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I Série - Número 57
DIÁRIO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
Sexta-feira, 18 de Abril de 1986
IV LEGISLATURA
1." SESSÃO LEGISLATIVA (1985•1986)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 17 DE ABRIL DE 1986
Presidente: Ex." Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Daniel Abílio Ferreira Bastos
José Carlos Pinto Bastos da Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Mala Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Antes de ordem do dia. - Deu-se conta do expediente, da apresentação de requerimentos e das respostas a alguns outros.
O Sr. Deputado Barbosa da Costa (PRD) referiu-se à situação de desigualdade de oportunidades de emprego dos licenciados em Histeria pelas universidades novas e pelas universidades clássicas.
O Sr. Deputado Carlos Luís (PS) criticou a actuação de alguns agentes de autoridade no bloqueio de camiões em Vilar Formoso, referindo-se em particular aos incidentes verificados com os jornalistas e respondeu no fim a um pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Sousa Pereira.
O Sr. Deputado António Paulouro (PRD) aplaudiu a intervenção do Sr. Deputado Carlos Luis (PS), falando de episódios idênticos em que os jornalistas são impedidos de cumprira sua missão informativa.
O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro (PCP) teceu algumas considerações sobre as consequências da entrada em vigor do anexo ao Decreto-Lei n. º 304/84, que estabelece as condições de licenciamento dos matadouros.
O Sr. Deputado José Seabra (PRD), evocou a data da criação do Lar de Alcobaça que, em 14 de Abril último, concluiu 150 anos de existência.
O Sr. Deputado Jerónimo de Sousa (PCP) criticou o Governo pelo arrastamento do diferendo que vem mantendo-se há um más entre a CP e o conselho de gerência desta empresa, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado António Marques (PRD).
O Sr. Deputado José Lelo (PS) falou das carências com que se debatem actualmente o Porto e a regido, nomeadamente no que respeita ao centro histórico da cidade, o Hospital de Santo António e o Tribunal de São João Novo, que foi recentemente alvo de um incêndio, respondendo no fim a pedidos de esclarecimento do Sr. Deputado José Magalhães (PCP).
O Sr. Deputado Carlos Martins (PRD) apelou para que os sindicatos, a Secretaria de Estado dos Transportes e o conselho de gerência do CP encontrem soluções para o conflito que vem arrastando-se com consequências graves para a empresa e para os trabalhadores.
O Sr. Deputado Mendes Bota (PSD) salientou o desenvolvimento da produção agrícola e hortofruticola da regido do Algarve.
Ordem do dia. - Na primeiro parte foi lido e aprovado um parecer da Comissão de Regimento e Mandatos sobre a não autorização para um depurado depor como testemunha em tribunal.
Concluiu-se a apreciação conjunta na generalidade dos projectos de lei n.º 66/IV/do deputado independente Lopes Cardoso), l47/1V (do PS), 139/IV/do PSD) e J46/IV (do CDS), sobre "Consultas directas aos cidadãos eleitores locais", que foram aprovados.
Intervieram, a diverso titulo, além dó Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (José Manuel Barroso), os Srs. Depurados Andrade Pereira (CDS), Lopes Cardoso (Indep.), António Vitorino (PS), Raul Castro (MDP/CDE), Abreu Lima (CDS). Barbosa da Costa (PRD), José Manuel Mendes (PCP) e Silva Marques (PSD).
Aprovado o requerimento de avocação pelo Plenário do n. º l do artigo 7. º e dos n.º 2, 3 e 5 do artigo 8. º do texto final do Decreto- Lei n. º 288/85 (ratificação nº 47/IV), com as alterações introduzidas na Comissão de Administração Interna e Poder Local, foram essas aprovadas na especialidade e em votação final global, tendo produzido declaração de voto os Srs. Deputados Helena Torres Marques (PS), Carlos Lilaia (PRD), Abreu Lima (CDS) e
Cláudio Percheiro (PCP).
Após o leitura do respectivo parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, procedeu-se b discussão e votação na generalidade da proposta de lei n. º 17/IV - Institui tribunais judiciais de 1ª instância e de competência especializada denominados tribunais marítimos -, que foi aprovada.
Intervieram no debate, além do Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo), os Srs. Deputados Carlos Candal (PS), Carlos Ganopa (PRN) Correia Afonso (PSD), Hernâni Moutinho (CDS) e José Magalhães (PCP).
Foram aprovados trás pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos não autorizando a suspensão do mandato de três deputados.
Iniciou-se a discussão na generalidade do projecto de lei n. º 152/IV, do PS, sobre a alienação de bens do Estado em empresas públicas de comunicação social. Intervieram no debate, a diverso título, os Srs. Deputadas José Luís Nunes (PS), Costa Andrade (PSD), José Magalhães (PCP) e Correia Afonso (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
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Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Angelo de Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cecília Pita Catarino.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Rodrigues Porto.
Cuido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Poças Santos.
João Domingos Abreu Salgado.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim da Silva Martins.
José Assunção Marques.
José Francisco Amaral.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel João Vaz Freixo.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Mário Jorge Belo Maciel.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Partido Socialista (PS):
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Américo Albino Silva Salteiro.
António Cândido Miranda Macedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Magalhães Silva.
António Manuel Ferreira Vitorino.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Lacão Costa.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Agostinho Correia de Sousa.
Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo A. de Sousa Pereira.
António Lopes Marques.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
João Barros Madeira.
Joaquim Carmelo Lobo.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
iago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
Belchior Alves Pereira.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Francisco Miguel Duarte.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João Carlos Abrantes.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Maria lida da Costa Figueiredo.
Maria Margarida Tengarrinha.
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Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.
Francisco António Oliveira Teixeira.
Horácio Alves Marçal.
João Gomes de Abreu Lima.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Raul Fernando de Morais e Castro.
Deputados independentes:
António Poppe Lopes Cardoso.
ANTES DA ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à leitura do expediente.
Deu-se conta do seguinte
Expediente
Ofícios
Da União dos Sindicatos de Aveiro (dois), União dos Sindicatos do Porto, Sindicato dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários do Sul e Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Corticeira do Sul (dois), enviando moções aprovadas em plenários sindicais, manifestando as suas preocupações pela aplicação do despacho conjunto das Secretarias de Estado do Emprego e da Segurança Social, publicado no Diário da República, 2.1 série, de 15 de Março de 1986, e pedindo a sua revogação.
Do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local do Distrito de Évora (dois), enviando moções aprovadas por unanimidade em 6 de Março findo, exigindo a imediata negociação da proposta reivindicativa para 1986, apresentada ao Governo em 15 de Outubro de 1985.
Do Sindicato dos Bancários do Centro, com sede em Coimbra, enviando documentos aprovados no conselho geral daquele Sindicato, manifestando o seu regozijo pela eleição do actual Sr. Presidente da República, Dr. Mário Soares, e prestando homenagem ao Presidente da República cessante, General Ramalho Eanes, que desempenhou um papel importante na estabilidade democrática ao longo dos seus dois mandatos.
Das comissões representativas dos trabalhadores da Direcção-Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, Direcção de Serviços Regionais de Hidráulica do Mondego e Direcção dos Serviços Regionais de Hidráulica do Sul de Évora, pedindo a revogação do Decreto Regulamentar n.º 5/86, de 28 de Fevereiro, que veio diminuir os seus direitos e regalias.
Da Comissão de Salvaguarda do Convento de São Francisco da Cidade de Lisboa e Associação de Estudantes de Arquitectura de Lisboa, pedindo a revogação do despacho conjunto dos Ministros da Administração Interna, das Finanças e da Educação e Cultura, de 7 de Janeiro de 1986, que prevê a ocupação futura do edifício pelos serviços do Governo Civil e da Policia de Segurança Pública e a passagem da Academia Nacional de Belas-Artes da Faculdade de Arquitectura e da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa para outros edifícios.
Cartas
Da Casa da Beira Alta, com sede no Porto, dando conta do resultado da reunião efectuada naquela Casa no dia 28 de Fevereiro findo, com a Casa dos Açores do Norte, Casa de Macau do Norte e a Casa Regional dos Transmontanos e Alto Durienses do Porto, em que aprovaram, por unanimidade, dar o seu apoio à iniciativa privada da criação de uma televisão regional ou a concessão imediata de tempos de emissão nos canais já existentes.
Da Comissão Organizadora do 1. º Encontro de Colectividades do Concelho de Sesimbra, com sede em Sesimbra, enviando moções aprovadas, por unanimidade, na cerimónia de encerramento do mesmo, referentes ao movimento associativo naquele concelho, de forma a incentivar e dinamizar a vida social, cultural e desportiva.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Srs. Deputados, foram apresentados na Mesa nas últimas reuniões plenárias os seguintes requerimentos: no dia 15 de Abril de 1986, ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelo Sr. Deputado Barros Madeira; à EDP e ao Ministério da Indústria e Comércio (dois), formulados pelos Srs. Deputados Sá Furtado e Arménio Ramos de Carvalho; a diversos ministérios (quatro), formulados pelo Sr. Deputado Costa Carvalho; a diversos ministérios (seis), formulados pelo Sr. Deputado Sousa Pereira; a diversos ministérios (sete), formulados pelo Sr. Deputado Armando Fernandes; à Secretaria de Estado de Turismo e ao Ministério da Saúde (dois), formulados pelo Sr. Deputado Raul Junqueiro; no dia 16 de Abril de l986, ao Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, formulados pelos Srs. Deputados Manuel Moreira e Ilda Figueiredo, respectivamente; ao Ministério da Educação e Cultura, formulado pelos Srs. Deputados Barbosa da Costa e Bártolo Paiva Campos, respectivamente; à Câmara Municipal de Lamego e ao Ministério da Educação e Cultura (dois), formulados pelo Sr. Deputado Sousa Pereira; a diversos ministérios (três), formulados pelo Sr. Deputado Francisco Armando Fernandes; ao Ministério da Saúde, formulado pelo Sr. Deputado Dias de Carvalho; à Secretaria de Estado do Ambiente e Recursos Naturais, formulado pelos Srs. Deputados José Seabra e António Marques; ao Governo, formulado pelo Sr. Deputado Costa Carvalho e outros.
Por seu lado, o Governo respondeu a requerimentos apresentados pelos seguintes Srs. Deputados: Rogério Moreira, na sessão de 19 de Dezembro; João Corregedor da Fonseca, na sessão de 20 de Dezembro; Carlos Matias e Carlos Carvalhas, na sessão de 18 de Fevereiro; José Seabra, na sessão de 25 de Fevereiro; Aloísio Fonseca e Fillol Guimarães, na sessão de 27 de Fevereiro; Carlos Manafaia, na sessão de 27 de Fevereiro; Manuel da Silva Monteiro e Dias de Carvalho, na sessão de 6 de Março, respectivamente.
O Sr. Presidente: -- Srs. Deputados, estão inscritos vários Srs. Deputados para produzir intervenções, o primeiro dos quais é o Sr. Deputado Barbosa da Costa, a quem concedo de imediato a palavra.
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O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Há, neste momento, cerca de 4000 cidadãos deste país a quem foi permitido obter uma licenciatura em História e que não vislumbram, a breve trecho, qualquer tipo de ocupação concordante com as habilitações adquiridas.
A discriminação começa logo entre os licenciados pelas universidades novas e os das universidades clássicas. ,
Enquanto os primeiros saem já profissionalizados, isto é, com o estágio feito como parte integrante do curso, os segundos saem só com as habilitações académicas, o que, à, partida, os coloca em total desvantagem quanto ao acesso a lugares de docência.
Para obviar os inconvenientes, neste domínio, devem, ser tomadas medidas imediatas, designadamente pelas universidades clássicas, no sentido de serem criadas licenciaturas, do ramo educacional, para que a igualdade de oportunidades não seja uma panaceia.
Parece, entretanto, que os órgãos dirigentes das universidades clássicas consideram inconveniente e cientificamente inadequado tal procedimento. Apesar ,de tudo, julgo de ponderar tal reserva. Contudo, deve o Ministério da tutela ultrapassar essa: dificuldade: através de , uma clara definição no: que se refere às instituições universitárias que podem conferir graus que permitam ó acesso à docência. Seria certamente política acertada encaminhar todos os que pretendem seguir a carreira docente a nível preparatório e secundário para as universidades novas, reservando-se as universidades clássicas aos que pretendam seguir percurso diverso.
Por outro lado, tem havido"nalgumas áreas progressivas restrições ao acesso ao ensino superior, mercê da inegável incapacidade de absorção no. mercado: de trabalho, o que manifestamente não se verifica no domínio da História, onde não há grandes preocupações em seguir o mesmo procedimento.
Talvez se pense que se trata de gente mais pacífica, mais dada à especulação que ao pragmatismo e mais voltada para o passado do que para o presente,
Pena é que a política prosseguida permita ironizar com coisas tão sérias.
É também evidente que dois pesos e duas medidas têm sido usados em circunstâncias afins.
Casos há em que se movem todos os ventos e todas as vontades para que licenciados, em áreas já de si privilegiadas, tenham a garantia de emprego que o Estado suporta.
Não basta já ao reduzido número de bem aventurados que obtém o almejado lugar serem colocados nos antípodas da sua área de residência, com duvidoso vínculo à função pública.
Seria situação minimamente aceitável se não houvesse militares com subsídio de guarnição, magistrados com residência paga pelo Estado e médicos com subsídios de residência.
Não se estranhe, pois, que haja agentes de ensino que usem e abusem da instituição atestado médico, que, no meu entender, está a pedir terapêutica adequada, porque é também escandalosamente utilizada , por ditos professores que vivem paredes meias com a escola onde leccionam.
Para além de medidas estruturais que uma lei de bases do sistema educativo deve contemplar, urge responder, com rapidez e eficácia, a esta situação penosamente frustrante para quem não encontra resposta concreta aos sonhos acalentados ao longo de toda uma vida escolar.
Não podem continuar, ad - aeternum, situações de manutenção de lugares a docentes sem habilitações próprias, e que nada fazem para as obter, e retiram o lugar a quem esforçadamente se preparou para exercer essa função, situação esta em que o Governo tem, também, a sua responsabilidade, já que não regulamentou ainda a Lei n.º 47/79.
Pululam, também, escandalosamente, situações de acumulação por docentes que leccionam simultaneamente nos ensinos oficial e particular, sem que nada nem ninguém se oponha de facto a tal estado de coisas.
É imoral e socialmente injusto que se permita o usufruto de duplo emprego a uns tantos que implica o desemprego de outros.
É urgente que o Ministério da tutela faça um exaustivo levantamento de tais situações, para pôr cobro definitivo a tais desequilíbrios.
Multiplicam-se, também, casos anómalos de retenção de horários por parte de alguns conselhos directivos, que geram situações de favor ao arrepio dos mais elementares princípios da lei e da justiça.
Sugiro, por isso, ao Ministério da Educação que faça emanar normas rigorosas reguladoras da matéria, para evitar a repetição e proliferação destas anormalidades.
Parece-me ainda dever-se possibilitar uma distribuição mais alargada de horários aos licenciados em História à leccionação do ensino de Português no ensino preparatório, para que estão legalmente habilitados, já que há carência ,de docentes para essa disciplina com outras licenciaturas.
Pese embora a necessidade da tomada das medidas pontuais enunciadas, julgo serem de estudar processos de criação de emprego consentâneos com as habilitações dos licenciados em História, de forma a não liquidar definitivamente o projecto de futuro dos milhares de jovens que desesperam de ver resolvidos os seus problemas.
' Sr. Presidente, Srs'. Deputados: Espero que esta situação tenha a atenção que merece e que se tenha a preocupação permanente de tratar de igual modo e com os mesmos direitos todos aqueles que, em termos morais e legais, devem ter o mesmo tratamento.
k Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra .º Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O bloqueio de camiões TIR na fronteira de Vilar Formoso iniciou-se em 7 de Abril e prolongou-se até 12 do mesmo mês, decretado pela Federação dos Sindicatos de Transportes (FESTRU).
Logo no início deslocaram-se. para o local vários jornalistas, entre os quais José Domingos, da ANOP, Carlos Carvalho e Gabriel Correia, da RDP-Guarda, João Fonseca Leite, do Diário de Notícias, Rádio Altitude e outros. , '
Missão: reportar a situação vivida face ao bloqueio à passagem de camiões TIR para a Espanha.
Não foi fácil a realização do trabalho no decorrer daqueles dias porque:
a) A circulação dos jornalistas limitava-se ao piquete de greve e eventualmente este ou aquele soldado ou graduado da GNR que teve no local mais de 500 soldados do Batalhão n.º 5;
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b) Quando do início da passagem de veículos pesa- Os guardas espanhóis disseram para os elementos da
dos, sob protecção da GNR, registaram-se GNR para se chegarem para lá, isto é, para o lado por
alguns acidentes de percurso com os jornalistas;
c) A área da fronteira estava vedada aos civis, incluindo jornalistas, mesmo identificados, quando da passagem dos camiões para Espanha.
Os acontecimentos que se passaram ressalvam contudo o papel da Brigada de Trânsito da GNR da Guarda, comandada pelo capitão Virgílio Rodrigues e
integrada pelo sargento Almeida, que colaboraram sobretudo com o jornalista da ANOP, quer na passagem e desobstrução da via quer em todas as informações e colaboração prestadas para a realização da reportagem. Idêntica posição se pode aduzir da actuação do capitão Camilo, comandante da GNR da
Guarda, que colaborou nestas tarefas.
O mesmo não se pode dizer de soldados da GNR na fronteira (área onde era impossível circular no período de passagem dos camiões).
Assim, perante a impossibilidade de circular, os jornalistas tiveram de andar mais de 100 m para passar de uma faixa de piso para outra, para reportar o acontecimento.
Devido ã passagem do primeiro veículo português para Espanha, aos jornalistas não foi permitido obter os elementos do referido veiculo, pelo que tiveram de se deslocar para a raia com Espanha, onde a policia espanhola fez afirmações que eram consideradas pelos jornalistas como "graves".
Destaca-se entre elas a de "não tendes liberdade lá de trabalhar e vindes para aqui".
Foi nestas circunstâncias que um bloco de apontamentos de reportagem foi confiscado pela polícia espanhola ao jornalista da ANOP em serviço no local.
Aquando da passagem do TIR para Espanha, jornalistas presentes no local abeiraram-se do piquete de greve e do grupo de camionistas que protestavam
contra a passagem dos referidos camiões. Foi então que um dos camionistas disse para os soldados que as pessoas que estavam à frente, junto do passeio e devida
mente identificadas, eram jornalistas. Resposta dos agentes: < são os primeiros a comer".
Foi então que se ouviram slogans: "abaixo a ditadura", ao que os agentes (alguns, claro) da GNR disseram: anão tarda muito que vão abaixo as denta
duras".
O jornalista João Correia Leite e o jornalista da ANOP, José Domingos, foram ameaçados e empurrados por um bastão da GNR como forma de impedimento de reportar. O facto foi transcrito nos jornais de todo o pais e, sobretudo, pelo protagonista da reportagem do Diário de Noticias, o jornalista João Fonseca Leite.
Também um elemento da GNR, que se encontrava a filmar os acontecimentos, empurrou o fotógrafo do Diário de Noticias, que ficou com uma leve marca na
mão, daquele facto.
O correspondente da Radiotelevisão Portuguesa (vinda de Coimbra) foi impedido de filmar junto da faixa de rodagem, facto que foi contestado por aquele correspondente, que veio depois filmar para junto do
piquete de greve, onde se encontravam os sindicalistas.
Dos incidentes registados em Vilar Formoso, houve
um camionista português que foi agredido pela GNR
depois de se ter deitado em frente de um TIR, facto
que ocorreu já para lá da linha de raia entre os dois
países.
Risos do PSD.
O jornalista deve ter a liberdade de informar, quer seja acontecimento de guerra ou de paz.
Que fariam os jornalistas que, nas áreas ditas de segurança, em zonas de guerra (Líbano, por exemplo), têm de filmar e fotografar os acontecimentos, sob tiroteio?
Há ainda a salientar que houve mesmo, além das ameaças com o bastão desembainhado pelos soldados da GNR na fronteira, tentativas de impedimento de se obterem fotografias do local, onde se concentraram dezenas de soldados da GNR.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ser jornalista na província é difícil. Pode mesmo dizer-se que estão impedidos de falar com responsáveis de organismos regionais, nomeadamente a direcções de Agricultura, serviços oficiais, e outros, porque uma normativa subscrita pelo Primeiro-Ministro, em 25 de Novembro, e enviada àqueles departamentos, diz que não podem 'falar a não ser depois de autorizados e sob conhecimento dos temas a tratar.
Aplausos do PS e do PRD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Sousa Pereira.
O Sr. Sousa Pereira (PRD): - Sr. Deputado Carlos Luís, como sabe, estes casos repetem-se com uma certa intensidade e não há dúvida que não se vislumbra hipótese de se lhes pôr cobro. Aliás, já dirigi um requerimento ao Governo, sobre este caso específico, no sentido de obter uma explicação para o sucedido.
Mas gostaria de lhe colocar uma questão: que entende o Sr. Deputado que deveria ser feito no sentido de se eliminarem casos destes, que se verificam múltiplas vezes com os jornalistas, em que as autoridades impedem constantemente o trabalho daqueles profissionais muitas vezes com violência? Era isto que gostaria de lhe perguntar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Paulouro.
O Sr. António Paulouro (PRD): - Sr. Deputado Carlos Luís, é só para aplaudir, mais uma vez, a sua intervenção e dizer que, tanto aqui como na província, o trabalho dos jornalistas se está a tornar mais difícil de dia para dia.
Por exemplo, casos gravíssimos passados nos hospitais são silenciados e o jornalista é impedido de saber o que se passa, com a alegação de que só o serviço de informações do Ministério pode dar informações.
Nós estamos a passar - e não é de agora, isso já vem agravando-se há uns dois anos a esta parte - para uma fase muito semelhante aos tempos da censura em que o jornalista era silenciado, era vexado e os jornais não tinham possibilidade de dizer o que efectivamente se passava no País.
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' O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Luís.
O Sr. Carlos Luís (PS): - O Sr. Deputado Sousa Pereira perguntou-me o que se deve fazer em circunstâncias destas. É evidente que os nossos agentes de autoridade têm de ter uma formação cívica e ética. Ainda há dias tivemos conhecimento de acções idênticas cometidas pela PSP - que, aliás,' os jornais não noticiaram - e que vêm contrariar as funções específicas, que, em casos como este, são destinadas aos agentes da ordem pública. É que, de facto, a função dos agentes de autoridade não é provocar, não é bater (como foi o caso) em jornalistas indefesos, sem culpas absolutamente nenhumas, que apenas ali se encontram para cumprir a missão de transmitir as respectivas noticias e que, afinal, acabam por ser agredidos - tal foi o caso referido.
Repito que penso que é através do civismo que os agentes de autoridade devem ter essa mesma formação.
No que concerne ao Sr. Deputado António Paulouro, peço desculpa, mas não entendi bem a sua pergunta. Aliás, penso que se tratou mais de uma achega à minha intervenção, o que agradeço.
O Sr. Presidente: - Para uma, intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.
O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A entrada em vigor no dia 1 de Abril do anexo ao Decreto-Lei n.º 304184, que estabelece as condições de licenciamento dos matadouros, levantou uma onda de protestos de agricultores,. câmaras municipais e industriais de carnes, dando origem a posições diversificadas, conforme a vertente, dos interesses subjacentes à análise da questão. .
- A partir de 1 de Abril, a entrada em vigor do referido decreto-lei, implica o fecho de todos os matadouros que não foram licenciados, o que conduz simultaneamente à concentração das matanças. Têm sido endereçadas à Comissão Parlamentar de Agricultura e grupos parlamentares inúmeras reclamações, quer de associações de produtores e câmaras municipais quer de industriais de carnes, reflectindo profundas preocupações quanto ao modo e consequências da implementação e entrada em vigor do decreto-lei.
As populações, os agricultores, os produtores e as autarquias de Amarante, Cinfães, Marco de Canaveses, Montemor-o-Novo, Santo Tirso, Sobral de Monte Agraço e outras que 'se dirigiram à Assembleia da República, reclamando medidas, têm o nosso apoio e solidariedade.
De facto, são inúmeras as críticas que se podem formular a todo. o processo, sendo de salientar as seguintes:
Foram apresentados estudos prévios e projectos de remodelação de matadouros que não tiveram qualquer resposta ou em que esta se referiu à informação de que não seriam renovadas as licenças dos mesmos, com a alegação de que não tinham condições;
. Foram fechados matadouros concelhios de forma
a canalizar as matanças .para matadouros de
âmbito regional, sem que estes reunissem
condições, quer em termos técnico-sanitários, quer
no que respeita à capacidade de laboração, para
assumir tal função;. .
0 uso e abuso de contratos ditos "provisórios" levou à constituição de matadouros de serviço misto em condições que pouco ou nada têm a ver com um processo de regionalização técnica e económica.
Refira-se ainda que não foram tomadas em devida
consideração as estruturas do abastecimento e do consumo público, particularmente no que respeita às
regiões do interior, sendo previsíveis não só ' situações
de deficiente abastecimento ao nível do mercado retalhista, como agravamento substancial dos preços ao
consumidor.
Sr. Presidente, Srs., Deputados: A regionalização às matanças tem de ser forçosamente acompanhada da instalação de uma rede 'de concentração dos animais para abate compatível com a estrutura produtiva, tendo em consideração as organizações de produtores.
O decreto-lei prevê o licenciamento de novos matadouros e ampliação ou remodelação de outros existentes . Mas isso só é possível com a aplicação conjunta de um número de medidas que possam viabilizar projectos com a participação dos produtores no capital social e gestão dos matadouros, para o que se torna necessário garantir apoio creditício para a implementação dos mesmos, para além do tempo necessário à sua construção 'e apetrechamento.
Não havendo gabinetes de projectos com suficiente
capacidade técnica para os elaborar em prazos curtos,
é pois imperioso considerar este problema para que
sejam salvaguardados os casos, sérios de intenção, de
melhoria de instalações , existentes, de construção de
novas unidades locais ou de centros de abate a criar.
Cabe ainda referir que noutros países da Europa as leis regulamentadoras dos matadouros tiveram períodos de implementação muito mais longos do que o ano e meio considerado no nosso país.º
,
Quando os industriais pretenderam conformar os seus matadouros com o decreto-lei referido, foi-lhes dito pela Junta Nacional dos Produtos Pecuários que não executassem quaisquer obras antes da vistoria.
As vistorias foram deficientemente efectuadas, não tendo sido comunica do aos, interessados os seus resultados, para que pudessem ser. feitas as alterações, o que contrariou em absoluto o que foi dito.
O encerramento de tão elevado número de matadouros a ser consumado, como está previsto, conduzirá à ruína de muitas unidades industriais, agravará a distorcida situação dos circuitos comerciais intermédios, coloca os produtores. ainda mais dependentes dos grandes intermediários, leva ao desemprego de milhares de trabalhadores, agravando ainda os custos de transporte e estruturas de circulação, visto que os agricultores de alguns concelhos, seriam obrigados a deslocar-se a mais de. 30 km e; - em certos . casos, a mais de 100 km, acabando por se reflectir nos agricultores e nos consumidores as consequências directas de tal facto.
Deixariam de ser garantidos os abates de emergência,- o que no caso dê um acidente com um animal poderia ocasionar prejuízos de dezenas, se não centenas, de contos.
O que está em causa é não só a concentração do abate mas, decorrendo dela, a concentração da indústria de carnes, mais uma vez _feita à custa dos agricultores, dos trabalhadores e dos pequenos e médios industriais e com severos prejuízos para o consumidor.
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Sr. Presidente, Srs. Deputados: As razões apresentadas como pretexto para o encerramento dos matadouros não convencem ninguém, tanto mais que várias câmaras municipais se dispõem a comparticipar nos investimentos que se mostram indispensáveis para garantir as condições de higiene e salubridade exigíveis. O que o Governo pretende é colocar o circuito comercial do gado nas mãos de meia dúzia, em prejuízo dos agricultores, dos pequenos industriais e dos trabalhadores das carnes verdes.
Por estas razões, não pode a Assembleia da República ficar indiferente a esta situação. Por parte do Grupo Parlamentar do PCP tudo faremos para ir ao encontro dos interesses e anseios dos agricultores e dos pequenos e médios industriais, pondo cobro às intenções governamentais.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Seabra.
O Sr. José Seabra (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Lar de Alcobaça comemorou, em 14 de Abril último, 150 anos de existência.
Criado em 14 de Abril de 1836, por diploma régio de D. Maria II, veio a constituir o primeiro asilo português. Designado, inicialmente, por Asilo da Mendicidade de Lisboa, onde estava sediado, funcionou durante muitos anos como "vazadouro" da capital para vadios, mendigos e marginais apanhados pela polícia.
Em 1927, foi transferido para Alcobaça em circunstâncias bem elucidativas do tratamento aplicado pelo Estado Novo aos que se opunham ao seu regime ditatorial. Nessa data, o Regimento de Cavalaria de Alcobaça levantou-se contra o Estado Novo. Como castigo ao povo alcobacense o Estado Novo ordenou a retirada do referido aquartelamento, transferindo para as suas instalações o Asilo de Mendicidade de Lisboa, que passou, a partir de então, a designar-se por Asilo de Mendicidade de Lisboa em Alcobaça.
Só em 1973, através do Decreto-Lei n.º 1/73, veio a adquirir a cidadania alcobacense, mantendo-se contudo até 1983 como estabelecimento de âmbito nacional. Aí se recolhiam idosos sem família, acamados e doentes do foro psiquiátrico de comportamento não agressivo.
Alberga, hoje em dia, cerca de 600 utentes, dos quais 220 acamados.
Constitui, no seu género, a maior unidade do País. Nela trabalham cerca de 160 pessoas, que devotadamente têm assegurado a assistência requerida e prestado todo o apoio e carinho aos idosos que para ai são deslocados.
Na evocação desta data, quero aqui deixar expressa uma palavra de apreço e de incentivo a todos quantos habitam o Lar de Alcobaça e à sua população, que sempre o acarinhou.
A finalizar, gostaria de ver aproveitadas as potencialidades e experiências oferecidas por este lar e vê-lo constituir a experíêncía-píloto na criação do primeiro estabelecimento hospitalar geriátrico do País.
Alcobaça merece-o e a política de saúde aconselha-o.
Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começa a ser chocante que, numa empresa tão importante como a CP, se assista ao arrastamento e ao agudizar de um conflito durante um mês, enquanto o Governo se mantém aparentemente indiferente às consequências económicas e sociais dele decorrentes.
O governo Cavaco Silva está a demonstrar que no plano social não sabe nem quer privilegiar o diálogo com resultados concretos, preferindo transformar esta questão num confronto e numa medição de forças indeterminada, independentemente das suas consequências a vários níveis.
Entretanto, a indústria e a agricultura em várias zonas do País começam a ressentir-se devido à falta de circulação dos comboios de mercadorias. Centenas de milhares de utentes viajam em condições de comodidade e segurança inimagináveis, enquanto a organização sindical, que representa 75 % dos trabalhadores ferroviários, continua a insistir na procura de um esforço conjunto, sério, construtivo e realista, conducente a um acordo final que ponha termo ao conflito.
É inaceitável que o Secretário de Estado dos Transportes se comporte como um pequeno Pilatos e o Ministério do Trabalho se tenha limitado a marcar a reunião seguinte entre o anterior conselho de gerência e a Federação dos Ferroviários. Ultimamente nem isso!
Quanto ao conselho de gerência, era importante saber as razões que o levaram a cometer a discriminação no regulamento de carreiras, privilegiando dois sectores e arredando subitamente a esmagadora maioria dos trabalhadores ferroviários, justamente em luta pelo restabelecimento do equilíbrio escalonar.
Por que razão foi o próprio conselho de gerência que considerou em comunicação interna "não poder ceder às pressões de uma organização sindical que queria ascender a escalões superiores por ser gerador de conflitos na empresa" e, depois, passados dias, ser ele precisamente a concretizar a discriminação? Por pressões de quem? Por favoritismo sindical ou partidário? Mau seria que uma empresa destas estivesse ao sabor de interesses e objectivos tácticos partidários ou de grupo.
E como é que um conselho de gerência tão célere nos aumentos de subsídios, vencimentos e benesses para si próprio se limitou a informar ao longo de cinco reuniões entretanto realizadas no decurso do conflito que nada tinha a acrescentar à reunião anterior? Só porque se ia embora e "quem viesse atrás que fechasse a porta"? Com uma serenidade e firmeza impressionantes, os trabalhadores e a Federação dos Ferroviários, após uma luta tão dura e tão prolongada, uma concentração, uma vigília, após a detenção recente pela policia de alguns dirigentes sindicais, continuam disponíveis para uma nova tentativa de conciliação condicionada apenas à franqueza e à vontade séria de todas as partes para ultrapassar e resolver o conflito.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Agora que o conselho de gerência foi substituído por outro de responsabilidade do actual governo, mais urgente se torna reparar as injustiças que estão na génese do conflito existente na CP. O público utente reclama-o. Os interesses nacionais exigem-no. Os justos interesses e a própria dignidade profissional da classe ferroviária devem ser respeitados.
Aplausos do PCP.
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O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado. António Marques.,
O Sr. António Marques .(PRD): - Sr. Deputado Jerónimo de Sousa, também a bancada do PRD segue, atreitamente e com muita preocupação, o problema que atinge os ferroviários.
De facto, a bancada do PRD pensa que este problema, provavelmente, só virá a ser resolvido quando neste país 'se assistir a uma catástrofe provocada pela situação de impasse que os ferroviários vivem 'neste momento.
No nosso entender, os ferroviários- têm razão! De modo algum é aceitável uma discriminação nas carreiras, tal como é inaceitável a forma como o conselho de gerência da CP veio a escolher dois pequenos sindicatos para poder dividir os trabalhadores na questão das carreiras. .
Por isso, pergunto ao Sr. Deputado Jerónimo de Sousa quem teremos de responsabilizar se, dentro de dias, houver um problema grave nos Caminhos de Ferro Portugueses, dado que é do conhecimento público que, neste momento'; os comboios em Portugal rolam sem qualquer segurança.
' O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jerónimo de Sousa.
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): - Sr. Deputado
António Marques; em primeiro lugar, queria dizer-lhe
que é bom que outras forças democráticas representadas
na Assembleia da República estejam também solidárias
e, ao mesmo tempo, preocupadas com a grande questão
que se está a colocar com o conflito existente na CP.
pergunta-me quem é que se tem de responsabilizar caso de verifique uma tragédia ferroviária,- tendo em conta as péssimas condições de segurança em que circulam os pequenos comboios que ó conselho de gerência da CP vai arranjando aqui e acolá.
Pensamos, Sr. Deputado, que mal seria que depois responsabilizássemos o anterior conselho' de gerência da CP, que foi agora substituído. Mal seria que o actual conselho de gerência da CP e o Governo, que assumiu a responsabilidade de o nomear, não tivessem em conta esse perigo iminente que existe.
Por outro lado, importa também acautelar os próprios interesses nacionais, os interesses do público' utente e os dos próprios trabalhadores - pelos quais justamente lutam, neste momento.
De qualquer forma, registamos e apreciamos á preocupação e solidariedade do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello. '
O Sr. José Lelo (PS): = Sr. Presidente, Srs. Deputado: Sampaio Bruno dizia que "o Porto é a melhor terra do Mundo para-se viver". No entanto, mau grado o optimismo militante do tripeiro ilustre, hoje, a realidade demonstra como cada vez mais se revela difícil cohabitar com o quadro das carências com que se debatem actualmente o Porto e a sua região. Carências- estas' que, através das acções concertadas do Governo. e do poder local, urgirá colmatar, em ordem a que se possam atingir os padrões europeus de desenvolvimento a que aspiram as populações laboriosas da região.
Não se trata , aqui *do recurso ao discurso bairrista e, por vezes, provinciano, que, não raro, tem alimentado a , eterna polémica entre a capital e a,, periferia. Longe disso, até porque, como diria Fernando Pessoa, a melhor terapêutica para o provincianismo é saber que ele existe! Impõe-se, assim, destacar que, tal como no quadro das generalizadas insuficiências estruturais que se registam ao nível do todo nacional, na área metropolitana do Porto situam-se algumas das mais gritantes carências, designadamente no domínio das infra-estruturas e equipamento.
Daí que regularmente eu suba à tribuna da Assembleia para destacar alguns desses aspectos e sublinhar a preocupação com que encaramos o protelamento sucessivo das decisões e medidas de fundo.
A primeira dessas preocupações tem a ver. com a situação de quase paralisia que atinge o programa de renovação do centro histórico da cidade. Esta obra, a todos os títulos meritória, já conheceu fases- de grande dinamização, mas encontra-se hoje à mingua de recursos, que não de projectos e de vontade empreendedora. De facto, está a desenvolver-se a um ritmo que se não ajusta ao que o Porto e o País esperaria deste projecto. Trata-se de um programa de recuperação de um património histórico e artístico de inestimável valor cultural e social de que já hoje são visíveis resultados relevantes.
A segunda preocupação entronca-se em anteriores intervenções, por mim igualmente aqui proferidas, sobre os problemas de equipamento que ao nível hospitalar se sentem no Grande Porto.
Falei oportunamente no caso do Hospital de Matosinhos e das suas crónicas insuficiências. Falei também nas limitações e graves carências com que se debate, igualmente, o Hospital de Vila Nova de Gaia.
Hoje, debruçar-me-ei sobre um problema que afecta o Hospital de Santo António, instituição modelar, onde se praticam cuidados de saúde a um nível de conhecimento científico que ombreia com' o que de melhor se pratica no estrangeiro.
Com efeito, ultrapassando limitações da mais diversa ordem, o Hospital de Santo António, do Porto, tem-se equipado e dispõe hoje em dia de unidades que são verdadeiramente modelares. Mas este, como outros hospitais do Porto, serve, prioritária ou supletivamente, uma população que transcende mesmo o âmbito do próprio distrito.
Daí o inerente congestionamento, quer ao nível dos serviços de urgência quer, particularmente, no que se refere à consulta externa, onde o problema se agudiza.
Acrescerá referir que estas consultas externas servem aproximadamente uma população de meio milhão de pessoas por ano que aguardam a vez de serem atendidas, ao ar livre, sujeitas ao rigor das intempéries, junto ao jardim do Carregal. Por outro lado, estas condições penosas de atendimento são agravadas pela circunstância de as actuais instalações se situarem num piso térreo em adiantado estado de degradação, repleto de humidades e de cheiros dos esgotos aí existentes.
Tendo em consideração este estado de coisas, foi elaborado um projecto de construção de um edifício novo' para os serviços de consulta externa do hospital.
Entretanto, a proposta de adjudicação, elaborada em Outubro de l985, foi submetida à aprovação das instâncias próprias, designadamente à Câmara Municipal e ao Instituto Português do Património Cultural. O processo sofreu protelamentos sucessivos, quer ao nível
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da Câmara quer ao do IPPC, por manifesta incapacidade de decisão, morosidade de análise e por argumentos dilatórios secundários. Perante a reconhecida urgência deste equipamento, a Câmara do Porto desbloqueou a situação, aguardando a Direcção dos Serviços Regionais de Instalações e Equipamentos de Saúde e o próprio hospital o despacho ministerial que viabilize o lançamento da obra.
Num momento em que se impõe que possamos recuperar o tempo perdido, a solução deste gritante problema não poderá depender de mais delongas e aconselha a um rápido despacho da Sr.º Ministra da Saúde.
Finalmente, a terceira preocupação que, apesar de ter sido objecto de requerimento por mim presente ao Governo, aqui trago na crueza da sua dimensão diz respeito ao Tribunal de São João Novo, que recentemente sofreu uma dolorosa depredação, decorrente de um incêndio que alguns dizem que teve uma origem eventualmente criminosa. Após este acontecimento, ficou mais pobre o património judicial da capital nortenha. Mas pobre, mais pobre apenas porque a panorâmica já era pobre. Com efeito, tanto o Tribunal de Menores, os diversos juízos dos Tribunais do Trabalho, de Família e Administrativo, como ainda os juízos de instrução criminal, estão todos instalados em decrépitos edifícios, sem condições de funcionamento, salubridade e segurança.
Nessas instalações antiquadas e pouco apropriadas à dignidade com que a justiça terá de ser administrada laboram briosamente magistrados e funcionários em condições de grande precariedade.
Acrescerá, igualmente, salientar que o Tribunal de São João Novo era o único em que, ao nível do Porto, se julgam processos do foro correccional e criminal.
A urgência poderá aconselhar à improvisação, ao remedeio, à tão típica e portuguesa adaptação. Todavia, essas soluções revelam-se mais caras a médio prazo e não contribuem para a desejada eficácia e racionalização de serviços.
Já vai longo o rol de carências que aqui hoje trago, mas se elas se cingissem apenas a esta amostragem, o que, infelizmente, não acontece, talvez então o escritor tivesse razão e o Porto fosse o que Sampaio Bruno dizia que era e todos os portugueses gostariam que fosse: "Uma terra melhor para se viver."
Aplausos do PS e do PRD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para formular um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado José Leio.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado José Lelo, creio que a questão que trouxe hoje ao Plenário é de grande importância e é positivo que a Câmara sobre ela se debruce alguns momentos.
Arder um tribunal não é um facto que se verifique todos os dias, e arder um tribunal com carácter criminoso é, felizmente, algo que acontece poucos dias, embora seja um risco muito grande.
O Sr. Deputado saberá que o tribunal em questão estava indefendido e que se penetrava nele com grande facilidade, como aliás se provou neste caso concreto. Pior do que isso, parece tratar-se aqui de um crime selectivo para fazer arder, específica e directamente, um determinado tipo de processos.
Por um lado, gostava de perguntar ao Sr. Deputado se obteve alguma informação junto do Governo ou de quem de direito sobre o grau de apuramento das formas como foi possível que este crime fosse. perpetrado com as consequências que são sabidas.
O segundo aspecto a salientar deste caso é ter-se constatado que ardeu o referido tribunal e não ter acontecido nada, isto é, o Sr. Ministro da Justiça não teve ocasião de ir ao Porto contactar in loco com os magistrados e o secretário-geral do Ministério da Justiça também não tomou iniciativa nesse sentido. Segundo me informaram, o que se fez foi deslocar para o local um engenheiro, que circula pelos corredores do destruído tribunal, ordenando que mudem a posição de um armário ou de equipamentos, que os arquivos históricos - de importância substancial -, que estão instalados numa casa em condições absolutamente degradantes, sejam tratados desta ou daquela forma.
Entretanto, as questões colocadas pelos magistrados, que são as de como tomar medidas para assegurar a instalação futura, como tomar medidas para assegurar que se faça mais do que se está a fazer hoje, como por exemplo a pura e simples gestão de processos de réus presos, ficam no ar. Creio que esta situação, que é sem dúvida invulgar, se compadece pouco com este tipo de tratamento.
Lembro-me que quando debatemos o Orçamento do Estado este ano tivemos ocasião de alertar o Governo, e em particular o Sr. Ministro da Justiça, para a situação degradante dos tribunais do Porto. Este e os outros tribunais que o Sr. Deputado referiu, especialmente os do contencioso administrativo, que se encontram em condições absolutamente caricatas para o tipo de funções que desempenham, rebentam pelas costuras, dado que estão instalados em condições perfeitamente ridículas, em particular os do Ministério Público - sabe-se que as testemunhas, os advogados, etc., se acotovelam em circunstâncias inadmissíveis. Ora, a questão que colocamos é que medidas financeiras é que estão previstas? Bom, agora vão ser previstas medidas desse tipo, sem dúvida de emergência, mas isso não foi feito antes, o que lamentamos.
Pergunto ao Sr. Deputado se está de acordo em que esta Câmara, ou os Srs. Deputados agrupados como entenderem, tome junto do Sr. Ministro da Justiça, porventura hoje, porque este é um debate que se liga com as questões da Justiça, uma iniciativa no sentido de que a situação do não conhecimento directo dos problemas que o Tribunal de São João Novo enfrenta seja alterada com a deslocação de alguém responsável do respectivo Ministério, com a inventariação das carências e com a adopção de medidas, designadamente em relação à instalação desse órgão, não provisória e em tendas mas num edifício de pedra e cal adequado.
Era isto que gostava de lhe perguntar. É uma iniciativa que creio que podia ser útil e relativamente à qual, suponho, poderia haver uma ampla adesão nesta Câmara.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Lelo.
O Sr. José Leio (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, agradeço-lhe a achega que trouxe com o seu pedido de esclarecimento.
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De facto, considero que é extremamente importante que se aprofunde este tipo de questões e acho que esta Câmara, seguindo a metodologia que V. Ex.º apontou, poderia e deveria debruçar-se sobre a questão em debate.
0 Sr. Deputado tem toda a razão quando diz que o caso do incêndio do Tribunal de São João Novo foi minimizado pelo Governo, designadamente pelo Ministério da Justiça, dado que uma situação de tal importância e gravidade não foi encarada com a dimensão que deveria ter.
De facto, foi deslocado para lá um funcionário que pretende resolver os problemas que decorrem desse incêndio pela via meramente administrativa,, tentando resolver o problema das instalações e minimizando a questão de fundo que é a que o Sr. Deputado aqui levantou.
Penso que este é um problema de fundo que tem a ver com as grandes opções que respeitam a todos, e ao Estado no seu todo, e damos total apoio a uma medida que seja tomada ao nível da Câmara.
Vozes do PS e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Martins.
O Sr. Carlos Martins (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A grave situação que hoje se vive a nível da CP, de consequências ainda não perfeitamente delineadas, mas que são desastrosas para o País, para a empresa e para os trabalhadores, não pode deixar indiferente quem se interesse pelo progresso e bem-estar social.
A frontalidade da luta, que envolve por um lado trabalhadores da CP e por outro a Secretaria de Estado dos Transportes, tendo por intermediário o conselho de gerência da CP, causou já e continuará a causar prejuízos graves que vão demorar vários anos a recuperar.
Atentos ao evoluir dos acontecimentos, não podemos deixar de lamentar a falta de diálogo e abertura negocial e esperamos que o novo conselho de gerência da CP diligencie e consiga a inversão de tal situação.
Não é admissível o enveredar pela via da imposição
que conduz à radicalização de posições sem que se
tenham feito atempadamente a procura de todas as for
mas de diálogo e de consenso. "
Urge abandonar as formas de autoritarismos e de radicalização e procurar soluções de compromisso que satisfaçam minimamente todas as partes, quanto mais tarde o fizerem mais difícil será o diálogo e maiores serão as marcas deixadas por esta luta.
É de lamentar, por outro lado, que numa empresa pública de interesse vital para o País, como a CP, as soluções negociais com os sindicatos que os sucessivos conselhos de gerência têm conseguido não contemplem um projecto global para a empresa e sejam sistematicamente motivo de contestação dos sindicatos não abrangidos e não só.
Estes métodos de negociação deverão ser abandonados, devendo o conselho de gerência procurar implementar um estatuto laboral que sirva capazmente os interesses globais da empresa e dos seus trabalhadores, com respeito pela especialidade das diversas categorias profissionais.
Estamos certos que a procura de soluções globais para os problemas que preocupam uns e outros levará à diminuição da virulência dos conflitos laborais.
. Não podemos também de deixar de ter presente os graves prejuízos de que estão a ser vítimas os utentes. É bom lembrar que a maioria também são trabalhadores, constrangidos muitas vezes por razões económicas a viver na periferia e que estão a ser atingidos pelo conflito, até nos seus salários, pois têm de recorrer, à sua custa, a transportes alternativos, visto os passes sociais adquiridos serem inoperantes.
Daqui dirigimos o nosso apelo aos sindicatos em luta, à Secretaria de Estado dos Transportes e ao conselho de gerência da CP para que abandonem as posições de irredutibilidade e enveredem pelo caminho do diálogo em benefício de todos.
Aplausos do PRD e do PCP.
O
Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a
palavra o Sr. Deputado Mendes Bota.
Ó Sr. Mendes Bota (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Por detrás da opulência visível e apetecida que faz do Algarve destino privilegiado de turismo, autêntico escaparate luminoso da montra da riqueza nacional, existem outros sectores de actividade, cuja importância económica e social continua a justificar uma atenção especial por parte de todos os que se interessam pelo desenvolvimento daquela região, mas numa óptica de desenvolvimento equilibrado, sem rupturas nem traumas.
Está neste caso a actividade ligada à produção agrícola e hortofruticola do Algarve.
Quase imperceptivelmente para muita gente, a região do Algarve produz já hoje em dia cerca de um terço do produto agrícola bruto do País, encontrando a sua expressão mais significativa nos frutos frescos, nomeadamente os citrinos, e nos produtos hortícolas, sendo neste campo de realçar o crescente peso no mercado de exportação, daquilo que se convencionou designar de primores, tirando vantagens por antecipação e qualidade de condições climatéricas privilegiadas.
Até a produção de frutos secos, designadamente o figo, a amêndoa e a alfarroba, ligada eminentemente à estrutura minifundiária de sequeiro, predominante no Algarve até há alguns anos, e que veio paulatinamente cedendo o passo perante o avanço da urbanização e do aliciamento do regadio, volta agora à primeira linha das preocupações dos responsáveis pelo sector, nomeadamente promovendo acções de incentivo ao plantio de novos pomares de espécies seleccionadas, num regime de mais racional exploração, chegados que foram à conclusão das potencialidades inerentes a tais produtos.
Fruto da caracterização fundiária do próprio Algarve, onde impera o regime do minifúndio (basta atentarmos que 70 % das propriedades agrícolas têm menos de 4 ha); fruto também da onda de divulgação dos ideais cooperativos então reinantes no domínio das preocupações de quase todas as estruturas económicas em Portugal.
E tudo isto acrescentado à perspectiva de adesão de Portugal às Comunidades Europeias, a verdade é que foi lançada pelos poderes públicos, especialmente em 1978 e 1979, uma autêntica cruzada de sensibilização junto dos agricultores, procurando incutir-lhes as ideias associativas, nomeadamente na organização e comercialização dos produtos das suas explorações, quer visando o mercado interno quer colocando desde já os olhos na competição além-fronteiras.
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O Algarve não fugiu a esta regra, e a própria Direcção Regional de Agricultura deu o seu apoio directo, e, quanto a nós, meritoriamente, à formação e organização de associações de agricultores, integrando-as no seu Programa de Produção e Comercialização de Horticultura e Cítricultura.
Pretendia-se, assim, atingir essencialmente dois objectivos.
Por um lado, iniciar e incrementar a exportação de frutos frescos para os países europeus, numa perspectiva de beneficiar das condições climatéricas da região do Algarve, que originam precocidade em grande variedade de produtos agrícolas (hortícolas diversos, uva, morango, melão, etc.).
E, por outro lado, contribuir directamente junto da produção, da comercialização e da distribuição, para o enquadramento correcto do sector face às exigências que a adesão à CEE implicaria, tendo na altura em atenção a perspectiva da saída imediata de legislação sobre normalização de produtos hortofrutícolas, regulamentação de mercados ou seus segmentos, organização de produtores, etc.
É dentro deste quadro que se formou em 1980 a UNIHORTA, com sede no concelho de Olhão, e que agrupou inicialmente 32 associados, tendo este número subido rapidamente para 60, os quais dispõem de uma área total de 1000 ha, donde se destacam 70 ha de estufas, 160 ha de citrinos, 90 ha de uva de mesa e 70 ha de outras fruteiras.
O sistema de trabalho praticado pela UNIHORTA consiste na entrega dos produtos pelos associados à organização que os recebe, classifica, prepara e comercializa, cobrando uma tarifa que é função do valor obtido nos mercados.
A sua estrutura assenta, para além das instalações da sua sede, na existência de um entreposto em Viseu e de um posto de venda no Porto,
Tudo estaria bem, e corrido de acordo com as intenções iniciais, se o quadro perspectivado perante os agricultores tivesse sido cumprido na sua totalidade.
Infelizmente, assim não aconteceu. Os mercados abastecedores mantiveram-se a funcionar como tradicionalmente, as relações entre os diversos intervenientes do processo de comercialização mantiveram-se inalteráveis e as normas e regulamentos na perspectiva de adesão à CEE continuaram como acções necessárias, mas pertencentes a um futuro não calendarizado.
Temos assim a UNIHORTA a apresentar produtos de melhor qualidade, normalizados e embalados ao melhor nível da Europa, mas enfrentando uma concorrência desregrada, desobrigada de normas, e logicamente com preços de custo mais baixos.
Ou seja, a UNIHORTA passou a prestar serviços que servem, a nível interno, simplesmente para onerar o produto, sem que daí resultassem benefícios para a produção, o que trouxe inevitavelmente uma acumulação de prejuízos e desmobilização de associados.
assim que se decide na campanha de 1983-1984 orientar as baterias para o mercado externo, especialmente na produção de alface iceberg, experiência que, após dois anos de intensos prejuízos, está finalmente a conduzir este ano a resultados altamente positivos e encorajadores, e que já propiciaram a celebração de contratos para o próximo ano no valor de cerca de meio milhão de contos em divisas e com perspectivas de alargamento, quer quantitativo quer a outras qualidades, cuja especificidade, por ser essencialmente seg-
mentária no mercado, não têm concorrência de outras potências produtoras, nomeadamente a nossa vizinha Espanha.
Abrem-se, pois, novas perspectivas para a UNIHORTA. Só que, anos consecutivos de défices acumulados, a bola de neve dos encargos financeiros dos empréstimos iniciais e de percurso conduziram a uma situação que ameaça destruir a empresa, se não forem tomadas as medidas de auxílio financeiro a fundo perdido, solicitadas em proposta de viabilização apresentada ao Governo em Setembro de 1985, e que não teve até agora a devida e urgente resposta.
Até porque não faria sentido subsidiarem-se a fundo perdido, no âmbito das ajudas dos fundos comunitários, empresas a criar e recusarem-se esses auxílios àquelas empresas, como é o caso da UNIHORTA, que foram autênticas pioneiras na implantação de novas concepções de actividade empresarial, ao nível da melhoria da qualidade e da eficácia na apresentação do produto final ao consumidor.
Estaríamos, assim, porventura, a castigar aqueles que, tendo sido induzidos pelos poderes políticos a fazê-lo, anteciparam a modernização das novas estruturas produtivas e de comercialização, tendo tudo arriscado e novos caminhos desbravado.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Está terminado o período de antes da ordem do dia.
Levo ao vosso conhecimento que se encontra nas galerias do hemiciclo a Escola Sá da Bandeira de Santarém.
Como sempre apreciamos a presença da juventude das nossas escolas, agradeço Q favor de anotarem o facto do modo habitual.
Aplausos gerais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos entrar no período da ordem do dia.
ORDEM DO DIA
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Secretário vai ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
Foi lido. É o seguinte:
Ex." Sr. Presidente da Assembleia da República-
De acordo com o solicitado no ofício n.º 945, processo n.º 677/85, 6.º Secção do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Matosinhos, de 14 de Março último, enviado ao Sr. Presidente da Assembleia da República, acerca do Sr. Deputado Domingos Silva e Sousa, tenho a honra de comunicar a V. Ex.º que esta ' Comissão Parlamentar decidiu emitir parecer no sentido de não autorizar o referido Sr. Deputado a ser inquirido como testemunha no processo em causa.
Com os melhores cumprimentos.
Palácio de São Bento, 10 de Abril de l986 O Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos, António Cândido Miranda Macedo.
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Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos deputados independentes Ribeiro Teles e Maria Santos.
O Sr. Presidente: - O período- da ordem do dia deveria iniciar-se pela eleição, por voto secreto, do parecer da Comissão de Regimento e Mandatos em relação a três Srs. Deputados. Numa melhor lógica de desenvolvimento dos nossos trabalhos, penso que seria conveniente que essa votação se fizesse da parte da tarde.
Como não há objecções, assim se procederá.
Peço aos serviços competentes o favor de providenciarem no sentido de organizarem os respectivos boletins de voto.
Assim sendo, Srs. Deputados, entramos na segunda parte dos trabalhos para a apreciação conjunta dos projectos de lei n.º 66/IV, do Sr: Deputado Lopes Cardoso, n.º 107/IV, do PS, n.º 139/IV, do PSD, e n.º 145/IV, do CDS, sobre consultas directas aos cidadãos eleitores locais.
Vamos continuar a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
0 Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Presidente,
Srs. Deputados: O n.º 3 do artigo 241.º da Constituição da República Portuguesa, com a redacção que lhe
foi dada pela Lei Constitucional n.º 1/82, prevê que
os órgãos das autarquias locais possam efectuar
consultas directas aos cidadãos eleitores, recenseados na
respectiva área, por voto secreto sobre matérias
concluídas na sua competência exclusiva nos casos, nos termos e com a eficácia que a lei estabelecer. ' ' '
Trata-se de uma forma mitigada de referendo quanto à natureza das matéria que podem' ser seu objecto e espera-se e deseja-se, da nossa parte, que constitua um primeiro passo para formas mais vastas de democracia directa.
De resto, é nossa convicção de que a participação directas dos cidadãos, definida na Constituição nos artigos 48.º, n.º 1, e 112.º, permitiria já essa forma de consulta directa aos cidadãos eleitores, independentemente da revisão constitucional, que teve lugar em 1982.
De uma forma ou de outra, reconhecida e admitida a possibilidade constitucional de se proceder a referendos locais importa, até porque disso está dependente a sua realização, que, através da lei que é da competência desta Assembleia da República, nos termos do artigo 167.º, alínea e), se definam os casos em que ela se pode efectuar bem como os seus termos de eficácia.
Com esse objectivo e para definir exactamente esses casos, assim como essa eficácia 'e esses termos, estão em discussão nesta Câmara quatro projectos de lei: um da iniciativa do Sr. Deputado Independente Lopes Cardoso, um do Grupo Parlamentar do. PS, um do PSD e outro do CDS.
Todas estas iniciativas legislativas visam completar o referido preceito constitucional e têm algumas posições coincidentes que não importa estar aqui a apreciar.
Deter-me-ia tão-só naqueles aspectos em que 0 projecto de lei apresentado pelo meu grupo parlamentar apresenta soluções de algum modo diferentes das dos restantes grupos parlamentares, o que acontece desde logo quanto à disposição da eficácia do referendo local.
Em relação a esse ponto, entende o CDS que a eficácia deve ser vinculada, ao contrário do que acontece com o projecto do PS, que entende que ela deve ser
tão-só consultiva, e dos dois outros restantes 'projectos de lei, que consideram que pode ser uma coisa e outra, consoante isso esteja definido pelo próprio órgão que decidir a efectivação do referendo.
É claro que relativamente à tendência favorável da eficácia meramente consultiva poderia alinhar-se, desde logo, um argumento literal, que foi de algum modo levantado pela Sr.º Deputada Margarida Salema, com o parecer que no âmbito da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias foi apresentado na legislatura anterior, no sentido de que a lei - falando de consultas - não quis que o resultado dessa consulta fosse vinculativo.
Poderá dizer-se ainda - como de resto diz o PS que não se pretende com este referendo substituir os órgãos autárquicos representativos e, portanto, neste sentido, importava que a sua eficácia fosse meramente consultiva.
Cremos, pela nossa parte, que isso jamais se verificaria desde logo porque são esses próprios órgãos representativos que deliberam sobre a realização ou não do referendo e entendemos, sobretudo, que o facto de se atribuir eficácia meramente consultiva ao referendo adultera a sua própria essência e a sua própria noção que no fundo é um processo de formação de vontade da comunidade é, nessa medida, tem de ser respeitado.
De resto, há três argumentos que se me afiguram decisivos para se entender que a eficácia do referendo deve ser vinculativa.
A primeira é que, estando este instituto, como está, vocacionado para dar voz livre, e não mediatizada, às aspirações populares, não se compadece com limitações de alcance jurídico e político que colocassem a chamada vox populi nos domínios da assessoria.
Em segundo lugar, encontrando-se a competência para a efectivação dos referendos locais nas mãos dos órgãos autárquicos devem ser estes, quanto às questões que suscitam, a sujeitar-se ao veredicto popular, em vista exactamente das atribuições que receberam.
Em terceiro lugar, e finalmente, o carácter meramente opinativo que se emprestasse aos referendos locais conduziria inevitavelmente à sua desvalorização, com nefastas consequências no processo de descentralização política.
Em suma, esse tipo de argumentação, em que segui muito de perto uma monografia do Dr. Ricardo Leite Pinto, publicada nos Estatutos Políticos e Sociais, creio que é suficiente para que mantenhamos a posição que nos parece realmente a preferível de evitar que os referendos se transformem em sondagens em tamanho natural e que, portanto, tenham eficácia vinculativa.
Um outro ponto, e é o segundo, no qual não há consensos relativamente às soluções propostas nas diferentes iniciativas legislativas, diz respeito ao âmbito dessas mesmas consultas directas.
Aí vai-se desde todas as matérias incluídas na competência exclusiva dos órgãos de autarquias locais, e essa é exactamente a solução que preconiza o projecto do CDS, até à possibilidade de se excluir os assuntos que digam respeito a questões financeiras, quer aqueles que já tenham sido objecto de decisão irrevogável, como acontece nos restantes projectos de lei.
. Quanto a este aspecto do âmbito importa, desde logo, ter em atenção que matérias que tenham sido objecto de decisão irrevogável estão, obviamente, fora do objecto possível do referendo.
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Para além disso, cremos que o excluir dele todas as matérias que tenham natureza financeira seria porventura ir longe de mais, visto que, de algum modo, tudo tem em certa medida uma natureza financeira.
Por outro lado, cremos que estas balizagens não seriam, só por si, suficientes para garantir a dignidade que, apesar de tudo, o referendo deve ter.
Quero dizer com isto que não me parece que tenham de se fazer limitações desse tipo, mas dever-se-ia, isso sim - e nesse sentido apresentaremos uma proposta de alteração ao nosso próprio projecto de lei -, garantir que o objecto das consultas populares sejam exclusivamente questões com relevante interesse para a respectiva comunidade. Não podemos sujeitar-nos a que se faça um referendo sobre uma qualquer pequena questão como, por exemplo, se se deve abrir ou fechar uma janela ou se a curva deve ser mais aberta ou mais fechada, isto é, importava que de facto as questões que pudessem ser submetidas a referendo mesmo neste domínio fossem relevantemente importantes para a respectiva comunidade.
Claro que, desde logo, há quem entenda que nesta matéria não se deve estabelecer qualquer tipo de limitações. Gomes Canotilho e Vital Moreira, no segundo volume da Constituição da República Portuguesa, Anotada, entendem que o referendo deve incidir sobre todo e qualquer problema que caiba nas atribuições e competências dos órgãos locais, mas afigura-se-me que essa limitação da importância da matéria a tratar e a ser apreciada em sede de referendo não deve deixar de ser tida em atenção se quisermos garantir a dignidade deste instituto.
Um outro ponto, e é o terceiro, diz respeito à iniciativa do referendo. A Constituição da República Portuguesa diz que os órgãos das autarquias locais podem... etc., isto é, parece que o legislador constituinte pretendeu que todos os órgãos locais, quer deliberativos quer executivos, teriam competência para desencadear o processo referendário. Anotando esta disposição constitucional, e reportando-me ainda aos constitucionalistas que há pouco referi, eles dizem, no entanto, que a competência para deliberar a realização do referendo cabe seguramente à assembleia representativa, pois é ela o órgão deliberativo da autarquia, independentemente de caber ao órgão executivo efectuá-la.
Também nós, no nosso projecto de lei, entendemos que é aos órgãos deliberativos que cabe decidir sobre se deve ou não ter lugar a efectivação do referendo, e assim parece que não poderá deixar de ser, dada a competência especifica de cada um dos órgãos. Se a nível das diferentes autarquias há um órgão que delibera e um outro que executa é lógico que a deliberação sobre uma matéria tão importante como esta, do referendo, deva ficar incluída na competência dos órgãos deliberativos.
Também neste aspecto se me afigura que o próprio projecto do CDS deve ser passível de uma correcção que iremos propor. É que diz-se no artigo 5.º desse projecto de lei que a deliberação sobre a execução do referendo pertence à assembleia deliberativa, sob proposta do órgão executivo.
Ora, tornar a deliberação do órgão deliberativo dependente da proposta desse outro órgão é que nos parece uma limitação que não deve ter acolhimento.
Nos termos do Decreto-Lei n. O 100/84, as assembleias deliberativas, quer as de freguesia quer as municipais, podem ser chamadas a deliberar, designadamente em reuniões extraordinárias, por proposta do órgão executivo, representado pelo seu presidente, por um terço dos membros do próprio órgão deliberativo e por um determinado número de cidadãos eleitores.
Consideramos que, também para esta matéria, aquelas assembleias devem poder ser chamadas a pronunciar-se, nos mesmos termos em que podem ser sobre quaisquer outras matérias, portanto, não só pelo órgão executivo, mas exactamente do mesmo modo em que nos artigos 12.º e 37.º do referido decreto-lei se prevê a realização de assembleias de freguesia e municipais, respectivamente.
Esta medida tornaria desnecessário estar, ao contrário do que acontece nos restantes projectos, designadamente nos projectos de lei do PS e do PSD, a estabelecer situações específicas para as assembleias se poderem pronunciar sobre esta matéria, contrariando ou afastando-se, pelo menos em alguma medida, da disciplina que está definida no Decreto-Lei n.º 100/84 sobre esta matéria.
Por último, e em quarto lugar, devo dizer que algumas das iniciativas legislativas que estão hoje aqui em debate se debruçam esgotantemente sobre o processo eleitoral a ter em conta, enquanto o projecto de lei do CDS se limita a fazer sobre isso uma remissão para a lei eleitoral, com as adaptações que se tornarem necessárias.
Cremos que esta função de remissão do referendo para a lei eleitoral é uma solução perfeitamente adequada. Tem, á partida, a vantagem de tornar o diploma em questão menos longo e menos complexo; no fundo, se vamos elaborar um diploma para o referendo local com a extensão que propugnam a maioria dos projectos de lei, creio que dificilmente os nossos autarcas pelo menos a nível de freguesia- terão facilidade e vontade de o manusear e de lançar mão deste recurso. Pelo contrário, penso que era extremamente mais importante e útil que se fizesse um diploma bastante mais apreensível.
Depois, e como aliás já aqui foi salientado pelo Sr. Deputado António Vitorino, está neste momento, e por iniciativa do Ministério da Administração Interna, constituída uma comissão para preparar o código eleitoral. É óbvio que se passarmos a ter um código eleitoral não deixará de se ter necessariamente em consideração aquela disposição, que no fundo implica a inclusão de apenas dois ou três artigos relativamente à matéria eleitoral em geral, pois teríamos sanadas todas as dificuldades, isto é, teríamos, por um lado, quanto ao referendo, um diploma bastante mais curto e, por outro lado, uma certa uniformidade de procedimentos eleitorais, o que é muito importante. Assim, creio que tudo isto se poderia alcançar com vantagens nos diferentes aspectos.
Em suma, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não obstante essas diferenças de funções que as várias iniciativas legislativas apontam nesta matéria e que, desde logo, o projecto de lei do CDS tem, creio que todos os projectos de lei podem constituir contributos úteis e valiosos para a elaboração de uma boa lei do referendo e, portanto, todos eles devem ser tidos em atenção para uma formação, o mais correcta possível, desse novo instituto das consultas directas aos cidadãos eleitores.
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Porque se trata de um novo instituto, ele requer uma lei cuidadosa, requer que. não se cometem erros que porventura possam diminuir a vontade daqueles que, como nós, consideram que a democracia directa é, no fundo, a forma superior da democracia.
Por isso, votaremos todos os projectos de lei na generalidade, justamente para . na especialidade se. encontrarem as melhores soluções.
Aplausos do CDS.
1
0 Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para formular pedidos de esclarecimento, os Srs. Deputados Lopes Cardoso e António Vitorino.-
0 Sr. Lopes Cardoso (Indep.
.): - Sr. Deputado Andrade Pereira, suponho que em relação a duas das questões suscitadas na sua intervenção o texto constitucional dá resposta de forma incontroversa. Refiro-me a quem tem capacidade de decidir a realização das consultas locais e aos limites da sua eficácia.
Não julgo que colha o argumento, já aqui trazido pelo Sr. Deputado António Vitorino e agora referido - embora para o contraditor - por V. Ex. a, levantado pela Sr.º Deputada Margarida Salema na última legislatura, quanto àquilo que haveria de inferir da designação que o legislador constituinte escolheu para esta forma de auscultação da vontade popular porque o texto constitucional diz muito mais claramente que é a lei regular que regulará a eficácia.
Se o legislador constituísse ou ,ó entendesse de outra maneira, não teria certamente escolhido a forma equívoca de designadamente definir, a eficácia através da designação de consultas locais. Ele claramente a remete para a lei,.º que deixa aberto a esta Assembleia a capacidade de, ao legislar no quadro da lei ordinária, decidir sobre a natureza da eficácia, do instituto em análise.
Quanto ao aspecto da capacidade de decisão, . também me parece que, de forma inequívoca, o texto constitucional a remete, indistintamente, para os órgãos deliberativos das autarquias, em função das matérias em discussão, quando diz que esses órgãos podem efectuar consultas directas.
Este poder que é concedido aos dois tipos de órgãos autárquicos significa que tem necessariamente de se lhes atribuir a capacidade de decisão nessa matéria. Aquele texto acrescenta ainda u[...] em matérias da sua exclusiva competência [...]", ao referir-se aos órgãos autárquicos.
Em meu entender, e no que respeita a esta questão,' não se pode deixar de inferir que, em matérias da exclusiva competência dos órgãos executivos, caberá ao respectivo órgão deliberar da consulta local e, em matérias da competência dos órgãos deliberativos, caberá às assembleias autárquicas deliberarem sobre a decisão, mas a umas e outras, conforme as circunstâncias e a matéria em causa, não pode ser negado este direito que lhe é reconhecido pela Constituição.
Se pessoalmente me inclino, e já aqui tive ocasião de lho dizer, para que em todos os casos as consultas tenham uma eficácia vinculativa - porque creio que isso é da própria essência do referendo local e não o aceitar em tese é desvirtuar o seu significado -, não sei se neste momento, em que nos falta experiência nesta matéria, não deveríamos avançar de forma mais prudente do que aquela que propõe o CDS, admitindo as duas formas de eficácia. Pela falta de experiência
que temos neste campo, e por uma questão de cautela, aconselharia esta solução mais. prudente, pela' qual optámos. ,
Finalmente, e quanto à última questão levantada pelo Sr. Deputado, delimitar as matérias susceptíveis de serem objecto de consulta às de relevante interesse, parece-me que é, de alguma forma, um voto piedoso. Quem decidirá da relevância das matérias em causa? Serão os órgãos que decidem da realização da consulta?
Então penso que é talvez despropositado que á lei defina, no vago, o que é de relevante interesse e isto estará sempre subjacente à decisão do órgão porque lhe caberá sempre a ele decidir, não só da realização mas, antes de mais, do carácter relevante ou não da matéria sujeita a consulta local.
Receio que esta disposição não tenha sentido prático e que, no fundo, não constitua senão um voto platónico que não limitará em nada a capacidade de decisão e a escolha dos órgãos que venham a deliberar da efectivação das consultas locais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Andrade Pereira, a sua intervenção suscita-me três questões.
A primeira, apenas que conte para assessoria, é que V. Ex.º entendeu - aliás habilmente como é a sua característica -, aproveitar a boleia deste debate para repor em 'cima da mesa a velha tese de que bastava o artigo 112.º da Constituição para que o referendo já fosse admissível à luz do texto da nossa lei fundamental.
Como sabe, não partilhamos ' essa concepção. 0
artigo 3.º consagra o princípio da tipicidade das formas de exercício do poder político, e, segundo eles,
toda e qualquer forma de exercício desse poder que não
esteja taxativamente prevista na ' Constituição é inconstitucional e insusceptível de ser assinada.
É por isso que toda a gente esteve de acordo em consagrar o artigo 24lº, n.º 3, da Constituição, aquando da revisão constitucional e que não foi consagrado o referendo de âmbito nacional. Refiro isto apenas para que conste, digamos assim.
A segunda questão que lhe coloco é a seguinte: Sr. Deputado, penso que o problema da divisão de funções entre os órgãos de exercício e os órgãos deliberativos dentro das autarquias locais é uma questão que tem a ver com a repartição de competências quanto à natureza dos órgãos em si.
Mas, os órgãos de exercício tomam' deliberações, bem como a câmara municipal, e não é necessário, "em meu entender, restringir aos órgãos de tipo assembleia a capacidade de decisão sobre consultas locais.
Pergunto-me mesmo, inclusivamente, se nesse aspecto o projecto de lei do CDS não será inconstitucional, na medida em que faz uma restrição que nada na letra ou no espírito da Constituição autoriza.
-lém do mais, quando a Constituição fala em órgãos autárquicos refere-se aos órgãos autárquicos em geral, e não apenas aos órgãos de tipo assembleia. Dir-me-á o Sr. Deputado: "15so é para evitar conflitos." Não é esta a solução, Sr. Deputado. Porque, em meu entender, a solução para evitar conflitos é esta que lhe estou a dizer, ou seja, os órgãos executivos convocam consultas sobre a sua matéria e os órgãos deliberativos
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sobre a matéria da sua competência. E assim só poderão haver zonas de fronteira e surgir alguns conflitos na chamada competência concorrencial. Mas parece-me que a vossa solução é mais convidativa a esses mesmos conflitos de competência: o Executivo constantemente propõe o referendo a uma qualquer assembleia municipal, quando se trate de executivos minoritários esta constantemente recusa, e o Governo apresenta perante a população o álibi de não decidir sobre determinada matéria porque a assembleia municipal não o autoriza a consultar as populações. É uma fonte de conflitos.
Finalmente, Sr. Deputado, penso que não se pode resolver a questão das matérias que sejam objecto da consulta directa aos cidadãos eleitores da forma simples como o Sr. Deputado a resolveu.
Falou em questões de relevante interesse. Não considera V. Ex.º que as questões de mais relevante interesse são as financeiras? A luz dessa lógica todas as questões financeiras deviam ser objecto de referendo, pois elas são questões de relevantíssimo interesse local, isso posso-lhe garantir. Vejo todos os meses o que pago para a autarquia de Lisboa em matéria de taxa de recolha de lixo e, portanto, para mim essa é uma questão de relevantissimo interesse.
Mas a questão é esta: não se pode pensar que as matérias de natureza financeira a que se faz referência no projecto do PS sejam todas as questões, são aquelas predominantemente de fundo financeiro. Indirectamente, é natural que muitas questões das competências dos órgãos autárquicos têm implicações financeiras, mas quando faço a restrição, no nosso projecto, de matérias desse teor refiro-me a questões de natureza financeira predominante.
Concluo, dizendo-lhe o seguinte: a lei em análise neste momento tem de conferir ao Tribunal Constitucional critérios de aferição da legalidade das consultas e não apenas critério de constitucionalidade. O que a Constituição consagra é a fiscalização da constitucionalidade das consultas e ai não há que enganar, pois basta comparar a deliberação da consulta com o texto constitucional, mas há um segundo critério, que é o da fiscalização da legalidade e ela tem de ser feita em relação ao ordenamento jurídico no seu conjunto, bem como em relação à própria lei que consagra os referendos locais em termos de saber que critérios é que ela lá adianta em matéria de legalidade das consultas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira, para responder.
O Sr. Andrade Pereira (CDS).- - Sr. Deputado Lopes Cardoso, quis V. Ex.º ter a gentileza de me pôr três questões.
A primeira relaciona-se com o problema da eficácia das consultas, tendo V. Ex.º dito que não concordava com o argumento, que se coloca com base no normativo constitucional, de utilizar o termo consulta, daí inferindo que ela teria de ser meramente consultiva.
No raciocínio que fiz infirmei exactamente esse tipo de interpretação. Entendemos, efectivamente, que não é por aí que chegamos a qualquer tipo de solução sobre o problema da eficácia, visto que, como V. Ex.º disse e bem, a própria lei constitucional manda definir a eficácia, o que seria contraditório se, com a palavra consulta, quisesse já estar a tomar uma posição sobre esse problema.
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É evidente que quando defendemos que a eficácia deve ser, tal como dissemos, vinculativa, cremos exactamente - ao contrário do que o Sr. Deputado entende - que com isso se está a simplificar e não a complicar. Precisamente por se tratar de um instituto nascente, parece-nos que o estar a permitir ao órgão que delibera a realização do referendo que estabeleça se este é umas vezes deliberativo, outras consultivo - sem sequer lhe fornecer qualquer tipo de critério legal para definir a ocasião em que tem de ser de uma maneira ou de outra -, salvo o devido respeito, longe de simplificar, complica e, portanto, não se beneficiaria grandemente com essa duplicidade de soluções.
15to sempre com o respeito pelas outras soluções, que, de resto, como claramente defini, entendemos que devem ser devidamente ponderadas e acolhidas.
Por outro lado, quanto à questão da competência pertencer aos órgãos deliberativos e executivos - questão que também foi retomada pelo Sr. Deputado António Vitorino -, não deve a mesma, por força do próprio normativo constitucional, pertencer a ambos os órgãos.
Creio que não há dúvida de que o referendo pode incidir sobre matéria que seja da competência de ambos os órgãos. Não resulta do normativo constitucional que ambos os órgãos tenham de ter capacidade para deliberar sobre a execução do referendo.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Muito obrigado, Sr. Deputado, por me permitir a interrupção.
Parece-me difícil que se possa concluir da letra do articulado do dispositivo constitucional que ambos os órgãos não têm poder de deliberar quando este diz claramente u[...] os órgãos constitucionais podem efectuar consultas locais [...]". Aliás, se não fosse assim, o articulado seria necessariamente outro e não atribuiria tão taxativamente essa faculdade e esse poder a qualquer dos órgãos autárquicos.
O Orador: - Sr. Deputado, é evidente que o articulado diz que os órgãos podem efectuar consultas locais sobre matérias da sua competência. O problema está em saber, a nível de órgãos autárquicos, quais são os que devem ter a competência para deliberar a efectivação do órgão.
No fundo, o Sr. Deputado António Vitorino - e eu neste ponto, e apenas neste, responderia também já à questão que teve a gentileza de me pôr - diz que os órgãos deliberativos e os órgãos executivos têm competências próprias e sobre elas podem tomar deliberações. Pois bem, acontece que a lei esclarece qual a competência de um órgão e de outro. Neste momento em que estamos a definir quem tem competência para deliberar sobre a realização do referendo, nada impede que essa seja, exactamente, uma das competências que se atribui ao órgão deliberativo, precisamente por ser mais consentâneo com a própria natureza deste, sem prejuízo de essa deliberação poder ser tomada sobre matéria da competência do órgão executivo.
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Cremos que é, realmente, uma maneira de simplificar e de respeitar, ao mesmo tempo, a própria natureza específica que cada um dos órgãos - deliberativo e executivo - tem no nosso ordenamento jurídico geral e designadamente no Decreto-Lei - n.º 100/84.
Quanto ao problema de se dizer que a circunstância de se restringirem as questões que podem ser objecto de referendo àquelas que forem de interesse relevante. para a comunidade respectiva, creio que poderia ser, bem mais que um voto pio: a verdade é que a realização do referendo tem de ser precedida de uma verificação por parte do Tribunal Constitucional não só da constitucionalidade mas também da legalidade. E ao ser_ feita a apreciação sobre a legalidade - claro que reconheço que tal critério seria demasiado vago - o relevante interesse seria sempre o do critério dado ao julgador para ele decidir se estava ou não preenchido o requisito de legalidade do referendo que o órgão autárquico pretendia fazer. Para além desse sentido piedoso,, esta circunstância teria, seguramente, um sentido pedagógico, que julgo importante, nesta altura em que se vão começar a fazer este tipo de consultas directas.
Queria começar por agradecer' ao Sr. Deputado António Vitorino a referência simpática que incidentalmente fez e que tem a ver com a sua habitual cortesia e com o trato feliz, correcto e simpático que tem habitualmente para com todas as pessoas.
É óbvio que referi incidentalmente a minha convicção de que, independentemente da alteração que se fez no artigo 241.º da Constituição, aditando-lhe o nº 3, já antes era possível legislar sobre as consultas directas. Esta é a minha posição, embora saiba que não é a de V. Ex. a Pode ser que dentro em breve tenhamos oportunidade de discutir mais largamente este problema.
Quanto à competência dos órgãos executivos e deliberativos, não estou, neste momento, em condições de acrescentar muito mais ao que já disse na resposta que dei ao Sr. Deputado Lopes Cardoso.
No entanto, acerca do problema do critério do relevante interesse, queria dizer que, por entender que se deve estabelecer este critério, isso não exclui que devam ser postos alguns limites, porventura não às questões financeiras, mas talvez às fiscais, embora não tenha ideias muito precisas sobre o sentido de uma ou de outra expressão. Julgo que a introdução de uma ideia de fiscalidade seria até mais representativa do que a que está subjacente à restrição das questões financeiras
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem
palavra o Sr. Deputado Raul Castro. ,
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: O MDP/CDE votou favoravelmente a inclusão no artigo -241.º do actual n.º 3 e por isso, neste debate sobre os quatro projectos de lei, a sua posição é, necessariamente, favorável à regulamentação das chamadas consultas aos eleitores.
0 facto de concordarmos com tais consultas não significa, no entanto, que partilhemos o entendimento de que os mesmos constituiriam consoante já foi referido- uma forma de democracia directa. Pensamos que uma visão tão optimista do seu conteúdo e alcance ao ponto de o considerarmos uma forma ' de democracia directa não se adapta à natureza do próprio referendo..
Efectivamente, o referendo significa dizer "sim" ou
"não", dizer apenas "preto" ou "branco", sem se
poder introduzir na resposta qualquer outra forma de
expressão da vontade do cidadão consultado, o que o
limita fortemente e lhe retira essa característica da participação directa - de democracia directa - que por
vezes já aqui lhe foi atribuída.
Em relação aos quatro projectos de lei apresentados,
temos, a nosso ver, de os separar em dois grupos: por
um lado, um grupo que integra os projectos do
Sr. Deputado Lopes Cardoso, do PS e do PSD e, por
outro lado, o projecto apresentado pelo CDS.,
Na realidade, no que respeita aos cinco pontos fulcrais dos projectos de lei em apreço - matéria das consultas, seu âmbito territorial, sua eficácia, seu poder
de iniciativa e de proposta de iniciativa - o projecto
de lei do CDS afasta-se, efectivamente, na maioria dos
pontos, dos outros três projectos. Daí que a nossa posição seja, naturalmente, de discordância com o projecto
do CDS em face das características que ele apresenta
e de concordância, na generalidade, com os outros três
projectos. Especialmente o projecto de lei do Partido
Socialista é aquele que, em todos os pontos, apresenta
soluções que merecem a nossa concordância. Nomeadamente no ponto que se refere ao âmbito territorial,
este é o único projecto que exclui as freguesias com
plenário de cidadãos eleitores, visto que, efectivamente,
se tornaria indispensável incluir - como se fez no projecto do Partido Socialista - esta exclusão, pois seria
completamente incompreensível que, numa freguesia
com plenário de cidadãos eleitores, se procedesse a
qualquer consulta, também chamada referendo.
Igualmente no que diz respeito- à matéria relativa à
eficácia das consultas, também o projecto do Partido
Socialista se distingue dos outros projectos, preconizando, a nosso ver, a solução correcta, que é a da eficácia consultiva, enquanto os outros dois projectos - o
do Sr. Deputado Lopes Cardoso e o do PSD - lhe
atribuem uma alternativa de eficácia consultiva ou deliberativa.
Na realidade, e contrariamente, neste ponto, à posição contrária e extrema do CDS que lhe atribui eficácia deliberativa, nós pensamos que estas consultas aos
cidadãos eleitores não devem ter, de forma alguma,
resultados deliberativos ou vinculativos para o órgão
que as pôs em prática.
Efectivamente, ao ouvirmos do Sr. Deputado do
CDS (que fez a apresentação do seu projecto e a respectiva defesa) uma justificação para tal iniciativa
a - adiantando que até iria propor futuramente que não
só se estabelecesse o carácter deliberativo, mas também
que as consultas fossem apenas para matéria de relevante interesse -, parece-me que agora se completa
melhor um pensamento que nos distancia claramente,
visto que nos distancia quanto àquilo que para nós é
essencial e que é a autonomia do poder local.
Quando se pensa - sejam quais forem os exemplos,
nomeadamente o da curva ser mais ou menos apertada,
que foi apresentado pelo Sr. Deputado Andrade
Pereira- que é possível o legislador substituir-se à
autonomia dos órgãos do poder local, está-se a retirar
o que deve ser uma competência própria do órgão e
não do legislador, nem de qualquer entidade estranha
ao órgão do poder local.
Efectivamente, até através de outras intervenções já
aqui produzidas deveremos chegar à conclusão que só
ao órgão do poder local cabe decidir se a matéria é
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ou não de relevante interesse, isto é, se deve ou não levá-la à consulta dos cidadãos eleitores.
Por outro lado, se a consulta directa tivesse resultados deliberativos, isto é, se vinculasse os órgãos do poder local, naturalmente que isto lhe faria perder o que não deve perder com estas consultas: a sua própria capacidade de decisão. O órgão de poder local foi criado para decidir e por isso uma das características do poder local democrático é a sua autonomia. Ele não admite interferências seja de quem for, seja do poder central, seja de qualquer outra entidade - nem do legislador -, e por isso o órgão de poder local não pode ficar vinculado a 'qualquer decisão que substitua a sua própria capacidade de decidir quais os problemas que lhe cabe enfrentar.
De resto, penso que em nenhum dos projectos constam quaisquer disposições que necessariamente contribuiriam para melhor os aperfeiçoar.
Referimo-nos, por um lado, à necessidade - que a nosso ver devia constar do próprio projecto que viesse a ser finalmente aprovado - de se culminar a obrigação da divulgação pública dos resultados da consulta. Na realidade, pensamos que se trata de uma forma - que deveria ser imperativa - de a autarquia ficar vinculada a comunicar publicamente os resultados da consulta efectuada.
Por outro lado, para que a consulta tenha a força que se lhe pretende atribuir também se deveria incluir no diploma que, na sua deliberação final, o órgão da autarquia local deveria ser obrigado a contemplá-la, obrigação essa que não significa necessariamente, ao contrário do que o CDS entende, que aquele fique vinculado ao resultado da consulta efectuada.
Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Desta forma, e para terminar, o MDP/CDE, vendo nestes projectos - e naquele que resultaria da sua aprovação futura na especialidade- um auxiliar importante para os órgãos do poder local, não vê, contudo, que eles se revistam de uma importância exagerada a ponto de lhes atribuir a criação de uma nova forma de democracia directa.
Parece-nos, também, importante - para terminarmos como iniciámos - que o facto de, na revisão constitucional de 1982, se ter reconhecido a necessidade de se introduzir esta nova disposição (o n. I 3 do artigo 241.º), nos obriga a tirar dai a consequência necessária, que é esta: não há referendo sem que a Constituição o estabeleça em qualquer das suas disposições. Só dessa forma poderá haver referendo.
Relativamente aos quatro projectos, o MDP/CDE votará favoravelmente na generalidade os do Sr. Deputado Lopes Cardoso, do PS e do PSD, embora nos pareça que, dos três, o do PS é aquele que oferece melhores condições para a aprovação na generalidade e para servir de base a essa aprovação, e votará contra o projecto do CDS.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Pediram a palavra os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Andrade Pereira e Abreu de Lima, para formularem pedidos de esclarecimento.
O Sr. Deputado Raul Castro não tem tempo para responder, mas a Mesa conceder-lhe-á dois ou três minutos - certamente usará do poder de síntese bastante - para responder às questões formuladas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, suponho que disponho ainda de algum tempo, portanto, se o Sr. Deputado Raul Castro necessitar, poderá usar esse tempo, visto que creio que estamos chegando ao fim.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Entretanto o PRD teve, também, a amabilidade de ceder algum tempo, pelo que agradeço ao PRD e ao Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Está resolvido o caso.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Deputado Raul Castro, entendo - a minha capacidade de entendimento chega aí - que em relação a esta questão de fundo das consultas locais e dos referendos se possa ter uma de duas posições: ou aceitá-las, como forma de expressão da vontade democrática das populações, ou recusar, ab initio, a consulta local e o referendo como um instrumento de funcionamento democrático das instituições.
O que já dificilmente entendo é que, uma vez aceite o princípio da consulta local, isto é, o principio da auscultação directa da vontade popular, se pretenda fazer dessa vontade - para usar uma expressão que já foi, há pouco, utilizada - apenas o carácter de assessoria dos órgãos autárquicos, sobrevalorizando, no fundo, essa expressão.
Não entendo que se possa limitar à partida a eficácia ou o aspecto consultivo, até porque não entendo que se possa admitir consultar as populações, para a seguir fazer exactamente o contrário daquilo que foi a vontade por elas manifestada.
Não está aqui em causa o poder de decisão dos órgãos autárquicos que não é de maneira nenhuma coarctado, na medida em que a decisão de consultar lhe cabe a eles. São eles que decidem consultar ou não. O que dificilmente faz sentido é que, como regra, se aceite que decidam consultar, para depois fazerem exactamente o contrário daquilo que resultar da expressão da vontade popular, em função dessa consulta.
Deste modo, gostaria o que o Sr. Deputado me explicasse como se concilia, de facto, o respeito pela consulta e pela expressão da vontade popular e o princípio subjacente de sobrevalorização dessa vontade, não lhe reconhecendo, em circunstância alguma, um carácter vinculativo.
Para além do mais, penso que esta posição de princípio tenderia não a mobilizar as populações para a manifestação da sua vontade, mas sim a afastá-las, a desinteressá-las, a arredá-las de qualquer processo de consulta em que à partida não lhes era dada a mínima garantia quanto ao entendimento concreto e efectivo que se faria da vontade que viessem a expressar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade Pereira (CDS): - Sr. Deputado Raul Castro, o sentido da minha intervenção é bastante coincidente com a que acaba de fazer o Sr. Deputado Lopes Cardoso. Ainda assim justifica-se porque, tanto quanto percebi, V. Ex. a entende dever assentar o sentido de voto do seu grupo parlamentar fundamentalmente na questão de considerar que - embora o projecto de lei do CDS entenda que a eficácia do referendo deve ser
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sempre deliberativa - esta deve ser sempre e só consultiva e nessa medida não pode, de forma nenhuma, dar-lhe o seu apoio.
Em boa verdade, Sr. Deputado Raul Castro, creio que para se entender que a eficácia do referendo havia de ser sempre e só consultiva, então mais valia não haver referendo.
Em minha opinião, a circunstância de haver referendo que seja vinculativo não colide, de modo nenhum, e não é - como V. Ex.º disse -, de forma alguma, um ataque ao poder local e à sua autonomia. Bem pelo contrário! O referendo, na medida em que procura, justamente, conhecer a ' vontade de todos os administrados, é, afinal, um complemento da própria ideia de representação, de democracia representativa. No fundo, trata-se de dar a dimensão última da democracia, pois a própria democracia representativa assenta na ideia de que é a vontade dos governados que há-de ser respeitada.
Pois bem, a forma última de conhecer, e portanto de respeitar, a vontade' dos governados, é exactamente através da democracia directa, do referendo. Nem se pode dizer que a circunstância de se impor aos órgãos representativos o resultado do referendo prejudica a importância dos mesmos, já que são estes, justamente, que, em primeira linha - tendo em atenção a importância das questões em jogo ou de qualquer outro tipo de motivação -, deliberam fazer ou não o referendo.
Uma vez deliberado fazer o referendo pergunto-me que interesse tem esse mesmo referendo e o desenvolvimento de todo o seu mecanismo e de toda a mobilização de meios que isso significa, para, no fundo, termos apenas uma sondagem que, depois, os órgãos representativos nem sequer são obrigados a respeitar? . Em suma, parece-me que, realmente, dentro dessa perspectiva, mais valeria não haver referendo nenhum.
Sobretudo, perguntaria a V. Ex.ª - era esse.º sentido do meu pedido de esclarecimento - se, atendendo à própria filosofia que está na base, da democracia, e que é a representação dos governados, ela não encontra a sua expressão acabada no referendo e se, tendo em atenção que são os órgãos representativos que deliberam sobre a realização do referendo, a autonomia e a importância do poder local, que muito respeitamos, não estão devidamente salvaguardados?
1 O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Abreu Lima.
O Sr. Abreu de Lima (CDS): - Sr. Deputado Raul Castro, pareceu-me que V. Ex.º teria dito que o referendo não é uma forma clara e indiscritível de democracia directa. Pareceu-me que disse isso.
Dou de barato que não seja.
Mas, depois, V. Ex.º disse - justificando a apresentação do projecto de lei do PS - que foi o projecto do CDS o único que excluiu a hipótese de se fazer o referendo nas freguesias onde havia plenário de eleitores, exactamente porque aí todos os cidadãos intervêm nas decisões da sua freguesia, o que se traduziria numa forma clara de "democracia directa".
Mas, então, Sr. Deputado, isto não é a negação daquilo? Ou seja: se nas freguesias com plenário de cidadãos eleitores há uma democracia directa, então nas freguesias onde não há o referendo não funciona tal e qual como o plenário dos cidadãos eleitores para a apreciação das matérias que lhes são postas à consideração e sobre as quais eles decidem?
No meu entender são a mesma coisa, Sr. Deputado:
Pareceu-me que V. Ex.ª ficou impressionado com a circunstância - e talvez isso o tenha levado a não votar favoravelmente na generalidade o nosso projecto - de nós só prevermos' o referendo deliberativo. Sobre isso dir-lhe-ei o. seguinte, Sr. Deputado: nós defendemos que o referendo deve ser vinculativo porque partimos do princípio de que se a consulta parte dos órgãos autárquicos é porque realmente estes não estão em condições de poder decidir, em virtude da gravidade que a matéria envolve e da delicadeza que ela contém. Então parece-me mais lógico que, quando os órgãos autárquicos se sentem incapazes de tomar uma decisão, sejam os cidadãos eleitores da área a que a matéria respeita a tomar a decisão final, que é vinculativa, e não meramente consultiva, para os órgãos autárquicos.
De facto, se assim não for, pode acontece que os órgãos autárquicos digam que estão a consultar os cidadãos, não passando, no entanto, essa consulta de uma maneira diletante de adiar, de esquecer, de "arrumar" a questão. ,
Concretizando melhor o , meu pensamento, pode
acontecer que um órgão autárquico diga: "Consultámos os cidadãos, mas não se chegou a uma solução
clara" e assim a coisa fica por decidir. 15to funciona
então como uma desculpa. _
O carácter vinculativo do - referendo que nós defendemos é uma manifestação de respeito também pelo órgão autárquico, que não fica com menos autoridade pelo facto de se sujeitar a uma deliberação vinculativa. E - isso .porque está na sua própria vontade sujeitar-se a ela mesma. Ou seja: o órgão não perde autoridade por deferir a decisão para aqueles a quem a matéria diz directamente respeito.
Parece-me que essa situação é muito mais correcta e merece muito mais respeito aos cidadãos eleitores, pois, assim, eles têm a capacidade de poder decidir e o órgão autárquico de se conformar com essa decisão.
O Sr. Presidente - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MD/CDE): = Sr. Deputado Lopes Cardoso, gostaria de lhe fazer notar que o seu projecto de lei também estabelece a possibilidade de o referendo ter carácter consultivo. Não compreendo porque é que V. Ex." se insurge contra o carácter consultivo é preconiza o carácter deliberativo ou consultivo.
De resto, a crítica à defesa do carácter consultivo do referendo - e que parece ser comum aos vários intervenientes - é uma critica que não pode ser feita só a mim,' já que esta é também a solução que preconiza o projecto de lei do Partido Socialista e, portanto, temos ambos a mesma posição.
Simplesmente, quer o Sr. Deputado Andrade Pereira quer o Sr. Deputado Abreu Lima talvez não tenham reparado que eu referi que havia cinco características fundamentais desses projectos. E que nessas cinco características o projecto de lei do CDS era aquele que, em quatro delas, advogava soluções que mereciam a nossa discordância. Não é, portanto, só a questão da eficácia, embora essa seja a mais importante, uma vez que as soluções que o CDS defende em relação ao poder de iniciativa das consultas, à proposta de iniciativa e até às matérias das consultas são sempre soluções diferentes dos outros três projectos.
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Quer o Sr. Deputado Andrade Pereira quer o Sr. Deputado Abreu Lima pretendem ver agora qualquer contradição na minha posição relativamente aos plenários de cidadãos eleitores e ao referendo.
É evidente que o referendo é uma expressão da vontade democrática das populações. Contudo, é uma expressão limitada e não é como aquela que existe num plenário de cidadãos eleitores, em que se pode debater livremente e tomar uma decisão que não é apenas um "sim" ou "não". É a decisão que o plenário, em toda a sua extensão e profundidade, desejar adoptar, sem estar vinculado a apenas dizer "sim" ou "não".
Finalmente, uma vez que entendemos que uma das características fundamentais do poder local democrático é a autonomia do poder local, o que propomos quando defendemos o carácter consultivo das consultas aos cidadãos eleitores é que se respeite esse mesmo poder de autonomia dos órgãos do poder local. Efectivamente, o referendo ou a consulta não podem servir de álibi para o órgão se demitir de exercer a sua competência. 15to não significa que, ao ter obrigatoriamente em conta - como, aliás, preconizei na minha intervenção -, na decisão a proferir, o resultado do referendo, isso represente um elemento muito importante, que poderá ou não ser adoptado, mas que não demite nem afasta o órgão do poder local da sua autonomia de decisão, a qual não pode transferir para ninguém. É a ele que lhe compete resolver os problemas no âmbito da autarquia, podendo ouvir as populações para as consultas e, de harmonia com o peso desse apuramento, vir a tomar a posição que entenda ser a melhor, porventura coincidente ou não. Mas o que deve, e isso não está em nenhum dos projectos, é ter, necessariamente, em conta o resultado da consulta local.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa da Costa.
O Sr. Barbosa da Costa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: No decurso do preceito constitucional proclamado e reconhecido pela revisão de 1982 encontram-se em análise quatro projectos de lei sobre consultas directas aos cidadãos eleitores locais.
Num sistema político que se reclama dos princípios da democracia representativa, nele cabe perfeitamente a possibilidade do exercício formal do sistema de democracia directa.
Poder-se-ia opinar que tais princípios se confrontam, isto é, o princípio da democracia directa colocaria em questão, a cada momento, a deliberação e acção de instituições e órgãos, frutos da democracia representativa.
É saudável que um órgão de soberania, cuja origem entronca nos princípios da democracia representativa, exprima, inequivocamente, a vontade política de abrir mão ao sistema de democracia directa, pela qual se torna possível uma mais ampla e eficaz participação na vida pública a todos os cidadãos.
Há, na verdade, situações, opções, planos de desenvolvimento que, pela sua importância e pluralidade de soluções, obrigam a uma mais ponderada decisão.
O carácter pedagógico que todos os grandes ou pequenos actos da vida do homem e das comunidades se devem caracterizar assume um sentido mais vinculativo quando a eles se associam, de direito e de facto, todos os seus protagonistas e destinatários.
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Quando as pessoas se sentem verdadeiramente com participantes nas decisões colectivas vivem mais intensamente a concretização das medidas em cuja génese participaram directamente.
Por outro lado, se as opções partidárias podem dividir as populações, projectos há que poderão ser um eficaz meio de aglutinação da vontade colectiva.
Igual carácter revela o facto de se iniciar o processo referendário a nível autárquico.
Se a vida é um permanente acto de aprendizagem, torna-se evidente, face a uma primeira etapa, neste processo que se deseja progressivo, se inicie por tomada de decisões a nível de limitado âmbito territorial. Assim se poderá ir aferindo, sem grandes sobressaltos, a bondade do sistema.
Aliás, embora não haja tradição jurídica entre nós quanto a esta matéria, ponto é que, desde épocas que se perdem na memória dos homens, as "comunidades dos fregueses" à volta do campanário e no seu fórum local - o adro da igreja - tomaram decisões, por auscultação directa, que a todos obrigavam e que decerto todos gostosamente cumpriam.
Pena é que um belo exemplo dessa vivência milenária - a aldeia comunitária de Viradinho das Fumas tenha ficado inapelavelmente submersa por uma discutível decisão que arrancou dolorosamente os homens da sua terra, os quais travavam um diálogo único, com reflexos que nenhuma barragem pode calar.
Mudaram-se os tempos, e novos caminhos foram apontados pelos ventos da história, mas, apesar de tudo, estas formas consuetudinárias persistem ainda nalgumas comunidades locais.
Se a história é mestra da vida, bem o pode ser também nesta circunstância concreta.
Daí que não há que ter medo de se assumir tal estatuto em toda a sua plenitude.
O referendo local deve ser, por isso, deliberativo e vincular todos os órgãos da autarquia em cujo âmbito territorial tiver lugar.
Um real perigo poderia existir se o seu uso se tornasse indiscriminado e quase irresponsável.
A ele se deve recorrer quando se trate de tomar opções realmente decisivas para o devir das comunidades locais.
Aliás, bem mal iria a autarquia, a qualquer nível, se após uma inequívoca afirmação de vontade dos eleitores, que, sem pressões nem coacções e por voto secreto, indicasse o caminho pretendido e seguisse um outro diverso.
Aqui, sim, poderia haver desnecessários confrontos. Perder-se-ia também boa parte da eficácia do referendo, pois a motivação dos eleitores se reduziria substancialmente caso o referendo tivesse mero carácter consultivo.
Não se julgue, porém, que com esta opção se pretende implementar de forma sistemática a fórmula do poder paralelo que poderá ser gerador de antagonismos estéreis. Assim longe do referendo poder ser um meio de enfraquecer a democracia representativa poder-se-á transformar, quando correctamente utilizado, numa função complementar e de maior aprofundamento.
No que se refere ao poder de iniciativa, julgamos que devem ser conferidos às assembleias ou órgãos executivos das respectivas assembleias sem exclusão da possibilidade desse poder partir de uma significativa percentagem de cidadãos eleitores recenseados na área da respectiva autarquia.
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Necessariamente damos o nosso acordo a que o direito de voto seja conferido aos cidadãos eleitores recenseados na área da autarquia. .
Quanto à formulação de perguntas, devem estas ser. feitas de forma clara e evidente, permissiva de respostas inequívocas, não devendo também apresentar-se um exagerado número de questões, que, sob pretexto .de pretensa eficácia e clareza, podem conduzir a perniciosas confusões. Julgamos ainda que o diploma a ser aprovado deve circunscrever o conteúdo a questões da exclusiva competência dos órgãos autárquicos, com exclusão das questões financeiras. ,
No que se refere à competência para determinar a realização de consultas, apoiamos o princípio que devem ser conferidos aos órgãos competentes para deliberarem sobre as questões sujeitas a referendo.:
. Sr. Presidente, Srs. Deputados: O carácter e o alcance desta iniciativa legislativa aconselham a que se obtenha o mais alargado consenso, que esteja acima das naturais e saudáveis divergências doutrinárias e partidárias que coexistem nesta Assembleia.
,
Quando se trata de possibilitar-se a concretização do sistema de democracia directa, deve este órgão, resultante do sistema da democracia representativa, permitir a progressiva e permanente construção do Estado democrático em que todos, por caminhos diversos, que-
remos .participar.
Aplausos do PRD e CDS.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes. '
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao consagrar, no seu tecido normativo- ' 'as consultas directas aos cidadãos eleitores, a Constituição rodeou o instituto de especiais cautelas. Assim, para além dos requisitos do voto secreto e da especificidade local da matéria, estabeleceu o principio do controle prévio de constitucionalidade e de legalidade e obstou a que, mediante accionamento simultâneo, viesse um dia alguém a contrabandear um verdadeiro, referendo nacional.
' Justificam-se, naturalmente, as baias prescritas. O referendo constituiu, no passado remoto, poderosa arma antidemocrática e viu-se chamado, já depois' do 25 de Abril, à colação das pugnas da direita contra o regime em que vivemos.
Os projectos de lei em apreço reclamam-se de uma intenção regulamentadora e da bondade intrínseca de incrementarem, uma vez aprovados, a vivificação da democracia participativa.
. . Já. noutra oportunidade lembrámos que há formas relevantes de participação popular cujas potencialidades estão por activar, designadamente na área dos direitos das organizações dos trabalhadores e os preceituados nos artigos 2. º, 48.º, 49. º, 52. º, 217. º e 263. º da nossa lei fundamental. Sendo certo que o reforço ou o desencadear de uns mecanismos neste domínio não prejudica outros, é também verdade que no designado referendo local se não encontra tudo nem, porventura, o essencial do que se contém na participatividade institucional das, populações. Donde, com pertinência, o levantar de questões quanto ao carácter tempestivo ou intempestivo das iniciativas agendadas.
Com efeito, o instituto que se enseja não tem, qualquer tradição prática entre nós, conquanto haja sido previsto, em termos mais ou menos fluidos, na Cons-
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tituição de, 19ll, por exemplo, e no Código Administrativo de Marcello Caetano. Não houve um amadurecido. debate sobre á sua adequação ao universo a que se vocacionou, sobre as suas implicações e natureza. A problemática reveste-se de extrema delicadeza, o que não é compatível com a inaudição dos interessados os órgãos autárquicos e as suas associações, os autarcas, as populações.
A Constituição da República quis afeiçoar, ainda que em traços genéricos, um instrumento democrático, destinado a um uso escorreito em defesa das populações e não um expediente manipulável contra o poder local e as aspirações dos povos. Só pode o legislador fazer vingar a judiciosa opção constitucional se e quando informado, profundamente informado, do que a reflexão do pais real produzir.
Estão em aberto interrogações centrais, para as quais importa uma atilada e fundamentada resposta.
Assim, por exemplo, quem é que detém a iniciativa? São os membros dos órgãos autárquicos? Dos órgãos deliberativos e também dos executivos? De uns ou de outros? Dos' cidadãos mediante formas a definir?
Qual é o órgão competente para lançar o instrumento das consultas directas aos cidadãos eleitores? A Assembleia Municipal? A Câmara? Ou ambos? Continuamos numa instância problemática de grande relevância.
Por outro lado, que matérias devem ser abrangidas? Todas, como se preconiza no projecto de lei do CDS? Com algumas excepções, como nos restantes projectos de lei, uma vez que pretendem não incluir aquelas que têm . um cariz estruturante financeiro-fiscal?
.Qual a natureza, qual a eficácia do impropriamente designado referendo local? Consultiva ou vinculativa? Quais as vantagens de uma e de outra possibilidade? Com efeitos constitutivos ou puramente ratificatórios? Deve ter uma função suspensiva, de confirmação, de sanção ou coisa outra?
E, em caso de se optar por uma solução de tipo deliberativo, que maiorias estabelecer? Com que enquadramentos? No tocante a regras adjectivas o que deve fazer-se é a remissão para a lei eleitoral? A enxertia das normas adequadas na lei que se fizer nesta Assembleia? ,Ou repousar nas soluções de um código eleitoral de que se fala, mas que está longe de se ver concluído?
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aflorámos alguns dos nós complexos da teia. Afigura-se-nos que eles sublinham, só por si, a necessidade de um labor prudente, como ainda anteontem reconhecia o Sr. Deputado António Vitorino e hoje acentuou o Sr. Deputado Andrade Pereira. O cunho inovatório do assunto, o imperativo' de harmonizar, num sistema de complementaridade sem aleijões, os vectores da democracia representativa com os vectores da democracia participativa não permitem outra postura a quem conscientemente enfrenta as hipóteses legiferadoras, sempre tão espelhantes da vida concreta.
Não partilhamos da visão esfomeada dos que vêem na lei de desenvolvimento das consultas aos cidadãos, preconizadas no artigo 241.1 da Constituição que nos rege, uma ténue maneira de caminhar para o referendo nacional. A direita, entre nós, sempre amalgamou as coisas, miscigenando o referendo local (para utilizar uma terminologia corrente mas que, por razões óbvias, não logrou transladar-se para o texto da lei fundamental) com espúrios sonhos plebiscitários e caudilhísticos. Inconformada com as sucessivas derrotas que sofreu na
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sua pugna pela reinstituição de práticas que provaram com os resultados os perigos que comportam, vê agora abrir-se a porta que outrora lhe fecharam na cara. Não têm razão de maior para o júbilo. Mas urge não desviar os olhos dos riscos e das dificuldades. Nós não o fazemos.
Entendemos prematuro o suscitar, em sede de produção legislativa, da matéria que nos ocupa. No entanto, colocada por outros na ordem do dia, daremos um contributo diligente para a melhor das soluções, a qual, como reiteramos, passa pela consulta aos órgãos locais, na esteira do que é praxe do trabalho parlamentar e em cumprimento do que prescreve a Lei n.º 99/84. Sem celerismos abastardantes. Com toda, mas toda a ponderação.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PCP votará por forma a exprimir frontalmente o seu desacordo quanto à tempestividade e aos métodos que precederam a apresentação das iniciativas do PSD, do PS, do CDS e do Sr. Deputado Lopes Cardoso, Mas não se demitirá, como é óbvio e como em tudo acontece, de uma intervenção responsável na especialidade.
Aplausos do PCP.
O Sr. António Capucho (PSD): - Estão contra a Constituição
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Lopes Cardoso e Silva Marques.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, permitir-me-á que comece por manifestar o meu espanto pelo facto de o Partido Comunista Português vir aqui, pela sua voz, pôr em causa a tempestividade destas iniciativas, a tempestividade da Assembleia em deliberar nesta matéria quando decorreram quatro anos sobre a aprovação do normativo constitucional que prevê as consultas locais.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Penso que, de facto, não andámos demasiado depressa, pois, pelo contrário, fizemo-lo demasiado devagar. A menos que, e tanto quanto me recordo não é essa a posição do Partido Comunista, aqueles que votaram o normativo constitucional o tivessem feito com qualquer reserva e no pressuposto que ele nunca viria a ter eficácia prática.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Fiquei também espantado pelo facto de o Sr. Deputado ter referido que o PCP estava em desacordo com os métodos que presidiram à apresentação destas iniciativas legislativas. Por mais que dê voltas à minha imaginação, não vejo o que é que há de condenável, por parte dos deputados que subscreveram os diferentes projectos, em usar o direito - talvez o direito mais nobre que aos deputados cabe - de exercitar a sua iniciativa legislativa, nos termos constitucionais e regimentais.
A comissão que teve como tarefa apreciar na generalidade esses projectos não entendeu dever proceder a consultas, nomeadamente às autarquias locais. É tal
vez a matéria que é susceptível de crítica, mas não tem nada a ver com os métodos que presidiram à sua apresentação, que foram, repito, os métodos regimentais e constitucionais.
Finalmente, o Sr. Deputado disse que esta iniciativa coloca um rol de questões. Seguramente que sim, Sr. Deputado. A essas questões os diferentes projectos de lei procuraram dar respostas. Aliás, e através de todas as bancadas, os subscritores dos projectos de lei manifestaram-se abertos a discutir e afirmaram claramente que sobre uma matéria desta natureza não vinham com ideias feitas nem com posições irredutíveis.
O que eu gostaria de ter ouvido do Partido Comunista eram as respostas às questões que o Sr. Deputado suscitou. Que elas existem, para nós não é novidade. O que seria, porventura, novidade interessante era saber qual o contributo concreto do Partido Comunista. Como não acredito que o Partido Comunista não tenha, sobre esta matéria, ideias, limito-me a lamentar que as não tenha exposto aqui, e a esperar e a fazer votos que não deixe de colocar as suas propostas de respostas, em relação a cada uma dessas questões, no momento da discussão na especialidade.
Estamos todos de acordo que devemos ser prudentes nas respostas, e foi essa a ideia que presidiu à minha iniciativa. Aliás, creio não abusar ao dizer que foi a ideia que presidiu a todas as iniciativas.
Sr. Deputado, prudência não é ausência de resposta, prudência não é abdicarmos de dar cumprimento e corpo àquilo que a revisão constitucional trouxe de inovatório nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, julgo saber porque é que os comunistas são contra o referendo.
Irei dar a minha hipótese explicativa, mas depois o Sr Deputado confirmá-la-à.
claro que, partindo os Srs. Deputados da ideia de que toda a sociedade tem expressão em partidos e de que o Partido Comunista é a expressão da classe operária, evidentemente que os senhores não podem aceitar outros meios de manifestação política que atenuem o confronto de classes e, portanto, também o confronto de partidos. Julgo que é essa a explicação de fundo.
Presumo que os senhores ainda estão ligados à ideia de que toda a sociedade tem expressão nos partidos e, segunda vertente da questão, que o vosso é o representante único e exclusivo da classe operária.
Estão ainda numa concepção de confronto de classes, embora depois, no vosso desenvolvimento político e, sobretudo, na vossa prática política, dêem grandes facadas nesse princípio. De vez em quando ele vem ao de cima, um pouco talvez pelos mesmos motivos que levou o Secretário-Geral do vosso partido a dizer há alguns anos que anão haverá democracia parlamentar no nosso país". Partia, então, do pressuposto que, após uma primeira fase, viria uma segunda, a da democracia popular.
Portanto, julgo que a explicação é essa. De qualquer modo, Sr. Deputado José Manuel Mendes, por que é que não a explicita mais claramente? Se o Sr. Deputado abandona essa tese de "luta de classe contra classe" e de "partido contra partido", rejeitando a possibilidade de haver algo acima desse confronto, não tem
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sentido que se limite às perguntas e, então, deve dar a sua resposta ou suas propostas de respostas. Como o Sr. Deputado nem quer abandonar a tese original dos comunistas nem quer fingir que evoluiu, coloca-se numa posição extremamente passiva. No fundo, isto é uma questão grave dos comunistas; é o problema da sua actualização. Compreendo que o secretário-geral do seu partido, que pertence à velha. geração dos comunistas, não tenha evoluído, mas já não compreendo que a nova geração não aceite, claramente, as respostas que a actualidade exige. 15so é que me surpreende!
De qualquer forma, Sr. Deputado José Manuel Mendes, o referendo local é hoje parte integrante do texto fundamental. Se os senhores são tão ciosos do desenvolvimento, na prática, do texto constitucional, então porque é que não abandonam essa preocupação neste caso particular, que, inclusivamente, .é um aspecto fundamental da expressão e da vontade das populações?
Sr. Deputado José Manuel Mendes, no fundo - confesse -, os comunistas estão perante um problema de actualização e de actualidade a tal ponto que, se fosse verdadeiro o conceito que V: Ex,.º hoje desenvolveu, a direita ia até aos senhores, incluindo o MDP/CDE, já que não rejeitou a hipótese do referendo, mas apenas manifestou dúvidas. Espero que a única diferença entre o MDP/CDE e o PCP - não sejam meras dúvidas, Sr. Deputado Raul. Castro!. : .
Sr. Deputado José Manuel Mendes, responda claramente ao seguinte: porque é que os senhores rejeitam o referendo? Será que é por estarem ainda ligados ao conceito de confronto de classes e, portanto, confronto de partidos, não aceitando que a população exprima, no seu conjunto, uma opinião sobre questões que lhe são colocadas? ,
O Sr. Presidente: - Para responder, tem :a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr: José Manuel Mendes (PCP): - Sr.- Presidente,
o PCP exprimiu, com toda a seriedade,, uma posição
perante este debate, posição essa que, de resto, é a que
melhor coincide com aquela que é a sua normal actuação em sede de procedimento legislativo. Ou seja;
perante uma questão cuja magnitude ninguém contesta,
cuja extrema delicadeza todos coonestam, importaria,
previamente, ao accionar das próprias iniciativas parlamentares, proceder a um debate, pelas mil e uma for
mas de que os partidos se podem servir, pelas mil e
uma outras de que as instituições podem igualmente
lançar mão, para que, ao enveredar por soluções de
tipo normativo, estivéssemos bastantemente municiados,
para não estarmos a talhar com insegurança ou com
excessiva auto-suficiência sempre desfiguradora aquilo
que é, em si mesmo, compósito. ,_
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Foi este o ponto de vista que exprimi
e que, naturalmente, não é convergente com, os de
outras bancadas e de outros Srs. Deputados. $ importante que se perceba que é à luz deste entendimento
que qualificamos como não tempestiva a iniciativa dos
diferentes agentes parlamentares, e que qualificamos os
métodos pela forma como o fizemos. -
Pergunta-me o Sr. Deputado Lopes Cardoso porque é que não adiantei, no quadro da presente discussão, as posições que o PCP não deixará de ter sobre esta matéria.
._n_ -
Respondo: porque gerindo em termos de economia de debate, as nossas formas de intervenção, entendemos reservar para a 'especialidade o enumerar, COM todo o rigor e com toda a responsabilidade, dos pontos de vista que advogamos. Quisemos, antes de tudo, e para além de toda a dificuldade, denunciar esta coisa aberrante: implicando o referendo local, impropriamente designado, com, ã realidade do, universo local, este estar hoje a milhas do que aqui ocorre, sem ter tido ainda a oportunidade de pronunciar-se, e devendo fatalmente pronunciar-se, sob pena de andarmos a construir uma criatura aleijada.
Vozes do . PCP: - Muito bem!
:O Orador: - A: partir daqui as ilações pertencem-vos. Nada têm a ver com o que eu disse, e não podem, objectivamente, amarrar-me ao que não afirmei.
O Sr. Deputado. Silva Marques, de quem retive a ideia e não apenas por esta intervenção, mas por muitas outras- de que continua a actualizar-se nas cartilhas mais perimidas da social-democracia europeia...
O Sr. Silva Marques (PSD): = Exacto! Muito obrigado. ,
O Orador: - ... , lançou alguns anátemas infundamentados, fez o seu pequeno faits-divers de guerrilha e repristinou a memória de alguns desvios maoístas, que só a si mesmo dizem respeito.
Risos do PSD.., .
Para além disso, produziu umas quantas imputações de terceiro grau e de quinta qualidade, às quais, obviamente, não respondo.
Há, contudo, uma pequena questão que urge aflorar e que é a seguinte: qualifiquei como sendo uma inata tentação da direita a sua permanente atitude de miscigenar realidades que não são miscigenáveis - o referendo local, por um lado, com as baias constitucionalmente prescritas, e; por outro lado, o referendo nacional, que é o sonho plebiscitário, fantasmático, daqueles que perderam 'em 1980, que perderam em 1986, que perderam na revisão constitucional, e que vão continuar a perder ao visarem recuperar aquele que foi, no passado português, ' um dos instrumentos mais poderosamente antidemocráticos que se conhecem.
Não mencionei, como englobando a direita - e, evidentemente, não o poderia ter feito, até por homenagem ao rigor, que muito prezo -, aqueles outros partidos que têm uma visão completamente distinta desta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito bem!
O Orador: - Defendem o chamado referendo local num quadro completamente diferente, sem essas megalomanias perfeitamente anticonstitucionais e intoleráveis que os senhores expressam em cada intervenção que fazem . .. ..
O Sr: José Magalhães (PCP): - Muito bem!
.. O Orador: -= Por último, acentuei, com todo o vigor, que somos defensores da vertente da democracia participativa, constitucionalmente estabelecida, que somos defensores do reforço e do aprofundamento daqueles normativos que ainda não foram levados à
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prática com toda a vitalidade. Daí o ser totalmente ilídima qualquer conclusão na esteira daquelas que, um pouco precipitadamente, o Sr. Deputado Silva Marques entendeu, com os estímulos de antes do almoço, retirar.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, segundo fui informado pelo Sr. Secretário, o Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida Comissão para a reunião que se realiza hoje, na sala 250-D, pelas 21 horas e 30 minutos.
Pausa.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito pretende usar da palavra?
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, embora introduzindo uma nova figura regimental, o Sr. Deputado Silva Marques, ao pedir o esclarecimento, referiu-se também à minha intervenção. Portanto, usando do direito de defesa, pretendia responder àquilo a que o Sr. Deputado se referiu.
O Sr. Presidente: - Se faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - O Sr. Deputado Silva Marques já nos habituou a introduzir nesta Assembleia momentos de boa disposição.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito obrigado!
O Orador: - Contudo, desta vez introduziu esse momento de boa disposição naquilo em que o Sr. Deputado é especialista: as dúvidas. Sendo um especialista «em dúvidas» entendeu que também poderia estender o seu conceito ao MDP/CDE, mas fê-lo erradamente porque o MDP/CDE não manifestou dúvidas, antes fez afirmações claras e positivas.
O que aqui foi dito foi que, na revisão constitucional, o MDP/CDE - e isto agora já não é um momento de boa disposição, pois estamos perante um assunto sério - votou favoravelmente este n.º 3, que permitiu a discussão sobre estes projectos de lei e, portanto, tem uma posição própria. Aliás, nunca precisámos de definir as nossas posições por contraponto em relação a qualquer partido, seja o partido a que o Sr. Deputado pertence ou qualquer outro. Porventura será isto que mais vos desagrada, mas tenham paciência, pois o MDP/CDE é uma organização que toma posições próprias que nada têm a ver com as dos outros partidos.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado Raul Castro, fiz uma referência ao vosso partido de certa forma em recurso de causa. Porque, a ser verdadeira a argumentação do Sr. Deputado José Manuel Mendes, a direita abrangia-vos. Ora, achei isso excessivo.
Risos do PSD.
... e foi por essa razão que chamei a atenção da Câmara para o excesso da argumentação do Sr. Deputado José Manuel Mendes e para o seu carácter completamente irreal.
Porque se fosse verdadeira - repito - e real a argumentação do Sr. Deputado José Manuel Mendes, se não se tratasse de um excesso, os Srs. Deputados pertenciam à direita. É que para o Sr. Deputado José Manuel Mendes os defensores do referendo - e afinal de contas os senhores votaram a favor ...
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Silva Marques, ignorava que lhe tivesse passado procuração para classificar o MDP/CDE. Não me lembro de lhe ter passado procuração para esse efeito.
O Orador: - Não se trata de procuração, Sr. Deputado. Sou solidário com todos os deputados.
Risos.
... e portanto reajo quando verifico que se cometeram vários excessos. É só por isso. Não é um caso de procuração, é um acto de solidariedade.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado, a sua afirmação de que o MDP/CDE poderia estar incluído na direita é uma afirmação que tem a ver com as posições próprias do MDP/CDE e não com os seus juízos. Toda a gente sabe que não estamos na direita.
O Orador: - É evidente, foi por isso que eu reagi.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Foi mais um momento de boa disposição.
O Orador: - Sr. Deputado, podemos perfeitamente discutir assuntos sérios sem abandonar uma certa descontracção de espírito. Foi isso mesmo que fiz. O Sr. Deputado José Manuel Mendes excedeu-se não só na argumentação como através do seu voo irrealista. E já não falo no Partido Socialista, mas, sobretudo, no caso mais flagrante, que seria o vosso. Porque o MDP/CDE votou a favor do referendo local em sede constitucional e, inclusivamente, declarou que não se opunha - até aceitava, embora com dúvidas, que depois esclareceriam na especialidade - aos projectos de referendo local que estão em análise.
Foi, pois, essa a razão de ser do meu comentário. Não pode haver dúvida de que eu não tinha a menor intenção de interferir no foro específico e próprio do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, somos chegados à hora da interrupção para almoço.
Ficam com a palavra reservada, para produzirem intervenções, o Sr. Deputado Abreu Lima e o Sr. Secretário de Estado da Administração Interna.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Sr. Presidente, sendo, ao que creio, o agendamento do projecto de lei do Partido Socialista relativo à alienação dos bens do Estado nas empresas públicas feito ao abrigo do direito
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potestativo de fixar uma agenda, logo à tarde iniciaremos a sessão com a apreciação deste mesmo projecto ou continuaremos com a discussão que se tem estado a processar?
O Sr. Presidente: - Continuaremos com esta discussão e depois seguimos a agenda.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Está interrompida a sessão. Eram 13 horas e 5 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 27 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir a discussão dos projectos de lei sobre «consultas directas aos cidadãos eleitores locais».
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Abreu Lima.
O Sr. Abreu Lima (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, quero dirigir o meu agradecimento ao PRD por me ter dispensado alguns minutos para fazer esta intervenção, que, no fundo, servirá apenas para fazer uma observação, um reparo ao Sr. Deputado Raul Castro.
Se bem entendi, o Sr. Deputado Raul Castro disse que o problema do referendo se traduz, no fundo, na manifestação de um «sim» ou de um «não» sobre determinada matéria, resumindo-se só a isto.
Estou convencido de que o Sr. Deputado Raul Castro não entendeu bem aquilo que se quis dizer, não só no nosso projecto de lei, mas também nos outros projectos. É que há uma fase e um somatório de elementos, de dados, de démarches, de processualismo antes de uma pessoa optar por «sim» ou por «não». Há um estudo da matéria sobre a qual se tem que pronunciar em definitivo e há necessariamente esclarecimentos de ambas as partes e das duas faces da matéria que é discutida e sujeita a Plenário, o que é demorado e longo, tal como acontece com as - chamemos-lhes assim, se necessário - sessões de esclarecimento. Isso é um facto, isso acontece.
Permito-me trazer aqui à colação o exemplo próprio de um facto ocorrido comigo e no meu concelho, em que não estava estabelecido o referendo. Embora não seja inconstitucional, recorri ao referendo, à margem disso, como utilidade de função. Gerava-se numa freguesia o problema da decisão sobre para que lado é que se havia de ampliar um cemitério, problema que era completamente indiferente à Câmara - ampliar para a frente ou para trás era completamente indiferente. Contudo, esse problema era vital para a freguesia, até porque esta estava dividida neste aspecto e nestas circunstâncias. A pergunta foi feita e houve, inclusivamente, sessões de esclarecimento, nas quais foram pesados os prós e os contras de ser de uma ou de outra maneira. As pessoas foram chamadas, através dos cadernos eleitorais, a dizer se queriam que fosse ampliado para um lado ou para o outro. Assim decidiram, assim foi cumprido e assim foi feito.
Portanto, não podemos ser levados a pensar que o referendo se limita apenas a um «sim» ou a um «não» ou que é uma mera fórmula, pois não se trata de chamar o povo a decidir de uma forma completamente em branco e a jogar quase como quem joga no totobola. Não é isso que se passa. Tudo isso é antecedido de uma série de démarches, e é por isso mesmo que defendemos o princípio de que o referendo deve ser vinculativo, exactamente por o ser.
A capacidade de decidir que os órgãos autárquicos têm é da sua exclusiva competência, mas, em face de situações que não saibam ou não possam resolver ou sobre as quais tenham sérias dúvidas relativamente a uma ou a outra solução, ambas razoáveis e aceitáveis, que sejam os próprios cidadãos a decidir! Se eles têm capacidade de escolher os órgãos autárquicos, pois que tenham também capacidade de escolher aquilo em que directamente têm interesse e, nessa altura, que essa decisão seja mesmo vinculativa! Na medida em que o órgão autárquico solicita e põe à disposição da própria população a maneira de escolher, mas, antes disso, ponderando, pesando, avaliando e tomando em consideração tudo o que é convergente e tudo o que vem contribuir para o melhor esclarecimento daquela matéria, penso que, quando essa decisão é tomada, lhes deve ser dada inteiramente.
Isto não implica, de maneira nenhuma, menor diminuição da capacidade, do poder de decidir e das competências dos órgãos autárquicos e significa o reconhecimento de que quem tem capacidades para escolher os seus representantes também tem capacidade para decidir das suas questões. Foi apenas por isto que pedi a palavra. É esta a razão, a filosofia, o princípio que enforma e está subjacente a todo o nosso projecto de lei.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado Abreu Lima: Não ignoro - naturalmente que ninguém ignora - que, antes de se dizer «sim» ou «não» já no desenrolar da própria consulta, as pessoas sabem qual é o problema e podem discuti-lo, mas em privado.
Por isso, considero que os eleitores, assim como tiveram capacidade para eleger, têm capacidade para decidir nesta matéria. Só que a forma de decisão não permite isso, porque, ao contrário do entendimento do Sr. Deputado Abreu Lima, nos parece que a consulta local é uma forma limitada de expressão da vontade popular. Não é, por exemplo, uma forma de expressão da vontade popular como o debate em plenário de freguesia, visto que, neste caso, além da discussão, que é comum, sobre o conhecimento do objecto da matéria, há possibilidade de troca de impressões e de, através dela, haver até mudanças de opinião. Isto é que corresponde a uma democracia directa, o que já não acontece com o acto de responder «sim» ou «não» ou, como dizia um caricaturista, com o facto de haver três umas, uma para «sim», uma para «não» e outra para frases célebres - isto não é democracia directa, mas uma forma atenuada, limitada de expressão da vontade popular.
Por outro lado, o resto da questão do Sr. Deputado reincide na defesa do carácter vinculativo da consulta. Quanto a isso, creio que já exprimi o meu pensamento.
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Pensamos que deve ser consultivo, porque entendemos que, a não o ser, contende com a autonomia do órgão do poder local. Quando os cidadãos eleitores elegeram um determinado órgão, reconheceram nele capacidade para decidir os problemas da autarquia. É legítimo que, num momento de dificuldade, o órgão queira ouvir a opinião dos eleitores, mas não se pode demitir da sua capacidade e autonomia de ser ele a decidir, em consonância ou não com as opiniões que recolheu.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna (José Manuel Barroso): Sr. Presidente, Srs. Deputados: Trata-se hoje de definir o regime das consultas locais aos cidadãos eleitores.
Ao fazê-lo, estamos a dar cumprimento ao estipulado no artigo 241.º, n.º 3, da Constituição, que, para o efeito, deve ser conjugado não apenas com o artigo 112.º, que estabelece a participação directa e activa dos cidadãos na vida política como condição e instrumento fundamental da consolidação do sistema democrático, mas também - convém não esquecê-lo com os artigos 6.º, 237.º e 239.º, que se referem ao principio da autonomia local, e com outros artigos que, numa correcta interpretação sistemática, importa trazer à colação. Refiro-me ao artigo 267.º (participação popular na administração da justiça), ao artigo 246.º, n.º 3, e ainda a outros artigos que se referem à democracia participativa que se encontra prevista na nossa Constituição, como, entre outro, os artigos 2.º, 55.º, 57.º, 63.º, 64.º, 67.º, 77.º, 94.º, 104.º, 118.º, 248.º e 263. º
Trata-se de, no conjunto da Constituição, darmos cumprimento a uma das suas previsões que, como já aqui foi salientado, é uma inovação da última revisão constitucional, embora não constitua inovação no nosso ordenamento jurídico. O artigo 66.º, n.º 4, da Constituição de 1911 previa o referendo local, e o mesmo faziam a Lei n.º 88, de 7 de Agosto de 1913, que consagrava a intervenção obrigatória dos eleitores da paróquia relativamente a certas deliberações das respectivas juntas e a intervenção facultativa dos eleitores dos municípios, a pedido de um décimo deles, para se tornarem executórias certas deliberações das respectivas câmaras, e a Lei n.º 621, de 23 de Junho de 1916, que estabelecia o referendo obrigatório para a criação de novas freguesias ou concelhos.
Portanto, isto não aparece a partir do nada. Já há uma tradição no ordenamento jurídico português e também não é a primeira vez que a proposta se encontra feita. Recordo que o referendo local fazia parte da proposta de constituição do Partido Popular Democrático, em 1975. $ nesse âmbito e com este sentido que hoje se trata aqui de legislar.
Foram aqui invocados alguns dos aspectos fundamentais quanto ao referendo local ou, mais precisamente, quanto às consultas locais aos cidadãos eleitores. No entanto, e com o devido respeito, gostaria de salientar alguns dos aspectos que, quanto a mim, são mais importantes e que ainda não foram senão aflorados.
Em primeiro lugar, é talvez através da instituição deste mecanismo que um dia virá a realizar-se, na minha maneira de ver, a regionalização do País. Se a
Assembleia não limitar o objecto do referendo local, parece-me que será através destas consultas que se poderá proceder à criação ou extinção de municípios ou à alteração da respectiva área - artigo 249. º - e ainda à pronúncia sobre a formação das regiões administrativas. Trata-se, pois, de uma medida cujo alcance não será demais salientar.
Por outro lado, embora normalmente a consideração deste instituto se encontre integrada na ponderação do valor representação em relação ao valor participação, parece-me que deveríamos considerar também outro aspecto fundamental, já aqui aflorado, que é o do tipo de decisão e de função que no sistema político traz a adopção do mecanismo referendário, ainda que apenas a nível local. Como aqui foi dito, provocando o referendo uma decisão inequívoca, uma decisão de "sim" ou "não", este tipo de função que é a de aceitar no regime político uma lógica maioritária e claramente virada para a acção também não será de somenos importância no conjunto do sistema português.
Precisando melhor este aspecto, o referendo local, nos países em que existe, tem também - e talvez sobretudo - esta função. O caso mais citado é o da Suíça, onde, como sabem, existe um Governo de tipo consensual ou - por assim dizer - um acordo de elites, nos termos do qual todos os partidos importantes se encontram representados no Governo através daquilo a que eles chamam a "fórmula mágica". Os analistas do sistema - tanto os constitucionalistas, como os sociólogos - salientam sempre que todas as iniciativas de tipo referendário têm precisamente a função de introduzir no sistema esta possibilidade de desbloquear a decisão a que as próprias elites, por acordo, consenso ou compromisso, não conseguem chegar. 15to quer dizer que se trata de um desempate, confiando-se então ao povo soberano a capacidade de desempatar a decisão.
Esta vai ser, com certeza, uma das inovações importantes do referendo local, porque, embora apenas a esse nível, trata-se de introduzir no sistema português algo fundamental, que é a pedagogia da capacidade de decisão e a educação para a tomada de decisão. O problema do nosso pais não tem sido o de decisões a mais, mas, pelo contrário, o do adiamento sistemático das decisões e das manobras dilatórias consecutivas, que, de uma forma ou de outra, temos de aprender a desempatar, preparando as nossas populações, que estão deseducadas por séculos e séculos de submissão, a serem capazes elas próprias de dizer "sim> ou "não" o que querem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - No nosso país, como também noutros países o discurso político utiliza normalmente como grande recurso a ambiguidade, fugindo-se à decisão clara, inequívoca e unívoca. Não estamos habituados à decisão de "sim" ou "não" e as populações, ainda não plenamente emancipadas, muitas vezes por falta de educação, estão habituadas a falsas decisões do tipo "sim, não, mas também", "sim, não, talvez", "o assunto aguarda oportuna consideração", "ver-se-á no respeito das condições financeiras" ou "fica para mais tarde".
Por isso, as populações têm de ser chamadas elas próprias a decidir e a habituar-se a essa necessidade de encontrar uma solução concreta para os seus proble-
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mas. A melhor forma de o fazer é ao' nível local e confio que o referendo local, se introduzido com a devida prudência, pode contribuir muito para esta pedagogia da decisão e da capacidade de decidir que nos falta ainda no sistema político.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A função do referendo é, pois, muitas vezes, uma função de válvula de escape, de desempate, de um sistema democrático. '
Por outro lado, como já foi referido neste debate, trata-se de não reduzir tudo à dimensão partidária. Sem prejuízo da importância, relevância e dignidade que tem a actividade partidária, a verdade é que seria errado, num sistema democrático e aberto como o nosso, procurar subsumir todas as escolhas da população a clivagens que se organizariam partidariamente. Há questões que, pela sua própria natureza, o povo soberano tem de decidir, sem se referir imediatamente a esse tipo de clivagem. O princípio do referendo que agora acolhemos a nível local é uma forma de abrir a possibilidade dessa decisão fora de uma pura e simples lógica partidária. Também nesse aspecto nos parece positivo.
Srs. Deputados, de tudo isto resulta a nossa preferência pela eficácia deliberativa ou vinculativa do referendo local, ainda que com determinadas condições.
Digo "eficácia deliberativa ou vinculativa" por duas razões muito simples.
Em primeiro lugar, por uma questão* de teoria democrática, pois não se compreenderia que um órgão tivesse competência para tomar determinada decisão e que' o povo soberano, que esse órgão representa, não tivesse, pelo menos, a mesma competência. Este é o argumento de teoria democrática, que nos conduz favoravelmente no sentido de concedermos eficácia deliberativa á qualquer mecanismo referendário deste tipo.
Em segundo lugar, por uma razão de ordem prática. É evidente que, se consultarmos as populações, seria na prática extremamente difícil que depois, sem prejuízo da sua legitimidade, o órgão viesse a decidir em sentido contrário ao que ficou patente na consulta.
Por todas estas razões, parece-nos que se deve conceder eficácia deliberativa, ainda que condicionada,
porque, como aqui foi dito, há certas precauções
tomar em matéria de referendo local.
Que precauções? Quanto a nós, essencialmente de três tipos.
Em primeiro lugar, trata-se de não ferir a legitimidade dos órgãos autárquicos. É evidente que se trata de um apoio aos órgãos autárquicos, ao processo de decisão, pelo que não poderia acontecer que este mecanismo viesse minar essa legitimidade ou conduzir a problemas, por vezes entre os próprios órgãos autárquicos. Aliás, isso já está, de certa forma, previsto na Constituição.
Em segundo lugar, trata-se de não banalizar ou desprestigiar o próprio referendo local e o mecanismo referendário em geral. O uso e abuso do mecanismo' pode conduzir a- isso, e por isso parece-me extremamente razoável uma solução do tipo "conceder eficácia deliberativa desde que haja 50% dos cidadãos a exprimirem a sua opinião". A solução de alternativa, isto é, de o órgão dizer antecipadamente que o referendo tem apenas eficácia consultiva, parece-me, salvo melhor opinião, errada, dado que é um convite prévio à abstenção e à diminuição da importância da consulta. Por
tudo isto, parece-me que também aqui, embora não
devendo banalizar, temos de pôr certas condições à
eficácia deliberativa da consulta.
Em terceiro lugar, embora o problema não seja
muito importante, visto que o referendo é meramente
local, trata-se de não prejudicar o funcionamento do
sistema representativo. Verifica-se, de facto, que certos países que recorrem, talvez excessivamente, a consultas referendarias registam, em seguida, diminuição
da participação nas eleições gerais. Este facto é conhecido, sendo o caso, nomeadamente, da Suíça e' dos
Estados Unidos. Há muitos autores que associam os
dois aspectos.
Portanto, o uso e abuso do referendo, ainda que tal
vez não seja o caso mais previsível em Portugal, dada
a sua limitação ao campo do poder local, poderia, contudo, trazer problemas em matéria de sistema representativo.
Com estas precauções, que são precauções no campo
daqueles que acham que o referendo se impõe pela própria teoria democrática, o referendo pode e deve ser aceite. '
Sr. Presidente, Srs. Deputados, foram aqui focados
por vários Srs. Deputados problemas de sede legislativa, designadamente sobre aquilo que deve ser tratado
nestes projectos de lei e aquilo que eventualmente deve
ser remetido para uma proposta de lei a apresentar
oportunamente pelo Governo.
Pela nossa parte, queremos dizer que ficamos sensibilizados com a confiança que é depositada nesse sen
tido. Trata-se, aliás, como sabem, de matéria da reserva
absoluta de competência da Assembleia. Estando neste
momento a funcionar uma comissão para o código
eleitoral, parece-nos que determinadas matérias encontrariam a sede apropriada nesse código. Ao recenseamento e à propaganda eleitorais já se devem aplicar,
por analogia, na minha opinião, os princípios gerais
de direito, e outras matérias, como as da capacidade
eleitoral, devem figurar no código eleitoral.
Embora a Assembleia tenha poderes para decidir em
toda a matéria, trata-se de decidir hoje aqui, sobretudo,
quanto à iniciativa, ao objecto, à eficácia e ao âmbito
territorial da consulta referendaria.
O Governo está d disposição da Assembleia para
a colaborar, em tudo aquilo que estiver ao nosso alcance,
no trabalho técnico desta matéria.
Existem vários estudos feitos no âmbito do Governo
e dos serviços dele dependentes, nomeadamente o Secretariado Técnico dos Assuntos Relativos ao Processo
Eleitoral, e estudos e informações que foram produzi
dos durante a anterior legislatura, quando foram apresentados os primeiros projectos de lei sobre esta matéria. Esses estudos estarão à vossa disposição na altura
da discussão na especialidade, se, como é previsível,
forem aprovados na generalidade os projectos de lei
agora em discussão.
Estando, evidentemente, ao dispor para quaisquer
esclarecimentos, quero terminar esta introdução com
uma congratulação pela forma como a Assembleia chamou a si esta matéria e não adiou por mais tempo um
problema que diz respeito não só ao poder local, mas
também a um princípio fundamental do funcionamento
do sistema democrático. Se o Governo não apresentou
uma proposta de lei sobre esta matéria, não foi por
falta de interesse, mas, muito pelo contrário, por ter
achado que os projectos de lei que já se encontravam
na Assembleia, apresentados praticamente por todas as
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bancadas deste hemiciclo, já previam soluções bastante interessantes e aceitáveis para melhorarmos mais este aspecto do funcionamento do nosso sistema democrático.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados António Vitorino e Raul Castro. Acontece, porém, que o Sr. Deputado Raul Castro já não dispõe de tempo.
Pausa.
Pelos gestos vindos da bancada do PRD, interpreto que lhe vão conceder algum tempo para que o Sr. Deputado Raul Castro possa formular os esclarecimentos que pretende.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, V. Ex.º, na sua intervenção, fez considerações que reputo interessantes e que mereceriam um debate mais aturado, mas permitia-me distinguir duas delas.
A primeira diz respeito à ideia que avançou de que se tratava de um instrumento importante no sentido da criação das regiões administrativas e de dirimir, digamos assim, uma certa tensão latente, chamemos-lhe por este eufemismo, na criação e na extinção de municípios existentes nesta Câmara.
Salvo melhor opinião, penso que não é este um instrumento que constitucional mente seja consentido para tomar uma deliberação desse teor. Ou seja, a criação e a extinção de municípios é da reserva de competência da Assembleia da República, não é matéria da reserva de competência das próprias autarquias locais, elas próprias, e a Constituição comete as consultas directas aos cidadãos eleitores apenas sobre matéria da competência dos órgãos autárquicos. Aliás, a questão, em si própria, já no passado foi colocada perante esta Assembleia. O anterior Governo apresentou à Assembleia uma proposta de lei quadro dos municípios onde, no seu artigo 14.º, se previa que o regime de criação e de extinção dos municípios ficaria sujeito a referendos locais nas autarquias a modificar e a criar, e foi entendido que tal mecanismo era inconstitucional, na medida em que não recobria o conteúdo do n.º 3 do artigo 241.º da Constituição.
Também no artigo 252.º é entendimento da Constituição que a criação das regiões se faça ouvidas as assembleias municipais e que a instituição, em concreto, de cada região dependa do voto favorável da maioria das assembleias municipais que representem a maior parte da população da área regional. Não se vê também em que medida é que um referendo local possa substituir a cominação constitucional de haver pronúncia expressa dos próprios órgãos autárquicos em questão.
Em segundo lugar, V. Ex.ª referiu que se tratava de conferir eficácia deliberativa com determinadas precauções. Enunciou três precauções genéricas - com as quais estaremos de acordo, independentemente da questão de saber se deve ter eficácia deliberativa ou consultiva -, mas não se pronunciou sobre as limitações quanto ao objecto, isto é, quanto às matérias que se devem considerar excluídas do âmbito das consultas locais.
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Ora bem, penso que seria interessante para este debate conhecer a opinião do Governo em relação a uma questão deste género, tanto mais que o Governo exerce sobre as autarquias locais um poder de tutela de legalidade que pode vir a ser defraudado - sublinho, que pode vir a ser defraudado - se não for clara a delimitação das matérias que podem ser sujeitas a referendos locais e das matérias que, não o podendo ser, terão que ser obrigatoriamente decididas pelos órgãos das autarquias locais.
O Sr. Raul Junqueiro (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, V. Ex.º anunciou, talvez com alguma imodéstia, que iria referir alguns assuntos que não foram tratados no debate; contudo, ficou-se pelo problema de as consultas directas aos cidadãos eleitores locais poderem ser um instrumento de regionalização, matéria, aliás, a que o Sr. Deputado António Vitorino já se referiu, e até creio que nos quatro projectos de lei que foram apresentados está referido que o referendo, no que diz respeito ao âmbito territorial, abrange também as regiões administrativas.
Referiu ainda o Sr. Secretário de Estado que aquilo a que se chama referendo - mais propriamente, consulta aos cidadãos eleitores - representava uma pedagogia das decisões, visto que as autarquias estavam habituadas a adiá-las.
Ora bem, Sr. Secretário de Estado, a ideia que temos
não é a de que as autarquias estejam habituadas a adiar
as decisões. Infelizmente, elas estão habituadas a adiar
decisões quando não têm disponibilidades financeiras.
É evidente que a falta de disponibilidade financeira não
é matéria da sua responsabilidade, mas essa tal indecisão que referiu do "era", do "não era", do "sim", do
"também" não tem correspondência real com o pano
rama das nossas autarquias locais, nem tão-pouco tem
correspondência real o invocar-se que seria uma forma
de superar decisões partidárias. 15to porque, Sr. Secretário de Estado, todos sabemos que as autarquias
locais, embora sejam formadas com base em partidos
políticos, as decisões são tomada ' s, normalmente, sem
se atender ao partido político que as propõe. Quer
dizer, no que diz respeito às autarquias locais, uma
determinada proposta é aprovada ou rejeitada pelo seu
mérito próprio e não em função do partido político que
a propõe, desaparecendo, assim, a fronteira partidária.
Foi também por isso que não entendi a referência que
fez nesta matéria.
Quanto a referência á válvula de escape, penso que o Sr. Secretário de Estado entra em contradição com a sua apregoada identificação com o regime democrático. Válvula de escape de quê, Sr. Secretário de Estado? Então as autarquias locais - o novo órgão tão elogiado por todas as forças políticas - têm necessidade de uma válvula de escape em relação às suas competências? Não se compreende! A não ser que se tenha o entendimento de que, efectivamente, as autarquias não dispõem de um pleno funcionamento democrático e se socorrem das consultas locais como válvula de escape - a expressão empregue pelo Secretário de Estado.
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Por último, naturalmente que não 'é exigível, rigorosamente, que as posições do Governo sejam iguais às do partido político que o apoia; podem ser diferentes. No entanto, estamos habituados a que haja coincidência. Verifica-se pela intervenção do Sr: Secretário de Estado, no que diz respeito à eficácia da consulta, que, afinal, V. Ex.` se inclina mais para o projecto de lei do CDS do que para o projecto de lei do -PSD. 15to porque no projecto de lei do CDS é que se propõe a eficácia deliberativa, enquanto no projecto de lei do PSD propõe-se uma alternativa: ou consultiva ou deliberativa. Esta hipótese o Sr. Secretário de Estado não referiu; apenas fez o elogio da eficácia deliberativa. Naturalmente que rodeou essa eficácia de um certo número de condicionantes, mas não deixou de lhe atribuir eficácia deliberativa.
São estas as questões que submeto ao Sr. Secretário de Estado, visto que importa esclarecê-las na sequência deste debate.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna: - Relativamente às perguntas feitas pelo Sr. Deputado António Vitorino, no que diz respeito à importância desta matéria, como eu disse, eventualmente para o processo de regionalização, vou explicitar melhor o meu pensamento.
Em primeiro lugar, isso encontra-se previsto no artigo 249.º da Constituição, que passo a ler: "A criação ou a extinção de municípios, bem como a alteração da respectiva área, é efectuada por lei, precedendo consulta dos órgãos das autarquias abrangidas."
Ora bem, nada impede que esta consulta dos órgãos das autarquias abrangidas não seja subsequente a uma consulta das populações. O que eu disse foi que, eventualmente, isto seria muitíssimo importante para o processo de regionalização. Estou aqui a ver uma das possibilidades de utilização, pelo que não. é, de maneira nenhuma, inconstitucional.
O Sr. António Vitorino (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Secretário de Estado?,
O Orador: - Faça favor.
O Sr. Carlos Brito (PCP): - 15to não tem nada a ver com Vizela! .
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Secretário de Estado, agradeço-lhe ter-me permitido- interrompê-lo. Estou de acordo consigo se V. Ex. ' entender que as consultas locais são, nesse caso, meramente consultivas, porque, se forem deliberativas, V. Ex.ª terá. que reconhecer que elas obrigam os órgãos das assembleias e, consequentemente, há uma transferência de competências que a Constituição não autoriza.
O Orador: - Exacto. Talvez me tenha escapado - embora eu tenha estado presente durante todo o debate -, mas, como não ouvi aqui referida a importância desta matéria do referendo local para o processo de regionalização, quis advertir a Assembleia, porque esta pode, eventualmente, considerar até que deve limitar o objecto do referendo nesta matéria..
Mas o parecer não é apenas meu; o parecer é do
Prof. Jorge Miranda e diz o seguinte: "A consulta
nas pode de incidir sobre matérias incluídas na competência exclusiva dos órgãos das autarquias, o que abrange
a pronúncia sobre a criação ou a extinção de municípios ou alteração da respectiva área e a pronúncia sobre
a formação de regiões administrativas." Esta é a opinião de uma pessoa juridicamente mais qualificada do
'que eu. Está, pois, respondida a primeira parte da pergunta feita pelo Sr. Deputado António Vitorino.
A segunda questão levantada pelo mesmo Sr. Deputado é também muitíssimo importante e diz respeito à limitação do objecto. Não quis pronunciar-me sobre isso, porque entendo que essa é matéria que, sem dúvida nenhuma, deve ser tida em conta aquando da discussão na especialidade.
No entanto, visto que me é pedida uma opinião, passo a referi-la imediatamente: por razões óbvias, que me abstenho de desenvolver, pois já aqui foram apresentadas, penso que devem constituir reserva de competência nesta matéria as questões financeiras. Fui também muito sensível ao excelente argumento apresentado pelo Sr. Deputado António Vitorino quando se referiu a questões que, pela sua natureza, proporcionam um tratamento algo emocional e até demagógico e que podem, eventualmente, desvirtuar o instituto. Fui extremamente sensível - repito - a esse argumento, mas não vejo como podemos tipificar e delimitar esse problema. Se me apresentar uma solução, estarei pronto a concordar com ela. Agora, dizer "as matérias que pela sua natureza podem ter esse conteúdo demagógico" é o mesmo problema que foi levantado, nalgumas intervenções, pelos Srs. Deputados do CDS, quando diziam: " só as questões relevantes". Mas o que são questões relevantes? É um problema de tipificação que deixo à vossa consideração e à vossa competência, nomeadamente aquando da discussão na especialidade. , .
Quanto às questões levantadas pelo Sr. Deputado Raul Castro, com certeza que não me fiz compreender. Eu não disse que as autarquias eram incapazes de decidir; eu referi-me à incapacidade de decidir relativamente ao sistema político português, no seu conjunto. Não veja na minha intervenção qualquer espécie de ataque às autarquias. Aliás, não tinha qualquer sentido essa intervenção. .
Como o Sr. Deputado sabe,, o Governo apoia-se num partido político que é o maior partido autárquico, é o grande partido das autarquias em Portugal, é o grande partido do poder local. Não tem qualquer sentido dizer que o Governo, que se apoia nesse partido político, está contra o poder local. Trata-se do partido e do Governo do poder local.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A questão que coloquei foi a da incapacidade de decisão do sistema político português. Aliás, isso já hoje aqui foi testemunhado através de uma intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes, do Partido Comunista Português, quando considerou 'que, quatro anos depois, era demasiadamente cedo para se dar cumprimento ao que estava estabelecido na Constituição. .
O Sr. Deputado quer melhor exemplo de incapacidade de decisão e de dilação das decisões importantes no regime português? Não há melhor exemplo!
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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Dá-me licença?
O Orador: - Faz favor.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Agradeço-lhe ter-me permitido interrompe-lo, porque, de outra forma, teria que recorrer a figuras regimentais que, apesar de tudo, não seriam as adequadas.
Acontece que eu não disse o que acaba de dizer que eu disse.
O Orador: - Então, percebi mal.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Eu apenas disse - e mantenho - que, não obstante os quatro anos transcorridos, importante, primacial seria que, em torno de toda esta matéria, e anteriormente à formulação de qualquer iniciativa legislativa, se houvesse procedido, no âmbito do poder local, a um debate que municiasse os deputados com todo o vasto material que importa recolher, para medirem as implicações e legislarem consciente e ponderadamente nesta matéria.
Foi só isso. Insisto e mantenho.
Qualquer interpretação que se afaste destas afirmações não tem nada a ver com as minhas posições.
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado. Mas como é que o Sr. Deputado quer que o poder local se pronuncie? Quer que o Governo faça um decreto a dizer que o poder local se pronuncie?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Eu disse na minha intervenção!
O Orador: - A Constituição foi aprovada, há quatro anos que esta matéria espera melhor regulamentação e foram aqui apresentados quatro projectos de lei por vários partidos políticos e por um deputado independente. O que é que se faz? Vamos continuar à espera? Não é este o momento oportuno? Não é por decreto que esta matéria se resolve. Estou de acordo em que o poder local deve ser chamado a pronunciar-se, mas ele pronuncia-se quando quiser e muito bem entender.
Por outro lado, quanto à outra observação feita pelo Sr. Deputado Raul Castro que tem a ver com o problema da válvula de escape - expressão que ele reteve especialmente da minha intervenção -, devo dizer que um regime democrático não se esgota em fórmulas de expressão da vontade partidária ou de órgãos representativos. A função representantiva e o sistema representativo é da maior importância. Não há ai qualquer objecção. Mas é reconhecido, inclusivamente por sistemas democráticos que têm muito maior experiência do que o nosso - e referi, nomeadamente, o sistema helvético, e podia referir outros -, que, por vezes, se trata de chamar o povo soberano a pronunciar-se, directamente, sobre um assunto. Foi neste sentido que referi a expressão «válvula de escape». Não vejo em que sentido é que esta expressão pode ser utilizada para mostrar uma contradição com um princípio democrático; pelo contrário, é - para utilizar uma expressão em voga - o próprio aprofundamento do conceito de democracia que, para além do aspecto representativo, tem uma aspecto participativo e associativo, que o Sr. Deputado, melhor do que eu, conhece.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não havendo mais inscrições, dou por encerrado o debate e, em conformidade, vamos proceder à votação, na generalidade, dos projectos de lei que estiveram em discussão.
O Sr. António Capucho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, a minha pergunta é simples: por que razão não votamos os diplomas às 18 horas?
O Sr. Presidente: - Essa é a forma regimental, Sr. Deputado. Só que, como há uma certa sequência, se não houvesse objecções, aproveitaríamos esta oportunidade e votaríamos agora.
Mas uma vez que V. Ex.ª levanta objecções as votações terão lugar às 18 horas.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, eu não levanto qualquer objecção; fico é a saber que esta votação é uma excepção à regra.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, como não há objecções, vamos votar, visto que o conhecimento do Regimento deve estar generalizado pela consciência de todos os Srs. Deputados.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, sob a figura regimental da interpelação, temos de convir que, de qualquer forma, estamos, por uma via prática, a abandonar uma das alterações que mais esforço implicou aquando da revisão do Regimento.
O Sr. Presidente: - Tem toda a razão. Precisamente por isso, opto pela solução de respeitar inteiramente o Regimento, pelo que a votação destes diplomas far-se-á às 18 horas.
O Sr. Secretário vai proceder à leitura de um aviso.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - O Exmo. Sr. Presidente da Comissão de Regimento e Mandatos convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida comissão para uma reunião que se realiza hoje, na sala n.º 25O-A, pelas 17 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tal como tínhamos estabelecido por consenso, ainda que ultrapassando também o Regimento, como é do conhecimento de todos os Srs. Deputados, foi determinado que, da parte da tarde, se faria a votação, por voto secreto, dos pareceres que foram apresentados pela Comissão de Regimento e Mandatos acerca dos pedidos de suspensão do mandato aos Srs. Deputados Oliveira e Costa, João Corregedor da Fonseca e Anselmo Aníbal.
Vamos dar início à votação secreta e, para tanto, peço a colaboração dos Srs. Deputados Jorge Patrício, Barbosa da Costa, João Poças Santos e Armando
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Vara, a fim de servirem de escrutinadores, e peco aos serviços o favor de prepararem a uma correspondente para a respectiva votação.
Pausa.
Chamo a atenção dos Srs. Deputados para o seguinte, para que não haja equívocos: o que se vai votar são os pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos que não permitem a suspensão do mandato dos referidos Srs. Deputados. As pessoas que concordam com os pareceres têm que pôr uma cruz na quadrícula «sim». O que está em votação é o parecer e não o comportamento dos Srs. Deputados.
Peço, pois, aos Srs. Deputados Jorge Patrício, Barbosa da Costa, João Poças Santos e Armando Vara o favor de se aproximarem da uma para que o processo de votação possa ter início.
Para não haver atropelos junto da uma, agradeço aos Srs. Deputados que respeitem a prioridade, deixando que em primeiro lugar votem os Srs: Deputados do CDS, depois os do PSD, depois os do PRD, depois os do PS, depois os do MDP/CDE e por fim os do PCP. Este processo será apenas para que junto da uma não se verifiquem grandes aglomerações a fim de podermos continuar os nossos trabalhos. Tal como preceitua o Regimento, o acto de votação iniciar-se-á pelos elementos da Mesa!
Pausa.
Entretanto, o Sr. Secretário vai proceder à leitura de um aviso.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - O Sr. Presidente da Comissão de Integração Europeia convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida comissão para uma reunião a realizar no próximo dia 23 de Abril, pelas 15 horas, na sala 250-H.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devo informar a Câmara de que nas galerias do Plenário se encontram os alunos da Escola Secundária de Alves Martins, de Viseu, e da Escola Secundária de D. Filipa de Lencastre, de Lisboa.
Aplausos gerais.
Srs. Deputados, do ponto seguinte da ordem do dia consta a apreciação da proposta de avocação pelo Plenário do n.º l do artigo 7.º e dos n.ºs 2, 3 e 5 do artigo 8.º do texto final do Decreto-Lei n.º 288/85, com as alterações introduzidas na Comissão de Administração Interna e Poder Local - ratificação n.º 47/IV (PRD).
Pausa.
Srs. Deputados, deu entrada na Mesa um requerimento subscrito por dez Srs. Deputados do PS do PRD, do PCP e do MDP/CDE, que é do seguinte teor:
os termos do artigo 154.º do Regimento da Assembleia da República, os deputados abaixo assinados propõem a avocação pelo Plenário do n.º l do artigo 7.º e dos n.ºs 2, 3 e 5 do artigo 8.º do texto final do Decreto-Lei n.º 288/85, com as alterações introduzidas na Comissão de Administração Interna e Poder Local.
Srs. Deputados, vamos votar este requerimento.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Maria Santos e Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação ao n.º l do artigo 7.º há uma proposta de eliminação, apresentada por Deputados do PCP, do PRD e do PS, propondo a eliminação da expressão «observadas as habilitações literárias exigíveis nos termos da lei».
Está em discussão.
Pausa.
Visto ninguém pretender usar da palavra, vamos votar.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Maria Santos e Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação ao n.º 5 do artigo 8.º há uma proposta de eliminação apresentada por Deputados do PCP, do PRD e do PS.
Está em discussão.
Pausa.
Visto não haver inscrições, vamos votar.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Maria Santos e Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Em relação aos n.ºs 2 e 3 do artigo 8.º há uma proposta de alteração subscrita por deputados do PCP, do PRD e do PS, que vai ser lida.
Foi lida. É a seguinte:
2 - Os lugares necessários para ocorrer as situações referidas no número anterior extinguem-se à medida que vagarem.
3 - Aos mesmos titulares e no âmbito do quadro de pessoal existente à data da entrada em vigor deste diploma e com efeitos a partir desta data, é aplicado o regime do disposto nos n.ºs 5, 6, 7 e primeira parte do n.º 9 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 116/84, de 6 de Abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 44/85, atribuindo-se ao referido lugar a letra D, como letra de transição referida no mapa n anexo àquele diploma.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Pausa.
Como ninguém pretende usar da palavra, vamos votar esta proposta de alteração.
Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Maria Santos e Lopes Cardoso.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a votação final global desta ratificação terá lugar às 18 horas.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra.
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O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, suponho que não haverá objecções a que a votação final global se processe de imediato.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Amaral, há pouco o Sr. Deputado Silva Marques, com toda a pertinência e com toda a justeza, referiu que, segundo um principio fundamental do Regimento, quando as votações não estivessem anteriormente marcadas, elas deveriam ter lugar às 18 horas.
Concordo e aplaudo essa ideia, até porque obrigará os Srs. Deputados a serem mais pontuais e a estarem na Sala às 18 horas, o que nos fará ganhar tempo. Nessa medida, e pela pertinência da observação feita - que, aliás, está de acordo com o que o Regimento determina -, creio que essa votação deverá ter lugar nessa altura.
Srs. Deputados, o ponto seguinte da ordem do dia respeita à discussão, na generalidade da proposta de lei n.º l7/IV, que institui tribunais judiciais de 1.8 instância e de competência especializada denominados tribunais marítimos.
Enquanto estamos à espera do Sr. Ministro da Justiça, o Sr. Deputado Carlos Candal vai proceder à leitura do respectivo parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é do seguinte teor:
I
l - Apresentou o Governo à Assembleia da República a proposta de lei em apreço - visando a instituição de tribunais marítimos.
2 - O diploma foi correctamente adjudicado a esta l.8 Comissão, para os efeitos do artigo 137.º, n.º 1, do Regimento.
li
3 - Nos termos da proposta, trata-se da criação de tribunais basicamente com competência especializada em matéria cível marítima, embora possam também conhecer de recursos na esfera contra-ordenacional marítima.
4 - O articulado apresentado retoma, aliás, a proposta de lei n.º l06/III, apresentada em Junho de 1985 pelo IX Governo, mas introduz-lhe algumas alterações relevantes.
5 - É a seguinte a sistematização do diploma:
a) Nos artigos i . º e 2. º refere a sede e a área de jurisdição dos tribunais marítimos e a sua composição;
b) No artigo 3.º confina a jurisdição dos
mesmos tribunais;
c) Nos artigos 4.º a 8.º estabelece as regras
de competência;
d) Têm teor processual os artigos 9.º a 13.º;
e) Quanto ao artigo 14. º, o seu n. I 1 refere
o direito subsidiário sobre organização,
competência e processo; os subsequentes n.º 2 e 3 reportam-se a custas (bem se justificando que tivessem sido autonomizados em preceito próprio); J) O subsequente artigo 15. º faz revogação
expressa de diversas disposições; g) O artigo 16.º tem natureza transitória; h) O artigo 17.º faz uma recomendação de
índole orçamental; r) E, finalmente, o artigo 18.º estabelece a
vacatio legis.
6 - Em anexo, aliás harmonizado com o n.º 2 do seu artigo 1.º, o diploma aparentemente propõe a criação de cinco tribunais marítimos, cuja área de jurisdição é a dos departamentos marítimos existentes (sendo um desses tribunais a instalar de imediato - cf. n.º 4 do citado preceito).
7 - Em 1976, a nova Constituição da República estabeleceu no seu artigo 212.º:
1 - Haverá tribunais judiciais de primeira instância, de segunda instância e o Supremo Tribunal de Justiça.
2 - Haverá tribunais militares e um Tribunal de Contas.
3 - Poderá haver tribunais administrativos e fiscais.
Mas, no n.º 1 do seu artigo 213.º, admitia:
Na primeira instância pode haver tribunais com competência especifica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas.
15to sem prejuízo de - pelo n.º 3 do mesmo preceito proibir "a existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes".
8 - No n.º 3 do seu artigo 83.º, a Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), em obediência ao dispositivo constitucional acabado de citar, veio determinar expressamente a extinção da "competência dos tribunais marítimos para o conhecimento de crimes".
9 - No entanto, este diploma manteve os tribunais marítimos existentes na sua restante competência - até serem "criados tribunais marítimos com regras de organização, competência e funcionamento a definir em lei especial" (cf. o n. º 2 do artigo 56. º).
Lei esta que deveria ter sido publicada "no prazo de seis meses"...
l0 - Como se historia na exposição de motivos da proposta em apreço, viria aquela permanência temporária dos antigos tribunais marítimos a ser arguida de inconstitucionalidade.
11 - Contudo, como também no referido preâmbulo correctamente se pondera, era já então geralmente aceite ser constitucionalmente legítima a criação de tribunais judiciais de 1.8 instância de competência especializada em questões marítimas de índole não penal.
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12 - Após a sua revisão, passou a Constituição a estatuir, nos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 212.º:
1 - Existem as seguintes categorias de tribunais:
a) O Tribunal Constitucional; b) Tribunais judiciais de primeira instância, de segunda instância e o Supremo Tribunal de Justiça; c) O Tribunal de Contas; d) Tribunais militares.
2 - Podem existir tribunais administrativos
e fiscais, tribunais marítimos e tribunais arbitrais. ..
No n.º 4 do preceito, excepcionando apenas os tribunais militares, continuou a proibir "a existência de tribunais com competência exclusiva para o julgamento de certas categorias de crimes".
13 - Por seu turno, o n.º 1 do artigo 216.º da Lei Fundamental expressamente admite, poder haver na primeira instância "tribunais com competência específica e tribunais especializados para o julgamento de matérias determinadas".
Refere-se este normativo claramente aos tribunais judiciais - que não têm de reduzir-se aos tribunais de comarca (ainda que sejam estes em regra, os tribunais judiciais de primeira. Instância - cf. n.º 1 do artigo 215.1), podendo o seu âmbito alargar-se ao círculo ou ao distrito judicial e mesmo abranger circunscrições territoriais não judiciais, como o departamento marítimo; por hipótese.
14 - Importa talvez recordar que, no dizer do
n. O 3 do artigo 45. º da Lei n. I 82/77, de 6 de
Dezembro, nos tribunais de ' competência específica
"a jurisdição é limitada em função da forma de
processo". _
Por outro lado, resulta do já citado artigo 56.º da mesma lei, serem os tribunais especializados caracterizados pela matéria que confina a respectiva competência (v. g. família, menores, trabalho).
15 - Sublinhe-se seguidamente que já o n.º 2 desse artigo 56.º da dita Lei n.º 82/77' expressamente previa a criação de tribunais marítimos como tribunais de competência especializada a 'definir em lei especial.
16 - Certo é que a revisão constitucional veio consagrar expressamente e autonomizou a categoria dos tribunais marítimos - favorecendo a criação de uma estrutura autónoma de tribunais com competência especializada em direito marítimo, susceptíveis de estatuto específico.
Supérfluo será, aliás, sublinhar não poder todavia ser-lhes outorgada competência em matéria de direito marítimo penal - face à limitação do citado n.º 4 do artigo 212.º da Constituição.
Vi
17 - Assim sendo, apresentando-se realmente os tribunais marítimos previstos na proposta de lei em apreço como tribunais judiciai de primeira instância de competência cível especializada, cujas respectivas áreas de jurisdição correspondem às dos
actuais departamentos marítimos, a sua criação não
suscita quaisquer objecções imediatas de índole
constitucional material. -
18 - Por outro lado, nos termos .da alínea q). do n.º 1 do artigo 168.1 da Constituição, é da exclusiva competência orgânica da Assembleia da República legislar sobre "organização e competência dos tribunais".
' VII ' .
. 19 - Nestes termos, a 1. ` Comissão entende
proferir o seguinte parecer:
A proposta de lei n.º 17/IV encontra-se constitucional e regimentalmente em condições de ser submetida à apreciação do Plenário da Assembleia da República.
. O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro 'da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Na exposição de motivos que justifica a proposta de lei n.º 17/IV pretendi, com algum detalhe, dar conta das razões que a determinaram. Creio, na verdade, que a especialização resultante da criação de tribunais marítimos contribuirá, significativamente, ` para a recomposição dogmática do direito marítimo português, enredado nas teias de uma senectude que provém do século XIX.
Com as leis frouxas e desactualizadas de que hoje dispomos, quase que diria que o direito marítimo é um direito judicial; por entre a floresta de dificuldades com que se defrontam, os juizes e os advogados vão modelando soluções; a elaboração doutrinal vai advindo como que da "coagulação" das decisões dos tribunais, elas próprias tributárias do esforço pessoal de alguns juizes e do carrear de razões transmitidas pelas partes.
Não será, por certo, caso de falar num sistema de precedentes, em estilo anglo-saxónico, Não resta, porém, dúvida de que a actividade jurisprudencial ganha especiais contornos de autoridade, não apenas na perspectiva normativa, a que, por exemplo, aludiu Carbonnier, mas, de igual passo, numa perspectiva de elaboração doutrinal.
Nunca se formou, em Portugal, uma tradição universitária operante em matéria de direito marítimo. A não intervenção sistematizada da escola obstou à existência continuada de um escol. Não significará isto, como é óbvio, que não possamos contar com juristas de inegável qualificação; o que se dá é que eles, por si só, não encontraram ainda outro espaço de afirmação, para além da prestigiosa Comissão de Direito Marítimo Internacional, que desde os anos 20 vem mantendo uma actuação meritória.
O direito judiciário terá, pois, aqui, um sentido de propulsão; organizará, sistematizará e motivará novas acções e, sobretudo, a estruturação do que agora é pontual ou acidental.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Estão, neste momento, a decorrer os trabalhos de preparação da reforma do direito comercial marítimo. A Comissão, em Janeiro último constituída no Ministério da Justiça, tem praticamente concluído o anteprojecto do novo regime do contrato de transporte de mercadorias.
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Pensei, na verdade, que, para ser viável, a reforma deverá processar-se gradual ou faseadamente, embora tendo sempre em mira a unidade e a coerência do sistema. Seria ilusório intentar a reformulação global do livro 111 do Código Comercial; primeiro porque, como algures dissera Rodière, a lei marítima vai-se desligando cada vez mais do direito comercial comum; depois, porque o comparatismo metodológico, se não deve cegar a nossa própria avaliação, deverá, por certo, inspirá-la. Ora, não foi por acaso que a reforma francesa de 1966-1969, levada a efeito por impulso do Ministro da Justiça Jean Foyer, começou pelos contratos de fretamento e de transporte de mercadorias, o mesmo se estando a passar na República Federal da Alemanha.
Acresce que numa calendarização de urgências, estas despontarão sobretudo dos contratos de utilização comercial do navio, que são os mais frequentes e os mais desguarnecidos de actualização. Quando a Convenção de Bruxelas de 1924 sobre conhecimentos não é aplicável, não existe lei nacional que, aptamente, supra as lacunas bem à vista.
O Código Comercial confunde os contratos de fretamento e de transporte, vê ainda no capitão do navio o magister navis dos romanos ou o senhor da nau da época medieval, considera o transporte no convés um pecado. Tudo se passa como se o capitão não se tivesse tornado, fundamentalmente, um técnico qualificado de navegação e como se não tivessem surgido os porta-contentores (concebidos, precisamente, para um transporte no convés); em suma, como se tudo o que no mundo se passa não tivesse chegado a este lusíada rectângulo, a não ser pelos canais da unificação internacional promovida pelo Comité Maritime International e pelos organismos especializados das Nações Unidas, a começar pela CNUCED e pela CNUDCI.
Repercute o nosso Código Comercial a Ordenança de Colbert de 1681, não substancialmente alterada pelo Código de Comércio francês de 1808 - nesta parte quase que transferido para o Código português. Tudo se passa ao ritmo de uma época que em definitivo passou; tudo está gasto e incapaz de responder às necessidades actuais.
Situações há verdadeiramente aberrantes. Basta referir que quando a Convenção de Bruxelas de 1924 não se aplica - e não se aplicará a qualquer transporte no convés como tal declarado no conhecimento -, o prazo para propor uma acção, fundada em incumprimento ou em cumprimento defeituoso, deixa de ser de um ano para passar a ser de vinte, o que é um absurdo face a qualquer legislação existente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A rentabilização das estruturas judiciárias em Portugal, como em todo o mundo, carece de reforços de meios quantitativos - meios humanos e infra-estruturas de funcionamento -, mas precisa, sobretudo, de saltos qualitativos. Há que imaginar e pôr em acto novas soluções e diferentes mecanismos.
Mas a audácia terá que ser avalizada pela ponderação e, sobretudo, pela projecção do que em abstracto se idealiza no que irá repercutir na realidade concreta. Esta não comporta diletantismos ou caprichismos de ocasião.
Penso, com a possível objectividade, que a criação de tribunais marítimos poderá ser um excelente exemplo de que a inovação não dispensa a prévia reflexão e a avaliação dos resultados que dos novos meios organizativos despontarão. 0 mesmo creio que sucederá
com a proposta de lei sobre arbitragem, cujo anteprojecto já se encontra concluído e que irei apresentar à apreciação do Governo, para ser remetido a esta Assembleia.
Em fase de inventio, como que a meio do processo de elaboração legislativa, situa-se um diploma que simplificará e desburocratizará o sistema das custas judiciais. Terá ele, agora, que passar pelo prudencial filtro da demonstratio.
Interligar-se-ão, com ele, finalmente, os mecanismos judiciários e sociais do acesso ao direito, que irão, dentro de poucas semanas, ser objecto de um debate alargado, que irá ser promovido na sua sede natural - que penso ser a Ordem dos Advogados. .
Teimo em ver na lei uma obra para a qual se terá que partir com seriedade e cumprir com exactidão. Fazer leis é fácil e poderá mesmo ser politicamente rentável. Bastará copiar ou deambular pelos textos para que a copiosidade legiferante se alimente e prospere.
Só que me recuso a contribuir para que surjam leis deficientes, não praticáveis ou que em nada ajudem a resolver os problemas das pessoas, que são as suas naturais destinatárias - quase que diria as suas utentes ou utilizadoras.
O direito, os tribunais, a justiça serão um decisivo consumo social. Mas, sem equiparar a lei ao direito, numa pandectística que se ficou pelos caminhos do positivismo à século XIX, e sem ver nos juizes a "boca que pronuncia as palavras da lei", acredito que a um mau direito legal não haverá direito bom que resista.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Secretário de Estado: Grande parte das iniciativas legislativas que tenham como ponto de partida o Ministério da Justiça terão que passar pela decisão parlamentar; a competência legislativa concorrencial do Governo e da Assembleia não existe nalguns significativos domínios. Dai que o sistema de cooperação institucional entre o Governo e a Assembleia tenha que funcionar com fluidez e reciproco descomprometimento.
Por mim, posso assegurar que, enquanto no Ministério, o que me preocupa é em definir uma dignificada política e não em me desdobrar em conjunturais políticas que, sendo globalmente compreensíveis, aqui poderiam inquinar a transparência e a eficácia de uma estratégia que terá de ser comum, e comummente assumida, para que aproveite ao povo português.
Na elaboração da presente proposta de lei, tive ocasião de intervir ainda antes de reingressar no Governo, nesse fórum de debate e de reflexão, em que, desde há várias dezenas de anos, tem persistido a Comissão de Direito Marítimo Internacional.
Deu-se mesmo o caso de ter sido aí o relator do projecto então preparado, embora sem grandes horizontes de concretização a curto prazo. O que depois ajudei - mais como jurista do que como Ministro - a completar foi um acto de coerência; encontrei uma razão mais para acreditar que ao ser-nos dada possibilidade de accionar intervenções, as devemos encaminhar para aquilo que a nossa consciência e a nossa experiência nos aponta.
Que me seja consentido, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que faça um apelo a esta Assembleia para que o texto desta proposta seja, desde já, aprovado na generalidade e na especialidade. Dar-se-ia, com isso, um significativo passo em frente para que o nosso sistema judiciário, as nossas estruturas jurídicas, a nossa capacidade de pôr em norma novas realidades
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económicas se modernizassem e' se colocassem, desde já, em posição de ombrear com o que na Europa e no mundo está, em ritmo cinemático,, a acontecer:
Mais do que uma proposta de lei, creio que estamos perante um projecto de esperança e de confiança nas virtualidades do nosso futuro colectivo.
Aplausos do PSD. , ; .
O Sr. Presidente: - Também, para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Candal.
'- O Sr. Carlos Candal (PS): - Sr. Presidente; Sr. Ministro da Justiça; Srs.º Deputados: Provavelmente não usaria da palavra, perante o clima pacífico que se criou à 'volta deste diploma; se não entendesse, um pouco na esteira da intervenção do Sr. Ministro, que - esta matéria é demasiado importante para a vida nacional, comunitária e económica, para poder passar despercebida,' como outras matérias da organização judiciária da legislação técnica têm passado, dentro - daquele excesso que há dias sublinhei: excesso de preocupação política e, mais 'recentemente, económica da vida nacional.º -
Este diploma constitui um momento significativo da reestruturação judiciária nacional é importa dar-lhe o merecido destaque' abrir do um parêntesis ,para dizer que pena é que só agora - "só agora" não ë bem, pois já em Junho de 1985 um ,diploma idêntico veio a este Parlamento -, só recentemente, esta temática tenha sido abordada porventura, por urgência de último dia de prazo., face à nossa integração na CEE. '
A nossa estruturação judiciária em matéria de direito cível marítimo estava escandalosamente atrasada com referência ao século XIX . --porventura, já não ao tempo das caravelas, mas pouco mais =, sobretudo quando é certo que o decréscimo da nossa frota marítima fez aproximar dos portos portugueses navios estrangeiros, os quais estão habituados "à. resolução rápida dos problemas que se põem na temática comercial marítima, nomeadamente- nos afrontamentos.
É assim que, lides, que. em qualquer movimentado porto da Europa se resolvem em 48 horas ou, seguramente numa semana, constituem, por vezes, nos nossos tribunais de comarcas, como o do Porto - conheço bem um caso passado em Aveiro -, situações que são para os estrangeiros; nossos parceiros na CEE, absolutamente incompreensíveis. _
. _ Tal é o caso - que bem conheço- de . um navio holandês arrestado no porto de Aveiro e cujo processo esteve parado (um dos processos teve agora andamento) durante seis anos. É, realmente, um problema que os ,nossos> parceiros da CEE não entendem, nem podem entender.
Gostaria ainda de referir, sem inovar, isto é, - sem construir nenhum - raciocínio que possa - ficar na história do diploma, mas para sublinhar a importância do tema, o alto nível, que não é comum em todas as propostas de lei, da apresentação de fundamentos da parte preambular...
Com efeito, trata-se de um trabalho de análise muito bem elaborado;'. numa zona com alguma dificuldade técnica (até de adaptação, de linguagem), que quase cobriu todos os pontos que este capítulo da vida judiciária e da vida comercial e cível marítimas inclui não todos, mas quase todos. 15so é lisonjeiro para o Ministro da tutela e, porventura, para os técnicos que o assessoraram.
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Quanto ao articulado, gostaria de poder secundar a expectativa de o Sr. Ministro ver, hoje mesmo, este diploma votado na generalidade e na especialidade, mas tal não pode acontecer. 15to porque' "não há bela sem senão" e, por vezes, um diploma bem elaborado peca por uma particularidade quase mesquinha:
Com efeito, em termos de especialidade, este diploma, para poder - corresponder ao elevado nível do seu preâmbulo e à relevância do tema que aborda, precisa de algumas afinações.
Uma delas, por exemplo, que já foi aflorada sumariamente no relatório que me foi confiado, é a seguinte: não faz sentido que - no artigo 14º coexistam os conteúdos dos seus n.º' 1,' 2 e'3. Penso - também que o n.º 4 do artigo 1.º, o qual se refere à imediata implementação - penso que é assim que se diz - ou instalação do tribunal de Lisboa, terá de ser necessariamente remetido para o capítulo das "Disposições finais e transitórias".
Este problema dó tribunal marítimo de Lisboa, cuja criação será imediata, suscita a seguinte ponderação: é por que não criar, de imediato ou a curto prazo, os demais quatro tribunais marítimos?
Todo sabemos da falta de magistrados na judicatura. Porém; se o Ministério da Justiça enfrentar, com a seriedade que o vem caracterizando' com frontalidade é ' coragem políticas alguns - problemas da reestruturação territorial judiciária, é muito fácil recuperar quatro magistrados para esses tribunais que ficam "pendurados".
15to porque é preciso saber, e importa dizer-se aqui - câmara de eco da opinião pública -, que enquanto algumas comarcas têm os. seus serviços insuportavelmente saturados, continua, em contrapartida, a haver comarcas - e são várias, senão muitas - onde o pouco serviço irão dá 'para um juiz trabalhar sequer duas manhãs ou duas tardes por semana. São comarcas que não têm razão de existir e que subsistem por falta de coragem política de as extinguir.
'
Portanto, fazemos uma interpelação' ao Ministério - a Assembleia podia fazê-lo, embora um pouco levianamente por carência de actos estatísticos - no sentido de que deverá, a curto prazo (e já o anunciou), trazer a este Parlamento um projecto de reestruturação territorial dos serviços judiciários, pois, repito, é preciso ter a coragem de, contra as reacções populares, extinguir algumas comarcas que não têm actualmente razão de existir.
' Na mesma ordem de pensamento, é preciso ter a
coragem de não criar, como foi reclamado por algumas populações, comarcas sem pressuposto estatístico
de movimento, a fim de ser politicamente simpático ao
cacique locai, para premiar uma boa votação em qual
quer das sucessivas eleições ou por não saber dizer
"não" à pressão e à movimentação popular.
Na verdade, a democracia não tem de ser relaxada
e permissiva, de modo a ter de dizer sempre "sim" às
reclamações, por muito movimentadas e clamorosas que
sejam.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Está a falar de Vizela!
.
O Orador: - Vizela constitui, por exemplo, um caso escandaloso, que põe em xeque um Estado de direito, como nos reclamamos ser.
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Não estou a dizer qual seja a solução que preconizo. Porém - repito -, objectivamente, a pendência do caso de Vizela é, realmente, uma situação escandalosa num Estado de direito, que nos reclamamos de ser, e felizmente quase de pleno o somos.
No entanto, há outros casos. Assim, sei que, por exemplo, estão anunciadas e reclamadas algumas comarcas que, não entendo porquê, hão-de ser criadas - porventura, talvez porque anteriores ministros, em passeios locais pré-eleitorais, não souberam, ou não tiveram a coragem, de dizer que não ou, pelo menos, a sensatez de dizer: "vamos estudar... ", "é possível que... ". No entanto, prometeram-no, e agora, como há uma certa tradição de honrar compromissos anteriores, a criança, ou as numerosas crianças (será precisa uma nursery para tantas), estão nos braços do actual titular.
Portanto, penso que o Sr. Ministro poderá sentir-se à vontade para, quando os dados estatísticos o não permitirem, dizer que não à proliferação de comarcas que não têm razão de ser, sobretudo perante a falta de magistrados que actualmente temos. Contudo, é possível que, a prazo, se justifiquem, porque importa aproximar, tanto quanto for possível, a justiça dos utentes.
15to a propósito da criação imediata do tribunal marítimo de Lisboa, pois, sendo o bom inimigo do óptimo, se não se puderem criar mais, que se crie já esse, porque, enfim, sempre é o da capital, é o porto com mais movimento e é a zona onde se colocam mais questões deste género, as quais irão ser resolvidas por esses mesmos tribunais marítimos.
Um outro problema que singelamente abordarei é o da constitucionalidade - que imediatamente não sofre impugnação - de fazer coincidir a área de jurisdição dos tribunais marítimos com a área de jurisdição dos departamentos marítimos.
É um critério legítimo, como outro qualquer. Só que, a prazo, poderá pôr-se um interessante problema de constitucionalidade, o qual abordo para que fique registado e para que se não diga algum dia que não foi aqui tratado. E tal problema é o seguinte: sendo da competência do Parlamento a fixação das áreas de jurisdição dos tribunais, com esta remissa, que faz coincidir a área de competência dos tribunais marítimos com a dos departamentos marítimos, é evidente que algum dia que sejam alteradas as áreas dos actuais departamentos marítimos ou retalhadas as actuais áreas, criando novos e diferentes departamentos marítimos, logo imediatamente se criarão novas áreas e novos tribunais marítimos. E tal só será legítimo, em termos de competência, se se tratar de um diploma que revista a forma de lei da Assembleia da República ou, quando muito, de um decreto-lei que tenha sido chamado e a ratificação concedida.
O problema não se põe de imediato, pois penso que não está previsto rever a dimensão dos departamentos marítimos, por razões umas evidentes e outras que poderiam ser chamadas. Porém, não deixa, de qualquer modo, de ser um tema com dignidade suficiente para ser abordado neste debate, o qual, como disse, tem de ser feito na generalidade.
No entanto, penso que a i.º Comissão, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que é uma comissão assoberbada com trabalho e que tem fornecido ao Plenário, porventura, a maior parte das matérias agendadas, poderá, muito rapidamente - as questões que se põem são singe-
ias -, num prazo curto de dez, quinze ou 20 dias, se tal for decidido, proposto e aprovado, na especialidade, dar forma final a este diploma.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, aviso-os de que as umas fecharão às 17 horas e 30 minutos. Agradeço aos Srs. Deputados que ainda não tiveram oportunidade de votar, o favor de exercerem esse direito, que também é uma obrigação.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Ganopa.
O Sr. Carlos Ganopa (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Todos nós nos recordamos do passado recente durante o qual sucessivos arrestamentos dos nossos navios, nomeadamente das companhias de navegação extintas, a CNN e a CTM, eram noticiados nos órgãos da comunicação social.
A situação económico-financeira das referidas empresas e os constantes problemas de tesouraria, que tinham como consequência o não cumprimento dos compromissos assumidos, criavam situações que rapidamente levavam ao arrestamento dos seus navios em qualquer porto onde se encontrassem.
Contudo, quando é requerida a actuação judicial sobre qualquer navio estrangeiro que se encontre num porto português, esta é morosa e com grande frequência o credor português não consegue que a referida actuação judicial se faça em tempo útil.
Atendendo à situação actual da nossa marinha de comércio e ao facto de os nossos armadores operarem com grande número de navios afretados, existe uma certa incolumidade dos contraentes estrangeiros, para não referir também os contratos de fretamento de navios para cargas estratégicas para a nossa economia, nos quais, na prática, não existe protecção adequada, quando esses contratos não são cumpridos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Partido Renovador Democrático defende a reforma do sistema judicial e das normas processuais, tendendo a facilitar o acesso à justiça e a imprimir maior operacionalidade e celeridade aos tribunais.
Neste sentido apoiamos as reformas legislativas necessárias para um melhor funcionamento das instituições democráticas.
Foi apresentada pelo Governo uma proposta de lei que institui tribunais judiciais de 1. º instância e de competência especializada, denominados tribunais marítimos (proposta de lei n.º 17/IV).
Depois de uma análise cuidada da proposta de lei em discussão, queria formular algumas considerações sobre a mesma. Quanto à constitucionalidade da proposta, não cremos ser necessário grandes aprofundamentos. O Governo opta por criar apenas tribunais de 1.º instância de competência especializada em função da matéria, integrados na estrutura dos tribunais judiciais, não esgotando sequer a faculdade atribuída pela Constituição, que possibilita até a existência de uma ordem autónoma de tribunais marítimos. Por outro lado, foi excluída da competência destes tribunais o julgamento dos chamados "crimes marítimos", limitando-se a sua competência ao aspecto cível e contravencional; tal como a Constituição exige, nestes termos subscrevemos inteiramente o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
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Quanto ao mérito da proposta,. no artigo 4. º (Competência cível), alínea c), "das. questões relativas a contratos de transportes por via marítima ou a contratos de transporte combinado ou multimodal", temos dúvidas de que relativamente aos contratos de transportes combinado ou multimodal não haja interferência com
outros tribunais.- [Na proposta de lei n.º 106/111 apresentada na legislatura anterior, no seu artigo 4.º; alínea h),'apenas se
referiria às questões. relativas a contratos de transportes por via marítima,] -
No artigo 8.º, alínea 2, certamente que existe um
lapso, visto que de acordo com o texto da proposta,
"para conhecimento das questões relativas nas alíneas a),-b) e c) do artigo 4.º é competente o tribunal
em cuja área de jurisdição se situam ou encontram os
bens ou em que o facto haja ocorrido", não serão as
alíneas a), b) ou c) mas as alíneas p), q) e r),. aliás conforme a proposta de lei n.º 106/3 do governo anterior apresentada na III Legislatura. .
No- artigo 11.º (Efeito do recurso de decisões do capitão de porto) "o recurso interposto de decisão do capitão de porto, que em processo de contra-ordenação marítima tenha aplicado coima, medida cautelar ou sanção acessória não tem efeito suspensivo".
Noutras áreas, só depois da decisão dó tribunal é que há obrigatoriedade de pagamento. (Será justificável esta inversão da, regra que é geralmente seguida?) ,
Por fim, e em relação ao artigo 12. º .(Procedimentos cautelares), não é assegurada a actuação da justiça
durante os fins-de-semana e os feriados, o que a não
se verificar poderá não garantir em tempo útil os procedimentos 'cautelares adequados.
Em face do exposto, pensamos que embora tendo
conhecimento de que o Governo decidiu . reformular
á , lei orgânica dos tribunais e que nomeou . uma
comissão de revisão "do direito comercia ' 1 marítimo,
parece-nos urgente proceder à criação dos. tribunais
marítimos, desde. que se integre na reforma em
curso. .
Aplausos do PRD e de alguns deputados do PS e do PSD.
0 Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Afonso.- ..
O- Sr. Correia Afonso (PSD): - Sr. Presidente
Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça e Sr. Secretario de Estado: Com a proposta de lei nº 17/IV, que está em discussão na generalidade, o Governo comunica a sua decisão de instituir tribunais. judiciais de 1.1 instância, de competência especializada, que denomina de tribunais marítimos.
Trata-se de uma iniciativa cujo significado e alcance merece certamente a unanimidade da Assembleia, porque se dirige a uma melhor administração da justiça, ainda que limitada às questões do mar.
Como observa o relatório da proposta de lei n.º 106/111, apresentada em 1985, que o actual Governo agora veio retomar, " o particularismo do direito marítimo e, mais alargadamente, do direito do mar postula a necessidade de, para resolver as questões que envolve, criar tribunais de competência especializada".
A criação dos tribunais marítimos especializados constitui um passo importante na qualidade da justiça.
O preâmbulo da proposta de lei de 1985 chega a referir que a existência deste tipo de jurisdição, de competência especializada, remonta em Portugal à 1 Dinastia. Longa tem sido efectivamente a caminhada da justiça na procura da qualidade. ..
_ Desde o princípio da nacionalidade que encontramos instituições judiciárias a cobrir o País. Era a cúria régia; foram também os juizes régios, os juizes senhoriais é os juizes municipais. Eram tribunais não hierarquizados, de, que não havia ordinariamente recurso. ..
:.O mesmo tribunal punia os. crimes e julgava as questões civis, enfim, tratava de tudo. Ainda não se conhecia a competência - especializada.
. . Segundo alguns historiadores, Srs.- Deputados, é com D. Afonso 111, e com os reis que se lhe seguiram, que surge o grande esforço de organizar o sistema judiciário.º É assim, nos fins do século XIII, princípios do século XIV, que se sente a necessidade de especializar as jurisdições nos concelhos mais importantes.
Começa a definição de competências. Surge o juiz do. cível e o juiz do crime.
O juiz dos evençais e dos judeus. Os almoxarifes, que eram os juizes para as questões com o fisco. O juiz dos testamentos. Os juizes dos órfãos. Estava então reconhecida a melhoria da jurisdição especializada. -
. Como refere o relatório da proposta de lei, desde 1839 _que as questões do mar se encontravam sujeitas a uma jurisdição especializada, entregue aos capitães dos Portos. . ,
.., Actualmente a Constituição da República não estabelece um sistema judicial único, porque permite estruturas autónomas de outros tribunais, nomeadamente militares, administrativos e fiscais.
Como bem esclarece o relatório da proposta de lei, depois da revisão de 1982, os artigos 212. º e 216. º da Constituição permitem dois caminhos na jurisdicionalização das questões do mar: tribunais marítimos não judiciais ou tribunais judiciais de competência especializada marítima. .
A proposta de lei optou por esta segunda alternativa, tribunais marítimos judiciais de 1.º instância
porque, como explica, uma estrutura autónoma seria " necessariamente pesada e onerosa".
O Governo optou bem, embora desta forma a especialização se limite à 1. a instância, o que não aconteceria se houvesse uma estrutura autónoma com diversas instâncias. Trata-se, no entanto, de um passo gigantesco na qualidade e dignificação do direito marítimo, embora, no universo das questões do mar, a proposta se circunscreva apenas à parte judiciária.
Mas--outras, tarefas estão também a ser cumpridas como, por exemplo, a revisão do direito comercial marítimo, objecto do trabalho de uma comissão para o efeito nomeada em 5 de Fevereiro passado.
Muito haveria a dizer sobre a especificidade e complexidade das questões ligadas ao mar, que sobejamente justificam a criação de, tribunais marítimos de competência especializada. Mas um debate na generalidade como este deve limitar-se aos princípios., ao sistema e ao alcance da proposta de lei.
A bancada do PSD identifica-se com esta iniciativa legislativa do Governo. Votá-la-á, portanto, favoravelmente.
Aplausos do PSD e do Sr. Deputado Carlos Candal
(PS). _ .
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou dar por encerrada a votação em curso, no pressuposto de que todos já exerceram o respectivo direito.
Estamos na hora regulamentar para o intervalo e, apesar de ainda haver duas inscrições sobre este mesmo tema, vamos interromper os nossos trabalhos. Os oradores inscritos ficarão com a palavra reservada para depois do intervalo.
Sr. Deputado José Magalhães, pede a palavra para que efeito?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que as intervenções que vão ser feitas serão curtíssimas e não sei se não haveria beneficio geral em encerrarmos já o debate sobre esta proposta de lei para podermos então, depois do intervalo, passar à seguinte matéria em agenda.
Creio que isto seria de conveniência geral, porventura incluindo a do próprio Governo, mas ele falará pela sua voz, se o entender.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, vão vemos inconveniente nessa metodologia, sem prejuízo da meia hora de intervalo, dado que vamos ter uma reunião do nosso grupo parlamentar.
O Sr. Presidente: - Os oradores ainda inscritos são os Srs. Deputados Hernâni Moutinho e José Magalhães. Pergunto a estes Srs. Deputados quanto tempo demorarão as suas intervenções.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A minha intervenção será curta, Sr. Presidente.
O Sr. Hernâni Moutinho (CDS): - E a minha curtíssima, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Assim sendo, vamos prosseguir e depois faremos o intervalo de 30 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Hernâni Moutinho.
O Sr. Hernâni Moutinho (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça, Sr. Secretário de Estado: De facto vou fazer uma intervenção curta porque, sendo esta questão extremamente especializada, esta matéria controvertida, aqui e neste momento, está clara e seriamente esclarecida, com um extraordinário desenvolvimento na exposição de motivos com que o Governo fez acompanhar a proposta de lei n.º 17/lV.
Nesta medida, permito-me acompanhar o Sr. Deputado Carlos Candal e pôr em relevo o alto nível do preâmbulo desta proposta de lei que institui os tribunais judiciais de 1.º instância de competência especializada, denominados tribunais marítimos.
Dir-se-ia também que esta proposta chega algo tarde porque a Lei de Organização Judiciária n.º 82/77 tinha mantido os tribunais marítimos com todas as suas competências, à excepção da competência em matéria penal, mas com a reserva de que esta situação continuaria até serem criados tribunais marítimos com regras de organização, competência e funcionamento a definir em lei especial. A lei especial é esta, seria uma lei a publicar
seis meses após a Lei n- O 82/77, e, portanto, chega algo tarde, mas ainda a tempo, e mais vale tarde do que nunca.
Nesta matéria infelizmente assim tem acontecido. Aconteceu com o Estatuto dos Magistrados Judiciais, acontece com a Lei Orgânica do Ministério Público e vai também seguramente acontecer com a Lei de Organização Judiciária. E é todo o edifício judicial que, de certo modo, fica prejudicado com estes atrasos, que não são, obviamente, da responsabilidade do Sr. Ministro da Justiça.
O diploma é, na óptica do CDS, perfeitamente equilibrado e inteiramente conforme com o texto constitucional. E se já antes da revisão constitucional de 1982 não se ofereciam dúvidas quanto à compatibilidade da existência de tribunais judiciais especializados, tribunais marítimos, depois da revisão constitucional de 1982, e atento o disposto nos artigos 216.º e 212.º da Constituição da República Portuguesa, quaisquer dúvidas que existissem sobre a constitucionalidade da existência destes tribunais foram definitivamente arredadas.
Não diremos também que o diploma não nos suscita quaisquer dúvidas, porque suscita. Uma delas já foi aflorada pelo Sr. Deputado Carlos Candal e tem a ver com o artigo 1.º, com a área de jurisdição dos tribunais marítimos. De facto, não sei se da forma em que o preceito se encontra formulado não poderá resultar um processo de, indirectamente, o Governo vir mais tarde ou mais cedo a interferir em matéria de competência reservada da Assembleia da República. Por seu lado, o artigo 5.º, relativo a matéria de recursos quanto às contra-ordenações, não me parece não ser também uma matéria perfeitamente liquida.
Sr. Ministro da Justiça, dirigia-me agora a V. Ex.º, em especial, não propriamente para lhe fazer uma provocação mas para, mais uma vez, chamar a sua atenção para aquilo que sei ser uma sensibilidade total de V. Ex.º Refiro-me ao problema da formação dos magistrados, que julgamos ser continua e cada vez mais necessária, sobretudo num momento de transição social e tecnológica como este.
Julgo que a questão dos tribunais marítimos e do direito marítimo é seguramente uma afloramento daquilo que já noutra oportunidade tivemos ocasião de referir e que é um hiperdimensionamento da ordem jurídica que implica uma globalidade de conhecimentos, alguns de formação muito recente, com aspectos doutrinários que importa conhecer, embora com custos cada vez mais acrescidos, para que se possa arranjar uma solução jurídica que encerre todos os elementos necessários para uma correcta valoração e decisão. Julgamos ser realmente urgente que este aspecto seja tratado, atendendo a que estamos agora numa matéria tão especializada como é esta do direito marítimo.
Julgo, no entanto, que estaremos já, eventualmente, numa fase de viragem, não só pelo diploma que aqui está a ser debatido, e que seguramente vai ser aprovado, mas até pela circunstância de o Governo já ter anunciado a criação de uma universidade do mar, o que, de certo modo, me parece que vai pôr termo às preocupações que V. Ex.º exprime na exposição de motivos de dar ao direito marítimo uma mais significativa dimensão doutrinal.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: O diploma é, como disse, perfeitamente equilibrado e conforme com o texto constitucional, merece o inteiro apoio do CDS, pelo que vamos, obviamente, votá-lo favoravelmente.
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Aplausos do CDS, de alguns deputados, do PSD, do PS é do PRD. '
. O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães. .
,. O Sr. 'José. Magalhães (PCP): - Si. Presidente; Srs. Deputados, Sr. Ministro da Justiça: É também nosso entendimento que com quase dez anos de atraso se está a chegar a uma solução, porventura razoável,' que foi excluída em 1977 por circunstâncias que todos conhecemos e que estão amplamente documentadas.
Por isso aprovámos o parecer da Comissão de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relatado pelo Sr.º Deputado Carlos Candal,
concordamos com a sua argumentação, com as suas reservas e com os seus precisos termos e também votaremos
favoravelmente, na generalidade, a proposta apresentada pelo Governo, com vista à criação dos debatidos
tribunais marítimos. - _ ;
É certo que entre nós se tem .falado nestes anos dos tribunais marítimos, não a propósito de tudo aquilo, que estamos a debater agora, mas a propósito. da sua contestada competência para o conhecimento de crimes. E isto, que tem a sua- relevância, originou uma indescritível confusão, e foi em. torno dela, que a doutrina e a jurisprudência, inclusive constitucional, tiveram que se debruçar anos a fio, o que originou, declarações de inconstitucionalidade e o que terá. levado, em nosso entender lamentavelmente, à impunidade substancial de muitos que, em vários aspectos relevantes, ofenderam o direito penal marítimo com grave prejuízo, geral.
É uma pergunta que não gostava de deixar de dirigir ao Sr. Ministro da Justiça, embora a propósito da criação dos tribunais marítimos com esta natureza, é a seguinte: qual é a situação, neste domínio, do combate às infracções no terreno marítimo? Em que ponto é - que estamos, tanto no que diz respeito, ao direito penal propriamente dito, como .no que diz respeito ao regime das contra-ordenações existentes nesta área e que na sua aplicação originam muitos e muitos problemas em relação aos quais entendemos que à reflexão' tem sido insuficiente, bem como as medidas tanto no plano legal como no plano administrativo?
Esta situação deveria ser apreciada por esta Câmara, mediante, aliás, informação documentada do Governo, que detém elementos estatísticos, de que não dispomos neste momento, com vista á adopção das medidas adequadas neste domínio.
Portanto, primeiro ponto e primeira interrogação: qual a situação em relação ao direito penal marítimo. e em relação às contra-ordenações que se prendem com o dia-a-dia da vida de muitos cidadãos portugueses e estrangeiros e que origina por vezes conflitos gravíssimos que põem zonas inteiras quase - em situação de guerra, mas, que são também, por exemplo, a guerra no quotidiano de muitos pescadores?
Em segundo lugar, esta proposta não é, não quis ser, nem tinha que ser, três aspectos: primeiro, não é precisamente a clarificação destes aspectos controversos em relação às transgressões, às contra-ordenações; segundo, não é a revisão do direito substantivo do mar, e, todavia, não temos dele a ideia de que se circunscreva às questões de direito comercial, por mais relevantes que elas sejam e sabendo o que nelas está em jogo. É também o aflorar de novos temas, como, por exemplo, o direito da poluição que entre nós é objecto, também
ele, de inaceitáveis omissões, num campo em que se vem evoluindo, mesmo no conceito internacional, para soluções concertadas, porque só concertadas podem ser para serem eficazes.
Estamos, pois; também, nesta matéria, em débito nós .Assembleia da República e nós órgãos de soberania, com as competências 'respectivas que temos. E gostaria de perguntar ao Sr. Ministro da justiça se também nesta área estão encaradas medidas, tanto no que diz respeito ao estudo como no que diz respeito à acção legislativa na esfera em que ela cabe ao Governo e na esfera em que o Governo tem competência para propor iniciativas à Assembleia da República.
Outra área em que a proposta naturalmente não intervém, nem tinha que intervir, mas que é relevante, é a da resolução dos problemas dos que enfrentam o mar no quotidiano da sua própria vida. Ouvi com atenção as palavras do Sr. Ministro da Justiça quando verberava. - creio que nesse ponto verberará com unanimidade - as noções dominiais que atribuíram hiperpoderes a uma entidade, em particular ao capitão do navio, em circunstâncias que estão hoje ultrapassadas e que não correspondem em nada aos tempos que vivemos.
E pensava,.. quando o ouvia, nessa outra realidade
que não corresponde a nada dos tempos em que vivemos, que é o regulamento da inscrição marítima, que
submete trabalhadores portugueses a um regime praticamente tirânico que os amputa de direitos fundamentais e que concede a entidades que sobre eles têm faculdades abissais ou um estatuto de poder que é um
verdadeiro abuso entre nós e que não tem, pura e simplesmente, cobertura constitucional." Sabemos como
claudica e como marca passo o processo tendente à
revisão deste regulamento . de inscrição marítima, que
é coisa tão obstrusa, tão - carecida de revisão, como isto
que agora estamos a rever, e bem, em nosso entendimento.
.
Quanto à proposta de lei apresentada pelo Governo, apenas duas observações: por um lado, sabemos que ela resulta de um labor que vem sendo feito desde há muitos anos, - designadamente no Ministério da Justiça, onde funcionaram diversos grupos' de trabalho presididos por magistrados, inclusive do Supremo Tribunal de Justiça, que também com a cooperação da Comissão de Direito Público Marítimo, trabalharam. anos a fio para aperfeiçoar este texto.
' Como o Sr. Ministro da Justiça sublinhou no Boletim do Ministério, n.º 348, em Julho do ano passado, "é de consignar que o articulado da proposta foi elaborado com base num anteprojecto da Comissão de Direito Marítimo Internacional, cuja actuação se tem revelado relevante".º No anteprojecto, em que o Sr. Ministro tinha participado na qualidade de membro da Comissão, também tiveram interferência outras personalidades, como o Sr. Conselheiro Arala Chaves,, cujo trabalho é. também de sublinhar, e nele interveio também, de certa forma, a Ordem dos Advogados, contribuindo com um parecer.
Quer isto dizer que aquilo que nos chegou vinha instruído com pareceres e contributos sectoriais que consideramos de utilidade e que, pela nossa parte, estudámos e apreciámos na medida em que isso, nos foi facultado. .
Todavia, bem nos parece que as observações que aqui foram feitas pelo Sr. Deputado Carlos Candal, que examinou a questão, com particular detalhe, são
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pertinentes, nomeadamente as que dizem respeito àquilo que é da competência da Assembleia e que não pode ser degradado por qualquer instrumento legislativo menor de competência governamental. A questão deve ser ponderada no âmbito da Comissão e não demorará muito tempo a sê-lo, em nosso entendimento, e para isso contribuiremos na medida do possível.
Por outro lado, há três outras questões que não gostaria de deixar de colocar. A primeira refere-se à clarificação do regime de conhecimento das transgressões. É sabido que o nosso direito é hoje assinalado pela predominância das contra-ordenações; todavia há, porventura, uma margem de confusão decorrente da articulação entre a herança das transgressões e a novidade das contra-ordenações. A proposta prevê que as contra-ordenações sejam objecto do conhecimento em sede de recurso pelos tribunais marítimos, mas não ficou claro para mim como é que se articulam estas três realidades: a herança das transgressões, o novo regime das contra-ordenações e a aptidão dos tribunais para o conhecer, embora naturalmente possa haver razões fundadas para se adoptar a solução que o Governo propõe.
Segundo aspecto a focar neste quadro: o regime do Ministério Público. Creio que não está claro qual o tipo de intervenção do Ministério Público em relação a estes tribunais, e seria absolutamente imprescindível que isto ficasse inteiramente clarificado.
Quanto aos departamentos marítimos, há razões de compressão orçamental que justificam as soluções que o Governo propõe, designadamente a da não criação imediata e instalação de todos os tribunais marítimos para que se aponta. Todavia, suscita-se a seguinte questão: os departamentos que aqui estão previstos não abrangem uma faixa litoral importante, qual seja a da projecção marítima do Alentejo, circunscrevendo-se a outras zonas, designadamente a Faro, ao Porto, a Lisboa, ao Funchal e a Ponta Delgada. A pergunta que gostaria de fazer ao Sr. Ministro era no sentido de saber o porquê desta situação.
Pergunto ainda se a situação transitória que vai ser instaurada implica que as contra-ordenações, para serem objecto de recurso, tenham todas que ser julgadas em Lisboa. Quer isso dizer que as contra-ordenações ocorridas, por exemplo, com pescadores do Algarve, de Matosinhos, etc., no período transitório, seriam apreciadas, em sede de recurso, em Lisboa e só em Lisboa?
Fiquei com esta questão em interrogativa, mas creio que era muito importante obter uma resposta como contributo para a própria votação na especialidade.
Finalmente, no que diz respeito à questão da cobertura orçamental, entende o Governo - e assim compreendo a disposição que aqui inclui - que, apesar de não haver verba no Orçamento para a instalação destes tribunais, ela será possível de imediato sem necessidade de uma revisão orçamental? Gostaria de obter um esclarecimento sobre este aspecto e também sobre a disponibilidade do Governo para ponderar um eventual alargamento do elenco de departamentos de tribunais a criar de imediato, uma vez que nos parece, como bem sublinhou o Sr. Deputado Carlos Candal, que esta solução oferece alguns inconvenientes, ainda que não tenhamos neste campo uma visão maximalista. Em todo o caso, teremos que ter forçosamente uma visão informada.
É nestes termos e com estes fundamentos que votaremos favoravelmente esta proposta de lei. Lamento apenas o facto de ter de colocar ao Sr. Ministro da Justiça uma questão que hoje de manhã aqui acordámos, que seria colocada, ainda que não diga respeito aos tribunais marítimos.
É que, enquanto estamos a debater as questões relacionadas com os tribunais marítimos, há tribunais que ardem em Portugal, o que aconteceu recentemente com o Tribunal Criminal do Porto.
Na sequência de uma intervenção aqui feita pelo Sr. Deputado José Lello hoje de manhã, à qual me associei, estabelecemos um acordo quanto a aproveitarmos a presença do Sr. Ministro da Justiça para interrogarmos o Governo e dele obtermos uma informação sobre que medidas estão ensejadas para dar resposta à situação catastrófica em que aquele Tribunal se encontra. Sabemos que ele só está a despachar processos de réus presos e informaram-nos de que apenas tinha ido lá um engenheiro do Ministério da Justiça visitar as instalações para deslocar uns móveis.
Parece-nos que esta solução é absolutamente injustificável e que seria exigível a aprovação imediata de um plano de emergência para dar resposta à situação criada, com a colaboração do Conselho Superior da Magistratura que certamente já a deu -, mas também, se necessário, da Assembleia da República e, naturalmente, do Governo na esfera que lhe compete (e é muito grande).
Fiquei incumbido por colegas meus de transmitir ao Sr. Ministro estas interrogações, e não podia deixar de fazê-lo.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Justiça, presumo que V. Ex.ª pede a palavra para uma intervenção de resposta ás questões que lhe foram colocadas nas intervenções anteriores.
O Sr. Ministro da Justiça (Mário Raposo): Exactamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Só que tenho de perguntar-lhe se será capaz de dar as respostas até às dezoito horas, uma vez que, se assim não for, terei que interromper os trabalhos, pois não posso entrar em mais concessões de alteração do regime, na medida em que isso traria perturbações graves.
O Sr. Ministro da Justiça: -- Penso que não demorarei mais do que cinco minutos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem V. Ex.º a palavra, Sr. Ministro.
O Sr. Ministro da Justiça: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que uma vez mais se confirmou que da discussão surge sempre qualquer proveito. Neste caso, para além do proveito do debate alargado a todas as áreas do Parlamento, há, realmente, algumas aportações significativamente úteis, mesmo em sede de especialidade.
Refiro-me, designadamente, àquele lapso evidente do n.º 2 do artigo 8.º Terei que admoestar a comissão de revisão deste diploma que fui eu próprio; trata-se, realmente, de um lapso mihi imputet. Portanto, não há dúvida nenhuma de que os Srs. Deputados têm toda a razão.
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Quanto : à referência que o . Sr. Deputado Carlos Ganopa fez aos transportes multimodal . e combinado, é evidente que hoje em dia o transporte multimodal tende a absorver o transporte combinado: A convenção de 1980 prevalece, mas,- como sabe, não entrou em vigor, e consequentemente parece que, em alternativa, se deve fazer menção dos dois tipos de transporte para que, quando a convenção de 1980 venha a ser ratificada e entre em vigor no âmbito interno nacional, não se tenha que alterar esta lei processual e judiciária. '
Já que estou a responder a observações do Sr. Deputado Carlos Ganopa, aproveito para referir que, no que diz respeito ao artigo 12.º, isto é, quanto às providências cautelares de fim-de-semana, penso que, realmente, esse é um ponto que deve ser objecto de reflexão.
Relativamente às objecções muito justificadas que os
Srs. Deputados Carlos Candal e José Magalhães fizeram quanto à instalação imediata do. tribunal apenas em Lisboa, é evidente que se trata de uma opção em
sede de oportunidade, não tendo, portanto, um carácter essencial.
Parece-me que, realmente, o texto poderá ser clarificado, na medida em que dele agora - poderá, decorrer uma certa possibilidade de deslegalização, enquanto lei da competência reservada da Assembleia da República. Contudo, a meu ver, esse risco não surgiria, já que os departamentos marítimos operantes para este efeito estão compendiados no mapa anexo. Refere--"se concretamente aí o departamento marítimo do centro, do norte, do sul, etc., ou seja, na própria lei se referem quais são os departamentos marítimos relevantes para efeitos dela própria. Consequentemente, estou em crer que, na verdade, poder-se-á aperfeiçoar o texto, sem, no entanto, me parecer que,, tal como estava, decorresse dai grave risco de subversão de princípios. Relativamente às referências feitas peio Sr. Deputado
Hernâni Moutinho, é evidente que elas têm toda a pertinência. Com efeito, o tal efeito propulsor desta lei
já se começa a divisar; já se começa na, própria formação dos magistrados, a ter a noção de que tem que
haver magistrados tecnicamente 'apetrechados para
enfrentar este tipo de questões. . '
Repito o que há pouco disse: não há um escol sem haver uma escola, ideia que, aliás, não é minha mas sim de Álvaro Ribeiro. Reputo que, realmente, é fundamental que o Centro de Estudos Judiciários, aliás dentro daquela polivalência especializada que o tem caracterizado, passe também a encarar com maior detalhe estes problemas.º '
Disse o Sr. .Deputado José Magalhães que há dois aspectos: o aspecto marítimo e õ aspecto terrestre. Quanto ao aspecto marítimo, responderei que tem toda a razão de ser o que referiu acerca do direito substantivo marítimo. Devo dizer que está praticamente concluído o anteprojecto de reforma do contrato de transporte marítimo e está-se a encarar, em, sede do Gabinete de Apoio Técnico Legislativo, a- reformulação das infracções e das contra-ordenações em matéria marítima, embora - devo sublinhá-lo -, dentro daquela dicotomia que estabeleci - inventio e demonstrado -, isso esteja ainda um pouco numa fase embrionária e não numa fase tão acabada ou conseguida como aquela em que se encontra a reformulação do direito comercial marítimo.
Entendo que os problemas da poluição são, de facto, inteiramente pertinentes e, quanto à problemática da figura do capitão do navio, penso que ela é perfeitamente aterradora e tenho mesmo a impressão de que se ainda não recaíram acções de vulto catastrófico sobre os agentes económicos portugueses, será porque os advogados estrangeiros ainda não atentaram que, pelo canal do artigo 492.º do Código Comercial, se pode responsabilizar o armador ou, melhor, o próprio proprietário do navio por faltas do capitão, que não são susceptíveis de ser avaliadas nem pelo proprietário, nem pelo armador - que é quem explora o navio -, e muito menos que possa haver um nexo entre a falta e o comportamento do capitão.
Quer dizer, o capitão do navio é hoje um técnico qualificado de navegação e pode não emitir sequer conhecimentos de embarque. Aliás, hoje em dia o conhecimento de embarque é, normalmente, formalizado por telex.
O Código Comercial português vigora no caso de não aplicabilidade da Convenção de Bruxelas de 1924, ela própria já perfeitamente ultrapassada, designadamente pelo Protocolo Adicional de 1968 - o chamado Protocolo de Visby -, que não ratificámos. Penso que seria melhor se editássemos legislação interna relativa aos conhecimentos de embarque em vez de estarmos a aprovar protocolos adicionais, também eles já um pouco ultrapassados, como sabem, pelas Regras de Hamburgo.
. Em suma, trata-se de um ramo do Direito extremamente complexo, para o qual se tem que encontrar uma aparelhagem judiciária de formação de magistrados e de juristas que os torne aptos a enfrentar já não digo o desafio europeu mas o desafio universal.
Regressando desta expedição marítima ao pátrio porto, isto é, ao porto de origem, que será o Tribunal de São João Novo, no Porto, devo rectificar, embora não viesse preparado para falar nisto - mas, como vêem, até estou apto a poder esclarecer a Assembleia sobre o que se passa -, que no próprio dia em que ocorreu o incêndio, que, evidentemente, não foi por mim lançado nem por nenhum funcionário do meu Ministério, pelo menos ao que saiba, se deslocou ao Porto o Secretário-Geral do Ministério da Justiça, que obteve para as suas diligências a cooperação do Sr. Presidente da Relação do Porto. O Sr. Secretário-Geral do Ministério da Justiça já foi, ulteriormente, mais duas vezes ao Porto exacta, estrita, especifica e intencional -. mente para este fim. E de tal forma as instalações substitutivas, que foram aquelas que foi possível obter', já se encontram disponíveis, que, curiosamente, tenho aqui uma fotocópia de uma proposta do director-geral dós Serviços Judiciários - que terei muito gosto em fornecer à Assembleia - onde já se propõe a aquisição de mobiliário para as novas instalações. O presente processo de aquisição de mobiliário assume um carácter de urgência face à destruição por incêndio das instalações dos 1.º e 4.º Juízos Correccionais do Porto, como é do conhecimento público.
"Face ao exposto, sou de parecer [.. ]" - dizem os serviços - "[...J que se proponha ao Ex.` Sr. Ministro da Justiça a declaração de urgência da aquisição do mobiliário, com dispensa de concurso limitado." Aliás, devo dizer que não é um montante que suscite grande reparo, pois são apenas 1707 contos.
Mas a verdade é que foi, realmente, lá mais do que um engenheiro, como era natural que fosse, e no próprio dia 16 de Abril eu autorizei, concordando, a aquisição do mobiliário,
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É evidente que não tenho poderes sobrenaturais para inventar um edifício na cidade do Porto que seja apto a comportar transitoriamente as instalações de um tribunal que ardeu parcialmente, casual ou intencionalmente. No entanto, o Ministério da Justiça aqui, como felizmente na generalidade dos casos, tem tentado acudir às situações que vão surgindo.
Neste caso, creio que o edifício da Rua de Entreparedes, que foi aquele que foi possível encontrar, estará brevemente em funcionamento e que, entretanto, as obras de recuperação do velho Tribunal de São João Novo prosseguirão em termos de se poder ultrapassar esta situação de emergência.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, dou por encerrado o debate e suspendo os trabalhos até às 18 horas e 30 minutos.
Eram !8 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 18 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, devo informar que os pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos acerca dos pedidos de suspensão do mandato dos Srs. Deputados Rui Manuel de Oliveira e Costa, João Corregedor da Fonseca e Anselmo Aníbal - cuja votação foi por escrutínio secreto - foram aprovados.
Tem a palavra o Sr. Secretário para proceder à leitura de três avisos.
O Sr. Secretário (Daniel Bastos): - Srs. Deputados, o Sr. Presidente da Comissão de Equipamento Social e Ambiente convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida Comissão para uma reunião no próximo dia 18, pelas 11 horas e 30 minutos, na sala 250 D.
O Sr. Coordenador da Subcomissão para o Estudo da Criação de Novas Freguesias, Vilas, Cidades e Municípios convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida Subcomissão para uma reunião no próximo dia 22, pelas 16 horas, na sala 250 K.
O Sr. Presidente, em exercício, da Comissão Eventual das Contas Públicas convoca os Srs. Deputados que fazem parte da referida Comissão para uma reunião no próximo dia 23, pelas 12 horas.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, peço desculpa por voltar a referir este problema, mas a verdade é que já ontem foi colocada a questão de saber qual o momento próprio para a leitura das convocatórias para a reunião das comissões.
Sucede que o facto de a Assembleia estar a funcionar ao mesmo tempo que as comissões por vezes dificulta que muitos dos deputados se apercebam que estão a ser convocados. Por isso, sugiro que mantenhamos o princípio de que os avisos deveriam ser feitos na primeira parte da ordem do dia e que, em conferência de lideres parlamentares, víssemos qual a melhor forma de garantir a informação efectiva aos Srs. Deputados para que as comissões possam contar com a presença destes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço a oportunidade de, com a interpelação que fez, prestar um seguinte esclarecimento à Câmara: estes avisos não têm carácter vinculativo, nem serão exclusivos, pois entendo-os como adjuvantes para colaborar com os Srs. Presidentes das Comissões. Estou certo de que eles também farão esses avisos por outros meios e processos - porventura até de forma pessoal. Portanto, a Mesa tem feito esses avisos apenas como elemento adjuvante para facilitar a possibilidade de levar ao conhecimento de todos os Srs. Deputados interessados as convocatórias que são feitas.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, o problema é precisamente esse. Neste momento, o único meio de conhecimento que os Srs. Deputados têm de que as comissões vão reunir ou de que são convocados por qualquer outro motivo é o aviso que a Mesa faz, porque a distribuição da convocatória que anteriormente se realizava deixou de ser feita.
Quanto a nós, tem que ser encontrada uma maneira de assegurar o efectivo conhecimento por parte dos deputados de que têm reuniões das comissões. O que se está a verificar é que em muitas das reuniões das comissões se regista a falta de quórum, porque, pura e simplesmente, os deputados não têm conhecimento delas.
Foi por isso que voltei a insistir nesta matéria. Seria bom que em posterior conferência de líderes pudéssemos apreciar mais profundamente este problema.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a forma regimental é a de enviar um oficio com 48 horas de antecedência para que os Srs. Deputados tenham conhecimento das reuniões. Portanto, os avisos que aqui são feitos têm apenas a feição de adjuvante para facilitar a convocatória.
Srs. Deputados, vamos passar à votação na generalidade do projecto de lei n.º 66/IV, apresentado pelo Sr. Deputado Independente Lopes Cardoso.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Ribeiro Teles, Lopes Cardoso, Maria Santos e Borges de Carvalho e votos contra do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar na generalidade o projecto de lei n.º 107/IV, apresentado pelo PS.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Ribeiro Teles, Lopes Cardoso, Maria Santos e Borges de Carvalho e votos contra do PCP.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação na generalidade do projecto de lei n.º 139/IV, apresentado pelo PSD.
Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Ribeiro Teles, Lopes Cardoso, Maria Santos e Borges de Carvalho e votos contra do PCP.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação na generalidade do projecto de lei n.º 146/IV, apresentado pelo CDS.
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Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRA -- do CDS e dos deputados independentes Ribeiro Teles, Lopes Cardoso e Borges de Carvalho, votos contra do PCP e' do MDP/CDE e a abstenção da deputada independente Maria Santos.
O Sr. Presidente: = Srs. Deputados, deram entrada na Mesa dois requerimentos, sendo o primeiro destes subscrito pelos Srs. Deputados do PSD, que solicita a baixa à 1. a Comissão para discussão e votação ria especialidade, pelo prazo de 30 dias, dos, projectos de lei n.ºs 66/IV, 107/IV, 139/IV e 146/IV, sobre consultas directas aos cidadãos eleitores locais...
O segundo requerimento é subscrito por vários Srs'.º Deputados do PSD, do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e, pelos Srs. Deputados, Independentes Ribeiro Teles,- Lopes Cardoso, Maria Santos e Borges de Carvalho e é do seguinte teor:
Os deputados abaixo assinados requerem.. ' a baixa a uma comissão eventual com a composição de oito deputados do PSD, cinco do PS, quatro do PRD, três do PCP, dois do CDS e um dó MDP/CDE, cabendo a presidência a um deputado do PSD e a vice-presidência a .um deputado dó PS e tendo como secretários dois deputados, um do PRD e outro do PCP, para efeitos de discussão e votação na especialidade, pelo prazo de 60 dias, dos projectos de lei n.ºs 66/IV, 107/IV, 139/IV e 146/IV, todos aprovados na generalidade. .
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente,
peço a palavra.
O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. , Deputado?
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de comunicar que retirámos o primeiro requerimento que apresentámos. ,
O Sr. Presidente: - Com certeza, . Sr. Deputado.
Srs. Deputados, está em discussão 'este último requerimento subscrito por deputados de todos ,os partidos e deputados independentes.
Pausa.
Visto não haver inscrições, vamos votar.
Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.
O Sr. Presidente: - Tem á palavra a Sr.º Deputada
Maria Santos.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Presidente, quero anunciar que entregarei à Mesa uma declaração de voto relativa ao modo 'como o Partido Os Verdes, votou a participação das populações.
O Sr. António Capucho (PSD)` - O Partido Os
Verdes não vota nada; a Sr.º Deputada Independente
Maria Santos sim. - '
O Sr. Presidente: - A sua declaração será considerada, Sr.º Deputada.
Pausa.
1 SÉRIE - NÚMERO 57
Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global da ratificação n.º, 47/IV com as alterações que foram aprovadas hoje em Plenário.
Esta votação. final global é respeitante ao texto alternativo apresentado pela Comissão e que nela. foi aprovado na especialidade, acrescido das alterações que foram aprovadas hoje no Plenário.
Submetido à votarão, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos deputados independentes Lopes Cardoso e Ribeiro Teles. ,
O Sc. Presidente: - Tem a palavra para uma declaração de voto o Sr. Deputado Carlos Percheiro.
O. Sr. Carlos Percheiro. (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Acabámos de votar as alerações a um diploma, que, não sendo as desejáveis, representam, apesar das insuficiências, uma melhoria' significativa relativamente ao Decreto-Lei n. I 288/85, correspondente às reclamações dos trabalhadores, dos sindicatos e dos órgãos de poder local.
Na verdade, as consequências da aplicação do Decreto-Lei n.º 288/85 demonstraram que este não servia: instabilidade no emprego, trabalhadores no quadro de "excedentes", salários em atraso, responsabilização do poder local pelo financiamento da manutenção dos serviços e respectivo pessoal das assembleias distritais seriam os resultados directos da sua entrada em vigor.
Por isso, exercendo o direito de fiscalização, a Assembleia alterou-o em sede de ratificação, introduzindo-lhe alguns aspectos positivos, que passo a enumerar: o alargamento do prazo, para 180 dias, para a decisão pelas assembleias distritais de criação ou não de quadro próprio, manutenção de serviços e pessoal; obrigatoriedade de financiamento dos encargos pelo Orçamento do Estado, até ocorrer tal decisão; a repartição da responsabilidade financeira dos serviços a manter pelas assembleias distritais; a transição em globo dos sectores da Segurança Social, saúde, fomento,. cultura e outros para os organismos que prossigam a actividade daqueles, independentemente de racionalização de pessoal.
For outro lado, foram definidos protocolos de cedência de instalações e bens móveis; foram. acauteladas as situações ria transição e integração dos trabalhadores; foram corrigidas injustiças, no diploma agora ratificado; que recaíam sobre os chefes de secretaria;- entretanto a norma residual do artigo 12.º foi mantida, com o nosso voto contra, embora a mesma tenha ficado esvaziada do seu sentido.
Mas, Sr. Presidente, Srs. Deputados, estamos conscientes que, apesar das alterações introduzidas, não ficaram resolvidas todas as situações, nem ás soluções obtidas serão do agrado de, todos, pois quando algo nasce torto, tarde ou nunca se , endireitará. , ,
E os resultados positivos que se conseguiram obter devem-se em muito à participação do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local,, às reclamações do poder local, ao levantamento de todas as situações nas assembleias distritais, com a colaboração dos governadores civis, que tornaram objectivo o trabalho da subcomissão, reunida mais de uma dezena de vezes.
Eis, pois, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as razões fundamentais que levaram o PCP a votar favoravelmente o novo diploma.
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Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma declaração de voto a Sr.º Deputada Helena Torres Marques.
A Sr.º Helena Torres Marques (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PS votou favoravelmente este projecto sobre assembleias distritais não porque considerasse que era fundamental rever este diploma de uma forma tão profunda como foi feito - o que aliás fez demorar a sua elaboração para além da data prevista -, mas porque considera que as propostas que nele estão encerradas vão na linha do anterior decreto e são soluções técnicas mais aperfeiçoadas.
Porque colaborámos nesta nova versão, como tínhamos colaborado na versão anterior, considerámos que devíamos votar favoravelmente o novo projecto.
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
O Sr. Carlos Lilaia (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PRD, que havia chamado a ratificação o Decreto-Lei n.º 288/85, congratula-se com o trabalho desenvolvido a nível da subcomissão encarregada de proceder às correcções derivadas das propostas de alteração feitas pelos diferentes partidos e considera que aquilo que acabou de votar introduz significativas melhorias no Decreto-Lei n.º 288/85.
Pela nossa parte, pensamos que se melhorou bastante ao introduzir-se a possibilidade de as assembleias distritais decidirem, num prazo mais dilatado do que aquele que estava previsto no anterior decreto-lei, quais os serviços que efectivamente desejam manter dentro da área da sua competência.
Pensamos também que a solução encontrada ao nível da repartição dos encargos de funcionamento entre o Orçamento do Estado e as câmaras municipais é uma solução que se nos afigura também bastante equitativa e é uma forma de responsabilizar as autarquias locais relativamente aos serviços que desejam manter sob a sua directa responsabilidade.
No que diz respeito ao estatuto dos trabalhadores directamente abrangidos por este decreto-lei, consideramos que se fizeram alterações bastante significativas, o que permite corrigir algumas situações de injustiça que se verificavam no Decreto-Lei n.º 288/85.
Pensamos, também, que ao ser introduzida a forma de protocolo de cedência de instalações, bem como de equipamento, se corrigiu de forma bastante positiva uma lacuna que a anterior legislação continha.
Por tudo isto, pensamos que o trabalho desenvolvido se afigura bastante positivo e que se melhorou e inovou ao nível do que estava previsto no Decreto-Lei n.º 288/85.
Aplausos do PRD e do Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra para uma declaração de voto o Sr. Deputado Abreu Lima..
Com a discussão que se fez após o pedido de ratificação' muito se modificou, muito se alterou e muito se evoluiu neste sentido.
Eu compreendo que, em certa medida, as assembleias distritais funcionem, praticamente, de acordo com as autarquias, com as câmaras municipais e para elas. Mas, é bem certo que o funcionamento das assembleias distritais provoca quase sempre uma centralização dessa administração local nas capitais de distrito e as autarquias que gravitam à volta da capital de distrito são praticamente alheias não só à administração, na medida em que ela depende directamente do governador civil - que é o responsável directo pela administração -, como também aos benefícios e às consequências que da( advêm e que pouco ou raramente se distribuem por todo o território distrital.
Dai que haja por parte das câmaras municipais e em relação ao funcionamento das assembleias distritais um certo divórcio. E este divórcio provocou em muitos municípios uma reacção contra este decreto, na medida em que se colocava e defendia o principio de que se as câmaras municipais querem as assembleias municipais a funcionar nos moldes que elas entendem, escolhendo as actividades a que elas se hão-de dedicar, os quadros de pessoal, etc., elas têm obrigação de os manter.
Se em certa medida isto é correcto, não nos podemos esquecer que as assembleias distritais têm de ser o embrião e um dos pólos de crescimento de uma administração extramunicipal, de um desenvolvimento regional ou sub-regional e, portanto, isto não deve ser da exclusiva responsabilidade financeira das autarquias, mas também do Estado. Felizmente que no decurso do processo de ratificação que veio a processar-se isso veio a ficar consignado. São suportadas, quer pela administração central quer pela administração local, aquelas matérias a que as câmaras municipais vierem a querer que as assembleias distritais se dediquem.
Portanto, neste aspecto, damos o nosso acordo.
Mas, fundamentalmente, estamos inteiramente de acordo com todo o trabalho feito por esta Comissão - que foi longo, demorado, circunstanciado e cuidadoso, na medida em que se ouviram todos os distritos, os representantes do STAL, o pessoal da Assembleia Distrital de Lisboa, que era aquela em relação à qual eram mais flagrantes as situações de injustiça e havia casos que, realmente, abrangiam situações que era preciso ter em consideração e todos esses casos foram atendidos e ponderados, com critério e com justiça - e estamos convencidos que o texto que resulta do trabalho da Comissão - que com tanto cuidado e com tanto esmero proeurou eliminar todas as situações de injustiça e aclarar todas as situações de dúvida, elaborando um texto que fosse, tanto quanto possível, correcto, não só em relação ao poder local, mas, sobretudo, em relação ao pessoal que constitui as assembleias distritais -, por tudo isto, merece a nossa cobertura e o nosso voto favorável.
Vozes do CDS e do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação, na generalidade, da proposta de lei n.º 17/IV, que institui os tribunais judiciais de 1.ª instância e de competência especializada denominados tribunais marítimos.
Submetida d votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos deputados independentes Lopes Cardoso e Ribeiro Teles.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos presente um requerimento do PSD, subscrito pelo Sr. Deputado António Capucho e outros, respeitante a esta matéria e que diz o seguinte: ,
Os deputados abaixo assinados requerem á baixa à 1.1 Comissão, para discussão e votação na' especialidade, da proposta de lei n.º 17/IV, pelo. prazo
de vinte dias.
Vamos votar, Srs. Deputados.
Submetido à votação foi aprovado por unanimidade, registando-se as ausências dos deputados independentes Lopes Cardoso e Ribeiro Teles. . ,
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos' entrar no último ponto da agenda e oxalá que o terminemos antes da hora regimental.
Vamos apreciar o projecto de lei n.º 152/IV,' do PS - alienação de bens do Estado em empresas públicas de comunicação social. Agradeço ao Sr: Relator do' projecto o favor de ler o respectivo relatório.
O Sr. António Capucho (PSD): -,, Peço palavra,
Sr. Presidente.,
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alienação, para cujas graves implicações a Assembleia da República tem vindo a ser alertada por organizações representativas dos trabalhadores do sector e, recentemente, pelo próprio Conselho de Imprensa, que entendeu "não poder ficar indiferente" à anunciada venda das quotas que a EPNC detém na Empresa Jornal de Noticias, S. A. R. L., decidida em Conselho de Ministros de 18 de Fevereiro próximo passado, "por recear que não estejam suficientemente acauteladas as normas do quadro legal vigente, além do mais pela manifesta falta de uma política de informação". Por isso, "na convicção de que os actuais e futuros problemas da comunicação social não se compadecem com medidas de conjuntura, por muito que se presumam pragmáticas", o Conselho:
a) "Reclama a estreita observância dos quadros constitucional e legal", designadamente o artigo 38.º, n.º 6, da Constituição, e o n.º 2 do artigo 8. º, o artigo 9. º e o artigo 7. º da Lei de Imprensa;
Recomenda que sejam transparentes as medidas que venham a ser tomadas para o sector (em que os órgãos de comunicação social públicos, pelo seu exigente regime próprio, têm exercido uma "assinalável pedagogia democrática" e assumido significativa "dimensão social e cultural");
Recomenda, finalmente, que "nas medidas de fundo de que o sector carece sejam tidos em conta além das instâncias competentes, nomeadamente o Conselho de Imprensa, os profissionais da comunicação social, a quem em especial se confia a prática da liberdade de informação com independência face ao poder político e ao poder económico".
3 - O projecto de lei n.º 152/IV insere-se plenamente neste quadro e cria instrumentos de cunho marcadamente cautelar.
Trata-se manifestamente de: ,
. a) Evitar que pela prática avulsa de actos atinentes à extensão e natureza do sector público de comunicação social seja diminuída a extensão e' alcance do conteúdo essencial dos preceitos
- constitucionais que instituem o SPCS como elemento de garantia da liberdade de informação
em Portugal, país que durante quase meio
século sentiu duramente as consequências da'
censura e do domínio dos órgãos de comunicação social por grandes grupos económicos;
b) Assegurar que a Assembleia da República possa exercer útil e atempadamente as suas competências legislativas exclusivas no tocante ao regime aplicável ao sector;
Defender a legalidade dos actos da Administração Pública num domínio em que a Constituição impõe aos órgãos de soberania o dever de impedir a "concentração de empresas jornalísticas, designadamente através de participações múltiplas e cruzadas" (artigo 38.º, n.º 6), o que tem também implicações quanto à eventual alienação de' partes sociais públicas, quando admissível;
á) Garantir que obedeça a critérios gerais e abstractos e acautele o princípio da igualdade o regime de alienação de partes sociais públicas, destrinçando-se os casos em que esta possa ter lugar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho para uma interpelação à Mesa. ..
O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, é apenas para dizer que o PSD dispensa a leitura do relatório. '
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos para uma interpelação à Mesa:.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Presidente, apesar do adiantado da hora e como tudo leva a concluir que o debate vai continuar amanhã, nós insistimos para que o relatório seja lido.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra, para proceder à leitura do_ relatório,, o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP):.= Reunida em 16 de. Abril de 1986, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ao abrigo e para os efeitos do disposto no artigo 141. º do Regimento, deliberou emitir o seguinte parecer sobre o projecto de lei n.º 152/IV:
1 - Visa-se através do projecto de lei n.º 152/IV estabelecer disciplina específica aplicável à alienação de bens do Estado em empresas públicas de comunicação social, por forma a defender a liberdade de imprensa e dos demais órgãos de comunicação social. Segundo se sublinha na exposição de motivos, a iniciativa pretenderá, acima de tudo, evitar "que 'a pretexto de combater a subordinação da comunicação social ao poder político se não venha a cair na subordinação ao poder económico". .
2 - O projecto estabelece, nos três números do seu artigo único, limitações tendentes a assegurar a transparência e possibilidade de atempada fiscalização parlamentar dos processos de privatização de órgãos de comunicação social. Assim se pretende contrariar decididamente a prática casuística e parcelar de actos de
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4 - O projecto suscita uma útil reflexão sobre a problemática da separação e interdependência dos órgãos de soberania (artigo 114. º da Constituição), aflorada no parecer emitido pela Comissão em 10 de Março relativamente ao requerimento de impugnação apresentado pelo PSD quanto à respectiva admissão.
A Comissão acentua agora que plenamente legitima se afigura, nesta óptica, a aprovação de legislação que evite os riscos de excessiva concentração no executivo de opções em que a Assembleia da República tem, constitucionalmente, palavra decisiva a emitir. Nem se conceberia saudavelmente, face ao disposto no artigo 114.º da Constituição, que a actuação do Governo pudesse ocorrer fora (ou à margem) de um quadro legal definido pela Assembleia da República numa área em que a Constituição comete ao Parlamento um papel fulcral e as inerentes responsabilidades perante o País, das quais não deve demitir-se e menos ainda ser arredado na prática.
Não pode com efeito ser decidida por via administrativa a orientação que à Assembleia da República cabe aprovar e fiscalizar, em especial quanto ao universo das empresas do sector público de comunicação social e quanto ao número e tipo de publicações (factor de que aliás depende o efectivo eco e impacte dos respectivos órgãos junto dos cidadãos). O primado da decisão administrativa e casuística no tocante à política do sector poderia conduzir a seu prático esvaziamento e logo ao esvaziamento das competências da Assembleia da República no que lhe diz respeito, o que é tanto mais inaceitável quanto às empresas públicas de comunicação social é aplicável específico regime que comporta distinções relevantes e especiais garantias.
Inversamente, não caberá à Assembleia da República a prática de actos que só o Governo pode praticar, embora no quadro porventura minuciosamente definido pela Assembleia da República.
Suscita-se neste ponto a reflexão sobre a impossibilidade de imposição da prática de actos materialmente administrativos sob forma legislativa. Verifica-se que têm sido praticados por decreto-lei actos administrativos relativos a empresas públicas (v. g. os decretos-lei n.ºs 39/86, de 4 de Março, 202/85, de 25 de Junho, 137/85 e 138/85, de 3 de Maio, 336/84, de 18 de Outubro, 138/84, de 7 de Maio, e 16/82, de 7 de Maio), aliás todos submetidos a fiscalização da Assembleia da República nos termos do artigo 172.º da Constituição...
A matéria tem sido objecto de debate com suficiente eco na própria jurisprudência constitucional (cf. parecer n.º 16/79, Pareceres da Comissão Constitucional, vol. vigi, pp. 205 e segs., declaração de voto anexa e pareceres nele citados), em termos aprofundados e clarificados ulteriormente por forma que se afigura útil reter (cf. parecer n.º 26/79, Pareceres da Comissão Constitucional, vol. IX, pp. 131 e segs.).
Com efeito, nenhuma dúvida razoável poderá suscitar a elaboração pela Assembleia da República de um regime jurídico que cometa ao Governo o desenvolvimento, por decreto-lei, de disposições basilares de enquadramento do regime de alienação de partes sociais: a elaboração do cadastro das partes sociais integrantes do universo empresarial público, a destrinça legal entre as partes alienáveis e as demais, a definição de regras gerais e abstractas para os actos a praticar, a garantia de formalidades essenciais a cumprir (incluindo quanto a consultas obrigatórias), a comina-
ção de sanções para a respectiva violação eventual (incluindo a nulidade do pleno direito das alienações passadas ou futuras operadas com desrespeito do preceituado na lei), etc.
Sendo isento de polémica constitucional essencial e adequado à relevante finalidade visada pelos proponentes, afigura-se esse o caminho a percorrer utilmente no quadro da votação na especialidade do projecto de lei n.º 152/IV.
Termos em que a Comissão considera reunidas as condições constitucionais e regimentais essenciais para sua apreciação na generalidade pelo Plenário da Assembleia da República.
Este parecer foi aprovado em 16 de Abril de 1986, apenas com os votos contra do PSD e do CDS e com votos favoráveis do PS, do PRD, do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. António Capucho (PSD): - Apenas? 15so é que acho excessivo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de entrarmos na discussão deste diploma o Sr. Secretário vai ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.
O Sr. Secretário (Maia Nunes de Almeida):
Relatório e Parecer da Comissão de Regimento
e Mandatos
Em reunião realizada no dia 17 de Abril de 1986, pelas 17 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de deputados:
Solicitada pelo Partido Social-Democrata:
Arménio Jerónimo Martins Matias (círculo eleitoral da Guarda) por Álvaro José Rodrigues de Carvalho. Esta substituição é determinada nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 4. º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), a partir do dia 16 de Abril corrente, inclusive.
Solicitada pelo Partido do Centro Democrático Social:
Joaquim Rocha dos Santos (circulo eleitoral do Porto) por Manuel Fernando da Silva Monteiro. Esta substituição é pedida nos termos da alínea b) do n. I 2 do artigo 5. º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 17 de Abril corrente, inclusive.
Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
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Finalmente, 'a Comissão entende proferir o seguinte parecer: as substituições em causa são' de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.
A Comissão: Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Secretário, José Miguei Nunes Anacoreta. Correia (CDS) - Adérito Manuel Soares Campos (PSD) - Daniel Abílio Ferreira Bastos (PSD) = José Maria Peixoto Coutinho (PSD) - António Marques Mendes (PSD), - Henrique Rodrigues da Mata (PSD) - Joaquim Carmelo Lobo (PRD) = Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD) - Vasco da Gama Fernandes' (PRD) -- António José Borges de Carvalho (Indep.) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados,' não' havendo
inscrições, vamos votar.
Submetido à. votação, foi aprovado por, unanimidade, registando-se as ausências dos deputados independentes Lopes Cardoso e Ribeiro Teles.
O Sr. Presidente: - Vamos, entrar agora na 'discussão do projecto de lei n.º 152/IV, do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta intervenção' que vou fazer tem como objectivo explicar de forma clara as razões pelas quais o Grupo Parlamentar do PS apresentou o projecto de lei n.º 152/IV, sobre alienação de bens do Estado em empresas públicas de comunicação social.
Essas razões constam' de forma sumária e sucinta do texto do preâmbulo do projecto de lei n.º 152/IV.
Em primeiro lugar, visam garantir a liberdade de imprensa e dos demais órgãos de comunicação social, que a Constituição da República impõe que seja garantida. Em segundo lugar, tira uma conclusão: evitar que, a pretexto da afirmação de subordinação ao poder político, se não venha cair na subordinação ao poder económico. ,
E foi nestes termos que"os deputados abaixo assinados", segundo reza o texto do mesmo preâmbulo, "apresentaram o projecto de lei ora em apreço".
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não deixa de nos causar uma grande preocupação a .capacidade única e a bem dizer omnipotente , e até omnisciente que o Governo dispõe em matéria de comunicação social. Nunca deixou de nos preocupar "o desmentido" que o Sr. Secretário de Estado fez em sessão anterior nesta Assembleia da 'República e em que claramente dizia algo que, citando de cor, creio que não atraiçoarei o pensamento do autor das palavras. Dizia na altura o Sr. Secretário de Estado:
Não pensa o 'Governo de forma nenhuma proceder imediatamente a um conjunto de medidas conforme as que foram divulgadas nos órgãos de comunicação social e está a fazer estudos para ver quais as consequências dessas medidas, mas o facto é que não abdicaremos do nosso--Programa.
Não tem. a Assembleia da República competência ou capacidade para obrigar ó Governo a abdicar do seu Programa. Antes pelo contrário, é uma- exigência da Assembleia da República, pelo menos daquela parte que não rejeitou o Programa do Governo, que este o cumpra. Simplesmente, a Assembleia da República deve
garantir as condições dó exercício, das suas competências, de forma a evitar, de uma forma clara e nítida, que o Governo invada ou entre em campos que constituem um acervo de princípios que à Assembleia da República cumpre defender:
Por que é que se vinculou o Governo em primeiro lugar ao uso da forma de decreto-lei? Vincula-se o Governo ao uso da forma de decreto-lei para que a Assembleia da República possa usar do instituto da ratificação. Quer dizer, pretende-se que quando o Governo quiser vender partes que o Estado detenha em órgãos de comunicação social, o faça em primeiro lugar por concurso público e, em segundo lugar, através de decreto-lei. Por concurso público, para que todos os Portugueses, sem excepção, possam ter acesso a essa venda que se pretende efectivar. e por decreto-lei para que a Assembleia da República se possa debruçar sobre as condições em que o Governo pretende definir ou dar o contorno sobre as condições que o Governo pretende sujeitar esse concurso público, para, no caso de as considerar erradas, lesivas do interesse público, ou, pior ainda, lesivas do princípio da defesa da liberdade da comunicação social, as poder modificar ou simplesmente anular. esse o objectivo do projecto de lei, em questão. -
Sobre este diploma, há dois debates que podem ser travados: por um lado, um relativo ao seu objectivo e ao seu conteúdo; o outro debate que pode ser travado é sobre a constitucionalidade desta matéria. -
A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias já se pronunciou sobre esta matéria de forma clara e admitiu, em parecer que obteve ó voto da maioria dos partidos representados nesta Assembleia, a constitucionalidade deste projecto de lei.
O problema aparece tratado no ponto em que se reflecte sobre a possibilidade de impossibilidade da imposição da prática de actos materialmente administrativos sob forma legislativa. Aí é `sublinhado que têm sido praticados por decreto-lei actos- administrativos relativos a empresas públicas - aliás, todos submetidos à fiscalização da Assembleia da República = é enumeram-se.
O que se infere da exposição deste relatório? Infere-se, Sr. Presidente, Sus. Deputados, que se o Governo pode praticar actos materialmente administrativos sob a forma de decreto-lei, pode também a Assembleia impor ao Governo a forma de decreto-lei para a prática de certos actos administrativos. Por outras palavras: se o Governo, ao praticar um acto administrativo sob a forma de decreto-lei quis - nós partimos do princípio de que os actos do Governo são actos conscientes - deixar a possibilidade de esse acto administrativo ser objecto' de ratificação por parte da Assembleia da República, nada impede que a própria Assembleia da República, no uso da sua competência, exija para determinados actos administrativos a sua publicação sob a forma de decreto-lei, para que em relação a eles possa a Assembleia da República usar do seu direito de ratificação.
. São estas, Srs. Deputados, as considerações que sé me oferece fazer sobre as duas questões que este projecto de lei levanta: a questão do seu conteúdo e a questão da constitucionalidade. Esta intervenção que acabo de fazer, deliberadamente esquemática e sumária, ganhará certamente com as intervenções e com o debate que ela puder razoavelmente suscitar.
Aplausos do PS, do PCP e do MDP/CDE.
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O Sr. Presidente: - Pediram a palavra, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Costa Andrade, Borges de Carvalho e José Magalhães.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Deputado José Luís Nunes: Não é tanto a questão da constitucionalidade que está em causa neste debate. Temos para nós como uma evidência que se trata de um projecto de lei que, a ser aprovado, será claríssima e inequivocamente inconstitucional. De resto, em conformidade com esta ideia, um número suficiente de deputados do PSD fará a seu tempo, caso outras instâncias o não façam, um requerimento de sindicância da constitucionalidade pelo Tribunal Constitucional.
Confesso que me sinto um pouco perplexo com a invocação de jurisprudência da Comissão Constitucional nesta matéria, sobretudo quando o Sr. José Luís Nunes a classifica como ...
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Posso interrompê-lo, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Penso que evitaríamos algumas confusões se lhe dissesse que me limitei a ter o parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
O Orador: - Sr. Deputado, se bem entendi, V. Ex. a terá dito também - peço desculpa se entendi mal uma frase neste sentido: há também jurisprudência muito clara da Comissão Constitucional neste sentido. Tomei nota, mas peço desculpa se me enganei.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Não disse isso!
O Orador: - Eu tomei nota, mas peço desculpa se me enganei.
De qualquer modo, aproveito para dizer que a jurisprudência da Comissão Constitucional, na parte relevante, é em sentido claramente contrário. A Comissão Constitucional diz, em parecer sufragado depois pelo Conselho da Revolução - entidade então competente para tal - o seguinte: a Comissão Constitucional é de parecer que a exigência contida no decreto-lei "tal", que na altura se discutia, que a cessação de intervenção seja efectuada por decreto-lei infringe o disposto na Constituição e nos princípios consignados. Depois, numa longa - e, de resto, pertinente - exposição, a Comissão Constitucional demonstra como a imposição ao Governo da forma de decreto-lei para realizar actos executivos administrativos é claramente inconstitucional, o que para nós é também uma evidência. Desde logo, não sabemos o que vai acontecer nas ratificações de actos como estes: a Assembleia da República ratifica modificando? A Assembleia da República faz depois execução? A Assembleia da República nega a ratificação? Como será quando se trata de actos administrativos? Para além de se violar a competência do Governo, é de certo modo uma subversão da própria competência da Assembleia da República, que em via de ratificação vai fazer administração, o que não nos parece ser correcto.
Não está em causa, naturalmente - importa esclarecer isto muito claramente -, a competência, a legitimidade e, porventura, o direito de a Assembleia da República estabelecer regimes jurídicos tendentes a assegurar a liberdade de expressão, que serão moldados consoante o seu melhor entendimento quanto à forma de assegurar eficácia a esses direitos. Mas isto é rima coisa: regular as condições a que devem obedecer os actos administrativos que o Governo irá depois executar, tendo de se submeter ao regime jurídico estabelecido pela Assembleia da República. A Assembleia da República pode estabelecer um regime que obriga o Governo, mas não pode obrigar o Governo a fazer, sob a forma de decreto-lei, um acto administrativo.
De resto, o Sr. Deputado louvou-se também do parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que a meu ver enforma de um claro sofisma, que, se me permitem, demonstrarei muito brevemente.
O parecer diz:
Suscita-se neste ponto a reflexão sobre a impossibilidade de imposição da prática de actos materialmente administrativos sob forma legislativa. Verifica-se - "prova em contrário" - que têm sido praticados por decreto-lei [... ].
Ora, isto não prova o contrário da afirmação. A afirmação diz: é inconstitucional a imposição da forma de decreto-lei. No parecer diz-se a seguir:
[...] têm sido praticados por decreto-lei [...].
Ora, isto não prova o contrário, porque não são precedentes quanto à imposição da forma de decreto-lei. Que o Governo possa ou não usar a forma de decreto-lei - e é contestável que o possa fazer, mas admitamos que sim - é uma coisa. O que para nós é claro é que a Assembleia da República possa impor a forma de decreto-lei.
Repare o Sr. Deputado na altíssima inconveniência deste regime. Em considerações de oportunidade, este regime vai obter como resultado final que os actos concretos de alienação de participações do Estado resultem de uma concordância entre o Governo e a Assembleia da República. Só que essa concordância é obtida pelo pior caminho: primeiro, o Governo legisla em termos do que entende ser o interesse nacional para um determinado acto; o Governo, como órgão de soberania e representante do interesse nacional quanto a um acto administrativo concreto legisla, está definido 0 interesse do Estado quanto a um acto administrativo concreto, a seguir, vem a Assembleia da República, órgão legislativo, dizer que, neste caso, o interesse administrativo do Estado não deve ser exercido desta forma, mas de outra.
15to é uma solução claramente conflitual e desprestigiante para as instituições. Não se trata de um conflito a nível de regulamentação, mas sim de um conflito quanto a um acto concreto.
Se o Sr. Deputado quiser obter esse resultado - e daí a minha pergunta -, não seria melhor onde se diz que o Governo c<é que='que' competente='competente' de='de' deixar='deixar' governo='governo' sob='sob' do='do' assembleia='assembleia' lei='lei' por='por' se='se' não='não' república='república' pela='pela' como='como' a='a' e='e' proposta='proposta' é='é' atribui='atribui' alienação='alienação' dizer-se='dizer-se' ao='ao' deputado='deputado' sr.='sr.' quando='quando' o='o' p='p' regulamentada='regulamentada' competência='competência' melhor='melhor' seria='seria' da='da'>é>
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Não seria mais verdade do ponto de vista da Assembleia da República dizer isto? Na prática é ,o que se vai obter, mas com um caminho, um trâmite, um processo e uma experiência, clarissimamente conflítuaís.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado
José Magalhães.
O Sr. José Magalhães' (PCP): - Sr. Deputado José Luís Nunes, depois desta intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade, mais sinto necessidade de lhe fazer esta pergunta e estas considerações.. '
Estamos todos confrontados com esta situação, o Governo está a agir praticando, à revelia da Assembleia da República,, uma política de alienação. Não o esconde a ninguém, vai alienar, quer alienar, fá-lo por' concursos públicos, que são o monumental 'escândalo, como foi agora o de O Século, e que é' um escândalo perfeitamente inaceitável a qualquer título:
bem!
Vozes do PCP, do PS e do MDP/CDE: - Muito bem!
O Orador: - O que é que a Assembleia pode fazer? Há um de dois caminhos: um isento de dúvidas, impolémico e que o Sr. Deputado Costa Andrade acaba de fechar com bronze, platina, o que lhe apetecer.. . 'e que é o de estabelecer uma lei quadro que discipline rigorosamente, como a Assembleia dá República entender; do ponto de vista material, do ponto de vista formal, do ponto de vista sancionatório, a prática de actos relativos à alienação de partes sociais. Disse o Sr. Deputado Costa Andrade, diz a toda a gente, que não é questionável, que a Assembleia da República pode é se. o entender fará essa lei com o detalhe, que .entender e isso será insindicável.
Há uma outra via e essa é aquela que foi adiantada num momento inicial do debate pelo PS.º
Essa via, como se sabe compulsando os documentos respectivos da jurisprudência constitucional, 'foi entre nós controversa. A Comissão Constitucional declarou inconstitucional um diploma da Assembleia da República, elaborado em 1979, que pretendia vincular o Governo à prática por decreto-lei de actos materialmente administrativos. Ultimamente,, a Assembleia da República, tirando daí ilações, veio afazer um regime precisamente material (uma lei quadro sobre alienação e oneração de empresas nacionalizadas), que foi apreciado pela Comissão Constitucional e pelo Conselho da Revolução e considerado insindicável do ponto vista constitucional, imbeliscável, e, como tal, foi publicado,, promulgado, entrou em vigor e foi revogado pelo primeiro Governo da . AD e ainda mal. , .
O Governo neste momento - e, com uma habilidade que eu acho sinistra -, no debate na generalidade, colocou a Assembleia da República perante outro dilema do tipo "leite ou gasolina", que é o de dizer: "é inconstitucionalíssimo, horrível, que a Assembleia aprove por decreto-lei a prática de actos administrativos, estão a atacar o Governo, que, coitado, quer governar, vocês são .horríveis, etc.".. Entretanto,, escamoteia-se esta questão brutal de o. governo todos os dias praticar actos preparatórios da alienação, porventura em domínios e em condições tais que justificariam um grande "atchim" da Assembleia da República por forma a aplicar-lhe as- sanções adequadas.
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E a questão que nós colocamos, frontalmente, é esta: porquê enveredar, Sr. Deputado José Luís Nunes, por este caminho de polémica estéril?. Esta manhã o Sr. Secretário de Estado, em todos os noticiários da Rádio Comercial, declarava com um ar perfunctório e solene: "a Assembleia da República quer usurpar competências do Governo"; não digo que fossem rigorosamente estas as palavras, mas eram similares e o tom era mais ou menos este. Disse ainda: "isso é absolutamente inaceitável, o Governo opõe ... . ", etc. 15to, Sr. Deputado' José- Luís Nunes,, é "a guerra do leite n.º. 2" ou a "guerra do leite n", porque já são várias. E entendemos o seguinte: o parecer da Comissão .de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Srs. Deputados Costa Andrade e José Luís Nunes, não enferma de sofisma nenhum. Se o Sr. Deputado Costa Andrade não assistiu à discussão, paciência!
O Sr. Costa. Andrade (PSD): - Posso interrompe-lo
, Sr. Deputado? -
. O Orador:, - Faça favor, Sr. Deputado. _
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Muito obrigado. Já que o Sr. Deputado me citou, quero dizer o seguinte: é evidente que não assisti à discussão, até porque não faço parte da Comissão. Agora uma coisa é certa: a argumentação que está aqui expendida, aquela de que ó Sr. Deputado José Luís Nunes se socorreu é sofística, claramente, porque diz:
Não se prova a impossibilidade da imposição da forma de decreto-lei, porque o Governo já várias vezes regulou sobre actos administrativos por forma de decreto-lei.
,'Uma coisa é afirmar a imposição do dever de legislar por decreto-lei - e é isso que nós contestamos
coisa completamente diferente é dizer que há já uma praxe de. o Governo tomar medidas por decreto-lei. É isto que é sofístico, disse-o e mantenho.
. O Sr., Deputado não pode de .permissas divergentes tirar a conclusão que lhe é cara, até que me demonstre o contrário, naturalmente, e salvo melhor juízo, que estarei disposto a aceitar com toda a humildade.
O Orador: - Sr. Deputado Costa Andrade, quanto à acusação de "sofisma" feita ao Sr. Deputado José Luís Nunes, ele oportunamente dirá o que se lhe oferecer.
Quanto ao texto do parecer, em relação ao qual somos todos responsáveis, gostaria de esclarecer o seguinte: V. Ex.º não tem absolutamente razão nenhuma. O parecer começa por afirmar, insisto, que se suscita uma reflexão sobre a impossibilidade de imposição da prática de actos materialmente administrativos sob a forma legislativa. E a seguir dizem-se duas coisas, que estão separadas por um parágrafo - e foi aí que o Sr. Deputado Costa Andrade tropeçou e... caiu. ' .
Mas pode levantar-se ainda! Diz-se, primeiro, "que tem havido prática de actos materialmente administrativos por via legislativa" e enumera-se abundante cópia de exemplos. Segundo, e porventura mais importante e, nessa parte, o Sr. Deputado Costa. Andrade cometeu o pecado de desatenção -, diz-se que a matéria é polémica constitucionalmente, e é-o, e, a seguir, indicam-se as espécies jurisprudenciais que apontam
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num sentido - e que o Sr. Deputado citou unilateralmente -, e as que apontam noutro - as que o
Sr. Deputado omitiu, e fez mal.
O Sr. Costa Andrade (PSD)-. - Posso interropê-lo?
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, gosto
muito de o ouvir e estarei sempre disposto, enfim, a
aprender mais, mas há acusações, ou pelo menos insinuações, que não são correctas. Não citei unilateralmente; citei o único parecer da comissão constitucional, o único que se pronuncia sobre esta questão.
Porque o outro, aquele de que o Sr. Deputado se
louva, no que à questão concerne, à questão que aqui
estamos a tratar, diz exactamente a mesma coisa.
Vou citar-lhe o outro, aquele em que terei "tropeçado", em cuja omissão terei "tropeçado": "Entendeu-se nesse parecer que esta exigência de decreto-lei para
cada acto de cessação da intervenção do Estado nessas empresas infringia o disposto na Constituição e os princípios nela consignados, nomeadamente os artigos tal, tal e tal. Esta conclusão mereceu a aprovação do
Conselho da Revolução, que pela sua resolução tal se
pronunciou pela inconstitucionalidade. A identidade do
problema ora em apreço, como o já resolvido pelo modo referido, é perfeita".
Só que - como o Sr. Deputado sabe muito bem, e é evidente que não estou a falar para o Sr. Deputado, Risos aio PS.
pois sei que o Sr. Deputado sabe muito bem essas coisas, mas importa, também, esclarecer a Câmara - o
problema a que se reporta este segundo parecer é diferente do problema que aqui temos. Porque senão a
conclusão seria a mesma. Foi a Comissão Constitucional que o disse, foi o Conselho da Revolução que o
disse. Portanto, peço-lhe, Sr. Deputado, que releve a
acusação de tropeçar. Tenho tropeçado muitas vezes,
não sou particularmente subtil na arte de me mover.
O Orador: - Sr. Presidente, nós poderemos acordar
durante o debate a duração dos "tropeções". Estava
a fazer uma pergunta ao Sr. Deputado José Luís Nunes
quando o Sr. Deputado Costa Andrade "tropeçou" no
intervalo ou no interstício de uma observação que eu
tinha feito. Vamos ter de esclarecer isto noutra sede,
provavelmente.
Quando o Sr. Deputado Costa Andrade ler o parecer integralmente, lentamente, vai ver - e vai
admitir- que aqui se procura reflectir rigorosamente
aquilo que proeurou exprimir, ainda que demasiado
aceleradamente.
A Comissão apreciou essa matéria, pronunciou-se
negativamente num caso, arrolou mais jurisprudência
- há outros pareceres, que pode ulteriormente ver
e concluiu, depois, em termos que esta Comissão de
Assuntos Constitucionais da Assembleia da República
resolveu acolher, e que são, no fundo, o parágrafo
constante da p. 4, com que se sumariza aconselhando
a Assembleia a elaborar uma boa lei quadro.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E era em relação a esta questão que
eu gostava de interrogar o Sr. Deputado José Luís
Nunes, pedindo desculpa por esta interrupção.
No momento em que o Governo coloca a questão neste terreno quanto a nós, mal -, em que insiste em empurrar a Assembleia para uma via que tem atrás de si a polémica constitucional que aqui foi invocada, em particular pelo Sr. Deputado Costa Andrade nos termos em que o fez, no momento em que tudo isto acontece (e está a processar-se uma tentativa de leilão apressada), qual a via mais rápida, mais eficaz e que, por completo, evita a guerrilha em que o Governo está empenhado?
Aquilo em que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias acordou foi que era útil, necessário e urgente fazer uma lei quadro que, porventura na sua última disposição, cominasse uma sanção adequada para os actos praticados por forma ilegal. E isso bastaria para dotar a República com um instrumento muito útil para, num sentido positivo, impedir esta política de leilão. Gostava de perguntar ao Sr. Deputado José Luís Nunes se não entende que essa é a via mais segura e mais adequada para cumprir esse objectivo, que é claramente maioritário.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Nunes.
O Sr. José Luís Nunes (PS): - Bom, Sr. Deputado Costa Andrade, V. Ex.º fez uma interessantíssima, brilhantíssima e doutíssima intervenção. A ideia que tenho é de que V. Ex. B já trazia a sua intervenção feita.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É um argumento redundante!
O Orador: - Não me referi, sequer, à Comissão Constitucional, mas V. Ex." avançou com uma série de criticas muito interessantes para o debate, mas que não constavam da minha intervenção, Eu, quando muito ...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É proibido?
O Orador: - ... o que podia - e isso não seria anti-regimental era pedir esclarecimentos da intervenção de V. Ex.ª
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É proibido?
O Orador: - Não disse que era proibido, Sr. Deputado. Não tenho nenhum instinto, nem nenhuma intenção proibitória ou prossecutória e o principio do alles verboten não está aqui inscrito na porta da Assembleia da República.
A questão, que é muito simples e que é posta aqui, foi a levantada pelo Sr. Deputado José Magalhães. O Sr. Deputado José Magalhães pergunta-me: qual o melhor caminho, mais constitucionalmente isento de dúvidas para resolver um problema desta ordem? Junta uma série de argumentos e há um que não junta e que é um argumento importante: é que o que se está a passar em matéria de comunicação social pode passar-se em muitas outras matérias.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Simplesmente, Sr. Deputado, há duas razões que são estas: a razão do que é mais útil e a razão dos actos inúteis. E, ao tomarmos esta iniciativa,
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pensamos que, a elaboração :de uma lei quadro = que é uma ideia em si útil' e necessária, pelo trabalho que importa desenvolver,, pelos estudos que importa fazer.-, com a velocidade supersónica, liberalizante do Governo em certas matérias, arriscava-se a tornar-se um acto inútil. Dito de outra forma: quando a' lei estivesse pronta já não havia mais nada para vender; porque já
estava tudo .vendido.
Risos do PS. ' -'
Ora bom, foi por isso;` perante este caso da venda e das projectadas vendas de partes da comunicação
social - honni soit qui mal y pénse -
`Risos do . PS e do MDP/CDE. . ' _.
. . que. nós entendemos que devíamos lançar . mão de um Projecto de Lei - deste estilo, que tem todos os deméritos que o Sr. Deputado Costa Andrade lhe possa atribuir. Mas não creio que, tenha o da inconstitucionalidade e tem alguns méritos modestos. O mérito fundamental é aquele que tive ocasião de expor na exposição inicial que fiz, e não vale a pena determo-nos sobre ele, mas há um outro, fundamental também: é que isto é um aviso à navegação.
O Sr. João 'Corregedor da Fonseca'(MDP/CDE): Muito bem!
O Orador: - E é um aviso aos , possíveis compradores...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: de que à Assembleia da República está atenta e que talvez não seja um. investimento, tão bom . _ , , .
O Sr. Silva Marques (PSD): - Faz cair o preço das
acções!
O Orador: - ... = andar a procurar oportunisticamente aquilo que o Governo pretende vender, do nosso ponto de vista, sem ressalvar os princípios' do interesse público e do interesse nacional.
O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - É inacreditável um homem inteligente estar a dizer coisas dessas!
.O Orador: - Não acredito que isto vá fazer cair o preço das acções._ Mas vai, de certeza, diminuir a voracidade e a rapacidade com que, neste campo; se tem...
O 'Sr. Silva Marques (PSD): - Está á favorecer os
negócios especulativos! . '-'
O Orador:'- Bom, Sr. Deputado Silva Marques, á minha experiência de Bolsa é' extremamente, limitada limitadíssima até.
Risos do PS.
Não sei se tem alguma influência sobre os negócios especulativos ou não.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Então é ,por isso que
não sé apercebe . . , ,
' Ò ' Orador: - De : - qualquer. forma, - aquilo que o
Sr. Deputado Silva Marques acaba de 'dizer não tem
nada a ver com aquilo que. estamos aqui a tratar. '
Penso, portanto, que é útil e necessária a aprovação deste projecto de lei. E penso que' a aprovação deste projecto de lei não é incompatível com a elaboração de uma lei quadro em, que estes problemas, possam ; ser devidamente equacionados. -
_ Portanto, penso, que respondi à pergunta que V.º Ex.a, Sr: Deputado José Magalhães,; formulou._
' Aplausos do PS, e do MDP/CDE.
-.O Sr. Presidente: - Tem a palavra o 'Sr. Deputado Correia Afonso., .... ._ . _ . : _. ,. ,
' O Sr: Correia 'Afonso ''(PSD):.-`` Sr..- Presidente, Srs.- Deputados, Srs.- Membros do Governo: Raymond Aron, em certo momento 'da .sua vida, interrogava-se sobre se a história teria um. sentido: Admitindo que o tivesse,- concluía que não se: identificava: com um progresso contínuo, com uma, racionalidade completa. Seria a realidade dialéctica, dramática, de uma liberdade sempre sujeita a conflitos, mas mesmo assim sempre presente. ' . . , -, ,, _ . . ,.
O projecto socialista, que está em debate, faz-me recordar a inquietação de Raymond Aron. Não constitui um passo em frente na, história da conquista da independência dos órgãos de comunicação ' social. . É apenas mais .um conflito, com a liberdade. '
O. Sr. António Vitorino.-(PS):- - Não apoiado!.
O Orador:'- Todos sabemos que na democracia ocidental, dominante na Europa a que, já pertencemos, a liberdade é a' 'independência. da' comunicação social surgem como valores a salvaguardar, sem os quais o próprio regime democrático deixa de existir .. ...
O direito de exprimir e divulgar livremente ó pensamento pela palavra, pela.º imagem ou por, qualquer,
outro meio, bem como o direito de informar, de se
informar e de ser, informados é, como diz a Constituição, um direito fundamental.
São legítimas, portanto, todas as precauções com a liberdade e a, independência da comunicação social:
,: Vozes do., PSD: , Muito bem!
O Orador: -- E ò Governo mostrou claramente a sua preocupação' e determinação neste sector,, como noutros, .ao registar no- seu, Programa* o seguinte: '
O Governo prosseguira; como princípios básicos;
no domínio da comunicação social; a liberdade de
expressão, a isenção, a qualidade, á garantia da
existência de um serviço público básico, mas não omnipresente, á preservação dá identidade cultural e a
' facilidade de acesso' dos cidadãos à' informação:
Uma das condições para o desenvolvimento e progresso de que `ó País carece é a livre circulação
' de informação e a existência de um salutar espirito crítico de toda a comunidade nacional, que só uma comunicação social activa e independente conseguirá proporcionar. - . .
Este Programa do Governo foi viabilizado péla Assembleia. A' preocupação da independência e da
liberdade é, portanto, comum a todos nós.º
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Compreende-se, assim, a vontade de introduzir mais transparência na alienação de bens das empresas públicas de comunicação social.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Merece, portanto, o nosso acordo, se não mesmo o nosso aplauso, o comando para que essas alienações só possam ser feitas por concurso público. 15to não obstante tratar-se de matéria já contemplada na lei.
O Decreto-Lei n.º 260/76, de 8 de Abril, depois alterado pelo Decreto-Lei n.º 29/84, de 20 de Janeiro, que contém as bases gerais das empresas públicas, previu a competência dos respectivos conselhos de administração, sujeita eventualmente à tutela, para adquirir ou alienar bens e participações financeiras. E a Portaria n.º 694/82, de 14 de Julho, estabeleceu normas acerca da alienação de participações do sector público no capital das sociedades.
A exigência, contida no projecto, de que a decisão do concurso público tenha a forma de decreto-lei vem alterar a competência e funcionamento dos órgãos de soberania. Fica violado, portanto, o artigo 113.º, n. O 2, da Constituição.
Os actos praticados pelo Governo no exercício da sua competência administrativa estão constitucionalmente sujeitos ao controle judicial do órgão de soberania tribunais. Não podem, portanto, ter a forma de decreto-lei, porque isso significaria subtraí-los a esse controle.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Por outro lado, ao ratificar o decreto-lei que contivesse a decisão do Governo sobre o concurso público, a Assembleia da República estaria também a praticar um verdadeiro acto administrativo.
Apesar de o assunto ter já merecido a atenção do legislador, creio ser positiva a exigência de concurso público na alienação de bens de empresas públicas de comunicação social.
Trata-se de um acto praticado no exercício da competência administrativa do Governo. Efectivamente, o Governo tem competência política, legislativa e administrativa, previstas separadamente nos artigos 200.º, 201.º e 202.º da Constituição.
Os decretos-lei feitos pelo Governo, no exercício da sua competência legislativa, são actos normativos. Dizem-no os artigos 115.º, n.º 1, e 201.º do texto constitucional.
Mas a alienação de bens por concurso público é um acto concreto administrativo, não normativo, sujeito a recurso contencioso ou judicial nos termos do artigo 268. º, n. I 3, da Constituição.
Seria, como já aqui afirmei antes, a derrogação do princípio da separação dos poderes do Estado, que é um dos suportes da democracia. A Assembleia passaria a praticar actos administrativos ao ratificar as decisões do Governo sobre concursos públicos. Aos tribunais ficava subtraído o controle desses actos administrativos. Seria a subversão constitucional, seria um passo atrás na defesa dos direitos e liberdades.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - $ tão nítido o retrocesso que se torna legítima a pergunta: o projecto de lei n.º 152/IV propõe-se defender a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação social? Ou o seu objectivo é precisamente o contrário, é conseguir o seu controle?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A Assembleia tem funções de fiscalização e pode, efectivamente, fiscalizar os actos do Governo. A Assembleia tem competência para legislar e pode naturalmente fazê-lo sobre concursos públicos, através de leis com carácter normativo. Os tribunais controlam a legalidade dos actos administrativos do Governo, nomeadamente alienações por concurso público.
Para quê então este projecto de lei n.º 152/IV? Para quê quebrar o equilíbrio institucional de poderes? Olhamos para a Europa, para a Comunidade a que agora pertencemos, e não vimos jornais nas mãos do Estado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Era melhor fiscalizar os actos do Governo!
O Orador: - A televisão
A seu tempo serão tratados.
Mas os jornais?!
A imprensa no controle do Estado só se encontra nos países do Leste.
e a rádio é outro assunto.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Para o seu domínio, manipulação e propaganda.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Defender a concentração da imprensa nas mãos do Estado, invocando a liberdade, é tentação totalitária.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - O que vocês queriam era o Pravda!
O Orador: - Essa não é a política do Governo. Mas parece ser agora a do Partido Socialista, autor do projecto em debate.
De 1974 a 1984 a comunicação social custou aos cofres do Estado 15 570 000 contos, de passivo acumulado, obtidos à custa dos impostos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Têm O Século para compensar!
O Orador: - Têm-se gasto largos recursos públicos no domínio da comunicação social, não obstante o quadro de austeridade a que tem sido forçado o consumo privado.
Obrigar o cidadão a pagar, através dos impostos, os jornais que ele não quer comprar nem ler não parece muito democrático.
O Sr. Lopes Cardoso (Indep.): - É verdade. O Dia e outros!
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O Orador: - Afirmar 'a independência de uma
comunicação social que, para sobreviver, recebe do
Estado por ano mais de um milhão - de' contos pode
parecer irrealismo. - 1_. 1
O projecto de lei n.º 152/IV. não se mostra adequado aos anunciados objectivos da liberdade e da independência dos órgãos de comunicação social. Pretende apenas impedir que o Governo execute a sua política de fortalecimento da democracia. E a--sua tarefa -,de reforma e modernização do Estado.-
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Como afirmou Disraeli, homem de Estado é o que por meios pacíficos faz o que por meios lentos faria a revolução.
Esta verdade deverá estar - sempre presente numa Assembleia democrática como esta.
Aplausos do PSD, do CDS e do deputado independente Borges de Carvalho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, chegámos à hora regulamentar do termo dos nossos trabalhos. Há seis pedidos de esclarecimento, o que nos levaria a mais meia hora de debate, pelo que penso preferível os Srs. Deputados ficarem com a palavra reservada para a sessão de amanhã. .
Estão inscritos os Srs. Deputados José Luís Nunes, João Corregedor da Fonseca, José Carlos Vasconcelos, Alexandre Manuel e Jorge Lemos.
Srs. Deputados, a próxima sessão será amanhã, às 10 horas, continuando-se a discussão do projecto de lei n.º 152/IV e discutindo-se ainda a proposta de lei n.º 18/IV e o projecto de lei n.º 28/IV - que por consenso de todos os grupos parlamentares, será discutido conjuntamente com a proposta de lei n.º 18/IV.
Srs. Deputados, está encerrada a sessão.
Eram 20 horas.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados: - -
Partido Social-Democrata (PPD/PSD): -
Adérito Manuel Soares Campos.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira. -
António Manuel Lopes Tavares. . '
António Paulo Pereira Coelho.
António Roleira Marinho.º '
Arménio dos Santos.
Aurora Margarida Borges de Carvalho., . "
Cândido Alberto Alencastre Pereira. -- -
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.º
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa. --'
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos. - - ' -
João José Pimenta de Sousa.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.º
José Ângelo Ferreira Correia.
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I SERIE - NÚMERO 57
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe Athayde Carvalhosa.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro..
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes. , , ,
José de Vargas Bulcão...
Luís António Damásio Capoulas.,
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel da Costa Andrade.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel de Oliveira Costa.
Vitor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues. Alberto Manuel Avelino. Aloísio Fernando Macedo Fonseca. António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos. . -
António Manuel Chambica Azevedo Gomes.
António José Sanches Esteves. --
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel 'N. Costa Candal.
Francisco Manuel Marcelo Curto. . "
Helena Torres Marques.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho. -
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Raúl da Assunção Pimenta Rêgo.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Hermínio Paiva Fernandes Maninho... José Carlos Pereira Lilaia. Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos. Vasco da Gama Lopes Fernandes. .Victor Manuel Ávila da Silva.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva. António Vidigal Amaro. Carlos Manafaia. Domingos Abrantes Ferreira.
João António Gonçalves do Amaral. -
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Odete dos Santos. - v
Octávio Floriano Rodrigues Pato. -
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Zita Maria de Seabra Roseira.
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Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida. Eugénio Nunes Anacoreta Correia. Henrique José Pereira de Moraes. Henrique Manuel Soares Cruz. Hernâni Torres Moutinho. José Augusto Gama. José Luís Nogueira de Brito. José Miguel Nunes Anacoreta Correia. Manuel Fernando Silva Monteiro. Pedro Manuel Dei Negro Feist. Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Deputados independentes:
António José Borges de Carvalho. Gonçalo Pereira Ribeiro Teles. Maria Amélia Mota Santos.
Faltaram h sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho. José Júlio Vieira Mesquita. Manuel José Marques Montargil. Mário Júlio Montalvão Machado. Reinaldo Alberto Ramos Gomes. Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Partido Socialista (PS):
António Gonçalves Janeiro. António Miguel Morais Barreto. António Manuel de Oliveira Guterres. Armando dos Santos Lopes.
José Manuel Torres Couto. Mário Nunes da Silva. Rui Fernando Pereira Martins.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Magalhães de Barros Feu. Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho. Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Partido Comunista Português (PCP):
Carlos Campos Rodrigues Costa. Joaquim Gomes dos Santos. Octávio Augusto Teixeira.
Centro Social Democrático (CDS):
António José Tomás Gomes de Pinho. António Vasco Mello César Menezes. João da Silva Mendes Morgado. Narana Sinai Coissoró.
Declaração de voto enviada por escrito para a mesa ao abrigo do n.º 4 do artigo 92.º do Regimento.
O Partido Os Verdes votou favoravelmente os projectos de lei n.ºs 66/IV, 107/IV e 139/IV, pois considera fundamental a corporização de uma democracia directa, participativa e de base, em estreito enlace com a democracia representativa.
A Deputada, Maria Santos.
Os REDACTORES: Cacilda Nordeste - Ana Maria Marques da Cruz - Carlos Pinto da Cruz.
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PREÇO DESTE NÚMERO 189$00
Depósito legal n.º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.
PORTE PAGO