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2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1986-1987)
REUNIÃO PLENÁRIA DE 19 DE NOVEMBRO DE 1986
Presidente: Exmo. Sr. Fernando Monteiro do Amaral
Secretários: Exmo. Srs. Reinaldo Alberto Ramos Gomes
José Carlos Pinto B. Mota Torres
Rui de Sá e Cunha
José Manuel Maia Nunes de Almeida
SUMÁRIO. - O Sr. Presidente declarou aberta a sessão às 10 horas e 30 minutos.
Deu-se conta dos diplomas entrados na Mesa.
Prosseguiu a discussão, na generalidade, das Grandes Opções do Plano para 1987 ¡proposta de lei n. º 43/IV e da proposta de lei n. º 44/IV (Orçamento do Estado para )987).
Intervieram no debate, a diverso título, além dos Srs. Ministros da Saúde (Leonor Beleza), da Educação e Cultura (João de Deus Pinheiro) e do Plano e da Administração do Território (Valente de Oliveira), os Srs. Deputados Jorge Sampaio (PS), Cuido Rodrigues (PSD), Vidigal Amaro (PCP). Dias de Carvalho e Barros Madeira (PRDJ, João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE), Ferral de Abreu e Santana Maia (PS), Silva Marques (PSD), Ferro Rodrigues (PS), Nogueira de Brito (CDS), Rodrigues Porto e Vítor Crespo (PSD), Octávio Teixeira (PCP), Próspero Luís (PSD), Abílio Rodrigues (PSD), Correia Gago (PRD), Alípio Dias (PSD), Jorge Lemos (PCP), Fillol Guimarães (PS), António Osório (PCP), António Barreto (PS), Rogério Moreira (PCP), Narana Coissoró (CDS), Maria Santos (Indep.), João Cravinho (PS), Anacoreta Correia (CDS), José Manuel Mendes (PCP), Fernando Conceição (PSD), António Tavares (PSD), José Apolinário (PS), Lemos Pires (PRD), Amélia de Azevedo e Joaquim Domingues (PSD), Raul Castro (MDP/CDE), José Magalhães (PCP), Licínio Moreira (PSD), Andrade Pereira e Neiva Correia (CDS), Carlos Carvalhas (PCP), Borges de Carvalho (Indep.), Almeida Santos (PS), Montalvão Machado e Duarte Lima (PSD), Cláudio Percheiro (PCP), Gomes de Almeida (CDS) e Ana Gonçalves (PRDJ.
O Sr. Presidente encerrou a sessão às 21 horas e IO minutos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a sessão.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social-Democrata (PPD/PSD): Abílio Gaspar Rodrigues. Adérito Manuel Soares Campos. Alberto Monteiro Araújo.
Álvaro Barros Marques de Figueiredo.
Amândio Santa Cruz Basto Oliveira.
António d'Orey Capucho.
António Joaquim Bastos Marques Mendes.
António Roleira Marinho.
António Sérgio Barbosa de Azevedo.
Arlindo da Silva André Moreira.
Arnaldo Ângelo de Brito Lhamas.
Belarmino Henriques Correia.
Carlos Alberto Pinto.
Daniel Abílio Ferreira Bastos.
Domingos Duarte Lima.
Domingos Silva e Sousa.
Fernando Dias de Carvalho Conceição.
Fernando José Alves Figueiredo.
Fernando José Próspero Luís.
Fernando Monteiro do Amaral.
Francisco Jardim Ramos. Francisco Rodrigues Porto.
Guido Orlando de Freitas Rodrigues.
Henrique Luís Esteves Bairrão.
Henrique Rodrigues Mata.
João Domingos Abreu Salgado.
João José Pedreira de Matos.
João Maria Ferreira Teixeira.
Joaquim da Silva Martins.
José de Almeida Cesário.
José Augusto Santos Silva Marques.
José Filipe de Atayde Carvalhosa.
José Francisco Amaral.
José Júlio Vieira Mesquita.
José Luís Bonifácio Ramos.
José Maria Peixoto Coutinho.
José Mendes Bota.
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José Mendes Melo Alves.
José Olavo Rodrigues da Silva.
José Pereira Lopes.
Licínio Moreira da Silva.
Luís António Damásio Capoulas.
Luís António Martins.
Luís Jorge Cabral Tavares de Lima.
Manuel Ferreira Martins.
Manuel Joaquim Dias Loureiro.
Manuel Maria Moreira.
Mário de Oliveira Mendes dos Santos.
Miguel Fernando Miranda Relvas.
Reinaldo Alberto Ramos Gomes.
Rui Alberto Limpo Salvada.
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete.
Valdemar Cardoso Alves.
Virgílio de Oliveira Carneiro.
Vítor Pereira Crespo.
Partido Socialista (PS):
Agostinho de Jesus Domingues.
Aloísio Fernando Macedo Fonseca.
Américo Albino Silva Salteiro.
António de Almeida Santos.
António Cândido Miranda Macedo.
António Carlos Ribeiro Campos.
António Domingues Azevedo.
António Frederico Vieira de Moura.
António Manuel Azevedo Gomes.
António Miguel de Morais Barreto.
António José Sanches Esteves.
António Magalhães Silva.
António Poppe Lopes Cardoso.
Armando dos Santos Lopes.
Carlos Alberto Raposo Santana Maia.
Carlos Cardoso Lage. Carlos Manuel Luís.
Carlos Manuel G. Pereira Pinto.
Eduardo Luís Ferro Rodrigues.
Eduardo Ribeiro Pereira.
Fernando Henriques Lopes.
João Cardona Gomes Cravinho.
João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.
João Rosado Correia.
Jorge Fernando Branco Sampaio.
Jorge Lacão Costa.
José Augusto Fillol Guimarães.
José Barbosa Mota.
José Carlos Pinto B. Mota Torres.
José dos Santos Gonçalves Frazão.
Manuel Alfredo Tito de Morais.
Mário Manuel Cal Brandão.
Raul da Assunção Pimenta Rego.
Raul Fernando Sousela da Costa Brito.
Raul Manuel Gouveia Bordalo Junqueiro.
Ricardo Manuel Rodrigues de Barros.
Rui do Nascimento Rabaça Vieira.
Victor Hugo de Jesus Sequeira.
Victor Manuel Caio Roque.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Alexandre Manuel da Fonseca Leite. Ana da Graça Gonçalves Antunes. António João Percheiro dos Santos. António Lopes Marques.
António Magalhães de Barros Feu.
António Maria Paulouro.
Arménio Ramos de Carvalho.
Bártolo de Paiva Campos.
Carlos Alberto Narciso Martins.
Carlos Alberto Rodrigues Matias.
Carlos Corrêa Gago.
Carlos Joaquim de Carvalho Ganopa.
Eurico Lemos Pires.
Fernando Dias de Carvalho.
Francisco Armando Fernandes.
Francisco Barbosa da Costa.
Ivo Jorge de Almeida dos Santos Pinho.
Jaime Manuel Coutinho da Silva Ramos.
João Barros Madeira.
Joaquim Jorge Magalhães Mota.
José Alberto Paiva Seabra Rosa.
José Caeiro Passinhas.
José Carlos Torres Matos de Vasconcelos.
José Emanuel Corujo Lopes.
José Fernando Pinho da Silva.
José Luís Correia de Azevedo.
José da Silva Lopes.
José Rodrigo da Costa Carvalho.
Paulo Manuel Quintão Guedes de Campos.
Rui de Sá e Cunha.
Vasco Pinto da Silva Marques.
Vitorino da Silva Costa.
Victor Manuel Ávila da Silva.
Victor Manuel Lopes Vieira.
Partido Comunista Português (PCP):
Álvaro Favas Brasileiro.
António Anselmo Aníbal.
António da Silva Mota.
António Manuel da Silva Osório.
António Vidigal Amaro.
Belchior Alves Pereira.
Bento Aniceto Calado.
Carlos Alberto do Vale Gomes Carvalhas.
Carlos Alfredo de Brito. Carlos Manafaia.
Cláudio José Santos Percheiro.
Custódio Jacinto Gingão.
Jerónimo Carvalho de Sousa.
João António Gonçalves do Amaral.
João Carlos Abrantes.
Jorge Manuel Abreu de Lemos.
José Estêvão Correia da Cruz.
José Manuel Antunes Mendes.
José Manuel Maia Nunes de Almeida.
José Manuel dos Santos Magalhães.
José Rodrigues Vitoriano.
Luís Manuel Loureiro Roque.
Manuel Rogério de Sousa Brito.
Maria lida Costa Figueiredo.
Octávio Augusto Teixeira.
Rogério Paulo Sardinha de S. Moreira.
Centro Democrático Social (CDS):
Abel Augusto Gomes de Almeida.
António Filipe Neiva Correia.
Adriano José Alves Moreira.
António José Tomás Gomes de Pinho.
António Vasco Mello S. César Menezes.
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Francisco António Oliveira Teixeira.
Hernâni Torres Moutinho.
João Gomes de Abreu Lima.
Joaquim Rocha dos Santos.
José Maria Andrade Pereira.
José Miguel Nunes Anacoreta Correia.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
João Cerveira Corregedor da Fonseca.
Raul Fernando de Morais e Castro.
Deputados independentes:
Maria Amélia Mota Santos.
O Sr. Presidente: - O Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas entrados na Mesa.
O Sr. Secretário (Reinaldo Gomes): - Deram entrada na Mesa os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 294/IV, da iniciativa do Sr. Deputado Raul Junqueiro, do PS, propondo a criação de um subsídio de interioridade nos distritos do interior de Portugal, que foi admitido e baixa à 10.ª Comissão; projectos de lei n.ºs 298/IV, 299/IV, 300/IV, 301/IV, 302/1V e 303/IV, todos da iniciativa do Sr. Deputado Manuel Moreira, do PSD, propondo a elevação à categoria de vila de Arcozelo, Avintes, Canelas, Carvalhos, Grijó e Valadares, respectivamente, que foram admitidos e baixam à 10.ª Comissão, e o projecto de lei n.º 304/IV, da iniciativa do Sr. Deputado independente Ribeiro Telles, propondo a reformulação da reserva ecológica nacional, que foi admitido e baixa à 9.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, da ordem de trabalhos consta a continuação da discussão, na generalidade, das Grande Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1987.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Sampaio.
O Sr. Jorge Sampaio (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não sofre dúvida que a década de 80 tem colocado aos povos, e portanto aos seus responsáveis, a inadiável responsabilidade de cooperarem no estabelecimento de um mais justo e estável sistema de relações internacionais, assente numa visão global dos múltiplos problemas contemporâneos que possa pôr termo a um permanente clima de crise.
Num quadro inegavelmente complexo de mutação e de ajustamentos, Portugal tem de saber encontrar os caminhos de relacionamento externo, pelos quais possa proteger os seus permanentes interesses nacionais e definir a correcta posição no mundo em que se insere.
Afastadas em tempo útil algumas tentações de isolamento, importa dar continuidade e aplicação à vontade maioritária, tantas vezes manifestada, dos Portugueses, com fidelidade e respeito pela necessidade de não partidarizar a política externa do País, muito em especial em tudo quanto respeita à permanência e defesa daqueles interesses. Doze anos após o 25 de Abril, vai sendo tempo de sermos nós próprios.
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - Ninguém negará a permanência dos valores da paz, da tolerância e do ecumenismo, componentes do melhor da nossa experiência histórica e cultural. Mas a nossa questão está e estará nas grandes áreas consensuais que ofereçam força nacional à coerência de uma estratégia externa, que dê saída e solução às aspirações do País que somos.
A esse respeito, temos dos melhores pontos de partida. Bastará recordar que o normativo constitucional relativo às relações internacionais contém, em si mesmo, uma estratégia global do nosso relacionamento externo que nunca sofreu qualquer significativa contestação. Não é, por isso, tarefa impossível descortinar que, ao serviço do País e dos interesses globais da Nação, são evidentes alguns objectivos essenciais neste domínio: uma afirmação realista e praticada de independência nacional, o empenhamento na construção europeia, a salvaguarda do desenvolvimento integrado do País, a defesa da paz e dos direitos do homem, a efectiva cooperação internacional numa base de solidariedade e equidade, incluindo uma contribuição activa e negociada para a consolidação de uma ordem internacional de paz, a defesa e protecção das comunidades portuguesas no mundo e a defesa e o desenvolvimento da nossa presença cultural.
Tudo isto significa ter opções próprias, que terão de ser prosseguidas com determinação num mundo interdependente.
A gestão, com sentido de Estado, das nossas inevitáveis interdependências, o reforço da nossa possibilidade de decisão e de autonomia, sem prejuízo do quadro tradicional das nossas alianças, a coesão nacional indispensável - tudo, afinal, pressupõe um projecto nacional de desenvolvimento, de solidariedade, de modernização e de profunda institucionalização democrática, sem o que não haverá processo de relacionamento externo duradouro, em que o exercício de um recomendável pragmatismo, com princípios assumidos, se veja alicerçado no mais largo consenso nacional possível. Por este nos bateremos com o mais profundo sentido das responsabilidades.
Portugal é um povo, uma história, uma identidade, uma língua, uma cultura. É também uma independência e uma vontade. Anseia pelo desenvolvimento e pela justiça, pela prosperidade e pela paz. Ao seu ecumenismo há-de ir buscar a raiz que fundamenta uma estratégia cultural; na sua condição de país europeu tem de assumir a necessária contribuição na construção europeia e nesta opção está um eixo fundamental da sua política, ã qual terá de trazer a sua especificidade e uma acepção de maturidade construtiva no relacionamento intra-alianças a que pertence; ao seu relacionamento africano e latino-americano, por exemplo, pode e deve dar o seu empenhamento possível, nas grandes questões que aí se jogam da paz, da liberdade e democracia, do progresso, da justiça, do desenvolvimento e da cooperação. Assim se ganham espaços de relacionamento e de intervenção profícuos a todos os níveis.
É por isso tudo que Portugal não é um sítio em que a geoestratégia sirva apenas para valorizar ao metro quadrado...
Uma voz do PS: - Muito bem!
O Orador: - ... não é um europorto, não é um entreposto, não é um intermediário, sem vontade nem interesses próprios. Será que as GOPs pretendem
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remeter-nos para o papel de recebedores de percentagens ou de portagens, parados de mão estendida no meio de qualquer placa giratória?
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: $ neste quadro e perante este pano de fundo que me proponho observar duas ou três áreas da nossa inserção externa, o que farei na perspectiva da experiência vivida em 1986 e daquilo que, em meu entender, resulta dos documentos que estão hoje sob a nossa análise.
Sem esquecer todas as outras vertentes, a verdade é que a participação na CEE constitui e representa um decisivo e globalizante objectivo estratégico e nacional. Mas a integração não pode ser vista com a auto-satisfação governamental própria de quem parece considerar que o País está apenas numa simples associação de interesses económicos. Ocorre num momento chave para a definição e consolidação de uma nova posição de Portugal perante o mundo. Tem por isso de ser vista como a emanação externa, activa e participada, de um projecto nacional de modernização e desenvolvimento que, sem nisso consumir-se por inteiro, conceba a frente externa como o natural e necessário prolongamento desse projecto, na medida em que por ele e com ele se reafirmam valores e objectivos permanentes do Estado ...
O Sr. Domingos Azevedo (PS): - Muito bem!
O Orador: - ... se projecta o nosso contributo, salvaguardando os nossos interesses específicos, na construção europeia, aí se colhendo os apoios e as contrapartidas, negociadas por quem tudo deve fazer para adquirir capacidade real de intervenção no plano comunitário.
Ora, alguns comentários são indispensáveis e justificados: a participação europeia, pela postura e actuação do Governo, está hoje a transformar-se numa pura operação contabilístico-administrativa, do tipo ganhos e perdas, reduzida à realidade anual dos fluxos, como se tudo fosse uma zona de comércio livre compensada por transferências orçamentais.
Assiste-se a um constante e reiterado propósito de manter a Assembleia da República e também o País afastados de qualquer participação em tudo quanto respeita, não só ao quotidiano comunitário mas também às grandes questões em que se joga hoje o futuro da Comunidade a Doze e, claro está, a nossa posição adentro dela. Questões decisivas como a dos recursos próprios comunitários, da reforma dos fundos estruturais, da reforma da política agrícola comum, de todos os desenvolvimentos decorrentes do Acto único Europeu (de que o menor não será certamente o que pretenderemos fazer, e com quem, quanto à difícil realização da coesão económica e social), como ainda a do desenvolvimento e solução de variados temas institucionais comunitários, todas elas estão envoltas num silêncio preocupante, incompatível com o carácter nacional do objectivo integração, dos interesses permanentes do País que nele estão envolvidos. A integração europeia, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não é apenas matéria do Governo, não se resume a algo de partidarizável e, por isso mesmo, redutor - é algo de nacional que respeita á Nação e ao Estado. Não pode o Governo pretender seguir sozinho, minoritário e guardador de segredos, neste momento decisivo para o futuro da Comunidade, sem propiciar e catalizar, com todos os agentes disponíveis, a formulação das posições nacionais assumidas, sem as quais a nossa capacidade comunitária se verá claramente restringida na prática.
Apesar disso, desse silêncio e dessa solidão é ainda possível descortinar a falta de envolvente político-estratégica dos assuntos comunitários dentro do Governo e a falta de coordenação reveladas. São indispensáveis modificações estruturais ao nível da Administração, não apenas por razões de mera eficácia, mas porque é a modelação do próprio País que está em causa no curto e no médio prazos. $ aqui que o tão apregoado, e sempre malbaratado, principio da unidade da representação externa do Estado deverá conhecer a sua efectiva aplicação concreta. Portugal tem o dever de se organizar para não ser organizado por terceiros, mas organizar-se na Europa.
Verificaram-se atrasos, porventura irrecuperáveis, já neste primeiro ano de integração, na elaboração de regulamentação interna para o aproveitamento no País dos fluxos comunitários. Não deixa de ser relevante assinalar que os agentes económicos, na sua generalidade (e não me refiro aos grupos de pressão já colocados), vivem ou na ignorância ou na incerteza mais completa. Há regulamentos publicados tarde que se diz estarem já em curso de revisão e outros, que seriam fundamentais, pura e simplesmente não existem. Qual é afinal a política concreta que está a ser delineada? Noutra vertente, o triste caso do PEDIP é uma sucessão de enganos e de errada avaliação dos contextos, com o que não exprimimos nenhuma satisfação. Para além da improvisação na preparação do que havia a apresentar, o que mais chocou foi a falta de coordenação revelada, a errada avaliação do contexto comunitário, o falhanço espectacular, ou a omissão, de uma negociação política ao mais alto nível.
Não chega por isso tirar benefícios de curto prazo - que sem dúvida saudamos, porque se espera que deles beneficiem os Portugueses e o Pais -, benefícios que sem dúvida são o resultado concreto do pacote financeiro negociado - e agora se vê que o foi bem antes da data da adesão.
São precisas estratégias políticas nacionais que se inter-relacionem com as políticas comunitárias globais e sectoriais. Urge afinal saber em que sentido se vão mobilizar os Portugueses com vista à participação comunitária e que objectivos nos propomos no quadro do binómio integração/desenvolvimento, conjugação indispensável numa etapa nova que se quer de modernização e de solidariedade.
Portugal tem assim de saber o que quer e para onde se deve dirigir nesta área, no quadro de uma concertação permanente, que se não pode todavia abordar sem objectivos nacionais globalizantes, sem escolha de prioridades, sem elencar permanentemente as alianças possíveis e necessárias, em suma, sem desígnio e sem estratégia. Não podemos continuar a confinar-nos à alegria pacóvia e redutora dos fundos salvadores.
Aproximam-se anos europeus decisivos para a estruturação comunitária, que implicam posições nacionais sobre os grandes tópicos em que ela se processará, pois estão em causa, simultaneamente, quer o nosso desenvolvimento e a nossa capacidade quer a nossa decisiva e necessária contribuição na construção de unidade europeia, que, sem diminuir as soberanias nacionais existentes, possa constituir um novo pólo mundial de poder, que, pela via do complexo de objectivos deri-
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vados, como a cooperação científica e tecnológica, as relações com o Sul, o desenvolvimento do pilar europeu ou da defesa europeia e a emanação cultural, se posicione a caminho do final do século, de modo a poder revitalizar, em termos modernos, a sua presença e a sua história.
Estas questões não são de somenos. A verdade é que o silêncio ou o «circuito fechado» sobre elas, as desatenções ou as omissões, vêm a repercutir-se a prazo nas famigeradas balanças de pagamentos, nos fluxos comerciais, na capacidade tecnológica, em suma, no percurso do nosso desenvolvimento e da nossa posição perante o mundo.
O desenvolvimento e a diversificação do relacionamento de Portugal com os países de expressão oficial portuguesa corresponde, é sabido, a um dos mais importantes vectores da prossecução dos interesses internacionais permanentes do Estado Português. Relacionamento para o qual Portugal tem de se mostrar pronto, comprometendo ou investindo a longo prazo, coordenadamente, uma significativa parte do seu esforço financeiro, da sua disponibilidade de cooperação cultural, científica e técnica dos seus recursos humanos.
Tal capacidade e o suporte político necessário, o empenho e a comprensão que manifestarmos quanto às problemáticas várias que rodeiam as independências desses países aumentarão o papel que nos cabe desempenhar na contribuição possível para a paz e a estabilidade no continente africano.
Com isso potenciaremos a nossa posição geral, inclusive no âmbito europeu comunitário, e, por essa via, no relacionemento da Europa com os espaços que lhe são estratégica e economicamente próximos.
É por isso imperativo reforçar a cooperação bilateral e intervir activamente na política de cooperação europeia, sendo bem certo que a via da bilateralidade é fundamental para nós próprios e também para valorizarmos a intervenção portuguesa a vários níveis, sem dúvida nas estruturas e instâncias da CEE, também nas várias frentes em que se consubstanciam as questões internacionais envolventes.
Se, em termos de cooperação, não podemos desejar competir em «quantidade» estritamente considerada, podemos e devemos competir em qualidade, com mais diálogo, mais concertação, mais coordenação, mais solidariedade, onde ela for possível.
É neste quadro - que é largamente partilhado que a proposta de Orçamento para o sector, onde dificilmente se percebem prioridades ou opções nem se vê realizado qualquer desígnio activo, prima pela continuidade que faz sinceramente duvidar das possibilidades de dar seguimento à estratégia de intervenção/cooperação/apoio às nossas comunidades, de que depende a vitalidade do nosso relacionamento externo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se se pode, como vimos, constatar a ausência de uma estratégia nacional e participada para a integração europeia, na magna questão da África austral, e nomeadamente em meses recentes, não se sabe, com o rigor imprescindível, qual é a linha condutora da política do Governo. Há declarações contraditórias, desmentidos vários, posições diversas, consoante as circunstâncias. Em suma, navegamos à vista.
Com a experiência adquirida por ter sofrido as consequências da intolerância e da incapacidade de compreensão nessa área do mundo, Portugal tem de ser um agente activo de diálogo, de negociação e de transformação evolutiva, apoiando, por exemplo, junto da comunidade portuguesa na República da África do Sul uma acção positiva a favor da paz. É a melhor, mesmo a única, maneira de defender os interesses legítimos e o futuro dessa comunidade.
Como, afinal, pensa o Governo articular uma visão estratégica, que não desconheça nem se envergonhe do nosso posicionamento, mas que seja capaz de articular todas as vertentes necessárias? Será isso uma opção do Governo? E se é, como a vai efectivar?
Três notas finais para vos dar parte da nossa legítima apreensão.
Para quando submete o Governo a esta Câmara a ratificação do Acto único Europeu? Não será algo de decisivamente importante para o nosso futuro?
Quando explica o Governo a esta Assembleia o quadro jurídico em que se processa a discussão sobre o futuro de Macau e quais são as posições do Governo nesta área? Poderemos, em termos nacionais, continuar na mais total ignorância sobre esta questão?
Que está o Governo em concreto a fazer e que responsabilidades se prepara para assumir quanto a Timor-Leste, perante a dupla qualidade que assiste a Portugal, ou seja, a de titular de responsabilidades históricas inalienáveis para com o povo timorense e a de potência administrante internacionalmente reconhecida? Será que se deseja que nos falte a necessária determinação para confrontar a comunidade internacional com a exigência de uma aceitável solução no domínio e no âmbito dos princípios que fazem parte do património comum das Nações Unidas?
Se abordei quase telegraficamente estas últimas questões, só justificável por exigências de tempo, é porque toda a minha intervenção, Sr. Presidente, Srs. Deputados, é simultaneamente uma afirmação responsável de alarme perante a partidarização do que se tem querido chamar a política externa do Governo, ...
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!
O Orador: -... perante a falta de uma estratégia global para o nosso relacionamento com outros Estados e perante a impossibilidade governamental de saber ou de poder exprimir o necessário de um consenso participado e, finalmente, perante a incapacidade de mobilizar energias e vontades nacionais nesse objectivo, na perspectiva de uma modernização assumida.
Aqui, mais do que nunca, são necessários a transparência, o diálogo, a busca de denominadores comuns, a visão responsável e não parcelar ou partidarizada pelo nosso futuro no concerto internacional.
Penso que a esta Assembleia compete dizer claramente que não podemos, nem devemos, perder as oportunidades globais que se nos abrem.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Guido Rodrigues.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Entendemos que nos sistemas de economia de mercado o sector privado terá de ser o motor do desenvolvimento dessa mesma economia.
E quando centramos a nossa análise no campo da indústria, mais claramente se conclui que só com uma
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indústria privada pujante, actual, permanentemente criativa e inovadora, competitiva nos mercados mundiais, se alcançarão ganhos de produtividade e aumentos de produção que contribuam decisivamente para o crescimento do produto nacional. O Estado não pode ignorar este princípio. Quererá isto dizer que defendemos o fim da indústria estatizada? De forma alguma!
Um sector industrial estatizado, significativo como é o nosso, tem o seu lugar, na medida em que, sujeitando-se às regras de uma sã gestão, contribua, na proporção da sua dimensão, para o crescimento do produto nacional.
Defendemos, isso sim, que os critérios a utilizar pelo Estado no apoio à indústria, quer privada quer estatizada, sejam regidos pelos mesmos princípios, o primeiro dos quais, o basilar, é o da sua rentabilidade, o da viabilidade técnico-económico-financeira.
Faria algum sentido utilizar as verbas do Estado, o dinheiro de todos nós, apoiando algum subsector industrial que no contexto em que se encontrasse não possuísse viabilidade económica? Certamente não faria, certamente seria desbaratar dinheiro! Mas fez-se em 1984, apoiando fortemente um grupo de empresas claramente inviáveis.
Faria algum sentido utilizar da mesma maneira as verbas do Estado, os dinheiros dos cidadãos, apoiando empresas públicas perfeitamente inviáveis, só para manter artificialmente postos de trabalho? Não faria, pois a actuação do Estado no apoio à indústria não é exactamente a actuação do Estado como órgão de segurança social! Não faria sentido, mas tal procedimento tem-se vindo a efectuar em vários casos, o mais paradigmático dos quais é o da CNP, que o Governo tentou resolver.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Mal!
O Orador: - O Estado não deverá nem poderá eximir-se às suas responsabilidades perante o sector industrial, público ou privado, mas terá de o fazer com perfeita transparência, em perfeita igualdade, no exacto respeito pelos princípios da economia de mercado.
É contra actuações Envias de desbarato dos dinheiros públicos que nos insurgimos, quer esse desbarato seja feito em benefício de empresas privadas quer de empresas públicas.
Uma política industrial sã, desenvolvimentista, tem de ir buscar os seus fundamentos às perspectivas do futuro mais que ao presente, às realidades de um mercado comum de 350 milhões de habitantes, à inovação permanente, à flexibilização do emprego. Terá de ser acima de tudo realista, não consagrar antigos mitos e demónios. O Estado não tem de se envolver na propriedade e gestão de empresas industriais, o Estado tem de criar, sim, as infra-estruturas e o enquadramento necessários para que as empresas industriais se criem e desenvolvam em plena competitividade internacional.
Uma política industrial realista na Europa do Mercado Comum implica o estabelecimento de prioridades e a utilização dos meios disponíveis, sempre escassos, financeiros e de know-how, na proporção dos resultados a obter previsivelmente.
É o que se pretende realizar e consta do Orçamento para 1987 e das Grandes Opções do Plano, privilegiando, rio âmbito do apoio ao sector privado, estímulos à criação ou modernização de empresas industriais, tendo em conta a sua localização, o emprego que proporciona e o seu nível inovador.
Referirei, a propósito, que na primeira candidatura ao sistema de estímulos de base regional, realizada em Setembro passado, o investimento total que é previsto realizar atinge 20 milhões de contos, com a criação de 5000 postos de trabalho em 525 empresas, o que considero encorajador e corroborante da estimativa de crescimento da F13CF (formação bruta de capital fixo) assumida pelo Governo no Orçamento e nas GOPs.
O sistema de estímulos ao investimento de base regional terá de sofrer proximamente algumas alterações, para o compatibilizar totalmente com as regras comunitárias. Será então o momento adequado para lhe introduzir outras alterações, que o exercício da sua aplicação ditar.
Outra ferramenta importante de política industrial, ainda no âmbito do sector privado e ligada à anterior, é a reestruturação de sectores industriais. Os nossos sectores industriais a reestruturar não têm a dimensão daqueles que foram objecto de reestruturação noutros países, na França, na Inglaterra, na Alemanha e na vizinha Espanha. E foram vários. Mas seja qual for a dimensão desses sectores, as acções de reestruturação nunca são realizáveis sem dramas, sem a limitação das capacidades produtivas, sem a redução do emprego, sem, por vezes, penosas reconversões profissionais.
As reestruturações implicam custos sociais e económicos que terão, no entanto, de ser encarados como mal menor face à alternativa de permitir que os sectores apontados atinjam o colapso. Consideramos que no planeamento destas acções altamente sensíveis o grande mérito será o de antecipar o futuro, estudando as perspectivas de evolução mundial dos mercados e as vantagens comparativas do País; por forma que o Estado possa definir e implementar atempadamente as medidas de reconversão que se imponham. E é óbvio que nos preocupam especialmente alguns subsectores significativos de mão-de-obra intensiva da nossa indústria.
No âmbito do sector público empresarial, defendemos sem reservas o apoio e o assumir de responsabilidades perante as unidades industriais viáveis, da mesma maneira que defendemos a coragem de assumir soluções de encerramento, reconversão ou fraccionamento das unidades inviáveis. Esperamos, aliás, que a revisão constitucional a realizar nos finais de 1987 tenha em conta toda a problemática deste sector e venha a consagrar a possibilidade de serem encontradas outras soluções que, adoptadas, conduzam à viabilização de algumas empresas, salvando-as do colapso que agora as espera.
No que respeita às empresas públicas industriais viáveis, o detentor do seu capital, o Estado, tal como qualquer detentor de capital de empresas privadas, terá de assumir as suas responsabilidades, dotando-as do adequado capital próprio, que permita fazer face aos investimentos necessários e à exploração normal sem se tornar necessário o recurso a capitais alheios .importantes, com os consequentes encargos financeiros e a outras soluções de recurso que todos conhecemos.
0 Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
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O Orador: - Temos agora e nos anos mais próximos a oportunidade única, que não poderemos perder, de financiar parcialmente vários programas de apoio à indústria portuguesa com fundos comunitários aliás, já beneficiámos em anos anteriores de fundos de pré-adesão, que foram canalizados para a indústria, nomeadamente para o apoio ao investimento em pequenas e médias empresas.
O Governo, como todos o reconhecem, empenhou-se profundamente em assegurar a disponibilidade de fundos comunitários para o nosso país, tendo imediatamente a seguir à finalização do dossier relativo ao programa específico de apoio à agricultura, em Dezembro de 1985, iniciado a preparação de um dossier semelhante, com vista a um programa específico de apoio à indústria, a ser financiado em condições a definir.
Relembre-se que enquanto o programa da agricultura estava inequivocamente definido no Protocolo de Adesão de Portugal às Comunidades, o programa da indústria era simplesmente mencionado como uma intenção.
A documentação relativa ao programa de apoio à indústria, de elevado nível técnico, ao contrário do que se disse, foi apresentada às Comunidades em Março de 1986. Depois de várias vicissitudes, muitas das quais artificialmente criadas e que diminuíram nitidamente a capacidade negocial do País, foi possível, com a importante colaboração de todos os deputados portugueses ao Parlamento Europeu, a aprovação no Parlamento Europeu de dois programas, um, o Programa Integrado para o Desenvolvimento de Portugal, que beneficiará não só a indústria, como os transportes, as pescas e a agricultura, e outro, o Programa Específico de Apoio à Indústria Portuguesa. O primeiro disporá de uma dotação de 4 milhões de ECUs, destinados aos estudos a empreender, enquanto a verba de implementação das acções ficou em aberto para discussão oportuna com o Governo Português. O segundo programa ficou em memória, sendo as verbas a atribuir a definir também ulteriormente com o Governo Português. Resta agora aguardar a posição do Conselho de Ministros da Comunidade sobre a matéria, havendo fundadas esperanças de êxito na aceitação destes programas.
Para além dos programas específicos referidos, Portugal tem acesso, na área da indústria, aos fundos estruturais comunitários, nomeadamente o FEDER e o Fundo Social Europeu.
Consideramos que o Governo defendeu com determinação os interesses do País numa conjuntura difícil face às dificuldades da própria Comunidade em matéria orçamental, face à relutância das Comunidades na criação de novos programas especiais de apoio e que reiteradamente desejavam a adequação dos programas de apoio nacionais às regras dos fundos estruturais e, por último, mas significativamente importante, face às tentativas que foram feitas para desacreditar os nossos negociadores e o Governo nos momentos mais críticos das negociações.
Não só o Governo defendeu com determinação os interesses do País, como teve êxito nesta missão, a despeito dos escolhos que foram sendo levantados.
O povo português saberá, como fez, aliás, no passado próximo, ajuizar da nossa razão.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se há sector no Orçamento onde se vê bem reflectida a política anti-social deste Governo, esse é sem dúvida o sector da saúde.
Para o confirmar basta afirmar que a verba inscrita para a saúde - Serviço Nacional de Saúde (SNS)- é a mais baixa dos últimos dez anos, correspondendo apenas, e tão-só, a 9,2 % do OE.
Os números vêm mostrar que, para o Governo, a lei do Serviço Nacional de Saúde é apenas um enunciado de princípios, que não querem cumprir e pretendem progressivamente esvaziar de conteúdo.
Comecemos, Srs. Deputados, por analisar a execução orçamental de 1986.
Como aqui afirmámos durante o debate do OE para 1986, a verba para a saúde (SNS) foi insuficiente. O tempo se encarregou de o demonstrar e a gestão do sector da saúde, aqui aplaudida pelo Sr. Ministro das Finanças como boa, resultou afinal num défice de mais 3 milhões de contos em relação ao previsto e para o qual o Governo deveria ter apresentado à Assembleia da República uma proposta de revisão orçamental.
A falta de rigor orçamental é indesmentível. Assim, se por um lado com o sector privado foram gastos mais 7 milhões de contos de medicamentos, pagos pelo SNS às farmácias, e mais 670 mil contos em convenções, para o pessoal, por permitir e promover contratos a prazo, por manter o regime imoral de tarefeiros, por não actualizar as carreiras, por não preencher os quadros, o Governo não utilizou 5,7 milhões de contos.
Também a execução do PIDDAC/86 constituiu um rotundo fracasso. A medida, que podia ter sido positiva, da passagem da tutela para o Ministério da Saúde da ex-Direcção-Geral das Construções Hospitalares teve resultados negativos, pois, por sucessivas indecisões, para a nova Direcção-Geral só foram indicados e nomeados os seus responsáveis muito tarde. O tempo perdido traduz-se nos seguintes números: dos 5,290 milhões de contos previstos para obras, em 30 de Setembro apenas tinham sido processados 1,3 milhões de contos - o que corresponde a 24,8 % - e é já seguro que pelo menos cerca de 1,5 milhões de contos não serão executados este ano.
Mais dois exemplos: do PIDR (sector da saúde) para a zona crítica alentejana só foram processados 16 % até 30 de Setembro e do PIDR (para a saúde) para o Alto Minho não foi processado nem um tostão.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: ao passarmos agora à análise do Orçamento do Estado para 1987 começamos por reafirmar que a verba transferida do OE para a saúde, de apenas 9,2%, é a mais baixa dos últimos dez anos.
A análise do OE para o Serviço Nacional de Saúde, se traduz por um lado irrealismo, do que é exemplo o aumento de apenas 1,2% em termos nominais da verba para medicamentos, por outro lado vem demonstrar a falta de apoio para o bom funcionamento e plena rentabilização dos serviços públicos de saúde, de que são bem exemplo os consumos: para os hospitais e centros de saúde, 35,8 %, para o sector privado, em convenções e medicamentos, 64,2%.
Também as verbas inscritas nas rubricas de pessoal desmentem na prática a teoria da existência de médicos a mais nos serviços públicos de saúde. Assim,
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encontram-se previstos e disponíveis cerca de 6 milhões de contos, para que os hospitais possam contratar, fora do quadro, os trabalhadores de saúde de que necessitam para o seu funcionamento.
A Sr.º Ministra da Saúde afirma a existência de excesso de médicos, impede o seu acesso ás carreiras médicas, mas para que os serviços funcionem inscreve verbas no OE que permitem a contratação a prazo e o trabalho precário aplicado no sector da saúde com todo o prejuízo que daí advém para as populações.
Significativa é também a inscrição de uma verba não precisada, mas que o Governo estima em cerca de meio milhão de contos, como receitas provenientes da cobrança das chamadas «taxas moderadoras».
Insiste, pois, o Governo em cobrar aos utentes não apenas as consultas mas também os meios complementares de diagnóstico (raios X, análises, electrocardiogramas, electroencefalogramas), que são de prescrição exclusiva dos médicos. Por entendermos que a cobrança de «taxas moderadoras», além de uma medida injusta, que apenas serve para impedir o acesso à saúde das classes mais desfavorecidas, não contribui de nenhum modo para uma melhor rentabilidade dos serviços, iremos em sede própria apresentar uma proposta para a sua revogação.
As verbas inscritas para os investimentos do Plano para 1987 também vêm demonstrar quão longe estão as verbas inscritas no OE das promessas feitas e das Grandes Opções para 1987.
Apenas alguns exemplos: os novos hospitais para a área metropolitana de Lisboa, o Ocidental e o Oriental, continuarão apenas como promessas e planos a longo prazo que outros terão de cumprir; para o Novo Hospital de Coimbra foi retirada uma verba de mais de 1 milhão de contos e as verbas para os novos hospitais distritais são mais que insuficientes para o pleno funcionamento e rentabilização dessas novas unidades.
Em resumo, diremos que este Orçamento traduz uma continuidade da má e errada política seguida para a saúde. Isso significa para os trabalhadores da saúde a insegurança no trabalho, a falta de perspectivas nas carreiras, que se traduzirá na má rentabilização dos serviços e para as populações num mais difícil acesso, numa má qualidade e desumanização dos cuidados de saúde prestados.
Este Orçamento demonstra, pois, o não cumprimento e esvaziamento do conteúdo da lei do Serviço Nacional de Saúde, em prejuízo do direito à saúde, e é contra isso mesmo que esta Assembleia se deve pronunciar.
Aplausos do PCP e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.º Ministra da Saúde.
A Sr.ª Ministra dm Saúde (Leonor Beleza): Sr. Presidente, Srs. Deputados: O programa do Governo, no que se refere ao sector cuja responsabilidade me cabe, começa por dizer que a política de saúde se dirige à generalidade dos cidadãos e que as opções a tomar se nortearão primordialmente pelos interesses daqueles a quem o Estado deve assegurar o acesso aos cuidados de saúde.
Simultaneamente, e quanto à gestão do sistema, o Programa do Governo acentua a necessidade de utilização racional e integral dos recursos existentes e de rigoroso planeamento, por respeito elementar para com os cidadãos que financiam em impostos os serviços de saúde.
Resumindo, o Programa do Governo, por um lado, e a actividade do Ministério da Saúde durante este ano, pelo outro, direi que assentam ambos claramente na defesa intransigente daqueles dois princípios: prioridade aos interesses dos cidadãos - utentes dos serviços de saúde- e respeito pelos bolsos dos cidadãos - contribuintes que pagam o sistema.
Dir-se-ia que uma coisa e a outra são demasiado evidentes para terem de ser ditas. Alguns o pensaram e outros até o disseram há um ano atrás. Mas hoje sei que valeu a pena dizê-lo e sei ainda que fazer a evidência depara vezes excessivas com interesses inconfessáveis, cumplicidades surpreendentes e cepticismos difíceis de abalar.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Refiro-me a uma política de gestão do pessoal que coloque este ao serviço da saúde e não esta ao serviço daquele. Refiro-me a uma política de gestão de todos os recursos que impeça que o pessoal dos serviços, os blocos operatórios, as salas de consultas e a tecnologia existente sejam utilizados apenas por metade ou menos daquilo que todos pagamos.
Refiro-me também a uma política de moralização que impeça que o Estado pague pelo que não foi feito ou pague duas vezes pela mesma prestação. Refiro-me ainda a uma política que corra o risco de ser entendida tão-só como gestão do que está quando se trata, antes do mais, de prevenir, de evitar desperdícios e abusos.
Os princípios que referi estavam já presentes, como não podia deixar de ser, na elaboração do Orçamento de 1986, como têm estado presentes na sua execução. Foi isso, aliás, que permitiu, contra muitas previsões descrentes ouvidas nesta Casa, que o Orçamento fosse executado sem que se tenha verificado nenhuma das catastróficas previsões que aqui foram feitas: não há orçamento suplementar, nem recusas de farmácias em aviar medicamentos, nem dívidas por pagar, nem «situação de ruptura nos serviços públicos de saúde», nem «dívidas incalculáveis às farmácias».
Uma voz do PCP: - Ainda!
A Oradora: - Há, em compensação, novos serviços que abriram, menos recursos abusivos ao sector convencionado, maior consciência nos utentes dos direitos que lhes assistem, maior consciência nos que servem dos deveres que assumiram. As questões que envolvem a saúde passaram a ser discutidas por tudo e por todos num sinal que imodestamente interpretamos como de mudança.
Mas olhemos agora para a proposta de orçamento para 1987. Não estamos aqui para discutir se à saúde é atribuído tudo aquilo que desejaríamos. É sempre possível - e em termos absolutos sempre verdade dizer que o orçamento da saúde é pouco. É que, se nos fixássemos como objectivo garantir todos os cuidados possíveis a todos os cidadãos onde eles se encontrem e no momento em que deles necessitem, não haveria nunca dinheiro que chegasse. Mas, mesmo que fôssemos muito mais comedidos e realistas, sempre a
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evolução vertiginosa das ciências médicas e das altas tecnologias tornariam impossível - como tornam em países muito mais ricos do que o nosso - a todos tudo garantir.
O enquadramento em que nos movemos é de qualquer forma bem mais restrito. Por um lado, o que o Estado despender com a saúde não será gasto em outros sectores - e as opções aqui necessariamente ligam-se a prioridades estabelecidas -, pelo outro, só é legítimo gastar mais com a saúde das populações se o que a mais se gasta garantir de facto melhores cuidados.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Isto é, cabe discutir o montante global do Ministério da Saúde, e em especial do Serviço Nacional de Saúde, no âmbito da estrutura global do Orçamento do Estado; cabe, pelo outro, discutir da possibilidade que temos de garantir que a produtividade social do sistema venha a ser superior à que tem sido até hoje.
Esta última questão merece que sobre ela nos debrucemos por alguns momentos. A configuração básica do sistema de saúde encontra hoje assento constitucional, como já refen. A regra inserida na Constituição de que haverá um Serviço Nacional de Saúde geral, universal e gratuito introduz necessariamente para quem tem a responsabilidade pela saúde um factor de enorme rigidez na concepção e na gestão do sector.
Abordemos o problema pelo lado do financiamento. A Constituição diz que o Serviço Nacional de Saúde é gratuito, mas isso obviamente não quer dizer que ninguém o pague. Como todos sabem, mas muitos por vezes esquecem, os serviços de saúde não só não são gratuitos como são até muito caros e o preço, esse, pagam-no todos os cidadãos contribuintes. A Constituição não tem obviamente o poder de fazer com que os serviços prestados não custem nada a ninguém, tem apenas o poder de determinar, como determina, que, quando uma prestação de saúde é fornecida a um cidadão, seja ele rico ou pobre, empregado ou desempregado, saudável ou doente, não possam os serviços cobrar dele um preço, ou, se se quiser, uma quantia ajustada ao custo daquilo que é prestado.
Esta regra, que impede sempre a cobrança de um preço, não prejudica que sejam os subsistemas de saúde obrigados a pagar ao Serviço Nacional de Saúde, na medida em que os seus beneficiários o utilizem, nem prejudica, como aliás se reconhece na insuspeita «lei Arnaut», o pagamento de taxas moderadoras.
De qualquer forma, a escassa medida em que ao Serviço Nacional de Saúde é permitido angariar receitas será pela primeira vez utilizada em 1987 como forma de incentivar os serviços a uma melhor gestão. Com efeito, até agora as receitas que cobrassem eram-lhes abatidas no financiamento, e em 1987, os serviços, em particular os hospitais, reterão uma parte significativa das receitas que forem capazes de angariar, o que constituirá sem dúvida um incentivo a uma cobrança mais eficaz e, assim, a uma melhor gestão. Os hospitais deverão utilizar essas receitas em despesas de conservação, com pequenos equipamentos e o lançamento de novas actividades.
Já que me referi a questões de gestão do sector, sejam-me permitidas mais algumas observações sobre
modificações que estamos a introduzir e que são indispensáveis à garantia de maior eficácia e rentabilidade dos serviços de saúde.
A maior autonomia que desejamos para estes tem de ter contrapartida em maior responsabilização e fundamento em informação de melhor qualidade e em critérios de financiamento e meios de controle mais eficazes. Estamos a trabalhar na extensão do plano oficial de contabilidade da saúde e da utilização das regras da contabilidade analítica a todos os serviços de saúde, bem como na criação de condições para a introdução do orçamento como verdadeiro instrumento de gestão e para a obtenção de informação estatística extensa e rigorosa. Estamos igualmente a afinar critérios que não só compensem aumentos de produção mas que também estimulem o aumento de produtividade. Tencionamos ainda, durante o ano de 1987, recorrer à realização de auditorias aos serviços de saúde.
Para planear e realizar todo este trabalho irão parte dos meios suplementares, o que significará o reforço proposto de verbas destinadas à Direcção-Geral dos Hospitais e ao Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde.
Uma novidade muito significativa que apresenta a proposta de Orçamento do Estado, na parte das receitas, diz respeito aos incentivos fiscais que desejamos introduzir para os chamados seguros «de doença» ou «de saúde». Pretende o Governo por esta via facilitar o acesso voluntário a esquemas alternativos de protecção na doença, criando condições para que as empresas a eles recorram para os seus trabalhadores e para que os indivíduos e as famílias possam proceder da mesma forma.
A adopção de soluções deste tipo permitirá uma diversificação dos esquemas existentes, facilitará a livre escolha de soluções e - o que é muito importante - servirá de veículo à introdução de alguma concorrência entre alternativas e de comparação entre aquilo que presta o Serviço Nacional de Saúde e o que podem ser outras soluções. Acredita o Governo ainda que tais esquemas, para além de poderem constituir uma solução mais desejada por parte dos respectivos beneficiários, poderão também ser mais aliciantes para os profissionais de saúde, permitindo o desenvolvimento da medicina privada em verdadeira concorrência com a do Estado.
Olhemos agora mais de perto as verbas previstas para o sector. Propõe o Governo que aos serviços centrais do Ministério sejam atribuídos algo mais de 2 milhões de contos, o que significa mais 18 % do que em 1986.
Privilegiam-se claramente, em termos de aumento de dotação, os dois serviços já referidos - a Direcção-Geral dos Hospitais e o Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde - e ainda a Direcção-Geral dos Assuntos Farmacêuticos.
Para além do que já disse sobre os dois primeiros, desejo ainda referir que a verba a atribuir à Direcção-Geral dos Hospitais visa conseguir a reanimação desta a que se tem vindo a proceder ao longo deste ano. Considero tal reanimação indispensável para um planeamento rigoroso da rede hospitalar e para um aproveitamento integral das estruturas existentes.
Quanto à Direcção-Geral dos Assuntos Farmacêuticos, o crescimento da sua dotação visa sobretudo fazer face às novas exigências que a adesão às Comunidades para nós representa, bem como permitir-lhe os meios necessários a um adequado controle do respectivo sector.
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A elaboração do PIDDAC e do orçamento do Serviço Nacional de Saúde obedece a um conjunto de princípios e critérios que lhes conferem coerência, de modo a exprimirem-se como resultantes de medidas de política claras, baseadas numa identificação de problemas e num diagnóstico das grandes carências do sector, que, aliás, constam da proposta das Grandes Opções do Plano.
Entendendo-se como óbvio que o objectivo final do sector é a melhoria do nível de saúde da população e a garantia do efectivo exercício do direito à saúde no seu significado mais amplo, concentrámos a atenção em alguns objectivos intermédios capazes de poderem vir a ser atingidos a médio prazo.
Sucintamente, tais objectivos são a melhoria da qualidade dos serviços de saúde, a redução das assimetrias na sua prestação e a melhoria da sua eficácia e eficiência.
Aos objectivos atrás expressos e na prossecução faseada do grande objectivo final já referido corresponderão medidas de política, das quais resultam programas a desenvolver que radicam nas grandes carências identificadas e se expressam em projectos. Apenas esta metodologia permitiu transformar, nomeadamente o PIDDAC, de um instrumento de financiamento incaracterístico, avulso e desligado da realidade, num instrumento coerente, onde as prioridades se identificam e que constitui o "braço financeiro" de uma estratégia de progresso e de um verdadeiro projecto de mudança.
O montante global do investimento na área da saúde para 1987 é de 10 200 000 contos. Da leitura das propostas apresentadas resulta claramente uma preocupação de distribuição geográfica equilibrada dos investimentos, comum favorecimento nítido das grandes áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, que justificam claramente o esforço que nelas se fará pela concentração das populações e pelo abandono relativo a que em investimento em saúde têm estado votadas.
Desejava mencionar também que na área hospitalar sedará incrementação a todos os empreendimentos considerados de alta prioridade, através da atribuição das verbas adequadas ao seu estádio de desenvolvimento, e que são os Hospitais de Guimarães, Vila Real, Matosinhos, Leiria, Torres Vedras, Restelo, Ocidental de Lisboa e de Almada.
Finalmente, farei .algumas referências ao orçamento do Serviço Nacional de Saúde. Propõe o Governo que este gaste, em 1987, 176 358 000 contos, dos quais 164 800 000 contos transferidos do Orçamento do Estado e 11 558 000 contos obtidos por receitas próprias. À transferência do Orçamento do Estado e consequentemente ao volume total da despesa do Serviço Nacional de Saúde acrescerá ainda o montante necessário ao financiamento da actualização de vencimentos dos funcionários públicos, a retirar da dotação provisional. O Serviço Nacional de Saúde gastará cerca de 19 % mais do que em 1986, em termos nominais. Quanto à dotação proveniente do Orçamento do Estado, ela crescerá, provavelmente, em relação a 1986, cerca de 16 %.
Assinalo, antes do mais, que tais verbas significam alguma subida em percentagem do orçamento do Serviço Nacional de Saúde sobre o Orçamento do Estado e sobre o PIB, o que é obviamente positivo.
A saúde é, aliás, um dos pouquíssimos sectores onde o Governo admite crescimento líquido de pessoal,
reflectindo a necessidade de expansão dos serviços. Isto resulta da proposta de orçamento, onde estão destacadas verbas para novas admissões, como também para a revisão de carreiras. Quanto aos consumos dos serviços, aumentam eles em geral 10 %, por forma a cobrir as actividades actuais, compensando a subida dos preços. Mas, pela primeira vez, destacam-se nos elementos que forneci verbas atribuídas a novas actividades dos serviços, que correspondem a parte das receitas que, como já referi, eles serão autorizados a reter e a gastar e que terão os fins igualmente já referidos.
Essas verbas aumentarão muito significativamente, como é óbvio, o que os serviços gastarão - e a isso não fazem nenhuma referência os relatórios das comissões.
Duas rubricas, em consumos, crescerão menos que 10%, são as relativas a medicamentos e a convenções. Para medicamentos prevê-se que a facturação será em 1987 de 33 600 000 contos, previsão que assenta na contenção da subida dos preços e no efeito que, em relação ao consumo, terá o redimensionamento das embalagens determinado este ano e que só terá plena eficácia em 1987. Não escondo que novas medidas poderão vir a ser tomadas, por forma a garantir o acesso aos medicamentos essenciais, canalizando os recursos de maneira mais selectiva.
Em relação às convenções, é conveniente fazer algumas reflexões. Prevê-se uma facturação, em 1987, de 23 500 000 contos. Tal como em 1986, visa-se permitir uma actualização justa dos preços, mas também impedir que cresçam à custa da benevolência injustificada da Administração. Desejamos garantir a liberdade de escolha onde ela se justifique, aproveitar integralmente os recursos humanos e materiais do Estado nos seus próprios serviços, adoptar a via mais eficaz em termos de qualidade e de custos e eliminar tudo o que viabilize a suspeição e a fraude. Não se trata senão de prosseguir o que foi a evidente política em 1986, em que alguns terão querido ver hostilidade ao sector privado onde apenas há gestão mais eficaz e moralização. As novas regras em curso de publicação quanto às condições em que o Estado se propõe convencionar a prestação de cuidados de saúde permitirão melhorias qualitativas importantes no caminho que preconizamos.
Confiança na iniciativa privada denota o tratamento que nos têm merecido as Misericórdias e que no projecto de orçamento tem novo desenvolvimento. Com efeito, aí se prevêem verbas destinadas á saldar de vez com as Misericórdias os encargos que no passado 0 Estado para com elas assumiu quando quis privá-las de qualquer intervenção no domínio da saúde. Atitude esta que, como se sabe, não é a nossa, pois temos vindo a assistir a um novo entusiasmo por parte das Misericórdias no reassumir da prestação de cuidados de saúde como resposta ao desafio que lhes dirigimos. Também aqui, como em relação ao lançamento de seguros de saúde, desejamos a diversificação das entidades prestadoras e o ressurgimento das alternativas.
Resta referir que se prevê um crescimento importante das receitas próprias do Serviço Nacional de Saúde. Tal resultará sobretudo das novas regras emitidas já sobre o reembolso pelos subsistemas das despesas com beneficiários dos mesmos, agora feito em valores aproximados aos custos, nos termos da legislação em vigor.
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São estas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, as linhas essenciais do Orçamento do sector da saúde e que é, de novo, sendo o orçamento que consideramos possível e adequado face às circunstâncias, um orçamento de exigência, exigência à nossa capacidade de gerir, exigência para todos os que trabalham num sector em que os factores éticos e humanos se não compadecem com os desperdícios e os atrasos pelo sofrimento injustificado que ocasionam.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para formular pedidos de esclarecimento à Sr.º Ministra da Saúde os seguintes Srs. Deputados: Dias de Carvalho, Barros Madeira, João Corregedor da Fonseca, Ferraz de Abreu, Santana Maia e Vidigal Amaro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Dias de Carvalho.
O Sr. Dias de Carvalho (PRD): - Sr.ª Ministra, ouvi com agrado e atenção a sua intervenção e gostaria de lhe formular duas ou três perguntas.
V. Ex. e disse, logo no início, que era obrigação do Ministério da Saúde zelar pelos utentes, fazendo reticências sobre os trabalhadores, e deu a entender que não era obrigação do Ministério zelar pelos trabalhadores da saúde.
Essa é uma visão unilateral da gestão e do aproveitamento de um sector, seja ele qual for. Se não houver responsabilização, incentivo ao trabalho e à responsabilidade dos trabalhadores, não há nada que salve um sector; pelo contrário, cada vez se agravará mais, mesmo que a ministra ou o ministro responsável venha todos os dias à televisão agredir esses trabalhadores.
V. Ex.e disse também que era necessário implementar o trabalho nos hospitais. Concordo perfeitamente com essa afirmação; é preciso implementar o trabalho nos hospitais, torná-los mais rentáveis, mas não é com as transferências previstas na proposta de lei do Orçamento para 1987 que V. Ex.ª vai tornar os hospitais mais rentáveis. Se houver mais trabalho haverá com certeza maior despesa e maior consumo.
Além disso, V. Ex.ª também quer pôr em funcionamento novos hospitais, que foram concluídos há pouco tempo e que ainda estão numa fase de arranque. Este arranque também vai custar muito dinheiro, quer em pessoal, quer em custos, quer no próprio funcionamento dessas instituições. Deste modo, pergunto se com uma dotação de mais 9,3 % em relação ao Orçamento de 1986 para os hospitais centrais e distritais e também para os novos hospitais que vão abrir, o que representa um acréscimo negativo, V. Ex.ª terá verba para os que já estão em actividade e para pôr a funcionar os novos.
Como no ano passado se registou um défice de quase 3 milhões de contos em medicamentos, pergunto a V. Ex.a, tendo em vista que este ano se prevê apenas um aumento de 1,2%, portanto um acréscimo também totalmente negativo, se terá dinheiro para pagar os medicamentos.
Apesar de já estarem estipuladas algumas normas de restrições, muitas delas, na prática, em vez de diminuírem os consumos vão aumentá-los porque as bases foram mal calculadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barros Madeira.
O Sr. Barros Madeira (PRD): - Sr.ª Ministra da Saúde, é evidente que não vou fazer uma análise exaustiva da proposta de lei do Orçamento para 1987, mas apenas constatar que, de acordo com aquilo que a Comissão de Saúde disse, no ano passado a verba dos medicamentos foi insuficiente.
V. Ex.ª refere que não foi necessário um orçamento suplementar. Isso é verdade, mas acontece que o défice do Ministério aumentou em mais 3 milhões de contos, ou seja, o Ministério apresentou um défice superior a 14 milhões de contos.
Sei que V. Ex. e teve uma herança pesada: aqueles hospitais megalómanos que foram projectados e ainda outros nitidamente sobredimensionados, os quais é necessário fazer «andar». Não sei se as verbas orçamentadas poderão satisfazer estas necessidades. Tenho as minhas dúvidas.
Gostaria ainda de proferir algumas palavras relativamente a um campo tão caro à Senhora Ministra e em relação ao qual, como é evidente, estamos todos de acordo: a prioridade dada aos utentes.
Como trabalhador da saúde, congratulo-me com essa sua preocupação; só que, durante a passada sessão legislativa, o Ministério da Saúde não foi capaz - ou não quis - de apresentar à Assembleia nenhuma proposta de lei com vista a resolver o problema da saúde em Portugal.
O Ministério da Saúde foi governado por decretos e por despachos - uns mais ou menos certos, outros mais ou menos errados -, mas discutir no local próprio propostas de lei sobre saúde não vimos, de facto, acontecer.
Perguntar-lhe-ia também se o Ministério vai continuar a privilegiar uma política de melhoria dos hospitais distritais e centrais. Julgo que até aqui os hospitais distritais têm funcionado em relação às províncias, não como o vértice da pirâmide, mas como a base, acontecendo quase o mesmo com os hospitais centrais. Parece-me que seria fundamental que o Ministério privilegiasse os cuidados primários de saúde, porque quanto mais doentes forem triados nos cuidados primários, quanto menos doentes chegarem aos hospitais distritais, melhor eles funcionam. Enquanto nos hospitais distritais a oferta for inferior à procura, eles nunca mais funcionarão, por melhor que estejam dimensionados. E quanto maiores, julgamos que pior funcionarão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr.º Ministra da Saúde, antes de lhe formular qualquer pergunta, devo dizer-lhe que o MDP/CDE tem a opinião de que o sector da saúde, tal como consta das Grandes Opções do Plano, apresenta uma visão global da situação de um modo geral correcta, exceptuando um ou outro dado menos preciso ou concreto, nomeadamente o que se refere ás taxas de natalidade e de mortalidade.
Quanto às medidas propriamente ditas, estas já não correspondem, na nossa opinião, às expectativas que seriam legitimas após uma visão global feita anteriormente; antes pelo contrário, só se referem a medidas relativas a melhorias de serviços. E também não têm em conta que uma taxa média esconde uma realidade grave, que é a da desigualdade entre várias zonas do País.
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Ao dizer que a população está envelhecida e necessitada de mais cuidados de saúde está em contradição com a verba a despender com o sector de saúde, não falando já na falta de medidas concretas para minimizar a situação.
Perante as declarações que a Sr.ª Ministra da Saúde proferiu no sentido de que os medicamentos fornecidos pelas farmácias irão beneficiar de um aumento de 1,2%, pergunto se, com esta verba, não vamos criar atrasos de pagamentos ou se não vamos mesmo originar uma situação em que, às tantas, o Ministério se veja na necessidade de recorrer a um orçamento suplementar ou a aumentar défices.
A Sr. e Ministra declarou também que existe um grande entusiasmo nas misericórdias ao desafio lançado pelo seu Ministério. Resta saber se essa será a melhor política a desenvolver. Mas, já agora, em relação às misericórdias, gostava de ser esclarecido do seguinte: está inscrita uma verba de um milhão de contos para indemnizações às misericórdias por utilização do equipamento do Serviço Nacional de Saúde. Na opinião do Governo, ainda se deve mais dinheiro? Se se deve, quais as dívidas ainda existentes? Está tudo esclarecido ou há algum atraso? É que por vezes lemos na imprensa protestos de misericórdias, porque entendem que têm de receber algumas indemnizações vultosas, e em nossa opinião, até certo ponto duvidosas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferraz de Abreu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr. Ministra da Saúde, devo começar por lhe dizer que tenho algumas dúvidas sobre se os conceitos de gestão do Sr. Ministro das Finanças serão os melhores para aplicar no Ministério da Saúde, razão pela qual, aliás, o louvor público que esse seu colega lhe prestou aqui nos deixou bastante apreensivos.
Uma voz do PSD: - Também não admira!
O Orador: - Ó Sr. Deputado, veja lá se tem consideração pelas pessoas! ...
Mas mesmo em termos financeiros, Sr.ª Ministra, o orçamento que apresentou deixa-nos apreensivos.
Com efeito, nele notamos uma diminuição das dotações relativamente ao seu peso sobre o produto interno bruto e sobre o Orçamento do Estado. Como já aqui foi dito, em termos percentuais, atinge-se os valores mais baixos dos últimos dez anos.
O orçamento que nos propõe não nos oferece grande credibilidade, atendendo às discrepâncias que se verificam entre os valores apresentados pela Sr.º Ministra da Saúde no início deste ano e os constantes deste orçamento no que se refere ao ano de 1986. Ë por isso que lhe pergunto que garantia de fiabilidade nos poderá dar o orçamento da saúde para 1987.
Com efeito, o orçamento apresenta um crescimento de receitas próprias de 87 %, objectivo que nos parece ser inatingível, pelo menos em termos de cobrança efectiva. Por outro lado, há uma previsão de crescimento dos consumos muito baixa, tendo em conta a evolução verificada em cada um dos anos recentes.
A confiança que expressou nos resultados obtidos e que tenta ainda obter da sua gestão é por nós posta
em dúvida. De facto, não temos neles a mesma confiança face aos erros cometidos em relação ao ano anterior.
Assim, para além do défice já apontado, os consumos nos serviços próprios das administrações regionais de saúde passaram de 4 milhões de contos previstos para 4 milhões e 700 e tal mil contos, ou seja, sofreram um agravamento de mais 16%.
Os medicamentos passaram de 26 milhões de contos para 33 milhões de contos, o que significa um agravamento de 26%.
Os consumos nos hospitais distritais passaram de 6 800 000 contos para 7 800 000 contos.
No total verifica-se um agravamento de 10 milhões de contos, e mesmo expurgando os 7 milhões de contos que cabem aos medicamentos, o acréscimo da coluna de consumos entre o previsto no início do ano e o realizado ascende a 2 600 000 contos, ou seja, representa uma acréscimo de 5,3 %.
Ora, como os consumos previstos para 1986 já contemplavam a taxa de inflação prevista, verifica-se que esta taxa não é aplicável ao sector da saúde, pois nos últimos anos os crescimentos deste sector têm suplantado os valores desta taxa.
Todos os aspectos anteriormente referidos servem para evidenciar as fracas credibilidade e fiabilidade do orçamento da saúde para 1987, quando se apresentam valores de consumos irrealistas no âmbito do funcionamento do actual sistema dos prestadores.
A verificar-se em 1987 um erro de previsão similar ao registado em 1986, brevemente estaremos a assistir, no sector da saúde, à repetição dos clamores dos fornecedores do sector registados em 1983.
Desejaria terminar formulando-lhe duas perguntas. Quais as medidas que serão tomadas para conter os consumos nos níveis previstos para 1987? Continuará V. Ex. e a desmobilizar e a lançar o caos e a confusão entre os trabalhadores da saúde com um comportamento certamente populista mas demagógico, em vez de tentar mobilizar todas as boas vontades para tornar credível e eficiente o Serviço Nacional de Saúde?
O Sr. ]Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Santana Maia.
O Sr. Santana Maia (PS): - Sr.º Ministra da Saúde, ouvi com a maior atenção a intervenção que V. Ex. a produziu, mas em vez de conseguir ser esclarecedora, levantou maiores perplexidades no meu espírito, quer sobre as orientações que procura imprimir ao sector, quer sobretudo do ponto de vista dos meios que pensa utilizar.
É sabido que a sua actuação durante pouco mais de um ano se tem pautado principalmente pela estratégia do confronto permanente pela abertura, até por vezes simultânea, de várias frentes de batalha, o que nos levaria a sugerir que o nome do Ministério deixasse de ser da Saúde para, de acordo com o belicismo de V. Ex.a, passar a chamar-se «Ministério da Guerra».
Risos.
É que, de facto, V. Ex.a, Sr.ª Ministra, conseguiu o que seria quase impensável: ter contra si todos os médicos - Ordem, sindicatos, comissões de curso, associação dos clínicos gerais, professores das faculdades de medicina, chefias dos vários serviços, mesmo os
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médicos do seu próprio partido, como bem sabe, para além de todo o vasto sector de enfermagem, associação de administradores hospitalares, paramédicos e ainda trabalhadores administrativos e dos serviços de apoio geral, isto é, o pleno dos trabalhadores da saúde.
E a população em geral, para quem V. Ex. e diz destinar-se a sua patriótica política? Também esta já percebeu que é a mais prejudicada com a cortina de fumo que a Sr.ª Ministra fabricou, de procurar fazer crer que a origem de todos os males não está nas insuficiências de um ministério e da sua política, mas atribuindo todas as culpas aos trabalhadores da saúde e sobretudo aos médicos, contra os quais V. Ex. a abriu uma espécie de «guerra santa».
A realidade é verdadeiramente bem outra, e se nos ativermos apenas à discussão da proposta de lei de Orçamento do Estado para 1987, fácil será verificar que há verbas, como a destinada a medicamentos fornecidos pelas farmácias, manifestamente insuficientes, pois o seu crescimento em termos nominais é, como já foi referido, de 1,2%, vindo certamente a constatar-se o mesmo fenómeno de 1986, em que a Sr.ª Ministra considerou então a verba proposta absolutamente suficiente, mas em que acabaram por ser gastos mais 7 milhões de contos.
Já na rubrica «Despesas com pessoal» se verificou um excesso de previsão de 5,7 milhões de contos. Mas tal poupança não se traduziu, seguramente, na deterioração da quantidade e sobretudo da qualidade dos serviços prestados, tal como no péssimo ambiente e no mal-estar crescente, sentido no meio dos trabalhadores da saúde?
Gostaria também de referir que o montante das dívidas que transitam para pagamento em 1987 e que não respeitam apenas a atrasos contratualmente previstos na facturação de bens e serviços será superior ao previsto em cerca de 3 milhões de contos. Não se trata, Sr.ª Ministra da Saúde e Sr. Ministro das Finanças, de um défice oculto?
Sr.ª Ministra, o aumento de 9,3% em termos nominais, previsto para os consumos nos hospitais centrais e distritais não será insuficiente, sendo certo que entraram recentemente em funcionamento novas unidades de grande dimensão?
Por outro lado, o aumento previsto de cerca de 5 milhões de contos nas receitas provenientes do pagamento de cuidados prestados pelo Serviço Nacional de Saúde aos subsistemas de saúde e companhias seguradoras não é irrealista ao prever a sua cobrança total, pois em 1986 a verba cobrada se queda em um milhão e meio de contos aquém da prevista?
Sr.ª Ministra da Saúde, não considera V. Ex. a como pouco credível o orçamento da saúde para 1987, em que ressaltam nitidamente a subavaliação das despesas e a sobreavaliação das receitas, aliás em oposição total com a doutrina ontem aqui expendida pelo. Sr. Ministro das Finanças, que até falou em «regra de ouro», talvez a figurar num manual de «como se devem fazer orçamentos do Estado», porventura já no prelo? Ou será que a Sr.ª Ministra deseja apenas deixar ao seu breve sucessor uma pesada herança?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vidigal Amaro.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr.º Ministra da Saúde, ouvi a sua intervenção com a mesma atenção de sempre e sobre ela gostaria de fazer algumas perguntas.
Fez um enunciado de princípios para a política da saúde, mas não falou das verbas para cumprir esses princípios. $ o tal problema do averbo» e da averba» de que a Sr.º Ministra se dissocia, quando era bom que não se dissociasse e que conseguisse articular a política que tenciona fazer com as verbas de que dispõe no Orçamento.
E a Sr. a Ministra já tem a experiência do ano passado. Por muito que venha aqui dizer que cumpriu o Orçamento, a verdade é que não o fez, pois gastou mais de 3 milhões de contos do que aquilo que estava orçamentado no Serviço Nacional de Saúde. E só gastou mais 3 milhões de contos porque «poupou» 5,7 milhões de contos em despesas com pessoal.
Disse a Sr. * Ministra que isso se ficava a dever a uma gestão rígida em relação ao pessoal. Pergunto: será gerir com rigidez manter o regime imoral de tarefeiros que hoje se verifica nos nossos centros de saúde e nos nossos hospitais? Será gerir com rigidez o não alargamento dos quadros? Será gerir com rigidez o prolongar e o manter os contratos a prazo? É isso que a Sr.º Ministra faz e que tenciona continuar a fazer? $ essa a rigidez da sua política para o pessoal?
Relativamente à execução orçamental, já falámos e a Sr." Ministra não desmentiu os números. De resto, eles são evidentemente indesmentíveis, pois foram fornecidos pela Sr.º Ministra.
Mas a Sr.º Ministra também não falou na execução do PIDDAC, e a pergunta que lhe faço é a seguinte: por que é que esse plano não foi executado?
Quanto é que sobrou do PIDDAC, Sr.º Ministra? Não sobraram já 1,5 milhões de contos, uma vez que não serão executados este ano?
No que diz respeito ao financiamento, a Sr.º Ministra veio com uma novidade já velha: a do seguro de doença.
Disse que o Serviço Nacional de Saúde não é gratuito, pois todos contribuímos para ele. Mas também todos nós contribuímos para estradas, para a educação, tal como se deve contribuir para a saúde!
Não será que a Sr.º Ministra, com o esquema do seguro de doença, vai fazer com que todos os portugueses passem a financiar duplamente o sistema, por um lado, através das contribuições e, por outro, através do pagamento do seguro? Isso não é financiar duas vezes o mesmo sistema de saúde, Sr. Ministra?
Passo agora a referir-me à questão das percentagens.
Tenho aqui as percentagens dos últimos dez anos e não há dúvida nenhuma de que a verba transferida este ano do Orçamento do Estado para a saúde corresponde apenas a 9,2 %, valor que é o mais baixo dos últimos dez anos, e que mesmo o acréscimo anual, que a Sr.ª Ministra afirmou ser de 19 % em relação ao ano anterior, também é dos mais baixos dos últimos dez anos, excluindo os anos de 1982, em que foi apenas de 9 %, e o de 1983, em que foi de 15,5 %. Nos outros anos, inclusivamente no ano passado, o acréscimo foi de 21 %.
Por conseguinte, e para finalizar, pergunto-lhe se fica ou não bem demonstrado que este ano há menos dinheiro para o Ministério da Saúde.
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O Sr. Silva Marques (PSD): - Peço a palavra para interpelar a Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. (Presidente: - Faça favor.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Presidente, tendo em conta que os Srs. Deputados que acabaram de produzir pedidos de esclarecimento à Sr.ª Ministra da Saúde são todos eles ilustres médicos, com exclusão do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, poderemos concluir que os utentes estão, de uma forma geral, esclarecidos com a política de saúde, salvo, evidentemente, a estreita faixa populacional do MDP/CDE.
O Sr. (Lopes Cardoso (PS): - Essa teve muita piada!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que as intervenções valem a pena por elas próprias e não é necessário fazer mais comentários.
Tem a palavra a Sr.ª Ministra da Saúde.
A Sr. e Ministra da Saúde: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou tentar ser breve, o que, aliás, me é facilitado pelo facto de muitas perguntas se terem repetido.
Em primeiro lugar vou responder ao Sr. Deputado Dias de Carvalho, a quem quero dizer que cada vez estou mais convencida de que vale a pena ir dizendo que a política de saúde visa os cidadãos utentes e não directamente os trabalhadores do sector.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Sr. Deputado, tudo aquilo que o Ministério da Saúde tem vindo repetidas vezes a pedir aos trabalhadores do sector é que cumpram! Não pede mais nada!
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - É pouco!
A Oradora: - É sempre bom acentuar que no sector da saúde, onde nos debatemos sistematicamente com o sofrimento humano, esse .cumprimento tem de ser particularmente cuidado.
Não lhes peço senão isso e não me parece, de maneira nenhuma, que seja irrazoável proceder assim, sobretudo quando para trás, excessivas vezes neste país, a política de saúde se confundiu com a política dos trabalhadores do sector.
Vozes d(r) PSD: - Muito bem!
A Oradora - $ bom que hoje se torne claro que as duas coisas são diferentes, embora obviamente estejam interligadas.
A segunda pergunta que me fez tem a ver com as percentagens de financiamento em relação aos hospitais.
Tive ocasião de dizer à pouco que os relatórios das diversas comissões esqueceram uma rubrica, que foi destacada nos elementos que forneci e que se refere ao financiamento atribuído aos serviços de saúde por via da retenção de receitas. Disse já que, para trás, isso não foi uma prática que existisse; os serviços de saúde eram, pura e simplesmente, obrigados a repor de alguma maneira aquilo que angariavam em receitas, na medida em que isso lhes era descontado ao financiamento. Pela primeira vez vão ter um incentivo à boa cobrança de receitas e vão ter a possibilidade de gastar uma parte importante dessas mesmas receitas. Segundo as contas que apresentei, isso garantirá aos serviços de saúde a possibilidade de um crescimento de 34,7 %, o que em grande parte resultará de consumos. Peço-lhes que consultem os elementos que forneci. Eles tornam evidente que, nomeadamente, os hospitais vão ter verbas como nunca tiveram até agora para poderem gastar, designadamente em consumos, em pequenas reparações, em pequenos equipamentos e em novas actividades.
O Sr. Dias de Carvalho (PRD): - Posso interromper, Sr.ª Ministra?
A Oradora: - Faça favor.
O Sr. Dias de Carvalho (PRD): - Desculpe, mas a maior parte dessas verbas não vai ser cobrada porque se trata precisamente de verbas muito difíceis de cobrar e, portanto, quando muito, cobrar-se-ão com um ano de atraso, se se cobrarem.
A Oradora: - Vão ser cobradas sim, Sr. Deputado. Uma gestão razoável e, sobretudo, com incentivos nos hospitais para que giram bem vai permitir que as verbas sejam, de facto, cobradas.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Outra questão que foi abordada por V. Ex.ª e também por vários outros Srs. Deputados tem a ver com o défice.
Devo dizer, em primeiro lugar, que os dados que forneci sobre o montante do défice previsto são os mais pessimistas que temos neste momento. Em segundo lugar, trata-se, obviamente, de uma previsão. Ora, os Srs. Deputados têm vindo a formular questões como se aqueles dados que forneci em relação a 1986 fossem a conta do Serviço Nacional de Saúde de 1986, mas a verdade é que esses dados são neste momento uma previsão e, como lhes disse, em relação ao défice, é a previsão mais pessimista.
Toda a gente sabe, sobretudo quem de alguma maneira têm ligação aos serviços de saúde - que é o caso de quase todos os Srs. Deputados que me formularam questões -, como é difícil prever com uma grande exactidão as despesas do sector. Uma demonstração deste facto é que o próprio défice, que em relação a 1985 apresentei como provável quando discutimos o Orçamento do Estado para 1986, veio a verificar-se ser inferior em 1,5 milhões de contos, o que de facto, aconteceu. É que nem sequer no momento em que o ano termina nos é possível conhecer com rigor razoável o montante exacto do défice. Isso tem a ver com a falta de instrumentos de gestão do sector. De resto, há momentos fiz uma alusão a isso mesmo quando disse que há uma série de modificações que estamos a introduzir e que têm a ver com a capacidade de gerir e controlar mais razoavelmente as despesas no sector da saúde. Mas como já tive ocasião de dizer, há ainda outros factores que nunca podemos prever. Como sabem, uma parte muito importante das despesas tem a ver com medicamentos e com meios auxiliares de diagnóstico. Ora, é obviamente impossível prevê-los com toda a precisão, para além de que os hospitais e os médicos do Serviço Nacional de Saúde sempre
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atenderão todos aqueles que se lhes dirijam em qualquer momento, sendo rigorosamente imprevisível saber exactamente em que condições e quantos serão.
Por outro lado, referi nas comissões que só uma parte daquele défice tinha a ver com possíveis atrasos, aspecto que é muito importante. Não é, aliás, do défice que talvez devamos rigorosamente falar em relação à maior parte daquilo que apresentei sob essa expressão. Isto porque a grande parte daqueles 14 milhões e tal contos que referi nos elementos que lhes dei relativamente a 1986 corresponde apenas a pagamento nos prazos normais e só uma parte muito pequena - que, neste momento e, como disse, em termos pessimistas, admitimos que possa ser cerca de 800 000 contos poderá corresponder, de facto, a algum atraso. Ora, Srs. Deputados, se houver num orçamento de 160 milhões de contos um eventual deslize de 800 000 contos é pelo menos ridículo que gastemos muito tempo a discutir uma questão desse tipo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - De qualquer forma, posso dizer-lhes que o Governo resolverá esse problema num enquadramento legal do Orçamento, pelo que, de facto, não vale muito a pena perder tanto tempo com ele.
Relativamente às perguntas que foram feitas sobre o redimensionamento das embalagens dos medicamentos, devo dizer que, para além das questões que têm a ver com problemas de carácter financeiro, há uma outra coisa que é muito importante: é evitar os desperdícios monumentais em medicamentos que todos sabemos que houve no passado.
Todos nós temos em casa «farmácias» de medicamentos que nunca mais acabam, que, aliás, corremos o risco de vir a tomar em condições não devidamente controladas pelo médico, como naturalmente devia acontecer. Isto para não reduzir a questão do redimensionamento das embalagens a meras questões de carácter financeiro.
Como os Srs. Deputados sabem, em termos financeiros, só em 1987 é que o redimensionamento das embalagens poderá ter plena eficácia, na medida em que só no dia 1 de Janeiro do próximo ano é que entrarão plenamente em vigor as regras que nesse domínio estabelecemos.
Quanto à observação que foi feita pelo Sr. Deputado Barros Madeira e que tem a ver com a inadequação muitas vezes verificada na prática das unidades de saúde em relação às necessidades, aquilo que lhes posso dizer - aliás, já o sabem - é que está praticamente concluída a elaboração da carta hospitalar e que, em seguida, avançaremos para a elaboração de uma carta sanitária. São instrumentos de programação indispensáveis para que em cada caso as unidades de saúde correspondam rigorosamente às nossas possibilidades e às necessidades da população.
Estes instrumentos estão praticamente concluídos e serão extremamente úteis para, justamente, se evitar que haja gastos e desperdícios perfeitamente injustificáveis.
No que diz respeito à falta de diplomas, Sr. Deputado Barros Madeira, dir-lhe-ei que, talvez por ser jurista, descreio mais dos instrumentos legais do que outros porventura poderão descrever. Não é com leis que o mundo se muda, e certamente que não acredito nessa possibilidade.
Quanto aos cuidados primários de saúde, o Sr. Deputado tem toda a razão, pois a melhoria nos cuidados primários de saúde é um dos instrumentos fundamentais para aliviar os hospitais daquilo que não tem de lá ir. Aliás, muitos desses tais pequenos instrumentos (que não são leis) que têm vindo a ser emitidos pelo Ministério -e possivelmente o Sr. Deputado conhece-os- têm a ver com a melhoria dos cuidados de saúde primários, nomeadamente ao nível da formação do respectivo pessoal. Essa é, como se sabe, uma questão chave na melhoria do sector dos cuidados de saúde primários e na confiança que a população tem de ter nesses mesmos cuidados de saúde.
O Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca fez-me uma pergunta em relação às misericórdias, à qual respondo que aquilo que, de facto, está no orçamento do Serviço Nacional de Saúde para 1987 salda de vez os compromissos que o Estado assumiu no passado - e, como sabe, não foi este Governo qu assumiu esses compromissos - para com as misericórdias. Consideramos que esse ponto é extremamente importante porque acreditamos que as misericórdias também têm um papel importante a desempenhar nos cuidados de saúde.
O Sr. Deputado Ferraz de Abreu fez algumas alusões a gastos em sectores diferentes daqueles que foram previstos no princípio deste ano. Sr. Deputado, de facto, herdei poucos instrumentos de gestão no Ministério da Saúde, e foi precisamente por saber que esses instrumentos são ainda tão falíveis que me permiti gastar tempo aos Srs. Deputados com minha intervenção fazendo alusão às necessidades muito grandes de introdução de instrumentos de gestão mais eficazes.
Quando digo que o orçamento foi bem gerido, isso tem a ver com o facto de não ter gasto mais do que aquilo que tinha para gastar. Como os Srs. Deputados sabem, a Assembleia da República vota uma verba global de transferência do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde, e aquilo que, naturalmente, a gestão do Ministério da Saúde tem de fazer é conter-se dentro dessa verba. É isso que está em causa.
Neste momento, como lhe digo, ainda temos poucos instrumentos que nos permitam, com toda a precisão, saber exactamente onde é que vamos gastar, e até que nos permitam saber, depois de gasto, onde é que exactamente isso aconteceu.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Dá-me licença que a interrompa, Sr." Ministra?
A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Sr.ª Ministra, é que, para nós, gerir bem não é não gastar para além daquilo que se tem, mas sim enfrentar todas as situações.
O Ministério da Saúde é diferente de todos os outros ministérios, e por isso é que pus em causa o louvor que lhe foi dado pelo Sr. Ministro das Finanças e os conceitos deste aplicados ao Ministério da Saúde.
A Oradora: - Sr. Deputado, tanto me dizem que gasto a menos como me dizem que gasto a mais...
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Quando se gasta bem, ninguém diz que gasta mal!
A Oradora: - De qualquer forma, Sr. Deputado, a verdade é que herdei um sistema em que os instrumentos de previsão, e até os de apresentação de contas
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depois delas feitas, são extremamente falíveis, e é bom que os Srs. Deputados tenham perfeita consciência disso. Agora, o que o Ministério da Saúde fez durante este ano foi, naturalmente, quando se apercebia de que que num determinado sector ia ter que gastar mais do que o previsto e, para não utilizar determinados instrumentos que poderiam ser gravemente lesivos dos interesses dos cidadãos, gastar menos noutros sectores. É isso que é razoável e foi isso o que o Ministério fez.
Suponho que a maior parte das questões que depois me foram colocadas se repetiram. No entanto, gostaria ainda de dizer, em relação à previsão de receitas, que há, de facto, aqui uma modificação muito importante em relação a 1986 e que, como já referi, tem a ver com a cobrança aos subsistemas dos valores de custos, o que só foi determinado a meio deste ano e, naturalmente, virá a provocar modificações, sobretudo na execução orçamental do próximo ano.
Relativamente à questão que me foi posta pelo Sr. Deputado Vidigal Amaro, que se relaciona com o PIDDAC, já dissemos na Comissão de Saúde que o Governo vai utilizar todo o dinheiro que, em termos de PIDDAC, foi atribuído à saúde para este ano, para o que vai utilizar todos os instrumentos legais ao seu alcance. Portanto, tenha paciência, pois dentro de algum tempo isso estará perfeitamente claro para todos nós.
Quanto à questão do seguro de doença ou de saúde, devo dizer ao Sr. Deputado que aquilo que o Governo propõe é justamente que haja incentivos fiscais quando se estabelecem seguros de saúde ou seguros de doença. Agora, o que naturalmente vai acontecer é que aqueles que financiam o Serviço Nacional de Saúde através de impostos vão pagar menos impostos quando se estabelecerem seguros de doença ou seguros de saúde.
Por outro lado, são esquemas volutários e, portanto, ninguém vai ser obrigado a recorrer a um sistema desse tipo.
Portanto, Sr. Deputado, são esquemas volutários e o Governo acredita que vão ser muito utilizados porque as pessoas vão rapidamente compreender que talvez por essa via possam obter melhores cuidados do que aqueles que temos sido capazes de prestar com o sistema quase totalmente monolítico que existe.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr.ª Ministra, permite-me uma interrupção?
A Oradora: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Vidigal Amaro (PCP): - Sr.ª Ministra, essa é que é a questão: o Ministério da Saúde deixa degradar os serviços públicos de saúde, não lhes dá verbas, deixa que os utentes digam mal e que não sejam bem atendidos, para depois, através de verbas para o privado, pôr esses serviços a funcionar.
O que este Governo pretende fazer é não cumprir a Lei do Serviço Nacional de Saúde, que, quer a Sr. a Ministra goste ou não, está em vigor e, portanto, tem de ser cumprida. Se este Governo não a quer cumprir, então traga aqui à Assembleia da República outra lei, de forma a criar esses incentivos a esse esquemas de seguros de doença.
O que o Governo tem de fazer é cumprir a Lei do Serviço Nacional de Saúde e garantir às populações o direito à saúde, e é isso que o Governo não quer fazer!
A Oradora: - Olhe, Sr. Deputado, a Lei do Serviço Nacional da Saúde existe não só desde agora; existe há muito tempo! Ora, aquilo que temos vindo a verificar neste país é que o que é gasto em saúde e que tem sido gerido por muitos governos não justifica o nível de cuidados a que a população tem tido acesso.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - Essa é uma questão que vamos ter de enfrentar seriamente. Aquilo que o Governo propõe é apenas que, através de esquemas volutários e ainda por cima com incentivos importantes à poupança - o que constitui um objectivo importante para o Governo -, as pessoas tenham acesso a melhores cuidados de saúde.
Vozes do PSD: - Muito bem!
A Oradora: - Deixe fazer a experiência, Sr. Deputado, e depois ver-se-á se as pessoas ficam ou não satisfeitas com ela!
Relativamente à ultima questão que o Sr. Deputado Vidigal Amaro me colocou, que se refere ao crescimento do Serviço Nacional de Saúde no Orçamento do próximo ano, devo dizer-lhe que não é verdade que esse crescimento é o mais pequeno dos últimos anos. Agora há uma coisa que é verdade: é que a taxa de inflação vai ser muito mais pequena no próximo ano do que foi nos últimos anos e, portanto, só com esse dado é que é possível fazer uma comparação. Não pode, naturalmente, limitar-se a dizer que cresce 19 % ou que cresce noutra percentagem qualquer; tem de fazer a comparação entre isso e o crescimento da taxa de inflação.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Sr. Presidente, Sr. Primeiro Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em toda a Europa ocidental os problemas da protecção social continuam na ordem do dia, tendo como pano de fundo as diversas crises que atingem os sistemas de segurança social em muitos países. Crises de capacidade financeira, de eficácia, dúvidas sobre legitimidade, tudo isto com factores endógenos e exógenos ligados a profundas mutações económicas, tecnológicas, demográficas, culturais. Na CEE, as despesas de protecção social passaram de menos de 20 % para cerca de 30% do PIB, desde o início dos anos 70, enquanto os reflexos da crise económica conduziram a uma impossibilidade de acompanhamento paralelo do nível das contribuições obrigatórias, o que ajudou a desequilíbrios financeiros expressivos nas contas públicas.
Que os sistemas de segurança social estão em crise por quase todo o lado onde foram desenvolvidos, não restam dúvidas. Que essa crise é paralela a uma situação de transição que se continua a viver, de um regime de crescimento para outro, onde se interpenetram aspectos culturais, tecnológicos, comerciais, monetários, financeiros e até geoestratégícos, disso também não restam dúvidas. Que o caminho é o do seu desmantelamento, apagamento ou subversão, ou o da sua reforma e afirmação, eis a encruzilhada onde muitos países europeus estão e onde se separam as águas entre a direita e a esquerda democráticas.
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Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em Portugal, embora o crescimento do peso das despesas públicas no PIB tenha sido enorme, a parte relativa às despesas correntes da Segurança Social subiu muito menos espectacularmente, até porque convém não esquecer que no início da década de 70 a situação da protecção social no nosso país estava praticamente próxima da estaca zero. Foi um dos legados do salazarismo.
Hoje, continuamos com pensões mínimas muito afastadas dos salários mínimos, em grande parte dos subsistemas económicos com pensões médias muito injustas para quem, com uma vida activa de trabalho e contribuições, foi logo à partida castigado pela metodologia que a lei impõe, sobretudo em períodos de forte inflação. Hoje, num contexto de grande desemprego, nem 20 % do total dos que estão nessa situação têm acesso a qualquer subsídio. Hoje, em Portugal, prestações como o abono de família, para além da injustiça relativa da sua aplicação universal com o mesmo quantitativo por descendente, mesmo para quem dele não precisa, atingiram tamanha degradação que deixaram de desempenhar qualquer função de utilidade significativa.
Temos, no nosso país, um sistema de segurança social incipiente, com grandes limitações no que se refere às condições de acesso, duração ou valor de múltiplas prestações.
Queixa-se o Governo, na proposta de lei das Grandes Opções do Plano a médio prazo, de que as prestações sociais pecuniárias já consomem uma parte significativa do PIB. Isso é verdade, mas só meia verdade, já que esse indicador comparado com a CEE, onde nos integramos, é extremamente baixo, o mesmo acontecendo em relação a países com nível de desenvolvimento semelhante ao nosso. E isto não acontece com outras despesas públicas.
Se há que aliviar o peso das despesas públicas totais na nossa economia, se há que criar condições para o desenvolvimento da iniciativa económica e da inovação social, isso significa que há que optar politicamente na afectação dos recursos financeiros disponíveis. E estrangular o sistema de segurança social revelaria uma clara opção de classe, em que a máscara da falsa modernidade apenas poderia servir para iludir incautos.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O ataque ao Estado-providência em Portugal, como se ele existisse, como se no nosso país houvesse «excessos de socialização das responsabilidades face aos riscos da existência» ou «crescimento desmesurado do sistema estatal de segurança social», é uma revelação prática da má vontade do Governo relativamente aos fracos direitos sociais dos trabalhadores e do conjunto da população portuguesa.
Na proposta de lei das Grandes Opções do Plano a médio prazo, o Governo afirma como um dos seus grandes objectivos a transferência para fora dos serviços oficiais de uma parte cada vez maior das responsabilidades, favorecendo, quer fiscal, quer institucionalmente, a procura e a oferta de esquemas de cobertura dos riscos colectivos fora dos regimes públicos. Por outro lado, afirma que o sistema de segurança social português deverá evoluir para uma cobertura tripartida com três patamares.
No primeiro patamar, assistencial, haveria prestações universais tendencialmente sujeitas a condições de recursos, sem base contributiva, de modo a assegurar a toda a população um valor mínimo; a intervenção do Estado
aqui é definida como «igualitária e primorosa», mas não deixa de se afirmar o objectivo de incentivo às misericórdias.
No segundo patamar, a base seria o seguro social obrigatório sobre as remunerações até determinado plafond, e as prestações de base contributiva seriam concedidas em substituição dos rendimentos perdidos por riscos sociais (doença, invalidez, acidentes de trabalho, doenças profissionais, morte, viuvez, desemprego, constituem as situações enumeradas); aqui o papel do Estado seria «equitativo e regulador».
No terceiro patamar, as prestações seriam concedidas através de esquemas de segurança voluntária ou colectiva. É aqui que são referidas as pensões, afirmando-se que a evolução deve avançar no sentido da sua capitalização. Neste patamar, para onde sistematicamente o Governo propõe que se deva evoluir, o Estado assumiria uma atitude «liberal e desinteressada».
Em resumo, um primeiro patamar de assistência social, um segundo de seguro social obrigatório, um terceiro de seguro livre privado. Se vingasse esta proposta, regressaríamos ao «atestado de pobreza» como instrumento de regulação social indispensável. Os necessitados (primeiro patamar) teriam de estender a mão, em massa, à porta das instituições em boa parte privadas e de caridade. Em lugar de um direito que hoje podem reivindicar, passariam a pedir esmola.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Muito bem!
O Orador: - O que as Grandes Opções do Plano a médio prazo nos ensinam é que o Governo tudo fará para que, assim que puder e ainda por cima em nome da dimensão humana e do sentido da fraternidade, a Segurança Social deixe de ser um direito humano básico, forma de materialização da solidariedade nacional e expressão da capacidade reguladora do Estado democrático, e passe a constituir principalmente uma base de arranque de grupos financeiros e de reforço da influência cultural, política e social de instituições privadas assistenciais e seus aparelhos ideológicos de suporte.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em Setembro passado, o Governo levou a cabo uma grande operação de propaganda com o aumento das pensões mínimas. Como a seu tempo afirmámos, e hoje reiteramos, medidas que pudessem contribuir para minorar a gravidade da situação de parte substancial dos pensionistas, mesmo que insuficientes e parciais, eram bem-vindas. É um facto que elas foram insuficientes, já que, segundo números do próprio Governo, não representavam, para 1987, mais do que um aumento médio de 50$ por dia por pensionista abrangido; é um facto que foram parciais, pois os aumentos não beneficiaram uma boa parte dos pensionistas, sobretudo no regime contributivo. Mais concretamente, e segundos dados governamentais, dos 850 000 pensionistas de invalidez e velhice do regime geral, cerca de 60 % não foram abrangidos e, dos que foram, enquanto menos de 50 000 tiveram aumentos superiores a 3000$ mensais, mais de 200 000 tiveram aumentos inferiores a 1000$. Dos 1 250 000 pensionistas que o Governo afirma terem sido aumentados, só 13 % alcançaram aumentos mensais superiores a 2000$, enquanto quase metade (46 %) teve melhorias mensais inferiores a 1000$.
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Assim, não restam dúvidas de que a enorme campanha de propaganda proeurou ter efeitos políticos sobretudo nos não pensionistas.
O que o Governo vem praticando é aquilo a que se pode chamar «a redistribuição de rendimentos à portuguesa». Incapaz de parar o aumento das dívidas patronais à Segurança Social, apesar da conjuntura de crescimento económico para que pouco contribuiu, reduzindo progressivamente o contributo do Orçamento do Estado para o orçamento da Segurança Social, o Governo assenta a desejável correcção das pensões mínimas e das prestações dos regimes não contributivos ou reduzidamente contributivos no sacrifício dos beneficiários do regime geral, em grande parte injusta e fortemente sacrificados por o momento das suas reformas ter coincidido com períodos de espiral inflacionista. O Governo transfere assim dinheiro dos pobres para os muitos pobres e para os menos pobres, perante a complacência divertida destes últimos. Aliás, isso está explícito no último anúncio que a RTP vem passando sobre a recente actualização das pensões, que suscita duas reacções: o riso espontâneo perante o kitsh involuntário, a repulsa sentida face à continuação impune da utilização abusiva dos dinheiros públicos para fins eleitoralistas, a coberto de intenções pseudo-informativas.
O Sr. Ferraz de Abreu (PS): - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A proposta do orçamento da Segurança Social apresenta dois aspectos de grande gravidade: em primeiro lugar, a diminuição, em termos reais, do contributo do Orçamento do Estado para as receitas totais.
Assim, se nos orçamentos da Segurança Social para 1984 e 1985, apesar de um contexto de profunda crise económica e financeira, o Orçamento do Estado conseguia responder a 45,5 % do défice dos regimes não contributivos, reduzidamente contributivos e acção social, em 1986, e já com este Governo, não se ultrapassavam os 35 % e agora vêm-nos propor a redução para pouco mais de 31 %. Assim, a Lei de Bases da Segurança Social é cada vez mais ignorada na parte em que determina a participação obrigatória do Estado nos encargos dos regimes não contributivos e acção social. E nem sequer o Programa deste Governo está a ser cumprido, onde se diz que o sistema de financiamento da Segurança Social deve ser reformulado de forma a penalizar menos o factor trabalho.
Em segundo lugar, a quebra, mesmo em termos nominais, e na ordem dos 5 milhões de contos, das despesas previstas para subsídio de desemprego e apoios ao emprego, lay-off, garantia salarial e reestruturação industrial, salários em atraso. O Governo justifica esta quebra com o anúncio de que, no ano em curso, vai poupar alguns milhões de contos em relação ao valor orçamentado. Isto é inconcebível, já que representa o desprezo por centenas de milhares de desempregados sem acesso a qualquer subsídio, nomeadamente jovens. Por outro lado, ao adoptar uma atitude inflexível em relação ao desenvolvimento da cobertura do desemprego, o Governo mostra claramente o tipo de modernização que pretende: uma modernização que não forneça direitos sociais aos desempregados, que favoreça a economia subterrânea e o trabalho negro e em que, ainda por cima, com despedimentos individuais de discricionariedade facilitada, gere um clima de intimidação nas empresas que nada tem a ver com a tal nova empresa que proclama querer incentivar.
Num país como Portugal, onde é óbvio que existem condicionantes estruturais que muito dificilmente permitem a conciliação das reestruturações e reconversões indispensáveis com o aumento sustentado dos postos de trabalho, sobretudo em períodos de conjuntura menos favorável, poupar nos subsídios de desemprego e encargos semelhantes corresponde a exigir aos assalariados, em nome do risco, a aventura do trapézio sem rede.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo e Srs. Deputados: O que a proposta de orçamento da Segurança Social revela é que o Governo quer utilizar os desempregados como massa de manobra, num braço de ferro com as oposições sobre as leis laborais. O que a proposta de orçamento da Segurança Social também revela é que o Governo vai paulatinamente procurando criar condições para aumentar a sua ínfima base de apoio para a privatização dos esquemas de reforma, fomentando a reacção daqueles que, sendo hoje contribuintes, amanhã seriam beneficiários do regime geral e que se sentem injustamente isolados na solidariedade para com os beneficiários não contribuintes. Assim, esta proposta de orçamento da Segurança Social, analisada em conjugação com uma leitura atenta das Grandes Opções do Plano a médio prazo, é a expressão de mais um passo numa estratégia populista que visa ganhos eleitorais imediatos em parte dos pensionistas (regime especial de segurança social das actividades agrícolas, regimes não contributivos e equiparados) e ganhos políticos de médio prazo em parte dos activos contribuintes do regime geral (sobretudo de estratos sociais médios ou elevados). E enquanto esta manobra se desenvolve, uma opinião pública mal informada, quando não manipulada, é bombardeada por uma propaganda sistemática, em que o slogan táctico é antagónico do objectivo estratégico. Na verdade, chega a ser desconcertante a demagogia revelada pelo matraquear incessante do slogan «mais segurança social» por parte de adversários declarados de um estado de providência inventado.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Contem connosco para uma participação activa e determinada na reforma dos mecanismos de financiamento da Segurança Social, associada ao esforço que temos em curso para contribuir para a reforma mais geral do sistema fiscal.
Contem connosco para alterar o nível absurdo de actual incidência sobre as empresas de menos capital intenvisas e, portanto, potencialmente mais criadoras de postos de trabalho desejavelmente cada vez mais qualificados.
Contem connosco para favorecer formas de transparência na afectação directa de receitas fiscais para a Segurança Social, materializando a solidariedade nacional.
Contem connosco para a reforma profunda do nosso sistema de protecção.
Mas não contem connosco para o desmantelamento da Segurança Social portuguesa. Nós apostamos na modernização, num quadro de desenvolvimento cultural, social e económico.
Não contem connosco para agentes ou cúmplices de uma modernização só para alguns, que nos torne duradouramente numa espécie de periferia asiática da Europa desenvolvida.
0 Sr. Eduardo Pereira (PS): - Muito bem!
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O Orador: - Não contem connosco para assistirmos, impávidos e serenos, ao reforço da lei da selva no mercado de trabalho, em nome de uma visão unilateral da flexibilização.
Congratulamo-nos com o fascínio que a palavra «esquerda» continua a ter. Mas hoje, em Portugal, e felizmente, para se ser de esquerda não basta afirmar valores democráticos. Também para se ser moderno não chega utilizar novas roupagens para velhas doutrinas. As Grandes Opções do Plano e o Orçamento do Estado mostram que não está na esquerda moderna quem o afirma mas quem o demonstra na teoria e na prática. Nem a esquerda, nem a modernidade por aí passaram.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não confundimos a defesa da individualidade, valor a incentivar, com o culto do individualismo, doutrina a combater.
A conjugação da liberdade com a segurança é um dever do Estado democrático que estamos dispostos a desenvolver e nunca a escamotear.
A reforma estrutural da Segurança Social, no sentido de uma maior solidez financeira, justiça e eficácia, transparência e participação, é uma das grandes tarefas nacionais. Estamos dispostos a propor medidas e a participar abertamente com todas as forças na discussão nacional com este objectivo, na base dos princípios que nos identificam com a vontade profunda da maioria do povo português: mais liberdade, mais justiça, mais participação, mais solidariedade.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PRD.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, pediram a palavra os Srs. Deputados Nogueira de Brito e Rodrigues Porto.
Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, ouvi com atenção a sua intervenção e apreciei-a pela grande coerência que demonstra, diria pela grande coerência que coloca o seu partido no contexto português em que tem evoluído. Por isso o felicito. Ontem, nós também aqui fizemos observações que são em parte coincidentes com as suas.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não acredito!
O Orador: - Mas só até certo ponto; depois, como veremos, são diametralmente opostas.
Tal como o Sr. Deputado, afirmámos aqui ontem que estranhávamos que um menor esforço financeiro em relação ao orçamento da Segurança Social não fosse frontalmente relacionado com as medidas já inseridas no artigo 49.º do articulado da proposta de lei e, de certo modo, identificadas com opções que figuram nas grandes opções a médio prazo.
O Sr. Deputado lamenta a descida da verba inscrita. E lamenta-a porque entende que a Segurança Social portuguesa não foi ainda atingida pela doença que atingiu as suas congéneres da Europa para começar a merecer o tratamento: uma diminuição do papel do Estado na sua estrutura.
Simplesmente, Sr. Deputado, coloco-lhe esta questão: não entende que o nosso sistema de segurança social conheceu nos últimos anos um grau elevadíssimo de intervenção do Estado, em comparação com aquilo que se passava anteriormente? Quer dizer, não pensa que se passou de uma situação em que o esquema de previdência social apenas assentava numa base contributiva para um esquema em que o Estado passou, só ele, a suportar as despesas com a saúde? Um exemplo é a forma como evoluiu o esquema de pensões sociais, hoje transformado num sistema não contributivo. Tudo isso não representa uma evolução que nos coloca, felizmente, longe da situação anterior?
Pergunto-lhe ainda: entende o Sr. Deputado que teremos de passar pelas mesmas formas de doença para só depois aplicarmos o remédio adequado? Teremos de atingir os patamares do gigantismo do Estado providência de outros países, para só depois começarmos a aplicar os remédios que eles hoje começam a aplicar?
E então, se assim pensa o Sr. Deputado, como resolveria a questão no contexto deste orçamento, por exemplo? Afectaria, com certeza, mais verbas provenientes do orçamento a finalidade da Segurança Social. E de onde é que as retirava? Retirava-as porventura, de maiores contribuições para o sector público empresarial do Estado? Seria esse o sentido da sua intervenção? Retirava-as do crescimento das verbas com o pessoal? Como é que o faria, Sr. Deputado?
Eram estas as questões que gostaria de ver concretamente respondidas por V. Ex.a, com a facilidade que certamente terá, dado ocupar posições no contexto do seu partido que lhe permitem um contacto mais permanente com elas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rodrigues Porto.
O Sr. Rodrigues Porto (PSD): - Sr. Deputado, ouvi com bastante interesse a sua intervenção.
V. Ex.ª começou logo por dizer que o sistema providência na Europa está em crise, o que é um facto; não é só na Europa, é no mundo inteiro! O que me choca profundamente é que o Sr. Deputado ponha o nosso sistema numa situação tão ridícula. Dir-lhe-ei que o nosso sistema não fica atrás de qualquer outro sistema do mundo quanto à qualidade; fica, sim, quanto d quantidade. E fica quanto à quantidade, porquê? Naturalmente porque nós não temos as condições económicas, que o Sr. Deputado apontou, e bem, para dar resposta a essa situação.
Mas o sistema que temos em Portugal não nos fica mal: nós estamos, como já disse, ao nível de qualquer país mais evoluído do mundo, na qualidade e não na quantidade.
Mas o que lhe dói, Sr. Deputado, são as medidas que têm sido tomadas. Na verdade, nunca foram capazes de as tomar e nós temos sido capazes. Como essas medidas estão conjugadas com as necessidades do povo português e como este tem, na verdade, sentido na sua algibeira as medidas que até aqui não tinham sido tomadas, isso é que lhe dói, Sr. Deputado! Porque não foi até agora capaz de as tomar, está-lhe a doer as medidas que os outros tiveram a coragem de tomar.
Quanto ao subsídio de desemprego, parece-me ressaltar da sua exposição que o Sr. Deputado perfilha mais do subsídio de desemprego do que do emprego. Nós, pelo contrário, desejamos que o emprego seja emprego ou que a população esteja empregada e não subsidiada. Daí que o Ministério apostasse na redução do subsidio de desemprego para apostar no subsídio de emprego.
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Quanto à questão dos patamares que o Sr. Deputado referiu, a primeira vez que os ouvi defender em Portugal foi por uma ilustre e distinta técnica do seu partido. Pode crer que foi, e foi na semana passada! Foi a primeira vez que ouvi falar destes patamares, e foi ela que os defendeu com bastante afã. Portanto, não sei onde é que o Sr. Deputado foi buscar a questão dos patamares. A verdade é que, na semana passada, ouvi uma distinta técnica do seu partido, por quem, devo dizê-lo, tenho muita consideração - é uma senhora de elevado nível técnico -, falar nesses patamares. Naturalmente são vocês que estão nos patamares. Nós queremos uma segurança social equilibrada, para todos e não uma segurança social de esmola. Queremos uma segurança social em que os cidadãos tenham direitos e não que caiam novamente nas esmolas.
Quanto à cobrança das dívidas, Sr. Deputado, são os próprios sindicatos que muitas vezes nos pedem para não accionarmos as empresas que não têm capacidade de resposta, para não accionarmos os tribunais. E muitos deles são sindicatos afectos ao vosso partido.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Não há sindicatos afectos aos partidos!
O Orador: - Não andemos sempre a falar na mesma coisa, pelo amor de Deus! O Ministério tem, feito tudo para conseguir, e tem-no conseguido! O que vos dói são as medidas que têm sido tomadas. Isso é o que vos dói, porque até agora vocês não foram capazes de as tomar.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ferro Rodrigues.
O Sr. Ferro Rodrigues (PS): - Começando pelas perguntas que o Sr. Deputado Nogueira de Brito teve a gentileza de fazer, devo dizer que, efectivamente, a posição do CDS neste debate é toda ela também extremamente coerente com a visão que defende do primado fundamental do mercado, uma visão extremamente liberal em termos globais, contraposta com uma visão assistencial e privada, fundamentalmente ao nível dos mecanismos da Segurança Social.
Quanto ao problema da descida da verba inscrita no Orçamento do Estado para o orçamento da Segurança Social, aquilo que queremos é que a lei se cumpra. É que há uma lei, aprovada por este Parlamento, que diz que os regimes não contributivos, a acção social e os regimes reduzidamente contributivos deverão ser integrados no regime geral, quando tal for possível, mas também diz que os défices desses regimes terão de ser respondidos pelo Orçamento do Estado. O que nós pretendemos é que a lei se cumpra.
Quando o Sr. Deputado pergunta onde é que se vai buscar o dinheiro para se cumprir a lei, isso levanta um problema muito grave de estabilidade política e de funcionamento do sistema democrático, porque a lei tem de ser cumprida, suponho.
Não tenho a visão - que o Sr. Deputado insinuou de que pretenderia desenvolver em Portugal o Estado-providência, tal como existe noutros países europeus, para depois termos o mesmo tipo de crises. Aliás, é por isso que na parte final da minha intervenção há um conjunto de propostas que exprimem uma abertura muito grande a um debate - e suponho tratar-se de um debate de grande importância a nível nacional -,para atempadamente podermos desenvolver o nosso sistema de segurança social, melhorando-o e conseguindo que ele responda, efectivamente, às necessidades dos Portugueses, sem chegarmos a situações de crises mais dramáticas, em termos financeiros, como acontece noutros países.
Mas o que eu lhe queria recordar, Sr. Deputado, e aproveitando para responder também ao Sr. Deputado Rodrigues Porto, era o seguinte: diz-se que o nosso sistema de segurança social é óptimo qualitativamente e só quantitativamente é que o não é, porque nós somos um país que não tem grandes possibilidades. Sobre isto diria que todos os estudos apontam para que países com o mesmo nível de desenvolvimento do nosso, medido por indicadores como, por exemplo, o produto interno bruto per capita, destinam para a Segurança Social verbas francamente superiores às nossas, em termos percentuais. Portanto, esse não é um argumento que possa ser invocado, ou seja, o argumento do nível de desenvolvimento do País não pode ser invocado porque existe um motivo substancial, que é a opção política global, que é tomada em cada momento.
Quanto às outras perguntas feitas pelo Sr. Deputado Rodrigues Porto, julgo que a primeira, a questão da quantidade e da qualidade, já foi respondida.
Quanto às medidas que foram tomadas, o Sr. Deputado disse que nós sofríamos muito cada vez que são tomadas medidas no sentido, por exemplo, do aumento das pensões.
Sr. Deputado, não procurei transmitir nada disso. Aliás, foi dito logo no princípio, e a seu tempo, que nós apoiávamos as medidas para melhorar a situação dos reformados. Simplesmente, o que nós pretendemos aqui demonstrar - e é demonstrado por esta intervenção- é que, no fundo, é fácil gerir o dinheiro dos contribuintes do regime geral, porque o problema foi o de estas medidas não terem coincidido com uma opção política nova de o Governo Português destinar mais dinheiro para a Segurança Social e, portanto, mostrar que queria resolver novos problemas com dinheiro fresco. O Governo utiliza o dinheiro dos contribuintes do regime geral para fazer alguns tipos de aumentos -digamos- que têm vantagens fundamentalmente eleitorais. Aliás, os anúncios que a televisão passa são exemplares de uma certa estratégia de aproveitamento da situação dos reformados.
Por outro lado, queria dizer-lhe que tenho muito gosto em estar consigo neste debate, mas lamento que o Sr. Ministro do Trabalho e da Segurança Social não esteja também aqui, ...
Vozes do PS: - Muito bem!
O Orador: - . . porque hoje de manhã foi transmitido pela rádio, em todos os noticiários, um telegrama contendo um comunicado desse Ministério para a ANOP, que pretende dar uma visão extremamente optimista de tudo o que foi a gestão desse Ministério, fundamentalmente em termos de trabalho e segurança social, durante este último ano.
Tinha várias perguntas a fazer ao Sr. Ministro - e tenho, porque suponho que certamente o Sr. Ministro virá cá -, ...
Uma voz do PSD: - Ele está cá logo!
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O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Depois disto tudo, talvez já não venha! .
O Orador: -... porque me parece que seria curial que se travasse esse debate com o próprio Ministro.
Quanto ao problema dos patamares, o Sr. Deputado disse que foi uma pessoa do Partido Socialista que defendeu os patamares. Se calhar, até pode ser que se trate de patamares de outra escada. Aliás, foi com alguma perplexidade que o ouvi dizer que só há poucos dias tinha ouvido falar dos patamares pela primeira vez. O Sr. Deputado não leu a proposta de lei do Governo do plano a médio prazo, onde constam, preto no branco, várias páginas sobre essa questão, que é uma questão fundamental, estratégica, para a sociedade portuguesa.
Sobre a cobrança das dívidas, quero dizer-lhe que a única referência que fiz ao problema do endividamento foi a seguinte: é estranho que, num período em que há uma melhoria bastante sensível da conjuntura económica e crescimento da economia, continuem a progredir as dívidas à Segurança Social. Nos períodos anteriores era compreensível a existência dessas dívidas, mas neste momento começa a ser estranho em termos da própria autoridade do Estado democrático.
E agora fico-me por aqui.
Aplausos do PS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.
O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: A adesão de Portugal às Comunidades Europeias corresponde a uma opção de largo alcance para o futuro do País. É uma decisão que faz consenso numa larga maioria da sociedade portuguesa, facto de que importa extrair todas as consequências.
A adesão, de um salto, dilatou o espaço económico, contribuiu para a evolução das estruturas produtivas, abriu novas fronteiras intelectuais, que vão modificar profundamente comportamentos e mentalidades.
A adesão às Comunidades chamou também à luz do dia a questão dos caminhos, métodos e processos do nosso desenvolvimento e modernização. Ninguém ignora que em qualquer época, país ou região sempre houve uma maior ou menor atenção pela questão do desenvolvimento. Porém, agora o problema coloca-se-nos a uma luz bem diferente.
Temos tempos e metas preestabelecidas. Temos de nos modernizar e desenvolver até ao termo do período de adesão; abrir-nos ao exterior e adquirir um nível de progresso semelhante ao dos nossos parceiros, sob pena de virmos, no futuro, a enfrentar embates extremamente negativos.
Ao fazê-lo temos de seguir caminhos próprios, nossos, rompendo com alguns ritos e hábitos do passado, sem nunca esquecer o que somos e queremos ser. Temos de percorrer um caminho singular de desenvolvimento endógeno. É que não faz qualquer sentido percorrer em passo acelerado os caminhos doutrem. Os tempos são outros e outras as condições. Os avanços tecnológicos e sociais, as mutações ao nível e padrões de vida, a mudança de era em curso, são características de hoje diferentes das de ontem.
Temos de ultrapassar o nosso atraso, que se mede por um rendimento per capita inferior a metade da média da CEE; pela insuficiência de infra-estruturas e profundos desequilíbrios regionais; por um nível de instrução pobre, traduzido numa elevada taxa de analfabetismo e numa frequência no sistema educativo com um défice médio de 4-5 anos de escolarização; por deficientes condições sanitárias e por uma relativa pobreza do nível científico e tecnológico que agrava e nos torna vulneráveis a dependências do exterior em matéria de inovação.
O nosso desenvolvimento tem, além do mais, de se fazer com duas rupturas essenciais.
Romper com certos aspectos negativos de natureza económica e social que ainda subsistem da sociedade que caracterizou o ante-25 de Abril.
Romper também com muito do que resta de um outro modelo de sociedade que nos quiseram impor nos anos de 1974-1975, ao arrepio da vontade dos Portugueses.
Importa que implantemos uma economia de mercado, que se altere a extensão e modalidade de intervenção do Estado, que se desenvolva a solidariedade social no respeito das propensões e vontades de cada cidadão sem ferir os traços gerais da psicologia de todo o povo.
Sempre que na Assembleia, ou fora dela, se têm discutido orçamentos e grandes opções do plano, estiveram em apreciação as posições subjacentes quanto a uma economia de desenvolvimento. Porém, só agora, só este ano com a apresentação das Grandes Opções do Plano a médio prazo se teve em devida conta a importância da sociologia da modernização.
Só agora, com as Grandes Opções do Plano a médio prazo e o enquadramento nelas das Grandes Opções do Plano para 1987 e do Orçamento do Estado para 1987 se fez uma tentativa séria, a primeira, de explicitar os pressupostos culturais do desenvolvimento.
O Governo teve a clarividência - quase diria a ousadia - de apresentar uma proposta cultural procurando redimir-nos de um pecado original.
Digo ousadia por duas razões. Porque mais uma vez o Governo despedaçou o quadro mental rígido e desajustado com que certas oposições e alguns comentaristas teimam em julgá-lo. Ousadia, também, por não carecer de demonstração o facto de que quem inova ou procura dar sérios safanões aos interesses constituídos e produzir reformas estruturais e de fundo logo granjeia o coro dos protestos dos conservadores de todos os azimutes como este ano passado tem sobejamente provado.
Ouvimos, naturalmente, declarações genéricas, segundo grandes princípios, em favor da necessidade de avanços e de modificações.
Mas tudo se altera - e de que maneira - perante cada caso concreto.
Muitos se dizem em favor da diminuição do peso do Estado... desde que isso não bula com o emprego de familiares, amigos ou potenciais eleitores.
O Sr. Guido Rodrigues (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Muitos exigem a melhoria da qualidade do sistema escolar... desde que isso não toque nos filhos ou nos professores das suas relações. Muitos dizem sim a uma melhoria do sistema de saúde... desde que pouco mude e se mantenham alguns privilégios. E assim por diante.
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Também por isso, para que possamos interiorizar os objectivos do desenvolvimento e os caminhos a prosseguir, para que nos libertemos do caso individual que gera retraimentos inoportunos, importa colocar a questão da modernização dentro dos seus parâmetros culturais.
Há que fazer um desenvolvimento centrado no homem, nas suas capacidades e criatividade e em factores sócio-culturais, em que o acento tónico se desloque das preocupações exclusivas com os aspectos económicos, de produtividade e da técnica, em favor de uma maior preocupação pelas verdadeiras necessidades humanas e sociais e na resposta às aspirações das populações, o que confere uma importância à dimensão cultural do desenvolvimento, no respeito pela identidade cultural do povo e na adequada visão do seu devir.
Estas preocupações encontram-se na proposta de lei do Governo, que soube ver correctamente o problema da modernidade.
Basta o facto de o problema ter sido levantado e apresentadas as correspondentes soluções para se ter produzido um acto de grande significado que vai resistir às arremetidas de paixões e momentâneos interesses de grupo.
O que já se sente pelo mal disfarçado incómodo que o documento causou. Documento que é contestado por um pormenor aqui e além, onde, eventualmente, até poderá haver razão para isso.
Só que a questão não está aí. Ao levantar o problema cultural do desenvolvimento o Governo fá-lo na perspectiva correcta. Não faz das suas soluções qualquer tábua de lei mas também não pode aceitar que seja sumariamente afastado ou diminuído.
O que importa é a sua envolvente global. E essa é inteiramente justa.
O que importa é que se tenha dado o salto qualitativo do afastamento de uma ideologia desenvolvimentista de ideias curtas e que se tenha abdicado de paradigmas discutíveis, buscando uma autêntica modernização, na qual a inovação técnica, o desenvolvimento da escolarização, a melhoria dos recursos humanos são também «poupanças» que em reacção em cadeia irão produzir e arrastar um progresso económico e social que vai permitir quebrar o ciclo vicioso da pobreza, como está contido na proposta do Governo.
É por isso que a bancada do Partido Social-Democrata dá o seu pleno apoio à iniciativa de apresentação das Grandes Opções a Médio Prazo, ao seu conteúdo global e também ao enquadramento nela das Grandes Opções do Plano para 1987 e ao Orçamento para 1987.
Embora não podendo furtar-se às condicionantes existenciais, o Orçamento e as Grandes Opções do Plano não representam uma qualquer continuidade, não são qualquer coisa já vista.
São documentos arejados, modernos e o reflexo de ideias correctas e bem amadurecidas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, permitam-me voltar à questão com que comecei - a integração europeia.
A Comissão - com o nosso voto contrário- lamenta-se que não tenham sido discriminados os fluxos financeiros com a Comunidade. E ainda ontem esta crítica aqui voltou a ser repetida. É óbvio que o não podiam ser. O orçamento da Comunidade só vai ficar pronto no próximo mês.
Mas também o não deviam ser. Fixar em documento oficial as verbas esperadas era reduzir o nosso poder negocial. Essas verbas são importantes. Não poderíamos ser nós a limitá-las, qualquer que fosse o pretexto, a capacidade de obter transferências do maior valor possível.
Mas já agora permitam-me adicionar um outro argumento.
Entendo ser errado pensar a integração pelo prisma simplista de um deve-haver de fluxos financeiros. É que a adesão é muito mais do que isso: tem implícito um modelo de sociedade, de organização económico-social de desenvolvimento. Não pode ser um simples recurso à satisfação de necessidades imediatas. Se o fosse, poderíamos pôr em risco as expectativas criadas em termos de modernização do País e da elevação apreciável dos padrões de vida dos Portugueses.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo, modernizar significa também fazer desaparecer actividades improdutivas e inviáveis, delapidadoras dos dinheiros públicos - o que já ninguém faz, não apenas no âmbito dos países ocidentais. Vemos a mesma preocupação em países que se reclamam de adeptos do socialismo democrático. Passamos a encontrá-la mesmo em alguns países da Europa de Leste.
Se houver que terminar com um posto de trabalho para se que criem dois outros, está-se a praticar um acto socialmente justo. Basta que, para tanto, se cuidem das legítimas preocupações individuais de quem venha a ser despedido. O que se consegue desde que haja um tratamento social do desemprego, quer para o que resulta da extinção de qualquer actividade como de todos os outros que procuram trabalho.
Modernizar é apresentar as Grandes Opções do Plano e o Orçamento que são os possíveis e correctos, que têm o equilíbrio adequado e respondem aos objectivos de um desenvolvimento responsável.
Haverá certamente quem proclame a necessidade de mais investimentos na educação, na saúde, na Administração Pública, na justiça, e assim por diante.
No atraso relativo em que nos encontramos não há nada de mais natural. Muito ainda resta fazer.
Porém, aumentar despesas, diminuindo ao mesmo tempo o défice orçamental e os impostos, é pretender a quadratura do círculo que se sabe não ter solução possível.
Termino', manifestando, em sintonia com outros companheiros de bancada que intervêm no debate, o nosso empenhado apoio às Grandes Opções do Plano e ao Orçamento de Estado apresentados pelo Governo. Um e outro nos dão razões acrescidas para confiar na sua acção futura em prol do desenvolvimento do País.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Vítor Crespo, os Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Gomes de Pinho.
Tem, pois, a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Vítor Crespo, V. Ex. a centrou toda a sua intervenção perante o desafio que nos é criado pela CEE e declarou, em certo momento, que só agora, com as GOPs, há uma tentativa séria de explicar os pressupostos culturais do desenvolvimento.
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Muito bem, Sr. Deputado, não estamos contra isso, como também em alguns aspectos não estamos contra a caracterização feita por V. Ex.ª. Relativamente a outros aspectos, como é evidente, estamos em total desacordo.
Já agora, perante todos os pressupostos da sua intervenção - e sem falar na fixação das verbas, que V. Ex.ª referiu na parte final -, falemos do conhecimento que é devido ao País, designadamente a esta Assembleia da República, relativamente ao que se tem passado durante todo este ano desde que estamos na CEE de pleno direito ou de corpo inteiro.
V. Ex.ª não acha que o Governo deveria ter aproveitado a apresentação das GOPs - já ontem o meu grupo parlamentar fez uma pergunta idêntica ao Governo, mas ficou sem resposta - para fazer uma análise profunda da experiência ocorrida, das perspectivas para o nosso país e, já que o Governo tanto proclama a excelência da CEE, para apresentar uma análise económico-financeira profunda desde a nossa adesão e as consequências negativas e positivas decorrentes da nossa presença na CEE?
De acordo com o que declarou, não acha pelo menos surpreendente que Portugal não faça um esforço - e esta pergunta já foi feita mas ficámos sem resposta no sentido de se adaptar ao mercado interno alargado que a CEE pretende criar até 1992?
V. Ex.a, que tem presente as GOPs e o Orçamento, veja que, realmente no campo industrial e até no sector da educação as questões são fracas perante o desafio da CEE.
Era esta a questão que gostava de lhe colocar, Sr. Deputado Vítor Crespo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Gomes de Pinho.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Sr. Deputado Vítor Crespo, a sua intervenção teve, a meu ver, um aspecto extremamente meritório, embora não saiba se era esse o seu primeiro objectivo.
Esse aspecto meritório consiste em permitir detectar, neste debate, com mais clareza do que até aqui, uma das principais incoerências da postura política do Governo e do partido que o apoia.
Por um lado, V. Ex.ª veio aqui defender e aderir a um conceito de sociedade liberal, regida por regras de mercado, em que a iniciativa e a liberdade são valores fundamentais que condicionam a própria acção política e que a determinam.
Mas, por outro lado, V. Ex.ª veio aqui apoiar um conceito de plano e de planeamento que põe tudo isso em causa. Aliás, nessa tese foi mais além do que a postura humilde - no bom sentido - e modesta do Sr. Ministro do Plano que ontem, interpelado pela minha bancada, acabou por reconhecer que o Plano era, fundamentalmente, uma atitude de coordenação de políticas sectoriais da responsabilidade do Governo ou da Administração.
V. Ex.ª vem aqui afirmar-nos que o Plano é muito mais do que isso: vem afirmar-nos que o Plano é, digamos, a visão cultural do Governo sobre o País ou, ainda mais do que isso, que é a forma de concretizar uma concepção do País.
Não estou a pôr isso em causa, pois, pelo contrário, acho que o Governo deve ter uma concepção do País. É óbvio que a deve ter e, aliás, deveria tê-la assumido no instrumento próprio, ou seja, no Programa do Governo. Mas aí não o fez: apresentou um conjunto de soluções - aliás, nem sempre coerentes -, que se situavam quase só no plano técnico, e agora vem tentar não explicar essa concepção, mas obrigar a que o Parlamento a assuma e a decrete.
Ora, Sr. Deputado, isso é uma profunda incongruência com a atitude cultural que o Governo parece revelar, pelo menos sectorialmente, e com outro tipo de afirmações.
Aliás, ouvimos hoje aqui a Sr.ª Ministra da Saúde defender uma concepção de saúde profundamente contraditória com essa versão quase totalitária do Plano que o Sr. Deputado aqui veio referir. Isto leva-me a pensar se, no fundo, este súbito ardor e esta súbita convicção planeadora não revelará uma grande incapacidade cultural para perceber o País e se, por outro lado, não será também reveladora da ausência de políticas concretas e eficazes para a resolução dos problemas portugueses?!
Sr. Deputado Vítor Crespo, não é modernidade vir agora aqui revalorizar o Plano, desta forma inusitada e como nunca o fizeram, sequer, os governos socialistas ou os governos de maioria socialista, em que o seu partido esteve integrado. Isso não é modernidade; modernidade seria libertarmo-nos do peso excessivo que a Constituição ainda nos impõe em matéria de planeamento, fazendo-o de uma forma progressiva - é evidente -, e não regressarmos ao Plano, como se ele fosse o mito capaz de resolver todos os nossos problemas.
Na verdade, ao alargar o conceito e os objectivos do Plano àquilo a que chamou de «uma proposta cultural para Portugal», V. Ex.ª não está a adoptar a atitude moderna, a atitude de aproximação aos padrões europeus e ocidentais que preconiza. De facto, V. Ex.ª está a regredir no tempo, no espaço e no próprio conceito do que é uma cultura moderna, uma cultura adequada ao país que nós somos.
Com todas estas críticas, penso que a sua intervenção foi bastante reveladora das profundas contradições com que se debate este Governo e o partido que o apoia. Ficar-lhe-ia grato se pudesse continuar a explicitá-las, porque penso que isso seria extremamente útil para a compreensão da situação que o País vive.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento que lhe foram formulados, tem a palavra o Sr. Deputado Vítor Crespo.
O Sr. Vítor Crespo (PSD): - Em primeiro lugar, quero agradecer aos Srs. Deputados João Corregedor da Fonseca e Gomes de Pinho a oportunidade que me deram de esclarecer um pouco mais o meu pensamento e até as referências que fizeram à minha intervenção.
Sobre a questão colocada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, não direi que ela não tenha uma certa pertinência, mas está deslocada no tempo. É que, tanto quanto sei - se o meu calendário ainda está certo -, estamos em Novembro, longe do termo do ano. Ora, só se pode fazer uma leitura global, que deve ser feita - e, com certeza, o Governo fará quando dispusermos de todos os elementos. Até à data tem havido elementos suficientes, que são dados à medida que as coisas se vão passando: têm sido dadas respostas a todos os pedidos das comissões...
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Conversa!
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O Orador: -... têm sido dadas informações públicas - e, às vezes, até têm sido contestadas pelos Srs. Deputados da oposição, dizendo que elas revestem o carácter de propaganda do Governo - sobre aquilo que, na essência, se tem passado.
Portanto, estar a exigir mais neste momento é uma questão deslocada no tempo, embora eu aceite que, para a transparência de todos estes processos, tudo isso deve ser feito no devido tempo e na devida forma.
Por isso mesmo, não me parece que faria sentido que se fizesse uma análise nas GOPs - que foram feitas há um tempo atrás - nesse sentido decorridos seis meses após a nossa entrada efectiva na Comunidade Económica Europeia.
Aliás, caíamos no mesmo ...
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Sr. Deputado Vítor Crespo, a verdade é que o Governo também apresentou um documento para 1987-1990.
Há necessidade de se fazer uma análise - e não estou a referir as informações que eles nos enviam e de se saber quais as perspectivas daqui para o futuro.
Ora, nada disso está feito, Sr. Deputado.
O Orador: - Sr. Deputado, devo dizer-lhe que vamos ter ocasião, até ao termo do corrente ano, de fazer aqui uma análise mais aprofundada dessa matéria, quando discutirmos a ratificação do Acto único.
Cada coisa em seu tempo, Sr. Deputado.
V. Ex. º diz que não nos estamos a adaptar ao mercado interno alargado, o que terá de ser feito até 1992. Sobre isto, permito-me discordar completamente. Aliás, todas as posições do Governo - e faço esta leitura do Orçamento e do Plano- são exactamente para nos adaptarmos a essas condições.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Veja o que se passa no sector da indústria.
O Orador: - Mesmo quanto à crítica feita à educação, que me toca particularmente, quero dizer-lhe que a educação não foi discriminada este ano relativamente ao ano passado. O ano passado subiu um patamar; este ano manteve-se nesse patamar.
Quero ainda acrescentar que o sistema já está em condições de fazer economias sensíveis. Se não as fizer, ficarei muito triste, porque isso significará que o muito dinheiro gasto desde 1980 em formação contínua não está a permitir reduzir o nível de insucesso, e por aí além.
O Sr. Deputado Gomes de Pinho colocou-me uma questão que já ontem tinha sido formulada ao Sr. Ministro do Plano.
Não há aí qualquer discrepância nem tenho uma posição «toda pelo Plano». Estou é convencido de que se está a mitificar, quer o pró-Plano quer o anti-Plano.
Não se pode viver com a ausência total de linhas de rumos. Se entendermos que essas linhas de rumo são o Plano e se essa designação incomoda, então não me importo de criar outra designação. O que entendo é que nenhuma sociedade, particularmente neste momento histórico - não só portuguesa mas internacional -, pode viver sem objectivos: se se chama Plano a esses objectivos, não tenho nada com isso. Mas o que eu não tenho é qualquer concepção do Plano, tal como ele é utilizado nos países de economia planificada.
É evidente que não é isso o que eu pretendo, nem foi isso o que eu pretendi dizer. Utilizei a nomenclatura habitual e julgo que não devemos ter medo das palavras, porque quase todas evoluem com o tempo: basta lembrar a velha palavra «átomo», que quer dizer indivisível, quando toda a gente já sabe que o átomo é divisível.
Portanto, a minha concepção, ou aquela que eu aqui apresentei, desta «planificação» é a necessidade de sabermos o que somos, o que queremos ser e para onde caminhamos. Foi apenas isso, Sr. Deputado, que eu quis dizer.
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - Dá-me licença, Sr. Deputado?
O Orador: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Golpes de Pinho (CDS): - Sr. Deputado, queria apenas precisar uma questão.
Nós estamos inteiramente de acordo quanto à necessidade de que o País tenha um rumo, de que saibamos para onde queremos ir, etc. Mas discordamos profundamente do facto de esse rumo, esse caminho, esses objectivos serem definidos por uma lei da Assembleia da República com esta natureza. É que isso é supor que uma geração, pior do que uma geração, uma legislatura, um conjunto de deputados, pode decretar o futuro do País, pode comprometê-lo e pode até ir além do que está na Constituição.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Está contra a Constituição!
O Sr. Gomes de Pinho (CDS): - E na Constituição já está, porventura, mais do que devia estar em relação ao comprometimento da nossa natureza colectiva como país e como nação.
É isso - que o Sr. Deputado não deixou claro que eu critico e ponho em causa. Trata-se de uma preocupação que as GOPs, tal como foram formuladas, legitimamente suscitam.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Estão contra a Constituição!
O Orador: - Sr. Deputado, essa pode ser a sua leitura, mas não é a minha, claramente.
É evidente que o meu partido e eu próprio somos contrários a um excesso de programa que efectivamente existe na Constituição: tudo tem de ser mais flexível, como tem de ser flexível qualquer lei de orientação dos nossos caminhos. Simplesmente, deve existir alguma coisa com flexibilidade, coerência e conteúdo suficientes. É essa a leitura que eu faço das GOPs.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Que, aliás, vem na Constituição!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper agora a sessão.
Recomeçaremos os nossos trabalhos às 15 horas.
Eram 13 horas e 5 minutos.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a sessão.
Eram 15 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Orçamento do Estado para 1987, que o Governo propõe à Assembleia da República, é um mau orçamento para o País.
Mau, porque é peça nubelosa do puzzle governamental de persistir em escamotear a real dimensão dos efeitos da favorável conjuntura externa sobre a economia portuguesa e as finanças públicas.
É um mau orçamento porque se integra numa política global que, mais do que não expansionista, como a cataloga o Ministro das Finanças, é uma política restritiva e mesmo contraccionista face às indisfarçáveis necessidades que o País apresenta e às reais possibilidades que a conjuntura oferece.
É ainda um mau orçamento porque, a par do aumento da carga fiscal global e do não desagravamento da que incide sobre os rendimentos do trabalho, não dá minimamente resposta aos mais gritantes e prementes flagelos sociais que afectam boa parte dos portugueses (designadamente a habitação, os salários em atraso e as bolsas de pobreza que se multiplicam pelo Pais) e visa ostensivamente a asfixia financeira do sector empresarial do Estado e a proibição administrativa do seu desenvolvimento económico.
Em suma, o Orçamento apresentado pelo Governo é mau pela sua manifesta inadequação à realidade, às necessidades, interesses e possibilidades do Pais, e só pode ser aplaudido por quem sobreponha ao interesse nacional os interesses partidários de um governo em campanha eleitoral.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como demonstra o relatório da Comissão de Economia, Finanças e Planos a proposta de lei do Orçamento do Estado apresentada pelo Governo tem tantas imprecisões, incoerências, contradições e inverdades e tão grande manipulação de números que é legitimo perguntar: porquê? Será só incompetência? Estamos em crer que não. Com o lançar da escuridão na floresta orçamental, com a inadequação dos valores à realidade vivida e prevista, o Governo visa objectivos políticos. Designadamente, o Governo pretende inibir a Assembleia da República de aprovar propostas concretas correctoras do mau orçamento apresentado - quer se trate de aliviar a carga fiscal, de reforçar dotações insuficientes ou de inscrever novas despesas -, ameaçando sempre com o < papão» do aparente agravamento do défice orçamental. E, simultaneamente, o Governo procura forçar a aprovação de um orçamento que lhe deixe nas mãos autênticos «colchões» orçamentais de dezenas de milhões de contos.
Para isso o Governo faz três coisas: Primeiro, jogou na confusão - multiplicou, por exemplo, as previsões sobre a dimensão dos défices; de tal modo, que o mesmo défice é num documento de 10,8% do PIB para noutro aparecer como sendo de 11,5%.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É o rigor!
O Orador: - Este outro, passa de 9,5%o na página X para 8,9% na página Z.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É a competência!
O Orador: - Aquele outro, ainda, é de 9,5 % agora para passar a ser de 8,5 % depois.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É a exactidão!
O Orador: - Ou ainda que se afirme num lado que 9,3% do PIB em 1986 são 401 milhões de contos, para noutro lado se afirmar que são 424 milhões de contos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Notável!
O Orador: - Segundo, sobreavaliou as despesas, e terceiro, subavaliou as receitas.
Há sobreavaliação de despesas nos encargos com a dívida externa e nos encargos com o pessoal (esta sobreavaliação era já de 20 milhões de contos em 1986; é reforçada em 1987). E, a ter em conta a baixa execução do PIDDAC 86, bem se pode admitir que há sobreavaliação das despesas com os investimentos do Plano.
Há, por outro lado, subavaliação das receitas para 1987, desde logo no âmbito do imposto sobre os produtos petrolíferos, resultante de considerar um custo médio do barril de 18 dólares e do IWA (imposto sobre os veículos automóveis).
Subavaliação de receitas que provavelmente se registará noutros impostos. Talvez por isso o Governo, apesar de repetidamente solicitado, recusou-se até agora a fornecer os estudos que conduziram à inscrição orçamental das cobranças previstas para 1987, ao contrário do que sucedeu com o orçamento em vigor.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Eles lá sabem porquê!
O Orador: - Por outro lado ainda, Srs. Deputados, será que o escudo vai valorizar em 1987 mais ainda que em 1986?
O Governo persiste em não responder claramente a esta pergunta! Pela nossa parte, dizemos: não se trata de um problema de vasos comunicantes, ao contrário do que sustentou ontem o Sr. Ministro das Finanças, pois prevê desvalorizações superiores a 10% para o dólar e para o conjunto de moedas que integram o ECU, que têm peso determinante na taxa de câmbio efectiva. E dizemos ainda que entendemos indispensável que se caminhe rapidamente para o fim da desvalorização deslizante.
Sublinharei, por último, que também não foi por acaso que o Governo sobreavaliou as taxas de juro externas. É tão grande esta sobreavaliação que deixou a «nu», não razões de prudência orçamental, como alega o Governo, mas intuitos de empolamento artificial das despesas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Contrariamente ao afirmado no relatório que o acompanha, o Orçamento do Estado para 1987, com base nos elementos fornecidos pelo Governo e de que neste momento dispomos, não é um orçamento expansionista, se comparado com o chamado «orçamento revisto»; bem pelo contrário.
Não o é, desde logo, no âmbito das despesas correntes, particularmente nas transferências e nos subsídios.
Não o é igualmente no âmbito das despesas de capital.
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Na verdade, excluída a amortização da dívida, as despesas de capital aumentam de 12,7% em termos nominais, o que significa uma prática estagnação em termos reais. Assim como o não é pela via fiscal, já que a carga real aumenta.
É certo que a comparação efectuada não entra em linha de conta com a sobreavaliação das despesas orçamentadas em 1986 face à real revisão da sua execução, designadamente no âmbito das despesas com pessoal e com os investimentos do Plano. A verdade, porém, é que a sobreavaliação das despesas se mantém, nalguns casos se agrava, no Orçamento para 1987, pelo que a conclusão geral não se altera. Assim, e na melhor das hipóteses, estamos perante um orçamento de estagnação, que é efectivamente contraccionista face às possibilidades reais que a conjuntura oferece.
Também o discurso público do Governo de diminuição da carga fiscal nada tem a ver com a realidade dos factos. Facto é que « considerando os agregados homólogos [...] o crescimento das receitas fiscais cifra-se em 17%, ou seja, mais quatro pontos percentuais que a evolução prevista para o produto interno bruto, o que significa, sem quaisquer margens para dúvidas, um efectivo agravamento da carga fiscal.
E mais uma vez esse agravamento incide sobre os rendimentos do trabalho e os consumos da generalidade das famílias portuguesas. De facto, no âmbito do imposto profissional, não é certo que se registe um desagravamento fiscal, como diz o Governo. Com base nos valores disponíveis no relatório orçamental, a evolução das colectas imputáveis aos respectivos anos aumenta de 16,4% face ao Orçamento inicial de 1986 e de 14,2% face à respectiva previsão de execução. Em qualquer dos casos, a receita de imposto profissional aumenta mais que os 13% da evolução que o Governo prevê para a massa salarial. Há, pois, uma previsão de aumento real da carga fiscal directa sobre os salários. O mesmo se passa, aliás, com o adicional ao imposto profissional, que dá pelo nome de imposto complementar, já que a proposta do Governo faria com que praticamente todos os contribuintes passassem para o escalão imediatamente superior, sendo tributados a uma taxa superior à de 1986.
Inversamente, e como, já sucedeu em 1986, assiste-se a uma diminuição da carga fiscal efectiva sobre os lucros, desta feita pela redução de 50% da taxa sobre o imposto extraordinário sobre os lucros, a que acresce um novo aumento dos benefícios fiscais a um pequeno número de grandes empresas, a somar aos que já existem e que, em 1987, atingirão cerca de 30 milhões de contos, só em sede de contribuição industrial.
Julgamos que é altura de a Assembleia da República pôr cobro a este escândalo, em que os- trabalhadores são sempre os sacrificados e os beneficiados são, apenas, menos de 1 % das empresas existentes no País.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Impõe-se que os rendimentos do trabalho seja, já este ano, efectivamente desagravados e que se não permitam novos benefícios fiscais para os lucros.
Aplausos do PCP.
Nesse sentido apresentaremos algumas propostas para apreciação na especialidade.
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No âmbito das despesas, a análise, por ministério, irá sendo feita ao longo do debate por camaradas da minha bancada.
Mas aspectos há que não podemos deixar de desde já criticar e repudiar, pois são aspectos fulcrais do mau Orçamento apresentado e significativos da inadequação da proposta governamental às necessidades do País e da maioria dos portugueses.
No âmbito das despesas de funcionamento são inaceitáveis a estagnação, e mesmo decrescimento real, das dotações atribuídas aos Ministérios da Educação e da Saúde, mostrando o desprezo a que o Governo vota estas áreas sociais de importância fundamental.
No âmbito da Segurança Social é inconcebível a estagnação em termos nominais das transferências do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações para as reformas e pensões dos ferroviários, bem como a diminuição real das transferências do Ministério do Trabalho e Segurança Social para os regimes especiais não contributivos, sobrecarregando e penalizando cada vez mais os regimes contributivos.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - E, mais do que inconcebível, só pode ser considerado como uma autêntica provocação aos trabalhadores, e à própria Assembleia da República, a diminuição em 5 milhões de contos da dotação destinada a subsídio de desemprego, salários em atraso e garantia salarial, o mesmo se passando com a não atribuição de qualquer dotação para fazer face à miséria que grassa em certas zonas do País. É bem a marca de um governo a quem a miséria e a fome não merecem um mínimo de atenção e preocupação.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - No que concerne aos investimentos do Plano, a sua distribuição sectorial mostra que o Governo não tem uma política definida de prioridades, antes seguindo uma política de «trava e arranca» (stop and go) dependente da natureza de eventuais recursos comunitários, com riscos evidentes para o desenvolvimento equilibrado do País e para a satisfação das suas necessidades mais prementes.
De proclamada primeira prioridade que era há seis meses a educação passa para um plano secundário, com uma diminuição real de dotações da ordem dos 12%.
Os investimentos na saúde continuam à espera de serem considerados prioritários. Diminuem em um terço as dotações para a formação profissional de base.
Os recursos financeiros para a habitação social continuam a minguar aceleradamente, paralisando o lançamento de novos projectos. Para o sector das pescas não existe qualquer plano de investimentos, distribuindo-se as exíguas verbas que lhe são atribuídas por meros programas anuais.
Nos poucos sectores em que as dotações aumentam, como na agricultura, não se trata de lançar investimentos hierarquizados e programados, de acordo com as necessidades e prioridades nacionais, mas apenas de transferência de vultosas verbas para o sector privado, sem orientações e prioridades definidas, ameaçando agravar as distorções sectoriais e as assimetrias regionais.
Enfim, prossegue o arrastamento no tempo de investimentos anteriormente iniciados e procede-se ao «lançamento da primeira pedra» de novos projectos, dota-
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dos com verbas irrisórias em 1987, mas gerando compromissos financeiros relevantes para os próximos anos.
No que se refere ao sector empresarial do Estado, a sanha destruidora do Governo contra as EPs é por demais clara.
As dotações homólogas para dotações de capital, indemnizações compensatórias e eventuais subsídios decrescem 17% em termos nominais, afectando, designadamente, as empresas de transportes e pondo totalmente em causa a necessária renovação da marinha mercante. Os programas de reequilíbrio económico e financeiro de empresas fundamentais, como a EDP, a SN, a QUIMIGAL e a SETENAVE, são adiados para não se sabe quando. E, para além da diminuição das transferências orçamentais, o Governo coloca-se na escandalosa situação de impor administrativamente ao sector empresarial do Estado uma diminuição de 8% dos seus investimentos, sem que tal decorra da análise do interesse e rentabilidade dos projectos de investimento possíveis, mas apenas porque pretende impedir pela força o normal desenvolvimento das empresas públicas do sector empresarial do Estado.
Mas enquanto obriga à diminuição de 8% do investimento do sector empresarial do Estado, o Governo projecta a meta irrealista de um aumento de investimento privado em 15% ou 16%. Enquanto reduz as transferências para as empresas públicas de 62 para 52 milhões de contos, as transferências para o sector privado montam a 173 milhões de contos.
A Sr.ª Ilda Figueiredo (PCP): - Muito bem!
O Orador: - É o cúmulo do ódio vesgo de um governo que o não merece ser, mas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é também um desafio a Assembleia da República.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Orador: - Esse desafio exige uma resposta decidida das forças democráticas. E no quadro criado pela recente avaliação dos poderes orçamentais da Assembleia da República, feita pelo Tribunal Constitucional, essa resposta deve ser encontrada, não no âmbito de futuras correcções ou revisões orçamentais, mas no quadro da própria elaboração do Orçamento. Neste momento - todos o reconhecem - a Assembleia da República detém plenos poderes para alterar livremente a proposta do Governo. Governo que terá de optar entre a demissão ou o acatamento da vontade da Assembleia da República.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - É esse o caminho necessário.
É de olhos postos no interesse nacional que o PCP lutará pela profunda alteração da proposta do Orçamento do Estado, para que a Assembleia da República possa aprovar um orçamento capaz de dar resposta aos desafios que se colocam ao nosso país.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos inscreveram-se os Srs. Deputados Próspero Luís, Nogueira de Brito e Abílio Rodrigues.
Tem a palavra o Sr. Deputado Próspero Luís.
O Sr. Próspero Luís (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O Sr. Deputado Octávio Teixeira presenteou-nos com uma das suas diatribes habituais, fazendo um grande esforço para demonstrar a subavaliação das receitas para depois cair em contradição ao dizer que «em inúmeros ministérios as despesas estão, todas elas, subavaliadas». Deve haver aqui um qualquer erro de pensamento.
Depois, referiu que a subavaliação das receitas, nomeadamente do imposto sobre produtos petrolíferos, é feita por se considerar um preço de 18 dólares por barril, quando o preço real será, eventualmente, inferior. Ora, sendo o ISP a diferença existente entre os custos e o preço de venda ao público, que diferença faz o preço do barril ser de 18 dólares, 17 ou 16 se efectivamente o preço de venda é fixado por acrescento ao preço de custo do valor do ISP?
Sr. Deputado Octávio Teixeira, refere ainda V. Ex. a que o Governo deixa para mais tarde os problemas de quatro dos grandes «elefantes brancos» do sector público empresarial do Estado (EDP, Siderurgia Nacional, SETENAVE, QUIMIGAL). Penso que essa foi uma decisão já tomada por esta Assembleia, aquando da discussão do orçamento suplementar, ao não permitir que o Governo resolvesse esse problema. Efectivamente, há um desagravamento do complemento de dotações, indemnizações compensatórias e subsídios para as empresas públicas, nomeadamente para as de transporte.
Referiu ainda V. Ex.ª que há uma redução do investimento da ordem dos 8% no PISEC. Não acha V. Ex.ª que compete ao Governo avaliar o interesse que os investimentos têm e de verificar a vantagem em fazer esses mesmos investimentos?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, deseja responder já ou no final?
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Responderei no final, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, diria que V. Ex.ª mudou de óculos, isto é, tirou os óculos do técnico que todos apreciamos e que connosco tem trabalhado na Comissão de Economia, Finanças e Plano e pôs os óculos do Partido Comunista. Devo dizer-lhe que o aprecio mais com os outros óculos.
Risos do CDS e do PSD.
Realmente, V. Ex.ª veio aqui falar-nos de uma equação impressionante: diz que aumenta a carga fiscal, depois ficámos a saber qual era a carga fiscal que entendia que aumentava, para nos dizer ainda que o orçamento da despesa não é - como já o confessou o Sr. Ministro das Finanças - expansionista, mas sim o contrário. Bom! Não nos falou sobre o défice, mas quero crer que há algo de incompreensível nesta equação. E quando tratou de justificar que não era expansionista, mas o contrário, V. Ex.ª falou mesmo na despesa corrente, dizendo ser decrescente e não crescente, utilizando o chamado «orçamento revisto» para o efeito, mas não se referiu a duas componentes funda-
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mentais - despesas com pessoal e aquisição de bens e serviços. Falou unicamente em transferências e em subsídios.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, por outro lado, V. Ex.ª pretende que o Estado não conceda isenções no domínio da tributação sobre o lucro das empresas e pretende ver aliviada a tributação sobre o rendimento do trabalho. Nós aí acompanhamo-lo inteiramente, desde que os raciocínios e as actuações do Sr. Deputado Octávio Teixeira e do seu partido não tenham o toque aventureirista que este tipo de intervenção distorçora da realidade nos permite concluir que irá ter. Se não houver aventureirismo da vossa parte, nós estamos de acordo em vos acompanhar na diminuição da carga maior sobre os rendimentos de trabalho.
Sr. Deputado Octávio Teixeira, quando se trata de diminuir a tributação sobre os lucros seria bom que V. Ex.ª confessasse aquilo que pretende e o que V. Ex.ª pretende é que não haja empresas a actuar neste país, mas sim Estado e só Estado.
Em suma, era isto que eu gostaria que explicitasse perante esta Câmara.
Vozes do CDS e do PSD: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Abílio Rodrigues.
O Sr. Abílio Rodrigues (PSD): - Sr. Deputado Octávio Teixeira, ouço-o sempre com bastante atenção no intuito de descobrir onde é que vai buscar determinados números e como é que trabalha esses mesmos números.
É que, de facto, os seus números nunca coincidem com os meus.
O Sr. João Abrantes (PCP): - É uma questão de trabalhar mais!
Risos do PCP.
O Orador. - O Sr. Deputado falou da insuficiência de dotações de capital e de investimentos e daí partiu para afirmar que este Governo quer asfixiar o sector empresarial do Estado. A verdade é que os meus números indicam, claramente, o contrário e tenho muito prazer em lhos facultar, nomeadamente na parte a que se referiu de uma forma mais concreta, ou seja, a dos transportes, tal como se tivesse focado a industria eu teria igualmente muito prazer em proceder da mesma forma.
Mas passemos aos números: para sete empresas de transportes o esforço financeiro do Estado, no Orçamento do Estado, teve a seguinte evolução: 1986-1985, mais 38 %, 1987-1986, mais 12 %. Estes são os números de que disponho.
Para sete empresas de transportes o ratio das dotações de capital sobre despesas de investimento teve o seguinte andamento: 1985 - 0,27 %; 1986 - 0,82 %, e 1987 - 0,7007b.
Para despesas de investimento, cresceram a preços correntes: em 1986-1985 - 24,3 %; em 1987-1986 - 30 %. A preços constantes: 1986-1985 - 11 % ; 1987-1986 - 23,3 %.
Não percebo, Sr. Deputado, como é que afirma que há asfixia do sector empresarial do Estado. E mais, que asfixia é esta quando este Governo tem a coragem, para uma só empresa, de apresentar um esforço financeiro anual de 33 milhões de contos, como é o caso da CP? Julgo que são este tipo de apostas selectivas que o Governo optou por fazer, e fê-lo muito bem.
Gostaria, Sr. Deputado, que comentasse estes números.
O Sr. Presidente: - Para responder aos pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Deputado Próspero Luís, V. Ex.ª, como é habitual, veio mais uma vez dar prova pública do seu confucionismo mental, para não dizer outra coisa.
Risos do PCP.
É que, quando o Sr. Deputado deu o exemplo do ISP, penso que só o pudor terá evitado que a Câmara tivesse desatado à gargalhada. É precisamente porque o imposto é a diferença entre o preço de venda ao público, que o Governo mantém inalterado na sua proposta, e os custos é que, se estes baixam - isto é, se o petróleo baixa de 18 dólares para 17,16, etc.- aumenta a outra parcela, que é a do imposto. Isto é claro para qualquer pessoa, à exepção do Sr. Deputado Próspero Luís.
Risos do PCP.
Em relação à questão das empresas públicas, o Sr. Deputado diz: «O Governo é que sabe... O Governo é que tem os dossiers ... por que é que não deixa trabalhar o Governo? ... » Aqui, Sr. Deputado, a diferença é que não estou sujeito, nem me deixo levar pela His Master's Voice.
E, critico, analiso e estudo, coisa que o Sr. Deputado não faz.
Aplausos do PCP.
Protestos do PSD.
Ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, quero dizer que o problema dos óculos é um problema que só tem a ver com o gosto pessoal de V. Ex.ª Por mim é-me indiferente os óculos que V. Ex.ª traga. O que me parece com muita clareza é que o Sr. Deputado está necessitado de ir ao oftalmologista.
Risos do PCP.
Quanto ao problema da comparação de despesas, como referi, prova-se facilmente, exclusivamente com os elementos fornecidos pelo Governo, comparando 0 Orçamento do Estado para 1987 com o dito Orçamento revisto - e é necessário que as comparações sejam feitas sobre a mesma estrutura, pois de outra forma estaremos a admitir que sejam feitas em 1986 para chegar ao novo Orçamento revisto -, que em termos globais os resultados são aqueles que lhe disse. Isso não implica que não haja parcelas que estejam em sentido inverso, que haja despesas subavaliadas, despesas sobreavaliadas, despesas insuficientemente dotadas e excessivamente dotadas. Do que lhe falei foi do conjunto das despesas e, aí mantém-se tudo como disse, se bem que possa efectivamente haver parcelas onde isso não aconteça. O caso dos encargos com o pessoal, como referi, constitui um exemplo disso mesmo, pois não tenho dúvida nenhuma que em 1986 tem uma sobreavaliação
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das despesas com o pessoal da ordem dos 20 milhões de contos. Face à evolução projectada dos encargos com o pessoal para 1985 e ao previsto aumento da massa salarial negociada entre o Governo e os sindicatos verificamos que eles levarão a um aumento ainda maior dessa sobredotação dos encargos com o pessoal.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Sr. Deputado, não posso fazê-lo, pois o tempo de que disponho é contado e estaria a prejudicar o meu grupo parlamentar.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não conta, não!
O Orador: - Quanto à questão dos eventuais aventureirismos, Sr. Deputado, não tenha problemas, pois não corre riscos de aventureirismo se vier atrás das posições do PCP.
Risos do PSD e do CDS.
Veremos se o seu partido vai cumprir na prática, este ano, em termos de votação na especialidade, aquilo que aqui apregoa. Isto é, se vai votar o efectivo desagravamento dos impostos profissional e complementar.
Finalmente, quanto ao Sr. Deputado Abílio Rodrigues gostaria de lhe dizer que penso que o problema que colocou é um problema seu.
Razões haverá muitas, mas destaco uma: como o Sr. Deputado passa por aqui transitoriamente não tem tempo de ver os papéis e de os estudar. Vem cá para, na superficialidade, fazer uma intervenção com o intuito de que hoje, a sua presença seja registada.
Protestos do PSD.
Os números que lhe referi são os números do Governo, se pedir aos seus colegas de bancada eles poderão fornecer-lhe o ofício n.º 7030/86, de 13 de Novembro, enviado pelo Governo, em que aparece uma previsão de investimento no sector empresarial do Estado no valor de 239,7 milhões de contos, quando no documento homólogo do ano passado eram 235 milhões de contos.
Temos assim em termos absolutos, um aumento de 4 milhões de contos, o que traduz um forte decrescimento real do investimento no sector empresarial do Estado, e não há números que possam inverter a situação real, baseada nos números fornecidos pelo Governo.
Outra coisa serão - e o Sr. Deputado, embora transitoriamente, também é gestor público, podendo por isso mesmo dispor de outros elementos- os elementos que as comissões de gestão enviam para o Ministério. Só que o Governo, em relação a esses investimentos apresentados pelas empresas, faz cortes e daí a diferença entre os nossos números.
O Sr. Abílio Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra para defesa de honra.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Abílio Rodrigues (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queria esclarecer que não estou numa situação de transitoriedade, pois quando estou, estou em pleno. Aliás, tenho estado mais tempo na Assembleia que o Sr. Deputado Octávio Teixeira, ou que o presidente do seu partido, o Sr. Deputado Álvaro Cunhal, que nunca cá aparece.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, se assim o desejar, tem a palavra para dar explicações.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Desejo sim, Sr. Presidente.
Sr. Deputado Abílio Rodrigues, na transitoriedade das suas passagens por aqui talvez o Sr. Deputado não saiba que o meu camarada Álvaro Cunhal tem o seu mandato suspenso. É por isso que não o vê cá. Como ele não está cá, não faz estas contas, faço-as eu.
Risos do PCP.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontram-se nas galerias os estudantes dos 10. º e 11. º anos da Escola Secundária de D. Filipa de Lencastre, para os quais peço uma saudação.
Aplausos gerais.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Gago.
O Sr. Correia Gago (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Decididamente não é fácil fazer oposição construtiva a este governo; encontramo-nos, repetidamente, perante uma das demonstrações de eficácia que ele quer exibir como imagem de marca - neste caso, a eficácia em criar perplexidades ao Parlamento, em talhar-lhe a capacidade de manobra no exercício das suas prerrogativas institucionais.
Só que se trata, deste vez, de uma tentativa um pouco ingénua que o Governo teria já suficiente experiência para não ensaiar. Fazer oposição construtiva não é fácil, mas continua a ser possível. E estamos mais uma vez, na bancada parlamentar em que me integro, a demonstrá-lo, ao longo do debate em curso. Debate que tem lugar a tempo e horas, o que sem gosto se revela, porque haveria de ser normal. Mas revela-se, a crédito deste governo.
Como quis então, desta vez, o Governo embaraçar o Parlamento?
Vale a pena que fique registado o resumo do folhetim no Diário da Assembleia da República.
O Governo fez entrar nesta Casa em 15 de Outubro um volumoso documento intitulado Grandes Opções do Plano (19871990) e Grandes Opções do Plano 1987, acompanhado da proposta de lei aprovatória de umas e outras. Cito o artigo 1.º da proposta de lei: «São aprovadas pela presente lei as Grandes Opções do plano a médio prazo (1987-1990) e as Grandes Opções do plano anual (1987).» Na mesma data dava também aqui entrada o Orçamento do Estado para 1987, correspondente proposta de lei, relatório geral e documentos anexos.
Julgando pelos títulos, tudo certo e mesmo auspicioso finalmente, a definição de um quadro estratégico a médio prazo para o enquadramento da acção governativa, a concretização dessas orientações estratégicas em opções melhor definidas e devidamente instrumentadas para o horizonte do próximo ano e uma proposta de orçamento dessa concretização, decorrente.
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Isto, julgando pelos títulos e também pelo precioso texto de apresentação destes documentos ao Sr. Presidente da Assembleia, texto onde se separam, virgulando rigorosamente, três coisas distintas: GOPs 1987-1990, vírgula, GOPs para 1987 e Orçamento do Estado para 1987.
Uma linha abaixo, porém, o expediente já começa a denunciar-se, pois para estás três coisas distintas se referem apenas dois números de registo na
Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros.
Compulsado o primeiro documento, as GOPs 1987-1990 e GOPs 1987, o que todos nós já tivemos a curiosidade de fazer, embora a cronologia do agendamento e muito responsavelmente tenha naturalmente observado a prioridade e a urgência do debate orçamental, logo se verificou que a copulativa «e» não copulava coisa nenhuma, nem no índice.
O título é uma habilidade menor, que a seriedade substancial das intenções do documento não merecia.
E lá ia ficar o Parlamento embaraçado, com um Orçamento para apreciar e sem grandes opções anuais que lhe constituíssem a referência e fundamento necessários, que são imperativo constitucional e que a Lei n. O 31/77, do sistema e orgânica de planeamento, considera «a base fundamental da actividade do Governo [ ... ] e dever integrar o Orçamento do Estado». Ou então teria de ficar com essas opções de médio prazo expeditivamente aprovadas é com elas as de 1987, se não quisesse incorrer na responsabilidade de demorar a aprovação do Orçamento.
Calmamente se chamou, entretanto, a atenção do Governo para a omissão, que ele, Governo, conhecia, antes e melhor do que ninguém.
A resposta obtida no dia 28 acentua a denúncia do expediente: afinal, as Opções 1987 não eram um segundo termo, um deslumbramento, um «e» às de médio prazo: estavam «naturalmente» contidas nestas... no entendimento do Governo de que havendo «acumulação de propostas» a explicitação anual não é obrigatória. Mas no manifesto desentendimento de que, não estando nem podendo estar as GOPs de médio prazo aprovadas nesta Assembleia, nada do que lá estiver contido adquire existência útil no presente debate...
«Problema nosso, formalismos», diria o Governo.
O certo é que aquele entendimento do Governo não era, não foi, obviamente perfilhável pela Câmara - e, nem lógica, nem legalmente, poderia sê-lo - e, obviamente também, não o perfilhou a Comissão de Economia, Finanças e Plano no seu parecer e com robusta fundamentação.
Todavia, o Governo, temperando de prudência as habilidades processuais, julgou por bem - e julgou bem, na resposta ao requerimento que denunciava a omissão e talvez correspondendo ao propósito que nele se lhe manifestava e que anotou de não ver prejudicado o prosseguimento dos trabalhos conducentes à atempada votação do Orçamento - enviar, como complemento à proposta de lei das GOPs, um documento onde - e vale a pena citar da nota de abertura - «se encontra e explicita o que, sendo já implícito no texto inicial, constitui, na proposta do Governo, as Grandes Opções do Plano para 1987».
esse documento, pois, que claramente foi escrito pelo Governo, o único de que devemos ocupar-nos neste debate. Ao outro dedicaremos a seu tempo a atenção e cuidado que sem dúvida merece.
Este é o resumo do folhetim, para que conste.
Não creio que se trate de um mero minuete processual, mas não me chega a perspicácia política para apreender os desígnios tácticos do Governo - que já foi directamente inquirido a esse respeito, não respondeu, e reincidiu na confusão com o discurso anacrónico (no contexto deste debate, entenda-se) que o Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território ontem aqui produziu.
Seja como for, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a questão não é menor nem meramente formalística; e a Assembleia resolveu-a bem. As GOPs de médio prazo são questão muito séria, pelo seu escopo e pela própria novidade que constituem, de novo devendo creditar-se a este Governo o mérito de uma iniciativa que tardava. É que, Srs. Deputados, uma vez aprovada por esta Assembleia uma estratégia de desenvolvimento económico, social e cultural de médio prazo, ela desprende-se do Governo que tenha preparado o seu projecto inicial para se tornar uma escolha democrática dos representantes do povo português. Não se muda de opções a médio prazo como quem muda de camisa, nem sequer como quem muda de Governo.
Lá iremos, portanto, com ponderação e calma; outra atitude ofenderia decerto a seriedade de propósitos que, não duvido, animou o Governo ao prepará-las.
Só que, entretanto, ficou o Governo muito mal servido de opções para 1987 e ficámos nós com a triste necessidade de apontar que o Governo teria gerido melhor o seu esforço e o seu tempo dedicando-se um pouco mais à explicitação, clara e depurada, das GOPs para 1987, e um pouco menos, por exemplo, ao bizantino exercício de preparar um Plano para 1986 que vai ser publicado no final do ano a que respeita.
Que são então ás GOPs para 1987?
São, sucessivamente (e perdoem-me ser um pouco cáustico):
Um artigo de jornal de fim de ano sobre o enquadramento económico internacional;
Um esboço de política macroeconómica com palpites sobre a evolução de alguns agregados, dados apenas em taxas de variação;
Um exercício de arrumação dos investimentos do PIDDAC segundo os títulos das GOPs de médio prazo, expresso apenas em estruturas percentuais, comparando 1986 com 1987;
Uma arrumação sectorial dos investimentos do mesmo PIDDAC, espécie de curta memória descritiva do mesmo, com mapa-resumo;
A síntese da cobertura financeira prevista para os investimentos a realizar no âmbito desse Programa de Investimentos da Administração Central.
Fundamentalmente, portanto, um apressado retratar da matéria contida no PIDDAC - feito pós-PIDDAC -, em vez de constituir a fundamentação prévia deste em opções claras de política económica para o próximo ano.
Não há então opções nenhumas? Não direi tanto. Sobre política macroeconómica, ou nela embrulhadas, há algumas, talvez pequenas e médias, se aceitarmos, com o Sr. Ministro do Plano, que opções grandes só de médio prazo; mas nem por isso pouco significativas. Selecciono alguns exemplos - talvez não haja, de resto, muitos mais.
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Primeira opção: fazer crescer o investimento, mas pondo o investimento público a funcionar como travão, crescendo abaixo da média - ainda mais difícil para o sector privado...
Segunda opção: moderado crescimento do consumo privado para não prejudicar as exportações, sem que se apreenda bem a concorrência que tão directamente se receia entre os dois tipos de procura, interna e externa.
Como terceira opção: crescimento do crédito a empresas e particulares próximo do da inflação, quer dizer, estacionariedade dele, contando, sem a demonstrar de maneira minimamente convicente, com acrescida capacidade de autofinanciamento do sector privado para que o investimento se expanda como previsto.
A quarta opção é o crescimento, enfaticamente qualificado de positivo, dos salários reais, mas em função dos ganhos de produtividade e consequente silêncio comprometido sobre a evolução da repartição funcional do rendimento.
Quinta e última opção: crescimento do emprego, peregrinamente considerado dependente do comportamento salarial, e afirmação de que o factor trabalho em Portugal deve manter-se barato para não desincentivar o investimento. Que investimento será este que só se aguenta assim?
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Estas cinco opções de política macroeconómica merecem mais algum comentário, ainda que breve, porque mesmo no seu laconismo e magra fundamentação acabam por desenhar com particular nitidez o perfil político-ideológico que o Governo pratica, ou tenta praticar, com inegável combatividade e persistência, e por revelar as contradições internas em que incorre ao pretender atingir certos objectivos ignorando o terreno concreto em que se move.
Assim: privilegiar o crescimento acentuado do investimento? Muito bem. Só que, por preconceito ideológico cumulado de insuficiência administrativa, a alavanca de que o Governo dispõe para abrir caminho e dar exemplo não é usada - o investimento público crescerá a uma taxa inferior à média. Já aqui foi dito que, contas feitas, para atingir a formação bruta de capital fixo (F13CF) esperada, os investimentos privados terão finalmente de brindar o Sr. Ministro das Finanças com investidas tais que façam crescer a formação de capital nas empresas privadas na ordem dos 14 %. E, mais, terão de o fazer apesar da contracção dos mercados que, para tantos sectores produtivos privados, o investimento público constitui. Será este um dos tais sinais indutores de confiança?
Crescimento moderado do consumo privado? Aceitar-se-ia para favorecer a poupança e o investimento. Mas para impedir qualquer abrandamento no esforço de penetração dos mercados externos? Que se receia? Que, com algum progresso dos salários reais, os Portugueses esgotem as camisas e o pano de lençol, absorvam o tomate, coleccionem moldes de plástico e peças de motores, se encorticem em casa, passem a acompanhar de vinho do Porto as refeições? Quisesse o Governo intervir decididamente na redistribuição dos rendimentos e, ao contrário, o crescimento possível do consumo interno iria justamente alargar mercados para produções nacionais dificilmente exportáveis e ajudar a dinamização de sectores relativamente débeis da produção nacional, designadamente no sector primário.
Parar o crescimento do crédito a empresas e particulares e considerar isso compatível com o investimento desejado, porque o autofinanciamento vai aumentar substancialmente? Que disseram ao Governo, sobre isto, as confederações patronais? Ainda ontem, na bancada do partido do Governo, se ouviram vozes de alerta sobre a descapitalização das empresas.
Crescimento dos salários reais balizado pela produtividade? É um propósito clássico, quando se atingiu uma repartição funcional equitativa dos rendimentos. Ora, o Governo, que quanto a política de rendimentos apenas define esta opção, quererá com ela significar que deseja ver cristalizada a repartição funcional na estrutura que veio a atingir após anos seguidos de sacrifício do factor trabalho?
Finalmente, a espantosa dependência estabelecida entre crescimento do emprego, investimento e comportamento salarial. Lê-se, e não se acredita. É, então, afinal, o trabalho barato o que há-de continuar a incentivar os investidores? Agora também os nacionais? Que modernização tecnológica e que inovação são estas? Que papel quer o Governo atribuir a Portugal na divisão internacional da produção e do trabalho? Onde está a aproximação ao resto da Europa? A escolha é entre salários baixos e desemprego? Quanto precisariam de baixar os salários reais para absorver o desemprego existente?
O novo conceito de empresa promete...
Sr. Presidente e Srs. Deputados, não terminarei sem antes fazer mais uma variação estóica sobre a renovada indiferença manifestada pelo Governo relativamente ao sector empresarial do Estado.
Desta vez, nas opções para 1987 o silêncio é total, quer sobre orientações de política económica, financeira e reorganizativa, quer sobre o programa de investimentos. Não pode nenhum dos sectores desta Câmara deixar de estranhar que uma questão de que o Governo faz quotidianamente um dos seus cavalos-de-batalha lhe não mereça uma linha sequer num documento desta importância submetido à representação nacional. Apenas à Comissão de Economia, Finanças e Plano foi enviada uma versão provisória dos investimentos do sector empresarial público e seu financiamento. Nela se refere um investimento total da ordem dos 240 milhões de contos. Cerca de 24 % da formação bruta de capital fixo prevista no relatório geral do Orçamento, sobre controle directo do Governo, goste ele ou não, constituem ainda uma responsabilidade enorme, que é leviano tratar tão pela rama e com tanta inconsistência. Senão, vejamos: para financiar estes 240 milhões de contos prevê o Governo 14,5 milhões de contos de dotações de capital - metade das que atribuiu este ano, conforme explicitado no relatório do Orçamento e significando 6 % do investimento previsto. Sublinhe-se esta inadmissível percentagem com o seguinte passo que cito dos «Elementos informativos sobre empresas públicas não financeiras», preparados pela Inspecção-Geral de Finanças quanto às razões da situação financeira a que essas empresas chegarem:
«Diminutas dotações de capital. Assim, e relativamente aos últimos três anos, essas dotações de capital financiaram apenas 5,5 % do acréscimo do activo durante o mesmo período.»
Como se vê, mais um ano se entolha de persistência no estrangulamento financeiro das EPs por parte do Governo, ano que vai decerto ser de novo pontilhado de acusações às mesmas por estarem financeiramente estranguladas.
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Mas há mais: para ajudar a financiar o investimento conta o Governo com a geração de 100 milhões de contos de cash flow antes do subsídio em 1987, no conjunto de empresas.
Volto a citar do mesmo trabalho da Inspecção-Geral de Finanças: «Cash flow insignificante. O cash flow referente aos seis últimos anos, 200 milhões de contos [...] representa apenas [...]»
200 milhões de contos de cash flow gerado em seis anos e 100 num só. De que santo padroeiro espera o Governo este milagre?
Os subsídios e indemnizações compensatórias, por seu lado, prevê-se que atinjam os 37,5 milhões de contos, menos também que a verba de 1986, até nominalmente. Aqui poderá haver razões - menores custos de combustíveis, por exemplo. $ por isso?
E choca também o novo diferimento de decisões reorganizativas e saneadoras essenciais na EDP, Siderurgia Nacional, QUIMIGAL e SETENAVE, problemas que estão mais que estudados por fora e por dentro, por nacionais e estrangeiros, e que a passagem do tempo vai deteriorando rapidamente. O Governo sublinha a gravidade desta lacuna ao referir que só estas empresas são responsáveis por 77 % das necessidades de financiamento a título oneroso do conjunto das empresas.
O Governo diz não querer mais «elefantes brancos» a seu cargo e acho que tem razão. Com esta política negligente, todavia, o que na prática vai fazendo, masoquisticamente, é caiar de branco mais < elefantes», que eram normais e relativamente saudáveis.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Aguardemos que o Governo esclareça e melhore, antes do termo deste debate, estas Grandes Opções para 1987, lhes colmate as lacunas e lhes alargue o alcance. É que como estão não servem.
Aplausos do PRD, do PS, do PCP, do MDP/CDE e da deputada independente Maria Santos.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alípio Dias.
O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr. Deputado Correia Gago, ouvi V. Ex. e com a atenção que lhe é devida.
Como deputado de um partido que apoia o Governo, começo por me congratular com o teor do inicio da sua intervenção. Quando V. Ex. a diz que tem dificuldade em fazer oposição construtiva a este Governo, tomei esta sua intervenção no sentido de que está tudo bem neste programa que o Governo apresenta à Assembleia e sobre o qual V. Ex. 1 tem dificuldade em encontrar matéria para criticar o Governo.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Face ao teor da sua intervenção há, contudo, duas passagens sobre as quais gostaria de interpelar V. Ex. a
A primeira refere-se ao problema do crédito a empresas e particulares, quando diz que, em princípio, a taxa de crescimento do crédito a empresas e particulares ficará praticamente idêntica à taxa de inflação. Depois, interroga se efectivamente haverá ou não meios para que o sector privado possa concretizar um programa de investimentos, que se aguarda.
Sobre este problema, penso que há dois pontos fundamentais que esta Câmara tem esquecido. Por um lado, é inequívoco que ao longo de 1986 se assistiu a uma melhoria sensível e notável da rentabilidade das empresas, naturalmente com reflexos na sua capacidade de libertação de meios, o que vale por dizer que esta libertação de meios tem um papel dual relativamente ao investimento que V. Ex. e sabe. Por outro lado, teremos meios libertos para investir e até um acréscimo da propensão para investir.
Um outro aspecto é o de que o mercado de capitais continua realmente a ser um mercado que tem de ser devidamente explorado - no bom sentido do termo em Portugal para ser utilizado como fonte de financiamento dos investimentos privados. E julgo que este segundo aspecto não tem sido tratado.
Daí que lhe coloque concretamente a seguinte questão: não acha que a capacidade de libertação de meios que as empresas têm que revelar necessariamente ao longo de 1986, com reflexos em 1987, e o mercado de capitais poderão solucionar este problema que levantou?
A segunda questão tem a ver com o sector empresarial do Estado. É, inequívoco que, com os elementos que foram facultados a esta Câmara, as despesas de investimento e a forma de financiamento de certas dessas despesas podem considerar-se correctas. Se V. Ex.ª se der ao cuidado de fazer contas, averiguará que, em princípio, as necessidades de financiamento das empresas nesta matéria andarão à volta dos 33 %, o que quer dizer que o autofinanciamento, o financiamento com recursos próprios e equiparados destes investimentos programados para 1987 se pode considerar bastante satisfatório e, naturalmente, da ordem dos 67 %.
Quanto à questão em aberto da Siderurgia, da QUIMIGAL, da SETENAVE e da EDP, o Governo tranquilizou a Câmara ao dizer que lhe apresentará as informações necessárias sobre aquilo que pensa fazer relativamente a estas empresas. Daí que, perante isto, eu seja levado a duvidar se V. Ex. e terá realmente razão na questão que levantou sobre esta matéria.
O Sr. António Capucho (PSD): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Correia Gago.
O Sr. Correia Cago (PRD): - Sr. Deputado Alípio Dias, fazer oposição construtiva é de facto difícil. Se eu quisesse fazê-la destrutiva, tinha a tarefa muito facilitada. É sempre mais difícil ser construtivo.
Quanto ao que refere sobre a possibilidade que o sector privado terá de corresponder ao exigentíssimo apelo que de novo o Sr. Ministro das Finanças lhe lança, quero acreditar que tenha alguma razão no reforço de confiança que manifesta. Todavia, estava a basear-me no texto que o Governo nos apresentou, que fundamentalmente justifica a estacionariedade do crédito com o robustecimento da capacidade de as empresas se autofinanciarem. E isto é que não corresponde nada ao sentimento que se tem e à opinião que se ouve em círculos empresariais. Por coincidência - repito - ontem mesmo, na sua bancada, se lançavam alertas contra a descapitalização de muitas das empresas.
Que haja outros instrumentos é uma achega que o Sr. Deputado nos dá, e não tenho dúvida nenhuma em acompanhá-lo nos votos para que essas outras ache-
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gas permitam que a realidade se aproxime das expectativas do Governo. Oxalá que sim! O documento do Governo, ao contar sobretudo com uma capacidade de autofinanciamento em que, francamente, ninguém acredita, é que ficou aquém daquilo que o Sr. Deputado quis ter a bondade de acrescentar como razões de esperança.
Quanto às tais empresas públicas relativamente às quais esta Câmara estará tranquila quanto à preparação de soluções que o Governo está a fazer para elas, a questão que coloco é a do tempo que já passou. Poderá dizer-me que aguentemos mais um período marginal, já que esperámos tanto tempo, mas é extremamente grave que questões como as destas quatro empresas se arrastem há muitos anos. Num documento desta natureza, o silêncio é pelo menos de estranhar e uma simples menção do progresso que está sendo feito nessas reflexões e nas orientações que começam a despontar teria sido pelo menos uma prova de consideração para com a Câmara.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação e Cultura.
O Sr. Ministro da Educação e Cultura (João de Deus Pinheiro): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Cumpre-me apresentar a esta Assembleia a posição do Governo em matéria de orçamento do Estado para a educação e cultura e fazê-lo tendo por referência a proposta do Governo e o parecer das comissões especializadas sobre a matéria. Direi desde logo que as críticas feitas se revelam despidas quer de fundamento quer de rigor. Referem-se amiúde a « insuficiência de verbas», quer para o sector global da educação e cultura, quer para segmentos isolados daquele sector, mas não se indicam referências e muito menos os montantes que careceriam de ajuste ou de aumento, como se não indicam nem sequer se indiciam as origens dos fundos supostamente em falta.
Assim sendo, fácil é criticar, já que nessas criticas se não arrisca nada, a não ser, talvez, apodos de «incapacidade» ou «insuficiência».
A não ser - o que custa a acreditar - que se pretenda alargar sem limites o défice orçamental, que é como quem diz o endividamento de todos e cada um dos portugueses.
Considero, assim, as críticas formuladas desprovidas de credibilidade, na medida em que, para além de partirem de premissas erradas - como demonstrarei -, não apresentam alternativas nem contribuições minimamente pertinentes para uma eventual melhoria da distribuição dos recursos em jogo. Tais críticas mais não são, portanto, do que o repisar de slogans gastos e que fizeram a sua época há alguns anos atrás. Mas, felizmente para o País, a realidade é outra, a dinâmica é outra, o governo é outro e, naturalmente, os resultados são outros.
Analisemos então as principais críticas das oposições ao Orçamento do Estado para educação e cultura.
Primeira crítica: «O Governo não considera a educação como sector prioritário, depois de assim o ter proclamado em 1986».
Poder-se-ia, pura e simplesmente, argumentar ao contrário dizendo que o Governo, ao invés, continua a considerar a educação como sector prioritário, e por aqui nos ficávamos, já que nenhuma indicação é dada, mesmo que aproximada, quanto ao limiar a partir do qual passaria a educação a ser sector prioritário.
As oposições sobre esta questão fundamental, essencial mesmo para o debate, guardam de Comado o prudente silêncio e não fazem sequer as suas contas.
É que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a percentagem do PIB atribuída no Orçamento do Estado para 1987 à educação e cultura é - imagine-se - sensivelmente idêntica à de 1986, isto é, cerca de 4,7 % do PIB!
Como então falar em perda de prioridade? A resposta é, portanto, inequívoca e indiscutível: Não há perda de qualquer prioridade relativamente a 1986!
Segunda crítica: «O Orçamento do Estado e PIDDAC do Ministério da Educação e Cultura não revelam uma adequada visão das necessidades e prioridades. A maior parte das rubricas e das verbas da despesa pública com a educação e a cultura vão, em 1987, diminuir ou estagnar.»
Vejamos, porém, a realidade: em termos globais, as dotações inscritas no Ministério da Educação e Cultura crescem em 1987 cerca de 11,6 % relativamente ao volume de 1986 ou, se comparado com o efectivamente despendido (estimativa de Setembro), cerca de 13,2 %.
Como se pode então falar em decréscimo?
Analisemos, porém, as grandes rubricas do orçamento do Ministério da Educação e Cultura, na esperança de que alguma luz se faça:
«Gabinetes e serviços - Centrais sem autonomia»: +7,4 %;
«Serviços centrais com autonomia»: aprox. + 12,5 %;
«Média ponderada dos gabinetes e serviços centrais»: + 11 %;
«S. s. universitários»: + 12,3 %;
«Estabelecimentos de ensino não superior»: + 14,3 %;
«Estabelecimentos de ensino superior»: + 18,4 %;
« Cultura»: + 13,7 %.
Parece, pois, objectivamente demonstrado que:
a) Há crescimento real em todos os blocos, excepto no que respeita a gabinetes e serviços centrais;
b) Se privilegia o ensino superior e os estabelecimentos de ensino, com crescimentos respectivamente de 18,4 % e 14,3 %;
c) O crescimento da cultura vem ainda mais reforçado através da sua componente de PIDDAC (como adiante se verá).
Será que algumas oposições pretenderiam que, em vez dos estabelecimentos de ensino superior e não superior, da cultura e mesmo dos serviços sociais universitários, se houvessem aumentado as dotações dos gabinetes e serviços centrais do Ministério? Assim parece (infelizmente), ou de outro modo não faz sentido 0 parecer por elas subscrito.
Terceira crítica: «Cortes particularmente graves nas verbas da Acção Social Escolar, alfabetização e educação de base de adultos, ensino especial e investigação científica.»
Quanto à Acção Social Escolar, o « corte grave» corresponde aqui a um crescimento em 1987 de cerca de 14 % relativamente a 1986, depois de neste ano já ter crescido 37 %.
Quanto à alfabetização e educação de base de adultos, esta é uma área em que haveria de facto uma apa-
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rente estagnação nominal das verbas orçamentadas. Esquecem, porém, os críticos os esclarecimentos prestados na Comissão e o próprio parecer do CNAEBA, já que não consideram os cerca de 900 professores do preparatório que, em regime de acumulação e complemento de horário, vêm leccionando cursos de ensino preparatório para adultos, tendo no corrente ano lectivo aumentado de 185 para 230 esses mesmos cursos.
Se assim não fosse, como se explicaria o voto recente do CNAEBA recusando o pedido de reforço orçamental para a Direcção-Geral de Educação de Adultos? É que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, a Direcção-Geral de Educação de Adultos é bem o exemplo de uma direcção-geral em que a eficiência e a eficácia têm conseguido produzir mais e melhor sem onerar os contribuintes.
No caso do ensino especial, o «grave corte» traduz-se num aumento de 23,9 % do esforço orçamental, e isto sem contabilizar o que respeita ao ensino superior politécnico.
Quanto à investigação científica, o crescimento nominal é, em 1987, no que respeita ao Ministério da Educação e Cultura, de apenas 4 %, após um acréscimo de cerca de 45 % em 1986.
Importa, porém, ter presente - o que as oposições não fizeram - que se verifica um acréscimo de 250 % no orçamento de investimento da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e que habitualmente cerca de dois terços deste orçamento se destinam a financiar projectos do ensino superior.
Assim sendo, a investigação universitária terá, em 1987, um acréscimo importante, tanto mais significativo quanto se prevê a articulação das políticas da JNICT e do INIC, o que induzirá sinergias desejáveis.
Acresce ainda que o aumento significativo das verbas das universidades também beneficia a própria investigação científica universitária.
Ficam assim desmontados os «graves cortes orçamentais», que, afinal, se demonstra corresponderem a aumentos reais, e alguns deles de montante não despiciendo.
Quarta crítica: «Ausência de esforços explícitos do Governo no sentido de concretizar o disposto na Lei de Bases do Sistema Educativo, especialmente nos domínios de cumprimento da escolaridade obrigatória, construções escolares e sua manutenção, formação de professores, etc.»
Eis aqui o exemplo típico de críticas levianas e, porventura, indicativas da falta de argumentos das oposições. É que bastaria notar que a Lei de Bases só foi publicada em 14 de Outubro para desde logo se não poder exigir a sua tomada em consideração no Orçamento do Estado, cuja entrega atempada - que o Governo fez - exigiu a preparação e aprovação em reunião do Conselho de Ministros - veja-se a ironia também de 14 de Outubro.
Não obstante este potencial álibi, teve de facto o Governo em boa atenção as orientações traçadas na Lei de Bases e foi mesmo bastante mais além do que seria legítimo esperar.
Se não, vejamos alguns casos:
Cumprimento da escolaridade obrigatória. - Não havendo carências ao nível de pessoal docente, é com o alargamento do parque escolar que se obtém maiores taxas de cumprimento da escolaridade.
Ora, para 1987-1988 prevê-se a entrada no parque de 289 novos jardins-de-infância, 15 escolas preparatórias e 18 escolas secundárias, ou seja, um total de 33 novos estabelecimentos. A este número haverá ainda que acrescentar a ampliação de outras 36 escolas e a substituição de instalações provisórias em mais 18 escolas, sendo, pois, em número de 87 o total dos empreendimentos novos a entrar no parque.
Para além disso, construir-se-ão e concluir-se-ão em 1987 mais de 20 novos pavilhões desportivos.
Acrescento que para 1988-1989 se prevê a construção de 46 novas escolas, sendo 22 para substituições e ampliação de outras 8, num total de 54 empreendimentos.
Convirá, aliás, recordar que no plano de carências de novas instalações de 1985 se previa a realização necessária de 215 empreendimentos, entre Outubro de 1985 e Outubro de 1988. Neste momento pode afirmar-se que em Outubro de 1987 se terá virtualmente cumprido aquele objectivo. Ou seja, o Governo conseguiu adiantar de um ano aquele plano de construções escolares.
Formação de professores. - Além do arranque das escolas superiores de educação e dos centros integrados de formação de professores em 1986-1987, da reformulação do esquema da formação em exercício, que permitiu duplicar o número de formandos e do efectivo e muito significativo alargamento de quadros docentes, empenhou-se também o Ministério da Educação e Cultura na formulação do ordenamento jurídico da formação de professores que a Lei de Bases preconiza e que já está em fase de apreciação de algumas matérias com os parceiros sociais.
Quanto a outras matérias preconizadas também na mesma Lei de Bases, acrescentarei apenas que o Ministério da Educação e Cultura, através dos seus serviços e da Comissão de Reforma do Sistema Educativo, vem trabalhando com entusiasmo para alcançar o mais depressa possível os objectivos nela preconizados, que, não são apenas da Assembleia da República ou do Governo, mas essencialmente nacionais.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Resta-me finalmente uma referência ao PIDDAC, e para uma vez mais salientar que o crescimento substancial em 1986 teve como principal objectivo o de recuperar atrasos acumulados em obras anteriores sem prejudicar o Plano de 1986.
Assim se fez! E em 1987 as escolas a lançar serão terminadas no próprio ano, o que evita lastros ou encargos transitados para anos seguintes e uma gestão bem mais eficaz.
Bastará atentar nos números que referi quanto aos empreendimentos no ensino básico e secundário, no crescimento significativo do PIDDAC do ensino superior, com particular incidência para as universidades, onde o investimento cresce mais de 50%, assim como na cultura, com crescimento também superior a 50 % relativamente a 1986, para se verificar que, de facto, o PIDDAC disponível no Ministério da Educação e Cultura permite, não o amolecimento, mas uma efectiva aceleração dos projectos de investimento programados com vista à rápida melhoria do nosso sistema educativo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio, através da minha exposição, ter deixado bem claro o pouco ou nulo fundamento das críticas formuladas pelas oposições ao Orçamento e PIDDAC para a educação e cultura. E creio bem que, ao invés, se terá tornado óbvio que se mantém intocável a alta prioridade atribuída
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pelo Governo à educação e cultura, bem retratada no Orçamento do Estado e PIDDAC submetidos a esta Assembleia e em consonância com o programa de reforma e modernização do sistema educativo que vem sendo desenvolvido.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se para pedir esclarecimentos os Srs. Deputados Jorge Lemos, Fillol Guimarães, António Osório, António Barreto, Rogério Moreira, Narana Coissoró e Maria Santos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lemos.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro da Educação e Cultura, gostaria, em primeiro lugar, de o informar de que não iremos esgotar toda a matéria relativa ao sector nas perguntas que lhe vamos colocar, uma vez que vamos produzir uma intervenção em que será analisada globalmente toda a situação do seu Ministério.
Ainda assim, valerá a pena fazer algumas referências quanto à intervenção que acaba de produzir.
A primeira justifica-se, creio, pelo recente despacho sobre o ensino de Português, que agora parece mais justificado depois da intervenção do Sr. Ministro.
O Sr. Ministro ficou admoestado com o relatório da Comissão - é um direito seu. A Comissão ouviu-o, tirou conclusões e teve o cuidado de preparar e elaborar esse mesmo relatório. Caso a caso, iremos dar resposta às questões que o Sr. Ministro levantou.
Entretanto, há uma delas que nos parece particularmente grave: a que se refere à não contemplação da Lei de Bases do Sistema Educativo no actual Orçamento do Estado. É estranho que o Sr. Ministro nos diga que a lei só foi publicada em Outubro e que só por isso o Ministério não podia ter previsto a elaboração de um orçamento tendo em conta essa mesma lei. São conhecidos os trabalhos que se desenrolaram na Assembleia da República desde meados do início deste ano. A lei foi aprovada por este Plenário em 24 de Julho e tomou, pois, o aspecto formal de publicação no Diário da República em Outubro, mas era do conhecimento do seu Ministério muito antes. E, logicamente, se a lei determina que a educação deve ser um sector prioritário, ele deveria corresponder à lei, o que não se verifica.
Demonstrar-lhe-emos também, com outras perguntas e com números, que a sua intervenção não tem razão.
Dar-lhe-ia apenas dois ou três exemplos:
O Sr. Ministro aparece aqui como se vivêssemos no melhor dos mundos para a educação e a cultura. De acordo com os próprios números que nos forneceu, verifica-se que, em relação à investigação, há um decréscimo para 1987 de cerca de 7,2 %; em relação à alfabetização, menos 12 %; em relação à difusão da cultura e da língua portuguesas no estrangeiro, menos 9%. Se este e muitos outros aspectos, designadamente o caso do PIDDAC (já lá iremos), não são significativos, demonstram o que há de retrocesso no orçamento que nos é proposto.
Coloco-lhe, Sr. Ministro, uma questão muito concreta. Sabemos as dificuldades que atravessam as universidades públicas, as dificuldades que nos são comunicadas por todos os reitores e pela generalidade dos estabelecimentos de ensino. Ora, foi com surpresa que vimos publicada na 2ª série do Diário da República, de 31 de Outubro passado, uma lista da qual constava que haviam sido atribuídos subsídios de 15 000 contos a cada uma das universidades privadas, a saber: Universidade Lusíada, Universidade Autónoma Luís de Camões e Universidade Portucalense, universidades que haviam sido autorizadas pelo Sr. Ministro no mês anterior, concretamente em 28 de Junho.
O que significa isto, Sr. Ministro? Então as universidades privadas vão ser pagas com o dinheiro de todos nós? Não bastava já o problema das condições em que elas são criadas e ainda vai ser o contribuinte a pagar o seu funcionamento? Mas afinal o que é que são essas universidades privadas?
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Orador: - Mais, Sr. Ministro: Este aspecto relativo ao sector universitário levará tempo para discussão noutra sede, mas desde já seria importante que, no momento em que as universidades públicas vêem fortemente condicionados e cortados projectos de investimento, fosse dita uma palavra na Assembleia da República sobre o porquê de se dar 45 000 contos a três universidades privadas.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Fillol Guimarães.
O Sr. Fillol Guimarães (PS): - Sr. Ministro da Educação e Cultura, segui atentamente a sua exposição, mas houve nela um facto que me preocupou seriamente: a referência feita ao capítulo da educação e alfabetização de adultos.
Preocupou-me essa referência porque ela revela que ou o Sr. Ministro desconhece os documentos saídos do Conselho Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos ou então estabeleceu uma séria confusão entre dois documentos.
Referiu o Sr. Ministro que o Conselho tinha inviabilizado um voto para aumento de verbas no Orçamento deste ano. É correcto, mas falta referir que esse voto teve uma incidência particular, era uma acção pontual, e que eu próprio, se estivesse presente no Conselho (não pude por ter estado ocupado nesta Assembleia), teria também votado contra esse aumento. E teria votado contra esse aumento porque ele era uma acção pontual que excedia as próprias competências do Conselho.
Importaria, contudo, referir que, por variadíssimas vezes, o Conselho Nacional de Alfabetização e Educação de Adultos referiu - e vou citar apenas o último comunicado emitido em 8 de Setembro deste ano, em Braga - a necessidade de aumento de verbas para a educação de adultos, necessidade essa porque as metas programadas para o último quinquénio não foram atingidas, estando muito longe de o ser, e não se prevê modificação sensível no sector. Para melhor elucidação do Sr. Ministro e da Câmara, passo a ler três linhas de um documento oficial, que são do seguinte teor:
Os condicionalismos conjunturais em que tem decorrido este programa [o PNAEBA], uma insuficiente assunção política do próprio CNAEBA e a total dependência de factores exteriores à Direcção-Geral de Educação de Adultos, destacamentos, Orçamento, etc., não possibilitaram o alcançar das metas quantitativas fixadas.
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Este é um documento oficial, que não é produzido pelo Conselho nem por qualquer grupo político, mas sim um documento da própria Direcção-Geral de Educação de Adultos.
Sr. Ministro, importa rever a política no sector. Isso é importante, até porque as taxas fixadas e apresentadas nas GOPs são - ouso dizer - falsas e a solução apontada é ridícula.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Osório.
O Sr. António Osório (PCP): - Sr. Ministro da Educação e Cultura, ao ouvir falar o Sr. Ministro fico com a ligeira sensação de que tudo vai bem na educação em Portugal.
É uma sensação que já não é nova na abertura do ano lectivo. Depois de ouvir as conferências de imprensa com que o Sr. Ministro bombardeou toda a população portuguesa em Outubro passado, também ficámos com a sensação de que o ano lectivo tinha aberto na maior das venturas e que tudo ia bem. Passados quase dois meses sobre a abertura do ano lectivo ainda temos, infelizmente, mais de 20 000 alunos sem aulas. As coisas, afinal, não estavam tão bem como o Sr. Ministro as pintava, mas de qualquer das formas é um hábito que se vai tornando costumeiro nesta «casa».
Efectivamente, quando o Sr. Ministro critica o relatório e parecer da Comissão de Educação, Ciência e Cultura acerca do Orçamento para este ano e das Grandes Opções do Plano, o Sr. Ministro diz que fica sem perceber o que é que seria para as oposições uma prioridade para a educação, já que esta continua a ser um sector prioritário.
Sr. Ministro, mesmo fazendo fé - os meus números não são coincidentes com os do Sr. Ministro - que o peso das despesas com a educação no PIB é de 4,7 % - no ano passado era de 4,9 % -, quero lembrar-lhe que isto está mesmo bastante longe daquilo que se passa no resto da Europa e demonstra bem o que é prioritário, quando caminharmos no sentido de nos aproximarmos daquilo que se passa no resto da Europa ou quando nos estamos cada vez a afastar mais. Poderemos ter dado um salto no ano passado, mas estamos num processo de nítido retrocesso.
A segunda questão tem a ver com o PIDDAC. Diz o Sr. Ministro que esforços foram feitos este ano no sentido de elevar os investimentos da administração central no que respeita à educação.
Sr. Ministro, se considerarmos o PIDDAC do Ministério da Educação e Cultura, comparando-o com o do ano passado, verificamos que ele tem um crescimento nominal positivo, mas que, em termos reais, esse crescimento é negativo. Basta que o deflacionemos do índice apropriado fornecido pelo próprio Governo juntamente com o novo relatório do Orçamento.
Mas vou mais longe, Sr. Ministro. Se, dentro do PIDDAC para o Ministério da Educação e Cultura, verificarmos o crescimento do sector da educação propriamente dito, verificaremos que, mesmo em termos nominais, esse crescimento é negativo. Este é um dado que é fornecido pelo Governo, e não sou eu que estou a fabricar os números, bastando analisar o mapa VII anexo ao Orçamento para se verificar que isto é verdade.
O que é grave é que isto acontece em sectores que são da máxima importância para o desenvolvimento do sistema educativo. É o caso do sector das universidades, sobre o qual o Sr. Ministro continua a dizer que há mais verbas para as universidades. Se tivermos o cuidado de comparar em termos de investimento - e tivémos o cuidado de contactar todos os reitores das universidades portuguesas - aquilo que estava previsto no PIDDAC para 1986 e o que está previsto no PIDDAC para 1987, verificamos que há substanciais cortes.
Sr. Ministro, os reitores foram postos perante a contingência de terem que distribuir entre si uma determinada verba e acharam uma solução equitativa: 640 000 contos para cada uma das maiores universidades. Essa solução foi aquela que eles tentaram encontrar face ao limite que lhes era imposto, mas que não lhes permite sequer responder a compromissos já anteriormente assumidos. É aqui que a questão é grave.
Veja, por exemplo em relação à Universidade do Porto, que os projectos que estavam previstos no PIDDAC de 1986 para a Faculdade de Economia, a Faculdade de Farmácia e a Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, que eram projectos de equipamento, têm de desaparecer para que, com a verba de 640 000 contos, se possam satisfazer os outros compromissos, de construção, que estavam assumidos.
Sr. Ministro, poderia dar-lhe muitos outros exemplos pontuais, mas reservá-los-ei para a discussão na especialidade, dada agora a falta de tempo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Barreto.
O Sr. António Barreto (PS): - Sr. Ministro da Educação e Cultura, teremos tempo amanhã, na intervenção do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, para abordar mais em pormenor as questões da política da educação no Orçamento, no Plano, etc.
Para já, quero pedir-lhe dois esclarecimentos e prestar-lhe outros dois (porque o Sr. Ministro também colocou perguntas).
Em primeiro lugar, o Sr. Ministro perguntou se queríamos alargar o défice. Digo-lhe que não queremos alargar o défice. Queremos - isso sim - mudar a política de educação, ciência e cultura, e durante as próximas semanas, na discussão na especialidade, demonstrar-lhe-emos como é que a queremos mudar.
Em segundo lugar, o Sr. Ministro diz que a educação não perdeu a prioridade. Toda a gente, incluindo nós, mantém a opinião de que perdeu, menos o Sr. Ministro, o seu partido e o seu governo. E sabemos também que o Ministério da Educação e Cultura faz contas diferentes.
O Sr. Ministro perguntou também como é que consideramos o que é e o que não é prioritário. Há uma maneira muito simples de calcular isso, que é a de que o conjunto das despesas correntes e despesas de investimento para a educação - sublinho fortemente as despesas de investimento - aumentasse anualmente razoavelmente mais do que o aumento global da despesa corrente e do investimento para o orçamento geral da Nação e do Estado. É isto que não se verifica para a educação, ciência e cultura.
Quanto ao primeiro esclarecimento que peço, o Sr. Ministro disse que tudo tinha mudado: a realidade, o Governo, o Ministério, tudo. Pergunto há quanto tempo é que o PSD ocupa o Ministério da Educação e Cultura.
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Finalmente, para terminar, o Sr. Ministro fez contas em relação a si próprio e ao seu orçamento anterior; mostra-se bastante satisfeito com as comparações; faz contas relativamente aos anos anteriores no que toca aos «ministérios da Educação» do PSD, mostra-se também satisfeito e encontra taxas de crescimento e percentagens que têm o condão de o satisfazer consideravelmente. Devo dizer-lhe que nós não fazemos essas contas. Por maior que fosse o aumento, fazemos contas em relação às necessidades do País e com isso não estamos satisfeitos.
O Sr. Ministro está satisfeito com a crescente taxa de insucesso? Está satisfeito com a crescente taxa de abandono? Está satisfeito com as escolas superlotadas? Está satisfeito com dezenas de milhar de alunos ainda sem terem escola? Está satisfeito com o facto de milhares de alunos não terem cadeiras nem mesas, naquela patética imagem de ver em 1986 alunos a caminharem para as escolas construídas este ano levando cadeiras de campismo às costas para se sentarem e assim poderes ter aulas? O Sr. Ministro dirá que a responsabilidade é das fábricas de móveis. Eu digo que a responsabilidade é sua, Sr. Ministro!
Vozes do PS: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Ministro da Educação e Cultura, creio que estamos perante um novo posicionamento do seu Ministério face a esta Assembleia, que vem na sequência de atitudes recentemente tomadas, nomeadamente em relação à abertura do ano lectivo. O Ministério da Educação e Cultura passa a pavonear-se daquilo que depois acaba por não concretizar: pavoneia-se da abertura do ano lectivo como se tudo corresse às mil maravilhas e os números aí estão hoje a demonstrar que, infelizmente, assim não é - mas isso, naturalmente, por responsabilidade do próprio Ministério.
Por outro lado, o Governo apresenta à Assembleia da República uma proposta de orçamento que é criticada depois de uma discussão atenta e cuidada, onde o Sr. Ministro e a sua equipa foram ouvidos a respeito do Orçamento do Estado.
Porém, agora, de uma forma simples, o Sr. Ministro diz: «Meus senhores, ouviram mal, leram mal, pensaram mal, nada do que disseram está correcto e a verdade aqui a tenho para demonstrar.»
Aliás, faz isto de uma forma mais grave se considerarmos que, simultaneamente, se coloca numa posição de estar satisfeito com o panorama actual da educação, com as verbas destinadas à educação e também com a real situação que hoje se vive nas escolas. Portanto, ao fazê-lo, o Sr. Ministro está a assumir uma dose muito grande de cumplicidade, que a tem, de responsabilidade, que naturalmente lhe incumbe pela situação degradada em que vive a maior parte dos estabelecimentos de ensino portugueses, pela situação em que hoje se encontram 15 000 a 20 000 estudantes ainda sem aulas, pelas escolas degradadas que temos, pelas escolas sem condições para a prática de educação física, etc.
Ora bem, o problema também está em, de alguma forma, o Sr. Ministro ser capaz de demonstrar aqui neste debate - e naturalmente que a melhor sede para
tal será depois, aquando do debate na especialidade que é errado, que tem falta de sentido, que não tem fundamento nem rigor o conjunto das apreciações feitas pela Comissão de Educação, Ciência e Cultura e também pela própria Comissão de Juventude. ^Mas pego num exemplo, que é o problema da Acção Social Escolar, o problema dos próprios Serviços Sociais Universitários: há acréscimo de verba, mas em termos nominais; não há crescimento real nas verbas para esses sectores e os números fornecidos pelo próprio Ministério nos indicam isso.
Em relação à Acção Social Escolar, o acréscimo é de 6,6 %, mas depois ainda nos dizem que há 350 000 contos destinados ao programa do leite escolar. Admitindo que temos esses 350 000 contos, o crescimento é da ordem dos 13 %, mas a verdade é que não há crescimentos e compararmos esse número com a taxa de inflação. Mas então isto significa que nos vamos manter na mesma situação, que neste momento impede que uma família, constituída pelo pai, pela mãe e por dois filhos, que vive exclusivamente do salário mínimo nacional, continue a não ter direito a qualquer apoio por parte do Estado para os seus filhos poderem prosseguir os estudos. Ora, é evidente que este acréscimo é mínimo e que corresponde à inflação. Mas então não se procura alterar as políticas, não se procura alterar a situação nem corrigir situações como estas!? Ora esta situação é da responsabilidade do seu Ministério, Sr. Ministro, e é perante ela que tem que responder é uma situação que não é apenas orçamental, mas é também política.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Narana Coissoró.
O Sr. Narana Coissoró (CDS): - Sr. Ministro da Educação, ouvi com certa mágoa a intervenção que há pouco formulou, porque, devido à sua alta categoria académica e intelectual, esperava que trouxesse perante a Câmara uma justificação do orçamento do seu Ministério neste debate na generalidade. Porém, V. Ex.ª esgotou o tempo de que dispunha a rebater o relatório da Comissão, ou seja, fez tipicamente aquilo a que se chama «fazer a oposição à oposição». Na realidade, o Sr. Ministro não trouxe nenhuma das justificações para o orçamento do Ministério da Educação e Cultura, não desenvolveu com calor e muito menos com entusiasmo aquilo que aqui dizia e satisfez-se a si próprio dizendo que as oposições não tinham razão porque aquilo que escreveram no relatório não tinha qualquer merecimento para o Ministério de que faz parte. Mas deixemos este aspecto de lado.
Gostaria de perguntar a V. Ex.ª e se o simples facto de manter o mesmíssimo status quo de 1986 para 1987 - como V. Ex.ª disse - não significa uma diminuição ou uma desvalorização em termos de prioridade em relação ao sector educacional. Efectivamente, as condições em 1987 são completamente diferentes de 1986. V. Ex.ª sabe como está anarquizado o sector da educação superior em 1987 em relação a 1986; V. Ex.ª sabe, pela sua experiência própria, como a investigação científica está desregrada mais em 1987 do que em relação a 1986; V. Ex.ª tem conhecimento dos desafios que a nossa entrada na Comunidade Económica Europeia nos põe em 1987 em relação a 1986; V. Ex.a
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tem conhecimento do afluxo dos estudantes que ficaram à porta das universidades públicas em relação a 1986 e que só com o dinheiro das propinas que porventura os pais possam pagar para determinados cursos que os estudantes não querem é que eles podem ir para a universidade privada. Ora V. Ex.ª tem multiplicado, sem rigor e sem qualquer critério, esta espécie de ensino privado em certos domínios.
Porém, Sr. Ministro, certamente que o orçamento de que o seu Ministério dispõe não pode dissociar-se de três grandes planos: o primeiro é o seu próprio Programa do Governo, o segundo são as Grandes Opções do Plano e o terceiro é o Orçamento que apresenta.
Se o Programa do Governo era de uma democracia musculada ou má, as Grandes Opções do Plano são, mais ou menos, um namoro a uma certa direita, na medida em que os grandes pareceres foram pedidos aos elementos muito mais próximos do CDS do que do PSD. Aliás, verificam-se passagens em que se seguem muito de perto certos aspectos de educação e de política externa quanto ao conceito estratégico dos trabalhos do Professor Adriano Moreira, quando eles não são, pura e simplesmente, transcritos sem citar o autor - linhas e parágrafos inteiros. Porém, são mal citados, mal cozinhados, mal metidos noutras prosas que lhes diminuem o sentido e alteram o conteúdo. Porém, finalmente agora aparece o Orçamento, que é de uma esquerda moderna.
Portanto, é natural que uma democracia musculada, combinada com a direita esclarecida e agora outra vez inisturada com a esquerda moderna, dê este Orçamento, que é uma espécie de «sopa dos pobres».
Onde é que o Sr. Ministro encontra no orçamento do seu Ministério estas três grandes prioridades que estão definidas no Programa do Governo? Vou ler as três grandes passagens que foram a prioridade das prioridades do Sr. Ministro, que agora está tão satisfeito com aquilo que não fez:
Lançamento de um programa especial de equipamentos educativos que proporcione resposta atempada e eficaz às carências de instalações, incluindo a sua recuperação e manutenção. Neste programa incluem-se também instalações de ensino superior e instalações gimnodesportivas, relativamente às quais se procurará sintonizar esforços anteriormente dispersos [...]
Apoio reforçado à introdução de novas tecnologias no ensino não superior, pelo desenvolvimento do projecto de introdução de informática e estudo do lançamento de projectos tipologicamente semelhantes noutros domínios desejáveis, como a microelectrónica e a biotecnologia, recorrendo ao apoio e capacidade das universidades portuguesas.
Desenvolvimento do princípio da liberdade de ensinar e aprender através da livre escolha da modalidade de ensino (não apenas quatro ou cinco escolas, como V. Ex.º fez) no âmbito da escolaridade obrigatória - e isto também não é para o ensino superior, mas para outras fases do ensino e reforço e clarificação dos meios de ensino particular e cooperativo nos outros segmentos de ensino, designadamente no respeitante a « contratos de patrocínio».
Desenvolvimento de uma política de investigação científica universitária, inserida nas linhas de enquadramento da política de desenvolvimento da ciência e tecnologia, tendo como prioridade uma estratégia de desenvolvimento baseada no indispensável reforço dos investimentos que permitam não só uma cooperação intensiva com as actividades económicas como a cooperação com a Comunidade Europeia, num espírito de integração que reforce o aproveitamento das potencialidades nacionais.
Integração dos estudantes do ensino superior nesta política, no sentido de lhes facultar a possibilidade de cooperar na resolução de problemas de real interesse para a comunidade e que, simultaneamente, os leve a contactar com os seus futuros empregadores.
Isto é um problema de formação profissional.
Depois do que escreveu no Programa do Governo, o Sr. Ministro encontra-se a si próprio neste Orçamento? Quando muda de ministro é costume do PSD dizer que aquele que antes estava no Governo não tem nada a ver com o actual. Contudo, como V. Ex.ª é o mesmo homem que escreveu o Programa do Governo e agora vem defender o Orçamento do Estado, gostaria de saber o que é que falta e o que é que fica do Programa do Governo no orçamento do seu Ministério, Sr. Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Santos.
A Sr.ª Maria Santos (Indep.): - Sr. Presidente, Sr." e Srs. Deputados, Sr. Ministro da Educação e Cultura: Eu não tenho perguntas a fazer a um governo que nos apresenta o texto que apresenta sobre a língua, a cultura e o património portugueses como primeira opção.
Apenas quero manifestar o meu protesto, porque me recuso a ser a portuguesa caracterizada por este Governo, quando diz que «o valor do Português está em saber dar valor às coisas que ele próprio não é capaz de fazer». Porque me recuso a ser aquela portuguesa «intermediária, humilde e curiosa».
Este texto, Sr. Ministro da Cultura, é uma vergonha, é muito grave pelos seus conceitos chauvinistas e ultrapassados, pela sua redacção que não atingiria o nível 3 no ensino preparatório ou secundário.
Vozes do PCP: - Muito bem!
A Oradora: - Este texto é primário e chocante, sendo um caso de conceitos e ordenação, que esbate, confunde e anula a nossa identidade cultural.
E se há lugar para alguma lástima é para o facto de a Sr. Secretária de Estado da Cultura se não ter ainda demarcado, como é exigível e seria saudável, desse documento.
Aplausos do PS, do PRD e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Educação e Cultura.
O Sr. Ministro de Educação e Cultura: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Genericamente começo por dizer que alguma das afirmações que fiz não foram escutadas pelos Srs. Deputados, na medida em que referiram alguns dos aspectos que identifiquei como uma tentativa de resposta às preocupações geradas pela Assembleia.
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Em primeiro lugar, quero dizer que me parece extremamente saudável responder àquilo que são as críticas feitas pelas comissões especializadas, na medida em que são essas críticas os aspectos negativos identificados no Orçamento que foi proposto. Ora, se estamos aqui a debater o Orçamento não será certamente para discutir os aspectos em que, aparentemente, todos estamos de acordo!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - O Sr. Deputado Jorge Lemos disse que não foi contemplada no Orçamento a Lei de Bases do Ensino... Ora, eu referi exactamente o contrário, Sr. Deputado: disse que não obstante haver esse álibi - que era forte -, o Governo tomou a Lei de Bases em consideração não só no Orçamento como na própria acção que vem desenvolvendo.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Basta ouvir a gravação, Sr. Ministro!
O Orador: - Tenho aqui o texto da minha intervenção e se quiser posso ceder-lho já, Sr. Deputado.
Em seguida, o Sr. Deputado refere a investigação científica, a propagação da língua portuguesa no estrangeiro, etc., dizendo que houve um retrocesso. Ora, tive ocasião de demonstrar, por meio de números, qual foi esse retrocesso. Aliás, mesmo nos casos em que nominalmente o crescimento não é tão grande como a taxa de inflação esperada, expliquei onde havia as compensações que demonstravam não haver retrocessos.
O Sr. Deputado ficou muito admirado de o Governo dar subsídios a entidades privadas. Ora, Sr. Deputado, que eu saiba, isso fez-se desde sempre a todas as instituições e não apenas às recentemente criadas.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Sr. Ministro, a questão é muito concreta: V. Ex. e dá 45 000 contos a três universidades privadas recentemente criadas, sem qualquer tipo de provas dadas e criticadas por toda a oposição. Não se trata de uma crítica feita pelo meu partido, mas sim pela opinião pública, pelos reitores das universidades públicas. Porém, o Sr. Ministro concede-lhes 45 000 contos logo no mês seguinte ao da sua criação.
Então, entende o Sr. Ministro que estas universidades privadas são as tais que deveriam crescer e viver por si, tal como consta do projecto que elas avançaram?
O Orador: - Sr. Deputado, o Governo não premeia a entidade X, Y ou Z, dá-lhe os subsídios de acordo com os critérios previamente definidos e publica-os no Diário da República, coisa que nenhum outro Governo teve a coragem de fazer.
Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado Fillol Guimarães refere-se à questão da educação de adultos. Ora, isto vale para a educação de adultos, como vale para qualquer outro tópico. Não podemos ficar apenas por aquilo que são as verbas inscritas em cada dotação, e na comissão especializada houve oportunidade de debater isso. Além dos destacados, há professores do ensino preparatório que estão em acumulação e complemento de horários e horas extraordinárias, há bolseiros da educação de adultos que também prestam esses serviços, há autarquias que cooperam nesse esforço da educação de adultos, etc. Portanto, dizer que a educação de adultos está estagnada porque a verba inscrita no Orçamento do Estado é idêntica, parece-me excessivo face a estes dados que houve oportunidade de esclarecer na comissão.
O Sr. Deputado António Osório disse que eu afirmava que tudo ia bem no campo da educação em Portugal. Ora, eu nunca fiz essa afirmação, nem sequer é legítimo que ma atribuam, pois tenho boa consciência das dificuldades que existem nesse capítulo e sei que são muitas. Tanto assim é que - não pretendo ter a panaceia para todas elas de repente - entendi criar os mecanismos institucionais que permitiriam ao Governo e à Assembleia - no fim de contas, ao país - dispor dos estudos pertinentes, globais e coerentes que permitissem essas mudanças.
Em seguida refere a percentagem de 4,7 % Sr. Deputado, 4,7 % é o esforço do Orçamento do Estado. Se quiser fazer comparações com a Europa tem que adicionar a isto aquilo que representa o esforço de cada autarquia no ensino pré-escolar e primário, o esforço do ensino particular, os transportes escolares, etc. Talvez assim chegasse a números que se aproximam ou ultrapassam a média da Europa.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Essa fica para a História!
O Orador: - Se os Srs. Deputados me querem contradizer, façam o favor de dizer qual é o país em que estes índices se referem apenas ao Orçamento do Estado ou estão inscritos no Orçamento do Estado relativamente aos países da OCDE.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lemos (PCP): - Eu faço um desafio contrário: desafio o Sr. Ministro a demonstrar o que está a dizer, trazendo números concretos a esta Assembleia.
O Orador: - Os números concretos, Sr. Deputado, constam das publicações da OCDE e qualquer pessoa que conheça o sistema estrangeiro, designadamente o inglês, sabe que na contabilização entram todos os contributos das local educational authorities, que presumo que saiba o que é...
Vozes do PSD: - Não sabe, não. Ele só sabe russo!
O Orador: - Depois fala-se que o PIDDAC tem um crescimento nominal positivo, mas o crescimento relativo não é positivo. Os Srs. Deputados ignoram o que foi o PIDDAC de 1986 e que tanto foi discutido aqui nesta Assembleia, em que por várias vezes se referiu que era para recuperar atrasos. Aliás, há poucos minu
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tos tive ocasião de dizer que o programa de 1985 foi cumprido com um ano de avanço. Portanto, não há pior surdo do que aquele que não quer ouvir!
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Disse o Sr. Deputado António Barreto uma coisa extremamente importante e que espero que tenha ficado registada na memória de todos, isto é, que não privilegia o alargamento do défice e que, ao invés, preconiza fontes alternativas de financiamento dentro do orçamento da Educação. Ficamos todos ansiosamente à espera dessas medidas milagrosas porque até agora ainda não vimos nenhuma.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Em seguida, o Sr. Deputado repete que a Educação não tem prioridade, refere aquele discurso que vimos ouvindo de há quinze anos a esta parte. Srs. Deputados, estamos todos cansados desse discurso! Estamos cansados de ouvir que há insucesso escolar, que há escolas superlotadas, etc. Todos nós temos conhecimento disso, é por isso que estamos a lutar e antecipámos um ano o programa de construções escolares. Foi um ano, Sr. Deputado, não foi um mês! Por isso, não me parece legítimo que os slogans se continuem a repetir sistematicamente, pois não é isso que resolve os problemas; consigo arranjar 100 exemplos desses em qualquer dos sectores da vida nacional.
O Sr. Deputado disse ainda que a responsabilidade de tudo isto era minha. Engana-se, Sr. Deputado. A responsabilidade é de todos nós, porque a Educação em Portugal não é um problema do Ministro, nem do Governo, nem da Assembleia. É um problema de todos os portugueses e, por isso, todos nós teremos que ser solidários na sua solução.
Aplausos do PSD.
O Sr. Deputado Rogério Moreira refere que não há crescimento real na Acção Social Escolar. Sr. Deputado, já na Comissão especializada tive ocasião de referir que o Orçamento da Acção Social Escolar e dos serviços sociais universitários tem receitas próprias, tem comparticipação do INGA e no caso dos serviços autónomos não tem incluído o reforço de vencimentos. Portanto, Sr. Deputado, terei que repetir isto uma vez mais!
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - São receitas do ano passado!
O Orador: - Então faça as contas, Sr. Deputado!
O Sr. Deputado Narana Coissoró diz que manter o status quo de 1986 para 1987 não significa desvalorização em termos de prioridade. Obviamente que não, Sr. Deputado. Eu referi-me ao produto interno bruto e se ele cresce aparentemente a bom ritmo é evidente que a prioridade se mantém.
Depois refere alguns pontos importantes do Programa do Governo. Sr. Deputado, quase que me apetece agradecer o facto de me dar oportunidade a dar esta explicação.
Equipamentos educativos, programa especial cumprido integralmente - e repito o que há pouco disse: devo esclarecer que avançamos um ano em relação ao plano de carências.
Novas tecnologias, projecto de Minerva - está a decorrer a bom ritmo, rigorosamente de acordo com o programado.
Liberdade de ensinar e aprender - reforçámos os orçamentos do ensino particular e cooperativo, iniciámos os contratos de patrocínio, regularizámos as contas.
Investigação ligada à política de ciência e tecnologia - de facto, tem sido muito difícil neste país interligar as diferentes políticas de ciência e tecnologia. Simplesmente este Governo, se outra coisa não tivesse feito, conseguiu, pelo menos, pôr as instituições de uma forma coordenada a trabalhar em conjunto. Como disse na intervenção que produzi, estou convencido que grandes energias se vão conseguir dessa articulação de políticas.
Para terminar, devo dizer que em ministérios como o da Educação nunca haverá nenhum ministro que aqui venha dizer que está satisfeito com o Orçamento. O que procurei demonstrar foi que as críticas que foram feitas não eram pertinentes. Tenhamos esperança que com o aumento da riqueza do País tenhamos melhores condições para o sector da educação, e não só, em Portugal.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Este debate tem três temas centrais: o verdadeiro significado político e económico da proposta orçamental e a ocultação em que o Governo o quer manter; a incapacidade do Governo para fazer reformas de fundo; a eventual possibilidade de levar o Executivo a abandonar a sua postura de comissão permanente das próximas eleições, para assumir normalmente as responsabilidades próprias de um governo normal.
Já esclarecemos que o voto do PS depende da resposta do Governo a condições mínimas.
O PS não aceitará cobrir com o seu voto a mistificação macroeconómica, a feudalização clientelar do Estado, a perversão da boa governação por um mau governo em regime de dedicação exclusiva ou auto-elogio. Contra a lisonja enorme do auto-retrato, este Governo não poderá ser mais do que sofrível. Mas quem não pode ser o que quer, que queira ao menos ser o que pode.
Estamos perante um governo que sabe muito bem o que faz, mas não quer que o País também o saiba. Que faz o Governo? O Governo faz passar por sisuda sageza a boleia da sorte, sorte que dissipa no narcisismo, na omissão e na rotina, até transformar a própria rotina em ruptura. Ruptura política e económica. E não convém ao Governo que isto se torne claro.
Da ruptura política já aí estão as primeiras querelas internas de uma remodelação adiada mas já decidida. O PSD já se agita de novo. Neste momento, os Srs. Deputados do PSD estão já vendo remodelados alguns membros deste Governo, figuras presentes-ausentes, vagas certas e apetecidas por outras ilustres figuras.
Vozes do PSD: - Não apoiado!
O Orador: - É previsível o alargamento a prazo da ruptura política e económica. Do pretenso milagre económico de 1980, que esteve na origem da crise de 1983,
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quem se fez esquecer, saindo irresponsavelmente, apenas terá retido que a grande política não é servir a grande política, não é fazer, mas, tão-só, entrar, sair
e entrar sempre a tempo. Desta vez é preciso encenar uma crise artificial preparatória de eleições. E aí está o nó que ata a proposta orçamental. Só que, pela Constituição, pode o Governo exceder-se em eleitoralismos vários, mas não pode garantir que terá eleições quando e como as quiser. Fraqueza irremediável que acabará por perder este Governo.
Um outro problema central é a incapacidade do Governo para fazer reformas de fundo. Incapacidade plenamente demonstrada por um ano de omissão e rotina. Onde está a reforma fiscal prometida para entrar em vigor em 1987? Não será a lei-quadro um simples expediente político para esconder que o Governo faz que anda, mas não anda? Que reformas estruturais desandam do Ministério da Indústria? Que
reformas estruturais pairam pelo Ministério da Agricultura? Os agricultores sabem sequer que o Ministério da Agricultura existe? Poderá o sector público, sempre gerido pelo PSD, beneficiar de reformas positivassem a auto-reforma do PSD? Paro na lista sem fim porque é facto público e notório que este Governo não
fez uma única, uma só, reforma estrutural decisiva. Não fez nem fará, a não ser que arrepie caminho.
Com efeito, as GOPs que nos propõe não revelam as grandes opções de qualquer plano; revelam, sim, as grandes omissões da sua política. E o Orçamento do
Estado que nos propõe é o orçamento de continuidade Risos do PS.
de um Executivo provisório em campanha eleitoral permanente, desde há um ano.
Ora, o País não pode aguentar mais um ano de campanha eleitoral sem uma governação real, ainda que sofrível. A falta de rigor, o imediatismo, a instabilidade de um governo sempre ansioso por provocar a «sua» crise acabarão inevitavelmente por provocar a crise do País, a crise de todos nós.
Nas mãos deste Governo, o Plano é uma inutilidade burocrática que só existe nas gavetas ministeriais, como sucedeu ao Plano de 1986, que ainda nem sequer foi
publicado. Será sempre assim, enquanto houver um governo linear, sem outro plano que não seja o plano de se agarrar ao poder, como puder.
A falta de rigor, a falta de qualidade técnica, são
também o atributo principal dos enquadramentos macroeconómicos que o Governo nos vem oferecendo. Nada foi ou vai ser como previu ou prevê este Governo. O Governo não acerta uma.
O Sr. cuido Rodrigues (PSD): - Não apoiado!
O Orador: - Ë evidente que as previsões são sempre contingentes. Mas é também evidente que este Governo tem-se comprometido gratuitamente - e sublinho, gratuitamente - com previsões sem qualidade, sempre bem piores do que as previsões disponíveis e oferecidas pela generalidade dos especialistas.
Porque sucede assim? Porque este Governo vive na obsessão de chamar a si os méritos da conjuntura internacional.
É bom para o País que a conjuntura seja favorável. Mas é mau para o País que o Governo ande transtornado pela vontade infantil de querer ser só ele a origem de todo o bem. Por essa etiópica vaidade, foi-se a credibilidade da política macroeconómica deste Governo. Bem pode ele apresentar projecções até 1990.
São projecções mecânicas, exercícios escolares. Para preparar o futuro, o Pais precisa de prioridades certas, políticas concretas, programas e projectos de investimentos e de desenvolvimento. Em vez disso, o que nos dá o Sr. Ministro das Finanças? O Sr. Ministro das Finanças dá-nos álgebra? Simples contas de faz de conta. Como poderão ser razoáveis as pseudoprevisões para 1990, se estão errados os dados de base, os do ano de 1986? O Governo nem sequer sabe prever o presente quanto mais o futuro ... E como poderão acontecer as transformações estruturais correspondentes sem políticas concretas? Convença-se o Sr. Ministro, de uma vez por todas, que não se vai lá com álgebra.
O Governo parte errado e acaba errado. Baralha, confunde, troca e destroca os Orçamentos de 1986 e de 1987. Com a súbita descoberta do nosso sestro de intermediários, como se fôssemos novos beduínos do velho deserto de ideias, terá o orçamento degenerado em vistosa mercadoria destinada a qualquer mercado oriental?
Por exemplo, escamoteou-se longamente o défice de 1985. Por exemplo, ainda, há três números diferentes para o défice do Orçamento do Estado para 1986 separados por cerca de 70 milhões de contos. Há também três números diferentes para o défice do sector público administrativo, com um intervalo de cerca de 120 milhões de contos. E assim por diante. É isto transparência, rigor e clareza? Só num mercado oriental. Não em Portugal, de certeza. «Reportugalize-se», pois, o Governo enquanto é tempo.
Risos do PS
As GOPs bem entendidas deveriam começar pela sua casa.
Ainda ontem o Sr. Ministro das Finanças nos veio dar outro número para o défice de 1987. Vítima da troca e destroca de números, apercebeu-se que, em percentagem do PIB, o défice previsto para 1987 poderá vir a ser maior do que o de 1986, ao contrário do que tanto se badalou. Daí talvez a correcção. Mas o que não tem correcção é o sobe e desce em que se afunda a credibilidade do Orçamento, como instrumento sério de governo e de previsão.
Mas num campo, pelo menos, é previsível o Orçamento, fiel à regra de ouro que fortaleceu o PSD: a irresistível atracção do PSD pelo aumento das despesas do sector público administrativo. Com os governos da AD, o peso das despesas do sector público administrativo subiu mais de seis pontos em três anos, para mais de 40 % do PIB. Em 1987 estarão em cerca de 44 %. As despesas correntes do sector publico administrativo em bens e serviços crescerão quase 8 % em termos reais, o mesmo sucedendo com as despesas correntes do Orçamento do Estado.
Assim, quem acredita que o consumo público venha apenas a crescer 1 %? Só o PSD quer acreditar. Gente de boa-fé!
No passado, o PSD foi o principal partido de défice. A preços de 1984, o Governo PSD/CDS de 1980 - o tal do milagre - tem o maior défice de sempre, seguido do défice PSD/CDS de 1981, outro governo de milagre, talvez.
E como muito bem escrete o actual Governo - que acerta esta -, a p. 17 da sua proposta orçamental:
A redução das necessidades de financiamento do Estado exige um elevado grau de disciplina orçamental. Qualquer desvio num ano reflecte-se ampliadamente nos anos seguintes.
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Todos o sabemos. Saber de experiência feito. Se o País está hoje entalado entre essas necessidades de financiamento e as de financiamento do investimento deve-o, em boa parte, ao descontrole e voracidade da AD entre 1980 e 1983.
O sector privado, que não vive à mesa do Orçamento, os empreendedores baseados na competência só perderão com o PSD no Governo. Essa é a verdade, pese embora a impunidade do PSD, sempre pronto a mudar de líder para se manter no poder.
Vozes do PSD: - Vocês nem com isso!
O Orador: - Quem é que quer mudar o líder?!
Quem faz crescer a economia são os empreendedores, são os trabalhadores apoiados por políticas actuantes no terreno, são os que possibilitam o investimento, os que valorizam postos de trabalho, os que abrem portas à inovação pelo conhecimento, pela tecnologia, pela qualidade, os que querem fazer a aliança solidária da cultura, do trabalho e da iniciativa. Terão esses o apoio do Governo?
E aqui temos de referir o dilema que entrava a iniciativa criadora e o investimento nacional em 1987. Pela programação do Governo, o crédito em empresas e particulares será insuficiente para financiar o investimento previsto. E como se indica no relatório da Comissão, o Governo ou aumenta a liquidez total com risco de aceleração da inflação ou limita o crédito ao sector privado, travando o investimento.
Além disso, o Governo será tentado a reprimir a inflação por via administrativa. Em 1987, haverá mais tabelamentos e menos actualizações de preços. Recomendo a leitura de um artigo do José Manuel Júdice em O Semanário intitulado «O tabelamento do frango». Com os salários a subir a 13 % e os preços das importações a 10,5 %, como é que a inflação ficará pelos 8,5 % se não for reprimida? Se for reprimida poderá ficar, mas disparará nos anos seguintes.
O Sr. Ministro das Finanças, que tão modestamente se louvou dos estudos da Comissão das Comunidades, poderá ler no seu Balanço Económico Anual, a p. 74, a previsão de uma inflação de 10 % em 1990: é o dobro da vontade do Sr. Ministro, ou é metade, porventura, da realidade que o Sr. Ministro quer ver.
Sabemos bem que a política económica põe problemas complexos. 2 por isso que damos a maior importância à correcta hierarquização das prioridades. Este Orçamento é globalmente expansionista, mas é também sectorialmente desequilibrado no seu expansionismo.
Com a correcção das subavaliações do IVA e do imposto sobre produtos petrolíferos, bem como da sobreavaliação de algumas despesas, será possível: em primeiro lugar - e pondo isto em primeiro lugar reduzir o défice; em segundo lugar, reforçar o investimento na educação, na investigação científica, na solidariedade devida aos desempregados e na cooperação.
Registamos positivamente o esforço feito a favor da investigação e desenvolvimento, sem prejuízo da maior ambição que o País pode e deve pôr neste domínio; registamos a prioridade dada em 1986 ã educação, mas não nos resignamos a vê-la entendida como simples devaneio desse ano; repugna-nos a redução dos subsídios de desemprego, pois temos por definitivo que este país só terá futuro na solidariedade; também cremos firmemente que o País, mais do que retórica transitária, necessita de actos imediatos que situem a cooperação na dimensão da história.
Afinal, este Orçamento é o espelho fiel das verdadeiras opções do Governo. Essas opções não estão nas GOPs, mas nas verbas da educação, no corte do subsídio de desemprego, na míngua da cooperação, migalhas de um Orçamento que por outros lados se despeja em crescimento, mas não aqui!
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O mundo em que nós, socialistas, nos empenhamos, conjuntamente com outros, é um mundo que se potencia na solidariedade, isto é, é um mundo que procura na aliança da cultura, do conhecimento, do trabalho e da iniciativa o futuro, neste caso Portugal, tão atribulado devido ao PSD, entre outros males.
As GOPs de médio prazo passam-lhe ao lado na generalidade dos casos, mas em muitos outros têm-no como inimigo principal.
Também por vezes as GOPs de médio prazo não escondem um olhar fascinado, ou simplesmente curioso, lançado sobre esse mundo solidário que se ergue por todo o mundo. Seria o tributo admirativo que o vício paga à virtude, se não fosse antes o impulso para adaptações obviamente redutoras e caricaturais.
Ainda assim, vale a pena, é importante, discutir já, e com a maior profundidade, as GOPs de médio prazo.
E aqui nasce um problema curioso: o Governo do PSD quer essa discussão imediata, mas quem se opõe a ela é o PSD do Governo. Quem dá rosto a esta máscara? Talvez isso seja secundário. O que é importante é que as GOPs são um produto que não é nem muito bom nem muito português. As GOPs são muito más e muito típicas, quer da máscara, quer do rosto do PSD.
Sr. Presidente, expusemos nesta Câmara as nossas condições mínimas. Como já o dissemos anteriormente, queremos que o Governo governe para a grande maioria dos portugueses e não apenas para os seus interesses partidários e para o seu apetite insaciável de mais e pior Estado; queremos que o Governo ataque decididamente os problemas de fundo das finanças públicas e não apenas que se limite vangloriar-se pela má comparação e a disfarçar mazelas que ele próprio faz; queremos que o Governo governe no respeito das instituições democráticas. '
O PS espera que o Governo entenda que não poderá continuar a comportar-se paroquialmente como uma simples e zelosa comissão permanente das próximas eleições.
Expectantes, ainda que pouco, estamos quanto a essa metamorfose; estamos também preparados para assumir todas as nossas responsabilidades nesta e noutras votações.
Aplausos do PS e do MDP/CDE.
Vozes do PSD: - Querias!?
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Alípio Dias.
O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr. Deputado João Cravinho, acabámos de ouvir da parte de V. Ex.ª um belo exercício de retórica. Há, pois, que felicitá-lo por isso.
Entrando na parte séria da sua intervenção, devo dizer-lhe que há algumas passagens em relação às quais gostaria de o questionar.
Uma delas refere-se concretamente a uma mistificação macroeconómica. Muito concretamente, pergunto-lhe - e estou à vontade porque no passado tive res-
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ponsabilidade de governo menores, mas, como quer que seja, devo dizer que o resultado da situação era diferente, a conjuntura era francamente diferente - se, perante os resultados concretos alcançados em áreas tão sensíveis como a do emprego, a do crescimento económico, a do reforço de reequilíbrio das contas com o exterior, em matéria de inflação, é possível falar em mistificação macroeconómica.
Respingando aqui e além, voltamos a deparar com a mesma dificuldade em matéria de crédito a empresas e a particulares. Começa a ser uma vexata quaestio porque só estamos a ver que é possível financiar as actividades das empresas com recurso ao crédito e voltamos a esquecer - e fazemo-lo deliberadamente - a capacidade das empresas para libertar meios. É inequívoco, repito, que em 1986 se assistiu a um reforço da rentabilidade das empresas, que, natural e necessariamente, se reflectirá na disponibilidade de meios ao longo de 1987.
Por outro lado, continuamos a esquecer que há uma conjuntura particularmente favorável para que as empresas recorram ao mercado de capitais. Obviamente que o recurso ao mercado de capitais pressupõe um conjunto de condições, entre elas, naturalmente, a reconfiança, e é inequívoco que este governo nesse aspecto, pela sua actuação e pelas condições em que tem actuado, conseguiu que esse reforço de confiança se acentuasse.
A outra questão concreta que lhe ponho é a de saber se continuamos deliberadamente a esquecer as outras fontes de financiamento para que as empresas possam operar.
Ficar-me-ei por aqui, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado João Cravinho.
O Sr. João Cravinho (PS): - Sr. Deputado Alípio Dias, agradeço-lhe por me ter colocado as perguntas e pelo seu tom amável. Deixe que lhe diga que as apreciei, até porque tenho estado em solidariedade consigo, tão fortemente atacado sempre que se fala da situação em que era membro do Governo, responsável precisamente pelo sector orçamental. Tão atacado tem andado que, às vezes, penso que até o tem sido um pouco injustamente. Portanto, é com grande simpatia que respondo às suas perguntas.
Ora bem, que a previsão é difícil, é contingente, todos sabemos, mas há uma diferença radical e definitiva entre a dificuldade da previsão e a obstinação em insistir em suposições que toda a gente diz que não se realizam e que depois se vem a verificar que não se realizam. Dou-lhe um exemplo muito simples: o Sr. Deputado, que esteve o ano passado na Comissão de Economia, Finanças e Plano, compare o relatório dessa Comissão, produzido por especialistas portugueses, por políticos portugueses, por nós todos, com as previsões do Governo e veja como as nossas vaidades - minha e sua, certamente! - são muito melhores do que as do Governo. O Sr. Deputado não ficou um bocado envergonhado pelas suas e as minhas previsões serem muito melhores do que as do Governo, isto logo à partida, logo ao primeiro tiro?
O Sr. Alípio Dias (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alípio Dias (PSD): - Agradeço-lhe ter-me permitido a interrupção.
Julgo que se refere fundamentalmente ao saldo da balança de transacções correntes.
O Orador: - Não.
O Sr. Alípio Dias (PSD): - É que aí as condições conheceram alterações substanciais ao longo de todo o ano de 1986. De resto, instituições da maior credibilidade, como é o próprio Banco de Portugal, foram ajustando as suas previsões ao longo do ano de 1986, o que é razoável e natural porque, como disse, é extremamente difícil fazer previsões num contexto como este. De resto, estávamos mais habituados a prever num contexto diferente. Felizmente que neste momento as previsões têm de se desenvolver e efectuar num contexto mais favorável.
O Orador: - Sr. Deputado Alípio Dias, devo dizer-lhe que está enganado. Aliás, quanto à balança de transacções correntes, o erro, que era grave, tornou-se gravíssimo, porque se repetiu este ano quase nas mesmas proporções. Lembro-me que alguém me dizia: «Não fale mais na balança de pagamentos.» E eu respondi: «Vou deixar de falar, porque certamente que me vai dar oportunidade de ver erros ainda maiores do que os da balança de transacções correntes.»
Mas veja as previsões deste ano: o Governo tem na proposta de orçamento uma balança de transacções correntes de 1,1, o que é quase o dobro, como o Sr. Deputado sabe. Esta persistência não é recomendável. Mas eu não estava a referir-me à balança de transacções correntes, mas a tudo. Nada se passou como o Governo disse. O Governo previa um aumento dos preços das importações, e houve menos quatro; o Governo previa que o crescimento ia ser puxado pelo investimento - e no relatório está escrito -, e o que vai suceder é exactamente o contrário, tal como dizíamos. O crescimento foi puxado pelo consumo privado, como sucedeu. E podia citar um a um os casos. Como se vê, o Governo não acertou uma.
Quanto às fontes de financiamento, é evidente que temos de as considerar, mas elas também têm de ser rigorosamente apertadas, o autofinanciamento também está limitado e, quanto ao mercado de capitais, ouvi um outro dia o Sr. Governador do Banco de Portugal dizer umas coisas a esse respeito. Conviria que o Sr. Deputado Alípio Dias, que vai para vice-governador do Banco de Portugal, se informasse previamente para não ser dissonante em relação ao seu governador.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Anacoreta Correia.
O Sr. Anacoreta Correia (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Em múltiplas ocasiões, nos programas partidários, eleitorais e de Governo, todas as forças políticas portuguesas têm manifestado a vontade de reservar na nossa política externa um lugar de destaque ao relacionamento com África e em especial com os países africanos de língua oficial portuguesa.
Poderemos até dizer que a vontade de levar a cabo uma política de cooperação é uma área de consenso.
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E é bom que assim seja. Mas já não poderemos dizer o mesmo relativamente a termos nesse domínio uma política firmemente estabelecida.
Aproveitando a discussão do Orçamento do Estado para 1987, a minha bancada não quer deixar de manifestar a sua opinião e obter esclarecimentos sobre alguns aspectos desta área de acção do Estado Português.
Em primeiro lugar, para afirmar que, para além da necessidade de conter as despesas públicas, na actual situação de indefinição de objectivos e de programas, estamos de acordo em que as verbas reservadas à cooperação se devem conter nos limites de crescimento propostos.
Sempre entendemos, por princípio, que na cooperação devem ser envolvidos maiores montantes, mas apenas em circunstâncias que nós garantam a sua boa reprodutividade. Ou seja, com a garantia de que se está realmente a operar no âmbito de verdadeiras acções de cooperação - com vantagens para todas as partes e não meramente em acções de assistência e ajuda, para as quais existem países e instituições mais dotados, mais vocacionados e menos carenciados que Portugal, Isto sem se negarem, evidentemente, os deveres de solidariedade para com esses países.
A maior rentabilização das verbas actualmente empregues deve, precisamente, preceder um maior envolvimento que, de resto, não é apenas o referido nos números da proposta de orçamento do Estado. O envolvimento português na cooperação é maior pelas responsabilidades financeiras que o Estado Português tomou e que, em empréstimos de Estado a Estado e em linhas de crédito, eram já em finais de 1984 de cerca de 500 milhões de dólares, ou seja, nesse ano era cerca de três vezes as nossas exportações para esse conjunto de países.
Deve também contar-se com os custos de funcionamento de instituições que dedicam grande parte da sua actividade a acções relacionadas com a África, como sejam o Instituto de Investigação Científica Tropical e o Instituto de Higiene e Medicina Tropical, e com muitas outras despesas assumidas por instituições que não são dependentes do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Em segundo lugar, para perguntar ao Governo se no envelope financeiro destinado pela presente proposta de orçamento a acções de cooperação se prevêem algumas adequações devidas ao facto de o âmbito da cooperação multilateral ter alargado as suas potencialidades pela nossa entrada tia CEE e se se prevêem alterações à política seguida, quer como resultado da experiência acumulada e das necessidades não contempladas nos últimos anos, quer como resultado da mudança de atitude que hoje se revela relativamente a algumas das questões relacionadas com a cooperação para o desenvolvimento.
A nós - CDS - o tempo e a experiência têm-nos permitido apurar conceitos e propostas. Desde sempre, temos afirmado que aderimos a uma política de cooperação que nas suas bases considere, estrategicamente, como nossa área de interesse exclusivo, a defesa e a expansão da língua portuguesa, que, em segundo lugar, desenvolva acções ligadas ao ensino e à formação profissional e promova, em terceiro lugar, acções de cooperação económica, retirando as maiores vantagens que nos possa oferecer a cooperação multilateral.
É justamente no campo das acções concretas que interessa conhecer as intenções do Governo, o que tem a ver, como é óbvio, com a presente proposta de orçamento.
Primeira questão: que se pensa fazer pela língua portuguesa em África?
A polítida de defesa e difusão da língua portuguesa para África tem de integrar numerosos parâmetros de actuação.
Por exemplo, tem a ver com a utilização da rádio portuguesa; com a circulação da imprensa portuguesa; com a presença e qualidade dos professores de Português; com a formação de professores num quadro de apoio às estruturas de ensino dos diferentes países; com a actividade e eficácia dos nossos centros culturais e com a acção de instituições portuguesas de ensino, nalguns casos já autorizadas e desejadas, que devem ser não apenas um apoio logístico à actividade de cooperantes, técnicos e outros cidadãos portugueses aí residentes, mas também um pólo de difusão da cultura e língua portuguesas.
O CDS apresentou já como contribuições para esta questão dois projectos de lei: um relativo à rede de liceus portugueses no estrangeiro, outro visando a criação do Instituto Internacional da Língua Portuguesa. Mas a activação e a integração de todos estes vectores em termos de uma verdadeira política continua a faltar, e daí a razão de ser desta questão: que se pensa fazer em termos de política de defesa e difusão da língua portuguesa?
A segunda questão refere-se à perspectiva das acções de formação profissional e a outras acções de valorização do elemento humano.
É, talvez, um dos campos onde a nossa acção tem tido maior sucesso - talvez porque as comparações com outras cooperações sejam fáceis e óbvias -, mas onde se pode ir muito mais longe.
Citaremos apenas um caso.
Hoje é matéria assente que em África, face aos desenvolvimentos dos últimos anos, que tornaram a situação crítica e caótica em numerosos países, é prioritário assegurar o auto-abastecimento e a segurança alimentar. A reabilitação das capacidades instaladas passou para primeiro plano das preocupações e Portugal tem uma vasta e diversificada experiência no domínio agrícola em África. Interessa, pois, saber se se estão a preparar instrumentos que possam fazer do nosso país um parceiro eficaz na resolução do problema alimentar em África.
Finalmente, no que se refere à cooperação no campo económico e financeiro, parece-nos óbvio que o desenvolvimento futuro das relações económicas está comprometido se se persistir numa política de financiamento ao consumo e às necessidades imediatas, mas que não altera a estrutura produtiva desses países, que precisa, acima de tudo, ser ajudada a responder às suas próprias necessidades.
Julgamos que chegou a hora de ter uma política diferenciada de apoios a esses países, consoante as probabilidades de êxito forem maiores, face à natureza dos próprios projectos nas suas componentes técnica, social e económica, quer ainda face às condições sociais e políticas oferecidas pelos países nossos parceiros.
Não se atingirá esse objectivo de maior entrosamento das economias se a montante não ficarem definidas questões como a celebração de acordos comerciais alargados que viabilizem o princípio de que só o aumento
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da produção nos países africanos pode suportar o acréscimo de compras no mercado português - o que, saliente-se, pode ser vital para a economia portuguesa -, acordos comerciais que poderão envolver aspectos como o da racionalização dos transportes e que dêem resposta a questões que, de há muito, vêm sendo tratadas como a «zona do escudo».
E que fiquem também definidos os apoios e as garantias de que os empresários portugueses podem dispor. Neste domínio resolver a cobertura do «risco político» parece ser indispensável para o arranque de actividades produtivas, da forma como as encaramos, ou seja, como catalisadoras de um verdadeiro processo de desenvolvimento desses países. .
É esta, pois, a terceira questão: que se pensa fazer para o entrosamento das nossas economias?
A resposta a estas questões - para nós, questões de fundo -, ou quaisquer outros esclarecimentos que o Governo queira prestar, parece-nos importante para que se possa saber para onde vamos em matéria de cooperação.
Em nossa opinião, é possível fazer mais com melhores resultados, mesmo com os meios actualmente disponíveis, mas com outras ideias, para, posteriormente, mas já com vantagens para todas as partes envolvidas, se atingirem os objectivos de uma verdadeira política de cooperação, que seja, como desejamos, uma dimensão forte e natural da política externa portuguesa.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começa a bancada do PCP por lamentar que, apesar de alertada para a intervenção que irá agora ser produzida, a equipa governamental do Ministério da Educação e Cultura se tenha ausentado, assim frustrando, naturalmente, o debate e o eventual enriquecimento que adviria do seu contributo.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: A educação e a cultura são para nós, PCP, fundamentais desafios, vastos e indescuráveis territórios de intervenção, malhas da realidade e do sonho, que tudo demuda e enriquece. Daí que, sem preconceitos de partida, tivéssemos procedido a uma leitura cuidada das chamadas Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado. O que se nos depara não desilude, vindo de quem vem, mas inquieta e reclama medidas tempestivas, tal a instrumentalização que se postula de toda a esfera de realização cultural.
Lembra-nos um velhíssimo anexim que nunca bom cão ladrou em vão. Não dando crédito ao adjectivo que nobilista o doméstico animal e tomando-se o enunciado em óbvia dimensão metafórica, é caso para afirmar que o Governo não clama no deserto nem por acaso. Tem o seu norte magnético e, com alguma clareza, travestida de pretensões de dignidade intelectual, aponta-o nos documentos que a Câmara analisa. Nunca a direita partidária foi tão longe no assumir de uma tradição obscurantista, antipopular, avessa às conquistas sociais dos trabalhadores. A prová-lo, enseje-se uma apreciação rápida dos traços dominantes nos dois sectores aludidos.
Há um ano, o Executivo de Cavaco Silva proclamava prioridade para a educação. Subitamente, com a mesma leviandade, deixou de o fazer. Porquê? Porque a gestão orçamental havida eliminou carências, corrigiu distorções, lançou projectos inovadores?
De forma alguma. Os níveis de incumprimento das metas propugnadas são drásticos e desoladores: meia dúzia de escolas; escassíssimas acções de recuperação do degradado parque de estabelecimentos existente; muito discurso inócuo e propagandístico. Enquanto isto, a Assembleia da República aprovou, por larga maioria e com generalizado gáudio, um relevante instrumento jurídico de mudanças urgentes, a Lei de Bases do Sistema Educativo, que implicava reflexos de vulto nas propostas de lei em estudo. Só que, para os responsáveis governamentais, não é prioritário o que a vontade soberana dos deputados prescreve, o que o povo quotidianamente considera inadiável porque sofre as metástases de uma política de castas. Contra o elóquio hipócrita e falsário do passado recente, constata-se agora que os gastos com a educação perdem peso em relação ao produto interno bruto e ao total das despesas do Estado, não se vislumbrando qualquer rubrica que espelhe as exigências da Constituição e do artigo 42.º da Lei n.º 46/86.
Com efeito, não é possível compatibilizar, apesar dos esforços ensaiados, há momentos, pelo Sr. Ministro, nesta Câmara, a regra da gratuitidade do ensino com a contracção de verbas para a Acção Social Escolar, nem assegurar a liberdade de ensinar e aprender ou o princípio da igualdade de oportunidades com o enfraquecimento das dotações globais do Ministério.
Aplausos do PCP.
Decrescem enormemente os valores orçamentados para a educação de adultos e, ao verificá-lo, inteligimos, finalmente, aquela maviosa passagem das GOPs em que se delega a erradicação do analfabetismo na mão implacável da morte que vai eliminando os anciãos um a um. Os relatórios da CNAEBA, desiluminados, decerto, pelo sol exegético e propositivo do Governo, recordam, em contraposição, que os principais frequentadores dos cursos de alfabetização são jovens com idade inferior à de um quarto de século.
Assiste-se, coincidentemente, a um crescimento negativo, em termos nominais, do PIDDAC/87, com o desaparecimento de mais de 50 projectos cujo início fora previsto e fixado já, com acenturados cortes em diversos programas, para além dos que referi, com reduções significativas em cerca de 90 iniciativas preconizadas para o espaço anual que em Janeiro começa, das quais, por amostragem criteriosa, indicamos quatro: as que se prendem com os serviços sociais no ensino superior, as instalações para o ensino básico, as universidades e as escolas superiores de educação.
Mau, deveras mau, Sr. Presidente, Srs. Deputados, o panorama que se anuncia, extensivo também aos dias futuros da cultura. É que continuam por definir, de modo límpido, orientações que favoreçam o trabalho criativo e empenhado dos agentes culturais, onde quer que operem e sem o escalracho dos condicionamentos a estratégias que nos desfiguram e as normas da Lei Fundamental não toleram. Insignificantes são ainda as consignações conhecidas para apoio aos grupos e às colectivades locais, para investimento em redes multifárias de leitura pública, aviventação de museus, tarefas de formação de animadores e demais quadros qualificados, correcta subsidiação do teatro, da música, da dança e outras actividades artísticas. Perdem importância relativa no orçamento do sector os montantes destinados à defesa e promoção do património, o que se não aceita em conjuntura de precariedades detectadas
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e agravamentos. Por seu turno, o exercício de 1986 traduziu-se pela ineficácia, por erros graves nas escolhas programáticas, pela ausência de senso inovatório, pela manutenção de práticas clientelísticas e intransparências administrativas, bem como por baixos padrões de concretição, o que faz transitar, em volumes assinaláveis, para o próximo PIDDAC o que se não logrou no anterior. Perante isto, o entranhado amor ao mecenato e suas teias não servirá nunca de álibi para o alijar de responsabilidades públicas no auxílio, associação e fomento de correntes produtivas e fruidoras de cultura viva.
Com que apreensão e.com que repúdio encaramos as envolventes do labor da Secretaria de Estado no texto xaroposo e grotesco das Grandes Opções. É. que, diante daquele aberrante emblema «ou muito português ou muito bom», peça de uma desconjuntada colecção de jargões perimidos, de frásicas reconstruções do reaccionarismo, de piruetas metafóricas de inequívoco sinal elitista, importa menos a retórica da denúncia e urgem as adequadas respostas no plano institucional. Apetece, certamente, chegados ao fim do dédalo poeirento, conjecturar o êxito pacóvio das GOPs lidas, no Plenário, com o ritmo empafioso e solerte do Ministro Cadilhe, prestidigitador, sem grandes luzes, aliás, de fancarias económico-financeiras, ou, para os melómanos, cantadas pelo Serafim Saudade segundo matriz melódica de uma qualquer banda das forças armadas americanas. Esta, porém, não será a réplica necessária a tanto patrioteirismo venal, a tanta mixórdia ideológica, às concepções que, lacrimejando a nossa alegada falta de identidade nacional, ambicionam um país-porto, locai de passagem, poiso alodial de toda a migração não germinante, pasto oferente e dócil de pescadores de mão-de-obra barata e estandardizados tipicismos, à luz do que se gorgoleja no linguajar tatebitate da proposta de lei n.º 43/IV, fica sem dúvida dolosamente ferido o programa constitucional da cultura, a sua matriz democrática e transfiguradora.
Vozes do PCIP: - Muito bem!
O Orador: - Cremos, assim, que recai sobre as forças democráticas o imperativo de derrotarem, pelo voto e não só pelo zurzir do ridículo, sem ambiguidades, o regresso do miguelismo mais serôdio, ainda que trajado de eurocrata e capaz de umas graçolas de apodrecido Parque Mayer.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Os propósitos do Governo são evidentes. As áreas da educação e cultura são um seu espelho expressivo e poliédrico. Ninguém, ninguém, terá legitimidade para arguir ignorância, que, como se sabe, não aproveita. Haverá, por isso, que concertar actuações, no curso da discussão que ontem iniciámos, para garantir que a democracia de Abril não seja desviçada nem contaminada pelos apóstolos da nova ordem conservadora, afinal vetusta e imprestável como certas pedras daninhas. O PCP, por si e ou em conjunção com os restantes partidos do progresso e da liberdade, não renunciará às suas prerrogativas nem encarecerá o seu contributo para as modificações que se impõem.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Conceição.
O Sr. Fernando Conceição (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, ouvi com interesse e cuidado natural a sua intervenção e não posso deixar de lhe pedir alguns esclarecimentos.
É que, na realidade, o Programa do Governo não pode ser apenas equacionado em função do Ministério da Educação e Cultura. Se vir com cuidado as Grandes Opções do Plano, verificará que o actual Governo aposta fortemente na valorização dos recursos humanos e praticamente podemos dizer que quase 83% visam essa área. Na realidade, o projecto é global; o Ministério da Educação nacional aposta forte no desenvolvimento de toda a juventude e, inclusive, dos próprios adultos, através das medidas que vêm sendo tomadas.
Não podemos, pois, sem mais, minimizar o trabalho já efectuado e deixar de crer na capacidade governativa, de que o Governo tem dado provas, no sentido de aumentar a escolarização.
Quanto à Acção Social Escolar, fala-se sempre da escola ou dos cursos superiores, mas não devemos esquecer a campanha que vem sendo feita para aumentar as capitações a nível das escolas primária e secundária - elevou-se 25% -, ou a comparticipação no consumo das refeições - que foi aumentado em 20% -, ou a tentativa, que está a ser feita, para alargar o programa do leite escolar para o ciclo preparatório em áreas muito sensíveis, como, por exemplo, a do distrito de Setúbal.
Quando falamos em investigação científica, Sr. Deputado, creio que não podemos deixar de pensar no incremento que vem sendo dado através da Secretaria de Estado respectiva e grande parte dessa percentagem é também entregue a bolseiros do ensino superior. Dessa maneira, estão a contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico do País, porque sem o desenvolvimento desse capital humano, na realidade, o País não poderá avançar.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Silva Marques.
O Sr. Silva Marques (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, o seu discurso cultural foi tão reluzente que, digo-lhe com franqueza, só encontrei nele uma ligeira sombra.
Fiquei com a ideia de que V. Ex. a é um conhecedor das bandas militares americanas. Confirma-se o facto?
Risos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não cometeria a deselegância de sinalizar uma gaffe do Sr. Deputado Fernando Conceição perante a Câmara, ao designar o Ministério sobre cuja acção e orçamento agora nos pronunciámos como o Ministério da Educação Nacional. Lembrar-lhe-ia, todavia, que o seu discurso é obviamente o da defesa possível do que não é defensável!
O que na intervenção que produzi há pouco pude apontar foi um elenco algo entenebrecedor de carências, para cuja solução não foram estabelecidas nem prioridades nem verbas suficientes.
A qualquer pessoa preocupada com a realidade da Educação em Portugal importa menos o discurso do
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elogio fácil ou do apoio reiterado a modestas acções que qualquer Ministério possa produzir - dando de barato que este as produziu - e mais o reivindicar de adequadas linhas de actuação, porque, essas sim, podem alterar uma situação e transformar o país real, bastante negro nos dias em que que vivemos, no país dos sonhos em concretização de todos nós, aqueles para quem a justiça social é um desafio e um norte.
Por outro lado, não me deteria em alguns pormenores, uma vez que os não contestou. O que eu disse é irretorquível, como aliás, o exórdio do Sr. Ministro da Educação e Cultura demonstrou.
Ao Sr. Deputado Silva Marques - que acabou por se revelar um excelente pesquisador de sombras, pelo menos à partida, com fracos resultados obtidos, todavia, pelo que terá de procurar outra actividade mais rendosa - recordaria apenas, quanto às bandas militares americanas, que é importante que se tenha para a dimensão e para o conhecimento da actividade cultural um olhar não sectário.
Ë verdade que as conheço e o ter incluído, como exemplo, uma qualquer banda militar norte-americana na prosa que li assinala duas coisas: por um lado, a generalizada má qualidade das mesmas e, por outro, a relação estreita que essa má qualidade tem com as Grandes Opções do Plano, que o senhor aplaude aí dessa bancada.
E disse. .
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Tavares.
O Sr. António Tavares (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Há duas formas de conceber e executar a política de juventude. Uma será paternalista e tutelar, que o Estado impõe aos jovens. Uma segunda, que partilhamos, será uma forma na qual o Estado dá voz aos jovens, fazendo-os participar.
Assim, definiu a JSD no debate do Orçamento de Estado para 1986 a sua posição quanto à relação Estado-jovens.
Um ano depois, como é óbvio, continuamos a pensar do mesmo modo e é dentro deste espírito que procuramos dar o nosso contributo para a discussão na generalidade das propostas de lei sobre o Orçamento de Estado e das Grandes Opções do Plano para 1987 que o Governo trouxe a esta Assembleia.
Tal como o Sr. Ministro das Finanças afirmou ontem nesta Câmara, este Orçamento constitui «uma das manifestações mais expressivas da estratégia de progresso controlado».
À melhoria da economia portuguesa, ao aumento do investimento produtivo, com reflexos no emprego, à contenção da taxa de inflação e à redução do défice público não podem os jovens portugueses reagir com indiferença.
Queremos ser protagonistas da mudança na sociedade portuguesa.
Sabemos que não existem orçamentos perfeitos, daí a razão deste debate, mas quando está em jogo o futuro das gerações mais novas é preciso fazer opções sem ambiguidades, recusar o peso de certas heranças, porque o Orçamento é, no dizer de renomado catedrático, «o mais importante instrumento de definição e execução material de toda a política do Estado».
Sempre defendemos que a política de juventude tem de assumir um carácter global e integrado.
A problemática juvenil não é susceptível de ser reduzida ao horizonte de um único Ministério.
Por isso recusamos a acusação simplista de que o Governo não apostou tanto quanto deveria nos jovens, porque as verbas afectadas à Secretaria de Estado da Juventude não cresceram como era exigível.
Como ficou demonstrado nas informações prestadas à Comissão Parlamentar de Juventude, existem vultosas verbas no Orçamento e no PIDDAC inscritas noutros Ministérios, sendo algumas delas inclusive geridas directamente pela Secretaria de Estado, em articulação com outros departamentos governamentais.
De facto, só numa perspectiva horizontal, interdepartamental, poderemos encontrar soluções para a multiplicidade de problemas que aflingem, no quotidiano, a população jovem.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Das propostas da Secretaria de Estado da Juventude gostaríamos de destacar as acções de intercâmbio juvenil com os países africanos de expressão oficial portuguesa, os programas comunitários YES, ERASMUS, COMMET, além do chamado programa «Transição da escola para a vida activa», nomeadamente a integração no meio rural e o apoio à instalação de jovens agricultores por parte do Ministério da Agricultura através do Regulamento 797 da Comunidade Europeia.
A manutenção do programa OTL, alargado a todo o ano, merece o nosso aplauso, pois, inúmeras vezes nesta Assembleia o defendemos contra ventos e marés.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Queremos realçar também a importância do Programa de Acções de Formação Profissional do Ministério do Trabalho e Segurança Social e a implementação de medidas de apoio às iniciativas regionais de criação de postos de trabalho para jovens.
No mundo de novas tecnologias, a formação profissional começa a ser considerada já um terceiro factor de produção, ao lado do trabalho e do capital.
Na discussão do Programa do Governo havíamos mantido reserva quanto ao combate ao desemprego juvenil, que então nos pareceu apontar para horizontes pouco ambiciosos. Contudo, os dados que a Comissão de Juventude obteve do Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social quanto à eficácia de algumas medidas legislativas, nomeadamente de incentivos fiscais às empresas que empreguem jovens, iniciativas locais de emprego e apoio a actividades independentes, aliadas a outras medidas que estamos em crer o Governo não se dispensará de tomar oportunamente, indiciam, sem margem para dúvidas, algum optimismo para 1987.
Na área da justiça, gostaríamos de salientar e reconhecer o esforço de modernização legislativa, criando os mecanismos adequados às novas exigências da vida social e económica.
Não deixaremos de salientar que, neste domínio, deverá ser feito um esforço no sentido de dotar o combate à delinquência juvenil dos instrumentos necessários ao seu sucesso, nomeadamente ao Instituto de Reinserção Social.
Não discutindo o quantitativo orçamentado para o combate à droga, não deixaremos de, noutra altura,
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voltar a este assunto para analisar melhor e propor algumas soluções no sentido da alteração da forma e organização dos serviços do Gabinete de Profilaxia da Droga.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: O associativismo juvenil, funcionando como elemento agregador de energias e garantindo aos jovens novos espaços de intervenção e participação, não foi esquecido ao considerar-se o apoio financeiro às associações de âmbito nacional inscritas ou não no Registo Nacional de Associações Juvenis, bem como ao Conselho Nacional de Juventude.
No PIDDAC gostaríamos de realçar, igualmente, o programa «Base de dados sobre questões de juventude», pela sua importância numa sociedade onde a informação permitirá aos jovens manter um intercâmbio sempre actualizado, quer entre todas as regiões do País quer com o estrangeiro. Além de que, para que as políticas de juventude sejam eficazes, é fundamental que assentem no conhecimento o mais rigoroso possível da realidade social.
O Sr. Miguel Relvas (PSD): - Muito bem!
O Orador: - Para que a obrigação democrática do acesso generalizado à informação seja uma realidade será necessária uma política de implementação de centros de juventude, a partir das actuais delegações do FAOJ, racionalizando meios, equipamentos e cooperação da administração local com a central.
Assim, o Governo prevê a conclusão de dois centros em 1986 e o arranque de mais dois em 1987.
Finalmente, uma palavra acerca do programa «Novas oportunidades aos jovens», estimulando-os a formarem pólos de dinamização da actividade empresarial, participando, assim, no aproveitamento dos recursos endógenos das regiões.
Na área da educação gostaríamos de ver continuado o debate que vimos travando, permitindo o seu aprofundamento nalguns sectores.
Estamos em crer que o debate será esclarecedor quanto às verbas destinadas ao incremento do associativismo estudantil, permitindo a obtenção de dotações orçamentais suficientes, evitando, assim, o recurso sistemático a atribuições casuísticas de subsídios às associações de estudantes.
O mesmo, aliás, poderemos dizer para a acção social escolar e os serviços sociais das universidades, áreas onde nos parece necessário não voltar a cometer erros de Governos passados.
A dotação para as construções escolares dos vários níveis de ensino, nomeadamente as destinadas à criação de espaços para a prática de educação física, é uma outra questão que nos merece particular atenção.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não será muito correcto exigir que este Orçamento tenha na área da educação exclusivamente em conta as responsabilidades agora decorrentes da aprovação da Lei de Bases do Sistema Educativo, quando ela própria dispõe e faculta ao Governo um prazo de dois anos para apresentar um plano de desenvolvimento do sistema educativo, aguardando por esse momento para proceder a uma discussão mais séria acerca da evolução da educação e dos seus orçamentos específicos para os próprios anos.
Reconhecemos o esforço do Governo numa das mais sérias questões da sociedade portuguesa, a juventude, a pedir soluções urgentes.
Acima de tudo, os jovens portugueses e o País esperam de nós neste momento não uma gestão pontual de qualquer crise, mas a consagração de novos rumos e ideias num Portugal mais moderno e europeu que queremos também ajudar a construir.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem palavra o Sr. Deputado Rogério Moreira.
O Sr. Rogério Moreira (PCP): - Sr. Deputado António Tavares, V. Ex. a fez aqui uma referência que me parece de todo o interesse que fique retida. Considera o Sr. Deputado que aquando do debate do Programa do Governo não se vislumbravam soluções em relação ao problema do desemprego juvenil e que, na altura, a sua organização teria certamente algumas reservas em relação a essa área.
Agora o Sr. Deputado vem aqui dar uma enorme cambalhota, dizendo que, pelo contrário, da actuação do Governo se depreende que está tudo claro, que, agora sim, há soluções para o desemprego juvenil. Mas mais: que da actuação do Governo há já indícios muito significativos de que os programas aplicados - resta saber quais!- permitiriam alterar significativamente estes elementos.
Que dados dispõe o Sr. Deputado para fazer afirmações como estas? A que programas se refere e qual o número de postos de trabalho efectivos criados por este Governo para os jovens?
Era conveniente que o Sr. Deputado esclarecesse aqui estas questões, porque, de outra forma, naturalmente, não podemos chegar a outra conclusão que não a de que, pressionado por quaisquer motivos mais altos que certamente se levantaram, o Sr. Deputado foi obrigado a dar aqui, em nome da organização política que representa, uma completa reviravolta em relação à posição que tinha por ocasião da discussão do Programa de Governo.
Já agora, Sr. Deputado, aproveitava para lhe colocar uma outra questão: sendo o Sr. Deputado uma pessoa minimamente aberta aos problemas dos jovens que prestam serviço militar obrigatório, gostaria que me explicasse, nessa mesma qualidade, qual a sua opinião sobre as verbas orçamentadas para despesas de funcionamento das Forças Armadas, em particular as respeitantes ao serviço militar obrigatório.
Isto porque a situação traduz-se numa diminuição real das verbas destinadas ao alojamento, alimentação e condições dos jovens que prestam serviço nesta área.
Também aí o Sr. Deputado e a sua organização consideram-se protagonistas destas reais e fortíssimas mudanças que estão a ser induzidas pelo Governo! Gostaria que também me desse uma resposta em relação a esta pergunta.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Apolinário.
O Sr. José Apolinário (PS): - Sr. Deputado António Tavares, V. Ex.ª começou por fazer uma análise genérica sobre aquilo que pensava e que defende serem as grandes medidas orçamentais que o Governo tem em matéria de juventude.
O Sr. Deputado citou várias delas e, sobre isso, gostaria de lhe colocar algumas questões. $ ou não verdade que a Secretaria de Estado da Juventude aumenta
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as verbas de despesas administrativas e reduz as verbas a nível de plano de actividade, inclusive perante aquilo que era a proposta do Governo para o PIDDAC do ano de 1987, apresentada nesta Assembleia aquando da discussão do PIDDAC para, 1986? É ou não verdade, Sr. Deputado, que os apoios que referiu em relação aos jovens agricultores não resultam de uma política nacional de apoio aos jovens agricultores, mas sim dos fundos estruturais para esse fim atribuídos pela CEE?
É ou não verdade, Sr. Deputado, que as acções que referiu respeitantes ao OTL, ao OTJ, aos incentivos ao emprego e à área da formação profissional resultam, também, do Fundo Social Europeu? Qual é a perspectiva e a racionalização que resultam dessas verbas de formação profissional e de incentivo ao emprego, em termos de criação de novos postos de trabalho para jovens?
É ou não verdade, Sr. Deputado, que o trabalho temporário, sem vínculo e precário, tem aumentado em relação aos jovens?
É ou não verdade, Sr. Deputado, que o problema do desemprego juvenil, pese embora a intervenção optimista e cor-de-rosa que o Sr. Deputado aqui produziu, continua a ser um dos problemas mais graves com que se debatem os jovens portugueses?
Por último, Sr. Deputado, é ou não verdade que a sua intervenção mais não proeurou do que vir aqui provar que a sua organização dá, na prática, o suporte parlamentar ao Governo e perdeu a capacidade crítica que tinha noutros tempos de outro Governo?
O Sr. Carlos Coelho (PSD): - Não é cor-de-rosa, é cor de laranja, Sr. Deputado. Enganou-se na cor!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Tavares.
O Sr. António Cavares (PSD): - Quanto ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Rogério Moreira, começo por afirmar que ficaria um bocadinho preocupado se ele tivesse concordado com a minha intervenção. O Sr. Deputado tinha de dizer alguma coisa, não poderia ficar calado porque provavelmente não vai falar com tanta liberdade do alto daquela bancada como falei em nome da JSD e do meu partido.
Aplausos do PSD.
Aquilo que pensámos e defendemos aquando da discussão do Programa do Governo foi que o Governo poderia ser mais arrojado, poderia ir mais além, mas não fizemos nenhuma crítica por o Governo ter ficado mais aquém. É bom que isto seja dito, porque, por exemplo, aquilo que o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social teve o cuidado de dizer à comissão parlamentar em relação às questões de emprego foi muito claro e os dados que tenho são os mesmos que o Sr. Deputado tem.
Por exemplo, quanto aos incentivos fiscais para empresas que empreguem jovens trabalhadores, o Sr. Ministro do Trabalho e Segurança Social falou em cerca de 3000 novos postos de trabalho e explicou na altura -e como deve ter estado com atenção deve ter ouvido- que seria necessário flexibilizar a legislação laboral, porque nenhum empresário estaria na disposição de beneficiar daqueles incentivos só por beneficiar. Inclusive, o Sr. Ministro também disse na altura que seria preferível continuar com os contratos a prazo.
Quanto à questão do serviço militar obrigatório, acho que o Sr. Deputado tentou metê-la aqui um bocado à pressão, talvez por ter da instituição militar uma perspectiva diferente da minha. Penso que o debate ainda vai a meio e ninguém garante ao Sr. Deputado que eu não vá intervir ainda sobre a matéria, pelo que quando o orçamento da defesa vier à colação a esta Câmara, provavelmente teremos oportunidade de nessa sede trocar algumas impressões.
O Sr. Deputado José Apolinário falou na redução das verbas atribuídas à Secretaria de Estado da Juventude. Acho que o Sr. Deputado, tal como eu, deve ter em atenção os vários PIDDAC que existem no Orçamento do Estado, bem como o facto - tal como tive oportunidade de afirmar na minha intervenção- de a política de juventude não se limitar a um só Ministério; é, antes, uma política integrada, global e horizontal.
Vozes do 11DSD: - Muito bem!
O Orador: - Diria-lhe, finalmente, Sr. Deputado, que em relação à questão que levantou sobre os OTJ, o Ministro do Trabalho e Segurança Social teve também oportunidade de esclarecer a Comissão -e penso que é tempo de darmos algum valor à ida dos membros do Governo às comissões, sob pena de nos andarmos sempre a repetir- que os OTJ visavam dar experiência profissional para depois o jovem procurar o mercado de trabalho melhor preparado. Fundamentalmente foi isto que foi dito na altura.
A política dos centros de formação profissional, tal como também tive oportunidade de referir na minha intervenção, é igualmente uma política que visa dar resposta à preparação dos jovens para a sua transição da escola para a vida activa.
Quanto à sua afirmação de que o JSD perdeu a capacidade de crítica, penso que ela não a perdeu muito e ainda recentemente no nosso congresso o demonstrámos. Continuamos a intervir aqui e espero que no final deste debate as outras organizações políticas de juventude possam ser tão seguidistas como foi a JSD, pelo menos até agora.
Vozes do IIDSD: - Muito bem!
O Sr. ]Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Pires.
O Sr. Lemos Pires (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Analisar e comentar a fatia do Orçamento do Estado que se destina aos empreendimentos educativos e culturais não é tarefa fácil; nem tão-pouco ela se encontra facilitada: a falta de informação necessária e atempada, a organização da disponível e, sobretudo, a não visualização da compatibilidade entre o Orçamento e o respectivo projecto que o guia e justifica, não deixam grande margem de manobra para a exploração que se desejava.
No entanto, é com estes limites que nos propomos aqui descortinar alguma luz em termos do Orçamento apresentado.
Consideremos, desde já, o volume global atribuindo à educação e à cultura: um montante de despesas que se aproxima das três centenas de milhões de contos, se incluirmos as despesas de funcionamento do Ministério da Educação e Cultura, a formação profissional a cargo de outras entidades e os respectivos PIDDACs!
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Verba que parece importante e é uma fatia substancial do Orçamento de Estado!
Será este, no entanto, o montante correcto e adequado às necessidades do País?
A resposta a esta questão exige ponderação. Não se compadece pois com juízos apressados e superficiais.
Para começar, recusamos a afirmação simplista e simplória de que a verba é escassa e mais dinheiros são necessários para a educação e a cultura. Esta afirmação por si só não tem qualquer significado se não for confrontada com outras premissas mais consistentes. Se pode constituir uma boa reivindicação, útil para muitas partes, falta-lhe rigor e objectividade.
Vozes do PRD: - Muito bem!
O Orador: - De seguida, conviria apurar previamente se não haverá desperdício. Colocar mais verbas num sistema em que este exista mais não fará senão aumentar porventura tal desperdício, manifesta atitude de loucura própria do perdulário. Porém, não nos é possível saber se este desperdício tem tido ou não lugar, pois a falta de informação adequada e atempada não nos permite fazer a devida avaliação.
Todavia, temos fortes razões e suficientes conhecimentos para suspeitar que tal desperdício existe, e que isso nos deve tornar mais exigentes em relação ao Orçamento apresentado.
Verdadeiramente, um orçamento tem de ser elaborado e, portanto também apreciado, segundo três vectores fundamentais: em primeiro lugar os objectivos prosseguidos e a prosseguir, uma vez que neste, como noutros domínios, estamos perante um continuam de acção; em segundo lugar, a racionalidade dos meios, dos recursos e dos processos utilizados e a utilizar para a realização dos fins e objectivos; e, em terceiro lugar, os resultados entretanto já alcançados e a previsão dos que poderão ser atingidos.
Em primeiro lugar os objectivos. Aqui, deparamos: ou com uma formulação genérica e imprecisa, como a que consta do programa do Governo, ou com um simplismo tão simplista, como o que consta das opções para 1987.
Se em relação àquele foi concedido o benefício da dúvida, passado que é mais de um ano, continuamos sem dispor de uma visualização clara dos objectivos pretendidos, a incluir uma adequada hierarquia de prioridades e uma definição de metas fundamentais. Se o ministério da tutela dispõe de uma orientação mais explícita, bom seria que ela acompanhasse e justificasse 0 orçamento presente; então se poderia aquilatar de sua bondade e fiabilidade.
Em relação à outra alternativa só podemos dizer que as opções são magras para tão dilatado orçamento!
Em segundo lugar, a racionalidade dos meios, dos recursos e dos processos. Também aqui parece haver razões e conhecimentos que levam a presumir fortemente que estamos perante um sistema de gestão irracional, porventura autofágico, baseado no desperdício, na distorção da prática em relação aos objectivos, no anquilosamento e no imobilismo qualitativo, que apenas cresce e se expande, num processo crescentemente entrópico sem uma tileologia discernível, sem articulação visível entre o discurso e a prática.
Estamos talvez perante uma incapacidade para controlar um «elefante branco», numa continuidade inoperativa que se tem arrastado ao longo de vários governos.
Em terceiro lugar, os resultados já alcançados e a previsão dos que poderão vir a ser atingidos. Aqui, teremos de encarar uma das duas alternativas.
Ou o sistema procura uma elevação significativa do nível educativo de toda a população - e isto parece uma boa finalidade a cumprir. Não custa verificar que longe estaremos de tal se ter conseguido. Sem ir mais além, conhecidas são as elevadas taxas de insucesso escolar, a vários níveis e em variados domínios, e a inadequação do sistema às necessidades dos indivíduos e da sociedade.
Se outro é o uso que se deseja fazer do sistema, como seja o de produzir uma selecção criteriosa de uma hierarquia de elites do País, então também aqui teremos de nos render à evidência de que essa selecção, porventura, se não se terá realizado - estaremos talvez perante uma selecção com muito de aleatório- e de que os processos utilizados se têm revelado demasiado dispendiosos - haverá formas mais económicas para o fazer.
Isto quer dizer que, afinal, não conseguimos entender o que o sistema está a produzir.
Em conclusão: se o sistema estava enfermo - e vá-se 1á saber quem o pôs nesse estado- enfermo se mantém. Cura não se antevê e não se descortina que contribuição qualitativa e quantitativa poderá o Orçamento dar para o efeito.
O diagnóstico é impreciso. A própria avaliação do sistema e os seus associados principais - a investigação em educação e a inspecção da actividade educativa- são escassamente contemplados no Orçamento, pelo menos de forma explícita e autónoma, como autónomas e explícitas devem ser estas funções. E isto poderá ter o seu significado em relação a preocupações que possam existir para remediar, corrigir e proceder às alterações fundamentais que a situação requer - e para o que, aliás, a própria Lei de Bases do Sistema Educativo, aparentemente tão ausente da filosofia do Orçamento, abre as necessárias e adequadas vias da profunda reforma que urge iniciar.
Sr. Presidente, Sr. Primeiro-Ministro, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Não nos cabendo, aqui e agora, adiantar as soluções que nos parecem as mais correctas e eficazes para uma melhoria substancial e conveniente inflexão do sistema, bastará reter alguns pontos essenciais: a educação é um sector fundamental, quer para as pessoas, quer para a sociedade, e conviria por isso tratá-lo adequadamente, não sendo de mais encarecer a sua importância para o desenvolvimento de cada um e da grei em geral. Contudo, não é visível a existência do projecto educativo subjacente ao Orçamento em apreciação, que conviria fosse explicitado. Trata-se, porventura, de um orçamento de continuidade, destinado a alimentar o «elefante branco», ainda que com indícios de um certo racionamento, sobretudo na periferia do sistema, deixando, porém, intacto o seu corpo essencial.
Valeria a pena investir mais dinheiro se o sistema estivesse racionalizado, ou se para aí caminhasse tendo em vista, sobretudo, uma excelência de resultados, que esta deveria ser a nossa maior preocupação.
Aplausos do PRD, do MDP/CDE e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo.
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A Sr.ª Amélia de Azevedo (PSD): - Sr. Deputado Lemos Pires, apreciei de sobremaneira o modo como V. Ex.ª fez aqui a análise do orçamento da educação. Penso que o fez de uma maneira honesta, dando uma visão que se aproxima bastante de um quadro que, no ano passado, aqui expus numa intervenção durante a apreciação do Orçamento do Estado para 1986.
Isto é, o Sr. Deputado Lemos Pires, ao contrário do que muitos Srs. Deputados têm feito nesta Câmara, proeurou indicar o montante das verbas que são atribuídas à educação, não vendo somente as verbas que estão adstritas ao sector específico da educação, mas conglobando também as verbas que estão dispersas por outros sectores, nomeadamente na formação profissional e na educação especial no quadro do Ministério do Trabalho e Segurança Social.
O Sr. Deputado fez o cômputo em 300 milhões de contos. Suponho que, efectivamente, o montante será esse ou talvez mais, porquanto ainda temos que ter em conta tudo aquilo que as autarquias gastam com a educação, e que é um montante não despiciendo. Aliás, como sabe, as verbas para as autarquias estão a ser reforçadas, precisamente por causa destes dispêndios com a educação.
Observo com satisfação que há quem se preocupe em ver os problemas na globalidade e não apenas parcialmente, para fazer crer à opinião pública que aquilo que se gasta com a educação é pouco.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Muito bem!
A Oradora: - O Sr. Deputado disse que é muito, mas agora o que é preciso é que esses gastos sejam efectivamente aplicados, tentando obter o efeito desejado, que é a melhoria do sistema educativo.
Todavia, o Sr. Deputado referiu que havia que fazer uma apreciação negativa, no sentido de que não se viam que objectivos o Ministério da Educação e Cultura estaria a prosseguir com este Orçamento.
Sr. Deputado, isso está claramente expresso. Vem referido que esses objectivos, a serem completados no horizonte próximo de dois anos, são: a melhoria da qualidade de ensino, o fomento da criatividade da inovação, a modernização da gestão do sistema, a adequação do sistema educativo ao desenvolvimento regional e à dinâmica do mundo do trabalho, tendo precisamente em conta o sector chave que é a formação profissional. Eles estão aqui claramente expressos e são precisamente sectores que têm tradução orçamental.
Portanto, Sr. Deputado, suponho que neste ponto V. Ex.ª não terá certamente atentado bem nesses objectivos e não terá feito a necessária análise do Orçamento do Estado.
Por outro lado, gostaria de lhe dizer que o Ministério da Educação e Cultura reforçou o seu orçamento, tal como fez no ano passado, num plafond extremamente alto e nunca visto. De tal forma que, por exemplo, a FENPROF disse publicamente, no mês de Setembro, que o Orçamento do Estado para 1986 era um orçamento de luxo para a educação. Sobre a base desse orçamento de luxo houve este ano um novo aumento e, portanto, o Sr. Deputado não me venha dizer que as verbas atribuídas à educação não são apreciáveis, tendo em conta os recursos financeiros do País.
Assim, Sr. Deputado, V. Ex.ª pode concluir que este Ministério desenvolveu uma política, no que respeita ao equipamento e ao parque escolar, que teve realmente um desenvolvimento enorme, espectacular e em que se fez uma imensa recuperação e de ter atribuído verbas para minorar o insucesso escolar e para a investigação científica. Ora, isto significa que o Ministério da Educação e Cultura teve em vista não só o alargamento da escolaridade obrigatória, como ainda todos os elementos que podem contribuir para o prestígio e para a melhoria do nosso sistema educativo.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joaquim Domingues.
O Sr. Joaquim Domingues (PRD): - Sr. Deputado Lemos Pires, antes de mais desejaria registar a forma serena como V. Ex.ª foi capaz de assumir uma atitude crítica que, sem pôr em causa a sua pertença a um partido que não apoia este Governo, lhe permitiu expor os seus pontos de vista sem enveredar por uma linguagem ou por uma metodologia que inviabilizasse o diálogo que é próprio destas circunstâncias. Neste aspecto, registo com muito agrado o seu posicionamento.
Contudo, tanto quanto me apercebi, o Sr. Deputado considera que o aspecto mais importante que permitiria avaliar este orçamento para a educação seria o de saber em que medida existe uma racionalidade dos meios adequados a objectivos que, no seu entender, não estão claramente definidos e que a Sr.º Deputada Amélia de Azevedo tentou agora clarificar.
Nessa medida, V. Ex.ª apontou para aquilo que considera ser a existência de desperdícios prováveis ou mesmo certos. Sem pôr em causa a sua apreciação, gostaria de pedir a sua opinião sobre este aspecto: é ou não verdade que tem sido uma preocupação, repetidamente expressa pelo responsável pela pasta, o introduzir um grande esforço de racionalização na gestão do Ministério da Educação e Cultura?
Parece-me que tem sido essa a nota mais sublinhada em todas as intervenções, nomeadamente ao nível da Comissão de Educação, Ciência e Cultura.
Por outro lado, o Sr. Deputado pronunciou-se, ainda que com uma prudência que registo, sobre este Orçamento. No entanto, julgo que poderia ter ido um pouco mais longe e ter estabelecido uma visão que não fosse estática, até porque se exprimiu no sentido de que não podemos apreciar estas questões estaticamente, mas sim dinamicamente. Assim, perguntar-lhe-ia se não pôde já apreciar uma evolução positiva no sector da educação, nomeadamente na ultrapassagem de alguns estrangulamentos básicos com que o sistema se defronta, como o referente ao sector das construções escolares.
Suponho que o Sr. Deputado, pela atenção que presta a este sector, poderá ter-se apercebido, pese embora o não ter podido recorrer à avaliação do sistema em que muito bem insiste, de que há uma evolução, que é positiva.
Gostava de ouvir a opinião do Sr. Deputado sobre este aspecto.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Lemos Pires.
O Sr. Lemos Pires (PRD): - Respondendo à Sr.ª Deputada Amélia de Azevedo, quero fazer uma primeira correcção, que é a de eu não ter falado em
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três milhões nem em três centenas de milhões de contos nem, tão-pouco, ter dito que era muito, pois nem sei se é ou não é.
Isto porque, neste pais, caímos na situação peculiar de nem sequer sabermos quanto é que se gasta em educação, mesmo que, como há pouco disse o Sr. Ministro, contabilizemos tudo quanto se gasta. Neste momento vivemos alegremente num reino de fantasia, onde tudo se pode consumir porque o dinheiro aparece de todo o lado.
Eu também não disse que não havia objectivos no Orçamento, mas, sim, que não havia compatibilidade entre os objectivos que constam do discurso, os que poderão existir no próprio Orçamento e o estilo do próprio Orçamento, o que são coisas diferentes. Estou em crer que o discurso é uma coisa e o que o Orçamento traduz é outra coisa completamente diferente, que decorre da existência daquilo que reputo de «elefante branco», se calhar incontrolado.
Em resposta ao Sr. Deputado Joaquim Domingues, direi que, também, não sei se a nacionalidade foi introduzida ou não, porque uma coisa é o discurso, outra coisa é a avaliação dos resultados dessa nacionalidade.
Na verdade, aquilo que digo e mantenho é que, neste momento, ainda não temos uma avaliação correcta do funcionamento do nosso sistema, pelo que não estamos em condições de produzir afirmações desse tipo.
Se há uma evolução positiva, também aqui me inclino para uma avaliação das questões em termos da evolução dos resultados e não da dos meios, pois interessa pouco saber se a evolução dos meios foi positiva ou não, se isso não conduzir a parte alguma ou se não alterar minimamente aquilo que existe até hoje e que, como todos sabemos, não é bom.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Encontrando no recurso às generalidades intemporais um meio oportuno para evitar a abordagem das soluções concretas a praticar no próximo ano de 1987, e que deveriam ser expressas e definidas no Orçamento, o Governo enviou à Assembleia da República as Grandes Opções do Plano para 1987 a 1990.
E só a intervenção desta Assembleia, através da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, haveria de forçar o Governo a individualizar as Grandes Opções do Plano para 1987, através de um novo texto, que considerou «complemento» do anterior, e que, não obstante a apreciação separada de um e de outro, já aqui deliberadas, obriga, necessariamente, como já ficou demonstrado, nomeadamente na intervenção do Sr. Ministro do Plano, a que lhe façamos algumas referências.
Porém, desde já se deve dizer que as chamadas Grandes Opções do Plano são, na verdade, uma grande desilusão.
E não é só em função de razões formais que se recusa tal documento governamental, embora a sua pobreza formal, que roça a fronteira do ridículo, logo à partida o comprometa irremediavelmente.
Na realidade, o seu próprio conteúdo conduz à mesma conclusão.
Assim, no que respeita à < afirmação das estruturas do Estado Democrático» (Opção II), é transparente uma dupla preocupação: incutir a ideologia do Governo e defender a repressão, como formas interligadas de consolidar uma democracia meramente formal, sem as componentes económicas e sociais consagradas na Constituição. É, aliás, sintomático que neste capítulo não se encontre, como a natureza da matéria exigia, a referência à subordinação das linhas programadas, quanto à afirmação das estruturas do Estado Democrático, ao respeito pelos princípios constitucionais.
De resto, em matérias inseparáveis daquilo que o texto constitucional estabelece, como são as versadas até à p. 112, nem sequer se encontra uma única referência à Constituição da República.
Deste modo, a afirmação das estruturas do Estado Democrático consiste, para o Governo, na ideologização partidária da educação, na repressão, na alteração da Lei Eleitoral, na Opção Nato e na redução do sector público da Comunicação Social, com apoio na iniciativa privada (que não é, certamente, a dos pequenos jornais de província, mas a de potentados económicos).
Por outro lado, no que toca à III Opção, «Valorização do papel de Portugal no Mundo», pretende o Governo fazer crer que a posição geo-estratégica impõe objectivamente o alinhamento com os Estados Unidos e a Nato e procura relacionar-se o argumento da geo-estratégia com a valorização de Portugal.
Mas a geo-estratégia e a geo-política não são dados a prion. Têm um conteúdo relativo, não absoluto. Dependem da política dos estados (exemplos: Cuba, Nicarágua, Finlândia, Turquia); e a verdade é que a «posição geo-estratégia» de Portugal, tão obsessivamente referida à falta de argumentos melhores, tem sido utilizada pelas classes dirigentes para obter as protecções externas que lhe convêm e uma fácil justificação para opções políticas, económicas e sociais contrárias ao regime democrático saído do 25 de Abril e aos interesses do povo português.
Voz do PSD: - Muito mal!
O Orador: - É claro que poderíamos prosseguir a análise das Grandes Opções se para tal não existissem nem condicionamento de tempo, nem de oportunidade no debate específico; mas a ela voltaremos na altura própria.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Se as «Grandes Opções» são, na realidade, a grande desilusão, o Orçamento, pela sua parte, é a grande ilusão.
Tendo em vista o discurso encomiástico da sua apresentação pelo Sr. Ministro das Finanças e tendo ainda em atenção a repetida afirmação, em especial do Sr. Primeiro-Ministro, de que o Governo orienta a sua política pela preocupação com o bem-estar dos Portugueses e em especial com a situação das camadas mais desfavorecidas, importa apreciar o Orçamento em função de tais apregoados objectivos.
É isso que permite concluir que o Orçamento é a grande ilusão das necessidades reais da população, através duma política dirigida em favor das camadas mais favorecidas.
O Sr. João Corregedor da Fonseca (MDP/CDE): Muito bem!
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O Orador: - Começando pelo grave e extenso problema do desemprego no nosso país, verifica-se que no Orçamento há apenas uma medida de combate ao desemprego, que é a constante do artigo 17.º, n.º 4, e medida única, aliás, formulada em termos tão restritos e ambíguos que não chega a ser credível, pois limita-se às regiões «com especial incidência de desemprego», e apenas a estas, deixando ao Governo a definição de tais regiões.
Disse aqui o Governo, por intermédio do Sr. Ministro das Finanças, que o seu combate ao desemprego se efectua através da criação de postos de trabalho e de outras medidas que se reflectem no alargamento do mercado de trabalho. Mas, se assim é, como compreender então o que o Governo consignou no citado artigo 17.º?
Passando à segurança social, conclui-se que a percentagem do défice (correspondente aos regimes não contributivo e parcialmente contributivo e da acção social) coberta pela transferência de valores do Orçamento, que era de 35,1 % em 1986, passa a ser, em 1987, de 31,2%, o que significa uma descida percentual de 4,1 % .
Isto não obstante tratar-se de um sector que se reveste da maior importância para as camadas mais desfavorecidas, como é a segurança social.
Por outro lado, o Orçamento para 1987 agrava não só a carga fiscal, como a injustiça fiscal.
Agrava a carga fiscal, em termos reais, em mais 14,1 %, o que é até superior à subida de preços prevista pelo Governo, entre 8 % a 9 %, visto que as receitas, decorrentes dos impostos, passam de 772 milhões e oitocentos mil contos para 882 milhões de contos.
Agrava a injustiça fiscal porque os impostos indirectos, que são, sob o ponto de vista social, mais injustos, aumentam 16,9 %, enquanto os impostos directos aumentam 9,2 %, portanto, cerca de metade.
Aliás, neste valor dos impostos indirectos não está incluído o imposto sobre os produtos petrolíferos (gasolina, gasóleo, etc.), que rendeu, em 1986, 135 milhões de contos, mas que o Governo estima, em 1987, ascender a 150 milhões de contos, ou seja, mais 14 milhões de contos.
Acresce que, a comprovar o agravamento da injustiça fiscal, está ainda o facto de as receitas do imposto profissional e do imposto complementar (este considerado apenas em relação à parte relativa a rendimentos do trabalho) aumentarem 14,1 %, enquanto as receitas dos impostos directos que incidem sobre a propriedade e o capital, como a contribuição industrial, impostos de capital e outros, embora também aumentando, terem um aumento de menos de metade, ou seja, 6,6%.
Verifica-se ainda que o Orçamento, ao distribuir as verbas pelos diversos ministérios, atribuí aos Ministérios da Educação e Cultura, da Saúde, do Trabalho e Segurança Social e da Agricultura os menores aumentos percentuais, o que significa que são estes departamentos respeitantes a áreas essenciais os que são dotados pelo Governo de menores recursos. Áreas essenciais, dissemos, porque, convém relembrá-lo, quer a saúde, quer a segurança social, são direitos constitucionais dos Portugueses.
Finalmente, importa referir o que respeita à política do Governo quanto às empresas públicas.
Em primeiro lugar, deve recordar-se que a Constituição, além de consagrar o «desenvolvimento da propriedade social», alínea e) do artigo 80.º, estabelece ainda que incumbe prioritariamente ao Estado «zelar pela eficiência do sector público», alínea c) do artigo 81.º
À revelia da Constituição, e invocando avultados financiamentos que teria de fazer, tem vindo o Governo a prosseguir uma política de estrangulamento das empresas públicas. Ora, o que o Orçamento evidencia é a falta de verdade de tais afirmações, quer quanto àquilo que o Governo vai buscar às empresas públicas, quer quanto àquilo com que para elas contribui.
Assim, as transferências operadas pelo Governo das empresas públicas, que foram, em 1986, de 31,7 milhões de contos, passam, em 1987, para 48 milhões de contos, ou seja, aumentam 16 milhões e trezentos mil contos.
Por outro lado, as verbas de financiamento das mesmas empresas públicas, que totalizaram 107 milhões de contos em 1986, são, em 1987, reduzidas para 52 milhões de contos, ou seja, menos de metade!
Significa isto que o Governo tem uma estranha forma de zelar pela eficiência das empresas públicas; aumenta o que lhes vai buscar e diminui o que lhes dá! E ainda por cima se queixa!
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Há um ponto em que estamos de acordo com o Governo: as Grandes Opções do Plano e o Orçamento espelham a política do Governo, a política real do Governo, que em vez de contemplar as carências e os dramas da população, especialmente das camadas mais desfavorecidas, como o Governo repetidamente tem afirmado, traduz uma orientação de sinal contrário, em benefício das camadas mais favorecidas.
Por isso, o MDP/CDE aqui deixou expresso um ponto de vista crítico e divergente em relação às propostas de lei das Grandes Opções do Plano e do Orçamento Geral do Estado.
Aplausos do MDP/CDE, do PCP e de alguns deputados do PS.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Alípio Dias.
O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr. Deputado Raul Castro, quero colocar-lhe duas ou três questões relacionadas com a sua intervenção.
Citando as receitas constantes do Orçamento para 1987 e procedendo ao seu confronto com as de 1986, V. Ex. º fala no agravamento da carga fiscal.
Quando procedeu a esse confronto teve o cuidado de se certificar se o conjunto de receitas fiscais que estava a considerar para 1987 era idêntico ao que estava a considerar em 1986? Concretizando melhor: teve presente, por exemplo, que em 1986 o IVA não foi arrecadado durante doze meses mas apenas durante dez meses? Teve em atenção que o Orçamento do Estado de 1986 não continha o imposto sobre produtos petrolíferos?
Uma outra questão tem a ver com o agravamento e os malefícios dos impostos indirectos.
Como sabe, esta é uma questão muito discutida, mas hoje, numa filosofia um pouco mais liberal, aceita-se que deixar rendimento disponível na mão dos cidadãos não será tão mau como isso. Depois, cada cidadão será tributado ou não, em função da utilização que fizer desse rendimento. Este é, realmente, um ponto sobre o qual gostaria que o Sr. Deputado reflectisse.
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Finalmente, voltou a referir-se à problemática das empresas públicas que, de resto, tem sido citada noutras intervenções, colocando-se o acento tónico no facto de o Governo ir buscar mais às empresas públicas do que aquilo que nelas investe.
Todavia, gostaria que reflectisse no facto de que as empresas públicas existem, o meu partido não se lhes opõe dentro dos limites considerados razoáveis, mas que têm de ser encarados como instrumento de criação de riqueza.
As empresas públicas devem constituir um instrumento ao qual é possível os Governos lançarem mão para melhorar o nível de vida dos Portugueses e não para o agravar. Portanto, é razoável que as empresas públicas criem receitas para o Orçamento do Estado. É para isso que existem os rendimentos da propriedade.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (MDP/CDE): - Sr. Deputado Alípio Dias, quanto à primeira questão que me colocou, dir-lhe-ei que o Sr. Deputado parte do pressuposto de que o IVA é um benefício extraordinário para a população. Quer dizer, não foi contabilizado, mas também não o poderia ter sido, pois não existia. O que existia era, sim, o imposto de transacções. Agora, se foi criado um imposto que representa um encargo muito maior para a população, é evidente que há um agravamento da carga fiscal.
O IVA não é nenhum sonho cor-de-rosa.
O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Orador: - Faça o favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alípio Dias (PS D): - Sr. Deputado, referi-me ao confronto entre as receitas previstas para 1987 e as de 1986 e neste último ano já existia o IVA.
O Orador: - Sim, já existia, mas não foi considerado durante todo o ano, sob pena de a sua questão não ter sentido.
Com efeito, o IVA só assim vai ser considerado, pela primeira vez, este ano.
Portanto, V. Ex. e argumenta como facto de ser a introdução do IVA para todo o ano de 1987 que explica o agravamento do défice. Parece-me ser esta a objecção colocada pelo Sr. Deputado, porque se não é esta a objecção não sei qual será.
Em relação às empresas públicas, o Sr. Deputado diz que elas têm de ser um instrumento de riqueza. Mas isso, Sr. Deputado, resulta da minha intervenção. De outra forma, como é possível o Governo ir buscar milhões de contos às empresas públicas, e porque o faz, se elas não são instrumento de riqueza?
Por outro lado, o que é extraordinário é que, mesmo sendo um instrumento de riqueza, o Governo queira acabar com as empresas públicas, como é o caso do Jornal de Noticias cuja parte do capital de que dispunha, apesar de ser um instrumento de riqueza produtivo, o Governo queria entregar ao capital privado.
O Sr. Alípio Dias (PS D): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa de novo?
O Orador: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Alípio Dias (PSD): - Sr. Deputado Raul Castro, quando o Governo se propõe investir cerca de 240 milhões de contos em empresas públicas, será legítimo concluir que deseja acabar com elas ou que, pelo contrário, quer colocar os seus respectivos aparelhos produtivos em melhores condições para funcionar?
O Orador: - Sr. Deputado Alípio Dias, o que constitui indicação da política do Governo é a simples comparação dos dados do Orçamento para 1987 com os do Orçamento anterior. Se o Governo vai buscar às empresas públicas mais do que lhes dá, com certeza que não é para lhes dar boa saúde.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: O Grupo Parlamentar do PCP entendeu trazer a debate a Plenário, nesta fase, as questões da justiça.
Creio que é a primeira vez que isto sucede num debate orçamental. Em todo o caso, creio que isso é exigido pelo agravamento da situação do sector, o que está bem espelhado no extensíssimo relatório que a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias elaborou e que trouxe a público, creio que também pela primeira vez, elementos fulcrais sobre a questão das finanças da justiça e algumas conclusões e alertas que vale a pena sublinhar.
Em primeiro lugar, creio que é visível que continua por travar a degradação galopante do sistema de justiça: todos se queixam e quase tudo é razão de queixa com razão.
Continua a haver tribunais que estão por criar, tribunais criados mas por instalar, juízos criados mas no papel, tribunais onde chove e onde o arquivo é na casa de banho; magistrados apertados entre toneladas de papéis; peias burocráticas datadas por leis dos anos 30; durações de processos que podem acarretar ao Estado Português a condenação pelo Tribunal de Estrasburgo, o que não tem acontecido só por acaso. Resolvem-se à margem dos tribunais, em lei da verdadeira selva, designadamente no domínio laborai, conflitos sociais gravíssimos. Nas prisões é o inferno substancial que, em certos aspectos, é uma vergonha para todos. A justiça administrativa está bloqueada, o que torna impunes muitas ilegalidades da Administração Pública e do próprio Governo (para já não falar do escandaloso incumprimento típico dos acórdãos do Supremo Tribunal da Justiça, que o Governo continua a manter). Impunemente (ou quase) prosperam - como é do conhecimento público e não pode ser ignorado - redes de contrabando, de droga, de tráfico ilícito de capitais, etc. Tudo visto, o acesso à justiça e à segurança em Portugal é uma ficção para um crescente número de portugueses.
Neste quadro, Srs. Deputados, continua a não haver uma estratégia de resposta à crise da justiça. Comprovam as indigentíssimas Grandes Opções do Plano, que, no tocante ao médio prazo, são uma caricatura e no tocante a 1987 são puramente omissas (não há nenhuma directriz, nenhuma indicação de política), o que é absolutamente lamentável, mas traduz o despenteamento que, nesta matéria, vai na cabeça do Governo.
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Em terceiro lugar, sublinhe-se que o Governo mistifica os dados sobre as finanças da justiça.
Face à crise, o Governo gaba-se até lançando o foguete de que a verba deste ano é «colossal», «a maior de sempre», «nunca tal se tinha visto». «São 3500 contos para o PIDDAC, batam palmas, por favor», disse-nos o Governo. Infelizmente, não é assim!
O relatório da 1.8 Comissão revela que acabou a «era dos cofres gordos». Só nos últimos anos, de 1981 a 1986, face à míngua das verbas do Orçamento do Estado, os Governos puderam dispor, para além dos 33 milhões de contos debitados pelo Orçamento, de uma verba de 89 milhões de contos para as finalidades da justiça. Assim sendo, não foram gastos só os 33 milhões de contos de que usualmente se fala, mas 33 milhões de contos, e só isso explica que não tenha havido o colapso absoluto do sistema. O discurso miserabilista do Sr. Ministro da Justiça escamoteia sistematicamente estes aspectos.
Em 1980, os cofres tiveram um saldo de gerência de 2 500 000 contos. Em 31 de Dezembro de 1985 o saldo era de 334 000 contos. Acabou, pois, definitivamente a época em que os cofres - geridos sem transparência e como uma espécie de dotação provisional donde se tiravam e punham coisas, ás vezes pendurando no prego as facturas e pagando sem vinculação a projectos - serviam para tudo, incluindo, naturalmente, para financiar certas viagens, para ocorrer a certas despesas sem cabimento algum, numa situação de absoluta ilegalidade que, de resto, já originou a demissão do director-geral respectivo.
Este ano as receitas dos cofres cresceram a 2 % ou 3 % e as despesas cresceram ao ritmo de 21 %. Isto diz tudo sobre a situação actual.
Mais: o Ministério da Justiça, que tinha previsto um PIDDAC para 1986 de 2 500 000 contos, este ano não está em condições de executar uma verba de 2 milhões de contos desse PIDDAC, o que quer dizer, Srs. Deputados do partido do Governo, que quando se ufanam de ter 3,5 milhões de contos para 1987, o que têm é um PIDDAC em atraso. O PIDDAC do Ministério da Justiça não é exemplarmente abundante: é o exemplo de uma realidade orçamental que não está na proporção das necessidades do País. E o seu volume significa que só um ano depois vamos fazer aquilo que deveríamos ter feito este ano.
Por outro lado, segundo o cálculo dos serviços, já excluindo as segundas e terceiras prioridades e para só cobrir as primeiras prioridades, seriam necessários 5 milhões de contos, e não 3,5 milhões de contos.
A restrição foi drástica no cálculo que foi feito. O Governo cortou numerosos projectos; por exemplo, cerca de dezanove projectos previstos em 1986 para a construção de palácios de justiça e para reparações e remodelações urgentes nos tribunais que não serão feitas.
Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Isto quer dizer que as viagens do Sr. Ministro da Justiça a anunciar novos tribunais - como ainda agora sucedeu em relação a Braga - são verdadeiramente uma démarche propagandística sem o mínimo fundamento e lamentáveis face às verbas reais de que o Governo dispõe.
Por outro lado ainda, haverá que acentuar que verbas como a da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais continuam subdotadas. Em 1986, esta Direcção-Geral foi dotada com verbas 30 % inferiores às despendidas em 1985, o que é toda uma revelação do que é para o Governo um orçamento de verdade, completamente viciado quanto às inscrições.
Este ano, calcula-se que as verbas para manutenção e funcionamento estão tão subdotadas que se esgotariam antes do 4. º trimestre de 1987, se fossem mantidas no montante previsto.
A própria Polícia Judiciária, que teve um acréscimo de verbas, tem verbas para funcionamento inferiores ao valor nominal das do ano em curso, isto é, tem verbas para pagar ao pessoal, mas não tem verbas para funcionar. preciso tomar bem nota do que isto significa quando o Governo se gaba dos reforços de que se gaba.
Por outro lado, o Instituto de Reinserção Social viu cortada em 54 000 contos a exígua verba de que dispõe. O Gabinete de Planeamento do Combate à Droga tem 240 000 contos para a prossecução das suas finalidades. É verdadeiramente « David contra Golias»! Como é evidente, vence a droga, com grave prejuízo para o País.
Permitam-me que sublinhe ainda que o Governo ainda não explicou como é que vão ser os aumentos dos magistrados. A Procuradoria-Geral da República foi consultada sobre, por exemplo, a forma como os magistrados vão ser tributados. Neste momento esse sistema ainda não está estudado, o que quer dizer que eles correm o gravíssimo risco de uma diminuição substancial de rendimentos face á complexidade das operações necessárias. Em todo o caso, o Governo nada diz sobre esta matéria, apesar de interrogado.
Tudo o que expus tem consequências graves, de entre as quais sumarizo as seguintes: primeiro, não estão criadas condições para a entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, anunciada pelo Governo para Março, ou, então, o Código entraria em vigor sem condições, o que acarretava o risco gravíssimo de policialização da instrução. Creio que é preciso tomar consciência do que isto implica em termos políticos e de responsabilidade política!
irresponsável a atitude propagandística que o Governo adopta; segundo, o Código Penal continuará por aplicar na sua vertente humanizadora; terceiro, será mais uma vez adiada a reorganização jurídica: e é pura propaganda, destituída de qualquer alcance, a afirmação governamental de que vem aí a nova organização judiciária, pois não há tostão inscrito na proporção necessária para garantir esse desiderato; quarto, muito gravemente, a humanização das prisões e a reinserção social continuarão a ser uma larga ficção.
Digo isto e não posso deixar de sentir que são conclusões algo arrepiantes porque querem dizer mais injustiça, mais sofrimento para milhões de portugueses, especialmente para aqueles que já são vítimas das maiores injustiças.
É nosso entendimento, por isso insistimos em trazer esta questão aqui hoje, que é preciso fazer convergir esforços para inverter a situação existente no sector da justiça.
O relatório da 1.ª Comissão refere a necessidade de um plano de modernização da justiça. Pela nossa parte, estamos de acordo. Faça-se esse plano com ampla participação, rigor e verbas. Apele-se também à solidariedade social!
Em nosso entendimento, a Assembleia da República deveria organizar um amplo debate nos termos regimentais, não no quadro de uma interpelação, mas no
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de um debate de uma outra natureza, em que, desapaixonadamente, com rigor e com dados, todas as bancadas pudessem debruçar-se sobre as diversas vertentes da crise da justiça.
A Assembleia deveria organizar esse debate e o Governo deveria participar nesse esforço, contribuindo para ele.
Mas isso não bastará. Em nosso entendimento, ë preciso adoptar medidas de emergência que, por exemplo, evitem a situação gravíssima que, neste momento, existe nos tribunais criminais de Lisboa - e muitos dos Srs. Deputados conhecem-na -, que se estão a afundar a uma média de 600 querelas por ano. É uma situação verdadeiramente vergonhosa e insustentável. É o caso dos tribunais do Algarve, que têm dezenas de processos pendentes que vão prescrever, o que significa milhares de vítimas abandonadas, milhares de criminosos á solta, uma situação de estrutural injustiça.
Por outro lado, alertamos para a situação de insatisfação das carências dos tribunais das regiões autónomas. A sua não resolução pode, além do mais, originar indébitas reclamações de «regionalização da justiça» e põe em risco a soberania nacional naquela parte do território nacional.
Finalmente, uma palavra em relação à situação sanitária das prisões, que é clamorosa. Não compreendo como é que se detectam, por exemplo, casos de SIDA num estabelecimento prisional de Lisboa e o Governo não anuncia uma única medida nessa esfera. Quanto à Prisão-Hospital de Caxias, é a lástima que é conhecida.
Visitámos prisões e a situação sanitária é inaceitável. O Governo não toma medidas, a nenhum nível, para enfrentar este quadro alarmante.
Simultaneamente, são mantidos abertos verdadeiros pardieiros que deveriam ser encerrados. Por isso, a minha última palavra é para o Estabelecimento Prisional de Monsanto.
A 1.ª Comissão, por unanimidade, pronunciou-se no sentido do encerramento deste estabelecimento prisional até ao final do 1.º trimestre de 1987.
Creio ser uma importante decisão e creio, também, que é muito importante que ela tivesse sido tomada por unanimidade.
Visitámos o Estabelecimento Prisional de Monsanto: numa tarde do mês de Outubro entrámos nos verdadeiros curros onde os presos estão alojados, aos magotes de 70 e 80 jovens, alguns deles muito jovens, nos mais diversos estados, com enxergas empilhadas ou directamente em cima do chão, em situações de verdadeira indignidade humana. Todos os deputados que participaram nessa delegação saíram de lá com esta ideia firme: «Isto tem de ser encerrado.»
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pode perguntar-se por que se tardou tanto, uma vez que já em 1966 fora recomendado o encerramento desta prisão. Este há-de ser, no entanto, o momento de encerrar aquilo que é uma verdadeira vergonha nacional.
É esse o voto que fazemos e também o de que outras questões igualmente graves possam encontrar uma resposta necessária e adequada.
É por essa resposta que o Grupo Parlamentar do PCP continuará a bater-se!
Aplausos do PCP e do MDP/CDE.
O Sr. Presidente: - Para formular um pedido de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Licínio Moreira.
O Sr. Licínio Moreira (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, ouvi em atenção a sua intervenção, e, concordando com muitas das coisas que referiu e que foram acentuadas no relatório, só lhe queria fazer duas pequenas perguntas.
A primeira delas, é de que o Sr. Deputado não referiu aqui as intervenções de entidades que a 1. a Comissão ouviu sobre o Orçamento, na parte que se refere à justiça, e que acentuaram que efectivamente se vem fazendo um esforço, quer no ano de 1986, quer sobretudo para 1987, por parte do Ministério da Justiça, tendo' em conta a resolução de muitos problemas que afectam este sector da Administração Pública.
Por outro lado, a outra pergunta que lhe queria fazer era que me dissesse se efectivamente esta situação da justiça em Portugal, que o senhor descreveu com grandes pinceladas, é só de agora ou se já é de há muitos mais anos, e se na verdade se pode resolver de um momento para o outro ou se demora tempo a sua resolução.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sobre os resultados terei que ser rapidíssimo.
Em relação às declarações e prognósticos de entidades que a Comissão de Assuntos Constitucionais ouviu, há actas, e essas actas traduzirão a profunda preocupação que essas entidades exprimiram, por exemplo, em relação a questões como a entrada em vigor do Código de Processo Penal!
Dúvidas muito sérias e preocupações muito grandes! A resposta a isso está contida no Orçamento. Não há verbas, nem há medidas, designadamente para o quadro próprio do Ministério Público e para dotações e articulações para os juízes de instrução criminal. Não há verbas! E isto não carece de mais discussão, Sr. Deputado Licínio Moreira. Infelizmente! Antes fosse o contrário.
Por outro lado, sobre a construção de tribunais e remodelações. Há 733 000 contos! Ora, isto dá para pequenas coisas. É um orçamento de socorro! Não é nada, não dá para pagar um palácio de justiça! Um que seja! Isto traduz a dimensão do vosso Orçamento!
Em relação à evolução da crise da justiça, o Sr. Deputado pertence a um partido que está no Governo há tantos e tantos anos, pelo que me dispenso de responder a uma pergunta que o Sr. Deputado conhece desde pequenino.
Vozes do PCP: - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território.
O Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território (Valente de Oliveira): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Porque tenho funções executivas em sectores em que se investem meios avultados e me incumbe a coordenação do que se gasta em alguns outros, volto aqui, de novo, para dar explicações complementares às que tive ocasião de prestar, juntamente com os Secretários de Estado que comigo trabalham nas Comissões Parlamentares em que estive.
Não vou retomar as questões abordadas nas Comissões Parlamentares, mas esboçar uma panorâmica
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geral, arrumando as informações em quatro partes correspondentes às funções que estão atribuídas a cada uma das Secretarias de Estado que integram o Ministério.
Planeamento e do desenvolvimento regional
PIDDAC - Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central cresceu em 1986, relativamente a 1985, a uma taxa real de cerca de 40%. Convém dizer que se partia de uma base baixíssima, com taxas de crescimento reais negativos ao longo de vários anos.
Em 1987 continuar-se-á a crescer, muito embora a uma taxa mais moderada - cerca de 4,3 % em termos reais, relativamente ao valor previsto para 1986.
Em 1986, como sabem, a prioridade em termos de investimento público foi atribuída à educação, à construção de estradas e ao aproveitamento dos recursos hídricos. Durante 1987 estes sectores, no que toca a despesas, vão entrar em patamar, o que não significa afrouxamento no grande impulso verificado em 1986, mas a manutenção dos mesmos níveis de investimento. Dar-se-á, em 1987, uma importância significativa à agricultura, sector que vê o montante para investimento crescer, em termos reais, na ordem dos 76 % .
O elevado grau de dependência do País em termos alimentares e a possibilidade de utilizar montantes significativos de verbas postas à nossa disposição pela Comunidade Europeia são razões suficientes para a tomada 'dessa opção.
Relativamente aos outros sectores, não há variações significativas, exceptuando-se o esforço especial no que se refere ao Ministério da Justiça e, por outro lado, a que respeita à investigação científica.
Analisando a estrutura do PIDDAC por sectores, verifica-se que é, ainda, no sector das vias de transporte e nas comunicações que se concentra a maior fatia dos recursos disponíveis para investimento cerca de 22%. Significa isto que o arranque dado em 1986 seguramente se projectará em 1987 e nos anos seguintes, na certeza de que, no fim da década, a situação em termos de acessibilidade em Portugal se fará de forma completamente diferente da de hoje. Há, assim, e terá que haver seguramente nos próximos anos, uma acção de alguma continuidade. Não é no lapso de tempo de um ano que se podem inverter tendências tão gravosas como aquelas que vinham dos anos antecedentes.
Em resumo: continuaremos a privilegiar a educação, a acessibilidade e o aproveitamento dos recursos hídricos, como em 1986, e concentraremos novos esforços, em 1987, na agricultura e na investigação científica, a par da manutenção do ritmo iniciado nos três primeiros sectores em 1986.
Programas integrados de desenvolvimento regional
A figura do Plano Integrado de Desenvolvimento Regional encerra em si virtualidades que vale a pena desenvolver. Trata-se, em resumo, de uma figura institucional que permite gerar efeitos convergentes de vários agentes em torno dos objectivos de desenvolvimento enunciados para uma determinada parcela do território. Desses agentes atribui-se especial importância às autarquias locais, pelo que a montagem de um PIDR é exigente no que se refere aos esforços de coordenação e de compatibilização dos vários intervenientes. Contudo, continuamos a insistir em que o processo de decisão por negocia ao e por consenso é o que mais virtualidades encerra. , por isso, que um PIDR, para corresponder à finalidade para que foi criado, exige um grande investimento em tempo de preparação. Um PIDR não pode ser uma mera listagem de projectos de construção de infra-estruturas, nem um pretexto para canalizar verbas para determinada região. Na sua base terá que haver um conjunto de objectivos bem definidos para a área em causa, uma estratégia clara para lá chegar e, especialmente, um empenhamento de todos os intervenientes no processo.
FEDER
Temia-se que Portugal não fosse capaz de apresentar projectos em qualidade e quantidade susceptíveis de aproveitar as disponibilidades financeiras do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.
Já a meio do ano a prova contrária estava feita. Nessa altura tínhamos atingido o limiar da quota de compromissos disponível para Portugal - cerca de 45,2 milhões de contos, assim distribuídos: 15,4 milhões, de projectos da responsabilidade da administração central; 16,5 milhões, das empresas públicas; 4 milhões, das regiões autónomas, e 9,2 milhões, da administração local.
No que respeita a pagamentos já efectuados e relativamente aos projectos aprovados, deram entrada nos cofres do Tesouro cerca de 22 milhões de contos.
O ano ainda não acabou e seguramente que os valores referidos irão ser ainda significativamente aumentados.
Para 1987 posso garantir que estão já seleccionados projectos mais do que suficientes para garantir idênticos níveis de aproveitamento dos meios postos à nossa disposição.
Administração local e ordenamento do território
Prevê o Orçamento de Estado para 1987 um substancial reforço dos meios postos à disposição das autarquias locais.
Antecipando-se à publicação da Lei das Finanças Locais (e faço notar que no momento da apresentação da proposta de Orçamento aquela não havia merecido sequer votação final e global), o Governo estipulou o correspondente aumento do Fundo de Equilíbrio Financeiro, procedeu à sua distribuição utilizando os novos critérios e incluiu a sisa no elenco dos impostos municipais.
É, assim, possível ao Governo propor à Assembleia da República o maior aumento real do Fundo de Equilíbrio Financeiro jamais proposto por um Governo (+5,3%) e acrescentar-lhe ainda a sisa como imposto municipal (+8,7 milhões de contos).
Trata-se de um reforço de capacidade de intervenção sem precedentes que o Governo acolheu, sabendo que os autarcas portugueses diligenciarão com vista à melhor utilização dos dinheiros públicos.
A este propósito, a administração local começa a recuperar das sucessivas quebras do valor real das transferências orçamentais que sofreu na primeira metade da década, encontrando-se agora em condições de responder, de forma mais efectiva, às suas grandes responsabilidades.
O desafio do desenvolvimento não pode, com efeito, ser apenas responsabilidade da administração central.
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Cada vez mais, a conjugação de esforços tem de ser um objectivo a perseguir incessantemente com respeito pelas competências que temos no âmbito da esfera de acção de cada um.
Não se trata, aliás, de uma esperança vã. Por todo o País nos é manifestada a preocupação dos autarcas pelo desenvolvimento, bem como a sua vontade de se associarem para, conjuntamente com a administração central, melhorarem as condições de vida dos Portugueses.
Nas reuniões das Comissões Parlamentares tive também ocasião de me referir às propostas do Governo em matéria de construção de sedes de juntas de freguesia, bem como aos apoios que pretendemos concretizar no que se refere à reabilitação urbana e aos bombeiros municipais, pelo que não desenvolverei aqui tais questões.
Mas, no que respeita ao poder local, o que se pode fazer não é necessariamente directamente proporcional aos recursos financeiros disponíveis. Há que dar a devida atenção às melhorias de organização e de gestão, à formação profissional, ao correcto estabelecimento das carreiras de pessoal, à introdução de novas tecnologias. O Governo, naquilo que é da sua competência, está atento e prestará o apoio que lhe for solicitado.
Na área do ordenamento do território procedemos já à completa reestruturação dos serviços, fundindo três direcções-gerais que se ocupavam de ordenamento do território em três secretarias de Estado diferentes e procedemos a uma adequada desconcentração.
Mas a tarefa de maior fôlego respeita ao ordenamento do território a escala supramunicipal.
Sem ambições desmedidas, com um grande esforço de coordenação intersectorial, há que definir as grandes linhas das actividades no País, há que erigir o ordenamento do território como uma das bases de desenvolvimento do País.
O elevadíssimo volume de compromissos herdados e que decidimos honrar em matéria de comparticipações de equipamento regional e urbano não deverá permitir o lançamento, em 1987, de novas obras.
Aproveitar-se-á este tempo para prosseguir os trabalhos em curso respeitantes à afinação de metodologias e de critérios para a decisão. Sobretudo, importa utilizar este poderoso instrumento para estruturar a rede urbana, como é a sua verdadeira vocação.
Ambiente e recursos naturais
O modelo de desenvolvimento económico e social do País tem de atender à valorização e gestão eficaz dos recursos endógenos.
O próprio desenvolvimento regional e o processo de ordenamento do território têm de assentar na correcta avaliação e gestão dos recursos naturais e, em especial, dos recursos hídricos, não sendo possível pensar em desenvolvimento global do País se estes pressupostos falharem.
Neste sentido, a água pode ser considerada, em larga medida, um recurso estruturante com forte incidência em todas as actividades económicas. Qualquer projecto de desenvolvimento económico e social tem de ter em conta a análise das condições de natureza física e económica em que esse recurso pode ser tornado disponível. Por outro lado, as exigências prementes do próprio desenvolvimento colocam desafios à nossa capacidade técnica, de forma que se torne possível tornar disponíveis os recursos hídricos que sustentem esse desenvolvimento.
O planeamento e a gestão dos recursos hídricos têm de ser encarados dos diversos pontos de vista sectoriais e, concomitantemente, de um posto de vista intersectorial.
O Governo atribui grande importância à urgente racionalização da administração dos recursos hídricos em Portugal. Nesse sentido, em 1987, apresentar-se-ão documentos e propostas de legislação visando o seguinte:
a) Criação de instituições regionais para a gestão dos recursos hídricos, designadas por administrações de região hidrográfica. Criação de um organismo central capaz de realizar a síntese, a coordenação e a definição de orientações estratégicas a nível nacional;
b) Desenvolvimento e implementação de uma filosofia de participação dos utilizadores na gestão dos aproveitamentos hidráulicos de que são beneficiários;
c) Introdução do princípio do poluidor-pagador, como forma de internalizar deseconomias associadas à degradação da qualidade dos meios hídricos e de gerar receitas que possam ser aplicadas na sua recuperação;
d) Introdução do princípio da amortização por parte dos beneficiários, em condições a definir, dos investimentos realizados para um melhor aproveitamento dos recursos hídricos;
e) Consideração dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos como um recurso único que deve ser gerido de forma global e tendo em conta a natureza do ciclo hidrológico, designadamente a propagação para jusante do efeito das acções desencadeadas a montante. Articulação da gestão dos recursos hídricos com a gestão de outros recursos naturais com eles relacionados; nomeadamente, o solo e a floresta merecem também a nossa preocupação.
Não me alongo nesta matéria por ter sido fornecido aos Srs. Deputados da Comissão Parlamentar do Equipamento Social e Ambiente um relatório pormenorizado sobre o sector.
Uma palavra, ainda, neste domínio, para o grande esforço que está a ser feito no domínio da conservação da natureza, com a recuperação dos dezoito parques e reservas naturais e no lançamento de programas de despoluição em alguns dos cursos de água mais poluídos.
Assim, no primeiro domínio, 1987 será o ano da concretização das acções iniciadas na serra da Arrábida, na serra da Estrela, na costa Vicentina, na ria Formosa e no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Os montantes previstos para o investimento nessas áreas representam um acréscimo de 100 % em relação a 1986.
No âmbito da despoluição não posso deixar de referir os programas, já em curso, nos rios Ave e Alviela e o início das acções do Nabão, no Sizandro e na ria de Aveiro.
Investigação científica
No sector da ciência e tecnologia, o que se pede ao Ministério do Plano e da Administração do Território não é que se substitua aos restantes ministérios e a entidades privadas, mas que desempenhe um papel de planeamento, de coordenação e de dinamização do sistema.
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Observando o quadro que apresentam os orçamentos dos organismos e serviços de investigação mais importantes, torna-se clara a política do Governo, que é a de concentrar no Ministério do Plano, através do reforço do PIDDAC da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica meios financeiros susceptíveis de garantir tal dinamização.
O Governo não hesitou, pois, em aumentar o PIDDAC da JNICT em 830 % em 1986 e em propor um aumento de 150 % para 1987.
A concentração do aumento das verbas num único organismo concebido para o efeito, bem como a sua estruturação para o tornar apto a administrar essas verbas, nomeadamente financiando, avaliando e acompanhando, mas não executando, actividades de investigação e desenvolvimento, modificou qualitativamente a situação.
Tornou-se possível:
1) Corrigir distorções de carácter sectorial e regional, já que a essas verbas podem candidatar-se elementos de todos os sectores e regiões;
2) Seleccionar os mais capazes, mediante processos de avaliação mais transparentes que quaisquer outros anteriormente praticados em Portugal, incluindo a apresentação pública dos projectos e a discussão com as entidades encarregadas de os avaliar;
3) Estimular a pluridisciplinaridade, a cooperação dentro do País, o intercâmbio de ideias, a avaliação ex post, transformando a JNICT numa verdadeira
clearing-house para onde convergem meios provenientes de várias fontes (o Orçamento Geral do Estado não é a única), bem como a oferta e a própria procura científica e tecnológica;
4) Internacionalizar o sistema, fazendo participar nas equipas de avaliação eminentes especialistas estrangeiros.
Dos cerca de 2 400 000 contos propostos para o PIDDAC da JNICT, 1 590 000 contos são destinados ao um programa mobilizador de ciência e tecnologia.
Esse programa, ainda em elaboração, virá de facto a compor-se de quatro subprogramas:
No primeiro, que poderá representar cerca de 70 % do total, serão contempladas quatro áreas consideradas como basilares para o desenvolvimento do País: a biotecnologia (com aplicações tanto no domínio das ciências e tecnologias agrárias como no da saúde), a da microelectrónica (incluindo os computadores, a robótica, as telecomunicações), a dos materiais (desde as matérias-primas aos materiais avançados) e a das ciências e tecnologias marinhas.
Os restantes três subprogramas dirão respeito aos programas especiais em domínios avançados, ao reforço das ciências básicas e ao suporte do desenvolvimento e à valorização económica dos resultados da investigação.
O programa mobilizador contemplará, assim, todo o corredor que vai da investigação fundamental ao desenvolvimento experimental e à demonstração.
Tudo isto permitirá e exigirá, evidentemente, um crescimento do Sistema Nacional da Ciência e Tecnologia, que é, como se sabe, em termos europeus, ainda reduzido.
Temos dito que, para esse crescimento, o Governo aposta, sobretudo, na estratégia das associações das universidades com empresas e na investigação empresarial.
Com base nestes fundamentos, e na definição clara, no Orçamento de Estado, das verbas destinadas à ciência e tecnologia, subentendida nos projectos de lei quadro da ciência e tecnologia já aprovados na generalidade pela Assembleia da República, tornar-se-á finalmente possível, a partir do próximo ano, e de acordo com esses mesmos projectos, o aumento gradual, mas tenaz, da percentagem do PIB afecta a investigação e desenvolvimento, de modo a atingir os padrões que desejamos.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não repeti os valores que constam dos documentos que estão na posse de VV. Ex.", nem insisti nas explicações que já tinham sido dadas nas comissões. O meu objectivo hoje foi, somente, o de proporcionar um quadro geral do que está a ser feito nas quatro secretarias de Estado por que sou responsável, mostrando a convergência da sua acção para o esforço de desenvolvimento do País.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para formularem pedidos de esclarecimento, estão inscritos os Srs. Deputados Andrade Pereira, Neiva Correia, Carlos Carvalhas e Borges de Carvalho.
Tem então a palavra o Sr. Deputado Andrade Pereira.
O Sr. Andrade ]Pereira (CDS): - Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território, já ontem V. Ex.ª tinha anunciado que falaria hoje sobre regionalização, e entendi «regionalização» como uma forma de repartir o País em autarquias supramunicipais. No entanto, depois de ouvir V. Ex.e parece-me que, ao contrário do que era a minha expectativa face ao anúncio de ontem, pouco foi dito pelo Sr. Ministro.
É certo que num plano a médio prazo também não se diz muito sobre regionalização, o que, porventura, poderá estar de acordo com uma tomada de posição - que, através da comunicação social, soube ter sido feita pelo Sr. Ministro de Estado Eurico de Melo, creio que no Algarve -, no sentido de que no processo de regionalização se devia andar de forma cautelosa, fazendo, eventualmente e em primeiro lugar, uma desconcentração coordenada de serviços, sendo que só depois disso se deveria avançar na regionalização posição que, ao menos em princípio, não reprovamos, podendo até, de algum modo, merecer a nossa adesão.
Com efeito, terá sido por influência do processo fracos de regionalização, sendo que será até, de algum modo, nesse sentido que aponta a Constituição, quando manda que a área das regiões administrativas coincida com as regiões Plano.
Só que, Sr. Ministro - e esta é a questão -, em França começaram por nomear-se os prefeitos da região, sendo que só depois disso se elegeram os órgãos dessa mesma região. Isto porque definiram, em primeiro lugar, as regiões Plano, o que é uma obrigação também imposta pela nossa Constituição, no seu artigo 95. º
Assim, o que estou a constatar é que, realmente, o que creio que este Governo está a fazer é transformar as comissões de coordenação regional (CCRs) em regiões Plano, o que poderá, porventura, ser uma forma encapotada de, amanhã, termos definidas as regiões Plano sem quase nos darmos conta.
Entendo que, pela importância que tem, este é um processo que deve ser conduzido com toda a transpa
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rência. Por isso, pedia a V. Ex.a, Sr. Ministro, que nos esclarecesse se, efectivamente, é objectivo deste Governo fazer com que as regiões administrativas a ser criadas com a área das actuais CCRs ou se, por exemplo, os miniministérios que acabaram recentemente de ser criados nas CCRs são alguma coisa que, não obstante absorver serviços periféricos até aqui sediados no distrito, aconteceu por mero acaso e não é um passo para tornar as áreas das CCRs nas áreas das regiões administrativas, na perspectiva do Governo.
É esta, Sr. Ministro, a questão concreta que me parece importante clarificar, a fim de que todos saibamos aquilo que temos no domínio da regionalização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Neiva Correia.
O Sr. Neiva Correia (CDS): - Sr. Ministro, perdoar-me-á que lhe ponha uma questão que teria preferido colocar ao Sr. Ministro da Agricultura, se ele, segundo julgo, não estiver a defender os nossos interesses em Bruxelas.
O Sr. Eduardo Pereira (PS): - Os vossos!
O Orador: - Os nossos! ...
Trata-se daquilo que enunciou como uma das prioridades - e por essa razão lhe coloco esta questão -, isto é, a agricultura.
O investimento na agricultura estava, em grande parte e até agora, apoiado pelo SIFAP.
O SIFAP constava essencialmente de uma bonificação de juros, sendo que, portanto, em termos orçamentais, esse montante aparecia implícito em algum lado. Prevê-se, porém, que a sua aplicação cesse no fim deste ano e que, para o ano que vem e seguintes, funcione o Regulamento n.º 797 da Comunidade, o qual opera por um outro sistema completamente diferente participação no capital a fundo perdido. Isso significa que só os montantes inscritos no Orçamento do Estado não dão uma comparação dos investimentos que realmente se farão, apoiados por um e por outro sistema.
Por outro lado, o Regulamento n.º 797 é muito menos flexível do que o SIFAP e não será aplicável a muitos empresários agrícolas que têm feito uso do SIFAP sem qualquer dificuldade e que estarão excluídos ou prejudicados no referido regulamento, ou porque não são agricultores a título principal, ou porque o investimento que pretendem fazer não é necessariamente a melhoria de uma exploração, ou porque o rendimento homem/ano, esperado como efeito desse investimento, seja superior a 120 % do rendimento de referência. Simplesmente, o que vai acontecer é que haverá muitos investimentos que poderiam utilizar o SIFAP e que não poderão utilizar o Regulamento n.º 797.
Temo - e teme-o muita gente - que na agricultura portuguesa isso venha a ser um bloqueio para a realização de muitos investimentos válidos. Tanto mais que o Regulamento n.º 797 limita a sua aplicação a dois investimentos, de forma que o segundo se faça quando o primeiro estiver já completado e comprovado e que a soma dos dois não exceda 18 mil contos.
Tudo isto são limitações consideráveis que significam que, na realidade, o Regulamento n.º 797 não substitui satisfatoriamente o SIFAP. Contudo, precisaríamos que os investimentos na agricultura fossem muito substanciais para que, no fim do período transitório e quando chegássemos à posição de adaptação completa à CEE, tivéssemos feito, efectivamente, um volume significativo de investimento na agricultura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Carvalhas.
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Sr. Ministro, ia colocar-lhe duas questões que já lhe coloquei ontem e para as quais não obtive resposta - julgo que também a não obtive na sua intervenção. No que respeita às autarquias não lhe colocarei quaisquer questões, pois um meu camarada de bancada irá fazer, de imediato, uma intervenção sobre esse assunto.
Assim, gostaria que o Sr. Ministro me explicasse por que razão as rodovias, as escolas e os recursos hídricos foram, no ano passado, erigidos como prioridade e têm decréscimos este ano; Com efeito, já utilizou o deflacionador que devia ter utilizado (11,5 %) - na Comissão só utilizava 9 % - e, portanto, sabe que há decréscimos para as rodovias, para as escolas e para os recursos hídricos. Como é que se passa, então -repito- de uma prioridade num ano para uma não prioridade no outro?
A segunda questão que lhe queria colocar é esta: o Sr. Ministro tem falado, teoricamente, na correcção de assimetrias regionais. Porém, penso que será bom irmos à prática. E o que é que a prática nos diz? Que, segundo informações oficiais, mais de 75 % dos pagamentos feitos até Outubro, quer pelo FEDER em relação às autarquias locais quer em relação ao FEOGA no que respeita à agricultura, são no litoral. É isto a correcção de assimetrias?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Borges de Carvalho.
O Sr. Borges de Carvalho (Indep.): - Sr. Ministro, gostaria de lhe colocar três pequenas questões: uma de carácter, digamos com alguma imodéstia, filosófico e duas de carácter mais concreto.
Ao ler um dos documentos que temos presentes, não posso deixar de recordar o poeta, que cantava:
Eu não sou eu nem sou o outro; sou qualquer coisa de intermédio - pilar da ponte do tédio que vai de mim para o outro.
E não é sem alguma inquietação, Sr. Ministro, que, ao debruçar-me sobre este documento, encontro o Governo a braços com uma tarefa à qual jamais me dedicaria por não ser capaz, que é a de definir Portugal.
Ao fazê-lo, o Governo chega à conclusão de que Portugal é ponte, lugar de encontro, anfitrião, intermediário, espaço de reunião, espaço de entendimento e zona franca cultural.
Parece-me que é isso que me inquieta. Isto é, que nos estejamos um pouco a definir em relação aos outros e não em relação àquilo que nós próprios somos; coisa que, modestamente, devo dizer, não sei bem o que é, mas que, por certo, não é algo que seja só feito em função dos outros. Isto porque uma ponte é ponte entre outros, um lugar de encontro é um lugar de encontro de outros e uma zona franca cultural ë uma zona onde se cruzam os produtos culturais dos outros. E nós, Sr. Ministro?
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Queria que elaborasse um pouco mais sobre isto, porque não deverei estar, com certeza, a fazer a interpretação correcta do pensamento do Governo nesta matéria. No entanto, aquilo que tenho à minha frente não me pode levar a outra conclusão.
Sr. Ministro, iria agora colocar-lhe as outras duas questões concretas.
V. Ex.ª falou no reordenamento dos serviços de ordenamento do território, pelo que teríamos agora o ordenamento ordenado.
Na reunião da Comissão de Equipamento Social e Ambiente foi-nos dito que o Plano de Ordenamento do Baixo Mondego tinha sido entregue a um determinado gabinete.
Como V. Ex.ª sabe, não sou pessoalmente contra a entrega de planos a gabinetes privados e não é isso o que aqui me traz. Simplesmente, queria perguntar-lhe qual é o espírito dessa reorganização. Com efeito, se os serviços de ordenamento não servem para fazer os planos de ordenamento, ou não estão ainda ordenados ou então a sua filosofia não parece ser aquela que teria depreendido das palavras de V. Ex. a
Finalmente, V. Ex. e falou na introdução do princípio do poluidor-pagador e fê-lo utilizando uma fórmula que me é muito cara e pela qual me congratulo: a interiorização das economias. Simplesmente, Sr. Ministro, quanto a mim, o poluidor-pagador é um instrumento financeiro para prover a determinados aspectos ligados à poluição e não propriamente o princípio geral de política de ambiente que se formula na expressão «interiorização das economias externas».
Portanto, gostaria também, Sr. Ministro, caso o quisesse, que elaborasse um pouco mais sobre esta questão.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território.
O Sr. Ministro alo Plano e da Administração do Território: - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como prometi, e apesar de ter o meu tempo esgotado, começarei as minhas respostas por pontos que não foram suficientemente elaborados na minha intervenção de ontem. E começarei pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas, já que as perguntas que formulou hoje já as tinha feito ontem.
Trata-se da questão das prioridades no P1DDAC, em que o Sr. Deputado insiste em dizer que foram alteradas este ano e que deixou de se dar relevância à educação, às estradas e aos recursos hídricos.
Gostaria de lhe dizer, em primeiro lugar, que - e tal já foi referido hoje por várias vezes, até pelo Sr. Ministro da Educação e Cultura na sua intervenção - o ano passado, e incluído no PIDDAC, houve um programa de emergência das escolas, tendo sido dito que até a Federação dos Professores teria indicado que se tratava de um orçamento de luxo, o qual tinha crescido para além de todas as expectativas.
Esta ano relembro que a variação em termos reais, embora seja negativa, não é assim tão drástica que signifique uma atenuação de prioridades. Com efeito, Sr. Deputado, -5 % está dentro da franja de variação em que estes termos costumam oscilar.
No que respeita às verbas das estradas, ainda há pouco, na minha intervenção, referi que as verbas das estradas - prioridade do ano passado - vão manter-se ainda este ano e que 22 % das verbas do PIDDAC estão ainda no sector das vias de comunicação.
Devo dizer ainda que, no que respeita ao Ministério do Plano e da Administração do Território, há um crescimento, embora - volto a dizê-lo - insignificante, mas, desta vez, positivo e que é de 1,3 para cima. Porém, como já referi, estas coisas não se podem medir ao milímetro - há uma franja de variação do patamar, o qual foi mantido, tal como disse na minha intervenção. É evidente, no entanto, que - e disse-o também hoje - a prioridade dada à agricultura significa um reforço e uma convergência de meios.
A segunda questão colocada pelo Sr. Deputado Carlos Carvalhas foi a das assimetrias.
É evidente que, vistas as coisas com a limitação de tempo de um ano, sem olhar para as obras que se estão a fazer a fim de desbloquear todo o interior, e reduzindo isto só às verbas num determinado momento, não se consegue a perspectiva de uma acção dinâmica que, efectivamente, vai abrir todo esse interior.
Lembro que há itinerários principais que estão a ser rasgados. Aliás, tive ocasião de referir, na minha intervenção, que o panorama, em termos de acessibilidade do interior, vai ser, no final da década, completamente diferente, sendo que, efectivamente, o que aconteceu foi que, por acaso, alguns dos grandes entraves ao desenvolvimento, particularmente em termos de energia, que foram objecto de investimento e de aplicação dos fundos do FEDER, estão situados no litoral, sendo grandes absorvedores de fundos.
É o caso da Central Térmica de Sines, que está no litoral por razões óbvias, mas que constitui, na energia, um desencravamento importante e um factor importante de desenvolvimento.
É o caso da Barragem do Torrão, que se situa no Tâmega, o qual, como toda a gente sabe, é um rio torrencial, com enorme potencialidade em termos de energia. Portanto, se está no litoral não é por isso, mas porque é um gerador de energia.
É também o caso da ponte ferroviária do Douro. E aqui é preciso não esquecer que a Ponte Maria Pia era o único elo de ligação entre a parte do País a sul do Douro e a parte do País a norte do Douro. Está no litoral, mas, naturalmente, é um elemento desencravador de muitas outras partes.
Se o Sr. Deputado estiver interessado, terei ocasião de enviar o mapa da localização dos investimentos nas autarquias e nessa ocasião...
O Sr. Carlos Carvalhas (PCP): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Ministro?
O Orador: - ... O Sr. Deputado desculpará, mas, há pouco, ouvi um deputado da sua bancada dizer que não cedia o seu tempo e, assim, também não cedo o meu.
O que acontece é que grande parte destes investimentos é desbloqueador de muitas zonas do interior, mas, como ia dizendo, enviar-lhe-ei um mapa com a localizaqão das autarquias que estão a ser beneficiadas.
A Sr. a Deputada Maria Santos, que ontem fez também perguntas que não foram devidamente respondidas, diria que também para nós a política do ordenamento é uma política integrada e integral, sendo que o meio rural se encontra também incluído em tudo isso.
Simplesmente, o que acontece é que é nos meios urbanos que, neste momento, a degradação é maior. Aliás, diria que é ainda maior nas coroas periféricas de Lisboa e do Porto, pois é aí que acontecem os casos mais gritantes. Por isso, tive ocasião de referir, ainda ontem, que a nossa preocupação é criar verdadeiras comunidades. Portanto, se essa é a zona mais crítica, não fique espantada por lhe darmos prioridade.
Assim sendo, não há nenhum fascínio pelo mercado fundiário. 0 que há é um fascínio pela resolução dos
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problemas e uma grande atenção às zonas onde, neste momento, se verificam os casos de marginalidade para que há pouco chamei a atenção e os casos de instabilidade e de anomia social que tanto nos preocupam.
Posso agora fazer a ponte com o que foi dito pelo Sr. Deputado Andrade Pereira, no que diz respeito à regionalização.
Ontem não prometi falar na regionalização, e Sr.ª Deputada Maria Santos referiu que o Governo omitia a questão da regionalização.
Em primeiro lugar, não omitiu, pois nas Grandes Opções vem referida a regionalização em dois títulos: no reforço das estruturas do sistema democrático e na parte do ordenamento do território.
Resta-me pouco tempo para responder às questões que me foram colocadas e a regionalização é um assunto muito sério para me dar ao luxo de lhe responder num minuto. No entanto, devo dizer-lhe que decorrem estudos e estão em preparação documentos sobre a regionalização, além de que o Governo também está a estudá-la em todas as vertentes que ela oferece.
Oportunamente, voltaremos à Assembleia da República, mas como o Sr. Deputado manifestou uma particular inquietação no que respeita à transformação das comissões de coordenação regional em regiões Plano, devo tranquilizá-lo pois não partimos para a regionalização com ideias feitas, já que a única coisa que pretendemos fazer é a coordenação dos meios.
Nas viagens que fiz pelo País, muitas vezes fui encontrar órgãos periféricos do Ministério, que têm responsabilidade, completamente desarticulados, sem qualquer benefício para a administração da respectiva actividade. Encontrei jovens técnicos desiludidos da profissão, gente em demasia afecta a cada projecto, que não era fiscalizado, sendo somente acompanhado no processo administrativo, e meios enormemente gastos sem qualquer benefício para a administração dos dinheiros públicos.
Portanto, Sr. Deputado, peço-lhe que entenda essa operação de coordenação como sendo a maximização da utilidade dos meios disponíveis e não como qualquer antevisão nem manobra encapotada de regionalização, que nunca faremos sem dar conhecimento público.
Sr. Deputado Neiva Correia, como o meu colega da Agricultura estará cá amanhã eu transmitir-lhe-ei a sua pergunta de manhã, para que ele lhe possa responder à tarde.
Sr. Deputado Borges de Carvalho, quanto à questão que colocou em relação à ambição de definir Portugal, devo dizer-lhe que entendeu mal o que eu disse, pois não se trata de definir Portugal. Naturalmente que estamos interessados em verificar por que caminhos se deve prosseguir, quais são as virtualidades que podemos mobilizar e qual o lastro do conhecimento em que todos podemos estar de acordo para definir, não um programa sem balizas nem um programa qualquer sem uma base de ligação com as constantes, com os valores permanentes e com aquilo que são as nossas virtualidades. Andamos, sim, à procura, do que já referi, para poder propor coisas e uma vocação para o País, nesta ocasião naturalmente muito sensível.
Quanto à questão relacionada com os serviços, devo dizer-lhe que o que acontece é que o gabinete que refere, de facto, foi contratado, a exemplo do que já tinha sido feito para o Alto Mondego, não para fazer o reordenamento total dessa zona, mas para trazer a sua experiência para a parte do reordenamento paisagístico, em que, infelizmente, os serviços não estão muito robustecidos.
Peço desculpa por não lhe poder responder à última questão colocada, pois o não poderei fazer em meio minuto. Com certeza que, na discussão na especialidade, terei ocasião de voltar à questão da interiorização das economias.
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Primeiro-Ministro e Srs. Membros do Governo: Eis-nos em presença de um Orçamento de vacas gordas e de ideias magras.
Tão gordas são as vacas que o Sr. Ministro das Finanças se permite ter por regra de ouro subestimar as receitas e sobrestimar as despesas, privando o País, no próximo exercício, do reforço de justiça social cabível, na soma dessas duas diferenças.
De latão acho que a regra é. O latão sem valor e sem mérito de sobrepor a visão de um técnico de contas à iminente preocupação de não deixar para amanhã problemas sociais que podem ser resolvidos hoje.
Esse como que «saco azul» de sentido duplo, de onde há-de extrair-se, na altura própria, a glória suprema da redução do défice, era óbvio demais para passar sem reparo. Consciente disso, o Sr. Ministro apressou-se a assumir a «habilidade», como táctica, antes que alguém se lembrasse de lha imputar como erro.
Mas está aí a implícita confissão. E, com ela, aberto o caminho à introdução do Orçamento de dotações para ocorrer a aflições bem mais importantes, para o País, do que a glória, para o Ministro, do encurtamento do défice estimado.
É claro que este Governo em nada contribuiu para a gordura das vacas. Se, como é óbvio, nada podia fazer ou fez para aviltrar o preço do petróleo, baixar o preço das matérias-primas importadas, ajoelhar a cotação do dólar, encher a depressão da economia mundial e pôr bonomia e sentido patriótico no coração do Presidente da República, é então certo que se tem limitado a colher os efeitos benéficos do determinismo que, em economia, e às vezes em política, rege as pessoas e as coisas.
Assim sendo, gaba-se de quê?
São por outra via tão magras as ideias (e neste vestíbulo da Europa das Comunidades bem precisávamos de as ter nutridas), que o Governo se viu na premente necessidade de encomendar ao Partido que o apoia o altíssimo serviço de poupar a sua proposta de orçamento ao dilúvio de ridículo em que seguramente se afundaria se viesse a concretizar-se, como previsto, a sua discussão e votação em simultaneidade com a proposta do Governo sobre as Grandes Opções do Plano!
$ que nesta estão as ideias de que o Orçamento, por exigência constitucional, é expressão financeira, não deixando obviamente de sê-lo pelo facto de, à última hora, se ter consentido ao Governo a produção de um «complemento» à proposta de lei das Grandes Opções do Plano que, apesar de se não destinar a substituir o texto complementado, vai, por artes mágicas, fazer as suas vezes.
Faça-se pois de conta que, como quer a Constituição, «a organização económica e social do País é orientada, coordenada e disciplinada pelo Plano» e que vamos aprovar um Plano anual, digno desse nome, apto a «constituir a base fundamental da actividade do Governo» como é também exigência constitucional. E exigência tão inarredável da Constituição que o legislador constituinte inclui entre os limites materiais à revisão da Constituição «a planificação democrática da economia».
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Fique pois bem entendido que vamos aprovar o edifício sem ter aprovado as fundações.
Não poderemos, contudo, com um mínimo de seriedade, «fazer de conta» que o Governo que produziu e aprovou as Opções de que veio a arrecear-se deixou de ser o mesmo, ou deixou de ser tão mau, pelo facto de a discussão dessas opções ter sido postecipada!
Uma habilidade dessas, só no programa do meu querido amigo Raul Somado!
Porque grave, Srs. Deputados - tão grave com a discussão das Opções como sem ela -, é sermos governados por quem mostrou ter uma visão do nosso futuro tão grotesca, tão retrógrada, tão decadente e tão enevoada como a que se espelha na confusão mental a que o Governo chamou o Plano Anual e o Plano de Médio Prazo.
A Sr.ª Amélia Azevedo (PSD): - Não apoiado!
O Orador: - Sermos governados por quem, em suma, mostrou ser tão incapaz de enfrentar com um mínimo de perspectiva e clarividência os desafios do futuro que nunca a nossa jovem democracia havia em tão alto grau passado pelo ultraje de ver convertido numa tonteria sem nome o funcionamento de um dos seus mais importantes e democráticos instrumentos de trabalho.
Vale por isso a pena não fazer de conta que o Orçamento deixou de ter por fonte inspiradora as Grandes Opções do Plano que o Governo adia mas não enjeita, ou que este deixou de ter os defeitos que a sua aprovação postula.
Até porque, apesar da votação feita aqui sobre a cissiparidade da proposta, desconheço a existência de qualquer texto de alternativa que deva tomar em conta, não sabendo eu nomeadamente por que meridiano do texto principal passa a imaginária linha divisória.
Certo é que o chamado «complemento» à proposta de lei do Governo não surge destinado a substituí-la, como é próprio dos «complementos», antes «tem nela o seu enquadramento», embora não se saiba exactamente qual!
E, para que não restem dúvidas, lá ressurgem as nove opções do texto-mãe, e as percentagens das respectivas dotações no PIDDAC, não sendo lícito supor que o Governo mantém as Opções e enjeita o sentido que lhes empresta, e que só no texto base pode substancialmente colher-se.
A não discussão, neste momento, das Grandes Opções, tal como o Governo as congeminou, em nada altera, por isso, o fundo das nossas preocupações. São o que são e o Governo o que por tê-las produzido é.
O que são então as Grandes Opções que lemos agora e discutiremos no Inverno, que é o tempo próprio delas?
Um pretexto para devaneios literários de péssimo gosto, para a retoma de visões passadistas do nosso destino colectivo, para exercícios de frasismo oco que nos deixam no palato a sensação frustrante de que todo este Plano não serve para nada, tirante a jocosidade que desperta e de que a imprensa e o ridículo já se apossaram mortal e desapiedadamente.
Desconheço quem possa ter sido o autor da parte não económica - essa igualmente má mas literariamente escorreita - deste eterno retorno aos idola mentis de um nacionalismo requentado, desta exumação de ideias que o tempo cadaverizou! Mas sei que foi o Sr. de Lapalisse quem inspirou mimos de tão aprimorado requinte como estes:
Não se escolhe quando se quer que, por exemplo, Portugal seja a um tempo do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul [...]
Portugal não poderá continuar a ser Portugal sem ser português 1... ]
A Europa também se vê do mar.
Risos do PS e do PCP.
Ficam assim resolvidas estas dúvidas cruéis!
Se discutidas agora as Opções, o País teria tido notícia de uma concepção do nosso futuro colectivo segundo a qual «tem de se imaginar um Portugal que se queira - este, não aquele, assim mesmo e nunca de outra maneira - e um Portugal que se possa, no qual se acredite, nele e nesse seu poder».
Risos do PS e do PCP.
Ficaria elucidado sobre a concepção de cultura que o Governo perfilha e a política cultural que o Governo prossegue, e que se espelha nestas amostras colhidas ao acaso:
No que toca à Europa, Portugal deve privilegiar as relações culturais [...] junto dos países que pertencem mais ao mar [... ]
A política cultural portuguesa tem de ser extremamente selectiva [...]
A primeira selecção é-nos feita pelo ponto de vista de que Portugal dispõe junto ao mar.
Eis-nos, pois, na linha de uma Política Cultural da Borda d'Água!
Aplausos do PS.
O Orador: - Viva o apartheid cultural, vivam as elites!
E abaixo -definitivamente- os editores, os tipógrafos e os pedagogos!...
Para este Governo, «não são necessários mais livros, mais professores de Português, mais colóquios, mais centros culturais ou mais institutos. São até necessários menos (sic) mas melhores!».
Uma voz do PSD: - Melhores advogados!
O Orador: - Isto porque « O conceito distributivo e equitativo vigente até hoje terá de ser substituído por um conceito selectivo e premiador da qualidade [...]» O que tanto vale como dizer que o nosso humanismo universalista terá sido um erro. Agora, o Portugal a haver que o Governo visiona na nova ponta de Sagres que o Plano é não mais leva o espírito de missão junto do gentio ignaro, mas das elites cultivadas.
«Nos países de língua portuguesa [...] que a política cultural privilegiará [...] esta política será sempre altamente selectiva, visando mais directamente a influência sobre as elites actuais e futuras [...]»
No Brasil e nas ex-colónias, «pequenas acções intensivas junto das elites».
Ainda como política de cultura, o Governo propõe:
[...] um certo extremismo, dada a exiguidade dos meios: ou muito português, ou muito bom.
Risos do PS.
Feita esta radicalíssima opção, «tudo o mais, em matéria de cultura, será deixado à consideração do mercado».
Risos do PS e do PCP.
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Se bem que «o desenvolvimento extraordinário das comunicações internacionais faz com que se atravessem mais os vastos oceanos culturais com um simples gesto manual».
Risos do PS, do PCP e do CDS,
Não é o gesto em que os Srs. Deputados estão a pensar!...
Risos do PS, do PCP e do CDS.
Um gesto - afinal não tão simples - que nos não dispensa de funcionarmos como «ponte cultural atlântica», ou como «aeroporto cultural».
Na imagética do Plano, tem algo de obcessivo esta ideia de ponte.
«A escolha esclarecida e a que corresponde a grande vocação do País ... é a de se assumir como uma ponte entre tempos, lugares, mercados e civilizações.»
Para quem não saiba ao certo o que é uma ponte, o Governo informa: «Uma ponte é um lugar que une espaços, onde se passa, onde se cruza. Onde se paga
portagem.» Passa-se... mas paga-se!
Risos do PS, do PCP e do CDS.
Ultrapassada é, Srs. Deputados, a velha e simpática imagem da «Casa Lusitana». Agora, que remédio senão ficcionarmos a «Ponte Lusitana» ou o «Aeroporto Lusitano»?
Isto porque, fique bem entendido, «não há desonra em ser intermediário, em proporcionar encontros». Salvo seja!
Risos do PS e do PCP.
A língua e o património são pelo Governo concebidos como «diferença». Como tal, «o património não é algo com que se fica - deverá ser algo que se leva como instrumento cultural para novas tarefas», sendo que « há todo um património ainda por construir aquele que há-de ficar deste século e do próximo... ».
No fim do século XXI, prevê o Governo que Portugal liquide.
Risos do PS.
Quanto à língua, ficamos a saber que «defender a língua portuguesa tem também uma dimensão atacante».
Temos, infelizmente, na proposta das Grandes Opções, o exemplo disso!
Mas cuidado com a defesa da língua junto dos nossos emigrantes, tendo por viático o livro português. $ que, sempre segundo a «bíblia» por onde o Governo reza as suas orações, os nossos emigrantes nem sempre são o que parecem! Por vezes, «a fachada é portuguesa, mas a alma escondida atrás dela nem sempre o é!»
Risos do PS e do PCP.
E depois de fazer a apologia das versões em língua estrangeira do livro português, para uso dos nossos emigrantes, a refutação cabal do clássico tradutore-traditore: «A tradução», diz o Governo, «é incapaz de retirar uma só vírgula ao original. Má ou boa, acrescenta-se a ele.»
Aí têm, Srs. Deputados, o Portugal que vos espera se este Plano não vier a ser, como merece, dissolvido numa salutar gargalhada!
Faço ironia. Tenho consciência disso. Mas antes eu a faça das concepções do Governo do que este da Pátria de todos nós!
É também lapidar a concepção do Governo sobre a «valorização do Papel de Portugal no Mundo».
O mesmo nevoeiro mental.
E de novo a falta de um salutar corte epistemológico com as noções caducas do passado. Sardinha, o pior Pessoa e o sebastianismo mais espesso conduzem o discurso. Lido a golpes de coragem, apetece gritar ao Governo: Acorda! Existencializa-te! Faz a instrução primária! ...
Aplausos do PS e do PCP.
Pois como visiona ele a valorização de Portugal no mundo? De novo «no respeito pelas diversidades e diferenças», fazendo suceder à «universalidade física e territorial... uma universalidade que sempre foi mais importante: a cultural».
Repare-se bem: além, a cultura concebida como política selectiva e de cúpula, como «recusa da utopia do universo»; aqui como afirmação de universalidade!
Afinal não tão universal quanto isso, visto que «tem de se afastar a tentação sebastianista de querer chegar ao mundo todo de uma só vezo. «Na vastidão do mundo», prossegue o Governo, «tem de se saber escolher um Mundo mais pequeno no qual se possa estar cada vez mais perto do centro».
Risos do PS.
«No fundou, resume o Governo, «(isso traduz-se em Portugal) aplicar discriminadamente a sua vocação para a universalidade.»
Os Srs. Deputados ouviram bem? Repito: Aplicar discriminadamente a nossa vocação para a universalidade. Isto consegue-se garantindo «a Portugal um papel activo e primordial na utilização (de um) dos seus mais importantes recursos naturais: a atlanticidade»... ao que o Governo acrescenta mais dois recursos: «o mais importante aeroporto atlântico», que somos, e «a plataforma rotativa que de facto constituímos».
Feito isto, é só pôr a render « o valor que para Portugal resulta do seu passado»... , até porque «o mundo já está a descobrir o que os Portugueses descobriram»...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Finalmente!
O Orador: - Já não era sem tempo!
«Há pois estratégia. Há progresso. Há controle» agora no dizer do Sr. Ministro Cadilhe.
Prefiro o Cohen do actualíssimo Eça: «Há talento, há saber»!...
Aplausos do PS e do PCP.
E que pensa o Governo quanto à «Afirmação das Estruturas do Estado Democrático»? Aparentemente, nada!
Desiluda-se quem pense que vai encontrar uma projecção do Estado mais lúcida do que as da língua, da cultura, do património e do próprio Portugal que ficaram desenhadas no espelho de meia dúzia de transcrições cruéis. As mesmas banalidades, as mesmas vagas alusões, o mesmo deserto de ideias.
Vem aí a revisão constitucional? Deixá-la vir! Isso que importa às estruturas do Estado democrático?
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Aqueceu a problemática da autonomia regional? O Governo fica-se pela sugestão de « ... um apoio mais efectivo quanto à articulação com os órgãos nacionais».
Está na forja a efectiva instituição das regiões administrativas previstas na Constituição, embora eu não seja - como se sabe - um dos maiores entusiastas delas?
O Governo contenta-se com o espirrinho de que se impõe « ... propiciar condições adequadas que tornem viável o processo de criação de futuras regiões administrativas».
Vem aí, com a revisão ou sem ela, a problemática eleitoral?
O Governo tudo resume à afirmação de que «são desejáveis alterações na legislação eleitoral», ou à «necessidade de um código eleitoral».
Vem aí - assim se pensa - uma diferente Constituição económica?
O Governo, lacónico, fica-se pela condenação do «gigantismo do sector estatal», embora a destruição desse sector aflore, mal escondida, nas opções económicas e nas fissuras da proposta de orçamento.
No mais concernente à defesa das instituições democráticas, o Governo fica-se por pingos: refere en passant a lei de segurança interna, a lei de defesa nacional, o sistema de protecção civil, a lei do estado de sitio e de emergência, o serviço militar obrigatório, o serviço cívico. E disse.
Para os «agentes públicos», um insulto: «... nos universos em que actuam, distinguem intimamente serviço público de ao serviço do público, não assumindo responsabilidades reais pelo exercício de funções que lhes estão colectivamente atribuídas.»
Serão todos assim tão maus?
Tirante isto, a afirmação discutível de que « o Estado democrático é mais vulnerável às ameaças e às agressões, tanto internas como externas, do que os Estados não democráticos». Como «Grande Opção», a de que «o essencial é que se tenha a ambição e a convicção das dimensões complexas, da reafirmação do Estado democrático português».
Ambição e convicção que, obviamente, o Governo não tem. Ai do Estado democrático se estivesse dependente, na sua afirmação, no seu aprofundamento e na sua defesa, de uma planificação democrática tão pouco entusiástica e consistente.
A partir da afirmação, mais do que discutível, de que «em Portugal, a vulnerabilidade não radica, felizmente, na credibilidade do sistema judiciário», o Governo espraia-se nas excelências do Ministério da Justiça e no significado do reforço da respectiva dotação orçamental.
Quem dera que fora assim!
A verdade aqui demonstrada pelo Sr. Deputado José Magalhães é antes que o reforço da dotação é praticamente consumido pela construção de mais três estabelecimentos prisionais - a virtude do defeito de ter aumentado incomportavelmente a população prisional - e pela impossível recusa de deitar a mão ao que resta da Polícia Judiciária como padrão de eficácia, no mais continuando o Ministério a degradar-se, no seu espaço físico como na sua dimensão administrativa.
Foi pena que o Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território, ao ter usado de novo a palavra - aliás , depois de nos ter feito um discurso, que lembrava as próprias Opções, com uma linguagem vaga e esotérica e, manifestamente, tendo agora a preocupação de a corrigir, recorrendo ao extremo de nos ler os mapas das despesas que já tínhamos lido no Orçamento, embora em forma discursiva, como é óbvio- não tivesse aproveitado a oportunidade para reforçar os números e as indicações tiradas do Orçamento pelo Sr. Deputado José Magalhães. Portanto, quando falou no esforço especial no que respeita ao Ministério da Justiça, disse algo que antecipadamente tinha sido categoricamente negado.
Também nos veio dizer que não é num ano que se podem inverter situações gravosas. Devo lembrar-lhe que o PSD administra a Justiça neste país há sete anos. E sete anos, em termos de planos e de gestão de um país, é longo prazo, não é curto prazo!
Aplausos do PS.
Começa a não ser verdade - penalizando ter de reconhecê-lo - que não seja o nosso sistema judiciário uma das vulnerabilidades do nosso Estado democrático. É, e é grave. É grave, sobretudo, porque não nos podemos dar ao luxo de arrumar a justiça na mesma prateleira do toucinho! ...
Pesem embora os esforços bem intencionados do actual titular da pasta, que, pessoalmente, muito estimo, o PSD não pode alegar que lhe não travou a decadência por falta de tempo, já que é este um dos Ministérios que gere ininterruptamente há precisamente sete anos! Não é o único, mas é um deles. Acontece o mesmo com a Agricultura e a Educação, pelo menos. Ministérios esses onde tirados os nove, fica nada!
Sete anos, sete planos, sete orçamentos, infelizmente menos de sete ideias! ...
Aplausos do PS.
Em matéria de administração da justiça, o PSD parou em Roma. E concebe a justiça nos acanhados, supostamente perfeccionistas e efectivamente tabeliões termos de «civitas romana».
Sete anos serviu, como Jacob. Mas mal. Ao passar pela pasta da justiça, apercebi-me do anquilosamento do sistema, da acumulação dos processos, da escassez dos magistrados, da rotina dos métodos, da deficiente formação dos agentes, do ritualismo das leis, do bloqueamento dos registos, do tendencial sobrepovoamento das prisões, da iniquidade da ausência de defesa pública, das chocantes discriminações no acesso ao direito, enfim da necessidade de uma abordagem a tempo do direito comunitário que vinha aí, segundo as mais seguras previsões de então.
Mas eram os tempos superocupados da adaptação do sistema jurídico e da orgânica judiciária à nova Constituição. Fizeram-se açodadamente essas reformas. Reviu-se de alto a baixo a orgânica e o funcionamento da Polícia Judiciária. Separaram-se as magistraturas. Criou-se e pôs-se a funcionar o Centro de Estudos Judiciários. Iniciou-se, de forma institucionalizada, a aproximação do direito comparado. Instituiu-se o esquema em vigor de combate à droga.
Foi um tempo de febre. Mas deixei o Terreiro dó Paço com a amarga sensação de que, apesar disso, fora feito o mais urgente, mas ficava por fazer o principal.
Lamentavelmente, continuou por fazer depois de mim. Bem ao contrário, degradou-se até ao dramatismo de algumas das actuais situações muito do que, por esse então, funcionava satisfatoriamente.
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É o caso dos cofres, aqui referido pelo Sr. Deputado José Magalhães, que a gestão do PSD deixou abastar dar até à penúria, desviados que foram - quantas
vezes por simples despacho - da sua função legal, para servirem de suporte a suplementos de remuneração funcional e outros devaneios de difícil entendimento que neste momento ainda perduram.
Resultado: debalde se procura neles com que mandar tocar um cego, com as consequências que facilmente se prevêem no plano da construção e conservação de tribunais, para só citar o principal. Hoje, chove no interior da administração da justiça!
De tal sorte que, atingida a indigência sem fácil remédio em que os cofres se afundam, é talvez tempo de não resistir à sua integração no Orçamento do
Estado, que mais bem entregue ficará ao PIDDAC o parque físico do Ministério do que à Babel contabilística que os cofres neste momento são.
Conhecem os Srs. Deputados o orçamento dos cofres nos últimos anos? Dó mesmo se queixa o próprio Ministro. Não há! ...
Aplausos do PS.
O sistema prisional entrou em ruptura, a dotação de agora chega com anos de atraso. E o sistema, em si, funciona como uma universidade do crime. Não ressocializa. Destrói. Abandonou-se, ou quase, a profissionalização e o trabalho prisional como instrumento de recuperação dos delinquentes.
A organização tutelar de menores tutela cada vez
menos menores e cada vez pior. Tem instalações que não usa e pessoal a que nem sempre foi assegurada a necessária formação.
O Instituto de Reinserção Social, destinado a desempenhar um importante papel no quadro da aplicação do novo Código Penal, permanece no reino da utopia,
sem quadros, sem meios, sem garra. Por via disso, os juízes fogem à aplicação - tão necessária - de penas alternativas à pena de prisão.
Os registos vivem, sobretudo nos grandes centros urbanos, em permanente hora de ponta. Continuam mal instalados, rotineiros, formalistas, tabeliões. Não
seria caso de o Governo - que tanto pugna por menos Estado - encarar, no mínimo a título experimental, a sua privatização? Troco pelos jornais! ...
O acesso ao direito e aos tribunais continua a merecer, ao que julgo, a melhor atenção do actual Ministro. Mas não arranca. Esbarra com poderes, de facto,
fortemente estabelecidos e idiossincrasias por um longo tempo inveteradas. Residem aí, na pretensa igualdade dos cidadãos perante a lei, no princípio de que a ignorância da leia ninguém aproveita e no instituto da assistência judiciária, algumas das maiores mentiras e hipocrisias do nosso, às vezes só de nome, Estado de Direito.
Por isso não desistirei de batalhas pela instituição do defensor público - contraponto do actual acusador público -, que debalde tentei ver consagrado, com o apoio do meu partido, na última revisão constitucional.
O combate à droga está, à parte a nova lei, de que não conheço efeitos práticos, no estado em que o deixei. Aliás, pior. Resignamo-nos então?
A necessária extensão da informatização dos serviços do Ministério prossegue a passo de boi. Continuamos a cozer os processos com os velhos fios e fivela
do clássico escrivão!
O direito, esse, como sistema e como arremedo de ,ciência, parou em Roma. Temos leis a mais e, talvez por culpa de muitas delas, do formalismo que postulam e do burocratismo que consagram - sobretudo as de processo -, o País não anda e a moral se afunda. «Plurimae leges corruptissima Republica» - diziam já os romanos.
Temos aí a nova lei das sociedades comerciais e, em breve, o novo Código de Processo Penal. Não tardarão o choro e o ranger de dentes!
Estejamos atentos!
Resultado de tudo isto: o sistema degrada-se, a justiça desacredita-se, o cidadão tende a não confiar se não' em si, a autodefender-se, a não respeitar a autoridade do Estado.
É essa, ai de nós, uma das vulnerabilidades, tendencialmente mais perigosas, do Estado democrático. Do débil Estado democrático que por enquanto somos, à mercê da explosão do crime organizado e violento que é uma das fragilidades do nosso tempo, de tendências organizacionais centrífugas que me despertam as maiores reservas, de grupos de pressão que com impressionante regularidade vão cortando a sua estradazinha, de responsáveis políticos que falam e agem por cima de toda a folha, de poderes de facto que se multiplicam e se . afirmam, enfim de governos que concebem o futuro do País e o reforço das instituições democráticas nos desastrados termos em que este o faz.
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Montalvão Machado.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, ao ouvir a sua intervenção, pelo teor que lhe imprimiu e pelo significado de que ela se revestiu, a certa altura senti-me tentado a cerrar um pouco os olhos, não porque estivesse com sono, mas para pensar interiormente. E devo dizer-lhe que fiquei aterrorizado ao pensar no homem de Estado que governaria este país se V. Ex. a tivesse conseguido os 42% de eleitorado que queria em Outubro do ano passado. -
Aplausos do PSD e do deputado independente Borges de Carvalho.
V. Ex. a imprimiu à sua intervenção aquele tom a que já nos habituámos, literalmente agradável, encantador até para ouvir e nos divertirmos um pouco...
Um voz do PS(r): - Teatro de revista!
O Orador: - ... e disse do Governo o pior que se pode dizer. Chamou-lhe coisas que são, a meu ver e com o devido respeito, perfeitamente inadmissíveis, as quais não vale a pena repetir, pois V. Ex.ª fê-lo inúmeras vezes.
Por conseguinte, fiquei com a sensação de que o Governo, no seu entender, não fez nada de aproveitável, não realizou nada em benefício deste povo e que, ao fim e ao cabo, não cumpriu no mínimo a sua missão.
Ao pensar nestas suas palavras e ao pensar que hoje uma fatia enormíssima do povo português pensa, sem dúvida, de forma diferente da de V. Ex.a, pergunto-me quem é que está errado: é essa grande fatia do bom povo português, que compreende aqueles que trabalham seriamente para a resolução dos seus problemas, ou é V. Ex.ª que faz intervenções hilariantes deste género?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador :- Sr. Deputado Almeida Santos, depois de tudo isto, só lhe quero fazer três perguntas.
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Primeira: quando é que V. Ex.ª vem analisar nesta Assembleia as Grandes Opções do Plano? Não foi hoje!
Vozes do PSD: - Muito bem!
Segunda: quando é que V. Ex.ª vem apresentar a esta Câmara a alternativa de outras Opções que não sejam aquela que o Governo apresenta?
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - Terceira: quando é que V. Ex. º resolve abandonar esse seu estilo de que eu pessoalmente gosto muito, mas que não considero próprio desta Casa?
Uma voz do PS: - Que mau gosto!
O Orador: - V. Ex. a já se lembrou - e perdoe-me dizer-lho, mas faço-o pela amizade que tenho por si, como muito bem sabe - que esta Casa é para tratar
de assuntos sérios e que não é com tiradas mais ou menos literárias e hilariantes, ao fim e ao cabo burlescas, que se resolvem esses assuntos?
Aplausos do PSD.
O Sr. Presidente: - Também para formular pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Deputado Duarte Lima.
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Sr. Deputado Almeida Santos, a sua intervenção sugere-me apenas duas observações, ambas curtas. A primeira, é para o felicitar e cumprimentar sinceramente, porque V. Ex. 1 introduziu uma alteração qualitativa no curso normal das intervenções que o seu partido estava a produzir nesta Câmara a propósito do Orçamento do Estado. É que, até aqui, tínhamos assistido a um desfile mais ou menos apagado de «Ministros-sombra» e V. Ex.ª surge-nos, agora, como a sombra de um ex-Ministro que é, sem dúvida, a
encarnação pessoal da permanência no poder.
Vozes do PSD: - Muito bem!
O Orador: - A segunda, Sr. Deputado Almeida Santos, é para lhe dizer que, finalmente, descobrimos hoje a dívida de gratidão que o Sr. Deputado tem para
com este Governo. É que este Governo, na sua pessoa, permitiu que o País ganhasse um excelente e talentoso animador e que perdesse ou, pelo menos, que não tivesse um mau candidato a Primeiro-Ministro.
Vozes do PSD: - Muito bem!
Vozes do PS: - Muito mal! Fracote!
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Tenho que agradecer aos Srs. Deputados a oportunidade que me dão de dizer mais alguma coisa, porque reconheço que ficou muito por dizer.
O Sr. Deputado Montalvão Machado, de quem sou muito amigo - isso não está em causa -, apesar de discordar-mos muitas vezes, perguntou que homem de
Estado seria eu, se não tivesse perdido as eleições. Digo-lhe que seria o homem de Estado que fui até hoje, na medida em que o consegui. Digo-lhe, também, que não faria, com certeza, Opções como estas, tão ridículas, tão balofas, tão ocas.
Aplausos do PS.
O Sr. Ministro do Plano e da Administração do Território, utilizando um estilo muito parecido com o usado no texto das Grandes Opções do Plano, terminou o seu primeiro discurso dizendo que assume o sonho. Eu também assumo o sonho. Mas, no seu segundo discurso, fez bem em tê-lo abandonado porque não era um sonho, era um pesadelo.
O Sr. Deputado Montalvão Machado disse, depois, que falei no tom a que já habituei esta Assembleia. É o meu tom, de facto. Não é fácil que mude. Será mais provável que, se não gostar de mim, o País deixe de me eleger quando voltar a candidatar-me às eleições legislativas, se for caso disso. Mas acredite que tenho muita honra em tentar imitar os melhores parlamentares que passaram por esta Sala, ...
Fozes do PSUD: - Isso é fatal!
O Orador: - ... muitos dos quais usaram um estilo parecido com o meu. Proeuro copiá-los, na medida do possível. Não o consigo, mas acho que o debate parlamentar não só comporta a ironia como se valoriza com ela. Felizmente, verifico que muitas vezes as minhas intervenções despertam nos Srs. Deputados, que apoiam o Governo por mim criticado, reacções que porventura não existiriam se, em vez de usar este estilo, que sei que dói, que não é agradável - eu próprio tenho sido muitas vezes a sua vítima, mas aguento: que hei-de fazer? -, usasse um estilo cordato, amaneirado, para que o Governo saísse daqui sem nenhuma espécie de ferida.
Não! O papel da oposições é o de ferir o Governo nas suas mazelas e, até, se este já tem feridas, é o de pôr nelas o bisturi e mexer e remexer na ferida.
Risos do PS.
O Sr. Deputado afirma que eu disse do Governo 0 pior que pode dizer-se e que o fiz em termos inadmissíveis. Isso é que não entendo, Sr. Deputado Montalvão Machado. O que é que fiz, basicamente, desta vez? Li, em voz alta, o que o Governo escreveu.
Aplausos do PS e de alguns deputados do PCP.
É claro que reconheço que o Governo escreveu coisas tão lamentáveis, que lê-las em voz alta é uma crítica mordacíssima. Reconheço isso, mas não sou culpado de o Governo ter escrito o que escreveu e de me ter dado a possibilidade de ler aquilo que foi escrito. E penso que se, na verdade, o Sr. Deputado está de acordo, quer com o que pensa o Governo, sobretudo em matéria de Opções, que foi o que pus em causa, quer com a maneira como as exprime, dar-lhe-ia uma sugestão. Porque é que não vamos reduzir a livro estas Opções - sobretudo na parte em que as critiquei, em que extraí aquelas frases de que não gostou - e não vamos distribuí-lo pelas escolas primárias, por exemplo? Sabe que nos poupava muito tempo nas próximas campanhas eleitorais?
Risos do PS.
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O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Nós ganhávamos as eleições! .
O Orador: - O Sr. Deputado afirma que eu disse que o Governo não fez nada. Bom, não apreciei toda a actividade do Governo. O que disse é que fez umas péssimas Opções e que, em matéria de justiça, há sete anos que não faz nada, isto é, nada de significado. O Ministério da Justiça estava péssimo quando por lá passei, só que continua pior. Se calhar, também eu deveria ter feito mais do que fiz, mas, agora, não sou Ministro. Estou na oposição, sou deputado. Agora, o meu papel é o de exigir que o Governo faça. O Dr. Rui Machete também passou por lá; conhece as dificuldades do Ministério da Justiça e eu respeito essas dificuldades. Mas temos que reconhecer que o Ministério da Justiça tem andado para trás. E não é o facto de, no texto das Opções, se afirmar que a justiça não é uma das vulnerabilidades do Estado democrático que impede que ela seja uma das vulnerabilidades e das mais graves. Foi este aspecto que me levou a tomar esse ponto como tema. Porque, se assim não fosse, se calhar ficava-me pelas transcrições das frases do Governo. Bem, e como é que eu poderia ofender o Governo e os que o apoiam, lendo em voz alta aquilo que o povo escreve?
Quanto à sua afirmação de que o povo pensa diferentemente de mim, Sr. Dr. Montalvão Machado, digo-lhe que o povo o fez quanto ao que eu disse na minha campanha eleitoral: preferiu o actual Sr. Primeiro-Ministro! Foi uma escolha legitima. Nada tenho contra isso. Mas em relação a estas Opções, não creio que o povo pense diferentemente de mim. O povo tem o sentido do ridículo. Um Sr. Deputado falou aqui no teatro de revista e acho que lhe vou enviar estas GOPs, porque o teatro tem aqui forte matéria-prima para, na verdade, poder pôr o povo a rir.
Depois, também não percebo: se as Opções eram tão boas, por que é que houve a preocupação de as não discutirmos, de as não chumbarmos, se é que iam chumbar, de as não aprovarmos, se é que iam ser aprovadas? Por que não?
Quanto à pergunta que me fez de saber onde analiso as Opções no meu discurso, considero-a uma critica. $ uma critica afirmando que não levei as Opções a sério. É verdade, não levei. O Governo não consegue de mim que leve estas Opções a sério, a ponto de lhes fazer uma critica séria. Isso o Governo não consegue de mim! Desculpará. É um direito: só uso da palavra quando quero, como quero. A liberdade de expressão ainda existe, a de pensamento também, a- de iniciativa parlamentar também. Este é um direito que tenho, neste «pousio» político em que agora me encontro, em que estou a desfrutar, muito agradavelmente, dos meus direitos de deputado. Mas, de vez em quando, tenho dizer qualquer coisa...
Por outro lado, perguntou-me que outras Opções apresento. Não me compete fazê-lo. Como sabe, a iniciativa de apresentar Grandes Opções do Plano é exclusiva do Governo e não posso retirar-lha. Respondo-lhe como disse há pouco. Podia, agora, propor outras Opções. É evidente que sim! Podia, por exemplo, falar na importância da floresta em matéria de agricultura, na exploração ovina de meia encosta, nas barragens eram aspectos que gostava de ver tratados nas Opções; podia falar de um Portugal de serviços e não de indústria pesada; podia falar do turismo; podia falar disso tudo. $ evidente que também podia falar da.defesa da língua, mas de outra maneira menos ridícula. Porque concordo com a defesa da língua portuguesa como uma opção. Aliás, a definição das Grandes Opções do Plano está correcta.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Orador: - Sr. Deputado, peço desculpa, mas já lhe permitirei que me interrompa.
O Sr. Montalvão Machado (PSD): - Já não quero a interrupção, Sr. Deputado.
O Orador: - Muito obrigado.
O Sr. Deputado disse que gosta do meu estilo, mas que é impróprio. Então, se gosta, como é que é impróprio? Como é que o meu amigo pode gostar de coisas impróprias? Não acredito.
Risos do PS, do PCP e do MDP/CDE.
É claro que para o meu estilo ser impróprio também toda a nossa história parlamentar é imprópria, no que tem de mais rico. Os textos publicados dos grandes oradores que passaram por esta Casa são textos em que se procura ter graça, aligeirar o discurso e a intervenção. As vezes, ouvimos aqui discursos eloquentíssimos, cheios de ciência, mas tão maçadores que a desatenção se instala no nosso espirito e penso que, desta vez, os Srs. Deputados até me ouviram com atenção, porque me pareceu que não vos fiz sono. Isso é muito importante.
O Sr. Deputado Duarte Lima disse que, com o meu discurso, há uma alteração qualitativa nas intervenções. Não há! Acho que as intervenções dos meus camaradas de bancada foram mais ricas do que a minha. Literariamente, a minha intervenção terá sido mais atraente. Reconheço que uma coisa não faz desmerecer a outra. Na verdade, os partidos devem fazer as intervenções plúrimas e variadas que puderem. $ bom que se ataque o ridículo pela ironia, mas também é bom que se construa e que se ataque objectivamente.
Não foi assim que fiz - salvo, um pouco, quanto ao Ministério da Justiça - e disso me penitencio.
O Sr. Deputado disse que sou uma sombra de ex-Ministro ...
O Sr. Duarte Lima (PSD): - Tem uma bancada cheia deles!
O Orador: - Está a ver muitas sombras, Sr. Deputado. Veja lá não sejam cataratas) Veja lá isso!
Risos do PS.
Por último, o Sr. Deputado disse que contrai uma divida de gratidão, porque o Parlamento ganhou um animador e perdeu um mau primeiro-ministro, ganhando um bom. Se é essa a sua opinião, dou-lhe os meus parabéns. O senhor deve viver feliz com essa convicção; a minha não é essa. O Sr. Primeiro-Ministro é também responsável por estas Opções que critiquei, pelo seu ridículo, pela sua visão distorcida. O Governo todo aprovou estas Opções e nenhum dos seus membros pode ser absolvido por isso.
Aplausos do PS e do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Percheiro. Dispõe de quatro minutos, Sr. Deputado.
O Sr. Cláudio Percheiro (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Srs. Membros do Governo: Da nossa parte, Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, queremos ser muito claros no que respeita às duas questões principais que se levantam no capitulo
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do Orçamento relativo às finanças locais. Primeiro, achamos insuficiente a verba proposta a título de Fundo de Equilíbrio Financeiro; segundo, consideramos inadmissível a proposta de transferir novas competências sem a paralela transferência dos concretos meios financeiros para elas serem exercidas.
Quanto à questão das novas competências, não rejeitamos que as autarquias locais possam vir a assumir, no futuro, as competências propostas, em matéria de conservação de estabelecimentos escolares e de rede viária. O que rejeitamos, de todo, é que a transferência dessas competências seja feita sem diálogo com as autarquias e sem a transferência dos dinheiros que hoje a Administração Central gasta nessas tarefas, isto é, que seja feita para que a Administração Central poupe o que a Administração Local virá gastar. Proporemos, por isso, a revogação do artigo 67. º da proposta de lei de orçamento do Estado.
Quanto ao valor do Fundo de Equilíbrio Financeiro. O que importa sublinhar, no essencial, é que o valor proposto fica aquém não só das necessidades reais de financiamento das autarquias, como das espectativas criadas ao longo do processo de aprovação da nova Lei de Finanças Locais. E não se argumente com a transferência da sisa, que beneficia no fundamental umas escassas dezenas de municípios do litoral desenvolvido ou de maior impacte turístico. $ que a questão, para a maioria dos municípios, continua a ser a do volume de financiamento proveniente do Fundo de Equilíbrio Financeiro, e é este volume que, no cano zero» da nova Lei de Finanças Locais, é necessário aumentar significativamente. O Governo assumiu o compromisso de determinar esse valor a partir do valor de base de 80 milhões de contos acrescido do valor de variação do IVA. Calculou esta taxa de variação em 12 %, inferior à variação global da receita (14,1 %), inferior à taxa de variação do PIDDAC (15,8 %), inferior à taxa de variação da despesa total (14,1 %). Isto é, ao contrário do que se pretendia, o Governo encontrou maneira de manter baixa a evolução do Fundo do Equilíbrio Financeiro, através da aplicação de uma duvidosa e criticada taxa de 12%.
As autarquias, pelo seu lado, propunham um valor base de 85 milhões de contos, mais a taxa de variação do IVA. Aceitemos a taxa de 12%.
É essa base de cálculo de 85 milhões de contos, mais 12 %, que apresentamos, para consideração, a todos os Srs. Deputados. Consideramo-la uma base, ajustável face a outras propostas. Visamos ultrapassar os 89,5 milhões de contos propostos pelo Governo, e faremos todos os esforços para serem conseguidos os entendimentos necessários, para a fixação, neste ano zero de aplicação da nova lei, de um valor de partida relevante.
Srs. Deputados, o Orçamento do Estado, na parte das finanças locais, levanta outras questões, como por exemplo a da ilegal retenção de 5 % do valor de cobrança da sisa, a da multiplicação de isenções dos impostos municipais e da falta de vontade governamental na transferência para as autarquias do valor de cobrança do IVA turístico. Importará registar, neste quadro, a resistência manifestada pelo Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais à aplicação de dispositivos da nova lei. Como importará registar o baixíssimo valor de transferências para as autarquias das verbas do FEDER (dos 7 milhões prometidos, as autarquias apenas receberam 1 milhão de contos), demonstração clara das falsas esperanças criadas pela propaganda da CEE. Como importará sublinhar a falta de
resposta às questões que levantaria nas autarquias a tributação dos funcionários respectivos, particularmente quando se pensa nas diferenças que entre eles existem no que toca a quadros de pessoal e existência ou não de serviços autónomos a prosseguirem certas funções.
Todas estas questões são graves. Mas as questões centrais estão bem definidas. Desde logo as novas competências, sem meios financeiros, devem ser, por isso mesmo, rejeitadas.
Em relação ao valor do Fundo de Equilíbrio Financeiro. A proposta, a base de trabalho está apresentada, com a exacta consciência de que corresponde a uma necessidade das autarquias e à filosofia decorrente da nova lei. Estamos disponíveis para o diálogo necessário.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Abel Gomes de Almeida, para uma intervenção.
O Sr. Abel Gomes de Almeida (CDS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro do Trabalho: Um orçamento é um mero instrumento financeiro para execução de uma política. Não sendo em si mesmo neutro, não proporciona, todavia, uma visão precisa de algumas opções fundamentais.
É, pois, quanto à política do Ministério do Trabalho, considerando o respectivo enquadramento orçamental, que incidiremos a reflexão.
Em nosso entendimento, o desenvolvimento económico e social do País depende, em larga medida, da orientação adoptada em matéria de formação profissional. Não se trata, contudo, de considerar o montante das verbas destinadas a este objectivo, que julgamos aproximadamente adequadas, mas das formas da sua afectação prática, da sua aplicação concreta.
Pensamos, Sr. Ministro, que uma política de formação profissional para o futuro não é, apenas, uma política de construção de centros e de celebração de protocolos.
Deve ser, sobretudo, um modo de concretizar os anseios gerais de modernização do País, através da preparação cuidada dos jovens candidatos ao emprego e dos actuais trabalhadores, que, vítimas de um processo de desactualização profissional de que não são responsáveis, sentem, crescentemente, aumentar o seu desfasamento relativo face às necessidades do presente e do futuro.
Estamos, reconhecidamente, numa encruzilhada delicada e decisiva da vida nacional. Entrados num mercado mais largo, evoluído e agressivo, não nos basta a vontade de vencer para triunfar; é necessário reconhecer que nesta fase da nossa vida colectiva só uma política esclarecida, congregada e disciplinada pode proporcionar, no que especialmente toca à formação profissional, resultados satisfatórios.
Desde logo a política para o sector deve situar-se, por princípio, para além das oscilações meramente conjunturais do mercado de trabalho. Deve, em segundo lugar, preferir comparativamente os domínios de actividade em que o País se apresente com visíveis vantagens relativas. Deve, também, sem atropelo da coerência global do sistema, ser um elemento impulsionador do progresso das regiões menos desenvolvidas. Deve, ainda e sobretudo, prestar um contributo decisivo na especialização profissional das novas tecnologias produtivas. Deve, por último, não perder de vista que, também neste domínio, a definição global da política deve considerar as necessidades reais do mercado, actuais e futuras.
O que não pode acontecer, Sr. Presidente e Srs. Deputados, é o desenvolvimento de acções de formação que, no seu termo, redundam num puro desperdício de dinheiros públicos e na contradição social de lançar trabalhadores especializados para o desemprego.
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Esperamos que o Ministério do Trabalho esteja atento, crescentemente, a estes vários aspectos e que considere, também, que a racionalidade técnica, económica e financeira da política de formação profissional exige o envolvimento solidário de universidades e institutos técnicos, empresas e trabalhadores.
Domínio sempre orçamentalmente negligenciado, ao longo dos anos, é o da higiene e segurança no. trabalho.
Conhecem-se as insuficiências nacionais nesta matéria. São sabidos os elevadíssimos custos humanos, económicos e sociais que o País suporta, cada ano que passa.
Apesar disso, o Governo não prevê para 1987 mais do que um ligeiríssimo acréscimo relativamente ao montante orçamentado para o ano em curso. É urgente dotar o País de um laboratório especializado e os serviços dos meios necessários ao desenvolvimento de campanhas nacionais intensas, dando natural prioridade aos sectores mais críticos.
Também aqui a acção do Estado poderá e deverá ser delineada com base na participação dos múltiplos interessados, de entre eles as instituições seguradoras.
No seu relatório a Comissão de Trabalho sustenta a insuficiência das verbas destinadas à Inspecção.
Não nos opomos, naturalmente, ao reforço dos meios da Inspecção do Trabalho. Mas é necessário ter-se consciência de que o êxito das suas funções não depende exclusiva ou sequer essencialmente dos meios financeiros postos à sua disposição. O problema do cumprimento das normas que regulam as relações do trabalho transcende a mera óptica de fiscalização. Prende-se, sem dúvida, com uma pluralidade de condicionantes que, em síntese, exigem uma profunda alteração do sistema jurídico-laboral, composto de diplomas inadequados às exigências actuais, frequentemente contraditórios, pulverizados e tantas vezes omissos em questões fundamentais.
Sr. Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados: o orçamento proposto pelo Governo para o trabalho e emprego não nos merece, na generalidade, um juízo radicalmente desfavorável. Aguardamos, contudo, a sua discussão na especialidade para nos esclarecermos quanto a alguns aspectos que nos parecem insuficientemente claros e para, também, conhecer da possibilidade de serem introduzidas algumas correcções.
Aplausos do CDS.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Ana Gonçalves.
A Sr.º Ana Gonçalves (PRD): - Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Grupo Parlamentar do Partido Renovador Democrático regista com profunda apreensão a diminuição das verbas inscritas no orçamento da segurança social de 1987, para subsídios de desemprego, apoios ao emprego e lay-off, garantia salarial e salários em atraso.
Relativamente ao Orçamento de Estado de 1986, em que para essa rubrica o Governo inscreveu 30,5 milhões de contos, estão agora inscritos cerca de 25,7 milhões de contos, o que traduz uma redução em termos nominais de 16 % e de 25 % em termos reais.
Justificou o Governo, pela voz do Ministro do Trabalho, tal redução por duas ordens de razões.
Primeiro, teriam sobrado cerca de 5 milhões de contos das verbas inscritas em 1986.
Segundo, o Governo espera um aumento de emprego em 1987 de cerca de 1 % a 1,5 %.
Os cálculos da verba para a rubrica referida, bem como para o cálculo estimado das receitas de contribuição da segurança social, têm por base esta expectativa.
Mas terá o Governo fundadas razões para acreditar em tal aumento de 1 % a 1,5 % do emprego, que se traduz na criação de, pelo menos, mais 50 000 postos de trabalho?
Deparam-se-nos com factores contraditórios, uns positivos, outros negativos.
Entre os ('actores positivos destacam-se os seguintes, que, a ter o Governo capacidade para os explorar devidamente, poderiam conduzir a um aumento do volume de emprego: uma certa recuperação ou crescimento económico; uma alegada explosão de formação profissional, que, se adequada às necessidades reais, favorece o acesso ao mercado de trabalho, com especial incidência para os jovens, reconhecidamente a faixa etária mais atingida pelo desemprego, ocupando cerca de 64 % do número de desempregados e, por último, um maior empenhamento no desenvolvimento regional e local.
Contudo, vários factores negativos se nos deparam e que dificultam, se não mesmo impedem, tal crescimento do emprego. Desde a crise de sectores de actividade em que as necessárias reestruturações sectoriais poderão dar origem a diminuição de postos de trabalho, passando pela crise de várias empresas isoladamente consideradas, e em que o não pagamento de salários continua a ser prática, até à reduzida competitividade externa do País, que, a manter-se, poderá ser geradora de desemprego adicional.
Por outro lado, o peso, ainda excessivo, da população activa no sector primário, o nível da economia paralela e o peso do subemprego ou trabalho precário que envolve cerca de 500 000 trabalhadores poderão contribuir para que não haja, a curto prazo, uma melhoria do nível absoluto de emprego, sendo que, mesmo com a criação de empregos, se dará a transferência destes trabalhadores em situação precária e excedentários na agricultura para os sectores mais dinâmicos.
O Grupo Parlamentar do PRD considera que é pelo menos arriscado, ou até utópico, falar em crescimento do emprego para 1987 nas percentagens esperadas pelo Governo.
Desejamos obviamente que o emprego aumente em Portugal, mas cabe perguntar, com frontalidade, ao Governo se não consideraria preferível, a curto prazo, estabelecer como objectivo, não tanto o crescimento, porventura inexequível do emprego, mas antes a correcção dos factores de distorção apontados, para que Portugal possa, enfim, trilhar com segurança os caminhos do futuro.
Questão diferente é a diminuição prevista da taxa de desemprego (passando de 10,3 % para 9,7 % ou 9,8 %), que se deve fundamentalmente a um crescimento bastante reduzido da população activa em 1987, que se estima em cerca de 0,4 %, e não a um aumento do emprego.
Por tudo isto, o Grupo Parlamentar do PRD vê, repito, com grande preocupação a diminuição das verbas que garantem a protecção social aos trabalhadores desempregados, sobretudo porque proposta por um Governo que afirma constantemente a solidariedade social como um dos seus princípios fundamentais.
Esperamos que o Governo não tenha de vir à Assembleia da República no decurso de 1987 reconhecer, através da apresentação de alterações à Lei do Orçamento do Estado, que errou nas contas.
Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: Qualquer política de emprego terá forçosamente de incorporar uma efectiva política de formação profissional. Formação que não é um fim em si mesma, mas um meio que tem por fim o emprego e a mobilidade profissional.
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A formação profissional, enquanto elemento diferenciador da mão-de-obra disponível, como instrumento facilitador da mobilidade profissional e geográfica e ainda pela valorização dos recursos humanos existentes, é uma necessidade sentida cada vez com maior acuidade. Necessidade acentuada pelo progresso tecnológico que altera a organização do trabalho e as qualificações exigidas pelo mercado de emprego, ao mesmo tempo que essa qualificação é condição essencial para aproveitar as vantagens económicas das inovações tecnológicas.
A aposta na formação profissional, quer formação inicial, de treino e ou de desenvolvimento, deve constituir uma opção estratégica decisiva de qualquer governo.
No âmbito da formação profissional, mais do que analisar verbas e concluir se são ou não suficientes, importa saber quais os fins prosseguidos pela formação, qual a intencionalidade que lhe está subjacente, quais as garantias de que as verbas são bem aplicadas em função das necessidades reais, quais as formas de controle dos seus. resultados efectivos. Isto é: a política de formação profissional desenvolvida em Portugal é adequada às necessidades reais do País e prossegue de forma eficaz os seus objectivos?
Relativamente aos objectivos dessa política, sintetizamo-los nos seguintes. Criação de um sistema de formação profissional vocacionado para permitir aos jovens uma mais fácil inserção no mercado de trabalho. Criação de um sistema de formação profissional flexível quer permita o acompanhamento das reestruturações sectoriais, em função da inevitável reconversão dos recursos humanos; dar resposta eficaz à procura de mão-de-obra qualificada em função das novas tecnologias; dar resposta aos planos de desenvolvimento regional e local.
A análise da formação profissional em Portugal é dificultada pela escassez de dados precisos. Escassez compreensível, pois o alegado boom de formação está a registar-se, actualmente, em virtude da nossa adesão à CEE e o consequente apoio do Fundo Social Europeu.
Contudo, do conhecimento que temos podemos desde já fazer alguns comentários ao Governo nesta matéria.
Estranhamos em primeiro lugar, que o Governo reduza no Orçamento do Estado dotações para investimentos num sector como o da formação profissional, passando de 5,285 milhões de contos em 1986 para 3,968 milhões de contos em 1987. Esta redução de verbas para formação de base, dirigida particularmente aos jovens, não é justificada pelo Governo. Redução que é tanto mais preocupante quanto é certo que as verbas da CEE para formação visam fundamentalmente a formação de treino e de desenvolvimento.
Por outro lado, porque não estão fixados objectivos a nível nacional e sectorial que sirvam de enquadramento à formação profissional e porque não se encontram bem definidas as metodologias relativas à integração da formação no processo produtivo e à correspondência previsional da formação às respectivas necessidades, poderíamos dizer que em Portugal se está a formar às escuras.
Formar para o desemprego, se não é uma imagem real é, pelo menos, uma imagem figurada, no sentido em que a expansão de formação profissional registada em 1986 não é acompanhada de inserção no mercado de trabalho.
Outros aspectos em relação aos quais são detectadas deficiências no sistema de formação são os seguintes. Urgente necessidade de conseguir uma efectiva articulação de todo o sistema. O órgão encarregue de o coordenar tem que dispor de um conhecimento completo da capacidade formativa existente, bem como das necessidades de formação. Sem essa articulação nacional tudo o mais fica comprometido. O próprio posicionamento do Estado não é o mais adequado.
Assumindo-se fundamentalmente como financiador e fiscalizador, não se assume como entidade promotora, que vai às empresas, que faz o acompanhamento das acções, que presta, inclusive, quando solicitado, assistência técnica. A necessidade de uma regulamentação mínima que enquadre as actividades de formação, impedindo uma oferta e procura perfeitamente desenfreadas. A formação dos próprios formadores tem sido descurada, sendo um dos vectores fundamentais para uma eficaz formação profissional.
A necessidade de definir esquemas eficazes de apoio aos formados, por exemplo, em instituições particulares de solidariedade social e em centros de emprego e formação profissional, em actividades como o artesanato. Sendo que as pessoas aí formadas têm, regra geral, recursos escassos e em que o objectivo da formação é exactamente o desenvolvimento conjunto de actividades por conta própria, caso subsista a inexistência de apoios quer financeiros quer, por exemplo, perspectivando formas profissionalizadas de comercialização dos produtos, corre-se o risco de essa formação redundar em fracasso e frustação para todos.
Esta é uma prova de desarticulação entre uma política de emprego, uma política social e, inclusive, uma apolítica de desenvolvimento regional.
Por último, chamamos à atenção para a necessidade de constituir urgentemente os conselhos consultivos regionais, legalmente previstos, mas ainda inexistentes. Será esta uma das vias de articulação entre a política de formação profissional e as necessidades efectivas da comunidade.
Aplausos do PRD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ficam com a palavra reservada para a sessão de amanhã a Sr.ª Deputada Ilda Figueiredo, um membro do Governo, o Sr. Deputado Carlos Manafaia e o Sr. Deputado Carlos Lilaia.
Os tempos disponíveis são os seguintes: o Governo dispõe de 90 minutos, o PSD de 104 minutos, o PS de 63 minutos, o PRD de 65 minutos, o PCP de 68 minutos, o CDS de 76 minutos e o MDP/CDE de 27 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lopes Cardoso.
O Sr. Lopes Cardoso (PS): - Sr. Presidente, era para interpelar a Mesa no sentido de saber se seria possível conhecermos a identidade do membro do Governo que está inscrito para intervir amanhã. Sei que o Sr. Presidente, provavelmente, não me poderá esclarecer, mas talvez o Governo queira ter a gentileza de o fazer.
Esta curiosidade não tem nada de malévolo, mas é evidente que, conforme o membro do Governo que vier fazer a sua intervenção, haverá deputados da minha bancada particularmente interessados e preocupados com essa intervenção e haverá outros se, porventura, for outro o membro do Governo a intervir.
Ao longo deste debate, temos vivido com o mistério - cujo alcance nunca percebi bem - de nunca sabermos qual é o membro do Governo que vai intervir, sabendo, apenas, através da mesa que vai haver uma intervenção de um membro do Governo.
Se quiserem manter o mistério, cujas razões, de facto, me ultrapassam, passaremos a inscrever ...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares tinha pedido a palavra, certamente para esse efeito.
Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado.
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454 I SÉRIE - NÚMERO 13
O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (Correia de Jesus): - Sr. Deputado Lopes Cardoso, tenho muito gosto em esclarecê-lo sem quaisquer comentários, que também poderia fazer. O Sr. Ministro da Indústria e Comércio está inscrito para intervir amanhã em nome do Governo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nada mais havendo a tratar por hoje, estão interrompidos os trabalhos, que recomeçarão amanhã, às 10 horas.
Eram 21 horas e 10 minutos.
Entraram durante a sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PPD/PSD):
Alípio Pereira Dias.
Amélia Cavaleiro Andrade Azevedo.
António Manuel Lopes Tavares.
António Paulo Pereira Coelho.
Arménio dos Santos.
Aurora Margarida Borges de Carvalho.
Cândido Alberto Alencastre Pereira. _
Carlos Miguel Maximiano Almeida Coelho.
Cristóvão Guerreiro Norte,
Dinah Serrão Alhandra.
Fernando José Russo Roque Correia Afonso.
Fernando Manuel Cardoso Ferreira.
Francisco Mendes Costa.
João Álvaro Poças Santos.
João José Pimenta de Sousa.
Joaquim Carneiro de Barros Domingues.
Joaquim Eduardo Gomes.
José Ângelo Ferreira Correia.
José Assunção Marques.
José Guilherme Coelho dos Reis.
José Manuel Rodrigues Casqueiro.
José de Vargas Bulcão.
Luís Manuel Costa Geraldes.
Luís Manuel Neves Rodrigues.
Mário Jorge Belo Maciel.
Mário Júlio Montalvão Machado.
Vasco Francisco Aguiar Miguel.
Partido Socialista (PS):
Alberto Manuel Avelino.
Alberto Marques de Oliveira e Silva.
Armando António Martins Vara.
Carlos Manuel N. Costa Candal.
Francisco Manuel Marcelo Curto.
Helena Torres Marques.
José Apolinário Nunes Portada.
José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.
José Manuel Torres Couto.
Júlio Francisco Miranda Calha.
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia.
Partido Renovador Democrático (PRD):
António Alves Marques Júnior.
António Eduardo de Sousa Pereira.
Hermínio Paiva Fernandes Martinho.
José Carlos Pereira Lilaia.
Luís Augusto Pestana Moura.
Maria Cristina Albuquerque.
Maria da Glória Padrão Carvalho.
Tiago Gameiro Rodrigues Bastos.
Vasco da Gama Lopes Fernandes.
Partido Comunista Português (PCP):
Jorge Manuel Lampreia Patrício.
Maria Odete dos Santos.
Zita Maria de Seabra Roseiro.
Centro Democrático Social (CDS):
Henrique José Pereira de Moraes.
Henrique Manuel Soares Cruz.
João da Silva Mendes Morgado.
José Luís Nogueira de Brito.
Narana Sinai Coissoró.
Movimento Democrático Português (MDP/CDE):
José Manuel do Carmo Tengarrinha.
Deputados Independentes:
António José Borges de Carvalho.
Rui Manuel Oliveira Costa.
Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Partido Social Democrata (PPD/PSD):
Álvaro José Rodrigues Carvalho.
Amândio Anes de Azevedo.
António Jorge de Figueiredo Lopes.
João Luís Malato Correia.
Manuel da Costa Andrade.
Partido Socialista (PS):
António Manuel de Oliveira Guterres.
Jaime José Matos da Gama.
José Luís do Amaral Nunes.
Manuel Alegre de Melo Duarte.
Rui Fernando Pereira Mateus.
Partido Renovador Democrático (PRD):
Carlos Artur Trindade Sá Furtado.
Roberto de Sousa Rocha Amaral.
Partido Comunista Português (PCP):
António Dias Lourenço da Silva.
Carlos Campos Rodrigues Costa.
Domingos Abrantes Ferreira.
Joaquim Gomes dos Santos.
Octávio Rodrigues Pato.
Centro Democrático Social (CDS):
Eugénio Nunes Anacoreta Correia.
Horácio Alves Marçal.
José Augusto Gama.
Manuel Eugénio Cavaleiro Brandão.
Manuel Tomás Rodrigues Queiró.
Deputados Independentes:
Gonçalo Pereira Ribeiro Teles.
Os REDACTORES: Ana Maria Marques da Cruz Carlos Pinto da Cruz - José Diogo.
PREÇO.DESTE NÚMERO: 252$00
Depósito legal n. º 8818/85
IMPRENSA NACIONAL-CASA DA MOEDA, E. P.