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28 DE FEVEREIRO DE 1986 1245

ou não justiça nesse juízo, existe consenso entre todos os partidos para considerar a TV como ré convicta de parcialidade ou de favoritismo. Só há divergências evidentes é sobre quem são os beneficiários desse pretenso favoritismo ...
Sr. Presidente, Srs. Deputados: As transformações técnicas e o circunstancialismo político atrás invocados explicam, talvez, a razão por que a maioria dos partidos representados nesta Assembleia admite hoje, ao contrário do passado, e pelo menos de jure condendo, o acesso das entidades diversas do Estado à Radiotelevisão.
Mas, volvendo agora a nossa atenção para os problemas jurídicos que têm de ser dilucidados a propósito desta proposta de lei do Governo, distinguiremos três questões principais: Primeira, se é lícito conceder o serviço público de televisão a entidades diversas do Estado e da actual empresa pública concessionária; segunda, se é constitucionalmente admissível atribuir à Igreja Católica um canal de televisão e a que título jurídico; terceira, quais são os princípios que devem reger as concessões de serviço público televisivo a serem outorgadas.
A primeira questão tem a ver com a interpretação correcta do artigo 38.º, n.º 7, da Constituição, onde se prescreve que:

A televisão não pode ser objecto de propriedade privada.

Digamos, antes de mais, que a explanação pormenorizada das diferentes teses que têm sido sustentadas acerca do sentido e do alcance deste preceito exigiriam uma descrição detalhada de «pré-compreensão» e dos topoi escolhidos pelos diversos interpretes, o que, brevitatis causa, nos não é possível aqui fazer. Há, em resumo, os que pensam que a «propriedade privada», que nesse artigo se refere, corresponde ao que o Código Civil disciplina nos seus artigos 1302.º e seguintes, conceito que é também usado no artigo 62.º da própria Constituição. A restrição do artigo 38.º, n.º 7, significa que o legislador constituinte instituiu um regime de direito público em matéria de televisão, assegurando que a titularidade do direito público de propriedade pertence sempre ao Estado ou, através de um esquema de divisão de poderes, a uma pessoa colectiva de direito público que integre a Administração. Mas a gestão de exploração, essa, tanto pode ser realizada directamente pelo Estado como pode ser concedida a uma pessoa colectiva diversa, quer de natureza pública, quer cooperativa, quer puramente privada. A concessão no seu âmbito poderá abranger a simples exploração de frequência ou também a propriedade das infra-estruturas e dos instrumentos necessários à produção e transmissão dos programas de televisão.
Posição oposta sustentam os que entendem que a expressão «propriedade privada» é equivalente a «sector privado», tal como é descrito no artigo 89.º, n.º 3, da Constituição, retirando daí a consequência de que a gestão da televisão nunca poderá ser entregue a pessoas colectivas privadas ou, pelo menos, a pessoas colectivas que não integrem a Administração Pública.
Inclino-me claramente no primeiro sentido. Militam a seu favor não só razões históricas aquando da elaboração da Constituição de 1976 (Diário da Assembleia Constituinte, p. 1100) e da revisão constitucional de 1982 (ver Jorge Miranda, Revisão Constitucional e
Democracia, Lisboa, 1983, pp. 81 a 82) como sobretudo e mais directamente ainda razões de ordem valorativa e sistemática. Desde logo não parece poder admitir-se qualquer subordinação do artigo 38.º, n.º 7, ao artigo 89.º, pois que tal implicaria que a nossa lei fundamental adoptara uma percepção economicista de televisão no sentido que criticámos há pouco a propósito da experiência americana, enquadrando-a na constituição económica - é bem característica a referência no artigo 89.º a sectores de propriedade dos bens de produção - e não a enquadrando, como deve ser, na constituição cultural.
Ouvimos, aliás, há pouco uma clara explanação neste sentido feita pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
Mas a inclusão do preceito que vimos comentando - o artigo sobre «Liberdade de imprensa e meios de comunicação social» (artigo 38.º), ele próprio inserido no capítulo I do título n sobre direitos, liberdades e garantias - e desenvolvendo sob o ponto de vista dos mass media, a clássica liberdade de expressão e de informação afasta claramente tal interpretação.
Diversos outros argumentos poderiam ainda ser esgrimidos, como, por exemplo, o facto de os bens das entidades públicas mencionadas no artigo 89.º, n.º 2, poderem ser objecto de propriedade privada, o que permite inferir que o problema do domínio público e do seu modelo de gestão estão fora do âmbito do citado artigo, conclusão que é reconfortada pelo facto de as duas matérias serem tratadas em alíneas diferentes do artigo 168.º, n. º 1, da Constituição, a alínea y) e a alínea x).

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito bem!

O Orador: - Seria também lícito, citando-se o disposto no artigo 41.º, n.º 5, da Constituição e a necessidade de se chegar a uma «concordância prática», concluir que os meios de comunicação social próprios, garantidos a qualquer religião, envolvem, no que concerne à televisão, a faculdade de terem a gestão, que não já a propriedade, dos meios televisivos adequados.
Neste ponto, divergimos frontalmente da interpretação constitucional dada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cardia.
Chegamos, assim, a uma posição favorável à concessão do serviço público televisivo a entidades diferentes da actual concessionária e que podem ser públicas ou privadas.
Estamos, por isso mesmo, agora em condições de abordar o segundo problema: é legítimo, numa perspectiva jurídico-constitucional, atribuir um canal televisivo à Igreja Católica como esta reiteradamente vem solicitando? As discordâncias neste tema registam-se a propósito, nomeadamente, do princípio de igualdade, afirmando-se designadamente que tal concessão se traduziria num privilégio em prejuízo de outras religiões ou até de outros grupos, associações ou mesmo de pessoas colectivas com fins lucrativos, isto é, sociedades.
A observação crítica seria certamente procedente se com a outorga da concessão se visasse o seu exclusivo. Mas tal não é manifestamente o caso, como resulta inequivocamente da proposta de lei do Governo. Sob o ângulo técnico, sabe-se que, na actual fase de desenvolvimento, existe a possibilidade de fazer funcionar em Portugal pelo menos quatro canais e que o quinto, embora em condições mais difíceis, não é impossível.

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