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I Série - Número 23
Sexta-feira, 17 de Janeiro de 1986
DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 16 DE JANEIRO DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. António J. Bastos Marques Mendes
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.

Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e de respostas a alguns outros.
Em declaração política, o Sr. Deputado Hermínio Martinho (PRD) referiu-se ao papel desempenhado pela Assembleia, nomeadamente por deputados do seu partido, na apreciação do orçamento suplementar do Estado para 1985, respondendo, no fim, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Amândio de Azevedo (PSD).
O Sr. Deputado Tiago Bastos (PRD) trouxe à colação a problemática sócio-profissional dos estudantes das Faculdades de Letras de Lisboa, Porto e Coimbra.
O Sr. Deputado Jorge Patrício (PCP) referiu-se à forma como, em 1985, foi comemorado o Ano Internacional da Juventude.
O Sr. Deputado Jaime Soares (PSD) pediu à Câmara a tomada de posições sobre alguns acontecimentos verificados no decurso da campanha presidencial e que considerou como atentados ao funcionamento das instituições democráticas.
O Sr. Deputado Carlos Ganopa (PRD) analisou a situação económica do sector da marinha mercante, particularmente da marinha de comércio, tendo respondido, depois, a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Mário Maciel (PSD).
O Sr. Deputado Mendes Bota (PSD) criticou a forma como o candidato à Presidência da República Ângelo Veloso tem utilizado o tempo de antena a que legalmente tem direito. No fim, respondeu a um protesto do Sr. Deputado Jorge Lemos (PCP) e a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos (PRD).
As respostas ao deputado do PCP geraram apartes da sua bancada que foram correspondidos por outros da bancada do PSD, o que motivou uma interpelação à Mesa feita pelo Sr. Deputado Amândio de Azevedo (PSD), na sequência da qual usou da palavra, para direito de defesa, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP).
O Sr. Deputado António Janeiro (PS) teceu criticas ao Governo pelo modo como está a interferir no processo de negociação laboral.
O Sr. Deputado Horácio Marçal (CDS) repudiou os incidentes ocorridos na véspera, na Marinha Grande, e respondeu, no fim, a pedidos de esclarecimento dos Srs. Deputados Jorge Lacão (PS) e António Marques (PRD).
O Sr. Deputado Guerreiro Norte (PSD) abordou alguns problemas que afectam as populações do Algarve, realçando os relativos ao consumo de droga pelos jovens e à terceira idade.

Ordem do dia. - Deu-se conta da admissão da ratificação n.º 51/IV, relativa ao Decreto-Lei n.º 41/86, de 6 de Janeiro, que dá uma nova redacção ao artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho (Lei do Processo dos Tribunais Administrativos), e procedeu-se à aprovação dos n.ºs 16 a 18 do Diário.
O Sr. Deputado Raúl Rêgo (PS) leu à Câmara o relatório do Grupo Português da União Interparlamentar à 74.ª Conferência realizada, Setembro último, em Olavo.
Foram lidos e aprovados 4 pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos, que autorizam diversos deputados a deporem como testemunhas ou declarantes em processos judiciais.
Seguidamente, a Câmara concedeu urgência à apreciação do projecto de lei n.º 84/IV (Independência do informação televisiva), solicitada pelo PRD. Intervieram no debate os Srs. Deputados José Carlos Vasconcelos (PRD), José Luis Ramos e Costa Andrade (PSD), Jorge Lacão (PS), Jorge Lemos (PCP), Andrade Pereira (CDS), Alexandre Manuel (PRD) e Raul Castro (MDP/CDE), tendo depois sido aprovada uma proposta da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que lhe concede o prazo de 20 dias para a emissão de parecer.
Após a leitura do respectivo relatório e parecer foram discutidos e aprovados, na generalidade, os projectos de lei n.ºs 30/IV (MDP/CDE), 85/IV (PRD), 96/IV (CDS) e 97/IV (PSD), sobre a Alta Autoridade contra a Corrupção, após o que baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para apreciação na especialidade.
Intervieram no debate, a diverso titulo, além do Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo), os Srs. Deputados Raúl Castro (MDP/CDE), Costa Andrade e Duarte Lima (PSD), José Carlos Vasconcelos (PRD), Andrade Pereira (CDS), Armando Lopes (PS), Jardim Ramos (PSD), José Manuel Mendes (PCP), Correia Afonso (PSD), Almeida Santos (PS), Hernâni Moutinho (CDS).
Entretanto, foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de deputados do PSD e do CDS.
Foi dada conta do resultado da eleição para a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que teve lugar durante a sessão.
O Sr. Presidente encerrou os trabalhos eram 19 horas e 40 minutos.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 30 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Basto Oliveira.
Amândio dos Anjos Gomes.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel M. de Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Elausino Pereira da Silva.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel T. Matos de Vasconcelos.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luis Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues da Mata.
Jaime Carlos Marta Soares.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João José Pimenta de Sousa.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Augusto Santos da Silva Marques.
José Filipe Atayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Luis Bonifácio Ramos.
José Mendes Bota.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Mário Silva Coutinho Albuquerque.
Miguel Fernando C. de Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Frederico Vieira de Moura.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel Ferreira Vitorino.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luis.
Helena Torres Marques.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
Jorge Alberto dos Santos Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Carlos Pinto B da Mota Torres.
José Luis do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Luis Silvério Gonçalves Saias.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Manuel Luis Gomes Vaz.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Mário Nunes da Silva.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.

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Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça C. Gonçalves Antunes.
Aníbal José da Costa Campos.
António Alves Marques Júnior.
António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
João Barros Madeira.
Joaquim Carmelo Lobo.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
José Luís Correia de Azevedo.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
José Torcato Dias Ferreira.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Orlando Tito José Barbosa.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Victor Manuel Ávila da Silva.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Domingos Abrantes Ferreira.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Ilda da Costa Figueiredo.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Odete Santos.
Octávio Augusto Teixeira.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
António José Borges de Carvalho.
António Vasco Mello S. César Menezes.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João José Carvalho Borges de Pinho.
João da Silva Mendes Morgado.
José Augusto Gama.
José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Narana Sinai Coissoró.
Pedro José Del Negro Feist.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raúl Fernandes de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António Poppe Lopes Cardoso (UEDS).
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles (PPM).
Maria Amélia do Carmo Mota Santos (Os Verdes).

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente

Petições

N.º 16/IV - Comissão de Trabalhadores do Entreposto Industrial Metalotécnica, S.A.R.L., e outros, Estrada do Vale da Rosa, Ap. 104, Setúbal. - Expõem a situação da empresa e solicitam as diligências necessárias à sua recuperação económica; N.º 17/IV - Sindicato dos Médicos da Zona Sul (Dr. Souto Teixeira e outros), Rua de Pascoal de Melo, 1, 4.º, esquerdo, Lisboa. - Expõe questões relativas ao internato geral médico e solicita que sejam tomadas providências adequadas que façam valer interesses e aspirações profissionais elementares e evitem a degradação dos serviços de Saúde; N.º 18/IV - Fernando de Almada Saldanha e Quadros, Rua de Álvaro Coutinho, 52, cave, Lisboa. Expõe ideias sobre os recursos dos raios laser e sugere que os benefícios da nova ciência sejam por igual proporcionados a todos os universitários cientis-

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tas e técnicos portugueses; N.º 19/IV - Sindicato dos Médicos da Zona Sul (Dr. Fernando Simões e outros), Rua de Pascoal de Melo, 1, 4.º, esquerdo, Lisboa. - Expõe a situação dos médicos policlínicos e solicita a intervenção da Assembleia da República, face às gravíssimas medidas de despedimento dos jovens médicos que o Ministério da Saúde pretende aplicar, a fim de impedir o recurso à greve.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foram apresentados na Mesa na última reunião plenária os requerimentos seguintes: ao Governo (2), formulados pelo Sr. Deputado António Mota; aos Ministérios do Trabalho e Segurança Social e das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado António Mota; aos Ministérios da Agricultura, Pescas e Alimentação e da Educação é Cultura (2), formulados pelo Sr. Deputado José Seabra; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Francisco Barbosa da Costa; ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulado pelo Sr. Deputado Duarte Lima.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Magalhães Mota, na sessão de 8 de Novembro, António Sousa Pereira, António Barreto, José Manuel Tengarrinha e Raul Castro, na sessão de 19 de Dezembro, e António Mota é Carlos Costa, na sessão de 20 de Dezembro.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado. Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O crédito conferido às instituições democráticas é tanto maior quanto mais clara e aberta for a vida política. A democracia não é um reino de sombras, existe a céu aberto, face aos cidadãos e ao seu controle permanente, por isso também não há democracia quando as responsabilidades não são assumidas mas silenciadas.
O silêncio dos melhores, escreveu Natália Correia, é cúmplice do alarido dos piores. A democracia não permite o segredo, nem e alijar de responsabilidades ou o ocultar dos erros. A paixão pelo secreto é para um regime, a marca da decadência. O medo da verdade é sinal seguro de crise moral. Os erros acontecem, a deturpação tem responsáveis.
Quando, ao longo dos anos, se ocultaram da Assembleia da República, que mesmo é dizer dos Portugueses, parte da realidade das contas públicas, isso não pode acontecer sem sanção. Ouvir com indiferença tais revelações é pactuar com elas. É dizer aos Portugueses que as instituições, lhes podem não merecer crédito, porque se lhes mentiu, se lhes ocultou a verdade, sem que nada acontecesse. A democracia não é uma "república do silêncio" em que nada acontece, porque nada se esclarece e tudo é abafado, enterrado.
Quando o Governo veio apresentar ao Parlamento a proposta de orçamento suplementar para 1985, fê-lo também em nome da verdade das contas,- e nessa parte mereceu e recebeu o nosso aplauso. E só não mereceu todo o nosso aplauso, porque não parece ter dito toda a verdade, nem usado do rigor e da transparência que, alegadamente, seriam as características angulares da sua intervenção no domínio da política orçamental. Mas a votação do orçamento feita por esta Assembleia foi por si só elucidativa.
Com efeito, o que essa votação significou foi que a actual composição da Assembleia - e, em particular, a posição e o papel que têm sido desenvolvidos pelo PRD - não consente que as boas intenções não tenham plena tradução prática ou sirvam de pretexto para se atingirem, eventualmente, finalidades conflituantes com alegados propósitos de rigor, transparência e verdade.
De facto, na proposta de orçamento suplementar, o Governo não se propôs regularizar tudo, propôs algumas regularizações incorrectas ou, no mínimo, controversas, e, no início do debate, no plano político, reagiu mal a observações e reparos estritamente técnicos, que, de resto, mereceram bom acolhimento de todos os partidos representados na Câmara, com excepção, como é óbvio, do partido do Governo.
De qualquer modo, no quadro das alterações do orçamento de 1985, foram agora regularizadas diversas despesas que tinham sido autorizadas de forma irregular em face das normas da contabilidade pública. Foi o que aconteceu, designadamente, com:

a) Encargos com obrigações de saneamento financeiro da SETENAVE.
O Estado ficou comprometido, pelo Decreto-Lei n.º 146/78, de 19 de Junho, a inscrever orçamentalmente os encargos dessas obrigações, o que nenhum governo fez;
b) Subsídios ao ensino particular cooperativo e rendas a Misericórdias.
As dívidas do Estado a estabelecimentos de ensino particular e às Misericórdias; nunca foram orçamentadas, mantendo-se irregularmente.
c) Despesas do Ministério dos Negócios Estrangeiros, de representação e pessoal, decididas em 1985, sem haver a necessária cobertura orçamental.
d) Instalação e apetrechamento do Tribunal Criminal de Lisboa, cujas despesas foram efectuadas sem que, para o efeito, tivesse sido estabelecida também a necessária cobertura orçamental.

Em todas as despesas acima mencionadas - que são apenas uma amostra, dada a título exemplificativo - a Assembleia foi colocada perante factos consumados.
Trata-se de responsabilidades assumidas através de legislação, de contratos do Estado ou de despachos de membros do Governo, sem a necessária cobertura orçamental. E a Assembleia não teve outra alternativa que não fosse honrar essas responsabilidades, assumidas sem a sua autorização.
Nos precisos termos constitucionais (artigo 120.º), "A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos". Não se trata, pois, de perseguir, mas de responsabilizar, o que é diferente. Para que a impunidade não se transforme em regra, já que o exemplo deve vir de cima.
Com que autoridade se acusam irregularidades, quando não se dá conhecimento aos Portugueses, em devido tempo e com toda a transparência das contas da Nação, e com intuitos eleitoralistas ou outros se ocultam défices? É o que não podemos permitir. E é, aliás, o que a Constituição e a lei não permitem, existindo mesmo um diploma que pune criminalmente aqueles tipos de condutas.

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Porém, muito mais do que olhar para o passado, interessa-nos olhar para o futuro - e foi para isso que o PRD apareceu. Temos consciência do contributo decisivo que demos, através de alguns dos nossos deputados, para que a Assembleia da República tivesse na discussão desse orçamento suplementar o papel de grande importância que teve, pela primeira vez assumindo em plenitude as suas competências e responsabilidades nesta matéria. E esperamos que, doravante, não se voltem a verificar situações como aquela a que agora se pôs cobro, antes, pelo contrário, se solucionem as situações semelhantes que ainda se verificam.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado Hermínio Martinho, relativamente à ideia base que determinou a intervenção que V. Ex.ª acaba de fazer, há, evidentemente, uma concordância sem quaisquer limites. Ou seja, há uma concordância total relativamente à ideia de fundo de que é indispensável que, neste e noutros domínios, a actuação seja conforme com a lei e que os agentes políticos ou administrativos que violem a lei sejam, de acordo com esta, chamados à sua responsabilidade.
De facto, um dos problemas mais graves da nossa sociedade e da nossa vida política é a ausência de responsabilização daqueles que violam a lei ou não cumprem os seus deveres.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Olha quem fala!

O Orador: - Mas há aqui um salto que eu não podia deixar passar em claro. O Sr. Deputado Hermínio Martinho, passando da teoria geral para as situações concretas, no fundo, acusa o Governo ao considerar que este não se propôs regularizar tudo o que havia a regularizar e que não actuou com transparência.
Bom, aí é que nós estamos em completa e total divergência. Não é que não aceite que V. Ex.ª tenha a sua opinião, mas é evidente que ninguém pode negar que o Governo deu aqui superabundantemente todas as explicações susceptíveis de no mínimo, se poder concluir que a sua vontade era só uma: a de pôr termo a uma situação de desregulamento das finanças públicas, a de iniciar uma nova etapa e uma nova era neste domínio.
Em contrapartida, eu podia dizer - e digo mesmo - que a actuação da oposição não foi assim tão inocente. Foi claro e evidente que a oposição, não podendo recusar as propostas do Governo porque elas são indiscutivelmente aceites e exigidas pela própria opinião pública, fez - embora com grandes embaraços - todas as tentativas para retirar ao Governo o mérito de espontaneamente ter tomado essa iniciativa.
Tal atitude notou-se pela iniciativa tardia da Assembleia no sentido da criação de uma comissão para o apuramento da situação das finanças públicas, pelo posterior parecer da Comissão, que ficou muito aquém das propostas iniciais do Governo e, depois, pelo facto de se ter de aceitar necessariamente uma evolução no caminho da aceitação das propostas desse mesmo Governo.
Embora aceitemos que qualquer outro partido, outro Governo poderia ter apresentado propostas diferentes - pois naturalmente que as diferenças de posição e opinião são perfeitamente lícitas e possíveis - gostaríamos, contudo, que o Sr. Deputado Hermínio Martinho, que tem procurado - e com muito gosto lhe reconheço esse mérito - pôr em relevo a necessidade de se agir em política com seriedade e honestidade, reconhecesse também que, embora por uma via eventualmente diferente da sua, o Governo se empenhou seriamente e sem qualquer reserva, sem que lhe possam dirigir críticas a esse respeito, na ultrapassagem de uma situação que criticou e que considero que criticou com toda a razão.
Como última nota, creio ainda que, por exemplo, em matéria de contas, o Governo apresentou já as contas relativas a 1984 dentro do prazo, pela primeira vez e na linha da sua preocupação de, efectivamente, alterar completamente a situação que se tem vivido até este momento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Hermínio Martinho.

O Sr. Hermínio Martinho (PRD): - Sr. Deputado Amândio de Azevedo, V. Ex.ª acaba de expressar a sua opinião que a mim, naturalmente, me compete respeitar. No entanto, em relação às minhas afirmações iniciais e embora V. Ex.ª conteste algumas delas, gostaria de salientar que mantenho o que disse.
Em relação à seriedade e à transparência ficou aqui claro que algumas das afirmações de membros do Governo não correspondiam, de facto, à verdade. Isso ficou perfeitamente claro.
Também é verdade que o que eu gostaria que realçasse da minha intervenção é que o nosso aplauso só não é total pelo facto de o Governo não ter levado até ao fim esse saneamento e foi o próprio Governo que reconheceu, aqui perante a Assembleia, que, de facto, há operações que não foram regularizadas. Era isso que gostaríamos que acontecesse.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Tiago Bastos.

O Sr. Tiago Bastos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: São cerca de 13 000 alunos que vivem hoje uma situação de instabilidade e insegurança nas Faculdades de Letras de Lisboa, Porto e Coimbra. Como é do conhecimento público, estes alunos levaram ontem a efeito uma greve. Importa, pois, serem hoje aqui trazidos os problemas que atingem estes jovens.
Em primeiro lugar, deparam-se com grandes dificuldades de colocação os jovens licenciados por estas faculdades cuja saída é, predominantemente, o ensino preparatório e o ensino secundário. O índice de desemprego é cada vez maior, pois basta lembrar que no concurso de 1985-1986 de 13 394 candidatos somente 4470 foram colocados, menos de um terço, portanto!
Em segundo lugar, é flagrante a falta de articulação entre as matérias curriculares dos seus cursos e as realidades sociais, as exigências do desenvolvimento técnico e científico e o mercado de trabalho.
Para além disso, esses mesmos alunos vêem-se ainda confrontados com uma situação de manifesta desigual-

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dade face aos que frequentam as novas universidades. Com efeito, nestas, no termo do curso, os licenciados gozam já de um título de profissionalização, do qual resulta uma prioridade na colocação e na efectivação da carreira docente, face aos das universidades clássicas, onde isso não se verifica.
Outro problema suscitado é o da falta de habilitação própria de algumas variantes do Curso de Línguas e Literaturas Modernas, que dá lugar a algumas situações de manifesta injustiça como é o caso de um licenciado com a variante de Francês-Português ter habilitação própria e de um licenciado com a variante de Francês-Inglês ter somente habilitação suficiente. Urge, pois, proceder a uma reestruturação destes cursos que tenha em conta o desenvolvimento científico e permita uma especialização em várias áreas de formação profissional, de forma a responder às necessidades económicas, sociais e culturais do nosso país, bem como a garantir uma mais fácil e profícua colocação destes jovens licenciados nos vários campos então, abertos à sua formação universitária.
A forma de luta ontem adoptada mais não foi para os alunos do que a chamada de atenção para um problema que de há muito eles vêm debatendo, estudando e procurando resolver no diálogo com as instâncias responsáveis, sem que até hoje o tenham visto satisfeito.
Ao intervir hoje, aqui, mais não faço do que dar voz nesta Câmara ao esforço desenvolvido pelos alunos de Letras com vista não apenas ao alargamento das suas oportunidades de emprego, mas ainda à adequação da sua formação, às necessidades da nossa sociedade em que desejam participar, de modo útil. Que o destaque do esforço destes alunos e da pertinência das questões que levantam possa contribuir para a congregação dos diversos órgãos, nó sentido de lhes encontrar uma solução próxima e justa. Este é o meu desejo!

Aplausos do PRD, de alguns deputados do PCP e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Patrício.

O Sr. Jorge Patrício (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em jeito de balanço, não poderíamos deixar de trazer ao Plenário da Assembleia da República as nossas opiniões sobre como foi preparado, como decorreu e afinal de contas o que representou para a juventude portuguesa o importante acontecimento comemorado em 1985. Falamos do Ano Internacional da Juventude (AIJ).
Fazemo-lo, por respeito para com os jovens portugueses. Fazemo-lo, porque a realidade nos demonstra que se os nossos problemas em 1985 eram graves; em 1986 continuam a sê-lo. São até mesmo muito mais graves, e não devem nem podem ser calados. Aqui, como em qualquer outro lugar.
Mas, passando aos factos, importa, saber antes de mais, como foram, em Portugal, preparadas as comemorações desta importante iniciativa.
Houve tempo e mais que tempo, para que, no nosso país fossem definidos objectivos concretos, prioridades e as medidas necessárias à sua concretização.
Houve tempo, e mais que tempo, para que as organizações juvenis, todas as organizações juvenis, fossem chamadas a participar, a darem as suas opiniões e sugestões sobre como deveriam decorrer as comemorações no nosso país.
Concluímos que, infelizmente, nada disto aconteceu. Pior ainda. Nem sequer tentado foi. Nós, da Juventude Comunista Portuguesa, alertámos a juventude portuguesa ainda antes do início de 1985, para o manifesto desinteresse que reinava nas hostes governativas perante as comemorações que se avizinhavam. Alertámos para a possível tentação de governamentalização e partidarização das comemorações. Para a previsível marginalização e o consequente afastamento das organizações juvenis do processo AIJ.
Tínhamos fundadas razões para o fazer.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Razões que posteriormente vieram a confirmar-se, quando por resolução do Conselho de Ministros foi criada a Comissão para o Ano Internacional da Juventude, no âmbito da Presidência do Conselho de Ministros. Comissão esta que posteriormente veio a ser composta, pasme-se, por dois membros da Juventude, Socialista, um dos quais líder ou secretário coordenador da referida organização, e, outros da Juventude-Social-Democrata, e à qual foi consignada a verba de 100 000 contos. Estava desta maneira conhecida a concepção do Governo, sobre a participação da juventude.
Ainda assim importa conhecer, seria até curioso conhecer, onde, quando e como foi gasta essa verba de 100 000 contos. Aí têm uma possibilidade de experimentar a transparência que tanto apregoam.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Mas esta Comissão apareceu como motor de arranque, para a criação de uma outra, desta feita nacional, presidida pelo então Primeiro-Ministro Mário Soares e da qual fariam parte membros do Governo, personalidades e organizações juvenis.
Esta nem sequer a conseguimos ver. Talvez porque não encontraram os membros do Governo, as personalidades ou as organizações juvenis. Ou então, porque o motor de arranque engasgou. Ou ainda, e esta é talvez a hipótese mais provável, por não terem conseguido encontrar a chave de ignição. Não sabemos. Ficamos à espera.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - O que sabemos é que o que deveria preocupar o então Primeiro-Ministro não era o de presidir a uma comissão ainda por cima fantasma. Nem de atafulhar o Diário da República com resoluções, comissões, colecções e outras tantas coisas acabadas nas mesmas letras.
Dever-se-ia ter preocupado, isso sim, com o desemprego juvenil, que deixou aumentar, com as saídas profissionais dos jovens, que as não tem, com a degradação do ensino, a que, assistiu impávido e sereno, com a falta de habitação, com a ocupação dos tempos livres, que decidiu suspender por uma alegada, mas falsa, falta de verbas.
São exemplos aos quais se poderiam juntar muitos outros para demonstrar que, para o Governo, o Ano Internacional da Juventude e os seus problemas constituíram coisa de somenos importância. Fizeram grande espalhafato. Encheram as bocas de bonitas intenções, mas no fim tudo se esvaiu. Foi um ar que lhes deu.

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Têm tido há longo tempo responsabilidades governativas. O PS, o PSD e o CDS. Sozinhos ou acompanhados. Mas já provaram que não servem a juventude portuguesa e como tal não são solução para Portugal.
Optaram pela marginalização da juventude. Não resolveram nem pretenderam resolver os problemas. Violaram os objectivos centrais que estiveram na base da declaração da ONU. A acção governativa foi também para a juventude desastrosa. Foram demitidos e nós achamos que foram muito bem demitidos.

Aplausos do PCP.

Mas, como é evidente, não cabia .só ao Governo a atenção que deveria ter sido prestada. Também a Assembleia da República poderia ter tido um papel positivo nestas comemorações. Não fosse a insensibilidade de tais partidos e os resultados teriam sido certamente outros.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Ir-me-ão com certeza falar na conferência que a Assembleia da República realizou subordinada ao lema do Ano Internacional da Juventude. Mas, sem querer minimizar a importância dos debates aí efectuados, a verdade é que tal iniciativa caiu em saco-roto. Não teve continuidade, uma vez que sucessivamente foi declinada a marcação do período legislativo, que constava da resolução aprovada pelo Plenário da Assembleia da República e que tinha por objectivo a discussão e votação dos projectos ou propostas de lei referentes aos problemas da juventude.
Não o tendo feito, contra a opinião e propostas repetidamente avançadas pelo grupo parlamentar do meu partido, a Assembleia da República não cumpriu o compromisso por si assumido perante os jovens portugueses.
No entanto, somos de opinião que, muito embora o Ano Internacional da Juventude tenha já passado, a Assembleia da República está ainda a tempo de cumprir tal compromisso. Diria mesmo que a Assembleia da República está em falta para com os jovens portugueses e pelo nosso lado estamos disponíveis, como já tivemos oportunidade de referir na Comissão Parlamentar de Juventude, para cumprir tal compromisso, marcando o referido período legislativo. Seria uma iniciativa louvável da parte da Assembleia da República para com a juventude portuguesa.
Naturalmente que outras instituições, pela sua importância, desempenharam, ou deveriam ter desempenhado, importante função hás comemorações do Ano Internacional da Juventude. A comunicação social é sem dúvida uma delas.
Entendemos que, no geral, os órgãos da comunicação social contribuíram de maneira satisfatória na divulgação dos objectivos, das iniciativas e na discussão e divulgação mais ou menos intensa dos problemas e reivindicações juvenis. Só que como diz o ditado popular «há sempre uma ovelha tresmalhada». Essa ovelha foi a RTP, espelhando aliás as posições assumidas pelo Governo.
O facto de ter realizado um debate televisivo entre dirigentes de 4 organizações políticas de juventude não esconde esta realidade indesmentível: é que a RTP desinformou, escondeu, silenciou os objectivos do Ano Internacional da Juventude.
A RTP escondeu a participação juvenil, relegou os nossos valores culturais para níveis inacreditáveis, difundiu o culto da violência, assumiu-se como porta-voz do obscurantismo.
Em tempo oportuno a JCP teve a oportunidade de dirigir ao conselho de gerência da RTP um conjunto de propostas que, em nosso entender, teriam possibilitado, se fossem aplicadas, uma inserção positiva deste poderoso órgão da comunicação social nas comemorações do Ano Internacional da Juventude.
Propusemos a criação de um «espaço jovem» semanal, que permitisse ouvir os jovens e as suas associações sobre as ocupações, as aspirações e os seus problemas principais. A criação de ciclos de debate sobre «temas e problemas», com a participação dos directamente interessados.
A divulgação diária do símbolo e lema do Ano Internacional da Juventude. A realização de debates sobre a sua programação, que viabilizassem soluções tendentes à melhoria do seu conteúdo televisivo, estimulando a verdade, a participação, a paz.
Tudo isto a RTP recusou. Nem sequer se mostrou interessada em analisar ou discuti-las. Pelo que fez e pelo que deveria ter feito e não quis fazer a RTP prestou um péssimo serviço à juventude e ao Ano Internacional da Juventude.
Mas ao contrário do que temos vindo a referir, outras instituições desenvolveram, ainda que com as suas limitações, inúmeras e interessantíssimas realizações. Foi o caso das autarquias locais. Não todas mas uma parte considerável.
Algumas realizaram à sua custa os programas OTL. Outras, devido a obras por si efectuadas, mantiveram escolas a funcionar. Criaram habitação para casais jovens, etc.
Tudo isto e muito mais do que isto foi feito, mostrando que o poder local constitui um instrumento importantíssimo para a satisfação das necessidades juvenis e para a realização de acções para os jovens e com os jovens. Assim o demonstrou no Ano Internacional da Juventude e continuará seguramente a demonstrá-lo no futuro.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Naturalmente que o Ano Internacional da Juventude, sem o empenhamento dos jovens e das suas associações seria um contra-senso. É sobre esta questão que seguidamente nos referiremos.
Para dizer desde logo que, apesar de marginalizada, a juventude portuguesa demonstrou que está ansiosa por participar, por fazer coisas e por ver reconhecida a importância da sua participação.
Independentemente das várias opiniões e opções demonstrámos ser possível alargar a unidade e fazer convergir os esforços e as vontades, na luta pela resolução dos problemas que são sérios, são graves mas também são comuns. Esta realidade está expressa nas inúmeras iniciativas de carácter reivindicativo, cultural, desportivo, de convívio, de discussão e debate que aconteceram pelo país fora. Como ficou expressa também na preparação do 12.º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que ocorreu no Verão passado na cidade de Moscovo.
Tudo isto é a prova provada de que o movimento juvenil continua vivo, actuante, ávido por intervir e empenhado na luta pela resolução dos seus problemas. Fosse outra a política e os resultados seriam seguramente mais importantes.

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Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados; chegados ao fim do Ano Internacional da Juventude, e no meio de todas estas considerações, importa saber se na verdade a juventude portuguesa obteve ou não melhorias na sua vida.
Importa saber se direito ao, trabalho: foi assegurado. E se assegurado foi o direito ao ensino, à habitação, ao desporto, à cultura. Infelizmente, a resposta é negativa.
Poder-se-á argumentar que não é possível, num ano, resolver todos estes problemas. É certo. Mas também é certo que podem e deveriam ter sido tomadas as medidas que encaminhem a sua solução. E isso não foi feito. Antes pelo contrário.
A incapacidade e o manifesto - desinteresse levaram a que todos e cada um dos nossos problemas se agravassem e multiplicassem.
Queremos significar com isto que o Ano Internacional da Juventude, em Portugal nos seus aspectos fundamentais, não foi cumprido.
Que esta política velha, recusa a participação juvenil, o desenvolvimento e a paz. Mas torna-se necessário salientar um outro. aspecto e que é também da máxima importância.
É que foram confirmadas as grandes possibilidades de unidade entre os vários sectores da juventude que, quando colocados perante a necessidade de juntar pela resolução dos seus problemas comuns deixam para trás o que é acessório e os divide, valorizando que é fundamental e os une.
Como confirmada ficou também a importância e a indispensabilidade da participação dos jovens na construção do presente e do futuro e a urgência de tal participação ser reconhecida.
Só por isso, já foi importante ter acontecido o Ano Internacional da Juventude.

Aplausos do PCP e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jaime Soares.

O Sr. Jaime Soares :(PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Temos vindo a assistir, de algum tempo a esta parte, a actos de inequívoco atentado ao funcionamento das instituições democráticas.
Refiro-me, como é óbvio, ao que temos vindo a assistir no que diz respeito alistas de candidatos às autarquias, viciadas ou falsificadas, denúncia sobre possível controle dos cidadãos através de computadores programados para tal efeito e, ainda mais recentemente; aparelhos montados para escuta em telefones, neste caso especial, no telefone do gabinete de campanha do Prof. Freitas do Amaral. Verdadeiros ou não, não o sabemos; entendemos no entanto ser necessário pôr cobro a este estado de coisas, para dignificação do regime, e garantia da liberdade dos cidadãos. Assim, sugeria que saíssem directrizes no sentido de que quem compete analisar estes problemas graves o faça rapidamente até às últimas consequências e disso seja dado conhecimento público.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos nós sabemos, senão todos pelo menos a maioria esmagadora, que estes factos são uma realidade a que se tem de pôr ponto final, já que são autênticos crimes e sempre praticados de forma a que aqueles que os movimentam venham deles a retirar os seus baixos interesses, o que com certeza nos deve obrigaria reflectir profundamente sobre a sua qualidade ou base de lançamento, que entre os vários objectivos a atingir um com certeza será o de, quanto a opinião pública, caso nada se faça para impedir, entrarmos em constantes atropelos às liberdades, direitos e garantias dê todos os cidadãos. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não somos pessoas de confundir a qualidade com o preço mas se porventura não tomamos aqui as soluções adequadas poderemos por tão fraca qualidade de actos vir a ter de pagar por um preço incalculável que é a liberdade de que todos, mas todos, devemos ser os grandes defensores. Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apresento-lhes desta forma sintética um problema que nos deve preocupar è obrigar a tomar atitudes que levem à sua descoberta imediata, e por esse facto me atrevo a propor que esta minha sugestão passe a proposta de recomendação que, depois de votada, se for esse o entendimento, haverá de honrar este Parlamento e os homens que a votaram.

Aplausos do PSD e do deputado do CDS Abel Gomes de Almeida.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra Sr. Deputado Carlos Ganopa.

O Sr. Carlos Ganopa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao tomar a palavra nesta Assembleia, venho ocupar-me de um sector que, até ao presente nesta Legislatura, ainda não foi abordado aqui nesta Câmara refiro-me, ao sector da marinha mercante; mais precisamente d da marinha do comércio.
Mais de 90% do comércio externo português é transportado por via marítima, a cabotagem e as ligações regulares com as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira originam também um apreciável tráfego.
Durante, a última década do período colonial, a nossa marinha do comércio, constituída por uma frota adequada às necessidades da época e protegida pela reserva da Bandeira Nacional, atingiu uma elevada taxa de intervenção no total transportado por esta via e em 1975 este valor cifrava-se aproximadamente em 45%: Perdida a reserva de bandeira e consequentemente diminuindo o tráfego nos mercados tradicionais do nosso armamento, vieram ainda somar-se os efeitos negativos da crise económica interna e da forte recessão do comércio .marítimo internacional. Como consequência destes factores, a marinha do comércio portuguesa apenas transportou 16% do total do comércio externo em 1981, e actualmente esta taxa deverá situar-se entre os 13% e os 15%.
A nossa frota mercante, que era constituída em 1975 por 130 navios, em 1981 possuía 95 unidades e em l de Julho de 1984 apenas 80 navios, dos quais- 55 % tinham idade superior a 15 anos, havendo 11 unidades com mais de 26 anos, e sendo a classe de idades entre os 11 e os 15 anos a que contém maior número de navios, 27.
Assim, em l de Julho de 1984, a idade média global da frota nacional era aproximadamente de 20 .anos, idade que recomendações internacionais aconselham a não ultrapassar.
Nos últimos 6 anos até 1984, foram adquiridos 10 navios e foram abatidas 37 unidades pelo que neste período o número de navios abatidos não foi compensado, originando um saldo negativo de 27 unidades.
Com a liquidação de duas grandes empresas, a Companhia Nacional de Navegação - CNN e a Companhia

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de Transportes Marítimos - CTM, e a correspondente alienação de uma grande parte da sua frota, a situação veio agravar-se, uma vez que as novas companhias entretanto criadas, a Portline e a Transinsular, não substituíram as unidades alienadas.
A reduzida taxa de intervenção actual da nossa marinha de comércio traduz a grande dependência a que o País chegou neste sector, nomeadamente no respeitante ao transporte de abastecimentos básicos, reflectindo-se nas transacções correntes, através do elevado défice da balança dos transportes marítimos (afre-tamentos, leasings e fretes) que em 1983 cifrou-se na ordem dos 356 a 401 milhões de dólares e não tem cessado de crescer largamente todos os anos.
O défice global de divisas de transportes marítimos no nosso país, entre 1980 e 1984 inclusive, deve atingir qualquer coisa como 200 milhões de contos.
Torna-se necessário alterar esta situação, que se vai degradando ano após ano, apesar de estudos, planeamentos e medidas, que até agora não têm produzido quaisquer frutos, embora tenha havido um equacionamento correcto de alguns dos graves problemas que afectam o sector.
Para tal é necessário não adiar mais as soluções, algumas das quais já encontradas, e estabelecer e praticar uma política de viabilização e renovação da marinha do comércio.
Para definição e execução dessa política, dever-se-á pedir a colaboração de todos os intervenientes no sector.
Uma política de renovação da nossa marinha de comércio em articulação com os sectores de construção naval e portuário deverá visar os seguintes objectivos prioritários: o aumento de taxa de intervenção da frota nacional (com inclusão dos navios afretados a casco nu) no transporte de mercadorias do comércio externo, de modo a obter-se uma taxa de, pelo menos, 50% nos próximos 10 anos; a reorganização do sistema de transportes marítimos com as ilhas adjacentes; o saneamento e viabilização das empresas armadoras; o preenchimento das necessidades mínimas de defesa nacional; a melhoria da imagem da nossa marinha do comércio no País e no estrangeiro; a contribuição para a actividade do sector da construção e reparação naval, mas de forma a que as encomendas de novos navios sejam efectuadas de acordo com as necessidades da marinha do comércio e as condições em matéria de custos e financiamento sejam semelhantes às que se conseguiriam em estaleiros estrangeiros.
Para atingir os objectivos acima mencionados deverão ser implementadas algumas medidas e acções indispensáveis, que se poderão agrupar em quatro directrizes fundamentais: a primeira será o saneamento, reorganização e viabilização das empresas armadoras, a segunda, a reconversão, adaptação e reequipamento da frota do comércio, a terceira, o apoio financeiro a armadores nacionais, a quarta e última, a formação e organização do trabalho.
Os efeitos previsíveis face à adopção de tais medidas e acções são, nomeadamente: a criação de condições necessárias à viabilização económica das empresas do sector dos transportes marítimos; um maior aproveitamento das capacidades nacionais dos estaleiros navais e da actividade de seguros; a redução de pagamentos ao exterior resultantes do afretamento de navios, com resultados bastante favoráveis na balança de pagamentos do País; a criação de emprego directo e indirecto em sectores que, por tradição, o País tem mantido um elevado nível de ocupação de mão-de-obra nacional, e nos quais foram criadas estruturas de formação adequada, em que foram investidos recursos nacionais; o aumento das receitas do Estado provenientes da tributação de empresas e trabalhadores directa ou indirectamente dependentes da actividade do sector.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para que Portugal fique menos dependente do exterior no sector dos transportes marítimos, é necessário um esforço sério e profundo e também vontade política para levar por diante todas as medidas consideradas necessárias para que a nossa marinha do comércio seja reapetrechada e o sector seja revitalizado com todos os benefícios para o País e nomeadamente para um sector da nossa indústria que se debate com graves problemas económico-financeiros, o sector da construção e reparação naval.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Para existência da vida dos povos e para o desenvolvimento da sua civilização, os transportes foram sempre a alavanca base indispensável, que possibilitou e continua a possibilitar tal desenvolvimento.
Ora, se tivermos em conta que três quartas partes do globo terrestre são constituídas por oceanos, fácil será ter presente o valor da importância que os transportes marítimos sempre tiveram em todas as épocas e continuarão a ter na actualidade no intercâmbio comercial do Mundo.
Os Portugueses foram um dos povos que mais contribuíram em épocas longínquas e pioneiras para o desenvolvimento dos transportes marítimos, mas não podemos viver agarrados a recordações do passado.
Temos de desenvolver a nossa marinha de comércio, o mais urgentemente possível, visto que esta deve ser considerada um dos sectores de vital importância para a independência e desenvolvimento económico do nosso país.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Deputado Carlos Ganopa, é possível que V. Ex.ª não me conheça visto que sou novo na Câmara e represento o círculo eleitoral dos Açores, mas gostaria de lhe formular um pedido de esclarecimento.
Assim, pergunto a V. Ex.ª se ainda considera os Açores e a Madeira como "ilhas adjacentes" ou se já lhes reconhece o estatuto de regiões autónomas, isto porque V. Ex.ª usou, no seu discurso, a designação de "ilhas adjacentes".
Gostaria ainda de dizer ao Sr. Deputado que nós, Açores e Madeira, somos regiões autónomas e que a designação "ilhas adjacentes" pertence ao antigo regime.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Ganopa.

O Sr. Carlos Ganopa (PRD): - Sr. Deputado Mário Maciel, tratou-se apenas de um lapso de leitura. É óbvio que V. Ex.ª tem toda a razão.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.

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O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há alguns factos que são tão evidentes, de certa forma tão graves e de certa forma até tão
escandalosos, que não necessitaria de fazer uma intervenção e uma grande arenga para publicamente os denunciar.
A utilização dos tempos de antena do candidato presidencial Ângelo Veloso em defesa da candidatura presidencial do candidato Salgado Zenha é algo que fere os princípios da moral política, é algo que fere também os princípios da ética por que se devem reger estas matérias.
Efectivamente, ninguém contesta a legitimidade de o fazer e, é algo sobre-o que esta Câmara deveria debruçar-se, porque poderemos correr o risco; num país que tem tantas originalidades, de, amanhã, numa futura candidatura presidencial, numas futuras eleições, haver muitos candidatos cujo o único objectivo seria o de manter e garantir tempos de antena televisivos ou radiofónicos.
De facto, a lei de ouro que deve presidir às eleições presidenciais é a da garantia da igualdade de tratamento, de todos os candidatos, e isto não está a ser garantido.
Na verdade, para um candidato, Dr. Salgado Zenha, que se reclama como candidato da democracia, isto é o pior exemplo do que poderia acontecer em Portugal, se ele porventura viesse a ser eleito. A seguir estes princípios éticos não haveria democracia em Portugal.
Pegando na palavra do líder, do PRD, Hermínio Martinho, saliento que, efectivamente, esta Assembleia tem de assumir as suas responsabilidades para a defesa desses, mesmos princípios éticos e morais.
Por isso, começamos também por denunciar, muito simples congelamento, estes, actos que achamos efectivamente imorais. E denunciamo-los desta forma tão rápida, porque, sabemos que o povo português, todo ele, o compreenderá.

Aplausos do PSD e do CDS.

0 Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pediram a palavra os Srs. Deputados Jorge Lemos e José Carlos Vasconcelos.
No entanto, informo o Sr. Deputado Jorge Lemos de que já não dispõe de tempo e que o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos dispõe de 1 minuto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, acabo de ser informado de que o MOP/CDE me dispensará tempo.

O Sr. Presidente: - Para protestar tem então, V. Ex.ª a palavra, Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em nome da minha bancada, desejo fazer um protesto extremamente rápido, apenas para lembrar ao Sr. Deputado que acabou de intervir que felizmente estamos num regime democrático, que garante a igualdade de tratamento às diferentes candidaturas.

Uma voz do PSD: - Há sempre um Veloso desconhecido que espera por ele!

O Orador: -As instituições estão a funcionar. Ainda bem!

Vozes do PSD: - Na Marinha Grande! Na União Soviética.

O Orador: - Provavelmente não se passaria o mesmo se fosse para a frente o projecto sinistro que o Sr. Deputado e o seu partido apoiam.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Vozes do PSD: - A vossa candidatura é que é sinistra!

Vozes do PCP: - É o medo! É o medo!

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Evidentemente que não me vou referir aos tempos de antena que o Sr. Ângelo Veloso tem, pois o PRD não tem nada a ver com essa questão e não tem de tomar posição sobre ela.
Também não vou entrar na questão das eleições presidenciais porque penso que seria extremamente negativo, para não dizer grave, que este hemiciclo se transformasse, designadamente no período de antes da ordem do dia, em eco da campanha eleitoral, que se deve processadora dele, e não aqui dentro.
Queria dizer ainda que o PRD está e estará solidário com todos os candidatos que sejam vítimas de quaisquer arbitrariedades e que aproveita a oportunidade para manifestar essa solidariedade corri o candidato Mário Soares que, como parece ter acontecido - e digo "parece" porque ainda não tenho elementos, pois não li-os jornais de hoje -, foi vítima de arbitrariedades. Solidarizamo-nos com esse e com todos os candidatos que o sejam.
A pergunta que faço ao Sr. Deputado é se considera ou não que é uma injustiça grave a um cidadão e a um democrata, que, antes e depois do 25 de Abril, se bateu por todos os meios pela democracia neste país e por isso passou pelas prisões políticas, e que depois do 25 de Abril, quando houve de facto tentativas totalitárias, se bateu contra elas.
Pergunto-se é ou não uma grave injustiça para a grande figura moral e democrata do Dr. Salgado Zenha vir aqui insinuar que se ele for eleito Presidente da República pode estar em perigo, neste país, a democracia pela qual ele sempre se debateu.

Aplausos do PRD, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o .Sr. Deputado Mendes Bota.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quanto ao protesto do Sr. Deputado Jorge Lemos e quanto ao facto de o Sr. Deputado ter falado em termos de sinistridade da candidatura do Prof. Freitas do Amaral, gostaria de referir que o adjectivo sinistro está associado a fantasmagórico. Efectivamente, o Sr. Deputado usou a palavra adequada pois a candidatura fantasma é a de Ângelo Veloso; essa, sim, é uma candidatura sinistra.
í • ..º J . ' :
. : Vozes do PSD: - Muito bem!

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O Orador: - Sobre a questão do cidadão democrata Salgado Zenha, em cujo passado antifascista ninguém nesta bancada ousa sequer pôr uma beliscadura, queria dizer apenas que é uma grande injustiça que, pelas suas próprias mãos, o democrata Salgado Zenha tenha aceite entrar nesta corrida presidencial com os apoios com que se apresenta, nomeadamente o do PCP.

Aplausos do PSD.

O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Fascista!

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): OO Salazar dizia o mesmo que tu!

O Sr. António Mota (PCP): - Ainda por cima é bruto!

Protestos do PSD.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - É melhor tomares um calmante!

Protestos do PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, agradeço que façam silêncio.

O Sr. Deputado Amândio de Azevedo pede a palavra para que efeito?

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos estamos sempre de acordo ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, desculpe, mas queria que me dissesse para que efeito pediu a palavra.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas explico já para que efeito é que pedi a palavra.
Acabo de ouvir, repetidamente, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa chamar fascista a um colega da minha bancada. Considero que isto é absolutamente inadmissível ...

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - ... e a Mesa da Assembleia não pode ficar de braços cruzados perante este tipo de atitudes. Um deputado que ousa dizer isto não é digno de se sentar nestas bancadas!

Aplausos do PSD e do CDS.

Aliás, são repetidas as atitudes do PCP e dos seus deputados, em ocasiões diferentes, que revelam sempre o que são; não há maneira de se conformarem com as regras da democracia e por tudo e por nada abrem a boca para insultarem aqueles que se limitam a exercer o seu direito de cidadãos assumindo livremente as suas opiniões.
Da minha bancada não foi proferida uma única palavra que possa ser considerada ofensiva para ninguém. Podem não concordar com o que dizemos, têm o seu direito, mas não ofendemos ninguém e exigimos, também, que não ofendam os membros da nossa bancada.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Penso que a Mesa da Assembleia não pode deixar de assumir a responsabilidade e de tomar atitudes enérgicas sempre que houver ofensas tão graves, como aquela a que assistimos, à honra e à dignidade das pessoas que se sentam neste hemiciclo.

Aplausos do PSD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Amândio de Azevedo, entendi a sua intervenção como uma interpelação à Mesa.
Assim, devo dizer ao Sr. Deputado que a Mesa, e designadamente quem a está a presidir, não ouviu o que foi dito. Eu explico muito claramente porquê: porque pediu, por duas ou três vezes, aos Srs. Deputados que fizessem silêncio pois o barulho era demasiado. A Mesa não ouviu essa expressão, porque se a tivesse ouvido, essa ou qualquer outra expressão ofensiva, tomaria posições.
Devo dizer que houve barulho excessivo - foi chamada a atenção a várias bancadas - e que a bancada do Sr. Deputado Amândio de Azevedo também participou no barulho.
Creio que está, assim, prestado esclarecimento, na certeza de que a Mesa não deixaria passar em claro essa expressão se a tivesse ouvido.
Para que efeito é que o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa pediu a palavra?

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Para dar explicações, tendo em conta que o Sr. Deputado Amândio de Azevedo, de certa forma, usou o direito de defesa da sua bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu já disse que entendi o uso da palavra do Sr. Deputado Amândio de Azevedo como uma interpelação à Mesa.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, o meu nome foi referido ...

O Sr. Presidente: - Certo. Portanto, se o Sr. Deputado pretende usar o direito de defesa, faça favor.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Mendes Bota fez uma referência grave que foi a de ter considerado que o apoio do PCP, ou dos comunistas, ou da APU - que representa cerca de 1 milhão de portugueses - à candidatura de Ângelo Veloso é um apoio inaceitável, tentando fazer crer a esta Câmara que os comunistas não são portugueses, que os comunistas não são democratas e que não lutaram, e não lutam, pela liberdade e pela democracia. Pensamos que aqui não há deputados de primeira, nem deputados de segunda, pois estamos aqui com os mesmos votos e com o mesmo direito com que o Sr. Deputado está. Estamos aqui porque o povo entendeu que estivéssemos e por isso mesmo não admitimos que, tal como antes do 25 de Abril, haja discriminações em relação a qualquer bancada e em relação a qualquer cidadão, seja ele comunista ou socialista, tenha ou não tenha partido.
Por essa razão não permitiremos que expressões destas atinjam a nossa bancada porque não aceitamos lições, nem dessa bancada nem de nenhuma outra, em relação à questão da liberdade e da democracia.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mendes Bota pede a palavra para que efeito?

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Para dar explicações, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa pediu a palavra invocando a figura regimental do direito de defesa em relação à interpelação que havia sido feita pelo Sr. Deputado Amândio de Azevedo. Creio, portanto, que as explicações seriam do Sr. Deputado Amândio de Azevedo.
Mas como o seu nome foi invocado, poderei dar-lhe a palavra se pretender usar, também, o direito de defesa.

O Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, julgo que a matéria está suficientemente esclarecida e, obviamente, não quero entrar no rol daqueles que, por tudo e por nada, usam o direito de defesa da sua dignidade e da sua honra.
Não me considero ofendido pelo Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, e, efectivamente, não quero usar esse direito. Se pudesse dar explicações dá-las-ia nessa forma regimental. Não sendo assim não vale a pena, neste momento, usar do direito de defesa.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Janeiro.

O Sr. António Janeiro (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo, quer directa, quer indirectamente, está a interferir na negociação colectiva de forma extremamente gravosa para os trabalhadores e perigosa para os interesses nacionais.
Invertendo de forma arbitrária a ordem dos factores que servem de base à negociação, limitando acentuadamente a autonomia negocial das empresas públicas, manobrando para atrasar e ou bloquear os processos negociais, fazendo retroceder de forma escandalosa a tendência que se verificava para a anualização das tabelas salariais, procurando impor um tecto salarial infundamentado, fazendo tudo isto e algo mais, o Governo está a tirar dignidade e verdade à contratação colectiva.
Ao interferir de forma indevida e abusiva na livre negociação laboral, o Governo vicia e subverte as relações entre os parceiros sociais, que, com menores ou maiores sobressaltos, vinham a entrar de forma lenta, mas firme, num espírito de sentido das responsabilidades, mútua compreensão e recíproco respeito entre as organizações sindicais e empresariais.
E ao travar esta evolução positiva, o Governo está a quebrar os ténues suportes de uma estabilidade social, dificilmente alcançada através de dramáticos sacrifícios dos trabalhadores, aliás reconhecidos como tal por todos os partidos aqui representados nesta Assembleia e pelo próprio Executivo Nacional.
Não basta aos trabalhadores que o actual Primeiro-Ministro venha publicamente lamentá-los, declarando que lhes foram exigidos sacrifícios injustificados. E necessário, isso sim, que o Governo não venha agravar ainda mais esses sacrifícios, especialmente quando se vive uma situação em que eles menos se justificam.
Certamente que o Governo não pode esperar que os trabalhadores e as suas organizações sindicais se mantenham impávidas enquanto assistem ao incumprimento das promessas que lhes foram feitas e, pior ainda, enquanto lhes, esvaziam os seus bolsos, retirando-lhes poder de compra, baixando-lhes o nível e a qualidade de vida.
Os trabalhadores e as suas organizações sindicais não podem permitir (e não permitirão) que a livre negociação seja substituída por uma política autoritária de salários. E o actual Primeiro-Ministro sabe perfeitamente que assim será, pois já em 1980 viu o seu autoritarismo derrotado quando era Ministro das Finanças de um governo com muito mais ampla base de apoio que o actual.
Este aviso serve igualmente para os empresários que, quer isoladamente, quer através das suas associações, adoptaram como padrão de conduta na negociação colectiva o mau exemplo dado pelo Governo.
Os empresários sabem (deviam saber) que este tipo de actuação é, forçosamente, negativo para as suas empresas e para a economia nacional, na medida em que cria uma agitação que não é propícia ao desenvolvimento dos negócios e, ao mesmo tempo, gera justo descontentamento que desmobiliza os trabalhadores dos projectos de aumento de produção e de produtividade.
E numa altura em que tanto se fala no exemplo da Europa, bom seria que todos dela colhessem os exemplos positivos que, no caso salarial a que nos vimos referindo, é o de bem pagar aos trabalhadores para se obterem bons serviços e bons resultados.
Para que não, se pense que estamos a atacar o Governo pela simples razão de estar na oposição, vamos citar-vos textualmente a argumentação aduzida por escrito pela administração de uma empresa pública em resposta a uma proposta de revisão salarial. E passamos a citar:

O Governo tem vindo a anunciar uma inflação previsível, para 1986, de cerca de 14%; por outro lado, tem sido referida a intenção de reduzir a carga fiscal; da mesma origem, foi admitida, a possibilidade de aumentos salariais não inferiores a 14%. Verificando-se estas premissas, derivará, de uma forma geral, um acréscimo real do poder de compra dos trabalhadores.

Esta empresa pública conclui não estar disposta a aumentar os salários dos seus trabalhadores, ameaçando-os ainda com o despedimento caso insistam na revisão das tabelas salariais.
Embora sem a coragem de a pôr por escrito, a verdade é que argumentação semelhante está a ser utilizada em diversas empresas públicas e em algumas privadas para obstar a uma livre negociação que corresponda às legítimas e justas reivindicações dos trabalhadores.
Compete-nos igualmente aqui referir a questão da revisão do contrato colectivo dos jornalistas, como exemplo flagrante da actuação negativa do Governo junto do sector empresarial (público e privado). Referimos igualmente este caso, porque ele não apenas diz respeito a um sector laboral, mas a todos os portugueses.
Todos estamos de acordo que uma boa informação é fundamental para a democracia e para qualquer país. Acontece que Portugal não pode pensar em ter uma boa informação, não pode ter uma imprensa digna e

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prestigiada, com os salários que actualmente são pagos aos jornalistas e que, em média, são seis vezes inferiores aos dos seus colegas europeus.
Este facto foi publicamente reconhecido pelo Governo que, no seu programa, se comprometeu a criar as condições para a dignificação do trabalho dos jornalistas, nomeadamente revendo o seu estatuto salarial.
Pois, perante a excelente oportunidade para o Governo levar à prática as suas promessas, a verdade é que assistimos a um autêntico boicote à revisão do CCT dos jornalistas. E não nos iludamos: se é verdade que foi a Associação da Imprensa Diária que se negou a negociar, não nos podemos esquecer que é o Governo que tutela as principais empresas de comunicação social.
E houve as já referidas promessas. E os jornalistas foram recebidos por membros do Governo que se mostraram conhecedores da sua dramática situação, prometendo-lhes intervir no sentido de a resolver de forma razoável.
Mas foi preciso que, por voto secreto e directo, 80% dos jornalista se pronunciassem a favor de uma greve de 5 dias, para que o Governo autorizasse as empresas públicas a iniciarem uma negociação à margem da Associação da Imprensa Diária. Esperamos que não seja necessário ter-se de cair na lamentável situação dos trabalhadores terem de recorrer à ameaça para verem respeitados os seus direitos e para quebrarem a premeditada inoperância do Governo.
Inoperância que, como já referimos, se estende à generalidade da contratação colectiva, constituindo na prática um verdadeiro boicote à negociação e um atentado contra os trabalhadores que, deste modo, vêem a actualização do seu poder de compra perdido (repito: perdido) ser adiada, prolongando-se-lhes artificialmente os sacrifícios que tiveram de fazer, em passado recente, para salvar o País da bancarrota.
Resta-me concluir, exprimindo a esperança de que o Governo desça da sua arrogância e do seu autoritarismo e tenha a coragem de alterar positivamente a sua actuação relativa ao mundo laboral, especialmente, criando condições para que se possa desenvolver e consolidar no nosso país a livre negociação, única forma de dignificar e normalizar as relações entre os parceiros sociais.
Não apenas pelos trabalhadores portugueses que, para além de tudo o que lhes seria humanamente exigível, alcançaram o legítimo direito a serem tratados com dignidade e a verem compensados os seus repetidos sacrifícios, mas também pelo País que não pode ver perpetuada uma situação de insatisfação geradora de uma agitação que impede o progresso económico e social.
Alguns empresários já assim o entenderam e não se deixaram manipular pela demagogia do Governo nem assustar com o seu autoritarismo, intervindo na contratação colectiva numa perspectiva de respeito pelos direitos e legítimos interesses dos trabalhadores. Melhor seria que o Governo e aqueles que o pretendem seguir meditassem neste grave problema e evitassem transformar a negociação, o diálogo entre os parceiros sociais, num confronto permanente, numa luta em que não haverá vencedores e em que os principais derrotados serão os trabalhadores, os investidores e o desenvolvimento nacional.

Aplausos do PS e de alguns deputados do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu tinha pedido a palavra na convicção de que a minha intervenção seria a seguir à do Sr. Deputado Mendes Bota. No entanto, segundo as regras regimentais, calha-me agora a vez de intervir aqui, neste Parlamento, e não posso, em nome do meu grupo parlamentar, deixar de o fazer.
A democracia é o governo do povo. O povo, se quer democracia, deve respeitar as ideias de cada um, apoiar o que tem de apoiar e criticar o que entende dever criticar, mas criticar para construir e nunca substituir a crítica franca e aberta pela agressão, como ontem sucedeu, na campanha para as eleições presidenciais, na Marinha Grande. Lamentamos o que se processou. Podemos também não concordar com o programa do candidato em causa, Dr. Mário Soares, mas não podemos pactuar com tais atitudes agressivas que criam a instabilidade e desrespeitam a democracia.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - O povo deve escolher com serenidade e não ser impelido para a violência com fins ocultos, como já referiu o Sr. Deputado do PSD. Por tudo isto, o meu grupo parlamentar repudia os acontecimentos da Marinha Grande e solicita aos responsáveis do País que sejam denunciados e punidos, exemplarmente, os responsáveis e se tomem medidas para que casos destes se evitem no futuro.
Passados 11 anos de vivência democrática, parece-nos que já deviam existir neste país regras de sã convivência. Foi para isso, segundo cremos - e esta deve ser a opinião de toda esta Câmara -, que se fez o 25 de Abril.

Aplausos do CDS, do PSD e de alguns deputados do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de começar por salientar a total concordância com as palavras que o Sr. Deputado Horácio Marçal acabou de proferir e de registar nesta Câmara, que se hoje o PS não trouxe imediatamente à colação o incidente da Marinha Grande foi, naturalmente, por ser seu propósito não pretender instrumentalizar, nesta Câmara, uma questão que está posta não apenas à consciência dos deputados, não apenas à consciência dos responsáveis políticos, mas à própria consciência dos Portugueses.
Têm os socialistas dito, repetido que tudo se deve fazer em Portugal no sentido da máxima conciliação, mesmo entre interesses contraditórios da sociedade portuguesa. E é talvez por ironia do destino que seja um candidato que tem vindo a proferir esta mensagem aos Portugueses que tenha sido alvo de uma manifestação dos mais exaltados, dos mais radicalizados na sociedade portuguesa, dos mais insensíveis às palavras de concertação e de diálogo e daqueles que, por sistema, tudo fazem em Portugal, no cenário político português e na vida social portuguesa, para radicalizar e para justamente impedir o normal desenvolvimento das regras do diálogo entre todos os portugueses.

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O que pergunto ao Sr. Deputado Horácio Marçal é se não estará de acordo comigo - e suponho que estará - em que tudo deve ser feito nesta campanha presidencial, como em qualquer momento da vida política portuguesa, para sabermos assumir as regras do pluralismo democrático com plena capacidade de assunção das nossas discordâncias, das nossas divergências, sabendo manter sempre elevados os ideais e a prática do civismo, num apelo e uma pedagogia constantes, no sentido de uma capacidade de diálogo e contra a radicalização dos pólos opostos da sociedade portuguesa.
É contra essa radicalização que assumimos a nossa responsabilidade política e, convidava o Sr. Deputado Horácio Marçal a ser também protagonista, não apenas de uma recusa de uma radicalização, de um dos pólos da sociedade portuguesa mas de qualquer desses pólos, para que no fundo, sejam justamente, os Portugueses a manterem-se unidos e, independentemente das suas diferenças políticas, a serem capazes de convergir, na grande tarefa, da recuperação nacional.

Aplausos do PS e de alguns deputados do CDS.

O Sr. Presidente: - Enquanto o Sr. Deputado Jorge Lacão fazia o seu pedido de esclarecimento, o Sr. Deputado António Marques pediu a palavra para que efeito?

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Presidente, para um pedido de esclarecimento.

O Sr. Presidente:.- Sr. Deputado, o seu grupo parlamentar já não dispõe de tempo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Horário Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, só para dizer que o meu grupo parlamentar pode ceder tempo ao Sr. Deputado António Marques, se este o desejar.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado António Marques.

O Sr. António Marques (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: a democracia não se reforça à paulada, não se afirma ao bofetão e não se consolida com a teoria do cacete. A democracia, alimenta as suas forças na tolerância, alarga o seu conteúdo no respeito pela opinião dos outros e cimenta as suas bases através de um diálogo profundo e aberto.
Eis pois, que rejeitamos todas, sem excepção, as atitudes que, metódica ou casualmente, ponham em causa os princípios da democracia.
Opomo-nos frontalmente a todas as acções que ponham em causa os fundamentos de uma vivência democrática e repudiamos com veemência todas as formas de violência como factor de oposição. Por isso participamos da opinião do Sr. Deputado Horácio Marçal. Opomo-nos, a todas as formas que, de algum modo, ponham em causa os princípios da democracia e sobretudo opomo-nos, em relação aos acontecimentos, que se desenrolaram na Marinha Grande.
Importa todavia não generalizar, partindo do individual. É necessário ter presente que o povo, da Marinha Grande, terra de nobres ideais democráticos e de uma grande e profunda vivência antifascista, não pode ser confundido com a situação levada a cabo por algumas, aliás poucas, pessoas.
Gostaria que o Sr. Deputado nos informasse, se pudesse, se a oposição, que manifestou aqui, em relação aos acontecimentos da Marinha Grande, não se resume senão exclusivamente às questões pontuais que aí se passaram e não em relação a todo o povo da Marinha Grande, porque os jornais de hoje trazem e transcrevem, também, algumas situações menos correctas, como, por exemplo, afirmações de que os partidários do Dr. Salgado Zenha são antidemocráticos. Isto é de uma profunda incorrecção e também queremos aqui, repudiá-lo.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Horácio Marçal.

O Sr. Horácio Marçal (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Concordo plenamente com as palavras proferidas pelo Sr. Deputado Jorge Lacão. Entendo que realmente não deve haver radicalização da sociedade portuguesa, mas, sim, uma sã vida democrática e, como disse aqui, foi para isso que se fez o 25 de Abril.
Realmente somos contra o que se passou ontem e esperamos; na verdade, que atitudes destas se evitem no futuro, para bem de todos nós, para bem do País e pára a vivência, á eternidade e a perenidade da democracia portuguesa.
Quanto ao Sr. Deputado António Marques, é evidente que lamentei, e quis, salientar, a atitude daqueles que praticaram a agressão; não quis, de modo algum, referir-me à candidatura do Dr. Salgado Zenha, que considero muito como homem, e também não quis - e isso que fique aqui bem saliente nesta Câmara - atacar o povo da Marinha Grande, que muito considero. O que quis foi, essencial e especificamente, atacar aqueles que praticaram a agressão ao Dr. Mário Soares, candidato à Presidência da República deste país.
Condenamos todos os actos idênticos a este que se possam vir a processar, não só nas presidenciais como em quaisquer actos eleitorais, bem como qualquer, atitude antidemocrática que se pratique neste país.

Aplausos do CDS, do PSD, do PRD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra a outro orador, queria anunciar que estão entre nós a assistir a esta reunião, em visita de estudo, alunos do Liceu Eça de Queirós, da Póvoa de Varzim, a quem tributamos o nosso reconhecimento e desejamos que a visita seja proveitosa.

Aplausos gerais.

Para unia intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guerreiro Norte.

O Sr. Guerreiro Norte (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após 10 anos, 7 meses e 3 dias ininterruptos, e corri uma pausa de 43 dias, assumo de novo ás funções de deputado pelo círculo de Faro com plena consciência da pesada responsabilidade que essa circunstância determina e simultaneamente como vigoroso desejo e indefectível vontade política de pôr ao serviço da comunidade os meus préstimos pessoais e aqueles que a inerência do cargo postula.

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Na grave crise económica, social e moral que a nossa pátria atravessa, nenhum responsável político se pode alhear da importância do relevo e até da transcendência que significa a árdua missão de darmos o melhor de nós próprios em prol da colectividade em que nos inserimos.
Mas seria hipócrita se não afirmasse que é com redobrado orgulho que aqui me encontro de novo, transparecendo nesta atitude a legítima e humana ambição de ser representante do povo português e poder veicular, para este órgão de soberania, os problemas e as carências da província onde nasci e fui criado - o Algarve.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sem sombra de dúvida, o Algarve constitui uma realidade económica de indiscutível importância no contexto nacional.
Para além das suas vertentes agrícola e piscatória e dos aspectos comercial e industrial, a sua projecção turística imprimiu-lhe um cunho especial e incutiu-lhe uma maneira de ser própria, com evidentes reflexos no comportamento e até no modus vivendi dos seus habitantes.
Esta constatação e este estatuto, para além de benefícios directos e imediatos, transporta nos seus flancos problemas conjunturais que, a não serem concretamente equacionados e devidamente solucionados, originam situações de desequilíbrio social altamente prejudiciais ao bem-estar das populações.
Refiro-me obviamente à profunda desigualdade em que se encontram os que residem durante todo o ano nas zonas de maior incidência turística, que assistem impotentes a uma desenfreada especulação e a um desmesurado aumento dos preços dos bens essenciais, incluindo a renda e a compra das habitações.
Não esqueço também o substancial aumento da criminalidade provocado pelo caldeamento e pelo difícil relacionamento de gentes oriundas das mais diversas partes do País e do estrangeiro que, seduzidos por um tipo de vida mais fácil, se dedicam à marginalidade, pondo em causa a segurança das pessoas e dos seus bens.
São problemas graves e prementes que o Governo que tenho a honra de apoiar não deixará de tomar em consideração no quadro da actividade sectorial incumbida a cada ministério.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ninguém que conheça minimamente a região do Algarve poderá, ainda que momentaneamente, olvidar essa nua e crua realidade, constituída pelo interior e pela serra.
Porque conheço no terreno a coragem e a determinação das suas populações curvo-me perante o seu estoicismo e reconheço a urgente e indispensável necessidade do melhoramento das suas condições de vida.
Morfologicamente, o Algarve, não o esqueço 1 minuto, não é apenas o litoral.
O distrito de Faro compõe-se pela beira-mar, pelo barrocal e pela serra; e só uma maior solidariedade e interpenetração entre as suas diferentes e distintas parcelas poderá aproximá-lo cada vez mais e moldar-lhe uma personalidade ainda mais própria e mais vincada.
Como algarvio de corpo inteiro, e como cidadão e político, bato-me por esse objectivo, porque, acima de tudo, traduz um anseio comum à maioria dos algarvios e representa uma justa e louvável reivindicação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao reassumir as minhas funções, não posso deixar de alertar esta Câmara, e por seu intermédio o povo português, para duas tristes e dramáticas realidades que assumem uma acuidade particular no Algarve - a droga e a terceira idade.
Nenhum pai, nenhuma mãe, nenhum irmão, em suma, nenhum cidadão elementarmente responsável pode fechar os olhos à devassidão moral que grassa na nossa juventude, ao horror estampado e configurado em autênticos farrapos humanos provocados por esse flagelo social que é a droga.
A erradicação dessa epidemia que potencialmente nos afecta constitui um objectivo de todos e, por consequência, as autoridades administrativas têm uma acção preponderante a desenvolver nesse domínio.
Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para contribuir, se não para a sua total extinção, pelo menos, e fundamentalmente, para a sua prevenção.
O combate é de todos porque a tarefa é comum!
Terceira idade. - As pessoas idosas devem merece de todos o maior respeito e consideração e a sua entrada nesse ciclo de vida não pode nem deve ser encarado como um calvário que mais tarde ou mais cedo acabará por bater à porta de todos nós.
Mas para evitar essa fatalidade é necessário que os poderes públicos e a sociedade no seu conjunto se consciencializem que esses seres humanos (porque biológica e psiquicamente mais frágeis) necessitam de calor, do amparo e do altruísmo dos seus semelhantes.
Torna-se pois indispensável criar as condições económicas, sociais e estruturais, para que seja alcançado esse desideratum dando-se assim consecução a uma medida de indubitável alcance social.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há quem questione a importância e eficácia destas intervenções; tenho para mim no entanto que elas continuam a ter plena actualidade e, embora a acção do deputado não tenha efeito decisório, a sua voz reveste-se de um profundo sentido democrático porque assenta e deriva exclusivamente de um suporte eleitoral que lhe confere uma dignidade político-institucional indiscutível, cuja audição é indispensável à resolução concreta dos problemas das populações.

Aplausos do PSD.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, concluído o período de antes da ordem do dia, vamos passar à primeira parte do período da ordem do dia.
Antes, porém, queria chamar a atenção do seguinte: por lapso, na agenda de trabalhos distribuída não se menciona a eleição, que já estava designada, para o Conselho da Europa. Essa eleição processar-se-á hoje às 15 horas, no início da abertura dos trabalhos.
Aproveito ainda a oportunidade para anunciar que foi já designado para a posse das comissões eventuais constituídas e para a comissão de inquérito o próximo dia 22 pelas 15 horas. Solicito aos grupos parlamentares que ainda não indicaram os membros para essas comissões o favor de o fazerem o mais rapidamente possível, a fim de que no dia 22, próxima quarta-feira, possamos empossar estas comissões.
E agora, Srs. Deputados, o Sr. Deputado Secretário vai anunciar um pedido de ratificação que entrou na Mesa e foi admitido.

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O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Deu entrada na Mesa a ratificação n.º 51/IV, da iniciativa do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e do deputado independente Lopes Cardoso, relativa ao Decreto-Lei n.º 4/86, de 6 de Janeiro, que dá nova redacção ao artigo 81.º do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho - Lei do Processo dos Tribunais Administrativos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão em aprovação os n.ºs 16, 17 e 18 do Diário.
Há alguma objecção a fazer-lhes, Srs. Deputados.

Pausa.

Não havendo, consideram-se aprovados.
Dou agora a palavra, ao Sr. Deputado Raúl Rêgo, para que proceda à leitura do relatório referente à 74.ª Conferência da União Interparlamentar.

O Sr. Raúl Rêgo (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados:

A 74.ª Conferência da União Interparlamentar teve lugar de 2 a 7 de Setembro ultimo em Otava.
A delegação parlamentar a que presidi integrava ainda os deputados Luís Saias (PS), Guido Rodrigues (PSD), Jorge Lemos (PCP) e Nogueira de Brito (CDS).
A agenda de trabalhos da Conferência incluía dois debates fundamentais: o primeiro dizia respeito à contribuição dos Parlamentos para o Ano Internacional da Juventude, abrangendo dois aspectos, essencialmente:

O pleno exercício dos direitos dos jovens, à educação, à formação profissional, ao trabalho, à segurança social.
A promoção dos meios jurídicos e outros da luta contra o tráfico, internacional ilícito de droga, incluindo, a preparação de uma nova convenção pela Comissão de Estupefacientes das Nações Unidas.

Sobre estas questões intervieram, por parte de delegação portuguesa, os deputados Luís Saias e Nogueira de Brito, tendo sido adaptada por consenso, uma resolução.
O segundo ponto da agenda respeitava à contribuição dos Parlamentos para a consolidação da obra de descolonização que vem sendo prosseguida pelas Nações Unidas desde há 40 anos.
O deputado Jorge Lemos e eu próprio usámos da palavra neste debate. A resolução sobre este ponto da agenda foi adoptada por maioria.
Como é tradicional, a Conferência incluiu ainda, um debate geral sobre a situação política, económica e social no mundo. Por parte da delegação portuguesa, tive oportunidade de intervir sobre os problemas da paz no mundo, tendo o deputado Guido Rodrigues abordado as questões da dívida externa.
A Conferência adoptou um ponto suplementar, à agenda que teve por objecto a contribuição dos Parlamentos para, a determinação das medidas e acções a empreender para eliminar o fardo da dívida externa, que pesa sobre os países em desenvolvimento. Sobre esta matéria foi adoptada, por consenso, uma resolução.
No decurso da Conferência de Otava a União Interparlamentar associou-se, através de uma sessão especial, às comemorações do 40.º Aniversário da ONU.
O Conselho Interparlamentar, Orgão da União em que participam dois delegados por país, realizou duas reuniões e dos diversos pontos da agenda
destacarei duas questões relevantes: a eleição do presidente do Conselho Interparlamentar e a apreciação do relatório do comité especial sobre as violações dos direitos dos parlamentares.
Foi eleito presidente do Conselho Interparlamentar, por um período de 3 anos, o Dr. Hans Stercken, da República Federal da Alemanha, cuja candidatura foi proposta pelo grupo dos 10 + (grupo ocidental), em que a delegação portuguesa participa.
O comité especial sobre as violações dos direitos, dos parlamentares apresentou ao Conselho o seu relatório em que dá conta da situação de 97 parlamentares e antigos parlamentares em 8 países: Chile, Indonésia, Uganda, Irão, Somália, Turquia, Vietname e Zimbabwe, tendo proposto diversas resoluções que o Conselho adoptou.
Foi ainda aprovado pelo Conselho o programa de actividades da União para o corrente ano, estando prevista a realização da próxima Conferência para a Cidade do México durante o mês de Abril.
Para esta conferência estão propostos os seguintes debates:

1) A contribuição dos Parlamentos:

a) Para o fim da corrida aos armamentos e para o desarmamento efectivo, rio que respeita nomeadamente à militarização do espaço extra-atmosférico, às armas nucleares e clássicas e às armas químicas;
b) Para a luta eficaz contra o terrorismo internacional;
c) Para a suspensão dos focos de tensão no mundo e, em particular, os esforços desenvolvidos pelo Grupo Contadora.

2) A contribuição dos Parlamentos para a aceleração do progresso económico dos países em desenvolvimento através de uma melhoria das condições de troca internacional e por uma utilização da ciência e tecnologia de modo a favorecer o bem-estar da humanidade, em geral, e a saúde e o bem-estar das pessoas, idosas, em particular.
3) Debate geral sobre a situação política, económica e social no mundo.

Chamamos igualmente a atenção de todos os deputados para a realização no corrente ano da VI Conferência Interparlamentar sobre a segurança e a cooperação europeias que terá lugar em Bona no final de Maio. Trata-se de uma conferência da maior importância, que a UIP promove de 3 em 3 anos, e nela se analisam os principais problemas da cooperação e segurança europeias, quer no domínio do desenvolvimento e do desarmamento, quer nas áreas da economia, ciência, tecnologia e ambiente.

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Prestes a terminar as funções do actual conselho directivo do Grupo Português da União Interparlamentar, quero manifestar o meu apreço a todos os que nele participaram e salientar a harmonia que nele sempre se manifestou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, feita a leitura deste relatório, que já foi mandado publicar na 2.ª série do Diário, passaremos, portanto, à leitura, discussão e votação do parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre pedidos de autorização para que os Srs. Deputados compareçam em tribunal como testemunhas ou declarantes. O Sr. Secretário vai lê-los.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos):
Excelentíssimo Sr. Presidente da Assembleia da República:
De acordo com o solicitado no ofício n.º 1533 - Processo n.º 1159 - 2.ª Secção, do 1.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, de 22 de Novembro último, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Francisco Pinto Balsemão, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a ser ouvido como declarante no processo em causa.
Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 10 de Dezembro de 1985. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votar o parecer que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai ler seguidamente o parecer referente ao ofício n.º 939, processo n.º 36/81, AO, Secção U, do Tribunal Judicial de Odemira.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos):
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
Em referência ao ofício n.º 939, processo n. º 36/81, AO, Secção U, do Tribunal Judicial de Odemira, de 21 de Novembro último, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Cláudio José dos Santos Percheiro, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a ser ouvido como testemunha no processo acima indicado.
Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 10 de Dezembro de 1985. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.

Pausa.

Como não há inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai seguidamente ler outro parecer referente ao ofício n.º 1539, processo n.º 1407, 2.º Secção do 1.º Juízo Correcional da Comarca de Lisboa.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos):
Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
De acordo com o solicitado no ofício n.º 1539, processo n.º 1407, 2.º Secção do 1.º Juízo Correccional da Comarca de Lisboa, de 25 de Novembro último, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca dos Srs. Deputados Joaquim Jorge de Magalhães Saraiva da Mota e José Manuel de Medeiros Ferreira, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar os referidos Srs. Deputados a deporem como testemunhas no processo em causa.
Mais informa V. Ex.ª que esta Comissão decidiu não dever pronunciar-se sobre o cidadão António César Gouveia de Oliveira, uma vez que aquele não exerce o mandato de deputado à Assembleia da República na actual legislatura.
Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 10 de Dezembro de 1985. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai agora ler o parecer referente ao ofício n.º 1751, processo n.º 1618/85, 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos):

Exmo. Sr. Presidente da Assembleia da República:
De acordo com o solicitado no ofício n.º 1751 - Processo n.º 1618/85 - 2.º Juízo, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, de 21 de Novembro último, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado José dos Santos Gonçalves Frazão, tenho a honra

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de comunicar a V. Ex.ª que esta Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de autorizar o referido Sr. Deputado a depor como testemunha no processo referenciado. Com os melhores cumprimentos.

Palácio de São Bento, 10 de Dezembro de 1985. - O Vice-Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, Mário Júlio Montalvão Machado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o parecer está em discussão.

Pausa.

Não havendo inscrições, vamos votá-lo.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à apreciação do pedido de urgência, apresentado pelo PRD, para o projecto de lei n.º 84/IV - Independência da informação televisiva.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, presumo que há um relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a cuja leitura conviria proceder.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Vitorino, quer que a Mesa leia o relatório?

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, a Mesa poderia lê-lo, pois é um relatório sucinto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Secretário vai ler, então, o relatório e parecer.

O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - O relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o pedido de urgência para o projecto de lei n.º 84/IV (Independência da informação televisiva) é o seguinte:

O presente projecto de lei propõe-se contribuir (como se alcança do respectivo preâmbulo) para garantir a independência, o pluralismo e a qualidade da informação televisiva, através, designadamente, da exigência de a nomeação e a exoneração do director e dos directores-adjuntos dos programas informativos serem precedidas de parecer do conselho de redacção e de voto favorável do Conselho de Comunicação Social.
Trata-se de procurar garantir que á direcção de programas informativos, goze de independência, mesmo face ao conselho de gerência, através da alteração dos artigos 13.º e, 14.º da Lei n.º 75/76, de 21 de Novembro, e da introdução de alguns novos artigos nesse mesmo diploma.
Foi solicitada a adopção do "processo de urgência" e é sobre se deve ou não, considerar-se existente essa urgência que a esta Comissão compete, nos termos do artigo 283.º, n.º 2, do Regimento, dar parecer.
Independentemente de tomar, posição sobre as disposições ,do projecto de lei (que disso não se trata aqui), independentemente, pois, de saber se as medidas propostas são ou não aptas a garantir a independência e a qualidade de informação televisiva, esses objectivos são de tal forma importantes e instantes que se crê desejável a apreciação urgente do projecto de lei em causa, ainda que sem prejuízo da consideração de outras iniciativas legislativas que, em curto prazo, possam surgir sobre a mesma matéria.
Assim, esta Comissão é de parecer que deve ser atendido, o pedido, de urgência, reduzindo-se, ao abrigo do disposto no artigo 284.º do Regimento, a 20 dias, o prazo para o exame em Comissão.

Palácio de São, Bento, 15 de Janeiro de 1986. - O Relator, José Maria Andrade Pereira. - O Presidente da Comissão, António Vitorino.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É já um lugar comum, porque não é menos uma verdade incontroversa, dizer que a televisão constitui uma arma poderosíssima,, decerto a mais forte e influente defuma sociedade democrática e civilizada. Paddy Chayeusky chamou-lhe mesmo "a mais tremenda força não religiosa do mundo moderno". Enquanto Umberto Eco escreveu: "Na Idade Média era o altar... Agora, é televisão."
Esta força da televisão, ao mesmo tempo apaixonante e terrível, que actua de modo imparável, inclusive ao nível do inconsciente, esta força, dizia, manifesta-se de maneira particularmente aguda e significativa nos programas de informação - em notícias, reportagens, debates, etc., o que é tanto mais certo, e flagrante, num país como o nosso, em que, por um lado o número de analfabetos ou de simples alfabetizados atinge ainda proporções alarmantes. E, por outro lado, e em consequência, a taxa de leitores de imprensa escrita é muito reduzida, das mais baixas da Europa.
Acresce que quando a televisão constitui monopólio, ainda que do Estado, como acontece entre nós, maior é a responsabilidade, daqueles que detêm a sua direcção e maior é, o dever de informar (pois da informação apenas se cura agora) com qualidade. Isto é: de informar de forma completa, com rigor e isenção, no integral respeito pela realidade dos factos e pela diversidade das opiniões.
Ora, o que tem acontecido ao longo dos anos com a informação (e até, em geral, com toda a programação) da RTP, é conhecido e lamentável, pelo menos lamentável! A RTP, em vez de tão-só estatizada, tem sido quase sempre governamentalizada e frequentemente instrumentalizada ao serviço de grupos políticos e partidários, quando não de clientelas dentro deles. Assim, as mais das vezes, não tem sabido informar, não tem informado com qualidade, antes tem mesmo chegado a desinformar, quando não, a manipular a informação.
Os exemplos, infelizmente, são muitos e sucedem-se no tempo com a generalidade, dos governos que no tempo se têm sucedido. Podia citar muitos, inclusive bem recentes.
Mas, para não ser tão polémico, e falar com o distanciamento já possível a mais de 5 anos de vista, pode

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-se dar o exemplo, entre todos paradigmático, do modo como a RTP cobriu "informativamente" (informativamente entre aspas, claro) as eleições presidenciais de 1980.
Em nenhum pais democrático, se bem avalio, e com uma TV do Estado, teria sido possível, em nossos dias, acontecer o que aconteceu então entre nós. E mesmo com as grandes cadeias de televisão norte-americanas é impensável, por todas as razões, acontecer algo de semelhante, apesar de serem privadas e não estarem sujeitas aos deveres e obrigações a que a RTP está.
Infelizmente, salvo alguma rara, honrosa e ... passageira excepção, o que vem acontecendo ao longo dos anos é que a RTP e, dentro dela, a informação, pedra de toque da sua independência, seriedade e qualidade - não se tem comportado como uma televisão do Estado, e por isso de todos os portugueses e ao serviço de todos os portugueses, mas como uma televisão do poder, ou ainda mais precisamente do Governo, e ao seu serviço - ou às vezes nem isso, mas só por falta de "competência"!
Que assim tem sido, todos praticamente o reconhecem, embora infelizmente muito poucos, quase nenhuns dos que passaram pelo poder, tenham autoridade moral para criticar os outros, para atirar a primeira pedra. Porque os que estão na oposição e criticam, chegados ao Governo, fazem mais ou menos o mesmo; e assim sucessivamente, num ciclo terrível e altamente nocivo para o direito dos Portugueses a serem informados e altamente nocivo até para uma indispensável pedagogia democrática e para a formação cívica e cultural dos cidadãos.
Ora, importa pôr fim a este ciclo terrível e a este estado de coisas com urgência e determinação. O PRD apresentou por isso o projecto de lei agora submetido à apreciação desta Câmara e pediu para ele a urgência, a que antes aludi e que a todas as luzes se impõe.
Temos plena consciência de que o que defendemos não é suficiente para resolver o problema ou todos os problemas - muito longe disso. Mas é um primeiro e importante passo: daí que, sem prejuízo de mais vastas - mas por isso também mais morosas - alterações legislativas que em tempo venhamos a propor, para já tenhamos apenas apresentado este projecto de lei susceptível - parece-nos - de ser aprovado com rapidez, até porque julgamos poder ser, pelo menos, relativamente consensual nesta Câmara, como posição semelhante o foi no Conselho de Comunicação Social.
Muito em síntese, com este projecto de lei pretende-se distinguir claramente a administração ou gestão da RTP e a sua informação, à semelhança, aliás, do que acontece nos jornais estatizados: e pretende-se garantir à direcção de informação, logo à partida, um mínimo de independência, inclusive face ao conselho de gerência, que por sua vez depende do poder político, ou seja, do Governo.
Nesse sentido, propomos que ao director de informação, jornalista com, pelo menos, 5 anos de actividade profissional, e apenas a ele, caiba determinar a orientação e conteúdo da informação, aliás, como acontece nos jornais, e que esse director e os directores-adjuntos sejam nomeados e exonerados pelo conselho de gerência, mas só depois de obter parecer do conselho de redacção e voto favorável do Conselho de Comunicação Social. Ou seja: por um lado, permite-se aos profissionais de informação que tenham, como devem ter, uma palavra a dizer nesta matéria; por outro lado, atribui-se um poder fiscalizador e decisório fundamental ao órgão que é, neste momento, o mais apto para se pronunciar a tal respeito, em conformidade com os valores de rigor, isenção e pluralismo que se pretende salvaguardar.
Estamos certos, assim, que a urgência será concedida e que as soluções preconizadas virão a merecer, a curto prazo, a aprovação da Assembleia da República.

Aplausos do PRD, de alguns deputados do PS e do PCP e do deputado independente Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados José Luís Ramos e Costa Andrade, do PSD.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luis Ramos (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, ouvi com atenção e interesse as palavras que proferiu para justificar o pedido de urgência para apreciação do projecto de lei apresentado pelo PRD. E genericamente, não em tudo, estou de acordo quando refere o rigor, a isenção e principalmente a diversidade de opiniões.
Percebo, por isso, que o PRD não só apresente um projecto de lei, mas que peça urgência para a sua apreciação. Agora, Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, não consigo entender - e daí o meu pedido de esclarecimento, e até porque o seu partido tem falado muito em coerência - por que é que ainda há 1 semana atrás, quando se pedia também urgência para a concessão de um canal de televisão privado, o vosso partido votou contra. Não seria urgente também, como V. Ex.ª disse e bem, dotar de rigor e isenção e, sobretudo, de diversidade de opiniões, em relação à televisão? Essa não seria também uma medida que visaria os fins que propõem com este projecto de lei? Então porquê - e falando em coerência - a diversidade de atitudes, relativamente a um e a outro dos projectos de lei?
Qual a razão, Sr. Deputado?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, deseja responder no final?

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Assim sendo, tem agora a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Exerço o meu pedido de esclarecimento na linha daquele que acaba de ser feito.
O Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos fez uma intervenção, na qual denuncia com grande veemência o carácter socialmente danoso de uma televisão mal conduzida, que viola os princípios fundamentais do pluralismo.
Esses males são tanto mais agravados quanto é certo que - pareceu-me ouvi-lo dizer -, para mal, a televisão ainda é monopólio do Estado. Este mal agrava as consequências.
Portanto, há aqui um grande mal, com uma gravidade muito instante. A informação televisiva está em

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perigo grave e parece-me que o Sr. Deputado, considera como causa possível desse mal o facto do monopólio estatal.
Ora, é neste contexto que lhe pergunto se considera efectivamente que a existência de monopólio estatal é um mal.
Isto é uma coisa que hoje parece consensualmente admitida na sociedade portuguesa; pois praticamente quase todos os partidos o admitem, bem como o admitem também, segundo penso, todos os candidatos à Presidência da República.
O que pergunto é, pois, se considera isto um mal. E se considera, não acha que é, pelo menos, iria eu dizer, um pouco "caricato - à falta de melhor objectivo -, não é quase, inócuo, não é "tratar o mal com água de malvas"? Esta medida que o Sr. Deputado e o PRD propõem é uma medida cuja bondade não se contesta, mas é quase como "matar moscas com canhões" ... é porque, se há um mal tão grande na televisão portuguesa, se a raiz vem de muito mais fundo, perante esta preocupação do PRD em trazer sempre uma certa imagem de coerência e de fidelidade aos objectivos, eu pergunto: que fidelidade e autenticidade há nisto?
Por um lado, o PRD, do mesmo passo que apresenta aqui um diagnóstico verdadeiramente desesperado da situação, parece-me que reconhece que há medidas capazes de curar a maleita de raiz ou, pelo menos, dar um contributo decisivo, para que o mal seja na medida do possível erradicado, mas, por outro lado, traz aqui um "chá de malvas"!
Isto que está aqui é uma medida cujo acerto ninguém contesta, mas que no plano das grandes coisas é um "chá de malvas"!
Confesso que fico extremamente perplexo quando, em relação a males tão drasticamente denunciados pelo Srs. Deputado - a televisão foi comparada com os "altares", foi comparada quase a uma religião, digamos, estamos no estado de "pecado mortal e de sacrilégio"! Para sairmos desta situação de "pecado mortal" e de "sacrilégio colectivo", V. Ex.ª tem apenas uma pequenina medida, que pode fazer alguma coisa, mas que, no entanto, é de eficácia extremamente duvidosa.
Votá-la-emos favoravelmente, na boa fé de que possa contribuir para melhorar a situação, mas isto, Sr. Deputado, não iliba o PRD, nem dá satisfação plena sociedade portuguesa quando o PRD diz que se desincumbiu das suas obrigações em matéria de pluralismo. Isto, repito, é um "chá de malvas" que o PRD nos traz aqui!
Por outro lado, Sr. Deputado, também me parece que não se pode, a partir de agora, continuar a dizer que "os do Governo já lá estiveram, os outros da oposição também já lá estiveram, os únicos que têm as vestes limpas somos nós".
Lembro, Sr. Deputado, que o Poder, maioria e a oposição estão aqui. A partir deste momento o PRD creditar-se-á de um bom ou de um mau exercício do Poder.
O PRD não pode, a partir de agora, reconhecer como boas as medidas que aí estão e continuar a adiá-las, dizendo que não são urgentes... Não era mais correcto, já que estamos a debater a questão da televisão, levar esta empreitada até ao fim; sendo certo que as outras medidas é que são as sérias, tendo em conta
a experiência parlamentar de que as coisas ou se tomam quando elas aquecem, ou então se tomam só muito mais tarde, lá para as calendas? ...
Não acha que seria muito mais correcto levarmos tudo já agora de "empreitada"?

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos. Contudo, informo V. Ex.ª de que o seu grupo parlamentar dispõe somente de 4 minutos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, vou apenas responder às perguntas, porque as questões colocadas levavam a esgotar o tempo de que disponho e há um outro deputado do meu grupo parlamentar para intervir sobre esta matéria.
Em relação às perguntas formuladas quero dizer que o PRD entende que não deve haver um monopólio estatal da utilização televisiva, embora pense que em termos constitucionais tem de existir em relação à propriedade e, portanto, é favorável, como disse, no seu projecto eleitoral, a possibilidade de concessão a empregas e entidades privadas. Já o dissemos várias vezes, quanto a isso temos uma posição perfeitamente clara. Isto até porque, sendo a televisão do Estado o que é, parece-nos que haver outras e entrar nessa concorrência salutar será altamente benéfico, além de defendermos esse princípio e de estarmos absolutamente de acordo que está na hora! Agora o que entendemos é que não se pode, de nenhuma forma, comparar à urgência de tentar, inclusive, aplicar à televisão aquelas regras mínimas que existem em relação aos jornais estatizados ...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Vamos a elas!

O Orador: - ..., pelo menos acabar com a coisa perfeitamente absurda de na televisão se confundir administração, com direcção de informação e de ser um presidente do conselho de administração que decide sobre os programas, que os vai visionar, o que tem custos altamente graves, quer para a informação quer, se calhar, para a gestão da própria televisão.
Não se pode comparar isto. Não se pode comparar a necessidade de quem é nomeado director de informação, ter um voto ou um parecer favorável dos jornalistas, bem como de um órgão de representação pluripartidária - que tem, actuado de forma altamente louvável como Conselho de Comunicação Social - com a proposta de lei do Governo que coloca um problema muito mais profundo e que não pode deixar de ser encarado globalmente, esse, sim, com a solução que se tenha de dar quanto à concessão de, designadamente, um segundo canal.
São duas coisas corripletamente distintas em matéria de urgência e de enquadramento neste debate.
Este nosso projecto de lei é perfeitamente localizado e é possível discuti-lo e decidir sobre ele com grande rapidez, o que nos parece, e à generalidade das pessoas, impor-se que seja feito.
Obviamente, como reconheci, não resolve tudo. O Sr. Deputado Costa Andrade diz que isto é um chá. Não tenho nada contra os chás medicinais, mas se quiser usar essa imagem, devo dizer que "enquanto não

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há um remédio mais forte, vamos, pelo menos, tomar o chá medicinal" e não, em nome do óptimo, prejudicar o bom.
Em nome de uma melhor decisão futura e de fundo não devemos deixar de tomar, desde já e a curto prazo, uma decisão que a todas as luzes se impõe.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: De novo estamos confrontados com temáticas de comunicação social que tantas vezes têm sido abordados nesta Câmara.
Suponho que vai chegando o tempo de podermos vir a abordar as temáticas da comunicação social por uma visão profunda, que nos faça não apenas meditar sobre o processo legislativo que a Assembleia da República até hoje pôde produzir, mas, acima de tudo, sobre uma visão estrutural dos problemas da comunicação social e dentro delas o sector público da informação, com vista a podermos encontrar aquelas soluções consensuais e necessárias para a sociedade portuguesa, em clima de abertura e de pluralismo democrático.
Só que para que o possamos fazer é necessário despirmo-nos dos nossos preconceitos, mas continuamos porventura a assistir a alguma forma preconcei-tuosa de encarar a abordagem dos problemas da comunicação social, designadamente do sector público da informação.
Para me socorrer da interessante metáfora do Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, refiro a circunstância de, na sua citação de Umberto Eco, V. Ex.ª ter dito que a função social do "altar" tinha sido substituída nos tempos que correm, depois dessa função primordial no período da Idade Média, pela televisão.
Mas vimos, logo a seguir, o Sr. Deputado Costa Andrade vir invocar o "estado de sacrilégio" em que, segundo este mesmo deputado, nós vivemos, agora que não abrimos ainda a televisão a um canal para a Igreja Católica, como se quisesse resolver os problemas do pluralismo informativo na sociedade portuguesa, voltando a juntar o "altar" com a televisão e regredirmos em termos culturais ao período da Idade Média.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Essa é óptima!

O Orador: - Naturalmente que não faço ao Sr. Deputado Costa Andrade a insinuação de presumir que se pudesse voltava a substituir o "altar" pela televisão, mas o que V. Ex.ª terá de compreender é que os problemas da abertura e do pluralismo informativos na sociedade portuguesa são bem mais complexos do que a simples discussão do "sim ou não" à atribuição de um canal à Igreja Católica.
Na verdade, o que se trata nesta matéria é de sabermos justamente jogar com rigor as regras do pluralismo democrático e, neste sentido, o meu grupo parlamentar apresentará nesta Câmara proximamente um projecto de lei, que tenha justamente em vista definir o quadro básico que deverá orientar de futuro o enquadramento legislativo em matéria de televisão e de rádio.
Reportando-me mais directamente ao projecto de lei, apresentado pelo PRD, o meu grupo parlamentar concedeu-lhe a urgência solicitada por entender que ele é em si mesmo um contributo para o processo de reflexão e de trabalho legislativo que temos em curso.
Neste sentido, portanto, estamos disponíveis a encarar a solução positiva do projecto de lei, apresentado pelo PRD, mas não nos conformamos apenas com essa solução e supomos que o problema tem de ser visto de uma forma mais profunda.
Chamava a atenção da Câmara para o facto de algumas das questões vertentes neste projecto de lei terem sido abordadas desde logo na revisão constitucional de 1982, quando o meu grupo parlamentar apresentou uma emenda à Constituição, no sentido de que os pareceres formulados pelo Conselho de Comunicação Social pudessem ter efeito vinculativo, aquando da nomeação dos directores dos departamentos de informação da televisão, da rádio e dos jornais. Verificou-se ter sido a AD, então constituída, que recusou a possibilidade de consagrar por via constitucional a possibilidade de esse parecer ter um efeito vinculativo. Daí para cá assistimos, portanto, a um enquadramento legislativo menos forte no que diz respeito à necessária protecção do pluralismo e da independência dos jornalistas ao nível destes órgãos de informação.
Mas reconhecer esta debilidade institucional não é a mesma coisa que passar ao ataque cego ao sector público da comunicação social. E se, em termos do pluralismo, temos de ter a capacidade de reconhecer que a iniciativa privada terá no presente e no futuro um papel a dizer, nem por isso haveremos também de ser capazes de reconhecer que o sector público da comunicação social tem também um contributo a dar no que diz respeito justamente à garantia do pluralismo político, do rigor e da independência do trabalho dos jornalistas e no direito à informação por parte do povo português.
É, portanto, com este sentido de equilíbrio que procuramos pautar a nossa orientação. E é também com esse sentido de equilíbrio que achamos que o projecto de lei da autoria do PRD não responde ainda a todas as questões no exacto campo em que se situa, desde logo e por exemplo, porque deixa totalmente de parte a questão da radiodifusão.
Sabemos que soluções adoptadas para a televisão são exactamente aquelas que simetricamente devem ser adoptadas para a radiodifusão. Encarar umas esquecendo as outras é uma atitude unilateral que, a nosso ver, deverá ser corrigida, aquando da discussão na especialidade do projecto de lei apresentado pelo PRD.
Em conclusão, o meu grupo parlamentar está sensível à necessidade de rever a temática da comunicação social, adopta o processo de urgência agora solicitado e propõe-se activamente vir a intervir no processo legislativo, para que possamos dar uma visão consistente e coerente às questões da comunicação social em Portugal, designadamente às do sector público da comunicação social.
Nem uma atitude fechada que não seja capaz de garantir as regras de independência do sector público, nem uma atitude dogmática que pretenda ver no sector público o "estado de sacrilégio" da informação em Portugal.
Saibamos ser pluralistas em todo o sentido; saibamos dar a cada um o seu papel e não deneguemos também o esforço constitucional e institucional que tem sido feito no sentido de dar uma informação capaz aos portugueses na televisão, nos jornais e na imprensa escrita.

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Seguramente, esse contributo será construtivamente dado também com a ajuda da bancada do Partido Socialista.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos o Sr. Deputado Costa Andrade.
Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr Presidente, não é bem para formular um pedido de esclarecimento. Seria, de certa maneira, até mais para defesa da honra. Penso que assim não contará no tempo do meu partido, porque fui pessoalmente afectado, ao deturparem, do meu ponto de vista gravemente, a minha posição.

O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado pretende usar da palavra sob a figura regimental de defesa de honra, faça então favor.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Ex.ª não entendeu nada do que eu quis dizer.
As causas podem ser duas: ou não me exprimi bem, ou o Sr. Deputado não compreendeu.
Ninguém aqui falou em Igreja Católica, do meu ponto de vista; ninguém aqui falou em pecado, no sentido para que o Sr. Deputado o levou.
A única coisa que fiz foi aproveitar, o balanço, da linguagem simbólica que o Sr. Deputado vinha introduzindo, comparando de certa maneira a televisão a uma certa envolvência religiosa, dando às coisas um certo valor transcendente e fazendo desta coisa muito simples, "o pluralismo", uma espécie de deus, de valor, uma constelação, um dos valores que constela aí como um valor fundamental.
Foi neste sentido, partindo deste princípio, ou seja, sintonizando-me inteiramente com o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, aderindo à sua convicção de que o pluralismo é um valor fundamental e aceitando também como ele, embora carregando eu mais nas tintas; a ideia de que se "vive em pecado"!
O Sr. Deputado ou não compreendeu - e aqui tem a explicação - ou quis intencionalmente deturpar, o que é grave.
Vivemos numa sociedade democrática e esta á por natureza secularizada.
A defesa dos valores do pluralismo neste contexto há-de ser naturalmente os valores do pluralismo tout-court. Se há forças religiosas - e há-as incontestavelmente em Portugal - a Igreja Católica é uma delas, que tem uma determinada força social e valor cultural, pois é um agente cultural importantíssimo em Portugal, ela há-de ter o relevo que lhe couber, na análise que do ponto de vista de uma sociedade, que é a nossa, lhe devemos reconhecer.
Portanto, não posso deixar de rejeitar terminantemente a sua intervenção, pois a minha alocução não teve qualquer intuito de "eco de sacristia"...As minhas convicções religiosas, são minhas e não as trago para aqui, pois não era isso que estava em causa.
O que estava em causa era esta coisa muito simples: o Sr. Deputado do PRD admitiu que isto está mal! Também admito que está mal, pois há aqui pecados graves. O que se passa neste momento na televisão, Sr. Deputado, é um deles, do meu ponto de vista.
Estamos numa campanha eleitoral; dá-se tempo de antena a candidatos à Presidência que se destinam a explicar as suas mensagens, os seus objectivos, a pedir, votos naturalmente para eles.
Ora, isto é um afloramento muito grave daquilo que se passa na televisão portuguesa. E, no entanto, há alguém que diz que não é candidato e que pede: "não votem em mim, votem em fulano".
Isto passa-se em Portugal! Isto é um afloramento da situação em que, estamos!

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Isso não tem nada a ver com a televisão! Tem a ver, isso sim, com a lei que, a televisão cumpre.

O Orador: - Isso não tem nada a ver, e Sr. Deputado?!... Do meu ponto de vista, tem alguma coisa a ver!

O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - A televisão cumpre a lei, que concede tempos de antena aos candidatos!

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - A televisão não cumpre á lei; viola-a!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, peço-lhes que não estabeleçam diálogo.

O Orador: - Sr. Deputado, desculpe, mas tem alguma coisa a ver!
É um fenómeno que está aí! Há-de ter alguma coisa a ver com alguém, com a procura das causas últimas, do fenómeno. Foi isso que eu disse.
De certeza que o fenómeno que está aí não tem nada a ver com o que designei de "chá de malvas"!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - O Sr, Deputado Costa Andrade ficou um tanto preocupado por, utilizando o mesmo referencial de simbologia que tinha sido utilizado pelo Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos e, depois; por ele próprio, de alguma maneira eu também a poder ter utilizado para sugerir que me tinha parecido ver. nas palavras de V. Ex.ª um excesso de ortodoxia.
Suponho que é acerca desse excesso de ortodoxia que o Sr. Deputado Costa Andrade vem agora procurar clarificar o seu pensamento, dizendo que afinal do que se trata é apenas de defender as regras fundamentais do pluralismo, considerando em si este um valor.
Sr. Deputado Costa Andrade, naturalmente estamos de acordo quanto à circunstância de o pluralismo ser um valor, numa sociedade democrática.
Mas o que acho estranho é que, estando o Sr. Deputado numa bancada que considera o pluralismo um valor e acabando agora de manifestar, o seu espanto e o seu desagrado pelo facto de um determinado candidato estar a utilizar, de uma maneira que poderíamos classificar de oportunista, tempos de antena, que a lei lhe confere, se tenha esquecido de que, aquando da revisão da Lei Eleitoral para a Presidência da República, já nesta legislatura, foi o seu partido que proeurou abolir a regra que confere a necessidade de consagrar tempos de antena em todas as estações de rádio

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ou televisão, fossem elas públicas ou privadas, para que, em termos pluralistas, também nas estações privadas os candidatos pudessem estar em pé de igualdade. Aí, o seu partido, em violação de uma norma da Constituição, já não estava de acordo. Então, em que ficamos quanto ao princípio do pluralismo, Sr. Deputado?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, a explicação é extremamente simples: defender o pluralismo nos órgãos de comunicação social não tem nada a ver com fraude e burla. E o que se passa neste momento é uma burla, que é o facto de alguém usar algo que é do património colectivo, tempo de antena para esclarecer e defender a sua posição, não o usando para isso, mas sim para enriquecer terceiro. Isto é uma burla.
Assim sendo, a defesa que fizemos dos tempos de antena e do pluralismo não tem nada a ver com burlas que se possam fazer ao próprio pluralismo, pois são coisas completamente diferentes.
O que se passa agora é pura e simplesmente uma burla, pois em vez de lidar com valores patrimoniais tirando a "A" para dar a "C", tira a "A", "B" ou "C" para dar a "Y". E isto é muito claro.

O Orador: - Sr. Deputado, é natural que tenha a sua opinião e a minha até pode ser convergente com a sua no que diz respeito ao sentido político desses tempos de antena.
Mas ao que o Sr. Deputado não respondeu foi à acusação que fiz ao seu grupo parlamentar por, no momento de revisão da Lei Eleitoral para a Presidência da República, ter procurado abolir o direito de utilização de tempos de antena nas estações privadas de radiodifusão, o que constituiria violação gravíssima das regras do pluralismo político e do normativo constitucional que consagra esse valor.
Acho que o Sr. Deputado não deve ter dois pesos e duas medidas.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Lemos pede a palavra para que efeito?

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, as declarações do Sr. Deputado Costa Andrade obrigam-me a recorrer à Mesa no sentido de ser possibilitado à minha bancada o exercício do direito de defesa.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tem sido hábito da Mesa deixar a cada um dos Srs. Deputados o juízo de se considerar ou não ofendido.
Embora neste caso a Mesa não tenha ouvido qualquer referência à sua bancada, concedo a palavra a V. Ex.ª.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, serei extremamente breve, mas não deixarei de lhe manifestar a estranheza da bancada do PCP por já ter visto na sessão de hoje dois deputados da sua bancada colocarem em causa disposições expressas da Lei Eleitoral para a Presidência da República que garantem a todos os candidatos uma igualdade de tratamento nos meios de comunicação social.
Das duas uma: ou o Sr. Deputado Costa Andrade está a falar sobre algo de que não está devidamente informado, e, nesse caso, deveria informar-se, designadamente junto de uma das candidaturas que apoia,...

Vozes do PSD: - Está informado, está!

O Orador: - ... ou está a pôr em causa um direito que a todos assiste enquanto candidatos à Presidência da República e não pode, nesta Assembleia, acusar de burla qualquer tipo de utilização do direito de tempo de antena que, por lei, os candidatos têm visto assegurado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Só uma pergunta: o candidato à Presidência da República, Sr. Ângelo Veloso, é-o no sentido de que se propõe ir às eleições e no sentido de maximizar um score eleitoral para ele?
O tempo de antena é um património colectivo que a comunidade concede aos candidatos para terem a possibilidade de maximizarem o seu score eleitoral. E se os candidatos têm direitos, também têm um dever para com a colectividade. Se o "candidato" Ângelo Veloso - que se assume como candidato - representa alguma coisa, tem o dever político, jurídico-constitucional e moral perante a colectividade de levar a sua candidatura até ao fim para que a força que representa seja expressa, para que haja a tal transparência democrática de que se fala. Se não quer ser candidato, que saia já, mas não nos burle.

O Orador: - Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.ª pediu a palavra para me fazer uma pequena interrupção e acaba por estar a fazer uma intervenção.
V. Ex.ª repetiu-se durante a interrupção que me fez e não acrescentou nada de novo.

O Sr. Eugénio Anacoreta Correia (CDS): - Pois, trata-se da mesma burla!

O Orador: - Constatei com estupefacção que, sendo um jurista eminente, como é, desconhece a Lei Eleitoral para a Presidência da República, a qual prevê expressamente as várias situações.
Neste momento, o candidato Ângelo Veloso é um candidato à Presidência da República e está a exercer os seus direitos, porque se apresentou com os requisitos legalmente necessários para poder concorrer às eleições presidenciais.
Portanto, que fique claro que não admitiremos a nenhum deputado nesta Casa que questione direitos legalmente assegurados a cidadãos portugueses e interpretaremos tais atitudes apenas como o medo que se vai espelhando nos vossos rostos...

Risos do PSD e do CDS.

... de que os candidatos de direita, Freitas do Amaral ou Mário Soares, não venham a passar à segunda volta e percam as eleições presidenciais.

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É significativa e esclarecedora a vossa postura neste momento.

Aplausos do PCP.

Risos do PSD e do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado José Luis Ramos pediu a palavra para que efeito?

O Sr. José Luis Ramos (PSD): - Desejo dar explicações, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não o pode fazer; Sr. Deputado.
O Sr. Deputado Jorge Lemos pediu a palavra para exercer o direito de defesa em relação à intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade e só ele poderia dar explicações, o que creio já ter feito na interrupção que lhe foi concedida.
Se V. Ex.ª desejar pode fazer uma intervenção, a contar no tempo do seu grupo parlamentar.

O Sr. José Luis Ramos (PSD):- Nesse caso, Sr. Presidente, não usarei da palavra.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Passados estes incidentes de percurso, creio podermos voltar ao debate sério da questão que hoje nos deve ocupar aqui.
A situação do sector, público de comunicação social; com especial destaque para a RTP, vem exigindo, desde há muito, medidas que, por um lado, impeçam a proliferação de ilegalidades, como as que tem vindo a verificar-se, e, por outro alterem o quadro legal existente no sentido do seu aperfeiçoamento e clarificação.
Não pode aceitar-se que a manipulação campeie, a desinformação seja regra, a mediocridade dócil e obediente e o compadrio alastrem continuamente, enquanto os valores culturais são postergados e os profissionais vêem a sua actuação censurada e, por diversas formas, limitada.
Estes os traços essenciais que têm vindo a caracterizar a actuação da Radiotelevisão Portuguesa a que urge pôr termo, assegurando uma efectiva independência de tão importante meio de comunicação, social.
A urgência de pôr fim a um tal estado de coisas, assegurando o respeito pelos princípios constitucionais quanto à independência e garantia de pluralismo neste órgão de informação, e nos demais órgãos de comunicação social do sector público, veio a reforçar-se com as recentes mexidas nos lugares de chefia da RTP em que, mais uma vez, o Governo, através do Conselho de Gerência que nomeou, pretende ver assegurado um domínio dócil dos principais sectores da empresa, com especial relevo para os pelouros do departamento de informação.
Impedir que tais situações se mantenham é o objectivo de várias iniciativas legislativas pendentes na Assembleia da República, de que me permitiria salientar o projecto de lei n.º 4/IV; apresentado, pelo meu grupo parlamentar logo no início da presente sessão legislativa, que estabelece garantias da independência dos órgãos de comunicação social do sector público, reforça os poderes do Conselho de Comunicação Social e dos conselhos de redacção, e o projecto de lei n.º 84/IV, do PRD, sobre a independência televisiva, para o qual foi solicitado o processo de urgência de que neste momento nos ocupamos.
De facto, Srs. Deputados, a situação vivida na Radiotelevisão, tem vindo a atingir foros de verdadeiro escândalo, a reclamar intervenção urgente, como reconheceu esta própria Assembleia da República quando aprovou o relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à RTP, em que expressamente se refere que:

A Radiotelevisão Portuguesa - E.P., não tem preenchido cabalmente as determinações constitucionais e legais que visam garantir o pluralismo ideológico e a independência deste órgão de comunicação social, nomeadamente:

a) As disposições constitucionais que se referem à liberdade de expressão e de informação, à liberdade de imprensa, à independência dos órgãos de comunicação social do sector público, face ao Governo, à administração e aos demais poderes públicos;
b) A lei n. º 75/79, de 29 de Novembro (Lei da Radiotelevisão), no que concerne a liberdade de expressão e à orientação geral da programação;
c) A Lei n.º 59/77, de 5 de Agosto (Estatuto do Direito da Oposição), concretamente no que diz respeito, aos direitos dos partidos da oposição quanto ao sector público da comunicação social.

A política informativa da Radiotelevisão Portuguesa - E.P. nem sempre respeitou o direito à informação previsto na Lei de Imprensa e os direitos dos jornalistas consagrados no seu estatuto profissional.
A emissão, pela RTP, de programas apresentados como "tempo de antena do governo", cujo conteúdo é organizado estritamente pelo Executivo, contraria o disposto na Constituição (artigo 40.º) e na Lei da Radiotelevisão (artigos 17.º e seguintes).

Recordaria aos Srs. Deputados o recente programa, espectáculo a que pudemos assistir por parte do Sr. Ministro das Finanças, que mais lembrava uma "conversa em família".

[...] apenas reconhecem o exercício de tal direito aos partidos políticos e às organizações sindicais e profissionais.
A matéria de facto apurada pela Comissão veio confirmar vícios de funcionamento, deficiências de programação, condicionamentos de informação, indesejável tendência à partidarização e dificuldades económicas e financeiras, que, de há muito, vêm constituindo traços característicos do que é a RTP.

E depois desta citação do relatório da comissão, perguntaríamos: foram tomadas medidas para alterar a situação? Nenhumas, Srs. Deputados!
A situação apurada pela Comissão de inquérito foi escandalosamente agravada durante as passadas campanhas eleitorais das legislativas e das autarquias e mesmo durante a pré-campanha para as presidenciais

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em que não foi assegurada a igualdade de tratamento das diferentes candidaturas, apesar das recomendações expressamente emitidas nesse sentido pelo Conselho de Comunicação Social.
O PSD, que "criticava" a situação da RTP à data da governação do bloco central, apesar de dela se aproveitar com o seu parceiro de coligação, está hoje a dar provas da sua verdadeira face e da sua gula pelo controle de informação/programação televisiva, como se pôde verificar pelas recentes alterações de chefias, que tem vindo a impor naquela empresa pública de comunicação social e a que já atrás me referi.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A consideração pela Assembleia da República, com carácter de urgência, do estabelecimento de garantias da independência dos órgãos de comunicação social do sector público de há muito vem sendo reclamado por largos sectores da opinião pública e do próprio Conselho de Comunicação Social, órgão constitucionalmente previsto para assegurar essa mesma independência - como consta, designadamente, de recomendação que dirigiu à Assembleia da República em 30 de Setembro de 1984, em que se refere que a independência dos órgãos de comunicação social do sector público passa pela independência dos próprios directores desses órgãos. E acrescenta que esses directores são nomeados pelos conselhos de gestão, que são por sua vez nomeados e de alguma forma controlados pela chamada "tutela governamental", o que abre caminho a uma dependência, de facto, dos directores de tais órgãos de comunicação social.
E refere, ainda, o Conselho que, nos termos da Lei n.º 23/83, de 6 de Setembro, o Conselho de Comunicação Social é chamado a emitir parecer prévio, público e fundamentado sobre a nomeação ou exoneração dos directores. Ora, e continuando a referir a opinião do Conselho, "há vantagem em tomar esse parecer vinculativo", para "garantir, em termos irrecusáveis, a efectivação do ponto de vista do legislador: o salvaguardar da independência desses órgãos". Não estaria, pois, em causa a manutenção do poder de nomeação ou exoneração dos directores pelas respectivas administrações, visando-se sim garantir ao Conselho o poder de sancionar ou não as opções tomadas, com vista a garantir o pleno respeito dos preceitos constitucionais e legais que asseguram a independência dos órgãos de comunicação social do sector público.
Tal é um dos objectivos centrais do projecto de lei que agora analisamos com vista à concessão de processo de urgência para a sua apreciação, que irá contar com o nosso voto favorável.
Não estando em questão neste momento a apreciação em concreto do projecto de lei n.º 84/IV, com o qual, aliás, estamos de acordo, mas tão-só a questão da urgência, não deixaremos de salientar que a solução proposta se prefigura como pontual e conjuntural, não abrangendo a generalidade dos órgãos de comunicação social do sector público, mas tão-só a RTP e, mesmo em relação a esta, deixando de fora a questão dos directores de programação que, do nosso ponto de vista, também devem ser considerados.
Nesta perspectiva é nosso entendimento que, caso a Assembleia da República venha a pronunciar-se pela urgência, como tudo parece indiciar, tenha em conta para efeitos de agendamento outros projectos de lei pendentes cujo objecto se enquadra nas grandes linhas do diploma hoje em análise.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: No que concerne ao teor em concreto do parecer emitido pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com cujo objectivo central, ou seja, o da concessão do processo de urgência, estamos de acordo, é nosso entendimento, contudo, que a solução encontrada não dá a resposta premente que a situação reclama, já que prevê uma solução mitigada para a urgência.
Dissemo-lo em Comissão e pretendemos deixá-lo claramente expresso em Plenário. É, entretanto, a solução a que foi possível chegar e que, por isso mesmo, contará com o voto favorável do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português.

Aplausos do PCP, do PRD e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Primeiramente queríamos penitenciar-nos de um lapso que existe no parecer da Comissão, que foi lido a esta Câmara, e que aconteceu por arrastamento, uma vez que esse mesmo lapso vem já do próprio projecto apresentado pelo Partido Renovador Democrático, lapso esse que importa corrigir.
Efectivamente, nesse parecer refere-se a Lei n.º 75/76, de 29 de Novembro, que não existe, quando se deveria referir a Lei n.º 75/79, de 29 de Novembro.
O Sr. Presidente: - Pergunto ao Sr. Deputado António Vitorino, na qualidade de presidente da Comissão, bem como aos restantes deputados que integram a Comissão, se podemos proceder à respectiva correcção.

Pausa.

Uma vez que há acordo, proceda-se à respectiva rectificação.
Queira ter a bondade de continuar, Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Orador: - Quanto ao pedido de urgência, o CDS irá votá-lo favoravelmente - tal como consta do parecer da Comissão - isto é, a forma mitigada encontrada.
Realmente, consideramos que a independência, a seriedade e o pluralismo na informação televisiva são valores que sempre respeitámos e queremos respeitar, não se podendo encontrar qualquer incoerência da nossa parte no respeitante a não ter sido concedida idêntica prioridade à iniciativa legislativa apresentada pelo Governo quanto ao canal televisivo à Igreja Católica. O não ter sido concedida prioridade, a qual entendemos que também deveria ser considerada, não é razão bastante para que agora não votemos favoravelmente uma medida que é urgente, como o são todas as medidas que possam contribuir para garantir uma informação isenta, responsável, sobretudo no sector público informativo.
A circunstância de, com esta medida legislativa proposta pelo PRD, porventura não se conseguir alcançar os objectivos - e quanto importava que se conseguisse... - em termos de pluralismo e isenção, não impede que a consideremos importante, até porque ela vem dar resposta a uma proposta de alteração legal apresentada já pelo Conselho de Comunicação Social no primeiro semestre de 1985.

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É claro que esta alteração proposta pelo PRD, não esgota a necessidade de produzir legislação que traduza uma visão global, profunda e harmónica de todo o sector de comunicação social estatizada.
Ainda assim, já que não se pode conseguir o óptimo, não deve desprezar-se o bom. De qualquer modo, com esta forma mitigada que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, encontrou, permite-se que, num lapso de tempo relativamente alargado, possam surgir outras iniciativas legislativas que sejam apreciadas conjuntamente e assim vir a encontrar-se alguma reforma que é instante, importante, no sector da comunicação social estatizada, e sobretudo na Radiotelevisão Portuguesa, que, conforme foi devida e convenientemente assinalado, é o veículo mais importante e acessível para grande parte da população portuguesa.
Em suma, considero que a proposta do PRD será pouco mas é melhor do que nada. Consideramos que vale a pena ter uma boa árvore enquanto não se puder, ter uma frondosa floresta. Por isso votaremos favoravelmente à proposta da Comissão.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para intervenções estão, inscritos os Srs. Deputados Alexandre Manuel e Raúl Castro.
Tem a palavra, o Sr. Deputado Alexandre Manuel.

O Sr. Alexandre Manuel (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ainda que, pessoalmente, não seja um acérrimo defensor dos chamados "processos de urgência", até pelos limites que essa mesma urgência, impõe a qualquer debate, há casos, no entanto, em que ela se impõe, em que aparece como justificada e até talvez como necessária.
Por vários motivos, diante de situações concretas e quando, mercê da importância do tema, o debate já há muito vem sendo feito. E não apenas neste local mas também talvez até prioritariamente; junto da opinião pública e no interior da própria classe dos jornalistas, os agentes primeiros da informação.
A acrescentar a tudo isto temos, ainda o facto de a informação ter constituído tema forte da última campanha eleitoral, mesmo por parte daqueles que, "esquecidos" de passados mais ou menos recentes, saíram a terreiro, para dizer que era chegada a hora de, finalmente, a comunicação social ser independente do poder político e dos poderes económicos.
É evidente - já aqui foi dito - que este projecto, para o qual o PRD pediu processo de emergência, está longe de constituir a mezinha salvadora; sobretudo no interior de um orgão tão importante então complexo como o é a televisão. É evidente que a proposta subscrita por, alguns deputados do meu partido não será capaz de, por si só, pôr ordem no interior de um orgão de comunicação social como a RTP, onde, ao lado de um razoável punhado de profissionais competentes e, dignos, abundam os comissários políticos. Sabe-se, com efeito, que a influência e o controle vão para além dos serviços, noticiosos e uma programação orientada pôde anular, quase por completo a seriedade, que eventualmente venha a ser conseguida no sector da informação.
Mas, porque a televisão é, de facto, o orgão mais importante da comunicação social, não se compreende que ela constitua uma excepção, que ela não esteja vinculada às regras mínimas exigidas para os outros meios de informação do sector público; além de que a provável aprovação deste projecto não impedirá alterações de fundo, desejáveis, que, eventualmente, venham a ser propostas pôr qualquer grupo parlamentar ou pelo próprio Executivo, já que os princípios por nós defendidos parecem constituir, de facto, um dado por todos aceite.
O que importa, no caso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que seja dada alguma dignidade ao cargo, até para defesa dos próprios profissionais que o exercem ou venham a exercer. É que a informação seja, de facto e, de uma vez por todas, olhada como um direito do cidadão, como uma das pedras angulares da democracia. E com urgência, já que exemplos recentes, muito recentes mesmo - estou a pensar, por exemplo, no modo como agora, em tempo de campanha eleitoral, e nos dias que a precederam, o Telejornal tem tratado os, diferentes candidatos -, levam-nos a recear seriamente, pelo facto, faz-nos, pôr em dúvida a seriedade de algumas promessas. Ou será que entre nós o poder democrático ainda vai aprender a conviver com a informação democrática?

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 84/IV, apresentado pelo PRD, cuja urgência foi apreciada na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, mereceu a nossa concordância por várias ordens de razões.
Em primeiro lugar, é efectivamente um panorama lamentável o oferecido pela televisão quanto à sua falta de isenção. Neste projecto, consignam-se algumas medidas que visam obviar a essa lamentável situação.
Diremos mesmo que ô espectáculo oferecido pela televisão quanto à falta de isenção e pluralismo é até contrário à própria disposição da Constituição que estabelece que os órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado devem ser utilizados de modo a salvaguardar a sua independência perante o Governo e a assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diferentes correntes de opinião. Não é isso que se passa.
O projecto de lei apresentado pelo PRD tem o meritório objectivo de restabelecer o que é estabelecido na própria Constituição e por isso votamos favoravelmente a concessão do respectivo pedido de urgência.
Como já foi aqui referido, este processo de urgência foi aprovado pela Comissão numa forma mitigada, no sentido de se conceder um prazo de 20 dias para a apresentação de um respectivo parecer, o que poderá ir ao encontro dos desejos manifestados na própria Comissão por vários grupos parlamentares, no sentido de também contribuírem com iniciativas legislativas sobre esta mesma matéria.
Aliás, o próprio MDP/CDE aí afirmou - e aqui renovada afirmação - de que também tem a disposição de contribuir com um projecto em relação a esta matéria.
Por todas estas razões, porque efectivamente neste caso estamos perante uma aprovação unânime de urgência pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e porque se trata de matéria que se reveste da maior importância no sentido de ir ao encontro de uma situação grave, verda-

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deiramente calamitosa, existente na televisão, o MDP/CDE votará favoravelmente a concessão do pedido de urgência.

Aplausos do PCP e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.

O Sr. José Luis Ramos (PSD): - O Grupo Parlamentar do PSD irá votar favoravelmente o pedido de urgência, como, aliás, o fez na Comissão, sem, contudo, deixar de registar aqui as preocupações que podem vir a constituir em termos regimentais o uso e abuso do pedido de urgência.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Diga isso ao Governo, que pede urgência para todos os diplomas!

O Orador: - Queremos deixar isso aqui manifesto, uma vez que já aconteceram várias situações destas.
Manifestamos a nossa intenção de votar favoravelmente este pedido de urgência, não porque o projecto de lei apresentado pelo PRD resolva tudo, mas porque possibilita o debate da questão.
Desde já manifestamos a intenção de também apresentar em sede própria e em tempo oportuno uma iniciativa legislativa sobre a matéria.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser submetido à votação o pedido de urgência para apreciação do projecto de lei n.º 84/IV, apresentado pelo PRD, sobre a independência da informação televisiva.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Lopes Cardoso e Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, de imediato submeter-se-á à votação a proposta da Comissão que vai no sentido de conceder-lhe um prazo de 20 dias para emissão do respectivo parecer.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Lopes Cardoso e Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, os nossos trabalhos recomeçarão às 15 horas com a eleição dos deputados para a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Está suspensa a sessão.

Eram 13 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, vamos proceder à eleição para a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
A Mesa votará em primeiro lugar, como é regimental. Depois, proceder-se-á à chamada, mantendo-se aberta a uma durante 1 hora.

Procedeu-se à eleição.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a fim de se continuar a proceder à referida eleição, a uma manter-se-á aberta até às 16 horas e 45 minutos. Agradeço aos Srs. Deputados que ainda não votaram o favor de o fazerem até essa hora.
Vamos, então, prosseguir os nossos trabalhos.
Começo por anunciar que o Governo comunicou à Assembleia da República que prescindia do pedido de adopção do processo de urgência relativo à proposta de lei n.º 5/IV, razão pela qual esse pedido foi considerado sem efeito na conferência de líderes, mantendo-se, no entanto, o pedido de prioridade. Deste comunicado do Governo foi dado conhecimento à conferência dos representantes dos grupos parlamentares e ao Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Vamos passar à apreciação na generalidade dos projectos de lei n.ºs 30/IV, do MDP/CDE; 85/IV, do PRD; 96/IV, do CDS, e 97/IV, do PSD, sobre a Alta Autoridade contra a Corrupção.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura do relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre este assunto.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - É do seguinte teor o relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias:

Relatório e parecer

1 - Os projectos de lei n.ºs 30/IV, 85/IV, 96/IV e 97/IV, da responsabilidade, respectivamente, do MDP/CDE, do PRD, do CDS e do PSD, visam rever o estatuto legal para a Alta Autoridade contra a Corrupção.
2 - Estas iniciativas entroncam numa reiterada preocupação da Assembleia da República com o alastrar da fraude, da imoralidade administrativa e dos comportamentos corruptos, e seguem-se a outras, assumidas em anteriores legislaturas.
3 - Criada a Alta Autoridade contra a Corrupção, pelo Decreto-Lei n.º 369/83, de 6 de Outubro, junto da Presidência do Conselho de Ministros, foi-lhe vedada a intervenção na esfera de acção dos titulares dos órgãos de soberania. Tal impedimento limitou, segundo declarações públicas do alto-comissário e a opinião generalizada, a actuação pretendida em favor da moralização da Administração, tanto mais quanto se sabe que a lei especial que deveria regular o enquadramento desses titulares nunca foi elaborada.
4 - Não obstante, os resultados conhecidos do exercício da Alta Autoridade traduzem um apreciável empenho e revelam um movimento processual que, de acordo com os últimos dados (não muito recentes), fornecia o seguinte quadro:

Processos iniciados (414):

Queixas apresentadas por particulares - 327;
Por iniciativa do alto-comissário - 40;
Participações de entidades oficiais - 47;
A solicitação de membros do Governo - 5.

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Processos arquivados (141):

Processos mandados aguardar melhor prova - 26;
Processos remetidos a outras entidades por não se incluírem na acção da Alta Autoridade - 33;
Processos participados às entidades competentes para a acção penal ou disciplinar das infracções indiciadas - 30;
Processos pendentes - 247.

Questões consideradas nodais são a existência de fundos autónomos, a nomeação de altos agentes administrativos segundo critérios político-partidários, as práticas desonestas na banca e nas alfândegas. Perifericamente, assinala-se a necessidade de uma revisão legislativa, sobretudo nos domínios penal e processual penal, o aumento dos meios a colocar na disponibilidade da Alta Autoridade e o aperfeiçoamento do seu estatuto.
5 - O MDP/CDE, ao apresentar o seu projecto de lei, requereu o regime de urgência, com base no imperativo de agir rapidamente no sentido de garantir a independência da Alta Autoridade. Tal urgência viria, a ser concedida; em Dezembro do ano findo, pelo Plenário da Assembleia da República. No entretempo, foram entregues os três outros projectos, com uma latitude maior, propondo-se substituir a moldura normativa do Decreto-Lei n.º 369/83, hoje vigente.
6 - Para lá das áreas coincidentes, em torno das quais se não vislumbram controvérsias, um problema axial se coloca: o da opção peias soluções propostas quanto à colocação orgânica da Alta Autoridade. Junto da Assembleia da República e por esta eleita, conforme proposta do PRD, do CDS e do MDP/CDE? Junto da Presidência da República, nomeado pelo Presidente da República e sob proposta do Governo, nos termos do normativo enunciado pelo PSD? Num e noutro caso se advoga a transferência da actual dependência (do Governo) para órgãos de soberania garantes de uma maior isenção, seja pelo pluripartidismo da composição do Parlamento seja pelas características suprapartidárias da mais alta magistratura do País, legitimada igualmente pelo sufrágio popular directo. No que a esta eventualidade dispositiva concerne, foram suscitadas objecções de fundo político e de constitucionalidade por deputados do PS, do PRD, do PCP e do CDS.
7 - Assinale-se, entretanto, que todas as iniciativas legislativas em presença apontam no sentido de alargar a malha de competências da Alta Autoridade à investigação e ao eventual procedimento, visando os titulares dos órgãos de soberania, o que se reputa de grande relevância.
8 - O MDP/CDE esclareceu que, no artigo 2.º do seu projecto de lei, a expressão "a indicar pelo Governo" deve ser eliminada, uma vez que resultava de um lapso de escrita, já em devido tempo identificado no Plenário.
9 - A Comissão considera importante e tempestivo o debate e a abertura do processo legislativo e, condicionada pelo tempo a não aprofundar os presentes relatório e parecer, assegura que os projectos de lei n.ºs 30/IV (do MDP/CDE), 85/IV (do PRD), 96/IV (do CDS) e 97/IV (do PSD) obedecem às condições legais e regimentais necessárias à apreciação e votação pelo Plenário.

Palácio de São Bento, em 15 de Janeiro de 1986. - O Relator, José Manuel Mendes.
O Presidente da Comissão, António Vitorino.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de iniciarmos a discussão dos referidos projectos de lei, quero informar que o Sr. Ministro da Justiça, que pretende estar presente ao debate, mas não quer retardá-lo, comunicou que estaria aqui dentro de minutos. Disse-nos que a reunião do Conselho de Ministros terminou muito tarde, mas que estará presente dentro de alguns minutos.
Entretanto, já se encontra presente o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Perguntaria aos Srs. Deputados se pretendem aguardar por alguns minutos a chegada do Sr. Ministro da Justiça ou se podemos iniciar já o debate. Inclusivamente, colocaria esta questão ao Sr. Deputado Raúl Castro, que é o primeiro orador inscrito.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, penso que seria, preferível esperarmos uns minutos pela presença do Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Presidente: - Há alguma objecção a que se proceda assim?

Pausa.

O Sr. Presidente: - Não havendo objecções, vou suspender a sessão durante alguns minutos, a fim de aguardarmos pela chegada do Sr. Ministro da Justiça.
Está suspensa a sessão.

Eram 15 horas e 55 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 16 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, decorreram já 25 minutos e o Sr. Ministro, ainda não chegou.
Entretanto, uma vez que se encontra presente o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e entendendo o Sr. Deputado Raúl Castro que deveremos iniciar o debate, penso que podemos dar início ao debate.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque o combate à corrupção tem constituído um dos objectivos do programa do MDP/CDE, tivemos ocasião de apresentar em 12 de Novembro do ano findo o projecto de lei n.º 30/IV, visando garantir a actuação e a independência da Alta Autoridade contra a Corrupção. E, embora, reconhecendo-se que a luta contra a corrupção, que, tem gravemente alastrado no nosso país, não representa um objectivo atingível apenas com as medidas preconizadas, já que para tal se exigia uma mudança de fundo, através de uma nova política de viragem democrática, a verdade é que se impunham, de imediato, as providências preconizadas.

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Na verdade, o Decreto-Lei n.º 369/83, de 6 de Outubro, ao criar a Alta Autoridade contra a Corrupção, não só tornou dependente a sua nomeação do Conselho de Ministros e o seu funcionamento da Presidência do Conselho de Ministros, como excluiu da sua esfera de acção os titulares dos órgãos de soberania e não assegurou a sua independência financeira.
Tratava-se, por isso, como se estabeleceu neste projecto de lei n.º 30/IV, do MDP/CDE, de adoptar um conjunto de medidas que alargassem e robustecessem os poderes de intervenção da Alta Autoridade, quer transferido para a Assembleia da República, órgão de soberania pluralista, a designação, por eleição, da Alta Autoridade e o seu funcionamento, quer terminando com a exclusão dos titulares de órgãos de soberania do âmbito da sua actuação, quer, finalmente, garantindo a sua independência financeira, através de verba própria no Orçamento do Estado.
Daqui logo resulta que com tais medidas não se pretendia pôr em causa a actuação da Alta Autoridade, em exercício de funções, e até, pelo contrário, o reforço dos seus poderes se apresentava como um voto de confiança na sua actuação.
Aliás, só se refere o facto na medida em que ele chegou a ser utilizado, como argumento enviesado, por parte da única força partidária que manifestou a sua discordância quanto à adopção do processo de urgência para a apreciação deste projecto de lei.
O certo é, porém, que, mau grado a oposição isolada do PSD a tal urgência, ela viria a ser votada por todas as outras forças representadas nesta Assembleia, na sessão de 5 de Dezembro último.
E, chegados hoje à votação na generalidade deste projecto de lei do MDP/CDE, devemos congratular-nos com o facto de a abertura que a Comissão de Assuntos Constitucionais, e o nosso próprio partido demonstraram quanto à possibilidade de outros grupos parlamentares apresentarem também projectos de lei sobre essa matéria ter permitido que o PRD, o CDS e o PSD tivessem apresentado os seus projectos de lei, também agora em apreciação.
E se em todos estes 4 projectos há disposições a ponderar, a verdade é que uma fronteira separa os projectos do MDP/CDE, do PRD e do CDS do projecto do PSD.
Com efeito, se aproximam estes 3 projectos os princípios essenciais de sujeição de todos os titulares dos órgãos de soberania à Alta Autoridade e o seu funcionamento e designação pela Assembleia da República, já o mesmo não sucede com a economia do projecto do PSD, de que tais princípios estão ausentes, atribuindo-se ao Presidente da República a nomeação da Alta Autoridade, e o seu funcionamento, e recusando-se a genérica sujeição dos titulares de órgãos de soberania à esfera de acção da Alta Autoridade, substituindo-a pela participação à Procuradoria-Geral da República. E, ainda, para que do regime que se quer alterar algo mais ficasse, seria ainda o Governo a propor ao Presidente da República a pessoa a nomear como Alto Comissário. E tão arrevesada solução tenta o PSD fundamentá-la "m nome de uma bizarra interpretaçâo constitucional, em que sobressai a insólita invocação do n.º 2 do artigo 198.º da Constituição, norma acrescentada pela revisão constitucional, com o único objectivo de restringir os poderes do Presidente da República quanto à demissão do Governo e, por isso mesmo, insusceptível de ser aplicada por analogia a actos individuais de qualquer ministro, mormente a actos de corrupção, ao contrário do que o projecto de lei do PSD pretende sustentar.
Pode mesmo dizer-se que o PSD, desde a oposição à urgência do projecto de lei do MDP/CDE até agora, à apresentação do seu projecto de lei n.º 97/1V e à apreciação dele, e dos restantes, na generalidade, marcou uma trajectória em que, acolhendo hoje o que se permitiu repudiar ontem e invocando bizarros argumentos de constitucionalidade, se manteve isolado dos objectivos comuns manifestados por esta Câmara, quanto à necessidade de adoptar novas medidas de combate à corrupção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O MDP/CDE irá votar favoravelmente na generalidade os projectos de lei do PRD e do CDS, além do seu próprio projecto, que assumem princípios fundamentais idênticos, e, naturalmente, votará contra o projecto do PSD.
O empenhamento manifestado pela maioria dos grupos parlamentares em relação à adesão e ao aprofundamento da iniciativa legislativa do projecto de lei n.º 30/IV, do MDP/CDE, tornou possível que se abram novas perspectivas no combate contra a corrupção.
E é com esta dupla certeza, de que esta Câmara se prestigiou com o maioritário empenhamento que representam os projectos de lei do MDP/CDE, do PRD e do CDS e de que vai, a partir de hoje, ser possível adoptar novas medidas que assegurem uma maior eficiência na luta contra a corrupção, que o MDP/CDE considera que a votação de hoje vai ao encontro da necessidade, inadiável, profundamente sentida pela população, de travar e reduzir, até à sua extinção, a maré negra de corrupção que alastra por todo o País.

Aplausos do PCP.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Carlos Lage.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Raúl Castro, a sua intervenção, de um certo ponto de vista, pode sintetizar-se nos termos seguintes: os 3 projectos que estão aqui são bons, merecem a nossa concordância, votaremos favoravelmente; há um deles que não merece a nossa concordância, que é o projecto de lei do Partido Social-Democrata.
É uma posição que está no direito de assumir, Sr. Deputado, mas que não deixa de ser verdadeiramente espantosa. Digo "espantosa" porque me dá a impressão de que Sr. Deputado coonesta a lógica de um dos processos mais mal feitos, tecnicamente mais deficientes e de soluções concretas mais monstruosas como é em concreto o do PRD. Esse é um processo tecnicamente imperfeito, elaborado não sei bem se com a cabeça e com monstruosidades incalculáveis.
Passo a exemplificar algumas, aliás quase que poderia enumerar, um a um, praticamente todos os artigos, mas fiquemo-nos por alguns.
Concorda o Sr. Deputado com o artigo 1.º do projecto de lei do PRD quando diz que compete à Alta Autoridade contra a Corrupção:

[... ] desenvolver e coordenar as acções de prevenção, de averiguação e de combate à corrupção e aos crimes cometidos no exercício de funções públicas e com elas relacionados?

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É que fala-se em "desenvolver e coordenar", em sobreposição às autoridades para isso competentes, com desrespeito dos tribunais, do Ministério Público, da Polícia Judiciária.
Aí está o "Grande Irmão" a salvar-nos da luta contra toda a criminalidade! Aí está: a segurança contra todos os crimes, incluindo os cometidos no exercício das funções, nos quais cabe, por exemplo, a bofetada de um superior a um seu subordinado!
Concorda o Sr. Deputado com o n.º 2 do artigo 2.º do projecto de lei do PRD, que diz o seguinte:

Em casos excepcionais, devidamente fundamentados, de dolo ou grave negligência, poderá a Alta Autoridade proceder a averiguações da sua competência, no âmbito da actividade de sociedades privadas.

Repare na maravilha que é este preceito, Sr. Deputado. Em vez de demarcar a competência, já de per si altissimamente questionável, da intervenção da Alta Autoridade contra a Corrupção no domínio da empresa privada por, sectores de crime, por áreas de criminalidade, fá-lo pelo dolo ou pela grave negligência. Ou seja, o que demarca-a competência da Alta Autoridade em matéria de empresas privadas não é a natureza das infracções.
E afirmo que não é a natureza das infracções porque, no artigo do projecto de lei do PRD que trata da competência da Alta Autoridade contra a Corrupção, referem-se os crimes tal, tal e tal e "fraudes"; sem mais, sem clarificar, se se trata ou não de fraudes cometidas no exercício das funções, como faz cuidadosamente o projecto de lei do PSD. Concorda o Sr. Deputado com isto? Se concordar, sentimo-nos extremamente felizes com a segregação de que somos alvo por parte do PRD.
Concorda o Sr. Deputado com o n.º 2 do artigo 4.º do projecto de lei do PRD, que diz que todas as entidades, mesmo aquelas que são competentes para a luta contra a criminalidade, devem comunicar à Alta Autoridade, em vez de ser o contrário? Concorda com isto, Sr. Deputado? Se concordar, sentimo-nos extremamente felizes com a discriminação.
Concorda o Sr. Deputado com o n.º 2 do artigo 5.º, que diz: "O dever de sigilo que quaisquer entidades [...] - advogados, médicos, psicanalistas, etc: - "[...] cede perante o dever de cooperação com a Alta Autoridade"? É o "Grande Irmão" orwelliano! Em contraposição a isto, o PSD diz, como evidentemente deve ser, "O dever de sigilo de quaisquer entidades públicas administrativas [...]". Concorda o Sr. Deputado com esta monstruosidade preconizada pelo PRD? Se concordar, sentimo-nos felicíssimos no paraíso da discriminação.
Concorda o Sr. Deputado com o n.º 3 do mesmo artigo 5.º, que diz que "A Alta Autoridade tem o direito de acesso a quaisquer documentos em poder das entidades referidas no artigo 2.º [...]". É a mesma coisa! Ele é advogados, ele é médicos, ele é psicanalistas, ele é psiquiatras, ele é consultores fiscais. É uma alegria! Concorda com isto, Sr. Deputado? Bendita seja a discriminação a que o MDP/CDE nos vota!
Poderia continuar, mas terei de acabar, pois o tempo já se esgotou. De qualquer modo, como isto vai, terei o cuidado, a propósito de outras intervenções, de levar mais longe esta análise.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Costa Andrade habituou-me já a um tipo de pedido de esclarecimentos que é mais uma intervenção, mais ou menos longa, do que propriamente um pedido de esclarecimento.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Terminei com pontos de interrogação!

O Orador: - O Sr. Deputado termina sempre com um ponto de interrogação. E eu também começo com um ponto de interrogação, mas sobre o projecto de lei do PSD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É sobre esse que se coloca aqui um grande ponto de interrogação.
Penso que esse é o aspecto fundamental. É que mesmo os termos exaltados com que o Sr. Deputado se referiu ao projecto, de lei do PSD, chamando-lhe um projecto monstruoso, o que até é pouco próprio da correcção das suas intervenções, mostram que, no fundo, o que o Sr. Deputado reflecte é o desespero por sentir que o projecto de lei do PSD está isolado nesta Câmara.
O que aqui está em causa não é eu responder-lhe se concordo ou não, com aquilo, que consta desta ou daquela disposição de um dos projectos de lei, mas sim uma apreciação na generalidade. De resto, tive ocasião de referir, na minha intervenção que em todos os 4 projectos há disposições a ponderar, mas naturalmente que essa ponderação não tem de ser feita hoje aqui, mas na especialidade.
O que está aqui hoje em causa é a economia de cada um destes 4 projectos de lei e, no que respeita a essa economia, o que fica demonstrado é que foi só o PSD que veio apresentar um projecto de lei que sustenta que a Alta Autoridade contra a Corrupção deve ser nomeada pelo Presidente da República, sob proposta do Governo. Todos os outros partidos mantêm a posição de que essa nomeação deve ser da competência da Assembleia da República por dois terços dos deputados.
Além disso, também o PSD foge a sujeitar à acção da Alta Autoridade todos os titulares de órgãos de soberania, à custa, naturalmente o Sr. Deputado esqueceu-se disso, de habilidades de interpretação constitucional, que têm características claramente inconstitucionais e inadaptáveis, como é o caso do n.º 2 do artigo 198.º da Constituição. É manifestamente inacreditável que se possa invocar, no que diz respeito à Alta Autoridade e à sua esfera de acção, esta disposição da Constituição.
Isto mostra que há uma construção enviesada e bizarra, para sustentar a posição do PSD. E o PSD verifica que mais uma vez se encontra isolado, como aconteceu com o pedido de urgência. Daí o seu desespero.
Sr. Deputado, o que está em causa é a apreciação na generalidade. Quanto a esta, mantenho que o MDP/CDE dará o seu voto favorável aos 3 projectos de lei apresentados pelo MDP/CDE, pelo PRD e pelo

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CDS e o seu voto negativo ao projecto de lei do PSD, cuja economia entra em choque com aquilo que é um consenso maioritário desta Câmara.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É para um protesto, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Não pode usar da palavra para esse efeito, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Então, pretendo usar da palavra para defesa da honra.
O Sr. Deputado Raúl Castro disse que estávamos desesperados com o isolamento. Olhe que não, Sr. Deputado. Nunca nos desesperamos. Estamos habituados a estar sós quando é hora de estar só. Como democratas que somos, aceitamos de coração alegre os resultados das votações. Isso não nos afecta.
Se ficarmos a sós neste caso concreto, não ficaremos mal, pelas razões que demonstrei - e o Sr. Deputado não rebateu uma única. De resto, o nosso sentido de voto ainda não foi declinado.
Agora, quero dizer que o Sr. Deputado se escapa nesta coisa óbvia: estamos na argumentação na generalidade, mas, quando passo um a um quase todos os artigos, o que é que fica da especialidade? Apresentei observações concretas a artigos, mas são tantos que já não sei bem o que é a especialidade e o que é a generalidade.
Eu disse - e mantenho a afirmação - que há aqui monstruosidades jurídicas. Algumas delas vão muito mais longe do que o projecto de lei de segurança interna na devassa de deveres de sigilo importantes. Nunca nesse projecto de lei, contra o qual o Sr. Deputado tanto esgrimiu, com alguma razão nalguns aspectos, se ia tão longe.
Isso é uma monstruosidade, Sr. Deputado. Não há verniz de jurista que o possa disfarçar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tanto quanto me é possível, vou dar explicações a uma ofensa que, afinal, se verificou que era inexistente. Isto porque o que o Sr. Deputado quis foi voltar a usar da palavra, sem referir concretamente que eu tenha feito qualquer ofensa à sua honra.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não é nada disso!

O Orador: - O Sr. Deputado não consegue ouvir o que quero dizer. É costume, pelo menos, pedir licença para interromper, coisa que o Sr. Deputado não tem feito. Portanto, pedia-lhe o favor de ouvir o que eu queria dizer-lhe, que é simplesmente isto: quando o Sr. Deputado diz que já não sabe qual é a diferença que há entre discussão na generalidade e discussão na especialidade, acaba por esclarecer que se encontra perturbado. É essa a resposta que lhe dou, Sr. Deputado!

Risos do PSD.

Veja se descobre! Veja se descobre!

O Sr. Jaime Soares (PSD): - Não sabe dizer mais nada!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O projecto de lei n.º 97/IV, apresentado a esta Câmara pelo Partido Social-Democrata, pretende dar um novo enquadramento jurídico ao cargo da Alta Autoridade contra a Corrupção, criado pelo Decreto-Lei n.º 369/83, de 6 de Outubro.
Nunca é demais repetir que o Partido Social-Democrata, defensor intransigente dos valores que subjazem ao Estado de direito, tem desta matéria o entendimento de que há organismos específicos nos sistemas institucionais do Estado que prosseguem os objectivos cometidos à Alta Autoridade contra a Corrupção.
No entanto, é forçoso reconhecer que, na presente conjuntura da sociedade portuguesa, se enfrenta aquilo a que bem se pode chamar um condicionalismo de crise, provocado pela proliferação anormal de práticas de corrupção que constituem uma verdadeira chaga social, afectando a credibilidade da administração pública e dos seus agentes e serviços e incidindo negativamente sobre a imagem das instituições do Estado democrático, ameaçando mesmo a regularidade do seu funcionamento.
E é precisamente este condicionalismo de crise que se não compadece com a morosidade de algumas soluções instituídas, que justifica não apenas a existência da Alta Autoridade, mas também que os meios colocados ao seu dispor sejam relativamente reforçados, tendo em vista obter uma capacidade de resposta mais pronta para as solicitações que lhe são dirigidas, dentro do respeito pelas competências dos órgãos instituídos, aos quais incumbem, principal e primacialmente, as tarefas da investigação criminal.
São duas as preocupações fundamentais deste projecto de lei do PSD: a primeira consiste em assegurar, com mais vigor, a independência e isenção da Alta Autoridade contra a Corrupção; a segunda consiste em colocar à sua disposição meios mais eficazes para a prossecução dos objectivos que legalmente lhe são cometidos.
Relativamente ao primeiro ponto aflorado, é nosso entendimento de que deverá ser alterada a sede da nomeação do titular deste cargo que, no quadro legal vigente, é um cargo individual de nomeação do Conselho de Ministros.
Se é certo que esta nomeação, só por si, não é forçosamente incompatível com um estatuto legal de independência e de isenção no exercício das competências específicas da Alta Autoridade contra a Corrupção, não é menos certo que a transferência da sede da designação do seu titular para outro órgão de soberania as poderá reforçar qualitativamente se atendermos, em particular, à fonte de legitimidade da sua constituição.

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Quer o Presidente da República, quer a Assembleia da República, pelo facto de terem a sua origem na vontade popular directamente expressa em sufrágio universal, poderão constituir assim sede mais apropriada para tal designação.
A nosso ver, a designação da Alta Autoridade contra a Corrupção deverá ser colocada na dependência do Presidente da República que, para além de ser o órgão que encima a cúpula do Estado, é, nos termos da Constituição, o garante do regular funcionamento das instituições democráticas. E ninguém, por certo, porá em dúvida que a prática da corrupção, aos níveis frequentemente denunciados pelos grandes meios de comunicação social - e que não raro têm ressonância nesta Câmara através de intervenções de deputados de todas as bancadas - põe em crise o regular funcionamento das instituições, para além de configurar, como é evidente, os ilícitos criminais respectivos.
Ora o que se pretende, com a designação da Alta Autoridade pelo Presidente da República sob proposta do Governo, tal como o nosso projecto de lei consagra, é fazer com que este órgão de soberania participe, por esta via, neste espaço do regular funcionamento das instituições democráticas.
Têm surgido dúvidas em alguns espíritos, e é natural que assim aconteça, sobre a constitucionalidade desta solução, porque ela não é pacífica. Argumenta-se que as competências do Presidente da República são, única e exclusivamente, as que vêm expressas nos artigos 136.º a 138.º da Constituição e que as mesmas integram um numerus clausus; pelo que: a solução defendida pelo PSD vai aditar, por via da lei ordinária, competências que a rigidez constitucional não consentiria.
Mas poderá afirmar-se, em termos peremptórios, que as coisas são assim e que a lei ordinária não pode aditar outras competências às competências constitucionalmente consagradas do Presidente da República.
É nosso entendimento, embora reconheçamos que a questão não é pacífica, de que não, de que a lei ordinária poderá fazê-lo, desde que isso ,não ponha em causa os poderes dos restantes órgãos e a arquitectura do sistema do Governo.
Como refere o Prof. Jorge Miranda "umas vezes a lei não faz senão explicitar poderes implícitos [.....]" Outras vezes, a lei formaliza um costume constitucional, como acontecia com a concessão dos grau das ordens honoríficas portuguesas, antes da revisão constitucional de 1982. Outras vezes ainda, a lei pode ir mais longe, criando faculdades ex novo, mas sempre em obediência ao plano constitucional dos órgãos de soberania.
Quanto ao segundo ponto, saliento em particular meios humanos e materiais acrescidos que, no nosso projecto, se colocam ao dispor da Alta Autoridade para um mais completo desempenho, das funções que lhe são cometidas, à semelhança, de resto, do que é feito noutros projectos de lei em apreciação.
Uma das ideias que, a propósito do âmbito de actuação da Alta Autoridade, tem sido abundantemente expendida consiste na necessidade de a ele não ficarem subtraídos os actos dos titulares de todos os órgãos de soberania, o que não sucede; como é sabido, no seu actual regime jurídico.
É nosso entendimento de que se deve alargar a esfera de actuação da Alta Autoridade contra a Corrupção tanto quanto se torne necessário para um mais completo desempenho das suas funções, dentro da comportabilidade das normas constitucionais. Pareceu-nos assim conveniente, a este propósito, encontrar um realístico meio termo, que não colidisse com o princípio constitucional da separação dos poderes, em particular atendendo à sua característica de emanação de um orgão de soberania, e não de órgão constitucionalmente criado, com competência determinada igualmente no texto constitucional. É esta a razão por que se atribui à Alta Autoridade um dever especialmente reforçado de cooperação com os tribunais, através, entre outros, do Ministério Público.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Assembleia da República tem perante si quatro projectos de lei visando dar a esta matéria uma nova configuração jurídica. Da leitura dos três restantes projectos de lei avulta para nós que todos têm alguns ângulos de análise positivas, não obstante a existência, em certos casos, de soluções - particularmente algumas constantes do projecto de lei do PRD - que não poderão merecer o nosso acordo, mas, no entanto, deverão ser objecto de uma reflexão posterior, a realizar em discussão na especialidade.
Tal facto leva a que a posição da nossa bancada seja a da predisposição perante os restantes diplomas em apreço de os votar favoravelmente na generalidade, caso exista para o projecto de lei do PSD reciprocidade, permitindo assim a sua baixa à comissão respectiva e o aproveitamento daquilo que especificamente positivo contém cada projecto de lei. É neste sentido que solicitamos à Câmara a votação favorável para o nosso projecto de lei, a que venho fazendo referência.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a uma vai ser encerrada. Se algum Sr. Deputado ainda não votou tem 5 minutos para o fazer.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de fazer a intervenção que tinha preparado, não posso deixar de dizer algumas palavras prévias sobre a intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade que - terei de considerar, pelo menos, como algo excêntrico, para não dizer outra coisa - resolveu fazer perguntas ao MDP/CDE sobre o projecto de lei do PRD. De facto, isso é invulgar.
Por outro lado, julguei - não sei se me enganei sobre a ordem do dia -, que hoje íamos discutir na generalidade os vários projectos de lei e não discuti-los na especialidade. Quando lá chegarmos, obviamente, também teremos algumas coisas a dizer sobre o projecto de lei do PSD.
Para além disso, sempre lhe quero dizer, para que não paire na Assembleia quaisquer dúvidas, que o Sr. Deputado me surpreende altamente porque, inclusive, aponta como erros, ou princípios graves, do projecto de lei do PRD alguns artigos que se limitam a reproduzir a actual lei, que está assinada por dois ilustres membros do seu partido, isto é, o Prof. Mota Pinto - infelizmente já desaparecido - e o Dr. Rui Machete. É o caso, por exemplo, do artigo 5.º, n.º 2, que diz: "O dever legal de sigilo profissional de quaisquer entidades cede perante o dever de cooperação com a Alta Autoridade [...]", isto é exactamente o que o Sr. Deputado referiu como sendo a disposição mais

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grave -, acrescentando-se tão-só "[...] no que respeita ao âmbito da competência desta", o que, como é óbvio, é uma forma pleonástica.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Já lá vamos!

O Orador: - O Sr. Deputado está a dizer-me "Já lá vamos!". Poderá ir pela sua parte porque pela minha, de certeza, que não vai, porque estamos aqui hoje para discutir os projectos de lei na generalidade e não para os discutir na especialidade.
O Sr. Deputado poderá ficar absolutamente seguro de que qualquer projecto de lei que o Sr. Deputado ou o partido a que pertence apresentem o PRD nunca virá aqui perguntar se ele é feito com a cabeça..., talvez a sugerir que é feito com os pés!

Vozes do PRD, do PCP e do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Pensamos que esse não é o estilo de linguagem nem de actuação que dignifica este Parlamento, e não contará connosco para esse tipo de jogo floral.

Aplausos do PRD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos estamos seguramente de acordo em que o combate à corrupção deve constituir uma prioridade inadiável e que se impõe prosseguir esse combate, quer por razões éticas e de justiça quer para a defesa do nosso próprio regime democrático.
A vários níveis da administração pública existe um clima de irresponsabilidade e de impunidade, de causas diversas, que não vêm agora para o caso aprofundar - e sobre algumas delas é que nem todos estaremos talvez de acordo -, clima que é extremamente gravoso para a própria administração e para a imagem da nossa democracia.
Impõe-se, portanto, desencadear uma luta sem tréguas contra todas as formas de corrupção, embora com a consciência nítida de que infelizmente alguma corrupção, como algum crime, sempre existirá. O que se tem de tentar, por todos os meios legítimos, é fazer com que ela tenha a menor extensão possível. E com a consciência também de que a melhor forma de impedir que a corrupção alastre é ter uma administração aberta e transparente, reforçando e privilegiando todos os mecanismos preventivos, embora sem esquecer a necessidade de manter e reforçar igualmente os mecanismos repressivos.
Aliás, é óbvio que não é só por existir um regime democrático que a corrupção acaba; o regime democrático deve fazer tudo para que ela acabe, embora sabendo que isso é apenas uma meta ideal. O que acontece, e é essencial, é que só o regime democrático permite que a existência da corrupção seja generalizadamente conhecida, publicamente denunciada e institucionalmente combatida, enquanto as ditaduras abafam ou encobrem a corrupção ou servem-se dela para fins políticos. A nossa triste experiência de 48 anos aí está a demonstrá-la.
Foi dentro desta perspectiva e fiel ao compromisso eleitoral que assumiu perante os Portugueses que o PRD apresentou o seu projecto de lei sobre a Alta Autoridade contra a Corrupção. Tal projecto de lei visa, na generalidade: primeiro, pôr a Alta Autoridade a funcionar junto da Assembleia da República e não junto da Presidência do Conselho de Ministros, como actualmente acontece; segundo, e em consequência, fazer com que a Alta Autoridade contra a Corrupção seja eleita por esta Assembleia, e por uma maioria qualificada dela, e não pelo Conselho de Ministros, como agora acontece; terceiro, fazer com que a Alta Autoridade exerça as suas competências também - o que é essencial - relativamente aos titulares dos órgãos de soberania; quarto, dar mais meios e maior capacidade de intervenção à Alta Autoridade.
Seria um erro grave, no entanto, pensar que as alterações propostas são de molde, só por si, a resolver os graves problemas que neste campo se suscitam. Mas não temos qualquer dúvida de que poderão dar um valioso contributo nesse sentido.
O PRD quer ainda regozijar-se pelos projectos de lei apresentados por outros grupos parlamentares. Aliás em boa parte coincidentes, pensando que de todos eles é possível extrair contributos úteis para os objectivos em apreço. A nossa discordância maior, e de fundo, refere-se apenas ao projecto do PSD, na parte em que propõe que a Alta Autoridade funcione junto da Presidência da República e seja nomeada pelo Chefe de Estado, por proposta do Governo. Além de, quanto à nomeação, na prática, o sistema acabar, porventura, por não diferir muito do actual, julgamos que é inequivocamente no âmbito das atribuições e das competências da Assembleia da República que a Alta Autoridade se deve colocar e não da Presidência da República, sendo aliás de, pelo menos, duvidosa constitucionalidade a solução preconizada pelo PSD.
Não obstante, entendemos que, em outros aspectos, também no projecto do PSD se podem porventura tirar contributos positivos, do que retiraremos as devidas ilações para o sentido do nosso voto, que é o de aprovação na generalidade, porque, devo dizer, já o tínhamos decidido fazer, e não na base de qualquer reciprocidade.

Aplausos do PRD.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra e invoco a figura regimental do direito de defesa.

Uma voz do PRD: - Mas defesa de quê?!

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª apenas pode invocar a figura regimental do direito de defesa do grupo parlamentar a que pertence. É um direito de defesa colectivo e não individual.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Então, invoco a figura regimental do direito de defesa do grupo parlamentar a que pertenço.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - O Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos não gostou do estilo que usei, o Sr. Deputado foi aplaudido e eu não, fiquei isolado. A razão deve estar do lado da maioria e portanto concedo - e disso me penitencio - que o meu estilo terá sido, nalguma coisa, menos correcto. Esse é um ponto, entendamo-nos, mas, Sr. Deputado, nada disto colide com a verdade das coisas.

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O Sr. Deputado recusou a discussão na especialidade mas, en passant, ainda referiu uma questão com ela relacionada. Quer dizer, objectivamente - e não digo subjectivamente - V. Ex.ª - lançou poeira nos olhos porque o que se diz no artigo 5.º, n.º 2, do projecto de lei do PRD é o seguinte: "O dever de sigilo de quaisquer entidades cede perante o dever de cooperação com a Alta Autoridade", no âmbito da competência que, segundo o projecto de lei do PRD, a Alta Autoridade teria, portanto, extensiva à iniciativa privada - artigo 2.º, n.º 2. De mais a mais, o projecto de lei nem está demarcado por critérios objectivos que definam o espaço de criminalidade sujeito à devassa da Alta Autoridade contra a Corrupção, indicando-se apenas caracterizações do género do dolo e da culpa grave.
Sr. Deputado, foi contra estas coisas que usei um palavrão que o deve ter chocado. Retiro-o, mas digo-lhe que isto é gravíssimo, Sr. Deputado. Isto é um erro em qualquer, parte do mundo.
Quando digo que o projecto de lei do PRD não terá sido o mais bem feito, Sr. Deputado, a culpa é um pouco minha: é que eu, apesar de tudo, do ponto de vista da competência, da seriedade e do rigor, esperava muito, mais do PRD. Pode crer que as críticas que fiz ao vosso projecto de lei foram feitas com uma certa intenção de contenção, porque se virmos as disposições uma a uma o Sr. Deputado conceder-me-á - se quiser encarar as coisas na base de uma discussão chã - à afirmação de que este projecto de lei tem artigos perigosíssimos do ponto de vista do equilíbrio dos poderes do Estado.
O Sr. Deputado acentuou a questão de a Alta Autoridade ser ou não nomeada pelo Presidente da República. Ora, é importante saber quem nomeia, não tenho dúvida de que deve discutir-se isto, mas o problema não é tanto quem nomeia mas os poderes que são concedidos. Repito, mais do que saber quem nomeia, o problema que nos deve ocupar são os poderes que são concedidos, e os poderes que o projecto de lei do PRD concede à Alta Autoridade são verdadeiramente - e vou dizer mais uma palavra, mas cada um tem o seu estilo, e este é o meu - arrepiantes.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para dar explicações, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado Costa Andrade, dir-lhe-ei, em primeiro lugar, que efectivamente o PRD pretende dar mais poderes à Alta Autoridade contra a Corrupção para combater a corrupção, e apenas para isso. Julgo que é esse o fundamento essencial deste projecto de lei, porque se não fosse para esse efeito não o apresentaríamos.
Em segundo lugar, o PRD não aceitará que o combate à corrupção se faça por qualquer forma que viole qualquer princípio de legalidade democrática, da vida privada dos cidadãos, ou outro.
Em terceiro lugar, queria dizer-lhe, que entendo que o nosso projecto de lei deve ser muito, melhorado, e, os meus colegas que estiveram na Comissão sabem que, antes da sua intervenção, em sede de Comissão, eu disse isso mesmo, e que nós próprios íamos propor várias alterações.
Acontece também - e não gostava de dizer isto mas; já que me obriga, devo dizê-lo - que o PRD apresentou este projecto de lei porque, ainda antes das férias do Natal, tínhamos combinado uma data, tendo este sido feito apenas por um dos Srs. Deputados subscritores, sem possibilidade do debate que sempre achámos que é útil (e até os seus contributos poderão ser úteis, assim como os de todos os outros), enquanto o PSD apresentou o seu diploma há apenas 48 horas, e teve, talvez por isso, mais tempo para o discutir. Mas nós gostamos de cumprir os prazos!
Em último lugar, o Sr. Deputado disse que esperava muito mais do PRD. Regozijo-me por isso. Quero dizer que, apesar de, se calhar, não ter votado no PRD, o Sr. Deputado foi um dos milhões de portugueses que pôs esperanças no PRD, a que nós esperamos corresponder e vamos corresponder.

Aplausos do PRD.

O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Essa foi boa!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, têm a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Há hoje, em Portugal uma generalizada consciência da necessidade de combater, a corrupção - activa e passiva - e de moralizar a vida pública.
É certo que, do ponto de vista do CDS, a corrupção só poderá, definitiva e seguramente, combater-se quando houver menos oportunidades de corrupção, designadamente quando, por se diminuir o peso do Estado na vida pública, houver menos oportunidades de corrupção e esse mal, que hoje tanto afecta o tecido social da Nação possa ser eficazmente debelado.
Também hoje existe a convicção, creio que em larga medida generalizada, embora não totalmente subscrita - como se vê por um dos projectos de lei que foi apresentado -, de que deve ser a Assembleia da República, como principal expoente da responsabilidade e sede da consciência moral do regime, a ter uma iniciativa preponderante a esse combate e a esse esforço.
Torna-se, também necessário que, por uma questão de justiça e eficácia, e conjugadamente, tal combate tenha em conta, não só os casos concretos de corrupção mas, todas as causas desta verdadeira doença social, assim como todas as fontes de injustiça social e económica, que, aliás, em situações de crise, tendem a avolumar-se.
Na verdade, não se pode combater eficazmente a corrupção como mal social, se não se repuserem as condições de justiça, se não se reforçar a autoridade moral das instituições democráticas e se se ignorar uma visão global de um problema tão grave e vasto como este.
Foram estes alguns dos propósitos que nos levaram, já na anterior legislatura, a propor um projecto de resolução conducente à criação pela Assembleia da República de uma comissão eventual com o objectivo de averiguar as causas da corrupção e das situações de injustiça, imoralidade ou privilégio que se verificam em Portugal, assim como para propor' as soluções que forem julgadas adequadas para o remédio destas situações.
Tal projecto não chegou a ser analisado, mas é exactamente na mesma linha que se inscreve o objectivo do CDS ao apresentar agora um projecto de lei sobre tal matéria.

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É, portanto, nesta linha e atenta a acuidade deste problema que se propõe a alteração do enquadramento jurídico-político da Alta Autoridade contra a Corrupção, afectando-a à Assembleia da República, por um lado, e alargando o âmbito das suas competências à esfera de acção dos titulares, designadamente, de órgãos de soberania, por outro.
Quanto a este segundo ponto, todos os diplomas que aqui estão em discussão na generalidade são, de resto, coincidentes.
No que respeita ao primeiro ponto, apenas o projecto de lei do PSD deixa de afectar a Alta Autoridade à Assembleia da República para o fazer ao Presidente da República.
É claro que a circunstância de todos os projectos de lei em discussão serem coincidentes quanto à questão do alargamento das competências da Alta Autoridade contra a Corrupção não inviabiliza que não possamos concordar com algumas das disposições constantes no projecto de lei do PRD, designadamente quanto a entender que a Alta Autoridade deve ser um órgão público em vez de um cargo individual, o que, em nosso parecer, faz com que se dilua a responsabilidade da personalidade que ocupar esse cargo, quanto a atribuir a esse órgão a competência para a averiguação de crimes praticados no exercício da função pública, já que há outros órgãos com competência para a averiguação exactamente desses crimes, e também quanto à isenção de pena nos casos de denúncia, o que, de algum modo, se nos afigura ser uma certa imoralidade para combater outra imoralidade.
Trata-se, no fundo, de questões que, realmente, terão o seu lugar e sede próprias na apreciação na especialidade e que, portanto, não inviabilizam a nossa adesão ao propósito da aprovação na generalidade desse projecto de lei apresentado pelo PRD.
Quanto ao projecto de lei apresentado pelo PSD, designadamente no que toca à questão de afectar a Alta Autoridade à Presidência da República, temos sinceramente as maiores dúvidas sobre a constitucionalidade dessa solução.
É certo que foi recordado pelo Sr. Deputado que fez a apresentação do respectivo diploma que a separação de poderes é compatível com a atribuição, mesmo pela lei ordinária, de poderes a um órgão, desde que isso não invada a esfera de acção de outro orgão. Simplesmente, entendo que, neste caso, ao atribuirem-se esses poderes ao Presidente da República, estar-se-ia a invadir a esfera própria da competência da Assembleia da República, já que no artigo 165.º da Constituição, que define exactamente a competência daquela em matéria de fiscalização, logo na alínea a) se diz que compete à Assembleia da República "vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração".
Parece-me que é exactamente aqui que cabe uma competência específica da Assembleia da República para a fiscalização não só dos órgãos da Administração como dos próprios órgãos de soberania, razão pela qual penso que seria, na verdade, uma grave inconstitucionalidade retirar poderes à Assembleia da República para os dar a outro orgão de soberania, que seria o Presidente da República.
Por esse motivo e para podermos tomar uma posição definitiva relativamente ao projecto de lei do PSD, gostaríamos que este se pronunciasse sobre a possibilidade de, na discussão na especialidade, poder rever este problema da afectação da Alta Autoridade contra a Corrupção ao Presidente da República.
Para além disso, creio que todos os projectos de lei em discussão podem dar contribuições úteis, pelo que todos eles deveriam baixar à Comissão, para na especialidade se procurar, com o contributo de todos os partidos, encontrar as melhores soluções para este problema grave que importa, realmente, resolver, para acabar com esta verdadeira chaga do nosso tecido social que é a corrupção.

Aplausos do CDS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Andrade Pereira, em primeiro lugar, quero dizer-lhe que, em relação à questão que pôs ao PSD, o meu colega de bancada, Sr. Deputado Correia Afonso, referir-se-á a ele na intervenção que irá produzir.
Gostaria, no entanto, de dizer-lhe que não decorre da minha intervenção que o facto de se afectar à Presidência da República a designação para o cargo de Alta Autoridade contra a Corrupção não retire poderes à Assembleia da República. Primeiro, entendo que os poderes de fiscalização são poderes de âmbito essencialmente político, mas, de qualquer modo, a Assembleia mantém sempre os seus poderes de fiscalização. Nenhum dos projectos de lei presentes que atribuem um determinado número de competências à Alta Autoridade contra a Corrupção tira, por exclusão de partes, poderes a nenhum órgão de soberania, nem poderiam, aliás, fazê-lo, porque seria impossível por lei ordinária retirar competências que estão constitucionalmente consagradas. Portanto, a Assembleia da República continua a exercer, numa sede que é essencialmente política, os poderes de fiscalização quer sobre o Governo, de uma maneira geral, quer sobre a Administração Pública.
Na minha intervenção fiz ainda uma outra referência, quando falei naquilo a que, na doutrina, se chama a "teoria dos poderes implícitos". Efectivamente, há competências que o Presidente da República tem que vêm consagradas na lei ordinária, e isto mesmo depois da revisão constitucional de 1982. Embora saiba que na revisão constitucional de 1982 se fez uma inflexão no sentido de não haver nenhuma competência do Presidente da República fora da Constituição, o que é um facto é que as há. Chamo a atenção, por exemplo, para a Lei de Defesa Nacional, que atribui determinadas competências ao Presidente da República que não estão consagradas na Constituição.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Nem são contra a Constituição!

O Orador: - Nem estas são contra a Constituição, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder, o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Deputado Duarte Lima, creio que a interpelação que V. Ex.ª acaba de fazer-me encerra uma petição de princípio. Diz que, efectivamente, a lei ordinária não pode reti-

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rar poderes à Assembleia da República quanto - a isso estamos inteiramente de acordo -, mas o problema está em saber se atribuir ao Presidente da República a competência para nomear a Alta Autoridade não será, exactamente, uma ingerência relativamente, aos poderes da Assembleia da República.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Andrade Pereira, queria só: perguntar-lhe se entende que pelo facto de até aqui, no regime vigente, a Alta Autoridade contra a Corrupção estar afectada à Presidência do Conselho de Ministros isso diminui em alguma medida a actividade fiscalizadora da Assembleia da República sobre o Governo e a Administração Pública.

O Orador: - Não. Só que a Assembleia da República tem poderes de fiscalização sobre o Governo e não os tem sobre o Presidente da República. Esta é que é a grande diferença.
Na verdade, hão era pelo facto de se dizer, por hipótese académica, que o Presidente da República nomeava todos os deputados que a Assembleia da República ficaria sem estes poderes de fiscalização. Agora, o que, com certeza, se estava a fazer era a afectar-se à independência e à capacidade da Assembleia da República para levar a cabo essa mesma fiscalização.
Portanto, parece-me, que, realmente, haveria essa ingerência na esfera da competência da Assembleia da República.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para intervir, o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O IX Governo Constitucional publicou, logo em 6 de Outubro, de 1983, um decreto-lei - o n.º 369/83 -, criando, pela primeira vez em Portugal, uma alta autoridade tendo por finalidade a prevenção, a averiguação e a denunciará entidade competente para a acção penal ou disciplinar de actos de corrupção e de fraudes cometidos no exercício da função administrativa, no âmbito da actividade dos serviços de administração pública central, regional e local e das Forças Armadas, dos institutos públicos e das empresas públicas e de capitais públicos participadas pelo Estado ou, concessionárias de serviços públicos.
Tinha o Governo em vista prevenir e reprimir possíveis actos de corrupção praticados nos serviços, do Estado, nos institutos públicos e nas empresas públicas, tendo como objectivo, como expressamente se confessava, elevar a actuação da Administração Pública a um nível de moralidade e de transparência de processos que a impusessem à consideração e ao respeito unânime dos cidadãos. Mais de 2 anos passaram sobre este decreto e hoje já pode extrair-se uma conclusão segura que todos os partidos reconhecem: é a de que a criação da Alta Autoridade contra a Corrupção foi uma pedra branca da actuação do Governo.
Apresentadas diversas alterações pontuais ao decreto-lei em causa e ao seu decreto regulamentar, nenhuma é no sentido de se extinguir a figura criada. Bem pelo contrário, essas alterações propõem-se manter a Alta Autoridade, mas torná-la ainda mais actuante. Todos propõem, que a Alta Autoridade alargue a esfera da sua acção aos actos administrativos praticados pelos titulares dos órgãos de soberania, sem aguardar para estes actos a lei especial que naquele diploma se previa.
Estamos de acordo com este alargamento, que, aliás, está insito na filosofia do Decreto-Lei n.º 369/83, que já prévia a fiscalização dos actos dos titulares, dos órgãos de soberania.
Só que essa lei não se publicou até agora, não surgiu qualquer projecto nesse sentido na Assembleia da República, nem se advinha quando o actual Governo legislará nesse sentido, se é que o virá a fazer.
O alargamento da esfera de acção, da Alta Autoridade aos actos administrativos praticados pelos titulares, dos órgãos de soberania e, pois, do próprio Governo implica, muito logicamente, que a escolha da Alta Autoridade não continue a ser atribuição do Conselho de Ministros, mas de um orgão de soberania diferente.
Nós, com a maioria dos projectos apresentados, entendemos que esse outro orgão deve ser a Assembleia da República, orgão de soberania do qual o próprio Governo depende.
Não aceitámos assim, e desde já o dizemos, a solução do projecto de lei do PSD, segundo a qual a Alta Autoridade seria nomeada pelo Presidente da República sob proposta do Governo.
Esta solução parece-nos duplamente infeliz, quer pelo lado do Presidente da República, quer pelo lado do Governo, que ao fim e ao cabo, se pretende que seja o verdadeiro autor da nomeação.
Como é de um velho aforismo, "à mulher de César não basta que seja honesta, é necessário ainda que o pareça".
A escolha da Alta Autoridade pela Assembleia da República é a forma mais facilmente entendível do seu cunho de independência.
Se nos quatro projectos de lei apresentados perpassa uma ideia geral comum, que é a do alargamento da esfera de acção da Alta Autoridade aos actos praticados pelos titulares dos órgãos de soberania há, no entanto, entre eles algumas diferenças importantes.
Assim, se para o PRD, o CDS e o MDP/CDE a Alta Autoridade funciona junto da Assembleia da República, com o que concordamos, já o PSD, como dissemos, pretende pô-la a funcionar junto do Presidente da República.
Por outro lado, três dos diplomas pretendem que a Alta Autoridade seja eleita pela Assembleia da República, embora com pequenas divergências quanto à maioria necessária para aquele efeito - o do MDP/CDE, o do PRD e o do CDS, com o que também concordamos. Já o PSD pretende, como dissemos, que a Alta Autoridade seja nomeada pelo Presidente da República sobre proposta do Governo.
Finalmente, quanto ao prazo do mandato, há quem proponha 3 anos, há quem aceite os 4 anos actuais e há quem proponha 5 anos.
Estas diferenças não são, porém, fundamentais. Elas e outras de pormenor serão, certamente, ultrapassadas na discussão ha especialidade dos projectos de lei em causa.

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Sr. Presidente, Srs. Deputados: Isto posto, um outro problema se levanta relativamente ao projecto de lei do PSD. Ao propor que a Alta Autoridade seja nomeada pelo Presidente da República, este projecto sofre, nesta parte, de inconstitucionalidade, que nos parece evidente.
Este problema foi aflorado por todos os partidos, menos, naturalmente, pelo PSD, na reunião de ontem da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Não foi, porém, discutido a fundo pela imperiosa necessidade que havia de se cumprir hoje a ordem do dia marcada.
Devo começar por salientar que o próprio PSD teve a clara percepção da inconstitucionalidade desta parte do seu projecto, levantando o problema no relatório preambular. Só que a argumentação encontrada para tornear o obstáculo não convence.
Efectivamente, nos termos do n.º 2 do artigo 113.º da Constituição, a competência dos órgãos de soberania, entre os quais o Presidente da República, é a definida na Constituição. Ora, o artigo 136.º, ao definir a competência do Presidente da República relativamente a outros órgãos, fá-lo em termos taxativos e dele não consta a Alta Autoridade contra a Corrupção.
Já consta, porém, desse artigo a competência do Presidente da República para a nomeação do presidente do Tribunal de Contas, do procurador-geral da República, de 5 membros do Conselho de Estado e de 2 vogais do Conselho Superior da Magistratura, além de várias figuras das Forças Armadas.
De resto, se o Presidente da República é o garante do regular funcionamento das instituições democráticas, isso tem a ver muito mais com uma competência de âmbito político do que penal. É, aliás, uma expressão demasiado vaga para se poder ver nela uma interpretação do artigo 136.º no sentido de lhe retirar o seu carácter taxativo.
Já quanto à Assembleia da República, a Constituição expressamente lhe atribui, na alínea a), do artigo 165.º, a vasta competência de vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e a de apreciar os actos do Governo e da Administração.
Aliás, junto desta Assembleia funcionam outros órgãos criados, como, por exemplo, o Provedor de Justiça, a quem pertence uma actividade de fiscalização dos actos da Administração.
O exemplo é efectivamente flagrante. Por esta razão votaremos na especialidade contra esta solução do projecto de lei apresentado pelo PSD.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resta dizer que nos congratulamos com a iniciativa tomada e que a Alta Autoridade que o IX Governo criou sairá deste esforço mais prestigiada. Isto significa ainda que sairá reforçada a luta contra a corrupção que grassa, efectivamente, na sociedade portuguesa.
Há que desenvolver todas as iniciativas para lhe pôr um travão, para que a sociedade em que vivemos se torne mais moderna, mais evoluída, mais justa.

Aplausos do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos, para pedir esclarecimentos.

O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Deputado Armando Lopes, ouvi com interesse os seus argumentos acerca da, no seu entendimento, inconstitucionalidade da solução que propomos. Mas o Sr. Deputado tem os seus argumentos jurídicos e nós temos os nossos. A pergunta que lhe queria fazer era esta: abstraia-se, se conseguir, da questão da constitucionalidade - discutiremos isso depois em sede de Comissão - e diga-me se, em termos políticos, está ou não de acordo que a nomeação da Alta Autoridade contra a Corrupção seja feita pelo Presidente da República. É ou não uma solução convincente, é ou não uma solução que dignifica a Alta Autoridade contra a Corrupção?
Em nosso entendimento, é óbvio que é uma solução constitucional, mas abstraia-se agora da questão da constitucionalidade e vá ao fundo da questão, que até agora não vi aqui discutida: o Sr. Deputado está ou não de acordo quanto a esta possibilidade?
Penso que até agora o debate tem confundido as questões, porque uma coisa é quem nomeia e outra completamente diferente é estar junto de quem quer que seja.
É fácil todos nós aqui, na Assembleia da República, como deputados que somos, querermos tudo junto da Assembleia da República, mas, por amor de Deus, Sr. Deputado Armando Lopes, quando diz que a Alta Autoridade contra a Corrupção há-de ficar junto da Assembleia da República não está, certamente, a esquecer-se da garantia de independência dessa mesma Alta Autoridade contra a Corrupção. A Assembleia da República não vai poder interferir na Alta Autoridade contra a Corrupção. Aliás, o seu mandato tem um prazo bem concreto e a Assembleia não pode, de maneira nenhuma, vir a interferir nesse aspecto.
É fácil vir para aqui dizer que a Alta Autoridade fica junto da Assembleia da República ou que, em termos a contrario, fica junto do Presidente da República. Não é essa a questão que está em causa mas, apenas e rigorosamente, a de saber qual é a instituição que deve nomear. O problema de se saber se isso será ou não constitucional aprofundaremos nós depois. A questão que agora lhe ponho é a de saber se, politicamente, será ou não uma posição defensável que a Alta Autoridade seja nomeada pelo Presidente da República.
Já agora que o Sr. Deputado falou nos prazos, também lhe pergunto: não será melhor que, como propõe o PSD, em vez dos 4 anos ou 5 anos que os outros projectos de lei prevêem, o prazo seja reduzido para 3 anos, uma vez que assim, com um prazo mais curto, todos nós poderemos avaliar melhor, com mais certezas, o trabalho da Alta Autoridade contra a Corrupção, e fazer, posteriormente, o balanço da sua actividade?
Eram estes, sinteticamente, os pedidos de esclarecimento a que gostaria que me respondesse.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para responder o Sr. Deputado Armando Lopes.

O Sr. Armando Lopes (PS): - Sr. Deputado José Luís Ramos, muito rapidamente, porque não quero roubar tempo ao meu partido que ainda tem mais uma intervenção, diria, em resposta às suas perguntas, o seguinte: evidentemente que é uma possibilidade que a Alta Autoridade contra a Corrupção fique na dependência ou que seja nomeada pelo Sr. Presidente da República. Aceitamos que essa seja uma hipótese, mas isso não inviabiliza que defenda outra possibilidade contrária, que é a de essa Alta Autoridade funcionar

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junto da Assembleia da República e depender, no que diz respeito à fiscalização da sua actuação, da própria Assembleia da República.
Na minha intervenção defendi, precisamente, essa solução, porque é a que mais se coaduna com o grupo de órgãos de soberania no qual estamos integrados e até com o próprio teor constitucional, conforme referi na minha exposição de há pouco.
Quanto à circunstância, de a Alta Autoridade ser um órgão independente, com certeza que o será sempre; mesmo que funcione junto da Assembleia ou seja por ela nomeada. Temos um cargo, que é o de Provedor de Justiça, exactamente nas mesmas condições, isto é; funciona junto e por nomeação da Assembleia da República, e, no entanto, é um orgão totalmente independente.
Portanto, a independência será sempre salvaguardada mesmo que seja a Assembleia da República a fazer, a nomeação da Alta Autoridade contra a Corrupção.
Finalmente, quanto aos prazos, direi ao Sr. Deputado que eles serão discutidos na especialidade, pelo que não vale a pena entrarmos agora em pormenores desse tipo. Depois veremos, na Comissão, qual será o melhor prazo, aquele que melhor se coaduna com o conjunto dos órgãos que funcionam: 3, 4 ou 5 anos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A Câmara aprecia hoje, numa primeira abordagem, 4 projectos de lei sobre a Alta Autoridade contra a Corrupção. Já decidira acelerar, mediante o regime de urgência, a produção legislativa, assim reconhecendo a extrema importância do debate que agora se inicia.
Coube ao MDP/CDE retrazer as questões à consideração de cada um de nós e demarcar, desde logo, o âmbito dos temas centrais.
Não é nova, neste hemiciclo, à preocupação com o alastramento da fraude, do expeditismo corrupto, da desonestidade e da eficácia das pressões políticas nos obseuros labirintos da administração. Uma exaustiva indagação dos dados da realidade levar-nos-á a efectuar uma verdadeira peregrinatio ad loca infecta, para me socorrer de Jorge de Sena. Não bastam os casos detectados, publicitados e, magramente combatidos. Inúmeros são os procedimentos ilegítimos que, por artes e malas-artes, escapam às malhas do controle, amarram essas malhas ao seu visco, prosseguem impunes, enquanto a voz da comunidade escabuja e a democracia se degrada. Um dos motivos da luta pouca expressiva até hoje travada contra a corrupção é, seguramente, o da carência de meios da Alta Autoridade, em profundidade e extensão, para conduzir a bom porto a nau que lhe foi confiada.
Não obstante tal constatação, a verdade é que não pode deixar de considerar-se valiosa a actividade desenvolvida, pelo órgão criado pelo Decreto-Lei, n.º 369/83. Ele permitiu instruir processos e apurar zonas de delitualidade, mesmo que, porventura, não tenha ainda chegado onde desejaria.
Numa recente entrevista, o alto-comissário sinalizava "a área das alfândegas, a área da banca e a área dos fundos autónomos" ,como aquelas onde a corrupção, mais se propaga e dizia, do seu ponto de vista pessoal, que, no que respeita aos fundos autónomos, a recriminação, fundamental incidia sobre o modo de verificação da aplicação dos fundos, concedidos, subsídios a fundo perdido, subsídios reembolsáveis de qualquer natureza. Estará, mais em causa, afirmava, a fiscalização da utilização desses fundos desses subsídios, do que até propriamente a sua concessão.
Para além destes aspectos, que são conhecidos, o alto-comissário referia que a grande parte das queixas dos cidadãos não tinha tido possibilidade de seguir um curso normal por manifesta insuficiência de mecanismos adequados.
Perante o diagnóstico que é conhecido, deverá agora aflorar-se o articulado dos diversos projectos de lei em apreço.
Extraindo normas relativamente às quais existem coincidências ou pequenas divergências, e outras, impregnadas de deficiências técnicas ou acolhendo intenções jurídicas que não contestamos, o essencial reside na definição da sede da Alta Autoridade, no processo da sua instituição e no perímetro das suas competências.
Neste plano, a nossa leitura distingue o projecto do PSD dos restantes.
Com efeito, não se nos afigura aceitável que a Alta Autoridade funcione junto da Presidência da República, nem que ao Presidente caiba, mediante proposta do Governo, a nomeação do alto-comissário. A competência do Presidente da República, prevista nos artigos 136.º, 137.º e 138.º da Constituição, não pode ser ampliada por lei (é pacífico), promana de um quadro normativo preciso, fechado e taxativo, será sempre entendida, à luz do artigo 113.º, n.º 2, como sendo um todo e nunca uma parcela;- ainda que significativa, alterável ou acrescível. Por outro lado, é evidente que o Presidente da República garante o normal funcionamento, das instituições, accionando os mecanismos constitucionais, dentro da moldura por estas: claramente estabelecidos, e não para além dela.
A solução preconizada pelo PSD é, assim, a nosso ver, padecente, de inconstitucionalidade insanável. Mas seria ainda, num outro ângulo de análise política, indefensável - e vai nisto uma resposta à questão há pouco suscitada pelo Sr. Deputado José Luís Ramos, em interpelação feita ao Sr. Deputado Armando Lopes. Com efeito, não se vislumbra como repousem harmonicamente na competência do Presidente da República as atribuições da Alta Autoridade, muito mais vizinhas das funções de fiscalização e controle que incumbem ao Parlamento, nos termos da alínea a), do artigo 165.º. Não é, certamente, por acaso que a nítida maioria, das forças políticas com assento no hemiciclo defende uma Alta Autoridade eleita pelos deputados, nos termos da lei fundamental, e anexa, sem o menor prejuízo da sua autonomia, à Assembleia da República. Esta era, de resto, a opção generalizada que constava das iniciativas legislativas apresentadas, no passado, com idêntico objecto ao dos projectos em apreciação.
Outro conjunto problemático destacado é o que agrupa as proposições relativas a fazer conter nos Poderes da Alta Autoridade os de investigar e agir na esfera dos actos administrativos da responsabilidade dos titulares dos órgãos de soberania.
A impossibilidade de intervir nesta área fundamental, tanto mais quando se exige que o exemplo da moralização parta de cima e não fiquem subtraídos à justiça os agentes de topo da máquina burocrática, os membros do Governo, os que exercem o poder, quais

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quer que sejam as latitudes deste, constituiu uma rude limitação à actuação da Alta Autoridade. Consideramos que é inadequada e insufragável qualquer constrição nesta matéria, ainda que formal, à competência do orgão gerado para combater as práticas desonestas na Administração. Daí que não apoiemos o modelo avançado pelo PSD, que não atende, manifestamente, à incontroversa pertinência de dar tratamento específico à proliferação dos comportamentos corruptos, de forma eficiente e azada. Por esta razão adicional, avaliamos negativamente o projecto de lei que lhes pertence, cuja filosofia de fundo, ao contender com a nossa visão mais esteiada, repudiamos sem tergiversações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O compadrio, o nepotismo, o jogo de influências, o clientelismo partidário, a venalidade, a ausência de uma ajustada actividade fiscalizatória corroem e adulteram a regra democrática que assegura a igualdade dos cidadãos, são o escalracho que destrói a credibilidade, o prestígio e as bases do regime nascido com o 25 de Abril. São uma vergonha nacional e um perigo que só por incúria ou conivência, pode irrelevar-se. Têm dado pasto a flamejantes discursos inconsequentes. É tempo de actuar, de modo enérgico e sem ambiguidades. O diploma que, após os trabalhos de especialidade, em comissão, vier a ser aprovado não bastará, por si, para pôr termo a uma situação deveras inquietante. Outras medidas urgem, pela positiva, nas diferentes instâncias do aparelho de Estado, sobretudo nas que sinalizam o quotidiano do Executivo. Os tecidos minados, de maneira mais notória e grave, pela moléstia estão identificados. Impõe-se firmeza e eficiência em algumas possibilidades de ataque com provas prestadas. Eis porque, pesem embora as insuficiências, a melhoria assinalável do estatuto da Alta Autoridade se reveste de grande saliência. Daí a posição de voto que assumiremos e a disponibilização do nosso labor para as etapas legiferadoras que se seguem. Hoje, como ontem, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português não poupará esforços para a defesa da legalidade democrática, da honorabilidade institucional, do 25 de Abril concreto, que transforma o real e beneficia a vida do povo.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, é chegada a hora do intervalo, pelo que suspendo a sessão até às 18 horas.

Eram 17 horas e 30 minutos.
Após o intervalo, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Marques Mendes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 15 minutos.

Srs. Deputados, vou anunciar o resultado da eleição para a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, tendo todos os candidatos sido eleitos: Amândio Anes de Azevedo (PSD), votos sim 111, votos não 55, abstenções 24, branco 5; Victor Pereira Crespo (PSD), votos sim 123, votos não 27, abstenções 28, brancos 7; Amélia Cavaleiro Andrade de Azevedo (PSD), votos sim 97, votos não 53, abstenções 26, brancos 9; José Augusto Santos Silva Marques (PSD), votos sim 69, votos não 43, abstenções 27, brancos 6; João Luís Malato Correia (PSD), votos sim 125, votos não 28, abstenções 23, brancos 9; Manuel Alegre de Melo Duarte (PS), votos sim 137, votos não 16, abstenções 25, brancos 7; Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia (PS), votos sim 115, votos hão 37, abstenções 24, brancos 9; António Gonçalves Janeiro (PS), votos sim 99, votos não 45, abstenções 28, brancos 11 e nulos 2; Joaquim Jorge de Magalhães Mota (PRD), votos sim 126, votos não 33, abstenções 19, brancos 7; Maria Cristina Gomes Albuquerque (PRD), votos sim 117, votos não 32, abstenções 28, brancos 8; José Carlos Pereira Lilaia (PRD), votos sim 118, votos não 38, abstenções 21, brancos 8; Carlos Carvalhas (PCP), votos sim 96, votos não 51, abstenções 26, brancos 12; António Vidigal Amaro (PCP), votos sim 104, votos não 45, abstenções 23, brancos 13; José Augusto Gama (CDS), votos sim 118, votos não 30, abstenções 27, brancos 10.
Votaram 185 Srs. Deputados.
Declaro, pois, eleitos os deputados constantes da lista que foi submetida a sufrágio.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, apenas pretendo invocar uma norma de procedimento da Câmara, pois não é hábito reabrirem-se os trabalhos e funcionar-se na ausência da direcção de bancada de um grupo parlamentar, qualquer que ele seja. Ora, constata-se que não está presente nenhum Sr. Deputado do PRD.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, de facto, à frente da bancada do PRD não se encontra ninguém, mas estavam na Sala deputados desse mesmo grupo parlamentar.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, se a Mesa estiver de acordo, esperarei o tempo que for necessário para que estejam presentes os Srs. Deputados do PRD.

O Sr. Presidente: - Então, vamos aguardar uns minutos.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Estão em debate quatro projectos de lei, todos eles acerca da Alta Autoridade contra a Corrupção.
Deve ser aqui claramente afirmado que toda a Assembleia e o Governo estão unidos na luta contra a corrupção e debatem apenas os meios mais eficazes de lhe pôr termo. Portanto, podemos declarar todos, em uníssono, que, infelizmente, mantém actualidade a preocupação que determinou a publicação do Decreto-Lei n.º 369/83, de 6 de Outubro, cujo relatório referia:

O empenho de prevenir e reprimir possíveis actos de corrupção praticados nos serviços do Estado, nos institutos públicos e nas empresas públicas, na

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prossecução do objectivo de elevar a actuação da Administração Pública em geral a um nível de moralidade e de transparência de processos que a imponham à consideração e ao respeito unânimes dos cidadãos.

Se todos estamos unidos há necessidade de banir já corrupção da sociedade portuguesa, o que é que então nos separa nos quatro projectos de lei apresentados? A noção do Estado e a perspectiva constitucional.
Montesquieu, no seu célebre L'ésprit des Lois, afirmava já no século XVIII.

Quando na mesma pessoa ou no mesmo corpo, a potência legislativa está reunida à potência executiva, não há liberdade.

Nascera assim a sua teoria da separação dos poderes que concentrava todas as actividades do Estado em três funções: a legislativa, a executiva ou administrativa e a judicial.
Esta preocupação de separação dos poderes do Estado aparece em Portugal logo no início da nossa era Constitucional.
Efectivamente, a nossa Constituição de 1822 dedicava já o título III ao poder legislativo ou às Cortes, o título IV ao poder executivo ou ao rei e o título v ao poder judicial.
Surgiu depois, em alguns países, como aconteceu por exemplo em Espanha, com o rei, um poder aglutinado, harmónico e moderado, encarregado de manter a unidade do Estado e coesão entre os três tradicionais.
Na realidade, praticamente desde Rousseau, o povo tem sido o titular da soberania, mas quem exerce essa soberania são os órgãos do Estado que detêm os poderes legislativo, executivo e judicial.
Nos Estados modernos, esta separação de poderes que surge de formas diferenciadas, tornou-se um dos grandes garantes da democracia. Assim acontece também em Portugal, que é um Estado de direito democrático.
Entre nós são órgãos de soberania a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais, que, devem observar a separação e a interdependência estabelecidas na Constituição.
O Presidente da República também surge como órgão de soberania e garante da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas. Está, portanto, organizado e separado, em Portugal, na estrutura do Estado, o poder judicial.
Encontra-se jurisdicionalizada a administração da justiça, o exercício da acção penal e a defesa da legalidade democrática.
Num Estado de direito estabilizado não deveria surgir um organismo que, a latere da Constituição, tivesse competências que pudessem sobrepor-se às do Ministério Publico.
Não há um único Estado democrático conhecido onde, sem suporte constitucional e à margem das actividades jurisdicionalizadas, funcione qualquer orgão ou entidade que possa investigar ou averiguar notícias ou indícios que justifiquem a suspeita de prática de crimes, nomeadamente da corrupção.
É esta, Srs. Deputados, a primeira conclusão à tirar: a existência em Portugal da Alta Autoridade contra a Corrupção só pode justificar-se por uma anormal situação de crise de valores e de condutas.
Estamos todos de acordo: há corrupção e é necessário extingui-la e expurgá-la pela prevenção e repressão. Mas, ou considerámos que essa crise é transitória, e então justifica-se a Alta Autoridade contra a Corrupção; damos-lhe uma estrutura de combate que irá ter curta duração, embora com o risco de criarmos uma estrutura paralela mas transitória às polícias, ao Ministério Público e aos Tribunais, ou entendemos que o fenómeno, da corrupção é mais duradoiro, por corresponder a uma coisa, mais profunda, e então devemos jurisdicionalizar a prevenção e a repressão. Criar-se-ia nesse caso um tribunal especializado para julgamento desta matéria, como permite o artigo 216.º, n.º 1, da Constituição.
As alternativas são claras: ou auguramos uma curta existência à corrupção e justifica-se então a Alta Autoridade contra a Corrupção, embora seja uma excrescência anómala no Estado, ou tememos uma certa perenidade da corrupção e devemos; então, jurisdicionalizar a sua averiguação ou investigação e julgamento, criando tribunais especializados.
O que não parece coerente nem democrático é que, por um lado, defendamos o Estado de direito democrático, consagrado na Constituição, apoiado na separação de poderes e, depois, por outro lado, queiramos institucionalizar, à margem, um organismo a que atribuímos uma competência, que se sobrepõe ao poder judicial.
Este aspecto, no entanto, é especialmente agravado nos projectos de lei do PRD, do CDS e do MDP/CDE. Já, existia diga-se a verdade, no Decreto-Lei n.º 369/83, mas agora o PRD, o CDS e o MDP/CDE, vêm propor que a Alta Autoridade contra a Corrupção passe a funcionar junto da Assembleia e que o próprio, alto-comissário seja eleito por esta Câmara. Quer dizer: além de se procurar perpetuar um organismo sem existência constitucional, que se sobrepõe ao poder judicial, pretende-se ainda que o mesmo dependa do poder legislativo, isto é, desta Assembleia.
É a perversão, constitucional e a subversão do Estado democrático. Uma actividade que se sobrepõe ao poder judicial mas que fica na dependência do poder legislativo e sem suporte constitucional. Creio ser inaceitável no campo dos princípios, e inviável no aspecto prático. Estou, contudo, em sintonia com os Srs. Deputados que subscreveram os projectos de lei do PRD, do CDS e do MDP/CDE na preocupação de isenção, relativamente à Alta Autoridade contra a Corrupção e na preocupação de encontrar melhor forma de assegurar essa luta contra o mal da sociedade portuguesa.
A manter-se esta entidade, a mesma não deverá estar dependente do Governo - concordo e aceito.
Não falo deste Governo - que é isento - mas ponho o problema em abstracto como deve ser debatido.
Julgo incoerente e contrário à própria estrutura do Estado de direito democrático que se coloque a Alta Autoridade contra a Corrupção na dependência da Assembleia da República. Mas como a sua existência só encontra justificação na crise, crise esta que pode pôr em causa o regular funcionamento das instituições democráticas, daí no projecto de lei do PSD aparecer como mais lógico que a Alta Autoridade contra a Corrupção desde já fique dependente da Presidência da República, de harmonia com o artigo 123.º da Constituição.

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O Presidente da República, além de representar a unidade do Estado, assumiria, então, em termos práticos, um papel de coesão e de garante do regular funcionamento das instituições democráticas na luta contra a corrupção.
A nomeação do alto comissário pelo Presidente da República por proposta do Governo é precisamente o que consta do projecto do PSD e, sendo um mal, reconheço que talvez seja um mal menor.
Para a tarefa da luta contra a corrupção, que se espera que em breve esgotará, a solução mais coerente será o alto comissário contra a corrupção ser nomeado pelo Presidente da República.
Se admitirmos que a luta contra a corrupção venha a perdurar, então a melhor solução será enfrentar, com realismos, o problema e jurisdicionalizar a sua prevenção e repressão, criando tribunais especializados. Esta via terá ainda outra vantagem: permitirá que os titulares dos órgãos de soberania pudessem ficar sujeitos na sua actividade à acção desses tribunais especializados - isto, depois de ser definida qual a responsabilidade dos titulares dos órgãos de soberania.
Tal como está previsto nos projectos ora em debate, os titulares dos órgãos de soberania - enquanto não for definida a sua responsabilidade - não poderão ser objecto de averiguação ou investigação por uma entidade que a Constituição nem sequer prevê.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Julgo que ficou aqui perfeitamente claro que o PSD está inteiramente de acordo acerca da luta contra a corrupção e também acerca da sujeição dos titulares dos órgãos de soberania, como, os restantes cidadãos, à prevenção e repressão de actos de corrupção. Também entendemos que à respectiva autoridade deverá ser assegurada toda a isenção, mas não da forma proposta.
Creio que na discussão na especialidade na respectiva comissão se alcançará a solução que satisfaça as preocupações de que todos partilhamos e que se expurguem as inconstitucionalidades de que sofrem os projectos de lei. Mas não será através da subversão da estrutura do Estado de direito democrático nem com a minimização da soberania que poderemos conseguir a derrota da corrupção, que todos intensamente desejamos neste momento.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Almeida Santos, José Carlos Vasconcelos, José Manuel Mendes e Hernâni Moutinho.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Correia Afonso, gostei muito de ouvir a intervenção que V. Ex.ª produziu e apenas pretendo colocar uma questão.
A sua palavra final foi a de que os projectos de lei devem ser expurgados de inconstitucionalidades. À primeira vista pareceu-me que o Sr. Deputado defendeu, pelo menos, duas: a primeira, a da extensão, por via de lei ordinária, das competências do Presidente da República que, naturalmente, são uma reserva constitucional - e direi mais latamente porquê na intervenção que irei fazer - e a segunda, quando me pareceu que defendia como solução para esse tipo de crimes a criação de tribunais especializados - assim o ouvi dizer e repetir - contra a proibição constitucional de que haja tribunais para o julgamento de determinados tipos de crime.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Correia Afonso, pretende responder já ou no fim?

O Sr. Correia Afonso (PSD): - No fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Haveria várias matérias sobre as quais gostaria de ser esclarecido, no entanto, e de acordo com o que disse há pouco, penso não ser esta a sede própria para entrar numa discussão na especialidade. Gostaria, porém, de fazer minha a primeira parte da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, com a qual estou inteiramente de acordo.
Penso que deve ser posto em relevo, por um lado, o facto de não parecer legítimo nem constitucional que seja por via de lei ordinária que se ampliem os poderes do Presidente da República, por razões que vários constitucionalistas têm referido, e, por outro lado, que a Constituição atribui, expressamente, à Assembleia da República e ao Governo, e só a eles, a competência de "vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis e apreciar os actos do Governo e da Administração" [artigo 165.º, alínea a)] e "defender a legalidade democrática" [artigo 202.º, alínea f)]. Por isso, parece evidente que essas faculdades, competências ou modalidades de intervenção, que implicitamente lhes estão afectadas, não podem ser atribuídas a outro órgão de soberania.
Não sei se percebi bem, na intervenção do Sr. Deputado Correia Afonso, uma referência a que haveria aqui uma sobreposição da Alta Autoridade contra a Corrupção ao poder judicial.
Não me lembro de ter visto, em nenhum dos projectos, uma alteração de fundo (nem muito de forma, se calhar) em relação ao que já é a lei. E, quer na lei, quer nos projectos, à Alta Autoridade compete averiguar (...) etc. - não vou estar a referir o que é dito pela lei e pelos vários projectos -, para depois fazer a competente e necessária participação às entidades às quais compete o exercício da acção penal ou disciplinar - a Alta Autoridade não julga. E por isso que coloco a minha dúvida, no sentido de saber se foi isso que disse e se mantém a ideia de que alguns dos projectos ou a lei actualmente em vigor levam a que haja uma sobreposição ou uma ultrapassagem dos poderes próprios dos tribunais.

O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Correia Afonso, não repetirei questões que já estão colocadas e que considero pertinentes, mas, ainda assim, confrontá-lo-ia com dois problemas.
Um primeiro tem a ver com a circunstância de ter advogado a isenção e a independência da Alta Autoridade, apenas no caso de esta ficar anexada à Presi-

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dência da República de o alto-comissário, ser nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo.
Naturalmente que lhe perguntaria se vê, na circunstância de se poder, proceder à eleição do alto-comissário na Assembleia da República, uma prova provada de falta de independência e de isenção, tanto mais quanto é certo que se trata de uma pessoa a ser eleita por um conjunto de 250 deputados repartidos por vários, grupos parlamentares.
Em, segundo lugar, não deixaria de manifestar a minha inquietação por uma expressão que utilizou no termo da intervenção, quando aludiu aquilo, que seria a subversão do Estado democrático nas soluções contidas nos projectos de lei que não contestam as propostas pelo PSD.
Com toda a frontalidade e com toda a clareza, gostaria que o Sr. Deputado Correia Afonso, dissesse, em que é que consiste essa subversão do Estado democrático, onde estão as inconstitucionalidades que apontou aos normativos, que apreciou - a menos que tivesse feito, e nesse caso aplaudi-lo-ia, uma autocrítica - e quais são, os fundamentos, para poder, perante a Câmara, brandir, espantalhos, que, de todo em todo, estão afastados do âmbito do debate que temos travado.
Isto porque das duas uma: ou a luta contra a corrupção é entendida, como uma necessidade absoluta no momento, em que vivemos e no país real com que nos defrontamos ou, pelo contrário, ensejamos duas soluções, em si mesmas, praticamente opostas, mas que acabam por concorrer para o mesmo fim: apelamos à existência de tribunais especiais, com toda a carga que uma tal figura contém e que o Sr. Deputado, na sua intervenção, não pode afastar, e por outro lado, defendemos a necessidade de não assumir no precário, uma legislação para aquilo que deve ter, ao cabo e ao resto, um combate que enfrente realidades que atravessam o curso dos tempos e que não se situam apenas hoje e no momento em que apreciamos tudo quanto tem estado subjacente à presente discussão.
Sr. Deputado Correia Afonso, era um esforço de grande clareza que lhe pedia em função destas duas questões que lhe coloco, repousando, naturalmente, na certeza de que também não deixará sem responder aquelas outras que antes de mim foram colocadas e que subscrevo.

O Sr. Presidente: - Ainda para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Hernâni Moutinho.

O Sr. Hernâni Moutinho (CDS): - Sr. Deputado Correia Afonso, ouvi atentamente a sua exposição, reconheço o brilho e o enorme esforço que V. Ex.ª colocou na defesa do projecto de lei do PSD, nomeadamente quanto à magna questão que aqui se está a discutir no sentido de saber se a colocação da Alta Autoridade, contra a Corrupção na dependência da Presidência da República ou na dependência esta Assembleia é ou não inconstitucional. E, tendo alguma dificuldade em abordar aqui essa questão num debate na generalidade, gostaria, de fazer algumas considerações e colocar-lhe algumas questões sobre essa matéria.
Que o PSD reconhece que a questão da inconstitucionalidade do seu projecto, nesta matéria, não é líquida resulta, desde logo, do facto de que aflora a matéria no próprio preâmbulo do projecto de lei.
Por outro lado, parece-me haver alguma contradição quando se faz um apelo à Constituição para justificar a solução proposta quanto à extensão dos poderes da Alta Autoridade contra, a Corrupção, no que se refere aos titulares dos órgãos de soberania. Aí refere que se fica no meio termo, não querendo ir totalmente ao fundo da questão.
Por outro lado, ainda, já não há a mesma preocupação no que concerne à colocação da Alta Autoridade na dependência da Presidência da República.
No primeiro caso, refere-se que ao Ministério Público, como representante do Estado e, em última análise, como vertente dos tribunais, compete o exercício da acção penal.
Parece-me, que isso se verifica em todos os casos: V. Ex.ª sabe, que se faz a distinção entre crimes públicos, semipúblicos e privados. Em qualquer caso, um particular pode fazer a denúncia ao Ministério Público de um facto que integre um ilícito criminal, exercendo o Ministério Público a acção penal. Nos crimes particulares, será, naturalmente, o ofendido que terá de o fazer.
Entendemos que nesta matéria, dado o seu carácter específico, era importante a existência de um órgão que tratasse deste assunto, e que, portanto, estendesse a capacidade da Alta Autoridade contra a Corrupção aos casos de actos de corrupção praticados por titulares de órgãos de soberania.
No segundo caso, isto é, no caso de se pretender que a melhor solução é a de colocar a Alta Autoridade na dependência do Presidente da República, parece-me que expressões como as já utilizadas aqui hoje como "mais alto magistrado da Nação", e "garante do regular funcionamento; das instituições democráticas" não terão suficiente conteúdo para, de um ponto de vista jurídico-político; justificar que será melhor a solução de colocar a Alta Autoridade na dependência do Presidente da República e não na dependência desta Assembleia.
Não estamos a ver que o Presidente da República tenha, minimamente, qualquer vocação para actividade de investigação e de fiscalização. Estamos a ver, isso sim, que se cometeria aquilo que é um dado adquirido e consensual e que era de, por via ordinária, aumentar os poderes da Presidência da República e daí cometer, de facto, uma inconstitucionalidade.
V. Ex.ª, a finalizar o seu discurso, falou em subversão das estruturas democráticas do Estado e pareceu-me ver também na sua intervenção a previsão da possibilidade de criação de tribunais especializados, para a hipótese de a crise não ser de carácter duradouro, de ser transitória, tendo, esses sim, do nosso ponto de vista, uma natureza marcadamente prossecutória.
Gostaria que o Sr. Deputado tecesse algumas considerações sobre esta matéria, na convicção de que, em sede de discussão na especialidade, será possível encontrar uma larga faixa de consenso, no que concerne a toda a matéria e quanto aos diversos projectos de lei aqui em debate.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.

O Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria começar por dizer que, não obstante as referências que fiz na minha intervenção, creio que um objectivo importante, que não podemos esquecer e pelo qual devemos unir esforços, é a luta

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contra a corrupção. Penso que neste aspecto estamos todos de acordo e julgo que não é esse o problema que nos divide.
Procurei colocar a questão ao nível da filosofia e da estrutura do Estado e é dentro desta área que procurarei responder, pois é nesta área que vejo a objecção.
Tradicionalmente, o Estado assegura uma divisão de 3 poderes: o legislativo, o executivo e o judicial. É mais grave subverter qualquer função que esteja claramente inserida numa destas áreas a um quarto poder - o Presidente da República - do que andar em transferências entre poderes secularmente definidos.
Quero dizer com isto que o facto de a Alta Autoridade contra a Corrupção estar sujeita ao Governo está errado. Mas está igualmente errado, porque ela tem uma característica de poder judicial, sujeitá-la à Assembleia, como estaria errado se houvesse outro poder. Porém, tal não é o caso, pois o Presidente é o órgão de soberania, mas não assume um dos característicos poderes em que se divide o Estado.
Entrando mais concretamente nas questões que me foram postas, o Sr. Deputado Almeida Santos referiu o problema de inconstitucionalidades, perguntando-me se nelas incluiria a situação de sujeitar ao Presidente da República o Alto Comissário contra a Corrupção.
Concordo que é uma matéria controversa, mas não concordo que seja líquida a inconstitucionalidade. Até posso citar grandes constitucionalistas, concretamente o Prof. Jorge Miranda, que diz na publicação de estudos sobre a Constituição o seguinte:

Pode a lei ordinária aditar outras competências às competências constitucionais do Presidente da República? A resposta será positiva se a lei, igualmente, não puser em causa os poderes dos restantes órgãos e o sistema de governo.

Não põe em causa os poderes dos restantes órgãos - se considerarmos isto, temos que meter a Alta Autoridade no poder judicial - e também não põe em causa o sistema de governo.
É evidente que seria necessária a alteração constitucional, e isso pressupunha um juízo para criar tribunais especializados para julgar esta espécie de crimes. É evidente que o Sr. Deputado Almeida Santos tem toda a razão, é uma novidade que todos nós já conhecíamos.
O artigo 216.º da Constituição abre a porta, mas em termos generalizados, pois diz: "Na primeira instância pode haver tribunais com competência específica e tribunais especializados [...]" - esta é a regra. Mas está, efectivamente, fechada a porta, quando, no artigo 212.º, n.º 4, se proíbe a existência de tribunais, com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes. Porém, a regra está cá. Portanto, se houver um juízo de conveniência nesse caso concreto, poderemos ir por esse caminho, embora seja necessária, como é evidente, uma alteração constitucional.
Quanto à sobreposição, que me foi concretamente referida pelos Srs. Deputados José Carlos Vasconcelos e Hernâni Moutinho, gostaria de dizer que a sobreposição é clara, mas não resulta dos projectos - ela já existia. Vou ler, por exemplo, só este ponto da Lei Orgânica do Ministério Público, Lei n.º 79/78, que está em vigor:

Compete especialmente ao Ministério Público [... ] promover e coordenar acções de prevenção da criminalidade; [...] dirigir a investigação, ainda quando realizada por outras entidades.
Está, portanto, quer na lei actual, quer nos projectos de lei, uma clara sobreposição das competências do poder judicial.
Quanto às inconstitucionalidades dos projectos, a ponto - não tenho tempo para mais - uma evidente, que é, por exemplo, a constante da alínea g) do artigo 7.º do projecto de lei do PRD: "Propor à Assembleia a adopção de medidas legislativas e ao Governo a adopção de medidas legislativas [...]". Ora, efectivamente, o alto-comissário não pode propor à Assembleia medidas legislativas, pois a competência para a iniciativa legislativa está expressa na Constituição, não estando aí previsto o alto-comissário.
Gostaria de acabar com uma perspectiva, da qual julgo ter procurado, há pouco, dar uma ideia, embora talvez não tenha sido claro.
É importante que se compreenda e que tenhamos consciência de que não há nenhum Estado democrático moderno onde exista uma entidade como esta, a perseguir e a investigar crimes especiais. Não há em nenhum país - não há na Espanha, na França, na Inglaterra, etc. - e isso deve ter alguma razão. Tal razão deriva do facto de, efectivamente, esta autoridade se inserir na estrutura do Estado, ao nível e com a dignidade dos próprios poderes da soberania, não tendo sequer realidade constitucional.
Creio que o nosso desejo comum de lutar contra a corrupção pressupõe e admite que possamos aceitar uma Alta Autoridade contra a Corrupção. Porém, temos de olhar para esse problema como uma questão que não seja perene, de pouca duração e transitória, apenas para resolver, neste momento, um grave problema e uma grave crise que existem no País.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - E pronto!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estamos em face de 4 projectos, visando melhorar um decreto-lei, alguns deles consistentes em meros ajustamentos copiativos dos anteriores. Como explicar esta inflação de diligências?
É que se trata de combater a corrupção e, neste domínio, ninguém quer ficar atrás de ninguém.
Coube ao anterior governo, e nele de algum modo a mim, a iniciativa do primeiro passo. Muitos antes haviam falado, mas não agido. Assumimos a acção: instituímos a Alta Autoridade; despenalizámos o agente de um crime de corrupção que tomasse a iniciativa de denunciá-lo; alterámos dispositivos do Código Penal concernentes à matéria, no sentido do reforço do desestímulo das infracções que habitualmente são englobadas no conceito corrente de corrupção; refundimos o estatuto disciplinar dos funcionários públicos com idêntico propósito. Programámos ainda a reestruturação do Tribunal de Contas e a definição legal dos crimes de responsabilidade dos titulares dos cargos políticos, respectivos efeitos e sanções, mas o deflagrar da crise antecipou-se ao termo dos correspondentes trabalhos.
Para além disso, dramatizámos o problema, tentando inscrevê-lo nas preocupações de cada um e assumindo o risco, logo após concretizado, de um aparente empolamento da própria corrupção como facto.

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Saúdo a preocupação subjacente aos 4 projectos que temos no torno. Mas não posso aplaudir, na íntegra, as soluções de que são portadores. Bem pelo contrário, convido os Srs. Deputados a uma reflexão conjunta sobre as suas virtudes e os seus defeitos, norteados pela mesma e única estrela polar: a moralização da vida portuguesa.
Da vida portuguesa e não apenas da Administração Pública. A primeira constatação acerca da qual bom era que nos puséssemos de acordo, é a de que a lepra moral que corrói os costumes se não confina à esfera do exercício de poderes públicos, mas à nossa vida colectiva, toda ela. A verdade é que o mal é velho e fundo de mais para que possamos dar-nos por satisfeitos erigindo em bodes expiatórios, e em abstracto, a classe política e os agentes administrativos. Do que se trata é de todos, e cada um assumirem a sua quota de responsabilidade, no mínimo consistentes no laxismo de posição com que o fenómeno e testemunhado pela generalidade dos cidadãos.
Um dado sobre o qual convinha que não discreteássemos é a vetustez da corrupção na história dos comportamentos humanos, e sobre a ineficácia das receitas tradicionais, o que a torna, não apenas velha, mas inveterada.
Um breve passeio pela literatura diz-nos que, segundo Heródoto, nenhum espartano sabia resistir a um soborno, ao ponto de até os oráculos poderem ser subornados. Na lição da história, o próprio Platão - nisso menos platónico - e, pasme-se, o mesmo Sócrates, que veneramos como modelo de virtude cívica, figuravam entre os mais inescrupulosos.

Risos.

Segundo o nosso Oliveira Martins, a corrupção era um cancro antigo que roía a própria magistratura portuguesa. Devo dizer, entre parênteses, que fui 21 anos advogado e que apenas encontrei um juiz de cuja honorabilidade pude duvidar e que logo à seguir morreu porque era louco.
Raul Brandão recorda-nos que o marquês do Alvito, o tal que deu um viva à República,- vendeu várias vezes o seu castelo aos reis D. Luís e D. Carlos, não sabendo eu o que mais admirar, se a desenvoltura do marquês, se a péssima memória dos monarcas!

Risos.

Diz-nos ainda que havia nos orçamentos da monarquia liberal um artigo redigido de tal forma que cinquenta milhões de francos - seria, talvez, bom fazer a conversão para a moeda de hoje, o que daria com certeza alguns milhões de contos - ficavam encobertos para se poderem pagar as dívidas da Casa Real. E há quem duvide do liberalismo - ou da liberalidade!.... - da nossa monarquia constitucional!
Mais: havia no Ministério da Fazenda um carimbo com os dizeres "despesas sem documentação". Eis carimbo singularmente antiburocrático! ...

Risos.

E quem não está lembrado do Julião, figura de A Capital do sempiterno Eça, quando blasonava:

Eu ia fazer um escândalo, mas ... amansaram-me!
Estou num posto médico, deram-me um posto médico! Atiraram-me um osso! [...]

Fui até onde ia a prontidão, da memória. Mas é sabido que a nossa literatura é o retrato de Dorian Gray da nossa alma colectiva e que nem Diógenes, com a sua lanterna, descobriria facilmente um português que tenha atravessado uma fronteira sem sonegar aos direitos o pacotinho de tabaco ou a peça de seda, ou pago um imposto sem ter feito, ou no mínimo tentado, a sua negaça ao fisco! Viceja, entre nós, o mercado paralelo. Quem se indigna? O mais ático cidadão fuma, entre iguais; cigarros sem selo. Quem se agasta? O mais comum dos mortais mete, solidário, a sua empenhoca. Quem se não comove?
Digo isto para que nos resignemos, e reconheçamos, como aconselhavam ironicamente As Farpas, que "o único partido sensato, a tornar é deixar que as coisas sigam o seu caminho?"
De modo nenhum! Tanto quanto quis significar foi que não adianta iludirmo-nos sobre o efeito curativo de terapêuticas de superfície, multiplicando leis ou reforçando penas - antídotos a que o vírus é perfeitamente imune -, deixando flutuar as causas na raiz dos comportamentos!
Não, Srs. Deputados! O vosso contributo é bem intencionado, e por isso bem-vindo. Mas faz-me lembrar a história do marido enganado que, ao encontrar a mulher em postura menos ortodoxa no canapé da sala, resolveu o problema desfazendo-se do canapé, quando o defeito estava na mulher! ...

Risos.

Leis justas e o mais possível eficazes, claro que sim! mas sem esquecermos - e, quantas vezes eu próprio o esqueci - que há multiplicidade das leis e na efemeridade da sua vigência reside uma das causas da indiferença à lei que é uma das características do cidadão do nosso tempo. Corruptíssima republica plurimae leges - ensinava Tácito. E é bem verdade! Quanto mais corrupta é a República mais numerosas são as leis. Numerosas, e fugazes com uma estrela cadente. O cidadão não tem tempo para conhecê-las, fixar-se nelas, apropriar os seus valores.
E se meditássemos um pouco sobre o mundo que construímos e constantemente modificamos, e sobre os reflexos dele nas leis do comportamento humano? Se meditássemos nos abismos sociais que separam os povos e os homens, no "caos de valorizações antagónicas" que é o nosso, quotidiano, na crescente monetarização dos valores, no falatismo com que encaramos o crescimento, na indiferença com que depredamos os equilíbrios naturais, no parasitismo, no desemprego, na indiferença perante as dívidas, na quebra crescente da palavra dada, na insegurança dos países e dos cidadãos, no caos educativo, na fuga ao trabalho manual, nesse minus social que é hoje o funcionário público, em face do qual, uma vez mais, segundo a ironia de As Farpas, "ninguém tem o alto da desgraça"?!...
Se interiorizássemos a crescente expulsão da consciência moral pela consciência dos fenómenos, a imparável, ou em qualquer caso não parada, ascensão dos poderes de facto em detrimento dos poderes democraticamente, instituídos?
Se, em vez de nos resignarmos a ferir o existente, daí partíssemos para o resultado que é, não só o cidadão, mas já o homem, e o tomássemos em nossas

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mãos, enquanto sujeito do objecto que a corrupção é, para amorosamente o repensarmos e socialmente o recriarmos com imaginação criadora e portadora de outro futuro que não o que melancolicamente nos espera?!...
Se, em vez de ferozes cominações e penas tão duras que empalidecem a escala punitiva do Código de Hamurabi, agíssemos pela acção educativa e pelo civismo persuasor?!... Se agíssemos na nascente e não na foz?
Nada do que hoje de mal acontece fica circunscrito ao lugar e ao meio em que acontece. Com razão lembrou alguém que, "enquanto dois chineses tiverem de disputar entre si um bolo de arroz, o camponês berrichon não poderá comer a sua sopa em paz". Quer isso dizer que não bastam reformas paroquiais, ou sequer nacionais, antes estão em causa o homem e o comportamento humano: sem classes nem fronteiras.
Mas cuidemos dos vossos projectos, Srs. Deputados, já que, neste momento, é esse o nosso concreto dever.
Foi dito o que os assemelha e o que os diferencia. Não voltarei a isso. Tanto quanto pretendo - sem cuidar do pormenor, onde podem colher-se imprecisões de forma e de conceito que preencherão os ócios da comissão especializada - é tornar expressas as minhas mais significativas concordâncias e discordâncias, como contributo para o trabalho de redução dos projectos à unidade e o mais possível à perfeição.
1.ª questão. - Deve a Alta Autoridade funcionar junto da Presidência da República e o alto-comissário ser nomeado pelo Presidente da República, como no projecto do PSD, ou a primeira funcionar junto da Assembleia da República, e o segundo ser eleito pela Assembleia da República por maioria qualificada de dois terços, como nos projectos do MDP/CDE, do PRD e do CDS?
Defendo a última solução, entre outras razões, por ser, das duas, em minha firme convicção, a única constitucional, que não cede, de modo nenhum, perante o argumento de autoridade que aqui foi invocado - prezo muito o Prof. Jorge Miranda, mas pergunto quantas vezes ele se tem encarregado de não ter razão. Sempre defendi que não é lícito a esta Assembleia - salvo em sede de revisão constitucional - alterar, ainda que por simples acrescento, as competências do Presidente da República. É verdade que o atropelo tem antecedentes. Esta Assembleia cometeu ao Presidente da República, contra a minha opinião e o voto do meu partido, competência para designar o presidente do Conselho Superior da Magistratura, mas logo na revisão constitucional nos apercebemos do que havia errado nessa solução e a revogámos sem nenhuma espécie de voto contra - se bem me recordo. Mas contra a minha opinião - por mais de uma vez expressa - e com o mesmo defeito.
A definição das competências do Presidente da República constituem reserva da Constituição. São as que dela constam e só essas. Por isso mesmo, e ao contrário do que acontece com as competências da Assembleia da República e do Governo, não admite a Constituição outras previstas ou a prever na lei.
Compreende-se que assim seja. Pode a Assembleia atribuir-se novas competências, que não ofende a sua vontade. Delibera sobre si própria. Pode a Assembleia acrescentar as competências do Governo, que fiscaliza e dela depende. Mas não pode, sem correr o risco de ferir a vontade e desrespeitar a soberania do Presidente da República, atribuir-lhe competências que, prévia e constitucionalmente, não tenha. Se assim não fosse, o que, por absurdo, nos impediria de lhe outorgar as mais deslustrantes?
Por absurdo, porque não haveríamos de atribuir ao Presidente da República, em termos caricaturais - é aí onde os problemas se tornam mais claros -, a competência para varrer o Rossio?
Outro aspecto: se viermos a incluir o Presidente da República e a Assembleia da República no rol das entidades sujeitas à fiscalização ética da Alta Autoridade, é apesar de tudo menos chocante que o fiscalizado designe o fiscal, sendo aquele um órgão colectivo, do que sendo um orgão individual; menos sendo a escolha por eleição que pressupõe um vasto consenso, do que por nomeação que comporta algum arbítrio.
Por último: quando, a título excepcional, a Constituição entendeu dever cometer ao Presidente da República competência para a nomeação do presidente do Tribunal de Contas e do procurador-geral da República, por exemplo, disse-o expressamente, uma vez mais sem prever outras nomeações previstas na lei. O paralelismo, aliás, se algum existe, vai para o Provedor de Justiça, que esta Assembleia igualmente elege.
2.ª questão. - Nomeação ou eleição, por proposta de quem? Do Governo, como nos projectos do PSD e do MDP/CDE, por proposta de qualquer partido político, como no projecto do PRD, ou por proposta de qualquer grupo parlamentar, como no projecto do CDS?
Vou por aqui. O Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública, será, de entre os órgãos de soberania, o mais extensamente fiscalizado. Não parece curial que seja ele quem propõe o seu próprio "fiscal".
A proposta "por qualquer partido político" seria sempre inadequada. Ainda que sem representação parlamentar? Opto por que se defira a iniciativa aos grupos parlamentares, com a consequente garantia de prévia ponderação entre os seus membros, que não deixará de ter lugar.
3.ª questão. - Deve ou não revogar-se a norma em vigor que exclui da esfera de acção da Alta Autoridade os actos administrativos praticados pelos titulares dos órgãos de soberania?
Defendo que deve, com dúvidas sobre se constitucionalmente ou, pelo menos, legalmente pode. Foi esta, de resto, a atitude assumida pelo meu partido no seu último programa eleitoral.
À primeira vista, não tem defesa, e chega a ser chocante, este privilégio, traduzido numa aparência de impunidade.
Mas convém não esquecer que a norma em vigor prevê que aqueles actos sejam objecto de lei especial, tudo hoje se reduzindo à falta dessa lei.
Não é sem razão que a Constituição prevê para os titulares dos cargos políticos um especial estatuto de responsabilidade política, civil e criminal, por actos ou omissões que pratiquem no exercício das suas funções. Nem sempre é fácil, com efeito, conciliar o regime geral de responsabilidade civil e criminal com as prerrogativas de autoridade, sobretudo quando de soberania, de que aqueles titulares desfrutem.
Essa conciliação é cometida à lei. Só que, até hoje, esta Assembleia - a quem em exclusivo compete aprová-la no que aos titulares dos órgãos de soberania e do poder local diz respeito - ainda se não desincumbiu desse encargo. Foi pois com inteira justificação que

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o Governo se eximiu a submeter os actos dos titulares dos órgãos de soberania à esfera de acção da Alta Autoridade, por ele instituída. Se a responsabilidade não estava definida, e só a Assembleia da República podia em exclusivo defini-la, havia que aguardar, a definição.
Desta, vez a questão é colocada em sede própria. Mas persiste a dificuldade consistente em se admitir a fiscalização ética de uma responsabilidade não previamente definida. Tal como vem proposta, a Alta Autoridade fiscaliza o que?
Não creio que à saída seja fácil. Se convergirmos na conveniência em alargar sem demora o âmbito de acção da Alta Autoridade, estaremos de acordo em dilatá-lo sem previamente definirmos a responsabilidade em concreto incluída naquele âmbito?
Uma nova fuga em direcção a uma lei especial, que a um tempo preveja a fiscalização e defina o seu objecto, corre o risco de novo adiamento, sem fronteira temporal previsível. A tentação de nos precipitarmos sujeitando desde já os actos dos titulares dos órgãos de soberania à esfera de acção da Alta Autoridade, essa comporta o risco de nos ficarmos pela aquietação das nossas consciências, sem no plano prático termos adiantado um passo.
Deixo aqui a minha opção e a minha própria perplexidade.
4.ª questão. - Deve a Alta Autoridade beneficiar de estatuto equivalente ao de Ministro, como no projecto, do PSD, ou ao do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, como nos projectos do CDS e do PRD?
Respondo sem hesitar contra esta última solução. Tende a coroar uma perigosa tendencia para a judiciarização da Alta Autoridade contra a Corrupção, de que em muitos outros aspectos enfermam o projecto do PRD, e em menor grau o do CDS, e, não menos, a tendencia, de que se tem abusado, para valorizar novos cargos tomando como pontos de referência a dignidade de outros, com a consequente minimização destes, além da ambiguidade que assim se estabelece. Com ou sem razão, há quem pretenda que ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça compete à representação do órgão de soberania que, no seu conjunto, os tribunais constitucionalmente são. Que se diria se a equiparação nas honras, direitos e regalias da Alta Autoridade se fizesse com referência ao presidente de outro órgão de soberania, ao Presidente da República, ao Presidente da Assembleia da República ou ao Primeiro-Ministro?
Se se pretende um significativo reforço da dignidade do cargo, suba-se o degrau que vai de Secretário de Estado a Ministro. Mas não se suba acima dessa "chinela" dourada!
5.ª questão. - Mandato de 3 anos, como propõe o PSD, de 5 anos, como propõe o PRD, ou de 4 anos, como no texto em vigor?
Há, nesta escolha, muito de convencional. Mas, defendendo eu, aí com firme convicção, a eleição do alto-comissário pela Assembleia da República, tem lógica que a duração do mandato daquele coincida com a duração do mandato desta.
6.ª questão. - Deve a Alta Autoridade gozar de autonomia financeira, como o projecto do MDP/CDE, ou de simples autonomia administrativa, como nos projectos do PSD, do CDS e do PRD?
Não vejo razão para lhe outorgar autonomia financeira. Onde as receitas próprias? Tem-se abusado do recurso às excepções ao princípio da unidade do Orçamento do Estado. Não se justifica aqui mais uma, que aliás poderia ser portadora de alguns efeitos perversos.
Acho bem que a impossibilidade física do alto-comissário passe a ser declarada pelo Tribunal Constitucional, e que a Alta Autoridade passe a funcionar junto da Assembleia da República, em consonância com a atribuição a esta da designação do alto-comissário.
Mas reajo mal a que:

Se atribua appertis verbis, à Alta Autoridade competência, para a averiguação de "crimes";
Se convertam as autoridades judiciárias em sujeitos passivos do dever de cooperação devida à Alta Autoridade, contra o disposto, no artigo 209.º da Constituição, onde precisamente se consagra o direito dos tribunais, à coadjuvação das outras autoridades;
Se atribua à Alta Autoridade, no âmbito das suas atribuições, a coordenação, das acções empreendidas, não importa por que entidades públicas, no combate à criminalidade (essa função, como aqui foi salientado, compete necessariamente ao Ministério Público);
Se concedam à Alta Autoridade poderes de investigação que os juízes e o Ministério Público não possuem;
Se preveja que a Alta Autoridade possa efectuar, uma investigação "sem sujeição a qualquer formalismo especial" e adoptar "todos os procedimentos razoáveis", que eu não sei o que seja, abrindo assim as portas a uma perigosa indefinição processual.

Srs. Deputados: não nos estaremos iludindo? Não estaremos, a propósito da Alta Autoridade, a conceder a esta, às pressas, meios de intervenção que temos recusado, aos sistemas judiciário e policial? Não estaremos nós, inconscientemente, a tentar resolver um problema criando outros? Não estará implícita em tudo isto uma crítica ao mau funcionamento dos nossos tribunais, das nossas polícias de investigação e de segurança, do nosso sistema prisional? Cheguei ao fim da leitura dos projectos em apreço, com a amarga sensação de que nos estamos abeirando de mais uma forma de adiar, e não fazer uma correcta política criminal.
Quando concebemos a Alta Autoridade que aí está, a produzir trabalho positivo dentro da modéstia do seu desenho institucional - em grande parte por mérito próprio da individualidade que desempenha o cargo e a quem eu quero aqui endereçar um muito sentido e sincero cumprimento -, não a visionámos como uma instância paralela das instâncias formais de controle da criminalidade. Tivemos consciência de que dávamos vida a uma instituição atípica, dirigida a uma criminalidade específica, mas de modo nenhum substitutiva ou sequer anestésica dos instrumentos típicos de combate ao crime: as polícias, o Ministério Público e os tribunais.
Receio que, no propósito de combater o flagelo das consciências, os autores dos quatro projectos em apreço a espaços se tenham esquecido de não desviar o ramo donde se vende o vinho.

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Mas não quero ser defectista. Há, nos quatro projectos, muito de bom por entre o menos bom ou mesmo o que não presta. Por isso votaremos a favor de todos na generalidade, com claras opções e fundas discordâncias na especialidade.

Aplausos do PS, do PRD e do deputado independente Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Andrade Pereira.

O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, queria começar por prestar uma homenagem à beleza literária e à riqueza e graça do bosquejo histórico de que a sua notável intervenção se revestiu, o que para mim não é novidade, de algum modo, conterrâneos que somos.
De qualquer modo, aproveitando essa lição da história, o Sr. Deputado acaba por concluir que não deveríamos procurar o remédio na foz, mas sim na nascente, e inculca que um dos inconvenientes, ou melhor, uma das etiologias da crise de corrupção que vivemos estará, porventura, e desde logo, num excesso de legislação que, efectivamente, temos, e nem sempre coerente, nem sempre perfeitamente harmonizável.
A pergunta que faço ao Sr. Deputado é se esse excesso de legislação não resultará, exactamente, de um excesso de intervenção do Estado na vida do País, dos cidadãos, e se uma boa parte do remédio para esse mal não estaria, exactamente, na dessocialização do Estado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, também para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, mais do que um pedido de esclarecimento, queria também deixar claro o prazer com que ouvi uma intervenção com o brilho literário e com a profundidade a que o Sr. Deputado Almeida Santos sempre nos habituou, sem prejuízo de, de facto, me parecer que, mais uma vez, se entrou muito na análise da especialidade. Mas penso que o contributo dado pelo Sr. Deputado Almeida Santos foi valiosíssimo e só queria dizer que, como aliás referi há pouco - mas gostaria mais de o fazer agora perante uma intervenção deste nível e qualidade -, algumas das críticas concretas que fez ao nosso projecto merecem o meu acordo. Designadamente, e como tinha dito na Comissão, penso que a Alta Autoridade deve ser equiparada a Ministro e não a Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; entendo que o prazo de 4 anos é o mais adequado, além de algumas outras.
Já agora, quero dizer também que há vários aspectos nomeadamente quanto à parte constitucional e quanto à teoria dos poderes implícitos, que nos poderiam levar mais longe neste problema da constitucionalidade. Mas, até na medida em que já afirmámos que iremos votar na generalidade a favor de todos os projectos, não nos parece serem estes a sede e o momento próprios para estar a aprofundar estes aspectos.
A pergunta que lhe queria fazer é no sentido de saber se posso considerar implícito nas suas palavras que o Sr. Deputado Almeida Santos veria com mais agrado que, em vez destes projectos de lei para reforçar os poderes da Alta Autoridade, a situar no âmbito da Assembleia e não do Governo, como até agora, fazendo com que possa exercer a sua fiscalização também sobre os titulares dos órgãos de soberania, houvesse uma reforma no domínio penal, se entende que ela seria mais útil e se entende que estas duas vias não poderão ser, possivelmente, com utilidade, complementares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos para responder.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Andrade Pereira, muito obrigado por ter lembrado que somos da Guarda, coisa que eu muito prezo - continuo a ser um homem da Guarda -, mas queria responder muito sucintamente às suas duas questões.
Entendo que, efectivamente, nós deveríamos atacar as causas e não as consequências. A corrupção é um resultado, é um produto que passa pela alma humana e, como se sabe, é muito difícil melhorar, sobretudo de um dia para o outro e através de instrumentos como estes, o comportamento e a alma dos homens.
Mas, acho que, por exemplo, eliminando a burocracia, poderíamos dar um grande contributo para a redução da tentação de os homens incorrerem em actos condenáveis deste género. Já alguém lembrou que, no fundo, a corrupção é a arte de criar dificuldades para vender facilidades. Acho isto uma síntese admirável. Se nós eliminarmos as dificuldades não haverá facilidades para comprar e vender.
Por outro lado, penso que a vertiginosidade com que se legisla, o desconhecimento das próprias leis e a ineficácia do respeito das leis, exactamente porque mudam todos os dias, são também um factor que poderia contribuir para a moralização da vida administrativa.
Mas sobretudo penso que deveríamos eliminar algumas barreiras que hoje existem, não no sentido da dessocialização do Estado - já lá vou! - mas no sentido da simplificação da vida dos Portugueses. Acho que há barreiras a mais nas nossas vidas, há alfândegas a mais e que, necessariamente, quando temos uma dificuldade pela nossa frente, e quando desejamos alguma coisa ardentemente, a tendência humana é para vencer a dificuldade, para arredá-la, nem sempre pelos processos mais lícitos.
Eu não vejo que possa falar-se aqui e em Portugal em dessocialização do Estado porque, como calcula, não estou de acordo em que tenhamos um Estado socializado ou socialista e portanto não se pode dessocializar um socialismo que não existe.
Queria dizer-lhe também o seguinte: não creio que a liberalização da economia - é normalmente aí que se põe o problema - ou mesmo que a redução da intervenção do Estado na vida dos cidadãos, a tal libertação da sociedade civil de que os senhores gostam tanto de falar, tenha algum reflexo no problema da corrupção. Não tem!
Penso, pelo contrário, que se o socialismo é aquilo que eu penso - a procura constante de justiça social -, se essa é uma sua tradução - no fundo mais resumida -, e se pudermos eliminar focos de injustiça, eliminamos muitas das maiores e mais influentes causas da corrupção. Como vê, acho que, nessa medida, bom seria que fugíssemos do liberalismo, sobretudo quando selvagem, e socializássemos um pouco mais os nossos comportamentos e o nosso esquema de vida.

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Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, muito obrigada pelas suas palavras. Estou de acordo consigo no sentido de que estas iniciativas são úteis - eu próprio o disse. Não quero é que nos iludamos acerca da sua eficácia para daí partirmos para não fazermos mais nada. O que eu acho é que não devemos criar um mercado paralelo de esperanças e, pior ainda, de ilusões, julgando que com estas leis resolvemos um problema que vem, como vimos, desde o princípio dos tempos.
Acho que devemos fazer tudo: fazer a reforma prisional, fazer a reforma criminal, definir, como nunca definimos, uma política criminal ao nível dos comportamentos humanos, saber o que é que é eficaz para que os homens se reconduzam e se ressocializem nos seus comportamentos e também, cada vez que haja efectivamente tendência para o abuso, fazer com que haja instrumentos como este para combater esse abuso.
Devo dizer que esta Alta Autoridade surgiu a meus olhos como um acto de coragem de um Estado que aceita, ele próprio, autofiscalizar-se. E se não foi desde logo incluída a fiscalização dos actos dos órgãos de soberania foi porque havia, e a meu ver ainda subsiste, um obstáculo formal que é o de não estar definida essa responsabilidade, pelo menos, no domínio criminal, e, portanto, desde que nós possamos saltar sobre esta dificuldade, acho que os principais fiscalizados - se é que a palavra fiscalização é adequada aqui - devem ser, exactamente, os membros dos órgãos de soberania, porque o exemplo tem de vir de cima, a administração tem de ser transparente e um governante ou um legislador que se preze não tem de recear, antes pelo contrário, deve desejar a mais intensa fiscalização dos seus próprios actos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Devo preliminarmente dizer que ainda no fim desta manhã não sabia que aqui viria intervir.
Acontece que, quando estava na reunião do Conselho de Ministros, tive conhecimento de que tinha sido atribuído um tempo, na reunião de líderes dos grupos parlamentares, ao Governo. Entendo que essa atribuição pressupõe a intencionalidade de a Assembleia da República ouvir a opinião do Governo. Essa é a razão porque aqui estou.
Devo dizer, ainda numa segunda fase destas considerações preliminares, que, depois de ouvir o meu querido amigo deputado Almeida santos, me sinto de certa maneira, corrompido pelo brilho da sua exposição e pelo afectividade com que sempre o ouço. Daí que, felizmente, me acautele a "Alta Autoridade", implícita das posições do meu partido, que me refreiam qualquer excesso de afectividade e de subjectivada sintonia com as posições expedidas pelo Sr. Deputado Almeida Santos.
Devo dizer, entretanto, que grande parte delas são comuns às que ouvi salientar por parte dos meus companheiros de partido e que quase todas elas são inteiramente justificadas.
É evidente que não sofre dúvida que todos nós comungamos no mesmo propósito de combater a corrupção. Todos sabemos a etiologia desse fenómeno, fenómeno esse historicamente situado que se perde na noite dos tempos e que clinicamente aflora com maior acuidade, com maior intensidade, normalmente, como epifenómeno de qualquer tipo de crise.
Acontece também que nós, Portugueses, temos uma inarredável tendência para atribuir a entidades estranhas ao nosso próprio esforço a solução dos nossos próprios problemas. Radica aí, em muita medida, a cunha e - com todo o respeito que me merece esta entidade espiritual -, a expectativa de um milagre temporal.
Sentimos uma persistente esperança de que poderemos resolver os assuntos sem um contributo do nosso próprio esforço. Ora, é disso tributário o fenómeno da corrupção. Mas, para além daqueles fenómenos sociológicos que aqui já foram suficientemente enunciados, são também disso tributários os dois aspectos que o Sr. Deputado Almeida Santos referiu: o excesso de legislação e o mau funcionamento dos tribunais ou, pelo menos, o não eficaz funcionamento dos tribunais ou, pelo menos, o não eficaz funcionamento dos tribunais ou do aparelho judiciário.
O excesso de legislação é um fenómeno comum a todos os países, é uma expressão da época: é a explosão da legislação, é a hiper lexis - uma nova doença que acomete o bom cidadão norte-americano ou o bom cidadão de outros países - é a elefantíase legislativa. Quantos e quantos nomes têm sido dados a esta realidade.
Reconheço, que por entre a floresta de normas, perante a dificuldade de percursos para desvendar a situação da pessoa no ordenamento legislativo, por vezes traumatizado por um legislador demasiado apressado e movido pela necessidade de legislar em cima da hora, e face a uma conjuntura, resultou o excesso de legislação que faz arredar as pessoas da noção exacta do que é a lei e de que até que ponto é que a lei deve comandar e regular os seus actos.
Por outro lado, todos nós sabemos que quando os tribunais não têm capacidade de responder em tempo útil às pretensões que desapontam de legítimos interesses dos cidadãos, nasce a tendência para recorrer a mecanismos paralelos, subprodutos de uma má justiça privada; são as práticas subterrâneas, ilegais, ilícitas e que, de degrau em degrau, descambam em declarada corrupção.
Trata-se de um fenómeno notório e contra o qual de tem de munir o aparelho de Estado com todos os meios disponíveis.
Devo dizer que a posição assumida no projecto de lei do Partido Social-Democrata, quanto ao local de inserção e à forma de designação de Alta Autoridade, me parece figurável. Não há dúvida, como à pouco foi referido, que não existe um numeros clausus em relação aos poderes do Presidente da República, ou, pelo menos, pode ser sustentável a posição de que não há esse numerus clausus. A meu ver, o argumento mais impressionante é o facto de o Presidente da República, depois da revisão constitucional, ter passado a ser. Salvo erro nos termos do artigo 123.º da Constituição, o garante do regular funcionamento das instituições democráticas. E, quando a lei atribui uma função deve atribuir os meios para bem se cumprir essa função. Daí que me pareça figurável, perfeitamente contestável, a posição assumida pelo meu partido. Entendo, no entanto, que, em sede de especialidade, se chegará por certo, à solução mais adequada.
Há pouco, salvo erro o meu querido amigo, Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, disse estar-se a

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recair demasiado em exame na especialidade. Penso que, neste caso fazer o exame na especialidade servirá para perspectivar um juízo sobre a generalidade, já que é pelo canal do exame dos preceitos específicos que se captará qual o envolvimento genérico da intencionalidade do legislador. Ora, creio que, efectivamente, atribuir à Alta Autoridade, seja qual for a dimensão que lhe queiramos outorgar, o dever directo de cooperação de todas as instituições judiciárias e de averiguação judiciária é abrir-lhe a hipótese de excessiva intromissão na vida das instituições e das pessoas. Recordo os velhos casos que se passavam antes do 25 de Abril. Eram os advogados a ser compelidos a desvendar ou a violar o seu segredo profissional - e que nunca o fizeram. Eram os advogados a ser forçados a desvendar os seus arquivos profissionais - e que nunca o consentiram. Pois bem. Movidos num consenso unânime, espontâneo e iniludível, estamos aqui para encontrar soluções democráticas e não relutamos em pisar terrenos movediços, terrenos de democraticidade problemáticos!...
Ponho dúvida que esse seja, realmente, um caminho a trilhar.
Por outro lado, aflora, quer se queira quer não, a ideia de que se está a criar como que uma nova magistratura, o que também é um perigo.
Entendo que o Ministério Público faz parte do órgão de soberania que são os tribunais, não só pela sua colocação no texto constitucional mas também pela natureza das suas funções. Ó Ministério Público - e cito isto de cor, portanto sem fiabilidade absoluta - é o garante da legalidade democrática, o promotor dos meios de justiça que se destinam a assegurar a legalidade democrática. Por assim ser, dever-se-á evitar que um instituto de excepção, vocacionado, naturalmente, para um período transitório - para um período de melhor acomodação à normalidade democrática - que tudo se deverá fazer para que seja tanto quanto possível brevemente superado - seja erigido numa instituição permanente, duradoura e solidificada nas nossas leis e nos nossos costumes. Trata-se de uma task force - e não de um meio institucionalmente sistematizável.
Entendo, portanto, que não se deverá criar uma autoridade a quem seja conferida uma autoridade tão grande que acabe por desautorizar as demais autoridades. Dever-se-á compatibilizar o acidental com o essencial.
Devo dizer que o decreto-lei do IX Governo foi publicado quando a ele não pertencia, do que portanto não me advém uma solidariedade por assim dizer por tabela. Em breve parêntese implicitarei que a solidariedade não é uma mera circunstância, mas uma situação disponivelmente assumida, e que ainda hoje me mantenho solidário com muitas das medidas assumidas por esse governo, até porque muito me honro de dele ter feito parte. Seja como for, a formulação textualizada no IX Governo parece-me uma solução certa, que acautelou as dúvidas que ainda agora aqui o Sr. Deputado Almeida Santos, com toda a frontalidade, revelou.
Dúvidas sobre a constitucionalidade da fiscalização dos órgãos de soberania? Pois, seria ideal que todos os órgãos de soberania fossem fiscalizados. Tal como o Sr. Deputado Almeida Santos, fiz - espero vir novamente a fazer - uma intensa vida de advogado e é com muito orgulho que lhe digo que tive a sorte de não encontrar um juiz "louco". Felizmente, todos os que encontrei tiveram juízo, quer na sua vida privada quer na sua vida funcional, e não encontrei nenhum
juiz, nenhum magistrado do Ministério Público... Parece que aconteceu um caso recente, mas já depois da minha saída da advocacia efectiva, a quem se pudesse lançar pedras.
Existirão casos de outros órgãos de soberania porventura figuráveis. Mas, na verdade, a existência de uma alta autoridade, de um instituto excepcional de fiscalização seria figurável se não duvidasse da sua constitucionalidade e da sua pertinência.
Entendo que a fórmula encontrada no projecto de lei do PSD é nesse ponto singularmente feliz. Estou com ela como se eu próprio a tivesse escrito!
Não quero tirar mais tempo à Assembleia. Devo no entanto dizer, fazendo minhas as palavras do Sr. Deputado Almeida Santos, que há que fazer uma reflexão conjunta, uma reflexão conjugada, e estou certo de que dela resultará um texto aperfeiçoado, com melhoradas soluções. Se me permitem, e não obstante o muito apreço que tenho por todos os Srs. Deputados que subscreveram o projecto de lei do PRD, que é o que aqui tenho à minha frente, a começar pelo primeiro subscritor, o Sr. Deputado Jorge Pegado Liz, a verdade é que se deverão encontrar soluções talvez mais imaginosas, que atinjam os fins em vista e que dêem cumprimento - permito-me insistir - a esta task force, a esta situação excepcional com meios que não colidam com o normal equilíbrio das instituições democráticas. Há que sobrestar a qualquer colisão dos mecanismos temporários com as soluções permanentes. E mesmo na sede da soberania legislativa, será de cuidar que não se prepare qualquer transgressão do normal equilíbrio entre os órgãos do aparelho do Estado.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de passarmos à votação dos projectos de lei em discussão, vai ser lido um relatório e parecer da Comissão de Regimentos e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião realizada no dia 16 de Janeiro de 1986, pelas 15 horas, foram observadas as seguintes substituições de deputados:

Solicitada pelo Partido Social-Democrata:

Francisco José Pereira Pinto Balsemão (círculo eleitoral de Lisboa) por Francisco Rodrigues Porto. Esta substituição é pedida a partir do dia 15 de Janeiro corrente, inclusive, até ao final da presente sessão legislativa.

Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:

Joaquim Rocha dos Santos (círculo eleitoral do Porto) por João José Camacho Borges de Pinho. Esta substituição é pedida por um período não inferior a 15 dias, a partir do dia 16 de Janeiro corrente, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de fun-

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çoes, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Presidente, António Cândido Miranda Macedo (PS) - Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Henrique Rodrigues da Mata (PSD) - António Roleira Marinho (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - Mário Manuel Cal Brandão(PS) - Joaquim Carmelo Lobo (PRD) - Carlos Matias (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - José Manuel Antunes Mendes (PCP) - António José Borges de Carvalho (CDS).

O Sr. Presidente: - Está em votação o relatório e parecer que acaba de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos agora à votação na generalidade, dos quatro projectos de lei que temos estado a apreciar sobre a Alta Autoridade contra a Corrupção.
Em primeiro lugar, vamos votar o projecto de lei n.º 30/IV, do MDP/CDE.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Passamos à votação do projecto de lei n.º 85/IV, do PRD.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o projecto de lei n.º 96/IV, do CDS.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Passamos agora à votação do projecto de lei n.º 97/IV, do PSD.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD do PS, do CDS e do deputado independente Lopes Cardoso, votos contra do PCP e do MDP/CDE e a abstenção da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Encontra-se ainda na Mesa, para votação, um requerimento que vai ser lido.

Foi lido. É o seguinte:

Requerimento

Exmo. Presidente da Assembleia da República

Os deputados abaixo assinados requerem a baixa à 1.ª Comissão (Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias), pelo prazo de 30 dias, para apreciação na especialidade dos projectos de lei que acabam de ser aprovados na generalidade, sobre a Alta Autoridade contra a Corrupção.

O Sr. Presidente: - Vamos votar.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a ordem de trabalhos para amanhã, com início às 10 horas, versará perguntas ao Governo. Para o efeito, foram já distribuídas as respostas, estando, portanto, Os Srs. Deputados informados.
Está encerrada a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

José Assunção Marques.
Rui Alberto Barradas do Amaral.
Rui Manuel de Oliveira Costa.

Partido Comunista Português (PCP):
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

José Luís Cruz Vilaça.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata. (PPD/PSD):

Amélia Cavaleiro Monteiro de A. Azevedo.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando Manuel A. Cardoso Ferreira.
Fernando Monteiro Amaral.
João Luís Malato Correia.
Luís António Damásio Capoulas.

Partido Socialista:(PS):

Alfredo José Somera Simões Barroso.
António Manuel Maldonado Gonelha.
Armando António Martins Vara.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Manuel N: Costa Candal.
Carlos Montez Melancia.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
José Barbosa Mota.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Raúl Manuel Gouveia B. Junqueiro.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Teófilo Carvalho dos Santos.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Eduardo A. de Sousa Pereira.
Joaquim Jorge de Magalhães S. Mota.
José Maria Vieira Dias de Carvalho.
José da Silva Lopes.
Maria Cristina Albuquerque.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Página 797

17 DE JANEIRO DE 1986 797

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
Carlos Alfredo de Brito.
Joaquim Gomes dos Santos.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Tomás Gomes de Pinho.
Manuel Eugénio P. Cavaleiro Brandão.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Rectificações

1 - Ao n.º 105, de 10 de Julho de 1985 (III Legislatura, 2.ª Sessão Legislativa).

Na p. 3949, col. 2.ª, a seguir ao articulado do projecto de lei n.º 121/III (Criação da freguesia de Pedrouços no concelho da Maia), onde se lê "(O mapa a que se refere o artigo 2.º está publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 10, de 28 de Junho de 1983)" deve ler-se "(O mapa a que se refere o artigo 2.º está publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 90, de 22 de Maio de 1985, p. 2960)".

2 - Ao n.º 4, de 15 de Novembro de 1985.

Na p. 71, col. 2.ª, no registo dos deputados do PSD que faltaram à sessão deve eliminar-se o nome do deputado Licínio Moreira da Silva, que esteve presente à sessão, presença registada, aliás, a p. 58.

3 - Ao n.º 12, de 6 de Dezembro de 1985.

Na p. 382, col. 1.ª, 1. 36 a 1. 39, onde se lê "vou ser rápido. Apenas quero referir que é fundamental que haja independência dos gestores públicos, independência real e não aparente", deve ler-se "vou ser rápido, já que apenas pretendo reafirmar a importância da independência dos gestores públicos, uma independência que tem de ser real e não aparente".
Nas mesmas página e coluna 1, I. 42, onde se lê "iniciativas desse tipo" deve ler-se "iniciativas semelhantes".
Nas mesmas página e coluna, 1. 43 a 1. 46, onde se lê "Como segundo ponto, quero referi-lhe que há dois artigos fundamentais na nossa Constituição, que são os artigos 61.º e 83.º, que são claros e inequívocos neste caso, falando na autogestão e nas cooperativas" deve ler-se "Em segundo, quero referir-lhe que há dois artigos fundamentais na nossa Constituição, o 61.º e o 83.º, que são claros e inequívocos neste caso: falam da autogestão e das cooperativas".

Página 798

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