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I Série - Número 79

Sexta-feira, 10 de Maio 1985

DIÁRIO

da Assembleia da República

III LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1984-1985)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 9 DE MAIO DE 1985

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Leonel de Sousa Fadigas
José Mário de Lemos Damiâo
José Manuel Maia Nunes de Almeida
Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 11 horas e 45 minutos.
Na parte da manhã (sessão solene de boas-vindas a S. Ex.ª o Sr. Presidente dos Estados Unidos da América, Ronald Reagan), usaram da palavra o Sr. Presidente da Assembleia da República e o Sr. Presidente dos Estados Unidos da América.
Na parte da tarde (sessão de homenagem póstuma ao Prof. Carlos da Mota Pinto), usaram da palavra os Srs. Deputados Magalhães Mota (ASDI), Lopes Cardoso (UEDS), Adriano Moreira (CDS), José Magalhães (PCP), Manuel Alegre (PS), Costa Andrade, José Augusto Seabra e António Capucho (PSD), o Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares) e o Sr. Vice-Primeiro-Ministro e Ministro da Defesa Nacional (Rui Machete).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 18 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram l1 horas e 45 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Acácio Manuel de Frias Barreiros.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Almerindo da Silva Marques.
Américo Albino da Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António da Costa.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Santos Meira.
António Manuel Azevedo Gomes.
Beatriz Almeida Cal Brandão.
Bento Gonçalves da Cruz.
Carlos Augusto Coelho Pires.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Luís Filipe Gracias.
Carlos Justino Luís Cordeiro.
Dinis Manuel Pedro Alves.
Edmundo Pedro.
Ferdinando Lourenço Gouveia.
Fernando Alberto Pereira de Sousa.
Fernando Fradinho Lopes.
Francisco Augusto Sá Morais Rodrigues.
Francisco Igrejas Caeiro.
Francisco Lima Monteiro.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Frederico Augusto Händel de Oliveira.
Gaspar Miranda Teixeira.
Gil da Conceição Palmeiro Romão.
Henrique Aureliano Vieira Gomes.
Hermínio Martins de Oliveira.
João de Almeida Eliseu.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Joaquim Gomes.
João Luís Duarte Fernandes.
João do Nascimento Gama Guerra.
Joaquim Manuel Ribeiro Arenga.
Joel Maria da Silva Ferro.
Jorge Alberto Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
Jorge Manuel Aparício Ferreira Miranda.
José de Almeida Valente.
José António Borja dos Reis Borges.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto Basto Mota Torres.
José da Cunha e Sá.
José Luís do Amaral Nunes.

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José Luís Diogo Preza.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Niza Antunes Mendes.
José Manuel Nunes Ambrósio.
José Manuel Torres Couto.
José Maria Roque Lino.
José Martins Pires.
Juvenal Baptista Ribeiro.
Leonel de Sousa Fadigas.
Litério da Cruz Monteiro.
Luís Abílio da Conceição Cacito.
Luís Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Fontes Orvalho.
Manuel Laranjeira Vaz.
Maria Ângela Duarte Correia.
Maria do Céu Sousa Fernandes.
Maria da Conceição Pinto Quintas.
Maria Helena Valente Rosa.
Maria Luísa Modas Daniel.
Maria Margarida Ferreira Marques.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Nelson Pereira Ramos.
Paulo Manuel Barros Barral.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rosa Maria da Silva Bastos Albernaz.
Rui Joaquim Cabral Cardoso das Neves.
Rui Monteiro Picciochi.
Silvino Manuel Gomes Sequeira.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Victor Hugo Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Abílio de Mesquita Araújo Guedes.
Adérito Manuel Soares Campos.
Agostinho Correia Branquinho.
Amândio Domingues Basto Oliveira.
Alberto Augusto Faria dos Santos.
Amélia Cavaleiro Monteiro A. Azevedo.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Nascimento Machado Lourenço.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arménio dos Santos.
Carlos Miguel Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
César Augusto Vila Franca.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Eleutério Manuel Alves.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José da Costa.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando dos Reis Condesso.
Francisco Antunes da Silva.
Francisco Jardim Ramos.
Gaspar de Castro Pacheco.
Guido Orlando Freitas Rodrigues.
João Evangelista Rocha de Almeida.
João Luís Malato Correia.
João Maria Ferreira Teixeira.
João Maurício Fernando Salgueiro.
João Pedro de Barros.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Luís Esteves Pinto Monteiro.
José Adriano Gago Vitorino.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Augusto Seabra.
José Mário de Lemos Damião.
José Silva Domingos.
José Vargas Bulcão.
Leonel Santa Rita Pires.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Manuel António Araújo dos Santos.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Filipe Correia de Jesus.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Maria Margarida Salema Moura Ribeiro.
Mariana Santos Calhau Perdigão.
Marília Dulce Coelho Pires Raimundo.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Guilherme Branco Gonzalez.
António José Monteiro Vidigal Amaro.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto da Costa Espadinha.
Carlos Alberto Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Manuel Costa Fernandes.
Francisco Miguel Duarte.
Georgete de Oliveira Ferreira.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Alberto Ribeiro Rodrigues.
João António Gonçalves do Amaral.
João António Torrinhas Paulo.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Correia Lopes.
Manuel Gaspar Cardoso Martins.
Maria Luísa Mesquita Cachado.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Ilda Costa Figueiredo.

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Maria Odete Santos.
Mariana Grou Lanita.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Adriano José Alves Moreira.
Alexandre Carvalho Reigoto.
Alfredo Albano de Castro Azevedo Soares.
António Filipe Neiva Correia.
António Gomes de Pinho.
António José Bagão Félix.
Armando Domingos Lima Ribeiro Oliveira.
Francisco António Lucas Pires.
Francisco Manuel de Menezes Falcão.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Carlos Dias Coutinho Lencastre.
João Gomes de Abreu Lima.
João Lopes Porto.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel António Almeida Vasconcelos.
Manuel Jorge Forte Goes.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Corregedor da Fonseca.
Raul Morais e Castro.

Agrupamento Parlamentar da União da Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS):

António César Gouveia de Oliveira.
António Poppe Lopes Cardoso.
Francisco Alexandre Pessegueiro.
João Paulo de Oliveira.

Agrupamento Parlamentar da Acção Social-Democrata Independente (ASDI):

Joaquim Jorge de Magalhães Mota.
Manuel Cardoso Vilhena de Carvalho.
Ruben José de Almeida Raposo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, queria apenas informar que vou interromper a sessão para que a Mesa da Assembleia da República e uma deputação constituída pelos representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares que o desejarem se possam apresentar na porta que dá acesso à entrada do Parlamento, a fim de recebermos S. Ex.ª o Sr. Presidente dos Estados Unidos da América.
Nesta conformidade, interrompo os trabalhos, que terão o seu reinício às 11 horas e 55 minutos.

A sessão foi interrompida.
Às 12 horas e 15 minutos, entrou na Sala das Sessões o cortejo em que se integravam o Sr. Presidente dos Estados Unidos da América (Ronald Reagan), o Sr. Presidente da Assembleia da República, os Secretários da Mesa, representantes dos grupos parlamentares, os membros da comitiva do Sr. Presidente dos Estados Unidos da América, a Sr.ª Secretária-Geral da Assembleia da República e o Chefe do Protocolo.
Nesse momento, deputados do PS, do PSD, do CDS e da ASDI e a assistência saudaram de pé o Sr. Presidente dos Estados Unidos da América.
No hemiciclo, além do Governo (Primeiro-Ministro e Ministros) presente na respectiva bancada, encontravam-se, entre outros, especialmente convidados, o Ministro da República para a Madeira, o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas, o Presidente do Conselho Nacional do Plano, os Presidentes da Assembleia Regional da Madeira e do Governo Regional dos Açores, o Provedor de Justiça, o Conselheiro de Estado Miguel Galvão Teles, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, o Governador Civil de Lisboa, o Procurador-Geral da República, os Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça, do Supremo Tribunal Administrativo e do Tribunal de Contas.
Outros membros do Governo, assim como o Corpo Diplomático, tomaram lugar nas respectivas tribunas.
Formada a Mesa, o Sr. Presidente dos Estados Unidos da América ocupou o lugar à direita do Sr. Presidente da Assembleia, ficando ladeados pelos secretários da Mesa da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 12 horas e 20 minutos.
Neste momento, os deputados do PCP retiraram-se da Sala.

O Sr. Presidente da Assembleia da República: Sr. Presidente dos Estados Unidos da América, Sr. Primeiro-Ministro, Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Vice-Primeiro Ministro, Sr. Ministro de Estado, Srs. Ministros e demais Membros do Governo, ilustres e distintos convidados, minhas senhoras e meus senhores, Srs. Deputados, Sr. Presidente: Manifestou V. Ex.ª o desejo de visitar o Parlamento de Portugal, no decurso da jornada que acaba de fazer pela Europa.
Desvaneceu-nos esse propósito.
Muito nos apraz a sua presença.
Naquele, sentimos o desejo de um encontro: encontro de dois mundos, de dois povos, de duas culturas, de dois sistemas.
A satisfação que experimentamos com a sua presença radica no facto de ela ser a expressão soberana de um povo que o sufragou, de forma admirável, num acto de entusiasmo, de confiança e certeza.
Porque este encontro será dos mais relevantes no historial das nossas preocupações parlamentares, quisemos rodeá-lo da maior distinção, da maior dignidade.
Por isso estão connosco aqueles que, pela sua respeitabilidade e pelo prestigio das funções que exercem, se situam no mais elevado plano da nossa governação, da nossa justiça e dos quadros que traduzem o exercício do poder.
Se, pela sua presença, esta cerimónia ganha mais brilho sabemos e sentimos que ela é também a manifestação do respeito que lhes merece esta secular instituição.

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Pela gentileza da sua presença, aqui ficam os nossos sinceros agradecimentos.
Sr. Presidente: Somos um povo com uma história de muitos séculos, que «Entre perigos e guerras esforçado» soube construir corajosamente a sua identidade e ganhar o direito incontestável de marcar a sua presença no concerto das nações.
Demos um contributo valioso para o património da Humanidade, dando novos mundos ao Mundo e sempre soubemos, com galhardia, defender, preservar e continuar o que fomos construindo desde a penumbra dos tempos.
É esse património moral e humano que, enriquecendo os povos, nos dá autoridade para nos afirmarmos como Nação independente e livre. E é aqui, onde os representantes do povo têm assento, que sentimos mais fortemente o valor dessa independência, a força dessa vontade, que é soberana e o desejo de emancipação bem próprio dos homens livres.
É aqui, no calor das discussões, no frémito das polémicas, que se vem garantindo que os povos só são verdadeiramente livres quando aceitam, reconhecem e aplaudem a liberdade dos outros.
No mundo conturbado em que vivemos, apesar da paz que apregoamos, não raro se levanta neste hemiciclo a voz da crítica austera e cáustica contra todos quantos, no Mundo, se não sentem capazes de honrar e respeitar a liberdade e independência que aos outros pertence.

Vozes do PS e do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Nessa atitude está todo o peso das concepções que defendemos e assumimos como deputados eleitos por um Povo que soube libertar-se das grilhetas do silêncio.
Fazemos parte de uma Europa que pretende ganhar confiança e vontade para se reconstruir por caminhos novos e diferentes. Porém, no momento, menos segura do seu futuro e mais centrada sobre os seus próprios problemas, parece perder a perspectiva do Mundo. Ela que é pensamento que nunca se contenta, que desfaz de noite a teia que tecera de dia para, com novos fios mais fortes e seguros, recompor a que lhe dará a segurança do amanhã, vive sob a tensão de um equilíbrio que tem constituído o seu tormento mas que é também a sua glória.
Esta complexa vivência da Europa repercute-se no nosso país com incidências preocupantes. Elas são, porém, o melhor acicate para congregar os povos e promover e garantir a unidade que se deseja.
Europa que pretendemos seja um grito desenfreado de vontade de liberdade! O mesmo que outrora quebrara por toda a parte os quadros sociais tradicionais, numa vontade louca de emancipação e cuja comoção, partindo da França, absorveu todos os povos que a constituíam e se comunicou à América do Norte com a força e o vigor que, de forma imparável, transforma os sonhos que se desejam em realidades que se vivem.
Então, na América, surgiu a Declaração dos Direitos do Homem e se firmaram os princípios em que devia basear-se a constituição dos estados.
Pelo impulso da filosofia dos direitos do homem e da constituição do Estado, Benjamim Franklin, promoveu a consciência nacional; Washington fortaleceu o Estado; Thomas Jefferson doutrinou os seus fundamentos e Abraham Lincoln que, pela força da sua sedutora humildade, cavou mais fundo e de forma segura os alicerces de um Estado poderoso de uma grandiosa nação.
A América apostou no triunfo, fez-se bandeirante da democracia, paladina da liberdade.
Liberdade que é fé combativa, força moral, crença no valor da pessoa humana e na necessidade da sua auto-realização.
Desde então, os Estados Unidos foram como que uma terra sonhada, o paraíso onde o impossível se tornava realidade. Porém, depois, parece ter existido uma certa desilusão porque nem a América, nem as instituições ocidentais, em geral, foram capazes de preencher aquelas esperanças, todos aqueles sonhos.
Entendemos, por isso, que a América e a Europa terão de fazer um esforço continuado, numa correspondência empenhada ao serviço do homem, no sentido da pessoa humana.
Sem tutelas, sem subserviências, sem abdicações, olhemo-nos cordialmente, frente a frente, olhos nos olhos, com a força moral que nos assiste, num empenhamento sem reticências, com uma disponibilidade sem reservas, para que entre iguais não haja «Uns que sejam mais iguais do que os outros».
Os tratados que subscrevemos, as alianças que respeitamos, são para nós as determinantes de um compromisso sério e de um comportamento bem definido.
Mas, para além da letra dos tratados, há um outro compromisso mais fundo, verdadeiro e real que integra os nossos povos num mesmo conceito civilizacional, numa mesma perspectiva histórica, em ramos diferentes de uma mesma cultura.
Por ele haveremos de ser julgados na solidariedade dos nossos propósitos. Propósitos de concorrer, de forma eficiente e eficaz, para a realização da justiça, da liberdade e da paz entre os povos e entre os cidadãos de cada povo.
Penso como Camus que, através dos cinco continentes, irá prosseguir nos anos vindouros uma interminável luta entre a violência e a palavra.
As possibilidades da primeira são mil vezes maiores do que as da segunda.
Sempre pensei, porém, que se o homem que confia na condição humana é um louco, o que desespera dos acontecimentos é um covarde.
Doravante, a única honra será a de manter, obstinadamente, o formidável desafio de decidir, enfim, se as palavras são ou não mais fortes do que a violência.
É V. Ex.ª presidente de uma forte e grandiosa nação que colocou o homem no limiar do espaço e que, em golpes de audácia, tem levado a inteligência à permanente conquista do desconhecido na rota do imprevisível.
Nesse esforço admirável de reduzir os mistérios, de clarificar o desconhecido, a América está a contribuir de forma decisiva para alargar os espaços da ciência.
É uma aventura maravilhosa, mas temo que, seduzidos pela maravilha da descoberta, esqueçamos a grandeza dos homens que nos rodeiam.
Li algures que, hoje, raramente se pergunta o «Porquê» e até nem o «Para quê», já que somos tomados pela preocupação de saber o «Como» e se «Funciona bem».
O homem, transformado num domador de máquinas, corre o risco, como amiúde sucede aos domadores, de ser por elas devorado.

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Entretanto, como o filósofo da antiguidade, penso que, por mais numerosas que sejam as maravilhas, nenhuma ultrapassará o homem.

O destino deste será também o destino da liberdade. Aqui, Sr. Presidente, gostaria de fixar o nosso encontro, o encontro de V. Ex.ª com o Parlamento de Portugal.

V. Ex.ª, como chefe supremo de um povo que tem feito da liberdade a força anímica dos seus projectos, é garantia da sua fecundidade; o nosso Parlamento, que da liberdade tem feito a trave mestra de todo o seu pensamento, não descurará as oportunidades de a de fender e consagrar.

Neste encontro, exaltada aquela preocupação, manifestados estes desejos, sinto que é possível, cada qual a seu modo, com os meios de que dispõe, unir-se numa acção apaixonadamente comprometida para realizar a justiça, para garantir a liberdade, para estabelecer a paz e termos, então, o direito à esperança no futuro que sonhamos.

Aplausos gerais.

1.ª O Sr. Presidente: - Concedo a palavra a S. Ex.ª o Sr. Presidente dos Estados Unidos da América, Ronald Reagan.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente dos Estrados Unidos da América (Ronald Reagan): - Tenho pena que algumas cadeiras à esquerda parecessem inconfortáveis.

Risos.

Sinto-me profundamente honrado por estar convosco neste Parlamento que é tão rico em história e onde a voz do povo português é ouvida.
Para nós, uma longa jornada está agora prestes a finalizar, longa mas frutífera em resultados e rica em recordações. Cimeiras com chefes de Estado mundiais, a juventude da moderna Alemanha, as calorosas recepções no Parlamento Europeu e em Espanha - tudo isto vimos e por tudo estamos gratos. Contemplámos também monumentos que testemunham a devastação do passado, a recordação da guerra e a crueldade do domínio totalitário. Por outro lado, vimos igualmente as prósperas cidades e nações da nova Europa e tivemos ocasião de conhecer melhor o seu povo livre. Que não restem dúvidas, todos estes factos constituem também monumentos ao futuro e ao espírito humano e à sua capacidade de esperança e de mudança, à sua paixão pela paz e liberdade.
E temos agora a honra de, finalmente, vir a Portugal, um local particularmente apropriado para um americano se despedir como também para trazer saudações, uma vez que os livros de História dos alunos americanos lhes ensinam que foi destas costas que os primeiros exploradores marítimos partiram, e que foi o engenho e a coragem dos cientistas e dos homens destemidos que tornariam possível um dia a descoberta de um novo mundo e de um novo pais.
E, a propósito, espero que não considerem impertinente da minha parte referir que alguém, que, como eu, teve as duas carreiras que eu tive - em Hollywood e em Sacramento, a capital da Califórnia -,tenha para com os Portugueses uma dívida especial. Foi afinal o vosso compatriota de há 4 séculos, João Rodrigues Cabrillo, que descobriu uma extensa faixa de terra ao longo do litoral norte-americano, que veio a ser conhecida por Califórnia. De facto, há algumas pessoas no meu pais que afirmam que eu vivo há tanto tempo que o meu rancho, nas montanhas de Santa Inês, me foi vendido pelo próprio Cabrillo.

Risos.

Mas sei que é hábito de presidentes e estadistas falarem das grandes descobertas marítimas da vossa nação e do vosso passado. E não é certamente de estranhar que, ao olhar para trás através dos tempos, muitos fiquem maravilhados com uma pequena nação, que no século XV recusou seguir outras nações europeias devastadas pela guerra - que rejeitou conflitos e, em vez disso, dirigiu as suas aptidões para a exploração, para a aventura em novas regiões, para o desafio ao sonho, para acreditar em si próprio e no futuro. Consequentemente, esta visão duplicou a dimensão do mundo então conhecido e é encarado, com razão, como um acontecimento marcante na história da Humanidade.
Deste modo, a velha e gloriosa herança do vosso país cria um elo distante mas estreito entre os nossos países e enche qualquer americano, que aqui se desloque, de humilde gratidão e admiração por todos os feitos do vosso povo. Embora não esteja certo de compreendermos todas as alusões à mitologia greco-romana, sei que a maioria dos americanos - e não poucos luso-americanos - partilharia o sentimento do vosso poema épico Os Lusíadas:

Cessem do sábio Grego e do Troiano, as navegações grandes que fizeram. Cale-se de Alexandre e de Trajano, as vitórias que tiveram; que eu canto o peito ilustre Lusitano [...]

Mas nós devemos fazer mais do que celebrar hoje o ilustre lusitano do passado, pois os acontecimentos da última década indicam que mais uma vez os Portugueses iniciaram uma grande aventura; uma aventura que todo o mundo segue de perto. Uma vez mais os Portugueses estão a traçar um novo rumo, não só para Portugal, mas para toda a humanidade, especialmente para os povos do Terceiro Mundo com quem os laços há muito estabelecidos vos permitem dialogar com confiança, sabedoria e sinceridade especiais.
Em pouco mais de uma década a vossa nação movimentou-se rapidamente através de estádios de desenvolvimento que resumem a história deste século: de um vasto império e de uma ditadura a uma confrontação com uma ideologia totalitária, até finalmente uma viragem decisiva para um regime democrático. Embora seja sempre difícil distinguir entre as agitações dos acontecimentos diários e as grandes correntes da história, mesmo assim me permito arriscar uma previsão: os futuros historiadores reconhecerão na caminhada de Portugal a caminhada do nosso tempo, a caminhada do nosso século.
É que vós - o povo de Portugal - escolhesteis a liberdade. Preferiram iniciar uma aventura em democracia. Permitam-me assegurar-lhes hoje que 237 milhões de compatriotas meus - e ainda muitos milhões mais acharão no vosso exemplo o seu próprio caminho para a liberdade - saúdam a vossa decisão e louvam de novo, nas palavras de Os Lusíadas, «o peito ilustre Lusitano».

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A vossa aventura é importante para o nosso século, um século com tantas promessas e tantas tragédias. Devo afirmá-lo com severidade: acabo de ver lugares que nos recordam a destruição e o mal que o ódio humano pode causar.
Mas aqui no novo Portugal e por toda a Europa vemos a promessa do nosso século, uma promessa não só de progresso material - uma época em que os inimigos de há muito da Humanidade, a fome, a doença, e a pobreza, serão coisas do passado -, mas vemos igualmente a promessa de progresso no espírito humano, um progresso conducente ao dia em que todos os homens, mulheres e crianças da terra viverão em liberdade e terão o direito de se pronunciarem sobre o seu próprio destino.
Assim, nesta etapa final da nossa viagem pela Europa, uma viagem ao futuro bem como ao passado, permitam-me dizer-lhes o que penso ter descoberto. Quer a consideremos uma verdade revelada ou apenas uma grande história, nós aprendemos no génesis que existiu uma época em que a humanidade viveu em harmonia consigo própria e com Deus. Já alguém disse que o significado da história se encontra na história revelada do nosso regresso a essa época - um regresso doloroso e por vezes interrompido por desgraças e sofrimento. Por agora, deixarei tais pensamentos para os teólogos e historiadores. Mas o que sei é que tenho visto nestes últimos dias lembranças da tragédia e da grandeza do nosso tempo: ouvi a voz do século XX. É a voz da humanidade que se ouve em todos os séculos, em todas as épocas. E as palavras são inequívocas; elas evocam em nós a angústia, mas também a esperança: que as nações vivam em paz entre si. Que os povos mantenham a solidariedade que Deus preconiza.
Mas, tragicamente, este grande anseio sentido por todos os povos em todas as épocas nem sempre tem sido partilhado pelos seus governos - especialmente os governos modernos, cujos chefes e ideologias glorificam o Estado e promovem o culto do poder pessoal. No final da última grande guerra, a Europa e todo o mundo esperavam ter visto o fim dos conflitos e dos armamentos. 15so não iria, no entanto, acontecer. Mas, pelo menos, não repetimos o erro de épocas anteriores, o erro que afinal conduziu à guerra mundial, o erro de acreditar que é suficiente apenas desejar a paz. Em vez disso, aceitámos a realidade; tomámos a sério os que ameaçavam pôr fim à independência das nossas nações e dos nossos povos. E fizemos o que devem fazer os povos que dão valor à sua liberdade. Juntámo-nos numa grande aliança. E rearmámo-nos. Mas fizemo-lo apenas para que nunca mais fôssemos forçados - sob o peso das nossas ilusões traídas - a recorrer à violência.
Ninguém melhor do que os Portugueses, que têm com a Grã-Bretanha o mais antigo tratado de defesa mútua na história da Europa, sabe o valor de tais alianças e de uma tal prontidão militar para evitar a agressão e a guerra. E por isso trabalhámos em conjunto - o Velho e o Novo Mundo, a Europa e a América, Portugueses e Americanos. E a NATO resultou. Temos mantido a paz há 40 anos. Mantenhamos a paz por outros 40 anos. E ainda outros depois desses.

Aplausos gerais.

A contribuição militar de Portugal hoje em dia para a aliança ocidental continua a ter uma importância fundamental; as vossas bases são estrategicamente vitais, as vossas Forças Armadas estão a modernizar-se para alargar o seu papel na NATO - tudo isto testemunha ainda que a destreza bélica e o amor pela independência nacional são componentes intrínsecas do passado português.
Contudo, as vossas contribuições para a aliança são largamente ultrapassadas pelo exemplo do que estão a viver neste momento. É verdade que o Portugal democrático tem enfrentado problemas políticos, sociais e económicos; mas nenhuma democracia, principalmente nos seus primeiros anos, avança sem obstáculos.
15to é verdadeiro para qualquer nação e especialmente em qualquer democracia. No meu país aprendemos, repetidamente, que os resultados da democracia só podem ser avaliados - não a curto, mas a longo prazo - se tivermos presentes os princípios nos quais ela se baseia e nos lembrarmos como Winston Churchill tinha razão ao recordar-nos que a democracia, na verdade, é a pior forma de governo. Excepto em relação a todas as outras.

Aplausos gerais.

A verdade essencial no âmago das democracias, portuguesa e americana, é a nossa crença de que o governo existe para bem do povo e não o contrário. E esta crença baseia-se numa visão essencial da nossa civilização: a dignidade do homem, o valor do indivíduo. Os antepassados da minha própria nação justificaram a nossa revolução com estas palavras na Declaração da Independência:

Todos os homens foram criados em condições de igualdade e dotados pelo seu Criador de certos direitos inalienáveis e entre estes direitos estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.

É esta confiança no indivíduo - o direito a falar, a reunir-se, a informar e a votar - que é o significado da democracia.

Aplausos gerais.

Os nossos governos democráticos não se baseiam no pressuposto de que o povo tem sempre razão; na verdade, dentro da estrutura dos nossos governos há salvaguardas contra os caprichos ou paixões da maioria. Mas os governos democráticos baseiam-se no pressuposto de que existe no homem vulgar uma sabedoria invulgar e que, ao longo do tempo, o povo e o seu direito de expressão política são a melhor protecção contra os inimigos mais antigos e mais poderosos da liberdade, contra o crescimento incontrolado e o abuso do poder do Estado.
Mas nem sempre é fácil conservar esta crença, especialmente quando o navio do Estado é abalado por tormentas. Haverá sempre os que perdem a fé e exortam ao pânico. Já ouviram as suas vozes algumas vezes, mas creio que aqui, na nação dos navegadores, há um respeito pela sabedoria de manter firme a rota que foi traçada. Por isso, deixem as crises vir. Sabemos que haverá sempre respostas se confiarmos no povo, se nos dirigirmos a ele, lhe apresentarmos os factos e nos apoiarmos nele para tomarmos as decisões correctas.
No meu próprio país aprendemos esta lição muitas vezes. Ninguém tinha mais razão para duvidar desta crença do que um dos nossos maiores presidentes e um dos fundadores do meu próprio partido político, Abraham Lincoln. Mesmo enfrentando uma Guerra de Se-

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cessão, entre vozes poderosas que lhe diziam que não se podia confiar no povo em questões de grande importância, Lincoln, com a sua sabedoria tipicamente rústica, soube explicar eloquentemente a causa da democracia ser, ao longo dos tempos, a forma de governo mais pragmática. «Pode-se enganar algumas pessoas sempre», disse ele, «e todas as pessoas durante algum tempo; mas não se pode enganar todas sempre».

Aplausos gerais.

Portugal e o seu povo estão a avançar: durante os últimos anos enfrentaram enormes problemas, mas mesmo assim a vossa democracia é forte e está intacta. Estão a adoptar o mercado livre, a entrar no Mercado Comum, estão a começar a crescer economicamente.
Esta experiência democrática e o desenvolvimento económico andam de mãos dadas. Quando, há alguns anos, falei no Parlamento Inglês, apontei a ligação entre a liberdade política e o crescimento económico, entre a democracia e o progresso social. Apontei também para a grande revolução em marcha no mundo, a grande saudade da liberdade pessoal e do regime democrático, emergindo cada vez mais, mesmo em países comunistas. No início deste século havia apenas um punhado de democracias, mas hoje em dia mais de 50 países, um terço da população mundial, vive sob governos democráticos. Observei igualmente que uma das forças motrizes deste progresso é o desejo de desenvolvimento económico - a compreensão de que são as nações livres que prosperam e os povos livres que criam melhores condições de vida para si próprios e para os seus filhos.
Esta ideia está a crescer em todo o mundo e em algumas nações está a causar conflitos e desordem. De um certo modo Marx tinha razão; o progresso económico está a gerar choques com velhas e arreigadas ordens políticas. Mas Marx estava enganado sobre onde tudo isto iria ter lugar, pois é o mundo democrático que é flexível, vibrante e que está em crescimento proporcionando aos seus povos níveis de vida cada vez mais altos, à medida que a liberdade cresce e se aprofunda. É no mundo colectivista que as economias estagnam, que a tecnologia está atrasada e que o povo está agitado e se sente infeliz.
Por isso, para onde quer que nos voltemos, há uma rebelião de espírito e vontade contra os velhos chavões de colectivismo; por todo o mundo os velhos gritos de «poder para o Estado» estão a ser substituídos por gritos de «poder para o povo». Por todo o mundo podemos observar uma movimentação em direcção a uma época em que o governo totalitário e o terrível sofrimento que causa será apenas uma recordação triste e distante.
É por isso que o que está a ser feito aqui em Portugal é tão importante. Quando falei na Grã-Bretanha fiz um apelo para uma acção concertada - para uma campanha global em prol da liberdade, uma estratégia internacional para o desenvolvimento democrático.
Não posso imaginar um local mais indicado para renovar esse apelo ao mundo do que aqui em Portugal, nem povo melhor preparado para avançar na causa do desenvolvimento democrático e liberdade humana do que o povo português. Que Portugal conduza de novo o mundo e que os Portugueses atravessem novamente pequenos e grandes mares, levando novas da ciência e da descoberta: a nova ciência da democracia, a descoberta da liberdade, para que resulte, prospere e perdure.
E, apresso-me a acrescentar, para que a liberdade possa garantir a paz. Nunca esqueçamos que a agressão e a guerra raramente são obra do povo de uma nação - pois é o povo que deve suportar a violência e sofrer o pior da guerra. Não, a guerra e a agressão no nosso século foram quase sempre obra de governos, de militaristas e ideólogos que os podem controlar.
É por essa razão que a guerra e a agressão têm poucos apoiantes: deixemos que a democracia se espalhe, que a voz do povo seja escutada, e então os fomentadores da guerra serão banidos e transformar-se-ão em párias. Não tenhamos receio, pois, na nossa cruzada pela liberdade, de proclamar ao mundo que a causa do desenvolvimento democrático é também a causa da paz.
Esta busca da paz tem ocupado muitos dos nossos esforços nesta jornada e através dos nossos contactos com a Comunidade Europeia. Agora, em Genebra, estão em marcha importantes negociações, que podem diminuir a hipótese de guerra, originando acordos verificáveis e a primeira verdadeira redução de armamento, de incrível poder de destruição actualmente ao nosso dispor. Assim, também, os Estados Unidos estão a avançar na pesquisa tecnológica, que esperamos um dia reduza a hipótese de guerra, diminuindo a dependência de uma estratégia baseada na ameaça de uma retaliação nuclear.
Sei que partilham as minhas esperanças de que os nossos esforços para alcançar soluções negociadas tenham êxito. Sei igualmente que compreendem que trabalhar para este objectivo significa continuarmos fortes na nossa aliança e na nossa determinação de proteger a liberdade e independência das nossas nações.
A nossa concordância neste ponto é a razão pela qual podemos esperar que um século, que assistiu a tanta tragédia, possa tornar-se igualmente num século de esperança. Tanto nos Estados Unidos, como aqui em Portugal, na Europa e em todo o mundo redescobrimos a preciosidade que é a liberdade - a sua importância para a causa da paz e para restaurar na humanidade a dignidade a que tem direito.
Esta crença na dignidade humana assinala a verdade final, na qual se baseia a democracia - a crença de que os seres humanos não são apenas um outro elemento do universo material, não são meros grupos de átomos. Pelo contrário, acreditamos numa outra dimensão, um lado espiritual para o homem; encontramos aí uma fonte transcendente para as nossas pretensões de liberdade humana, para a nossa sugestão de que os direitos inalienáveis vêm de um ser superior a nós próprios.
Ninguém fez mais para relembrar ao mundo a verdade da dignidade humana - assim como a verdade de que a paz e a justiça começam em cada um de nós - do que o homem que veio a Portugal há alguns anos, após um terrível atentado à sua vida. Veio aqui a Fátima, local do vosso grande santuário religioso, para cumprir a sua devoção especial a Maria, para implorar perdão e compaixão para os homens, para rezar pela paz e pelo reconhecimento da dignidade humana no mundo.
Quando conheci o Papa João Paulo II, há 1 ano, no Alasca, tive a oportunidade de lhe agradecer pela sua vida e pelo seu apostolado. E ousei sugerir que é

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no exemplo de homens como ele e nas orações de pessoas humildes em todo o mundo - pessoas humildes como os pastorinhos de Fátima - que reside um poder maior do que todos os grandes exércitos e estadistas do mundo.
15to é algo que os Portugueses podem igualmente ensinar ao mundo, pois a grandeza da vossa nação encontra-se no povo. Pode-se constatar isso na sua vida diária, nas suas comunidades e cidades, e especialmente nas pequenas igrejas de província, espalhadas pelo campo e que falam de uma fé que justifica todas as reivindicações da humanidade pela dignidade e liberdade.
Quanto a mim é aí que reside o poder; é aí que reside a compreensão do significado da vida e do objectivo da história. E aí está a base para uma ideia revolucionária, a ideia de que os seres humanos têm direito a escolher o seu próprio destino.

Aplausos gerais.

Espero que me perdoem se terminar com uma história sobre os primeiros tempos da nossa democracia.
Num momento crítico da nossa história, quando a desunião e a discórdia reinavam por todo o lado, um homem, famoso como inventor e cientista, interrompeu os trabalhos da Assembleia Constituinte, que tentava, então, formular a Constituição dos Estados Unidos. Foi Benjamin Franklin que se ergueu para dizer aos seus colegas delegados que já tinha vivido muito e tinha principalmente aprendido que nem o pássaro mais pequeno cai do céu sem que Deus saiba. Então ajoelhou--se e pediu aos delegados que se ajoelhassem com ele para invocarem uma orientação maior do que a deles próprios.
Uma grande democracia nasceu após aquelas palavras, tal como uma grande democracia nasce nos nossos tempos em Portugal. E nasceu porque os Portugueses são um povo que ama a liberdade e a paz, que está pronto a sacrificar-se por uma vida melhor para os seus filhos. Mas acima de tudo nasceu porque os Portugueses não têm medo de reconhecer a existência de uma lei mais sublime, que acciona os acontecimentos da humanidade.

Aplausos gerais.

Uma lei mais sublime da qual emana a liberdade e a dignidade humanas.
Existe na nossa língua uma palavra que me lembro de ter usado num discurso, durante o meu primeiro ano de mandato, uma palavra muito útil, evocando a lembrança de factos passados, «saudades».

Aplausos gerais.

Mesmo durante o pouco tempo que eu e Nancy estivemos convosco em Portugal aprendemos a apreciar mais profundamente o seu significado. Sentiremos a vossa falta; e a falta de Portugal. Esperamos que um dia nos permitam voltar a visitá-los de novo para, como aqui dizem, «matar saudades».

Aplausos gerais.

Até esse dia e como representantes do povo americano expressamo-vos os nossos melhores votos - temos esperança no futuro dos nossos países - um futuro que sabemos irá ser democrático e livre. Um futuro em que, também sabemos, o povo português irá escrever um outro grande e inspirado capitulo da história.
Obrigado e que Deus vos abençoe.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recomeçaremos os nossos trabalhos às 17 horas.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas.

Neste momento, a banda da Guarda Nacional Republicana, colocada junto dos Passos Perdidos, executa os Hinos Nacionais dos Estados Unidos da América e de Portugal.
Realizou-se o cortejo de saída, tendo o Sr. Presidente dos Estados Unidos da América sido novamente aplaudido.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro reaberta a sessão.

Eram 17 horas e 25 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, com a aquiescência dos Srs. Representantes dos grupos e agrupamentos parlamentares e no desenvolvimento dos trabalhos que justificam esta sessão, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Magalhães Mota.

Pausa.

Queira V. Ex.ª aguardar um momento, Sr. Deputado Magalhães Mota, na medida em que verifico que os serviços ainda não recompuseram a tribuna onde deveria produzir a sua intervenção.

Srs. Deputados, quero pedir-vos desculpa porque, infelizmente, os nossos serviços não estão atentos ao sentido do trabalho para poderem recompor as coisas a tempo e horas. É mais uma situação desagradável que nos acontece, pelo que peço a VV. Ex.ªs, Srs. Deputados, o favor de compreenderem e aceitarem a falta de diligência que se está a verificar pela impossibilidade de se recompor de imediato a tribuna onde os Srs. Deputados têm o direito de usar da palavra.
Nesta conformidade, e para que possamos colmatar esta omissão, agradecia que aceitassem a possibilidade de intervir das respectivas bancadas.
Tem V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (ASDI): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que, ao menos alguns de nós, ao enfrentar a notícia da morte de Mota Pinto, não teremos podido furtar-nos a um olhar, porventura desencantado e amargo, sobre aquilo que fizemos das condições em que se desenvolve a vida política portuguesa. Da brutalidade dos combates, da perversidade das armas, de como se tornou preciso quase quotidianamente afrontar mesmo a mentira e mesmo a calúnia, aceitar que o desinteresse seja posto em dúvida, os ideais objecto de suspeição, experimentar que a luta não é apenas contra e com adversários, mas, e não raras vezes, com companheiros e até com amigos.

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Para descobrir que, como na legenda de uma igreja do País Basco, «todas as horas nos ferem, a última mata-nos».
Julgo que deveria dizer isto, aqui e agora.
Para poder dizer depois, mas só depois, que Mota Pinto, sabendo isto, até por experiência vivida, vindo da Universidade, com uma carreira e uma actividade prestigiadas, não hesitou, assim mesmo, em gastar parte da sua vida, incluindo-se no que vem sendo chamado de «classe política» para se lhe generalizarem defeitos e falhas. Porque só em democracia se podem pôr defeitos aos políticos. Os regimes não democráticos, ao mesmo tempo que suprimem a actividade política dos cidadãos, exornam de todas as virtudes os senhores do poder.
Concorde-se ou discorde-se com aquilo que foi, ou pode ser, a sua acção, como eu próprio, muitas vezes, discordei, quando alguém, como Mota Pinto, põe o melhor de si mesmo ao serviço da sua Pátria e dos seus concidadãos, merece a homenagem respeitosa que hoje lhe prestamos.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Num belo poema de Carlos de Oliveira diz-se do «empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras». Creio ser esse o sentido melhor de um projecto político, que se assume, como ainda no poema, «fique embora mais curta a nossa vida».
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso ser-me lícito acrescentar um testemunho pessoal, de quem, conhecendo-o já antes, pôde com Mota Pinto compartilhar, no mesmo lado, em muitas das esperanças e dos sonhos e das lutas após o 25 de Abril, quando dizer-se e afirmar-se social-democrata não era tão fácil ou apetecível como agora.

Aplausos da ASDI, do PS, do PSD, do CDS, do MDP/CDE e da UEDS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (UEDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O testemunho de homenagem à memória do Dr. Carlos Alberto da Mota Pinto, que, em meu nome pessoal e em nome dos meus camaradas, aqui vos trago, é - todos o sabem - o testemunho de quem foi um seu adversário político, mas é também o testemunho de quem se recusa a considerar como inimigos todos quantos não comungam das mesmas ideias e teimam em pensar - por vezes contra ventos e marés - que o respeito pelos adversários se confunde com o próprio respeito pela democracia.
Não desejo esconder - porque nunca a hipocrisia pode ser de circunstância e nenhuma circunstância pode aos meus olhos justificá-la - aquilo que nos separou, no combate político em que as nossas trajectórias se cruzaram ao longo destes últimos 10 anos (da Assembleia Constituinte até há bem poucos dias), mas queria sobretudo, neste momento, aqui e agora, sublinhar aquilo que, não obstante, foi ao longo desses anos uma referência comum: os valores da democracia.
Valores que dão o mais verdadeiro, o mais alto e o mais nobre sentido à luta política; referência comum que explica que nunca, entre nós, no confronto de ideias tenha cabido o ódio, mesmo quando dele não esteve ausente a paixão; referência comum que cimentou no decurso do tempo um respeito que, ouso pensar, era mutuamente partilhado.
Talvez por isso, se nos últimos 2 anos a UEDS teve, por variadas vezes, oportunidade de se confrontar, neste hemiciclo, com o Dr. Mota Pinto, se nesses confrontos se exprimiram, de uma e outra parte, opiniões e projectos claramente diferenciados, sempre neles se soube distinguir entre o combate político e o ataque pessoal. E nunca a frontalidade e rudeza com que cada qual, a seu jeito, assumiu as posições que eram as suas, se confundiu com a intriga mesquinha ou a insinuação torpe.
Terá sido em alguma medida mérito nosso, terá sido em larga medida mérito do Dr. Mota Pinto, foi certamente a expressão de um entendimento comum do significado verdadeiro dos valores da democracia.
Outros dirão aqui do perfil político do Dr. Mota Pinto, do papel que foi o seu no Partido Social-Democrata, do modo como marcou significativamente a vida política portuguesa.
Pela minha parte, gostaria tão-só de, muito singelamente e muito brevemente, recordar - porque foi esse o período em que mais de perto conheci o Dr. Mota Pinto - o que foi o seu contributo, como deputado constituinte, para que o texto fundamental da República consagrasse de forma inequívoca os princípios fundamentais do regime democrático.
Foram momentos altos da democracia portuguesa os que então se viveram nesta Casa, momentos que vão sendo uma recordação que se esbate no tempo, mas que lembro com saudade e - porque não dizê-lo com orgulho pelo privilégio de me contar entre os constituintes de 1975.
O que foi na altura o papel do Dr. Mota Pinto registam-no, na sua frieza, os Diários da época e não o esquecem, por certo, os que então com ele aqui conviveram. O empenhamento com que participou nos debates, o inestimável contributo que lhes deu ficam a assinalar de modo ineludível a sua passagem por esta Assembleia.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A família do Dr. Mota Pinto, aos seus companheiros de partido queria renovar a expressão do nosso pesar; pedir-lhes que permitam que os acompanhemos neste momento.
Com o desaparecimento do Dr. Mota Pinto ficou por certo mais pobre o PSD, perdeu esta Assembleia um deputado que dera aqui mesmo a medida das suas qualidades de parlamentar, ao intervir nos debates da Constituinte, perdemos, nós outros, um adversário político que emprestava ao nosso combate a dimensão da sua coragem e da sua inteligência.

Aplausos da UEDS, do PS, do PSD, do CDS, do MDP/CDE e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo: Pese embora as profundas e públicas diferenças de opção e prática política em relação ao falecido Prof. Mota Pinto, o MDP/CDE deseja exprimir aqui o seu pesar pelo seu inesperado falecimento.

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Queremos recordar que o Prof. Mota Pinto se revelou como um adversário do regime fascista português chegando até a participar em sessões públicas de campanhas da CDE, lado a lado com outros democratas, de variadas tendências políticas.
Notabilizou-se como professor da Faculdade de Direito de Coimbra, não só pela forma aberta com que soube dialogar com os seus alunos, como é geral testemunho daqueles que frequentaram as suas aulas, como ainda por se ter revelado como um dos mais destacados civilistas contemporâneos.
E como se isto não bastasse, o Prof. Mota Pinto ocupou no Parlamento o lugar de deputado, já a partir da Assembleia Constituinte.
Por esta razões, o MDP/CDE quer aqui, no Parlamento a que o Prof. Mota Pinto pertenceu, prestar a devida homenagem à sua memória.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PSD, do CDS, da UEDS, da ASDI, e do Sr. Deputado José Magalhães (PCP).

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: É doloroso verificar que, com mais frequência do que as nossas esperanças desejariam, os novos dirigentes que surgiram neste período de redefinição do País, de busca de um novo equilíbrio interno e de uma nova funcionalidade internacional, desaparecem quando a maturidade alcançada na luta fazia esperar uma acção mais frutuosa, construtiva e consolidadora da vida portuguesa. Não posso deixar de recordar ao mesmo tempo Sá Carneiro, Amaro da Costa, e, agora, Mota Pinto, porque todos sendo jovens nos lembram o poeta que falou nas velas acesas que dão luz e vão morrendo. Seria um sinal amargo de ruptura do nosso tecido social que não fôssemos capazes de reconhecer todos, num órgão de soberania, quando um combatente tomba, a autenticidade com que se entregou à luta, ainda quando as posições foram contrárias, porque então alguém não esteve à altura da disputa que sempre deve dizer respeito ao interesse nacional. Inscrito na corrente social-democrata, que luta em duas frentes, contra o capitalismo selvagem que tenta limitar o movimento operário nas malhas do sistema, e contra o aventureirismo revolucionário que prefere o milenarismo ao respeito pelo normativismo dos factos, é certo que, não obstante a igualdade das teses, são por vezes tão diferentes, por vezes tão pessoais, as hipóteses sociais-democratas na Europa de hoje. Tudo porque o normativismo dos factos, de que falava MacMillan, e em que também insistiu João XXIII, inclui o respeito por valores fundamentais da comunidade, e eles variam no espaço de cada uma, e cada uma os faz variar no tempo. É assim natural que cada um de nós retenha, de uma acção deste modo condicionada, condicionada por cada um de nós pela circunstância em que lhe aconteceu viver, os valores que um chefe político reconheceu e serviu como património comum.
Por isso, destacarei o profundo respeito pelo humanismo do legado político ocidental que sempre orientou o Dr. Mota Pinto, na luta pelo poder, no exercício do poder, no debate público, no confronto parlamentar, nas relações pessoais. Não sofreu alguns dos pecados mortais da vida política, designadamente a indulgência moderada no entendimento dos contrários, a arrogância no exercício do mando, o abandono da cortesia no trato das pessoas. Também registaremos a devoção ao serviço do interesse público, uma virtude talvez mais escassa do que necessitaríamos, e que frequentemente o levava a chamar a atenção para o dever patriótico que lhe impunha sacrificar projectos e comodidades àquilo que lhe parecia, em consciência, o interesse nacional mais urgente. Praticou com simplicidade a regra de que apenas serve bem quem está sempre decidido a ser substituído por quem julga servir melhor, deixando esse julgamento aos órgãos institucionais, cujas decisões exemplarmente respeitava, transitando com inalterável dignidade dos lugares cimeiros para a modéstia da base. Apercebeu-se, na crise que não pára da degradação dos nossos recursos e capacidades, da importância fundamental do patriotismo e, sobretudo no exercício do melindroso cargo de Ministro da Defesa, não perdeu uma oportunidade de apelar para o revigoramento das práticas patrióticas, para a dignificação dos símbolos nacionais, para a recuperação da função das Forças Armadas. Mas, porque a sua acção governamental melhor será referida pelas vozes do partido em que militou, não deixaremos de salientar a sua estatura de universitário, mestre da mais antiga das nossas universidades, que é a de Coimbra, numa das suas faculdades que maior número de servidores tem fornecido ao Estado: a Faculdade de Direito. Ela mesmo exemplo frequente de coexistência e cooperação frutuosa de tendências filosóficas diversificadas, mas todas convergentes no fim institucional da escola que continua, e que fornece ao corpo de estudantes e professores aquela identidade que acima de tudo prezam. Como escolar exemplar, dali partiu para a luta política, e sempre ali regressou para tomar a inacabada tarefa que é procurar a verdade, transmitir os resultados do estudo sem compromissos, reconhecer de tempos a tempos o engano e recomeçar com a mesma firme convicção de que um dia se poderá acertar. Que a Escola, para além das contingências da vida pública, dos afastamentos ocasionais ou prolongados, dos êxitos e fracassos das iniciativas, reconheça sempre o escolar como um dos seus e sempre digno de retomar o seu lugar, e sempre bem-vindo e indispensável para tomar parte na tarefa universitária, tenho para mim ser a melhor recompensa de uma vida de trabalho, como foi a do Dr. Mota Pinto, e o melhor galardão do grande professor que foi. Recolhido de novo e recentemente ao seio da alma mater, num dos incidentes de percurso da sua prestante vida política, não consigo ver nas manifestações de pesar dos órgãos do Estado, ou partidários, ou simplesmente cívicos, os actos que maior justiça lhe prestam. Reparo antes em que os estudantes sentiram que lhe deviam a homenagem de transportarem eles próprios a sua uma para e da capela da Universidade, e assim reconheceram que o seu futuro, hoje tão incerto, passou pelo esforço, pelo ensino, pelo exemplo do mestre que perderam; reparo em que a Cabra da Torre dobrou em aviso de amargura pela perda de um dos pilares da Universidade, chamando os discípulos ao dever de rapidamente se habilitarem a tomar o posto, porque a tarefa não pára; reparo em que muitos dos que correram a Coimbra, para lhe prestar as últimas homenagens, se despiram naturalmente das suas vestes do combate político, para se mostrarem apenas como escolares que voltaram à casa comum por

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causa de um desgosto de todos. No velho regimento do Marquês de Pombal, cuidadoso das honras e respeitos devidos, estabelecia-se que apenas dá honras quem as tem; por isso, nos desfiles universitários, são os mais importantes que vão no fim. No dia em que o seu corpo foi transportado da Universidade para o túmulo, o espírito do Dr. Mota Pinto estava, por direito próprio, no último lugar do cortejo dos doutores. E, também por direito próprio, no primeiro lugar das meditações dos estudantes que o acompanhavam, porque o seu ensino e o seu exemplo avultam no património com que a Universidade os habilita para enfrentarem a batalha do futuro, em cujo combate faleceu.

Aplausos do CDS, do PS, do PSD, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não evocaremos hoje aqui nem as diferenças (conhecidas), nem os momentos de confronto (de que todos nos lembramos), nem as distâncias que nos separaram de alguém que politicamente combatemos, frontalmente, no plano das ideias.
Só a história ajuizará em definitivo os méritos e deméritos. A nossa presença aqui tem, concretamente, o significado de expressão de pesar, que manifestamos, pela morte de um deputado (que aqui esteve desde a Assembleia Constituinte) e pela morte de um homem que deixou, inquestionavelmente, assinalada a sua passagem por aqui.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, teria agora a palavra o representante do Grupo Parlamentar do PSD. Porém, a pedido deste - e com natural compreensão e generosidade do PS -, ficará o PSD para o final, para usar da palavra em representação do Parlamento.
Assim, por amabilidade e compreensão do PSD, concedo a palavra ao Sr. Deputado Manuel Alegre.

O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A minha amizade com Mota Pinto é anterior às nossas filiações partidárias, estava antes delas e para além delas. Sobreviveu a divergências e antagonismos e não foi sequer atingida pela circunstância de termos sido cabeças de lista dos nossos respectivos partidos no mesmo círculo eleitoral.
Outros, melhor do que eu, evocarão o professor, o dirigente partidário, o estadista. Eu guardo sobretudo a memória do jovem assistente que, no início dos anos 60, não tinha medo de conviver com estudantes antifascistas perseguidos pela PIDE, evoco um dos poucos docentes que se sentava à nossa mesa e passeava connosco na Praça da República, um dos raros que partilhava as nossas angústias e as nossas esperanças e já então acreditava, como nós, na superioridade política e moral da democracia. Não posso esquecer que, depois de ter saído da prisão, quando fui colocado em Coimbra com residência fixa, Mota Pinto manteve esse convívio, apesar da presença ameaçadora e provocatória dos agentes da polícia política. Era um tempo de ameaça e de mordaça, mas era também um tempo de sonho, de luta, de generosidade e fraternidade.
Um tempo sem cálculo, nem intriga, nem baixa política no campo dos que se opunham à tirania. Ser democrata era um risco, mas também uma honra. Ser solidário era uma forma de coragem, mas também uma moral. Mota Pinto soube correr esse risco e viver na prática essa moral, que era a moral do companheirismo, da solidariedade e - devo dizê-lo - do antifascismo.
Era uma outra forma de estar na política, nesse tempo em que nada havia a ganhar senão a íntima satisfação do dever cumprido.
Data desse tempo a nossa amizade. E é essa a imagem que guardo de Mota Pinto: a imagem de um homem para quem o imperativo cívico se sobrepunha às conveniências, ao cálculo e à carreira.
Talvez por isso ele não tenha nunca conseguido adaptar-se ao percurso armadilhado em que tem vindo a transformar-se a nossa vida política. Dividido, como realçou o nosso comum amigo Barbosa de Melo, entre dois apelos, o da vida universitária e o da intervenção política, creio que Mota Pinto se sentiu sempre um pouco exilado num quotidiano político marcado por enganos e mentiras, armadilhas e emboscadas. Tenho a certeza de que ele preferia o convívio com os seus amigos em Coimbra às tensões dos jogos de corte e de poder. E sentir-se-ia, sem dúvida, mais ele próprio no ritmo tranquilo da sua Universidade do que no frenesim da grande e baixa política da capital.
Algumas vezes desabafámos um com o outro.
Algumas vezes, falando da nossa cidade e da nossa Académica, recordámos com nostalgia o tempo do nosso romantismo e da nossa ingenuidade; esse tempo em que nada sabíamos ainda das solicitações e emboscadas do poder. Seja como for, creio que nada alterou a confiança de Mota Pinto na democracia e nos valores nacionais que foram sempre para ele a preocupação primeira e a motivação fundamental da sua actividade política.
Pode-se ter discordado - e não foram poucas as vezes em que discordámos - das suas opções e dos seus actos políticos; mas creio que não se pode negar a Mota Pinto a sinceridade do seu empenhamento cívico, o seu patriotismo, a sua profissão de fé democrática, a sua frontalidade, a sua fidelidade aos princípios em que acreditava.
Como socialista, inclino-me perante o social-democrata que atribuía à política uma dimensão ética e era particularmente sensível à necessidade de conciliar os valores da liberdade e da justiça social.
Como deputado por Coimbra, presto homenagem ao conimbricense de coração, ao académico e ao universitário que sempre foi fiel às tradições e aos valores culturais de Coimbra, como parte integrante do património cultural português.
Como democrata, rendo o meu preito ao constituinte a cuja inspiração se deve a designação da nossa Assembleia e ao republicano que acreditava nos valores da igualdade cívica, na força do patriotismo, na superioridade da democracia sobre qualquer outra forma de organização política.
Da sua morte prematura, tenhamos a coragem de retirar a lição de que é necessário e urgente uma outra forma de encarar e viver a política. Para vencer a descrença, é preciso restituir à democracia a sã alegria do

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jogo limpo, da transparência e do respeito pelas pessoas sem o qual todos os fins são inevitavelmente pervertidos.
É preciso dizer não ao cinismo, à intriga e à manobra sem regras nem princípios e apostar na honra, na clareza, na solidariedade, no respeito mútuo, para além das divergências e dos conflitos que são a própria essência da democracia.
Lutar por isso é talvez a melhor forma de homenagear Mota Pinto e todos aqueles que, em diferentes quadrantes ideológicos, sacrificaram as suas vidas ao serviço da coisa pública e da construção da democracia em Portugal.
Com saudade e com respeito, o Partido Socialista inclina a sua bandeira perante a memória de Mota Pinto.
Partilhamos o luto da sua família, com uma palavra especial para seus pais, seus filhos e sua mulher e minha querida amiga Fernanda Mota Pinto a quem, neste momento, em meu nome pessoal e no de todos os socialistas, expresso o nosso pesar e a nossa solidariedade.
Pela nossa parte, neste momento de luto, recordamos os combates travados antes e depois do 25 de Abril e a nossa fidelidade ao projecto - que também foi o de Mota Pinto - de uma solução de estabilidade e justiça que garanta a consolidação definitiva da democracia em Portugal.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As intervenções do nosso Partido serão divididas em 3 curtas intervenções, sendo a minha a primeira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me é naturalmente fácil evocar a memória do Prof. Mota Pinto. O Prof. Mota Pinto era meu amigo, foi um professor que deixou em mim um amigo, como deixava, seguramente, em todas as centenas ou milhares de estudantes que por ele passaram.
Mas ele era mais do que isso: para mim, jovem estudante da Universidade chegado ao espaço quase hierático das coisas quase sagradas, intocáveis, da Universidade, com professores distantes e intocáveis, tive a grata surpresa de, no 2.º ano do meu curso, encontrar um professor que tinha a alegria de viver, o gosto da modernidade e do progresso, que falava com os estudantes, que se sentava connosco à mesa, que discutia futebol, que passeava connosco na Praça da República, que dava uma boleia ao estudante que encontrava, que falava, que cumprimentava.
15to não podia deixar de ser extremamente estimulante para estudantes que vinham de fora, a quem um professor como o Prof. Mota Pinto abria generosamente as portas e os caminhos. Com professores daqueles era possível penetrar sem esforço no meio, apesar de todo o declive que havia entre os estudantes vindos do interior, das zonas mais desprivilegiadas e que faziam o seu primeiro contacto com a Universidade.
Não era minha intenção, Sr. Presidente, falar nesta sessão, mas foi entendido à última hora que alguém de Coimbra proferisse neste momento uma palavra especial e não só a direcção do grupo parlamentar.
Era minha intenção, dado o peso das emoções dos acontecimentos, entregar para a acta uma intervenção pessoal, naturalmente com uma visão crítica dos acontecimentos. Porém, a generosidade e a liberdade que se respiram neste partido e neste grupo parlamentar levou o Sr. Presidente do Grupo Parlamentar a solicitar-me que interviesse e que exprimisse as minhas opiniões. A minha intervenção tem por isso um carácter exclusivamente pessoal e é o testemunho pessoal de alguém que viveu estes acontecimentos com a sua própria emoção, com a sua própria paixão e no teor e no calor dessa emoção assim regista o que lhe ficou dos acontecimentos.
Sr. Presidente da Assembleia da República, Srs. Deputados: Na madrugada de 7 de Maio travou Carlos Alberto da Mota Pinto o último combate. Para trás ficava uma vida que foi uma luta sem tréguas: ao serviço dos valores humanos mais fundos, da tolerância, da modernidade e da alegria de viver, da investigação que faz recuar as fronteiras da sombra do não-saber, dos mais autênticos valores da alma colectiva da Pátria, da democracia e do progresso.
Foi, contudo, pouco avisada a morte quando se apressou a proclamar a sua vitória. No plano das coisas últimas - pelo menos, no horizonte de uma escatologia de valores meramente humanos - Mota Pinto foi mais vencedor que vencido. No momento do seu passamento, Mota Pinto assegurou para si uma vitória que o destino só reserva aos privilegiados. Ele logrou, com efeito, transcender o plano da quotidiana e imediata conflitualidade político-ideológica para se perfilar como um lutador daquelas batalhas mais radicalmente significativas que continuam a desfilar o homem a nível da sua existência individual ou colectiva. Batalhas que tendo outra dimensão temporal condenam inapelavelmente à provisoriedade os triunfos da morte como os da madrugada de 7 de Maio de 1985.
Bem o compreendeu, assim, o povo português que, em tantos milhares, se apinhou nas ruas de Coimbra para tributar a Mota Pinto o preito da sua homenagem numa insofismável manifestação de consternação. Bem o compreendeu, assim, a juventude de Coimbra que, vencendo as barreiras do sono, da fadiga e das divergências ideológicas, soube sentir e expressar a dor da falta de um mestre que era um amigo e um companheiro a prescrutar com ela e para ela os caminhos do futuro. Bem o compreenderam as gerações de juristas seus antigos alunos, já homens feitos, que o vieram chorar, pois deixava em cada aluno um amigo.
Bem o compreenderam assim os órgãos de soberania nacional, o Sr. Presidente da República, a Assembleia da República e o seu presidente, os tribunais, o Governo e o Primeiro-Ministro. Bem o compreenderam, assim, os partidos democráticos, nomeadamente o PS e o CDS e os Drs. Mário Soares e Lucas Pires que intuiram que, na sua última batalha, Mota Pinto transcendera as fronteiras do limitado e artificial espaço ideológico e passara a constelar no panteão dos valores nacionais.
Ousamos acreditar que também assim o terá compreendido, em plenitude, o PSD, o único partido de Mota Pinto, o meu próprio partido. Ouso também acreditar que assim o terá compreendido a Juventude Social-Democrata, em cujas fileiras militam os filhos de Mota Pinto, alguns deles tendo já liderado e apoiado listas vitoriosas aos actos, às disputas eleitorais das escolas secundárias e da universidade. Ouso, por isso,

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acreditar que é ainda relevante o peso especifico dos valores do humanismo no ideário do PSD e que sempre constituíram o seu próprio pórtico. Ouso acreditar que o PSD logrará manter o «golpe de asa» necessário para descobrir os outros espaços da vida política que está para além do horizonte da arena. Ouso acreditar que o PSD continuará apegado à linguagem das grandes coisas e dos ideais nobres. Ouso acreditar, como Platão, que é de noite que vale a pena sonhar o dia. Ouso acreditar que é na noite de luto de Mota Pinto que vale a pena continuar a trilhar o seu próprio exemplo.
A história, sobretudo a história feita pelos seus agentes imediatos, designadamente pelos meios de comunicação, registará que foi controversa a liderança do Prof. Mota Pinto. Mas, com o que ontem aconteceu, virou-se uma página decisiva: nos fóruns onde verdadeiramente se decidem as coisas - as relações com os outros partidos, as relações com os espaços universitários estrangeiros e, em última instância, através da expressão inequívoco da dor sentida pelo povo e pela juventude de Coimbra, pelos juristas de Portugal, ao chorar o político, o homem e mestre -, com o virar dessa página ficou inequívoco que Mota Pinto estava no caminho certo e estavam também no caminho certo todos aqueles que com ele travaram as últimas batalhas.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, do MDP/CDE, da UEDS e da ASDI.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Augusto Seabra.

O Sr. José Augusto Seabra (PSD): - Sr. Presidente da Assembleia da República, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: «Morre jovem o que os deuses amam» escreveu, um dia, Fernando Pessoa. Escreveu-o acerca de um poeta, mas poderia tê-lo feito acerca de um cidadão, de um homem como Carlos da Mota Pinto.
Que haverá de trágico na condição que é a nossa, de portugueses livres em luta contra o destino? Que haverá de trágico, como Unamuno salientava, neste sentimento que é o nosso, dos Portugueses, ao vivermos a morte como se ela fosse uma outra vida? Alguém disse que os deuses terão marcado um partido como o Partido Popular Democrático, como o Partido Social-Democrata. A morte de Francisco Sá Carneiro, a morte de Carlos da Mota Pinto parecem confirmar esse destino trágico. Mas o que era para os Gregos a tragédia senão a assunção da liberdade contra o destino, a liberdade de Antígona, a liberdade dos heróis que eram capazes de violar o interdito? Ela era aquilo que estava escrito, mas que não estava definitivamente escrito. Costa Andrade tem razão: ainda teremos de continuar a escrever a história com Carlos da Mota Pinto ao nosso lado.
O trágico é o equilíbrio, o equilíbrio dos opostos, aquilo que, como disse Hölderlin, faz por vezes pender o fiel da balança para um dos lados. É desse trágico que se alimenta a essência da democracia. Não da predominância de um lado ou de outro, da esquerda ou da direita, mas, sim, dessa alternância que faz com que o ponteiro possa pender para qualquer desses lados. Mota Pinto foi o símbolo desse equilíbrio, dessa tolerância, dessa assunção da legitimidade dos opostos. Por isso, creio que a democracia portuguesa lhe agradecerá a sua lição de estoicismo nos momentos em que era preciso dizer não, em que era preciso afastar-se: afastar-se de um partido ou de um governo para voltar a esse partido, para eventualmente voltar a um outro governo mas sempre dentro da plena liberdade com responsabilidade.
Mota Pinto assumiu sobretudo o que Max Weber chamou a «ética da responsabilidade», que não é incompatível com a ética da convicção, mas que é, quiçá, até, a forma mais elevada da própria ética da convicção. É que ser responsável é ter a liberdade de agir e saber, como os orientais, como os taoístas, não agir, pois há, também, a «prática do não agir». E essa prática oriental do não agir, de que os Portugueses foram herdeiros no Ocidente, Carlos da Mota Pinto foi capaz de a encarnar até ao fim. No seu silêncio, na sua recusa, no recôndito da sua consciência, Carlos da Mota Pinto estava a agir profundamente naquilo que é o essencial da nossa vida cívica, da nossa vida política. Por isso, tendo podido falar do universitário como já o fez o Sr. Prof. Adriano Moreira, gostaria de salientar, sobretudo, que para lá de um homem de saber, Carlos da Mota Pinto era um homem de sapiência, no sentido autêntico da palavra. A sapiência é a sabedoria, a sageza, aquilo que faz com que para lá do conhecimento, da competência, haja algo de mais profundo na consciência criadora dos homens, na consciência livre, democrática, que hoje aqui encarnamos.
Adeus, Carlos da Mota Pinto. Nesta saudade por ti vai tudo aquilo que nos unia como sociais-democratas, como democratas, como cidadãos, como portugueses.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, da UEDS e do Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que foi extremamente penoso e difícil alinhavar estas breves palavras evocativas daquele que foi nosso colega e líder do PSD, Carlos Alberto da Mota Pinto.
Penoso, porque ainda não se extinguiram dentro de nós os ecos da brutal e infausta notícia da inesperada morte que o ceifou impiedosamente em plena força da vida. Difícil, porque outros, bem mais dotados na escrita e na oratória já traçaram indelevelmente o elogio justo do nosso colega tragicamente desaparecido.
Mas embora as funções para que fui eleito no meu grupo parlamentar me permitam aqui estar, em sua representação, confesso que também um impulso interior contribuiu para que vos diga duas palavras.
Duas palavras para realçar não a carreira académica nem o percurso político, nos quais Carlos da Mota Pinto se consagrou, distinguiu e atingiu o cume por mérito próprio, mas duas palavras para expressar as nossas profundas condolências à sua família e para salientar apenas a sua faceta humana.
O sentido patriótico de dizer sim e assumir desprendidamente funções da maior responsabilidade ao serviço do Pais e do Partido. A independência e grandeza de carácter, a inteligência fina e o raciocínio pronto. O trato afável. Mas talvez acima de tudo a sua indiscutível integridade por todos reconhecida e salientada. Porque rejeito liminarmente a hipocrisia - arma dos cobardes - não quero escamotear as discordâncias que ocorreram no seio do PSD a propósito de questões acessórias, de natureza estratégica ou meramente tác-

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tica. Mas no essencial Carlos da Mota Pinto identificou-se com o Partido, com os seus militantes e eleitores, com os princípios subjacentes ao nosso programa, com os valores da liberdade e da igualdade de oportunidades, com os interesses superiores do nosso país que sempre defendeu corajosamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em poucos anos o PSD perdeu três grandes dirigentes, muito queridos pelos nossos militantes e pelos nossos eleitores. Depois de Francisco Sá Carneiro e Nuno Rodrigues dos Santos, Carlos da Mota Pinto desaparece tragicamente do nosso convívio. A nossa dor colectiva servirá, sem dúvida, em momento difícil da nossa história ao redobrar dos esforços no sentido do engrandecimento do nosso Partido e do nosso País.
A memória desses que foram exemplo, permite-me que termine com palavras de um grande poeta:

Escutemos o seu passado.
Ele está entre nós. Eles vivem na nossa esperança.
Tiveram simplesmente coragem de lutar para viver. E nós também lutamos para os mantermos vivos em nós e contra a morte.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para os que acreditam, morrer é nascer.

Aplausos do PSD, do PS, do CDS, da UEDS, da ASDI e do Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro.

O Sr. Primeiro-Ministro (Mário Soares): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar quero agradecer a V. Ex.ª, Sr. Presidente, a bondade que demonstrou ao autorizar-me a usar da palavra neste momento.
Na verdade, depois desta sessão breve mas tão significativa em que a democracia portuguesa deu, certamente, um grande passo em frente, penso que a voz do Governo também se devia fazer ouvir, para se associar, em palavra singelas, à homenagem sentida que toda a Câmara acaba de prestar à grande figura do Prof. Carlos da Mota Pinto.
Penso que foi significativo que partidos da oposição e do Governo pudessem, todos sem excepção, falar e homenagear - embora com ângulos de apreciação diversa - a personalidade de Carlos da Mota Pinto.
Era, de facto, um homem excepcional. Teve uma curta actividade política desde a Revolução do 25 de Abril até hoje e, quando mais se poderia esperar da sua maturidade, como destacou o Prof. Adriano Moreira, foi justamente quando a morte o ceifou.
Mota Pinto foi, como disse nesta Câmara, Manuel Alegre, um constituinte. Foi ele que deu o nome a esta Assembleia da República. Foi, desde sempre, um democrata, e eu pude sentir nas palavras dos deputados Costa Andrade e Manuel Alegre o apreço em que aqueles que foram estudantes do assistente Mota Pinto tinham o professor - pela sua modéstia, pela sua lhaneza de trato, pela sua afabilidade, pela sua cordialidade em relação aos estudantes e também pelo alto sentido de democracia que ele punha na sua acção.
Pude, ontem, assistir emocionado a essa extraordinária manifestação de pesar...

O Sr. Luís Beiroco (CDS): - Que a televisão cortou.

O Orador: - ..., única, decerto, na história da cidade de Coimbra, que foi a saída de toda a Coimbra para a rua - e principalmente os seus estudantes e a forma emotiva como o fez, para homenagear, não somente o Professor e o Partido, mas também o grande político e patriota, que foi Carlos da Mota Pinto.
Nós que com ele convivemos durante 2 anos, e quotidianamente, nas bancadas do Governo, que atravessámos períodos difíceis - como existem sempre num governo de coligação -, pudemos admirar, mas admirar profundamente, o sentido de tolerância, o sentido de interesse nacional, o desejo permanente de realçar a estabilidade política, que existia na acção permanente de Carlos da Mota Pinto.
Na verdade, ele tinha a convicção profunda de que era por verdadeiro imperativo nacional e patriótico que era necessário estar no governo e suportar certo tipo de críticas que são normais para quem está no governo e para quem exerce as suas funções em democracia.
Dividido sempre, como aqui foi salientado, entre 2 apelos destinados: o apelo do homem público que seria legitimamente servir a sua Pátria e o apelo da Universidade que também sempre serviu e soube servir.
Durante estes 2 anos Carlos da Mota Pinto revelou-se um companheiro de jornada, leal, respeitador das ideias dos outros e, mais do que isso, formou-se connosco. Aqueles que aqui estão na bancada do Governo sabem que o digo com sinceridade quando digo que ele se tornou para nós todos um verdadeiro amigo. É esse amigo que nós queremos homenagear, também, neste momento, associando-nos, pois, à homenagem prestada por esta Câmara.
Queria, apenas, dizer mais uma palavra para salientar a modéstia, para salientar a humildade democrática com que Mota Pinto, que tinha sido já Primeiro-Ministro, aceitou ser, depois, Vice-Primeiro-Ministro.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A modéstia e a humildade democrática com que Mota Pinto, no momento em que abandonou a liderança do Partido, regressou a esta mesma Assembleia e veio sentar-se no lugar de deputado - que era dele por direito - continuando, nesse lugar, a apoiar a coligação que serviu, que ajudou a criar e que, efectivamente, por isso se pôde manter.
Curvo-me, portanto, por todas estas razões, perante a memória do Prof. Mota Pinto e apresento à sua mulher - que me habituei também a estimar e a respeitar e que foi uma extraordinária companheira dele e aos seus filhos as sentidas homenagens do Governo Português.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, da UEDS, da ASDI e do Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Více-Primeiro-Ministro.

O Sr. Vice-Primeiro-Ministro (Rui Machete): Sr. Presidente, muito obrigado por me conceder a palavra agora quebrando uma praxe que leva a que o Sr. Primeiro-Ministro fale em último lugar.
Queria apenas neste momento de homenagem referir, de uma maneira muito singela, que, quando as pessoas são subitamente surpresas por um acontecimento

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como a morte, é nesse momento - naturalmente de grande tensão - que a vida perpassa rapidamente e adquire todo o seu significado: a vida dos que passam e a vida dos que ficam.
O Prof. Carlos da Mota Pinto foi, indiscutivelmente, um homem de bem, um homem sério, um homem que lutou pelos seus ideais, com o qual, aqui e além, muitos tiveram discordâncias - mesmo dentro do Partido Social-Democrata - mas tudo isso tem muito pouca importância comparado com aquilo que é verdadeiramente relevante.
Penso que, porventura, a melhor maneira de prestar uma sentida homenagem à sua memória é meditarmos no seu exemplo. E que de uma maneira muito particular, todos aqueles que militam no mesmo partido de que Mota Pinto foi um destacado militante e líder meditem no seu exemplo e na sua constância, tendo plena consciência de que a melhor forma de o honrarmos é, justamente, seguirmos o seu exemplo e a lição da sua vida.

Aplausos do PS, do PSD, do CDS, da ASDI e do Governo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, informo VV. Ex.ªs de que a Assembleia reunirá em sessão plenária amanhã, pelas 10 horas, com a agenda de trabalhos que estava marcada para a passada terça-feira e período de antes da ordem do dia.
Se a Comissão de Negócios Estrangeiros nos der o seu parecer a tempo, discuti-lo-emos amanhã, dada a urgência que o Plenário tem em resolver e apreciar - dando a sua aquiescência - a mensagem enviada ao Parlamento pelo Sr. Presidente da República, anunciando a sua visita à República Popular da China e à República Socialista Federativa da Jugoslávia durante os dias 20 a 31 do corrente mês.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar, dou por encerrada a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Socialista (PS):

Abílio Aleixo Curto.
Alberto Rodrigues Ferreira Camboa.
António Gonçalves Janeiro.
António Jorge Duarte Rebelo de Sousa.
António Manuel do Carmo Saleiro.
Avelino Feleciano Martins Rodrigues.
Armando António Martins Vara.
João Rosado Correia.
Joaquim José Catanho de Menezes.
Manuel Filipe Santos Loureiro.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.

Partido Social-Democrata (PSD/PPD):

Fernando José Roque Correia Afonso.
José Ângelo Ferreira Correia.
José António Valério do Couto.
José Bento Gonçalves.
José Luís de Figueiredo Lopes.
Paulo Manuel Pacheco Silveira.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Pedro Miguel Santana Lopes.
Pedro Paulo Carvalho Silva.
Rogério da Conceição Serafim Martins.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.
Lino Carvalho de Lima.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Octávio Rodrigues Pato.
Paulo Areosa Feio.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes Almeida.
Américo Maria Coelho Gomes de Sá.
Basílio Adolfo Mendonça Horta Franca.
Eugénio Maria Nunes Anacoreta Correia.
José Luís Nogueira de Brito.
José Miguel Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.
Luís Eduardo da Silva Barbosa.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

Helena Cidade Moura.

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Depósito legal n.º 8818/85 PREÇO DESTE NÚMERO 48$00

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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