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I - SÉRIE - NÚMERO 101
Quinta-feira, 24 de Julho de 1986

DIÁRIO da Assembleia da República

IV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1985-1986)

REUNIÃO PLENÁRIA DE 23 DE JULHO DE 1986

Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmos. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto Basto Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida

SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Anunciou-se a entrada na Mesa de um projecto de lei.
Foi aprovado o pedido formulado pela Comissão de Administração Interna e Poder Local para prorrogação do prazo de votação na especialidade do projecto de lei n.º 194/IV (Estatuto Social dos Bombeiros).
Procedeu-se à discussão e votação na generalidade, na especialidade e votação final global, da proposta de lei n. º 35/IV (Autoriza o Governo a continuar a execução dos programas plurianuais de reequipamento das Forças Armadas, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 9/86, de 30 de Abril), tendo sido aprovada. Usaram da palavra, a diverso titulo, além do Sr. Ministro da Defesa Nacional (Leonardo Ribeiro de Almeida), os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Magalhães Mota e José Seabra (PRD), Adriano Moreira (CDS), João Amaral (PCP), António Feu (PRD), Maria Santos (Indep.), José Leio (PS), Marques Júnior (PRD) e Cardoso Ferreira e Angelo Correia (PSD).
Iniciou-se a discussão na generalidade da proposta de lei n. º 29/IV - Introduz alterações a alguns artigos da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, que aprova as Bases Gerais da Reforma Agrária -, sobre o que intervieram, a diverso titulo, além do Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto), os Srs. Deputados Paulo Campos (PRD), Alberto Avelino e Lopes Cardoso (PS), Rogério de Brito (PCP), Seiça Neves (MDP/CDE), Álvaro Brasileiro (PCP), Carvalho Cardoso (CDS), Custódio Gingão (PCP), José Frazão (PS), Soares Cruz (CDS), António Campos (PS), Assunção marques, Luís Capoulas, José Manuel Casqueiro e Marques Mendes (PSD), Vasco da Gama Fernandes (PRD) e Vasco Miguel (PSD).
Foi aprovado em votação final global o texto alternativo elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, relativo ao Decreto-Lei n.º 348-A/85, de 30 de Setembro, sobre o Código das Custas Judiciais (ratificação n.º 17/IV).
Procedeu-se também à aprovação na especialidade e em votação final global do texto final elaborado pela Comissão de Defesa Nacional sobre o regime de estado de sítio e estado de emergência - proposta de lei n.º 28/IV e projectos de lei n.º 28/IV (PS) e n.º 124/IV (PRD) -, tendo o Sr. Deputado José Magalhães produzido uma declaração de voto.
Foi ainda aprovada na generalidade a proposta de lei n.º 26/IV (lei de segurança interna), que baixou à Comissão de Defesa Nacional para apreciação na especialidade.
Entretanto, haviam sido aprovados a proposta de deliberação n.º 9, concedendo competência ao Presidente da Assembleia para convocar as comissões especializadas durante o período compreendido entre 1 de Setembro e 15 de Outubro, e um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos relativo à substituição de um deputado do PCP.
O Sr. Presidente encerrou a sessão eram 20 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a sessão.

Eram 10 horas e 15 minutos. Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados: Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
António Roleira Marinho.
Arnaldo Angelo de Brito Lhamas.
Cecília Pita Catarino.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Álvaro Possas Santos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim da Silva Martins.
José Francisco Amaral.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
Luís Jorge Cabral Tavares Lima.
Maria Antonieta Cardoso Moniz.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.

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Partido Socialista (PS):

Alberto Manuel Avelino.
Américo Albino Silva Salteiro.
António Domingues de Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António José Martins Seguro.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Cardoso Lage.
Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel Pereira Pinto.
Hermínio da Palma Inácio.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
Jorge Lacão Costa.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul Manuel Gouveia B. Junqueiro.
Victor Manuel Caio Roque.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Agostinho Correia de Sousa.
António Alves Marques Júnior.
Carlos Alberto da S. Narciso Martins.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
João Barros Madeira.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui José dos Santos Silva.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.

Partido Comunista Português (PCP):

Álvaro Favas Brasileiro.
António Dias Lourenço da Silva.
António da Silva Mota.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alfredo de Brito.
Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
José Fernando de Almeida Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria Alda Barbosa Nogueira.
Maria Margarida Tengarrinha.
Octávio Augusto Teixeira.
Saul Feteira Fragata.

Centro Democrático Social (CDS):

António José Tomás Gomes de Pinho.
Francisco António Oliveira Teixeira.
João da Silva Mendes Morgado.
José Vicente Carvalho Cardoso.
Manuel Eugênio Cavaleiro Brandão.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Cerveira Corregedor da Fonseca.

Deputados independentes:

Maria Amélia do C. Mota Santos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário Reinaldo Gomes vai dar conta de um diploma entrado na Mesa.

O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Deu entrada na Mesa o seguinte diploma: projecto de lei n.º 264/IV, da iniciativa do Sr. Deputado João Seiça Neves e outros, do MDP/CDE, que se refere a subsídios e garantias a atribuir aos cidadãos que sofram de paramiloidose; foi admitido e baixa à 2.ª Comissão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso não haver inconveniente em submeter à votação a apreciação do pedido formulado pela Comissão de Administração Interna e Poder Local para prorrogação do prazo para votação na especialidade do projecto de lei n.º 194/IV - Estatuto social dos bombeiros.
Penso que é de conceder. Aliás, isto seria da minha competência. Não vejo, no entanto, inconveniente em que seja submetido à vossa aprovação.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faz favor, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, a prorrogação é por quanto tempo?

O Sr. Presidente: - Agradecia ao Sr. Presidente da Comissão, Sr. Deputado João Amaral, o favor de nos esclarecer.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, é até 30 de Outubro.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Vamos então proceder à votação do pedido de prorrogação.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade.

O Sr. Presidente: - Vamos entrar na segunda parte da ordem dos nossos trabalhos, com a apreciação da proposta de lei n.º 35/IV, que autoriza o Governo a continuar a execução dos programas plurianuais de reequipamento das Forças Armadas, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 9/86, de 30 de Abril.
Tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

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O Sr. Ministro da Defesa Nacional (Leonardo Ribeiro de Almeida): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Submete o Governo à Assembleia da República a proposta de lei que nesta oportunidade tenho a honra de apresentar a VV. Ex.ªs.
Penso que vale a pena gastar alguns minutos recordando o circunstancialismo em que esta proposta de lei surge e é submetida agora à apreciação de VV. Ex.ªs.
A Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas estabeleceu, no seu artigo 26.º, que a previsão das despesas militares a efectuar pelo Estado no reequipamento das Forças Armadas deve ser objecto de planeamento a médio prazo, nos termos a definir em lei especial.
Esta lei especial, que assim deve definir os termos desse planeamento, é obviamente a lei quadro das leis de programação militar e são-no também estas mesmas leis.
Tal lei quadro veio a ser discutida e votada nesta Assembleia e é hoje a Lei n.º 1/85, de 23 de Janeiro.
Segundo as suas disposições e em harmonia com a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, estabelece-se aí que as leis de programação militar incorporam e programam a aplicação de planos de médio prazo, por períodos de cinco anos, planos esses de investimento público, para o reequipamento das Forças Armadas e infra-estruturas de defesa.
E, como resulta da mesma lei quadro, a elaboração de qualquer lei de programação militar tem como pressuposto a existência de um plano de forças já definido anteriormente.
Seja-me permitido fazer notar que esta expressão «Plano de Forças», usada na Lei n.º 1/85, engloba em si os conceitos de «Sistema de Forças» e «Dispositivo» tal como se lhes refere a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Como VV. Ex.ªs melhor sabem, aprovados o conceito estratégico de defesa nacional e o conceito estratégico militar, o que sucedeu respectivamente em 20 de Fevereiro e 18 de Dezembro de 1985, impunha-se que a seguir, e como decorrência desses dois textos, fossem definidas as missões específicas das Forças Armadas, o sistema de forças e o dispositivo.
Consciente da necessidade urgente dessas definições, solicitei ao Conselho dos Chefes dos Estados-Maiores, e assim o determinei por despacho, a apresentação dos respectivos projectos e proposta, para que esses três textos possam estar definidos e aprovados em breve, uma vez que eles são, em seu conjunto, condição prévia e essencial da apresentação a esta Assembleia da primeira lei de programação militar.
Ela será enviada em tempo útil para que possa, nos precisos termos da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, ser apreciada em articulação com o orçamento do Estado para 1987.
De quanto venho dizendo, resulta claramente que a proposta de lei agora em analise não constitui uma lei de programação militar no sentido técnico-jurídico que venho referindo e que foi o que esta Assembleia definiu. Na verdade, a presente proposta de lei é decorrência pura do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 9/86, de 30 de Abril, que aprovou o Orçamento do Estado para 1986.
Aí se dispôs na sua 1.ª parte que:

As Forças Armadas continuarão em 1986 a dar execução ao seu reequipamento, usando para tanto, além das dotações inscritas nos capítulos próprios do Ministério da Defesa, os meios financeiros resultantes dos acordos de defesa referidos no n.º 1 do presente artigo, de harmonia com a descrição constante do anexo informativo à presente lei [...]
Desta primeira parte da mesma disposição, se a considerássemos isoladamente, resultava de modo claro que os programas que agora constam da proposta de lei, poderiam ser executados sem necessidade de qualquer outra formalidade que acrescesse.
Na verdade: no que se refere ao projecto das três fragatas Meko 200, o orçamento da Marinha foi aprovado por esta Assembleia, contendo a verba de 5 092 000 contos para pagamento no ano corrente da primeira prestação da sua compra; e pelo que toca ao completamento das esquadras de aviões A-7P e aquisição dos P-3B, a fazer totalmente por força da ajuda externa, estavam ambos expressamente mencionados no anexo à lei orçamental.
Todavia, tendo em atenção o disposto na última parte do n.º 2 daquele artigo 12.º, porque esses três programas têm realmente a natureza de plurianuais, e porque qualquer deles excede o valor global de um milhão de contos no ano corrente, o Governo entendeu que, mesmo sem haver ainda qualquer lei de programação militar, convinha submeter a esta Assembleia os referidos programas - até porque o que se refere à 1.ª Brigada Mista Independente apenas constava parcialmente do anexo à lei orçamental.
Acresce mais o seguinte: os três principais programas constantes da proposta de lei em análise não são programas novos, que se tragam a esta Assembleia para (como sucederia e sucederá com verdadeiras leis de programação militar), previamente aprovados por ela, terem a seguir o começo da sua execução; bem pelo contrário, com exclusão, como já referi, do programa relativo à 1.ª Brigada Mista Independente, todos os restantes programas vêm de há muito tempo; o actual governo, ao tomar posse, encontrou-os em plena execução; entendeu que deviam honrar-se os compromissos já assumidos, até porque lhes deu inteira concordância.
Na verdade, o contrato relativo aos aviões P-3B foi autorizado pelo anterior governo em 5 de Julho de 1985, e assinado no dia 8 do mesmo mês. Posteriormente, em Outubro desse mesmo ano, a embaixada de Portugal em Washington recebeu a confirmação necessária para o início da execução do contrato.
Ele é inteiramente realizado por força da ajuda externa proveniente dos acordos em vigor entre Portugal e os EUA, e, no seu desenvolvimento e pelas forças desse mesmo apoio, já foram pagos à Lockeed $56 800 000 USA, à Lear Siegler $ 7 740 078,5 USA e à General Instruments $2 690 045 USA.
No que se refere ao programa de completamento das esquadras de aviões A-7P, ele visa a aquisição e montagem de toda uma série de equipamento que lhes aumentam decisivamente a operacionalidade e a economia de manutenção.
Também em relação a este programa direi que ele foi autorizado pelo governo anterior, e por conta dele e também pelas forças da ajuda externa americana foram já pagos $9 988 184 USA.
De resto, o programa de aquisição destes aviões encontra-se consumado, trata-se apenas e agora da obtenção de equipamento complementar, nos termos já referidos.

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E cumpre ainda salientar o seguinte, que considero muito importante - direi mesmo fundamental - para o correcto entendimento de todo este assunto, que tão distorcido tem sido e sobre o qual se tem feito tanta especulação, e se algumas vezes isso se explicou por uma atrevida ignorância, por outras tem revelado sem sombra de dúvida uma clara malevolência.
Refiro-me ao seguinte: como VV. Ex.ªs melhor sabem, os acordos de assistência mútua de defesa, que temos em vigor com os Estados Unidos da América traduzem-se essencialmente no seguinte:
De seu lado, Portugal concede aos Estados Unidos determinadas facilidades para a utilização da base aérea portuguesa das Lages.
Correspondentemente, aquele nosso aliado fornece-nos anualmente material de defesa para reequipamento e modernização das nossas Forças Armadas.
Para esse feito, a administração americana fixa para cada ano o montante de dólares até ao qual, nesse mesmo período, podemos encomendar material de defesa.
Essa quantia, assim anualmente atribuída, é constituída por um conjunto de duas verbas com regimes diferentes: uma delas (aliás, a maior) é atribuída a fundo perdido, isto é, constitui uma dádiva. É o que usualmente se designa por Granis.
A outra verba constitui, ou melhor, tem a natureza de empréstimo - em condições excepcionalmente favoráveis de prazo e taxa de juro, mas. em qualquer caso - um empréstimo - FMS, na designação corrente.
No que se refere aos Granis, a sua utilização tem sido feita sem observância de formalidades legais; tratando-se, como se trata, de uma dádiva, tal utilização, ano após ano, não ofereceu qualquer dificuldade.
Todavia, quanto aos foreign military sales, que têm a natureza de empréstimos, que tem sucedido? Isto: a Assembleia da República, VV. Ex.ªs, compreendendo com patriótica lucidez a necessidade de modernização das Forças Armadas, têm autorizado sucessivamente o Governo a contrair os empréstimos FMS pelos valores estabelecidos para cada ano.
Na verdade, a Lei n.º 26/83, de 8 de Setembro, as Leis n.ºs 32/84 e 33/84, de 7 e 8 de Setembro, respectivamente, e a Lei n.º 19/85, de 26 de Julho, autorizaram os governos de então a contrair nos Estados Unidos da América os correspondentes empréstimos que correspondem, no seu todo, à totalidade dos créditos FMS concedidos para os anos de 1982 e 1985 inclusive.
E salienta-se mais o seguinte: em todas e em cada uma dessas leis, esta Assembleia autorizou que se contraíssem os respectivos encargos para reequipamento das nossas Forças Armadas sem qualquer restrição ou directriz. Pelo contrário, deixou completamente ao critério do Governo a liberdade de escolher o equipamento que mais conveniente se considerasse em cada momento.
Pode assim dizer-se, com inteira exactidão, que a cobertura financeira dos programas que se apresentam agora, especialmente no que toca aos aviões A-7 e P-3 e ao completamento da 1.ª BMI já está afinal aprovada por esta Assembleia - na medida em que ela própria aprovou, há muito, os créditos que para a realização desses três programas se estão a utilizar.
E o mesmo acontece em relação ao programa das fragatas MEKO 200, visto que também ele será parcialmente coberto pelos fluxos da ajuda externa americana.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não irei alongar-me sobre os aspectos técnicos de cada um dos programas, que integram esta lei.
Tive a oportunidade de reunir com a Comissão Parlamentar de Defesa, várias vezes, acompanhado pelo Sr. Secretário de Estado Adjunto. Na primeira dessas reuniões, os assessores militares que nos acompanharam prestaram, durante todo um dia, exaustivamente, as explicações e os esclarecimentos que lhes foram solicitados.
Por isso, julgo que está suficientemente demonstrada a conveniência e a oportunidade destes programas e a boa qualidade técnica dos equipamentos que são objecto deles.
Desejo, em todo o caso, e antes de terminar, dizer o seguinte:

No que se refere ao programa das três novas fragatas, há dez anos - tantos quantos durou o cerco de Tróia! - que se vinha encarando a hipótese da sua construção.
Estes navios, por suas características, satisfazem, simultaneamente, as nossas necessidades de defesa autónoma e os nossos compromissos NATO.
Por essa razão, os nossos sucessivos governos se preocuparam com a sua obtenção e as estruturas da Aliança igualmente se interessaram para que o projecto se concretizasse.
Longas e repetidas diligências se fizeram para o efeito, mas todas sucessivamente se goravam pela impossibilidade de nossa parte de realizar a sós tal projecto.
Foi assim que, no decurso de 1984, surgiu a hipótese de uma colaboração efectiva proveniente dos nossos parceiros da Aliança suficiente para a construção do projecto.
A Alemanha, a França, o Canadá, a Noruega, os Estados Unidos da América, a Holanda e o Luxemburgo asseguram-nos apports valiosíssimos e por isso mesmo decisivos para a realização do programa.
Face a esse novo condicionalismo, o governo anterior decidiu-se então pela realização do projecto.
Em seguimento, foi assinado em Outubro de 1984 o pré-contrato com o consórcio MEKO, pagou-se, em Outubro desse mesmo ano, o sinal, no montante de 1 milhão de dólares, para garantia do pagamento de parte do equipamento. E em 3 de Outubro de 1985, a resolução do Conselho de Ministros dessa data, decidiu finalmente a construção das três fragatas.
Sublinho que a referida resolução estabelece como condição da celebração desse contrato a existência de um contrato de contrapartidas no valor mínimo de 90% de 390 milhões de marcos alemães - valor da contribuição portuguesa para a construção das fragatas.
Durante as negociações, que se desenvolveram desde Novembro de 1985, foi possível elevar o valor total desse contrato de contrapartidas de mais 110 milhões de marcos, ou seja para o total de 460 milhões de marcos alemães.
Significa isso que o consórcio se obriga a promover exportações de bens e serviços portugueses, no prazo de seis anos e por um total equivalente aos referidos 460 milhões de marcos.
Acresce ainda que, com a obtenção das três fragatas novas se torna possível vender as três fragatas da classe Pereira da Silva.
Tinham elas sido construídas por Portugal com uma contribuição americana de 50% do seu custo por isso

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estava estabelecido entre os dois Governos que, na hipótese da sua alienação, o preço obtido seria também repartido entre os dois países em partes iguais.
Também os Estados Unidos da América informaram já que prescindem dessa parte do preço a que tinham direito.
O preço que se prevê como possível de obter é de cerca de 120 milhões de marcos; portanto, esta importância diminuirá substancialmente os encargos de Portugal com este projecto das novas fragatas.
Conhecem VV. Ex.ªs os números que a este respeito o Governo comunicou, e pode assim dizer-se que, pese embora o esforço financeiro que nos cabe, temos a oportunidade verdadeiramente única de realizar o reequipamento da nossa armada com três moderníssimas fragatas que nos ficarão por pouco mais do custo de uma só.
No que se refere ao esquema em que se desenvolve o contrato de contrapartidas, o Sr. Secretário de Estado do Comércio Externo dará a W. Ex.as os esclarecimentos que julgarem necessários a acrescer aos que pormenorizadamente deu à Comissão Parlamentar de Defesa.
Trata-se, pois, também aqui, de um programa já com bastante tempo, que o actual governo assumiu. E, felizmente, foi possível, no decurso das negociações aturadas que se desenvolveram com o consórcio MEKO, melhorar sensivelmente as condições do contrato, quer no que se refere à construção dos navios quer no que respeita ao contrato de contrapartidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Inclui ainda a presente proposta de lei o programa de aquisição de material de defesa antiaérea para a 1.ª Brigada Mista Independente.
Devo esclarecer que o conjunto de material previsto nesse programa inclui, além dos elementos Chaparral e Vulcan, material Stinger também de defesa antiaérea, portátil.
É desnecessário, creio, sublinhar a sua imprescindibilidade.
A 1.ª Brigada Mista Independente ainda não tem qualquer armamento próprio de protecção antiaérea e todos compreendemos, certamente, a necessidade da atribuição desses meios.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Todos os quatro programas que se submetem à apreciação de VV. Ex.ªs são, por sua natureza, imprescindíveis à nossa defesa autónoma, como meio de dissuasão minimamente credível. Dada a natureza geo-estratégica do nosso território, a extensão atlântica cujas costas nos cumpre assegurar e proteger bem como às rotas do Atlântico entre Portugal e os Açores e a Madeira e a dimensão da nossa ZEE, os aviões A-7, que se pretende melhorar, e os P-3, cujo contrato está em execução, bem como as fragatas vocacionadas para o patrulhamento e a luta anti-submarina são perfeitamente adequados às nossas necessidades de 1.º grau.
E não se diga que outros podiam cumprir por nós as tarefas de defesa e dissuasão que esses meios nos vão permitir.
Porque tem sido uma política constante, uma permanente atitude de Estado, o considerar-se que Portugal não abdica do dever - que também é direito - de defender a integridade do seu território.
E também não se pense que com a realização destes programas vamos dispensar outros de tarefas e de responsabilidades que até aqui lhes têm também incumbido.
O princípio mantém-se e como seu corolário, no acordo técnico das Lages, ficou mais uma vez reafirmado que a defesa terrestre, marítima e aérea dos Açores, incluindo a das instalações utilizadas pelos Estados Unidos da América, é da responsabilidade das Forças Armadas Portuguesas.
É uma afirmação da nossa indeclinável soberania, que nos impõe o dever de possuir o mínimo de meios que permitam honrar essa posição de forma eficaz. Porque outra se não concebe.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez concluídos os acordos com o Governo Alemão, sobre a sua contribuição e os contratos com o consórcio sobre a construção das fragatas e o das contrapartidas, vão em breves dias ser assinados o acordo entre governos e os contratos com o consórcio.
Temos, por outro lado, a garantia dos nossos outros aliados das suas valiosas contribuições e ajudas para este projecto.
Chega assim ao seu termo todo um processo que, como os outros, se foi longo, acabou por traduzir-se numa manifestação de solidariedade para com o nosso país e que por isso é para nós particularmente vantajoso, sobre todos os aspectos. Longa vai esta exposição, penso que é mais útil agora aguardar os esclarecimentos que me forem pedidos e prestá-los gostosamente.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, inscreveram-se os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca, Magalhães Mota, José Seabra, Adriano Moreira, João Amaral, António Feu, José Lello e a Sr.ª Deputada Maria Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Ministro, nós estamos perante um assunto extremamente sério e é evidente que devemos tratar deste problema com toda a seriedade, evitando situações como aquelas a que deram origem porta-vozes que tornaram públicas declarações que, se nós pretendêssemos e assim o quiséssemos, poderiam ser desde logo objecto de inquérito parlamentar. Não é essa a nossa intenção e vamos ultrapassar esses telexes que foram divulgados pois são casos desagradáveis e este é um problema extremamente sério.
É evidente, Sr. Ministro, que nós não somos nem numca seremos contra o reequipamento das Forças Armadas. Também entendemos que todos os nossos compromissos devem ser assumidos e cumpridos. No entanto, Sr. Ministro, o Sr. Primeiro-Ministro afirmou em Santa Margarida, há relativamente pouco tempo, que há que racionalizar e programar as despesas militares por forma a obter o melhor rendimento dos investimentos, adequando-o às necessidades de defesa nacional. Ora, perante esta proposta que o Sr. Ministro apresentou hoje e que visa autorizar o Governo a adquirir as fragatas e os aviões P-3 - aliás, em relação aos aviões, como diz o Sr. Ministro, estamos perante um facto consumado - tenho algumas questões a colocar.
A primeira diz respeito a sabermos se estes programas se podem integrar na racionalidade referida pelo Sr. Primeiro-Ministro em Santa Margarida.
A segunda questão diz respeito à definição dos verdadeiros interesses e necessidades das nossas Forças

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Armadas, nomeadamente da necessidade de aviões de treino para pilotos, e navios e aviões para a vigilância da nossa Zona Económica Exclusiva.
Sr. Ministro, as prioridades de reequipamento das nossas Forças Armadas centram-se, realmente, nestas fragatas e nestes aparelhos? As prioridades serão exactamente estas, tanto mais que se sabe que estas unidades são mais próprias para a luta anti-submarina?
Gostaria de saber, Sr. Ministro, se entende ou não que estes programas podem pôr em causa toda uma lógica orçamental. Que tipo de consequências orçamentais teremos nós no futuro, tanto mais que sabemos que o Orçamento do Estado, no capítulo da defesa nacional, é parco? Poderão ou não estes programas pôr em causa futuros orçamentos da defesa, chegando-se à conclusão que a compra destas fragatas, por exemplo, poderá impedir o reequipamento e reapetrechamento que verdadeiramente se impõem em todas as áreas das nossas Forças Armadas?
Sr. Ministro, como eu disse, pretendemos cumprir todos os compromissos assumidos, seja em que circunstâncias for. Apesar de já haver compromissos em relação aos aviões P-3 gostava de saber - se se chegasse à conclusão de que esses aparelhos não eram assim tão úteis - que tipo de consequências poderia advir para Portugal caso o nosso país decidisse deixar de levar até ao fim esse contrato de compra dos aparelhos P-3. Bem sei que já entregámos alguns milhões de dólares, mas gostava realmente de saber que tipo de consequências poderá haver e se não seria mais vantajoso deixar de comprar esses aparelhos.
Para terminar, gostava de saber, Sr. Ministro, se tem memória de quanto poderá custar um navio para a vigilância da nossa Zona Económica Exclusiva, daqueles capazes de apanhar arrastões mais rápidos do que as nossas tristes corvetas, uma vez que três fragatas não vão com certeza vigiar completamente toda a nossa Zona Económica Exclusiva.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa: A intervenção de V. Ex.ª foi de algum modo a exposição à Assembleia da República de que várias situações têm de ser dadas como adquiridas, de que vários factos estão consumados pelo decurso do tempo.
A minha primeira questão tem precisamente a ver com estas situações. Assim, que providências estão asseguradas, ao nível do Ministério da Defesa Nacional, para que não mais seja possível que compromissos sejam assumidos em nome do Estado Português sem as entidades que para o efeito se comprometem estejam suficientemente mandatadas e sem que as despesas estejam orçamentadas?
A segunda questão tem a ver com o enquadramento do equipamento adquirido em termos de missões genéricas das Forças Armadas, de sistema de forças, de definição de meios, de programação militar. Creio que tudo isto são conceitos por definir, que o próprio conceito estragégico de defesa nacional carece de revisão e creio que, mais uma vez, a aquisição de equipamentos feita pode comprometer o desenvolvimento de todos estes conceitos e adaptar os conceitos e o equipamento já adquirido em vez do inverso, como seria necessário.
Terceira questão: falou V. Ex.ª em que os empréstimos autorizados pela Assembleia da República compreendiam uma autorização genérica de aquisição de equipamento. Perguntava-lhe: em que disposição legal se funda essa afirmação do Sr. Ministro? As receitas provenientes desses empréstimos foram orçamentadas e as respectivas despesas foram autorizadas aquando da votação do Orçamento do Estado? Caso afirmativo, em que ano e sob que forma foram votadas?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Seabra.

O Sr. José Seabra (PRD): - Sr. Ministro, gostaria de lhe colocar algumas questões de forma muito directa.
A primeira é a de saber que contratos foram assinados pelo actual governo relativamente à aquisição dos equipamentos referentes dos programas em apreço e em que data foram esses contratos firmados.
A segunda questão: que penalidades estão previstas pela não assinatura - ou pelo atraso na assinatura - dos contratos de aquisição desses mesmos equipamentos?
A terceira é a de saber se já foi feito pelo governo actual o pagamento inicial referente a todos os contratos ou só a alguns.
Uma outra é a de saber quais são os encargos estimados com a aquisição de peças sobressalentes durante o período de vida útil dos equipamentos, nomeadamente das fragatas e dos aviões P3-B.
Por último, perguntava ao Sr. Ministro se o Governo ignorava que estas matérias estavam a ser apreciadas na Assembleia da República e, se o não ignorava, qual é o sentido da Resolução do Conselho de Ministros n.º 58/86, de 2 de Julho, que autoriza o Ministro da Defesa Nacional a outorgar o contrato de construção das fragatas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Ministro, a minha pergunta é muito simples e diz respeito à própria natureza dos trabalhos em que a Câmara está empenhada.
Na exposição de V. Ex.ª - que tenho a certeza foi minuciosa e feita com inteiro convencimento - todos os actos praticados pelo Governo, nesse domínio, têm cobertura orçamental, legal e obrigação contratual anterior, o que significa que estamos aqui numa interpelação ao Governo que ninguém fez e não estamos a discutir a única coisa que falta, que é a lei da programação militar.
O que eu gostaria de saber é porque é que, faltando ao país a lei da programação militar, ela é substituída por uma interpelação ao Governo que ninguém fez.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, também eu tenho perguntas muito concretas a formular-lhe.
A primeira é a seguinte: estão feitas projecções do orçamento das Forças Armadas para os anos subsequentes - nomeadamente para os anos de 1987, 1988, 1989 e 1990 - tendo em conta os encargos decorren-

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tes da aquisição deste material, a situação orçamental de extrema debilidade das Forças Armadas e a diminuição do tempo de serviço militar que, conforme documento fornecido pelo Governo à Comissão de Defesa, vai traduzir-se também num aumento de encargos?
A segunda pergunta que lhe queria formular é a de saber qual é o sentido útil de fazer um despacho para ser elaborado o sistema de forças, quando, neste momento e antes de definido o sistema de forças, o Sr. Ministro propõe à Assembleia a compra de material que determina o sistema.
Uma outra pergunta refere-se à questão da existência de contratos, ou pré-contratos ou de obrigações contratuais em relação, nomeadamente, à aquisição dos aviões P3-B e das fragatas. O que lhe pergunto, Sr. Ministro, é o seguinte: quanto é que custaria neste momento a rejeição desses programas? Estão previstas e inscritas verbas, ou de onde vêm, para, no caso de a Assembleia, com a liberdade que lhe cabe, aprovar ou rejeitar os programas para pagar essas penalizações?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Feu.

O Sr. António Feu (PRD): - Sr. Ministro: ouvi com bastante interesse a exposição que fez e gostaria de lhe levantar algumas questões.
Com efeito, um dos problemas que condiciona a fiscalização da nossa Zona Económica Exclusiva (ZEE) é a falta de meios de que a Marinha de há muito vem reclamando. Igualmente a fiscalização da nossa ZEE, além de necessária e urgente à soberania nacional, é factor fundamental para uma correcta gestão dos recursos marítimos. Daí as perguntas concretas que passo a fazer ao Sr. Ministro.
A primeira é: será que as fragatas vão poder desempenhar tal missão fiscalizadora? No caso afirmativo, gostaria de saber durante quanto tempo num ano o poderão fazer.
Por fim, gostaria de saber se não seria possível, com outro tipo de navios, resolver melhor os problemas nacionais?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.

A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Ministro: Como sabe, Os Verdes têm como princípios inalienáveis a defesa da paz e a construção de uma sociedade sem preparativos de guerra.
Mas, mesmo quando somos obrigados a falar da guerra, é preciso utilizar o nosso bom senso. Estamos certos de que os cidadãos militares compreenderão as nossas preocupações e o sentido da nossa postura.
Neste sentido, permitir-me-ia solicitar alguns esclarecimentos relativamente à proposta de lei que hoje apreciamos e que propõe a aquisição de fragatas que nunca foram testadas e que nem o próprio produtor utiliza. Por outro lado, os aviões de ataque, quanto a nós, não vão servir de nada num país que, pelos vistos, ainda nem sequer tem defesa. E além do mais, é curioso em certa medida que todos estes materiais interessem apenas à NATO, ficando todos ao seu serviço ao abrigo do estatuto Assigned, pelo que perguntamos: será mesmo a nossa defesa que aqui se defende?
Não seria possível, estimulando a nossa indústria naval e criando emprego, reformular a nossa frota e possuirmos outro tipo de navios que efectivamente defendam e limpem os nossos portos, nomeadamente de «invasões» mais ou menos pacíficas, mas que muito prejudicam a nossa economia?
E já alguém previu os custos e as repercussões, nomeadamente na área da defesa, que estas opções terão em 1990?
Para quê investir em opções tão criticadas e tão criticáveis se temos ainda tanta coisa indispensável para construir e criar?
Fala-se em contrapartidas. Todos sabem que não compensam. Quem explicará às gerações futuras o esbanjamento em materiais de «defesa», diz-se, que ninguém sabe bem para que servem, quando tanto há ainda para fazer no nosso país, mesmo para a defesa da paz?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Lelo.

O Sr. José Lelo (PS): - Sr. Ministro: Ouvi-o atentamente e a sua intervenção suscitou-me algumas questões, que gostaria de lhe formular.
O Sr. Ministro falou da alargada ajuda externa para os programas em apreço, mas não disse que o conjunto dos programas que são agora apresentados quase esgotará essa ajuda externa para os próximos cinco anos e não referiu também que o acordo Risina Trend com os Estados Unidos da América não está a ser cumprido, pelo que parte dessa ajuda poderá estar também comprometida.
Por esta razão, como pensa financiar os programas a incluir na próxima lei de programação militar? Também não referiu se pensa ou não que a extensão dessa lei possa estar já em causa.
Pergunto ao Sr. Ministro se os acordos com os Estados Unidos da América para fornecimento de material de Defesa para o nosso reequipamento - que o Sr. Ministro referiu na sua alocução - nos dão ou não possibilidade de opção em termos de equipamento para as Forças Armadas, permitindo que estas sejam equipadas atendendo aos objectivos prioritários de defesa do território nacional ou se, pelo contrário, determinam um certo tipo de equipamento que atende apenas a razões de carácter supranacional, que têm mais a ver com a defesa colectiva do Ocidente.
Atendendo aos níveis do investimento previsto e, mais concretamente, aos que terão de ser previstos tendo em conta os custos de operação e de manutenção destes equipamentos, perguntaria também ao Sr. Ministro se estará em condições de assegurar os reforços orçamentais compatíveis, tanto mais que, se tivermos como boa a intenção manifestada por V. Ex.ª aquando do debate da Lei do Serviço Militar, a aplicação dessa lei implicará acrescidos meios a introduzir no Orçamento do Estado.
Finalmente, Sr. Ministro, da leitura do acordo em relação aos P-3 Orion não diviso que venha a ser feita a remotorização desses aviões. Ou seja, fala-se muito em que a célula do avião será verificada com toda a profundidade, fala-se dos aviónicos, da aplicação e remodelação do avião em si mesmo, mas não se fala da sua remotorização. Penso que um avião com 25 anos, se não for remotorizado, poderá não cumprir os objectivos para que foi adquirido.

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Finalmente, os meios que vão ser adquiridos não se adaptam, obviamente, à vigilância da ZEE, pelo que perguntaria ao Sr. Ministro se na próxima lei de programação militar V. Ex.ª pensa que se incluirão meios e equipamentos para tal fim.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional. Dispõe de seis minutos, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Como podem compreender, não creio que seja possível responder em seis minutos a todas as questões que me foram postas. Assim, perguntava-lhe, Sr. Presidente, se teria a gentileza de conseguir do Plenário, com a promessa da minha parte de ser o mais sintético possível, que eu pudesse demorar um pouco mais do que esses seis minutos.

O Sr. Presidente: - Basta-nos esse compromisso, Sr. Ministro.

O Orador: - Srs. Deputados, começaria por responder às questões que me foram postas pelos Srs. Deputados Magalhães Mota e Adriano Moreira, porque penso que essas duas questões estão na base de um entendimento, que é necessário fazer, da fase de transição que estamos a viver também no regime do reapetrechamento das nossas Forças Armadas e até da sua actividade, de um modo geral. Aflorei esse ponto na exposição que fiz há minutos e penso que temos de ver este problema sob dois aspectos.
As Forças Armadas estiveram até 1982, no que diz respeito à sua gestão e administração - e, inclusivamente, a tudo quanto diz respeito a reapetrechamento - sob controle do Conselho da Revolução. Com a revisão constitucional votaram os Srs. Deputados a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, que pretendia, e conseguiu, definir o regime de competências que a partir da extinção do Conselho da Revolução, que por força da revisão se operava. E, em matéria de actividade militar, no que mais se prende com o reequipamento - e não só -, estabeleceu a Lei da Defesa Nacional que competia, no seguimento, definir primeiro as grandes opções sobre defesa nacional, depois o conceito estratégico de defesa nacional, como decorrência disso o conceito estratégico militar e, uma vez definidos esses três textos, também em seguimento a definição das missões específicas das Forças Armadas, do seu sistema de forças e do dispositivo.
Entrou-se no cumprimento desta lei, a Assembleia da República definiu as grandes opções sobre defesa nacional, a seguir o Governo aprovou o conceito estratégico de defesa nacional, a seguir o Conselho de Chefes do Estado-Maior elaborou o conceito estratégico militar, que submeteu à minha apreciação e que aprovei - e que foi oportunamente definido pelo Conselho Superior de Defesa Nacional.
Restavam, então, as tarefas de estabelecer e definir o conceito de missões específicas, definir o sistema de forças necessário para o seu cumprimento e, depois, definir o dispositivo, ou seja, estabelecer a sua mais adequada distribuição pelo território nacional.
E, embora todas estas formas conceptuais de tratar as nossas Forças Armadas digam respeito a toda a sua actividade, no que diz respeito ao seu reequipamento estabeleceu também a lei que passaria a ser através de leis de programação militar, nas quais se definem como investimentos públicos a médio prazo os gastos inerentes a esse mesmo reequipamento, que se seguiria o regime geral dessa imposição.
O que acontece é que a Assembleia, também na decorrência e no ritmo normal destas realidades, aprovou em Janeiro de 1985 - julgo que em finais de 1984, mas que foi publicado em Janeiro de 1985 - a lei quadro das leis de programação militar, que por sua vez diz que a existência de lei de programação militar decorrerá da definição prévia do «plano de forças». E trata-se aí o «plano de forças» como um conceito com a mesma extensão dos dois conceitos que na Lei de Defesa Nacional são tratados de «sistema de forças» e de «dispositivo».
Face a esta situação e porque a lei quadro estava em vigor, todos os senhores deputados compreendem que havia aqui uma realidade subjacente a tudo isto que, em bom rigor, não permitia a apresentação imediata, o cumprimento imediato de todo este quadro legal. E tanto assim que esta Assembleia, já com a lei quadro, em Abril de 1985 aprovou a lei que autorizou empréstimos no valor de 55 milhões de dólares, para aquisição no estrangeiro de material - neste caso nos EUA - para modernização das Forças Armadas, o que em bom rigor só seria possível com uma lei de programação militar.
Foi nessas circunstâncias e porque vínhamos de um regime de transição que, ao aperceber-me de que estava em vigor a lei quadro da programação militar e que, portanto, este regime de transição oferecia a oportunidade de se lhe pôr termo, determinei entretanto que fosse elaborado o texto das «missões», o do «sistema de forças» e o do «dispositivo», para que fossem definitivamente aprovados e permitissem a apresentação de uma lei de programação militar na próxima sessão legislativa.
Agora, isto não colide com o que entretanto se veio fazendo, porque pensar isso quase seria solicitar às Forças Armadas que parassem toda a sua actividade para esperarem por uma lei. Não é isso! Foi por haver esse sistema de transição, no qual tudo o que se fez foi à sombra de um cumprimento total do regime em vigor e que foi evoluindo sucessivamente.
Penso que este esclarecimento elucida sobre a situação e a define, porque é com esta situação que temos de nos confrontar.
Na sequência disto, passaria agora a responder às perguntas que foram formuladas, tentando ser exacto, quer no entendimento que faço das perguntas, que foram numerosas, quer nas respostas.
A primeira pergunta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca foi no sentido de uma melhor racionalização e programação das despesas militares. Foram racionalizadas e foram programadas e, neste momento, estão a seguir um determinado ritmo, um determinado regime - o actual - e passarão, no futuro, a seguir o que está estabelecido na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Em seguida, referiu V. Ex.ª a frase do Sr. Primeiro-Ministro e perguntou se o programa dos P-3 integra a racionalidade por ele anunciada em Santa Margarida.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - As fragatas e os P-3!

O Orador: - É evidente que sim! Se temos a oportunidade de adquirir três novos navios de guerra - e também o Sr. Deputado não me deu nenhuma

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«achega» para outra solução - é evidente que se entende que sim. A sua aquisição apresenta-se em termos altamente vantajosos e vêm substituir três fragatas inadequadas e já ultrapassadas. Para um país como o nosso, que tem - usando a expressão hoje tão vulgarizada -, uma posição no «triângulo estratégico», ter três navios que possam fazer um mínimo de dissuasão e patrulha anti-submarina - sem deixarem de ter a sua capacidade de superfície - e seis aviões, comprovadamente aptos à realização dessa missão de vigilância, será fundamental.
Perguntou ainda porque não se compraram aviões de treino, de vigilância da ZEE, pois são estas as prioridades. Ë evidente, Sr. Deputado, que precisamos de aviões de treino e é de encarar a hipótese da sua próxima aquisição.
No que diz respeito à vigilância da ZEE, devemos fazê-lo - creio que foi o Sr. Deputado que usou a expressão «tristes corvetas» a propósito da patrulha. Mas sinto-me aqui um pouco como na velha fábula do velho, do rapaz e do burro: hei-de aceitar cada opinião ou vai um a cavalo e o outro a pé? Porque, se o Sr. Deputado classifica de «tristes» as nossas corvetas, não entende que é necessário modernizar a nossa marinha para deixarmos de ter «tristes barcos»?

O Sr. João Amaral (PCP): - É sim, Sr. Ministro! Mas será que é com três fragatas?

O Orador: - Sr. Deputado, temos neste momento em estudo, e V. Ex.ª deve sabê-lo, por um grupo de trabalho - que engloba elementos do Estado-Maior-General das Forças Armadas, do Ministério da Defesa e do Ministério da Agricultura e Pescas -, a hipótese de esse patrulhamento se fazer por meios que não sejam exclusivamente navais e militares, visto que a CEE, em determinadas circunstâncias, fornece apoios para a realização desse patrulhamento. Mas não há dúvida nenhuma de uma coisa: é que não se compram três fragatas de luta anti-submarina para fazer fiscalizações, pois não são barcos de fiscalização. Aqui, a opção é só uma que é de base e é de fundo: optou-se pela manutenção de um mínimo de dignidade de uma armada oceânica, que não se limita a patrulhas da ZEE e a draga-minas na costa.
A afirmação «com navios igualmente úteis» não dispensa a existência desses. Mas posso dizer-lhe, em relação a draga-minas, que, como o Sr. Deputado sabe, o combate à minagem hoje pode ser feito por navios que não sejam especificamente draga-minas e até por mergulhadores, o que é feito em muitos sítios, para fazer a detecção e depois a destruição desses armamentos.
Quanto a mim, não é inconciliável uma actividade com a outra, podendo perfeitamente aceitar-se que, em todo o caso, um avião P-3 ou uma fragata, não sendo especificamente atribuídos a essa actividade, tenham nas suas manobras uma actividade de duplo efeito, que consistirá em, enquanto exercem aquela actividade, exercerem também uma actividade de vigilância. Aliás, como sabe, isso já acontece hoje com os nossos meios navais.
Pergunta-me o Sr. Deputado se estas aquisições põem em causa toda uma lógica orçamental. Penso que não, porque, como lhe disse, a aquisição dos aviões P-3 vai ser feita por força da ajuda externa e por verbas que já nos estão atribuídas.
Perguntou-me também se a compra das fragatas impede o reapetrechamento das Forças Armadas. Sr. Deputado, elas são reapetrechamento das Forças Armadas. Dadas as nossas limitações financeiras, fazê-lo por uma via poderá significar, em certo sentido, não o poder fazer tão prontamente por outra, mas não a impede, antes a realizando imediatamente. Obriga é a escalonar no tempo outras necessidades que haja para satisfazer.
Pergunta-me o senhor deputado quais são as consequências de desistir do contrato. Aliás, houve um senhor deputado que até me perguntou se estão orçamentadas verbas para a hipótese de a Assembleia votar a desistência do contrato. Também mandei à Assembleia um exemplar do contrato celebrado com a Lockeed para a aquisição desses aviões. Como sabe, o seu custo é de 97 milhões, sendo todo o sistema de recuperação sensivelmente igual. Como também sabem, o que consta do contrato é que a indemnização pode ir até ao valor global do mesmo, que é o que usualmente se coloca nestes contratos.
Portanto, o problema de uma eventual revogação coloca-se quanto a estas cláusulas. E quero dizer-lhe que não é sem espanto que me perguntam se o Governo orçamentou dinheiro para uma deliberação futura da Assembleia de que nunca ninguém lhe falou. Se eventualmente a Assembleia entendesse que deveria decidir pela reogação, o que não creio, penso que talvez até fosse conveniente que adiantasse imediatamente a votação de uma verba para essa indemnização, embora também seja verdade que as consequências não estão determinadas. Mas é impossível pensar numa coisa dessas.

Risos do PCP.

O Sr. Deputado Magalhães Mota, se bem entendi a questão colocada, perguntou-me em que disposição me fundava quanto aos empréstimos autorizados para efectuar as despesas. Tome-se como exemplo a Lei n.º 32/84, em cujo artigo 1.º se diz:
Fica o Governo autorizado, através do Ministro das Finanças e do Plano, a celebrar com o Federal Financing Bank contratos de empréstimo até ao montante de 57 500 000 dólares americanos, para aquisição de material e equipamento de defesa proveniente dos Estados Unidos da América.
O artigo 2.º reza assim:

Os empréstimos a que se refere o artigo 1.º da presente lei, assim como os autorizados pela Lei n.º 26/83, obedecerão às seguintes condições gerais:

a) Mutuante - Federal Financing Bank;
b) Mutuário - República Portuguesa;
c) Finalidade - aquisição de material e equipamento de defesa proveniente dos Estados Unidos da América;
d) Prazo: 12 anos, sendo 4 de carência;
e) Taxa de juro: a acordar entre o mutuante e o mutuário, não podendo exceder as taxas prevalecentes no merado para operações financeiras idênticas.
Há uma outra lei a Lei n.º 19/85 - em que se estabelece a taxa de juro a fixar nas datas de cada uti-

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lização do empréstimo. Isto quer dizer que, quanto à taxa de juro, ficou o Governo autorizado a negociá-la de cada vez que utilizasse o empréstimo.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Isso é exacto, Sr. Ministro. As condições gerais do empréstimo foram fixadas pela Assembleia da República e são idênticas às de qualquer outro empréstimo externo, não havendo aí grandes alterações.
O que lhe pergunto concretamente é em que parte e de que Orçamento do Estado constam as despesas que a aquisição desse material, visto que, já que o valor dos empréstimos terá sido regulado do lado das receitas, as despesas também deveriam ter sido inscritas no Orçamento e, portanto, ter passado por uma votação da Assembleia da República.

O Orador: - Sr. Deputado, o que lhe posso dizer a esse respeito é que a utilização do empréstimo que foi feito tem cobertura, que creio estar orçamentada, pelo que deixou de ser uma responsabilidade a utilização do empréstimo no Tesouro. É um empréstimo contraído pelo Estado Português, cuja utilização, de resto -e como o Sr. Deputado sabe -, foi feita por diversas parcelas e não de uma só vez.
Ao Sr. Deputado José Seabra quero dizer que não me é materialmente possível responder à questão do número de contratos que foram já assinados pelo actual governo. Como tive ocasião de lhe dizer, o contrato dos P-3 vem de Julho de 1985, na vigência do governo anterior. No que diz respeito ao completamento das esquadras A-7, acontece que a Lockeed procede realmente à sua modernização, mas o fornecimento de todos os equipamentos que a Lockeed há-de construir desdobra-se numa múltipla série de contratos que resultam dos diversos fornecedores. Por isso lhe disse, por exemplo, que já havia dois pagamentos, um à General Instruments e outro a outra empresa, embora não lhe possa indicar concretamente a data exacta desses contratos.
À pergunta que me colocou sobre que penalidades estavam previstas para a não assinatura creio já ter respondido.
Perguntou-me também se já foi feito o pagamento inicial de alguns. Foi, Sr. Deputado, como já tive ocasião de referir. Logo no dos P-3 foi feito um pagamento, que também já referi qual foi.

O Sr. Presidente: - Sr. Ministro da Defesa Nacional, V. Ex.ª desculpar-me-á, mas acontece que já está a utilizar 7 minutos concedidos pelo PSD e 4 pela Mesa, e já lá vão 17 minutos.
Faria a V. Ex.ª a seguinte proposta, cuja pertinência V. Ex.ª julgará: V. Ex.ª tomaria nota das respostas e entretanto eu concederia a palavra ao Sr. Deputado Marques Júnior para uma intervenção. Quando V. Ex.ª tivesse as respostas escritas, em forma telegráfica, lê-las-ia para que todos os senhores deputados que colocaram perguntas não ficassem sem resposta.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Sr. Presidente, implica uma certa dispersão prestar atenção, que sempre me merece, ao Sr. Deputado Marques Júnior e estar a redigir as respostas sintéticas.
O que posso fazer é, depois de o Sr. Deputado Marques Júnior fazer a sua intervenção, ser muito sintético na resposta que ainda tenho para dar.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, como estamos perante um debate de grande importância, não vemos nenhuma razão para que, apesar da limitação de tempos que foi estabelecida, o Sr. Ministro não possa usar o tempo necessário para esclarecer a Câmara relativamente às perguntas colocadas.

O Sr. Presidente: - Se não houver objecção por parte da Câmara, a Mesa também não se oporá a isso.
Por isso, para não perdermos tempo, pergunto desde já se há alguma objecção ao que acabou de ser proposto pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, só discordo de que o Presidente da Assembleia da República dê sugestões a um membro do Governo quanto ao estilo e forma como deve responder à Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, agradeço-lhe porventura a lição, se a pretendeu dar como tal, embora não a deva aceitar, na medida em que houve apenas da minha parte o espírito de colaboração. Certamente que o Sr. Ministro da Defesa Nacional compreendeu nesse sentido a minha sugestão, que é uma expressão de delicadeza da parte do Presidente da Assembleia da República perante quem lhe merece toda a consideração. Só V. Ex.ª, por certo, lhe deu uma interpretação indevida, injusta e ilegítima, pois eu não merecia da parte de V. Ex.ª tal insinuação.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Pergunto de novo se há alguma objecção à proposta que foi formulada pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho.

Pausa.

Não havendo objecções, concederia novamente a palavra ao Sr. Ministro da Defesa Nacional para continuar a responder às questões colocadas.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Em todo o caso, se V. Ex.ª me permite, e na sequência da observação feita pelo Sr. Deputado Gomes de Pinho, diria o seguinte: quando iniciei as minhas respostas foi-me dito que dispunha apenas de seis minutos. Coloquei a V. Ex.ª o problema de saber se, para as dar cabalmente, poderia ir além desses seis minutos, ao que me foi respondido que sim. Nem pelo meu espírito passou de perto ou de longe que, passados esses seis minutos, eu entrava a consumir o tempo de qualquer dos partidos com assento nesta Assembleia.

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Entretanto, V. Ex.ª informou agora que eu estava a usar tempo do PSD. Neste caso, seja do PSD, do PS, do PCP ou do CDS, começo a estar contrito por estar a entrar no tempo de outros partidos, que têm legitimamente o direito de se pronunciarem.
Portanto, o que peço à Assembleia é que, mesmo entendendo que estou a usar mais tempo do que o que me é devido e se porventura entende, como entendeu de início, que eu dispunha de mais tempo ele não seja descontado no tempo de nenhum partido. Isto porque creio ser do interesse de todos nós que isso seja realmente explicado, pesem já as limitações de quem explica.
Requeiro, pois, que não seja contado como imputado a qualquer partido o tempo que usei até aqui, para além dos referidos seis minutos.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, sob a forma de interpelação à Mesa, quero explicar que o tempo que o PSD cedeu ao Sr. Ministro da Defesa Nacional -sete minutos e meio é efectivamente o tempo que neste momento temos possibilidade de ceder ao Sr. Ministro, uma vez que ainda temos programada uma intervenção de fundo. Teríamos o maior prazer em ceder mais tempo ao Sr. Ministro e ao Governo, mas isso não nos é possível neste momento.

O Sr. Presidente: - Para interpelar a Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, como a limitação de tempo resultou de uma decisão da conferência de líderes e de V. Ex.ª, penso que estamos em condições de a alterar por consenso de todos os grupos parlamentares. Pela nossa parte, entendemos que é útil atribuir mais tempo ao Governo, para que todas as explicações possam ser dadas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, a nossa opinião vai exactamente no mesmo sentido da do Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Lage.

O Sr. Carlos Lage (PS): - Sr. Presidente, é evidente que não colocamos qualquer objecção a que o Sr. Ministro possa terminar condignamente as explicações que estava a dar à Câmara.

O Sr. Presidente: - Tem, então, a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: - Continuando a responder às questões colocadas, perguntou-me o Sr. Deputado João Amaral se já estão feitas as projecções do orçamento das Forças Armadas para 1987 a 1990 tendo em conta os encargos destes programas e também o facto de se prever a entrada em vigor do serviço militar obrigatório.
Sr. Deputado, não estão feitas provisões concretas em relação a isto. Posso dizer-lhe que, a respeito desta realidade, estão neste momento as Forças Armadas a proceder à elaboração do seu orçamento, no qual naturalmente se terá em conta o que houver a gastar em 1987.

O Sr. João Amaral (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, isso significa concretamente que estas aquisições foram feitas sem a projecção que elas têm nos orçamentos futuros da defesa nacional, não é assim?

O Orador: - Não, Sr. Deputado, elas foram feitas com projecção nos orçamentos futuros da defesa nacional. O que o Sr. Deputado não pode fazer é ir mais longe do que exigir que o orçamento a elaborar neste momento e com projecção concreta seja o de 1987.
Por outro lado, perguntou o Sr. Deputado qual é o sentido útil de se fazer um despacho - penso que V. Ex.ª se referiu ao meu - que propõe a compra de material que altera o sistema de forças. Ora, eu não fiz um despacho a propor a compra de material, mas sim um despacho a suscitar a questão e a determinar a elaboração do «sistema de forças» e do «dispositivo», para podermos depois entrar na plenitude da normalidade legal da aplicação da lei quadro das forças de programação militar.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não foi isso o que perguntei!

O Orador: - Então, Sr. Deputado, tenha a bondade de me esclarecer, porque longe de mim alterar o alcance de uma pergunta.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Ministro, agradeço-lhe o favor de me ter permitido esta interrupção, para esclarecer o sentido da minha pergunta.
O que perguntei foi qual era o sentido útil que tinha determinar os passos que V. Ex.ª determinou em relação ao «sistema de forças» e ao «dispositivo» no momento em que está a propor a esta Assembleia aquilo que configura, determina e do qual vai resultar inevitavelmente o conteúdo concreto do «sistema de forças» e do «dispositivo».

O Orador: - Já percebi a sua pergunta, Sr. Deputado.

O Sr. João Amaral (PCP): - Já agora, aproveito para lhe dizer que esta obrigação já resultava da própria Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

O Orador: - Levada às suas extremas consequências, essa sua pergunta far-nos-ia cair nesta resposta: fazemos tábua rasa de tudo o que existe e só é legítimo apresentar uma lei de programação militar como se estivéssemos no zero absoluto do armamento.
É evidente que, quando for elaborada e apresentar, e dado que a vida não pára, uma lei de programação militar terá em conta todo o material de equipamento e todas as infra-estruturas de defesa existentes, desig-

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nadamente não apenas a aquisição, mas até os custos de melhoramento, de ampliação, etc. Tudo isso tem de entrar em conta.
Portanto, não há colisão entre um programa a estabelecer numa lei que oportunamente será apresentada ao Parlamento e as realidades a que entretanto se vem dando execução. Isso é perfeitamente harmónico.
Já respondi às questões de eventual rejeição dos programas e da inscrição de verbas para indemnizações.

O Sr. João Amaral (PCP): - O problema é do Sr. Ministro!

O Orador: - Não, Sr. Deputado, estamos a discutir um programa de Estado, que é de todos nós e que briga com as raízes mais fundas de todos nós.
O Sr. Deputado António Feu falou da falta de meios para fiscalizar a ZEE. Como já tive ocasião de lhe dizer, está neste momento em estudo a hipótese de uma solução que poderá vir com o auxílio da CEE.
Quanto a saber se as fragatas vão fiscalizar a ZEE, é claro que não vão especificamente exercer essas funções. Todavia, se uma fragata ou qualquer navio de guerra português em exercício da sua função específica militar detectar, com os meios ao seu alcance, uma situação de irregularidade e de infracção aos nossos direitos na Zona Económica Exclusiva, tem a obrigação, mesmo que a missão não lhe esteja expressamente cometida, de a denunciar, como a tem V. Ex.ª se for a fazer um passeio de iate e tiver a possibilidade de saber que há uma situação de transgressão.
Quanto às questões colocadas pela Sr.ª Deputada Maria Santos, devo dizer-lhe que partilho inteiramente os seus ideais. O mundo pacífico, onde o lobo e o cordeiro pastassem juntos, é realmente um sonho de que todos partilhamos. E até estou convencido de que, com toda a certeza, os que no fundo mais anseiam a paz e estar suficientemente providos para poderem evitar a guerra são os que na primeira linha têm de morrer em defesa dessa mesma paz.
Peco-lhe é este favor: vamos «aterrar», Sr.ª Deputada. Estamos em 1986, com as contingências que sabemos, sendo fundamental, nessas circunstâncias, poder o nosso país ter um mínimo credível de dissuasão que pese não apenas numa situação concreta de necessidade de defesa armada, mas também em toda a capacidade negociai que no dia-a-dia se desenvolve.
Sem ir mais longe, Sr. Presidente, Srs. Deputados, penso que estamos no mundo das realidades, no mundo da execução adequada, no mundo da aquisição de meios de defesa adequados, oportunos e adquiridos por meios que têm tanto de económico que não se repete.
Por isso, Sr.ª Deputada, penso que, se no mundo do ideal a sua observação é partilhada por todos nós, temos de ter outra visão dela no mundo das realidades.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta de lei n.º 35/IV que estamos a analisar e que autoriza o Governo a continuar a execução dos programas plurianuais do reequipamento das Forças Armadas é feita nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 9/86, de 30 de Abril.
Assim, na falta de uma lei de programação militar quando da aprovação do Orçamento do Estado no sentido de permitir às Forças Armadas que continuassem a dar execução ao seu reequipamento, a Assembleia da República incluiu o artigo 12.º na Lei n.º 9/86. No entanto, a «execução do seu reequipamento» impunha, para «o caso de programas plurianuais que envolvessem custos superiores a um milhão de contos», a apreciação e aprovação da Assembleia da República, conforme consta também do referido artigo 12.º da lei orçamental, ou seja, em «conformidade com a lei de programação militar».
Neste sentido a proposta de lei que estamos a analisar contém os seguintes programas de reequipamento das Forças Armadas:

Programa de aquisição de três novas fragatas ASW (anti-submarinas), conhecidas por fragatas MEKO, com um custo superior a 120 milhões de contos, dos quais cerca de 40 milhões são suportados pelo Estado Português;
Programa de aquisição de 6 aviões de patrulhamento e luta anti-submarina P3-B, no valor de cerca de 20 milhões de contos, no quadro das contrapartidas resultante do Acordo das Lajes;
Programa de completamento da esquadra de aviões A 7-P, no valor de cerca de 7 milhões de contos no mesmo quadro das contrapartidas;
Programa de aquisição de um sistema de defesa anti-aérea para a 1.ª Brigada Mista Independente, no valor de cerca de 7 milhões de contos no mesmo quadro de contrapartidas.
Como a lei quadro de programação militar refere, no seu n.º 1, «as leis de programação militar incorporam e programam a aplicação dos planos a médio prazo de investimento público no reequipamento das Forças Armadas e nas infra-estruturas da defesa». E, nesse sentido, a presente proposta contém e condiciona o essencial da programação militar para o quinquénio 1986-1990 e deve ser tratado como uma verdadeira lei de programação militar, embora possa não ser em termos técnico-jurídicos.
Depois da entrada em vigor da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, as questões relativamente ao reequipamento das Forças Armadas têm um processamento que importa analisar.
Assim, para além da definição do «conceito estratégico da defesa nacional», aprovado por resolução do Conselho de Ministros n.º 10/85, de 31 de Janeiro, é necessário definir «o conceito estratégico militar» que foi aprovado pelo Ministro da Defesa Nacional, para depois, e só depois, se decidir sobre o «sistema de forças» e «dispositivo» face às «missões das Forças Armadas» e que ainda não foram aprovadas para que depois e, só depois, se passe à aprovação de «planos de investimento», mediante as «leis de programação militar», a incluir no orçamento anual das Forças Armadas, que depois será integrado no Orçamento do Estado, cuja aprovação é da responsabilidade da Assembleia da República.
Daqui parece, pois, concluir-se que, sendo esta proposta de lei do Governo uma verdadeira lei de programação militar, ela não teve o processamento adequado, pois que neste momento ainda estão por definir e apro-

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var pressupostos fundamentais que enquadrem e justifiquem o plano de médio prazo de investimento público, como sejam, a definição das «missões genéricas das Forças Armadas» e o seu «sistema de forças» e, por conseguinte, as próprias leis de programação militar.
Face ao quadro legal, perfeitamente definido com a entrada em vigor da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e da lei quadro das leis de programação militar e perante a falta das decisões adequadas à implementação das leis de programação militar, seria admissível que as Forças Armadas fizessem uma paragem no seu reequipamento?
De referir que o equipamento das Forças Armadas está bastante obsoleto, não só como resultado da guerra em África em que as prioridades eram orientadas em sentido diferente das exigências do moderno campo de batalha, mas também pelo facto de os custos dos novos equipamentos serem considerados insuportáveis para um país com as nossas dificuldades.
Pensamos que, com base no conceito próprio dos ramos das Forças Armadas, era possível que o reequipamento se fizesse sem comprometer opções de defesa que não cabe às Forças Armadas definir, mas que é utópico e negativo certos programas de reequipamento que têm a ver com opções de fundo relativamente à Defesa Nacional, condicionando por essa forma, não só a sua definição como a sua implementação.
Os programas que constam da proposta de lei do Governo relativamente à Força Aérea e Marinha são programas que estão para além dos conceitos próprios dos ramos das Forças Armadas, considerados individualmente, e podem comprometer um reequipamento equilibrado das Forças Armadas, na medida em que não só envolvem grande parte da ajuda externa nos próximos anos, mas, mais importante do que isso, comprometem um financiamento directo de mais de 40 milhões de contos, suportados pelo Orçamento do Estado nos próximos cinco anos, e encargos de operação verdadeiramente extraordinários, como é o caso dos P3-B e fragatas MEKO, que penso não estarem devidamente contabilizados.
Aliás, poder-se-á dizer que relativamente ao investimento, as verdadeiras dificuldades não resultam tanto do investimento directo mas, sim, da falta de estruturas, da falta de capacidades técnicas, do custo da manutenção que tornam estes meios, quer navais quer aéreos, responsáveis por grande parte do Orçamento, e têm uma de duas consequências imediatas, para além da impossibilidade de pensar outros programas, eventualmente mais ajustados, e que são: ou um aumento substancial do orçamento das Forças Armadas para suportar os encargos resultantes da aquisição, operação e manutenção dos novos equipamentos, ou, mantendo os mesmos níveis orçamentais das Forças Armadas, os novos meios militares não poderão ser operados ou, a serem operados, comprometem a capacidade operacional relativamente a todos os outros meios militares.
Na verdade, tem sido reconhecido que as Forças Armadas têm tido orçamentos de sobrevivência com dificuldades na aquisição da maioria dos artigos para a sua manutenção, não conseguindo sequer fazer face às necessidades de substituição que garanta a reposição do sistema, findo o tempo de vida útil, com as consequências inevitáveis de observação e de manutenção antieconómica.
De notar ainda que, relativamente aos anteriores orçamentos das Forças Armadas a redução do tempo do serviço militar obrigatório implica um significativo aumento das despesas militares (mais de 10 milhões de contos).
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Estamos perante uma proposta de lei que só pode justificar-se na medida em que dê a cobertura legal indispensável a compromissos assumidos em nome do Estado Português, fora do quadro legal em que esses compromissos deveriam ter sido assumidos. Nesse sentido se poderia e poderá justificar uma solidariedade dos órgãos de soberania, sem cuidar, neste momento, de saber quem são os responsáveis.
Será este o sentido da proposta de lei apresentada pelo Governo? Mas se é assim, como justificar que, sendo a proposta de lei de 2 de Julho de 1986, o Conselho de Ministros, reunido em 3 de Julho de 1986, tenha autorizado o Ministro da Defesa Nacional a outorgar, em representação do Estado Português, o contrato de construção de três fragatas MEKO 200 com o CORSÁRIO MEKO, conforme consta da Resolução do Conselho de Ministros n.º 58/86, publicado no Diário da República, de 15 de Julho de 1986?
A não ser assim, que razões levam o Governo a apresentar esta proposta de lei quando o próprio Governo, através do Sr. Ministro da Defesa Nacional, desencadeou um processo, ainda não completo, para concluir que programas devem ser implementados em ordem ao reequipamento das Forças Armadas com a definição adequada, presumo, relativamente às prioridades a definir em oportuna lei de programação militar a apresentar à Assembleia da República com o próximo Orçamento do Estado para 1987?
A eventual explicação relativamente a contratos já assinados, no todo ou em parte, que, a não serem cumpridos, implicam custos elevados por força das correspondentes indemnizações, parece também não ser de sustentar, a não ser que esse estudo tivesse sido feito e apontasse no sentido de manter os contratos, e não é do nosso conhecimento que tal tivesse acontecido.
Por outro lado ainda, só por acaso seria estes os programas que o Sr. Ministro da Defesa e o Governo apresentariam à Assembleia da República em tempo oportuno.
Que razões então?
A teoria do facto consumado parece poder aplicar-se a esta situação. Mas com que objectivos?

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Muito se tem dito e muitas têm sido as dúvidas levantadas a propósito destes programas de reequipamento das Forças Armadas.
Na nossa opinião não está em causa a grande necessidade de reequipar e modernizar as Forças Armadas. As Forças Armadas têm uma missão a cumprir e o seu cumprimento implica um reequipamento adequado, principalmente quando o actual é manifestamente obsoleto.
Não se trata, pois, do nosso ponto de vista, de sermos contra umas forças armadas modernas e bem equipadas, o que para nós não está claro é, por um lado, o processo que conduziu à situação do facto consumado, isto é, a compromissos assumidos à margem da Assembleia da República e, por outro, o tipo e as prioridades assumidas que podem comprometer o adequado e equilibrado reequipamento das Forças Armadas, que nem as chamadas grandes oportunidades, como é o

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caso das fragatas, faz esquecer; antes pelo contrário, aumenta a nossa preocupação quanto às condições em que são adquiridas.
No caso dos P3-B a sua missão principal é o patrulhamento e a luta submarina em que a tarefa de vigilância da ZEE só poderia ser excedia como tarefa acessória e mesmo assim altamente onerosa.
No caso das fragatas MEKO a situação é semelhante, pois destinam-se fundamentalmente à luta anti-submarina e não ao patrulhamento e fiscalização da ZEE, que, sendo uma das missões da Marinha, fica comprometida, não só porque as fragatas não a podem executar, mas também porque, a curto prazo, não é possível haver disponibilidades financeiras para um programa de reequipamento que tenha em vista o cumprimento dessas missões.
Relativamente aos programas do sistema de defesa antiaérea para a 1.ª Brigada Mista Independente, parece-nos ser uma necessidade essencial em ordem ao completamento operacional da única unidade de manobra que o Exército possui.
Relativamente ao programa das esquadras de aviões A7-P é um programa de completamento, fincando-nos, entre outras, a dúvida de saber para quando o seu completo completamento!
Não é claro, pois, que as opções relativamente aos aviões P3-B e às fragatas MEKO tenham tido em primeiro lugar os interesses nacionais, uma vez que as suas missões, em termos prioritários, se orientam fundamentalmente para missões NATO, e só secundariamente para missões nacionais e não prioritárias face à sua missão principal.
Somos dos que defendemos a manutenção duma aliança atlântica sabendo que esta opção implica compromissos que é preciso respeitar. No entanto, pensamos que a aliança, não nos exige um esforço de defesa que esteja para além das nossas possibilidades, porque não é essa a política da NATO, nem desse modo se defenderia o prestígio das Forças Armadas Portuguesas e da própria NATO, que procura compatibilizar os interesses nacionais com os interesses da aliança e não sobrepor estes àqueles.
Permitam-me que diga quem em termos de defesa nacional e militar, o que é bom para Portugal é necessariamente bom para a NATO, mas nem tudo o que é bom para a NATO é necessariamente bom para Portugal, em especial, em função das prioridades de defesa que podem ser assumidas por Portugal e pela NATO.

Aplausos do PRD.

O conceito estratégico de defesa nacional diz no seu n.º 4 que:
No plano político-militar externo, procurar-se-á garantir que a participação portuguesa na OTAN reforce a capacidade de defesa autónoma e seja compatível com esta.

Na alínea a) refere:

A participação militar portuguesa na defesa colectiva da OTAN deve ser articulada por forma a reforçar a capacidade de defesa autónoma em termos que permitam, quanto possível, a utilização dos mesmos meios e capacidades para a realização desse duplo objectivo, assumindo. Portugal prioritariamente obrigações no seu espaço nacional e nos espaços confinantes de claro interesse nacional.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A independência nacional e a integridade do território não se defendem «à pedrada». As Forças Armadas não são propriamente uma corporação de bombeiros ou de escuteiros, embora devam actuar como tal quando e sempre que necessário.
As Forças Armadas precisam de se modernizar e os elementos das Forças Armadas profissionais competentes precisam de tomar contacto com os novos sistemas de modo a poderem acompanhar as forças armadas de outros países, em especial os países da NATO, com quem temos uma colaboração estreita e compromissos assumidos. Não é, pois, isto que nós questionamos, o que nos levanta sérias dúvidas é a necessidade de compatibilizar esta necessidade das Forças Armadas com as necessidades dos outros sectores da sociedade portuguesa e, no caso concreto, a dúvida, para não dizer a certeza, de que estes programas, no âmbito da política do facto consumado, comprometem o reequipamento harmonioso e equilibrado das Forças Armadas, fazendo participar só alguns, impedindo a maioria, fazendo opções de, no mínimo, duvidoso interesse nacional.

Aplausos do PRD e de alguns deputados do PCP.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Após a aprovação da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, no final de 1982, as questões da defesa nacional vieram a este Plenário em três momentos particularmente significativos: no final de 1984 quando foram debatidas as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional, em meados de 1985 quando o Governo apresentou para aprovação da Assembleia da República os tratados militares com os EUA, vulgarmente designado «Acordo das Lages» e neste preciso momento, quando a Assembleia aborda o núcleo essencial do programa de reequipamento das Forças Armadas.
Há dois traços comuns nestas discussões: por um lado, em qualquer das situações, as propostas apresentadas a debate aparecem definitivamente marcadas por condicionantes e interesses externos (dos EUA e da NATO), em prejuízo dos interesses nacionais; por outro lado, também em qualquer das situações, a Assembleia é confrontada com situações e compromissos já concretizados, no que se pode chamar a política de facto consumado.
Foi assim com as grandes opções do conceito estratégico nacional, em que o documento apresentado (e depois aprovado pelo Governo) contém um texto insípido, vago e frustrante, onde a única afirmação clara era a de que a Defesa Nacional estava condicionada ao quadro dos compromissos internacionais assumidos».
Foi assim igualmente com a discussão do acordo das Lages, em que os documentos presentes à Assembleia já estavam assinados e em execução, desde há mais de um ano, e em que os objectivos confessados (aliás, devo dizer que foram confessados pelas autoridades dos Estados Unidos!) consistiam, no essencial, na transformação de Portugal numa plataforma aeronaval, ponto de apoio das esquadras americana e da NATO no Atlântico Norte e ponto de passagem para operações na Europa Central e do Sul e no Médio Oriente.

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É nestes mesmos termos que se nos apresenta agora esta proposta, feita de compromissos já assumidos e viciada por decisões e interesses externos ao País.
Feita de compromissos assumidos, com assinatura de contratos, quer com o consórcio Meko, quer com a Loockheed, envolvendo adiantamentos, cativação de verbas e, pelos vistos, grossas penalizações. Aliás, neste quadro, a publicação no Diário da República de uma resolução do Conselho de Ministros dando por consumada a aquisição da fragatas MEKO, isto quando o programa está aqui em apreciação, assume foros de escândalo, se não mesmo de assumido enxovalho à Assembleia da República e a este debate, em concreto!

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Condicionada também por decisões e interesses externos ao País, dado que, sendo «opções» feitas no quadro das contrapartidas, elas são condicionadas pelos fornecedores, em termos explicitados publicamente pelas próprias autoridades nacionais.
E recordo aqui o que é dito num documento a que a Comissão de Defesa teve acesso:
Entenda-se a «ajuda militar» como contrapartidas devidas a Portugal ou decisão voluntária e arbitrária dos EUA e da RFA, mas o que é certo é que não existiram propriamente verbas que Portugal possa administrar. O que nos é concedido é essencialmente um crédito financeiro limite, que poderemos utilizar em certas condições, mas que não controlamos, quer se trate de dádivas, quer de empréstimo em condições melhores ou piores.
E termino a citação com esta parte final, que é particularmente significativa:
Isto é, mesmo dentro do crédito financeiro, não nos é possível impor o que pretendemos.
Não se pode ser mais claro!
Aliás, na troca de notas entre os Governos português e norte-americano, publicada no Diário da República, de 5 de Maio de 1984, está escrito:
O Grupo de Consulta e Assistência Militar da Missão dos Estados Unidos em Lisboa, sob a direcção e supervisão do Embaixador dos Estados Unidos, apoiará o Estado-Maior-General das Forças Armadas Portuguesas na identificação e utilização de todos os meios disponíveis para o equipamento e modernização das Forças Armadas Portuguesas.
Isto é, os Estados Unidos identificam as nossas necessidades e controlam a sua execução!
Srs. Deputados, estabelecidas as condicionantes - negativas - deste debate, importa analisar sumariamente os quatro programas.
A sua descrição está feita no relatório da Comissão de Defesa, para que remeto. Entretanto, ressalto quatro notas:
Primeiro, perto de 90% do conjunto dos cerca de 170 milhões envolvidos destinam-se à luta anti-submarina;
Segundo, o financiamento destinado ao Exército envolve apenas cerca de 4% do total;
Terceiro, o conjunto de verbas envolvidas limita, até ao final da década, a implementação de qualquer outro programa significativo de reequipamento militar;
Quarto, todos os programas implicam investimentos que interessam directamente à NATO e aos EUA.
Estes pontos de referência são determinantes para analisar a proposta, em diferentes perspectivas.
E o ponto de partida há-de ser forçosamente este: as Forças Armadas Portuguesas necessitam urgentemente de ser reequipadas em termos de ser assegurada um capacidade autónoma de defesa, cujos vectores essenciais hão-de ser a defesa de todo o território nacional com autonomia e meios próprios (particularmente no quadro das vulnerabilidades e ameaças regionais), a garantia do controle do mar territorial e da ZEE e de funcionamento dos portos, a defesa das ligações com os arquipélagos e, finalmente, a eficaz defesa do espaço aéreo.

O Sr. João Abrantes (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Repito, para que fique claro: esse reequipamento é necessário, desejável e urgente.
As questões ficam, desta forma, circunscritas no que deve ser objecto de análise: correspondem estes programas, em concreto, aos objectivos prioritários? Está feito o debate necessário que permita a Assembleia da República decidir?
Suponho que ninguém, absolutamente ninguém, poderá aqui afirmar que a Assembleia e as instituições estão em condições de discutir e aprovar o que aqui está proposto.
Tem-se falado muito da lei da programação militar como um acto formal da Assembleia, a carimbar os programas militares que lhe estejam subjacentes. Mas esse é o grande equívoco que, mais uma vez, vicia este debate.
Quando, em finais de 1984, a Assembleia da República, em execução da Lei de Defesa Nacional, aprovou por unanimidade a lei quadro das leis de programação militar deixou clara a vontade política de que as decisões sobre reequipamento militar passassem a ser assumidas nacionalmente, num quadro global, que partisse dos conceitos fundamentais, da determinação das ameaças e da definição do sistema de forças e do dispositivo para concluir uma definição articulada dos programas, justificada em opções transparentes, fundamentada numa ponderação global, que vai desde as necessidades até aos custos.
Nada disso está feito nesta proposta.
Aparecendo como desconexa e avulsa e fundamentada em que «é o que nos oferecem», a proposta nega tudo o que devia ser, material e formalmente.
A situação é tão claramente ilegal e desconchavada que o Sr. Ministro da Defesa, para a defender, alega que fez um despacho para ser feito até Outubro, o que deveria ser pressuposto da própria proposta.
Isto é, ainda não há sistema de forças legalmente definido, ainda não há dispositivo legalmente definido, ainda não há directiva de planeamento, ainda não há a lei de programação militar discutida e aprovada nos termos legais - não há nada disso e há aqui presente um conjunto de quatro programas que comprometem o essencial do período (quinquénio) a que se referirá a lei de programação militar ... a discutir a partir de Outubro!
Em consequência, Srs. Deputados, isto é aceitável? Pode a Assembleia da República permitir que isto suceda, quando tem, neste momento, a possibilidade de o impedir?

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E para quem dissesse que os programas seriam inquestionáveis e corresponderiam a opções correctas, cabe perguntar:

Como pode ser primeira opção para um país que não tem aviões interceptores, que não tem uma esquadra de aviões de defesa, preferir a esse reequipamento a aquisição ao Loockheed de aviões já usados na Austrália e destinados à luta anti-submarina?
Como pode ser opção pacífica para um país que não tem meios navais que garantam a operacionalidade dos portos e o controle dos mares sobre jurisdição portuguesa, começar por adquirir fragatas de modelo não experimentado e de preço e custos de operação e manutenção elevadíssimos?
Como pode ser opção aceite a de investir quase a 100% na componente aeronaval (e para a luta anti-submarina) num país que tem um exército mal equipado, com enormes dificuldades em assegurar a sua missão de garantia e defesa da integridade territorial?
Como pode ser opção pacífica a de prosseguir agora e, como já foi anunciado, continuar futuros programas caríssimos de completamento dos A-7 - aviões iminentemente de ataque, preparados para emissões ofensivas -, quando continuamos sem controlar o nosso espaço aéreo, quer na componente detecção, quer na componente intercepção?
Quem responde com clareza às críticas que vêm de todos os quadrantes? E responde o Governo pelos encargos orçamentais futuros que estas propostas envolvem? Ou passa a bola?

O Sr. António Mota (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Estas são questões de fundo.
Reconduzir o reequipamento das Forças Armadas às decisões e opções externas e privilegiar o reequipamento integrado em missões NATO sobre as necessidades prioritárias de garantia de uma capacidade autónoma de defesa, há-de ser no domínio uma opção errada. Mas configura mais do que isso: significa que estes programas, decorrentes dessa opção (própria ou imposta), estão à partida inquinados pelo vício definitivo da imponderação, que compromete os objectivos nacionais e as garantias que as gerações futuras têm o direito de nos reclamar.
Fácil seria começar aqui a analisar programa a programa e verter para o Jornal Oficial da Assembleia toda a gama de questões a pôr.
Fácil seria resolver a questão dizendo que o programa das fragatas não tem custos operacionais calculados até ao fim (e há quem fale em 4 milhões de contos/ano), que não estão suficientemente dilucidados os problemas de estrutura, que havia outras opções.
Fácil seria resolver a questão afirmando que os P3-B têm custos operacionais insuportáveis, que não têm missão claramente definida e que correspondem a tecnologia em parte ultrapassada e noutra parte não experimentada.
Como fácil seria dizer, e resolver-se-ia a questão, que o completamento do sistema dos aviões ataque A7-P tem de ter limites, que a experiência tem demonstrado a sua fragilidade estrutural e que o País se deve a si mesmo uma explicação sobre todo esse programa.
Ou que o sistema Vulcan/Chaparral de uma brigada destinada à missão NATO não tem, em Portugal, as componentes decisivas (de defesa a média e alta altitude) indispensáveis para lhe dar eficácia.
Só que não é aqui que está o fulcro da questão; não é em nenhum destes problemas que está o fulcro da questão. Ele está no quadro dos compromissos, das imposições externas e da ausência de reflexão global e integradora que só a lei de programação militar pode dar.
O resultado é dramático, em termos nacionais.
O País não tem fardamento para as classes na disponibilidade e para os escalões de mobilização, mas terá fragatas, tão modernas que ninguém as tem.
O País não tem uma brigada (Exército) dimensionada para o País, mas terá aviões para deitar submarinos ao fundo.
O País não tem um sistema próprio - sublinho, não tem um sistema próprio - de garantia de defesa da integridade territorial dos Açores e da Madeira, mas terá A-7 cada vez mais equipados para atacar no solo e no mar, no centro da Europa e no médio Atlântico, os alvos inimigos da NATO. Isto pelo menos, ao nível de manobras...
Srs. Deputados, as notas que formulei apontam para uma questão de fundo, que se traduz na afirmação clara de que a Assembleia não está em condições de apreciar esta proposta, que ela é ilegal face às exigências da legislação em vigor, que o quadro de opções é errado, que o essencial dos programas não corresponde a necessidades prioritárias.

A Sr.ª Alda Nogueira (PCP): - Muito bem!

O Orador: - Se mais razões não houvesse, estas bastariam para determinar a rejeição da proposta e para dizer ao Governo que volte em Outubro com a lei de programação militar.
Mas há mais uma razão que, aliás, tem a ver com as imposições externas que condicionam estes programas, e é bom afirmá-la aqui claramente: somos o país que nos orgulhamos ser e somos capazes de decidir por nós próprios. Não precisamos de recados, nem aceitamos imposições.
Temos de dizer aos que usam e manipulam a nossa posição estratégica que temos voz e vontade próprias.
Por isso mesmo, rejeitar esta proposta, neste momento, será, além do mais, a expressão salutar daquilo que nos sustenta como povo - o brio nacional de quem se empenha, acima de tudo, em defender a integridade da Pátria e a independência nacional.

Aplausos do PCP e da deputada independente Maria Santos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Ministro da Defesa Nacional, Srs. Deputados: Já tivemos ocasião de ouvir, nesta Câmara, a advertência governamental de que os conceitos económicos não são de conteúdo arbitrário e de que não basta alinhar as palavras que os designam para entender que está construída uma crítica à política em execução. Foi uma oportuna chamada de atenção para o rigor que é necessário introduzir no debate político e que o Parlamento deve retribuir, numa atitude de cooperação, notando que os conceitos constitucionais que, ainda por cima, são valorativos e não apenas operacionais, como acontece aos económicos, não têm um conteúdo cuja instabilidade ultrapasse os limites consentidos pelas regras

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técnicas da interpretação. Trata-se de um elemento fundamental do princípio da legalidade e este, todos concordam, não pode ser esquecido em nenhuma circunstância da vida do Estado.
Acontece que a proposta de lei n.º 35/IV - a qual autoriza o Governo a continuar a execução dos programas plurianuais de reequipamento das Forças Armadas, nos termos do disposto no artigo 12.º da Lei n.º 9/86, de 30 de Abril -, tal como sublinhou a Comissão Parlamentar de Defesa, não é a lei de programação militar cuja elaboração foi determinada pelo Ministro da Defesa para o quinquénio 1986-1990, ultrapassa pelo seu conteúdo uma lei que poderá ser chamada intercalar, mas é mais propriamente a lei do núcleo essencial da programação militar para o referido quinquénio.
Não temos elementos que nos permitam negar as soluções que, de acordo com as informações das instâncias militares tecnicamente responsáveis e os pareceres com que a Câmara foi abonada, designadamente o parecer do Conselho Superior de Defesa Nacional, finalmente obtido, estão propostas em quatro programas submetidos à apreciação do Parlamento e cujos valores esgotam, até ao final da década, os volumes de contrapartidas resultantes dos acordos com a República Federal da Alemanha e a República Francesa e atingem substancialmente a previsão de contrapartidas dos Estados Unidos da América.
Também parece de aceitar que pouco fica para a anunciada lei de programação militar para o quinquénio de 1987-1991, que, segundo os dados fornecidos, será a conclusão de um despacho do Ministério da Defesa Nacional com vista a determinar o seguinte: missões das Forças Armadas, sistema de forças, dispositivos, directiva de planeamento, o qual faseamento envolverá entidades como os Chefes de Estado-Maior, Conselho de Chefes de Estado-Maior, Conselho Superior Militar, Ministério da Defesa Nacional e, finalmente, o Conselho Superior de Defesa Nacional e o Governo. O que tudo significa, se bem entendemos a situação, que está a ser projectado vir a ter uma política de defesa e que tratamos aqui urgentemente do reequipamento das Forças Armadas, sem rever uma política velha, a que decorre do empenhamento na NATO - o qual empenhamento foi definido em circunstâncias que o tempo alterou fundamentalmente.
É no quadro das obrigações conhecidas que se assumem os responsáveis pelos órgãos técnicos militares e basta reparar na origem das contrapartidas para não ter dúvidas sobre qual é o sistema de referência. As exigências do equipamento não podem deixar de ser feitas pelas Forças Armadas, e satisfeitas, dentro do quadro vigente, e excede-nos ter opinião sobre as soluções técnicas que os responsáveis pela vida dos nossos soldados, e pela defesa dos interesses que lhes estão confiados, dentro da restrita gama de escolha à disposição de um Estado que tende para exíguo e todavia quer manter erguida a sua bandeira, solicitam.
Mas preocupam-nos profundamente, e deve ser objecto de inquietação pública, que não se defina uma política de defesa para as novas circunstâncias da Aliança em geral e do País, em função dos seus interesses privativos.
A Aliança enveredou por uma discussão interna, que mobiliza debates públicos constantes, onde participam militares e civis, políticos e técnicos, sobre a repartição de responsabilidades e funções dos Estados Unidos da América e da Europa. Fala-se em dois pilares da Aliança; na autonomia estratégia da Europa; na distinção entre responsabilidades mundiais e responsabilidades regionais dos Estados Unidos da América, que reclama inteira liberdade no primeiro domínio; discute-se a perturbadora categoria das questões fora da zona que coloca aquela distinção em causa - e acontece que nada disto tem base no texto da Aliança a que estamos obrigados, porque ela é entre Estados ditos soberanos e iguais, não é entre os Estados Unidos da América e uma Europa que nela não existe formalmente nem do ponto de vista político, nem do ponto de vista militar, nem do ponto de vista jurídico.
A verdadeira questão é a de saber, ao que pode parecer, se as circunstâncias não estão a aconselhar o Estado dominante e seus parceiros a modificar o conceito estratégico formulado para uma época em que a Europa estava completamente destruída, os meios técnicos de fazer a guerra eram então outros e estão agora pela maior parte obsoletos, o continente sul-americano não era uma frente de inquietações, o Vietname não tinha enriquecido a dolorosa experiência de vencedores e vencidos, do Pacífico não vinha qualquer desafio nem económico nem de outra natureza, o Mediterrâneo ainda era um mar ocidental.
A Aliança foi, então, declaradamente uma estaca americana para suportar a árvore europeia ameaçada de ser abanada para deixar cair os frutos amadurecidos - frase que mostra que as questões da guerra não matam sempre a inspiração poética - mas, entretanto, as estacas podem apodrecer e as árvores mudam com a lei da vida.
Se uma política de defesa é sempre indispensável, o debate interno da Aliança torna inadiável a remeditação e a formulação de uma política portuguesa de defesa à luz dessas circunstâncias novas, e isso falta-nos inteiramente. Falta-nos, designadamente, o cumprimento do artigo 73.º da Lei de Defesa Nacional, cujo cumprimento não exige outra contrapartida que não seja a de pegar na capacidade, no trabalho e no dever político para formular os textos que, há longo tempo, esperamos: o referido artigo 73.º dessa complexa lei exige a apreciação ou revisão de catorze diplomas e, se não me engano, pondo de lado a Lei do Serviço Militar e os seus complementos, está tudo por fazer.
Ora, as Forças Armadas são, antes do material que lhes falta, uma organização humana, cuja manutenção, dentro da função constitucional que lhe compete, e cuja decisão e credibilidade, independentemente dos meios, depende de um enquadramento jurídico claro, completo e inspirado pela profunda modificação do Estado e da sociedade civil, lembrando sempre, que é nesta que se faz o recrutamento.
Nenhuma política de defesa pode ignorar este facto basilar e apenas um inadequado critério tecnocrático pode imaginar que o material vem antes de todas as coisas e que basta ser advogado do material para estar a fazer ao mesmo tempo a alegação das Forças Armadas que precisamos. Durante séculos disse-se que as Forças Armadas são o espelho da Nação, mas a imagem mudou e basta reparar que a função de integração social que lhes competia mudou radicalmente, porque a maioridade atinge-se antes da incorporação, e que a famosa integração social já nessa data foi feita por instrumentos novos - designadamente, a escola, os sindicatos e os partidos.

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O que tudo transporta para a imaginação comum a ideia de exército de laboratório, que é a que corre em países tecnicamente mais avançados e que entre nós e outros países se implantou pelos meios de comunicação, mas um ambiente de recursos próprios que não permitem facilmente, em dependência externa, ultrapassar a realidade das antigas forças armadas artesanais. Daqui a dependência e o maior cuidado que uma política de defesa tem de prestar ao factor humano, ao nosso ambiente institucional, às modificações da cadeia de comando, ames de procurar crédito perante a opinião pública com a defesa de um equipamento decorrente de obrigações antigas; mas equacionar com as novas circunstâncias, que não foram discutidas nem assumidas, é causa das tensões que vivemos nos últimos dias. Subordinamos fundamentalmente, sem que no quadro actual exista outra alternativa visível, o nosso plano de reequipamento às obrigações da Aliança, mas esta vive, como todas, da definição do inimigo potencial e este foi apropriadamente, na data dela, localizado no Leste.
Mas será ainda verdade, depois das alterações que se deram no Mediterrâneo, que o flanco Sul da Aliança não possa ser a origem da agressão previsível? O então indiferente corredor do Norte de África não mudou de feição e não poderá agudizar-se por incidentes previsíveis e pouco difíceis de provocar? A modificação, senão o desaparecimento da relação favorável entre o poder marítimo e o poder terrestre, continuará a consentir que nos consideremos, nesta ponta da Europa, uma retaguarda e um ponto de passagem, ou será prudente, e talvez óbvio, admitir que estamos situados numa frente eventual de arranque do conflito no Atlântico?
Por outro lado, se a experiência do Estado e o senso comum, conhecem que nestes domínios muitas coisas devem ser objectos de segredo, designadamente o conceito estratégico militar, onde está a lei que permite definir aquilo que classicamente se chamou de le secret du roi? Ou será que esta matéria pode ficar entregue a uma luta de brios e de vontades? Ou será que deveremos acrescentar a nossa debilidade com o renascimento dos conflitos sobre as relações entre o poder político e o poder militar? Será isto que convém, como se tem visto na imprensa veiculadora daquilo que no nosso estado espectáculo se chamam os factos políticos, ou antes estamos na necessidade de reavaliar a mudança do condicionalismo estratégico, resolver sobre as ameaças novas incluindo o terrorismo de Estado, tornar a população consciente das mudanças e dos nossos riscos e capacidades?
Vamos votar os compromissos sobre o equipamento, que, segundo as notícias publicadas, e admitindo que são viáveis, correspondem a compromissos já assumidos pelo Governo na convicção de que obterá esse voto favorável e na certeza de que, no desactualizado quadro legal internacionalmente vigente, tal material corresponde a necessidades básicas das Forças Armadas.
Mas vamos fazê-lo sem conceito estratégico de defesa assumido pelo Governo, sem conhecimento do conceito estratégico militar do qual não temos critério legal para lhe definir o segredo, sem reavaliação da evolução das condições reais da Aliança e do seu reflexo nos interesses e capacidades portuguesas, submetidos aos factos consumados, sem política de defesa para a época nova da vida portuguesa que se inicia em 1986.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito bem!

O Orador: - É mais do que fundamentado duvidar, por exemplo, sobre se a Itália é o lugar de combate da Europa para onde devemos preparar o melhor da nossa força armada, se isso ainda é o que mais convém aos nossos interesses e aos interesses da Aliança, quando o quadro das ameaças possíveis mudou radicalmente e, por exemplo, o Atlântico Sul está na iminência, mais do que evidente, de se transformar numa zona de segurança indispensável à segurança do Atlântico Norte.
O Brasil dá mostras de o ter entendido, não parece excessivo pensar que o entendeu melhor nesta Casa onde esteve o seu atento Presidente, mas da nossa parte não há sinais de alguém ter ouvido. Parece oportuno, diria urgente, discutir dentro da Aliança, e com ela, se a nova função da Espanha, que anda a imitar o estatuto da França sem os meios correspondentes - certamente por ter meditado nas circunstâncias novas - não implica uma revisão de contrapartidas em relação a Portugal, cujas responsabilidades não diminuíram e tudo deixa prever que aumentarão, quer a Aliança se mantenha como foi definida, quer se adapte à realidade dos conceitos que ali circulam e pouco têm que ver com a definição inicial e forma do tratado.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Muito bem!

O Orador: - Vamos ter algum material. Ficaremos à espera de ter política de defesa. Do primeiro parece demonstrado que não podem esperar mais as Forças Armadas no quadro legal actual. Pela segunda, é o País que não pode esperar e não são os centros de estudo, os colóquios, as análises, os mestrados, que a podem formular. Ë o Governo que tem de a promover, e disso continuaremos pendentes. As circunstâncias exógenas a que estamos submetidos, essas não esperam, e para que ambas as coisas evolucionem em termos de os nossos interesses nacionais não serem atingidos é necessário muita protecção divina. Ou muita sorte, para os que pensam que ficamos mais protegidos desse modo.

Aplausos do CDS, do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
Informo que o Sr. Deputado Adriano Moreira já não dispõe de tempo. Contudo, como certamente a resposta vai ser breve, penso que a Câmara não se opõe em conceder-lhe algum tempo.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - O pedido de esclarecimento que vou formular ao Sr. Deputado Adriano Moreira não irá requerer uma resposta muito demorada.
Sr. Deputado Adriano Moreira, devo dizer-lhe que gostei muito da sua intervenção, mais uma vez aprendi alguma coisa com aquilo que o Sr. Deputado referiu e gostaria de lhe colocar uma questão que me parece relevante, embora se possa inferir da sua intervenção.
Se a minha interpretação é correcta, o Sr. Deputado referiu dúvidas relativamente à adaptação ou à necessidade de adaptar um próprio conceito estratégico de defesa nacional face a desenvolvimentos fora da zona da Aliança Atlântica o que, inclusivamente, tem a ver com a própria Aliança.
Por outro lado, o Sr. Deputado admitiu que os técnicos militares responsáveis, ao proporem este reequipamento das Forças Armadas, admitem que ele é o mais adequado.

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Como é que vamos compatibilizar esta adaptação admitindo que há necessidade de a fazer - e com isso concordo absolutamente - com um reequipamento das Forças Armadas que, a ser implementado de acordo com os compromissos assumidos e nos moldes e termos previstos, poderá comprometer, nos próximos anos, essa própria redefinição, ou a resposta adequada a essa redefinição, que penso ser urgente, relativamente ao conceito de estratégia de defesa nacional?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Adriano Moreira.

O Sr. Adriano Moreira (CDS): - Sr. Deputado Marques Júnior, em primeiro lugar, agradeço as amáveis palavras que me dirigiu e sou quase tentado a dizer-lhe que esse problema que aflorei na minha exposição, e que V. Ex.ª definiu com toda a clareza, é uma espécie de quadratura do círculo da situação portuguesa.
Aquilo que aconteceu é que quem tem de definir a política é o Governo, política essa que tem de ser aprovada na Assembleia da República. As Forças Armadas recebem daí a vinculação a objectivos e é em função destes que as Forças Armadas têm de definir os instrumentos de trabalho de que necessitam. As Forças Armadas estão a cumprir uma obrigação em face de uma política que não definem.
Aquilo de que me queixo e de que o País tem razão de queixa, segundo penso, é o facto de os órgãos responsáveis pela definição da política parece não terem reparado na modificação do ambiente, do quadro de ameaças prováveis e, por consequência, da nova posição de Portugal nesse quadro estratégico mundial.
Permiti-me pôr um pequeno apontamento na minha intervenção, para encarar os custos do pagamento deste desfasamento entre a política estabelecida e os factos que se não importam com ela. Esse apontamento foi o de chamar à atenção para a possibilidade de renegociar as contrapartidas a que temos direito, em face do estatuto que a Espanha resolveu adoptar.
Penso que as responsabilidades de Portugal podem aumentar, em vez de diminuir e, em consequência, talvez tenhamos aí um caminho de renegociação que possa minorar aquilo que considero ser um erro cometido na definição da nossa política.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Lello.

O Sr. José Lello (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A apresentação de uma lei de programação militar com vista a enquadrar a planificação do investimento público de incidência plurianual dirigido à modernização das Forças Armadas seria a consequência lógica da aprovação por este Parlamento, feita durante a anterior legislatura, da lei quadro das leis de programação militar. Todavia, não se inserindo integralmente na formulação daquela lei, constituindo-se, assim, num diploma de feição intercalar, a presente proposta de lei de execução dos programas plurianuais de reequipamento das Forças Armadas, representa em si mesma um passo significativo, em ordem a que seja possível conferir uma maior transparência às decisões relativas a uma área de importância nuclear como é a da defesa nacional. Daí a justificação do parecer suscitado ao Conselho Superior de Defesa Nacional. No entanto, esta iniciativa legislativa surge mais em virtude da persistência do Parlamento e, designadamente, da razão dos argumentos expendidos ao nível da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, que de uma decisão espontânea e colaborante do Governo. Felizmente, compreendeu-se que a abordagem deste tipo de questões em sede de debate parlamentar teria a virtude de clarificar mal-entendidos e de situar numa dimensão de Estado o confronto aberto e democrático de posições e ideias diferentes sobre aspectos da política de defesa.
Impor-se-á pois que, à semelhança do que ocorre nas democracias ocidentais, o Parlamento se debruce com profundidade sobre as questões da defesa e da segurança o que se reflectirá igualmente através da aprovação das leis da programação militar. Só assim o País se certificará de como os investimentos vultosos a realizar nesta área serão necessários e visarão essencialmente garantir a independência e assegurar a presença da soberania nacional em territórios e águas portuguesas. Só assim se poderá também salvaguardar a inexistência de eventuais dependências de acordos marginais que pudessem levar a que se privilegiassem interesses estratégicos exógenos que, inevitavelmente, contenderiam com o cumprimento dos objectivos da nossa própria defesa.
Só assim igualmente a opinião pública poderá gradativamente vir a tornar-se mais receptiva à necessidade de assunção por todos os portugueses de uma vontade expressa de defesa.
Portugal está obrigado, em função de tratados e alianças internacionais, à afectação de certos meios operacionais à defesa colectiva da Europa. Contudo, a um país de fracos recursos como o nosso impõe-se a rentabilização dos meios disponíveis, não podendo por essa razão deixar de ter em conta a sua própria defesa autónoma como objectivo prioritário decorrente da sua condição de país soberano e independente.
Daí que se imponha a compatibilização entre os dois escalonamentos defensivos, não deixando nunca de ter como referência as missões que se prefiguram para as nossas Forças Armadas em função do quadro tipificado de ameaças que, potencialmente, impendem sobre o território nacional. Ocorrerá por isso sublinhar que, apesar de já aprovado, o conceito estratégico militar, que é o ponto de partida para a definição subsequente das missões e plano de forças, ainda não tem uma versão aberta, continuando inacessível aos deputados que agora se têm de debruçar sobre esta matéria.
Poder-se-á, pois, inferir que a sua tarefa estaria grandemente comprometida, tanto mais que, quer as missões, quer os sistemas de forças, quer ainda o dispositivo subsequente, se encontram presentemente em fase de estudo.
No entanto, é possível já agora uma apreciação do problema, mau grado as insuficiências constatadas, porque são consabidas as vertentes e limitações estratégicas predominantes com que Portugal está confrontado.
Com efeito, a descontinuidade geográfica do território nacional indicia claramente a necessidade de se privilegiarem os meios oceânicos e aéreos, tanto no quadro específico da vigilância e detecção, como ainda no das acções do exercício da soberania e do apoio logístico e operacional às ilhas atlânticas, o que se compatibiliza com a dimensão e importância estratégica e económica do espaço triangular definido pelos vértices Lisboa, Madeira, Açores. Por outro lado, é igualmente patente a dependência do abastecimento do País, no

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domínio alimentar e em matérias-primas essenciais, pela via marítima. Daí decorre a necessidade em manter operacionais as rotas oceânicas e os nossos portos de mar, o que realça a nossa deficiente capacidade de meios de luta anti-submarina e de desminagem.
Mas decorre igualmente que se impõe assegurar a existência de uma verdadeira marinha de comércio nacional, hoje, infelizmente, ao nível de 1914 - e de reservas estratégicas compatíveis com o nosso grau de dependências do exterior.
Por outro lado, é perceptível ao observador mais atento a manifesta vulnerabilidade de Portugal quanto à detecção e à intersecção aéreas, 'o que faz ressaltar as carências nacionais em equipamentos de radar, em sistemas de defesa antiaérea e em caças interceptores. Mas as limitações patenteiam-se em outros sectores, designadamente no que respeita ao exército, tecnologicamente ultrapassado e deficientemente equipado para corresponder às missões para que está vocacionado.
Ora, este entendimento das necessidades nucleares com que se depara a defesa nacional, permite que, mau grado a indefinição que ainda se verifica quanto a missões e plano de forças, a Assembleia da República possa debruçar-se sobre o tipo de questões como a que nos coloca a presente proposta de lei.
Essa apreciação deverá ter em conta dois aspectos: o da salvaguarda do interesse nacional e o do escalonamento de prioridades que se compatibilize com a rentabilização dos recursos escassos afectos à defesa nacional.
Com efeito, porventura pela proliferação de um certo demissionismo que vem manifestando-se na sociedade portuguesa, tende-se a sobrelevar as razões de puro pragmatismo economicista e assume-se, por vezes com toda a naturalidade, a possibilidade da alienação da nossa defesa para a responsabilidade de países amigos e aliados.
Ora, este estado de coisas poderia levar a que, no plano das aquisições de sistemas de defesa, Portugal, por via das facilidades e doações externas, pudesse vir a equipar-se, mais em razão de objectivos de carácter colectivo e supranacional, do que em função dos seus próprios interesses, que decorrem das suas peculiares condicionantes geoestratégicas e geopolíticas. Portugal deverá obviamente corresponder ao quadro de obrigações decorrentes dos acordos e tratados internacionais que terá de honrar, mas, todavia, não poderá deixar de levar em devida conta as suas próprias realidades específicas, devendo, por isso, eleger como prioritários os programas que correspondem à satisfação dos seus objectivos próprios de defesa.
É pois, neste espírito, que analisamos o conjunto de programas de reequipamento das Forças Armadas, que o diploma em apreço explicita.
Em primeiro lugar, são apresentados programas que visam a substituição de meios existentes já ultrapassados tecnológica e operacionalmente, e outros que visam colmatar lacunas que se verificam no nosso enquadramento de forças.
Por outro lado, são presentes programas que prevêem a aquisição de equipamentos e sistemas de armas da última geração, ao mesmo tempo que indiciam a compra de outros com um horizonte de vida operacional bem limitado.
Finalmente, contrapõem-se as opções em que as condicionantes financeiras são limitadoras das razões de eficácia, e as opções em que as aparentes razões de eficácia condicionam as soluções financeiras.
Daí que os programas apresentados não tenham nem o mesmo equilíbrio, nem se pautem por critérios semelhantes, nem sequer pelo mesmo nível de definição técnica. Assim, o completamento das esquadras A7-P não se nos afigura em si mesmo controverso, já que apenas pressupõe o reforço do equipamento dos aviões anteriormente adquiridos, conferindo-lhes maiores capacidades operacionais e de treino. O mesmo acontece no que se refere à defesa antiaérea da 1.ª Brigada Mista Independente, uma força que tarda a estar completamente equipada. Aqui, os sistemas de armas em apreço não substituem quaisquer outros já existentes e o que se poderia questionar seriam os critérios e as condicionantes que conduziram a uma opção por um sistema misto com uma expectativa operacional limitada a meados da próxima década. Contudo, a resolução do problema da carência em meios de defesa aérea da Brigada Mista Independente, não colmata a actual incapacidade nacional quanto à detecção e defesa aérea avançadas.
É, todavia, quanto aos restantes dois outros programas que se, verificam as maiores dúvidas.
As fragatas cumprirão objectivos de soberania e de salvaguarda de interesses estratégicos, ao mesmo tempo nacionais e da Aliança Atlântica. Daí que a opção pelas fragatas oceânicas preparadas para a luta anti-submarina seja em si mesma e em abstracto legítima e perfeitamente ajustada aos imperativos de carácter nacional e às razões históricas e económicas interligadas ao mar português. As fragatas correspondem, assim, à necessidade de dotação de meios navais oceânicos tendo em conta a defesa e a presença da soberania nacional no triângulo estratégico português, onde confluem igualmente interesses da defesa avançada da Europa e de salvaguarda das linhas de abastecimento logístico de retaguarda.
Todavia, em face do nível do investimento, mau grado a contribuição financeiramente significativa dos nossos aliados para este projecto, subsistem dois tipos de questões que se prendem com os custos de manutenção e os tipos de contrapartidas económicas negociadas. Com efeito, ao nível dos actuais orçamentos de defesa, não parece ser viável manter navios com tão elevado custo de operação.
Com efeito, de que servirão os meios navais se não se dispuser dos meios financeiros para prover à sua operacionalidade?
No entanto, este tipo de apreciação poderia ser muito mais objectivo se dispuséssemos dos estudos de análise financeira de todo o projecto que incluíssem os custos do investimento, reflectidos dos encargos respectivos, bem como os custos previsíveis de reposição e de manutenção. À falta de tais dados, teremos de aceitar a garantia de que o Governo teve consciência de que a presente opção implica com inevitáveis reforços orçamentais, pelo que a Marinha será dotada de verbas específicas para que as suas fragatas não venham a ser, no futuro, os Tollan do Alfeite.
Quanto às contrapartidas, as nossas reservas têm aí a ver com o tipo das que foram negociadas. À semelhança do que ocorreu, aquando da aquisição dos Tristar pela TAP, compramos alta tecnologia e, em contrapartida, fornecemos essencialmente produtos minimamente transformados e que constituem a base das nossas exportações tradicionais ou então produtos de tecnologia intermédia, que se afirmam apenas em função do preço. Quando se imporia a aquisição de

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tecnologias que funcionassem como incentivo à constituição de uma moderna indústria de defesa, Portugal, paradoxalmente, acentua a sua dependência externa neste sector, pois quanto mais modernos são os sistemas que adquire, menor é a sua capacidade para os produzir.
Em referência aos aviões de patrulha marítima, quanto ao conceito e à sua importância nada teremos de fundo a opor. Apesar de os meios aéreos americanos estacionados nos Açores efectuarem idêntico tipo de missões, os comandos portugueses necessitam de informações autónomas que conciliem os interesses de carácter estratégico, com a vigilância da nossa zona económica exclusiva, cuja fiscalização não é a missão principal destes aviões. Restam, todavia, algumas dúvidas quanto ao escalonamento das prioridades. E isto, porque nos questionamos quanto à quota-parte do cumprimento de objectivos supranacionais que esta aquisição visará, quando a Força Aérea Portuguesa se debate com carências estruturais em meios aéreos que passam pelos caças interceptores, os aviões de reabastecimento em voo, os transportes tácticos, os helicópteros de ataque, etc.
Por outro lado, a idade dos aparelhos e a falta de uma avaliação técnica dos mesmos justifica que a Assembleia da República venha a ser detalhadamente informada sobre este contrato em vias de negociação com a Lockeed, o que, aliás, aconteceu, pese embora o facto de os P3-B já estarem em Beja.
Quando os meios são escassos, e quase tudo falta, impõe-se um maior rigor na aplicação dos recursos, o que se terá de aplicar obviamente a todo o Estado e não só às Forças Armadas. Por essa razão, as leis de programação militar vêm dar uma limpidez democrática a estes aspectos que sempre foram objecto de debate longe da opinião pública, tendo como base critérios de que se não conhecia a fundamentação e, por isso, mesmo, eram objecto de especulações que se não coadunavam com a dignidade com que as questões da defesa deverão ser tratadas.
Assim, o sentido da nossa votação significará a disponibilidade do Partido Socialista para apoiar uma corrente e consistente estruturação e reequipamento das nossas Forças Armadas, para que o actual Governo não aponta, mas significará, igualmente, que estaremos atentos quanto à credibilidade e clareza das propostas e ao cumprimento dos programas e à respectiva transição orçamental dos saldos anuais. E porque consideramos que a apresentação da lei de programação militar conjuntamente com o próximo orçamento do Estado vai permitir finalmente que os dispêndios em equipamento militar sejam enquadrados e fiscalizados pelo Parlamento, sem pretender inviabilizar nem caucionar na totalidade o presente diploma intercalar que apenas complementa o Orçamento do Estado do ano corrente, reservamos para ulterior ocasião uma mais detalhada apreciação do problema em apreço. Problema que, na sua dimensão e importância, o PS quer ver discutido em profundidade nesta Câmara, designadamente quando aqui se debater a lei de programação militar para o período que decorrerá de 1987 a 1991. Então se verá se existem ou não possibilidades de reequipamento e modernização das nossas Forças Armadas ou, então, se esse processo não estará já comprometido, em face da afectação da quase globalidade da ajuda externa apenas aos quatro programas que são agora objecto de apreciação.
Pensamos, todavia, que deste debate muito irá ficar. Ficará a assunção pela Assembleia da República de poderes que constitucionalmente lhe cabem e que a tradição democrática em todos os países confere à instância parlamentar, sem motivo de irritação ou escândalo por parte de algum sector. Só assim, aliás, a defesa deixará de ser uma questão tabu, para se converter num assunto verdadeiramente nacional.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado José Leio, estou de acordo com muitas questões das que o Sr. Deputado aqui focou e estaria seguramente muito mais se o Sr. Deputado tivesse recordado a esta Câmara que alguns destes programas foram decisões tomadas pelo governo anterior, a que o seu partido pertencia e liderava, e que outros são o desenvolvimento natural de estudos que nessa altura começaram a ser projectados.
Realmente, não nos podemos esquecer que seria desejável para as Forças Armadas Portuguesas ter um outro tipo de equipamento, porventura equipamento que correspondesse muito mais a alguns interesses exclusivos de defesa nacional, que fosse muito mais conducente stricto sensu ao interesse nacional do que, porventura, a objectivos que se balanceiam entre os interesses da Aliança Atlântica e os stricto sensu nacionais.
Como o Sr. Deputado deverá compreender, significaria ter recursos próprios e avultados de que não dispomos. É, portanto, nestas áreas de sobreposição de interesses - os da Aliança Atlântica e os especificamente nacionais - que teremos de encontrar o reequipamento das nossas Forças Armadas.
É evidente que, ao falarmos do interesse nacional stricto sensu, como país que pertence à Aliança Atlântica isto significa que, de alguma forma, estamos a corresponder aos interesses da Aliança Atlântica. Só que, realmente, não é bem a mesma coisa.
Portanto, estando de acordo com muita coisa que o Sr. Deputado referiu, gostaria de recordar este aspecto e que o Sr. Deputado tivesse o suficiente esforço de memória para se lembrar que muitos destes desenvolvimentos e opções foram oriundos do Governo a que o seu partido pertenceu e liderou.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Leio.

O Sr. José Leio (PS): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, ouvi com toda a atenção o seu pedido de esclarecimento, e ainda com maior atenção dado que, nesta questão, V. Ex.ª tem um privilégio em relação a mim, uma vez que é membro do Conselho Superior de Defesa Nacional e, por isso, tem acesso ao conceito de estratégia militar, o que não se passa comigo.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Não é verdade!

O Orador: - Não é, mas era, e o conceito de estratégia militar foi aprovado no ano passado.
De qualquer forma, não é isso o que conta e também não lhe responderei a questões do tipo daquela que me colocou se os problemas transitavam ou não

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do anterior governo, na medida em que penso que as questões de defesa têm de ser tratadas a um nível mais elevado que não o da mera chicana política...

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Não se pode ter dois pesos e duas medidas!

O Orador: - ... porque, senão, recordar-lhe-ia que os alegados Ministros da Defesa eram do seu partido e, portanto, as questões transitaram sempre por essa área, pelo que lhe questionaria se não teria sido missão desses ministros a constituição de um verdadeiro Ministério da Defesa que pudesse, efectivamente, tutelar devidamente estas questões e não vogassem ao sabor do improviso, dos interesses conjunturais e de outro tipo de questões.
Dir-lhe-ei também que o ouvi com atenção em relação à questão da ajuda externa. V. Ex.ª referiu e recordou que a ajuda externa condiciona o nosso equipamento.

Vozes do PSD: - Não condiciona!

O Orador: - Não podemos aceitar esse tipo de condicionamento porque, acima de tudo, temos de nos preocupar com o nosso reequipamento, tendo em conta os objectivos prioritários da defesa do território nacional.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado, estou absolutamente de acordo consigo de que isso seria o desejável. Mas, nesse sentido, diga-me quantos interceptores compraríamos com os recursos de que dispomos? Dois, três ou, porventura, quatro? Quantos draga-minas poderíamos comprar se mantivéssemos o programa das fragatas?
Tudo isso é extremamente interessante, desejável, mas a questão é a de que os números e os recursos são limitados. Esta é a verdade nua e crua e, portanto, só numa área de sobreposição de interesses estritamente nacionais com interesses comulativamente da Aliança Atlântica é que conseguiremos encontrar algum élan para o reequipamento necessário e a modernização das nossas Forças Armadas.

O Orador: - Não pus isso em questão, mas, sim, o escalonamento de prioridades.
Penso que não poderemos condicionar o nosso equipamento tendo em conta esse tipo de objectivos em função da ajuda externa, que, como há pouco referi ao Sr. Ministro, é flutuante, dado que alguns dos acordos estabelecidos não estão a ser efectivamente cumpridos.
Portanto, resumindo, é óbvio que penso que teremos de honrar os nossos compromissos externos, mas penso que de forma alguma podemos descurar os objectivos prioritários, como são os da defesa do nosso território e das nossas águas territoriais em relação às ameaças e ao conjunto de potenciais ameaças que possam impender sobre esse território.
É óbvio que não temos meios, que os recursos são escassos, mas não poderemos condicionar toda a nossa acção apenas a interesses que não são os nossos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Angelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O significado mais importante da discussão que estamos a travar não se circunscreve propriamente à análise do equipamento das Forças Armadas, mas a um plano mais amplo, onde ele se insere e que é inovador em Portugal.
É inédita no Parlamento Português a discussão de um programa de equipamento para as Forças Armadas no valor de 170 milhões de contos, é inédita na democracia portuguesa - é a primeira vez que isso sucede em termos explícitos e claros - a aprovação ou discussão de um programa de financiamento para o equipamento das Forças Armadas. O País não poderia deixar ficar em claro uma questão que é inédita, que significa um relacionamento entre o poder político e as Forças Armadas e que é a tradução e a concretização dos nossos preceitos constitucionais e da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.
Estamos numa situação inédita, pelo que importa salientar que, em relação às Forças Armadas, estamos a cumprir a democracia, de uma maneira muito clara - do meu ponto de vista - e o País não pode ficar insensível a esta realidade nova que se perfilou em Portugal com esta discussão.
Sobre esta matéria foram aqui expendidos vários argumentos e eu penso que é preciso posicionar politicamente o problema. Não o farei nos termos do Sr. Deputado Adriano Moreira, que, fazendo uma intervenção com bastante mérito em alguns domínios, transcendeu bastante o âmbito desta discussão. Direi que para a circunscrição que é necessário fazer-se importa reportar-nos a três realidades.
Em democracia, a relação entre poder político e Forças Armadas é determinada por três circunstâncias: o poder político define se quer ou não ter Forças Armadas, define como as quer e define para que as quer. Somos nós que definimos essas realidades.
O poder político já definiu, na Constituição e na lei, que queria Forças Armadas; o poder político já definiu as missões fundamentais a que se destinam as Forças Armadas; hoje o poder político começa a definir como quer as Forças Armadas e define-as como quer numa área restrita - na área do seu equipamento - e definirá com maior amplitude e rigor como quer as suas Forças Armadas, as Forças Armadas da Nação daqui a algum tempo, quando analisar, debater e discutir a organização dos ramos e outra legislação que lhe suceda.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste debate foram feitas várias limitações que interessa precisar:
A primeira é a opção básica entre interesses nacionais e interesses de Aliança Atlântica, onde estamos. Do ponto de vista do Partido Social-Democrata, tudo aquilo que interessa a Portugal interessa à Aliança Atlântica.
Não poderemos, rigorosamente, aceitar o inverso, ou seja, tudo aquilo que interessa prioritariamente à Aliança Atlântica interessará a Portugal. Mas tudo aquilo que fizermos, na nossa lógica de defesa autónoma, interessa seguramente à Aliança Atlântica. É por isso que não têm razão algumas críticas formadas ao estatuto de assigned a alguns equipamentos e forças que serão anexas a esses equipamentos para fins de Aliança

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Atlântica, porque só o são para a Aliança Atlântica porque, previamente, foram para interesses nacionais, previamente fora colmatada uma vulnerabilidade portuguesa. E só em função disso há um assigned da Aliança Atlântica que previamente resolve um problema nacional e, por via disso, decorre também de um compromisso que, contudo, foi previamente aceite por Portugal.
Nesse sentido, não têm razão aqueles que procuraram centrar um certo tipo de discussão numa antinomia básica entre interesses de Aliança e interesses portugueses.
Em segundo lugar, interessaria perspectivar o quadro de partida deste problema. Portugal encontra-se, desde 1974, num cenário político-militar diferente e o equipamento das Forças Armadas repercute-se disso. Hoje estamos numa situação em que devemos falar, para o Exército, em equipamento, e para a Armada e para a Força Aérea devemos falar em reequipamento.
Em termos de estrutura dos ramos das Forças Armadas, o problema mais débil e vulnerável é, seguramente, o Exército português. Todavia, temos de balizar esse problema no conceito básico de ameaça que nos foi presente e manifesto.
O conceito estratégico militar definiu - e embora não tendo o texto tivemos acesso a informação especializada na Comissão de Defesa nesse domínio - que Portugal sofre de algumas vulnerabilidades: vulnerabilidade submarina, de defesa aérea, de equipamento do Exército, na intercepção aérea e vulnerabilidade também no domínio da resposta a uma eventual agressão em termos mais localizados na própria plataforma.
E esta proposta de lei não procura colmatar todas as ameaças, não procura nem pode responder a todas elas, mas seguramente responderá a algumas.
A questão política que aqui foi colocada por alguma oposição é a discrepância entre o quadro legal, que o poder político afirmou para a definição do equipamento das Forças Armadas e a realidade com que hoje nos confrontamos. Penso que os Srs. Deputados da oposição têm razão quando falam, numa base geral, que em Dezembro de 1984 esta Assembleia aprovou os grandes princípios do conceito estratégico de defesa nacional e, só passado um ano, as instâncias próprias definiram o conceito estratégico militar. Entretanto, um ano antes, o Parlamento tinha aprovado a lei quadro de programação militar e há, realmente, uma discrepância prática entre aquilo que é o comando político definido pelo poder político e a apresentação pelo poder político de uma forma de reequipamento que não cumpre os prazos que esse mesmo poder político determinou. Há uma explicação e uma lógica em tudo isto e mal de nós se não a percebêssemos.
O problema das fragatas começou, como W. Ex.as sabem, há oito anos e o problema de equipamento há aproximadamente sete anos. Ou seja, se porventura o poder político tivesse que aguardar, nesses dois campos, a definição que ele próprio se autofixou, teríamos seguramente que algumas decisões seriam definidas porventura daqui a dois anos ou dois anos e meio. Basta ver que o início da história das fragatas, nos termos mais definitivos para a opção que hoje aqui é vertida, se deu aproximadamente em Janeiro/Fevereiro de 1984. Porventura, se cumpríssemos todos estes prazos, em 1988-1989 podíamos começar o reequipamento. E o que é que se passaria? Passar-se-ia, em primeiro lugar, que o custo do equipamento seria mais caro, a vulnerabilidade nacional seria ainda mais acrescida, a mobilização de recursos internos e externos seria mais dificultada ou talvez mais agravada.
É por essas razões que compreendemos que há uma discrepância formal entre um critério político fixado e uma prática verificada. Só que há seguramente para estes dois elementos uma especialização razoável que aliás teve a sua substância no governo anterior - com a dignidade de uma resolução do Conselho de Ministros, aprovada em primeiro lugar pelo próprio Primeiro--Ministro, hoje em dia Presidente da República - e que definiu a componente maior que hoje está aqui vertida. Donde é ilógica e inconsequente qualquer crítica a algo que foi previamente consagrado e definido no próprio exercício do governo anterior.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Se o problema tem este enquadramento político é preciso dizer mais. A questão política última que se pode colocar é: existem imensas vulnerabilidades, existem alguns meios que cobrem essas vulnerabilidades e existe, em terceiro lugar, um conjunto de meios financeiros que se adequam aos meios que respondem às vulnerabilidades.
E o problema é um problema de opção prática e política em última instância. Esta opção tem uma presunção básica: é a presunção de um mesmo autor da propositura destes equipamentos ser o mesmo autor da propositura do conceito básico que enformará a verdadeira lei de programação militar. Ë com base nesta presunção que creio que a Assembleia da República pode ilidir relativamente o problema político que se põe ao não cumprimento de um certo número de mecanismos político-jurídicos, ilidir essa questão de uma maneira que basicamente aceita um critério de presunção tácita e operativa, que é determinado pelo mesmo autor da propositura.
Já não falo do mesmo decididor final que, obviamente, poderá também ser o mesmo.
É por isso, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que aceitamos esta proposta. Aceitamo-la conscientes, todavia, de que há limitações no campo técnico e no campo prático ao exercício das mesmas.
Em primeiro lugar, e como muito bem foi realçado, continuam por colmatar algumas vulnerabilidades. E se o Sr. Deputado João Amaral tem razão quando diz que 90% deste equipamento se destinará a colmatar uma vulnerabilidade, que é a da presença de submarinos nas águas portugueses ou nas águas internacionais sob a nossa vigilância e controle, é preciso todavia dizer que o exercício das fragatas, bem como o exercício dos P3 Orion, sendo destinados fundamentalmente à protecção de vias de comunicação, do espaço marítimo e do espaço naval português e de vigilância anti-submarina, podem esses dois meios ao mesmo tempo perfazer uma missão de vigilância da ZEE.
Obviamente não o farão por inteiro, nem o farão cabalmente, até porque são meios demasiado caros e sofisticados para uma missão de menor dignidade em termos de soberania, mas seguramente têm uma bivalência que o Sr. Deputado sabe tão bem como eu.
Srs. Deputados, fala-se do triângulo estratégico português. Mas vale a pena falar de um triângulo estratégico português quando esse triângulo não é ocupado? Em termos de soberania nacional, que sentido político e prático faz falarmos de um triângulo que existe sem sequer Portugal o ocupar?

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A lógica, Sr. Deputado Marques Júnior, é exactamente respondida em termos da presença das próprias fragatas oceânicas, como uma forma relativa de ocupar esse mesmo triângulo. Não o ocupa cabalmente, mas ocupa parcialmente. Mais: se nós não fizermos uma ocupação suficiente do triângulo estratégico português estaremos, ao fim e ao cabo, a fazer algo de mais grave, que é limitar e dirimir uma hipótese nacional, que é a de tornar a nossa zona vulnerável e cobiçada.
O Sr. Deputado Adriano Moreira - que, com muita pena minha não está agora presente - referiu uma eventual mudança de cenário e de ameaça. Falou na Espanha e tem toda a razão num ponto: o acordo de 1976 entre os Estados Unidos da América e a Espanha, reconfirmado em 1983, permite a celebração e a visualização da chamada ZIC - Zona de Interesse Comum - que abrange áreas que estão sob a jurisdição militar de Portugal. É mais uma razão que dirijo ao Sr. Deputado Adriano Moreira para colmatar aquilo que ele afirma e responder-lhe, em termos militares, de modo que possamos suprir essa dificuldade político-estratégica em termos da existência desses mesmos equipamentos.
E, em último lugar, quero referir que, na maior parte dos casos são equipamentos aceitáveis. Na parte da artilharia antiaérea estamos de acordo com as mesmas, faltará responder - como diz o Sr. Deputado José Leio e bem - à chamada artilharia de médio e longo alcance, que supletive e complemente estes dispositivos. O projecto das fragatas é um projecto relativamente ao qual foram feitos alguns reparos injustificáveis - e os senhores deputados que os fizeram assistiram aos breefings da Comissão de Defesa Nacional, onde algumas das respostas a este problema já foram dadas.
Em relação ao projecto respeitante ao comportamento dos aviões A7, seria perfeitamente inadequado Portugal ter um instrumento como os aviões A7, que não podem voar à noite, por não serem operacionais durante a noite, em virtude de não terem uma capacidade de aquisição do alvo em termos claros, nem têm medidas da chamada guerra contra-eléctrónica, pelo que seria uma injustiça não conseguirmos adequar melhor os meios que já temos, para uma fiscalidade maior e mais ampla. É, portanto, um projecto de reprodutividade do próprio capital que já temos em Portugal e que, por isso, fez sentido completar.
Em relação aos P3 Orion, a questão pode ser entendida de outra maneira: é realmente uma concentração a 90% na ameaça submarina. Mas, como não concordo com alguns argumentos da oposição, quando disse «não teremos mais meios financeiros», respondo que teremos alguns, não muitos, não tantos como este volume de 170 milhões de contos. Teremos com certeza alguns, para nessa altura devermos responder a outros tipos de ameaça que se configuram sobre o espaço nacional.
Assim sendo, Sr. Presidente e Srs. Deputados, votaremos favoravelmente esta proposta por vários pressupostos.
Em primeiro lugar, porque é o tronco fundamental da próxima lei de programação militar. Em segundo lugar, porque contempla parcialmente algumas das vulnerabilidades e ameaças que impendem sobre Portugal. Em terceiro lugar, porque é um exercício legítimo do poder político em conseguir responder de uma maneira clara e cabal a algo que o próprio País definiu: quer Forças Armadas e como as quer.
Definimos hoje em parte como as queremos, não suficiente nem totalmente. Mas a escassez de meios financeiros não permite responder a todas as vulnerabilidades. Mas o último pressuposto é uma certeza, que é o de parte destes projectos terem uma lógica eminentemente nacional: seguramente integrar-se-ão na Aliança Atlântica, mas previamente cumprem um objectivo português, o que nós subscrevemos e com o qual concordamos.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Pediram a palavra para formular pedidos de esclarecimento os Srs. Deputados Marques Júnior e João Amaral.
Como já é um pouco tarde, se os Srs. Deputados não vissem inconveniente, interrompíamos agora a sessão e fariam os vossos pedidos de esclarecimento depois do intervalo para o almoço.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, pela minha_ parte ou faço agora a pergunta ao Sr. Deputado Ângelo Correia ou já não a farei.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, vamos ter paciência por mais uns minutos, porque vou dar a palavra aos Srs. Deputados que se inscreveram para pedir esclarecimentos, começando pelo Sr. Deputado Marques Júnior.
Sr. Deputado, tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Angelo Correia, compreendo que o Sr. Deputado, pelo seus conhecimentos acerca desta matéria, tenha alguma dificuldade em justificar, de uma forma tão clara e tão absoluta, este tipo de propostas. E devo dizer-lhe que as questões que lhe vou colocar partem deste pressuposto, que é o de naturalmente compreender algumas das dificuldades que o Sr. Deputado possa ter.
V. Ex.ª disse coisas que eu penso que não podem ser verdadeiras, como por exemplo que o poder político já definiu as missões das Forças Armadas. Ora, isso não é verdade e foi referido pelo próprio Sr. Ministro da Defesa. Há as missões genéricas das Forças Armadas, mas que não podem ser confundidas com as missões constitucionalmente determinadas para as Forças Armadas. E hão-de ser essas missões genéricas das Forças Armadas que hão-de conduzir a um plano de forças ou ao «sistema de forças» e «dispositivo» que, depois, hão-de definir o tipo de prioridades de reequipamento das Forças Armadas, de uma forma harmoniosa e equilibrada.
O que as Forças Armadas fazem sempre é deduzir a sua própria missão mesmo quando não lha dão e as Forças Armadas deduziram da Constituição, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e do Conceito Estratégico da Defesa Nacional, a sua missão, à falta de uma missão específica que lhe é determinada. Ë que é como o Sr. Deputado diz, ou seja, o poder político é que vai definir quais são as missões das Forças Armadas e os objectivos e, em função desses objectivos, os técnicos das Forças Armadas dizem: «para cumprir estes objectivos precisamos destes meios» e depois, são-lhes dados os meios.
O que acontece é que esses meios vão ser dados às Forças Armadas sem terem sido definidos esses tipos de missões genéricas das Forças Armadas.

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Quando se fala - e isto, do meu ponto de vista, é extremamente importante, porque é isto que posiciona aquilo que a oposição questionou, segundo a perspectiva do Sr. Deputado Ângelo Correia - em termos de duvidoso interesse nacional, no caso do PRD, através da minha intervenção, relativamente ao interesse nacional e aos interesses que não são propriamente prioritários e ao interesse Nato.
Falou também no triângulo estratégico, para referir uma coisa que me espanta ter ouvido, principalmente vindo da sua parte, Sr. Deputado Angelo Correia. Ë que fala-se muito no triângulo estratégico mas, com este equipamento, o triângulo estratégico só tem lados; não tem vértices. É exactamente ao contrário, pois só tem lados, que são dados pelas fragatas e pela Força Aérea e os vértices, que é a ocupação real do território, não estão de facto ocupados.
Foi dito aqui que, em termos de Forças Armadas, a percentagem é de 4 % para o equipamento do exército. Aliás, o Sr. Deputado diz - e muito bem - que neste momento não se pode falar em termos de reequipamento quanto ao exército, mas apenas em termos de equipamento, pois o exército não dispõe de qualquer equipamento.
Portanto, esta questão do triângulo estratégico e a maneira como o Sr. Deputado deu a volta ao texto deixou-me algumas dúvidas, cujo esclarecimento penso ser fundamental para o percebermos e que, do meu ponto de vista, estão na base e no cerne daquilo que nós questionamos relativamente àquilo que deviam ser consideradas como prioridades das Forças Armadas.
Portanto, a questão que lhe coloco, Sr. Deputado Angelo Correia, é a seguinte: como é que V. Ex.ª compatibiliza e encara o facto de os meios militares -este tipo de reequipamento- precederem a própria definição das missões das Forças Armadas? Do meu ponto de vista, esta é que é a questão, independentemente de me pronunciar, porque penso que é uma questão irrelevante, sobre se estas fragatas são as melhores ou as piores ou os nossos aviões são os melhores ou os piores. Como é que o Sr. Deputado compatibiliza isto na defesa de algumas afirmações suas e com as quais eu concordo? A minha questão é, pois, só esta: como é que compatibiliza isto?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Angelo Correia, conheço todo o seu pensamento sobre esta matéria e talvez ele não esteja inteiramente reflectido na sua intervenção. Mas não é disso que neste momento estamos a tratar.
Aceitando as regras do jogo, quero apenas dizer-lhe duas perguntas muito concretas. Não vou discutir a sua intervenção, mas algumas decorrências dela.
A questão central que lhe quero colocar é esta: se o objectivo que é conseguido com as fragatas tem ligação com a ocupação do triângulo estratégico, pergunto-lhe se está informado sobre se este programa implica a aquisição de mais fragatas na década seguinte.
A pergunta em concreto que lhe vou fazer tem a ver com isso: é que, como se sabe, o factor aplicado é o factor 3.º e está a operar uma fragata; ora, uma fragata garante essa missão que o Sr. Deputado considera fundamentora desta opção e, não o conseguindo fazer, é necessário um novo programa de aquisição?
Vou passar a colocar-lhe a segunda pergunta.
O Sr. Deputado aceitou estes programas pelo que são, dentro das diferentes vulnerabilidades que descreveu. Não vou discutir se estas são ou não as vulnerabilidades a que se deve atender prioritariamente: eu tenho uma opinião e V. Ex.ª terá a sua. Mas o que eu lhe quero perguntar é isto e só isto: a hipótese de atacarmos agora outro tipo de vulnerabilidades - por exemplo, a necessidade de defesa do espaço aéreo - podia, com o mesmo volume de verba, ser ou não organizado um programa substancialmente diferente ou até com alguma economia?

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Angelo Correia (PSD): - Srs. Deputados, agradeço muito as vossas perguntas, assim como a vossa compreensão da minha posição, que é manifesta.
Penso que há duas condições enquadradoras deste debate e de qualquer debate que se faça desta matéria: em primeiro lugar, Portugal é um país pobre; em segundo lugar, Portugal é um país cujo défice do Orçamento do Estado é elevadíssimo, em que a mobilização de recursos financeiros por parte do Estado para a defesa nacional é muito limitada, correspondendo a cerca de 3 % do produto interno - sempre são cerca de 100 milhões de contos por ano que o contribuinte paga para a defesa nacional, o que, em absoluto, não é um valor grande, pelo contrário, mas na escala relativa do nosso orçamento e das nossas disponibilidades é elevado. Simplesmente, o segundo enquadramento é aquele que é necessário perceber face a uma triangulação que temos de fazer em três realidades: as ameaças, os meios para fazer face às ameaças - os meios técnicos e os sistemas de armas - e, em terceiro lugar, os meios financeiros para pagar o sistema de armas.
Pela sua posição geográfica e política, Portugal está imensamente vulnerável. Primeiro, pela dispersão do território em três regiões distintas; segundo, pela sua localização na confluência do Atlântico e do Mediterrâneo; terceiro, na confluência do fim do Atlântico Norte com o princípio do Atlântico Sul; quarto, pela dispersão em profundidade da própria defesa e da territorialidade portuguesa.
Estes são elementos matriciais que justificam e impendem sobre Portugal, para além da debilidade estrutural acrescida, que é o não equipamento de alguns ramos das Forças Armadas e o absolutismo tecnológico por via de um cenário e de um teatro diferente de actuação no passado.
Quem não entender estas duas realidades básicas não pode perceber que colmatar estas dificuldades é extremamente difícil e complexo. Ë quase uma quadratura do círculo conseguir resolver o problema.
De qualquer forma, vou tentar enquadrar as perguntas que me suscitaram estas duas perspectivas básicas.
Perguntou o Sr. Deputado João Amaral se eu pensaria que o que a seguir deveríamos ter era um programa de novas fragatas. Não, Sr. Deputado. Se eu tivesse de optar em termos políticos e em termos técnicos, as duas próximas prioridades seriam: aquisição de draga-minas para fazer a desminagem das nossas águas territoriais e dos nossos portos e aumento da capacidade de patrulhamento, em termos mais baratos, menos dispendiosos, da nossa Zona Económica Exclusiva.

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Como o Sr. Deputado João Amaral sabe, o projecto previsto para esse patrulhamento custa cerca de 23 a 25 milhões de contos, uma vez que cada patrulhador custa cerca de 1 milhão e meio de contos e estão previstos 15.
No que diz respeito à dragagem, hoje em dia um draga-minas normal custa entre três a cinco milhões de contos. Portugal precisaria de uma flotilha de seis, o que dá entre 25 a 30 milhões de contos.
Essas seriam as prioridades que, no meu plano pessoal - e não quero vincular ninguém -, considero que deveriam ser as próximas. Não seriam mais fragatas, pois penso que Portugal não vai ter meios financeiros na próxima década para poder aumentar mais a nossa capacidade de fragatas.
O Sr. Deputado João Amaral perguntou-me ainda se a intersecção aérea era fundamental. Penso que sim, Sr. Deputado, mas quero dar-lhe um dado muito simples: o complemento natural dos aviões A-7, a própria defesa aérea - e com isto vou responder um pouco ao Sr. Deputado Marques Júnior, que me formulou uma pergunta importante -, justificaria uma esquadrilha de aviões de intersecção. Mas sabe o Sr. Deputado quanto é que custa uma esquadrilha de aviões de intersecção? Custa entre 100 a 120 milhões de contos. É uma esquadrilha de apenas 24 aviões, que é o mínimo que se pode comprar. Hoje em dia o preço Standard de mercado de cada avião é de quatro a cinco milhões de contos.
Pergunta-me o Sr. Deputado se com estes mesmos recursos financeiros seria possível fazer esse tipo de política. Ë, mas os custos são estes.
Quer dizer, estamos no tal triângulo difícil de resolução em que, por mais que façamos, há por vezes que fazer uma opção delicada. Por isso estou de acordo que Portugal precisa, só que os custos são estes que referi.
O Sr. Deputado Marques Júnior fez, a este propósito, algumas considerações pertinentes com as quais concordo em parte, mas discordo noutra parte.
Sr. Deputado Marques Júnior, é verdade que o triângulo estratégico não está ocupado no termo dos vértices. Só que o Sr. Deputado tem de perceber esta coisa elementar: é que só há ameaça confinada nos vértices do triângulo quando a ameaça chega a esses vértices. E a ameaça só chega a esses vértices quando passa pela barreira da defesa aérea e da defesa marítima. Ou seja, o último ponto onde chega a ameaça, onde ela se concretiza, é no vértice.
Toda a gente sabe que os meios para se atingir os vértices, a não ser meios de longo alcance que não estão visualizados como ameaça potencial, para se confinarem sobre esses vértices têm de passar por um espaço aéreo e por um espaço marítimo que previamente têm de ser protegidos. Com isto não estou a dirimir nem a minar, nem a limitar a necessidade de defesa do vértice; estou apenas a dizer que previamente temos de passar por uma barreira, uma defesa longínqua, e só depois caminhar para a defesa próxima.
Em termos técnicos é assim; o senso comum diz isto e o Sr. Deputado sabe bem que assim é.
Dou razão ao Sr. Deputado quanto ao que disse sobre as «missões». Mas quando afirmei na minha intervenção que o poder político define e já definiu as missões, estava a referir-me às «missões genéricas».
Estou de acordo consigo, mas eu falava era das missões definidas na Constituição e na Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e não das «missões específicas».
Quero, todavia, dizer-lhe que as «missões específicas» convalidam, especificam e explicitam missões genéricas já aprovadas. Logo, não são autónomas, nem inovadoras. Explicitam algo que está definido constitucionalmente e até no plano legal numa lei de extrema importância.
Donde, estou de acordo formalmente consigo, mas não estou de acordo em termos substanciais.
Colocou-me o Sr. Deputado uma última questão sobre a compatibilidade de meios em relação ao triângulo estratégico.
Se tivesse de decidir politicamente, creio que as próximas prioridades deveriam ser claramente estas: caminhar para a defesa aérea e completar aquilo que significa a matriz básica do nosso Exército.
Não podemos vulnerabilizar excessivamente, até em termos profissionais, os nossos profissionais do Exército Português, sob pena de um dia eles poderem considerar-se numa situação de inutilidade profissional e social. Nesse aspecto estamos solidários.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não há mais inscrições, pelo que dou por encerrado este debate, realizando-se a respectiva votação às 18 horas.

Está suspensa a sessão até às 15 horas.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Após o intervalo, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente José Vitoriano.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, declaro reaberta a sessão.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Vou, de imediato, conceder a palavra ao Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação para fazer a intervenção de apresentação da proposta de lei n.º 29/1V - Introduz alterações a alguns artigos da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, que aprova as Bases Gerais da Reforma Agrária.

Tem, pois, V. Ex.ª a palavra, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Ao iniciar-se o debate neste hemiciclo sobre a proposta de lei de alteração da Lei de Bases da Reforma Agrária, e antes de entrar propriamente na explicação da fundamentação que levou o Governo a apresentar este diploma, gostaria de fazer alguns comentários prévios.
Em primeiro lugar, quero dizer aos Srs. Deputados que considero extraordinariamente positivo que hoje se inicie a discussão deste tema. Trata-se de uma matéria que a grande maioria dos partidos com assento nesta Assembleia já deste há muito vêm afirmando ser necessário, mais cedo ou mais tarde, alterar.
O facto de hoje nos encontrarmos aqui para iniciar essa discussão, independentemente do resultado que ela venha a ter, é para mim um facto, só por si, de extraordinária importância. É que, na realidade, nós consideramos que, sem a alteração da actual Lei de Bases da Reforma Agrária, há bloqueios, há dificuldades e há progresso na agricultura portuguesa que não poderá ser levado por diante.
Em segundo lugar, gostaria de, muito sinceramente, prestar aqui as mais vivas homenagens e o preito da

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minha admiração ao legislador de 1977. Tenho pena que o Sr. Deputado António Barreto, que deixou o seu nome ligado à Lei n.º 77/77, não esteja hoje aqui entre nós.
É fácil hoje para todos nós, passados praticamente 10 anos sobre a aprovação dessa lei, apontar defeitos e dizer que ela tem na sua base coisas erradas. Não nos podemos, no entanto, esquecer das condições em que a lei foi elaborada em 1977 e das oposições que quem na altura a fez passar teve de vencer.
Pela minha parte, independentemente de várias críticas que tenho a fazer passados nove anos sobre a aprovação da lei, continuo e continuarei sempre a pensar que foi um marco muito importante, não só na consolidação da democracia portuguesa mas também na viragem que se operou na agricultura portuguesa. De onde, sem qualquer hipocrisia e com toda a abertura e lealdade, gostaria de deixar bem expressa esta palavra, de admiração e de homenagem ao Sr. Deputado António Barreto.
Em terceiro lugar, gostaria ainda de vos dar a conhecer as razões que nos levaram a não apresentar uma lei totalmente nova. Na realidade, foi essa a nossa primeira tentação face a toda uma problemática que, evidentemente, é de extrema importância para o futuro da agricultura portuguesa. Simplesmente, na nossa maneira de ver, aquilo que pensávamos dever ser uma verdadeira lei da reforma agrária, sem limitações físicas, sem limitações à dimensão da propriedade, embatia sempre nos constrangimentos de ordem constitucional, o que nos levou a pensar que será mais fácil, a quem na altura tiver essa responsabilidade, apresentar uma legislação nova após a revisão da Constituição da República Portuguesa, que se fará dentro de um ano.
Nesse aspecto, estamos inteiramente de acordo com a opinião que tem sido expressa pelo presidente do PRD, Deputado Hermínio Martinho, quando clama não ver qualquer razão para que o sector agrícola seja discriminado em relação a outros sectores da vida económica nacional. Porquê impor limitações ao sector agrícola quando não existem limitações quer no sector industrial quer no sector terciário?
A verdadeira forma de se fazer uma Reforma Agrária será, na realidade, fazer ou a expropriação ou o arrendamento compulsório no caso de todos aqueles agricultores que não explorem devidamente as suas terras. Essa é para nós a verdadeira reforma agrária que se tem de fazer. Mas ela não pode ser feita neste momento, pelo que optámos por apresentar estas propostas de alteração.
Todavia, para justificar as propostas de alteração, parece-me importante fazer um pouco de história da evolução que a Reforma Agrária sofreu ao longo destes anos.
Não me vou alongar sobre o período revolucionário, que é por demais conhecido de VV. Ex.ªs, período esse em que, sem qualquer base legal, sem qualquer suporte jurídico foram, pura e simplesmente, ocupados 1 200 000 ha do Alentejo.
Não me debruçarei muito sobre as tentativas que houve ao longo do ano de 1975 para legislar a respeito da reforma agrária, legislação essa que, embora bem intencionada - e não duvido que o tenha sido -, não teve quaisquer efeitos práticos. Ou seja, para nós, a primeira legislação que tentou encontrar um equilíbrio entre aquilo que tinha sido o período revolucionário de 1974 a 1976 e depois a legalidade democrática foi a Lei n.º 77/77.
Penso que é importante saber quantitativamente o que aconteceu desde que saiu e foi oficialmente implementada a Lei n.º 77/77.
Para começar, a chamada Zona de Intervenção da Reforma Agrária tem uma área total de 3 800 000 ha. Desses 3 800 000 ha foram nacionalizados ou expropriados legalmente em 1977 cerca de 1 070 000 ha. Mais concretamente, foram expropriados 880 000 ha e nacionalizados 190 000 ha.
Vejamos hoje, em 1986, qual a evolução que se registou nesses 1 070 000 ha. Na base da Lei n.º 77/77, foram devolvidos, como direito de reserva de propriedade ou como direito de reserva de rendeiro, cerca de 500 000 ha, precisamente 430 000 ha sob a forma de reserva de propriedade e cerca de 70 000 ha sob a forma de reserva de rendeiro.
Da restante área foram entregues pelo Governo para exploração, com a sua situação perfeitamente legalizada, perto de 190 000 ha, dos quais cerca de 170 000 ha foram entregues a perto de 3 000 pequenos e médios agricultores e cerca de 20 000 ha às unidades colectivas de produção ou cooperativas que trabalham no Alentejo e têm a sua situação legalizada. Ou seja, há um total de 190 000 ha cuja exploração, na base do Decreto-Lei n.º 111/78, foi dada.
A esse respeito gostaria de, uma vez mais, reafirmar aquilo que em debate anterior, nesta Assembleia, tive ocasião de dizer. É que tem sido orientação do meu Ministério consolidar essas situações. Viemos a verificar, no caso dos pequenos e médios agricultores, que a sua esmagadora maioria utiliza formas precárias de exploração. A esses agricultores tinham-lhes sido dadas concessões sob a forma de licença de uso privativo e temos seguido a política de as transformar, sempre que se verifica que a exploração da terra tem sido feita de acordo com as boas técnicas da agricultura em arrendamento rural.
Somente na vigência deste Governo - e não vou buscar o período em que exerci estas funções em governos anteriores - já transformámos em arrendamento rural, portanto com um vínculo mais firme à terra, com mais garantia de estabilidade, cerca de 900 contratos, que viemos encontrar em licença de uso privativo. Digamos que no ano e nove meses que levo destas responsabilidades vinculei mais em arrendamento rural do que todos os meus antecessores durante os anos que exerceram esta função. E se realço este facto é porque, na realidade, dou uma ênfase muito especial à existência da estabilidade, da segurança, que são absolutamente indispensáveis para que se possa fazer agricultura.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Mas, para além destes 190 000 ha - repito, 170 000 entregues a pequenos e médios agricultores e 20 000 a unidades colectivas de produção -, temos uma situação que não podemos iludir, Srs. Deputados. É que há perto de 60 000 ha que, embora legalmente tenham sido expropriados ou nacionalizados, se mantêm na posse, na propriedade e na exploração dos seus antigos proprietários por vontade própria, muitas vezes por vontade dos próprios trabalhadores que trabalham nessas explorações agrícolas. Esta é uma situação que não podemos iludir: há legalmente uma zona expropriada ou nacionalizada, mas há um número elevadíssimo de proprietários que mantiveram as suas explorações. Basicamente, isto tem maior incidência na zona do Ribatejo.

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Para além destas situações, temos mais cerca de 270 000 ha das áreas expropriadas e nacionalizadas que estão a ser exploradas por unidades colectivas de produção, que, embora as estejam a explorar, não viram até agora a sua situação devidamente legalizada, ou seja, não pagam rendas, nem têm nenhum vínculo ao Estado, que, ao fim e ao cabo, foi quem expropriou essas terras.
Mas, para além destes 270 000 ha, existem, fora da zona nacionalizada ou expropriada, mais 150 000 ha de terras que nunca foram expropriadas nem nacionalizadas mas que, pura e simplesmente, se mantêm ocupadas há longos anos. Ora, é perante esta situação de estrutura fundiária - que, do ponto de vista jurídico, é perfeitamente caótica - que penso que temos de encarar as propostas de alteração que fazemos à Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária.
Portanto, já vos indiquei que há largos milhares de hectares expropriados ou nacionalizados na posse dos seus antigos proprietários, largas dezenas de milhares de hectares que, sem serem nacionalizados ou expropriados, estão, pura e simplesmente, ocupados, várias dezenas de milhares de hectares que, embora expropriados, não têm qualquer vínculo ao Estado e, ainda, de acordo com a actual lei - e isto se ela fosse aplicada na íntegra -, mais cerca de 400 000 ha, que são passíveis de expropriação, isto é, não foram expropriados em 1976 mas, pela aplicação rigorosa da lei, deveriam tê-lo sido.
Do ponto de vista fundiário, é evidente que isto não pode deixar de criar uma situação de insegurança e de instabilidade totalmente contrária àquilo que é necessário ter na agricultura, que é uma visão de médio e longo prazo que permita ao agricultor investir com a segurança total de que o seu investimento não será oportunamente posto em causa por qualquer reivindicação ou por qualquer medida governamental.
Mas se fizermos uma análise objectiva e sem qualquer paixão e compararmos quais os resultados, do ponto de vista da produção agrícola da região, nos diversos quinquénios - o quinquénio de 1976-1980 ou o quinquénio de 1980-1984 com o quinquénio 1970-1974 -, verificamos que no primeiro quinquénio de 1976 a 1980, a quebra da produção na região da zona de intervenção da Reforma Agrária se cifra entre 75% a 80% daquilo que era a produção no quinquénio 1970-1974. Se fizermos a comparação no quinquénio 1980-1984 verificamos que essa diminuição de produção já é de cerca de 85% a 90%.
De qualquer maneira, há um facto que de forma nenhuma podemos iludir: houve uma quebra de produção.
É evidente que a razão dessa quebra de produção será interpretada pelas diversas bancadas deste hemiciclo de acordo com aquilo que é o seu entendimento. Obviamente que poderíamos dizer que a principal quebra verificada em 1976-1980 se deveu ao facto de na altura haver mais área entregue às UCPs e que melhorou depois, em 1980-1984, quando foram reduzidas essas áreas. Não entrarei nessa discussão porque não tenho elementos seguros em que me baseie para poder tirar qualquer conclusão a esse respeito. Limito-me apenas a apresentar os factos, que são estes: é que, na realidade, num país carente, como é o nosso, de produtos alimentares, a produção, seja ela de cereais de sequeiro, de milho, de arroz ou de tomate, apresentou uma quebra nítida desde que foi instaurada a Reforma Agrária.
Mas se olharmos para a situação económica e financeiras das UCPs que vêm explorando a zona de intervenção da Reforma Agrária e de acordo com elementos que neste momento tenho em verificação, mas que vim encontrar prontos no meu Ministério, terminados em 1983, verifica-se que uma percentagem importantíssima dessas UCPs, embora não paguem renda e não assumam todos os seus compromissos, são, à cabeça, totalmente inviáveis. O estudo que fiz, e que terei o maior prazer em fornecer à Assembleia da República, aponta claramente para o facto de que somente uma percentagem da ordem dos 15% a 20% é que diz respeito às unidades colectivas que apresentam viabilidade.
E se pudermos olhar para o futuro verificamos outra coisa em relação à qual não nos podemos iludir: é que hoje o preço pelo qual são pagos os produtos produzidos naquela região são substancialmente superiores aos que irão ser pagos dentro dos próximos dez anos. Ou seja, não podemos iludir especialmente aqueles partidos que apoiaram e apoiam a nossa integração na Comunidade Económica Europeia, no sentido de que hoje, por exemplo, o trigo mole tem um preço em 64 % superior ao de intervenção da Comunidade Económica Europeia e que no resto dos cereais de sequeiro essa diferença oscila entre os 45% e 50%. Isto é, o evoluir do tempo vai obrigar-nos a fazer uma aproximação dos nossos preços aos preços comunitários.
Como consequência disto, não podemos deixar de tomar todas as medidas que nos façam aumentar a produtividade da zona alentejana, sem a qual entraremos em total ruptura. Isto - e repito uma vez mais -, olhando objectivamente aos valores e sem ter em linha de conta qualquer concepção de carácter político--partidário.
Portanto, é perante este quadro, à partida de total caos jurídico e de situações não esclarecidas - a aceitação que todos os governos têm feito nos últimos anos é a de que, na realidade, há que não continuar a implementar uma linha que já por si própria mostrou que não tinha dado resultados - que o Governo entendeu apresentar as propostas de lei.
Gostaria de dizer que estas propostas de lei são apresentadas à volta de seis princípios e não vou discutir a forma jurídica ou a maneira como pretendemos atingir esses objectivos. Poderei, pois, dizer que o Governo está perfeitamente aberto a discutir outras formas jurídicas. O que nos parece essencial, e que gostaria de apresentar aqui à Assembleia, são os objectivos que nos propomos atingir. À partida, um objectivo fundamental que tem uma reacção muito negativa por parte de certos sectores mais conservadores da nossa agricultura é a proposta que o Governo faz no sentido de os direitos dos agricultores com quem o Governo tem a situação legalizada, ou seja, pequenos e médios agricultores e unidades colectivas, passarem a prevalecer sobre os dos antigos proprietários.
Os Srs. Deputados sabem que se cai uma reserva sobre uma zona onde entretanto tenha sido colocado qualquer pequeno e médio agricultor, a actual lei obriga o Governo a tentar recolocar esses agricultores. Pois o que propomos é isto: há 190 000 ha que vivem sob a ameaça de, de um dia para o outro, lhes cair um pedido de majoração, um pedido de reserva.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Ameaça de quem?

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O Orador: - Como ponto fundamental consideramos esta prioridade absoluta em vantagem do que a actual lei diz, ou seja, é dada prioridade aos pequenos e médios agricultores e àqueles que tenham a situação legalizada - creio que é o caso da proposta do artigo 36.º
Há 400 000 ha que, de acordo com a actual legislação, são passíveis de ser expropriados a qualquer momento - expropriados na base do Decreto-Lei n.º 80/77, expropriados sem previamente serem pagas as expropriações. Na realidade, o que propomos é que, de futuro, toda e qualquer expropriação tenha de ser feita na base do Código das Expropriações. Isto é, fazemos uma proposta que consideramos fundamental e que é a seguinte: propomos que se acabe com a discriminação intolerável entre o regime em que vivem os agricultores da zona de intervenção da Reforma Agrária e os restantes agricultores do resto do País.
Na nossa concepção não se compreende porque é que há uns que são sujeitos a um regime de expropriação especial e outros que são sujeitos a outro regime de expropriação. Isso dá como consequência que, passados dez a doze anos de as expropriações terem sido feitas, ainda nem sequer tenham sido pagas. Nesse sentido, vamos fazer com que, de futuro, todas as expropriações possam ser feitas de acordo com o Código das Expropriações. Estas são, pois, as propostas que estão contidas nas alterações dos artigos 43.º e 45.º
Em relação ao problema daqueles proprietários que legalmente têm a sua situação expropriada ou nacionalizada, mas que há longo tempo se mantêm na exploração das suas unidades agrícolas, pensamos que também esses vivem hoje num regime de insegurança completa e que deveria ser aceite uma solução que desse a garantia de estabilidade a esses mesmos agricultores.
Fazemos a proposta da reversão da expropriação nesse caso, mas - e uma vez mais vou repetir - não é esta a forma jurídica conveniente, pois há outras. Na altura em que discutimos essa matéria até propusemos o arrendamento a longo prazo como alternativa a esta solução de reversão. Foram os juristas que connosco colaboraram nessa altura que nos propuseram esta solução.
Mas o Governo está perfeitamente aberto a encontrar outra solução que, na realidade, atinja o mesmo fim, ou seja, o da estabilidade e da segurança, sem as quais não pode haver progresso na agricultura no Alentejo.
Portanto, apresentamos três propostas, sendo a primeira no sentido de futuras expropriações serem feitas de acordo com a lei geral do País; a segunda, de reversão ou qualquer outra fórmula que estabilize a propriedade da terra e a terceira no sentido de garantir a todos aqueles que fizeram contratos com o Governo uma situação de segurança.
Mas, além disso, há um quarto princípio que se refere às indemnizações. Tenho dito publicamente que considero que, enquanto não se encontrar uma solução válida para as indemnizações, enquanto não forem pagas indemnizações correctas e justas, não haverá estabilidade na zona do Alentejo.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Ë que não se pode pedir a quem foi expoliado das suas terras, mas que entretanto nada lhe foi pago, que, pura e simplesmente, se mantenha inerte,
passivo e que não accione juridicamente todos os mecanismos que tem à sua mão para recuperar as suas terras. Aí, a razão dos recursos e mais recursos que são feitos. Daí, o Governo considerar prioritário e já ter tomado decisões no sentido de acelerar o pagamento das indemnizações.
Mas, entretanto, pergunto, Srs. Deputados: será justo que, enquanto não se pagam as indemnizações, o Estado continue a arrecadar anualmente, quer através de rendas, quer através de rendimentos da cortiça, quer através de rendimentos dos eucaliptais e da floresta, dois a três milhões de contos e que, de certa maneira, essa verba não seja consignada ou congelada para este objectivo fundamental, que é o pagamento das indemnizações?
Daí, fazemos uma proposta de consignação das receitas que o Estado recebe da zona de intervenção da Reforma Agrária para fazer o pagamento dessas mesmas rendas, desses mesmos rendimentos aos antigos proprietários, enquanto o Estado não fizer aquilo que qualquer Estado de direito já deveria ter feito há muito tempo, que era pagar as indemnizações pelas nacionalizações e expropriações.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Este é o quarto princípio que apresentamos. Ora, estes quatro princípios vão no sentido de criar segurança e estabilidade.
Repito, uma vez mais, que não discutimos as formas jurídicas apresentadas. Estamos abertos a discutir, com qualquer outro partido, outras fórmulas que sejam consideradas mais correctas para atingir o mesmo objectivo. Mas duvido que haja alguma bancada deste hemiciclo - com excepção de uma bancada que, desde a primeira hora, tem uma concepção totalmente diferente da nossa, que é a do PCP - que não esteja de acordo com estes quatro princípios fundamentais.
Além destes quatro princípios, propomos outros dois que, em nossa opinião, se destinam a corrigir injustiças que foram cometidas aquando da feitura da Lei n.º 77/77.
Da mesma forma que iniciei a minha intervenção, torno a repetir que hoje é fácil dizer que se cometeram injustiças. Porém, em 1977, quando a lei foi elaborada, eu próprio achei que se tinham tomado actos de grande coragem. Portanto, não queria que esta minha posição de sugestão ou de crítica a quem legislou em 1977 fosse mal interpretada!
Refiro-me basicamente ao problema que, desde a primeira hora, nos dividiu com o Partido Socialista quando, o ano passado, esta mesma lei, com exactamente os mesmos fundamentos, foi durante um dia inteiro discutida no governo do bloco central ao qual me honro de ter pertencido. Ora, neste ponto houve sempre uma divisão no que diz respeito ao problema relativo aos indivisos.
O Governo entende que houve pessoas que tinham as suas explorações em conjunto, que, por razões de melhor exploração, não tinham feito a divisão das suas propriedades e que de repente se viram apanhadas com uma legislação que as tratou unitariamente. Ou seja, houve pessoas mais previdentes que, juridicamente, fizeram a separação das suas propriedades e que se viram tratadas não unitariamente, e houve outros que, por uma ou outra razão, não a puderam fazer ou, como aconteceu em muitos casos, nem sequer tiveram tempo

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de a fazer e que foram tratados unitariamente. Portanto, propomos que somente para os casos em que comprovadamente essas pessoas fossem exploradores directos se considerasse que não deveriam ser tratados unitariamente.
Na proposta que inicialmente fizemos não pusemos qualquer limitação ao número de reservas. Mas, face à opinião nessa altura dada pelo Partido Socialista de que isto poderia assumir valores exagerados no que diz respeito à área, aceitámos e propusemos na altura que se pusesse um limite máximo de quatro indivisos. Ou seja: só para aqueles que comprovadamente exploravam directamente a terra, e só nesses casos, é que se admitia a possibilidade de não serem considerados como unitários, estabelecendo-se um limite máximo de quatro reservas. E porquê quatro? Porque basicamente nos fomos apoiar naquilo para que a própria Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária aponta no artigo 28.º, quando refere que a família média alentejana, a partir da qual há o direito de majoração de 10% das reservas, é de quatro pessoas. Ora, foi numa tentativa de encontrar uma qualquer justificação para esta limitação que apresentámos esta proposta de quatro pessoas. Ë evidente que se nos perguntarem porque não seis ou oito ou três pessoas ou mesmo por que motivo há um limite, devo dizer que o fizemos no sentido de não alargar excessivamente esta região.
De qualquer maneira - e creio que é importante esclarecer isso aqui -, este foi o único ponto que, na altura em que se discutiu esta matéria com o PS, acerca de um ano e três meses, mereceu a discordância por parte desse mesmo partido.
As outras propostas que fazemos e que, aparentemente, poderão dar a ideia de ter um determinado objectivo destinam-se, em muitos casos, a podermos tomar critérios uniformes, homogéneos ao longo deste processo. E darei exemplos, Srs. Deputados.
Por exemplo, na Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária estabelece-se um padrão no sentido de se constituir as reservas em função de uma pontuação. Estabelece-se aí que todas as pessoas, os exploradores directos, terão direito a 70 000 pontos majorados até uma determinada percentagem. Mas depois, no artigo 29.º, sem qualquer justificação técnica, sem qualquer base, impõe-se outro limite, o limite de área, que se subdivide em três categorias: limite de 350 ha para reservas em terrenos de aptidão agrícola das classes A e B; 500 ha para outros terrenos com aptidão agrícola; 700 ha para terrenos de aptidão silvo-pastoril.
Mas o que se verifica, Srs. Deputados, é que, em especial nas zonas mais pobres do nosso Alentejo, na zona da fronteira, nos terrenos esqueléticos da serra de Serpa, atinge-se os 700 ha muito antes de se atingirem os 70 000 pontos. Então, temos esta discrepância: é que a certo número de pessoas entregaram-se 70 000 pontos e a outras 45 000 ou 50 000 pontos. Daí nos parecer que, como base de igualdade de todos eles, deveria ser estabelecida somente a pontuação.
Sei que a lei em si previa que aqueles que ficassem prejudicados por ela viessem a er compensados por subsídios, por ajudas e por incentivos especiais que os compensassem dessa situação. Mas, para todos os que conhecem a agricultura dessa região, a realidade é que, embora 700 ha possam ser, à primeira vista, uma área muito grande, não é economicamente viável podermos chegar a essa situação nas zonas de Serpa, de Mértola, do Alandroal e das fronteiras.
Ao propor a abolição da área estamos, pura e simplesmente, a dizer: tratemos todos os agricultores da mesma maneira; demos 70 000 pontos a todos os agricultores e não tenhamos complexos sobre a área.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Não há um conceito de latifúndio. Pergunto, pois, se 20 000 ha no deserto do Sara é um latifúndio ou se 50 000 ha nos regadios do Ribatejo não valem muito mais do que 1000 ou 2000 ha na zona esquelética da serra de Serpa.
Daí a proposta que apresentamos no sentido de se abolir esta limitação para tratarmos todas as pessoas em igualdade de circunstâncias.
Além destas propostas, apresentamos uma outra que diz respeito à declaração dos actos ineficazes, ou seja, ao artigo 24.º Não concordamos em que actos declarados ineficazes antes de 29 de Junho de 1975, que foi na altura em que saiu a Lei n.º 406/75, possam ser declarados ineficazes. Porém, até por uma questão de honestidade para com os Srs. Deputados, gostaria de dizer que, na prática, esse artigo não tem grande aplicação, na medida em que hoje são muito poucas as doações que não estão reconhecidas.
Ao longo dos tempos, sem qualquer critério, houve períodos em que foram reconhecidas doações e houve períodos em que não o foram. Aliás, devo dizer que da leitura atenta que fiz nos dossiers da reforma agrária não consegui encontrar as razões por que em certos casos foram feitas doações e noutros casos não.
Ora, parece-nos mais honesto e correcto, em especial em relação à retroactividade, que se diga que todos serão tratados de igual maneira.
Em linhas gerais, Srs. Deputados, é esta a base da proposta, VV. Ex.ªs poderão encontrar outros objectivos, mas, basicamente, o que vos disse, com toda a honestidade e sinceridade, é que as propostas que hoje aqui faço são as que, na realidade, me parecem mais consentâneas com a garantia da estabilidade e da segurança indispensáveis ao desenvolvimento da agricultura portuguesa.
Queria ainda relembrar que de todos estes princípios que foram largamente debatidos há já mais de ano e meio, o único ponto de discordância que houve, mas que nos pareceu que não devíamos abdicar por uma questão de justiça, prendia-se com o problema dos indivisos. Porém, tivemos o cuidado de incluir nesta questão dos indivisos limitações que nos permitissem que houvesse uma garantia de que não haveria qualquer controle.
Srs. Deputados, ficando inteiramente à disposição de VV. Ex.ªs, repito aquilo que referi no início da minha intervenção: é importante o simples facto de hoje estarmos a discutir este assunto que a grande maioria dos partidos reconhece indispensável ser discutido.
Ainda esta manhã estive a estudar com atenção o projecto de modernização para o futuro de Portugal apresentado pela UGT e verifiquei que grande parte dos objectivos que temos nesta lei encontram-se lá. Aliás, vou ler quatro desses objectivos que fazem parte do projecto que foi presente ao Conselho de Concertação Social e no qual a UGT, dentro do seu projecto que chama de pacificação, considera implementar: pagamento das indemnizações, acabar com a zona de intervenção da Reforma Agrária, expropriações no futuro de acordo com a lei geral, estabilização da situação do Alentejo.

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Li com toda a atenção a proposta que a UGT apresentou ao Governo e encontrei nela grande parte daquilo que o Governo hoje propõe a esta Assembleia, que é a votação das propostas de alteração.

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, inscreveram-se os Srs. Deputados Paulo Campos, Alberto Avelino, Lopes Cardoso, Rogério Brito, Seiça Neves, Álvaro Brasileiro, Custódio Gingão, José Frazão, Carvalho Cardoso e Soares Cruz.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Ministro, V. Ex.ª fez uma referência ao presidente do meu partido, engenheiro Hermínio Martinho. Lamentavelmente, fê-lo na sua ausência e, obviamente, nesta circunstância, não poderei rectificar o que V. Ex.ª referiu como tendo sido afirmações do presidente do PRD.
No entanto, embora invertendo esta figura regimental, gostaria de esclarecer o Sr. Ministro de que não poderão ser exactas as palavras que V. Ex.ª atribui ao presidente do meu partido, porquanto, a serem verdadeiras, traduziriam que o PRD estaria contra a Reforma Agrária, porquanto entenderia que não deveriam existir quaisquer limitações de áreas ao sector privado na zona de intervenção da Reforma Agrária. Isso traduzir-se-ia num posicionamento do meu partido contra a Reforma Agraria. Ora, V. Ex.ª terá oportunidade de verificar, pela intervenção que produzirei já de seguida, qual é a posição do PRD em relação à Reforma Agrária.
Logo no início da sua exposição V. Ex.ª referiu um facto que me parece suficientemente curioso para merecer um pedido de esclarecimento e, com certeza, uma resposta da parte de V. Ex.ª Se bem entendi, disse que esta seria a revisão possível da Lei de Bases da Reforma Agrária, neste momento, porquanto o governo respeita a Constituição, mas que, dentro de um ano, depois de revista a Constituição - e a sê-lo, seria feita no sentido que o Sr. Ministro e este Governo entenderiam desejável-, processar-se-ia nova revisão da Reforma Agraria. Pergunto se, efectivamente, era este o sentido da referência que o Sr. Ministro fez à necessidade de revisão constitucional e, sendo assim, pergunto-lhe o que restará da Reforma Agrária após essa segunda revisão e depois da alteração da Constituição.
Por outro lado, o Sr. Ministro referiu que existem situações de grande distorção fundiária na zona de intervenção: que existem áreas expropriadas que ainda estão na mão dos antigos proprietários, que existem áreas expropriáveis que o não foram, etc. Sr. Ministro, todos sabemos que isso é verdade, mas a questão que se põe é a de saber a quem cabe a responsabilidade dessa situação. Não caberá ao Governo, que não aplicou, correcta e rigorosamente, a legislação que existe? Cremos que sim, mas o Sr. Ministro dirá qual é o seu entendimento. É evidente que, nesta matéria, me refiro a este governo e aos governos anteriores. Como sabe, nunca tivemos responsabilidade em qualquer governo e se tivéssemos, assumi-las-íamos!

Risos do PSD.

Uma voz do PSD: - Não têm, nem terão!

O Orador: - Veremos, Srs. Deputados, veremos!
Por último, queria perguntar se o Sr. Ministro não entenderia como necessário desagregar a sua noção de que há uma diminuição de produção na zona de intervenção da Reforma Agrária.
Há ou não há, efectivamente, uma diminuição de produção? Se há, como é que se desagrega, a quem e a que sector é que é imputável essa diminuição de produção?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Ministro, como membro do Partido Socialista, também me honra que o Sr. Ministro tenha pertencido ao governo anterior.
O Sr. Ministro disse que esta mesma proposta de lei esteve quase para ser discutida nesta Câmara, nessa altura. Não tenho o direito de duvidar de si, só que não foi por acaso que ela não apareceu. Por outro lado, interrogo-me por que razão esta proposta de lei só aparece para ser discutida no «sol-posto» desta sessão legislativa, dada a evidência e a importância que o Sr. Ministro lhe deu, da qual também comungo (na intenção, que não no articulado). Estou de acordo em que é necessário, mais tarde ou mais cedo, alterar a Lei de Bases da Reforma Agrária, mas entendo que não são estas as alterações que devem ser feitas. Aí é que não estamos de acordo.
O Sr. Ministro disse ainda que sem alteração não há avanço, não há progresso. Mas pergunto: só deve ser alterada esta lei ou todas as leis que regem a agricultura em Portugal? Porquê só em 10% do solo arável em Portugal? Porquê só sobre 8% do produto agrícola bruto em Portugal? Por que não em todo o País?
O Sr. Ministro refere-se ao facto de não pôr limitações à agricultura. Pergunto se a incerteza, a instabilidade que hoje há nas UCPs e nas cooperativas não é já, de per si, uma limitação à agricultura. É a quebra total da ousadia própria de qualquer empresário ou trabalhador rural ou de qualquer director de uma cooperativa ou cooperante.
O Sr. Ministro diz que não se faz o aproveitamento mínimo. Bom ... gostaria de saber se, porventura, a lei sobre o aproveitamento mínimo está implementada. Que valorização se tem dado à extensão rural, a não ser no papel? No campo, qual tem sido o valor e o peso da extensão rural?
Diz também o Sr. Ministro que se verificou queda na produção. Estaremos de acordo em termos estatísticos, só que a produção verifica-se apenas num determinado montante do total. Mas qual é a relação hectare/produção por unidade? Ou, por outras palavras, quanto se semeou na altura apenas para se receber um subsídio de x escudos por hectare? Isso não foi dito, e seria bom que fizéssemos um ratio área/produção, que não foi feito.
Diz que os preços estão sobrevalorizados. Estamos absolutamente de acordo e penso que isso é um escândalo em termos de preço dos cereais. Temos de o aceitar. Mas é só na zona de intervenção da Reforma Agrária? E no resto? O preço do trigo rijo, ou do trigo macio ou o do milho não está, todo ele, sobrevalorizado?
Diz que nesta proposta de lei há alguma possibilidade de caos jurídico. Estamos absolutamente de acordo. Só que o caos jurídico não pode dar direito

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a tantas arbitrariedades que têm existido, nomeadamente nas direcções regionais do Alentejo. Não é por acaso que, no dossier do inquérito existe toda a matéria acerca deste aspecto. Aí se vê, de facto, a ousadia arbitrai que tem existido da parte desses elementos. Quanto à questão da área, trata-se de uma concepção territorial, Sr. Ministro, e isso é que não disse. Se assim não fosse, duvido que a ilha de Porto Santo tivesse os 70 000 pontos e, portanto, bem poderia ser de uma só pessoa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Ministro da Agricultura, começou por afirmar, compreensivelmente, que, mais do que o articulado da lei, importa que ajuizemos aqui dos seus objectivos. Mas o Sr. Ministro convirá que não poderemos ajuizar da bondade da proposta de lei do Governo, do modo como esta se compatibiliza com os objectivos que proclama, se não nos debruçarmos minimamente sobre o articulado.
Um dos objectivos e uma das questões levantadas pelo Sr. Ministro, que, pessoalmente, merece o meu acordo, é quando o Sr. Ministro diz que não há progresso na agricultura sem que o agricultor tenha uma visão de largo e médio prazo sobre a sua exploração e garantias quanto ao ressarcimento dos investimentos que eventualmente lá faça.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - É isso mesmo!

O Orador: - Teremos ocasião de voltar a pronunciar-nos sobre esta mesma questão quando tratarmos do arrendamento rural para verificarmos qual o tratamento que o Governo dá a este problema mas deixaremos esse aspecto para o segundo debate. Por via disto estarei também de acordo com o Sr. Ministro quando afirma que uma das questões que hoje se colocam na zona da Reforma Agrária é a de criar um quadro de estabilidade e de clareza nas relações que permita o exercício da actividade agrícola com esse mínimo de garantias e de horizonte.
Mas, Sr. Ministro, a questão que se coloca é a de saber se a proposta de lei que aqui nos traz contribuirá alguma coisa para essa estabilidade, nomeadamente, como se diz na nota justificativa, para a estabilização no plano da propriedade. Como, Sr. Ministro, se esta instabilidade decorre, em larguíssima medida, da margem de discricionaridade - inaceitável, do meu ponto de vista - que a lei vigente dá à administração na resolução dos problemas, sem definir parâmetros claros de intervenção? Esta proposta de lei não faz mais do que reforçar essa margem de arbítrio e de discricionaridade do Governo e, nomeadamente, do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

Uma voz do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Quando esta proposta de lei repõe tudo novamente em causa, permitindo, por exemplo, que todas as reservas até hoje atribuídas possam de novo ser revistas à luz destes novos determinantes. Voltamos a reestabelecer tudo.
Pior ainda, quando todos aqueles proprietários, pequenos agricultores, trabalhadores das UCPs, ouvem o Sr. Ministro dizer que «esta é a revisão que vamos fazer neste momento. Daqui por um ano, provavelmente, vamos fazer outra, se o pudermos, através da revisão da Constituição». Isto contribui para criar um clima de estabilidade, para proporcionar ao agricultor a tal visão a médio e longo prazo? Penso que não, Sr. Ministro.
Quando se permite a reversão, por puro arbítrio do Ministro da Agricultura e do Governo, das propriedades nacionalizadas e expropriadas ainda na posse dos proprietários, sem definir minimamente quais e em que condições - porque, se são todas, então ponha-se claramente na lei que são todas, não se conceda ao Ministro e ao Primeiro-Ministro a possibilidade de procederem a essa reversão de forma arbitrária e sem se definir os parâmetros -, é mais um factor de instabilização que se introduziu, Sr. Ministro.
Podia continuar, mas, como já estou a exceder o tempo de que disponho, coloco-lhe só mais uma pergunta que trata do problema dos indivisos.
Podemos discutir critérios quanto à justiça de se reconhecer ou não reservas aos comproprietários, aos sócios, podemos ter pontos de vista diferentes, mas, embora possa entender que se diga que no caso dos indivisos não há reservas, isto é, há só uma, ou que se diga que há reservas para todos aqueles que se possam habilitar a elas no quadro da lei, de facto não entendo como é possível dizer que há só quatro! Sr. Ministro, é porque uma família média, no Alentejo, é de quatro pessoas? Que culpa terá um sujeito - se me permitem a expressão - se, neste caso, teve a infelicidade de pertencer a uma família numerosa? Se forem cinco na família, o quinto já não tem direito à reserva! E, depois, quais são os critérios? Se são cinco, quais são os quatro que têm o direito à reserva? Rifa-se para se saber a quem se atribui? E, depois, Sr. Ministro, os sócios das sociedades agrícolas, que também estão contempladas, no Alentejo também são em média de quatro? Isso justifica que se dê reservas apenas a quatro sócios? Sr. Ministro, acho que devemos ter a coragem de ir até ao fundo nas nossas posições. Nesta matéria, a minha é clara. Acho que os indivisos não devem ser tratados senão como indivisos. Admito não estar certo e aceito que outros tenham uma posição diferente e que entendam que cada um dos comproprietários tem direito a uma reserva. O que não entendo é que se fixe esse número de quatro, criando-se, de facto, uma situação que é no mínimo bizarra.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado, Rogério Brito.

O Sr. Rogério Brito (PCP): - Sr. Ministro, vou pegar apenas nalguns aspectos da sua intervenção que me pareceram merecer apreciação de imediato.
O Sr. Ministro disse que foram entregues a pequenos e médios agricultores cerca de 170 000 ha. Lamento dizer-lhe, Sr. Ministro, mas isto não é verdade. E tenho tanto a certeza de que isto não é verdade que o desafio a mandar publicar em editais, em todas as juntas de freguesia, a relação dos agricultores que receberam terras e das áreas que detêm.
A segunda questão refere-se aos 'resultados das produções agrícolas. Também acerca disso não vou entrar em divagações, mas há algo que está subjacente à afirmação que o Sr. Ministro fez, e essa não é inócua. Mas

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chamar-lhe-ei a atenção para que quando as UCPs cooperativas detiveram um milhão e tal de hectares nessa altura tinham a responsabilidade da produção sobre 20% do total da superfície agrícola do País. Hoje têm apenas menos de 10% da superfície agrícola total do País. É extremamente curioso ver como se pretende insinuar que os resultados da produção dependem desta percentagem que as UCPs cooperativas detêm.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Também chamaria a atenção para o facto de que 1975 e 1976 foram os anos em que se obtiveram maiores produções de cereais, maiores do que nos dez anos que precederam este período. Dir-lhe-ei ainda que foi exactamente nesse ano de 1976 que se obtiveram as maiores produções de oleaginosas. Vejo esboçarem-se aqui sorrisos de alguns deputados do PSD. Em face deles, digo que seria extremamente curioso que apresentassem aqui as estatísticas do Instituto Nacional de Estatística (INE) para demonstrarem que assim não era.
Gostaria que o Sr. Ministro, que já está no Governo há mais de dois anos como Ministro da Agricultura, me dissesse quais foram os casos em que, até hoje, foi aplicada a lei dos níveis mínimos de utilização dos solos, por forma a punir aqueles que mantêm os solos em estado de abandono e de subaproveitamento.
Quanto à questão das UCPs inviáveis, o Sr. Ministro diz que estima que apenas cerca de 15% - e já é com favor - serão viáveis. Sr. Ministro, lamento ter de utilizar este termo, mas - para não dizer que é mentira porque era feio - digo-lhe que não é verdade. E dir-lhe-ei que o Sr. Ministro cai em descrédito ao dizer isso nesta Assembleia porque, na relação das tais inviáveis, aponta UCPs cooperativas que já foram visitadas pela Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar e da qual existem relatórios fazendo elogios manifestos ao estado dessas UCPs cooperativas.

Uma voz do PSD: - Quais?

O Orador: - Dir-lhe-ei ainda que, com a responsabilidade que assumo na minha qualidade de técnico, nessa relação estão englobadas UCPs cooperativas a que eu próprio tenho dado apoio técnico, e desafio o Sr. Ministro para ir lá comigo e mostrar que elas são inviáveis. Nessa altura seremos acompanhados dos membros da Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar e dos órgãos da comunicação social que é para se verificar a veracidade com que o Sr. Ministro aqui faz estas afirmações. E, posto isto, tenho dito e acabado.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Seiça Neves, tem a palavra.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Ministro, queria apenas colocar-lhe duas questões.
O Sr. Ministro mostrou-se muito preocupado com o facto de os antigos proprietários - conforme caridosamente lhes chamou - accionassem os mecanismos judiciais. V. Ex.ª não é o Ministro da Justiça, portanto não tem de cuidar do caos em que estão os tribunais portugueses. Mesmo assim, V. Ex.ª referiu-se a um
caos jurídico. Pergunto-lhe, Sr. Ministro, se quando se refere a caos jurídico, se refere aos cerca de cem acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo que o Governo, através das suas direcções regionais, não cumpre.
Em segundo lugar, Sr. Ministro, ao arrepio da dissertação que fez, disse que era necessário aumentar, rentabilizar os hectares de solo arável. Bem, isso é uma panaceia, todos estamos de acordo com isso, é uma verdade de Monsieur de Lapalice. Queria perguntar-lhe como é que V. Ex.ª compatibiliza essa afirmação com a redacção que deu ao artigo 32.º da alteração da proposta de lei. Isto sem falar, sequer, na intromissão, quase descarada, que este artigo contém em si próprio em termos de invasão do Direito Civil Português, nomeadamente do Direito Sucessório.
Sr. Ministro, queria perguntar-lhe que vantagem há em desagregar em quatro reservas, isto é, em constituir quatro novos reservatórios quando sabemos também que é tradição da actual família alentejana que os descendentes vivem como engenheiros, advogados, gestores, não no Alentejo mas em Lisboa. Pergunto-lhe, Sr. Ministro, se isto não é um convite ao absentismo, se este dispositivo do artigo 32.º não é um convite a vermos os novos «ratos da cortiça» a florescerem no Alentejo.

Vozes do PCP e do MDP/CDE: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Álvaro Brasileiro.

O Sr. Álvaro Brasileiro (PCP): - O Sr. Ministro falou nalgumas herdades expropriadas e nacionalizadas no distrito de Santarém, nomeadamente na zona de Coruche. Tenho o nome de algumas e conheço-as: as Herdades da Quinta Grande, Azervada de Cima, Mata Lobos, Mata Lobinhos, Gravinha, Raposeira, Catarroeira, Romeiras, Agolada de Cima e Fidalgos, bem como um grande rol pelo distrito fora.
Mas, o maior espanto para mim foi o facto de o Sr. Ministro dizer que estas herdades se encontram ainda nas mãos dos proprietários porque os trabalhadores não aceitaram que elas se transformassem em cooperativas.
Sr. Ministro, a maior parte destas herdades tinham e continuam a ter dois, três ou quatro trabalhadores. Quanto muito, teriam meia dúzia de trabalhadores. Mas, admitindo que os trabalhadores não tivessem querido aceitar essa transformação -o que não é verdade, sei-o pois vivi com eles e muitos deles queriam formar cooperativas e queriam aceitar essa transformação, que nunca foi aceite pelas direcções-regionais - por que é que até agora quando se fala da distribuição de terras a pequenos agricultores, a terra ainda continua na posse desses «senhores» e não está na mão de pequenos e médios agricultores?
Por falar nisso, é um espanto - e o Sr. Ministro sabe-o- o mal que se tem estado a fazer na zona de intervenção da Reforma Agrária porque o Ministério tem aproveitado os agricultores de terras, visando destruir as cooperativas e as UCPs. No actual momento, muitos daqueles a quem, inclusivamente, foram firmados contratos, estão a ser expulsos dessas terras a pretexto de os agrários pedirem majorações dos locais onde eles estão instalados.

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Tenho comigo alguns protestos, os quais estão entregues a advogados -e eu conheço-os profundamente - e é nesse contexto que o Sr. Ministro está fora da realidade. Não vive no mundo real da Reforma Agrária, especialmente neste campo.
Quanto à produção, avançaremos mais tarde na sua abordagem.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Cardoso.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - Sr. Ministro da Agricultura, começo por me congratular ...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!

O Orador: - Sr. Deputado, eu ainda não disse nada.

Risos.

Começo por me congratular por ter ouvido da sua boca a aproximação a princípios que nós, desde 1976, vimos defendendo.
A Reforma Agrária devia visar essencialmente o bom uso da terra, e eu tenho a honra de ter pertencido a um governo que «pôs cá fora» a lei dos níveis de restituição da terra -que mais tarde foram modificados pelo governo seguinte- que, infelizmente, não foi cumprida até hoje, como o Sr. Deputado Lopes Cardoso até assinalou. Aliás, ele foi um dos que impugnou alguns casos antes de haver a lei dos níveis de restituição da terra.
Só lamento -embora a minha intervenção não seja nesse sentido- que o Sr. Ministro tenha elogiado o PS através da «lei Barreto» -contra a qual nós votámos- e tenha elogiado o presidente do PRD por se ter referido a que não deveriam existir limitações na agricultura, tal como não existem noutros sectores! Acredito que essa afirmação seja verídica, pois sei que o Sr. Ministro é um homem sério.
Mas não é este o objectivo da minha intervenção e sim o de formular três perguntas relativas à proposta de lei que nos é colocada.
A primeira pergunta é relativa ao problema dos indivisos. A intervenção do Governo é boa, mas, de facto, como já foi aqui referido pelo Sr. Deputado Lopes Cardoso, não se pode admitir o problema dos quatro. Se o nível médio de contitulares é quatro, se, estatisticamente, há uns com três, outros com dois e outros com um, eles serão compensados com os de cinco e de seis.

A Sr.ª Margarida Tengarrinha (PCP): - Ou há moralidade ou comem todos!

O Orador: - Portanto, estatisticamente, a coisa compensar-se-ia, e não tem lógica nenhuma o n.º 4. É, portanto, um comentário que me parece pertinente.
Além disso, quero perguntar como é que é possível compatibilizar este desejo de contemplar a injustiça dos indivisos -que desde sempre levantámos- com o artigo 36.º, em que se fazem prevalecer direitos menores sobre direitos maiores. Considero isto uma aberração jurídica, embora o assunto seja controverso, e esses direitos vão, com certeza, impossibilitar esse problema dos indivisos.
A segunda questão é a de saber se o Sr. Ministro considera justo que para as expropriações feitas anteriormente se aplique a Lei n.º 77/77, e para as que se vierem a fazer no futuro se aplique o Código de Expropriação. Terá isto algum mínimo de justiça?
Por último, pergunto se V. Ex.ª acredita que com estas alterações -se vierem a ser aprovadas- entrarão a serenidade, a paz e a confiança na zona de intervenção da Reforma Agrária para que a agricultura avance para a modernização, indispensável face à adesão à CEE.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Custódio Gingão.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, é espantoso que o Sr. Ministro tenha conseguido falar aqui cerca de 40 minutos fazendo a apresentação de uma lei, dizendo que ela visa modernizar a agricultura, os campos do Alentejo e do Ribatejo, e que nessa proposta de lei não haja um único artigo que diga taxativamente que «isto» vai modernizar-se.
Tudo o que caracteriza a lei é precisamente o contrário: é voltar ao passado, é reconstituir o latifúndio. O latifúndio é o grande responsável, na prática, por todo o atraso cultural no Alentejo.
E mais: o Sr. Ministro diz que tem havido quebra de produção. É verdade que há. Mas de quem é a responsabilidade? O Governo faz o mal e a caramunha.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Orador: - Cria as condições para não haver produção e depois vem culpar alguém por esse facto.
É ou não é verdade, Sr. Ministro -e da minha bancada temos feito dezenas de requerimentos dizendo que «esta» herdade, em «tal» sítio, freguesia «tal» está abandonada, na herdade «tal» há barragens cheias de água que há x anos não são aproveitadas- que V. Ex.ª não responde aos requerimentos? Agora, quando fez a sua exposição -aliás longa- não nos trouxe uma ideia do que iria fazer às herdades que estão abandonadas -e são às centenas-, às barragens que estão cheias de água -e são às dezenas-, aos estábulos que estão encerrados há bastante tempo - isto por conta de alguns senhores que receberam reservas. Digo alguns porque também há aqueles que as receberam e produzem bem, mas a grande maioria tem as terras condenadas e o Sr. Ministro, a esses, não diz nada.
A esta Assembleia o Sr. Ministro não disse nada do que ia fazer, em termos de utilização, àqueles que contribuem, com a complacência do Governo, para o aumento do abandono das terras.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Também trouxeram a lista das UCPs que não fazem nada?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Frazão.

O Sr. José Frazão (PS): - Sr. Ministro da Agricultura, penso que todos concordarão com a necessidade de aumentar a produção agrícola no País. Mas para haver aumento de produção é necessário criar clima de confiança para que haja investimentos. Nisso, penso,

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também estaremos de acordo. No que discordamos, com certeza, será nos métodos para chegar a esse clima de estabilidade.
O Programa do Governo falava em valorização da função social da terra. Na proposta de lei de alteração da Lei n.º 77/77 volta a falar-se na função social da terra.
Em Dezembro de 1985, baseado nessa afirmação contida no Programa do Governo, fiz um requerimento ao Ministério da Agricultura, para saber da aplicação do Decreto-Lei n.º 227/84, que visa esse objectivo - concretizar a função social da terra. Até este momento, e já são passados 8 meses, apenas duas regiões responderam: a da Beira Interior e a do Ribatejo. A primeira respondeu para dar esta curiosa resposta - através do seu director regional:
Pela delicadeza da matéria, susceptível de criar alguns conflitos sociais, entendemos que a aplicação da legislação correspondente deve rodear-se de algumas cautelas e, designadamente, ser objecto de uma prévia orientação superior, tendo em conta os condicionalismos de ordem política que lhes estão subjacentes.
Portanto, no Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação não se aplicam as leis. Ou antes, os dirigentes regionais têm a capacidade de apreciar as leis e de decidir se elas são ou não aplicáveis. Mais curioso é o facto de se dizer que não foram recebidas orientações superiores para aplicar a lei. Isto compromete o Ministério, compromete o Gabinete do Sr. Ministro e é muito estranho que esta resposta seja dada pelo próprio Ministério.
Portanto, esta lei não está a ser cumprida e eu duvido das intenções do Governo quanto a fazer cumprir e valorizar a função social da terra.
Ontem recebemos os dirigentes da Associação Central de Agricultura ...

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - O que é isso?

O Orador: - ... e disseram-nos que existem muitas terras por aproveitar. Não o fizeram para denunciar a falta de aplicação desta lei, mas para denunciar a Lei do Arrendamento Rural, dizendo que ela não favorece os arrendamentos. Contudo, revelaram-nos que há muitas terras por aproveitar no Alentejo.
Vamos, pois, fazer a aplicação do decreto e quando o fizermos será possível que estejam criadas as condições para reformularmos a Lei da Reforma Agrária noutro sentido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, fiquei algo estupefacto pela seguinte razão: não tenho dúvidas nenhumas de que V. Ex.ª defende acerrimamente a filosofia que aqui explanou aquando da exposição que fez na apresentação desta proposta. Mas a minha estupefacção vem do facto de verificar que o texto da proposta de lei nada tem a ver com os princípios que V. Ex.ª diz defender.
E por quê? Porque V. Ex.ª - e muito bem - diz que a verdadeira reforma agrária é a que tem a ver com o aproveitamento da terra, isto é, com os níveis de aproveitamento do solo.
Mas neste texto fica-se entre as peias que a Lei n.º 77/77 lhe põe, muito para além das peias que o texto constitucional lhe impõe. E é esta situação que eu tenho grande dificuldade em apreender.
Assim, coloco-lhes duas ou três questões que já aqui foram referidas, mas que julgo não ser demais sublinhar. Vejamos: por que razão é que o Governo se vai ater, novamente, ao decreto do governo de Vasco Gonçalves, a uma lei revolucionária, quando tem um texto legal, aprovado por esta Assembleia dois anos depois, e que poderá, na realidade, condicionar todas as atitudes que quer vir agora tomar? Tenho alguma dificuldade em compreender o porquê de se seguir uma lei revolucionária, que já foi ultrapassada, que está esquecida e em relação à qual tenho dúvidas que volte a ser defendida hoje, por tão utópica que é, mesmo pelos seus defensores dessa altura.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação (Álvaro Barreto): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Ministro.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Requeri esta interrupção apenas para poder responder melhor depois. Assim, gostaria que explicitasse a que disposição se está a referir.

O Orador: - Refiro-me ao n.º 2 do artigo 24.º, Sr. Ministro.
Por outro lado, o Sr. Deputado Lopes Cardoso, por razões obviamente contrárias às minhas, já referiu o problema dos indivisos e o porquê de serem até ao quarto filho.
Sabe V. Ex.ª que era tradição das famílias rurais - até porque ainda não tinham televisão, e mesmo depois ela chega lá com dificuldades - serem numerosas. Portanto, pergunto por que é que havemos de sancionar as famílias numerosas. Por que é que havemos de impedir o quinto filho, que pode, eventualmente, ser um indivíduo com grandes virtualidades para a agricultura? Por que é que não é possível poder promover a sua instalação?

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Seiça Neves (MDP/CDE): - O que impede o quinto filho é a lei. A lei é que tem o controle claro da natalidade ao instituir o n.º 4.

Risos do CDS.

O Orador: - É exactamente contra isso que estou a insurgir-me.
Por outro lado, e para apressar um pouco a minha primeira interpelação, não consigo perceber por que razão é que o Governo, no artigo 36.º da proposta de lei - como o meu colega Carvalho Cardoso já referiu -, consegue sobrepor direitos tutelares menores a direitos reais maiores.
Já aqui foi lida uma lista de herdades e eu leio uma outra que compreende herdades que pertenceram e pertencem ao Estado - através da ex-Junta da Colonização Interna - como a da Abóbada, Comenda, Alfa-

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rofiz, Quinta da Várzena, Herdade Monte dos Alhos, Herdade Mouchão do Inglês, Moinho do Rego e Courela, Caveira e Ervideira de Baixo, que tinham o destino de ser distribuídas pelos agricultores, de promover a instalação do agricultor na terra e estão esquecidas, distribuindo-se propriedades cuja situação fundiária ainda não estava resolvida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos, também para formular um pedido de esclarecimento.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, ouvi a sua intervenção e penso que ela está um pouco desfocada do texto que estamos a discutir. No entanto, comungo de muitas das preocupações que o Sr. Ministro tem.
Comungo da preocupação de fazer prevalecer o direito de exploração, estabilizando-o; comungo da preocupação de se dar indemnizações a quem foi expropriado e comungo, acima de tudo, da preocupação de estabilidade para o Alentejo.
O Alentejo transformou-se, em matéria agrícola, numa espécie de bode expiatório, que de quando em vez surge neste Plenário para mascarar, até, outras situações políticas.
Sendo assim, penso que entendi o que V. Ex.ª disse e gostaria que me esclarecesse - sendo estas as suas grandes preocupações - se o que nos quer propor é o seguinte esquema: acabar com a Lei de Bases da Reforma Agrária, garantir o direito de exploração á quem explora a terra neste momento, criar alguns mecanismos para que o Estado possa libertar algumas propriedades a favor de quem explora a terra e com linhas de crédito, para se poderem arranjar meios para indemnizar os próprios proprietários.
Depreendo que esta seria a única forma, em face do discurso que o Sr. Ministro fez nesta Assembleia, de estabilizar o direito de exploração no Alentejo, dando prioridade à produção e acopulando o direito de propriedade ao detentor do' direito de exploração.
Foi isto que depreendi do que V. Ex.ª disse e gostaria que V. Ex.ª me dissesse se são estas as suas ideias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, ainda para formular pedidos de esclarecimento, o Sr. Deputado Assunção Marques.

O Sr. Assunção Marques (PSD):.- Sr. Presidente, o meu pedido de esclarecimento é dirigido ao Sr. Deputado José Frazão.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, V. Ex.ª não deve, regimentalmente, fazer esse pedido de esclarecimento, mas se não houver objecção da parte da Câmara tem V. Ex.ª a palavra.

O Sr. Assunção Marques (PSD): - Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação, na sequência da intervenção do Sr. Deputado José Frazão foi referido um despacho do Sr. Director Regional da Beira Interior. A minha questão vai no sentido de saber qual a data e de quem é a assinatura desse despacho. Qual o director-regional da Beira Interior?

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação. Aproveito para informar V. Ex.ª de que o Governo só dispõe de 9 minutos do tempo que lhe foi atribuído.
Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

O Sr. Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação: - Começando por responder ao Sr. Deputado Paulo Campos, dir-lhe-ei que não supus que estava a ser indelicado ao- invocar o testemunho do presidente do seu partido. Embora ele não esteja presente, está certamente sempre no vosso espírito, mas penso que não levará a mal que o invoque. De qualquer forma, chamo a atenção para os discursos do presidente do PRD na Associação Luso-Americana em que proferiu exactamente aquilo que eu disse. E se realmente o PRD hoje toma uma posição diferente daquela que o seu presidente assumiu na altura, o problema não será meu, mas sim de VV. Ex.ªs.
Em relação ao problema dá responsabilidade da situação, digo-lhe que não responsabilizei ninguém pela diminuição da produção, limitei-me a apresentar valores exactos - e respondo já a alguns dos senhores deputados. Não tirei quaisquer conclusões, pelo contrário! Poderei dar, como exemplo, o valor de cereais de sequeiro que em 1976-1980 foi de 6400001, em 1984-1985, foi de 815 000 t, quando anteriormente era de 910 000. Tenho estes valores todos mas não responsabilizei ninguém e até tive a honestidade de dizer, na altura: «não tiro conclusões pois não tenho dados concretos para isso». Portanto, Sr. Deputado, não pode ter interpretado que eu tenha tido qualquer outra orientação.
Relativamente à nova revisão da Constituição, limitei-me a dizer que, na realidade, a actual Constituição impõe um conjunto de limitações para que se faça o que considero a verdadeira reforma agrária que, de acordo com o que o presidente do PRD diz, será as pessoas serem julgadas em função da exploração da terra. Porém, V. Ex.ª poderá conferir e verificar isso com o presidente do PRD. Aliás, a intervenção que ele proferiu na Associação Luso-Americana está publicada. - O Sr. Deputado Alberto Avelino diz que a proposta do Governo é no sentido da instabilidade. Sr. Deputado, tentei demonstrar exactamente o contrário!
Na proposta que apresentámos, e que foi contestada, por exemplo, pelo Sr. Deputado Soares Cruz e por outros, as garantias dos direitos menores sobre os maiores destinam-se a dar garantias a 190 000 ha; o futuro da expropriação destina-se a dar garantias a 400 000 ha; a reversão das expropriações destina-se a dar garantias a 60 000 ha. Ou seja, nestas propostas e nos princípios que enunciei, tentei demonstrar que, pelo contrário, pretendemos a estabilidade e a segurança. Foi isso que orientou toda a proposta de lei que apresentámos.
Em relação ao aproveitamento mínimo, devo dizer que é verdade que a lei não tem sido utilizada. Eu próprio entendo que, enquanto não houver esta estabilização que é absolutamente necessária fazer na área da actual lei, lançar essa aplicação da lei seria criar mais instabilidade e, na realidade, responsabilizo-me pelo director regional da Agricultura, seja ele quem for, que deu essa resposta, pois ele não tem instruções minhas para fazer a aplicação da lei. Portanto, as responsabilidades do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimen-

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tacão são minhas, são da lei e não do director regional. Entendo que não se deve, nesta fase, desestabilizar uma situação que já está instável por si própria, independentemente da concordância ou não de VV. Ex.ªs.
Sr. Deputado, referi-me ao problema dos preços sobrevalorizados, mas não disse que existia reforma agrária só numa zona. Limitei-me a dar um exemplo concreto, dizendo que as principais produções na zona de intervenção da Reforma Agrária são de produtos que hoje têm preços largamente superiores e que, como resultado da adesão à CEE, vamos ser obrigados a aproximar. E eu não fiz qualquer outra comparação. É evidente que o milho também está altamente valorizado, tal como o arroz, embora só mais 11 %, e o leite, embora só 22%.
Mas, como disse, limitei-me a falar dos produtos da zona de intervenção da Reforma Agrária, na qual, nos próximos anos, os agricultores vão ter de viver com essa situação concreta e indiscutível; disse também que temos de fazer a aproximação dos nossos preços aos do mercado da CEE e que isso, na realidade, vai diminuir os rendimentos dos agricultores da região. Isso só pode ser contrabalançado com o aumento da produtividade, com o aumento do investimento, muito do qual deve ser feito pelo Estado em infra-estruturas, em novos regadios, em novos apoios. Mas o que na realidade eu queria dizer é que tudo isto necessita de estabilidade e de segurança. Foi esta a mensagem que quis dar na minha intervenção.
Em relação à questão das arbitrariedades de que falou o Sr. Deputado Lopes Cardoso, que se referiu também aos objectivos dos articulados, devo dizer-lhe o seguinte: Sr. Deputado, penso ter sido muito claro, pelo menos tentei ser, quando disse que basicamente quis definir os objectivos fundamentais, e disse logo que o articulado jurídico que aqui está feito - que até teve a colaboração de ilustres juristas que hoje têm assento nesta Casa - é este, mas que aceitava que fosse outro.
O que eu disse é que os objectivos que propomos são os importantes, mas também disse logo que, se por acaso a lei fosse aprovada na generalidade, o Governo não se opunha a discutir na especialidade qualquer alteração.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Ministro, coloquei-lhe uma questão concreta no sentido de saber se aceita que, na verdade, aquelas parcelas do articulado a que me referi conduzem a reforçar a instabilidade no Alentejo e no Ribatejo (na zona de intervenção da Reforma Agrária), ao contrário daquilo que parece - digo «parece» não em sentido pejorativo - que o Sr. Ministro afirma serem os seus objectivos.
O Sr. Ministro aceita ou não que, naquele articulado concreto, devem ser rejeitadas aquelas disposições, pois contrariam o objectivo fundamental que se propõe?

O Orador: - Sr. Deputado, segundo as contas que me foram apresentadas, estarão em causa qualquer coisa como 40 000 a 50 000 h, de indivisos, etc.; no entanto, a proposta-base que estamos a apresentar estabiliza qualquer coisa como 70 000 h, ou seja, estabiliza 200 000 pequenos e médios agricultores, 400 000 futuras expropriações, 60 000 dos actuais proprietários. Portanto, é evidente que não posso deixar de manifestar que a orientação principal da nossa proposta é no sentido da estabilidade.
Quanto à reversão das nacionalizações aos expropriáveis, devo dizer que juridicamente quem nos ajudou a fazer esta proposta entendeu que a forma jurídica correcta era a de fazer a reversão. No entanto, eu fui o primeiro a dizer que havia, com certeza, outras fórmulas para se conseguir o objectivo principal que é, no fundo, o de garantir a estabilidade da posse da terra.
Em relação aos indivisos - e aproveito para responder a vários deputados -, devo dizer que a nossa proposta inicial não tinha qualquer limitação. Ao propormos o limite de quatro, fizemo-lo inspirados no ponto 2 do artigo 28.º da Lei n.º 77/77, que para as próprias majorações a atribuir às reservas fixa que a partir de quatro - admitindo que quatro é um número correcto - há direito a mais 10% de pontuação por cada membro de agregado familiar a mais. Por que é que o legislador de 1977 também fixou como limite esse número de quatro? Pela mesma razão propomos, neste momento, esse número.
O Sr. Deputado Rogério de Brito afirma não serem verdadeiros os valores que eu dei, e desafia-me a provar o contrário. Eu desafio-o a provar-me o contrário daquilo que eu disse. Baseio-me em valores que são dados pelos serviços do meu Ministério, e pode crer que não estou - e penso que me conhece o suficiente - a querer manipular quaisquer números. De qualquer modo, se o Sr. Deputado tiver outros números agradecia-lhe que mós fornecesse.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Dá-me licença, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Sr. Ministro, para não continuarmos comigo a afirmar que não é verdade e o Sr. Ministro a dizer que é, apenas lhe direi que foi por isso que lhe disse que desafiava o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação a publicar, em editais, nas juntas de freguesia, a relação dos agricultores que receberam terras e a respectiva área, dando o direito aos agricultores que ali constem, e que efectivamente não estejam contemplados, de reclamar. Nessa altura, veremos se esses números são verdadeiros.
Sr. Ministro, neste momento as terras que estão na posse dos chamados «pequenos agricultores» - pequenos agricultores mesmo até serão menos - não devem exceder os 70 000 ha.
Mas, como lhe disse, publique os editais nas juntas de freguesia e depois terá a resposta.

O Orador: - Sr. Deputado, continua a dizer que insinuei que é devido às UCPs que as produções baixaram. Repito o que disse: não fiz quaisquer afirmações nesse sentido. V. Ex.ª é que, possivelmente, terá esse complexo e estará sempre com esse problema premente na sua mente para interpretar aquilo que eu não disse.
Não acusei ninguém e até disse que não tinha elementos para tirar conclusões.

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Quanto à questão da lei dos níveis mínimos, já dei uma resposta.
Quanto à questão das UCPs serem viáveis, há estudos que terminaram em Agosto de 1983 -foram feitos antes de eu ocupar a pasta do Ministério- e terei prazer de os entregar, se for caso disso, à Assembleia da República.

O Sr. Rogério de Brito (PCP): - Estou-me nas tintas para os estudos!

O Orador: - O facto de o Sr. Deputado dizer que algumas das UCPs têm o seu apoio técnico, a mim não me dá segurança que elas sejam viáveis.
Tenho o maior prazer em ir lá, mas de qualquer forma não sou eu que vou demonstrar isso, posso é mostrar-lhe os estudos que me apresentaram nesse sentido.
O Sr. Deputado Seiça Neves levantou o problema dos acórdãos, que não vêm a propósito da discussão desta proposta de lei. Devo dizer-lhe que já várias vezes tivemos ocasião de o debater aqui e, inclusive, já tive ocasião de ir à Comissão de Inquérito falar sobre esse assunto. Portanto, não vou pronunciar-me sobre isso pois é a vossa cassette do costume.
Quanto ao artigo 32.º da proposta de lei ser um convite ao absentismo, devo dizer que, pelo contrário, pensamos que é uma grande injustiça não se terem tratado os reservatários como indivisos e por isso mesmo fazemos a proposta dos indivisos.
O Sr. Deputado Álvaro Brasileiro disse que os trabalhadores não aceitaram essa transformação e refere que andou por lá - a tentar que eles não aceitassem, possivelmente. De qualquer modo, a prova é que eu tenho ido pessoalmente a algumas dessas herdades, tenho convivido com alguns trabalhadores e eles são os primeiros a dizer que não pretendem a sua alteração - e não vou lá a incitá-los a fazer o que quer que seja.
No que diz respeito aos pequenos e médios agricultores, já referi que estou na disposição de dar os números sobre pequenos e médios agricultores, aos quais o Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação tem dado uma estabilidade muito maior do que a que tinham quando eu assumi o posto que tenho. E digo-lhe já que, só nestes últimos sete meses, são para cima de 800 números.
No que concerne às majorações, eu próprio já referi que a nossa proposta é no sentido de evitar que, de acordo com a lei actual, muitos dos pequenos e médios agricultores com quem o Governo tem contactos, venham a ser desapossados e daí a proposta que fazemos. Portanto, não percebo a sua pergunta!
Penso que o Sr. Deputado Carvalho Cardoso não percebeu o elogio que fiz ao Dr. António Barreto nem ao presidente do PRD.
Honestamente, Sr. Deputado, penso que tenho grandes discordâncias com a Lei n.º 11/11. Porém, como disse no início deste debate, seria para mim um problema de consciência se não reconhecesse que, na altura em que a lei foi elaborada, ela representou uma grande viragem na agricultura portuguesa, e seria profundamente injusto que hoje, quando estamos a discutir esta matéria, não tivéssemos a coragem de reconhecer que o Sr. Dr. António Barreto e as pessoas que com ele colaboraram tiveram um papel muito importante. Aliás, o Dr. António Barreto não está aqui hoje, mas foi uma pessoa com quem, quando comecei a mexer na lei, gostei de falar na medida em que entendo que, independentemente das divergências que tenhamos em muitos aspectos, ele merece esta palavra que é dita sinceramente e com toda a honestidade.

Uma voz do PS: - Muito bem!

O Orador: - Sr. Deputado Carvalho Cardoso, não fiz um elogio do Sr. Deputado Hermínio Maninho, limitei-me sim a citar uma frase dele que, pelos vistos, o Sr. Deputado Paulo Campos considera que ele não disse. Não fiz qualquer qualificação em relação ao que ele disse, apenas referi a sua frase, chamando a atenção que a visão que ele deu na altura não coincide com a posição que o PRD hoje toma. Porém, como já disse, esse problema não é meu, mas sim do PRD.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - Relativamente à questão dos indivisos e dos quatro, já expliquei a nossa posição.
Quando se diz que os direitos menores devem prevalecer sobre os maiores, considero, dentro do objectivo que temos de estabilidade, ser absolutamente indispensável dar a garantia a quem foi colocado que não vai ser desalojado. Essa a razão pela qual nos propusemos reconhecer os direitos dos agricultores com a situação legalizada sobre os antigos reservatários.
Acerca das expropriações feitas anteriormente, devo dizer-lhe que essas já foram feitas, já estão consideradas, e isso envolveria a revisão de toda a lei relativamente às expropriações e às indemnizações, o que transcende o debate que está em curso.
O que lhe digo é que para já o que é importante é que -e é isso que está na minha posse- a lei seja alterada de forma a que as expropriações futuras sejam feitas de acordo com a lei geral do País e não com uma situação de discriminação em relação ao Alentejo.
O Sr. Deputado perguntou-me também se acreditava que, com esta alteração, a paz e confiança entrariam na zona de intervenção da Reforma Agrária. Se não estivesse convencido que as alterações que propomos à Lei n.º 77/77 iriam contribuir para isso não as teria feito. Se me pergunta se vou ou não conseguir esse objectivo, é evidente que, com honestidade, não lhe posso responder que sim, embora, na realidade, o objectivo das alterações propostas seja esse e esteja convencido de que irão melhorar extraordinariamente a situação.
O Sr. Deputado Custódio Gingão diz que se volta ao passado, fala nos latifúndios, em centenas de propriedades abandonadas, etc. Sr. Deputado, isso já é tão conhecido que, por falta de tempo, nem sequer lhe vou responder.

O Sr. Custódio Gingão (PCP): - Mas estão lá!

O Orador: - Sr. Deputado José Frazão, é necessário ter confiança.
Em relação à lei sobre os rendimentos mínimos, eu próprio já disse que .não tinha confiança, pois entendo que, enquanto não houver uma situação mais estável, será perigoso aplicá-la.
Relativamente à Associação Central de Agricultura, devo dizer-lhe que eles terão as suas opiniões, mas que elas não são as minhas.

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O Sr. Deputado Soares Cruz diz que está estupefacto.
Sr. Deputado, não sei qual é o n.º 2 do artigo 24.º do decreto-lei do governo de Vasco Gonçalves. Honestamente, não vejo onde é que nos baseámos nesse decreto-lei.
Quanto à questão dos direitos menores sobre os maiores e ao problema de as reservas serem só quatro, já tive oportunidade de responder.
O Sr. Deputado António Campos disse que a minha intervenção estava desfocada do texto que estamos a discutir.
Sei que V. Ex.ª conhece perfeitamente os objectivos que me levaram a apresentar esta proposta de lei. Eles não são mais nem menos do que aqueles que tivemos ocasião, durante praticamente um dia inteiro, de apresentar. Hoje, apresentei aqui exactamente os mesmos objectivos que tive ocasião de apresentar no Conselho de Ministros, onde V. Ex.ª também estava presente, e portanto não vejo como é que a minha intervenção pode estar desfocada pois não lhe mudei uma vírgula, como o Sr. Deputado sabe.

O Sr. António Campos (PS): - Dá-me licença, Sr. Ministro?

O Orador: - Faça favor.

O Sr. António Campos (PS): - Sr. Ministro, as preocupações que tem são as mesmas que eu tenho.
A questão que lhe coloquei foi a seguinte: se a sua preocupação é a estabilidade e o pagamento das expropriações e se, de facto, é manter o direito de exploração no Alentejo, pergunto-lhe se está disposto a dissolver a Lei de Bases da Reforma Agrária. Se assim for, então consolide o direito de exploração e crie mecanismos para que o Estado possa, designadamente, alienar a prazo com linhas de crédito a quem explora a terra, de modo a consolidar o direito de exploração.
Queria saber se o Sr. Ministro está de acordo ou não com isto, pois, tendo as mesmas preocupações, só vejo uma forma para fazer face, de imediato, às suas preocupações, que é criar mecanismos.

O Orador: - O Sr. Deputado sabe perfeitamente que os objectivos que foquei aqui foram os mesmos que apresentei, há mais de um ano, na reunião em que V. Ex.ª esteve presente. E sabe também que a proposta concreta que está aqui é exactamente a mesma que, na altura, elaborámos em conjunto, à excepção do artigo dos indivisos. Portanto prefiro não alongar mais esta discussão.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Com a aprovação na generalidade da proposta de lei n.º 29/IV, entra-se no âmago daquilo que tem sido chamado o pacote agrícola deste governo. Convenhamos, para começar, que é um fraco pacote, para um governo que prometeu programas de emergência para a agricultura no seu Programa.
Tantos meses já passados, como nada apareceu que se parecesse com programa de emergência, somos tentados a supor que são estas quatro - convêm não esquecer que eram quatro - propostas apresentadas pelo Governo, o tal programa de emergência.
Que propostas eram afinal estas, de tanta importância e de tanta urgência, e como é que o Governo as tratou e nos tratou com elas é tema que merece ser reflectido.
Ressalta desde logo que o Governo tratou mal as suas próprias propostas.
Apresentou-as a conta-gotas para ver se passavam despercebidas ou para tentar esconder que não eram pacote nenhum, não eram programa nenhum, eram apenas umas propostas como outras quaisquer, talvez com maior importância político-eleitoral do que político-executiva-governamental.
Uma delas trazia o selo da inconstitucionalidade de tal maneira à vista que desde logo foi claro que não seria admitida. Mas o Governo adiantou-se e retirou-a antes da discussão da sua inconstitucionalidade em plenário. Foi pena, porque teríamos tido a oportunidade de perceber se o Governo tem uma leitura muito peculiar da Constituição ou se quer legislar para pôr à prova a atenção fiscalizadora da Assembleia de que tanto se queixa, mas que afinal precisava para certos efeitos especiais de política propagandística.

O Sr. Malato Correia (PSD): - Não apoiado!

O Orador: - Outra proposta que o Governo apresentou tão em cima da hora só poderia ter um caminho: não ser discutida nesta sessão. E o Governo não esclarece se era esse o seu objectivo. Se era por que é que a apresentou e fingiu que quis agendar? Será que não passou tudo de um acto de sabotagem, já que entre o Conselho de Ministros e a Assembleia da República a proposta demorou várias semanas?
Restam a reforma agrária e o arrendamento.
E aí a questão é outra.
O que é que o Governo pretende, de facto, ao agendar estas propostas para os últimos dias antes das férias parlamentares?
Repare-se que mesmo a aprovação na generalidade não produziria efeitos, senão meses de vida. Tudo estava calculado.
Se uma proposta é rejeitada, é claro que a Assembleia não deixa governar!
Se uma proposta é aprovada, é claro que o Governo cumpriu a sua obrigação e só não se sentem os benéficos efeitos porque a Assembleia está de férias e não dá andamento à proposta como lhe passou a competir.
Poderá dizer-se que o Governo tem de apresentar o que quer, em qualquer altura, e que os timings do Governo competem ao Governo.
É verdade que sim, mas também é verdade que com estes timings o Governo inviabilizou o diálogo que poderia ser proveitoso para o interesse nacional.
Por exemplo, o Sr. Ministro da Agricultura, que tão pródigo tem sido em contactos, informações, reuniões, fornecimento de documentação à Assembleia, através da Comissão da Agricultura e Mar, sobre questões ligadas à integração nas comunidades, sobre estas propostas não tomou iniciativa junto da Comissão da Agricultura e Mar apesar de esta ter aprovado uma proposta nesse sentido a que me referirei em pormenor.

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E nem se diga que a Comissão deveria ou poderia ter solicitado documentos ou contratos. Apenas sobre o arrendamento o poderia fazer, e fê-lo, porque quanto à Reforma Agrária estava em causa a sua própria admissão.
Sem diálogo, dificilmente poderão ser discutidas com clareza e profundidade propostas deste tipo.
O PRD estará sempre interessado no diálogo com outros partidos ou com o Governo desde que não sejam postos em causa os princípios inatacáveis dos direitos humanos, como disse o deputado do meu partido, José Carlos de Vasconcelos, em intervenção produzida durante a apreciação da admissibilidade da proposta de lei n.º 29/IV, que introduz alterações a alguns artigos da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro, que aprova as bases gerais da Reforma Agrária.
Mas o PRD entende que o diálogo só é interessante quando se respeitam opiniões contrárias, esclarecendo divergências ou aprofundando convergências, e não apenas quando se pretendem impor pontos de vista unilaterais à custa de cedências irracionais, ilógicas e inadmissíveis, face à identidade, aos princípios, à postura e aos objectivos do interlocutor.
Talvez o Governo não esteja interessado em conhecer outras opiniões.
Talvez o Governo esteja perfeitamente convencido da justeza das suas propostas. Se assim é, era do seu interesse e do nosso, de toda a Assembleia, que o Governo nos tivesse informado da razão de ser das propostas. Que objectivos visa, que projecções fez, de que dados dispõe, em que estados se estribou.
Por outra forma, considera o Governo que identificou com rigor os problemas maiores da nossa agricultura, as suas causas e as suas consequências?
Estão equilibradamente ponderados os desejos de produção e as realidades da tecnologia, os desejos de produtividade e as realidades sócio-culturais, as condições naturais e as estratégias de orientação, que agricultores e que agricultura queremos?
Terá sido feito este esforço?
Se foi, o Governo tem a obrigação de nos habilitar com todas essas informações.
Se assim não foi, então não nos merece qualquer crédito a proposta de lei em causa.
Mas há uma outra questão que é importante e, aliás, no caso da reforma agrária, é mesmo fundamental. Estão rigorosamente equacionados os erros e as virtudes da legislação actual?
Essa é uma matéria interessante. Não é muito inteligente procurar alterar uma lei sem que se lhe apontem os defeitos, as inadequações.
O Governo deverá explicar o que visa obter com a alteração proposta e porque é que a alteração é necessária, ou seja, porque é que a lei vigente não serve.
A este propósito valerá a pena referir que, aquando da discussão da proposta que veio a ser a Lei n.º 77/77, se afirmou nesta Câmara que a alteração que se produziria com a então nova lei nas áreas expropriáveis era insignificante. Passar-se-ia de 2 milhões de hectares para l 900 000 ha.
É verdadeiramente esmagador ouvirmos hoje estes números. Por todas as razões, e também por uma simples constatação, as leis frequentemente acabam por ser mais aquilo que quer quem as aplica do que aquilo que quer quem as aprova, fazendo fé nas intenções expressas.
Esta é uma constatação particularmente preocupante, pois sabemos que hoje existem talvez 400 000 ha no sector cooperativo na zona de intervenção da Reforma Agrária, cerca de um quinto do que nesta Assembleia se dizia que resultava da aplicação da Lei n.º 77/77.
E hoje que previsões existem em relação à aplicação da proposta agora apresentada, caso seja aprovada? Menos 50 ou 100 000 ha como previsão? E a que resultados práticos chegaríamos, dentro de algum tempo.
Tenhamos coragem e sejamos sinceros.
Talvez não fosse ainda com esta alteração, mas certamente que com a próxima se acabaria o que ainda restasse da Reforma Agrária de que estamos a falar.

Vozes do PSD : - Muito bem!

O Orador: - E aqui a questão é outra mas também interessante.
Defendemos a Reforma Agrária. Reconhecemos-lhe muitos aspectos positivos e também vários aspectos negativos, que estamos dispostos a apreciar sem dogmas nem tabus.
Mas convenhamos que não é este o melhor ensejo para uma análise desse tipo.
Defendemos que devia ter sido feita em Comissão, mas antes da votação na generalidade. Não foi nossa a culpa de não se ter feito essa aprovação.
Mas, desde já, declaramos que seria útil, para que tudo fosse mais fácil e não persistissem equívocos, que cada um assumisse as suas responsabilidades.
Quem é contra a Reforma Agrária que o declare expressamente.
Sabemos que a Constituição existe, mas não é crime declarar que dela se discorda. Por isso mesmo estamos em democracia. Respeita-se, mas pode-se criticar.
Mais difícil é a situação criada quando se diz o contrário do que se pensa e do que se quer fazer, e é sempre possível admitir esses equívocos quando as posições não são frontais.
Por isso, repito: o PRD apoia a Reforma Agrária naquilo que ela tem de mais puro. Reconhecemos desvios e desacertos, no entanto, 'eles não põem em causa os princípios.
E temos a noção de que muito da situação actual decorre de aplicação deturpada da legislação em vigor. O esquema é simples: criam-se condições para a inviabilização das cooperativas existentes, desde os processos de reservas que não têm em conta senão os interesses dos reservatários com métodos que não abordarei aqui porque respeito a existência de uma comissão de inquérito que está em funcionamento, até à política de crédito, à falta de apoio técnico, atrasos em arrendamentos, classificação de viabilidade por critérios desconhecidos, etc.
E depois, como as UCPs cooperativas são mais ou menos identificadas com o PCP, as questões deslocam-se para o campo partidário. É preciso acabar com a influência do PCP na zona de intervenção da Reforma Agrária (ZIRA) ou, mais concretamente, no Alentejo - diz-se, e como tal atacam-se as UCPs cooperativas. Uma vez mais, não estamos de acordo.
O caminho não é contra as cooperativas. O caminho tem de ser a favor delas. E quanto mais condições tiverem de existência estável, viável, mais independentes serão em relação aos partidos.
Frequentemente, ainda há mais um passo nesta estratégia. Como as cooperativas são um fracasso, então é o próprio sector cooperativo que não é viável. Mais um

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pouco e poderíamos chegar à inviabilização do regime - e isto não é tão caricatural como parece. Se as cooperativas são ou não fracasso é questão que só se esclarece com análise caso a caso. E, mesmo que o sejam, é necessário conhecer as origens e razões do fracasso.
A agricultura portuguesa carece de um forte sector cooperativo e não é atacando-o quando partidariamente não convém que se fortalece o cooperativismo.
É também merecedor de alguma reflexão o facto histórico de, antes de as cooperativas existirem no Alentejo, terem acontecido as ocupações e as expropriações, e, já agora, constatar que depois da aprovação da Lei n.º 77/77 não se efectivaram mais expropriações.
A lei, melhor dito, toda a legislação sobre esta matéria e a própria Constituição não impuseram expropriações pela razão única de criar sectores cooperativo e público fortes. A intenção é bem outra: diminuir o latifúndio e o absentismo. Por isso, a conclusão de que «sector cooperativo fracassado/reversão de expropriações» é abusiva e incorrecta.
Mas há outras questões extraordinárias que justificam referência. Por exemplo: por que será que o Governo, ou melhor os governos, se têm preocupado tanto com esta visão monocórdica da Reforma Agrária e não intervêm decididamente na questão generalizada do mau aproveitamento da terra? Não seria uma via mais positiva de concretizar preocupações quanto à produção e à produtividade? Por que é que o Governo ou, melhor, os governos, não se decidem a intervir corajosamente no escândalo, em que tantos são coniventes, da cortiça? Não seria uma via mais imediata de proteger interesses nacionais que, de dia para dia, estão mais comprometidos?
E, por último, antes de abordar algumas questões pontuais da proposta em causa, uma referência a essa questão polémica, que é essencial neste processo da Reforma Agrária, e que diz respeito ao pagamento das indemnizações. Não tenhamos ilusões, enquanto não forem pagas as indemnizações legalmente previstas não haverá acalmia.
O processo político que enquadrou a Reforma Agrária poderia ter optado pela apropriação da terra sem qualquer contrapartida. Era uma via politicamente possível, mas na nossa opinião indesejável. As consequências seriam outras bem diferentes das actuais. Não foi assim. Pagar-se-iam indemnizações. E das duas uma: ou se pagam mesmo, ou então os expropriados clamarão que foram roubados, e é evidente que não podem exigir, de pistola em punho, que o Governo pague, nem sequer terão interesse nisso; preferem ir procurando, por todos os meios que a imaginação lhes faculta, recuperar as suas antigas terras na totalidade. É perfeitamente compreensível que assim seja.
Incompreensível é que o Governo, ou melhor os governos, não queiram compreender isto e não desencadeiem o processo de pagamento. Ou então, o que seria bem pior, o não pagamento corresponde a uma estratégia maquiavélica. De qualquer maneira, conviria que o Governo explicitasse quais as suas intenções a este respeito e também que explicasse que indemnizações foram pagas, a quem, que montantes e que critérios de prioridade foram usados.
Afinal, na proposta de lei, são criticáveis quase todos os artigos. No entanto, destacarei apenas alguns pontos essenciais: a questão dos indivisos suscita-nos desde logo uma dúvida cujo esclarecimento é necessário a uma análise mais profunda (é uma dúvida que já aqui foi suscitada aquando das perguntas colocadas ao Sr. Ministro). Por quê quatro contemplados com a sorte? Por que não cinco, ou nenhum? Por que não todos? Qual é o critério objectivo? Não há critério objectivo e tem que haver.
A possibilidade de reabrir processos de reservas já atribuídas leva-nos a fazer uma pergunta: quando acabará isto? Será que enquanto houver pedidos há que os satisfazer, independentemente do seu enquadramento legal? E se não houver suporte jurídico, a solução será sempre fazer nova lei para cobrir o que já se fez? A reversão das expropriações é uma hipótese absolutamente injusta e injustificada, para já não abordar a questão da sua inconstitucionalidade.
Pensamos que vale a pena lê-la neste momento: diz o seu artigo 46.º:

Poderá ser determinada a reversão dos prédios rústicos expropriados que à data da publicação da presente lei estejam na posse material, na posse útil, ou na simples detenção dos seus anteriores titulares, ou de quem lhes haja sucedido, ou na posse e exploração directa do Estado, mediante portaria conjunta do Primeiro-Ministro, do Ministro das Finanças e do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação.

A carga de injustiça relativa que uma medida deste tipo comporta é excepcional. Admitir-se, por mera hipótese, que uma situação perfeitamente idêntica a outra, em que foram utilizados mecanismos de expropriação previstos na lei, possa hoje continuar expropriada, e que a outra situação em que, provavelmente por vias menos claras, a expropriação não se concretizou essa situação deixe hoje de ser expropriada, é, no fundo, uma amnistia encapotada àquilo que de mais gravoso se praticou, por omissão, na aplicação da Lei n.º 77/77.
Para finalizar, diremos apenas que é necessário classificar o seguinte: qualquer alteração que vise compensar os anteriores proprietários por via que não seja a da indemnização, é, em princípio, inaceitável, porque existe a Constituição, porque existe a lei, porque existem imperativos sócio-económico-políticos e também porque, na perspectiva dos antigos proprietários, apenas a anulação de todo o processo da Reforma Agrária satisfaria.
Por isso, repetimos: estamos a favor da Reforma Agrária. Reconhecemos-lhe defeitos, mas temos dúvidas se os seus maiores desvios não decorrerão do frequente desrespeito, activo ou passivo, pela legislação vigente. Por isso, votamos contra a proposta de lei agora apresentada.

Aplausos do PRD.

O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Luís Capoulas, Soares Cruz, Carvalho Cardoso, José Manuel Casqueiro, Marques Mendes e Vasco da Gama Fernandes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Deputado Paulo Campos, ouvi a sua intervenção e devo dizer-lhe que quase todas as dúvidas que possuía relativamente àquilo que o PRD defende para o mundo agrícola, e particularmente para a zona de intervenção da Reforma Agrária, se mantiveram no meu espírito.

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Disse que era um fraco pacote este que o Governo apresentou como programa de emergência ao apresentar apenas quatro diplomas. Pergunto ao Sr. Deputado Paulo Campos, enquanto representante de um partido que diz ter nascido de um campo particularmente vocacionado para os problemas do mundo rural, qual foi o contributo que o seu partido deu para a resolução dos muitos e graves problemas que afectam o mundo rural e agrícola?
Depois, disse que o Governo inviabilizou o diálogo. Tanto quanto sei, tanto quanto é do conhecimento da opinião pública, quer o presidente do seu partido quer o Sr. Deputado Paulo Campos, participaram em reuniões com o Governo, nomeadamente para debater esta proposta de lei. Esses encontros foram clandestinos? O que é que se tratou e debateu nessas reuniões?
Considerou ainda que o problema da Reforma Agrária entroncava com um problema de inatacabilidade dos direitos humanos. A que direitos humanos se refere concretamente o Sr. Deputado? O direito de ocupar? O direito de perseguir? O direito de fazer estar coercivamente nas UCPs os trabalhadores e os pequenos e médios agricultores? São esses os direitos que o Sr. Deputado defende e entende que se comportam na Declaração Universal dos Direitos do Homem?
Terminou o Sr. Deputado dizendo que, por várias razões, e após as considerações que fez, iria votar contra a proposta. Pergunto-lhe, muito claramente; vai votar contra por que entende que a proposta não tem nada de positivo? Por que entende que este problema do Alentejo, da zona de intervenção da Reforma Agrária, não é um problema nacional? Por que entende que não há solução para além do bloqueamento que se vive? Ou pensa o PRD apresentar um projecto de lei alternativo que venha resolver este problema? Se o pensa, quando? E, já agora, se o pensa, por que não utiliza o mesmo processo que utilizou em relação à Lei de Bases do Desenvolvimento Florestal, que foi o de viabilizar na generalidade a passagem de uma proposta, que, julgo, merece ao PRD muitas reticências, com o argumento de dar tempo (120 dias) através de um requerimento, a que outros projectos alternativos possam surgir?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Paulo Campos, pretende responder já ou no final?

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Fá-lo-ei no final, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Soares Cruz.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Deputado Paulo Campos, queria felicitar-me pelo facto de ter ouvido a sua intervenção, pois tive assim oportunidade de saber qual é a estratégia do PRD sobre política agrária para o nosso país e em especial para o Alentejo. Nunca tinha tido essa oportunidade e por isso agradeço-lhe o facto de aqui nos trazer algumas notícias sobre essa matéria.
Disse V. Ex.ª que o PRD apoia a Reforma Agrária, mas depois, por algumas contradições que manifestou ao longo do seu discurso, fiquei sem saber qual a reforma agrária que apoia, se é a reforma agrária, que continua a apropriar-se indevidamente de algumas propriedades sem pagar indemnizações e a dispor delas conforme muito bem entende e sem indemnizar convenientemente os proprietários.
Sr. Deputado, sendo conhecida do público em geral a posição de alguns responsáveis do seu partido que, ao tomarem conhecimento desta proposta, disseram que ela era tímida, gostaria de saber se V. Ex.ª concorda com esse aspecto e se essa timidez existe pela positiva ou pela negativa. Enfim, VV. Ex.ªs são uns parceiros desta Câmara que muito prezamos, mas gostaríamos de saber, de uma vez por todas, qual é o vosso perfil em relação a esta matéria, para, de alguma forma, nos podermos articular nas relações que tanto desejamos aqui manter.
Depois referiu outro aspecto, que é o do escândalo da cortiça. Talvez pelo facto de fazer parte de uma comissão de inquérito, que tem a ver directamente com estes assuntos, estou particularmente sensível a essas questões. Poderia V. Ex.ª precisar que escândalos de cortiça conhece? Não sei se se, refere àquelas vendas pela porta do cavalo em que de milhares de arrobas, passados três ou quatro dias, há apenas meia dúzia delas. Será a isso que V. Ex.ª se referia? Gostaria que, se por acaso tem algum conhecimento desse facto, o trouxesse ao conhecimento público, para que se possam tomar atitudes que visem moralizar as relações entre essas unidades e o Estado.
Termino lendo um pequeno artigo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que V. Ex.ª diz defender - e eu acredito que o faça, pois conheço-o há muitos anos e sempre o conheci como um defensor desses princípios. Diz a Convenção, no seu artigo 14.º:

O gozo das liberdades reconhecidas na presente Convenção há-de ser assegurado sem distinções nenhumas, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras quaisquer, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a fortuna, o nascimento ou qualquer outra situação.

Acha V. Ex.ª que o Decreto n.º 406/A, de 9 de Junho, que a Lei n.º 77/77, mais tarde vem a receber no seu seio, está consentâneo com este artigo da Convenção Europeia dos Direitos do Homem?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carvalho Cardoso.

O Sr. Carvalho Cardoso (CDS): - O Sr. Deputado Paulo Campos não me conhece, mas eu costumo ser muito sintético e a minha pergunta é muito seca. Das suas considerações depreendi certas conclusões, mas como tenho dúvidas faço-lhe a seguinte pergunta concreta: se o PRD for Governo expropria os 400 000 ha que faltam para cumprir a lei e retira aos actuais em posse útil 60 000 ha que foram expropriados?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Casqueiro.

O Sr. José Manuel Casqueiro (PSD): - Sr. Deputado Paulo Campos, queria, relativamente à sua intervenção, levantar algumas questões que julgo pertinentes.
A primeira tem a ver com a pergunta já endereçada pelo Sr. Deputado Carvalho Cardoso. E esta exactamente: no entendimento do PRD, o prosseguimento das expropriações é uma prática que defende?

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A segunda questão prende-se com o princípio enunciado pelo Sr. Deputado sobre a inconstitucionalidade da reversão das expropriações, princípio este que me agrada ver na sua boca, tanto mais que alguns dos nossos mais conceituados constitucionalistas e juristas, isentos, até porque não são da nossa bancada nem têm o mesmo pensamento político que defendo, são defensores desse mesmo princípio, o que me leva a pensar que o Sr. Deputado tem grande mérito: conseguiu ser profissionalmente veterinário e ser responsável pela saúde, consegue agora, também, ser um eminente constitucionalista português.
Mas o que mais me impressionou na sua intervenção foi o Sr. Deputado fazer um ultraje ao cooperativismo livre, ao comparar unidades colectivas de produção com cooperativas.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - É que, de facto, não têm qualquer semelhança nem têm o mesmo significado.
Por último, gostaria de dizer que me parece, Sr. Deputado, que na defesa que aqui fez da Reforma Agrária não se baseou no conceito moderno e europeu de uma reforma agrária, em que, acima de tudo, o que importa é a distribuição da riqueza, mas sim numa posição retrógrada em tudo semelhante à do Partido Comunista quando defende a manutenção das actuais formações económicas, exactamente ao defender o princípio, não de uma reforma agrária de desenvolvimento assente na iniciativa privada e num cooperativismo correcto e honesto, mas pelo contrário preocupado com a colectivização dos meios de produção.
Que fique claro, Sr. Deputado, que no meu espírito existe, de forma clara, a ideia de que o PRD começa agora a pagar o apoio que o Partido Comunista talvez lhe tenha dado para a sua constituição. É evidente, e ainda bem que o é, para que não haja dúvidas quanto aos possíveis apoios que venham do PRD, que fala em ética mas que na prática nega completamente essa mesma ética pela acção que desenvolve prometendo nuns lados aquilo que nega neste Parlamento e neste momento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Mendes.

O Sr. Marques Mendes (PSD): - Sr. Deputado Paulo Campos, permita-me que comece este pedido de esclarecimento por me associar inteiramente à referência igualmente feita pelo Sr. Ministro ao Sr. Deputado - aliás não presente - António Barreto pelas circunstâncias em que esta lei foi feita. Presto-lhe essa justiça, que tive, na altura, oportunidade de colaborar de bastante perto com ele porque o Sr. Deputado Paulo Campo diz que apoia uma reforma agrária, mas diz que não apoia esta proposta. Diz ainda, por outro lado, que a Lei n.º 77/77, também não merece a sua concordância pois tem imensos pontos em relação aos quais a sua posição é divergente. Perguntar-lhe-ia, em primeiro lugar, que reforma agrária defende o Sr. Deputado Paulo Campos.
Falou que defende a reversão, mas discorda, ao que entendi, do artigo 46.º da proposta de lei tal como vem redigido, pois afirmou que há injustiça na forma como ele está redigido. Só que em matéria de expropriações a reversão é um princípio geral. Poderá haver deficiência de redacção, mas não está o Sr. Deputado, de acordo que o que interessa na generalidade é defender os princípios e na especialidade corrigir e adequar devidamente a forma?
Sr. Deputado, queria fazer-lhe uma pergunta semelhante relativamente aos indivisos. Pareceu-me depreender das suas palavras que aquilo de que o Sr. Deputado discorda é o facto de a proposta mencionar quatro. Se assim é, será esse facto razão bastante para o PRD estar contra esta proposta? Não seria preferível, na especialidade, propor então a eliminação, da referência a quatro e deixar sem número essa possibilidade no que toca aos indivisos?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vasco da Gama Fernandes.

O Sr. Vasco da Gama Fernandes (PRD): - Sr. Deputado Paulo Campos, uma pergunta muito simples. Em matéria de Reforma Agrária julgo que ainda tenho sete palmos de terra para ser enterrado. Mas, há uma coisa que me aflige, que pode ser um boato e que quero acreditar que seja um boato. Quero saber se é verdade ou não que não foram cumpridas 150 decisões do Supremo Tribunal Administrativo por este governo e pelos anteriores. Na hipótese afirmativa, apesar de ter alcunha de Estado de Direito o nosso não o é.

O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Campos.

O Sr. Paulo Campos (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria agradecer as perguntas que me fizeram relativamente à minha intervenção. É grato verificar a atenção que ela suscitou.
O Sr. Deputado Luís Capoulas diz-me que tem dúvidas, quase totais, em relação ao que o PRD pensa sobre a Reforma Agrária. Sr. Deputado, de facto há uma questão prévia que eu gostaria de colocar e em relação à qual gostaria que todos os senhores deputados tivessem o mesmo entendimento. É que as posições do PRD em relação a esta matéria são rigorosamente aquelas que acabei de expressar na intervenção que fiz. São essas, só essas, e mais nenhumas. Se o Sr. Deputado não percebeu qual o sentido profundo, do ponto de vista da filosofia política, da intervenção que produzi, tenho muito prazer em lhe fornecer uma cópia da intervenção, e o Sr. Deputado com calma, com sossego e com algum tempo, perceberá o sentido de facto da nossa postura filosófico-política quanto à Reforma Agrária.
O Sr. Deputado referiu qualquer coisa que é um pouco desagradável, quanto mais não seja pela terminologia utilizada, e que foi «encontros clandestinos com o Governo». Em duas breves palavras esclareço essa sua tremenda dúvida: existiram encontros do PRD com o Governo, a pedido do Governo, e o PRD, conforme acabei de dizer na intervenção que eu próprio fiz, está permanentemente aberto ao diálogo com todos os partidos e com o Governo, desde que - e agora passo a dar uma explicação a alguns senhores deputados - o objecto do diálogo não ponha em causa os direitos do homem. Porque este não punha, nós aceitámos o diálogo. Penso que os senhores deputados estarão esclarecidos. Houve de facto reuniões, só que não foram clandestinas, aliás foram noticiadas na comunicação

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social. Foram trocas de opiniões e nada mais. Só que - e permito-me endossar as perguntas de V. Ex.ª para o Governo que V. Ex.ª apoia - o diálogo não foi possível, a partir de certo momento e as razões, do nosso ponto de vista, não são da nossa responsabilidade.
Solicita-me que o esclareça quanto aos contributos apresentados pelo PRD. Sr. Deputado, penso que já vai conhecendo suficientemente bem a minha postura na Comissão de Agricultura e Mar - a que V. Ex.ª preside e com muita qualidade - para saber que não tenho qualquer preocupação em mostrar paternidade de projectos. Quantas e quantas vezes tenho abdicado - como o Sr. Deputado sabe - de iniciativas minhas que, eventualmente, colheriam apoio maioritário e tenho apoiado iniciativas nuns casos do PCP, noutros do PSD, e, noutros ainda, do próprio CDS ou do PS. Não tenho qualquer complexo de paternidade de iniciativa legislativa. Não é esse o objectivo que me move dentro do Plenário ou da Comissão de Agricultura e Mar.
Quanto aos direitos humanos, julgo já o ter esclarecido.
O Sr. Deputado pergunta-me, depois da intervenção que fiz, porque é que votámos contra. Sr. Deputado, francamente! Julgo ter esclarecido exaustivamente as razões por que votamos contra: porque, de facto, estamos contra o sentido que enforma esta proposta de alteração à Lei n.º 77/77.
O Sr. Deputado Soares Cruz põe-me uma questão quanto ao problema das indemnizações, que revela que esteve menos atento, a certa altura. Disse com grande clareza que o PRD entende que este processo da Reforma Agrária só é estabilizável a partir do momento em que o processo das indemnizações seja completado.
Admitimos como mera hipótese teórica que não esteja em curso por outras razões, que não aquelas que publicamente se conhecem, mas só como mera hipótese teórica. E, por isso mesmo, na minha intervenção apresentei, no fundo, um pedido, uma solicitação ao Governo, para esclarecer quais as intenções do Governo em relação a esta matéria, porque estamos convencidos de que não há estabilização possível na questão da Reforma Agrária, sem que os direitos, as expectativas legítimas que foram criadas sejam concretizadas, as indemnizações, portanto.
Sr. Deputado, digo-lhe também o que já disse ao Sr. Deputado Luís Capoulas. Nesta matéria, que fique muito clara a posição por mim apresentada, que é a do PRD. Tudo o resto, todas as conversas que o Sr. Deputado pense ter havido ou que lhe digam que existiram, não têm qualquer substrato, não têm qualquer realidade de concordância com as opiniões do PRD.
Quanto à cortiça, Sr. Deputado, o que disse e repito é que é um escândalo, e no sentido rigoroso do termo. É um escândalo porque é qualquer coisa de grave e de errado que está nas vozes do mundo e, por isso mesmo é que é escândalo. Se estivesse no segredo dos deuses não era escândalo. É voz corrente, toda a gente o sabe, Sr. Deputado.
Toda a gente sabe que a cortiça é tirada por quem não deve tirá-la, é vendida a quem não deve comprar, por preços completamente distorcidos e que, no meio de isto tudo, a noção que se retém é a de que todos ganham menos o Estado, que é o único que perde. É a noção que se tem.
E isto é uma situação que, com certeza, o Governo não ignora, pelo menos ao nível da voz corrente e, por isso mesmo, perguntei ao Governo qual era a sua intenção, do ponto de vista de procurar ultrapassar esta situação, que é, de facto, dramática, que tem custos graves para o País, hoje e no futuro.

O Sr. Neiva Correia (CDS): - É como o marido enganado, que é sempre o último a saber.

O Orador: - O Governo responderá se se sente nessa situação ou não.
O Sr. Deputado Carvalho Cardoso faz-me uma pergunta, de facto, importante. Pergunta-me, em relação às expropriações possíveis, qual é a posição do PRD.
Sr. Deputado, o PRD muito claramente discorda de qualquer tratamento discricionário, de qualquer tratamento diferente de uns para outros, só porque, no tempo, não se efectuou a concretização da lei. O PRD discorda. Mais: o PRD entende que a responsabilidade dessa não concretização da lei - como há pouco disse - cabe a todos os governos, a todos os que governaram pós-entrada em vigor da Lei n.º 77/77. É manifesto. Não foram expropriados porque os governos não quiseram expropriar e não o quiseram intencionalmente.
E hoje é evidente que o clima político, o momento político, a dinâmica política são outros. Aquilo que era facilmente possível em determinado momento, hoje já não o será tão facilmente, mas a reversão, de forma alguma - e já terei oportunidade de aprofundar esse tema, em resposta ao Sr. Deputado Marques Mendes.
Admitimos que é necessário encontrar soluções imaginadas, tanto quanto possível, por consenso interpartidário, porque a solução é suficientemente delicada para o aconselhar, para aconselhar que a situação seja, do ponto de vista interpartidário, pacífica; soluções essas que, não pondo em causa a bondade do princípio da não discricionaridade, por outro lado, contemplem a diferença do momento político em que nos encontramos em relação ao de 1977 ou até anterior, como há pouco referi.
O Sr. Deputado José Manuel Casqueiro coloca-me a mesma questão, à qual dou a mesma resposta, obviamente e, em seguida, coloca-me o problema da inconstitucionalidade da reversão das nacionalizações, se bem entendi.
Sr. Deputado, a questão da reversão é muito simples: Não sou jurista, mas são questões de bom senso. Se, porventura, me for expropriado um pomar de cerejeiras para aí se implantar uma piscina municipal e se ela não for feita de acordo com as condições da expropriação, a reversão é óbvia, porque o objecto da expropriação não foi concretizado.
Agora, esta é uma situação completamente diferente - tal como disse na minha intervenção - pois não era objecto fundamental das expropriações entregá-las a A, B ou C. O objecto era, de facto, retirar ao latifundiário, ao sector privado, a propriedade que excedesse determinados montantes. E este é um imperativo constitucional.
Mas o que aconteceu foi que os governos não quiseram concretizar este princípio e esta intenção.
Assim, Sr. Deputado, não se pode, só porque houve uma falta de zelo dos governos, dizer que, afinal, estes é que tinham razão, que foi tudo uma fantochada e

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que regressa tudo à estaca zero. De maneira nenhuma, Sr. Deputado! Não há qualquer paralelo com o exemplo que lhe dei da piscina e do pomar.
O Sr. Deputado começa por fazer referências elogiosas ao meu curriculum profissional - fico-lhe muito grato - e depois pergunta-me sobre as UCPs cooperativas.
Sr. Deputado, vamo-nos entender! Do ponto de vista formal, do ponto de vista legal, do ponto de vista de enquadramento jurídico não haverá diferenças. As diferenças têm a ver com a apropriação partidária - se quiser -, e daí alguma prática interna diferente. Mas se porventura há incorrecções do ponto de vista de filosofia cooperativa das UCPs, uma vez mais a responsabilidade cabe aos governos que toleraram que a situação se mantivesse por tanto tempo. A responsabilidade cabe aos governos, que aceitaram, que toleraram situações incorrectas, desse ponto de vista - e que não as procuraram corrigir.
O Sr. Deputado refere que a nossa posição é, em tudo, semelhante à do PCP. Sr. Deputado, já há bocado esclareci o Sr. Deputado Luís Capoulas que não tenho, nem o meu partido tem, qualquer tipo de complexos a esse nível. Quando entendemos que o PCP tem posições correctas não temos a menor dificuldade em estarmos de acordo com elas. Da mesma maneira que - tal como o Sr. Deputado sabe muito bem - não a temos em estar de acordo com as posições do partido em cuja bancada o Sr. Deputado está sentado, a do CDS, a do PCP, a do PS, como o temos demonstrado na prática, tal como o Sr. Deputado sabe e, exactamente, no sector em que ambos mais temos trabalhado dentro da Assembleia.
Portanto, Sr. Deputado, qualquer intenção da sua parte, a esse nível, não tem fundamento. E digo-o porque creio que o Sr. Deputado, com essa interpretação abusiva da situação, não está a querer provocar maiores ou menores diálogos do PRD com o PSD, por reacção àquilo que o Sr. Deputado acabou de afirmar. Somos indiferentes, mas absolutamente indiferentes, a esse tipo de pressões.
O Sr. Deputado Marques Mendes põe a questão de apoiarmos uma reforma agrária, mas não apoiarmos esta proposta de lei e não apoiarmos a Lei n.º 77/77. Sr. Deputado, de facto, não é isso. O que dissemos foi que esta proposta de lei em relação à lei é manifestamente redutora dos objectivos desta com os quais concordamos. E é nesse sentido que discordamos da proposta, sem que isso traduza um comprometimento absoluto com a Lei da Reforma Agrária.
Por uma razão muito simples, Sr. Deputado, porque entendemos que a actual situação decorre, em muito, da inaplicação da Lei n.º 77/77, e essa inaplicação só é possível porque a própria lei contém em si os mecanismos que permitem a sua não aplicação.
E, nesse sentido, discordamos da Lei n.º 77/77, mas, se ela fosse integralmente aplicada, de acordo com aquilo que pensamos serem os seus verdadeiros princípios, de certeza que estaríamos numa situação, hoje muito diferente, que levaria seguramente o seu partido ou o Governo que ele apoia a apresentar propostas de alteração bem diferentes daquelas que hoje aqui estão em discussão.
Quanto ao problema dos indivisos, Sr. Deputado Marques Mendes, é para nós uma questão de critério. Foi uma questão já aqui sobejamente exposta por deputados de outras bancadas e não se trata de nenhum número cabalístico - o quatro. Por quê quatro? Diz o Sr. Ministro porque a média das famílias tem quatro membros. Está bem, com certeza, mas conheço muitas famílias latifundiárias no Alentejo com dez ou doze filhos e outras sem filho nenhum.
Quer dizer, esse não é, de facto, critério e terá de se procurar arranjar outro. E digo-lhe, Sr. Deputado, que, neste momento, não sou capaz de lhe sugerir nenhum critério correcto. Mas o que lhe sugiro, a si como deputado do PSD, como a todos os deputados, à semelhança do que há pouco referi em relação a outra questão, é que, dado tratar-se de uma questão que merece a reflexão de todos os partidos, se faça uma tentativa séria, franca, frontal de todos eles encontrarem uma solução, porque isto é, com certeza, um problema sobre o qual todos devemos estar de acordo.
E, se é um problema, todos temos obrigação de procurar encontrar uma solução o mais consensual possível.
Quanto ao meu querido amigo Vasco da Gama Fernandes, devo dizer-lhe que, tanto quanto estamos informados, efectivamente, há um número de acórdãos não aplicados em número superior ao dobro daquilo que o meu querido amigo acabou de referir.

Aplausos do PRD.

Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente Fernando Amaral.

O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai ler um relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos.

Foi lido. É o seguinte:

Relatório e parecer da Comissão de Regimento e Mandatos

Em reunião realizada no dia 23 de Julho de 1986, pelas 17 horas, foi apreciada a seguinte substituição de deputado:

Solicitada pelo Partido Comunista Português:

Carlos Alberto do Val Gomes Carvalhas (círculo eleitoral de Lisboa), por Maria Odete de Jesus Filipe. Esta substituição é pedida ao abrigo da alínea c), do n.º 2, do artigo 5.º da Lei n.º 3/85 (Estatuto dos Deputados), por um período não inferior a quinze dias, a partir do dia 23 de Julho corrente inclusive.

Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que o substituto indicado é realmente o candidato não eleito que deve ser chamado ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência da respectiva lista eleitoral apresentada a sufrágio pelo aludido partido no concernente círculo eleitoral.
Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.
Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

A substituição em causa é de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

A Comissão: Vice-Presidente, Mário Júlio Montalvão Machado (PSD) - Secretário, José Manuel Maia Nunes de Almeida (PCP) - Daniel Abílio

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Ferreira Bastos (PSD) - João Domingos Fernandes Salgado (PSD) - Amândio dos Anjos Gomes (PSD) - António Marques Mendes (PSD) - Henrique Rodrigues da Mata (PSD) - Álvaro José Rodrigues de Carvalho (PSD) - Carlos Cardoso Lage (PS) - Carlos Alberto Correia Rodrigues Matias (PRD) - Vasco da Gama Fernandes - (PRD) - Jorge Manuel Abreu de Lemos (PCP) - João Cerveira Corregedor da Fonseca (MDP/CDE).

O Sr. Presidente: - Está em discussão, Srs. Deputados.
Não havendo inscrições, vamos votar.

Submetido a votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Maria Santos, Borges de Carvalho e Ribeiro Teles.

Pausa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou submeter à votação, na generalidade, a proposta de lei n.º 35/IV, que autoriza o Governo a continuar a execução dos programas plurianuais de reequipamento das Forças Armadas, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 9/86, de 30 de Abril.

Submetida a votação, foi aprovada com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e dos deputados independentes Oliveira e Costa e Borges de Carvalho, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos e a abstenção do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - É para apresentar um requerimento.
Em relação à votação na especialidade, que se vai seguir, visto que o artigo 1.º da proposta de lei refere todos os programas plurianuais de reequipamento das Forças Armadas e fala depois no mapa anexo ao presente diploma, julgamos indispensável que a votação se faça em relação aos programas constantes do mapa anexo, programa a programa, e que só depois sejam votados os vários artigos da proposta de lei.
Era neste sentido que requeria à Mesa que a votação fosse feita da seguinte forma: primeiro, programa a programa dentro do mapa e depois os vários artigos da proposta de lei.

O Sr. Presidente: - Estamos a abrir, segundo penso, um pequeno incidente no processo de votação.
Quanto a mim, julgo ser difícil estar a submeter a aprovação os elementos constantes da nota justificativa, salvo se o artigo 1.º for desdobrado, por iniciativa de alguém, de modo a que constem, por alíneas, os respectivos programas.
Precisaria, primeiro, de aprovar esse artigo de substituição para que, depois, submetesse a votação as respectivas alíneas.
Agradeço o favor, Sr. Deputado Magalhães Mota, de dizer o que se lhe oferece sobre o assunto.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Da nossa parte não há qualquer objecção em fazer-se uma proposta de substituição da redacção do artigo 1.º
Pediria apenas o tempo indispensável para a formalizar, de modo a que a redacção do dito artigo 1.º nos permitisse distinguir, por alíneas, os vários, programas e permitindo a votação alínea por alínea para que cada programa pudesse ser votado separadamente.

O Sr. João Amaral (PCP): - Então baixa à Comissão!

O Sr. Presidente: - Essa parece-me ser a forma mais rigorosa de dar expressão ao interesse manifestado pelo Sr. Deputado.
Se as restantes bancadas não virem nisso inconveniente, assim se fará.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Uso da palavra para solicitar a V. Ex.ª que submeta o requerimento do Sr. Deputado Magalhães Mota a votação.

O Sr. Presidente: - Só que tem de me ser apresentado por escrito.

O Sr. António Capucho (PSD): - Pode ser oral.

O Sr. Presidente: - Dado que os Srs. Deputados representantes das restantes bancadas parecem não entender que tenha ficado suficientemente claro aquilo que o Sr. Deputado Magalhães Mota pretende requerer, ficamos a aguardar que o PRD apresente uma proposta de substituição do artigo 1.º, para a discussão na especialidade.

Pausa.

O Sr. Neiva Correia (CDS): - Peço a palavra Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Neiva Correia (CDS): - Sr. Presidente, desejaria fazer uma interpelação à Mesa.
No entanto, se a Mesa entender que, pelo facto de estarmos no decurso de um processo de votação, é preferível fazê-la depois, fá-la-ei noutra altura.

O Sr. Presidente: - V. Ex.ª pode interpelar a Mesa quando desejar, Sr. Deputado.

O Sr. Neiva Correia (CDS): - É que, tratando-se de uma matéria que não tem nada a ver com esta votação, ponho à consideração se não será preferível tratá-la posteriormente ou se não há inconveniente em que o faça agora durante esta pequena pausa.

O Sr. Presidente: - É V. Ex.ª que deve julgar da oportunidade de uma interpelação à Mesa, não vendo a Mesa qualquer inconveniente em que a faça agora.

O Sr. Neiva Correia (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Então, se a Mesa não vê inconveniente e se isso não perturba o andamento dos trabalhos, quero chamar a atenção do Sr. Presidente para o seguinte facto: no âmbito da Comissão de Comemoração do 75.º Aniversário da Constituinte de 1911, foi decidido que haveria uma representação evocativa da Constituinte de

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1911, que teria a dignidade apropriada a essa manifestação, a qual se realizará na Sala do Senado e terá lugar hoje à noite.
Pergunto se V. Ex.ª já teve conhecimento do que vem publicado no Diário Popular de hoje, que demonstra claramente que aquilo que A Barraca vai fazer é uma grande «barracada». Indignas da comemoração de um acto que merece o respeito de todos nós e do respeito que as personalidades e instituições históricas nos devem merecer e indignas desta Casa são as situações que aqui se vão passar, que são de natureza «chocarreira» e, portanto, impróprias à comemoração de um acto histórico com a dignidade da Constituinte de 1911.
Agradeceria que V. Ex.ª tomasse conhecimento daquilo que desde já está anunciado com fotografias e descrições, porque me parece que não é apropriado tratar matérias dessa dignidade em tom «chocarreiro» nesta Casa.

Vozes do CDS: - Muito bem!

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Muito mal!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Neiva Correia, como não li o jornal, não conheço o que se vai passar, pelo que só logo, depois de apreciar o espectáculo, é que poderei porventura servir de juiz.

Pausa.

Srs. Deputados, vamos passar à votação, na especialidade, da proposta de lei n.º 35/IV.
Foi apresentada na Mesa uma proposta de substituição ao artigo 1.º da proposta de lei, subscrita pelo PRD, que vai ser lida pelo Sr. Secretário.

Foi lida. É a seguinte:

Proposta de substituição

Artigo 1.º

1 - Fica o Governo autorizado a continuar a execução, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 9/86, de 30 de Abril, dos programas plurianuais de reequipamento das Forças Armadas:
1) Fragatas Meko 200:
a) Programa de construção;
b) Material FMN;
c) Nacional;

) Despesas administrativas.

2) Programa de Defesa Antiaérea.
3) Programa de Aviões de Patrulhamento Marítimo P3-B.
4) Programa de Completamento das Esquadras de Aviões A7-P.

2 - Os programas referidos no número anterior são os especificados no mapa anexo ao presente diploma.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão a proposta de substituição ao artigo 1.º da proposta de lei n.º 35/IV, que acabou de ser lida.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, permito-me solicitar ao PRD que dê alguma explicação, se assim o entender, sobre a razão por que apresenta esta proposta de substituição, que não descortinamos.

O Sr. Presidente: - Certo, Sr. Deputado.

Pausa.

Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Magalhães Mota.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: É brevíssima a explicação que tenho para fornecer à Câmara.
A redacção que propomos para o artigo 1.º não altera substancialmente aquilo que consta do artigo 1.º da proposta de lei, apenas se limitando a introduzir no articulado do artigo os quatro programas que constam dos mapas anexos, o que - e não escondo qual é o sentido e objectivo da introdução desta proposta de substituição - nos permitirá depois requerer, como há pouco disse à Câmara, que a votação da proposta de substituição do artigo 1.º seja feita número por número, possibilitando-se votações individualizadas em relação a cada um dos programas em discussão. Na forma actual de redacção, isso não seria possível, visto que o artigo 1.º da proposta de lei trata todos os programas em conjunto e nos mapas anexos, não permitindo, pois, tal espécie de votação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ângelo Correia.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Compreendendo a proposta do PRD, ela é inaceitável, porque cinde algo e tem uma unidade e uma indivisibilidade manifesta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de substituição ao artigo 1.º da proposta de lei n.º 35/IV, apresentada pelo PRD.

Submetida à votação, foi rejeitada, com votos contra do PSD, do PS, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e dos deputados independentes Oliveira e Costa, Borges de Carvalho e Maria Santos, e votos a favor do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, a forma como esta proposta de substituição foi apresentada obriga-me a interpelar a Mesa, porque, no fundo, como proposta, limita-se a dizer que há um conjunto de quatro programas.
Obviamente que mal se entende o sentido de toda esta votação, quando o que está subjacente à proposta é precisamente o mesmo conteúdo, mas com a indicação dos quatro programas, que estava subjacente ao que era o conteúdo da proposta do Governo.

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Naturalmente que não poderíamos - e peço desculpa ao Sr. Presidente por na altura não ter levantado a questão - deixar de tomar em relação a esta proposta de substituição, que na prática tem o mesmo conteúdo da proposta de lei, a mesma posição que assumimos relativamente à proposta do Governo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à votação do artigo 1.º da proposta de lei n.º 35/IV.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e dos deputados independentes Oliveira e Costa e Borges de Carvalho, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, e a abstenção do PRD.

É o seguinte:

Artigo 1.º

Fica o Governo autorizado a continuar a execução, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 9/86, de 30 de Abril, dos programas plurianuais de reequipamento das Forças Armadas, com custos superiores a um milhão de contos em 1986, constantes do mapa anexo ao presente diploma.

O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação do artigo 2.º da proposta de lei n.º 35/IV.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e dos deputados independentes Oliveira e Costa e Borges de Carvalho, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, e a abstenção do PRD.

É o seguinte:

Artigo 2.º

Os saldos verificados em cada programa no fim do presente ano económico transitarão para o orçamento do ano seguinte, para reforço das dotações dos mesmos programas até à sua completa execução.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do artigo 3.º da proposta de lei n.º 35/IV.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e dos deputados independentes Oliveira e Costa e Borges de Carvalho, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, e a abstenção do PRD.
É o seguinte:

Artigo 3.º

Nos termos do artigo 6.º da Lei n.º I/85, de 23 de Janeiro, aos programas de reequipamento referidos no artigo 1.º aplicam-se as regras orçamentais dos programas plurianuais.

O Sr. Presidente: - Vamos proceder à votação do artigo 4.º da proposta de lei n.º 35/IV.

Submetido à votação; foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e dos deputados independentes Oliveira e Costa e Borges de Carvalho, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, e a abstenção do PRD.
É o seguinte:

Artigo 4.º

A presente lei produz efeitos a partir de l de Abril de 1986.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai proceder-se à votação final global da proposta de lei n.º 35/IV.

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e dos deputados independentes Oliveira e Costa e Borges de Carvalho, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, e a abstenção do PRD.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, peço a palavra para anunciar que vamos entregar na Mesa uma declaração de voto, por escrito.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço também a palavra para anunciar que, nos termos do acordo estabelecido na conferência de líderes, entregaremos na Mesa uma declaração de voto, por escrito.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Magalhães Mota (PRD): - Sr. Presidente, peço a palavra para anunciar que também nós respeitaremos o acordo estabelecido na conferência de líderes, pelo que entregaremos na Mesa uma declaração de voto, por escrito, onde explicitaremos que, se a votação tivesse sido feita separadamente, teríamos votado favoravelmente dois dos programas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vou submeter à votação final global o texto final sobre a ratificação n.º 17/IV (PCP) - Código das Custas Judiciais -, elaborado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

Submetido à votação, foi aprovado por unanimidade, registando-se a ausência dos deputados independentes Ribeiro Teles e Borges de Carvalho.

O Sr. Presidente: - Vou agora submeter à votação final global o texto final referente à proposta de lei n.º 28/1V e projectos de lei n.ºs 58/IV (PS) e 128/IV (PRD), sobre o regime do estado de sítio e do estado de emergência, elaborado pela Comissão de Defesa Nacional.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS e do deputado independente Oliveira e Costa, o voto contra da deputada independente Maria Santos e abstenções do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, nos termos constitucionais, o diploma sobre o regime do estado de sítio e do estado de emergência tem de ser votado na especialidade em Plenário. Quer isto dizer que não podemos proceder à votação final global antes de formalizarmos a votação na especialidade.

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Todavia, no âmbito das Comissões de Defesa Nacional e Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, tínhamos acordado, como é de resto usual, que a Câmara pudesse fazer a votação na especialidade por blocos, uma vez que o numeroso conjunto de preceitos tem, da parte de todos os partidos, votação similar.
Votaríamos, assim, em bloco aqueles artigos cuja votação é coincidente e separaríamos a votação daqueles em que há divergência e, como é natural, posteriormente todos daríamos por formalizada a votação nos termos em que foi feita. Mas temos de fazer isso indispensavelmente, por razões constitucionais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a nota que tenho na agenda, e portanto estava na pretensão de a cumprir, é a de que devíamos proceder à votação final global de um texto alternativo da proposta de lei n.º 28/IV e dos projectos de lei n.ºs 58/IV e 124/IV.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, na continuidade da interpretação que fiz há pouco, se V. Ex.ª consentisse, gostaria de fazer uma sugestão.
É que os preceitos cuja votação, em separado, teriam justificação face aos trabalhos da Comissão são os artigos 8.º, n.º 2, 10.º, n.º 3, 18.º, n.º 2, e 25.º, n.º 3. Isto encontra-se formalizado no parecer da Comissão, foi subscrito pelo Sr. Deputado Ângelo Correia, é datado de 15 de Julho e encontra-se no ponto 4.
Sugeria, pois, que fossem votados separadamente estes preceitos e, depois, em bloco, os demais.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, é muito difícil tomar nota dos elementos que anunciou. De resto, estamos a estudar precisamente o enunciado.

Pausa.

O parecer da Comissão diz precisamente que o texto final do projecto de decreto relativo ao regime do estado de sítio e do estado de emergência está em condições de ser submetido a votação final global. Daí o facto de sermos induzidos em erro.
Mas vamos ver isso e, depois, pedimos a colaboração de V. Ex.ª, se a Câmara estiver de acordo com a alteração.
Segundo me informa o Sr. Secretário, o Sr. Deputado Ângelo Correia pediu a palavra.
Faça favor.

O Sr. Ângelo Correia (PSD): - Sr. Presidente, é desnecessário que eu use agora da palavra porque, do meu ponto de vista, tudo o que disse o Sr. Deputado José Magalhães está certo, pelo que penso que devia ser aceite o método que ele propôs.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

Pausa.

Peço, então, a colaboração do Sr. Deputado José Magalhães. Em função da interpelação que fez, V. Ex.ª entende que devem ser postos à votação, na especialidade, os artigos 8.º, n.º 2, 10.º, n.º 3, 18.º, n.º 2 e 25.º, n.º 3. E os restantes?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, os artigos que enunciou devem ser votados na especialidade, separadamente; os demais devem ser votados em bloco, embora também na especialidade, para os efeitos regimentais e constitucionais. Os artigos que enunciou foram os que estabelecemos como dignos de votação separada no âmbito da Comissão de Defesa Nacional, dada, num dos casos, a ausência do CDS, que agora poderá ter ocasião de manifestar a sua posição de voto.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em presença da votação feita ulteriormente, pergunto se vêem algum inconveniente em que ela seja dada como anulada para se poder rectificar, segundo o critério que foi agora estabelecido.

Pausa.

Penso que não há objecções, pelo que entendo que estão todos de acordo quanto à metodologia indicada pelos Srs. Deputados Ângelo Correia e José Magalhães.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, para evitar precedentes perigosos na história desta Assembleia, penso que o que deve ficar exarado é que, por não ter sido rodeado dos requisitos necessários, a votação final global a que há pouco procedemos foi pura e simplesmente inexistente. A Assembleia não pode anular votações.
Portanto, tomamos a votação final global como não tendo sido feita e não criamos o precedente perigosíssimo de anular votações.
Na Assembleia não há fundamentos para anular votações.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Luís Nunes desculpe, desculpe mas não compreendi a primeira parte da sua intervenção.

O Sr. José Luís Nunes (PS): - Sr. Presidente, como V. Ex.ª, que é um distinto jurista, sabe muito bem, existem características de essencialidade em relação a determinados actos e essas características de essencialidade não foram cumpridas nesta votação, o que a torna inexistente.
A Assembleia não exprime nenhum acto de vontade opinativo ou nenhum voto de anulação, mas verifica que as características de essencialidade não foram cumpridas e só lhe resta fazer nova votação.
Isto para evitar precedentes gravíssimos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, repetindo a ideia, porque está conforme aos textos jurídicos e ao saber sempre esclarecido do Sr. Deputado José Luís Nunes, vamos concluir que a votação final global a que há pouco se procedeu é inexistente porque lhe falta

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ram os requisitos essenciais, pelo que vamos proceder à votação, na especialidade, do n.º 2 do artigo 8.º do texto final referente à proposta de lei n.º 28/IV e dos projectos de lei n.º 58/IV e 124/IV - sobre o regime do estado de sítio e do estado de emergência, elaborado pela Comissão de Defesa Nacional.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PSD, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE e do deputado independente Oliveira e Costa, e votos contra da deputada independente Maria Santos.
É o seguinte:

Artigo 8.º
1 - .............................................................
2 - Nos termos da declaração do estado de sítio, será total ou parcialmente suspenso ou restringido o exercício de direitos, liberdades e garantias, sem prejuízo do disposto no artigo 2.º, e estabelecida a subordinação das autoridades civis às autoridades militares ou a sua substituição por estas.

O Sr. Presidente: - Vamos votar o n.º 3 do artigo 10.º

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e do deputado independente Oliveira e Costa e votos contra do PRD, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.
É o seguinte:

Artigo 10.º

1 - ...............................................................
2 - ...............................................................
3 - Nem a Assembleia da República nem a sua Comissão Permanente podem, respectivamente, autorizar e confirmar a autorização com emendas.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vai ser submetido à votação o n.º 2 do artigo 18.º

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE, o voto contra da deputada independente Maria Santos, e abstenções do PSD, do CDS e do deputado independente Borges de Carvalho.
É o seguinte:

Artigo 18.º

......................................................................
2 - Mantêm-se igualmente em sessão permanente, com vista ao pleno exercício das suas competências de defesa da legalidade democrática e dos direitos dos cidadãos, a Procuradoria-Geral da República e o Serviço do Provedor de Justiça.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar de imediato o n.º 3 do artigo 25.º

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do CDS e do deputado independente Oliveira e Costa, votos contra do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, e a abstenção do PRD.

É o seguinte:

Artigo 25.º

..........................................................................
3 - Para além do disposto no n.º 3 do artigo 8.º, a autorização ou a confirmação não poderão ser condicionadas, devendo conter todos os elementos referidos no n.º 1 do artigo 14.º

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vão ser submetidos à votação todos os restantes artigos do texto alternativo, globalmente.

Submetidos à votação, foram aprovados, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do PCP, do CDS, do MDP/CDE, dos deputados independentes Oliveira Costa, Ribeiro Teles e Borges de Carvalho e o voto contra da deputada independente Maria Santos.
São os seguintes:

Artigo 1.º

(Estados de excepção)

1 - O estado de sítio ou o estado de emergência só podem ser declarados nos casos de agressão efectiva ou iminente por forças estrangeiras, de grave ameaça ou perturbação da ordem constitucional democrática ou de calamidade pública.
2 - O estado de sítio ou o estado de emergência declarados pela forma prevista na Constituição regem-se pelas normas constitucionais aplicáveis e pelo disposto na presente lei.

Artigo 2.º

(Garantias dos direitos dos cidadãos)

1 - A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afectar os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, a , não retroactividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos e a liberdade de consciência e de religião.
2 - Nos casos em que possa ter lugar, a suspensão do exercício de direitos, liberdades e garantias respeitará sempre o princípio da igualdade e não, discriminação e obedecerá aos seguintes limites:
a) A fixação de residência ou detenção de pessoas com fundamento em violação das normas de segurança em vigor será sempre comunicada ao juiz de instrução competente, no prazo máximo de 24 horas após a acorrência, assegurando-se designadamente o direito ao habeas corpus;
b) A realização de buscas domiciliárias e a recolha dos demais meios de obtenção de prova será reduzida a auto, na presença de duas testemunhas, sempre que possível residentes na respectiva área, e comunicada ao juiz de instrução, acompanhada de informação sobre as respectivas causas e resultados;
c) Quando se estabeleça o condicionamento ou interdição do trânsito de pessoas e da circulação de veículos, cabe às autoridades assegurar os meios necessários ao cumpri-

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mento no disposto na declaração, particularmente no tocante ao transporte, alojamento e manutenção dos cidadãos afectados;
d) Poderá ser suspenso qualquer tipo de publicações, emissões de rádio e televisão e espectáculos cinematográficos ou teatrais, bem como ser ordenada a apreensão de quaisquer publicações, não podendo estas medidas englobar qualquer forma de censura prévia;
e) As reuniões dos órgãos estatutários dos partidos políticos, sindicatos e associações profissionais não serão em caso algum proibidas, dissolvidas ou submetidas a autorização prévia.

3 - Os cidadãos cujos direitos, liberdades e garantias tiverem sido violados por declaração de estado de sítio ou de estado de emergência, ou por providência adoptada na sua vigência, ferida de inconstitucionalidade ou ilegalidade, designadamente por privação ilegal ou injustificada da liberdade, têm direito à correspondente indemnização, nos termos gerais.

Artigo 3.º

(Proporcionalidade e adequação das medidas)

1 - A suspensão ou restrição de direitos, liberdades e garantias previstas nos artigos 8.º e 9.º devem limitar-se, nomeadamente quanto à sua extensão, à sua duração e aos meios utilizados, ao estritamente necessário ao pronto restabelecimento da normalidade.
2 - A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência só pode alterar a normalidade constitucional nos termos previstos na própria Constituição e na presente lei, não podendo nomeadamente afectar a aplicação das regras constitucionais relativas à competência e ao funcionamento dos órgãos de soberania e dos órgãos de governos próprios das regiões autónomas e bem assim os direitos e imunidades dos respectivos titulares.

Artigo 4.º

(Âmbito territorial)

O estado de sítio ou o estado de emergência podem ser declarados em relação ao todo ou a parte do território nacional, consoante o âmbito geográfico das suas causas determinantes, só podendo sê-lo relativamente à área em que a sua aplicação se mostre necessária para manter ou restabelecer a normalidade.

Artigo 5.º

(Duração)

1 - O estado de sítio ou o estado de emergência terão duração limitada ao necessário à salvaguarda dos direitos e interesses que visam proteger e ao restabelecimento da normalidade, não podendo prolongar-se por mais de quinze dias, sem prejuízo de eventual renovação por um ou mais períodos, com igual limite, no caso de subsistência das suas causas determinantes.
2 - A duração do estado de sítio ou do estado de emergência deve ser fixada com menção do dia e hora dos seus início e cessação.
3 - Sempre que as circunstâncias o permitam, deve a renovação da declaração do estado de sítio ser substituída por declaração do estado de emergência.

Artigo 6.º

(Acesso aos tribunais)

Na vigência do estado de sítio ou do estado de emergência, os cidadãos mantêm, na sua plenitude, o direito de acesso aos tribunais, de acordo com a lei geral, para defesa dos seus direitos, liberdades e garantias lesados ou ameaçados de lesão por quaisquer providências inconstitucionais ou ilegais.

Artigo 7.º

(Crimes de responsabilidade)

A violação do disposto na declaração do estado de sítio ou do estado de emergência ou na presente lei, nomeadamente quanto à execução daquela, faz incorrer os respectivos autores em crime de responsabilidade.

CAPÍTULO II

Do estado de sítio e do estado de emergência

Artigo 8.º

(Estado de sitio)

1 - O estado de sítio é declarado quando se verifiquem ou estejam iminentes actos de força ou insurreição que ponham em causa a soberania, a independência, a integridade territorial ou a ordem constitucional democrática, e não possam ser eliminados pelos meios normais previstos na Constituição e na lei.
2 - ...............................................................
3 - As forças de segurança, durante o estado de sítio, ficarão colocadas, para efeitos operacionais, sob o comando do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, por intermédio dos respectivos comandantes-gerais.
4 - As autoridades administrativas civis continuarão no exercício das competências que, nos termos da presente lei e da declaração do estado de sítio, não tenham sido afectadas pelos poderes conferidos às autoridades militares, mas deverão em qualquer caso facultar a estas os elementos de informação que lhes forem solicitados.

Artigo 9.º

(Estado de emergência)

1 - O estado de emergência é declarado quando se verifiquem situações de menor gravidade, nomeadamente quando se verifiquem ou ameacem verificar-se casos de calamidade pública.

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2 - Nos termos da declaração do estado de emergência, apenas pode ser determinada a suspensão parcial do exercício de direitos, liberdades e garantias sem prejuízo do disposto no artigo 2.º, prevendo-se, se necessário, o reforço dos poderes das autoridades administrativas civis e o apoio às mesmas por parte das Forças Armadas.

CAPÍTULO III

Da declaração

Artigo 10.º
(Competência)

1 - A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência compete ao Presidente da República e depende da audição do Governo e da autorização da Assembleia da República ou, quando esta não estiver reunida nem for possível a sua reunião imediata, da respectiva Comissão Permanente.
2 - Quando autorizada pela Comissão Permanente da Assembleia da República, a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência terá de ser ratificada pelo Plenário logo que seja possível reuni-lo.

Artigo 11.º
(Forma)

A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência reveste a forma de decreto do Presidente da República e carece da referenda do Governo.
Artigo 12.º (Modificação)
Em caso de alteração das circunstâncias que tiverem determinado a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, as providências e medidas constantes da declaração poderão ser objecto de adequadas extensão ou redução, nos termos do artigo 27.º

Artigo 13.º
(Cessação)

1 - Em caso de cessação das circunstâncias que tiverem determinado a declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, será esta imediatamente revogada, mediante decreto do Presidente da República referendado pelo Governo.
2 - O estado de sítio ou o estado de emergência cessam automaticamente pelo decurso do prazo fixado na respectiva declaração e, em caso de autorização desta pela Comissão Permanente da Assembleia da República, pela recusa da sua ratificação pelo Plenário.

Artigo 14.º
(Conteúdo)

1 - A declaração do estado de sítio ou do estado de emergência conterá clara e expressamente os seguintes elementos:

a) Caracterização e fundamentação do estado declarado;
b) Âmbito territorial;
c) Duração;
d) Especificação dos direitos, liberdades e garantias cujo exercício fica suspenso ou restringido;
e) Determinação, no estado de sítio, dos poderes conferidos às autoridades militares, nos termos do n.º 2 do artigo 8.º;
f) Determinação, no estado de emergência, do grau de reforço dos poderes das autoridades administrativas civis e do apoio às mesmas pelas Forças Armadas, sendo caso disso;
g) Especificação dos crimes que ficam sujeitos à jurisdição dos tribunais militares, sem prejuízo do disposto no artigo 22.º

2 - A fundamentação será feita por referência aos casos determinantes, previstos no n.º 2 do artigo 19.º da Constituição, bem como às suas consequências já verificadas ou previsíveis no plano da alteração da normalidade constitucional.

Artigo 15.º
(Forma da autorização ou confirmação)

1 - A autorização ou confirmação pela Assembleia da República da declaração de estado de sítio ou de estado de emergência assume a forma de lei.
2 - Caso a Assembleia da República recuse a autorização ou confirmação, tal decisão assumirá a forma de resolução.
3 - Quando a autorização ou a sua recusa forem deliberadas pela Comissão Permanente da Assembleia da República assumirão a forma de resolução.

Artigo 16.º
(Conteúdo da lei de autorização ou confirmação)

1 - A lei de autorização da declaração do estado de sítio ou estado de emergência conterá a definição do estado a declarar e a delimitação pormenorizada do âmbito da autorização concedida em relação a cada um dos elementos referidos no artigo 14.º
2 - A lei de confirmação da declaração de estado de sítio ou estado de emergência deverá igualmente conter os elementos referidos no número anterior, não podendo contudo restringir o conteúdo do decreto de declaração.

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CAPÍTULO IV

Da execução da declaração

Artigo 17.º

(Competência do Governo)

A execução da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência compete ao Governo, que dos respectivos actos manterá informados o Presidente da República e a Assembleia da República.

Artigo 18.º

(Funcionamento dos órgãos de direcção e fiscalização)

1 - Em estado de sítio ou estado de emergência que abranja todo o território nacional o Conselho Superior de Defesa Nacional mantém-se em sessão permanente.

Artigo 19.º

(Competência das autoridades)

Com salvaguarda do disposto nos artigos 8.º e 9.º e respectiva declaração, compete às autoridades, durante o estado de sítio ou o estado de emergência, a tomada das providências e medidas necessárias e adequadas ao pronto restabelecimento da normalidade.

Artigo 20.º

(Execução a nível regional e local)

1 - Com observância do disposto no artigo 17.º e sem prejuízo das competências do Ministro da República e dos órgãos de governo próprio, o emprego das Forças Armadas para execução da declaração de estado de sítio nas regiões autónomas é assegurado pelo respectivo comandante-chefe.
2 - Com observância do disposto no artigo 17.º, a execução da declaração do estado de emergência nas regiões autónomas é assegurada pelo Ministro da República, em cooperação com o governo regional.
3 - No âmbito dos poderes conferidos às autoridades militares nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 8.º, a execução da declaração do estado de sítio no território continental, a nível local, é assegurada pelos comandantes militares, na área do respectivo comando.
4 - Também sem prejuízo das atribuições do Governo da República, no território continental a execução da declaração do estado de emergência, a nível local, é coordenada pelos governadores civis, na área da respectiva jurisdição.

Artigo 21.º

(Comissários governamentais)

Em estado de sítio ou estado de emergência, pode o Governo nomear comissários da sua livre escolha para assegurar o funcionamento de institutos públicos, empresas públicas e nacionalizadas e outras empresas de vital importância nessas circunstâncias, sem prejuízo do disposto na presente lei quanto à intervenção das autoridades militares.

Artigo 22.º

(Sujeição a foro militar)

- Sem prejuízo da especificação dos crimes que à jurisdição dos tribunais militares devem ficar sujeitos nos termos da declaração do estado de sítio, competirá a estes tribunais a instrução e julgamento das infracções ao disposto naquela declaração.
2 - Aos tribunais militares caberá igualmente, nos termos do número anterior, a instrução e julgamento dos crimes dolosos, directamente relacionados com as causas que nos termos da respectiva declaração caracterizem e fundamentem o estado de sítio, praticados durante a sua vigência, contra a vida, a integridade física e a liberdade das pessoas, o direito de informação, a segurança das comunicações, o património, a ordem e a tranquilidade públicas.
3 - Os crimes referidos são para o efeito equiparados aos essencialmente militares.

Artigo 23.º

(Subsistência do foro civil)

1 - Com salvaguarda do disposto no artigo anterior, bem como do que sobre esta matéria constar da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência quanto aos direitos, liberdades e garantias cujo exercício tiver sido suspenso ou restringido, nos termos da Constituição e da presente lei, os tribunais comuns mantêm-se, na vigência daqueles estados, no pleno exercício das suas competências e funções.
2 - Cabe-lhes em especial, durante a mesma vigência, velar pela observância das normas constitucionais e legais que regem o estado de sítio ou o estado de emergência.

Artigo 24.º

(Pedido de autorização à Assembleia da República)

1 - O Presidente da República solicitará à Assembleia da República, em mensagem fundamentada, autorização para declarar o estado de sítio ou o estado de emergência.
2 - Da mensagem constarão os factos justificativos do estado a declarar, os elementos referidos no n.º 1 do artigo 14.º e a menção da audição do Governo, bem como da resposta deste.

Artigo 25.º

(Deliberação da Assembleia da República)

l1 - A Assembleia da República, ou quando esta não estiver reunida nem for possível a sua reunião imediata, a respectiva Comissão Permanente, pronunciar-se-ão sobre o pedido de autorização da

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declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, nos termos do Regimento e do disposto no n.º 2 do artigo 28.º
2 - A autorização e a confirmação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência ou a sua recusa pelo Plenário da Assembleia da República têm a forma de lei, revestindo a sua autorização ou recusa pela Comissão Permanente a forma de resolução.
3 - ........................................................................
4 - Pela via mais rápida e adequada às circunstâncias, a Assembleia da República consultará os órgãos de governo próprio das regiões autónomas, nos termos do artigo 231, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, sempre que a declaração do estado de emergência ou do estado de sítio se refira ao respectivo âmbito geográfico.

Artigo 26.º

(Confirmação da declaração pelo Plenário)

1 - A confirmação pelo Plenário da Assembleia da República da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência autorizada pela Comissão Permanente da Assembleia da República processar-se-à nos termos do Regimento.
2 - Para o efeito do número anterior, o Plenário deve ser convocado no prazo mais curto possível.
3 - A recusa de confirmação não acarreta a invalidade dos actos praticados ao abrigo da declaração não confirmada e no decurso da sua vigência, sem prejuízo do disposto nos artigos 6.º e 7.º

Artigo 27.º

(Renovação, modificação e revogação da declaração)

1 - A renovação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, bem como a sua modificação no sentido da extensão das respectivas providências ou medidas, seguem os trâmites previstos para a declaração inicial.
2 - A modificação da declaração do estado de sítio ou do estado de emergência no sentido da redução das respectivas providências ou medidas, bem como a sua revogação, operam-se por decreto do Presidente da República, referendado pelo Governo, independentemente de prévia audição deste e de autorização da Assembleia da República.

Artigo 28.º

(Carácter urgentíssimo)

1 - Os actos de processo previstos nos artigos anteriores revestem natureza urgentíssima e têm prioridade sobre quaisquer outros.
2 - Para a execução dos mesmos actos, a Assembleia da República ou a sua Comissão Permanente reúnem e deliberam com dispensa dos prazos regimentais, em regime de funcionamento permanente.
3 - A lei da Assembleia da República que conceder ou recusar a autorização e o decreto do Presidente da República que declarar o estado de sítio, o estado de emergência ou a modificação de qualquer deles no sentido da sua extensão ou redução são de publicação imediata, mantendo-se os serviços necessários àquela publicação, para o efeito, em regime de funcionamento permanente.

Artigo 29.º

(Apreciação da aplicação da declaração)

1 - Até quinze dias após a cessação do estado de sítio ou do estado de emergência ou, tendo ocorrido a renovação da respectiva declaração, até quinze dias após o termo de cada período, o Governo remeterá à Assembleia da República relatório pormenorizado, e tanto quanto possível documentado, das providências e medidas adoptadas na vigência da respectiva declaração.
2 - A Assembleia da República, com base nesse relatório, e em esclarecimentos e documentos que eventualmente entenda dever solicitar, apreciará a aplicação da respectiva declaração, em forma de resolução votada pelo respectivo Plenário, da qual constarão nomeadamente as providências necessárias e adequadas à efectivação das eventuais responsabilidades civil e criminal, por violação do disposto na declaração de estado de sítio ou do estado de emergência ou na presente lei.
3 - Quando a competência fiscalizadora prevista no número antecedente for exercida pela Comissão Permanente da Assembleia da República, a resolução desta será ratificada pelo Plenário logo que seja possível reuni-lo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação final global deste texto alternativo.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PSD, do PS, do PRD, do CDS, dos deputados independentes Oliveira Costa e Borges de Carvalho, votos contra da deputada independente Maria Santos e abstenções do PCP e do MDP/CDE.

O Sr. Presidente: - Para uma declaração de voto, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como o PCP já sublinhou em declaração de voto aquando do debate na generalidade, as iniciativas legislativas do PS, do PRD e do Governo, que estiveram na base da elaboração do texto agora votado, não davam a adequada resposta ou não davam resposta com suficientes garantias a algumas das mais sérias dificuldades que as situações excepcionais do estado de sítio e do estado de emergência comportam, no quadro do pleno respeito do Estado democrático.
No texto final entendemos que não foram superados os desvios de base, nem todas as insuficiências.
Devendo ser uma trave fundamental do edifício constitucional e legal em defesa da democracia, esta lei pode assim vir a ser instrumentalizada e utilizada exactamente com o objectivo oposto. Importa tudo fazer para que assim não aconteça.
A circunstância desta lei ter sido discutida e votada num quadro de pressão governamental sobre a Assembleia, em torno da lei de segurança interna, lança as maiores dúvidas sobre a sua oportunidade, uma vez

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que, ao contrário do que desejavam alguns, não foi excluído o risco de vir a ser manipulada como peça de um pacto de leis repressivas.
Isto apesar de com esta lei ter ficado completamente esclarecido que o nosso Estado de direito democrático só comporta dois estados de excepção e não quaisquer outros, designadamente de iniciativa e âmbito governamental.
Importa salientar, por outro lado, que a solução encontrada para a autorização pela Assembleia da República da declaração do estado de sítio e do estado de emergência constitui uma grave limitação às competências constitucionais da Assembleia.
O PCP fez todos os esforços para que a Assembleia não ficasse reduzida ao papel de dizer sim ou não ao pedido de autorização da declaração do estado de sítio e do estado de emergência sem poder alterar ou confirmar o respectivo texto. Não o conseguimos nesta sede. Considera que este é, todavia, um dos aspectos especialmente negativos do articulado.
Embora não tenham sido concretizadas algumas das esperanças que se poderiam alimentar quando procedemos à votação do texto na generalidade, o PCP não quer deixar de sublinhar dois aspectos: em primeiro lugar, o clima de trabalho construtivo verificado na Comissão; em segundo lugar, o facto de ter visto acolhidas algumas das propostas que formulámos nos termos constantes das respectivas actas.
Foi sobretudo para valorizar esse trabalho positivo efectuado na especialidade que o Partido Comunista Português se absteve na presente votação.

Vozes do PCP: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deu entrada na Mesa, a proposta de deliberação n.º 9, subscrita por representantes de todos os grupos parlamentares, que é do seguinte teor:

Proposta de deliberação n.º 9

Considerando a necessidade de preparar os trabalhos para a próxima sessão legislativa, torna-se necessário que as comissões possam ser convocadas pelo Presidente da Assembleia da República durante o mês de Setembro próximo.
Para tanto, a Assembleia da República delibera: o Presidente pode promover a convocação de qualquer comissão para os 45 dias anteriores ao início da sessão legislativa, a fim de preparar os trabalhos desta.

Srs. Deputados, de imediato vamos votar a proposta de deliberação agora lida.

Submetida à votação, foi aprovada por unanimidade, registando-se a ausência do deputado Ribeiro Teles.

O Sr. Presidente: - Vai ser submetida à votação, na generalidade, a proposta de lei n.º 26/IV (lei de segurança interna).

Submetida à votação, foi aprovada, com votos a favor do PSD, do CDS, dos deputados independentes Oliveira Costa e Borges de Carvalho, votos contra do PCP, do MDP/CDE, da deputada independente Maria Santos, dos deputados Manuel Alegre e Rui Vieira (PS), e Vasco da Gama Fernandes (PRD), e as abstenções do PS e do PRD.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora entrar na discussão na especialidade.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, desculpe-me mas V. Ex.ª anunciou que iríamos agora entrar no debate na especialidade?

O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado.
Sempre que tem lugar uma votação na generalidade passa-se à especialidade, salvo se houver um requerimento em contrário.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Sr. Presidente, com efeito vai ser apresentado um requerimento para baixa à Comissão da proposta de lei agora votada.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, vamos aguardar uns momentos.
Entretanto, quero avisar os Srs. Deputados e muito especialmente os Srs. Presidentes das Comissões Parlamentares de que a conferência de líderes sugeriu que o Presidente da Assembleia da República convocasse as comissões para a próxima semana, quando fosse julgado útil e necessário, para o efeito da redacção final dos diplomas que mereceram a votação final global.

Pausa.

Srs. Deputados, penso que o requerimento já tem as assinaturas regimentais, pelo que agradeço o favor de o fazer chegar à Mesa.

Pausa.

Srs. Deputados, acaba de dar entrada na Mesa um requerimento do seguinte teor:

Os deputados abaixo assinados requerem a baixa à Comissão da proposta de lei n.º 26/IV (lei da segurança interna), pelo prazo de 90 dias.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, a minha interpelação é no sentido de fazer um apelo - se me é permitido - aos colegas deputados que subscreveram esse requerimento, para ponderarem sobre um encurtamento substancial do prazo apresentado.
Trata-se, é certo, de um diploma complexo, mas que se encontra entre nós há muito tempo, que foi largamente debatido junto da opinião pública e nesta própria Câmara. São apenas dezoito artigos e a sua urgência é, certamente, reconhecida pela maioria dos senhores deputados.
Nestes termos, penso que, com um sacrifício adicional da Comissão encarregada da sua análise na especialidade, seria possível que o prazo fosse substancialmente encurtado. É esse o apelo que deixo aos Srs. Deputados, para podermos votar o requerimento em conformidade.

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O Sr. Presidente: - O apelo está feito, pelo que agradeço aos Srs. Deputados o favor de se manifestarem sobre ele, em representação das respectivas bancadas.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, era nossa intenção, antes de o Sr. Deputado António Capucho ter pedido a palavra no sentido em que a exerceu, suscitar a questão do prazo, mas em termos precisamente inversos. É que nós entendemos que há artigos que valem por códigos inteiros e, certamente, leis que não se medem aos artigos, e esta é, inquestionavelmente, uma dessas leis.
Por outro lado, a articulação do processo legislativo e a ponderação adequada das questões suscitadas exigem condições que não estão reunidas e que, de modo algum, justificam uma aceleração como aquela que é preconizada.
Pela nossa parte, propenderíamos até a propor, em nome de prazos «de verdade», que o calendário fosse alongado para 120 dias, pelo menos.
É essa, de resto, a proposta que deixamos às outras bancadas, atenta a natureza, as implicações e até as condições de trabalho da Assembleia da República, face ao calendário que, neste momento, se encontra projectado, como todos os Srs. Deputados sabem.
Era, pois, este o apelo que queríamos aqui deixar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A nosso ver, o que é de estranhar é que um partido que votou favoravelmente a proposta de lei de segurança interna tenha ficado na expectativa de verificar o comportamento dos partidos que se abstiveram perante a mesma proposta de lei, quanto à apresentação do requerimento e respectivo prazo.
A nossa expectativa é de que o Sr. Deputado António Capucho e os deputados da sua bancada apresentem um requerimento para a votação na especialidade desta lei, com o prazo que considerem ideal.
Em face desse requerimento - se aparecer - tomaremos a posição que acharmos mais adequada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, nós entendemos que o único sentido útil do esforço que a Assembleia da República fez para aprovar na generalidade esta lei foi o de que ela fosse também aprovada na especialidade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Ora essa!

O Orador: - Isto é, em nosso entender, não faz sentido que, tendo todas as bancadas, e particularmente o Governo, reconhecido aqui a enorme urgência da aprovação desta lei e a necessidade do País...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem é que reconheceu?!

O Orador: - ... de dispor de instrumentos fundamentais para defender o Estado e os cidadãos contra ameaças, que são iminentes e actuais, não se prolongue esse esforço por mais alguns dias, com vista a, pelo menos, podermos averiguar da possibilidade de esta lei vir a ser votada na especialidade ainda durante esta sessão legislativa.
Portanto, pela nossa parte, fazemos um apelo às restantes bancadas, no sentido de que a proposta de lei baixe à Comissão pelo mínimo prazo possível, por forma a que possa ser apreciada e votada até 30 de Julho, ou seja, dentro da actual sessão legislativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Capucho.

O Sr. António Capucho (PSD): - Sr. Presidente, em forma de interpelação à Mesa e porque fui desafiado a apresentar um requerimento com um prazo mais curto, apenas quero dizer o seguinte: a nossa bancada não tencionava apresentar qualquer requerimento, pelo simples facto de que estava disponível para discutir na especialidade, nesta sede e imediatamente, o diploma em causa.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - E já referiu, em sede de conferência de líderes, que estaria também disponível para, num prazo muito curto - compreendendo as razões que levam outras bancadas a pretender fazer baixar o diploma à Comissão -, de oito dias, ou seja, até ao final deste mês, aprovar o diploma, pelas razões que acabei de referir e que o Sr. Deputado Gomes de Pinho declinou na Câmara.
Não faço um requerimento como um mero gesto político pois é uma questão processual. Sei perfeitamente qual vai ser o destino do requerimento e, por isso, quis apenas apelar aos partidos que o subscreveram e que representam a maioria nesta Câmara para que ponderem as razões que invocámos.
Gostaria que me fosse dada resposta a esse apelo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Tem, V. Ex.ª, a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se, nos termos regimentais, o Governo tem direito de intervir, neste, momento, relativamente à discussão de um requerimento.

O Sr. Presidente: - Não tem, Sr. Deputado.
Nem o Governo nem os Srs. Deputados têm direito de intervir, pois os requerimentos são apresentados e votados sem discussão.

O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Fiz esta pergunta porque penso que seria importante conhecermos a opinião do Governo sobre esta matéria. É que o Governo tem uma particular responsabilidade...

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O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): - Não é a nossa opinião!

O Orador: - Sr. Deputado, não é necessário, porventura, para o Sr. Deputado, mas é para a minha bancada.
Eu não estou a impor ao Governo que se pronuncie, estou apenas a dizer que, do ponto de vista da minha bancada, seria importante saber o que pensa o Governo sobre isto. Mas, porventura, o Governo está impedido de o dizer neste momento e basta-me a informação que o Sr. Presidente me deu.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos votar o requerimento.

Submetido à votação, foi aprovado, com votos a favor do PS, do PRD, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos, votos contra do PSD e do CDS, e a abstenção dos deputados independentes Borges de Carvalho e Oliveira e Costa.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos prosseguir o debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 29/IV.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, peço a palavra para interpelar a Mesa.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Soares Cruz (CDS): - Sr. Presidente, ao abrigo das disposições regimentais, peço a interrupção dos trabalhos por quinze minutos.

O Sr. Presidente: - O pedido é regimental, pelo que interrompo os trabalhos por quinze minutos.

Eram 19 horas e 5 minutos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.

Eram 19 horas e 40 minutos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Com pezinhos de lã, para justificar «uma profunda revisão da Lei n.º 77/77, de 29 de Setembro», apresenta-nos o Governo na sua exposição de motivos, na proposta de alteração desta lei, que «existe hoje uma ideia mais clara sobre a repercussão que a rigidez dos seus princípios teve na prática, nomeadamente na prossecução do seu grande objectivo - a valorização do mundo rural e das classes mais desprotegidas e ligadas à terra» e onde se fala também no «papel constitucionalmente imperativo de abertura do acesso à terra» e na «promoção de gentes e povoando as terras».
Porém, no preâmbulo de apresentação e justificação da proposta de lei do arrendamento rural, aparece-nos como objectivo desta proposta este mimo de concepção de política agrícola:

[...] o objectivo de proporcionar aos legítimos proprietários das terras as garantias mínimas indispensáveis que os estimule e arrendá-las.
Este contraste preambular em duas propostas de lei diferentes, mas dentro do mesmo mundo - agricultura - e proveniente do mesmo órgão - o Governo -, é, no mínimo, hipócrita.
Como se não bastasse, lá vem o «chavão»:

[...] a necessidade de ter em conta a adesão de Portugal à CEE.

Enfim, com meia dúzia de palavras contraditórias e inconsequentes, e meramente circunstanciais, pretende o Governo justificar a proposta de alteração de uma lei base perante a qual o Governo e o PSD não se coibiram de praticar, por intermédio dos seus ministros na pasta da Agricultura, desde há vários anos, algumas arbitrariedades de que o inquérito aos actos do MAPA, a decorrer presentemente, são bem o exemplo!
Pensávamos, por isso, que as alterações seriam para colmatar estas deficiências de maneira a evitar actos escandalosos a que se tem assistido.
Mas nada disso!
Na leitura das alterações apresentadas é fácil verificar em todo, ou quase todo, o articulado proposto a ferida constitucional intencional. A pretexto de alteração de alguns artigos, pretende-se macular todos os princípios constitucionais da Reforma Agrária, tocando nos artigos que apresentam substância, deixando aqui e além a alteração do articulado, imposto pela própria mecânica.
Assim, e sobre os aspectos constitucionais, já a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, no seu relatório de 21 do corrente, entende «[...] que a proposta de lei n.º 29/IV, contém normas que, a virem a ser aprovadas, deveriam ou poderiam ser consideradas inconstitucionais [...]».
Citemos o artigo 34.º da proposta de lei onde, no ponto 2, se deixa transparecer de forma pouco clara a referência à participação dos trabalhadores como preceitua o artigo 104.º da lei fundamental; o artigo 40.º, onde, descaradamente, se pretende permitir que os prédios possam vir a ser objecto de propriedade privada novamente; o artigo 46.º, em que se viola frontalmente o princípio consagrado no artigo 83.º da Constituição (irreversibilidade das nacionalizações efectuadas após o 25 de Abril).
Se, por um lado, como atrás se diz, o Governo pretende ferir a Constituição intencionalmente, não é menos verdade que, com estas alterações propostas, pretenderia acarretar a instabilidade, a incerteza e a insegurança sociais e económicas à zona da Reforma Agrária. Aliás, tem havido como que uma tentativa de predisposição psicológica por parte do Sr. Ministro da Agricultura, junto das cooperativas, e UCPs, como se pode inferir das suas palavras produzidas em Évora a 21 de Maio, em que anunciou estar em curso um inquérito às UCPs/cooperativas, adicionando logo, sem saber qual o resultado do inquérito, que apenas 15 % daquelas instituições agrárias é que eram viáveis.
Não é estranho também que, em resposta ao Sr. Deputado António Barreto, o Sr. Ministro da Agricultura tenha considerado a Cooperativa Agrícola do Ciborro como inviável.
Certamente os deputados da Comissão de Agricultura e Mar terão ficado com outra opinião durante a sua visita a esta Cooperativa no princípio do mês de Junho.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Esta proposta de lei não visa alterar alguns artigos da Lei n.º 77/77, mas tão-só anular a Lei de Bases da Reforma Agrária.

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Vejamos alguns aspectos:
Com a proposta para eliminar o artigo 29.º, deixaria de haver limites para as áreas de reserva;
Os contitulares, heranças indivisas e sociedades poderiam requerer até 4 (!) reservas mais as respectivas majorações (critério estranho este de poder requerer até 4 reservas! Por que não 40?). Imagine-se cinco contitulares a poderem «apenas» requerer 4 reservas! Ou três contitulares a não poderem requerer 4 reservas! Cómica situação!;
Facilitaria e legitimaria as falsas «doações», de maneira a que se furtassem a acções de expropriação por diminuição fictícia do seu património e permitiria que as reservas se pudessem multiplicar até ao infinito;
Permitiria requerer o desconto de pretensas «benfeitorias» que os agrários tivessem realizado nos prédios para o cálculo das pontuações e da área de reserva, sem quaisquer limites em contrapartida;
Por outro lado, acabaria com os direitos das UCPs/cooperativas agrícolas aos fundos pendentes e indemnizações por benfeitorias e outros investimentos;
Possibilitaria a reversão de herdades expropriadas ou nacionalizadas para os seus anteriores titulares, mediante portaria conjunta do Primeiro-Ministro, do Ministro das Finanças e do Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação;
Etc.

Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O que pretende afinal o Governo com esta proposta de lei?
Por um lado, dar cobertura às ilegalidades actuais de que, como já acentuei, é bom exemplo toda a matéria constitutiva do dossier sobre o inquérito aos actos do MAPA na zona de intervenção da Reforma Agrária. Por outro lado, continuar a acentuar a instabilidade, a insegurança e a incerteza.
É a grande interrogação dos trabalhadores nas UCPs/cooperativas saber se podem alargar a reconversão dos terrenos incultos, se podem aumentar o activo pecuário, se podem criar condições para alargar a área de regadio sem que o espectro do medo de que tudo isso lhes seja retirado, como, infelizmente, tem sido a actuação do MAPA de algum tempo a esta parte. É este receio, é esta dúvida, que tem de ser banida para sempre dos campos da Reforma Agrária.
Como dizia um director de uma cooperativa a alguns deputados da Comissão de Agricultura, depois de uma visita, «se gostaram, Srs. Deputados, não permitam que as alterações propostas à Lei n.º 77/77, nos levem, isto tudo!».
Que o PSD e o seu governo e os seus ministros, que há muitos anos ocupam a pasta da Agricultura, se interessem por uma verdadeira reconversão agrária neste país e, aí sim, porque estamos na CEE, deixem de lutar, constantemente, contra uma das mais belas conquistas do 25 de Abril e que em termos agrícolas representa apenas 10% do solo arável em Portugal e cerca de 8% do PAB.
Fácil será inferir que da parte do Partido Socialista iremos votar contra a proposta de alteração, com a certeza de que, em tempo oportuno, apresentaremos uma proposta de alteração para melhorar mas nunca para anular a actual lei existente.

Aplausos do PS.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vasco Miguel.

O Sr. Vasco Miguel (PSD): - Sr. Deputado Alberto Avelino, da sua intervenção fiquei com a ideia de que o Sr. Deputado entrou por um campo conclusivo relativamente ao inquérito que está a decorrer sobre acções levadas a cabo pelo MAPA, o que não me parece ser o melhor espírito que devemos ter nesta questão. Quanto a mim, devemos guardar sigilo sobre o inquérito e não devemos tirar conclusões apressadas. Aliás, se algumas tivessem de ser tiradas - e eu não vou referi-las - talvez não coincidissem com aquelas que o Sr. Deputado aqui referiu.
O que lhe quero perguntar, Sr. Deputado, é isto: por que é que - e isto não foi desmentido -, quando o Sr. Ministro da Agricultura referiu que grande parte desta lei, a sua quase totalidade com excepção de um artigo, estava sintonizada com o acordo feito pelo anterior governo, o Sr. Deputado não falou na questão da inconstitucionalidade?
Então, não é verdade que o Sr. Ministro da Agricultura disse ao seu colega de bancada, Sr. Deputado António Campos, que só um artigo desta proposta de lei não coincidia com o acordo feito entre o PS e o PSD para a elaboração de uma nova lei de bases da Reforma Agrária?
Agora, o Sr. Deputado vem dizer que esta lei é inconstitucional e o que lhe pergunto e só isto: então é inconstitucional agora e não o era na altura em que se fez esse acordo para apresentação de uma nova lei de bases da Reforma Agrária?
Sr. Deputado, diga-me sinceramente: concorda com a actual situação no Alentejo?
Sr. Deputado Alberto Avelino, conheço-o suficientemente bem para saber que o Sr. Deputado foi ali à tribuna fazer um «frete», que a intervenção que produziu não corresponde, no mínimo, ao seu pensamento, que não está sintonizada com a sua ideia.
A sua ideia deve coincidir com a minha ...

Risos do PS.

... é preciso resolver o problema do Alentejo; é preciso pacificar, de uma vez por todas, o Alentejo; é preciso legitimar, de uma vez por todas, os detentores de terra no Alentejo!

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Olhe que não temos a mesma ideia!

O Orador: - Mas, Sr. Deputado, não é anulando sistematicamente as tentativas para estabilizar a agricultura no Alentejo que se consegue ir a algum lado.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Avelino.

O Sr. Alberto Avelino (PS): - Sr. Deputado Vasco Miguel, é lógico que a minha ideia não pode coincidir com a sua: o Sr. Deputado é do PSD e eu sou do PS, há muito tempo que o senhor está de um lado e eu do outro. Logo, não confunda coincidência com a amizade que nos liga há muito tempo!

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Devo ainda dizer-lhe que não fiz «frete» algum em produzir a intervenção que formulei, pelo contrário: não sou o his master voice de ninguém!
O Sr. Deputado pergunta-me se concordo ou não com a situação vivida no Alentejo. Como deputado, o senhor esteve lá comigo, visitámos uma cooperativa, como podíamos ter visitado mais, mas palmilhámos quilómetros pelo Alentejo e, como ambos somos caçadores, de vez enquando andamos por lá com uma espingarda às costas e a verdade é que - e sinceramente o digo - nunca lá vi guerra alguma. Admito que haja alguma instabilidade, mas o que é certo é que a instabilidade não pode ser vista apenas numa perspectiva.
A questão da instabilidade e da segurança terá de ser vista não no aspecto da insegurança em termos pessoais mas, sim, como consequência da falta de créditos. É preciso ver se se podem tornar mais produtivos alguns terrenos incultos. Por exemplo, como hoje vimos, na Cooperativa Herdade do Ciborro - quem a conhecia e quem a conhece! - era bom que se pudesse alargar mais o efectivo pecuário porque, de facto, é um espectro de medo constante que aí se vive. É, pois, nesse aspecto que cito a instabilidade e a insegurança, Sr. Deputado!
Não há guerra no Alentejo e é curioso que lá também não se queimam searas nem se fazem fogachadas.
Quanto à questão do dossier do inquérito, devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que respeitei o sigilo próprio. Apenas referi que existe um dossier. Porém, como o Sr. Deputado sabe, todos recebemos material a esse respeito sem sequer estar constituída uma comissão para o efeito. Tenho alguns documentos a priori sobre essa matéria, mas não os citei: fiz um pequeno genérico num aspecto.
Relativamente a saber se só agora a presente lei é considerada inconstitucional e se não o era há um ano e tal, pergunto-lhe se não foi uma das causas da ruptura da coligação PS/PSD o pacote agrícola. Foi ou não? Ouvi dizer que sim e, como membro da Comissão Permanente, sei que essa foi uma questão que se colocou.
Devo ainda referir que citei aqui a questão dos indivisos como inconstitucional - aliás, a própria Comissão reconheceu-a como tal - e não foi reconhecida a alteração desta proposta como inconstitucional porque «por morrer uma andorinha não acaba a Primavera». Daí, a posição do PRD, que, embora reconhecendo isso num ou noutro ponto, considerou que no conjunto nada obstava a que ela fosse discutida na generalidade - e foi isso o que se fez -, com a ressalva de que também votaria contra.
Para terminar, peço-lhe, mais uma vez, Sr. Deputado, que não confunda a amizade que temos com a coincidência dos nossos pontos de vista, pois é natural que haja grande diferença!

Vozes do PS: - Muito bem!

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas.

O Sr. Luís Capoulas (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Uma reforma agrária que incentivasse a modernização das estruturas agrícolas nacionais, que penalizasse o arcaísmo agrário ainda subsistente, que promovesse económica, social e culturalmente o homem rural português e que contribuísse determinantemente para a consolidação económica do regime democrático nascente era não só um legítimo anseio das populações rurais à data do 25 de Abril como um sólido alicerce do interesse nacional, particularmente numa época em que a anunciada descolonização viria, necessariamente, reequacionar os factores da nossa produção agrícola, pecuária e florestal.
Foi, pois, com vigorosa esperança que os agricultores portugueses aguardaram as reformas desejadas e prometidas. Bem cedo essa vigorosa esperança deu lugar a uma profunda decepção, porque em vez das reformas surgiu a revolução, em vez dos apoios as perseguições, em vez da oportunidade para o desenvolvimento deparou-se-lhes o fantasma do colectivismo absoluto e retrógrado.
Tais ameaças logo tiveram a forma de lei, a forma de uma lei fundamentalmente de fachada.
O persecutório Decreto-Lei n.º 406-A/7 S, de 25 de Junho, apenas visou dar uma máscara legal ao surto de violência e de anarquia que a elite revolucionária semeava pelos campos, já em desenvolvimento no Alentejo, e que se projectava estender a todo o país. A hipocrisia e o obseuro desígnio gonçalvista foi ao ponto de, em prol da libertação e emancipação dos operários agrícolas e dos pequenos agricultores, determinar no terreno o seu extermínio como agricultores autónomos e a sua integração coerciva nos novos e maiores latifúndios, sucedâneos dos que preexistiam, as desde logo designadas unidades colectivas de produção.
Para os trabalhadores assalariados o slogan «a terra a quem a trabalha» rapidamente foi substituído pelo da «batalha da produção» para defesa das «irreversíveis conquistas revolucionárias» e luta contra os «perigosos empresários sabotadores». Tratava-se, afinal e simplesmente, da extemporânea tradução para português do primeiro volume da reforma agrária russa dos anos trinta.
Em vez da reforma agrária do 25 de Abril tivemos o desastre agrário do 11 de Março!

Vozes do PCP: - Desastre!

O Orador: - Felizmente que o advento do 25 de Novembro, ao conter a onda revolucionária, fez cingir à posteriormente designada zona de intervenção da Reforma Agrária a desgraça económica e a degradação de valores éticos objectivados pelos estrategas revolucionários como pressuposto necessário à imposição ao povo português de uma nova ditadura.
Foi assim, na sequência desta façanha regeneradora do ideal democrático, que o governo de Pinheiro de Azevedo veio legislar, pelos Decretos-Leis n.ºs 236-A/76, de 5 de Abril, e 492/76, de 23 de Junho, no sentido de pôr cobro às ocupações selvagens, às prepotências sobre os pequenos e médios agricultores, ao desboroar da produção agrícola e, em suma, à trágica «política do facto consumado».
Criaram-se, então, e só então, os mecanismos indispensáveis ao exercício do direito de reserva e reconheceu-se a inevitabilidade do pagamento das indemnizações.
Mas tais decretos, bem-vindos àquela data, ainda que deles continuasse a transparecer um grande menosprezo pelo papel da agricultura privada, vieram estatuir um regime de excepção para cerca de um terço do território nacional. Ao delimitar a zona de intervenção da

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Reforma Agrária, à região do Alentejo, o Decreto-Lei n.º 236-B/76, quebrou a unidade nacional da política agrícola e do instituto jurídico da posse da terra, consagrando também ele uma situação de facto consumado.
O argumento da «existência de duas zonas social e economicamente bem diferenciadas do ponto de vista agrícola» não pode colher, sabido como é que em todo o País, ainda que com diferentes pesos relativos, existem pequenas, médias e grandes explorações e sendo certo não ser a área da exploração o factor mais influente da sua viabilidade económica.
De qualquer modo, como escreveu Sousa Tavares, nenhum argumento justificaria a fragmentação da ordem jurídica nacional sob pena de se estar a contribuir para a própria fragmentação da Pátria, que é pátria de todos os portugueses.
Aprovada a Constituição da República, empossado o governo Mário Soares, foi finalmente possível lançar mãos à elaboração da Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária, instrumento delineador e enquadrador das traves mestras da política agrária nacional, assim se procurando começar a suprir o vazio jurídico em que o sector caíra.
O pó do remoinho revolucionário começava a assentar, impunha-se o arranque para a recuperação dos desmandos cometidos e para a reconstrução do nosso edifício económico, tão seriamente abalado.
A Lei n.º 77/77 veio reconduzir o empresário à agricultura, dar a dimensão humana à exploração da terra, reabrir aos campos do Alentejo a porta da liberdade, devolver ao povo alentejano o direito à esperança.
Apesar de incluir algumas disposições injustas, apesar de enfermar de alguma conceptualização errónea, apesar de manter a discriminação regional do Alentejo no contexto do País, foi com natural expectativa que na malfadada zona de intervenção da Reforma Agrária se aguardou a tradução no terreno dos direitos que a lei consagrava às figuras do agricultor autónomo e do empresário agrícola, proprietário ou rendeiro.
Nova decepção nos esperava!
O Estado de direito não dispunha de autoridade suficiente para impor o cumprimento da lei. A instabilidade governativa, o oportunismo instalado, os soturnos compromissos políticos do ar condicionado lisboeta, tudo isso, continuava a recusar aos ensoleirados campos do Alentejo a almejada aragem de democratização.
O processo de entrega de reservas só muito timidamente avançava e a prevista entrega de terra para exploração a pequenos agricultores não tinha qualquer expressão prática.
Houve que esperar por 1980 e pelo governo Sá Carneiro para que a lei fosse aplicada e o caminho da recuperação finalmente reencetado.
Como corolário da determinação posta por esse invulgar estadista na reposição da legalidade em tão vasta região, cerca de 400 000 ha foram, nesse ano, entregues como reservas ou distribuídos a pequenos agricultores.

O Sr. Custódio (Gingão (PCP): - E foram retirados!

O Orador: - O resultado político de tal acção foi a acentuada queda do Partido Comunista no Alentejo nas eleições de 5 de Outubro de 1980.
Ficou, então, claramente explicitado o desejo do povo alentejano de mudança, de mudança no sentido da descolectivização!
Não têm, pois, legitimidade para se arvorarem em tutores do Alentejo aqueles que ali se impuseram pela força e cujo discurso vem progressivamente perdendo audiência junto das suas populações.

Vozes do PSD: - Muito bem!

O Orador: - A vontade política do Alentejo é uma vontade de modernização, de desenvolvimento, de paz e harmonia e não a vontade de cristalização das estruturas gonçalvistas existentes como alguns lhe pretendem impor!
Quem não souber compreender esta realidade é porque é incapaz de compreender a alma alentejana; quem não compreender o que vai na alma do povo alentejano nunca terá a confiança dos seus filhos e portanto o seu voto livre!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apesar da luta insana de muitos democratas, apesar da progressiva rejeição a que tem votado o Partido Comunista, escolhos sabiamente colocados impedem o Governo de resolver o contencioso ainda pendente em matéria de estruturação fundiária.
Hoje, beneficiando de um excesso de tolerância democrática, o secretariado das UCPs impede sistematicamente a entrega de reservas e a distribuição de terra a agricultores autónomos mediante o expediente de interposição, junto do STA, do recurso de suspensão da executoriedade dos actos administrativos, normalmente deferidos em face da interpretação literal da lei processual do tal tribunal.
E as pessoas, na sua permanente boa fé, interrogam-se:
Como pode ser concedida a tal secretariado, órgão de cúpula das UCPs, que exploram a terra a título precário e frequentemente em bases irregulares, a faculdade de impor aos legítimos interessados novas demoras e prejuízos?
No seu bom senso, discorrem as pessoas que «apenas razões que a razão desconhece» poderão ter conduzido a tal contra-senso.
De nada valeu a iniciativa do Governo no sentido de pôr cobro a tal absurdo - mais uma vez o Alentejo foi sacrificado no altar das conveniências político-partidárias da maioria da oposição parlamentar! Entretanto, o tempo passa, a instabilidade subsiste, os jovens agricultores, os agricultores sem terra e os reservatórios desesperam à espera da oportunidade de erguer ou de reconstruir as empresas agrícolas, as tais que todos os dias se vai ouvindo considerar como indispensáveis para que a nossa economia possa suportar o impacte da adesão à CEE.
E, enquanto isto, mais de 400 000 ha na posse do Estado continuam a ser geridos à margem das leis gerais do País. O Estado não pode continuar pela inércia a consignar situações de facto, e muito menos é admissível que as terras expropriadas, que são propriedade pública, continuem a ser exploradas sob a tutela de uma organização enfeudada a um partido político.
A exploração das terras expropriadas tem de servir de suporte à criação de uma nova classe empresarial agrícola, quer individual quer verdadeiramente cooperativa, isto é, quer por arrendamento a jovens e a novos agricultores, quer a autênticas cooperativas de trabalhadores agrícolas.

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Há que dar oportunidade aos que querem ter a iniciativa, aos que querem pôr a sua capacidade de trabalho ao serviço do País!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nos largos campos do Alentejo há lugar para todos os que queiram trabalhar honestamente a terra:

Há lugar para a instalação de jovens agricultores, bem necessários ao rejuvenescimento do empresariado agrícola e à modernização das explorações;
Há lugar para os proprietários agricultores que explorem directamente o seu prédio no respeito pela função social da terra;
Há lugar para os proprietários não agricultores e para os seus rendeiros, porque o arrendamento se revelou historicamente no Alentejo a forja de muitos dos melhores empresários agrícolas;
Há lugar para os pequenos e médios agricultores já instalados ou que aguardam a sua oportunidade;
Há lugar para as cooperativas que forem economicamente viáveis e em que os cooperantes sejam homens livres e assumam conscientemente as responsabilidades, os riscos e os proveitos da empresa;
Há lugar para os trabalhadores destas diversas formas empresariais, onde certamente virão a auferir de condições de vida mais compatíveis com o seu merecimento.

Apenas não pode haver lugar num Portugal democrático, membro da Europa dos Doze, inserido num espaço civilizacional e cultural de valores humanistas secularmente consolidados, neste Portugal apenas não pode haver lugar para formas de organização económica e social que nada têm de correspondentes com aqueles valores e que servem tão-só os interesses e os desígnios dos que pretendem manter o Alentejo prisioneiro do passado, semeando o empobrecimento e o desrespeito pela ordem democrática, gorando-lhe a oportunidade histórica que se lhe depara de promover um desenvolvimento regional acelerado numa luta contra o demasiado tempo já perdido e em busca de um futuro mais feliz para as suas gentes porque mais próspero e mais solidário.
Nos campos largos do Alentejo há lugar para todos - trabalhadores, cooperantes e empresários - porque a terra chegará certamente para todos os que nela queiram viver honradamente e a ela estejam ligados afectivamente.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como já referi, a Lei n.º 77/77, tendo constituído um marco na história da agricultura alentejana, enferma, na minha opinião, de alguma conceptualização incorrecta e de algumas disposições que têm estado na origem de graves injustiças relativas. Por exemplo:
O conceito de latifúndio:
Na definição do Sr. Prof. Henrique de Barros «os verdadeiros latifúndios são sempre muito grandes explorações (milhares de hectares com frequência), mas o que os caracteriza não é apenas tal facto, mas também a sua cultura extensiva ao máximo, a falta quase total de benfeitorias, etc.»
Então, com que razoabilidade se considera como latifúndio qualquer, digo qualquer, exploração com mais de 500 ha?
O conceito de absentismo:
Se a definição de absentista está associada às terras no estado de incultas ou subaproveitadas, então com que racionalidade se penaliza o proprietário não agricultor que arrendou a sua terra, que deu oportunidade ao seu rendeiro de ser empresário agrícola, e particularmente quando este a explora em conformidade com as suas potencialidades produtivas?
A «questão dos indivisos»:
Por razões de ordem técnico-económica ou outras, muitas famílias mantinham as suas propriedades ou explorações agrícolas indivisas procurando assim, não só compensar a natureza dos solos e clima do Alentejo, como obter economias de escala que viabilizassem as suas empresas.
Tal vantagem é mesmo reconhecida pelas próprias UCPs ao reivindicarem milhares de hectares para cada exploração, chegando-se ao paradoxo de o número de pontos ou de hectares por cada trabalhador permanente de certas UCPs ser superior ao número de pontos ou hectares por contitular nalgumas reservas atribuídas.
Então, como é possível continuar a sustentar, quer do ponto de vista técnico-económico quer político, o tratamento unitário dos contitulares?
Com que estranho objectivo se continuam a castigar as famílias mais numerosas ou que não partilharam os seus bens?
A «questão da ineficácia dos actos»:
Se o primeiro diploma expropriatório data de 29 de Julho de 1975, à luz de que direito se estabelece um juízo de intenções aos proprietários com carácter rec-troactivo a 25 de Abril de 1974?
Por outro lado, cabe perguntar: que Estado é este que sendo proprietário de centenas de milhares de hectares vota a absoluto desprezo a gestão da sua maior parte e que sendo o seu usufrutuário nada neles reinveste e desvia os seus proveitos para outras actividades, tão-pouco cuidando de pagar a quem expropriou?
Este Estado, de direito não é seguramente e de ética será absentista!
Assim, quem poderá contestar a necessidade e a urgência de afectar a receita das rendas e dos produtos florestais ao pagamento das indemnizações em dívida?
E como será possível transmitir confiança e segurança aos novos agricultores ou cooperativas a instalar, sem a liquidação de tal dívida?
Finalmente, e porventura primacialmente, outra abordagem do problema alentejano deve merecer reflexão.
Portugal faz hoje parte da Europa dos Doze, comunidade em que foi dada particular relevância à construção e suporte de uma política agrícola comum.
Todos os partidos democráticos têm prodigalizado o seu apoio à viragem histórica que representa a inserção de Portugal no espaço económico alargado da CEE.
A agricultura portuguesa atravessa, pois, de momento, uma fase de adaptação a esta nova realidade económica, desafio que impõe uma urgente e substancial reconversão e reestruturação das suas estruturas produtivas, reconhecendo-se ser o Alentejo uma das regiões onde, particularmente no subsector agro-pecuário, mais rapidamente se poderão obter resultados significativos.
Sendo o ecossistema português marcadamente de natureza mediterrânica deverá merecer especial preo-

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cupação a concorrência dos produtos dos países da orla mediterrânica e muito particularmente a dos produtos espanhóis.
Também será inquestionável que uma diferente conceptualização agrai ia conduzirá a um diferente ordenamento jurídico do qual resultará, necessariamente, uma diferente ordem económica.
Ao Partido Comunista, adversário figadal da CEE, jogando claramente no colapso da nossa adesão, apostado em aferir a economia portuguesa pela dos países subdesenvolvidos, interessará, como decorre da sua postura estratégica e permanente conduta, a perpetuação do clima de confusão, indefinição e bloqueamento que se instalou no Alentejo porque o Partido Comunista sabe bem que, enquanto subsistir a querela da posse da terra, não haverá ali desenvolvimento agrário, não nascerá um empresariado agrícola capaz de suportar o impacte da concorrência na CEE, não haverá nem confiança para investir nem segurança para trabalhar.

Aplausos do PSD.

Sobre a ruína da agricultura portuguesa viria posteriormente clamar alto e bom som contra a maldade que os desavisados partidos democráticos teriam feito ao povo português e exaltar a bondade da sua política de não alinhamento, isto é, de alinhamento por baixo com o Terceiro Mundo.
Ocorre, então, perguntar:
Quem mais, além do PCP, assume a responsabilidade de manter o Alentejo num estatuto de segregação, marcando passo enquanto outras regiões e outros países avançam?
Quem são os «amigos de Peniche» dos agricultores alentejanos que lhes impõem regras discriminatórias e penalizadoras relativamente às dos seus parceiros nacionais e comunitários colocando-os assim, em posição de inferioridade neste desafio que têm de enfrentar?
Que amizade é essa pelos trabalhadores assalariados agrícolas, a de quem defende a sua maior proletarização e impede a criação de um quadro legal clarificador em que eles próprios se possam constituir em empresários sob a forma cooperativa?
Que sentido é este do interesse nacional que conduz à paralisia do investimento em tão importante região do nosso território, quando todos os seus recursos e todo o nosso trabalho não serão de mais para recuperar o atraso que nos separa do mundo a que histórica, cultural e geograficamente sempre estivemos ligados, a Europa Ocidental?
O que levará o Partido Socialista, o mesmo que diz agora ter retirado o marxismo do seu programa, a reprovar hoje o que há um ano aprovou e a considerar hoje inconstitucional o que há um ano era constitucional?
Será que o PS meteu agora o programa na gaveta e retirou de lá o marxismo?
E o que levará o PRD, partido que se intitula como «fiel da balança», a colocar sempre um contrapeso no prato do colectivismo; nomeadamente em matéria da área económica, aquelas que mais têm a ver com o progresso e o bem-estar dos Portugueses?
Sentir-se-á o PRD irremediavelmente fadado para depositário dos votos do descontentamento, receando que a indispensável liberalização torne as pessoas mais felizes?
O povo português, na sua magnânima sabedoria não deixará de encontrar resposta para estas interrogações!
Sr. Presidente, Srs. Deputados: É a estas questões fundamentais, que têm a ver com a justiça, o direito e a ética que a proposta de lei do Governo procura dar satisfação.
Alguns dos preceitos da proposta de lei serão merecedores de debate aprofundado e eventualmente susceptíveis de melhoria, ou mesmo alteração, em sede de comissão, mas não é seriamente contestável nem a sua finalidade nem a sua oportunidade, tão-pouco nos parecendo politicamente sério que se invoquem falsos pretextos da ordem metodológica.
Está em causa o futuro de uma vasta região com enormes potencialidades produtivas e que está sedenta de paz e de progresso.
Recusar-lhe mais esta oportunidade será continuar a travar o passo ao seu desenvolvimento, será contrariar interesses profundos do povo alentejano e particularmente da sua juventude.
Doze anos passaram sobre o 25 de Abril, nove sobre a aprovação da Lei n.º 77/77, temos cinco para nos prepararmos para a concorrência do mercado comunitário. Não se pode perder mais tempo.
A verdadeira reforma agrária, a reforma agrária do ano 2000 vai começar.
Está em causa o futuro da agricultura alentejana e ele não se compadece nem com dogmas ideológicos nem com atitudes patéticas de um cosmopolitismo bem nutrido que persiste em tratar piedosamente o mundo rural, à ,moda dos «Velhos do Restelo» em vez de lhe proporcionar condições para o seu real. desenvolvimento, postura ainda mais lamentável quando assumida por autoproclamados «renovadores» pretensamente defensores das populações desfavorecidas do interior.

O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!

O Orador: - O Alentejo merece uma oportunidade! Se no-la derem, verão do que somos capazes! Verão como somos capazes de servir o superior interesse nacional!

Aplausos do PSD.

O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados Lopes Cardoso, Custódio Gingão, Guedes de Campos, Alberto Avelino, José Frazão e Carvalho Cardoso ficarão com a palavra reservada para amanhã, para formular pedidos de esclarecimento ao Sr. Deputado Luís Capoulas.

Pausa.

Srs. Deputados, os trabalhos recomeçarão amanhã, às 10 horas, havendo período antes da ordem do dia e constando da ordem do dia as seguintes matérias:
Primeira parte: Contas da Assembleia da República relativas ao ano de 1985; relatório do Provedor de Justiça; constituição da Comissão de Inquérito à Federação Portuguesa de Futebol; eleição do deputado que há-de integrar o Conselho Superior de Defesa; leitura de uma declaração da Comissão de Negócios Estrangeiros e Emigração sobre o Ano Internacional da Paz; continuação da apreciação da proposta de lei

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n.º 29/1V sobre alterações à Lei de Bases Gerais da Reforma Agrária; apreciação da proposta de lei n.º 25/1V (Lei do Arrendamento Rural); discussão conjunta da proposta de lei n.º 37/IV, que concede autorização legislativa para abolir impostos cuja vigência se mostre desactualizada, apreciação da proposta de lei n.º 38/IV, da proposta de lei n.º 39/IV, todas estas sobre matéria de ordem fiscal.
Às 18 horas, terão lugar as votações finais globais dos seguintes diplomas: proposta de lei n.º 33/IV (alteração do Estado Político-Administrativo dos Açores); proposta de lei n.º 17/IV (tribunais marítimos); proposta de lei n.º 22/IV (Lei Orgânica do Ministério Público); proposta de lei n.º 21/IV (Processo Penal); proposta de lei n.º 34/IV (arbitragem voluntária); e projectos de lei sobre a Lei de Bases do Sistema Educativo.
Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar por hoje, estão encerrados os trabalhos.

Eram 20 horas e 20 minutos.

Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Abílio Gaspar Rodrigues.
Adérito Manuel Soares Campos.
Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Anes de Azevedo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António d'Orey Capucho.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arménio dos Santos.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Belarmino Henriques Correia.
Cândido Alberto Alencastre Pereira.
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte.
Dinah Serrão Alhandra.
Domingos Duarte Lima.
Fernando Barata Rocha.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Jardim Ramos.
Francisco Mendes Costa.
João Domingos Abreu Salgado.
João Luís Malato Correia.
João José Pedreira de Matos.
João José Pimenta de Sousa.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
José de Almeida Cesário.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe Athayde Carvalhosa.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José Mendes Melo Alves.
José Pereira Lopes.
José de Vargas Bulcão.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.

Partido Socialista (PS):

Agostinho de Jesus Domingues.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
António de Almeida Santos.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Manuel Azevedo Gomes.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Manuel de Oliveira Guterres.
Armando António Martins Vara.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
Jaime José Matos da Gama.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Rosado Correia.
José Apolinário Nunes Portada.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José Luís do Amaral Nunes.
José Manuel Torres Couto.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Leonel de Sousa Fadigas.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cárdia.
Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.
Raúl Fernando Sousela da Costa Brito.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.

Partido Renovador Democrático (PRD):

Alexandre Manuel da Fonseca Leite.
Ana da Graça Gonçalves Antunes.
António Eduardo de Sousa Pereira.

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António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
Joaquim Carmelo Lobo.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos Vasconcelos.
José Carlos Pereira Lilaia.
José Fernando Pinho da Silva.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Vitorino da Silva Costa.

Partido Comunista Português (PCP):

António Anselmo Aníbal.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Manuel Antunes Mendes.
Maria lida da Costa Figueiredo.
Maria Odete de Jesus Filipe.
Maria Odete dos Santos.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Abel Augusto Gomes de Almeida.
Adriano José Alves Moreira.
António Filipe Neiva Correia.
António Vasco Mello César Menezes.
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João Gomes de Abreu de Lima.
José Luís Monteiro Pereira Seixas.
José Luís Nogueira de Brito.
José Maria Andrade Pereira.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.

Movimento Democrático Português (MDP/CDE):

João Manuel Caniço Seiça Neves.
José Manuel do Carmo Tengarrinha.

Deputados independentes:

Gonçalo Pereira Ribeiro Telles.
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Partido Social-Democrata (PPD/PSD):

Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Manuel da Costa Andrade.

Partido Socialista (PS):

António Cândido Miranda Macedo.

Partido Comunista Português (PCP):

Domingos Abrantes Ferreira.

Centro Democrático Social (CDS):

Horácio Alves Marçal.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Augusto Gama.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
José Vieira de Carvalho.

Declaração de voto enviada à Mesa para publicação, relativa à votação da proposta de lei n.º 35/IV

O PRD absteve-se na votação da proposta de lei do Governo n.º 35/IV, relativamente ao requerimento das FA, por entender que os elementos da informação fornecido pelo Governo e pelas FA não foram suficientes, assim como o debate não respondeu a questões que consideramos fundamentais, ficando-nos portanto, grandes dúvidas sobre o conteúdo da referida proposta de lei.
O reequipamento das FA portuguesas que, em boa parte, e dado o nível de degradação a que se chegou é, mais correctamente um problema equipamento, não só não é resolvido como é dificultado por esta proposta.
O conceito estratégico de defesa nacional está por rever. Quando a Europa se interroga sobre a validade actual dos conceitos que informaram a NATO e, como tal, implicam ou podem implicar a elaboração de uma defesa europeia e nacional, Portugal continua a optar pela ausência de política de defesa que a política de avestruz representa.
Mas, apara além desta revisão, não havendo missões, sistema de forças, etc., o reequipamento ora efectuado, constitui «facto consumado» que, ao invés, de corresponder à implementação daqueles conceitos, condiciona e pretende predeterminar a sua elaboração.
Relativamente aos compromissos externos que envolvem o Estado Português não ficou claro em que medida, neste momento, o prestígio de Portugal estava ou não em causa, ou se pelo contrário, a proposta do Governo corresponde a uma opção, mais do que simplesmente honrar compromissos, que terão sido assumidos por outro governo ou entidades em nome do Estado Português.
O nosso sentido de voto, poderia, no entanto, ser orientado de maneira diferente conforme os programas de reequipamento, se tivesse sido aceite a nossa proposta de votar separadamente cada programa, uma vez que, apesar das objecções de fundo consideramos que os programas comprometem de maneira diferente o necessário equilíbrio no reequipamento das FA, como também condicionam de modo diferente as próprias missões nacionais. O programa de defesa antiaérea para a I.ª BMI insere-se no conceito próprio e específico do Exército, seja qual for a missão atribuída, e no caso das A7-P trata-se de completar um equipamento já adquirido. Relativamente aos outros dois programas, as fragatas MEKO e os aviões P3-B são programas que nos levantam as maiores dúvidas e que não compreendemos bem no contexto das missões atribuídas às FA.

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O voto do PRD, só não foi um voto contra, porque valorizou a questão dos compromissos externos assumidos em nome do Estado Português, pois que todas as outras razões apontam para a rejeição da proposta de lei do Governo.
São estas pois em linhas gerais as razões do voto do PRD.
Mas obriga, necessariamente, a algumas conclusões: a de que não mais será possível, a quem quer que seja, assumir compromissos em nome de Portugal.
A de que, as contrapartidas recebidas por Portugal são receitas de Estado, como tal devendo ser incluídas no Orçamento. A de que não são possíveis despesas sem inserção no Orçamento que lhe confira cabimento.
A chamada subordinação das FA ao poder político não pode ser uma figura de discurso, na prática negada pelo silêncio permissivo de sucessivos ministros da Defesa.
Este debate encerrou um ciclo. É agora que a programação das despesas militares se inicia e tem sentido.

Lisboa, 24 de Julho de 1986. - Pelo Grupo Parlamentar do PRD, Marques Júnior.

Rectificações ao Diário

1 - Ao n. º 90, de 4 de Junho de 1986:

Tendo, por lapso, sido publicado incompleto o articulado referente à criação da freguesia de Moreira no concelho de Nelas constante da p. 3453, 1.º col., deverá ser feita a integração, a seguir ao artigo 2.º, de mais os seguintes artigos:

Artigo 3.º

1 - A Comissão Instaladora da nova freguesia será constituída nos termos e no prazo previsto no artigo 10.º da Lei n.º 11/82, de 2 de Junho.
2 - Para os efeitos da disposição referida no número anterior, a Assembleia Municipal de Nelas nomeará uma Comissão Instaladora constituída por:

a) Um representante da Assembleia Municipal de Nelas;
b) Um representante da Câmara Municipal de Nelas;
c) Um representante da Assembleia de Freguesia de Santar;
d) Um representante da Junta de Freguesia de Santar;
e) Cinco cidadãos eleitores, designados de acordo com os n.ºs 2 e 3 do artigo 10.º da Lei n.º 11/82.

Artigo 4.º

A Comissão Instaladora exercerá as suas funções até à tomada de posse dos órgãos autárquicos da nova freguesia.

Artigo 5.º

As eleições para a Assembleia da nova freguesia realizar-se-ão no prazo de 90 dias a contar da data de entrada em vigor da presente lei.

Artigo 6.º

Esta lei entra em vigor cinco dias após a sua publicação.

2 - Ao n.º 91, de 8 de Julho de 1986:

No Sumário, na parte referente à Ordem do Dia, 2.ª col., 1. 5, onde se lê «Malato Correia (PSD)», deve ler-se «Roleira Marinho (PSD)».
Na p. 3481, 2.ª col., 1. 16 f., onde se lê «Roleiro Marinho» deve ler-se «Roleira Marinho».

Os REDACTORES: Carlos Pinto da Cruz - Ana Maria Marques da Cruz - Maria Leonor Ferreira.

PREÇO DESTE NÚMERO: 231$00
Depósito legal n. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.

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