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I Série - Número 6
Quarta-feira, 20 de Novembro de 1985
DIÁRIO
da Assembleia da República
IV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE NOVEMBRO DE 1985
Presidente: Exmo. Sr. António Joaquim Bastos Marques Mendes
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Iniciou-se a discussão do Programa do Governo, tendo intervindo a diverso título, além dos Srs. Ministros das Finanças (Miguel Cadilhe) e da Educação e Cultura (João de Deus Pinheiro), os Srs. Deputados Octávio Teixeira (PCP), Manuel Alegre (PS), Costa Andrade (PSD), Carlos Carvalhas (PCP), Raul Castro (MDP/CDE), Cruz Vilaça (CDS), Silva Domingos e Pedro Pinto (PSD), João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Magalhães Mota (PRD), Cardoso e Cunha (PSD), Ribeiro Teles (Indep. - PPM), Comes de Pinho (CDS), Duarte Lima (PSD), Sottomayor Cardia (PS), Correia Afonso e Montalvão Machado (PSD), Silva Lopes (PRD), Margarida Tengarrinha (PCP), Lopes Cardoso (Indep. - UEDS), José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE), Marques Mendes (PRD), Zita Seabra (PCP), António Barreio (Indep.), Jorge Lemos (PCP), Coimbra Martins (PS), Rogério Moreira e Carlos Brito (PCP), Nogueira de Brito (CDS), Amélia de Azevedo (PSD), Manuel Queiró (CDS), Eurico Lemos Pires (PRD), Maia Nunes de Almeida (PCP) e Amândio de Azevedo e Guido Rodrigues (PSD).
Entretanto, a Câmara aprovou 2 relatórios e pareceres da Comissão Eventual de Verificação de Poderes sobre a substituição de deputados.
O Sr. Presidente, após ter anunciado a entrada na Mesa de 3 moções de rejeição do Programa do Governo, apresentadas, respectivamente, pelo PS, pelo MDP/CDE e pelo PCP, encerrou a sessão eram 21 horas e 10 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 21 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Adérito Manuel Soares Campos.
Alípio Barrosa Pereira Dias.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Basto Oliveira.
Amândio dos Anjos Gomes.
Amélia Cavaleiro Monteiro de A. Azevedo.
António Branco Malveiro.
António Augusto Lacerda de Queiroz.
António Barbosa de Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Machado Lourenço.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António José Baptista Cardoso Cunha.
António Manuel Lopes Tavares.
Arlindo Moreira.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Arnaldo Ângelo Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cipriano Rodrigues Martins.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Russo R. Correia Afonso.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando T. Matos Vasconcelos.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco José P. Pinto de Balsemão.
Francisco Mendes Costa.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Rodrigues da Mata.
João Álvaro Poças Santos.
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João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pereira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim Manuel Cabrita Neto.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Filipe de Ataíde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
José da Silva Domingos.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Costa Geraldes.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Manuel Costa Andrade.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Manuel Maria Portugal da Fonseca.
Manuel Pereira.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel C. Miranda Relvas.
Pedro Augusto Cunha Pinto.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Rui Alberto Salvada.
Rui Manuel de Sousa Almeida Mendes.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Vasco Silva Garcia.
Virgílio Higino Gonçalves Pereira.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Abílio Aleixo Curto.
Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Alfredo José Somera Simões Barroso.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António de Almeida Santos.
António Antero Coimbra Martins.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel Ferreira Vitorino.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Armando António Martins Vara.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel N. da Costa Candal.
Carlos Montez Melancia.
Fernando Manuel dos Santos Gomes.
Helena Torres Marques.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Joaquim Jorge de Pinho Campinos.
Jorge Lacão Costa.
José Carlos Pinto B. da Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luís Filipe Nascimento Madeira.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel da Mata de Cáceres.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rodolfo Alexandrino Suzano Crespo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Walter Ruivo Pinto Gomes Rosa.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça C. Gonçalves C. Antunes.
Aníbal José da Costa Campos.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António Fernando Rodrigues Costa.
António José Fernandes.
António José Marques Mendes.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
Arménio Ramos de Carvalho.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Carlos Jorge Mendes Corrêa Gago.
Bártolo de Paiva Campos.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos S. Pinho.
João Barros Madeira.,
João Teixeira Leão de Meireles.
Joaquim Carmelo Lobo.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
Jorge Pegado Liz.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Manuel de Medeiros Ferreira.
Manuel dos Santos Messias Silvestre.
José Maria Vieira Dias de Carvalho.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo C. da Costa Carvalho.
Maria Cristina G. da S. C. Albuquerque.
Maria da Glória M. C. Padrão e C. Carvalho.
Paulo Manuel Quintão de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
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Rui de Sá e Cunha.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António Dias Lourenço da Silva.
António Manuel Silva Osório.
António da Silva Mota.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim António Miranda da Silva.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Maria Margarida C. Tengarrinha C. Costa.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
António José Tomás Gomes de Pinho.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Francisco Manuel Menezes Falcão.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Cruz Vilaça.
José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
Luís Filipe Paes Beiroco.
Manuel Eugénio P. Cavaleiro Brandão.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro José Del Negro Feist.
Ruy Manuel Correia de Seabra.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo M. Tengarrinha.
Raul Fernandes de Morais e Castro.
Deputados independentes:
António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles (PPM).
Maria Amélia do Carmo Mota Santos (Os Verdes).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar início à sessão, queria anunciar que me encontro na Presidência em virtude de o Sr. Presidente da Assembleia da República se encontrar doente, isto é, na cama e, por isso, impedido de estar hoje aqui presente.
Entretanto, tem a palavra o Sr. Secretário, a fim de ler o expediente.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Srs. Deputados, deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 39/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Adriano Moreira e outros, do Centro Democrático Social, sobre a criação da Faculdade de Ciências do Mar, que foi admitido e baixou à 4.ª Comissão; projecto de deliberação n.º 1/IV, apresentado pelo Partido Comunista Português, tendente à urgente constituição de uma comissão eventual para o apuramento do estado das finanças públicas, que foi admitido e baixou à 5.ª Comissão; projecto de resolução n.º 3/IV, apresentado pelo Partido Socialista, relativo à criação de uma comissão eventual para as comemorações de 70.º aniversário da Assembleia Constituinte e da Constituição de 1911. Foi admitido com a data de 15 do corrente mês.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Sr. Primeiro-Ministro afirmou na intervenção de abertura deste debate que o Governo respeitaria «escrupulosamente a ordem constitucional». Mas o próprio Programa do Governo se encarrega de desmentir inequivocamente as suas palavras.
Nunca nenhum governo foi tão longe como este, ao definir no seu Programa uma política económica que tão frontalmente viola os princípios constitucionais. A política que o Governo propõe não tem por destinatário a economia portuguesa com as suas actuais estruturas e comandos constitucionais. Visa sim um modelo económico anticonstitucional, que coloca o Governo em confronto aberto com as realidades sócio-económicas constitucionalmente consagradas, que faz completa tábua rasa da Constituição da República Portuguesa.
Ao afirmar o objectivo de «transformação das empresas públicas, a breve prazo, em sociedades anónimas de capitais públicos» - fim de citação - em ligação com a intenção declarada de «alienação das carteiras de participações» e de eliminação daquilo a que chama a «exorbitância do património do Estado», o Governo está a anunciar, friamente, o seu propósito de avançar inconstitucionalmente com a tentativa de reprivatização das nacionalizações. Tentativa de reprivatização que é manifestamente clara e indesmentível quando o Governo se propõe estimular «a participação da poupança privada no capital próprio das empresas de telecomunicações», ou quando mais geralmente advoga o «recurso aos títulos de participação» para reforço dos capitais próprios das empresas públicas.
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O Programa atinge o nível do escândalo quando afirma que o Governo, numa autêntica sacralização do grande capital - e passo a citar novamente - «aposta inequivocamente na iniciativa privada como fonte autêntica e insubstituível do desenvolvimento económico e social», quando o Governo, em oposição ao constitucionalmente consagrado, se atribui a si próprio à tarefa de «estimular o desenvolvimento de grupos empresariais»,- quando se propõe fazer uso de todos os meios para promover uma «taxa esforçada de crescimento do investimento privado».
A questão de fundo para o Governo não é a da participação da iniciativa privada no desenvolvimento, mas sim a de garantir ao grande capital o domínio total da economia. Contrariamente ao afirmado no Programa, o Governo não se propõe diminuir o papel intervencionista do Estado. O que se propõe é utilizar essa intervenção para, à custa do património público e do Orçamento do Estado, em confronto com a Constituição e os interesses do País, prosseguir uma verdadeira cruzada de espoliações e de acumulação e centralização' forçadas, com a transferência coerciva para o grande capital da propriedade de meios de produção, de recursos financeiros e de mais-valias.
Este não é o modelo económico consagrado na Constituição. Esta é a política económica que reiteradamente a maioria idos portugueses tem rejeitado. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como sempre temos afirmado, o aumento da produção nacional é o problema fulcral da economia portuguesa; é a base da solução dos problemas económicos e financeiros e a única via capaz de conduzir o País à saída da crise e ao desenvolvimento.
Mas uma política que apresenta como prioridades o «prosseguimento da liberalização da actividade importadora», ao mesmo tempo que reconhece expressamente que largos sectores de actividade e muitas empresas «dificilmente poderão resistir a uma competitividade acrescida», é uma política que só pode conduzir a falências, a uma maior desarticulação do aparelho produtivo, à diminuição da produção, ao aumento do desemprego e ao agravamento dos défices e da dívida externos.
Uma política que esquece a situação de profunda crise em que se encontram vários sectores de actividade, cuja reanimação exige autênticos programas de emergência, como é manifestamente o caso da construção civil, é a política de um governo completamente alheado das realidades nacionais.
Reafirmamos que o saneamento financeiro é um urgente imperativo nacional, dada a extensão e, profundidade dos desequilíbrios financeiros e o grau de endividamento das empresas, do Estado e do País.
Mas esse saneamento, para além da produção nacional, exige uma imediata e significativa baixa das taxas de juro (que, aliás, há muitos anos não conheciam um nível real tão elevado). Mas o Governo não se compromete a fazê-la.
Exige uma redução palpável da desvalorização cambial. E o Governo teme fazê-la, por entrar em conflito com os interesses dos promotores das fugas de capitais.
Exige ainda a renegociação da dívida externa, questão essencial não só para a recuperação financeira das empresas e do Estado, como ainda para a libertação de recursos financeiros absolutamente necessários ao relançamento acelerado do investimento produtivo, sem nova explosão da dívida externa. E o Governo cala, sintomaticamente, qualquer referência a este respeito.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política económica que o Governo nos apresenta, e ainda que, como aconteceu em 1980, pudesse criar artificialmente uma prosperidade passageira e meramente conjuntural, é uma política que não serve os interesses dos Portugueses, que não resolve os problemas do País.
Mas, fundamentalmente, o Programa do Governo viola frontalmente a Constituição. O Governo pode gostar pouco ou nada da Constituição da República Portuguesa. Mas é a Lei Fundamental do País, está em vigor, e cumpri-la é a sua primeira obrigação. Por isso o Grupo Parlamentar do PCP rejeitará clara e frontalmente o Programa do Governo.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Mais ainda. Este Programa do Governo está em conflito tão aberto e descarado com a Constituição que não seria exagerado colocar a questão da sua própria admissibilidade. Seria legítimo dizer ao Governo e ao Primeiro-Ministro: paremos aqui. Vão reescrever o Programa e façam-no respeitando a Constituição da República!
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos os nossos trabalhos, queria anunciar que estão entre nós, nas galerias, os alunos da Escola Secundária de Sintra, a quem a Mesa endereça os seus cumprimentos e espera igualmente que a Assembleia o faça.
Deseja ainda a Mesa que a visita a esta sessão de debate possa realmente trazer-lhes valiosos frutos para o futuro.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Se não aprecio o estilo nem a gramática, registo a determinação e a convicção do Sr. Primeiro-Ministro. São, em si mesmas, valores políticos.
Infelizmente, não chegam para viabilizar o Governo, nem são garantia de que o seu Programa e a sua composição sejam os mais adequados à realidade do País e os mais convenientes para a resolução dos problemas nacionais.
O PSD, como partido mais votado, aceitou o encargo de formar governo. Teve assim a coragem de correr um risco. É igualmente uma atitude política relevante. Portugal precisa da coragem dos seus homens políticos. Infelizmente, porém, a coragem por si só também não chega. Além de que não deve confundir-se com teimosia e obsessão. A história política da Europa, e a nossa própria história recente, mostram que nem sempre o partido mais votado dispõe de condições para governar. Em países de sistema proporcional, como o nosso, é ao Parlamento que, na ausência de maioria absoluta nas umas, cabe dizer quem ganhou politicamente as eleições. Daí a importância deste debate.
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O Governo apresenta-se na Assembleia com a confiança política, e não apenas formal, do Presidente da República. É um facto novo e singular, já que nenhum outro governo de base partidária tinha logrado, no acto de posse, um tão substantivo e claro apoio presidencial. Só que essa confiança, sendo em si mesma significativa, ainda não é suficiente. Resta saber se, com quem e de que modo, o Governo consegue (ou não) a indispensável confiança do Parlamento.
Atrevo-me a fazer uma citação:
Em democracia, e segundo o nosso sistema constitucional, os governos devem ser da responsabilidade conjunta do Presidente da República e dos partidos que constituam uma maioria parlamentar estável e coerente. Isto é tanto assim para os governos de composição partidária como para os que, em casos excepcionais, hajam de ser compostos por pessoas apartidárias. [...] Num caso ou noutro será sempre indispensável a legitimação parlamentar do Governo, forma indirecta de lhe completar, no actual sistema, a legitimação popular que já parcialmente lhe vem da confiança presidencial.
Pode, é certo, a legitimação parlamentar ser meramente tácita, como sucede, quando o Governo se limita a passar na Assembleia sem lhe pedir a sua confiança expressa e sem esta manifestar maioritariamente a sua desconfiança. [...] Mas a responsabilidade partidária e parlamentar só surge quando o apoio partidário é aqui dado expressamente a um executivo em votação de uma moção de confiança.
Perfilhamos a doutrina. As palavras, já aqui em parte citadas pelo meu camarada Luís Filipe Madeira, foram proferidas por Francisco Sá Carneiro, a 13 de Dezembro de 1978, durante a apresentação e debate do Programa do IV Governo Constitucional.
São outras as circunstâncias. Mas, com a diferença de se tratar de um governo de base partidária, é idêntica a situação em que se encontra, perante a Assembleia da República, o Governo presidido pelo Prof. Cavaco Silva. Por isso, a terrível actualidade das palavras de Sá Carneiro, sobretudo quando aplicáveis a um governo chefiado por quem se reclama da sua herança ideológica e política.
A moção de confiança é a prova dos nove da legitimação parlamentar de um governo. Mas este Governo teme-a. Foge dela como o Diabo da cruz. Parece bastar-lhe a legitimação tácita. É uma confissão de fraqueza, por mais ostensiva que seja a autoconfiança.
A não se verificar a co-responsabilização de uma maioria partidária parlamentar, não se sabe como o Governo poderá fazer passar o seu Plano e Orçamento Geral do Estado e, muito menos, as suas reformas estruturais, cujo conteúdo, em certas áreas, como, por exemplo, na agricultura e no trabalho, esteve na origem da ruptura da coligação que levou à queda do anterior governo e à dissolução da Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A severa penalização eleitoral do PS deveu-se, entre outras razões, ao facto de o PS ter sacrificado muito de si mesmo à preocupação de defender uma solução de estabilidade política. A imolação do PS não impediu que a estabilidade fosse igualmente sacrificada. Nada se resolveu. Nada se clarificou.
Mas a estabilidade continua a ser uma condição política essencial para a resolução dos problemas do País. Por isso, partilho do ponto de vista do Primeiro-Ministro quando afirma que «o regime político democrático nada tem a lucrar com a sucessão de governos».
Estou até de acordo com a afirmação do candidato presidencial apoiado pelo PSD de que «a solução para Portugal é um governo forte em democracia». Ora é isso que este governo não pode ser. Não tem condições para ser senão um governo fraco. E, parafraseando o nosso Camões, poderíamos dizer: «Um governo fraco faz fraca a própria democracia.»
Com efeito, que garantia de força política e social pode oferecer um governo apoiado apenas num partido que representa 2917o do eleitorado?
Como poderá o Governo aplicar o seu Programa, se não dispõe à partida de uma maioria parlamentar?
Não terá outro remédio senão o de distorcê-lo e negociá-lo ao sabor de apoios flutuantes, instáveis e incoerentes.
A lógica resultante das últimas eleições deveria apontar para a co-responsabilização dos partidos que com elas beneficiaram.
Pelo menos ninguém nos explicou a razão por que se dispensa agora a exigência de uma maioria parlamentar estável e coerente. Quase somos levados a crer que tal exigência só foi inventada para só ser aplicada ao Partido Socialista.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - O Governo não dispõe de condições políticas que lhe permitam ser uma solução estável. Dificilmente poderá durar. Pouco mais poderá ser na prática do que um governo de gestão ou de permanente, instável e incoerente negociação. De certo modo é um governo que nasceu com data marcada para morrer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A instabilidade social e política ameaça de novo os Portugueses. Na ausência, pelo menos, visível, de acordos partidários susceptíveis de oferecer ao Governo uma base parlamentar maioritária, não é legítimo pedi ao Partido Socialista que se co-responsabilize pela sua viabilização.
Por isso, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, tenho a honra de anunciar que apresentamos na Mesa uma moção de rejeição.
Pode acreditar, Sr. Primeiro-Ministro, que não é por «curteza de vistas», nem por «má vontade», nem por «obstrução sistemática». Ë por razões políticas, por um imperativo de coerência e transparência parlamentar.
No plano político, o Governo minoritário do PSD não oferece a mínima garantia de estabilidade. Para além disso, a sua filosofia, inspirada na orientação seguida pelo PSD a partir do Congresso da Figueira da Foz, traduzir-se-á numa perigosa viragem à direita, com todos os riscos de desequilíbrio político e desestabilização social que daí decorrem.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Por outro lado, a não explicitação das alianças políticas ou, na sua falta, a necessidade de enveredar pela negociação de apoios parlamentares flexíveis e flutuantes representará, na hora da integração europeia de Portugal, um retrocesso na clareza e na transparência da nossa vida democrática. Poderá faci-
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litar, ou favorecer até, a emergência de projectos que nada têm a ver com a perspectiva europeia da democracia portuguesa.
O Sr. Ferraz da Costa (PS):- Muito bem!
O Orador: - Será esse o início do «novo ciclo» de que o Primeiro-Ministro falou?
No plano económico, o Governo perfilha uma orientação neoliberal do funcionamento da economia. Num país periférico e dependente como o nosso, com profundas desigualdades sociais e estratos significativos da população em situação de extrema carência, tal concepção não pode senão acentuar os traços de dependência e agravar injustiças e desigualdades.
Acresce que o Governo parece adoptar os argumentos dos que pretendem fazer do sector público o bode expiatório da economia portuguesa. O que é necessário, em nosso entender, não é a destruição do sector público, mas a sua reforma no sentido de o transformar num efectivo mecanismo de controle do poder económico pelo poder político e num instrumento decisivo do desenvolvimento e da atenuação dos desequilíbrios regionais e sociais. Também nós apostamos no dinamismo da iniciativa privada. Mas isso é uma coisa. Outra, bem diferente, é tentar impor, pela via do Estado, ainda que sob o pretexto de favorecer a iniciativa privado, o primado de uma ideologia e a lógica de uma política que conduzirão necessariamente ao reforço do poder do dinheiro e das oligarquias.
Essa é a lógica do crescimento pelo crescimento e da ideologia desenvolvimentista e neoliberal contida no Programa do Governo. Convém que nos entendamos: somos socialistas liberais; não somos liberais anti-socialistas!
Por isso estamos contra o anarco-liberalismo proposto e fomentado pelo Governo.
Risos do PSD.
No plano social, nomeadamente no capítulo do trabalho, o Programa do Governo é muito significativo: quer pelo que diz, quer pelo que não diz.
O problema dos salários em atraso e da revisão da legislação laboral é encarado na perspectiva de uma inefável «flexibilidade controlada», mais explícita, aliás, no que respeita aos salários em atraso. A aplicação de sanções é limitada a situações de «culpa grave ou dolo». A protecção do Estado aos trabalhadores com salários em atraso só tem lugar quando aceitem passar de empregados a desempregados. Ë uma forma de fomentar o incumprimento do dever patronal e de penalizar ainda mais as vítimas.
Em suma, hipocrisia e fansaísmo do Estado em matéria de máxima gravidade social.
O Sr. António Capucho (PSD): - Demagogia!
O Orador: - Quanto à legislação laboral, o Programa do Governo raras vezes é claro. Quando o é, aponta para a degradação dos direitos dos trabalhadores e para o reforço dos poderes patronais. Por exemplo: a actualização anual das remunerações mínimas não está garantida. É o que resultará da prevista alteração da lei da contratação colectiva, no sentido de remeter para a mera relação de forças a regulação dos conflitos colectivos de trabalho. A perspectiva liberal em matérias desta natureza só tem servido para reforçar a parte forte do confronto. As referências à revisão da disciplina legal sobre faltas, férias e feriados, sobre condições penosas de trabalho e sobre trabalho clandestino não esclarecem o sentido em que o Governo se propõe legislar. Quando o fazem, indiciam uma mal disfarçada ameaça aos direitos e interesses dos trabalhadores.
Quanto à política de rendimentos e preços, a intenção mais aparente do Programa do Governo parece ser a de diminuir o nível actual de acordo da contratação colectiva de trabalho.
Na verdade quando, depois de um período prolongado de perda acentuada de poder de compra dos salários, começava a verificar-se uma sensível recuperação dos salários reais, o Governo pretende que «os ganhos imediatos sejam moderados e inferiores àquilo que o próprio Governo entenderia como razoável». Acresce que não há uma palavra que permita antever uma vontade de negociar com os parceiros sociais sobre a matéria. Apela-se directa e claramente às empresas para que, escudando-se na «política de teor indicativo» do Governo, recusem ultrapassá-la.
Parece assim claro que o Governo escolheu a via dos tectos salariais e da conflitualidade laboral para reforçar o poder patronal e prejudicar a acção sindical.
Finalmente, a degradação da responsabilidade da cultura é uma medida demagógica, nociva, inoportuna e contraditória com a política de integração europeia.
Demagógica: não proporcionará nenhuma economia. Destina-se a fazer crer que se fazem economias.
Nociva: degrada a responsabilidade da cultura perante a CEE, perante a Espanha, perante o Brasil, perante o mundo, da língua portuguesa.
Inoportuna: quando na CEE se intensificam as políticas culturais, quando a nova televisão,(TDS, cabo) cria um prodigioso mercado cultural, é que nós tiramos galões ao, nosso responsável da cultura.
Não se pode pensar que se agirá na cultura quando o mais necessário estiver resolvido. Foi precisamente para não se esperar por isso, e porque a preservação do património e a produção cultural reclamam novas espécies de intervenção, que se criaram os Ministérios da Cultura. A degradação de tal Ministério prejudica entre nós a causa da cultura, e simultaneamente a posição do nosso país na CEE e no Mundo. , Concluindo: a perspectiva global do Governo não é social-democrata; é uma perspectiva de direita, profundamente contrária à construção de uma democracia política, económica, social e culturalmente avançada.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não fomos governo com um pé ria oposição, nem tentaremos ser oposição com um pé no Governo. Seremos oposição construtiva, mas oposição sem ambiguidades. Oposição parlamentar, política, ideológica, numa perspectiva de reforço da nossa identidade de Partido Socialista democrático, força insubstituível da esquerda e da democracia em Portugal.
Aplausos do PS, da UEDS e do Sr. Deputado Ribeiro Teles (Indep.).
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Manuel Alegre, ouvimos com a atenção e com o interesse que o brilho gramatical e formal da sua intervenção nos suscitou. Aliás, sempre nos provoca esse interesse.
A sua intervenção suscitou-nos um problema: o Sr. Deputado focou praticamente durante quase toda a sua alocução o aspecto que designou por «legitimação constitucional do Governo», colocando a tónica fundamental na maioria parlamentar, designadamente no voto positivo de uma moção de confiança.
Naturalmente não vou trazer aqui à colação os precedentes históricos - que estão aí - do governo socialista que governou em minoria sem a aprovação de qualquer moção de confiança. O Partido Socialista referiu-o sempre, enquanto se manteve esse estado de coisas, criado pela passagem do governo nesta Assembleia pela ausência de uma moção de confiança. Repito, o Partido Socialista, bem como o então Sr. Primeiro-Ministro, disseram sempre que o governo estava perfeitamente legitimado, porque tinha passado na Assembleia da República. Mais: tinha «passado» - di-lo agora o Partido Socialista -, tendo na componente presidencial algo menos de apoio do que tem este Governo. Portanto, com menos apoio presidencial -e a interpretação é do Partido Socialista- e como outro tanto previsível apoio parlamentar, o governo anterior do Dr. Mário Soares era integralmente legitimado. Este Governo com mais - di-lo o Partido Socialista - apoio presidencial e com outro tanto previsível apoio parlamentar, terá menos legitimação?
Mas não vamos falar disso, nem também inventar aqui cursos hipotéticos da história. O que seria se o Partido Socialista tivesse tido a posição eleitoral que o Partido Social-Democrata teve? Aceitaria o Partido Socialista fazer um governo minoritário ou não?
A história não nos vai permitir, enfim, submeter à retorta da experiência as nossas convicções íntimas nesta matéria. Pessoalmente, estou convencido de que o Partido Socialista aceitaria fazer um governo minoritário. Não posso impor esta convicção, não posso dar-lhe a objectividade inter-subjectiva, porque não tenho possibilidades de o fazer. Mas, deixemos tudo isso e fixemo-nos no essencial.
O Partido Socialista cita aqui Sá Carneiro, em 1978. E Sá Carneiro, de facto, advogava um sistema político-constitucional em que a legitimação dos governos passasse pela afirmação ou aprovação positiva de uma moção de confiança. E isto em 1978, quando havia já alguma experiência parlamentar e constitucional em Portugal.
Em conformidade com isto, Sá Carneiro, ou aqueles que assumiram a sua herança política, moral e ideológica, no processo de revisão constitucional, em 1982, tudo fizeram para que o sistema constitucional adoptasse esse figurino. Tudo fizemos aqui no processo de revisão constitucional, para que a Constituição exigisse para efeitos de legitimação do Governo a aprovação de um voto positivo de confiança. O Partido Socialista opôs-se sempre a que isto fosse adoptado.
Aplausos do PSD.
O Partido Socialista fez do sistema que hoje temos o bunker da conservação do Poder, porque pensava que iria ser sempre o partido mais votado, isto é, o da maioria relativa.
Iria, enfim, desenvolver um raciocínio nesta lógica, isto é, que legitimidade ética tem agora o Partido Socialista para criticar a legitimação ou o défice de legitimação de um governo, sendo certo que este é o sistema que o mesmo partido criou?
Este é o «fado» que o Partido Socialista criou! Este é o bunker em que o Partido Socialista se instalou! Só que por vontade do eleitorado foi daí arredado.
A intervenção do Partido Socialista - e aqui vai o meu pedido de esclarecimento -, mais do que uma crítica, é a confissão das frustrações? Ou é, mais honestamente, o propósito de revermos a Constituição, no sentido em que Sá Carneiro - e na sequência dele o PSD - sempre defendeu, no intuito de exigirmos um outro tipo de legitimação parlamentar para o Governo?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, o Partido Socialista tem legitimidade para dizer em cada circunstância o que entende que é politicamente necessário dizer.
Risos do PSD.
Nunca coloquei em causa a legitimidade do Governo. Este Governo é legítimo e será assim até ser exonerado.
Simplesmente, assinalei a conveniência política de, nas actuais condições políticas e dado o facto de este Governo ser o mais minoritário de todos aqueles que alguma vez se apresentaram à Assembleia da República, o Governo suscitar a moção de confiança.
E já que V. Ex.ª evocou o passado, quero também recordar-lhe que é verdade o facto de o Partido Socialista ter governado durante um certo tempo através, digamos, de uma legitimação tácita. Mas, quando entendeu ser necessário politicamente, suscitou a moção de confiança. E verificou-se até, na altura, uma convergência de votos de outras bancadas que fizerem «cair» o governo.
Há antecedentes de governos do seu próprio partido, quer do Prof. Mota Pinto, quer do Dr. Pinto Balsemão, que suscitaram a moção de confiança.
Penso que é essa a lógica política da transparência parlamentar.
Não coloquei em causa a legitimidade do Governo pelo facto de ele querer eventualmente passar apenas com a legitimação tácita, mas assinalei a fraqueza política que decorre do facto de o Governo não querer, nas actuais circunstâncias, suscitar a moção de confiança.
O Governo lá sabe porquê! Mas, em nosso entender, é uma confissão de fraqueza política.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças (Miguel Cadilhe): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política económica não pode ser conduzida contra quem trabalha, nem contra quem investe.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - O Governo não vai prolongar, pelo contrário, vai inverter, de modo gradual, mas seguro e irreversível, as situações de perda do poder de compra dos salários, da carga fiscal insustentável sobre os rendimentos de trabalho e de falta de esperança de 470 000 desempregados.
Por outro lado, o Governo também não vai prolongar, pelo contrário vai inverter as situações de falta de confiança dos empresários, de penalização fisgando capital de risco, de concorrência desleal pela economia subterrânea, de intimidação pelas elevadas taxas de inflação e de juro nominal.
A estratégia macroeconómica do Governo para os anos 1986-1989 fará avançar o País para a correcção, a prazo, dos grandes desequilíbrios macroeconómicos que nos vêm afectando persistentemente e nos trazem colectivamente diminuídos perante nós próprios e perante o Mundo: o desemprego, a inflação, o défice externo.
Portugal é o único país que suporta a conjunção dos três citados desequilíbrios no grupo dos doze países da CEE. E suporta há uma, dezena de anos.
Os objectivos da política macroeconómica do Governo serão os seguintes:
Num horizonte temporal, de 3 a 4 anos, o Governo fará encostar a taxa de inflação portuguesa à taxa média da CEE. Em 1986, a meta é fixada em 14 % (média anual), ou seja, uns 5 a 6 pontos percentuais abaixo do que se prevê que seja a taxa de 1985. Por outro lado, num horizonte temporal mais largo, o Governo encorajará um enorme esforço de investimento, orientado para a correcção estrutural do défice externo e para a redução do desemprego.
A redução da inflação eido desemprego são objectivos dificilmente compatibilizáveis no curto prazo, se bem que a teoria económica considere não haver conflito no médio ou longo prazo entre os dois objectivos. Com as tradicionais políticas macroeconómicas de regulação da procura global é difícil conseguir, simultaneamente, substanciais e duradouras melhorias em ambos os objectivos. Porque, geralmente, a inflação requer uma atenuação da procura,-, enquanto o desemprego requer uma expansão da procura. Na busca de suavizar, tanto quanto possível, o conflito entre os dois objectivos, a política macroeconómica tem vindo a evoluir no sentido de usar instrumentos que influenciem não só a procura, mas também a oferta e os custos unitários, da produção. O Governo considera que as medidas de redução dos custos unitários da oferta são precisamente de primordial importância para a política económica em Portugal. Designadamente, vai o Governo: em primeiro lugar, aliviar os sobre custos fiscais que presentemente, oneram o emprego; em segundo lugar, adoptar uma política de rendimentos que articule a evolução dos salários com os objectivos de redução da inflação e de criação de emprego; em terceiro lugar, incentivar a produtividade e combater todos os comportamentos de lesa-produtividade em quarto lugar, possibilitar- o reajustamento das escalas microeconómicas da produção desde que esteja em causada própria racionalidade da exploração ou a viabilidade da empresa; em quinto lugar, comandar a política cambial de modo a quebrar o ciclo vicioso desvalorização/inflação leva evitar o
sobrencarecimento dos imputs importados; em sexto lugar, reduzir o custo nominal do crédito, salvaguardando, porém, uma remuneração real positiva para a poupança.
Os objectivos da correcção estrutural do défice externo e da redução do desemprego terão uma aproximação gradual, à medida que o esforço do investimento se fizer em níveis que o Governo projecta serem relativamente elevados.
Embora este não seja o local apropriado para tecer projecções macroeconómicas - que terão cabimento nas Grandes Opções do Plano, a apresentar em breve a esta Assembleia -, a vontade do Governo é no sentido de ver crescer a formação bruta de capital fixo (FBCF), em 1986-1989, à média de 10 % ao ano, em termos reais. Trata-se de uma taxa de investimento da ordem dos 25 %, relativamente ao produto, que, sendo esforçada, está longe de ser medita e que pressuporá a reunião de condições especialmente favoráveis à decisão de investir e à disponibilidade de meios de financiamento.
Haverá quem diga, aliás, que será aí que a estratégia macroeconómica do Governo virá a falhar. Ou mais precisamente, dir-se-á que se levantam duas grandes dificuldades à «estratégia de progresso controlado»: primeira, as limitações do individamento externo; segunda, volume e o conteúdo do próprio investimento. o A primeira dificuldade - a do financiamento externo - não se reveste de carácter absoluto contrariamente ao que se possa argumentar. De facto, há défices e dívidas externas que são correctos, pelas razões virtuosas que lhe subjazem, como há superáveis que são erróneos, pelas causas viciosas de onde decorrem. O esforço de investimento associado ao programa de correcção estrutural do défice externo (PCEDE) justificará plenamente o défice da balança de transacções correntes (BTC) e a dívida externa emergente, porque, pela primeira vez, estes serão autocorrectores. Aliás, a dimensão relativamente pequena dos capitais exigidos no contexto mundial, a recente criação de novos esquemas internacionais de apoio financeiro ao desenvolvimento, a possibilidade de financiamentos significativos por efeitos da adesão à CEE, o despertável fluxo de investimento directo estrangeiro,- e, finalmente, a própria credibilidade suscitada por uma estratégia deste tipo, assumida e cumprida, são razões que reduzem substancialmente o peso da primeira dificuldade.
Ainda recentemente, na Assembleia Plenária de Outubro, o Fundo Monetário Internacional (FMI) reconhecia a necessidade de apoiar programas de médio prazo para o reajustamento estrutural das economias de elevado endividamento externo. É uma mudança qualitativa de longo alcance na atitude do FMI que vinha a desenhar-se há algum tempo e que teve agora uma consagração muito significativa.
A segunda dificuldade respeita à efectiva adequação e pertinência do esforço de investimento, relativamente aos, objectivos em vista - défice externo e desemprego. Tratando-se predominantemente de investimento privado, a questão do seu conteúdo tem a ver com a política de crédito e a política fiscal. Concretamente, o Governo privilegiará no enquadramento do crédito, bem como na contribuição industrial, os investimentos que, sendo obviamente viáveis e lucrativos, apresentem uma balança cambial favorável em poucos anos ou requeiram relações capital/emprego e capital/produto relativamente baixos.
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Por outro lado, ainda na invocável segunda dificuldade, a questão do volume ao nível do investimento tem a ver com a propensão a investir e esta é função do clima de confiança da iniciativa empresarial e dos custos unitários da produção, de que, aliás, já falámos a propósito da política macroeconómica sobre o lado da oferta.
O Governo vai induzir a formação de expectativas favoráveis à criação de um bom clima de investimento, esperando com isso atingir efeitos laterais importantíssimos em matéria de retorno de capitais, fluxos externos de capitais, com correlativa melhoria dos termos de troca.
Chegados a este ponto, convirá esclarecer inequivocamente o papel do plano e do mercado na orientação do investimento. É que poderá haver a tentação de ligar a «estratégia do progresso controlado» à feitura de um plano global e exaustivo, repleto de controles administrativos, recheado de critérios e indicadores de apreciação, tudo a suscitar a apetência de burocratas de elevado gabarito que fariam «empapelar», em dossiers infindáveis e tramitações intermináveis, a vontade de investir. E não podemos «empapelar» a vontade de investir.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Ora, o Governo entende, com a firmeza que advém da própria experiência, que é o mercado aberto e concorrencial quem melhor orienta o investimento em obediência às «vantagens comparativas dinâmicas» de Portugal face ao estrangeiro - vantagens que, por sua vez, tendem naturalmente a inclinar-se para actividades mais trabalho - intensivas do que capital - intensivas, pondo pois, em convergência tendencial, e repito, natural, os objectivos de combate ao desemprego e ao défice externo.
Por isso, o PCEDE será, essencialmente, um programa de teor indicativo, contendo as principais directrizes de política económica e a projecção coerente das grandes variáveis macroeconómicas. Entre estas sobressairão os níveis, sob controle, do défice da balança de transacções correntes, os quais rondarão 1 000 milhões de dólares constantes nos anos 1986-1988 e passarão a decrescer ininterruptamente em 1989 e anos seguintes, denunciando aí os frutos do investimento realizado e a justeza da «estratégia de progresso controlado».
Em particular, o PCEDE reunirá orientações básicas para as instituições de crédito, deixando, todavia, aos respectivos gestores a autonomia de decisão, com graus de liberdade consentâneos com a responsabilidade da gestão e os princípios universais da segurança e do risco de crédito.
além disso, o PCEDE será um painel de sinais expressivos para tentar estimular os agentes económicos e atraí-los para actividades de exportação ou substituição concorrencial das importações; constituirá um difusor de informação útil sobre oportunidades, novas ideias, novos processos, novos produtos; e disporá de formas operacionais de acompanhamento e verificação de resultados.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os problemas da inflação, do défice externo e do desemprego prendem-se com um outro magno problema da economia portuguesa - a indisciplina das finanças públicas.
O défice do sector público administrativo (SPA) tem de ser reduzido, para que, com ele, se reduzam os efeitos perniciosos que vêm actuando na economia nacional. Inventariamos quatro efeitos perniciosos desta indisciplina: primeiro, efeito alimentador da inflação; segundo efeito propulsor do défice externo; terceiro, efeitos da «tenaz» sobre o sector produtivo, quer pelo critério, via preço e via quantidade, quer pela carga fiscal; quarto, efeito propiciador da economia subterrânea.
Quanto maior for o défice incontrolável das finanças públicas, maior serão estes efeitos perniciosos.
Mesmo o efeito - que se pretenderia ser positivo - sobre o emprego é altamente duvidoso. O mesmo volume de recursos financeiros, à disposição do sector produtivo, teria, por certo, uma aplicação bastante mais reprodutiva e poderia gerar mais postos de trabalho, directos e indirectos.
Mas é sobre o défice externo que se torna mais grave o efeito do défice do SPA.
Por um lado, as despesas públicas fazem pressão sobre a procura interna e esta arrasta importações. É, digamos, o efeito visível ou a ponta do iceberg.
Por outro lado, a estratégia de «progresso controlado» implica um grande esforço de investimento.
Ora, mais investimento em Portugal, implica mais poupança privada, ou e menos défice corrente do Estado, ou e mais défice externo. Ou seja, é vital reduzir o défice corrente do SPA, nesta matemática implacável dos défices, da poupança e do investimento.
Restabelecer a verdade e o temor do Orçamento e quebrar a persistência dos défices, eis a trave mestra da política orçamental do Governo.
No fundo, o que está em causa é o respeito absoluto pelas regras básicas da boa e sã gestão orçamental do Estado - afinal, uma das pedras basilares da própria democracia. Designadamente, é o respeito pela regra da unidade, verdade e universalidade do Orçamento do Estado; pela regra do equilíbrio do Orçamento corrente, expurgado dos juros compensatórios da inflação, pela regra da mobilidade e reafectação dos recursos subutilizados; pela regra do desinvestimento do património aberrante ou tipicamente não estatal; pela regra da razoabilidade da carga fiscal; pela regra do cabimento orçamental das despesas; pela regra da responsabilização e punição dos centros de despesa, qualquer que seja o seu nível hierárquico; pela regra da não monetarização da dívida pública.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - O Governo fará cumprir, rigorosamente, estas regras financeiras. A situação de partida será um inventário de verdade de todas as despesas e receitas públicas, o que permitirá determinar o défice «verdadeiro» do ano em curso e estimar a dívida pública «verdadeira» reportada a 31 de Dezembro de 1985. A estratégia será então: redução gradual do défice corrente, como disse, expurgado dos juros compensatórios da inflação, até atingir zero em prazo, cuja extensão será função da própria situação de partida que estamos a apurar; fixação de um défice de capital, para fins de investimento público, até 7% do produto de cada ano.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: o Programa do Governo é suficientemente detalhado para dispensar o Mi-
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nistro das Finanças de mais desenvolvimentos sobre os objectivos e, os instrumentos da política macro-económica.
Apenas uma última palavra para. traçar o cenário provável para as principais projecções macroeconómicas, em 1986: o crescimento real poderá atingir 4% no produto; como disse, 10% na FBCF; 2% no consumo privado, 0% no consumo público com as importações a crescer 11% e as exportações a crescer 6%.
A balança de transacções correntes terá um défice entre 900 a 1000 milhões de dólares-/, justificado, em grande parte i pela FBCF e pela reconstituição de stocks. Os salários reais terão uma evolução positiva - embora moderada para não fazer dispararão consumo e portanto o défice externo, nem para prejudicar a competitividade -, evolução positiva essa em função ,da inflação esperada de ri 4% e partilhando, ganhos de produtividade e tendo em devida consideração o desagravamento fiscal.
Trata-se, como VV. Ex.ªs concordarão, de um cenário puramente ilustrativo das intenções do Governo. À ocasião para acertar e fundamentar estas projecções macroeconómicas será, seguramente, a apresentação ao Parlamento de 2 documentos fundamentais - o Orçamento do Estado e as Grandes Opções do Plano. Fá-lo-emos muito em breve.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: -,Para formularem pedidos de esclarecimento estão inscritos os Srs. Deputados. Carlos Carvalhas, Octávio Teixeira, Raúl, Castro, João Corregedor da Fonseca, Cruz Vilaça, Silva Domingos e Per dro Pinto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP):- Sr. Ministro das Finanças: O Governo afirma que vai fomentarão investimento privado e, segundo diz, a básica a confiança. Mesmo aceitando-se este simplista raciocínio, que confiança dá aos investidores ó mais minoritário dos governos, que não, ousa sequer apresentar a esta Câmara uma moção desconfiança?
Vozes do PSD: - Outra vez?
O Orador: - A verdade não, é outra? O que o Governo pretende não é a drenagem' constitucional de capitais públicos para a grande capital, tal como, se pode ler no Programa do Governo?
Depois, com a abertura das importações, vejam-se os acordos com a Espanha, com ás falências em série, sem a produção nacional de produtos importados, não estamos perante uma nova fase de um avanço efémero - o tal goro para se seguir ao imediato stop - com o aumento dos desequilíbrios e da dívida externa, tal como aconteceu em 1980?
Quanto ao «empapelar do investimento», estamos perante uma autocrítica do Sr. Ministro em relação ao seu famoso Sistema de Incentivo ao Investimento Integrado (SIII)?
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro deseja responder desde já ou no final e globalmente a todos os pedidos de esclarecimento?
O Sr. Ministro das, Finanças: - Responderei no final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, (tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Ò Sr. Ministro das Finanças é, agora, completamente diferente dos anteriores Ministros das Finanças, na medida em que tem claramente os seus poderes substancialmente reduzidos em termos do Governo. A experiência do actual Primeiro-Ministro tê-lo-á, com certeza a ponderar em não dar tanta força aos Ministros das Finanças dos governos.
Risos do PSD.
Mas vejamos algumas das questões que me foram suscitadas pela sua intervenção, Sr. Ministro.
Não vou repetir algumas das questões que levantei na minha intervenção, pois julgo que o Sr. Ministro já estava presente, pelo que a terá ouvido, designadamente a problemática do modelo económico que o Governo pretende impor ao País, completamente arredado das normas constitucionais. Colocaria antes algumas questões mais pontuais.
O Sr. Ministro referiu o problema da carga fiscal é a intenção do Governo em a reduzir. No caso concreto, e se não me falha a memória, referiu-se apenas' à redução - absolutamente necessária - da pesada carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho. Mas no seu Programa, o Governo propõe-se reduzir a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, sobre a poupança, o capital de risco, os custos do emprego e sobre os custos do crédito.
Fazendo uma análise rápida, isto dá-nos uma diminuição da carga fiscal em relação aos principais impostos directos, em termos de receita para o Estado; uma diminuição da carga fiscal em relação a impostos directos e indirectos, como sejam as contribuições para a Segurança Social e para o Fundo de Desemprego.
A questão que lhe coloco é a de se o Governo pensa Reduzir, em termos reais, a receita fiscal do Orçamento de 1986.
Se bem entendo a sua intenção, tal significa que estas reduções da carga fiscal serão compensadas, ou mais do que compensadas, com o aumento da carga fiscal através dos impostos indirectos sobre, o consumo?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Em relação à questão da burocracia, julgo que o Sr. Ministro tem toda a razão: é necessário acabar com essa burocracia de dossiers, de papelada e mais papelada; mais simplesmente, acabar com aqueles exemplos que nos foram trazidos em 1980 com o SIII.
Risos do PCP.
Sobre a questão da indisciplina das Finanças Públicas, tenho certas dúvidas em compreender perfeitamente a intenção do Governo, na medida em que se há coisas de que o PSD - de onde emana esta Governo - não se pode queixar é a de que não tenha tido ininterruptamente a responsabilidade do orçamento nos últimos 6 anos.
Sempre lhes foram apresentados diversos orçamentos, sempre campeou a mais completa indisciplina fi-
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nanceira, e isto no próprio governo de 1980, de que o Sr. Primeiro-Ministro e o Sr. Ministro das Finanças fizeram parte.
Recordar-lhe-ia, apenas, o problema das operações de tesouraria, cujos resultados já foram publicados na Conta Geral do Estado, com os muitos milhões de contos que foram utilizados pelo governo em 1980 e que não deram entrada no Orçamento do Estado.
Eram estes pequenos aspectos sobre os quais gostaria que o Sr. Ministro se pronunciasse.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Ministro das Finanças: Ouvi com atenção a exposição que acabou de fazer.
Sobre o ponto de vista técnico, a competência de V. Ex.ª não está em causa, creio que ela é geralmente reconhecida.
Vozes do PSD: - Apoiado!
O Orador: - O que está aqui em causa é a opção que está na base da intervenção de V. Ex.ª Como consequência disso, há algumas questões concretas que lhe desejaria colocar.
Em primeiro lugar, V. Ex.ª referiu-se mais do que uma vez à necessidade de conquistar a confiança empresarial, mas nunca se referiu à necessidade de conquistar a confiança dos trabalhadores. O Governo tem presente esta necessidade, sendo certo que não é possível levar à prática nenhuma política sem contar com o apoio das classes laboriosas do nosso país, dado o importante e fundamental papel que elas desempenham?
Em segundo lugar, V. Ex.ª falou na redução do défice do sector público. Isto significa que, mais uma vez, irá haver despedimentos naquelas empresas que o Governo considerar que não são viáveis, como tem acontecido com numerosas empresas do sector público, lançando no desemprego milhares de trabalhadores?
V. Ex.ª referiu-se várias vezes à dívida pública. Como é sabido, o País não tem uma informação exacta em relação à dívida pública real. Penso que seria esta uma oportunidade para V. Ex.ª esclarecer qual é, afinal, em termos exactos, a dívida pública no nosso país.
Finalmente, no que diz respeito à redução da carga fiscal, e já que isso será um dos propósitos do Governo, pergunto a V. Ex.ª se nesse sentido pensa proceder a alguma alteração no que diz respeito ao IVA, nomeadamente na parte em que baixou a tributação sobre artigos de luxo. Como é sabido, os artigos de luxo tinham, com o Imposto de Transacções, uma determinada tributação que o IVA baixou consideravelmente. Vai o Governo considerar este ponto?
Nessa política que vai agora pôr em prática, tenciona igualmente o Governo proibir a importação de artigos sumptuários, de luxo?
São estas as perguntas que lhe deixo, Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro das Finanças, ouvi-o atentamente e gostaria de lhe colocar algumas perguntas.
Declarou o Sr. Ministro que este Governo está disposto a um grande investimento para reduzir o desemprego. Mas logo a seguir declara que reduzir a inflação e reduzir o desemprego não é compatibilizável a curto prazo - foi assim que o disse. É portanto difícil obter melhorias em ambos os sectores. Gostaria de saber, Sr. Ministro, em que ficamos: o Sr. Primeiro-Ministro declarou que a inflação baixará para níveis bastante mais baixos, considerando o nível actual; agora, o Sr. Ministro das Finanças salienta que há dificuldade em compatibilizar a redução do desemprego com a da inflação. Quanto a esta contradição gostaria de ser esclarecido.
Sr. Ministro das Finanças, também gostaria de saber como compatibiliza esta sua declaração, a da redução do desemprego, com a declaração do Programa do Governo, e já aqui coloquei essa questão ao Sr. Primeiro-Ministro, de que é preferível uma flexibilidade controlada na área laboral e uma flexibilidade no funcionamento da economia. Isto pode corresponder, Sr. Ministro, a um maior desemprego.
Já agora uma questão sobre a qual o povo português gostaria de ser esclarecido porque vive em permanente terror com uma instituição internacional que invadiu o nosso país, controlando-o, prende-se com o Fundo Monetário Internacional. Nesse sentido, gostaria de saber se na política do Governo o sector das finanças encara ou não novas negociações com o Fundo Monetário Internacional. Já sabemos, por experiência própria, o que isso representa.
Perante o quadro que o Sr. Ministro traçou e que o Sr. Primeiro-Ministro já traçou há dias, gostaria de saber se este Governo entende necessário recorrer novamente ao Fundo Monetário Internacional, o que, com certeza, agravará ainda mais a situação.
O meu colega de bancada, Sr. Deputado Raúl Castro, já perguntou qual é a dívida pública. Também eu gostaria que este Governo dissesse claramente como encontrou o País: qual é a verdadeira dívida pública, a dívida externa, os juros, os compromissos anuais. Não basta dizer que existe dívida e daqui a uns meses vir dizer que havia outras dívidas de que o Governo veio a tomar conhecimento, como já foi enunciado.
Portanto, gostaríamos de saber claramente qual a situação do País. Por exemplo: corresponde ou não à verdade uma notícia tornada pública há dias de que o anterior governo, de que o PSD fazia parte, solicitou e contraiu empréstimos superiores em muitos milhões de dólares àquilo que necessitava, o que agravou
- como é evidente - os nossos compromissos com o exterior?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Vilaça.
O Sr. Cruz Vilaça (CDS): - Sr. Ministro das Finanças, gostaria de lhe colocar algumas questões, pedindo-lhe o favor que me esclareça algumas dúvidas directamente suscitadas pela audição da sua intervenção. Em primeiro lugar, gostaria de precisar uma questão que acaba de ser colocada sobre a difícil arbitragem entre inflação e desemprego. Na sua intervenção V. Ex.ª teve o cuidado e a preocupação de quantificar a evolução de várias variáveis, projectando-as para
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o futuro imediato e para um futuro mais longo, mas não o fez relativamente ao desemprego. Referiu que a inflação será de 1497o no próximo ano; falou no défice da Balança de Transacções correntes desde 1986 a 1988, bem como várias outras variáveis, não(o fazendo relativamente ao desemprego. Pedia-lhe,, se tal fosse possível, que nesse difícil conflito de objectivos, nessa incomodidade em que deve sentir-se na arbitragem entre inflação e desemprego, nos desse uma ideia de como quantifica a evolução desta variável para os próximos anos, à luz dos instrumentos de política .económica e financeira que tenciona adoptar.
Em segundo lugar e a propósito de instrumentos, falou V. Ex.ª do enquadramento do crédito. Gostaria de lhe perguntar que tipo de enquadramento de crédito tenciona adoptar. Tenciona manter os métodos adoptados até agora para esse enquadramento, com o mesmo tipo de aleatoriedade e discricionariedade com que têm sido praticados ou tenciona racionalizar a utilização desse instrumento de política monetária e financeira?
Por outro lado, e relativamente ao SIII não insisto na questão da necessária desburocratização do sistema, da sua simplificação para o tornar aceitável e utilizável pelos operadores económicos. Mas o problema da revisão do SIII liga-se com a necessidade de criar esquemas de incentivos de base regional. Tenciona rever o SIII nesse sentido ou tenciona criar a seu lado outro tipo de instrumentos ou, pura e simplesmente, desconhecer o problema?
Finalmente, falou V. Ex.ª do temor dó Orçamento e da necessidade de evitar esse temor. Penso que o temor do Orçamento já está institucionalizado, pelo que lhe pergunto o que tenciona fazer para nos poupar a esse permanente temor do Orçamento e que medidas tenciona adoptar na prática para fazer com que as metas orçamentais sejam de facto cumpridas.
A esse propósito pergunto-lhe também qual a política de remuneração dos funcionários públicos que tenciona adoptar. E compatível com a redução prevista do défice orçamental uma política remuneratória dos funcionários públicos que seja capaz de melhorar o seu estatuto remuneratório em termos de o motivar e de conferir maior eficácia ao próprio funcionamento da administração pública?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Domingos.
O Sr. Silva Domingos (PSD): - Sr. Ministro das Finanças: Antes de mais, quero afirmar ao Sr. Ministro o meu acordo às grandes linhas da política económica que explicitou. Parece estarmos perante as linhas de política que deverão ser seguidas no País na conjuntura actual. Parece estarmos perante um desenvolvimento sem grandes desequilíbrios, tanto internos como externos. Parece estarmos perante uma política que tem em conta o estímulo ao factor trabalho e, também, a recuperação do poder de compra.
Sr. Ministro, penso tratar-se de uma aposta bastante alta, mas penso também que este Governo a deve fazer. Trata-se de uma política equilibrada, exequível; na nossa perspectiva, e confio na perseverança e competência deste Governo para o implementar.
Espero também que sejam criadas as condições ao Governo para que possa executar esta sua política, com o tempo, e condições exigíveis e que se impõem nos tempos que correm e nas dificuldades que o País atravessa.
Penso, pois, que, para além da competência do Governo, esperamos a responsabilidade de quem deve ser responsável.
Num ponto do seu discurso referiu-se o Sr. Ministro aos estímulos aos investimentos, à necessidade de criar a confiança dos empresários e falou, de uma forma bastante interessante, na necessidade de desburocratizar os mecanismos de funcionamento. É, de facto, uma ideia correcta e desejável que se desburocratize, que se acabe com essas, toneladas de papelada desses estudos inúmeros que hoje são necessários para se conseguir lançar um projecto. Esse projecto tem, naturalmente, de ser beneficiário de bonificações, dado que outras empresas com iniciativas semelhantes teriam direito a essas bonificações.
O que pergunto ao Sr. Ministro é se continuaremos a ter por parte do Governo uma política de bonificações da taxa de juro, o que tem conduzido a inúmeras dificuldades de análise de projectos - até com dificuldades de Controle da aplicação dos fundos e quantas vezes há desigualdade de tratamento de empresas - ou se se pensa criar novos mecanismos, reestruturar os existentes, quer em relação aos incentivos industriais como aos incentivos à inovação tecnológica. Enfim, que pensa o Governo fazer em matéria tão importante como esta e que se não foi tratada devidamente afugenta as iniciativas, empresariais?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Pinto.
O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Ministro das Finanças: Pensei prescindir da palavra, na medida em que o ponto sobre o qual lhe vou solicitar um esclarecimento terá já, de alguma forma, sido abordado por outros Srs. Deputados nesta Câmara. De qualquer forma, porque os meus pressupostos são substancialmente diferentes dos que foram apresentados, decido manter a minha questão e que é a seguinte: tendo-se referido às variáveis macroeconómicas, nomeadamente ao desemprego, inflação e défice externo, e em relação a estas duas últimas ter apontado alguns parâmetros daquilo que pensa ser a sua evolução futura, não explicitou suficientemente, em meu entender, o que se irá passar no
campo da inflação.
Gostaria de dizer desde já que percebi perfeitamente quando referiu não haver contradição no médio prazo - e aqui começo a responder a uma questão que um Sr. Deputado, colocou, talvez por não ter percebido a sua intervenção - entre as variáveis inflação e desemprego. No entanto, se ligarmos a isto o crescimento do produto, que o Sr. Ministro aponta para 4% em termos reais para o ano de 1986, ainda uma taxa de investimento de 25%, bem como uma opção trabalho intensivo em detrimento de um capital-intensivo, há aqui indicadores que apontam, claramente e apesar de tudo, para o melhoramento da situação no mercado do trabalho.
Gostaria de saber se estão neste momento à sua disposição dados sobre esta matéria, porque considero também que não é na discussão do Programa do Governo que essas matérias têm de ser discutidas na sua máxima profundidade, e mas sim aquando da discussão do Plano.
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De qualquer forma, porque foi um ponto em que, em termos de campanha eleitoral do Partido Social-Democrata, foi assumida uma grande responsabilidade e sabendo nós a coerência que este Governo tem em relação ao Programa que apresentou aos eleitores, pensamos que seria desde já importante que algo mais nos pudesse ser dado a conhecer em relação a essa variável.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Ministro das Finanças, quero esclarecer o Sr. Ministro de que, por uma questão de metodologia e uma vez que foram formulados 7 pedidos de esclarecimento, confere-se para a respectiva resposta 21 minutos. E claro que esta é meramente uma questão de metodologia, pois contará, como é evidente, no tempo global do Governo.
O Sr. Ministro das Finanças: - Muito obrigado, Sr. Presidente. Serei muito breve.
O Sr. Deputado Carlos Carvalhas falou do investimento privado, do «empapelamento» e citou o exemplo do SIII. É, de facto, o melhor exemplo de como se consegue trair a vontade do legislador e fazer degenerar todo um sistema de incentivos que aos poucos foi apanhado pela apetência burocratizante e que cedo se tornou um pesado instrumento.
Em minha opinião, o SIII não deveria estar em vigor no ano de 1985, nem no ano de 1984 nem, provavelmente, no ano de 1983.
O SIII arrastou-se já sem credibilidade, porque esta foi prejudicada por quem esteve a administrar e a apreciar os respectivos processos, sendo de facto um bom exemplo daquilo que não vale a pena tentar em Portugal, isto é, sistemas muito sofisticados de incentivo ao investimento, os quais não funcionam na economia portuguesa.
Todavia, e já agora a outra banda da verdade, o SIII conseguiu dar apoio e alguns milhares de projectos de investimentos. E se ouvimos os empresários da indústria têxtil, por exemplo, há quem diga que a capacidade de resposta do sector à procura externa deve-se em grande parte, a um esforço de investimento e este feito ao abrigo do SIII.
De qualquer modo, não é por aí que iremos. Não é repetindo um sistema que gera burocracia e empapelamento que iremos estimular o esforço enorme de investimento, que pressupomos na estratégia de progresso controlado.
O Sr. Deputado Octávio Teixeira fala da questão da receita fiscal que, segundo a opinião do Sr. Deputado, irá decrescer quando fizermos decrescer a carga fiscal.
Esta é uma questão de princípio e atitude fundamental do Governo. É ou não verdade que a carga fiscal em Portugal é um exagero? Ultrapassou tudo o que é razoável e legítimo exigir ao contribuinte.
Então, vamos primeiro do que tudo reduzir a carga fiscal; depois, vamos ver as consequências disso em matéria de receitas e de défice, porque há défices que se justificam plenamente. Se for preciso aumentar o défice derivado da redução da carga fiscal, pois isso é aceitável e penso que esta Câmara é a primeira a dizê-lo.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Mas é muito provável que isso não aconteça porque as receitas fiscais no próximo ano vão aumentar até porque são, naturalmente, induzidas pelo
crescimento do produto: o produto a crescer a uma taxa de 4% deverá implicar um crescimento mais do que proporcional das receitas fiscais. Para isso contamos também com o clima de confiança e o clima de «vale a pena» que iremos induzir junto dos contribuintes.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Octávio Teixeira refere ainda que a indisciplina financeira do Estado, se existe, tem a ver com governantes do PSD. Sr. Deputado, este Governo é um governo de Portugal, não é de partido.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - De qualquer modo, dir-lhe-ei que a indisciplina financeira vem já de muito longe, de há largos anos, na economia portuguesa. Mesmo antes de 1974 havia défices que escapavam à lógica do Orçamento do Estado. Só que, de facto, esta indisciplina financeira agigantou-se nos últimos 10 anos.
O Sr. Deputado Raul Castro referiu que apostávamos na confiança dos empresários e parece que esquecíamos a confiança dos trabalhadores. Não, não é assim. Aliás, comecei por dizer que a política económica não pode ir contra quem trabalha e referi alguns aspectos fundamentais da confiança dos trabalhadores: recuperação do seu poder de compra, recuperação da esperança no futuro, recuperação da esperança dos 470 000 desempregados.
O Sr. Deputado Raul Castro referiu ainda que a redução do défice orçamental poderá implicar desemprego. Pensamos precisamente o contrário. Pensamos que o défice orçamental como está, em vez de gerar multiplicadamente emprego, está a comprimir, a contrair, a economia através daquele efeito a que os economistas designam por crowding-out, que é um efeito de compressão sobre o sector produtivo. Que não haja dúvidas: o efeito multiplicador do emprego no sector produtivo é muito, mas muito maior do que no sector público administrativo.
Se conseguirmos reafectar meios financeiros, que neste momento estão a ser absorvidos pelo sector público administrativo, por vezes com péssimas aplicações para o sector produtivo, estamos convencidos de que o emprego crescerá.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Raul Castro perguntou ainda qual será actualmente a dívida pública. A dívida pública declarada é de mil e novecentos milhões de contos. Mas, como disse, estamos a apurar a verdadeira dívida pública reportada a 31 de Dezembro de 1985. É a partir dai que vamos assumir o nosso orçamento de verdade.
Finalmente falou o Sr. Deputado sobre o IVA e perguntou se iríamos estabelecer uma taxa pesada sobre os artigos de luxo. Sr. Deputado, aqui temos de assumir uma atitude de equilíbrio. No papel é muito fácil pôr uma taxa pesadíssima sobre determinados bens ou serviços. Mas, depois, o que se gera com isso é economia subterrânea e o mercado negro.
Vozes do PSD e do CDS: - Muito bem!
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O Orador: - Por outro lado, não queremos estar, muito longe daquilo que se passa nos países da Comunidade Económica Europeia.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca falou do dilema, do trade-off, desculpem a expressão, entre inflação e desemprego e disse que o Ministro das Finanças teria cometido uma incoerência porque referiu que a política macroeconómica não consegue no curto prazo resolver esse conflito e, então, como é que se havia posto esse objectivo no Programa do Governo.
Sr. Deputado, o que referi não foi precisamente isso, mas sim que a política L macroeconómica de regulação, da procura tinha dificuldades em resolver esse conflito,, mas que nos tempos mais recentes a política macroeconómica tinha evoluído e apareceu a actuar do lado da oferta. Referi que o Governo vai precisamente actuar por esse lado como uma política de redução dos custos unitários de produção, o que é fundamental para atenuar o conflito entre desemprego e inflação. Desculpe-me, Sr. Deputado, mas V. Ex.ª citou-me de modo incompleto.
Referiu ainda que a flexibilidade da economia poderia conduzir a desemprego - não sei se estou a trair o seu pensamento.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Não está, não. Foi esse o meu pensamento.
O Orador: - Pensamos precisamente o contrário. Pensamos ser na rigidez da economia que reside neste momento, nos últimos anos, grande parte das causas de desemprego em Portugal, quer porque cria no empresário um complexo de que não deve aumentar os postos de trabalho, porque depois tem dificuldade em reajustar a escala microeconomia da produção, quer ainda porque em termos gerais é um grande estorvo à propensão ao investimento.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Então por que é que na Europa aumenta o desemprego?
O Orador: - Diz ainda o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca que vamos provavelmente conversar com o Fundo Monetário Internacional e trocar umas cartas com ele. A nossa resposta é claramente «não» se a nossa estratégia de progresso controlado tiver condições para ser implementada. Se assim for, estamos certos de que não só o Fundo Monetário Internacional, mas outras instituições internacionais como o Banco Mundial, o Banco Europeu de Investimentos dirão que estamos no caminho certo, porque é com um esforço de investimento, é com políticas estruturais de fundo, que resolvemos o problema do défice externo.. O Governo está certo de que com esta estratégia macroeconómica não mais assinará cartas de intenções ao Fundo Monetário Internacional, isto é, não mais reduzirá drasticamente o nível de vida dos trabalhadores portugueses, como aconteceu em 1983 e 1984.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sobre a questão da dívida pública já respondi e o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca vê, assim, as suas questões respondidas, segundo suponho.
O Sr. Deputado Cruz Vilaça fala em inflação e desemprego. Em relação a esse conflito, creio já ter respondido e pergunta-me como evoluirá o, desemprego nos próximos anos. Se o produto crescer como vai crescer, mercê do esforço de investimento e da estratégia de progresso controlado, então temos de olhar apenas para as variáveis, emprego, e produtividade. O crescimento do produto em Portugal será feito por contribuição equilibrada, repito, da produtividade e do emprego. No próximo ano, dado que estamos na economia portuguesa com uma taxa de utilização, da capacidade produtiva relativamente baixa - a economia «bateu no fundo» -, é muito provável, que se o crescimento do produto, que referi rondar uma taxa de 4 % ,seja feito fundamentalmente mercê do crescimento da produtividade, pois temos capacidade, produtiva por aproveitar.
O Sr. Deputado Cruz Vilaça perguntou como é que será a política de enquadramento de crédito. Não há, pois, grandes, alternativas à política de enquadramento de crédito em Portugal. Poderemos dizer que vamos avançar para métodos mais sofisticados de gestão global da política de crédito, mas o Governo está convencido de que não será em 1986, nem em 1987, que poderemos substituir a actual política de enquadramento de crédito que, aliás, não é assim tão defeituosa como o Sr. Deputado quis significar.
Quanto à revisão do SIII e ao sistema de incentivos regionais, o Governo já tem uma posição tomada sobre este assunto e muito proximamente ela será anunciada.
O Sr. Deputado perguntou ainda como é que, na prática, iremos fazer valer aquelas regras de disciplina financeira nas finanças públicas. Sr. Deputado, essas são regras de ouro para este Governo e cada ministro será, no seu pelouro, o verdadeiro Ministro das Finanças e terá uma mão mais férrea a gerir as suas despesas públicas do que a do próprio Ministro das Finanças.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - É este o espírito que, desde o primeiro dia, vinga neste Governo. O Sr. Primeiro-Ministro dá um bom exemplo nesta matéria! O Ministro das Finanças terá uma vida relativamente facilitada, mas não perderá a atenção para o acompanhamento dessas regras básicas, regras de ouro das finanças públicas e, em particular, terá, através do Secretário de Estado do Orçamento, um controle muito apertado e severo sobre os efectivos da função pública.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Já para o próximo ano, em cada ministério cada director-geral apresentará um mapa muito simples de previsões de libertação e reforço de pessoal, justificando as libertações que diz que vai fazer e os reforços que pretende. Depois vamos cumprir esses mapas de libertações e reforços de pessoal e, a partir deles, vamos aplicar a regra que citei de mobilidade e reafectação dos recursos subutilizados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Vamos ver se á partir de 1986, progressivamente, deixaremos de ouvir falar de funcionários públicos que estão encostados sem fazer literal-
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mente nada em vários serviços da função pública. Trata-se, repito, da regra da mobilidade e reafectação dos recursos subutilizados.
É prematuro pronunciarmo-nos quanto à questão dos vencimentos da função pública e muito em breve, designadamente através do Orçamento do Estado, teremos alguma luz sobre o assunto.
Sr. Deputado Silva Domingos, para além das considerações que V. Ex.ª focou, retive apenas a questão de saber se as bonificações de juro continuam. E, pois, posição firme deste Governo que não se farão bonificações de juro. As existentes serão progressivamente reduzidas e poderá haver apenas uma excepção no crédito à compra de habitação própria para as classes mais desfavorecidas. De resto, não concordamos com as bonificações de juro, porque elas constituem o factor distorçor das condições de mercado. O que temos de fazer é baixar a taxa de inflação para, a partir daí, baixar a taxa de juro nominal e fazer com que ela deixe de constituir um factor inibidor para o investigador.
O Sr. Deputado Pedro Pinto articulou bem a variável desemprego com as outras variáveis e pergunta como é que o desemprego vai baixar, conforme a promessa que o Governo faz no seu Programa. Ora, se o produto vai crescer nos próximos anos a bom ritmo - 4% em termos reais -, isso vai ser graças ao crescimento da produtividade, mas, inevitavelmente, graças também ao crescimento do emprego. E isto porque o investimento em Portugal tende a ser - e não porque imponhamos isso num decreto-lei - mais trabalho intensivo do que capital intensivo, porque são essas as vantagens comparativas da economia portuguesa e ainda porque o capital é um factor escasso e a actividade do capital intensivo provoca um maior défice externo. Portanto, o emprego vai crescer a bom ritmo nos próximos anos.
Contudo, ainda gostaria de dizer o seguinte: se a população activa em Portugal crescer 0,9% ao ano, tal como tem acontecido nos últimos anos, e se o emprego crescer na ordem de 2% ao ano depois de 1986 - como referi, em 1986 vai ser difícil por causa da capacidade produtiva instalada ser muito baixa de utilização ...
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Oh, diabo!
O Orador: - Sr. Deputado, não posso mudar os mecanismos da própria economia. O Sr. Deputado conhece bem os mecanismos da economia portuguesa e da macroeconomia em geral e, portanto, assuma esta posição: com uma taxa tão baixa de produção da capacidade produtiva instalada, no próximo ano o crescimento do produto vai ser feito graças ao crescimento da produtividade, tal como já referi por duas ou três vezes.
Aplausos do PSD.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, uma vez que de acordo com o artigo 146.º do Regimento houve distribuição de tempos globais para o debate, gostaria de saber se há lugar a qualquer protesto em relação à resposta do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Embora haja distribuição de tempos globais, a Mesa entende que não há protestos em relação a pedidos de esclarecimento e às respectivas respostas, tal como consta do artigo 90.º do Regimento.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, o n.º 1 do artigo 90.º do Regimento refere que «Por cada grupo parlamentar ou agrupamento parlamentar e sobre a mesma intervenção apenas é permitido um protesto», mas o n.º 3 desse mesmo artigo dificulta isso quando diz que «não são admitidos protestos a pedidos de esclarecimento ...»
Ora, não vou utilizar o único método possível que é o de usar da palavra ao abrigo do direito da defesa.
Risos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.
O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Introduzindo este debate, em nome da bancada do PRD, creio me será permitido comece por sublinhar que será a questão da democracia que queremos colocar no centro deste debate.
Não apenas para tratarmos da sua extensão e da sua aplicação, do seu desenvolvimento, se quiserem, aos espaços onde ainda não exista em Portugal. Não apenas para dizermos que ela só é autêntica quando, além de política, é também democracia económica, social e cultural.
Mas para relembrarmos, neste momento e lugar, que a democracia é uma prática difícil, exigente, desafiante, que todos os dias nos interpela.
Talvez que a separação entre o discurso e a prática políticos, que tantas vezes são denunciados, não seja afinal coisa diferente da dissociação da exigência democrática no tempo e no espaço.
Por isso, a contradição entre a imagem de um ideal prestes a alcançar e o dia-a-dia bem menos tranquilizador e agradável só podia ser assumido numa visão histórica da política. Com os sacrifícios de hoje a compensarem-se amanhã ou com as gerações passadas ou futuras a sacrificarem-se às decisões do presente.
O que vimos aqui é pôr isto em questão.
O que vimos é a dizer que o que caracteriza a política é ser um lugar de cruzamento de projectos, de interesses, de desejos e aspirações diferentes.
E, por assim ser, a democracia não é uma etapa ou uma meta de um processo histórico, mas algo que todos os dias se constrói. Que, como a vida, cada dia e todos os dias, sem cessar, se faz e se refaz. Por isso se fundamenta não apenas no idealismo do futuro, mas também na coragem do presente. E é por isso que dizemos que pertence mais à ética que à história.
Não se trata de introduzir um moralismo bem pensante ou aconchegado na vida política. Mas de a pensar como uma dificuldade constante, um permanente desafio, uma tarefa nunca terminada. De saber que a política pode e deve ser exercício de vontade e de inteligência.
De acreditar que a democracia existe também como movimento de resistência às próprias forças que gera.
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Não limitar a política à dimensão da história é situá-la para além do optimismo e do pessimismo. Ao nível da exigência que é a coragem de permanecer e avançar.
Com a consciência dos limites pessoais e dos limites da própria política.
Para poder recordar, como um pensador contemporâneo que «o nemésis totalitário é também o produto da pretensão do político em tomar a seu cargo toda a vida social até ao ponto de lhe querer impor a sua felicidade». A ética pressupõe exigência. Seremos exigentes. Com a consciência de que a primeira exigência democrática é a de respeitar resultados eleitorais.
Mas que exigência tão grande quanto aquela é a de que esse respeito se não confunda com desrespeito para connosco próprios, na nossa consciência e dignidade, como fundamentalmente, com menor respeito para com o povo e o País que são nossos.
Em nome de uma bancada que, também neste debate, não tem disciplina de voto, sempre que exprimirmos e quando conseguirmos exprimir um pensamento comum, foi por termos sido capazes de o elaborar no diálogo e no confronto. Daremos a este debate toda a importância. Não entendemos - e aí reside também a liberdade, e a consciência de deputado a maioria como uma força permanente cujos traços se encontrassem fixados de uma vez por todas instalada num Parlamento e nele reinando por direito de conquista.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Encaramos o debate a sério, com a seriedade que pressupõe que ele serve para esclarecimento nosso e dos Portugueses, e por isso, só no seu termo, estaremos em consciência aptos a decidir.
O contrário seria esvaziá-lo de conteúdo pela consagração de ideias e de forças pré-existentes ao voto que as revelará.
Temos ainda outra e fundamental razão para darmos ao debate toda a sua importância.
Acreditamos que se as eleições constituem um modo democrático de escolher, a democracia não é nem se confunde, com um acto electivo isolado.
Não reduzimos a democracia a eleições. Nem limitamos a ideia da sociedade política participada à de instituições organizando lugares e meios de expressão de sufrágio universal.
Alargar o campo dos debates e melhorar a sua qualidade são, consequentemente, exigências a que procuraremos responder.
Por isso, usaremos o nosso tempo intervindo.
Não procuraremos, nem nos envolveremos, em questões pessoais ou de processo.
E, sem nos furtarmos a esclarecer o nosso pensamento, em todas as circunstâncias, não nos esqueceremos, centrar-se o debate sobre um Programa, do Governo.
É este quem tem de justificar as suas opções. É o Programa que nos apresentou o objecto do debate. Não, disporemos, assim, de mais do que reduzidos minutos para prestar esclarecimentos. Noutro momento, poderemos sempre voltar às questões ,que nos queiram colocar.
Pela mesma razão só excepcionalmente questionaremos outros deputados. É o Programa do Governo que está em causa.
Mas não negaremos a nossa participação e empenhamento no debate, repito. Procuraremos, medir o valor, das finalidades em mira e a eficácia das acções impreendidas para as atingir.
Temos consciência de que o futuro próximo dos Portugueses passa por este debate e sabemos que não se constrói verdadeiramente uma sociedade a não ser em conjunto construindo o seu futuro.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso e Cunha.
O Sr. Cardoso e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo: Cabendo-me a primeira intervenção em nome do PSD no debate parlamentar do Programa do X Governo - Governo que, tal como todos sabem, é da exclusiva responsabilidade do meu partido -, será normal e esperável que esta intervenção carreie a discussão uma posição de apoio que, de qualquer forma, não deverá ser abstracta, mas sim concreta e funcional.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Programa do Governo, quer pelo texto distribuído, quer pelas declarações públicas do Sr. Primeiro-Ministro e de alguns dos seus colegas, apresenta-se como um documento eminentemente operacional. Em vez de ser uma seriação exaustiva e enciclopédica de medidas descoordenadas de uma administração heterogénea, ele apresenta-se fundamentalmente como um documento coerente, lógico, elaborado de forma perceptível, realista, adequado e pragmático. Do meu ponto de vista, não tenho dúvidas em o classificar como o mais funcional de quantos programas de governo têm vindo a ser discutidos nesta Sala.
A coragem de transpor para a discussão quantificações exaustivas das metas a atingir aumenta a responsabilidade de quem tem de o cumprir e permitirá, certamente, no futuro, a aferição da eficácia que agora se proclama e de que o País bem necessita.
Entretanto, no sector da agricultura portuguesa, mau grado tanta boa intenção, esforço e trabalho, permanece uma situação indefinida, em constante crise, que afecta profundamente todas as esperanças de desenvolvimento nacional.
Aquando da abertura do debate do Programa do Governo, o Sr. Primeiro-Ministro referiu que não há desenvolvimento nacional sem modernização agrícola - todos sabem isso. Nesta Sala, vários Srs. Deputados podem testemunhar pessoalmente o empenho, a coragem e dedicação do tempo em que uns e outros tiveram responsabilidades administrativas no Ministério da Agricultura e, infelizmente, tem de concluir que pouco evoluiu a situação geral e que estes lugares-comuns, fatalistas e negativos, se mantêm ao fim de 10 anos de vida política em liberdade.
Qual será, pois, o fantasma que resiste a tantas aproximações divergentes, a tantas tentativas ideologicamente conflituantes e que permanece presente, impedindo a realização das boas intenções e a concretização dos resultados? Quanto a mim, é necessário tentar atacar, este problema com novas estratégias desligadas de
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uma acentuada opção ideológica, criando e procurando consensos amplos nos homens da terra, nos homens com interesses directos ligados à resolução desses problemas. O pragmatismo e o realismo dessas acções têm de ser levadas ao ponto de escorraçar e de expurgar os falsos profetas que tanto mal têm feito à nossa agricultura.
Tentarei identificar o tal inimigo que se nos apresenta difuso, com contornos indefinidos e com mimetismos inesperados que o fazem surgir, quer das nossas próprias fileiras, quer de zonas diversas de todos os meios que rodeiam este sector. Vou contar-vos três pequenas histórias tiradas de 300 000 que a agricultura diariamente apresenta e que bem demonstram o tipo de dificuldades reais com que nos estamos constantemente a debater.
Primeira história: uma empresa industrial exportadora nacional incorpora nas suas manufacturas madeira de choupo. O choupo pode crescer em Portugal, tem até níveis de crescimento de ponta naquilo que é conhecido na tecnologia. Não obstante, as plantações de choupo exigem certas precauções, devido a características radiculares infestantes que recomendam a instalação em zonas que não afectem vias de água, valas de irrigação, etc.
Em virtude de posições abstractas de defesa contra essas eventuais dificuldades tecnológicas do plantio do choupo, acontece que Portugal, podendo produzi-lo economicamente e com rendimentos avultados (um hectare de choupo nas regiões propicias do País pode conduzir a rendimentos aos agricultores de 250 a 300 contos por ano, situação essa que ultrapassa grande parte das culturas regadas com boa tecnologia), não conseguiu até hoje evitar restrições administrativas, para que esses choupos cresçam em Portugal. A indústria que referi é forçada a importar madeira de choupo do estrangeiro.
Perguntar-se-ia: qual será o País tão pouco cuidadoso com a sua ecologia, onde a terra seja tão barata, onde os cuidados gerais de defesa do património sejam tão pouco valorizados, que permite explorar choupos para a exportação?
Estranharão os Srs. Deputados que o choupo que Portugal importa venha da Bélgica! É na Bélgica que se produz o choupo que nós, em Portugal, nos recusamos a produzir. A burocracia fica perfeitamente feliz e continuamos a desperdiçar umas tantas divisas que presumo bem precisas são para outros sectores.
Segunda historia: os preços da carne em Portugal são elevados. E são elevados porque há um factor de produtividade que nos afecta negativamente e, fundamentalmente, porque os imputs à produção de carne são, em grande medida, superiores no custo aos dos nossos concorrentes europeus.
Numa tentativa de aproximação dos circuitos comerciais às regras comunitárias, recentes medidas administrativas tomadas com a colaboração e com o apoio declarado de sectores da produção, tentaram experimentar a liberalização destes mercados, imaginando um esquema não inédito (porque ele se baseava sobre esquemas comunitários) de criação de um direito regulador que compensasse os maiores custos em Portugal de alguns dos factores de produção. Assim se tentava evitar que os preços no mercado interno evoluíssem sem correlação com os preços da CEE, ao mesmo tempo que a Administração ficava com uma arma que permitia empurrar os produtores no sentido das boas produtividades.
Toda esta construção parecia lógica e funcional. No entanto, verificou-se que a primeira importação aparece em Portugal a preços mais baixos do que aqueles que a Administração imaginara na tal perspectiva de encaminhamento dos produtores para boas produtividades. E porquê? Porque essa importação tinha sido feita por uma empresa pública nacional, que aproveitou a circunstância excepcional de estar isenta de alguns encargos aduaneiros e que, não tendo embora qualquer vocação para a importação de carne, a fez, traindo o sistema, afectando gravemente a confiança dos produtores e, pior do que tudo, fazendo a Comunidade Económica Europeia despender verbas com um problema português, verbas essas que não vieram para Portugal, mas que foram subsidiar, por via da restituição comunitária, os produtores dinamarqueses e holandeses que, nossos concorrentes, mandaram essa carne para Portugal.
Tudo continua certo no plano administrativo e burocrático, mas, simplesmente, a nossa capacidade produtiva e de resposta às correcções necessárias ficou profundamente afectada.
Terceira história: todos os governos que têm passado por esta Câmara anunciam como prioridade absoluta as correcções das distorções na comercialização de produtos agrícolas. Faz parte de todos os programas de governo a criação de meios para a instalação de mercados abastecedores de frescos nas grandes cidades portuguesas.
Acontece, Srs. Deputados, que o mercado abastecedor de Lisboa começou a discutir-se em 1934 e, 52 anos depois, permanece numa situação de impasse, com comissões de que fazem parte muitas entidades, continuando a discutir problemas de localização, criando sucessivos incidentes sobre as opções que venham ou não a ser tomadas e deixando toda a liberdade para os maliciosos interesses que, eles sim, não estão nada interessados na regularização dos problemas da comercialização. Ao nível da Administração Pública tudo continua paciente e formalmente impecável.
São estes, meus senhores, os problemas com que hoje se debate qualquer governo que queira atacar pragmaticamente e com eficiência os problemas da agricultura.
O inimigo não tem filiação partidária; o inimigo não tem bilhete de identidade; o inimigo nem sequer terá passaporte! Fundamentalmente, o inimigo somos nós próprios na nossa aceitação destas ficções, destas fantasias e destas fraudes, na capacidade que temos de valorizar tudo aquilo que é acessório e de menosprezar tudo aquilo que é essencial.
Este hábito de administrar um país pobre com regras de «casa rica», levando a ganhos e perdas todas as nossas ineficiências e deixando para o governo que vier a seguir a correcção dos problemas resultantes é, fundamentalmente, o nosso inimigo. Inimigo esse que deixa a todos os malévolos agentes - eles próprios representantes de interesses ilegítimos - uma grande liberdade de acção. Na estrutura administrativa, proliferam os homens que licenciam, que autorizam, que dão pareceres que fazem auditorias, etc., criando a falsa ideia de que os governantes podem aspirar a decidir sem risco. Todas as decisões aparecem rodeadas de tantas formas de segurança que, basicamente, se destrói a capacidade eficaz de decidir a tempo.
Como é possível atacar este cancro? Este cancro só se ataca por princípios de pura eficiência, como os que estão constantes no Programa do Governo. O posicio-
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namento sensato dos homens bons prefere, à filosofia elaborada de grandes métodos modernos de gestão, a filosofia simples dos pequenos interesses quando eles são responsáveis por si próprios.
Na recusa das fantasias, das ficções e das fraudes está a esperança de resolver os problemas do País.
Mas a agricultura não é só desastre; a agricultura também tem esperança. Talvez seja pouco conhecido que nos dois últimos anos as importações/exportações do sector agrícola apresentaram globalmente saldos positivos. Em 1983, a diferença foi escassa, 116 milhões de contos contra 119 milhões de contos; em 1984, a exportação foi de 185 milhões de contos para 179 milhões de contos da importação. Situação que, de certa forma, contraria o atavismo idiota e tão propalado de que importamos metade do que comemos. Isso é verdade, mas importa não esquecer que as produções agrícolas não são exclusivamente alimentares. As características naturais do nosso solo e do nosso clima adequam o território para a produção de bens agrícolas, industriais que são tão válidos como meios de exportação como se fossem meios alimentares. Isto é um facto positivo que deve ser enfatizado e que tem capacidade de melhorar.
Por outro lado, a utilização de tecnologias mais apuradas, embora não desligadas da nossa realidade, a aplicação de tecnologias já testadas em agricultores portugueses, e poderá significar aumentos de volume de produção que, para algumas culturas ou actividades, multiplicam por 6, 7 e mais vezes os valores actuais. Existe possibilidade de esperar e é fundamental que essa esperança se concretize.
Dentro de alguns dias vamos ingressar na Comunidade Económica Europeia. Muito se tem falado neste processo, todos o aguardamos com alguma ansiedade e alguns mesmo com angústia. Não compartilho das criticas fáceis sobre a inadequação das negociações, mesmo daquelas que foram conduzidas por forças políticas nas quais me não integro, porque reconheço que a negociação da adesão tem de ter em conta fundamentalmente o aspecto dinâmico da economia portuguesa quando sujeita a regras que não são as de hoje.
Não adiante comparar quais os custos, quais os encargos, que resultariam da aplicação das normas comunitárias a uma realidade económica nacional porque, quando essas regras comunitárias vierem a ser aplicadas, a realidade económica já não é aquela. Muito se fala de exercícios académicos, orientadores, mas que não são fundamentalmente determinantes de uma opção que, acima de tudo, é política.
Como regra, o sector agrícola tem de esperar da Comunidade uma melhoria do rendimento real dos seus agentes e já sabemos que, pela via dos preços, tal não será possível. Várias circunstâncias ocasionaram, nos últimos anos, subidas acentuadas dos preços agrícolas que hoje se apresentam muito superiores aos preços correntes na Comunidade. Quase todas as nossas produções fundamentais não têm possibilidade de correcção económica positiva pela via do preço.
É, portanto, na outra componente importante da verba comunitária, na componente orientação do FEOGA, orientada para «correcção estrutural, que temos o direito e o dever de sermos muito exigentes na pesquisa, na negociação e na conquista desses apoios.
São, na realidade, essas regras estruturais que nos interessam e penso que a experiência dos últimos anos mostrou bem a fragilidade de tentar melhorar o posicionamento dos agricultores só pelas alterações dos preços.
O Sr. Ministro da Agricultura teve ocasião de, amavelmente, me ter referido há pouco tempo - e presumo que será este um anúncio relativamente inédito - algumas das regras muito gerais que neste momento já estão discutidas com a Comissão das Comunidades Europeias e que aguardam, simplesmente, uma ratificação do Conselho de Ministros. Elas trarão, num plano específico para o desenvolvimento da agricultura portuguesa (PEDAP), verbas realmente muito elevadas para Portugal.
Nesse plano específico envolvem-se, no período de 10 anos, valores em ECU que têm a contrapartida, ao câmbio de hoje, de cerca de 230 milhões de contos. Verbas que, apesar de importantes, irão ainda ser complementadas por planos específicos de vitivinicultura, por comparticipações comunitárias no crédito agrícola ao investimento, etc.; mas esses recursos poderão não ser facilmente mobilizáveis. Se tal acontecer, corremos realmente o risco de ser, de facto, contribuintes líquidos da Comunidade.
É, portanto, de uma enorme gravidade - eu diria a maior responsabilidade deste Governo - tentar assegurar que esta negociação comunitária se faça com a garantia de que as verbas estruturais que a Comunidade Económica Europeia nos põe à disposição sejam, de facto, recebidas e utilizadas.
Tem muitas vezes sido referido que a falta de projectos será o estrangulamento deste processo. Direi que não é a falta de projectos. Os projectos aparecerão logo que o sistema surja com credibilidade.
Vejo preferencialmente dois outros pontos muito importantes e permito-me chamar para eles a atenção do Governo transmitindo-lhe a preocupação do Grupo Parlamentar do PSD.
Como empresário agrícola, conhecedor e interessado neste sector, considero que o principal estrangulamento à nossa vista é o eventual problema de o Governo Português não dispor, a curto prazo, das verbas da sua própria comparticipação neste processo.
A Comunidade não financia nada sozinha; a Comunidade financia, em conjunto, com o Estado membro e se esse Estado não puser a sua comparticipação à disposição dos mecanismos comunitários o outro dinheiro também não surge.
O outro grande possível estrangulamento é a nossa capacidade negocial em Bruxelas. Aí, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, vai-se jogar a nossa independência. Assim, como não posso deixar de evidenciar a minha satisfação pela confirmação do Sr. Ministro da Agricultura, porque ele é - no meu entendimento - a pessoa certa no lugar certo, tendo em vista os desafios importantes que se põem ao nível das Comunidades, também não deixo de enfatizar que, em Bruxelas, a nossa representação diplomática tem de ser formada e dirigida por homens lutadores, muito conhecedores da economia portuguesa e perfeitamente íntimos da máquina administrativa nacional. Os êxitos e fracassos, neste campo, medem-se por centenas de milhões de ECUs. A responsabilidade é enorme. Se o Governo falhar, é Portugal que está em causa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.
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O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Cardoso e Cunha quis acrescentar a um record deste Programa do Governo - que há-de ser o Programa do Governo com menor apoio social e político -, o record deste Programa ser também o Programa mais funcional.
Esqueceu-se contudo de o demonstrar porque assim teria visto que a leitura do Programa não parece, de forma alguma, consentir essa conclusão.
A intervenção do Sr. Deputado versou matéria de agricultura, para além deste, digamos, auto-elogio ao Programa do seu próprio partido. Mas nesta matéria o Sr. Deputado propugnou o que seria uma nova estratégia desligada de opções ideológicas.
Gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Cardoso e Cunha se realmente considera que, em primeiro lugar, é possível haver uma estratégia desligada de opção ideológica e se, a ser possível - o que não creio porque não é possível ninguém desligar-se da opção ideológica própria -, por que razão é que o Sr. Deputado, para além de falar no choupo e na carne e na esteira do Programa do Governo, ignorou por completo a Reforma Agrária, que é uma questão central da agricultura portuguesa.
O Sr. Presidente: - Para um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Teles.
O Sr. Ribeiro Teles (Indep.-PPM): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como todos sabem, especialmente as populações rurais mais atingidas, as plantações estremes de eucaliptos realizadas pela indústria de celulose têm provado a erosão do solo, o encharcamento das várzeas e terras baixas, o despovoamento e o êxodo rural e contribuído para a desertificação que se verifica em marcha acelerada no Sul e no interior do País.
Vem agora o Sr. Deputado Cardoso e Cunha apontar ou defender o choupo, que virá a ocupar as várzeas regadas, especialmente do Mondego, para a indústria fosforeira, com prejuízos ainda mais avultados do que a plantação de eucaliptos, obrigando, portanto, ao desemprego dos rurais dessa área, ao despovoamento do território e ao aumentar a já deficiente falta de alimentos do País, do que resulta, de certo modo, a independência económica.
Pergunto se fará parte da acção do Governo, ou se é uma proposta dos deputados do PSD, a plantação estreme de choupos nas várzeas regadas.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso e Cunha.
O Sr. Cardoso e Cunha (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto à funcionalidade do Programa do Governo, vai ser a sua própria prática política que dará ou não razão à minha previsão.
A simples condição de o Governo se apresentar com maioria relativa obrigá-lo-á a tentar extravasar os apoios naturais para lá das fronteiras do PSD - que, naturalmente, não são suficientes para uma maioria parlamentar tranquila - e vai forçá-lo a uma prática política mais activa e mais preocupada. Não tenho dúvidas que esse será um grande desafio e uma grande garantia para a mesma funcionalidade.
É evidente que nenhum de nós - somos políticos - pode descurar opções ideológicas. Contudo, presumo que não estarei sozinho ao dizer que muitas das medidas que o povo português reclama - não o povo português urbano, mas particularmente o povo português rural com graves deficiências e carências - precisam de ser resolvidas já, pois têm sido prejudicadas pela constante aproximação ideologia e politizada de muitos problemas. As clivagens evidente na classe política não ajudam a resolver gravíssimos problemas nacionais. Espero que não seja esse o futuro próximo de Portugal.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Ao Sr. Arquitecto Ribeiro Teles, pessoa cujas divergências relativamente a mim são conhecidas nesta matéria, mas que respeito pela sua militância e pela persistência com que defende estes problemas, só terei de responder reconhecendo naturalmente - e fi-lo na minha intervenção - que de forma nenhuma posso estar a defender plantações estremes de choupos em condições que possam eventualmente ter prejuízos reais sobre outros factores do ambiente.
O que me parece ridículo é que uma pequena quantidade de choupos, necessária para o equilíbrio de uma actividade exportadora nacional, tenha de ser importada e ainda por cima da Bélgica, país onde a terra custa 10 ou 20 vezes mais caro do que cá, país onde esses mesmos choupos crescem 3 ou 4 vezes mais devagar, choupos belgas que têm menos qualidade para o fim em vista, exactamente por culpa da sua lentidão de crescimento e da oxidação do cerne.
Portanto, não tenho, obviamente, neste caso, que levantar a magna questão do eucalipto e do choupo.
O que quero significar é o profundo ridículo de considerar impossível que nós não consigamos arranjar sítio, em 9 milhões de hectares, onde a plantação de choupos se possa fazer sólida e economicamente. Aos preços a que estamos a importar o choupo da Bélgica, um agricultor português poderia retirar 250 a 300 contos por hectare por ano - situação que todas as pessoas que aqui estão e que têm alguma ralação com a agricultura sabe, infelizmente, que está muito, muito acima da média nacional.
Aplausos do PSD.
O Sr. Ribeiro Teles (Indep.-PPM): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Ribeiro Teles pede a palavra para que efeito?
O Sr. Ribeiro Teles (Indep.-PPM): - Para exercer o direito de defesa, Sr. Presidente.
Risos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, direito de defesa com base em que disposição regimental?
O Sr. Ribeiro Teles (Indep.-PPM): - Sr. Presidente, se não há direito de defesa tenho de prescindir.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.
O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Ribeiro Teles tem, naturalmente, o direito de invocar a possibilidade de exercer o direito de defesa.
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Só o Sr. Deputado Ribeiro Teles poderá avaliar se tem ou não tem razões para exercer esse direito. Poder-se-á dizer que é uma questão eminentemente subjectiva, mas o Sr. Presidente não pode obrigá-lo a explicitar qual a razão que ele invoca. Dá-lhe ou não a palavra, mas regimentalmente o Sr. Deputado Ribeiro Teles tem direito a ela.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Carlos Lage sabe perfeitamente que o direito de defesa, na nova versão do Regimento, não existe. Existe o artigo 89.º, o que é um pouco diferente, que é uma reacção contra a honra e consideração. O direito de defesa foi abolido, mas, dando-lhe essa interpretação e se o Sr. Deputado Ribeiro Teles considera que foi desconsiderado ou ofendido na sua honra, ao abrigo do artigo 89.º, dou-lhe a palavra por 3 minutos.
O Sr. Ribeiro Teles (Indep.-PPM): - É evidente, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que não me referia à possiblidade de se utilizar o choupo.
Referi na minha intervenção que já há casos concretos de áreas extensas no Mondego que estão a ser arrendadas, alugadas e compradas por uma indústria de fósforos e essas áreas não são as sebes nem são as margens que devem ser ocupadas pelos choupos.
É para uma plantação estreme - como eu disse -, uma plantação que, de resto, já não se usa em parte nenhuma da Europa, pois deu muito mau resultado no vale do Pó, em Itália.
Se me disserem que os choupos são apenas complemento e compartimentação das folhas de cultura, com certeza; mas o que se está a verificar, Sr. Deputado Cardoso e Cunha, é que áreas extensas destinadas á produção agrícola de produtos alimentares estão a ser ocupadas por choupais. Isso é que é grave. Não é a utilização do choupo para fósforo, não é esse número ridículo de choupos que são necessários. O que é de condenar é a plantação estreme, que se está a verificar no vale do Mondego, de extensas áreas das várzeas regadas.
O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso e Cunha.
O Sr. Cardoso e Cunha (PSD): - Mais uma vez reconheço a militância do meu oponente neste caso. Só tenho pena dos pobres belgas que estão entregues a uma administração tão incapaz, tão infeliz, que permite produzir choupos em condições de má insolação e ainda por cima exportar, ganhando divisas de países tão ricos como Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Tivemos já ocasião de qualificar o Programa do Governo que está em debate como um vasto enunciado de intenções, em muitos casos boas, quase sempre porém destituídas de um suporte político que lhes confira suficiente credibilidade.
É visível, nas palavras do Sr. Primeiro-Ministro e nos vários capítulos do seu Programa, a intenção, aliás louvável, de incutir confiança nos agentes económicos e sociais como primeira condição para que se possa romper o círculo vicioso de descrença em que o País mergulhou nos últimos anos.
Só que, se é certo que V. Ex.ª nos dá da magnitude da tarefa uma ideia clara, ficamos sem saber quais os meios de que verdadeiramente dispõe para a levar a cabo.
Ficamos com a sensação que da inevitável frustração de muitas das suas intenções poderá resultar um desânimo ainda maior nos Portugueses.
E sentimos com apreensão que a democracia portuguesa não será capaz de resistir a tais abalos, por muito mais tempo.
Estamos a viver um momento em que, se é certo que se exige um especial sentido de responsabilidade às oposições democráticas, não se pode ter menos exigência para com o Governo.
Preferiríamos, pois, um Programa mais rigoroso, menos literário, mais comprometido com as dificuldades que o Governo por certo antevê na sua execução, e por isso eventualmente mais modesto. Preferiríamos isso a este Programa que com frequência passa das soluções possíveis aos cenários idílicos do País que visa construir.
Sr. Primeiro-Ministro, não enjeitamos a esperança, e por formação acreditamos até que a fé pode mover montanhas; só que entendemos que seria um excesso de voluntarismo transformar uma e outra nas principais alavancas de mudança social e económica.
Significativamente o Programa do Governo, tal como o discurso do Sr. Primeiro-Ministro, omite um diagnóstico profundo e objectivo da actual situação portuguesa e das suas causas.
Apenas com uma nova estratégia a do «progresso controlado» e «Portugal ressurgirá, no final nos anos 80 com os problemas macroeconómicos resolvidos, ou em vias de o serem».
Mas afinal a que se deve a crise tão grave em que Portugal mergulhou e que o Sr. Primeiro-Ministro, aliás, reconheceu? Apenas a uma persistente inadaptação da política económica e financeira, que sucessivamente foi devorando as maiores competências na matéria, como parece implícito no Programa?
Não é crível que assim seja! E aqui reside, a nosso ver, a segunda grande fragilidade do actual Governo, decorrente porventura da sua própria natureza minoritária e sobretudo do modo como a encara.
O Governo acredita-se capaz de ousar o mais quando se auto-limita em relação ao menos! Julga que é possível mudar as pessoas e o seu comportamento, sem mudar o sistema!
Está preso de uma teia, que a necessidade de apoios pontuais e porventura contraditórios vai tecendo. Mas as limitações que o sistema lhe impõe pesam permanentemente sobre a sua cabeça sob a forma discreta de expressões como aqueles que são, abundantemente citadas no Programa «se o quadro constítucional o permitir» ou equivalentes.
Mesmo V. Ex.ª reconheceu no seu discurso que se «não pode aparentar menosprezo por consequências nefastas de preceitos constitucionais que são bloqueadores da execução de um Programa sufragado pelo eleitorado».
Mas nunca ficou claro nem nesse discurso, nem no Programa, como esses bloqueamentos funcionaram no passado, em que medida são determinantes da situação em que nos encontramos, e qual o grau de condicionamento que podem introduzir na execução do Programa em apreciação.
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É certo que se reconhece, de novo, a necessidade da revisão constitucional, mas esta não aparece, como se nos afigura imprescindível como a prioridade política deste Governo e de processo supra parlamentar nem ficamos se quer a saber qual o seu verdadeiro sentido dessa revisão, sendo que o único partido que se apresentou às eleições de 6 de Outubro com um projecto de revisão constitucional foi o CDS.
Pela nossa parte continuamos convencidos que, sem uma profunda mudança do sistema político, não será possível erradicar as causas da crise e da instabilidade e que essa mudança exige a rápida revisão da Constituição da República, para a qual estamos dispostos a dar um sério contributo.
Consideramos por isso apressadas, e porventura interesseiras, as análises que fazem impender sobre a actual lei eleitoral todos os males do sistema político e particularmente a sua instabilidade.
E por isso entendemos que a revisão dessa lei deve ter lugar no quadro de uma reflexão mais profunda e mais ampla sobre o sistema e as suas instituições, o Estado e os órgãos de soberania.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro, outra ordem de preocupações nos suscita o Programa do X Governo, talvez porque estamos ainda recordados das recentes e mal sucedidas batalhas do PSD pelas chamadas reformas estruturais.
Há alguns meses atrás o partido que V. Ex.ª dirige rompeu a coligação por não conseguir obter garantias quanto à concretização dessas medidas. Na verdade, 2 anos depois da posse do governo PS/PSD grande parte das principais reformas que tinham sido anunciadas continuavam por fazer. O CDS, em várias circunstâncias denunciou essa situação e as suas verdadeiras causas.
É, pois, com surpresa que não vemos agora elencadas de uma forma clara e programada no tempo a execução dessas medidas.
Dir-se-ia que o Governo abdica do que parece estar, verdadeiramente, na origem da sua própria existência! O CDS, que encara este debate construtivamente, esperando esclarecimentos para as dúvidas que legitimamente o Programa lhe suscita, considera como um elemento importante para o juízo político que fará deste Governo a calendarização das medidas de natureza estrutural, cuja adopção o Governo considere urgentes.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Não se aceitará que aquilo que o PSD não fez, responsabilizando por isso o parceiro da coligação, o não faça agora que está sozinho no Governo.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Um terceiro tipo de problemas este Programa nos suscita. Como vai o Governo viabilizar as soluções que preconiza, quer no plano parlamentar, quer no plano social?
No plano parlamentar conta o Governo «com as críticas construtivas e as discordâncias bem-intencionadas das oposições», perante a sua postura que «colocará sempre no puro plano dos interesses nacionais». Mas não ignora o Governo por certo, que pautadas pela mesma preocupação várias forças representadas nesta Assembleia terão para os mesmos problemas soluções diferentes e até antagónicas. É essa, aliás, a possibilidade que fundamenta a alternância, e esta é uma regra de oiro da própria democracia.
Ora o Governo não nos revela como pensa, para além do plano ético em que colocará, e bem as suas relações com as oposições, o Governo não nos revela como pensa organizar o apoio parlamentar de que necessita.
E não se pode esconder que é previsível que esse apoio maioritário lhe venha a faltar em algumas circunstâncias, ou que quando exista não seja unívoco.
Julga o Governo desejável para a estabilidade de que se considera referencial, a flutuação dos seus apoios parlamentares? Ou pensa, pelo contrário, obter, pela via da negociação, plataformas dotadas de suficiente coerência e eficácia política?
Só um conhecimento prévio das intenções do Governo neste domínio permitirá apurar da credibilidade do seu Programa, e responder fundamentadamente às críticas dos que, perante a desproporção entre a ambição que ele revela e os meios de que o Governo dispõe para o executar, o acusam de irresponsabilidade ou pura demagogia.
Também no plano das «condições sociais» o Governo se revela demasiado crédulo, se não mesmo ingénuo. «Somos pelo diálogo, pelo encontro e pela concertação», diz o Governo. E achamos bem. Mas ao dizer só isto não estará o Governo a confundir perigosamente os meios com os fins?
Será que o Governo vai continuar, como aquele que o precedeu, a utilizar o sistema da concertação como puro expediente dilatório para a falta de vontade ou para a falta de coragem política ou para a falta de condições políticas para executar o seu Programa? Ou pensa o Governo seguir o que, aliás, o Programa em certas passagens indicia um processo de soluções compensatórias que acabarão por se anular reciprocamente.
A minha bancada analisará depois, com maior profundidade, o que parece ser uma evidente debilidade da política social enunciada e a insuficiência das medidas preconizadas para alterarem o actual quadro de pré-ruptura em que nos encontramos.
Sr. Primeiro-Ministro, numa altura em que se teciam hossanas ao governo PS/PSD fizemos nesta Assembleia uma análise crítica das suas contradições e previmos com rigor onde a sua lógica o conduziria. Quando muitos se ofuscavam com o esplendor da maior maioria de sempre, o CDS soube ser o único partido do campo democrático a erguer-se e a manter viva uma alternativa a esse Programa. Dois anos desse governo, e a crise política que a sua queda provocou, agravaram ainda mais as condições de vida dos Portugueses, aumentaram o seu desencanto, colocaram-nos no limite da resistência económica e social.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - São circunstâncias preocupantes, a que se aliam os prenúncios que também não nos tranquilizam, da reconstituição de um poder político-militar que ameaça pôr em causa a própria fronteira da democracia política.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Temos hoje acrescidas razões para, estando na oposição, tudo fazer, pois, para alargar o campo da alternativa da liberdade e da solidariedade, que a nossa matriz democrata-cristã inspira e fortalece.
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É neste quadro de referências que julgaremos o Governo, considerando-o integralmente responsável pelo cumprimento do Programa que de livre vontade aqui traz, conhecidas que são as condições de que dispõe para o executar.
Viabilizaremos a sua aprovação, sem que isso signifique qualquer corresponsabilização política pela sua execução ou solidariedade activa com outras forças políticas que igualmente o façam.
Fiscalizaremos a sua execução, apoiando todas as iniciativas que se identifiquem com o nosso próprio programa e que apontem no sentido da transformação da sociedade portuguesa, numa sociedade mais livre, mais solidária e mais forte.
Rejeitaremos os seus compromissos que representem condescendência com qualquer retrocesso no processo de libertação da sociedade portuguesa do sistema socialista que ainda hoje tolhe a sua plena capacidade de expressão e "de iniciativa.
Vozes do CDS: - Muito bem!
O Orador: - Tomaremos todas as iniciativas legislativas e políticas que reforcem a iniciativa democrática e vão ao encontro da necessidade de resolver problemas concretos dos nossos cidadãos.
Seremos uma oposição exigente, mas construtiva e leal.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, atingimos a hora regimental para interrompermos a sessão. No entanto, houve uma inscrição do Sr. Deputado Duarte Lima para um pedido de esclarecimento e, como é apenas um, sugeria que se fizesse agora esse pedido de esclarecimento e só depois interromperíamos os trabalhos.
Pausa.
Como não há oposição, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Gomes de Pinho, começo por salientar a posição construtiva e responsável definida por V. Ex.ª, e naturalmente também pelo CDS, ao anunciar que, independentemente da discordância com alguns objectivos e pressupostos por que se debate este Governo, o CDS irá viabilizar o seu Programa nesta Assembleia.
Não poderia, no entanto, deixar de tocar num pormenor do seu discurso - que, de resto, é uma pedra de toque comum a todo o discurso das oposições -, que é o facto de este Governo ser um governo minoritário, de não ter aqui, em princípio, o suporte da maioria da Câmara.
Pergunto-lhe se não entende que as palavras do novo líder do CDS - o meu prezado amigo Prof. Adriano Moreira -, ao dizer que a nova composição da Assembleia obriga a uma lógica política diferente, também não implicam uma desvalorização da ideia dominante até aqui dos governos maioritários. Isto obviamente sem se proceder a uma alteração do sistema eleitoral.
Gostaria de anotar também uma contradição que me parece ver no seu discurso. Dizia V. Ex.ª que entendia que se o Programa do Governo fosse mais modesto talvez houvesse condições políticas diferentes para a sua viabilização. Não entende, Sr. Deputado, que pelo facto de o Governo ser um governo minoritário e de isso, de certa maneira, implicar um sacrifício para o País - um sacrifício político, entenda-se -, o que faz sentido é que o Governo minoritário que aqui se apresenta traga um Programa arrojado, traga um Programa corajoso, traga um Programa determinado e que elenque as questões que o País tem de ver resolvidas com realismo e com frieza?
Não lhe parece ser uma contradição no seu discurso dizer que se o Programa fosse mais modesto, então valeria a pena viabilizá-lo? Não acha que vale a pena viabilizá-lo por ele não ser modesto, mas por ele ser arrojado, por ele ser corajoso?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É descarado!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes 'de Pinho.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Deputado Duarte Lima, quanto à sua primeira questão, julgo que o Sr. Deputado vai ter ocasião de a pôr ao líder do meu partido, que fará aqui uma intervenção e que terá, com certeza, muito gosto em lhe responder.
Quanto à segunda questão, julgo que não há nenhuma contradição. Contradição há, de facto, entre a natureza deste Governo e a ambição do Programa que ele nos traz aqui e pelo qual, aliás, se responsabiliza.
Um programa não é um mero conjunto de intenções, mas uma proposta que, uma vez aprovada nesta Assembleia, constituirá para o Governo uma responsabilidade política.
E o que consideraríamos, porque temos essa concepção do Governo minoritário, é que seria mais razoável que o Governo, que está consciente das limitações políticas que, obviamente, tem neste momento perante a composição actual da Assembleia da República, trouxesse aqui propostas em relação às quais fosse previsível poderem vir a ser viabilizadas por esta Assembleia da República, o que, em muitos casos, não nos parece vir a acontecer.
E é por isso que dizemos que a postura maximalista deste Governo, longe de infundir a confiança que seria desejável e útil para o País, nos agentes económicos e nos agentes sociais, pode conduzir a uma maior frustração. Seria grave que essa frustração se verificasse porque uma das causas de crise em que Portugal se encontra é, claramente, a sucessiva frustração de projectos de mobilização social e política que foram propostos aos Portugueses.
Nós entenderíamos, portanto, que era mais razoável que o Programa de Governo não fosse tão ambicioso - sem que deixasse de incluir medidas de fundo e medidas estruturais - e consideraríamos, isso, sim, mais positivo, como referi, que essas medidas fossem claramente elencadas e programadas no tempo, o que aliás não acontece.
Há, portanto, aqui sim uma contradição entre uma ideia geral de tudo fazer, e de uma forma que tem pouco em conta o condicionalismo concreto que a situação política deve impor ao Governo e, por outro lado, o não ficarem claros sequer quais vão ser os objectivos prioritários do Governo dentro deste conjunto vastíssimo de medidas que propõe.
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Pela nossa parte, acharíamos preferível uma postura mais realista, mais modesta, que não seria necessariamente uma postura menos corajosa do que aquela que o Governo quer assumir.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está interrompida a sessão até às 15 horas.
Eram 13 horas e 5 minutos.
Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 15 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes. Contudo, como ele não se encontra presente, solicitamos à direcção do Grupo Parlamentar do PRD o favor de providenciar no sentido de que ele regresse ao hemiciclo a fim de produzir a sua intervenção.
O Sr. Roberto Amaral (PRD): - Sr. Presidente, temos informação de que o Sr. Deputado Silva Lopes já se encontra dentro da Assembleia e que deve estar a chegar ao hemiciclo.
O Sr. Presidente: - Enquanto o Sr. Deputado Silva Lopes não chega, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão Eventual de Verificação de Poderes.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão Eventual de Verificação de Poderes
Em reunião realizada no dia 19 de Novembro de 1985, pelas 10 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitadas pelo Partido Social-Democrata:
Henrique Rodrigues da Mata (círculo eleitoral de Viana do Castelo) por António Roleira Marinho. Esta substituição é pedida para os dias 21 de Novembro corrente a 31 de Dezembro próximo, inclusive.
Francisco Antunes da Silva (círculo eleitoral de Castelo Branco) por Fernando Barata Rocha. Esta substituição é determinada nos termos da alínea e) do n.º l do artigo 4.º do Estatuto dos Deputados, para os dias 19 a 28 de Novembro corrente, inclusive.
Francisco Antunes da Silva (círculo eleitoral de Castelo Branco) por Carlos Alberto Pinto. Esta substituição é determinada nos termos da alínea e) do n.º l do artigo 4.º do Estatuto dos Deputados, a partir do próximo dia 29 de Novembro corrente, inclusive.
Solicitada pelo Partido Socialista:
Jorge Fernando Branco de Sampaio (círculo eleitoral de Lisboa) por João Cardona Gomes Cravinho. Esta substituição é pedida por um período de 20 dias, a partir de 19 de Novembro corrente, inclusive.
O Sr. Deputado Carlos Jorge Mendes Correia Gago (Partido Renovador Democrático) vem, na sequência do requerimento apresentado na Comissão em 4 de Novembro corrente (Relatório da Comissão Eventual de Verificação de Poderes) e tendo em conta o calendário previsto para o debate parlamentar sobre o Programa do Governo, requerer o prolongamento, por mais 4 dias, do primeiro período de levantamento da suspensão do seu mandato [(alínea e)] do n. º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Deputados).
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:
As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
O presente relatório foi aprovado por unanimidade dos membros presentes na Comissão e por eles vem assinado.
A Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, Jorge Pegado Liz (PRD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Licinio Moreira da Silva (PSD) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Virgílio Higino Gonçalves Pereira (PSD) - António Cândido Miranda Macedo (PS) - Carlos Cardoso Lage (PS) - A na da Graça Carretara Gonçalves Crujeira Antunes (PRD) - Joaquim Carmelo Lobo (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Maria Andrade Pereira (CDS) - Francisco António Oliveira Teixeira (CDS) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não podemos aguardar por mais tempo a chegada do Sr. Deputado Silva Lopes, pelo que vou dar a palavra ao orador que está inscrito a seguir, ou seja, o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Permitir-se-me-á que comece por saudar convenientemente o Sr. Primeiro-Ministro.
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No decurso destes escassíssimos anos que V. Ex.ª leva de vida pública, orgulho-me de sempre e em todas as circunstâncias ter sido seu adversário político. Muito me honrará se tiver a bondade de retribuir o cumprimento. É sabido que não simpatizo com V. Ex.ª Creia, todavia, que lhe desejo as maiores felicidades pessoais e que farei o que souber para o encorajar a conduzir o Governo o melhor que lhe seja possível. Dure ele 1 mês, dure ele 4 anos.
Este Governo é, obviamente, o Governo legítimo de Portugal. A sua legitimidade decorre, em primeiro lugar, da confiança que o Sr. Presidente da República nele depositou. Destacou as suas «potencialidades», sublinhou a credibilidade do Primeiro-Ministro como governante, insistiu na capacidade 'do Executivo para prosseguir uma política clara, designadamente nas áreas económicas e sociais. Assim sendo, a nomeação está justificada. A legitimidade institucional do Governo encontra seu primeiro fundamento na vontade política do Presidente da República.
Alegar-se-á que a legitimidade do Executivo decorre, em segundo lugar, da vontade do povo português expressa em 6 de Outubro. A alegação é possível, mas não é, a meu ver, rigorosa.
O voto popular deu uma forte indicação no sentido de confiar ao PSD a chefia do Governo. Não contesto que as diligências para a formação do Executivo devessem ter-se iniciado pela tentativa de obter á anuência do Prof. Cavaco Silva para a aceitação desse encargo. Também não sustento que o Presidente Eanes devesse, necessariamente, condicionar a decisão de o nomear à certeza ou forte presunção de que este Governo viesse a dispor de maioria parlamentar estável e coerente. Mas só não o sustento porque discordo de que tal exigência deva valer como princípio. Não posso, todavia, deixar de observar que, desde Dezembro de 1977, quando tal princípio foi adoptado - é a primeira vez que o Presidente da República excepciona de tal requisito um governo de origem partidária. O que, representando para o actual Primeiro-Ministro uma distinção, significa que, nos últimos meses de presidência, Ramalho Eanes aceitou iniciar uma terceira fase dos seus mandatos Poderosas devem ter sido as razões que levaram o Presidente da República a aceitar tal incoerência, sem ao menos tentar convencer o Prof. Cavaco Silva, o PSD e, pelo menos, o PRD a viabilizar o acatamento da doutrina institucional do eanismo. Talvez a teimosia do interlocutor tenha levado o Sr. Presidente à pura e simples abdicação das suas ideias. Seria útil que ficasse claro neste debate se foram os méritos e a força do professor que levaram o Presidente a aceitar a excepção ou se o Presidente da República considerou preferível, ou se viu coagido, a não insistir. E coagido por quem nesse caso? Na impossibilidade de interpelar o Sr. Presidente da República e não sendo pelo seu discurso de 6 de Novembro perceptível o que se terá passado, pergunto se alguém nesta Assembleia está em condições de esclarecer a questão. É que, não o esqueçamos, se não deve ser necessário que o Governo disponha de maioria absoluta, sempre será conveniente diligenciar para que tal aconteça.
É certo que o X Governo tem aspectos positivos. Primeiro: foi reduzido o número de ministérios, embora excessivamente, porque, por exemplo, teria sido preferível agrupar a maior parte dos serviços dependentes dos Ministérios da Cultura e da Qualidade de Vida a extingui-los conjuntamente. Segundo: o Primeiro-Ministro ousou pôr termo ao gueto institucional a que o PCP se condenou e foi condenado desde 1976. Terceiro: no elenco ministerial figuram pessoas tecnicamente competentes escolhidas para pastas em que podem servir o País. Não exemplifico para não correr o risco de ser mal interpretado.
Dir-se-ia então que o Presidente da República agiu avisadamente. Não creio. Mas se porventura o Presidente da República agiu bem, nomeando este Primeiro-Ministro, agiremos nós mal, permitindo que o seu Governo passe aqui na Assembleia. É que nós deputados conhecemos o que o Presidente da República não conheceu nem podia conhecer. Conhecemos um texto que dá pelo nome de Programa do Governo e que verdadeiramente o não é.
Responder-se-á que os programas antecedentes têm sido frequentemente pouco esclarecedores. Mas este é suficientemente esclarecedor da decisão de nada dizer de importante, salvo no capítulo relativo aos princípios gerais da política económica. Quase se limita a sintetizar princípios legalmente consagrados, a enunciar lugares-comuns, a acolher meia dúzia de dogmas ideológicos. Umas vezes em português mascavado - por exemplo os capítulos relativos à segurança na ordem interna e à educação -, outras vezes em linguagem admissível.
No vazio discurso de apresentação que nos dirigiu, o Sr. Primeiro-Ministro fez, de facto, uma síntese da substância do Programa do Governo. Na verdade, este mais não é do que uma montagem de escritos em que surpreendentemente quase nada se diz sobre o que o Governo se propõe realizar. A inovação está toda na vacuidade.
Mas não dirá de facto nada? Convenho em que diz algumas coisas graves e sugere outras inquietantes. Vejamos a título de exemplo.
É grave que tenha prevalecido o projecto de transferir a Polícia Judiciária para o Ministério da Administração Interna.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - É grave que se tenha tornado confuso o conteúdo da tutela administrativa do Ministério da Administração Interna sobre as câmaras.
É grave que o pseudo-liberalismo do PSD já preconize a privatização dos CTT e dos TLP.
É grave que o Governo pretenda reduzir o sector público de comunicação social a um único canal de televisão, a uma única emissão de rádio, a um único jornal diário e que se proponha extinguir a ANOP. Não há razão para que o Estado se demita das suas responsabilidades no domínio da informação. Não é lícito que o Estado proceda a qualquer concessão de exploração sem concurso público aberto a todos os interessados. Não é sensato nem razoável que se descure a disciplina dos sistemas de emissão e acesso ao espaço radioeléctrico nacional. E no que diz respeito ao segundo canal, convém não perder de vista a vantagem de o aproveitar para finalidades educativas.
É grave que o Governo reconheça não ter uma linha de rumo sobre as questões essenciais do modelo institucional de ensino. Vai nomear uma comissão para estudar o que qualquer pessoa com experiência do Ministério deveria, desde 1978, necessariamente, saber para aceitar ser Ministro da Educação e evitar andar à deriva. Que modelo institucional de formação de pró-
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fessores do ensino básico e secundário vai ser seguido? os diplomados em escolas superiores de educação vão ensinar os primeiros 6 ou os primeiros 9 anos? A chamada profissionalização vai continuar a obter-se por três vias completamente diferentes? O 12.º ano vai ser mantido como está ou integrado no ensino secundário? Ou extinto? Os politécnicos vão ou não ser transformados em universidades? Mantém-se o projecto de lançamento de institutos autónomos de pós-graduação no quadro das universidades?
É suspeito se diga que vão ser desenvolvidos os «vínculos funcionais entre a Polícia de Segurança Pública e as autarquias locais». Pode o Governo explicar do que se trata?
É suspeito que, distinguindo a lei uma componente militar e uma componente não militar no conceito de defesa nacional, se diga que o Ministério da Defesa Nacional vai ser incumbido de executar a política de defesa nacional e não apenas assegurar e fiscalizar a administração das Forças Armadas.
É suspeito que, sendo o Instituto de Defesa Nacional uma escola de pensamento militarista, se reforce a sua esfera de influência e nada se diga sobre a necessidade de o conformar ao acatamento fiel da Lei de Defesa Nacional.
E a propósito. Aceita o Sr. Primeiro-Ministro como razoável que se procure reduzir o contingente de funcionários da administração civil e se cruze os braços perante a imensidade do número de funcionários públicos no sector das Forças Armadas?
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Intrinsecamente frágil, desprovido de propósitos conhecidos, este Governo não vai verdadeiramente mandar.
Pode tentar governar a economia. Mas como o declarado pressuposto político da política económica é a confiança dos agentes económicos e ninguém vai ter confiança, a política económica não tem pés para andar. É uma utopia má, mas é uma utopia.
Quem vai então mandar? Na defesa mandarão os militares. Na saúde dificilmente não mandará o bastonário da Ordem dos Médicos. Na Universidade e na Investigação científica mandará o conselho de reitores. Na agricultura mandará o PSD alentejano. Nos aspectos mais visíveis da política social é que poderá mandar a irresponsabilidade do antigo Ministro das Finanças de 1980. Sempre pequenos interesses, pequenos interesses, pequenos interesses. Nem um só projecto claro e coerente de mudança para melhor. E teremos dado assim um novo passo no reforço do corporativismo que vai corroendo a autoridade do Estado.
Em síntese: salvo na parte relativa aos princípios gerais da política económica e no que contém de grave ou suspeito, o Programa é vago, omisso ou nulo. Das duas uma: ou disfarça uma ausência de vontade ou representa uma ocultação de propósitos.
Observar-se-á que traça umas quantas linhas orientadoras sobre revisão constitucional e legislação eleitoral. Este Governo não fala do que deveria falar e fala do que não deveria. Pela minha parte, não entro no jogo. Não discuto essas matérias na apresentação do Programa do Governo. Discuti-las-emos aqui, na Assembleia, as vezes que se tornar necessário e sempre que for adequado. E faço votos para que, nesse momento, o actual Primeiro-Ministro, e boa parte dos seus ministros, tenham já podido reocupar os lugares na bancada do PSD. Será um prazer discutir Constituição com o Sr. Deputado Cavaco Silva; é impróprio discuti-la, pelo menos hoje, com o chefe do Governo.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, inclui-se V. Ex.ª na falange, cada vez mais numerosa, dos políticos especializados em denegrir os partidos e em verberar os discursos. V. Ex.ª não perde uma oportunidade para falar e fala sempre contra os discursos. Na verdade, tempos houve em que os opositores não podiam falar em público. Um discurso político é quase sempre uma coisa ridícula aos olhos de um homem de letras, mas é invariavelmente uma coisa odiosa para a sensibilidade de um nostálgico ou de um profeta da ditadura. Um ditador pode ter prazer no uso da palavra: Hitler gostava de berrar, Mussolini gostava de arengar, Salazar gostava de escrever e pensar o pouco que dizia. Eram ditadores e homens de forte personalidade. V. Ex.ª nem é ditador, eventualmente porque a Constituição lho não consente, nem é uma forte personalidade.
Protestos de deputados do PSD, batendo com as mãos nas carteiras.
Percebi uma certa animação no hemiciclo, mas não percebi o conteúdo da intervenção.
Risos do PS.
Continuando a dirigir-me ao Sr. Primeiro-Ministro, se a bancada do PSD me permite, devo dizer que V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, discursa basicamente para despertar no auditório a saudade dos tempos em que os animais não falavam. V. Ex.ª é o primeiro Primeiro-Ministro português desde 25 de Abril que nada separa do regime deposto pelo Movimento das Forças Armadas.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - V. Ex.ª governa em democracia, justificando-se de governar em democracia e evitando justificar a democracia. É esse o seu carisma. Prefiro os que no passado governaram em ditadura, justificando-se de terem governado em ditadura, mas evitando justificar a ditadura.
Tem V. Ex.ª outra razão para desvalorizar os discursos, uma vez que os não pode suprimir. É que os discursos que profere são invariavelmente prolixos, fastidiosos, repetitivos, desordenados. Tendencialmente reduzem-se a uma mescla de evidências e de dislates. Evidências ditas em pose heróica e palavra crispada, com a pesada solenidade dos momentos decisivos. Dislates pronunciados com ingenuidade, naturalidade, inocência.
V. Ex.ª pretende, às vezes, fingir que não é político. No caso vertente, a prova de que é político faz-se precisamente pelo facto de ser demagogo. Acresce que a demagogia é em V. Ex.ª servida por adequado suporte intelectual. Raciocínio raramente dedutivo, indutivo ou analógico. Raciocínio que procede por associação de ideias que normalmente funcionam num puro universo de antíteses, dilemas ou disjunções alternativas. É de tal
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modo simplista que não chega a ser simples. Convida de tal modo ao fanatismo que não chega a ser partidário.
Mas não desespere; Sr. Primeiro-Ministro. Um homem inteligente e sério como V. Ex.ª pode sempre reconciliar-se com a vida democrática. O Parlamento também serve para a todos nós educar. Convida-nos a dizer com frontalidade o que pensamos, habitua-nos a cultivar o respeito pelos. outros, convence-nos da relatividade das nossas razões. Venha aqui com frequência e vai ver que aprende a amar, o que agora tanto deprecia. Permanecer Primeiro-Ministro na atitude de espírito em que se encontra, isso é que não acho bem.
O PSD deve designar o Primeiro-Ministro, mas não deve, necessariamente, designar o vencedor efémero dos seus congressos anuais. Deve designar alguém com a necessária experiência da vida política. Aqui na bancada do Governo, aí na bancada do PSD, há homens que podem, com vantagem para o País, substituir o Sr. Primeiro-Ministro.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - Quem ganha deve governar. Mas onde e quando não há maiorias absolutas, é no Parlamento que finalmente se diz quem ganha.
O Sr. António Lacerda (PSD): - Mande em sua casa, que já chega!
O Orador: - Recuso-me a acreditar que os resistentes antifascistas eleitos nas listas do PRD e os outros Srs. Deputados que connosco lutaram em 1980 para derrotar Soares Carneiro viabilizem agora, pela abstenção, este governo Cavaco Silva. Não estamos na hora de fazer cálculos e cálculos sobre interesses partidários futuros ou presumíveis. Devemos romper com a lógica dos aparelhos partidários controleiros dos deputados. Devemos ousar decidir em consciência.
Precisamos de autoridade, não de obstinação. Precisamos de estabilidade, não de rasteiras. Precisamos de governo, não de unia colecção de ministros que ocultam o seu pensamento. Pessoas que, provavelmente, receberam instruções para ocultar os seus projectos esquivando-se a um debate parlamentar; aliás, brevíssimo. Não deixemos para amanhã o que devemos fazer hoje. Este país precisa de um rumo claro e de uma política nova.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, estão inscritos os Srs. Deputados Correia Afonso, Montalvão Machado, António Capucho e Pedro Pinto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, V. Ex.ª sujeitou a intervenção quê acabou de produzir apenas a três questões: ao que era grave, ao que era suspeito ê a quem é que mandava.
Creio que é grave que um deputado, com as responsabilidades de V. Ex.ª e com o passado que todos lhe conhecemos, venha aqui invocar como os seus santos preferidos Hitler, Mussolini e Salazar.
Aplausos do PSD.
Efectivamente, isso é grave, como é grave que nesta Assembleia, perante um Governo e no debate do seu Programa, pergunte quem é que manda. Nós sabemos quem vai mandar; sabemos que não será, com certeza, a Maçonaria a mandar!...
Aplausos do PSD.
O Sr. Cal Brandão (PS): - Isso é o que se dizia antes do 25 de Abril!
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Parece o Salazar a falar!
O Orador: - O que é grave - e isso é que é, efectivamente, grave - é que eu, perante a intervenção que acabou de produzir e perante a sua falta de tolerância, tenha ocasião de lhe perguntar a si, Sr. Deputado Sottomayor Cardia...
Protestos do PS.
VV. Ex.ªs talvez pudessem ter um bocado de mais calma, porque democracia é calma e tolerância.
Continuam as manifestações de protesto do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, façam favor de manter a tranquilidade.
O Orador: - Como eu estava a dizer, o que é grave, Sr. Deputado, é que o senhor me tenha dado, depois da sua intervenção, a oportunidade para lhe perguntar se sabe o que é democracia.
Aplausos do PSD.
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sabe mais do que o senhor. É que sofreu por ela!
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Correia Afonso, V. Ex.ª perguntou-me se eu sabia o que era democracia. Sr. Deputado, toda a gente sabe que eu sei o que é democracia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Mais do que você!
Vozes do PSD: - Não parece!
O Orador: - Suspeito de V. Ex.ª - e não é só neste momento, pois já suspeitava na legislatura anterior - de ser dos raros deputados do PSD que não sabe o que é a democracia.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Para que efeito pretende usar da palavra?
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O Sr. Correia Afonso (PSD): - Não seria necessário dizê-lo a V. Ex.ª, pois sabe perfeitamente que peço a palavra para usar da figura regimental da defesa da honra e da dignidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Creio que não é democracia, Sr. Deputado Sottomayor Cardia, julgar que a verdade está só connosco e que mais ninguém partilha dela.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Creio que não é democracia, Sr. Deputado Sottomayor Cardia, vir a esta Assembleia - o órgão mais representativo do sistema democrático em que vivemos - dar lições daquela tribuna.
Creio que não é democracia, Sr. Deputado Sottomayor Cardia, daquela mesma tribuna, perguntar se aqueles que hoje estão aqui, e que foram eleitos pelo voto popular, estão próximos de Hitler, de Mussolini ou de Salazar.
Creio que nada disso é democracia. Se o Sr. Deputado não sabe, a pergunta que há pouco lhe fiz justifica-se.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para dar esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sotomayor Cardia (PS): - O Sr. Deputado Correia Afonso insiste em confundir o que eu disse, pois distingui o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva dos ditadores. Eu fiz a distinção. V. Ex.ª é que, porventura, está a confundir.
O que eu quero é que me diga se repudia ou não o legado político de Salazar, se repudia ou não a tradição de Salazar na sociedade portuguesa. Esse é que é o problema, não há mais nenhum.
O Sr. António Capucho (PSD): - Isso é provocatório!
O Orador: - Não está em causa Hitler nem Mussolini. Referi esses apenas para sublinhar o que era um ditador.
Eu disse que o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva não era ditador e expliquei. O problema dele é, pois, dizer-me se repudia ou não o salazarismo, visto que me parece que, manifestamente, repudia o hitlerianismo ..., embora eu não saiba se repudia Mussolini. Mas esse é outro problema!
Risos do PS.
Preciso que me esclareça isso, como preciso de saber se repudia Salazar.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Isso é provocação!
O Sr. Coimbra Martins (PS): - Saber se repudia a mística do Chefe! ...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, numa linguagem que não é aquele a que eu estava habituado a ouvir a V. Ex.ª nesta Assembleia e que não é próprio da actuação que sempre aqui tem tido, V. Ex.ª produziu uma intervenção em que, sem razão, sem necessidade e sem fundamento, proeurou injuriar - e gravemente! - a pessoa do Sr. Primeiro-Ministro.
Quando o Sr. Primeiro-Ministro disse que não estávamos em tempos de discursos, mas sim em tempo de trabalhar, V. Ex.ª distorceu a verdade ao fazer um ataque aos discursos e, consequentemente, à democracia.
V. Ex.ª distorceu a verdade quando disse que ele, em várias das suas intervenções, se mostrou contrário aos partidos políticos, nomeadamente os democráticos, o que também não é verdade.
V. Ex.ª proeurou fazer dele, não só na sua intervenção mas até agora na resposta que deu à intervenção do meu companheiro de bancada Correia Afonso, um homem que procura avizinhar-se - para não dizer outra palavra - de um salazarismo.
V. Ex.ª sabe - e sabe-o de consciência certa - que o Sr. Prof. Cavaco Silva nada tem, nem nunca teve, a ver com o salazarismo.
O Sr. António Lacerda (PSD): - Muito bem!
O Orador: - V. Ex.ª sabe que o Sr. Prof. Cavaco Silva é um democrata, foi-o desde sempre e há-de continuar a sê-lo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Por outro lado, V. Ex.ª chamou-o também, sem razão, sem motivo e sem explicação, de demagogo. Gostava que V. Ex.ª me dissesse onde, quando e como.
E foi mais longe ao procurar dizer que havia Ministros no actual Governo que, por ordens do Sr. Primeiro-Ministro, ocultavam as suas situações, transformando-se em espécie de bonecos de actuação, digamos assim, às ordens de apenas um só homem.
Sr. Deputado, o nosso Governo, o Governo legítimo deste país, encabeçado pela pessoa do Prof. Cavaco Silva, é formado por gente séria, por gente honesta, por gente digna, por gente que quer trabalhar e resolver os problemas deste país e não quer, pura e simplesmente, fazer discursos para ir empatando - desculpe-me a expressão - a vontade de outros que querem fazer política de forma diferente da nossa.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Montalvão Machado, agradeço-lhe muito as questões que formulou, questões essas que permitem esclarecer o meu pensamento. Aliás, tive de falar num tempo muito limitado. Quero, também, sublinhar o prazer que me dá a circunstância de V. Ex.ª, pessoa que muito respeito, me colocar as questões que pôs.
Quero esclarecer que não injuriei ninguém. Se, porventura, injuriei alguém, faça-se a prova de que assim foi.
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É verdade que, aparentemente, da linguagem .que utilizei neste discurso é diferente da que costumo utilizar. Mas isto só aparentemente! É que costumo falar a linguagem da verdade, embora de uma forma discreta. Se a situação mudou, a culpa não é minha. A situação mudou!... Hoje, temos uma situação gravíssima e eu falei, de uma maneira discreta, a respeito de uma situação gravíssima; no passado, falei de uma maneira muito comedida em relação a uma situação que não se me afigurava brilhante, mas que não era comparável com a actual situação.
Portanto, não fui eu quem mudou, não foi a minha linguagem que mudou; o que mudou foi a realidade à qual me refiro.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - São menos 50 deputados!
O Orador: - Sr. Deputado, não é a questão dos 50 deputados, mas a do Sr. Primeiro-Ministro, a do Governo que está em causa.
Eu não estou a questionar os Srs. Deputados do PSD, mas o Governo. Não estamos aqui a discutir o PSD nem as eleições.
O Sr. António Capucho (PSD): - Então porque é que fala no PSD?
O Orador: - Sr. Deputado Montalvão Machado, é evidente que em política nunca há uma observação rigorosa dos factos, nem sequer há nas ciências sociais, se é que porventura há nas ciências económicas. Há na física, mas já é duvidoso que haja noutros domínios tradicionalmente considerados como científicos.
O que eu faço é uma interpretação da actuação política do Sr. Primeiro-Ministro e V. Ex.ª faz outra. Divergimos na interpretação.
O que eu gostava é que o Sr. Primeiro-Ministro pudesse, com a mesma transparência, com a mesma convicção e com a mesma credibilidade, reproduzir as considerações que aqui foram feitas pelo Sr. Deputado Montalvão Machado. Se assim fosse, nessa altura, eu ficava satisfeito.
Se, porventura, alguma vez, hoje ou num dia mais tarde vier a verificar que me enganei, serei o primeiro a dar a mão à palmatória, mas, para já, não dou!... Aliás, a interpretação do Sr. Deputado Correia Afonso não me leva a dar a mão à palmatória; muito pelo contrário.
V. Ex.ª disse que o Sr. Primeiro-Ministro não era demagogo. Eu digo que ele é demagogo. Essa é uma questão que cada um interpreta para si. Reafirmo que ele é demagogo.
Agora, quanto à pergunta no sentido de saber onde e quando é que ele foi demagogo, devo dizer que acho que ele é, praticamente, sempre demagogo.
Risos do PS.
Não vou lembrar-lhe, por exemplo O vosso primeiro «tempo de antena», aquando da campanha eleitoral, que ... enfim!... Peço que o vejam novamente. Mas disso falaremos noutra altura.
O Sr. António Capucho (PSD): - Acho melhor!
O Orador: - Quero ainda esclarecer o Sr. Deputado Montalvão Machado de que não chamei boneco ao Sr. Primeiro-Ministro. Não, o que admiti foi que tivesse havido como táctica uma directriz, no sentido de ocultar os verdadeiros propósitos sectoriais do Governo, de forma a evitar um debate nesta Assembleia sobre isso. Ao dizer isto, não estou a chamar-lhe boneco. Essa é, para nós, Sr. Deputado Montalvão Machado - que somos democratas -, uma táctica política má, reprovável, antidemocrática. No entanto, para outros, porventura, não o será.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Isso é injúria, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Montalvão Machado, pede a palavra para que efeito?
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Não quero dizer mais nada, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, uso da palavra para fazer um protesto.
Sr. Deputado Sottomayor Cardia, confesso que inicialmente me tinha inscrito para lhe pedir esclarecimentos, mas quando constatei que V. Ex.a, designadamente quando dissertou ao de leve sobre o Programa, fez afirmações do tipo de contestar que a Polícia Judiciária tivesse sido transferida para o Ministério da Administração Interna - o que não corresponde minimamente à verdade -, cheguei à conclusão de que, de facto, não valia a pena entrar por esse caminho. Eis senão quando sou surpreendido com o conjunto de dislates que, do' meu ponto de vista, V. Ex.ª despeja sobre o Primeiro-Ministro.
Não tenho, minimamente, a veleidade de lhe dar lições de democracia, não é esse o caso, obviamente. Mas não posso deixar passar em claro, acrescentando alguma coisa àquilo que os meus colegas de bancada já disseram, que só a situação que decorre da derrota eleitoral do Partido Socialista e a perturbação que isso provocou nas vossas bancadas é que pode justificar ...
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - ... a perca de lucidez, que espero seja temporária, por parte de V. Ex.ª.
V. Ex.ª chega a dizer que não está a discutir o PSD, no entanto assumiu da Tribuna o direito e o atrevimento - se me permite - de dissertar sobre a liderança do PSD, se deve ser esta ou se deve ser aquela.
Uma voz do PSD: - Exacto!
O Orador: - Em que é que ficamos? Discute ou não o PSD?
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça favor.
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O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Não é sobre a liderança do PSD que falo, mas sobre o Primeiro-Ministro, Sr. Deputado. Isto aqui não é nenhuma reunião do Conselho Nacional do PSD. Isto aqui é a Assembleia da República.
Risos do PSD.
O Orador: - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, as suas contradições são tão evidentes que não vou perder nem mais um minuto com o meu protesto. Ele fica lavrado na expectativa de que V. Ex.ª continue a dar, como até agora tem feito, um contributo muito positivo a esta Câmara, mas com um outro estilo e não com o que adoptou episodicamente, aqui e hoje.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para contraprotestar, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado António Capucho, com toda a consideração pessoal e institucional, uma vez que o Sr. Deputado é o líder parlamentar do PSD - penso que foi nessa qualidade que falou -, quero dizer-lhe que não tem razão.
Sobretudo, há uma coisa que me interessa saber agora. O Sr. Deputado veio dizer que não é exacto que o Governo tenha a intenção de transferir a Polícia Judiciária para o Ministério da Administração Interna. Sr. Deputado, se o Governo não tem essa intenção, fico satisfeito.
O Sr. Duarte Lima (PDS): - Onde é que está isso escrito?!
O Orador: - Isso não está explicitamente dito, mas está implicitamente, pelo facto de haver uma omissão quanto à Polícia Judiciária na parte relativa ao Ministério da Justiça. A parte relativa ao que chama «segurança interna», que é a parte relativa à segurança na ordem interna, está tão confusa e é de tal modo incompreensível que confirma a suspeita de que há a intenção de transferir a Polícia Judiciária para a tutela do Ministério da Administração Interna, o que, aliás, não era inovador na política portuguesa.
Mas se porventura V. Ex.ª, o Sr. Primeiro-Ministro, o Sr. Ministro da Administração Interna e o Sr. Ministro da Justiça disserem aqui, e já, que não vão transferir a Polícia Judiciária para o Ministério da Administração Interna, dou-me por muito satisfeito e felicito-os pelo esclarecimento. O que não posso é deixar de os censurar pela confusão do que escrevem.
Peço desculpa por referir um escrito meu mas, em relação à apreciação que faço do comportamento político do Sr. Primeiro-Ministro, devo dizer que escrevi isso antes das eleições. Portanto, não estou minimamente traumatizado pela derrota do meu partido. O Sr. Deputado António Capucho não tem razão.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Pedro Pinto pretende usar da palavra para que efeito?
O Sr. Pedro Pinto (PSD): - É para fazer um protesto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não pode fazer, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Então, farei um pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Pinto (PSD): - Sr. Deputado Sottomayor Cardia, foi com alguma perplexidade que ouvi a sua intervenção. Isto pela simples razão de que há na política algumas figuras que, mesmo sem serem do meu partido, são pelo seu comportamento, norma geral, referenciais que considero importantes.
Realmente, depois desta sua intervenção, talvez por não a ter percebido ou talvez por estar a dizer, nas justificações que vem dando agora, aquilo que não disse durante a sua intervenção, já estou baralhado sobre se deveria fazer pedidos de esclarecimento ou protestos.
Mas há coisas que não posso de forma nenhuma deixar passar em claro. Como deputado e líder da Juventude Social-Democrata, considero insultuoso que se diga que o líder do meu partido só não é ditador porque a Constituição o não permite.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Esta foi uma, entre outras, das muitas passagens insultuosas. Aqui, peco-lhe desculpa por reconhecer que, com tanta insinuação junta, eu, como aqueles mais lentos de raciocínio (talvez seja o meu caso), deveria, pelo menos, ter tido o cuidado de perceber completamente qual era o seu raciocínio. Tenho de descobrir qual a razão que o leva, neste momento, a fazer uma intervenção deste tipo.
Realmente, fiquei preocupado, porque, tanto quanto sei, o Sr. Deputado Sottomayor Cardia será um potencial candidato a líder da bancada do Partido Socialista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Pergunto se no futuro o próximo Partido Socialista será aquele que irá ser claramente portador de um discurso revanchista, que é o discurso do antes do 25 de Abril, ou de um discurso do período gonçalvista, a que já não estávamos habituados e que não é o discurso a que me habituei a respeitar dentro do Partido Socialista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Pergunto se no futuro o próximo Partido Socialista será aquele que irá ser claramente portador de um discurso revanchista, que é o discurso do antes do 25 de Abril, ou de um discurso do período gonçalvista, a que já não estávamos habituados e que não é discurso a que me habituei a respeitar dentro do Partido Socialista.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Tenho de perceber claramente quais são as motivações que levam a este tipo de intervenção.
Também lhe digo que, em termos de Programa do Governo, estou convencido, porque penso que é possível fazer melhor e que é para isso que existe esta discussão, de que noutra área o contributo do Sr. Deputado Sottomayor Cardia seria bem mais útil à Nação Portuguesa.
Aplausos do PSD.
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O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Deputado Pedro Pinto, agradeço muito as suas palavras. V. Ex.ª diz a meu respeito coisas que me confundem. Vejo com dificuldade que alguém me considere a mim, que sou tão jovem (tenho só 44 anos), incluído nesse estatuto que V. Ex.ª me atribui.
Em todo o caso, não estou baralhado. V. Ex.ª está baralhado, mas eu não.
A razão do teor e conteúdo da minha intervenção é a de que eu estou preocupado - e penso que os meus eleitores estão preocupados. Foi por isso que assim falei - nada mais.
Risos do PSD.
Eles não estão preocupados com o facto de o PS ter tido menos 20% ou qualquer coisa do género e o PSD ter tido 30%. Não é isso. Nós estamos preocupados porque distinguimos as pessoas e as políticas e não metemos tudo no mesmo saco. Foi isso que procurei explicar.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Explicou muito mal!
O Orador: - Expliquei mal porque não podia gastar demasiado tempo. Mas, se for necessário, V. Ex.ª lê a parte final do meu discurso e perceberá o carácter eminentemente construtivo que ela tem em relação ao PSD e, até, em relação ao Sr. Primeiro-Ministro.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Construtivo em relação a si próprio.
O Orador: - Sr. Deputado, acho que sou sempre construtivo.
Risos do PSD.
Nunca fui nem nunca serei revanchista.
Mas já que falou em gonçalvismo, o Sr. Deputado e também o Sr. Primeiro-Ministro desculpar-me-ão - e talvez vejam aqui uma nova injúria -, mas é uma observação política.
Não estou a comparar o Sr. Prof. Cavaco Silva ao Dr. Salazar. Tenho dito sempre que são profunda e radicalmente diferentes nas suas qualidades, no seu tipo de actuação, na sua personalidade. Nunca confundi isso Pelo contrário, sublinhei a diferença.
Pus-me a pensar em quem é que era para mim, desde Setembro de 1968, altura em que Salazar saiu da cena política, o Primeiro-Ministro mais inquietante. E - peço desculpa ao Sr. Deputado Adriano Moreira - concluí que, de facto, os dois mais inquietantes eram o Sr. Primeiro-Ministro Cavaco Silva e o ex-Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves.
Vozes do PSD: - Eh!...
O Orador: - Há muitos aspectos em que, segundo penso, eles coincidem, como, por exemplo, na demagogia, no populismo, na maneira atrabiliária de se exprimirem e no primarismo (desculpem-me que o diga). É isto.
Protestos do PSD.
VV. Ex.ªs têm uma opinião diferente a respeito do Sr. Primeiro-Ministro, mas hão-de compreender que eu tenha a minha e que, como deputado, a exprima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Esprema! ...
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - «Exprima» e não «esprema» Sr. Deputado!
Risos do PSD.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Não percebeu!
O Orador: - Não vou entrar em questões sintácticas, porque, noutro dia, fiquei aqui profundamente chocado. E, ao menos em relação à questão sintáctica, também peço a alguns dos Srs. Deputados mais sensíveis aos valores sintácticos que os tenham em atenção quando se pronunciarem sobre a eventualidade de este Governo continuar em funções.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.
O Sr. Silva Lopes (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: No capítulo do seu programa sobre a política económica global o Governo promete-nos, nada mais nada menos, do que a realização de um verdadeiro milagre económico nos próximos 4 anos. Diz-nos, nomeadamente, nas pp. 32 e 33 do texto que nos foi distribuído, que, até ao final dos anos oitenta, isto é, nos próximos 4 anos: o desemprego será substancialmente atenuado; a inflação estará reduzida para o nível médio da Comunidade Europeia; o nível de vida das famílias revelará uma significativa melhoria; as contas externas estarão em progressiva e consistente correcção; a habitação e os sectores produtivos virados para a exportação e para a substituição concorrencial de importações demonstrarão elevados níveis' de expansão e modernização, e o desenvolvimento regional mostrar-se-á menos desequilibrado.
O Governo aponta algumas das orientações da política económica através das quais se propõe trazer-nos estas melhorias. Fá-lo, porém, de forma vaga e pouco concretizada e não quantificada. Ficamos assim sem possibilidade de saber até que ponto é que os vários objectivos enunciados são compatíveis entre si ou até que ponto é que os instrumentos previstos são suficientes.
Mesmo assim, há abundante matéria para reparos. Por limitações de tempo, terei de me limitar a tratar dos pontos relativos a: inflação; investimentos; desequilíbrio externo; política conjuntural.
Começo pala inflação. Tenho as maiores dúvidas de que a política anunciada pelo Governo possa permitir reduzir a inflação para os níveis da CEE, no decurso dos próximos 4 anos, como se aponta no Programa.
Aliás, essa promessa não é nova. Já em 1980 a AD, em que o partido agora no Governo teve posição de liderança, nos havia feito uma promessa semelhante.
E todos nós sabemos o que aconteceu. Na CEE, a taxa média de inflação baixou de 12,3% em 1980 para
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9,8% em 1981 e 6,1% em 1984. Em Portugal, as coisas passaram-se ao contrário: essa taxa subiu de 16,6% em 1980 para 22,4% em 1982 e 29,3% em 1984. Neste contexto, deverá sublinhar-se - seria fácil demonstrado se houvesse tempo para isso - que a taxa de inflação de 1984 é imputável à política dos governos anteriores ( de 1980 a 1982).
O Programa do Governo aponta vários instrumentos para baixar a inflação: o controle da procura interna; a política de rendimentos e preços; a política cambial.
Concordo que, para travar o ritmo de aumento dos preços, é preciso actuar simultaneamente em muitas frentes. Mas há o problema, a que o Governo parece não dar qualquer importância, da compatibilidade entre os diferentes objectivos da política económica. Vejamos, em primeiro lugar, o que se passa com a política de regulação da procura. Nos países da OCDE, para travar a inflação foi necessário agravar o desemprego e reduzir o crescimento económico para taxas baixíssimas. Mas o actual Governo não se assusta com esses exemplos. Ele vai conseguir melhor. Ele propõe-se entrar para a história dos milagres económicos, conseguindo simultaneamente a redução da inflação, o relançamento da economia, a atenuação substancial do desemprego, e o aumento do investimento em proporções consideráveis.
Para alcançar tal sucesso, o Governo conta, segundo nos foi dito esta manhã pelo Sr. Ministro das Finanças, com as contribuições que poderão vir da modificação da política cambial e fiscal, da baixa das taxas de juro, do aumento da produtividade e da política de rendimentos e preços. Não nego que há círculos virtuosos a aproveitar neste momento. Mas há também conflitos importantes que o Governo não reconhece. Pena é que por falta de tempo, eu só me possa referir a três tipos de políticas com influência sobre a inflação.
Por outro lado, é estranho que o Governo se mostre esperançado em que as empresas adiram à sua estratégia anti-inflacionista, sacrificando voluntariamente as margens de lucro. Nós aprendemos nos textos de economia que, em mercado concorrencial, a actividade dos empresários é orientada pela maximização dos lucros. Mas, pelos vistos, o Governo aparece agora com uma teoria nova: a de que os muitos milhares de empresários deste país obedecerão como meninos bem comportados às suas exortações e reduzirão voluntariamente as margens de lucro.
Por mim, tenho receio que esta referência à redução voluntária das margens de lucro seja efectivamente uma forma disfarçada de nos prometer a generalização dos controles de preços. Aliás, não me surpreenderia se a política de rendimentos com persuasão fiscal, a que o Programa se refere, mas sobre cujo conteúdo nada nos diz, viesse a ser praticamente isso.
Estou por isso convencido de que corremos sérios riscos de voltar a uma política de repressão da inflação como a que foi praticada em 1980.
As provas da repressão da inflação nesse ano são claras. Não há tempo para as analisar. Mas bastará mencionar que, nos 6 meses anteriores às eleições de 1980, o índice de preços no consumidor aumentou ao ritmo anual de 10,5% e que, nos 6 meses seguintes, a taxa de aumento da inflação passou para 28,2% em virtude do ajustamento a que foi necessário proceder nos preços controlados.
Passo agora aos problemas do investimento. Segundo o Governo, o aspecto mais negativo do quadro económico dos últimos anos foi a quebra de 30% na formação bruta de capital fixo, em termos reais, desde 1982 a 1985. Por isso, o Programa põe uma grande ênfase no esforço de investimento.
O Governo não refere, porém, que a taxa de investimento de 1982 foi excessiva em face dos recursos de que dispomos e que foi por isso que houve que recorrer ao crédito externo em proporções exageradas, que não deverão - e certamente não poderão - voltar a repetir-se. Por outro lado, é importante notar que nos anos de 1980 a 1982 a taxa média de investimento em Portugal igualou a do Japão e excedeu substancialmente a de todos os outros 22 países da OCDE. Apesar disso, apesar de a nossa taxa de investimento ter sido elevadíssima, o comportamento da produção e do emprego nos anos posteriores foi, entre nós, dos mais decepcionantes no conjunto dos mesmos países. De 1980 a 1982 tivemos taxas de investimento altas, mas, nos anos seguintes, tivemos o produto a cair e o desemprego a aumentar.
Concordo que será desejável que a taxa de formação bruta do capital fixo aumente cerca de 25% no produto interno, como nos foi dito esta manhã pelo Sr. Ministro das Finanças. Mas não devemos ir além desse limite.
Aquilo de que precisamos não é tanto que o investimento aumente muito, mas que se passe a investir melhor.
O Governo não explica como é que orientará os investimentos para os sectores prioritários. Teremos, pelos vistos, de esperar pelo prometido programa de correcção estrutural do défice externo, que, aliás, pode ser uma iniciativa válida.
Por agora, apenas ficamos a saber que os investimentos associados a esse plano terão, no domínio da política de crédito, aquilo a que o Governo chama um «tratamento altamente disponível», embora não se promovam bonificações de taxas de juro, e beneficiarão, no domínio da política fiscal, de reduções de impostos e contribuições sobre o custo do financiamento e sobre os resultados da actividade.
Mas o que é que se entende por «tratamento altamente disponível» na política de crédito sem bonificações de juro? Será que vamos ter racionamento de crédito por sectores e por projectos, com quotas mais favoráveis para certos tipos de investimentos? E que benefícios fiscais adicionais é que pensam atribuir aos investimentos? O sistema de benefícios fiscais ao investimento é hoje já tão generoso que até permite a muitas empresas aproveitar deles em duplicado. Que resultados concretos espera o Governo desses benefícios adicionais que pretende introduzir?
Vou referir-me agora ao défice externo. O Governo promete-nos que o défice externo será controlado através da intensificação dos investimentos, que contribuirão para o aumento das exportações e para a substituição concorrencial das importações.
Esta estratégia parece aliciante à primeira vista, porque, no Programa do Governo, tudo se passa no domínio da conversa fácil sem quaisquer indicações numéricas ou cálculo económico.
Dado o tempo necessário á concepção, implantação e entrada em funcionamento de novos projectos, terá de passar, pelo menos, cerca de meia dúzia de anos antes que se manifestem os eventuais resultados positi-
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vos de tais projectos sobre a balança de pagamentos. Entretanto, durante a fase de implantação e entrada em funcionamento, a balança de transacções correntes é negativamente afectada pelo custo dos equipamentos importados e pelos reflexos indirectos do aumento dos investimentos.
Nestes termos, como é que daqui a 4 anos a balança de transacções correntes poderá estar «em progressiva e constante correcção», como o Governo nos promete, e, ao mesmo tempo, haver uma intensificação substancial dos investimentos?
A referência do Sr. Ministro das Finanças a défices autocorrectores e de factores de confiança não é convincente. Estamos mais uma vez perante o optimismo superficial que enforma todo o Programa do Governo.
Parece-me que o Governo não teve na devida conta as limitações impostas pelo peso excessivo da dívida externa. O nível actual da dívida externa, para o qual os governos da AD contribuíram com quase 50%, apesar de terem estado no poder apenas em 3 dos 11 anos que decorrerem desde o 25 de Abril, é já hoje demasiado pesado.
Embora não tenha tempo para desenvolver este ponto, parece-me importante referir que seria perigoso - e certamente não seria fácil - aumentar a dívida externa com grande rapidez.
É preciso que o Governo tudo' faça para que os défices da balança de transacções correntes não ultrapassem cerca de l bilião de dólares por ano, como parece ser o seu objectivo, segundo nos foi indicado pelo Sr. Ministro das Finanças. Mesmo assim, défices dessa ordem de grandeza corresponderiam a percentagens de 4 % a 5 % do produto interno bruto e seriam insustentáveis a longo prazo. Além disso, esses défices só seriam economicamente justificados se os investimentos que eles viessem a permitir, directa ou indirectamente, tivessem taxas de rendimento total e em divisas superiores às taxas de juro da dívida externa. Ê importante, por exemplo, mencionar que os investimentos efectuados na última meia dúzia de anos não corresponderam a este imperativo.
Mas o pior é que a política de relançamento do investimento, de aumento do consumo privado e de programação orçamental não parece compatível com défices anuais das transacções correntes da ordem de l bilião de dólares.
Para terminar, parece-me necessário fazer uma referência à política económica de curto prazo. O Governo pouco nos diz sobre essa política. Há, todavia, duas razões importantes para que ela seja referida.
A primeira é a de que, se o Governo tiver vida curta, como é provável que aconteça, o que mais interessa discutir é o que efectivamente se virá a passar a curto prazo.
A segunda razão é a de que a apresentação do Orçamento e do Plano anual para 1986 só terá lugar daqui a cerca de 3 meses. A política conjuntural que entretanto o Governo vier a aplicar pode ter consequências importantes para o futuro. Por isso, será fundamental que a Assembleia da República disponha de uma informação adequada sobre as grandes orientações dessa política.
Estas observações são da maior relevância. É verdade que as projecções apresentadas esta manhã pelo Sr. Ministro das Finanças para o próximo ano me parecem razoavelmente equilibradas. Mas não vejo como é que, com projecções dessas, o Governos no trará o milagre económico prometido para daqui a 4 anos.
Por outro lado, teremos de ver se a política económica aderirá de facto ao cenário que nos foi traçado pelo Sr. Ministro das Finanças. Seria bom que tivéssemos garantias de que não voltarão a surgir políticas conjunturais semelhantes às que foram aplicadas pelos governos da AD no período de 1980-1982. Também em 1980 se proeurou criar junto dos Portugueses a ilusão de que o governo de então iria trazer para o País um verdadeiro milagre económico. Todos nós conhecemos os resultados: prometeu-se que a inflação iria baixar e ela acabou por subir para níveis muito superiores aos que existiam anteriormente; criou-se a ilusão de que os salários reais e o nível real das pensões iriam subir, mas, perante os desequilíbrios criados, eles vieram afinal a descer em medida apreciável; promoveu-se o aumento do investimento até níveis excessivamente altos, mas o agravamento do endividamento externo daí resultante obrigou a que a formação de capital fixo tivesse, posteriormente de baixar drasticamente; fez-se uma revalorização do escudo e baixou-se o nível da sua depreciação mensal, mas, mais tarde, foi necessário voltar a desvalorizações drásticas; desprezaram-se os condicionamentos impostos pela balança de pagamentos, mas, no curto espaço de 3 anos, fez-se crescer a dívida externa em mais de 7 biliões de dólares, o que corresponde a um ritmo sem precedentes na história económica deste país.
Aplausos do PRD e do PS.
Poderia objectar-se que, nesta descrição, estou a misturar as dificuldades económicas da segunda metade de 1983 e de 1984 com a política dos anos de 1980 a 1982. O problema é que essas dificuldades foram consequência daquela política.
Aplausos do PRD e do PS.
Por isso, a responsabilidade pelos sacrifícios impostos à população e à economia do nosso país durante os anos de 1983 e 1984 pertencem não ao governo que teve de gerir a economia nesses anos mas aos governos dos 3 anos anteriores. Ë que, como todos sabemos, os efeitos das medidas de política económica manifestam-se normalmente com desfasamentos de vários meses e, por vezes, até de alguns anos. Assim, por exemplo, era praticamente inevitável que a subida extraordinariamente acentuada da oferta monetária de quase 35% no decurso do ano de 1980 (provavelmente, é um record nacional) viesse a reflectir-se em aceleração da inflação só nos anos seguintes.
Agora que as contas externas voltaram a estar equilibradas e que a inflação já baixou consideravelmente, o Governo tem de facto boas condições para relançar a economia. Tem a sorte de poder conseguir popularidade fácil, sem necessidade de recorrer a uma política de excessivas facilidades. É que herdou uma situação extremamente favorável.
Vozes do PRD e do PS: - Muito bem!
O Orador: - Mas poderemos nós estar seguros de que o Governo resista à tentação de andar depressa de mais?
Os poucos indícios que se podem colher no Programa sobre a política de finanças públicas, a política cam-
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bial, a política de investimento e a política de preços e rendimentos não são nada encorajadores. É de crer que o Governo tenha pouca confiança nas suas possibilidades de sobrevivência e procure aproveitar os meses iniciais da sua actividade para se lançar numa política de farturas, insustentável a médio prazo, mas susceptível de produzir dividendos eleitorais a curto prazo.
Vozes do PRD e do PS: - Muito bem!
O Orador: - A Assembleia da República tem, por isso, de estar extremamente atenta à, política económica de curto prazo deste Governo. Os seus meios de controle sobre essa política são limitados. Mas a Assembleia tem de procurar, ao menos, estar bem informada sobre o que a cada momento se está a passar.
Por mim, se o Governo não for rejeitado, tenho a intenção de propor que ele presta à Assembleia da República informações permanentes sobre a sua actuação. Penso que os membros do Governo e os dirigentes das entidades públicas devem, como se prevê na Constituição, vir frequentemente informar a Assembleia sobre a situação económica e sobre as medidas de política económica projectadas. Por outro lado, tenho a intenção de solicitar em requerimentos dados estatísticos e contabilísticos e projecções de que o Governo possa dispor e que não vêm a público ou só aparecem em publicações oficiais com muitos meses de atraso.
Em meu entender, o grau de confiança ou de falta de confiança da Assembleia da República em relação do Governo deverá ser fortemente influenciado pelo comportamento que este vier a revelar no fornecimento das informações e esclarecimentos solicitados.
Esta Assembleia não pode dispensar as informações necessárias para fiscalizar a política económica do Governo como lhe compete nos termos da Constituição.
Aplausos do PRD e do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Margarida Tengarrinha.
A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não há quem se atreva a negar ser a agricultura o sector da economia nacional sobre o qual recai a maior gravidade da crise e o que mais sofrerá no impacte da adesão ao Mercado Comum.
Por isso, consideramos o Programa dedicado à agricultura manifestamente insuficiente, repondo velhas propostas de uma política que já demonstrou ser profundamente prejudicial e inadaptada às realidades nacionais.
Aquilo a que o Programa chama as orientações principais do Governo constitui uma listagem de intenções avulsas, não articuladas e até contraditórias entre si.
Não soubesse o País que o PPD/PSD é responsável pelo Ministério da Agricultura há mais de 7 anos, e o actual Ministro há cerca de 2 anos, e dir-se-ia estarmos em presença de governantes cuja ignorância dos problemas com que se debate a nossa agricultura só tem paralelo com a incipiência das formulações do seu Programa.
Mas que ninguém se iluda, pois a realidade é bem outra. Quando o Governo afirma que irá estabilizar a legislação no plano da propriedade e da exploração, flexibilizar a estrutura agrária, prosseguir a política de distribuição de terras e iniciar o pagamento de indemnizações aos agrários, o que se prepara para fazer é: continuar a guerra de destruição da Reforma Agrária; criar um clima de instabilidade e insegurança nas UCP/cooperativas impeditivo do investimento e do desenvolvimento do processo produtivo; entregar mais terra aos agrários que não «valorizam a sua função social» como o Governo hipocritamente diz pretender, mas antes as deixarão ao abandono, terra estéril e improdutiva, como a realidade tem demonstrado; «inventar agricultores», que nunca o foram, para lhes entregar terras da Reforma Agrária, que é uma política que também não é de hoje; enganar agricultores incrédulos, entregando-lhes terras das UCP/cooperativas que, passados l ou 2 anos, os obrigam a devolver a pretexto de majorações a agrários, como está acontecendo com expulsões de rendeiros em Viana do Alentejo, Montemor, Évora, Coruche e Fronteira; continuar a entregar aos agrários milhares e milhares de contos, enquanto se nega o acerto de contas exigido pelas UCP/cooperativas.
Neste momento, mais de uma centena de notificações e despachos para novos processos de reservas e leilões abrangem um total de mais de 50 000 ha.
Quando o Governo omite qualquer referência ao cumprimento de mais de 300 acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo favoráveis às UCP/cooperativas, não podem restar dúvidas de que o Ministério da Agricultura actua à margem da lei, confronta-se com o poder judicial e desrespeita frontalmente a Constituição da República Portuguesa.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Quando o Governo classifica 85 % das explorações (de área inferior a 5 ha) como incapazes de se adaptarem a novas tecnologias, ignorando que estas explorações, ocupando cerca de 18% da área agrícola total, contribuem com cerca de 40% para a formação do produto agrícola bruto e que é nas zonas de predominância das pequenas explorações que se verificam os mais elevados índices de intensificação cultural, o que o Governo anuncia é que prosseguirá uma política de ruína das pequenas explorações e que os pequenos agricultores continuarão a ser discriminados nos apoios técnicos e financeiros do Estado.
A chamada «flexibilização da estrutura fundiária» significará para os pequenos agricultores toda uma política que os conduzirá ao abandono da sua actividade e à espoliação objectiva da sua pouca terra, para sobre os seus despojos ser promovida a criação de empresas capitalistas na agricultura.
Tudo isto leva a entender que não é o desenvolvimento da agricultura nem a recuperação económica do País que preocupam o Governo, mas tão-só a concentração da terra e o desenvolvimento capitalista da agricultura, o que tenderá a provocar fortíssimo agravamento das tensões sociais. Isso não deixará de acontecer se for para a frente a anunciada legislação agrária, que não é mais do que a reposição do chamado «pacote agrícola», o mesmo que vem do anterior governo e que tanta crítica já suscitou de diversas organizações de agricultores, nomeadamente dos que vieram aqui falar à Comissão Parlamentar de Agricultura. Trata-se de novas leis do arrendamento rural e florestal, da caça e da exploração dos baldios. Estas leis irão certamente
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levantar de novo a luta tenaz dos povos, que não permitirão quê os desapossem dos seus baldios, tal como os rendeiros saberão combater firmemente em defesa dos seus direitos.
Quando se afirma que os agricultores mais eficazes serão menos penalizados e até encorajados, o que o Governo torna claro é que continuará o escândalo, que toca as raias da mais desavergonhada corrupção, da atribuição do crédito agrícola a meia dúzia de beneficiários, conforme os jornais há tempo denunciaram relativamente a financiamentos do IFADAP a grandes agrários do Alentejo e do Ribatejo.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Ao reconhecer as deficiências da organização dos mercados, o Governo omite as suas responsabilidades no desmantelamento dos chamados organismos de coordenação económica pela entrega dos circuitos de distribuição ao grande comércio armazenista e por uma política de importações que, na maior parte das vezes, é asfixiante da nossa produção.
Quando o Governo afirma pretender valorizar o património florestal, escamoteia completamente os reais problemas da floresta portuguesa: a preservação da floresta existente, nomeadamente quanto a esse terrível flagelo dos incêndios, que neste ano exterminaram mais de 80 000 ha de povoamentos florestais; uma expansão florestal racional e não uma expansão florestal à base da irracional ocupação dos nossos solos com manchas enormes e sufocantes de floresta industrial, com acrescida gravidade no caso da eucaliptização das multinacionais em terras e solos de boa qualidade agrícola.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A economia portuguesa, a agricultura e aqueles que nela trabalham precisam de uma nova política agrícola que estimule, em vez de bloquear e, até, de fazer regredir, como tem acontecido; o desenvolvimento das forças produtivas e das relações e de produção, de uma nova política agrícola que não se submeta às imposições do FMI e da CEE quanto ao que deve ou não deve produzir nem aceite as limitações quantitativas que são impostas à nossa produção agrícola.
Consideramos que a redução do pesadíssimo défice alimentar é possível; mas só é possível como o prosseguimento da Reforma Agrária, com o apoio efectivo aos pequenos e médios agricultores e com um conjunto coerente de medidas que eliminem os principais estrangulamentos do sector agrícola e tenham como objectivo essencial o aproveitamento de recursos subutilizados e abandonados, numa perspectiva de apoio aos que efectivamente trabalham a terra.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
~O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.-UEDS): - Sr. Presidente, como V. Ex.ª sabe, vou usar da palavra no tempo que me foi dispensado pelo PS,. Por isso, agradeceria que a minha intervenção fosse cronometrada a partir do princípio, para que, involuntariamente, não acabe por abusar do tempo que me foi concedido.
O Sr. Presidente: - Assim, se fará, Sr. Deputado.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.-UEDS): -Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Reúne-se uma vez mais a Assembleia da República para apreciar o Programa de um Governo: o 10.º desde a institucionalização do regime democrático e o mais frágil de quantos, com uma base partidária, aqui vieram solicitar a investidura.
Governo que só não verá o seu Programa rejeitado porque rejeitá-lo não serviria a estratégia dos que, dentro de algumas horas, o irão viabilizar.
Governo cuja sobrevivência depende muito menos da vontade daqueles que com ele se identificam do que da vontade daqueles que nele vão consentir. .
Governo que é, afinal, para o PSD, que o apoia, e para o PRD, que o viabilizará, um simples compasso de espera, necessário ao prosseguimento dos objectivos que lhes são próprios.
Cairá, o mais tardar, no dia em que um ou outro julgue ter chegado a hora propícia para precipitar eleições em benefício próprio.
Hora cuja procura vai condicionar todo o comportamento de uns e de outros.
A que outra luz entender, por exemplo, a preocupação do Sr. Primeiro-Ministro, com a urgência da revisão da Lei- Eleitoral, ou o modo como o Sr. Presidente da República dissolveu a anterior Assembleia e o seu partido se aprestou a manifestar-se disponível para viabilizar o actual Governo?
No mar das perguntas e esclarecimentos, que se seguiram à apresentação do Programa do Governo, não terá passado despercebida a resposta dada pelo Sr. Primeiro-Ministro a propósito da Lei Eleitoral, que foi a seguinte:
A sua revisão poderá esperar, sem prejuízo pela revisão da lei fundamental, caso esta tenha lugar no próximo ano; não deverá aguardá-la se assim não for.
São afinal as eleições antecipadas a perfilarem-se no horizonte do Sr. Primeiro-Ministro. É a certeza de que a elas se subordinará toda a acção governamental. E, nessa matéria, o Sr. Primeiro-Ministro ensinou-nos já que não deixa os seus créditos por mãos alheias.
E por que outra razão teria o Sr. Presidente da República, aceite hoje, sem hesitações, o que ontem recusou liminarmente, empossando o mais minoritário de todos os governos, exceptuados aqueles que se ficaram a dever à sua própria iniciativa? E por que outra razão os que dele se reclamam se aprestam a deixar singrar esse Governo sem que, para tanto, a acreditarmos naquilo que nos dizem, tenham colocado quaisquer condições?
A moção de confiança seria, para um Governo tão gritantemente minoritário, o modo de, se aprovada, lhe garantir um suporte minimamente sólido ou, caso contrário, de forçar o caminho a soluções governativas menos precárias, obrigando todos a definirem-se de forma positiva e tornando ineficaz o falso «lavar de mãos» que a abstenção significa nas circunstâncias actuais.
Mas, por isso mesmo, não haverá moção de confiança: ela não. serviria os intentos nem do PSD nem dos que, por omissão, vão permitir-lhe governar. A fragilidade do Governo tem, aos olhos de qualquer deles, a virtude de fazer deste Governo um Governo de passagem para uma outra etapa da vida poli-
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tica portuguesa, que ambos ambicionam hegemonizar, permitindo a uns o exercício do Poder com esse objectivo e aos outros, com idênticos propósitos, a não responsabilização e o não comprometimento que resultaria de uma atitude inequívoca de aceitação ou de recusa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou esgotando os poucos minutos de que posso dispor sem abordar aquilo que é, em princípio, o objecto deste debate: o Programa do Governo. É verdade. Mas, perante o espartilho do tempo a que tinha de ajustar a minha intervenção, havia que optar entre uma, obrigatoriamente fugaz e incompleta, referência ao Programa do Governo ou o colocar de algumas questões que, julgo, se situam antes e para além dele e à luz das quais tem de ser apreciado. Esse Programa, este Governo e este debate. Aqui fica a explicação.
O Sr. Primeiro-Ministro afirmou, quando da apresentação do Programa do Governo, que as últimas eleições «abrem um novo ciclo político à democracia portuguesa».
Neste ponto, ao menos, não regatearei o meu acordo às palavras do Sr. Primeiro-Ministro.
As eleições de 6 de Outubro não clarificaram a política portuguesa.
Para o constatar, basta olharmos para a composição desta Assembleia. A menos que, por clarificação, se entenda a fragmentação do eleitorado e dos partidos, sem que, subjacente a essa fragmentação, estejam opções ideológicas e programáticas significativamente diferenciadas e inequivocamente assumidas.
Confundir mudanças na aritmética parlamentar com clarificação é andar demasiado depressa.
Mas as eleições de 6 de Outubro abriram caminho ao que poderá ser uma reformulação e renovação da nossa vida política, decisiva para o futuro do regime democrático.
Neste quadro, o X Governo Constitucional mais não será do que uma breve e efémera etapa nesse novo processo, mas que - não tenhamos dúvidas - o poderá marcar profundamente. Daí resulta a sua verdadeira importância e a importância do resultado deste debate. O modo como esse resultado seja alcançado será um primeiro e útil dado para o entrever do significado mais autêntico das últimas eleições e do posicionamento real de cada uma das forças com assento neste hemiciclo.
No fundo, todos o sabemos. Só que nem todos o reconhecemos.
Não será por certo grandiloquência da minha parte dizer que estamos numa encruzilhada em que cada passo marcará o caminho escolhido e condicionará a possibilidade de o trilharmos.
Estamos em face de um Governo cuja legitimidade é, obviamente, inquestionável, mas que, longe de corresponder à vontade maioritária do eleitorado ou, sequer, à vontade de parcela verdadeiramente significativa desse eleitorado (29% não são nem uma coisa nem outra), resulta apenas da convergência momentânea de interesses, que o encaram como simples e útil instrumento de transição.
Estamos face a um Governo destinado a servir a estratégia do PSD e que só subsistirá enquanto, como agora, sirva à estratégia do PRD.
Assim sendo, o Programa do Governo - não me tolhe o receio de o afirmar - é, para além de vazio, secundário.
E é vazio porque, talvez, no fundo, a todos se afigure como secundário.
Trata-se tão-só de cumprir uma formalidade, permitindo-se a investidura de um Governo cujo horizonte é já o das eleições antecipadas e o verdadeiro, e não confessado, programa de governar para elas.
Pela minha parte, recuso uma fórmula governativa possível apenas pela concordância passageira do interesse partidário de forças políticas que dispõem neste hemiciclo de uma curiosa maioria, feita de abstenções e votos positivos, suficiente para que o Governo sobreviva, insuficiente para lhe manifestar a confiança, que implicaria um comprometimento que nem todos ousam assumir.
E recuso-me porque rejeito as estratégias que estão na sua origem e na dos votos que o vão viabilizar. Como recuso o Programa, porque é vazio e porque, no pouco em que o não é, se revela o mais conservador de quantos a Assembleia da República já debateu.
O meu voto irá, por isso, para a moção de rejeição anunciada pelo Partido Socialista.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo inscrições para a formulação de pedidos de esclarecimento, para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.- Os Verdes): - Sr. Presidente, esta manhã pedi a palavra porque no documento em que se discrimina a atribuição de tempos para a apreciação do Programa do Governo não vem consignado nenhum tempo para o Partido Os Verdes, que eu aqui represento, ainda que tenha sido eleita integrada na coligação APU. Não me encontro abrangida pelo tempo do Grupo Parlamentar do PCP, nem do Grupo Parlamentar do MDP/CDE.
Tendo em conta a importância, para mim, pessoalmente, e para o Partido Os Verdes, que represento, do debate do Programa do Governo, é neste sentido que interpelo a Mesa.
Devo dizer, Sr. Presidente, que os esforços que o Sr. Presidente Fernando do Amai ai tem feito, no sentido da disponibilização, efectiva e natural, de tempos para os deputados independentes que aqui efectivamente representam partidos, têm sido por mim apreciados.
Penso, também, que o direito de ser deputado completa-se no dever de ser deputado, e isso pressupõe a aceitação da responsabilidade, ou seja, uma intervenção efectiva na dinâmica e no trabalho desta Casa.
Nesse sentido, solicitava a V. Ex.ª que pusesse à consideração da Câmara a possibilidade da disponibilização de tempos para a minha intervenção no debate do Programa do Governo.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Santos, a conferência dos líderes dos grupos parlamentares, que tem competência para distribuir os tempos em debates organizados ao abrigo do artigo 146.º do Regimento, decidiu que os Srs. Deputados Independentes não teriam tempo próprio.
Como sabe, o artigo 146.º do Regimento, que se refere ao tempo de debate, diz no seu n.º 2 o seguinte:
Este tempo é distribuído proporcionalmente entre os grupos parlamentares e agrupamentos parlamentares, em função do respectivo número de Deputados.
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Assim, não é contemplada a possibilidade de ser dado tempo isoladamente a cada um dos Srs. Deputados Independentes.
Nestas circunstâncias,, a Mesa tem de cumprir a deliberação da conferência dos líderes dos grupos parlamentares, que, aliás, está conforme o Regimento.
Sr.ª Deputada, não tenho mais nenhum esclarecimento a dar-lhe. Se V. Ex.ª, quiser usar da palavra poderá solicitar, tal como outros Srs. Deputados Independentes, ao respectivo partido ou coligação em cujas listas se encontra integrada, que lhe concedam tempo.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.- Os Verdes): - Sr. Presidente, de qualquer maneira gostava então de recorrer da decisão da Mesa ao abrigo do artigo 87.º do Regimento.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Santos, não há, nestas circunstâncias, condições para recorrer, o que, aliás, teria de fazer noutra altura.
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que terei ouvido mal uma referência que V. Ex.ª terá feito de que não haveria possibilidade de um Sr. Deputado recorrer, a todo o tempo da reunião plenária, de uma decisão do Presidente ou da Mesa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, creio que só se pode recorrer da decisão da conferência dos líderes dos" grupos parlamentares após a tomada de conhecimento dessa decisão e não a qualquer tempo. Recorrer de uma decisão da Mesa a qualquer tempo é totalmente diferente.
Foi transmitida a súmula da reunião da conferência dos líderes dos grupos parlamentares e quem não estava de acordo devia ter interposto recurso imediatamente.
Creio que é esta a lógica da interposição dos recursos e não a qualquer tempo ou a qualquer momento do debate.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, creio que os factos apontam no sentido de que quando foi possível à Sr.ª Deputada Independente do Partido Os, Verdes solicitar a palavra, ela fê-lo dirigindo-se à Mesa e pedindo a palavra.
Como o Sr. Presidente sabe, a Sr.ª Deputada Maria Santos não tem assento na conferência dos líderes dos grupos parlamentares e como tal não tem acesso directo à súmula das conferências nem tem de conhecer directamente as decisões que lá são tomadas.
Penso que a Sr.ª Deputada Maria Santos tomou conhecimento através da voz do Sr. Presidente da decisão de que não poderia usar da palavra, nos termos da decisão da conferência dos líderes dos grupos parlamentares.
Portanto, Sr. Presidente, é nesses termos que nós consideramos que é pertinente e não poderá ser recusado o recurso que por ela foi anunciado.
O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, segundo este, documento que nos foi entregue pela Mesa há cerca de meia hora, a Sr.ª Deputada Maria Santos está inscrita em quinto lugar para usar da palavra.
Portanto, a Sr.ª Deputada Maria Santos tomou agora conhecimento de que não pode usar da palavra de acordo com a distribuição de tempos feita pela conferência dos lideres, dos grupos parlamentares.
Acontece, Sr. Presidente, que em relação aos recursos o n.º 1 do artigo 87.º é muito claro, pois diz q seguinte:
Qualquer Deputado pode recorrer das decisões do Presidente ou da Mesa.
Por esse motivo, Sr. Presidente, o recurso da Sr.ª Deputada tem de ser admitido pela Mesa e de acordo com o n.º 2 do artigo 87.º a Sr.ª Deputada tem 3 minutos para fundamentar o seu recurso e a partir desse momento iniciar-se-á a votação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Corregedor, da. Fonseca, o que o n.º 1 do artigo 87.º, que acaba de ler, diz é que «qualquer Deputado pode recorrer das decisões do Presidente ou da Mesa». No caso vertente, não se trata de uma decisão do Presidente ou da Mesa, mas de uma decisão da conferência dos líderes dos grupos parlamentares, ao abrigo de um poder que lhe compete.
Assim, mantenho a interpretação de que esse recurso devia ser feito no início da sessão e não neste momento.
Vozes do PSD: - Muito' bem!
O Sr. Presidente:,- Sr. Deputado António Capucho, mantém o pedido para usar da palavra?
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, se não admite o recurso, prescindo do pedido da palavra.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Santos, nestas circunstâncias não aceito o recurso na medida em que não é feito ao abrigo de qualquer artigo do Regimento que lhe permita fazê-lo neste momento e, portanto, só tenho que respeitar a decisão da conferência dos líderes dos grupos parlamentares.
Sr. Deputado Jorge Lemos, V. Ex.ª pretende usar da palavra para que efeito?
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem V. Ex.ª a palavra.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, a única maneira possível de os Srs. Deputados Independentes com assento nesta Assembleia tomarem conhecimento das decisões da conferência dos líderes dos grupos parlamentares, uma vez que eles não têm assento nessas conferências e não têm acesso aos materiais que dessas conferências resultam, é precisamente quando V. Ex.ª anuncia em Plenário as decisões.
Portanto, não há qualquer outro espaço temporal possível que não seja esse próprio momento em que V. Ex.ª transmite ao Plenário as decisões da conferên-
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cia dos líderes dos grupos parlamentares, no sentido de recusar ou permitir que determinado direito dos deputados seja exercido.
Por outro lado, Sr. Presidente, creio que o artigo 87.º é claro, pois quando o Presidente anuncia uma decisão, ela é de facto uma decisão da conferência mas que é assumida pelo Sr. Presidente e que é comunicada, como tal, ao Plenário e é dessa decisão que, no momento concreto, se trata de aceitar ou não o recurso.
Portanto, nestes termos achamos que é inaceitável a postura da Mesa e estaremos dispostos a recorrer da decisão de V. Ex.ª de não admitir o recurso, caso V. Ex.ª persista na posição de não aceitar o recurso anunciado pela Sr.ª Deputada Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lemos, mantenho a interpretação de que sendo públicas as decisões da conferência dos líderes dos grupos parlamentares, na medida em que há uma súmula que é comunicada aos grupos parlamentares e aos deputados, qualquer recurso das decisões aí tomadas deve ser feito no início da sessão e não a qualquer momento.
Posso estar equivocado, podemos chegar a uma interpretação melhor, mas, neste momento, para clarificar a situação e para não entrarmos num debate que não terá fim, mantenho esta decisão.
Sr.ª Deputada Maria Santos, pede a palavra para que efeito?
A Sr.ª Maria Santos (Indep.- Os Verdes): - Sr. Presidente, posso pedir um esclarecimento?
O Sr. Presidente:- Sr.ª Deputada, V. Ex.ª não pode pedir esclarecimentos, mas sim fazer uma interpelação à Mesa.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.- Os Verdes): - Sr. Presidente, uma quê? Não percebi!
O Sr. Presidente: - Uma interpelação à Mesa.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.- Os Verdes): - Sr. Presidente, efectivamente coloquei esta questão não no sentido de prejudicar os trabalhos, mas, pelo contrário, com o objectivo de, como o Sr. Primeiro-Ministro disse na sua intervenção inicial, participar de facto e com responsabilidade na adequação e na construção de uma política que sirva a todos nós.
E neste sentido que interpelo a Mesa para que se encontre um equilíbrio que permita a disponibilização de tempos para eu poder falar, pois como deve compreender não me sinto muito à vontade para estar constantemente dependente dos grupos ou dos partidos que queiram ter a amabilidade de me cederem tempo para me poder expressar.
O Sr. António Capucho (PSD): - É apresentar uma candidatura própria.
Risos do PSD.
A Oradora: - Desculpem, mas eu disse alguma coisa que fosse para rir? Dá-me a ideia que não disse nada que fosse para rir!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço-vos que conservem o silêncio. Sr.ª Deputada, faça o favor de prosseguir.
A Oradora: - É que quero assumir as minhas responsabilidades e, por isso, ponho à consideração desta Assembleia essa possibilidade.
Não estou a entravar os trabalhos, pelo contrário, gostaria de pôr algumas questões concretas ao Sr. Primeiro-Ministro e ao Governo, no sentido do meu próprio esclarecimento e no do Partido Os Verdes, que represento. Não é, pois, para empatar os trabalhos.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Santos, não ponho em dúvida a pureza das suas intenções, mas trata-se, neste caso, de avaliar da sua conformidade relativamente ao Regimento.
Sr. Deputado José Luís Nunes, pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, para confirmar aquilo que V. Ex.ª acaba de dizer, acrescentando que a decisão transitou em julgado, que o recurso tem de ser imediato e que, último momento, não é legítimo no meio de um debate introduzir entorses e modificações às regras com que ele foi iniciado.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, como V. Ex.ª no fundo permitiu que se iniciasse um debate sobre esta matéria, não vou entrar nesse jogo, mas não me poderia manter em silêncio e, por isso, utilizando a figura da interpelação à Mesa, gostaria de tecer algumas considerações.
É possível que a Sr.ª Deputada Maria Santos apenas pretenda com isto fazer vingar aquilo que julgou serem os seus direitos.
A Sr.ª Deputada Maria Santos não esteve cá na sessão legislativa anterior e este número, permita-se-me a expressão, não é novo, repetido ciclicamente pelo Partido Comunista cada vez que um deputado independente eleito pelas listas do Partido Comunista pede a palavra.
A Sr.ª Deputada está exactamente na mesma situação em que estão o Sr. Deputado Lopes Cardoso e o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro, que é independente e que foi eleito por este grupo parlamentar e que quando precisar de utilizar tempo «negoceia» esse tempo com o grupo parlamentar.
O Regimento é claro. V. Ex.ª, se não concordava com a decisão da conferência dos líderes dos grupos parlamentares, devia ter apresentado a sua questão logo no início do debate. Como não o fez, o que poderá fazer agora é recorrer da decisão da Mesa, mas o recurso da decisão da Mesa faz-se recorrendo directamente para a Mesa e põe-se imediatamente à votação, havendo de seguida a declaração de voto.
Agora, não vamos é perder a tarde a discutir esta questão, que não é nova, pois, como já sabemos, é uma manobra usual.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
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O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, é evidente que o Sr. Deputado António Capucho foi muito claro nesta parte final da sua intervenção.
Portanto, Sr. Presidente, não há razão nenhuma paia que V. Ex.ª não «aceite o recurso de um deputado, seja ele qual for, visto que se podem criar incidentes processuais ao longo de qualquer sessão e então recorre-se. Já não é a primeira, nem a segunda nem a décima vez que isso acontece.
A Sr.ª Deputada Maria Santos apresentou um. recurso, o Sr. Presidente deverá, na nossa opinião, aceitá-lo, a Sr.ª Deputada fundamenta o recurso em 3 minutos e depois passar-se-á à votação.
Se o. Sr. Presidente mantiver essa posição o incidente prosseguirá e talvez, pela nossa parte, apresentemos recurso da decisão da Mesa.
Portanto, Sr. Presidente, não sairemos daqui e creio que a melhor e a mais sensata posição será a de aceitar o recurso da Sr.ª Deputada Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, eu considero-me uma pessoa sensata e, na verdade, o Sr. Deputado António Capucho propôs uma solução para despachar, como se costuma dizer, e não propriamente uma interpretação estrita sob o ponto de vista regimental.
Mas na verdade não quero fazer o papel de pessoa que dificulta a solução imediata desta questão e se se convergir para uma interpretação no sentido de que se deve dar a possibilidade à Sr.ª Deputada de recorrer, não farei questão de manter a minha posição inicial, muito embora isso tenha de ser devidamente reexaminado mais tarde.
De facto, não se tratou de uma decisão da Mesa, da qual se pode recorrer a qualquer tempo, mas tratou-se, sim, de uma decisão da conferência dos líderes dos grupos parlamentares no exercício de uma competência própria.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, isto' tem alguma gravidade, pois V. Ex.ª não admitiu o recurso. A Sr.ª Deputada Maria Santos ou qualquer outro Sr. Deputado tem todo o direito de recorrer da decisão de V. Ex.ª, que não admitiu recurso, e terminou aí o problema. Mas V. Ex.ª não admitiu o recurso, e muitíssimo bem.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Presidente, muito brevemente gostaria de dizer que o Sr. Deputado António Capucho acabou por fazer uma proposta sensata.
No entanto, era dispensável que tivesse antecedido essa proposta sensata, enfim, daquilo que eu chamaria a sua charlazinha anticomunista porque da parte do Grupo Parlamentar do PCP há a plena disponibilidade de ceder tempo à Sr.ª Deputada Maria Santos, se essa questão se colocar.
Mas nós entendemos que os deputados independentes têm o legítimo direito, e isso só lhes fica bem, de reclamarem, em debates da importância como este tem, que lhes seja atribuído tempo próprio, sem carecerem que este lhe seja cedido pelos grupos parlamentares dos partidos cujas listas lhes serviram de base de eleição.
Portanto, quanto a nós, trata-se de uma atitude que fica bem, que apoiamos e que temos apoiado sempre na conferência dos líderes dos grupos parlamentares.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, consultada a Mesa, decidimos aceitar o recurso à não admissão do recurso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.-UEDS): - Sr. Presidente, peço a palavra exactamente ao mesmo título que os deputados que anteriormente intervieram. Como não consegui descortinar exactamente qual era esse título, invoco esta fórmula genérica, informando ainda V. Ex.ª de que pretende utilizar 30 segundos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a figura regimental utilizada foi a interpelação à Mesa.
O Sr. Deputado Lopes Cardoso (Indep.-UEDS): - Sr. Presidente, então se me permite utilizar a palavra nas mesmas condições, através da figura da interpelação à Mesa, queria apenas dizer, porque entendo que o devo dizer à Assembleia, dado que de alguma forma a questão também me toca, que não a suscitei pela razão simples de que me foi dito que a conferência dos líderes dos grupos parlamentares tinha tomado essa decisão, mas que era uma decisão sujeita ainda a debate e não constituía, à partida, um precedente, pois era aplicada, por razões que não vêm ao caso, a este debate e que continuava em aberto.
A partir daí, evidentemente, não levantei a questão, abstenho-me de intervir na discussão e abster-me-ei em relação a quaisquer questões que em torno destas matérias se levantarem, uma vez que entendo que ela tem um sítio próprio para ser discutida, que é a conferência dos líderes dos grupos parlamentares, e ainda porque me foi dito que ela está em aberto para ser aí discutidas
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Santos, V. Ex.ª tem 3 minutos para justificar o recurso da não admissão da Mesa do seu recurso.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.- Os Verdes): - Sr. Presidente; ao abrigo do artigo 87.º do Regimento, recorro, da decisão de V. Ex.ª que não me permite, efectivamente, poder participar num debate tão importante como o do Programa do X Governo que o Sr. Primeiro-Ministro trouxe a esta Assembleia.
Sr. Presidente, considero que é inaceitável, independentemente das regras por que fui eleita e por estar integrada na Aliança Povo Unido, visto que estou aqui como deputada independente do Partido Os Verdes, não poder exercer efectivamente aquilo que considero essencial no trabalho e na actividade de um deputado que é o uso da palavra, o debate de ideias e a participação efectiva na actividade desta Casa.
Neste sentido, solicitava a V. Ex.ª que colocasse está questão à apreciação de todos os Srs. Deputados aqui presentes.
O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Maria Santos, V. Ex.ª, durante o seu recurso, disse que a minha decisão não lhe permitia participar no debate.
Não se trata da minha decisão, trata-se de uma decisão da conferência dos líderes dos grupos parlamentares. Essa questão terá de ficar bem explicita.
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A Sr.ª Maria Santos (Indep.- Os Verdes): - Sr. Presidente, corrijo a expressão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder a votação do recurso apresentado pela Sr.ª Deputada Independente do Partido Os Verdes, Maria Santos.
Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PS, do PRD e do CDS, votos a favor do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente de Os Verdes, Maria Santos, e a abstenção de 11 deputados do PRD, do deputado independente - UEDS, Lopes Cardoso, e do deputado independente - PPM, Ribeiro Teles.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir com os trabalhos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.
O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: De uma análise global do Programa do Governo ressalta, em primeiro lugar, com a maior evidência, que sob a aparência de pragmatismo e realismo ao serviço da eficácia, é este, porventura, o que apresenta uma maior densidade ideológica. Resulta este carácter não das afirmações de princípio ou das propostas teóricas nele contidas, mas dos meios e das vias concretas que se pretende utilizar para o desenvolvimento do objectivo central, denominado «estratégia de progresso controlado». Porque, a serem aplicadas tais medidas, estaríamos, de facto, perante uma profunda alteração das bases estruturantes do regime democrático definido na Constituição da República Portuguesa.
A orientação abertamente liberal defendida, reduzindo o Estado a um mero papel supletivo na economia de mercado e negando o princípio fundamental da coexistência e respeito dos diversos sectores de propriedade (público, privado e cooperativo), contraria uma das bases fundamentais sobre que se construiu a nossa sociedade democrática e diverge, até, da essência da doutrina social-democrata. Chega mesmo a dizer-se que o Estado intervirá só e quando for necessário para garantir o sucesso de determinados empreendimentos, isto é, assume os custos dessa intervenção, mas, logo que equilibrada a situação e garantida a viabilidade e rendibilidade do empreendimento, deve cessar a intervenção do Estado, passando o empreendimento para a mão do capital privado. Os custos e os riscos serão assumidos pelo Estado, os lucros serão para o capital privado.
Não vemos como este Programa, no seu conteúdo essencial, poderá conciliar-se com a reafirmação - feita pelo Sr. Primeiro-Ministro - de respeito pela Constituição, tanto mais que, exorbitando da sua esfera de acção, este chega a proclamar à Assembleia da República a necessidade da sua revisão. Mas, perante a dificuldade de conseguir na Assembleia da República a maioria qualificada necessária para a revisão profunda da Constituição, o Governo anuncia no seu Programa uma orientação que, na prática, não cabe nos limites constitucionais.
Não deixamos de compreender a lógica da atitude que há muito vem sendo desenvolvida pelo PSD. Também estamos de acordo em que um dos maiores males da sociedade portuguesa tem sido o predomínio da indefinição sobre a clarificação, a sobreposição da ambiguidade à precisa determinação de objectivos, o curto prazo dominando as estratégias de desenvolvimento a médio e longo termo. A situação apresentou-se especialmente agravada nos dois últimos anos da coligação PS/PSD. Mas daqui não retiramos a conclusão de que a boceta de Pandora seja a Constituição da República.
Concluímos, sim, que a maior fonte dos males é que a Constituição, tal como existe, não tenha sido cumprida. Porque, contrariamente ao que aconteceu com alguns textos fundamentais da nossa história constitucional, esta Constituição não se sobrepõe artificialmente à realidade, mas, no essencial, é expressão da própria realidade portuguesa, transformada após o 25 de Abril. Com toda a propriedade podemos dizer, assim, parafraseando o Sr. Primeiro-Ministro, que a nossa Constituição é na actualidade, o traço mais firme de união entre os Portugueses.
Qualquer prática governativa que não tenha isto em conta cavará o seu progressivo isolamento atendendo a que, em todas as eleições, para além das oscilações das votações nos partidos, a maioria do eleitorado tem--se manifestado sempre favorável ao regime de Abril consagrado na Constituição e será ineficaz porque desaproveitará potencialidades reais da nossa estrutura económica sem meios para poder concretizar alternativas válidas.
Com efeito, que garantias pode ter este Governo, perante uma acção meramente supletiva do Estado, de que a actuação da iniciativa privada conduzirá a um desenvolvimento económico e social correcto e harmonioso? A actuação dos grupos económicos e das grandes empresas que em economia de mercado lideram e conduzem, efectivamente, a economia não é de molde a permitir tal conclusão. Estes grupos, através dos órgãos de que fazem parte, nunca consideraram suficientes as garantias e liberdades de actuação que os vários governos nos últimos 9 anos, lhes concederam. Sempre exigiram mais; o seu ponto de referência continua a ser o de antes de Abril de 1974.
Por outro lado, os profundos desequilíbrios que têm vindo a agravar-se na economia nacional levarão a que, se este Governo puder manter-se e aplicar o Programa que apresenta agora, se assistirá a um número crescente de falências e fecho de empresas, em especial pequenas e médias - o que desorganizará ainda mais a economia e contribuirá para que os grupos económicos e as grandes empresas consolidem e estendam o seu poder económico, acabando por subverter-se o princípio constitucional fundamental de subordinação do poder económico ao poder político democrático.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: Na sessão de perguntas ao Governo tivemos ocasião de colocar ao Sr. Primeiro-Ministro uma questão que se nos afigura importante e que não obteve resposta. Foi ela: perante uma actuação que irá agravar tensões em alguns sectores da sociedade portuguesa, perante a necessidade de ver aprovadas medidas que, segundo a orientação programática anunciada, colidirão com princípios constitucionais fundamentais, como pensa o Governo obter os necessários apoios políticos, garantir a estabilidade governativa e assegurar a indispensável base social de apoio?
Timidamente, admitiu o Sr. Primeiro-Ministro que a estabilidade governativa reside não tanto na maioria como na coerência e na eficácia e, da própria bancada social-democrata, chegou-nos a afirmação de estar provado que «um governo depende mais da capacidade
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com que enfrenta os problemas, da resolução concreta dos problemas nacionais, do que da maioria parlamentar».
Não deixamos de acolher com alguma surpresa esta tese que é precisamente aquela com que temos enfrentado as maiorias parlamentares e, sobretudo, a maior maioria de sempre da coligação PS/PSD e que significa, de facto, uma superação do estrito conceito de democracia formal.
No plano social, poderá o Governo lançar algumas medidas com que em princípio estaremos de acordo - como a recente sobre os aumentos das pensões de reforma - que eventualmente captará simpatias no curto prazo. Mas - a não ser que o Governo esteja já a preparar-se para eleições nos próximos meses - quais as reacções que a mais longo prazo provocarão se, desinseridas de uma planificação global de desenvolvimento tais medidas conduzirem a um aumento da dívida pública e a uma elevação da taxa de inflação que acabe por absorver os aumentos?
Temos bem presente o que ocorreu em 1980, exactamente, com as medidas sociais lançadas pelo então Ministro das Finanças e do Plano, hoje Primeiro-Ministro.
No plano político, não deixaremos de receber, também com alguma surpresa, a súbita disponibilidade do Governo do PSD para o diálogo com todos os partidos. Queremos dizer que não é por compreendermos as razões circunstanciais desta atitude que a acolheremos com menos simpatia. Sempre defendemos ser o desenvolvimento do diálogo institucional uma das condições básicas do funcionamento da democracia e sempre para ele estaremos abertos e disponíveis agora como no passado. Mas Sr. Primeiro-Ministro um diálogo democrático tem exigências, tem regras rigorosas que, a não serem cumpridas, obscurecem e perturbam em vez de clarificar e normalizar. E essas regras são, em nosso entender, pelo menos, de três ordens: a ausência de preconceitos bloqueadores à partida, como por exemplo uma visão maniqueísta do campo democrático que inevitavelmente subverteria a essência democrática do diálogo; a transparência das intenções recíprocas, com perfeita clarificação dos fundamentos das diferentes posições; e o desenvolvimento num plano não de mera formalidade, mas no da atenção e. respeito mútuo. Neste entendimento, não nos enquistaremos numa posição irredutível de crítica sistemática e destrutiva, mas, sem apagamento das diferenças de fundo, não recusaremos o acordo a ideias ou acções que entendamos dever merecê-lo, como poderá vir a acontecer relativamente a aspectos de natureza sectorial deste Programa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha desejo apenas preveni-lo que já está a gastar do tempo atribuído para o dia de amanhã do MDP/CDE. Sr. Deputado, faça o favor de prosseguir.
O Orador:- Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro: A nossa discordância em relação a este Governo nasce, antes de tudo, da fórmula adoptada para a sua constituição. O critério tradicional ainda desta vez seguido, não sendo o único constitucionalmente possível, só encontrará justificação no facto de se pensar que urgências do Estado não se compadeceriam de um processo inevitavelmente mais longo devido à indisponibilidade manifestada por algumas, direcções partidárias.
Adoptou-se, assim,, uma fórmula que, embora mais expedita e, à partida, menos polémica, mostra uma fragilidade que se torna ainda mais evidente perante a gravidade dos problemas que o Governo enfrenta e as opções que se lhe colocam.
Não há medidas sociais favoráveis lançadas a todo o vapor nem pontes de diálogo por mais atraentes que possam escamotear esta realidade: é um Governo com um apoio político restrito, com uma base social limitada e com uma muito insuficiente sustentação parlamentar. É um Governo que - como o Sr. Primeiro-Ministro acabou aqui implicitamente por reconhecer - não tem sequer condições para apresentar uma moção de confiança à Assembleia da República.
Não ficou demostrada, porém, a impossibilidade de se obterem consensos mais alargados sobre alguns grandes problemas nacionais, pois eles não foram sequer tentados.
Admitimos que a conjuntura político-partidária não fosse a mais favorável após as eleições de 6 de Outubro, perante a necessidade de recuperação de uns e as perspectivas eleitorais de outros.
Mas, muito provavelmente, a vida política evoluirá no sentido de se tornar necessária a criação de executivos com forte suporte político e social e que mereçam a confiança da grande maioria dos portugueses - condição indispensável para que o País se empenhe na grande obra de recuperação económica que a entrada na CEE torna ainda mais urgente.
Só o estabelecimento de consensos mínimos sobre algumas dessas grandes questões que o País enfrenta permitirá lançar as bases para a sustentação de ,tais governos. No âmbito parlamentar e com inteiro respeito pelos mecanismos, constitucionais, uma solução dessa natureza vem surgindo tanto mais próxima no horizonte das possibilidades quanto mais se for impondo no quadro das necessidades nacionais.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e da deputada independente - Os Verdes, Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de suspender a sessão para o intervalo regimental, convoco a conferência dos líderes dos grupos parlamentares para uma reunião no gabinete do Sr. Presidente.
Aproveito, também, para informar os Srs. Deputados que os tempos do Governo e dos grupos parlamentares ainda disponíveis para hoje são os seguintes: Governo, 34 minutos; PSD, 18 minutos; PS, 5 minutos; PRD, 20 minutos; PCP, 24 minutos; CDS, 16 minutos; o MDP/CDE já gastou 2 minutos do tempo de amanhã. No conjunto estão ainda disponíveis para hoje 128 minutos.
Na conferência dos líderes dos grupos parlamentares vamos acertar o final da reunião de hoje, bem como tratar de outros assuntos.
A sessão vai ser suspensa para o intervalo regimental e recomeçará às 18 horas impreterivelmente.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 17 horas e 30 minutos.
Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 15 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de prosseguirmos o debate do Programa do Governo, vamos apreciar um relatório da Comissão Eventual de Verificação de Poderes, a cuja leitura o Sr. Secretário Maia Nunes de Almeida vai proceder.
Foi lido. É o seguinte:
Relatório e parecer da Comissão Eventual de Verificação de Poderes
Em reunião realizada no dia 19 de Novembro de 1985, pelas 15 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputado solicitada pelo Partido Comunista Português:
Carlos Campos Rodrigues Costa (círculo eleitoral do Porto) por António Manuel da Silva Osório. Esta substituição é pedida por um período não superior a 2 meses, a partir do dia 19 de Novembro corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Subcomissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Subcomissão entende proferir o seguinte parecer:
A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Comissão: Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Licinio Moreira da Silva (PSD) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - Manuel Maria Moreira (PSD) - Manuel Maria Portugal da Fonseca (PSD) - António Cândido Miranda Macedo (PS) - Mário Sottomayor Leal Cardia (PS) - Ana da Graça Carreira Gonçalves Crujeira Antunes (PRD) - Joaquim Carmelo Lobo (PRD) - João António Gonçalves do Amaral (PCP) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Maria Andrade Pereira (CDS) - Francisco António Oliveira Teixeira (CDS) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, votar o relatório que acabou de ser lido.
Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora prosseguir o debate sobre o Programa do Governo. Tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou usar alguns minutos, cedidos, aliás, por um colega do Governo e prejudicando o escasso tempo de que dispomos, para responder a algumas questões que, com elevação e pertinência, foram postas sobre a parte económica do Programa - refiro--me à intervenção do Sr. Deputado Silva Lopes.
Fá-lo-ei ponto por ponto, de acordo com as notas que tirei. Perdoe-me o Sr. Deputado se trair aqui ou acolá o sentido da sua intervenção, mas apenas disponho destas notas e já há uma certa distância relativamente à sua intervenção, o que me impede de ter a memória mais fresca.
O Sr. Deputado Silva Lopes disse que o Programa do Governo apostava num milagre económico mas que, quanto aos instrumentos, o Programa era vago porque não quantificava.
Ora, há uma hierarquia nos documentos que o Governo tem a apresentar à Assembleia. É o Programa, depois são as Grandes Opções do Plano e depois é a lei do Orçamento e o próprio Plano, que reveste a forma de decreto-lei do Governo. De acordo com esta hierarquia, o grau de concretização tem de ser crescente. Não nos peçam para pormos tudo no Programa do Governo.
Um segundo ponto diz respeito à inflação.
O Sr. Deputado Silva Lopes diz que não acredita que seja possível aproximarmos a nossa taxa de inflação da média da inflação dos países da CEE em 3 ou 4 anos.
Ora, o Governo não tem dúvidas de que conseguirá atingir esta meta. Os instrumentos de política muito bem articulados, que o governo tem em mente, têm eficácia suficiente para que esta meta seja atingida, não em 4 anos mas muito provavelmente em 3 anos.
Analisando esses instrumentos de política, o Sr. Deputado Silva Lopes disse que não acreditava que do lado da regulação da procura eles funcionassem bem e subalternizou - coisa que o Governo não faz - o lado da oferta. E é pelo lado da oferta, através da política de redução dos custos unitários de produção, que o Governo atingirá a sua maior eficácia no combate à inflação.
Mas, do lado da procura, o Sr. Deputado Silva Lopes referiu a política monetária, dizendo que ela tem de ser expansionista, uma vez que o investimento vai crescer e, por outro lado, os défices orçamentais das finanças públicas continuariam indisciplinados.
Quanto a este segundo aspecto, é ponto de honra para o Governo disciplinar o défice das finanças públicas e por aí reduziremos certamente as tensões inflacionárias.
Quanto ao crescimento do investimento, devo dizer que de facto o esforço de crescimento, que nesse campo vamos fazer, vai provocar algumas tensões inflacionárias mas elas próprias serão reduzidas quando, em prazo relativamente curto, o investimento trouxer os seus frutos do lado da oferta.
Mas este expansionismo da política monetária de que o Sr. Deputado Silva Lopes fala é de facto uma interpretação muito frequente numa escola de macroeconomia, a escola dos monetaristas, que faz quase uma ligação matemática entre a expansão da oferta monetária e o crescimento dos preços.
Mas o Governo não pensa assim. Tem uma posição diferente, que é quase uma posição da escola do pensamento económico. Repito que a política do Governo não é uma política monetarista.
Quanto à política cambial, o Sr. Deputado Silva Lopes diz que não acredita que ela tenha grandes efeitos na redução da inflação porque temos de preservar a competitividade.
De facto, o Governo estará muito atento relativamente à questão da competitividade. Os factores que a determina são, fundamentalmente, os salários nominais, os preços importados e os encargos financeiros.
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Quanto aos encargos financeiros, vai actuar a política de redução de custos pois vamos baixar, as taxas de juro.
No que toca aos preços importados/se a política cambial for devidamente articulada num conjunto de instrumentos contra a inflação pode atenuar o peso dos imputs importados.
Quanto aos salários nominais, esperamos, através da política de rendimentos, que eles não. disparem relativamente à inflação esperada em 1986.
Para o Governo, a política cambial constitui um dos principais instrumentos da política contra a inflação.
E é aí que tem residido um dos erros dos últimos anos em Portugal: a política cambial tem constituído um dos grandes alimentadores do processo inflacionário em Portugal.
Ora, nós vamos, quebrar o ciclo vicioso «desvalorização-inflação».
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à política de rendimentos, diz o Sr. Deputado Silva Lopes que fazer baixar a inflação com os salários reais a subirem, as pensões a subirem e os lucros reais certamente a subirem também para estimularem o investimento é uma congregação muito difícil de conseguir.
As pensões subiram, de facto, 22% em média, aliás; com o limite absoluto de 8 contos. Isto é, qualquer pensão superior a 40 contos não terá mais do que 8 contos de aumento.
Por que é que o Governo fez isto?
É uma questão de hierarquia: em primeiro lugar; está a justiça social e depois está o objectivo de combate, à inflação.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A actualização das pensões foi uma excepção à política de rendimentos do Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto à margem unitária do lucro das empresas, faz parte da política de rendimentos do Governo baixar a margem relativa ou unitária de lucro. Em primeiro lugar, porque é razoável pedi-lo quando a economia vai crescer e, portanto quando as empresas vão ter lucros globais maiores.
Em segundo lugar, porque tal faz parte, da política de rendimentos do Governo e o Governo vai de facto actuar com uma persuasão fiscal.
Ora, um dos instrumentos de persuasão fiscal que vai ser utilizado é muito simples: o Governo vai dialogar com as empresas. Todavia, as empresassem a liberdade de gerir os seus preços conforme entenderem, dentro da lei, como é evidente.
Se uma empresa, que tem uma posição estratégica na formação de preços, resolver aumentar os seus preços mais do que a inflação projectada pelo Governo, ou seja, 14%, fá-lo-á se tiver para isso, razões aceitáveis e nesse caso o, Governo aceitá-lo-á. Mas, se o Governo entender que não há razões para essa supra actualização dos preços da empresa, lançará mão de instrumentos legítimos e um deles, que tem um conteúdo indirecto de persuasão fiscal, consiste em o Governo determinar imediatamente uma fiscalização, tributária de segurança social e uma inspecção geral de finanças, em suma; uma fiscalização exaustiva em todos os domínios para verificar o cumprimento das obrigações fiscais, da segurança social e outras por parte da empresa.
É uma atitude legítima por parte do Governo e, embora forte, estamos certos de que as empresas que actuam na economia à superfície concordarão completamente com esta medida.
O Governo vai, portanto, acompanhar, sem controles administrativos mas com alguma persuasão fiscal, a formação de preços estratégicos na rede de formação de preços da economia portuguesa.
Não se trata de fazer a repressão, de preços; trata-se, sim, de criar expectativas regressivas na inflação portuguesa.
Aliás, Sr. Deputado Silva Lopes, em 1980 não houve repressão de preços e o senhor sabe-o muito bem. O que houve foi uma política de combate à inflação, de promoção do investimento e de melhoria das condições de vida, aliás, magistralmente conduzida - como o Sr. Deputado Silva Lopes já publicamente reconheceu. «Magistralmente» foi o advérbio que o Sr. Deputado usou.
Quanto ao investimento, o Sr. Deputado Silva Lopes concorda com a taxa de investimento, dizendo que 25% do produto em cada ano não estará, mal. No entanto, frisou que o que é importante é olhar à composição do investimento e não ao aumento do seu volume.
Estamos de acordo, mas não basta olhar à composição do investimento. É preciso aumentar também o nível de investimento para que a estratégia de progresso controlado tenha os seus efeitos.
Quanto à composição do investimento, não será por decreto nem por controle administrativo que nós vamos orientar o investimento para a exportação ou para a substituição de importações. Confiamos que seja o mercado o melhor orientador do investimento. Daremos sinais aos investidores, traçaremos directrizes mas
Tudo com uma finalidade indicativa.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Quanto aos efeitos que isto venha a ter na balança dê pagamentos, o Sr. Deputado Silva Lopes entende que se trata de uma política de risco que pode criar défices graves nos primeiros 4 ou 5 anos e não, acredita que os efeitos positivos sobre a balança apareça a tempo de evitar uma eventual crise financeira externa.
Sr. Deputado Silva Lopes, infelizmente, Portugal tem sido vítima, nos últimos 11 anos, desta sequência não interligada de políticas de curto prazo, seccionadas, políticas de estabilização, muitas vezes políticas monetaristas.
O Governo tem uma política económica com um horizonte de médio prazo, o que, como o Sr. Deputado sabe muito bem, não é mais do que uma sequência de políticas de curto prazo mas bem articuladas entre si, em coerência com os objectivos de médio prazo.
O que a economia portuguesa precisa é de políticas de fundo, de políticas reestruturantes e não de políticas de estabilização de curto prazo, desligadas umas das outras, como tem acontecido entre nós.
Repito que Portugal tem sido o melhor laboratório das políticas de stop and go.
Vozes do PSD: - Muito bem!
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O Orador: - Quanto ao risco de descarrilamento das contas externas, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que a nossa projecção a 8 anos de vista, com muita cautela quanto aos pressupostos, a nossa estratégia de progresso controlado tem em conta os seguintes indicadores quanto à dívida externa: a dívida externa relativamente às receitas da balança de transacções correntes passa de 157% para 100% no fim do 8.º ano e a dívida externa relativamente ao PIB passa de 74% para 48% também no final do 8.º ano.
Quer um quer outro destes indicadores estão muito abaixo dos níveis de alerta que o Sr. Deputado Silva Lopes tem indicado publicamente.
Portanto, temos aqui uma margem de segurança que nos deixa, não digo tranquilos, pois vamos estar muito atentos, mas deixa-nos certos de que vale a pena fazer a estratégia de progresso controlado.
Se há 10 anos atrás ela tivesse sido iniciada em Portugal, hoje estaríamos de maneira bem diferente!
Finalmente, o Sr. Deputado Silva Lopes sublinhou muito a história dos anos de 1980 a 1982 de governação da Aliança Democrática.
Meus senhores, nós não podemos esquecer o que se passou ao longo dos últimos 11 anos porque isto é para bem da democracia portuguesa.
Ora, ao longo destes 11 anos, poucos ministros das Finanças, poucos governadores do Banco de Portugal escapam à responsabilidade dos graves erros cometidos na economia portuguesa.
Aplausos do PSD.
E há dois erros que eu quero sublinhar.
O primeiro consiste nos investimentos gigantescos e muito mal feitos, durante a segunda metade da década de 70, no sector empresarial do Estado.
O segundo reside na subserviência em que a política monetária e a política cambial, em que o Banco de Portugal tem especial responsabilidade, estiveram relativamente aos défices da política orçamental.
Repito que não há ministro das Finanças nem governador do Banco de Portugal, na segunda metade da década de 70, que escape a esta responsabilidade.
Assim não acho bem que se sublinhe o que se passou entre 1980 e 1982 - aliás, é uma interpretação discutível -, esquecendo o que se passou nos anos anteriores a 1980.
Sr. Deputado Silva Lopes, para finalizar deixe-me testemunhar-lhe a minha admiração pessoal pela sua elevadíssima qualidade de economista. Todavia, o Governo não pode deixar passar em branco a sua intervenção sobre o programa económico.
Quanto às informações à Assembleia da República, pode o Sr. Deputado estar certo de que todos os seus pedidos serão respondidos o mais depressa possível, pois sabemos que eles serão pedidos pertinentes.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Ministro das Finanças, inscreveram-se os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Silva Lopes e Carlos Carvalhas.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro das Finanças, entendi esta sua intervenção não apenas como uma resposta ao Sr. Deputado Silva Lopes mas como sendo uma sua segunda intervenção neste debate sobre o Programa do Governo.
É bom que o Governo estabeleça este diálogo com os deputados, que responda realmente às questões e que esclareça a Câmara sobre as dúvidas que tem, E esperemos que, para além das respostas aos requerimentos do Sr. Deputado Silva Lopes, saiba também ser célere nas respostas aos deputados de todas as bancadas parlamentares.
Vou, em seguida, colocar-lhe uma questão que não pude colocar-lhe há pouco, quando o interpelei, por, segundo o Regimento, não dispor de tempo. Trata-se de uma questão que não é fácil e que pode até ser considerada controversa.
V. Ex.ª já referiu uma série de intenções do Governo, intenções essas que vão desde o aumento do investimento até à quebra da inflação, mas existe um outro problema.
O País está fortemente individado - aliás, o Sr. Ministro referiu que, até fins de Dezembro, o Governo irá tentar apurar a dívida pública real deste país.
Por outro lado, sendo conhecido e reconhecido pelo próprio Governo - e creio que por todos - o constrangimento da dívida externa sobre qualquer programa de desenvolvimento do País, gostaria de lhe perguntar. Sr. Ministro, se se impõe ou não a necessidade de uma renegociação da dívida externa, embora - que fique bem claro - sem desonrar os nossos compromissos. Portanto, perguntar-lhe-ia o que pensa o Governo sobre a eventualidade de renegociar ou não essa dívida externa.
Nada mais desejo perguntar. Muito obrigado, Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - O Sr. Ministro das Finanças prefere responder no fim aos pedidos de esclarecimento?
O Sr. Ministro das Finanças: - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Lopes.
O Sr. Silva Lopes (PRD): - Tenho muito pouco tempo para responder e, portanto, vou apenas abordar alguns dos pontos focados pelo Sr. Ministro das Finanças. Aliás, agradeço os esclarecimentos que deu e as perguntas que colocou.
Um dos pontos que queria referir é o dos défices orçamentais. Suponho que teremos de discutir isso na altura da apresentação do Orçamento, mas fiquei com a impressão que a nova política orçamental proposta pelo Governo é capaz de implicar défices orçamentais maiores do que aqueles que temos tido. No entanto, as contas são complicadas ë não é possível entrar agora numa grande discussão. Contudo, a minha impressão, o meu receio, é o de que os défices venham a ser maiores.
No que respeita à acusação de monetarismo, como o Sr. Ministro das Finanças sabe muito bem, uma das hipóteses básicas das teorias monetaristas é a de que a velocidade de circulação da moeda seja constante ou bem previsível.
Não partilho desse ponto de vista, mas também não partilho do ponto de vista de que a velocidade de circulação da moeda é infinitamente variável. Pelos vistos, o Governo tem essa opinião.
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O terceiro ponto diz respeito à redução das margens de lucro. Pêlos vistos, o Governo confia muito na sua capacidade de disciplinar a margem de lucro das empresas, se elas não abrirem voluntariamente.
Tanto quanto sei, em todos os países da Europa, uma das grandes fraquezas das políticas de rendimento e preços esta exactamente no controle das margens de lucro e todos esses países têm sistemas fiscais extremamente aperfeiçoados, em comparação com o nosso.
No nosso país, onde está generalizada a evasão fiscal, principalmente ao nível das empresas, gostava de saber como é que o Sr. Ministro vai controlar efectivamente as margens de lucro através da via fiscal.
O Sr. Ministro disse que me referi à acção do Governo em 1980 como tendo sido magistral — o que é verdade. Simplesmente, eu disse «magistral em função de objectivos eleitorais».
Risos do PRD, do PS e do PCP.
O Sr. Carlos Prito (PCP): — O que é bem diferente!
O Orador: — O Sr. Ministro referiu-se também às projecções para a dívida externa.
Concordarei com isso se os défices da balança de transacções correntes se mantiverem dentro do limite de um bilião de dólares. Tenho algumas dúvidas de que a política a que o Governo se refere — embora de forma muito pouco clara — produza défices de apenas um bilião de dólares.
Finalmente, o Sr. Ministro das Finanças fez referência às responsabilidades dos Ministros das Finanças e do Banco de Portugal pelo que está a acontecer.
Fui Ministro das Finanças até 11 de Março de 1975, voltando depois a ser Ministro das Finanças, durante 3 meses, em 1978. Portanto, não considero a minha responsabilidade, como Ministro das Finanças, pelo que aconteceu nos últimos 10 anos, muito grande.
Quanto ao Banco de Portugal, gostaria de referir que quanto saí do Banco de Portugal as contas externas estavam equilibradas, a inflação era inferior àquela que veio a acontecer depois, a dívida externa era de metade do que é agora e o produto nacional tinha crescido, em 1979, bastante mais do que veio a crescer depois, embora seja verdade que o ano de 1979 tenha sido um ano bastante propício, do ponto de vista da procura internacional.
Por último, o Banco de Portugal não tem, por outro lado, qualquer possibilidade, no nosso sistema constitucional, de disciplinar os défices orçamentais.
Aplausos do PRD e do PS.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): — Sr. Ministro das Finanças, ouvi a sua intervenção, aliás depois de ter ouvido já a exposição do Programa do Governo é a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro, e vejo que vem dar razão, quase 11 anos depois, àquilo que o meu par-, tido sempre aqui afirmou, nomeadamente em 1980, em relação ao ciclo da desvalorização cambial do escudo, da desvalorização externa e depois, portanto, inflação, aumento dos custos e das taxas de juro. Assim, quer agora quebrar o ciclo.
Vem também fazer críticas à política que chama do «parar e andar», o que traduzido em inglês é síop and go. No entanto, foi essa a política que sempre se traduziu.
Mesmo em 1980 assistimos, previamente, a uma revalorização do escudo, para, logo a seguir, entrarmos numa desvalorização que também se costuma apelidar em inglês de crawling-peg, isto é, uma desvalorização deslizante. Foi a política seguida. Agora diz que vai seguir uma política de desenvolvimento. No entanto, a questão não está, Sr. Presidente e Srs. Deputados, em nos auto-apelidarmos de neokey-nesianos ou de monetaristas. O que temos verificado aqui é que, ao longo destes últimos 11 anos, com pseu-dopolíticas neokeynesianas, monetaristas ou de estabilização, a queda, do investimento e da produção leva a que este país se encontre hoje na cauda da Europa.
É que, Sr. Ministro das Finanças, os números que apresentou, quer para o consumo, quer para o investimento, quer para a produção, academicamente e num gabinete ... até acredito que estejam compatibilizados, e, como sabe, á fácil conseguir, de imediato, duas ou três sequências de modelos compatibilizados e opostos. Contudo, a realidade é diferente — é como o SIII.
É fácil, num gabinete, arranjar um mecanismo muito bem coordenado, elaborado e compatibilizado, que depois cai pela base. E cai pela base porque nos encontramos após o 25,de Abril, Sr. Ministro. Há realidades diferentes: há uma Reforma Agrária; há os sectores nacionalizado, cooperativo e privado. Assim, se não tivermos em conta estas realidades, isto é, estas formações económicas que têm leis e dinâmicas próprias, esbarramos.
Portanto, este Governo vai esbarrar-se, pois não tem isto em conta, porque vai privilegiar uni sector à custa dos outros; vai procurar drenar capitais do sector nacionalizado para ò sector privado, isto é, para o grande capital. Vai deixar importar e abrir a nossa produção à concorrência externa, como se está a verificar em relação aos acordos com a Espanha. Tal irá verificar-se logo no primeiro dia, em que 90% dos produtos espanhóis irão entrar aqui e esmagarão, porque têm em competitividade preços inferiores aos nossos, grande parte da nossa produção industrial.
Sem ó -aumento da produção, sem a produção nacional de produtos importados, vamos continuar com défices, com a diminuição da produção, sendo efémero todo p aumento de produção verificado e sendo mais uma peça do seu stop and go.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Para responder aos pedidos de esclarecimento formulados, tem a palavra o Sr. Ministro das Finanças.
O Sr. Ministro das Finanças: — O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca perguntou-me se a dívida externa iria ser renegociada.
Essa é uma questão de Estado e, Sr. Deputado, não podemos falar destas coisas a todo o momento.
A dívida externa é para ser cumprida e apenas poderemos renegociar esta ou aquela parte da dívida externa em função do nosso poder negocial. Neste momento, Portugal está com um poder negocial elevado e pode reconverter uma parte ou outra da dívida ex-terna em benefício da economia portuguesa, mas não com o objectivo, que tem por vezes sido trazido à luz do dia; de sermos maus pagadores.
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O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Não é isso que defendemos!
O Orador: - Então estamos de acordo: isso está corripletamente fora de causa.
Sr. Deputado, pôr verdade na dívida pública refere-se, sobretudo, à dívida pública interna, pois a dívida pública externa, por razões de própria contabilização, é conhecida.
Sr. Deputado Silva Lopes, quanto aos défices orçamentais, agradeço-lhe que aguarde o Orçamento do Estado e retomaremos esta conversa daqui a algumas semanas.
Quanto ao controle das margens de lucro, não é isso que está em causa. O Governo não quer controlar as margens de lucro nem quer controlar os preços. O Governo espera, e vai também induzi nos agentes económicos expectativas nesse sentido, que as empresas, voluntariamente, apertem um pouco as suas margens de lucro.
Risos do PS e do PCP.
Uma voz do PCP: - Que ingenuidade!
O Orador: - As expectativas dos agentes económicos serão fundamentais numa política de combate à inflação, mas não tenho tempo para desenvolver este aspecto - aliás, já o foquei.
Quanto à balança de transacções correntes, Sr. Deputado Silva Lopes, esta mantém-se abaixo ou encostada a um bilião de dólares, constantes ao longo dos próximos 3 ou 4 anos, começando depois a descer o défice, em função dos frutos do investimento feito entretanto. E há aqui almofadas de segurança - os pressupostos, como disse, são cautelosos. Se o Sr. Deputado está de acordo com este volume de défice, óptimo.
Sr. Deputado Carlos Carvalhas, não retive nenhuma questão da sua intervenção.
Muito obrigado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.
O Sr. Marques Mendes (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: O Programa que o Governo nos apresentou é, sem dúvida, muito prolixo em matéria de objectivos, mas é, ao invés, muito parco no tocante aos instrumentos que preconiza para atingir esses objectivos. É, pois, extraordinariamente vago - e devo dizer que mantenho esta qualificação, apesar dos esclarecimentos que, entretanto, o Sr. Ministro das Finanças nos foi fornecendo ao longo deste debate. Mas, já agora, aproveito, aliás, para lhe pôr uma ligeira questão: nas projecções que faz para a redução do défice externo - e, portanto, aponta uma redução para valores próximos de, salvo erro, 47% do PIB -, pergunto se nestas projecções está a utilizar o mesmo tipo de cenários que há cerca de 2 anos utilizou num artigo que publicou sobre uma estratégia de corcovas, ou seja, cenários esses em que partia de hipóteses perfeitamente absurdas, nas quais o produto interno crescia a taxas na ordem dos 7% e as importações decresciam na ordem dos 0,2%. Pergunto se é com este realismo que o Sr. Ministro das Finanças pensa reduzir o défice das contas externas para os valores que apontou.
Mas, retomando a minha intervenção, gostaria de citar, como um dos exemplos que atestam o carácter vago do Programa do Governo, o caso específico da adesão às Comunidades Europeias.
Estou certo de que ninguém nesta sala duvidará de que esse é o acontecimento mais marcante dos próximos anos. Porém, o Governo não lhe dedica uma única secção própria, limitando-se a afirmações evasivas do tipo (passo a citar):
A adesão [... ] exigirá uma gestão crescentemente atenta e dinâmica.
Devo admitir que tal me surpreendeu, pois tendo o Sr. Primeiro-Ministro baseado grande parte da sua campanha eleitoral em torno das questões relativas à integração na Europa seria de esperar que nos trouxesse novas propostas neste domínio. Na verdade, não temos nada. E, se me for permitido utilizar uma frase que é mote deste Programa direi que nas questões relativas à integração (e não só) não se vislumbra qualquer estratégia de progresso controlado ou, dizendo melhor, neste Programa não se vê nenhuma estratégia, muito menos de progresso, ou sequer controlada. E, passo a explicar porquê.
Digo que não tem estratégia porque, embora reconheça o carácter eminentemente político da adesão, ignora, por completo, o empenhamento e papel que Portugal deverá ter na construção de uma Europa unida. Na verdade, a partir de l de Janeiro de 1986, Portugal não poderá limitar-se a uma simples aceitação do chamado «adquirido comunitário». A partir dessa data, Portugal participará na transformação desse mesmo «adquirido» e será chamado a pronunciar-se sobre os dilemas que hoje se colocam à Europa.
Para só citar meia dúzia de exemplos, gostaria de aqui perguntar qual vai ser o posicionamento do Governo relativamente às tentativas de criar o que se vem chamando de «Europa a duas velocidades»; e, também, quanto à possibilidade da Comunidade vir a ter uma participação nos custos da defesa da Europa.
Gostaria também de perguntar que posição tomará o Governo sobre uma possível revisão do Tratado de Roma.
Qual será o seu empenhamento relativamente às propostas para dotar o Parlamento Europeu de poderes reais e, em particular, no que respeita às propostas do Parlamento e do Conselho relativas ao reforço da união europeia.
De que forma deverão evoluir a política agrícola comum, a sua cobertura das produções mediterrânicas e o sistema de financiamento dos recursos próprios da Comunidade.
Finalmente, que pensa o Governo sobre a política comunitária para a bacia mediterrânica?
Eis alguns, dos muitos possíveis, exemplos que poderiam servir para avaliar de uma hipotética estratégia do Governo relativamente à integração europeia. Porém, o Governo tudo ignorou.
Mais ainda: o admitir que a adesão é, sobretudo, um projecto de profundo significado político não invalida que sejam, sobretudo, os seus efeitos económicos aqueles que mais condicionam o progresso dos Portugueses. E se aqui não se vê estratégia, também não se antevê progresso. Precisando melhor, também neste aspecto o Programa do Governo é omisso em relação às condições que é necessário criar para que da adesão às Comunidades resultem benefícios económicos para Portugal.
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De facto, excluindo algumas referências pontuais à modernização e utilização dos fundos comunitários, nada mais se adianta. Desde logo, não se esclarece como tenciona o Governo assegurar que a Comunidade conceda a Portugal transferências líquidas suficientes para compensar os custos da adesão. Custos esses que decorrerão de um natural aumento das importações provenientes da Comunidade e do seu reflexo na balança de pagamentos.
Mais grave ainda: o Programa do Governo ignora que os eventuais ganhos da adesão terão de provir essencialmente de um aumento das exportações portuguesas. E, embora as exportações mereçam - e a nosso ver muito bem - um certo destaque na estratégia do Governo, fica-se sem saber, que instrumentos o Governo pensa utilizar, sobretudo neste momento, quando muitos dos mecanismos convencionais de promoção das exportações violam as regras de concorrência praticados pela Comunidade. Ignoram-se também as restrições do tipo não-tarifário que interessa eliminar, assim como o efeito que a adopção das políticas comunitárias nos domínios industrial, de inovação tecnológica e de livre circulação de capitais terão numa política de promoção das exportações portuguesas.
De igual modo se omite o risco muito sério ide em Portugal poder ocorrer um agravamento do défice da balança comercial, como resultado do impacte da nossa adesão. Neste particular, merecem especial destaque os produtos agrícolas incluídos na chamada «transição por etapas» e que têm em Portugal preços mais elevados do que na Comunidade, como, aliás, o Programa do Governo refere.
Ora, acontece vivermos um momento em que existem pressões no seio da Comunidade para baixar ainda mais esses preços.
Por outro lado, a política anti-inflaccionista que o Governo nos apresenta parece ter implícita uma eventual sobrevalorização do escudo relativamente ao ECU - e se tínhamos dúvidas sobre esta matéria, parece-me que a intervenção do Sr. Ministro das Finanças já não deixa margem para dúvidas.
Assim sendo, e dado existirem compromissos para não alargar esse diferencial de preços, temos como corolário que haverá uma redução drástica dos preços reais a pagar aos produtores portugueses.
Cabe aqui perguntar se o Governo estará consciente dos efeitos de uma tal quebra brusca dos preços, efeitos que se traduzirão numa quebra acentuada do rendimento dos agricultores, numa quebra da produção e do emprego no sector agrícola e num eventual acréscimo das importações de bens alimentares.
Este e muitos outros exemplos que o Governo ignorou dão-nos a convicção de que o Governo não só não tem uma estratégia de progresso como tão-pouco parece ter o processo de adesão sob- controle.
Para ilustrar esta falta de controle, temos ainda uma proposta de emergência para a agricultura. Tal programa parece ter seriado como primeiras medidas o saneamento financeiro das cooperativas e a legislação sobre a posse da terra, enquanto o chamado «Programa Específico de Desenvolvimento da Agricultura (PEDAP)», que contará com um financiamento de cerca de 700 milhões de ECU, é relegado para um plano secundário. Cabe perguntar se é com esta ordenação de prioridades e envolvente económica que o Governo pretende, modernizar o sector agrícola.
Ou será que também em matéria de adesão só nos resta ter fé e esperar o eldorado que o Sr. Primeiro-Ministro nos promete para os finais dos anos 80?
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: A nós ficou-nos a impressão, impressão que gostaríamos de ver desmentida pelo Governo, de que em matéria de integração económica este Governo não tem estratégia, não deixa antever progressos e não garante qualquer controle.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há pedidos de esclarecimento e portanto, tem a palavra a Sr.ª Deputada Zita Seabra.
A Sr.ª Zita Seabra (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Por todo o País o Sr. Primeiro-Ministro fez, diariamente, ao longo de 3 meses de campanha eleitoral, uma imensidão de promessas de justiça social, de medidas em benefício dos trabalhadores, das mulheres, das crianças; dos sectores da população que, no fundo pagam diariamente as consequências da política destes anos em que o PSD esteve no Governo.
Agora o Programa do Governo aí está. No domínio social é uma desgraça. Foram-se as promessas. E o Programa retoma, reproduz, repete as linhas de rumo que conduziram à gravíssima situação social que o País enfrenta.
Afinal os Portugueses votaram mais uma vez na mudança, na justiça social, nos democratas, e os governos continuam iguais aos anteriores, sem mesmo mudarem muitas caras.
Este Programa só não é assim uma espécie de prelúdio, de «programa-que-segue-dentro-de-momentos», enquanto aguardamos as eleições presidenciais, porque continua a política que se faz há 10 anos, o que é grave, lesa o País e lesa os Portugueses.
A única medida social que expressamente é referida no Programa é a questão dos salários em atraso, e esta para dizerem que afinal o PSD cura a doença matando o doente. Se os trabalhadores que têm salários em atraso forem mandados para o desemprego, se as empresas fecharem, acabam efectivamente, com a chaga dos salários em atraso.
As mulheres e as discriminações de que são vítimas no trabalho, na sociedade, merecem apenas 3 linhas referentes a uma convenção internacional. A condição feminina, essa mais de metade da população com problemas próprios, não cabe, não tem lugar no Programa do Governo. A dúvida que temos é se isso afinal não é uma sorte e se não é na verdade melhor, na perspectiva da emancipação da mulher, que se tenham esquecido delas.
No que se refere à saúde o Programa não tem nada, mas mesmo nada a ver com a Constituição da República. Esta estabelece um Serviço Nacional de Saúde geral, universal e gratuito. O Programa nem se lhe refere. Mas o Programa também nada tem a ver com a Lei do Serviço Nacional de Saúde - A lei Arnaut -, que está em vigor após deliberação do Tribunal Constitucional. É então legítimo perguntar qual é, efectivamente, o quadro jurídico em que se move o Governo nesta área. A pergunta tem tanto mais cabimento quanto a Ministra da Saúde é uma jurista.
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Nem quadro jurídico, nem medidas de política de saúde, mas sim uma desordenada sequência de questões soltas, que pouco têm a ver com os efectivos problemas existentes no sector. O Governo faz a amálgama de conceitos vários, que nada têm, aliás, entre si. Opõe, por exemplo, «massificação» a «humanização» e equipara «humanização» a «privatização». Mas massificação será ou não a universalização e generalização do direito à saúde? Humanização não é nem pode ser sinónimo de privado, mas significa sim a qualidade de serviços prestados pelo SNS a todos os cidadãos, como direito, e não exclusivamente a quem possa pagá-los.
Mas enquanto mistura estes conceitos, o Programa nada diz de concreto sobre o funcionamento dos hospitais centrais; sobre as urgências; sobre o acesso dos cidadãos aos serviços de saúde; sobre as listas de espera das consultas externas ou das intervenções cirúrgicas; nada diz sobre preço de medicamentos, que, por recente portaria, estão a subir, em média, 80%; nada diz sobre as péssimas condições em que trabalham os trabalhadores da saúde; nada diz sobre o cumprimento da Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez. Vai a Sr.ª Ministra da Saúde fazê-la cumprir?
O Programa do Governo contém em si dois graves conceitos, pelo retrocesso que significam e pelo conservadorismo que contém. A sua síntese poderia ser: todo o apoio ao sector privado e nenhum diálogo com os trabalhadores da saúde.
O Governo apresenta assim, como opostos, os direitos dos utentes aos direitos dos trabalhadores da saúde. É verdadeiramente ridículo.
Mas o Governo vai fazer frente e não vai dialogar com quem: com os sindicatos, com a Ordem dos Médicos, com as Associações de Farmácia? O Governo diz que fica claro este conceito, mas para quem? Trata-se de uma ameaça para os médicos, para os enfermeiros, para os trabalhadores do sector?
Mas onde há um efectivo e quase generalizado choque entre interesses dos utentes e daqueles que fazem da saúde um mero negócio de cifrões e de lucros, são esses que o Governo privilegia em detrimento dos utentes.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A área da segurança social é, em qualquer país, um sector fundamental em períodos de crise, e deveria sê-lo muito particularmente em Portugal. Todos se recordam que o foi, de facto, durante a recente campanha eleitoral de todos os partidos. Foi exactamente de direitos sociais que toda a gente falou no mercado do Bolhão ou na Feira da Ladra.
O Programa do Governo ignora frontalmente qualquer melhoria real dos direitos sociais dos Portugueses. Num artigo recentemente publicado escreve o actual Ministro do Trabalho - cito:
À direita, temos o conservadorismo social e à esquerda o estatal, que não deixa de ser também um conservadorismo social, mas agora em nome de uma nova nobreza a que se convencionou chamar «os trabalhadores».
Creio, Srs. Deputados, que esta frase do Sr. Ministro sintetiza a filosofia inerente ao Programa no que respeita à segurança social.
Mas aumentámos as reformas - dirá o Governo.
Aumentaram-nas porque estamos em Dezembro, isto é, um ano após o último aumento e, para mais, em véspera de eleições para as autarquias locais. Mas fizeram-no separando ainda mais o fosso entre os vários regimes e aumentaram-nas percentualmente, o que significa sempre que as mais baixas pensões de reforma sofrem aumentos ridículos.
É elucidativo que o Sr. Ministro do Trabalho tenha ido à televisão dar o exemplo de um reformado que receba 10 000$ por mês. É que mais de um milhão e meio dos reformados existentes recebem pensões abaixo de 9 000$. Mas importa ainda dizer que o Governo se esquece, neste domínio da adesão à CEE, que subscrevemos o protocolo anexo ao Código de Segurança Social que estabelece que a pensão mínima de um reformado tem de ser igual, pelo menos, a 45% do salário mínimo nacional na velhice e a 50% na invalidez.
Em 1975 a reforma mínima era de 50% do salário mínimo nacional. Presentemente, mesmo com o aumento, fica em pouco mais de 30%.
Por outro lado, o Governo passa, escandalosamente, ao lado de qualquer referência a todas as outras prestações sociais, como o abono de família, que deveriam ter sido aumentadas em Outubro passado.
Como e quando irão aumentar? A pergunta é tanto mais necessária quanto o actual Ministro do Trabalho disse na televisão que o orçamento da Segurança Social está equilibrado. Equilibrado quando as dívidas do patronato ascendem a 125 milhões de contos e do Programa do Governo transparece ainda uma amnistia aos devedores?
Este sentido de classe, este conceito de que os patrões podem dever à Segurança Social, ao Fundo de Desemprego, aos trabalhadores, porque os governos do PSD, PS e CDS compreendem a sua difícil situação, mas simultaneamente os trabalhadores não podem, quando estão desempregados ou sem salário, dever à mercearia que lhes deixa de fiar, ou deixarem de pagar a renda de casa porque os despejam, não pode continuar a fazer lei no Portugal democrático.
Mas o Governo anuncia ainda no seu Programa que a lei do aumento das rendas de casa vai ser posta em vigor, isto é, vai ser regulamentada. As condições de vida da maioria dos inquilinos não o permitem, porém, sem que isso signifique uma calamidade social, sobretudo nos grandes meios urbanos.
Tal política e tais conceitos são suficientes para que o PCP rejeite este Programa do Governo. Programa que passa ao lado de grandes problemas sociais das pessoas, que passa ao lado da Constituição da República e que vai ainda agravar as difíceis condições de vida do nosso povo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tenho a honra de informar que o meu grupo parlamentar acaba de depositar na Mesa da Assembleia da República uma moção de rejeição do Programa deste Governo.
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Apesar de independente, estou integrado no Grupo Parlamentar do Partido Socialista. É nessa dupla qualidade que intervenho hoje aqui.
Antes de me referir directamente ao Governo e ao seu programa, permitam-me uma rápida observação sobre o início da presente legislatura e sobre o momento de realização deste debate. Os prazos decorridos desde
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a queda do anterior governo e desde a dissolução do Parlamento são notoriamente excessivos. Deste facto resultam graves inconvenientes para o País, para a Administração e até para o estatuto da Assembleia da República, cujo princípio de direito próprio de reunião não é perfeitamente contemplado. Em tempo útil, penso que seria bom debruçarmo-nos sobre este problema.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Primeiro-Ministro, desejo-lhe boa sorte. Não por si, pessoalmente, que o não conheço, que ainda não o vi ao trabalho e que, por conseguinte, ainda não sei se estimo. Mas pelos Portugueses, cujo sistema político vem revelando crescentes instabilidades e insegurança. Consiga o Sr. Primeiro-Ministro governar bem e honestamente, e aqui estarei para o aplaudir, apesar de saber que o meu voto solitário nada acrescenta ou nada retira.
Devo todavia dizer-lhe, com sinceridade, que o seu Governo ainda não deu motivos para aplauso. O processo de formação deixou a desejar e é susceptível de várias críticas. Á sua indigitação foi tardia, porque tardio foi o apuramento eleitoral e porque todo o processo legal é burocrático e vulnerável a interesses políticos de circunstância.
Por outro lado, tendo em conta as suas características minoritárias, a cerimónia de posse do Governo foi, graças às intervenções do Presidente da República e do Primeiro-Ministro, uma tentativa de banalizar a falta de apoio parlamentar, considerando-a normal e necessária, insusceptível até de ser discutida. Por razões e interesses políticos, partidários e pessoais, o Presidente da República e o Primeiro-Ministro não desejaram fazer o esforço que implicaria a procura de um governo maioritário. O País esperava mais bom senso político e mais energia na defesa do interesse nacional: não os teve infelizmente.
Com a maior naturalidade, admite-se a ideia de um governo minoritário, fraco e precário, sem que nenhum esforço tenha sido feito para tentar e conseguir uma maioria ou outra qualquer base de solidez.
Na tomada de posse, Presidente da República e Primeiro-Ministro exprimiram-se de tal modo que era permitido pensar que o Governo já tinha passado no Parlamento. Tal não aconteceu, todavia. Á plenitude dos seus poderes só se atinge nesta Assembleia. É verdade, como disse o Presidente da República, que este Governo tem legitimidade constitucional. Mas deveria ter acrescentado «até agora». Com efeito ainda a não tem por inteiro, e a que tem é a título precário. A posse não basta. Só a passagem no Parlamento culmina o processo de formação e de legitimação de um governo.
O Sr. Primeiro-Ministro prometeu denunciar à população quem o não deixasse governar. Muito bem! Comecemos por si que não fez o necessário para agir de modo eficaz e duradouro, isto é, para construir uma maioria.
O Sr. Primeiro-Ministro deu provas de talentos verbais e psicológicos para a autoridade. Felicito-o, ,pois que ela faz falta. Não deu ainda provas de talento para o exercício da autoridade democrática, dado que esta tem regras e a primeira é a da maioria. Por isso, não o felicito.
O Sr. Primeiro-Ministro não tem o direito de pedir, e muito menos de exigir, colaboração construtiva, nem sequer benefício da dúvida. Só teria esse direito se tivesse começado, por dar o exemplo, isto é, se tivesse feito esforços para formar um governo maioritário. Como pode esperar benevolência da parte dos parlamentares, quando apenas conta, como apoio político, com o seu próprio partido, o interesse passageiro do actual Presidente da República e a precária passividade de um ou dois partidos?
O Sr. Primeiro-Ministro não tem apoio parlamentar, terá apenas uma soma de equívocos que lhe serão fatais, a si, dentro de poucos meses, e nefastos para o Pais, desde já.
Por todas estas razões, apesar das advertências do Sr. Presidente da República e mau grado as exigências do Sr. Primeiro-Ministro, votarei contra este Governo. Votarei contra por tudo quanto disse e também enfaticamente, por causa do Programa. Reconhecerão, Srs. Deputados, que a este Programa lhe falta até o rigor universitário e a sistematização que eram de esperar. Não é tecnicamente bem feito, não é doutrinariamente social-democrata, nem é politicamente forte, porque traduz a situação precária do Governo.
Como tem prioridades a mais (contei, pelo menos, uma dúzia), acaba por ser um programa sem prioridades, repetindo assim um erro clássico de outros governos, que consiste em querer fazer tudo. É um programa com dissimulações, como é notoriamente o caso da agricultura, onde pouco se diz e muito se esconde atrás de ardilosas fórmulas. É um programa que se desculpa com futuros e improváveis programas nacionais e com hipotéticas reformas globais, sobre as quais nada diz e pouco sabe, com são os casos do sistema educativo, da agricultura, do défice externo, do turismo e outros.
Era legítimo esperarmos mais e melhor. Se o Governo nos frustra, é porque é fraco, não se pode comprometer para tentar passar; nem pode comprometer os que o vão deixar passar durante alguns meses.
Sr. Deputados, Srs: Membros do Governo: Analisei com especial atenção alguns capítulos. Em primeiro lugar; o da agricultura. A conclusão é simples: trata-se de um mau e incompleto programa. Parece ter sido feito fora do tempo. Não traduz as responsabilidades que o partido do Governo tem tido no sector, nem sequer o saber técnico e político que deveria ter adquirido. Não dá conta, nem se propõe resolver os grandes problemas ou as grandes controversas da agricultura. O emparcelamento, a Reforma Agrária e sobretudo a integração europeia desapareceram do programa ou estão diluídos no meio de afirmações vagas e genéricas, daquelas verdades eternas que já nem os crédulos comovem.
Se é verdade que apoio uma das opções expressas pelo Governo e que consiste em orientar prioritariamente os seus esforços para a agricultura organizada e as cooperativas, também é verdade que tenho dúvidas fundadas quanto à sinceridade de tal afirmação. Com efeito, o partido do Governo tem dado provas, durante longos anos de responsabilidades ministeriais neste sector, de que é perfeitamente avesso a este tipo de concertação. Na verdade, para nada quis saber do Conselho Nacional de Agricultura, nem dos conselhos regionais agrários. Não os quis, nem os substituiu por solução superior. Não se conhece, da responsabilidade do partido do Governo, nenhum progresso sensível da prática da autodisciplina e da concertação interprofissional na agricultura ou no comércio alimentar.
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Gostaria igualmente de felicitar o Governo por ter sabiamente adoptado a ideia, por outros proposta, de elaborar um urgente e necessário «plano de emergência para a agricultura». Exigem-no a situação social dos campos, em particular da zona da Reforma Agrária; a integração europeia; a decadência de vastas regiões do interior; a insuficiente evolução, ou mesmo estagnação da produção e da produtividade durante os últimos 10 a 20 anos. Já não se pode aceitar o facto de o Governo não anunciar, concretamente, orientações e medidas. Como não concordo com a ideia de que este plano substituiria a elaboração de uma, também urgente e necessária, «lei de orientação agrícola». São pensamentos, políticas, meios e objectivos diferentes.
Noutro domínio, o da Reforma Agrária, sabemos que o partido do Governo tem ideias. Já teve várias, ao longo dos 6 anos que se ocupou de agricultura, mas as que tem agora são conhecidas desde, pelo menos, a Primavera deste ano. Terão mesmo estado na raiz da ruptura do anterior Governo. Porque as não expõe? Toda a gente sabe que quer mudar a Lei da Reforma Agrária e que tem soluções, infelizmente bem negativas, para as unidades colectivas de produção, as majorações, as reservas, as expropriações, a retirada de mais terras a pequenos agricultores, etc. Porque não anuncia as suas intenções, os seus planos e as suas medidas? Posso ajudar a responder: porque não quer tomar compromissos públicos e porque não quer comprometer quem, com a sua abstenção, se prepara para deixar passar o Governo. Não se compromete o Governo, porque tem consciência da sua fragilidade, de que é aliás o único responsável.
Já agora, Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro da Agricultura, um proposta construtiva: estão dispostos a tomar o compromisso solene de publicar, dentro de 2 ou 3 meses, um «livro branco sobre a Reforma Agrária» que inclua, além de uma avaliação social e económica, listas completas e nominais, com áreas, nomes dos titulares e localização, das expropriações, das reservas concedidas, das majorações atribuídas e das distribuições realizadas? Estão dispostos a ordenar, tão depressa quanto possível uma inspecção técnica e independente a um vasto conjunto de propriedades, reservas, cooperativas e unidades colectivas, durante a qual se analisariam os aspectos económicos, técnicos, sociais e legais de cada situação?
Ainda no programa agrícola, uma outra ausência é de espantar: a política de integração, de defesa dos interesses da agricultura nacional, de ajustamento à «política agrícola comum» e de participação criativa nas mudanças que se anunciam no seio da Comunidade. Sobre tudo isto, que não é pouco e vai condicionar fortemente a política agrícola, os deputados apenas mereceram umas vagas afirmações e outras tantas obscuras intenções. Esperava melhor, porque ainda acredito na sua sinceridade europeia, Mas duvido sinceramente das capacidades do Governo para defender os interesses da agricultura portuguesa perante as consequências da integração.
Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O capítulo referente à educação não é melhor do que o da agricultura. Além de incluir surpreendente soma de banalidades, utiliza um inacreditável «Português de pedra», feito de neolongismos tecnocráticos, está particularmente mal redigido e tem até inúmeros erros de gramática. Ironicamente, o programa recomenda o «aperfeiçoamento do ensino do português».
Alguns grandes princípios e outras tantas vagas intenções não conseguem esconder a vacuidade de medidas e orientações. A inexistência de compromissos foi disfarçada com uma ideia que levanta os mais sérios problemas, a da criação de uma «comissão de reforma do sistema educativo». Mais uma comissão, a acrescentar a tantas outras? Mais uma reforma para desorientar professores, alunos e pais? Terá esta comissão meios, tempo, liberdade, autonomia e competência para estudar e sugerir? Não seria melhor separar os níveis de ensino, ou, pelo menos, encarar o ensino superior de modo autónomo? E não seria talvez melhor concentrar esforços, de modo empírico, começando pelos níveis básicos e primários? Receio francamente que o espírito de «grande reforma», vindo de quem tem tantas responsabilidades no caos educativo, não seja mais do que uma «fuga para a frente» da parte de quem não consegue dominar o imediato.
O tempo não chega para enumerar as lacunas, omissões, indiferenças e dissimulações deste Programa. Apenas alguns exemplos: a dimensão social do ensino; o persistente analfabetismo; a municipalização do ensino primário; a regionalização do ensino secundário; a distribuição de material escolar gratuito, em particular de livros; a política de bolsas de estudo; as deslocações e os alimentos das crianças pobres; os problemas do acesso ao ensino superior; enfim, o controle social do sistema educativo, para que servirá um Programa do Governo, se nada disto é sequer mencionado?
Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro: O último problema que gostaria de abordar é o do canal privado de televisão que o Governo, de forma enviesada, sugere que seja entregue ou concedido à Igreja Católica. Não discutirei os aspectos jurídicos e constitucionais que se adivinham controversos a contento e que aliás serão aqui discutidos em tempo útil. Apenas refiro a questão política. Tal decisão será desastrosa e errada. Nada a justifica, a não ser eventuais interesses ideológicos particulares, ou motivos eleitorais, mas não o interesse nacional.
Os Srs. José Luís Nunes e Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!
O Orador: - A abertura da televisão a iniciativas não estatais, de que aliás sou adepto, não se pode resumir à entrega de um canal à Igreja Católica. Trata--se de uma falsa abertura, que será certamente recusada por qualquer Parlamento e mesmo por círculos cristãos e católicos. Estou até convencido de que a própria Igreja Católica não desejaria ver-se assim exposta, nem ser tratada como cúmplice do poder político.
A sua intenção, Sr. Primeiro-Ministro, revela uma imperícia pouco digna de um chefe de Governo. Deseja correr o risco de abrir, por esta via, uma qualquer questão religiosa?
A abertura da televisão à iniciativa privada, desde que constitucionalmente regularizada, é um progresso. Como progresso será a constituição de um orgão não governamental com a responsabilidade de tutelar a rádio, a televisão e, eventualmente, a publicidade. Como progresso igualmente seria a elaboração de uma nova regulamentação geral, moderna, informada e culta que condicionasse, entre outros aspectos, a criação de novas empresas, entre as quais a da Igreja Católica, mas a entrega que o Sr. Primeiro-Ministro pretende fazer é puro retrocesso, inábil e perigoso.
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Serão assim tão frágeis as suas convicções antiestatais que não consegue esconder o receio das iniciativas privadas? Será que em Portugal apenas o1 Estado e à. Igreja Católica têm organização, capacidade, cultura é patriotismo para dirigir um canal de televisão?
Bem sei que há problemas delicados, financeiros, culturais, políticos e outros. Mas há várias maneiras de os resolver. A sua Sr. Primeiro-Ministro, é a pior.
Sr. Primeiro-Ministro, a sua intervenção inicial, habilmente soporífera e despolitizada, fez várias profissões de fé. Em particular louvou a Assembleia da República é as boas relações entre esta e o Governo. Apesar dessas evidências apenas traduzirem deveres, tem o meu apoio para tão nobres intenções. É por essas mesmas razões que votarei contra o seu governo, tanto por causa do processo de legitimação, como pelo conteúdo do Programa.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cruz Vilaça.
O Sr. Cruz Vilaça -(CDS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros, Srs. Deputados: Farei uma apreciação de alguns aspectos do Programai que V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, apresentou nesta Assembleia da República, pretendendo com isso encontrar o apoio parlamentar que lhe confira as condições políticas mínimas para prosseguir uma acção governativa.
E há-de reconhecer-se não ser o Programa totalmente isento de acertos, e até de virtudes.
Ora o CDS, ao encontrar algumas das medidas que, tem preconizado e que correspondem aos objectivos da sua acção política, não pode deixar de considerar isso um progresso.
Mas, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros, a necessária conquista da autonomia do homem face ao Estado, em Portugal - que é essencial à sua realização como pessoa - é uma tarefa de vontade política, a levar a cabo em várias frentes e com o apoio e a participação de todas as forças políticas, económicas, e sociais, de progresso e de liberdade no nosso país.
É necessário, que esta frente se vá alargando, porque a muitos, escapa a consciência dos males da colectivização, das suas causas, quando não dos seus sintomas.
É por isso que a um governo não basta reduzir o Estado: é preciso que empurre com o ombro as portas fechadas dos bloqueamentos existentes mais ou menos por toda a parte.
Gostaríamos de acreditar que a este Governo não vai faltar p ânimo ,da reforma do Estado e do impulso permanente à regeneração e modernização do tecido social.
Mas a vontade, só por si, não chega, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Ministros. Um governo actua no seu quadro político e aí cada compromisso que se aceita no plano dos objectivos essenciais e das questões fundamentais é uma pausa, um incidente de percurso ou um retrocesso, e é isso que um governo minoritário, ainda por cima de um partido que tem dado sobejas provas da sua ambiguidade estratégica e da sua fragilidade ideológica, não poderá esquecer em momento algum. Bom é pois que, sobretudo nos momentos de tentação, não se perca da memória - e mesmo da vista - as metas e os objectivos mobilizadores.
Permita-me por isso, V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, que estranhe a falta de uma introdução ao Programa do Governo, onde se fizesse a apresentação da filosofia que o orienta, que expressasse o fio condutor da sua acção sectorial, que exprimisse, no fundo, a inspiração com que V. Ex.ª certamente o concebeu e à luz da qual pretende aplicá-lo. A falta desse trecho é, sem dúvida, mais importante ou mais significativa que a falta de índice. Ela reforça as suspensões tecnocráticas que vêm impendendo sobre o seu Governo; legitima mesmo que se pense que o Programa tenha nascido primeiro e só depois surgido a ideia ou que esta seja uma simples criação do olhar benévolo e do espírito aberto com que o lemos.
Para merecer a nossa complacência, Sr. Primeiro-Ministro, este Programa tem de ser algo mais que uma colecção de blocos de intenções sectoriais reunidas num mesmo documento, de acordo, aliás, com uma sistematização que, ao contrário do português usado em muitas páginas, não é de todo infeliz.
Com efeito, afirma-se o primado do político na organização do Estado e deixa-se entendido claramente, como deve ser, que a promoção do bem-estar social exige,- para ser saudável e duradoura, o desenvolvimento da economia.
Mas há muito de mau logo neste plano da sistematização. É que V. Ex.ª começa a organizar o Estado pela defesa nacional dela desliga porém a política externa, que tanto ou mais que a segurança interna ou a justiça lhe deverá estar associada, não vá pensar-se que o governo em Portugal privilegia a defesa armada dos interesses nacionais no plano externo relativamente à sua afirmação pela via diplomática.
A subalternização da política externa na hierarquia dos objectivos da organização do Estado é, aliás, preocupante quanto é certo dela fazer parte a vertente da integração europeia, à beira da entrada em vigor do tratado de adesão, que - como, aliás, se reconhece no Programa - torna «fulcral» «uma perfeita articulação entre a frente externa e a frente interna, para que a adesão resulte num êxito».
Não se sabe como o Governo pretende fazer essa articulação e penso não ser de admirar que por isso o Governo não tenha ainda desvendado a sua filosofia de actuação em defesa dos interesses portugueses no quadro das Comunidades Europeias.
Seja ela qual for, há-de ser prosseguida pelos nossos representantes na medida em que lhe permitirem' a sua preparação e as estruturas que os sirvam.
Não tenho visto uma suficiente e generalizada preocupação do Estado na formação dos seus agentes e representantes.
E também tenho visto completamente descurado o apretechamento da nossa representação na Comunidade, com os quadros por preencher (mesmo depois das orgânicas estabelecidas), sem instruções, com o pessoal existente desmotivado e desmultiplicando-se de reunião para reunião sem poder, mesmo fisicamente, assegurar aí mais que uma simples frequência de assento.
Esta situação não pode continuar por mais tempo pois desampara completamente a defesa dos nossos interesses e afecta seriamente o nosso prestigio e a nossa credibilidade no exterior.
A integração europeia é porém, um desafio para toda a sociedade portuguesa - e não apenas para o Governo, como é evidente.
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Os seus efeitos sentir-se-ão em todos os sectores da vida social e económica. E, como serão complexos e profundos, o esforço de ajustamento tem de ser muito grande e muito rápido.
No quadro das tarefas do Estado directamente motivadas pela preparação à adesão assume, a meu ver, um relevo especial a da informação dos agentes económicos, empresários ou trabalhadores. Este é um serviço que o Estado pode e deve fornecer sobretudo enquanto não forem suficientemente fortes nem suficientemente organizadas as estruturas associativas dos empresários ou dos trabalhadores na indústria, mas sobretudo no comércio e na agricultura, sem cuja criação e reforço não há possibilidade de corresponder às exigências comunitárias e - no limite - a adesão não será viável.
De resto, o sentimento de isolamento de centenas ou milhares de empresários portugueses, nos mais diversos ramos de actividade e sobretudo no interior do País, só poderá começar a ser vencido pela associação da suficiente dimensão e quando se lhes tornar acessível uma informação correcta, precisa e compreensível sobre as produções a que lhes convém dedicar-se, os métodos mais modernos de fabricação ou os mercados a que podem dirigir-se.
Prover esta informação é, Srs. Ministros da Agricultura e da Indústria, uma tarefa fundamental para os vossos Ministérios, aos quais VV. Ex.as teriam por esta forma dado, porventura, a mais útil da ocupações, conseguindo justificar a sua existência e garantir-lhes uma adequada rendibilidade social. Modernizar a Administração é, porém, na avaliação do Governo, o último dos imperativos da organização do Estado. E mal - porque continua a ser esse um ponto axial da crise do nosso Estado, porventura o elo mais fraco da cadeia, que se torna necessário enfrentar com prioridade.
Por isso, exprimo a mais profunda dúvida de que chegue para a magnitude das tarefas a evanescência desse secretariado para a modernização administrativa, instrumento fraco para dar ao Estado a capacidade para desempenhar as tarefas que lhe cabem. Uma dessas tarefas - e das mais difíceis - é a de impulsionar o desenvolvimento da economia e de prover à regulação económica global.
Não podem deixar de se sufragar algumas das ideias e dos objectivos gerais do programa de política económica. Do ajustamento dos instrumentos e mecanismos usados para os prosseguir espera o Governo que resultem efeitos positivos e um aumento da racionalidade do sistema.
Não acreditamos, porém, no advento do «admirável mundo novo» prometido na já célebre p. 32 do Programa.
Reduzir a inflação, aumentar o investimento e o produto, reduzir o desemprego e aumentar os salários reais e, ao mesmo tempo, manter sob controle o défice externo e o défice orçamental é uma aposta tão arriscada que mais se assemelha à tentativa de conseguir a quadratura do círculo.
E já o Sr. Ministro das Finanças acaba de anunciar quanto aos preços intervenções nas empresas, a que chamou de «persuasão fiscal» e que antes parecem cheirar a uma ameaça que já se afigura tocar as raias da ilegitimidade num Estado que se quer pessoa de bem. Peco-lhe, Sr. Ministro das Finanças, que melhor esclareça este ponto para a nossa compreensão.
Como já se disse, pretende por exemplo o Governo reduzir a carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, sobre a poupança e o capital de risco, sobre os custos do emprego e sobre os custos do credito, etc. É esse um movimento de sinal positivo, que não pode deixar de saudar-se.
Mas não crê V. Ex.ª, Sr. Primeiro-Ministro, que a redução das receitas fiscais daí decorrentes a curto prazo possa criar sérias dificuldades - que a reanimação da actividade económica apenas sensível, em si e nos seus efeitos fiscais, a prazo mais dilatado, não permitirá compensar senão após os necessários períodos de ajustamento?
Não podemos correr o risco, Sr. Primeiro-Ministro e Sr. Ministro das Finanças, de que W. Ex.as apareçam nesta Câmara no último trimestre do próximo ano solicitando a aprovação de mais um Orçamento suplementar.
Mas, como VV. Ex.ªs prometem «periodicamente» «examinar o cumprimento de cada meta» e explicar ao País (e certamente também a esta Câmara) os «eventuais desvios e consequentes reajustes da política», manter-nos-emos atentos e vigilantes, como é da nossa obrigação, no controle democrático da actividade do Governo.
Para começar, gostaríamos, evidentemente, de ver como aplicará o Governo no Orçamento e no Plano o que promete no seu Programa, e aí melhor discutiremos a compatibilidade dos objectivos tanto mais que não parece pelo Governo inteiramente assumido o valor axial da eliminação do défice do sector público para controlar os outros desequilíbrios da economia.
No quadro da sua política económica, propõe-se ainda o Governo valorizar a componente espacial no processo de desenvolvimento, perspectiva indispensável num país desiquilibrado regionalmente como é o nosso. Mas também aqui, nem todos os instrumentos são bons.
E um receio nos assalta, Sr. Primeiro-Ministro, ao contemplar - cito - «todo o conjunto de diferentes tipos de planos que o Governo pretende levar a cabo»; são os programas regionais de desenvolvimento e o plano plurianual que lhes servirá de suporte; além do PIDDAC e do PISEE; são os planos e programas integrados; são ainda, no quadro da política de ordenamento do território, os respectivos planos regionais, os planos directores municipais, os planos de ordenamento do litoral.
O estro planificador do autor do Programa nesta parte veio nele introduzir uma evidente distorção, invertendo o eixo da desborucratização para a intervenção.
A simples elaboração de um plano ou de um programa é uma actividade fortemente consumidora de recursos que só se justifica pela sua indispensabilidade e pela viabilidade do seu cumprimento efectivo.
Não podemos, por isso, dar-nos ao luxo de multiplicar os exercícios literários deste tipo, que se justapõem muitas vezes e em que muitos serviços esgotam a que eficácia social. Por isso, se pudermos fazer a economia de algum destes planos, tanto melhor!
Aliás, em matéria de desenvolvimento regional, em vez de um labirinto de planos e de programas é preferível que o Estado se consagre à instalação ou melhoria de infra-estruturas que apoiem o desenvolvimento económico auto-sustentado e compensem os efeitos cumulativos de natureza desequilibrante. E que adopte
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medidas para apoiar e incrementar a mobilidade dos factores produtivos, de molde a evitar os mais sérios obstáculos a essa mobilidade permitindo-lhes acorrer aonde são mais necessários e responder de modo racional aos estímulos do mercado, facilitando o ajustamento das suas remunerações às condições regionais de procura e de oferta.
E que implante um adequado sistema de incentivos de base regional simples, transparente e racional, que, do mesmo passo, permita captar fundos da CEE para o co-financiamento de investimentos produtivos de responsabilidade do sector privado.
Informa-nos o Sr. Ministro das Finanças ter já ideias para a preparação de tal instrumento: aguardamos, ansiosos, o seu conhecimento, pois nenhuma referência se lhe encontra feita no Programa.
Também aí não encontramos qualquer referência à regulamentação da Lei das Finanças Locais em pontos em que ela ainda é necessária. E também nenhuma informação nos é fornecida por exemplo,, sobre o destino que se pretende dar a um imposto como a Taxa Municipal de Transportes, que, de tanto se tornar evidente que não é adequado aos objectivos com que foi criado, ainda não foi regulamentado e portanto é como se não existisse. É um mau imposto e seria melhor substituí-lo.
Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Deputados: Vou terminar, por ora, dado faltar-me o tempo para mais apreciações. A nossa postura face ao Governo é clara: seremos oposição firme e atenta mas construtiva, porque Portugal precisa de ser governado e bem governado. E por isso penso já aqui ter deixado algumas sugestões.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Educação e Cultura.
O Sr. Ministro da Educação e Cultura (João de Deus Pinheiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Ministros: Ao usar da palavra na qualidade de membro do X Governo Constitucional desejo, antes do mais, saudar cordial e respeitosamente esta Assembleia, na certeza de que ao fazê-lo, exprimo um tributo de homenagem ao nosso regime democrático.
Regime democrático que se deseja perene e em permanente aperfeiçoamento e para o qual a educação e a cultura poderão e deverão contribuir de forma significativa.
A educação terá por objecto o pleno desenvolvimento da personalidade humana, o fortalecimento do respeito pelos Direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais; favorecerá a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações, grupos étnicos ou religiosos [...]
Acabo de citar a Declaração dos Direitos do Homem, expressão de uma consciência planetária, em que admiravelmente se traçam os grandes objectivos da educação enquanto processo de formação do Homem.
Educação e cultura são, enquanto presente, o repositório da nossa consciência colectiva como povo e como nação e uma determinante fundamental do nosso futuro, especialmente quando, como agora, se desvanecem as fronteiras culturais e se visualiza um processo de desenvolvimento em que, a educação científica e tecnológica assume relevância crescente e em que os factores a valorar se centram em torno da criatividade, do espírito crítico, da inovação.
Educação e cultura como eixos do desejado desenvolvimento, mas de um desenvolvimento que se não esgota no simples crescimento económico e, que deve assentar numa correcta base política e ética.
Base política, porque requer a legitimação dos objectivos, regras e prioridades que em cada instante caracterizam a acção governativa.
Base ética, porque exige como vertente essencial a prevalência dos princípios de justiça social, de valorização do Homem e de respeito pela identidade cultural da nação. E não será despropositado lembrar João Paulo II, quando reafirmando a visão tomista diz que «só na cultura o Homem vive uma vida verdadeiramente humana».
Nesta óptica, educação e cultura são passos inalienáveis em qualquer estratégia de desenvolvimento e extravasam largamente o âmbito ou a jurisdição de um ministério ou mesmo de um governo.
Sr. Presidente e Srs. Deputados: Atribuir prioridade ao sector educativo tem sido norma proclamada virtualmente por todos os governos de há décadas a esta parte. Porém, aparte momentos de excepção (que só vêm confirmar a regra ...), verifica-se que aquela afirmação, de prioridade terá correspondido mais a razões de retórica do que a uma intenção claramente assumida. Perdeu-se, assim, algum tempo precioso, geraram-se frustrações e ensombrou-se um pouco mais o futuro das gerações mais jovens.
Mas o que já era verdade há mais de uma década é hoje uma evidência gritante, isto é, que o futuro, mesmo quando encarado no horizonte próximo de 10 a 15 anos, vai assentar em proporção sempre crescente no conhecimento, na «massa cinzenta», que, mesmo no plano meramente económico tenderá a constituir-se no principal factor de produção.
Mas não se esgota, de facto, no plano meramente económico, a importância da educação e da cultura como eixos do futuro.
Com efeito, bastará atentar na tendência generalizada para o aumento relativo dos tempos livres e sua ocupação, na crescente interpenetração de culturas, no aparecimento de novos saberes e novas tecnologias, para se compreender que quer do ponto de vista individual, quer do ponto de vista colectivo, não se pode mais secundarizar a problemática educativa e cultural.
É nestes pressupostos que o Governo estabelece como prioridade clara e inequívoca da sua acção governativa os sectores da educação e cultura, ciente de que o nosso futuro como nação depende irremediavelmente da aposta que formos capazes de fazer no homem português e, muito especialmente, no investimento que formos capazes de mobilizar para a formação da nossa juventude.
Investimento e acção que se não devem exaurir no simples acréscimo de meios financeiros ou na mera optimização das estruturas e métodos vigentes, mas que devem ter como pressuposto a análise dos objectivos a atingir, sua confrontação com os recursos disponíveis ou mobilizáveis e o consequente estabelecimento de vias coerentes e eficazes de acção.
Nesta procura das melhores soluções há que caminhar com determinação e humildade, procurando-se uma participação o mais alargada possível, uma in-
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teracção profícua com as entidades e organizações que por atribuição ou vocação se interessam pela temática em apreço e uma sensibilização do País para a importância dos problemas.
Diálogo, participação, transparência, determinação, não principalmente para realizar o programa de um partido ou de um governo. Do que se trata é de assegurar condições de futuro para o nosso país.
É nesta óptica que o Governo aponta como medida fundamental a reforma do sistema educativo, reforma global de estruturas, métodos e conteúdos e, principalmente, de atitude.
Reforma que assentará no trabalho e acção coordenadora de uma comissão expressamente constituída para o efeito, composta por individualidades de reconhecido mérito e competência neste âmbito, necessariamente heterogénea e plurifacetada, que promoverá a elaboração e preparação dos textos, estudos ou diplomas requeridos para uma reforma global e coerente assegurando o acompanhamento da sua aplicação.
Porque, como referido, se trata de encontrar soluções que possam merecer amplo consenso e que se desejam participadas entende o Governo que a referida comissão deverá, ainda, ser dotada de uma autonomia substantiva, proporcionando-lhe capacidade de interlocução directa, antes do mais, com a Assembleia da República através da sua Comissão Especializada e, para além disso, com os parceiros sociais ou outros organismos ou entidades julgados pertinentes.
Trata-se, em suma, de desgovernamentalizar e despartidarizar uma reforma que deverá ser factor de união e esperança para todos os Portugueses e não um foco de conflitos ideológicos ou corporativos.
As grandes linhas orientadoras da comissão de reforma estão explicitadas no Programa do Governo, entendendo-se, na perspectiva do que se acaba de dizer, que se não deve ir mais além na formulação de directrizes para a comissão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Têm vindo a repetir-se ao longo dos últimos anos os diagnósticos acerca dos males que afectam o nosso sistema de ensino. Males que em muitos casos resultam de desajustes estruturais, de carência de meios, de gestão deficiente e até da falta de um projecto articulado de desenvolvimento. Males que em muitos casos não são exclusivo português, antes reflectem as contradições e as tradicionais inércias dos sistemas educativos.
Males que, em qualquer caso, importa não escamotear ou silenciar, não para substanciar críticas negativas e derrotistas para o País, para o regime ou para os governos, mas para que do seu conhecimento possa resultar a vontade colectiva de os enfrentar e superar.
Refiro, a propósito, a leviandade com que tantas vezes se tecem críticas negativas ao nosso sistema de ensino, sem um conhecimento minimamente aprofundado dos problemas e dos constrangimentos envolventes, focalizando atenções no acessório em detrimento do essencial, contribuindo não raro para a descrença nas instituições e por reflexo para a descrença no próprio regime.
É preciso que se tenha consciência de que o nosso sistema de ensino não pode ser desinserido de contextos mais amplos que o condicionam e determinam. A transição para a democracia, a evolução científica e tecnológica, a explosão escolar da última década, as sucessivas crises económicas, as múltiplas carências do
País noutros sectores são alguns dos factores que importa considerar quando se pretende analisar criticamente o sistema educativo.
Mais difícil, sem dúvida, do que repisar diagnósticos, é o delinear de terapias consequentes, enquadradas na prioridade correcta, ajustá-las em termos de custos, benefícios e confrontá-las com outras alternativas possíveis, não só no âmbito do sistema educativo, mas também em outros sectores socialmente justificados.
Na educação, como na cultura, todas as suas vertentes são, por definição, importantes. Porém, o pleno e simultâneo atendimento de todas aquelas vertentes esbarra à partida com a inevitável limitação de meios financeiros e de recursos humanos em quantidade e qualidade suficientes. Daqui resulta a imperiosidade do estabelecimento de prioridades de investimento e acção e, por reflexo, a enfatização de alguns aspectos programáticos em detrimento de outros.
Aspecto que merece urgência de actuação é o que se prende com a reestruturação e desconcentração efectiva da gestão educativa, simplificando os serviços centrais, desburocratizando e anulando sobreposições de competências e duplicação de serviços. Exemplo já desta intenção é a transferência para o Ministério da Educação e Cultura da Direcção-Geral das Construções Escolares, que será fundida com a Direcção-Geral do Equipamento Escolar, passando a haver um único centro de decisão em matéria de instalações e equipamentos, quer no que respeita à construção, quer à manutenção, incluindo nesta a segurança.
Promover-se-á ainda a articulação entre os planos desta nova Direcção-Geral com as da Direcção-Geral dos Desportos, no sentido de maximizar os recursos disponíveis para construção e utilização de infra-estruturas gimnodesportivas, condição importante na expansão do desporto juvenil que se preconiza.
Prevê-se ainda na supracitada reorganização do Ministério a efectiva desconcentração de competências para serviços regionais e distritais, que substituirão, naturalmente, as delegações formais ou informais ora existentes em múltiplas direcções-gerais e que não têm virtualmente qualquer articulação entre si.
Para além do investimento em instalações, incluindo o ensino superior, importa sublinhar o esforço a despender no apetrechamento didáctico dos diversos estabelecimentos, designadamente no que respeita à introdução de novas tecnologias. Trata-se não ao de um esforço financeiro, mas também e principalmente de formação e aperfeiçoamento de professores, que, naturalmente, não possuem a desejável formação nestes domínios.
Sublinha-se, aliás, que a formação de professores, seja inicial, em exercício ou contínua, constitui matéria a que o Governo atribui especial importância pelos reflexos que tem na qualidade do ensino e aprendizagem.
Nesta óptica, promover-se-á o desenvolvimento das escolas superiores de educação e centros integrados de formação de professores e alargar-se-á a intervenção das universidades mais antigas, estimulando-se a interacção entre os sistemas de ensino superior e não superior e o papel da escola como agente activo de formação.
Convirá, contudo, ter presente que não se pode isolar a problemática da formação da abordagem e resolução do sempre adiado estatuto dos professores do en-
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sino não superior, que, por seu turno, dependerá em larga escala da estrutura consignada para o sistema educativo. Assim, e também nesta perspectiva, se reconhece a urgência em dotar o País de uma lei de bases do sistema educativo, a qual, sendo matéria da competência exclusiva da Assembleia da República, merecerá do Governo o interesse e disponibilidade desejáveis com vista à sua rápida concretização.
Importará, aliás, ter-se consciência de que o protelamento-na aprovação de uma lei de bases induzirá ou sustentará instabilidade no sistema, dificultando o pleno e cabal tratamento de questões de fundo, como sejam o 12.º ano ; o acesso ao ensino superior, o estatuto docente ou mesmo a clara definição do perfil dos professores a formar nas escolas superiores de educação.
Investimento que não pode igualmente ser regateado é o que respeita a valências de marcado efeito multiplicador. Exemplos são a educação pré-escolar, verdadeira raiz da igualdade de oportunidades e do sucesso escolar, o ensino técnico-profissional, via potencial para uma mais eficaz inserção na vida activa, e, a investigação universitária, fonte de criatividade, inovação e serviço ainda não cabalmente aproveitada em prol do desenvolvimento das regiões e do País.
Permita-se-me que relativamente ao ensino técnico-profissional exprima a intenção do Governo em prosseguir e aprofundar esta experiência, sem prejuízo de no seu alargamento terem maior participação as comunidades locais, de se promoverem novos cursos orientados para novas profissões e de se chamarem mais activamente à participação nestes projectos os potenciais empregadores e os próprios profissionais, podendo, eventualmente, ser convidados a comparticipar , no ensino aprendizagem das áreas respectivas. Ainda no âmbito educativo dever-se-á referir, a determinação do Governo em executar medidas que, por razões diversas, têm vindo a ser adiadas, não obstante o largo consenso existente quanto à sua validade. Estão neste caso, entre outros, a consignação da autonomia e critérios de financiamento das universidades, o lançamento da universidade aberta, o efectivo arranque do ensino superior politécnico,, a regulamentação e implementação do instituto de educação especial, o aperfeiçoamento da gestão democrática das escolas, a formatação de uma política de «manuais escolares», a diversificação de modalidades de acção social escolar e o desenvolvimento de infra-estruturas de apoio ou o decisivo alargamento e implantação do desporto escolar.
Prosseguirá, ainda o Governo uma política educativa que concretize o princípio da liberdade de ensinar e aprender, designadamente facilitando à livre escolha pelos pais do processo educativo para os seus filhos no âmbito da escolaridade obrigatória, e o apoio claro e atempado sob diversas formas ao ensino particular e cooperativo, nelas incluindo os «contratos de patrocínio» enquanto portadores de inovação e agentes de formação integral dos jovens.
O Sr. Malato Correia (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A educação e a cultura são verdadeiros repositórios dos valores da tradição e do progresso, nelas se reflectindo a interiorização da herança histórica e cultural que capacita um modo de ser e de estar e nelas se potenciando um desenvolvimento que se deseja endógeno.
Nesta perspectiva, as actividades marcadamente culturais, como a museologia, o livro ou a defesa do património, representam uma faceta indispensável da nossa afirmação como povo e extravasam largamente a esfera da acção governativa. -
Importa que o Estado ou os seus organismos não promovam a, «pasteurização» cultural. Ao invés, o esforço deve ter sentido contrário, propiciando a descentralização, o pluralismo e a diversidade.
O universal não é seguramente o produzido por qualquer indústria cultural homogeneizante, centralista, distorcida. O universal deriva do peculiar, do que é próprio de cada região, de cada contexto, de cada gente, de cada indivíduo, sem cair no exotismo para consumo turístico, mas valorizando o que cada comunidade reconhece como sua expressão e nela se identifica.
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - É neste entendimento que. o Governo defende a articulação e sinergia são só no âmbito da Administração mas, principalmente, através de insubstituíveis contribuições da iniciativa privada, das associações cívicas e das autarquias.
A integração da dimensão cultural na estratégia do desenvolvimento do País requer uma decidida coordenação, com vista a superarem-se problemas de raiz e a maximizar recursos disponíveis. Neste quadro, considerou-se desejável articular desde logo as políticas cultural e educativa, atendendo, precisamente, a que são de raiz educativa grande parte dos problemas culturais do nosso país, problemas que persistem e que explicam em boa medida as repetições que se observam em sucessivos programas governativos.
Os valores culturais fundamentais e que constituem foco permanente da acção do Governo, de qualquer governo, no campo da cultura são certamente a qualidade da criação, o grau de fruição, a exigência do acesso e a consciência da necessidade de salvaguardar o património. Porém, a sua extensão a toda a população e o seu enraizamento implicam profundamente as estruturas educativas e vice-versa.
Traçaram-se, Sr. Presidente e Srs. Deputados, algumas das ideias fundamentais da acção que o Governo se propõe empreender na esfera da educação e da cultura, sabendo-se de antemão que é virtualmente impossível ser-se exaustivo.
Solicito a vossa benevolência, colocando-me, naturalmente, ao vosso dispor para aclarar ou abordar qualquer tópico julgado pertinente, desde que possa ou saiba responder.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Jorge Lemos, José Manuel Tengarrinha, Coimbra Martins, Rogério Moreira, Carlos Brito, Nogueira de Brito, Amélia de Azevedo, Manuel Queiró e Sottomayor Cardia. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro da Educação e também da Cultura - visto que a cultura já não tem direito a um ministério -, V. Ex.ª, anunciou no seu discurso (e o seu Programa também o refere) que, em termos de acção governativa, haverá prioridade para o sector da educação.
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Em primeiro lugar, gostaria de saber se com essa sua afirmação pretende criticar a acção dos seus antecessores, que, aliás, foram todos do seu partido nestes últimos 6 anos, e a sua própria acção, dado que já era Ministro da Educação, no governo anterior.
A segunda pergunta que lhe quero fazer tem a ver com a composição da actual equipa do seu Ministério, que é, aliás, a mesma da do governo anterior. Será por isso mesmo, Sr. Ministro, que não é dada qualquer resposta concreta aos problemas que neste momento mais gravemente afligem o sistema de ensino?
Lendo o capítulo do Programa sobre a educação não se encontra uma única referência, designadamente, à questão do insucesso escolar - e o Sr. Ministro sabe que são centenas de milhares as crianças e os jovens que neste momento não transitam de ano - e ao combate ao analfabetismo.
O Sr. Ministro e o seu Governo, que tanto falam em integração na CEE, não têm qualquer tipo de política nesse sentido. Não se fala uma única vez sobre a ruptura do sistema educativo actual, nem se faz um diagnóstico do que é a situação em termos de instalações.
Ora, se não há diagnóstico, como é que se pode dizer, como o fez o Sr. Primeiro-Ministro: «estudámos a situação e temos as medidas»?
Não há uma palavra sobre o efectivo cumprimento da escolaridade obrigatória e, contudo, este é um dos problemas essenciais.
O programa elaborado pelo seu departamento é vago, ambíguo, sem metas definidas nem prazos de concretização. Sobretudo, é um programa contraditório porque, não falando nestas grandes questões e deixando de lado importante sectores, como o da educação pré-escolar, o do ensino especial, o da formação de professores, o que, aliás, está em contradição com o programa eleitoral do seu próprio partido, que fala no lançamento de um programa de formação de professores - esqueceram-se disso no Programa do Governo! ... Dizia eu que este Programa, enquanto, por um lado, não fala destes grandes vectores da política educativa, por outro lado não se esquece - pasme--se! - de falar na criação da Faculdade de Ciências do Mar.
Então não é contraditório que se deixe de lado estes grandes sectores e se refira a criação da Faculdade de Ciências do Mar?!
E quanto à lei de bases do sistema educativo, o que é que se vai passar?
O Sr. Ministro anuncia a criação de uma comissão de reforma do sistema educativo. Ela vai trabalhando, ela vai apresentando serviço e as medidas serão postas em prática.
Pergunto: o Sr. Ministro está ou não desse modo a colocar a Assembleia da República perante factos consumados, roubando-lhe ou tentando roubar-lhe a competência exclusiva de aprovação de uma lei de bases do sistema educativo?
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao orador seguinte, aproveito para informar os Srs. Deputados e o Governo de que a conferência de líderes que há pouco teve lugar decidiu que a sessão de hoje se prolongará até às 21 horas.
Pergunto ainda ao Sr. Ministro da Educação e Cultura se deseja responder já ou apenas no fim de todos os pedidos de esclarecimento.
O Sr. Ministro da Educação e Cultura: - Respondo no fim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Tengarrinha.
O Sr. José Manuel Tengarrinha (MDP/CDE): - Sr. Ministro da Educação e Cultura, vou começar por referir duas notas positivas: em primeiro lugar, parece--me que o facto de as construções escolares estarem sob a alçada do Ministério da Educação e Cultura pode resolver com ligeireza alguns dos graves problemas que neste momento se estavam a levantar. Creio, pois, que é uma velha batalha - velhíssima, podemos dizê-lo - que teve resultados positivos.
Em segundo lugar, igualmente nos congratulamos com o facto de este Governo anunciar prioridade para o sector da educação. No entanto, perguntamos em que medida é que isso se traduzirá em termos orçamentais.
A verdade é que para muitas das perguntas que teríamos a formular após a leitura atenta do Programa do Governo, esta sua intervenção não avançou muito nesses esclarecimentos.
O Programa do Governo, omisso e vago, embora ambicioso em alguns objectivos de grande alcance, não se debruça sobre questões prioritárias do sistema escolar, a que cumpre acrescentar, para além da já referida questão dos recursos financeiros, o analfabetismo literal, o insucesso escolar, as causas das irregularidades na abertura dos anos lectivos, que tão visíveis são para alunos e pais.
No âmbito do combate ao analfabetismo literal, que, como deve saber, ultrapassa o décuplo do de qualquer país europeu, a acção do Ministério da Educação tem diminuído. Assim, as metas previstas no plano nacional de educação de base de adultos não perfazem um quarto das programadas, estando mesmo em declínio de ano para ano.
O que é que o Ministério da Educação e Cultura pretende fazer perante um tão grave problema?
Quanto às taxas de insucesso escolar, o Sr. Ministro sabe com certeza que elas têm valores assustadores em relação aos países que irão ser nosso parceiros. Podemos ver que, por exemplo, a França tem 9%, a Itália 2% e a Grécia apenas 1%.
Em Portugal, elas vão-se agravando de ano para ano, designadamente no ensino primário. As mais recentes estatísticas mostram que há cerca de 40 % de reprovações só na primeira fase do ensino primário, isto é, nas antigas primeira e segunda classes, e 27% na segunda fase.
Na realidade, ultrapassa os 500 000 o número de escolares penalizados pelo insucesso, pelo que perguntamos o que é que se irá fazer neste campo.
Também em relação aos factores de irregularidade na abertura do ano lectivo, não apenas no que respeita à carência de instalações mas também à colocação atempada de professores e às insuficiências igualmente demonstradas nesse domínio, perguntamos como é que se pretende atalhar tão grave problema.
O sistema escolar tem funcionado como um instrumento de discriminação em prejuízo dos sectores mais vastos e mais desfavorecidos, em vez de fomentar o princípio da igualdade de oportunidades. Assim, igualmente perguntamos o que é que o Ministério da Educação e Cultura pensa fazer neste domínio.
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Por outro lado, o Sr. Ministro fala na comissão de reforma do sistema educativo, a respeito do que gostaria de colocar-lhe a seguinte questão: o Programa prevê a criação imediata de uma comissão de reforma dos sistema educativo, a concluir os seus trabalhos no prazo de 2 anos. Todavia, seria bom clarificar se este trabalho será - como nós entendemos que deve ser - de execução posterior à formulação de uma lei de bases do sistema educativo ou não.
Como será possível conseguir, como se diz, uma concepção global e coerente de todo o sistema educativo se essa reforma não for antecedida pela promulgação de uma lei de bases, de forma a estabelecerem-se as bases fundamentais, a coerência dessas medidas, lei de bases essa que, evidentemente pressupõe a aplicação de uma atitude de consenso entre várias forças políticas?
Sr. Ministro da Educação e Cultura, estou em desvantagem relativamente a V. Ex.ª na medida em que, perante este Regimento injusto, faço estas perguntas, formulo estas questões e ponho estas dificuldades que me parecem ser muito graves para milhares de alunos e professores, mas tenho que limitar-me a ouvi-lo sem possibilidade de responder-lhe se, porventura, não estiver de acordo.
Evidentemente que, como a única figura regimental que poderia utilizar seria a de defesa da honra e certamente não vou ser atacado na minha honra pelo Sr. Ministro, terei de calar-me perante a sua resposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Coimbra Martins.
O Sr. Coimbra Martins (PS): - Sr. Ministro da Educação e Cultura, V. Ex.ª começou e terminou a sua exposição focando a afinidade entre educação e cultura. No início do seu discurso produziu até citações e aduziu autoridades que abonam esta afinidade.
Porém, esta afinidade não é, de maneira nenhuma, geralmente aceite, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro lembra-se do texto fundamental de Thomas Mann em que ele vinca e desenvolve precisamente o contraste entre cultura e educação, entre cultura e civilização? É o texto no qual a certa altura ele diz: «A Alemanha é sobretudo a cultura; a França sobretudo a civilização.»
Sr. Ministro, o seu Ministério tem tão poucos departamentos e está afligido de tão poucos problemas que suporte mais os múltiplos departamentos e os grandes problemas do Ministério da Cultura? Por que é que se fez esta união? Por economia? Mas por economia de quê, Sr. Ministro?
Um secretário de Estado ganha menos 10%, ou talvez nem isso, do que um ministro. É essa a economia, Sr. Ministro?
Só se houver outra espécie de economia, Sr. Ministro: economia na acção cultural.
Mas então eu lembro-lhe um Conselho de Ministros a que V. Ex.ª estava presente e em que o Secretário de Estado do Orçamento, do seu partido, me disse: «O senhor não pode gastar tanto; tem que cortar: ou o cinema ou o teatro, ou a ópera ou o bailado.» E eu disse-lhe: «Corte, então, o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, porque eu não assumo essa responsabilidade!»
Vai V. Ex.ª assumi-la, Sr. Ministro?!
Não sei, portanto, se a economia vai ser feita com esses cortes. Temo que sim, visto que o Sr. Primeiro-Ministro declarou, salvo erro no dia 30 de Outubro - e isto foi noticiado em primeira página no Diário de Notícias, de 1 de Novembro -, que o ministério-gabinete assim comprimido era para evitar desperdícios».
Talvez o Sr. Primeiro-Ministro não o tenha declarado, peço desculpa, mas então é defeito do jornal ... É que, de facto, no Diário de Notícias lá está - e em primeira página - que «é para evitar desperdícios».
Qual é o desperdício, Sr. Ministro? É o desperdício da cultura, da acção cultural, ou é o desperdício do Ministro da Cultura?
Vamos ter contactos internacionais e este Governo, designadamente V. Ex.ª e o Sr. Primeiro-Ministro, vai, desde logo, entender, sobre fé dos relatórios que vierem, nomeadamente os dos encontros culturais na área da CEE, que se cometeu um grave erro tirando a Portugal um ministro quando a França tem um extremamente dinâmico, bem como a Espanha, que dá os subsídios generosamente, com aquela magnanimidade que a caracteriza. E vão multiplicar-se os encontros ibéricos, os festivais ibéricos, as bienais ibéricas ...
O Sr. Ministro da Educação e Cultura lembra-se da política de Filipe II, filho de Carlos V, e da atitude consequente de muitos homens da cultura em Portugal?
A integração na CEE abre para as relações entre Portugal e Espanha, particularmente na área da cultura, novas perspectivas, que têm de se analisar desde já. Aí o erro é muito grave!
Prevejo, por isso, que o gabinete vai voltar atrás e que o Sr. Primeiro-Ministro vai dar-se conta de que isto foi um erro. Promoverá, então, novamente a responsabilidade da cultura ao grau de ministério.
Porque o Brasil tem Ministro da Cultura! Ambos os candidatos à Presidência da República do Brasil puseram no seu programa, como ponto fundamental, a criação de um Ministério da Cultura. Os países de expressão portuguesa têm-no em muitos casos. E nós vamos ficar em desigualdade .... até com a Grécia, Sr. Primeiro-Ministro?!
Não! Os senhores vão ver pelas relações internacionais que cometeram um erro. Agora, o que não sei é se terão tempo para o emendar!...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Ministro da Educação e Cultura, segui com atenção a sua intervenção e - permita-me que lho diga - penso que assistimos a mais uma repetição na área da educação. Ou seja, se foi reconduzido o Ministro da Educação actualmente responsável por esta pasta e foram repetidas, no essencial, as linhas mestras da política prosseguida, também agora o Sr. Ministro entendeu repetir aqui, perante esta Câmara, aquilo que é o texto do Programa do Governo.
Com efeito, em meu entender, o seu discurso pouco terá adiantado em relação àquilo que anteriormente escreveu e que consta do Programa do Governo.
Ao fazê-lo, o Sr. Ministro continuou a não se referir a assuntos de extrema gravidade, aliás já aqui referidos por outros Srs. Deputados, particularmente sobre uma questão de enorme acuidade, que é a grande dimensão que os valores das taxas de insucesso escolar assumem neste momento. Segundo os dados mais recentes, são 500 000 os jovens que não transitam de ano. E este número é crescente, ou seja, de ano para ano esta situação agrava-se.
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O abandono precoce dos estudos é uma realidade. No entanto, o Governo, ao apresentar o seu Programa a esta Assembleia, não tece uma única linha a respeito deste assunto.
Mas mais grave ainda é que, tratando-se este de um princípio constitucional, o da garantia do direito à igualdade de oportunidade de acesso e êxito escolares, o Governo, ao fazê-lo, não toma qualquer atitude no sentido do seu cumprimento.
Por outro lado, em relação a um outro assunto, de que, pelos vistos, o Sr. Ministro é conhecedor, visto que ainda recentemente entendeu publicar uma portaria de aumento dos preços das refeições nas cantinas universitárias e das residências universitárias, e apesar de compromissos assumidos quer por V. Ex.ª quer por ministros que o antecederam, pertencentes também eles ao Partido Social-Democrata, não há uma única linha acerca do apoio social quer aos estudantes do ensino básico quer aos estudantes do ensino universitário.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Por último, gostaria de obter um esclarecimento quanto à questão de saber qual é a real intenção do Governo, nomeadamente do seu Ministério, no que respeita à gestão democrática das escolas, pois, curiosamente, se não há qualquer referência a esta matéria no capítulo do Programa respeitante ao ensino, o que é um facto é que mais adiante, no capítulo sobre a juventude, refere-se o objectivo de rever a legislação regulamentador dos corpos de gestão das escolas.
Visto que nem o Sr. Ministro o esclarece, nem o Programa do Governo o refere, pergunto em que sentido é que se pretende fazer essa revisão. Será com o objectivo de reforçar os poderes dos órgãos de gestão das escolas ou de os reduzir? Será com o objectivo de possibilitar uma maior participação estudantil nos órgãos de gestão ou, pelo contrário, de a coarctar?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Ministro da Educação e Cultura, vou colocar-lhe apenas uma questão muito concreta a propósito da lei de bases do sistema educativo.
Creio que ao menos aqui haverá alguma inovação entre o texto do Programa e a intervenção que acabou de produzir, pois pareceu-me que nesta última o Sr. Ministro advogou a urgência da aprovação desta lei.
Penso que esta é uma questão muito importante para a Assembleia da República, pois, como sabe, é da sua competência reservada, absoluta. Por isso mesmo, era bom que soubéssemos com o que podemos contar da parte do Governo.
Pareceu-me que aquilo para que o Programa apontava era para a ideia da criação de uma comissão - aquela que é anunciada a p. 130 do mesmo -, que trabalharia no sentido de ir introduzindo reformas, sendo depois a Assembleia da República colocada perante a situação de facto de legislar sobre o que estava feito.
Isto parece-me absurdo e julgo que o Sr. Ministro quis agora corrigir na sua intervenção o que consta deste «naco» do Programa do Governo.
Contudo, gostaríamos de conhecer melhor o que é que o Governo pensa acerca desta matéria. Isto porque não conseguimos perceber o que se passa com o PSD, que, sendo o partido com mais experiência deste departamento, desde a grande perturbação que se verificou em 1981 com a apresentação da proposta de lei do então Ministro Vítor Crespo, suponho ter ficado tão traumatizado que nunca mais se conseguiu entender nesta matéria.
Foi assim que na passada legislatura estiveram aqui, na Assembleia da República, vários projectos de lei pendentes - um do PS, outro do MDP/CDE e outro nosso -, estando todos os deputados dispostos para encetar o debate, a discussão e a aprovação da lei de bases do sistema educativo. Contudo, o PSD pediu que se aguardasse até que ele próprio se entendesse com o PS para apresentar um projecto de lei.
Pergunto, pois, o que é que se passa concretamente com o PSD e com o Governo. Entendem os senhores que esta questão não está suficientemente discutida? Está! Em torno dos projectos do PCP, do MDP/CDE e do PS foram feitos muitos debates pelo país inteiro, com professores, com estudantes, com escolas inteiras a participar.
O que é que o Governo teme em relação a esta questão? Por que é que não promete trazer aqui uma proposta de lei do sistema educativo num prazo relativamente curto? Será que não tem confiança na Assembleia da República? Não tem confiança na capacidade da Assembleia da República para legislar nesta matéria?
Era isto o que gostaríamos de ver clarificado, pois, como todos percebemos, trata-se de uma questão fundamental para que a educação progrida em Portugal.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Ministro da Educação, V. Ex.ª fala na reforma do sistema educativo e vem a dedicar-lhe a sua principal atenção. Contudo, ela aparece referida no Programa dominada por uma preocupação, suponho, fundamentalmente tecnocrática. O Sr. Ministro fala de descentralização, da modernização estrutural e curricular de valorização dos recursos humanos empregados. No conjunto, não será exemplar como português mas não deixa de ser louvável!
Mas que objectivos para a reforma do sistema educativo, S. Ministro?
Que objectivos no contexto da ideia que o Sr. Ministro e o Governo têm - ou deveriam ter! - sobre o País que somos e as tarefas que nos esperam?
E que sistema educativo, Sr. Ministro?
Qual o papel para a liberdade de escolha nesse novo sistema educativo? Será que ela se vai limitar à escolha da modalidade de ensino no ensino obrigatório? Então, qual o papel para o ensino particular e corporativo, designadamente no ensino superior?
E, finalmente, Sr. Ministro, uma última questão relaciona-se com o problema das relações com o Parlamento. Não comungo das ideias que aqui foram expressas por outros deputados. A minha preocupação é talvez mais forte: o Sr. Ministro fala numa expressão curiosa de interacção intensa entre o Governo e o
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Parlamento. E eu interrogo-me sobre se, essa interacção intensa se vai reconduzir a relegar o Parlamento para uma função puramente consultiva (o que resulta do que vem escrito na p. 131 do/Programa do Governo)!
Era, pois, sobre isso que gostava de ouvir o esclarecimento do Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.
A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Ministro da Educação, antes de mais, queria felicitá-lo pela intervenção que proferiu!
Queria também colocar-lhe algumas perguntas para que possa precisar alguns pontos do Programa do Governo.
E uma delas diz,, desde logo,- respeito, à questão do orçamento para a educação como uma, das prioridades do Programa de Governo. E queria perguntar-lhe, Sr. Ministro da Educação, se essa prioridade, que é atribuída à educação é uma das primeiras a ter em conta no próximo Orçamento! É evidente que o Orçamento tem de ter um concepção unitária e global mas em todo o caso, queria obter do Sr. Ministro a certeza de que vai, efectivamente, pugnar para que seja realmente atribuída à educação um orçamento que permita resolver, em grande parte, as carências que afectam este sector.
Uma outra questão que lhe queria colocar refere-se ao orçamento para a alfabetização, e educação básica de adultos. Será que neste futuro Programa do Governo poderá ser contemplado, com, a devida atenção, este sector ou, numa concepção um pouco mais estrita ou mais ampla, envolvida a chamada educação permanente?
Por outro lado, que reformulação pretende dar o Sr. Ministro da Educação ao ramo da educação especial.
Um outro problema que várias vezes me foi colocado na campanha eleitoral diz respeito à política do livro escolar. É evidente que não quero, de forma nenhuma, voltar ao tempo do livro único. Ninguém pretende, isso, já que não está de acordo com sistema pluralista em que vivemos. Mas todos aqueles que tem filhos a estudar se preocupam com o preço idos livros, com a extrema dificuldades quê tem de fazer passar os livros de uns filhos para os outros. Quer dizer o período de validade dos livros é tão baixo que, muitas vezes, deixam de ser adoptados pelos professores de um ano para o outro, e por vezes, quando o aluno muda de professor durante o ano o livro que foi recomendado no princípio do ano já não serve para o novo professor.
Que medidas pensa o Sr. Ministro adoptar para que se estabeleça uma política que leve a baixarão preço dos livros, através de edições mais vastas, e nem que se estabeleça uma validade dos mesmos, que se poderia estender a 2 ou 3 anos? Suponho que assim podíamos aliviar um pouco a bolsa de todos os pais que tem os filhos a estudar, e até dos próprios, trabalhadores estudantes que, muitas vezes, estão onerados com as próprias despesas dos seus estudos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Queiró.
O Sr. Manuel Queiró (CDS): - Sr. Ministro da Educação, quer da sua intervenção, quer da leitura do Programa de Governo sobre esta área, detectámos o escassíssimo espaço que tem nas preocupações de V. Ex.ª o problema do ensino universitário. E é sobre esta área que eu gostaria de formular-lhe algumas questões.
Em primeiro lugar, queria colocar-lhe o problema da gestão universitária. Que ideia tem o Governo sobre a eficácia do actual esquema de gestão universitária? Porventura, tenciona agir nesta temática?
Em relação à autonomia universitária, que enquadramento legal e que filosofia tem o Governo a apresentar?
Ainda sobre o tema do ensino universitário, convém ainda assinalar que o problema do estatuto da carreira docente não é minimamente aflorado, nomeadamente a questão da regulamentação da carreira técnica superior. Assistimos, ao longo dos anos, a uma flutuação de posições dos sucessivos ministérios (curiosamente do PSD), criaram-se alguns problemas de direitos adquiridos e eu pergunto: qual é a posição do Governo nesta matéria
Finalmente, qual a ideia que o Governo tem sobre a articulação eventualmente a criar - entre o ensino médio e superior militar, no esquema geral, com o ensino civil? E já que o Governo resolveu perfilhar a ideia da criação de uma Universidade do Mar - ideia sobre a qual o CDS já tem presente um projecto! -, gostaria também de saber qual a opinião do Governo sobre a modalidade de financiamento «projecto de cheque escolar».
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
O Sr. Sottomayor Cardia (PS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Educação: Se bem entendi quem vai responder às minhas perguntas, na parte que lhe diz respeito, não, é o Governo mas, sim, a Comissão. Registo que o Governo afirma dar prioridade ao sector da educação mas que não tem ideias claras sobre o essencial.
Quero prevenir o Sr. Primeiro-Ministro de que isso significa que o Ministério da Educação continuará à deriva até que a Comissão decida o que vai ser feito. Quer isso dizer - para exemplificar e para que não pense que exagero! - que não se sabe se as escolas superiores de educação formam professores para os primeiros 6 ou 9 anos; que não se sabe o que devem ser as escolas superiores de educação; que os diplomados e estudantes das Faculdades de Ciências e Letras não sabem se vão leccionar apenas no ciclo complementar ou também no ensino unificado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, neste momento, confronto-me com uma dúvida: estou inscrito para uma intervenção que, efectivamente, versará sobre questões de educação e cultura. Gostaria que a Mesa, se fosse possível e mediante esta interpelação que, acabei de fazer, me pudesse informar se se confirma ou não a minha inscrição.
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O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado. V. Ex.ª está inscrito mas não vai poder intervir hoje.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, prescindo, então, do meu pedido de esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação.
O Sr. Ministro da Educação e Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou procurar ser o mais breve possível.
A primeira questão sublinhada por vários Srs. Deputados diz respeito ao insucesso escolar.
O combate ao insucesso não se faz com uma ou outra medida mas, sim, por uma séria delas, nomeadamente pelo reforço da educação pré-escolar (que é uma via importantíssima ao seu combate), pela criação de condições de acompanhamento das crianças com dificuldades escolares (medidas essas que, aliás, já estão em curso), pelo aumento da qualidade do ensino, designadamente através da melhoria e aperfeiçoamento da formação de professores.
Pretender combater o insucesso escolar com qualquer medida pontual ou pretender que ele desapareça de um momento para o outro é uma utopia que não tem sentido prático.
No que diz respeito ao analfabetismo, gostaria de vos dizer que os meios que o Ministério da Educação atribui à política de alfabetização são bastante mais amplos do que aqueles que vêm consignados explicitamente no Orçamento. Cada professor destacado, daqueles que estão neste momento no sistema de alfabetização de adultos, custa qualquer coisa como 700 ou 800 contos ao Ministério da Educação.
Isto significa que aquilo que é investido, em termos globais, é superior a l 200 000 contos. Penso que temos é que reflectir sobre a melhor maneira de obter um melhor resultado neste esforço financeiro.
Quanto à comissão de reforma do sistema educativo, diria que se «é preso por ter cão e por não ter». E entendimento do Governo que a matéria de educação é daquelas onde se deve procurar obter os consensos mais latos possíveis. Não está em jogo uma questão conjuntural mas, sim, todo um evoluir de uma geração, da geração dos jovens. E daí que se tenha entendido ser necessário ter uma comissão plurifacetada, uma comissão com componentes diversas que pudesse ajudar o Governo e a própria Comissão Especializada desta Assembleia a trabalhar nalguns dos aspectos da reforma.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Mas que composição terá essa comissão? Isso é que é preciso saber-se, Sr. Ministro!...
O Orador: - Perguntaram também quais eram os aspectos essenciais dessa mesma reforma.
Pois, naturalmente, essa reforma tem de ser perspectivada para a frente. Tem de se olhar para a tipologia dos currículo que o jovem tem de ter quando acaba a escolaridade secundária, por exemplo. Aspectos como a informática, relações internacionais, educação cívica, nutricionismo e outras novas tecnologias, como a microelectrónica, tem, hoje em dia, um lugar quase obrigatório em todos os currículo do ensino secundário.
É evidente que a comissão não se vai substituir, de maneira nenhuma -nem o Ministério da Educação pretende isso -, às competências da Assembleia da República em matéria de lei de bases do ensino. Essa competência é exclusiva da Assembleia da República. Isto não significa que, se por acordo com a Comissão Especializada assim for entendido conveniente, não possa o Ministério da Educação apresentar uma proposta de lei a esta Assembleia.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Pode e deve!
O Orador: - Sobre a intervenção do Sr. Deputado Coimbra Martins, penso que as palavras que proferi na minha intervenção respondem basicamente às suas preocupações. Acrescentaria apenas que não temos a ideia de que seja uma fusão definitiva. Entendemos que, transitoriamente, se podem utilizar melhor, quer os recursos da educação quer os da cultura, no sentido de uma relação biunívoca entre os dois e que possa promover alguma cinergia.
O Sr. Coimbra Martins (PS): - Não é definitiva, com certeza!
O Orador: - Referir-me-ia agora à questão levantada pelo deputado Rogério Moreira e que diz respeito aos Serviços Sociais Universitários. É bom que se saiba que, no último ano, esses serviços sociais não só duplicaram o universo de bolseiros como também a bolsa média aumentou qualquer coisa como 80 <_7o ver.br='ver.br' queira='queira' caso='caso' os='os' tenho='tenho' aqui='aqui' números='números' deputado='deputado' sr.='sr.' _-='_-' o='o'>
Quanto à gestão democrática nas escolas, o seu aperfeiçoamento vai no sentido da dignificação das estruturas de gestão e de fazer com que as participações (que, neste momento, já estão previstas na própria legislação) tenham verdadeira eficácia, especialmente no que diz respeito aos jovens acima dos 16 anos.
Quanto à política do livro escolar, muito embora existam muitas ideias sobre essa matéria, temos de ter um cuidado extremo. É importante que qualquer comissão ou grupo designado para fazer a selecção de livros seja de tal maneira incontroverso que não se caia, por oposição, numa situação de contestação generalizada aos livros que são aprovados. Há, de qualquer maneira, um grupo a trabalhar para estudar quais as alternativas possíveis!
Finalmente, o Sr. Deputado Manuel Queiró referiu-se à questão do ensino universitário. Posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que há um projecto de autonomia que, basicamente, é simples na sua caracterização: associa-a aos critérios de financiamento da Universidade. Portanto, é um conceito que associa a autonomia às responsabilidades e remete para cada instituição a responsabilidade de elaborar o seu próprio estatuto. Pensamos que é a maneira mais correcta de salvaguardar a tempo grandes princípios e, por outro lado, a autonomia de cada instituição.
Quanto à questão da articulação do ensino com o serviço militar, quero dizer-lhe que esse projecto já foi proposto e trabalhado no âmbito do Conselho de Reitores, com as instituições militares, mas não obteve merecimento no Conselho de Ministros.
A questão do «choque escolar» é, fundamentalmente, uma questão de custos e não uma questão de princípios.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Eurico Lemos Pires.
O Sr. Eurico Lemos Pires (PRD): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo' e Srs. Deputados: Parece que foi de propósito mas não foi. É que a intervenção que vou proferir de seguida prende-se imediatamente com o conjunto das intervenções que acabaram de ser feitas. Vou, portanto, falar sobre a educação.
Juro-o, e peço que me acreditem, que não houve combinação com a Mesa para que isso fosse feito e não alterei minimamente a intervenção que tinha preparado.
Como o tempo é escasso, vou concentrar a minha análise - que mereceria que fosse muito mais ampliada - em meia dúzia de pontos, que considero estratégicos em termos de uma política educativa.
Muitos outros aspectos ficarão de fora e os aqui abordados terão de sê-lo de uma forma muito concisa e sintética.
Não sei fazer discursos políticos e, por isso, peço que me desculpem.
Começarei por uma citação da própria declaração do Programa do Governo na parte respeitante à cultura e que diz o seguinte:
Compete ao Estado, através da coordenação governamental, assegurar a dimensão cultural na estratégia do desenvolvimento do País. Esta atitude fundamenta-se numa visão humanista da sociedade.
Curiosamente, a intervenção do Sr. Ministro da Educação e Cultura começou exactamente um pouco neste sentido, afirmando que a educação era um processo da formação do Homem e que estava em jogo a sua valorização.
Este aspecto central do Homem foi uma tónica inicial.
Parece, no entanto, que houve contradição quer entre as palavras que se seguiram, quer mesmo no que está expresso no Programa do Governo, com respeito à educação.
Na verdade, existe uma divergência entre o carácter humanista do sector de cultura e o carácter economicista e tecnicista do sector da educação. Divergência entre um projecto educativo como um projecto cultural e um projecto educativo como um projecto económico. Num caso estamos perante o Homem no centro do projecto, no outro, da economia e da técnica no centro do projecto.
O PRD, pelo que tem enunciado, defendendo sempre que o Homem está no centro da economia, não pode deixar de ser crítico, não só em relação à dualidade de perspectivas dos 2 sectores do Ministério da Educação e Cultura como ainda à visão economicista e tecnicista que dá o tom geral ao Programa do Governo para a educação.
Apesar desta preocupação de fundo há que registar a iniciativa proposta de desenvolver e promover trabalhos no âmbito de uma reforma educativa, mau grado o receio que a mesma visão economicista e tecnicista vá orientar essa reforma.
Salienta-se, como ponto positivo do projecto dessa reforma, a intenção de proceder à descentralização da administração da educação.
Não se entende, porém, como é possível fazer-se uma descentralização no sector da educação sem que um processo mais amplo de devolução do poder político à periferia, que a descentralização implica, se realize. Não estaremos antes diante de um real processo de desconcentração, aliás, preconizado pelo Governo como medida imediata e reafirmada no discurso do Sr. Ministro da Educação, que mais não vem senão aumentar a eficácia e reforço de poder central?
Em ligação com a projectada reforma educativa, tenciona o Governo contribuir activamente para a formulação de uma lei de bases do sistema educativo.
Esta intenção poderá ser vista positivamente se encarada no sentido de que deste modo esta própria Assembleia fique alertada para a necessidade imperiosa e urgente de, ela mesma, tomar a iniciativa da elaboração e aprovação de uma lei, que é da sua exclusiva competência, de modo a definir os próprios limites em que a projectada reforma educativa se poderá desenvolver. Aproveita-se, pois, a oportunidade para deixar a esta Assembleia o desafio de responder a esta empresa e de construir o consenso necessário para que uma lei de bases de sistema educativo seja uma realidade em tempo oportuno.
Parece ser preocupação dominante do Governo em relação à lei de bases de que ela contempla o alargamento da escolaridade obrigatória para 9 anos. Este é um ponto extremamente controverso e conviria dizer á tal respeito que tal medida mítica é, na sua essência e no quadro não modificável a curto prazo da actual situação educativa é pedagógica, no mínimo, perigosa, demagógica e alienante. Só por distracção, infelizmente muito comum, se pode encarar de uma forma pacífica tal medida.
Passo a explicar: a escolaridade obrigatória é uma medida coerciva do Governo, só legitimada se aplicada à escolaridade básica, tal como está enunciada na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
A própria Constituição, no seu artigo 74.º, limita-se, moral e prudentemente, a «assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito.»
O ensino básico universal contém implícita a possibilidade dessa universalidade, significando esta a universalidade do sucesso escolar. Isto é, só pode ser classificado de ensino básico aquele que puder ser sucedido. O actual ensino básico não é universalmente sucedido; não é, portanto, básico. Assim, antes de se encarar o alargamento da escolaridade obrigatória, que tem de passar previamente pelo alargamento da escolaridade básica, deve-se primeiro modificar o ensino que hoje tem esse nome - sem o ser - no sentido de garantir a todos o sucesso devido, como contrapartida à obrigatoriedade imposta.
O alargamento da escolaridade obrigatória de um ensino que, efectivamente não é básico, mais não faz que reforçar o insucesso e a selectividade existentes e, deste modo, acentuar a estratificação social. Este é um efeito perverso do pretendido alargamento da escolaridade obrigatória; se é essa a intenção do Governo, então entende-se esta opção.
Medida semelhante representa o desenvolvimento do ensino técnico e profissional como componente do sistema de ensino fora da sua ossatura. Como tal, é medida por demais reconhecida como discriminatória e, portanto, socialmente injusta. Não está em causa a necessidade de uma preparação para a actividade ocupacional, que todo o indivíduo deve possuir, não só no seu interesse pessoal, como também como um dever social, a que ninguém se pode furtar.
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O que, portanto, haverá de ter em conta é uma construção curricular que contemple e valorize a formação ocupacional, como elemento educativo fundamental no sentido de sempre valorizar o homem e não constituir apenas instrumento ao serviço de interesses económicos e técnicos, que às vezes nada têm a ver com o Homem e a sociedade.
Propõe-se o Governo no seu Programa apoiar a consolidação e a dignificação do ensino superior politécnico. Teme-se que isto possa não corresponder à verdade.
O ensino superior politécnico está a começar mal. O aventureirismo e o oportunismo estão a procurar instalar-se e a tentar, deste modo, a subversão total do modelo e do projecto. Seria de perguntar ao Sr. Ministro da Educação se está disposto a ignorar ou a deixar passar essa subversão ou pelo contrário, se está realmente disposto a travar esse processo e, deste modo, efectivamente a consolidar e dignificar o ensino superior politécnico agora nascente.
Finalmente, estranha-se uma omissão grave no Programa do Governo.
Não basta criar uma lei de bases conformada ideologicamente com os valores consensuais da sociedade portuguesa. Não basta desenvolver uma reforma educativa marcada possivelmente pelo economicismo e o tecnicismo já referidos.
Como contrapondo a estas duas perspectivas torna-se imperioso, para garantir uma certa seriedade no processo reformador, uma avaliação constante do sistema. Este país tem sido, numa certa medida felizmente, um verdadeiro laboratório educativo e pedagógico. Mas esta experiência, que as circunstâncias dos últimos 15 anos têm permitido, tem sido insuficientemente avaliada.
Não é possível, porém, uma avaliação completa sem um trabalho de investigação educativa organizado, sistemático, empenhado e apoiado. Neste Programa do Governo não se vê esta preocupação especial e por isso se teme que a falta de informação cuidadosamente trabalhada de acordo com o método científico vá permitir que o imediatismo das soluções venham comprometer o futuro da educação neste país.
A investigação científica no domínio das ciências humanas e sociais é usualmente incómoda para o poder. A investigação educativa não foge também a esta condição. Será que esta actividade, se desenvolvida convenientemente, vai perturbar também este Governo? Será que a inexistência de um apoio explícito à investigação científica no domínio da educação incomoda o respectivo Ministério ou trata-se apenas de uma omissão por esquecimento? Se assim for estará ainda a tempo de o remediar.
Não se pode deixar, finalmente, de reclamar para a educação o que se disse inicialmente, ou seja, a dimensão humanística que foi indicada para a cultura e que o Sr. Ministro também proclamou na sua intervenção, pois cultural também tem de ser o projecto educativo da nossa sociedade.
Aplausos do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Lemos Pires, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.
O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Deputado Lemos Pires, gostei e ouvi com muito cuidado a sua intervenção.
Procurei acompanhá-lo na viagem que fez durante alguns minutos pelo mundo da educação e apreciei devidamente que tivesse reconhecido que o nosso projecto de educação, pelo menos, em termos de intenção, é um projecto com uma dimensão humanista, que tem no centro e como objectivo o Homem.
Também compreendi a sua preocupação de que um projecto de educação não seja um projecto economicista e também tecnicista - como referiu -, embora lhe diga, só como aparte sem interesse ou em pormenor, que V. Ex.ª também caiu nesse pecado porque a sua intervenção foi um pouco tecnicista. E de passagem lhe digo isto.
Só não percebi - e é neste ponto que se centra a minha pergunta - o seguinte: V. Ex.ª diz que o projecto de educação que emana do Programa do Governo é centraliza e que, portanto - conclusão que também referi en passage -, reforça o poder central.
É sobre esta passagem da sua intervenção que peço o seu esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Lemos Pires, se desejar responder ao Sr. Deputado Correia Afonso, tem a palavra.
O Sr. Eurico Lemos Pires (PRD): - Sr. Deputado Correia Afonso, muito rapidamente repito e acentuo que não disse que o projecto de educação do Programa do Governo tinha uma visão humanista. Pelo contrário, disse que, enquanto o projecto cultural tinha essa dimensão humanista, a meu ver, o projecto de educação não a tinha.
O Sr. Deputado referiu também que a minha intervenção foi tecnicista, o que não está correcto porque faço uma pequena distinção. Passe a falsa modéstia, mas eu diria que foi uma intervenção com um certo cientifismo e não com um certo tecnicismo.
Em relação ao projecto centralizador, devo dizer que não afirmei que o projecto era centralizador. O que eu disse foi que as intenções de descentralização tinham sido traduzidas em processos de desconcentração imediata, tal como está no Programa do Governo. E porque não há uma descentralização real do País, que implica a descentralização, isto é, uma devolução de poder político à periferia, corre-se o risco de, na prática, este processo descentralizador não o ser efectivamente mas ser, isso sim, um processo de desconcentração. Desconcentração essa que, normalmente, não significa outra coisa senão o reforço do poder central: é uma forma mais eficaz de consolidar o poder central.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida.
O Sr. Maia Nunes de Almeida (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A política laboral proposta pelo Governo no seu Programa pode resumir-se em breves palavras: não resolve as situações dos trabalhadores com salários em atraso, promove o desemprego e cria maior instabilidade, consagra uma política salarial que conduz ao agravamento das condições de vida dos trabalhadores, viola abertamente os direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição da República.
De facto, se os trabalhadores que há meses não recebem o seu salário tivessem tido oportunidade e tempo de ler o Programa do Governo decerto lhes ficaria a
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interrogação. Que medidas tem o Governo para alterar a nossa situação? Onde ficaram as promessas eleitorais do PSD e do actual Primeiro-Ministro?
Numa leitura mais atenta logo verificariam que aquilo que o Governo propõe é o~ recurso a mais despedimentos, com a imposição de um pacote laboral, contrário aos princípios consagrados na Constituição da República, e à margem da própria Assembleia da República.
A primeira medida a ser aprovada por qualquer governo que defendesse os interesses dos trabalhadores seria sem dúvida a da imediata resolução do grave problema dos salários em atraso.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É uma calamidade nacional, que, ofende os mais elementares direitos humanos, a que o Estado deveria dar urgente resposta.
Aplausos do PCP.
É uma exigência nacional, democrática e humana.
Foi com este objectivo que, no início da actual legislatura, novamente apresentámos um projecto de lei que consagra um programa de emergência de resposta do Estado democrático à situação dos trabalhadores com salários em atraso e que para ele requeremos urgência na apreciação pela Assembleia da República.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As medidas apontadas pelo Governo não dão efectiva resposta a esta situação.
Na verdade, a resolução dos salários em atraso não passa pela falência das empresas, pelo seu encerramento e por despedimentos colectivos. Diminuir o número de trabalhadores com salários em atraso, aumentando o número de desempregados, nada tem a ver com a alegada política de promoção do «bem-estar» social. O Governo abre uma nesga da janela, com a hipótese de pagamento de parte do salário em dívida, mas em troca obriga o trabalhador à rescisão do contrato, à perca do seu posto de trabalho, abrindo completamente a porta ao número daqueles que são já desempregados.
Importa lembrar neste debate que os salários em atraso começaram em Portugal com um governo do PSD e continuaram quando no Ministério do Trabalho pontificava um responsável do PSD.
Não deixa de ser sintomático que o Primeiro-Ministro não tenha respondido a uma questão concreta que lhe foi colocada em relação à LISNAVE.
E por isso insistimos.
Como tenciona o Governo resolver o problema da LISNAVE, onde são claras as intenções do grande capital de destruir a empresa e proceder a um despedimento colectivo ilegal avalizado pelo governo anterior?
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Isso é falso!
O Orador: - E que resposta para os trabalhadores da TORRALTA e da Metalúrgica Duarte Ferreira? A verdade é que com este «Programa» e com a continuação da mesma política vão ser adiados os problemas dos trabalhadores da MESSA, da CIFA, da SUNDLET, da MUNDET, da Parry & Son, empresas em que há salários em atraso há muitos meses e que ficam aqui como exemplo.
E como podem ter segurança no emprego e os salários em dia os trabalhadores vidreiros, dos têxteis, metalurgia, da marinha mercante e pescas quando o Programa do Governo diz expressamente que prefere o encerramento das empresas à sua efectiva recuperação.
Não é preconizando desnacionalizações, com a entrega de empresas públicas ao grande capital que se viabilizam as empresas e se criam novos postos de trabalho. Este é o caminho contra a Constituição da República, escolhido pelo Governo para mais despedimentos e para o desmantelamento do sector público da economia.
Sr. Presidente, Srs. Membros do f Governo, Srs. Deputados: É preocupante ter ouvido o Sr. Ministro das Finanças afirma esta manhã que, em 1986, não haverá aumento do emprego, o que significa que vai haver aumento do desemprego.
A segurança no emprego, a proibição de novos despedimentos, o direito ao trabalho e ao salário, o combate sério ao trabalho clandestino, não se encontram assegurados no Programa do Governo, quando nele se afirma, que será alterado o regime legal da cessação do contrato de trabalho, com uma nova definição de justa causa para despedimentos, na continuação do velho pacote laboral da AD, e do anterior governo, e ao propor a liquidação do conceito de justa causa para despedimento por alegadas razões «económicas», «tecnológicas»; «estruturais», ou de «mercado», e em nome da entrada na CEE, o que o Governo quer é que o patronato possa despedir em qualquer circunstância!
O Sr. Primeiro-Ministro afirmou que não fará guerra aos trabalhadores. Mas não é isso que diz no seu Programa.
A «flexibilidade controlada» é a nova fórmula linguística para reclassificar as velhas soluções do pacote-laboral, que já mereceram a condenação dos trabalhadores e das suas organizações representativas, que vêm do tempo da AD e que o Governo, a confirmar-se notícia hoje divulgada; pretende impor através de autorização legislativa.
Trata-se de um verdadeiro golpe contra a Constituição e contra os direitos dos trabalhadores, que inclui a revisão do regime de faltas, férias e feriados, do trabalho por turnos, do trabalho temporário e das associações sindicais.
Em relação à política salarial e ao contrário do que seria justo, e que chegou a ser prometido no período eleitoral pelo Primeiro-Ministro, o Governo não vai repor o poder de compra dos trabalhadores.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A mais importante contribuição que qualquer governo pode ter é sem dúvida a intervenção democrática, a participação criadora do principal «agente económico» - os trabalhadores. Só com os trabalhadores e nunca contra eles serão resolvidos os grandes problemas nacionais. Só com a sua acção e empenhamento se encontrará uma solução democrática, no caminho de Abril, capaz de salvar o País da grave crise em que se encontra. E é isso que este Governo não traz!
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida, tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida, não seria muito necessária esta intervenção porque já estamos habituados a que
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venha da bancada do PCP um conjunto de afirmações que, em geral, são exactamente o contrário da realidade. Pretendo apenas fazer a demonstração disso mesmo, num ponto.
O Sr. Deputado disse que o despedimento na LISNAVE foi determinado contra as regras legais. Devo dizer-lhe que o despedimento se processou exactamente de acordo com as normas legais; aliás, de 2000 trabalhadores apenas 133 foram despedidos por «despedimento colectivo» e com observância das regras de processo do despedimento colectivo que constam da nossa lei.
De resto, como única forma de salvaguardar os postos dos trabalhadores - quer na LISNAVE quer noutras empresas -, segundo avaliação da própria administração da empresa, que foi, aliás, confirmada em Conselho de Ministros, tornava-se indispensável esse despedimento colectivo.
Deve dizer-se que não foi a resolução do Conselho de Ministros que viabilizou o despedimento colectivo: foi o Ministério do Trabalho que apreciou o processo respectivo, como lhe competia por lei, relativamente a 133 trabalhadores -que foram aqueles que não aceitaram o despedimento voluntário - e, tendo verificado a existência de condições legais e de fundamento legal para esse despedimento colectivo, aceitou o pedido da empresa de proceder a esse despedimento.
É um exemplo, entre outros, de como o PCP pretende defender efectivamente os trabalhadores. Mas todos sabemos já hoje que a política e as posições do PCP em relação à protecção dos trabalhadores é só de boca e de palavras, porque, na realidade, é com a política do PCP que hoje muitas empresas do nosso país, sobretudo na região de Setúbal, se encontram a braços com gravíssimos problemas que não podem ser ultrapassados sem largos dispêndios do Estado em apoios de que elas necessitam. E muitas vezes esses apoios, muito substanciais, não são sequer suficientes para reparar os males que já vieram do passado e que se inserem, todos eles, numa política como aquela que o PCP pretende desenvolver nas empresas.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Havemos de fazer um inquérito a esse despacho!
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Se quiser pode recorrer para o tribunal!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Maia Nunes de Almeida, se desejar responder ao Sr. Deputado Amândio de Azevedo, tem a palavra.
O Sr. Maia Nunes de Almeida (PCP): - Sr. Deputado Amândio de Azevedo, devo dizer-lhe que o senhor foi um mau ministro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Nem tão-pouco sabe o que se passava no seu Ministério!...
Em relação à LISNAVE, o Sr. Deputado não tem a mínima noção das realidades.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Deputado Amândio de Azevedo, vamos a factos, que isso é que é importante.
A resolução do Conselho de Ministros aponta para o despedimento ou para a saída - rescisão do contrato - de 1700 a 2000 trabalhadores.
Se calhar o Sr. Deputado não sabe mas vou dizer-lhe que, neste momento, a rescisão do contrato de trabalho já ultrapassa os 2000 trabalhadores.
Sr. Deputado Amândio de Azevedo, esta informação foi dada pela administração da LISNAVE aos órgãos dos trabalhadores.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - É bom que o Governo oiça isto!
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Não.
O Orador: - Espere, Sr. Deputado, não esteja a dizer que não, pois já lá vamos.
Mas digo-lhe mais: o que é que o seu Ministério resolveu fazer? Ouviu a administração da empresa, que em princípio confirma e depois dá o dito por não dito, e diz que ainda não, e ouviu as organizações dos trabalhadores. Há duas situações que se contradizem, mas o Ministério não foi saber nem aprofundar a verdade: acreditou apenas no Sr. José Manuel de Mello.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Claro!
O Orador: - Mas como isto não fosse suficiente, Sr. Deputado, ainda lhe vou ler uma passagem da fundamentação do despedimento na LISNAVE, que é um documento do seu Ministério - e mais do que as palavras são os factos!
Trata-se de uma informação na base da qual foi efectuado o despedimento colectivo e que diz o seguinte:
Sem formação técnica para o efeito e, em consequência, com grandes limitações face à magnitude do problema, desde já se reconhece a possível existência de erros e lacunas que se poderão revestir de importância vital. Eles são, porém, determinados pelas limitações que, naturalmente, cabem a quem, como é notoriamente indiciado, pela qualificação profissional da categoria que detém e não possui a necessária formação técnica, pelo que já se penitencia e alerta quem houver de decidir para tal facto ...
Risos do PCP.
Ó Sr. Deputado Amândio de Azevedo, ex-Ministro do Trabalho, é com isto e na base de uma informação destas, de um técnico que diz que não é capaz de dar uma informação cabal, que se promove o despedimento colectivo de quase 200 trabalhadores?! Que humanidade é esta?! Que política é esta?-
O Sr. Carlos Brito (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Penso que fica tudo dito! Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
Uma voz do PCP: - Ora embrulha!
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.
Uma voz do PCP: - O ministro ofendido!
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ao abrigo de que disposição regimental está a pedir a palavra?
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa mas não estou familiarizado com o Regimento da Assembleia.
Risos.
E não me custa nada reconhecer isso.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, apesar de tudo, ajudo-o: o Sr. Deputado só pode.
O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, não invoco o direito de defesa porque não me sinto ofendido e não gosto de utilizar figuras regimentais quando elas não têm cabimento.
Mas o meu partido dispõe de tempo.
Vozes do PCP: - É melhor calar-se!
O Sr. Presidente: - Então, não pode usar da palavra, pois, a não ser essa, não há qualquer outra figura regimental ao abrigo da qual possa usar agora da palavra.
Por isso, não lhe posso dar a palavra, Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
Srs. Deputados, estamos quase a chegar às 21 horas e entretanto, o único partido que hoje ainda dispõe de tempo, exactamente de 12 minutos, é o PSD, estando inscrito para usar da palavra um Sr. Deputado deste partido.
Se não houver objecções da Câmara, vou ainda dar a palavra a este Sr. Deputado do PSD, inscrito, para uma intervenção.
Pausa.
Pelo silêncio da Câmara, verifico que há acordo, pelo que dou a palavra ao Sr. Deputado Guido Rodrigues.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): -Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Confrontamo-nos com um desafio único à nossa economia, de cujo desfecho depende a possibilidade de atingirmos ou não os níveis de desenvolvimento e consequentemente os níveis de vida da grande maioria dos países europeus.
A próxima entrada na CEE implica, para além da necessidade de efectuar múltiplas adaptações nas diversas áreas económicas e nos procedimentos correntes, uma modificação permanente nas mentalidades. É o próprio padrão de actuação que é alterado.
Ao nível dos procedimentos e ao nível dos próprios padrões de actuação há, pois, que realizar mudanças efectivas, as mudanças estruturais, que vão ao âmago dos grandes problemas.
Admitimos que também se imponham algumas actuações conjunturais para a resolução intercalar de assuntos concretos mas as respostas aos desafios irrecusáveis da CEE fazem-se com a execução ou a promoção de medidas estruturais na economia e na actuação dos agentes económicos.
Assim, tem o Governo a missão de pôr a economia a funcionar e, por outro lado, de fazer que o Estado desempenhe as funções que lhe são próprias," com menos Estado, e simultaneamente, com Estado mais selectivo.
Consideramos que o motor da economia é o sector privado e dizemo-lo sem qualquer tipo de complexos, provada que está tal asserção por todas as partidas do mundo. Fazer funcionar a economia é, na realidade, promover prioritariamente o arranque do sector privado proporcionando-lhe a confiança e o enquadramento adequado ao seu funcionamento normal. E a pedra-de-toque é efectivamente o investimento. No ano de 1984 o investimento diminuiu 20%. No decurso, de 1985 o investimento ter-se-á situado em níveis de estagnação. O nosso parque de máquinas está, pois, velho. Visa-se, no Programa de Governo, criar o enquadramento e as infra-estruturas necessárias para que os agentes económicos promovam os investimentos indispensáveis, embora nos defrontemos ainda com uma dificuldade suplementar. O facto de grande maioria dos equipamentos, bem como alguma parte das, matérias-
primas serem importados, o que implica uma atenção permanente ao saldo da balança comercial, com vista a não permitir derrapagens incontroláveis.
No âmbito do sector privado, queremo-nos referir especialmente às empresas industriais de pequena e média dimensão, cerca de 69% das empresas industriais existentes, que são responsáveis à sua conta, por cerca de 62% do produto 163% do emprego e mais de 50% da exportação.
O seu peso no sector privado; com as suas características de versatilidade, dinamismo e efeito amortecedor de convulsões conjunturais, transformam-se em instrumento privilegiado da política económica. Deverá, assim, em nosso entender o Governo ter em conta estes factos gizando uma estratégia que permita sustentar o crescimento destas empresas, sem outorga de benefícios excepcionais mas procurando suprir-lhes as carências de base as dificuldades de acesso ao crédito, de formação de pessoal e dos gestores, de acesso à informação técnica e tecnológica, de absorção de tecnologias mais evoluídas, de acesso as empreitadas de terceiros, nacionais ou estrangeiros, etc. Por outro lado, estando o tecido industrial desigualmente distribuído, com extrema rarefacção no interior, somos de opinião que o Governo terá de dedicar especial atenção à criação e desenvolvimento de unidades industriais no interior, corri criação de emprego que permita fixar os residentes é absorver também os emigrantes que retornem às suas terras de origem.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Temos assim que, muito mais importante, que atribuir subsídios ou bonificações de taxa de juro, se deva implementações concretas de apoio e promoção ao investimento, compatíveis com os mecanismos existentes na CEE e, mais, que permitam captar fluxos líquidos dos instrumentos comunitários apropriados.
Refiro-me entre essas acções à criação de infra-estruturas de apoio tecnológico, infra-estruturas com características sectoriais, ao fomento da inovação tecnológica, à cooperação entre empresas e ao fomento das bolsas de subcontratação, à disponibilidade de capital de risco, à disponibilidade e credibilidade das obrigações participativas, etc.
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Há um importante número de instrumentos que, sendo conhecidos, não foram utilizados ou foram-no insuficientemente. Tudo isto representa efectivamente menos Estado. O Estado não distorce o sistema económico e as leis da concorrência mas cria as envolventes necessárias ao desenvolvimento económico.
O Estado executa as tarefas que lhe competem, sem se imiscuir naquelas que deverão ser assumidas pelos agentes privados.
É uma filosofia de actuação selectiva do Estado e que defendemos.
No que respeita às empresas públicas a filosofia de actuação é perfeitamente similar à referida para o sector privado.
Estamos numa economia de mercado e a esmagadora maioria do povo português tem sempre manifestado em sucessivos actos eleitorais a sua confiança na economia de mercado.
Há muito simplesmente que tirar as correspondentes ilações, assumindo que as empresas públicas, como as outras, deverão viver e pautar-se pelas regras da economia de mercado. Pura e simplesmente.
Terão, pois, de viver e desenvolver-se no âmbito da economia de mercado, sujeitando-se às regras do jogo e assumindo os respectivos resultados.
Mas isto não significa que pelo facto de estas empresas terem como detentor do capital o Estado devam pura e simplesmente ser abandonadas pelo seu proprietário. Pelo contrário: o Estado deverá assumir integralmente as suas responsabilidades, proporcionando àquelas que sejam viáveis ou viabilizáveis os meios necessários à sua viabilização (menos seus ou de outrem), mas tendo igualmente a coragem de assumir, nos termos da economia de mercado, o insucesso daquelas que não têm quaisquer condições de viabilização.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Com esta atitude o Estado não está, como aqui foi dito por alguns dos Srs. Deputados, a fomentar o desemprego. Pelo contrário, o Estado está a apoiar o emprego efectivo, a consolidá-lo e, portanto, a fomentar a real criação de riqueza.
De entre as medidas contidas no Programa do Governo e que consideramos como assumindo importância significativa na economia do País refiro sem qualquer pretensão de ser exaustivo, as seguintes:
A diversificação das fontes de energia primária; a nossa dependência do petróleo em percentagem preocupante impõe que rapidamente se faça a revisão do Plano Energético Nacional e se tomem decisões sobre a diversificação das origens energéticas. A importância desta acção na balança de transacções correntes justifica toda a prioridade;
A defesa da concorrência, elemento clarificador na área do comércio, é imprescindível a uma sã política, à política de verdade que se pretende implementar;
O apoio à criação e implementação das actividades turísticas, responsáveis pela captação de avultadas receitas fundamentais à nossa balança de transacções correntes é outro dos vectores que se sublinha no Programa do Governo e cuja preocupação este bem sintetizada no facto de a Secretaria de Estado do Turismo se encontrar na dependência da Presidência do Conselho de Ministros;
A utilização de instrumentos de apoio às exportações que se compatibilizem com as regras internacionais, nomeadamente com as normas comunitárias, é igualmente fundamental ao êxito de estratégia de progresso controlado.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos perante o desafio irrecusável de promover a expansão controlada da economia para criar riqueza e para a distribuir com justiça social.
O Partido Social-Democrata considera que as medidas constantes do Programa do Governo são as adequadas e necessárias para se atingir os fins em vista, pelo que as apoia incondicionalmente.
Confiamos, pois, no êxito desta política, da qual depende a nossa aposta no futuro do País.
O nosso apoio ao governo do Prof. Cavaco Silva representa, também, e por isso, a confiança plena no futuro do País.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os tempos que restam para amanhã são os seguintes: Governo, 68 minutos; PSD, 63 minutos; PS, 42 minutos; PRD, 47 minutos; PCP, 40 minutos; CDS, 34 minutos, e MDP/CDE, 20 minutos.
A reunião de amanhã iniciar-se-á às 10 horas e tem como ordem do dia a continuação do debate do Programa do Governo e o seu encerramento.
Para uma interpelação à Mesa tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, será que pode anunciar, por ordem de entrada, quais as moções de rejeição que entraram hoje na Mesa?
O Sr. Presidente: - Entraram na Mesa três moções de rejeição do Programa do Governo: a do Partido Socialista, a do MDP/CDE e a do Partido Comunista Português.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 21 horas e 10 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Afonso de Sousa F. de Moura Guedes.
Amândio Anes de Azevedo.
Fernando Barata Rocha.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís António Damásio Capoulas.
Partido Socialista (PS):
João Cardona Gomes Cravinho.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Francisco Barbosa da Costa.
Jaime Manuel Coutinho G. da Silva Ramos.
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Partido Comunista Português (PCP):
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos. Maria Odete Santos.
Centro Democrático Social (CDS):
Francisco António Lucas Pires.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Fernando Monteiro do Amaral.
Fernando Reis Condesso.
Manuel Ferreira Martins.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Partido Socialista (PS):
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
João Rosado Correia.
Jorge Alberto dos Santos Correia.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Teófilo Carvalho dos Santos.
Partido Comunista Português (PCP):
Ângelo Matos Mendes Veloso.
Centro Democrático Social (CDS):
José Augusto Gama.
Rectificação ao n.º 3, de 13 de Novembro de 1985
Na composição da Mesa, no que se refere aos Secretários, onde se lê «Manuel António de Almeida de Azevedo e Vasconcelos» deve ler-se «José Manuel Maia Nunes de Almeida».
Os REDACTORES; Carlos Pinto da Cruz - José Diogo - Maria Leonor Ferreira.
Depósito legal n º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
PORTE PAGO
PREÇO DESTE NÚMERO 198$00