O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

20 DE MARÇO DE 1986

mento da verba consignada à Secretaria de Estado da Cultura para o ano corrente; o aumento é de 49 % em relação a 1985. Mesmo assim, como é óbvio, estamos longe de atingir o limite mínimo e honrado para se começar a encarar séria e definitivamente o problema cultural português; ou, dito de outra maneira, temos um Orçamento incapaz de corresponder à dinâmica das motivações primeiras para o acesso à cultura e também às justas expectativas dos cidadãos em geral e dos agentes culturais em particular. Com efeito, o Orçamento agora apresentado obriga-nos a tecer algumas considerações.

Primeiro, o problema de maior acuidade prende-se com a defesa e a expansão da língua portuguesa, não só junto das comunidades portuguesas e dos países de expressão portuguesa, como também junto de outros países, especialmente os da CEE.
É a língua o maior e mais poderoso instrumento para definirmos a nossa presença, porque ela é a matriz de mundividência, tradição, e onde ela se falar cumpre-se sempre uma parte de um processo cultural de que ela é o dinamizador contínuo de causa e efeito. A nossa língua está a perder presença na formação dos nossos concidadãos, nas jovens repúblicas africanas de expressão portuguesa e, como caso limite, nos antigos territórios que formavam o Estado da índia.
É de referir ainda a invasão das linguagens da informática, com códigos sincopados e estrangulados, expressando-se unicamente em inglês.
No Orçamento do Estado propõe-se para defesa e expansão da língua portuguesa no País e no estrangeiro a quantia de 61 500 contos. Só um pequeno exemplo demonstra o ridículo desta verba: tomando como preço médio de um livro o valor de 1000$ com 61 500 contos compram-se 61 500 livros.
Se só a população portuguesa é constituída por 10 milhões de habitantes, quantas páginas de um livro cabem a cada cidadão de Portugal?
A frieza dos números é o comentário que chega; outros comentários serão supérfluos.

Segundo, outro problema de grande acuidade, e que vem na sequência directa do enunciado no ponto anterior, prende-se com a leitura pública em Portugal.
É um dado adquirido não ser possível a transformação da mentalidade, e portanto da nação, sem existirem correctos, profundos e arreigados hábitos de leitura; em Portugal, não se lê, ou lê-se mal, ou lê-se pouco e o público leitor tende a ter cada vez mais as características de seita. Não fosse a acção da Fundação Calouste Gulbenkian (que por motivos óbvios não adjectivamos), que criou, mantêm e está a reforçar a sua rede de bibliotecas itinerantes e fixas, e o caos seria completo.
Neste e noutros aspectos, a Fundação Calouste Gulbenkian se é causa do nosso gáudio é simultaneamente vergonha da nossa miséria, já que ela não tem funções de Estado.
Sabem-no os países escandinavos, cuja rede de leitura é exemplo de caminho certo, que não desperdiça recursos nem dinheiro (a não ser que os tecnocratas pensem que os países nórdicos são subdesenvolvidos).
Entre nós só agora a Secretaria de Estado da Cultura fala na criação de um grupo de estudo para a criação de uma rede de leitura pública em Portugal. Se aplaudimos de mãos ambas esta decisão da Secretária de Estado, pessoa preocupada com este e outros problemas de âmbito igual, não podemos deixar de manifestar a nossa estranheza pela verba atribuída para a promoção e difusão do livro e animação de bibliotecas e centros de leitura: 40 000 contos.

Comentários para quê!

Terceiro, na sequência dos pontos anteriormente focados surge a situação deprimente da política do livro.
Enquanto a Espanha, por exemplo, é desde 1981 o 5.º país no mundo no ranking de títulos publicados, com mais de 30 000 títulos/ano e está em 4.º lugar na lista das exportações.
Mas, tendo em conta a relação produto interno bruto/exportações, a Espanha ocupa o 1.º lugar no mundo, conforme relatório n.º 155/85, da Secretaria de Estado da Cultura de 5 de Dezembro. Embora nem sequer se possuam dados rigorosos e actualizados sobre o caso português, sabemos ser a nossa situação descoordenada, nebulosa, enfim, inclassificável. No relatório já citado, rigoroso dentro do possível, e em face dos dados disponíveis, apontam-se soluções capazes de combater a crise editorial vivida em Portugal.
As soluções são de fácil execução, elas podem resolver, em parte, muitos dos problemas que atingem autores, editores, livreiros e cidadãos em geral, mas para isso é necessário que haja vontade. Ora, também neste aspecto se verifica estar orçamentada para o «apoio à edição de reconhecida utilidade literária» e «apoio ao estudo de obras clássicas e contemporâneas» a dotação de 62 000 contos.
Comentário perante esta verba; só caricaturando: se um bolo de arroz custa 30$, a verba para a política editorial dá para comprar 1 860 000 bolos de arroz, o que significa que num dia um décimo da população portuguesa podia comer quase dois bolos de arroz!

O desarmamento cultural é uma realidade e um objectivo deste Orçamento.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Luís.

O Sr. Joaquim Luís (PSD): - Sr. Deputado Armando Fernandes, foi com muito interesse que ouvi a sua intervenção e sobre ela gostaria de lhe colocar a seguinte questão: se bem entendi, globalmente a sua apreciação é extremamente negativa em relação ao capítulo do Orçamento do Estado relativo à cultura. No entanto, tive oportunidade de ler no Jornal de Artes, Letras e Ideias, dirigido por um seu companheiro de bancada, uma apreciação genericamente positiva, pelos menos quanto ao global das verbas atribuídas ao orçamento da cultura. Gostaria que me explicasse se a sua posição é unicamente pessoal ou se traduz a posição do grupo parlamentar em que se integra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Armando Fernandes, para responder.


Páginas Relacionadas