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I SÉRIE-NÚMERO 74

Sexta-feira, 26 de Abril de 1985

DIÁRIO da Assembelia da República

III LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

REUNIÃO SOLENE COMEMORATIVA DO 25 DE ABRIL DE 1985

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs.

Leonel de Sousa Fadigas
António Roleira Marinho
José Manuel Mala Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

Pelas 16 horas e 10 minutos deu entrada na Sala das Sessões o cortejo, em que se integravam o Sr. Presidente da República, o Sr. Presidente da Assembleia da República, o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o Sr. Vice-Primeiro-Ministro, os secretários da Mesa, a comitiva do Presidente da República, a secretário-geral da Assembleia da República e o chefe e os secretários do protocolo.
No hemiciclo encontravam-se já o Ministro da República para a Madeira, os Ministros, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas, o Presidente do Conselho Nacional do Plano, o Presidente do Governo Regional da Madeira, o Provedor de Justiça, os Conselheiros de Estado, os juízes do Tribunal Constitucional, o representante do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Governador Civil de Lisboa, o Procurador-Geral da República e os Presidentes do Supremo Tribunal Administrativo, do Tribunal de Contas e do Supremo Tribunal Militar.
Encontravam-se ainda presentes nas tribunas e galerias os restantes membros do Governo e outras altas autoridades, o corpo diplomático, o vigário-geral da Diocese de Lisboa, em representação do Cardeal-Patriarca e os demais convidados.
Constituída a Mesa, na qual o Sr. Presidente da República ocupou o lugar à direita do Sr. Presidente da Assembleia da República, a Banda da Guarda Nacional Republicana, colocada na Sala dos Passos Perdidos, executou o Hino Nacional.

O Sr. Presidente: - Com a aquiescência de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, está aberta a sessão.

Eram 16 horas e 15 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Rodrigues Ferreira Gamboa.
Almerindo da Silva Marques.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António José Santos Meira.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Armando António Martins Vara.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Hàndel de Oliveira.

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Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel Barros Barrai.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Agostinho Correia Branquinho.
Amadeu Vasconcelos Matias.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Luís de Figueiredo Lopes.
José Manuel Pires das Neves.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
João António Torrinhas Paulo.
João António Gonçalves do Amaral.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Paulo Areosa Feio.

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Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
António Gomes de Pinho.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Lucas Pires.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.
Manuel Jorge Forte Góes.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.
Raul Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
Francisco Alexandre Monteiro.
Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante da ASDI, Sr. Deputado Vilhena de Carvalho.

O Sr. Vilhena de Carvalho (ASDI): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: 11 anos passados sobre o 25 de Abril de 1974, pode reafirmar-se que a gesta dos capitães, na madrugada daquele dia, continua a merecer, na consciência do povo português, a espontânea palavra de saudação, o devido gesto de reconhecimento e as manifestações, tanto oficiais como populares, de júbilo colectivo.
Por isso, o dia de hoje é um dia nacional, em que todos os portugueses se irmanam num sentimento comum, porque comum a todos é a alegria de festejar a liberdade reconquistada e a esperança renascida para uma vida de dignidade, que durante tantos anos nos foi subtraída por um poder autoritário, obscurantista e opressivo.
Espécie de domingo pátrio é este, em que as mãos calejadas descansam, livres para se encontrarem com outras mãos; em que as agruras do quotidiano se esquecem; em que o perfume dos cravos da revolução distante ainda ressuma e inebria e as bandeiras da paz social se desfraldam para que a todos toque e em todos a festa aconteça.
Sensíveis por nós e pelo povo que representamos, aqui nos reunimos com propósitos de expressão própria e como mandatários de quem nos elegeu para, através da presença e da palavra, significarmos como as instituições democráticas rememoram e saúdam todos os resistentes e os revolucionários de ontem, que tornaram possível o Portugal livre e democrático de hoje.
Tem sido, aliás, o 25 de Abril e as ocasiões de o comemorar pretexto de reunião conjunta, neste vetusto hemiciclo, dos titulares dos diversos órgãos de soberania, eles próprios se contando entre os principais efeitos históricos da liberdade restaurada e da devolução ao povo do seu poder soberano.
Aqui está um bom motivo de reflexão:
Que a democracia passa essencialmente por esta Casa, ninguém ousará contestá-lo; que o Presidente da República e o Governo e os representantes dos tribunais sempre se têm encontrado com a Assembleia da República nos momentos de júbilo nacional, eis disso mesmo a prova que estamos dando ao povo português.
Mas terá havido sempre recíproca compreensão, solidariedade e intercolaboração institucional entre os diversos órgãos de soberania, nos demais momentos, naqueles em que os problemas se agigantam, em desafio constante à acção dos governantes?
Os problemas do País concitam a um esforço colectivo de todos - governantes e governados; concitam a uma dedicação conjunta, até ao sacrifício, para que possam ser superadas as dificuldades acumuladas, de modo a que os ideais de liberdade, de progresso e de justiça social, que aureolaram a primavera de Abril, não venham a estiolar no regaço da desilusão.
Temos perdido, talvez, demasiado tempo a discutir e a arredondar conceitos e a questionar ideologias em vez de, na prática, resolvermos os problemas concretos das pessoas e do País real que somos.
Temos sacrificado, porventura em excesso, a estabilidade das funções governativas e parlamentares, necessárias e indispensáveis a um trabalho mais profíquo e socialmente mais útil.
São disso claro exemplo os nove governos constitucionais e as quatro eleições para a Assembleia da República, desde 1976.
Há normas da Constituição de carácter excepcional que, pela sua invocação e aplicação repetida, põem em causa o bem fundado de regras gerais estabelecidas na mesma Constituição.
Referimo-nos, por exemplo, às sucessivas dissoluções da Assembleia da República, cujos custos políticos, sociais e económicos facilmente se intuem, mas se não ousou, ainda, correctamente avaliar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Que temos dado provas de uma intensa vivência democrática, por vezes até à irrequietude, ninguém poderá contestar.
Mas de tantas vezes o cântaro ir à fonte, sabe-se como pode acabar por partir ao menos a asa. E a verdade é que há por aí, não o esqueçamos, muitos travestis de Leviathãs, predispostos a dar à manivela da história em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio da liberdade, do progresso e da justiça social.
É à defesa desta liberdade que a memória de Abril essencialmente e em primeiro lugar nos obriga.
Só em democracia e em liberdade poderemos dignamente construir o futuro: um futuro em que os direitos sociais, económicos e culturais de todos os cidadãos se encontrem assegurados e garantidos.

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A pressa de alcançar a plena satisfação do conteúdo desses direitos não pode, todavia, deixar de ter em conta o ponto de partida, o fim do império colonial e consequências daí advenientes e as dificuldades acrescidas por uma crise que, sendo geral, também nos afecta.
Ser descontente pode não ser negativo e não o será quando se não perdeu a confiança nas instituições democráticas, nem o élan mobilizador da vontade colectiva para as tarefas do futuro.
Se soubermos temperar a insatisfação com a confiança e se formos capazes de não perder o sentido da medida, colocando embora o melhor como meta, mas só o possível como exigência, então, tal como em 1385, 1640, 1820 e 1910, a crise de que nos queixamos será vencida.
Vencida, mas nunca em escassos anos, ou no mandato normal de um governo, dado o atraso em que nos encontramos em relação aos padrões de vida europeus com os quais nos pretendemos igualar.
Aceitemos, porém, os desafios que se nos colocam e entre eles o da próxima integração no seio da Comunidade Económica Europeia.
Prioridade das prioridades de sucessivos governos, é justo salientar o mérito do actual, ao conseguir proximamente coroados de êxito os seus persistentes esforços nesta caminhada de modernidade da sociedade portuguesa.
Hoje, como sempre ao longo da nossa história, também a este respeito não faltam os «arautos da desgraça» nem «os velhos do Restelo», nem «os que confundem a árvore com a floresta», incapazes de perspectivar o futuro e de avaliar a importância - quanto a nós sem alternativa - deste grande objectivo nacional.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Se é no reconhecimento da dignidade da pessoa humana e na defesa dos valores da solidariedade social que a sociedade portuguesa se há-de desenvolver, não se poderá abstrair de que a solidariedade internacional é, também ela, um pressuposto da própria solidariedade interna dos povos com culturas e projectos afins.
Quanto a nós, Portugal só terá a ganhar económica, social e culturalmente se quebrar o seu isolacionismo e partilhar com os demais países europeus os bens e os valores de uma civilização comum.
Com a integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia, o quadro institucional democrático ganhará uma maior solidez, a liberdade e a modernidade enriquecerão o nosso quotidiano e a memória de Abril ganhará, afinal, um futuro ainda por realizar.
Se depositarmos a nossa confiança nas instituições democráticas, de igual modo não esquecemos que elas assentam na vontade popular e é o povo que há-de, em cada instante, ser o fautor do seu próprio destino.
Hão-de ser, contudo, os jovens os destinatários principais das nossas preocupações. Razão e fonte, também, da nossa esperança.
Se a juventude apoiar e defender, na sua pureza de ideais e costumada generosidade, a liberdade, a democracia e o progresso social, então Abril renascerá nela em cada hora e o futuro da Pátria a todos, mas sobretudo aos jovens, pertencerá.

Aplausos da ASDI, do PS, do PSD, do CDS, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante da UEDS, Sr. Deputado César Oliveira.

O Sr. César Oliveira (UEDS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Senhoras e Senhores: Cumprem-se hoje 11 anos sobre a Revolução de Abril e creio ser este o momento privilegiado e este o lugar certo para uma reflexão, ainda que breve e incompleta, sobre o significado profundo destes anos da nossa história recente e sobre os caminhos que nos conduzirão ao futuro. Não é fácil, nó entanto, esta tarefa e proceder a esta reflexão quando a queremos serena e autêntica, no breve tempo de que dispomos.
Recusamos o mero discurso de circunstância construído em torno de frases feitas e lugares-comuns e que é, as mais das vezes, a máscara da impotência. Recusamos a crítica fácil e verrinosa quase sempre fundada no «bota-abaixo» e onde nunca se vislumbram horizontes com alternativas credíveis. Recusamos os longos requisitórios ao percurso destes 11 anos e que se confundem com ardilosos e elaborados ataques à democracia, à liberdade e às instituições. Recusamos, finalmente, o discurso eleitoralista que procura apenas tirar dividendos políticos das dificuldades e dos tempos difíceis que vivemos e que se desenvolve através da insinuação, da manobra política, da simulação calculada e da mistificação quando não recorre às armas da chantagem para satisfazer interesses obseuros ou garantir a sobrevivência dos baronatos.
Portugal é hoje, 11 anos depois do 25 de Abril, uma Pátria livre de cidadãos livres. Pátria livre sem carregar aos ombros a opressão e domínio sobre outras pátrias, no limiar de pertencer por inteiro a uma Europa onde a história dos seus povos se confunde com os ideais de liberdade, fraternidade, justiça e democracia que constituíram os valores fundamentais que há 11 anos foram assumidos pelos capitães de Abril.
Pátria livre de cidadãos livres que podem exprimir sem peias, sem obstáculos e sem censura as suas opiniões e desenvolver as acções que bem entendam para concretizar o ideário que preside às suas vidas.
Pátria livre onde livremente se publicam testemunhos, memórias e documentos que louvam os tempos da ditadura e que constituem diatribes virulentas contra o 25 de Abril. E neste facto reside, senhoras e senhores, uma das grandes conquistas da Revolução de Abril, quase diria uma sublime vingança, de que todos os democratas, e particularmente todos os socialistas, por certo se orgulham: os que apenas souberam fazer a guerra têm plena liberdade para atacar e caluniar os que quiseram e souberam fazer a paz; os que só souberam reprimir e censurar circulam livremente e podem, sem receios ou ameaças, exprimir opiniões tiradas dos armários bafientos do autoritarismo e do fascismo e lançar vitupérios sem conta sobre o regime, a Constituição e as instituições democráticas. Se não fora assim, a nossa democracia era apenas e só uma simples caricatura.

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Largos anos após o golpe militar de 28 de Maio, os grandes vultos da República como os militantes democráticos anónimos, percorriam o caminho do exílio, morriam em terra estranha, condenados ao silêncio, sujeitos a todas as calúnias, deportados em Cabo Verde ou Timor. 11 anos depois do 25 de Abril todos os portugueses cabem livremente em Portugal como resultado natural da superioridade moral dos democratas, como consequência lógica da vitória da democracia sobre a ditadura, da liberdade sobre o autoritarismo, da tolerância sobre o despotismo.

Aplausos da UEDS, do PS, da ASDI e de alguns deputados do PSD.

A liberdade, a paz e a democracia constituem o cerne do significado mais profundo destes 11 anos que hoje, aqui, na Assembleia da República, se comemoram.
Todavia, não penso que os caminhos do futuro estejam livres de ameaças e que a democracia esteja de tal modo consolidada que possa dispensar a vigilância firme dos democratas e um redobrado empenhamento de todos aqueles que, seja qual for o seu posicionamento, querem a sua consolidação e o seu enraizamento no quotidiano da vida das populações.
Assumem formas diversas as ameaças que impendem sobre a edificação perene da democracia e do 25 de Abril. Ainda muito recentemente, num debate televisivo, pudemos ouvir, espantados, e na boca de um representante do patronato - que certamente não representa todo o patronato português - a apologia do arbítrio, do autoritarismo e do poder discricionário sobre os trabalhadores num discurso eivado de afirmações caluniosas contra o sistema de partidos que constitui o cerne da vida democrática. Obviamente que não pensamos que as posições enunciadas pelo representante da CIP na RTP sejam fruto do acaso ou devidas a uma acção isolada de um patronato que busca reconstituir a situação que perdeu em 25 de Abril. Bem pelo contrário. O discurso inqualificável que ouvimos a este representante de uma parte do patronato português enquadra-se na convergência de duas ofensivas paralelas que ultimamente têm vindo a desenvolver-se em Portugal.
Uma, visa a completa descaracterização do regime saído do 25 de Abril; a outra, pretende minar, paciente, sistemática e astuciosamente a própria democracia.
A primeira destas ofensivas insere-se no âmbito de iniciativas político-legislativas e tem como principal objectivo a alteração profunda da legislação laboral e a revisão do sistema económico da Constituição da República. Os Portugueses recordarão, por certo, que são exactamente os mesmos sectores e as mesmas forças políticas que advogavam que sem a extinção do Conselho da Revolução e sem a revisão da Constituição não haveria solução para os problemas do País que exigem agora a alteração profunda da legislação laboral e do sistema económico que emerge da Constituição.
A Constituição foi revista, extinguiu-se o Conselho da Revolução, alterou-se a lei de delimitação dos sectores económicos. Verifica-se agora que, não eram estas as condições essenciais para o rápido desenvolvimento do País, para acelerar os investimentos, para resolver os problemas fundamentais da sociedade portuguesa como foi há 3 anos proclamado. Eram afinal a legislação laboral, o sector público e o modelo económico constitucional os grandes óbices ao desenvolvimento, os obstáculos essenciais. E não deixa de ser curioso assinalar que são exactamente as forças e os sectores que durante mais tempo ocuparam o Poder que de novo agora convergem nesta ofensiva mistificadora. E a mistificação chega ao ponto de fazer associar a revisão da Constituição ao processo de candidaturas para a Presidência da República quando é certo que os poderes de revisão constitucional pertencem exclusivamente aos deputados e nada têm a ver com a Presidência da República. Por isso se não estranha que os sectores que reivindicam agora com veemência alterações à legislação laboral de modo a repor o poder discricionário de um patronato retrógrado e que viveu sempre à sombra do proteccionismo da ditadura e que exigem, através da nova revisão constitucional, a descaracterização completa do regime saído da Revolução de Abril, coincidam, em grande parte, com os sectores mais responsáveis pela instabilidade política que se instalou em Portugal.
A segunda ofensiva centra-se no denegrir sistemático das instituições democráticas, do sistema partidário, da própria democracia. Esta ofensiva, a que uma parte da comunicação social dá guarida, certamente esquecida dos tempos da censura prévia e das notas oficiosas incontestáveis, veste-se de roupagens e colorações muito diversas e desenvolve-se por intermédio de discursos políticos que muitas vezes nos surgem como aparentemente contraditórios.
A par dos apelos a novos «salvadores da Pátria» e ao carisma providencialista individual, procura-se erigir os políticos, os partidos e as instituições democráticas como fonte essencial de todos os problemas, como a origem primeira de todos os malefícios, como os únicos responsáveis pelas dificuldades com que todos nos defrontamos. Temos reconhecido muitas vezes, e nesta mesma tribuna, as insuficiências, os vícios e as consequências de práticas políticas enviesadas, pouco transparentes e mais fundadas na salvaguarda de interesses e de soluções conjunturais do que na clareza de propostas e soluções alicerçadas em projectos políticos globais assumidos com a coragem de quem se norteia por princípios. Mas uma coisa é a crítica da prática política e da vida partidária para que através dessa crítica e de um esforço de rigor e autenticidade se clarifiquem os projectos políticos e se possam tornar mais transparentes as distintas actuações, e outra coisa bem diferente é o exercício da crítica para minar, sistemática e ardilosamente, a democracia, as instituições e a vida partidária.
As instituições que temos, os políticos que existem e os partidos que se defrontam correspondem ao que somos como povo e ao que somos como sociedade. Perante as dificuldades e os problemas que ensombram o dia-a-dia dos Portugueses há, certamente, uma gradação de responsabilidades, mas estamos certos que todos nos acompanharão quando afirmamos que todos, todos os portugueses sem excepção, somos responsáveis pela construção do futuro e que todos temos a nossa quota de responsabilidades na solução dos problemas com que nos debatemos.
A democracia, como disse Winston Churchill, é um sistema com defeitos enormes e com limitações diversas. Todavia, todos os outros sistemas são bem piores que a democracia.
11 anos depois do 25 de Abril e neste ano marcado pela integração plena de Portugal na CEE e por processos eleitorais importantes, julgamos imperioso dar

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combate às duas ofensivas que, muito sumariamente, acabámos de caracterizar. E combater a mistificação das exigências de alteração da legislação laboral e de revisão da Constituição da República se significa impedir roturas manifestamente desnecessárias, não significa ficar surdo e mudo perante as reformas necessárias quer no plano dos sectores produtivos, na administração pública, no ensino, no desanuviar do futuro sombrio da juventude ou nos sectores onde elas se tornem imprescindíveis. Mas combater aquelas exigências terá de constituir também um combate por uma maior transparência nas práticas políticas, por uma assunção mais autêntica dos princípios, das ideologias e dos projectos. Neste combate árduo e complexo a que são chamados os democratas, e mais particularmente todos os socialistas seja qual for a organização onde milhem, avulta o desmontar permanente das ciladas à consolidação da democracia e das instituições que a tornam viva e actuante.
Perante a memória dos que perderam a vida na luta pela liberdade e pela democracia, perante o exemplo de coragem e verticalidade de muitos portugueses que durante décadas e décadas resistiram, sem baixar os braços e de cabeça levantada, perante os desafios que este findar de século a todos nos coloca e na luta contra toda a espécie de autoritarismos e mistificações políticas mais ou menos nebulosas, pela construção de uma Pátria livre e plenamente liberta da sobrevivência de todos os condicionalismos que da noite dos tempos continuam a ensombrar o presente ameaçando o futuro, queremos, neste 25 de Abril de 1985, responder presentes.

Aplausos da UEDS, do PS, do CDS, do MDP/CDE, da ASDI e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do MDP/CDE, Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Senhoras e Senhores: Importa hoje recordar quais os grandes vectores que transformaram o Dia da Liberdade no Dia da Esperança de todo um Povo.
No preâmbulo da Constituição da República, aprovada em 1976, salienta-se que:
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais.
E acrescenta-se:

A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.

E já no Programa do Movimento das Forças Armadas, em 19 de Julho de 1974, se propugnava «uma nova política, posta ao serviço do povo português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas, tendo como preocupação imediata a luta contra a inflação e a alta excessiva do custo de vida, o que necessariamente implicará uma estratégia antimonopolista;
Uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras e o aumento progressivo, mas acelerado, da qualidade de vida de todos os portugueses».
Política económica e política social estas que se encontram consagradas na Constituição da República, quer preconizando-se o desenvolvimento da propriedade social, quer assegurando-se a eliminação e o impedimento da formação das grandes empresas monopolistas.
Forçoso é, porém, reconhecer que as medidas que definem as linhas de actuação política dos últimos governos, não só não correspondem à justificada expectativa da população em relação ao 25 de Abril, como não se conformam com o próprio quadro institucional e os princípios constitucionais que o definem.
Deve mesmo dizer-se que o sentido da mudança em relação à política posta em prática pelos governos da Aliança Democrática, expresso na deslocação de voto a favor do partido que assumiu esse projecto de mudança, não só acabaria por ser iludido à partida, pela coligação com o mais representativo partido responsável pela política anterior, como viria a ser desmentido pela prática política que o actual Governo vem desenvolvendo, já há cerca de 2 anos.
Sucessivos aumentos dos preços de produtos essenciais, o agravamento da inflação e a redução do poder de compra da generalidade dos portugueses, o agravamento da crise da habitação, o aumento do número de desempregados, o insólito e imoral problema dos salários em atraso, a quebra no investimento e na produção nacional, e o galopante aumento da dívida de Estado, relegaram Portugal para a situação de ser um dos países mais pobres e atrasados da Europa, segundo um recente estudo da Organização Internacional do Trabalho.
Pode, por isso, dizer-se que o profundo enraizamento do 25 de Abril na grande maioria dos portugueses continua a ser uma razão de esperança no futuro que tem resistido a tantos golpes nas suas legítimas expectativas.
Veio a criar-se, deste modo, uma situação de incredibilidade na actuação do Governo e da sua maioria parlamentar, que motivou o distanciamento do povo português, que deixou de se reconhecer nestes dois órgãos de soberania que se mantêm em exercício já há cerca de 2 anos, numa situação de crescente isolamento.
E aqueles que argumentam com a legitimidade que lhes atribuiriam os votos obtidos, não só substituem as responsabilidades que derivam da sua actuação por uma mera razão de autoridade, como esquecem que o direito constitucional de todos os cidadãos tomarem parte na vida política do País e na direcção dos assun-

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tos públicos não é um direito estático, mas dinâmico e quotidiano, que está longe de se esgotar num dado acto eleitoral, como, aliás, evidenciam as diversas modificações do sentido dos votos.
E é por isso que o essencial das medidas legislativas, emanadas do Governo e da sua maioria parlamentar, desfiguram o regime democrático, desde a Lei de Segurança Interna àquela que abriu sectores nacionalizados ao capital privado, ao projecto de lei que põe em causa a liberdade de expressão do pensamento, até à lei contra a autonomia do poder local e aos anunciados diplomas que diminuem os direitos dos trabalhadores ou atentam contra a Reforma Agrária, e a anunciada revisão da Lei Eleitoral.
Diremos mesmo que o essencial de tais medias legislativas representa uma antecipada revisão da Constituição realizada de forma ilegal e enviesada.
E chegou-se mesmo ao ponto de se discutir e calendarizar a eliminação da organização económica, consagrada na Constituição, através de uma revisão constitucional a tal destinada, como se se tratasse de um normal procedimento democrático aquilo que se consubstancia num atentado à Constituição e ao regime democrático nela moldado.
E até se tem invocado, à guisa de justificação para tal revisão, a adesão à CEE, argumento, aliás, repudiado pelos próprios constitucionalistas. E em tudo isto tornaram-se patentes não só as contradições e os choques entre os dois partidos que integram o Governo e a sua maioria, como agudiza a sua falta de transparência o próprio facto de, em muitas páginas do Diário da Assembleia da República, em anos próximos, se deparar com a crítica frontal, por parte dos mais qualificados dirigentes do partido maioritário no Poder, às medidas legais que agora se apresentam a defender.
E até em matérias de Estado, da maior gravidade, como as grandes opções do Plano e o Orçamento, ou a adesão à Comunidade Económica Europeia, o Governo e a sua maioria tem actuado de forma a agravar a sua falta de sentido nacional de responsabilidade e a consequente perda da sua credibilidade.
Sem uma actuação previamente programada, dissociando as grandes opções do Plano e o Orçamento, e apresentando-os cerca de 3 meses depois do prazo legal e sem a necessária credibilidade, de forma a merecer até as críticas mais contundentes de deputados da própria maioria, de que até alguns se ausentaram do hemiciclo para não serem compelidos a votar em sentido contrário, o Governo e a maioria defraudaram, mesmo em matéria de tal vulto, os imperativos de Estado que as grandes opções do Plano e do Orçamento necessariamente impõem.
Do mesmo modo, a adesão à CEE, que afectará profunda e duradouramente a vida dos Portugueses, tem sido negociada pelo Governo sem um amplo debate nacional sobre as suas consequências políticas, económicas, sociais e culturais, e sem a necessária informação à população sobre a natureza da Comunidade e as condições da adesão do nosso país, não obstante tal adesão, tendo em conta a natureza actual das comunidades europeias e a crise económica e política institucional em que se encontram mergulhadas, inviabilizar qualquer projecto autónomo de desenvolvimento nacional e pôr em causa o relacionamento autónomo e independente de Portugal com todos os países, de tal forma
que o País, mais cedo ou mais tarde, virá a julgar severamente os autores deste processo e quem complacentemente lhes dê cobertura.
A adesão à CEE é transformada pelo Governo e pela sua maioria num álibi para a subversão do regime constítucional, numa mera operação ao serviço de interesses pessoais e partidários, como demonstrou o recente debate parlamentar que o Governo e a maioria viriam a considerar meramente político em vez de, embora tardiamente, se destinar à análise e debate das negociadas condições de adesão.
Deve até dizer-se que tal adesão tem sido de tal forma reduzida à dimensão dos gabinetes governamentais que não só o nosso povo a desconhece, como os próprios deputados portugueses dela sabem menos que os parlamentares dos outros países da Comunidade Europeia.
De tudo o que vem de referir-se, resulta que o País vive numa situação de alheamento em relação ao Governo e à actuação concordante desta Assembleia, assumida pela sua maioria, que fez desaparecer o relacionamento verdadeiramente democrático entre os órgãos do Poder e os cidadãos.
Substituídos os valores que devem caracterizar uma gestão política transparente por uma mera luta pelo Poder, em que sobrelevam os interesses partidários e os choques entre as duas forças políticas coligadas, tornou--se evidente o divórcio entre o Poder e a população, que deixou de acreditar naqueles que governam.
Por isso, o MDP/CDE entende que constitui um imperativo nacional pôr fim à subsistência destes dois órgãos de soberania, Governo e Assembleia da República, em ordem não só a salvaguardar o regular funcionamento das instituições democráticas, mas o próprio prestígio da democracia portuguesa.
Se o povo é quem mais ordena, neste 25 de Abril, dê-se a palavra ao povo, restituam-se ao nosso povo fundadas razões para uma esperança que não morre numa vida mais livre, mais justa e mais fraterna, que volte a florir a nossa terra de cravos vermelhos de confiança no presente e de fé no futuro.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do CDS, Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Hoje não é para nós apenas um dia de festa. À amargura com que acompanhamos o desaparecimento do Presidente do Brasil, junta-se a angústia com que vivemos a situação portuguesa.
Mais do que meras palavras de circunstância ou evocações históricas, o sentido da responsabilidade exige que o nosso pensamento saia desta Assembleia, percorra o País, e seja solidário neste dia da liberdade, com todos quantos a vêem ameaçada, pela insegurança, pelo desemprego, pela fome, pela miséria e pela injustiça.
Não precisamos de ir muito longe nesta cidade, ou mesmo neste bairro de São Bento, para ter consciência de que um profundo drama social, mais grave do que o regresso dos portugueses de África, se desenha e alarga.

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Este drama é a tradução humana das frias mas indesmentíveis estatísticas, a consequência directa da diminuição dos salários reais, do crescimento da inflação, do aumento da taxa de desemprego, da diminuição do investimento e do retrocesso global da nossa economia.
E é, sobretudo, a expressão do egoísmo que a crise gera e que destrói a solidariedade entre os homens em nome de um selvagem «salve-se quem puder».
Não admira que neste quadro a criminalidade aumente, as prisões cheias a abarrotar e sem quaisquer condições de segurança se transformem em focos de degradação humana, o suicídio atinja níveis impensáveis e a violência encontre campo favorável para estender a sua acção, dos atentados políticos à simples vingança pessoal e aos actos de intimidação sobre os responsáveis pela decisão económica.
E, tudo isto, quando o Estado é cada vez mais vasto, intervém cada vez mais; e, por isso mesmo, é também cada vez mais fraco e menos capaz de cumprir as suas tarefas essenciais.
11 anos de socialismo, comunista primeiro, burocrático depois, conduziram também o País à mais grave crise moral da sua história recente.
A corrupção alastra a partir de um sector público demasiado amplo, irracional, burocratizado e distribuído pelos partidos do Poder e pelas famílias dos poderosos.
Estendem-se tentaculares, sinistras influências que despacham, concedem, autorizam, adjudicam, nomeiam, demitem, dão crédito e favores, as mais das vezes em troca de benefícios ilegítimos.
É bom que os que falam tanto em estabilidade e os que tanto amam a democracia tenham consciência de que hoje, em Portugal, a corrupção é um barril de pólvora sobre que assentam, cada vez mais frágeis, as instituições da República.

Aplausos do CDS e do Sr. Deputado do PSD, Portugal da Fonseca.

Ela distorce o sistema económico e fomenta a economia paralela, deforma a consciência cívica nacional destruindo a fronteira entre o bem e o mal, relativisa os comportamentos e tende a transformar um País de homens, onde era frequente que um negócio se fechasse com um aperto de mão, numa massa cinzenta de cúmplices forçados de um aparelho de Estado degradado e degradante, cujo funcionamento é alheio a quaisquer princípios de ética social.
Não admira, pois, que quanto mais Estado existe menos direito e justiça haja.
Estas são, em grande parte, as consequências de um sistema e cuja constituição política continua a impor como meta a sociedade socialista.
E são também os resultados visíveis de uma política que, de forma sistemática, tem vindo a ferir a consciência moral dos Portugueses - permitindo a aprovação de leis iníquas, rejeitando leis indispensáveis e regulamentando por vezes, de levianas e perigosas, matérias tão delicadas como o acesso indiscriminado dos adolescentes aos meios anticoncepcionais.

Risos do PS.

A instituição familiar, base da própria sociedade, foi atacada desde o primeiro dia de constituição deste Governo com a destruição da Secretaria de Estado da Família, e tem sido, aliás, uma das principais vítimas desta política. De facto, como é possível constituir família em Portugal se não há habitação para a maioria dos portugueses e se mesmo aqueles que neste momento ainda têm alguns recursos não podem pagar os pesados encargos dos empréstimos?
Como é possível educar os filhos e formar cidadãos com um sistema de ensaio em acentuada degradação, que agora atinge a própria infra-estrutura escolar, onde não existem condições mínimas de segurança; em que os alunos não seguem cursos que desejam e onde se sentiriam realizados e através dos quais poderiam ser úteis à sociedade, mas aqueles para que a burocracia os atira; enfim, um sistema onde estão ausentes os valores nacionais essenciais à sobrevivência da nossa própria identidade!
A classe média, dos empresários aos quadros e aos trabalhadores que constituía o pilar da democracia pluralista, tem vindo a desaparecer, as expectativas mais razoáveis de promoção social e de acesso à propriedade, subjugada por uma asfixiante e crescente carga fiscal que penaliza quem trabalha, quem poupa e quem investe.
No plano económico e financeiro, como no plano social e moral, a crise aprofunda-se, aproximando-nos do Terceiro Mundo precisamente quando conquistamos o direito a integrar a Europa desenvolvida.
Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não é a revolução democrática de Abril que é culpada. Mas o socialismo que dela se apropriou, e que a actual Constituição exprime ainda nos seus princípios, nos condicionamentos concretos da iniciativa individual, na limitação efectiva de algumas liberdades fundamentais, como a de informar e ser informado, na inexistência de uma efectiva concorrência entre o sector público privilegiado, protegido e subsidiado que aumenta a despesa e agrava o défice e o sector privado que o tem de sustentar.
De facto, o socialismo existe em Portugal, embora haja cada vez mais socialistas que se esforçam por fazer crer aos Portugueses que nada têm a ver com isso.
Dão uma triste imagem de si, além de que não falam verdade.
O socialismo existe na Constituição, nos programas do partido onde o marxismo continua a ser o ponto de referência e o socialismo a meta. Mas, mais importante e mais grave do que isso, o socialismo existe também na nossa realidade.
Continuamos a ter nacionalizados 98% do sistema bancário; as vinte maiores empresas portuguesas são públicas e grande parte das terras a sul do Tejo continua na posse das UCP e do Estado.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador. - E todo este amplo sector público e a Administração Pública que o dirige comandam a economia e distorcem o funcionamento do mercado, vivem à custa dos impostos, alimentam uma nova classe dominante, de burocratas, da qual, aliás, dependemos to-

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dos cada vez mais e cuja promoção, salvo raras excepções, se baseia, não no mérito individual, mas na fidelidade ao partido ou aos seus chefes.
O socialismo existe, e tropeçamos com ele diariamente, na carga ideológica do sistema fiscal, no monopólio estatal de televisão, teimosamente mantido, nos privilégios do ensino público face ao ensino privado, no crescimento do sistema nacional de Saúde em detrimento dos sistemas convencionados, na falta de eficácia das principais empresas prestadoras de serviços essenciais e na contínua criação de novas empresas e de novos serviços públicos.
O socialismo mais retrógrado existe nas leis do trabalho, que não premeiam o mérito e a competência, mas incentivam a falta de produtividade, que consideram a greve um direito absoluto, que conduzem ao escândalo social dos salários em atraso, e consideram a empresa como campo privilegiado da luta de classes.
O socialismo existe e exprime-se também como mentalidade, como convicção e como prática na confusão permanente entre partido e Estado, na falta de rigor da gestão dos negócios públicos, na subordinação do interesse nacional a estratégias ideológicas internacionais. Num mal reprimido e primário sentido anti-religioso, numa indesfarçável tendência para o totalitarismo cultural de que são manifestações recentes o Código de Direitos de Autor, e a política discriminatória de subsídios.
Mas o socialismo não apenas se tem mantido. Ele cresce e cresceu com este Governo, quando a banca pública toma conta das empresas privadas, cada vez mais endividadas, por causa da crise, e alarga a sua influência; quando ria cada vez menos empresários e cada vez mais desempregados; quando o ideal da promoção individual e do acesso a propriedade se transforma em Portugal cada vez mais numa simples utopia; quando não diminui o número de ricos mas aumenta assustadoramente o número de pobres.
Para tudo isto já não há álibis, como os da crise internacional ou os da interferência do poder militar - e ninguém negará mesmo que, dos governos mais recentes, este, do PS e do PSD, tendo a maior maioria parlamentar, é o que tem contado com maior solidariedade presidencial.

Risos do PS e do PSD.

Este Governo, esta política e quem os personifica são hoje objecto de uma ampla rejeição nacional e não é, pois, crível que se possam suceder a si próprios, ainda que por interposta instituição.
Mas então, Srs. Deputados, não há motivos de esperança?
Eu diria que, paradoxalmente, é quando a crise é mais profunda e quando são compreensíveis por todos nós as suas razões que se alarga a esperança. Hoje, para nós, a esperança é maior que ontem, e amanhã será seguramente maior que hoje. Esperança numa alternativa capaz de mobilizar todos os que acreditam na liberdade, na solidariedade e na justiça.
Todos os que defendem sem necessidades de esconder os programas e os princípios, o primado da pessoa humana e os seus direitos fundamentais e que acreditam que só a economia de mercado possibilita o aproveitamento mais racional dos nossos recursos e o enriquecimento individual e colectivo. Todos os que assumem, sem vergonha, os valores fundamentais da nossa identidade nacional;
Todos os que consideram que só o revigoramento das nossas convicções morais nos poderá transportar de novo para o futuro;
Todos os que estão dispostos a assumir o risco da mudança, contra a estabilidade da estagnação e do medo;
Todos os que entendem os novos desafios da integração europeia, da nova revolução industrial, das crescentes exigências de qualidade de vida, da universalização da circulação das ideias, não como uma simples imposição do exterior, mas ainda e sempre como expressão do nosso espírito criador e como afirmação renovada da nossa independência nacional. É com estes portugueses e para eles que se fará seguramente a mudança.
O que hoje está em causa e que é preciso mudar, porém, não é a democracia, em que os Portugueses acreditam e que desejam, mas o socialismo que rejeitam. E face aos resultados desastrosos do sistema socialista e da gestão socialista o dilema é simples - ou derrotamos o socialismo ou o socialismo pode derrotar a democracia.

Aplausos do CDS.

Para sobreviver, e tal como o Partido Comunista em 1976 fazia em relação à Constituição, o socialismo precisa da actual Constituição, com a qual se identifica, e que limita significativamente pelo seu conteúdo programático o princípio de alternância democrática.
Rever a Constituição é, pois, essencial para remover o socialismo e para fazer avançar alternativa democrática.
Rever a Constituição, e já, corresponde hoje, de novo, a uma necessidade de libertação da sociedade portuguesa idêntica à que 11 anos atrás o 25 de Abril representou.
No ano da plena integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia, quando se perfila perante o povo português um novo e histórico desafio às suas capacidades de construir o futuro, uma Constituição nacional, capaz de exprimir o essencial da nossa identidade e do nosso querer colectivos, será o impulso mais poderoso para as reformas que todos sentimos que temos de realizar. Fazê-las pelas nossas próprias mãos e com a nossa vontade é a manifestação mais viva da nossa independência. Reafirmá-lo, hoje aqui, é a maior homenagem que podemos prestar a todos os que sonharam com a liberdade, defendem a democracia e acreditam em Portugal.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do PCP, Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Representantes do Governo, Srs. Deputados, Sr."5 e Srs. Convidados: O 25 de Abril volta a ser comemorado em todo o País, neste 11.º aniversário, como uma grande jornada de luta por tudo o que de mais importante representou e representa para o povo português.
Comemora-se o derrubamento da ditadura fascista e a conquista das liberdades e da democracia política.

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Comemoram-se as transformações sócio-económicas profundas e os direitos e garantias alcançadas pelos trabalhadores e as suas organizações representativas.
Comemora-se o fim da guerra colonial, a condenação do colonialismo e do belicismo e a paz estabelecida com os povos das ex-colónias.
Comemora-se a esperança no ressurgimento da Pátria portuguesa e da salvaguarda da independência nacional.
Há por aí, nos meios governamentais oficiais, quem não queira estas comemorações e se sinta incomodado com elas. Houve quem aqui na Assembleia da República se pronunciasse contra esta sessão comemorativa. Há também os que gostariam que as comemorações do 25 de Abril se reduzissem a actos formais, solenes e silenciosos.
Apesar da evolução ruinosa verificada nos últimos 9 anos da vida nacional, o 25 de Abril comemora-se não como uma memória ténue, mas como uma realização viva, como uma promessa a cobrar e uma mensagem a concretizar.
Os atentados contra o espírito e as conquistas do 25 de Abril não impedem que o nosso povo celebre, em clima de luta e de festa, a arrancada libertadora dos capitães de Abril, o que deve ser entendido como uma afirmação de confiança, de que as suas realizações, objectivos e esperanças serão retomados e que existem as bases social e política para que isto aconteça.
A vida mostra com inequívoca clareza que o País se perde porque se perderam os caminhos de Abril.
Não seria nada difícil demonstrar que a situação do País em todas as áreas fundamentais - económica, financeira e social - é pior este ano do que era há 1 ano atrás e que são maiores os perigos que agora pairam sobre o regime democrático e a independência nacional. Não seria mais difícil demonstrar que assim acontecia o ano passado em relação ao anterior e assim sucessivamente, com algumas curtas pausas e retrocessos, no período dos últimos 9 anos.
Esta degradação da situação nacional, que sem exageros temos designado de marcha para o abismo, é o resultado da política dos sucessivos governos desde 1976, cuja linha essencial tem consistido na ofensiva (a princípio disfarçada e mais tarde aberta e brutal) para anular as transformações das estruturas económicas e sociais realizadas com o 25 de Abril (e o processo revolucionário que se lhe seguiu) e depois consagradas na Constituição da República, visando a recuperação para o grande capital dos seus perdidos poderes e privilégios. É hoje uma evidência para quantos queiram examinar a nossa realidade com rigor e desapaixonadamente que quanto mais se agrava esta ofensiva mais desastrosos são os resultados. Entretanto o que se ouve da parte das classes mais favorecidas e dos seus representantes governamentais e partidários é que se destrua o que resta de Abril: tudo raso na realidade e na lei, clamam.
É oportuno recordar, 11 anos depois, que os capitães de Abril preconizaram desde a primeira hora em documentos básicos unanimemente aprovados «uma nova política económica, posta ao serviço do povo português, em particular das camadas da população até agora mais desfavorecidas».
A que é que assistimos hoje em Portugal?
Assistimos a uma política económica posta completamente ao serviço das classes mais favorecidas, a quem tudo se dá e a quem tudo se perdoa. Dão-se-lhes isenções fiscais verdadeiramente majestáticas, créditos vultosíssimos, subsídios de centenas de milhares de contos por unanimidade, às vezes a fundo perdido, dão-se-lhes indemnizações, concessões e transferências, facilidades e opções, uma autêntica cruzada de espoliações de bens e capitais feitas a seu favor. Perdoa-se-lhes a falta de pagamento de salários, a falta de pagamento de impostos, a falta de pagamento à Previdência, a falta de pagamento às alfândegas, a falta de pagamento à banca nacionalizada. Raramente na história nacional se terá assistido a tamanho regabofe.
Os capitães de Abril preconizaram desde a primeira hora «uma nova política social que, em todos os domínios, terá essencialmente como objectivo a defesa dos interesses das classes trabalhadoras».
A que assistimos hoje em Portugal?
Assistimos a uma política social abertamente contrária aos interesses dos trabalhadores da cidade e do campo a quem tudo se tira e tudo se nega. Tira-se-lhes o poder de compra através da degradação dos salários reais, tira-se-lhes os postos de trabalho e agrava-se o desemprego, tira-se-lhes o próprio salário, permitindo-se que se mantenha e alastre o flagelo dos salários em atraso, exemplo vivo da injustiça social mais hedionda. Nega-se-lhes o direito ao controle de gestão, nega-se-lhes o direito de reclamar junto do Primeiro-Ministro e outras autoridades, procura-se tirar-se-lhes as garantias contra os despedimentos, o direito à greve e o próprio direito à contratação colectiva.
Da mesma forma que os trabalhadores, as classes e camadas médias sofrem os efeitos desta política social e em especial da inflação e da carga fiscal. A todos atingem duramente os cortes de verbas na saúde, no ensino, na Segurança Social e a ameaça da nova lei das rendas de habitação. Piores do que todos estão os reformados e pensionistas que vêem os seus magros rendimentos minguar todos os anos em termos reais.
Os capitães de Abril definiram desde a primeira hora uma «estratégia antimonopolista» no desenvolvimento da qual se liquidaram os monopólios e os latifúndios e se realizaram as nacionalizações e a Reforma Agrária. Hoje assistimos não apenas a uma estratégia pró-monopolista, mas a uma impudente política de restauração dos monopólios e dos latifúndios, o que quer dizer o restabelecimento do domínio e do poder económico e político sobre o País de um punhado de famílias como acontecia durante a ditadura fascista.
A vozearia que se levanta de novo pela revisão da Constituição, menos de 3 anos depois da que foi feita em 1982, constitui um álibi para disfarçar o malogro da política de direita seguida nestes últimos 9 anos, mas traduz também a sofreguidão do grande capital e das forças políticas que o representam para consumar, num momento que julgam propício, um golpe mortal contra o 25 de Abril e a sua herança.
A acção permanentemente desestabilizadora dos sectores anticonstitucionais tem como objectivo profundo não quaisquer ajustamentos da Constituição actual mas a reposição das concepções e dos métodos da Constituição de 1933.
A intolerância política e o vezo antidemocrático destes sectores reaparece cada vez mais na vida nacional em manifestações tão inconfundíveis como a proposta de lei de segurança interna, nos planos de severo condicionamento da propaganda política e partidária, na revisão da legislação eleitoral e noutros projectos de carácter inequivocamente totalitários.

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A sofreguidão restauracionista está patente também no projecto de adesão à CEE e nos acordos negociados sem que tivessem sido pesadas seriamente as consequências devastadoras do seu impacte nas diferentes áreas da vida económica nacional, que agora começam a estar à vista, e onde apenas se jogou com as vantagens de natureza política para o processo contra--revolucionário em curso.
Não é preciso ser exaustivo para mostrar como andam distanciados de Abril os rumos governamentais que nas questões mais importantes seguem na direcção oposta. Não é preciso ser exaustivo também para mostrar como a política das classes mais favorecidas e a de todos aqueles que se submetem ao seu império nada têm a ver com o interesse nacional e visa mesquinhos objectivos de ganhos, de poder e de mando.
Em confronto, basta fazer ressaltar alguns dos objectivos fundamentais do Movimento das Forças Armadas para que se agigante a generosidade social, o sentido do interesse nacional e o fervoroso patriotismo dos bravos capitães de Abril a quem saudamos neste 11.º aniversário do seu cometimento histórico com respeito e reconhecimento.

Aplausos do PCP.

Na mesma oportunidade saudamos todos os antifascistas, todos os democratas, todos os patriotas que durante os longos anos de opressão e tirania contribuíram pela sua luta, pelo seu sacrifício e abnegação para criar as condições que tornaram possível a eclosão do movimento militar e o levantamento popular que se lhe seguiu e garantiu a vitória e o desenvolvimento impetuoso.
A solução dos grandes e graves problemas nacionais não pode ser encontrada, como a experiência demonstra, nem nas receitas americanas dos «magos» do FMI ou dos charlatões da «terceira vaga»; nem nas soluções chamadas «europeias» que visam atrelar o País ao comboio da CEE como a sua última carruagem destinada às cozinhas e às bagagens; nem tão-pouco nas manipulações dos prestidigitadores da direita doméstica que têm um único fito, a reconstituição dos grupos financeiros.
A solução dos grandes e graves problemas nacionais só pode ser encontrada num feito nacional tão grandioso e histórico como o 25 de Abril e nos caminhos exaltantes por ele rasgado aos Portugueses. Isto significa que é necessário um grande esforço, à altura do 25 de Abril e tendo como base as nossas energias, capacidades e recursos, um esforço que sendo essencialmente nacional, não poderá ser isolacionista, antes terá de se realizar no diálogo e cooperação aberta e diversificada com todos os povos do mundo. O êxito deste esforço nacional implica uma política estabilizadora que ponha fim à ofensiva contra as conquistas económico-sociais de Abril, assegure a participação activa e criadora dos trabalhadores, a defesa firme e intransigente da independência nacional.

A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!

O Orador: - As suas grandes direcções devem ser, no entender do meu partido, o aumento da produção nacional; o saneamento financeiro do pais (empresas, Estado e dívida externa); o melhoramento das condições de vida dos trabalhadores e do povo em geral.
A concretização destas orientações implica naturalmente medidas institucionais e mudanças políticas.
Os caminhos de Abril não podem ser retomados com um Governo que os repeliu e partiu em direcção oposta.
São, contudo, os caminhos de Abril que se apresentam como capazes de conduzir à superação da crise e à consecução do desenvolvimento. São os caminhos que a lei fundamental consagrou e que a maioria dos portugueses aprovou nas umas. São os caminhos que o povo português reclama, saúda e festeja hoje por todo o Portugal. É um dever retomá-los! Serão retomados para bem do nosso povo e do nosso país!
Por isso, aclamamos como os manifestantes que neste momento descem a Avenida da Liberdade: 25 de Abril sempre!

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do PSD, Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: O PSD associa-se à comemoração do 25 de Abril, que hoje nos reúne aqui. E não é certamente por acaso que é nesta Casa que nos encontramos: o ponto de referência essencial de uma democracia autêntica e a existência de um Parlamento plural livremente eleito pelo povo, fonte e detentor originário da soberania. Parlamento em que verdade não é uniformidade, crítica não é ofensa, oposição não é pecado e diversidade, em suma, não é absurdo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Pondo termo a uma guerra inconsequente, acabando com uma ditadura violadora dos direitos fundamentais que nos isolava da Europa e do mundo e que mantinha uma sociedade injusta, eivada de desigualdades, o movimento libertador do 25 de Abril restabeleceu a democracia legítima que decorre do sufrágio universal, directo e secreto e devolveu a soberania ao seu detentor único: o povo português.
Manifestamos a nossa gratidão e homenageamos todos aqueles que, directa ou indirectamente, tornaram possível a liberdade.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

O PSD orgulha-se de ter assumido, desde o 25 de Abril, um papel determinante há história portuguesa escrita desde então.
Apoiámos o 25 de Abril no que ele significou de luta pela liberdade e pela democracia e combatemos sem hesitação todas as tentativas de apropriação ilegítima da revolução dos cravos em benefício de desígnios totalitários.

Aplausos do PSD e de alguns deputados do PS.

Defendemos os direitos e liberdades fundamentais consagrados na Constituição de 1976.
Lutámos pela consagração das autonomias regionais dos Açores e da Madeira e protagonizamos, mormente

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nos governos respectivos - sempre de maioria absoluta social-democrata - a expressão concreta daquele princípio fundamental. ;

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador:.- Estivemos sempre ao lado da institucionalização de um poder local forte e autónomo e neste domínio assumimos responsabilidades crescentes que nos tornaram o primeiro partido nos órgãos das autarquias locais.
Incentivámos, sem intromissões, os esforços dos nossos militantes trabalhadores por conta de outrem no sentido da implantação e reforço do sindicalismo democrático, autónomo e independente.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Colaborámos activamente na revisão constitucional de 1982 que, pondo termo à tutela militar, permitiu alcançar a democracia política plena.
Contribuímos, de forma determinante e persistente, tanto na oposição como no Governo, para a adesão à Comunidade Económica Europeia.
Assumimos e partilhámos responsabilidades governativas sempre que o eleitorado nos confiou esse encargo e quando entendemos que a nossa presença representava um imperativo decorrente do interesse nacional.
Enfim, demos a nossa colaboração activa para a construção do Estado democrático.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nestas tarefas participaram e participam muitos sociais-democratas. Mas permitam-me que evoque, entre todos, aquele que sem dúvida mais se distinguiu pelas elevadas qualidades que revelou e que todos souberam reconhecer. Recordamos o seu constante combate pela democracia, pelos direitos do homem, pela justiça social. Recordamos, com muita saudade, a memória para nós muito querida de Francisco Sá Carneiro.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

Saibamos ser dignos dessa herança política, reconhecendo sem complexos as nossas pesadas responsabilidades por tudo o que ficou por fazer e ainda não foi feito, por tudo o que foi mal feito e ainda não foi corrigido.
Mas, como dizia António Sérgio «é preciso falar da História com o olhar no futuro».
A hora que vivemos representa, sem dúvida, a abertura de uma nova página da nossa história. Aderir à CEE é, de facto, fazer história.
Mas, para que essa página assuma glória, é indispensável sabermos vencer os desafios que a tantos níveis se colocam ao nosso país. Nunca um processo de adesão se fará com tão grandes disparidades face aos parceiros europeus.
O êxito da adesão depende de todos nós. Não basta absorver as alterações impostas pelo tratado e pelas instâncias da CEE. Mais importantes serão as mudanças que não nos são exigidas de fora, as transformações económicas e sociais sucessivamente adiadas embora essenciais.
Dispenso-me de as enumerar. O PSD não tem abdicado de as referir e repetiu publicamente. Apenas afloro aqui o problema da revisão constitucional porque não nos parece aceitável, a partir de agora, adiar o que não pode esperar. Porque não nos parece possível, neste momento, deixar de reconhecer e enfrentar uma evidência. Porque, finalmente, agora o tempo disponível conta-se por meses - poucos meses - e não por anos.
A estagnação não serve ninguém. É indispensável o movimento, a dinâmica e a reforma.
Não queremos contribuir para transformar este 25 de Abril num conjunto cíclico de discursos, alguns bem mais adequados para o debate de uma moção de censura ao Governo ou num comício eleitoral.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Queremos aproveitar esta data como ponto de viragem para um trabalho mais responsável e mais consequente, em ordem a enfrentarmos com êxito o desafio histórico que se coloca ao povo português e à nossa Pátria. Na nossa história, quase milenária, já vencemos desafios maiores.

Aplausos do PSD, do PS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o representante do PS, Sr. Deputado José Luís Nunes.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente da República, Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Presidentes do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados, Minhas Senhoras e Meus Senhores: Ao usar da palavra em nome do Grupo Parlamentar Socialista, decorridos que foram 11 anos da data libertadora do 25 de Abril, não posso nem quero deixar de sublinhar o sentido desta comemoração.
Mais do que comemorar 11 anos de vitória comemoramos hoje 11 anos de democracia e estabilidade institucional que tem permitido a todos os portugueses, na diversidade das suas opções políticas, tomar parte nos trabalhos de reconstrução moral, política e económica do País.
Foi longo e difícil o caminho percorrido mas, olhando as dificuldades passadas e os problemas a superar no futuro, encontramos fortes razões para acreditar na capacidade da democracia, simultaneamente, como regime político e única forma de vida em que vale a pena viver.
A nossa primeira grande tarefa após o 25 de Abril foi reconstruir as bases do diálogo e do consenso nacional.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Compreender que o 25 de Abril não pertencia somente à geração que o planeou e executou mas também a todos aqueles que, ao longo da nossa história, o tornaram possível.
Compreender que o 25 de Abril aconteceu não para impor uma qualquer ideologia aos Portugueses, mas para permitir que os Portugueses expressassem, livremente, as suas ideologias.

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Cumprir o 25 de Abril foi, assim, libertar o pensamento e a palavra cortando, de um só golpe, o medo e a angústia.
Duas datas marcam este caminho: 25 de Abril de 1975 e 2 de Abril de 1976.
25 de Abril de 1975 é data das primeiras eleições livres em que os Portugueses - cidadãos e não súbditos - manifestaram a sua vontade elegendo a Assembleia Constituinte.
2 de Abril de 1976 é a data em que a Assembleia Constituinte, afirmando «a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um pais mais livre, mais justo e mais fraterno», aprovou e decretou a Constituição da República.
Pertenço, Senhores a uma geração que viveu a grande crise espiritual do nosso tempo.
Albert Camus definia-a, magistralmente, no seu discurso de recepção do Prémio Nobel em palavras de bronze e de fogo: «Sem nenhuma dúvida todas as gerações se crêem destinadas a refazer o mundo.
A minha geração sabe, todavia, que nunca o conseguirá. Mas a sua tarefa é, talvez, maior: evitar que o mundo se destrua.
Herdeira de uma história na qual se misturam as revoluções fracassadas, as técnicas descontroladas, os deuses mortos e as ideologias esgotadas, na qual poderes medíocres que, hoje, tudo podem destruir, não sabem convencer; na qual a inteligência se humilha até ao ponto de servir o ódio e a opressão. Essa geração teve de, em si mesma e à sua volta, restaurar, partindo das suas amargas inquietações, um pouco do que constitui a dignidade de viver e de morrer.»
Com o 25 de Abril fomos chamados a assumir a coerência histórica de uma luta que só encontra um sentido na democracia.
Trair o 25 Abril seria, tão-só e simplesmente, trair a democracia.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

A nossa segunda grande tarefa foi reconstruir o tecido social rompido pela luta de classes que a ditadura conduzia e exacerbava pois o ditador, qualquer que ele seja, não pode viver sem inimigos, criados pela sua intransigência e razão de ser da sua existência.
A luta de classes não é um mito que importa negar mas uma realidade que urge atenuar.
Foi, na compreensão desta realidade, que julgámos incompatível com um regime livre a existência de sindicatos únicos e a inexistência de mecanismos de concertação social.
A liberdade de associação sindical e a assumpção já traduzida nas instituições, do princípio da concertação social constituem, hoje, duas das mais importantes conquistas do nosso sistema democrático.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Contudo, não há pluralismo nas ideias que consiga sobreviver ao colectivismo económico. Por isso abriu-se um vasto campo à iniciativa económica
privada pois cenas experiências totalitárias bem demonstram a incompatibilidade do colectivismo com os sistemas democráticos.
Sindicalismo livre, concertação social e liberdade de empresa são, hoje, as características fundamentais do sistema dentro do qual se vêm criando melhores condições de vida para os Portugueses.
Não se confunda, porém, a renovação estrutural que urge continuar com um qualquer retorno ao passado.
Importa ser criador, fazer obra nova e não e tão-só obra diferente.
O caminho de um certo «liberalismo», que só subsiste à sombra tutelar do Estado, é um caminho bem conhecido e que os Portugueses recusam.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - A liberdade implica sempre riscos e não é possível definir os contornos de uma autêntica liberdade económica sem a assumpção dos riscos inerentes.
Até por isso o consenso social, porque é consenso, é responsabilidade de todos, não cabendo ao Estado impô-lo pela lei ou pela força.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A experiência vivida, no plano nacional e internacional, fundamenta a nossa crença de que a crise económica só poderá ser vencida se soubermos renovar não só nas soluções mas também na forma de equacionar os problemas.
A comodidade da propaganda não pode prevalecer contra as exigências da análise porque, diz a sabedoria popular, os «factos são teimosos».
Decorridos 11 anos podemos dizer que Portugal soube, num mundo em crise, procurar e encontrar o seu próprio caminho.
Hoje, dissipadas algumas ilusões, encontram-se definidas as vias que permitirão desenvolver, economicamente, o País dando aos Portugueses uma vida melhor.
Se desejássemos caracterizar com uma palavra a necessidade mais imperiosa do nosso tempo a palavra seria «modernidade».
Da meditação sobre um Portugal livre e democrático nasceu a ideia de uma viragem para a Europa.
Vivemos de mais um certo nacionalismo provinciano para não ver nele uma das causas dos nossos males.
Viver de costas para a Europa, para o intenso caldear de ideias e experiências que agitou a cena europeia na última década significou tão-só viver de costas para a modernidade e para a renovação.
O reaccionário não vive no mundo do seu tempo mas num mundo já passado que, ideologicamente, recria...

Aplausos do PS e da ASDI.

Portugal viveu quase 50 anos no passado, alheio aos novos costumes e às novas ideias.
Responder ao desafio de modernizar a sociedade portuguesa passava por uma consciente e determinada opção europeia.
Optámos pelo futuro e o futuro, esse, optou por Portugal.
Hoje, a revolução tecnológica é o novo nome do desenvolvimento e da riqueza das nações.

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Por isso, a modernização de Portugal não podia passar à margem do espaço europeu.
A nossa adesão à CEE é a maior e mais importante reforma estrutural da nossa economia e das nossas mentalidades.
Seremos confrontados com velhas nações que souberam inovar e recriar, aceitando o repto da modernidade.
Enganam-se os que limitam ao plano económico este imenso esforço renovador, pois a sua dimensão é, essencialmente, espiritual.
Despiremos o uniforme das velhas ideias, ousaremos ser críticos, compreenderemos que a velha Estrada de Santiago é um caminho de partida e não, e tão-só, um caminho de chegada.
Ao Portugal «mesquinho e pequenino», que nos quiseram impor, contraporemos uma nação jovem, adulta e renovada, para quem a solidão do homem é tão inútil como a solidão das nações.
Ao dar os primeiros passos no espaço europeu, não esquecemos os novos países de expressão portuguesa que, como nós, aspiram também a uma vivida modernidade.
A cooperação Portugal/África será tanto mais intensa quanto mais Portugal se souber assumir como nação da Europa.
Ao terminar a descolonização não voltámos as costas ao passado, pois assumimos tão-só um novo projecto: ajudar a construir a Europa.
Senhores: pouco falei do 25 de Abril como data historicamente situada.
Procurei, porém, falar-vos dos caminhos então abertos e da forma como os Portugueses quiseram que eles fossem trilhados.
O 25 de Abril é uma das datas mais nobres da nossa história, pois, outorgando a liberdade aos Portugueses, permitiu-nos participar na grandiosa tarefa de forçar o destino construindo o futuro.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: - Sr. Presidente da República, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Sr. Ministro de Estado, Restantes Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores: Não é sem forte emoção que tenho a subida honra de invocar V. Ex.ª, Sr. Presidente da República, neste lugar, neste momento, neste dia. Expressão colectiva de um povo, ponto de referência da sua vontade, símbolo da nossa soberania, haveria fatalmente de sentir e sinto, com especial agrado, a presença de V. Ex.ª
Pelo que é, pelo que representa, lhe dirijo as minhas respeitosas saudações por ter acedido, tão gentilmente, ao convite que lhe dirigi; pelo desejo que manifestou de estar aqui connosco, o meu reconhecimento.
Ao Sr. Primeiro-Ministro, quero agradecer, com toda a sinceridade, a simpatia do seu acolhimento e o entusiasmo que teve a gentileza de dispensar ao convite que formulei.
Sr. Vice-Primeiro-Ministro, Sr. Ministro de Estado, Srs. Ministros, meus ilustres e tão distintos convidados: é com o maior prazer que registo a vossa apetecida comparência.
Para todos a expressão sentida da minha gratidão.
Srs. Deputados: por minha e vossa vontade e na nossa Casa, temos o prazer de receber e constituir os órgãos mais representativos da nossa soberania.
É um momento alto, importante, do maior relevo, para inscrever na história que vamos produzindo no quotidiano da nossa vida pública.
Estamos aqui para relembrar, para festejar, para reflectir.
Relembrar um sonho pensado pelos capitães de Abril, cuja vontade foi alavanca para alterar o curso da história.
Festejar a conquista da liberdade que foi paga, tantas vezes, pelo preço duro da tortura, da desilusão, do silêncio e da morte, para que outros tenham a coragem de a defender agora com dedicação, com firmeza, com honestidade.
A reflectir para que a experiência do passado, a vivência do presente, se possam projectar no futuro com o sentido profundo da responsabilidade de um povo que aspira, em haustos de esperança, um futuro melhor.
Futuro, cuja modelação é demasiado importante para que possa ser tarefa apenas dos governos ou dos seus técnicos, mas que tem de ser o resultado da adesão de uma vontade entusiástica e colectiva de uma nação que está fazendo da democracia a verdade do seu destino, num destino irrenunciável.
Pretendo dizer-vos, Srs. Deputados, que a democracia não será para nós um sistema político, mas desejamos que seja, e teimamos que o será, o nosso próprio país, a nossa razão de ser, a nossa filosofia de vida, o sentido profundo dos nossos propósitos.
Havemos de buscar e encontrar os desafios que nos permitam emergir, gradual e trabalhosamente, do plano da crise para o encontro de nós mesmos e da forma própria de estarmos no Mundo.
Quando nos projectámos na Europa, aceitámos uma aposta vigorosa que, pela solidariedade dos povos que a integram, do trabalho que realizaremos e da coragem que nos anima, marcará o ritmo acelerado do percurso que haveremos de fazer para a promoção social a que temos direito no concerto das nações.
Quando, na vocação universalista do nosso comportamento histórico, nos viramos para as Américas ou para a África, estamos alimentando o curso do pensamento de séculos que têm dado força e sentido à identidade de um povo que entre os demais se agigantou para escrever com fé, com sangue, com vidas, a maior gesta de todos os tempos.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Fomos fulcro de uma civilização. Merecemos e temos o respeito do Mundo. Prodigalizámos à história um contributo enorme. Temos, pois, a obrigação de dar testemunho.
Testemunho de fidelidade à nossa vocação histórica.
Testemunho de trabalho, de perseverança e de coragem na solução dos problemas que nos absorvem.
Testemunho de convivência, de tolerância, de compreensão e de paz.
Que não nos domine um pessimismo sem tino, nem um optimismo sem senso; mas entreguemo-nos à luta infatigável pela justiça.
Contra o pessimismo sem tino, teremos a força da convicção do futuro que desejamos.

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Contra o optimismo sem senso, teremos o aguilhão das injustiças que nos são patentes.
Que não nos seduza a simplicidade das posições extremas.
O «tudo ou nada» traz no seu bojo a demagogia e a violência.
O conquistador extremista da direita ou da esquerda define-se por estar sempre contra.
Ele não procura nunca o plano da unidade que se traduz na harmonia dos contrários, mas procura sempre o esmagamento das diferenças...
Srs. Deputados: neste admirável hemiciclo, onde a vossa voz tem constituído um estímulo à consagração da liberdade, à vivência democrática, na lógica consequente da data que festejamos, é com a maior satisfação e autêntico júbilo que me sinto orgulhoso de ser deputado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Conheço o trabalho cuidado de muitos de vós. Sinto as preocupações que absorvem a vida parlamentar da maior parte dos meus pares, que num esforço sacrificado, teimoso, firme, imperturbável, vão dando a marca austera de um trabalho responsável, competente, imprescindível.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, da ASDI e da UEDS.

Neles, meus caros companheiros, está o sinete que garante o continuado desejo de um contributo sério para a solução ajustada dos problemas que nos atormentam.
Criticando de forma acerba e cáustica ou moderada e displicente; comentando com acrimónia, algumas vezes, com graça outras tantas, com inteligência muitas e com oportunidade quase sempre; debatendo com paixão, com entusiasmo, sem transigências fáceis; sem radicalismos insuperáveis, o deputado é, quase sempre, nas suas intervenções, a expressão musculada da manifestação de um desejo, de uma ideia, de um pensamento, de uma acção que pretende ver concretizada em acto, na sequência das motivações do seu projecto político, onde ressalta a preocupação frontal da realização da justiça.
Sinto que a sua actividade é empolgante, que os seus objectivos são exigentes, que é aliciante o seu trabalho.
Por isso me orgulho, por mim e por vós, de ser deputado e poder referir, sem reservas, mas como uma exigência íntima, muito minha, tal como há dias, aqui fora proclamado por um meu amigo, o Sr. Deputado António Macedo:
Viva o Parlamento!
É que ele é a expressão mais viva da liberdade que brotou da rica espontaneidade do 25 de Abril.

Aplausos do PS, do PSD e da ASDI.

Minhas senhoras e meus senhores: desenvolver, promover e defender tolerância, justiça e paz, compreensão, cordialidade e conciliação, solidariedade, comunidade e liberdade, são componentes da nossa vivência democrática. Elas passam por cada um dos Srs. Deputados. Eles têm de continuar Abril, porque Abril passa por aqui.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra S. Ex.ª, o Sr. Presidente da República.

O Sr. Presidente da República (Ramalho Eanes): - Sr. Presidente da Assembleia da República, as minhas primeiras palavras são, naturalmente, de testemunho pelo valor e pela dignidade da instituição parlamentar, na memória desse acto da democracia portuguesa que há 10 anos representou a eleição da Assembleia Constituinte.
Ficou então estabelecida, como regra legitimadora das instituições políticas representativas, a decisão dos Portugueses expressa no sufrágio livre e universal, num quadro de pluralismo político.
Ficou igualmente definida a natureza democrática dos objectivos políticos que, perante os Portugueses, justificara a acção dos militares em 25 de Abril de 1974. Movimento Militar que, desde a primeira hora, tinha como princípio orientador fundamental a devolução à Nação dos valores da liberdade, da democracia e da dignidade.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Srs. Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas, Srs. Deputados, minhas senhoras e meus senhores, Portugueses: O 25 de Abril representou o momento e o tempo inadiáveis da realização de um projecto nacional, de árdua maturação, pelo qual personalidades diversas se bateram e que, em boa verdade, uma geração já antes conscientemente assumira na essencialidade dos seus pressupostos culturais e dos seus objectivos nacionais.
É geração de todos os que se recusaram a ser herdeiros passivos do autoritário Estado Novo.
Nela se integravam todos aqueles que se negavam a ser continuadores de uma minoria restrita, sem legitimidade política nacional, obstinada em confundir os seus desígnios com a sobrevivência e o futuro do País.
A motivação essencial dessa geração tinha as suas raízes na defesa da maneira histórica de ser e de estar no mundo dos Portugueses e na consciência da necessidade de modernização da nossa sociedade traduzida nos valores de liberdade, de solidariedade e de abertura.
E foi a generosidade dessa mesma geração que a levou a considerar desejável não desperdiçar as energias da Nação, assegurando esse propósito através de uma transição gradual do regime autoritário de então para um novo quadro de pluralismo e de democracia política, que reduzisse a interferência administrativa e o peso burocrático que limitavam a autonomia dos agentes económicos e dos parceiros sociais, e que tornasse possíveis regras de justiça na regulação das tensões e dos desequilíbrios sociais e regionais próprios de uma sociedade em mudança.
Tratava-se também de um projecto que, na ordem externa, implicava o renascimento da vocação universalista de Portugal e que passava, necessariamente, pela resolução do problema do Estado dos territórios coloniais num quadro de autodeterminação e de independência.
A coerência desse projecto impunha a abertura de Portugal ao Mundo, mantendo, naturalmente, a nossa inserção no sistema de segurança ocidental e o nosso apoio privilegiado nos países europeus, por razões sociais, económicas e culturais, e como factor adicional

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a reconstrução dinâmica de relações especiais com as comunidades portuguesas e com os países de expressão oficial portuguesa.
Tratava-se, assim, de um projecto cujo sentido liberalizante e democrático se mostrava realisticamente ajustado ao tempo e à sociedade portuguesa.
Não o soube entender a crispação imobilista e arcaica dos responsáveis políticos do momento. Por desígnio, por inércia, o regime de então foi incapaz de aceitar e de prever outra solução que não fosse a da sua própria continuidade.
Recusou outro tempo de mudança que não fosse o seu próprio, e este, perto do fim, media-se já - todos o sentiam - apenas por dias.
O 25 de Abril surge assim como um momento de ruptura política tornado inevitável pelas tentativas frustradas de liberalização do regime anterior.
Essa ruptura é personalizada num punhado de militares que tinham compreendido, também por experiência pessoal de uma guerra já sem sentido, a natureza definitiva dos impasses do mesmo regime. E ganha rosto, igualmente, nos milhares de portugueses que acorrem a confraternizar com os militares nas ruas de Lisboa, nas ruas do País.
Representando, embora, o termo e o abandono definitivos de uma experiência insucedida, esta não deixou de contribuir formativamente para a consciencialização de uma geração que melhor ficou a conhecer a natureza e as expressões do poder autoritário.
A esse insucesso caberá, também, uma parte da responsabilidade pela dinâmica revolucionária que se instalou a partir de 1974.
Contudo, não se perdeu com o 25 de Abril, a orientação essencial do projecto, apesar das inevitáveis perturbações resultantes da explosão compreensível das expectativas sociais, da ressurgência das ideias revolucionárias, da perda de autoridade e capacidade do Estado e da instrumentalização da instituição militar.
E foi na força da adesão do povo português aos propósitos desse projecto que, em boa verdade, se inviabilizaram as hesitações autoritárias e se neutralizaram as ofensivas totalitárias que se sucederam à intervenção militar.
É ainda na sua clara assunção popular que se justificam os resultados da eleição de Abril de 1975, demonstrando que esse projecto correspondia ao consenso dos Portugueses.
Os condicionalismos do nosso acesso ao regime democrático estabelecem que a democracia não é somente uma regra de legitimação das instituições representativas, mas ainda um modelo em que se institucionalizam equilíbrios e conflitos entre forças e interesses distintos e autónomos.
A transição do autoritarismo para um regime de democracia pluralista ficou, em suma, a dever-se ao empenho de uma geração que para o seu projecto encontrou indiscutível apoio popular.
Tratando-se de um projecto-propósito teve mesmo assim capacidade para iniciar e gerir um difícil e complexo processo de descolonização.
É certo que não dispôs de força suficiente para que a política de descolonização se realizasse com a normalidade indispensável à satisfação razoável e equilibrada dos interesses nacionais.
Nem por outro lado, conseguiu assegurar a consecução de um quadro de unidade nacional e de desenvolvimento continuado que propiciasse a estabilidade económica e política nos novos estados.
Não se pode, contudo, esquecer que a descolonização, tardiamente realizada, teve lugar num contexto internacional negativo, manifestado, aliás, na escalada e internacionalização dos conflitos da descolonização com uma intensidade imprevista, o que mais paralisou a capacidade de acção de Portugal, limitando o pleno exercício da sua função na transmissão das novas soberanias.
Apesar de todos os erros e anomalias foi também possível minimizar sequelas e impedir que atitudes de impaciência, de resignação ou comportamentos irresponsáveis alterassem a vitalidade dos dados permanentes que motivam e justificam a persistência de uma posição de abertura de Portugal perante os Estados africanos de expressão oficial portuguesa.
E foi até possível alicerçar nesses mesmos dados a vontade de restituir às relações bilaterais um quadro de solidariedade e de desenvolvimento que exprime, no respeito pela respectivas soberanias, o sentimento de responsabilidade que nos ficou de uma História comum.
É certo que a dimensão principal da posição internacional de Portugal se modificou. Outro tanto se passou, naturalmente, com os novos Estados africanos.
A inserção internacional de um e outros é cada vez mais determinada pelas dinâmicas dos espaços geo-estratégicos em que se integram.
A compreensão das novas realidades não é, no entanto, uma razão para diminuir a prioridade atribuída à relações bilaterais. Pelo contrário, esses condicionamentos representam um estímulo adicional para o seu desenvolvimento, em que os interesses nacionais respectivos se articulam com a especificidade própria que resulta das afinidades de língua e de cultura.
Neste sentido, os presupostos do projecto nacional, a procura de um modelo estável para as relações de Portugal com os novos estados africanos, aliados à alteração da dimensão da política internacional portuguesa, expressa na sua orientação europeia, permitem recuperar a nossa vocação universalista e afirmar o nosso estatuto próprio entre as nações.
A política de adesão às comunidades europeias, que marcou sem interrupção o nosso percurso democrático desde 1976, tem igualmente as suas raízes profundas na visão da geração que tinha como objectivos a modernização da sociedade portuguesa, privilegiadamente através da descolonização e do desenvolvimento compensador das relações com os países industriais, constituindo, assim, uma alternativa para a posição externa de Portugal.
É, pois, uma posição e uma atitude programática a que preside à representação do pedido de adesão comunitária de Portugal, a partir do momento em que o seu estatuto como democracia se impôs perante o conjunto dos países membros.
Não se trata, pois, nem de uma inevitabilidade histórica, nem de uma indispensabilidade de carácter económico.
A própria consolidação da democracia não irá escorar-se nas comunidades europeias, mas sim, com evidentes provas dadas, na vontade e no trabalho dos Portugueses.

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Poder-se-á mesmo afirmar que é a solidez dos fundamentos da democracia portuguesa que torna possível, como condição prévia, o nosso acesso às comunidades europeias. Não é menos verdade, porém, que a regra do jogo europeu implica que os regimes democráticos da Europa Ocidental procurem garantir a sua recíproca estabilidade. Errado seria, portanto, reduzir esta regra a uma relação de sentido único.
A política nacional de adesão às comunidades europeias, como de resto os outros passos da política europeia de Portugal, exprimem o seu reconhecimento da necessidade estratégica de afirmar a identidade política e de preservar a estabilidade dos regimes democráticos e liberais europeus.
A política portuguesa de adesão à Europa comunitária exclui, pois, uma posição de passividade, tendo em conta, nomeadamente, o estado actual das comunidades europeias.
O acesso de Portugal, tal como o da Espanha e da Grécia, representam, no seu conjunto, um estímulo positivo e importante na recuperação da dinâmica de um verdadeiro projecto europeu, que dificilmente emerge das disputas menores que têm caracterizado nos últimos anos a decisão comunitária.
Portugal, pela sua parte, deverá levar ao quadro comunitário a sua própria concepção sobre a evolução interna e externa da entidade europeia.
É indispensável que as comunidades europeias voltem a ter, agora com a acrescida representatividade que lhe conferem os três Estados do Sul, a qualidade de portadoras de um projecto claro, sem o que não mobilizarão a indispensável coesão interna e não conseguirão afirmar a sua identidade e força na comunidade internacional.
A inserção de Portugal nas comunidades europeias comporta riscos e dificuldades, como ressalta das previsões disponíveis sobre os efeitos que terá para os sectores mais atrasados e menos produtivos da economia e para os agentes económicos menos dinâmicos e mais dependentes dos hábitos do proteccionismo interno.
É certo que neste processo enfrentamos factores significativos de incerteza, tanto sobre o modo de adaptação das estruturas administrativas, como sobre os efeitos dos factores comunitários para as estruturas produtivas ou para os sistemas de distribuição.
Mas é também certo e necessário ter confiança no espírito de adaptação e na inteligência inovadora dos agentes responsáveis, dirigentes políticos e económicos, quadros técnicos e profissionais, para se adaptarem, com flexibilidade e dinamismo, às condições de acção transformadas pela adesão comunitária.
Pertence-nos a responsabilidade de saber como transformar os riscos e as incertezas em oportunidade de mudanças positivas e motivadoras.
A nossa história sempre demonstrou que, quando postas à prova as suas qualidades, os Portugueses nunca perderam a determinação e a capacidade de organização e de resposta coesa às crises que marcaram episódios decisivos do seu percurso secular.
É agora oportuno voltar ao exemplo histórico que a expansão marítima representou, para repetir que constituiu «uma espécie de grande projecto nacional, ao qual todos aderem porque todos esperam vir a ganhar com ele. E explica também que a política de expansão ultramarina tenha repercutido tão profundamente sobre tantos aspectos da vida portuguesa e que tenha conseguido ser, num Estado onde todos os planos e projectos foram efémeros e provisórios e nunca excederam o tempo de uma geração, uma actividade permanente que, através de várias formas que o condicionalismo da história permitiu, se inscreveu no programa do Estado durante cinco séculos».
Repito este facto histórico não para fazer comparações, que sempre apareceriam, no mínimo, controversas e prematuras.
Repito-o apenas para reiterar, eu próprio, que os efeitos da adesão, na ordem interna e externa do Estado, marcarão a vida dos Portugueses nas próximas décadas.
Este facto é tanto mais importante quanto levou já dois partidos políticos com assento parlamentar a invocar a próxima assinatura do tratado de adesão para reclamar uma nova revisão constitucional que melhor preparasse o País - no seu entender - para a entrada na Comunidade Económica Europeia.
Na verdade, e além deste importante pormenor, o tempo de negociação - cerca de 8 anos -, as vicissitudes verificadas, os termos do acordo e todas as suas consequências impõem uma clara consciencialização e uma generalizada mobilização, só possíveis se todos os Portugueses souberem quais os custos e benefícios que a adesão lhes propicia, oferece e exige.
Impõe-se para esse efeito um amplo debate entre governantes e governados, até agora não efectuado, certamente devido aos previsíveis efeitos negativos que traria para o processo negocial.
Só então, depois desse debate, a inserção deixará de ser porventura projecto efémero, para passar a ser uma actividade permanente no âmbito da Nação e nas responsabilidades do Estado.
Srs. Deputados, entendo ser este o momento apropriado para se fazer uma pausa e reflectir sobre o percurso realizado, sobre os sintomas da crise de desenvolvimento, de projecto e de valores que empobrecem o nosso presente e ameaçam o nosso devir democrático.
Sintomas de crise que evidenciam grave e preocupante profundidade, porque «quando se chega aos valores, chega-se à essência das coisas, chega-se aos aspectos verdadeiramente estruturais, chega-se ao que mais profundo e de mais intrínseco pode considerar-se».
Pausa e reflexão que nos levam a considerar que estamos, apesar de tudo, perante nova e inadiável oportunidade de nos prepararmos para responder aos problemas de Portugal e dos Portugueses, através de soluções ajustadamente integradas e racionalizadas.
Prepararmo-nos significa, hoje, em primeiro lugar, estabelecer uma orientação que permita realizar os indispensáveis objectivos e programas do nosso desenvolvimento, desde 1974 em manifesta e persistente crise de valores e em vazio de projecto.
Não se pretende, naturalmente, negar a validade das mudanças operadas, nos últimos 11 anos, no quadro político e nas relações externas.
Ninguém de boa fé poderá deixar de reconhecer que a sociedade portuguesa é hoje mais aberta e mais tolerante e que o regime de democracia política tem raízes profundas nos nossos valores culturais e na nossa comunidade actual.
É ainda relativamente evidente que Portugal recuperou as condições políticas para uma inserção digna nas

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realidades do seu tempo e que pôde preservar, numa transição difícil, a sua identidade e a sua vocação universalista.
A verdade é que, apesar de tudo, o projecto da geração a que pertenço ainda está bem longe da sua plena realização.
Poder-se-á mesmo dizer que o mais difícil que nele havia a realizar - a democratização do regime e a mudança do posicionamento internacional de Portugal - constitui hoje aquisição e vivência normal da sociedade portuguesa.
O mesmo já não se passou com o desenvolvimento que, apesar de, inicialmente, se prever como a tarefa menos difícil, se revelou como o problema mais complexo.
E se é verdade ter sido sucessivamente posto em causa pela alteração das condições externas, não é menos verdade ter faltado capacidade de resposta às questões imperativas que tais variações provocavam nas nossas políticas económicas e sociais.
O prolongamento de um estado de crise, também de valores, e a ausência ou indefinição de um projecto social delapidou recursos, adiou soluções, agravou problemas, desmobilizou vontades e acentuou injustiças.
Não podemos, em boa verdade, deixar de constatar que, nestes curtos - e já longos - anos de democracia a pobreza aumentou, o desemprego não foi sustido, e as desigualdades sociais se agravaram, apesar de, recentemente, alguns indicadores económicos mostrarem tendência mais favorável.
Mesmo que o rendimento per capita tivesse aumentado significativamente, a falta de resposta aos três problemas referidos levar-nos-á sempre a questionar que tipo de política de desenvolvimento adoptámos, dado que a maioria dos destinatários dessa política vê continuamente agravadas as suas condições de vida.
É sintomático que estas preocupações venham encontrar eco crescente e alertas preocupantes, não só nos meios de comunicação social como em posições publicamente assumidas por instituições com credibilidade e indiscutível implantação nacional, o que lhes confere irrecusável autoridade.
Temos vindo a assistir a situações sociais degradantes que não são moral e socialmente admissíveis, que não podem ser justificadas nem esquecidas.
É socialmente inaceitável que a pobreza atinja a dimensão e a expressão publicamente denunciadas.
É inaceitável que continuem a existir homens que trabalham sem serem remunerados.
É inaceitável que, em todos estes anos de democracia, se tenham adiado soluções que poderiam, pelo menos, ter reduzido as crescentes desigualdades e que acabaram por assumir dimensões tão vastas, e áreas tão diversas, desde as que decorrem de um sistema fiscal iníquo até à falta de racionalização dos serviços públicos, não falando já no desrespeito relativamente frequente pelos critérios de competência, rigor e equidade na atribuição de cargos e recursos públicos.
Tudo isto têm os Portugueses suportado, ao longo destes anos, com sobriedade, na esperança sempre frustrada de que as repetidas promessas eleitorais e as cíclicas e gravosas políticas de austeridade fossem pontos de partida ou instrumentos de uma política económica global que, considerando os aspectos económicos, não esquecesse os fenómenos sociais, não esquecesse a melhoria da repartição do rendimento real, a emancipação dos grupos desfavorecidos e a liberdade.
Tudo isto têm os Portugueses suportado com resignação e sacrifício, atitude que nem todos parecem compreender.
Nada justifica que esta situação se tenha mantido e que estes problemas não tenham sido rigorosamente equacionados e, na medida do possível, capazmente resolvidos com prioridade.
Poder-se-á ainda, e apesar de tudo, contar com o consenso, a determinação e a mobilização dos Portugueses num projecto ajustado de modernização e desenvolvimento da sua sociedade e do seu país.
A ele continuam ainda os Portugueses a ligar a expectativa de uma vida melhor, com mais oportunidade da sua realização humana, da sua distinção e solidariedade social.
É, no entanto, estultícia interpretar a moderação dos Portugueses como sinal de desistência ou de passividade.
A sua tolerância é consciente. Impõe, aos que escolheram representá-los, o esforço correspondente e o dever elementar de impedir situações humana e socialmente inadmissíveis.
Impõe-se-lhes mostrar que a democracia é o regime que mais considera o homem na sua dignidade, que, sendo eminentemente individual, é também indissoluvelmente social.
Só assim se evitam significativamente «desregulações sociais e tentações revolucionárias».
A orientação fundamental que deve reger a nossa acção, designadamente na definição e na execução das políticas nacionais prioritárias, está caracterizada no essencial.
Porém, é insuficiente a expressão consensual sobre a necessidade de modernizar a economia e de consolidar o regime da democracia pluralista.
O nosso esforço principal deve incidir na elaboração das estratégias nacionais e dos programas gerais que traduzam a orientação estabelecida num quadro de consenso necessário para assegurar a sua continuidade.
Conhecemos hoje as causas gerais da crise que nos afecta, as suas razões sócio-culturais e económicas. Conhecemos, hoje, a nossa situação e os nossos recursos.
Aceitámos a inserção no quadro económico da Comunidade Económica Europeia. Dispomos, pois, de todos os elementos para uma actuação consistente no quadro dos nossos recursos. Consistência de actuação que exige que se considere a produção, mas também a distribuição e todos os outros aspectos, económicos e não económicos, que condicionam a vida social.
As lições do passado e do presente impõem que se suportem e assumam inevitáveis transformações, as quais, por sua vez, exigem a assumpção consciente das perspectivas de revolução tecnológica e de preparação da sociedade, quer do ponto de vista económico quer, complementarmente, do ponto de vista social.
Um projecto de desenvolvimento, agora inadiável por razões de situação e soberania, não pode mais ser comandado por uma perspectiva unicamente financeira, até porque as políticas financeiras todos o sabemos, são apenas e só um instrumento económico.
O projecto de modernização, agora também exigido pela adesão à CEE, deve ser um projecto de devir que explicite e contenha a consciência dos fins, dos objectivos, das estratégias principais e de alternativa, das vantagens e custos das opções.
Projecto necessariamente de desenvolvimento mobilizador e orientador para o comportamento futuro e,

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26 DE ABRIL DE 1985 2957

simultaneamente, capaz de permitir controlar e avaliar os desvios entre a realização e os objectivos, ajuizar das responsabilidades e das competências.
Sem estas condições, o sentido e a credibilidade do Estado, e a eficácia da sua acção, ficariam diminuídos.
São estas as condições indispensáveis para que um verdadeiro projecto social mobilize vontades, resolva velhos e novos problemas, apresente soluções claras ao juízo dos cidadãos. Com elas se evitará a eclosão de novas paixões como resposta a sentimentos de uma existência degradada e sem esperança.
Inverter o curso desta crise velha de 11 anos e mobilizar justificadamente a esperança é uma oportunidade ao nosso alcance.
Aproveitá-la é uma exigência da justiça, da liberdade e da democracia.
É uma possibilidade presente, que a história justifica, o futuro exige e os Portugueses merecem.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Com a aquiescência de S. Ex.ª o Sr. Presidente da República, declaro encerrada esta sessão.
A banda da Guarda Nacional Republicana executou de novo o Hino Nacional.
Realizou-se então o cortejo de saída, composto pelas mesmas individualidades da entrada, tendo o Sr. Presidente da República saudado o corpo diplomático com uma vénia ao passar diante da respectiva tribuna.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Carlos Cardoso Lage.
Edmundo Pedro.
José Luís do Amaral Nunes.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Fernando José Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
José Ângelo Ferreira Correia.

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Alfredo de Brito.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José Rodrigues Vitoriano.

Centro Democrático Social (CDS):

Manuel António Almeida Vasconcelos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

António Gonçalves Janeiro.
António Manuel Azevedo Gomes.
Avelino Feliciano Martins Rodrigues.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Fernando Henriques Lopes.
Francisco Lima Monteiro.
João Joaquim Gomes.
João Rosado Correia.
Joaquim José Catanho de Menezes.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
Carlos Alberto da Mota Pinto.
Fernando José da Costa.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
José Bento Gonçalves.
José Pereira Lopes.
Leonel Santa Rita Pires.
Manuel Pereira.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.

Partido Comunista Português (PCP):

António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Georgete de Oliveira Ferreira.
João Carlos Abrantes.
Lino Carvalho de Lima.
Luís Francisco Rebelo.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Rodrigues Pato.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
António Filipe Neiva Correia.
António José Bagão Félix.

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2958 I SÉRIE - NUMERO 74

Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Hernâni Torres Moutinho.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Lopes Porto.
José António Morais Sarmento Moniz.
José Augusto Gama.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Narana Sinai Coissoró.
José Manuel Rodrigues Queiró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António Poppe Lopes Cardoso.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
O REDACTOR, Carlos Pinto da Cruz.

PREÇO DESTE NÚMERO 60$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E P

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