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I Série - Número 54

Sexta-feira, 11 de Abril de 1986

DIÁRIO

da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 10 DE ABRIL DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral

Secretários: Exmos. Srs. Daniel Abílio Ferreira Bastos

Carlos Manuel Luis Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida

SUMÁRI0. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão as 10 horas e 35 minutos.
Antes da ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos, das respostas a alguns outros e de dois diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Deputado José Magalhães (PCP) apresentou à Assembleia o relatório da delegação parlamentar portuguesa que se deslocou à República Federal da Alemanha.
Em declaração política, o Sr. Deputado Raul Castro (MDP/CDE) criticou a posição assumida pelo Sr. Primeiro-Ministro, a propósito do debate do Orçamento do Estado para 1986.
Também em declaração política, o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos (PRD) transmitiu à Assembleia a posição do seu partido face à situação política actual e condenou a comunicação proferida pelo Sr. Primeiro-Ministro na televisão, na passada terça-feira, respondendo no final a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Amândio de Azevedo (PSD).
Igualmente em declaração política, o Sr. Deputado Almeida Santos (PS) teceu várias críticas à comunicação proferida pelo Sr. Primeiro-Ministro, considerando-a pouco rigorosa, e respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Silva Marques (PSD).
Em declaração política, o Sr. Deputado Octávio Teixeira (PCP) criticou o Sr. Primeiro-Ministro pelo teor da comunicação por ele proferida na rádio e na televisão, na passada terça-feira, acerca das alterações introduzidas na proposta governamental do Orçamento do Estado.
Ainda em declaração política, o Sr. Deputado António Capucho (PSD) felicitou o Governo pela actividade que vem desenvolvendo, lendo ainda defendido a legitimidade da comunicação do Sr. Primeiro-Ministro acerca do Orçamento do Estado para 1966. Respondeu no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado Carlos Brito (PCP), finalmente, em declaração política, o Sr. Deputado Gomes de Pinho (CDS) manifestou a posição do seu partido face à recente aprovação do Orçamento do Estado para 1986.
Ordem do dia. - Na primeira parte, foi apreciada e aprovada uma proposta de deliberação da Comissão de Educação, Ciência e Cultura para a criação, no seu âmbito, de duas subcomissões com carácter permanente, sendo uma de cultura e outra de investigação cientifica.
Na segunda parte, concluiu-se a discussão conjunta, na generalidade, dos projectos de leis n.ºs 12/IV (PSD), 51/IV (deputada independente Maria Santos). 63/IV (PS), 79/IV (deputado independente Borges de Carvalho), 105/IV (deputado independente Ribeiro Teles) e 163/IV (PCP) sobre o ambiente, que foram aprovados, à excepção do n. º 51/IV, tendo os restantes baixado à Comissão do Equipamento Social e Ambiente para apreciação na especialidade.
Intervieram, a diverso título, os Srs. Deputados Ribeiro Teles (Indep.), Maria Santos (Indep.), Mário Maciel (PSD), Raul Castro (MDP/CDE), Borges de Carvalho (Indep.), Luis Roque (PCP), Magalhães Mota e Sousa Pereira (PRD), Anselmo Aníbal (PCP) e Carlos Lage (PS).
Entretanto, foi aprovado um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a substituição de um deputado do PS.
Foi discutida, tendo sido aprovada na generalidade, na especialidade e em votação final global, a proposta de resolução n. º 2/IV, que aprova para ratificação o Tratado de Cooperação na Execução de Sentenças Penais entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino da Tailândia, assinado em Lisboa em 1 de Abril de 1981. Intervieram, a diverso título, além do Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo), os Srs. Deputados Carmelo Lobo (PRD), Licinio Moreira (PSD), José Magalhães (PCP). Andrade Pereira (CDS) e Raúl Castro (MDP/CDE).
Iniciou-se a discussão do projecto de lei n. º 173/IV, relativo à amnistia de várias infracções e que concede perdão a penas de prisão por ocasião do início do mandato do actual Presidente da República. Produziram intervenções, além do Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo), os Srs. Deputados José Manuel Mendes (PCP), Agostinho de Sousa (PRD) e Carlos Candal (PS).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.

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Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio Jerónimo Martins Matias.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João José Pimenta de Sousa.
João Manuel Nunes do Valle.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Assunção Marques.
José Filipe de Athayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Júlio Vieira .Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licinio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Manuel José Marques Montargil.
Manuel Maria Moreira.
Mana Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Jorge Belo Maciel.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques de Oliveira.
Américo Albino Silva Salteiro.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Chambica Azevedo Gomes.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Carlos Montez Melancia.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
José Augusto Fillol Guimarães.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Raúl Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Maria da Graça Gonçalves Antunes.
António Eduardo de Sousa Pereira.
António Lopes Marques.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Eurico Lemos Pires.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
Joaquim Carmelo Lobo.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Luis Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vitorino dá Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português(PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.

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António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
José António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Joaquim Gomes dos Santos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria Ilda Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Zita Maria de Seabra Roseiro.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Tomás Gomes de Pinho.
António Vasco Mello César Menezes.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Henrique Manuel Soares Cruz.
Hernâni Torres Moutinho.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
João da Silva Mendes Morgado.
José Maria Andrade Pereira.
Pedro José Del Negro Feist.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando de Morais e Castro.

Deputados independentes:

António José Borges de Carvalho.
António Poppe Lopes Cardoso.
Gonçalo Pereira Ribeiro Telles.
Maria Amélia Mota Santos.

ANTES DA ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura do expediente.

Deu-se conta do seguinte

Expediente Cartas

De Angelina Pinto Leite, residente em Fátima, solicitando que o estudo que está a ser feito sobre a reforma dos funcionários públicos com 30 anos de serviço seja extensivo aos professores do ensino particular.

Da Comissão de Moradores do Murtal, expressando a sua solidariedade e apoio aos trabalhadores e povo líbio pelas agressões e provocações do imperialismo.

Ofícios

As Câmaras Municipais de Azambuja, Barreiro, Condeixa-a-Nova, Évora, Matosinhos, Montemor-o-Novo, Redondo, Reguengos de Monsaraz, Santo Tirso (três), Setúbal, Tomar, Viana do Alentejo, Assembleias Municipais de Nazaré, Albergaria-a-Velha, Alter do Chão, Loures, Montijo, Ponte de Sor, Assembleias de Freguesia de Brandoa, Gulpilhares e Juntas de Freguesia de Reboleira, São Cristóvão, Unhos e enviando moções aprovadas naqueles órgãos autárquicos, a propósito da Lei das Finanças Locais, exigindo que sejam tomadas medidas orçamentais que permitam uma maior autonomia do poder local.

Petições

N.º 33/IV - Manuel António Teixeira de Freitas e outros, Porto, requerem intervenção no tocante à «violação da liberdade sindical, do direito de contratação colectiva» e a «inconstitucionalidade do despacho de S. Ex.ª o Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional».

N.º 34/IV - Ernesto Tavares de Carvalho, Porto, expõe a sua situação como funcionário dos CTT e solicita que esta empresa seja compelida a cumprir sentença do Tribunal da Relação de Lisboa.

N.º 35/IV - A Associação de Pais e Encarregados de Educação da Escola Secundária de Aguas Santas, Maia, Porto, expõe a situação proveniente de serem criadas duas escolas na zona e solicita se peça do Ministério da Educação e Cultura os esclarecimentos do que parece ser um contra-senso.

N.º 36/IV - A Comissão de Trabalhadores da DCP - Produtos Industriais, L.do, Arruda dos Vinhos, expõe a situação actual da empresa e pede que a mesma seja posta a laborar.

N. º 37/IV - A Federação dos Sindicatos Agrícolas do Sul, Évora, solicita a criação de novos tribunais arbitrais concelhios que julguem processos sumários de trabalho até determinado valor.

N.º 38/IV - O Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Indústrias de Cerâmica, Cimentos, Abrasivos, Vidros e Similares (José Maria Silva Soares e outros), Aveiro, pede que a idade de reforma por antiguidade seja fixada, para os trabalhadores do sector, nos 55 anos de idade ou aos 35 anos de serviço.

N.º 39/IV - A Federação Nacional dos Professores (FENPROF), Lisboa, solicita o reforço de verbas para o sector da educação no Orçamento do Estado para 1986.

«Telexes»

Dois, da coordenadora das comissões de trabalhadores do Porto e do secretariado da União dos Sindicatos do Distrito de Leiria, repudiando as medidas tomadas pelo Governo em querer retirar aos trabalhadores com salários em atraso o direito à Segurança Social.

Das Câmaras Municipais de Évora e Portimão, enviando moções aprovadas naqueles órgãos autárquicos, a propósito da Lei das Finanças Locais, exigindo que sejam tomadas medidas orçamentais que permitam uma maior autonomia do poder local.

Dos dirigentes sindicais do distrito de Setúbal, expressando a sua solidariedade e apoio aos trabalhadores e povo líbio pelas agressões e provocações do imperialismo.

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O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Deram entrada na Mesa os seguintes requerimentos: aos Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, formulado pelo Sr. Deputado João Abrantes; ao Ministério da Saúde/formulado pelo Sr. Deputado Agostinho de Sousa, e ao Ministério das Finanças, formulado pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro.
O Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Marques Mendes, na sessão de 14 de Novembro; António Feuje Carlos Ganopa, na sessão de 20 de Novembro; João Poças Santos, na sessão de 26 de Novembro; Maria Santos, nas sessões de 26 de Novembro, 3 de Dezembro e 18 de Fevereiro; João Meireles e Barbosa da Costa, na sessão de 28 de Novembro; Magalhães Mota, nas sessões de 5 e 11 de Dezembro, 9 de Janeiro, 18, 20 e 27 de Fevereiro; Manuel Martins, na sessão de 10 de Dezembro; José Manuel Mendes e José Magalhães, na sessão de 17 de Dezembro; Armando Fernandes, nas sessões de 17 de Dezembro, 18 de Fevereiro e 11 de Março; Manuel Vaz de Freire, na sessão de 28) de Janeiro e 6 de Fevereiro; Barros Madeira, na sessão de 28 de Novembro e 30 de Janeiro; Ribeiro, Teles, na sessão de 31 de Janeiro;, Zita Seabra e Carlos Carvalhas, na sessão de 4 de Fevereiro, respectivamente; João Abrantes e Rui de Sá e Cunha, na sessão de 6 de Fevereiro, respectivamente; Marques Júnior e Carlos Ganopa, na sessão de 20 de Fevereiro; Guedes Campos, na sessão de 20 de Fevereiro; Custódio Gingão e outros, na sessão de 21 de Fevereiro; Raul Junqueiro, na sessão de 25 de Fevereiro; Sousa Pereira, nas sessões de 25 e 27 de Fevereiro, Magalhães da Silva, na sessão de 27 de Fevereiro, e Vitorino Costa e António Tavares, na sessão de 6 de Março, respectivamente.
Deram ainda entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 176/IV, da iniciativa dos Srs. Deputados Carlos Lilaia e outros, do PRD - Finanças:, Locais, e ratificação, n.º 67/IV, da iniciativa do Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos e outros, do PRD - Decreto-Lei n.º 57/86, de 20 de Março, que regulamenta as condições de exercício de acesso ao Serviço Nacional de Saúde.

O Sr: Presidente: - Srs. Deputados, como é do vosso' conhecimento, a delegação parlamentar portuguesa, que se deslocou à República Federal da Alemanha, designou o Sr. Deputado José Magalhães para fazer o relatório que vai dar agora a conhecer à Assembleia da República.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A delegação da Assembleia da República que, chefiada pelo seu presidente, se deslocou à República Federal da Alemanha, a convite do Bundestag, vem hoje trazer ao conhecimento do Plenário a forma como exerceu as funções de representação nacional, que lhe foram cometidas. A delegação entendeu, unanimemente, dever formular,- em simultâneo, algumas observações e sugestões ao Plenário, às Comissões especializadas e aos grupos parlamentares, com o que se visa contribuir para o reforço da acção da Assembleia da República na definição e acompanhamento da política externa portuguesa, que tem sido indubitavelmente um dos traços salientes da presente, legislatura. Com efeito, e nestes meses, aprofundou-se significativamente o conhecimento parlamentar dos principais aspectos das relações externas do Estado Português, ao mesmo tempo que assumia expressão mais relevante que nunca, no debate orçamental, a rigorosa ponderação dos meios financeiros de que depende uma eficaz acção da diplomacia portuguesa. Encontram-se, por outro lado, em preparação novos passos para o aperfeiçoamento das estruturas de que a Assembleia da República dispõe para exercer plenamente as suas competências nesta esfera, em particular as relacionadas com a intervenção parlamentar nos processos de ratificação de tratados internacionais, que em caso algum deve reduzir-se a um pró-forma.
Uma das expressões positivas do trabalho que tem vindo a ser desenvolvido diz, porém, respeito à própria intervenção directa da Assembleia da República, na representação externa do Estado Português. Nesse domínio assistiu-se ao quebrar do silêncio que tradicionalmente envolvia a acção dos deputados exercida no exterior em representação da Assembleia da República. Com benefícios, por todos reconhecidos, foram criados e aplicados com rigor mecanismos, que visam facultar à Assembleia da República um rigoroso conhecimento dessas actividades internacionais, ponderar e medir a sua utilidade para o País e tomar decisões quanto ao respectivo financiamento ou não financiamento.
A divulgação e público debate dos resultados obtidos constitui componente fulcral desse novo sistema, que importa manter e aperfeiçoar. É precisamente nesse âmbito que se enquadra o presente relatório da visita à RFA, que concentrou em apenas quatro dias úteis (12, 13, 14 e 15 de Março) um vasto programa que foi ainda alargado no decurso da execução e cumprido nos seus precisos termos.
No primeiro dia de trabalho a delegação, após ter realizado uma breve reunião com os responsáveis pelos diversos departamentos da Embaixada Portuguesa em Bonn, para troca de informações, foi recebida pelo Chanceler da República Federal da Alemanha, Dr. Helmut Khol. Durante o encontro o chanceder alemão federal teve ocasião de considerar excelente o estado actual das relações entre os dois países e fez, a pedido da delegação, uma exposição sobre os principais problemas com que a RFA se defronta no plano externo e interno.
Os membros da delegação puderam seguidamente contactar com deputados de diversos grupos parlamentares, no decurso de um almoço oferecido pelo presidente do Grupo Parlamentar Luso-Alemão, Dr. Max Kunz, sendo mais tarde recebidos pelo presidente da Câmara Baixa do Parlamento Federal Alemão, Dr. Philip Jenninger. Na ocasião foram recordados pontos fulcrais do relacionamento entre os dois parlamentos, expresso o desejo comum de aprofundamento dessas relações e salientada a sua manifesta utilidade para a aproximação necessária entre os Estados e os povos dos dois países.
Dando início a um ciclo de encontros com todos os partidos com representação parlamentar na RFA, a delegação procedeu durante a tarde a uma troca de impressões com o presidente do Grupo Parlamentar do Partido Liberal, ex-Ministro Federal Wolfgang Mischnick, tendo prosseguido os contactos com outros deputados e membros do corpo diplomático no decurso de uma recepção na Embaixada Portuguesa.
No dia 13 de Março, a delegação foi recebida pelo Ministro Federal dos Negócios Estrangeiros, Sr. Hans-Dietrich Genscher. Em diálogo com deputados de

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todos os partidos, com assento na Assembleia da República, foram abordados temas tão diversos como o futuro da política agrícola comunitária e da própria CEE, o estado das relações Este/Oeste, a política da RFA no tocante aos países africanos e pelo fim do apartheid, o papel da Europa na resolução dos conflitos mundiais e as perspectivas do investimento da RFA em Portugal.
As relações entre Portugal e a RFA, no plano económico, foram o tema central do encontro que no mesmo dia se realizou com elementos da Comissão de Economia do Parlamento Federal, tendo sido debatidas as perspectivas de reforço da cooperação (agora no quadro da CEE) e examinadas as dificuldades que neste plano subsistem, designadamente as que decorrem de uma assinalável falta de informação sobre as realidades e potencialidades da economia portuguesa.
Durante o almoço de trabalho seguidamente oferecido pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara Baixa do Parlamento, Dr. Hans Stercken, os membros da delegação portuguesa usaram da palavra, sucessivamente, para se pronunciarem sobre questões da actualidade internacional, designadamente as implicações do referendo sobre a participação da Espanha na NATO, a situação de Timor-Leste, a cooperação militar entre Portugal e a RFA (em especial no tocante ao Projecto Fragatas) e as iniciativas necessárias para pôr fim ao apartheid.
À tarde tiveram lugar encontros com o SPD, cuja delegação era chefiada pela Sr.ª Deputada Anne Marie Renger, (vice-presidente do Bundestag) e com os deputados Anne Marie Borgmann e Fischer do Partido os Verdes.
A convite do Sr. Presidente Philip Jenninger, a delegação compareceu ao jantar que em sua honra foi oferecido no edifício do Bundestag.
No dia 14, a delegação tomou lugar na tribuna de honra do Bundesrat, e foi recebida pelo presidente daquela Câmara do Parlamento Federal Alemão. Seguidamente, na tribuna de honra do Bundestag, assistiu a parte da reunião plenária.
Ainda durante a manhã processou-se o previsto encontro com o presidente do Grupo Parlamentar do CDU/CSU, Dr. Alfred Dregger, e uma troca de impressões sobre a Europa e o tratamento parlamentar das questões europeias, no decurso do almoço oferecido pelo deputado Renate Hellwig, presidente da Comissão de Assuntos Europeus do Parlamento Federal Alemão.
Assinale-se finalmente que o programa da visita incluiu uma deslocação ao território de Berlim-Oeste onde, no dia 14, os deputados portugueses compareceram a uma recepção e jantar a convite do presidente da respectiva Câmara de Deputados, Sr. Peter Rebsch, tendo visitado no dia seguinte o edifício do Reichstag, onde almoçaram, a convite do presidente do Bundestag, representado pelo deputado Jochen Feilcke, ao que se seguiu um encontro com o burgomestre-regente, Sr. Eberhard Diepgen, no edifício da Câmara Municipal.
Nesse mesmo dia, a delegação visitou a cidade e assistiu a um espectáculo de ópera, regressando a Portugal a 16 de Março.
Este relatório cronológico evidencia, sem mais, a diversidade dos contactos realizados e a importância e vasta gama de temas tratados. Restará acentuar que em nenhum momento a delegação deixou de ter presente que a livre expressão dos pontos de vista de cada partido não é incompatível com o sentido de representação nacional que deve caracterizar as delegações de uma Assembleia que é de todos os portugueses. Essa preocupação foi comum e esse equilíbrio conseguido, e porventura especialmente conseguido nas numerosas intervenções produzidas pelo Sr. Presidente da Assembleia da República, que, em todas as circunstâncias, foi presidente de toda a delegação. Permitam-me que saliente, por fim, três aspectos:

Em primeiro lugar, a delegação alerta para a necessidade de aprofundar e desenvolver as relações reforçadas com esta visita à RFA.

A Assembleia da República poderá sem dúvida dar uma útil contribuição à melhoria das relações entre os dois Estados.

Contudo, isso dependerá, por um lado, de uma mais vigorosa utilização dos instrumentos já disponíveis e, por outro lado, da criação de novos meios de intervenção. Entre estes avulta a necessidade de urgente constituição de um grupo luso-alemão na Assembleia da República, à semelhança do já constituído no Bundestag. Neste domínio, a experiência da Assembleia da República aconselha mais vitalidade, designadamente através da definição do estatuto, formas de funcionamento e financiamento das estruturas responsáveis pelas relações com parlamentos estrangeiros, promovendo-se uma mais célere satisfação dos compromissos assumidos na esfera internacional, designadamente, no caso concreto, com a RFA e o Bundestag, mas também, por exemplo, com as Cortes Espanholas, o Parlamento Brasileiro, as assembleias de países africanos de expressão oficial portuguesa.
Quanto à mais vigorosa utilização de instrumentos disponíveis, ela parece inteiramente justificada, em especial no tocante à cooperação económica e militar.
Quanto às relações comerciais entre Portugal e a RFA, sabe-se que assumem crescente expressão. A situação de saldo largamente desfavorável a Portugal foi substituído por um saldo positivo de 18,5 milhões de marcos em 1984 (com redução, porém, das importações de bens de equipamento) e um pequeno saldo negativo de 55,9 milhões de marcos em 1985 (sendo de 97,9% a cobertura das importações pelas exportações).
A normal acção fiscalizadora da Assembleia da República pode contribuir para dissipar os já apontados factores de desinformação sobre a economia portuguesa, para que a delegação foi alertada pelos parlamentares da RFA. Não lhe caberia evidentemente substituir a acção governamental, tanto nesta área como no tocante ao investimento, sobre o qual subsistem, sem explicação razoável, factores de bloqueamento desvantajosos para ambos os países.
Quanto à cooperação militar, a delegação tomou conhecimento na RFA das medidas aprovadas pelo Bundestag no tocante ao projecto de aquisição por Portugal de três fragatas MEKÓ. Não pôde, todavia, produzir com igual precisão informação sobre a posição do Estado Português sobre essa matéria, em que, todavia, a palavra decisiva cabe à Assembleia da República.
Sem prejuízo da oportuna transmissão à Comissão Parlamentar de Defesa Nacional de todos os elementos colhidos pela delegação, afigura-se indispensável a adopção de providências que dotem a Assembleia da República dos indispensáveis meios de informação e decisão nesta matéria fulcral para os três ramos das Forças Armadas.

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Importa alertar ainda neste plano para os problemas dos 77 500 emigrantes portugueses na RFA, em particular no tocante ao ensino do português e aos problemas sociais que subsistem. Estes constituíram uma preocupação central da delegação. E bem justificariam pertinentes iniciativas da Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração.
O segundo grande aspecto a salientar diz respeito à CEE.
A delegação colheu úteis informações e ensinamentos sobre as formas de articulação entre a actividade dos deputados nacionais e a dos deputados ao Parlamento Europeu, tudo reforçando a necessidade de aprovação de medidas que assegurem uma mais adequada informação da Assembleia da República sobre o impacte da adesão, as actividades em curso no PE e a evolução do direito comunitário com vista à adequada defesa do interesse nacional. É uma questão que se afigura da máxima urgência.
Salientaria por fim uma penosa questão: Timor-Leste. A delegação pôde infelizmente verificar que encontram demasiado eco as mais lamentáveis campanhas de encobrimento do genocídio praticado no território de Timor-Leste. Tem eco igualmente a campanha tendente a dar como irreversível a anexação e ocupação do território e a negar ao povo maubere o direito à autodeterminação e independência. Durante esta visita, a delegação desenvolveu uma intensa e unânime actividade em defesa da posição portuguesa sobre Timor-Leste. Mas ficou mais ciente de que só com um forte impulso poderá produzir na esfera internacional alterações positivas. E isso exige sem dúvida um revigoramento da actividade da Comissão Parlamentar Eventual sobre Timor-Leste em articulação com o necessário reforço da actividade da diplomacia portuguesa e da acção de todos os órgãos de soberania constitucionalmente competentes. É esse o voto unânime da delegação.
Finalmente, seja-me permitido agradecer a forma como os deputados portugueses foram recebidos em especial pelos Srs. Presidentes do Bundestag e do Bundesrat.
Agradecimento é devido igualmente ao Sr. Embaixador Paulo Eanes e aos demais membros da Embaixada Portuguesa em Bonn, em especial o Ministro Maia e Silva e o 1.º secretário Dr. João Pimentel, que acompanharam muito de perto a delegação, o Sr. Brigadeiro Cerqueira Rocha, os Srs. Minnemann e Sernsesbt, a Dr.ª Teresa Poças e os Drs. Matos e Luís Madeira, que debateram com os membros da delegação os diversos aspectos das relações com a RFA.
De igual modo se deve agradecimento ao cônsul de Portugal em Frankfurt, Dr. João Manuel C. da Silva Leitão.
Eis o que se nos oferece transmitir ao Plenário da Assembleia da República, nos termos regimentais.
A delegação foi acompanhada pelo chefe de gabinete do Presidente da Assembleia da República e constituída pelos deputados Fernando Amaral, Presidente da Assembleia da República, Daniel Bastos, Jorge Lacão, Roberto Amaral, Hernâni Moutinho, Raúl Castro e José Magalhães, a quem coube ser relator, por incumbência dos restantes. O presente relatório foi aprovado por unanimidade em reunião da delegação, ontem mesmo realizada.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães muito obrigado pelo trabalho que realizou em nome de todos os deputados que integraram a delegação.
Peço aos Srs. Deputados o favor de me acompanharem num agradecimento especial ao Sr. Embaixador da República Federal da Alemanha, que, com a sua simpatia, organizou, colaborou, participou e fez todas as diligências para que o programa resultasse com o êxito que agora ficou assinalado.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a pedido do Sr. Presidente da Comissão dos Negócios Estrangeiros è Emigração fica a Comissão convocada pára uma reunião no dia 10, às 11 horas.
A pedido do Sr. Presidente da Comissão de Integração Europeia convoco a Comissão para uma reunião no dia 15, às 11 horas.
Tem a palavra, para uma declaração política, o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por todas as razões, e mais a mais após à insólita posição de descabidas ameaças assumida pelo Sr. Primeiro-Ministro no início do debate sobre o Orçamento, era legítimo esperar que fosse também o Sr. Primeiro-Ministro a encerrar o debate. Contudo, tal não aconteceu. Veio posteriormente a verificar-se que o Sr. Primeiro-Ministro substituíra o diálogo institucional entre o Governo e a Assembleia da Republica pelo monólogo televisivo, susceptível de influenciar mais amplamente a opinião pública, sem possibilidade de contradita, no cálculo do seu autor. Mas tal monólogo televisivo viria ainda a evidenciar á persistência do desvirtuado entendimento do Governo de que a ele caberia fiscalizar a Assembleia da República, em vez de ser esta, como é sua competência, a fiscalizar a actuação do Governo.

O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!

O Orador: - Contudo, o referido monólogo televisivo caracterizou-se ainda por Um objectivo de manipulação de opinião pública, procurando fazer crer que
as alterações introduzidas na proposta de Orçamento do Governo pelos partidos da oposição não representariam benefícios para as camadas mais desfavorecidas da população e que seria por causa delas que o Governo estaria impedido de baixar o preço do leite ou de realizar os investimentos que pretendia.
Mas a verdade, a verdade indesmentível, é que as novas tabelas do imposto profissional e do imposto complementar beneficiam mais as classes desfavorecidas do que as tabelas que o Governo defendia, que o aumento das verbas para os reformados ou para as cantinas escolares também são meios benéficas para os mais desfavorecidos do que as verbas que o Governo propunha, e que a baixa do preço dos combustíveis, não só da gasolina, mas do gasóleo e gás, além dos benefícios que por si mesma representa, provoca também a baixa dos preços de bens essenciais, desde a electricidade aos produtos, alimentares.
De resto, a gasolina tem baixado em muitos países da Europa. Na Espanha até baixou, recentemente, mais do que uma, vez, e não consta que nenhum governo tenha feito de tal baixa um drama ou um perigo para a economia.

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E os milhões de contos de que o Governo passou a dispor com a baixa do petróleo, de matérias-primas e do dólar permitem perfeitamente a pequena baixa aprovada dos combustíveis.
Por outro lado, ao pretender fazer crer que não pode baixar o preço do leite ou realizar os investimentos previstos, o Governo procura apenas fazer recair sobre a população as represálias pela derrota que sofreu no Parlamento, através dos votos conjugados dos partidos da oposição, tentando fazer recair sobre a oposição o odioso, por medidas de que só o Governo é responsável.
É que se o preço do leite não desce, tal apenas se deve ao Governo e não à oposição. Tal descida de preço do leite é possível, no quadro do Orçamento, e o Governo só não a põe em prática porque sobrepõe aos interesses da população os seus propósitos partidários de denegrir a imagem pública da oposição e de beneficiar a sua própria imagem.

Vozes do PSD: - É mentira!

O Orador: - De resto, um governo que ainda recentemente aumentou o preço do açúcar não poderá convencer da sua preocupação, só agora surgida, de baixar o preço do leite. E deve ainda observar-se, em abono da falta de rigor das razões invocadas pelo Primeiro-Ministro, que reportando-se as verbas do Orçamento a um ano civil, elas só virão a vigorar a partir de Maio, o que naturalmente vem a facilitar os investimentos programados.
Afirmou o Primeiro-Ministro que o Governo tem o direito de governar. Tal não está em causa. O que está em causa é que o Governo respeite as regras do funcionamento normal da democracia e da competência das suas instituições e não queira fazer a população pagar os erros e fracassos da sua política.

Aplausos do MDP/CDE, do PS, do PRD e do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Na primeira declaração política do PRD, nesta Câmara, tive oportunidade de passar em revista alguns dos princípios e objectivos fundamentais que nos levaram a ser partido, a apresentar-nos ao sufrágio dos Portugueses e a merecer de tantos deles o crédito da esperança que lhes restituímos e que prometemos cumprir.
Acentuei então que faríamos tudo o que estivesse ao nosso alcance para manter o melhor relacionamento com os diversos partidos e órgãos de soberania e para criar um clima de respeito e mútua compreensão, de que se erradicassem todas as formas de violência, mesmo verbal, de radicalização e de agressividade.
E, como uma das mais importantes adorações do modo diferente de estar na política e fazer política de que nos reivindicamos, sublinhei que nesta Câmara não seríamos nem situação, nem oposição, no sentido tradicional, mas sim alternativa.
Ao longo dos meses, temos seguido o caminho que traçámos, sem nenhuma vaidade, mas também sem falsa modéstia, temos consciência do contributo que a vários níveis demos para que alguma coisa já tivesse mudado para melhor na política portuguesa e na acção desta Assembleia da República. A forma como decorreram a análise e o debate do Orçamento do Estado, tal como acontecera antes com o orçamento suplementar, é o exemplo mais recente e flagrante.
Como se sabe, o PRD viabilizou, ou não inviabilizou, um governo minoritário e que não é o seu, porque julgou ser essa, na circunstância, a melhor solução para o País. Fê-lo sem pedir nem querer nada em troca, sem mercadejar cargos, lugares, influências, o que sempre recusaremos fazer, sem quaisquer acordos secretos, apesar das suspensões levantadas pelos que tudo medem pela sua própria bitola.

Aplausos do PRD.

Fiel aos seus desígnios, o PRD tem mantido, ou desejado manter, o melhor e mais intenso diálogo com os diversos partidos representados neste Parlamento e com o próprio Governo. Procurámos, designadamente, os mais amplos consensos possíveis na busca das soluções concretas para os problemas dos Portugueses e para a superação das suas dificuldades. Falamos com todos sem complexos ou discriminações, colaboramos e colaboraremos com todos que connosco queiram colaborar, aceitamos rever e modificar as nossas posições quando nos convencem que outras são mais correctas ou justas, mas nunca quando sobre nós exercem quaisquer formas de pressão, votamos em cada momento, nesta Casa, de acordo com os nossos princípios e com aqueles que, em consciência, entendemos serem os interesses do País e dos Portugueses.
É esta posição mediadora, fomentadora do diálogo, geradora do equilíbrio, valorizadora da estabilidade institucional e política, ao serviço da democracia, da justiça e do progresso, que temos afirmado e continuaremos a afirmar.
Com abertura e sem dogmatismos, mas também sem desvios nem tergiversações, com tolerância e serenidade, mas com firmeza, com equilíbrio mas sem equilibrismos.
Haverá quem, tomando a nuvem por Juno, tome por fraqueza e por «ambiguidade» o que é apenas uma forma diferente e muito clara de estar na política.

Aplausos do PRD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: É em consonância com estes princípios e com esta clareza que o PRD se sente hoje obrigado a, nesta Câmara e perante os Portugueses, denunciar a comunicação proferida pelo Sr. Primeiro-Ministro, na noite da passada terça-feira, como desrespeitadora desta Assembleia da República, transgressora dos valores democráticos e semeada de inverdades ou meias verdades com que se tenta iludir demagogicamente os Portugueses.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - De facto, o Sr. Primeiro-Ministro dirigiu-se aos Portugueses, demonstrando claramente preferir que o Parlamento se tivesse demitido das suas responsabilidades e não que as tivesse assumido como fez.

Aplausos do PRD.

O Sr. Primeiro-Ministro dirigiu-se aos Portugueses não manifestando uma serena opinião, discordante e crítica, que seria perfeitamente legítima, mas

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arvorando-se em juíz de causa em que é parte, e ainda por cima juiz injusto de um órgão de soberania, que não tem de ser julgado por ele e tem sim de o julgar! Mas o Sr. Primeiro-Ministro e nem acrescento de um executivo minoritário - parece andar sempre esquecido que é o Governo que depende do Parlamento e não o Parlamento que depende do Governo.

Aplausos do PRD.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pergunto que legitimidade tem o Sr. Primeiro-Ministro para vir afirmar que as alterações introduzidas ao Orçamento do Estado pela Assembleia da República e não pelos partidos da oposição, como o Sr. Primeiro-Ministro disse, pois o que aqui se aprova, seja um orçamento ou uma lei, passa a ser de toda a Câmara, da. República; e não só dos partidos que votam favoravelmente: E neste caso o PSD até votou-a favor, que legitimidade tem o Sr. Primeiro-Ministro para vir afirmar que as alterações do Orçamento do Estado, aqui aprovadas, «ultrapassam claramente o que seria «razoável»? Com que direito é sua excelência o juíz dos juízos, designadamente de razoabilidade, desta Assembleia?

Aplausos do PRD.

Com que direito e com que fundamento vem o Sr. Primeiro-Ministro dizer aos Portugueses, de modo peremptório e não opinativo, que esta Assembleia diminuiu as receitas e aumentou as despesas de modo desnecessário e provocou «desperdícios de dinheiro»? Porque se julga sua excelência o detentor da, verdade absoluta e não admite que a verdade e a razão possam estar ao lado dos reputados especialistas dos representantes da maioria dos Portugueses, que aqui aprovaram tais medidas?

Vozes do PRD: - Muito bem!

Vozes do PSD: - Os Portugueses julgarão!

O Orador: - Com que direito e com :que fundamento ataca o Sr. Primeiro-Ministro os partidos que votaram as alterações ao Orçamento, garantindo que o fizeram porque o Governo está a governar bem e - cito - «com a única razão» de «dificultar a realização dos objectivos do Governo», «criar-lhe obstáculos», «contrariá-lo, mesmo que ele tenha razão»? Com que direito e fundamento o faz, nomeadamente face ao PRD, que além do mais tinha autoridade moral de haver viabilizado o Governo, de o ter mesmo elogiado quando julgou dever fazê-lo, e de com ele manter até agora, sem qualquer desvio, o que se quis fosse um diálogo crítico, mas colaborante, útil e favorável aos interesses do País?

Aplausos do PRD.

Não vê S. Ex.ª, tão lépido em condenar os outros como em se elogiar a si, que tais ataques são muito graves e gratuitos, não passando de condenáveis juízos de intenção?
Com que direito e com que fundamento acusa o Sr. Primeiro-Ministro os partidos que votaram tais alterações ao Orçamento do Estado de estarem a «beneficiar principalmente as classes que não são as mais desfavorecidas», quando nem isso é fatualmente exacto, nem tantos dos deputados que votaram tais alterações estão em posição de receber lições a este respeito, pois desde sempre lutam pelos mais desfavorecidos, pelos perseguidos e pelos explorados?

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

Com que legitimidade diz o Sr. Primeiro-Ministro que vai «procurar evitar» alguns aumentos de despesas, que qualifica de gastos desnecessários, assim parecendo que admite ou se propõe não cumprir o que foi decidido neste Parlamento?
Enfim, como pode o Sr. Primeiro-Ministro falar de modo absolutizado, e uma vez mais fazendo-se dele exclusivo juiz, do «interesse nacional», sem se aperceber que por trás dessa tentação invariavelmente pairam fantasmas que não tem nada a ver com a democracia?

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - A estas interrogações, outras se poderiam acrescentar, como se poderiam desmontar as inverdades ou meias verdades que semeiam a comunicação que venho comentando. Mas isso, por um lado, já aqui foi feito e, por outro, será feito pelo meu, partido numa conferência de imprensa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Primeiro-Ministro garantiu que o Governo não se afastará dos seus objectivos nem fugirá às suas responsabilidades. Esperamos que sim e que não se mantenha pelos atalhos em que se perdeu agora.
Pela nossa parte, PRD, marcada esta nossa posição e marcadas as outras que se impõem, continuaremos como até aqui, sempre abertos ao diálogo, procurando contribuir para os consensos, defendendo a estabilidade institucional e política em todas as suas vertentes - e (fazendo votos para que, paradoxalmente, não seja o Governo a pôr em perigo tal estabilidade, de que a estabilidade governativa é uma das importantes componentes. Estamos certos, finalmente, que a Assembleia da República também saberá, como agora aconteceu, cumprir os seus objectivos e assumir as suas responsabilidades, assim aumentando, como se impõe, o seu prestígio aos olhos dos Portugueses. Por isso e, para isto a Assembleia da República terá de cumprir com rigor todas as suas missões constitucionais, inclusive a de fiscalizar o Governo, e terá de contribuir para o melhor .relacionamento e a maior colaboração entre todos os órgãos de soberania, que devem estar solidários na defesa da democracia, da paz, da liberdade, do desenvolvimento e do progresso da nossa pátria.

Aplausos do PRD, do PS, do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Amândio de Azevedo e Pereira Lopes. Tem a palavra o Sr. Deputado Amândio de Azevedo.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos, apreciei, naturalmente, o intróito da sua intervenção, onde afirma princípios e
regras a que o PSD sempre se ateve na sua conduta política.
Importa dizer-se que não temos a pretensão de nunca ter falhado nos nosso propósitos, não pretendemos ser detentores nem da verdade absoluta nem da perfeição e espero que o PRD também reconheça que os princípios anunciados nem sempre correspondem à realidade.

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Contudo, o que é espantoso - e esta é a palavra adequada - é que o Sr. Deputado tenha escolhido para criticar a intervenção do Sr. Primeiro-Ministro exactamente um argumento que é absolutamente inaceitável.
O Sr. Deputado pergunta com que legitimidade, com que direito, etc., e essa pergunta só seria legitima se não existisse em Portugal consagrado - e penso que este será um dos direitos unanimemente reconhecidos - o direito à liberdade de expressão. O Primeiro-Ministro não pôs em causa a legitimidade de a Assembleia tomar as deliberações que tomou, a não ser no que respeita ao problema dos combustíveis, mas, mesmo assim, não levou tão longe quanto poderia levar a contestação do direito que a Assembleia tinha de tomar essa deliberação - como, aliás, o PSD já o fez várias vezes. O Sr. Primeiro-Ministro limitou-se, na sua comunicação, a referir perante o povo português aquilo que já tinha dito aqui na Assembleia em face de eventuais deliberações que a Assembleia viesse a tomar a respeito do Orçamento.
Não acha, portanto, Sr. Deputado, que não podem ser contestados nem a legitimidade nem o direito de o Sr. Primeiro-Ministro fazer as afirmações que entender acerca das consequências da bondade e dos defeitos das deliberações globais ou parcelares que a Assembleia faça a respeito do Orçamento ou a respeito seja do que for?
Por outro lado, Sr. Deputado, gostaria que não confundisse a forma como se exprimem as ideias, em que algumas pessoas conseguem transmitir a impressão clara de que estão perfeitamente convictos daquilo que afirmam, com a pretensão de que essas afirmações feitas com convicção são a verdade absoluta e não permitem, de maneira nenhuma, opinião em contrário.
O Sr. Deputado, criticando a posição do Sr. Primeiro-Ministro num plano teórico e abstracto, acabou por incorrer exactamente nesse defeito quando defendeu exactamente o contrário. O Sr. Deputado é que não admite que o Sr. Primeiro-Ministro considere que a Assembleia ultrapassou o que seria razoável, não admite que o Primeiro-Ministro considere que certas votações de certas verbas representarão desperdício de dinheiros públicos. Como é possível, Sr. Deputado, que recuse ao Primeiro-Ministro o direito de fazer estas apreciações?

O Sr. Presidente: - Como o Sr. Deputado Pereira Lopes prescinde do seu pedido de esclarecimento, tem a palavra para responder o Sr. Deputado José Carlos Vasconcelos.

O Sr. José Carlos Vasconcelos (PRD): - Sr. Deputado Amândio de Azevedo, muito obrigado pelos comentários que fez e pelas perguntas que colocou. Já não é mau que tenha apreciado o intróito, embora, obviamente, eu gostasse que tivesse apreciado mais alguma coisa...
Lembro ao Sr. Deputado (e pensava ter sido claro) que não cometi os mesmos erros que apontei ao Sr. Primeiro-Ministro. É que por duas vezes acentuei - e volto a ler - que o Sr. Primeiro-Ministro se dirigiu aos Portugueses, «não manifestando uma opinião discordante e crítica, o que seria perfeitamente legítimo, mas arvorando-se em juiz de causa de que é parte». E mais adiante referi que o que penso que é altamente criticável e dificilmente admissível em termos democráticos é que o Sr. Primeiro-Ministro o tenha feito não em termos de opinião - que, obviamente, tem toda a liberdade de ter quer como cidadão quer como Primeiro-Ministro -, mas em termos de julgamento de um órgão de soberania que ele próprio defende.
O Sr. Primeiro-Ministro não veio ao Parlamento dizer que, na sua opinião, a Assembleia procedeu mal e porquê. O Sr. Primeiro-Ministro foi à televisão perante os Portugueses - não fez uma intervenção final no debate do Orçamento mas fê-la na televisão - como que a condenar esta Assembleia e os partidos que votaram em certo sentido pela actuação que tiveram.
Ora, o Sr. Primeiro-Ministro deve ter todo o direito e toda a liberdade de expressar as suas opiniões, mas não pode arvorar-se em juiz absoluto dos comportamentos dos outros, designadamente de um órgão de soberania de que o Governo depende.

Aplausos do PRD.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - O Sr. Deputado dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado, de onde deduz que o Sr. Primeiro-Ministro se arvorou em juiz? Há alguma coisa no nosso sistema jurídico que permita dizer-se que aquilo que o Primeiro-Ministro diz se impõe a toda a gente?
O Sr. Primeiro-Ministro traduz a opinião e as posições do Governo e nada mais do que isso, da mesma forma que a Assembleia e V. Ex.ª traduzem as suas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A diferença, Sr. Deputado, é a de que ainda hoje, e mais do que uma vez, referi aqui o «interesse nacional», que é defendido pelo PRD como pelos outros partidos, mas tendo o cuidado de referir o que entendemos como sendo o interesse nacional. Não falamos do interesse nacional em absoluto como se alguém, algum orgão de soberania ou qualquer pessoa, por mais genial que seja - e vamos dar de barato que o fosse -, tenha o poder de definir o que é o interesse nacional em lugar de pôr em evidência que se trata da sua própria concepção do que é esse interesse nacional. Quando assim não é, há perigos para a democracia.

Aplausos do PRD.

Finalmente, Sr. Deputado Amândio de Azevedo, devo dizer-lhe que estas minhas conclusões não derivam apenas de ter ouvido a alocução do Sr. Primeiro-Ministro, mas de uma análise cuidada do seu discurso. A semântica também é o homem e o estilo também é o político. E desta vez o estilo foi muito o político - e os Portugueses viram bem qual foi esse estilo...

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tendo tido a possibilidade de intervir no debate, e de aqui, na sede própria, expor os seus pontos de vista e lutar por eles, - como é de uso nas democracias e entre democratas - o Primeiro-Ministro

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preferiu ir à televisão «poluí-la» com mais um extenso rol de queixumes contra o Parlamento, ali debitando, com a já usual ausência de rigor, críticas que, se bem intencionadas, aqui nos teria ficado a dever.

Protestos do PSD.

Não foi uma comunicação ao País. Foi um acto de terrorismo verbal. Foi uma birra! Deixou-se susceptibilizar sem motivo e foi ao ponto de se enfurecer. Pasmou daí à tentação de se vingar. E vingou-se, sobre inocentes, das culpas que sem razão nos imputa.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PRD.

Pela parte que me toca, estou aqui para dizer ao Sr. Primeiro-Ministro que continuo indisponível para vestir o bibe!

Risos do PS.

Perdida a serenidade, se não a capacidade de um perfeito juízo, o Primeiro-Ministro dirigiu publicamente à Assembleia da República, escamoteando-lhe a possibilidade de logo receber o troco, as seguintes e principais acusações. Alguns partidos da oposição decidiram introduzir na proposta de Orçamento do Governo alterações que ultrapassam claramente o que seria razoável, pondo em risco os objectivos que o Governo se propôs alcançar votaram, 13,5 milhões de contos de aumentos de despesas públicas que em parte são desnecessárias, e desperdício dinheiros públicos; introduziram alterações nas receitas que fazem com que mais 15 milhões de contos se encaminhem para despesas de consumo. Podem dar popularidade mas são uma irresponsabilidade.
A única razão para as alterações introduzidas é dificultar a realização dos, objectivos do Governo a Assembleia invadiu uma a da competência do Governo, ao interferir na fixação dos preços dos combustíveis, forçando o Governo a decretar a baixa da gasolina em 3$; o Governo está a governar conseguir resolver os problemas o que incomoda alguma gente e, então, há que criar-lhe obstáculos, há que contrariá-lo, mesmo que ele tenha razão; as alterações que os partidos da oposição introduziram no Orçamento beneficiam principalmente classes que não são as mais desfavorecidas.
Na sequência destas acusações o Primeiro-Ministro, em manifesta atitude de desforço político, anuncia o propósito, uma vez mais heróico, de tornear as dificuldades que lhe criaram, traduzido nas seguintes «penalidades»; impossível agora descer o preço do leite!
Não descerá! Se queríamos essa baixa não tivéssemos baixado o preço da gasolina! Vai tentar evitar alguns dos gastos desnecessários introduzidos por esta Assembleia! Para tanto congelará 4% das despesas com investimentos e desenvolvimentos da Administração, até Setembro! Depois se vê! Adiará investimentos públicos no montante de 7 milhões de contos, em construção de escolas, edifícios, universitários, pavilhões desportivos, estradas, portos, centros de formação profissional. Aí, onde precisamente mais dói... Protelará a entrada em vigor da taxa social única para 1 de Outubro! Reduzirá a, expansão total do crédito!
Aparentemente, quem, gemer por falta dele geme de conta dos deputados da oposição!
Ouve-se e não se acredita! De repente, a gente imagina-se, no Kuwait -salvo seja! - ou em qualquer outro país, do Terceiro Mundo! E não se sabe o que mais admirar! Se a inverdade, se o impudor, se o arrojo, se a demagogia, se o desprezo pelas regras democráticas.
A semente lançada nos espíritos mais simples foi no fundo esta: eu bem quero resolver os problemas, mas não me deixam!

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador:- Eu bem queria reduzir preço do leite, mas baixaram-me a gasolina para pouparem os ricos e impediram-me de poupar os pobres. Eu bem queria ,fazer muitas mais escolas edifícios, estradas, portos, centros de formação profissional, mas aumentaram-me as despesas, reduziram-me as receitas, «cortaram-me as pernas».

Vozes do PSD: - É verdade!

O Orador:- Em resumo: o Governo é bom, a Assembleia é que não presta! E lá bem no fundo: tendes de ajudar-me, a ver-me livre dela!
A primeira objecção que desde logo apetece é a de que só o Partido Comunista - e por entender que houve mexidas a menos não votou o Orçamento aprovado.
Assim sendo; por que é que o Primeiro-Ministro se queixa só dos partidos da oposição? A segunda é que, inclusivamente, se queixa de alterações propostas pelo seu próprio partido irá revogá-lo? A terceira consiste na denúncia das seguintes falsidades: não é verdade que as alterações introduzidas ponham em risco os objectivos do Governo. «O Primeiro-Ministro oculta intencionalmente que para os aumentos de despesas aprovadas, foram encontrados aumentos de receitas. Foi pois reposto o equilíbrio inicial. E ficou sobeja margem de manobra oculta na sobre cotação do dólar e na sobreavaliação do preço médio do petróleo. Ambos baixaram e muito desde as previsões da proposta do Governo!
Não é verdade que os aumentos de despesas aprovados sejam desnecessários ou representem desperdícios de dinheiros públicos. Para começar representam menos de 1,% ,da despesa global. Há pois desproporção grave entre o facto e o barulho que sobre ele se fez! E seriam desnecessários os 3,6 milhões de contos de reforço de verba para as autarquias municipais ou os 300 000 contos para as juntas de freguesia? Desperdício os 9 milhões de contos de reforço de capital para os sectores de transportes e de produção e distribuição de electricidade? Desnecessários os 500 000 contos de, reforço para a Acção Social Escolar? Desperdício os 300 000 contos para reforço das pensões de reforma? Desnecessários os 47 000 contos de reforço para saneamento do Alviela? Desperdício a garantia à ANOP dos dois semestres já garantidos à NP? Desnecessário o reforço para o pagamento de defensores oficiosos? Desperdício os 25 000 contos para o combaterá droga? Desnecessários os 50 000 contos para investimentos na agricultura? Desperdício os 70 000 contos para concluir o Hospital de Évora? Decerto que o Sr. Primeiro-Ministro não se importa de, no seu próximo filme para a Televisão - que é e seguramente amanhã!... - explicar aos autarcas, aos

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que usam transportes públicos, aos que consomem electricidade, às crianças das escolas, aos reformados, às populações ribeirinhas do Alviela, aos trabalhadores da ANOP e aos acusados sem dinheiro para se defenderem, aos toxicodependentes, aos agricultores e aos doentes de Évora, essa desnecessidade e esse desperdício. Vão, decerto, ficar encantados com o Primeiro-Ministro e revoltados com a Assembleia que tem!...
Não é verdade que as alterações introduzidas nas receitas sejam irresponsáveis ou ditadas por uma preocupação de popularidade fácil, comprometam o futuro do País e tragam de volta a austeridade. Como não é verdade que uma parte delas, tão grande como 15 milhões de contos, se encaminhe para o consumo.
É irresponsável o aligeiramento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho? Compromete o futuro do País o cumprimento, pela Assembleia, dessa justíssima promessa eleitoral do Primeiro-Ministro e dessa tão aliciante passagem do Programa do Governo?
É irresponsável o aumento aprovado do imposto de capitais para reduzir distorções no mercado de capitais?
Não primam pelo rigor, nem as componentes da verba de 15 milhões de contos a correr para o consumo, nem o pressuposto de que, imposto deixado de pagar é imposto gasto a consumir!
Não é verdade que a Assembleia, ao decretar a baixa do preço da gasolina tenha invadido uma área de competência do Governo!
A Assembleia tem competência exclusiva em matéria fiscal. É inegável a natureza fiscal do sobrepreço da gasolina após dedução de custos e margens de comercialização. O próprio Governo rotula esse sobrepreço de imposto indirecto!
A Assembleia não interferiu na fixação do preço da gasolina. Criou um imposto sobre o preço dos combustíveis, tal como acontece já hoje com os tabacos. Fez, em escala chocantemente modesta o que já fizeram a generalidade dos países ocidentais, como é o caso da vizinha Espanha, onde a gasolina já baixou cerca de dez vezes mais do que vai baixar em Portugal.
Não deixa de ser curioso que o Primeiro-Ministro tenha ganho as eleições a acusar o parceiro de Governo do seu partido por ter subido os preços - com destaque para os dos combustíveis - sempre que aumentava o preço do petróleo ou a cotação do dólar, e que agora tente continuar a combatê-lo por propor a sua baixa, com base no afundamento do preço do crude e na queda do dólar!...
Não é verdade que as alterações introduzidas na proposta do Governo beneficiem principalmente as classes que não são as mais desfavorecidas.
Sirvam de exemplo o aligeiramento da carga fiscal sobre os rendimentos do trabalho, os reforços para as autarquias, a Acção Social Escolar, os pensionistas, os transportes, a electricidade, o saneamento do Alviela, as defesas oficiais, as dotações para bibliotecas, o apoio ao combate à droga, o apoio à agricultura e à doença!
No mínimo, o Sr. Primeiro-Ministro escolheu mal o terreno para nos tentar dar lições.
Não é verdade, sendo mesmo rematada mentira, que a baixa no preço da gasolina impeça a redução do preço do leite!
Os partidos da oposição chegaram a propor uma verba para fazer face a essa redução. Mas recuaram porque, aí sim, arriscavam-se a invadir a esfera de acção do Governo!
Mas como esse reforço seria pago pelo Fundo de Abastecimento, e neste o Governo tem folga sobeja para baixar esse preço e até outros, nomeadamente o pão, nunca passou pela cabeça dos deputados que o Primeiro-Ministro viesse a declarar-se manietado para esse efeito.
É bom que o povo, em cujos olhos o Primeiro-Ministro tanto gosta de deitar poeira, saiba que o pão que come é contribuinte líquido para o Fundo de Abastecimento. Que em Portugal se paga imposto de cada vez que se come pão! Que os cereais importados custam ao Estado cerca de 9 milhões de contos e rendem mais de 20 milhões que, enfim, o Primeiro-Ministro a fazer as contas em que entrou na sua proposta, cotou o dólar e o crude em termos tais que, após as descidas posteriormente verificadas, foi constatável um erro - ou um «saco- azul»? - de cerca de 100 milhões de contos!
É assim ridículo, além de falso, estabelecer uma relação de causa efeito entre a redução do preço da gasolina e a não redução do preço do leite. Demagogia, mas não tanta!...
Não é verdade que o Governo tenha sido forçado a congelar 47% de despesas com investimentos e a adiar investimentos com escolas, edifícios universitários, pavilhões desportivos, estradas, portos e centros de formação profissional, por causa das alterações introduzidas na proposta de Orçamento.
Verdade é antes, que errou ao canalizar para o PIDDAC um acréscimo de 59% de receita, sabendo de antemão - sendo imperdoável que não soubesse - que não tem capacidade para gastar, até ao fim do ano, nada que se pareça com os mais de 120 milhões de contos com que o atafulhou. Vai congelar 4%? Podia congelar o triplo! Vai poupar 7 milhões? Poupará mais, se Deus quiser.
Que sentido fica, então, para a sua ameaça?
A Comissão de Economia, Finanças e Plano tentou reduzir o PIDDAC e pediu uma lista de prioridades. A resposta foi a de que tudo era prioritário para o Governo. Nada se podia cortar. Agora, curiosamente, o Governo corta onde todo o país diria não dever fazê-lo. Pois também nas escolas?...
O Primeiro-Ministro, além de ter feito uma comunicação pouco séria, incorreu naquilo a que Raul Brandão chamava «droga ilusória», ou seja o «tecnicismo como ideal governativo». Como lembrou o ilustre Brandão, «nenhum dos grandes estadistas de que reza a história foi técnico de coisa nenhuma»! «No fundo»
- acrescentava - «eles não sabem em que consiste a democracia». E por fim: «o Estado não se administra como uma roça!»
E não é que o Primeiro-Ministro, ao distribuir os milhões que lhe caíram do céu, preferiu ao homem desarmado o betão armado? E não é que, ao falar aos Portugueses, pendeu para o autoritarismo, contra a democracia. Ao falar como falou, o Sr. Primeiro-Ministro perdeu o respeito por si próprio e pelo cargo que exerce.

Aplausos do PS, do PCP, do MDP/CDE e de alguns deputados do PRD.

Vozes do PSD: - Não apoiado!

O Orador: - Sabem que mais, Srs. Deputados? Ainda acredito que não seja verdade este Primeiro-Ministro.

Aplausos do PS.

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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nas galerias, acompanhados dos seus professores, assistem à sessão os alunos da Escola Secundária da Moita.

Aplausos gerais.

Para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Almeida Santos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.

Vozes do PS: - Ah!...

O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, desejo usar da palavra sob a figura regimental do protesto mas, de facto, tenho necessidade de, previamente, pedir um esclarecimento uma vez que não sei o que se está a passar numa bancada aqui ao lado. O que aconteceu, Srs. Deputados?

Risos do PSD.

O Sr. António Vitorino (PS): - Estamos muito felizes por o ver.

O Orador: - Vejo uma expressão de nervosismo, um estado de angústia.

Risos do PSD.

O Sr. António Vitorino (PS): - É de ternura!

O Orador: - Sr. Presidente, tenho a resposta ao meu pedido de esclarecimento, pois trata-se de um estado de ternura e, nesse caso, o meu protesto vai ser particularmente terno.

Risos do PSD.

Sr. Deputado Almeida Santos, o PSD participou com o PS no anterior governo e não rejeitamos a parte política que isso implica. Mas o PSD - na sua totalidade e não uma sua parte - rompeu com a coligação feita com o PS porque tinha necessidade de romper com a política do anterior governo e é nesse sentido que é legítimo protestar em relação à intervenção que V. Ex.ª acabou de produzir, tanto mais que o Sr. Deputado foi uma das personalidades, da parte Socialista do anterior governo, mais responsáveis.
O Sr. Primeiro-Ministro disse que as alterações aprovadas pela Assembleia da República criavam obstáculo à política que o Governo pretendia realizar. É legítima esta afirmação e, mais, o Primeiro-Ministro tinha obrigação de a fazer. E o PSD, enquanto partido, e a bancada social-democrata, também o fizeram, tanto aqui no Parlamento como nas declarações públicas que tivemos oportunidades de formular. E porquê? Porque sempre foi nossa opinião, durante o debate do Orçamento do Estado e ainda hoje, que as propostas aprovadas aqui na Assembleia da República prejudicam, em termos de proposta política, os objectivos fundamentais do Governo, nomeadamente quanto à inflação. Assim sendo, é legítimo que o Governo, num quadro estritamente legal, se socorra dos seus meios para procurar manter o objectivo a que se tinha proposto, ou seja, o de que a inflação não ultrapasse os 14% e, se possível, reduzi-la. O que se passa é que as, alterações aprovadas podem pôr em causa este objectivo.
Uma das críticas feita à proposta do Governo foi a de ser excessivamente prudente quanto às evoluções da cotação do dólar e do preço do petróleo. Nesse sentido, introduziu-se uma alteração partindo do princípio de que ambos' baixariam ainda mais, pelo que é legítimo que o Primeiro-Ministro e o PSD considerem que essa seja uma atitude irresponsável, na medida que dá como certo aquilo que nenhum de nós tem na mão, pois a evolução da economia internacional não está na mão de qualquer de nós.
Dadas as dificuldades do nosso país, das suas condições económicas, do estado das contas públicas, parece-nos que toca a irresponsabilidade o abordar-se os problemas do País em termos de optimismo. Devemos ser pessimistas neste domínio porque essa é a - melhor forma de encarar com frontalidade a reconversão da situação do País.
O Sr. Deputado Almeida Santos usou, sobretudo, da agressividade, não direi ideológica, - que foi uma categoria intelectual inventada pelo Partido Comunista e num regime de liberdade de expressão não há agressividade ideológica -, mas usou e abusou da agressividade política e, nesse sentido, foi despropositado.
O Primeiro-Ministro não faltou ao respeito à Assembleia da República, mas apenas afirmou claramente o que pensava e tinha obrigação de o fazer.
Mas quando o Sr. Deputado Almeida Santos acusa o í Primeiro-Ministro de ter ido «poluir» a televisão, esquece que enquanto foi Ministro procedeu, relativamente à comunicação social e para continuar as imagens da poluição, como um petroleiro que rebentou na sua orla.

Aplausos do PSD.

E quanto ao «terrorismo verbal», Sr. Deputado Almeida Santos, o anterior governo e por isso o PSD teve de romper, com ele, procedeu não em termos desse tipo de terrorismo mas, muito pior do que isso, no que diz respeito às camadas mais desfavorecidas procedeu em termos de «terrorismo inflacionário», tendo uma actuação que foi terrivelmente drástica para todos aqueles que, no nosso país, têm situações difíceis em termos de remuneração, porque lhes «comeu» os seus rendimentos reais, porque os colocou na orla da miséria e da forme.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É de espantar que o Sr. Deputado Almeida Santos venha aqui fazer um discurso miserabilista, falando que se devia dar mais dinheiro para isto e para aquilo em termos de apoios sociais, quando V. Ex.ª foi um dos maiores responsáveis por uma política que conduziu os mais desfavorecidos, no nosso país, a uma situação de miséria e, nalguns casos, de fome.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para um contraprotesto, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Silva Marques, não há muito de novo nas suas palavras, uma vez que já nos habituou a não ter razão.
Digo ao Sr. Deputado liminarmente que cada um tem o entendimento da democracia que tem e, também, a sensibilidade às ofensas que tem.

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Se o Sr. Deputado Silva Marques está satisfeito com a atitude do Sr. Primeiro-Ministro, dou-lhe os meus parabéns pois não só tem a satisfação de poder ter o Primeiro-Ministro de que gosta como ter o Primeiro-Ministro que merece.

Risos do PS.

Vozes do PSD: - E o País também!

O Orador: - O Sr. Deputado diz que algumas das atitudes do Parlamento podem constituir obstáculo aos objectivos do Governo. E depois? Se assim for, qual é o seu entendimento democrático do facto? Desde que esta Assembleia tenha agido dentro da esfera das suas competências de que se queixa o Sr. Primeiro-Ministro?

O Sr. Silva Marques (PSD): - Queixa-se disso mesmo, das alterações feitas!

O Orador: - Se um órgão de soberania que fiscaliza o Governo dentro da esfera da sua competência - e não é por ele fiscalizado, como ainda hoje foi aqui realçado -, contraria objectivos do Governo de que se queixa o Sr. Primeiro-Ministro? Explicar-me-á, se faz favor.
Por outro lado, o Sr. Primeiro-Ministro quando foi Ministro das Finanças de um governo anterior, mais do que ninguém, lançou o consumo. Será que o Sr. Ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, lhe ensinou que nessa altura não o deveria ter feito e, portanto, que não o deve fazer agora?
Disse o Sr. Deputado que nenhum de nós tem a economia nas mãos. Pois não, Sr. Deputado. É por isso mesmo que existe o Instituto da Previsão Económica, que, com certeza, não vai riscar das nossas considerações, das nossas possibilidades.
Fala V. Ex.ª em agressividade. Devo dizer-lhe que estive muito longe de falar em agressividade do Sr. Primeiro-Ministro para com esta Assembleia. Unicamente, enquanto eu sou apenas um simples cidadão ele é um Primeiro-Ministro, não pode esquecer-se dessa qualidade, foi nessa qualidade que falou na televisão e tem de assumir as correspondentes responsabilidades.
Se o Sr. Deputado não se ofende mais uma vez é lá consigo. Dou-lhe os parabéns por estar tão satisfeito consigo mesmo.
É verdade que o Sr. Primeiro-Ministro polui a televisão e fá-lo todos os dias. Nunca em Portugal foi levado tão longe o preenchimento, ou melhor, a coabitação...

Risos do PSD.

O Sr. Manuel Moreira (PSD): - Que memória tão curta!

O Orador: - Podem rir-se, Srs. Deputados, porque a evidência destruirá o vosso sorriso.
Nunca em Portugal, salvo, talvez, os primeiros tempos da Revolução, um governo passou pela televisão tantas vezes como o actual Sr. Primeiro-Ministro o faz.
Mas quero dizer-lhe, Sr. Deputado, que em breve vamos propor aqui a medição desses tempos, para o passado e para o futuro, e vamos ver se os Srs. Deputados continuam a sorrir.
Em contrapartida, terei sido, do último governo - e disso posso orgulhar-me - o ministro que menos passou pela televisão. Foram feitas as medições dos tempos e foi isso mesmo que se concluiu, não o contrário.
Relativamente ao tempo «terrorismo inflacionário», devo dizer-lhe que quem me dera a mim que o governo anterior, de que o seu partido fez parte, tivesse desfrutado das condições excepcionais de que desfruta este governo, para ter podido fazer uma política social. É cómodo, Sr. Deputado, ter estado três anos no Governo a lançar o consumo, a duplicar o débito, a criar as condições que nos levaram até à quase ruptura financeira, fazendo exigências ao Governo.
O que veio depois? A política de austeridade que foi recusada. E nesse governo sempre tomámos consensualmente todas as deliberações e nunca se contaram os votos, Sr. Deputado.
O seu partido tem de se responsabilizar por inteiro pela política com que disse querer romper. Teria sido muito bom que tivéssemos tido as possibilidades e a margem de manobra que este governo tem, porque, creia, não preferiríamos ao homem o betão armado, não nos esqueceríamos dos indivíduos que têm fome, de quem este governo uma vez mais se esqueceu depois de ter prometido o que cumpriu e ganho as eleições com base nessas promessas.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O monologa falsificador do Primeiro-Ministro, sobre as alterações introduzidas na proposta orçamental, é mais uma acha governamental na fogueira do confronto institucional com a Assembleia da República, que o Governo vem provocando e ateando desde a sua tomada de posse. O Governo, sentindo crescer o seu isolamento político, recusando a advertência política que a discussão e votação do Orçamento do Estado representou, procura de novo, de forma manipuladora, virar a opinião pública contra a Assembleia da República.
As afirmações do Primeiro-Ministro na rádio e na televisão constituem um inadmissível exercício de afrontamento, de falsificação, de intolerável demagogia e inultrapassável desonestidade técnica e política.
O Primeiro-Ministro teve a desfaçatez de apelidar de irresponsável a Assembleia da República pelo facto de ter aprovado propostas positivas que melhoraram, ainda que pontualmente, a sua má proposta orçamental. Mas se há qualquer irresponsabilidade em todo este processo, ela é certamente do Governo e do seu Primeiro-Ministro: pela guerrilha institucional que vem desenvolvendo; pela chantagem que veio fazer à Assembleia da República no final do debate na generalidade do Orçamento do Estado; pela ira incontida que destila contra a Assembleia quando esta exerce, e bem, os seus poderes e deveres constitucionais; pela completa ausência de estratégia para aproveitar em benefício do País as excepcionais condições económicas externas que conjunturalmente se apresentam; pelo Orçamento de profunda injustiça social que apresentou; pelo agravamento dos conflitos sociais, da miséria e da fome que as suas acções e omissões vêm provocando; pela provocação inaceitável que agora lança à Assembleia da República ao anunciar, pela voz do Primeiro-Ministro,

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que irá procurar evitar os aumentos de despesa aprovados pela Assembleia da República, ameaçando prolongar o conflito institucional ao próprio campo de execução orçamental.
Isto, sim, são situações de manifesta irresponsabilidade, que a Assembleia da República não pode calar nem permitir que se prolonguem.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Primeiro-Ministro apresentou as alterações introduzidas no Orçamento do Estado pelos partidos da oposição como altamente lesivas dos interesses do povo e do País, quando na verdade tais alterações se traduzem em indiscutíveis benefícios sociais. É o que se passa, designadamente, com a dotação de 7 milhões de contos para capital estatutário das empresas de transportes, que poderá obviar a alguns dos seus problemas mais prementes, permitindo manter o emprego e melhorar as condições de exploração daquelas empresas, bem como as condições de prestação de serviços ao público. Tal como são de inequívoco interesse do povo e do País os reforços de dotações de 3,6 milhões de contos para as autarquias locais, os 300 000 contos para a construção de sedes de juntas de freguesia, os 500 000 contos para a Acção Social Escolar - para o suplemento alimentar de muitos milhares de crianças do ensino básico, nomeadamente através do fornecimento de leite - os 100 000 contos para apetrechar as degradadas bibliotecas das escolas universitárias, os 70 000 contos para o reinicio das obras do Hospital do Patrocínio há anos paralisadas, ou os 50 000 contos para apoio à pesca, ou os 25 000 contos para o acesso ao direito e a recuperação de toxicómanos. O que é efectivamente lesivo dos interesses do povo e do País é a insuficiente ou nula dotação orçamental do Governo para estas e outras áreas como a da saúde. São indiscutíveis benefícios sociais, em proveito da grande maioria do povo português as alterações introduzidas nos impostos profissional e complementar que permitirão que os trabalhadores paguem este ano menos 9 milhões de contos do que aquilo que, o Governo pretendia. O que seria manifestamente contra os interesses do povo trabalhador era o aumento real das taxas do imposto profissional que o Governo propunha e a maioria da Assembleia recusou, e a intenção agora manifestada pelo Primeiro-Ministro, como vingança estúpida, de adiar a entrada em vigor da taxa social única para anular parcialmente os efeitos benéficos da baixa do imposto profissional.
É de profunda demagogia, de ausência de rigor, de enorme manipulação e desonestidade política e técnica a afirmação do Primeiro-Ministro de que as alterações da Assembleia da República vão agravar excessivamente o consumo privado. Dos 14 milhões de contos dei aumento de despesas aprovados pela Assembleia da República (e não 13,5 milhões como foi por ele afirmado), só 300 000 contos, visando as pensões e reformas da função pública, se podem repercutir directamente no consumo privado. E os 9 milhões de contos dos impostos profissional e complementar, para além de um significativo benefício social que o Governo repudia, não significam mais de 0,3 % do consumo privado inicialmente previsto pelo Governo. É falso e ridículo afirmar, como o fez o Primeiro-Ministro, que as alterações orçamentais introduzidas pela Assembleia da República visem beneficiar os portugueses que menos necessitam. As alterações aos impostos profissional e complementar beneficiam todos os trabalhadores portugueses. Inversamente às propostas do Governo que apenas beneficiavam, em imposto profissional, os salários superiores a 125 contos mensais e em imposto complementar os rendimentos superiores a cerca de 250 contos mensais. A baixa dos combustíveis, de todos os combustíveis, desde o fuel ao petróleo e da gasolina ao gás de cidade e em garrafa, vão beneficiar directa e indirectamente todos os portugueses e toda a economia nacional. É completamente falso que a baixa do preço dá gasolina, que os partidos da oposição, responsavelmente, fizeram com que fosse bastante moderada, seja uma medida que apenas favorece estratos sociais de elevados rendimentos, pois é uma grosseira mistificação incluir em tal grupo centenas de milhares de portugueses que têm carro ou que se deslocam para o seu trabalho em motociclos. É, aliás, da maior desonestidade escamotear, como o fez o Primeiro-Ministro, que o Governo será justamente obrigado a baixar não apenas a gasolina mas também o fuel, o gasóleo e o gás, e que essas baixas de preço poderão e deverão, a curto prazo, repercutir-se na baixa de preços da electricidade, dos transportes, dos adubos, e outros produtos e serviços essenciais.
É completamente falso que a descida do preço dos combustíveis e designadamente da gasolina impeça a descida de preços de produtos essenciais como o leite. O Fundo de Abastecimento ainda ficou com receitas adicionais que podem e devem suportar essas baixas de preço. Se os preços do leite e de outros produtos não baixarem - e tudo faremos para que baixem - é porque o Governo não quer. Isso prova-se facilmente, utilizando os números do próprio Governo. O Ministro da Indústria afirmou em Comissão que se o petróleo bruto se fixasse-nos 18 ou 20 dólares o aumento adicional - de receitas- seria da ordem dos 50 milhões de contos. Pois bem, de acordo com o Governo, a baixa dos preços dos combustíveis custara cerca de 14 milhões ou 15 milhões de contos e a Assembleia da República transferiu para o Orçamento mais 13 milhões de contos, pelo que ainda ficam no Fundo de Abastecimento cerca de 22 milhões de contos adicionais que dão para baixar o preço do leite em «muitos 4$».

Aplausos do PCP, do PS e do MDP/CDE.

Tal, como pode e deve baixar o preço do pão, já que a economia dos cereais vai este ano financiar o Fundo, de Abastecimento em mais de 14 milhões de contos, de acordo com os elementos fornecidos pelo Governo à Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Reafirmamos que o Governo pode e deve baixar o preço do leite e de outros bens essenciais. A Assembleia ê o País não podem permitir que os preços destes bens se transformem num instrumento de chantagem do Primeiro-Ministro nos seus jogos de poder. A baixa do preço do leite e de outros bens de primeira necessidade deve transformar-se numa exigência nacional

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - É ainda completamente falso que as alterações introduzidas pela Assembleia da República obriguem ao corte ou suspensão de quaisquer investimentos do Plano. As propostas pôr nós aprovadas em conjunto com outros partidos da oposição, não alte-

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ram o défice orçamental. Isso significa que existem no Orçamento as receitas necessárias para executar todas as despesas previstas, designadamente as despesas do PIDDAC. Aí a Assembleia nada alterou! Se houver escolas, estradas, ou quaisquer outras obras que não venham a ser executadas, a responsabilidade é exclusivamente do Governo: ou porque as não realiza com a intenção única de tentar responsabilizar a Assembleia da República ou porque não tem capacidade para a integral execução financeira dos investimentos do plano previstos no OE, como aliás se afirmava na parte do relatório da Comissão de Economia cuja redacção foi da responsabilidade do PSD.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Governo lançou-se numa desregrada fuga para a frente, procurando virar a opinião pública, os portugueses, contra o órgão de soberania que os representa, e visando desde já criar o clima que lhe permita mais à frente responsabilizar a Assembleia da República pela falência da política do Governo.
A comunicação do Primeiro-Ministro é um acto de desestabilização e manifesta um propósito de subversão do funcionamento das instituições democráticas.

Vozes do PSD: - Não apoiado.

O Orador: - O PCP entende que a Assembleia da República não pode deixar de retirar daqui todas as consequências políticas e institucionais.

Aplausos do PCP, do PS, do MDP/CDE e de alguns Deputados do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, levo ao vosso conhecimento que, a nosso convite, se encontra na Tribuna Diplomática o Sr. Presidente da Assembleia da União da Europa Ocidental.

Aplausos gerais.

Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: com a divulgação do conjunto de 157 medidas que não prometera, mas que cumpriu nos primeiros 100 dias de actividade, o Governo acaba de prestar contas publicamente do seu trabalho e, assim, proporcionar aos portugueses um instrumento para que avaliem por si próprios o resultado da acção do executivo.
E nem seria necessário esse instrumento, sem dúvida útil e oportuno, para que os portugueses encarassem o Governo de Cavaco Silva não apenas com a expectativa favorável que se criou a partir de Novembro passado, mas com a certeza de que o executivo é capaz - e continuará a sê-lo - de realizar os objectivos que se propôs, cumprindo a promessa de realizar um desenvolvimento sólido e equilibrado do País, melhorando progressivamente o nível e a qualidade de vida das populações.

Aplausos do PSD.

Por isso, mas também pela forma como privilegia a competência, a isenção, a transparência e o rigor, o Governo goza de indiscutível popularidade, aliás crescente desde que tomou posse.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, poderão VV. Ex.ªs entender as considerações que precedem deslocadas do âmbito deste debate.
Mas, em nossa opinião, têm todo o cabimento: É precisamente no êxito evidente do Governo que encontramos explicação para as reacções descabidas e corripletamente desajustadas do PCP e dos partidos que o acompanham na oposição ao Governo, face ao discurso do Primeiro-Ministro.

Aplausos do PSD.

Porque, de facto, lendo e relendo o texto desse discurso, nada encontramos que possa justificar as enormidades que ouvimos das oposições.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Deixando de lado o inquestionável direito de discordarem dos pontos de vista do Governo e, designadamente, da análise económica subjacente à intervenção do Professor Cavaco Silva, não podemos conceder que se vá além disso, insinuando desrespeito ou abertura de conflito institucional com o Parlamento.
E se isso não concedemos, nem sequer admitimos que se acuse de falta de verdade ou de rigor.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Após termos votado contra todas as alterações ao Orçamento do Estado de 1986, em sede de especialidade, que entendíamos susceptíveis de afectar a estratégia de progresso controlado definida pelo Governo, a nossa posição na votação final global ficou cabalmente justificada na declaração que aqui fizemos a antecedê-la.
Disse então que «o conjunto das propostas aprovadas [... ] se é certo que ficaram claramente aquém dos propósitos anunciados, não deixam de exceder aquilo que consideramos razoável».
Acrescentei que «em consequência, alguns objectivos (do Governo) poderão ter ficado parcialmente afectados».
Afirmei, finalmente, a nossa convicção de que o Governo saberia «encontrar [...] as medidas compensatórias adequadas para contornar os desvirtuamentos introduzidos na proposta orçamental».
Assim, face a esta convicção e ainda considerando que é essencial assegurar a estabilidade governativa e dotar o País de um orçamento, ficou plenamente justificado o nosso voto global geral favorável.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vejamos serenamente a oportuna comunicação ao País do Professor Cavaco Silva que teve, em nosso entender, objectivos evidentes e que nada têm a ver com o propalado desrespeito a quem quer que seja e, muito menos, à Assembleia da República.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É para nós claro e terá sido também para a opinião pública, que esses objectivos foram o de explicitar o entendimento que o Governo faz das motivações da oposição subjacentes às alterações aprovadas, a incidência respectiva nos objectivos que se pró-

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pôs atingir e, fundamentalmente, as medidas que entende necessárias e adequadas para contrariar o excesso de despesa e de consumo que resultam daquelas alterações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Comprometidos os objectivos propostos pelo Governo ao País, era imperioso esclarecer e, informar a opinião pública sobre as medidas consideradas indispensáveis para tornear as dificuldades criadas, em ordem a que aqueles pudessem ainda ser alcançados. Foi o que o Governo fez.
Importa-nos, essencialmente, formular um juízo político sobre o diagnóstico traçado e a terapêutica preconizada.
Quanto ao primeiro, e em síntese, o meu grupo parlamentar já anunciou o que pensava sobre o aumento das despesas públicas em cerca de 13,5 milhões de contos, em parte desnecessários ou mesmo representando desperdícios' de dinheiros públicos.
Em relação às receitas, sendo certo que a proposta orçamental do Governo já implicaria um acréscimo significativo do consumo face ao previsível aumento do rendimento disponível das famílias; a diminuição das receitas em cerca de 15 milhões de contos nas rubricas com impacte directo no consumo veio necessariamente afectar os objectivos de combate à subida de preços e de aumento do investimento produtivo.
As medidas correctivas encontradas pelo Governo, para tornear a situação e prosseguir os objectivos propostos parecem-nos adequadas e correctas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E se todas e cada uma delas são discutíveis, não se vislumbra em que medida é que uma só delas pode representar desrespeito ou incumprimento das deliberações da Assembleia.
Se não, vejamos: Salvaguarda-se até ao final do ano o preço dos bens essenciais; evitam-se os gastos desnecessários; adiam-se investimentos públicos previstos no PISEE e congelam-se 4% das despesas do PIDDAC até Setembro; adia-se para 1 de Outubro a entrada em vigor da taxa social única; reduz-se a expansão do crédito mas garantem-se os* meios de financiamento indispensáveis ao crescimento do investimento produtivo; limita-se a 1,5 a baixa das taxas de juro em ordem a favorecer o investimento, mantendo inalterada a taxa efectiva de crédito ao consumo; beneficiam-se os reformados com a isenção de imposto de capitais sobre depósitos.
Concluindo, tudo parece legítimo e, em nossa opinião, repetimos, são medidas adequadas e correctas. Não o serão para os partidos da oposição. É legítimo que assim pensem. Ocorrei no entanto, que não é à oposição que cabe governar. É ao Governo que apoiamos, agora com redobrado empenhamento. É a este Governo. Ainda bem.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Brito.

O Sr. Carlos Brito (PCP): - Sr. Deputado António Capucho, apesar da apreciação crítica e da denúncia que já aqui foi feita acerca do discurso do Sr. Primeiro-Ministro, V. Ex.ª veio defendê-lo - o que é do seu direito e dever, pois é uma obrigação que tem. Por isso mesmo, compreendemos que a debilidade dos argumentos utilizados traduz essa situação particularmente delicada.
Não vou voltar a referir o que aqui já foi dito, mas gostaria de começar o meu pedido de esclarecimento por onde o Sr. Deputado terminou a sua intervenção. O Sr. Deputado disse que não cabia à Assembleia da República governar, mas sim ao Governo. Porém, é à Assembleia da República que compete aprovar o Orçamento. Creio que os Srs. Deputados ainda não compreenderam que isto não significa apenas formular pedidos de esclarecimento para o Governo informar o que é que pretende e depois pôr o tal carimbo, a tal chancela na proposta de lei. Aprovar implica discutir, apreciar, examinar, criticar e alterar onde for caso disso e é a Assembleia da República que tem essa responsabilidade.
Então, a que propósito é que vem. a acusação de irresponsabilidade por parte do Sr. Primeiro-Ministro se a Assembleia da República não fez mais do que desempenhar-se das suas responsabilidades, que são tanto maiores quanto é verdade que estamos perante um Governo minoritário e é muito natural que este Governo, que, tem perdido sucessivas votações na Assembleia da República, possa ser substituído no decorrer do presente ano económico em que vigora este Orçamento? A Assembleia da República tem, naturalmente, o dever e a responsabilidade pela política nacional, que pode não ser até ao fim do ano da responsabilidade deste Governo.
Creio, pois, que esta é uma circunstância suplementar. Para além das circunstâncias institucionais que sempre existiriam há, no caso vertente, uma circunstância adicional, que é o facto de este Governo ser minoritário e não estar a governar para resolver os problemas do País, mas sim para se reforçar no poder. Portanto, muitas das coisas que se estão a passar só têm essa explicação: não é o interesse nacional que está no objectivo e na mira do Governo, mas sim o reforço da sua própria posição. Em torno do que se passa há jogos de poder e uma chantagem para o Governo reforçar o seu poder em face da Assembleia da República.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Esta é uma primeira ordem de questões que quero colocar com a seguinte interrogação: a que vem, então, essa acusação de irresponsabilidade?
Todas as considerações que o Governo faz acerca do texto aprovado pela Assembleia da República não quererão significar que este não aceita o livre jogo das instituições democráticas e põe em causa a lei que a Assembleia da República aprovou em votação democrática por parte de todos os partidos? Nós temos tanto mais razão para invocar a votação quanto é certo que votámos contra por entendermos que aquele texto, apesar das positivas alterações que lhe foram introduzidas, não servia os interesses nacionais.
Não lhe parece, Sr. Deputado, que é legítimo a Assembleia da República tirar todas as ilações políticas e institucionais desta comunicação e das intenções e propósitos que nela se manifestam relativamente às relações futuras do Governo com a Assembleia da, República? Não lhe parece também que doravante a Assembleia da República deverá passar a ter uma ati-

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tude muito mais severa em relação a todas as iniciativas que o Governo aqui trouxer e que deve reforçar a sua vigilância e a sua fiscalização sobre a política do Governo? Pensamos, pois, que estas conclusões serão obrigatórias para todos os deputados, pois é necessário que entendam como deve ser o que é a competência da Assembleia da República e qual o seu papel no contexto dos nossos órgãos de soberania.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Deputado Carlos Brito, em primeiro lugar quero dizer que, na realidade, é à Assembleia da República que compete aprovar o Orçamento de Estado. Nunca ninguém na minha bancada ou algum membro do Governo em questão discutiu isso e, portanto, não compreendo a reincidência nesse tipo de insinuação - aliás, até talvez compreenda!
Não se vislumbra na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro uma única afirmação que possa levar o PCP a esse tipo de insinuações. Em que medida, em que altura, em que página ou em que linha é que o Sr. Primeiro-Ministro diz que não vai cumprir o Orçamento que foi aprovado? Ele limitou-se a formular um juízo político - e nós também nos limitamos a formular um juízo político - sobre as causas, as consequências e a dimensão das alterações aprovadas. Ora, isso é legítimo e peco-lhe imensa desculpa mas não abdicamos desse direito.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Quanto à questão da irresponsabilidade, devo dizer que na intervenção do Sr. Primeiro-Ministro não foi feita qualquer insinuação de irresponsabilidade em direcção ao órgão de soberania Assembleia da República. O que ele afirmou na p. 7 da intervenção que fez e da qual tenho uma fotocopia é o seguinte:

[... ] medidas que este ano façam crescer ainda mais o consumo podem dar popularidade, mas são uma irresponsabilidade porque comprometem o futuro do País e trazem de volta a austeridade. Não é para isso que somos Governo.

Portanto, trata-se de uma afirmação clara: a de que o Governo considera as medidas tomadas como tendo alguma irresponsabilidade. Estamos, pois, perante um juízo político perfeitamente válido e o Governo, o Sr. Primeiro-Ministro e o PSD, quando votaram contra essas medidas, explicaram por que é que as consideravam irresponsáveis.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Os Srs. Deputados consideram essas medidas de um alcance excelente. Essa é a vossa opinião e é por isso que são oposição!
O Sr. Deputado Carlos Brito escusa de recordar ao PSD que o Governo é minoritário, pois sabemos isso. Porém, permito-me recordar-lhe que se é facto que somos um Governo minoritário não deixamos de ser um Governo viabilizado por esta Assembleia e por isso assumimos inteiramente as nossas responsabilidades sem abdicar um milímetro das nossas competências.

Aplausos do PSD.

E fazemos isso precisamente porque assumimos as responsabilidades e porque cumprimos aquilo que esta Assembleia determinou quando se voltou para o Governo e disse: face a este Programa estão VV. Ex.ªs disponíveis para assumir a governação em pleno. Ora, é isso que o Governo está a fazer,
O Sr. Deputado fez algumas insinuações com o intuito de criar um estado de medo dentro do Partido Social-Democrata ou do Governo quando disse que a Assembleia da República vai ser extremamente rigorosa no seu relacionamento com o Governo. Ora, isso não nos mete medo nenhum! A Assembleia da República, nomeadamente os partidos da oposição, assumem integralmente as suas responsabilidades e fazem a oposição como muito bem entenderem, pois, lá estará o povo para julgar.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Estamos, pois, perfeitamente descansados. Essas insinuações não nos metem medo nenhum e certamente que também não metem medo ao Governo por variadíssimas razões: em primeiro lugar, porque, independentemente da vossa opinião, estamos convictos de que estamos a governar bem. Em segundo lugar, porque temos a convicção de que temos a opinião pública connosco.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração política, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Entendeu o Sr. Primeiro-Ministro, em intervenção televisiva recente, avaliar do ponto de vista do Governo o Orçamento do Estado aprovado na Assembleia da República.
Fê-lo numa perspectiva crítica, o que é natural, considerado que as principais alterações introduzidas na proposta de lei tinham origem nos partidos da oposição - Partido Comunista Português, Partido Socialista e Partido Renovador Democrático-, que defendem um modelo de sociedade substancialmente diverso do perfilhado pelo Governo e pelo partido que o apoia. Não devemos, porém, aceitar que ninguém, seja o Governo, sejam os partidos da oposição, utilize na sua crítica recíproca argumentos que ponham em causa o prestígio da Assembleia da República porque por essa via estariam, uns e outros a instrumentalizá-la, pondo em causa a estabilidade política que todos dizem defender.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Orador: - Não pode o CDS deixar de vincar que sendo oposição e tendo apresentado em relação à proposta de lei um conjunto substancial de alterações que, sem pôr em causa a coerência desta proposta de lei, a melhoravam substancialmente, viu essas alterações reprovadas precisamente pelos restantes partidos da oposição. Essas alterações apontavam para uma solução que simultaneamente permitisse o con-

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trolo das despesas públicas, a diminuição do défice e o desagravamento da carga fiscal. Tudo isto,- como condição para o desenvolvimento económico e para a justiça social.
A oposição socialista liderada pelo PRD seguiu caminhos diversos e, em certos casos, mesmo. contraditórios. As nossas soluções respeitavam o princípio da separação de poderes e não pretendiam invadir competências do Governo nem por essa forma diminuir-lhe a responsabilidade. Porém, a oposição socialista não entendeu assim.
Pela nossa parte não pretendemos aproveitar, a circunstância de o Governo ser minoritário no Parlamento para aprovar aqui um orçamento de oposição.
Não são, pois; coincidentes as nossas posições com as da restante oposição socialista e, embora entendamos que o Sr. Primeiro-Ministro tem, como é óbvio, o direito e até o dever de defender o seu Governo, já não nos parece curial que ignore ou que não torne suficientemente claro que as posições nesta Assembleia não se esgotam numa pura dialéctica entre oposição socialista e Governo.
O CDS considera que essa visão redutora da Assembleia da República è da sociedade portuguesa contribui para dificultar o seu diálogo construtivo com o Governo e, por isso, acentua o isolamento político deste. Mas o CDS não se deixará conduzir por razões que considera conjunturais para um confronto institucional que não interessa aos Portugueses nem à democracia. Continuaremos, pois, a pautar a nossa conduta pôr uma atitude responsável, de oposição construtiva re independente.

Aplausos do CDS.

ORDEM DO DIA

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, b primeiro ponto do período da ordem do dia diz respeito à apreciação da proposta de deliberação da Comissão de Educação, Ciência e Cultura para a criação no seu âmbito de duas subcomissões com carácter permanente, sendo uma de cultura e outra de investigação científica. Está em discussão.

Pausa.

Visto não haver inscrições, vamos, votar.

Submetida à votação, for aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, teríamos agora que procederas eleições. Como tem sido hábito; abrir-se-iam as umas às 15 horas e encerrar-se-iam às 18 horas para que os Srs. Deputados pudessem votar. Se não houver objecções, proceder-se-á deste modo.

O Sr. António Capucho(PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, creio que seria prudente o encerramento das umas ocorrer às 18 horas e (30 minutos, caso não haja inconveniente.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Então as umas abrirão às 15 horas e encerrar-se-ão às 18 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, a segunda parte do período da ordem do dia diz respeito à continuação da discussão conjunta dos diplomas sobre o ambiente. Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Teles.

O Sr. Ribeiro Teles (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A utilização abusiva dos recursos naturais, a fim de se obterem mais alimentos e matérias-primas, e a produção sempre crescente de bens que satisfaçam as necessidades da vida moderna, progressivamente alargada a camadas cada vez mais amplas da população, provocaram transformações profundas na paisagem, e alterações na qualidade do ar, da água e dos alimentos e ainda a escassez, em muitas regiões, destes, dois últimos elementos.
Consequentemente, a saúde, o conforto, a eficácia no trabalho, o recreio, a cultura- e a procura da justiça estão a ser perigosamente afectados. A degradar cão do ambiente atinge, hoje, não só as populações que se acotovelam nas áreas metropolitanas como também as que vivem nas aldeias, serras e campos.
A degradação do ambiente tem a sua principal origem numa visão exclusivamente macroeconómica do desenvolvimento, que, quanto mais reduzidos se encontrarem os recursos naturais de que necessita, mais prejudicial se torna para a sociedade e para o progresso.
A melhoria da qualidade do ambiente após o 25 de Abril tem sido uma preocupação constante de todos os governos e, por isso, já existem, nalgumas áreas, legislação e instrumentos de intervenção adequados.
Acresce, ainda, que as pessoas, especialmente a juventude, começam a estar consciencializadas sobre os problemas ambientais.
Apesar destes dois factos positivos, continua a verificar-se a acelerada degradação do território e do ambiente.
A existência de uma lei-quadro de ambiente e de ordenamento do território tem, assim, plena oportunidade.
Os Portugueses construíram sabiamente, com o esforço de muitas gerações, uma paisagem que lhes permitiu o crescimento da população, o desenvolvimento da sociedade e a afirmação de uma cultura, e Contudo, em muitas regiões do Globo, o egoísmo tem imposto a exploração exaustiva dos recursos naturais em benefício de poucos e de sociedades distantes. Esta atitude tem provocado graves desastres ecológicos, a injustiça, a fome, e a morte. Nós também - apesar das experiências bem sucedidas do passado - já começamos devido a esse mesmo egoísmo, a ultrapassar a fronteira biológica que deveria limitar o uso dos recursos vivos de que dependemos. Em lugar de, construirmos um ambiente propício ao homem e de usarmos sabiamente o território, estamos a desbaratar potencialidades. A destruir riquezas, a degradar o nosso «eco», isto é, a nossa casa. Não nos devemos esquecer de que o território é, segundo a constituição, um valor eminentemente, nacional, qualquer que seja, a forma da sua apropriação.
No Interior e Sul do País alastra um alarmante processo de desertificação e despovoamento devido à expansão de sistemas culturais extensivos quer agrícolas (agro-químicos), quer florestais (povoamentos extremes para a indústria)

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Nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, à volta de algumas das maiores cidades e no Minho Litoral, as construções ou alastram pelos campos, como mancha de óleo vazado num vidro, ou dispõem-se ao longo das estradas alcatroadas, constituindo alinhamentos ininterruptos que parecem não ter fim.
A distribuição indiscriminada das fábricas, a inexistência ou pouca eficácia dos sistemas existentes de depuração de águas residuais urbanas com elevado teor em M. O., o lançamento de substâncias químicas tóxicas no ar, no mar, nos estuários, nos rios e até em linhas de água de regime torrencial, a energia física não controlada e desperdiçada, têm tido consequências graves sobre a saúde, a economia, o conforto, o rendimento do trabalho e, ainda, sobre os ecossistemas naturais ou humanizados e os recursos naturais.
A poluição atmosférica já é bastante grave em muitas regiões do nosso país, nomeadamente em Lisboa, Barreiro, Setúbal, Sines, Estarreja, Cacia e Abrantes.
É, por isso, necessário tomar medidas imediatas. Lamento que não tenhamos apoiado na CEE a redução dos valores das emissões poluentes das grandes instalações de combustão, especialmente no que diz respeito ao dióxido de enxofre e ao óxido de azoto, que ameaçam as matas e a agricultura.
Não tem sido possível evitar a poluição atmosférica proveniente de muitas unidades industriais e da circulação de veículos, porque há dificuldade em fazer cumprir as condições de licenciamento e em realizar uma fiscalização eficaz do funcionamento das instalações.
Os nossos rios estão a ser mortos e a transformar-se em autênticos canos de esgoto.
Para muitos, o mau cheiro dos rios e do ar e o amontoado das sucatas são indicativos de progresso e dinheiro. Estão, na realidade, enganados porque tal apenas representa o totalitarismo tecnocrata e a existência artificial de uma sociedade que apenas se pretende justificar pelo consumo indiscriminado.
A realidade é outra: muitos dos nossos rios, como nalgumas regiões o ar, já não têm capacidade de absorção e purificação dos resíduos neles lançados. Nos rios, continuamos a destruir sistematicamente a vegetação marginal, principal responsável pela sua capacidade de regeneração.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política de ambiente deve abranger a defesa da qualidade dos factores que o definem: o ar, a água, os alimentos e a terra e a construção ou conservação da estrutura física, biológica e cultural da paisagem, que permite o desenvolvimento e o progresso.
A melhoria do ambiente, o ordenamento do território e a conservação da Natureza na sua actual amplitude estão, na realidade, intimamente relacionados e devem integrar-se numa mesma política. Essa política deverá ter, por objectivo último, o prosseguimento da humanização da terra, tendo em vista o aumento gradual da capacidade de suporte das regiões para uma vida humana, digna e justa - capacidade de suporte que deverá respeitar os limites impostos pelas leis da Natureza e por uma adequada gestão dos recursos.
A defesa da mais adequada qualidade do ar, da água e do solo, bem como a protecção da flora e da fauna, não pode esgotar, só por si, uma política integrada de ambiente.
A manutenção e construção da paisagem, considerada esta como síntese da expressão cultural, física e biológica do território, onde, na realidade, se conjugam todos os factores ambientais, são acções indispensáveis à prossecução da política do ambiente.
De facto, é necessário que se entenda a paisagem como resultado do constante diálogo do homem com a Natureza. É, pôs isso, a mais importante e significativa expressão cultural de um povo.
A degradação do território, de que a paisagem é o diagnóstico mais evidente, resulta, em grande medida, de uma óptica contabilística e de curto prazo dos investimentos. Dentro desta óptica, pretende-se conseguir um ambiente sadio, impondo soluções sectoriais a jusante dos processos produtivos que não só prejudicam uma visão global do processo como também não atingem o fim desejado.
Para travar a degradação do ambiente e do território é necessário promover a utilização adequada dos recursos vivos e dos espaços físicos. Para isso, é necessário garantir a manutenção da capacidade de regeneração dos recursos vivos, procurando-se obter, em cada momento, o máximo rendimento compatível com a manutenção, ao longo dos tempos, das potencialidades produtivas e promover a distribuição ordenada e racional das actividades no território em função das vocações dos diferentes espaços.
Não é possível avançar-se com uma política eficaz de ambiente e ordenamento do território sem se repensar o actual modelo de desenvolvimento. Há que reconhecer a enorme importância que terão no futuro, no modelo de desenvolvimento, os valores imateriais da civilização, sem os quais não será possível responder à inquietação do homem e construir um ambiente propício ao desenvolvimento da sociedade.
São partes integrantes e fundamentais de uma autêntica política de desenvolvimento a melhor qualidade e a mais eficaz gestão do ar, da água, do solo e dos alimentos, a conservação da Natureza, a afirmação da cultura, o aproveitamento racional de todos os recursos, a melhoria da qualidade de vida e a busca da justiça.
Como vimos, uma política eficaz de ambiente só será positiva se incluir o ordenamento e a organização do território.
O ordenamento do território não se deve, contudo, circunscrever unicamente às regiões mais desenvolvidas e interessar-se apenas pela melhoria da qualidade de vida das populações urbanas, mas, pelo contrário, deve interessar-se pelas gentes rurais, mesmo que vivendo em locais recônditos, afastados da civilização.
As comunidades rurais não são restos arqueológicos, prestes a desaparecer, engolidos pela sociedade moderna. As comunidades rurais, pelo contrário, retêm valores culturais indispensáveis ao futuro da sociedade e são responsáveis pela estabilidade ecológica e equilíbrio biológico das paisagens.
A ruralidade é o mais sólido alicerce da nossa identidade nacional e um instrumento indispensável à valorização do ambiente e da cultura, mesmo nas áreas consideradas económica e socialmente mais desenvolvidas.
A qualidade do ambiente depende em muito da estabilidade social e da viabilidade das economias familiares. Para essa estabilidade e para essas economias contribuem em muito as pequenas explorações de expressão familiar, quer artesanais, quer agrícolas.
Essas explorações podem ser importante complemento do salário obtido na indústria ou nos serviços e prolongamento de uma actividade que antes tinha sido aplicada noutros sectores económicos e noutras áreas geográficas.

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É, por isso, de especial importância considerar numa política de ambiente o fomento da agricultura periurbana e da agricultura a tempo parcial. Ambas poderão ser importantes instrumentos de humanização dos grandes espaços urbanos (áreas metropolitanas).
Nas novas áreas urbanas, a manutenção da estrutura biofísica da anterior paisagem rural (linhas de água, áreas de recarga dos lençóis aquíferos subterrâneos, cumeadas arborizadas, marcos significativos da cultura) constitui, por sua vez, uma medida importante a ter em consideração na defesa e na construção de um ambiente sadio.
No espaço rural, a manutenção e a defesa do ambiente passam pela aplicação dos decreto-leis que estabeleceram a reserva agrícola nacional e a reserva ecológica nacional e pela compartimentação dos campos por matas e sebes vivas, pela revitalização dos rios e ribeiras, conseguida através de uma acção simultânea compreendendo a depuração das águas ë a instalação de vegetação ripícola nas suas margens, pela defesa e regeneração do montado e pela recuperação da pecuária de montanha.
Por isto, não encontro razões plausíveis para que o Governo não tenha ainda regulamentado a reserva ecológica nacional e nomeado as comissões distritais e o conselho nacional previstos no decreto-lei que instituiu a reserva agrícola nacional - órgãos que são responsáveis pela sua aplicação.
A regulamentação dos planos regionais de ordenamento do território também é urgente e está por fazer e esses planos são instrumentos básicos da política de desenvolvimento e de ambiente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A política de ambiente é uma das colunas basilares do progresso. Os projectos de lei que estamos a analisar são contributos válidos para que uma lei-quadro do ambiente, que deve incluir as bases do ordenamento do território, possa corresponder, na definição e orientação de tão importantes matérias, às necessidades do presente e às propostas do futuro, conjugando o que hoje é disperso e permitindo uma visão integrada da política do ambiente, do ordenamento do território e do desenvolvimento social e económico do nosso país.
O projecto de lei-quadro do ambiente e ordenamento do território que apresento baseia-se no projecto de lei-quadro do ambiente n.º 311/11, apresentado pelo PPM e publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 52, de 11 de Fevereiro de 1982. Esse projecto de lei caducou porque, entretanto, foi dissolvida a Assembleia da República.
Daquele projecto de lei mantivemos a estrutura, alteraram-se alguns artigos, procurando dar-lhes maior clareza e eficácia, acrescentaram-se outros, especialmente nas áreas que dizem respeito às incumbências do Estado, direitos das autarquias e dos cidadãos, à água e ao ordenamento do território, procurando neste último aspecto alargar o âmbito do projecto de lei que apresentei.
As alterações que entretanto se verificaram na estrutura do Governo e nos serviços do Estado obrigaram também à revisão de alguns artigos.
Estou convicto, que, ao proceder à recuperação do projecto de lei então apresentado pelo PPM, estou a dar uma contribuição válida para a elaboração da lei-quadro do ambiente.
A noção que defendemos de serviço e o respeito que temos pelo trabalho já realizado obrigam-nos a proceder desta maneira. Não se pretende fazer uma afirmação pessoal do que é trabalho de muitos.
O aditamento que apresentei ao projecto de Lei n. º 105/IV é uma solução alternativa ao projecto de lei que propõe a criação do cargo de «promotor ecológico». Que a solução alternativa que apresento é mais realista e está mais conforme com as possibilidades de momento.
Propõe-se, portanto, aumentar a competência do provedor de justiça, que passará também a abranger os problemas do ambiente, apoiado por assessores especializados nessa área.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, inscreveram-se os Srs. Deputados Maria Santos e Mário Maciel. Tem, pois, a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Deputado Ribeiro Teles, relativamente ao projecto de lei que nos apresenta - e, aliás, existe um outro projecto de lei com o mesmo conteúdo -, V. Ex.ª reformula algumas questões, valoriza e incorpora outros artigos. Quanto a nós, nestes dois diplomas não se fala muito, quer das autarquias quer da participação das regiões, e remetem-se para o poder central praticamente todas as competências no domínio do ambiente. Ora, gostaria de saber se é essa a ideia do Sr. Deputado, se considera que é extremamente importante a participação das autarquias, e daí a necessidade de fazer contemplar no articulado da lei os intervenientes na resolução, na intervenção e na concretização da política do ambiente.
Existe já a reserva ecológica nacional e a reserva agrícola; porém, gostaria de saber quem é que as aplica. Na sua intervenção o Sr. Deputado referiu que essas reservas não estão regulamentadas, mas, de qualquer maneira, pergunto se elas terão cabimento no futuro, quando houver uma política e um plano de ordenamento do território.
Relativamente a um dos princípios que também vem expresso no diploma que apresentou - e que é, embora de- forma mais ampla, o princípio do poluidor-
pagador -, e tendo em conta que ontem coloquei questões ao PSD sobre esse princípio, que, aliás, não ficou bem clarificado, gostaria que, até para informação da Câmara, explicitasse um pouco a questão da interiorização das economias externas.
Nos dois projectos de lei que referi no início do meu pedido de esclarecimento - e não sei se esta questão deverá ser colocada ao Sr. Deputado Ribeiro Teles ou ao Sr. Deputado Borges de Carvalho -, vem consagrado um artigo sobre a cooperação entre as actividades poluidoras e a Administração Pública. Ora, se este artigo não for bem desenvolvido e trabalhado, não podemos deixar de ser levados a crer que a convergência entre os poluidores e a Administração Pública ou outras organizações não é, em certa medida, a de juntar os cordeiros e os lobos na mesma área. Será possível conciliar estes dois aspectos?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ribeiro Teles, V. Ex.ª deseja responder já ou no fim?

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O Sr. Ribeiro Teles (Indep.): - Prefiro responder no fim, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Então, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Deputado Ribeiro Teles, relativamente ao projecto de lei apresentado por V, Ex.ª, cujo título é «Lei-Quadro do Ambiente e Ordenamento do Território», apesar de no seu seio o conceito de ordenamento do território não estar desenvolvido, pelo menos em moldes que justificassem o aparecimento desse conceito no título do projecto de lei - e esta é uma crítica que lhe faço -, gostaria de colocar algumas questões. Não o vou obrigar a responder a todas, mas peco-lhe que faça algum esforço para responder a algumas.
Quanto ao capítulo IV, que tem como título «Licenciamento de actividades» e que trata de uma matéria fundamental, parece-me que se avançou em considerandos excessivamente regulamentares, no contexto de um projecto que, por enquanto, pretende ser uma lei de bases.
Para além disso, o seu projecto de lei envereda por uma sequência de considerandos paisagísticos, que certamente denunciam a competência de V. Ex.ª na matéria; contudo, também me parece que são excessivos numa lei de bases do ambiente. Fala-se muito de paisagem - na minha opinião fala-se excessivamente de paisagem -, e há muitas definições puramente académicas que poderiam ser repensadas.
Por outro lado, V, Ex.ª refere no projecto componentes paisagísticos extremamente abstractos, que, na minha opinião, deviam ser extirpados de um projecto de lei de bases. Fala-se no céu, na profundidade, na luz, na cor, na vida, na cultura. Penso que devíamos ser mais pragmáticos e, num projecto de lei de bases, falar de um maneira mais concreta e mais de acordo com a realidade ambiental em Portugal.
Resumindo todos estes aspectos, pergunto: o Sr. Deputado considera que o seu projecto de lei é um contributo modernizante para a resolução dos problemas do ambiente em Portugal, ou reconhece - e poderá assumi-lo, pois é legítimo fazê-lo - que o seu projecto de lei está assente num perspectiva conservacionista da Natureza e não atende aos aspectos evolutivos de que esta mesma Natureza e o ambiente em geral são alvo na nossa sociedade?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ribeiro Teles.

O Sr. Ribeiro Teles (Indep.): - Sr. Presidente, as perguntas que me fizeram podiam dar origem a uma discussão muito interessante, mas talvez este não seja o lugar próprio e, por isso, vou responder o mais rapidamente possível.
Em primeiro lugar, devo dizer que a participação das autarquias, assim como de órgãos possíveis regionais, numa política de ambiente é fundamental. Sem a participação desses órgãos não é possível uma política de ambiente. Essa participação deve estar incluída em todos os aspectos do ordenamento e organização do território e trará, como complemento, os problemas do ambiente, na medida em que não os consigo distinguir nem do ordenamento nem da organização do próprio território, pois eles estão ligados.
O que vejo neste momento - e quero ser muito prático e muito realista - é que, sem ser iniciada uma forte acção do poder central na política de ambiente, não há nas autarquias locais possibilidades materiais, e, muitas vezes, até técnicas, para desenvolver esse processo.
Penso que o problema deve pôr-se desta maneira: tem que haver um motor - que deve estar nos organismos centrais - que procurará empurrar para as autarquias locais toda a responsabilidade do processo. Portanto, o que vejo é que, de futuro, a responsabilidade de todo o processo que diz respeito ao ambiente, à organização do território, àquilo que não são valores exclusivamente nacionais, pertence às regiões e pertencerá, com certeza, totalmente às autarquias.
Quanto à reserva agrícola nacional - que, apesar de não estar regulamentada, mesmo assim, já tem servido para alguma coisa -, assim como quanto à reserva ecológica nacional - que, apesar de não estar regulamentada, também tem servido, principalmente em relação à costa, para obstar a grandes desvarios -, devo dizer que são medidas cautelares do ordenamento do território.
Não podemos organizar um plano de ordenamento do território sem que se façam estudos, sem que se faça um inquérito, sem que haja possibilidades efectivas de realizar esse plano em todo o seu pormenor. Antes que essa máquina esteja montada e abranja todo o território nacional, temos de montar medidas preventivas, e, na minha opinião, as medidas preventivas são a reserva agrícola nacional, a reserva ecológica nacional e, no aspecto de urbanização, os planos directores nacionais.
Vejo que só nos podemos aproximar da perfeição através de passos sucessivos, considerando a realidade em que estamos envolvidos e que, em muitos casos e em muitas áreas, não é nada brilhante.
Quanto ao princípio do poluidor-pagador, penso que ele não resolve cem por cento o problema.
Hoje em dia, e nos anos mais próximos, é e vai ser uma necessidade absoluta, mas, evidentemente, tem que se actualizar permanentemente o processo para que, no processo do poluidor-pagador, não seja mais barato pagar a multa do que criar um sistema que não seja poluente. Respondem-me que não é reversível; no entanto, a prática tem mostrado que ele funciona exactamente desta maneira.
Quanto à questão da cooperação, e com a boa frase de «juntar os cordeiros aos lobos» - e devo dizer que não sou cordeiro mas, muitas vezes, tenho estado junto de muitos lobos e, se não se estiver junto deles, eles estão à solta -, parece-me que, tal como frisei em relação às autarquias, temos que marchar dentro da realidade, e os cordeiros vão mesmo lutar contra os lobos porque, às vezes, os cordeiros acabam por ter mais força do que os lobos. Para isso, basta que tenham razão.
Ora bem, o que julgo é que temos de entrar numa política autêntica, que pode ou não estar prevista totalmente na lei de bases. Respondendo ao Sr. Deputado Mário Maciel, devo dizer que o capítulo IV, que tem a ver com o licenciamento das actividades, pretende ser um capítulo «oportunista», pretende ser um capítulo que possa resolver, de momento, casos sérios, que não fiquem exclusivamente apontados numa lei, mas que possam ter a possibilidade prática de serem factores positivos de intervenção.

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Quanto ao facto de eu falar muito em paisagem, devo dizer que realmente é verdade. Aliás, todo o mundo fala em paisagem, não sou só eu.
Todos sabemos que, se não tivermos uma paisagem - que é uma síntese de todas as actividades humanas, é a expressão física que, num determinado momento e num determinado espaço físico, existe de todas as actividades, quer rurais, quer urbanas, - quer agrícolas, quer industriais -, se não fizermos essa visão global do problema, estamos a pretender resolver os problemas sectorialmente e estamos não num processo que aceita os princípios científicos da ecologia, mas num processo dispersivo. Portanto, quando afirmo como fundamentais os problemas da paisagem, estou a referir-me aos aspectos latos da mesma.
Mas - e agora entro num aspecto que reputo muito interessante, e ainda bem que levantou a questão -, juntamente com os componentes sociais, com os componentes físicos, com os componentes biológicos, se levanto a questão dos componentes estéticos é porquê para nós o ambiente também tem muito de valorização dos elementos estéticos, principalmente em resposta à inquietação do Homem.
Portanto, temos de pôr em pé de igualdade, numa lei do ambiente, os componentes estéticos e os componentes culturais, e isso resulta de uma visão de síntese da própria paisagem.
O projecto de lei de bases, a lei quadro do ambiente; também tem de ser uma lei que tenha muito que ver com a cultura. E tendo muito a ver com a cultura,- tem que valorizar todos os aspectos do meio ambiente, da nossa envolvência, que têm que ver com os valores estéticos. Julgo que uma das coisas que o projecto de lei tem de positivo - e este projecto de lei é um adicional ao antigo projecto 'de lei que o PPM apresentou - é trazer um apport estético, é trazer um apport paisagístico à lei de bases do ambiente que a modernize no sentido em que todo o mundo, hoje em dia, compreende os problemas da paisagem como problemas de síntese, como problemas interligados.
Talvez me tenha exprimido mal, mas a minha posição não é a do conservadorismo da natureza. A posição do conservadorismo da natureza é aquela que julga que todos os problemas se resolvem criando reservas e espaços definidos e limitados para a conservação da natureza e que tudo o resto é «à balda». Pois bem, sou contra isso. São necessárias reservas e áreas protegidas para proteger determinados valores excepcionais que estão ultrapassados na vida moderna, para se ter uma base científica de estudo, para se ter uma base recreativa, para se ter uma base cultural. Mas isso não elimina que tudo o resto possa ser atirado para um crescimento económico que não tenha em conta o problema do ambiente.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os quatro projectos apresentados de lei quadro sobre ambiente e qualidade de vida vêm repor uma discussão que teve lugar em Abril de 1982. Trata-se de uma matéria importante, tão importante que está consagrada no artigo 66.º da Constituição.
Verifica-se que, no fundamental, qualquer dos projectos tem em conta os grandes princípios que enformam a protecção e a melhoria do ambiente; não há
grandes diferenças na forma como encaram a problemática do ambiente. Nomeadamente, está patente em todos eles que o que importa é optimizar a utilização dos recursos existentes, por forma a melhor satisfazer as necessidades sociais, económicas, culturais e ambientais do homem.
Fazemos aqui um parêntesis para notar que a apologia do projecto do PSD, feita pelo Sr. Deputado Mário Maciel, ultrapassa a fronteira da defesa de um projecto de lei para sé inserir na do auto-elogio. Na realidade, nos termos encomiásticos em que foi feita, ela ultrapassa largamente essa defesa. Não obstante, votaremos favoravelmente não só o projecto de lei apresentado pelo PS e os dois projectos de lei apresentados, respectivamente, pelos Srs. Deputados independentes Maria Santos e Ribeiro Teles, mas também o projecto de lei apresentado pelo PSD.
Parece-nos, contudo, que o projecto de lei do PS traduz um maior amadurecimento, correspondendo a uma criação mais avançada de elaboração, pois apresenta-se mais sistematizado e mais depurado, permitindo assim uma maior inteligência das ideias e dos aspectos fundamentais, de forma à atingir-se uma versão final de mais fácil entendimento e aplicação.
Desta forma, em nosso entender, o projecto de lei do Partido Socialista oferece condições para uma base de trabalho aquando da discussão na especialidade.
Temos, porém, algumas reservas. Existe, efectivamente, uma excessiva associação entre o ambiente e a qualidade de vida, como se esta dependesse apenas da qualidade do ambiente, o que nos parece introduzir ambiguidades.
Também o próprio título - lei quadro do ambiente e da qualidade de vida - está desajustado do conteúdo do projecto de diploma, pois todo ele está organizado apenas com vista à protecção e melhoria do ambiente. Se a confusão pode resultar do título da epígrafe do artigo 66.º da Constituição, a verdade é que os vários números do artigo 66.º separam as duas matérias, aparecendo o n.º 4 só dedicado à qualidade de vida.
Por outro lado, pensa-se que, à semelhança do que se faz em relação aos factores ambientais naturais, valeria a pena referir os factores ambientais criados pela actividade humana. Assim, além do ordenamento do território e da administração urbanística, haveria que referir o património histórico, o património cultural, as infra-estruturas, alterações da qualidade dos factores naturais, etc.
Pelo contrário, pensamos que este projecto cobre bem os aspectos das formas de participação alargada na formulação das políticas, salientando a necessidade de audição e participação das populações, que, nesta como noutras matérias, devem ser ouvidas e esclarecidas sobre os assuntos que lhes dizem respeito.
Apoiamos também a forma como é colocada a questão do ponto de vista institucional, prevendo a indispensável coordenação entre os diversos organismos sectoriais responsáveis, tanto no âmbito nacional como no âmbito de cada região administrativa.
Por estas razões, o MDP/CDE votará favoravelmente os quatro projectos de lei apresentados sobre lei quadro do ambiente.
Relativamente ao projecto de lei apresentado pelo PCP, também ele terá a nossa aprovação. Aliás, julgamos, a concluir pelo próprio parecer da comissão especializada, que haverá uma posição consensual por

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parte desta Assembleia, na medida em que ele visa, reconhecendo o importante papel que as associações de defesa do ambiente têm desempenhado, conferir-lhes meios de maior eficácia para a sua actuação.
Finalmente, relativamente ao projecto de lei apresentado pelo Sr.ª Deputada Maria Santos, quanto à criação do cargo de promotor ecológico, estranhamos que, tendo, na altura em que aqui foi debatida a urgência na apreciação do diploma, sido afirmado por parte do Grupo Parlamentar do PSD que não votava a favor do pedido de urgência porque entendia que esta matéria se devia inserir num leque mais vasto que oportunamente seria apreciado no Parlamento, venha agora, ao contrário da expectativa que criou, manifestar-se em desabono da aprovação deste projecto de lei.
Afigura-se-nos que não há razões que possam conduzir a que se não aprove um projecto de lei que representa um esforço no sentido de valorizar aquilo que é a preocupação de todos os grupos parlamentares quanto à defesa do ambiente, ou seja, a criação do cargo de promotor ecológico. Naturalmente, que a criação de qualquer cargo importa sempre despesas, mas o que importa saber é se essas despesas correspondem a benefícios que compensam ou não essa despesa.
Pensamos que sim, a criação do cargo de promotor ecológico é uma forma de assegurar a defesa do ambiente, além das medidas legislativas que neste momento são preocupação da Assembleia da República. Pensamos, contudo, que - aliás, no próprio texto do projecto de lei reconhece-se isso - ele não pretende ser uma peça acabada.
Efectivamente, o projecto de lei apresentado pela Sr.ª Deputada Maria Santos carece de várias correcções, mas o que não carece de correcção é a ideia central que o anima, que é a criação do cargo de promotor ecológico.
Por esta razão, o MDP/CDE votará também favoravelmente, na generalidade, o projecto de lei tendo em vista a criação desse cargo.

Aplausos do MDP/CDE e do PCP.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Mário Maciel pediu a palavra para pedir esclarecimentos. Acontece, porém, que o PSD já não dispõe de tempo.
Independentemente disso, chegámos ao termo da sessão da manhã.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - O CDS dispensa-me algum tempo de que dispõe, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Ficará, então, com a palavra reservada para a tarde, se porventura tem tempo disponível cedido pelo CDS.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, é para dizer que aceito o entendimento da Mesa e que o tempo que usarei foi cedido pelo Grupo Parlamentar do CDS.

O Sr. Presidente: - Com certeza. Ficará com a palavra reservada para a tarde.
Srs. Deputados, está interrompida a sessão, que recomeçará às 15 horas.

Eram 13 horas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 30 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, levo ao vosso conhecimento a convocação, feita pelos respectivos presidentes, das reuniões das seguintes comissões:

Comissão de Defesa Nacional, para o dia 16 de Abril, às 15 horas; Comissão de Agricultura e Mar, para o dia 15 de Abril, às 17 horas; Comissão Eventual de Inquérito ao Acidente de Camarate, para o dia 15 de Abril, às 15 horas.
Foram ainda convocadas, pelos Srs. Coordenadores respectivos, as reuniões da subcomissão para análise do projecto de lei n.º 14/IV, para o dia 15 de Abril, às 17 horas e 30 minutos, e da subcomissão para análise do projecto de lei n.º 90/IV, para o dia 15 de Abril, às 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, constatamos hoje que, ao contrário de ontem, o Governo está ausente neste debate sobre questões do ambiente. Por isso, Sr. Presidente, não nos pode informar sobre se o Governo irá ou não fazer-se representar neste debate?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Roque, vou procurar saber se, de facto, o Governo tenciona ou não estar presente. Penso que, da parte da manhã, houve um pequeno equívoco de horas e que foi por essa razão que ele não esteve presente.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Deputado Raul Castro, V. Ex.ª teceu algumas considerações acerca de todos os projectos, inclusivamente sobre o projecto de lei apresentado pelo Partido Social-Democrata.
Gostaria de dizer-lhe, amigavelmente, que não infira, de maneira nenhuma, que a nossa defesa foi feita em tom auto-elogioso. Tratámos de defender o nosso projecto sobre o ambiente de uma forma entusiástica, com calor e com sensibilidade. Podemos afirmar, com convicção e certeza, que o nosso projecto constitui um importante contributo para a resolução dos problemas ambientais em Portugal e que vai contribuir, decisivamente, para que a lei quadro do ambiente não seja, mais uma vez, adiada para as «calendas gregas», como parece que é costume nesta Casa.
Em relação ao projecto do PS, V. Ex.ª disse que este lhe pareceu mais maduro do que o do Partido Social-Democrata. Pergunto-lhe: por que é que o Sr. Deputado vê no projecto do Partido Socialista mais maturidade do que naquele que foi apresentado pelo PSD? Isto considerando, por exemplo, que ele coloca em pé de igualdade dois conceitos -o que me parece, isso

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sim, sinal de imaturidade--, o primeiro dos quais é o que se prende a questões ligadas à defesa do ambiente e o segundo relativo à qualidade de vida (aquele sim, em minha opinião, bem mais amplo do que a simples defesa do ambiente).
Penso que equiparar os conceitos de qualidade de vida e de defesa do ambiente é já um sinal de imaturidade. Em minha opinião a defesa do ambiente é, neste momento, uma componente da qualidade de vida, que abarca, como V. Ex.ª sabe, outros sectores como, por exemplo, a defesa do consumidor, a qualidade alimentar e o desporto.
V. Ex.ª teceu também algumas considerações sobre o projecto de lei relativo ao promotor ecológico, afirmando, designadamente, que o aprovaria. Gostaria de dar mais alguns esclarecimentos sobre a posição do Partido Social-Democrata sobre esta matéria, posição essa que resulta do seguinte: de facto, o Sr. Deputado tem razão quando afirma que o PSD se decidiu por não considerar oportuno o pedido de urgência para que o projecto fosse discutido esta tarde, conjuntamente com os outros projectos de lei de bases do ambiente. Digo-lhe: ainda bem que o fizémos, porque isso deu azo a que se discutisse, com grande abertura, este projecto e que a sua defesa fosse feita brilhantemente pela sua proponente.
Pensamos, no entanto, que esse projecto -e isto sem entrar no espírito louvável que o teceu - é merecedor da nossa crítica porquanto tememos que, a ser aprovado, o País venha a ter promotores por tudo e por nada, ou seja, que se crie um grave precedente e que, para além de um promotor ecológico, venhamos a ter um promotor das Forças Armadas, um promotor dos invisuais, um promotor disto e daquilo. Parece-me, assim, perfeitamente descabido estar aqui a abrir um precedente que poderia vir a ser grave.
E é por temer as consequências desse projecto, e não propriamente o espírito que o teceu, que iremos votar contra ele. «Mais vale prevenir do que remediar», è é essa a atitude avisada que o PSD vai adoptar.

Uma voz do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Para finalizar gostaria de perguntar a V. Ex.ª se não concorda que deveríamos adoptar uma solução intermédia - que, aliás, foi aventada pelo Sr. Deputado Ribeiro Teles-, que seria a de o Provedor de Justiça passar a ter nas suas funções uma preocupação maior com as questões do ambiente, o que poderia ser possibilitado se se enriquecesse o seu staff de apoio com técnicos nessa matéria. Esta era, pois, a opinião que queria ouvir de V. Ex.ª

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Mário Maciel, no que diz respeito aos termos em que o Sr. Deputado fez a apresentação do projecto de lei do PSD, na verdade, limitei-me, a verificar que eles excediam os termos habituais da simples defesa. A forma como o Sr. Deputado se referiu ao projecto do PSD, dizendo que era o mais abrangente e que é aquele em que estão melhor situadas as matérias -cito, até, uma expressão sua: «[...] Não admitiremos que se retirem ao projecto do PSD [...)»-, dá a ideia de que se trata de termos, encomiásticos, que se afastam daquilo que é normal nesta matéria, isto é, que se trata de uma defesa objectiva e não do elogio daquilo que se produziu.
Por outro lado, tenho dificuldade em compreender por que é que o Sr. Deputado considera que nesta Casa é costume as iniciativas legislativas ficarem para as «calendas gregas». É um conceito que não me parece corresponder à realidade.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - É só nesta matéria!

O Orador: - Não, o que o Sr. Deputado disse foi que nesta Casa é costume os projectos ficarem para as «calendas gregas». Pelo contrário, o que é habitual nesta Casa é que o Parlamento procure viabilizar os projectos que são apresentados. Naturalmente, o próprio processo democrático faz cair iniciativas legislativas em curso, mas isso não tem nada a ver com um hábito existente nesta Casa.
O Sr. Deputado critica a inclusão, no âmbito do projecto do PS, do conceito de «qualidade de vida», mas também aqui -talvez por semelhança com auto-elogio - V. Ex.ª está-se a autocriticar porque o título do projecto do PSD é «Lei de bases do ambiente e qualidade de vida».
Parece que, efectivamente, incorreu no mesmo pecado.
Quanto ao promotor ecológico há aqui uma diferença fundamental. O argumento, já utilizado pelo Sr. Deputado António Capucho, de que se poderia criar toda uma série de promotores para toda uma gama de matérias diversas -que o Sr. Deputado exemplificou com o promotor das Forças Armadas- não colhe.
De facto, não se pode fazer qualquer paralelismo entre um promotor de um sector determinado da vida do País e o promotor ecológico, já que este se refere a todos os problemas ecológicos existentes no País.
Também não me parece que seja possível que ao Provedor de Justiça, num país em que este está já assoberbado por tantos problemas que tem que tratar respeitantes à sua área de intervenção, seja ainda imposto tratar dos problemas do ambientei Não foi para isso que ele foi criado, portanto não tem vocação especial nessa matéria. Ninguém, ao escolher o actual Provedor de Justiça, pensou que seria uma personalidade dedicada também à defesa do ambiente. Isso está excluído, portanto o que parece é que deveria ser um provedor, e neste caso um promotor ecológico, com competência própria.
Ficam, assim, esclarecidas as dúvidas que o Sr. Deputado levantou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, levo ao vosso conhecimento que se encontra na Tribuna Diplomática o Sr. Vice-Ministro da Cultura da URSS.

Aplausos gerais.

Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A primeira consideração que gostaria de produzir ao introduzir a minha intervenção neste debate é a de fazer um voto no sentido de que, desta feita, a Assembleia da República consiga levar até ao

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fim o processo de aprovação e de publicação de uma lei quadro do ambiente. Até hoje, infelizmente, as escolhas da política, os vai-vem das crises, as malhas que se vão tecendo dentro e fora desta Casa têm impedido, por razões que nada têm a ver com as intenções dos Srs. Deputados ou dos grupos parlamentares, que uma lei quadro do ambiente seja produzida, publicada e entre em vigor. O meu voto para que tal, desta vez, não venha a acontecer.
Como todos os Srs. Deputados sabem, o projecto que aqui apresento não é mais do que a retoma de um outro que, através do meu partido da altura, já tinha posto à consideração da Câmara, e que na II Legislatura mereceu os votos favoráveis dos partidos da Aliança Democrática, bem como da UEDS, e as abstenções das restantes forças aqui representadas.
Assim, o projecto representa a retoma de um trabalho que, nessa legislatura, foi por mim realizado e que, se não tivesse sido feito nessas condições, obviamente não o voltaria a apresentar.
Quero ainda, e antes de iniciar a minha intervenção, agradecer ao Partido do Centro Democrático Social o facto de ter assumido como seu este projecto - aliás, em coerência com o que tinha feito na II Legislatura - e de me ter permitido que em seu nome, e não só em meu nome próprio, aqui pudesse tomar posições.
Quero também deixar expressa uma homenagem aos Srs. Deputados, às forças políticas, aos técnicos, e às associações de defesa do ambiente que ao longo destes anos foram produzindo documentos, sem os quais teria sido impensável - não só a mim próprio mas também a todos os Srs. Deputados - construir os documentos que agora estão em aprovação nesta Câmara.
No que diz respeito ao projecto que defendo creio que muito já foi dito, mas - permitam-me a imodéstia de realçar isto - em relação aos projectos anteriormente apresentados, designadamente aqueles que foram aqui apresentados pelos Srs. Deputados da Associação Social-Democrata Independente (ASDI) e pelo Partido Socialista, este contém novidades importantes. Não se compraz nem com a estrutura, nem com a orientação filosófica, nem com a forma como foram anteriormente atacados os problemas. Este projecto introduz, de facto, uma nova abordagem, uma nova sistematização, uma nova estrutura. Refere desde os problemas do ambiente aos problemas dos seus factores, desde o tratamento de cada um desses factores de per si ao do conjunto, fazendo dele ressaltar o tratamento do ambiente como componente englobante da vida. do homem.
Assim, define princípios e objectivos gerais; começa por definir a sua finalidade - aliás, consagrada constitucionalmente - e os seus instrumentos, passando depois para a abordagem dos diversos capítulos sobre os factores do ambiente.
Aborda ainda um vasto capítulo que se refere ao licenciamento de actividades, capítulo este controverso e que já foi referido neste debate - e peço licença para, posteriormente, o referir com melhor pormenor.
Continuando em afirmações de carácter «pouco modesto», poderei dizer que se algum contributo este projecto deu, desde a sua apresentação em 1981-1982 até hoje, foi o de ter exercido alguma influência e de, alguma forma, ter feito escola. Isto aconteceu, por exemplo, em relação ao projecto do PSD, algo que não critico mas que me orgulho, pois vejo nele, de alguma forma, seguidas apports estruturais que, na altura, tinham sido colocadas. O meu agradecimento ao PSD por ter sabido, ou por ter querido, servir-se do trabalho anteriormente desenvolvido.
Permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que para apresentação deste projecto faça referência a algumas passagens de uma intervenção minha, produzida nesta Câmara e cito: «dentro de um leque de opções democráticas, dentro do fluir alternante dessas opções, é possível encontrar uma unidade de finalidades, objectivos e instrumentos que, objecto embora de tratamento diversificado e sujeito à crítica popular e política, à rejeição ou ao apoio eleitoral, são passíveis de se conduzir para o tronco comum da defesa de interesses e direitos legítimos da geração actual e das que se lhe seguirão.
O projecto de lei que ora apresentamos e defendemos foi concebido e escrito com base nestas considerações; pretendemos que possa, por um lado, ser o desenvolvimento coerente dos preceitos constitucionais que o precedem e, por outro, que possa, não menos coerentemente, servir de base à política deste Governo como à de outros governos que o princípio de alternância do poder e o voto popular venham a determinar.
Cumpre-nos propor, experimentar, mesmo arriscar. E isso é criar. Propomos a discussão, aqui, dos princípios, dos objectivos, dos instrumentos. Os recursos naturais do País - realidade física - e a vontade de uma vida melhor - realidade cultural e social - são as componentes necessárias. As ciências e as técnicas o 'modo comum'. Um desenvolvimento sem roturas, que tenha o homem como centro, é o objectivo. O homem intervém, e deve continuar a intervir, na natureza. Se a utilização imoderada e imponderada dos recursos é crime contra o País e o seu futuro, a inacção é um processo vegetativo e retrogradante.
Recusamos, pois, liminarmente, uma concepção proteccionista do ambiente. Política de ambiente é a política do desenvolvimento compatível com a capacidade e a qualidade dos recursos. Não pode haver, hoje em dia, desenvolvimento sem política de ambiente - como, aliás, já foi aqui afirmado por outros Srs. Deputados.
Ainda há, porém, quem julgue que, nas condições actuais do nosso país, há que pensar o crescimento e que os problemas de ambiente são como que um luxo das sociedades desenvolvidas. Naturalmente, para quem assim pensa, tais questões só assumirão carácter de importância prioritária quando e se Portugal atingir níveis de produção e consumo muito mais próximos dos seus parceiros europeus. Nada mais falaz, porém!
Talvez a única vantagem do nosso relativo atraso em relação a essas sociedades seja o de haver experiência alheia que viabilize entre nós a prevenção de erros por outros cometidos.
Não carece, além disso, de demonstração que já há em Portugal casos graves de disfunções ambientais, de erros ecológicos, irreparáveis, de desorganização territorial preocupante. E não é demais dizer-se que a experiência e o know-how estrangeiros são suficientemente ricos para nos poderem proporcionar um manancial de informação científica e tecnicamente viabilizador da execução correcta de uma política de ambiente. Esta não é, porém, tarefa de um governo, mas de uma geração.
O edifício jurídico-administrativo necessário à prossecução, de tal política não está ainda construído. Dis-

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pomos de experiência, no segundo aspecto; que permite a organização correcta, lenta mas firme, dos órgãos e serviços adequados. Estes não podem servir o País; porém, sem quadro legal que enforme, enquadre e especifique as diversas tarefas que integram o cumprimento da sua missão. O mesmo sucede com departamentos com outros vocações, mas com intervenção no meio.
Por isso que a presente lei quadro seja uma necessidade prioritária da política de ambiente em Portugal? A sua elaboração teve em conta vários trabalhos anteriores sobre o mesmo assunto - como, aliás, já aqui referi -, bem como a informação internacional que foi possível compulsar. Não se seguiram, porém, os critérios de fundo de qualquer desses trabalhos. O critério quo presidiu à construção do esqueleto deste projecto não foi o de reunir, de forma mais ou menos lógica, preceitos gerais sobre a matéria. Foi, sim, o de tentar sistematizar, do geral para o particular, os princípios decorrentes da filosofia de base a do desenvolvimento sem roturas através de critérios de utilização dos recursos que o enforma.»
Sr. Presidente, Srs? Deputados: Depois de expor assim, exactamente nos mesmos termos de anteriormente, a filosofia que presidiu à realização e apresentação, nesta legislatura, deste projecto de lei, gostava agora, uma vez que a questão já foi aqui- levantada por vários Srs. Deputados durante, este debate, de tecer algumas considerações sobre o capítulo, algo controverso, do licenciamento de actividades. Antes de mais, não se trata de licenciamento industrial mas, sim,- de algo mais vasto, que tem a ver com actividades não só industriais mas de qualquer outra natureza - até agrícola. É preciso não esquecer que a agricultura é, de todas as actividades humanas, aquela que maior intervenção tem sobre o meio.
Pode perguntar-se por que lhe consagramos, de qualquer forma, um capítulo específico.
Já ontem aqui foi referido, salvo erro pelo Sr. Deputado Magalhães Mota, que o licenciamento tinha acabado em Portugal há dez anos. Não sei se foi esta a expressão...

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Mais ou menos.

O Orador: - ... nem sei se era este o espírito. De qualquer forma, se não foi, peço desculpa a V. Ex.ª por referir o seu nome nesta matéria.
Há, antes de mais, que fazer uma distinção importante: não se trata, obviamente, de condicionamento industrial - o condicionamento acabou em Portugal com a revolução do 25 de Abril -, não se trata de o ressuscitar; trata-se, isso sim, de incluir ha filosofia de licenciamento de actividades algo que hoje dela não consta, ou seja, trata-se de proporcionar que o licenciamento de actividades em Portugal seja enformado por uma filosofia completamente diferente daquela que o enforma neste momento.
Quando, por exemplo, o Sr. Secretário de Estado do Ambiente aqui se referiu a números -e julgo que á sua intenção seria a de referir limites de determinadas induções no ambiente motivadas por matérias poluentes ou degradantes- e nos dizia que a lei portuguesa impedia que esses limites fossem introduzidos, principalmente no licenciamento industrial, estaria, talvez, a faltar um pouco à verdade. Nada há, de facto, na nossa legislação actual que impeça que, à partida, sejam exigidos aos industriais determinados limites nas emissões que a sua instalação venha a produzir. O que acontece é que no despacho de licenciamento industrial não são normalmente incluídos tais limites, ou seja, é a própria burocracia pública que não está habituada ou não tem elementos -os tais números de que falava o Sr. Secretário de Estado - para poder informar os seus despachos de licenciamento industrial.
É por isso que neste momento se impõe repensar o licenciamento em termos completamente diferentes do actual Regulamento de licenciamento das Associações Industriais, que, como os Srs. Deputados sabem, é conhecido pela designação RELAI.
De facto, esse regulamento impõe, sobretudo, que sejam respeitadas determinadas características internas do funcionamento das instalações como sejam questões de segurança interna, de higiene do trabalho ou de segurança e prevenção de acidentes de trabalho.
Em relação ao exterior, o RELAI apenas refere a vizinhança, conceito que, de já e de todo, é muito difícil de concretizar. O que é a vizinhança de uma indústria? O que há que fazer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é, antes de mais, substituir este conceito de vizinhança pelo conceito de ambiente. Em segundo lugar, está por demonstrar que a pura imposição de limites de efluentes tenha resultados práticos concretos que sejam positivos e adoptáveis como solução única. Refiro, a título de exemplo, a clássica prática inglesa a que eles chamam the best practicable means,- ou seja, os melhores meios praticáveis para cada indústria.
Quando um industrial pretende abrir uma instalação, entra em diálogo com o poder e instala-se tendo já em consideração este the best practicable means, ou seja, a melhor tecnologia aplicável para cada fim. Isto proporciona que, numa fase prévia à- instalação, haja um estabelecimento de normas contratuais, digamos assim, entre o poder e o agente económico, que lhe proporciona, à partida, o cumprimento dos tais limites, que sê não devem impor posteriormente ao funcionamento de uma empresa mas, sim, na prática do princípio da prevenção, consagrado em vários projectos, de modo que, à partida, cada instalação possa, contratualmente, ficar isenta dos defeitos que procuramos obviar.
Os ingleses fazem isto através do chamado alcali inspection - a designação alcali deriva dos primórdios da revolução industrial, em que as fábricas mais poluentes eram as de ácido sulfúrico. O que acontece é que há um inspector do Estado que entra em diálogo com o industrial ou com aquele que requer a instalação industrial e ambos, de comum acordo, estabelecem as regras não dos limites mas em função dos processos industriais a aplicar nessa instalação, de forma que, para a fiscalização posterior, haja já uma certeza de que, ab initio, algo foi feito para que não haja problemas.
Com isto pôde chegar-se idealmente e é isso o que pretendemos ao dar uma importância tão grande, neste projecto, ao licenciamento de actividades - a uma situação em que o agente económico seja ele próprio o vigilante da sua indústria, cujas emissões terá, naturalmente, de vigiar e delas informar o poder. Assim, o poder irá lá fiscalizar algo que, no interesse do próprio agente económico, já foi anteriormente fiscalizado e acompanhado.
Portanto, trata-se de incluir no licenciamento de actividades uma filosofia totalmente diferente daquela que até hoje tem sido praticada e é por isso que, de uma

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forma que alguma estranheza tem causado nesta Câmara, não só agora como anteriormente, demos ao licenciamento de actividades a dignidade de um capítulo específico nesta lei. Não foi, como vêem, uma intenção pura de lançar algo de novo em que ainda não se tinha pensado muito a sério; foi, sim, um desejo de lhe dar a dignidade que consideramos suficiente e que é a de incluir numa lei quadro do ambiente este tipo de problemas e de considerações.
Convirá talvez, ainda, a título histórico, dizer que o nosso regulamento deriva de uma lei francesa de 1917, que foi adoptada em Portugal em 1966. Embora tenha estado em vigor em França até 1976, como VV. Ex.ªs devem compreender, a sua obsolescência está obviamente fora de causa, competindo-nos a nós abrir portas para que possa ser alterada num sentido positivo, moderno e actuante.
Gostaria, ainda, de tecer algumas considerações sobre a introdução no projecto do chamado princípio da responsabilidade causal, para o qual, infelizmente, a fórmula encontrada não terá sido, em português, eventualmente muito clara. Ao falar de interiorização de economias externas estamos, talvez, a utilizar um chavão que, à primeira vista, é de difícil intelecção.
Estou inteiramente aberto a que outra formulação venha a ser adoptada para o princípio da responsabilidade causal, mas não estarei disposto a reduzi-lo ao mero princípio do poluidor-pagador. E desde logo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, porque o princípio do poluidor-pagador não pode ser incluído numa lei quadro do ambiente ao mesmo nível dos outros princípios gerais da política de ambiente.
O princípio do poluidor-pagador pode ser um dos vários instrumentos financeiros ao serviço de uma política de ambiente, mas não é um princípio de política geral de ambiente. Este princípio foi lançado, como os Srs. Deputados sabem, pela OCDE -e, por exemplo, na CEE nunca passou de recomendação- e foi sempre definido por esta organização como um instrumento financeiro ao serviço de uma política de ambiente. Foi crismado em 1975, mas julgo que não lhe devemos dar a dignidade de princípio geral orientador de uma política de ambiente. Evidentemente que o podemos incluir numa panóplia de meios financeiros, mas, se atendermos à sua própria origem e por maior que seja a nossa boa vontade em alargar o seu âmbito, julgo que essa formulação não deve ser adoptada.
Quando surgiu a ideia do poluidor-pagador, ou seja, de taxar quem polui para gerar meios financeiros que proporcionassem, digamos assim, em linguagem actual, tapar buracos ecológicos noutros sítios, desde logo os países que aplicavam esta taxa entraram não direi em conflito mas em discussão com outros que a não aplicavam mas que praticavam políticas de subsídios à indústria para efeitos de estações de tratamento, etc. E foi da necessidade de equilíbrio concorrencial entre as empresas subsidiadas dos países subsidiários e as empresas não subsidiadas doutros países que nasceu a questão da taxa chamada do poluidor-pagador.
Chamaria, ainda, a atenção para a necessidade de consagrar o princípio da responsabilidade causal, esse sim, como um princípio geral de política de ambiente, antes de mais, referindo, por exemplo, a questão do utente-pagador. Por que é que um agente que, de alguma forma, degrada um factor do ambiente, um recurso natural, deve pagar uma taxa e o utilizador do recurso natural, que é, ele próprio, do domínio público e propriedade da sociedade, não deve pagar por essa utilização?
O princípio da responsabilidade causal poder-se-á aplicar aos dois casos, mas o principio do poluidor-pagador aplica-se apenas a um deles. Gostaria, também, de chamar a atenção da Câmara - mais uma vez no sentido da restrição grave que constitui a adopção deste princípio - para alguns exemplos que são, em si, comezinhos mas que dizem bem da natureza da nossa objecção.
Por exemplo, um agricultor que desvie um curso de água pode estar a provocar, a jusante da sua instalação, problemas de degradação do ambiente e, no entanto, não estar a provocar problemas de poluição. Se adoptarmos o princípio do poluidor-pagador, adoptaremos um princípio que não cobre degradações que não sejam poluição. E são tantas as degradações que não têm nada a ver com a poluição que temos de englobar na mesma prevenção várias intervenções, e não apenas as poluidoras.
Por outro lado, queremos que seja coberta a responsabilidade ao longo de todo o processo produtivo e de consumo, e não apenas os inconvenientes que surgem da produção. Referiria o caso de um fabricante de embalagens de lata que, por hipótese, possa ter uma instalação totalmente depurada de qualquer efluente prejudicial. Nessas circunstâncias, a produção dessa fábrica não provoca qualquer espécie de poluição, mas no fim do circuito, ou seja, no consumo, essas embalagens podem ser agentes poluidores e degradadores do ambiente.
Então, como é que vamos criar um sistema que possa...

O Sr. Presidente: - Desculpe, Sr. Deputado, mas V. Ex.ª tem de terminar a sua intervenção, uma vez que já esgotou todo o seu tempo.

O Orador: - Sr. Presidente, como sabe, foi por aturadas negociações entre nós que o meu tempo foi reduzido.
No entanto, julgo que ainda posso dispor do tempo do CDS.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, ter-lhe-ia agradecido se me tivesse dado essa informação naquela primeira conversa que tivemos para a atribuição do seu tempo. É que, de facto, o Sr. Deputado já gastou todo o tempo a que tinha direito, independentemente daquele gentlemen agreement a que tínhamos chegado.
Mas se diz dispor ainda do tempo do CDS, faça favor de continuar.

O Orador: - Sr. Presidente, peco-lhe imensa desculpa, mas o meu entusiasmo pela matéria é tão grande que não tive minimamente a noção do tempo.

O Sr. Presidente: - Certo. É inteiramente legítimo que o tenha, Sr. Deputado. Faça favor de continuar.

O Orador: - Vou procurar ser o mais breve possível, embora tenha muita pena, pois ia entrar na parte mais crítica da minha intervenção.
Peço, igualmente, desculpa aos Srs. Deputados por lhes estar a tomar tanto tempo na explanação destas matérias, mas julgo que, de facto, elas são importantes.

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O Sr. Presidente: - V. Ex.ª dispõe ainda de oito minutos, que é o tempo que o CDS tem.

O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou apenas fazer uma rápida referência aos outros projectos de lei em debate.
Antes de mais, quero prestar a minha homenagem ao Sr. Deputado Carlos Lage pela maneira como quis ontem introduzir aqui a matéria. Penso que só terá pecado por ser demasiado abrangente, por ser, de facto, «um abraço» à Câmara no seguimento das suas boas intenções. A meu ver, não teria perdido nada se tivesse sido um bocadinho crítico, pois todos nós gostamos de ouvir as suas críticas, sem prejuízo do voto que o PS irá produzir.
Relativamente ao projecto de lei apresentado pelo PS, é evidente que não aceitaria a estrutura proposta - e creio que o PS não irá insistir nela. No entanto, gostaria de fazer uma referência especialmente positiva à matéria que se refere, nomeadamente, aos artigos 16.º, 17.º e 18.º, ou seja, ao impacte ambiental, que é importante, e também à filosofia que está na base dos primeiros artigos e que, segundo me parece, é coincidente com a minha, ou seja: o Homem não é uma espécie como as outras; é uma espécie que tem uma intervenção particular sobre a natureza; portanto, para se defender a si próprio, tem de se defender de determinadas espécies e de certos factores ambientais que tem de preservar.
Queria também referir-me ao projecto do promotor ecológico, da autoria da Sr.ª Deputada Maria Santos, o qual será, pela minha parte; liminarmente recusado - isto pese embora a eventual boa intenção que lhe preside, mas pelos argumentos que já aqui ontem o Sr. Deputado António Capucho aduziu, e que dou por reproduzidos na minha intervenção, não se pode realmente estar a criar este cargo sem graves riscos de entrarmos numa escalada que é evidentemente inconveniente para a nossa ordem jurídica.
Aliás, tive a honra de fazer uma sugestão à Sr.ª Deputada Maria Santos que, de alguma forma, julgo já ter sido aproveitada e que, de alguma forma também, poderá vir a resolver o problema que a Sr.ª Deputada procura prevenir.
Em relação ao projecto do PCP - e aqui gostaria de fazer referência não só ao projecto do PCP como também ao artigo 8.º do projecto do PSD - a minha recusa é absolutamente liminar e tem razões de fundo que derivam da nossa própria ordem jurídica e da forma como as coisas devem ser encaminhadas neste país.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não é aceitável que uma associação, só porque tem nos seus fins a defesa do ambiente, seja imediatamente de utilidade pública e de utilidade pública administrativa. Não vejo qual é a finalidade deste preceito.
Se é dar às associações defesa do ambiente um tratamento especial, pois, sim, pensemos nisso, mas respeitemos a legislação existente sobre o assunto. Essa legislação, produzida no tempo de um governo do PS, determina que para se requerer a utilidade pública (pura e simples, sem ser administrativa) são precisos cinco anos de efectivo e relevante funcionamento e é preciso requerer e ser informado pela câmara municipal da sede; enfim, há uma série de requisitos que é necessário preencher para que seja conferida a utilidade pública a uma associação.
Ora bem, 4, 5, 10, 15 ou 20 pessoas fazem uma associação, registam-se no notário e no dia seguinte têm utilidade pública? Meus senhores, é um pouco de mais! É preciso ter credibilidade primeiro e depois requerer a utilidade pública para que ela seja reconhecida pela sociedade.
Por outro lado, quando se chama a esta utilidade pública utilidade pública administrativa, fico sem saber se o que se pretende é libertar e dar força às associações de defesa do ambiente, se é colocá-las sob a tutela do Estado. É porque a actividade pública administrativa não é mais do que colocar determinadas associações privadas sob a tutela do Estado: têm de mandar os orçamentos para o governador civil, têm de pôr os seus planos anuais à consideração das autoridades, etc., etc.
Não sei se isto é dar largas àqueles que querem defender o ambiente através de associações privadas, mas de facto não estou, de maneira nenhuma, na disposição de aprovar esta disposição.
Parece-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que já abusei da disponibilidade da Mesa quanto ao tempo que me concedeu e, embora tivesse ainda diversas considerações a fazer, vou dar o dito por dito e esperar que alguém me dê a ocasião de as fazer no debate que se vai seguir, se é que vai haver algum debate!

Aplausos do CDS e de alguns deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos abrir as umas para se dar início ao processo eleitoral. Entretanto, tenho de contar com a generosidade de alguns dos Srs. Deputados que me foram indicados e que penso terem disponibilidade para, nesta matéria, colaborarem com a Mesa. Refiro-me aos Srs. Deputados João Salgado, Américo Salteiro, Tiago Bastos e Custódio Gingão.
Gostaria que se criasse uma certa disciplina no processo de votação para que não houvesse uma aglomeração dos Srs. Deputados quando viessem votar. Neste sentido, pedia ao Grupo Parlamentar do CDS que fosse o primeiro a votar, seguido do PSD, do PRD, do PS e do PCP - isto só para evitar uma aglomeração de Srs. Deputados junto das umas, o que poderia prejudicar o andamento dos nossos trabalhos.

Pausa.

O Sr. Deputado Carlos Manafaia poderá fazer o favor de substituir nesta tarefa o Sr. Deputado Custódio Gingão, que está a trabalhar na Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração?

O Sr. Carlos Manafaia (PCP): - Com certeza, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado.
Sr. Deputado Luís Roque, na sequência da sua interpelação de há pouco, devo informá-lo de que, infelizmente, o Sr. Secretário de Estado não pode estar presente na continuação da discussão destes projectos de lei em apreço.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, isso é de lamentar, porque efectivamente o Sr. Secretário de Estado do Ambiente e Recursos Naturais dava outro ambiente a esta discussão.

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O Sr. Presidente: - Como os Srs. Deputados sabem, o processo de votação só se inicia com a votação da Mesa, o que vamos fazer de imediato.

Pausa.

Chamo a atenção dos Srs. Deputados para o facto de alguns boletins de voto terem apenas uma quadrícula, o que se deve ao facto de constitucionalmente assim estar determinado, aliás contra a minha opinião, porque entendo que há uma amputação da liberdade de votação dos Srs. Deputados, ficando-lhes retiradas duas opções: a abstenção e a negativa. Foi só por a Constituição assim o determinar que os serviços puseram apenas uma quadrícula.
Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Presidente, e se escrevermos «não», é um voto nulo?

O Sr. Presidente: - Claro, Sr. Deputado. V. Ex.ª sabe que os votos para além da cruz na quadrícula se tiverem qualquer outro sinal são considerados nulos.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Faltou V. Ex.ª esclarecer essa opção porque, apesar de tudo, continuamos a ser livres de votar não.

O Sr. Presidente: - Pensei não ser preciso, porque os Srs. Deputados à força de tanto votarem, certamente já têm consciência disso.

Pausa.

Para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Borges de Carvalho, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, ouvi com uma certa atenção a sua intervenção e, por razões de tempo, vou ser muito sintético nesta interpelação.
A primeira questão que lhe queria colocar refere-se ao facto de estarmos a viver uma situação sue generis neste Parlamento. Há um projecto de lei apresentado por dois deputados diferentes - não vamos questionar a paternidade do projecto porque isso não nos interessa, mas é só para deixar aqui a nossa condenação em relação a este facto.
Quanto ao segundo ponto que queria referir, gostaria de lhe dizer que o seu projecto de lei, Sr. Deputado, é bastante sincrético em relação às atribuições do Estado, das autarquias locais e dos órgãos regionais e estabelece também uma certa confusão entre Estado e administração central. Em relação às autarquias locais é-lhe negado qualquer papel decisório e de gestão.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Deputado Luís Roque, em relação à primeira das suas questões, julgo que na minha intervenção já fiz referência a esse facto, dizendo que não apresentaria aqui um projecto de lei de que não tivesse sido o autor. Espero que a minha palavra lhe chegue quanto a esse assunto, mas, se não chegar, paciência.
Em relação às autarquias, à regionalização, essa é uma questão que já em tempos foi aqui levantada e com alguma pertinência. No entanto, se V. Ex.ª ler com atenção, em diversas passagens do meu projecto de lei faz-se referência às autarquias locais, embora talvez não com tanta força como o Sr. Deputado desejaria.
No entanto, julgo que em relação ao ambiente há uma entidade que será no futuro fundamental e que é necessário reservar-lhe alguma parte de poder nesta matéria. Não é que eu não esteja aberto a que se consagre mais alguma coisa na lei quadro do ambiente em relação às autarquias, mas acho que enquanto a regionalização for proibida pela Constituição, como é actualmente, ao mesmo tempo que todos tecem loas a uma regionalização impossível, não se deve nesta matéria fazer já a «agulha» administração central/administração autárquica, faltando essa instância intermédia que considero fundamental nesta matéria...

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Deputado Borges de Carvalho, nas questões de licenciamento, de poluição e outras, quem sofre o primeiro impacte de poluição são sempre as autarquias e elas não têm absolutamente nenhum poder decisório no seu projecto de lei.
O Sr. Deputado fala em órgãos competentes e em órgãos regionais, estabelece uma confusão extraordinária entre Estado e órgãos de administração central e, no fundo, não compreendo esta matéria.

O Orador: - Sr. Deputado, faço-lhe lembrar que as autarquias têm a seu cargo o saneamento e que, a maior parte das vezes, não têm meios para o levar a cabo. Aqui está um exemplo do que pode significar atirar para as autarquias competências a que elas não podem responder.
De qualquer forma, devo dizer-lhe que nessa matéria estou inteiramente aberto a que na especialidade se incluíam desde já competências autárquicas. Mas, mais uma vez, acho que isso deve ser feito com cuidado, porque não se deve atirar para as autarquias competências que elas depois não possam estar à altura de cumprir.
Por outro lado, nestas matérias há questões que têm de ser objecto de uma gestão mais lata do que a das autarquias. Recordava-lhe, por exemplo, a questão das águas que muito tem sido falada na gestão de bacias hidrográfica que têm a ver com diversas autarquias, que mesmo com a regionalização feita não virão, a maior parte das vezes, a pertencer na íntegra à mesma região.
Portanto, há que ter um cuidado muito grande nesta matéria, há que deixar ao legislador ordinário que vai regulamentar esta lei alguma margem e depois criticá-lo a ele por não ter feito aquilo que desejaríamos, mas não deixar já balizas muito apertadas no que respeita ao poder autárquico nesta matéria porque, a meu ver, tal é perigoso.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

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O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quereria, antes de mais, dizer que há pouco quando prescindi da palavra para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Borges de Carvalho foi porque penso que terei agora a oportunidade de explicitar melhor o meu pensamento em relação àquilo que é o princípio do poluidor-pagador e também à questão das instalações de novas unidades industriais.
Mas, para já, gostaria de situar o conteúdo desta intervenção em dois aspectos que penso serem nucleares e que, portanto, abordaria no fundamental, independentemente da posição geral em relação á todos os projectos de lei, que em nome da bancada do PRD será exposta pelo meu companheiro Sousa Pereira.
Gostaria de me referir, exactamente e tão-só, a duas questões genéricas que estão em causa neste debate. A primeira delas diz respeito àquilo que poderia considerar como o enquadramento político das questões relacionadas com a legislação do ambiente.
Em 1981, aquando do debate travado na Assembleia da República sobre estas mesmas matérias, tive ocasião de recordar um aspecto particularmente impressivo, pelo menos a meu ver, da Conferência Mundial do Ambiente ocorrida em 1972, em Estocolmo.
Nessa altura, e quem o recordou foi um dos membros da delegação norte-americana, a propósito de um determinado pesticida foi referido que esse pesticida novo tinha provocado a morte de muitos peixes de uma ribeira para onde o referido pesticida tinha sido lançado. E aí, um representante do Terceiro Mundo referiu:
Aqui está uma questão que é sinal evidente dos modos e problemas diferentes com que nos confrontamos; provavelmente a população do meu país acharia que um pesticida desse tipo era extremamente útil, porque precisamos de matar muitos peixes para comer.
O que gostaria de dizer ao recordar esta história é que a discussão de uma política de ambiente implica necessariamente uma concepção diferente em relação àquilo que entendemos. Creio que não passa de uma ironia amarga, tão amarga como esta história dos peixes, que se procurem preservar alguns espaços verdes para que algumas pessoas possam viver bem, quando outras não têm sequer condições suficientes para uma vida digna e justa como a que lhe devemos.
Portanto, uma política do ambiente não é separável nem distinguível de uma política global. E ao dizer isto, quero dizer que uma política ambiental ambiciosa é necessariamente inversa aos princípios de uma economia baseada no lucro, porque uma economia desse tipo, orientada pelo máximo de lucro, pela orientação expansionista, do sistema, pelo desejo rde transferir custos, pelo predomínio dos valores individuais sobre os sociais, não se harmoniza necessariamente com uma política ambiental exigente.
Isto é, portanto, uma questão de posicionamento político. Uma política que não tenha em vista o primado do social sobre o individual, que não tenha em conta a necessidade de uma política social e de justiça sobre os valores do lucro ou do desenvolvimento (entendido no mero sentido económico da expressão), não é facilmente compatível com uma política ambiental e traduz-se, quanto muito, na introdução de alguns ornamentos de fachada numa política que pretende ser ambiental.
Um homem muito ligado ao desenvolvimento fez uma afirmação, que todos certamente conhecem e que teve grande sucesso em Portugal nos anos quarenta, em que dizia que até ficava muito bem pintar os muros de uma fábrica de branco ou de qualquer outra cor e fazer-lhe um jardim à entrada, porque era bonito e não aumentava substancialmente os custos de produção. É uma política deste tipo que recusamos e é esta espécie de posicionamento político que também interessa realçar que está aqui em questão.
Quando defendemos uma política ambiental não estamos á defendê-la como ambiente protegido para alguns, mas como necessidade de um ambiente digno para todos. E esta é uma diferença de posição que implica que a política de promoção social e de desenvolvimento integral assegure a cada cidadão uma contínua melhoria da qualidade de vida. E por isto, a problemática da qualidade de vida e do próprio ambiente não é indiferente ao número de casas que se constróem, ao acesso ao ensino que se propõe, ao número de empregos que se possam oferecer. E neste enquadramento global que claramente nos situamos.
Por isso mesmo, gostaria de dizer que o que está em causa, do nosso ponto de vista, ao discutir uma política de ambiente não é a tal política de fachada ou do muro mais pintado, mas é exactamente um projecto de sociedade que põe em causa um tipo de comportamento perante a sociedade e a nossa concepção sobre o futuro que reservamos para os nossos concidadãos.
Creio que não estamos a pensar nem pôr em causa as necessidades de uma reserva, que seria para algumas pessoas a protecção do seu ambiente, mas, pelo contrário, estamos interessados na qualidade e no ambiente de todos os portugueses.
Feito este enquadramento da questão, gostaria de me situar num segundo aspecto bastante mais concreto, que diz respeito aos problemas jurídicos do princípio poluidor-pagador.
Creio que a questão se põe porque há de facto esta divergência de concepções e porque temos de considerar que pára um ecologista aquilo que interessa é um estado de não, poluição, quer dizer, é a ausência de perturbação nos ecossistemas - porque qualquer perturbação é uma agressão, que deveria estar em causa -, enquanto para os economistas a poluição já é o limiar aceitável que não atinja níveis que se traduzam em custos sociais. E isto é uma diferença fundamental, nomeadamente de comportamento e de entendimento, em relação ao próprio princípio do poluidor-pagador. Gostaria de dizer que o modo como entendemos este princípio significará, da nossa parte, a necessidade de legislação a introduzir em Portugal completamente diferente daquela, que temos. Passo agora a resumir muito rapidamente as razões pelas quais pensamos que assim seja.
Em primeiro lugar, porque o problema das poluições chamadas acidentais está por resolver, entendendo que há poluições acidentais que não são derivadas da simples negligência ou do desrespeito deliberado de regulamentos e de normas, mas há também poluições que podem ocorrer por aquilo que em direito designamos por «casos de força maior», o que também precisa de ser resolvido.
Pensando em termos de enquadramento normativo, porque o conceito que domina nesta matéria é o conceito económico que comecei por situar, então teremos de ter em conta que não há eliminação total da polui-

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cão quando as várias normas ou regulamentos estabelecem condições para a instalação em especial de unidades industriais.
Quanto a esta questão, ou haveria interdição total, e nalguns casos ela é absolutamente justificável, ou então do que se trata é do que poderíamos chamar de «poluição residual», ou seja, a poluição que resta daquilo que a autorização pelas normas acaba por conferir.
Quando se fala do conceito inglês, que é também o da OCDE, segundo o qual aquilo que se deve utilizar é a melhor tecnologia disponível economicamente razoável, devo salientar que esse é o conceito que produziu o excessivo flúor junto das antigas fábricas de alumínio ou o excessivo ruído junto das auto-estradas, e creio que, porque assim é, o respeito pelos regulamentos não deve excluir a responsabilidade em si.
Ou assentamos definitivamente neste princípio ou então criaremos uma situação em que não passaremos do campo das palavras e das boas intenções na definição das chamadas responsabilidades dos poluidores, porque quando aceitamos o princípio do poluidor--pagador, em termos das relações do nosso direito tradicional, estamos ao mesmo tempo a obrigar à existência de uma relação causal entre a poluição e o prejuízo ou o dano provocado.
Ora, em matéria de poluição, a complexidade desta situação deriva do facto de que a relação entre o poluidor e o dano causado não é imediata. Pelo contrário, é uma relação que passa por sucessivos meios intermediários, que são todos os meios receptores da poluição; é uma relação compósita, que implica muitos efeitos indirectos e, além disso, ela não é facilmente descortinável em termos de um só causador, porque há várias fontes de poluição múltiplas e difusas.
E tentar conseguir que um particular, que já está numa situação de desequilíbrio em termos económicos e financeiros perante uma grande unidade industrial, identifique rigorosamente quem foi o causador do prejuízo que o afectou e também identifique com exactidão que houve uma relação causal entre a produção de um efeito nessa unidade industrial e o prejuízo que ele sofreu é considerar uma situação que agrava o desequilíbrio processual em que ambas as partes se colocam.
Ainda assim restariam sempre por resolver, em termos do nosso direito tradicional, problemas como a possibilidade de não identificação concreta do poluidor como ele poder ser insolvente face à magnitude dos prejuízos que tinha causado.
Este problema põe-se, por exemplo, em termos da OCDE, e talvez fosse curioso referir que há pelo menos um português ligado aos trabalhos da OCDE nesta matéria - refiro-me à Sr.ª Prof. Dr.ª Isabel Magalhães Collaço -, que trabalhou concretamente na definição da responsabilidade objectiva e defendeu também este tipo de responsabilidade em matéria de transportes e de energia nuclear.
Creio que, ao não atribuirmos conceitos de responsabilidade objectiva, a possibilidade de responsabilidade baseada na culpa deixa numa situação de indefesa dos atingidos pela poluição.
Gostaria apenas de recordar que esta possibilidade de introdução de responsabilidade objectiva e até a possibilidade de haver fundos comparticipados por potenciais poluidores - e que pagam, portanto, os eventuais prejuízos que possam causar - têm antecedentes noutras legislações, os quais gostaria de ver invocados.
É. o caso, por exemplo, da legislação japonesa, que já é de 1973. O Japão é um país particularmente atento neste momento aos problemas da poluição, obrigando todas as empresas de aviação, sejam elas nacionais ou internacionais, a pagarem uma taxa especial que reverte a favor dos atingidos pelos problemas do ruído na aterragem, e que se traduz na indemnização, em natureza, dessas populações, que vêem as suas casas insonorizadas à conta da receita obtida pela referida taxa, que é um fundo de compensação pelos efeitos causados em termos de ruído.
A mesma legislação existe na lei federal alemã de 1974, como também existe na legislação inglesa da mesma natureza, e creio que só ganharíamos se na discussão na especialidade pudéssemos introduzir matérias como estas.
Julgo que tudo isto tem a ver com uma concepção que foi aquela que principiei por delimitar e pela qual o princípio do poluidor-pagador só ganhará significado se o adoptarmos no entendimento que preconizei, ou seja, no alargamento da responsabilidade dos poluidores, de modo a que ele possa preencher exactamente os seus objectivos e não se traduza num desequilíbrio a mais causado em termos daqueles que sofrem a poluição e não que a defendem.

Aplausos do PRD, do PCP e de alguns deputados do PS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na galeria 3 do hemiciclo encontram-se os alunos da Escola Secundária da Covilhã, acompanhados dos seus professores.
Como sempre nos apraz a visita da juventude aqui, ao Plenário, agradeço o favor de os saudarem da forma habitual.

Aplausos gerais.

Para uma intervenção, aliás limitada a um minuto e contando com a generosidade da Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Pereira.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, cedia, com todo o gosto, tempo ao PRD. No entanto, ainda vou precisar de usar os cinco minutos de que dispõe o PS para falar do nosso ambiente interno, ou seja, do ambiente deste hemiciclo em termos de fumo.

Risos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Pereira.

O Sr. Sousa Pereira (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático considera particularmente importante a discussão na generalidade dos projectos que visam o enquadramento legal do ambiente bem como daquele que pretende criar o cargo de promotor ecológico e, ainda, o que consagra os direitos das Associações de Defesa do Ambiente.
De facto, encontramo-nos, hoje, numa situação de tal modo grave que vão ser necessários grandes esforços e vultuosos investimentos para reparar os estragos reparáveis e evitar a produção de novos males. Por isso

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mesmo, depois de sucessivos adiamentos é urgente dotar o País com uma lei que sirva de base à recuperação e preservação do meio ambiente, condições por nós consideradas essenciais para a melhoria da qualidade de vida da comunidade portuguesa.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em Junho de 1972, a Conferência das Nações Unidas, reunida em Estocolmo, proclamou a Declaração do Ambiente, documento cuja actualidade, apesar de decorridos 14 anos, nos interessa reter.
No seu ponto seis, pode ler-se:

Achamo-nos num momento histórico em, que devemos orientar as nossas acções no mundo inteiro, tomando em maior consideraçâo as suas repercussões no ambiente.
Podemos causar, por ignorância ou indiferença, prejuízos consideráveis e irreversíveis no ambiente terrestre, do qual depende a nossa vida e o nosso bem-estar.
Pelo contrário, mediante conhecimento mais profundo e acções mais ponderadas, podemos conquistar para nós próprios e para a posteridade uma vida melhor, em ambiente mais adequado às necessidades e aspirações humanas.
Existem perspectivas vastas para a melhoria da qualidade do ambiente é a criação de uma vida feliz. Para usufruir livremente dos benefícios da natureza, o homem deve tirar, partido dos seus conhecimentos com o fim de criar, em colaborar cão com ela, um ambiente melhor. A defesa e a melhoria do ambiente para as gerações actuais e vindouras tornam-se um objectivo primordial da humanidade - tarefa cuja realização deverá ser coordenada e harmonizada com os objectivos fundamentais já fixados de paz e de desenvolvimento económico e social em todo o mundo.
E adiante:
A prossecução deste objectivo do ambiente implica que todos, cidadãos e colectividades, empresas e instituições, a qualquer nível, assumam as suas responsabilidades e compartilhem equitativamente os esforços comuns. Os homens de todas as condições e as organizações mais diversas podem, pelos seus valores, pelo conjunto das suas acções, determinar o ambiente futuro do mundo. Caberá às autoridades locais e aos governos a responsabilidade principal das políticas e das acções a realizar em assuntos de ambiente, nos limites da sua jurisdição [...]
Estas afirmações, que subscrevemos integralmente, constituem matéria de reflexão suficiente para, desde já, garantirmos que não bastará uma boa lei sem todo um conjunto de acções educativas e de esclarecimento dirigidas, sobretudo, aos mais jovens. Neste campo cabe à escola um papel essencial, pelo que se espera venha a assumir a sua quota parte dás responsabilidades. Da sua intervenção, também nesta área, dependerá muito da felicidade das gerações futuras.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático colaborou activamente, na Comissão de Equipamento Social e Ambiente, na apreciação dos projectos de lei agora em discussão na generalidade. Da sua análise ressaltou imediatamente o cuidado posto pelos autores na elaboração dos diplomas apresentados, habilitando a Assembleia da República com um vasto material cuja qualidade dá testemunho da importância da matéria em apreço, bem como da urgência de dotar o País com uma lei que já tarda.
No nosso entender não se pode considerar que qualquer dos projectos esgote em si mesmo o que de importante é necessário fazer. No entanto, qualquer deles se completa nos restantes. Pensa o PRD que uma vez regressados à Comissão para serem apreciados na especialidade será possível chegar-se, depois de um trabalho cuidado, a um acerto final conveniente.
O PRD entende, também, que tal como consta do relatório da Comissão de Equipamento Social e Ambiente, a lei a aprovar pela Assembleia da República deve denominar-se lei quadro ou de bases do ambiente, tendo em conta o facto de que quer a qualidade de vida quer o ordenamento do território, por serem áreas muito mais vastas do que a do ambiente, não se encontra, por isso mesmo, suficientemente contemplada nos projectos que os referem.
No que respeita ao projecto de lei do Partido Comunista Português, pensamos poder ser englobado no conjunto de diplomas em apreço. A importância daquelas associações, pelo que têm feito no nosso país e ainda pelo que podem vir a fazer, é para nós motivo bastante para que vejam legalmente consagrados direitos, desde que ofereçam garantias de um trabalho de qualidade.
Gostaríamos, ainda, de chamar a atenção para o facto de o projecto de lei do Partido Socialista ser o único que contempla a acção da escola no domínio do ambiente, ideia cujo desenvolvimento também contará com o nosso contributo.
De igual modo, pensamos que a graduação das penalidades articulada no projecto de lei do PSD é suficientemente clara e objectiva para merecer, desde já, o nosso apreço, embora o princípio do poluidor-pagador consagrado mereça da nossa parte sérias reservas.
Concordando com o parecer da Comissão de Equipamento Social e Ambiente, o PRD vai, pois, votar favoravelmente na generalidade todos os projectos de lei referentes ao ambiente hoje em discussão e afirma a sua inteira disponibilidade para contribuir positivamente nos trabalhos da Comissão durante a apreciação na. especialidade.
Quanto à criação do cargo do promotor ecológico, visado no projecto da Sr.ª Deputada Maria Santos, vemos nela a abertura de um precedente que poderá conduzir à pulverização de figuras idênticas para múltiplas situações. Não deixamos, porém, de considerar que a iniciativa da Sr.ª Deputada teve, pelo menos, o mérito de enriquecer o debate ao sensibilizar a Assembleia da República, por uma outra forma, para as questões do ambiente. Sem prejuízo do espírito que levou à elaboração do seu projecto, pensamos poderem ser contemplados outros organismos ou entidades já existentes com atribuições que seriam da competência do promotor ecológico.

Aplausos do PRD e dê alguns Deputados do PSD.

O Sr. Presidente: - Vou pedir ao Sr. Vice-Presidente José Vitoriano o favor de me vir substituir, na medida em que, tendo outras solicitações, tenho necessidade de me ausentar.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anselmo Aníbal.

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O Sr. Anselmo Aníbal (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É lamentável, em primeiro lugar, que não esteja presente o Governo e que a sua ausência aconteça exactamente quando o Sr. Secretário de Estado do Ambiente sabia que a respectiva discussão continuaria hoje.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É importante, contra o que alguns pretendem por forma expressa ou em surdina, que a Assembleia da República seja o órgão institucional que define as bases de orientação nos domínios diversos do viver colectivo e que assuma as opções sobre a disponibilização de recursos.
A problemática do ambiente tem, no enquadramento constitucional, um normativo exigente conceptualmente rico: também o pensamos assim. Entendemos o ambiente não numa simples óptica de análise dos aspectos marginais das disfunções ambientais. Não o entendemos numa óptica integradora que conjuga um desenvolvimento ajustado, equipamentos capazes e adequados e uma protecção de tessitura natural que nos envolve. Entendemo-lo não numa óptica reducionista de quem diz que vai actuar terapeuticamente sobre sequelas de acções que outros fizeram ou permitem mas numa forma equilibrada, que é a de defender, com as outras componentes que integradamente definem os padrões de uma qualidade de vida.
Não o têm entendido assim as soluções institucionais que têm sido contactadas. Têm assumido a postura de defender, em verbo, o ambiente, mas numa forma que consideramos incorrecta e inaceitável.
Em 1981-1983 e em 1983-1985 estruturou-se um Ministério da Qualidade de Vida, «ministério-emblema», que pareceria à primeira vista reflectir uma tentativa de alteração do modo e do tempo de intervenção da administração central. Rapidamente se verificou que era tão-só um ministério-emblema.
Fortemente desmuniciado de recursos técnicos e de verbas, isolado institucionalmente pelos outros ministérios, isolado também da administração local, acabou por ser «um prato de lentilhas» de uma divisão de pastas exigida pela partilha do poder.
Alguns quiseram ainda que ele fosse, ao menos, um ministério de boa consciência, de alarme, daqueles que só chegam às coisas quando elas já são o que são, e algumas vezes são-no irremediavelmente. Julgamos que nem isso conseguiu a ser. A intervenção proferida pelo Sr. Secretário de Estado na terça-feira é significativa a esse respeito e a saída do Sr. Deputado António Capucho de Ministro da Qualidade de Vida é também capaz de confirmar esta posição, já que por essas e talvez por outras razões deixou o barco da governação nessa altura.
Aparentemente, as soluções orgânicas encontradas pelo actual Governo são menos de índole emblemática, mas, ao integrar-se na Secretaria de Estado do Ambiente e Recursos Naturais a Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos e a Direcção-Geral do Saneamento Básico, se se determinou mais homogeneidade de meios e de recursos na abordagem de um conjunto de questões, deixou-se, entretanto, como opções de fundo e opções cumulativas - que são, de facto, a marca fundamental - o mesmo quadro de referências às autarquias locais, cingidas à penúria, e deixou-se também a mesma incapacidade de promover a institucionalização de uma administração regional, capaz de intervir e de actuar.
O «ambiente dos recursos naturais» da tessitura e da estrutura do actual Governo estão, assim, condenados a ser uma pequena voz no universo dos interesses que se movem em outros sectores da Administração e estão também condenados na partilha muito abundante do clientelismo, que se serve da poluição para ser pretensamente o Ministério o pagador da poluição que outros fazem.
Há que alterar esta situação e nesta Câmara, em palavras, acabou por aparecer um consenso em relação a esta matéria. Há também que criar instrumentos que facilitem a audição institucional das populações, e de fortalecer a capacidade de intervenção dos municípios, bem como reformular e alterar o conjunto da legislação e da regulamentação avulsa que existe e à qual se reflecte um alto grau de centralismo que não se justifica.
Já aqui dissemos que a legislação sobre o ordenamento do território tem mais de 100 diplomas, 100 normativos, alguns dos quais dos anos 30, e que a regulamentação sobre a água tem mais de 80 normativos, sendo o decano deles de 1892 - e tudo isto existe num carácter avulso muito grande. Os projectos agora aqui presentes reflectem uma preocupação de abrangência dos vários factores e procuram sistematicamente definir e organizar conceitos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em alguns desses projectos de lei a identidade terminológica e lexicológica é tal que estamos certamente perante casos de co--autoria, para não dizer mais, já que a questão se pôs e o Sr. Deputado Borges de Carvalho não respondeu bem a essa questão da genética do seu diploma e do outro.
Mas há material de reflexão conceptual que não pode deixar de ser considerado positivo. No caso do projecto apresentado pela Sr.ª Deputada Maria Santos do Partido «Os Verdes» perpassa um intento de intervenção urgente que procura instituir um modelo de recurso, nos parâmetros gerais definidos no artigo 66.º da Constituição, e um recurso a uma autoridade nacional. Afigura-se-nos correcta esta forma de recurso e de intervenção.
Igualmente nos parece globalmente correcto, como já tivemos ocasião de dizer ao Sr. Deputado Carlos Lage aquando da sua intervenção, que o texto apresentado pelo Grupo Parlamentar do PS dá continuidade a iniciativas desse grupo parlamentar e é notório que, em vários domínios de actuação da administração, nos seus diversos níveis de competência, há necessidade de reflectir novas soluções.
O projecto do PSD, que se articula de forma sistemática que evidencia conhecimento -mas que não justifica o carácter auto-elogioso de quase todas as intervenções proferidas nessa bancada-, revela-se, entretanto, a nosso ver, como esquecendo deliberadamente o papel da administração regional e local e como potenciando o incumprimento de qualquer normativo, designadamente o artigo 14.º quando há discriminações que não se justificam nesta matéria. Aliás, o Sr. Deputado António Capucho conhece esta matéria e justificar-se-ia uma sua intervenção correctiva em relação a entusiasmos mais jovens. Por outro lado, aquele projecto reflecte uma atitude censória e sigilosa em matéria que tem de ser publicitada, designadamente o artigo 10.º, o qual está em duvidosíssima legalidade constitucional, como aqui já foi dito.

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Os outros textos apresentados permitem o confronto de perspectivas, embora estreitem, de uma forma que nos parece incorrecta, o papel da administração local, a qual é menorizada e posta entre parêntesis.
Entendemos relevar no nosso projecto de lei n.º 163/IV todo o especialíssimo papel que cabe' às associações de defesa do ambiente e fizemo-lo pelas razões já aduzidas pelo Sr. Deputado Luís Roque, associações que reflectem, de forma próxima, os interesses das populações.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Foi nesta perspectiva global que participámos neste debate. Pensamos que não se resolvem os problemas tão vastos, como os do ambiente, com uma lei-quadro. A solução passa também, como já sublinhámos, pelo incentivar e pelo reforço das estruturas locais e regionais, assim como por uma disciplina de procedimentos que imponha normativos e uma regulamentação de defesa do ambiente, da paisagem, das populações.
Estamos disponíveis, e afirmamo-lo, nesta sede para o encontrar dessas soluções e pensamos que é exactamente na Assembleia da República, no debate da especialidade, que podemos dar passos para as soluções que se pretendem.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr: Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage, que dispõe de apenas 5 minutos.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Já tive oportunidade de, no fim da sessão de terça-feira passada, explicar longamente, embora, creio, sem maçar, a nossa posição sobre os projectos de lei em discussão, referentes à lei-quadro do ambiente, e talvez por isso queira sublinhar que vamos votar favoravelmente todos os projectos que têm, como disse, a mesma inspiração, os mesmos objectivos, um âmbito semelhante e um carácter, inevitavelmente programático ou de normativos de carácter geral, excepto o projecto de lei do PSD que tem um mais acentuado carácter de normatividade e que disciplina já alguns pontos referentes à defesa do ambiente.
Também votaremos favoravelmente o projecto de lei da Sr.ª Deputada Maria Santos, pois ele colhe a nossa simpatia. Com efeito, consideramos que a criação de um provedor para o ambiente designação que preferimos à de «promotor do ambiente»;- se justifica, pois os atentados e os abusos cometidos, contra a natureza viva assumem, hoje em dia, uma gravidade semelhante à dos que são cometidos contra o ser humano - não podemos separar essas duas dimensões.
No entanto, cremos que tal figura se não pode generalizar, afirmando que poderiam, ser também criados provedores noutros domínios. De facto, trata-se de duas esferas -a da defesa do homem e a da defesa da natureza- que podem perfeitamente ser equiparadas, pois têm uma natureza análoga; direi mais: constituem uma unidade de base.
Também votaremos favoravelmente o projecto ide lei do PCP sobre as associações de defesa do ambiente, muito embora o façamos na generalidade, visto que, na especialidade, alguns dos seus preceitos terão de ser melhor precisados e o seu âmbito melhor, reflectido.
Por outro lado, impõe-se que o Governo elabore uma complexa legislação na sequência da aprovação desta lei-quadro, sem o que, naturalmente, a referida lei se poderá revelar como um gesto bem intencionado, mas inútil. Esta aprovação da lei-quadro deve mesmo constituir um estímulo e um quadro integrador que dê unidade a toda a legislação, para a futura acção de carácter regulamentar e para os decretos-leis que o Governo irá, com certeza, aprovar. Nessa matéria a Assembleia também estará atenta, em particular nós, socialistas. Com a aplicação ao nosso país -lamento que com excessiva lentidão - da vasta legislação comunitária, muito precisa e rigorosa, sobre o ambiente, começam a criar-se as condições para uma efectiva defesa do ambiente em Portugal.
Outra peça essencial, esta de defesa de uma pane da nossa fauna, é a Lei da Caça, que espero ver concluir em breve, para protecção i das espécies e não para o «pum, pum» dos caçadores incorrigíveis. Esta Lei da Caça também se insere na problemática do ambiente e felizmente que a temos quase concluída na Assembleia da República.
No entanto, sem uma intensa pedagogia sobre o ambiente - daí a importância das escolas, dos meios de comunicação social, das associações que vão surgindo e, enfim, da própria família-, sem a cooperação das autarquias locais e sem a tomada de consciência do cidadão de que a natureza é um bem precioso, naturalmente que quer a Lei do Ambiente, quer a legislação que venhamos a elaborar serão, por mais aprimoradas que estejam, ineficazes.
Todos devem compreender que a natureza não pode ser para o homem um mero cenário lucrativo, quer no que diz respeito às actividades de carácter económico, quer para qualquer outra actividade de carácter predador. Como já, se referiu, a política do ambiente é um facto cultural que integra uma certa modernidade e deve articular-se com outras políticas como a política energética, a política regional, a política de defesa do consumidor, etc.
Já se disse que a política ,do ambiente implica custos económicos. Porém, tudo o que seja investido no ambiente terá uma reprodutividade muito alta, quer sob o, ponto de vista económico, quer sob os pontos de vista ambiental e social.
Finalmente, Sr. Presidente - a luz amarela está a alertar-me para o facto de estar a gastar demasiado tempo -, entreguei na Mesa um projecto de resolução, proibindo o vício de, fumar neste Plenário. Não se trata de proibir o vício de fumar fora do Plenário da Assembleia da República mas, como é evidente, dentro do Plenário. Com efeito, já aqui se levantaram essas presunções, atribuindo-lhe quase um carácter prossecutório.

Vozes do PS: - Muito bem!

O Orador: - Srs. Deputados, não estou a tentar relançar a luta entre fumadores e não fumadores, a qual já aqui se verificou e em moldes pouco recomendáveis. Portanto, não quero aplausos nem apupos. Diz-se que os impacientes chegam sempre tarde, tendo sido esse o meu caso. É que fui impaciente há dois anos, quando apresentei aqui um projecto de resolução sobre a mesma matéria, e deparei com uma tal oposição que tive que dar um passo atrás. Porém, dou agora dois passos em, frente.

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O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Leninista! ...

Risos.

O Orador: - Mas, atenção, faço-o acompanhado pela ecologia, na pessoa da Sr." Deputada Maria Santos, e pelo partido governamental, na pessoa do Sr. Deputado António Capucho.
Não se trata, como é natural, de esboçar um novo bloco de poder alternativo, baseado em «energias doces», mas sempre terá as suas virtualidades.
Também quero assinalar que, neste trio que subscreve o projecto de resolução, os fumadores estão em maioria - eu e a Sr.ª Deputada Maria Santos, já que o Sr. Deputado António Capucho é um fumador inveterado que está disposto a renunciar ao acto de fumar dentro da Assembleia da República.
Naturalmente que gostaria que este projecto fosse votado hoje. Com efeito, se estamos sob o signo da defesa do ambiente, seria bom que cuidássemos também de despoluir o nosso próprio ambiente, não digo sob o ponto de vista político, mas do ponto de vista físico - fumo, alcatrão e outras substâncias que caracterizam o cigarro.

A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Muito bem!

O Orador: - Quero também dizer que, em relação a este projecto de resolução que entregamos na Mesa e que gostaria de ver votado hoje ou o mais rapidamente possível, tive a lealdade de falar primeiramente com o Sr. Presidente da Assembleia da República, não fosse ele encarar este projecto como um gesto de hostilidade contra a sua pessoa, já que é um dos maiores fumadores desta Casa...

Risos.

Assim, o Sr. Presidente da Assembleia da República - o Sr. Presidente Ferreira do Amaral, visto que quem distintamente preside à sessão neste momento é o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano - também estará disposto a fazer um grande sacrifício - diz que se houvesse cigarros sem fumo os utilizaria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Completa-se assim todo este espectro de leis sobre o ambiente, o qual vai desde a protecção das espécies cinegéticas, passando pela Lei de Bases do Ambiente, e que terminará, com chave de ouro, penso eu, com a aprovação de um projecto de resolução há muito tempo acalentado por muitos dos Srs. Deputados desta Câmara - alguns já o deixaram até de ser e não sei se por isso -, para que tenhamos aqui uma atmosfera mais respirável e não sejamos obrigados a absorver toneladas de fumo durante os dias e os anos em que trabalhamos nesta Casa.

Aplausos do PS, do PSD, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Peço a palavra. Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado? É que, há pouco, a Mesa não se apercebeu do sinal que o Sr. Deputado teria feito no sentido de formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Anselmo Aníbal. Porém, entretanto, nem o Sr. Deputado Borges de Carvalho nem o Sr. Deputado Anselmo Aníbal dispõem já de tempo.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - No entanto, Sr. Presidente, pedi a palavra para interpelar a Mesa, embora tivesse muitas dúvidas a colocar aos Srs. Deputados que intervieram.

O Sr. Presidente: - Tem então a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Presidente, não está incluída na ordem do dia a votação deste projecto de resolução n.º 18/IV. Não sei se houve algum consenso dos grupos parlamentares nesse sentido ou se a omnipotente e omnipresente conferência de líderes terá decidido votá-lo.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, penso que não é matéria para votar hoje.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, terei, de facto, muito gosto em explicar essa questão.
Este projecto de resolução não faz parte da ordem de trabalhos. No entanto, foi entregue na Mesa e tenho o direito de, dentro do tempo que me foi concedido, me referir a ele.
Muito gostaria que ele fosse aceite por todos - visto não ser um assunto que precise de grande meditação para que sobre ele se tome uma decisão - e que pudéssemos votá-lo hoje - era um gesto muito simpático dos fumadores aos não fumadores. Porém, se o não quiserem votar hoje, evidentemente que poderá ficar para uma data posterior, embora muito próxima.
Contudo, não quero prolongar o debate sobre este assunto, porque já tivemos aqui uma sessão de quatro horas a discutir a questão do fumo sem que chegássemos a qualquer decisão e seria lamentável que se reproduzisse esse momento.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em virtude de haver vários deputados a pedir a palavra, queria informá-los do seguinte: o PCP veio pedir a interrupção da sessão por meia hora. Como entretanto o debate estava a terminar, foi-lhe pedido que aguardasse 5 ou 10 minutos para que se terminasse esse mesmo debate.
Portanto, como vários Srs. Deputados continuam a pedir a palavra, continuaremos o debate depois.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Presidente, eu não queria ser antipático para o Sr. Deputado Carlos Lage. No entanto, penso que os fumadores têm o direito, não digo de retribuir com antipatia a antipatia que nos é feita pelo Sr. Deputado e pelos outros subscritores do referido projecto, mas de que esse projecto de resolução seja aqui discutido e esmiuçado até aos seus mais ínfimos pormenores, portanto vamos a isso. Agora, dá-lo assim por entrado, votado e por aí fora, isso é que não, Sr. Presidente.

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2068 I SÉRIE - NÚMERO 54

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, damos então por encerrado este debate, sendo os vários projectos votados pelas 18 horas.
Entretanto, lembro aos Srs. Deputados que está ainda em curso a votação para vários cargos exteriores à Assembleia. Assim, peço aos Srs. Deputados que ainda não votaram que o façam, porque a votação termina às 18 horas e 30 minutos. Queria também informar os Srs. Deputados de que o Sr. Presidente da Comissão Eventual para estudo do Orçamento da Assembleia, com o fim de dar parecer sobre o referido orçamento, convoca os Srs. Membros da Comissão para uma reunião, que se realizará pelas 17 horas e 30 minutos
De igual modo, o Sr. Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida Comissão para uma reunião, a realizar na Sala do Conselho de Ministros, pelas 17 horas e 30 minutos.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, porque temos uma conferência de imprensa marcada para as 17 horas e 10 minutos, e sem prejuízo do intervalo regimental, pedimos a suspensão dos trabalhos por vinte minutos.

O Sr. Presidente: - Está concedido, Sr. Deputado. Recomeçaremos então os nossos trabalhos pelas 18 horas, procedendo às votações anunciadas.
Está interrompida a sessão.

Eram 17 horas e 15 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 18 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à leitura do relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos, seguindo-se a respectiva votação.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião realizada no dia 10 de Abril de 1986, pelas 17 horas e 30 minutos, foi apreciada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Partido Socialista:

Carlos Montez Melancia (círculo eleitoral de Leiria) por Leonel de Sousa Fadigas. Esta substituição é determinada, nos termos da alínea e) do n.º 1 do art. 4.º da Lei 3/85 (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 10-4-86, inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer: a substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão este relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Pausa.

Em virtude de não haver inscrições, vamos proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aproveito para lembrar aos Srs. Deputados que, eventualmente, ainda não tenham votado que façam o favor de o fazer entretanto, visto que as umas vão ser encerradas pelas 18 horas e 30 minutos.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos dar então início à votação dos diplomas cujo debate encerrámos imediatamente antes de termos suspendido a sessão. Vamos fazê-lo, naturalmente, votando um por um e seguindo a ordem da sua entrada na Mesa.
Assim, vamos, em primeiro lugar, proceder à votação do projecto de lei n.º 12/IV, do PCP - Lei de bases do ambiente e qualidade de vida.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, penso que haverá um lapso da Mesa, pois esse projecto de lei é do PSD e não do PCP.

O Sr. Presidente: - Bem, o lapso será dos serviços, pois, de facto, o documento que aqui tenho está registado como sendo do PCP.
No entanto, corrijo a afirmação que fiz, anunciando que o projecto de lei n.º 12/IV - Lei de bases do ambiente e qualidade de vida - é do PSD.
Vamos, portanto, proceder à sua votação.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Ribeiro Teles, Maria Santos e Borges de Carvalho e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação do projecto de lei n.º 51/IV, da Sr.ª Deputada independente Maria Santos - Criação do cargo de promotor ecológico com vista à defesa da vida e do meio ambiente.

Submetido à votação, foi rejeitado, com votos contra do PSD, do PRD, do CDS e do deputado independente Borges de Carvalho, votos a favor do PS, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos e abstenções de seis deputados do PRD e do deputado independente Ribeiro Teles.

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O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Presidente, quero saber se posso entregar na Mesa uma declaração de voto escrita?

O Sr. Presidente: - Pode, Sr.º Deputada.

A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, desejaria que o Sr. Presidente repetisse o sentido do voto do PRD, porque não me apercebi exactamente de qual foi o sentido do voto dessa bancada.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Gomes de Pinho, o PRD votou quase todo contra, mas houve seis Srs. Deputados deste partido que se abstiveram. Suponho que não será necessário referir os nomes desses Srs. Deputados.

Vozes: - Não, não é necessário!

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 63/IV, do PS - Lei-quadro do ambiente e qualidade de vida.

Submetido à votação, foi aprovado, por unanimidade, registando-se a ausência do deputado independente Lopes Cardoso.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação do projecto de lei n.º 79/IV, do Sr. Deputado independente Borges de Carvalho - Lei-quadro do ambiente.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Ribeiro Teles, Borges de Carvalho e Maria Santos e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do projecto de lei n.º 105/IV, do Sr. Deputado independente Ribeiro Teles - Lei-quadro do ambiente e ordenamento do território.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Ribeiro Teles, Borges de Carvalho e Maria Santos e a abstenção do PCP.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação do projecto de lei n.º 163/IV, do PCP - Sobre os direitos das associações de defesa do ambiente.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e dos deputados independentes Ribeiro Teles e Maria Santos e votos contra do PSD, do CDS e do deputado independente Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Roque.

O Sr. Luís Roque (PCP): - Sr. Presidente, é só para dizer que entregaremos na Mesa, dentro de momentos, uma declaração de voto escrita.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acaba de entrar na Mesa um requerimento, subscrito por todos os grupos parlamentares e pelos Srs. Deputados independentes Ribeiro Teles, Maria Santos e Borges de Carvalho, solicitando a baixa à comissão nos seguintes termos:

Os Deputados abaixo assinados requerem, nos termos regimentais, a baixa dos projectos de leis n.ºs 12/IV, 63/IV, 79/IV, 105/IV e 163/IV à Comissão de Equipamento Social e Ambiente, para serem analisados na especialidade por um período de 45 dias.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Presidente, assinei de facto esse documento, mas talvez o tenha assinado de cruz.
Na Comissão, ao ser tratado o projecto de lei n.º 163/IV, do PCP, foi aprovado que ele deveria baixar também à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Isso não aparece no requerimento que acabou de ser lido, não sei se por lapso ou não.
Nesse sentido, gostaria que a Mesa interpelasse as bancadas sobre este problema.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a Comissão de Equipamento Social e Ambiente poderá pedir parecer à 1.ª Comissão.

O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Então, se for esse o entendimento de todas as bancadas, não há problema.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, é que tem de ser mesmo assim.
Se o diploma baixasse a duas comissões simultaneamente, qual era a comissão que o votava na especialidade? Só uma comissão mista é que poderia resolver o problema, o que não é o caso.
Portanto, os projectos têm de baixar a uma comissão que os vota na especialidade, podendo solicitar parecer a outra comissão, que, para o efeito, tem uma contribuição útil a dar.

O Sr. Presidente: - Certo Sr. Deputado, não vamos agora travar aqui um debate a propósito disto.
Vamos proceder à votação do requerimento que acabou de ser lido.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos à favor do PSD, do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Ribeiro Teles e Maria Santos e a abstenção do deputado independente Borges de Carvalho.

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2070 I SÉRIE - NUMERO 54

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à votação final global da ratificação n.º 47/IV, relativa ao Decreto-Lei n.º 288/85, de 23 de Junho, que prevê a fixação, por parte das assembleias distritais, de quadros privativos integrados por pessoal que venha a ser indispensável ao funcionamento dos órgãos distritais. É evidente que o que vamos votar são as alterações propostas pela comissão de especialidade.

O Sr. João Amaral (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, ignorava completamente esta alteração da ordem de trabalhos e não entendo por que é que está a ser feita.
Solicitaria que a ordem de trabalhos decorresse como tinha saído da conferência, iniciando-se agora a discussão do projecto de lei n.º 173/IV, sobre a amnistia.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado tem em parte razão, já que, na ordem de trabalhos que tenho, a discussão do projecto de lei sobre amnistia está antes da votação da ratificação n.º 47/IV.
Simplesmente, como, numa outra ordem de trabalhos que vi, estava marcada para as 18 horas a votação final global da referida ratificação, anunciei essa votação para agora.
Todavia, se o entendimento correcto não é este e se o que a conferência decidiu foi que se iniciasse de imediato a discussão do projecto de lei sobre a amnistia, fica sem efeito o anúncio que fiz da votação final global da ratificação n.º 47/IV.
Vamos, então, iniciar o debate do projecto de lei n.º 173/IV - Amnistia várias infracções e concede perdão a penas de prisão por ocasião do inicio do mandato do actual Presidente da República.
Informo que se inscreveram para usar da palavra os Srs. Deputados José Manuel Mendes e Carlos Candal.

O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peco-lhe a maior desculpa por só agora interpelar a Mesa, mas distraímo-nos com toda esta confusão.
O que de facto está combinado e agendado é que, depois da votação dos projectos de lei sobre o ambiente que teve lugar, se proceda à votação final global da ratificação n.º 47/IV, só depois se iniciando a discussão do projecto de lei sobre a amnistia, tanto mais que a referida votação final global estava marcada para as 18 horas, com os tempos regimentais para declarações dê voto.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, era precisamente isso o que eu entendia, não por figurar assim na ordem cronológica da agenda, o que efectivamente acontece, mas porque, numa outra ordem de trabalhos, figura o contrário. Está esclarecido, Sr. Deputado?

O Sr. António Capucho (PSD): - Não, Sr. Presidente, não estou.
V. Ex.ª importa-se de me referir qual é, na opinião da Mesa, a sequência a partir de agora?

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

Pausa.

Srs. Deputados, há aqui uma confusão, em que tenho responsabilidades - talvez não todas; mas uma grande parte.
Na acta da conferência vem indicada para as 18 horas a votação final global da ratificação n.º- 47/IV, que estava efectivamente anunciada para essa hora. Simplesmente, na agenda que tenho em meu poder e que serve de orientação à condução dos trabalhos, essa votação figura em último lugar, embora estivesse anunciada para as 18 horas.
Outra questão, em que sou totalmente responsável, é a de que, na sequência da ordem do dia, o que se segue, não é o projecto de lei sobre a amnistia, mas a proposta de resolução n.º 2/IV.

Vozes do PCP: - Exactamente!

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, seja como for, parece que ha consenso - os grupos parlamentares desmentir-me-ão se não for assim -, na seguinte sequência: primeiro, a proposta de resolução n.º 2/IV; segundo, o projecto de lei n.º 173/IV; finalmente, a votação final global da ratificação n.º 47/IV.

O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado. Há alguma objecção?

Pausa.

Não havendo objecções, vamos entrar na discussão da proposta de resolução n.º 2/IV - Aprova, para ratificação, o Tratado de Cooperação na Execução de Sentenças Penais entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino da Tailândia, assinado em Lisboa em 11 de Abril de 1985.
Cada partido e o Governo dispõem de dez minutos para usar da palavra.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carmelo Lobo.

O Sr. Carmelo Lobo (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É hoje presente a esta Assembleia para discussão e votação a proposta de resolução n.º 2/IV, apresentada pelo Governo nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 200.º da Constituição da República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 200.º do Regimento da Assembleia da República.
A referida proposta de resolução aprova, para ratificação, o Tratado de Cooperação na Execução de Sentenças Penais entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino da Tailândia, cujo texto acompanha a proposta e foi oportunamente distribuído, nos termos do artigo 145.º do Regimento, contendo um artigo único, cujo teor é o seguinte: «É aprovado para ratificação o Tratado de Cooperação na Execução de Sentenças Penais entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino da Tailândia, assinado em Lisboa em 1 de Abril de 1985, cujos textos em português, tailandês e inglês seguem em anexo, fazendo fé qualquer dos textos e prevalecendo o último em caso de divergência.»

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11 DE ABRIL DE 1986 2071

Nos termos do artigo 164.º, alínea O, da Constituição da República Portuguesa, compete à Assembleia da República «aprovar os tratados que versem matéria da sua competência legislativa reservada [...] e ainda quaisquer outros que o Governo entenda submeter-lhe».
Está, pois, este Plenário, e cumpridos que se mostram os normativos (quer constitucionais quer regimentais) aplicáveis, em condições de se pronunciar sobre o caso em apreço.
Assim, o Tratado em análise, como resulta da nota explicativa dos seus motivos, obedece a razões de carácter sobretudo humanitário, não importando qualquer alteração ou revogação de legislação vigente, face ao estatuído pelo artigo 1094.º do Código de Processo Civil.
O mesmo Tratado, como se extrai quer dos considerandos iniciais quer do seu articulado, visa, além do mais, facultar aos condenados o cumprimento das penas privativas de liberdade, quaisquer que sejam as formas da sua execução, no país de que são nacionais, facilitando assim a sua reintegração na sociedade, e respeita as normas usuais em casos idênticos, especificadamente o princípio da reciprocidade, esclarecendo o seu âmbito de aplicação e o processo de transferência e trânsito de delinquentes, delimitando a reserva de jurisdição e a execução de sentença e consignando o limite temporal da sua vigência.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, afigura-se, do exposto, que, quer formalmente quer por razões de fundo, nada obsta a que a Assembleia da República aprove o Tratado em causa, pelo que o PRD dará o seu voto favorável à proposta de resolução em apreciação.

Aplausos do PRD e do Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Muito breve serei no que respeita à proposta de resolução n.º 2/IV, sobre a ratificação do Tratado de Cooperaçâo na Execução de Sentenças Penais entre Portugal e a Tailândia.
É uma questão que despontou há muito e que teve essencialmente a ver, pelo menos na sua fase geratriz, com a difícil situação em que se encontram alguns cidadãos portugueses que naquele país cumprem pesadas penas.
Obviamente que há distonias entre o sistema prisional e a política criminal dos dois Estados.
Pretende-se colmatar esse distanciamento e reaproximar portugueses da sua Pátria. Esta não é apenas a dos dias de glória, mas a dos momentos de dificuldade.
Por assim ser, não se poderá almejar aqui o perfeccionismo formal, mas ir ao encontro da realidade de pessoas vivas e concretas, para as quais a nossa solidariedade nem se poderá confinar à norma, mas à sua expressão real.
Evidentemente que, cotejando o articulado do Tratado em apreço com a Convenção Europeia sobre a Transferência de Pessoas Condenadas, assinada no âmbito do Conselho da Europa em 21 de Março de 1983, mas ainda não ratificada por Portugal, se divisará uma certa disparidade formal - mas apenas formal, já que a intencionalidade subjacente será a mesma.
A nossa pátria é a língua, é a cultura, é o passado, que com respeito se olha, e o futuro, que com esperança se constrói. Mas serão, sempre e em qualquer caso, as pessoas vivas - o que com verdade se poderá dizer que são os nossos irmãos, mesmo que as vicissitudes os tenham dispersado e diversificado no destino.
Pensar em introduzir agora aperfeiçoamentos técnico-formais seria inviabilizar o objectivo fundamental. Está-se perante um tratado bilaterial negociado em 1983 e 1984 e concluído em Abril de 1985, com base nas negociações anteriores.
A Assembleia pertencerá a decisão. Limito-me, pois, a aduzir o condicionalismo em que nós, todos nós, Portugueses, teremos de actuar.

Aplausos do PSD e do Sr. Deputado Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Ministro da Justiça, quero apenas colocar-lhe a seguinte pergunta: se entrar em vigor e, portanto, puder ser aplicado, quantos presos portugueses detidos na Tailândia - isto porque, segundo creio, a situação recíproca não se verifica neste momento - é que seriam abrangidos? Por outras palavras, qual é o universo dos beneficiários no presente momento?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Deputado José Magalhães, as indicações de que disponho datam de 1983, exactamente quando se iniciaram as diligências para a conclusão deste tratado.
Não há um número concreto que possa revelar à Câmara com a necessária fiabilidade, havendo apenas a menção que fiz de um conjunto de cidadãos portugueses que se encontram nesta situação.
Tenho aqui a indicação da Direcção dos Serviços Jurídicos e de Tratados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que refere exactamente, reportado a esta data, um número que, a meu ver, terá sido e certamente continuará a ser significativo, porque senão não teria sido despoletado todo este processo, que desencadeou, designadamente, a deslocação de uma representação portuguesa ao Reino da Tailândia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Licinio Moreira.

O Sr. Licinio Moreira (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Da nota explicativa anexa ao texto, em português, do acordo entre Portugal e a Tailândia sobre transferência de presos condenados a penas de prisão, respigámos duas afirmações que, só por si, justificariam, desde logo, a nossa aprovação.
Por um lado, foram razões de carácter humanitário, sobretudo pela enorme diferença de sistemas prisionais vigentes em cada um dos dois países que conduziram a tal acordo, como ainda, e por outro lado, a afirmação e aplicação dos princípios da igualdade e da solidariedade dos portugueses dentro e fora do território nacional, de harmonia com o que prescrevem os artigos 14.º e 44.º da Constituição da República Portuguesa.

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Passemos, agora, a analisar o conteúdo- do tratado: no que diz respeito aos portugueses, sentenciados criminalmente pela justiça tailandesa, poderão eles, após a entrada em vigor deste tratado internacional, passar a cumprir as penas privativas de liberdade, quaisquer que sejam- as formas da sua execução, em Portugal, permitindo-lhes, com mais facilidade, a sua reinserção social: Ponto, é que reúnam os requisitos indicados no artigo 2.º do Tratado, a saber:
O facto que originou a condenação no Reino da Tailândia também seja punível criminalmente no nosso país, embora, claro, haja diferenciação da definição desse tipo legal de crime em cada um dos países.
O delinquente a transferir seja de nacionalidade portuguesa;
A sentença condenatória já deve ter transitado em julgado;
O delinquente a transferir tem de ter já cumprido, à data da transferência, o período mínimo da pena decretado, por um tribunal do Reino da Tailândia;
O crime cometido não ser contra a segurança interna ou externa do Reino da Tailândia, contra o chefe do Estado ou seu familiar ou ainda contra, o património artístico desse mesmo país, legalmente protegido;
E, finalmente, à data do pedido de transferência, deve estar ainda por cumprir, pelo menos, um ano de pena aplicada ao delinquente.

Quanto aos trâmites a observar no processo de transferência e constantes do artigo 3.º, também ele nos pareceu, do nosso ponto de vista, o mínimo, exigível para cada caso.
Finalmente, a reserva de .jurisdição para o Estado transferente, prescrita no artigo 4.º, a execução da sentença condenatória do delinquente a transferir a ser feita pelo Estado receptor, nos termos do artigo 5.º, e ainda, o trânsito de delinquentes, de harmonia com o artigo 6.º, não nos mereceram qualquer objecção.
Por tudo, isto aprovamos a presente resolução.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, para uma intervenção, o Sr. Deputado, José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Grupo Parlamentar do PCP aceitou o agendamento imediato da presente proposta de resolução, ainda que o Governo tivesse solicitado uma prioridade que acabou por ser desnecessária.
Esta iniciativa é inquestionavelmente útil, tem razões de existir, e se alguma coisa se deverá lamentar no presente momento é que só agora a Assembleia da República possa aprovar para ratificação a resolução em apreço.
Com efeito, como já aqui foi referido, esta resolução é apenas a renovação de uma anteriormente apresentada pelo IX Governo Constitucional, publicada no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.º 176, em 28 de Junho de 1985. Esta Convenção foi negociada e assinada em 1 de Abril, foi presente à Assembleia da República mais ou menos em Junho e, entretanto, como é sabido,, caducou por força da dissolução da Assembleia da República.)
Foi pois com estranheza que reparámos, no início da nova legislatura, que não se assistia a renovação da proposta de resolução. Mais estranho ainda considerámos quando, em 8 de Janeiro de 1986, o Sr. Director-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros e o responsável dos Serviços Jurídicos e de Tratados se dirigissem à Assembleia da República questionando-nos sobre quando é que considerávamos provável que se desse a ratificação da Assembleia, para que o Governo pudesse dar cumprimento ao artigo 8.º deste Tratado de Cooperação.
Nessa altura, a conferência de presidentes esclareceu o Governo de que o Serviço Jurídico e de Tratados do Ministério dos Negócios Estrangeiros tinha alertado a Assembleia para este facto anómalo e que o Governo se tinha esquecido de renovar a proposta de resolução.
Na sequência disso, o mesmo serviço do Ministério dos Negócios Estrangeiros oficiou de novo a Assembleia da República e a Comissão de Negócios Estrangeiros teve ocasião de, a pedido do Sr. Presidente da Assembleia da República, procurar clarificar se a Assembleia poderia aprovar ou não uma resolução não renovada. Esta questão foi submetida à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que, em parecer emitido em 5 de Fevereiro de 1986, oficiou, naturalmente, que a Assembleia não poderia fazê-lo. Sem renovação haveria caducidade e mal se compreenderia que o Governo visse renovada, automaticamente, uma iniciativa que diz respeito à sua própria política e em que poderia justificar-se uma renegociação.
O Governo não renegociou esta iniciativa e ela aparece-nos, hoje, com a celeridade que é a possível, mas que, infelizmente, não é a mais desejável.
Quanto ao fundo da questão, subscrevemos algumas das observações feitas sobre o conteúdo desta proposta de resolução, mas não todas. Creio que, como o Sr. Ministro da Justiça sublinhou, há uma longa distância entre este instrumento e os instrumentos mais aperfeiçoados em que o Estado português está empenhado.
O texto é muito limitado, designadamente o artigo 2.º, quanto ao âmbito de aplicação, pois as cláusulas que estão previstas no n.º 3 permitem muitas restrições e as cláusulas previstas no n.º 7 permitem ao Estado transferente recusar, com grande facilidade, a transferência dos indivíduos, invocando motivos abstractos, muito subjectivos e inoponíveis.
Por sua vez, o n.º 4 do artigo 3.º oferece, em nossa opinião, uma margem excessiva de manobra, sendo outras posições, como as relacionadas com o trânsito dos detidos, bastante limitativas e, portanto, não favoráveis ao Estado português caso os nossos cidadãos queiram beneficiar deste mecanismo.
Embora isto seja assim, estamos de acordo de que agora, em Abril de 1986, seja tarde para proceder a uma renegociação, que, porventura, poderia ter tido lugar em Dezembro, Janeiro, Fevereiro ou Março, mas que, certamente, não pode ter lugar neste momento.
Por estas razões, por razões de brevidade e em prol dos presos, em número indeterminado, que podem ser beneficiados por esta medida, o Grupo Parlamentar do PCP dará o seu voto favorável a esta iniciativa.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.

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O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado: Quero apenas dar conta de que se tivéssemos qualquer hesitação sobre o sentido de voto do Grupo Parlamentar do CDS relativamente a este pedido de resolução, a exposição que o Sr. Ministro da Justiça fez ter-nos-ia feito decidir de forma absoluta e cabal.
Fomos particularmente sensíveis ao conceito de pátria que aqui nos trouxe e à fundamentação sobre esse mesmo conceito para justificar este tipo de resolução que nos é pedido.
Entendemos que o Governo andou bem em curar dos nacionais que se encontram presos em condições desumanas e pena foi que esta resolução não pudesse ter sido tomada há mais tempo.
Entendemos, também, que o texto do acordo tem algumas deficiências. Desde logo, o n.º 6 do artigo 2.º parece-nos poder inviabilizar a eficácia do acordo, se o Estado transferente assim o quiser. Mas, como bem disse o Sr. Ministro, não será caso de estarmos a criar aqui dificuldades à rápida aprovação do pedido de resolução, o que podia tirar toda a eficácia ao acordo e, portanto, quero apenas dar conta de que, realmente, aprovaremos este tratado feito entre Portugal e o Reino da Tailândia.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raúl Castro.

O Sr. Raúl Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: O Grupo Parlamentar do MDP/CDE, como, aliás, vem acontecendo com os demais grupos parlamentares, dará a sua aprovação a esta proposta de resolução apresentada pelo Governo em face dos objectivos que ela se propõe atingir.
Realmente, o que está em causa é procurar, de forma mínima, que aqueles que sofreram condenação na Tailândia possam ser transferidos para o nosso país e cumprir as condenações segundo a lei portuguesa.
Trata-se, portanto, de medidas cujo conteúdo, no mínimo, sem curar de algumas deficiências agora assinaladas, podem ir, e vão certamente, ao encontro do interesse de um número de portugueses, embora ele seja indeterminado, que foram condenados a penas na Tailândia, com um regime penal diverso e, com certeza, mais gravoso do que o nosso.
Por essas razões, o MDP/CDE votará favoravelmente a proposta de resolução.

O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado o debate sobre esta proposta de resolução.
Assim sendo, vamos passar à respectiva votação na generalidade.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão, na especialidade, a proposta em apreço.

Pausa.

Uma vez que não há inscrições, vamos proceder à votação na especialidade do artigo único da proposta de resolução.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

É o seguinte:

ARTIGO ÚNICO

É aprovado para ratificação o Tratado de Cooperação na Execução de Sentenças Penais, entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino da Tailândia, assinado em Lisboa em l de Abril de 1985, cujos textos em português, tailandês e inglês seguem em anexo, fazendo fé qualquer dos textos e prevalecendo o último em caso de divergência.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à votação final global da proposta de resolução.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão o projecto de lei n.º 173/IV, relativo à amnistia de várias infracções e que concede perdão a penas de prisão por ocasião do início do mandato do actual Presidente da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma amnistia é sempre uma medida conjuntural. Das mais conjunturais quando confrontada com a moldura em que se insere, a da justiça em Portugal. Justifica-se esta nos precisos termos em que vem fundamentada na exposição de motivos. Instrumento limitadíssimo, de discutível eficácia, não visa responder às ingentes necessidades que se colocam aos órgãos de soberania para, fora das actuações pontuais, enfrentar a crise.
Os tribunais, atulhados de processos, deficientemente infra-estruturados, recheados de carências, são um dos males visíveis: retardam, de modo descomedido, as decisões, nomeadamente onde se imporia que elas fossem céleres - nos domínios laboral, penal e administrativo; labirintizam a lide, não raro contaminada por práticas de chicana impune; distanciam-se da vida concreta, dos seus ritmos e aspirações, pela morosidade, pela carestia, pelo crescente desprestígio a que vêm sendo sujeitos pela falta de opções governativas adequadas.
Para quê lembrar que há quem aguarde, há anos e anos, sentenças que, porque não são tempestivamente lavradas, agravam litígios, branqueiam a delitualidade, dessoram a confiança de quem acciona ou replica? Sucedem-se os casos em que a justiça, tão tardia e desasada, se formaliza já quando feneceram as razões do pleito ou morreram as partes, designadamente aquelas que não poderão jamais ser reparadas. E seria um não acabar de relatos proceder agora ao recenseamento dos erros, das precariedades, das insuficiências.
Uma amnistia varrerá, decerto, umas centenas ou escassos milhares de processos menores nas mesas dos magistrados. Mas não impedirá a multiplicação patológica de novos processos quejandos nem curará as graves úlceras estruturais, na legislação adjectiva ou substantiva, que são a matriz central dos bloqueamentos.
Entretanto, as cadeias rebentam pelas costuras, são o lugar doloroso de uma humanidade em geral maltratada, o espaço onde se detectam atropelos à legalidade e aviltamentos da condição dos detidos, onde estes se amontoam sem os mínimos de salubridade e privacidade, onde as acções ressocializatórias quase inexis-

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tem e uma baixa capitação está na origem de teores de alimentação aquém do desejável. O corpo de guardas prisionais reivindica a correcção de discriminações, urgem programas ousados de formação dos agentes, não é aceitável delongar a reformulação do quadro preocupante que se conhece.
Sabemos que a amnistia libertará, de acordo com certos critérios, uns quantos reduzidos contingentes dê presos. Não erradicará, todavia, os índices inquietantes de delinquência (o que só por via das transformações políticas fraternizadoras se constrói) nem, no menos mediato, os germes da situação penitenciaria com que nos defrontamos.
A ausência de iniciativas governamentais prossegue, face à realidade que exige mudanças, a sua insensibilidade sobranceira, quebrada, de longe em longe, pela apresentação aos deputados de aleijões intoleráveis. Dos novos códigos propalados, cuja urgente conclusão todos almejam, apenas chegou à Câmara, sob a forma de pedido de autorização legislativa, o de Processo Penal. Pretende-se, assim, subtrair à análise e consequente legiferação plena da Assembleia um texto normativo compósito, no qual, à última hora - tanto quanto se presume - se enxertaram comandos inconstitucionais, vários deles repescados da tortuosa Lei de Segurança Interna, que, por seu turno, espera nos bastidores a entrada em cena, inçada de soluções atentatórias, da nossa Lei Fundamental.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Trata-se de um procedimento exemplarmente indigno, que merecerá, da nossa bancada, a pertinente reacção. Contrabandear preceitos gravosos para os direitos elementares dos portugueses num tecido que se proclama inovador - o Código de Processo Penal - e fazê-los passar sem que o Parlamento exerça as suas competências em sede de um debate material de cada disposição é, na verdade, continuar a preferir a guerrilha institucional à interdependência dos órgãos do poder.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Correctamente, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias excluiu a hipótese de viabilizar agora qualquer amnistia técnica como a pretendida pelo Governo para acompanhar a entrada em vigor do projectado, Código de Processo Penal.
Aquilo que dela se soube explica cabalmente esta posição da reserva que o PCP por inteiro assumiu.
Não há confusão possível entre essa vasta amnistia e a que agora sobe a Plenário, com características relativamente moderadas, alheias a qualquer maximalismo insufragável.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Abrangem-se, por exemplo, os ilícitos estradais, as falsas declarações, a passagem de cheques sem cobertura, a especulação, o açambarcamento e outros delitos contra a economia, o furto, dentro de baias morigeradoras, os crimes por negligência, desde que deles não haja provindo a morte, as contravenções e contra-ordenações, por negligência cujo limite superior não exceda 120 contos, violações às leis fiscais, num enquadramento cauteloso, e, entre outra matéria e pela primeira vez, as infracções disciplinares puníveis pelo Estatuto Disciplinar dos Funcionários Públicos quando não cominadas com pena maior do que a suspensão. Não são amnistiados os crimes de ofensas corporais, homicídio involuntário e difamação. Modela-se o perdão de penas com equilíbrio, o que não deixará de sublinhar-se nas circunstâncias em que o acordo dos diferentes partidos se esteirou.
O projecto de lei em apreço é, acentue-se, passível de beneficiações! Haverá que aprofundar a reflexão sobre o tratamento a dar a situações de reincidência, ponderar a inclusão ou não, no âmbito da amnistia, de outros pequenos crimes e eliminar redundâncias nos enunciados prescritivos ou corrigi-los, enriquecer formalmente, aqui ou além, os conteúdos que mereceram consenso.
Com este espírito,, subscrevemos o articulado proposto e votá-lo-emos favoravelmente. Conjuntural, como se disse, e inepta para dar resolução aos delicados «problemas da justiça no nosso país, nem por isso a amnistia irreleva valores de tolerância, humanismo, estímulo à prevalência de regras sociais de conduta que o viver social ensejou. Vale por isso também. Com a nossa anuência responsável e vigilante.

Aplausos do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - O Sr. Coordenador da subcomissão de freguesias, vilas, cidades e municípios convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida subcomissão para uma reunião que se realizará no próximo dia 16 de Abril, às 15 horas e 30 minutos, na sala 250-K.
O Sr. Presidente da Comissão de Defesa Nacional convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida comissão para uma visita ao Estado-Maior-General das Forças Armadas que terá lugar no dia 11 do corrente mês, às 10 horas, com saída de S. Bento às 9 horas e 40 minutos, e ao Estado-Maior do Exército, no dia 15 de Abril, à mesma hora.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Agostinho de Sousa.

O Sr. Agostinho de Sousa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD reafirma a sua inteira concordância com as linhas mestras da orientação do projecto de lei, subscrevendo, sem reservas, os motivos que o determinam e os objectivos que se propõe alcançar e que se consagram no relatório preambular. Isto, sem prejuízo de correcções ou aditamentos ao texto apresentado, a propor oportunamente em sede de especialidade.
A presente amnistia apoia-a como um acto comemorativo, simbólico e excepcional de agraciamento público, cuja confecção se condicionou e subordinou a princípios superiores de segurança jurídica e social da comunidade.
Salvaguardou-se, por esta forma, a dignidade e o valor de um «gesto», que, determinado por uma finalidade cívica, social e política de assinalável crédito, poderia vir a transformar-se em mais um pretexto para ataques adicionais e descabidos às instituições democráticas e, muito em particular, a Assembleia da República.
Como se pondera no preâmbulo do projecto, não se trata de suscitar agora a vasta «amnistia técnica», preconizada no quadro da reforma do Código de Processo

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Penal, que só poderia eventualmente decorrer de uma profunda análise da natureza e alcance da mesma reforma.
Não se quis, não se podia - nem se deveria, nas precisas circunstâncias do arranque da iniciativa - prover, directa, principal ou especificamente, aos problemas e aos objectivos de uma «amnistia técnica».
Reconhece-se indiscutivelmente a necessidade de preparar as condições funcionais à aplicação desbloqueada do novo Código de Processo Penal; comunga-se da preocupação de acorrer aos problemas dramáticos do excesso de população prisional; alinha-se com os que propõem um combate de emergência ao congestionamento do serviço dos tribunais, designadamente do penal.
Como é óbvio, o contributo acessório ou adicional para a menorização da crise e atenuação dos rigores nessas áreas e as vantagens que decorrem por simples arrastamento não deixaram de influir no avanço da iniciativa, mas em limites restritos. Todas as achegas que ajudem à correcção dessas distorções merecerão o nosso acolhimento.
Não estava no ânimo dos promotores e subscritores da iniciativa, porém, outro tipo de amnistia que não o projectado, nem tão-pouco dispunham de elementos considerados unanimemente indispensáveis para proceder ao alargamento do seu âmbito, criteriosa e responsavelmente.
Dir-se-á, em síntese, que se desconhecia o teor e alcance da reforma do Código de Processo Penal e, em consequência, a natureza rigorosa dos bloqueios à sua aplicação, situação prejudicial para uma avaliação correcta das medidas a adoptar.
Não se dispunha de um levantamento preciso e prévio do número e tipo de processos pendentes e em atraso, da fase em que se encontram, das razões da acumulação por áreas, da fase do cumprimento das penas dos detidos, dos crimes geradores das sanções, o que impedia saber-se, com exactidão ou aproximadamente, a projecção real das medidas exigidas para um correcto «saneamento» da situação. Por outro lado, a pressão das circunstâncias não viabilizaria a recolha ampla, esclarecida e atempada desses elementos.
Não subscrevemos, portanto, coerentemente, a generosidade das sugestões do Governo, que, a consumarem-se, dariam à amnistia uma extensão que exorbitaria dos limites pensados e que ocorreria a «expensas exclusivas» da Assembleia da República, sem a merecida consciência crítica, por escassez de dados.
Mas o Governo dispõe, entretanto, de dados bastantes para a consideração da oportunidade e justificação de uma iniciativa mais ampla.
Adoptou-se, por isso mesmo, uma atitude de comedimento realista e de prudência, na conformidade das causas e fins da iniciativa, rejeitando a hipótese de um excesso eventual da sua dimensão em termos de gravidade dos crimes.
Com crescente preocupação e um doloroso sentimento de angústia, assiste-se, é certo, à agudização da crise da justiça.
Permitam-me, Sr. Presidente, Srs. Deputados, que aproveite o ensejo para fazer um «parêntesis-alerta». Ninguém consegue permanecer indiferente ao que ocorre. A justiça atrasa-se e, em consequência, denega-se; os processos acumulam-se e, em consequência, a qualidade do tratamento das soluções degrada-se; o crime multiplica-se e as prisões estão a abarrotar, pelo que não virá longe o dia em que os condenados aguardarão em liberdade a vez para cumprirem as penas (o que, segundo informações que foram feitas na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, já não é caso inédito no mundo).

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não podemos permanecer insensíveis aos dramas prisionais crescentes. Como alguém disse, as cadeias transformaram-se em espaços de violentação de direitos humanos elementares, onde os «lobos já uivam» e gente cumpre penas a «dobrar» em termos de carências e de sofrimento.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Muito bem!

O Orador: - Não será descabido republicar alguns dados para uma reflexão reiterada e atenta.
Em 1985 os serviços de justiça conseguiram terminar apenas 37,37% do total dos processos penais em fase de julgamento que, entrados de novo ou já pendentes, lhes foram distribuídos; em menos de três anos a população prisional aumentou em mais de 80%, abeirando-se agora dos 10 000 reclusos, dos quais mais de um terço são preventivos; a capacidade global de alojamento do nosso sistema prisional oscila apenas entre os 5 000 e 6 000 lugares, o que significa que a população de detidos excede no dobro aquela capacidade. Cada um que imagine as consequências.
De 1974 a 1985 a percentagem de presos aumentou 400% e o número de detidos cresce mensalmente, salvo erro, a um ritmo de 120.
Entretanto, nos últimos 10 anos creio que não se construiu qualquer novo estabelecimento prisional, mas está em perspectiva a construção de três, cujas demoras serão necessariamente prolongadas.
O Instituto de Reinserção Social não funciona. Os males acumulam-se. O esforço para nos situarmos na «actualidade», Sr. Presidente, Srs. Deputados, passa, necessariamente, por vias estruturais. Não serão a descriminalização legislativa, os agraciamentos comemorativos, as eleições periódicas o caminho para o êxito.
Fechado este parêntesis alarmante, retomo as questões centrais do projecto. Há um aspecto que pode naturalmente suscitar dúvidas. Refiro-me à relativa particularização de certas partes da amnistia, de certo modo não compatíveis com a natureza genérica e as finalidades que presidem à sua outorga.
Houve, todavia, a preocupação, quiçá não perfeitamente conseguida, de obediência a uma aplicação igualitária e equitativa, até onde possível, e aconselhável da lei.
Este objectivo de equidade encontra também resistências assinaláveis, de ordem técnica, noutras áreas que mereciam tratamento mais ajustado - e a que se pretenderá obviar na especialidade na medida do possível.
Seremos, finalmente, os derradeiros comentários a um aspecto que consideramos importante nesta questão das amnistias. Refiro-me à repercussão pública do projecto.
A decretação de uma amnistia reveste-se habitualmente de grande delicadeza.
Não vale a pena escamotearmos os obstáculos reais e ampararmo-nos em vírgulas, parágrafos, metáforas.

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Façamos coincidir os actos com a realidade, pois o que descende em linha recta ou que o descende da confusão, da ambiguidade, da incoerência ou do desvio não colherá êxito.
Os principais obstáculos com que nos defrontamos resultam da tarefa de se aproximar, sem violentações, as medidas de agraciamento daquilo que se presume seja a receptividade da vontade e da sensibilidade populares ao acontecimento.
Só através de um acto de inteligência e de uma actuação de cautela lá chegaremos.
E foi isso que se intentou alcançar - conseguir o almejado compromisso e equilíbrio entre a medida da amnistia e as exigências de segurança social e jurídica.
Para que se não permita especular que o bastião da democracia, que é a Assembleia da República, age como um seu mau guardião e lhe oferece desencantos ou decisões menos felizes, contribuindo, ainda que sem o desejar, para a indiferença, primeiro, e depois para a fadiga e a reprovação nacionais.
Seria mais fácil, porventura, a abstenção perante os riscos, a recusa de uma solidariedade que o momento aconselha, apesar dos seus «espinhos».
Seria mais cómoda uma renúncia exactamente com o argumento de que esta solução tem problemas e é limitada.
Assumimos, todavia, em representação do nosso partido, e porque nos toca, tal como aos restantes subscritores, a responsabilidade dos riscos.
Confiamos na bondade da opção e do seu eco favorável na consciência pública do País, predisposta também, e tradicionalmente, à tolerância, embora com reservas.
Sabemos que o assunto não é pacífico.
E, assim emparedados entre um. sentimento público, à partida pouco receptivo, é à força de outras razões sociais, políticas, cívicas e éticas, fez-se a opção que não deixará de provocar críticas de uns tantos, mas que, pensamos, será acolhida com compreensão pela esmagadora maioria.
Não se trata de uma benção oficial a quem delinquiu, mas de um acto excepcional de clemência, protegido pelo seu carácter selectivo e restricto e pelas preocupações - garantidas - de não secundarizar regras dominantes de segurança e justiça social, reacentua-se.
Não temos a veleidade de decretar, com este gesto, a morte cívica, social ou histórica das nossas responsabilidades pessoais e colectivas perante a crise, só porque patrocinamos um acto de clemência, simples encontrão num desvio de fundo.
Não é uma alternativa, mas é um esforço meritório.
Não empunhamos uma pilha para encandearmos o sol, mas para rasgarmos um brevíssimo raio de luz.
Se afogarmos a nossa análise numa frieza clínica, talvez as sombras obscureçam as virtudes.
De qualquer modo, temos a convicção de estarmos a ser, neste momento, os pequenos produtores de um acto generoso, embora politicamente sensível.
Não é solução - mas é tempo de ajudar às soluções e de alertar com esses pretextos para a crise. A amnistia tem também essa vantagem.
Estamos convencidos, reacentuo, que nos assiste a razão ao apoiarmos a iniciativa do projecto.
Nunca seremos um grupo de arrependidos, e esperamos que o projecto forje novas solidariedades e ajude à formação de um sentimento público maioritário de apoio.
Nesse sentido, nos empenhamos e nos empenharemos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sabemos que também a vitória é um «calafrio», citando Neruda.
Creio que a amnistia constitui uma afirmação de generosidade da democracia, que não impede, todavia, o pequeno «calafrio», que é o outro lado do seu rosto - o descontentamento justificado que gera em alguns e os pretextos que fornece a outras para ataques às instituições, com indisfarçada reserva ou ostensiva má intenção.
Acreditamos, todavia,- que a clemência controlada pelos princípios que suportam o projecto é um acto democrático positivo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cremos que as variantes das intervenções serão, com certeza, reduzidas porque no que, essencialmente, as moveu e instigou se estabeleceu um amplo consenso crítico.
Não irá destoar, por isso, a gramática das justificações, sem que tal envolva, sublinha-se, uniformidade ou unanimidade de pontos de vista sobre a formulação do texto final.
Um acto desta natureza, controverso e questionável, importante e polémico, não mereceria o castigo de uma neutralidade total, de acordo passivo ou de uma decisão definitiva sem dúvida - o que significa que há algumas divergências a dirimir na especialidade.
Pensamos também que é preciso encontrar a ideia justa nos momentos de crise e de injustiça social, a palavra, o gesto de amparo e acto eficaz, ainda que isolado.
Se a liberalização da clemência pode atingir o prestígio das instituições, o perigo de divinização dos direitos da comunidade sadia, da Ordem como fim e da «guetização» do delinquente não é menos preocupante.
Sobretudo,, quando as condições estruturais económicas e sociais favorecem a criminalidade, a política de justiça soçobra, o debate de ideias programáticas sobre o crime e o regime prisional e de estratégia ao seu combate e solução, os objectivos de reinserção social, a nível organizado de Estado, padecem das maiores deficiências.
A verdade é que, parafraseando um provérbio judeu, nós preocupamo-nos com os delinquentes e os detidos, mas damos sobretudo aos que não prevaricam e gozam de liberdade.
«O crime que se instala por todo o lado, fruto das condições difíceis em que vivemos, também necessita que a nossa condição humana e a nossa fé participem na partilha das dificuldades» - cito D. Manuel Martins, bispo de Setúbal. Ou, como escreve Mareei Pagnol, «uma boa consciência provém muitas vezes de uma má memória».
E termino com um voto: que se force o empenho que a verdadeira questão de fundo nos exige, para recuperarmos, ao menos, parte da inocência perdida neste combate e da responsabilidade que nos cabe.
Que se abra um novo ciclo de combate à rotura na justiça.

Aplausos gerais.

O Sr. Presidente: - Para intervir, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.

O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Penso que o sublinhar erudito desta perspectiva de uma lei de

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amnistia se justifica plenamente, visto que o pressuposto, a efeméride que se intenta assinalar tem dignidade para tanto e as medidas em si têm repercussão social que acompanha essa perspectiva.
Farei, todavia, de momento e a este propósito, uma intervenção seca e sintética.
Julgo que, em Portugal, os serviços de justiça são o sector da vida comunitária que mais se agravou, no mau sentido, depois do 25 de Abril e entendo mesmo que o caos, os atrasos, a desorganização, a falta de hierarquia, as queixas dos utentes da justiça são um factor de preocupação, porque põe em causa a República e a democracia.
Não penso, contudo, que seja oportuno - em melhor momento intentarei fazê-lo - analisar as causas, fazer o diagnóstico da situação e poupar a necessária terapêutica.
De todo o modo antecipo que a principal razão da situação de saturação dos tribunais e, na parte criminal, das cadeias tem a ver com o aumento do acesso ao direito subsequente ao 25 de Abril. Com efeito, a partir daí as pessoas ganharam a noção de que têm direito a reclamar no mundo judiciário os seus direitos. As crises económicas têm contribuído para o avolumar do processado, particularmente na parte criminal, e a reestruturação das magistraturas, a falta de pessoal nos serviços - nas secretarias, no Ministério Público e na judicatura -, a falta de instalações condignas que permitam uma maior eficácia do trabalho, são tudo causas que vêm contribuindo para este estado de coisas. Mas outras há, como um certo relaxamento, uma certa perda do brio profissional nas várias classes que intervêm no mundo judiciário (funcionários, magistrados, advogados), uma notória perda da hierarquia, da disciplina, da exigência aos serviços, um certo - e isto também tem a ver com o brio profissional - desinteresse por parte das secretarias pelas velhas regras relativas ao cumprimento de prazos e, ainda, porque não quero deixar de inculpar também a classe a que pertenço, uma perda de velhas regras da advocacia clássica, cuja população aumentou muitíssimo.
Mas a crise de justiça tem sobretudo a ver com uma distorção da perspectiva sobre a vida da comunidade. Depois do 25 de Abril, tem havido uma primazia excessiva do político e, mais recentemente, do económico sobre o social.
Não receio um desmentido desta afirmação. A vida dos tribunais, a vida da justiça tem sido manifestamente descurada e, nomeadamente, os Ministros da Justiça têm, muitas vezes, sido mais ministros do Estado, mais ministros políticos, mais assessores jurídicos dos Conselhos de Ministros do que ministros da própria parte. Faço esta afirmação à-vontade, porque tem havido Ministros da Justiça de todos os sectores políticos e sem timidez perante o actual Ministro da Justiça, porque penso que ele não merece esta observação.
Essa distorção das funções dos Ministros da Justiça a favor do político tem contribuído significativamente para este estado de coisas. Eles têm-se esquecido de deitar mãos, de procurar soluções para a degradação progressiva, notória, escandalosa, em termos de rotura eminente, pondo em perigo os valores da democracia, em que descambou o mundo da justiça.
Mas, como disse, este não é o momento próprio para uma análise aprofundada de toda essa temática.
Talvez o momento da discussão da proposta de lei relativa ao Código do Processo Penal, que já foi apresentada, seja o mais avisado para se fazer uma análise global da situação, até porque pode ser um momento importante e decisivo da vida dos tribunais na parte criminal. De resto, a propósito dessa proposta de lei já hoje aqui foi feito, pelo Sr. Deputado José Manuel Mendes, um aperitivo de crítica, mas ela irá ser necessariamente discutida com a colaboração que o Sr. Ministro da Justiça tem mostrado para com o Parlamento, não só pessoal mas também por parte dos seus serviços, a qual agradecemos.
De todo o modo, do que se trata agora é, tão-só e singelamente, de uma amnistia de congratulação pela efeméride política que a justifica. É a primeira amnistia depois do novo Código Penal, o que põe problemas técnicos e é, não só por isso, uma amnistia diferente e melhor do que as amnistias tradicionais. Uma amnistia deste teor, deste cunho congratulatório e não uma amnistia técnica é, pois, adequada à finalidade em si. Isto porque parece que quando se decreta uma amnistia e perdão de penas congratulatória, só deve haver quem fique satisfeito com as medidas decretadas e não quem fique descontente. E quem poderá ficar descontente, quem ficava descontente nas anteriores amnistias?
É preciso no fenómeno original perspectivar a posição do criminoso - é uma realidade em todas as sociedades - é preciso perspectivar a posição dos ofendidos directos, dos lesados individuais e é preciso não perder de vista os interesses de segurança da própria comunidade. As anteriores amnistias, acautelando embora a preocupação da segurança comunitária pela sua selectividade e pela sua dimensão, tinham um senão - que nesta amnistia, por enquanto, se não verifica, sem prejuízo das alterações que venha a sofrer na especialidade - de esquecer o verso do fenómeno criminal.
Esqueciam escandalosamente que a cada criminoso corresponde, muitas vezes, um lesado, um ofendido. E era chocante e surpreendente como, por exemplo, nos crimes particulares se amnistiava a infracção e o Estado nem sequer devolvia ao ofendido o imposto de justiça que este tinha desembolsado. Isso foi corrigido. De todo o modo, numa amnistia congratulatória, na minha opinião, importa que ao benefício ao delinquente, ao acto de graça a favor de um delinquente, não se contraponha um agravo aos ofendidos individuais, isto é, que não se tornem os ofendidos, pelo acto da própria amnistia, novamente ofendidos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!

O Orador: - É uma nova perspectiva, que justifica que nesta fase os crimes particulares propriamente ditos, as ofensas corporais voluntárias simples (que punham aliás problemas de ordem técnica de fronteira), as injúrias e difamação, as ameaças, arremessos e a introdução em casa alheia, não estejam, pelo menos de momento, contemplados. Porque o Estado pode dispor daquilo que é seu, sobretudo, daquilo que é só seu, do direito de punir, do direito de estabelecer o mínimo ético para a sociedade e de abrir intervalos e levantar as sanções.
Mas o Estado não pode dispor, para além de certa medida, dos interesses pessoais, do direito que os cidadãos têm à sua integridade física, à honra e considera-

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cão. O Estado pode livremente, perspectivando apenas a comunidade, amnistiar crimes públicos, pode perdoar penas, na medida que entender. Mas o Estado que obriga um particular em certos crimes a apresentar queixa, a constituir-se assistente, a pagar imposto, a deduzir acusação e acompanhar o processo até final, por se tratar de crimes particulares, alijando um pouco do seu sentido punitivo, não pode de repente esquecer-se que nesse tipo de crimes, há ofendidos directos que importa tutelar. E amnistiando esses crimes sem mais, estará a punir injustamente, agravando ou ofendendo os lesados.
Daí que não figurem nesse diploma alguns dos crimes tradicionais das anteriores amnistias e, também, que a concessão dos benefícios seja, em muitos casos, posta na dependência da reparação da indemnização aos lesados.
Põe-se aqui um problema gravoso, que é, este: durante muito tempo entendeu-se como fatalismo, os ofendidos ficarem com as suas lesões, com os seus prejuízos, desde que o criminoso os não pudesse reparar. Quem tinha o azar de ser agredido ou danificado por quem não pudesse indemnizá-lo ficava estropiado, ficava sem a sua fortuna. A nova filosofia por esse mundo fora, já com alguns afloramentos em Portugal, é noutro sentido: independentemente do ressarcimento a que os actos tenham direito em primeira linha dos delinquentes que os ofenderam, ao Estado assiste uma, obrigação de ressarcimento. Isto, que tem apoio legal no artigo 29.º do novo Código Penal, não tem todavia implementação.
O único afloramento de que me recordo neste sentido foi o da instituição do Fundo de Garantia Automóvel, que permite que quem for lesado num acidente de viação, mesmo que não saiba quem o ofendeu, ou o infractor não tenha capacidade económica para o indemnizar, seja ressarcido pelo próprio Estado. O problema em questão deriva da expressão usada «Fundo», ou seja, é um problema económico, é um problema de fundos, das dificuldades e deficiências da nossa economia.
É evidente que conceder a amnistia sob condição de o infractor ressarcir o lesado introduz nesta matéria um aspecto económico que pode causar distorções e iniquidades, isto é, quem não pode reparar o ofendido não beneficia da amnistia, mas quem for mais rico já beneficia.
Esta situação corresponde à chamada crítica monetarista ao sistema penal. Comungo dessa crítica; todavia, o novo Código Penal não fugiu a essa perspectiva do doseamento da pena concreta, efectiva, afinal, na dependência das possibilidades económicas do infractor, do deliquente. Mas este é um problema político de âmbito mais geral, que não cabe agora aqui abordar.
Para terminar, direi somente que se introduzem no texto da amnistia algumas inovações de cunho processual, que talvez careçam de melhoramento. Elas não são propriamente pertinentes a uma lei de amnistia, mas, a pretexto desta lei, afiguram-se-me instrumentais. Veremos como serão aceites pelo aparelho judiciário e que resultados darão.
Não poderei ainda deixar de referir como é agradável e interessante que os partidos políticos se possam, à partida, e seguramente à chegada, encontrar numa plataforma comum e unânime. Independentemente das perspectivas políticas divergentes que eles tenham sobre a vida social, há amplos terrenos de consenso em que nos podemos encontrar para dimanar leis que interessem à comunidade, a todos nós e àqueles que nos elegeram para os representar.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - O Sr. Presidente Coordenador da Subcomissão para a Análise do Orçamento da Assembleia da República para 1986 convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida Subcomissão para uma reunião que se realiza na sala n.º 250-A, no próximo dia 15 de Abril, pelas 15 horas e 30 minutos.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.

O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado:
O uso da clemência atravessou a fase histórica do arbítrio; a graça era; concedida, embora com alguma simbologia pretextual, a quem não estivesse em desgraça. Com o correr dos tempos o arbítrio foi-se convocando para um critério.
Mas, mesmo enquanto determinada por um critério, a selecção das situações que a amnistia ou o perdão genérico abrangerão sempre será um acto de poder - embora - obviamente, com justas razões e objectivos claros.
Ora, dá-se a circunstância de esse poder se situar, e justificadamente, na Assembleia da República; existe um projecto de lei com o elenco de crimes a amnistiar e de penas a perdoar e será a decisão parlamentar a institucionalmente operante para lhe dar forma e vida.
Porque assim é, a minha presença nem será hoje de grande interveniência.
Nunca, aliás, a intentei.
Mesmo no espaço da 1.ª Comissão a cooperação que se desenhou foi meramente informal; mais não esbocei do que dar conta do que um dia poderá vir a ser uma amnistia técnica; tratou-se de um elemento de trabalho, de um feixe de sugestões, de um hipotizar de perspectivas.
Tudo se passou com a abertura e o excelente relacionamento que sempre mantenho com a 1.ª Comissão, e que a 1.ª Comissão em reciprocidade me dispensa; não será por 'acaso que se tem dito que o direito é um privilegiado esquema de diálogo, e que o diálogo jurídico faz aproximar as pessoas mesmo quando os pressupostos políticos essenciais ou de convenção as poderiam separar.
O certo é que, tudo isto bem sabido, de chofre se abateu sobre o Ministério da Justiça a ideia, mal contada, de uma desculpabilizante (e, portanto, culpabilizadora) permissividade. Creio que tudo acabou por se esclarecer, mesmo a nível da opinião pública; melhor entendido o mal-entendido, a nuvem, que nunca passou do cinzento, branqueou - concluiu-se, afinal, que, mesmo que os textos do Ministério fossem mais do que meros elementos de análise, eles nunca teriam o condão, se postos em letra de lei, de desertificar os tribunais ou escancarar as prisões. Vistas bem as coisas, estou mesmo em crer que o texto de trabalho do Ministério da Justiça, a que nunca foi conferido o propósito, ou a utilidade de ser um anteprojecto de projecto de lei, era, nalguns significativos aspectos, muito mais moderado - quase diria, muito mais, «bota de elástico» do que o projecto de lei agora em debate.

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Assim, e desde logo, no projecto em debate prevê-se que seja amnistiado o crime previsto no artigo 24.º do Decreto n.º 13 004, ou seja, o crime de emissão de cheque sem cobertura.
Na actual redacção desse artigo 24.º, resultante da Lei n.º 25/81, de 21 de Agosto, e do Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, a esse crime pode corresponder uma pena até dez anos de prisão.
No esboço do Ministério da Justiça não se previa que tal crime pudesse ser amnistiado, atendendo, sobretudo, às «facilidades» que para o sacador do cheque já advêm do regime dos vários parágrafos do artigo 24.º
No projecto em debate prevê-se que sejam amnistiados os crimes previstos no n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, relacionados com o consumo de drogas para fins pessoais, embora em casos de pouco significativa gravidade.
No esboço do Ministério da Justiça não se previa que tais crimes pudessem ser amnistiados.
No projecto em debate prevê-se que sejam amnistiados os crimes antieconómicos, ou contra a economia, cometidos com dolo ou com mera negligência; os limites residirão no valor dos produtos ou mercadorias açambarcados ou no total do lucro especulativo, tentado ou obtido, ou na moldura da pena, que poderá ir até um ano de prisão.
No esboço do Ministério da Justiça não se previa que os crimes intencionalmente cometidos contra a economia pudessem ser amnistiados.
No projecto em debate estabelece-se que sejam amnistiados os crimes de contrabando e descaminho, previstos no Decreto-Lei n.º 187/83, de 13 de Maio, ao que, como é óbvio, o esboço do Ministério da Justiça não se afoitou.
Entretanto, numa formulação amplíssima, acolhe amnistia, generosamente, todos os crimes cometidos por negligência, excepção feita aos homicídios involuntários.
Não se exclui sequer a negligência grave, que nalguns casos é punida com prisão até cinco anos. Assim, por exemplo, na hipótese do n.º 3 do artigo 255.º do Código Penal e, em geral, nos crimes de perigo comum.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O projecto em debate foi, sem dúvida, mais restritivo do que o esboço do Ministério da Justiça, quanto aos crimes de injúria e difamação, quanto ao de ofensas corporais simples e quanto ao de ameaças e coacção.
É, entretanto, de assinalar que qualquer deles teve tradicional abrigo nas amnistias e que nenhum deles suscita problemas de especial censurabilidade ética ou social. Obviamente que são crimes, mas crimes que não agridem em gravosos termos a consciência generalizada.
Devo, entretanto, sublinhar que adiro por inteiro à perspectiva agora mesmo aduzida pelo Sr. Deputado Carlos Candal, no sentido de não se dever potenciar, através de uma amnistia, o crime já causado ao ofendido.
Será quase que um «sobrecrime», o que poderá resultar de uma amnistia demasiado permissiva. Não era, no entanto, na minha perspectiva, a hipótese esquissada ou aventada no estudo interno do Ministério da Justiça. Acresce que no respeitante ao crime de ofensa corporal simples, embora punível com prisão até 2 anos, não atinge preocupantes Índices nas estatísticas criminais; bastará dizer que em 1984 dos 8590 arguidos por tal crime, 5755 não foram condenados.
No tocante ao crime de ameaças e coacção, dir-se-á apenas que, em 1984, de um universo global de 35 563 arguidos, apenas 354 o foram com base nele, não tendo 240 sido condenados.
Na área dos crimes contra a propriedade - que, ao que creio, maior frisson poderia ter provocado num leitor desprevenido (o que não foi, obviamente, o caso de nenhum dos Srs. Deputados) -, as soluções do esquisso do Ministério coincidem, no substancial, com as do projecto n.º 173/IV.
Realmente, sendo eliminada a qualificação resultante da circunstância «valor consideravelmente elevado», a amnistia dificilmente abrangeria crimes que tivessem por objecto coisa de valor superior a 120 contos. Não sou eu que o suponho; é a jurisprudência que o tem declarado.
O que no esquisso do Ministério não se previa e no projecto se acolhe é o crime do artigo 320.º do Código Penal - crime de usura -, que não parece, na realidade, ser um crime muito tolerável numa sociedade que se quer justa e solidária, já que tem como requisito essencial a exploração da situação da necessidade, anomalia mental, inépcia, ligeireza ou dependência do lesado.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Não pretendo dar a esta breve intervenção um tom crítico quanto a uma amnistia e a um perdão genérico, que são inspirados pela aplaudível intencionalidade de assinalar um acto de grande relevo na vida institucional do nosso país. Nem acrescentarei, por isso, e como exemplo, que o perdão de penas figurado no projecto é mais amplo do que o suposto pelo Ministério da Justiça.
As considerações que empreendi tiveram exclusivamente a ver com a ideia que me ficou que, feitas bem as contas, o Ministério, mesmo em esboço ou apontamento, não fora descuidado e não sobrepusera objectivos de descarnada técnica ou utilitarismo a valores da ética e da segurança.

Aplausos do PSD, do PS, do PRD e do CDS.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Presidente da Comissão de Educação, Ciência e Cultura convoca os Srs. Deputados que fazem parte desta Comissão para a reunião que se realiza na sala 251-C, no próximo dia 15 do corrente mês.
A próxima sessão plenária terá lugar no próximo dia 15, terça-feira, pelas 15 horas, havendo período de antes da ordem do dia e período da ordem do dia. Deste último consta a continuação deste debate, a discussão dos projectos de lei n.ºs 66/IV (deputado independente Lopes Cardoso), 107/IV (PS), 139/1V (PSD) e 146/1V (CDS), todos sobre consultas directas aos cidadãos eleitores; a discussão da proposta de resolução n.º 1/IV - que aprova para ratificação o protocolo n.º 6 à Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem das Liberdades Fundamentais relativo à abolição da pena de morte, aberto à assinatura dos Estados-Membros do Conselho da Europa, em 28 de Abril de 1983 - e, às 18 horas, a votação final global do texto alternativo apresentado pela Comissão sobre «salários em atraso». Além disso, creio que também será feita a votação final global da ratificação n.º 47/IV, já que não se faz hoje.
Os resultados das eleições que hoje se realizaram aqui serão anunciados na próxima reunião, visto os Srs. Deputados escrutinadores não terem ainda terminado o seu trabalho.

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O Sr. Amândio de Azevedo (PSD):- - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Amândio de Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para dar a seguinte informação: como já tinha' comunicado ao Sr. Presidente da Assembleia, não foi possível, apesar dos esforços da Comissão de Trabalho, completar a votação na especialidade dos diplomas sobre salários em atraso, nem me parece que isso seja possível de modo a que sejam votados na sessão plenária da próxima terça-feira.

O Sr. Presidente: - Agradeço-lhe- a correcção, Sr. Deputado.
Sendo assim, fica sem efeito o anúncio que fiz da votação final global desses diplomas.
Nada mais havendo a tratar, declaro encerrada a sessão.

Eram 20 horas e 5 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.

Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Gonçalves Janeiro.
António Manuel Ferreira Vitorino.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
José Apolinário Nunes Portada.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Manuel Lello Ribeiro de' Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Mário Nunes da Silva.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
Fernando Dias de Carvalho.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Maria Vieira Dias de Carvalho.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.

Partido Comunista Português (PCP):

António Dias Lourenço da Silva.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Margarida Tengarrinha.
Maria Odete dos Santos.
Octávio Floriano Rodrigues Pato.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Henrique José Pereira de Moraes.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Narana Sinai Coissoró.

Deputado Independente:

António José Borges de Carvalho.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Cecília Pita Catarino.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Mendes Bota.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

João Cardona Gomes Cravinho.
Jorge Lacão Costa.
José Barbosa Mota.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

António Alves Marques Júnior.
António Magalhães de Barros Feu.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Vasco Pinto da Silva Marques

Partido Comunista Português (PCP):

Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.

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Centro Democrático Social (CDS):

António Bernardo Lobo Xavier.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Luís Nogueira de Brito.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.

Declaração de voto enviada para publicação sobre os projectos de lei n.º 12/IV, 51/IV, 63/IV, 79/IV, 105/IV e 163/IV

Entendemos viabilizar todo o conjunto de projectos de lei apresentados sobre a problemática do ambiente. Consideramo-los, como salientámos nas nossas intervenções, bases de um trabalho para desenvolver na especialidade, no confronto terminológico e conceptual dos sistemas adoptados, no potencial de soluções de índole e cariz que, embora diversos, permitem um trabalho conjunto.
O texto do nosso projecto de lei cobre, a nosso ver, uma importante realidade social existente e que na problemática do ambiente é uma das fundamentais expressões na defesa dos interesses das populações. Os projectos de lei apresentados pela Sr.ª Deputada Maria Santos, do Partido Os Verdes e pelo Partido Socialista exprimem, globalmente, pontos de vista conceptual e tematicamente válidos, expressos por forma que podem tornar eficaz e funcional o tratamento dos temas do ambiente. Os projectos de lei apresentados pelos Srs. Deputados Borges de Carvalho e Ribeiro Teles, revelando claramente uma matriz única, poderão contribuir, embora com soluções institucionais desadequadas, também como pontos para um trabalho na especialidade. O diploma apresentado pelo PSD, reflectindo, entretanto, princípios incorrectos particularmente no que diz respeito às disposições sobre sigilo, carácter imperativo dos normativos, condições de licenciamento e laboração, ainda assim constitui também matéria de trabalho na especialidade.
Viabilizamos estes diplomas, tendo presente a urgente necessidade de aprovação de uma lei quadro, embora esta nunca possa ser processo isolado já que a sua eficácia é determinada pelo envolvimento institucional e em que as autarquias regionais e locais tenham uma palavra decisiva.

Os Deputados do PCP: Anselmo Aníbal - Luís Roque.

Declaração de voto enviada para publicação sobre a votação do projecto de lei n.º 51/IV

Considera-se essencial para a definição de uma política ambiental, avança-se, e muito bem, para a criação de instrumentos fundamentais para a sua aplicação, retomam-se projectos antigos, mas... há sempre um mas... condena-se um projecto inovador (o cargo de promotor ecológico - do Partido Os Verdes).
De facto, o campo da inovação é um campo de incertezas, de riscos, é o campo onde a criatividade, a sensibilidade e a inteligência se constroem e reconstroem dinâmica e quotidianamente na promoção de um novo civismo.
O promotor ecológico, que se colocaria acima do aparelho de Estado para fazer valer os interesses legítimos da população, não permitiria a passividade, a morosidade no combate à degradação.
Como alguém disse: «vale mais prevenir que remediar». De facto, a acção do promotor não facilitaria a vida aos que degradam o ambiente, sejam eles privados, Administração Pública, etc.
É de felicitar, no entanto, a notável unidade nesta área. Mas nós, os ecologidas do Partido Os Verdes, vamos continuar prudentes e atentos para que a nossa Lei de Protecção da Natureza não venha rapidamente a ser esquecida nos meandros dos labirintos burocráticos.
Não vamos guardar na gaveta o nosso projecto e, em tempo oportuno, cá virá de novo.

A Deputada Independente, Maria Santos.

Rectificação ao Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 51, de 3 de Abril de 1986

Na p. 1805, col. 1, p. 3 do Sumário, onde se lê «Na primeira parte foi aprovado no n.º 42 do Diário», deve ler-se «Na primeira parte foi aprovado o n.º 42 do Diário».

Os REDACTORES: Cacilda Nordeste - Maria Leonor Ferreira - José Diogo.

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PREÇO DESTE NÚMERO 175$00

Depósito legal n.º 8818/85

IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

PORTE PAGO

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