão, parcela significativa da sua soberania.
Vou começar por responder ao primeiro aspecto, ficando o Sr. Deputado Luís Beiroco também já com a resposta à sua questão. Em resultado das negociações todos os cálculos indicam e está definido um quadro no sentido de que há uma votação de transferência líquida de recursos para Portugal. E há um elemento político importante que é a circunstância de todos os Estados membros terem, reiteradamente, apresentado a Portugal a posição política de que seria inconcebível que o país mais pobre, membro da Comunidade, viesse a ter uma situação de dificuldades de transferência de recursos financeiros para a sua economia.
Quanto à questão da perda de uma parcela significativa de soberania, quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que o próprio conceito de comunidade implica que os Estados coloquem em conjunto uma parte ou elementos da sua soberania. Isto é assim por definição. Agora, o que é totalmente inexacto é dizer-se que o País vai perder uma parcela significativa da sua soberania.
O Sr. Deputado Hasse Ferreira pergunta se foram desenvolvidos esforços no sentido de uma política coerente para a integração europeia ao longo dos 9 governos. Respondo-lhe que foram desenvolvidos alguns esforços, continuando a desenvolver-se outros.
Quanto à sua questão acerca do período de transição para a livre circulação de trabalhadores, respondo-lhe que ele não é excessivamente longo, sendo, como sabe, o mesmo modelo que foi adoptado para o alargamento da Comunidade à Grécia, apenas com alguns elementos de melhoria nos casos português e espanhol.
Pergunta-me depois se eu considero estranha a posição de um Primeiro-Ministro de dois governos, e propõe uma solução autónoma. Creio já ter respondido a esta questão na intervenção inicial que fiz, razão pela qual não vejo agora necessidade de perder tempo com ela.
Em relação à primeira questão do Sr. Deputado Octávio Teixeira, já dei a resposta em termos de exercício da balança orçamental.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não deu, não! Quais são os números?
O Orador: - Portugal dispõe, no conjunto, de 1,25 mil milhões de ECU como transferência líquida de recursos nos 7 primeiros anos. V. Ex.ª diz, e muito bem, que a Comunidade não é uma instituição de beneficência mas também lhe posso dizer que ela tem a noção do equilíbrio político e dos interesses políticos dos Estados membros da Comunidade alargada. Respondo-lhe, assim, com uma situação equivalente àquela que referiu.
Suscitou-me, depois, um problema relativo a uma matéria que, em minha opinião, talvez não esteja bem focada. Deu uma versão portuguesa e uma versão comunitária, onde julgo que encontrou diferenças de que não conheço a origem, até porque não tenho aqui as duas versões que refere. Mas há um ponto, Sr. Deputado, em que quero deixar as coisas claras. Não estando em condições de avaliar em pormenor a razão de haver uma ou outra diferença de tradução, penso que o que está aqui em causa não tem qualquer ligação com os problemas de fundo que pôs de honestidade intelectual e de respeitar a veracidade dos factos. Creio que os próprios exemplos que V. Ex.ª utilizou demonstram que, naquilo que é essencial, os valores que V. Ex.ª citou são respeitados.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É a regra ou a excepção?
O Orador: - Penso que o exemplo não justifica a afirmação anterior.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Justifica, justifica!
O Orador: - É a sua opinião, mas não a minha, e reitero a opinião que tenho.
As questões que o Sr. Deputado Rogério de Brito pôs, no que toca aos problemas da agricultura, julgo que poderão ser abordadas mais directamente pelo respectivo Ministro sectorial e, até por uma questão de equilíbrio da intervenção do Governo, deixaria esse ponto para altura mais conveniente.
O Sr. Deputado Carlos Brito referiu aquilo que eu já tratei há pouco sobre a informação. V. Ex.ª não tem, em minha opinião, qualquer razão nesta matéria, porque certamente concederá ao Governo um dia ou dois para poder fornecer os documentos e foi esse tempo que utilizámos.
eferiu ainda pontos concretos sobre as conservas de sardinha e sobre aquilo a que chamou "política externa" mas que suponho ser "relações externas".
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Relações externas.
O Orador: - Exacto. Esses dois pontos serão tratados pelo Sr. Presidente da Comissão de Integração Europeia, para dar uma informação de carácter factual.
O Sr. Deputado tratou ainda de dois pontos importantes de carácter político. Antes, porém, exigiu uma coisa que não precisava de exigir pela simples razão de que a tem. Pareceu-me que tinha exigido sério respeito pelos pontos de vista dos adversários, mas não há razão para isso, porque ele existe.
Em relação aos pontos que levantou no que respeita àquilo que chama de "operação política com o objectivo de atacar as conquistas democráticas do 25 de Abril", julgo, Sr. Deputado, que esta sua afirmação é apenas a repetição de outras anteriores do PCP e que não justificam, julgo eu, qualquer intervenção adicional sobre esse assunto.
Perguntou-me, depois, se não corremos o risco de termos integração mas não termos País, numa perspectiva de 10 anos. Penso, Sr. Deputado, que ainda aqui, com estas palavras, V. Ex.ª está de certo modo a repetir abordagens à vida, que já foram feitas, noutras ocasiões, neste Plenário. Lembro-lhe, por exemplo, quando o PCP perguntava, através de vários dos seus deputados, se com o programa de estabilização não iríamos ter no final finanças, balança de pagamentos equilibradas, etc. Penso que há aqui uma certa dose de maniqueísmo na filosofia de abordagem à vida, que não tem correspondência na realidade.
O Sr. Deputado pode estar certo de que se esta Câmara aprovar e ratificar os acordos de adesão, V. Ex.ª terá certamente integração e, consequentemente, um País mais desenvolvido.
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O Sr. Deputado Raul e Castro suscitou o problema da informação, que já está tratado.
Em relação ao Sr. Deputado Duarte Lima, como ele não se encontra presente neste momento, poupo 1 minuto!
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a sessão até às 15 horas e 20 minutos.
Eram 13 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Martins.
O Sr. Rogério Martins (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Ministros: Este é um debate de apreciação política global. Apreciar o significado e a dinâmica da conclusão, após longa caminhada, das negociações para a integração do nosso país na Comunidade Europeia.
Este é um debate que a minha geração espera há 30 anos. Saímos da Universidade no ano em que a CECA foi ratificada pelos Parlamentos dos 6 Estados fundadores, começávamos a sentir-nos seguros profissionalmente e a ter os primeiros filhos no ano em que o Tratado de Roma foi assinado. Com a esperança jovem de quem começa a vida uma esperança maior nos dilatava o coração: ver este Portugal aqui esquecido e pobre, à margem da construção do sonho europeu participar dele, e no que ele representava de solidariedade, de justiça social, de defesa perante as divisões maciças com o pé no estribo dos tanques que tinham já tentado ocupar Berlim, de redescoberta da unidade profunda dos povos da cristandade por trás da rica multiplicidade da sua afirmação nacional, de racionalidade na economia, de abertura ao progresso, na alegria do esforço comum.
Mas tantos obstáculos neste caminho...
Jean Monnet, quando nas suas memórias evoca justamente o voto final largamente maioritário sobre os tratados da CECA, anota como «não nos podíamos enganar: a conjunção dos nacionalismos de direita e de esquerda oporia uma barragem constante aos progressos da Europa, e haveria de reforçar-se, sempre que sobreviessem grandes provações, com todos os elementos conservadores vindos dos meios moderados e com todos os que o neutralismo atraía ou por fraqueza de carácter ou por cálculo político».
Agora, após 30 anos de luta intelectual e política, após 10 anos de reinstauração da democracia parlamentar, ao transpormos finalmente o umbral almejado de um mundo a que por essência e aspiração pertencemos, não admira encontrarmos fazendo coro de lamentações e obstáculos esses mesmos a que Monnet se referia. Eu, por mim, bem os conheço, são os mesmos com quem há 15 anos me batia quando lutei pelo desmantelamento do condicionamento industrial, para encontrar um modus vivendi económico honroso e proveitoso com a nossa Espanha vizinha, ou para finalizar o primeiro acordo preferencial com o Mercado Comum ou para canalizar investimentos estrangeiros para áreas de indústrias novas e de peso, que forçassem os investidores a não poderem levantar as tendas como beduínos, os mesmos cuja hostilidade enfrentei ao defender, em nome da racionalidade económica e da honestidade gestora, as empresas mistas em vez das empresas «hortas familiares», para que triunfasse a transparência dos fluxos financeiros, a honestidade dos propósitos e a responsabilidade social dos meios de produção.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como também conheço os outros, do outro lado, os tais do «neutralismo oportunista»; mas que importa, se a vaga de fundo da juventude, que já então era a grande portadora da ideia europeia entre nós, hoje, se alguma coisa lhe aconteceu, foi reforçar--se, ampliar-se, tornar-se mais consciente e mais articulada?
Os jovens querem a Europa, querem-se na Europa, querem-nos na Europa; como a querem todos aqueles que nela já labutam, esses 15% a 20% dos nossos cidadãos que para lá foram em busca de oportunidades de trabalho e encontraram lugar de enraizamento. Até agora estavam de fora, eram «os outros»; agora, que passamos a estar dentro, passam a ser, como toda a gente, cidadãos de parte inteira de uma mesma Comunidade de nações. Que diferença isso não vai representar, para a sua dignidade, para a defesa dos seus direitos, para a liberdade sem pejo de afirmação da diferença na fraternidade do convívio, para o poderem, quotidianamente, enfrentar o diálogo olhos nos olhos, sem desafio mas sem acanhamento! Eu, que também fui emigrante meia dúzia de anos, e sem ter amigos políticos a subvencionar-me, mas ganhando o sustento dos meus com o meu trabalho profissional, sei o duro que significa ter de conquistar espaço de liberdade e direito de cidade quando nos olham como estranho, e o diferente que é não ter de fazer as bichas nos guichets dos que vêm de outros continentes mas poder fazê-las ali, onde as fazem os da casa...
Solidariedade, é a palavra chave. E isso significa atenção esforçada pelo pormenor, pela minúcia, porque são minúcias e pormenores que constróem no dia-a-dia a vida dos homens. É tão fácil ridicularizar as noitadas e as sessões-maratona para fixar o preço dos alhos, ou das cenouras ... E, todavia, do que nós precisamos de há muito em Portugal é exactamente quem se preocupe de saber se as cenouras são correctamente pagas a quem as cultiva, quem se preocupe com o trabalhador, do campo ou da fábrica, não em termos de exploração política alienadora mas de realidade concreta que se traduza em mais bem-estar e, portanto, mais liberdade, quem se preocupe em acabar com a exploração cínzea exercida por funcionários, desinteressados dos homens, por trás das suas secretárias atafulhadas de papéis, que fixam condições arbitrárias, ou com a exploração de intermediários parasitas que chupam as mais-valias do trabalho ou com, a dos açambarcadores sem escrúpulo. Para acabar com tudo isso, não há como a transparência das bolsas de produtos: aí está uma coisa concreta que nos há-de vir com a CEE, e que nós, por nós, apesar do que vem na Constituição, nunca fomos capazes de instaurar como se deve. O dia está breve em que, como o seu colega dinamarquês ou italiano, também o nosso camponês, atento ao seu transístor matinal, saberá como são cotados os produtos da sua labuta e como lhe convirá programar as próximas culturas.
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Porque a solidariedade significa em europeu exactamente isso, que agora são trezentos e tantos milhões de europeus a contar-nos entre eles, e a contar como problemas de todos os que eram até agora apenas problemas nossos.
Relembro uma exposição magistral que um dia, há 5 anos, em Barleymont, Giolitti, então Comissário para a Política Regional, nos fez, aos que acompanhávamos Sá Carneiro na volta das capitais, lutando pelo nosso ingresso, sobre a paciente e perseverante acumulação de experiência que a Comunidade tinha vindo a fazer para encontrar métodos e critérios eficazes para levantar do seu atraso as regiões mais pobres do seu seio, como era árdua e complexa a tarefa que levava a tomar em conta e pôr em acção medidas financeiras, medidas culturais, medidas de planeamento industrial, e agrícola, medidas infra-estruturais de comunicações e transportes ... Custa muito levantar um região atrasada e pô-la a par das desenvolvidas! Nada de semelhante se passa no Mundo, porque ao contrário dos esquemas dualistas de pretenso auxílio ricos-pobres, Norte-Sul, aqui, dentro da Europa comunitária, o esquema é o do sanar as chagas sociais regionais do próprio corpo, que no seu conjunto sabe e sente sofrer, se elas não forem sanadas.
E não só o Mezzogiorno italiano ou o País de Gales britânico, mas a Irlanda rural, ou agora a Grécia, com o Plano Integrado Mediterrânico, sabem o que é de positivo e eficaz este esforço solidário de que a Europa se pode orgulhar de ser, de todos os espaços económicos do Mundo, a campeã e o paradigma.
Irlandas, Gales, Calábrias, Peloponeso ... Mas Portugal, dizia com respeito comovido um jornalista italiano que nos visitava há 15 dias, não é uma «periferia da Europa» nemmemo in senso culturale, nem mesmo em sentido cultural. É, uma proa da Europa, que por ela se comunicou ao vasto mundo.
Que a Europa nos venha agora solidariamente ajudar, que nos surpreenda o Presidente da Comissão Jacques Delors, com a decisão de nos apoiar maciçamente com 1 bilião de ECU, ano após ano, nas nossas inevitáveis negociações com a finança internacional por causa da, por ora crónica, deficiência na balança de pagamentos, e que, assim, em vez de sozinhos perante os gigantes tenhamos do nosso lado um gigante que nos apoia como nenhum fundo monetário o fez ou faria, é, Srs. Deputados, não apenas oportuno, mas justo.
Porque fomos, nós, Portugal, sempre parte essencial deste Velho Continente, e na medida em que mais que outros o projectámos no Mundo, paradigmas, como aponta Braudel, do expansionismo civilizacional que lhe é característico, e que é uma característica da Europa.
E é um trabalho histórico de criar civilização que aqui neste momento evocamos. Konrad Adenauer, outro dos pais da Europa, confessa-o expressamente nas suas Memórias. Ao evocar a grande figura de De Gasperi, di-lo, na sua sobriedade renana:
Impulsionava-o a grande obrigação histórica - die grosse historische Verpflichtung - de reerguer a herança comum cristã-ocidental dos povos da Europa. A Itália reconhecera, um dos primeiros entre os Estados da Europa, a necessidade de um caminho comum.
Lembrar estes nomes não pode ser feito sem uma emoção funda e forte. Tantas dificuldades, internas e externas, no caminho da unidade europeia! Unidade no sentido de homens e povos livres, isto é, não por imposição de um Big Brother mas por decisão consensual à qual se chega depois de todos os avanços e recuos de homens que não são génios, que são terra-a-terra, que são comuns, e têm de ponderar os inconvenientes e as inércias, os obstáculos culturais e os preconceitos históricos, para finalmente se entenderem e encontrarem a alegria estimulante do caminho comum, que põe em realce o profundo do que os une e o nobre do que os conduz. E o que os une em raiz e em esperança é, em larga medida, o serem todos filhos da velha cristandade. Foi ela, como único espaço civilizacional, que fez dos homens e dos povos irmãos, próximos mas autónomos, autónomos de destino e modo de afirmação na história e na cultura, próximos no trabalho do progresso e nas tarefas de desbravar o futuro.
É neste vasto movimento que Portugal se vai inserir. O participar nos planos de desenvolvimento agrícola, de desenvolvimento industrial, de criação de tecnologias novas, de elevação profissional e social, de manter a paz; porque com a Comunidade Europeia a paz foi finalmente criada na Europa, há mais tempo que em qualquer dos séculos passados, e por mais 55-20 que nos estejam apontados ao coração das cidades.
O desafio começou, para Portugal também, o desafio do futuro. Aproveitemo-lo, para bem do nosso povo. Estaremos preparados para ele.
Se a questão se põe em termos de potencial da nossa gente em se adaptar a situações novas toma um aspecto de uma «profissão de fé» na sua inteligência e na sua coragem e a resposta é, obviamente, positiva. Talvez não seja nesse pé que se deve pôr mas, sim, no de se saber se se eurou, ao longo de todo este processo negocial, nestes anos mais chegados, de fazer extensivas e pormenorizadas campanhas de informação junto dos trabalhadores do campo e das fábricas, junto das autarquias e das escolas, junto da juventude e dos meios sectoriais produtivos, junto do público em geral. Se houve cura, de facto, de mobilizar pela inteligência esclarecida o que se sabia mobilizado em vasta maioria política já pelo coração. A tempo isso foi lembrado por mim, por outros, pelo meu partido e por outros partidos. Não estou seguro de que a tempo isso tenha sido feito. Só desejo e espero que isso não constitua dificuldade complementar para nós, porque todo o desafio é uma soma de dificuldades, cuja superação feliz trás a vitória e também o desafio europeu.
Volto, Srs. Deputados, a Jean Monnet. Conta ele que um dia despontava a madrugada depois de uma difícil negociação, e os prazos apertavam. Passo a citar:
Temos algumas horas para descansar, e alguns meses para obter êxito.
Depois... Depois, disse-lhe o interlocutor sorrindo, «encontraremos grandes dificuldades de que nos serviremos para avançar de novo. É isto, não é?» Respondeu Jean Monnet: «É isso mesmo. Vous avez tout compris sur l'Europe.», entendeu tudo sobre o que é a Europa.
Aplausos do PSD, do PS, do CDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.
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O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Rogério Martins introduziu neste debate sobre a CEE um elemento que causa alguma perplexidade. O Sr. Deputado fez um discurso do «antigamente»! Com efeito, as suas referências a que a CEE seria um sonho de há 30 anos e que por ela o Sr. Deputado se vem batendo há 15 anos arrastam a adesão de Portugal à CEE não para algo que teria sido objecto de esforço nos últimos governos, nos últimos 7 anos e tal, mas para uma exploração que viria do «antigamente», de antes do 25 de Abril. É, com efeito, um elemento que causa perplexidade!
O Sr. Deputado proclamou ainda que os jovens querem a Europa. Ao ouvir esta afirmação, a primeira dúvida que me assaltou é se se trataria de um slogan dos caminhos-de-ferro, que, como é sabido, tem anunciado largamente viagens para a Europa destinadas aos jovens, ou se se trataria afinal de um debate a sério sobre a CEE!
Parece ainda que o Sr. Deputado tem uma ideia da adesão à CEE que traduz na afirmação de que ela significa que a Europa nos vem ajudar. Terminarei perguntando-lhe se acredita que se trata de uma ajuda desinteressada ou se não se trata de uma ajuda na sequência daquilo a que os próprios responsáveis do Governo têm chamado um desafio que acarreta as maiores dificuldades à nossa própria economia.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Martins.
O Sr. Rogério Martins (PSD): - Com todo o respeito pelo Sr. Deputado que me interpelou, não tenho nada a responder-lhe!
Aplausos do PSD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Ministros, Srs. Deputados: O Conselho Europeu que teve lugar em Bruxelas nos dias 29 e 30 de Março, pondo termo a longo e difícil processo negocial velho de quase 8 anos, confirmou o acordo político que assegura a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, como membro de pleno direito, no dia l de Janeiro de 1986.
O CDS congratula-se com a conclusão das negociações como se congratula também com o facto de hoje e aqui, no Parlamento, as principais forças políticas portuguesas se reunirem para travar um debate sobre um assunto de relevante interesse nacional, com um significado para o futuro de Portugal e dos Portugueses que assume carácter histórico. Ë grande a responsabilidade da Assembleia da República e de todos e cada um dos Srs. Deputados, como foi grande a responsabilidade dos sucessivos governos que, desde 1977, conduziram as negociações. Pela nossa parte, assumimos integralmente a nossa quota-parte de responsabilidade, conscientes como estamos do contributo que demos, no governo como na oposição para a realização do projecto nacional que a adesão representa, certos de que assim fomos fiéis aos nossos princípios e às obrigações que livremente assumimos para com aqueles que nos elegeram.
Desde sempre o CDS defendeu, sem quaisquer dúvidas ou hesitações, a integração de Portugal na CEE.
Na declaração de princípios, que é a carta constitutiva do CDS como partido político, afirma-se, no ponto 4.2, que: «Pela sua posição na Europa, defendemos que, Portugal se organize de forma acelerada com vista à integração no Mercado Comum.» E quando, em 1976, se realizou o II Congresso do CDS, foi no quadro de «um compromisso popular e europeu» que apresentámos à opinião pública a nossa mensagem política personalista e democrata-cristã. Mais tarde, o programa eleitoral de governo da Aliança Democrática refere a plena integração de Portugal na Comunidade Europeia como a primeira prioridade da política externa do futuro executivo. O que foi reafirmado durante o debate do programa do governo presidido por Francisco Sá Carneiro, quer pelo próprio Primeiro-Ministro, quer pelo Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros, Diogo Freitas do Amaral.
E mais recentemente, quando com a formação do actual Governo passámos naturalmente para a oposição, continuámos como até então a lutar empenhadamente pela adesão, projecto nacional que para o CDS sempre esteve, como deve continuar a estar, para além das divergências políticas que naturalmente separam os partidos democráticos.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - E o Sr. Primeiro-Ministro se aqui estivesse presente, certamente se recordaria que, quando veio, por sua iniciativa, à Comissão Parlamentar de Integração Europeia, fazer o ponto da situação e informar esta Câmara de que tencionava iniciar uma grande ofensiva diplomática que conduzisse ao termo das negociações, logo eu próprio, em nome do meu partido, lhe assegurei que o presidente do CDS lhe ofereceria oportunamente a colaboração do partido para as diligências que fossem consideradas convenientes junto dos partidos democratas-cristãos e conservadores, nossos parceiros, que se encontravam no poder em diversos Estados membros, como efectivamente veio-a suceder. Diligências que forma efectuadas por Francisco Lucas Pires e por outros dirigentes do CDS e de que resultou, designadamente, que o Partido Popular Europeu, formação que, como se sabe, integra os partidos democratas-cristãos dos países membros da CEE, aprovasse por unanimidade uma deliberação de apoio ao alargamento da Comunidade a Portugal.
Tudo isto, Sr. Presidente e Srs. Deputados, para concluir que, se neste processo não reivindicamos outros méritos que não sejam os nossos, também não consentiremos que a adesão, por razões de conjuntura eleitoral ou por quaisquer outras, seja apropriada por qualquer força política.
Aplausos do CDS.
A adesão, enquanto verdadeiro projecto nacional é de todos os Portugueses, mesmo daqueles que hoje a ela se opõem mas que, estou certo disso, um dia terão de rever as suas posições, sob pena de mais ainda se isolarem na comunidade nacional. Por isso espero sinceramente, e peço ao Sr. Ministro de Estado que transmita esta preocupação do CDS ao Sr. Primeiro-Ministro, que na nova fase que agora começa, e que já não é a da mera adesão mas a da verdadeira integração de Portugal no espaço comunitário, seja possível resistir às tentações reducionistas que tantas vezes empobrecem a nossa vida democrática e se mantenha vivo este sentido de projecto nacional, traduzido tam-
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bem na representação portuguesa nas diversas instituições da Comunidade.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A inequívoca posição de apoio do CDS à adesão à CEE nunca foi de molde a impedir-nos, sempre que o considerámos necessário, de chamar a atenção da opinião pública para os perigos que o triunfalismo encerra ou de criticar a actuação do Governo. Fizemo-lo com naturalidade e sem alarmismo, evitando os gestos espectaculares como o de pedir a suspensão das negociações, recusando o espírito de demissão nacional em que se traduziria, para fugir a dificuldades que são reais, a aceitação por Portugal do estatuto diminuído de Estado associado. Mas sem nunca deixar de combater todos quantos, ao longo dos anos, contribuíram para fazer ver à opinião pública portuguesa que a adesão era uma espécie de poção mágica susceptível só por si de resolver todos os problemas nacionais e de dispensar os Portugueses do esforço e do trabalho necessários para vencer a crise profunda em que o País se encontra mergulhado. Nem tão pouco deixar de criticar o Governo por privilegiar em demasia as negociações de Bruxelas, descurando a preparação do País para o choque que a adesão terá sempre de representar para um país como o nosso, com um grau de desenvolvimento económico muito inferior aos padrões médios europeus.
Foi, aliás, este abandono da frente interna que, do nosso ponto de vista, conduziu a que, sobretudo nos últimos 2 anos, se avolumassem entre nós interrogações e dúvidas acerca das vantagens que para Portugal adviriam da integração no Mercado Comum. E foi nesse exacto contexto que o CDS sentiu necessidade de publicamente, através de uma conferência de imprensa, em 18 de Outubro do ano passado, chamar a atenção da opinião pública e do Governo para um conjunto de circunstâncias que estavam a condicionar muito negativamente as negociações de adesão, sustentando então designadamente que as questões de calendário, por relevantes que fossem enquanto quadro de referência, seriam sempre menos importantes do que o conteúdo das próprias negociações e criticando com frontalidade a ausência de reformas que facilitassem a futura adaptação interna às normas da Comunidade.
Por outro lado, e para que não restassem dúvidas de que o CDS não era movido por quaisquer intuitos de mera oportunidade política, o presidente do Partido definiu então com rigor e clareza quais os objectivos essenciais que, na perspectiva do CDS, importava acautelar na fase final das negociações:
Aceitação pela CEE de critérios que evitassem que, após a adesão, Portugal se transformasse num contribuinte liquido da Comunidade;
Aceitação pela Comunidade de que a situação da agricultura portuguesa justificava um esforço específico de solidariedade para com Portugal e os agricultores portugueses;
Recusa de todas as condições que penalizassem excepcionalmente o estatuto de igualdade dos trabalhadores portugueses perante os restantes trabalhadores do Mercado Comum e garantia de acesso dos trabalhadores portugueses migrantes e seus familiares, desde a data da adesão, aos esquemas de segurança social da Comunidade.
Tratava-se, em resumo, de assegurar, na expressão feliz de Francisco Lucas Pires, «que fosse Portugal a entrar na CEE e não a CEE a entrar em Portugal».
Hoje, quando passamos em revista o que foi a fase final das negociações, verificamos que fomos realistas e razoáveis na nossa avaliação se tivermos em conta o que a sabedoria das nações ensina sobre a natureza de uma negociação internacional. Por isso pensamos - e este é o segundo ponto que quero sublinhar neste debate - que os interesses essenciais de Portugal foram salvaguardados e que o princípio de solidariedade, que pertence ao património moral e político da construção europeia, se pôde afirmar em relação ao nosso país.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vale a pena por um momento interrogarmo-nos sobre o que é que os nossos concidadãos esperam deste debate parlamentar. Parece-nos, pelo menos, altamente duvidoso que desejem uma análise detalhada, de carácter técnico, de todos os capítulos em que a negociação se desdobrou, apenas acessível a alguns (poucos) iniciados. Julgamos mais realista pensar que os Portugueses esperam ouvir do Parlamento, como aliás do Governo, uma resposta tão clara quanto possível às suas naturais interrogações sobre o verdadeiro significado da adesão para o futuro da sociedade portuguesa. É nesta perspectiva que o CDS orientou a sua participação neste debate, procurando assim responder ao País.
Em primeiro lugar, e num plano político, a adesão representa para o CDS, por um lado, a consolidação da democracia pluralista em Portugal e uma acrescida garantia de salvaguarda dos direitos e das liberdades fundamentais dos cidadãos e, por outro, um reforço da nossa capacidade de intervenção a nível internacional. A ideia europeia assenta num ideal de paz e de liberdade que não se esgota na criação de um mercado comum nem mesmo de uma união económica. É, pois, no quadro de uma Europa que se procura que as tradicionais vertentes atlântica e africana da nossa política externa se poderão afirmar como um contributo positivo de Portugal numa Comunidade que se alargou para o sul.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Em segundo lugar, e quanto ao modelo de sociedade, a adesão terá necessariamente efeitos que, ainda que dificilmente quantificáveis, não deixarão de ser sentidos na sociedade portuguesa.
Enquanto que a nossa lei fundamental define um sistema económico de inspiração colectivista, baseado na apropriação colectiva dos principais meios de produção e na excessiva intervenção do Estado na economia, o Tratado de Roma, por seu turno, inspira-se numa filosofia de raiz liberal e estrutura uma economia social de mercado. Nestas circunstâncias, a adesão, quer através da recepção na ordem jurídica interna dos tratados e do direito derivado, nos termos previstos nos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º da Constituição, quer ainda pelo efeito de demonstração que os padrões de comportamento dominantes na Comunidade não deixarão de exercer nos agentes económicos, será certamente um importante factor de clarificação do modelo de sociedade a que aspira a grande maioria do povo português.
Em terceiro lugar, a adesão oferece-nos um quadro mais favorável de recuperação da economia portuguesa, bem como, a médio prazo, de uma retoma do processo de desenvolvimento, única forma conhecida de assegurar, com carácter duradouro, aumentos de bem-estar e maior justiça social. Sendo o combate às desigualda-
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dês regionais e sociais um dos objectivos da política da CEE, é necessário que Portugal se prepare desde já para poder beneficiar dessa política, o que passa por uma mobilização da vontade de todos, sobretudo dos agentes económicos. As dificuldades serão grandes, embora variem muito de sector para sector. Quanto à indústria, e necessariamente em termos muito genéricos, o livre acesso dos produtos portugueses ao mercado comunitário e a maior abertura do mercado nacional imporão algumas reconversões e um generalizado esforço de modernização do nosso parque industrial, bem como a orientação dos investimentos para sectores com vocação exportadora onde Portugal possua algumas vantagens comparativas, com prejuízo dos grandes projectos herdados do passado. É pelo menos encorajador verificar que a Comunidade, reconhecendo o nosso atraso estrutural, se propõe elaborar um programa de apoio à modernização da indústria portuguesa.
Os mais graves problemas colocam-se contudo, do ponto de vista do CDS, no domínio da agricultura, dada a elevada percentagem da mão-de-obra activa que trabalha no sector e tendo em conta a reduzida dimensão das explorações agrícolas e os baixos rendimentos físicos por hectare.
Para vencer o grande desafio que a adesão representa para a nossa agricultura é necessário não só o esforço persistente dos agricultores portugueses ao longo dos 10 anos do período de transição, e uma profunda reforma dos serviços da Administração Pública que têm por função prestar-lhes apoio técnico, como também a efectiva solidariedade da Comunidade. Ora, nesta matéria, é pelo menos duvidoso que uma efectiva solidariedade da CEE se possa limitar aos instrumentos clássicos da P AC, designadamente aos subsídios concedidos pelo FEOGA - Orientação, mesmo acrescidos da concessão a Portugal, desde- a data de adesão de um apoio excepcional, cujos objectivos se aprovam mas cujos montantes financeiros parecem ser insuficientes. O que nos leva a concluir que só uma evolução do acquis comunitário, adaptado às novas condições e aos novos equilíbrios de uma Comunidade que se alargou para o sul, permitirá encontrar a médio prazo respostas inteiramente satisfatórias. O CDS não deixará de dedicar especial atenção a este problema, consciente da sua grande importância na sociedade portuguesa e assumindo inteiramente o património da democracia-cristã na defesa dos interesses dos agricultores europeus.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A adesão de Portugal e da Espanha à CEE representa também uma possibilidade de relançamento político da construção europeia. Apesar da crise em que por vezes a Comunidade parece mergulhar e que se traduz na incapacidade para debater tudo o que é essencial, gastando-se as lideranças na arbitragem dos interesses mesquinhos e dos egoísmos nacionais, ainda foi possível reunir a vontade política necessária para acolher dois países que, mais do que quaisquer outros, contribuíram no passado para a grandeza da Europa. É apesar de tudo uma razão para ter esperança, mesmo quando se tem presente que essa vontade só se afirmou graças à pressão do Chanceler Kohl, ao ligar o aumento dos recursos próprios da CEE ao acordo para a adesão de Portugal e de Espanha. Um democrata-cristão, como aliás Andriotti, o presidente do Conselho em exercício, que conseguiu conciliar tudo e todos e obter o acordo...
Uma outra razão para ter esperança é que se vai reconhecendo que como diz Jean Monnet, no final das suas Memórias:
As nações soberanas do passado já não são o quadro onde se podem resolver os problemas do presente. E a própria Comunidade não é mais do que uma etapa no caminho para as formas de organização do mundo de amanhã.
Aplausos do CDS, do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Várias seriam as atitudes possíveis perante este debate.
Poderíamos aqui reproduzir a tese, já de algum modo causticada pela manhã, segundo a qual a adesão representa para nós, subitamente, por milagre ou por osmose, a resolução de todos os nossos problemas.
Poderíamos, pelo contrário, dizer que ela representa o fim das nossas ilusões e da nossa realidade e identidade nacionais.
Poderíamos também assumir uma outra atitude típica: a do proprietário rural alentejano ou ribatejano dos anos 40, que aqui trouxesse a adesão à CEE à laia da espanhola de Badajoz recém-conquistada!
Poderíamos também optar por outras atitudes, pelo caminho das citações, da evolução do pensamento ao longo destes anos e relembrar como, por exemplo, em 26 de Janeiro de 1980, o actual Presidente da CIP, Dr. Ferraz da Costa explicou que não foram apenas considerações económicas que nos levaram, aos industriais, a apoiar o processo de adesão à CEE. «Os industriais viram essa opção como uma espécie de seguro contra todos os riscos políticos», cito.
Poderiamos também exigir que o Governo nos tivesse apresentado um «livro branco» sobre as negociações ou que tivesse optado por um debate nacional alargado. E teríamos até um bom precedente: o actual Primeiro-Ministro exigiu-o numa sessão da Assembleia da República em 1982!
Poderíamos dizer, inclusivamente, que a CEE pôs em causa o povoamento do País, que ele se despovoaria, que seria invadido pelas multinacionais e que outras tragédias ocorreriam. Também isto tem um antecedente: também foi o Dr. Mário Soares que o disse, em Dezembro de 1974!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não vou enveredar por aqui. E se isto digo é porque me pareceu preferível que seja eu a dizê-lo e que neste momento e neste lugar assumamos todos, corajosamente, a ideia de que não é um debate voltado para trás que nos importa mas sim um debate voltado para o futuro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Raul Proença, que relembrámos ainda este ano, falava-nos daquela espécie arrevesada que seria um patriotismo às arrecuas a entrar no futuro de costas voltadas. Não é isso que pretendemos nem que desejamos. Quando procuramos amarrar as pessoas àquilo que disseram nalgum momento da sua vida ou
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do seu pensamento, creio que estamos, de algum modo, a gelarmo-nos a ponto de nos não entendermos e que essa posição só é agravada quando da democracia nos reclamamos.
Pôr isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, optarei por dar a minha resposta, com as minhas limitações, àquelas que são as questões, que tal como as vejo, coloco.
Em primeiro lugar, se se justifica ou não este debate. Responderei que sim, porque ele não encerra um processo mas é, antes, um começo de uma discussão ampla e participada, em que todos temos alguma coisa a dizer. Creio que desfasado da realidade e dos problemas reais com que nos defrontamos andaria um Parlamento que no momento imediatamente a seguir à concretização das negociações de adesão não tivesse sobre elas uma palavra a dizer.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Creio, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que, inclusivamente, poderei dizer neste momento e neste lugar que a análise aprofundada dos dossiers, de cada um de per si, tem razão de ser essencial agora, quando da discussão da ratificação dos tratados. Direi que esse será o momento apropriado para que o Parlamento, para tomar posição em relação a essa ratificação ou não ratificação, queira conhecer, trabalhar e aprofundar cada um dos dossiers e sobre eles venha a exprimir a sua orientação global.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Hoje, Sr. Presidente e Srs. Deputados, poderemos dizer com alguma tranquilidade de espírito que a informação que possuímos é bastante.
O segundo problema que se nos coloca é o de saber se esta é ou não uma boa opção.
Gostaria de explicitar um pouco mais o meu raciocínio e colocar lado a lado as várias alternativas que têm sido, clara ou veladamente, invocadas e começar por invocar uma razão de estranheza.
Creio que esta Assembleia é um bom exemplo de que vários de nós temos, em diversas ocasiões, em diversos momentos, ao longo destes anos, exprimido, de uma ou de outra forma, a nossa preocupação pela situação portuguesa, muito concretamente pela situação económica e financeira portuguesa. E assim sendo, se essa é uma preocupação conjunta expressa ao longo de anos por parte de todas as bancadas, não creio que seja perfeitamente coerente raciocinarmos face à adesão como se, ao contrário de todas essas críticas e de todas essas afirmações, passássemos a considerar que a situação portuguesa é, afinal, a melhor possível, a ideal, e que todos os problemas estão neste momento ou resolvidos ou em vias de resolução. Sabemos que infelizmente não é assim! E sendo esse o ponto de partida, então interessa ver quais seriam as opções colocadas.
Em primeiro lugar, elas foram as de outras possíveis ligações com os Estados Unidos, com o Extremo Oriente, no Atlântico em relação aos novos países de expressão portuguesa e possivelmente também com o Brasil, sozinhos... Creio que não valerá muito a pena estarmos a gastar demasiado do tempo de que dispomos a apreciar cada uma das três primeiras situações. Nem com o Japão e com o Extremo Oriente, nem com os Estados Unidos, nem com os novos países de expressão portuguesa as nossas trocas comerciais, as nossas relações económicas têm a dimensão e a importância que têm as nossas relações com a Europa.
De experiências solitárias, do pensar que podíamos viver sozinhos, creio que estamos fartos! Julgo que nem as soluções de desenvolvimento isolado têm na história económica contemporânea algum modelo similar com a nossa dimensão - especialmente com a nossa dimensão de mercado -, com a nossa posição geográfica e com os nossos recursos próprios. Mesmo para aqueles que acreditam ou que podem acreditar que se nos fechássemos no território nacional, que se a nossa indústria pudesse continuar a gozar de uma protecção não limitada por compromissos internacionais, que os factores de retrocesso ou de estagnação poderiam manter-se ou mesmo proliferar, que a estrutura actual pudesse dispor de um clima favorável, creio que só poderiam acreditar nisso se as nossas exportações pudessem continuar. E esse «se» talvez resolva esta equação - esse é, pelo menos, o meu pensamento -, porque creio que esta tentativa de tentar consagrar uma pseudo-independência se traduziria por novas dependências e certamente por dependências muito mais graves.
Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente e Srs. Deputados, creio que não é apenas pela via negativa que a adesão se explica. As nossas relações comerciais são fundamentalmente travadas com a Europa.
Para a CEE vão mais de 50 % das nossas exportações e vêm de lá quase 40 % das nossas importações. O investimento estrangeiro, os movimentos financeiros, as transferências de tecnologia são, fundamentalmente, uma troca em relação à Europa. E, quando se fala que a opção europeia é de índole e cariz vincadamente capitalistas, creio que isso é necessariamente uma ofensa em relação ao milhão e meio dos nossos emigrantes que se espalharam pela Europa nas condições mais difíceis que muitos de nós já terão encontrado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que, isolados e bisonhos, ficaríamos reduzidos a uma miséria carpideira e essa miséria carpideira seria
- como há pouco frisei - apenas um prefácio a novas dependências. Por isso, também creio que, mais do que todas as ligações passadas e presentes, é, fundamentalmente, uma ligação de futuro aquela que nos importa na adesão europeia.
Uma outra possibilidade discutida é a de saber se não deveríamos ficar pelo Tratado de 1972 ou irmos progressivamente melhorando a nossa situação interna para depois, então, tratarmos da adesão. Creio que qualquer destas duas opções continua a partir do princípio - embora diga isto entre parêntesis - de que vivemos isolados no mundo. E bastará pensar que as soluções seriam radicalmente diferentes para qualquer dos pensadores desta tese se, por acaso, a Espanha tivesse aderido e nós não. Como seria então essa possibilidade? Para além disso, estar exclusivamente a pensar no Tratado de 1972 equivale a desconhecer que na própria negociação de 1972 se previu uma cláusula evolutiva que pressupunha maior integração; é ignorar que nos acordos de 1972 só não se caminhou decididamente para a adesão porque razões políticas a tornavam impossível.
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O Sr. Rogério Martins (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Creio, Sr. Presidente e Srs. Deputados» que nem sequer é realista a possibilidade de melhorarmos primeiro - há pouco tive ocasião de dizer que me parecia impossível - para depois aderirmos. Inclusivamente, pergunto se não será preferível termos aderido e aproveitarmos o período de transição para essa melhoria. Se o que se pretende são esses resultados, então parece-me que a via escolhida é a melhor.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Outra questão que se nos coloca é necessariamente a de saber se a negociação foi boa ou má. Ora, essa discussão, para ser feita em moldes minimamente sérios, pressupunha um conhecimento que não temos de quais as posições negociais de partida. Só assim se sabe quais os avanços e os recuos conseguidos por cada uma das partes.
A avaliação sobre se a negociação foi boa ou má não tem padrão, porque a adesão grega processou-se numa conjuntura completamente diversa e porque, em comparação com a Espanha, a nossa realidade é também completamente diferente.
Para não partirmos do princípio tão caro ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano, segundo o qual todas as negociações são más porque cada uma das partes tem sempre de ceder alguma coisa, teremos de nos interrogar face aos resultados obtidos e face ao conjunto desses resultados e das possibilidades que eles abrem para sabermos que hipóteses eles nos fornecem para podermos actuar.
Pela minha parte não negarei o elogio das várias equipas de negociação que ao longo dos anos se sucederam. E se é permitido a alguém que é particularmente exigente para com os seus amigos - e quem há-de ser exigente connosco senão os nossos amigos? -, se me é possível abrir uma excepção em relação a todos os negociadores, faria aqui um elogio muito simples, mas creio que muito merecido, ao actual Ministro das Finanças e do Plano.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Dr. Ernâni Lopes terá consagrado à problemática da adesão europeia os últimos 10 ou 11 anos da sua actividade, da sua vida. E se pude, de algum modo de peno, acompanhar essa actividade como embaixador em Bona, em Bruxelas e depois como ministro, creio que não ficará mal que, abstraindo dessa amizade pessoal, seja eu, desta tribuna, a dizer-lhe que os Portugueses lhe estarão certamente agradecidos pelos 10 anos que nos dedicou e que dedicou ao nosso futuro.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que na óptica em que me coloquei deixei clara uma resposta em relação a outra interrogação, que é a de saber se a adesão é um desafio ou um milagre. Encaro-a como desafio e creio que mal iríamos se o nosso tradicional sebastianismo agora se virasse não para os homens, mas para os tratados ou para as adesões que celebramos.
Referi que este debate deveria ser essencialmente voltado para o futuro. Todavia, não resisto à tentação de quebrar a regra que a mim próprio tracei para relembrar aquilo que eu próprio disse e escrevi, há mais de 12 anos, em relação aos acordos de 1972. Digo-o não com o orgulho por o ter dito, provavelmente muito mais com a mágoa de quem não conseguiu por si ou de quem não viu o seu País conseguir aquilo que então dizia. O que nessa altura disse foi que é a nossa capacidade de construção do futuro e do País que está em causa; ou aceitamos passivamente, por arrastamento, transformações inevitáveis, procurando minimizá-las ou convencer-nos de que talvez não seja bem assim, ou encaramo-las de frente com a coragem de quem procura «uma atitude aberta em face de um futuro aberto»; inquietação intelectual que procura converter-se em optimismo de acção; investigação que serve de traço de união entre a pluralidade dos possíveis - incluindo o que nós próprios viremos a ser - e a decisão única a tomar no momento presente.
A grande maioria dos desequilíbrios e tensões com que a sociedade portuguesa hoje se defronta são o resultado das transformações que não se previram, não se assumiram, nem se enfrentaram com a amplitude necessária.
Os novos acordos implicam a reconversão planeada de toda a economia nacional, tendo em conta os interesses dos empresários e dos consumidores, dos quadros e dos trabalhadores, tendo acima de tudo em conta o que o interesse nacional espera e exige.
«O futuro pertence à imaginação e à vontade.» Os acordos que saudamos têm de ser tomados tremendamente a sério, sem hesitações nem subterfúgios. A compreensão que agora encontrámos será, se não cumprirmos, exigência e certamente implacável.
Já muitas vezes se repetiu: é um desafio. Porém, os desafios do futuro ou são tomados em mão ou acabamos por a toda a volta ver as costuras rebentadas dos remendos colocados.
Começamos por negar a própria possibilidade do progresso, tentámos convencer-nos de que os encantos de uma vida no campo poderia superar a atracção de algum conforto, embora mínimo, e muito especialmente de melhor salário. Alimentámos a esperança de que tudo fossem «modas» fugazes e passageiras. Tentámos evitar o alcance das transformações ou atenuar-lhes os efeitos. Inventámos até que não valia a pena melhorar por os fenómenos serem de contestação global. Ficámos instalados e burgueses. Acreditamos na acção de conjuntura e na gestão quotidiana:
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que no momento em que a Assembleia da República debate a nossa adesão europeia talvez valha a pena pensar que ela também poderá ser uma forma daquilo que dizia um dos nossos pensadores: de um Portugal transportado no confronto com alheios espelhos, porque o encontro com os outros pode ser um verdadeiro encontro connosco.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul e Castro.
O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - A adesão de Portugal à CEE foi transformada pelo Governo num verdadeiro mito, que lhe tem servido de alibi, para evitar ser confrontado com as desastrosas consequências económicas e sociais da sua política.
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A adesão à CEE não tem, por consequência, sido encarada pelo Governo numa indispensável visão de Estado, mas como um mero instrumento de propaganda partidária e até como rampa de lançamento de uma candidatura presidencial.
A verdade, porém, é que o mito da adesão à CEE assenta, na realidade, na adesão do nosso país a um modelo de sociedade capitalista de grande espaço económico, favorável à expansão dos grandes grupos económicos e das empresas multinacionais. Modelo este que não tem nada a ver com o Portugal de Abril, cujos objectivos, constitucionalmente reconhecidos, são assegurar a transição para o socialismo e a edificação de uma sociedade sem classes, nomeadamente eliminando e impedindo a formação de monopólios privados e desenvolvendo as relações económicas com todos os povos.
Torna-se evidente que a adesão à CEE não só vem criar um espaço restrito e privilegiado para as relações económicas do nosso país, como vem transformar Portugal num campo aberto aos monopólios privados, em especial aos monopólios estrangeiros.
Acresce que a CEE nem sequer tem mostrado ser um modelo válido, que consiga poupar as economias agrupadas à crise económica geral, nem sequer até atenuar os seus efeitos.
E deve mesmo dizer-se que da adesão à CEE, ao contrário do que as trombetas da fama do Governo têm espalhado, não vem nenhuma salvação ao mundo económico português, mas a sua sujeição, agravada pelo embate futuro com economias mais produtivas, tecnologicamente mais capacitadas e comercialmente mais poderosas e agressivas.
É por isso que o MDP/CDE toma uma posição contrária à adesão à CEE. No IV Congresso, em 1981, o MDP/CDE considerou que «a adesão plena de Portugal à CEE, mesmo com o calendário de integração melhorado! significa uma ruptura com a nossa estrutura produtiva», e ainda que «se as forças no poder insistirem na via da integração, há que exigir a avaliação das consequências da integração».
Lamentavelmente, nem este Governo, nem os que o precederam, erigindo num mito a integração, cuidaram de tornar públicas as consequências, graves e profundas, da adesão, e nem mesmo de divulgar sequer o que é, afinal, a CEE!
É inconcebível que se tenha já assinado em Bruxelas o acordo de adesão e que o País seja mantido na ignorância do que é a CEE e de quais serão as consequências da adesão de Portugal!
É inconcebível que no Portugal .de Abril não se tenha ainda feito um grande debate nacional sobre a CEE e que seja possível um semanário publicar, há dias, um resumo das implicações do acordo, «em primeira mão», referindo que «ao fim de anos de negociações quase secretas - quase secretas, repito - a CEE deu finalmente o sim à entrada de Portugal»!
Não obstante, já no seu IV Congresso, em 1981, o MDP/CDE defendia que «a adesão à CEE não pode em qualquer caso ser estudada e decidida como simples trabalho de gabinete, como questão de foro exclusivo de técnicos e dirigentes políticos. Há que ouvir e fazer participar todos os sectores de actividade económica, todas as estruturas profissionais, as organizações sociais e as forças políticas na avaliação das consequências da adesão e das medidas cautelares que em negociações minimamente dignas teriam de ser tomadas em consideração».
E acrescentava:
«O MDP/CDE exige que sobre está questão decisiva para o futuro da nossa pátria se desenvolva um amplo debate nacional, em que todos os pontos de vista sejam confrontados, para que o povo português assuma a plena consciência do significado da adesão à CEE perante o projecto de vida que pretende prosseguir.»
Contudo, por todas as condições, impostas pelo Governo e pela sua maioria parlamentar, que caracterizam a preparação, os tempos e a data deste debate, torna-se claro que o Governo improvisou este debate para obter dividendos políticos e não para levar a cabo o indispensável esclarecimento desta Câmara e do País sobre as consequências da integração na CEE. Bastará referir que os 3 dias 'previstos de reuniões da Comissão de Integração Europeia com os diversos ministros foram reduzidos a 1 dia apenas e a data, apontada pela maioria, de 15 do corrente, foi, à última hora, antecipada para 11, não fossem esbater-se, com o tempo, os fumos da vitoria que o Governo pretende explorar em vez de a explicar, como devia.
E nem sequer o próprio Estatuto do Direito de Oposição - Lei n.º 58/77, de 5 de Agosto - o Governo respeita, pois nem mesmo informou, «regular e directamente, sobre o andamento» das negociações com a CEE, os partidos da oposição.
O País tomou apenas conhecimento, atónito, de que o Primeiro-Ministro, num debate interno no PS, sobre as vantagens da adesão, referiu «330 bons lugares em Bruxelas», o que parece estar longe de ocorrer aos 500 000 desempregados portugueses, nem, certamente, se trata de lugares a eles destinados.
Todavia, o nosso povo continuará a desconhecer o que é a CEE e as consequências da adesão de Portugal, que serão graves e profundas.
Em 30 de Janeiro último, em conferência de imprensa do Grupo Parlamentar do MDP/CDE, tivemos ocasião de tornar pública uma política económica alternativa à desastrosa gestão do Governo, em que se insere o mito e o alibi da CEE.
O que o país necessita é de um projecto autónomo de desenvolvimento, que a adesão à CEE inviabiliza, pois tal projecto autónomo de desenvolvimento exige redução da dependência externa, com particular incidência nos domínios alimentares, energético, dos transportes e dos bens intermédios e de consumo; a recuperação do aparelho produtivo nacional, baseado na resposta ao mercado interno e da diversificação das exportações; a elevação da qualidade de vida do povo português, particularmente das camadas mais desfavorecidas, mediante a progressiva melhoria da satisfação das necessidades básicas.
Torna-se indispensável pôr em prática uma verdadeira política económica, cujas linhas de força assentam no aumento da produção, predominantemente dirigido para a substituição das importações e valorização dos recursos nacionais; na redução progressiva da dependência tecnológica e na busca de um novo posicionamento de Portugal na divisão internacional de trabalho; e no reconhecimento da imperiosa necessidade de planear o desenvolvimento económico numa perspectiva de longo prazo.
Tudo condições, desde a redução da dependência externa até à diversificação das trocas comerciais, que a adesão ao Mercado Comum contraria e impede.
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O Sr. Primeiro-Ministro, na euforia de Bruxelas, afirmou que «tudo o que é obsoleto na nossa indústria e na nossa agricultura terá de desaparecer para dar o lugar ao que é novo e dinâmico» (dos jornais de 30 de Março de 1985). Podemos daqui concluir que, como na fábula do filho que leva o velho pai ao monte e lhe entrega uma manta para se cobrir nos últimos dias que ali passar, será conveniente, como aconselhava o velho pai ao filho, guardar este, que é novo e dinâmico, um bocado da manta para se cobrir a ele próprio quando chegar o seu tempo de velhice...
Ou, na frieza das estatísticas, devemos antes concluir que com a adesão à CEE, como se não bastasse, por exemplo, o aumento das falências, de 33,3%, em 1984, na óptica do Sr. Primeiro-Ministro, deverão as falências, como meio de desaparecimento de tudo o que é obsoleto, aumentar, não 33,3%, mas para 333,3%, para dar lugar ao que é novo!
Só quem desconhece as reais estruturas industriais, agrícolas e comerciais do nosso país pode assumir tão catastrófica visão, totalmente alheia às gravíssimas consequências sociais que iria provocar.
Sem sequer se ter feito a mínima adaptação de tais estruturas ao choque frontal com a integração, sacrificam-se ao mito e ao álibi da CEE os mais sérios interesses do nosso povo.
Por isso, Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, quem, como o MDP/CDE, encare a adesão à CEE numa perspectiva de Estado, no quadro real das suas graves consequências decorrentes da ruptura da nossa estrutura produtiva, agravada com a sua sujeição a economias muito mais poderosas, não poderá deixar de tomar uma posição contrária a tal adesão, em defesa de uma alternativa que, contando com o apoio das camadas laboriosas, salvaguarde a aspiração do nosso povo por uma vida melhor, e, respeitando a' independência nacional, constitua um verdadeiro projecto autónomo de desenvolvimento nacional, fiel a Abril e aos grandes princípios da Constituição da República.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e do deputado independente António Gonzalez.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Finalmente estão a clarificar-se as verdadeiras razões do debate que estamos a realizar: à promoção de uma candidatura presidencial juntou-se agora a defesa de uma presidência partidária em vésperas do Conselho Nacional do PSD e de um lugar na Comissão de Bruxelas. Discutem-se e promovem-se disfarçada ou abertamente essas candidaturas...
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Ou mais!...
A Oradora: - ... ao preço de deixar de lado o País!
Julgariam alguns que finalmente iríamos hoje realizar o debate há muito esperado, sete vezes prometido, sete vezes adiado.
Poderia até pensar-se que houve um estudo aprofundado do impacte da adesão nos diferentes sectores da economia portuguesa e um conhecimento pormenorizado dos meandros das negociações governamentais com os responsáveis da CEE.
Mas não. Os partidos da coligação governamental não só evitaram o estudo do impacte da eventual adesão na economia como recusaram um debate sério na Assembleia da República e uma informação objectiva ao povo português dos problemas em causa. Por decisão dos partidos da coligação governamental, na ocasião liderados pelo CDS, a Comissão de Integração Europeia não reuniu nos dias 9 e 10 para esclarecer, ao menos, os pontos acordados nas negociações do final de Março.
Só no início da semana foram distribuídos a alguns deputados da Comissão as últimas informações oficiais do Governo sobre as negociações, que ainda por cima não coincidem, em vários pontos, com o texto de Bruxelas - como já aqui foi demonstrado. Para saberem a verdade, os deputados portugueses tiveram de ir procurá-la e traduzi-la das colunas de. um boletim de informação das comunidades ou dos documentos distribuídos pelo Parlamento Europeu.
É escandaloso que depois de se ter impedido a realização de uma análise aprofundada e de um esclarecimento sério que permitisse antes das negociações de Março uma ponderação das questões em aberto e das suas consequências, o Governo e os partidos que o apoiam tentam agora converter aquilo que deveria ser um debate profundo num ritual protocolar e propagandístico, escondendo as más negociações realizadas e a hipoteca do futuro do País.
Aplausos do PCP.
Este procedimento é tanto mais grave quanto estão em causa negociações, não apenas sobre um conjunto de cinco dossiers, mas sobre toda a problemática da adesão.
Estão em causa negociações recentes e negociações já realizadas anteriormente, mas nunca debatidas nesta Assembleia, sobre problemas tão importantes como relações externas, CECA, movimento de capitais, direito de estabelecimento e livre prestação de serviços, política regional, questões económicas e financeiras, fiscalidade, transportes, EURATOM, ambiente e defesa do" consumidor.
Estão em causa dossiers como a agricultura, pescas, assuntos sociais, questões orçamentais e questões institucionais, encerrados precipitadamente em finais de Março, numa negociação febril, assente em urgências de calendários eleitorais político-partidárias.
Na própria Comunidade se reconhece que predominaram condições políticas na aceitação final das cláusulas de adesão e de que o mínimo que se pode dizer é que elas são severas para Portugal. Quando a CEE fala em severidade e o Primeiro-Ministro fala em vitória é caso para desconfiar, e não da CEE!
Não é por acaso que tem sido escondido do povo português o conteúdo exacto das negociações.
Não é por acaso que se tem impedido o debate parlamentar sobre o impacte e as consequências da adesão.
Não é por acaso que mesmo hoje continuam a ser escamoteadas questões tão importantes como o balanço orçamental da adesão - é sintomático que há pouco o Sr. Ministro das Finanças e do Plano não tenha querido responder a esta questão.
Não é por acaso que não se pretendem debater questões que estão em aberto em negociações fundamentais a realizar com a Espanha, nomeadamente no que se refere às regras que regularão o comércio de produ-
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tos industriais e agrícolas, as pescas e o acesso de navios espanhóis às águas portuguesas.
Aliás, considerando os interesses das regiões portuguesas altamente dependentes da pesca, considerando ainda a debilidade da frota portuguesa e a situação precária dos recursos, representa uma cedência crucial e inaceitável a já negociada entrega à CEE da gestão praticamente discricionária das nossas águas e ocupação da nossa zona económica exclusiva pelas frotas espanholas e dos outros países da comunidade. Importa que o Governo clarifique por completo até que ponto vão e que exactos contornos têm os compromissos que assumiu e os que está a negociar neste momento com a Espanha!
Ouvindo os arautos governamentais julgar-se-ia ser infindável o rol dos benefícios da adesão. E é verdade que haverá 300 novos empregos a distribuir em Bruxelas. Mas são incontáveis os prejuízos para o País. É abissal a diferença entre a economia portuguesa e a dos países da CEE. Como refere a documentação oficial da CEE «a adesão de países ibéricos acentuará os pontos negros da Comunidade. Os desempregados são relativamente mais numerosos nos países candidatos e os seus 3 milhões de desempregados juntar-se-ão aos 13,6 milhões actualmente existentes nos 10 países da CEE. A inflação, mais forte em Espanha e em Portugal, vai acelerar o aumento dos preços do conjunto da Comunidade. À CEE vão juntar-se economias ibéricas em certos aspectos ultrapassadas, caducas, e especializadas em sectores em declínio como a siderurgia e a têxtil».
Só que em geral os sectores em que Portugal está especializado são sectores que ou estão em crise na CEE, ou têm produção excedentária como o sector têxtil, as fibras, os estaleiros navais, o calçado, a indústria das conservas de peixe, alguns produtos agrícolas de grande importância para a agricultura portuguesa como o vinho e o tomate.
O Governo cedeu tanto, que cedeu mesmo em questões essenciais até agora apontadas como a prioridade do País, nomeadamente o aumento das exportações. Sectores exportadores competitivos ficaram sujeitos a restrições diversas. Desde logo o caso dos têxteis e vestuário, que continuarão sujeitos - a contingentações durante mais 3 ou 4 anos, as conservas de peixe, especialmente as sardinhas, que em relação a dois terços das exportações continuarão a pagar direitos aduaneiros, encontrando-se numa situação idêntica as exportações de concentrado de tomate e os vinhos.
Aliás, é exactamente na agricultura que se situam alguns dos mais escandalosos aspectos de todo o Acordo e que terão graves consequências, conduzindo à liquidação de milhares de explorações agrícolas, à redução de áreas cultivadas, ao agravamento da dependência alimentar, nomeadamente pela aceitação do princípio do congelamento progressivo e do nivelamento de preços ao produtor, da normalização forçada dos produtos e da crescente intervenção relativamente ao montante das produções...
É sintomático que, apesar de ser conhecida a debilidade estrutural da agricultura portuguesa e os problemas que resultariam da aplicação imediata dos mecanismos instituídos pelas organizações de mercado, de se saber que Portugal é um pais fortemente dependente do exterior em produtos agrícolas, o Governo tenha aceite encerrar o dossier nos termos que agora chegaram ao nosso conhecimento.
É acima de tudo insultuoso que nos venham dizer que o País ganha com isso, que a troco da ruína da agricultura vamos receber da CEE muitos milhões. Segundo os números da CEE, temos prometido por um decénio um subsídio de 8 milhões de contos/ano que à partida a própria CEE calcula só cobrir pouco mais de um terço dos sobrecustos com que a agricultura será prejudicada. E há o empréstimo de 125 milhões para os 6 anos posteriores à adesão que sintomaticamente é apontado como servindo para compensar as previsíveis incidências da assunção da política agrícola comum sobre a balança de pagamentos! Tão grande é o desastre!
Os prejuízos serão no entanto bastante superiores, quer pelo desmantelamento da estrutura produtiva, quer pelos custos sociais decorrentes da diminuição dos rendimentos e do aumento do desemprego. E sempre restará saber quem beneficiará dos dinheiros recebidos de Bruxelas ao preço do agravamento de todos os desequilíbrios e dependência da economia. Todo o Acordo aponta, aliás, para um histórico agravamento da dependência do País perante o exterior. Nesta acepção trata-se verdadeiramente de um acordo histórico a inscrever ao lado de outros tristemente memoráveis.
À dependência soma-se a ameaça do maior afunilamento de sempre das nossas relações com o exterior. O Acordo proíbe Portugal de concluir ou prolongar acordos comerciais bilaterais para países terceiros que não sejam do campo socialista e quanto a estes não poderá ser mantida nenhuma disposição comercial, quer ela seja ou não compatível com as regras de política comercial comum. O Acordo afasta Portugal de qualquer política autónoma em relação a África, vibrando um golpe histórico contra o futuro das nossas relações com os países' africanos de expressão oficial portuguesa.
Portugal, reduzido ao subalterno papel do mais pobre membro da Comunidade, aceita aderir o seu mercado não só aos países da CEE mais industrializados e com uma tecnologia mais avançada, mas também à Espanha e a todos os países terceiros com quem a Comunidade tem acordos preferenciais (Acordo de Lomé e outros), países, nalguns casos, com salários mais baixos que os portugueses.
Essa abertura do mercado, a que se somará 3 anos depois o fim do controle administrativo das importações, implicará uma pressão concorrencial sobre a produção nacional, conducente, a curto prazo, ao encerramento de pequenas e médias empresas de sectores importantes da indústria transformadora, ao controle dos nossos recursos minerais e do comércio pelas multinacionais e grupos económicos da CEE.
É esta a modernização que o Governo anuncia e que implica também o bloqueamento ou atrofiamento dos grandes projectos de que depende o desenvolvimento e a modernização da economia portuguesa! É disso exemplificativo o bloqueamento do Plano Siderúrgico Nacional e o atrofiamento do projecto da beterraba sacarina.
Importa assinalar finalmente o carácter puramente mistificador da campanha de ilusões e expectativas que o Governo vem promovendo em torno da falsa ideia de que a adesão promoveria finalmente o desenvolvimento das regiões mais atrasadas do País. Por um lado, sabe-se como se têm agravado as desigualdades e assimetrias no interior dos próprios países do Mercado Comum.
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Por outro lado, o acesso de Portugal ao FEDER e a outros fundos da CEE (já disputados freneticamente por ministérios do PS e do PSD) depende da apresentação e aprovação de projectos concretos e da comparticipação financeira dos beneficiários e do Estado Português. E está ainda por esclarecer o montante exacto a que Portugal poderá ter acesso e que regiões ficam excluídas de qualquer apoio.
Todos os dados disponíveis confirmam que a adesão negociada acarretará, a curto prazo, consequências gravíssimas no plano económico e social, mas pensando em termos de futuro representará um verdadeiro desastre para Portugal e para os Portugueses, que não para os monopólios europeus.
Pela nossa parte consideramos absolutamente indispensável que até ao termo do debate o Governo quebre o silêncio ou a desinformação que tem praticado em relação às questões-chave da adesão, designadamente:
Quais os exactos e verdadeiros contornos quantitativos do balanço orçamental e que garantias efectivas existem de que Portugal não será no futuro um contribuinte ou pagador líquido?
Qual a exacta dimensão das cedências em relação às pescas e conservas?
Qual o sentido e moldes das negociações em curso com a Espanha?
Qual a quantificação dos prejuízos em relação aos nossos sectores industriais sensíveis?
Qual o exacto alcance das consequências da adesão para milhares de pequenas e médias explorações agrícolas portuguesas?
Qual o montante efectivo de verbas do FEDER a atribuir a regiões portuguesas, quais os critérios e orgânica de distribuição e que regiões não irão ser contempladas?
Qual a quantificação das consequências sociais da adesão, nomeadamente no aumento do desemprego?
As condições em que o Governo fechou dossiers confirmam que aquilo que desde 1977 se revelou como uma operação política contra as conquistas alcançadas com o 25 de Abril está hoje transformado num instrumento de baixa política, mas alta lesão dos interesses de Portugal.
A realização deste debate nesta Assembleia apenas vem comprovar a necessidade de dar urgentemente a palavra ao povo português. É a ele que tem de caber a última palavra.
Aplausos do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente António Gonzalez,
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um protesto.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Assistimos à primeira intervenção produzida pelo PCP em relação a este debate e ficámos todos esclarecidos sobre o tipo de debate que este partido pretende fazer acerca da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia.
Juntando uma série de dados sectoriais, alguns deles grosseirosamente manipulados - como muito bem sabe a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo -, pretende fazer crer à opinião pública portuguesa que a adesão é desastrosa para Portugal e, sobretudo, que o Tratado de Adesão foi negociado da pior forma possível e que as condições são muito desvantajosas.
Vozes do CDS, do PS e do PSD: - Muito bem!
Protestos do PCP.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Isso é que é manipulação!
O Orador: - Os Srs. Deputados do PCP estão incomodados?
Ora, isto é uma mera aparência. A realidade é outra: quaisquer que fossem as condições negociadas do Tratado de Adesão, a posição do PCP seria a mesma. E seria a mesma por duas razões: por uma razão de ordem interna, porque é evidente que o modelo de sociedade é o da Europa democrática e não o modelo de sociedade do PCP, e por uma razão de ordem externa, porque a política do PCP se pauta por um alinhamento completo pela política externa da União Soviética ...
Vozes do CDS, do PS e do PSD: - Muito bem!
Protestos do PCP.
O Orador: - ..., e é evidente que para a União Soviética o alargamento da Comunidade a Portugal e à Espanha traz consequências à segurança no flanco sul. e sudoeste da Europa. Ora, isto não convém aos interesses da União Soviética e, portanto, aos interesses do PCP.
Aplausos do CDS, do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra a Sr." Deputada Ilda Figueiredo.
A Sr.ª Ilda Figueiredo: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aquilo que o Sr. Deputado Luís Beiroco acaba de fazer é uma grosseira manipulação dos que pretendem evitar a todo o custo que o povo português seja esclarecido sobre os exactos contornos da negociação realizada, e sobre as desastrosas consequências que essa negociação terá para o povo português.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quando o Sr. Deputado Luis Beiroco defende com tanto frenesim o seu lugar de deputado europeu...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ou general.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - E não só!...
A Oradora: - Ou, quem sabe, um dos 300 empregos que o Sr. Dr. Mário Soares prometeu...
Aplausos do PCP e protestos do PS.
... quando o Sr. Deputado defende desta forma, com este frenesim, a adesão de Portugal - e o seu interesse pessoal! - é preciso ter em conta, Sr. Depu-
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tado de uma ex-organização fascista, que é necessário ainda ouvir o seu próprio partido, é necessário ainda que os deputados do seu partido estejam de acordo em que o senhor seja um deputado europeu.
Mas, para além disso, o que se impõe aqui - e é essa a posição do meu partido - é um esclarecimento dos exactos contornos da negociação já realizada, daquilo que está em curso e do que se pretende fazer. E necessário saber exactamente o que irá acontecer, por exemplo, com as águas da nossa zona económica exclusiva, o que irá acontecer com as pescas, com a agricultura, quais as consequências sociais que advirão para o nosso país de uma adesão feita com cedências inadmissíveis, que põe em causa o futuro e que hipoteca o nosso país.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luis Nunes (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O debate que se vai travar não terá, no plano jurídico, uma conclusão mas tê-la-á, de certo, no plano político.
E essa conclusão só poderá ser uma: quer queiram, quer não, chegámos ao fim de um processo, longo e difícil, que terminou pela entrada de Portugal na CEE.
Se não se deu ainda cumprimento às formas jurídicas da adesão não deixa esta de ser um facto.
Desde logo importará recordar os pontos mais marcantes nesta longa caminhada.
Assim, no programa do I Governo Constitucional afirmava-se haver, que «encarar a nossa adesão» (à CEE) porquanto, assinado o «Protocolo Adicional ao Acordo de 1972 e o Acordo Intercalar destinado a dar aplicação antecipada às matérias de natureza comercial daquele Protocolo», bem como o Protocolo Financeiro, chegar-se-á ao termo «de uma importante etapa no percurso da aproximação com a Europa Ocidental, mas ter-se-ão também esgotado as virtualidades do enquadramento fornecido pelo Acordo de 1972».
O Primeiro-Ministro, de hoje e de então, Dr. Mário Soares, no seu discurso à Assembleia da República de 3 de Agosto de 1976, sublinhava:
Em matéria de política europeia pediremos imediatamente a adesão ao Conselho da Europa, que esperamos se possa vir a verificar em Setembro próximo e procuraremos entabular negociações com o Mercado Comum, na perspectiva de uma integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia.
Em 19 de Março de 1977, Mário Soares não deixava de caracterizar a integração europeia como «um grande projecto nacional, que baliza e dá sentido à nossa experiência revolucionária, tal como ficou expressa no programa do 25 de Abril e na Constituição da República, a que somos e continuamos integralmente fiéis» advertindo, porém, não se deverem esperar facilidades pois a integração europeia não poderia ser entendida «como um novo expediente - como uma nova índia, um novo Brasil ou como uma nova África - a dardos riqueza sem trabalho persistente, na improvisação e na aventura. A integração europeia representa uma opção de trabalho e de esforço cuja dureza as centenas de milhares de trabalhadores emigrantes portugueses conhecem bem e à sua própria custa.
Mas constitui, igualmente, o fim do isolamento português e a inserção definitiva do nosso país numa das correntes que seguem na vanguarda do Mundo.
Representa a abertura de Portugal à modernidade. O rasgar dos horizontes largos às novas gerações de portugueses que despontam para a vida. O prosseguimento lógico - numa palavra - da Revolução de Abril e da definitiva institucionalização da democracia em Portugal».
Em 28 de Março de 1977 era feito, formalmente, o pedido de adesão...
Os governos que se sucederam puseram uma ênfase maior ou menor na política de integração na CEE sem que, contudo, nunca se pusessem em causa as suas intenções fundamentais.
Assim, afirmava-se no programa do VI Governo Constitucional (AD) constituir «a adesão à Comunidade Económica Europeia» «um factor essencial a considerar na definição da política económica».
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - E Sá Carneiro, no seu discurso de 12 Janeiro de 1980 afirmava:
A aceleração do processo de integração europeia de Portugal, representa, por outro lado, o sentido modernizador que o Governo entende imprimir no começo da década de 80, à herança histórica de que o País é depositário, consciente de que só uma política interna determinada, coerente e adaptada aos interesses nacionais, poderá conduzir a que a integração se processe com vantagem e seriedade.
No mesmo sentido o Prof. Freitas do Amaral afirmava na Assembleia da República, em 16 de Janeiro de 1980:
Propõe-se o Governo seguir uma política de afirmação clara e inequívoca da vocação europeia de Portugal, assumindo essa vocação em toda a sua plenitude, que o mesmo é dizer, com todas as consequências directas e indirectas que derivam dessa opção, tanto política como económica.
O programa do IX Governo Constitucional expressava bem a consciência de que, nestes anos decorridos, a grande prioridade da política externa portuguesa era a «aceleração da fase final do processo de negociação para a entrada na Comunidade Económica Europeia, com o encerramento dos dossiers em aberto e lançamento de ofensiva diplomática que conduza a uma tomada de decisão por parte dos governos e das instâncias comunitárias».
O Primeiro-Ministro Mário Soares não deixava, contudo, de preconizar um «programa de modernização da economia portuguesa, de 4 anos, que terá obviamente em conta a adesão de Portugal à CEE como elemento prioritário e presente em todos os aspectos sectoriais relevantes».
Neste sentido, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Jaime Gama, afirmava que «a integração europeia de Portugal, por razões económicas, sociais e políticas é naturalmente, uma das grandes prioridades da acção externa deste Governo».
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E o Ministro das Finanças e do Plano, Ernâni Lopes, definia, com clareza, a influência da opção assim feita que constituiria «uma referência fundamental dos critérios e escolhas estratégicas que orientarão as adaptações estruturais do aparelho produtivo» devendo, em consequência, esta perspectiva «estar sempre presente se queremos negociar em boas condições com a Comunidade Económica Europeia».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi cunhada por esta Assembleia da República uma medalha comemorando a revisão constitucional, em que aparece uma fractura. Essa fractura, que esteve na base da revisão constitucional, é a mesma fractura democrática que está na base da nossa entrada na CEE.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Da acção intensiva e clara do Governo, às vezes perante tanta tibieza e demissão, resultou em 24 de Outubro de 1984 a assinatura de um documento que entrou na história com o nome de «Constat d'Accord» e pelo qual tanto a Comunidade como Portugal, constatando a existência «de acordo acerca de um grande número dos capítulos das negociações», manifestaram a sua determinação de as concluir «em termos mutuamente satisfatórios num futuro muito próximo» o que conduzia ao reconhecimento da «irreversibilidade do processo de integração portuguesa nas comunidades europeias».
Não faltaram os comentários mais ou menos ácidos a este documento fundamental.
Contudo, e como nenhum observador isento deixará de sublinhar, ele constitui um ponto alto neste processo de adesão.
Em fins de Maio de 1984 terminavam as negociações para a nossa entrada na CEE e com o levantamento dos últimos obstáculos ficaram criadas as condições para a assinatura do Tratado de Roma.
Trata-se, logicamente, de uma grande vitória para Portugal e para os Portugueses que, destruindo o isolacionismo que alimentou e serviu de base à ditadura, entram, como partes integrantes, na grande aventura dos nossos dias: a constituição de um espaço económico e político europeu que assume, plenamente, é preciso dizê-lo, a sua dimensão atlântica.
Trata-se também de uma vitória para todos aqueles que no Governo ou na oposição definiram a entrada na CEE como a prioridade das prioridades, não deixando de ser significativo da continuidade de uma política o facto de que o Primeiro-Ministro que há 6 anos assinou o pedido de adesão seja o mesmo sob cuja orientação o Governo termina as negociações e que, em breve, assinará o Tratado de Roma.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Que significado...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Cabalista!
O Orador: - ... atribuir a este movimento que leva as velhas nações da Europa a unirem os seus esforços para a criação de um novo espaço económico e político visando a unidade Europeia?
Importa, desde logo, sublinhar que na base deste movimento estão princípios políticos do melhor e mais puro idealismo. E a esta luz quanto disparatada e imbecil nos parece a frase feita e o chavão da «Europa dos monopólios...!»
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que horror!...
O Orador: - Em Janeiro de 1925, Edouard Herriot declarava no Senado francês:
O meu maior desejo é ver um dia nascer os Estados Unidos da Europa e Briand dizia no seu discurso de 5 de Setembro de 1929, na Sociedade das Nações, as palavras proféticas:
Penso que entre os povos que se encontram geo-graficamente agrupados, como os da Europa, deve existir uma espécie de ligação de tipo federal. Estes povos devem ter a possibilidade de, a qualquer momento, entrar em contacto, de discutir os seus interesses, de tomar resoluções comuns, de estabelecer entre si uma relação de solidariedade que lhes permita enfrentar, se necessário, um circunstancialismo, eventualmente, grave este tipo de relação que me esforço por estabelecer. Evidentemente, a associação actuará sobretudo no campo económico, que é a questão mais urgente, mas estou certo que não só sob o ponto de vista político mas também social uma ligação de tipo federativo, sem pôr em causa a soberania comum das nações que poderiam fazer parte de uma tal associação, poderia ser vantajosa.
Ensina-nos Pierre Jerbet no seu livro A Construção da Europa que «o acolhimento reservado à proposta de Briand não foi entusiasta». Certamente, felicitaram-no minimamente pela sua iniciativa. Obteve, em Genebra, alguns aplausos; mas no conjunto o seu discurso suscitou sobretudo objecções. Em França, a direita mostrou-se simultaneamente céptica e irónica, como o tinha sido, de resto, em relação à Sociedade das Nações. Mas a esquerda pensava que Briand não tinha ido suficientemente longe: Léon Blum, o líder socialista, sublinhou desde logo a contradição existente entre a estrutura federal e a manutenção da soberania nacional, interrogando-se como essa contradição poderia ser superada. Os comunistas denunciaram uma maquinação anti-soviética, hoje como ontem.
Foi, no entanto, a primazia de uma ideia espiritual que tornou imparável o movimento para a unidade europeia.
Paul-Henri Spaak sublinhava assim, a justo título:
A integração por sectores não contribui para reforçar o sentimento de solidariedade e unidade da Europa na mesma medida que uma integração económica geral. Para reforçar este sentimento, é essencial que a noção de uma responsabilidade comum dos Estados europeus pelo bem comum seja incorporada numa organização adequada a seguir os interesses gerais e cujo orgão executivo é responsável não perante os Governos nacionais mas perante um parlamento supranacional.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Aquando da adesão do Reino Unido e da Grécia e, mais recentemente, de Portugal e da Espanha, a Europa deu-se conta da prevalência de valo-
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rés espirituais tão altos que tornavam impossível uma unidade que excluísse as grandes civilizações anglo-saxónicas, grega, portuguesa ou espanhola, não só pela inestimável contribuição dada à cultura e ao pensamento europeu mas também como insubstituíveis veículos da promoção da Europa, da liberdade no Mundo.
Falar de Espanha é também falar da América Latina.
Falar de Portugal é também falar do Brasil e dos países de expressão portuguesa da África ao Sul do Sara para os quais, hoje como no futuro, estamos virados no âmbito de uma cooperação que torne mais fone os laços que os unem a Portugal e, através de Portugal, à Europa.
Disse-se e repetiu-se que sem Portugal a Europa ficaria mais fraca.
Contudo - importa dizê-lo -, sem a entrada de Portugal e da Espanha não seria possível construir uma Europa unida, pois a cultura e a civilização portuguesa e espanhola mantiveram a chama europeia e com ela iluminaram os novos mundos que descobriram enquanto os outros povos se digladiavam entre si em confrontações de que nasceu - deve dizer-se - um novo equilíbrio europeu.
A entrada na CEE é, simultaneamente, uma vitória do espírito, da inteligência política e da capacidade negocial.
Importa, contudo, não nos deixarmos mistificar.
Desde logo impõe-se-nos um enorme esforço de renovação da nossa economia, dos seus conceitos filosóficos, dos seus quadros legais e estruturais.
Teremos de trabalhar, mais e sobretudo de trabalhar melhor...
O Sr. António Macedo (PS): - Muito bem!
O Orador: - ..., aproveitando a real capacidade de criação e inovação do povo português.
Outrora de costas voltadas para a Europa, tomamos, de novo, a estrada de São Tiago para assumir, integralmente, o nosso lugar no concerto europeu.
Trabalhar melhor implica uma profunda reforma das mentalidades - daí a actualidade da lição de António Sérgio - em todos os campos.
Não estamos condenados nem à estagnação nem à mediania económica se soubermos ê quisermos integrarmo-nos nesta grande aventura colectiva dos nossos dias.
A construção de uma Europa unida vai permitir diminuir os egoísmos nacionais e reforçar os interesses verdadeiros das nações.
Importa ter presente que Portugal tem uma vocação histórica europeia e que uma recusa da parte dos Dez teria consequências mais graves que as dificuldades postas pela adesão.
Abrir-se-á aos Portugueses uma nova era de liberdade, prosperidade e bem-estar se soubermos trabalhar com preserverança e determinação na construção europeia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Com os Descobrimentos a aventura começou em longes terras.
Fechado o ciclo das índias, dos Brasis e das Áfricas há uma nova aventura que, como bem compreendeu Manuel Alegre, «começa aqui»,
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ao construir a Europa, Srs. Deputados, a aventura começa em Portugal.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado José Luis Nunes, constatei que V. Ex.ª bateu, porventura, um record histórico de citações. Fez um discurso porventura interessantíssimo sobre a Europa, a história da Europa, as implicações da Europa, o futuro da Europa e terminou reflectindo sobre o futuro de Portugal em termos que, aliás, me merecem respeito quanto à entidade citada.
Gostaria, no entanto, de lhe fazer algumas perguntas concretas porquê do concreto o Sr. Deputado não falou. São as seguintes: o que é que pensa do futuro da beterraba sacarina em Portugal pós-adesão? O que pensa do futuro da indústria de conservas? O que é que pensa da situação do tomate? O que é que pensa da situação do vinho verde, uma vez que o Sr. .Deputado foi eleito por um distrito para o qual esta questão é bastante importante e o futuro dos produtores directos será fortemente afectado, segundo os dossiers informam, pela opção e pela negociação celebrada pelo Governo? O que é que pensa sobre o mar, que seria português se não passasse a ser da CEE?
Eram estas as perguntas que, começando aqui, talvez valesse a pena discutir em concreto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Responderei ao Sr. Deputado José Magalhães dizendo que o seu discurso é a reedição de um outro de um deputado que, segundo Eça de Queirós, se sentou nesta Sala: o deputado Pacheco.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Oh!...
O Orador: - Ele era um sujeito que se dirigia aos outros deputados dizendo o seguinte:
Enquanto V. Ex.ª fala, eu, sentado neste cadeirão, faço luxo.
Risos do PS.
Não sei ou, melhor, não vou responder sobre o futuro da beterraba sacarina, sobre o vinho verde, sobre o mar e sobre todas as questões que V. Ex.ª colocou pois trata-se de pontos que não figuram no debate, tal como ele está a ser orientado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é à Pacheco!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Ah! ...
O Orador: - VV. Ex.ªs, sempre tiveram o segredo daquilo a que se chama «a pergunta concreta» ou «a situação concreta»: quanto se vai gastar nisto, quanto se vai gastar naquilo, quanto se vai gastar naqueloutro.
O Sr. Joaquim Miranda (PCP): - Isso não interessa nada; não é importante! ...
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O Orador: - E, apontando as árvores, VV. Ex.ªs recusam-se a ver a floresta! ...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O que é, neste momento, fundamental a esta Assembleia, é olhar a floresta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ah! ...
O Orador: - E esse olhar para a floresta significa três coisas: em primeiro lugar, um corte com o isolacionismo «português», que esteve na base da ditadura fascista; em segundo lugar, um corte também com um certo isolacionismo, que, por contraposição, esteve na base de um certo antifascismo de que VV. Ex.ªs, são os melhores representantes ...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito obrigado!
O Orador: - ...; e, em terceiro lugar, que com a adesão de Portugal à CEE e com a nossa integração europeia se abre caminho a todos os processos ou a todas as opções de vida democrática para Portugal, mas fecha-se, para sempre, o caminho a todas as opções totalitárias para Portugal VV. Ex.ªs, perderam o emprego.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Com que então não interessa o vinho Verdet....
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nem a beterraba? ...
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.
O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Talvez não seja mau no momento em que se exacerba um nacionalismo serôdio nos dois quadrantes opostos da vida política nacional, os quadrantes extremistas, lembrarmos as palavras de um grande patriota e grande deputado desta Câmara, nos seus primórdios, no liberalismo: Almeida Garrett.
Escrevia ele em Portugal na Balança da Europa:
Para julgarmos qual deva ser a posição que a Portugal convenha na nova ordem do mundo político, para conhecermos o que lhe convém ser e ele pode ser na nova balança da Europa, cumpre examinar a natureza dessa nova ordem de coisas.
O romântico Garrett, que defendeu na Europa de então a independência nacional, compreendia que só num quadro global, europeu, é que o liberalismo, que já tinha sofrido a primeira derrota depois da Revolução de 1820, poderia vir a alcançar uma nova vitória.
Gostaria de dizer que também neste momento é importante que nos demos conta de que não há incompatibilidade entre a defesa da europeização de Portugal e a defesa da Pátria, a defesa dos interesses nacionais.
Não vou ao ponto de dizer, como Eduardo Lourenço, que somos europeus a tal ponto que para nós a Europa é uma Hipereuropa. Não vou a esse ponto, mas penso que Eduardo Lourenço põe um problema: é que somos europeus, como aliás dizia Afonso Duarte, que já várias vezes aqui citei, «num canto qualquer de Portugal».
Poderíamos traçar a história da ideia da Europa no nosso pais, desde a Idade Média, passando, por exemplo, pelo Renascimento, em que tivemos o maior poeta europeu - Camões -, poderíamos mostrar que a Restauração, o século XVIII, depois o século XIX, foram uma caminhada no sentido, da Europa, após termos conseguido a nossa independência nacional.
Gostaria, porém, de me situar só neste século e lembrar que a primeira grande geração europeia foi a geração modernista, a geração de Pessoa, de Sá-Carneiro, de Almada Negreiros» que depois a geração da Presença assumiu também a ideia de Europa. E não posso deixar hoje, aqui, de- recordar esse belo poema, esse belo livro de Adolfo Casais Monteiro, Europa, escrito no momento em que se tinha vencido a Segunda Guerra Mundial, com as ideias da liberdade e da democracia mas também com a esperança, para Portugal, de entrar no concerto das nações.
Não posso deixar de lembrar também que foram gerações e gerações de intelectuais emigrados politicamente que começaram a viver não apenas uma Europa mas numa Europa - e honro-me de ter sido daqueles que assumiram então a condição de europeus.
Mas - e para que os Srs. Deputados que falam do concreto tenham também um momento de reflexão - se hoje quiséssemos mostrar as vantagens no domínio educativo e cultural da Europa poderíamos apontá-las nitidamente. Ainda recentemente uma resolução do Parlamento Europeu, de Dezembro de 1984, votou, por exemplo, o aumento do crédito para a inserção no ensino das novas tecnologias, para a criação dos centros de formação profissional e para o apoio à luta contra o desemprego juvenil. Ora, vamos inserir-nos nesse movimento, o que tentámos fazer no Governo, em tal domínio, com uma viragem no sentido de aproximação aos países europeus.
Apenas queria lembrar que enquanto a maioria dos países europeus tem hoje um ensino técnico-profissional de cerca de 60 % a 80 % no ensino secundário terminal, nós estamos na posição inversa e temos de fazer uma mudança.
Também no domínio do ensino superior queria lembrar que a recente realização dá Conferência sobre as Universidades do Ano 2000, em Estrasburgo, mostrou claramente quais as vantagens da Europa como, por exemplo, o favorecimento da mobilidade dos professores e dos investigadores, o favorecimento da compreensão entre os estudiosos europeus das línguas, das literaturas, das ciências humanas, o favorecimento do estudo da problemática europeia, quer no âmbito geográfico, quer histórico, quer antropológico, quer sociológico, o favorecimento de uma educação cívica europeia - educação essa bem necessária no nosso país 10 anos depois de termos conquistado a liberdade - e, em suma, o favorecimento de um estudo da própria ideia de Europa.
Finalmente, no plano cultural, gostaria de dizer que a mobilidade na circulação dos bens culturais nos vai trazer imensos benefícios. É claro que poderemos pôr o problema de saber se a implantação de estabelecimentos em Portugal no domínio editorial, cinematográfico ou discográfico, trará algumas dificuldades de adaptação às estruturas homólogas do nosso país. Não é, no entanto, isolando-nos, não é fechando-nos, sobre nós
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mesmos que podemos mostrar a vitalidade da cultura portuguesa, é sim concorrendo lealmente, com qualidade, que podemos mostrar que Portugal faz parte da balança da Europa.
Terminaria citando de novo Almeida Garrett, justamente na conclusão do seu estudo:
Praza a Deus que todos, de um impulso, de um acordo de simultâneo e unido esforço, todos os portugueses, sacrificadas opiniões, esquecido ódios, perdoadas injúrias, ponhamos peito e metamos ombros à difícil mas não impossível tarefa de salvar, de reconstituir a nossa perdida e desconjuntada pátria - de reequilibrar enfim, Portugal, na balança da Europa.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Depois do intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Basílio Horta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 20 minutos.
O Sr. Presidente: - Antes do intervalo, tinha ficado inscrito para pedir esclarecimentos ao Governo o Sr. Deputado Raul e Castro.
Tem pois, V. Ex.ª, a palavra, Sr. Deputado Raul e Castro.
O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço desculpa mas inscrevi-me para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado José Augusto Seabra e não ao Governo.
Como o Sr. Deputado José Augusto Seabra não está ainda presente no hemiciclo, parece-me que não fará sentido fazer agora o meu pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tem razão, Sr. Deputado.
Pausa.
Como o Sr. Deputado José Augusto Seabra não chega, e para não estarmos a aguardar mais tempo, sugiro-lhe, Sr. Deputado Raul e Castro, que prossigamos com as intervenções dos Srs. Deputados já inscritos e que, logo a seguir, V. Ex." formule o seu pedido de esclarecimento.
O Sr. Raul e Castro (MDP/CDE): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, dado que a minha intervenção se prende com o sector agrícola gostaria de poder contar com a presença do Sr. Ministro da Agricultura, que neste momento está ausente da bancada do Governo. Julgo mesmo que isso teria toda a vantagem.
Pausa.
O Sr. Presidente: - A Mesa solicita à bancada do Governo um esclarecimento em relação à eventual presença do Sr. Ministro da Agricultura, isto é, se podemos ou não contar com a sua presença. É para podermos organizar os nossos trabalhos...
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Vitorino): - Sr. Presidente, o Sr. Ministro da Agricultura está no meu gabinete e já vem a caminho da Sala.
Portanto, de certeza absoluta que podemos contar com a sua presença no Plenário.
O Sr. Presidente: - Agradeço o seu esclarecimento, Sr. Secretário de Estado.
Vamos então aguardar uns momentos pela chegada do Sr. Ministro da Agricultura.
Pausa.
Uma vez que o Sr. Ministro da Agricultura já está presente, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: Em relação ao impacte da adesão à CEE na agricultura portuguesa, a afirmação mais optimista que ouvimos nos últimos dias entre os deputados da maioria parlamentar foi: «Entre mortos e feridos alguém há-de escapar.»
Uma voz do PS: - Gostava de saber quem é que disse isso!
O Orador: - Temos de convir que é um ponto de vista pouco reconfortante, mas que, reconheça-se, tem a virtude de nos colocar de imediato no cerne do problema - adesão à CEE: como e para quê?
Que a agricultura portuguesa é a mais atrasada da Europa é infelizmente uma realidade irrecusável, que condiciona toda a nossa economia e nos coloca numa situação de grave dependência face ao estrangeiro.
Enquanto em 1970 as importações agrícolas representavam 23% do produto agrícola bruto, nos últimos 4 anos já atingiram mais de 70% do mesmo, reflectindo uma progressiva degradação do nosso grau de autoaprovisionamento no que respeita, fundamentalmente, a produtos estratégicos.
Este desequilíbrio entre a produção e o consumo de bens essenciais é tão mais grave quanto este corresponde ao mais baixo consumo per capita na Europa. A título de exemplo, e tomando por base comparativa a capitação média nos países da CEE para os conjuntos dos produtos lácteos, ovos e carnes, verifica-se que a nossa capitação média não ultrapassa 48% daquela, apesar de para a sua obtenção se ter de recorrer a volumes de importação que representam mais de 50% do total das importações agrícolas.
A excessiva rigidez das nossas importações, onde os cereais e oleaginosas representam mais de 60% do seu valor total, é agravada pela extrema debilidade das nossas exportações, nas quais o vinho e o concentrado de tomate constituem cerca de 70% do seu todo.
Nos restantes produtos agro-alimentares, excluindo o açúcar, há um relativo equilíbrio entre a produção e o consumo sobretudo no que respeita às frutas e legumes, sendo certo que aquelas satisfazem à justa uma
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das mais baixas capitações da Europa, e que ambos se apresentam bastante afastados dos padrões qualitativos do Mercado Comum.
Em termos de tecnologia de produção, poderemos aperceber-nos do abismo existente se tivermos presente que os nossos níveis de rendimentos físicos para as principais produções se quedam em cerca de um terço dos obtidos na CEE. O rendimento leiteiro é o que melhor se situa face ao Mercado Comum, situando-se acima dos 70%.
É pois com esta realidade que o Governo propõe a nossa adesão à CEE; e falo, na falta de melhor argumento, com o aceno de que a nossa economia, espicaçada ou ameaçada, terá de andar para a frente. Este argumento já foi utilizado aquando da adesão à EFTA. Os resultados hoje falam por si, sendo certo que a EFTA não comportava os riscos do Mercado Comum.
Como irá um sector tão débil como o nosso sector agrícola suportar o impacte da política agrícola comum? Entre mortos e feridos quantos escaparão? E os que sobreviverem que interesses servirão?
Entre 1975 e 1980, na Comunidade, foram extintos 1,7 milhões de empregos, ao ritmo de l em cada 2 minutos - isto na agricultura. No caso português, que alternativa temos ou podemos construir no curto e médio prazos para enfrentar tal situação?
O número de explorações agrícolas na Comunidade tem diminuído ao ritmo de 2% ao ano, sendo as explorações com menos de 20 ha aquelas que têm sido liquidadas. No caso português, são exactamente estas que, ocupando menos de 407o da superfície agrícola, têm assegurado quase 707o do nosso PAB, sem esquecer que os latifúndios, que o Governo vem reconstituindo, ocupando mais de 30% da superfície agrícola, nunca produziram mais de 15 % a 16% do PAB.
Os modos de produção na CEE, dominados pelas exigências dos países mais desenvolvidos e pelos interesses das multinacionais, comportam uma crescente dependência em bens de consumo intermédio face ao exterior e criam enormes excedentes em áreas em que nós carecemos de aumentar significativamente as nossas produções.
A política de preços, comercialização e de corresponsabilização comunitária não só alimenta estas distorções como colocaria Portugal na situação caricata de quanto mais produzir em bens essenciais mais ter de pagar os excedentes dos países desenvolvidos.
95 % do orçamento total do FEOGA destina-se à secção de garantia e serve exactamente para manter uma situação de profunda iniquidade entre os países desenvolvidos do Norte e os países do Sul.
Os diferentes ritmos de inflação entre os países comunitários geram distorções extremamente graves. Os montantes compensatórios salvaguardam a unicidade dos preços comunitários, mas, graças a eles, os agricultores dos países de moeda forte beneficiam de preços mais vantajosos, quer na aquisição dos factores e meios de produção, quer nas vendas dos produtos.
Os agricultores portugueses, neste contexto, serão os que mais graves consequências suportarão, quer no custo dos consumos intermédios, quer na evolução real dos seus rendimentos, quer na sua competitividade.
A disparidade dos rendimentos agrícolas na Comunidade tem-se agravado entre países, entre regiões, entre produções e conforme a dimensão das explorações, com manifesta vantagem para os países do Norte e em benefício das grandes explorações.
Em Portugal e por força das exigências comunitárias, a aplicação da chamada política de preços reais e da correcção das estruturas de mercado apresenta já resultados bem elucidativos:
A extinção de subsídios à agricultura apenas tem contribuído para agravar a subordinação desta aos sectores industrial e comercial;
Em 1977, os consumos intermédios representavam cerca de 34% da produção agrícola efectiva e cerca de metade do valor acrescentado bruto. Hoje, os consumos intermédios situam-se à volta dos 50% da produção efectiva e equivalem a mais de 80% do VAB;
Em igual período, e a preços constantes de 1977, a produção efectiva diminuiu cerca de 5% e o VAB cerca de 20%. As remunerações reduziram-se em mais de 20%, o mesmo acontecendo com os excedentes de exploração.
Todo este desequilíbrio levou a subidas abruptas dos preços dos produtos agrícolas estratégicos, que sendo em 1980 consideravelmente inferiores aos da Comunidade, são hoje significativamente superiores, sem que os rendimentos reais dos agricultores tenham deixado de diminuir.
Agora, as negociações com a Comunidade traduzir-se-ão no congelamento dos preços agrícolas, e também aqui sem que os custos dos factores e meios de produção deixem de subir e que os rendimentos reais dos agricultores deixem de se agravar.
No quadro das denominadas acções horizontais, a iniquidade comunitária é evidente e deita por terra as ilusões que muitos têm de que os auxílios comunitários seriam decisivos para salvar a nossa agricultura:
No que respeita aos planos de desenvolvimento, no fim de 1980 somente 3 explorações em cada 100 tinham sido contempladas, e as regiões desfavorecidas apenas beneficiaram de 18,5% do total dos planos aprovados, para já não falar da enorme massa dos rejeitados;
Nó que respeita à modernização das explorações agrícolas, a Alemanha foi o único país a utilizar as ajudas para o emparcelamento e à irrigação;
No respeitante à cessação da actividade agrícola e afectação das terras libertadas, as medidas comunitárias apenas incidiram em 1,2% da superfície agrícola útil;
Para a formação profissional dos agricultores, ao fim de 9 anos apenas foram utilizados cerca de 18% do montante orçamentado, e a Itália e a Irlanda nem sequer aplicaram as medidas, por não poderem suportar os encargos. E Portugal, poderá suportá-los?;
Em termos de indemnizações compensatórias para a agricultura de montanha e de zonas desfavorecidas, só 27,4% das explorações situadas nas zonas desfavorecidas receberam indemnizações, e na Itália 6 regiões das mais pobres não beneficiaram de um único ECU.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Durante a primeira etapa de adesão, segundo afirma o Governo, Portugal não será um contribuinte líquido e terá a produção interna protegida.
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A verdade é que o empréstimo de 1000 milhões de ECU se não resulta directamente da previsão de um saldo acentuadamente negativo para Portugal é, no mínimo, a confirmação de que a adesão se traduziria num forte agravamento da nossa balança de pagamentos.
A protecção das nossas produções, através de medidas de fronteiras, de restrições quantitativas às importações, de mecanismos nacionais de protecção por via dos preços e a absorção dos prélèvements para o Orçamento do Estado, no curto prazo traduzir-se-ão no agravamento acentuado dos preços ao consumidor e após o início da segunda etapa da adesão, traduzir-se-ão ainda em custos astronómicos para o País.
Os prélèvements e os montantes compensatórios passarão a ser pagos à Comunidade, o custo das nossas importações de bens essenciais será demolidor. A protecção aos nossos produtos, por via dos preços, terá custos elevadíssimos e não funcionará.
Com efeito, como poderemos em 5 anos atingir & normalização imposta para as nossas frutas e legumes e competir com os produtos da Comunidade, sobretudo os da nossa vizinha Espanha?
Quando hoje se assiste às reacções dos agricultores franceses, com uma agricultura mais fone que a nossa, perante a invasão dos horto-frutícolas espanhóis, destruindo produtos e queimando camiões na fronteira, não podemos deixar de nos interrogar sobre as consequências para Portugal da livre circulação dos produtos agrícolas.
Como poderemos em 5 anos atingir nos cereais, rendimentos físicos minimamente aproximados dos europeus, ou satisfazer as exigências comunitárias quanto a lotes mínimos e homogéneos de intervenção, quanto a específicos e teores de glúten? A maior pane da nossa produção cerealífera será fortemente depreciada e paga como cereal forrageiro.
Como poderemos aumentar a produtividade com custos de factores e meios de produção já hoje bem mais elevados que os da CEE? Que cálculo econométrico fez o Governo para compatibilizar estes custos com os acréscimos de produtividade?
Uma voz do PCP: - Muito bem!
O Orador: - O regime de exclusividade da recolha e concentração do leite por parte das organizações dos produtores de leite está na base, indiscutivelmente, do desenvolvimento do sector tendo possibilitado que seja neste que se obtém rendimentos mais próximos da Comunidade.
As cedências negociais, aceitando o princípio da liquidação deste regime e a extinção do preço ponderado para o primeiro escalão, ameaçam todo o esforço e investimento realizados ao longo de anos, comprometem inevitavelmente o reforço e desenvolvimento da produção leiteira, liquidam milhares de explorações leiteiras, exactamente entre aquelas que asseguram hoje mais de 70% do leite produzido no País.
Quantos milhares de hectolitros de vinho serão obrigatoriamente queimados, recebendo os produtores apenas 50% ou menos do preço dos vinhos correntes?
Que garantias obtiveram os negociadores portugueses ou que nos podem apresentar agora, aqui, no que respeita a programas específicos para a agricultura que nos preservem, efectivamente, das restrições ao aumento da produção de bens essenciais de que somos acentuadamente carentes e a Comunidade altamente ex-cedentária?
Que garantias dá este Governo de saber ou conseguir utilizar as verbas que, em princípio, estão à disposição para a agricultura, quando, à partida, nem sequer conseguiu utilizar convenientemente as ajudas de pré-adesão, estando já a pedir derrogações por 2 anos para estas?
Mal acautelados foram também os interesses do País no que respeita à quota para produção da beterraba sacarina. Mal acautelados estão os interesses do País em relação à garantia das ajudas para a nossa produção de concentrados de tomate, que é, exactamente, um dos dois produtos que totalizam 70% das nossas exportações. Nunca poderia, por isso, ficar fortemente condicionado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Dir-se-á que esta leitura, esta análise foi uma análise pessimista ou mesmo calamitosa.
O Sr. Vítor Hugo Sequeira (PS): - Não?!...
O Orador: - Eu diria, tão-somente, que foi uma análise real dos problemas, aguardando que esta Assembleia ou o Governo os equacionem de forma diferente e fundamentada.
Terminarei dizendo que não estamos a discutir a Comunidade que muitos de nós desejaríamos. Estamos a discutir aquela que existe, com todas as suas distorsões, com todas as suas iniquidades: uma Comunidade que tem servido os interesses dos países desenvolvidos, os interesses das multinacionais do ramo agro-alimentar e não os interesses da agricultura, do progresso, da justiça social e da igualdade entre os países.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputados Rogério de Brito, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.
O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Deputado Rogério de Brito, em determinada altura da sua exposição, V. Ex.ª falou sobre a importação de 70% de produtos alimentares, do abismo na tecnologia de produção, dizendo que estaríamos apenas a um terço da CEE, e pôs em dúvida a capacidade dos nossos agricultores para a reconversão e modificação da agricultura, ao dizer que 5 anos são curtos. Sobre isto, direi que 5 anos não são muitos mas não são tão curtos como isso porque - como sabe - os nossos agricultores têm uma capacidade de reconversão extraordinária, desde que se lha indique e sejam motivados para o efeito.
Mas talvez lhe dê alguma razão pois a motivação para os agricultores não tem sido a melhor. Diria mesmo, que a entrada no Mercado Comum, em vários aspectos, particularmente no aspecto agrícola, tem de ser, essencialmente, um acto pedagógico e um acto pedagógico importante. E creio que seria bom que aqui o citássemos e falássemos sempre neste aspecto.
Mas uma vez que estou a pedir-lhe esclarecimentos, gostava de saber se o Sr. Deputado e o seu partido estão ou não de acordo com o salto qualitativo que tem de ser dado, isto é, o da modernização de estruturas e eventual alteração de culturas e adequação às nossas regras de conveniência.
Está ou não de acordo com os 87,5 milhos de contos, por 10 anos, para a modernização da agricultura no Programa de Desenvolvimento da Agricultura Portuguesa (PDAP)?
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Está ou não de acordo quanto a estarmos agora em condições de estimular a produção interna dos principais bens de consumo da dieta alimentar dos Portugueses, de maneira a deixarmos de estar tão dependentes do exterior?
Aceita ou não a manutenção escandalosa dessa dependência do exterior?
Está ou não de acordo que se evitem os efeitos negativos da eventual introdução de vinhos comuns, accionando medidas de protecção aos vinhos de qualidade?
Está ou não de acordo com medidas de aproveitamento integral dos vales do Lima, do Mondego, do Tejo, do Sorraia, do Sado e do Guadiana?
Está ou não de acordo com o plano de regularização do Tejo?
E, uma vez que falou no FEOGA, também podemos falar, por exemplo, no FEDER. Sobre, isto, pergunto-lhe se está de acordo com as palavras do Presidente do Parlamento Europeu, o Sr. Pierre Pflimlin ao dizer que o FEDER não é o único instrumento de que a Comunidade Europeia dispõe para ajudar as regiões mais atrasadas. O Fundo Social, o FEOGA, podem, também eles, servir para fornecerem recursos às regiões mais frágeis, permitindo-lhes reforçar as suas estruturas.
Na verdade, a política regional deveria consistir na utilização de todos os meios de que a Comunidade dispõe para promover um desenvolvimento harmonioso das regiões, isto é, vários fundos para comungar. Quero dizer que tanto o FEOGA como o FEDER são capazes disso.
Sr. Deputado, as minhas perguntas dirigem-se a V. Ex.ª e ao seu partido, que não concordam com a entrada de Portugal na CEE. Mas as vossas autarquias não parecem ter a mesma opinião, já que tenho conhecimento de que essas vossas autarquias já apresentaram nas CCR projectos de vários milhões de contos para - imagine-se!... - serem suportados pelos fundos de desenvolvimento regional da CEE.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Deputado Alberto Avelino, tantas perguntas para 3 minutos de resposta! Bem, vou tentar responder-lhe o mais rapidamente possível.
Sobre a questão da nossa capacidade para a reconversão em 5 anos - e o Sr. Deputado colocou-a em termos de eu duvidar da capacidade dos nossos agricultores -, dir-lhe-ei, Sr. Deputado, que do que eu duvido é dos mecanismos para apoiar a capacidade dos nossos agricultores.
De qualquer modo, gostaria que o Sr. Deputado me dissesse, por exemplo, quais são as variedades de fruteiras que conhece que poderiam ser plantadas - e admitamos que todas seriam plantadas já no próximo ano - e estarem em condições de garantir a normalização exigida ao fim de 5 anos.
Gostaria de perguntar-lhe de que tempo dispunha o Sr. Deputado para reconverter os nossos pomares e se tem ideia de que só a reconversão dos nossos pomares era capaz de absorver os tais 87 milhões de contos, no prazo de 10 anos - isto se tiver em conta que a reconversão de um pomar fica, hoje em dia, à volta dos 900 «contitos» por hectare...
Por outro lado, gostava de perguntar-lhe se tem a noção de como se obtêm os aumentos dos rendimentos físicos das produções, designadamente, dos cereais. É que, aumentar a produtividade não depende apenas da melhoria das variedades genéticas à disposição dos agricultores que, por enquanto, até não existem em condições! Mas mesmo que existissem, cada variedade tem a sua especificidade, exige uma nova tecnologia, exige um novo equacionamento dos factores da produção. Onde estão os meios para, em 5 anos, se conseguir aquilo que países desenvolvidos não conseguiram nem em 10 anos nem em 15?
Eu disse hoje - durante uma pergunta que fiz ao Governo - que, para aumentar cerca de 20% dos rendimentos unitários, a Europa desenvolvida careceu de 10 para 15 anos. Como é que o senhor quer que a gente, em 5 anos, aumente um diferencial tão grande quanto aquele que temos?
Em relação à necessidade de dar saltos qualitativos, é evidente, Sr. Deputado, que precisamos de dar saltos qualitativos. É evidente que precisamos de reduzir a nossa dependência económica.
Também é verdade que a nossa dependência económica e os nossos interesses se confrontam, inevitavelmente, com os interesses da CEE, que são antagónicos: o Sr. Deputado não pode desconhecer que existem na CEE medidas restritivas ao aumento de produção. Mais: no próprio acordo negocial está explícito que Portugal se deve submeter, desde a data da adesão, à disciplina da produção. E o que é que isto quer dizer? É que a própria expansão de produções importantes para nós está fortemente condicionada. È que o Sr. Deputado verá que vai uma grande distância entre as palavras mais ou menos dúbias de um texto e a aprovação dos projectos que depois forem apresentados.
Em relação à questão dos vinhos, da sua qualidade, etc., digo-lhe que isso está fora de causa, que nós devemos ter vinhos de qualidade, bons vinhos, como é óbvio. O que aqui se põe é a questão sobre quais os apoios para a obtenção de vinhos de qualidade, sendo certo que, por imposição da própria CEE, por exemplo, em relação à reconversão dos vinhos no Douro, as áreas mínimas a serem consideradas para apoios de reconversão são de 3 ha, quando é verdade que a esmagadora maioria dos viticultores dessa região têm áreas inferiores a essa.
Em relação às ajudas do FEDER, às ajudas de desenvolvimento regional, etc., e apesar de não ter tempo para mais, sempre lhe direi que independentemente de todas essas ajudas, de que outros países da Comunidade têm disposto, há uma coisa que é verdade: as assimetrias regionais entre países não deixaram de se agravar ao longo de todos estes anos. Os países mais pobres não deixaram de ser cada vez mais pobres e os mais ricos cada vez mais ricos.
Os países mais desenvolvidos tecnologicamente continuam a manter padrões de distanciação bastante grandes e até dilatados em relação aos países tecnologicamente menos evoluídos.
O Sr. Rogério Martins (PSD): - É mentira!
O Orador: - Ouvi dizer que isto não é verdade. Então, se dizem que não é verdade, apresentem os números porque aqueles a que eu recorri são, exactamente, os números da própria CEE. Não apresentei
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hoje aqui números tirados de nenhum lado a não ser dos documentos emitidos pela Comunidade.
A não ser que os Srs. Deputados queiram dizer que os próprios documentos da Comunidade estão viciados?!. .. Mas isso é um problema vosso e da Comunidade!
Sr. Deputado Rogério Martins, não tenho tempo para lhe responder a mais questões.
Aplausos do PCP.
Uma voz do PCP: - Viciados estarão!
O Sr. Ministro da Agricultura (Álvaro Barreto): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito deseja usar da palavra, Sr. Ministro?
O Sr. Ministro da Agricultura: - O Sr. Ministro de Estado diz-me que tenho 1 minuto para intervir e é evidente que, face à intervenção do Sr. Deputado, eu levaria muito mais tempo para dar explicações convenientes. No entanto, eu queria fazer apenas duas pequenas correcções a várias acusações que foram aqui...
Vozes do PS e do PSD: - Não pode!
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, lamento muito mas, V. Ex.ª, ou se inscreve para proferir uma intervenção - e terei muito gosto em dar-lhe a palavra - ou, não sendo para isso, não pode usar da palavra.
O Sr. Ministro da Agricultura: - Sr. Presidente, então pretendo fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Rogério de Brito.
O Sr. Presidente: - Lamento muito, Sr. Ministro, mas V. Ex.ª não pode fazer essa pergunta pois o Regimento assim o diz.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Regimento é Regimento!
O Sr. Ministro da Agricultura: - Então lamento, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Desculpe, não é por V. Ex.ª mas é pelo Regimento que não lhe posso dar a palavra. O Regimento diz que não pode e o Sr. Ministro não pode fazer essa pergunta.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr.ª Deputada.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Sr. Presidente, como nós pretendemos que neste debate haja um esclarecimento das questões que se têm levantado sobre a adesão de Portugal à CEE e como o Sr. Ministro está disposto a fornecer uma explicação, solicitamos à Mesa e à Assembleia o consenso necessário para que essa explicação possa ser dada pelo Sr. Ministro da Agricultura.
Simultaneamente, solicito ao Sr. Deputado Manuel Alegre esta pequenina interrupção.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, V: Ex.ª não se deve dirigir à Mesa para infringir o Regimento, mas, sim, à Assembleia, se assim o desejar.
A Mesa não pode dar a palavra ao Sr. Ministro, mas se a Assembleia quiser contrariar a decisão da Mesa está no direito de o fazer.
Algum dos Srs. Presidentes dos grupos parlamentares deseja usar da palavra para esse efeito?
Pausa.
Como nenhum Sr. Deputado se inscreveu, dou a palavra ao Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados e Srs. Membros do Governo: A conclusão das negociações para a assinatura do Tratado de Adesão à CEE constitui uma dupla vitória da Comunidade e de Portugal. Vitória da Comunidade sobre as tentações egoístas, burocráticas e euro-centristas. Vitória de Portugal sobre a tentação isolacionista e as quimeras e os fantasmas do Quinto Império e seus sucedâneos. Uma vitória que consolida a opção democrática de Portugal e abre o caminho à renovação do ideal europeu. De certo modo, é como que uma desforra histórica dos vencidos de Alfarrobeira, de todos aqueles que, em todos os tempos, desde o malogrado Infante D. Pedro até António Sérgio, sempre consideraram um erro trocar a boa capa por mau capelo e sempre defenderam o primado da fixação metropolitana e europeia de Portugal. Com efeito, se é verdade que a aventura marítima fez de Portugal uma nação piloto, pioneira do espírito europeu, se criou a mundialização dos fenómenos económicos e culturais e representou o contributo mais alto de Portugal para o avanço da história humana e para a construção da própria Europa, não é menos verdade que a política de conquista foi, como assinalou Antero, uma das causas fundamentais de decadência. Uma decadência agravada por 4g anos de ditadura e isolacionismo e por 13 anos de guerras coloniais cujas consequências haviam de reflectir-se dolorosamente na vida nacional, no prestígio externo do nosso país e no próprio processo dê descolonização.
Por isso mesmo, a luta pela democracia em Portugal esteve sempre ligada a uma perspectiva europeia. O processo agora em vias de conclusão há-de considerar-se como o corolário lógico da restauração da democracia e não pode deixar de ser visto como uma das conquistas mais importantes do 25 de Abril, já que este se fez para democratizar, descolonizar e desenvolver, ou seja, para restituir Portugal à sua plena identidade de país europeu, parte integrante de uma civilização baseada no primado do homem e nos valores da liberdade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Há muito que este debate devia ter sido realizado. Lamento que assim não tenha acontecido, como lamento a marginalização a que, neste domínio, tem sido votada a Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - Creio, no entanto, que deve fazer-se um esforço para ultrapassar a abordagem conjuntural de um acontecimento de que importa sobretudo realçar o significado político, Histórico e cultural. Significado esse que há-de prevalecer para além de qualquer tentação triunfalista ou bota abaixista. Seria mesquinho quedarmo-nos pela glorificação do Governo por causa da adesão ou pela demolição desta por causa do Governo.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sem esquecer a inteligência e a dignidade 'com que as negociações foram conduzidas pela parte portuguesa e sem pôr em causa o direito de ser contra a adesão, importa sobretudo assinalar que estamos perante um acontecimento que vai de facto ter consequências históricas. Consequências boas e consequências más, dependendo fundamentalmente de todos nós que aquelas se sobreponham a estas. Porque não haja ilusões, estamos perante uma aposta que é também um risco, como sucede com todas as opções que verdadeiramente tocam a vida dos povos. Não se trata de colocar uma miragem no lugar de outra miragem. A Europa onde vamos entrar agora não é o sucedâneo da índia, do Brasil ou da África de ontem. A questão essencial continua a ser a de saber se seremos ou não capazes de, como diz Torga, «achar as índias de dentro». Ou seja: a integração europeia não substitui a necessidade de nos integrarmos primeiro em nós próprios. E só terá sentido se formos capazes de construir Portugal em Portugal, através do esforço nunca feito de mobilização dos nossos recursos humanos e materiais, de reestruturação económica e social, com uma nova mentalidade e um novo espírito, uma renovada confiança em nós mesmos e uma nova perspectiva de justiça, de solidariedade e afirmação nacional. Sem megalomanias desajustadas. Mas também sem derrotismo nem complexos de inferioridade.
Ajudámos a construir a Europa no passado. Podemos hoje, juntamente com a Espanha, contribuir para a renovação do ideal europeu, insuflando um novo dinamismo à Comunidade e ajudando a construir uma Europa mais solidária e consciente da necessidade de um papel mais activo e mais autónomo, uma Europa que tenha uma palavra própria a dizer e não seja um simples peão no jogo das superpotências, uma Europa menos burocrática e mais democrática, uma Europa menos euro-centrista e mais universal, capaz de um novo tipo de relacionamento com os povos do Terceiro Mundo, nomeadamente com os povos de África e da América Latina, em relação aos quais Portugal e Espanha são detentores de um incomparável capital histórico, linguístico e cultural.
O grande ideal europeu está ainda em grande parte por realizar. Como escreveu Mário Soares:
A Europa que os Pais Fundadores da CEE desejavam era mais que uma Europa de livre troca. Era uma Europa das complementaridades, um espaço económico solidário, politicamente unido, com uma voz unívoca e independente, em que os valores e os contributos próprios de cada Estado seriam motivo de enriquecimento e não de fraqueza.
Portugal e a Espanha têm um contributo próprio e insubstituível na construção de uma nova Europa. Um contributo que poderá ajudar a Europa a reconquistar a sua credibilidade e a apresentar ao Mundo «a imagem de um continente renovado, solidário e dinâmico». Por isso a nossa atitude não pode ser de passividade. Não haverá milagres. Como disse Felipe Gonzalez:
A Europa não vai oferecer-nos nada; vai, sim, pedir-nos um grande esforço.
É esse esforço que temos de fazer. Por nós e pela Europa cujo destino partilhamos. Transformando-nos e ajudando a Europa a transformar-se.
Num belo livro, o saudoso Prof. Joaquim Barradas de Carvalho perguntava que rumo: Europa ou Atlântico? Eu penso que a aventura atlântica de Portugal foi o seu singularíssimo modo de se afirmar como país europeu. E penso que a integração europeia, assim entendida, pode e deve dar uma nova projecção à permanente vocação atlântica de Portugal. Não há contradição; há complementariedade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Portugal foi europeu sendo atlântico e será tanto mais atlântico quanto mais capaz for hoje de ser europeu.
É precisamente nesta dimensão que reside o contributo mais original que Portugal pode dar à construção de uma Europa renovada e que, simultaneamente, está a possibilidade de uma renovada afirmação de identidade nacional.
Sem esquecer a lição mais importante da nossa história, a que, desde um Sá de Miranda até um António Sérgio, nos tentaram transmitir alguns altos espíritos que muito pensaram e sofreram Portugal: a de que não há salvação vinda de fora; o futuro de Portugal está, antes de mais, em Portugal e nos Portugueses.
Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui de Almeida Mendes.
O Sr. Rui de Almeida Mendes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Concretizou-se finalmente o objectivo nacional pelo qual o PSD sempre lutou!
Este projecto foi, durante muitos anos, um sonho de alguns, depois, a tarefa de muitos e só agora, a esperança dos portugueses.
Que me seja permitido recordar neste momento quem viveria, plena e intensamente, este momento.
Recordo Francisco de Sá Carneiro, recordo aquele que foi o grande líder do PSD, o esclarecido governante que deu à causa da integração europeia todo o seu saber, a sua tenacidade de propósitos e capacidade de liderança.
Aplausos do PSD.
Teve ainda, na véspera de morrer, a satisfação de ver concretizado um seu projecto, o Programa de Acções Comuns, do qual o País ainda hoje beneficia e que marcou de forma indelével o empenhamento das Comunidades no desenvolvimento e na modernização de Portugal.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
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O Orador: - E recordo Sá Carneiro, porque ele foi, ainda antes do 25 de Abril, um lutador pela plena integração de Portugal nas Comunidades Europeias, como via para alcançar a democracia.
Era quando, em 1972, se discutiam neste mesmo local físico, os Acordos Comerciais entre Portugal e as Comunidades Europeias.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o projecto de integração de Portugal nas Comunidades Europeias foi, no decorrer destes últimos anos, um projecto nacional, e julgo que o será ainda mais no futuro.
Iniciado em 1977, no I Governo Constitucional, presidido pelo Dr. Mário Soares, foi prosseguido por todos os governos que se sucederam no executivo.
E o PSD e CDS, então na oposição, aprovaram-no e apoiaram-no imediatamente.
Não era um projecto de uma pessoa, de um partido. Era e é um projecto nacional democrático.
E, desde então, quer estes partidos estivessem no poder, quer na oposição, todos sempre colaboraram nesse objectivo, que era comum.
Não houve falhas, não houve quebras de solidariedade nacional.
Mas a adesão não foi, nem é, apenas uma tarefa de governantes ou de partidos políticos.
As forças sociais, as organizações sindicais, as associações empresariais, todas nela se empenharam.
E também os organismos religiosos se associaram a esta empresa. O Presidente dá Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia (COMECE), Monsenhor Jean Hengen, escreveu no princípio deste mês aos Presidentes das Conferências Episcopais Portuguesa e Espanhola para se regozijar com a entrada de Portugal e da Espanha na Comunidade «entrada que deveria ser uma ocasião privilegiada para nos interrogarmos sobre os nossos julgamentos e os nossos hábitos e ocasião para nos abrirmos a novos horizontes», sublinhando ainda que o alargamento deveria contribuir para «criar um maior respeito pelos trabalhadores migrantes».
Mas todo este esforço, que foi importante na fase que agora se encerra, deverá ser desenvolvido ainda mais no futuro.
Não foi uma época que se encerrou. Eu diria antes: acabaram as negociações, começaram as negociações!
Poderia parecer um contra-senso, mas é agora, que nos vamos integrar nas Comunidades, que começará todo um outro tipo de negociações, não já como país terceiro, mas como membro actuante na formação da vontade comunitária, na tomada de decisões que afectarão o nosso país, mas também os nossos parceiros ou outras partes do Mundo.
Temos assim de dar o nosso melhor, para sermos um membro válido na tarefa diária da construção europeia.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: poderia hoje falar dos aspectos mais relevantes das matérias que acabam de ser negociadas.
Mas não o pretendo fazer. Entendo que isso terá a sua sede própria na ocasião em que discutiremos, nesta Assembleia, a ratificação do Tratado de Adesão.
Detenhamo-nos antes, nos grandes objectivos políticos.
Porquê a adesão? Quais são as suas vantagens?
A adesão não pode ser julgada apenas numa perspectiva mercantil.
A Comunidade é uma verdadeira união de povos democráticos que, através de uma integração económica cada vez mais íntima, pretendem conseguir a prazo a unificação política do continente. E Portugal quer participar neste empreendimento histórico.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, tanto no mundo dos negócios como ao nível das relações políticas internacionais, é necessário ter uma dimensão que ultrapassa a escala nacional e só a Comunidade pode dar essa dimensão aos Estados que a compõem.
E no plano económico, a comunidade dispõe de políticas comuns, como a agrícola e a das pescas, que oferecem vantagens para o desenvolvimento de Portugal, se devidamente aproveitadas.
A Comunidade é também um espaço de solidariedade económica, por via da união aduaneira, que permitiu um crescimento espectacular do comércio intracomunitário, representando hoje cerca de metade do comércio total dos Estados Membros. Esta solidariedade económica foi ampliada pela solidariedade financeira no âmbito do sistema monetário europeu, o qual permitiu reduzir as flutuações monetárias.
Mas, para além destes aspectos, a Comunidade é também um vasto espaço social e, para um país como Portugal, com uma importantíssima emigração para países da Comunidade, os princípios comunitários da livre circulação dos trabalhadores e as disposições sobre a segurança social dos trabalhadores migrantes constituem uma enorme vantagem, que nunca poderia ser obtida através de acordos bilaterais.
Com efeito, a livre circulação dos trabalhadores - um dos fundamentos essenciais da Comunidade - é um direito próprio e exclusivo dos nacionais dos Estados Membros, que lhes permite deslocarem-se livremente na Comunidade para ocupar um emprego e beneficiar da igualdade de tratamento relativamente aos trabalhadores nacionais, sendo proibida qualquer forma de discriminação.
Portugal já não terá, no futuro, de negociar acordos bilaterais com os países membros da Comunidade sobre as condições de trabalho dos seus nacionais.
O direito comunitário, cujo cumprimento é fiscalizado pela Comissão e pelo Tribunal de Justiça, serão suficientes. Há períodos transitórios para aplicação integral destas regras mas, ultrapassados esses prazos, aplicar-se-ão plenamente.
Não é só nestes domínios que os nossos emigrantes beneficiarão.
Muitos deles, já adaptados e dispondo de poupanças, lançam-se na criação das suas próprias empresas e o direito de estabelecimento permite-lhes aceder a qualquer actividade económica, nos mesmos termos que os nacionais, dos países onde residem.
Bastaria este contributo que a adesão vem dar à defesa da liberdade do homem, ao respeito da sua dignidade e à garantia dos seus direitos, para que se justificasse plenamente.
No domínio político, a adesão protegerá e reforçará o regime democrático em Portugal, que necessita de estabilidade e de progresso social, de liberdade e de paz, objectivos que são prosseguidos mais seguramente no seio da Comunidade, visto que são os seus fins fundamentais.
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A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas para a própria Europa também a adesão de Portugal é relevante politicamente, pelo reforço do flanco sudoeste, contribuindo para a estabilidade e a paz na região mediterrânica, área vital para a segurança do mundo ocidental, mas agora fortemente ameaçada.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Outras zonas existem em que a nossa adesão contribuirá para o desenvolvimento do papel que a Comunidade desempenha na política mundial. Refiro-me à África de expressão oficial portuguesa e ao Brasil.
E chamo a atenção desta Assembleia para o facto de a Espanha ter exigido, no decorrer do processo negocial, que a Comunidade alargada se comprometesse, por meio de uma declaração, a desenvolver os seus laços com o continente latino-americano.
Não vejo aqui o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros mas gostaria de saber qual é a posição do Governo relativamente a esta matéria e se nos esquecemos da posição especial que temos relativamente ao Brasil.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Comunidade a que vamos pertencer, para além de aberta ao Mundo, está também aberta ao progresso.
Não vamos aderir a uma realidade estática, antes a uma Comunidade que se perspectiva no futuro.
Para além das políticas fundamentadas nos tratados, como a política agrícola comum ou a política regional, a Comunidade tem alargado a sua actividade a outros domínios. Refiro-me à cooperação política, pela qual os Estados Membros procuram coordenar as suas políticas externas freme ao mundo exterior, ao sistema monetário europeu e à sua unidade monetária, o ECU, bem como aos progressos no sentido de uma política energética comum.
E, mais recentemente, o desenvolvimento de programas europeus de pesquisa, como o Programa Esprít, das tecnologias de informação: a tentativa da criação de um mercado europeu para as telecomunicações; os programas respeitantes à fusão termonuclear controlada, e às biotecnologias, etc.
Mas também no domínio político se fizeram progressos, como a eleição dos deputados por sufrágio directo, o Projecto de Tratado da União Europeia, elaborado pelo Comité Spinelli, os trabalhos do Comité ad hoc para as questões institucionais.
A Comunidade é assim um organismo vivo, em expansão, de conformação irregular, que se vai adaptando às necessidades.
Se faço esta afirmação, Sr. Presidente e Srs. Deputados, faço-a para que não fiquemos a contemplar o passado, inactivos, em discussões estéreis sobre miríficas alternativas de um conteúdo negocial.
Julgo antes que, neste momento, se trata de mobilizar as forças e energias nacionais e dispor os meios para que possamos acompanhar a Comunidade na sua evolução futura.
A adesão é um grande desafio para Portugal, mas também não deixa de o ser para a própria Comunidade. Ao alargar-se a outros países europeus, no cumprimento do que tinha sido os desígnios dos seus países fundadores, a Comunidade original assumiu elevados riscos.
Este segundo alargamento, o alargamento para o Sul, levanta ainda problemas de natureza económica e social mais graves, dado o diverso nível de desenvolvimento económico.
Como afirmei nesta Assembleia, no dia 12 de Julho último, esperava que a Comunidade saberia mostrar-se justa e generosa para com Portugal. Efectivamente assim sucedeu, e o balanço financeiro é-nos francamente favorável.
Mas tenhamos plena consciência de que a nossa missão na Europa não é a de sermos assistidos. O nosso dever é prepararmo-nos para sermos parceiros em plenitude de direitos e deveres, dando o contributo que nos compete para a construção europeia. E esta é uma enorme responsabilidade que assumimos não só para com o nosso país mas também para com o povo europeu.
Estando aqui presente o Governo, mais premente faço esta afirmação.
Serão muitos os interesses que vão ser afectados. A Comunidade, regida por regras de mercado, não se compadece com a ineficiência, pelo que certas empresas e actividades desaparecerão para dar lugar a novas.
O aumento de produtividade, a melhoria da formação profissional, serão exigências muito maiores que actualmente. Ë a modernização que tem tardado na economia portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Seja-me permitido concluir esta intervenção com as palavras de Francisco Sá Carneiro nesta Assembleia, em 10 de Fevereiro de 1977:
Como partido regozijamo-nos, visto que sustentamos desde Novembro de 1974, data da aprovação do nosso programa, que a integração de Portugal na Europa era possível e desejável, era o futuro do caminho do progresso e da democracia portuguesa.
Aplausos do PSD, do PS e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rui Mateus.
O Sr. Rui Mateus (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Concluídas com êxito as negociações iniciadas pelo I Governo Constitucional e as Comunidades Europeias em 1977. caberá agora à Assembleia da República a última palavra ao pronunciar-se para ratificar o Acordo estabelecido. Justifica-se assim plenamente a realização deste debate, que mais não é do que a continuação, em Plenário, do debate que vimos mantendo na Comissão Parlamentar de Integração Europeia e que,, ainda na passada semana, actualizámos por ocasião da XI Reunião do Comité Misto AR/PE. É esta igualmente uma excelente oportunidade para discutir o futuro, visto que o passado, e nomeadamente o processo negocial agora concluído, é do conhecimento geral, e o futuro imediato tem a ver essencialmente com a ratificação do Tratado de Adesão a efectuar nesta Assembleia.
Na opinião do Partido Socialista, amplamente compartilhada pelo maior grupo político da Comunidade Europeia - o grupo socialista -, que até ontem esteve reunido em Congresso, em Madrid, não só as negociações foram concluídas com êxito para Portugal como, em alguns casos importantes, os resultados ob-
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tidos ultrapassaram aquilo que, de um modo geral, se previa. A atestá-lo estão as recentes declarações do ex-ministro da Agricultura francês Michel Roccard.
A opção da nossa integração na CEE, definida nesta Assembleia, em Dezembro de 1977, com o apoio inequívoco do PS, do PSD e do CDS «de acordo com uma iniciativa em boa hora tomada pelo governo do Partido Socialista», conforme disse em Janeiro de 1980, na Assembleia da República o então Vice-Primeiro-Ministro e Ministro dos Negócios Estrangeiros, Prof. Freitas do Amaral, tem vindo a ser desde então reiterada por todos os governos em que aqueles 3 partidos participaram. Justificou-se essa opção, na altura, por razões políticas, culturais e económicas de adesão de Portugal a uma Comunidade com a qual os Portugueses se sentem plenamente identificados. E, apesar da morosidade das negociações, das várias mudanças de governo em Portugal e nos países da CEE, de um certo grau de incompreensão - senão mesmo fadiga, quanto a certos aspectos técnicos das negociações -, bem como do aumento de dificuldades económicas no seio da CEE, há que constatar que em nada foram alterados os pressupostos que fundamentaram a opção das principais forças democráticas portuguesas. Significa isto que a este projecto nacional, bem como ao processo negocial que culminou com o acordo alcançado em Bruxelas há pouco mais de 1 semana, sempre estiveram associados o PS, o PSD e o CDS e a todos eles há que reconhecer os méritos da nossa adesão que se espera tenha lugar em 1 de Janeiro de 1986.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - E porque não mudaram as razões que motivaram a nossa opção e a colocaram sempre em lugar de relevo no quadro da política externa portuguesa
- com excepção para o breve interregno do governo de gestão de Maria de Lourdes Pintassilgo -, tem hoje a maioria esmagadora desta Assembleia boas razões para se congratular.
Em situação semelhante se situam os 10 países da CEE, que, ao alargarem a Comunidade a 12, enriqueceram o seu próprio espaço geográfico, humano, cultural e económico, passando a ter renovados motivos de optimismo quanto ao futuro da própria Europa das Comunidades. Todos o reconheceram já e será suficiente salientar o regozijo que este alargamento tem provocado em tantos países no chamado Terceiro Mundo e a apreensão que ele causa, igualmente, entre as superpotências.
Prevê-se agora, para breve, a assinatura do Tratado de Adesão que esta Assembleia e os parlamentos nacionais dos 10 países da actual CEE terão de ratificar. Convém esclarecer aqui que só ao Governo coube a competência para negociar o acordo estabelecido, enquanto é inegável que aos parlamentares caberá a sua ratificação. Tal esclarecimento poderia parecer supérfluo, não fosse a manipulação que o Partido Comunista tem vindo a fazer desta opção nacional apoiada pela esmagadora maioria dos portugueses. O Partido Comunista, ao rejeitar por completo - aliás no uso de um indiscutível direito próprio - a adesão do nosso país à CEE parece, contudo, querer, por vezes, assumir competências que não tem, sub-repticiamente, reivindicando o direito de estar simultaneamente em oposição às negociações e de nelas querer participar,
reclamando, sem qualquer lógica, que o Governo informasse a priori do que ia negociar.
Ora, o PCP, para além de poder exprimir livremente a sua opinião - como aliás o tem feito amplamente -, terá reconhecida a sua competência nesta matéria e o seu momento de glória, quando aqui votar a ratificação do Tratado de Adesão. E aconteça o que acontecer, ainda iremos ter o prazer de acompanhar a participação do Partido Comunista, no Parlamento Europeu, onde será confrontado com outros partidos comunistas que têm uma visão da CEE radicalmente diferente da sua.
Vozes do PS: - Muito bem!
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Não faz mal!
O Orador: - Teremos agora de encarar, como prioridade, um próximo debate para a ratificação do Tratado de Adesão, que seja, simultaneamente, um sinal inequívoco da nossa vontade de adesão para os parlamentos dos Dez, sensibilizando-os para a ratificação que eles próprios terão de concluir no curso de 1985 e a expressão do sentimento maioritário dos portugueses. Decorre igualmente das reuniões de trabalho que os parlamentares portugueses têm tido com o Parlamento Europeu, no âmbito do Comité Misto, ser da maior importância proceder com rapidez à designação dos 24 deputados desta Assembleia que, a partir do próximo ano, representarão oficialmente Portugal no Parlamento Europeu. A urgência desta medida terá de ser compreendida, dada a necessidade e vantagem dos deputados portugueses poderem vir a participar nos trabalhos do Parlamento Europeu já no período que dista entre a assinatura do Tratado de Adesão e a entrada efectiva de Portugal na Comunidade. Ter-se-á em conta a importância desta medida, se se compreender que se discutem no Parlamento Europeu, actualmente, dentro das suas várias Comissões, assuntos da maior importância para o futuro da Comunidade que, por se tratar do futuro, irão afectar o nosso país. Sublinho, como exemplo, os trabalhos da Comissão Dooge sobre a união europeia, onde se discutem actualmente os mecanismos para melhorar o funcionamento das instituições comunitárias. Desejo igualmente salientar que, da última reunião de trabalho entre deputados portugueses com os seus colegas do Parlamento Europeu, ficou clara a ideia de que teremos de pensar, com seriedade e desde já, nas próximas eleições directas para o Parlamento Europeu que deverão ter lugar o mais brevemente possível e não «m 1989, como o acordo estabelecido entre o Governo e a CEE parece indicar.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Chamo a atenção dos senhores deputados para esta preocupação, pois não só as eleições legislativas previstas para 1987 poderão proporcionar uma boa oportunidade para a realização das primeiras eleições directas em Portugal para o Parlamento Europeu como não faria sentido proceder à designação, na Assembleia da República, de entre os seus membros, de uma delegação entre 1 de Janeiro de 1986 e as próximas eleições legislativas portuguesas e uma outra delegação entre estas e as eleições europeias de 1989. Tudo isto, para além dos inconvenientes que o Parla-
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mento Europeu atribui - com justificadas razões - às chamadas delegações interinas.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito bem!
O Orador: - A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia representa, sem dúvida, um grande desafio para os Portugueses. Desafio que todos têm reconhecido e que os socialistas portugueses consideram positivo para Portugal porque acreditam que a abertura desta nova página da nossa história irá proporcionar, ao nosso país e aos Portugueses, um futuro melhor. Não ignoramos o esforço colectivo que nos é exigido - até sermos na actual CEE o país menos desenvolvido dessa Comunidade -, mas não podemos ser indiferentes ao facto de que o esforço de readaptação, de modernização e de desenvolvimento terá de ter lugar, em qualquer caso, sendo obviamente preferível que ele não se faça isoladamente da Comunidade e da família europeia que, solidariamente, manifesta o desejo de nos acolher. O relacionamento de Portugal com a América Latina, com a África, com o Japão e com os Estados Unidos da América, entre outros, vai, sem dúvida, processar-se com vantagens acrescidas para Portugal, dado que passaremos a ter uma voz que se não confina exclusivamente ao nosso espaço territorial e humano mas a um novo espaço europeu, mais de 300 milhões de cidadãos que vivem em democracia e que aspiram à supressão das suas fronteiras internas, à reestruturação profunda das suas economias, ao relançamento de projectos europeus de pesquisa e de novas iniciativas nos domínios industrial e tecnológico, para não falar da criação de uma Europa fone, solidária e socialmente justa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É evidente que em Portugal muito há a fazer e não deveremos cair no erro de imaginar que a nossa entrada na Comunidade Económica Europeia representa a solução automática de todos os nossos problemas. Ë, pelo contrário, a adesão a uma Comunidade também em mutação, que enfrenta grandes desafios e que considera ser mais fácil vencê-los com a participação de Portugal e da Espanha. Nós, pelo nosso lado, aceitamos esse desafio comum, porque acreditamos no nosso destino europeu, integrados numa Europa democrática e de progresso e porque acreditamos que a resolução dos nossos problemas seria bastante mais difícil e dolorosa fora do contexto da Europa das Comunidades.
Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Fazemos a nossa adesão à Comunidade Económica Europeia conscientemente e com ideias próprias quanto ao futuro das próprias Comunidades reforçando, desde já, o grupo dos que acreditam no futuro das instituições comunitárias. É por nos sentirmos nessa grande corrente europeia, que acredita no relançamento do papel da Europa no mundo, que nos congratulamos pela conclusão das negociações e nos preparamos para contribuir para um Portugal novo, numa Europa renovada.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem agora a palavra o Sr. Deputado Torres Couto.
O Sr. Torres Couto (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Como deputado socialista e como sindicalista, congratulo-me com o encerramento das negociações com vista à adesão de Portugal à CEE. Como deputado socialista e como sindicalista espero também que as conversações bilaterais. com a Espanha venham a ser concluídas, a curto prazo e com salvaguarda dos interesses nacionais.
Como deputado socialista e como sindicalista sempre assumi uma posição clara quanto à questão da adesão à CEE, que sempre considerei como uma questão prioritária para o Estado Português.
Esta minha posição de sempre e a minha congratulação de hoje derivam:
Da consciência da necessidade de Portugal se assumir como país europeu e a partir do quadro europeu potenciar as suas relações privilegiadas com outras zonas do globo, nomeadamente com os países africanos de língua oficial portuguesa;
Da necessidade de acautelar o futuro dos Portugueses - mais de 1 milhão -, que já hoje vivem e trabalham nos países integrados na CEE; Da aguda consciência da necessidade e urgente conveniência de modernizar a nossa economia, conquistando do mesmo passo uma posição mais favorável na divisão internacional do trabalho;
Da necessidade de reforçar as condições que assegurem a irreversibilidade do regime de democracia pluralista, pela integração num espaço onde esses valores são respeitados.
Em consequência, sempre nos empenhámos, sem reservas, no apoio às acções desenvolvidas pelos sucessivos governos. Empenhámo-nos nomeadamente, na conquista do apoio dos partidos socialistas europeus e do movimento sindical europeu às posições portuguesas - nesse sentido, eu próprio dediquei uma particular atenção às questões relativas ao dossier social -, no que respeita à superação das dificuldades levantadas pela chamada «reserva do Luxemburgo» e às questões da transferência das prestações familiares e da livre circulação de trabalhadores, procurando assim, salvaguardar os interesses dos portugueses emigrados.
Aplausos do PS e do PSD.
O facto de considerar a questão da adesão como uma questão de Estado, levou-me a não regatear esforços mesmo quando o meu partido não integrava o governo. Acompanhei, inclusive, o Dr. Sá Carneiro em missões na Europa, até porque, nessa altura, também para a AD a adesão constituía a prioridade das prioridades.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Estranhamente, hoje, as posições das forças políticas dessa área já não são tão claras, provocando perplexidade na opinião pública, que já não sabe se apoiam a adesão com entusiasmo, ou se a aceitam como fatalidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
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O Orador: - Esta ambiguidade, derivada da sobreposição de interesses de grupo, aos interesses nacionais é, infelizmente, também patente nas posições de alguns parceiros sociais. A CIP, decidiu de repente, juntar a sua voz às das forças que, da extrema-direita a uma certa esquerda, representam o que há de mais conservador e decadentista na sociedade portuguesa.
Aplausos do PS e do PSD.
É impressionante que, quem tanto fala em liberalismo, se assuste com a iminência de ter de enfrentar desafios, de ter de enfrentar a concorrência.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Endeusam o mercado em público. Em privado, amam o proteccionismo e os condicionamentos dele inevitavelmente derivados.
Vozes do PS: - Muito bem!
Vozes do CDS: - É assim mesmo!
O Orador: - Clamam contra o Estado e a sua intervenção na economia. Porém, a posição em que se colocam é a de quem se pretende furtar a assumir as suas próprias responsabilidades. É a de quem prepara o terreno para, no momento seguinte, estender a mão a dádivas cada vez mais substanciais do erário público.
Vozes do PS e do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não ignoro que o processo de adesão, envolvendo vantagens incontestáveis, envolve, igualmente, custos e riscos. Não ignoro, inclusive, que só agora se inicia a fase mais exigente e determinante.
Não quero, ainda, deixar de assinalar que, até hoje, pouco se tem feito para preparar o País, o Estado, as empresas e os trabalhadores para a adesão.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Mas, isso não me conduz a uma atitude decadentista e fatalista de baixar os braços e de me apresentar como vítima da imprevidência dos outros. A imprevidência tem sido geral e nela têm incorrido governantes e oposição, empresários e certas forças sindicais.
Interpreto a adesão como grande desafio, o maior desafio que, aos Portugueses se põe neste fim de século.
Vozes do P§: - Muito bem!
O Orador: - Mas, ela vem também fornecer um quadro e conceder sentido à afirmação de Portugal no contexto mundial e na situação nova criada pela descolonização e pela adesão da Inglaterra - nosso tradicional aliado e parceiro comercial - à CEE.
Trata-se de um desafio a que não podemos furtar--nos, mas trata-se igualmente de um desafio saudável e saneador. Trata-se de um desafio que porá à prova a Nação Portuguesa e que pode constituir o factor vitalizador da afirmação independente de Portugal nesta mudança de milénio.
É indispensável que os cidadãos deste país, que os agentes económicos e sociais, que os responsáveis políticos e, sobretudo, a juventude não se deixem entorpecer e vencer pelos velhos do Restelo que, ao mesmo tempo que dizem que tudo está mal, se opõem a todas as mudanças.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - De facto, muitas coisas vão mal; mas outras há que estão inegavelmente vivas. Novos dinamismos surgem nas empresas, nas universidades, no movimento sindical, na atitude dos trabalhadores e dos técnicos.
Se perdemos tempo - e perdemos -, só nos resta um caminho: arregaçar as mangas e avançar rápida -, mente na modernização da sociedade portuguesa, na reforma da Administração Pública e do sistema educativo, na elaboração e execução do plano de modernização da economia portuguesa.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Os maiores desafios vamos ter de os enfrentar no plano interno. A descentralização, a regionalização, o desenvolvimento das regiões deprimidas, têm de - « sublinho-o -, deixar de ser meras palavras, para ganhar significado concreto com a sua edificação prática.
Os trabalhadores portugueses e as empresas teriam, em qualquer caso, que enfrentar as mudanças tecnológicas e as transformações nos mercados, que têm vindo a abalar o mundo na última década.
A adesão vai facultar-nos o acesso a meios financeiros significativos. Teremos de optimizar a utilização do FEDER, do FEOGA, do Fundo Social. A adesão vai facultar-nos o estabelecimento de formas de cooperação nos domínios empresarial, cultural, educacional, tecnológico e até sindical.
Considero, no entanto, que o facto mais importante vai ser o de, no quadro da Europa Comunitária, irmos encontrar melhores condições para promover as mudanças de que a sociedade portuguesa tanto necessita. A adesão criará um novo quadro envolvente que estimulará a iniciativa dos agentes económicos e sociais e suscitará profundas transformações nos seus comportamentos.
É neste quadro que, como deputado socialista e sindicalista, considero necessária a celebração de um autêntico contrato social para a modernização.
Ao propor esse contrato, tenho noção de que é necessário reforçar a unidade nacional, para enfrentarmos com êxito, o desafio supranacional da CEE.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Muito bem!
O Orador: - Porém, não há unidade nacional sem coesão, social e não há coesão social se não forem exercitados critérios e instrumentos de verdadeira solidariedade social.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Se queremos vencer o desafio da adesão e da modernização, mas queremos manter alguma capacidade de determinarmos o nosso futuro colectivo, então os empresários e os responsáveis políticos têm de perceber que isso só é possível celebrando um contrato sério com o mundo do trabalho.
Os trabalhadores portugueses só poderão apoiar os empresários nacionais, se estes respeitarem a sua dignidade de trabalhadores e aceitarem a sua participação.
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A hora não é para interesses mesquinhos, nem preconceitos ideológicos há muito enterrados na Europa. Os empresários Portugueses têm de se europeizar. Têm de perceber que não é com salários em atraso; com uma justiça laboral que não funciona, com o desrespeito pela dignidade dos trabalhadores, com a, recusa do diálogo e da participação que conseguiremos afirmar uma forma portuguesa de produzir e viver no contexto europeu.
Aplausos do PS e do PSD.
Porém, se queremos vencer este desafio e superar a crise que nos tolhe, temos de perceber que isso só será possível com a revitalização das instituições políticas democráticas e não com o seu desprestígio ou com manutenção de tutelas impróprias de um regime democrático europeu e estável. Tal só será possível com estabilidade política. Para vencer os desafios da adesão e da modernização o País precisa de um horizonte de 10 anos e não de um horizonte de meses, interrompido e perturbado por sucessivas guerrilhas, promovidas muitas vezes, por quem não sabe o que quer, nem se mostra capaz de assumir uma atitude de Estado nem da direcção do mesmo.
Pode dizer-se que vamos iniciar um período de transição para o Portugal moderno e europeu do ano 2000. Para essa transição ser bem sucedida vai ser necessário abrir espaço para as mudanças e criar disponibilidade não apenas para a aceitação mas, também, para o empenhamento nas mudanças. Tal só será possível se houver uma preocupação permanente em moderar custos sociais das transformações e em assegurar a participação dos trabalhadores no processo e nos seus resultados.
Nos períodos de crise é necessário não nos deixarmos obcecar pelos problemas e necessidades de curto prazo. Mais do que nunca é necessário procurar reflectir e ver longe e largo. Só assim conseguiremos edificar um projecto nacional de modernização e desenvolvimento que concilie as exigências de transformações estruturais a curto prazo e uma maior harmonia social numa sociedade em que sejam valores estruturantes a liberdade individual, a solidariedade social e a iniciativa modernizadora, tanto cultural como económica.
Da adesão à CEE resultará a prazo, ninguém duvide, um País diferente. De todos nós depende que seja uma sociedade mais livre, democrática e progressiva, mas igualmente mais justa e mais solidária.
Aplausos do PS, do PSD, do CDS e da ASDI.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs, Deputados: Já foi aqui analisado pelos meus camaradas as peripécias e a evolução da operação política e propagandística contra as conquistas de Abril que sempre constituiu a denominada integração de Portugal na CEE.
Importa agora apreciar os acordos já estabelecidos - mesmo que sumariamente - nos seus efeitos globais, nomeadamente a médio e longo prazos.
Pelo que já foi acordado pode-se dividir a operação integração em duas fases:
A primeira, que se daria nos primeiros 6 anos, seria constituída de imediato pela integração política com a adesão formal, os 24 deputados, os míseros 50 votos na Comissão em que Portugal se acorrentaria à CEE sem que ficasse com qualquer peso ou voz significativa dentro das instituições comunitárias.
Nesta primeira fase os efeitos negativos, o embate, o domínio da economia portuguesa pelas multinacionais e a transferência de partes significativas da soberania dar-se-iam não globalmente, no momento da adesão, mas de uma forma progressiva e crescente.
Numa segunda fase teríamos então a total absorção, a transformação da economia portuguesa, numa economia apendicular, submetida à divisão internacional do trabalho ditada pelas multinacionais da CEE; uma economia fornecedora de mão-de-obra barata e de matérias-primas. Se a integração se desse em 1986, significaria que em 1993-1994 os produtos industriais dos onze entrariam em Portugal livres de imposições aduaneiras que já estariam desmantelados os direitos aduaneiros sobre a importação de pescado e sobre os produtos agrícolas transformados (bolachas, massas, chocolates), que os direitos niveladores agrícolas seriam já recursos próprios do Orçamento Comunitário.
É que, por mais incrível que pareça, este Governo aceitou o princípio de Portugal vir a ser, passada a 1.ª fase, um contribuinte líquido da CEE! E significativo do que representam para este Governo os interesses nacionais. E simplesmente inadmissível. E não se venha argumentar com a solidariedade da CEE, pois esta não é uma associação caritativa. Os países do Mercado Comum estão prontos a sacrificar não os seus interesses, mas os interesses dos outros países, como o têm demonstrado.
O que se tem verificado na CEE não é a aproximação, mas o distanciamento entre os países menos desenvolvidos e as regiões mais atrasadas dos países e das regiões mais ricas. O que aí se verifica é a lei do desenvolvimento desigual, deitando por terra os slogans propagandísticos do desenvolvimento regional através dos fundos e dos que falam sem qualquer base científica do desenvolvimento por «arrastamento».
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - O que se verificaria era a ruína de vastos sectores da economia portuguesa, com relevo para as pequenas e médias empresas, o abandono dos grandes projectos de inegável interesse nacional e a absorção de sectores básicos da nossa economia pelos interesses estrangeiros.
Com a «conclusão» das negociações ficaram também completamente claras as razões porque nunca avançou o Alqueva e os projectos de beterraba sacarina. Com as cedências deste Governo, Portugal só poderia vir a ter no futuro uma unidade de beterrabeira pois para mais não dá a quota de 60 000 t que os negociadores alegremente subscreveram.
Em relação à sivicultura em que o País é excedentário, a integração significaria a submissão a um ordenamento florestal - eucaliptização do território - ditada pelos países mais poderosos da CEE transformando as florestas portuguesas em «coutadas» das multinacionais das celuloses que se dedicariam não à exportação de papel mas sim à exportação de pasta de papel.
No comércio teríamos então, o efectivo desmantelamento da EPAC, AGA e JAPO a entrega de um negócio de milhões e de «chave da nossa despensa» nas
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mãos das multinacionais e do grande capital. As grandes empresas distribuidoras e as grandes sociedades comerciais da CEE tomariam conta dos negócios mais rentáveis liquidando ou submetendo os comerciantes dos respectivos sectores.
É esta a modernização, o desafio, o projecto nacional de que fala o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças: a entrega das riquezas nacionais ao estrangeiro, o abandono dos grandes projectos nacionais, a ruína de empresários e produtores, o aumento do desemprego e a intensificação da exploração da mão-de-obra barata.
Mas então nada se ganha com a adesão perguntarão alguns?
As nossas exportações industriais já hoje «à excepção das têxteis» entram na CEE sem pagar direitos pelo que aqui o efeito da adesão não seria significativo. Mas uma coisa é perguntar se o Pais e o seu povo ganham com a adesão à CEE e outra se não há ninguém que ganhe com esta operação.
Perde o País mas ganham a meia dúzia de famílias que, associadas às multinacionais, reconstituiriam o seu poder económico e os privilégios.
Perde o País, pagará o povo mas ganharão os 300 funcionários, os 300 «tachos». O comissário português e o designado para o Banco Europeu de Investimentos.
Aliena-se a soberania nacional, hipoteca-se o País, mas Mário Soares poderá servir-se de novo do slogan da «Europa Connosco» na campanha presidencial. Mas Portugal integrar-se-á na Europa, dirá o Primeiro-Ministro.
Não se diga que Portugal se vai integrar na Europa. A CEE não é a Europa. Fora da CEE estão países como por exemplo a Aústria, a Noruega e a Suécia que, inclusivamente, têm resistido à crise capitalista melhor que a maioria dos países da CEE.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Aliás, com a sua prática e o valor das suas palavras o Secretário-Geral do PS nem sequer precisa de rectificar a declaração de princípios do seu partido onde se inscreve para o País (sic) «uma autonomia relativa crescente perante o capital monopolista europeu, que se encontra em processo de subordinação progressiva ao imperialismo americano»...
Pela nossa parte, continuaremos a pensar que a política económica de Portugal deve ser definida, conduzida e realizada pelos Portugueses, ditada pelos interesses nacionais e não pelos interesses do eixo Paris, Bona, Washington.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há 600 anos as classes dominantes e dirigentes também cantaram loas à integração da Nação Lusitana, na dinastia de Castela; há 400 anos, também havia quem quisesse integrar Portugal no Império dos Habsburgos; há 165 anos (1820) também havia os que estavam do lado da dominação anglicana. A história julgou-os.
Nós continuaremos a dizer não' a «novos» Tratados de Methuen e a novos marqueses do Alegrete.
Estamos certos que as massas populares que em 25 de Abril deram uma contribuição decisiva para que a Revolução fosse uma exaltante afirmação de independência nacional, terão a última palavra.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul de Brito.
O Sr. Raúl de Brito (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em intervenção feita há dias para assinalar a conclusão das negociações, afirmamos nesta Câmara, não só o nosso júbilo pela entrada de Portugal na Comunidade Europeia, como avançamos com algumas das razões de ordem geral - de natureza política, económica, social e cultural - que, no nosso ponto de vista, justificavam o aceno da nossa opção.
Dissemos igualmente que a integração na CEE assinalava, na história da nossa jovem democracia, o acontecimento mais relevante, após o 25 de Abril de 1974.
Por um pouco estranho que nos pareça, a reacção de alguns partidos e associações patronais portuguesas, à medida que se aproximava o final das negociações, regredia em entusiasmo, justificando-se no desconhecimento definitivo dos dossiers negociados.
Naturalmente que temos plena consciência que esta atitude não reflectia uma diferença de posicionamento dessas forças políticas e sociais face às posições tradicionais. Antes revestiu uma pura manobra táctica, para atenuar e minorar a vitória política e diplomática deste Governo e sobretudo do Primeiro-Ministro, Dr. Mário Soares.
Aos seus adversários políticos não agradou que o homem que em 1975 contribuiu decisivamente para que Portugal fosse um Estado democrático e pluralista, seja, agora e mais uma vez, o principal protagonista político da segunda grande opção nacional, após a revolução de Abril: a opção europeia.
Obviamente que não incluímos neste tipo de comportamento a oposição do PCP, pois a sua atitude sobre a adesão à CEE é bem conhecida conquanto determinada, aprioristicamente e por interesses puramente ideológicos e estratégicos.
Alinhando a sua política externa com a do PC da União Soviética, o PCP, teria obrigatoriamente de contrariar a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, por duas ordens de razões.
A primeira delas tem a ver exactamente com o alargamento e reforço de um sistema político, económico e social, que por imperativos ideológicos os partidos comunistas recusam.
De facto, o pluralismo democrático dos países da CEE, o modelo económico vigente neste espaço e os direitos e liberdades dos cidadãos europeus ocidentais, não são o modelo - bem pelo contrário -, para qualquer país da órbita soviética.
Por outro lado a adesão de Portugal e de Espanha, à CEE vai obrigatoriamente reforçar a cooperação da Europa com os países da América Latina e da África, numa base de solidariedade e no interesse mútuo das partes.
Esta política contraria e desmistifica a hipócrita ajuda do estilo comunista que, como sabemos, acaba por trazer aos potenciais beneficiários, mais custos do que ganhos, quando não põe em causa a sua própria independência nacional.
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - Naturalmente que o PCP irá tentar justificar a sua oposição realçando os aspectos menos positivos e esquecendo as vantagens globais de nego-
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ciação. O que certamente não conseguirá explicar ao povo português é que alternativa de modelo de vida tem para lhe oferecer, mais atractivo do que aquele a que a CEE abre as portas.
Uma coisa é certa: o contraste de comportamentos, da ciasse política nacional, quando comparada com a dos nossos vizinhos espanhóis sobre esta questão, é sem dúvida esclarecedora das diferenças que caracterizam o quotidiano político-partidário nos dois países ibéricos.
Mas, como dizíamos, chegou finalmente a oportunidade - agora que são conhecidos os pormenores técnicos -, de fazer uma avaliação fria e objectiva das consequências práticas da adesão.
Apoiantes deste Governo, seguros do espírito de missão e patriotismo com que determina as suas acções, nunca tivemos dúvidas que os interesses nacionais estariam salvaguardados.
Agora todos temos a certeza que o foram.
Naturalmente estamos cientes que há escolhos e dificuldades a superar. Porém, as vantagens obtidas, nomeadamente as condições para os períodos transitórios, os apoios financeiros, o esquema de reembolso da nossa contribuição para o orçamento comunitário, a retenção por Portugal dos prélèvements relativos às compras de cereais, são alguns dos exemplos que nos dão a garantia que poderemos, num esforço conjunto da Administração Central e local dos agentes económicos e sociais, aproveitar este interregno até à integração total, para reformar com êxito as estruturas da sociedade portuguesa.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Dirão que somos optimistas. Diremos que somos dos que acreditam na capacidade e na iniciativa do povo português. Se no passado, fomos, em condições mais adversas, capazes de dobrar o cabo das Tormentas e de contrariar os velhos do Restelo de então, estou certo de que hoje, o desafio não nos desmobilizará, antes pelo contrário, será um incentivo para todos os Portugueses que acreditam num futuro de progresso, paz e desenvolvimento.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Voltando às questões estruturais apresentadas pelos detractores da adesão, como causa principal das suas apreensões, creio ser o momento de se poder afirmar que as suas preocupações deixaram de ter sentido.
Uma rápida volta, por alguns dos dossiers mais significativos será, certamente, o método mais adequado para justificar o nosso ponto de vista.
A protecção alcançada para a indústria portuguesa por um período de 7 anos, sobretudo: o congelamento do desmantelamento da protecção pautai que por virtude do acordo de 1972, levaria à eliminação completa de direitos em 1985; a introdução de direitos ao nível dos 20% para indústrias novas, a transformação da sobretaxa de importação sobre alguns produtos, em direitos protectores da indústria ao nível dos 16%, a prorrogação do protocolo automóvel até 31 de Dezembro de 1987, a manutenção do sistema de isenções aduaneiras para um conjunto de matérias-primas e produtos industriais; a promessa de um programa de apoio à indústria portuguesa; o recurso aos fundos comunitários, nomeadamente o acesso aos créditos do Banco Europeu de Investimentos, são exemplos das vantagens negociadas que permitirão à indústria nacional recuperar o seu atraso.
Paralelamente, o acesso livre a um mercado de 320 milhões de consumidores, com excepções por 3 anos apenas para certos produtos têxteis, é um handicap que teremos de saber aproveitar.
Na área agrícola a negociação de um regime por etapas, de 10 anos, aplicável aos produtos para os quais necessitamos de nos proteger ou de que não dispomos de estruturas de produção e comercialização que possibilitem a aplicação da política agrícola comum; a atribuição de uma verba, a fundo perdido, no valor aproximado de 87,5 milhões de contos para um programa especial para o desenvolvimento da agricultura; a atribuição de uma quota de 120 000 t ao concentrado de tomate - quando a produção dos últimos 3 anos não tem ultrapassado as 103 000 t -, a negociação de uma quota de beterraba de 70 000 t, das quais 60 000 t para o continente, quando não existia produção; a reversão a favor de Portugal, durante 5 anos dos prélèvements resultantes da importação de cereais de terceiros países; a atribuição de taxas reduzidas a todas as exportações de vinhos portugueses, são paradigmas de vantagens significativas que obtivemos e que nos permitirão, neste espaço de 10 anos, reformar igualmente a agricultura.
No capítulo das pescas, o acordo final, foi-nos significativamente favorável. A pesca nas 12 milhas fica reservada aos pescadores portugueses. O acesso à zona económica exclusiva portuguesa será controlada durante um período de 10 anos, aplicando-se o regime de licenças apenas à pesca pelágica de espécies que não haja penúria.
Conquanto não tenha sido possível defender as boxes para as águas dos Açores e Madeira, foi em contrapartida garantindo que a pesca por barcos comunitários, se limitará ao atum voador e tropical apenas por períodos de 8 semanas por ano.
No que respeita à sardinha enlatada a Comunidade aplicará a taxa de O t a 5000 t das nossas exportações, comprometendo-se igualmente a reduzir a taxa em vigor de 10%, na proporção de 1%, pelos 10 anos do período transitório.
ara as conservas de atum e cavala foi ainda negociada a taxa O t para 1000 t de cada espécie exportada, com desmantelamento dos direitos nos excedentes, no período de 6 anos.
Em contrapartida e globalmente faremos o desmantelamento dos nossos direitos em 7 anos, contra um período transitório de 6 anos por parte da Comunidade.
Na área social os nossos emigrantes residentes em qualquer país da Comunidade passam, imediatamente, após a adesão, a ter uma igualdade de tratamento, como se de naturais se tratasse, no que respeita a condições de emprego.
O acesso por autorização, durante o período de 7 anos (10 anos para o Luxemburgo) aos novos emigrantes e o regime diferenciado nos 3 primeiros anos, aplicável às prestações familiares, a par das limitações do acesso ao emprego de familiares de emigrantes, terão de ser apreciadas no actual contexto social europeu, caracterizado, como é do conhecimento geral, por índices elevados de desemprego.
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A terminar as nossas considerações gostaríamos de salientar três outros aspectos importantes das negociações:
A Comunidade garantiu a concessão de um empréstimo de 125 milhões de contos, para financiar a nossa balança de pagamentos. Este empréstimo irá beneficiar de taxas de juros favoráveis em relação ao mercado internacional; Portugal afastou a possibilidade de se transformar num contribuinte liquido da Comunidade ao assegurar o reembolso durante os 7 primeiros anos, após a adesão, de uma verba próxima dos 150 milhões de contos;
Os negociadores nacionais garantiram igualmente a reversão a favor de Portugal dos prélèvements sobre a importação de cereais de terceiros países e conseguiram que a base do cálculo da nossa contribuição para o orçamento comunitário, fosse feita durante 3 anos, a partir do PIB em vez de se pagar uma parcela do IVA. Esta modificação permitirá ao nosso país pagar bastante menos.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos portanto convencidos que estão criadas, numa base séria, as condições para que Portugal possa olhar o futuro com esperança e optimismo.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos suspender os nossos trabalhos.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, gostaríamos que antes de suspender a sessão V. Ex.ª nos indicasse os tempos de que ainda dispomos, bem como as inscrições que estão na Mesa.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
Os tempos são os seguintes: O Governo dispõe ainda de 18 minutos, o PS 36 minutos, o PSD 34 minutos, o PCP 8 minutos, o CDS 37 minutos, o MDP/CDE 5 minutos, a UEDS 26 minutos e a ASDI 6 minutos.
Estão inscritos os Srs. Deputados Rudolfo Crespo, Edmundo Pedro e o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sem prejuízo de os Srs. Deputados inscritos usarem da palavra, costuma haver aquele princípio de alternação com as inscrições. Ora, acontece que alguns dos Srs. Deputados foram chamados para usarem da palavra e não estavam. Lembro-me do caso do Sr. Deputado Correia de Jesus que, segundo creio, também está inscrito.
O Sr. Presidente: - Não estão inscritos, Sr. Deputado, uma vez que desistiram de usar da palavra. A Mesa tentou, de facto, fazer esse cruzamento de intervenções, mas não tinha possibilidade de o fazer.
Srs. Deputados, declaro suspensa a sessão até às 21 horas e 30 minutos.
Eram 20 horas.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 22 horas.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Rudolfo Crespo.
O Sr. Rodolfo Crespo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: 8 anos volvidos sobre o pedido de adesão à Comunidade Económica Europeia formulado pelo Primeiro-Ministro do I Governo Constitucional, Dr. Mário Soares, o Governo Português conclui as negociações para a integração de Portugal.
Trata-se, como já tive ocasião de afirmar nesta Câmara, de um virar de página histórico que transforma as modificações havidas pós-25 de Abril numa verdadeira revolução. Portugal abandona, em definitivo, a tentação dos governos autoritários assentes em formas de organização económica proteccionistas, para afirmar a vontade de adaptação das suas estruturas económicas e sociais às necessidades da organização política democrática que o povo português sancionou em sucessivos actos eleitorais. «A integração europeia dá-nos o quadro dessas transformações: há que continuar a afirmar agora a vontade política de as empreender através de uma acção governativa decidida.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos de compreender que a adesão de Portugal à CEE não constitui um ponto de chegada mas sim o ponto de partida do desafio para a construção de um futuro melhor. As negociações concluídas em Bruxelas criaram as condições de sucesso para o caminho que temos a percorrer. A generalidade da imprensa portuguesa e internacional já se fez eco da excelência dos acordos conseguidos.
No plano financeiro não seremos contribuintes líquidos durante um largo período de tempo, mas sim beneficiários de diferentes ajudas que permitirão modernizar a nossa economia com vista à integração plena. No plano agrícola beneficiaremos de um programa especial para o desenvolvimento da nossa agricultura para o qual a Comunidade contribuirá, a fundo perdido, com um montante de 87,5 milhões de contos.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - É uma fartura!
O Orador: - No plano industrial estão previstos vários esquemas para o apoio à modernização do sector de maneira a adaptá-lo às realidades da economia europeia desenvolvida: apoios técnicos e instrumentos de crédito, nomeadamente. E se a este conjunto de benefícios de ordem geral acrescentarmos o muito que foi conseguido relativamente a sectores ou produtos sensíveis da nossa economia - como as pescas, o concentrado de tomate, o azeite e os vinhos, por exemplo - teremos de concluir que a delegação governamental portuguesa que em Bruxelas defendeu as nossas posições e que foi dirigida pelo Ministro Ernâni Lopes, está de
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parabéns e merece o aplauso dos representantes do povo português com assento nesta Câmara.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Merece uma medalha!
O Orador: - Com efeito, a discrição da delegação portuguesa, particularmente se a compararmos com a exuberância da delegação espanhola, tão fértil em declarações bombásticas, traduziu-se finalmente em firmeza e competência e os resultados estão à vista. No final do processo conseguimos atingir os nossos objectivos e a Espanha, a partir de posições verbalmente muito radicais, teve de ceder muito. São dois estilos, duas maneiras de negociar. Nós preferimos a nossa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos, pois, no ponto de partida, como acima dizia, de uma caminhada e de um esforço que deverão traduzir-se pelo fim do nosso subdesenvolvimento, que não é uma fatalidade. Só aqueles que não acreditam nas capacidades do povo português e que baseiam os seus juízos no imobilismo podem temer ou opor-se à integração. É que a partir de agora temos de nos colocar na perspectiva da dinâmica de transformação que o choque da adesão vai provocar.
Há, pois, que pensar o amanhã na certeza do futuro europeu de Portugal. No plano político, a preparação deve prosseguir: a nível governamental, a nível parlamentar, a nível judicial.. No plano económico, o Estado e os parceiros sociais têm de virar-se cada vez com mais decisão para as adaptações e a modernização que exige o mercado que se nos abre - não é o mesmo produzir e vender para um mercado de 10 milhões de habitantes e fazê-lo para um mercado de 320 milhões. A fase transitória prevista nos acordos e as ajudas comunitárias têm de ser aproveitadas para que o Portugal de amanhã seja bem diferente do de hoje - mais europeu, mais português, mais desenvolvido e mais justo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se é verdade que Portugal vai beneficiar com a adesão às Comunidades, não é menos verdade que a integração de Portugal e de Espanha vem dar uma nova dimensão à CEE. O reforço da identidade europeia que o alargamento a dois povos que são dos maiores expoentes culturais europeus no mundo é um facto posto em relevo por todos os observadores. Para a América Latina, para grande parte de África, para muitos outros pontos do Globo, o caminho da Europa passa por Espanha e passa por Portugal.
No plano internacional, o papel da Europa dos doze será bem maior do que o foi o da Europa dos dez. A cooperação que poderá ser desenvolvida pela Europa alargada trará benefícios recíprocos e reforçará as relações de Portugal com os países a que está ligado pela história e pela cultura. A Europa assim reforçada na sua identidade poderá desempenhar um papel mais autónomo no plano internacional - um papel independente e activo como pólo de desenvolvimento, de justiça social, e de paz, em cooperação estreita com o mundo em desenvolvimento e de moderação em relação às superpotências, sem pôr de parte, como é óbvio, as suas solidariedades democráticas e as suas alianças tradicionais.
Mas para que a CEE seja cada vez mais um? unidade política e económica e retire todas as virtualidades do alargamento, há que proceder aos aprofundamentos institucionais que se impõem. Somos já parte nos debates que se travam no seio da CEE: 'temos de definir posições e participar nas decisões. A dinâmica do alargamento terá de ser aproveitada para proceder às reformas comunitárias que a hora exige.
No plano financeiro, há que reforçar o papel da moeda europeia - o ECU - para que a Europa possa subtrair-se à dependência do dólar americano e deixe de sofrer o embate das suas flutuações, que estão ligadas às políticas económicas definidas em Washington - impõe-se, pois, repensar o sistema monetário europeu.
No plano económico, é urgente uma reestruturação profunda no sentido da adopção de políticas industriais, regionais e comerciais que tirem o máximo de rendimento das potencialidades de um mercado interior unificado, cuja meta será a supressão de todas as fronteiras internas do Mercado Comum em 1992.
No plano social, é indispensável adoptar uma estratégia comum de combate à inflação e ao desemprego. O combate ao desemprego terá de ser considerado a prioridade das prioridades.
Mas para que estas reformas sejam possíveis exige-se o aprofundamento institucional, pois só instituições comunitárias fortes poderão empreendê-las. O Parlamento Europeu terá de ser o motor do progresso comunitário e por isso há que reforçar os seus poderes legislativos próprios e em co-decisão com o Conselho de Ministros. O Conselho deverá ser dinamizado pela adopção da regra da maioria e o veto só deverá ser aceite em casos excepcionais devidamente tipificados. O papel da Comissão deverá ser reforçado, reforço que deverá acompanhar um maior controle por parte do Parlamento. É neste sentido que apontam as propostas do Parlamento Europeu, que propõe a realização de uma conferência intergovernamental encarregada de negociar um tratado de união europeia que consagraria as reformas institucionais propostas. Em minha opinião, Portugal deveria apoiar este aprofundamento comunitário.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aflorei aqui, de maneira sucinta, como exige a natureza deste debate, a dupla problemática da integração de Portugal na CEE. No plano interno, o esforço de modernização e de reformas que se exigem ao Estado Português e a perspectiva diferente com que empresários e trabalhadores devem encarar o presente e o futuro das suas empresas. No plano da participação comunitária não quis deixar de traçar, por outro lado, algumas pistas de reflexão porque o futuro da Comunidade Económica Europeia nos pertence também.
É que a partir da certeza da integração europeia o nosso futuro será diferente, mas em função desse futuro o nosso presente terá de ser visto numa perspectiva nova. Temos todos de assumir pois o presente em função do futuro. É uma perspectiva exaltante: estamos, Srs. Deputados, a fazer história.
Aplausos do PS, do PSD e do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, gostaria de saber quanto tempo falta de debate para esta noite, de quanto tempo dispõe o MDP/CDE e a ordem das inscrições para usar da palavra.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o tempo de debate é de cerca de 2 horas e 40 minutos, dispondo o Governo de 18 minutos, o PS de 26 minutos, o PSD de 34 minutos, o PCP de 8 minutos, o CDS de 37 minutos, o MDP/CDE de 5 minutos, a UEDS de 26 minutos e a ASDI de 6 minutos.
Quanto a inscrições, temos o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Sr. Deputado Edmundo Pedro.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Portanto, temos que o Governo dispõe de 18 minutos. Contudo, pelas inscrições verifico a presença do Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros - que estou, aliás, muito interessado em ouvir -, mas verifico que não estão inscritos nem o Sr. Ministro do Mar, nem o Sr. Ministro da Agricultura. É que a agricultura e as pescas são 2 dos mais importantes dossiers desta adesão à CEE. Dai que estranhe, pois amanhã o Governo terá 35 minutos para encerrar o debate. Será que o Governo ainda pensa inscrever algum destes Srs. Ministros para algum esclarecimento?
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros (Jaime Gama): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: - Em boa hora a Assembleia da República organizou este debate. Concluído o núcleo essencial das negociações para a adesão de Portugal às Comunidades Europeias, que melhor ocasião podia encontrar o Governo para esclarecer o País sobre o que negociou e como negociou, antes de assinar o Tratado que este Parlamento terá a liberdade de aprovar e o Presidente da República de ratificar nos termos constitucionais?
A par de um constante trabalho de cooperaçâo com as Comissões Parlamentares dos Negócios Estrangeiros e da Integração Europeia, que se desenvolveu e prosseguirá por ocasião do processo de ratificação, o Governo considera seu dever a informação completa da opinião pública sobre tão decisivo marco de viragem das nossa relações externas.
Afigura-se adequado efectuar agora o balanço político geral das negociações de adesão, já que as questões técnicas menores ainda a debater em Bruxelas não inflectirão o sucesso do acordo alcançado nem introduzirão alterações substanciais na estratégia adoptada.
Os acordos a que chegámos com a Comunidade ao longo destes 8 anos foram o resultado de uma continuidade de esforços de negociação e de uma vontade política constantemente afirmada pelo Governo Português, desde que em Fevereiro e Março de 1977 o Primeiro-Ministro Mário Soares anunciou às capitais europeias a nossa intenção de solicitarmos a adesão à CEE, que seria formalizada em 28 de Março desse ano. A linha estratégica adoptada, tendo sempre em vista a defesa mais adequada dos interesses portugueses em causa, levou à concentração dos nossos esforços, no plano externo, em torno de três objectivos principais: terminar as negociações em tempo útil, de forma a que Portugal seja membro de pleno direito e efectivo da CEE em 1 de Janeiro de 1986; procurar assegurar condições de adesão adaptadas à situação específica de Portugal no contexto comunitário, visando uma integração que respeite os méritos próprios do país candidato e garantir que a adesão, no interesse de todas as partes envolvidas, se processe de forma harmoniosa e contribua inequivocamente para desenvolvimento económico e social do País.
Num plano interno, foi entendido, após algumas flutuações quê reflectiram equilíbrios políticos momentâneos e até soluções diversas que a coordenação técnica das negociações coubesse ao Sr. Ministro das Finanças e do Plano, que dispôs para o efeito de uma estrutura eficaz consubstanciada na Comissão de Integração Europeia, onde tinham assento representantes de todos os departamentos envolvidos e das regiões autónomas. O Ministro dos Negócios Estrangeiros, de harmonia com o estipulado na Lei Orgânica do Governo e no Decreto-Lei n.º 185/79, de 20 de Julho, que procedeu à revisão da estrutura da CEE, para além de ser informado regular e directamente das actividades desenvolvidas pela Comissão, através do representante que nela dispunha, promoveu, aos níveis apropriados, no âmbito de acção da sua competência própria, as iniciativas que, no processo das negociações, assumiram expressão política, e que, naturalmente, não podiam ser consideradas isoladamente da política externa portuguesa no seu conjunto.
Desenvolveu-se, na verdade, intensa actividade diplomática em Lisboa, em Bruxelas e junto das capitais dos Estados Membros da CEE ao longo destes 8 anos. Sem se pretender quantificar esforços diplomáticos, aliás de medida sempre difícil e até por vezes delicada, pode contudo afirmar-se que a acção desenvolvida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em todo o longo processo de adesão pode integrar-se, sem temor de eventuais termos comparativos, nos grandes esforços exigidos à diplomacia portuguesa neste século. Esta intensa actividade, procurando fazer valer os nossos pontos de vista em aspectos mais controversos da negociação e para enquadrar politicamente de forma coordenada e coerente os nossos esforços em Bruxelas, processou-se nos mais diversos níveis, quer na missão junto da CEE em Bruxelas, quer nas embaixadas junto dos Dez países membros, quer na cuidadosa preparação e timing das visitas a Portugal de chefes de Estado e Governo de todos os países comunitários e das deslocações de membros do Governo Português àquelas capitais. A participação do próprio responsável pela condução da política externa nas reuniões de cooperação política europeia com a troika, antecipando a integração, revestiram por vezes importância política significativa no contexto do processo negocial.
Os resultados alcançados no plano da negociação técnica permitirão concluir que Portugal negociou com o rigor possível o grande capítulo da sua política externa que é a entrada para a Comunidade Económica Europeia. Para já, disporemos de períodos transitórios suficientes para adequar a nossa economia às regras em vigor nas Comunidades, em relação à generalidade dos capítulos negociados; estão criadas as condições para que Portugal seja um beneficiário líquido em termos politicamente significativos; foi garantindo um período suficiente para o cumprimento das formalidades constitucionais exigidas para cada um dos actuais Estados Membros.
A adesão à Comunidade Económica Europeia representa um passo fundamental na modernização de Portugal, reflecte a nível internacional a estabilidade das nossas instituições, insere-se na lógica de uma participação plena nas estruturas mais representativas do mundo contemporâneo. Consequência do restabelecimento da democracia, a integração europeia é por igual
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factor decisivo da sua consolidação e do seu desenvolvimento. Embora um acto jurídico não possa ser visto como uma panaceia - e a adesão venha a exigir um esforço que, se não formos nós a fazê-lo, outros não o farão por nós -, na verdade a entrada para a Comunidade dá um horizonte concreto e positivo ao futuro da economia e da sociedade portuguesas. A integração na CEE é, depois da independência nacional e dos Descobrimentos, o acto politicamente mais jovem praticado na história portuguesa.
Atendendo à repartição de tarefas gratamente balanceada pela solidariedade governamental, ater-me-ei a quatro dossiers: os assuntos sociais, as relações entre Portugal e Espanha no período transitório, as questões institucionais e o papel do meu ministério, concluídas as negociações, no relacionamento entre a Administração portuguesa e as estruturas comunitárias.
II - No capítulo das negociações denominado «Assuntos Sociais», foi constante a preocupação do Governo em procurar garantir a livre circulação dos trabalhadores portugueses na totalidade do espaço comunitário, e em especial proteger os interesses dos emigrantes portugueses que residem e trabalham nos países comunitários, em obter o melhor regime possível nos esquemas de segurança social dos trabalhadores migrantes e ainda condições optimizadas na aplicação das verbas do Fundo Social Europeu.
Do resumo das negociações neste capítulo são assim de destacar 3 grandes áreas:
1 - Livre circulação de trabalhadores:
a) No domínio da igualdade de tratamento, o trabalhador português já instalado num Estado membro da CEE à, data da adesão, ou posteriormente em virtude de uma autorização, ocupando regularmente um emprego permanente, ou em desemprego involuntário ou incapacitado temporariamente, beneficia da igualdade de tratamento no quadro da livre circulação, liberdade de circulação que é extensível aos membros da sua família. A única excepção a esta regra é o caso particular do Luxemburgo que, em casos eventuais de dificuldades graves e persistentes no seu mercado de trabalho, poderá durante um período transitório de 10 anos pedir à CEE para ser autorizado a aplicar temporariamente medidas de salvaguarda quanto a mudanças de emprego. E, ainda assim, estas medidas eventuais só serão aplicadas aos trabalhadores portugueses que emigrarem após a data em que as medidas forem autorizadas;
b) No acesso ao emprego assalariado nos países comunitários por parte dos portugueses, os Estados Membros poderão manter em vigor as respectivas disposições nacionais por um período transitório de 7 anos. Após este período, haverá livre acesso ao emprego no conjunto dos países da CEE por parte dos nossos emigrantes - note-se que este período de 7 anos é idêntico ao fixado aquando da adesão da Grécia. No entanto, 5 anos após a adesão, a Comunidade fará um balanço com vista a apreciar, na base de novos dados, se haverá lugar a adaptações ao regime transitório, devendo eventuais decisões ser tomadas por consenso entre todos os países da Comunidade já alargada, incluindo assim Portugal. No caso particular do Luxemburgo, o livre acesso ao emprego terá um período de 10 anos. Foi ainda acordada uma cláusula de stand still segundo a qual não serão aplicadas novas restrições à estada e emprego a partir da assinatura do acto de adesão;
c) No que se refere ao acesso ao emprego assalariado por parte dos membros da família dos emigrantes portugueses, aqueles que à data da assinatura do Tratado se encontrem regularmente instalados num país da CEE com um trabalho, em desemprego involuntário ou temporariamente incapacitados terão direito, desde a adesão, a aceder a qualquer emprego nas mesmas condições que os nacionais do país onde se encontram. Noutros casos, o direito ao livre acesso ao emprego por parte dos familiares fica condicionado (primeiros 3 anos após a adesão, 3 anos de residência; 4.º e 5.º anos, 18 meses de residência; a partir do 6.º ano, não há condições quanto à residência). Ficou salvaguardada a aplicação das disposições nacionais mais favoráveis e não serão aplicadas restrições ao emprego dos familiares a partir da assinatura do Tratado.
2 - Segurança Social dos Trabalhadores Migrantes:
Neste capítulo, aplicar-se-á automaticamente o acervo (ac quis) comunitário desde a data da adesão, excepto no que respeita às prestações familiares quando estes residam em Portugal. Neste caso, e até à uniformização das regras existentes na Comunidade - que de momento variam de país para país - e o mais tardar até ao final de um período transitório de 3 anos, aplicar-se-á o regime de pagamento das prestações pelo montante do país de residência do familiar (e não o regime de pagamento do país de emprego do trabalhador). Também neste domínio foi salvaguardada a aplicação das disposições nacionais ou convenções bilaterais mais favoráveis.
3 - Fundo Social Europeu:
Deverá destacar-se que a totalidade do território português será considerada como uma região que beneficiará de uma taxa de intervenção majorada do Fundo. Assim para larga maioria das acções apoiadas pelo Fundo Social Europeu a taxa de intervenção será de 55 %;
Refira-se que o Fundo Social Europeu, enquanto instrumento da política de emprego e respeitando o princípio da solidariedade comunitária, tem por finalidade melhorar as possibilidades de emprego e aumentar a mobilidade geográfica e profissional dos trabalhadores (proporcionar à mão-de-obra, qualificações profissionais necessárias à obtenção de um emprego estável; integração sócio-profissional dos jovens e dos trabalhadores desfavorecidos e redução dos desequilíbrios regionais do mercado de emprego). As principais despesas relacionam-se com a formação profissional, apoios* à contratação em empregos suplementares ou de experiência de trabalho durante 12 meses, subsídios à deslocação e integração dos trabalhadores migrantes e suas famílias. Normalmente o apoio do Fundo
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Social Europeu é concedido à razão de 50% das despesas elegíveis e, no caso de Portugal, aquela taxa será de 55 %;
Os benefícios da integração são suficientemente nítidos para os emigrantes portugueses na Europa e os seus efeitos positivos começarão a ser sentidos a partir de 1 de Janeiro do próximo ano. A matéria negociada em termos de emigração enquadra-se, aliás, na noção de espaço social europeu e é uma vitória importante sobre os preconceitos racistas e antiemigrante emergentes em sectores minoritários de alguns países, por sinal aqueles mesmos sectores que tentaram à última hora exportar para Portugal uma tosca campanha - de nula aceitação - contrária ao projecto de adesão,
III - No decurso das negociações de adesão à Comunidade Económica Europeia em Bruxelas, ficou estabelecido que a definição do regime que regularia as relações entre Portugal e Espanha durante o período transitório, na hipótese mais consentânea de uma integração conjunta, seria tratada em fase ulterior da negociação. Assim, tanto Portugal como Espanha prosseguiram separadamente os respectivos processos de negociação com a actual Comunidade a Dez, deixando para mais tarde - mas antes da assinatura dos instrumentos de adesão uma vez que, deles esse regime deveria fazer parte integrante - a discussão sobre as modalidades do seu relacionamento mútuo no quadro da Comunidade alargada.
No final da última maratona de negociações em Bruxelas (28 de Março), ficou estabelecido que ambos os candidatos - que sob minha orientação tinham já iniciado contactos exploratórios com esse objectivo - procurariam chegar entre si a acordo sobre as modalidades que caracterizariam o seu regime transitório recíproco dentro dg quadro apresentado pela Comunidade.
Como acima foi referido, estes contactos foram já iniciados e decorrem num ritmo normal tendo em conta a complexidade dos assuntos a debater. Acordou-se que para os capítulos dos transportes, fiscalidade, direito de estabelecimento e livre prestação de serviços, direito derivado, movimento de capitais, questões económicas e financeiras, política regional, relações externas, ambiente e protecção dos consumidores, Eurátomo, aproximação de legislações e Banco Europeu de Investimentos, seria seguida a regra geral, com adaptações de pormenor já identificadas, pelo que a ambos os países se aplicará o regime que cada um negociou com a Comunidade.
O capítulo da CECA aguarda uma definição da parte portuguesa. Nos capítulos dos assuntos sociais, agricultura, recursos próprios e instituições, encerrados na última maratona negocial de Bruxelas, não se levantam problemas específicos nos dois últimos, estando os dois primeiros em fase de estudo por ambas as partes. Estão mais avançados os trabalhos sobre a pesca - capítulo também recentemente concluído em Bruxelas - e a união aduaneira.
No termo de negociações extremamente duras e complexas, Portugal conseguiu em Bruxelas um acordo final em matéria de pesca que vai ao encontro da defesa dos interesses fundamentais definidos pelo Governo quanto ao sector. A salvaguarda desses interesses passa pela reserva exclusiva do mar territorial à actividade
pesqueira nacional, pelo reconhecimento de um referencial geográfico coincidente com a zona económica exclusiva portuguesa, pelo estabelecimento de um período transitório de 10 anos durante os quais o acesso à zona económica exclusiva é feita de forma muito restritiva e controlada, tendo em conta o princípio de reciprocidade e a situação das diferentes espécies, e pela protecção de recursos específicos das regiões autónomas. O esforço negocial conduzido em Bruxelas teve ainda por objectivo assegurar um enquadramento tão favorável quanto possível para a ulterior definição do regime de pesca luso-espanhol no quadro da Comunidade alargada, em perfeita articulação com o procedimento que paralelamente se conseguiu no plano bilateral.
Partindo das bases do acordo que firmou com a Comunidade e do novo condicionalismo imposto pelas regras comunitárias numa perspectiva a longo prazo, Portugal pretende que o problema pesqueiro com a Espanha se resolva numa óptica predominantemente comunitária, ultrapassados que estão, em nossa opinião, os instrumentos bilaterais que regiam nesta matéria as relações entre os dois países. A especificidade que se possa reconhecer às relações com a Espanha deriva de factores de proximidade e boa vizinhança - que também importa valorizar -, mas não de quaisquer direitos históricos ou decorrentes de uma prática efectiva de pesca que aliás cessou desde Dezembro de 1982.
A negociação do capítulo da pesca desenvolve-se paralelamente à da união aduaneira que é coerente com a preocupação de salvaguardar o equilíbrio dos termos do acordo global a obter sobre o regime transitório no pós-adesão. Neste capítulo, a disparidade de situações de cada um dos candidatos relativamente à Comunidade - a ambos se aplica um período transitório de 7 anos, terminados os quais existirá uma união aduaneira em todo o espaço da Comunidade alargada, mas no qual se prevêem modalidades e ritmos diversos, partindo a Espanha de um nível de proteccionismo muito mais acentuado do que Portugal - exige a definição de um regime específico.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - Portugal avançou às autoridades espanholas uma solução ambiciosa e voltada para o futuro europeu de ambas as economias: não discriminar a Espanha desde a data da adesão relativamente aos restantes Estados Membros, em troca de uma abertura total do mercado espanhol, na mesma data, à exportação de produtos industriais portugueses. Deste modo, a Espanha seria tratada como se fosse 11.º Estado da Comunidade actual, gozando Portugal, durante os 7 anos de período transitório, de melhores condições de acesso ao mercado espanhol que as actuais. É esta proposta que se encontra em debate nesta fase das negociações entre os dois países e a que esperamos o Governo Espanhol, numa óptica comunitária, venha a dar a sua anuência.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Muito bem!
O Orador: - IV - Pelo conteúdo e especificidade do capítulo «Questões institucionais», coube ao Ministério dos Negócios Estrangeiros o estudo e a elaboração da posição portuguesa na matéria. O dossier trata essencialmente da presença de nacionais portugueses nas
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instituições comunitárias ou, noutra perspectiva, da criação de lugares nessas instituições para que Portugal nelas tenha representação. Os nacionais que os vão preencher serão indicados pelos órgãos de soberania ou pelos organismos sócio-profissionais portugueses competentes e exercerão as suas funções em mandato temporário. A sua situação é assim distinta da dos outros nacionais que vão concorrer a empregos permanentes dentro do próprio quadro do funcionamento comunitário. Ë do primeiro grupo que cuidamos agora por ser um dos objectos do capítulo «Questões institucionais».
Assim, Portugal disporá de 24 deputados no Parlamento Europeu; beneficiará do coeficiente 5 de ponderação do voto no Conselho; terá 1 comissário; caber-lhe-á 1 juiz no Tribunal de Justiça; participará na rotação do quinto e do sexto procuradores-gerais; possuirá 1 representante no Tribunal de Contas; disporá de 12 membros no Comité Consultivo CECA e 2 no Comité Científico e Técnico do EURATOM; designará 1 governador para o Banco Europeu de Investimento, onde terá também 1 membro efectivo no respectivo conselho de administração, bem como, em regime de rotação, 1 membro suplente e 1 representante no comité de direcção; haverá ainda 2 membros portugueses no comité monetário.
Além daquelas instituições e órgãos criados pelos Tratados originários ou equiparados, em que Portugal participará nos termos indicados, o nosso país vai estar também representado, a partir da adesão, em comités estabelecidos pela regulamentação comunitária subsequente, pelo chamado direito derivado comunitário.
Sem embargo da matéria se situar fora do âmbito das «Questões institucionais», é de referir ainda o acesso dos cidadãos portugueses a empregos permanentes nos quadros do funcionalismo das instituições comunitárias.
Se a entrada de Portugal alarga a base geográfica do recrutamento, e é necessário consequentemente abrir vagas que tornem efectivo o acesso de portugueses, é igualmente indispensável que se adopte um regime de excepção que as cative, uma vez que o princípio de recrutamento em vigor na Comunidade é que nenhum lugar deve ser reservado aos nacionais de um Estado membro. Daí que esteja prevista a aprovação de um «regulamento derrogatório» das normas relativas a este principio geral. Tal regulamento, válido por 2 anos a partir da adesão, visa exactamente cativar para portugueses (e espanhóis) lugares de todas as categorias e graus nas instituições comunitárias, sem observância dos preceitos normais que levariam a efectuar o seu preenchimento por transferência ou promoção dos funcionários já em serviço.
Relativamente ao número de vagas, temos já algumas indicações, muitas delas numa base informal ou a título de orientação, devendo servir-nos todavia de referência a situação dos países de dimensão geográfica idêntica, como a Grécia. Este processo está em curso, tendo já sido submetida ao Conselho a aprovação da regulamentação que estabelece as regras sobre a dispensa de funcionários, cujo objectivo é precisamente criar a nível de estruturas administrativas as vagas a preencher em função das duas novas adesões. O nosso objectivo é procurar atingir o equilíbrio entre nacionalidades tão cedo quanto possível.
Duas outras questões que se encontram ainda no âmbito do dossier institucional: o processo de escolha dos representantes portugueses no Parlamento Europeu e o exercício, ou não, da presidência do Conselho de Ministros da Comunidade Económica Europeia por Portugal no 2.º semestre de 1986.
Relativamente à primeira questão, a posição portuguesa foi a de optar pela proposta alternativa apresentada pela Comunidade, no sentido dos representantes portugueses no Parlamento Europeu, até 1989, data da próxima eleição geral simultânea em todos os Estados membros, serem deputados designados pela própria Assembleia da República. Aquele Parlamento tem manifestado no entanto o desejo de que, na medida do possível, se antecipe a eleição dos nossos representantes. É assunto que sobretudo cabe à Assembleia da República considerar.
Quanto à possibilidade do exercício da presidência do Conselho de Ministros da Comunidade Económica Europeia por Portugal, no 2.º semestre de 1986, é matéria que está ainda a ser. objecto de ponderação. Reconhecem-se, por um lado, as vantagens que daí se poderão retirar, quer pela influência que eventualmente se ganhará, quer pelo efeito estimulante para a nossa Administração Pública. Além de que a presidência é consequência directa do facto de se ser Estado membro. Mas há quem chame a atenção para o esforço e a mestria que um bom desempenho da presidência exige.
O processo de ratificação do Tratado de adesão pelos Parlamentos dos actuais Estados membros é matéria que obviamente merece referência especial. Os altos responsáveis políticos dos Estados membros, ao concluírem as negociações no final do mês passado, tiveram decerto em atenção que se dispunha do tempo necessário para o cumprimento integral do seu repetido compromisso de a adesão se tornar efectiva em 1 de Janeiro de 1986. É natural contar-se com o seu empenho para que os trâmites constitucionais nos respectivos países se processem de modo a concretizar-se aquele objectivo final. Não se desconhece a duração inevitável de alguns deles, mas mesmo aí é possível, se necessário, antecipar a elaboração e apresentação de relatórios ou pareceres prévios ao trabalho das Câmaras legislativas, tornar através de métodos próprios o processo mais expedito, concretizar, em suma, a efectivação das ratificações até ao fim do ano. Isto mesmo nos foi assegurado recentemente por membros dos Governos dos países da actual CEE. Estaremos naturalmente atentos ao evoluir de cada caso, embora sejam igualmente importantes os contactos havidos ou a estabelecer entre a Assembleia da República e os Parlamentos dos países comunitários para sensibilizar os seus membros sobre a necessidade de atenderem à data efectiva de adesão, ou seja, l de Janeiro próximo. O Ministério dos Negócios Estrangeiros está ao dispor dos parlamentares para impulsionar e apoiar esses contactos nas capitais dos Dez.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - A adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia implicará profundas alterações a nível da Administração Pública, em diversos departamentos, que mais não serão aliás do que um dos reflexos dinâmicos da adesão na vida portuguesa. Por virtude da orgânica do Governo e também do Tratado de Roma, caberá ao Ministério dos Negócios Estrangeiros - finda a etapa negocial - não apenas a responsabilidade política pela coordenação indispensá-
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vel entre os diversos ministérios e serviços, como ainda a gestão diária da nossa actuação a nível comunitário. Este esforço suplementar que será pedido, ao MNE decorre de um imperativo político e legal, na medida em que lhe compete a planificação e a execução da política externa portuguesa. Reflectirá, ainda, as experiências dos Estados que integram a Comunidade, onde os respectivos Ministérios dos Estrangeiros, em estreita ligação e colaboração com os outros departamentos governamentais, asseguram a coordenação de políticas e a representação em Bruxelas.
Podemos antever dois planos na necessária adaptação das estruturas do MNE: ao nível dos serviços do Ministério em Lisboa e junto das representações no exterior, especialmente na futura representação permanente junto da Comunidade em Bruxelas.
Impõe-se adaptar o MNE à coordenação dos múltiplos aspectos políticos, económicos, sociais e técnicos que envolverá a nossa participação como membros da CEE. Competir-lhe-á, em articulação com os demais departamentos do Estado, estudar e preparar a melhor defesa dos nossos interesses nas instituições comunitárias, nas diversas reuniões diárias onde se decidem, em distintos sectores, orientações, normas ou regulamentos que irão afectar a vida quotidiana de todos os portugueses.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro, para governo de V. Ex.ª, não para o Governo, informo que dispõe de 3 minutos, estando já incluídos os 10 minutos que o PS concedeu. Será que esse partido lhe concede mais tempo, se necessário?
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Presidente, o CDS concede 10 minutos ao Governo.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Desculpe a interrupção e queira continuar, Sr. Ministro.
O Orador: - Para além do quadro diplomático português, com conhecida experiência de diplomacia económica que decorre na nossa participação na EFTA, na OCDE e em todo o longo processo das negociações de adesão à Comunidade, importará prever nas estruturas do MNE á criação de um quadro técnico indispensável ao melhor estudo e preparação dos assuntos que lhe serão cometidos. A actual Comissão de Integração Europeia criada para a fase negocial detém uma apreciável experiência na matéria, que convirá saber harmonizar e integrar de forma .adequada nas modernas estruturas da política externa portuguesa, conferindo um referencial de estabilidade aos seus quadros técnicos.
Por outro lado, a nossa adesão à CEE trará novos horizontes à nossa actividade internacional, por exemplo pela cooperação política através da qual os Estados europeus se consultam e procuram traduzir as suas afinidades nos planos bilaterais e multilaterais, ou ainda no âmbito da Convenção de Lomé, que para nós irá assumir particular importância atendendo ao vector africano da nossa política externa.
Nos serviços externos do Ministério o esforço principal será exigido à nossa Missão junto da Comunidade Económica Europeia em Bruxelas, que deverá ser redimensionada, e cujos quadros diplomático e técnico deverão adequar-se às novas tarefas.
Importará, ainda, reforçar adequadamente as nossas embaixadas junto das capitais dos Estados membros.
Todas estas adaptações - a nível do MNE em Lisboa e nas nossas representações diplomáticas - impõem um esforço orçamental em futuras dotações para o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que se procurarão conter no mínimo indispensável, atendendo às directrizes da Assembleia da República e do Governo e que reflectem as dificuldades económicas que o País atravessa. No entanto, e no caso da CEE, mais do que um esforço orçamental, o aumento da dotação deverá ser considerado um investimento, atendendo aos benefícios políticos, mas também económicos e sociais, que a adesão à Comunidade representará para Portugal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: VI - Ao aderir à Comunidade Económica Europeia, Portugal, que abriu os horizontes do espírito europeu no século XVI, regressa ao que é seu e traz consigo a experiência de outras culturas e civilizações e a vastíssima capacidade de diálogo entre 150 milhões de seres humanos que em 7 países dispersos por 3 continentes falam a língua portuguesa. Portugal vai por isso voltar a abrir horizontes ao espírito europeu do século XX. A nossa entrada na Europa deve ser encarada sem ilusões, é certo, mas também sem derrotismo, como acto de afirmação nacional e como resposta confiante a. um desafio que cabe à nossa geração enfrentar e vencer. Da Europa, Portugal não tem só a receber. À Europa, Portugal tem muito para dar.
Faço por isso votos para que o Primeiro-Ministro, que formalizou o pedido de adesão em 1977, venha a subscrever o Tratado em 1984 como europeu convicto que soube ser e é. Que o Governo que concluiu as negociações permaneça tempo suficiente para ver de pé os resultados da sua obra. Que a esta Assembleia seja facultado aprovar o Tratado e ao Presidente da República, no final do seu mandato, e tendo-se congratulado publicamente pela adesão, seja concedido o prazer, ao ratificá-lo, de se associar também à entrada do nosso país na Comunidade.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Quando nos preocupamos tanto com o calendário dos outros Parlamentos no processo de ratificação que se vai seguir, é porque todos sentimos a responsabilidade de assegurar em Portugal a suficiente estabilidade política, governamental, parlamentar e institucional para que a adesão seja irreversível e nunca, por nossa precipitação, impedimento ou lacuna, venha a ser posta em causa.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vamos aderir a uma Comunidade que ela própria também sai da crise. Insuficiências económicas e desequilíbrios sociais, desníveis militares, atrasos científicos e tecnológicos, problemas ambientais e culturais estimulam cada vez mais um reforço da união política europeia e uma afirmação da Europa no mundo. Nós, que tanto prezamos a nossa independência, estaremos na Comunidade para trabalhar também pela independência da Europa, pelo seu papel construtivo e equilibrado nas relações internacionais, pela sua capacidade inigualável nos diálogos Norte-Sul e Leste-Oeste, bem como na segurança e cooperação europeias, pelo seu contributo decisivo para o desenvolvi-
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mento, a justiça e a paz. É, sem dúvida, Sr. Presidente, Srs. Deputados, um novo Portugal numa Europa nova a grande aposta em que todos nos devemos orgulhar de participar e de estar a construir para o futuro.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, ouvi atentamente o breve e incisivo discurso de V. Ex.ª A este propósito, gostaria de colocar algumas questões a V. Ex.ª
Assim, disse o Sr. Ministro que o Governo considera ser seu dever prestar a informação completa à opinião pública. Ora, será que V. Ex." considera que ao longo destes 8 anos houve informação completa aos sectores principais da nossa estrutura económica, às organizações de trabalhadores? Será que houve debates públicos com a presença de membros do Governo que expusessem periodicamente o andamento e as consequências da adesão em certos dossiers! Como e quando aconteceu isso? V. Ex.ª participou em algum desses debates?
Disse também o Sr. Ministro que se afigurava adequado efectuar agora o balanço político. Mas V. Ex.ª entendeu com certeza que este debate mortiço que hoje decorreu foi mal preparado. Na verdade, o PS e o CDS impediram uma preparação mais cuidada, para a qual, verdade se diga, estava preparado o Sr. Ministro das Finanças. Será que este debate serviu para se fazer um bom balanço político? Então se serve, como explica V. Ex.ª que o Governo não tenha orientado os seus trabalhos de forma a que o Sr. Ministro da Agricultura e o Sr. Ministro do Mar expusessem aqui as suas opiniões sobre dois importantíssimos dossiers, que são os da agricultura e das pescas?
Em relação a outro aspecto, V. Ex.ª disse a certo momento que os resultados permitirão concluir que Portugal negociou com o rigor possível o grande capítulo da sua política externa. Ora, gostava de saber porque se fala em rigor possível, pois com certeza houve sempre rigor. Ou não será assim? Será que houve lapso ou quererá dizer outra coisa?
Dando de barato que a integração da Comunidade, como V. Ex.ª diz, depois da independência nacional e dos descobrimentos, é o acto político mais jovem praticado na história portuguesa - já que me parece que o acto político mais jovem, mais importante e mais histórico foi sem dúvida o 25 de Abril -, gostava de saber o seguinte: em relação ao emprego assalariado, V. Ex.ª diz que 5 anos após a adesão a comunidade fará um balanço com vista a apreciar na base de novos dados se haverá lugar a adaptações ao regime transitório. Ora, Sr. Ministro, que quer dizer exactamente isto? Poderá ser agravado o período de 7 anos, após o qual haverá acesso ao emprego? Porquê esse exame ao fim de 5 anos? É para agravar ou facilitar?
Em relação a Portugal e Espanha, Sr. Ministro, aproveito a oportunidade para pedir desculpa a V. Ex.ª por não estar presente no dia da sessão de perguntas ao Governo. Pretendia fazer uma pergunta que V. Ex.ª viria a responder a propósito de estratégia do Governo Português em relação a Espanha. É que estava nessa altura presente numa reunião do Comité Misto do Parlamento Europeu. Por isso, gostaria agora de saber que tipo de estratégia Portugal está a adoptar perante as negociações bilaterais com o Governo Espanhol.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª esgotou os 3 minutos de que dispunha.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, como ainda tenho tempo para amanhã, utilizarei agora algum desse mesmo tempo.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Muito original!
O Orador: - V. Ex.ª disse também que no tocante ao capítulo CECA, este aguarda uma definição da parte portuguesa. Que tipo de definição e dificuldades existem para Portugal definir claramente o referido capítulo?
Quanto aos capítulos «Assuntos sociais », «Agricultura», «Recursos próprios e instituições», V. Ex.ª diz que se não levantam problemas específicos dos dois últimos. Ora, isto pressupõe: que existem problemas nos dois primeiros, ou seja, nos assuntos sociais e agricultura. Quais as exigências que existem a este respeito em relação a Portugal?
Gostaria ainda de saber, tal como V. Ex.ª disse, se estão mais avançados os trabalhos sobre a pesca e a união aduaneira. Mas que se passa exactamente sobre as pescas e que tipo de avanços é que houve?
Por outro lado, disse V. Ex.ª que o esforço negocial conhecido em Bruxelas teve o objectivo de assegurar o enquadramento tão favorável quanto possível para ulterior definição do regime de pescas luso-espanhol. Sr. Ministro, é importante que diga isto, contudo é vago. Que quer dizer «enquadramento tão favorável quanto possível»? É que estou totalmente de acordo com V. Ex. º quando diz que os direitos históricos não existem, não têm de ser considerados. Assim, gostava de saber que reacções houve por parte da Espanha à solução ambiciosa que V. Ex.ª apresentou de não discriminar a Espanha desde a data da adesão, relativamente aos restantes membros, em troca de uma abertura total do mercado espanhol?
Finalmente, o Sr. Ministro falou sobre a eleição dos parlamentares portugueses e diz que o Governo opta para que até 1985 os representantes portugueses sejam escolhidos na Assembleia da Republica. Não entende o Sr. Ministro que isso é da competência exclusiva da Assembleia da República e que esta é que deve decidir se deve ou não haver eleições nas próximas legislativas, por exemplo?
Em relação à possibilidade de Portugal ser presidente do Conselho de Ministros das Comunidades em 1986, V. Ex.ª disse que ainda existem algumas dúvidas. Assim, gostava de saber se há ou não vantagens nessa presidência?
Por último, V. Ex.ª disse uma piada ou fez uma ameaça - queira desculpar -, pois disse que espera que o Governo que conduziu as negociações tenha tempo suficiente para ver de pé os resultados da obra. Esperemos que não, Sr. Ministro, esperemos que não tenha esse tempo. Já agora, quanto tempo julga V. Ex.ª ser necessário ao Governo para ver os resultados da sua obra? É que ameaça-nos que vai permanecer mais alguns anos, mas esperemos que não, Sr. Ministro.
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O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Beiroco.
O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, foi um prazer ouvi-lo e verificamos que é uma lacuna grave do Regimento da Assembleia da República não se prever, como acontece noutros parlamentos, que haja debates regulares sobre política externa. Talvez por isso já há muito que não tínhamos o prazer de o ouvir.
Quanto à sua exposição, devo dizer-lhe que fiquei um pouco preocupado com a questão de dizer que ainda estava a ser o objecto de ponderação o facto de Portugal assumir ou não, no 2.º semestre de 1986, a presidência do Conselho de Ministros da Comunidade. De facto, parece-me que Portugal não pode ter hesitações, na medida em que, sendo como somos uma velha nação, com certeza que um pequeno país - mas mesmo assim maior que outros que estão na Comunidade - e sendo o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a carreira diplomática uma das carreiras com mais prestígio e tradições na nossa Administração Pública, não posso admitir que tenhamos problemas que não possam ser ultrapassáveis nessa área. Perguntaria mesmo ao Sr. Ministro se não pensa que o esforço de adaptação que Portugal tem de fazer no sentido da adesão não deve começar também pela Administração Pública. Não seria um bom prenúncio que o próprio Ministério dos Negócios Estrangeiros começasse por dar o exemplo, organizando-se para que Portugal possa exercer como é seu direito, penso que não apenas direito mas dever, a presidência do Conselho de Ministros no 2.º semestre de 1986?
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro são conhecidas as funções do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A Câmara conhece os dossiers que aqui tentou resumir em segunda mão sem ter acrescentado nada. Ora, o que importava era que nos dissesse qual o estado efectivo das negociações com a Espanha e quais as propostas espanholas, não os seus Principios abstractos. Será que o facto de já estar anunciada uma data para a assinatura do acordo com a Espanha, com as respectivas festividades e assinaturas em Lisboa e Madrid, não irá condicionar verdadeiramente as negociações bilaterais?
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Figueiredo Lopes.
O Sr. Figueiredo Lopes (PSD): - Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros, durante 2 semanas que viajei pelas comunidades portuguesas da Europa, a pergunta que mais era feita era: quais as consequências para os emigrantes da nossa adesão à CEE? Ora, foi com agrado que ouvi de V. Ex.ª o elenco das medidas de protecção dos interesses dos portugueses que labutam nesses países da Comunidade Europeia, e não só. No entanto, falou V. Ex.ª nas prestações sociais, do emprego, da integração sócio-profissional, da função profissional. Ora, como V. Ex.ª referiu, os efeitos positivos para os emigrantes portugueses da Europa: Ainda bem que tudo está previsto, que tudo está salvaguardado.
No entanto, permita-me colocar-lhe duas perguntas.
Quanto à primeira, de carácter mais ou menos administrativo, refere-se às estruturas diplomáticas, miais propriamente aos consulados. Assim, perguntava-lhe se as estruturas consulares se estão a preparar para esta nova mudança, designadamente na introdução da informática. É que vi no Consulado Geral em Londres, por exemplo, equipamentos já adquiridos para esse efeito. Será que em breve entrarão em funcionamento? Será que teremos nos consulados gerais mais importantes, com centenas ou milhares de ficheiros, a informática implementada?
A segunda questão tem a ver com a renegociação dos acordos bilaterais existentes entre Portuga] e os diversos países da Comunidade Económica Europeia.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros.
O Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, em meu entendimento houve informações necessárias e correctas. O que deverá é ser feito um esforço ampliado de divulgação em relação à forma como sectores de actividade económica em Portugal deverão vir a normalizar o seu procedimento no quadro comunitário. Essa tarefa será naturalmente assumida pelo Governo, pois que sem um conhecimento aprofundado, por parte dos agentes económicos, dos parceiros sociais e da própria Administração Pública, das normas de procedimento comunitário, a adesão não terá a necessária e desejável sustentação no plano interno.
O Sr. Manuel Lopes (PCP): - Têm tapado bem!
O Orador: - Contudo, compreenderão os Srs. Deputados que também o facto de o Governo se ter empenhado até ao momento na negociação em si o impediu de divergir esforços no sentido dessa tarefa, que em meu entendimento deverá agora ser ampliada. Naturalmente, também devo dizer ao Sr. Deputado que o Governo não se pode substituir ao conhecimento que os cidadãos por sua livre iniciativa devem tomar em relação a um conjunto de problemas. Aliás, há na verdade uma disponibilidade de documentação, de informação e de dados que estão em permanência postos à disposição dos sectores mais interessados. Assim, a verdade é que os sectores mais interessados em conhecer toda a mecânica da integração europeia, incluindo os sectores sindicais - a que o Sr. Deputado Manuel Lopes pertence e que não tem em princípio uma grande orientação europeia - estão suficientemente informados sobre as normas de procedimento dentro das comunidades. E ainda bem que estão, pois isso terá um efeito no desbloqueamento cultural de um vasto sector da opinião pública portuguesa.
Por outro lado, não me cabe a mim, Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, comentar o mérito ou o demérito do debate de hoje, porque isso é uma conclusão que a Assembleia da República e a opinião pública retirarão. É que o Governo aparece aqui para prestar contas à Assembleia e tão só fala da maneira que sabe e pode, mas não é juiz nem o quer ser em causa própria. O facto é que o actual Governo realizou aquilo que V. Ex.ª não pensaria ou não desejaria
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que realizasse e que foi a conclusão das negociações de adesão às comunidades europeias.
Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Eu, sintetizaria, e respondia ao Sr. Deputado a uma segunda questão, nomeadamente sobre a estratégia que o Governo está a adoptar em Espanha. É pena que o Sr. Deputado tão displicentemente se tenha referido à minha intervenção e não. tivesse nela prestado atenção aos dados que a mesma contém e que certamente a leitura por fotocópia lhe facultaria rapidamente, acerca precisamente da estratégia negocial portuguesa em relação às negociações Espanha-Portugal no período transitório, designadamente quanto à questão das pescas e união aduaneira.
Como sabe V. Ex.ª, essas negociações começaram na primeira quinzena de Janeiro deste ano, houve dois rounds de conversações realizados em Espanha, dois rounds realizados em Portugal e na próxima semana realizar-se-á um novo round.
Resumi, em linha gerais, a estratégia negocial portuguesa com a suficiente clareza.
Não quererá V. Ex.ª que - e será certamente o primeiro a compreender -, estando a decorrer essas negociações, através da divulgação pública e pormenorizada de todos os seus elementos venha-a debilitar a capacidade negocial do nosso pais na negociação desse difícil dossier. Terei o maior prazer em facultar à Comissão Parlamentar de Integração Europeia ou à Comissão de Negócios Estrangeiros, em sessão restrita, mais detalhes do andamento dessas conversações, sob reserva da divulgação desses dados. O que não me parece apropriado é que num debate público desta natureza o faça neste momento.
O que lhe posso garantir é que nas linhas gerais traçadas na minha intervenção o Governo está a negociar e que os resultados dessa negociação serão transmitidos não apenas à Assembleia da República, mas a toda a opinião pública nacional, como é dever do funcionamento transparente de um governo em democracia.
Devo também dizer ao Sr. Deputado que o balanço a efectuar no período transitório de 3 anos em matéria de emigrantes na circunstância a que se referiu não é, naturalmente, para agravar esse regime, visto que Portugal forma já parte dessa vontade e nunca o permitiria, mas sim e quanto muito para manter essa situação ou para a melhorar, visto que qualquer decisão implicará sempre a nossa própria vontade e a afirmação dela.
Quanto à questão da presidência do Conselho de Ministros em 1986, aliás referida e com uma posição de adesão franca pelo Sr. Deputado Luís Beiroco, indiquei na minha intervenção - e fi-lo para reportar a verdade - que neste momento ainda não está tomada uma decisão quanto à matéria. Há argumentos que militam poderosamente a favor. Eu próprio de um ponto de vista pessoal me inclinaria nesse sentido. Há, porém, objecções que têm a ver com questões de natureza técnica e com a forma de, nesta fase, melhor salvaguardar o interesse português perante a Comunidade. Naturalmente que o Governo ao transmitir este problema à Assembleia da República o fez por desejar, também, ouvir e auscultar a própria Assembleia e a sua sensibilidade numa matéria que, sendo uma matéria institucional e política, sobre a qual cabe ao Governo uma decisão, é importante que haja uma formação de vontade mais ampla sobre o problema, na medida em que está aqui em causa um nítido problema de prestígio nacional; o de afirmação da capacidade portuguesa na instância europeia e de liderança nacional num organismo internacional.
O Sr. Deputado Figueiredo Lopes referiu o problema da renegociação dos acordos bilaterais de segurança social. Passará agora a haver um quadro jurídico único e os acordos que forem mais vantajosos serão naturalmente mantidos. Os que o não forem não precisarão de ser renegociados, visto que o quadro comunitário dará essa garantia.
Considero que se há domínio onde a adesão produz um efeito específico imediato muito positivo é no relativo à protecção dos nossos trabalhadores emigrantes nos países europeus. De resto, devo acrescentar ao Sr. Deputado que para fazer face a essa nova realidade o Ministério dos Negócios Estrangeiros, em colaboração com o Ministério da Justiça, está a estudar em primeiro lugar a reformulação do Regulamento Consular Português; em segundo lugar, o reforço e a modernização, no âmbito do Ministério dos Negócios Estrangeiros, do sector referente aos serviços e ao apoio consular; em terceiro lugar, a informatização e a modernização de procedimentos nos nossos consulados. Na verdade, um país de emigrantes, como é o nosso, tem o dever de prestar aos seus emigrantes uma protecção e uma assistência consulares exemplares. Essa tem de ser uma tarefa primordial da nossa Administração Pública. Tenho em estudo e apreciação, neste momento, um projecto de diploma para a reformulação dessa área do meu Ministério, que realizarei em simultâneo e em paralelo com a reestruturação do Ministério, exigida pela integração europeia.
Quanto ao Sr. Deputado Carlos Carvalhas, creio ter já respondido à sua pergunta. Devo dizer-lhe que me perturbou um pouco o facto de V. Ex.ª neste debate não ter aduzido matéria de fundo. Na verdade, com este ponto, o da integração europeia, vai a bancada de V. Ex.ª sofrer também um grande desafio e o repto da modernidade de conceitos políticos do ajustamento de estratégias, da reformulação de linguagens. Quando o presidente do Grupo Parlamentar Comunista Italiano no Parlamento Europeu saúda o alargamento e a entrada de Portugal e da Espanha na Comunidade Económica Europeia, talvez por isso mesmo eu também diga que a nossa adesão é benéfica pelos efeitos culturais e políticos positivos que irá induzir em VV. Ex.ªs De resto, vejo já que na bancada do Partido Comunista Português neste debate lideram os jovens deputados comunistas ao Parlamento Europeu.
Aplausos do PS e do PSD.
O Sr. Presidente: - Desejo informar o Governo de que continua dispondo de 8 minutos, uma vez que também lhe foram concedidos 10 minutos pelo PSD.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado José Vitorino.
O Sr. José Vitorino (PSD): - Sr. Presidente, desejo que a Mesa informe de quanto tempo dispõe ainda a bancada do PSD, não entrando em conta com os 15 minutos que ficarão para amanhã.
O Sr. Presidente: - Depois da cedência destes 10 minutos ao Governo, o PSD dispõe ainda de 23 minutos.
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Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz!
O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Apesar de considerarmos que vale mais tarde do que nunca, temos alguma dificuldade em perceber a razão do aparecimento deste debate de uma forma tão repentina. Durante cerca de 6 meses as oposições, os partidos da maioria governamental e o próprio Governo tiveram oportunidade por diversas vezes de manifestarem a sua vontade de efectuarem um debate parlamentar sobre a adesão de Portugal à CEE. As razões para a sua não realização foram as mais variadas e de origens diversas, havendo unanimidade de todos os interessados em que o mesmo tivesse logicamente lugar antes do fecho das negociações.
Lógica seria também esta a situação que mais interessava à Assembleia da República e consequentemente ao País.
Durante esta longa negociação nunca aconteceram os exigidos debates públicos de que resultaria uma conveniente recolha de informações que positivamente poderia formar o espírito das negociações.
A situação gerada tem o inconveniente óbvio do desconhecimento de situações que justifiquem as profundas alterações que irão sofrer os hábitos de vida da população portuguesa.
Poder-se-á afirmar que alguns de nós sempre dispusemos das informações necessárias para um total conhecimento dos vários dossiers em negociação, mas tal situação, no nosso entender, não justifica o silêncio público.
Vir-se agora, assim de repente, fazer um debate parlamentar, que é útil, mas que seria mais oportuno num momento anterior do processo, arrisca-se a ser entendido como uma precipitada recolha de louros, com outros objectivos que não apenas o de dar conhecimento ao País do que realmente se passou a este propósito.
É claro que agora já não é a altura de passar em exame dossiers já encerrados e opções já feitas.
Com esta crítica que é um. imperativo de consciência não queremos de modo algum minimizar o trabalho da delegação negociadora portuguesa, que aqui quero cumprimentar na pessoa do seu chefe - Sr. Ministro das Finanças e do Plano - Dr. Ernâni Lopes.
É também de toda a justiça aqui relembrar que tal conclusão só foi possível, porque outros tão empenhadamente apostaram na adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, nomeadamente os ex-Primeiro-Ministro e Vice-Primeiro-Ministro - Dr. Francisco Sá Carneiro e Prof. Diogo Freitas do Amaral, que laboriosamente prepararam o caminho para que este encerramento tivesse o êxito que teve.
Relembro ainda o empenho do presidente do CDS - Dr. Francisco Lucas Pires que junto de vários leaders europeus em muito contribuiu para a formação de uma opinião favorável à adesão de Portugal à CEE.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É sobejamente conhecida a posição do CDS em relação à adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia, somos naturalmente a favor e sempre o afirmamos.
Somos, no entanto, seriamente reticentes quanto à forma como a adesão se vai processar, porquanto não acreditamos que este Governo seja capaz de introduzir,
na sociedade portuguesa as alterações necessárias para uma correcta inserção no convívio europeu.
A incapacidade que este Governo tem manifestado, ao longo destes 2 anos, permite-nos concluir que dias bem difíceis se avizinham e que aquilo que poderia ser um precioso contributo para a modernização da vida portuguesa poderá acabar por perder-se.
Não acreditamos na capacidade do Governo na medida em que, ao invés de estar a preparar o País para tirar o máximo do aproveitamento da adesão, transformou esta no único instrumento de mudança estruturar da sociedade portuguesa, senão vejamos o que se tem feito.
Não nos seria difícil enumerar uma série de adaptações necessárias e que ainda nem sequer foram esboçadas.
Mas atentemos apenas no sector agrícola, que é de capital importância para a vida económica portuguesa. No entanto, pelos vistos, o Governo assim não pensa dada a ausência do Sr. Ministro da Agricultura. A relação produção-consumo é altamente preocupante, pois a primeira não chega a atingir metade da segunda, o que quer dizer que mais de metade dos bens alimentares são importados. Por outro lado, cerca de um terço da população activa portuguesa depende da agricultura. A simples observação deste quadro permite-nos afirmar que só será possível respondermos ao desafio europeu se operarmos uma radical alteração nas estruturas agrícolas portuguesas.
O Ministério da tutela, que para além de alterar a sigla que o designa, pouco ou nada tem feito, ou de imediato inicia um trabalho profundo, empenhado e sério ou será o grande responsável por um histórico fracasso.
As adaptações exigidas no período de pré-adesão ficaram-se por algumas acções quase que simbólicas e mesmo estas de uma lentidão inexplicável. A título de exemplo cito a criação do RICA (Rede de Informações e Contabilidade Agrícola) e do SIMA (Serviço de Informação dos Mercados Agrícolas), que só ao fim de S anos vira a sua regulamentação publicada.
No domínio das acções concretas tudo se passa como se nada estivesse a acontecer.
Atentemos nalguns aspectos: Quanto à estrutura fundiária - sendo Portugal um país de área reduzida, apresenta-se com um aspecto multiforme quanto à divisão da propriedade rústica. A norte, milhares de pequenas propriedades, na sua maioria com uma área inferior a l ha e seguindo, na sua maioria sistemas de exploração obsoletos e sem qualquer espécie de competitividade. O empobrecimento e o ordenamento cultural têm sido sistematicamente adiados, não se vislumbrando para quando o início deste trabalho que tão necessário é. Grande parte das culturas aqui instaladas não serão as mais aconselhadas se atendermos às dimensões de propriedade e ao tipo de solos, sendo, portanto, urgente o esclarecimento técnico dos agricultores para o que terão de ser dinamizados os Serviços de Extensão Rural, que têm teimosamente permanecido pelos gabinetes, aviltando os objectivos que justificaram a sua criação.
A sul, deparamo-nos com propriedades de maiores dimensões, mas invadidas em grande parte por uma nova casta de entidades empresariais (UCP) que ilegitimamente se apoderaram das terras, sob a observação complacente do Estado, que tarda em repor a legali-
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dade democrática, apesar de repetidamente manifestar pias intenções.
Algumas propriedades foram já devolvidas aos seus legítimos proprietários, mas por força da indefinição governamental ainda não se restabeleceu a confiança nos empresários de molde a que se sintam incentivados a promover os necessários investimentos.
A manter este estado de coisas, o abaixamento dos já reduzidos índices de produtividade será um facto.
Sr. Ministro da Agricultura, embora esteja ausente, o que está à espera para viabilizar a actividade dos nossos empresários agrícolas? Quando pensa trazer à luz do dia os instrumentos legais que permitam aos agricultores portugueses serem também cidadãos da Europa?
O CDS aproveita esta oportunidade para anunciar que dentro em breve trará à discussão da Assembleia da República vários projectos de diplomas que visam estas matérias, tendo alguns dos quais já dado entrada.
Quanto às estatísticas agrícolas, face ao desafio que a integração nos lança, será imprescindível saber o que produzimos e o que poderemos vir a produzir.
Por inacreditável que pareça, não dispomos de elementos, que com um mínimo de credibilidade nos informem. O arrolamento dos gados não se faz há anos. A carta agrícola está em fase incipiente. A carta de solos desactualizada. Neste estado, como será possível pensarmos em emparceirar com os agricultores da Comunidade?
Muitos outros aspectos poderão ainda ser focados, como, por exemplo, o da vitivinicultura.
A situação de que vão desfrutar os nossos vinhos de qualidade pode-se considerar aceitável; no entanto, não podemos deixar de pensar nas grandes extensões de vinhedos que produzem um vinho de tipo corrente e que este não terá grandes hipóteses de colocação no mercado comunitário. Além do mais, é sabido que os países da Comunidade estão a promover o arranque de vinhas, pagando .as justas indemnizações.
Poderemos nós vir a beneficiar desta situação a curto prazo nalgumas regiões, nomeadamente no vale do Tejo e no vale do Sorraia, sabendo que é a única cultura que oferece algumas garantias aos agricultores, em virtude das cheias que periodicamente assolam aquelas regiões.
Porque se espera para iniciar as obras de regularização dos vales daqueles rios, zonas possuidoras de terras com enorme fertilidade, mas que está impedida de ser aproveitada por questões de segurança?
Como poderemos aconselhar os agricultores a arrancar as suas vinhas sem lhes poder garantir com segurança que poderão tirar melhores rendimentos das suas terras?
Por tudo que já foi dito, entendo ser preocupante a situação que a adesão põe à agricultura portuguesa.
Não basta afirmar que há vantagens políticas e grandes ajudas para as modificações estruturais necessárias, é sim imperioso que desde já se comece a dotar o País de condições para a sua efectiva modernização.
A reforma dos serviços de apoio à agricultura, o fomento do associativismo dos agricultores, a vulgarização das técnicas agrícolas serão certamente factores importantes de modernização.
Mas acima de tudo será indispensável que a solidariedade da Comunidade para com os agricultores encontre, ao longo do período de transição, e mesmo para além deste momento, os instrumentos adequados
ao combate contra os atrasos estruturais que vêm de longe e que é preciso ultrapassar para que a integração alcance os seus objectivos essenciais: a eliminação das desigualdades sociais e regionais.
Aplausos do CDS e do Sr. Deputado Luís Saias, do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Edmundo Pedro.
O Sr. Edmundo Pedro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou limitar a minha intervenção no âmbito deste debate a um aspecto que me toca particularmente, porque se relaciona com conceitos que me são caros - e que vejo aqui chocantemente postos em causa por aqueles com quem os partilhei há já longos anos. Refiro-me ao nacionalismo ultrapassado, ao nacionalismo de inspiração «maurrasiana» e integralista que tem caracterizado nesta matéria a intervenção do PCP, nacionalismo que está em frontal oposição com um dos elementos que sempre fizeram parte dos valores e da tradição ideológica daquele partido, ou seja, com o seu apregoado internacionalismo.
Eu pertenci ao movimento comunista há longos anos, no seu período verdadeiramente militante, e não enjeito esse passado, naquilo que ele tem de positivo. E um dos valores que nunca rejeitei foi justamente o seu internacionalismo, assumido de forma amadurecida, que não enjeita o nacionalismo legítimo, os valores nacionais, a cultura nacional. Internacionalismo que significa, da minha parte, o profundo desejo de que se atenuem e desapareçam, cada vez mais, as barreiras que separam os povos. Ó meu desejo de que se esbatam progressivamente as fronteiras que os dividem. A minha aspiração é que a fraternidade e a solidariedade entre os homens se substituam às divisões artificiais e a tudo aquilo que os opõe. E tal consideração tem particular importância entre os trabalhadores, cujos interesses fundamentais se indentificam por cima das fronteiras que os dividem. Essa aspiração do movimento comunista está perfeitamente representada pela divisa que durante muito tempo foi inscrita nos seus principais órgãos doutrinários: «Proletários de Todos os Países, Uni-vos!» Ora o que seria de esperar de um partido com essa inspiração seria que acolhesse como um sinal positivo, como um valioso contributo para a realização desse objectivo de aproximação entre os povos, como um passo positivo no sentido do seu proclamado internacionalismo, o movimento em marcha na Europa para a criação de uma grande Comunidade de povos dispostos a desarmar as suas fronteiras e darem-se as mãos em defesa de valores essenciais da civilização moderna, ou seja, as instituições democráticas representativas, as liberdades públicas, o progresso económico e social que está indissoluvelmente ligado a essas instituições. E também a garantir a independência do velho continente, meta que só é possível atingir na base da sua modernização, do seu progresso técnico, condição imprescindível para enfrentar com êxito os desafios lançados por outros espaços económicos que evidenciam maior dinamismo, designadamente os Estados Unidos da América e o Japão.
Não posso deixar de fazer notar a contradição essencial do PCP ao criticar por um lado a dependência em relação aos Estados Unidos - que constitui uma realidade ditada pelas condições objectivas, em primeiro lugar pelo atraso relativo e a consequente dependência
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técnica e económica da Europa - e ao criar obstáculos, por outro, à única via que pode permitir à Europa afirmar a sua força e a sua consequente independência, ou seja, a sua unidade política acrescida e o seu desenvolvimento económico.
A independência da Europa em relação aos Estados Unidos da América - que passa pela sua vitalidade económica, que condiciona a sua força real - está claramente ligada à sua progressiva integração económica e política - factores que condicionarão, a médio prazo, a elaboração de uma política de defesa autónoma, relacionada com os cenários de provável confrontação que a Europa enfrenta. Condiciona uma real autonomia em face dos Estados Unidos da América e uma progressiva libertação da dependência das suas opções estratégicas no confronto entre as duas super-potências: os Estados Unidos da América e a União Soviética. O papel moderador que a Europa está logicamente interessada em desempenhar nesse conflito de que depende o seu destino, papel vital para a preservação da paz nesta região do mundo, está também evidentemente ligado e dependente da capacidade de afirmação autónoma dos seus interesses específicos, que não coincidem inteiramente com os dos Estados Unidos da América.
Também os Estados Unidos da América, a despeito das afirmações em contrário, não têm interesse numa completa integração económica e política da Europa, integração que a liberte da dependência americana, designadamente em matéria de defesa. Nós consideramos que a OTAN constitui um importante instrumento da política defensiva da Europa, mas seria importante que a Europa dispusesse de força suficiente para afirmar, no quadro da OTAN, uma política autónoma de defesa como defendem os socialistas, que talvez não passe pela concentração na Europa dos vectores nucleares americanos sobre os quais os países europeus, cuja defesa procuram assegurar, não têm qualquer controle. Sem rejeitar a colaboração com os Estados Unidos da América no quadro de uma política defensiva, antes pelo contrário, - e a Europa não poderá ter outra - parece-me evidente que é do interesse da Europa organizar uma defesa em inteira conformidade com os seus interesses específicos, o que só pode acontecer se conseguir autonomizar-se dos interesses específicos dos Estados Unidos da. América. O processo de integração nesse sentido é, pois, um importantíssimo factor de paz no mundo.
Por tudo isto me parece que a posição do PCP é incoerente com alguns dos objectivos constantemente proclamados, designadamente a preservação da paz no mundo e a independência em relação aos Estados Unidos da América.
O PCP afirma, pela voz do Sr. Deputado Carlos de Brito, que este projecto é ruinoso para a soberania nacional. É evidente que a soberania nacional adquire outros contornos no quadro de uma aliança de Estados e de um processo de integração como o que está em marcha. Mas é igualmente evidente que na era das estratégias nucleares e das dependências estratégicas - e consequentemente políticas - em relação às super-potências, falar de soberania nacional, no sentido tradicional, em relação a um pequeno país, significa manter ilusões que a situação actual não comporta. Que o digam os povos mais directamente colocados, na órbita das super-potências, como o Sr. Deputado Carlos de Brito muito bem sabe.
Mas parece-me constituir historicamente um grande avanço podermos ajudar a construir um tipo de soberania mais realista e mais adaptado, às circunstâncias reais do nosso conturbado tempo, ou seja, podermos contribuir para afirmar a soberania e a independência da Europa em face dos gigantes que dominam a cena mundial, numa Europa das pátrias, com um novo estatuto de soberania: o estatuto de cidadãos europeus.
Parece-me que seria importante - e útil para o povo português - que o PCP, que inspira um significativo movimento da paz, fizesse prova de maior coerência ideológica e viesse a rever a sua posição, considerando como um grande passo positivo, justamente no efectivo caminho para garantir a paz mundial, a evolução da Europa no sentido dá sua união e da sua integração. Até porque constitui uma importante contribuição, conforme sustentei no princípio da minha intervenção, para afirmar, no espaço europeu, os princípios do internacionalismo, da fraternidade e da solidariedade entre os povos, valores de que o PCP, pelo menos teoricamente, sempre se reclamou.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Espadinha.
O Sr. Carlos Espadinha (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O dossier das pescas é talvez aquele em que mais claras são as cedências do actual Governo, prejudicando grandemente a economia e os pescadores portugueses e lesando a independência nacional.
Desde a entrega dos nossos recursos a países muito mais bem apetrechados do que nós, até à perda de acordos bilaterais com outros países, tudo existe. Nos países mais bem apetrechados está incluída a vizinha Espanha, que irá obter grandes benefícios à custa de muito mais desemprego para os nossos pescadores, mais fome, mais miséria.
Face aos acordos já estabelecidos entre o governo PS/PSD e a CEE, e devido ao facto de durante os últimos 9 anos não se ter procedido à ocupação efectiva da zona económica exclusiva (ZEE) por barcos de pesca portugueses, quotas largamente maioritárias de capturas nas nossas águas seriam atribuídas a países estrangeiros, nomeadamente à Espanha. Na verdade, neste momento nem sequer está estabelecido que a zona das 12 milhas, o chamado mar territorial, seria exclusivamente explorado por barcos portugueses. A única coisa negociada é que os barcos dos actuais 10 membros da CEE não pescarão nas nossas 12 milhas. No que respeita à Espanha nada está assegurado. Ou seja, ao contrário do que poderia parecer, a posição da Espanha em relação aos recursos das águas marítimas sob jurisdição portuguesa seria reforçada com a entrada de dois países para a CEE tanto dentro como fora das 12 milhas. Ao mesmo tempo na ZEE as possibilidades de Portugal vir a pescar seriam diminutas, já que em concorrência com outras frotas estrangeiras, Portugal está numa posição extremamente desvantajosa. Por outras palavras, com a hipotética adesão de Portugal a CEE, o nosso país veria cortadas ou limitadas as possibilidades de acesso aos nossos próprios recursos entre as 12 e as 200 milhas, enfrentaria uma forte concorrência de outros países da Comunidade, que poderiam, inclusivamente, descarregar em Portugal, assistiria a reivindicações de pesca dentro das 12 milhas,
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não sendo de afastar a hipótese de os recursos da nossa ZEE poderem vir a servir de moeda de troca para a CEE obter acordos com outros países.
No plano dos recursos externos, a comunidade substitui-se à participação individual de cada Estado na detenção de acordos com países terceiros. Sendo talvez maior a capacidade negocial da CEE em relação a de cada um dos Estados, não se vê que disso venhamos a beneficiar significativamente, tendo em conta particularmente a directa concorrência da Espanha com a sua importante frota, neste momento subaproveitada. Aliás, pelo que já foi acordado verifica-se que a CEE não garante o efectivo acesso de Portugal à pesca em águas de países terceiros, quer no que respeita aos actuais acordos da CEE quer aos actuais acordos bilaterais de Portugal. Quanto ao acesso aos recursos poder-se-á, portanto, concluir que a adesão à CEE será bastante negativa para as actividades pesqueiras nacionais, forçadas a abrir mão de direitos de pesca nas águas portuguesas sem contrapartida visível noutras áreas.
Aplausos do PCP.
Mais do que isso. O acordo que o governo PS/PSD nos apresenta é, no fundamental, igual ao chamado acordo de pescas entre Portugal e a França, assinado em 1969, que nos dois primeiros artigos dizia:
1 - Não é concedido nenhum direito aos navios de pesca portugueses na zona de pesca francesa;
2 - Têm direito a pescar nas águas portuguesas 45 barcos franceses.
Também no domínio das trocas de produtos pesqueiros com os outros países Portugal acabaria por sair prejudicado. De facto, por força da aplicação das medidas de apoio à produção pesqueira da CEE (preços de referência) Portugal não poderá procurar, como até agora, os melhores preços no mercado mundial, o que poderá ter efeitos desastrosos, nomeadamente a nível da indústria conserveira, que veria diminuída a sua capacidade concorrencial. Ou seja, também quanto à organização do mercado, a eventual adesão traria evidentes prejuízos para o sector, pois não só se assistiria à abertura dos nossos portos às frotas dos outros países da Comunidade, como intensificaria a concorrência e provocaria o aumento de preços dos produtos pesqueiros importados.
Mas voltando ainda à questão das 12 milhas, perguntamos: como vão ser marcadas as 12 milhas? Como vai ser traçada a linha base? É urgente que o Governo esclareça esta questão, porque nos parece, a nós pescadores portugueses, que até nesta parte anda «gato escondido com o rabo de fora».
Em relação às negociações com a Espanha, o Governo também deve esclarecer aqui como é que estão a ser feitas, até onde é que vai ceder aos espanhóis! Isto porque nos parece, pelo que é transmitida pelos serviços noticiosos espanhóis, que os nossos vizinhos ainda vão ter mais acesso aos nossos mares do que aquele que já tiveram.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Embora não tenhamos ainda dados oficiais sobre a produção do sector pesqueiro em 1984, existem informações de que teria havido um aumento da ordem dos 8 % em relação ao ano de 1983. Se se confirmar este resultado não nos restam dúvidas de que ele se deve ao facto da redução
da actividade da frota espanhola nas nossas águas. Sabemos também que os nossos stocks de crustáceos e o pouco que existe de pescada são aqueles pelos quais os espanhóis têm mais apetite. Face às cedências que vêm sendo feitas qual seria o futuro dos pescadores portugueses?
Em resumo, o entusiasmo demonstrado pelo Governo quanto à adesão de Portugal à CEE visa apenas esconder os custos económicos e sociais da entrega do nosso país à gula de estrangeiros.
A adesão, a dar-se, traduzir-se-á por um ainda maior bloqueamento do desenvolvimento das pescas nacionais, numa ainda maior quebra da produção, num ainda mais rápido aumento dos preços no consumo, numa perda de competitividade das indústrias transformadoras de produtos pesqueiros e, como pano de fundo, num acelerado crescimento do desemprego no sector.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que se consideram perdidos os tempos atribuídos ao dia de hoje e que não foram utilizados.
Assim sendo, terminamos por aqui esta fase do debate.
Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, como é orientada amanhã a sessão de encerramento? Tenho conhecimento de que terminará com uma intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, mas não sei qual a ordem das intervenções.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que ficou assente na conferência de líderes é que as intervenções serão produzidas segundo a ordem crescente dos grupos e agrupamentos parlamentares.
Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um diploma entrado na Mesa.
O Sr.º Secretário (Lemos Damião): - Deu entrada na Mesa o projecto de resolução n.º 47/III, da iniciativa do Partido Socialista, relativo à criação de uma comissão eventual para a defesa e salvaguarda do património artístico e cultural da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a sessão de amanhã terá início às 10 horas da manhã e na ordem de trabalhos consta a continuação do debate sobre a adesão à Comunidade Económica Europeia.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 23 horas e 40 minutos..
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
Armando António Martins Vara.
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Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Eurico Faustino Correia.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Jorge Alberto Santos Correia.
José António Borja dos Reis Borges.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Torres Couto.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Monteiro Picciochi.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Abílio Gaspar Rodrigues.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando José Roque Correia Afonso.
Francisco Antunes da Silva.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Augusto Seabra.
José Bento Gonçalves.
José Pereira Lopes.
José Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Maria Moreira.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
José Manuel Santos Magalhães.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Paulo Areosa Feio.
Zita Maria Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Gomes de Pinho.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marçal.
João Lopes Porto.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Luís Nogueira de Brito.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel Jorge Forte Góes.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
Helena Cidade Moura.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):
Ruben José de Almeida Raposo.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados: Partido Socialista (PS):
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
Almerindo da Silva Marques.
António Gonçalves Janeiro.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
João de Almeida Eliseu.
João do Nascimento Gama Guerra.
Jorge Lacão Costa.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Maria Roque Lino.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Partido Social-Democrata (PSD/PPD):
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
Domingos Abrantes Ferreira.
João António Torrinhas Paulo.
Lino Carvalho de Lima.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
Alexandre Carvalho Reigoto.
António José Bagão Félix.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
Joaquim Rocha dos Santos.
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José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):
António César Gouveia de Oliveira.
Agrupamento Parlamentar da Acção Social Democrata Independente (ASDI):
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho
Os REDACTORES. Ana Maria Marques da Cruz - Maria Leonor Ferreira - Carlos Pinto da Cruz.
PREÇO DESTE NÚMERO 144$00
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.